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Historia Do Theatro Portuguez_Teófilo Braga2

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    PRESENTED TO

    THE LIBRARYBY

    PROFESSOR MILTON A. BUCHANAN

    OF THE

    DEPARTMENT OF ITALIAN AND SPANISH

    1906-1946

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    l^v;HISTORIA

    DO THEATROPORTUGUEZ

    THEOPHILO BRAGA

    A BAIXA COMEDIA k a OPUtASCULO xvni

    PORTOIMPRENSA POnXUGUEZA EDITORA

    1871

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  • I3SrDE2S:

    lISTORm DO THEATIIO PORTUGUEZ

    NO SCULO XVIII

    PAG.

    Advertncia ^tli

    A baixa Comedia no sculo XVIII

    Capitulo i Pateos e Theatros no sculoXVIII (1707-1793) 4

    Capitulo ii As Mogigangas e Entremezespopulares 82

    Capitulo iii As Operas portuguezas do Ju-deu 144

    Capitulo iv Nicolau Luiz e as Comedias deCordel 198

    Capitulo v Os Provrbios e Entremezes . . 227

  • VI INDEX

    LIVRO VI

    Restaurao do Theatro pela Arcdia

    Capitulo i A Litteratura dramtica na Ar-cdia portugueza 256

    Capitulo II Manoel de Figueiredo 273Capitulo iii Domingos dos Reis Quita .... 302

    XjIVRO VII

    A Opera e o Cesarismo

    Capitulo i Bailes, Pastoraes e Serenatas(1682-1735) " 324

    Capitulo ii A Companhia das Paquetas(1735-1755) 345

    Capitulo iii Os theatros rgios (1735-1792) 362 Repertrio geral do Theatro

    portuguez no sculo XVIII. . . 387

  • Nas Litteraturas do sculo xvii apenas o Theatrohespanhol e o inglez se conservaram originaes. A It-lia e a Hespanha influram sobre a forma clssica dotheatro francez

    ;por seu turno a scena franceza foi tam-

    bm imitada na Itlia. Isto que se deu entre povos quetm caracteres de raa pronunciados e vigorosos, comose evitaria em Portugal, aonde a nacionalidade mosa-rahe estava quasi obliterada? Assim, neste sculo co-memos por imitaras comedias hespanholas, e tivemosos nossos theatros occupados pelos seus actores

    ;pelo

    dillctantismo monarchico, entregmo-nos fascinaodsis Operas italianas, cujos librettos se traduziam in-troduzindo-lhes um elemento chulo

    ;por fim veiu a im-

    potente reaco clssica da Arcdia, que condemnouo Theatro inglez e hespanhol, no acreditou noutro do-gma alm da Potica de Aristteles, e noutras realisa-oes a no serem as tragedias francezas da corte deLuiz XIV. A historia do Theatro portuguez .n'este perio-do o retrato mais completo do nosso estado social;no havia independncia politica, como se podia exi-gir independncia inteliectual? no havia ideal, por-que no se acreditava na dignidade humana ; no sedescobriram formas originaes, porque no havia nacio-nalidade.

  • ERRATAS

    -n3.-

    AG.

  • HISTORIA

    DO THEATROPORTUGUEZ

    A BAIXA COMEDIA ISO SCULO XVIII

    Com a decadncia geral da nao portugueza otheatro atrophiou-se a ponto quasi de se extinguir ; atradio dos Autos populares estava perdida; no haviaactores nem escriptores; a comedia, acantonada liosPateos, ficou sujeita censura inquisitorial. Compa-nhias de actores italianos e hepanhoes traziam para anossa sociedade o uso das Operas, das Marionettes eTteres. No meio da tristeza causada pelo absolutis-mo da Casa reinante e pela sua devassido, pela pres^so do Santo Oficio, e pela m constituio da proprie^-dade, foi o theatro o primeiro que serviu de expresso'a este estado psychologico : a chamada Comedia de Cor-del tornou-se baixa, com uma graa do desespero, iro-

    1

  • 2 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    nica, equivoca at quasi obscenidade. Sob o despo-tismo de Philippe ii, a litteratiira hespanhola foi pica-resca; sob o despotismo bragantino, o theatro do scu-lo XVIII produziu a baixa comedia. Depois das cortesde 1668 o povo portuguez no tornou a ter attribuioeslegislativas, nem administrativas; imitao do des-potismo de Luiz XIV, que havia absorvido em si os par-lamentos francezes, Pedro , li extinguiu tambm emPortugal essa forma da nica soberania. As cortes de1674 foram dissolvidas por quererem fiscalisar as des-pezas publicas. Dom. Joo v illudiu sempre este direi-to da nao, protestando no meio das suas arbitrarie-dades no alterar ou abolir os privilgios do reino.Por estes meios se chegou ao reinado de Dom Jos,era que se extinguiu a representao nacional dianteda ^alta e independente soberania que o rei recebe im-mediatamente de Deos, pela qual manda, quer e decre-ta aos seus vassallos, de sciencia certa e poder absolu-to! Frmula revoltante do mais crasso absolutismo,que serve de cabealho a todas as leis referendadas por

    Dom Jos. Quem se levantou a delatar este grandecrime? Somente a Litteratura. Com a devassido eprepotncia de Luiz xv, o Chevalier de La Cios escre-ve as Liaisons dangereuses, e Louvet o Chevalier de

    Faublas; sob o obscurantismo de Dom Joo v e de DomJos, apparecem os versos obscenos do Cames do Rocioe de Antnio Lobo de Carvalho, o Digenes da Madra-ga ; n'este sculo o theatro portuguez tambm desceu obscenidade, e os actores pertenciam infima rel.

  • NO SCULO XVIII 3

    A baixa comedia portugueza a expresso d'estaatonia do sentimento da dignidade humana, perdidacompletamente n este povo, paraquem a Revoluo fran-ceza foi uma impiedade.

    O heroe principal de todas as peas do theatro erao fidalgo pohre, o symbolo de uma nao rica de tra-dies hericas e ao mesmo tempo miservel e anuUa-

    da. A renovao do theatro comeada no sculo XVIIInasce do espirito de revolta suscitado pela presso mo-

    ral ; as primeiras comedias escriptas pelo Doutor Judeuforam parodias das Operas italianas. Alguns homensprocuraram descobrir a tradio dramtica do sculoxvi; foram esses: Antnio Jos, Manoel de Figueiredo,Nicolau Luiz, Antnio Xavier Ferreira de Azevedo eSebastio Xavier Botelho

    ;procuraram o vellocino e no

    o acharam ; a Antnio Jos, faltava a noo da reali-dade, observava caprichosamente, via os ridiculos por-

    que s viu os contrastes ; Manoel de Figueiredo, crcavaa ideia mas no sabia popularisar a forma ; Nicolau

    Luiz concebia o typo, tinha a fecundidade da creao,Antnio Xavier, apesar da sua rudeza tinha o dom dapopularidade ; Sebastio Xavier Botelho queria restau-rar o theatro pela imitao de Racine, Moli^re e Me-

    tastasio. Todos estes mineiros, que procuravam recom-por o edifcio, ajustavam pacientemente as pedras, pri-mitivamente faceadas. Descobriram os grandes lavo-res, o plano, a eurythraia da obra, mas faltou-lhesuma faculdade o senso philosophico.

  • HISTORIA PO THEATEO POKTUGUEZ

    C-AJPITXJX.O I

    Pateos e Theatros no sculo XVIU (1707-1793)

    O Thcatro do sculo xviii crcado pelo cesarisrao. As Operasespectaculosas substituem a eouiedia nacional. O Pateodas Arcas em 171 U A Companhia de Jos Ferreira em1716. Livre concurrencia dos Theatros de 1727 a 1733:Mouraria e Bairro Alto. A Companhia do hespanholAntnio Rodrigues. A Petronilha e a Gamarra. Jnizodo Cavalheiro de Oliveira. Explendor do Theatro do BairroAlto de 1733 a 1738. O grande espectculo e machinismosdas Operas do Judeu. O Pateo dos Condes, sua existnciaat ao tempo do Terremoto. Segunda phase d'este Thea-tro sob a direco de Simo Caetano Nunes. O Theatro deBom/rates. A Opera da Trindade, Alexandre Pagnetti eFerreira Carlos. Os Theatros rgios de Queluz, Salvaterra^Opera do Tejo, e Theatro da Ajuda. Fausto inexcedivelda Opera do Tejo. O Terremoto de 1755, e a ruina dosl^heatros portuguezes. Renovao do Theatro da Ajuda, e

    .

  • NO SCULO XVIII 5

    donicas e corpos de cavalleria manobrando vontade.A realesa da Europa imitava no sculo xviii o festimde Balthazar, esbanjando as riquezas nacionaes, liban-do com vertigem as agonias de geraes inteiras^ semse lembrar que a mo sinistra do tempo escrevia na pa-rede do palcio a palavra dos direitos do homem, o ver-bo revolucionrio. A historia do theatro portuguez n'es-te sculo opulenta, excede em grandeza a dos melho-res theatros do mundo ; acha-se ennobrecida com o nomedos melhores architectos, dos melhores pintores e sce-

    nographos, dos mais profundos compositores, dos can-tores mais afamados ; mas uma cousa lhe faltou, a in-telligencia da sua misso, reflectida por um lado na es-terilidade do gnio nacional, e por outro na exlusao dobaixo povo dos divertimentos theatraes.

    A Comedia portugueza desnaturada no sculo XVIIcom tantas causas de corrupo, viu-se no sculo xviil

    perplexa entre duas foras extranhas egualmente po-derosas e contrarias: as Operas italianas e as Trage-

    dias francezas. Como em todas as violaes da natu-reza, a graa dos velhos Autos tornou-se um esgar ; a

    aco era vez de ser um resultado de leis da conscin-cia, converteu-se em pardia, tirada em parte dos gran-

    des lances ttricos das Tragedias, e em parte formadade gargantcios ridiculos de modinhas apropriadas dasOperas. este o caracter da nica vida que apresenta.Antes de entrarmos no estudo d'estas trs partes, a

    Baixa Comedia, a Tragedia e a Opera, vejamos a to-pographia do nosso roteiro, descrevendo os Theatros a

  • 6 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    que concorreu a sociedade portugueza e aonde se pas-saram as melhores emoes do sculo xviii.

    Abre este sculo com o antigo Pateo das Arcas,que desde 1591 at 1755 tem sido a nica arca daaliana dentro do qual se conservou a tradio dram-tica popular. (1) Por um documento de 24 de Maio de1707, que j citmos, sabe-se qual era o estado de flo-rescncia d'este Pateo; o seu rendimento de 1711 al712,revela-nos uma numerosa concorrncia de espectado-res, e um symptoma de principio de secularisaao danossa sociedade; em 1716 a installao da Companhiade Jos Ferreira, mostra-nos que a comedia portugue-za comeava a apparecer depois do gigante diluvio detragicomedias jesuiticas e comedias hespanholas de ca-pa e espada. E n'este Pateo que se deve julgar teremsido representadas as Mugigangas e Entremezes colli-gidos por Francisco Vaz Lobo, e publicados em 1718.Perdido o privilegio da explorao d'este Pateo peloHospital de Todos os Santos, desde 1727 at 1738,d-se immediatamente a livre concorrncia do Theatroda Trindade, Pateo dos Condes, Theatro do BairroAlto, Mouraria, Salitre, erigindo-se tambm os Thea-tros rgios de Queluz, de Salvaterra, da Ajuda, daGraa, do Pao da Ribeira, ou Opera do Tejo e deSam Carlos.

    Depois o Pateo das Arcas , o mais antigo o

    j(l) Historia da Theatro portuguez, livro ii, cap. 13, e 11-yro IV, cap. 1.

  • NO SCULO XVllI 7

    Theatro da Mouraria, conhecido no sculo xvi pelonome de Pateo da Bitesga; comeou a funccionar alide Julho de 1594 sob a direco de Manoel Rodri-gues. (1) Resistiu aco do tempo e s maldies doSanto Officio, mudando apenas de nome, e ficando as-sim chamado por ser situado no bairro da Alouraria.At 1735 teve uma existncia obscura, e estava redu-zido s comedias de honifrates; o que se deprehendedo testemunho do coevo Costa c Silva, que diz: e co-mo n'aquelle tempo (1735) havia na Mouraria um Thea-tro em que representavam /^W7-as inanimadas, etc. (2)Costa e Silva attribue a sua florescncia s comediasde Antnio Jos.

