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IMPRESSÕES DE “BARROCO”: A PRODUÇÃO EDITORIAL DO INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (1937-1978) Felipe Esteves Lima Maciel Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História. Orientador(a): Andrea Daher Rio de Janeiro Abril de 2009

IMPRESSÕES DE “BARROCO”: A PRODUÇÃO …livros01.livrosgratis.com.br/cp092634.pdf2.1.1 Tipologia: criação, objetivos, autores e público 54 2.1.2 “Barroco” como mito de

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IMPRESSÕES DE “BARROCO”: A PRODUÇÃO EDITORIAL DO INSTITUTO DO PATRIMÔNIO

HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL (1937-1978)

Felipe Esteves Lima Maciel

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História.

Orientador(a): Andrea Daher

Rio de Janeiro Abril de 2009

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ii

IMPRESSÕES DE “BARROCO”: A PRODUÇÃO EDITORIAL DO INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HIS TÓRICO

E ARTÍSTICO NACIONAL (1937-1978)

Felipe Esteves Lima Maciel

Orientador(a) : Andrea Daher Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História. Aprovada por: _______________________________ Presidente, Prof. Dr. Andrea Daher _______________________________ Prof. Dr. Maria Aparecida Rezende Mota _______________________________ Prof. Dr. José Reginaldo Santos Gonçalves

Rio de Janeiro Abril de 2009

iii

MACIEL, Felipe Esteves Lima. Impressões de “barroco”: a produção editorial

do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico (1937-1978). / Felipe Esteves Lima Maciel. Rio de Janeiro: UFRJ/ IFCS/ PPGHIS, 2009.

xi, 138 f.; 31cm. Orientadora: Andrea Daher Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ IFCS/

PPGHIS, 2009. Referências bibliográficas: f. 133-138. 1. Barroco. 2. Patrimônio. 3. IPHAN. 4.

Modernismo. I. DAHER, Andrea. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais/ PPGHIS. III. Título.

iv

AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer primeiramente à FAPERJ, pelo auxílio financeiro prestado para a execução deste trabalho, tornando-o possível. Que muitas outras pesquisas tenham a mesma fortuna. Agradeço imensamente à minha orientadora, Andrea Daher. Não só pela orientação fornecida, mas por todo o apoio, compreensão e incentivo que recebo. À professora Maria Aparecida Mota: pelo aprendizado em sala de aula, pela correção impecável que lhe é característica, pela experiência de organizar eventos e trabalhar em equipe. Agradeço também aos professores Manoel Salgado Guimarães e Ricardo Benzaquen Araújo pelos cursos oferecidos e a oportunidade de aprender sempre um pouco mais. Aos funcionários do Arquivo Central e Biblioteca Noronha Santos do IPHAN, sempre muito prestativos. Aos funcionários da COPEDOC. Ao belo grupo que se formou da convivência nesse tempo de mestrado: André de Lemos, Ivan Norberto e Márcio Romão. Nossas trocas acadêmicas, literárias, musicais e outras tornam essa vida um pouco mais interessante. Aos amigos Kimon Speciale e novamente André de Lemos, presentes desde o primeiro ano de graduação. Quase uma década depois, é um enorme prazer tê-los ainda a meu lado. A todos os amigos queridos desse caminho já percorrido no IFCS: Cláudio Vasconcellos, Henrique Gusmão, Joanna de Vasconcelos, Lainister Esteves, Maria Cristina Martins, Maria Eugenia Gay, Paulo Duarte, Priscila Falci, Renata Borges, Régis Argüelles, Tatiana Lomba, Thiago Porto. Se esqueci de alguém, me desculpem. Ao amigo Eduardo Derbli, irmão pela longa amizade construída e por estar sempre presente. Ao amigo Lourenço Astua, pelas conversas as mais improváveis. Mas gostaria de agradecer, acima de tudo, à minha família, pelo apoio que encontrei quando mais precisava, pelo amor que sempre recebi. Entre os meus, sempre encontrei pouso. Aos primos Bruno Lima e Aroldo Esteves, especialemente, pelas experiências musicais e apresentações cidade afora. Sem a MystiCow tudo seria mais difícil, tenho certeza. É preciso criar e improvisar para manter a sanidade. E por último agradeço à Fernanda, amada companheira que acompanhou de perto essa jornada. Obrigado pela força e pelas palavras e gestos de conforto.

v

RESUMO

IMPRESSÕES DE “BARROCO”: A PRODUÇÂO EDITORIAL DO INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E

ARTÍSTICO NACIONAL (1937-1978)

Felipe Esteves Lima Maciel

Orientador(a): Andrea Daher

Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação

em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História.

Esta pesquisa analisa a apropriação do conceito de “barroco” feita pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, entre os anos de 1937 e 1978, na constituição de um patrimônio da nação brasileira, isto é, a seleção de um passado e de uma origem para a nação. Se durante o século XIX brasileiro o conceito de “barroco” era visto em geral de maneira negativa, a criação do IPHAN inseriu-se num processo de revalorização do passado colonial e do próprio conceito. Para a análise dos discursos produzidos acerca de “barroco”, foi selecionada a produção editorial do IPHAN, locus de definição, análises e divulgação dos exemplares de uma “arte barroca brasileira”. Assim, o objetivo aqui proposto é a descrição dos usos desse conceito em um projeto conduzido por uma instituição que, por um lado, possui uma visão romântica da nação brasileira, formulando mitos de origem e criando heróis, no que se destaca o Aleijadinho. Por outro lado, os quadros do IPHAN são preenchidos majoritariamente por modernistas, o que produz uma visão particular desse passado e sua relação com o presente, o que pode ser observado no discurso de Lúcio Costa, importante teórico do IPHAN e reconhecido arquiteto modernista. Palavras-chave: Barroco; Patrimônio; IPHAN; Modernismo

Rio de Janeiro Abril de 2009

vi

ABSTRACT

“BAROQUE” IMPRESSIONS: THE EDITORIAL PRODUCTION OF INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO

E ARTÍSTICO NACIONAL (1937-1978)

Felipe Esteves Lima Maciel

Orientador(a): Andrea Daher

Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação

em História Social, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História. This research examines the appropriation of the term “baroque” by the Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico – IPHAN, between the years 1937 and 1978, in the development of a heritage for Brazilian nation, it is, the selection of a past and a source for the nation. If during the Brazilian nineteenth century the concept of “baroque” was generally seen in a negative way, the creation of IPHAN is part of a process of revalorization of the colonial past and the very concept. For the analysis of discourses produced about “baroque” was selected the editorial production of IPHAN, locus of definition, analysis and dissemination of models of a “Brazilian baroque art”. The objective proposed here is the description of the uses of that concept in a project led by an institution which, on one hand, has a romantic vision of the Brazilian nation, making myths of origin and creating heroes, as it highlights the Aleijadinho. On the other hand, the tables of IPHAN are populated mostly by modernists, which produces a particular vision of the past and its relation to the present, as we can observe in the speech of Lúcio Costa, an important theoretical of IPHAN and recognized modernist architect. Key-words: Baroque; Heritage; IPHAN; Modernism

Rio de Janeiro Abril de 2009

vii

SUMÁRIO

Introdução 9 1 A via “barroca” 14 1.1 Juízos de “barroco” 14 1.2. Neocolonial e Modernismo 35 1.3 A criação do IPHAN 47 2 Representações do “barroco” na produção editorial do IPHAN (1937 – 1978) 54 2.1 A Revista do IPHAN 54 2.1.1 Tipologia: criação, objetivos, autores e público 54 2.1.2 “Barroco” como mito de origem e “barroco” como “boa tradição” 58 2.2 A série Publicações do IPHAN 84 2.2.1 Tipologia: criação, objetivos, autores e público 84 2.2.2 Inventário do patrimônio barroco: Minas Gerais do século XVIII 93 3 A biografia de Aleijadinho 3.1 Representações do Aleijadinho nas páginas da Revista 104 3.2 A biografia de Rodrigo Bretas 109

viii

Conclusão 128 Bibliografia Fontes e Referências 133

9

Introdução

O conceito de “barroco” foi usado de maneiras as mais diversas na cultura

brasileira, orbitando em torno da questão do nacional. Um caso exemplar, e polêmico,

diz respeito à definição de literatura brasileira; particularmente a partir da obra

Formação da Literatura Brasileira, de Antonio Candido1. Nesta, Candido afirmava que

a “literatura propriamente dita” surge apenas após 1750, quando se configura o

triângulo autor-obra-público, classificando a produção letrada anterior como

“manifestações literárias”, aspectos da literatura portuguesa, o que invalida sua

participação nos “momentos decisivos” de formação da literatura brasileira. De certa

forma, despreza o papel, por exemplo, de Gregório de Matos, personagem-chave nas

construções do “literatura barroca brasileira”. Contras as concepções acerca de

“barroco” ali expostas, manifestaram-se Afrânio Coutinho2 e Haroldo de Campos3.

Para Coutinho, um homem novo estabelece-se no território da colônia brasileira,

“desde o primeiro instante em que o europeu aqui pôs o pé”4. Dessa forma, desde o

princípio da colonização, pelo contato com esse mundo novo, esse homem novo teria

produzido uma literatura nova, vale dizer brasileira. Estabelece-se, assim, uma visão

teleológica da nação brasileira, que embora se consolide como tal apenas no século

XIX, já o era desde o início da ocupação portuguesa.

Para Campos, a literatura brasileira teria sua “origem vertiginosa” em Gregório

de Mattos, origem “barroca”, “início pronto”. Constrói a imagem de um poeta de

vanguarda, maldito, através da qual estabelece uma linhagem, que caberia à poesia

1 CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira (momentos decisivos). 2vols. São Paulo: Livraria Martins, 1959. 2 COUTINHO, Afrânio. Conceito de literatura brasileira - ensaio. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1960. 3 CAMPOS, Haroldo de. O seqüestro do barroco na formação da literatura brasileira: o caso Gregório de Matos. Salvador: Fundação Casa Jorge Amado, 1989. 4 COUTINHO, Afrânio. Op. Cit. p.18

10

concretista – da qual fazia parte o próprio Campos – recuperar. Mais à frente, Campos

entraria em nova polêmica, agora com João Adolfo Hansen, por ocasião da publicação

da tese deste último sobre a poesia satírica produzida na Bahia durante o século XVII, A

sátira e o engenho5.

A polêmica teve como cenário o jornal Folha de São Paulo, especificamente o

suplemento literário Mais!. O texto de Hansen, intitulado “Floretes agudos e porretes

grossos”6, em torno do livro A Sátira e o Engenho, aborda o tema a partir de uma

arqueologia das práticas de representação, produção e recepção coloniais, recusando a

universalidade transistórica de “barroco” e apropriações exteriores e anacrônicas, como

afirma a seguir:

Hoje, apropriações de “Gregório de Matos”, classificação de um

corpus poético colonial, ainda fazem o nome reencarnar-se

retrospectivamente no seu tempo, o século 17, como um indivíduo

liberal-libertino-libertário a profetizar o advento do “Barroco” e dos

“neo-Neo” no retrô geral desse fim de século. 7

Haroldo de Campos, em artigo intitulado “Original e revolucionário”8, critica a

posição de Hansen retomando sua teoria de “seqüestro do barroco”9, anteriormente

aplicada a Antonio Candido. Segundo Campos, Candido retirava o barroco da história

da literatura brasileira10, e Hansen cometia crime análogo:

Só mesmo a contingência de terem permanecido os poemas de Gregório em estado de apógrafo pode explicar a ligeireza, a facilidade com que o mais recente necrologista gregoriano reduz o poeta à condição espectral de ‘etiqueta’ nominativa. 11

5 HANSEN, João Adolfo. A sátira e o engenho. Gregório de Matos e a Bahia do Século XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. 6 Publicado em 20 de outubro de 1996 7 Trecho extraído da matéria publicada. 8 Publicada em 20 de novembro de 1996 9 Cf. CAMPOS, Haroldo de. O seqüestro do barroco na formação da literatura brasileira: o caso Gregório de Matos. 10 Cf. CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira (momentos decisivos). 11 Trecho extraído da matéria publicada.

