Igor Rafael Oliveira Carneiro - TCC

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    CENTRO UNIVERSITRIO DE JOO PESSOAUNIPCURSO DE DIREITO

    NCLEO DE MONOGRAFIA

    IGOR RAFAEL OLIVEIRA CARNEIRO

    A ASSISTNCIA SOCIAL COMO DIREITO UNIVERSAL E SEU PAPEL NAEFETIVAO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

    JOO PESSOA2013

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    IGOR RAFAEL OLVEIRA CARNEIRO

    A ASSISTNCIA SOCIAL COMO DIREITO UNIVERSAL E SEU PAPEL NAEFETIVAO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

    Trabalho de Concluso de Curso TCC -apresentado ao Centro Universitrio deJoo Pessoa UNIP, como requisitoparcial de concluso de curso paraobteno do grau de Bacharel em Direito.

    Orientador: Jos Antnio CoelhoCavalcante

    rea: Direito Previdencirio

    JOO PESSOA2013

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    C280a Carneiro, Igor Rafael Oliveira.

    A assistncia social como direito universal e seu papel na

    efetivao dos direitos fundamentais.

    Igor Rafael Oliveira Carneiro. -- Joo Pessoa, 2013.

    55f.

    Monografia (Curso de Graduao em Direito) Centro

    Universitrio de Joo PessoaUNIP

    UNIP/ BC CDU- 347

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    TERMO DE RESPONSABILIDADE

    Eu, Igor Rafael Oliveira Carneiro responsabilizo-me integralmente pelo

    contedo da Monografia apresentada ao Curso de Graduao em Direito do CentroUniversitrio de Joo Pessoa UNIP, sob o ttulo A ASSISTNCIA SOCIAL

    COMO DIREITO UNIVERSAL E SEU PAPEL NA EFETIVAO DE DIREITOS

    FUNDAMENTAIS, eximindo terceiros de eventuais responsabilidades sobre o que

    nela est escrito.

    Joo Pessoa, 06 de novembro de 2013.

    IGOR RAFAEL OLIVEIRA CARNEIRO

    RG 3145174 SSP-PB

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    IGOR RAFAEL OLIVEIRA CARNEIRO

    A ASSISTNCIA SOCIAL COMO DIREITO UNIVERSAL E SEU PAPEL NAEFETIVAO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

    BANCA EXAMINADORA

    ___________________________________________________________________Prof. Jos Antnio Coelho Cavalcante

    ___________________________________________________________________1 Examinador

    ___________________________________________________________________2 Examinador

    JOO PESSOA2013

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    Dedico o presente trabalho a Deus,grande inspirador, a quem tudo devo, aos

    meus familiares, com infinita gratido, aomundo, que me acolheu como ser viventee ao qual eu desejo sempre servir.

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    AGRADECIMENTOS

    Agradeo em primeiro lugar a Deus, meu grande e eterno amor, a quem eu devo

    toda a minha vida, inteligncia e discernimento. Alm de todas as graas que,deliberadamente, disps para que pudesse lutar para a concretizao dessetrabalho, fazendo-me sentir um ser iluminado.

    Aos meus familiares, minha me, Cleuma Oliveira de Farias Rodrigues, meu pai,Jonates Oliveira Carneiro meu padrasto, Jos Antnio Rodrigues da Silva, e osmeus pequenos amados irmos, por todo apoio, compreenso e respeito a todas asdificuldades que encontrei na concretizao desse trabalho. Tambm todos os meusfamiliares, sobretudo Suely Oliveira Carneiro, Clvis Alberto Tavares, HarrisonOliveira de Farias e Clemilson Oliveira de Farias.

    Ao Dr. Valberto Cosme de Lira, que me inspirou a, em meio a todas as injustias quese v no mbito jurdico, querer exercer um cargo dentro desta rea to incoerente,alm de meus ex-colegas da Promotoria do Cidado: Gilma, Simone, Mnica,Leandro e Jucileide, por todos os ensinamentos e a maravilhosa convivncia da qualsinto saudades.

    os professores Armando Albuquerque, Rogrio Magnus Varela, Sandra Valado,Antnio Carlos Escorel, Alexandre Belo e Paulo Maia Filho, por todo apoio e,especialmente, agradeo professora Hertha Urquiza, a quem abandonei em meio aminha incapacidade, e ao meu orientador, o professor Jos Antnio CoelhoCavalcante por todo apoio e pacincia.

    Enfim, a todos os amigos que permitiram e me ajudaram para isso tudo fosseconcretizado e Comunidade Catlica Shalom pela minha recuperao.

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    Onde no h amor, plante amor e colhersamor.

    So Joo da Cruz

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    RESUMO

    A temtica central deste trabalho monogrfico a assistncia social como direito

    universal e o seu papel na efetivao dos direitos fundamentais. Para a explanao,optou-se pela corrente da multidisciplinaridade, usando de um mtodo bibliogrficopelo qual utilizou-se de livros de diversas reas do conhecimento, como a Filosofia,a Sociologia, o Servio Social, a Cincia Poltica, alm reas diversas dentro doprprio Direito, como Direitos Humanos, Direito Constitucional, Filosofia do Direito, eDireito da Seguridade Social. Utilizando-se dos mtodos dedutivo e sistemtico,buscou-se, aliado a uma busca de uma conceituao com a maior amplitudepossvel, a coadunao e coerncia dentro de um sistema, com vrias normas econceitos de diversas reas que concorrem para o mesmo fim. Para a resoluo doproblema da qualificao da assistncia social como direito universal, buscou-seencontra-lo dentro da histria, qualificando-o como direito fundamental, que tipo de

    direito fundamental, a ligao com o direito com o princpio da dignidade da pessoahumana e o seu substrato tico e valorativo, de modo que a razo de ser do direito aassistncia social pudesse ter alcance de ordem global. Posteriormente, postulou-seacerca da universalidade tica do direito assistncia social, suas motivaes, seusalcances e suas consequncias, e, por fim, analisou-se acerca do papel do direito assistncia social em dar efetividade aos direitos fundamentais, no somente comoum direito fundamental em si, mas sendo como de fundamental importncia para aeficcia de outros direitos fundamentais, tanto de ordem individual como de ordemsocial.

    Palavras-chave:Assistncia social: Direitos universais: Direitos Fundamentais.

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    ABSTRACT

    The central theme of this monograph is the social assistance as a universal right and

    its role in the enforcement of fundamental rights. For the explanation, opted for the

    current multidisciplinary approach, using a method by which literature was used for

    books of various fields of knowledge, such as Philosophy, Sociology , Social Work,

    Political Science, and various areas within the law itself, as Human Rights,

    Constitutional Law, Philosophy of Law and Social Security Law. Using the deductive

    and systematic methods, we sought together with a search for a concept to the fullest

    extent possible, Consistency and coherence within a system, with various standards

    and concepts from different areas that compete for the same purpose. To solve theproblem of the classification of social assistance as a universal right, we tried to find it

    in the story, describing it as a fundamental right, what kind of fundamental right , the

    link to the right with the principle of human dignity and its ethical and evaluative

    substrate, so that the rationale for the right to social assistance could have a range of

    global order. Subsequently, it has been postulated about the ethical universality of

    the right to social assistance, their motivations, their scope and their consequences,

    and finally analyzed on the role of the right to social assistance in giving effect tofundamental rights, not only as a fundamental right in itself but as being of

    fundamental importance to the effectiveness of other fundamental rights, both in

    terms of individual and social order.

    Keywords: Social assistance: Universal rights: Fundamental rights.

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    SUMRIO

    INTRODUO ............................................................................................. 12

    1 A ASSISTNCIA SOCIAL........................................................................... 15

    1.1 ANTEVISES DA ASSISTNCIA SOCIAL .................................................. 15

    1.2 HISTRIA DA ASSISTNCIA SOCIAL NO MUNDO ................................... 19

    1.3 HISTRIA DA ASSISTNCIA SOCIAL NO BRASIL.................................... 20

    1.4 NATUREZA DA ASSISTNCIA SOCIAL ..................................................... 21

    1.5 CONCEITO DE ASSISTNCIA SOCIAL ...................................................... 22

    1.6 OBJETIVOS E DIRETRIZES DA ASSISTNCIA SOCIAL ........................... 23

    1.7 PRINCPIOS DA ASSISTNCIA SOCIAL .................................................... 24

    2 ASSISTNCIA SOCIAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL....................... 26

    2.1 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................. 27

    2.1.1 Direitos fundamentais de segunda dimenso......................................... 28

    2.2

    DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E ASSISTNCIA SOCIAL ................. 30

    2.2.1 Dignidade da pessoa humana em sua expresso religiosa ................... 30

    2.2.2 Dignidade da pessoa humana em sua expresso filosfica .................. 31

    2.2.3 Dignidade da pessoa humana na Constituio Federal de 1988............ 35

    2.3 ASSISTNCIA SOCIAL PELA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA .......... 36

    2.3.1 Justia social e dignidade da pessoa humana ........................................ 37

    2.3.2

    Assistncia social como norma tica em busca da dignidade............... 40

    2.3.2.1 tica e responsabilidade poltica na assistncia social ................................. 43

    3 A UNIVERSALIDADE TICA DA ASSISTNCIA SOCIAL ......................... 46

    4 ASSISTNCIA SOCIAL E SEU PAPEL EFETIVADOR DOS DIREITOS

    FUNDAMENTAIS ...................................................................................................... 50

    CONSIDERAES FINAIS ......................................................................... 53

    REFERNCIAS ............................................................................................ 55

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    INTRODUO

    O presente trabalho monogrfico consiste em um estudo sobre a

    universalidade do direito assistncia social e seu papel para tornar eficazes direitos

    fundamentais, mormente alguns que no se opem contra o Estado, ou que no

    gera direito subjetivo contra este.

    Para a consecuo de tal fim, foram seguidos alguns procedimentos

    metodolgicos capazes de aferir um maior nvel cientfico a presente obra.

    Portanto, a natureza de vertente metodolgica usada neste trabalho a

    qualitativa, em virtude de ser um estudo que no se baseia em dados estatsticos e

    no se utiliza destes para descrever, compreender e explicar os assuntosabordados, a fim de analisar o problema.

    Quanto ao mtodo de abordagem, opta-se pelo mtodo dedutivo, em virtude

    de basear-se em princpios e preceitos de ordem geral e de alta abstrao a fim de

    se alcanar concluses particulares, alm do mtodo sistemtico, por considerar o

    Direito como um sistema nico e coerente e, dessa forma, uma concluso influencia

    diretamente a se chegar a outra concluso, de modo que sejam coerentes entre si.

    No que se refere ao mtodo de pesquisa, utilizar-se- a bibliografia indireta,na medida em que se utilizar de vasta doutrina que aborde o tema. Para tanto,

    utilizaremos obras de Ingo Wolfgang Sarlet, Jos Afonso da Silva, Gilmar Ferreira

    Mendes, entre outros.