    O Theatro do Bairro Alto foi o primeiro que se tor-nou afamado no sculo xviii; depois de terem n'ellefigurado as Companhias hespanholas, as Comedias deAntnio Jos da Silva e de Alexandre Antnio de Li-ma manifestaram um symptoma de vida na arte nacio-nal, immediatamente ofuscada pelas Tragedias raci-nianas que estavam em moda entre a nossa aristo-cracia. O Theatro do Bairro Alto era situado no fimda rua da Rosa, no Pateo do Conde de Soure

    ; (3) antes

    (1) Historia do Theatro portuguez^ t. i, p. 320.(2) Ensaio hiographico critico, t. x, p. S3L(3) Quando existia o to falado Theatro do Bairro Alto,

    edificado no Pateo do Conde de Soure, etc. Costa c Silva, En-saio hiographico critico, t. x, p. 294. Com o mesmo nome deTheatro do Bairro Alto, encontra-se memoria de outro situadona rua de Sam Roque ; antes de 1842 era conhecido pelo nomede Pateo do Patriarcha. No pode haver duvida ou confusocom o antigo, porque este ultimo foi construdo em 1812, segun-do a authoridade do snr. J. M. A. Nogueira.

  • 8 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    de 1734 era elle o que estava mais em voga^ susten-tando o seu explendor pelo menos at morte de An-tnio Jos. A sumptuosidade de Dom Joo v chaman-do para Portugal os artistas italianos, vulgarisou entrens o gosto pelas apparatosas decoraes scenicas. Ocelebre pintor de architectura Simo Caetano Nunes,o primeiro decorador de Lisboa no sculo xviii, diri-giu os trabalhos artsticos do Theatro do Bairro Alto.Silvrio e Stopani tambm trabalharam na sua decora-o antes de ser ajuntado ao Theatro da Rua dos Con-des. Depois d'esta junco, Simo Caetano Nunes fi-cou com a direco artstica, inventando os machinis-

    mos e as vistas para a representao das assombrosasmagicas que andav^am na moda, taes como o Feiticeirode Salerno. Foi por esta qualidade que o nosso artistamereceu a preferencia a Silvrio e Stopani. (1)

    Antes de 1734 estava estabelecida no Bairro Altouma Companhia dirigida pelo cmico hespanhol Ant-nio Rodrigues, cujo caracter assim nol-o descreve oCavalheiro d'01iveira: Antnio Rodrigues, hespanhol,sustentou-se com felicidade muitos annos no theatro deLisboa. Era bonssimo poeta, philosopho, historiadore palaciano. Era homem de bem tanto s direitas, co-mo actor de mrito. Do seu porte honrado redundou-lheuma penso annual de cento e vinte moedas de ouroque lhe dava o rei. Querido das mulheres, estimado danobreza, e relacionado com muitos prelados do reino,

    (1) Raczynski, Dictionaire artistique du Portugal^ p, 209.

  • NO SCULO XVIII 9

    at do povo se fez idolatrar. . . (1) No principio dosculo XVIII, como se v d'este facto, ainda o theatroportuguez estava em poder dos actores hespanlioes ; adevassido de Dom Joo v chegou tambm do Conven-to de Odivellas at s actrizes estrangeiras, tornando-se

    escandalosos os seus amores e prodigalidades com a

    Petronilla. Outra actriz hespanhola, Zabel Gamarra,muito antes da italiana Zamperini, deu egualmentevolta dignidade da fidalguia de Lisboa. O maliciosoe sensato Cavalheiro de Oliveira, nos seus Amusements

    ^eriodiques, relata como a Gamarra professou no Con-vento das Agostinhas ou de Santa Mnica, e como, de-pois que expirou o seu apaixonado Marquez de Gou-va, deitou os votos s malvas, e foi congrassar-se com

    o marido em Hespanha, entregando-se outra vez vi-da do theatro. O Cavalheiro de Oliveira saiu de Por-tugal a 19 de Abril de 1734, portanto tudo quanto es-

    creve do Theatro deve entender-se como anterior a es-ta data. Eis o valioso documento histrico: Gamarra-toit certainement la plus belle actrice que nous avons

    v sur le Theatre de Lisbone; elle toit jeune, enjoue,engagante ; elle avait beaucoup d'sprit, de vivacit, etde grands charmes dans toutes ses manires. Elle avoit

    un mari et un amant declare. Elle n'avoit donc, qu unseul defaut, c'etoit celui d'etre affecte ou infidle: elle

    trahissoit et son mari et son galant ; elle avoit de laver-sion pour Tun, et seulement de Testime pour Tautre...

    (1) Amusements priodiques^ t. i, p. 41.

  • 10 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    Todas estas scenas passavam-se em volta do Theatrodo Bairro Alto; isto explica em parte o preconceito

    quC; no s pela influencia catholica mas tambm pelatradifio clssica, considerava a profisso de actor como

    infamante. Foi tambm por factos anlogos que a rai-nha Dona Maria i deu um golpe profundo na arte na-cional prohibindo que as mulheres entrassem em scena.

    Com estes novos costumes imitados da corte fran-ceza de Luiz xv, (1) todos os talentos artisticos queappareciam procuravam o theatro para se revelarem.Earo o artista de mrito do sculo xviii que se no

    apresenta como scenographo ou pintor de architectura.

    O paisagista Pedro de Alcantra, natural do Algarve,distinguiu-se em Lisboa, entre 1747 e 1763 tomandoparte na ornamentao e decorao de muitos Thea-

    tros. (2)No meio de todas estas pompas exteriores, os acto-

    res no tinham eschola, nem obras que os elevassem.

    No repertrio d'este theatro, as peas so phantasti-cas, exigem grandes mutaes, machinas diBceis ; daparte dos actores bastava ser desboccado para fazer

    rir e agradar nobreza dissoluta e ao alto clero.

    No prologo ao Leitor desapaixonado, que precedeo primeiro volume das Operas portuguezas, queixa-se

    Antnio Jos da Silva da impossibilidade de escreverpara Actores rudes e sem eschola, como os que occu-

    (1) Introduco Historia da Lifteratura portug.^ p. 337.(2) Raczynski, Dictionaire, etc, p. 188.

  • NO SCULO XVIII 11

    param o Theatro do Bairro Alto de 1733 a 1738 ; re-ferindo-se quelle que sabe criticar desapaixonada-mente, diz: saber discernir a difficuldadeda Cmicaem um Theatro d'onde os representantes se animamde impulso alheio ; d'onde os affectos e accidentes estosepultados na sombra do inanimado, escurecendo estesmuita parte da perfeio que nos Theatros se requer,por cuja causa se faz incomparvel o trabalho de com-por para semelhantes Interlocutores, que como nenhumseja senhor de suas aces, no as podem executar coma perfeio que devia ser; por este motivo surprendidomuitas vezes o discurso de quem compe estas Obras,deixa de escrever muitos lances, por se no poderemexecutar. (1) No admirava que os actores do Theatrodo Bairro Alto estivessem n'este estado, porque a vi-da de actor era julgada infame, segundo o espirito dodireito romano que vigorava em Portugal antes daLei da Boa Raso. Apesar d'isto, o Theatro do BairroAlto foi um dos mais populares do sculo xviii; levan-tou-o o talento de Antnio Jos da Silva. Simo Tha-deu Ferreira, livreiro e collector das principaes Ope-ras que a se representaram, d-nos estas curiosas no-ticias: Leitor, foi to grande o applauso e acceitaocom que foram ouvidas as Operas que no Theatro pu-blico do Bairro Alto de Lisboa se representaram desdeo anno de 1733 at o de 1738, que no satisfeitos mui-tos dos curiosos com as ouvirem quotidianamente re-

    (1) Theatro Cmico portuguez, t I. p. 6, edi. 1787.

  • 12 HISTORIA DO THEATItO PORTGUEZ

    petir, passavam a coparas, conservando ao depois es-tas copias com uma tal avareza, que se faziam invis-veis para aquelles que desejavam na leitura d'ellas,uns apagar o desejo de as lerem, pelas no terem ou-vido, outros renovar a recreao com que no mesmoTheatro as viram representadas. N'este prologo de-clara Simo Thadeu Ferrei-a, que possuia tambmuma grande parte das comedias representadas nos Thea-ti*os particulares: Outras muitas conservo em meu po-der, mas ainda no executadas, e outras que j o fo-ram em Theatros particulares, com que voluntariamen-te te poderei lisongear O gosto sem que possas obrigar-

    me pela promessa.

    Estas comedias no foram publicadas na coUecodo Theatro Cmico, mas imprimiram-se em folha vo-lante, e formam o corpO da nossa baixa comedia. Pro-vavelmente no Theatro do Bairro Alto, floresceu ocelebre actor Nicolau Flix Ferris, a quem Lord Ti-rawley mandou que representasse uma comedia emportuguez, para fazer uma^ ideia da scena lusitana.Deu-se o facto em 1737, escolhendo-se para a repre-

    sentao pedida a comedia de Alexandre de Gusmoo Marido confundido, imitao de Molire. Este factoprova, que em 1737 continuava o theatro a permane-cer em poder dos actores hespanhoes, e que uma repre-sentao portugueza era um phenomeno para curiosi-dade. Isto tambm explica o grande espanto causadopelas Operas portuguezas de Antnio Jos e Alexan-dre Antnio de Lima.

  • NO SCULO XVIII 13

    Vimos o grande numero de artistas que trabalha-vam na decorao do Theatro do Bairro Alto ; um con-temporneo confessa que a sua florescncia foi de 1733a 1738. Nas Comedias representadas n'est3 periodo haum excesso de vistas, um abuso deslumbrante de mu-taes. Na Vida do grande Dom Quixote de la Man-cha, representada no Theatro do Bairro Alto no mezde Outubro de 1733; descreve-se assim o Apparato doTheatro e sua fabrica: Um carro com varias figurasdentro. Uma capoeira sobre um carro, em que hirum Leo, que sae fora a seu tempo. Um carro emque vem Dulcinea e varias figuras. Dois cavallosum de Dom Quixote e outro de Sanso Carrasco.Dois burros, um para Sancho Pana e outro para umaSaloia. O Monte Parnaso com as Musas, Apollo e oCavallo Pegasse.Um porco. Um cavallo que vempelo ar e se lhe poe fogo. Uma nuvem, etc. Paraesta representao davam-se as seguintes mutaes:Sala de pannos de raz, bofetes e cadeiras, Bastidoresde bosque ; bosque e no meio um monte ; sala de co-lumnas e jardim fnebre; vista de selva e mar, comum moinho ao longe, sala de azulejos, jardim alegre,etc. Tudo uma riqueza em contraposio com a graolachula da pea. Na Esopaida, representada em Abrilde 1734 no Bairro Alto, o assumpto grego renovadopela Itlia e introduzido em Portugal por Dom Joo v,deixava os artistas porem em pratica as suas regras esymetrias acadmicas ; no faltaram n'esta pea Tem-plos e arraiaes, vistas de mar, selvas, jardins e came-

  • 14 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    ras azulejadas. Em uma rubrica sele: Descobre-seum Templo, e no fim d'elle estar uma estatua de J-piter ao p da qual hade haver uma guia com trsraios nas unhas, a qual se ha de mover a seu tem-po. .. Voa a guia acima dita, e se pe sobre a ca-bea de Esopo, que cahir por terra, e depois se hirpr como estava. Tudo isto indica cumplicados ma-chinismos, em que Simo Caetano Nunes, Manoel Cae-tano de Sousa e Oliveira Bernardes desperdiaram oseu talento abrilhantando os theatros da capital, queprocuravam comprazer com a moda do sculo. NosEncantos de Medea^ representados em 1735, em Maio,abria-se o panno apparecendo um mar, em que nave-gava a Nau Argos ; aps o desembarque de Jason se-guia-se uma mutaao em que apparecia uma sala real

    com um Throno; quarta mutao via-se um jardim,aonde est o Velocino, que um Carneiro de ouro, eao som do coro e instrumentos, sahir Jason pela salade fora a cavallo no Pgaso, que trar azas, e depoisentrar no jardim, aonde tambm estar um Dragolanando fogo, e com elle brigar Jason. Outra ru-brica continua a descrever estes difficultosos appare-Ihos : Mata ao Drago, que com urros se meter porum buraco do Tablado d'onde sairo chammas de fogo,e a esse tempo se desapa do cavallo, que voando to-mar diverso caminho, e ao mesmo tempo descer Me-dea em uma nuvem, que vindo fechada se abrir ed'ella sair Medea. (1) Sao infindas as mutaes

    (1) Operas portuguezas^ t. i. p. 243.

