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Hipermídia: diversidades sígnicas e reconfigurações no ciberespaço | Pedro Nunes

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O capítulo do livro "Mídias Digitais & Interatividade" reflete sobre a natureza dos sistemas hipermídia e as reconfigurações do texto, imagem e som no ciberespaço.

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219Mídias Digitais & Interatividade

Hipermídia: diversidades sígnicas e reconfi gurações no ciberespaço1

Pedro NUNES FILHOUniversidade Federal da Paraíba

A dinâmica do ciberespaço

Inicialmente devemos pensar o ciberespaço como um sistema virtual complexo e

ramifi cado de signifi cações produzidas, armazenadas e disponíveis em forma de

textos, imagens estáticas – dinâmicas e som.

Trata-se de um ambiente imaterial desterritorializado, que opera com diferentes

fl uxos de informação dispostos de modo não linear formando uma rede digital com

conexões sucessivas.

A principal característica desse oceano digital semiótico é atuar em trama

com a velocidade. As informações numéricas que compõem este universo elástico

também atuam em tempo real, ou seja, há uma instantaneidade nos processos de

trocas simbólicas que resultam na permanente construção de novas formas de

sociabilidade.

O processo de semiose, movimento e desenvolvimentos dos distintos signos

de natureza multimídia se efetua com a dinâmica rizomática da instantaneidade,

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220 Mídias Digitais & Interatividade

simultaneidade e não sequencialidade das informações que sempre geram novos

signos.

Há de se destacar que o desenvolvimento das tecnologias digitais, o processo

crescente de miniaturização tecnológica e a criação permanente de softwares

avançados e de sistemas inteligentes, permitem o trânsito de diferentes representações

que incidem diretamente na dinâmica da cultura.

Com base neste escopo conceitual o ciberespaço pode então ser caracterizado

como um espaço híbrido de informações sígnicas que se enlaçam de forma recorrente

remetendo-nos infi nitamente para novas informações, dada a sua natureza pluritextual

e sonoro-visual.

Esse novo ambiente virtual do saber que transforma o próprio saber agrega

formas de cooperação fl exíveis que resultam em processos de inteligência coletiva

experienciados na rede. No que pese as formulações críticas a Pierre Lévy quanto a

sua síndrome de cândido (RÜDIGER, 2007), o autor é considerado um dos teóricos

pioneiros a enfatizar a natureza dinâmica desse ambiente virtual de memória:

O ciberespaço, dispositivo de comunicação interativo e comunitário, apresenta-

se como um instrumento dessa inteligência coletiva. É assim, por exemplo, que

os organismos de formação profi ssional ou à distância desenvolvem sistemas

de aprendizagem cooperativa em rede… Os pesquisadores e estudantes do

mundo inteiro trocam idéias, artigos, imagens, experiências ou observações em

conferências eletrônicas organizadas de acordo com interesses específi cos... O

crescimento do ciberespaço não determina automaticamente o desenvolvimento

da inteligência coletiva, apenas fornece a essa inteligência um ambiente

propício. (LÉVY, 1999:29)

Desse modo, o ciberespaço é concebido como um sistema aberto e contraditório

que agrega informações múltiplas descentralizadas montadas com base em diferentes

plataformas técnicas que se apresentam com suporte para constituição social de um

ambiente propício para a produção e o debate cultural que geram formas crescentes

de sociabilidade complexas.

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A arquitetura tecnológica do ciberespaço (rede virtual entrelaçada por uma

infra-estrutura de multiservidores, cabos ou satélites, bancos de armazenamento e

agenciamento de conteúdos) possibilita o diálogo com diferentes mídias e linguagens,

formando um amplo tecido fragmentário com partes que se interconectam a partir de

escolhas deliberadas pelo usuário e onde a noção de tempo anula a noção de espaço

geográfi co. Ainda neste contexto, o ciberespaço pode ser dimensionado como metáfora

das grandes cidades, com seus fl uxos de organizações, redes visíveis e invisíveis,

movimentos espontâneos, sinalizações, regras de funcionamento, deslocamentos e

leis de convivência coletiva.

