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Rosa Cabecinhas Identidades e Memria Social:Estudos comparativos em Portugal e em Timor-Leste
Identidade e memria social:
Estudos comparativos em Portugal e Timor-Leste1
Globalizao, identidade e memria social
Num mundo em acelerado processo de globalizao, em que as presses para a
massificao cultural so constantes, cada grupo (nacional, regional, lingustico, etc.) ao
mesmo tempo que absorve e transforma as ideias circulantes nos meios de comunicao
globais, tenta preservar o que considera ser a sua identidade cultural prpria, valorizando as
suas tradies, usos e costumes, e definindo o seu lugar singular no mundo.
O modo como os grupos nacionais representam a sua histria fundamental nadefinio da sua prpria identidade. A construo da histria de cada nao sempre um
processo comparativo, j que a histria de cada grupo nacional depende das relaes
estabelecidas com outros grupos. A forma como cada grupo interpreta o seu passado,
determina o seu posicionamento no presente e as suas estratgias para o futuro. Essas
estratgias definem no s as relaes dentro do grupo como as relaes com os outros
grupos, numa dinmica onde, conforme o momento histrico, pode prevalecer a estabilidade
ou a mudana, a resistncia ou a adaptao, a preservao das fronteiras ou a sua diluio.
No caso especfico dos oito pases que constituem a Comunidade de Pases de Lngua
Portuguesa (CPLP), a adeso a esta comunidade traduz no s reconhecimento da longa
relao histrica que os une, mas tambm o desejo da manuteno dessa relao, embora com
novo enquadramento: a relao colonial foi substituda por uma relao ps-colonial, assente
em princpios de cooperao e solidariedade, tendo como objectivos a difuso e
enriquecimento da Lngua Portuguesa e a preservao de um vnculo histrico e um
patrimnio comum resultantes de uma convivncia multissecular (Declarao Constitutiva
da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa, 17 de Julho de 1996: www.cplp.org).
Mas que imagens tm os jovens desse passado e herana comum? Ser que esse
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1 A autora agradece ao Prof. Benjamim Corte-Real, Reitor da Universidade Nacional Timor Loro Sae (UNTL), e Fundao das Universidades Portuguesas (FUP), a autorizao para realizar este estudo junto dos estudantes da UNTL/FUP.Agradece ainda aos Professores Aurlio Guterres, Domingos de Sousa, Domingos Maia, Jos Antnio da Costa, JosMattoso e Miguel Maia dos Santos os seus ensinamentos sobre a histria e a cultura timorenses. Um agradecimento muitoespecial ao Dr. Joo Paulo Esperana pela sua colaborao na recolha de dados. Finalmente, agradece a todos os estudantes,portugueses e timorenses, que participaram voluntariamente nestes estudos.
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passado comum tem o mesmo significado e suscita as mesmas emoes nos jovens
portugueses e nos jovens dos pases que foram colonizados por Portugal? De que forma os
conflitos que opuseram o pas colonizador e os pases colonizados so recordados pelos
jovens nascidos no ps-25 de Abril, que no tiveram qualquer experincia directa do perodo
colonial? Sero esses conflitos esquecidos, silenciados ou reforados?Ser que quando pensam na histria da humanidade os jovens de hoje evocam
espontaneamente acontecimentos que marcaram este espao geograficamente descontnuo
mas identificado pelo idioma comum (CPLP; 17 de Julho de 1996), que geralmente
designamos como espao lusfono?
Estas e outras questes levaram-nos a iniciar um trabalho de investigao sobre
identidade e memria social no espao lusfono, trabalho esse do qual aqui damos conta
dos resultados da fase exploratria, realizada em Portugal e em Timor-Leste. Este trabalho
integra-se num projecto de investigao mais amplo sobre polticas de comunicao e
discursos no espao lusfono (e.g. Martins, 2004; Sousa e Marinho, 2004).
A comparao dos dados recolhidos em Portugal e em Timor-Leste parece-nos
particularmente interessante, dada grande distncia geogrfica entre os dois pases e o facto
de Timor-Leste ser o mais recente membro da CPLP (a sua adeso ocorreu em 2002, aps a
restaurao da independncia). Para alm da distncia geogrfica, temos igualmente que ter
em conta o facto da lngua portuguesa ter sido banida como lngua de ensino durante a
ocupao indonsia e as presses para a indonesiao (Mattoso, 2005: 104).
Para a compreenso das dinmicas identitrias necessrio ter em conta que cada
indivduo pertence simultaneamente a vrios grupos (por exemplo, portugus ou timorense,
homem ou mulher, jovem ou idoso, etc.). A salincia das diversas pertenas grupais depende
do contexto e das posies relativas dos grupos numa dada estrutura social (Deschamps,
1982; Lorenzi-Cioldi, 2002).
A ampla investigao desenvolvida nas ltimas dcadas sobre os processos de
formao, manuteno e mudana das representaes sociais (e.g. Moscovici, 1988, 1998)
contribuiu com um novo olhar na forma de conceber a relao entre o indivduo e a sociedade,
e para o reconhecimento da importncia dos processos comunicativos, mediticos e informais,
na forma como determinado grupo constri a realidade.
As representaes sociais so conceptualizadas como uma modalidade de conhecimento
socialmente elaborada e compartilhada, com um objectivo prtico, e contribuindo para aCECS Pgina 3 de 37
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percepo de uma realidade comum a um determinado grupo. As representaes sociais
constituem a forma como os indivduos apropriam o mundo que os rodeia, ajudando-os a
compreender e a agir (Jodelet, 1989).
Na sua obra, Moscovici estabelece a distino entre trs tipos de representaes sociais,
em funo do seu estdio de desenvolvimento e do seu modo de circulao na sociedade. Asrepresentaes hegemnicas so partilhadas por todos os membros de um grupo altamente
estruturado (uma nao, um partido, etc.), prevalecendo implicitamente em todas as prticas
simblicas desse grupo, apresentando grande grau de uniformidade e coercividade. Por seu
turno, as representaes emancipadas so o produto da cooperao entre grupos que esto em
contacto mais ou menos prximo: cada grupo cria as suas prprias interpretaes ou verses e
partilha-as com os outros. Por ltimo, as representaes controversas ou polmicas so
geradas no decurso de uma controvrsia social ou um conflito entre grupos, no sendo
partilhadas pela sociedade no conjunto (1988: 221-222).
Serge Moscovici estabeleceu uma ligao entre os diferentes estdios de
desenvolvimento das representaes sociais e trs modalidades comunicativas: a difuso, a
propagao e a propaganda. Na difuso verifica-se distanciamento e diversidade no
tratamento dado aos temas, com nfase na informao, sem tomadas explcitas de posio da
parte do emissor, mas tambm sem uma sistematizao das diferentes posies face ao tema.
A propagao visa produzir uma norma geral, englobante e conciliadora de posies
potencialmente diferentes, procurando organizar elementos divergentes de forma a torn-loscompatveis com valores mais centrais para os vrios grupos implicados. Em contrapartida, na
propaganda a forma de abordar os assuntos dicotomizada, procurando salientar que h
apenas um caminho a seguir, rejeitando qualquer moderao. Esta modalidade de
comunicao em torno de dicotomias redutoras ocorre quando h um conflito que ameaa a
identidade do grupo, separando um ns que estamos certos, de um eles que esto errados
(Castro, 2004: 366).
A compreenso do contedo de uma representao exige a sua integrao na dinmica
social onde tal representao se desenvolve. A estrutura social remete para clivagens,
diferenciaes e relaes de dominao (e.g. Bourdieu, 1979). Assim, necessrio ter em
conta, por um lado, a relao entre as representaes sociais e as configuraes culturais
dominantes e, por outro, a dinmica social no seu conjunto. A conjugao destes dois factores
ajuda a compreender as presses para a hegemonia e a consequente reificao de certas
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Os meios de comunicao social contribuem para a consensualidade alargada de
algumas representaes sociais, isto , para o seu carcter hegemnico. Na fabricao dessa
hegemonia destaca-se o papel da televiso. Uma representao s adquire foros de verdade e
de realidade quando partilhada - as imagens veiculadas atravs do ecr facilitam a ideia de
consenso, de partilha por uma larga comunidade. Por outro lado, as representaes vivem demetforas e a televiso permite fazer corresponder a cada palavra um rosto, a cada conceito e
ideia uma imagem (Vala, 2000: 493).
As representaes sociais constituem um conceito fundamental para entender o modo
como a histria recordada ou esquecida pelos indivduos em funo das suas identidades
sociais. O estudo das representaes sociais da histria que cada pas constri permite-nos
igualmente compreender porque que cada pas reage de maneira diferente aos mesmos
acontecimentos. As representaes sociais da histria so como mapas das origens e das
misses histricas de cada grupo, estando em permanente negociao ao longo do tempo,
produzindo e reflectindo as mudanas da sociedade (Liu e Hilton, 2005).
Assim, a memria conceptualizada, no como algo meramente individual, mas como
um processo social, que depende das pertenas e redes sociais dos indivduos. Na nossa
perspectiva, recordar algo muito mais do que simplesmente reproduzir factos, pois trata-se
de um processo de reconstruo selectivo e parcial. Para esse processo de reconstruo
selectivo contribuem aspectos de ordem cognitiva e motivacional.
O carcter social da memria resulta de vrios factores: o processo de recordar social,dado que a evocao das recordaes feita a partir de dicas de contexto; os pontos de
referncia que cada indivduo utiliza para codificar, armazenar e recuperar informao so
definidos socialmente; e a memria individual no poderia funcionar sem conceitos, ideias,
imagens e representaes que so socialmente construdos e partilhados. Ou seja, a memria
de cada indivduo social no seu contedo (eventos, personagens, etc.) e no seu processo
(codificao, armazenamento e recuperao da informao).
Reconhecer o carcter social da memria no implica pressupor uma uniformidade nas
recordaes, j que cada indivduo activo no processamento da informao. Cada indivduo
recorda factos diferentes e de um modo diferente e grupos sociais diferentes face a um mesmo
acontecimento reconstroem memrias diferentes (Echabe e Castro, 1998).
