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http://www.anpad.org.br/rac
RAC, Rio de Janeiro, v. 17, n. 4, art. 3,
pp. 438-458, Jul./Ago. 2013
Hedge e Especulação com Derivativos Cambiais: Evidências de
Operações Cotidianas
Hedge and Speculation with Currency Derivatives: Evidence of Everyday Operations
João Luiz Guillaumon Lopes
E-mail: [email protected]
Banco Santander Brasil S.A.
Av. Juscelino Kubitschek, 2235, 04543-011, São Paulo, SP, Brasil.
Rafael Felipe Schiozer
E-mail: [email protected]
Fundação Getulio Vargas – EAESP/FGV
Av. Nove de Julho, 2029, 01313-902, São Paulo, SP, Brasil.
Hsia Hua Sheng
E-mail: [email protected]
Fundação Getulio Vargas – EAESP/FGV
Av. Nove de Julho, 2029, 01313-902, São Paulo, SP, Brasil.
Artigo recebido em 01.08.2012. Última versão recebida em 15.04.2013. Aprovado em 20.04.2013.
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Resumo
Este trabalho investiga a dinâmica no uso de derivativos de moedas por parte de empresas não financeiras
brasileiras a partir de um banco de dados único, que contém 29 mil operações de balcão efetivamente contratadas
por essas empresas junto a um grande banco internacional, entre 2003 e 2011. Embora pesquisas no Brasil
(Novaes & Oliveira, 2005; Rossi, 2011) e nos EUA (Géczy, Milton, & Schrand, 2007) apontem para a existência
de uma conduta especulativa nas decisões dos gestores, o efetivo impacto desse tipo de comportamento nas
decisões da empresa ainda é pouco conhecido, bem como suas implicações para a gestão financeira de riscos e a
governança corporativa. Nossa metodologia compara os retornos de contratos que foram mantidos até o
vencimento, com os de contratos cuja liquidação foi antecipada pelas empresas. Os resultados mostram que, no
período de 2003 a 2008, houve um forte componente especulativo nas decisões cotidianas de tomada e desmonte
de posições com derivativos cambiais das empresas. Já no período de 2009 a 2011, não se identifica tal
comportamento especulativo, em linha com os resultados de Coutinho, Sheng e Lora (2012). Os resultados
reforçam a evidência de que as grandes perdas com derivativos cambiais em 2008 tenham funcionado como um
alerta para gestores, conselheiros, investidores e reguladores, que passaram a monitorar mais atentamente as
operações com derivativos.
Palavras-chave: gestão de riscos; hedge; especulação; derivativos; risco cambial.
Abstract
This study investigates the dynamics of currency derivatives usage by Brazilian non-financial firms, using a
unique database of over-the-counter operations contracted between these companies and a large international
bank between 2003 and 2008. Although prior studies using Brazilian (Novaes & Oliveira, 2005; Rossi, 2011)
and US (Géczy, Milton, & Schrand, 2007) firms point to the existence of speculative behavior in managers’
decisions, the effective impact of this behavior on the companies’ operations is still little known, as are its
implications for financial risk management and corporate governance. Our methodology compares the returns of
derivatives contracts that were settled at their originally contracted maturity, with the return of contracts whose
settlement was anticipated by the firm. We find evidence that routine decisions to commit to and unwind
derivatives positions were influenced by speculative behavior in the period 2003-2008. However, during the
period 2009-2011, we find no evidence of speculation, in line with the results of Coutinho, Sheng and Lora
(2012). Our results reinforce the evidence that massive losses caused by currency derivatives in late 2008
worked as a wake-up call for managers, boards, investors and regulators, who started monitoring derivatives
operations more closely.
Key words: risk management; hedge; speculation; derivatives; foreign exchange risk.
J. L. G. Lopes, R. F. Schiozer, H. H. Sheng 440
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Introdução
A teoria de Finanças mostra que a gestão de riscos com uso de derivativos pode gerar valor para
a empresa na presença de imperfeições de mercado, por meio da redução dos custos de estresse
financeiro, da redução da assimetria de informação, da estabilização dos fluxos de caixa para
investimento e da redução da carga tributária esperada (Froot, Scharfstein, & Stein, 1993; Smith &
Stulz, 1985; Stulz, 1984; entre outros). Diversos trabalhos se dedicam a investigar os determinantes do
uso de derivativos (Allayannis & Ofek, 2001; Bartram, Brown, & Fehle, 2009; Géczy, Minton, &
Schrand, 1997; Nance, Smith, & Smithson, 1993; nos EUA; Schiozer & Saito, 2009, na América
Latina – para citar alguns) e a evidência é inconclusiva acerca de quais dessas imperfeições de
mercado determinam o uso destes.
No entanto, casos de grandes perdas financeiras utilizando derivativos, como Enron e
Metallgesellschaft, são bem conhecidos na literatura. No Brasil, esse tema ganhou atenção no final de
2008, quando o real sofreu extrema depreciação, e empresas tradicionais, como Sadia, Aracruz e
Votorantim Celulose e Papel, anunciaram perdas recordes com as operações de derivativos com
suposto propósito de hedge. Embora tais casos tenham sido os mais emblemáticos, uma série de outras
empresas assumiram perdas relevantes com operações similares.
As estimativas sobre as perdas das empresas brasileiras com derivativos cambiais na época
variam entre USD 10 bilhões (conforme estimativa divulgada pelo então diretor de política monetária
do Banco Central) e USD 25 bilhões (segundo estimativas do Bank for International Settlements
[BIS]), conforme reportagem do Valor Econômico (Novos instrumentos, 2009). No final de 2008,
após a divulgação desses prejuízos, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) emitiu a Deliberação
550, que obriga as empresas de capital aberto a divulgar trimestralmente a política de hedge adotada, o
nível de exposição e de sensibilidade aos fatores de risco, e os ganhos ou perdas com derivativos.
Para entender melhor essa discussão, a recente literatura investiga diretamente a relação entre
uso de derivativos e valor da firma. Os resultados ainda não são convergentes. Allayannis e Weston
(2001) e Carter, Rogers e Simkins (2006) encontram evidências de que a utilização de derivativos
cambiais aumenta o valor da firma, enquanto Jin e Jorion (2006), utilizando uma amostra de empresas
do setor de petróleo dos EUA, encontram uma relação insignificante ou negativa.
No Brasil, essa divergência também foi encontrada. De um lado, Rossi e Laham (2008) apontam
que a utilização de derivativos cambiais aumenta o valor da firma. Por outro lado, Serafini e Sheng
(2011) encontraram que não há evidência de que o uso de derivativos de moedas esteja associado ao
valor de mercado da firma nas empresas listadas no Brasil durante o período de 1999 a 2007.
Coutinho, Sheng e Lora (2012) também demonstram que o uso de derivativos não reduzia o custo de
capital das empresas até 2008. Após a crise de 2008/09, no entanto, o uso de derivativos passou a ser
negativamente relacionado ao custo de capital. Esse fato pode evidenciar que os investidores não
percebiam redução de risco via derivativos até 2008 (podendo indicar que os investidores já
identificavam o uso especulativo de derivativos nas empresas). A partir de 2009, a redução do custo de
capital pelo uso de derivativos pode indicar que os investidores passaram a enxergar o uso de
derivativos como ferramenta efetiva de redução de riscos.
Nos trabalhos que se propõem a identificar se as operações com derivativos se prestam à gestão
de risco ou à especulação, Novaes e Oliveira (2005) utilizaram uma base de dados do Banco Central
de swaps cambiais e identificam 42 empresas de capital aberto que fizeram hedge no mercado de
derivativos de câmbio e 51 que especularam. Rossi (2012) evidencia especulação com derivativos
cambiais em empresas brasileiras com alegada vantagem informacional no mercado de câmbio
(exportadores e empresas com dívida em moeda estrangeira).