A cidade em sua diversidade e peculiaridade também possui falhas em

seus mecanismos de funcionamento, opera com bloqueios, tiltes, blecautes,

engarrafamentos, contravenções e situações inesperadas. A cidade virtual

desterritorializada é outro espelho da cidade real e que igualmente abriga tensões

simbólicas em graus diversifi cados. Sua natureza é indiscutivelmente pluricultural,

ambígua e contrastante. Nela se compartilham fl uxos de informações produzidas

e reconstruídas por diferentes cidadãos com práticas culturais distintas, ideologias

afi ns ou em estado de colisão, religiões, línguas diversas, experimentos inovadores do

campo da arte, de associações comunitárias, centros de investigação, comércio, lazer,

sexo e com piratas virtuais (crackers e hackers) que burlam o sistema de segurança.

Isto quer dizer que a cidade virtual fragmentária se edifi ca a partir de uma identidade

coletiva que tem como marca a diversidade cultural, o plurilinguismo, a ordem e a

desordem, o local e o universal, o centro e a periferia e, sobretudo, a complexidade.

Assim a arquitetura liquida da cidade virtus materializa práticas sociais

diversas que reconfi guram o saber tendo em conta que sua temporalidade comporta

a simultaneidade. As experiências semióticas dispostas na rede apresentam

peculiaridades signifi cantes quanto a natureza das mensagens com suas diferentes

estratégias de comunicação. Estão sob um mesmo espaço de confl uências sígnicas

sem fronteiras. Trata-se, no entanto, de um espaço sob domínio da maleabilidade com

respeito à sua estruturação signifi cante que libera do pólo de emissão (LEMOS:2005)

e que ainda possibilita o livre trânsito de informações. Evidentemente que quando

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tratamos dessa relativa liberdade de informação2 na rede não descartamos a existência

de mecanismos de controle político, censura e formas de espionagem na esfera

estatal por meio da implantação softwares de fi ltragem, implantação de sistemas de

vigilância rebuscados por parte de oligopólios da área de comunicação voltados para

fi ns econômicos, concorrência entre empresas, roubo de dados, quebras de criptografi a

e invasão de sistemas de segurança.

A Arquiescritura (Derrida) da cidade Kbytes – plasmopédia – pode ser também

efêmera, fugaz, metamórfi ca e labiríntica permitindo ao usuário/participante efetuar

percursos diversos, recombinar dados, produzir e modifi car ambientes imersivos.

André Lemos em Andar, clicar e escrever hipertextos acrescenta o seguinte:

O ciberespaço, como meta-cidade (ou mega cidade de bits), é um hipertexto

mundial interativo, onde cada um pode adicionar, retirar e modifi car partes

desse texto vivo escrevendo sua pequena história a essa inteligência coletiva, a

esse ‘cibyonte’ em curso de concretização. Nesse sentido ‘navegar’ é escrever

com imprecisão. (LEMOS, 2006, on-line).

Hipermídia: reconi gurações paradigmáticas

O desenvolvimento dos sistemas hipermídia3 tanto em sua estrutura associativa

no ciberespaço através de redes interligadas e em memórias paralelas, ainda é recente.

Estes sistemas nutrem-se primordialmente dos mecanismos das memórias de acesso

aleatório que integram os sistemas digitais conectados através das redes telemáticas

e satélites.

Os sistemas hipermídia, também denominados inicialmente de hipertextos

por George Landow se apresentam como ferramentas de aprendizagem, produção,

armazenamento e disponibilização de informações multimídia integrando diferentes

tecnologias que absorvem a dinâmica das mídias predecessoras ajustando-se a nova

realidade digital com especifi cidades ainda em delineamento.

Destacamos a hibridização como uma característica auxiliar importante no

contexto de construção da feição dos sistemas hipermídia. Essa espécie de traço

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delineador é de certa forma resultante do processo de convergência das mídias/

tecnologias e, consequentemente, do ordenamento de conteúdos tendo por base

linguagens diferenciadas. A hipermídia

além de permitir a mistura de todas as linguagens, textos, imagens, som, mídias

e vozes em ambientes multimidiáticos, a digitalização, que está na base da

hipermídia, também permite a organização reticular dos fl uxos informacionais

em arquiteturas hipertextuais… O traço da hipermídia está na sua capacidade

de armazenar informação e, por meio da interação do receptor, transmuta-se

em incontáveis versões virtuais que vão brotando na medida mesma em que o

receptor se coloca em posição de co-autor. Isso só é possível devido à estrutura

de caráter hiper, não sequencial, multidimensional que dá suporte as infi nitas

ações de um leitor imersivo.(SANTAELLA:2004:48-49)