    A assistncia social que tipo de direito? O que a gerou? Qual a sua

    natureza? Ela consiste em um direito fundamental? Qual o substrato informativo ou

    em virtude de que passou a ser direito fundamental? Alm de direito fundamental,

    pode ser considerado como direito universal, por qu? Existe uma tica universal? Odireito a assistncia social necessrio, por qu? Qual o papel que ele tem na

    concretizao de direitos fundamentais? A razo de ele ser tico e necessrio a

    mesma de ele ser concretizador de direitos fundamentais? Foram estas as

    perguntas necessrias para o desenvolvimento do tema.

    Para respond-las, no primeiro captulo fizemos uma anlise da influncia da

    histria na assistncia social e da sua histria no Brasil e no mundo. Depois disso,

    analisamos a sua natureza, para, s assim, conceitua-la (optou-se pelo termo

    conceito, em vez de definio, em virtude de que, semanticamente, definir

    significa concluir, fechar o conhecimento sobre determinado assunto, e no mbito

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    jurdico, tarefa impossvel, porquanto entende-se como a lei num tempo, espao e

    cultura especficos, sofrendo sempre modificaes ao longo da histria). Assim,

    conceituada, pudemos elencar os objetivos e os princpios, elencados no

    ordenamento jurdico ptrio, para que, baseados neles, pudssemos subtrair a

    axiologia do direito assistncia social.

    Posteriormente, no segundo captulo, passamos a qualificar a assistncia

    social como direito fundamental, conceituando e analisando onde, na histria, ele

    surgiu, e em que em gerao de direitos fundamentais ela se inclui, porque assim,

    pudemos analisar em virtude de que surgiu e quais foram as mudanas que realizou

    no processo histrico. Para tanto, preferiu-se a adoo do termo dimenso em

    detrimento de gerao de direito fundamental, em razo de, concordando-se com aadvertncia de Ingo Wolfgang Sarlet, o termo gerao limita no mbito unicamente

    histrico a anlise dos ditos direitos fundamentais, enquanto dimenso permite se

    chegar a concluso de que esses direitos no se perderam na histria e possuem

    lugar fundamental no ordenamento jurdico.

    A propsito, adotamos a expresso direitos fundamentais em vez de

    direitos humanos, com a finalidade de dar mais ateno ao mbito jurdico interno,

    j que direitos fundamentais so os direitos humanos estabelecidos na ConstituioFederal, enquanto direitos humanos so os positivados na ordem jurdica

    internacional.

    Ainda, no segundo captulo, analisamos a relao do princpio da dignidade

    da pessoa humana com a assistncia social. Dentro do referido princpio,

    procuramos a sua origem na histria no mbito religioso, no filosfico e no

    ordenamento jurdico-constitucional ptrio. Enfim, buscou-se uma assistncia social

    a fim de garantir a dignidade da pessoa humana e suas caractersticas ticas e emfundamentos de justia.

    Concluiu-se o captulo em comento ressaltando a importncia do bem uso

    poltico, em termos de tica e responsabilidade, pelos governantes, das disposies

    no ordenamento jurdico-constitucional ptrio acerca da assistncia social, a fim de

    que estes garantam a liberdade e os fins do Estado Democrtico de Direito.

    No terceiro captulo, estudou-se a possibilidade de uma universalidade tica

    da assistncia social a fim de que, com substrato nela, pudesse se chegar, ou no,

    na concluso de que a assistncia social direito universal.

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    J no quarto e ltimo captulo, buscou-se a adequao do tema, procurando

    verificar a veracidade da afirmao de que a assistncia social tem papel na

    efetivao de direitos fundamentais. Tambm, caso tenha concludo que tal

    sentena verdadeira, qual a importncia da assistncia social na efetivao

    desses direitos e o que tem a ver todo o exposto com o direito assistncia social,

    se ele um direito fundamental por em si, se um direito fundamental para, ou se

    um direito fundamental em si tambm e para a efetivao desses direitos.

    Por fim, nas consideraes finais, sero englobadas todas as ideias

    apresentadas com o intuito de se chegar na concluso final em que se buscou o

    tema.

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    1 A ASSISTNCIA SOCIAL

    Antes que se possa falar da Assistncia Social, faz-se necessrio fazer uma

    reconstruo histrica, visando encontrar a sua raiz e os caminhos por onde andou

    ou, at mesmo, desandou. Descobrindo desde a sua origem na caridade at

    encontrar status de direito universal.

    1.1 ANTEVISES DA ASSISTNCIA SOCIAL

    Assistncia social como ao estatal surgiu to somente no sculo passado.

    Oficialmente, no ordenamento jurdico brasileiro, somente atravs da Lei n. 6.439

    de 1977, que instituiu o SIMPAS que criou a LBA (Legio Brasileira de Assistncia

    Social) dispondo que, a esta competia prestar assistncia populao carente,

    mediante programas de desenvolvimento social e de atendimento s pessoas.

    Posteriormente, a Constituio Federal de 1988, em seus artigos 203 e 204, aborda

    a assistncia social. Entretanto, tais leis e dispositivos constitucionais so,

    inegavelmente, consequncia de numerosas conquistas sociais ao longo da histria,

    as quais proporcionaram ao homem a conscincia do outro homem necessitado.

    Desse modo, compreende-se que, delinear historicamente tudo que houve,

    desde aquilo que se deduz dos povos grafos, perpassando por toda histria do

    Direito que tange o assunto e, inclusive, aquilo que se entende como modificao

    essencial da sociedade para que essa preocupao com o hoje chamado

    hipossuficiente de importncia fundamental para que se possa entender por que a

    assistncia social passou de dever moral a Direito Universal.

    Tratando-se, pois, de histria no documentada, aquela na que se encontra

    no perodo em que no havia ainda escrita e as sociedades tinham organizao

    ainda rude, no se pode falar de pobreza no sentido de classe social, obviamente,

    mas pode-se falar de penria e de falta quilo tudo que for necessrio

    subsistncia. O sistema socioeconmico, se que assim se pode dizer, dos povos

    grafos, era baseado na pecuria e agricultura de subsistncia e oferecia trabalho

    para todos os membros da tribo ou cl. A misria s aparecia em poca de crise

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    econmica, causada pelas invases, guerras, catstrofes, que, destruindo cidades,

    habitaes e lavouras, provocavam a falta de alimento e de trabalho1.

    Ainda, segundo a mesma autora, a assistncia aos pobres, aos velhos, aos

    abandonados, constitua, ento, responsabilidade da famlia, cl, ou tribo; cada um

    tomava conta dos seus e a maneira de assisti-los variava de uma tribo para outra,

    segundo os usos, os costumes, as crenas, etc.. Pode-se deduzi-lo em virtude de

    existirem, ainda, nas partes mais afastadas da Oceania, da frica e da Amrica,

    grupos humanos que podem nos dar uma ideia do que eram as sociedades

    primitivas2.

    Passados, ento, muitos anos desde que alguns povos grafos passaram

    escrita, surgiu um primeiro direito que possua certa caracterstica de assistnciasocial. Trata-se do direito hebreu, que apareceu por volta do ano 1.250 a.C.3;

    entretanto, o dispositivo encontrado no livro do Deuteronmio no tem, como se

    teria hoje, fora formativa, porquanto o direito hebreu identificava-se com a moral, e

    ainda uma moral religiosa4. Desse modo, a sano que se dava era meramente

    interna, isto porque, tanto conforme a tradio judaica, quanto a crist, a lei foi

    escrita por Moiss por conduo de Deus, Iahweh, para os judeus e, por isso, essas

    disposies normativas tinham o condo de direcionar o corao dos homens para aprtica da caridade, e no um carter coercitivo. Isto o que se pode depreender do

    ensinamento de Jayme de Altavia, que afirma que o esprito de solidariedade

    humana est presente em toda a legislao mosaica. Moiss procurava, atravs da

    caridade, suprir as carncias sociais de seu estado5. Verifica-se isto nos versculos

    7 e 8 do captulo 15 do livro do Deuteronmio:

    Quando houver um pobre em teu meio, que seja um s dos teus irmosnuma s das tuas cidades, na terra que Iahweh teu Deus te dar, noendurecers teu corao, nem fechars a mo para com este teu irmopobre; pelo contrrio: abre-lhe a mo, emprestando o que lhe falta, namedida de sua necessidade6.

    1VIEIRA, Balbina Ottoni. Histria do servio social : contribuio para a construo de sua teoria.3.ed. Rio de Janeiro: Agir, 1980. Pg. 28.2MOSCA, Gaetano et BOUTHOUL, Gaston. Histria das doutrinas polticas. Rio de Janeiro: ZaharEditores, 1958. Trad. por MATOS, Marco Aurlio de Moura. Pg. 15.3Bblia de Jerusalm. So Paulo: Ed. Paulus, 1998. Pg. 2171.4Segundo Dimitri Dimoulis: A tese da identidade no distingue o conceito da moral do conceito dodireito. Sustenta-se que existe um nico sistema de normas que regulamentam o comportamento

    social. Essa viso peculiar de sociedades antigas, principalmente de sociedades pequenas e poucodiferenciadas. DIMOULIS, Dimitri. Manual de introduoao estudo do direito. So Paulo: RT,2011.Pg. 107.5ALTAVIA, Jaime de. Origem Dos Direitos Dos Povos6Bblia de Jerusalm. So Paulo: Ed. Paulus. Pg. 277.

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    Interessante um trecho logo em seguida, que faz previso que, de fato,

    ocorre, e o qual motivo do presente trabalho, quando diz no versculo 11: Nunca

    deixar de haver pobres na terra; por isso que eu te ordeno: abre a mo em favor

    do teu irmo, do teu humilde e do teu pobre em tua terra7.

    Posteriormente, cerca de 1500 anos depois, acontece evento ao qual no se

    pode, de modo algum, ignorar. De fato, o evento Jesus Cristo revolucionou o

    mundo. Seus ensinamentos e seu exemplo geraram um efeito como que tsunami

    que viria posteriormente fazer influncia sobre grande parcela do mundo. No que

    tange ao assunto do presente trabalho, pode-se, arrojadamente, afirmar que por

    causa de Jesus Cristo que existe a assistncia social. Foi dele o exemplo do partirdo po, foi dele o cuidado com os cegos, com os loucos, com os aleijados. Foi ele

    aquele que veio dar ao amor o aspecto volitivo, trazendo para o mundo o amor

    agapoe, que o mesmo quedizer que amar dar a prpria vida a servio do outro,

    como fez ao lavar os ps dos seus discpulos. Sem olvidar da sua preferncia pelos

    pobres e as suas recorrentes ordens para repartir os bens com estes, seno d-los

    por inteiro, como recomendou ao jovem rico (Mc 10, 17-22). Dessarte, como se h

    de explanar posteriormente, que todos contribuem para a Seguridade Social, da quala Assistncia Social faz parte, conclui-se que a assistncia social como que uma

    consequncia do partir do po fora da lei.

