23
5/20/2018 Historicismoepositivismo.pdf-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/historicismo-e-positivismopdf 1/23 CEDERJ - CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO MATERIAL DIDÁTICO IMPRESSO CURSO: História DISCIPLINA: Teoria da História AUTOR: Pedro Spinola Pereira Caldas. AULA 7 Historicismo e positivismo META  Apresentar a diferença entre as concepções de história segundo o historicismo e o positivismo. OBJETIVOS  Após o estudo do conteúdo desta aula, você deverá ser capaz de:  1. Comparar a noção de processo histórico no historicismo e positivismo. 2. Perceber a diferença entre historicismo e positivismo no que diz respeito à teoria do conhecimento. 3. Discutir as implicações éticas do historicismo e do positivismo. PRÉ-REQUISITOS É importante que você tenha estudado as aulas anteriores sobre o Romantismo, o Iluminismo e a filosofia hegeliana da história. INTRODUÇÃO Nas aulas anteriores sobre o Iluminismo, o Romantismo e sobre a filosofia da

Historicismo e positivismo.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

  • CEDERJ - CENTRO DE EDUCAO SUPERIOR A DISTNCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

    MATERIAL DIDTICO IMPRESSO

    CURSO: Histria DISCIPLINA: Teoria da Histria

    AUTOR: Pedro Spinola Pereira Caldas.

    AULA 7

    Historicismo e positivismo

    META Apresentar a diferena entre as concepes de histria segundo o historicismo e

    o positivismo. OBJETIVOS

    Aps o estudo do contedo desta aula, voc dever ser capaz de:

    1. Comparar a noo de processo histrico no historicismo e

    positivismo.

    2. Perceber a diferena entre historicismo e positivismo no que

    diz respeito teoria do conhecimento.

    3. Discutir as implicaes ticas do historicismo e do positivismo.

    PR-REQUISITOS importante que voc tenha estudado as aulas anteriores sobre o Romantismo, o

    Iluminismo e a filosofia hegeliana da histria.

    INTRODUO

    Nas aulas anteriores sobre o Iluminismo, o Romantismo e sobre a filosofia da

  • 2

    2

    histria pensada por Hegel, voc aprendeu como o conhecimento sobre a histria se

    encontra em reas como a Filosofia (Kant, Montesquieu e o prprio Hegel), a Economia

    (Adam Smith), a Poltica (Edmund Burke), a Literatura (Voltaire e Mary Shelley). Vimos

    tambm historiadores como Edward Gibbon e Jules Michelet, embora estes sejam

    minoritrios. E, mesmo assim, para compreender o conceito de histria em autores como

    Gibbon e Michelet, necessrio ir aos seus livros especficos sobre o Imprio romano e

    sobre a Frana, respectivamente. O pensamento sobre a histria, em si, ainda quase do

    domnio dos filsofos. Enquanto os historiadores pesquisam e escrevem, a filosofia

    procura ver o sentido por trs da soma das pesquisas, que compreendem toda a

    mudana ocorrida dos tempos. O curso da histria humana segue em direo ao

    progresso, ou antes, uma triste histria de decadncia? Tais questes tambm

    poderiam ser descritas pelos historiadores, mas eram antes pensadas pelos filsofos.

    A situao muda no final do sculo XVIII e incio do sculo XIX. Os primeiros

    cursos de histria comeam a surgir nas universidades, e procuram, sobretudo, pensar a

    histria universal. Os historiadores, ento, comeam a refletir sobre o prprio ofcio e

    sobre o processo histrico como um todo (cf. IGGERS 1982). uma grande mudana,

    que, claro, se insere no contexto inicialmente determinado pelo Iluminismo.

    Na Alemanha, por exemplo, as universidades em geral eram divididas em trs

    grandes faculdades, denominadas superiores: teologia, direito e medicina. As

    faculdades inferiores eram denominadas filosficas, e incluam cincias empricas

    como a histria, geografia e o estudo de literatura e lnguas, e outras mais abstratas,

    como metafsica, tica e lgica.

    Esta diviso, como diz Immanuel Kant, no era determinada por razes

    cientficas, mas por razes polticas. Algumas faculdades eram tidas como superiores

    pelo fato de servirem aos propsitos do governo que as sustentava. Veja a seguinte

    passagem de Kant de seu livro O Conflito das Faculdades, de 1794.

    (...) os motivos que o governo pode utilizar para o seu fim (ter

    influncia sobre o povo) encontram-se na ordem seguinte: em primeiro

    lugar, o bem eterno de cada um; em seguida, o bem civil como membro da

    sociedade; por fim, o bem corporal (viver longamente e ter sade).

    Mediante as doutrinas pblicas em relao ao primeiro, o prprio governo

    pode ter a mxima influncia sobre o ntimo dos pensamentos e os mais

    recnditos desgnios da vontade de seus sditos, a fim de descobrir

    aqueles e dirigir estes; graas s que se referem ao segundo, pode manter

    o seu comportamento externo sob o freio das leis pblicas; por meio do

  • 3

    3

    terceiro, assegurar a existncia de um povo forte e numeroso que achar

    utilizvel para os seus propsitos. (KANT, 1993, p.24)

    Fica evidente no texto que o domnio sobre o ntimo dos pensamentos tarefa da

    teologia; conhecido como dominar os pensamentos, possvel regular o comportamento

    dos indivduos em sociedade algo que dever ser feito pelo direito. Por fim, para servir

    ao Estado e garantir-lhe a segurana, a medicina cuidar dos corpos. O governo, ento,

    no ensina, mas ordena que se ensinem tais doutrinas (cf. idem, p.21).

    Mas, como afirma o prprio Kant, (...) nesta diviso e denominao, no foi

    consultada a ordem dos eruditos, mas o governo (ibidem). Ou seja: o mundo da cincia

    no regido pelos que nele vivem e trabalham os professores, pesquisadores e

    estudantes mas pelo governo, que usa o conhecimento para sua preservao.

    No incio do sculo XIX, inicia-se um movimento de revoluo radical na

    universidade. Talvez o principal documento deste movimento seja o texto Sobre a

    organizao interna e externa das instituies cientficas superiores em Berlim, escrito

    em 1810 por Wilhelm von Humboldt no contexto da reforma universitria ocorrida na

    Prssia aps as Guerras de libertao contra Napoleo (cf. CHARLE & VERGER 1996,

    p.70). Nesta breve obra inacabada, Humboldt funda as bases da universidade moderna,

    em que professores e pesquisadores gozam de liberdade de expresso e pesquisa. A

    finalidade da universidade no mais a preservao da ordem social desejada pelo

    governo. Para Humboldt, o objetivo principal (...) reside na cincia. E somente na medida

    em que a cincia permanece pura, pode-se apreend-la em si mesma. (Humboldt, 1997,

    p.80). A pesquisa no obedece metas prvias, e deve desenvolver-se livremente, sem

    interferncia do Estado, e, por isto, (...) se transforma num esforo infinito (idem, p.81).