Esse diálogo híbrido caracterizado como uma espécie de traço defi nidor da

hipermídia recupera e atualiza as mídias antecessoras e expande a ação de outros

sistemas de representação com características específi cas como oralidade, a escrita e o

sonoro-visual por meio de suportes como o livro, o jornal, o rádio, a televisão música,

fotografi a, cinema, vídeo além de incorporar modalidades artísticas pré-técnicas

como o desenho, a pintura, o teatro, a literatura etc. Esses translados corporifi cados

em forma de passagem das características signifi cantes de outras modalidades de

articulação expressiva ao suporte digital denotam que os sistemas hipermídia se

desenvolveram como um espaço de confl uências intersemióticas.

Dizemos conceitualmente que essa espécie de lugar semiótico que opera com

nexos associativos dinâmicos não sequenciais abriga mecanismos que naturalmente

instauram o processo de hibridização de linguagens e tecnologias (SANTAELLA:2004).

De certa forma esse processo de contaminação em forma de interferência também se

efetua num sentido inverso ao constatarmos que as mídias convencionais igualmente

dialogam com os traços constitutivos da hipermídia e fi ndam de certa forma por serem

infl uenciadas no modo de construção de suas mensagens tendo em conta também o

perfi l mais exigente dos receptores. Assim, os distintos sistemas de representação se

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revitalizam ou expandem a noção de mídia com a realidade virtual e se somam aos

aportes específi cos da hipermídia, tais como softwares para a produção, tratamento

e auto-edição de texto, imagem e som, transferência de protocolos, sistemas de

busca, indexação, teleconferência, bases de dados com interconexões, compressão

e transmissão de dados, tradutores automáticos, reconhecimento de voz, agentes

inteligentes4, simulações interativas entre outros.

Dessa forma os sistemas hipermídia mudam com as dinâmicas e especifi cidades

dos sistemas numéricos (simultaneidade, fl exibilidade, velocidade, tempo real, não

sequencialidade, interatividade, capacidade de armazenamento, interconexões...) e,

consequentemente, redimensionam o seu corpo virtual volátil incorporados a partir

dos elementos estruturais característicos dos suportes pré-informáticos de base

técnica como os sistemas fotoquímicos (cinema e fotografi a), o jornal, a revista, o

rádio, os sistemas visuais de base eletrônica como o vídeo e a televisão e os modos

de articulação pré técnicos que igualmente envolvem códigos de natureza diversa de

natural verbal, visual e sonora.

No âmbito da hipermídia algumas mídias, agora expandidas, ganham fôlego

diferenciado e outras são re-estruturadas a exemplo do livro eletrônico, da webrádio,

da webTV, plataforma IPTV em que o usuário personaliza a sua programação

televisual que é enviada desde um satélite ou banco de dados com armazenamento

criptografados em “nós locais”, as revistas eletrônicas, bibliotecas virtuais, e, inclusive,

desenvolvimento de páginas dinâmicas com design orgânico que outorgam ao usuário

a possibilidade de movimentar-se através dos enlaces, mapas, diagramas, animações

virtuais, comentários, buscas temáticas, estocar informações e compartilhar

conteúdos na própria rede.

No ambiente hipermídia por meio dos percursos pré-formatados sob forma de

circularidade, o usuário pode desenvolver situações paratáticas realizando múltiplos

caminhos e ao mesmo tempo trabalhar como janelas, consultas on-line enquanto

desenvolve atividades off -line. Esse ambiente com suas formas de ordenamento

complexo se auto-regula meio a uma aparente desordem oceânica onde diferentes

usuários identifi cados, fakes, crakers, nômades ou tribos diversas trafegam produzindo

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as suas marcas e os índices simultâneos, compartilhados ou transmutados por outros

usuários moventes.