O objetivo deste trabalho é investigar a dinâmica no uso de derivativos de moedas por parte de
empresas não financeiras brasileiras. Mais especificamente, o estudo investiga se operações cotidianas
com derivativos cambiais nas empresas são feitas e/ou desmontadas para especulação. Dessa forma,
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este trabalho pretende complementar os trabalhos anteriores com a utilização de uma base de dados
única, com operações efetivamente contratadas pelas empresas não financeiras no mercado de balcão.
Para tanto, utilizamos dados históricos com mais de 29 mil operações de derivativos cambiais
contratadas por empresas de capital aberto e fechado, domésticas e estrangeiras, com a subsidiária
brasileira de um grande banco internacional, no período que compreende os anos de 2003 a 2011. Isso
tornou possível observar decisões efetivamente tomadas pelos gestores financeiros de maneira
cotidiana, diferentemente de estudos que utilizam questionários submetidos aos gestores ou
informações de notas explicativas de demonstrações financeiras, que estão limitadas às bases de dados
desses demonstrativos.
Os nossos resultados mostram que, no período de 2003 a 2008, as subsidiárias brasileiras de
multinacionais de capital (próprio ou da holding controladora), negociado em bolsa, são as que
apresentam mais indícios de especulação. Isso pode sugerir que a existência de riscos inerentes à
operação e a alegada expertise na gestão financeira (ou ainda uma alegada vantagem informacional,
conforme afirma Rossi, 2012) podem ser fatores relevantes para a predisposição de uma empresa em
assumir comportamento especulativo. No entanto, no período de 2009 a 2011, não se encontra
evidência de especulação com derivativos cambiais. Embora não seja nosso objetivo inferir sobre as
causas dessa mudança de comportamento, acreditamos que, após as grandes perdas divulgadas no final
de 2008, executivos, conselheiros, investidores e reguladores tenham tornado sua atenção para a
importância de monitorar mais cuidadosamente as operações com derivativos, reduzindo a
possibilidade das firmas assumirem posições especulativas.
Revisão Bibliográfica
Conforme a discussão na introdução, para complementar as teorias tradicionais de hedge que
justificam o uso de derivativos com base nas imperfeições de mercado, os últimos desenvolvimentos
acadêmicos analisam o uso de derivativos para especulação.
Há grande quantidade de surveys e fatos anedóticos que apontam para a especulação (ou visões
de mercado – market views, como a que muitos artigos se referem) quando da decisão sobre o valor e
o momento para as operações com derivativos. Bodnar, Hayt e Marston (1998) revelam que 32% das
empresas que responderam a um survey sobre utilização de derivativos declaram que frequentemente
ou às vezes assumem ativamente posições no mercado através de derivativos, e 60% alteram o valor
e/ou o momento da operação com base em visões de mercado. Resultados semelhantes foram
encontrados por Bailly, Browne, Hicks e Skerrat (2003) em survey realizado com empresas do Reino
Unido: 53% e 60% das empresas alteram momento e valor do hedge, respectivamente, com base em
visões de mercado, e 17% admitem tomar posições ativamente.
No Brasil, Saito e Schiozer (2007) realizaram pesquisa semelhante. Cerca de 50% dos
respondentes indicaram ser avaliados por lucro ou perda absolutos, o que poderia gerar um incentivo
para a especulação. No entanto, menos de 20% dos respondentes admitem assumir posições
ativamente no mercado, ainda que mais de 60% alterem valor ou prazo do hedge.
Outros se debruçaram especificamente sobre a aparente contradição hedge versus especulação.
Adam e Fernando (2006), analisando empresas de mineração de ouro nos EUA, propõem a existência
de um prêmio pelo risco que as empresas poderiam capturar sistematicamente através do uso de
derivativos, gerando fluxos de caixa esperados positivos. Allayannis e Ofek (2001) examinam se as
firmas fazem hedge ou se especulam, buscando correlações entre a exposição das ações à taxa de
câmbio e o uso de derivativos, entre outros fatores. Hentschel e Kothari (2001), de forma parecida,
buscam identificar se as empresas estão tomando ou mitigando riscos através do uso de derivativos,
analisando o retorno das ações dessas empresas. Nesse caso, não se encontrou qualquer impacto do
uso de derivativos na volatilidade dos retornos das ações para as empresas analisadas.
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Brown, Crabb e Haushalter (2006) não discutem se as empresas fazem hedge ou não. Ao
contrário, partem do pressuposto de que as empresas fazem hedge seletivo, conforme proposto por
Stulz (1996), e buscam verificar se tal prática leva a desempenho financeiro ou operacional superiores,
concluindo que tais benefícios, se existem, são irrelevantes.
Um novo ponto de vista é apresentado por Géczy, Minton e Schrand (2007). Partindo do
resultado do survey de Bodnar et al. (1998), identificam os especuladores como sendo os gestores que
responderam tomar ativamente posições em derivativos. Uma característica comum percebida é que os
gestores que admitem tomar posições com base em visões de mercado tendem a fazê-lo em mercados
relacionados à atividade operacional da empresa, o que permite supor que esses gestores acreditem ter
informação superior e, possivelmente, uma vantagem para o trading nesses mercados. As firmas que
especulam em moedas estrangeiras, por exemplo, têm maior percentual de suas receitas operacionais e
custos denominados em moedas estrangeiras; porém, isso não explica a especulação com instrumentos
de taxa de juros. A conclusão de Géczy et al. (2007) para essas características é fundamentalmente
diferente das explicações fornecidas pela literatura até então, ao estabelecer hedging e trading não
como atividades concorrentes, mas, sim, determinando uma relação estreita entre elas:
Taken together, these characteristics of speculators are consistent with the following scenario.
Firms are motivated to use derivative instruments to hedge. Once the fixed costs of a derivatives
operation are in place, however, some firms extend their derivatives program to include
speculation. The firms that start speculating have (or believe they have) a comparative
information advantage relative to the market such that they view speculation as a positive NPV
activity (Géczy, Minton, & Schrand, 2007, p. 2406).
Outras observações importantes são que as empresas que especulam têm baixa alavancagem,
não diferem de não especuladores com relação aos incentivos para tomar risco, e não se engajam mais
do que estes em outras atividades que trazem risco à empresa. Os especuladores também têm mais
instrumentos internos para controle e gerenciamento de risco. Tais conclusões corroboram a ideia de
que o principal motivador para a especulação seria a perspectiva da empresa de conseguir retornos
positivos, ao tomar posições em mercados com maior familiaridade; e/ou de que as empresas passam a
tomar posições porque têm uma vantagem de custos de transação, gerada pelo uso de derivativos para
hedge. Beber e Fabri (2012) encontram que os gestores ajustam as posições em derivativos de acordo
com os movimentos passados das taxas de câmbio, consistente com a ideia de visões de mercado, e
que essas características são mais exacerbadas em empresas com gestores mais jovens e mais
propensos a excesso de confiança.
Metodologia, Descrição da Amostra e Resultados
Metodologia
A evidenciação de operações com derivativos cambiais como sendo de hedge ou especulativas é
um tanto complexa. Embora os relatórios financeiros das empresas devam fazer a distinção entre
operações para proteção ou especulação, poucas empresas admitem usar derivativos para especulação.
Por exemplo, a maior parte dos derivativos que causaram perdas vultosas para empresas como Aracruz
e Sadia, em 2008, era classificada como hedge. Assim, diversos autores, como Beber e Fabri (2012) e
Rossi (2012) usam proxies indiretas para identificar especulação. Neste trabalho, usaremos uma
abordagem completamente nova, permitida pela base de dados única disponível para este estudo.
