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Problemata: R. Intern. Fil. Vol. 04. No. 02. (2013), p. 278-309 ISSN 1516-9219. DOI: http://dx.doi.org/10.7443/problemata.v4i2.15454 Heidegger e a questão do sujeito: indícios para um filosofar sem imagens Alexandre Rubenich * Resumo: O artigo procura elucidar a crítica do sujeito sustentada por Heidegger em diferentes momentos de sua produção intelectual. Nesses termos, é sua pretensão aprofundar o debate em torno daquilo que nos acomete em nosso social atual, reconhecendo os impasses que uma filosofia afeita ao domínio irrestrito da representação foi capaz de produzir. Em suma, o artigo vislumbra, a partir da leitura radical que Heidegger realizara em torno dessa questão, uma saída possível para o mal-estar hodierna ao apontar para a possibilidade de um filosofar sem imagens. O distanciamento da lógica binária que esse pensamento se propõe a partir do uso operativo do constructo ser-no-mundo, viabilizaria, pois, a conquista de um horizonte hermenêutico solícito ao detalhe de nossa condição humana, marcado que é pelo traço da diferença ontológica. Palavras-chave: Heidegger, Fenomenologia, Hermenêutica, Verdade, Crítica do Sujeito. Abstract: This article seeks to elucidate Heidegger’s critique of the subject along different moments of his intellectual production. It tries to go deeper into the debate around what charges us in our current social world, recognizing impasses that a philosophy linked to an unrestricted representation control, has been able to produce. Thus, the article glimpses, through the radical interpretation that Heidegger performed on this issue, a possible solution for the current malaise, once it points * Doutorando Capes/Prosup. PPG-Filosofia Unisinos. Parte dos resultados deste trabalho foram comunicados no XIV Colóquio de Filosofia da Unisinos, em 08 de novembro de 2011. A pesquisa inicial referente à comunicação foi aqui ampliada, a fim de ser apresentada, em sua forma textual, como requisito parcial para a disciplina Hermenêutica e Fenomenologia, ministrada pelo prof. Dr. Luiz Rohden. Também devemos mencionar que o artigo se insere em uma pesquisa mais ampla, referente à minha tese doutoral. E-mail: [email protected] recebido: 03/2013 aprovado: 05/2013 Heidegger and the question of the subject: some indications toward a philosophy without images

Heideggere a questão do sujeito: indícios para um filosofarsem … · 2014-10-01 · 282 AlexandreRubenich ProblemataRev.Int.deFilosofia.Vol.04.No.02.(2013).p.278309 ISSN15169219

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Problemata: R. Intern. Fil. Vol. 04. No. 02. (2013), p. 278­309ISSN 1516­9219. DOI: http://dx.doi.org/10.7443/problemata.v4i2.15454

Heidegger e a questão do sujeito: indícios para um filosofarsemimagens

Alexandre Rubenich *

Resumo: O artigo procura elucidar a crítica do sujeitosustentada por Heidegger em diferentes momentos de suaprodução intelectual. Nesses termos, é sua pretensãoaprofundar o debate em torno daquilo que nos acomete emnosso social atual, reconhecendo os impasses que umafilosofia afeita ao domínio irrestrito da representação foicapaz de produzir. Em suma, o artigo vislumbra, a partir daleitura radical que Heidegger realizara em torno dessaquestão, uma saída possível para o mal­estar hodierna aoapontar para a possibilidade de um filosofar sem imagens. Odistanciamento da lógica binária que esse pensamento sepropõe a partir do uso operativo do constructo ser­no­mundo,viabilizaria, pois, a conquista de um horizonte hermenêuticosolícito ao detalhe de nossa condição humana, marcado que épelo traço da diferença ontológica.Palavras­chave: Heidegger, Fenomenologia, Hermenêutica,Verdade, Crítica do Sujeito.

Abstract: This article seeks to elucidate Heidegger’scritique of the subject along different moments of hisintellectual production. It tries to go deeper into thedebate around what charges us in our current socialworld, recognizing impasses that a philosophy linked toan unrestricted representation control, has been able toproduce. Thus, the article glimpses, through the radicalinterpretation that Heidegger performed on this issue, apossible solution for the current malaise, once it points

* Doutorando Capes/Prosup. PPG­Filosofia Unisinos. Parte dos resultados deste trabalho foramcomunicados no XIV Colóquio de Filosofia da Unisinos, em 08 de novembro de 2011. A pesquisainicial referente à comunicação foi aqui ampliada, a fim de ser apresentada, em sua forma textual,como requisito parcial para a disciplina Hermenêutica e Fenomenologia, ministrada pelo prof. Dr.Luiz Rohden. Também devemos mencionar que o artigo se insere em uma pesquisa mais ampla,

referente à minha tese doutoral. E­mail: [email protected]

recebido: 03/2013aprovado: 05/2013

Heidegger and the question of the subject: some indications toward a philosophywithout images

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to a possibility of a philosophy without images. Thedetachment from the binary logics that this thoughtproposes, from the use of Heidegger’s ‘being­in­the­world’, would make it possible, therefore, theachievement of a hermeneutic horizon concerned withour human condition, which is bound by ontologicaldifference.Key­words: Heidegger, Phenomenology, Hermeneutics, Truth,Subject Critique

I- Considerações preliminares sobre o método hermenêutico-fenomenológico de Heidegger

Primeiramente uma justificativa. Escolhemos dar inícioao nosso texto por intermédio de uma referência metodológica,porque pensamos que o método de trabalho desenvolvido porHeidegger, a partir de uma noção que abaixo explicitaremos, foie ainda é conditio sine qua non para a possibilidade de umpensar não mais representacional. Nesse preciso sentido,propomos que Heidegger apenas pôde elaborar uma críticaradical do sujeito, porquanto teve por base um métodoespecífico, que lhe permitiu ler os textos da tradição não com ointuito de encontrar um fundamento [Grund] seguro para arazão, e sim no singular sentido de vislumbrar, inauguralmente,o sem­fundo [Abgrund] em que todo pensar tem o seu início.

1.1- A indicação formal

Com efeito, na preleção de inverno de 1920/1921,oferecida pelo jovem Heidegger na Universidade de Freiburgsob o título Einführung in die Phänomenologie der Religion(GA60), encontramos uma importante pista deixada pelofilósofo alemão sobre o seu método de trabalho, imprescindívelpara que possamos entender o tipo de interpretação conduzida

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por ele nos diferentes trânsitos do seu pensamento, assim comoo teor dos seus conceitos, que sobremaneira pretendem encerraras questões, mas apenas apontar possíveis caminhos [Weg] paraaquele pensar interessado no mais digno de ser pensado. Nessestermos, Heidegger explicita, logo no início da preleção, aimportância de diferenciarmos os conceitos filosóficos dosconceitos científicos, porquanto os primeiros implicam certaoscilação, flutuação e amplitude, que faz com que o seu sentidopermaneça, no mais das vezes, incerto. O dizer de Heideggeraqui modula o tom que desde cedo repercutiu em seu modo defilosofar:

“(...) pode­se repreender a filosofia de girar constantemente emtorno de questões preliminares somente se o critério parajulgá­la for retirado da ideia das ciências, das quais se exige asolução de problemas concretos e a construção de uma visãode mundo. Eu quero, em todo caso, que essa necessidade dafilosofia de girar em torno de questões preliminares cresça e semantenha, a ponto de tornar­se uma virtude”.1

Para dar suporte a esse giro da filosofia por questõespreliminares, Heidegger aponta para a importância do ‘métodofenomenológico’. É com vistas ao acesso à ‘facticidade’ queesse método vem em auxílio, liberando o fenômeno da vida datrama teórico­científica em que se encontra enredada no maisdas vezes. Esta operação permitiria àqueles que filosofampermanecerem vigilantes, em estado de alerta, sem caíremfacilmente na generalidade do objeto, aquela mesmageneralidade em que os conceitos metafísicos são tecidos.