Neste sentido, todo ambiente hipermídia, desde a sua estruturação ao acesso

interativo compartilhado, pode ser plenamente compreendido como um modelo

semiótico de representações fl uídas cujas interfaces com os usuários, geram novas

referências. De certa forma, esse ambiente imita a capacidade cerebral de atuar por

livre associação, paralelismos e analogias (NUNES: 2008). A hipermídia se estrutura

como uma rede semântica de informações que nos permite uma compreensão

multidisciplinar por sua natureza, sua capacidade plurisígnica, sua estrutura labiríntica,

a participação imersiva do usuário e a leitura sinestésica que mobiliza os sentidos.

Núria Vouillamoz defi ne hipermídia como

un sistema abierto sin limites ni márgenes, desde el momento que permite

navegar de um modo a outro em uma estructura infi nita que nos reconoce

principio ni fi n: como esquema conceptual, es plurisignifi cativo en tanto que

ofrece múltiples recorridos, multiples accesos y lecturas, de manera que es

posible reconecer uma cierta analogia entre el modelo hipertextual desarrollado

por la informática y el polisemantismo del texto reclamado desde el campo de

la literatura. (VOUILLAMOZ, 2000:74).

Num nível simbólico, os sistemas hipermídia apresentam algumas características

provenientes do texto poético, sobretudo em sua estruturação fragmentária bifurcada

que gera múltiplas possibilidades de percursos ao usuário e, também, pela polifonia

de vozes que ecoam no ambiente labiríntico.

No entanto há de se destacar que a estruturação não sequencial e a presença

de várias matizes semióticas (texto, imagem e som) não signifi cam, por si só, que

a mensagem ou a cultura produzida no ambiente seja poética. Os autores do texto

poético/arte eletrônica possuem a consciência da linguagem em sua complexidade,

do manejo das diferentes textualidades e, sobretudo, são conscientes da forma de

ordenação do signifi cante. A natureza de uma mensagem poética há de pensar-se

para um sistema de representação e recepção ou acesso específi co. Muitas vezes a

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sua articulação signifi cante refl ete a própria linguagem ou mesmo a sua organização

signifi cante permite múltiplas leituras do mesmo objeto.

Em síntese, um texto criativo produzido no ambiente hipermídia tem que ter

em conta alguns elementos: a natureza desse novo ambiente, sua abertura conceitual

não somente com relação aos percursos, o diálogo intertextual, a conotação que gera

novos signos, a sincronização dos sentidos e a participação do usuário. Isto signifi ca

converter o texto a imagem e o som em uma escritura polifônica5 embasada no arranjo

composicional dos signos.

Arlindo Machado baseado em Rosentiehl utiliza o termo labirinto como metáfora

para a hipermídia e destaca três características: convite à exploração , exploração

sem mapa e à vista desarmada e inteligência astuciosa (MACHADO:1997: 149-151).

Esses traços associados a hipermídia muitas vezes se interpenetram visto que um

usuário desatento em uma exploração específi ca pode transformar o seu percurso

afi nando a sua percepção para trajetórias específi cas.

No entanto, percebemos que muitas produções e experiências hipermidiáticas

disponíveis ou vivenciadas no ciberespaço ainda não assimilaram as especifi cidades

simbólicas inerentes ao ambiente descontínuo e imaterial. São propostas lineares

em sua forma de apresentação não passam de meras transposições lineares no

ciberespaço. Em maior ou em menor grau essas produções são importantes, mas não

apresentam os traços de inovação necessária quanto ao aspecto formal, os modos de

combinação e produção de conteúdo que demandam os sistemas hipermídia. Muitas

dessas possibilidades já estão previamente confi guradas em diferentes softwares e

sequer são exploradas.

Por outro lado, apesar da juventude dos sistemas hipermídia, também percebemos

a existência de propostas criativas avançadas que exploram mais radicalmente o

potencial inerente das estruturas rizomáticas, os jogos de navegação previamente

pensados, as articulações orgânicas entre o verbal, o visual, o sonoro, o estático, o

dinâmico e o silêncio. Refl etem como já dissemos o movimento do conhecimento

com projeção na cultura. Trata-se de experiências compartilhadas em centros de

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investigação multidisciplinares, coletivos grupos da iniciativa privada, universidades

e projetos que enlaçam arte, ciência e tecnologia.