A base de dados utilizada contém os dados de todas as contratações e liquidações de operações
de termo de moedas (comumente chamados no mercado de Non-Deliverable Forward [NDF]) entre a
subsidiária de um grande banco estrangeiro no Brasil e seus clientes(1)
, ocorridas entre janeiro de 2003
e dezembro de 2011. Oliveira, Schiozer e Leão (2012) mostram que o volume de NDF entre bancos e
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o setor não financeiro era da ordem de 60 bilhões de dólares ao final de 2011, valor superior ao dobro
dos swaps cambiais (o 2º tipo de contrato mais utilizado) desse mercado.
Para cada operação com derivativos, as informações disponíveis incluíam: (a) dados da
operação contratada (taxa de câmbio pactuada, se era operação de compra ou venda de moeda
estrangeira, e prazo da operação); (b) informações sobre a liquidação da operação (se ocorreu no
vencimento inicialmente contratado, ou se a liquidação foi antecipada a pedido do cliente); e (c) um
código para a empresa contratante da operação, que permite identificá-la dentro da base de dados. Por
questões de sigilo bancário, não foi fornecido qualquer atributo que tornasse possível a identificação
do cliente. Ou seja, é possível apreender quais operações foram contratadas por uma mesma empresa,
mas não é possível perceber quem são as contratantes.
A base de operações liquidadas contém 29.485 observações, após a exclusão de operações com
pessoas físicas e instituições financeiras. Dessas operações, 4.815 (16,3%) foram liquidadas
antecipadamente. Essas são operações em que o cliente (nunca o banco) solicita a liquidação antes da
data de vencimento originalmente pactuada (comumente chamadas no mercado de reversões).
Doravante, essas operações serão chamadas simplesmente de LA (Liquidação Antecipada), em
oposição às operações que foram liquidadas na data prevista (LDP), inicialmente pactuada entre as
partes.
As operações de NDF têm liquidação financeira em reais pela diferença entre o valor
inicialmente contratado e o preço à vista da moeda estrangeira na data de vencimento. No caso de
liquidação antecipada, ela é feita por valor acordado entre as partes, com base no valor de mercado do
contrato na data. Definimos como o retorno de uma operação com NDF, o fluxo de caixa em reais
(positivo ou negativo) resultante para o cliente do banco, dividido pelo valor nocional do contrato
(convertido da moeda estrangeira para reais à Ptax do dia da operação).
(1)
em que
. ri é o retorno da operação i;
. FCi,T é o fluxo de caixa (positivo ou negativo) resultante para o cliente na operação i, na data de sua
liquidação T (antecipada ou não);
. Nocionali é o valor nocional da operação i, em moeda estrangeira;
. PtaxT é o valor da Ptax do Bacen para a moeda estrangeira, na data de sua liquidação T.
Nossa hipótese fundamental é que, se o propósito das operações de NDF é de hedge, então a
proporção de operações LDP e LA com retorno positivo não deve ser estatisticamente diferente. Para
entender melhor essa argumentação, necessitamos discutir os motivos que podem justificar a decisão
da empresa de liquidar o derivativo antes da data inicialmente pactuada. As possibilidades são:
1. Extinção da exposição: a obrigação ou o direito que ensejou o hedge deixou de existir ou ocorreu
em data anterior à inicialmente prevista (por exemplo, o cancelamento de um contrato de
exportação);
2. Mudanças no valor ou na duração das exposições financeiras: alterações podem gerar a necessidade
de adequar a operação de hedge ao longo do tempo (eventualmente liquidando a operação
contratada);
3. Antecipação de caixa: a empresa deseja antecipar o valor de mercado positivo de sua operação de
hedge (fazer caixa com o valor positivo do contrato). Para tanto, fecha a operação original e abre
uma nova, mantendo as condições (vencimento, valor) da operação original para manter a proteção
cambial;
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4. Especulação por conveniência ou ex-post: posições inicialmente contratadas para hedge
eventualmente atingem resultados positivos. O gestor se aproveita para realizar o lucro,
antecipando a liquidação do contrato, e deixando a exposição inicial desprotegida.
5. Especulação pura ou ex-ante: posições especulativas que atingem o resultado positivo esperado
podem ser encerradas para realização do lucro. Alternativamente, uma operação contratada com
fins puramente especulativos pode ser liquidada antecipadamente caso a perda atinja algum limite
pré-estabelecido (stop loss).
Os dois primeiros motivos, que se referem a mudanças imprevistas na exposição que motivou a
operação de hedge, não são correlacionados com a variação da taxa de câmbio subjacente,
independentemente da posição (comprada ou vendida) e da direção do movimento da moeda
estrangeira (apreciação ou depreciação). Dessa forma, partindo do pressuposto de que a operação foi
inicialmente contratada para hedge, e se esses forem os motivos para a antecipação de liquidação dos
contratos, a distribuição de retornos das operações LA seria similar (ou pelo menos com proporção de
valores positivos similar) à observada para os contratos LDP. Assim, se a proporção de operações LA
com retorno positivo for maior do que a proporção de operações LDP com retorno positivo, então pelo
menos uma fração das operações foi liquidada antecipadamente por motivos diversos à extinção ou à
modificação da exposição que ensejou o hedge.
O terceiro motivo, em que a empresa liquida antecipadamente a operação para fazer caixa, exige
uma análise cuidadosa. Primeiramente, é necessário entender que fazer caixa não seria um objetivo da
empresa no momento em que decide proteger-se de risco cambial usando instrumentos derivativos. No
entanto, a companhia poderia se aproveitar de uma evolução favorável dos preços de mercado para se
financiar ao receber o resultado positivo do hedge antecipadamente, enquanto o fluxo de caixa
operacional que motivou o hedge ocorrerá apenas em uma data futura. Nesse caso, a liquidação
antecipada é motivada pelo retorno positivo da operação (ou seja, há uma relação positiva entre a
antecipação e o retorno da operação). Mas, como condição para que a empresa faça isso sem correr
riscos (ou seja, sem deixar de hedgear a exposição que motivou a contratação do derivativo), seria
necessário abrir uma nova posição imediatamente, mantendo valor e prazo similares aos da operação
original, de forma a não se expor às variações dos preços de mercado. Essa prática é conhecida como
reset da operação. Assim, caso a proporção de operações LA com resultado positivo seja maior do que
a de operações LDP com resultado positivo, e não se identifique a prática de reset das operações, há
pelo menos uma parcela das antecipações explicadas pelos motivos 4 ou 5 (especulação).
Argumentamos que é bastante implausível a situação em que uma empresa encerre antecipadamente
uma operação de NDF junto a um determinado banco e abra imediatamente uma posição com outro
provedor de serviços financeiros (banco, trader ou bolsa), uma vez que o custo de transação de uma
operação de reset é muito mais baixo do que uma operação com contraparte distinta da original.
É interessante notar que a especulação ex-post (motivo 4) é bastante sutil. Uma operação
inicialmente contratada para reduzir a exposição cambial da empresa pode, ao assumir valor de
mercado positivo, ser enxergada como uma oportunidade para realização de lucro. Nos casos em que a
empresa decide realizar o lucro na operação do derivativo e não fazer o reset da operação, ela estaria
assumindo o risco da exposição inicial. Caso seja essa a motivação para antecipar a liquidação do
contrato, existe uma relação positiva entre liquidação antecipada e retorno da operação.
Finalmente, se uma operação tiver sido contratada com fins puramente especulativos (caso em
que a empresa aposta numa direção para a taxa de câmbio), a liquidação antecipada desse contrato
pode ocorrer caso o resultado objetivo tenha sido atingido, se a perda tiver atingido um valor
considerado limite (stop loss), ou ainda caso o gestor mude sua visão de mercado e identifique que o
retorno esperado de manter a posição aberta não compense seu risco. Assim, não é possível estabelecer
uma relação entre a antecipação da operação e seu retorno (positivo ou negativo). A Tabela 1 resume
os motivos para antecipação da liquidação do contrato e correlação entre a motivação e o retorno da
operação:
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Tabela 1
Motivos para Antecipar a Liquidação do NDF e sua Relação com o Retorno
Motivo Correlação com o retorno da operação
1. Extinção da exposição Nula
2. Mudança na exposição Nula
3. Antecipação de caixa, mantendo o hedge Positiva
4. Especulação ex-post Positiva
5. Especulação ex-ante Positiva, nula ou negativa
De acordo com o racional apresentado acima, a identificação de indícios de especulação não
pode ser feita operação por operação, mas sim estatisticamente, para o conjunto das operações LA.