    [BOXE DE ATENO]

    Wilhelm von Humboldt (1767-1835) foi um dos mais importantes intelectuais

    alemes do sculo XIX. Proveniente de uma prspera famlia burguesa em Potsdam, nos

    arredores de Berlim, Humboldt era irmo de Alexander von Humboldt, autor de Cosmos,

    uma importante obra de filosofia da natureza. Sua obra foi importante para a pedagogia,

    para o estudo de lnguas desconhecidas e no europias. De seus escritos, destacam-se

    dois textos. O primeiro deles central para a compreenso do liberalismo poltico, Os

    Limites da ao do Estado (1792). Um outro um dos documentos fundadores do

    historicismo, a saber, Sobre a tarefa do historiador, fruto de uma conferncia dada em

    1821. Alm disto tudo, Humboldt exerceu cargos destacados na poltica, tendo servido no

  • 4

    4

    corpo diplomtico da Prssia durante muitos anos.

    [FIM DO BOXE DE ATENO]

    neste contexto em que as cincias procuram se separar do Estado e afirmar

    sua autonomia um valor iluminista, como vimos na Aula 4 que a histria, tal como

    vrias outras cincias, buscar seu lugar ao sol. Os historiadores, com o auxlio de

    filsofos e telogos, se perguntam: como a histria pode ser uma cincia?

    Historicismo e positivismo tero respostas absolutamente diferentes para esta

    questo. Infelizmente, muito comum encontrarmos textos em que ambos os termos so

    considerados sinnimos. Apesar de um grande historiador brasileiro como Jos Honrio

    Rodrigues j ter feito esta diferena h algum tempo (cf. RODRIGUES, 1978, p.76-78),

    erros ainda so cometidos e divulgados.

    Para adquirir maior clareza sobre a diferena entre historicismo e positivismo,

    estabelecemos trs critrios. O primeiro deles diz respeito s diferentes concepes do

    historicismo e do positivismo sobre processo histrico. Aqui, ambos sero tratados como

    filosofias da histria, como formas de explicao das transformaes temporais, das quais

    se pode tirar algum sentido. O segundo deles diz respeito s concepes de historicismo

    e positivismo sobre teoria do conhecimento cientfico. Se o primeiro ponto abordou o

    sentido em si da histria, ou seja, um sentido que se inscreve nas aes humanas, o

    segundo tratar da possibilidade que o historiador tem em conhecer os fatos histricos.

    Por fim, veremos quais as implicaes ticas do historicismo e do positivismo.

    1. O SENTIDO DO PROCESSO HISTRICO NO HISTORICISMO E NO

    POSITIVISMO.

    Conforme anunciamos, historicismo e positivismo sero tratados, em um primeiro

    momento, como filosofias da histria, ou seja, como formas de explicao do processo

    histrico. Repare bem: a filosofia da histria aqui no precisa necessariamente ser feita

    por um filsofo, e, mesmo quando o , ela no torna ilegtimo ou inferior o trabalho de

    pesquisa do historiador. Muitas vezes, a filosofia da histria pode estar implcita na escrita

    da histria.

    No que diz respeito do historicismo, desenvolvimento o conceito chave para

    sustentar uma viso histrica de mundo. Friedrich Meinecke, um ardoroso defensor do

    historicismo e um dos principais historiadores do incio do sculo XX, escreveu em 1936

  • 5

    5

    que o historicismo deveria tornar fluido o pensamento rgido (...) e sua crena na

    imutabilidade dos supremos ideais humanos e na identidade permanente da natureza

    humana atravs do tempo (MEINECKE, 1982, p.21). Ou seja: o historicismo procura

    compreender sim o processo histrico e as mudanas no tempo, mas jamais de maneira

    rgida.

    Desenvolvimento no tem o mesmo sentido de progresso. Para o historicismo,

    desenvolvimento no desenvolvimento material, muito comum na linguagem dos

    economistas. Quando falamos de progresso, estamos falando de um aperfeioamento

    rumo a alguma meta conhecida. Se hoje um pas tem um Produto Interno Bruto (PIB)

    superior ao obtido no ano anterior, podemos dizer que ele est progredindo

    economicamente, pois temos um critrio muito bem estabelecido sobre uma meta a ser

    atingida. O desenvolvimento, para a teoria historicista, explica uma sucesso temporal,

    mas sem pressupor que a exista uma evoluo rumo a um objetivo. Por exemplo:

    Imagine uma melodia. Uma cano s pode ser apreciada ao longo de um determinado

    tempo, e a aproveitamos com a sequncia das notas. Ao final dela, podemos reproduzi-la,

    cantando-a, e sentimos que ela chegou ao fim. Ela fez sentido. Mas aquela sequncia no

    era obrigatria nem necessria.

    Apliquemos tal situao s explicaes histricas. O filsofo Wilhelm Dilthey

    (1833-1911) talvez seja o melhor caso para explicar a viso histrica de mundo. Dilthey

    autor de vrias biografias e textos tericos (cf. REIS, 2006, p.27), e aqui importa ressaltar

    seus estudos sobre artistas, excelentes ilustraes para explicarmos a viso histrica de

    mundo.

    Dilthey era grande admirador dos poetas alemes clssicos e romnticos. Tinha

    adorao por Friedrich Schiller (1759-1805), autor de peas como Maria Stuart, Guilherme

    Tell e de textos filosficos como Cartas para a educao esttica da humanidade. Seu

    gosto por um poeta como Schiller no era somente uma questo pessoal, subjetiva. Para

    Dilthey, Schiller era um autor capaz de representar todo o desenvolvimento de uma

    cultura: Schiller possua uma assombrosa capacidade para articular interiormente e

    atualizar coeses extraordinariamente complexas, dispersas no espao e no tempo

    (DILTHEY, 1978, p.200). Esta uma excelente demonstrao da idia de

    desenvolvimento no historicismo: estabelecer relaes entre fatos aparentemente

    caticos. Mas importante ressaltar que estas relaes se fazem ao longo do tempo, e s

    podem ser vistas caso um fato ocorra e mostre sua ntima conexo. Pense no seguinte

    exemplo: poderia haver, objetivamente, alguma ligao entre a msica erudita

    especialmente a composta por Claude Debussy o jazz e ritmos brasileiros como o

  • 6

    6

    samba e o chorinho? Dificilmente. Pois bem. Mas para entendermos a bossa-nova, ao

    menos as composies de alguns de seus grandes compositores como Tom Jobim,

    Vincius de Moraes, Joo Gilberto e Baden Powell, importante sabermos que eles

    fizeram uma mistura original desses trs gneros musicais. No podemos dizer que a

    bossa-nova uma evoluo do jazz, do samba-choro e da msica erudita. Da mesma

    maneira, no faz sentido dizer que, ouvindo uma cano de Louis Armstrong, um chorinho

    de Pixinguinha ou uma pea de Debussy, os clssicos da bossa-nova, como Garota de

    Ipanema e Chega de saudade, eram previsveis.