11

A crítica de Campos baseava-se, assim, na suposta negação de uma

individualidade “genial e revolucionária” – presente desde o título do artigo – do poeta.

Hansen, no entanto, passa ao largo deste tipo de crítica: seu texto discute justamente

como o presente naturaliza apropriações a posteriori da produção do século XVII, no

caso específico, Gregório de Mattos, desconsiderando as condições de produção e

recepção então vigentes.12

A pesquisa de Hansen é, dessa forma, motivação central para essa dissertação.

Através dos seus estudos, “barroco” é retirado de uma tradição de apropriações livres e

compreendido como etiqueta classificatória para descrever os resíduos de um passado

que nos chegam atualmente. Assim, se não buscamos uma definição dos sistemas de

representação vigentes nas artes selecionadas como patrimônio pelo IPHAN, as

reflexões de Hansen produzem o estranhamento necessário que orienta o trabalho

descritivo aqui realizado.

Recentemente, Marcelo Moreschi, na análise que fez dos catálogos de algumas

exposições comemorativas sobre o “barroco” brasileiro13, descreve as diferentes

significações atribuídas ao conceito, tidas por “significações brasileiras de barroco”,

demonstrando assim a aplicação anacrônica do significado nacional conferido aos

objetos coloniais classificados como “barrocos”, no interior de determinados programas

de construção da nacionalidade. Dessa forma, esse trabalho serve como modelo para

essa dissertação, que se aplica porém a outro locus.

O objetivo visado aqui é o de demonstrar, portanto, em um locus específico, uma

apropriação do conceito de “barroco” que consideramos exemplar.

12 DAHER, A. Histoire culturelle comme histoire des pratiques lettrées au Brésil . in POIRRIER, Philippe (org.). L'Histoire culturelle: un "tournant mondial" dans l'historiographie? Postface de Roger Chartier. Dijon : Editions Universitaires de Dijon, 2008, p. 175-187. 13 MORESCHI, Marcelo Seravali. A inclusão de “Barroco” no Brasil: o caso dos catálogos. Campinas, Universidade Estadual de Campinas, 2004.

12

A escolha pelo IPHAN14 como locus de observação desta apropriação, desde sua

criação em 1937 até o início da década de 1980, aproximadamente, relaciona-se à

posição privilegiada exercida por esta instituição na constituição da concepção de

patrimônio histórico e artístico no Brasil. Observar os critérios que regularam sua

produção textual, publicada em séries como a Revista do IPHAN e Publicações do

IPHAN, constitui os meios para se pensar o desenvolvimento da questão do patrimônio

em âmbito nacional.

Pensar o patrimônio significa um esforço de tentar compreender como um

conjunto de símbolos e ícones foi construído como representante de uma nação. Nesse

sentido, pode-se dizer que são a materialidade de uma memória construída, selecionada

de acordo com pressupostos específicos. O patrimônio é algo que afeta um povo, dá-lhe

uma tradição na qual se insere, promove identificação, quando bem-sucedido.

Nesta dissertação, escolhemos o patrimônio brasileiro, especificamente o

barroco, como corpus por excelência desse repertório de símbolos da nação.

Se o patrimônio reivindicado pelo IPHAN é majoritariamente classificado como

“barroco”, então se pode dizer que as significações atribuídas ao conceito nos permitem

pensar também como constroem uma idéia de nação brasileira e, principalmente, a

formulação de uma origem para o Brasil.

Conforme veremos, o conceito de “barroco” no século XIX brasileiro era algo

desprezado ou valorizado de forma negativa, mas pouco a pouco adquire importância

até vir a relacionar-se à construção da própria identidade nacional brasileira. A opção

feita pelo IHGB, instituição oficial que buscou dar conta deste projeto, é a de reafirmar

a herança portuguesa, portanto européia e civilizada, como o elemento constitutivo da

“nossa” nacionalidade, ainda que de forma diferenciada, devido a uma capacidade de

14 Para fins práticos, será utilizada sempre a sigla IPHAN, portanto Instituto. O mesmo vale para a Revista e a série Publicações. A despeito das diversas mudanças no órgão, que já foi chamado Serviço, Diretoria e Secretaria, não é o interesse dessa pesquisa analisar este aspecto.

13

invenção e renovação próprias ao “nosso” país. Desta maneira, o Brasil é inserido no

moderno “Concerto das Nações” através de sua descendência européia, sem deixar de

reafirmar sua especificidade.

Transferindo essa concepção para o patrimônio histórico e artístico, pensando a

arquitetura, a opção é clara: por uma lado, trata-se da valorização das construções

coloniais portuguesas, como momento de origem da arte nacional brasileira. Por outro

lado, a constituição de um estilo arquitetônico diferenciado como o barroco mineiro

confere a especificidade necessária para o desenho da nação. No IPHAN, este projeto

será construído nas suas séries editoriais, e reafirmado nas práticas de preservação e

restauro.

Conforme afirma José Reginaldo Gonçalves:

Durante o período que se estende de 1937 a 1979, a maioria dos

monumentos e obras de arte tombados como ‘patrimônio cultural’ era

considerada como representativa do chamado barroco brasileiro.

Desde os anos trinta, o barroco tem sido oficialmente usado como

signo totêmico da expressão estética da identidade nacional brasileira.

Outros estilos, como o neoclássico, foram colocados de lado. Nos

anos 20, o Barroco foi ‘redescoberto’ por intelectuais ‘modernistas’

em busca de uma arte e uma cultura brasileira autênticas.15

É importante assinalar, aqui, que não se trata de estabelecer uma interpretação

melhor e última de “barroco”. Lembremos, mais uma vez, que as diferentes

interpretações e usos de uma categoria são regidos historicamente, e o intuito nesta

pesquisa é apenas o de situar historicamente algo que nos é dado como natural, além de

propor uma interpretação mais afinada com os pressupostos de uma sócio-história das

práticas culturais, tal como pensada hoje.

15 GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ; Iphan, 2002. p.68

14

1 A via “barroca”

Neste capítulo serão apresentadas algumas significações do conceito de

“barroco” operadas ao longo do século XIX até a criação do IPHAN, em 1937. Desta

forma, o objetivo aqui proposto é o de enquadrar a apropriação realizada pelo

IPHAN em uma trajetória mais ampla do conceito de “barroco” no Brasil. Outra

proposta é a de situar o surgimento do IPHAN no cerne do debate entre Neocolonial

e Modernismo como determinante para que um determinado monopólio sobre o

passado fosse estabelecido. Não mais neocolonial, agora moderno, com destaque

para a figura de Lúcio Costa.

1.1 Juízos de “barroco”

Durante o século XIX brasileiro, “barroco” era um estilo depreciado, tratado em

oposição ao neoclássico, como “exagero”, “mau gosto” e afins. O IHGB, nesse

momento, será um importante pólo da discussão sobre a arte brasileira, ao compartilhar

tais definições conforme afirma Guiomar de Grammont:

De inspiração positivista, buscando legitimidade para as artes e para a

indústria no Brasil, ainda marcadas pelas proibições metropolitanas, o

IHGB desempenhará, de qualquer modo, um importante papel de

consolidação do pensamento sobre as artes no país. Em seus

primórdios tenderá, contudo, a uma desvalorização sistemática da arte

chamada ‘barroca’ ou ‘jesuítica’, ainda que com idas e vindas: nem

sempre se percebe uma regularidade de pensamento entre seus

membros. Alinhados com a crítica européia, os primeiros membros do

IHGB que discorreram sobre o assunto julgaram a arte do século

anterior bizarra e de mau gosto. [...] Araújo Porto Alegre, uma das

figuras mais interessantes desse período, é um desses personagens

tributários de uma formação na França neoclássica e avessos a refletir

15

sobre as artes que mais adiante seriam consideradas obras

representativas da arte classificada como ‘barroca’.16

Para percorrer essa trajetória do conceito de “barroco” até sua apropriação

pelo IPHAN, nos utilizaremos da obra Palavra Peregrina, de Guilherme Simões

Gomes Júnior17, tese na qual o autor analisa este trajeto no campo das artes para

discutir as controvérsias sobre o conceito na literatura. Recuperando sua análise, as

apropriações de “barroco” no Brasil serão introduzidas nessa dissertação. Conforme

afirma, sobre o século XIX brasileiro:

Pode-se dizer que, até então, o problema, no que diz respeito ao

barroco, era de simples reconhecimento. Por um lado, o

reconhecimento da arte e da arquitetura que caracterizou,

particularmente, o século XVIII no Brasil colonial. Por outro, o

reconhecimento de uma nova categoria estilística, o barroco, que foi

aos poucos se ligando ao conjunto das obras do referido período.

Já na segunda década do século XX a questão ganha outro sentido.

Trata-se então da articulação com as manifestações artísticas do

passado com os projetos culturais que começam a esboçar-se no

Brasil, no momento em que pareciam esgotados os impulsos que

modelaram as instituições e as práticas culturais do tempo do

Império.18

Guilherme Simões demonstra como, nesse primeiro momento, não há uma

definição clara do que seria a arte barroca, ao menos não na arte brasileira. Diz que:

O complexo artístico e arquitetônico do Brasil colonial continua a ser

algo indefinido, menos um estilo, uma contrafação, sempre situado

16 GRAMMONT, Guiomar de. Aleijadinho e o aeroplano: o paraíso barroco e a construção do herói colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. p.154 17 GOMES JÚNIOR, Guilherme Simões. Palavra Peregrina: o Barroco e o Pensamento sobre Artes e Letras no Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1998. 18 Idem, ibidem, p.50-1

16

entre dois outros estilos, sem nunca ascender a um ou outro, nem

firmar-se como um terceiro19

Exemplifica citando Varnhagen:

São construções sólidas, de muita cantaria: porém de ordinário

pesadas e faltas de gosto, como ainda hoje se vê na atual sé da Bahia,

igreja de Peruíbe e outras. Falta nestas construções o sublime que

oferece a continuidade das grandes linhas: – horizontal no gênero

clássico; vertical no pontagudo.20

E conclui:

Por essa colocação, vê-se que a arquitetura dos jesuítas continua sendo

definida pelo que não é, e sempre em uma posição intermediária [...]

entre o clássico e o pontagudo, que parece ser outro nome do gótico.21

Guilherme Simões inicia sua análise da trajetória do conceito de “barroco”

observando a produção de Araújo Porto Alegre, tido como o patrono das Belas-Artes no

Brasil. Se Porto Alegre não propõe, de início, a classificação de “barroco” para a arte

brasileira, Simões afirma que:

Porto Alegre é, desse modo, um elo importante no projeto cultural

que, desde os tempos joaninos, visa recolocar o Brasil no circuito das

artes do Ocidente a partir de uma nova perspectiva. Por outro lado,

atua no sentido do resgate da história das artes da época colonial e da

preservação daquilo que fora legado do passado...22

19 GOMES JÚNIOR, Guilherme Simões. Palavra Peregrina. p.43 20 VARNHAGEN, F.A. História Geral do Brazil antes de sua separação e independência de Portugal. (2. ed., 2 vols.), Rio de Janeiro, Laemmert, 1874; vol. II, p.929 apud GOMES JÚNIOR, Guilherme Simões. Palavra Peregrina: o Barroco e o Pensamento sobre Artes e Letras no Brasil. p.43 21 GOMES JÚNIOR, Guilherme Simões. Op. Cit. p.44 22 Idem, ibidem, p.38

17

Assim, Porto Alegre refere-se ao “barroco” quando fala em “borromínico”23. No

entanto, Guilherme Simões nos mostra que “na tradição francesa, dentro da qual Porto

Alegre se forma, borromínico é qualificativo de fortes ressonâncias negativas”24 e

ainda: “A arquitetura de Borromini é invariavelmente considerada como um exemplo de

ridículo e bizarria”25.