Rompendo com a classificação categorial que se dá nointerior da ontologia tradicional; rompendo com a ordem dosgêneros e com o caráter referencial da formalização, Heideggerpretende recuperar o âmbito esquecido e privilegiado davivência, o solo produtivo do histórico, presente na constituiçãode todo e qualquer fenômeno. É nesse contexto, com efeito, que

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ele se depara com o que vem nomeado na metodologia como‘indício formal’ [formale Anzeige], em termos do emprego deum sentido que guia a explicação fenomenológica. Tendo emvista que a cena filosófica, conforme sustenta Heidegger, édominada pelo objetual, em termos de sempre estar em busca deum ente que seja fundante, o indício formal age como ‘defesa’[Abwehr] contra a queda na referência, ou seja, no âmbito emque os significados correspondem adequadamente às coisas. Areferência e a realização são mantidas em suspensão, à esperade concretização.2 Também encontramos características quedescrevem esse método em um trabalho posterior a Sein undZeit3, quando Heidegger atenta para o fato de que a filosofia, aoser expressa, é facilmente enredada na teia da má interpretação,de maneira que o entendimento vulgar recebe o que lhe vem aoencontro como algo simplesmente dado. Porém, sustentaHeidegger, o questionamento dos conceitos fundamentais nãodeve transformá­los em entes simplesmente dados, com ointuito de se evitar a perda do que justamente e de maneirasingular está em questão:

(...) o conteúdo significativo destes conceitos não pretende enão diz diretamente isso sobre que ele se refere. Ao contrário,ele dá apenas um indício, um aceno para o fato de que o quecompreende é requisitado, por este contexto conceitualmesmo, a realizar uma transformação de si mesmo no ser­aí.4

Com efeito, Heidegger dirá que todos os conceitosfilosóficos devem ser compreendidos no sentido do ‘indícioformal’, porquanto suas significações não se ligam a algoobjetivo. Além disso, ao reconhecermos esse traço comum,presente em tais conceitos, evita­se aquela má interpretação emque eles seriam tomados como conceitos científicos, válidosuniversalmente e com pretensões de certeza.

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1.2- A situação hermenêutica

A tendência que temos em entificar o ser por intermédiodas diferentes interpretações que a filosofia nos oferece ao partirda pergunta pelo ‘o quê’ conduz o filósofo alemão a atentar paraa ‘situação hermenêutica’. É assim que no relatório Natorp5,Heidegger considera que o conteúdo da interpretação somentese mostra quando acessamos a situação em que ela se inscreve ea partir da qual opera. Nesses termos, dirá Heidegger, enquantoapropriação compreensiva do passado, a situação dainterpretação sempre dirá respeito à situação presente na qualvivemos, de sorte que o trabalho sustentado pela‘fenomenologia hermenêutica’ nos convoca a iniciarmos pelaleitura da atualidade.6

Com base nesse princípio, se quisermos, ao menos demaneira mínima, compreender o tom da crítica levantada porHeidegger sobre a questão do sujeito, devemos primeiro, e antesde tudo, discuti­la no interior daquilo do que hoje nos acontece,porque, seja como for, estamos implicados aí. Pensamos que umcaminho favorável para esse objetivo esteja no referencialteórico psicanalítico, à medida que a psicanálise, a partir de suaclínica, é bastante sensível em sua escuta, de sorte que nosoferece um panorama adequado dos impasses que enfrentamosem nosso cotidiano.

1.2.1- Traços da contemporaneidade

Lebrun, em trabalho intitulado Um mundo sem limite,sustenta a hipótese de que com o advento na modernidade do‘discurso da ciência’ o equilíbrio em jogo na família tem as suasbases corrompidas. Para o psicanalista essa realidade acaboupor dificultar o exercício do que se chamou, a partir de Lacan,

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de função paterna.7 Com a introdução de um discurso que vemsubverter o ‘discurso da religião’, perde­se, então, apossibilidade de nos guiarmos por um único referente. Comoprimeiro efeito produzido a partir do abalo das referências,encontramos a deslegitimação da autoridade, encarnada nafigura de exceção, de maneira que esta não se deve mais àqueleque sustenta a enunciação, mas tão somente ao conteúdo doenunciado. Segundo Lebrun, modifica­se, dessa maneira, arelação mestre­sujeito, e o que se tem desde esse momento emdiante é uma relação que possui o seu suporte na fragilidade deum saber acéfalo: “(...) o desenvolvimento da ciência modernaabala o lugar da autoridade religiosa e produz um novo laçosocial, cujo motor, doravante, o que comanda, não é mais aenunciação do mestre, seu dizer, mas um saber de enunciados,um conjunto acéfalo de ditos”.8

É inequívoco que Lebrun não tem em vista aqui fazer umacrítica em torno da ciência como procedimento para seconhecer, mas apenas sobre o ‘discurso da ciência’, na medidaem que tal discurso constitui o laço social no qual vivemos naatualidade que é a nossa. Nesse sentido, a estrutura em questãono advento do ‘discurso da ciência’ nos dá notícia de umaespecífica violação da Lei da linguagem. Ora, segundo opsicanalista, é justamente essa Lei, instalada pela funçãopaterna, e que diz respeito à exigência de uma estrutura ternária,capaz de colocar em operação a nossa dimensão simbólica, quese encontra ameaçada pela introdução desse discurso.

No ‘discurso da ciência’, indica­nos Lebrun, assistimos àconstituição de uma linguagem instrumental, utilitária, cujaúnica intenção é comunicar as descobertas científicas. Dessaforma, com a invasão da técnica na dimensão da linguagemacabamos por perder toda aquela espontaneidade em que nósnos descobrimos sendo em um mundo já sempre aberto,simplesmente porque falamos. Lebrun localiza, assim, umimplícito, que é o de poder reunir saber e verdade.9 Não é por

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acaso, então, que a ideia do Cogito introduzida por Descartesvem autorizar­se por si mesma, e não mais, como até aquelemomento histórico, na coisa existente. Como consequênciadireta desse procedimento epistemológico, o real é revestidopelo simbólico, de sorte que na origem o que aparecerá a nós é adimensão simbólica. A realização do projeto matemático danatureza é, portanto, o corolário da tentativa do Simbólico dedar conta do Real. Mas isto, porém, somente viabiliza­se devidoao apagamento dos vestígios do sujeito, que deve, a cada vez,enunciar. Como esse discurso perpassa a compreensão quetemos de nós mesmos e do mundo, podemos sentir os seusefeitos nos sintomas sociais que hoje nos interpelam.