    Uma outra forma historicista de pensar o processo histrico como

    desenvolvimento se encontra no discurso providencialista,

    [BOXE DE ATENO]

    No discurso providencialista, o sujeito da histria a vontade de Deus

    inapreensvel pelo Homem. Trata-se de uma corrente predominantemente protestante, j

    visvel nos historiadores calvinistas dos sculos XVI e XVII (cf. Belmonte, 2006), e que se

    fez presente tambm em autores distintos como Johann Gottfried Herder, Leopold von

    Ranke e Johann Gustav Droysen.

    [FIM DO BOXE DE ATENO]

    Pode parecer algo extico falar em providencialismo em pleno sculo XIX.

    Mesmo em uma poca j dominada pela cincia, e em que a religio (ao menos no

    ocidente) cada vez mais se separa do Estado e se torna um assunto privado e simblico,

    vrios autores historicistas eram cristos, mais especificamente luteranos (cf. HOWARD,

    2000, p.1-22). E isto evidente em suas obras.

    O melhor exemplo , possivelmente, o de Leopold von Ranke (1795-1886). Ranke

    talvez seja um dos historiadores mais citados, menos lidos e mais ofendidos da histria

    da historiografia e, muitas vezes, injustamente. Seu nome confundido com uma forma

    bastante rudimentar de se entender histria, em que o historiador nada faria alm de

    copiar para os seus textos o que encontra nos documentos, sem nenhuma margem para

    interpretao.

    Parte da confuso gerada em torno ao nome de Ranke se deve a uma passagem

    que se encontra no prefcio de Histria dos povos romano-germnicos 1494-1514,

    publicada em 1824 e um verdadeiro marco na histria da historiografia. A passagem diz o

    seguinte:

  • 7

    7

    histria tem sido atribuda a tarefa de julgar o passado, de

    instruir o presente em benefcio do futuro. Esta obra [Historia dos povos

    romano-germnicos] no aspira a tais elevados propsitos: quer somente

    mostrar o que propriamente aconteceu (...) A apresentao rigorosa dos

    fatos, por mais contingente e pouco atraente que seja, sem dvida a lei

    suprema. Depois disto, me parece, vem a exposio da unidade e da

    progresso dos eventos. (cf. RANKE, 1973, p.57).

    Quando se l com ateno, percebe-se que Ranke no abre mo da unidade e da

    explicao de algo que ultrapasse os fatos. Ao contrrio do que geralmente se afirma,

    para Ranke, narrar os fatos apenas a primeira etapa, e no o objetivo final da histria.

    Uma outra prova se encontra no prefcio Histria da Inglaterra, escrito em 1859. Nele,

    Ranke afirma pretender como que se apagar nos seus escritos, para s poderem falar

    aquelas poderosas foras que, ao longo dos sculos, ora se unem, ora se misturam (...)

    (apud Holanda, 1979, p.14).

    A viso do historiador, para Ranke, neste sentido, deveria ser a viso divina, a

    viso da providncia, justamente para que ele possa perceber o movimento de

    longussimo prazo dado na histria (cf. Ranke, 1986, p.59). Se o historiador olhasse

    somente para um evento sem identificar seus efeitos ao longo dos sculos, ele no tem a

    verdadeira viso histrica. O melhor caso se encontra na viso de Ranke sobre a vida e a

    obra de Incio de Loyola, cujo significado histrico vai muito alm daquilo que ele fez em

    vida e deixou expresso em fontes. Ranke demonstra cabalmente que a prtica

    historiogrfica deve buscar algo alm de uma reconstruo fiel das intenes dos agentes

    histricos: Ele [Incio de Loyola] viu todas as suas expectativas serem largamente

    ultrapassadas. (Ranke, 2004, p.96). Ora, nada mais distante do que se diz sobre Ranke.

    A viso histrica do historicismo, ento, se d como desenvolvimento e como

    providncia. Em ambas, uma coisa em comum: o historicismo, neste caso, exige do

    historiador uma percepo do tempo que ultrapasse sua poca e seu lugar. Ao ver um

    fato, importante perceber como ele sintetizou o que estaria separado sem ele (Dilthey),

    e, tambm, fundamental que se olhe para o fato de um ponto de vista divino, ou seja,

    como uma viso que o observa para alm de sua vida biolgica.

    [BOX DE ATENO]

    No se deve entender historicismo aqui no sentido imposto pelo filsofo Karl

    Popper, que, em seu livro A Misria do Historicismo, condenou as concepes de histria

    teleolgicas, ou seja, que davam ao curso do tempo uma finalidade determinada.

  • 8

    8

    Podemos ver como a totalidade da histria, para o historicismo, no uma necessidade

    lgica, algo que deve acontecer, a despeito das vontades dos homens. Para o

    historicismo, as aes individuais so importantes para a realizao do todo.

    [FIM DO BOX DE ATENO]

    O positivismo, por sua vez, tambm pensar o processo de mudanas histricas.

    Seu principal representante , sem dvida, Auguste Comte (1798-1857), cujo livro Curso

    de filosofia positiva, de 1830, foi uma tentativa de oferecer um mtodo cientfico para o

    estudo das sociedades.

    Para Comte, a histria das sociedades humanas passavam por trs estgios.

    Vejamos o que ele escreve a respeito:

    Ao estudar (...) o desenvolvimento total da inteligncia humana

    nas suas diversas esferas de atividade, desde o seu primeiro e mais

    simples vo at aos nossos dias, creio ter descoberto uma grande lei

    fundamental, qual ele est sujeito por uma necessidade invarivel e que

    me parece estar solidamente estabelecida (...) Esta lei consiste em que

    cada uma das nossas concepes principais, cada ramo dos nossos

    conhecimentos, passa sucessivamente por trs estados tericos

    diferentes: o estado teolgico ou fictcio; o estado metafsico ou abstrato; o

    estado cientfico ou positivo. (COMTE, 1984, p.91)

    Antes de entrarmos em detalhes a respeito do significado de cada estgio do

    desenvolvimento humano, cabe analisar a passagem acima: primeiramente, Comte no

    tem qualquer dvida quanto aplicabilidade de seu modelo, capaz de abarcar a totalidade

    da inteligncia humana ao longo da histria (...desde o primeiro vo at nossos dias).

    Em segundo lugar, este desenvolvimento necessrio e invarivel, isto , ele sempre o

    mesmo, sempre idntico. uma lei de ferro que no pode ser alterada e revogada.

    O desenvolvimento da inteligncia humana se explica pela forma como se explica

    a histria por meio de causas. O estgio mais primitivo v foras sobrenaturais como

    causas. So explicaes fortemente baseadas na religio. J o segundo estgio tambm

    busca causas absolutas, mas naturais. J o terceiro estgio procura explicar causas a

    partir de relaes entre coisas especficas, mediante observao controlada. H, aqui,

    uma renncia explicao por causas absolutas.