  • NO SCULO XVIII 15

    d'este generO; em que se abrem montes, chovem raios,surgem torres, batalham exrcitos, velejam navios, do-se transformaes e metamorphoses ; o theatro estavareduzido a um cosmorama grandioso, em que as pala-vras serviam de pretexto para os etiupendos artifcios.Em Maio de 1736 foi a tepresentaao de Jpiter e Al-cmena'; tambm a apparece Juno descendo em umanuvem e n'ella vir pintado no s o arco ris, mas

    em figura a ninfa ris. (1) Em Novembro de 1736representou-se o Lahyrntho de Creta; as rubricasmostram-nos as exigncias do scenario; abre a sce-na com um: Bosque e Marinha, e haver no lado doTheatro uma gruta, e depois de se ver no mar uma ar-

    mada fluctuando com tempestade, sairo, etc. (2)A segunda scena apresenta um Templo com estatuasde Vnus e Cupido, e uma pyra ardendo. Nas Guer-ras do Alecrim e Mangerona, representadas no Carna-val de 1737, faz-se uma satyra de costumes da socie-dade lisbonense, e por isso os artistas e machinistaspouco tiveram que engenhar; assim despida de espe-ctculo, esta comedia foi a que mais agradou no Thea-tro do Bairro Alto, e a nica que se tornou popidar,contando-se d'ella sete edies. Em Maio de 1737 oTheatro do Bairro Alto voltou outra vez s magicas,empregadas nas Variedades de Proteu; emquanto setocava a symphonia, e se cantava alternadamente, appa-

    (1) Ibid. p. 326.(2) Ibid. t. II. p. 6.

  • 16 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    recia um: Porto de mar, em que haver uma ponte,aonde chegaro escaleres . . . e antes d'isto appareceruma nau vela; e ao mesmo tempo passar um cochepelo Proscnio do Theatro... (1) Bosque. Haverum monte matisado de flores e ao som de uma sym-phonia de trompas iro sahindo vrios monteiros cominstrumentos venatorios, e se vero cruzar o Theatrovrios animaes silvestres, etc. Com o Precipio dePhaetonte, representado em Janeiro de 1738, acaboua vida explendida do Theatro do Bairro Alto. Des-de 5 de Outubro de 1737, que Antnio Jos daSilva, auctor d'estas comedias magicas e entremea-das de musica, jazia nos crceres do Santo Officio, ex-piando a liberdade de Gil Vicente, a quem a Inquisi-o no recompensou por ter vindo to tarde; a 19 deOutubro de 1739 foi trucidado este homem prestante,a quem se devem os primeiros esforos para levantar otheatro nacional. Depois da morte de Antnio Jos,comeou a florescer o Theatro da Mouraria, chegandomuitas peas a serem communs ao repertrio de am-bos os Theatros; substituiu-o, verdade, o engraadoAlexandre Antnio de Lima, mas no tinha fecundida-de para satisfazer a anci de novidade do publico; oTheatro do Bairro Alto comeou a representar as tra-

    ducoes das Operas de Metastasio at 1741, e as Tra-

    gedias de Volta-ire.

    Em 1742 estava estabelecido no Bairro Alto, Fran-

    gi) Ibid. t. II, p. 272.

  • NO SCULO XVIIl 17

    cisco Luiz, com um espectculo de Bonifrates e a ex-hibio de um Prespio. Em um recibo passado peloHospital de Todos os Santos e publicado pelo snr.J. M. A. Nogueira, se l: Pagou Francisco Luiz, porseu fiador Victorino Vaz Gonalves, por conta que de-via do arrendamento dos bonecos da Casa do BairroAlto, reis 120$i000, entrando naquella quantia GOjJOOOda Casa do Prespio. (1)

    Depois da morte de Antnio Jos, e dos esforosde Alexandre Antnio de Lima, o Theatro do BairroAlto recorreu outra vez aos espectculos dos Bonifra-tes e Prespios. Foi neste estado que tomou contad'elle o fecundo Nicolau Luiz. Falando da representa-o do Belisario de Nicolau Luiz no Theatro do BairroAlto, Manoel de Figueiredo d a entender este facto:Como a minha comedia Perigos da Educao haviapouco tempo que tinha cabido no mesmo theatro, dis-corra-se que assumpto de riso e de mofa no seriaaquelle meu dito, entre gentes que estavam loucas com

    o Belisario e que sabem o theatro dos bonecrosh) (2)Nicolau Luiz o celebre poeta dramtico, era o en-

    saiador do Theatro do Bairro Alto. A este theatro per-tencia a celebre Cecilia Rosa, a melhor actriz d'aquelletempo (3) como diz Costa e Silva que conheceu deperto a melhor parte dos actores do sculo xviii.

    D'esta eminente actriz, fala o poeta Manoel de Fi-

    (1) Jornal do Commercio, n.*> 3742.(2) Obras de Manoel de Figueiredo, t. ii, discurso 6.(3) Ensaio hiographico critico^ t. X, p. 296.

  • 18 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    gueiredo : Passados tempos, visitando a senhora Ce-cilia Rosa, a achei vestindo-se para ir ao ensaio; e

    falando-se em assumptos do Theatro, me disse que sepunha na scena o Belisario, vertido pelo mesmo poetaque traduzira em portuguez a comedia castelhana Rey-nar despues de moi'ir, que tempo antes me havia em-prestado para ler ; fez a casualidade que tivesse ali poema, vi o principio e louvei logo o traductor por lhe

    tirar a torpeza do adultrio; a hora do ensaio era che-gada, despedi-me, ella partiu. Ceclia Rosa davacomo auctor do Belsario Nicolau Luiz, que tempoantes fizera representar a tragedia Inez de Castro, em

    parte traduzida e imitada da comedia de Luiz Vellezde Guevara. (1)

    Cecilia Rosa desempenhou o papel de Ignez naCastro de Nicolau Luiz, cujo talento de ensaiadorera admirvel. Diz Costa e Silva: Se devo dar cre-dito ao que diziam os actores que trabalharam debaixoda sua direco, nunca appareceu no theatro partuguezum ensaiador tao hbil. Uma comedia mettida em sce-na por Nicolau Luiz, me disse muitas vezes Jos F-lix, era um ramalhete.)) (2)

    O engenhoso poeta dramtico Manoel de Figueire-do, descreve uma representao do Belisario, escripto

    e ensaiado por Nicolau Luiz: Fez a casualidade que

    achando-me a jogar ao anoutecer em casa de um ami-

    (1) Analisada na Historia do Theatro Portuguez, t. ir, p.320 a 325.

    (2) Ensaio, etc, t. x, p. 297.

  • NO SCULO XVIII 19

    go com quem jantara em Lisboa, se movesse a conver-sao sobre o Belisario; e extranhando eu que aindadurasse, me respondeu um doutor medico: E durarsempre ! Nunca se viu obra como aquella, para quem en-tende do trgico. E disse-o com valentia ; eu que nun-ca mais pude pr olhos no doutor sem ver-me tentadode um frouxo de riso para que j no tinha disfarse,acabei o roher e parti para o theatro.A taes horasfui, que j no havia fumos de cobrador; sempre en-contrei um que recebesse o dinheiro; mas o theatrono obstantes as muitas recitas, se achava ainda prea-mar pelas ervas, pois estava um grupo de gentes em

    p no corredor. Ao romper por elle, fiquei vexado, epor entender que no representavam a tragedia, ou-vindo uma risada similhante que presenceei em ou-tra occasio, quando no Esposo fingido appareceu oburro no theatro. Com efFeito porem, era o Belisario oque os fazia rir. Assentei-me ainda que mal, e al-guns dos que guarneciam as fressuras se foram acoto-velando, e mostrando-me aos outros, como quem diz:A inveja com que estar este pobre de similhantes ap-plausos, vendo cahir o outro dia a sua comedia! Ne-nhum pode cortejar-me sem sorriso: ali ouvi o que di-go nos Censores do Tlieatro, cuja conversao me ata-lha a dana; e a m musica que junto a mim se ia le-vantando, me fez sair mais depressa; pois um officialde cavalleria, chamado mr. Luiz de Chermont, to de-sembaraado como nada tonto,. . . exclamou metendoem ridiculo o poema e os que o celebravam ; o que me

  • 20 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    obrigou a apressar o passo para ganhar a seje, sahindodo theatro como os espectadores da minha Comedia,repetindo at Alcolena: O que o mundo! (1) Estaanedocta pouco lisongeira para Nicolau Luiz, pinta-nos a vida artistica do Theatro do Bairro Alto depoisde 1560.

    Ao Theatro do Bairro Alto pertenceram os actoresJos Flix da Costa, Victorino Jos Leite, Joo IgnacioHenriques, Jos Antnio Ferreira, Victor Porphyrio deBorja e Antnio Borges Garrido, que na sua mocidaderepresentaram nas comedias de Kicolau Luiz, como odeclararam a Costa e Silva; muitos d'estes actores fo-ram depois recrutados para o Theatro do Salitre porAntnio Jos de Paula.

    O panno de bocca do Theatro do Bairro Alto foipintado em 1760 pelo pintor e gravador Joaquim Ma-noel da Rocha. (2)

    Em 1768 representava n'este theatro a celebre can-tora Todi, ento conhecida pelo nome Luiza Rosa deAguiar; n'este anno representou o Tartufo de Molire,traduzido para o Bairro Alto pelo Capito Manoel deSousa. A educao musical d'esta eminente cantora eactriz devida a David Perez. No Bairro Alto e nsCondes foi a sua estreia. N'este Theatro tambm figurousua irm Ceclia de Aguiar, nas Tragedias Alzira eZaira de Voltaire, traduzidas pelo rcade e medico

    (1) Ohras de Manoel de Fip^ueiredo, t. ir, disc. 6.(2) Cyrillo, Mem. p. 116 a 120 ; Raczynski, Dict. p. 246.

  • NO SCULO XVIII 21

    Seixas ; egualmente figuraram n'este theatro como acto-

    ras, mais duas irms, Isabel e Iphigenia de Aguiar.

    (1) Foi preciso que se revogasse a lei estpida de D.

    Maria i, para que dssemos Europa a celebre Todi.No corpo de baixa comedia de cordel, vm alguns

    entremezes com a declarao de terem sido represen-

    tados n'este Theatro ; taes so os Velhos Amantes^ de

    1784, e Olinta, fico cmica de 1789.Depois do Theatro do Bairro Alto, cabe o primeiro

    logar, principalmente pelo seu caracter lyrico, ao Thea-

    tro ou Pateo dos Condes.Siabe-se que existia antes de 1737

    ;pela queixa de

    Pagnetti, empresrio da Opera Italiana no theatro de-fronte do Convento da Trindade, se conhece que em

    1736 estivera n^este theatro uma Companhia que repre-sentava comedias italianas; em 1737 sabemos que oPateo dos Condes estava occupado por uma companhiafranceza, que representava Operetas e ballets e fazia

    exibies de prespios e marionettes^pelo que pagava

    ao Hospital de Todos os Santos seiscentos mil reisannuaes. O Pateo dos Condes muito anterior a qual-quer d'estas datas, por isso que na referida queixa dePagnetti, se refere ao Pateo dos Condes em que anti-gamente se representavam em hespanhol por seis centos

    mil reis, etc. D'aqui se pode inferir a antiguidaded'este theatro. Continuou florescente, de sorte que em

    (1) Joaquim de Vasconcellos, Os Miisicos Portuguezes, vb.Todi. Balbi, Essai Statistque, t. ii. p. ccxix.

  • 22 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    1739 estava occupado por uma companhia italianacomo se sabe pelas trs operas a cantadas Demtriode Schiassi, II Velogeso de Sala, e Merope; em 1740ainda l se representou o Ciro riconosciuto de Caldara.Arruinado Pagnetti com a empreza da Opera do thea-tro da Trindade, passou o contracto feito por dez annosa Antnio Ferreira Carlos, que no theatro da rua dosCondes ainda em 1742 pagava ao Hospital 600|000ris annuaes.

    O terremoto de 1755 tambm arrasou o Pateo dosCondes; em ruinas ficou at que foi levantado no mes-mo sitio em 1770 pelo architecto Petronio Mazoni,um novo theatro que recebeu o mesmo titulo que o pri-

    mitivo, sem comtudo haver entre elles nada de com-mum. Aqui se distinguiu a celebre Todi.

