Heveraldo Galvao

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UNAERP UNIVERSIDADE DE RIBEIRO PRETO CURSO DE PS-GRADUAO STRICTO SENSU PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITODIREITOS COLETIVOS E FUNO SOCIAL DO DIREITO

HEVERALDO GALVO

EMPRESA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL:A FUNO SOCIAL DA EMPRESA E A PROTEO DOS INTERESSES COLETIVOS

RIBEIRO PRETO/SP 2008

HEVERALDO GALVO

EMPRESA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL:A FUNO SOCIAL DA EMPRESA E A PROTEO DOS INTERESSES COLETIVOS

Dissertao de Concluso de Curso apresentada para obteno do grau de Mestre em Direitos Coletivos e Funo Social do Direito pela Universidade de Ribeiro Preto - UNAERP

PROF. DR. ADALBERTO SIMO FILHO Orientador

RIBEIRO PRETO/SP 2008

EMPRESA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL: A FUNO SOCIAL DA EMPRESA E A PROTEO DOS INTERESSES COLETIVOS

Por

HEVERALDO GALVO

Dissertao de Concluso de Curso aprovado com nota ______ como requisito para a obteno do grau de Mestre em Direitos Coletivos e Funo Social do Direito, tendo sido julgado pela Banca Examinadora formada pelos professores:

_____________________________________________________________________ Presidente: PROF. DR. ADALBERTO SIMO FILHO Orientador - UNAERP

_____________________________________________________________________ Membro: PROFA. DRA. MARIA CRISTINA VIDOTTE BLANCO TARREGA

_____________________________________________________________________ Membro: PROF. DR. CAMILO ZUFELATO

RIBEIRO PRETO/SP, _____/______________/_______

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AGRADECIMENTOS.

Meus agradecimentos com amor Adriana, Bianca e Brbara pela compreenso, carinho e por ser a fonte de energia e incentivo nos momentos mais difceis. Aos meus pais Eurpedes e Dalva pelo exemplo de vida, educao e amor que dedicaram a mim e a meu irmo Heraldo. Aos professores e amigos do Curso de Mestrado, pela troca de experincias. Em especial aos Professores Adalberto Simo Filho, Maria Cristina Vidotte Blanco Tarrega, Luiz Manoel Gomes Jnior, Lisete Diniz Ribas Casagrande, pelo apoio e incentivo. Ao Senac So Paulo, colaborador que acreditou neste trabalho, concedendo bolsa de estudos parcial, contribuindo de forma especial na minha formao profissional.

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A Responsabilidade Social Empresarial deve ser compreendida como um conceito completo e integral que se insere na gesto estratgica da prpria empresa, partindo de uma viso de sustentabilidade que contempla tanto a gerao de riqueza a prpria rentabilidade do negcio quanto o equilbrio ambiental e a equidade social. Faz referncia, assim, ao impacto global da atividade econmica na sociedade, colocando nfase nas relaes que a empresa estabelece com seus mais distintos pblicos, partindo da prpria cultura empresarial que deve se refletir no seu cdigo de tica.

A prtica demonstra que um programa de responsabilidade social s traz resultados positivos para a sociedade e para a empresa se for realizado de forma autntica. necessrio que a empresa tenha a cultura da responsabilidade social incorporada sua viso de negcio

Oded Grajew, diretor-presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social

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RESUMO

Esta pesquisa objetiva analisar como a empresa pode gerar o desenvolvimento sustentvel, cumprindo importante funo social perante a coletividade e como os interesses coletivos, difusos e individuais homogneos podem ser protegidos, atravs da funo social do direito. Como estratgia de trabalho, em um primeiro momento foi analisada a Mudana da Teoria dos Atos de Comrcio Para a Teoria da Empresa, para contextualizar a empresa no cenrio histrico e jurdico, especialmente no que diz respeito nova concepo de que se reveste atualmente. Pesquisamos na empresa moderna suas relaes com a nova empresarialidade, a governana corporativa e os direitos difusos, atuando em conjunto com as Redes Sociais e o Terceiro Setor, gerando um processo de desenvolvimento local sustentvel que fomentado pela empresa de forma responsvel fortalecem o exerccio pleno da cidadania. Finalmente, abordamos os direitos coletivos, difusos e individuais homogneos como princpios que procuram compatibilizar o desenvolvimento econmico-social e a preservao da qualidade do meio ambiente, das relaes de consumo e das demais relaes que se originam no sistema dos direitos difusos.

Palavras-chave:

Desenvolvimento

Local,

Direitos

Coletivos,

Difusos,

Individuais

Homogneos, Empresa, Integrado, Sustentvel.

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ABSTRACT SUMMARY

This research aims to analyze how an enterprise can originate the Sustainable Development, accomplishing an important social function before the community and as the diffuse and individual homogeneous common concerns can be protected, through the social function of the Law. For work strategy, at a first moment, we talk about the changing of the Commerce Acts Theory to the Enterprise Theory, in order to contextualize the enterprise in the juridical and historical scenario, especially in relation to the new conception of which it is covered nowadays. We researched, in the modern enterprise, its relations with the new executive models, the corporative controlling and the diffuse rights, acting altogether with the social webs and the third sector, originating a sustainable local developing process which stimulated by the enterprise in a responsible way strengthens the complete exercise of the citizen status. We finally talk about the collective rights, diffuse and individual homogeneous as principles that try to match the economical-social development and the environment quality preservation, of its consumption relations and of further relations that are originated from the diffuse rights system.

KEY- WORDS: Local Development, Collective Rights, Diffuse, Individual homogeneous, Enterprise, Integrated, Sustainable.

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SUMRIO INTRODUO .............................................................................................................. 09 CAPTULO 1 - MUDANA DA TEORIA DOS ATOS DE COMRCIO PARA A TEORIA DA EMPRESA ............................................................................................................... 10 1.1 Proteo Constitucional da Propriedade e da Empresa ......................................... 16 1.2 Empresa e sua Funo Econmica ........................................................................ 23 1.3 Empresa e sua Funo Social ................................................................................ 28 CAPTULO 2 - RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL .......................... 36 2.1 Instrumentos e Indicadores de Responsabilidade Social Empresarial................... 49 2.2 Redes Sociais e Empresa Socialmente Responsvel..............................................56 2.3 Empresa e Desenvolvimento Local Sustentvel .................................................... 62 2.4 A Empresa e o Fortalecimento da Cidadania ........................................................ 67 CAPTULO 3 - O TERCEIRO SETOR E A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL ............................................................................................................ 70 3.1 Formas de Atuao da Nova Empresarialidade e o Terceiro Setor ....................... 84 3.2 Estudo de Caso: SENAC So Paulo ...................................................................... 90 CAPTULO 4 - PRINCPIOS DOS INTERESSES E DIREITOS COLETIVOS, DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGNEOS..............................................................96 4.1 Princpio do interesse jurisdicional no conhecimento do mrito do processo coletivo..........................................................................................................................101 4.2 Princpio da mxima prioridade da tutela jurisdicional coletiva..........................102 4.3 Princpio da disponibilidade motivada da ao coletiva......................................102 4.4 Princpio da presuno de legitimidade ad causam ativa pela afirmao do direito .......................................................................................................................................103 4.5 Princpio do mximo benefcio da tutela jurisdicional coletiva...........................104 4.6 Princpio da mxima efetividade do processo coletivo........................................105 4.7 Princpio da mxima amplitude da tutela jurisdicional........................................105 4.8 Princpio da obrigatoriedade da execuo coletiva pelo Ministrio Pblico.......106 4.9 A Empresa e os direitos difusos...........................................................................106 4.10 A Empresa e os Direitos Coletivos....................................................................111 4.11 A Empresa e os Direitos Individuais Homogneos...........................................114 CONCLUSO..............................................................................................................118 BIBLIOGRAFIA..........................................................................................................120 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS DA INTERNET..............................................126

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INTRODUO

O Estado Democrtico de Direito institudo e fundamentado na Constituio Federal de 1988, que legitimou a ordem econmica e financeira, garantiu a proteo constitucional da empresa e lhe imps o cumprimento de uma funo social, positivando valores sociais e econmicos atravs da livre iniciativa. O direito de empresa compreende o conjunto de poderes e deveres impostos atuao na atividade econmica. A anlise desses direitos e deveres reclama a apreciao da positivao da atividade econmica por uma ordem poltica e econmica, pois ao instituir uma ordem jurdico-econmica constitucional, o Estado quem legitima a atividade econmica natural. Nesse contexto relevante investigar se a funo social da empresa est ligada a um exerccio de atividade econmica organizada, gerando empregos, produzindo e fazendo circular bens e servios, ou se o seu papel de responsabilidade social empresarial como um dever, considerando que a ordem jurdica e econmica constitucional de 1988, adota uma postura liberal. Assim que se torna atual e oportuno o estudo de situaes jurdicas, econmicas e sociais, que possam demonstrar se existe latente uma nova empresarialidade ou se a empresa continua buscando apenas o lucro, como conduta finalista, sem considerar de forma abrangente todos os resultados que pode obter. O dinamismo e a repercusso da atividade empresarial tm salutar importncia para se avaliar qual o seu sentido, papel, funo e responsabilidade social, luz da atual ordem econmica constitucional. Em razo da funo do direito transcender a tarefa coativa e de controle social para alcanar, em ltima instncia, a funo educadora, fundada na justia, importante analisar como os direitos coletivos, difusos e individuais homogneos atuam no sistema legal e que ferramentas esto disposio no ordenamento jurdico, para realizar esse controle. A interpretao de todas essas variveis com relao empresa, incluindo a responsabilidade social empresarial, ganham destaque no dilogo e reflexo sobre sua funo econmica e social. As relaes com as redes sociais, com o desenvolvimento local sustentvel, a empresa e os direitos coletivos, so elos importantes de fortalecimento da cidadania, na busca da reduo das desigualdades sociais.