Dany­Robert Dufour em seu livro A arte de reduzir ascabeças, apresenta­nos alguns desses sintomas a partir dahipótese de que estamos vivendo uma mutação histórica denossa condição humana, a saber: domínio do mercado,dificuldades de subjetivação e de socialização, toxicomanias,multiplicação das passagens ao ato, anorexia, bulimia,depressão, pânico, delinquência, novas violências e novasformas sacrificiais.10 Além destes, o autor acrescenta ainda: ofim das ideologias, o desenvolvimento do individualismo, oconsumo irrestrito de objetos, a imediatez dos acontecimentos ea instantaneidade das informações, a ampliação da duração davida, o apagamento da diferença sexual, o domínio datecnologia, etc.11 Conforme sustenta também Dufour em seulivro Os mistérios da trindade, tais fenômenos se devem àascensão do que o autor chama de ‘homem binário’, fruto dopensamento nascido junto aos gregos. Portanto, a lógicaresponsável, segundo o filósofo, por forjar as categoriais darazão, que orientam o pensamento do Ocidente até os dias dehoje, entre elas, o dualismo, a dialética, a causalidade e,atualmente, o cálculo binário, é a lógica dual.12

As consequências, sem par, do domínio deste pensamentoverificamos em nosso cotidiano. Para Dufour, a única

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resistência que os pensamentos ‘trinitários’ e ‘unários’ podemoferecer está ligado ao fato de que o homem continua a morrer:“O homem será totalmente binário no dia em que não maisenvelhecer e não morrer sua “bela” morte. Se o homem nãotiver mais uma “bela” morte, não terá mais pensamentosunários e trinitários e, portanto, talvez não haja mais arte, nemrelatos, nem amor (...)”.13

É a partir dessa situação que propomos, agora, descer aodetalhe da questão do sujeito em Heidegger, visto que o filósofoalemão, ao fazer a sua crítica, soube bem reconhecer asimplicações que a era da técnica, cujo fomento se perpetua pelodomínio irrestrito do cálculo, produziu em nossa compreensãometafísica do ser. Propomos, para tanto, a hipótese de que estaquestão serve de indício formal a Heidegger, com vistas àpossibilidade de pensar a filosofia livre do âmbito do especulare, portanto, do campo das representações, que é onde repousa oimaginário dos conceitos que pretendem dominar o impossíveldo real. Para esta possibilidade da filosofia encontramos notrabalho de Richard Rorty, intitulado Philosophy and the Mirrorof Nature, uma importante diretriz. Assim, o que ele nomeia de‘filosofia edificante’ diz respeito a um modo de filosofar quenão se deixa encerrar em um único discurso, não procura oconsenso e tampouco pretende alcançar verdades absolutas porintermédio de pretensas objetivações, mas possui sua motivaçãono fazer prosseguir a conversação, de sorte a resguardar apossibilidade do que implica existir como ser humano.14

II- A época da imagem do mundo

Em Wahrheit und Methode Gadamer nos fala daexperiência que quer superar o pensamento baseado nasubjetividade. Esta experiência diz respeito, segundo o filósofo,

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ao que Heidegger denomina ‘ser’ [Sein].15 A sua questão, comoquer Paul Ricoeur, não nasce, porém, para a totalidade dosentes, mas para o ente exemplar que compreende ser. Nessestermos, segundo o filósofo francês, há um vínculo que seestabelece entre a questão do ser e o ser­aí na própriainterrogação daquele que questiona.16 Esse vínculo é discutidonas passagens iniciais do tratado SZ17, quando Heidegger estáapresentando a estrutura formal da questão do ser a partir do seusentido. Neste lugar o filósofo alemão reconhece que o‘interrogado’ na questão do ser é o próprio ente, uma vez queser diz sempre o ser de um ente. Por isso, o sentido do ser deveser lido a partir do ente exemplar que possui o caráter de ser o aído ser, ou seja, de ser o lugar em que o ser se abre como mundoe a partir do qual o homem encontra as possibilidades de suaexistência.18 Ora, o questionamento é um modo de ser que dizrespeito ao ente que nós mesmos somos, de sorte que oquestionado (ser) vem repercutir sobre o próprio questionar.Essa repercussão da questão do ser nos atinge e nos perpassa,porque a compreensão de ser está em jogo em nossa existência.Encontra­se, então, no ser­aí, conforme sustenta Heidegger, umaremissão privilegiada à questão do ser. Contudo, sendo que paraacessarmos o questionado (ser) devemos primeiro passar pelaexplicação do ente que compreende previamente o ser (ser­aí),deparamo­nos com o caráter circular presente na estrutura dacompreensão e da qual não podemos nos apartar. Uma dasconsequências dessa exigência requer a precaução de não ler noser­aí o sentido do sujeito, pois, neste caso, teríamos de partirsempre de um “eu” destituído de mundo, o qual deverá seperguntar, a cada vez, como poderá alcançá­lo.18 Por isso, asuperação do subjetivismo depende da colocação do problemado sujeito de maneira radical.20

A radicalidade da questão do sujeito é conduzida demaneira exemplar por Heidegger no texto de sua conferênciaDie Zeit des Weltbildes (GA5), de 1938. Partiremos,

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preliminarmente, da discussão desse texto, para, em seguida,percorrermos os diferentes lugares onde essa questão apareceem sua obra.

Logo no início de sua conferência, Heidegger reconhecena interpretação do ente e na concepção de verdade sustentadapela metafísica, o fundamento de uma época. Em nosso casotrata­se da era moderna, cujo fenômeno prevalente é oacontecimento da ciência como visão de mundo; contudo,outros fenômenos compõem a nossa época: a técnicamecanizada, a arte como estética, o obrar humano concebidocomo cultura e a perda dos deuses.21 No texto de suaconferência ele se detém, entretanto, a examinar o primeirofenômeno, porque mais decisivo, na medida em que nos conduzdiretamente para dentro da questão do sujeito.

A ciência moderna, de acordo com Heidegger, nãoequivale de maneira alguma à doutrina e ciência da Idade Médiae tampouco à epísteme grega, uma vez que elas não tinham emseu horizonte a preocupação da exatidão, e, por isso, não seconduziam pela matemática. É a ciência moderna, entretanto,que possui o rigor do cálculo e que vai encontrar a sua essênciana investigação científica. Esta, por sua vez, depende dométodo. É o método que permite representar o que é constantee, portanto, converter o ente em algo objetivo, passível de serconhecido em suas leis e medido em toda a sua extensão. ParaHeidegger, a objetivação do ente que se conquista mediante ainvestigação científica tem lugar somente na ‘re­presentação’[Vor­stellung], cujo fim é posicionar o ente diante dos olhos, demaneira que o homem que calcula possa estar seguro darealidade em jogo em sua investigação. Nesses termos,vislumbra­se a transformação da verdade na certeza darepresentação requerida pela ciência que investiga.22 Porém, adeterminação do ente como objetividade da representação e averdade como certeza acontece pela primeira vez, segundo ofilósofo alemão, no interior da metafísica de Descartes. É no

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seguida,o aparece

reconheceustentadaosso casonte é ocontudo,técnica

oncebidode suaprimeiroos conduz

ger, nãode Médiainham emo, não sentretanto,a essênciapende doconstanteel de sersão. Paraediante asentação’olhos, deeguro datermos,rteza daPorém, atação e aegundo otes. É no

contexto de sua filosofia que o homem tem a sua essênciamodificada ao se converter em sujeito. E o que significa mesmoser sujeito? É para responder a essa questão que Heideggeravança em suas considerações críticas.

Subiectum é a tradução latina do grego hypokeimenon.Esta palavra diz o que subjaz, o que é a base, o fundamento.Para os gregos, o fundamento era o ente, o que estava por baixopor si mesmo aí adiante. Sujeitos são as pedras, as plantas e osanimais, assim como os homens.23 Portanto, o hypokeimenon éo ente como presença [Anwesenheit] constante. Já na IdadeMédia, porém, o subiectum determina­se como a coisa que estápresente, cujo conceito contrário é o obiectum, o que érepresentado pelo homem, lançado contra, imaginado,subjetivo.24 Como pode ser isso então, pergunta o filósofoalemão, que o homem, agora, se torne o fundamento do ente?Conforme Heidegger, essa condição diz respeito à aspiração dohomem por conquistar um fundamentum absolutuminconcussum veritatis. Essa aspiração ocorre, porém, quando afilosofia passa da pergunta fundamental da metafísica “o que é oente?” para a questão do método.25 É justamente essatransformação que inaugura, pois, a época da imagem domundo. Para Descartes, por seu turno, um fundamento dessetipo se coloca como possibilidade na proposição do Cogito –ego cogito (ergo) sum. Pensar, nesses termos, é o representar, eo representar, por sua vez, é o situar algo defronte, é posicionarobjetos. O ente já não está presente, mas representado. Orepresentar é uma cogitatio, e, como tal, determina toda relaçãocom algo.26 Entretanto, Heidegger atenta para o fato de que ohomem somente se tornou fundamento para o ente, porquehouve aí uma modificação da concepção de mundo, que a partirde agora se tornou ‘imagem’ [Bild]. Na concepção de ‘mundocomo imagem’ o ente somente chega a ser porque foi posto pelosujeito que representa. O homem, então, converte­se emrepresentante do ente no sentido do objetivo.27