    O theatro da Rua dos Condes est situado aondeera antigamente a cadeia do tronco, antiga cadeia si-

    tuada onde ora est o theatro da rua dos Condes, cujopateo inda recorda o seu nome. (1)

    Quando Simo Caetano Nunes adoeceu, confiou adireco d'este theatro a Gaspar Jos Raposo, dotado

    de bastante talento para a pintura, occupando-se com

    habilidade nos trabalhos de decorao. Era ento em-

    prezario Paulino Jos da Silva; Raposo continuou diri-

    gindo-o artisticamente at depois da morte de seu mes-tre em 1803. Aleijado das pernas e levado em um carro,pintava e dirigia os trabalhos de scenographia. O pin-

    (1) Costa e Silva, Eiisaio hiographico critico, t. x, p. 247.

  • NO SCULO XVIII 23

    tor decorador Manoel da Costa, depois de haver pinta-do o Theatro de Salitre, tambm foi aggregado comopintor ao Theatro da Rua dos Condes. (1) De 1770 a1774 esteve n'este Theatro.

    Aqui brilhou egualmente a Companhia da Zampe-rini ; a 20 de Abril de 1774 cantou-se a Opera de Sacchi-ni intitulada Ulsola d'amore, desempenhada pela afa-mada Zamperini, Trebbi, Schettini, etc; a 18 de Maiode 1774 tambm foi cantada a Opera de BernardinoOttani JJam&pe sensa malcia, tambm executada pelaZamperini, Trebbi e Felicaldi, etc. (2) D'aqui se ori-ginou a fundao do Theatro de S. Carlos.

    A par d'cstes espectculos privatimente aristocr-ticos, temos como divertimentos populares o Theatrode Bonifrates.

    Na Proviso de 15 de Septembro de 1739, em quese concede ao Hospital o privilegio sobre as represen-taSes, se allude aos espectculos de bonifrates : Epor quanto de poucos tempos a esta parte se tinham in-troduzido n'esta corte outra espcie de Operas, que,supposto se no fizessem com figuras vivas, mas arti-

    ficiaes, eram verdadeiras comedias e operas, que sefaziam pelo mesmo estyllo d'ellas, e com musica, re-presentando-se publicamente em casas alugadas paraisso, e admitindo-se a ellas todos os que pagavam aentrada taxada pelos authores, termos em que da mes-ma sorte as comprehendia o privilegio do dito Hospi-

    (1^ Raczynski, Dict, p. 227.(2) Archivo Pittoresco, t. ix, p, 148.

  • 24 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    tal d se no poderem representar sem licena do mes-mo Hospital, nem eiii logar que por elle lhe no fosseassignalado, de qiie eu lhes tinha feito merc do qupodessem usar a respeito de comedias ou operas de queno tinham differena alguma substancial estas moder-nas representaes que se faziam com figuras artifi-ciaes, e que na realidade eram o mesmo que comediae opera, e que com o nome d'esta se representavam ....

    e visto o que allegaram (Provedor, Thesoureiro e Me-zarios do Hospital) informao que se htiuve pelo dou-tor Francisco Nunes Cardeal, juiz que foi dos feitos deminha coroa e fazenda, ouvindo as partes, resposta doprocurador da mesma coroa a que se deu vista e noteve duvida; hei por bem declarar que o privilegioconcedido ao Hospital e de que o Supplicantes tra-

    tam, e uso d'elle, comprehenda tambm as representa-es que se fazem com figuras artificiaes, e mando quepor elle possam os supplicantes prohibir que se no fa-am sem licena do mesmo Hospital, e em logar quepor elle lhes no seja assignalado da mesma sorteque as comedias e operas ...

    Um outro Theatro em que se representavam Ope-ras, conhecido apenas pelo logar em que estava situa-

    do, nos mostra como estes espectculos entravam na

    phase nova da vida portugueza, que imitava os usosda corte de Luiz xv.

    Quando no sculo XVIII os monarchas, para se es-quecerem das ideias liberaes que germinavam na Eu-ropa, creavam em volta de si divertimentos faustosos

  • NO SCULO XVIr 25

    que absorviam rios de dinheiro, mostrando assim queeram poderosos ao menos em gastar, a Opera italianafoi a que mais occupou a atteno das cortes. No eraisto admirao pelo gnio musical que a humanidade,revelava, porque Mozart foi desprezado em Frana e.sofFreu bastantes adversidades na Allemanha, era pri-meiro que tudo um aparatoso dilletantismo occupadoem intrigas de bastidores suscitadas pelos castrati,

    que fazia com que a Opera merecesse tanto a proteco

    dos monarchas. Em Portugal a Opera foi introduzidacomo um espectculo rgio, nos casamentos dos. prn-

    cipes. D'entre varias Operas que se cantaram em Lis-

    boa em 1720, resta ainda o titulo de II triumpho dellemrtu. (1) Desde que em 1727 foi abolido o privilegioem que s o Hospital de Todos os Santos dava licena,mediante certa parte nos lucros, para as representaes,scenicas, o theatro italiano tomou mais desenvolvi-mento; em 1735 inaugurou-se uma Opera italiana, emumas casas defronte do Convento da Trindade, em quese representava publicamente, mediante uma certa ta-

    (1) Com este titulo existe um elo^po dramtico, sem data,

    .

    mas com certeza muito posterior a 1720: *Il trionfo delia Vir-tu, eomponimieiito dramtico dedicato ai Eccellenza dei signoreMarchese di Pombal, Primo Ministro, secretario de Stato ec,ec. ec. dei Re Fedelissimo. Di Eleonora de Fonseca Pimentel.O opsculo no tem data, mas a dedicatria c: Di Napoli li-.15 di marzo 1777 ; a se refere a inaugurao da Estatua Eques-tre. Segundo se cr, esta dama, de origem portugueza, conheci-da tambm pelo nome potico de Actidora Esperatusa, nasceu,em 1750; d'onde se conclue que a opera cantada em 1720 teriaoutro libretto. Vid. a biographia d'esta poetisa luso-italiana, boComm. do Porto, n." 124, xvii anno.

  • 26 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    xa de entrada apresentada pela empreza. Continuouisto assim, at que com a affluencia de uma companhiacmica italiana, de uma companhia franceza, e outrade bonifrates, o Hospital requereu a Dom Joo V, queo reintegrasse no goso do seu antigo privilegio, quedatava de 1588.

    A Opera que estava estabelecida nas casas ao pdo Convento da Trindade, teve de requerer ao Hospi-tal licena para continuar os seus espectculos ; era en-tHo emprezario Alexandre Pagnetti, que pelo menosexplorava este campo desde 1735. Os lucros que tira-ra durante os dois annos em que estivera independen-te do privilegio do Hospital foram bons, por isso quese sujeitava licena e condies impostas por este.O Theatro da Trindade era tambm conhecido pelonome de Academia de Musica; a 23 de Abril de 1736,se efectuou n'elle um grande sarau musical, executadopor Helena e Angela Pagnetti, Domingos Galleti, Cae-tano Valleti, etc, sob a direco de Caetano MariaSchiassi^ compositor da Camar do Principe de Dar-rastad, (1) e autor da opera Demtrio^, representada em1739.

    Eis o despacho da Meza do Hospital: A Mezatsando do seu privilegio na forma que lhe concedido,d licena ao supplicante para representar Operas,como at agora, no theatro junto ao Convento da Trin-dade, por tempo de 10 annos, contribuindo em cada

    (1) Benevides, Archivo Pittoresco^ t. ix p. 148.

  • NO SCULO XVIII 27

    um com setecentos mil reis, para a cura de enfermos

    do Hospital, pagos aos quartis. Meza, 17 de Julho de

    1737.Alexandre Pagnetti, emprezario da Opera da Trin-

    dade, soFria uma terrivel competncia com o Theatro

    do Pateo dos Condes, aonde ento representava uma

    companhia de francezes; estes exploravam o publico

    com comedias, com hallets, com entremezes e tambmcom marionettes ou scenas de prespio. Pagnetti re-

    correu Meza do Hospital expondo-lhe todos estes in-

    convenientes : que no podia concorrer com os empre-

    zarios das Comedias italianas, a quem o Hospital con-cedera represental-as dando-lhe aquelle Pateo (da ruados Condes) em que antigamente se representavam emhespanhol, por seiscentos mil reis, no que claramente se

    v, vieram os ditos francezes a ter mais utilidade doque antes' tinham, pois ento pagavam oitocentos milreis de aluguer de umas casas, em que faziam as ditascomedias, e agora se lhes deu casa e privilegio pormenos duzentos mil reis, vista do que se faz precisoao supplicante expor a W. EE., que sendo elle o pri-meiro que fez oFerta e lano para esta casa, e tendosido elle quem n'esta corte principiou com tanta des-peza o divertimento da Opera, para o que faz grandeempenho de sua casa, por causa dos luctos reaes, sema fazer, por cuja raso, querendo ver se recuperava al-guma cousa no tempo da primavera, se empenhou mui-to mais, como notrio, em que mostra a experincia,

    que s nos trs mezes de inverno e entrudo, se pode

  • ^8 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    fazer com esperana de alguma utilidade. . . tendo pa-go um conto de reis pelas casas em que est o ditotheatro e fazer trinta e cinco mil cruzados de despezascertas, para pr prompta o dito theatro, e companliiasde msicos que esperam. Os luctos reaes a que se re-fere Pagnetti, foram pela occasio da morte da InfantaD. Francisca, a 15 de Julho de 1736.

    Pagnetti pedia que lhe diminuissem a contribuioou que lhe dessem terreno para fundar um theatro, eque se impuzessem certas restrices aos outros thea-tros, prohibindo-lhes o andarem fazendo representa-es em musica, nem ainda a titulo de entremezes, co-mo tambm nos prespios que no possam exceder otamanho nem qualidade das figuras, e que havendo ou-tro qualquer curioso que queira fizer Operas, o suppli-

    cante lh'o possa impedir. . . sendo s os divertimentos

    da Opera e Comedias, os nicos que para a concorrn-cia dos curiosos d'esta corte, parece so de sobejo.

    A Meza do Hospital abateu, cem mil reis pensodos setecentos, por despacho de 28 de Julho de 1737,no attendendo s outras clausulas propostas por Pa-

    gnetti. Este abatimento ou reduco a seiscentos mil

    reis no salvou o emprezario, que requereu de novo ao

    Hospital, para que, em atteno das grandes despezas

    que fizera em contractar danarinos, cantores, scenarios

    e vesturios, lhe desse licena para construir um thea-

    tro seu, dentro de dois annos, continuando a pagar tre-

    zentos mil reis annuaes. O Hospital deferiu a preten-o, mas Pagnetti no a pode sustentar, durando ape-

  • NO SCULO XVIII 29

    nas seis mezes na sua mo, passando o resto do tempopara Antnio Ferreira Carlos. O Privilegio de repre-sentar Operas, concedido a Pagnetti por espao de dezannos, ficou a Ferreira Carlos, que o continuou a exer-

    cer no theatro dos Condes, acabando em 1742, por issoque a Carta Regia de 28 de Janeiro de 1743 acaboucom o privilegio do Hospital.

    Na Relao das Rendas e gastos do Hospital realde Todos os Santos^ relativa ao anno de 1742 a 1743(de Novembro a Outubro) vem a seguinte verba:

    Do rendimento que o Hospital recebia das Operas

    ,e Comedias, que se representavam n'esta cidade, co-brou: 1:300|000 rs. (1) Nos annos seguintes j novem mencionada esta verba

    ;por tanto a verba supra,

    como se deduz pela palavra recehia, refere-se talv^ez cobrana de rendas atrazadas.

    Tornado o Theatro portuguez uma sumptuosidadefaustosa da corte e da nossa fidalguia, immediata-mente se d o concurso dos archictetos e pintores dosecvdo XVIII, que estipendiados pelos monarchas con-

    verteram o humilde Pat^o das Comedias em soberboamphitheatro. Na segunda metade do sculo xviiicon-tam-se nada menos de quatro theatros rgios exclusi-

    vamente destinados a distrahir o vasio de interesses da

    corte, cujos aulicos se entretinham a acompanhar o san-tssimo sacramento e a correr touros. O malicioso LordBeckford descreve-nos uma recepo no pao, em que

    (1) Jornal (lo Commercio, n.** 3685.

  • 30 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    estavam o prncipe do Brazil, e Dom Joo com as mosmetidas nas algibeiras, escancarando a bocca at sorelhas com semsaboria, e correndo com os olhos deumas para outras cousas com a petulncia da imbecili-dade. Para distrair estas almas se construram osTheatros de Queluz, de Salvaterra, a Opera do Tejo, eo Theatro da Ajuda.