Nessa perspectiva de análise Arlindo Machado na apresentação em O Labirinto

da Hipermídia: arquitetura e navegação no ciberespaço advoga o seguinte:

Passados os primeiros momentos de euforia com a descoberta das possibilidades

das novas máquinas, passado o deslumbre diante da pura novidade técnica

da interatividade, é chegada a hora da verdade, quando artistas, criadores,

críticos e investigadores em geral (não apenas técnicos de laboratório) deverão

propor formas mais orgânicas e novas estruturas normativas mais adequadas

às arquiteturas permutativas. (LEÃO, 1997:162).

Nesse sentido há que se destacar que os sistemas hipermídias requerem uma

dimensão estética própria, sobretudo quanto ao aspecto da interatividade, estimulação

sincronizada, simulação dinâmica entre outros. Possuem especifi cidades de linguagem

que também resultam da mescla de outras linguagens. Trata-se de especifi cidades

em construção, visto que no processo de delineamento dessa ‘nova mídia’ há

contaminações provenientes de outras mídias e, sobretudo, por que a hipermídia

funciona como espaço de convergência dos diversos meios existentes na atualidade

com o papel relevante do usuário na construção de suas próprias narrativas, por vezes,

voláteis. Lúcia Santaella em Hipermídia: a trama estética da textura conceitual

ressalta a multidimensionalidade da hipermídia destacando o papel do usuário.

Além de permitir a mistura de todas as linguagens, textos, imagens, som,

mídias e vozes em ambientes multimidiáticos, a digitalização que está na

base da hipermídia, também permite a organização reticular dos fl uxos

informacionais em arquiteturas hipertextuais... o poder defi nidor da hipermídia

está na sua capacidade de armazenar informações, e através da interação do

receptor, transmuta-se em incontáveis versões virtuais que vão brotando na

medida mesma em que o receptor se coloca em posição de co-autor. Isso só é

possível devido à estrutura de caráter hiper, não sequencial, multidimensional

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que dá suporte as infi nitas ações de um leitor imersivo. (BAIRON; PETRY,

2000:8-9).

Notamos que os sistemas hipermídias pensados como uma espécie de rede

contextual formada por fragmentos de informações diversifi cadas com textos,

construções tridimensionais, animações, enlaces, mapas de navegação e áudio,

estabelecem uma ruptura com a noção narrativa de principio, meio e fi m, rompem

ainda mais com o conceito de autor, valorizando a autoria compartilhada. Mas

também é necessário destacar que há textos somente para leituras, visto que “no todos

los sitemas de hipertexto actuales incluen la democratizante y crucial caracteristica

de permitir al lector contribuir al texto”. (LANDOW, 1997:32).

A tendência nesse novo regime de informação multilinear é que o usuário/leitor,

também co-autor, experimente percursos próprios, associe livremente informações

do seu interesse e salte de um ambiente virtual para outro a partir de suas escolhas

e das possibilidades programadas. Biron e Petry endossam que na estrutura

hipermidiática:

O leitor é destronado de seu exclusivo recurso de leitura e assume a missão de

criador de rotas e picadas, os atalhos sobre os comandos de ‘buscar’ etc. são

visivelmente poderosos e o leitor pode se aproximar de um escritor. O atalho

pode está numa cor, numa forma, num som etc. (BAIRON; PETRY, 2000:54).

Particularmente, o texto, a imagem e o som em ambientes hipermídia são

reconfi gurados, pois se materializam em estado potencial. Essa fl uidez signifi cante dos

sistemas hipermídia apresentada como forma favorável de organizar, armazenar, editar

e construir conhecimentos que expandem a capacidade humana ao serem dispostos

e compartilhados de diferentes processos abertos como redes de relacionamento, net

arte, web arte, simulações interativas, videojogos, wikis, youtube, fl ickr, second life,

orkut, videoconferência, blogs, moblogs, vlogs, sistemas de busca e indexação entre

outros.

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De certa forma, os sistemas hipermídias e o ciberespaço nos convidam

para refl exões mais centradas em suas complexidades mutantes e a produção de

sociabilidades mediadas.