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CAPTULO 1 MUDANA DA TEORIA DOS ATOS DE COMRCIO PARA A TEORIA DA EMPRESA

Inicialmente, a fim de facilitar a compreenso do tema, necessrio se faz ponderar de forma resumida sobre a evoluo do Direito Comercial, demonstrando as teorias que explicaram a incidncia das normas comerciais nas diferentes pocas, at o surgimento e evoluo da Teoria da Empresa e sua implantao com o novo Cdigo Civil Brasileiro. O comrcio existe desde a Idade Antiga. Povos antigos, como os fencios, destacaram-se no exerccio desta atividade. No entanto, nesse perodo histrico ainda no se pode falar na existncia de um direito comercial, com regras e princpios prprios. o que bem destaca Frederico Viana Rodrigues, na seguinte passagem:

O comrcio desenvolveu-se em larga escala dentre as civilizaes primitivas, mas, a despeito disso, no se pode afirmar, pela escassez de elementos histricos, haver nas remotas sociedades um direito autnomo, com princpios, normas e institutos sistematizados, voltado regulamentao da atividade mercantil. 1

Durante a Idade Mdia, todavia, o comrcio j atingira um estgio mais avanado, e no era mais uma caracterstica de apenas alguns povos, mas de todos eles. justamente nesta poca que se costuma apontar o surgimento das razes do direito comercial. Fala-se, ento, na primeira fase deste ramo do Direito. a poca do renascimento das cidades (burgos) e do comrcio, sobretudo o martimo. Surgem as Corporaes de Ofcio, que logo assumiram relevante papel na sociedade da poca, conseguindo obter, inclusive, certa autonomia em relao nobreza feudal. Frederico Viana Rodrigues assevera que:

Com o incremento do comrcio, fortaleceram-se os grupos profissionais dos mercadores, chamados de corporaes de ofcio. Bem organizadas, as corporaes passaram a tutelar os interesses de seus membros em face da impotncia do Estado. 2

1

RODRIGUES, Frederico Viana. Autonomia do direito de empresa no novo cdigo civil. In: VIANA, Frederico Rodrigues. Direito de empresa no novo cdigo civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 15. Ob. cit., p. 17.

2

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Outra caracterstica marcante desta fase inicial do direito comercial o seu carter subjetivista. O direito comercial era o direito dos membros das corporaes ou, como bem colocado por Rubens Requio3, era um direito a servio do comerciante. Comentando o assunto, Fbio Ulhoa Coelho assim se manifesta:

Resultante da autonomia corporativa, o direito comercial de ento se caracteriza pelo acento subjetivo e somente se aplica aos comerciantes associados corporao. (...) Adota-se, assim, um critrio subjetivo para definir seu mbito de incidncia. 4

Assim sendo, bastava que uma das partes de uma determinada relao fosse comerciante para que fosse a mesma disciplinada pelo direito comercial (ius mercatorum) em detrimento dos demais direitos. Como bem destaca Francesco Galgano, verbis:

O ius mercatorum nasce, portanto, como um direito directamente criado pela classe mercantil, sem a mediao da sociedade poltica; nasce como um direito imposto em nome de uma classe, e no em nome da comunidade no seu conjunto. imposto aos eclesisticos, aos nobres, aos militares, aos estrangeiros. Pressuposto da sua aplicao o mero facto de se haverem estabelecido relaes com um comerciante. 5

Entretanto, comeou-se a perceber que nem toda a vida e a atividade do comerciante eram absorvidas pelo exerccio profissional do comrcio, impondo-se a necessidade de se delimitar o conceito da matria comercial. Alm disso, verificou-se tambm a generalizao do uso de alguns institutos por no comerciantes, como, por exemplo, a letra de cmbio e a nota promissria, o que demonstrou a inadequao da teoria puramente subjetiva para se delimitar a aplicao das normas e prerrogativas mercantis. Passada a fase subjetiva da histrica do Direito Comercial, a teoria dos atos de comrcio inspirada nos ideais da Revoluo Francesa deslocou o mbito do direito comercial para a atividade dos atos de comrcio, as quais nunca foram muito bem definidas em virtude da evoluo contnua e frentica das atividades comerciais.

3 4 5

REQUIO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol 1. 25. ed. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 11. COELHO, Fbio Ulha. Curso de direito comercial. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 13. GALGANO, Francesco. Histria do direito comercial. Traduo de Joo Esprito Santo. Lisboa: Editores, 1990, p. 39.

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De forma muito ampla, de acordo com a teoria dos atos de comrcio, parte da atividade econmica era comercial, isto tinha um regime jurdico prprio, diferenciado do regime jurdico de outra parte da atividade econmica, que se sujeitava ao direito civil. Isso significava dizer que certos atos estavam sujeitos ao direito comercial e outros no. Os atos de comrcio eram, portanto, os atos sujeitos ao direito comercial; os demais eram sujeitos ao direito civil. Ou seja, atos com contedo econmico poderiam ser civis ou comerciais. Entretanto, a questo no era to simples, pois a doutrina no conseguia estabelecer exatamente um conceito cientfico do que seria o ato de comrcio, sendo mais fcil admitir que ato de comrcio fosse uma categoria legislativa, ou seja, ato de comrcio seria tudo que o legislador estabelece que tenha regime jurdico mercantil. Assim, segundo a teoria dos atos de comrcio, sua finalidade seria classificar o comerciante de acordo com a atividade praticada por ele, qual sejam os atos de comrcio. No h, portanto, uma definio completa do que sejam atos de comrcio, pois seria muito difcil elaborar uma definio que abrangesse todas as atividades passveis de serem praticadas no mbito comercial. Fbio Ulhoa Coelho, ao tratar dessa indefinio, afirma que:A teoria dos atos de comrcio resume-se rigorosamente falando, a uma relao de atividades econmicas, sem que entre elas se possa encontrar qualquer elemento interno de ligao, o que acarreta indefinies no tocante natureza mercantil de algumas delas. 6

Sobre o mesmo tema, Rubens Requio argumenta que:(...) o sistema objetivista, que desloca a base do direito comercial da figura tradicional do comerciante para a dos atos de comrcio, tem sido acoimado de infeliz, de vez que at hoje no conseguiram os comercialistas definir satisfatoriamente o que sejam eles. 7

Transformar o direito comercial em um direito regulador de certas atividades significava o fortalecimento do Estado nacional perante as corporaes de ofcio. O marco histrico desta teoria a entrada em vigor do Cdigo Mercantil Napolenico em 1807. A proposta deste Cdigo foi objetivar o tratamento jurdico da atividade mercantil com a adoo da teoria dos atos de comrcio.

6 7

COELHO, Fbio Ulhoa. Curso de direito comercial. 7. ed. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 13 REQUIO, Rubens. Curso de direito comercial. Vol. 1. 25. ed. Atual. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 13.

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Inspirados nos ideais da Revoluo Francesa liberdade, igualdade e fraternidade a proposta dessa teoria abarcar com o direito comercial todos aqueles que se dedicassem atividade mercantil, independentemente, de estarem ou no afiliados a alguma corporao de classe. Pela teoria dos atos de comrcio, comerciante era aquele que praticava atos de comrcio. No entanto, a insuficincia da teoria dos atos de comrcio forou o surgimento de outro critrio identificador do mbito de incidncia do direito comercial,8 uma vez que ela no abrangia atividades econmicas to ou mais importantes que o comrcio de bens, tais como a prestao de servios, a agricultura, a pecuria e a negociao imobiliria.9 O surgimento desse novo critrio s veio ocorrer, todavia, mais de cem anos aps a edio dos cdigos napolenicos, e em plena Segunda Guerra Mundial. Importante salientar que a orientao dita objetiva do Cdigo Francs de 1807 acabou sendo seguida por vrios outros cdigos. Assim foi com o Cdigo Comercial Espanhol de 1829, o Portugus de 1833, o Brasileiro de 1850, o Cdigo Comercial Italiano de 1882, entre outros. Mais de um sculo aps a edio da codificao napolenica, em 1942, a Itlia edita um novo Cdigo Civil, trazendo, enfim, um novo sistema delimitador da incidncia do regime jurdico comercial: a teoria da empresa. 10 A teoria da empresa no divide os atos em civis ou mercantis. Para a teoria da empresa, o que importa o modo pelo qual a atividade econmica exercida. O objeto de estudo da teoria da empresa no o ato econmico em si, mas sim o modo como a atividade econmica exercida. Alm disso, o Cdigo Civil italiano promove uma unificao formal do direito privado,11

disciplinando as relaes civis e comerciais num nico diploma legislativo.

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O

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COELHO, Fbio Ulhoa. Manual de direito comercial. 14. ed. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 08. OPES NERILO, Lucola Fabrete. O direito empresarial superando o arcaico sistema dos atos de comrcio. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002, Disponvel em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2698. Acesso em: 16.08.2007. 10 Embora o Cdigo Civil italiano de 1942 tenha adotado a chamada teoria da empresa, no definiu o conceito jurdico de empresa. Na formulao deste conceito, merece destaque a contribuio doutrinria de ALBERTO ASQUINI, brilhante jurista italiano que analisou a empresa como um fenmeno jurdico polidrico, que apresentava variados perfis: subjetivo, funcional, objetivo e corporativo. Sobre o tema, confira-se: ASQUINI, Alberto. Perfis da empresa. Traduo de Fbio Konder Comparato. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econmico e Financeiro, So Paulo: Malheiros, v. 35, n. 104, out./dez. 1996, p. 109-126. 11 A unificao dos cdigos de direito privado em Itlia produziu-se, pelo menos, por duas ordens de razes: as primeiras, de carter ideolgico, e as segundas de natureza poltico-econmica, ambas conexas no entanto com a experincia autoritria que o nosso pas vivia nesse perodo (GALGANO, Francesco. Histria do direito

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direito comercial entra, enfim, na terceira fase de sua etapa evolutiva, superando o conceito de mercantilidade (perodo subjetivo das Corporaes de Ofcio) ou dos atos de comrcio (perodo objetivo da codificao napolenica) e passa a adotar o conceito da empresarialidade como forma de delimitar o mbito de incidncia da legislao comercial, alcanando maior amplitude para acomodar-se plasticidade da economia poltica. Segundo Waldirio Bulgarelli, nos dias que correm, transmudou-se (o direito comercial) de mero regulador dos comerciantes e dos atos de comrcio, passando a atender atividade, sob a forma de empresa, que o atual fulcro do direito comercial. 13 O cerne da teoria da empresa est no ente economicamente organizado que se chama empresa, a qual pode se dedicar tanto a atividades eminentemente comerciais como a atividades de prestao de servios ou agricultura antes no abrangidos pelo Direito Comercial. Para a teoria da empresa todo empreendimento organizado economicamente para a produo ou circulao de bens ou servios est submetido regulamentao do Direito Comercial. No Brasil, o Cdigo Comercial de 1850, assim como a grande maioria dos cdigos editados nos anos 1800, adotou a teoria francesa dos atos de comrcio, por influncia da codificao napolenica. O Cdigo Comercial de 1850 definiu o comerciante como aquele que exercia a mercancia de forma habitual, como sua profisso. Embora o prprio cdigo no tenha dito o que considerava mercancia (atos de comrcio), o legislador logo cuidou de fazlo, no Regulamento n. 737, tambm de 1850. Prestao de servios, negociao imobiliria e atividades rurais foram esquecidas, o que corrobora a crtica j feita ao sistema francs. Em 1875, o Regulamento n. 737 foi revogado, mas o seu rol indicativo dos atos de comrcio continuou sendo levado em conta, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudncia, para a definio das relaes jurdicas que mereceriam disciplina jurdico comercial.14

comercial. Traduo de Joo Esprito Santo. Lisboa: Editores, 1990, p. 103). O jurista italiano se referia ao fascismo, ideologia poltica vigorante em 1942, ano da edio do Codice Civile. 12 Embora os doutrinadores italianos, sobretudo Cesare Vivante (em razo da repercusso da famosa aula inaugural de seu curso na Universidade de Bolonha, em 1892), sejam reconhecidos como os grandes pioneiros na defesa da unificao direito privado, e o Codice Civile de 1942 seja mencionado por muitos como o primeiro diploma a concretiz-la, a verdade que o primeiro jurista a defender a tese da unificao foi o notvel Teixeira de Freitas, e o primeiro diploma legislativo a consagr-la, ao menos em parte, foi o cdigo suo de obrigaes, editado em 1881. 13 BULGARELLI, Waldirio. Direito comercial. 15. ed. So Paulo: Atlas, 2000, p. 19. 14 COELHO, Fbio Ulhoa. Curso de direito comercial. 1 volume. 7 ed. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 15.