    O Theatro de Queluz foi dirigido pelo architecto edecorador Ignacio de Oliveira, que Dom Joo v haviamandado estudar a Roma, aonde foi discpulo de Be-nedetto Lett e de Paulo Mathei. Este celebre artistatambm, durante a ausncia de Bibiena, dirigiu o Thea-tro Real chamado Opera do Tejo, bem como o Thea-tro dos Congregados do Espirito Santo e o Theatro darua dos Condes; morreu a 18 de Janeiro de 1781. (1)O Theatro de Queluz era destinado para a representaolyrica, e distingue-se por ter sido o centro aonde co-meava a crer-se a Opera portugueza ; n'elle figura-ram os compositores portuguezes Luciano Xavier dosSantos, Jeronymo Francisco de Lima, Joo de SousaCarvalho, Antnio da Silva e Joo Cordeiro da Silva;em Queluz cantaram-se Operas de Piccini e de DavidPerez. Eis a serie chronologica das Operas que se can-taram n'este rgio theatro

    :

    1763

    Uamante ridculo deluso, de Piccini.1764

    Gli Orti Esperide, de Luciano Xavier dos San-

    (1) Raczynski, Dictionaire, etc., p. 214; Cyrillo, Mem. p. 92.

  • NO SCULO XVIII 31

    tos, compositor e Organista do Infante D.

    Pedro na real capella dos Paos da Bemposta.

    17(37

    L'Isola desahitata^ de David Perez.1771

    II Palladio conservato, de Luciano Xavier dosSantos.

    1774

    Ritorno di Ulysse in Itaca_, de David Perez.1778

    II Natale de Giove^ Opera por Joo Cordeiro

    da Silva.

    1778

    Anglica^ de Joo de Sousa Carvalho, succes-

    sor de David Perez, e mestre de Marcos Por-tugal. Esta Opera foi cantada no anniversa-

    rio da Princeza do Brazil, D. Maria Bene-dicta.

    1778

    Alcide Alhinio^ de Luciano Xavier dos Santos.1779

    Ati e Sangaride^ Serenata por Luciano Xavierdos Santos, cantada por Orti, Ripa, Reyna,

    Torriani e Galati.

    1779

    La Galatea, Serenata de Antnio da Silva, dis-cipulo de David Perez.

    1780

    Testoride Argonauta^ Opera de Joo de Sousa

    Carvalho.

    1781

    Palmira de Tehe, Serenata de Luciano Xavierdos Santos, cantada pelos msicos acima no-meados, excepo de Galati, substituido

    por Toti.

    1781

    SeleucOj, r di Sria j, Opera de Joo de Sousa

    Carvalho, cantada no anniversario de D. Pe-

    dro lii.'

    1782

    Everardo II, r di Lithuaniaj pelo mesmo.

  • 32 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    1782

    Callirro in Sira, Opera de Antnio da Silva.1783

    Endimione, Opera de Joo de Sousa Carvalho.1783

    Sirace de Sophonisha, Opera de Antnio LealMoreira, no anniversario de D. Pedro iii.

    1784

    II Eatto di Prosrpina^ Opera de Joo Cordei-ro da Silva ; cantaram-na Reyna, Ripa, Tor-riani, Marini e Venturi.

    1785

    ArchelaOj, Opera pelo mesmo, substituindo noscantores Ferracuti a Venturi.

    1785

    Ercole sul Tago, Opera de Luciano Xavier dosSantos, cantada pelos cantores citados.

    1787

    Telemaco nelV isola di Calypso, Opera de JooCordeiro da Silva, cantada pelos mesmos.

    Outro Theatro rgio, egualmente celebre, era o daAjuda ou de Dom Joo v, fundado com o palcio; asua inaugurao data de 4 de Novembro de 1739. DeCoimbra, para aonde fugira do terromoto em 1755,foi chamado a Lisboa o italiano Jacopo Azolini, quedirigira anteriormente a Opera do Tejo, para se encar-regar das decoraes scenographicas do Theatro daAjuda. Foi isto em 1767 ou 1768; exerceu este em-prego at ao anno de 1786 ou 1787, tempo em quemorreu com 70 annos pouco mais ou menos. Foramdiscipulos de Azolini, alm d'outros muitos, Jos Car-los Binheti e Manoel Piolti; sentindo-se j doente,quando pz em scena a Opera Assur, reuniu em con-curso os discipulos, dando-lhes por thema varias deco-raes, para assim ver qual estaria no caso de o sub-

  • NO SCULO XVIIl 33

    stituir. Biiiheti pintou um Templo, e Piolti um Palcioreal; foram estes dois os nicos approvados, mas Azo-lini morreu sem se ter decidido por nenhum. (1) NoTheatro rgio da Ajuda intermeavam-se as Operas ita-lianas com as tentativas da Opera nacional. Recom-pondo o seu repertrio conhece-se o grau da vida arts-tica que teve:

    1753

    UEroe Cinese, Opera de David Perez ; a suaactividade artstica manifestou-se em Portu-

    gal em 1752 com o Demofoonte.1754

    Iperruenestra, pelo mesmo.

    1764

    Cavaliere 'per amore, Opera de Piccini.1765

    I Francesi hrilhanti, Opera de Paesiello.1768

    Solhnano, Opera de Da^ id Perez.1769

    Amor industrioso, Opera de Joo de Sousa Car-valho.

    1771

    Clemenza di Tito, Opera de Jomelli.1773

    Amiida abandonada, Opera de Jomelli.1773

    Eumene, Opera de Joo de Sousa Carvalho,cantada no anniversario de D. Jos.

    1774

    Olympiade, de Jomelli.1775

    Demofoonte^ Opera de Jomelli.1778

    Gioas, r di Giud, Oratrio de Antnio daSilva.

    1779

    Gli Orti EspeHde, Opera por Jeronymo Fran-cisco de Lima.

    (1) Raczynski, Dictionaire, 18.

  • 34 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    1780

    EdoUde e Canbise, Opera de Joo Cordeiro daSilva; cantaram-na Reyna, Orti, Torriani,

    Kipa e Toti.1783

    Salom, madre de siette martiri Macahei, Ora-trio de Joo Cordeiro da Silva.

    1783

    Tomiri, Opera de Joo de Sousa Carvalho.1784

    II ritorno di Tohia, Oratrio de Haydn.1784

    Alcione, Opera pelo mesmo.1784

    Esione, Operado Luciano Xavier dos Santos.1785

    Nettuno e Egle, Opera de Joo de Sousa Car-valho.

    1785

    L^ImminedDelfo. Opera de Antnio Leal Mo-reira; no casamento do Infante.

    1786^

    Esther, Oratrio de Antnio Leal Moreira.1788 6^?i Ero Spartani, Opera de Antnio Leal Mo-

    reira.

    1788

    Megara tehana, Opera de Joo Cordeiro da Sil-va; cantaram-na Reyna, Gelati, Policarpo,

    Marini e Ferracuti.1789

    Lindam e Dalmiro, Opera de Joo Cordeiro daSilva; cantaram-na Reyna, Gelati, Marro-

    chini, Sclettini, Manna/ Capellani e Barto-lini.

    1789

    La Vera constanza, Opera de Jeronymo Fran-cisco de Lima.

    1789

    Numa Pompilio, Serenata de Joo de SousaCarvalho.

    1790

    Le trame deluzo, Opera de Domenico Cimarosa.

  • NO SCULO XVIII 35

    De todos estes Theatros rgios o mais assombroso,e talvez o primeiro que existiu na Europa, notvel pe-

    las suas dimenses e fabulosa riqueza foi o Theatro

    Real, chamado Opera do Tejo, inaugurado a 31 deMaio de 1755, 6 nesse mesmo anno reduzido a um mon-to de ruinas pelo terremoto* O italiano Joo Carlos Bi-biena, pintor de decoraes, que veiu servir Dom Jos-em 1753, foi o principal decorador da Opera do Tejo;com elle vieram da Itlia Marcos, pintor de figura, e

    Paulo, pintor de batalhas. (1) Antes de Bibiena, Joo

    Berardi dirigira como pintor a decorao do Theatro,

    e foi este artista o que gravou os magnficos librettos

    das operas que a se representaram, e que se distri-,

    buiam aos espectadores. Durante a ausncia de Bi-biena, substituiu-o na direco artstica Ignacio de

    Olivieira Bernardes, pintor e architecto, sendo depois

    tambm substitudo por Jacopo Azolini. EnlquantoIgnacio de Oliveira exerceu este brilhante cargo, Jos

    Antnio Narciso era o encarregado de executar os' pla-

    nos inventados por Oliveira; Narciso continuou a tra-

    balhar ainda depois da chegada de Azolini. Narciso

    havia nascido em Lisboa em 1731, aonde morreu em

    1811. (2) Tambm na Opera do Tejo devia ter traba-lhado Loureno da Cunha, o melhor pintor portuguez

    de perspectiva e architectura, rival de Bacarelli e emu-

    lo de Bibiena; Loureno da Cunha havia voltado da

    (1) Raczynski, Dictionaire, p. 28; Cyrillo, Mem., p, 175,188, e 190.

    (2) Ibid, p. 205 ; CyrU. ib. p. 219.

  • 36 HlbTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    Itlia em 1744. Nicolau Servandoni tambm era nmdos distinctos scenographos d'cste fabuloso Theatro,

    aonde occupava o cargo de machinista juntamente comPetronio Manzoni. O Theatro foi inaugurado em 31de Maro de 1755, anniversario natalcio da rainha.Depois de ter occupado os grandes architectos e sce-nographos, os mais celebres castrati d'este sculo daopulncia monarchica vieram aqui fazer eccoar as suasvozes inimitveis. Os nomes de Elisi;, Cafarelli, Man-zuoli, Giziello, Veroli, Balbi, Luciani, llaaf, Raina,

    Guadagni e Balino, formavam, no dizer do inglez Bur-ney, uma Constellao de grandes cantores. (1) Contie Caffarelli recebiam de ordenado doze a treze contosde reis cantando apenas pouco mais de dois mezes; -otenor Balbi recebeu por duas estaes vinte e quatromil cruzados. Dom Jos brindava o castrato Giziellodepois de executar uma Cantata de Jomelli, oferecen-do-lhe uma gallinha de ouro cercada de vinte e quatropintainhos?

    Era director d'este extraordinrio Theatro dos Pa-os da Ribeira, ou Opera do Tejo, o afamado DavidPerez, napolitano, que floresceu em Portugal de 1752a 1788. Burney, descrevendo a estreia extraordinriade David Perez no Demofoonte^ pela valentia da or-chestra e pelas explendidissimas decoraes, quandofala da Opera do Tejo, diz: Mas o Theatro de sua

    (1) ^ general History of Music, t, IV, apud Vaseoncellos,Os Msicos PortuguezeSj t. i, p. 180, notvel n'esta descripo.

  • NO SCULO XVIII 37

    magestade portugiieza, inangurado no anniversario na-talcio da rainha^ a 31 de Maro de 1755, ultrapassaem magnitude e decoraes tudo quanto os tempos mo-dernos podem apresentar.^ (1) Se nos lembrarmos queeste vasto e erudito historiador da musica, viajou pelaItlia, Frana, AUemanha e Inglaterra, em um tempoem que os reis tinham rivalidades mutuas no explen-dor das suas Capellas e Theatros particulares e se dis-

    putavam os melhores compositores e cantores, nao cus-tar a acreditar em tantas maravilhas. Dom Jos pen-sionava Jomelli para lhe remetter a partitura das Ope-ras que escrevia para a corte de Wurtemberg ; as Ope-ras II VelogesOy e Enea nel Lazio, com uma Cantataencommendada para se cantar nas festas pelo nasci-mento de um principe seu filho, foram retribudas aJomelli por Dom Jos com a quantia de mil e duzen-tos ducados de ouro ! Aproximemos d'estas pompas ar-tsticas este retrato que Beckford esboou do povo por-tuguez, e abenoemos a Revoluo: Nenhuns mendi-gos egualam os de Portugal, pela fora de seus pul-mes, pela abundncia das ulceras, pela profuso dssuas bexigas, pelo variedade e arranjo dos seus andra-jos, e por uma teimosia indomvel. (2) A par destedesperdcio das riquezas da nao, o rei e a famliareal consideravam-se os esmoleres natos do povo. Diza este propsito Lord Beckford: Graas a esta cari-

    ai) Op. ctV., vol. IV, p. 571: Apud Vasconcellos, a quemseguimos n'este ponto como o mais completo.