    O que se tem, deste tempo em diante, at que aparea uma legislao

    efetivamente assistencialista, isto , com fora normativa, a influncia de diversas

    personalidades, em atitudes ou pensamentos, que foram, aos poucos, mudando a

    mentalidade da humanidade at que, determinado dia, fosse elaborada uma lei em

    favor dos pobres. Dentre eles, podemos citar, no em linha cronolgica, algunspensadores. Diz-se alguns, porque citar a todos tarefa enciclopdica. Retiram-se,

    pois, os que tm mais utilidade para o presente trabalho.

    Um primeiro deles Thomas More, autor do livro Utopia, em um pargrafo

    deste, antecipa sculos quando expe o seguinte pensamento:

    Nisto, a justia da Inglaterra e de muitos pases se assemelha aos mestresque espancam os alunos em lugar de instru-los. Em vez de fazer com queos ladres sofram pavorosos tormentos, no seria melhor garantir a

    7Ibidem.

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    existncia a todos os membros da sociedade, a fim de que ningum sevisse na necessidade de roubar primeiro e morrer depois?8

    Nota-se que naquele tempo, More j pensava na necessidade de uma ajuda aos

    pobres, a fim de que no vivessem em situao miservel e fossem coagidos pelas

    circunstncias prtica do crime. Jean Luis Vives, contemporneo ao More,

    aprofundou mais um assunto e escreveu uma obra que se pode considerar como o

    primeiro tratado de servio social9, a De Subvencione Pauperum (Da Assistncia

    aos pobres), que, segundo Balbina Ottoni Vieira, pode ser resumida nos seguintes

    pontos:

    1) o socorro aos pobres deve ser baseado na justia: dar a cada um aquilode que precisa para reajustar-se; no deve ser uma esmola espordica,mas um auxlio para resolver definitivamente a situao; 2) a melhormaneira de ajudar ao pobre consiste em trein-lo e lhe dar nos instrumentospara poder trabalhar e, portanto, sustentar-se; 3) a assistncia deveestender-se a todas as categorias de pobreza; certas pessoas, dado seugrau de acanhamento, merecem ser socorridas em suas residncias; 4)devem ser organizadas, entre os trabalhadores, medidas de previdncia, emcaso de doena, desemprego e velhice; 5) impe-se a instituio demedidas contra a mendicncia profissional e os mendigos devem serdevolvidos s suas cidades de origem, com a assistncia necessria viagem; 6) finalmente; torna-se necessria a cooperao entre as vriasassociaes de caridade, coleta e centralizao de fundos, unificao de

    direo e diviso de trabalho10

    .

    Ao menos o que foi feito de resumo da obra de Vives, como se pode

    deparar, antecipa em sculos o tempo e, em certo aspecto, o que ele disse que

    deveria ser feito j passou a existir, principalmente com o que se relaciona ao ponto

    4. Inclusive, poder-se- usar de inspirao para aquilo que, no ordenamento

    jurdico brasileiro, com relao legislao de assistncia social, precisa de

    melhoramentos.

    Outra mente iluminada que se pode citar, So Vicente de Paula, que, no

    caso, no s uma mente iluminada, mas um corao, um esprito iluminado, em

    virtude de no ter s pensado, mas praticado as ideias sobre caridade que concebia.

    Segundo Vieira, So Vicente de Paulo defendia que o estado intervisse na

    administrao da caridade, que no se podia dar esmolas indiscriminadamente e

    8MORE, Thomas. Utopia. So Paulo: Rideel. 2005.Pg 19.9VIEIRA, Balbina Ottoni. Op. Cit. Pg. 3510Idem. Pg. 36.

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    que era necessrio ajudar o pobre a encontrar um trabalho, ou ensinar-lhe um ofcio,

    para que no precisasse recorrer caridade, entre outras ideias11.

    1.2 HISTRIA DA ASSISTNCIA SOCIAL NO MUNDO

    O que se pode encontrar de mais remoto, em termos de assistncia social,

    foi no Imprio Carolngio. Carlos Magno, que teve seu reinado estendido desde Rei

    dos Francos, Rei dos Lombardos, at Imperador Romano-Germnico, isto , tornou-

    se imperador do ocidente e, dentre este tempo, de 768 a 814, em virtude de no se

    saber a data exata, estabeleceu um sistema de assistncia aos pobres, tributou os

    nobres e os clrigos para pagar tais custas, e tornou crime a mendicncia12.

    Posteriormente, foi editado na Inglaterra o Poor Relief Act, a Lei dos Pobres, que

    instituiu auxlios e socorros pblicos aos necessitados13.

    A Revoluo Francesa, que teve influncia revolucionria no resto do

    mundo, tambm deu sua contribuio para um entendimento secular da assistncia

    social, certamente por influncia de Jean-Jacques Rousseau. Consta, no artigo 21

    da Constituio Francesa de 1793, que "a sociedade deve sustentar os cidados

    infelizes, dando-lhes trabalho, ou assegurando os meios de subsistncia aos que

    no estejam em condies de trabalhar.

    Com o advento do estado moderno, algumas constituies passaram a

    estabelecer, em seus ordenamentos, disposies acerca de seguridade social. Por

    exemplo, tm-se as constituies do Mxico (1917) e de Weimar (1919). A primeira

    perdura at hoje, ao contrrio da segunda que teve seu fim com a ascenso de

    Hitler.

    Outras legislaes nasceram, com condo assistencialista, sendo uma

    delas, inclusive, o modelo atual de seguridade social. Nos EUA, em 1935, foi

    aprovado o Social Security Act, que instituiu auxlio desemprego14. E em 1941, na

    Inglaterra, alcanou-se, como dito, a primeira normatizao orgnica do Direito da

    11Idem. Pg. 38.12History of Western Civilization & Selected Local Histories . Charlemagne the King Continued.

    Disponvel em: Acesso em: 19 de set.2013. Traduo do autor.13KERTZMAN, Ivan. Curso Prtico de Direito Previdencirio. 7.ed. Ed. Jus Podivm, 2009. Pg. 37.14SANTOS, Leandro Lus Camargo dos. Curso de Direito da Seguridade Social.So Paulo: LTR, 2005. Pg. 32

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    Seguridade Social com a implementao do Plano de Beveridge, criado pelo sir

    William Beveridge15.

    A grande influncia a partir de ento, pode-se crer, vem da Declarao

    Universal dos Direitos do Homem, em 1948, conquista aps o fim da Segunda

    Guerra Mundial. Constam nela diversos dispositivos que conscientizam acerca da

    necessidade de uma assistncia social, em virtude, principalmente, da dignidade da

    pessoa humana, o que se pode exemplificar com o seu artigo 25:

    Todo ser humano tem direito a um padro de vida capaz de assegurar-lhe, ea sua famlia, sade e bem-estar, inclusive alimentao, vesturio,habitao, cuidados mdicos e os servios sociais indispensveis, e direito segurana em caso de desemprego, doena, invalidez, viuvez, velhice ououtros casos de perda dos meios de subsistncia em circunstncias fora deseu controle16.

    1.3 HISTRIA DA ASSISTNCIA SOCIAL NO BRASIL

    No Brasil, a assistncia social teve incio por influncia dos preceitos de

    caridade crist e, por isso, numa primeira ocasio, as primeiras entidades a atuarem

    neste sentido foram as santas casas de misericrdia, como a de Santos, fundada em

    1553.

    Em termos de lei, a Constituio Imperial de 1824 assegurou socorros

    pblicos a populao carente. Contudo, esta previso no teve vis prtico, servindo

    unicamente no plano filosfico para remediar a misria criada pelo dogma da

    liberdade e da igualdade, isto segundo Miguel Horvarth Jnior17.

    Cento e dez anos depois, a Constituio de 1934, na alnea c, do inciso XIX,

    do seu art. 5, estabelecia competncia para a Unio fixar regras de assistncia

    social, assim como tambm o art. 10 dava aos Estados-membros a responsabilidadepara cuidar da sade e assistncia pblicas e fiscalizao aplicao das leis

    sociais.18

    O Decreto-lei n 4.890/42 criou a Legio Brasileira de Assistncia (LBA),

    com aes de apoio ao cidado e famlia, creche, aes bsicas de sade, apoio

    nutricional, banco de leite humano, educao social, documentao e direitos civis,

    15Idem. Pg.31.16

    Declarao Universal dos Direitos Humanos. Disponvel em: Acesso em Acesso em: 19 de set.2013.17HORVATH JUNIOR, Miguel. Direito Previdencirio. So Paulo: Quartier Latin, 2004. Pg. 18.18MARTINS, Srgio Pinto.Direito da Seguridade Social. 28 ed. So Paulo: Atlas, 2009. Pg. 9.

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    auxlio econmico e financeiro. E voltadas tambm para o incentivo das

    oportunidades de trabalho e gerao de renda, dentre outras19.

    Entre as constituies seguintes, poucas medidas diferentes foram tomadas.

    Entretanto, durante a vigncia da Constituio de 1969, houve alguns avanos,

    como a Lei n 6.179/1974, que instituiu amparo previdencirio para maiores de

    setenta anos de idade e para invlidos; e o Decreto n 83.080, que aprovou o

    Regulamento dos Benefcios da Previdncia Social (RBPS), que dizia, no seu art. 2,

    que a matria referente a assistncia mdica, assistncia social, custeio,

    administrao e gesto econmico-financeira e patrimonial das entidades

    integrantes do SINPAS ser objeto de regulamentao especifica, aplicvel, no que

    couber, aos benefcios da previdncia social.O grande avano aconteceu com a promulgao da Constituio de 1988,

    com ela, a Assistncia Social passou a fazer parte do gnero Seguridade Social, que

    incorpora tambm a Sade e a Previdncia Social. Alm dos artigos 203 e 204 j

    citados.

    J nesse novo contexto constitucional, entrou em vigor a Lei n 8.742, de 7

    de dezembro de 1993, a Lei Orgnica da Assistncia Social (LOAS), que

    regulamentou a Assistncia Social no Brasil; o Decreto n 1.330, de 8 de dezembrode 1994, que regulamentou o benefcio de prestao continuada; o Decreto n 1.744,

    de 8 de dezembro de 1995, que regulamentava o benefcio de prestao continuada

    devido pessoa portadora de deficincia e ao idoso, revogando o decreto anterior;

    e, por fim, o Decreto n 6.214, de 26 de setembro de 2007, que passou a

    regulamentar o benefcio de prestao continuada, revogando os decretos

    anteriores.