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Entretanto, com a adoo da teoria francesa dos atos de comrcio pelo direito comercial brasileiro no se conseguia justificar a incidncia das normas do regime jurdico comercial a algumas atividades tipicamente econmicas e de suma importncia para a atividade negocial, como a prestao de servios, a negociao imobiliria e a pecuria. Por estes fatos, e em razo da divulgao das idias da teoria da empresa, aps a edio do Codice Civile italiano de 1942, pode-se perceber uma ntida aproximao do direito brasileiro ao sistema italiano. O Cdigo Civil revogado, a destarte de sua clareza e preciso jurdica, possua um carter predominantemente patrimonial e individualista, prevalecendo, devido ao momento histrico de sua elaborao, que refletiu a sociedade rural da poca, o princpio "pacta sunt servanda". Em razo de ter sido elaborado no incio do sculo, no podia o legislador prever as mudanas sociais e tecnolgicas que viriam como as duas grandes guerras, o fortalecimento das empresas, a mudana no papel da mulher na sociedade, entre outros fatores. Nesse sentido mesmo sentido j se pronunciaram em suas obras os juristas Slvio de Salvo Venosa15 e Silvio Rodrigues. 16 A Lei 10.406/02, que instituiu o novo Cdigo Civil em nosso ordenamento jurdico, completou a to esperada transio do direito comercial brasileiro: abandonou-se a teoria francesa dos atos de comrcio para adotar-se a teoria italiana da empresa. Seguindo risca a inspirao do Codice Civile de 1942, o novo Cdigo Civil brasileiro derroga grande parte do Cdigo Comercial de 1850, na busca de uma unificao, ainda que apenas formal, do direito privado. Do Cdigo Comercial resta hoje apenas a parte segunda, relativa ao comrcio martimo (a parte terceira das quebras j havia sido revogada pelo DL n. 7.661/45, que era a antiga Lei de Falncias, hoje revogada e substituda pela Lei n. 11.101/05, a Lei de Recuperao de Empresas). O Cdigo Civil de 2002 trata, no seu Livro II, Ttulo I, do Direito de Empresa. Desaparece a figura do comerciante, e surge a figura do empresrio (da mesma forma, no se fala mais em sociedade comercial, mas em sociedade empresria). A mudana, porm, est longe de se limitar a aspectos terminolgicos. Ao disciplinar o direito de empresa, o direito brasileiro se afasta, definitivamente, da ultrapassada teoria dos atos de comrcio, e incorpora a

15

VENOSA, Silvio de Salvo. Novo cdigo civil: Texto comparado: Cdigo Civil de 2002, Cdigo civil de 1916. So Paulo: Atlas, 2003, p. 29-30. 16 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Parte geral. v. 1. 29 ed. So Paulo: Saraiva, 1999, p. 12.

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teoria da empresa ao nosso ordenamento jurdico, adotando o conceito de empresarialidade para delimitar o mbito de incidncia do regime jurdico comercial. No se fala mais em comerciante, como sendo aquele que pratica habitualmente atos de comrcio. Fala-se agora em empresrio, sendo este o que exerce profissionalmente atividade econmica organizada para a produo ou a circulao de bens ou de servios (CC/02, art. 966). E como se fosse necessrio extremar outras atividades (nem econmicas, nem de produo ou circulao, no conceito corrente, para o qual indiferente a figura do prestador e do recebedor dos servios), o pargrafo nico do art. 966 diz no se considerar empresrio quem exerce profisso intelectual, de natureza cientfica, literria ou artstica, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exerccio da profisso constituir elemento da empresa. Muitas so as mudanas trazidas pelo novo Cdigo Civil, com relao ao Cdigo de 1916, porm falar sobre todas seria muito dispendioso e fugiria do escopo do presente trabalho. Importante destacar que o fenmeno da interferncia constitucional no Direito Civil causou grandes impactos e prevalece nesse sentido o princpio de que os interesses e necessidades da coletividade se sobrepem aos interesses individuais, devendo a propriedade e tambm a empresa, primariamente, atender sua funo social, sem perda do valor fundamental da pessoa humana.

1.1 Proteo Constitucional da Propriedade e da Empresa

A Constituio Brasileira pode ser considerada a Constituio Econmica, por empreender um conjunto de normas que, garantindo os elementos definidores de um sistema econmico, estabelece os princpios fundamentais de determinada forma de organizao e funcionamento da economia e constitui uma ordem econmica. A palavra empresa deriva do latim prehensus, de prehendere (empreender, praticar) e tem como sentido o empreendimento ou cometimento intentado para a realizao de um objetivo. 17

17

SILVA, De Plcido e. Noes prticas de directo comercial. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 255.

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A anlise da empresa como atividade empresarial dirigida a determinado escopo especulativo conhecido como funcional, onde distingue de seus sentidos subjetivos (empresrio), patrimonial (estabelecimento) e corporativo (empregados).Empresa a atividade econmica organizada para a produo ou circulao de bens ou servios. Sendo uma atividade, a empresa no tem a natureza jurdica de sujeito de direito nem de coisa. Em outros termos, no se confunde com o empresrio (sujeito) nem com o estabelecimento empresaria (coisa)18

De acordo com esse conceito, destaca-se o aspecto funcional, caracterizando a mesma como uma atividade, destacando a relao entre o sujeito de direito que a exercita e o objeto de direito, assim, constatamos que o exerccio da Empresa Privada nada mais do que o exerccio da Propriedade Privada, da decorrendo a necessidade de se analisar se ela est adstrita aos preceitos da ordem econmica constitucional. A partir da observao do artigo 170, III da Constituio Brasileira, conclui-se que a Empresa est ali contemplada como ente integrante da ordem econmica nacional, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, desde que observados os princpios da Propriedade Privada e da Funo Social da Propriedade.Para Duguit a propriedade instituio jurdica que se formou para responder a uma necessidade econmica, como todas as instituies jurdicas, e ela evoluciona no mesmo ritmo das necessidades econmicas; e estas necessidades, transformando-se em necessidades sociais, transformam a propriedade em funo social, considerando a interdependncia cada vez mais estreita dos elementos sociais.19

Constata-se, portanto, que para se investigar a funo social da empresa, no se pode consider-la apenas como uma mera obrigao legal e originria da propriedade, pois isso revelaria apenas uma vaga e imprecisa maneira de definir a funo social da propriedade aplicvel empresa.

CAVALLAZI FILHO, Tullo; A funo social da empresa e seu fundamento constitucional; Florianpolis: OAB/SC Editora, 2006, p. 50. 19 DUGUIT, Leon. Las transformaciones del Derecho Publico y Privado. Buenos Aires: Editorial Heliasta S.R.L., 1975, p.178-179.

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A teoria de Leon Duguit traz o conceito jurdico originrio de funo social da propriedade, sob uma perspectiva indita, substituindo a noo de direito subjetivo de propriedade por uma teoria da funo social. 20 Duguit sustenta que a propriedade no tem mais um carter absoluto e intangvel e que o proprietrio, pelo fato de possuir uma riqueza (propriedade), deve cumprir uma funo social. Seus direitos de proprietrio s estaro protegidos se ele cultivar a terra ou se no permitir a runa de sua casa, caso contrrio ser legtima a interveno do Estado no sentido de obrigar o cumprimento de sua funo social. 21 A originalidade desta teoria est na adoo de uma concepo solidarista do Direito, em que o exerccio dos direitos deve dirigir-se ao cumprimento de funes impostas pela solidariedade social e no apenas em razo da concepo de propriedade como direito subjetivo absoluto. Entretanto, crticas foram feitas teoria de Duguit, pois ao definir o contedo da funo social da propriedade, houve um exagero para o outro extremo da problemtica da liberdade: praticamente suprimiu-a. A partir desta perspectiva, o conceito de propriedade seria transformado em propriedade-funo e o direito no protegeria o direito subjetivo de ser proprietrio, mas apenas garantiria a liberdade de o proprietrio fazer com que sua riqueza cumpra a sua funo social, o que levaria a uma socializao da propriedade, tomada no sentido de produo de efeitos para toda a sociedade. 22 A crtica feita por Costa teoria de Duguit aborda o contedo do direito de propriedade, que por ser conferido pelo Estado, poderia ficar sujeito consecuo de determinados fins definidos pela ordem jurdica. Por essa razo, possvel exigir do titular desse direito o atendimento a um conjunto de deveres positivos e negativos em face da comunidade. Dessa maneira,o proprietrio no tem o direito subjetivo de usar a coisa segundo o arbtrio exclusivo de sua vontade, mas o dever de empreg-la de acordo com a finalidade assumida pela norma de direito objetivo. 23

20 21

Idem. Ibidem. 22 Ibidem. p. 240. 23 COSTA, Moacyr Lobo da. Trs estudos sobre a doutrina de Duguit. So Paulo: cone, 1997, p. 32.