O indivduo recorda atravs da linguagem, pois esta que lhe fornece as categorias
atravs das quais apreende a realidade. A linguagem medeia a relao entre o indivduo e o
grupo, sendo fundamental para no entendimento do que Halbwachs (1925/1994) designaCECS Pgina 5 de 37
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como quadros colectivos da memria: os instrumentos de que a memria colectiva se serve
para reconstruir uma imagem do passado em consonncia com as ideologias dominantes da
sociedade, num determinado momento histrico.
Na compreenso dos quadros colectivos da memria necessrio ter em considerao
duas coordenadas fundamentais: o tempo e o espao (Halbawachs, 1950/1997). Como salientaCunha, o facto da memria das pessoas que coexistem no espao e no tempo as transcender
que define como campo de estudo a memria social. Esta partilha dos quadros sociais da
memria conduz a questo, declaradamente, para o domnio da identidade (2003: 79). Na
opinio deste autor, o aprofundamento das propostas pioneiras de Halbwachs passa pela
clarificao de uma questo bsica: o papel do indivduo e da sociedade na fabricao e
transmisso das memrias.
Na sua anlise da memria social, Paul Connerton chamou a ateno para a dimensonarrativa. Segundo o autor, numa dada comunidade as histrias circulam e so partilhadas
atravs das prticas sociais - como a comemorao, o ritual e a tradio - que representam e
projectam uma certa identidade. A aco do indivduo neste processo activa e diferenciada,
no sentido de que o posicionamento social ajuda a definir a capacidade de interveno do
nesse processo e as modalidades que essa interveno assume. Uma vez que as imagens do
passado legitimam geralmente uma ordem social presente (Connerton, 1989/1993: 3) a
memria social pode ser conceptualizada como um campo de disputa, passando o controlo
social e mesmo o exerccio do poder, pela capacidade de definir o memorvel e o que deve ser
esquecido (Cunha, 2003: 86).
Resumindo, na nossa perspectiva podemos considerar que toda memria social, uma
vez que os nossos pensamentos, sentimentos e intenes, entre outros fenmenos
aparentemente internos, so construdos atravs das prticas lingusticas e reificados pelos
processos de comunicao humana (Gergen, 1994). Neste sentido, to importante quanto
compreender o que recordamos, compreender porque e como determinados acontecimentos
so recordados enquanto outros so esquecidos.
Assim, entendemos a memria como um produto social construdo nos processos
comunicativos, que reflecte as pertenas e as identidades sociais dos indivduos assim como
as suas trajectrias pessoais, tambm elas marcadas pelo social. Neste sentido, a teoria das
representaes sociais constitui uma ferramenta fundamental para compreender como as
memrias histricas so construdas, como so partilhadas pelos indivduos e grupos e quaisCECS Pgina 6 de 37
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as suas funes polticas e ideolgicas (Liu e Hilton, 2005).
Representaes sociais da histria em Portugal e Timor-Leste: estudos exploratrios
Como foi anteriormente referido, nesta comunicao examinamos os resultados de uminqurito realizado junto de jovens em dois pases, cuja histria marcada por uma longa
relao de interdependncia: Portugal e Timor-Leste.
Embora tratando-se de um trabalho sobre as percepes da histria e no sobre
Histria propriamente dita, parece-nos conveniente abrir aqui um parntesis, com uma
brevssima contextualizao histrica. Para essa contextualizao vamos, num primeiro
momento, verificar a forma como cada um dos dois pases relata a sua histria nacional,
fazendo ou no referncia relao entre os dois pases, nas respectivas pginas oficiais.
Na seco sobre a histria no Portal do Governo da Repblica Portuguesa
(http://www.portugal.gov.pt; consultado a 30 de Outubro de 2005), dado considervel
destaque ao perodo dos descobrimentos e expanso portuguesa, que se traduziram na
formao de um imprio que [] durar de 1415 a 1975. Referem-se as rotas portuguesas
no Atlntico (destacando-se a descoberta das ilhas dos arquiplagos da Madeira e dos Aores,
e do Brasil, descoberto oficialmente em 1500) e no ndico, levando os portugueses a
conhecer a Etipia, a ndia, a Indochina, a China, o Tibete, as ilhas da futura Indonsia e o
Japo. Curiosamente, referem-se as as ilhas da futura Indonsia, mas no efectuadaqualquer referncia directa a Timor-Leste.
Mais adiante, salienta-se que o fim da mais longa ditadura da histria da Europa
Ocidental chegou em 25 de Abril de 1974, quando o Movimento das Foras Armadas,
reinstaurou o regime democrtico []. Fechado o ciclo do imprio (com a descolonizao em
meados da dcada de 70), Portugal aderiu actual Unio Europeia, mas sem deixar de
procurar manter uma ligao estreita quer aos outros sete pases que falam portugus (o que
levou criao da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa), quer s comunidadesportuguesas e descendentes de portugueses espalhadas por todo o mundo (Portal do Governo
da Repblica Portuguesa; consultado a 30/10/2005).
Por sua vez, na pgina oficial do Governo da Repblica Democrtica de Timor-Leste
(http://www.timor-leste.gov.tl; consultada a 30/10/2005) refere-se que os portugueses
chegam ao que actualmente o enclave do Oecussi por volta de 1515 (traduo nossa).
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Depois de contextualizada a colonizao portuguesa, que respeitou a sociedade tradicional
timorense, mas se traduziu na sobreexplorao dos recursos naturais de Timor em
benefcio da metrpole (primeiro o sndalo, at sua quase extino, e depois o caf, a
cana de acar e o algodo), referida a mudana ocorrida com o 25 de Abril: em 1974, a
transio para a democracia em Portugal teve um impacto repentino em todas as suascolnias. O clima poltico em Portugal virou esquerda e pela primeira vez os timorenses
tiveram liberdade para formar os seus prprios partidos polticos.
Depois de explicada a ocorrncia da Guerra Civil em 1975, refere-se a proclamao
da independncia a 28 de Novembro de 1975 pela FRETILIN (Frente Revolucionria de
Timor-Leste Independente) e a invaso do territrio pelas tropas indonsias, dez dias
depois, a 7 de Dezembro. O perodo da ocupao indonsia descrito como um perodo
de grande investimento financeiro da Indonsia que se traduziu num rpido crescimento
econmico em Timor, entre 1993 e 1997. Mas acima de tudo, destacam-se as sistemticas
violaes de direitos humanos ocorridas no territrio, nomeadamente os violentos
massacres, que se traduziram em cerca de 200 000 mortos durante os 24 anos de ocupao
(1975-1999). Salienta-se ainda que contrariamente aos portugueses, os indonsios
implementaram um regime opressor, forte e directo, que nunca foi aceite pelos timorenses,
empenhados em preservar a sua cultura e identidade nacional.
Aps a queda do regime de Suharto, realiza-se finalmente um referendo pela auto-
determinao de Timor-Leste promovido pela ONU, a 30 de Agosto de 1999. A divulgaodos resultados do referendo - 78% a favor da independncia - provocou uma reaco
violentssima da parte dos militares indonsios e das milcias pr-integrao que se traduziu
em cerca de 2000 mil mortos e destruio das infraestruturas, conduzindo fuga de cerca
de um tero da populao para os campos de refugiados na parte ocidental da ilha. A
violncia s terminou com a chegada das foras internacionais INTERFET, que
restauraram a paz e segurana. Depois do perodo de administrao transitria pela ONU
(1999-2002), Timor-Leste viria a tornar-se finalmente um Estado Independente a 20 de
Maio de 2002 (http://www.timor-leste.gov.tl).
Constatamos, assim, que as pginas oficiais de ambos os pases referem o 25 de Abril
de 1974 como o momento de viragem, que assinala o antes e o depois na vida de Portugal e
das suas ex-colnias. De facto, o 25 de Abril representa no s o fim da ditadura em Portugal
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e a democratizao do pas, mas tambm o fim do imprio colonial, nesse sentido trata-se
de um acontecimento com implicaes na definio das fronteiras nacionais de vrios pases.
A Revoluo dos Cravos provocou profundas mudanas na poltica interna e externa
portuguesa. As medidas consideradas prioritrias foram simbolicamente expressas no slogan
dos 3Ds descolonizao, democracia, desenvolvimento. O fim da guerra colonial tornou-seum imperativo, sendo frequentes as manifestaes de ruas gritando o slogan nem mais um s
soldado para as colnias (Vieira, 1999: 171).
As negociaes para o reconhecimento da autonomia dos diversos territrios
comearam de imediato, tendo sido reconhecida a independncia das diversas ex-colnias
africanas entre 1974 e 1975: Guin-Bissau (10 de Setembro de 1974; tinha sido proclamada
unilateralmente em 1973, mas no reconhecida por Portugal), Moambique (25 de Junho de
1975), Cabo Verde (5 de Setembro de 1975), So Tom e Prncipe (12 Setembro de 1975), e
Angola (11 de Novembro de 1975).
A soberania indiana sobre Goa, Damo e Diu, integrados na Unio Indiana a 17 de
Dezembro de 1961, foi reconhecida em 15 de Outubro de 1974. O enclave de Macau
continuou sob administrao portuguesa at 20 de Dezembro de 1999, altura em que foi
devolvido China.
Quanto a Timor-Leste, como j foi referido, a FRETILIN proclama unilateralmente a
independncia a 28 de Novembro de 1975, mas a Indonsia anexa o territrio a 7 de
Dezembro, que passa a ser considerado a sua 27 Provncia. Esta anexao nunca foireconhecida por Portugal nem pela ONU2. Em consonncia com os resultados do referendo
em 1999, Timor-Leste tornou-se um Estado Independente a 20 de Maio de 2002.
Uma vez efectuado o breve enquadramento, vamos agora apresentar os procedimentos
metodolgicos e os resultados dos estudos exploratrios efectuados em Portugal e Timor-
Leste. Como j referimos, em cada pas, analismos as representaes dos jovens sobre a
histria da humanidade, em geral, e a histria nacional do respectivo pas, em particular.