Considerações Finais

Percebemos que o ciberespaço tem sido considerado por alguns autores mais

céticos como uma espécie de esgoto público mundial constatando-se o crescimento

do ciber sexo, do comércio eletrônico e a própria a existência de mecanismos de

controle. Há de se extrair as reais potencialidades dos sistemas hipermídia interligados

ao ciberespaço como ferramentas de interação e que processualmente interferem nos

distintos campos do conhecimento que contaminam as práticas culturais em suas

singularidades e pluralidades contextuais.

Se por um lado caracterizamos, ao longo deste artigo, o ciberespaço enquanto

um espaço virtual fl uído e dinâmico agregado aos sistemas hipermídia por outro,

destacamos que essa nova lógica digital opera com a liberação da produção, aumentos

das formas de cooperação, a disponibilização e o tráfego intenso de diferentes ordens

sígnicas multimídia.

Essa teia virtual nomeada como ciber-cultura-remix (LEMOS:2005) está

amparada em uma infra-estrutura tecnológica e econômica que necessita ser

redimensionada não somente quanto a sua dimensão técnica, tecnológica e política,

mas sim, ser ainda radicalmente transformada no que se refere ao papel direto dos

usuários e desenvolvedores de conteúdos. Isso implica em afi rmar que o potencial

emancipatório presente em raras propostas na rede deve ser perseguido com muito

mais força criativa. Há de observar no presente as tendências futuras por meio de

mobilização de saberes transdisciplinares para o desenvolvimento de projetos

colaborativos, diferenciais, interativos e, até mesmo, observar com maior acuidade as

experiências de natureza transitória que pipocam na rede.

Há de se ter sempre em conta que esses processos de signifi cação enlaçados como

partes integrantes desse contexto estão carregados de ambiguidades e contradições,

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mobilizam diferentes códigos entrecruzados com a emergência de novos formatos

midiáticos que adquirem especifi cidades semióticas inerentes ao próprio locus digital.

Essas experiências reconfi guram a dimensão comunicacional integrante do cenário

mutante da sociedade contemporânea marcada por paradoxos e formas de exclusão.

Faz-se necessário reconstruir criativamente o ambiente da hipermídia com novas

formas de comunicação muito mais orgânicas e sincrônicas por se tratar de um

espaço dinâmico onde a dimensão tecnológica sempre se transforma e interage com

a dimensão cultural e englobam a dimensão social e coletiva da rede. De certa forma,

os sistemas hipermídia e o ciberespaço nos convidam para refl exões mais centradas

em suas complexidades mutantes e produções cada vez mais descentralizadas.

Notas

1 Artigo inicialmente publicado na revista eletrônica Fórum Media – Portugal. Foi revisto

e atualizado para publicação em versão impressa para o presente livro: Mídias Digitais &

Interatividade.

2 Esse potencial concreto de abertura da rede, o aumento sistemático de usuários e o processo

de trocas de informações em tempo real tem desencadeado mecanismos de controle e

espionagem da informação em países como a China, Irã, Arábia Saudita, Cazaquistão,

Geórgia entre outros. A China através de seu Escritório de Gestão da Informação pela

internet criou uma rede de vigilância virtual que mobiliza diretamente técnicos do governo

e softwares de fi ltragem para remoção de conteúdos indesejáveis, veto a blogs, bloqueio

ao acesso aos periódicos como The New York Times e Ming Pao News e a proibição da

circulação de artigos. Outro exemplo desse mecanismo de espionagem é o ECHELON

desenvolvido pela National Security Agency (NSA) dos Estados Unidos em consórcio com

vários países europeus. O ECHELON pode interceptar diferentes informações por satélite,

fi bra ótica ou microondas de qualquer parte do planeta. As mensagens interceptadas podem

ser gravadas, meticulosamente examinadas, traduzidas, transcritas e enviadas ao centro de

espionagem em tempo real.

3 O prefi xo hiper signifi ca acima, posição superior ou mais além. O termo

hiper foi utilizado na física por Einstein para descrever um novo tipo de

espaço na teoria da relatividade, o hiperespaço: espaço visto de outro modo.

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4 Os autores Luis Bugay e Vânia Ulbricht no livro Hipermídia defi nem agentes inteligentes

como “uma entidade computacional que excuta tarefas delegadas pelo usuário

autonomamente. As origens das tecnologias de agentes inteligentes são embasadas na

inteligência computacional, engenharia de software e domínios da interface humana”.