    A diferena com relao ao historicismo gritante. Sim, por um lado ambos

    consideram a idia de mudana ao longo do tempo. Mas a diferena reside em um

  • 9

    9

    aspecto fundamental: para um positivista como Auguste Comte, as mudanas so

    necessrias. E, se o ser humano for educado segundo um mtodo correto, ele produzir

    um resultado esperado e previsvel. No se pode falar o mesmo para o historicismo. No

    podemos dizer que a causa da msica de Tom Jobim foi a mistura de jazz, choro e

    msica erudita, como se todos que ouvissem estes trs estilos acabassem compondo,

    necessariamente, alguma msica rotulada posteriormente de bossa-nova. Mas ao

    mesmo tempo podemos, no historicismo. O historicismo plstico, ao passo que o

    positivismo mecnico.

    Atividade I Objetivo I

    Em livro recente sobre teoria da histria, l-se a seguinte passagem: Leopold von

    Ranke foi o grande historiador acadmico positivista que daria sequncia e aprofundaria a

    nova teoria positivista da histria proposta por Niebuhr (FUNARI & SILVA, 2008, p.31). A

    partir do que voc aprendeu nesta primeira parte da aula, comente o trecho em at dez

    linhas.

    [Resposta comentada]

    Afirmar que Ranke era positivista no mnimo controverso. Ranke procurava

    buscar uma grande unidade de sentido, mas em um sentido quase religioso algo que

    para Comte representava um estgio inferior.

    Trata-se de uma boa oportunidade para mostrar como o positivismo era diferente

    do historicismo. Este no explica as mudanas histricas pela necessidade, mas sim por

    totalidades que poderiam no acontecer, mas acabaram acontecendo.

    [Fim da resposta comentada]

    2. A TEORIA DO CONHECIMENTO NO HISTORICISMO E NO POSITIVISMO

    Vista a diferena entre as concepes de processo histrico no historicismo e no

    positivismo, passemos diferena entre ambos no que diz respeito teoria do

    conhecimento. Aqui, a polaridade se d entre duas formas de entendimento da histria: o

    historicismo enfatiza a compreenso, e o positivismo busca a explicao. E como estas

    duas formas de entendimento compreenso e explicao pensam a relao entre

    sujeito e objeto do conhecimento histrico?

    Tanto o mtodo compreensivo quanto o mtodo explicativo so respostas a um

  • 10

    10

    mesmo desafio: como lidar com a acelerao das mudanas histricas, ocorridas no final

    do sculo XVIII e incio do sculo XIX com a Revoluo Industrial e a Revoluo

    Francesa?

    O mtodo compreensivo enfatiza a perspectiva, a subjetividade, o ponto de vista.

    E isto tem uma razo: com as crescentes e velozes mudanas sofridas na Europa, o

    passado se torna questionvel e instvel. No basta apenas registr-lo, de modo que toda

    e qualquer viso sobre ele ser sempre provisria e transitria. Ao experimentar o tempo

    como transio, o historiador sabe que o conhecimento s pode ser dado mediante uma

    perspectiva, e no como um juzo definitivo. (cf. KOSELLECK, 2006, p.286-288). Afinal,

    as mudanas concretas ocorridas com a industrializao, a migrao do campo para as

    cidades, a alterao das formas de vida levaram a uma mudana na forma de se perceber

    a histria: o significado de um fato em um momento poderia, portanto, se alterar

    radicalmente depois de poucos anos;

    Curiosamente, a pretenso de neutralidade e de busca de leis cientficas deu-se

    como reao ao mesmo fenmeno: a experincia de curta durao no fornece uma base

    segura, de modo que necessrio, para diminuir os efeitos da acelerao do tempo, olhar

    a histria em sua longa durao, cujas leis fundamentais seriam identificadas. E esta

    diviso entre perspectiva e neutralidade que fundamenta a diferena entre compreenso e

    explicao, ou, para ser mais preciso, entre historicismo e positivismo.

    [BOXE MULTIMDIA]

    Vale a pena conferir a adaptao

    cinematogrfica do romance Madame Bovary

    (1857), de Gustave Flaubert, feita pelo cineasta

    francs Claude Chabrol. Claro que o romance

    tambm merece ser lido, pois um dos

    clssicos do modernismo literrio. Na histria,

    Emma uma mulher insatisfeita com sua vida

    provinciana; casa-se com Charles Bovary, mas

    ele no a satisfaz, e ela continua a buscar uma

    nova forma de vida. Aps tantas decepes,

    Emma Bovary experimenta a vida como

    constante transio, como fuga de um passado

    desprovido de significado e busca de um futuro

    ideal que jamais chega.

  • 11

    11

    [FIM DO BOXE MULTIMDIA]

    No caso do historicismo, a melhor reflexo terica foi feita, sem dvida, pelo

    historiador alemo Johann Gustav Droysen (1808-1884). Geralmente, entende-se que o

    mtodo historicista de conhecimento tambm uma defesa do conhecimento histrico

    como uma simples cpia do passado. Nada mais errado. Pelo contrrio: veremos que o

    mtodo historicista interpretativo.

    Boxe multimdia

    Saiba mais sobre Johann Gustav Droysen acessando o site

    http://pt.wikipedia.org/wiki/Johann_Gustav_Droysen. Embora a Wikipdia seja uma

    enciclopdia em que qualquer um pode editar, as informaes sobre Droysen so

    bastante acuradas.

    Fim do boxe multimdia

    Alm de renomado especialista em histria da Grcia antiga e histria da Prssia,

    Johann Gustav Droysen contribuiu imensamente para a teoria da histria. Sua principal

    obra neste campo chama-se Historik - que poderia ser imprecisamente traduzida para o

    portugus como Teoria da Histria. A Historik fruto de conferncias ministradas por ele

    na Universidade de Jena, na Alemanha, no ano de 1857. E uma das partes mais

    importantes a que fala da interpretao. Para Droysen, todo historiador s consegue

    conhecer os fatos se interpret-los. Na verdade, ele aprofunda o que Wilhelm von

    Humboldt j apresentara em 1821 na citada palestra Sobre a tarefa do historiador. Leia

    o que Humboldt disse:

    Mal se obtm o esqueleto do dado atravs da crua triagem do que realmente aconteceu. O que se adquire atravs desta triagem o fundamento necessrio da histria, seu material, mas nunca a prpria histria. (...) A verdade do acontecimento baseia-se na complementao a ser feita pelo historiador (...) parte invisvel do fato. (HUMBOLDT, 2002, p.80)

    Esta ser para Droysen uma passagem importantssima. Droysen dizia que a

    interpretao histrica se divide em quatro etapas (cf. Droysen, 2009, pp.54-59): (a)

  • 12

    12

    pragmtica; (b) interpretao das condies; (c) psicolgica; (d) interpretao das idias.