    (2) Beckford, Spain, lettcr. i.

  • 38 HISTORIA DO TIIEATRO PORTUGUEZ

    dade mal entendida, algumas centenas de meliantesaprendem a manejar as moletas em logar do exerccioda espingarda, e a arte de fabricar chagas, ulceras eemplastros com a mais asquerosa perfeio. Com umanao de mendigos no podia haver Theatro popular; medida que se vier erguendo o vento da Revoluo,renovar-se-ha outra vez o antigo Pateo, que se hadctornar assembleia politica. A Opera do Tejo abriu-sccom a representao da Opera de David Perez Alessan-dro nelV Indie, representada pela primeira vez em G-nova em 1751, mas tornada a pr outra vez em musi-ca pelo eximio director. A letra era do Abbade Mc-tastasio, em moda em todas as cortes da Europa, eimitado e traduzido em Portugal. (1) Seguindo a des-cripo de Burney, n'esta representao entrou em sce-

    na um esquadro de cavalleria; Volckmar Machado,diz que desfilaram no palco quatrocentos homens quefingiam a Phalange macedonica como a descreve Quin^to Curcio. Se nos lembrarmos da pompa das Tragico-medias dos Jesuitas no sculo xvii, comprehendemogesta competncia da realeza. Tambm apparecia emscena o cavallo de Alexandre, o afamado Bucephalx),para o manejo do qual David Perez compz expressa-mente uma marcha. Para que nada faltasse magni-ficncia da Opera do Tejo, entre os artistas que esta-vam encarregados da sua decorao havia desenhadores

    (1) Vid a traduco de Joo Carneiro da Silva, Lisboi, naofficina de Simo Thadeu Ferreira, 1783. O traductor era unicelebre gravador.

  • NO SCULO XVIII 39

    e gravadores para reproduzirem as vistas de todas assceias e actos que se succediam no espectculo, com as

    quaes se formava o libretto distribuido pelos especta-dores. Os gravadores mais conhecidos eram Berardi,predecessor de Bibiena, (1) Micliel le Boiteux, archi-

    tecto real e gravador, (2) e Dourneau. Vimos estes doisprimorosos librettos em poder de Joaquim de Vascon-cellos. As gravuras da Opera Alessandro neW Indejrepresentam grandiosos campos de batalha, o pavilho

    rgio de Alexandre, camars reaes de Elofide, o inte-rior do templo de Baccho, as duas portas da cidadeque se abrem chegada de Alexandre, vendo-se ao lon-ge a cidade illuminada. A este tempo a gravura esta-va em Portugal em ura progresso inexcedivel; com a

    vinda de Debri, de Harrcwyn, Vieira, Quilhard, 11 o-chefort e Le Boiteux, propagara -se esta nova arte neces-sria para as apparatosas edies in-folio da Academiade Historia portugueza, e para os livros, que se usa-vam por moda embellezados com vinhetas allegoricas,cabeas de pagina e colophons, do mais mimoso de-senho. Os libretos da Opera do Tejo so hoje o maisclaro documento da sua magnificncia. A Opera Cie-menza di Tito, de Antnio Mazoni, foi tambm repre-sentada nos Theatros dos paos da Ribeira; a letra eraegualmente do predilecto Metastasio ; o libretto contmnove gravuras anonymas,

    (1) Raczynski, Dictionaire, p. 27 ; Cyrillo, Collec. de Me-morias, p. 189 e 190.

    (2) Raczynski, O})- cit', p. 30; C rd. Saraiva, ListadosArtistas, p. 5 a 19.

  • 40 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    A Opera de David Perez foi representada na pri-mavera^ e a de Mazoni no estio, d'onde se conclue queo Alessandro nelV Indie serviu para a inaugurao, eque as representaes eram segundo as estaes doanno, do mesmo modo que se contratavam os castrati.No primeiro de Novembro de 1755 suecedeu a immen-sa catastrophe do terremoto de Lisboa. A Opera doTejo desappareceu sob as ruinas da capital, depois deum explendor de sete mezes. Uma inundao do Tejoe um incndio pavoroso completaram a obra da des-truio. Passou-se dos brocados e veludos para o usoda estamenha das fabricas nacionaes.

    Resta-nos falar ainda do Theatro rgio de Salva-terra, aonde se cantaram principalmente Operas deCimarosa. No sculo xviii todos os Theatros portugue-zes, incluindo os Condes e o popular Salitre, tiveramde condescender com a monomania das Operas italia-nas. A familia reinante vivia em diversos palcios,conforme as estaes ou o seu capricho; cm cada resi-dncia tinha um theatro para se distrahir da sua fas-tienta inrcia. O Theatro de Salvaterra tambm de-vido ao architecto Bibicna, que havia trabalhado no

    Theatro da Ajuda e na Opera do Tejo. Bibicna come-ara a servir el-rei Dom Jos em 1753, e neste mesmoanno apparecem-nos representadas no theatro de Salva-terra duas operas de David Perez Didone Ahandonatae Demtrio, e uFantesca de Hasse. Em 1764 cantou-sea opera de Joo Cordeiro da Silva Arcdia in Brenta^executada por Maruzzi, Vasquez, Orti, Leonardi, Ca-

  • NO SCULO XVllI 41

    valli, Principi e Georgetti; em 1772, cantoi-se a" Ope-

    ra Lo Spirito de contradizione de Jeronymo Francis-co de Lima. Em 1775 eantou-se a Opera de PaesielloLcio Papirio^ e em 1776 cantou-se a Opera de Jo-melli Iphigenia in Tauride; em 1788 cantou-se outraOpera de Paesiello, /S'oc?'ae imaginrio; duas OperasdeCimarosa, em 11^%UItaliana in Londra_, em 1791Gli due Baroni; e em 1792 a Opera de Grtry Ricar-do Cor di Leone. Desde 1792 os Theatros rgios cala-ram-se, por causa da fundao do Theatro de S. Carlos.

    Entre os Theatros do sculo xviii encontramos tam-

    bm memoria do Theatro da Graa, construdo porSimo Caetano Nunes (1) e de um segundo Theatro doBairro Alto, situado perto de Sam Roque. (2) O Thea-tro dos Condes foi reconstrudo em 1770, no tendonada de commum com o antigo Pateo d'este nome. OTheatro da Rua dos Condes absorveu em si o antigoTheatro do Bairro Alto, e por seu turno foi tambmabsorvido no Theatro de Sam Carlos em 1812.

    Outro theatro de que achamos memoria o Theatrode Belm. D'elle fala Manoel de Figueiredo, descre-vendo a representao da comedia de Nicolau Luiz in-titulada Belizario. Passados tempos, a aragem queteve o Theatro de Belm, por se conservar fechado oda cidade, e por entrar naquelle tempo um emprezariohbil, fizeram que no s d'ella concorressem gente,

    (1) Raczynski, Dictionaire, p. 210.(2) Fonseca Benevides, Archivo Pittoresco^t. ix, p. 148

  • 42 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    mas que ainda a grandeza, ou por divertir-se ou porfavorecer aquelles miserveis, que todo o anno a entre-

    tinham, se dignasse assistir aos seus benefcios. Emum d'estes se deu o Bellisario nas papeletas, com a au-thentica do encontro que tinha encontrado nos Thea-tros da cidade. Ou me dessem chave, ou me convidas-sem, achei-me em uma fressura visinha ao camaroteem que estavam muitas senhoras da corte. Ainda oBelisario me pareceu peior que quando o li, mas as ri-sadas e os applausos era os mesmos que no outro thea-

    tro; (Bairro Alto) etc. Prodigiosamente, uma vozque vinha do alto e que no era de homem, mal pecca-do, me consolou os ouvidos; pois articulava estas pala-

    vras : Vosses no sabem a afflico em que estou ! . . ,Levanto os olhos e vejo a ex.^ snr.^ D. M. F. de D.

    ;

    esqueo-me do drama dou ouvidos critica. Escutod'a a pouco : Estou desejando dar uma bofetada na-qicella mulher! . . D'ai a nada: Eil-os ai tornam! . .

    Chega o Belisario e depois os que querem sacar-lhe amulher: J no posso mais! E dizia isto a senhora,seno com ira, com aborrecimento. (1) Esta queixado pobre Manoel de Figueiredo, descreve-nos o estadodo theatro na segunda metade do sculo xviii, no querespeita a parte litteraria e a parte anedoctica. O thea-tro de Belm era pobre, e s era frequentado quandopor qualquer circumstancia os theatros de Lisboa es-tavam fechados. Chamava-se Theatro do Espirito Santo.

    (1) 0Z>ra5 de Manoel Figueiredo, t. II, discurso 6.

  • NO SCULO XVIII 43

    O Theatro do Salitre, apesar de ser por vezes in-vadido pelas Operas italianas, tornou-se o centro dacomedia nacional; fimdou-o em 1782 o pintor, archi-tecto 6 decorador Simo Caetano Nunes, por causa doequilibrista Tersi. Era propriedade de Joo GomesVarella. Durante a empreza de Paulino Jos da Silva,Simo Nunes pintava as decoraes d'este Theatro,continuando a exercer estas funcoes at administra-o de Antnio Jos de Paula; morreu este notvel ar-tista em 1803. Por occasio da sua doena passou adireco scenographica para Manoel da Silva. Em to-das as emprezas theatraes em que entrou Simo Caeta-no Nunes, nunca os lucros lhe indemnisaram as fadi-gas. (1) Era na velha comedia do Salitre que se usa-va a designao dos diversos typos que prevaleceramno theatro at ao romantismo : galan ponta de scena,pai gracioso, barbas, segundo, galan, lacaia, me no-bre, etc. No sculo xvi ao gracioso chamava-se ratinlio.

    Ainda se sabe qual era a companhia do Salitre an-tes da administrao de Antnio Jos de Paula.

    Em uma pea intitulada Virou-se o feitio contra oFeiticeiro, impressa em 1780, vem a companhia dosactores indicada. Eram Fernando Jos de Queiroz, An-gela Tereza Azua, Victoria Cndida de Arajo, AnnaFilismina, Bernardino Antnio Cota, Jos AntnioGentil, Jos Xavier, Manoel Jos, e Jos Theotonio.

    Em uma pea intitulada Pequeno drama, letra de

    (1) Cyrillo Volkmar Machado, Collec. de Mem., p. 200.

  • 44 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    Jos Caetano de Figueiredo e musica de Marcos Por-tugal, representada no Theatro do Salitre a 17 de De-zembro de 1787, no anniversario de D. Maria i, en-contram-se os nomes dos seguintes actores, tambmcantores: Jos Flix da Costa, Antnio Manoel Cardo-so Nobre, Nicolau Ambrozini, Victorino Jos Leite eJos dos Santos. (1) O Idylio, de Marcos Portugal,cantado no Salitre, a 25 de Abril de 1783 no anniver-sario de D. Carlota Joaquina, era escripto pelo actor epoeta Jos Procopio Monteiro. D'este celebre actor dizJos Maria da Costa e Silva: havia sido professor deRhetorica e Potica, mas faltando-lhe a pacincia que

    exige o magistrio, havia abandonado Cicero e Quin-tiliano, preferindo representar no tablado s noites a

    aturar os rapazes de dia, Era particular amigo doafamado dramaturgo Nicolau^ Luiz, e por elle colheuCosta e Silva as tradies da sua vida, que devia bemconhecer, por isso que elle se ligou muito especial-mente com o famoso centro Jos Procopio. (2) N'estapea cantou outro actor ainda no nomeado. CustodioJos da Graa. O Theatro do Salitre explorava o bellotalento de Marcos Portugal para celebrar com os seus

    espectculos as ephemerides do pao. A 25 de Julhode 1787, a se cantou o elogio dramtico Licena Pas-toril nos festejos do anniversario da Princeza D. Ma-ria Benedicta. A 25 de Abril de 1789 cantou-se o dra-

    (1) Joaquim de Vaseoncellos, Os Msicos portuguezes, t. ii,p. 81.

    (2) Ensaio biogi-aphico critico, t. x, p. 295.