    1.4 NATUREZA DA ASSISTNCIA SOCIAL

    Segundo Jos Afonso da Silva, a natureza da assistncia social de direito

    fundamental da pessoa humana a que corresponde o dever do Estado, mediante o

    estabelecimento de uma poltica de Seguridade Social que proveja os mnimos

    19BRAGA, Aline Melo. Anlise jurdica do instituto da desaposentao. Jus Navigandi, Teresina, ano18, n. 3581, 21 abr. 2013. Disponvel em: . Acesso em: 18 set. 2013.

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    sociais...20, e ainda que assistncia social no caridade, mas um direito social de

    tantos quantos no disponham de meios para a satisfao das necessidades

    bsicas, aquele mnimo social sem o qual a dignidade da pessoa humana fica

    totalmente prejudicada21.

    Dessarte, a natureza da assistncia social de direito fundamental e de

    direito social indispensvel para a o provimento prtico da dignidade humana

    queles que dela necessitam, isto , estabelecer proteo aos hipossuficientes por

    intermdio de benefcios e servios. Traduz-se no atendimento das necessidades

    bsicas, como a proteo famlia, infncia e adolescncia, velhice e ao

    deficiente.22

    Direito social que faz parte da segunda dimenso dos direitos fundamentais,segundo a qual se reconhece que cabe ao Estado comportamento ativo na

    realizao da justia social, segundo ensinamento de Ingo Wolfgang Sarlet23.

    Pode-se ainda, numa ltima acepo, considerar a natureza da assistncia

    social como de direito universal, consubstanciada na igualdade dos homens e na

    obrigao que tem, uns para com os outros, como irmos da mesma espcie

    humana. Assim se estabelece, inclusive, no artigo XXIII da Declarao Universal dos

    Direitos Humanos de 1948, nos seus pontos 1 e 3. Assim, Kant, em outras palavras,considerava:

    Embora possamos estar inteiramente em nossos direitos, em conformidadecom as leis do pas e com as normas de nossa estrutura social, ainda assimpodemos estar participando em uma injustia geral, e ao ajudar um homemdesafortunado no estamos lhe concedendo uma ddiva, mas apenasajudando a lhe devolver aquilo de que ele foi privado pela injustia geral denosso sistema24.

    1.5 CONCEITO DE ASSISTNCIA SOCIAL

    Na sua etimologia, assistncia vem de asisstentia, sinnimo de auxilium

    (auxlio), adjuvabit (ajuda) e sustinere (apoio); j o termo social tem todo um

    arcabouo significativo diverso e denso, que basicamente adjetivo e se refere ao

    20SILVA, J. A. D. Comentrio Contextual Constituio. 5. ed. So Paulo: Malheiros, 2007. Pg.21Ibidem.22

    SANTOS, Leandro Lus Camargo dos. Op. Cit. Pg. 341.23SARLET, I. W. A eficcia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,2004. Pg. 55.24KANT, Immanuel in FLEISCHACKER, Samuel. Uma breve histria da justia distributiva. 1. ed.So Paulo: Martins Fontes, 2006. Pg. 103.

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    que relativo sociedade, ou, num mbito mais especfico, se refere s massas,

    sobretudo as menos favorecidas.

    A assistncia social , segundo Wladimir Novaes Martinez:

    Um conjunto de atividades particulares e estatais direcionadas para oatendimento dos hipossuficientes, consistindo os bens oferecidos empequenos benefcios em dinheiro, assistncia sade, fornecimento dealimentos e outras pequenas prestaes25.

    Conforme o art. 4 da Lei n 8.212 de 24 de julho 1991:

    A Assistncia Social a poltica social que prov o atendimento das

    necessidades bsicas, traduzidas em proteo famlia, maternidade, infncia, adolescncia, velhice e pessoa portadora de deficincia,independentemente de contribuio Seguridade Social26.

    J segundo o disposto Lei n 8.742, de 7 dezembro 1993, no seu artigo

    primeiro:

    A assistncia social, direito do cidado e dever do Estado, Poltica deSeguridade Social no contributiva, que prov os mnimos sociais, realizadaatravs de um conjunto integrado de aes de iniciativa pblica e da

    sociedade, para garantir o atendimento s necessidades bsicas.27

    Desta forma, pode-se entender que a assistncia social um direito do

    cidado e um dever do Estado, voltada para o hipossuficiente, buscando saciar uma

    injustia social ou da prpria natureza, realizada atravs de um conjunto integrado

    de aes de iniciativa pblica e da sociedade, a fim de dar aquele que no possui

    condies fsicas ou materiais para buscar por si mesmo, o mnimo suficiente para

    garantir a sua dignidade como pessoa humana.

    1.6 OBJETIVOS E DIRETRIZES DA ASSISTNCIA SOCIAL

    25MARTINEZ, Wladimir Novaes, apud MARTINS, Srgio Pinto. Op. Cit. Pg. 477.26BRASIL. Lei 8.212 de 24 de julho de 1991. Dispe sobre a organizao da Seguridade Social,

    institui Plano de Custeio, e d outras providncias. Disponvel em: Acesso em: 02/10/2013.27BRASIL. Lei n 8.742, de 7 de dezembro 1993. Dispe sobre a organizao da Assistncia Social ed outras providncias. Disponvel em: Acessoem: 02/10/2013.

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    Os objetivos da assistncia social esto elencados no art. 203 da CF e

    tambm no art. 2 da Lei n 8.742/93, a LOAS. Portanto, segundo Leandro Lus

    Camargo dos Santos, estes objetivos so:

    a) Proteo famlia, maternidade, infncia, adolescncia e velhice;b) Amparo s crianas e adolescentes carentes;c) Promoo da integrao ao mercado de trabalho;d) Habilitao e a reabilitao das pessoas portadores de deficincia e apromoo de sua integrao vida comunitria; ee) Garantia de um salrio mnimo de benefcio mensal pessoaportadora de deficincia e ao idoso que comprovem no possuir meiosde prover prpria manuteno ou de t-la provida por sua famlia,conforme dispuser a lei (LOAS)28.

    J as diretrizes da assistncia social, segundo o mesmo autor, constam do

    art. 204 da CF e no art. 5 da LOAS, e so os seguintes:

    a) Descentralizao poltico-administrativa para os Estados, o DF e osMunicpios, e comando nico das aes em cada esfera de governo;b) Participao da populao, por meio de organizaesrepresentativas, na formulao das polticas e no controle das aes emtodos os nveis; ec) Primazia da responsabilidade do Estado na conduo da poltica de

    assistncia social em cada esfera de governo

    29

    .

    Quis o legislador, como claramente se observa, no s dar a meta a ser

    alcanada, no ordenamento jurdico ptrio, pela assistncia social, como evidenciar

    como ela pode ser dada, mostrando os meios, pelas diretrizes.

    1.7 PRINCPIOS DA ASSISTNCIA SOCIAL

    A LOAS estabelece cinco princpios que, segundo Wladimir Novaes

    Martinez, podem ser considerados preceitos fundamentais desse segmento da

    seguridade social30. Seguem os incisos do artigo quarto da lei:

    I - supremacia do atendimento s necessidades sociais sobre as exignciasde rentabilidade econmica;

    28Op. Cit. Nota 14. Pg. 342.29Ibidem.30MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princpios de Direito Previdencirio. 3. ed. So Paulo: Editora LTr,1995. Pg. 211.

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    II - universalizao dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatrio daao assistencial alcanvel pelas demais polticas pblicas;III - respeito dignidade do cidado, sua autonomia e ao seu direito abenefcios e servios de qualidade, bem como convivncia familiar ecomunitria, vedando-se qualquer comprovao vexatria de necessidade;

    IV - igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminao dequalquer natureza, garantindo-se equivalncia s populaes urbanas erurais;V - divulgao ampla dos benefcios, servios, programas e projetosassistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Pblico e doscritrios para sua concesso.

    A respeito destes princpios, pode-se j comentar, ainda com escopo no

    mesmo autor, do ideal da prevalncia do interesse social sobre o econmico,

    conforme, inclusive, em razo de as foras de produo serem responsveis pelo

    desenvolvimento econmico31. O autor acentua ainda que o legislador pretende,

    segundo se entende do texto da lei, encerrar discusso e buscar atender todas as

    pessoas necessitadas, no limite da lei32. Que se recorde que tratam-se agora de

    princpios, e no mais de objetivos ou diretrizes. No so mais metas, no so mais

    sonhos, diga-se de passagem, visto que para a aplicao do texto da norma, faz-se

    necessrio que a administrao pblica faa por onde, visto que no se d sozinha a

    sua efetivao.

    31Idem. Pg. 212.32Ibidem.

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    2 ASSISTNCIA SOCIAL COMO DIREITO FUNDAMENTAL

    A assistncia social direito fundamental, conforme j se afirmou

    anteriormente, quando da qualificao da sua natureza, no entanto,

    sistematicamente, sem uso de alguma explanao histrica ou terica, pode-se

    configur-la como tal, porquanto se situa no artigo 6 da Constituio Federal, que

    se encontra no Captulo II (Dos Direitos Sociais) do Ttulo II (Dos Direitos e

    Garantias Fundamentais)33. Portanto, pode-se, sumariamente, afirmar que a

    assistncia social direito fundamental porque nossa Constituio assim afirma, ou

    outorga entender.

    No obstante, como preceitua Ingo Wolfgang Sarlet, o artigo 203 da CF, quetrata diretamente da assistncia social, pode ser considerado como direito

    fundamental fora do catlogo, isto , fora do ttulo dos direitos fundamentais, o qual

    pode, segundo o mesmo autor, ser considerado direito fundamental socialmente

    aplicvel, em virtude da regulamentao pela LOAS, mesmo que seja norma de

    eficcia limitada, isto , no-auto-aplicvel.34

    Alm disso, em virtude da Emenda Constitucional n 45, que acrescentou ao

    art. 5 da Constituio o 3 que diz que os tratados e convenes internacionaissobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso

    Nacional, em dois turnos, por trs quintos dos votos dos respectivos membros, sero

    equivalentes s emendas constitucionais35, diversos tratados e convenes sobre

    direitos humanos como a Conveno Sobre os Direitos da Pessoa com Deficincia,

    de maro de 2007, tem status de emenda constitucional e, portanto, so outros

    direitos fundamentais fora do catlogo. Ou seja, a assistncia tambm pode ser

    direito fundamental em virtude de tratados e convenes internacionais que seincorporem ao ordenamento jurdico ptrio.

    33BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF:Senado,1988. No texto citado artigo, a assistncia social consta como assistncia aos desamparados.34Op. Cit. Nota 23. Pg. 134.35BRASIL. Emenda Constitucional n 45, de 30 de dezembro de 2004. Altera dispositivos dos arts. 5,

    36, 52, 92, 93, 95, 98, 99, 102, 103, 104, 105, 107, 109, 111, 112, 114, 115, 125, 126, 127, 128, 129,134 e 168 da Constituio Federal, e acrescenta os arts. 103-A, 103B, 111-A e 130-A, e d outrasprovidncias. Disponvel em: Acesso em:23/10/2013.