Posteriormente, uma nova conceituação será produzida:

Com essas idéias, Porto Alegre esboça uma teoria social da arte [...]

Se no início sua avaliação é implacável, e o barroco é visto como

forma degenerada e idéia errônea, dentro dessa teoria emerge uma

viés relativista, na medida em que um estilo, mesmo quando

considerado ‘como um delírio do pensamento humano, como uma

aberração do gosto, e contrária a todos os princípios do belo e do

sublime’, ainda assim tem sua razão de ser em certos contextos sociais

e históricos.26

Em 1944, Rodrigo Melo Franco de Andrade, diretor do IPHAN, publicou um

artigo na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro27, na qual operava uma

apropriação do legado de Araújo Porto Alegre, o que é bastante interessante do ponto de

vista dessa pesquisa. O autor propõe que o IPHAN foi instituído na tradição dos estudos

do IHGB, através da iniciativa precursora de Porto Alegre:

Em verdade, foi no seio desta benemérita agremiação que os nossos

monumentos e obras de arte tradicional encontraram os pioneiros da

sua história e os precursores da campanha pela sua defesa efetiva. Foi

aqui, em verdade, que se assentaram os fundamentos dos estudos e da

ação cujo encargo só muito mais tarde os poderes públicos vieram a

assumir, em benefício do patrimônio de arte e das relíquias históricas

23 Estilo em referência a Borromini, arquiteto italiano. 24 GOMES JÚNIOR, Guilherme Simões. Palavra Peregrina. p.39 25 Idem, ibidem. p.39 26 Idem, ibidem. p.42 27 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Araújo Porto Alegre, precursor dos estudos de história da arte no Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro , Rio de Janeiro, v.184, jul./set., 1944 apud Rodrigo e seus tempos: coletânea de textos sobre artes e letras. Rio de Janeiro, Fundação Nacional Pró-Memória, 1986. (Publicações do IPHAN n.37), p.312-320.

18

do Brasil. Por isso mesmo, o Serviço do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional não é senão um prolongamento deste insigne

Instituto.28

Em sua análise, a produção de Porto Alegre é circunscrita “apenas à sua obra de

iniciador dos estudos para a elaboração da nossa história da arte durante o período

colonial”29. Rodrigo afirma a indiferença então vigente frente à arte colonial brasileira:

O que os nossos patrícios mais esclarecidos julgavam em 1830 e o que

continuaram a pensar, ainda por muitos anos, era que, neste país, o

amor das belas-artes jazera, desde o descobrimento até então, ‘coberto

por uma nuvem de indiferença’, segundo a expressão do jornal de

Evaristo da Veiga. Tudo quanto fora realizado no Brasil no decurso de

quase três séculos, no domínio das artes plásticas, parecia tão

desprezível que nem sequer merecia uma referência pejorativa.30

Segundo o autor, isto seria uma decorrência da formação francesa, na qual Porto

Alegre também se insere, muito embora a rejeite logo em seguida:

É manifesto que, com o critério formado pelos princípios rigorosos

dessa teoria, o julgamento de Araújo Porto Alegre sobre a nossa

pintura colonial não tenderia a ser favorável. Nada menos satisfatório,

à luz da intransigente doutrina davidiana, do que a obra dos mestres de

nossa pintura colonial. [...]

No entanto, Porto Alegre reagiu contra todos os princípios, contra

todos os preconceitos da sua formação, para considerar com apreço as

obras de arte do passado do seu país.31

Se inicialmente, para julgar a arte e os artistas coloniais, Porto Alegre só tinha “o

gosto neoclássico”, como quando faz uma crítica negativa às igrejas baianas,

28 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Araújo Porto Alegre, precursor dos estudos de história da arte no Brasil. p.312 29 Idem, ibidem. p.313 30 Idem, ibidem. p.314 31 Idem, ibidem. p.315

19

“expansões pessimistas”, isto não representaria “o fundo de seu pensamento”, tratando-

se de “resíduos culturais do exotismo de sua formação”.

Assim, quando Porto Alegre começa a publicar, o quadro muda de figura:

Efetivamente, nos escritos de Araújo Porto Alegre é que aparece,

antes de em qualquer outro texto impresso no Brasil ou a seu respeito,

a indicação das características diferenciais das manifestações de nossa

arte tradicional em matéria de pintura e arquitetura. [...]

De fato, quando ainda em nenhuma obra publicada tinha aparecido

qualquer consideração a respeito, foi Araújo Porto Alegre quem,

inicialmente, procurou assinalar os elementos peculiares de nossa

pintura e de nossa arquitetura religiosa tradicional, apontando nas suas

obras e monumentos representativos os caracteres que lhe pareciam

definidos para enquadrá-los entre as manifestações dos estilos sob

cujas influências se operava a evolução das formas ao longo da

história da arte universal.32

Rodrigo M. F. comenta que o patrimônio artístico e os artistas coloniais de

Minas Gerais, região preciosa para o IPHAN, não foram tratados pelo estudioso. No

entanto, nos informa que, o interesse despertado por Porto Alegre pela biografia de

Aleijadinho – escrita por Rodrigo Bretas e publicada anonimamente no Correio da

Manhã – e a sua iniciativa de pedir que as pesquisas se estendessem, oferecendo as

páginas da Revista, resultou no envio de uma versão ampliada e assinada do texto.

Assim, retirado do anonimato, foi publicado em outras duas ocasiões, em 1896 e 1897,

e legada à posteridade. Conforme afirma Rodrigo M. F.:

Não há senão concluir que, contribuindo como contribuiu para

preservar o trabalho de Rodrigo Bretas, Porto Alegre prestou um dos

maiores serviços que poderiam ser prestados quer à glória merecida de

Antônio Francisco Lisboa quer a toda a história da arte no Brasil.33

32 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Araújo Porto Alegre, precursor dos estudos de história da arte no Brasil. p.316 33 Idem, ibidem. p.318

20

Por fim, lamenta o afastamento de Porto Alegre do trato das artes tradicionais

para ocupar-se de outros assuntos que demandavam seu tempo, e afirma que Araújo

Viana foi um continuador de sua obra. Trata ainda da primazia de Porto Alegre no alerta

em defesa da proteção ao patrimônio:

Em verdade, já em 1841, o bravo pioneiro erguia a voz, no recinto

deste prestigioso Instituto, para condenar severamente os atentados

cometidos contra a integridade das obras de arte genuínas legadas

pelos nossos maiores.34

Em 1911, Diogo de Vasconcellos publicava a memória “As Obras de Arte” em

livro comemorativo do bi-centenário da cidade de Ouro Preto35. Como obra

comemorativa, traz implícita em si a exaltação do objeto em questão, mas não deixa de

ser uma produção de valor que nos interessa avaliar, na medida em que se trata de um

discurso pró-arte colonial em um momento em que a questão ainda não está totalmente

estabelecida. Segundo o autor:

Por outro lado, se, em desempenho da tarefa devo rastrear o curso

indicado pela evolução nas obras de arte, nenhum ponto de

observação se exclui, eis que por todo o sempre em objetos, nem por

vezes grandiosos, é que se fixam os marcos iniciais de toda

civilização.

Neste sentido, é bem que atenda não haver em todo o espaço de Minas

povoação, senão esta, onde se conservam tantos e tão claros vestígios

primitivos.36

O objetivo principal do texto, conforme Vasconcellos nos adverte, é uma

descrição das obras de arte da cidade, o que o faz de forma extensa e detalhada. No

34 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Araújo Porto Alegre, precursor dos estudos de história da arte no Brasil. p.319 35 VASCONCELLOS, Diogo de. As obras de arte. Bicentenário de Ouro Preto, 1711-1911. Memória Histórica. Belo Horizonte, s.d., Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais. p.135-184 O texto foi republicado em VASCONCELLOS, Diogo de. A Arte em Ouro Preto. Edições da Academia Mineira de Letras, 1934. 36 VASCONCELLOS, Diogo de. A Arte em Ouro Preto. p.17-18

21

entanto, produz alguns juízos de valor acerca de questões como a arte colonial, as

influências estrangeiras, o Aleijadinho e outras.

A obra apresenta prefácio escrito por Anibal Mattos, presidente da Academia

Mineira de Letras, instituição da qual Vasconcellos era membro. Destaca pontos como a

formação da nacionalidade brasileira ainda na colônia, prefigurando a nação, e a

proeminência de Minas Gerais dentro desse quadro:

A evolução social, intelectual e política do grande Estado central se

caracteriza, na obra do desenvolvimento histórico do Brasil, por um

aspecto especialíssimo de equilíbrio fundamental, que vem desde os

tempos coloniais marcando a fisionomia inconfundível do seu povo,

incontestavelmente dos mais representativos do nosso verdadeiro tipo

racial.

Não há que contestar a importância do contingente material e moral de

Minas-Gerais, a sua influência destacada nessa obra de formação

brasileira, no que excedeu a própria Baía, um dos pontos de irradiação

de nossa primitiva civilização.37

O autor segue o modelo explicativo das “três raças” formadoras da nação

brasileira, donde conclui que o povo português foi o fator predominante, especialmente

no que concerne às artes:

Dos povos que contribuíram para formação de nossa nacionalidade foi

o português o que mais provas deu de cultura plástica, visto que nada

poderíamos esperar da influência do africano e do índio, embora estes,

em suas manifestações primitivas, pudessem concorrer com um

inspirado contingente decorativo.38

Sua análise prossegue numa tentativa de definir a arte colonial, partindo da

premissa de que os portugueses não cultivavam suas artes como os italianos e franceses.

Decorreria dessa premissa o seguinte argumento:

37 MATTOS, Aníbal. Prefácio a “A Arte em Ouro Preto”. Op. Cit. p.8-9 38 Idem, ibidem. p.11

22

E a influência dos romanos, que já se evidenciava tão claramente nas

artes portuguesas, principalmente na arquitetura e nas chamadas artes

suntuárias, manifestou-se também no período colonial, em que o estilo

românico se apresenta tantas vezes com seus caracteres dominantes.