Quando nos debruamos especificamente sobre os grupos nacionais, necessrio ter em
conta que cada grupo heterogneo, sendo constitudo por uma grande diversidade de
indivduos, com diferentes percursos e experincias de vida e pertencendo a grupos com
2 A anexao foi reconhecida pelos Estados Unidos, que forneceu armamento e formao militar Indonsia (supostamentepor temer o alastrar do comunismo na sia), e pela Austrlia, que passado uns anos firmou com a Indonsia um acordo para
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diferentes posicionamentos na estrutura social.
Por limitaes de vria ordem, nesta comunicao debruamo-nos apenas sobre as
percepes de jovens estudantes universitrios em Portugal e em Timor-Leste. Alertamos
desde j que o nosso objectivo no generalizar os resultados populao em geral, mas
analisar as percepes destes jovens, em particular, sabendo que so o fruto de umdeterminado tempo e espao.
Em ambos os pases foram utilizados os mesmos procedimentos de recolha e de
tratamento de dados, de modo a permitir anlises comparativas. Em Portugal os dados foram
recolhidos na Universidade do Minho em Outubro de 2003 e em Timor-Leste foram
recolhidos na Universidade Nacional Timor Loro Sae em Novembro de 2004.
Participaram nestes estudos 214 estudantes universitrios, 118 portugueses (70 do sexo
feminino e 48 do sexo masculino; idade mdia = 21 anos) e 96 timorenses (47 do sexo
feminino e 49 do sexo masculino; idade mdia = 23 anos). Em Portugal participaram
estudantes de licenciaturas em Comunicao Social, Gesto, Informtica e Sociologia e em
Timor participaram estudantes de licenciaturas em Cincias Agrrias, Economia e Gesto,
Engenharia Electrotcnica, Engenharia Informtica e Formao de Professores em Portugus.
Todos os participantes portugueses declararam como lngua materna o portugus. No
caso dos participantes timorenses verifica-se uma grande diversidade de lnguas maternas:
ttum (60%), makasae (8%), mambae (7%), bunak (3%), fataluco (3%), portugus (3%) e
ainda outras seis lnguas com percentagens inferiores.De referir a este propsito que em Timor foram escolhidos para participar neste estudo
os alunos do 3ano dos cursos da Fundao das Universidades Portugueses (FUP), devido
sua maior familiarizao com a lngua portuguesa. importante salientar que apesar desta
maior familiarizao com a lngua portuguesa, a maioria dos participantes timorenses referiu
o portugus como a sua terceira ou quarta lngua. Embora o questionrio estivesse redigido
em portugus, alguns participantes responderam a algumas questes em ttum, sendo as suas
respostas posteriormente traduzidas para portugus3.
A grande diversidade de lnguas faladas pelos inquiridos um espelho da situao
lingustica em Timor: pas com duas lnguas oficiais - o portugus e o ttum - e mais duas
a explorao do petrleo e gs no Mar de Timor; sobre as culpas repartidas na invaso de Timor, ver por exemplo, oartigo de Eduardo Lobo noExpresso, 23 de Dezembro de 2005.
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3 As maiores dificuldades de resposta verificaram-se ao nvel das emoes associadas aos acontecimentos oupersonalidades, registando-se a este nvel muitas respostas em branco. As respostas fornecidas em ttum foram gentilmentetraduzidas pelo Dr. Joo Paulo Esperana (UNTL/FUP).
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lnguas de trabalho ingls e lngua indonsia e ainda cerca de uma vintena de outras
lnguas e dialectos (sobre a situao lingustica em Timor, ver por exemplo: Esperana, 2001;
Hull, 2001).
Assim, embora tenhamos adoptado exactamente o mesmo procedimento de recolha de
dados em ambos os pases, a dificuldade da tarefa para os participantes timorenses foi muitomaior, tanto nas perguntas abertas, devido s limitaes de vocabulrio, como nas respostas
em escalas fechadas, devido sua menor familiarizao com este tipo de escalas.
A aplicao do questionrio foi efectuada colectivamente em sala de aula. Os estudantes
foram convidados a participar num estudo internacional sobre histria. A pgina de rosto do
questionrio explicava aos participantes que o que interessava neste estudo era a sua opinio
pessoal sobre a histria e no o seu nvel de conhecimentos.
Na primeira parte do questionrio eram colocadas questes sobre a histria da
humanidade nos ltimos mil anos4 e na segunda parte as questes reportavam-se histria
nacional dos respectivos pases. As questes da terceira parte eram relativas aos nveis de
identificao (nacional, regional, tnica, religiosa, etc.), terminando o questionrio com
questes de caracterizao sociodemogrfica.
Como j mencionmos, o questionrio aplicado tinha a mesma estrutura em ambos os
pases, tendo sido efectuadas pequenas adaptaes de linguagem e de contedo, em funo do
pr-teste realizado em cada um dos pases. O contedo da primeira parte do questionrio eraexactamente igual para ambos os pases pois reportava-se histria da humanidade
enquanto o contedo da segunda parte dizia respeito histria de Portugal ou histria de
Timor-Leste, conforme o local de recolha de dados. Na terceira parte foram efectuadas
algumas adaptaes no que respeita aos grupos de identificao em funo do local de recolha
de dados. Apresentada a estrutura e contedo do questionrio em geral, vamos agora
apresentar mais pormenorizadamente as questes colocadas em cada parte do questionrio.
Histria universal. Na primeira parte, pedia-se aos participantes para listarem os 5
acontecimentos que consideravam mais relevantes na histria da humanidade. Uma vez
efectuada a listagem, os participantes deveriam avaliar o impacto (positivo ou negativo) de
cada um desses acontecimentos na histria da humanidade e finalmente deveriam indicar as
emoes que associavam com cada acontecimento. Em seguida, solicitava-se aos
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4 A primeira parte do questionrio foi construda de forma a permitir a comparao com os dados recolhidos noutros estudosinternacionais, nomeadamente os de Liu e colaboradores (Liu, 1999; Liu et al., 2005).
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participantes para listarem as 5 personalidades que consideravam terem tido mais relevantes
na histria da humanidade. Uma vez efectuada a listagem, os participantes deveriam avaliar o
impacto de cada uma das personalidades na histria da humanidade e, finalmente, indicar as
emoes que associavam com cada personalidade.
Histria nacional. Na segunda parte do questionrio, as questes eram idnticas primeira parte, mas desta vez relativas aos 5 acontecimentos e s 5 personalidades da
histria nacional dos respectivos pases (Portugal ou Timor-Leste). Uma vez evocados 5
acontecimentos nacionais os participantes deveriam avaliar o seu impacto na histria nacional
e indicar as emoes associadas a cada acontecimento, seguindo-se a evocao de 5
personalidades nacionais, a avaliao do seu impacto e as emoes suscitadas por cada
personalidade.
De referir que a evocao de acontecimentos e de personalidades era completamente
livre, j que no era fornecida qualquer listagem prvia aos participantes, o que dificultou o
nvel da tarefa. As emoes relativas aos acontecimentos e personalidades foram tambm
recolhidas de forma aberta. J os nveis de impacto dos acontecimentos e das personalidades
foram medidos atravs de escalas de 7 pontos (1=muito negativo; 7=muito positivo).
Nveis de identificao. Na terceira parte eram medidos os nveis de identificao do
participante com diversos grupos. Dado o carcter comparativo desta pesquisa, foram
medidos os nveis de identificao no s com os grupos de pertena dos participantes, mas
tambm com outros grupos de comparao considerados relevantes no mbito deste estudo.Assim, a cada participante foi solicitado que se pronunciasse sobre a sua identificao com 29
grupos. Os nveis de identificao foram medidos atravs de escalas de 7 pontos (1=nada
identificado; 7=muito identificado).
Caracterizao sociodemogrfica. Finalmente foram colocadas questes
sociodemogrficas, como o sexo, idade, nacionalidade e naturalidade dos participantes, a
lngua materna e outras lnguas faladas.
Nas seces seguintes iremos apresentar e discutir sumariamente os resultados obtidos
no que respeita s representaes da histria. Trata-se de uma primeira anlise meramente
descritiva e, como j referimos, sem pretenses de generalizao. A anlise sistemtica dos
padres e dos nveis de identificao dos inquiridos ser efectuada num trabalho posterior.
Os resultados obtidos em Portugal e em Timor-Leste vo ser apresentados e discutidos
simultaneamente, para facilitar uma anlise comparativa. Por limitaes de espao, nasCECS Pgina 12 de 37
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tabelas de resultados esto indicados apenas os dez acontecimentos ou personalidades
considerados mais importantes (Top10) em cada uma das amostras. No entanto, sempre que se
justifique faremos referncia ao longo do texto a outros acontecimentos ou personalidades
evocados pelos participantes.
De salientar ainda que na designao dos acontecimentos ou personalidades
5
seradoptada a terminologia mais frequentemente referida pelos participantes. Sempre que se
justifique poderemos adoptar diferentes designaes para o mesmo acontecimento para
indicar que este no designado de forma consensual.
De referir ainda que nas tabelas apresentamos as percentagens de evocao global de
cada acontecimento ou personalidade, agrupando os dados das cinco evocaes efectuadas
por cada participante (recordamos que o questionrio solicitava cinco evocaes para cada
questo: 5 acontecimentos mundiais, 5 personalidades mundiais, 5 acontecimentos nacionais e
5 personalidades nacionais).
Representaes da Histria Universal: Factos e Figuras
A Tabela 1 apresenta os dez acontecimentos mais referidos pelos jovens em Portugal e
em Timor. Como podemos constatar, verificam-se algumas convergncias em ambos os
pases relativamente aos acontecimentos considerados mais importantes na histria dahumanidade.