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    2.1 CONCEITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS

    Segundo ensinamento de Fbio Konder Comparato, direitos fundamentais

    so aqueles reconhecidos como tais pelas autoridades, s quais se atribui o poder

    poltico de editar normas, tanto no interior dos Estados quanto no plano

    internacional; so os direitos humanos positivados nas Constituies, nas leis, nos

    tratados internacionais36. Em outras palavras, os direitos fundamentais so os

    direitos humanos positivados.

    Entretanto, como lembra Norberto Bobbio, a expresso direitos do homem

    uma expresso muito vaga e que a maioria das definies acabam sendo

    tautolgicas como: Direitos do homem so os que cabem ao homem enquantohomem37. Por esse motivo, a definio anterior figura-se totalmente insuficiente

    para o presente trabalho. Ou seja, se direitos fundamentais so direitos humanos

    positivados, e no se chega a um consenso do que seja direitos humanos, no se

    tem nenhum conceito.

    Jos Afonso da Silva busca outra compreenso, e assim defende que os

    direitos fundamentais do homem so:

    Aquelas prerrogativas e instituies que ele concretiza em garantias de umaconvivncia digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativofundamentais acha-se a indicao de que se trata de situaes jurdicassem as quais a pessoa humana no se realiza, no convive e, s vezes,nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos,por igual, devem ser, no apenas formalmente reconhecidos, mas concretae materialmente efetivados38.

    Ingo Sarlet, por outra via, d uma conceituao mais consistente, vinculando

    os direitos fundamentais ao princpio da dignidade da pessoa humana, sendo esse o

    substrato para saber aquilo que direito fundamental:

    Neste sentido, importa salientar, de incio, que o princpio da dignidade dapessoa humana vem sendo considerado fundamento de todo o sistema dosdireitos fundamentais, no sentido de que estes constituem exigncias,concretizaes e desdobramentos da dignidade da pessoa humana e quecom base nesta devem ser interpretados39.

    36COMPARATO, F. K. A afirmao histrica dos direitos humanos. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 2004.

    Pg. 57.37BOBBIO, N. A era dos direitos. 8. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. Pg. 17.38SILVA, J. A. D. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. So Paulo: Malheiros, 2006. Pg.178.39Op. Cit. Nota 23. Pg. 123.

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    Portanto, para efeito do presente trabalho, consideram-se direitos

    fundamentais aqueles que busquem tornar concreto o princpio da dignidade da

    pessoa humana e os direitos respectivos a este princpio no respectivo momento

    histrico40, positivados no ordenamento jurdico, a fim de que tenha o sujeito

    segurana jurdica de sua prestao.

    2.1.1 Direitos fundamentais de segunda dimenso

    Em primeiro lugar, os direitos de primeira dimenso, ou de primeira gerao,

    foram aqueles motivadores, quase ao mesmo tempo, da Revoluo Francesa e da

    Revoluo Norte-americana, e suas respectivas declaraes: nos Estados Unidos,

    em 1776, a Declarao de direitos do bom povo de Virgnia, quase de mesmo

    contedo, exceto do termo fraternidade, que era um dos lemas da Revoluo

    Francesa, alm de liberdade e igualdade, insculpidas na sua Declarao dos Direitos

    Universal dos Direitos do Homem e do Cidado, de 1789.

    A Revoluo de 1789, por sua vez, revolucionou no s a Frana, mastrouxe consequncias para o mundo inteiro, dado a universalidade de seu contedo,

    como se pode deparar no seu artigo 1: Os homens nascem e so livres e iguais em

    direitos. As distines sociais s podem fundamentar-se na utilidade comum41.

    Como disse Jean Cruet: Numa palavra, se a Revoluo de 1789 transformou o

    Estado e a lei, pode-se dizer que restituiu simplesmente a sociedade a si mesma42.

    Todavia, essa igualdade, que j foi uma grande vitria, se dava unicamente

    do ponto de vista formal, isto , perante a lei. As desigualdades reais continuaram eaumentaram ainda mais, fazendo tornarem-se reais, a percepo que tinha o filsofo

    Nietzsche do futuro que cercaria a Europa:

    40Os direitos e garantias fundamentais, em sentido material, so, pois, pretenses que, em cadamomento histrico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana. MENDES,G. F.; COELHO, I. M.; BRANCO, P. G. G. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. So Paulo:Saraiva, 2009. Pg. 271.41

    Declarao Universal dos Direitos do Homem e do Cidado de 1789.Disponvel em: Acesso em: 22/10/2013.42CRUET, J. A vida do direito e a inutilidade das leis. Leme - SP: Edijur, 2002. Pg. 200.

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    Estas novas condies sob as quais se processar (falando em termosgeneralizantes), um nivelamento a uma mediocretizao do homem umhomem animal de rebanho til, trabalhador, multiplamente utilizvel eobediente, so no mais elevado grau, prprias para dar origem a homensexcepcionais do tipo mais perigoso e mais atraente. (...) Enquanto que a

    impresso global causada por tais europeus do futuro ser provavelmente ade trabalhadores aptos para muitas tarefas, (...), pobres de vontade e muitodceis, que precisam do senhor, do chefe, como do po cotidiano43.

    De fato, foi o que aconteceu. Essa liberdade sem regulao, do ponto de

    vista civil, e essa igualdade formal, quando do processo de industrializao,

    aumentaram exageradamente as desigualdades materiais, reais, evidentes:

    O resultado dessa atomizao social, como no poderia deixar de ser, foi a

    brutal pauperizao das massas proletrias, j na primeira metade dosculo XIX. Ela acabou, afinal, por suscitar a indignao dos espritos bemformados e por provocar a indispensvel organizao da classetrabalhadora44.

    justamente em virtude dessa igualdade, preceitua Paulo Bonavides, que

    nascem os direitos fundamentais de segunda gerao. Nasceram abraados ao

    princpio da igualdade, do qual no se podem separar, pois faz-lo equivaleria a

    desmembr-los da razo de ser que os ampara e estimula45. justamente esta a

    razo de ser, uma igualdade primeira igualdade reconhecida, de que todos soiguais perante a lei e suas consequncias prticas, a real desigualdade evidenciada

    e o domnio do forte contra o fraco, s que essa fora, diferente do mundo animal,

    de natureza econmica.

    De fato, foi o que aconteceu. Essa liberdade sem regulao, do ponto de

    vista civil, e essa igualdade formal, quando do processo de industrializao,

    aumentaram exageradamente as desigualdades materiais, reais, evidentes.

    Consequentemente, a humanidade oprimida obteve sua voz por meio de tericos,dessa vez, no mais liberais, mas de uma nova proposta de governo, radicalmente

    oposta a que estava em vigor, at mesmo pelo seu carter revolucionrio, com nome

    de socialismo ou comunismo.

    Tais propostas tomaram fora e vieram tona em meio s Constituies

    marxistas e, numa forma diferente, j hbrida, no constitucionalismo da social

    democracia (a de Weimar, sobretudo), dominaram por inteiro as Constituies do

    43NIETZSCHE, F. Para alm do bem e do mal. So Paulo: Martin Claret, 2005. Pg. 163.44Op. Cit. Nota 36. Pg. 53.45BONAVIDES, P. Curo de Direito Constitucional Positivo. 23. ed. So Paulo: Malheiros, 2008.Pg. 564.

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    segundo ps-guerra46. Pode-se dizer que isso ocorreu em virtude da incluso de

    tais direitos na Declarao Universal dos Direitos Humanos, de 1948, adotada e

    proclamada pela resoluo 217 A (III) da Assembleia Geral das Naes Unidas em

    10 de dezembro de 1948. A Constituio Federal de 1988, inclusive, tem dispositivos

    muito semelhantes aos da Declarao47.

    A tendncia , como diz Paulo Bonavides, que os direitos fundamentais de

    segunda gerao tendem a to justiciveis quanto os da primeira48. Mesmo que

    sejam normas de carter programtico, ganham cada vez mais fora normativa,

    principalmente em virtude do princpio da fora normativa da Constituio, defendida

    por Konrad Hesse49. Isso porque em termos de justia, de direito e em virtude da

    dignidade da pessoa humana, tais direitos tornaram-se fundamentais, no sentido dequem fala Jos Afonso da Silva, no qual se acha a indicao de situaes jurdicas

    sem as quais a pessoa humana no se realiza, no convive e, s vezes, nem

    sobrevive. Os direitos sociais, ou de segunda dimenso, como assegura Gomes

    Canotilho, passaram a fazer parte do patrimnio da humanidade50.

    2.2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E ASSISTNCIA SOCIAL

    2.2.1 Dignidade da pessoa humana em sua expresso religiosa

    O princpio da dignidade da pessoa humana foi o resultado de milnios de

    evoluo do pensamento. Recebeu forte influncia da religiosidade, em evidncia,

    do pensamento cristo que, tanto pela adoo da Tor e sua universalizao,

    quanto pela pregao de Jesus Cristo e toda sua consequncia.

    Acerca da influncia crist, deu-se, em primeiro lugar, no Gnesis, onde se

    narra que Deus criou o homem sua imagem e semelhana (Gen 1, 27). Por essa

    46Ibidem.47Por exemplo, tem-se a identificao do inciso III do artigo 5 da CF com o artigo V da Declarao.Na CF: ningum ser submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; NaDeclarao: Ningum ser submetido tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano oudegradante.48Op. Cit. Nota 45. Pg. 565.49A Constituio jurdica logra conferir forma e modificao realidade. Ela logra despertar a fora

    que reside na natureza das coisas, tornando-a ativa. Ela prpria converte-se em fora ativa que influie determina a realidade poltica e social. HESSE, K. A Fora Normativa da Constituio. PortoAlegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991. Pg. 24.50CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional e Teoria da Constituio. 3. ed. Coimbra: LivrariaAlmedina, 1999. Pg. 361.

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    razo, a imagem divina est presente em cada pessoa51. Posteriormente, no

    Deutero-Isaas, numa dimenso de Deus para o homem, proftica, o valor do

    homem assume uma dimenso inimaginvel, que veio posteriormente se constatar

    devido aos atos de Jesus. Assim, l, se encontra:

    Mas agora, diz Iahweh, aquele que te criou, Jac, aquele que te modelou Israel: no temas, porque eu te resgatei, chamei-te pelo nome: tu s meu.Quando passares pela gua, estarei contigo quando passares pelos rios,eles no te submergiro. Quando andares pelo fogo, no te queimars, achama no te atingir. Com efeito, eu sou Iahweh, o teu Deus, o Santo deIsrael, o teu Salvador. Por teu resgate dei o Egito , Cuch e Seb, dei-os emteu lugar. Porque s precioso aos meus olhos, s honrado e eu te amo,entrego pessoas no teu lugar e povos pela tua vida52.