  • NO SCULO XVIII 45

    ma Gratido, letiM de Antnio Neves Estrella e musi-ca de Marcos Portugal; alm dos adores j conheci-dos, cantou Victor Procopio de Borja, fazendo comVictorino Jos Leite as partes de damas, porque n'estetempo um decreto de D. Maria i, prohibia que appare-cessem mulheres no palco. Para o anniversario do prn-

    cipe Dom Joo, escreveu Jos Procopio a letra do dra-ma A Inveja abatida, posto em musica por Marco$Portugal, cantado no Salitre a 13 de Maio de 1789,pelos actores j conhecidos. Na traduco da operabuffa italiana Le trame diluse, representada no Salitre

    com o titulo A Noiva fingida ^ em 1790, apparecema cantar os actores Diogo da Silva, Jos Arsnio, An-tnio Jos de Serra, representando de Damas, Serra,Victor Porphyrio e Victorino Jos Leite. Ainda om1790 escreveu Marcos Portugal para o Theatro do Sa-litre a musica da burleta Os Viajantes ditosos, tradu-zida do italiano II Fa^^irto?-e/eZicz; ainda appare-cem dois actores novos, Victor Arsnio e Madeira.

    Nos annos de 1793 ou 1794, o auctor Antnio Josde Paula, voltou do Theatro do Rio de Janeiro comalgumas sommas que l arranjara, e tomou conta doSalitre, recrutando os actores da Rua dos Condes, jun-tos com alguns quecomsigo trouxera do Brazil. Durouna sua mo aempreza at 1804.

    Os dramas com que distrahia o publico eram appa-ratosos, taes como as ires partes do Frederico; pela dis-tribuio das partes formamos hoje o elenco da compa-nhia: Antnio Jos de Paula, representava de Frederi-

  • 46 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    CO II, da Prssia; Antnio Philippe de Sam Thiago fa-zia de Henrique Treslow, tenente coronel degradado;Victorino Jos Leite, de Carlota, mulher do tenente;Jos Flix da Costa, de Manfeldo, pae, conselheiro;Manoel Baptista dos Reis, Manfeldo filho, capito;Joo Anacleto de Souza, de Quintus, Coronel e Confi-dente do Rei; Jos Martins, do general MoUendorf;Joo Ignacio, deChristina, criada diQ Carlota; Antniode Borja Garrido^ fazia de um Ajudante; Jos da Cu-nha, representava de Locandeiro; Jos dos Santos, deEngenheiro francez. N'esta grande pea de Frederico IIRei da Prssia^ entravam os seguintes comparsas

    :

    Um Granadeiro, dois Soldados, um Menino que fala,outro menino. Guardas, Granadeiros, Soldados, Tam-bores. Por esta lista se pode formar uma ideia dopessoal da Companhia organisada por Antnio Jos dePaula.

    A Comedia Frederico II, rei da Prssia, origi-nal hespanhola, de Dom Luciano Francisco Comella,poeta dramtico do sculo xviii, que desprezava averdade histrica, a verosimilhana e a convenincia.Ticknor no ousava confessar por vergonha que havialido trinta dramas de Comella pelo nico prazer deentreter-se com as suas extravagantes fabulas. (1) Qgcento e tantos dramas d'este poeta, apezar de todos osseus disparates^ exerciam uma tal fascinao sobre opublico, que os theatros recorriam a elle para recom-

    (1) Hist. de la Litterat. esp., t. iv, p. 135, u. 20.

  • NO SCULO XVIII 47

    porem as suas finanas. O emprezario Antnio Jos dePaula traduziu os octosyllabos hespanhoes em versoshericos, segundo o gosto das tragedias francezas e ita-lianas; ha uma outra traduco portugueza em redon-dilhas por D. Flix Moreno de Monroy, que Costa eSilva attribuira erradamente a Nicolau Luiz. (1) Odrama de Comella tambm veiu salvar Antnio Jos dePaula: ^Na sua empreza foi feliz, e esmerou-se emapresentar espectculos appai-atosos, taes como as ti^es

    partes ds Frederico ; estava, o publico sequioso de

    Theatro; era um tnue vagido da musa dramtica,Paula viu coroados seus esforos com algumas enchen-tes, e conseguiu ter um theatro sofrivel, attentas as

    circumstancias, e o pouco que ento valia esta mer-

    cancia. (2)A empreza do Salitre passou em 1804 para o Le-

    trado Joaquim Francisco Nossa Senhora e Manoel JosFernardes; continuaram-se a exibir espectculos ri-quissimos, chegando a despender-se no scenario quasidois contos de reis. Durou a empreza at 1806, em

    que tomou conta de Salitre um certo Faria que com as

    Covas de Salamanca, lucrou 25:000 cruzados. (3)N'este Theatro se acolheram os iitteratos pobres, que

    faziam traduces, como Ludovice e Padre Jos Manoelde Abreu.

    Dini?, Antnio Lobo de Carvalho, Jos Agosti-

    (1) Innocencio, 2>tcc. BibL, t. vi, p. 281.(2) levista do Conservatrio, p. 8, anno 1842.(3) Idem, ibid.

  • 48 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    jiho de Macedo, falam das intrigas que se armaram emLisboa por causa da actriz Zamperini, que veiu cantar capital eni 1770, e que deram origem ao Theatro deSam Carlos

    :

    Se tu, oh extremada ZamperiniQue em Lisboa os casquilhos embaraas,Seus suaves accentos escutaras,Passagens e volatas ; bem que as GraasLisongeiras te cerquem c derramemEm teu peito e garganta mil encantos,Com que as trez filhas d'Acheleoo vences;Quantos novos encantos apprenderas. (1)

    A estts versos escreveu Thimotheu Lecusan Ver-dier uma conhecidissima nota, em que vem historiada

    a introduo da opera italiana em Lisboa. Transcre-veremos aqui alguns trexos, que elucidam o facto, con-tado com a verdade e despreoccupao de quem est asalvo em um paiz civilisado: Zamperini cmica can-tora veneziana, que veiu a Lisboa em 1770, com aqualidade de prima-dona, e testa de uma companhiade cmicos italianos, ajustados e trazidos da Itlia pelosnr. Galli, notrio apostlico da Nunciatura, e ban-queiro em negcios da Cria romana. Entregou-sea essa virtuosa sociedade o theatro da rua dos Condes.Como havia tempos que se no ouvira opera italianaem Lisboa, foi grande o alvoroo que causou esta che-gada de tantos virtuosos, mormente da senhora Zam-perini, que logo com a familia foi grandemente aloja-

    (1) Hyssope, cant. vii.

  • NO SCULO XVIII 49

    da. Esta famlia Zamperini compimlia-se de trs irmse de um pae, homem robusto e bem apessoado, que,apezar de uma enorme cabelleira com que debalde pre-

    tendia dar quino aos alvidradores de edades, mostra-va todavia no semblante poder exigir da snr.* Zampe-rini menos alguma cousa, que piedoso e filial respeito,ou dever-lhe outorgar alguma cousa mais que a suapaternal beno. Sendo foroso custear esta especu-lao theatral, os agentes, interessados n'ella lembra-

    ram-se de recorrer ao filho do Marquez de Pombal, oConde de Oeiras, ento presidente do Senado da Ca-mar de Lisboa, que, j preso e pendente da encanta-dora voz da Sirea Zamperini, annuin sem difficuldadeao plano que lhe foi proposto. Sob os seus auspicios,ideou-se uma sociedade, com o fmdo de 100:000 cru-zados, repartidos em 100 aces de 400$000 reis, cadauma. Para alcance prompto d'esta quantia, lanou-se

    uma finta sobre alguns negociantes nacionaes e estran-

    geiros que, em dia assignalado e a horas fixas, sendo

    juntos no Senado, sem saberem a que eram chamados,ouviram da bocca do Conde presidente as condiesdoesta nova sociedade theatral. X'uns, o receio de se-

    rem mal vistos pelo governo, n^outros a vontade deagradarem ao filho do primeiro Ministro, foram as pon-derosas consideraes que os arrastaram a todos assi-

    gnar as ditas condies, das quaes a mais penosa eraa da somma que logo preencheram. Parece que osagentes e inventores d'esta sociedade tiveram por alvo

    singular, o de mulctar a austera sisudeza de alguns

    3

  • 50 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    velhos; pois no rol dos assignantes, a maior parte dosnomes era de pessoas idosas, que nunca haviam sidovistas em pblicos divertimentos. N'essa mesma juntaforam logo nomeados quatro administradores inspe-ctores do theatro, os quaes, com o maior desinteresse,regeitando commisso e ordenado se deram por pagose satisfeitos com a simples e mdica retribuio de umcamarote commum a todos quatro. Ignacio Pedro Quin-tella, Provedor da Companhia de Grani Par, AlbertoMeyer, Joaquim Jos Estolano de Faria, e TheotonioGomes de Carvalho foram nomeados Inspectores admi-nistradores nemine discrepante, Poucos mezes de-pois da abertura d'este theatro assim montado e admi-nistrado, morreu o j indicado pae da Zamperini : aadministrao fez-lhe um sumptuoso funeral, e no tri-

    gsimo dia apoz o bito, magnificas exquias na egre-ja de Loreto onde fora sepultado. Alguns crticos dem lingua haviam espalhado o boato de que, n'essasexquias, havia de recitar a orao fnebre o padreMacedo, a esse tempo muito bom e justamente acredi-tado pregador, e poeta que j comprimentara a Zam-perini em vrios sonetos, odes etc. O patriarcha DomFrancisco de Saldanha, receiando que assim succedesse,

    mandou vir sua presena o padre Macedo, prohibiu-Ihe de orar em taes exquias, de ir Opera, de fazerversos Zamperini, e ordenou-lhe de substituir poruma cabelleira o cabello que trazia italiana, bem pen-teado e muito apolvilhado. Em vo allegou o padreMacedo com o exemplo dos clrigos da Nunciatura que

  • NO SCULO XVIIl 51

    todos usavam de pomada e ps, e que acabelleira offen-dia 03 cnones : pois que at os padres que d'ella usa-vam por causa de molstia, eram obrigados a impetrar

    breve de Roma que na Nunciatura era taxado em umquartinho, por tempo de um anno de indulto. O pa-triarcha foi inexorvel sobre este ponto da cabelleira,e somente moderou a ordem de no ir Opera, com opreceito nico de no apparecer na plateia, e com a fa-culdade de acantoar-se no fundo de algum camarote,ou em frisura pouco apparente, como a do Auditor daNunciatura Antonini, e do Secretario do Cardeal Con-ti, o P. Carlos Bacher, e outros PP. italianos, que como

    elle frequentavam a Opera e a casa de Zamperini.

    No foi o P.^ Macedo o nico apaixonado admiradorda Zamperini ; muitos poetas nacionaes e estrangeirostributaram-lhe obsequiosas inspiraes de suas mu-sas. . . Em dias Santos, ultima missa, a que ellacostumava assistir, na Egreja do Loreto, era o concur-so que apoz si chamava, numeroso e o luzidissimo.

    Antes de findos dois annos, e logo depois da morte doadministrador lg. P. Quintella, o fundo da sociedadetheatral achava-se exhausto, e as receitas montando ato pouco que mal cobriam as despezas do servio maisordinrio, os administradores deixaram de pagar ossalrios dos cmicos e dos msicos da orchestra. Entreos primeiros havia um chamado Schiattini, tenor acon-traltado, homem jovial e poeta, que por haver pedidoo que lhe era devido, em estylo que no agradou aosadministradores, foi por estes aquartelado na casa dos

  • 52 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    orates, d'onde era conduzido ao theatro todas as vezesque havia opera. Schiattini valendo-se ento do privi-legio anlogo residncia a que fora conderanado,vingava-se em parodiar sobre a scena a parte que nodrama lhe tocava, com satyras recitadas e cantadasque divertiam os expectadores custa dos agentes daadministrao. Recresceu a provocada raiva doestes,

    recorreu a el-rei D. Jos, que informado da injustiacom que era tratado o admittiu na sua Capella. Es-

    cusado , parece-me, dizer que esta negociao thea-

    tral apenas durou at meado de 1774, que o Marquezde Pombal fez sair de Lisboa a Zamperini; e aindamais escusado relatar as causas d'esta ordem de Go-verno; direi somente que os accionistas no colheram

    cousa alguma d'essa empreza, etc. Estas paginas, es-criptas ao acaso por Verdier, encerram um precioso

    documento que mostra a vida moral do nosso theatrono sculo xviii, em harmonia com a que se dava por to-das as cortes da Europa. Depois de revelada esta licen-ciosa intriga pela prosa honrada de Thimotheu Lecus-san Verdier, torna-se nimiamente ridiculo o seguinte

    requerimento, approvado pelo Alvar de 1 de Julho de1771: Senhor! Os homens de negocio d'esta praa de

    Lisboa, abaixo assignados, considerando o grande es-

    plendor e utilidade que resulta a todas as naes do esta-

    belecimento dos theatros pblicos, por serem estes, quan-

    do so bem regulados, a Eschola publica onde os povosaprendem as mximas mais ss da politica, da moral,do amor da ptria, do valor, zelo e fidelidade, com que

  • NO SCULO XVIII 63

    devem servir os seus soberanos, civilisando-se e des-terrando insensivelmente alguns restos de barbaridade,

    que nelles deixramos infelizes sculos da ignorncia:e reflectindo quanto V. Magestade se empenha na in-struco dos seus vasallos, e em promover todos osmeios de os fazer felizes, conduzidos e animados peloconselho e approvao do Conde de Oeiras, Presidentedo Senado da Camar d'esta Corte e Cidade de Lisboa,tem determinado entre si formar uma Sociedade, quese empregue em sustentar os mesmos Tlieatros comaquella pureza e decuro, que os fazem permittidos, enecessrios ... Seguem-se os artigos dos estatutos

    submettidos approvao regia. A pompa de lingua-gem faz lembrar a liberdade e o estylo cliinez. Tinhapor titulo Sociedade estabelecida para a subsistnciados Theatros Pblicos da Corte; ella se obrigava aconservar sempre dois theatros: hum para a repre-sentao dos Dramas na linguagem portugueza ; e ou-tro para as representaes das Operas e Comedias Ita-lianas. (1)

    Por este artigo o Theatro da Rua dos Condes eradestinado s operas italianas; a declamao portugue-za ficaria pertencendo ao Bairro Alto, fechando-se to-dos os mais theatros a arbitrio d'esta empreza, levan-do o monoplio a ponto de prohibir as representaesem casas particulares em Lisboa ou nos seus subr-bios. (2)

    (1) Art. vui.