Tanto em Portugal com em Timor as guerras e conflitos so os acontecimentos mais
evocados. Em Portugal o destaque vai para a II Guerra Mundial (79,7%) e a I Guerra Mundial
(58,5%), seguindo-se a Guerra do Iraque (11,9%)6. Em Timor, embora a II Guerra Mundial e
a I Guerra Mundial tambm estejam entre os dez acontecimentos mais evocados, o destaque
vai para a Guerra do Iraque (69,8%), que surge em primeiro lugar na lista de acontecimentos
mundiais. O conflito Israelo-rabe tambm merece maior destaque na amostra timorense
(12,5%) do que na amostra portuguesa (3,3%).
Apesar do questionrio remeter para os ltimos mil anos da histria universal,
5 No caso dos dados timorenses tivemos uma dificuldade adicional no que respeita s personalidades e que se deveu aonosso desconhecimento inicial dos diversos nomes de cdigo usados pelos heris da resistncia timorense. De facto, naaltura em que procedemos ao tratamento de dados ainda no estava disponvel a lista de nomes de cdigo recentementepublicada pelo historiador Jos Mattoso (2005, 24-26).
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acontecimentos muito recentes, como a Guerra do Iraque (11,9% dos portugueses e 69,8%
dos timorenses) e os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 (28% dos portugueses e
37,5% dos timorenses) obtiveram considervel destaque em ambos os grupos.
Enquanto o padro de resultados dos portugueses muito semelhante ao encontrado porLiu e colaboradores (Liu, 1999; Liu et al., 2005) em estudos efectuados em doze pases, o
timorense difere consideravelmente. Na compreenso do padro de resultados dos timorenses
temos que ter presente que este reflecte os assuntos da actualidade do momento em que o
questionrio foi aplicado: em Novembro de 2004 G.W. Bush reeleito Presidente dos Estados
Unidos da Amrica, aps uma intensa campanha baseada no lema do combate ao terrorismo
global, sendo a Guerra do Iraque um dos assuntos mais polmicos da campanha
presidencial7.
O slogan usado na campanha de Bush, war on terror8, atravs do qual se justifica a
importncia do Guerra no Iraque e o derrube de Saddam Hussein, parece ter tido um impacto
particular nos jovens timorenses. Para alm da Guerra do Iraque e do 11 de Setembro de
2001, os jovens timorenses referem ainda com grande destaque o terrorismo global (29,2%)
e alguns atentados terroristas especficos, nomeadamente os ocorridos na vizinha Indonsia
(terrorismo em Bali; terrorismo em Jakarta), mas tambm os ocorridos em 2004 noutras
partes do mundo (terrorismo na Rssia; terrorismo em Madrid).
Para o grande destaque do terrorismo contriburam factores de ordem cognitiva (arecncia dos acontecimentos e a sua permanente reactualizao nos mdia), mas tambm
factores de ordem motivacional, j que os participantes timorenses parecem ter efectuado uma
associao entre os ataques terroristas noutras partes do globo e os massacres ocorridos no seu
prprio territrio9. A referncia constante aos grupos islmicos radicais poder ter
contribudo para esta forte associao.
Tambm em Novembro de 2004 o conflito Israelo-rabe teve uma ampla cobertura nos
mdia, devido ao estado de sade muito crtico em que se encontrava Yasir Arafat, que veio a
6 Entre os portugueses que referem o conflito no Iraque, 53% designam-o como Guerra do Iraque e 47% como Invasodo Iraque. Em Timor apenas a designao Guerra do Iraque utilizada.7 Ver, por exemplo, a transcrio do primeiro debate televisivo durante a campanha, 30/09/2004, entre G.W. Bush e John F.Kerry, moderado por Jim Lehrer (PBS); http://www.washingtonpost.com/wp-srv/politics/debatereferee/debate_0930.html).8 De referir que o primeiro registo do slogan war on terror na imprensa ocidental data dos finais dos anos quarenta dosculo XX, usado pelo Reino Unido para responder s crticas sobre o seu mandato na Palestina. Para uma discusso sobreo uso deste slogan ver http://news.bcc.co.uk/go/4719169.stm. Neste debate, como em muitas outras ocasies, a refernciaaos grupos muulmanos islamicos radicais (radical Islamic Muslins) constante.
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9 Este assunto ser explorado em mais detalhe noutro trabalho, atravs de uma anlise estrutural das representaes sociais.
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http://www.washingtonpost.com/wp-srv/politics/debatereferee/debate_0930.htmlhttp://news.bcc.co.uk/go/4719169.stmhttp://news.bcc.co.uk/go/4719169.stmhttp://www.washingtonpost.com/wp-srv/politics/debatereferee/debate_0930.html7/31/2019 Identidade e Memoria Em Timor
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falecer em Dezembro desse mesmo ano.
- Tabela 1
Resumindo, como se pode observar a influncia da globalizao e dos meios decomunicao muito notria nos resultados de ambos os grupos, embora o impacto dos
assuntos da actualidade seja mais visvel nos resultados dos timorenses. Apesar destas
convergncias de resultados obtidos com estudantes timorenses e portugueses, as pertenas
nacionais desempenham importante papel na evocao dos acontecimentos da histria
universal. Como podemos observar, ambos os grupos colocam acontecimentos da sua histria
nacional como sendo importantes para a histria universal.
Os portugueses destacam dois acontecimentos: os descobrimentos portugueses e o 25
de Abril de 1974. Para os portugueses, os descobrimentos surgem em quarto lugar (26,3%) na
listagem dos acontecimentos mais importantes para a humanidade, enquanto que para os
timorenses estes surgem em 21 lugar (4,2%).
Para os portugueses, o 25 de Abril de 1974 obtm igualmente um lugar de destaque
entre os acontecimentos mais importantes na histria universal (24,6%). Assim, os
portugueses destacam dois acontecimentos relativos sua histria nacional no Top10 da
histria universal. Em ambos os casos se trata de acontecimentos que envolvem no s a
histria nacional de Portugal, mas a histria de outros grupos nacionais, j que estes so osmomentos que assinalam o incio do imprio e o seu fim, com o processo de descolonizao
que se seguiu ao 25 de Abril, como j salientmos anteriormente.
Paralelamente, os timorenses colocam trs acontecimentos da sua histria nacional no
Top10 da histria universal: o massacre de Santa Cruz(18,8%), a independncia de Timor
(15,6%) e a invaso indonsia (8,3%). De salientar que a independncia de Timor (2,5%)
e o massacre de Santa Cruz (massacres no cemitrio Dli: 1,7%) tambm foram referidos
pelos portugueses como grandes acontecimentos mundiais, embora muito menor proporo de
evocaes.
Para os timorenses a Declarao Universal dos Direitos Humanos (10 de Dezembro de
1948) est entre dez acontecimentos mais importantes na histria universal (7,3%) enquanto
que para os portugueses este acontecimento obtm menor destaque (5,1%). De salientar que
as referncias a questes relacionadas com os direitos das minorias sociais (direitos dasCECS Pgina 15 de 37
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mulheres, direitos das crianas, direitos dos negros) so referidas com maior frequncia
pelos participantes timorenses do que pelos portugueses10. Tambm as violaes aos direitos
humanos obtm particular destaque nas respostas dos timorenses, tendo os jovens efectuados
referncias directas a esta problemtica (genocdios; violao dos direitos humanos;
violncia domstica; violncia sexual, etc.). Na interpretao destes dados, pertinenteter em conta os acontecimentos violentos e traumticos da histria recente de Timor, dos
quais estes jovens timorenses tm experincia directa ou muito prxima.
Tal como nos resultados encontrados noutros pases (Liu, 1999), tanto em Portugal
como em Timor se verifica uma predominncia de eventos polticos face a outro tipo de
eventos (cientficos, ambientais, etc.). No entanto, no que respeita aos grandes grupos
temticos registam-se algumas assimetrias entre os dois grupos: os acontecimentos ligados a
questes humanitrias so mais destacados pelos timorenses, como ilustrmos atrs, mas
tambm os ligados a questes econmicas e sociais (por exemplo: crise econmica,
pobreza, fome, analfabetismo, etc.), o que remete para o grande peso das situaes
objectivas de precariedade socioeconmica nas respostas dos jovens. Tambm so mais
destacadas pelos timorenses as questes relativas sade pblica (HIV/AISD, doenas,
doena das aves na sia, etc.) e aos desastres naturais (terramotos, tempestades,
chuvas prolongadas, incndios).
Em contrapartida, os jovens portugueses do maior destaque s conquistas tecnolgicasdo que os timorenses, referindo-se nomeadamente descoberta da electricidade e
inveno de diversos bens de consumo e as novas tecnologias de comunicao
(computador, televiso, Internet, automvel, avio, etc.).
Assim, as repostas dos timorenses espelham os condicionalismos ligados ao facto de
este ser um dos pases mais pobres da sia. No ltimo relatrio do Programa das Naes
Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Portugal surge em 27 lugar (0.904) enquanto
Timor surge em 140 lugar (0.505), no ranking incluindo 177 pases do mundo
(http://hdr.undp.org/reports/global/2005/pdf/HDR05_HDI.pdf).
Verificamos que se inegvel a existncia de representaes hegemnicas sobre a
histria universal, tambm notria a influncia do posicionamento dos grupos nacionais
nessa histria e os seus recursos, simblicos e materiais. Neste estudo verificamos que cada
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10 Neste aspecto os resultados timorenses vo ao encontro dos obtidos no Brasil, em Salvador da Bahia (ver Cabecinhas,Lima e Chaves, in press).
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grupo nacional atribui grande relevncia sua prpria histria, no contexto da histria
universal.
A influncia da globalizao notria, mas ser que a os laos histricos que unem os
pases da CPLP tambm se fazem notar nos resultados? Embora tal no seja visvel na Tabela
1, uma vez que apenas os primeiros dez acontecimentos so apresentados, verificam-se emambos os pases registos que se remetem para a relao entre os pases da CPLP.
