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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO "A VEZ DO MESTRE" HIPERTEXTO: “Nova” Sedução de Leitura CLAUDIA MENEZES NUNES ORIENTADORA: Profª. Carly Machado Rio de Janeiro, JUL/2004

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO "A VEZ DO MESTRE"

HIPERTEXTO:

“Nova” Sedução de Leitura

CLAUDIA MENEZES NUNES

ORIENTADORA: Profª. Carly Machado

Rio de Janeiro, JUL/2004

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HIPERTEXTO:

“Nova” Sedução de Leitura

CLAUDIA MENEZES NUNES

Apresentação de monografia ao Conjunto Universitário Candido Mendes como condição prévia para a conclusão do Curso de Pós-Graduação "Lato Sensu" em Tecnologias Educacionais – Turma 580 – Sábado/Tarde

Rio de Janeiro

2004

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Dedico este trabalho às professoras Nádia Richie,

Marta Relvas, Carly Machado e Fátima Ornelas,

mulheres múltiplas, que permaneceram íntegras, afetivas,

profissionais, amigas e, principalmente parceiras na

construção desse olhar, muitas vezes complexo, sobre o

hipertexto e seu fascínio extremamente sedutor da leitura

em ambiente virtual.

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Agradecemos

• pelo encontro de sentimentos ao Prof. Ricardo Marciano

• pela eterna paciência à Profa. Maria de Fátima Ornelas Corrêa

• por me ensinar diariamente a confiar e a me arriscar à Profa. Carly Machado

• por desvendar minha própria neuroplasticidade à Profa. Marta Relvas

• pela mania de gostar de mim à Profa. Nádia Richie

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RESUMO

Alguns conceitos como interatividade, neuroplasticidade,

cibercultura, hipertexto, indústria cultural, agenciam o ser

humano como um ser em eterna conquista de espaço e de lugares.

Não há como pensá-los sem pensar em como se dão suas leituras,

suas interpretações, suas análises de mundo pelos indivíduos

entendidos como pós-modernos. Então os processos cognitivos

entrarão em choque pela multiplicidade de formas de se

desenvolver e, principalmente se desenvolver em paralelo com

questões educacionais ainda muito tradicionalizadas. Nossa

intenção é, perpassando diversos conceitos da área das

Tecnologias Intelectuais, entender a sedução do processo de

leitura em hipertexto reconfigurando os referidos conceitos de

maneira a que entrem em perspectiva com o novo olhar exigido

àqueles que se propuserem ao incentivo da leitura.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................... 07

I – TECNOLOGIA COMO EXTENSÃO DO SER HUMANO ...... 12

1.1- Tríade Tecnológica ............................................................ 15

1.1.1- Oralidade ............................................................. 16

1.1.2- Escrita ................................................................... 17

1.1.3- Virtualidade ......................................................... 18

1.2- Contradição pós-moderna: texto e hipertexto ................. 19

II – PROCESSOS DE LEITURA ......................................................... 25

2.1- Ambiente Comunicacional ................................................. 29

2.2- Ambiente Educacional ....................................................... 33

2.3- Relevância das Intencionalidades ..................................... 34

III – SEDUÇÃO DA INTERFACE HIPERTEXTUAL ..................... 40

3.1- Escrita-Imagem-Som-Movimento ..................................... 43

CONCLUSÃO ....................................................................................... 48

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................ 51

ANEXOS................................................................................................. 53

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INTRODUÇÃO

“A humanidade do porvir ou se assemelhará às plantas sem raízes, ou terá raízes aéreas.” (Nabuco: 2001: 43)

A leitura de um texto em hipertexto, nas telas do computador, estaria em processo

de autodegradação, diante do alto grau de sedução imagética e sonora que carrega essa

nova estrutura, ou, funcionando em paralelo e desterritorializado, estaria apenas

amplificando a sua antiga e nobre função de agente impulsionador e reconstrutor de

sentidos? Essa é a pergunta norteadora de nossa escrita. É a pergunta que pôs em

movimento todos os questionamentos aqui engendrados.

Nossa principal hipótese para a construção de uma razão pela qual a sedução do

hipertexto é exageradamente maior do que a sedução de ler um texto impresso está no jogo

imagético de que o primeiro é altamente carregado e de que o segundo foi perdendo. Ou

seja, um jogo cujos principais elementos - imagem, som e movimento – integram um

processo hiper-dinâmico ao desenvolvimento da leitura em hipertexto.

Aceitando a perspectiva de que estamos em uma sociedade em que visualizar basta

para obter conhecimento, aceitamos também a certeza de que todos os sentidos estão

novamente aflorados e aflorados de forma a reestruturar cognições mais ágeis e flexíveis

em relação à aquisição do conhecimento.

Os meios de comunicação "comunicam" a exteriorização das vontades, das

querências, do reprimido. E os indivíduos, depositários de imagens durante toda a vida

(formação da cultura), são articulados em todos os momentos de maneira a se

desenvolverem livremente a partir dessas imagens, símbolos, impressões etc. Logo os

processos desenvolvidos pelo hipertexto abarcam não somente essas características como

também a ela se unem som e movimento. O hipertexto dá uma forma quase completa à

sensação de ser um "objeto de desejo" perfeito. Diante disso, justificamos nosso interesse

partindo das criações tecnológicas, da Informática, da Internet e, principalmente dos usos

do hipertexto como forma de valorização do ato de leitura.

Com o aparecimento da Internet e, conseqüentemente, do hipertexto, a linearização

da escrita na folha de papel (o texto escrito e impresso) perdeu seu lugar sagrado de mais

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importante espaço de produção de sentidos múltiplos. As imagens apenas configuradas na

mente e advindas desse processo de linearização do olhar e de constituição de sentidos bem

específicos foram diminuindo de importância. A tela, além de oferecer um multicolorido

que diminui (aprisiona mesmo!) o campo de visão, oferece imagens e sons, dentro desse

processo, de forma in-temporal (ao mesmo tempo) e em movimento.

O hipertexto, "suporte" trazido pelo aparecimento da Internet, provoca então

algumas modificações em todos os ambientes em que ingressar. Ou seja:

• impõe às mídias anteriores uma nova reflexão sobre o seu papel na cultura, tendo

em vista sua premissa maior: a relativização das certezas. Como diz Pierre Levy "...

paradoxalmente, ler, escutar, é começar a negligenciar, a desler ou desligar o texto"

(Levy, 1996: 35).

• surge como outro momento na produção textual impulsionada pelos avanços da

micro-informática e, sendo assim, e em rede, cada elemento estará ligado com vários outros

ao mesmo tempo, de vários modos, dando à linearidade, advinda na passagem da oralidade

para a escrita, seu momento de fragilização.

• promove a desconstrução da leitura e, em conseqüência, sua desnaturalização logo

ler será um ato do compreender, pois o sentido de compreender, conhecer, aprender advirá

também de todos os elementos visuais e sonoros que acompanham a leitura e escrita.

Essas primeiras características hipertextuais possibilitam ao leitor uma liberdade de

seleção de seus próprios caminhos, de sua própria seqüência de leitura, desvinculando-o da

obrigação de adotar rigidamente as trilhas indicadas nas obras criadas. O leitor passa a ter

um papel mais ativo nestas escolhas, antes exclusividades do autor e "o computador (...),

portanto, antes de tudo (passa a ser) um operador de potencialização da informação."

(Levy, 1996: 41).

Sendo assim, teremos uma comunidade inteira vivenciando um crescimento da

autonomia pessoal na medida em que sua relação com o hipertexto for uma relação de

poder. Ao usuário será proposto deslizar pelos caminhos do hipertexto, colorindo a tela de

diferentes informações sobre um mesmo assunto, tema, livro etc; será proposto escolher

caminhos individuais para a construção dos novos saberes num espaço onde

"aparentemente" tudo pode; será proposto criar uma estrutura de narrativa e de construção

de textos mais flexíveis e com infinitas direções, além de promover um estreitamento das

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distâncias estabelecidas, através da facilidade de interconectar documentos vinculados ao

livro ou ao tema desenvolvido.

Nesse sentido estabelecemos como proposta de trabalho o entendimento dessas

tantas conexões na reconfiguração dos processos de leitura e do próprio leitor haja vista que

percebemos um crescente distanciamento desse leitor das diversas tecnologias apreendidas

no decorrer do tempo histórico em detrimento de um "modismo" e, subliminarmente,

tornando esse "modismo" algo primordial e único na ação de apreender conhecimento,

constituir um saber e/ou construir um olhar crítico diante da realidade.

Nosso primeiro capítulo alinhava a idéia de que as tecnologias são extensões do ser

humano, um desdobramento ininterrupto que se objetiva nos suportes aparecidos no

mundo. Esses suportes dão um caráter de perfeição aos atos mais humanos porque estes são

impedidos de serem realizados (têm limites) justamente pela perecibilidade do corpo e da

mente. Diante disso, e como comunicar é básico para todas as grandes realizações humanas,

observaremos que oralidade, escrita e virtualidade sempre estiveram juntas e só estão sendo

percebidas em separado por algumas particularidades da sociedade atual dita pós-moderna.

Esse capítulo também apresentará uma breve contextualização, usando alguns

autores como Levy, Eco e Baudrillard, de todos os elementos da tríade tecnológica no

tempo a fim de iniciar nossa compreensão sobre as novas formas de construção de

aprendizagem, conhecimentos e saberes advindos com a Informática e a Internet. Esse

processo separará cada um dos elementos a fim de entender as relações sedutoras que cada

um teve / tem em cada geração até os dias atuais quando as incertezas são o mote da

construção do imaginário pós-moderno.

Dentro desse processo entenderemos como se dão os processos de comunicação

mais usuais, incluindo o texto, diante das novas propostas hipertextuais. Isso provocará

transformações profundas no imaginário humano no movimento parabólico de relevar ora

oralidade, ora escrita, ora virtualidade e, de forma ainda mais paradigmática, fazer um

recorte explicando as relações de como se entender o ciberespaço como um espaço

concreto e plastificado do “ciberespaço mental” humano. É um ambiente que exige outros

tipos de desenvolvimento interno justamente por ser um espaço visto e sentido, não só

sentido.

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No segundo capítulo, aproveitando todo o esteio do primeiro, procuraremos

entender os dois principais ambientes – comunicacional e educacional – a que o ser humano

está exposto e que o transforma a cada dia. A proposta, então, é de dissertar sobre as

diferenças de postura do humano diante de algumas mídias e da educação. Pierre Levy e

Muniz Sodré nos acompanharão nesse trajeto.

Os subitens desse capítulo farão o viés entre a leitura hipertextual exigida pelas

mídias e a leitura em hipertexto possibilidade do ambiente educacional. Ambos os

ambientes apresentam no trânsito da história novidades em relação às tecnologias e essas

ainda, no passar dos tempos, são tornadas intelectuais na medida em que se relacionam com

o cotidiano social na busca de mais conhecimento e criação de novas formas de

experimentar a realidade. Isso tudo se converte na “i-necessidade” de acumular

informações na mente e onde a ligação maior está com a eletricidade e/ou com a linha

telefônica.

Mesmo diante dessas propostas é preciso pensar nas linhas paralelas que podem

subverter o diálogo entre atual e virtual (componentes do real); é preciso analisar que, para

todas essas funcionalidades tecnológicas, há intencionalidades, há subjetividades, há seres

humanos. Portanto, há sub-repticiamente um processo de modelação. Essa modelação é

realizada através do fascínio, da sedução: a força da sensação da acessibilidade

“inimpedida” reformula padrões éticos e estéticos, revaloriza a noção de belo e cria a

percepção de que todas as escolhas são escolhas individuais e pessoais. Há uma adequação

na intenção do domínio e do controle. São tentativas, mas sempre tentativas de assimilação

da novidade sobre o que não podemos deixar de pensar / ler / escrever.

No terceiro capítulo pensamos: se as tecnologias são extensões do humano, então

seduzir é a ação principal para que as novas idéias, os novos pensamentos, as novas

descobertas, as novas teorias, surjam com força. Sem o processo sedutor, hoje em dia, em

nível extremamente verticalizado, o sujeito pode tornar-se sua própria extensão: uma

máquina.

Entendendo que as relações hipertextuais sempre foram feitas na mente, no

desenvolvimento mental do sujeito em sua interação com o mundo, os subitens desse

capítulo ampliarão as novas formas de leitura do sujeito na medida em que forem exigidos

diretamente todos os cinco sentidos humanos para que se dê tanto a aprendizagem e quanto

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a interatividade. Logo a moldura hipertextual será composta por elementos atraentes –

imagem, som, movimento e escrita -, lugares prazerosos de apreensão do conhecimento e

espaços para relações cada vez mais “íntimas” e encantadoras justamente pela conjuntura

do anonimato.

Cabe então novos questionamentos: com tudo isso, escapa-se da linearidade de

todo? Não se estaria reproduzindo o mesmo livro (ou texto) apenas com mais cor ou som?

Tudo isso seria uma mesma ou outra leitura?

Isso ficar a cargo de que lê.