    Os escritos bblicos davam alguma noo, principalmente o livro de Isaas,

    de que havia uma universalidade e no era s daquele povo, o judeu, que Deus

    tinha predileo, mas que toda essa dignidade se estendia a humanidade inteira.

    Para que isso acontecesse definitivamente mas que s chegou numa maior

    compreenso muito mais tarde, at pelos contrassensos da Igreja na Idade Mdia -,

    foi graas aos ensinamentos e os testemunhos de Jesus Cristo. Ele no fazia

    distino entre pessoas: nem entre homem e mulher, pobre e rico, saudveis e

    doentes, nem muito menos entre judeus e estrangeiros, mas tratava a todos da

    mesma maneira. Pregava o amor, no um amor como se conhecia, mas um amor

    que se esquece de si mesmo, sendo capaz de dar a prpria vida no s por aquele

    que prpria famlia, mas tambm por um desconhecido. Assim fez e ensinou

    Jesus: deu a sua prpria vida como exemplo tico a ser seguido.

    2.2.2 Dignidade da pessoa humana em sua expresso filosfica

    A primeira noo de dignidade que se tem conhecimento, do ponto de vista

    filosfico, vem de Aristteles, entretanto, estava vinculada ao conceito que se tinha

    naquele tempo de virtude (aret). Ser virtuoso, no pensamento grego daquele

    tempo, era cumprir a justia, e cumprir a justia era fazer aquilo para que se foi

    destinado. Dessa forma, como existiam camadas diferentes da sociedade grega e

    51Catecismo da Igreja Catlica. So Paulo: Loyola, 2000.52Isaas 43, 1-4.

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    cada uma possua uma virtude determinada, existiam dignidades diferentes, de

    valores diferentes.

    Posteriormente, o poltico e filsofo romano Marco Tlio Ccero separa duas

    acepes diferentes de dignidade: por um lado, o homem possui uma dignidade

    que decorre de sua posio mais alta na hierarquia da natureza, j que o nico ser

    racional dentre os animais, o que lhe assegura uma posio especial no universo53

    e; por outro lado, a dignidade est vinculada posio social do indivduo, posio

    esta que poder ser alterada ao longo de sua existncia54.

    A construo filosfica do cristianismo de raiz teolgica e se consubstancia

    no que foi exposto no tpico acima. Todo raciocnio filosfico que se teve at ento

    chega mesma concluso: de que a dignidade da pessoa humana vem da condiode imagem e semelhana de Deus. Exceto por Bocio, que definiu a dignidade da

    pessoa humana a partir de sua substncia individual de natureza racional55.

    Um contributo importante foi do espanhol Francisco de Vitria, no sculo

    XVI, durante a expanso colonial espanhola, defendeu, em virtude do processo de

    aniquilao, explorao e escravizao dos ndios latino-americanos (culminante na

    extino de civilizaes como os incas por Fernando Pizzarro), que os indgenas, em

    funo de do direito natural e de sua natureza humana, eram em princpio livres eiguais, devendo ser respeitados como sujeitos de direitos56.

    E seguiram-se outros filsofos abordando sobre o tema em questo, como

    Hugo Grcio, Thomas Hobbes, mas, com mais destaque, Samuel Pufendorf, para

    quem a dignidade da pessoa humana a liberdade do ser humano de optar de

    acordo com usa razo e agir conforme o seu entendimento e sua opo57. At que,

    enfim, Immanuel Kant, construiu o conceito de dignidade sobre o qual mais se

    fundamenta. Assim afirma:

    O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em simesmo, no s como meio para o uso arbitrrio desta ou daquela vontade.Pelo contrrio, em todas as suas aces, tanto nas que se dirigem a ele,

    53BECCHI, Paolo in SARLET, I. W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na

    Constituio Federal de 1988. 8. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. Pg. 33.54Ibidem.55Idem. Pg. 34.56Idem. Pg. 35.57Idem. Pg. 36.

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    mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem semprede ser considerado simultaneamente como fim58.

    Defende, pois, Kant, que o homem no pode ser tratado como objeto, mas,

    sempre, como um fim em si mesmo. Da se distancia de muito do pensamento

    anterior sobre dignidade, porquanto falava-se sobre dignidade da pessoa humana ao

    mesmo tempo em que se convivia com realidades contraditrias como a escravido.

    Pela qual o homem tem um preo, era reificado, coisificado.

    A necessidade prtica de agir segundo este princpio, isto , o dever, no

    assenta em sentimentos, impulsos e inclinaes, mas sim somente narelao dos seres racionais entre si, relao essa em que a vontade de umser racional tem de ser considerada sempre e simultaneamente comolegisladora, porque de outra forma no podia pensar-se como fim em simesmo. A razo relaciona, pois, cada mxima da vontade concebida comolegisladora universal com todas as outras vontades e com todas as acespara conosco mesmos, e isto no em virtude de qualquer outro mbil prticoou de qualquer vantagem futura, mas em virtude da ideia da dignidade deum ser racional que no obedece outra lei seno quela que ele mesmosimultaneamente d59.

    Em seguida, o filsofo arremata:

    No reino dos fins tudo tem ou um preo ou uma dignidade. Quando umacoisa tem um preo, pode-se pr em vez dela qualquer outra comoequivalente; mas quando uma coisa est acima de todo o preo, e, portantono permite equivalente, ento tem ela dignidade60.

    Dessa forma, pelo princpio da dignidade da pessoa humana, o ser humano,

    digno, quem legisla e quem determina o prprio destino. Inclusive a lei, o homem

    tem o arbtrio de desobedecer, seguido, claro, de uma sano negativa

    correspondente, entretanto, no forado alm da prpria conscincia a obedecer a

    nenhuma lei, a no ser a que ele mesmo impe a si. Alm disso, relaciona s coisas

    os preos, e ao que no coisa, diga-se, o ser humano, relaciona-os a dignidade

    para reafirmar que este no tem preo. Dizer que no tem preo dizer que no tem

    valor estimvel, porquanto tem valor, s que inestimvel, ou mesmo incomensurvel.

    Todavia, como lembra Ingo Sarlet sobre a advertncia de Schopenhauer

    acerca da insuficincia e do vazio de sentido das formulaes de Kant sobre a

    58KANT, I. Fundamentao da metafsica dos costumes. Lisboa: Edies 70, 2007. Pg. 68.59Idem. Pg. 77.60Ibidem

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    dignidade, elas marcaram uma guinada decisiva no mbito do pensamento filosfico

    e passaram a influenciar profundamente tambm a produo jurdica61.

    J com relao aos filsofos ps-modernos e suas formulaes acerca do

    princpio em tema, segue-se o que afirma o professor Andr Marcelo M. Soares:

    Para os pensadores da ps-modernidade, a dignidade humana nada tem aver com os esquemas assinalados anteriormente. Nem as qualidadesintelectuais (a razo), nem os pressupostos metafsicos (ontologia do serhumano) e nem a capacidade moral (autonomia) fundamentam a dignidadehumana. Ela resultaria, portanto, de uma ao institucional segundo a qualdeterminadas sociedades, atravs do processo democrtico, decidiriam deforma contingente e convencional (o nico modo possvel) o grau de suautilidade ou eficcia para resolver conflitos sociais62.

    Resulta da mesma forma que os direitos fundamentais: em sua acepo

    filosfica no fazem influncia em um determinado ordenamento jurdico, at que

    nele adentre como norma e entre em vigor. O princpio da dignidade da pessoa

    humana passou a fazer parte do ordenamento jurdico brasileiro a partir da

    Constituio Federal de 1988, e sobre ele, no que se refere ao mbito jurdico

    interno, e externo, naquilo que lhe caber de extraterritorialidade, no h o que se

    questionar.

    Alm do Brasil, no contexto internacional, diversos ordenamentos jurdicos

    adotam o dito princpio e, principalmente, alguns tratados e convenes

    internacionais. Notadamente, a Declarao Universal de 1948, que talvez seja,

    inclusive, o maior informador do ordenamento jurdico ptrio acerca dos direitos

    fundamentais63. Ademais, foi com a Declarao que o princpio alcanou certa

    universalidade, no somente por conceito, mas em virtude de ter sido proclamada

    por diversos pases, infelizmente, to somente depois da Segunda Guerra Mundial,

    onde se foi lesada a dignidade do homem de maneira to cruel (que se ressalte o

    holocausto e o estupro em massa cometido por soldados russos na Alemanha).

    Enfim, por causa de to grande desgraa, seja o nazismo ou o comunismo sovitico,

    61Op. Cit. Nota 53. Pg. 42.62SOARES, A. M. M. Um breve apontamento sobre o conceito de dignidade da pessoa humana.Disponvel em: Acesso em: 03/11/2013.63Nota-se a importncia dada ao princpio pela Declarao, em virtude de ser justamente o primeiro

    dispositivo: Artigo ITodas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. So dotadasde razo e conscincia e devem agir em relao umas s outras com esprito de fraternidade .Declarao Universal dos Direitos Humanos. Disponvel em: Acesso em Acesso em: 19 de set.2013.

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    que forava muitos russos ao trabalho, a humanidade acordou para seus direitos e

    quis express-los, at, pode-se pressupor, para que no acontea to grande leso

    novamente.

    2.2.3 Dignidade da pessoa humana na Constituio Federal de 1988

    O princpio da dignidade da pessoa humana princpio fundamental da atual

    Constituio e consta j no artigo 1:

    Art. 1 A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolveldos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em EstadoDemocrtico de Direito e tem como fundamentos:I - a soberania;II - a cidadaniaIII - a dignidade da pessoa humana;(grifo nosso)IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;V - o pluralismo poltico.Pargrafo nico. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio derepresentantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituio64.

    Como princpio fundamental, a dignidade da pessoa humana orientadora

    de todo o ordenamento jurdico65, isto , no h norma que possa agir em

    desconformidade com este princpio e toda ela, para entrar em vigor, deve assim

    estar conforme e, se vigente, deve ser interpretada tambm de acordo com o

    princpio, conforme ensinamento de Ingo Sarlet:

    Consoante amplamente aceito, mediante tal expediente, o Constituintedeixou transparecer de forma clara e inequvoca, a sua inteno de outorgaraos princpios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e

    informativas de toda a ordem constitucional, inclusive (e especialmente) dasnormas definidoras de direitos e garantias fundamentais, que igualmenteintegram (juntamente com os princpios fundamentais) aquilo que se pode e neste ponto parece haver consenso denominar de ncleo essencial danossa Constituio formal e material66.