Assim, como j referimos, os portugueses incluem na lista dos grandes acontecimentos
mundiais os massacres no cemitrio Dli (1,7%), a independncia de Timor (2,5%), mas
tambm o Brasil Campeo Mundial 2002 (1,7%). Por seu turno, os timorenses incluem
diversos acontecimentos relativos a Portugal e a outros pases de lngua oficial portuguesa
entre os grandes acontecimentos mundiais: descobrimentos portugueses (4,2%); 25 de
Abril de 1974 (4,2%); Euro 2004 (4,2%); Guerra em Angola (3,1%); Evangelizao de
Timor (3,1%); Milagres de Ftima (2,1%)11.
As referncias ao mundo lusfono fazem-se sentir nos resultados dos timorenses,
totalizando 6,5% do total de evocaes de acontecimentos mundiais, mas qual o seu peso face
s referncias aos pases asiticos, e muito em particular Indonsia? Para alm dos atentados
terroristas em Bali e em Jacarta, aos quais j fizemos referncia, os timorenses consideram
ainda a guerra em Aceh, a corrupo na Indonsia e as eleies presidenciais na
Indonsia (ocorridas em Outubro de 2004), como importantes acontecimentos mundiais,
totalizando 7,3% das evocaes. As referncias a outros pases asiticos so menores (2,1%do total de evocaes), no havendo nenhuma referncia ao outro grande pas vizinho, a
Austrlia.
Por seu turno, nos resultados dos portugueses as referncias aos outros pases da CPLP,
em acontecimentos que no envolvem directamente Portugal, totalizam apenas 1,5% das
evocaes, percentagem muito menor do que a verificada em Timor (6,5%). No h nas
respostas dos portugueses qualquer referncia a pases asiticos, com excepo dos
acontecimentos que envolvem conflitos com em que participaram pases ocidentais (por
exemplo: Bomba atmica; Guerra do Vietname).
Assim, os portugueses focalizam-se quase exclusivamente nos acontecimentos que
envolvem directamente os pases ocidentais (Europa e Estados Unidos da Amrica) ou nos
acontecimentos relativos ao seu antigo imprio colonial. Em contrapartida, nos timorenses
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11 A Converso da Rssia ao Cristianismo (2,1%) surge igualmente na lista dos grandes acontecimentos da histriauniversal, o que se prende com a grande influncia da Igreja Catlica em Timor.
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so notrias as influncias no s da globalizao, ou melhor dizendo ocidentalizao, mas
tambm as influncias da ocupao indonsia e da colonizao portuguesa. De salientar que
os jovens timorenses que participaram neste estudo nasceram durante a ocupao indonsia e
efectuaram o ensino secundrio em lngua indonsia, tendo optado pelo ensino universitrio
em portugus
12
, constituindo por isso uma minoria.
A memria dos acontecimentos est sempre impregnada de emoes que conferem a
cada evento uma conotao particular. A fim de verificarmos quais as emoes que
portugueses e timorenses associam s suas memrias da histria da humanidade comparmos
as suas respostas relativamente a cada um dos acontecimentos considerados mais relevantes.
Os resultados indicam que existe forte semelhana na conotao emocional dos
acontecimentos nos dois pases. As guerras so sentidas com tristeza, revolta, vergonha e
frustrao. Os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001 originam revolta,frustrao,
perplexidade e medo.
Os descobrimentos portugueses suscitam nos portugueses emoes positivas
(orgulho, alegria,felicidade efascnio) enquanto que nos timorenses suscitam emoes mais
moderadas (contente). A independncia de Timor suscita emoes positivas em ambos os
grupos (orgulho, alegria, felicidade) e o massacre de Santa Cruz emoes negativas em
ambos os grupos, mas enquanto os portugueses mencionam revolta e tristeza, os timorenses
referem um largo espectro de sentimentos negativos, o que reflecte o carcter traumtico deum acontecimento que viveram na sua adolescncia: revolta, medo, nervoso,zangado,pnico.
Na sua globalidade, estes resultados confirmam outros encontrados na literatura (e.g.,
Liu e Hilton, 2005; Namer, 1983), demonstrando que a tonalidade emocional de um
acontecimento depende das pertenas sociais, polticas, geogrficas e econmicas dos grupos
envolvidos.
Paralelamente ao que se verificou relativamente aos acontecimentos, na Tabela 2
podemos constatar alguma convergncia em ambos os pases relativamente s personalidades
consideradas mais importantes na histria da humanidade, ainda que neste caso se acentuem
12 Ao abrigo de um Programa de Cooperao, desde Outubro de 2001 so ministradas na Universidade Nacional de TimorLorosae (UNTL) cinco licenciaturas coordenadas pela Fundao das Universidades Portuguesas nas seguintes reas:Formao de Professores de Portugus, Engenharia Informtica, Engenharia Electrotcnica, Economia/Gesto e CinciasAgrrias (www.fup.pt). Este programa abarca cerca de 500 alunos dos 7000 da UNTL, sendo os restantes cursosministrados, actualmente, em lngua indonsia.CECS Pgina 18 de 37
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as divergncias entre os dois grupos. Como j foi referido, tais divergncias devem-se, em
parte, ao facto da recolha de dados no ter sido efectuada no mesmo perodo em ambos os
pases, o que determinou a utilizao de diferentes ncoras para pensar a histria universal.
Enquanto para os portugueses a ncora foi a II Guerra Mundial, para os timorenses foi o
terrorismo e a Guerra do Iraque, ambos extremamente salientes cognitivamente pela recentereeleio de G. W. Bush.
Nos dados portugueses Hitler surge como o grande vilo da histria universal, sendo de
longe a personalidade mais referida (77,1%), o que vai ao encontro dos resultados
encontrados nos outros pases (Liu et al., 2005). Tambm semelhana dos resultados obtidos
noutros pases, a maior parte das personalidades referidas so governantes e polticos. Do
conjunto das personalidades mundiais evocadas pelos portugueses, a maior parte das
personalidades no Top10 so homens brancos, oriundos de pases ocidentais (Europa ou
Estados Unidos da Amrica).
Em contrapartida, nos dados timorenses Bin Laden lidera a tabela (65,6%), sendo-lhe
atribudo o papel de vilo na nova ordem universal, baseada no medo do terrorismo global,
enquanto Hitler remetido para 12 lugar (16,7%). De salientar que em ambos os grupos se
verifica uma forte associao entre a Bin Laden e G.W. Bush (e em menor grau Saddam):
todos os portugueses que referiram Bin Laden tambm referiram Bush (ambos com 16,1%);
quase todos os timorenses que referiram Bin Laden tambm referiram Bush, que ocupa o 2
lugar na lista das personalidades mundiais (52,1%). Por seu turno, Saddam referido em 9lugar pelos portugueses13 e em 5 lugar pelos timorenses.
Ambos os grupos destacam Joo Paulo II (26,3% dos portugueses e 17,7% dos
timorenses) entre as grandes personalidades mundiais. O facto de a Igreja Catlica Apostlica
Romana ser maioritria em ambos os pases contribuiu seguramente para este resultado, tendo
Joo Paulo II efectuado visitas oficiais em ambos os pases, quatro a Portugal e uma a Timor-
Leste, durante o seu pontificado.
Este destaque particularmente evidente em Portugal, onde Joo Paulo II surge como a
segunda personalidade mundial. Este resultado pode parecer estranho se tivermos em conta a
grande venerao do povo timorense por Joo Paulo II e o facto da sua visita a Dli, onde
celebrou uma missa a 12 de Outubro de 1989, quando Timor era ainda um territrio ocupado
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13 De recordar que os dados portugueses foram recolhidos antes da captura de Saddam (ocorrida em Dezembro de 2003).
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pela Indonsia, ser considerada um marco na luta timorense pela independncia
(www.semanario.tp).
Mais uma vez, na nossa opinio, o maior destaque obtido por Joo Paulo II em Portugal
relativamente a Timor deve-se ao momento de recolha de dados. Recordamos que os dados
em Portugal foram recolhidos em Outubro de 2003, ms em que se comemoraram os 25 anosdo pontificado de Joo Paulo II, acontecimento que teve grande cobertura meditica em
Portugal. Foram organizadas em Portugal diversas actividades comemorativas, com elevados
nveis de participao da populao. A recncia deste acontecimento, pode ter aumentado a
salincia desta personalidade em Portugal.
Foram ainda evocadas outras personalidades envolvidas em causas humanitrias,
destacando-se Nelson Mandela, que o ocupa o sexto lugar em ambos os grupos (referido por
17% dos portugueses e 21,9% dos timorenses).
- Tabela 2 --
Como podemos constatar na Tabela 2, todas as pessoas no Top10 das personalidades
mundiais so homens, excepo da Madre Teresa de Calcut, sendo esta evocada por 18,6%
dos portugueses e 6,3% dos timorenses. Este padro de resultados, fortemente androcntrico
foi tambm encontrado nos outros pases (Liu et al., 2005).
De referir que a percentagem total de evocaes de personalidades femininas muitobaixa tanto em Portugal como em Timor (cerca de 5% do total de evocaes), semelhana
do que acontece noutros pases. A segunda mulher mais evocada foi a Princesa Diana14
(5,6% dos portugueses e 8,3% dos timorenses). Em Portugal so ainda evocadas Joana dArc,
Margaret Thatcher e Marie Curie (todas com 1,7%) e em Timor so evocadas Aung San Sun
Kyi (designada como a Senhora da Birmnia), Mary Robinson e Megawati (todas com
2,1%).
Tendo em conta que a maior parte dos participantes neste estudo so mulheres, este
padro de resultados ilustra claramente os limites de considerar apenas as pertenas grupais na
sua interpretao, j que tanto os homens como as mulheres projectam nas suas respostas a
14 De referir que Diana tambm a segunda mulher mais referida na maior parte dos pases onde foi efectuado este estudo.Tal facto demonstra bem o peso dos media na estruturao das memrias colectivas. De referir ainda que se verifica umaforte associao entre a Princesa Diana e a Madre Teresa, sendo evocadas quase sempre conjuntamente. Tal pode dever-seao facto de ambas terem falecido no mesmo ano e ambas serem associadas a aces humanitrias, como nos referiram
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internalizao da dominao simblica masculina (Amncio, 1994). No entanto, a influncia
do grupo de pertena no deixa de ser patente nos resultados, j que em ambos os pases as
escassas referncias a personalidades femininas so efectuadas quase exclusivamente por
mulheres, tal como se verificou nos dados recolhidos no Brasil (Cabecinhas, Lima e Chaves,
in press).