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I - TECNOLOGIAS COMO EXTENSÃO

DO SER HUMANO

Primeiras inscrições nas cavernas pré-históricas, hieróglifos egípcios, uso dos

pergaminhos, invenção do papel, criação da prensa, do jornal, do código Morse, do

telefone, do fonógrafo, das ondas eletromagnéticas, do rádio, da televisão, do computador

e, mais recentemente, da Internet. Essa seqüência de acontecimentos tonaliza a necessidade

humana de perpetuidade de si mesmo, das relações, da comunicação, na perspectiva da

própria sobrevida. Essa seqüência de acontecimentos sugere indivíduos procurando

intensamente aprender, indivíduos procurando ensinar o que aprender, indivíduos

procurando comunicar suas obras e indivíduos procurando ampliar sua ação no mundo no

intuito de fazer dele (o mundo) um ambiente sem limites à comunicação com o cotidiano

(vida). Não obstante, essa seqüência de acontecimentos reafirma a certeza da

engenhosidade dos indivíduos ao criarem objetos (ferramentas ou suportes) capazes de

ajudá-los em todas essas ações.

Esses indivíduos-criativos atravessam o tempo reconfigurando as formas de se

comunicar e remodelam os espaços convocando outros indivíduos a um compartilhamento

de idéias, de conceitos, de criatividades utilizando-se de suportes adequados para que a

comunicação com a vida seja a mais objetiva possível. Dentro desse alinhavo, as

tecnologias criadas e escolhidas em determinados períodos históricos marcarão as relações

de acordo com as necessidades sociais, escolares, psicológicas e neurobiológicas

específicas já que “a tecnologia é, como a escrita, na definição de Levy, uma tecnologia

da inteligência, fruto do trabalho do homem de transformar o mundo, e é também

ferramenta desta transformação” (Levy 1993: apud Lígia Leite, 2003: 11).

Diante disso, percebemos que os indivíduos agem sempre em relação e na relação

com o outro. Essas interações geram mudanças de comportamento, aumento do

conhecimento, das aprendizagens, das habilidades, das competências, das sensações e das

percepções, todas partindo de um intermedeio primevo: entre nascer e morrer há o conviver

e esse conviver necessitará conter uma dinâmica onde suportes artificiais, cada vez mais

sofisticados, integrem fortemente a todos.

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Essa integração processa uma transformação constante em todo o “status quo”,

impõe mutações quase que orgânicas e diminui as fronteiras entre o que seria natural e

artificial.

“Por um lado, o ser (...) é princípio do seu próprio movimento; por outro lado, [há] as operações humanas para utilizar, imitar e ampliar o escopo do natural. Dois mundos nitidamente diferenciados. Hoje, porém, as fronteiras entre ambos estão se dissipando” (Sibilia, 2002: 64).

Por conseguinte, ininterrupta, essa integração subentende e inclui vários aspectos do

cotidiano como: as realidades (representações), os interesses, as próprias criações, as ações,

os sentimentos, as vontades e os desejos. Nessa inter-relação relevam-se dois sujeitos: um

sujeito-coletivo, sempre novo, mas que perde a noção de si pela importância que incute nos

objetos: dessa importância todos participam; e um outro sujeito-individual que se entende

em meio a esses mesmos objetos, pois os engrandece, tendo-os como formas de se

permanecer vivo: desse engrandecimento concorre o esquecimento de objetos mais antigos.

Ambos os sujeitos emolduram uma nova forma de enfrentarem a realidade – a tecnologia –

e, entendendo que essa tecnologia pode ser informacional, midiática, educacional,

comunicacional e da inteligência, ambas as posições dos referidos sujeitos voltam a se

interpenetrar na medida em que suas funções são parte de um processo acentuado de

representação do mundo a partir de simulacros (reprodução técnica) e isso, justamente, se

reflete nos objetos que criam. Em virtude disso, ambos os sujeitos apresentam, representam

e reapresentam o mundo em um invólucro em relação às próprias realidades e a partir dos

usos que fazem de seus objetos (suas criações).

Essa atitude faz com que objetos (ou ferramentas ou técnicas) diversos se unam

atraídos pela sofisticação constante das experiências humanas com o seu cotidiano. Unidos

iniciam uma viagem de encontros e reencontros atraentes, o que ratifica a tônica do atual

período chamado de “pós-moderno”, período onde os indivíduos são levados a exagerar

suas expectativas e remodelar suas sensibilidades por imagens sedutoras.

Esses encontros e reencontros não polarizam mais as maneiras de se entender o

cotidiano, as pessoas que participam desse cotidiano e as técnicas que facilitem o trânsito

por esse cotidiano. Esses encontros e reencontros inserem novas possibilidades de se

observar às subjetividades e a influência de suas invenções. Logo analisar as razões das

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mudanças intrínsecas de comportamento em cada sociedade e seus objetos icônicos não

pode mais partir de qualquer dialética que visualize diferentes caminhos de análise. Estes

devem ser entendidos como provocadores de todas as transformações e de todas as

diversidades atuais. Essa interação justificará as ações dos indivíduos diante da crucialidade

da vida, dos impedimentos diários de todos os tipos e dos problemas mais científicos e

tecnológicos. Todo esse contexto conduz o indivíduo à sua autoprodução e à

“uma interação entre vários elementos que compõe a sua estrutura (...) permitindo que o ser vivo se adapte às circunstâncias e ao contexto ao qual está inserido, permitindo também assim, a sua conservação e adaptação pelas possibilidades que lhe são inerentes: a auto-regulação e homeostase” (Tajra, 2002: 12).

Essa simbiose define novos condicionamentos, novas competências, novas formas

de aprendizado, novas formas de ensino, enfim, novidades em torno de todo um ambiente

(cotidiano) em que os indivíduos precisam se reconhecer e se relacionar. Essas novidades

são novas possibilidades de recodificar características tradicionalmente arraigadas nos

espaços em que os indivíduos se fizerem presente; são novas maneiras de romper costumes,

derrubar clichês e pulverizar certezas em torno de informações e conteúdos consideradas

importantes e que, por isso, ficaram congelados na mente. A criatividade, então, está a todo

o momento sendo solicitada para que os indivíduos possam se posicionar integral e

conscientemente a cada novo problema, novo esforço, nova solução, nova criação. Todas as

criações tecnológicas, então, terão a capacidade de promover imprevistos que suportem e

tratem todas as complexidades humanas no processo de resolução de seus impasses,

principalmente no que concerne à comunicação e à educação.

“As novas possibilidades tecnológicas não alteram apenas a vida cotidiana.”

(Kenski, 2003: 29), elas alteram as ações, as condições de pensar e de representar a

realidade e as maneiras de se ensinar e comunicar. “A aprendizagem de informações e

conceitos” (Kenski, 2003: 29) não são mais exclusividades da escola. Se, tradicionalmente,

espaço e tempo sempre foram demarcados em função das máscaras sociais a que os

indivíduos adquiriam no transcorrer da vida e tinha-se o tempo e espaço da/para escola,

da/para família, dos/para amigos, de/para ler, de/para diversão, do/para o amor e daí por

diante em relação tanto aos papéis sociais que conquistam quanto às atitudes diante da

manutenção desses mesmos papéis, “na atualidade, o que se desloca é a informação”

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(Kenski, 2003: 30) e esse deslocamento faz com que o encontro com o conhecimento

aconteça em levitação: tempo e espaço estão de tal forma redimensionados que se tornaram

fluidos, correntes, frouxos, expandidos à maneira de um gás. E gás não pode ser limitado.

Essa característica de serem (espaço e tempo) ilimitados indefine seus conceitos

pela impossibilidade de permanecerem aplicáveis na atual sociedade digital e, além disso,

canalizam novas formas de aprender, ensinar, comunicar, falar e escrever pela força com

que incidem nessa mesma sociedade.

Essas ações humanas, em potencia em nossas mentes, tratam a realidade (as

informações) através de conexões e reconexões incessantes na memória. Esse tratamento

ressignifica essa realidade, refletindo as diferenças mais pessoais. A tríade comunicacional

- oralidade, escrita e virtualidade - então reflete justamente momentos em que os indivíduos

se sentem angustiados e insatisfeitos diante de sua incapacidade de se guardar como

memória. Essas angústias e insatisfações adjetivadas como sociais, políticas, econômicas

ou pessoais aceleram as mudanças de olhar às formas de saber, às formas de ensinar e às

formas de analisar, seu cotidiano.

1.1- Tríade Tecnológica

Dentro dessa linha de pensamento, os indivíduos estruturam e reestruturam as

principais tecnologias da comunicação - oralidade e escrita – e retiram de seu meio um

elemento sempre existente, mas que, só agora, com a relevância das tecnologias

informacionais e midiáticas se apresentou como passível de análise em separado: a

virtualidade. Se a sociedade pós-moderna vivencia um momento de fragmentação e, de

acordo com Edgar Morin, de incertezas, a presença dessa tríade convoca o imaginário

coletivo à construção de um novo processo de comunicação e de explicitação de qualquer

leitura de vida, de qualquer leitura de mundo.

Esses três elementos, na passagem do tempo, na transformação do imaginário e nas

reorganizações sociais, podem ser especificados através das formas escolhidas pelos

indivíduos de se renovar na busca do próprio reconhecimento e através de um alcance cada

vez maior de novos indivíduos e novas perspectivas. Não é nossa intenção analisar essa

ambientação como uma questão de poder, omissão ou interesse, o que queremos

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demonstrar é que esses três elementos içados como importantes em cada momento da

sociedade, hoje se interpenetram.

1.1.1- Oralidade

A oralidade engrandeceu o tom professional de seus conteúdos. A oralidade exige a

presença física, pois a comunicação acontece em tempo real. A oralidade igualizava os

indivíduos, pois o som das palavras chega a todos no momento em que são pronunciadas e

o entendimento (codificação) é ritmizado, harmônico, atingindo todas as mentes a que se

expuser. Na oralidade, a memorização da fala acontece com mais liberdade, pois segue uma

metodologia básica: um escolhido-retransmissor dos "ensinamentos" (professor, por

exemplo) fala aos seus discípulos um único conteúdo de forma cadenciada. Essa fala, por

presumir presença física, seduz e fascina as mentes atingidas e provoca diversas formas de

pensar. Em resumo,

“nas sociedades orais, a memória se identificava com as pessoas: a história e a cultura do povo, as idéias e visões de mundo que as constituem passam de geração a geração e não têm outro lugar para resistir senão na mente dos próprios indivíduos.” (Ramal, 2002: 36).

Quando invocamos a oralidade, aceitamos sua metodologia externa, mas temos que

ter em mente que o processamento da informação advinda desse elemento é virtualizado

tanto pelo emissor quanto pelo receptor da mensagem. Antes da exposição à informação,

antes que seja enviada ao real, há o pensamento sobre a mesma e esse pensamento leva em

consideração alguns focos: o que falar, como falar, quando falar e para quem falar.

Responder a essas perguntas faz parte de todo o processo de pensar e torna aquilo que se

diz verossímil1. Se verossímil, essa informação chega aos ouvidos do receptor já mesclada

de adereços do imaginário do emissor. O processo de entendimento, resultado de toda

comunicação, também irá incorporar novos adereços, agora da mente receptora. Logo o

desenvolvimento dos conteúdos apreendidos pela oralidade, já é um desenvolvimento

virtualizado.

1 Verossímil entendido como qualquer coisa que pareça verdadeiro; semelhante à verdade.

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1.1.2- Escrita

A escrita amplia a presença humana, pois o agente-escritor se desobriga do ritual do

convívio, amplia as formas de interpretar pela sua liberdade em relação ao espaço e ao

tempo, e realiza suas (do agente) vontades e desejos mais recônditos ou não em objetos de

alcance ilimitado como e na seqüência: o papiro, o jornal, o livro (o texto) e, pós-

modernamente, o hipertexto. A comunicação escrita desvincula-se da presença corpórea.

Além disso, há a necessidade de uma forma mais transportável e conservável de

comunicação. Logo logo passou-se dos gestos e da fala, para objetos (pedras, cordas etc.),

traços (desenhos, gravuras, riscados, letras) e meios de comunicação midiáticos. Na solidão

de seu próprio imaginário, nas reformulações que sua própria mente faz da realidade, o

agente-escritor constrói de forma fixa o conhecimento, retirando sua exemplificação do

real, na intenção de não ser esquecido (não se apagar da vida pela morte), de transmitir toda

a sua experiência e reflexões para um número muito maior de outros sujeitos através da

criação de significados arbitrários (nunca aleatórios) para diversos aspectos da vida e, por

fim, de estratificar suas idéias apresentando o contraponto como melhor forma dele e do

outro entenderem o mundo. A tecnologia-escrita aliviou cada vez mais a tecnologia-

memória. Mas se “a forma escrita de apreensão do conhecimento é a que prevalece em

nossas culturas letradas, (...) a linguagem oral ainda é a que predomina em todas as

formas comunicativas vivenciais.” (Kenski, 2003: 33). Portanto, guardando suas

especificidades diante de seus usos, ambas as tecnologias permanecem como importantes

formas de construção de conhecimento em diferentes lugares, setores, comunidades e para

diversas pessoas.