    64BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF:Senado,1988.65A soluo para cada controvrsia no pode mais ser encontrada levando em conta simplesmente

    o artigo de lei que parece cont-la e resolv-la, mas, antes luz do inteiro ordenamento jurdico, e,em particular, de seus princpios fundamentais, considerados como opes de base que ocaracterizam. ARONNE, R. Direito Civil-Constitucional e Teoria do Caos. Porto Alegre: Livrariado Arvogado, 2006. Pg. 55.66Op. Cit. Nota 53. Pg. 71.

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    Alm desse dispositivo, h diversos outros por meio dos quais parece o

    legislador querer enfatizar o papel da dignidade no nosso ordenamento

    constitucional, como o art. 170: A ordem econmica, fundada na valorizao do

    trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia

    digna...; o 7 do art. 226:Fundado nos princpios da dignidade da pessoa humana

    e da paternidade responsvel, ...; o art. 227, caput: dever da famlia, da

    sociedade e do Estado assegurar criana, ao adolescente e ao jovem, com

    absoluta prioridade, o direito vida, sade, alimentao, educao, ao lazer,

    profissionalizao, cultura, dignidade...; tambm o art. 230: A famlia, a

    sociedade e o Estado tm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua

    participao na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito vida.

    A importncia do princpio da dignidade da pessoa humana inegvel.

    Principalmente de orientador dos direitos fundamentais, dele pode se entrar em

    diversas concluses, sobretudo acerca dos temas de assistncia social.

    2.3 ASSISTNCIA SOCIAL PELA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

    A classificao que fez a Declarao de 1948 da humanidade como famlia

    d a entender em que os membros desta humanidade so irmos. A dignidade da

    pessoa humana sendo princpio que se refere a todos os seres humanos, deixa

    entender que todos os seres humanos so iguais, por terem todos essa dignidade,

    seja por fora de lei ou por condio inerente ao ser humano.

    Houve pobreza em toda a histria, sempre houve quem tivesse uma vida

    mais facilitada ou dificultada pelo status social. Houve tempo em que haviaescravido. Entretanto, no havia um conceito formado e universalizado de

    dignidade da pessoa humana. Hoje, que se possui, e com todo aparato cultural,

    cientfico, poltico e tecnolgico desenvolvido, urge a necessidade-obrigao de se

    pensar em formas de no permitir ao ser humano viver em condies que no

    condizem com a sua dignidade, de dar queles que, seja por condio natural que

    lhe impea de conseguir seu prprio sustento, como a infncia, a incapacidade, a

    velhice, ou seja por condio poltica e social, como realidades de extrema pobreza

    ou falta de emprego, aquela oportunidade de ter o mnimo a que cabe um ser

    humano a quem considera-se que possui dignidade.

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    O homem, nos dias de hoje, impedido, a no ser que seja indgena ou que

    viva em tribos em algumas partes do mundo, no vive mais em condies de

    natureza. A separao do mundo em territrios bem definidos permitiu a este, ou

    no permitiu, que nascesse e j possusse uma nacionalidade, assinando um

    contrato social, e com a obrigao futura de cumprir com uma srie de deveres,

    impostos a ele tanto pela prpria famlia quanto pela realidade do mundo. Existe

    uma situao na qual ele tem que procurar o prprio sustento, visto que no h

    terreno que no possua dono, quase tudo possvel de ser comprado, sobretudo

    quando o capitalismo j est bem desenvolvido e o modelo da quase totalidade

    dos pases do mundo e ele no pode estar por a livremente sem ser sujeito a

    oponibilidade erga omnesdo direito de propriedade.Em virtude disso, o conceito de dignidade da pessoa humana possui

    consequncias necessrias. A primeira delas e de onde no se pode sair sem que

    se chegue a concluses satisfatrias : segundo o conceito de dignidade da pessoa

    humana, o que justo?

    2.3.1 Justia social e dignidade da pessoa humana

    Como se discorreu anteriormente, quando abordou-se os direitos

    fundamentais de segunda gerao, foi por meio das lutas socialistas do sculo 19

    que deu-se origem aos direitos sociais, porquanto buscou-se, atravs da reduo

    das desigualdades, justia social.

    Ora, se naquele tempo j se buscava justia social, quanto mais h de se

    buscar depois da Declarao de 1948 e da incluso do princpio da dignidade dapessoa humana em ordenamentos jurdicos do mundo inteiro, sobretudo do nosso

    ordenamento jurdico? O que era justia por tica, tornou-se por obrigao. claro,

    segundo Ingo Sarlet em citao j feita anteriormente67, o princpio da dignidade da

    pessoa informador dos direitos fundamentais, portanto, no caso, dos direitos

    sociais.

    No contexto do ordenamento constitucional ptrio, h que se fazer

    relevncia, em termos de justia social e distribuio de renda, para o artigo 170 da

    CF, o qual determinou o sistema capitalista, como se expressa claramente por

    67Nota 65.

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    fundar a ordem econmica na livre iniciativa e no valor do trabalho, alm de

    expressar a finalidade de assegurar a todos(grifo nosso) a existncia digna.

    Entretanto, h de se questionar acerca do que seria a existncia digna de

    que o dispositivo fala. Qual o critrio? Pode-se responder com o que diz Jos

    Afonso da Silva, que aquele mnimo social sem o qual a dignidade da pessoa

    humana fica totalmente prejudicada68. Contudo, ainda h lacunas. Nesse ponto,

    junto aos filsofos da poltica ps-ralwsianos, de que o mnimo social, ou os bens

    primrios seja o substituto correto para a felicidade ou o bem-estar69, porquanto o

    conceito de felicidade e de bem-estar totalmente subjetivo, inclusive em

    concordncia com Zigmut Bauman, o qual lembra que faz parte do mundo burgus,

    dentro de uma modernidade lquida, sem modernismo, sem consistncia, acolocao da felicidade e do prazer como propsito supremo da vida70.

    Dessa forma, prefere-se ter como fonte dos critrios a prpria Constituio,

    que classifica os direitos sociais, dos quais podem se concluir que so direitos que o

    Estado deve assegurar a toda a sociedade. Portanto, entendem-se como os

    mnimos necessrios os quais devem ser assegurados a todos, a educao, a

    sade, a alimentao, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurana, a previdncia

    social, a proteo maternidade e infncia, a assistncia aos desamparados, queconstam do artigo 6 da Carta Magna.

    Como informador ainda mais iluminador, pode-se usar do artigo 3 da CF, no

    qual constam os objetivos da Repblica Federativa do Brasil:

    Art. 3 Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa doBrasil:I - construir uma sociedade livre, justa e solidria;II - garantir o desenvolvimento nacional;

    III - erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdadessociais e regionais;IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa, sexo, cor,idade e quaisquer outras formas de discriminao.71

    Posto o artigo 3, dele algumas pontuaes devem ser feitas, em virtude de

    ser bastante informador acerca dos limites da interpretao do que deseja o

    68Nota 21.69FLEISCHACKER, S. Uma breve histria da justia distributiva. 1. ed. So Paulo: Martins

    Fontes, 2006. Pg. 171.70BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurana no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge ZaharEditor, 2003. Pg. 75.71BRASIL. Constituio (1988). Constituio da Repblica Federativa do Brasil. Braslia, DF:Senado,1988.

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    ordenamento jurdico, especialmente acerca da possvel combinao entre

    dignidade da pessoa humana, assistncia social e justia social e a resoluo de

    seus consequentes empasses.

    O inciso I informa que objetivo do Estado brasileiro a construo de uma

    sociedade livre. Isso resolve a dicotomia entre liberdade x igualdade, optando

    primeiramente pela liberdade, afastando a possibilidade de interpretaes socialistas

    (inclusive marxistas) do contedo da Constituio. Assim, afasta-se de parece se

    coadunar com o pensamento de Edith Stein:

    Para Stein, a funo do Estado proteger e favorecer a liberdade dosindivduos, facilitando as relaes sociais. Tambm nas pessoas reside a

    moralidade de um Estado, que nunca pode constituir-se por si mesmo. Porisso, a fortaleza e o valor tico de uma sociedade dependero do atuar dosindivduos. A existncia do Estado est nas mos das pessoas e no oinverso. Entende-se que se fala de um Estado livre e democrtico.72

    Acerca do que ainda consta no inciso I, isto , que objetivo tambm a

    construo de uma sociedade justa e solidria, v-se estar de acordo, quanto a isso,

    com o que diz John Rawls, que a sociedade um empreendimento cooperativo

    para o benefcio mtuo73.

    J o inciso II informa claramente o dever de justia social como objetivo,

    mesmo que seja em virtude de uma norma programtica, isto , aquela que

    estabelece uma meta a ser alcanada e no pode gera obrigao de prestao pelo

    Estado. Todavia, ao se estabelecer a erradicao da pobreza e a marginalizao e a

    reduo das desigualdades sociais e regionais como objetivo, o legislador

    constitucional deixa claro o dever de justia social que se deve ter em mentalidade,

    sobretudo pelos governantes. Quanto a isto, vale recordar o belo trecho de Konrad

    Hesse, quando defende que:

    Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservaode um princpio constitucional, fortalece o respeito Constituio e garanteum bem da vida indispensvel essncia do Estado, mormente ao Estadodemocrtico.74

    72

    COELHO, K. G. da S. A liberdade na relao indivduo e comunidade segundo Edith Stein.2012. 107 f. Dissertao (Mestrado em Filosofia). Universidade Estadual do Cear, Centro deHumanidades, Curso de Mestrado Acadmico em Filosofia, Fortaleza, 2012.73RAWLS, John in FLEISCHACHER, Samuel. Op. Cit. Nota 69.74Op. Cit. Nota 49. Pg. 22.

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    Portanto, em virtude do exposto, pode-se notar o princpio da dignidade da

    pessoa humana como informador do legislador constitucional ptrio, mormente com

    relao ao tema justia social, porquanto, no contexto e no esprito da Constituio

    encontram-se disposies acerca da erradicao da pobreza, o que deve considerar

    o legislador, portanto, em desconformidade com a dignidade da pessoa humana,

    alm, obviamente, da fome, da misria, da falta de educao, a insegurana, da falta

    de moradia e o desemprego.

    2.3.2 Assistncia social como norma tica em busca da dignidade para todos

    tica, no sentido etimolgico, como lembra Joo Maurcio Adeodato, provm

    do termo ethos, que, ao lado de pathos e logos, designa, na Grcia clssica, uma

    das dimenses ontolgicas fundamentais da vida humana. tica constitui, alm da

    doutrina do bom e do correto, da melhor conduta, a teoria do conhecimento e

    realizao desse desiderato75.