    (2) Art. IX.

  • 54 HISTOillA DO THEATRO PORTUGUEZ

    Pela primeira vez foi abolido o caracter infamanteda profisso de actor: E por quanto um dos motivosque tem embaraado chegar a Arte scenica quellegrau de perfeio de que tanto depende a aco dra-mtica, que em outros tempos conseguiu, e que actual-mente embaraa acharem-se pessoas capazes de bem aexercitar, a ideia da infmia inherente mesma pro-fisso: Attendendo V. Magestade a que a ditta inf-mia procede meramente da Legislao dos Romanos aqual somente recaiu conforme a opinio de muitos Au-thores sobre as pessoas dos Mimos e Pantomimos, quecom a torpeza das suas aces e palavras eram o horror

    e escndalo dos espectadores honestos e bem morige-rados. E que outrosim nas Republicas da Grcia foisempre esta Arte olhada com considerao e respeito,

    e muitas vezes premiados e honrados com logares p-blicos os que louvavelmente a professavam ; o que tam-

    bm se viu depois entre os Romanos no governo dosImperadores: V. Magestade servido declarar quea dita Arte per si indifferente e que nenhuma inf-mia irroga quellas pessoas, que a praticam nos thea-tros pblicos emquanto alis ^or outros principios no atenham contrahido. (1) A grande finura do Marquezde Pombal era aqui illudida, mostrando-lhe que ao di-reito romano, que elle detestava, era devida a infmiados actores. Levaram-no pela sua paixo. A um dosdirectores cabia a eschola dos Dramas e Pantomimas,

    (1) Art. X.

  • NO SCULO XVIII 55

    a distribnio das partes, e os ensaios ; a outro a deco-

    rao e roupas para os dramas e bailes.No artigo XV, referera-se ao costume de se entrar

    grtis para o theatro: crgrande numero de pessoas, que

    at agora, contra o costume praticado em todos os thea-

    tros da Europa, se utilizavam dos divertimentos p-blicos, sem dispndio algum. D'aqui se v que otheatro era custa do bolsinho ou errio, como foraem muitas cortes da Europa, como se v pelas Memo-rias de D'Aponte. Este plano foi apresentado em 30de Maio de 1771, e aprovado a 17 de Julho do mesmoanno. O animo reservado d'este projecto verdadeira-mente italiano, encontra-se no seu artigo vi, que me-

    lhor se comprehende depois de lidas as revelaes deVerdier: Acontecendo que o fundo da dita Sociedadee seus interesses se extingam por algum principio,seja elle qual for, neste caso ainda que os ditos seisannos no sejam completos, se haver a dita sociedadepor extincta, e os interessados n'ella no sejam obri-gados a renovar o seu fundo e capital, e a persistir na

    mesma sociedade. . . Os velhos e honrados negocian-tes da praa de Lisboa, contaram cada mn os seus qua-trocentos mil reis, que subiram a 100:000 cruzados,sem se importar com os futuros interesses, comprandoassim, como os judeus da edade media, um pouco desegurana pessoal. Diante d'este despotismo que vidapoderia ter o theatro portuguez? que fora acordaria o

    gnio dramtico, extincto desde Gil Vicente? O planodo Conde de Oeiras, e dos outros amantes da Zampe-

  • 56 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    rini, encerra hoje alguma curiosidade, por isso que ospreos estabelecidos em 1771 para os camarotes e pla-ta, so os mesmos que se levavam por costume

    :

    Os logares do Theatro se conservaro nos mesmospreos por que at agora se costumavam pagar, emconformidade com a relao que a estes Estatutos seajusta ...

    Relao dos preos, porque se ho de pagar os Cama-rotes e logares do Theatro em que se representam

    os Dramas na lngua portugueza.

    PRIMEIRO ANDAR DAS FORURAS (FRISAS)

    Os quatro do Proscnio a 2|000Os quatro do fundo a 2$400Os mais de um e outro lado a 1$200

    SEGUNDO ANDAR

    Os quatro do Proscnio a 2|400Os cinco do fundo do Theatro a 3|000Os mais de um e outro lado a 1$600

    TERCEIRO ANDAR

    Os quatro do Proscnio a 2|000Os cinco do fundo do theatro a 2$400Os mais de um e outro lado a 1$200

  • NO SCULO XVIII 67

    Plata superior, cada logar a $300Plata inferior, cada logar a $240Varanda, cada logar a $160

    No Theatro de Operas e Comedias italianas

    PEIMEIRO ANDAR DAS FORURAS

    Os quatro do Proscnio a 2$400Os quatro do fundo do Theatro a 3$200Os mais de um e outro lado a 1$600

    SEGUNDO ANDAR

    Os quatro do Proscnio a $Os trs do fundo do Theatro a $Os dois dos lados a 3$200Os mais de um e outro lado a 2$000

    TERCEIRO ANDAR

    Os quatro do Proscnio a 2$400Os cinco do fundo do Theatro a 3$200Os mais de um e outro lado a 1$600

    VARANDA

    Os cinco do fundo do Theatro a 2$400Os quatro do Proscnio a 1$600

  • 58 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    Plata superior^ cada logar a $480Plata inferior, cada logar a $400Varanda, cada logar a

    Conde de Oeiras.if (1)

    Quando o sisudo Marquez de Pombal acordou do lo-gro em que cara, fiado no empenho de seu filho, j ocapital da sociedade estava exhausto, e existia umagrande divida, faltando ainda dois annos para acabara sociedade. O Marquez conheceu que os seus honra-dos negociantes haviam sido expoliados, e sem meiasmedidas mandou a Zamperini pela barra fora. Osapaixonados da actriz veneziana ficaram a comporOdes de saudade, emquanto no arribasse a estas pla-gas outra companhia que os deleitasse com algum li-breto de Metastasio, Goldoni ou Casti.

    O Bispo de Gro Par na sua Visita Episcopal em1761, fala dos grandes gastos do reinado de Dom Jos,para sustentar a opera italiana em Portugal: Hajamusica ; mas parece-me que um musico, qual foi Egi-pcielli, (2) com ordenado de 36:000 cruzados, alm deoutros grandissimos interesses, cuido que no condiz

    com um reino, que S. Magestade achou na ultima mi-sria, vendo-se na edade de ferro; podendo alis seu

    pa^-{D. Joo v) fazer que elle vivesse na edade de

    (1) Colhco de Legislao, de 1763 a 1774, p. 549.(2) Talvez Giziello? Vid. supra, p. 36.

  • NO SCULO XVIII 59

    ouro; e no havendo este de sobejo, no se pode nemse deve sustentar a magnificncia, o esplendor e o gos-to de um theatro com uma orchestra soberbissima, res-

    peitada pelos embaixadore;s estrangeiros como a pri-

    meira do mundo. Assim m'o disse o conde de Peralada,que esteve na Favorita em Vienna, em Npoles, emItlia e finalmente viu o theatro hespanhol, depois de

    apurado no governo dos Reis D. Fernando e D. MariaBarbara. Haja concerto de musica; mas quem nopode ter orchestra de 48 instrumentos, tenha-a de 16;e a respeito de Operas, l se avenham os escrupulososcom Bossuet. Como nunca as vi, prescindo. Do queli em Metastasio, s direi que uma grande matronaportugueza, a ex.* D. Guiomar de Vasconcellos, da-ma de honor da rainha me, dizia que semelhantesassumptos no eram para se exporem com tanta vivezana presena de damas, a quem a camareira do seutempo no deixava ler Dom Galindo, com ser obra deuma senhora, nem princeza se permittiu ler o livrode Pedro Norberto. Louvaram... innocentementea energia pathetica das composies de David Pe-rez. . . (1)

    O mesmo Bispo do Gro Par, em outra parte dassuas Memorias, revela a grande influencia que entoexercia em Portugal o theatro italiano, no sculo xviii,

    6 como no pouco contribuiu para a decadncia dotheatro nacional: Algumas comedias de Goldoni somais teis no theatro do que muitos sermes no pulpi-

    (1) Memorias, p. 184.

  • 60 HISTORIA DO THEATRO PORTUGUEZ

    to. Deixai-me dizer uma piedosa blasphemia: so maisteis que os sermes do padre Gouva e muitos mais.Espero que ningum rasgue os vestidos, nem esta fo-lha ao ler similhante blasphemia. No 3.** tomo ue Gol-doni, a primeira comedia II cavaliere y la dona, no-bilissimo estimulo e exemplo de honra e castidade.Conheceu o author, a fundo, o caracter do theatro.Se o judeu Antnio Jos soubesse as regras thea-traes, e aproveitasse seu grande engenho, seria um dosprimeiros homens; mas a ignorncia e falta de probi-dade fizeram que attentando somente em fazer rir,perdesse de vista o aproveitar. No attingiu o altoponto de misturar o til com o doce, antes cahiu tanto,

    que enxafurdou na imundcie, e deveriam ser suasoperas imitadoras da fortuna do seu author, que expi-rou tragicamente no fogo em Lisboa, por desertor dalei de Christo. (1)

    O theatro nacional, como plebeu e humilde, desco-nhecendo os roubos em ponto grande, continuava obscu-ro e miservel, alimentado pelas repeties das come-dias do Judeu, pelos entremezes de Manoel RodriguesMaia, Leonardo Jos Pimenta, Paiva, Vermuele, e poralguns Autos do sculo xvi, que haviam sobrevividoao exame do Index Expurgatorio de 1624. Comoseria a graa da comedia nacional, forada e con-trafeita pelo despotismo moribundo e feroz do scu-lo XVIII? E certo que as comedias do Judeu ou as

    (1) Memorias^ p. 120.

  • NO SCULO XVIII 61

    de Xavier revertem pilhas de sal ; mas o chiste obsce-no, desbragado, insultuoso e baixo como o estylo pi-caresco do tempo de Pilippe ii ou de Luiz xv.

    Esta graa no filha de uma superioridade de quemv o lado ridiculo das cousas, a provocao de quemse rebaixa e chafurda em comparaes grosseiras, no

    se atrevendo a bolir sequer nos cancros seculares das

    instituies caducas. E pelas creaoes dramticas, pelotheatro, aonde se conhece melhor o gnio de uma nao,a sua originalidade e individualidade, como se prova

    pelo theatro inglez,

    A nao portugueza nunca teve liberdade, no teveuma formao orgnica, no teve uma litteratura ori-

    ginal ; como poderia ento crear um theatro ?

    Por causa das questes da Zamperini, que esteveno Theatro da rua dos Condes de 1770 a 1774, sefundou o theatro de Sam Carlos, por subscripoes dosprincipaes negociantes da Praa de Lisboa. Os traba-lhos foram dirigidos por Sebastio Antnio da CruzSobral.

    Foi emprehendida a construco do Theatro deSam Carlos pelo architecto Jos da Costa e Silva, em1792. Havia nascido em 1747, e morreu em 1802;tambm fez o plano do palcio da Ajuda, confiado