    A interpretao pragmtica remete ao sentido original da palavra grega pragma,

    ou seja, objeto. Trata-se da interpretao dos vestgios, de resduos histricos que

    restaram no presente, que resultar no conhecimento de uma verdade emprica. Por

    exemplo: ao tentar reconstruir da maneira mais fiel possvel uma esttua antiga quebrada,

    o historiador poder, evidentemente, na falta de um desenho original ou da pea

    irreversivelmente ausente, procurar outras esttuas do mesmo escultor, ou ainda outras

    esttuas de escultores da mesma poca no lugar de origem da esttua partida e em

    outros lugares onde o escultor tenha estado etc. Sua pretenso a mais objetiva

    possvel, mas o procedimento de comparao j , em si, um ato subjetivo, porquanto no

    est dada na fonte (a esttua quebrada) a remisso a outras fontes. Portanto,

    necessria a criao de um campo mais abrangente de fontes (podemos cham-lo de

    contexto) para que seja elucidado um aspecto altamente objetivo, factual e pontual.

    Passa-se da segunda etapa, qual seja, a interpretao das condies, ou seja, dos

    fatores histricos existentes para que tal aspecto objetivo e factual adquira sentido. Tal

    interpretao chega a uma verdade lgica, ou seja, aquela que busca identificar as

    determinaes causais necessrias (mas muitas vezes insuficientes) para o entendimento

    de uma situao histrica. Droysen os percebe no tempo e no espao. Mas a histria, por

    ser feita de aes humanas, no uma coleo de reaes a condies dadas. A ao

    do homem no condicionada naturalmente e pode se dar de maneira distinta mesmo em

    situaes semelhantes. Portanto, o historiador no mero verificador de leis naturais,

    mas algum que precisa compreender o sentido da ao em uma determinada condio

    necessria. Da o terceiro nvel: a interpretao psicolgica, a tentativa de reconstruir as

    intenes dos agentes histricos em dadas circunstncias que dariam, portanto, uma

    verdade intersubjetiva, baseada nas aes dos homens. Geralmente, considera-se esta a

    etapa final da interpretao hermenutica, ou seja, a reconstruo de intenes dos

    agentes, possibilitada pela empatia intersubjetiva. Nada mais apressado. Afinal, se fosse

    o caso de meramente se transpor para o passado, tentando entrar na pele do objeto, o

    intrprete se anula. Droysen percebe tal contradio. E mais: no somente se anula, mas

    parte do pressuposto de que o objeto tinha perfeita lucidez do que estava fazendo, e no

    tinha a menor possibilidade de se iludir, e de que o objeto manteve-se o mesmo durante

    grande parte de sua vida historicamente significativa, de modo que posso tomar uma

    biografia como base segura, estvel e essencial para interpretar. Da a necessidade da

    etapa final de interpretao, na qual ela se perfaz: a interpretao das idias, ou seja, o

    sentido mais profundo que est em curso a partir das aes dos agentes histricos.

  • 13

    13

    Ilustremos estes quatro nveis de verdade histrica a ser dada pela interpretao.

    No h um documento que comprove o conhecimento de Hitler do Holocausto dos judeus.

    Evidentemente, a hiptese contrria de que ele nada sabia imensamente absurda.

    Mas como tornar plausvel o argumento de que Hitler sabia o que ocorria com os judeus

    em toda a Europa? Basta ler Mein Kampf, ter acesso aos seus discursos, etc. Mas quem

    faz esta compilao, quem junta os documentos, o historiador. uma verdade que se

    comprova empiricamente. Mas os prprios documentos remetem a um perodo que no

    foi inventado por Hitler. Mein Kampf foi escrito durante a Repblica de Weimar, em uma

    poca de inflao e crise poltica. Hitler no inventou a crise econmica na dcada de 20,

    nem responsvel direto pela derrota alem na Primeira Guerra Mundial, e muito menos

    foi o primeiro poltico a manifestar um pronunciado anti-semitismo. E bem sabemos que

    muito difcil pensar a subida de Hitler ao poder se a Alemanha no estivesse passando na

    poca por uma profunda crise econmica, por exemplo. Trata-se de uma verdade lgica:

    sem x, no h y. Sem crise econmica, no h a ascenso nazista ao poder. Ora, mas

    nem todo pas sem tradio democrtica e vivendo uma crise inflacionria grave opta pelo

    totalitarismo basta lembrar que, no final da dcada de 80, o prprio Brasil saa de vinte e

    um anos de ditadura com uma inflao galopante, e, mesmo assim, consolidou sua

    democracia poltica. Logo, as sociedades e os indivduos reagem de maneiras distintas

    em condies semelhantes. Da, a necessidade de uma verdade psicolgica,

    intersubjetiva. No se entende o nazismo sem Hitler, da mesma maneira que importante

    reconstruir a mentalidade do homem comum que votou no Partido Nazista. Ou seja:

    importante reconstruir as intenes daqueles que deram apoio ao regime do Terceiro

    Reich. Por fim, h uma verdade espiritual que no conseguimos reconstruir mesmo a

    partir de documentos: a idia de que o nazismo, por exemplo, representou a crise

    definitiva da modernidade ocidental, tal como Hannah Arendt faz com o conceito de

    banalidade do mal. Nenhum nazista alegou estar banalizando o mal. Tal expresso

    no ser encontrada em nenhum documento e fruto de uma tarefa interpretativa, ainda

    que fortemente baseada em textos e fontes.

    Pode-se dizer, ento, que, para Droysen, impossvel deixar de interpretar.

    Mesmo quando o historiador tenta simplesmente saber quem escreveu algum documento,

    ou reconstruir seus fragmentos, ele j precisa fazer comparaes etc. Mas veja bem:

    Droysen aplica tal metodologia para interpretar o passado, mas no um passado puro. o

    passado que d ao presente uma profundidade histrica, retirando os homens de sua vida

    imediata, corriqueira, bvia.

    Evidentemente, a tentativa de Droysen consiste em fazer da histria uma cincia

  • 14

    14

    diferente das cincias exatas e naturais ao menos como elas eram feitas desde Newton

    at o final do sculo XIX. Um cientista natural deve explicar a regularidade dos fenmenos

    e express-los sob forma de leis universais. Uma lei da fsica descoberta por um

    pesquisador ingls no pode ser diferente se for observada por um brasileiro, por

    exemplo. Ou seja: o cientista se define pelo mtodo correto que segue e pela exatido

    dos resultados que produz, e no pela sua subjetividade, como quer demonstrar Droysen.

    por esta razo que Droysen dir que o historiador precisa ter coragem para

    reconhecer suas limitaes culturais, nacionais, religiosas ao invs de tentar se livrar

    delas e se tornar uma figura neutra: A imparcialidade objetiva desumana (...) muito

    mais humano ser parcial (Droysen, 1977, p.226).

    [BOXE MULTIMDIA]

    O filme Blow up Depois daquele beijo,

    (Michelangelo Antonioni, 1966) uma

    excelente ilustrao do problema da

    subjetividade e da objetividade. No filme,

    um fotgrafo de moda faz uma fotografia

    num parque. Ao revelar o filme e ampliar a

    foto, ele percebe algo estranho ao fundo.