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Heidegger encontra ainda na certeza do Cogito, postulada porDescartes, o fundamento da nova liberdade requerida para ohomem que se desvencilhou da autoridade da Igreja e de suadoutrina da verdade. O conhecimento que a proposição doCogito fornece é o conhecimento em que se funda, por fim, toda“verdade”. Esta é reduzida agora à dimensão da certezaproposicional, na medida em que faz todo ente ser remetidopara o fundamento da representação, a saber, o eu no sentido dosubiectum.28

Baseado em suas considerações precedentes, o filósofoalemão esclarece a necessidade de se fazer uma reconstruçãodedutiva da doutrina do ser de Descartes, para que possamosacompanhar sua reflexão acerca do ser do mundo, que seconstrói tendo por fundamento uma concepção prévia do ser.29

A par disso, ele pergunta: “De que modo se determina aqui o serdo mundo?”, para, em seguida, responder: “Partindo doconhecimento de um tipo de objetos bem concretos, osmatemáticos. O ser do mundo não é senão a objetividade daapreensão da natureza que se obtém por intermédio da mediçãoe do cálculo”.30 Porém, ressalta Heidegger, toda essacaracterização teórica do mundo no sentido da natureza não fazmais nada do que desmundanizar o mundo.31

Em preleção oferecida no semestre de verão de 1934 eintitulada Logic als die Frage nach dem Wesen der Sprache(GA38), Heidegger nos convoca, após determinar o que elecompreende com a sua noção do ser­aí, pensar a determinaçãomoderna do ser humano como sujeito, que ocorre com ainversão conduzida por Descartes entre o que até então era lugarprivilegiado do ente. Ele propõe que a inversão dos conceitos sedeve à autonomia do homem, em virtude de sua razão e cálculo.Na filosofia isto acontece com o passo efetuado por Descartes,que ao colocar tudo em dúvida acabou por se desligar do saberda tradição, de sorte que restava ao homem colocar o solo e o

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fundamento do ente. Com esta postura o filósofo modernoprocura uma última certeza, um verdadeiro e incontestávelsubstrato: “Certo é, para Descartes, aquilo que é compreendidoclara e distintamente (clare et distincte perceptum est), nosentido da definição matemática de um conceito matemático”.32

Portanto, o eu penso estabelecido por Descartes, porqueconstantemente presente, faz­se indubitável. O ‘eu’[Ich] comofundamento absoluto se faz sujeito em um sentido insigne:“Subjetivo é tudo o que pertence à esfera do ente determinadopelo eu, do ente contido na consciência, do anímico, do quepode ser vivenciado”.33 Em todo caso, nesse passo para asubjetividade do homem se esquece que não se pergunta peloser do eu. Esse esquecimento, contudo, não nos desabona deestarmos implicados na ‘situação hermenêutica’ que determina aapreensão que possuímos de nós mesmos, até porque é por seuintermédio que nasce a ideia do homem como pessoa,substância racional indivisível, ainda que na conta de um longopercurso histórico.34

Na preleção Die Grundfrage der Philosophie (GA 36/37),pronunciada no semestre de verão de 1933, o filósofo alemãoassume a mesma posição, quando considera que foi através deDescartes que o eu se tornou sujeito e este em distinção aoobjeto. O sum na proposição do Cogito não é, nesses termos,uma consequência e conclusão, mas a base e o fundamento, ofundamentum absolutum et inconcussum.35 De início, contudo,apenas o ‘eu’ se torna certo, ao passo que o que se contrapõe aosujeito é incerto e inseguro, porque se encontra fora de mim.Tudo depende, então, da ideia diretriz do método, que pratica adúvida, visando o indubitável. Todavia, esse caráter metódico,presente no modo em que a investigação filosófica é conduzidapor Descartes, está colocado ainda em um ponto diverso, asaber, no predomínio da ideia matemática do método, quesubordina o filosofar a um pensamento­guia.36 Busca­se, nessestermos, algo evidente e indubitável. Como o ato de duvidar é

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um ato de pensamento, o que se procura deve possuir o caráterda cogitatio. Uma vez que o pensamento que sabe de si comopensamento diz “eu penso”, a coisa indubitável deverá ser,portanto, esse mesmo ‘eu’, que pensa. De acordo comHeidegger, nasce, então, desse estado de coisas, a primeirasentença, a mais simples e segura para o pensamento metódicoque tem como guia a certeza matemática: o ser coisa do ‘eu’ – ares cogitans.37 Em última análise, descobre­se que a condiçãopara o eu está em sua consciência de si, o que significa que apartir daí sua apreensão não pode ser conquistada fora doâmbito da representação, do especular, da reflexão.

III- Mundo e verdade originária

Se até o momento procuramos apresentar a posição deDescartes frente à questão do ser e à questão do mundo napergunta pelo sujeito, agora devemos avançar para a tarefa dadesconstrução do conceito de mundo como natureza, a fim dealcançarmos a intelecção fornecida por Heidegger do constructo‘ser­no­mundo’ [In­der­Welt­sein].38 Essa medida é agorarequisitada, porquanto pensamos que somente assim podemosentender como foi possível ao filósofo alemão superar a relaçãosujeito­objeto, de maneira a alcançar um modo de pensar maiscompreensivo, ou seja, já não afeito à referência especular e àditadura da imagem. Portanto, para cumprirmos com essaintenção nos ocuparemos das seguintes preleções,respectivamente: Prolegomena zur Geschichte des Zeitbegriffs(GA20), Einleitung in die Philosophie (GA27) e DieGrundbegriffe der Metaphysik. Welt ­ Endlichkeit – Einsamkeit(GA 29/30).

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3.1- O ser-no-mundo e a superação da relação sujeito-objeto

A resposta de Heidegger a Descartes aparece a partir doconstructo ser­no­mundo [In­der­Welt­sein], elaborado pelofilósofo alemão, a fim de desenvolver uma interpretação domundo que não passasse por cima do caráter incontornável doser­aí como o ente que compreende ser, à diferença dos demaisentes simplesmente dados. O mundo, assim, não reduzido ànatureza, corresponderá ao ‘na totalidade’ [im Ganzen], queHeidegger introduz em diferentes momentos do seupensamento.

Como a análise do mundo nasce no interior da discussãoem torno da constituição básica do ser­aí, o filósofo alemãosublinha a importância de retirarmos o nosso olhar do cogitare,a fim de nos ocuparmos tão somente do sum.39 Uma vezdecidido isso, ele avança para a caracterização da constituiçãobásica do ser­aí, a saber, o ser­no­mundo. Este, segundoHeidegger, é um traço unitário e originário.40 Desta constituiçãodistinguem­se três elementos que compõem o fenômeno: 1) oser no mundo no sentido do mundo; 2) o ente, determinado apartir do quem e do como; 3) o ser­em enquanto tal.41 A suaanálise tem início com o terceiro elemento – o ser­em ­, de sorteque o nosso estudo se detém, aqui, apenas neste horizonte.