No plano das casas de habitação entrava a sobriedade dos traçados,

com as suas linhas gerais simples e austeras. Mas, na verdade, a

origem portuguesa acabou por distanciar-se, e nós vemos elementos

arquitetônicos que se firmam na formação nítida do tipo colonial

brasileiro.39

A “formação nítida do tipo colonial brasileiro” é observada nas construções

mineiras, diferenciadas pelos ornamentos, “cheias de vida”, que abarcam características

regionais, vale dizer, nacionais:

O cenário é contudo envolvido e beatífico na sua alegria simples e

comunicativa que nos dá vontade de ser como esse passado, simples,

aventureiro e alegre, no espreguiçamento espiritual com que nos

adaptamos, nos amoldamos, afinal, ao próprio ambiente.40

Sobre Ouro Preto, afirma que:

Ouro Preto é a mais importante das cidades históricas de Minas; ela é,

por excelência um vasto monumento nacional. Não há que

particularizar.

Por todos os cantos da velha metrópole se encontra um edifício ligado

à tradição; as suas velhas ruas, chafarizes, oratórios; as ruínas de

velhas e resistentes construções, os sinais de exploração do ouro, o

morro da Queimada, o caminho de Mariana, tudo, afinal, inspira, e

recorda o passado.

O Estado de Minas Gerais é, sem dúvida, dos mais ricos do Brasil em

relação ao nosso patrimônio histórico e artístico.41

39 MATTOS, Aníbal. Prefácio a “A Arte em Ouro Preto”. Op. Cit. p.11-12 40 Idem, ibidem. p.13 41 Idem, ibidem.. p.15

23

Constrói assim a imagem de Ouro Preto como uma cidade permeada

inteiramente pela História, testemunha de uma tradição. Por fim, comenta o problema

da dilapidação do patrimônio, a venda indiscriminada de obras de arte ao invés de sua

preservação, conclamando o público a uma solução para a questão. Um discurso afinado

ao que Rodrigo Melo Franco de Andrade proporia anos mais tarde quando da criação do

IPHAN.

O texto de Vasconcellos principia pela narrativa da fundação e do crescimento

da cidade. Estabelecida a povoação, comenta a seguir sobre o casario, afirmando que:

Fundadas todas as casas por portugueses incultos, trouxeram de suas

aldeias o tipo desproporcionado e sombrio das velhas construções. [...]

Foi preciso que em Minas decorresse um século para que as

edificações tomassem feitio mais consoante ao clima, as necessidades

e as condições sociais da pátria. Dessa fase, última do século XVIII,

1ª. de Minas, podemos indicar, como exemplo, a esplêndida casa

edificada pelo tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade,

o Inconfidente, que além de ser brasileiro, era homem já educado. Foi

esse prédio o ponto de partida para uma nova era, e todavia não se

descuidou da solidez, e do grave aspecto que impõe sua fachada.42

Conforme aponta, somente após um século as habitações teriam se tornado

características de Minas e mais ainda, da pátria. Sintomático é que, nessa nova fase, a

edificação que destaca seja a de Francisco de Paula Freire de Andrade, que participou

da Inconfidência Mineira e franqueava sua casa para as reuniões dos inconfidentes.

Estabelece-se dessa forma um paralelo entre a arquitetura e “as necessidades e as

condições sociais da pátria”. Referências desse tipo aparecerão mais à frente nos

discursos do IPHAN, relacionando a arquitetura barroca, o Aleijadinho e a

Inconfidência.

42 VASCONCELLOS, Diogo de. A Arte em Ouro Preto. p.22-23

24

Ao tratar sobre as igrejas pertencentes a uma segunda fase, compreendida entre

1720 e 1740, afirmava que:

Obedeciam essas fachadas ao estilo baroco [sic] jesuítico, então

generalizado em todos os países, principalmente em novos por ser

mais simples e econômico.

A Companhia de Jesus, como se sabe, criada para fazer frente ao

protestantismo, e sair a conversão de infiéis, entre outros recursos

característicos acertou de criar um estilo próprio nas igrejas, que

houvesse de levantar, onde quer que estabelecesse colégios e missões.

A Renascença então dominante não lhes convinha por ser uma pedra

de escândalo atirada por Lutero contra a Igreja Romana [...] Por seu

lado a velha Arte Cristã que reinou do século IV ao XVI [...] decaiu, e

ficou exausta.

Ora, os jesuítas não eram homens para instrumentos gastos ou

contraproducentes; e neste caso trataram de inventar para si um estilo,

combinando os elementos do românico e do barroco italiano, que

mais ao almejo se prestaram.43

Dessa forma, situava a arquitetura jesuítica não mais entre dois estilos, conforme

apontava Guilherme Simões, mas agora como uma combinação, como resultado prático

do próprio estilo jesuítico, como define:

Conseqüentemente, o baroco [sic] jesuítico, ao passo que nos dava

Igrejas de fachadas lisas, retangulares, com duas torres dos lados e um

frontão desgracioso [...] não deixava de abarrotar o interior com

ornamentação profusa de talha dourada, coluna torcida, ramagens,

anjos e aves. Ora, assim sendo, é claro que em nenhuma outra parte se

realizou tão de vez, como na Matriz de Ouro Preto, o ideal formulado.

No último quartel do século XVIII (1º. nosso) já felizmente se achava

modificado o estilo jesuítico; e obras se empreenderam mais artísticas

[...] Ora, foi desse espírito novo, que se aproveitou a fachada atual da

Matriz de Ouro Preto.44

43 VASCONCELLOS, Diogo de. A Arte em Ouro Preto. p.29-30 44 Idem, ibidem. p.30-31

25

Define-a, portanto, como uma arquitetura que prezava o interior dos templos em

detrimento de seu aspecto externo. No entanto, uma modificação entraria em curso,

produzindo algo novo. Destaca-se, nesse sentido, a sua descrição da Igreja de São

Francisco de Assis de Ouro Preto:

Obra perfeita e acabada a Igreja de S. Francisco de Assis desta cidade

não tem rival. As três artes irmãs parece mesmo que foram as três

graças, concebendo e executando esta portentosa fábrica, sob uma

influência misteriosa; pois basta para tal presunção ver-se a fachada,

que supera a tudo quanto ainda se fez em Minas, e todavia considerar

como esse templo foi traçado por um homem obscuro, iletrado, e sem

freqüência de escolas. Quebrará por outra a cabeça quem quiser

definir à que estilo obedeceu a esta parte do grandioso edifício. O que

se pode alcançar, apenas, é que se resultou de uma feliz combinação,

pela qual se escolheu o mais gracioso de cada um, e dessa maneira

coordenada nasceu este desenho.45

É importante observar que, neste trecho, Diogo de Vasconcellos ainda não

classifica como barroca a igreja franciscana, ao passo que posteriormente esta seria

consensualmente tomada como uma das obras-primas do barroco mineiro. Permanece

uma certa indefinição sobre a tema, conforme a apontada por Guilherme Simões, pois

“quebrará por outra a cabeça quem quiser definir à que estilo” pertence o templo. Não

se trata do barroco jesuítico de que falara no início do texto, pois “já se achava

modificado o estilo jesuítico; e obras se empreenderam mais artísticas”. Havia um

“espírito novo” nessas construções, mas ainda indefinido. Assim, identifica uma série

de estilos aplicados à igreja: Renascença, Barroco Italiano Jesuítico, Bizantino, Gótico e

Românico46.

45 VASCONCELLOS, Diogo de. A Arte em Ouro Preto. p.39-40 46 Essa proposição se assemelha à que Lúcio Costa faria anos mais tarde e que veremos mais à frente. Mas é fundamental destacar que, se para Vasconcellos são estilos “puros”, para Costa todos os estilos observados são compostos com “barroco”, como, por exemplo, um “romanicismo barroco”. A palavra então já havia entrado definitivamente no vocabulário das artes brasileiras.

26

Vasconcellos apontava também para um personagem responsável pela

magnificência dessa obra, o qual vai revelar logo em seguida:

Sabendo apenas ler e escrever, e provavelmente algum latim; mas

conhecendo bem os preceitos de Vignola, e a Bíblia, sua leitura

predileta, o Aleijadinho, que pois desenhou esta Igreja, e a construiu

não foi como se vê, um simples copista, mas um inventor sublime, e

espontâneo.47

Sua afirmação de que Aleijadinho conhecia bem “os preceitos de Vignola”

remete à biografia escrita por Rodrigo Bretas em 1858, que será analisada mais à frente.

É interessante observar como, em uma sociedade na qual as artes não são mais regidas

por preceitos de “cópia” e “imitação”, mas de “originalidade” e “direito autoral”, o

autor afirma que o Aleijadinho “não foi como se vê, um simples copista, mas um

inventor sublime, e espontâneo”. Em outra passagem retoma essa mesma perspectiva:

Um estudo completo da maneira do Aleijadinho, de sua fantasia

incomparável, reconhecerá que apenas um inventor de ornatos, um

modificador de estilos, haverá mais copioso em outra parte do

mundo. Nasceu, viveu e morreu em Minas!

Mas todavia foi um gênio independente, que faria a hora e também a

glória de um povo. Ele só deu a toda Vila Rica a maior parte do seu

esplendor; ele só constituiu o meio artístico de onde surgiram os mais

belos, imperecíveis monumentos.48

O tema das obras atribuídas a Aleijadinho – polêmica que seria um ponto central

na pesquisa do IPHAN – já é tratado por Vasconcellos:

Assombra a quantidade de lavores artísticos atribuídos ao Aleijadinho

nesta e em outras partes de Minas. Em todo caso esta Igreja é toda

dele e de seus discípulos. O seu estilo sobre lavores em pedra não se

47 VASCONCELLOS, Diogo de. A Arte em Ouro Preto. p.40 48 Idem, ibidem. p.72 Grifos nossos.

27

confunde, e tanto se reconhece nas esculturas desta Igreja, como nas

obras da capela de Cabeças ou Congonhas do Campo.49

A comparação das artes portuguesas com as brasileiras – que cria, no próprio

enunciado, a representação de um sentimento de independência da colônia – também é

um tema presente na obra, quando Vasconcellos observa uma superação da metrópole,

de que faz parte um Aleijadinho “revolucionário”:

Igualmente não se me leve a mal comparar os púlpitos de S. Francisco

de Assim aos de Santa Cruz de Coimbra, e notar que os nossos são de

maior nitidez estética, e de mais felizes idéias. [...] A entalhadura dos

altares, toda ela respirando o fino gosto revolucionário do Aleijadinho,

abriu entre nós o novo formato das colunas gregas de fuste direito.50

Na sequência de sua análise sobre o artista, o autor constrói certas imagens que

aparecem também no discurso construído posteriormente pelo IPHAN. Por exemplo,

afirma a originalidade de Aleijadinho e sua capacidade de produzir exemplares

diferenciados, singulares:

Arquiteto este homem, original, como já vimos, traçou a Igreja de

modo particular, não quebrando a linha das paredes externas; mas ao

efeito de trazer a luz para a capela-mor engendrou dois largos

corredores clareados cada um por três varandas de arcos abatidos, que

a singularizam.51

A genialidade de Aleijadinho é construída levando-se em conta fatores como o

ambiente que o circundava, a sua falta de instrução, a arte herdada de seu pai e seu tio,

criando um personagem único, inigualável:

Não há, como vimos, uma só parte acessória, que não seja um primor

nesta Igreja. O Aleijadinho, no entanto, aqui nasceu, aqui morreu.