    Acerca de normas ticas, ensina Eduardo Bittar:

    A preceptstica moral, ou seja, o conjunto de regras definidas como normasmorais (no matars; no julgars; no fars ao outro o que no desejareisa ti fosse feito; no roubars; dars a cada um o seu...) , no fundo aabstrao das experincias morais hauridas pela prtica vivencial scio-humana.Desse modo, pode-se admitir que todo contedo de normas ticas tem emvista sempre o que a experincia registrou coo sendo bom e como sendomau, como sendo capaz de gerar felicidade e infelicidade, como sendo o fime a meta da ao humana, como sendo a virtude e o vcio. Essapreceptstica, que no estvel, nem homognea em sua generalidade,entre as diversas culturas, varia ao sabor de inmeros fatores.76

    Ainda conclui:

    O que quer se quer dizer que as regras orientativas e disciplinadoras doque seja o socialmente aceitvel e conveniente decorrem da abstrao dasexperincias e das vivncias sociais historicamente engajadas. O indivduoproduz conceitos e padres ticos e os envia sociedade, assim como asociedade produz padres e conceitos ticos e os envia (ou inculca), pormeio de suas instituies, tradies, mitos, modos, procedimentos,exigncias, regras, conscincia do indivduo. dessa interao, e com

    75ADEODATO, J. M. tica e retrica:para uma teoria dogmtica jurdica. 4. ed. So Paulo: Saraiva,2009. Pg. 121.76BITTAR, E. C. B. Curso de tica jurdica:tica geral e profissional. 6. ed. So Paulo: Saraiva,2009. Pg. 31.

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    base no equilbrio dessas duas foras, que se pode extrair o esteio daspreocupaes tico-normativas.

    Desse modo, entende-se que a tica, que o estudo do bom, do melhor, em

    virtude das relaes sociais e do conhecimento histrico adquirido, numa hiptese

    ideal, acaba sendo geradora de normas jurdicas, em virtude de a sociedade, por

    meio dela, considerar o que seja bom ou mal, necessrio ou desnecessrio, justo ou

    injusto.

    Miguel Reale, ao contrrio, nas poucas linhas da obra Filosofia do Direito,

    pareceu considerar a tica no plano exclusivamente individual, quando afirma: O

    Direito, como experincia humana, situa-se no plano da tica, referindo-se a toda

    conduta humana subordinada a normas de carter obrigatrio77. Entretanto,discorda-se, e com escopo em Kant, lembrado pelo professor Abraho Andrade,

    quando estabelece que:

    Cada legislao, por consequncia, [...] pode, portanto ser diferente no queconcerne ao mbil. A legislao que faz de uma ao um dever e ao mesmotempo deste dever um mbil, uma legislao tica. Em contrapartida, alegislao que no integra o mbil lei e que por conseguinte admite umoutro mbil que no a Ideia do dever mesmo jurdica.78

    Cr-se afirmar, Kant, que uma lei, diga-se norma, tica, quando, ao

    mesmo tempo, faz de uma ao um dever e um motivo. No caso do direito

    assistncia social, o dever de ao do Estado e o motivo a justia social. A

    justia social com relao a tudo que j se afirmou, j sobre o dever do Estado,

    ainda h o que se possa abordar.

    No mesmo sentido, da existncia de normas ticas, segundo a concepo

    de Ronald Dworkin, como assinala Flvia Piovesan:

    Acredita-se que o ordenamento jurdico um sistema no qual, ao lado dasnormas legais, existem princpios que incorporam as exigncias de justia edos valores ticos. Estes princpios constituem o suporte axiolgico queconfere coerncia interna e estrutura harmnica a todo sistema jurdico.79

    77REALE, M. Filosofia do direito. 20. ed. So Paulo: Saraiva, 2002. Pg. 37.78

    ANDRADE, A. C. Modernidade crtica e filosofia prtica. 1. ed. Vila Velha, ES: Opo, 2012.Pg. 128.79DWORKIN, Ronald in PIOVESAN, F. Proteo judicial contra omisses legislativas: ao diretade inconstitucionalidade por omisso e mandado de injuno. 2. ed. So Paulo: Revista dosTribunais, 2003.

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    Recorde-se que princpios so normas abstratas, em detrimento das regras,

    que so normas mais concretas, os princpios so, portanto, normas informadoras

    de outras normas, normas de normas. Enquanto normas, os princpios so lei em

    sentido amplo, e se enquadram dentro da proposio de Kant, conforme se

    confirmou posteriormente por Dworkin.

    Acerca dos princpios, Paulo Bonavides cita investigao feita por Ricardo

    Guastini, que de bastante utilidade para o presente trabalho. Assim resume

    Bonavides:

    Em primeiro lugar, o vocbulo princpio, diz textualmente aquele jurista, serefere a normas (ou a disposies legislativas que exprimem normas)

    providas de um algo grau de generalidade.Em segundo lugar, prossegue Guastini, os juristas usam o vocbuloprincpio para referir-se a normas(ou a disposies que exprimem normas)providas de um alto grau de indeterminao e que por isso requeremconcretizao por via interpretativa, sem a qual no seriam suscetveis deaplicao a casos concretos.Em terceiro lugar, afirma ainda o mesmo autor, os juristas empregam apalavra princpio para referir-se a normas (ou disposies normativas) decarter programtico.Em quarto lugar, continua aquele pensador, o uso que os juristas s vezesfazem do termo princpio para referir-se a normas (ou dispositivos queexprimem normas) cuja posio na hierarquia das fontes de Direito muitoelevada.Em quinto lugar novamente Guastini os juristas usam o vocbuloprincpio para designar normas (ou disposies normativas) quedesempenham uma funo importante e fundamental no sistema jurdicoconjunto (o Direito Civil, o Direito do Trabalho, o Direito das Obrigaes).Em sexto lugar, finalmente, elucida Guastini, os juristas se valem daexpresso princpio para designar normas (ou disposies que exprimemnormas) dirigidas aos rgos de aplicao, cuja especfica funo fazer aescolha dos dispositivos ou das normas aplicveis nos diversos casos.80

    Quanto aos direitos fundamentais, existem eles em dupla acepo: direitos

    fundamentais positivos e negativos. Em virtude destes, o Estado se abstm para

    respeitar um direito subjetivo, em contrapartida, por aquele, tem o dever de prestar.

    Sobre a funo estatal de prestao social, ensina Canotilho: Os direitos a

    prestaes significam, em sentido estrito, direito do particular a obter algo atravs do

    Estado (sade, educao, segurana social)81.

    Tem-se, pois, que o mbil, a razo, das normas referentes assistncia

    social, a justia social, uma justia baseada na dignidade da pessoa humana, tal

    como princpio informador de todo o ordenamento constitucional ptrio. pela

    80GUASTINI, Ricardo in Op. Cit. Nota 45. Pgs. 257-258.81Op. Cit. Nota 50. Pg. 384.

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    dignidade do homem que se cr que ele deve ter acesso s condies mnimas de

    existncia, e em virtude das desigualdades que esse direito toma aspecto de

    necessidade.

    Reconhecidos esses direitos sociais, mormente no ordenamento

    constitucional ptrio, quando se refere educao, moradia, alimentao, etc.

    (ressalte-se que quanto a sociais, diz-se de toda coletividade, sobretudo quanto

    aquela parcela dessa coletividade que no pode ter acesso por a tais bens por si

    mesma), cr-se na necessidade destes em ter acesso, e, consequentemente, no

    dever-necessidade do Estado a conced-lo. Portanto, um mbil, uma razo de ser

    das normas de direito a assistncia social, a dignidade da pessoa humana e todas

    as suas consequncias diretas e indiretas, principalmente a de concesso debenefcios capazes de ampliar seu acesso a bens da vida, que, sem estes, no

    teriam a sua disposio.

    2.3.2.1 tica e responsabilidade poltica na assistncia social

    Algo que de importante observao a salvaguarda do ordenamentoconstitucional ptrio. Diante do exposto no caput do artigo 1 da CF, tem-se claro

    que estamos sob um Estado Democrtico de Direito. Desde seu prembulo, como

    recorda Flvia Piovesan, a Carta de 1988 projeta a instituio de um Estado

    Democrtico destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, a

    liberdade, a segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justia

    como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos

    (...).82

    O prembulo constitucional, bem recordado pela eminente jurista, bem como

    os artigos 1 e 3 da Constituio, asseguram um Estado Democrtico de Direito.

    Como democrtico se expressa no pargrafo nico do art. 1, quando este diz que

    todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos direta

    ou diretamente, alm de tudo aquilo que de conhecimento comum sobre a

    democracia, como todas as realidades de protees aos direitos individuais

    conquistados, em detrimento ao absolutismo, por alguns pases durante o sculo

    XVIII, especialmente, como se j foi dito, os Estados Unidos e a Frana. J quanto a

    82Op. Cit. Nota 79. Pgs. 40-41.

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    Estado de Direito, informa o legislador constitucional que todo poder exercido pelos

    governantes est limitado pela lei, pelo Direito. Num Estado de Direito a lei a

    soberana, que elaborada indiretamente, por meio de um processo democrtico, no

    caso da Carta Maior de 1988, por representantes eleitos numa Assembleia Nacional

    Constituinte.

    Em virtude disso, primordial seria que todo representante eleito tivesse essa

    mentalidade de Estado de Direito, e considerar-se abaixo da Constituio, o que se

    percebe pouco desde que que foi promulgada em 1988, em virtude da quantidade

    de emendas constitucionais desde ento, o que vai tornando-a cada vez mais uma

    colcha de retalhos, como comumente se diz. Seria de grande utilidade a toda a

    nao, que, por situar-se ainda numa realidade de terceiro mundo, na qual grandeparcela da populao no tem conscincia de seus direitos e no sabe votar, que os

    seus governantes eleitos tivesse o sentimento constitucional to defendido por

    Konrad Hesse83. Entretanto, no o que acontece.

    Principalmente quanto assistncia social, podem os governantes fazer, e o

    fazem, usar dispositivos constitucionais e leis j aprovadas, que, em virtude do

    carter programtico e dirigente da Constituio, os conduzem a criar projetos e

    programas a fim de erradicar a pobreza e diminuir as desigualdades, para lograr aseu favor a devoo e a gratido da populao para fins eleitoreiros, prendendo

    assim a populao numa espcie de ditadura disfarada, pelo medo do retorno

    situao anterior (de padecimento social), quando no recebiam os benefcios,

    porque, desonestamente, aqueles chegam a alertar a populao de que o partido

    adversrio ir retirar tais programas assistencialistas de funcionamento. No Brasil,

    pas em desenvolvimento, mas que possui ainda grandes caractersticas de

    subdesenvolvido, com significativa parcela da populao ainda, infelizmente, emsituao miservel, praticar tal ato de controle, anunciado h dcadas por Aldous

    Huxley, em sua obra Admirvel Mundo Novo, constitui modo trapaceiro de se

    perpetuar no poder.

    Ora, num Estado Democrtico de Direito, tal prtica inadmissvel. Inclusive

    para tericos socialistas, como Luiz Blanc, a liberdade no consiste apenas no

    direito, mas no poder de ser livre84. No se favorece a liberdade do povo, mas, ao

    83Todos os interesses momentneos ainda quando r