Quando invocamos a escrita, o processo de transformação da realidade e sua

capacidade de leitura em qualquer momento histórico e por qualquer indivíduo, insere de

pronto a virtualização. Não há mais a necessidade da presença de um emissor-humano, aqui

os emissores são os objetos – livros, jornais, revistas (impressos) -, independente do tempo.

A escrita amplia a presença do receptor na medida em que se oferece às interpretações, às

análises e às críticas. A escrita torna-se uma ação que verticaliza uma propriedade

perfeitamente humana: a representação. Grafar a fala envolve a significação de sensações e

percepções no intuito de se estabelecer um código básico de comunicação com um máximo

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de pessoas possíveis. Não é à toa que os substantivos (nomes) são as principais palavras da

gramática, seguidos dos adjetivos (caracterizações e especificações) e advérbios

(modificações invariáveis): são classes de palavras criadas para significar o mundo e

ressignificar o ser humano.

“Com a escrita, e mais ainda com o alfabeto e a imprensa, os modos de conhecimento teóricos e hermenêuticos passaram, portanto a prevalecer sobre os saberes narrativos e rituais das sociedades orais. A exigência de uma verdade universal, objetiva e crítica só pôde se impor numa ecologia cognitiva largamente estruturada pela escrita, ou, mais exatamente, pela escrita sobre suporte estático.” (Levy, 2001: 38).

1.1.3- Virtualidade

Ao invocarmos a virtualidade, qualidade de virtual2, “(...) um modo de ser fecundo

e poderoso, que põe em jogo processos de criação, abre futuros, perfura poços de sentido

sob a platitude da presença física imediata” (Levy, 2001: 12), pelo seu grau de auto-

referencialidade, prefigura-se a idéia de que os indivíduos sempre estiveram conectados. Se

entendermos essa conexão como analogias entre coisas diferentes também podemos aceitar

a idéia de que a humanidade evolui e se transforma, na medida de suas uniões com a

natureza (realidade). Essa ligação com a realidade nunca será rompida, apenas se disfarçará

de acordo com as políticas, as economias, as histórias, pois cada um desses fragmentos

constitutivos de uma sociedade escolherá um ícone para que seja analisada. A essa ligação,

na modernidade, chamaremos de TEXTO (do latim, textu, tecido), inscrição arbitrária

produzida em qualquer suporte e que perpetualiza o conhecimento humano pela produção

de significados a partir dos sentidos; e, na pós-modernidade, incentivada pela Informática

(Internet), chamaremos de HIPERTEXTO que

“tecnicamente (...) é um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, seqüências sonoras, documentos complexos que podem eles mesmos ser hipertexto. (...) Navegar em um hipertexto significa portanto desenhar um percurso em uma rede que pode ser tão complicada quanto possível. Porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira. (...) Funcionalmente, um hipertexto é um tipo de programa para a organização de

2 Virtual é tudo aquilo suscetível de se realizar; potencial; ou seja, tudo aquilo que está predeterminado e que contém todas as condições essenciais à sua realização.

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conhecimentos ou dados, a aquisição de informações e a comunicação.” (Levy, 2001: 33).

Tanto o texto quanto o hipertexto então recontextualizam oralidade e escrita e

apresentam a virtualidade como algo intrínseco e têm como ações incidentes na leitura e no

pensar. Pensar passa a ser virtualizar a informação de forma a compreender as

performances do emissor e do receptor quando alinhavam suas visões de mundo. Pensar

passa a ser virtualizar a leitura mental (lembranças) e a leitura escrita (interpretações).

“A virtualização aumenta a potência do atual (...) e não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num conjunto de possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento do centro de gravidade ontológico do objeto considerado” (Levy, 2001: 17).

Ao invocarmos a virtualidade, exigimos a presença da oralidade e da escrita. Se na

união desses últimos, o resultado é o texto, inserindo-se ou percebendo-se a virtualidade,

esse texto é renomeado e passa a ser chamado de HIPERTEXTO.

1.2- Contradição Pós-moderna: Texto e Hipertexto

Segundo Santos,

“Pós-modernismo é o nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção se encerra o modernismo (1900-1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50. Toma corpo com a arte Pop nos anos 60. Cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência + tecnologia invadindo o cotidiano com desde alimentos processados até microcomputadores), sem que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural”(2000: 07/08)

O ambiente pós-moderno tem como principal elemento estruturador a Indústria

Cultural3 ou seja, entre os indivíduos e o mundo estão os meios tecnológicos de

comunicação. Neles, a proposta de simulação hiper-realiza o mundo e seus objetos: as

3 Essa expressão participante (assim como meios de comunicação de massa e cultura de massa) do fenômeno da industrialização. Quadro caracterizador: revolução industrial, capitalismo liberal, economia de mercado, sociedade de consumo.

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imagens (suposições, percepções) dos objetos tornam-se o sentido. Simular por imagens

torna-se apagar a diferença entre o real e o imaginário. Amplia-se o simulacro e este fabrica

um hiper-real: o espetacular passa a ser mais interessante que a realidade. Com isso somos

levados a exagerar nossas expectativas e modelamos nossas sensibilidades por imagens

sedutoras. Os indivíduos passam a apenas reagir dentro desse espetáculo.

“(...) Na pós-modernidade, o indivíduo vive banhado num rio de testes permanentes. Digitalizados, os signos pedem escolha. Não uma decisão profunda, existencial, mas uma resposta rápida, impulsiva, boa para o consumo.”(Santos,2000: 17)

Durante esse momento histórico em que essas tecnologias foram se desenvolvendo,

as subjetividades a elas expostas foram se reconfiguram e transformando seu modus

operandi em relação ao cotidiano e o próprio cotidiano. Os indivíduos, cada vez mais

fragmentando suas possibilidades de se comunicar e/ou interferir no movimento da

sociedade, se desmaterializam na intenção de conquistar novos ambientes, novos lugares e

novos espaços.

Logo, “depois da modernidade que controlou, manipulou e organizou o espaço

físico, nos vemos diante de um processo de desmaterialização pós-moderna do mundo.”4

Deu-se adeus às ilusões em qualquer nível de padronização em qualquer ambiente. A

palavra de ordem passa a ser experimentação. Os indivíduos desmaquinizam-se e o

processo desenvolvido para o crescimento do conhecimento se auto-referencia. Dissolvem-

se tempo, personagem e enredo. A necessidade é de constante apresentação dos signos e

esta precisa de velocidade já que todo um conteúdo deve ser de fácil compreensão. Há o

processo hiper, um processo mimético detalhado desmaterializando os objetos e as pessoas.

Estamos virtualizados e, dentro desse contexto hipertextualizado, os indivíduos são

envolvidos em todos os espaços em que se reconhecem de forma a que estejam, não diante,

mas dentro de um texto e com os sentidos afetados.

A transformação social e pessoal relegará ao computador, mas precisamente à

Internet, a sensação de um ambiente de comunicação direta, objetiva, superficial e,

principalmente, efêmera. Os indivíduos expostos a essas adjetivações entrarão num

4 www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/estrcy1.html.

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processo de mudanças comportamentais e essas afetarão toda a sua existência. Também as

grandes instituições tradicionais (família, igreja, escola etc.) ficarão em apuros.

Nesse panorama alimentam-se gerações inteiras e justificam-se todas as

reconfigurações processadas sob a influência desse cotidiano. Particularmente, em relação à

leitura, a evolução é na direção de ampliar conhecimento no cyberespaço5 através dos

hipertextos. Nesse lugar todas as linguagens não-verbais são priorizadas antes mesmo que a

visão incorpore sentidos e significados ao que visualizar/ler. A agregação constante no

cyberespaço impele os indivíduos a um outro mundo onde se modificam a noção de

isolamento, segregação e particularidade, e assumem todas as noções que ampliem o

conceito de coletivo. Esse mundo coletivo, negando Baudrillard e sua desertificação, não é

asséptico, pelo contrário, há um vitalismo presente em todas as suas comunidades onde está

sempre presente a vontade humana de estar constantemente em relação com. Perde-se o

controle, não sua efervescência.

Além de decodificador de letra (imposição da escrita), o leitor se insere num

processo de formação global que permite, na pós-modernidade, a leitura por e através de

imagens. Sendo assim, o desenvolvimento da leitura também dinamizará componentes

sensoriais, emocionais, intelectuais, fisiológicos e neurológicos em busca de significados: é

um desenvolvimento que só ocorrerá no diálogo com o objeto lido – “seja escrito, sonoro,

seja um gesto, uma imagem, um acontecimento” e se inaugura nos desafios, nas

“necessidades, nas expectativas, no prazer das descobertas e no reconhecimento das

vivências”. (Martins: 1984: 33).

As subjetividades passam a se relacionar intertextualmente no espaço do hipertexto.

Essa intertextualidade nascida com a desconstrucionalidade6 cria, incorpora e apresenta

sentidos que não estavam ou possivelmente não poderiam estar em qualquer

intencionalidade (autor) ao compor um texto, principalmente por que as palavras por ela

escolhidas nunca terão seus níveis de significância determinados, nem o texto será

dominado pelo esgotamento de sentidos.

5“O termo ‘cyberspace’ foi inventado pelo escritor ‘cyberpunk’ de ficção científica William Gibson no seu monumental ‘Neuromancer’ (1984) e o “cyberespaço, um espaço não físico ou territorial, que se compõe de um conjunto de redes de computadores através dos quais todas as informações (sob as suas mais diversas formas) circulam”. 6 Desconstrucionalidade é um termo traduzido pelos pós-estruturalistas que objetivavam subverter a idéia do texto e de todos os seus elementos constitutivos pois acreditavam que os atos de escrever e ler um texto era um ato de reescrita re-iterativa.

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Assim sendo, o texto sempre foi uma espécie de rede, de teia da linguagem que

interliga o produto do trabalho literário a outros discursos, sejam eles literários, críticos ou

outros quaisquer: é o que Barthes chamou de “nova atitude, uma atitude que vê a leitura

como uma experiência que se abre em múltiplas direções a fim de estabelecer ligações

com o mundo de significados sempre em expansão”.7

Esta forma de entender o texto descaracteriza o impacto do hipertexto. Os processos

organizados apenas dentro da mente humana, agora, por extensão, estão objetivados na

liberdade em que os indivíduos lidam com o cyberespaço e com os hipertextos.

De um lado, os teóricos chamados de pós-estruturalistas e pós-modernos como

Pierre Levy, Jean Baudrillard, Umberto Eco, Muniz Sodré se serviram do hipertexto para

teorizar a racionalidade, o sujeito, a sociedade e a cultura contemporânea. De outro lado,

algumas das características da sociedade em rede8 já haviam sido definidas na década dos

70 como características de uma "sociedade pós-industrial" (aquela na qual o elemento mais

importante dos que intervêm na produção já não é mais o trabalho, como na sociedade pré-

industrial; nem a energia, como na industrial; mas a informação e o conhecimento): a

informação define o capitalismo; a informação recobre a sociedade; a informação seduz os

indivíduos; e a informação envolve o ser humano. Não há mais como deter seus avanços e

suas intromissões.

Lê-se sempre em hipertexto já que "(...) trata-se de uma nova tecnologia intelectual

mediadora, neste momento, das relações com o conhecimento (...)" (Ramal, 2003: 83).

Mas ele é maleável, é efêmero, é sem-limites, é fragmentado, está disponível, então "(...) só

eclode com a entrada da subjetividade humana no circuito" (Levy, 1996: 40). Logo ler

deve ser um ato provocado pela surpresa, pelo imprevisto e ter como conseqüência, a

inauguração, se aceito, de outras possibilidades de ver e viver o mundo, a realidade. Ler,

resultado de um processo sedutor do olhar e, conseqüentemente da mente, deve ser

entregar-se. A partir daí ocorrerá uma interação cognitiva tendendo ao desaparecimento

(pela simbiose) de ambas as partes (autor e leitor, ambos internautas ou usuários) só se

7 www.unicamp.br/`hans/mh/autor.htm 8 “Rede é um termo que deriva do latim rete e significa, no sentido mais lato, um entrelaçamento de fios, cordas, cordéias, arames, ou outros materiais, com aberturas regulares, fixadas por malhas, formando uma espécie de tecido. Rede tem também o sentido de instrumento de captura. (...) Atualmente, de modo figurativo, tem-se dado o nome de rede ao conjunto dos meios de comunicação ou de informação, ou ao conjunto das vias (e do equipamento) (...), que, pela sua estrutura e modo de distribuição, se assemelham a uma rede e se difundem em áreas mais ou menos consideráveis.” (Ramal: 2002; pág. 135)

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estabelecendo, primeiro, a intenção da procura, e segundo, o processo de busca. O ambiente

virtual potencializará a qualidade dessas ações, pois será indicativo de uma "dinâmica de

realização do real" (Sodré, 2002: 123). Fisicamente, corpo, lápis, folha de papel, linhas

textuais organizadas e mesmo o saber gramatical serão diluídas.