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Na verdade, a funo social da propriedade uma forma de compatibilizar a fruio individual do bem e o atendimento da sua funo social visando que o titular da propriedade no abuse do seu direito. Observa Hely Lopes Meirelles, que a propriedade continua a ser um direito individual, mas um direito individual condicionado ao bem estar da comunidade. 24 Nesse sentido, h uma relao de profunda integrao da funo social da propriedade e a funo social da empresa, pois ambas demonstram peculiar importncia para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitria, de acordo com os preceitos da Constituio Federal de 1988. A indicao do dinamismo e da repercusso da atividade empresarial tem salutar importncia para demonstrar que a empresa no um objeto ou bem corpreo, mas sim, um conjunto de bens que, reunidos e movimentados pelo homem, realizam um determinado fim, tornando-se um desdobramento da propriedade privada com importante papel no desenvolvimento da ordem econmica nacional. Frisa-se assim que, a empresa privada ao inserir-se no contexto da ordem econmica constitucional, est diretamente submissa ao conformadora do Estado sobre a economia e sobre o domnio econmico, portanto, torna-se irrefutvel a importncia do papel da empresa na realizao da poltica econmica e social do pas, que a constituem num dos principais agentes de desenvolvimento da nao.Pelas caractersticas econmicas e jurdicas, normalmente as Empresas de maior porte so controladas por Sociedades Empresrias do tipo Annimas, que so juridicamente disciplinadas no Brasil pela Lei n 6.404, de 15 de dezembro de 1976, tambm denominada de Lei das Sociedades Annimas ou Lei das S/A.25

Em verdade, sabe-se que a atividade empresarial desenvolvida pelas Sociedades Annimas faz a empresa assumir tambm uma responsabilidade de cunho comunitrio, no ficando adstrita apenas aos interesses particulares de sua sociedade controladora e de seus administradores, mas tambm ao interesse comum de toda a comunidade na qual est inserida. Desta forma, com a vida em sociedade, a utilizao da propriedade dos bens de produo como um objeto natural ocasionou um papel acoplado sociedade, denominado

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19. ed., So Paulo: Malheiros, 1994, p. 504. CAVALLAZZI FILHO, Tullo. A funo social da empresa e seu fundamento constitucional; Florianpolis: OAB/SC Editora, 2006, p. 12125

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papel social, j que a vida em sociedade desencadeia inmeras relaes sociais, onde cada pessoa e objeto passam a ter um fim implcito. Desempenhando suas atividades de forma natural ou utilizando os objetos que possuem, as pessoas passam a dar-lhes uma destinao que influencia a vida dos outros indivduos. O papel que um bem ou uma pessoa exerce naturalmente denominado papel social. O papel social da empresa privada a produo e a circulao de mercadorias, que o fim para o qual foi constituda. Isso no significa que tais institutos sejam intrnsecos quele, que existe por si s. Pode haver papel social sem que haja uma funo social, uma responsabilidade social ou mesmo uma atuao filantrpica. De fato o Estado Liberal garante o direito subjetivo de propriedade para que todas as pessoas possam adquirir e desfrutar dos bens, e o Estado Social faz da propriedade um bem posto a disposio de todos e que s pode ser utilizado na busca do bem social. O Estado do bem-estar social, quando garante o direito de propriedade, impe um regime jurdico que constitui fundamentos e objetivos jurdicos ao direito de propriedade, fazendo deste direito subjetivo uma verdadeira funo disposio da vida em sociedade. A base legal sobre a funo social da propriedade est prevista na Constituio Federal de 1988, quando prescreve que a propriedade atender a sua funo social. (art. 5, XXIII). De outro lado, nas suas disposies sobre os princpios gerais da atividade econmica, a Constituio estabelece que a ordem econmica brasileira dever observar o princpio da funo social da propriedade. (art. 170, III). Por sua vez, o Cdigo Civil vigente, ratificando o texto constitucional, consagrou, no mbito das relaes jurdicas por ele regidas, o princpio da funo social da propriedade, conforme as disposies dos artigos 421 e 1228, 1. A funo social e o interesse social tambm esto explcitos no Estatuto da Cidade, Lei 10.257/01, quando dispe que as normas de ordem pblica e interesse social regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurana e do bem-estar dos cidados, bem como do equilbrio ambiental. A mesma lei, em seu artigo 2, inciso VIII estabelece como diretriz geral, que a adoo de padres de produo e consumo de bens e servios e de expanso urbana, devem ser compatveis com os limites da sustentabilidade ambiental, social e econmica do Municpio e do territrio sob sua rea de influncia. O Cdigo de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, tambm aborda a funo social da empresa como tema de suma importncia, pois estabelece normas de proteo e defesa do

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consumidor, de ordem pblica e interesse social. A citada lei prescreve em seu artigo 28, que o juiz poder desconsiderar a personalidade jurdica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infrao da lei, fato ou ato ilcito ou violao dos estatutos ou contrato social. A desconsiderao tambm ser efetivada quando houver falncia, estado de insolvncia, encerramento ou inatividade da pessoa jurdica provocados por m administrao. A Lei Antitruste tambm cumpre importante funo social, pois limita a atuao da empresa e do empresrio em relao aos interesses socialmente relevantes, descrevendo as condutas que constituem infrao de ordem econmica. A Lei 8.884/94, nos seus artigos 20 e 21 prev as prticas previstas como ilcitas pela lei e que devem ser combatidas. A nova Lei de Recuperao de Empresas e de Falncias tambm faz aluso funo social da empresa. Segundo Alexandre Husni:Essas situaes contribuem para o raciocnio no sentido de que se a empresa em crise, alm das caractersticas organizacionais que possam se fazer presentes para justificar um prosseguimento da atividade aps a falncia, possui envolvimento no campo da responsabilidade social, este

detalhamento dever ser algo a ponderar o juiz quando da avaliao da necessidade de continuao de negcios, em face dos desdobramentos favorveis dos projetos sociais em desenvolvimento no momento da crise econmica e da contribuio para a reduo das diferenas sociais, levandose crena de que mesmo na falncia a empresa ser importante material de apoio para o crescimento sustentvel, desde que bem dirigida para a unio de sua atividade fim de natureza econmica e funo social.26

No artigo 47 da Lei 11.101/05, podem ser encontrados os elementos norteadores dos objetivos finais da citada lei, pois preconizam que a recuperao judicial tem por objetivo viabilizar a superao da situao de crise econmico-financeira do devedor, a fim de permitir a manuteno da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservao da empresa, sua funo social e o estmulo atividade econmica.

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HUSNI, Alexandre. Empresa socialmente responsvel Uma abordagem jurdica e multidisciplinar. So Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 85.

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Pela anlise do texto legal, fica claro que para proteger a pessoa jurdica, o legislador parte da premissa de proteo da empresa e sua atividade econmica organizada, ou seja, supera-se a situao de crise econmico-financeira da sociedade, criando-se mecanismos para a perenizao da atividade empresarial, justamente porque a empresa possui uma reconhecida funo social. Na apresentao de seus comentrios Nova Lei De Recuperao De Empresas E Falncias, Newton De Lucca afirma que a Nova Lei de Falncias fez aluso expressa funo social da empresa e que o Cdigo Civil silenciou inteiramente a respeito dessa mesma funo relativamente atividade empresarial, motivo pelo qual levou ao Congresso Nacional a sugesto, para o artigo 966, de um pargrafo do seguinte teor: 1 - O exerccio da atividade empresarial, para ser legtimo, deve cumprir necessariamente, a sua funo social.27 Assinala ainda De Lucca, que na I Jornada de Direito Civil foi aprovado o Enunciado n 53, relativo ao artigo 966 do novo Cdigo Civil, assim redigido: Deve-se levar em considerao o princpio da funo social na interpretao das normas relativas empresa, a despeito da falta de referncia expressa.28 Para Alexandre Husni, uma vez que as empresas tenham um engajamento adequado no cumprimento de sua funo social, quer porque so ativas em projetos sociais ou porque possuem uma excelente poltica de relacionamento com os seus trabalhadores e fornecedores por conta da adequao ao sistema de governana corporativa e que trabalham na linha de uma conduta tica empresarial, tero maiores possibilidades de obter xito nas formulaes contidas no Plano que possam apresentar aos credores como forma de recuperao. 29 Verifica-se a partir da simples leitura dos referidos dispositivos legais que o instituto da funo social da propriedade existe como norma jurdica no nosso ordenamento, na qualidade de princpio jurdico. No obstante a previso expressa, porm difusa, da funo social da empresa, possvel afirmar que a ausncia de sanes torna as normas estreis, o que se justifica. Afinal, eventual intromisso do Estado na administrao empresarial poderia resultar em fuga de capitais no mercado financeiro e conseqente prejuzo macro-econmico maior. Importante ressaltar ainda que o legislador ptrio tentou caminhar no sentido de tornar expresso o princpio da funo social no mbito das empresas, a teor do projeto de lei

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DE LUCCA, Newton e SIMO FILHO, Adalberto. (coordenao). Comentrios nova lei de recuperao de empresas e de falncias. So Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 201-210. 28 Idem. 29 Ob. cit. p. 86.

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n 1305/2003, apresentado na Cmara dos Deputados Federais, cujo autor o Deputado Bispo Rodrigues. O projeto de lei, apresentado Cmara dos Deputados Federais em 24 de junho de 2003, visava regulamentar a Responsabilidade Social das Sociedades Empresrias, apresentar a definio de Responsabilidade Social, estabelecer regras de transparncia, alm de prever infraes administrativas. Entretanto, apesar de ter recebido alguns pareceres favorveis durante a tramitao do projeto de lei, o parecer final do relator foi pela rejeio do projeto, argumentando que a aprovao da proposta, s contribuiria para burocratizar o processo, pois expressivo o crescimento do nmero de empresas que vem assumindo suas responsabilidades sociais, independentemente da existncia de norma legal regulando a matria e, portanto, em 31 de janeiro de 2007, foi arquivado pela Mesa Diretora da Cmara dos Deputados. 30 Apesar da chamada lei da Responsabilidade Social e das Sociedades Empresrias no ter sido aprovada, de fundamental importncia vida em sociedade e atividade econmica, o papel social da empresa privada, pois com a Constituio de 1988, adquiriu um status de funo social que passou a ter como fundamentos e objetivos, alm dos fundamentos bsicos da organizao poltica estatal, os ditames da ordem econmica constitucional, tendo, portanto, relevante importncia para o desenvolvimento sustentvel.

1.2 Empresa e sua Funo Econmica

O artigo 170, II, da Constituio Federal estabelece que a ordem econmica baseada na livre iniciativa, ou seja, em uma economia de mercado capitalista e que sua finalidade garantir a todos uma existncia digna. Isso significa que a funo da atividade econmica a satisfao das necessidades bsicas dos indivduos, tais como: alimentao, vesturio, habitao, sade, educao, transporte e lazer. A funo das empresas atender prioritariamente s necessidades mnimas das pessoas em termos de bens e servios. Isso reforado pelo disposto no inciso III que consagra a funo social da propriedade, e no inciso VIII estabelece o princpio da busca do pleno emprego, e coloca a gerao de empregos dentro da funo social das empresas. A atividade econmica s se legitima quando cumpre sua finalidade, que assegurar a todos uma existncia digna. Apesar de esta afirmao parecer romntica, deve ser entendida30

Disponvel em: http://www2.camara.gov.br/proposicoes Acesso em 25.02.2008.