49 VASCONCELLOS, Diogo de. A Arte em Ouro Preto. p.45 50 Idem, ibidem. p.46 51 Idem, ibidem. p.48

28

Nunca foi longe de seu ambiente natal procurar ensinos, contemplar

modelos, desenvolver idéias. Era um iletrado, mas que viveu num

tempo, quando Vila Rica foi centro de luzes, único em todo o Brasil.

Foi todavia filho de Manuel Francisco Lisboa, e sobrinho de Antonio

Francisco Pombal [...]. Assim sendo, o Aleijadinho (Antônio

Francisco Lisboa) a natureza lhe deu pelo menos o sangue de raça; e

os Mestres o preparo de um gênio estupendo, que até hoje a nenhum

outro já foi segundo em Minas, ou em qualquer outra parte, onde a

justiça mande julgar pelos elementos pessoais ou educativos.52

Aleijadinho catalisava, dessa forma, o ambiente de Vila Rica, “centro de luzes,

único em todo o Brasil”. Todavia não estaria sozinho; Vasconcellos destaca também

outro artista que, embora não se igualasse, formava com ele um “par genial”:

O mesmo não se pode dizer de Manuel da Costa Athaíde, o pintor, ao

qual em idênticas condições, nem sequer, favoreceu o determinismo

atávico. E no entanto com o Aleijadinho e com ele se completa o par

genial, que floresceu em Minas. As Igrejas, que eu conheço nascidas

do cinzel do Aleijadinho, todas possuem pinturas de Athaíde.53

A questão da enfermidade de Antônio Francisco Lisboa é também abordada pelo

autor, que sustenta a alcunha do artista:

É sabido que Antonio Francisco Lisboa só tarde ficou aleijado,

datando deste ano de 1777 as primeiras manifestações do mal que lhe

provieram a perda dos dedos e o transtorno de sua fisionomia. Esta

Igreja [S. Francisco de Assis de Ouro Preto] e outras foram portanto

feitas por ele em pleno vigor de suas forças e talentos, se bem que seu

espírito não sofresse nem se olumbrasse ainda mesmo no período mais

adiantado da doença, razão pela qual continuou a trabalhar até os

últimos dias. O apelido com que ficou até hoje nomeado, creio, que

lhe foi suscitado, depois de sua doença, por ter havido em Portugual

52 VASCONCELLOS, Diogo de. A Arte em Ouro Preto. p.50 53 Idem, ibidem. p.48-49

29

um grande escultor, que era conhecido como Aleijadinho, quase

contemporâneo.54

A especificidade de Ouro Preto no cenário arquitetônico colonial, destacando-se

da “influência portuguesa” e originando algo próprio, pode ser também observada na

passagem sobre a evolução da arquitetura local:

Até meados do Século XVIII (1º. de Minas), todos os elementos

concorriam a favor do baraço, jesuítico por ser mais econômico e

menos exigente.

O mesmo porém não foi, assim que a Vila cresceu em população e

riqueza, dispondo de artistas e materiais melhores; pelo que vimos

quanto às modificações foram-se daí aprimorando até o máximo da

beleza, a que puderam atingir. O gosto artístico, afinal procurando o

seu fundamento espontâneo, compreendeu, como estava o segredo na

harmonia das proporções e na forma expressiva das idéias. Ora, neste

assunto, em se tratando do culto divino traduzido em monumentos,

reconheceu-se para estes que a estrutura exige linhas arrogantes mas

equilibradas, como se fossem reflexos grandiosos do infinito.55

As caracterizações que Vasconcellos confere à criação artística, baseadas em

valores como espontaneidade, “forma expressiva de idéias” e ainda “harmonia de

proporções” aparecerão mais tarde como características do “barroco mineiro”.

A construção de uma imagem de Ouro Preto encenada no prefácio por Anibal

Mattos é retomada por Vasconcellos e ampliada:

Neste gênero de edifícios, que se encareçam pelo seu lado puramente

histórico, a cidade poderia encher volumes; mas não é o meu ponto.

Não há com efeito rua, nem casa, que seja omissível numa revista

literária tendente a relacionar as recordações ligadas ao movimento

dramático da história nesta povoação, da qual fizeram parte os

eminentes e mais notáveis vultos do passado. Aqui nasceram todas as

54 VASCONCELLOS, Diogo de. A Arte em Ouro Preto. p.51-52 55 Idem, ibidem. p.52-53

30

artes inclusive a imprensa; a música floresceu inspirada em

compositores e mestres, a pintura em gênios nativos; a poesia nos

mais extraordinários vates.

Daqui saíram enfim os primeiros mártires. Não há portanto casa ou

rua em que não vibrem recordações as mais caras de um povo. [...]

Cidade que foi o cérebro organizador da casa mineira, oficina das leis

e da ordem, é o maior monumento de seus monumentos. Quando

mesmo a fatalidade das circunstâncias fizesse um dia eclipsar a

civilização bastaria o testemunho mudo de nossas ruínas para se reatar

o passado ao futuro, e o povo mineiro achar o segredo perdido de suas

energias.56

Ouro Preto é, assim, a cidade-monumento, da qual “nasceram todas as artes”,

cidade de Aleijadinho e Tiradentes, “os primeiros mártires”, ponto de irradiação da

nação brasileira. E caracterizada como tal ainda na sua contemporaneidade, testemunho

de onde se poderia recuperar a civilização.

Esta obra parece ter sido apropriada nos discursos produzidos pelo IPHAN,

resguardado o fato deste consideram que o “barroco” estava mais do que presente na

colônia. Ademais, como veremos, ela foi uma das bases para a construção da biografia

do Aleijadinho, com uma fortuna sólida no IPHAN. Conforme aponta Judith Martins,

em artigo para a Revista do IPHAN, sobre o texto de Vasconcellos:

É um dos mais importantes trabalhos existentes sobre Antônio

Francisco Lisboa, a propósito das obras que este realizou ou que

lhe foram atribuídas em Ouro Preto. Esse trabalho foi reeditado

com um prefácio do prof. Anibal Matos.57

Via de regra, a reflexão sobre o “barroco”, durante o Império e ainda nos anos

posteriores, permanecerá entre críticas negativas e uma aceitação neutra, num lento 56 VASCONCELLOS, Diogo de. A Arte em Ouro Preto. p.102 57 MARTINS, Judith. Apontamentos para a bibliografia de Antônio Francisco Lisboa. Revista do IPHAN , n.3, 1939. p.189

31

processo que, por um lado, envolve o descobrimento da arte colonial – ainda não muito

bem resolvido – e, por outro, o predomínio do neoclassicismo e do ecletismo na virada

do século XX. Isso durou até que, em 1914, Ricardo Severo surgisse no cenário da

arquitetura neocolonial e fizesse uma apologia da arte colonial e do “barroco” que

rendeu muitos frutos. Mas antes, vejamos ainda as idéias expressas por Mário de

Andrade.

Durante a década de 1920, Mário de Andrade publicou uma série de artigos na

Revista Brasil58. A publicação tinha notadamente um cunho modernista, dirigida à

época por Monteiro Lobato que havia adquirido a revista em 191859. Conforme afirma

Carlos Kessel:

A Revista do Brasil esteve, desde os seus primeiros números, engajada

na campanha pela preservação e valorização do passado colonial,

considerados como base legítima para o florescimento de uma nova

arte e arquitetura brasileiras...60

Os artigos de Mário de Andrade foram posteriormente compilados em um livro,

“A Arte Religiosa no Brasil”61. O tema, como o próprio nome indica, são as chamadas

manifestações de arte religiosa na colônia portuguesa.

A publicação é um estudo em prol do “barroco brasileiro”, apontando questões

que seriam desenvolvidas anos mais tarde pelo trabalho realizado no IPHAN. É também

uma afirmação pelo caráter “genial” e nacional da produção do Aleijadinho.

Segundo Mário de Andrade:

A arte cristã, no Brasil, repousa em paz no movimento do passado. É

um fóssil, necessitado ainda de classificação, de que pouca gente 58 Os artigos foram publicados nos meses de Janeiro (n.49), Fevereiro (n.50), Abril (n.52) e Junho (n.54). 59 Posteriormente, a revista seria dirigida por Rodrigo Melo Franco de Andrade. 60 KESSEL, Carlos. Entre o pastiche e a modernidade: arquitetura neocolonial no Brasil. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2002. p.74 61 ANDRADE, Mário de. A arte religiosa no Brasil: Crônicas publicadas na Revista do Brasil em 1920 / Estabelecimento do texto crítico por Claudéte Kronbauer. São Paulo: Editora Experimento / Editora Giordano, 1993. Em nossa análise citaremos a partir do livro.

32

ouviu falar e ninguém se incomoda. A mim tomei a tarefa, e apenas

essa, de mostrar-vos que se a nossa arte cristã não tem uma

importância decisiva nem marca a eclosão dum estilo, ao menos

existiu vívida, com alguns traços originais, e é um tesouro

abandonado onde nossos artistas poderiam ir colher motivos de

inspiração. [...] Bem poderia imaginar a dificuldade da minha

empreitada lançando-me num terreno em que tudo está por fazer.62

O autor afirma, nesse trecho, uma tópica que seria comum no âmbito dos

discursos produzidos pelo IPHAN: a do extenso e árduo trabalho de pesquisa a ser feito,

por se tratar de uma área de estudos onde “tudo está por fazer”. Isso reforçava, assim, a

idéia do desconhecimento da arte colonial. A iniciativa de Mário de Andrade pode ser

situada, então no rol dos trabalhos que precederam a criação do IPHAN, abordando as

questões da chamada arte colonial em uma chave compatível com a que seria

desenvolvida pela instituição anos mais tarde. Acrescente-se a isso o fato de o autor ter

sido convidado a redigir um anteprojeto de lei para criação do Serviço do Patrimônio –

ainda que seu projeto tenha passado por uma série de modificações até resultar em um

projeto final – e a função ocupada no IPHAN, como diretor do Escritório Regional de

São Paulo.

Analisando a arquitetura “barroca”, afirma que:

Todas essas igrejas, assim como os templos de maior porte, edificados

mais tarde, obedecem a uma certa ordem de tipos arquitetônicos que,

tendo-se vulgarizado por todo o Brasil, tomaram uma feição

fortemente acentuada, donde muito bem se poderia originar um estilo

nacional. O jesuítico, o plateresco, o rococó – que mais não são que

um só estilo com mínimas variantes, provenientes dos países onde

assim se denominou o estilo barroco, – aí domina, porém mais

simples, mais pobre, menos pedantesco.63

62 ANDRADE, Mário de. A arte religiosa no Brasil. p.44 Grifos nossos. 63 Idem, ibidem. p.47 Grifos nossos.

33

Para Mário de Andrade, o estilo “mais simples, mais pobre, menos pedantesco”

é um qualitativo dessa produção. Contrapondo-se a uma erudição estéril, essa

arquitetura menos trabalhada permitiria um afloramento maior da nacionalidade

brasileira. O autor opera então uma diferenciação entre as regiões do Brasil:

Na Bahia, o Barroco atinge uma expressão menos sincera, a

construção é mais erudita; no Rio de Janeiro a preocupação artística

exterior diminui ao passo que a decoração interna atinge o delírio,

produzindo a obra-prima do entalhe que é a igreja de São Francisco de

Assis da Penitência; em Minas, vemos deparar a suprema glorificação

da linha curva, o estilo mais característico, duma originalidade

excelente. Três escultores dominam nesses três centros: Chagas, o

Cabra, na Bahia; Mestre Valentim, no Rio de Janeiro; Antonio

Francisco Lisboa, nas Minas Gerais.64

Observa-se aqui a proeminência de Minas Gerais – melhor dizendo, o que viria a

ser o Estado de MG – no estabelecimento de uma originalidade “barroca” em meio ao

“barroco” e também a figura de Aleijadinho como dominante nesse cenário. Seguindo o

texto:

A igreja pôde aí, mais liberta das influências de Portugal, proteger um

estilo mais uniforme, mais original, que os que abrolhavam podados,

áulicos, sem opinião própria nos dois outros centros [...] em Minas, se

me permitirdes o arrojo da expressão, o estilo barroco estilizou-se [...]