Lê-se sempre em hipertexto porque se lê sempre por imagens. Diante de uma tela de

TV ou de um computador com Internet, os indivíduos relacionam-se. Novamente, os

indivíduos se ressentem da realidade e vão ao virtual para atravessar a vida enganando a

morte. Como esse indivíduo trabalha dentro do princípio do prazer (ninguém trabalha na

perspectiva de Tanatos, a não ser na intenção de eliminá-lo), investe em seu crescimento

pessoal, cultural e social em busca de satisfações. E lendo, "na velocidade da luz", crê

deixar de lado suas limitações e expandir sua consciência. Aceitamos a afirmativa de

Machado: "Uma apropriação de um espaço não é necessariamente a apropriação de um

lugar" (Machado, 2003: 22).

Esse jogo imagético (além do sonoro) tem nuances e Pierre Levy coloca

possibilidades interessantes para a análise de dois sujeitos-virtuais claros: os pilhadores,

sujeitos que, diante da exacerbação dos sentidos em detrimento do intelecto e das imagens

(leituras) representativas de um momento, serão tornadas verdades: esses usuários entram

na Internet para olhar e só depois buscam/pesquisam. Não têm um objetivo. Lêem o que os

atrai, o que lhes chamam a atenção e as janelas são abertas por escolhas aleatórias; e os

caçadores, sujeitos focados para uma procura específica de leitura, sujeitos em interação

com as múltiplas janelas que se abrem e que dão uma continuidade à evolução do

conhecimento individual, ou melhor, e ainda, pela terceira vez, aceitando novamente Levy,

“a tela apresenta-se então como uma pequena janela a partir da qual o leitor explora

uma reserva potencial” (1996: 38), nesse caso, os usuários entram na realidade virtual em

busca de um objetivo pré-estabelecido. Lêem o que lhes interessa, o que lhes acrescenta

maiores informações a sua busca e as janelas são abertas por escolhas precisas.

“O hipertexto (...) liberta a escrita da “tirania do autor” pela facilidade que dá a cada leitor de adicionar, alterar ou simplesmente editar um outro texto, abrindo possibilidades de uma autoria coletiva e quebrando a idéia de “ecriture” como originária de uma só fonte”9 em conseqüência “transferem poder do escritor para o leitor pela possibilidade e habilidade que este último passa a

9 http://www.unicamp.br/~hans/mh/autor.html

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ter de escolher livremente seus trajetos de leitura elaborando o que [podemos] denominar “meta-texto”, anotando seus escritos junto a escritos de outros autores de forma a relacioná-los e acessá-lo rapidamente”.10

Assim, abalada a noção de linearidade inerente à página impressa, na

hipertextualização do processo de leitura, rompe-se qualquer equilíbrio racional previsto (o

texto impresso). Os indivíduos tornam-se disponíveis não se sabe para o que, despojam-se

de sensações conhecidas para que outras se apresentem e deixam-se envolver por essa

relação especular. Sua existência in-ausência está garantida e tem como resultado o saber-

se que o encontro com o conhecimento nunca se dará de forma tranqüila e feliz. A leitura

hipertextual exige desapego, recusas, infelicidades, tudo aquilo que emocionalmente

devolva os usuários a um estágio inicial de integração: cria-se uma relação amorosa.

Lê-se em hipertexto sentindo o silêncio. Sentir em hipertexto é alcançar a revelação

de ângulos outros do ser. Sombras e luminosos (imagens e sons) recobrem o leitor e o ato

de ler de mistérios existenciais, por isso mesmo ricas e surpreendentes de revelações. Como

o sujeito não fica só com o sentir, ele procurará saber, entender. Mesmo em velocidade, é

isso que se quer/faz. O que não percebe é que quanto mais buscar, mais ignorâncias, logo

novos impasses, novos jogos e... desilusões. Aí está o momento da sedução! Sua captura...

O sujeito-leitor deve aprender a não desistir, pois a persistência poderá levá-lo a outros

problemas, a outros fascínios, a outros lugares e, por fim ao engrandecimento cognitivo

dele mesmo. Em meio a isso e para isso o hipertexto exige silêncio! Apesar de também ser

veículo de comunicação, ele (o silêncio) é a solidão necessária ao ato de procurar e ao ato

de ler em qualquer modalidade da comunicação textual ou hipertextual.

A partir dessa perspectiva que reconhece o deslocamento do sujeito e da sua

consciência do centro do mundo, que encara a linguagem e os discursos que definem a

realidade como em constante movimento é que podemos entender que todas as escolhas

(navegar em hipertexto é escolher sempre) instauram no leitor o centro da coerência. O

hipertexto provê, assim, um sistema infinitamente recentrável, porque o foco depende do

leitor, de seus desejos ou interesses.

10 idem nota 9.

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II – PROPOSTAS DE LEITURA

Como comunicar é preciso, como conhecer os códigos é necessário, como ser

humano, além de racional, é ser criativo, o acesso às informações e sua compreensão

perpassou diversos “suportes”11: os gestos, a fala, a escrita, e, pós-modernamente, os

aparelhos técnico-especializados que congelam (pela visualização) sons e imagens – TV,

videocassete e a tela do computador. Dentro desse contexto, os indivíduos se expressam,

interagem e evoluem. Essa evolução exige profundas e diferentes formas de leitura por

convocar escolhas de determinados objetos aos quais incidem diferentes graus de

importância já que estão (os objetos) relevados em um tempo histórico específico.

Todas as ações inseridas nos verbos aprender, comunicar, entender e conhecer se

realizam pela leitura. Ninguém lê o que não entende. Ninguém vive onde não se reconhece.

Reconhecer é perceber o mundo. Perceber é absorver e criar imagens. Imagens são

representações das mais variadas formas de ser. Logo ler passa a ser, então, a conjunção

dessas diversas formas, a partir de uma estrutura semi-linearizada12 e convocada pelos

sentidos para ligar indivíduos a objetos, indivíduos a situações, indivíduos a indivíduos,

com extrema criatividade.

Essa leitura sempre pôde ocorrer a partir de gestos, cores pintadas no corpo, danças,

tipos de mímica, figuras gravadas na pedra ou nas cavernas, em pergaminhos (chega-se ao

papel) e atualmente através da tela do computador. Logo percebemos que, para uma

simples leitura, sempre houve muitas "mídias" logo muitas "tecnologias" possíveis. É claro

que dificuldades de aprendizagem orgânicas ou sociais, e mesmo o excesso de informações

podem provocar níveis diferenciados de leitura e mesmo interpretações ambíguas. Porém,

ainda assim, há um ato de leitura e “(...) um ato de leitura é [sempre] uma atualização das

significações de um texto (...)" (Levy, 1996; 41) e do sujeito que o lê.

Dessa forma, há uma confrontação permanente. Os indivíduos aprendem a ler no

confronto com suas próprias experiências. Esse confronto exige um movimento constante

em cada sistema de relações interpessoais; exige convergências entre várias áreas do

conhecimento teórico; e, principalmente, exige agenciamento da curiosidade. Indivíduos

11 Suporte como objetos (materiais?) que servem de base para a aplicação do conhecimento entre todos os homens. 12 O prefixo semi é usado na intenção de se incluírem aqui a leitura textual nas telas do computador.

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curiosos, nesse sentido, se projetam no mundo (mesmo o digital) para alimentar seus

imaginários, fazer marcas indeléveis em suas mentes, criar memórias e romper com

quaisquer estruturas. Indivíduos curiosos expõem-se a todo um jogo imagético e nessa

constante projeção “a imagem torna-se mais que real porque a natureza é reduzida à

aparência da aparência” (Neiva, 2002; 74).

A leitura mostra-se como virtualização de um contexto e apresenta-se desmembrada

em textos não-verbais, textos impressos ou digitais. A tela do computador surge como um

elemento pinçado do balaio de suportes criados pelo ser humano e geradores de

conhecimento, e que reconvoca, nos indivíduos, o sentido de renovação de seus processos

psíquicos de leitura de si e do mundo. Esse é o acordo! Sendo assim, entendemos que a

leitura nunca será um ato solitário porque envolve sempre o diálogo com um interlocutor.

No momento em que o leitor faz o cruzamento de um texto com outro, que introduz

questões, os interlocutores se ampliam. A leitura então se torna uma constante escritura, ou

seja, torna-se ação geminada e processo intercomplementar.

Os textos impressos ou digitais e os movimentos neuromotores por eles agenciados

na medida em que vão sendo lidos, entendidos e interpretados deram a tônica dos

comportamentos e formas de aprendizagem de todo um contexto social. Esse contexto

social foi se impondo tanto no que concerne à educação quanto à comunicação (guardadas

as devidas proporções e especificidades), pois todo o texto (ou hipertexto), nesses

contextos, tornou-se produto de uma criação coletiva, logo tornou-se produto que já se

apresenta atravessado, ocupado e habitado pelo discurso do outro. Mesmo nos ambientes

educacionais e comunicacionais, o texto nasce comprometido com pontos de vista

sentimentais ou sociais e no discurso13 faz seu púlpito. Dessa forma, a leitura de um texto

em hipertexto é uma atitude que, além de exigir a inserção de vários componentes (silêncio,

solidão, vontade, gosto, constância, outros saberes) para que a interpretação se dê, atrai à

cena da leitura várias vozes (saberes familiares, literários, vivências) para a reconstrução de

uma visão de realidade dentro de um contexto.

Ler um texto em rede torna-se então preenchimento de pontos de indeterminação

com o próprio imaginário e, durante esse movimento, essa ação assume todas as cognições

que agencia. Em rede, o texto tem autonomia de organização de seus próprios significados

13 Entendemos discurso como uma maneira social de considerar uma questão.

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e enfatiza a construção da leitura dentro mesmo do desenvolvimento compreensivo. É um

meio que desafia, exige e estimula o intelecto. Se pensarmos, por exemplo, em sua

produção, as operações intelectuais que vão desde o manuseio da escrita, da imagem, do

som, até a escolha da melhor cor, tamanho e tipo de letra, são atividades que exigem

atenção, abstração, capacidade de comparar e diferenciar. Tais exigências recobrem a

autonomia do chamado “usuário” e modifica, pela constância, tanto sua relação com o

próprio texto, quanto suas formas de agir no coletivo. É a sedução da autonomia completa!

O usuário, tendo acesso a todo um mundo de perspectivas de leitura e, podendo influenciar

seus significados, aprende e assimila fortemente individualidades e autonomias e, ao

desligar o computador, esse usuário retorna à realidade cheio de todas essas características.

Ao pegarmos qualquer texto impresso (livros, jornais e revistas) e se dominamos o

código (a língua) percebemos logo que há um sentido a se seguir. Existem linhas as quais

nosso olhar é aprisionado e na qual deve “caminhar”, unindo as grafias, formando palavras

e criando sentidos. Há coerência, o texto não é um amontoado de frases, não permite

ilogicidades ou discrepâncias que interrompam o desenvolvimento da leitura. Todas são

dependentes entre si e na medida em que são lidas, se interpenetram e movimentam nossa

mente em busca de informações as quais dêem qualidade a esse mesmo processo de leitura.

Substantivos, adjetivos e advérbios, novamente, são importantíssimos, mas perdem sua

força simbólica se não estiverem ligados às preposições, conjunções, artigos e numerais –

elementos adjuntos, mas que têm o poder de especificar os referidos três grandes nomes da

gramática em língua portuguesa. Há uma necessidade, portanto, de perceber as

composições de todos os signos para que o diálogo entre leitor e texto aconteça. Criar e

estimular sentidos é a razão do autor.

Até aqui há a linearização da leitura e, automaticamente, de construção de signos e

estes se refletindo em forma de interpretações, opiniões e dissertações. A folha de papel é

um espaço restrito para o autor, o livro é um espaço finito para o idealizador, mas o

momento da leitura elimina essas restrições tanto no virtual quanto no atual. O olhar do

leitor, então se depara com espaços vazios entre as palavras, entre os significantes. Esses

espaços instauram, por segundos, a cada vez, a possibilidade de serem preenchidos com os

sentidos, signos, sensações, percepções, do próprio leitor. A tela do computador (metáfora

da folha de papel) surge exigindo a participação do próprio leitor na medida em que o atrai

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para que se posicione psicológica e analiticamente em paralelo com tudo o que está sendo

dito (lido). De qualquer forma, interferir é a razão do leitor.

Autor e leitor são os construtores do literário14. Ambos são forças geradoras e

unidades estruturantes de muitos significados. Como indivíduos constroem e reconstroem

representações da realidade num tempo e em um determinado espaço. Aqui cabe uma

ressalva: o processo de representação é também chamado de processo mimético. Não é

imitação (cópia), nem mesmo um conceito literário, é um conceito filosófico (tanto

platônico quanto aristotélico) trazido da arte para a literatura e que se adequa perfeitamente

até hoje, mesmo dentro da hipertextualização, às relações exigidas pelo próprio texto no

momento de sua plasticidade gráfica, pois mostra uma necessidade humana de manifestar a

realidade por imagens – mesmo a imagem das letras e sua conseqüente união em sintaxes.

Ao expulsar o poeta da república, Platão se justifica acreditando que o poeta faz imitações

em terceiro grau: primeiro Deus cria a idéia de uma cama; segundo, o marceneiro fabrica a

cama; e terceiro, o artista ao representá-la, cria uma aparência da cama do marceneiro. Ler

os vazios do texto é realizar o processo mimético possibilitando haver diferenças na

assimilação do conteúdo: o artista (poeta) é um virtualizador nato na medida em que

hipertextualiza realidades nas mais diversas manifestações artísticas.