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a partir da asseverao de que no se pode ter crescimento econmico sustentvel sem o equilbrio entre o desenvolvimento social e a preservao ambiental. Para Ademir Clemente, h uma distino clara sobre o conceito de crescimento e desenvolvimento:Parte da polmica em torno do conceito de desenvolvimento consiste na diferenciao entre crescimento e desenvolvimento. O crescimento econmico, conforme muitos autores, refere-se ao crescimento da produo e da renda, enquanto o desenvolvimento, elevao do nvel de vida da populao. Primeiro, necessrio observar que, em condies normais, a elevao do nvel de vida da populao somente possvel pela elevao do nvel de renda da sociedade. (A outra possibilidade seria a distribuio da renda com diminuio absoluta da renda dos estratos mais ricos). Alm disso, se a elevao da renda no for superior ao crescimento demogrfico, toda a sociedade estaria empobrecendo e no seria adequado falar em desenvolvimento. 31

Do mesmo modo discorre Amartya Sen, enfatizando que:O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privao de liberdade: pobreza e tirania, carncia de oportunidades econmicas e destituio social sistemtica, negligncia dos servios pblicos e intolerncia ou interferncia de Estados repressivos. 32

O mundo atual no reconhece liberdades elementares a um grande nmero de pessoas. H casos em que a privao dessa liberdade est relacionada diretamente com a pobreza econmica, em outros, vinculada carncia de servios pblicos e assistncia social, e em outros, resultado a uma negao de autonomia poltica e civil adotada por regimes autoritrios, privando da participao da vida social, poltica e econmica da comunidade. Nos ltimos anos, conforme relata Anna Peliano, tem sido observado que as empresas privadas e as organizaes do terceiro setor vm mobilizando um volume cada vez maior de recursos destinados a iniciativas sociais. Tal multiplicao de iniciativas privadas

CLEMENTE, Ademir; HIGACHI, Hermes. Economia e desenvolvimento regional. So Paulo: Atlas, 2000, p. 130-148 32 32 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como liberdade. Traduo de Laura Teixeira Motta. So Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 18.

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com sentido pblico um fenmeno relativamente recente. O protagonismo dos cidados e de suas organizaes rompe a dicotomia entre pblico e privado, no qual o pblico sinnimo de estatal, e o privado, de empresarial. A atuao das empresas em atividades sociais e a expanso do terceiro setor do origem a uma esfera pblica no estatal. 33 Ao ser analisada a positivao e regulao da atividade econmica pela Constituio Federal de 1988, atravs da instituio da ordem jurdico-econmica constitucional, percebese que a regulamentao da atividade econmica, apesar de positiva em um ttulo especfico, encontra-se espelhada por todo o texto constitucional, consagrando um regime de mercado organizado. Ao positivar os valores scio-econmicos, a Constituio instituiu uma ordem jurdica e econmica que trouxe a funo social da empresa privada como um instrumento consecuo dos seus fundamentos e objetivos, transformando o direito de propriedade, assim, a funo social passou a fazer parte do regime jurdico-econmico do direito de propriedade. Ainda segundo as normas constitucionais, o direito de propriedade, quando constitudo sobre um bem de produo, deve ser analisado tendo em vista o fundamento e objetivo econmico da propriedade, pois as limitaes poltico-econmicas impostas ao direito e no ao seu exerccio, tem como fundamento a ordem jurdico-econmica, que traz expressamente a distino entre propriedade de consumo e propriedade de produo, impondo a esta a garantia da ordem jurdico-econmica, da valorizao do trabalho humano e da livre iniciativa, j que a propriedade fundamento da ordem jurdico-econmica. Por tratar ainda de uma construo jurdica relativamente recente, o chamado Direito Empresarial enfrenta uma larga problemtica de definio de suas reas de aplicao, bem como de sua interao com o ordenamento jurdico.34 Sobre o tema Bulgarelli afirma:

A variedade dos problemas apresentados, na atualidade, na aplicao do chamado Direito Empresarial, decorre ao menos de duas questes genricas: uma, de natureza fenomenolgica, oriunda das transformaes na economia e na sociedade, desde o primeiro perodo da Revoluo Industrial,

PELIANO, Anna Maria T. Medeiros. Iniciativa privada e o esprito pblico: um retrato da ao social das empresas do sudeste brasileiro. Braslia: IPEA, 2000, p. 25. 34 CAVALLAZZI FILHO, Tullo. A funo social da empresa e seu fundamento constitucional; Florianpolis: OAB/SC Editora, 2006, p.52.

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culminando hoje com a presena onipotente da empresa, no cenrio econmico-social interno e internacional; outra, no plano jurdico propriamente dito, que tem como causa a imperfeita compreenso tanto do prprio fenmeno econmico da empresa, quando da sua repercusso sobre os ordenamentos jurdicos, ainda no suficientemente adequados a esta nova realidade.35

Para Borba, o ponto referencial dessa evoluo consta de situar a empresa na vida econmica, como ente dominante ou como agente executivo da poltica econmica e, como tal, emprenhada no cumprimento dos princpios ideolgicos que norteiam toda a ordem jurdico-econmica de uma nao. Tais reflexes encontram-se expostas assim:

O conceito jurdico de empresa foi construdo a partir de seu conceito econmico, cabendo observar que o Cdigo Francs de 1807 j inscrevia a empresa entre os atos de comercio da mesma forma que o nosso Regulamento 737, de 1850, que tambm j referia as empresas de fabricas.36

Da leitura do artigo 170, III, da Constituio Federal conclui-se que a empresa est ali contemplada como ente integrante da ordem econmica nacional, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, desde que observados os princpios da propriedade privada e da funo social da propriedade. Assim, na Constituio de 1988, o direito da empresa passou a ser disciplinado como um fundamento ordem econmica constitucional e no apenas como um direito subjetivo absoluto. A funo social da empresa privada surgiu como instrumento disciplinador do direito de propriedade, principalmente dos bens de produo, na busca do cumprimento dos objetivos e fundamentos da ordem jurdico-econmica constitucional. Pode-se afirmar que no exclusivamente o lucro a ser obtido em razo da atividade que garante a vida da empresa privada. Eros Grau compartilha dessa idia ao afirmar que:

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BULGARELLI, Waldrio. Problemtica do Direito empresarial. In Revista de Direito Mercantil, So Paulo: Revista dos Tribunais, N 82, p. 62. 36 BORBA, Jos Edwaldo Tavares. Direito Societrio. 8 ed. Rio de Janeiro: Renocar, 2003, p. 11.

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No isolada a afirmao de que no mais a preocupao com os lucros, mas a distribuio equitativa de benefcios que se coloca como fim da empresa.37

Aps a formao de seu capital privado, a empresa transforma-se em uma atividade econmica para criao de riquezas, gera postos diretos e indiretos de trabalho, satisfazendo no apenas os interesses de seus administradores, como tambm o de seus empregados, fornecedores e da comunidade local na qual est inserida. Portanto, o direito de atuar na atividade econmica ganhou uma amplitude maior, j que o desenvolvimento sustentvel uma questo-chave para o futuro do Pas e do planeta. Constata-se atravs da nossa legislao constitucional, que as empresas possuem papel fundamental perante a sociedade na consolidao da viso de desenvolvimento. extremamente importante repensar a forma de fazer negcios, buscar tecnologias mais limpas, desenvolver relacionamentos construtivos com todos os pblicos e promover a reduo das desigualdades sociais. De forma clara e sintetizando as idias apresentadas at agora, Comparato, ressalta o seguinte pensamento:

Se se quiser indicar uma instituio social que, pela sua influencia, dinamismo e poder de transformao, sirva de elemento explicativo e definidor da civilizao contempornea, a escolha indubitvel: essa instituio a empresa. dela que depende, diretamente, a subsistncia da maior parte da populao ativa deste pas, pela organizao do trabalho assalariado. (...) das empresas que provm a grande maioria dos bens e servios consumidos pelo povo, e delas que o Estado retira a parcela maior de suas receitas fiscais. em torno da empresa, ademais, que gravitam vrios agentes econmicos no-assalariados, como investidores de capital, os fornecedores, os prestadores de servio.38

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GRAU, Eros Roberto. Elementos de direito econmico. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p 116. COMPARATO, Fbio Konder. A reforma da empresa. Direito empresarial estudos e pareceres. So Paulo: Saraiva, 1995, p. 03

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As empresas no podem abster-se de seu papel na construo de uma sociedade mais justa. Estudos como este, so essenciais para promover iniciativas de desenvolvimento sustentvel com as lideranas empresariais do pas. Com dilogo e aprendizado a partir das melhores prticas, ser possvel disseminar conhecimentos, potencializar esforos e alcanar mais comunidades em um menor espao de tempo. Crescimento sustentvel significa sustentabilidade econmica, ambiental e social. As trs juntas representam um caminho para construir o futuro.

1.3 Empresa e sua Funo Social

Analisando a legislao ptria que cuida da funo social da empresa, verifica-se em nosso ordenamento jurdico, j na Constituio de 1967, com a emenda de 1969 a consagrao deste instituto jurdico no artigo 160, inciso III. Nossa Constituio Federal arrola entre os direitos e garantias fundamentais o direito a propriedade, previsto no artigo 5, XXII, condicionando, todavia, o seu exerccio ao atendimento da funo social no inciso XXIII. O direito a propriedade privada como um princpio reitor da ordem econmica financeira, tambm determina a observncia da funo social em seus artigos 170, II e III.39 A funo social ainda aparece na Constituio em seus artigos 182, 2 ao tratar da poltica de desenvolvimento urbano estabelecendo que a propriedade urbana cumpre sua funo social quando atende s exigncias fundamentais de ordenao da cidade expressas no plano diretor. E finalmente, a Constituio ainda aborda a temtica da funo social ao tratar da poltica agrria e fundiria e da reforma agrria, em seus artigos 184, 185 e 186, estabelecendo que compete Unio desapropriar imvel que no esteja cumprindo sua funo social, garantindo tratamento especial propriedade produtiva, fixando normas para o cumprimento dos requisitos relativos a sua funo social. A prpria Constituio estabelece quais so os critrios e graus de exigncia para que a propriedade rural cumpra sua funo social, declarando os seguintes requisitos: aproveitamento racional e adequado; utilizao adequada dos recursos naturais disponveis e

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ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. Funo social da microempresa e empresa de pequeno porte. In Constituio e processo. Coord. DIDIER JR, Fredie. WAMBIER, Luiz Rodrigues. GOMES JR, Luiz Manoel. Salvador: Editora Podium, 2007, p. 524.