Assim, nossa metodologia se baseia na comparação entre as distribuições de retorno das operações LA
e LDP. Conforme o raciocínio exposto, se a distribuição de retornos das operações LA apresentar uma
maior proporção de valores positivos do que as LDP, temos evidência de que os motivos 1 e 2 não
podem explicar a totalidade das antecipações. Se, além disso, houver outra evidência de que o número
de reversões é pouco representativo, então temos mais uma evidência de que uma das formas de
especulação (ex-ante ou ex-post) explica pelo menos uma parcela das antecipações. Dessa forma,
formula-se a seguinte hipótese nula: H0: A proporção de operações LA com resultado positivo não é
maior do que a proporção de operações LDP com resultado positivo.
A rejeição dessa hipótese nula implica que as antecipações são explicadas, pelo menos em parte,
por motivos especulativos. Vale destacar que, em caso de rejeição da hipótese nula, não é possível,
com essa metodologia, distinguir entre especulação ex-ante e ex-post.
As comparações entre as distribuições de retorno são feitas não só para a população completa de
operações, mas também para dois períodos amostrais distintos: o primeiro período, de 2003 a 2008, foi
marcado por uma contínua valorização do Real. Mais importante, ao final de 2008, houve o anúncio de
grandes perdas, com derivativos cambiais, por muitas empresas brasileiras. A partir de então, seguiu-
se uma série de mudanças regulatórias na percepção de risco de investidores, que passaram a
monitorar mais fortemente as operações com derivativos. No segundo período analisado, de 2009 a
2011, também houve predominantemente uma apreciação do Real mais uma variação na direção do
movimento da taxa de câmbio. Doravante, utilizaremos os termos pré-crise e pós-crise para nos
referirmos ao primeiro e ao segundo período de análise. Finalmente, a análise é feita ainda separando
entre as operações de compra e venda de moeda estrangeira (resultados não reportados e disponíveis
sob requisição).
Descrição da base de dados
A Figura 1 mostra a evolução mensal (pela data de liquidação) das operações de NDF que
compõem a base de dados, bem como o retorno mensal da taxa média de câmbio no período amostral
(operações liquidadas entre janeiro de 2003 e dezembro de 2011).
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Figura 1. Quantidade Mensal de Operações de Termo de Moedas Liquidadas. Há distinção entre liquidações antecipadas (barras escuras), liquidações na data prevista (barras claras) e retorno mensal
acumulado do USD (linha – cálculo feito a partir de valores médios mensais de Ptax do Bacen).
Fonte: Elaboração própria.
Para cada operação LA, calculou-se a razão entre o prazo efetivo da operação (número de dias
corridos desde a abertura da operação até o pedido de liquidação antecipada) e o prazo originalmente
acordado entre as partes. A Figura 2 mostra a distribuição dessa medida. Pode-se verificar que não há
nenhuma concentração acentuada para o momento em que ocorrem as reversões, embora a distribuição
apresente uma ligeira concentração próxima do início e do final do contrato.
Figura 2. Prazo Decorrido até a Liquidação Antecipada da Operação, em Relação ao Prazo Total
Contratado. Fonte: Elaboração própria.
Estatísticas descritivas
Na comparação entre as características relativas às LDP e às LA, mostrada na Tabela 2,
podemos encontrar algumas diferenças relevantes. Verificamos que as operações liquidadas
-60,00%
-50,00%
-40,00%
-30,00%
-20,00%
-10,00%
,00%
0
100
200
300
400
500
600
Núm. de oper. LDP (eixo esq.) Núm. de oper. LA (eixo esq.) Variação acum. USD (eixo dir.)
0
50
100
150
200
250
300
350
Ob
serv
açõ
es
Prazo de liquidação / prazo contratado (operações LA )
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antecipadamente referiam-se mais a operações de venda de moeda estrangeira: enquanto 23,2% das
operações de venda foram revertidas, apenas 8,8% das operações de compra tiveram liquidação
antecipada (diferença entre proporções estatisticamente significativa a menos de 1%). Isso pode estar
relacionado a uma diferença na atuação da empresa de acordo com o seu perfil (exportador ou
importador), mas é bastante razoável imaginar que o cenário de mercado (valorização ou
desvalorização do Real) também possa ter alguma influência nisso. Ao analisar em separado os
períodos pré e pós-crise, verifica-se que a proporção de operações de venda de moeda estrangeira que
são liquidadas antecipadamente é maior do que a proporção de operações de compra antecipadas em
ambos os períodos. No entanto, no período pré-crise, a diferença é muito mais drástica: as operações
de venda respondem por 80,3% do total de antecipações, contra 67,3% no segundo período.
Tabela 2
Quantidade e Percentual das Operações com Liquidação na Data Prevista (LDP) e Liquidações
Antecipadas (LA) – Compra ou Venda de Moeda Estrangeira
2003-2011 2003 - 2008 2009-2011
Venda Compra Venda Compra Venda Compra
LDP 12.111
(49,1%)
12.559
(50,9%)
6.800
(59,9%)
4.561
(40,1%)
5.311
(39,9%)
7.998
(60,1%)
LA 3.667
(75.2%)
1.207
(24,8%)
2.394
(80,3%)
589
(19,7%)
1.273
(67,3%)
618
(32,7%)
Na Tabela 3, verifica-se que as operações liquidadas antecipadamente também têm valores
nominais maiores do que as operações LDP em ambos os períodos, tanto nas operações de compra de
moeda estrangeira, quanto nas de venda (diferença de média e mediana estatisticamente significativa a
pelo menos de 10%).
Tabela 3
Estatísticas Descritivas do Valor Nominal das Operações Liquidadas no Período, Separadas por
Posição Assumida pela Empresa e por Tipo de Liquidação (LA ou LDP)
2003-2008 2009-2011
Venda Compra Venda Compra
LDP LA LDP LA LDP LA LDP LA
Nº Observações 6.800 2.394 4.561 589 5.311 1.273 7.998 618
Média (R$ mil) 3.003 7.128 4.069 18.445 4.074 5.145 3.465 6.332
Mediana (R$ mil) 910 1.614 869 1.598 901 938 432 939
Desvio-Padrão (R$ mil) 10.821 25.832 12.798 68.825 17.454 18.769 18.107 38.613
Estatística z 7,813***
5,069***
2,036**
1,846*
Estatística u 15,611***
5,851***
4,160***
7,034***
Nota. Testamos se a diferença entre o valor médio das operações LA e LDP é significante, assumindo distribuição normal
dos valores. Para verificar se o resultado não está sendo influenciado por poucos valores extremos, testamos também para a
diferença de medianas utilizando a estatística u do teste de Mann-Whitney (também conhecido como Teste de Soma de
Postos de Wilcoxon). Fonte: Elaboração própria.
Os símbolos ***, ** e * indicam significância a 1%, 5% e 10%, respectivamente.
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Retorno do contrato para a empresa
Os retornos para o cliente variam de +118% a -110% do valor nocional da operação.
Comparando-se médias, medianas e médias ponderadas entre os retornos dos dois subgrupos (teste
unicaudal para retorno das operações LA maior que das LDP), rejeitam-se as hipóteses de que são
iguais no período 2003-2008, sempre a níveis de significância inferiores a 1%. No entanto, para o
período 2003-2009, verifica-se o contrário: o retorno das operações LDP é maior (em média, mediana
e média ponderada) do que o das LA.