A transgressão do espaço do papel à tela do computador oferece uma liberdade de

acesso inimaginável e justamente esse inimaginável é seu elemento mais atraente. Há

restrições mínimas ao encontro do conhecimento. Dentro do hipertexto o que se desdobra

são os imaginários na medida dos tantos links a que tem acesso no ato da leitura. Assim

sendo, a tradicional linearidade textual é quebrada e o hipertexto apresenta-se como

ambiente de uma prática de exploração e descoberta das possibilidades de expressão da

linguagem verbal e não-verbal e libertando o sujeito de várias materialidades: caneta, lápis,

livro, folha de papel. No ambiente virtual, o movimento é comandado pelo leitor através de

uma única materialidade: o mouse.

Em todas essas construções, reformulações e transformações da estrutura física do

texto (ou do hipertexto) quanto aos seus elementos criadores (autor e leitor) exige-se uma

técnica: há um conhecimento prático que deve ser seguido para que os textos impressos (ou

digitais) “aconteçam” de forma semelhante. Todas as técnicas são construções feitas pelo 14 O literário observa também a noção de plurissignificação das imagens que agencia pois exige de quem o lê uma bagagem de informações ou conteúdos variados, não é apenas uma questão da análise literária.

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ser humano, não atuam sozinhas, nem são por elas mesmas independentes da capacidade

mediadora dos indivíduos. Inclusive sem esta mediação elas (as técnicas) não existiriam e a

humanidade também não seria o que é hoje.

“(...) Nem a sociedade, nem a economia, nem a filosofia, nem a religião, nem a língua, nem mesmo a ciência ou a técnica são forças reais, elas são, (...) dimensões de análise, quer dizer, abstrações. Nenhuma destas macroentidades ideais pode determinar o que quer que seja porque são desprovidas de qualquer meio de ação. Os agentes efetivos são indivíduos no tempo e no espaço. Abandonam-se aos jogos das paixões e embriaguez, às artimanhas do poder e da sedução, aos refinamentos complicados das alianças e das reviravoltas nas alianças. Transmitem uns aos outros, por um sem número de meios, uma infinidade de mensagens que eles se obrigam a truncar, falsear, esquecer e reinterpretar de seu próprio jeito. Trocam entre si um número infinito de dispositivos materiais e objetos (eis a técnica!) que transformam e desviam perpetuamente.” (Levy, 2001: 13/14).

O contexto atual da sociedade se elabora na aceitação de que o sentido da visão

(olhar) pode ser capturado por tudo ao mesmo tempo e diante do qual deve fazer certas

escolhas em detrimento de outras. Fazer escolhas é rejeitar possibilidades reais, pelo grau

de importância, pelo uso dentro de uma realidade e/ou pelos objetivos de vida

preestabelecidos. São escolhas feitas por uma necessidade humana instantânea. São

escolhas aventureiras. São escolhas arriscadas. Mas sempre escolhas. Pensar torna-se um

processo fantasioso de conhecer por escolhas.

Mesmo assim os indivíduos privilegiam o racional em detrimento do sensível e do

emocional, esquecendo-se de que se lê com o corpo, os sentidos, com as emoções e com o

intelecto e de que toda a leitura é hipertextual. Esse tipo de leitura prioriza um espaço para

estar in-presença e onde há a sensação de existência “na realidade virtual (...) comparável

ao processo de tomada de consciência, pelo homem, de sua própria existência no mundo

real.(...)" (Jolivalt apud; Sodré, 2002: 121).

2.1- Ambiente Comunicacional

A consciência de existir no mundo é visualizada em todas as mídias criadas na

intenção de aperfeiçoar a comunicação entre todos. Essas mídias - livro, jornal, rádio e

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televisão – hoje, coabitam o mesmo espaço social, cada um tendo encontrado a sua devida

importância. Essas “grandes novidades” caíram no domínio público. E a essas "novidades"

foram somadas, entre os meados do século XX e início do século XXI, as chamadas "novas

tecnologias", trazidas pela Informática, e mais especificamente as tecnologias intelectuais

como hipertexto, hipermídia etc. Essas novas tecnologias, influenciadas pela mudança de

pensamento mundial, trouxeram também em seu modus operandi uma nova possibilidade

de se espiralar a construção do conhecimento: a velocidade. Apreender o seu fluxo

informacional tornou-se a "coqueluche" da atualidade. Os indivíduos foram incomodados.

E as grandes forças do conhecimento, como o livro, foram sendo postas em xeque. O

hipertexto reconfigura a relação entre leitor e leitura ao promover também uma

reconfiguração dos atos exigidos para a apreensão do conhecimento. Ele aponta para outros

"instrumentos" de/para reflexão: a imagem e o som. Essa relação "(...) harmoniosa,

profunda e íntima entre elementos naturais torna-se criadora de um elemento novo e

superior, e que colabora, por sua vez, na criação de um outro elemento ainda mais

elevado". (Tarde, 2003: 62): o saber digital.

Se primeiro foi a boca (oralidade), depois a mão (escrita), agora, na era do digital ou

como diz Levy informático-midiática, o sentido se deslocou para o olho, o olhar, a visão, e

seu objeto atual mais popular é o computador que “além de instrumento de comunicação e

de armazenamento de dados, conquista o status de ambiente cognitivo, tecnologia

mediadora a partir da qual vemos o mundo e construímos conhecimento". (Ramal, 2003:

15). Depois disso, na sucessão das décadas, essas tecnologias foram se sofisticando e

criando objetos artificiais que espelhassem todas as percepções humanas diante da

realidade na intenção de aumentar o desejo de saber um pouco mais.

Esses objetos que aqui chamamos de artificiais são: o livro, a TV, o cinema e a

Internet. Artificiais porque criados fora do ambiente natural humano (o corpo), mas que se

refletem dentro desse mesmo ambiente na forma de diálogo, portador das “boas novas” e

promovedor de reestruturação interdependente porque convergente. Esses objetos, inseridos

de forma radical no cotidiano dos indivíduos a partir da revolução industrial, verticalizam a

idéia da polifonia bakhtiniana que estabelece muitas vozes15, inclusive a do leitor, para um

15 Vozes do texto são as muitas intencionalidades observadas e mesmo sentidas no processo de leitura do mesmo, inclusive a do leitor. Ou seja, ao ler um texto há uma relação entre o saber do leitor e cada conteúdo lido. Essa relação recorta o texto em muitos sentidos e em muitas formas de interpretação, não sendo possível

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mesmo texto. Nesse ambiente comunicacional não há mais a necessidade de acumular

informações na mente; não há lugar comum entre os participantes, mas uma ligação (em)

comum: estar no ciberespaço participando de uma ação conjunta. Cada um experimenta o

outro no local mesmo da comunicação/separação. Porém aquela “i-necessidade” sugere

muitas reflexões e é preciso ter cuidado. Autores como Paul Virilio e Jean Baudrillard

trabalham suas teorias em função de uma despersonalização ou em função de uma

desertificação (alienação), pois consideram a união homem-máquina excessiva de tal forma

que impõe uma incapacidade da sociedade de superar conflitos.

“O mesmo ocorre com a informação: um excesso de conhecimento se dispersa pelas redes, em meio a interlocutores plugados como tomadas elétricas, num ‘automatismo cerebral’ e num ‘subdesenvolvimento mental’. E, para que se comunique bem, é preciso que se ande depressa, sem tempo para o silêncio.”(Ramal, 2002: 71).

Já autores como Umberto Eco (mais conciliador) e Pierre Levy (um integrado),

acreditam que negar todas as modificações promovidas pelos “objetos artificiais”,

principalmente a Internet, é negar o próprio mundo: “a vida deve ser pensada não

adaptando o homem a essas condições” [utilização produtiva da máquina e das mídias

como instrumentos a serviço do homem], mas a partir dessas condições.”(Ramal, 2002:

75). Eles trabalham a inserção dessas mídias como um novo modo de pensar o mundo, de

conceber as relações com o conhecimento, de aprender coisas. Trata-se, segundo Levy, de

uma “nova ecologia cognitiva”.

Ainda que transitemos em meios a essas tantas formas de pensar as transformações

envolvidas com a criação das tecnologias comunicacionais, o processo de leitura nunca é

interrompido. As gerações acolhem sempre16 seus frutos porque frutos são possibilidades

de sobrevivência, de perpetuidade. Logo todas as formas de leitura estarão influenciadas

pelas tantas características que esses tantos objetos oferecerão aos seus usuários na medida

em que os atraírem para dentro de si.

mais uma formatação de conteúdo onde a exigência seja uma única forma de leitura. Um texto, pela polifonia, se desdobra em outros tantos textos sempre em que estiver sendo lido. 16 Não entraremos no mérito se haveria um acolhimento bom ou mal, intentamos o entendimento das suas possibilidades e das suas formas diferentes de aceitação e de transformação dos ambientes e das pessoas.

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Essa ação atrativa de subjetividades e, aceitando as vertentes teóricas apresentadas

como possibilidades de leituras bastante pertinentes, também se canalizam em função de

duas linhas: a simbiose entre homem e máquina alienando o primeiro de seu contexto social

ou essa mesma simbiose revelando um novo contexto mais propício às suas necessidades

pós-modernas de ambientação e reconhecimento. Como já dissemos antes, “o processo

atual é de escolhas”. Ainda que esse processo seja de mudança estrutural mais do que

conteudística, ainda assim é possível irromper novas posturas sociais através do sensível e

da afetividade. Esses elementos, entendidos nesse momento como esvaziados de sentido,

mudam justamente o ângulo dos desejos a serem realizados pelos seus usuários. Esses

elementos, diante da chamada sociedade do espetáculo (sociedade permeada e dirigida

pelos meios de comunicação de massa) retomam a idéia de prazer em seus muitos

processos de leitura. Um prazer que deflagra novos desejos, novas vontades, só que em

ambientes virtuais (emoldurados por uma tela de computador).

Todos os hipertextos construídos pela mente humana e ampliados pelo digital são

sedutores, pois reconfiguram o prazer, subvertem o prazer, dão chance ao desejo,

alimentam desejos. Os meios de comunicação (não usaremos aqui a palavra massa)

angularizam com isso o prazer solitário (homem-máquina) e um prazer coletivo (homem e

seus muitos acessos) dentro de um tempo indeterminado e de todas as formas possíveis. Os

meios de comunicação incentivam a um estar-junto por todos os indicativos de leitura que

apresentam e fazem com que essas mesmas subjetividades retornem ao mundo colocando

em cheque o próprio mundo. Não é mais possível olhar a própria realidade de acordo com

padrões “normalizadores” quando todos estamos afetados pela prazer do virtual.

Em rede, os leitores inventam novos agrupamentos (comunidades virtuais), coletam

novos elementos, justam, separam, justapõem, tentam dar uma nova ordem ao ambiente em

que estão interferindo, não percebendo que essa nova ordem está sendo instaurada dentro

dele mesmo no momento em que interage. É a chamada co-produção de novas situações

hiper e é um momento potencializador de atuações tanto no ambiente virtual quanto no

atual: um diálogo constante e complexo entre diversas expectativas. A cada vez em cada

nó, um imaginário.

“O prazer de participar e de interagir se associa ao prazer de perverter leis implícitas (arbitrárias mas tendo um sentido comum

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em razão da ação coletiva) numa cultura telemática em transformação permanente.”(Leite, 1997: 299).

Os ambientes comunicacionais empreendem novas formas de os indivíduos se

movimentarem em suas realidades, pois estes indivíduos estão alterados pela amplidão de

leituras a que têm acesso e pelas ingerências que promovem nos textos lidos, logo, se os

objetos criados pelo homem (artificiais), determinam o próprio homem através do belo, do

lúdico, da satisfação, devem também problematizar os limites dos sistemas até então

constituídos.

2.2- Ambiente Educacional

“Educar-se significa tomar distância (ética) da condição animal e preparar-se para a cidadania plena, que pressupõe o conhecimento pelo sujeito, além de instrumentação técnico-operativa, dos processos políticos e administrativos de sua Pólis, isto é, de sua Cidade Humana.” (Sodré, 2002: 89)

A questão do aprender, do falar e ouvir, do ler e do comunicar-se, sempre foram

preocupações humanas. Sendo assim, podemos relacionar as mudanças de comportamentos

dos indivíduos na sociedade ou mesmo da sociedade pelos novos “brinquedos” inventados

em cada período. Todos esses brinquedos são interlocutores de todos os diálogos sociais,

políticos, econômicos, pessoais, profissionais, familiares. E a Internet não seria diferente,

porém seu viés é o “sem limites” e isso tensiona todas as relações de poder: o aumento de

informações e a velocidade em que elas trafegam hoje traz instabilidade para a sociedade e

origina uma nova identidade do ser humano pautada nos valores estereotipados pela

sociedade, agora, de consumo.