As igrejas [...] tomaram um caráter mais bem-determinado e,

poderíamos dizer, muito mais nacional.65

É possível dizer, nesse sentido, que há uma certa noção de independência

aplicada na Minas Colonial. Essa é uma idéia que parece muito cara aos estudos sobre

“barroco” analisados aqui: a afirmação de uma desvinculação com a metrópole de tal

forma que a colônia só é assim chamada por uma questão latente. A independência do

64 ANDRADE, Mário de. A arte religiosa no Brasil. p.50 65 Idem, ibidem.. p.78-79

34

Brasil estava prefigurada em Minas no período colonial, na arte barroca e na

Inconfidência Mineira.66

Afirma o autor:

Ora, na arquitetura religiosa de Minas a orientação barroca – que é o

amor de linha curva, dos elementos contorcidos e inesperados – passa

da decoração para o próprio plano do edifício.67

E ainda:

Com esse caráter assume a proporção dum verdadeiro estilo,

equiparando-se, sob o ponto de vista histórico, ao egípcio, ao grego,

ao gótico. E é para nós um motivo de orgulho bem fundado que isso

se tenha dado no Brasil.68

Por fim, habilitando Aleijadinho, afirma que “Antonio Francisco Lisboa é o

único artista brasileiro que eu considero genial, em toda a eficácia do termo”. A tópica

da falta de instrução aparece a seguir, no seguinte trecho: “A alma criadora do gênio

vivia nele, faltava-lhe a instrução”. Andrade constrói a imagem de um Aleijadinho cuja

genialidade advém assim da sua falta de instrução, geradora do original, numa

representação do artista que se tornaria triunfante. Para tanto, afirma que “toda a Minas

religiosa está tão impregnada da sua genialidade, que se tem a impressão de que tudo

nela foi feito por ele só”. Este seria um ponto polêmico mais tarde e a atividade de

comprovar a autoria de obras do Aleijadinho se tornaria uma das principais atividades

de pesquisa do IPHAN.

A representação do Aleijadinho genial na adversidade da ignorância é explícita

no discurso de Mário de Andrade:

66 Relação que será observada em algumas ocasiões mais à frente. 67 ANDRADE, Mário de. A arte religiosa no Brasil. p.79-80 68 Idem, ibidem. p.80

35

Se o escultor dos profetas vivesse numa outra sociedade mais culta e

pudesse instruir-se na contemplação das obras antigas ele seria sem

dúvida um dos grandes da arte, deixaria escola tal a genialidade que se

lhe descobre na observação atenta da obra. Mas apenas crente

humilde, alforriando-se da escravidão da vida com as oitavas de ouro

que lhe a Igreja pagava, viveu esculpindo seu sonho de fé.69

A partir do texto de Mário de Andrade, parece ter início um impulso em direção

a uma nova leitura – que se pode chamar modernista – do “barroco”, que culminará na

“caravana de Minas” de 1924, quando diversos intelectuais viajaram para Ouro Preto.

Posteriormente, esta leitura será manifesta na criação do IPHAN, visto que muitos

desses “viajantes” integrariam os quadros da instituição. “Barroco”, então, passa a ser

um conceito valorizado, a ser descoberto e definido, apontando para a própria origem do

Brasil. No entanto, o monopólio sobre esse passado não é conquistado pacificamente

pelo IPHAN.

1.2 Neocolonial e Modernismo

Durante os anos 20, o Neocolonial ganhou força como um movimento

arquitetônico que detinha determinado juízo de valor acerca da arte do passado.

Valorizava a arquitetura colonial e a herança portuguesa, propondo uma nova

arquitetura genuinamente nacional, posicionando-se contra o ecletismo. Segundo Carlos

Kessel:

O neocolonial, através de sua produção textual e construída,

caracterizou-se por uma especificidade em relação às variantes do

ecletismo no sentido em que seus proponentes revelam uma

intencionalidade expressa em propostas político-pedagógicas de

expressão arquitetônica da identidade brasileira. Há uma complexa

69 ANDRADE, Mário de. A arte religiosa no Brasil. p.85-86

36

elaboração simbólica que medeia entre a arquitetura da época colonial

e as intervenções concretas dos arquitetos do século XX, expressa

através de uma narrativa linear que historia a arquitetura brasileira e

destaca a qualidade artística e funcional dos três primeiros séculos, a

maestria de Grandjean, a decadência do final do Império e a

desorientação eclética; o epílogo feliz que se anuncia é o

neocolonial.70

Em um primeiro momento, Neocolonial significava também moderno, conforme

pode ser observado na apologia do movimento realizada no âmbito da Semana de 22,

marco do modernismo brasileiro. Segundo Kessel:

Para Mário [de Andrade] e seus conterrâneos, não havia contradição

entre a arquitetura neocolonial e o desafio estético lançado na Semana

[...]. O neocolonial, neste momento, não é somente nacional e

moderno: representa a vanguarda da arquitetura brasileira.71

Um de seus mais importantes expoentes foi Ricardo Severo, engenheiro

português que atuou em São Paulo. Em 1914, Severo apresentou a conferência

intitulada “A Arte tradicional no Brasil: a casa e o templo72”, considerada um marco na

revalorização da arquitetura colonial. Discute, entre outros pontos, qual seria a

influência determinante na formação de uma arte tradicional brasileira. Para o autor, a

influência indígena era descartável, pois, como afirma Kessel:

[Para Severo,] a cepa válida era a portuguesa; estabelecida no Brasil

desde o século XVI, constituída de aventureiros e mercadores que

traziam fórmulas tradicionais que remontavam ao coração da antiga

Ibéria, ela persiste e se manifesta através de tipos étnicos que

empunham as antigas tradições e as constituem em cerne da nova

nação brasileira.73

70 KESSEL, Carlos. Entre o pastiche e a modernidade: arquitetura neocolonial no Brasil. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2002. 71 KESSEL, Carlos. Op. Cit. p.96 72 Publicada em O Estado de S. Paulo, 26/07/1914. 73 KESSEL, Carlos. Op. Cit. p.65

37

Guilherme Simões aponta para o fato de Ricardo Severo operar uma inversão no

conceito de “barroco”, colocando-o na seara do bom gosto:

A despeito de ser um estilo verdadeiramente internacional, adquiriu

feições particulares nas regiões pelas quais se propagou. Inclusive no

Brasil, onde ‘a arte do mestre Valentim e do Aleijadinho deu ao

barroco português um novo caráter que o distingue de todas as

matrizes européias; e resulta esse novo aspecto ou estilo de uma

sincera adaptação artística às condições locais, morais e materiais do

quadro ‘brasileiro’.74

Ricardo Severo criticava o ecletismo da segunda metade do século XIX,

considerado uma importação européia, um pastiche. Para esse, havia de se observar a

importância da casa:

O caráter de uma cidade não lhe é dado pelos seus monumentos,

colocados em pontos dominantes, grandes praças ou lugares históricos

[...] o monumento é uma exceção, a casa é uma nota normal da vida

cotidiana do cidadão, e como uma lápide epigráfica da sua

ascendência e da sua história. Se algumas ou muitas dessas casas

conservarem um cunho tradicional, o visitante terá uma impressão

integral do caráter dessa arte, e desse povo.75

O autor afirmava ainda que, a despeito da influência portuguesa – uma entre

outras possíveis – a arquitetura havia se adaptado “às condições físicas e morais do

meio brasileiro; e por isso aqui tomou uma feição local, para não dizer desde já

nacional”.

Ricardo Severo havia impulsionado o movimento neocolonial em São Paulo,

logo em seguida o Rio de Janeiro abraçou a causa. Destaca-se a figura de José Marianno

74 GOMES JÚNIOR, Guilherme Simões. Palavra Peregrina. p.52 75 Apud KESSEL, Carlos. Entre o pastiche e a modernidade. p.66-67

38

Filho, médico pernambucano atuante na cidade que se tornou um dos principais teóricos

do Neocolonial, com uma vasta produção escrita sobre o assunto, além de organizar

concursos e participar institucionalmente do estabelecimento da profissão de arquiteto

no Brasil. Em 1923, publicou o artigo “Os Dez Mandamentos do Estilo Neo-Colonial”,

cujo trecho é transcrito a seguir:

Todo elemento deve ser representado em matéria na sua estrutura

natural, sem simulação nem embuste [...] a ordem implantada pelos

Jesuítas entre nós, a toscana, é a única que convém [...] sede sóbrios

nos atavios exteriores, usai da maior discrição no emprego dos

elementos chamados decorativos [...] a riqueza ostensiva dos

elementos é sempre um indício de falta de cultura ou de exibicionismo

vulgar [...] em pleno século XX, no tumulto de uma vida febril,

paralelamente com o aeroplano e o automóvel, não poderíamos pensar

numa casa à moda [...] de nossos avós [...] nós só podemos reviver um

estilo arquitetônico se esse estilo puder representar e atender às

exigências prementes da vida moderna [...] a casa é, logicamente, um

expoente da raça, mero fenômeno social na geografia humana [...] um

povo não muda de casa nem de língua; e se ainda não possuímos a

nossa casa, é simplesmente porque ainda não somos um povo [...] o

retorno às formas lógicas do estilo colonial dos nossos antepassados é

o prelúdio de nossa emancipação social e artística.76

Essa longa citação transcrita é interessante não somente por se tratar de um

manifesto pela arte neocolonial, mas também porque, como veremos certos

pressupostos defendidos a “ferro e fogo” pelos arquitetos modernistas como algo que

lhes era específico, já haviam sido preconizados pela arquitetura neocolonial.

Nos anos 20, a arquitetura neocolonial estava em altíssima conta na sociedade,

fazendo parte de um processo que se voltava contra a importação dos estilos europeus

76 MARIANNO FILHO, José. Architectura no Brasil , n.24, Setembro de 1923, p.23 apud KESSEL, Carlos. Entre o pastiche e a modernidade, p. 118

39

para reafirmar uma tradição – que remonta a Portugal – na constituição de um estilo

eminentemente nacional.