Para nos defendermos do entendimento ordinário, o ‘ser­em’ [In­sein] não deve ser lido no sentido de um entesimplesmente dado que estaria contido em outro ente (mundo),visto que não se trata de um aspecto, mas diz respeito ao modusem que o ser­aí existe. Por isso, sustenta Heidegger, o “in” nãosignifica aqui uma relação de tipo espacial, mas procede deinnan, no sentido de viver, habitare; e “ann”, significando:familiarizado com, cuidar de [Sein­bei].42 Heidegger sugere quetomemos esse ente a partir do “eu sou”, de maneira que aexpressão “bin” (sou) esteja relacionada com “bei”, o que faz

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ressoar o “ich bin” no sentido do “eu vivo”, eu paro no mundo,o qual para mim é algo ‘familiar’ [heimisch], que conheço bem.Trata­se, então, de lermos o sentido do ‘estar familiarizado’, de‘ter intimidade com’, presente no “in” do In­sein, do ‘ser­em’ ou‘entre’ [zwishen]. A par disso, de acordo com Heidegger, amaneira de ser do ‘ser­em’ não é uma propriedade do ser­aí, masdiz respeito à sua constituição. Portanto, ele não é umsuplemento, mas determina­se como o a priori para qualquerrelação com o mundo.43

Heidegger reconhece que desde cedo a relação do ser­aícom o mundo foi caracterizada a partir da maneira de ser doconhecer, ou seja, a partir da relação do sujeito com o objeto. Eé justamente nesta consideração habitual que se interpreta omundo como ‘natureza’. Porém, o conhecimento não está nanatureza, ele não é, por assim dizer e aos olhos de Heidegger,algo perceptível. Ora, sendo este o estado de coisas, se oconhecimento não está fora, ele certamente deve estar ‘dentro’,‘em’ a coisa­sujeito, in mente.44 Mas, de posse dessa orientação,temos que perguntar, em seguida, como sai o conhecer de suaesfera interior para chegar à esfera exterior, ao mundo? Oproblema do conhecimento que se coloca, de saída, para nós,requer, segundo Heidegger, uma interpretação prévia dos doisentes envolvidos na relação. Em outras palavras, ambos os entessão interpretados no sentido do ser simplesmente presente.Contudo, Heidegger sustenta que a argumentação filosófica quesegue esse caminho está fundada em uma falsa aparência, vistoque o perceber [vernehmen] nada mais é do que um modo de serdo ser­em do ser­aí: o “(...) perceber é sempre um modo de serdo ser­aí que se dá sobre a base de seu ser­já­entre o mundo”,45

que enquanto atuação não é ainda cognitiva. Com efeito, se estenão é o modo fundamental, Heidegger pergunta como, então, oser­aí ‘descerra’ o mundo em que já está?

3

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3.2- O sentido fenomenológico da verdade

A proximidade da questão do mundo com o problema daverdade é exemplarmente trabalhada por Heidegger na preleçãodo semestre de inverno de 1928/1929 intitulada Einleitung indie Philosophie (GA27). Nestas aulas o filósofo alemão retomaos estudos conduzidos em seu SZ sobre o conceito originário deverdade, a fim de contrapô­lo ao conceito de verdade sustentadopela tradição. A determinação da verdade no sentido daproposição é fruto de uma interpretação errônea da relaçãosujeito­objeto e possui como corolário o ímpeto pela exatidãoem que a ciência procura fundar, a partir da matemática, seusconceitos universalmente válidos.46 De posse dessa orientação,sugere Heidegger, toma­se consensualmente a ciência comoconhecimento e verdade, de forma que esta seria umapropriedade do enunciado. Para dar conta do conceito deverdade fornecido pela tradição, Heidegger passa a analisá­ladesde o horizonte de seu nascimento, a saber, desde o horizonteda filosofia grega.

Com efeito, a verdade como verdade proposicional já estápresente na filosofia de Platão e Aristóteles. Por ser o povogrego, aos olhos de Heidegger, aquele que viveu maisintensamente na linguagem, a verdade estava necessariamenteligada ao discurso propositivo, ou seja, ao confronto público emque o debate, filosófico ou político, era travado. Heideggerlocaliza em uma passagem do De interpretatione de Aristóteles[4, 17a 1 ss] justamente esta dimensão fundante da linguagem:“Todo discurso, todo falar tem significação, isto é, todo desejo,pedido, indagação, ordem, declaração, significa algo. Nem todoesse discurso, todavia, é logos, ou seja, nem todo discurso édiscurso mostrador”.47 Para que o discurso seja mostrador épreciso um logos em que o verdadeiro ou falso estejamimplicados. Em outras palavras, é preciso que haja uma síntese(synthesis), um entrelaçamento (symploke), uma composição de

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duas representações ou dois conceitos.48 Segundo Heidegger,porém, esse conceito tradicional de verdade não toca a essênciaoriginária da verdade, o que o leva a indagar pelo ‘motivo’ denós habitualmente tomarmos a verdade no sentidoproposicional. É o reconhecimento dessa problemática que fazcom que ele possa falar de maneira pensante:

“(...) Uma característica de todas essas conexões essenciais éque nunca podemos ter conhecimento delas do mesmo modoque detemos um conhecimento qualquer. Ao contrário, sousempre eu que preciso me apropriar delas uma vez mais e, emmeio a essa nova apropriação, sempre me deparo com umnovo abismo. A essência do simples e do auto­evidente é queconstitui o lugar propriamente dito para o caráter abismal domundo. E esse abismo apenas se abre quando filosofamos, masnão quando acreditamos já saber disso”.49

Heidegger segue construindo o conceito da verdade emsentido tradicional, para na posse da envergadura de sua teoria,desconstruí­lo. É assim que encontra em um tipo de proposiçãosimples, baseada na ligação sujeito e predicado, a saber, “essegiz é branco”, uma determinação que se deixa guiar pela coisamesma (o giz branco) que se encontra diante do sujeito daenunciação. De acordo com Heidegger, há na proposição umaambiguidade que não pode ser elidida, qual seja: de um lado oque se tem é uma relação formal S com P, de outro a relaçãodessa ligação com o “sobre o quê” do enunciado.50 A primeirarelação denomina­se de ‘relação predicativa’, ao passo que asegunda relação nomeia­se de ‘relação veritativa’: “A verdadenão se encontra, portanto, na relação do predicado com osujeito, mas na relação de toda a relação predicativa com aquilosobre o que é feito um enunciado, com o objeto doenunciado”.51

Bem, a possibilidade que Heidegger conquistou para o seupensamento na revisão realizada em torno do conceito deverdade acabou permitindo a ele tornar visível que o enunciado

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abriga uma multiplicidade de relações, de sorte que a atribuiçãoda verdade como enunciado mostra­se precária e duvidosa. Porisso, mais uma vez ele sugere que possamos passar em revista aorigem e a fonte dessa errônea interpretação.

Tendo isso em vista, reconhecemos tacitamente que nosprimórdios da filosofia a pergunta pela verdade estavarelacionada com a palavra proferida, de maneira que lógica eretórica possuíam um vínculo insuspeito. Platão (Sofista, 261d),contudo, segundo Heidegger, reconhece que o dito ocorre emuma sequência de palavras e que nessa sequência há umaunidade, um laço, um ‘acordo’ [Übereinkunft]. O filósofo gregoperguntava­se como em meio à phone pode haver umacomunidade e unidade interna (koinonia) que gere asignificação. Dessa forma, palavras em sua unidade não sãopara Platão meros sons, mas sim signos que significam algo(semeion). Em seu significar, a proposição quer dizer algo,sobre o qual enuncia a coisa mesma (pragma). Esse enunciado éenunciado ‘sobre’ algo. A par disso, Heidegger questiona: “Seráque partimos afinal de meros fonemas, de meras imagensfônicas, “ei”, “e”, “i”, e de outras conformações delineadasdessa forma, ou não será, muito mais, que partimos daproposição, uma vez que a compreendemos?”.52 SegundoHeidegger, o ‘som das palavras’ não é nunca um barulho, masalgo já compreensível de saída, de maneira que esse todo é oelemento primário e originário sobre o qual as partes sãopossíveis de serem destacadas em suas relações. Apesar de todaa riqueza dessas formulações, Heidegger reconhece que sepermanecêssemos nesse horizonte perderíamos o principal, asaber, a pergunta pela totalidade, e isso ele não quer e nem podefazer, tendo em vista a sua pergunta guia pela questão do ser emmeio ao seu sentido.