Com a informática, a agilidade das pessoas acelerou-se e esse aceleramento

repercutiu em outros âmbitos da vida diária. No ambiente virtual, jovens e adultos se

desinibem, trocam idéias e se “relacionam”. A constância dessas ações traz modificação nas

formas de agir no mundo real. Não ter limites no tempo exagerado em que ficam expostos à

rede, incorpora a idéia de que não se tem limites no real. A sensação de estar satisfazendo

todos os desejos, de estar conquistando pessoas ou objetos, no virtual, revigora a noção de

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que, no real também, “querer é poder”. Dentro desses parâmetros acentua-se ainda mais o

problema da leitura dentro de um ensino que ainda se posiciona como padronizado e que

padroniza. A linguagem já não se limita mais ao determinismo da oralidade e da escrita,

que por um bom tempo orientaram (e ainda, em parte, orientam) a comunicação.

O grande debate a ser feito é justamente no que tange ao uso das ferramentas e

serviços da informática. O ser humano é o único ser que reelabora sobre seu mundo, e neste

aspecto a inteligência é a grande revolução de todos os tempos. Famosos pensadores como

Hegel, Piaget, Vygotsky..., já afirmavam que pensar não é copiar o mundo, mas

transformá-lo. Ser determinado pela máquina é ainda protótipo de um pensamento pouco

corrente. Pensar o que move todos os atos gera a interatividade nas trocas, os ensejos de

partilha, a solidariedade afetiva nos diálogos e a autoridade do bom exemplo nas

conduções. Por isso mesmo, a Internet é um grande invento. Mas não é a educadora

poderosa que veio para ensinar como o homem deve aprender a ser homem; veio porque o

homem a fez, e veio como condição e causa de uma transformação, necessária ao aprender,

à dinamização da linguagem, à criação de novas formas de comunicar. Em si mesma ela

não é o tudo, a onipotência, mas a partir dela oferece-se duas grandes e admiráveis

constatações: uma diz que o homem transforma incessantemente a sua vida; e outra, que

mesmo o que ele cria, ele precisa aprender para conhecer melhor, aplicar, comunicar aos

outros e dinamizar para novas descobertas! Quem vive, está vendo! Está aprendendo com a

era da informação e do conhecimento, está ensinando e, sobretudo, pensando!

O computador sendo um produto do homem faz parte de sua cultura. E serve para

muitos fins, como por exemplo, engrandecimento da área educacional tanto como

supermemória artificial que aliviará bastante a carga de memória humano, tornando assim

muito mais fácil o processo de ensino; como executor de operações combinatórias; ou

como idealizador de novos métodos de conhecimento humano em muitas disciplinas; e

mesmo, como agilizador do processo de aprendizado e de verificação dos conhecimentos

dos alunos.

Assim sendo, o ambiente educacional não pode mais segregar a comunidade de suas

ações e projetos. As tecnologias de seus planejamentos pedagógicos diários e os educandos

não podem mais ser considerados coisas, objetos manipuláveis ao bel-prazer de qualquer

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intenção autoritária. Essas atitudes impedem a percepção da nova exigência mundial: a

interatividade em todos os campos, principalmente, do conhecimento.

Educadores são preparados para trabalhar com alunos abstratos, idealizados, que

não existem na realidade. Ao iniciar seu trabalho, há um choque: o educador percebe que

seus alunos não formam uma turma homogênea, mas apresentam muitas diferenças entre si.

Verifica também que não basta ensinar para que os alunos aprendam, muito menos quando

este ensino é feito de forma a despejar conhecimentos sobre os alunos para que estes os

devolvam nas provas. O educando atual exige muito mais! Desse modo, ele (educador)

passa a perceber (por tentativas) que aprendizagem torna-se mais eficiente quando leva em

consideração as diferenças entre os alunos – de interesses, de aspirações, de hábitos de

trabalho, etc – e quando parte da realidade sócio-econômica vivida por eles, embora não se

limite a ela.

Além dessas verdades – que o educador aprende mais em sua prática diária do que

em sua preparação escolar – é de fundamental importância que o indivíduo abrace e

fortaleça constantemente um princípio e uma convicção que nunca devem abandoná-lo: o

princípio e a convicção de que ele vai trabalhar com pessoas humanas e vai tentar

contribuir para o crescimento e desenvolvimento dessas pessoas.

Logo intentar estabelecer aprendizagens sugere níveis a seguir e impõe ao educador

a criação de processos interativos de percepção do conteúdo de forma a restabelecer a idéia

de que “a escola é um lugar para aprender coisas importantes”(Ramal, 2002: 145), mas

coisas importantes para a vida, basicamente. E uma das coisas importantes é entender que

aprender a ler não está fixado em um período infantil junto à professora do ensino

fundamental. Aprender a ler se faz lendo, logo todos os alunos são leitores constantes e

contumazes de tudo o que vêem e precisam ser aproveitados: alunos e suas leituras.

Esses leitores (alunos) buscam adquirir um novo patamar de conhecimentos, de

habilidades e modos de agir; são sujeitos capazes de se formatarem como indivíduos,

através de atividades dinâmicas e que desenvolvam seus sentidos, entendimentos,

inteligências etc. Necessitam da mediação do educador para reformular sua cultura, para

tomar em suas próprias mãos a cultura espontânea que possui e para reorganizá-la com a

apropriação da cultura elaborada; são sujeitos possuidores de capacidades de avanço e

crescimento; e têm diferenças, nem possuem todo o saber, nem são pura ignorância; detém

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uma cultura que adquiriram espontaneamente em seu dia-a-dia, porém esta está limitada ao

circunscrito e ao espontâneo. Sendo assim, educador cabe aceitar todas essas

características, principalmente porque ele mesmo sabe que o envolvimento dos alunos com

as tecnologias informacionais é franca e aberta e muita das vezes necessária. Essa

franqueza e essa abertura atraem pela liberdade de ser e decidir, pela autonomia de ser e

fazer, e pela imprevisibilidade de encontros e desencontros. As proposições mais

tradicionais de leitura devem, então se ajustar a esses novos parâmetros e devem ser ativos

em relação a todos os outros ambientes nas quais esse aluno se insere. Mesmo jovem ou

adulto, ambos são indivíduos partícipes de uma sociedade esvaziada de sentido real, logo a

leitura em hipertexto hipertextualiza a própria leitura na medida em que navegar

corresponderá a experimentar “novas formas de narrativas” [e onde os links são os]

“carregadores de sentido, meios de deduzir o conhecimento.” (Ramal: 2002: 178).

Diante dessa situação, muitos reflexos: alunos tornam-se dispersos quando exigidos

dentro padrões mais tradicionais de leitura, mas apresentam-se extremamente dinâmicos

quando são oferecidas novas linguagens para sua aprendizagem; alunos estão inseridos na

sociedade pós-moderna, onde valores e conceitos sofrem excessivas flexibilizações, pois

apenas se resolvem no presente: “ficar” é melhor do que namorar!, mas também são

múltiplos em todos os seus afazeres porque múltiplas são suas vivências hipertextuais. A

aceleração da fala e da escrita (ver nova gramática criada nos chats) dá a tônica de suas

atuações em meio às relações de trabalho, muita das vezes dificultando suas inserções no

mercado.

As práticas de leitura em ambientes educacionais devem ser práticas estratégicas

onde, de antemão, o educador, antenado com as diferenças de cada grupo de alunos,

negocia seu conteúdo levando em consideração todas as articulações propostas. É

relacionar a leitura com todas as experiências existenciais possíveis.

2.3- Relevância das Intencionalidades

Todos os elementos que compõem o processo de sedução da leitura hipertextual

foram até aqui detalhados e dissertados no intuito de entendermos todas as influências

oferecidas ao leitor tanto por seu trânsito na sociedade quanto pela sua intervenção em

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diversos contextos e, além disso, foram discriminadas as razões pelas quais esses mesmos

processos sedutores modificam os comportamentos diante das diferentes situações.

Dispositivos adversos são estimulados na mente humana durante cada navegação e esses

dispositivos (cognição, atenção, concentração, dispersão, saber, pesquisa etc.) sofrem

alterações, pois estruturam uma síntese tanto do conhecimento quanto das subjetividades

envolvidas.

As modificações tecnológicas corroboram as modificações sociais e, mais

intrinsecamente, as modificações pessoais. A recepção de seu conteúdo incide diretamente

no inconsciente dos indivíduos e elimina a possibilidade de sua negação: estar diante do

computador é estar diante do mundo e estar diante do mundo sozinho é poder ser o que

quiser, sem necessariamente mentir. Não é o lugar nem mesmo da omissão por que não é

um lugar, é um espaço, e um espaço ilimitado para a inserção de todos os desejos. Ao

usuário é dada a possibilidade de “manusear” todos os seus elementos através da ponta dos

dedos (o toque) e com isso mapear zonas de conforto a que sempre retorna, a fim de

continuar se reconhecendo, se engendrando e se movimentando, sem nenhum tipo de

arbitrariedade externa. É o mundo da magia, da fantasia, do imaginário.

Sendo essas as sensações particulares de cada navegante, a recepção é profunda em

todos os sentidos inseridos e percebidos em cada janela (link) aberta como hipertexto.

Novamente, são dispositivos claramente emocionais, pois a cada acesso constroem formas

de conhecimento concebidas como decorrentes de todas as práticas, não mais de um

aprofundamento teórico. A Internet, como uma mulher linda, chama a atenção por sua tela

kitschianizada17 e colorida; apresenta a possibilidade de movimentos diferentes em todo o

seu corpo; e enfatiza, pelos procedimentos exigidos de navegação e acessibilidade, a

vontade de entrar em todos os seus ambientes e sair deles satisfeitos. O usuário aceita essas

condições e, volúvel, não se fixa, só se projeta.

Os percalços engendrados até aqui, em nossa escrita, dão a tônica dessas

subjetividades e suas cognições são processadas ao sabor de cada nível de envolvimento.

Entendemos o humano criando tecnologias comunicacionais; entendemos os projetos

sociais compostos pelo ambiente comunicacional; e, finalmente entendemos que, diante do

tecnológico, a escola e o ensino estão em xeque. Mas, em todo esse movimento, há a 17 O Kitsch é o excesso de material ou objeto dentro do um mesmo espaço perturbando a observação desse mesmo espaço. Ver Abraham Moles – O Kitsch – Editora Perspectiva – Coleção Debates nº 68.

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sedução que, em cada um desses ambientes, permanece em processo relacional pouco

visível, mas muito incisivo.

Esse pouco visível é justamente o lugar e o espaço da prisão do olhar, a força motriz

da produção ressignificativa de vínculos cada vez mais fortes com os aspectos mais lúdicos

da página hipertextual. O sujeito-leitor, ainda acreditando ser capaz de agir sobre si mesmo,

é fixado, está fixado, diante da tela do computador. É uma subjetividade que engloba todas

as peculiaridades imanentes à condição de ser sujeito já que envolve as capacidades

sensórias, afetivas, imaginativas e racionais, e estas capacidades são justamente onde a

perspectiva do hipertexto não encontrará ponto de fuga, encontrará local de fusão. Mais que

um corpo com funções biológicas e psicológicas com capacidades de transformar o seu

meio pelo trabalho e pela linguagem, o ser humano é uma unidade de necessidades,

desejos, sentimentos, angústias, temores, imaginários, racionalidades e paixões, logo não

podemos reduzir a subjetividade a uma dimensão meramente cognitiva, a uma consciência;

logo justamente nesse todo subjetivo que nos conforma é que incidirão os estímulos

hipertextuais.

Com isso, as subjetividades vão sendo remodeladas, principalmente, sob a égide do

imagético e seus constitutivos. Leitores, então são entendidos em seu crescimento como

“objetos de cuidado”, apenas aprendendo a viver com mais independência e autonomia na

passagem do tempo. Primeiro são pilhadores depois se tornam caçadores levynianos18.

Nessa passagem, adquirem diversas experiências de sociabilidade sendo uma das mais

significativas, atualmente, a construção de relações afetivas em comunidades virtuais.

O fascínio pelo computador ou pela acessibilidade “inimpedida” às informações

constantes em rede reformula padrões éticos e estéticos, revaloriza a noção de belo e cria a

percepção de que todas as escolhas são escolhas individuais e pessoais. Essa percepção

reduz a leitura em hipertexto ou do hipertexto a uma leitura que se fundamenta apenas no

usuário, não levando em consideração às intencionalidades determinantes dessa ou daquela

forma de se criar um hipertexto.

A leitura do texto em ambiente hipertextual é uma leitura que segue uma linearidade

teórica: toda leitura deve retrabalhar os imaginários daqueles à ela exposta de forma a criar

novos desejos, novos anseios, novas angústias. Se soubermos que toda a rede é reflexo de

18 Referência a Pierre Levy

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imaginários, de subjetividades, de existências, de querências, devemos entender também

que, num círculo vicioso, reflexos são novos estímulos e estimular requer o agenciamento

de toda a memória sensório-cognitiva a que puder atingir.

É impossível ao leitor do hipertexto permanecer neutro diante dos atributos (cor,

imagem e som) em que as intencionalidades conformam todos ambientes, pois esses

atributos são pensados, construídos e alocados em rede na perspectiva de apreender olhar,

mente e corpo. O leitor do hipertexto é seduzido porque acredita ser livre, porque acredita

ter realmente escolhas, porque tem acesso facilitado, porque não “perde tempo”, porque os

conteúdos estão dinamizados. Todos os signos sobrecodificam os códigos de compreensão

de mundo, do texto e de si mesmo, e ressignificam as estratégias de comportamento em

rede e mesmo fora dela.