    Ser que ele, acidentalmente, capturou o

    momento em que um crime estava sendo

    cometido? Podemos ver como o foco da

    cmara fotogrfica, que o reflexo da

    escolha feita pelo fotgrafo, capaz de

    captar o mundo objetivo que, sob um outro

    olhar, no poderia ser visto. E a viso

    gerada pela cmera leva a uma alterao do transcorrer da histria. A viso objetiva das

    coisas leva a uma mudana de comportamento subjetivo.

    [FIM DO BOXE MULTIMDIA]

    Encontraremos uma viso bem diferente no positivismo. Agora usaremos o

    exemplo de Henry Thomas Buckle (1821-1862), autor ingls cuja principal obra foi a

    Histria da Civilizao na Inglaterra, inicialmente publicada em 1857 o mesmo ano das

  • 15

    15

    aulas de Droysen que originaram a Historik.

    Buckle tinha uma concepo bastante semelhante de Comte. E uma opinio

    bastante amarga sobre os historiadores, e mesmo os melhores dentre estes eram (...)

    manifestamente inferiores aos mais afortunados cultores da fsica: nenhum dos que se

    dedicaram histria se pode comparar intelectualmente a Kepler, a Newton ou a muitos

    outros (...) (BUCKLE, 1984, p.137).

    Algumas das observaes de Buckle so interessantes: ele afirma que os

    historiadores atentam apenas para sua especialidade, sem estabelecer relaes com

    outros assuntos estudados por outros historiadores. Assim, o historiador da poltica no

    procura fazer conexes com os fatos econmicos; o especialista em histria da economia,

    por seu turno, no se interessa pelos fenmenos religiosos. O historiador das religies

    no procura explicar a f juntamente com as artes de seu tempo, e por a vai. Nos dias de

    hoje, em que se procura fazer pontes entre disciplinas, a crtica de Buckle permanece

    atual.

    Mas seu intuito outro. Trata-se de passar a explicar os fatos histricos, e no de

    compreend-los em sua singularidade. Vejamos o que ele diz:

    No que diz respeito natureza tm-se explicado os fenmenos

    aparentemente mais irregulares e caprichosos e tem-se provado que eles

    esto de acordo com certas leis fixas e universais. Tudo isto porque

    homens competentes, e homens, sobretudo, de esprito paciente e

    incansvel tm estudado os fenmenos naturais com o intuito de lhes

    descobrir a regularidade. Se os fenmenos humanos forem submetidos a

    um processo semelhante, teremos todo o direito de esperar resultados

    semelhantes. (BUCKLE, 1984, p.136)

    Nesta passagem de Buckle, vemos que, para o positivismo, um fato ser

    verdadeiramente conhecido quando ele for regular, repetvel. Algo que ocorre em um

    lugar, mas no em outro sob as mesmas condies no pode ser tido como

    verdadeiro.

    Claro que as diferenas entre historicismo e positivismo, ao menos se tomarmos

    Droysen e Buckle como parmetro, so muito pronunciadas. No historicismo, o sujeito

    fundamental para que haja conhecimento. impossvel no interpretar. J para o

    positivismo, a garantia da certeza do conhecimento no est no sujeito, mas nos objetos

    cuja regularidade deve ser constatada. E esta regularidade no pode variar de acordo

    com o sujeito: se Buckle estiver certo, de pouca importncia a nacionalidade, gnero ou

  • 16

    16

    o credo do historiador. As leis universais de explicao precisam ser as mesmas para

    todos.

    Atividade II Objetivo II

    Em 1861, Droysen publicou uma resenha em que criticava a obra de Buckle

    sobre a histria da Inglaterra. Leia atentamente o trecho abaixo:

    Se deve haver uma cincia da histria, ento se quer dizer com isto que h um

    grupo de fenmenos que no prprio das formas de percepo teolgicas ou filosficas,

    matemticas ou fsicas (...).

    Se Buckle quer nos iluminar (...), ento ele deveria nos esclarecer como

    poderamos fixar determinada sequncia de fenmenos como histricos, e outra

    seqncia como naturais. (Droysen, 1977, p.456-457).

    Em funo das crticas de Droysen a Buckle, compare, em at 15 linhas, as duas

    diferentes concepes de conhecimento histrico para o historicismo e para o positivismo.

    [Resposta comentada]

    Historicismo e positivismo so respostas diferentes para o mesmo problema e

    para o mesmo desafio. Como lidar com as mudanas ocorridas no tempo? E como fazer

    da histria uma cincia confivel e autnoma?

    O Historicismo de Droysen assume radicalmente a postura perspectivista, sem a

    qual nenhum mtodo histrico possvel. A Histria no se transforma em conhecimento

    pela descoberta de leis, mas pela percepo subjetiva do desenvolvimento de uma idia.

    Para o positivismo de Buckle, a histria s ser uma cincia digna do nome caso

    o historiador proceda exatamente como o fsico e o cientista natural e passe a perceber

    as regularidades por trs das alteraes. Neste sentido, a subjetividade se apaga, pois

    uma lei, para ser regular, no pode depender do ponto de vista daquele que a observa e

    constata.

    [Fim da resposta comentada]

    3. IMPLICAES TICAS DO HISTORICISMO E DO POSITIVISMO

    A teoria da histria mais do que uma aplicao da teoria do conhecimento

    historiografia. Ela traz consigo problemas ticos. Afinal, a teoria se pergunta: como se

  • 17

    17

    produz o conhecimento histrico?, ou seja, qual o conhecimento histrico legtimo e

    qual o conhecimento ilegtimo? O que devemos prioritariamente conhecer?

    A contraposio entre historicismo e positivismo, neste sentido, bastante

    aguda. Ambas as teorias, conforme vimos, contriburam bastante para o desenvolvimento

    da cincia histrica, mas oferecem riscos. No caso do historicismo o relativismo. J no

    caso do positivismo, a afirmao da superioridade de uma civilizao perante outra.

    Curiosamente, o problema do relativismo j se encontra nos primrdios do

    historicismo, mais especificamente em um de seus principais autores, a saber, o telogo

    Johann Gottfried Herder (1744-1803).

    A importncia de Herder para o historicismo consensual. Duas de suas obras

    deram grande contribuio teoria da histria: Idias para uma filosofia da histria da

    humanidade, escrita em quatro volumes entre 1784 e 1791 e Tambm uma filosofia da

    histria para a formao da humanidade, de 1774. Mas Herder tambm foi um autor

    relevante para a filosofia da linguagem, sobretudo com seu livro Ensaio sobre a Origem

    da Linguagem, de 1772, e, claro, para a teologia. Para falar um pouco de suas idias,

    falaremos de alguns trechos de Tambm uma filosofia da histria para a formao da

    humanidade.

    Este livro um pequeno panfleto contra o Iluminismo, sobretudo o Iluminismo

    francs. Est dividido em duas partes: na primeira, Herder faz um resumo da histria da

    humanidade de seus primrdios at o final do Imprio romano. importante notar que ele

    avalia as pocas a partir de uma comparao com o desenvolvimento da vida humana.