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preservao do meio ambiente; observncia das disposies que regulam as relaes de trabalho; e explorao que favorea o bem-estar dos proprietrios e dos trabalhadores. Nesta perspectiva a propriedade deve ser vista no como um direito individual, mas relativizado, especialmente porque os princpios da ordem econmica so pr-ordenados em vista da realizao de seu fim, que assegurar a todos indivduos existncia digna conforme os ditames da justia social.40 Funo social de uma empresa pode ser entendida, pois, como um conjunto de todos os efeitos que um instituto jurdico exerce sobre a sociedade, com finalidade de atender aos seus interesses.41 Para identificar-se a efetiva funo social da empresa, preciso lembr-la como uma atividade que no est apenas e to somente restrita aos interesses particulares e a servio do lucro, mas tambm como um ente cujo perfil funcional est cada dia mais representado pelo atendimento de interesses comunitrios.42 Sobre a funo social da empresa, argumenta Adalberto Simo Filho que:O empresrio (exerccio individual da atividade empresarial) ou a sociedade empresarial (empresa coletiva revestida de forma societria), a nosso ver deve se pautar pela busca da funo social quando em trabalho de perseguio de seu objeto social. 43

Ao tratar sobre as principais atividades empresariais e sua subsuno ao regime jurdico das relaes de consumo, Newton De Lucca ressalta algumas atividades especficas: intuitivo que hospitais, escolas, bancos, seguradoras, transportes areos, etc. exercem uma atividade empresarial de muito maior significao social do que bazares, aougues, bares, hotis e restaurantes.44

Afirma Eros Roberto Grau45 que o princpio da funo social pressuposto necessrio da propriedade privada e, segundo ele, sua idia de vnculo que atribui

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SILVA, Jos Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 11 ed. So Paulo: Malheiros, 1996, p. 743. CAVALLAZI FILHO, Tullo; A funo social da empresa e seu fundamento constitucional; Florianpolis: OAB/SC Editora, 2006, p. 104. 42 Idem, p. 118. 43 SIMO FILHO, Adalberto. A nova empresarialidade. Revista de direito da Unifmu. 1 ed. So Paulo: Unifmu, 2003, v. 25, p. 12. 44 DE LUCCA, Newton. Direito do consumidor. So Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 205.

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propriedade um contedo especfico que a conduz a um novo conceito. Nesse sentido, a propriedade produtiva ganha uma funo social, seja pela presso dos terceiros interessados, seja pela obra e graa dos seus titulares. Dessa forma, o principio da funo social, ganha substncia quando aplicado a propriedade dos bens de produo, ou seja, na disciplina jurdica da propriedade dos referidos bens, implementada com uma destinao. A propriedade na qual reflete com maior intensidade os efeitos deste princpio a propriedade dinmica dos bens de produo. Assim, quando nos referimos funo social dos bens de produo em dinamismo, referimo-nos a funo social da empresa.46 Inegvel a importncia econmica da empresa, mas tambm significante delinear a funo social da empresa, e como bem destaca Eduardo Tomasevicius Filho, tal funo constitui o poder-dever de o empresrio e os administradores da empresa harmonizar as atividades da empresa, segundo o interesse da sociedade, mediante a obedincia de determinados deveres positivos e negativos. 47 Sobre os deveres positivos e negativos, merece destaque o pensamento de Fbio Konder Comparato, para quem os deveres negativos impostos pela necessidade de a empresa deter uma funo social, seriam os elencados no artigo 116 da Lei 6.404/76 (Lei das Sociedades Annimas), quando trata do acionista controlador, ao passo que os deveres positivos seriam os previstos no artigo 7 da Constituio Federal, relacionados aos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais com vistas a melhoria de sua condio social. 48 O artigo 154 da mesma lei das Sociedades Annimas, determina que o administrador deve satisfazer as exigncias da funo social da empresa e ainda autoriza a Diretoria ou o Conselho de Administrao a praticar determinados atos gratuitos em benefcio de empregados ou da comunidade, tendo em vista suas responsabilidades sociais. Pelo contedo expresso nos artigos, constata-se que o legislador estabeleceu uma funo social empresa e meios para que essa funo fosse cumprida. Nessa perspectiva pode-se afirmar que a empresa passou a se constituir num repositrio de mltiplos e variados interesses, indo do interesse privado dos acionistas ao interesse social.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econmica na constituio de 1988: Interpretao e crtica. 4. ed. So Paulo: Malheiros, 2000, p. 253. 46 GRAU, Eros Roberto. Elementos de direito econmico. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1981, p. 128. 47 TOMASEVICIUS FILHO, Eduardo. A funo social da empresa. v. 810. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 40. 48 COMPARATO, Fbio Konder. Estado empresa e funo social. So Paulo: RT 732, 1996, 38-46.

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A empresa no apenas uma mquina de fazer lucros que agem abstratamente no meio social sem consideraes de ordem tica. Nos dias atuais, ela tem severos e importantes deveres com a coletividade em cujo meio atua. Interessante questionamento e argumentao so apresentados por Paulo Roberto Colombo Arnoldi,49 ao afirmar que por esta perspectiva, poder-se-ia entender que somente o empresrio que explora suas atividades sob a forma de Sociedade Annima estaria sujeito a observar uma conduta condizente com a funo social, enquanto o empresrio em geral, regido pelas disposies do Cdigo Civil no estaria, o que no tem procedncia. O sistema jurdico no fechado ou compartimentado, mas plenamente suscetvel s influencias do meio social que est inserido. Ademais, o sistema jurdico interligado e comunicante. Neste contexto, so funes sociais da empresa: a realizao de contratos, a melhoria da condio humana e profissional dos empregados e de seus dependentes; a poltica de preos e de qualidade em relao aos consumidores; a preocupao da lealdade dos concorrentes, a fim de evitar concorrncia desleal e abuso do poder econmico, entre outros. Encontramos no Cdigo Civil matria relacionada funo social do direito de contratar, traduzindo em duas premissas apontadas por Adriana Mandem Theodoro de Mello, a partir do Artigo 421 do citado diploma:50

a) No h declarao de vontade livre e vinculante se os desiguais, social e economicamente considerados, no foram tutelados com normas jurdicas distintas tendentes a conferi-lhes isonomia e a realizar a mxima constitucional: todos so iguais perante a lei. Igualdade substancial (e no meramente formal) pressupe tratamento isonmico para os semelhantes. b) Por outro lado, a regulamentao dos contratos instrumento de regulao e planejamento econmico, de realizao de polticas sociais, promoo do progresso e manuteno da estabilidade social.

O legislador ao constatar a ameaa de violao direta ou indireta dos valores sociais consagrados em princpios gerais do ordenamento jurdico, como a economia popular, a livre

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ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. Funo social da microempresa e empresa de pequeno porte. In Constituio e processo. Coord. DIDIER JR, Fredie. WAMBIER, Luiz Rodrigues. GOMES JR, Luiz Manoel. Salvador: Editora Podium, 2007, p. 528. MELLO, Adriana Mandem Theodoro. A funo social do contrato e o principio da boa-f no novo cdigo civil brasileiro. Revista Sntese de Direito Civil e processual Civil. Porto Alegre: Sntese, v. 3, n 16, p. 142159, mar/abr, 2002, p. 147.

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concorrncia, a liberdade e as garantias individuais e sociais, a autonomia e soberania do Estado acabam por intervir na autonomia de vontade do contratante, em nome dos direitos coletivos, difusos e da funo social do contrato. Importante ressaltar ainda, que as sociedades nascem como um contrato e como o Cdigo Civil prev a funo social do contrato em seu artigo 421, essa funo automaticamente se estende ao contrato de sociedade, e deve ser entendido como incidente sobre a prpria causa do negcio. O Cdigo Civil prev ainda em seu artigo 1.228 que o proprietrio tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reav-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha, dispondo em seu pargrafo 1, que o direito de propriedade deve ser exercido em consonncia com as suas finalidades econmicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilbrio ecolgico e o patrimnio histrico e artstico, bem como evitada a poluio do ar e das guas. No Livro Complementar das Disposies Finais e Transitrias, o Cdigo Civil, em seu artigo 2.035, determina que a validade dos negcios e demais atos jurdicos, constitudos antes da entrada em vigor do citado Cdigo, obedece ao disposto nas leis anteriores, ou seja, o Cdigo Civil de 1916 e a Parte Primeira do Cdigo Comercial, (Lei 556, de 25 de junho de 1850), mas os seus efeitos, produzidos aps a vigncia deste Cdigo, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execuo. E o pargrafo nico do citado artigo dispe que nenhuma conveno prevalecer se contrariar preceitos de ordem pblica, tais como os estabelecidos pelo Cdigo para assegurar a funo social da propriedade e dos contratos. A lei que regula a recuperao judicial, a extrajudicial e a falncia do empresrio e da sociedade empresria (Lei 11.101/05) ao tratar especificamente da recuperao judicial em seu artigo 47, dispe que o objetivo viabilizar a superao da situao de crise econmicofinanceira do devedor, a fim de permitir a manuteno da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservao da empresa, sua funo social e o estmulo atividade econmica. Fica claro por este texto legal, que para a proteo da pessoa jurdica o legislador parte da premissa de proteo da empresa e sua atividade econmica organizada, ou seja, supera-se a situao de crise econmico-financeira da sociedade criando-se mecanismos para

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a perenizao da atividade empresarial, justamente porque a empresa possui uma reconhecida funo social, conforme argumentao de Alexandre Husni.51 Na legislao infraconstitucional, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01) ao regulamentar os artigos 182 e 183 da CF, estabelece em seu artigo 39 que a propriedade urbana cumpre sua funo social quando atende s exigncias fundamentais de ordenao da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidados quanto qualidade de vida, justia social e ao desenvolvimento das atividades econmicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2 da citada lei, ou seja, que a poltica urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funes sociais da cidade e da propriedade urbana. O Cdigo Florestal (Lei 4.771/65), tambm trata da funo social da propriedade em seu artigo 16, 4, quando dispe sobre a aprovao dos rgos estaduais competentes de localizaes de reservas legais, estabelecendo os critrios que devem ser observados. O Estatuto da Terra (Lei 4.504/64) possui vrios artigos que abordam as questes relacionadas funo social da propriedade, tais como: artigo 2, 1, 2, alnea b, artigo 12, 13, 18, alnea a, e artigo 47, inciso I. Em razo dessas disposies, constata-se a preocupao do legislador de garantir finalidades econmicas, sociais e ambientais no ordenamento jurdico, ainda que no haja referencia expressa funo social da empresa. Em relao empresa, Bulgarelli define:(...) Por funo social deve-se entender, no estgio atual do nosso desenvolvimento scio-econmico, o respeito aos direitos e interesses dos que se situam em torno da empresa. Da que a doutrina brasileira assinala essa funo relativamente aos trabalhadores, aos consumidores e comunidade, o que parece evidente.52

Considerando essas afirmaes, pertinente o seguinte questionamento: No caso de um conflito entre os interesses prprios da empresa, com unidade econmica, e o interesse geral da coletividade, deve o empresrio sacrificar o interesse empresarial em prol do bem comum, em nome da funo social da empresa?