Tabela 4
Retorno das Operações Liquidadas, Separados entre os Tipos de Liquidação (LA e LDP) e
Período
2003-2008 2009-2011
LDP LA LDP LA
Média 0,33% 2,77% 1,29% -0,04%
Média ponderada 0,21% 1,40% 1,28% -2,00%
Mediana 0,39% 1,86% 1,20% 0,85%
Estatística t 15,41***
-6,34
Estatística u 17,029***
-3,477
Nota. Testamos se a média e a mediana de retorno das operações LA são maiores que para as operações LDP (teste
unicaudal), assumindo distribuição normal dos valores. Fonte: Elaboração própria.
O símbolo *** indica significância a 1%.
Em seguida, testamos nossa hipótese principal. Se houver diferença estatisticamente
significativa na proporção de operações com retorno positivo para o cliente entre as operações LA e
LDP, então pelo menos uma parcela das antecipações se dá por motivos especulativos. Pode-se
argumentar que resultados de baixo valor financeiro sejam considerados pela empresa como
irrelevantes. É impossível determinar objetivamente o que é um retorno irrelevante. Uma vez que a
escolha do retorno para comparação das operações LDPs e LAs é bastante arbitrário, testamos se a
proporção de operações com retorno acima de determinado valor percentual é diferente entre as
operações LDPs e LAs. Como valor percentual de referência de retorno, usamos os seguintes cortes: 0,
1%, 2%, 3%, 4% e 5%.
Os resultados da Tabela 5 mostram que, no período pré-crise, as proporções de operações LA
com retornos superiores a 0, 1%, 2% e 3% são maiores do que as proporções de operações LDP com
esses mesmos níveis de retorno (diferença estatisticamente significativa a 1%). Para retornos de 4% ou
mais, as proporções não são estatisticamente distintas. Esses resultados indicam que as hipóteses de
que a liquidação antecipada das operações é motivada unicamente por modificação ou extinção da
exposição inicial é refutada, como argumentado acima.
Já no período pós-crise, observa-se que a proporção de operações LA e LDP é estatisticamente
diferente apenas para retornos acima de zero, sendo indistintas as proporções de retornos de 1% ou
mais.
Tomados em conjunto, os resultados obtidos para os períodos pré-crise e pós-crise indicam que
houve uma mudança no padrão de uso de derivativos após a crise de 2008. Primeiro, a proporção de
operações liquidadas antecipadamente foi drasticamente reduzida no período pós-crise em comparação
com o período anterior. Segundo, verifica-se que, ao passo em que no período pré-crise as decisões de
antecipações são positivamente correlacionadas ao retorno – indicando que parcela significativa das
antecipações não pode ser explicada por mudança ou extinção da exposição –, no período pós-crise, as
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antecipações não são correlacionadas ao retorno da operação, não sendo possível refutar que as
antecipações se deveram a mudanças na exposição operacional.
Tabela 5
Comparação entre Proporção de Retornos Positivos: LDP x LA
2003-2008 2009-2011
Corte de
retorno
No. LDP No. LA Estatística -
Teste de
Proporções
No. LDP No. LA Estatística -
Teste de
Proporções
(% do total
de LDP)
(% do total
de LA)
p-valor (% do total
de LDP)
(% do total
de LA)
p-valor
>0% 5.974 2.381 22,79***
7.805 1.144 2,44***
52,58% 79,82% <0,01% 58,64% 62,45% 0,73%
>1% 5.161 1.857 12,44***
6.853 922 -0,66
45,43% 62,25% <0,01% 51,49% 50,33% 74,7%
>2% 4.429 1.446 6,37***
5.858 761 -1,30
38,98% 48,47% <0,01% 44,02% 41,54% 90,2%
>3% 3.861 1.142 2,68***
4.985 633 -1,42
33,98% 38,28% 0,37% 37,46% 34,55% 92,3%
>4% 3.374 922 0,71 4.241 467 -2,82
29,70% 30,91% 23,85% 31,87% 25,49% 99,8%
>5% 2.924 755 -0,24 3.604 398 -2,30
25,74% 25,31% 59,47% 27,08% 21,72% 98,9%
Todas as
Observações
11.361 2.983 - 13.309 1.832 -
Nota. Essa tabela mostra as proporções de operações LA e LDP com retorno acima de cada um dos cortes exibidos.
Testamos se a proporção de operações LA com resultado acima do corte indicado é maior que a proporção de operações LDP
para o mesmo corte de retorno (teste unicaudal). Fonte: Elaboração própria.
O símbolo *** indica significância estatística a 1%.
Finalmente, fizemos o mesmo procedimento, separando-se por operações de compra e venda de
moeda estrangeira (resultados não reportados). As inferências sobre especulação no período pré-crise
foram mantidas tanto para as operações de compra quanto de venda, o que indica que nossos
resultados não se devem ao longo período de apreciação do Real no período pré-crise.
A seguir, identificamos se as operações com liquidação antecipada foram seguidas de reset da
operação. No período pré-crise, do universo de eventos de liquidação antecipada, encontramos a
situação em que a companhia realizou, no mesmo dia, uma nova operação com o banco em 332
(11,1%) dos casos, dos quais 201 (60,5%) das antecipações geraram resultado positivo. No período
pós-crise, 14% das operações antecipadas foram seguidas de outra operação no mesmo dia. Podemos
considerar esses percentuais pouco representativos em relação ao total de antecipações.
Repetindo a mesma análise, mas desta vez considerando o prazo de até 5 dias úteis após a
liquidação antecipada, encontramos que apenas 25% (pré-crise) e 24% (pós-crise) das empresas
voltaram a contratar operações com o banco nesse período.
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Finalmente, ao repetir os testes de proporção com a exclusão das operações LA que foram
seguidas de qualquer tipo de reset, as inferências derivadas dos resultados da tabela 4 não se alteram
em relação aos testes feitos com a amostra completa (resultados não reportados).
Evidências adicionais
Adicionalmente aos testes reportados anteriormente, verificamos o caminho que o ativo
subjacente ao derivativo (a cotação da moeda estrangeira) seguiu durante a vigência do contrato até a
data da antecipação, para verificarmos se a liquidação antecipada ocorreu quando o valor de mercado
do contrato de NDF estava no momento de maior valor até então. Caso isso se verifique, essa pode ser
uma forte indicação de que os gestores podem estar se aproveitando de valores positivos nos contratos
para realizarem os resultados positivos, deixando a empresa exposta ao risco que ensejou a operação
ao liquidar antecipadamente o contrato.
A cotação, a termo de uma moeda em relação à outra, segue uma função de não arbitragem
entre as taxas de juros de ambas as moedas. Assim, a taxa de câmbio de uma moeda estrangeira para
uma data futura, assumindo a ausência de custos de transação, é dada por:
)(
)(
,)1(
)1(tT
externa
tT
localtTt
y
ySpotFWD
em que:
. FWDt,T é a taxa forward (a termo) de câmbio contratada na data t com vencimento numa data
futura T;
. localy é a taxa de juros pré-fixada da moeda local na data t para a maturidade T;
. externay é a taxa de juros pré-fixada da moeda estrangeira na data t para a maturidade T.
Por valor a mercado do derivativo, entendemos o resultado (a valor presente) da liquidação
desse contrato em determinado momento.
Uma vez que esse procedimento necessita de extensa base de dados histórica, conduz-se esse
teste apenas para as operações em dólar americano, que representam a imensa maioria das operações
(do total de 4815 operações LA, perdemos apenas 142 observações com esse procedimento). Para tal,
utilizamos dados das curvas de juros (taxas de juros para diferentes maturidades) em reais e dólares
utilizados pelo banco e a taxa de câmbio diária média divulgada pelo Banco Central (Ptax) para
construir, para cada dia, a partir do início de cada uma das operações, toda a curva de taxas a termo de
dólar(2)
.