As intencionalidades por trás dos ambientes ditos educacionais, comunicacionais ou

em rede, se adequam a lógica dominante do mercado: modo de produção econômico.

Traduzindo isso em termos mais simples e menos precisos, por exemplo, sob a lógica do

acúmulo ou desfrute do capital torna-se preferível amigos, namoros ou casamentos com

quem é rico; sob a lógica do acúmulo ou desfrute do capital torna-se preferível uma leitura

econômica, simples e básica; sob a lógica do acúmulo ou desfrute do capital torna-se

preferível aceitar sem discussão o “processo de individualização”. Vivendo em hipertexto

ou lendo em hipertexto, os novos parâmetros são: dinamismo, velocidade, agilidade,

instantaneidade, sempre exacerbados.

As intencionalidades por trás de todos os ambientes com suas ações e seus produtos

atingem o afetivo, não são afetivas; atingem as dificuldades, não são difíceis; atingem as

vontades e tem uma única vontade: controlar. Dentro dessa lógica, a leitura de um texto em

hipertexto, aparentemente revolucionária em relações aos novos processos de construção

cognitiva, pode ser perigosa se for aceita como a única forma de subverter o trânsito

cotidiano do indivíduo e sua realidade.

Hegel já dizia: “Só há senhor porque há escravos e só existe escravo porque

existem senhores”.

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III – SEDUÇÃO DA INTERFACE HIPERTEXTUAL “A busca de sentido tem, para os jovens, feições diferentes

das que apresenta para os velhos. Na flor da mocidade, procuramos definir quem e o que somos, e buscamos um senso de singularidade capaz de refletir um propósito e um destino individuais. O sentido pode ser buscado no que realizamos no mundo, no amor ou naquilo que nos dá alegria. Não raro, no entanto, ele provém não da busca consciente de uma compreensão profunda da vida, mas de experiências que revelam dimensões dela que não sabíamos que existiam. Em outras palavras, o sentido, para os jovens, muitas vezes resulta do encontro com uma experiência, e não com a meta de uma busca consciência. Em fases posteriores da vida, somos mais conscientes do todo maior do qual fazemos parte e da continuidade das gerações, das quais participamos apenas por um breve período. Para os velhos, o sentido pode estar em voluntariamente explorar os mistérios mais profundos da vida e no sentimento de união que gera compaixão, desprendimento e a consciência das realidades espirituais. O sentido costuma ser buscado como uma meta consciente, quando os atrativos do mundo externo perdem o brilho. Para os jovens, contudo, com freqüência ele é uma questão altamente egocêntrica, exatamente, como se espera que seja – uma luz vaga, mas que acena para nós e dá mágoa, paixão, ímpeto e direção a nossa vida.”(Burke, 2001: 77).

Em nossos dois primeiros capítulos procuramos estabelecer possíveis linhas de

apreensão do conhecimento utilizadas em todos os momentos do desenvolvimento humano.

Entendemos que os indivíduos, partícipes de uma evolução histórica, assumem como

primordial maneiras específicas de se comunicar e essas, quando incorporadas por uma

sociedade, reconfiguram e reestruturam a próprio ser social. Diante disso, acreditamos que

leituras de texto ou em hipertexto têm um mesmo objetivo: a procura de sentido. Ler,

possivelmente, torna-se um ato em que a maior proposta é encontrar e desenvolver sentidos

diferentes.

Durante toda a nossa escrita estamos propondo entender a leitura em hipertexto

como uma leitura que renova a leitura do próprio texto, afinal a diferença mais nítida entre

essas duas modalidades são os lugares de onde são agenciadas: o texto está no papel e o

hipertexto está na tela do computador. Mesmo assim, essa diferença torna-se exígua porque

o hipertexto é formado também por textos. Ou seja, a tela do computados é a evolução do

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papel. E essa evolução tem como impacto a profusão instantânea de janelas e links a partir

dos quais são permitidas novas entradas significantes em meio a leituras do texto. Além

disso, imprime ao imaginário movimentos em que diferentes desejos ficam expostos ou

mesmo são extraídos a constituírem diferentes sentimentos, diferentes aprendizagens e

diferentes comportamentos, já que, primordialmente, o hipertexto convoca bravamente a

questão da imagem como importante colaboradora na produção de sentido.

Mesmo entendendo a perspectiva de Baudrillard ao afirmar que “a sedução

representa o domínio do universo simbólico”(1992: 74), não podemos deixar de analisar

que todos os atos humanos se elaboram na perspectiva de um sentido e que esse sentido

também é produzido pelas imagens (simbólico). Sentido envolve significado e sentimento.

E sugere uma reflexão constante diante de todas as experiências que formam o ato de viver

humano. Essas experiências, muitas das vezes, entendidas erroneamente como ocorridas ao

acaso, iluminam o nosso ideário em relação às exigências do mundo (da realidade) e, por

conseguinte, avançamos em todos os nossos projetos de vida porque aceitamos

criativamente o risco do acaso como oportunidades de estabelecer-se um vir-a-ser mais

espontâneo. Essa espontaneidade dará o tom com que faremos as intervenções em um

status quo e oferecerá novas possibilidades de expor nossas potências.

Segundo Baudrillard, “a sedução é aquilo que desloca o sentido do discurso e o

desvia de sua verdade. Ser seduzido é ser desviado de sua verdade. Seduzir é desviar os

outros de sua verdade. Essa verdade, a partir de então, forma um segredo que lhe

escapa”(1992: 105). Mas mesmo com e em segredo, é preciso provocar o movimento, é

preciso provocar o encontro com o sentido e provocar é desconstruir o segredo, entrar em

processo de sedução e aceitar conquistas. Mesmo em ambiente virtual, mesmo em realidade

virtual, tudo isso precisa de provocação e nessa ação se concentrará a sedução19.

“(...) Na realidade os nós e cruzamentos característicos das redes, das webs, funcionam quase como que metáforas da interdisciplinariedade, da necessidade de se estabelecer as conexões entre os vários conhecimentos, não mais considerados como elementos estanques na busca da compreensão do universo, agora percebido ‘em processo’”20

19 Originada do latim seductio, a palavra sedução sempre esteve associada à idéia de sensualidade, libido, atração etc. Se-duc-ção traz a idéia de desviar do caminho, já que “duc” possui a noção de caminho e de condução e “se” de negação, ou seja, desviar do caminho e atrair para outro. 20 www.nuppead.unifacs.br/artigo

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A leitura hipertextual ou em hipertexto apresenta-se como atrativa porque provoca o

usuário a permanecer dentro desse espaço e o faz se movimentando em todos os seus

recantos. Sedução é também encanto e fascínio e está recoberta de uma garantia de vida.

Toda a leitura então é garantia da permanência de vida em nossos pensamentos. Toda

leitura é sedutora porque se distingue de outros atos humanos já que pressupõe

independência. Como dissemos antes “ninguém lê o que não entende. Ninguém vive onde

não se reconhece”. Ninguém é seduzido sem querer porque viver não é obrigação.

Diante da interface hipertextual muitos sentimentos adquirem quase que uma

fisicidade, pois sua percepção é extremamente clara e muito querida. Sua dinamicidade

intensifica a entrega do usuário às suas linhas de fuga por sugestão (seduzir também é um

ato de sugestão): é um jogo cuja principal característica é a formação de sentidos e o faz

sorrateiramente, sem que se perceba.

Participar do hipertexto é carregar a imagem, o monitor, o ambiente virtual, de

emoção cujo processo de sedução constitui-se na interação entre homem e a máquina tanto

como forma de construção de uma realidade quanto como forma de sofisticação de uma

ecologia cognitiva.

Essa interação reproduz subjetivamente as relações entre pessoas: é complexa, cheia

de mistério e não totalmente previsível. É preciso sentir. É preciso sentimento. Resultado:

sedução.

Sentir sugere emoções de todos os tipos como experimentar, entreouvir, pressentir,

compreender, adivinhar, pressagiar, supor, conjecturar, reconhecer, verificar, observar,

estranhar, ou seja, sugere percepções engendradas em meio a qualquer órgão dos sentidos.

Quando o ato de leitura então se processa, e como já mencionamos no primeiro capítulo,

não há uma separação da ordem emocional em detrimento do racional. O ato de leitura

embute na construção do pensamento características (informações?) imprescindíveis ao seu

movimento. Mas esse gesto é individualizado e individualizante. Todo leitor traz para

dentro do processo de leitura competências, usos e disposições de sua comunidade, sejam

elam familiares, sociais ou profissionais. Sendo assim, texto ou hipertexto serão sentidos ou

não, menos em relação aos padrões estipulados de escrita e leitura, do que em relação a

forma de inserção sócio-histórica de cada indivíduo.

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Sentimento inclui afetividade, envolve elementos psíquicos que se manifestam sob a

forma de emoções, acompanhados sempre da impressão de dor ou prazer, de satisfação ou

insatisfação, de agrado ou desagrado, de alegria ou tristeza. Sentimento apresenta a

capacidade de sentir, apresenta a habilidade de aceitar as intempéries ou as alegrias

demonstrando aptidão para torná-las (as duas) forças-motrizes de toda a qualquer proposta

de relação com as realidades (e seus objetos) e as pessoas. A leitura de um texto no papel

ou na tela aceita as experiências de quem o lê e sugere outras tantas, mesmo as mais

negativas, pois tem a perspectiva da novidade: os leitores são estimulados sempre pela

novidade que cada linha ou que cada contexto apresentar aos olhos. Além disso, e mais

interessante ainda, é que, mesmo os textos relidos, dependendo do “estado de espírito” do

leitor ou em que etapa de desenvolvimento cognitivo estiver, também apresentarão novos

sentimentos, novos pensamentos, novas idéias e novos olhares.

Todas essas condições se apresentam quando o leitor define sua leitura e age dentro

da mesma. A proposta de ler um texto alimenta, pelo movimento que gera, as ferramentas

da mente humana no sentido de dar significado a toda informação, porém os processos

cognitivos serão construídos de forma diferente de acordo com as especificidades do uso do

papel e do uso da tela. Os movimentos dos sentidos humanos (olfato, tato, audição, paladar

e visão) serão salientados aqui (tela) e ali (papel) de maneira diferente, gerando também

novas funções para o uso das ferramentas da mente humana.

3.1- Escrita-Imagem-Som-Movimento

A relação do homem com os signos é sempre estética e cognitiva porque se

desenvolve levando em consideração tanto a percepção sensível dos signos sob a linha da

afetividade, do agrado, do gosto ou da satisfação ou quanto a intenção de construir

elementos (símbolos) que mantenham a comunicação.

A ferramenta computador e seus componentes (principalmente os softwares)

elabora-se dentro de uma linguagem em que esse conluio afetividade + cognição cada vez

mais ajam em simbiose e cada vez mais atuem dentro das mentes como suportes

facilitadores do movimento do cotidiano. Trabalhar em PowerPoint, no Word, no

PhotoSuite dentre outros representa a realização do imaginário cuja fantasia é a organização

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perfeita de objetos familiares. Trabalhos, textos e fotos são produzidos dentro de padrões

aceitos como ideais por apresentarem acabamentos extremamente ricos em beleza.

“Beleza é fundamental!” Esse conceito observável sob diversos prismas durante a

história da humanidade, incorpora-se na tela do computador na intenção de proporcionar

certa ludicidade perdida no dia-a-dia. No usuário deve ser incorporada a idéia de que sua

“área de trabalho” não se assemelha em nada ao seu ambiente profissional. Aqui, no

computador, “área de trabalho” e “área de lazer” se confundem pois seu despertar se inicia

na imagem. A tela de um computador, mesmo se utilizando quaisquer dos softwares

mencionados ou outros, deve ser um lugar onde brilho e cor são as primeiras forças

aprisionadas do interesse humano e, ao mesmo tempo, impulsionadoras de desejos, os mais

diversos.

Estar diante da tela de um computador é aceitar que a sensibilidade seja

“manipulada” por ícones (outras imagens) e estes conduzindo os usuários pelos caminhos

mais insólitos na busca de solução de problemas. Esse encaminhamento conduz o usuário

para paragens inimaginárias e investe cada espaço conquistado da noção de familiaridade.

A cada familiaridade alimenta a necessidade senpre grande de se estar pertencendo a um

lugar. Mesmo como incógnita, anômino, invisível, e com a certteza da perecibilidade, os

indivíduos percorrem cada vez mais os caminhos dos links em busca da conquista de novos

lugares para se reconhecer. Ainda não estamos em rede!

Como dissemos anteriormente aqui, nesta monografia, “os usuários entram na

realidade virtual em busca de um objetivo pré-estabelecido”: o próprio humano. Sua

leitura do ambiente de rede não pode fugir a uma noção: sobrevivência. E essa, como não

se caracteriza nos softwares, será a marca da Internet.