O filósofo alemão está ciente de que é na relação sujeito­objeto que reside a problemática dessa totalidade e que éjustamente a partir dessa relação que os pontos de vista do

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realismo e do idealismo são originados. Porém, ele também estáciente que na colocação do problema da verdade não se podeconquistar o seu horizonte originário desde o lugar daproposição. Esta somente encontra sentido com base em umtodo que a antecede e envolve. O erro na interpretação ocorreporque tomamos como ponto de partida a relação sujeito­objeto,ao passo que esta relação já pressupõe um todo. O contextorelacional (sujeito enunciador, representação, significação,objeto) embora elucidativo, indica­nos Heidegger, não passa deuma aparência grosseira.53 Ao enunciarmos algo do tipo “essegiz é branco” não percorremos tal contexto relacional, mas jános encontramos sempre junto com a coisa mesma (o gizbranco).

Com o suporte desses elementos, Heidegger passa, emseguida, ao trabalho propriamente dito de desconstrução doconceito tradicional de verdade. Esse trabalho se dá, contudo,correlativamente à elaboração da essência originária da verdade.Ora, para o filósofo alemão já está bastante claro que a verdadenão se funda no caráter enunciativo, e sim em algo maisprimordial e fecundo. Contudo, para que possamos apreender osentido daquilo que Heidegger propõe no modo do ‘ser juntoa...’, torna­se imprescindível liberarmos os nossos ouvidos daditadura das teorias. Em suas palavras: “Nada de consciência,alma, ou mesmo apenas representações, imagens de coisas, massomente nós mesmos, tal como nos conhecemos (...), nosso serjunto a um ente por si subsistente em sentido amplo”.54 Alémdisso, Heidegger contesta a má imitação da ciência que afilosofia faz uso, ao buscar como conhecimento somente aquiloque pode ser demonstrado racionalmente por intermédio deargumentações, deixando de lado a instância da intuiçãoimediata.

Para o filósofo alemão, a pergunta pela constituição daessência da verdade está intimamente ligada ao esclarecimentode nossa existência. O que determina o ser­aí como ente em sua

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constituição originária, um ente que existe de um modo tal queele se mantém junto a outro ente, é o que Heidegger sepergunta.55 “Esse giz é branco”. Essa ‘enunciação sobre...’deixa­se realizar, pondera o filósofo alemão, apenas porquetemos por base o fato de já nos mantermos junto ao giz, desaída. O giz, contudo, somente entra em nossa consideraçãoquando fazemos sobre ele um enunciado; entretanto, mesmoque não estejamos atentos para o giz isso não quer significarque não estamos junto a ele. A ‘ocupação’ [Besorgen], nessestermos, é tão somente um modo determinado de permanecerjunto às coisas: “Reside no caráter desse prestar atenção nacoisa o fato de a coisa mesma nos dizer em certa medida: eu jáestava aí, antes de tu me apreenderes”.56 Contudo, ainda queestejamos de uma maneira desatenta junto às coisas, estas, porseu lado, fazem parte de um contexto de ‘serventia para...’: “(...)uma totalidade de relações conjunturais perpassa e domina amultiplicidade das coisas que aqui subsistem por si”.57 Amultiplicidade do ente somente pode ser apreendido pelo ser­aíporque já existe uma compreensão prévia. Para Heidegger, issocorresponde a dizer que tudo sempre está relacionado ao todo,mostrando uma referência a ele e determinando o “si mesmo”do ser­aí a partir dessa conexão com o todo. Com vistas a isso,Heidegger fala de uma manifestação do ente em seus contextos,de maneira que o nosso ‘ser junto a...’ vem a ser determinadopor uma totalidade conjuntural [Bewandtinis].58 Ora, éjustamente dessa totalidade que não possuímos consciência.

A manifestação do ente nos indica que ele está desvelado.Desvelamento [Unverborgenheit] diz em grego, segundoHeidegger, aletheia, o que se traduz comumente por verdade(veritas). Verdadeiro em um sentido insigne é o próprio ente, odesvelado. Dessa forma, não é a proposição sobre o ente que éverdadeiro, mas sim o próprio ente.59 Os gregos, sugereHeidegger, possuem, naquilo que para eles é tido como o maispositivo e um bem supremo, uma determinação negativa, um

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alpha­privativo, um roubo.60 Este roubo, entretanto, guarda alembrança de que o ente precisou ser arrancado do velamento,para se manifestar como ente.Entretanto, conforme o filósofoalemão ensina, a Antiguidade não foi capaz de descobrir naessência da verdade o imperar do negativo, de sorte que jamaisse deixou inquietar por essa negatividade. Para Heidegger, noentanto, trata­se justamente de cultivá­la, pois ela marca todapositividade com o traço da diferença. Em outras palavras, essanegatividade nos serve de indício de que ‘ao menos um’ nãopode comparecer no todo do mundo.

Sobre o caráter incontornável da questão do ser em meioao seu sentido, ou seja, sobre o fato de não podermos fazer aeconomia do ser, do sentido do ser, e, portanto, do ‘natotalidade’ [im Ganzen] em que ele se descobre como ‘mundo’[Welt], Heidegger vai nomear o ‘acontecimento fundamental’ daabertura pré­lógica do ente enquanto tal na totalidade, o qual,por sua vez, possuirá o caráter de ‘projeto’ [Entwurf], pensadocomo abertura, possibilidade, e, por isso, como ‘a estruturaoriginário da formação de mundo’. Nesses termos, a preleção de1929 vem agora ao nosso encontro como uma oportunidadeúnica de fazermos o exercício fenomenológico em que ohomem, jogado na abertura do ser pelo ser­aí, é compreendidocomo ‘formador de mundo’.

3.3- Linguagem e formação de mundo

A par disso, perguntamos: como Heidegger aproxima aquestão do logos do problema da formação de mundo? Ou ditode maneira distinta: por que Heidegger para poder pensar o ‘natotalidade’ mundo, enquanto abertura do ente, precisa primeiropôr em revista a discussão em torno do logos? Como e por queestas questões se deixam imbricar aí? O filósofo alemãofornece­nos as pistas para uma possível resposta a estas

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questões desde a análise formal da estrutura­“como” [“als”­Struktur] conduzida por ele a partir do parágrafo 71 do seu DieGrundbegriffe der Metaphysik. Welt ­ Endlichkeit – Einsamkeit(GA 29/30).