O resultado para o período pré-crise parece em linha com a hipótese de especulação: das 2.900
antecipações observadas nesse período, nada menos do que 48% delas ocorreram no dia em que o
valor do contrato, marcado a mercado, atingiu seu ponto máximo na vigência da operação até então.
Ao investigar se a liquidação foi feita não exatamente no dia de ponto máximo, porém nos dias
imediatamente subsequentes (caso em que o gestor acompanha a evolução do mercado e decide pela
antecipação apenas após verificar que o ponto de máximo foi atingido, ou seja, que o valor a mercado
não prosseguiu em trajetória ascendente), encontramos então que, em 62,4% das antecipações, o valor
máximo do contrato havia sido atingido até 3 dias úteis antes da reversão da operação. Ainda como
contraponto, verificamos que apenas 7,7% do total de operações foram antecipadas no dia de mínimo
valor de mercado no período pré-crise. Já no período pós-crise, apenas 22% das operações foram
liquidadas antecipadamente na data de maior valor de mercado, e 33% delas nos três dias após atingir
o valor de mercado máximo.
Hedge e Especulação com Derivativos Cambiais 451
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Especulação por perfil de empresa
Para as operações liquidadas entre 2003 e 2008, tivemos acesso ainda às seguintes
características das empresas contratantes: (a) a nacionalidade da empresa (doméstica ou estrangeira);
(b) o tipo de capital da empresa (aberto ou fechado); (c) se a empresa é exportadora/importadora ou
não (dados da Secretaria de Comércio Exterior do Governo Federal - Secex).
As empresas analisadas foram divididas em 4 grupos, conforme a nacionalidade do controle e a
negociação em bolsas de valores ou não. Finalmente, identificou-se que 50% das empresas tinham
realizado importação no período e 74% realizaram exportação, sendo que 82% tinham registro de pelo
menos uma dessas atividades. Embora o comércio exterior não seja o único fator a gerar exposição
cambial (empréstimos, ativos, receitas ou custos denominados em moeda estrangeira, por exemplo,
também podem gerar exposição cambial), esses resultados são indicativos de que as companhias que
contratam operações de NDF têm alguma espécie de exposição cambial.
Nesta seção, repetimos os testes de proporções, comparando o percentual de LDP e LA com
retornos positivos para cada um dos 4 perfis de empresa. Os testes são feitos apenas para o período
2003-2008 por conta da restrição nos dados. Nos resultados reportados na Tabela 6, podemos verificar
que a proporção de operações LA com retorno superior a 1% é maior que a proporção de LDP com o
mesmo retorno (estatisticamente significante a 1%), independente do perfil da empresa. As operações
das empresas multinacionais de capital aberto são aquelas que apresentam maior diferença na
comparação dos resultados das LDPs e LAs.
Nas empresas domésticas de capital aberto, a diferença de proporção entre operações lucrativas
LA e LDP é menor, e ocorre com significância estatística apenas para operações de retorno até 1%.
Isso indica menor propensão ao comportamento especulativo, o que é coerente com a maior
divulgação de informações e melhores práticas de governança que as companhias listadas em bolsa
precisam adotar.
As empresas com controle estrangeiro são aquelas que apresentam maiores indícios de
comportamento especulativo. Mais ainda, as empresas nas quais encontramos maior relação entre a
liquidação antecipada e o resultado positivo da operação são as multinacionais com ações negociadas
em bolsa. Isso é, até certo ponto, surpreendente, à medida que as empresas multinacionais tendem a
ser maiores e apresentar melhores instrumentos de governança corporativa. Embora não seja possível
inferir exatamente as motivações dessas empresas ao utilizar derivativos, esse resultado é consistente
com o argumento de Rossi (2012): numa subsidiária de empresa estrangeira, por ter exposição mais
intensiva a outras moedas, os gestores acreditam ter maior vantagem informacional e expertise quanto
ao mercado de câmbio. O incentivo à tomada de posições especulativas não depende da real existência
dessa vantagem, mas sim da crença do gerente em sua capacidade de gerar valor através de tais
operações.
Somando-se a isso, podemos imaginar que a maior distância entre a gerência local e o
controlador da empresa desfavoreça a identificação de qualquer comportamento especulativo. Isso
pode ser intensificado na medida em que a companhia tem, naturalmente, seu balanço exposto à
variação cambial (exposição não apenas operacional, mas também contábil). Se a empresa não tem
uma política de hedge bem definida, ou instrumentos de governança que garantam que tal política seja
implementada e reportada conforme planejada, essa exposição natural pode ser utilizada para justificar
tanto a inexistência de hedge (se o administrador não o faz, a multinacional estará exposta por causa
de sua própria característica intrínseca – ter negócios em vários países), quanto a utilização de
derivativos para mitigação do risco cambial. Essa facilidade em justificar suas ações poderia incentivar
o administrador que tem propensão ao risco a tomar posições especulativas (seja ao contratar uma
operação com propósito especulativo, seja ao deliberadamente liquidar antecipadamente uma operação
de hedge e manter a exposição operacional).
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Tabela 6
Resultados dos Testes Aplicados para Diferentes Cortes de Lucro, por Grupos de Empresas
(2003 a 2008)
Corte de
Retorno
Controle Doméstico Controle Doméstico
Capital Fechado Capital Aberto Capital Fechado Capital Aberto
LDP LA LDP LA LDP LA LDP LA
>0%
Num. Oper. 2.916 1.601 557 451 519 92 1.982 237
Proporção 51,6% 81,6% 55,6% 77,8% 54,2% 82,1% 52,8% 72,0%
Estatística 19,62***
7,28***
5,00***
5,61***
>1%
Num. Oper. 2.525 1.217 465 340 438 73 1.733 227
Proporção 44,7% 62,0% 46,4% 58,6% 45,7% 65,2% 46,2% 69,0%
Estatística 9,93***
3,42***
3,08***
6,47***
>2%
Num. Oper. 2.195 943 378 238 362 59 1.494 206
Proporção 38,9% 48,1% 37,7% 41,0% 37,8% 52,7% 39,8% 62,6%
Estatística 4,80***
0,82 2,17**
6,22***
>3%
Num. Oper. 1.927 739 332 158 288 50 1.314 195
Proporção 34,1% 37,7% 33,1% 27,2% 30,1% 44,6% 35,0% 59,3%
Estatística 1,72**
-1,32 2,05**
6,55***
>4%
Num. Oper. 1.698 607 294 105 225 35 1.157 175
Proporção 30,1% 30,9% 29,3% 18,1% 23,5% 31,2% 30,8% 53,2%
Estatística 0,40 -2,28 1,00 5,88***
>5%
Num. Oper. 1.469 481 252 80 170 27 1.033 167
Proporção 26,0% 24,5% 25,1% 13,8% 17,7% 24,1% 27,5% 50,8%
Estatística -0,65 -2,17 0,79 6,11***
Total
Operações 7.611 1.582 1.070 4.081
LDP 5.649 1.002 958 3.752
LA 1.962 580 112 329
Nota. Estabelecemos diferentes percentuais mínimos de retorno para o cliente (resultado / valor da operação), e para cada um
desses cortes, verificamos a proporção de operações LDP e LA que resultaram em lucro maior ou igual ao estabelecido. Em
seguida, realizamos o teste de proporções de duas amostras para verificar se a proporção de LA com lucro maior que o corte,
em relação ao total de operações LA, é significativamente maior do que a proporção de operações LDP com lucro acima do
corte. Fonte: Elaboração própria.