Apesar destas convergncias de resultados obtidos com estudantes timorenses e
portugueses, mais uma vez possvel observar claramente o impacto das pertenas
identidades nacionais na evocao das personalidades da histria universal.
Os portugueses colocam Salazar (24,6%) e Vasco da Gama (10,2%) no Top10 das
personalidades mundiais. Outros portugueses so tambm considerados personalidades com
impacto na histria da humanidade, entre os quais se destacam Cames (6,8%) e Afonso
Henriques (5,9%). De referir que a nica referncia a personalidades de outros pases da
CPLP a Xanana Gusmo, que colocado pelos portugueses em 24 lugar (5,1%), ex-aequo
com Gorbachov e Napoleo.
Os participantes timorenses tambm colocaram duas personalidades nacionais no Top10
das personalidades mundiais: Xanana Gusmo (36,5%), lder histrico da resistncia
timorense e actual Presidente da Repblica Democrtica de Timor-Leste; e Ximenes Belo
(19,8%), ex-Bispo de Dli, considerado como porta-voz da causa do povo timorense, tendo
recebido, juntamente com Ramos Horta, o Prmio Nobel da Paz em 1996. Outraspersonalidades timorenses so mencionadas como personalidades mundiais, entre as quais se
destacam Nicolau Lobato (5,21%), Presidente da FRETINLIN, morto em combate em 1978;
liurai15 Boaventura (3,1%), que comandou a mais clebre rebelio contra o pagamento de
impostos aos portugueses, conhecida como a Guerra de Manufahi; Mari Alkatiri (3,1%),
actual Primeiro Ministro; e Ramos Horta (3,1%), actual Ministro de Estado dos Negcios
Estrangeiros e Cooperao.
Outras personalidades, directa ou indirectamente, ligadas histria de Timor so
colocadas pelos timorenses entre as dez mais importantes pessoas na histria universal: Kofi
Annan (34,4%), Secretrio Geral das Naes Unidas desde 1996; Suharto (19,8%), Presidente
da Indonsia entre 1968 e 1998; e Srgio Vieira de Melo (17,7%), Administrador Transitrio
algumas jovens timorenses em entrevistas exploratrias (evocando sobretudo a campanha protagonizada por Diana emAngola conta as minas anti-pessoais).
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15 Chefe tradicional timorense, ttulo normalmente hereditrio (Mattoso, 2005: 9).
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da ONU em Timor, entre 1999 e 200216.
So ainda mencionadas outras personalidades relacionadas com a histria de Timor,
embora com menor destaque: Bill Cliton (6,3%), ex-Presidente dos Estados Unidos da
Amrica, que durante o seu mandato realizou vrias aces em favor da causa timorense;
General Wiranto (6,3%), comande militar indonsio, acusado em 2003, pela Unidade deCrimes Graves da ONU, de crimes contra a humanidade cometidos em Timor em 1999;
Habibie (4,2%), Presidente da Indonsia de 1998 a 1999, e que permitiu a realizao do
referendo pela autodeterminao de Timor. Registaram-se igualmente referncias a Sukarno
(2,1%), que declarou em 1945 a independncia da Indonsia e viria a tornar-se o seu primeiro
Presidente, entre 1948 e 1968, e sua filha, Megawati Sukarnoputri (2,1%), Presidente da
Indonsia entre 2001 e 2004. De referir que Megawati esteve presente na cerimnia da
restaurao da independncia a 20 de Maio de 2002.
Verificamos assim que diversas personalidades indonsias foram consideradas pelos
timorenses como personalidades mundiais: Suharto, Wiranto, Habibie, Megawati, Sukarno.
Todas estas personalidades, excepo de Sukarno17, estiveram envolvidas na histria recente
de Timor. De entre as diversas personalidades indonsias evocadas pelos participantes,
Suharto e Wiranto so os que suscitam emoes mais negativas enquanto Sukarno e
Megawati suscitam emoes positivas.
Embora com menor expresso, os jovens timorenses fazem referncias a algumas
personalidades portuguesas. Mas, neste caso, no so os actores recentes da histria que soevocados: Cames (4,2%), Vasco da Gama (4,2%) e Salazar (2,1%). excepo de Salazar,
as personalidades portuguesas evocadas suscitam emoes positivas. De salientar que as
escassas referncias a portugueses so efectuadas pelos estudantes da licenciatura em Ensino
de Portugus. Quanto a personalidades de outros pases de CPLP, para alm de Portugal, a
16 Terminada a sua misso em Timor, Srgio Vieira de Melo foi nomeado Alto Comissrio das Naes Unidas para osDireitos Humanos, em Setembro de 2002. Em maio de 2003, foi indicado pelo Secretrio Geral das Naes Unidas, KofiAnnan, como seu Representante Especial no Iraque, onde foi morto num atentado terrorista, em Bagdad, a 19 de Agosto de
2003. De referir que 3,13% dos timorenses inquiridos colocaram o atentado que vitimou Srgio Vieira de Mello entre osgrandes acontecimentos da histria da humanidade. Curiosamente, no h qualquer referncia a esta personalidade nem aeste acontecimento nos dados recolhidos no Brasil nem em Portugal, embora este acontecimento fosse muito recente naaltura em que os dados foram recolhidos em ambos os pases (respectivamente, Novembro e Outubro de 2003). Para umaanlise comparativa Brasil Portugal ver Cabecinhas, Lima e Chaves, in press.17 Pramoedya Ananta Toer, escritor indonsio em entrevista no Expresso em 13 de Julho de 1999 afirma: Aquilo queaconteceu em Timor-Leste em 1975, com a ocupao e a posterior represso, no nada menos que uma traio aosprincpios dos fundadores da Indonsia moderna e independente. Sukarno, o pai da ptria, nunca considerou Timor-Lestecomo parte integrante da Indonsia; para ele, o territrio da Indonsia correspondia exactamente colnia holandesa, deSabang a Merauke. Assim, depois de 1975, a Indonsia tornou-se duma antiga colnia numa potncia colonial, o que foi
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nica evocada o brasileiro Srgio Vieira de Mello, ao qual j fizemos referncia.
Resumindo, apesar do questionrio remeter para os ltimos mil anos da histria
universal, acontecimentos muito recentes, como os atentados terroristas de 11 de Setembro de
2001 e a invaso do Iraque em 2003, conduziram grande salincia das personalidades
associadas a estes acontecimentos George W. Bush, Bin Laden e Saddam Hussein - tanto
para os portugueses como para os timorenses. Para alm destas personalidades, que
evidenciam o grande impacto da globalizao e dos meios de comunicao, cada pas faz
referncia a algumas personalidades da sua histria nacional como sendo personalidades de
impacto mundial. No caso dos timorenses, no s foram destacadas personalidades
timorenses, como tambm os altos funcionrios da ONU envolvidos no processo de paz e de
transio democrtica, assim como personalidades indonsias e portuguesas.
Tal como a memria dos acontecimentos, a evocao das personalidades tambm est
impregnada de emoes. Os resultados indicam que existe forte semelhana na conotao
emocional associada s personalidades mundiais evocadas por ambos os grupos. Hitler, Bin
Laden e Saddam Hussein surgem como os grandes viles, tanto para portugueses como para
timorenses, sendo-lhes associadas emoes fortemente negativas: revolta, repulsa, dio,
medo. Os heris consensuais so os que lutaram por causas humanitrias Nelson Mandela e
Madre Teresa de Calcut -, sendo-lhes associadas emoes fortemente positivas: admirao,
orgulho e simpatia. Heris consensuais para ambos os grupos so tambm Xanana Gusmo e
Joo Paulo II: tanto portugueses como timorenses consideram que estas personalidades
tiveram um impacto muito positivo na histria da humanidade (M=6,8) e declaram sentir
admirao, orgulho e gratido.
Representaes da Histria Nacional: Factos e Figuras
No que respeita aos acontecimentos da histria nacional de cada um dos pases, o tipode memrias histricas evocadas difere consideravelmente em Portugal e em Timor. A
principal diferena prende-se com a recncia dos acontecimentos evocados e a sua tonalidade
emocional. Embora ambos os grupos privilegiem acontecimentos recentes em detrimento dos
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no s um acto estpido, como tambm um acto desumano(http://primeirasedicoes.expresso.clix.pt/ed1396/r0801.asp?r0741,r0801&rel).
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mais distantes temporalmente, o que se justifica facilmente pela sua maior acessibilidade
cognitiva, no caso dos timorenses essa focalizao no passado muito recente muito mais
notria. Para tal ter contribudo seguramente o carcter traumtico dos acontecimentos. Em
contrapartida, os portugueses evocam o glorioso passado distante, correspondente poca
dos descobrimentos.
- Tabela 3
Como podemos observar na Tabela 3, os acontecimentos que assinalam a independncia
nacional assumem um lugar de destaque em ambos os pases. Os portugueses referem a
Fundao do estado portugus (1143; quando Afonso Henriques protagoniza a ruptura poltica
com o Reino de Leo e proclamado Rei) e a Restaurao da independncia (1640; quando
Portugal recupera a independncia, aps 80 anos de domnio espanhol). Ambos os
acontecimentos so considerados muito positivos pelos participantes (M=6,75) e a eles so
associadas emoes positivas.
Por seu turno, os timorenses referem a [restaurao da] independncia de Timor-Leste18
(45,8%), a 20 de Maio de 2002, e os diversos acontecimentos que a precederam: o referendo
de 1999 (43,8%) e o Prmio Nobel da Paz (14,6%), atribudo a Ximenes Belo e a Ramos
Horta em 1996. A independncia de Timor o acontecimento que os participantes consideram
como o mais positivo da histria do pas (M=6,95), seguido da atribuio do Prmio Nobel daPaz (M=6.91). O referendo de 30 de Agosto de 1999 obtm uma avaliao positiva, mas mais
baixa (M=5,78), isto porque alguns participantes efectuam uma associao entre o referendo e
as suas consequncias imediatas: o Setembro negro de 1999 (M=1,5), que se traduziu em
massacres, violaes, pilhagens e incndios.