Neste lugar encontramos Heidegger aproximando­se dadeterminação da linguagem, de seu possível começo, daconfiguração de sua unidade, a partir da análise do logosapofantikos (discurso mostrador), que nos é fornecida porAristóteles quando, ao falar de sua estrutura, nos diz ser ele umser­verdadeiro ou um ser­falso, uma afirmação ou umadenegação, e estes sob a base una de uma synthesis e de umadiairesis. Heidegger pergunta­se, nesse ínterim, pela condiçãode possibilidade da ‘ligação’, do que faz com que entendamossempre palavras, e não meros sons. Tomando o ‘como’ [Als]como ‘indicador formal’ desta ligação, o filósofo alemão avançaem suas considerações para esta dimensão do ‘na totalidade’ [imGanzen], presente no logos. Diante desse contexto, Heideggerreconhece que todo discurso nos coloca diante dacompreensibilidade. O logos, segundo Heidegger, e a partir desua leitura de Aristóteles, dá a compreender, sendo esteindependente de qualquer processo ou funcionamento deórgãos. Em outras palavras, e para seguir Aristóteles em suaintelecção, o logos não é jamais physei, não é um eventonatural, mas, muito mais do que isso, ele é o acontecimento deum symbolon, que Heidegger lê no sentido de um manter junto,de um conjugar o homem com o ente. É isto que a seguintepassagem elucida de maneira esclarecedora: “Então, Aristótelesdiz: o discurso é o que é, ou seja, ele forma um círculo decompreensibilidade [Vertändlichkeit], se há a genesis de umsymbolon, se acontece um ser­mantido­junto[Zusammengehaltenwerden], no qual ao mesmo tempo resideum acordo [Übereinkunft]”.61

É importante sublinharmos que Heidegger nos chama aatenção, por diversas ocasiões no decorrer de sua preleção, para

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esta dimensão do acordo [Übereinkommen] presente naformação do discurso, visto que esta palavra nos leva para juntodo horizonte em que a questão do ‘na totalidade’ mundo podeser apreendida em sua significação existencial: “Somente sobrea base dessa concordância essencial originária o discurso épossível em sua função essencial, no semainen, no dar­a­compreender do que é compreensível”.62 Entretanto, comoensina Aristóteles, nem todo discurso é discurso mostrador.Este, por seu turno, depende do logos que possui o caráter depoder ser verdadeiro ou falso, ou seja, de poder ‘desvelar’ ou‘velar’. Heidegger está atento para o ‘fundamento depossibilidade’ destas duas dimensões presentes no discursomostrador, a saber, para a ‘formação de uma unidade’ que se dásob a base de um perceber (noesis). Portanto, pondera ofilósofo, onde quer que haja um logos apofantikos há aí uma‘síntese’, ou ‘reunião’, ou, ainda, o posicionamento de umconjunto.63 De posse dessa orientação, Heidegger conclui que,para Aristóteles, a estrutura­“como”, a percepção prévia eformadora de unidades de algo como algo é a condição depossibilidade para a verdade ou a falsidade do discurso.64

Bem, Heidegger avança na análise do enunciadomostrador, porquanto é a partir dele que a tradição tem em mirao lugar da verdade. Para tanto, discute a significação do “é” nointerior do enunciado, e reconhece que muito embora este, nosentido da cópula, contenha o ser como algo aberto, estaabertura ainda não é suficientemente originária. Porém, odecisivo no trabalho fenomenológico até aqui empreendido pelofilósofo alemão não pode ser apreendido na decomposição daspartes que formam o enunciado, mas, muito mais, naquilo queele nomeia como pertencendo à dimensão da ‘plenamultiplicidade indecomponível’.65 De acordo com Heidegger,então, a pergunta pela origem do logos acena para o ‘a cada vezna totalidade’ [jeweils im Ganzen].66 Sendo o logos uma

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Ora, uma vez que este ‘na totalidade’ [im Ganzen] nosenvolve no mais das vezes e cotidianamente, ainda que sejamos‘indiferentes’ a ele, o filósofo alemão atenta para a remissão queele nos fornece à questão da ‘diferença ontológica’[ontologische Differenz], porquanto ao abrirmos o ente nãopodemos passar por cima do fato de ele ser, ou melhor, de quedesentranhamos o ser do ente, à medida que formamosmundo.69 A questão referente ao ‘ser’ do ente, ou, em palavradistinta, referente à diferença entre ser e ente, necessária paraque possamos filosofar, nos dá notícia, pois, do ‘acontecimentofundamental’ ao qual o logos está ligado em função de sua

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estrutura­“como”. Este acontecimento fundamental é o queHeidegger chamará de projeto [Entwurf], pensado em termos doacontecimento de mundo. Segundo Heidegger, portanto, é eleque tem o poder de desentranhar o ser do ente. Por isso, oprojeto não possui objeto, mas refere­se a uma abertura para adimensão do ser­possível, sempre em jogo em todas as nossascondutas humanas. Em outras palavras, o projeto nos dá notíciadaquela simplicidade da eclosão do ‘entre’ [zwischen], queunifica em si algo contraditório: ligar e cindir: “(...) o “como”exprime o fato de que, em geral, o ente em seu ser se tornoumanifesto, que aquela diferença aconteceu”.70 Heideggerreconhece, por fim, que a ‘diferença ontológica’ não acontecepara os entes simplesmente dados, mas sim para aquele ente quecompreende ser, ou seja, para um ente que irrompe para o ser,que existe na sua diferença, no sentido de que ex­sistit: “(...) queele é na essência de seu ser um movimento para fora de simesmo, sem, porém, abandonar a si”.71

IV- Considerações finais:

A partir das elucidações desenvolvidas até aquiesclarecemos que a resposta de Heidegger à redução do sentidodo mundo conduzida por Descartes a partir do domínio darepresentação articulou­se com base no constructo ser­no­mundo [In­der­Welt­sein], elaborado pelo filósofo alemão, a fimde fornecer uma interpretação que não passasse por cima docaráter incontornável do ser­aí, como o ente que compreende serà diferença dos demais entes simplesmente dados. A par dissopropomos que as interpretações fenomenológicas realizadas porHeidegger em torno da questão da crítica do sujeito nos servemde indício para um filosofar não mais solícito ao apelo daimagem. Pensamos, dessa forma, que se descortinou a partir detais indicações um horizonte de mundo distinto daquele que o

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À medida que aletheia significa originariamente o‘desvelamento’ [Unverborgenheit] do ente, ela nos dá notícia deque há um negativo a marcar o traço da diferença entre ser eente e que vem indicado por seu alpha privativo. Nesses termos,é preciso que ‘ao menos um’ não compareça ‘na totalidade’mundo, a fim de que o seu contexto conjuntural possa fornecer aconsistência necessária para nos sentirmos em casa,familiarizados com as coisas. Esse ‘todo’, prévio à relaçãosujeito­objeto, que vem justamente possibilitar a ‘unidade’ designificação da proposição, ou seja, de que quando falamos nãoescutamos simples sons, mas sempre palavras que significamalgo e que, por isso, fazem ‘remissão’ a ele, diz respeito ao‘acontecimento fundamental’ do ‘projeto’ [Entwurf], no sentidoda abertura do ser­aí para o seu possível. Para o esclarecimentoda questão da ‘formação de mundo’ tudo depende, então, de que‘ao menos um’ não seja da ordem dos entes. Porém, o único

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ente para o qual o ser está em jogo em uma compreensão de seré o ser que nós mesmos somos. Ao caráter circular dacompreensão de ser Heidegger nomeia ‘círculo hermenêutico’.72

Com efeito, a interpretação heideggeriana do fenômeno demundo viabiliza o entendimento de que o ser­aí já está, de saídae de imediato, junto aos entes, lá fora em meio ao mundo, desorte que o seu projeto de compreensão de ser se faz formadorde mundo originariamente. Em suma, o ser­aí é formador demundo antes mesmo que qualquer obiectum ou subiectum seinterponha na dimensão de sua abertura.