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HUSNI, Alexandre. Empresa socialmente responsvel Uma abordagem jurdica e multidisciplinar. So Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 85 52 BULGARELLI, Wldrio. A teoria jurdica da empresa. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 284

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Apesar do aparente conflito existente no questionamento, a resposta mais adequada a possibilidade real de se harmonizarem estes interesses, de tal forma que se possa tanto caminhar na busca da lucratividade esperada, como tambm no cumprimento da funo social empresarial, conforme ensinamentos de Alexandre Husni. 53 Argumenta ainda Husni: 54

Na nossa tica, a questo proposta acerca da aparente dicotomia entre a busca da lucratividade esperada e a busca da funo social da empresa parte no tanto da vontade do empresrio ou da ideologia imprimida nos negcios sociais, mas sim da adequabilidade da empresa e aspirao do empresrio nesse sentido.

Ainda para Husni, os custos empresariais originados do cumprimento especfico da funo social devem estar sincronizados nos clculos e anlise econmica geral da empresa, contemplando assim recursos necessrios ao crescimento empresarial de forma sustentvel. Considerando essa afirmativa, pode-se pensar que apenas as grandes empresas, que possuem mais facilidade e fluidez de caixa, poderiam cumprir funo social e que as empresas menores, no dispondo de muitos recursos e com custos operacionais enxutos, teriam uma barreira real na execuo de um programa de responsabilidade social empresarial. Entretanto, para Ana Frazo de Azevedo Lopes55, empresas de qualquer porte podem cumprir com a funo social, pois a intersubjetividade da liberdade de iniciativa, no tem a finalidade de aniquilar as liberdades e os direitos dos empresrios, nem de tornar a empresa num simples meio para os fins da sociedade, mas possvel demonstrar o compromisso e as responsabilidades sociais, realizando um comportamento positivo, de acordo com a filosofia da empresa e na medida de suas possibilidades. Pela ordem natural, ao se referir ao papel social que uma pessoa exerce na sociedade, salienta-se as conseqncias e os efeitos naturais exercidos pela mesma. A

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HUSNI, Alexandre. Empresa socialmente responsvel Uma abordagem jurdica e multidisciplinar. So Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 80. 54 Idem. 55 LOPES, Ana Frazo de Azevedo. Empresa e propriedade Funo social e abuso de poder econmico. So Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 280.

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propriedade, no seu papel social tambm se encontra no exerccio ou utilizao natural da propriedade. Para identificar a efetiva Funo Social da Empresa, preciso lembr-la como uma atividade que no est apenas e to somente restrita aos interesses particulares e a servio do lucro, mas tambm como um ente cujo perfil funcional est cada dia mais representado pelo atendimento de interesses comunitrios. 56 Pode-se constatar que integram a natureza da funo social da empresa privada, alm dos interesses do empresrio, os interesses de terceiros, representados pelo interesse da sociedade que so garantidos pelo Estado. De acordo com a Constituio de 1988, o direito da empresa encontra-se disciplinado em uma organizao scio-poltico-econmica, denominada Estado, que tem dentre seus fundamentos e objetivos, o bem comum. Independentemente do tamanho ou setor da empresa, sua funo social pode ser definida como a gerao de valor sustentvel para seus acionistas e para a sociedade na qual est inserida. A capacidade de a empresa gerar valor no futuro que lhe agrega o adjetivo sustentvel. Conforme argumenta Paulo Roberto Colombo Arnoldi,57 o que se observa que no importa o tamanho da empresa. A preocupao com o social no deve ser exclusiva das mdias e grandes empresas, mas tambm das Micro Empresas e Empresas de Pequeno Porte, pois estas desempenham as mesmas funes e atribuies do que as grandes, s que em escala menor. A relao existente entre a funo social da empresa e o desenvolvimento sustentvel um argumento inequvoco a favor do bom negcio da sustentabilidade. Demonstra que a responsabilidade de cada empresa com as pessoas e o planeta , em ltima anlise, responsabilidade para com os interesses de seus acionistas e sua comunidade. Esse novo papel da funo social da empresa enfrentar as dificuldades em lidar com conceitos originais, sofrendo presses de diversos grupos de interesse, abordando temas to diversos quando o clima do planeta, a degradao ambiental, a corrupo, os ativos

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CAVALLAZZI FILHO, Tullo. A funo social da empresa e seu fundamento constitucional; Florianpolis: OAB/SC Editora, 2006, p.118. ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo. Funo social da microempresa e empresa de pequeno porte. In Constituio e processo. Coord. DIDIER JR, Fredie. WAMBIER, Luiz Rodrigues. GOMES JR, Luiz Manoel. Salvador: Editora Podium, 2007, p. 530.

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intangveis, o acesso ao capital, a governana corporativa, o gerenciamento de stakeholders58, o Balanced Scorecard,59 ecoefetividade, ecoinovao, riscos, tecnologia da informao e parcerias multissetoriais. Todos estes temas citados fazem parte da complexa agenda da sustentabilidade corporativa e da responsabilidade social empresarial.

CAPTULO 2 RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL

As primeiras idias que surgiram relacionadas responsabilidade social empresarial foram de filantropia empresarial, primeiramente nos Estados Unidos e depois se estenderam para o mundo. A ao filantrpica geralmente pontual e no requer um comprometimento maior do organismo produtivo, diferentemente da atitude socialmente responsvel, que prev uma atuao continua em diversas frentes.60 Alguns autores entendem que a Responsabilidade Social tenha se originado em um sentimento de culpa, aps o fracasso do Estado do Bem-Estar Social; outros acreditam que se trata de um modismo. Artur Roman61 reconhece a percepo de culpa por parte daqueles que teorizam sobre a Responsabilidade Social, mas vai mais longe:

A responsabilidade social deve ser compreendida como parte da articulao das foras econmicas neoliberais que buscam amenizar os flagelos que elas mesmas criaram. Responsabilidade social , portanto, em um primeiro momento, alvio para a conscincia pesada das empresas. Em um segundo momento, porm, deve ser incorporada s estratgias das empresas e aos58

Segundo o dicionrio Michaelis, ingls/portugus, stake significa marcar, delimitar com estacas, aposta, dinheiro apostado, risco, interesse, parte, ao. Hold significa ao de segurar, pegar, reter, possuir, ocupar. Literalmente, seria aquele que retm, possui um interesse, ocupa um espao de influncia. O termo stakeholders foi criado para designar todos os indivduos, pessoas, instituies ou ambiente que, de alguma maneira, so ou podero vir a ser afetados pelas atividades de uma empresa. Exemplo disso so os empregados, os consumidores, os acionistas, os fornecedores, o meio ambiente, a comunidade do entorno, a sociedade como um todo. 59 KAPLAN, Robert S. e NORTON, David P. A Estratgia em Ao - Balanced Scorecard. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 1-126. O Balanced Scorecard (abreviadamente BSC) uma metodologia de medio e avaliao das alternativas estratgicas, desenvolvida pelos norte-americanos Robert Kaplan (professor na Harvard Business School) e David Norton (consultor de empresas) e dada a conhecer pela primeira vez em 1992 num artigo publicado na Harvard Business Review. Objetiva simplificar a estratgia e a sua comunicao a todos os membros da organizao; alinhar a organizao com a estratgia; ligar a estratgia ao plano e ao oramento anual e medir a eficcia da estratgia. 60 HUSNI, Alexandre. Empresa socialmente responsvel Uma abordagem jurdica e multidisciplinar. So Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 26-27. 61 ROMAN, Artur. Responsabilidade social das empresas: Um pouco de histria e algumas reflexes. Revista FAE Business. Nmero 9, setembro de 2004, p. 36.

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seus valores organizacionais, pois uma das possibilidades de sobrevivncia do capitalismo em sua verso contempornea.

Apesar do sentimento de culpa estar ligado s primeiras iniciativas de responsabilidade social, a mesma no se coaduna com a natureza da empresa. Nas ltimas trs dcadas, o tema responsabilidade social empresarial vem sendo atacado e apoiado por vrios autores. Os autores contrrios ampliao das responsabilidades da empresa baseiam seus argumentos, principalmente, nas teses de Milton Friedman sobre direito de propriedade. Friedman, parte do principio de que a prtica de aes sociais no est de acordo com uma economia de mercado, representando um nus para a empresa, ou seja, um custo adicional que reduz sua eficcia no que diz respeito aos lucros almejados.

Existe uma e apenas uma responsabilidade social da atividade de negcios utilizar seus recursos e engajar-se em atividades delineadas para incrementar lucro tanto quanto possvel dentro das regras do jogo, qual seja, engajar-se em mercado livre e competitivo sem fraudes.62

O economista Friedman afirmou categoricamente (o artigo de mais repercusso foi publicado na revista do New York Times em 1970) que a nica responsabilidade social da empresa gerar lucro para seus acionistas, respeitadas as regras da sociedade (leis). Segundo o seu pensamento, a responsabilidade social da empresa, desvirtua sua finalidade por vrias razes. A principal delas a de que os acionistas da empresa que devem determinar como utilizar o dinheiro resultante do lucro e no os gestores, pois segundo seu entendimento, estes estariam fazendo caridade com o dinheiro dos outros. Alm do mais, empresas no so especialistas em gesto social, e poderiam ser ineficientes na destinao de recursos para fins de responsabilidade social. Radicalizando ainda mais seu argumento, Friedman afirma que, pelo fato de as empresas no serem seres humanos, no podemos lhes atribuir nenhum tipo de responsabilidade, que uma funo imanente a pessoas. Por isso, cabe apenas aos homens de

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FRIEDMAN, Milton. The social responsibility of business is to increase its profits. New York times Magazine, Nova York, 1970, p.123.