O acontecimento que merece maior destaque para os jovens timorenses o massacre
de Santa Cruz (78,1%), ocorrido a 12 de Novembro de 1991. Nesse dia, o exrcito indonsio
abriu fogo sobre milhares de manifestantes pacficos, que se dirigiam ao cemitrio de Santa
Cruz para homenagear Sebastio Gomes, jovem timorense assassinado duas semanas antes na
igreja de Motael. Estima-se que este massacre resultou em cerca de 300 mortos. As filmagens
do massacre efectuadas pelo jornalista Max Stahl, percorreram o mundo, dando origem
maior campanha de denncia do genocdio contra o povo de Timor-Leste, aumentando as
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18 A maior parte dos timorenses coloca simplesmente a data do acontecimento 20 de Maio de 2002, outros referem aIndependncia de Timor 2002 e outros referem a Restaurao da Independncia 2002.
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presses sobre os principais organismos internacionais com vista resoluo da questo de
Timor.
As divergncias mais notrias no padro de resposta dos portugueses e timorenses
registam-se na evocao e tonalidade emocional associada aos acontecimentos relacionadoscom os descobrimentos, o colonialismo e a descolonizao.
Os portugueses colocam os descobrimentos como o segundo evento mais importante da
sua histria nacional, com uma percentagem de evocaes muito prxima da do 25 de Abril
de 1974 (respectivamente, 79,7% e 80,5%). Ambos os acontecimentos so considerados pelos
participantes como muito positivos (respectivamente: M=6,58 e M=6,41).
Tendo em conta que os descobrimentos constituem um acontecimento bastante remoto,
a sua elevada salincia deve-se ao facto de este ser constantemente reactualizado nos manuais
escolares e nos media, onde apresentado como o momento mais glorioso da histria
nacional. A este propsito salientar os resultados obtidos por Miranda (2002), em que os
jovens portugueses valorizam sobretudo a sua Histria face a outros elementos de
comparao com os outros pases.
As questes ligadas colonizao e descolonizao merecem particular destaque nos
dados portugueses: colonialismo (16,1%); descolonizao (16,1%); Guerra Colonial (10,2%).
Contrariamente aos descobrimentos, cujo impacto na histria nacional considerado
consensualmente positivo (M=6,41), o colonialismo avaliado negativamente (M=2,18),sendo a Guerra Colonial considerada o acontecimento mais negativo da histria nacional
(M=1,27), ambos suscitando emoes fortemente negativas. Por seu turno, a
descolonizao afigura-se como o acontecimento mais polmico, uma vez que as opinies
sobre a sua valncia cobrem todo o espectro da escala, desde as mais positivas s mais
negativas, o que d origem a uma mdia de valncia que, embora negativa, pouco se distncia
do ponto neutro da escala (M=3,53).
Os timorenses fazem referncia colonizao portuguesa (11,5%) como um dos
acontecimentos mais importantes na histria nacional e tambm, embora com menor
destaque, evangelizao de Timor e chegada dos missionrios portugueses (5,2%).
Os timorenses avaliam o colonialismo portugus de forma negativa (M=2,3), no
entanto, avaliam de forma muito positiva a chegada dos missionrios portugueses e a
evangelizao portuguesa (M=6,8). Assim, constata-se de forma clara uma ambivalncia
em relao da presena portuguesa no territrio dependendo da ncora que activada noCECS Pgina 25 de 37
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contexto particular: a sobreexplorao dos recursos naturais avaliada negativamente, mas
a evangelizao avaliada positivamente.
Os acontecimentos considerados mais negativos na histria de Timor so a invaso do
territrio pela Indonsia em 1975 (M=1,4) e os diversos massacres que ocorreram durante a
ocupao indonsia, sendo os mais referidos, o massacre de Santa Cruz (1991), o massacre deKrars (1983), o massacre de Likia (1999), o massacre de Suai (1999), todos obtendo mdias
de valncia muito negativas (M=1,4 e M=1,5) e suscitando emoes muito negativas: medo,
pnico, revolta, nervoso.
A Guerra Civil em 1975 tambm um dos acontecimentos avaliados mais
negativamente (M=1,7). ainda dado considervel destaque tragdia 4 de Dezembro de
2002 (M=2,2), o que provavelmente se deve recncia do acontecimento e ao facto de se ter
registado uma reincidncia no mesmo dia em 2003. Tendo em conta a juventude dos
inquiridos natural que os acontecimentos que eles prprios presenciaram recentemente
estejam muito mais disponveis em memria e por isso sejam mais facilmente evocados do
que acontecimentos mais distantes do quais apenas ouviram falar.
A falta de uma historiografia nacional faz-se igualmente notar. No demais salientar a
extrema dificuldade da tarefa que pedimos a estes jovens, j que os livros de histria a que
tiveram acesso durante o seu percurso escolar foram os livros indonsios e mais recentemente
os livros portugueses, quando esta lngua foi reintroduzida oficialmente no territrio. Mas
falta uma histria escrita pelos timorenses. Em algumas entrevistas exploratrias os jovensestudantes declaram no saber o que est para trs. Talvez por isso, as referncias ao
passado anterior ocupao indonsia so pouco frequentes. Assim, por exemplo, a
proclamao unilateral de independncia a 28 de Novembro de 1975 foi evocada por 5,2%
dos participantes e um acontecimento to dramtico como a invaso nipnica (de Fevereiro de
1942 a Setembro de 1945) durante a qual se estima tenham perdido a vida cerca de 50 000
timorenses, foi referida por 4,2% dos jovens.
Os nicos acontecimentos que so referidos como importantes na histria nacional de
ambos os grupos e que suscitam emoes diferenciadas so precisamente aqueles em que a
histria das duas naes est interligada. J referimos que tanto os jovens portugueses como
os jovens timorenses evocam a colonizao atribuindo-lhe uma conotao negativa
(respectivamente, M=2,2 e M=2,3). No contexto da histria nacional, a colonizao suscita
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nos jovens portuguesesfrustrao, vergonha, revolta, mas tambm orgulho. Por seu turno, os
jovens timorenses declaram sentir-sefrustrados ezangados com a colonizao portuguesa.
Outro acontecimento referido por ambos os grupos o 25 de Abril, referido por 80,5%
dos participantes portugueses e 6,3% dos timorenses19. Enquanto nos portugueses o 25 de
Abril suscita admirao, alegria efelicidade. Os timorenses referem emoes ambivalentes:alegria, admirao e frustrao. Esta ambivalncia verifica-se igualmente na evocao da
Guerra de Manufahi (referida por 5,2% dos timorenses). A mais clebre revolta de timorenses
contra os portugueses foi reprimida com um banho de sangue em 1912 (Mattoso, 2005: 32).
Os jovens timorenses referem sentir simultaneamente orgulho e tristeza face a este
acontecimento.
Em contrapartida, a ocupao indonsia suscita consensualmente emoes muito
negativas: revolta,frustrao, tristeza, medo,zanga.
A Tabela 4 apresenta as personalidades mais referidas pelos participantes no mbito da
histria nacional dos respectivos pases. Como podemos observar, o padro de resultados
apresenta considerveis divergncias. A divergncia mais notria diz respeito valncia
avaliativa e tonalidade emocional associadas s personalidades evocadas.
Em Portugal, apesar do muito apregoado pessimismo nacional (e.g. Gil, 2004), dentre as
dez personalidades mais evocadas (Top10), todas so avaliadas de forma positiva, excepo
de Antnio Oliveira Salazar, cujo impacto na histria de Portugal considerado muitonegativo pelos jovens (M=2,25). No entanto, trata-se de longe a personalidade com maior
percentagem de evocao (77,1%).
Em contrapartida, em Timor, cerca de metade das personalidades que figuram no Top10
so viles enquanto a outra metade so heris. Xanana Gusmo a personalidade mais
evocada (85,4%), seguido dos laureados com o Prmio Nobel da Paz, Ximenes Belo (82,3%)
e Ramos Horta (56,3%). A estas personalidades atribudo um papel muito positivo na
histria de Timor (todos com mdias de valncia superiores a 6,5), o mesmo acontecendo com
outros lderes religiosos (Baslio de Nascimento) ou polticos (Nicolau Lobato, Mrio
Carrascalo, Francisco Xavier Amaral) embora com mdias de impacto mais baixas.
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19 So os estudantes mais velhos, frequentando o curso de formao de professores, que referem este acontecimento.Enquanto os participantes portugueses evocam o acontecimento referindo a data 25 de Abril de 1974 ou simplesmente25 de Abril, os jovens timorenses evocam a Revoluo dos Cravos, sem referir a data. Passa-se um fenmeno paralelono que respeita independncia de Timor: os timorenses referem-se maioritariamente data 20 de Maio de 2002enquanto os portugueses designam o acontecimento sem data Independncia de Timor.
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As personalidades cujo impacto foi considerado mais negativo na histria de Timor
foram os lderes das milcias, Eurico Guterres (M=1,2) e Joo Tavares (M=1,2). Os jovens
timorenses tambm atriburam um impacto negativo a Ablio Osrio e a Francisco Lopes da
Cruz, embora no to acentuado.
Ainda que no figurem no Top10 no podemos deixar de mencionar outras daspersonalidades consideradas pelos jovens como tendo tido um impacto importante na histria
de Timor, seja ele positivo ou negativo. Assim, no plo positivo destacam-se as referncias
aos lderes das FALINTIL (Foras Armadas da Libertao Nacional de Timor-Leste), que os
jovens designam maioritariamente pelos seus nomes de cdigo: Sahe (7,3%); Taur Matan
Ruak (7,3%), Konis Santana (6,3%), Lu-Olo (5,2%), L-Sete (4,2%), David Alex (3,2%), entre
outros com percentagens de evocao menores. A estes heris, que lutaram pela libertao do
seu povo, so associadas emoes muito positivas: admirao, orgulho e gratido.