Ora, o pensamento que pensa a partir do ‘todo’ e quereconhece que neste todo falta [weg] ‘um’, ou seja, que somosmarcados pela ‘falta’ a ser no todo em que nos encontramoscomo seres­no­mundo, é o mesmo pensamento que pode pensara ‘diferença ontológica’. É por isso também que Heidegger podesustentar a exigência de um filosofar que não seja maisespecular, imagético, representacional, tendo em vista que nãose trata jamais da apreensão de ‘aspectos’. O ser não éencontrado na cena do mundo, ainda que ele se dê em nossoencontro com os entes. Muito pelo contrário, o ser, ele mesmo, étão somente isso: ‘diferença’ [Differenz]. Ele é da ordem donão! Nem isto nem aquilo, e, contudo, sempre algo mais, um‘excesso’ [Übermass]. Por sermos interpelados pelo ser, jamaispodemos dominá­lo na conta dos enunciados, de sorte quesempre resta algo a dizer ou já sempre dizemos algo a maisnaquilo que tivemos a intenção de comunicar. Para o ser emjogo na questão da diferença, não há espelho em que se possa,por reflexão da imagem e do pensar, apreender sua identidade,porquanto ele não está e jamais esteve ‘presente’ [anwesend];em função disso, tampouco podemos fazer uso de qualquer‘representação’ [Vorstellung]. A possibilidade de filosofarmosnessa inquietude do ‘não’ [nicht] é o que Heidegger nosconvoca, portanto, a cada vez, e ainda agora:

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Notas

1 Cf. M. Heidegger. Einführung in die Phänomenologie der Religion. In:Phänomenologie des religiosen Lebens, 1995, p. 3. Todas as traduçõesapresentadas no decorrer do texto foram realizadas por nós, tendo porbase a observação do texto original, assim como o trabalho de tradutoresjá consagrados na publicação das obras de Heidegger em português.

2 Ibid. p. 64, onde se lê: “A necessidade desta medida de precaução procededa tendência decadente da experiência fática da vida que ameaçaconstantemente a decair e a se desviar, extraviando­se para aobjetividade e da qual, em contrapartida, devemos evidenciar osfenômenos”.

3 A partir daqui utilizaremos a abreviatura SZ para nos referirmos a esta obra.4 Cf. M. Heidegger. Die Grundbegriffe der Metaphysik. Welt ­ Endlichkeit –Einsamkeit, 1983, p. 430.

5 Cf. M. Heidegger. Interpretaciones Fenomenológicas sobre Aristóteles(indicación de la situación hermenêutica) [Informe Natorp], 2002, p. 29­30.

6 Ibid., p. 30.7 Cf. J­P. Lebrun. Um mundo sem limite: ensaio para uma clínicapsicanalítica do social, 2004, p.51.

8 Ibid., p. 53.9 Ibid., p. 60, onde se lê: “Para dizer simplesmente, o procedimento daciência moderna compreende um implícito inteiramente fundamental, ode poder reunir saber e verdade, por não ter mais que se preocupar com arelação com a verdade, salvo dizendo que a verdade é demonstrável, querdizer, voltar a falar da verdade em termos de saber”.

10 Cf. D­R. Dufour. A arte de reduzir as cabeças: sobre a nova servidão nasociedade ultraliberal, 2005, p. 23.

11 Ibid., p. 25.12 Cf. D­R. Dufour. Os mistérios da trindade, 2000, p. 10.13 Ibid., p. 64.14 Cf. R. Rorty. Philosophy and the Mirror of Nature, 1980, p. 377, onde selê: “O perigo que o discurso edificante tenta afastar é o de que um dadovocabulário, uma maneira pela qual as pessoas pudessem vir a pensar emsi mesmas, as induza erroneamente a pensar que de agora em diante todoo discurso pode ser, ou deve ser, discurso normal. O congelamento da

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15 Cf. H­G. Gadamer.Wahrheit und Methode, 1986, p. 105.16 Cf. P. Ricoeur. Heidegger e a questão do sujeito. In: O conflito dasinterpretações, [s.d.], p. 219.

17 Cf.M. Heidegger. Sein und Zeit, 1977, pp. 6­11.18 Cf. M. A. Casanova em sua Apresentação à tradução brasileira. In: M.Heidegger, Introdução à filosofia, 2008, pp. XI­XXI.

19 Cf.M. Heidegger. Sein und Zeit, 1977, p. 418.20 Cf. M. Heidegger. Einleitung in die Philosophie, 1996, p. 11.Encontramos também na preleção do semestre de verão de 1923,Ontologie (Hermeneutik der Faktizität), 1982, p. 81, a orientação deevitarmos o mal­entendido do esquema sujeito­objeto, consciência­ser, deque o ser é objeto do conhecimento, que o ser verdadeiro é o ser danatureza, que a consciência é o “eu penso”, isto é, ego, a egoidade, ocentro dos atos, a pessoa, etc. Portanto, nada mais enganoso para afilosofia especulativa do que pensar o ser como ente, o ente como objeto,o objeto como natureza ou história, e a natureza ou a história como tendoo seu fundamento a partir de um sujeito que com a sua representaçãoconquista a certeza do saber quando passa a funcionar como umfundamentum inconcussum, de sorte a ser capaz de calcular o mundo,esgotando as suas reservas e disponibilizando seus recursos.

21 Cf.M. Heidegger. Die Zeit des Weltbildes. In: Holzwege, 1984, p. 76.22 Ibid., p. 87.23 Cf.M. Heidegger. Nietzsche II, 1961, p. 141.24 Cf. M. Heidegger. Logic als die Frage nach dem Wesen der Sprache,1998, p. 145.

25 Cf.M. Heidegger. Nietzsche II, 1961, p. 142.26 Cf.M. Heidegger. Die Zeit des Weltbildes. In: Holzwege, 1984, p. 109.27 Ibid., p. 91.28 Em seu Entwürfe zur Geschichte des Seins als Metaphisik, p. 464,presente no texto Nietzsche II, Heidegger diz que a reflexão é re­curvar­se, de maneira que é a presentação expressamente realizada do presente –o presente é a­presentado àquele que re­presenta. Nesses termos, é opróprio “o que” em sua mesmidade e em seu ter­sido­posicionado.

29 Cf. M. Heidegger, Prolegomena zur Geschichte des Zeitbegriffs, 1979, p.235.

20 Ibid., p. 245.31 Ibid., p. 249.32 Cf. M. Heidegger. Logic als die Frage nach dem Wesen der Sprache,

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1998, p. 146.33 Ibid., p. 147.34 Cf. M. Mauss, Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a de“eu”. In: Sociologia e antropologia, 2003, pp. 367­397. É interessante aperspectiva que o sociólogo nos abre ao procurar descer aos alicerces daconstrução da ideia de “eu”, desde o seu nascimento, que provavelmenteaconteceu junto aos povos arcaicos, com a sua ordem socialcompletamente regida pelas relações de parentesco.

35 Cf.M. Heidegger, Die Grundfrage der Philosophie. In: Sein und Wahrheit,2001, p. 38.

36 Ibid., p. 40.37 Ibid., p. 42.38 Sobre esta questão localizamos a seguinte passagem retirada de um dostrabalhos do professor Ernildo Stein: “Trata­se antes de introduzir ummodo de falar do ser humano em que ele não pode ser tratadosimplesmente como objeto ou como coisa, pois, ser­no­mundo é ummodo como se dá o ser­aí. A partir dessa maneira de pensar aobjetificação (...) é superada por um estilo de ver que não passa maissimplesmente pela representação e pela reflexão. Trata­se de umfenômeno em que há algo de irredutível, já que ele não é simplesmentedado, mas é condição da instauração de qualquer sentido a partir domundo”. Cf. E. Stein. Nas proximidades da antropologia, 2003, p. 102.

39 Cf. M. Heidegger. Prolegomena zur Geschichte des Zeitbegriffs, 1979, p.210.

40 Ibid., p. 210.41 Ibid., p. 211.42 Ibid., p. 213.43 Ibid., p. 213.44 Ibid., p. 216.45 Ibid., p. 217.46 Cf.M. Heidegger. Einleitung in die Philosophie, 1996, p. 43.47 Ibid., p. 46.