Antecipações e perdas em potencial
Voltamos a ressaltar que, caso os derivativos liquidados antecipadamente tenham sido
inicialmente contratados para hedge (ou seja, existe uma contrapartida dessa exposição em moeda que
motivou a contratação do derivativo, de tal forma que o ganho no derivativo compensa uma perda
operacional da empresa e vice-versa, caracterizando uma especulação ex-post), a perda da empresa não
se daria nas operações com derivativos, mas, sim, na exposição operacional que deixou de ser
protegida. Num exemplo simples, assumamos que a empresa tome um financiamento em moeda
estrangeira, e faça o hedge dessa dívida por meio da compra de moeda a termo. Se, no período do
financiamento, a moeda estrangeira se aprecia 10%, o resultado seria uma perda financeira por
variação cambial no passivo da empresa, e um lucro equivalente no derivativo. Se, no entanto, o
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derivativo foi liquidado antecipadamente quando a apreciação da moeda era apenas 5%, os 5%
restantes significaram uma perda por variação cambial no endividamento da empresa, não compensada
por nenhum resultado financeiro positivo.
Embora não seja foco principal desse trabalho identificar se essas operações geram ou não
valor, é possível verificar qual teria sido o resultado para a empresa se a reversão não ocorresse, e as
operações fossem levadas até o vencimento original (novamente, pela necessidade de dados para essa
análise, verificaremos apenas para as operações em dólares americanos). Reconhecemos que as
estimativas que fazemos a esse respeito são bastante imprecisas, pois assumem que em nenhuma das
liquidações antecipadas a motivação foi a modificação ou a extinção da exposição inicial. Ainda
assim, acreditamos ser ilustrativo mostrar as perdas em potencial da antecipação da liquidação no
resultado operacional da empresa.
Nas antecipações feitas no período pré-crise, em 65,4% dos casos, a empresa teria obtido um
resultado melhor se não houvesse liquidado antecipadamente o contrato; a reversão levou a companhia
a abrir mão, em média, de resultados equivalentes a aproximadamente 6% do valor nocional da
operação. Essa seria a perda da empresa com o efeito da variação cambial sobre suas exposições
operacionais, assumindo que elas ainda existissem após a extinção do hedge. Já no período pós-crise,
as antecipações levaram a firma a abrir mão de 1,4% do valor da operação em média, sendo que em
60,1% das antecipações o resultado teria sido melhor caso a operação tivesse sido mantida até o
vencimento.
A Figura 3 traz os resultados hipotéticos das operações LA caso fossem mantidas até o
vencimento. Também é imediato verificar que a liquidação antecipada diminui a variabilidade dos
retornos, uma vez que a distribuição dos retornos hipotéticos apresenta maior dispersão do que a dos
retornos efetivos das operações.
Figura 3. Distribuição de Resultados das Operações LA e Distribuição Hipotética Caso as Mesmas
Operações Fossem Liquidadas na Data de Vencimento Original. As barras mostradas como LDP hipotético representam o retorno das operações das quais a empresa abriu mão ao liquidar
antecipadamente a operação. Fonte: Elaboração própria.
0
100
200
300
400
500
600
700
800
Ab
aix
o d
e -2
0%
De
-19
% a
-1
8%
De
-17
% a
-1
6%
De
-15
% a
-1
4%
De
-13
% a
-1
2%
De
-11
% a
-1
0%
De
-9%
a -
8%
De
-7%
a -
6%
De
-5%
a -
4%
De
-3%
a -
2%
De
-1%
a 0
%
De
1%
a 2
%
De
3%
a 4
%
De
5%
a 6
%
De
7%
a 8
%
De
9%
a 1
0%
De
11%
a 1
2%
De
13%
a 1
4%
De
15%
a 1
6%
De
17%
a 1
8%
De
19%
a 2
0%
21%
ou
mai
s
Retorno efetivo oper. LA Retorno hipotético caso levasse ao vencimento
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Conclusão
A literatura financeira ainda não possui um arcabouço teórico-empírico que seja capaz de
explicar completamente o comportamento das empresas em relação às práticas de uso de derivativos.
As mais recentes pesquisas apontam para a relevância das chamadas visões de mercado no processo
de tomada de decisão. Os motivos e as implicações do uso de visões de mercado ao tomar posições em
derivativos permanecem sendo discutidos sem que uma teoria satisfatória tenha emergido.
Casos anedóticos não faltam, quase sempre revelados de modo inesperado e problemático, às
custas de perdas de milhões ou bilhões de dólares, como observado no Brasil na segunda metade de
2008, e em diversos países em outros momentos. Ainda que as ações tomadas pelas companhias, o
cenário de mercado e os instrumentos utilizados difiram entre as situações, podemos encontrar dois
pontos em comum entre os casos de perdas: em todos eles, está presente, em algum grau, uma aposta
das companhias de que determinada situação de mercado iria perdurar; e, quando da mudança de
cenário, as empresas não estavam preparadas para se adequarem tão rapidamente a essa nova situação
de forma a limitar as perdas.
Neste trabalho, abordamos a questão de maneira diferente dos estudos anteriores sobre o
assunto. Observando as operações das companhias com um dos mais simples e mais utilizados
instrumentos derivativos - contratos a termo de moedas, NDF, contratadas junto a um dos bancos
líderes no mercado brasileiro de derivativos cambiais, obtivemos indicativos sobre como o
comportamento especulativo não esteve limitado, no período de 2003 a 2008, a poucas grandes
apostas, mas, sim, ligado de forma intrínseca à decisão cotidiana do administrador. São encontradas
fortes evidências de que as empresas realizaram lucros nessas operações encerrando antecipadamente
seus contratos, ao passo que existe uma proporção substancialmente mais baixa de operações
encerradas antecipadamente com prejuízo no período de 2003 a 2008. Já no período de 2009 a 2011,
não se identifica tal comportamento especulativo nas operações do dia a dia que analisamos.
Acreditamos que os eventos de grandes prejuízos de empresas brasileiras no final de 2008 possam ter
servido de alerta para que investidores, reguladores, conselheiros e até os próprios gestores financeiros
e as instituições financeiras que negociam derivativos com empresas não financeiras tenham
aumentado o monitoramento e a diligência na realização dessas operações, evitando a assunção de
posições especulativas.
A seguir damos atenção especial aos resultados obtidos para o período 2003-2008, em que se
evidenciou comportamento especulativo, pois esses são mais ilustrativos sobre o modus-operandi da
tomada de posições em derivativos e sobre o potencial de perdas para as empresas.
As evidências para o período de 2003 a 2008 podem ser descritas da seguinte maneira: a
companhia realizava o lucro de posições com retorno positivo, porém carregava até o vencimento
operações com prejuízo. A falta de explicações alternativas para essa diferença, aliada ao fato de que,
na maior parte das vezes, a reversão ocorre no momento de máximo valor presente na história do
contrato, indica que o valor de mercado (ou seja, o retorno da operação) é relevante para a decisão de
liquidar antecipadamente o contrato derivativo; isso indica que o tomador de decisão não tinha como
única preocupação a otimização dos riscos financeiros, mas também o resultado de suas posições.
De fato, os resultados encontrados para o período 2003-2008 são consistentes com Géczy et al.
(2007), cuja linha de raciocínio estabelece uma diferenciação tênue entre as operações de hedge e as
especulativas, não sendo possível distinguir claramente as operações destinadas a reduzir o risco
financeiro da empresa daquelas que objetivam um retorno positivo per se. Seguindo essa linha, a partir
do momento em que as empresas são motivadas a utilizar derivativos para seu gerenciamento de risco,
a mudança para uma atitude de tomar posições buscando resultados financeiros positivos parece ser
bastante comum. Os resultados evidenciados no presente trabalho podem ser explicados se
imaginarmos uma situação em que as decisões de gerenciamento de risco e especulação confundem-se
nas empresas. Aparentemente, ao decidir pelo hedge, a empresa pode estar, na verdade, utilizando uma
exposição existente para justificar a tomada de uma posição especulativa.