Entre as personalidades estrangeiras a quem atribudo um impacto importante na
histria de Timor, destaca-se no plo positivo Srgio Vieira de Mello (4,2% das referncias;
mdia de impacto =6,7). No plo negativo destacam-se Suharto (9,4%; mdia de impacto
=1,3) e Wiranto (6,3%; mdia de impacto =1,3), a quem so atribudas emoes negativas:
dio, raiva, repulsa, medo.
Em Portugal apenas uma mulher colocada entre as dez mais importantes
personalidades nacionais: a fadista Amlia Rodrigues (1920-1999). Em Timor-Leste nenhuma
mulher colocada no Top10, no entanto, trs personalidades nacionais femininas sodestacadas: Rosa Muki Bonaparte (7,3%), fundadora da OPMT (Organizao Popular das
Mulheres Timorenses; 28 de Agosto de 1975) e que viria a ser assassinada pelas tropas
indonsias; Olindina Maria Caeiro (3,2%); e Ana Pessoa (2,1%). No total as referncias a
personalidades nacionais femininas muito baixa em ambos os pases. Este padro de
resultados, fortemente androcntrico, semelhante ao que foi encontrado relativamente
histria universal.
- Tabela 4
Resumindo, no caso dos portugueses, Salazar a nica personalidade colocada no
Top10 cujo impacto na histria nacional foi considerado negativo, sendo atribudo s restantes
personalidades um impacto positivo, com particular destaque para Cames, Eusbio, Afonso
Henriques e Vasco da Gama. No caso dos timorenses, surgem no Top10 personalidades comCECS Pgina 28 de 37
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tonalidade emocional claramente positiva ou claramente negativa.
Na listagem portuguesa os polticos esto em maioria, embora seja tambm dado lugar
de destaque a poetas (Cames, Fernando Pessoa), navegadores (Vasco da Gama, Pedro
lvares Cabral) e a futebolistas (Eusbio e Lus Figo). Na listagem timorense os polticos
constituem igualmente a maioria, sendo dado enorme relevo s personalidades associadas luta pela independncia do Timor-Leste, mas tambm aos que se opuseram a ela. Na listagem
timorense os lderes religiosos obtm considervel destaque (Ximenes Belo, Baslio de
Nascimento), o que se prende com o papel decisivo da Igreja Catlica timorense na luta pela
independncia do territrio (Cf: Mattoso, 2005).
Consideraes Finais
O objectivo deste trabalho foi analisar o papel das pertenas nacionais na estruturao
das memrias histricas de jovens portugueses e timorenses. No que respeita histria
universal, as memrias evocadas pelos jovens evidenciam, por um lado, a influncia do
processo de globalizao e, por outro, a influncia da proximidade, seja ela geogrfica,
cultural ou lingustica.
Ao recordar a histria da humanidade, os participantes de ambos os pases evocaram um
ncleo comum de acontecimentos e personalidades histricas, mas tambm acontecimentos e
personalidades especficos das suas histrias nacionais. No caso especfico dos jovenstimorenses, os resultados evidenciam claramente a influncia da ocupao indonsia na
estruturao das memrias, mas tambm, embora em menor grau, a influncia da pertena
comunidade lusfona. Este resultado o reflexo da socializao formal a que foram
submetidos estes jovens, j que fizeram quase todo o seu percurso escolar em lngua indonsia
e s mais recentemente comearam a ter contacto com a lngua portuguesa, na universidade e
atravs dos media20. Julgamos, no entanto, que os resultados teriam sido bem diferentes se o
questionrio tivesse sido redigido em ttum ou em malaio.
Apesar de os participantes terem sido chamados a pronunciar-se sobre os ltimos mil
anos da histria da humanidade, verificou-se uma grande focalizao no passado recente
(sobretudo na histria do sculo XX). Os acontecimentos e personalidades evocados
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20 No perodo em que realizmos este estudo havia apenas um jornal semanal em lngua portuguesa Semanrio(www.semanario.tp). Pouco depois de terminada a recolha de dados, foi inaugurado o Timor Contacto a 20 de Novembro de2004 (ver http://programas.rtp.pt/canais-tv/rtpi/magazine.php?canal=5).
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http://www.semanario.tp/http://www.semanario.tp/7/31/2019 Identidade e Memoria Em Timor
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reflectem, como j salientmos, a grande influncia processo de globalizao, registando-se,
imensas semelhanas com os resultados obtidos com jovens estudantes em outros pases da
Amrica, sia, Europa e Ocenia (e.g., Cabecinhas et al., in press; Liu et al., 2005).
Verifica-se uma focalizao nos acontecimentos e personalidades com forte impacto
emocional, seja ele positivo ou negativo. Nos dois pases os grandes conflitos blicos quemarcaram a histria do sculo XX e os atentados terroristas ocorridos no incio do sculo XXI
originaram o mesmo tipo de emoes negativas, ao passo que os eventos e as personalidades
relacionados com as lutas pela auto-determinao dos povos, a promoo da igualdade e dos
direitos humanos desencadeiam emoes positivas nos participantes de ambos os pases.
Os temas predominantes em ambos os pases so de natureza blica e poltica: guerras,
revolues, terrorismo, genocdios. Na nfase dada a outros temas verifica-se uma assimetria
entre portugueses e timorenses: os portugueses do maior relevo a problemticas ligadas s
novas tecnologias e aos bens de consumo (por exemplo, a inveno de meios transportes,
novas tecnologias de informao e comunicao) enquanto que os timorenses do maior
destaque a questes humanitrias (Declarao Universal dos Direitos Humanos, etc.), a
questes socioeconmicas (fome, pobreza, etc.), sade pblica (Sida, gripe das aves, etc.) e
s catstrofes naturais (terramotos, tempestades, etc.).
Tais resultados evidenciam o grande peso das situaes objectivas de precariedade
socioeconmica nas respostas dos jovens. Assim, as respostas dos timorenses espelham os
condicionalismos ligados ao facto de este ser um dos pases mais pobres da sia enquanto asrespostas dos portugueses denunciam o estilo de vida consumista tpico dos pases mais
desenvolvidos.
Em ambos os pases se verifica um esquecimento das personagens femininas. As
personalidades consideradas mais importantes so na sua esmagadora maioria homens,
brancos e cristos, oriundos de pases ocidentais (Amrica do Norte e Europa), especialmente
no caso dos dados portugueses.
Paralelamente ao que se verificou nas evocaes da histria universal, os dados
evidenciam tambm o silenciamento do papel das mulheres e outras minorias sociais na
histria nacional. No entanto, no caso dos timorenses dado claro destaque s personalidades
que se empenharam na luta pela independncia, nomeadamente os guerrilheiros das
FALINTIL. Os massacres sofridos pela populao timorense, a luta contra a ocupao
indonsia e a conquista da independncia so os acontecimentos aos quais os jovens
timorenses do maior destaque no mbito da sua histria nacional.CECS Pgina 30 de 37
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Os descobrimentos so considerados como um dos acontecimentos mais importantes da
histria de Portugal, suscitando emoes consensualmente positivas nos jovens portugueses, o
que denuncia a persistncia da idealizao deste perodo da histria de Portugal, tal como tem
vindo a ser evidenciado empiricamente por diversos autores (e.g. S, Oliveira e Prado, 2004;
Vala e Saint-Maurice, 2004). No entanto, importante ter em conta que os nossos resultadosevidenciam no uma idealizao da colonizao, mas uma idealizao dos
descobrimentos, dos quais so desligados os efeitos nefastos da colonizao.
Assim, como refere Loureno (1990: 22), estamos perante uma estranha
permanncia no seio da mudana j que o imprio permanece no nosso imaginrio. Na
mesma linha de ideias, Alexandre (1999: 143-144) considera que o mito do luso-
tropicalismo no se dissipou com a queda do Imprio, continuando a circular de forma
difusa, mesmo nas camadas mais jovens. Segundo o autor esta persistncia deve-se, por um
lado, ao peso avassalador dos aparelhos ideolgicos do Estado Novo na formao das
mentalidades, com consequncias a longo prazo e, por outro, ao paralelismo entre o luso-
tropicalismo e algumas das ideias de fundo do nacionalismo portugus (a capacidade
colonizadora, a faculdade de relacionamento harmonioso com os povos de outras raas, a
misso civilizadora do pas).
Ao evocarem espontaneamente a colonizao os participantes portugueses, tal como
os timorenses, associam a esse acontecimento, sobretudo, emoes de tonalidade negativa.
Apesar de avaliarem o colonialismo portugus de forma negativa, os timorenses avaliam deforma muito positiva a chegada dos missionrios portugueses e a evangelizao
portuguesa. Assim, constata-se de forma clara uma ambivalncia em relao da presena
portuguesa no territrio dependendo da ncora que activada no contexto particular: a
colonizao conotada com explorao dos recursos naturais sendo avaliada
negativamente, enquanto a evangelizao avaliada positivamente.
De um modo geral, os resultados encontrados neste estudo confirmam amplamente aos
pressupostos adoptados de que a memria se constri e se expressa socialmente, de tal
maneira que tanto a codificao, quanto o armazenamento e a recuperao das informaes
so produtos das relaes sociais dos indivduos e grupos.
Embora tenhamos recolhido dados que nos permitem analisar os padres de
identificao dos participantes com diversos grupos (nacionais, supranacionais, tnicos, etc.) e
averiguar a relao entre os padres de identificao dos participantes e a vivncia emocional
das memrias histricas, essa uma anlise complexa que ainda no conclumos. Com baseCECS Pgina 31 de 37
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em anlises complementares destes dados e tambm com a recolha de novos dados,
pretendemos explorar de forma mais sistemtica o papel da identidade social na estruturao
das memrias.
Neste trabalho efectumos apenas comparaes em funo das pertenas nacionais. A
sua continuidade exige o