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negcios a posse de responsabilidades, e se ele deseja agir em prol do bem estar coletivo precisa agir de forma individual, sem colocar em jogo os objetivos e capitais da empresa. Face ao exposto, conclui - se que a viso economicista de Friedman atrela a empresa apenas sua funo financeira. Atualmente, a maioria dos autores que tratam do tema apresenta uma viso antagnica a de Friedman, ressaltando a real funo social das empresas, deixando claro que a busca do lucro no est em segundo plano, mas no o nico objetivo da empresa. Assim, em razo de Milton Friedman formular sua argumentao de que a nica responsabilidade social da empresa gerar emprego para a sociedade e lucro para os acionistas, prestou uma grande contribuio ao movimento da Responsabilidade Social Empresarial, que iniciou o movimento de reflexo sobre quais so realmente os valores relevantes para a empresa. A responsabilidade social assunto recente, teorizado e colocado em prtica apenas a partir da metade do sculo XX, poca de evoluo social e criao de novas organizaes em razo das falhas cometidas pelo governo nesta rea, que tem demonstrado no possuir condies de resolver todos os problemas sociais. Sabe-se que no Brasil, o crescimento da organizao da sociedade civil, antes limitado a alguns grupos de pessoas, muitas vezes na clandestinidade, ampliou-se com a promulgao da Constituio Federal de 1988, que estabeleceu com maior vigor os direitos sociais, ou seja, aqueles denominados de terceira gerao. Responsabilidade social, por estar em voga nos tempos atuais em razo da tendncia de fazer algo pelo social, um termo que ocasiona muitas dvidas sobre a sua definio.

Organizaes pblicas e privadas tm utilizado algumas formas de assistncia social, com o objetivo de melhorar a imagem de sua marca, produto ou servio junto comunidade ou sociedade, porm esquecendo de ser responsveis sociais, mantendo uma preocupao de fazer somente caridade social. 63

A responsabilidade social empresarial uma nova estratgia para aumentar o lucro e potencializar o desenvolvimento para as empresas, pois faz com que o consumidor, consciente dessas prticas, fidelize sua escolha valorizando os aspectos ticos ligados cidadania. So diversas as definies de responsabilidade social; para alguns representa a idia de obrigao legal, para outros significa um comportamento responsvel no sentido tico, e63

KARKOTLI, Gilson. Responsabilidade social empresarial, Petrpolis/RJ: Vozes, 2006, p.13

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para outros ainda significa uma contribuio caridosa ou at mesmo uma conscincia social. Alguns vem como uma espcie de dever, impondo aos administradores de empresa padres mais altos de comportamento que aqueles impostos aos cidados em geral. 64 A expresso responsabilidade social suscita uma srie de interpretaes. Para alguns, representa a idia de responsabilidade ou obrigao legal; para outros, um dever fiducirio, que impe s empresas padres mais altos de comportamento que os do cidado mdio. H outros que a traduzem como prtica social, papel social e funo social. Outros a vem associada ao comportamento eticamente responsvel ou a uma contribuio caridosa.65 Para Patrcia Almeida Ashley:

Responsabilidade social pode ser definida como o compromisso que uma organizao deve ter para com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que a afetem positivamente, de modo amplo, ou a alguma comunidade, de modo especfico, agindo proativamente e coerentemente no que tange a seu papel especifico na sociedade e a sua prestao de contas para com ela. A organizao, nesse sentido, assume obrigaes de carter moral, alm das estabelecidas em lei, mesmo que no diretamente vinculadas a suas atividades, mas que possam contribuir para o desenvolvimento sustentvel dos povos. Assim, numa viso expandida, responsabilidade social toda e qualquer ao que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida da sociedade.66

Com o avano das discusses, outros passaram a defini-la em termos prticos. Para Howard Bowen, em 1953, nos primrdios da literatura sobre responsabilidade social dos executivos, definiu que "a obrigao do homem de negcios adotar orientaes, tomar decises e seguir linhas de ao que sejam compatveis com os fins e valores da sociedade".67 Neste livro, Bowen discute os limites da ao do homem de negcios em relao aos problemas da sociedade em geral, analisando at que ponto os interesses comerciais se fundem com os interesses da sociedade, baseado na tica crist e na realidade da sociedade norte-americana na poca.

64 65

KARKOTLI, Gilson. Idem, p. 45. ASHLEY, Patrcia Almeida. tica e responsabilidade social nos negcios. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 05. 66 Idem, p. 06-07. 67 BOWER, Howard R. responsabilidades sociais dos homens de negcio. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira S/A, 1957. Traduo de Octvio Alves Velho (apud) ASHLEY, Patrcia Almeida. tica e responsabilidade social nos negcios. So Paulo: Saraiva, 2003, p. 06.

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A responsabilidade social empresarial tem na promoo da cidadania e no desenvolvimento da comunidade os seus diferenciais competitivos. E reconhecida pela excelncia da sua atuao na rea social trazendo confiana, respeito e a admirao dos consumidores. Portanto cidadania empresarial corresponde ao exerccio pleno da responsabilidade social da empresa. Esta se torna cidad quando contribui para o desenvolvimento da sociedade atravs de aes sociais direcionadas para suprimir ou atenuar as principais carncias dela em termos de servios e infra-estrutura de carter social.68 Algumas empresas que se dizem responsveis, realizam trabalho de importncia para o bem social, entretanto, o grande problema a falta de foco no resultado social por no estabelecerem critrios sociais pela prpria organizao ou o desconhecimento total sobre a causa. A busca constante de alternativas que garantam o crescimento e a sobrevivncia no mercado de alta competitividade um fator predominante e permanente na agenda dos gestores organizacionais. Os maiores problemas encontrados por essas organizaes como determinar e avaliar seu desempenho social para efeitos de diagnstico, e para acompanhamento das atividades ou avaliao de resultados. Da a grande importncia de um plano estratgico que se constitui do desenvolvimento da misso e viso estratgicas, do estabelecimento de objetivos de curto, mdio e longos prazos, bem como das mudanas competitivas e as abordagens de ao interna que devem ser utilizadas para atingir os resultados programados. A elaborao e implantao de programas de introduo das prticas de responsabilidade social empresarial devem ser conduzidas por profissionais especializados e habilitados. O planejamento necessita do desenvolvimento de funes importantes na gesto das organizaes, como estratgia, gerncia e operacional. Na estratgia, seu foco voltado para fatores do ambiente externo, como a competitividade e o posicionamento da empresa no setor. A funo gerencial tem o foco mais direcionado nos fatores internos da organizao, como identificao dos pontos fortes e fracos, investigao sobre as vrias formas de influncia no comportamento dos empregados para atingir as metas e objetivos. O fator operacional ocupa-se em assegurar que as tarefas definidas no plano gerencial estejam sendo colocadas em prtica. Nesse diapaso, responsabilidade social corporativa toda e qualquer ao que possa contribuir para a melhoria da qualidade de vida68

MELO NETO, Francisco Paulo de; FROES, Csar. Responsabilidade social e cidadania empresarial: a administrao do terceiro setor. 2. ed. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 2001, p. 101.

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da sociedade, possibilitando que as organizaes demonstrem toda sua preocupao por meio de significativos projetos sociais para as comunidades onde estejam instaladas. Em verdade, deve-se observar que a atuao socialmente responsvel pode ser uma boa estratgia de crescimento das empresas. Aes sociais, comportamento tico e responsvel geram melhoria na qualidade da imagem da empresa para diferentes pblicos, alm de agregar valor aos seus produtos ou servios, e garantir a possibilidade de crescimento sustentvel. A governana corporativa o caminho da sustentabilidade, pois as oportunidades e tambm os riscos, esto dispersos num ambiente de negcios fludo, imprevisvel e desafiador. As empresas precisam desenvolver a capacidade de enxergar alm dos sinais de mercado, percebendo as implicaes tambm de questes polticas, sociais e ecolgicas nos seus negcios. Considerando que a governana corporativa surge em qualquer situao em que o poder de deciso transferido ou compartilhado, na sua essncia a governana trata da minimizao de assimetrias e conflitos de interesses inerentes delegao de poder, conforme argumentos apresentados por Cludio Pinheiro Machado Filho.69 Em razo da complexidade do tema relacionado governana corporativa, o instituto ser abordado no presente trabalho atravs de sua conceituao a seguir exposta e tambm no captulo referente ao Terceiro Setor e a Responsabilidade Social Empresarial, quando retornaremos ao tema, estabelecendo as relaes da governana com o terceiro setor, em seus aspectos jurdicos, com exposio de outras conceituaes. O conceito de governana corporativa exarado por Lameira exposto da seguinte maneira:

Define-se governana corporativa, com propriedade, nos meios acadmicos, como o conjunto dos mecanismos econmicos e legais que so alterados por processos polticos, objetivando melhorar a proteo dos direitos dos acionistas e credores (investidores de uma forma geral) em uma sociedade. A teoria referente evoluo econmica prev que em um determinado estgio do desenvolvimento econmico se deva prestar ateno aos fornecedores de recursos para as empresas. Dessa forma, podemos

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MACHADO FILHO, Cludio Pinheiro. Responsabilidade social e governana. So Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2006, p. 76.

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considerar que o atual movimento de melhoria das prticas de governana das sociedades a resposta, na realidade, percepo terica existente.70

So oportunas as palavras de Adalberto Simo Filho, quando trata da governana corporativa:A par de no possuir tecnicamente um conceito jurdico, mas sim administrativo-econmico, por estar ligada gesto da empresa, pode ser entendida como a submisso da empresa e de seus rgos sociais a um sistema de regras impositivas de conduta que abrange determinadas prticas de fundo tico e moral, que se refletem na sua administrao. (...) essas prticas de fundo tico refletem-se e interagem com os grupos de interesse social, funcionrios, scios de qualquer natureza (majoritrios ou minoritrios), fornecedores, clientes consumidores, alm de contriburem para uma melhor relao entre a empresa e os poderes estatais, legislaes e o mercado em geral, de forma positiva para que se cumpra o objeto social e se atinja o fim social dentro do princpio da razoabilidade. 71

Quando a empresa adota a governana corporativa, significa dizer que se compromete a realizar um complexo de prticas objetivando maximizar o seu valor no mercado, utilizando-se de meios econmicos e sociais, baseado no respeito a todos os scios, na transparncia das atividades da companhia e na responsabilidade social e ambiental desta. Em razo de tais condutas, espelhadas na governana corporativa, promovem a separao entre o controle e a propriedade, alm de incorporar princpios ticos no setor empresarial, o que facilita o acesso ao capital, aumenta o valor da sociedade e contribui para a sua perenidade. Para adotar a governana corporativa, deve-se ter transparnci