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Porém, segundo sugerem os resultados encontrados para o período 2003-2008, tal posição pode
nem sempre estar sendo tomada ativamente através dos instrumentos derivativos. Nas situações
analisadas neste trabalho, os indícios sugerem que a empresa pode ter tomado uma posição ativamente
ao escolher o momento de desfazer o hedge e continuar com a exposição operacional pré-existente. Se
for assumido que: (a) a posição inicialmente contratada é motivada por uma real exposição da
empresa; e (b) a liquidação antecipada de um contrato não é motivada pela extinção dessa exposição
inicial, então a posição efetivamente especulativa não foi montada a partir do momento em que a
empresa contratou o derivativo, mas, sim, a partir do momento em que a empresa optou por reverter o
derivativo, reassumindo sua exposição original.
Embora a primeira pressuposição seja de difícil verificação empírica, uma vez que não temos
total acesso à identificação das empresas (e, portanto, a suas características em cross-section), o fato
de que 82% das companhias têm histórico de importação ou exportação no período pode indicar que
quase sempre existe uma exposição cambial subjacente ao hedge. Ainda assim, os 3 resultados
descritos abaixo sugerem fortemente que a segunda pressuposição é bastante plausível: (a) A
proporção de antecipações com lucro é substancialmente (e estatisticamente significante) maior do que
a proporção de operações liquidadas no vencimento que resultam em lucro; (b) Apenas uma parcela
pequena das operações revertidas são seguidas de outra operação (reset da operação), o que indica que
apenas uma pequena parcela das antecipações pode ser motivada por mudança no tamanho ou no tipo
de exposição, ou, ainda, pela simples antecipação de um fluxo de caixa positivo; (c) Uma parcela
bastante significativa das liquidações antecipadas ocorre quando o contrato atinge seu valor máximo
até então, o que não parece ter nenhuma relação com a possibilidade de extinção da exposição inicial
que motivou a abertura do contrato.
Assim, os resultados para o período 2003-2008 indicam que a tomada de posições especulativas
pode estar ligada às decisões cotidianas do gestor financeiro que, ao identificar oportunidade de
realização de lucro na operação com derivativos, extingue a operação que inicialmente foi montada
para hedge, deixando a empresa exposta a riscos. Tal resultado é relevante quando pensamos nas
implicações que isso representa em termos de governança corporativa, ou seja, para a identificação,
seja pelos acionistas, pelo conselho, ou pela alta administração da empresa, da real exposição ao risco
assumida pela companhia.
Quando consideramos o perfil das empresas que apresentam tais indícios de especulação,
encontramos um fato interessante: são as multinacionais de capital (próprio ou do controlador)
negociado em bolsa que se destacaram com relação à intensidade dos indícios de especulação no
período 2003-2008. Isso pode sugerir que a existência de riscos inerentes à operação e o tamanho da
empresa (ou, alternativamente, uma alegada expertise na gestão financeira, que pode impactar na
confiança dos administradores) podem ser fatores relevantes para a predisposição de uma empresa ao
comportamento especulativo. Esses resultados são consistentes com Rossi (2012), que mostra que
empresas com alegada vantagem informacional no mercado de câmbio são mais propensas a especular
com derivativos.
Um cenário que agregue todos esses pontos parte do pressuposto de que as empresas que
operam em mercados de diferentes moedas têm maior incentivo em fazer o hedge seletivo,
provavelmente pelo fato de seu balanço estar naturalmente exposto às flutuações da moeda local. A
exposição a riscos selecionados não é tomada via derivativos, mas, sim, o gestor se aproveita da
exposição natural da empresa para fazer trading, decidindo quando manter a exposição hedgeada ou
não. Possíveis perdas no hedge são compensadas pela posição operacional da empresa, enquanto
ganhos são realizados. É, ao contrário do que recomenda Stulz (1996), uma aposta de que a cauda da
distribuição em relação à sua exposição natural não vai acontecer, uma vez que a empresa perderia
mais, justamente na ocorrência de eventos extremos.
Igualmente importantes são os resultados descritos para o período pós-crise (2009-2011). Nesse
período, não encontramos evidência de comportamento especulativo, em linha com os resultados de
Coutinho et al. (2012). Fundamentalmente, não se encontrou relação entre o valor do derivativo (ou
seu retorno) e a antecipação de sua liquidação, e apenas uma pequena parcela das antecipações foram
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feitas no momento de máximo valor de mercado, o que não permite descartar a hipótese fundamental
de que as antecipações podem ter sido motivadas por extinção ou modificação da exposição
operacional nesse período.
Finalmente, cabe destacar que há ainda outras possibilidades de comportamento especulativo
que não podem ser detectados com nossa metodologia. Por exemplo, é possível que uma operação seja
contratada como especulação ex-ante (ou seja, uma aposta na direção do movimento da moeda
estrangeira) e mantida até o vencimento, ou ainda que a exposição relativa a uma operação
inicialmente contratada para hedge seja extinta, mas a empresa decida manter o derivativo até o
vencimento por acreditar que este possa dar um retorno positivo(3)
. Assim, é oportuno deixar claro que
nossa metodologia permite refutar a hipótese de ausência de especulação no período 2003-2008, e não
permite refutar a mesma hipótese para o período seguinte. Por isso, não somos capazes de afirmar
categoricamente que não houve comportamento especulativo no período pós-crise.
As principais limitações desse estudo, descritas a seguir, estão ligadas às restrições impostas
pelo banco de dados utilizado:
1. As operações analisadas foram todas contratadas junto a um único banco. Não é implausível supor
que haja algum tipo de viés de seleção associado a esse fato. É possível que as empresas que
contratem operações de derivativos cambiais junto a um banco específico tenham algumas
características que as distingam das empresas que contratam operações similares com outros
bancos. Em especial, por se tratar do maior banco de capital estrangeiro com atividades no país,
com forte atuação em toda a América do Sul, é possível que estejamos lidando com uma amostra
de empresas que tenham atividades mais fortemente relacionadas a esses países, ou ainda com sede
nesses países, que se caracterizam por um nível de governança menor. Ainda assim, é pouco
plausível que empresas mantenham posições contrárias (comprada e vendida) contratadas junto a
bancos distintos, ou que liquidem uma operação junto a um banco e contratem operação similar
junto a outro banco ou no mercado organizado, dado que o custo associado a fechar e a abrir uma
nova posição em outro banco é bastante maior do que o de manter a posição original, ou ainda do
que o de fazer o reset da operação para levantar caixa. De fato, Novaes e Oliveira (2005) mostram
que o volume de derivativos contratados por empresas não financeiras no mercado de balcão é
bastante superior ao volume contratado em mercados organizados;
2. Por questões de sigilo bancário, não foi possível ter acesso à identificação das empresas. Assim,
não foi possível estabelecer qualquer relação das operações contratadas com as atividades
operacionais das empresas e suas reais exposições cambiais, o que ajudaria a elucidar melhor as
questões levantadas; nossos resultados, no entanto, independem da identificação específica de
eventuais exposições que tenham motivado a contratação do derivativo.
Assim, é natural que as mitigações das limitações citadas anteriormente sejam mencionadas
como possíveis tópicos para investigações futuras.
Notas
1 Outros trabalhos que usam dados de operações com um único intermediário financeiro, embora com outros propósitos de
investigação, são Barber, B. M., & Odean, T. (2001). Boys will be boys: gender, overconfidence and common stock
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2 Para uma pequena parcela das operações, não havia dados sobre as curvas completas (i.e., todas as maturidades em dólar e
em reais). Nesses casos, foi utilizada uma interpolação linear a partir das curvas de NDF e das curvas de taxa pré em reais. Se
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utilizarmos esse mesmo procedimento (menos preciso para obtenção do valor de mercado) para todas as operações, os
resultados são qualitativamente similares.
3 Agradecemos a um dos pareceristas por apontar mais essa possibilidade de especulação.
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