Conforme aponta Carlos Kessel, eram freqüentemente requisitados aos

escritórios de arquitetura projetos de residências no estilo neocolonial e diversos

concursos realizados à época tiveram como vencedores projetos de clara inspiração no

mesmo estilo77. O autor nos informa que:

Também a exemplo dos concursos que José Marianno vinha

promovendo, no que foi aberto pelo Ministro da Agricultura para o

Pavilhão do Brasil na Exposição Internacional de Philadelphia, em

1925, o ‘estilo colonial’ era condição obrigatória. José Marianno

participou do júri do concurso, que estabeleceu, segunda a

‘Architectura no Brasil’, definitivamente o neocolonial como estilo

adequado à programas monumentais.78

Antes, em 1924, José Marianno investia no movimento de descoberta da arte

colonial, conforme aponta Kessel:

Através da Sociedade Brasileira de Belas Artes (que presidia desde 31

de julho de 1923) ele patrocinou no início de 1924 as viagens de

alguns arquitetos a cidades históricas de Minas Gerais: Ouro Preto

(para onde foi enviado Nereu de Sampaio), São João del Rei (visitada

por Nestor de Figueiredo) e Diamantina (cujo registro coube a Lúcio

Costa).79

As viagens organizadas por José Marianno faziam parte de um movimento de

“redescoberta” de Minas Gerais, contemporâneas à viagem feita por Mário de Andrade,

Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral e Blaise Cendrars. O “barroco” agora estava em

voga e começava a ser descoberto. Lúcio Costa, no entanto, afirmava que, em viagem,

77 Para uma análise detalhada dos diversos empregos do neocolonial, ver KESSEL, Carlos. Entre o pastiche e a modernidade. 78 KESSEL, Carlos. Op. Cit. p.123 O concurso em questão foi vencido por Lúcio Costa, então recém-formado. 79 Idem, ibidem.. p.119

40

havia travado contato com um “colonial autêntico”, formulação ainda incipiente, que

mais à frente será o cerne da clivagem entre Neocolonial e Modernismo.

Em 1926, José Marianno Filho foi escolhido diretor da Escola Nacional de Belas

Artes, acumulando o cargo à sua função de presidente da Sociedade Brasileira de Belas

Artes. A ENBA era então um “reduto tradicional do ecletismo, da entronização do

neoclássico que se confundia com suas próprias origens”80. Marianno tentou

implementar uma profunda reforma na Escola desmembrando cadeiras e criando

diversas outras novas. No entanto, suas iniciativas geraram forte resistência dos

professores, que argumentaram pela necessidade legal do diretor possuir atividade

docente, o que não era o caso. Pouco mais de um ano depois, foi afastado e Otávio

Correia Lima assumiu em seu lugar.

Longe de significar um enfraquecimento do Neocolonial, o movimento ganharia

novo alento com a nomeação de Fernando de Azevedo para Diretoria Geral de Instrução

Pública do Rio de Janeiro pelo prefeito Antonio Prado Jr., que havia tomado posse do

cargo em novembro de 1926. As propostas pedagógicas de Azevedo incluíram

determinações arquitetônicas para a construção de escolas, e o Neocolonial, entendido

não como uma cópia da arquitetura colonial, mas como arquitetura brasileira por

excelência, foi o estilo eleito. Do projeto original de 100 escolas apenas 9 foram

construídas, com destaque para a Escola Normal. Segundo Kessel:

A Escola Normal mereceu da Prefeitura um tratamento diferenciado,

por ser o lugar onde se formavam as futuras professoras, e terminou

por se constituir na vitrine arquitetônica [...] sendo a única cujo

projeto foi escolhido por concurso, que conforme os ditames de

Fernando de Azevedo tinha o estilo neocolonial como obrigatório.81

80 KESSEL, Carlos. Entre o pastiche e a modernidade. p.144 81 Idem, ibidem. p.158

41

Ainda segundo Kessel, José Marianno fez um pronunciamento no II Congresso

Brasileiro de Educação, realizado em 1928, no qual endossava a iniciativa:

[José Marianno] alertava contra as conseqüências de serem erigidos

prédios escolares segundo estilos arquitetônicos que não se

referenciassem na tradição do país, pelo risco que correriam os alunos

ao conviverem com elementos estéticos estrangeiros. A escola,

caracterizada como a instituição que propiciava o primeiro contato do

brasileiro com a nacionalidade, deveria ser plasmada numa arquitetura

de fundo nacional.82

O Neocolonial encontrava-se assim, nesse momento, com grande prestígio,

como um estilo que representava a nação brasileira, mas a situação logo mudaria, e o

responsável pelo início desse processo seria o próprio Lúcio Costa, um de seus maiores

expoentes. O episódio em questão é a nomeação de Costa para a direção da Escola

Nacional de Belas Artes, em dezembro de 1930. Segundo Kessel:

Lúcio, aos vinte e oito anos, era considerado o nome mais destacado

de sua geração. Seu nome poderia augurar o fortalecimento da

afirmação institucional do Neocolonial, arrematando uma década de

esforços bem-sucedidos. Além da amizade que ligava o novo diretor à

José Marianno, sua atuação profissional esteve sempre ligada ao

ideário tradicional: havia participado de vários concursos de projetos

de inspiração Neocolonial, sendo premiado em dois deles, e associado

a Fernando Valentim projetara e construíra várias residências no Rio

de Janeiro, sempre no mesmo estilo.

Todavia, a breve passagem de Lúcio pela ENBA se caracterizou pela

surpreendente profissão de fé nas novas idéias propagandeadas pelas

vanguardas européias, num misto de rejeição ao conservadorismo

acadêmico e entusiasmo pela modernidade.83

82 KESSEL, Carlos. Entre o pastiche e a modernidade. p.159 83 Idem, ibidem. p.178

42

Costa assumiu a direção da Escola de Belas Artes indicado por Rodrigo Melo

Franco de Andrade, então chefe de gabinete do Ministro da Educação e Saúde,

Francisco Campos. Entre as diversas reformas que implantou, promoveu a separação

dos cursos em Arquitetura e em Pintura e Escultura, além de ter chamado jovens

arquitetos recém-formados para integrar o corpo docente. Convidou também o arquiteto

Gregori Warchavick para lecionar Arquitetura Moderna. Lembremos que o arquiteto

construiu a primeira casa em estilo moderno no Brasil – sua residência em São Paulo –

em 1928.

Dessa forma, Lúcio Costa optava claramente pelo Modernismo, dando início a

um embate com o Neocolonial. Logo após sua nomeação, concedeu uma entrevista ao

jornal O Globo84 onde atacava a arquitetura contemporânea e o ensino na ENBA –

negando-lhes o valor de arquitetura – e tratava a apropriação feita da arquitetura

colonial como mera cópia deslocada, pastiche, quando na verdade se deveria aprender

as lições oferecidas por ela. Iniciava-se dessa forma um trabalho de inserção do

Neocolonial na seara do ecletismo. Isto pode ser observado até mesmo na valoração

negativa daquele utilizando os mesmos adjetivos com os quais Ricardo Severo e José

Marianno haviam criticado o ecletismo.

José Marianno reagiria a essa tomada de posição de Costa, em artigo publicado

em O Jornal85, na qual mostrava seu desapontamento com o “o mais valoroso cadete da

esquadra tradicionalista”, “paladino da arquitetura de fundo nacional”, que havia cedido

à “corrente ultra-moderna”, ao “nacionalismo judaico”, cujo objetivo seria a

“desnacionalização da arquitetura nacional”.

Em 1931, Lúcio Costa foi afastado da direção, sob a mesma prerrogativa que

havia destituído também do cargo José Marianno, anos antes. No entanto, muito embora

84 O novo diretor da Escola de Belas Artes e as diretrizes de uma reforma. Entrevista de Lúcio Costa a Gérson Pompeu Pinheiro. O Globo, 29.12.1930. 85 MARIANNO FILHO, José. Escola Nacional de Arte Futurista. O Jornal, 22/07/1931.

43

tenha considerado sua tentativa de reforma fracassada, alguns pontos surtiram efeito,

como por exemplo o apoio dos estudantes que fizeram uma greve geral pela

manutenção de alguns pontos básicos da reforma – como a separação do curso de

Arquitetura das cadeiras da ENBA e a formulação de um estatuto legal para a profissão

do arquiteto. Além disso, no mesmo mês de setembro em que o diretor foi afastado, era

aberto o Salão de 1931 – organizado por Lúcio Costa –, conhecido como o “Salão

Revolucionário de 31”, marco modernista, que apresentava os trabalhos de jovens

alunos da Escola.

Posteriormente, Lúcio Costa tornou-se um dos símbolos da arquitetura

modernista por excelência, continuando a série de embates contra o Neocolonial e José

Marianno.86 No entanto, boa parte do teor das discussões, baseadas na idéia de que o

Neocolonial era artificial, ao contrário de um aspecto genuíno no Modernismo, indica

mais um projeto de “presente-futuro” do que efetivamente discordâncias quanto a

definições de “passado”. Ambos concordavam sobre a importância da arte colonial,

sobre a nacionalidade brasileira já presente na colônia e recusavam o eclético como um

estilo importado, indo de encontro a uma formação francesa de Belas-Artes. Entretanto,

a ressignificação operada no âmbito do Modernismo incluiu o Neocolonial na mesma

seara que o Ecletismo, transformando o movimento modernista naquele que

efetivamente fazia um bom uso contemporâneo desse passado.

Com o tempo, a crítica de José Marianno ao Modernismo tornou-se amarga e

dispersa, fugindo do tema da arquitetura ou da arte e passando a abordar questões

pessoais que terminaram por desautorizá-lo. Com isso o Neocolonial perdeu uma de

suas principais – senão única em termos públicos – vozes.

86 Algumas dessas discussões serão analisadas mais à frente.

44

Uma possível razão para o Modernismo ter triunfado, ao passo que o

Neocolonial tornou-se mais um dos estilos do passado, finalmente identificado ao

ecletismo, reside na própria constituição do IPHAN. Quando é criado, o quadro de

funcionários do IPHAN é, acima de tudo, modernista, mas também composto

majoritariamente por arquitetos. Conforme aponta Mariza Velloso:

O grupo da Academia SPHAN, no que se refere ao seu corpo de

técnicos, é formado principalmente por arquitetos – de linhagem

modernista –, o que demonstra, mais uma vez, conforme vimos

afirmando, a interseção entre arquitetura moderna – voltada à

modelagem do ‘homem novo’, e o patrimônio, volta a descobertas de

uma passado civilizatório, revolucionário, porque original, novo,

inaugural.87

Dessa forma, com respaldo institucional e governamental, a voz do Modernismo

arquitetônico tornava-se por demais potente para ser contestada – especialmente numa

situação onde o estabelecimento de uma tradição nacional, realizada através de proteção

legal, era uma de suas atribuições.

No âmbito do IPHAN, Costa ocupou o cargo de consultor-técnico contratado de

1936 até 1946, quando, após uma reestruturação administrativa do órgão, tornou-se

diretor da Divisão de Estudos e Tombamento (DET), até sua aposentadoria em 1972.

Como responsável pela divisão, cabia-lhe a definição de critérios para a classificação do

patrimônio nacional. Sua forte presença no IPHAN, como já foi muitas vezes

evidenciado, reforça o vínculo da instituição com a arquitetura. Pode-se dizer, nesse

sentido, que o desenvolvimento do órgão ao longo dos anos ocorreu em sintonia com o

próprio estabelecimento da profissão de arquiteto no Brasil. Desde o início, a maior

parte do seu quadro de funcionários tinha essa profissão como ocupação, e trabalhar no

IPHAN era visto como uma excelente oportunidade de crescimento. Ademais, a

87 VELLOSO, Mariza. Nasce a Academia SPHAN. Revista do IPHAN, n.24, p.77-96, 1996. p.82

45

presença de Lúcio Costa ilustra bem essa conexão, na medida em que foi também o

precursor da moderna profissão do arquiteto brasileiro, inclusive vencedor de diversos

prêmios internacionais.