Mesmo sendo concebida como ferramenta de guerra, ainda é uma ferramenta de

guerra, só que agora essa guerra se evidencia: no domínio, nas exigências, nas provocações

das subjetividades em relação a um status quo e em sua apresentação transgressora. Acessar

a Internet passa a ser “estar” com pessoas, só que não há corpos, sem indícios, apenas o

movimento do mouse. Mesmo com o advento da webcam, a imagem artificializa o

tratamento entre as pessoas, pois é difusa e sem coordenação de tempo. Acessar a Internet é

ser sugado para um mundo onde todas as portas estão abertas. É certo que algumas exigem

senhas ou pagamentos, mas mesmo isso é absorvido como natural na medida em que certo

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limite impõe tanto uma sensação de segurança e esta agencia cada vez mais novas entradas,

como elimina a possibilidade da anarquia (invasões, mistura de conteúdos, apagamentos

incensatos etc.). Acessar a Internet é ser novo consumidor cujo produto mais desejado é a

informação. Acessar a Internet é eliminar déficits, transtornos, traumas e bloqueios na

medida mesmo da invisibilidade, elemento que potencializa outras competências e

habilidades reprimidas pela visibilidades constante.

O que queremos dizer até aqui é que para a interface da Internet, do ciberespaço, do

hipertexto, “imagem é tudo!” Imagem é um texto não verbal. Não é imitação da realidade.

Ao convocar outros sentidos que não apenas o olhar, movimenta outros elementos no

cérebro em busca de significação. É uma busca semelhantes ao provocado pela escrita mas

que se desenvolve apenas no âmbito dos sentidos. São os sentidos em busca de um sentido,

só que essa imagem não está nua, ela está carregada de diversos elementos que, juntos, têm

esse valor provocador: cor, som, movimento.

“A imagem enquanto tal dispensa semelhança” (Neiva Jr, 2000: 11), no máximo

ela é referência, ponto de onde se parte na procura do significado. Nesse sentido tem ações

díspares: atrai e repele. Logo sua percepção depende de um processo seletivo e relacional:

representar passa a ser algo constituído na “velocidade da luz” (ou mesmo, passa a ser

inerente) e, sendo assim, jamais poderia ser entendida como “duplicação do mundo”

(Neiva Jr, 2000: 14).

Ainda pensando na imagem, complexibiliza a noção de espaço. Este é sempre vazio

à espera das coisas (letras, tintas, gráficos) que o faça revelar-se como elemento importante

a se considerar em meio às interpretações. A imagem então é domesticada: se precisa do

espaço, está regrada, faz parte de uma moldura, e essa moldura só se estende justamente no

momento da interpretação. A interpretação é a sua perspectiva. Interpretar a leitura passa a

ser um encontro com as perspectivas imagéticas e um apelo à imaginação. Apesar disso, a

imagem depende apenas de si mesma: “sem depender de convenção, a imagem cria a mais

firme existência. Para que haja imagem é preciso mais que cores, formas e volumes; é

preciso consciência. A imagem é o que resulta de um julgamento; reconhecê-la já é um

modo de julgá-la.”(Neiva Jr, 2002: 25/26).

Diante da interface do hipertexto, o jogo de significâncias se dá na interpretação.

Participar e ler nesse ambiente não abstém o usuário do poder de interação. É fato que esse

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ambiente foi construído por pessoas e deve ter seus limites, mas é fato também que o

espírito humano observa todas as possibilidades de interação para poder transformar. A

visão humana é aparentemente constante; já os sistemas de interpretação e interação

mudam a cada período histórico, cada nova ferramenta/suporte criado; cada novo acesso;

cada nova leitura.

Na interface, a leitura não se dá pela especularidade, não se dá por reflexo, se dá por

descobertas e conquistas. Contemporaneamente isso se dá como simulação. Entendemos

simulação, uma forma de negar o atual recriando o real no virtual e o virtual sendo

atualmente o lugar dos novos prazeres, novos amores, novas relações, novas amizades,

novas forma de sociabilização.

Não usamos o adjetivo “novo” como característico de algo original diante de tudo

que já foi dito, vivido, experimentado. Trabalhamos essa palavra como outra possibilidade

de ser humano dentro do ambiente virtual. Sendo assim os significados, atrações, encontros

nesse ambiente um tanto ou quanto híbrido depende das escolhas dos sites, das janelas, dos

espaços em que se quiser entrar ou abrir. O usuário não vai olhar apenas a tela, ele também

vai atuar, exigir um movimento e convoca a hiper-realidade, simula como presença aquilo

que sabemos ausente, mas que, mesmo assim, nos convence de sua existência.

“Simular é sobrepor representações” (Neiva Jr, 2002: 73). E isso é representativo

do mundo pós-moderno, do mundo apresentado por Edgar Morin, do mundo decidido como

espetacular por Debord e do mundo comunicativo de McLuhan. Todos sinalizam para um

mundo que deflagrou a presença forte do virtual como representação da representação e,

por isso, tornou-se fascinante. Entrar na interface hipertextual é se transportar, fazer a

mediação simbólica entre a realidade deixada para trás e aquele outro mundo que agora o

envolve. O hipertexto, por gratuidade ou pagando, é a Terra da Fantasia.

Nesse processo de entradas sedutoras em lugares “nunca dantes navegados”

promove a duplicação obsessiva de imagens nos afastando dos referentes, purificando toda

a alucinada configuração do próprio hipertexto. A realidade passa a ser secundária em

relação à imagem que a reconstitui enquanto simulação. A experiência é de uma irrealidade

vertiginosa que nem sequer chegamos a admitir. Como toda a paixão, todos os nossos

referentes estão perdidos em função do encantamento. Encantados, seduzidos, acreditamos

nas imagens, nas janelas, nos links e nos acreditamos noutro mundo. Escrita, imagem, som,

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cor e movimento são elementos importantes para uma sedução que funciona por

simulações. Hipertexto passa a ser simulação do texto, seu duplo: tudo pode ser simulado

por um duplo, que reproduz com perfeição a aparência e dispensa a autenticidade. Além

disso, todas as formas de alteração (cenas justapostas, escalas alteradas, sons montados): é a

lógica da não-permanência física, da identidade e do registro.

“A imagem não mais se restringe à transformação do elemento representação em elementos representantes. Em suas possibilidades, ela é metamorfose, metáfora purificada do real, por vezes, inconfortável e mutante, a ponto de ser uma representação pura que escapa aos confins do corpóreo. Este não é mais o limite. Aspira-se à apresentação imagética de processos mentais. A imagem, agora, pode atingir o incorpóreo; ela legitima o real.”(Neiva Jr, 2002: 81).

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CONCLUSÃO

“Um instrumento de comunicação e de representação simbólica cuja gramática fizesse sentido, fazendo apelo às experiências sensoriais e sociais de seus usuários, sem se reduzir à combinação de conceitos ou de unidades semânticas elementares (permitindo ao contrário gerar indefinidamente novos conceitos), seria uma linguagem voltada para a riqueza e a flexibilidade das línguas. Esse é precisamente o programa da ideografia dinâmica.” (Levy, 1998: 50)

Desde que o mundo conectou-se com a Internet as distâncias praticamente

desapareceram. Diante da tela do computador, os indivíduos resolvem problemas

cotidianos, estudam e se relacionam. Constantemente diante da tela do computador, esses

indivíduos entram em uma outra rotina que reestrutura seus comportamentos, reequilibra

suas emoções e retrabalha conceitos e valores. “Através do movimento de exploração de

uma rede de textos, o leitor muda constantemente o seu centro da atenção, de

interesse.”21

Essa transformação atinge também tanto suas leituras mais textuais quanto às de

mundo, pois, se é possível acessar tudo, também passa a ser possível recompor e re-

administrar a vida real. As ações impetradas pelo ambiente virtual co-responsabiliza o

sujeito tanto ao nível atual quanto ao nível virtual por suas intervenções. E essas

intervenções, por serem previsíveis e até necessárias ao caminhar em rede, oferecem ao

indivíduo-leitor um nível de sedução tão forte quanto àquele exigido para o sucesso de

conquistas amorosas.

Se o corpo tornou-se invisível dentro desse ambiente, é ele que vai ser sacudido

exatamente por estarem (os indivíduos) dentro dele (ambiente). Se os cinco sentidos até

então estão padronizados em meio a um status quo indiferente, em meio a uma leitura

textual sempre linear e em meio a existências sempre parecidas, no ambiente virtual, que

funciona sob a égide de sensações e vontades em processo de satisfação, tudo isso

desaparece, torna-se fulgaz. Sentimentos como solidão, dor, decepção, passam a ser

substituídos por sonhos e esperanças, e a realidade virtual passa a interagir

vertiginosamente com o dia-a-dia.

21 www.nuppead.unifacs.br/artigo

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Se no contato com os outros, os indivíduos vão formando as suas personalidades,

isso não seria diferente em se tratando de suas conexões (relações) com a máquina. As

imagens relativas a essa troca de “experiências” (trocas essas entendidas dentro do conceito

de transferência freudiano) são processadas na mente e modificadas em suas intervenções

tanto no mundo real quanto no próprio ambiente virtual. Aqui, como no sonho, cria-se uma

rede de imagens que se relacionam com as vivências, mas que possuem valores e

significados diferentes. E são internalizadas.

Por que o hipertexto é tão sedutor? Porque diante de tantas possibilidades de

escolha, a seleção hipertextual privilegiou a emoção e levou em consideração o nível de

fascínio a que deveria se configurar para se tornar “um lar”. O hipertexto, assim, elimina

qualquer elemento sublimado, pois se inaugura no jogo de ser como o outro, ou seja, as

intencionalidades o criam de forma a atingir todos os imaginários. Os movimentos de

acesso dentro desse ambiente ou em meio a esse ambiente expõem desejos, desejos da

diferença, desejos de mudança, desejos de novidades, que sempre atravessam todas as

insatisfações. É praticamente impossível não perceber, não identificar a “vontade de poder”

na grande identificação entre usuário e hipertexto. Toda a leitura em conformidade com

essa “vontade de poder”, atraída pelo hipertexto, vai estabelecer mudanças de paradigma

nas formas como esse mesmo usuário vai retornar ao mundo real. Todo o prazer encontrado

nas conexões, todas as sensações de conquista ativadas pelas conexões, terão que ter um

paralelo no mundo real. Aí está o embate! Toda situação ou lugar que incorpora e aumenta

o prazer, seja ele seguido de qualquer adjetivo, torna-se situação ou lugar a que se quer

voltar sempre.

Mas será que esse fascínio também não determinaria o nível de sedução? Segundo

Baudrillard “sedução guarda em si poder de atração e de distração, poder de absorção e

de fascinação, poder de destruição do real e poder de desafio” (1992: 47). O

envolvimento com o hipertexto e suas conexões, sua interpretação, sua leitura, sempre

misteriosas, então, têm um tom diferente dependendo do usuário.

Usuários que apresentem desenvolvimento cognitivo mais elaborado ficarão

encantados, serão atraídos, absorverão, serão desafiados. No encanto, a leitura interativa é

realizada mas o eu (nosso usuário) tem condição de se mover dentro da relação livremente

e de se diferenciar do objeto de encanto. A interatividade não atravessa sua autonomia nem

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sua independência. Esse usuário-leitor se conecta como “manda o figurino” hipertextual,

mas sua leitura descartará “o joio do trigo”, os textos incoerentes dos textos coerentes, para

a sua pesquisa, para a sua busca, para o seu prazer.

Usuários que estão em processo de desenvolvimento cognitivo tanto pela faixa

etária quanto nas etapas para um melhor trânsito nesse ambiente hipertextual, se distrairão,

ficarão fascinados, pois supervalorizarão todas as conexões, todas as informações, todos os

textos, sobretudo pelo pouco tempo de maturação dos conteúdos encontrados ou com os

próprios elementos de ligação desses ambientes. A leitura será uma leitura pulverizada,

fragilizada, multi e desconectada em relação ao ambiente real.

Mesmo com essas especificidades, os usuários e seus sentidos seduzidos e sedutores

(encanto e fascínio) acabam se entrelaçando e as fronteiras que os diferenciam se diluem.

Junto com o hibridismo do ambiente virtual se vão quase todas as diferenças. Superego?

“Missing!”

Gerar criatividade no processo de leitura impõe desafios que somente a leitura

textual já não dá mais conta. Há uma necessidade então de inaugurar linhas de fuga que

coloquem em perspectiva tanto o próprio texto quanto sua leitura. É preciso engendrar

novos espaços, e o hipertexto, atualmente, tornou-se um forte colaborador para essa

necessidade. Mesmo emoldurado pela tela do computador, exige a verticalização de todos

os encontros textuais e pessoais. Essa verticalização se realiza como espaço de conquista. E

conquistas inferem um sentido do novo que seduz, que apaixona. Conquistas são os

desafios necessários à promoção de uma leitura criativa.

“(...) Se ler consiste em selecionar, em esquematizar, em construir uma rede de remissões internas ao texto, em associar a outros dados, em integrar as palavras e as imagens a uma memória pessoal em reconstrução permanente, então os dispositivos hipertextuais constituem de fato uma espécie de objetivação, de exteriorização, de virtualização dos processos de leitura.”(Levy, 2001: 43)

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ANEXOS