    Os nmades representariam a primeira infncia, em que o ser humano obedece sem

    saber que segue uma autoridade. A civilizao egpcia, segundo ele, seria a segunda

    infncia, em que as crianas sabem quem sua autoridade, mas ainda dependem dela

    totalmente. A cultura grega seria, para Herder, o equivalente adolescncia, em que o

    homem comea a buscar sua individualidade e independncia. Esta s seria conquistada

    na maturidade, que, para Herder, ocorre no Imprio Romano, que, por ser uma civilizao

    poltica acima de tudo, o momento em que o homem consegue ser autnomo. Mas... e

    depois? Pois : a decadncia do Imprio romano , tambm, a experincia de que a

    autonomia do ser humano limitada. O cristianismo, segundo Herder, mostra que o

    homem no pode ter a pretenso de governar a si mesmo, muito menos a prpria histria.

    E isto se reflete em sua concepo de conhecimento histrico. Claro que voc percebeu

    uma semelhana entre Herder e o romantismo (a comparao com Frankenstein, de Mary

    Shelley, seria aqui perfeita). Neste aspecto, o romantismo muito importante para o

    historicismo, embora nem todo autor romntico seja historicista, nem todo autor

  • 18

    18

    historicista seja romntico.

    E como autor importante para o romantismo, seria de se esperar tambm uma

    viso crtica da concepo iluminista de histria. Em Tambm uma filosofia da histria

    para a formao da humanidade, como foi dito acima, v-se uma clara crtica ao conceito

    de progresso presente nas Luzes.

    Que loucura mil vezes maior no seria a tua se generosamente pretendesses

    conceder a uma criana, de acordo com o refinado gosto do teu tempo, o teu

    desmo filosfico, a tua virtude e a tua honra estticas, o teu amor geral pelos

    povos, todo ele carregado de uma tolerncia que opresso, explorao e

    Iluminismo! (...) Querias transform-la, se o teu insensato plano triunfasse, na

    coisa mais insuportvel deste mundo: um ancio de trs anos de idade!

    (Herder, 1995, p.17).

    Para Herder, o problema do Iluminismo estaria em pretender conhecer a histria

    como se esta fosse previsvel. Se uma histria previsvel, sabemos em qual etapa cada

    poca se encontra. Herder faz uma crtica interessante: dizer que uma determinada etapa

    um estgio anterior ao nosso nos coloca em uma posio superior, como se uma poca

    do passado existisse apenas para nos preparar como se uma poca fosse uma verso

    aperfeioada da outra. Para Herder, era uma tolice medir uma poca de acordo com os

    parmetros de uma outra. E por esta razo que ele afirma uma frase que serve como

    um emblema do historicismo: Cada nao traz em si o centro de sua felicidade, como

    uma esfera traz em si o seu centro de gravidade. (Herder, 1995, p.42). E por esta razo

    que homem no pode pretender conhecer toda a histria. Somente Deus pode conhec-

    la: O criador o nico que pode pensar a unidade global de uma ou de todas as naes

    em toda a sua multiplicidade que lhes pertence e sem que ao faz-lo se desvanea a

    unidade (Herder, 1995, p.38). Afinal, o homem um vaso onde no cabe a

    perfeio...Para avanar tem que sempre perder alguma coisa (Herder, 1995, p.30).

    O que se pode conhecer? Ou como se pode conhecer a histria? A soluo de

    Herder est na empatia com a poca que pretendemos conhecer. Diz ele: seria preciso

    comear por simpatizar com uma nao para poder chegar a sentir cada uma das suas

    inclinaes, das suas aes, para as poder sentir todas em conjunto, para encontrar a

    palavra cuja riqueza nos permitisse pensar tudo o que a essa nao respeita!. (Herder,

    1995, p.35). Seria necessrio, portanto, tentar compreender uma nao como um

    organismo vivo, que toma decises prprias, e cuja razo de ser no se explica pelo fato

    de ela se inserir em um plano maior do qual ela no tem a menor idia ou conscincia. De

  • 19

    19

    alguma maneira, como disse Herder, tarefa do historiador respeitar a nao que estuda,

    ou seja, entender, partindo da prpria cultura desta nao, como as escolhas delas foram

    feitas. E isto no idealizar uma nao ou tom-la como exemplo para as outras: Uma

    nao pode, pois, por um lado possuir virtudes da mais sublime espcie e por outro

    apresentar carncias, produzir excees, mostrar contradies e incertezas capazes de

    espantar. (Herder, 1995, p.38). Por esta razo, a histria humana no pode ser avaliada

    a partir de outros homens. Donde, ao comparar naes, a postura relativista quase uma

    consequncia lgica. Afinal, o historiador tambm pertence a uma nao, que, como

    todas as outras, insegura e tem tantas virtudes quanto defeitos. Afinal, o homem um

    vaso onde no cabe a perfeio...Para avanar tem que sempre perder alguma coisa

    (Herder, 1995, p.30).

    A crtica historicista ao Iluminismo vlida, na medida em que realmente no se

    pode exigir de uma poca o que somente poderia ter sido feito em uma outra. Por outro

    lado, o historicismo tem limites ticos considerveis. Dentro de seus padres, que viso

    historicista poderia avaliar o Holocausto acontecido nos campos de concentrao, o

    Apartheid na frica do Sul, entre outros atos horrveis, como crime contra a

    humanidade? O historiador pode at afirmar que no de sua tarefa julgar, mas, como

    lembra Antoon de Baets, ele precisa oferecer algo melhor para colocar no lugar. E se um

    fato histrico for caracterizado justamente por ser um crime contra a humanidade, da

    mesma maneira que avaliado como crise da modernidade, crise do capitalismo etc?

    (cf. Baets, 2009, p.25).

    Na perspectiva positivista, j que o conhecimento histrico precisa ser causal, a

    tendncia mais natural a de pensar por meios deterministas. Ou seja: possvel

    conhecer o sentido das aes histricas mediante a descoberta das causas que as

    motivaram.

    O problema que, segundo o prprio Buckle, pode-se justificar a superioridade de

    uma civilizao perante outra. Civilizao, para Buckle, no um termo neutro, mas algo

    bem determinado: (...) a civilizao se avalia pelo triunfo do esprito sobre os agentes

    externos (cf. Buckle, 1984, p.150). Neste sentido, a civilizao ideal aquela que permite

    aos homens o domnio sobre as condies externas. O progresso da humanidade se

    avalia pelas oportunidades que esto sua disposio no momento em que um ser

    humano nasce. tentador concordar integralmente, sobretudo, se levarmos em conta um

    senso-comum bastante difundido: todos so favorveis existncia de oportunidades

    para todos, o que teoricamente possvel mediante a existncia de escolas para todos,

    liberdade de expresso, hospitais etc. Parte-se do princpio de que a existncia das

  • 20

    20

    causas gerar as conseqncias desejveis.

    Assim como o historicismo tinha seu lado negativo, tambm o ter o positivismo.

    Afinal, por este meio que Buckle afirmar a superioridade da Europa:

    Se (...) partindo de uma perspectiva o mais ampla possvel da histria da

    Europa, nos confinamos inteiramente causa primria da sua

    superioridade sobre as outras partes do mundo, verificamos que esta mais

    no do que o domnio do esprito do homem sobre as foras orgnicas e

    inorgnicas da natureza (Buckle, 1985, p.149).