Segundo os mesmos autores, os atributos dos agentes inteligentes são os seguintes:

delegação, habilidade de comunicação, autonomia monitoramento, atuação e

inteligência. P 114-115

5 Termo inicialmente empregado por Mikail Baktin. Também adotado por Sergei

Eisenstein referindo-se a um tipo de montagem cinematográfi ca que valoriza os elementos

signifi cantes da obra fílmica em forma de composição (montagem polifônica). A escritura

polifônica nos sistemas hipermídia deve ser entendida como a articulação sonoro-visual de

textos verbais, não verbais, movimento e áudio.

Referências

BUGAY, Edson Luis, ULBRICHT, Vânia Ribas. Hipermídia. Florianópolis:

Bookstore, 2000.

BAIRON, Sérgio, PETRY, Luís. Hipermídia: psicanálise e história da cultura. São

Paulo: Ed. Mackenzie, 2000.

LEÃO, Lúcia. O labirinto da Hipermídia: arquitetura e navegação no ciberespaço.

São Paulo: Iluminuras, 1999.

LANDOW, George P.(Comp.) Teoría del hipertexto. Barcelona: Paidós, 1997.

LANDOW, George P. Hipertexto. Barcelona: Paidós, 1995.

LEMOS, André. Ciber-Cultura-Remix. In Cinético Digital. São Paulo: Itaú Cultural,

2005.

_________. Andar, clicar e escrever hipertextos. Disponível em: <http://www.facom.

ufba.br/hipertexto/andre.html> Acesso em: 20.12.2008.

LEVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2000.

_________. Cibercultura. Rio de Janeiro: Ed.34, 1999.

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232 Mídias Digitais & Interatividade

MACHADO, Arlindo. Hipermídia: o labirinto como metáfora. In Diana

Domingues (Org.) A arte no século XXI. São Paulo: Ed. UNESP, 1997.

NUNES, Pedro. Processos de signifi cação: hipermídia, ciberespaço e publicações

digitais. Revista Fórum Media. Disponível em: <http://www.ipv.pt/

forumedia/6/8.pdf > Acesso em 28.01.2009.

_________. A memória fractalizada. In Revista Ágora N.2 . Disponível em: <http://

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RÜDIGER, Francisco. Introdução às teorias da cibercultura. Porto Alegre: Sulina,

2007.

SANTAELLA, Lúcia . Navegar no ciberespaço. São Paulo: Paulus, 2004.

_________. Cultura e artes do pós-humano: da cultura das mídias à cibercultura.

São Paulo: Paulus, 2004.

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8 Mídias Digitais & Interatividade

Rádio Digital: desai os presentes e futuros ...........................185Elton Bruno Barbosa PINHEIRO

Pedro NUNES FILHO

Interatividades na mídia ...............................................................203Matheus José Pessoa de ANDRADE

Hipermídia: diversidades sígnicas e reconi gurações no ciberespaço ...................................................................................... 219Pedro NUNES FILHO

A cibernotícia como reconi guração da atividade jornalística no ciberespaço ..........................................................233Rodrigo Rios BATISTA

Educação Mediada por Interface: A mensagem pedagógica da hipermídia....................................................................................255Rossana GAIA

Nasson Paulo Sales NEVES

Mídias digitais: acessibilidade na web e os desai os para a inclusão informacional ..................................................................275Joana Belarmino de SOUSA

YouTube: artes, invenções e paródias da vida cotidiana.Um estudo de hipermídia, cultura audiovisual e tecnológica ........................................................................................285Cláudio Cardoso de PAIVA

Espaços públicos de inclusão digital: comunicação, políticas e interações .......................................................................................305Juciano de Sousa LACERDA

Em busca do tempo perdido: Espaço e progressão dramática em Fahrenheit .............................................................323Mauricio PELLEGRINETTI

O potencial narrativo dos videogames ...................................341João MASSAROLO

Artemídia e interatividade na constituição do bios midiático: um estudo sobre as relações entre comunicação e estética .............................................................................................369Maurício LIESEN

Sobre os Autores..............................................................................391Sum

ário