    Neste sentido, todo cuidado pouco: o positivismo pode levar a um

    imperialismo, e, pior ainda, a uma justificativa de tcnicas de controle social, mascaradas

    sob o edificante princpio de criaes de condies ideais para uma sociedade bem

    organizada e sem conflitos. Trata-se de uma concepo de histria em que as leis sero

    realizadas caso algumas circunstncias especficas ocorram (por exemplo: sempre que

    houver riqueza material, haver cultura em alto nvel), o que reserva pouco espao para a

    ao surpreendente dos indivduos.

    Atividade III Objetivo III

    Agora que voc conheceu um pouco a filosofia de Herder e do positivismo

    de Buckle, escreva um texto sobre as diferenas ticas do historicismo e do positivismo

    em relao ao Iluminismo.

    [resposta comentada]

    O historicismo uma filosofia relativista da histria. Por um lado,

    interessante a postura historicista de enfatizar a sensibilidade para as diferenas; por

    outro, se as pocas so incomparveis, torna-se no somente difcil conhecer um outro

    perodo histrico, bem como o historiador pode se tornar insensvel para os prprios

    valores, legitimando atitudes atrozes contra a humanidade.

    O positivismo tambm v o progresso como eixo da histria. Mas,

    diferentemente do Iluminismo, d pouco espao para o indivduo reflexivo, ou seja, capaz

    de fazer autocrtica e agir de maneira autnoma.

    [fim da resposta comentada]

  • 21

    21

    Concluso

    Historicismo e positivismo so esforos distintos para fazer da histria uma

    cincia.

    Ambos pensam a temporalidade: o historicismo procura compreender o

    processo histrico como desenvolvimento, mas um desenvolvimento aberto para as

    surpresas e capaz de, a cada instante, rever seu sentido. J o positivismo pensa o

    processo a partir de etapas bem ntidas.

    Para conhecer tal processo, o historicismo interpretativo, ou seja, o

    historiador tem papel fundamental para dar sentido aos fatos. J o positivismo procura

    conhecer as leis de funcionamento da histria, e o historiador apenas as verifica, sem

    interferir com seu ponto de vista.

    Mas ambos tm conseqncias ticas, mesmo negativas: o relativismo

    excessivo, que pode levar incompreenso entre as culturas e as pocas (na ausncia

    de um critrio, cada um se mede apenas por si mesmo) e o evolucionismo, que pode

    resultar no imperialismo e mesmo no racismo.

    REFERNCIAS

    ARAUJO, Valdei Lopes de et alli. A Dinmica do Historicismo: Revisitando a

    historiografia moderna. Belo Horizonte: Argumentum, 2008.

    BAETS, Antoon de. The Impact of the Universal Declaration of Human Rights on

    the Study of History. History and Theory: Studies in Philosophy of History, v.48, n.1,

    2009.

    BELMONTE, Alexandre. A construo do outro e do si-mesmo: vnculos de

    identidade e alteridade no relato de Jean de Lry. Rio de Janeiro, Universidade do Estado

    do Rio de Janeiro, dissertao de Mestrado em Histria, 2006, 180p.

    BUCKLE, Henry Thomas. A Histria e ao de Leis Universais. In: GARDINER,

    Patrick (org.). Teorias da Histria. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1984.

    CALDAS, Pedro Spinola Pereira. Que significa pensar historicamente: Uma

    interpretao da teoria da histria de Johann Gustav Droysen. Tese de Doutorado.

    Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro, Departamento de Histria, Rio de

    Janeiro, 2004. Disponvel no verbete sobre Johann Gustav Droysen na Wikipdia.

    CHARLE, Christophe e VERGER, Jacques. Histria das Universidades. So Paulo:

    Editora da UNESP, 1996.

  • 22

    22

    COMTE, Auguste. A Filosofia positiva e o estudo da sociedade. In: GARDINER,

    Patrick (org.). Teorias da Histria. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1984.

    DILTHEY, Wilhelm. Vida y poesa. Mxico (D.F.): FCE, 1978.

    DROYSEN, Johann Gustav. Historik. Org. Peter Leyh. Stuttgart; Bad Canstatt:

    Fromann-Holzboog, 1977.

    ______. Manual de Teoria da Histria. Petrpolis: Vozes, 2009.

    FUNARI, Pedro Paulo Abreu e SILVA, Glaydson Jos da Silva. Teoria da Histria.

    So Paulo: Brasiliense, 2008.

    Flaubert, Gustave. Madame Bovary. So Paulo: Nova Alexandria, 2007.

    HERDER, Johann Gottfried. Tambm uma filosofia da histria para a formao

    da humanidade. Lisboa: Antgona, 1995.

    HOLANDA, Srgio Buarque de. O atual e o inatual em L. von Ranke. In: ______.

    (org). Ranke. Coleo Grandes Cientistas Sociais. Vol.8. So Paulo: tica, 1979.

    HOWARD, Thomas Albert. Religion and the Rise of Historicism: W.M.L. de

    Wette, Jacob Burckhardt and the Theological Origins of Nineteenth-Century Historical

    Consciousness. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.

    HUMBOLDT, Wilhelm von. Sobre a organizao interna e externa das instituies

    cientficas superiores em Berlim. In: CASPER, Gerhard. Um mundo sem universidades?

    Rio de Janeiro: EDUERJ, 1997.

    ______. Sobre a tarefa do historiador. Anima: Teoria, Histria e cultura, n.2. Rio

    de Janeiro, 2002.

    ______. Os Limites da Ao do Estado. Rio de Janeiro: Topbooks, 2004.

    IGGERS, Georg G. The University of Gttingen 1760-1800 and the Transformation

    of historical scholarship. Storia della Storiografia 2, 1982.

    KANT, Immanuel. O Conflito das Faculdades. Lisboa: Edies 70, 1993.

    KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: Contribuio semntica dos tempos

    histricos. Rio de Janeiro: Contraponto/ Editora da PUC-Rio, 2006.

    MEINECKE, Friedrich. El Historicismo y su genesis. Mxico (D.F.): FCE, 1982.

    RANKE, Leopold von. Preface: Histories of the Latin and Germanic Nations from

    1494-1514. In: STERN, Fritz (org.) The Varieties of History: From Voltaire to the Present.

    New York: Vintage Books, 1973.

    ______. Pueblos y Estados em la Historia Moderna. Mxico (D.F.): FCE,

    1986.

    ______. Historia de los Papas en la Historia moderna. Mxico (D.F.): FCE,

    2004.

  • 23

    23

    RODRIGUES, Jos Honrio. Teoria da Histria do Brasil: Introduo

    metodolgica. 4.ed. So Paulo: Ed. Nacional, 1978.

    REIS, Jos Carlos. Histria e Teoria: Historicismo, modernidade, temporalidade e

    verdade. Rio de Janeiro: FGV, 2008.