Consolidado como uma instituição própria à arquitetura, o IPHAN apresentava

uma particularidade bastante interessante: reunia os profissionais responsáveis pelo

estabelecimento de uma tradição nacional, pela invenção de uma memória para a nação,

mas que eram também os profissionais ligados ao movimento modernista, ao

desenvolvimento de uma arquitetura vanguardista, comprometidos com o novo.

A ligação entre os modernistas e o Estado Novo, mais especificamente com

Gustavo Capanema, pode ser observada no próprio processo de construção do prédio do

Ministério da Educação e Saúde, em 1936. Conforme aponta Kessel:

É interessante notar como a polêmica que cercou o episódio coincide

com a ultimação do projeto de constituição do Serviço do Patrimônio

Histórico e Artístico Nacional, em que a concepção dos modernistas

sobre o patrimônio da nação acabou por se impor sobre outras visões e

interesses que se congregavam em torno das idéias conservadoras e

acadêmicas, representadas por Gustavo Barroso, José Marianno e

Oswaldo Teixeira. O embate pelo futuro da arquitetura brasileira

travava-se simultaneamente à discussão sobre a apropriação legítima

do passado, aquela que teria a chancela do Estado.88

O episódio foi polêmico: instituiu-se um concurso no qual o projeto vencedor

recebeu o prêmio em dinheiro conforme o edital, mas não foi construído. Ainda

segundo Kessel:

A reunião dos órgãos sob a coordenação do MES deveria se dar numa

nova edificação, e decidida a sua construção e escolhido o local, o

próprio Capanema presidiu o júri que se encarregou do processo de

seleção; este estendeu suas deliberações entre abril e outubro de 1935

e culminou com a escolha do projeto assinado por Archimedes 88 KESSEL, Carlos. Entre o pastiche e a modernidade. p.214

46

Memória. Suas linhas monumentais e elementos decorativos evocando

a arte marajoara desagradaram o ministro, que entrou em contato com

Lúcio Costa; o arquiteto, que depois de deixar a direção da ENBA

havia se dedicado à prática particular, arrebanhou alguns colegas que

haviam sido eliminados com ele na etapa preliminar do concurso e

constituiu uma nova equipe, que com a ajuda posterior de Le

Corbusier deu forma definitiva ao edifício. Este se tornaria um

símbolo vivo do caráter moderno associado à política cultural de

Capanema.89

Comentando o episódio da construção do edifício em um artigo para a Revista

do IPHAN que apresentava um texto de Le Corbusier, Lúcio Costa diz que:

Em 1936 – a bem dizer há meio século, portanto – convocado pelo

Ministro Capanema a fim de elaborar projeto para o edifício-sede do

novo Ministério da Educação e Saúde, organizei um grupo de trabalho

composto dos arquitetos Carlos Leão, Afonso Eduardo Reidy e Jorge

Moreira, mas logo acrescido de Oscar Niemeyer.

Elaboramos então um projeto que, conquanto bom, ainda não nos

satisfazia: ‘o que teria feito Le Corbusier no caso, nos

perguntávamos? ’

Éramos tão desinteressados e idealistas que – coisa hoje impensável –,

com os planos já devidamente aprovados e sinal verde para o início da

obra, resolvemos de comum acordo, pleitear do Ministro a vinda de

Le Corbusier para dar parecer sobre o projeto. [...]

Demorou-se por três semanas, quando concebeu um belíssimo projeto,

de partido horizontal, para terreno situado mais ou menos onde foi

construído o MAM, proposição esta que nos serviu afinal de base ao

novo projeto de partido vertical, que fizemos no terreno do Castelo.90

89 KESSEL, Carlos. Entre o pastiche e a modernidade. p.210. A arquitetura marajoara, tal como foi classificado o projeto de Memória, baseia-se na utilização de elementos das civilizações pré-colombianas. 90 COSTA, Lúcio. Apresentação de Le Corbusier: A arquitetura e as belas-artes. Revista do IPHAN, Rio de Janeiro, n.19, 1984, p.53

47

Conhecido atualmente como Palácio Gustavo Capanema, o edifício tornou-se

um dos marcos do Modernismo brasileiro91, objeto de um tipo de tombamento

diferenciado – de bens ainda recentes, sem o habitual recuo temporal – pois constituíam

“verdadeiros” exemplares da nova arquitetura nacional, sendo necessários preservá-los

como modelos92. Paralelamente a esse processo, constituía-se o IPHAN, conforme

afirmado. Vejamos como isso se deu.

1.3 A criação do IPHAN

Como já foi apontado, o IPHAN foi criado no período conhecido como Estado

Novo93, durante o governo autoritário de Getúlio Vargas, subordinado ao Ministério da

Educação e Saúde, cujo ministro era Gustavo Capanema. Deve-se lembrar que o Estado

Novo representou um momento da cultura brasileira em que se buscou, com grande

empenho, consolidar o projeto de construção de uma identidade nacional. Diversas

correntes intelectuais propunham interpretações para a nação, formulando mitos de

origem e discutindo a contribuição de diferentes elementos na constituição da

nacionalidade brasileira. O IPHAN, nesse sentido, apresentava-se como uma dessas

opções, e poderíamos dizer que representa uma opção vitoriosa, na medida em que é um

órgão governamental. Através de uma forte centralização na figura de Rodrigo Melo

Franco de Andrade – primeiro e mais longevo diretor da instituição (permaneceu no

cargo até sua aposentadoria, em 1968) – o IPHAN buscou desvincular-se ao máximo

dessa posição de integrante de uma política oficial do Estado. Mas torna-se inevitável

relacioná-lo ao projeto estadonovista, ainda que apresente discordâncias em relação a

algumas políticas oficiais. Como afirma Márcia Chuva:

91 Tombado em 1948. O edifício foi concluído em 1943. 92 Nessa mesma chave foi tombada a Igreja da Pampulha, de Belo Horizonte. 93 Através do Decreto-Lei 25, em 30 de novembro de 1937.

48

Nos anos 30 do século XX, um intenso trabalho de construção da

nação foi inaugurado como parte do projeto de modernização do

ministro da Educação e Saúde, Gustavo Capanema, homem forte do

governo Vargas. Nesse projeto, a noção de interesse público

prevaleceria, ante os interesses individuais [...] Somente a unidade das

origens e a ancestralidade comum de toda a nação deveriam servir

para ordenar o caos, encerrar os conflitos, irmanar o povo e civilizá-lo.

As práticas de preservação cultural foram inauguradas no Brasil no

bojo desse projeto, a partir da criação do [...] SPHAN, em 1937.94

Desta forma, é possível afirmar que a opção feita pelos “intelectuais do

patrimônio” serviu a um projeto estrategicamente delineado de inserção do Brasil na

história da arte universal e à própria inserção da noção de patrimônio como um dos

principais elementos constituintes da “alma nacional”.

Os integrantes do modernismo brasileiro que preencheram os quadros do

IPHAN, ligados ao chamado “grupo dos mineiros” – do qual Rodrigo Melo Franco de

Andrade fazia parte – baseavam-se na crença de um universalismo da arte e da cultura

ainda que com especificidades brasileiras.95 A presença de Capanema, nesse sentido, foi

fundamental, como personagem aglutinador dessa “corrente mineira”, conforme aponta

Márcia Chuva:

A atuação de Gustavo Capanema à frente do MÊS, de 1934 a 1945,

foi fundamental para a institucionalização e consolidação da ação do

Estado, relativa à inclusão, à organização da defesa e à proteção do

chamado patrimônio histórico e artístico nacional. Capanema esteve

diretamente empenhado no assunto, encarnando uma nova postura do

Estado que, neste momento, investiu efetivamente na incorporação do

debate em torno da nacionalidade e dos marcos fundadores da ‘nação

brasileira’, como elemento importante para o projeto – nacionalista e

94 CHUVA, Márcia R. Romeiro. Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco, moderno e civilizado. Revista Topoi, v.4, n.7, jul.-dez. 2003. p.313 95 Veremos, mais à frente, como esse projeto se concretiza na constituição de um patrimônio nacional.

49

autoritário – que se delineava, de modernização conservadora. Este

projeto ganharia, a partir de 1937, feições mais nítidas.96 P.107

A demanda pela salvaguarda dos monumentos e cidades históricas do Brasil

fazia-se ouvir desde a segunda metade do século XIX, na forma de artigos e

conferências. Os museus já estavam em funcionamento nos anos 20 do século XX, mas

não havia uma legislação para a proteção de bens que não integravam suas coleções. Foi

no âmbito estadual que o poder público se manifestou inicialmente, criando as

Inspetorias Estaduais de Monumentos Históricos97. No âmbito federal, a iniciativa

precursora foi tomada por Gustavo Barroso, diretor do Museu Histórico Nacional,

quando criou a Inspetoria dos Monumentos Históricos (1934). Essa, no entanto, teve

atuação restrita e foi desativada três anos mais tarde, com a criação do IPHAN. É

interessante observar que Ouro Preto já havia sido pioneiramente elevada a monumento

nacional em 1933, através de decreto federal98.

Conforme afirma José Reginaldo Gonçalves:

Desde os começos da preservação histórica, na primeira metade do

século XX no Brasil, a proteção do patrimônio histórico e artístico

nacional tem sido justificada pela identificação de uma situação de

desaparecimento e destruição de monumentos históricos e obras de

arte em território brasileiro. Nos anos 1920, antes da criação do

Sphan, algumas iniciativas foram tomadas, nos níveis federal e

estaduais de governo, no sentido de preservar o patrimônio histórico e

artístico nacional. A maior parte dessas iniciativas, assumida por

membros da elite intelectual brasileira, foi justificada por uma retórica

da perda. O patrimônio da nação era apresentado sob os efeitos de um

processo de desaparecimento, dispersão e destruição.

96 CHUVA, Márcia. Os arquitetos da memória: a construção do patrimônio histórico e artístico nacional no Brasil (anos 30 e 40). Niterói, Universidade Federal Fluminense, 1998. p.104 97 Minas Gerais (1926), Bahia (1927) e Pernambuco (1928) 98 Para um mapeamento mais detalhado das iniciativas precursoras à criação do IPHAN, ver FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. 2ª. ed., Rio de Janeiro: Editora UFRJ, MinC – Iphan, 2005.

50

O mesmo sentido de perda assim como a urgência do resgate do

patrimônio de arte e história do país estão entre os mais fortes motivos

que justificaram a criação do Sphan em 1936.99

Assim, quando o IPHAN é criado, trata-se de salvaguardar, na medida do

possível, o patrimônio nacional. Particularmente, o “barroco” é apropriado como a

origem desse patrimônio, e o discurso formulado na série editorial do IPHAN tem por

objetivo localizá-lo na arte colonial brasileira e descrevê-lo, para que seja constituído

como formador da nacionalidade brasileira e consequentemente preservado. Conforme

aponta Gonçalves:

As estórias narradas por intelectuais nacionalistas sobre o patrimônio

cultural brasileiro são, basicamente, estórias de apropriação, narradas

para responder a uma situação de perda e com o propósito de construir

uma nação. O patrimônio é narrado como num processo de

desaparecimento ou destruição, sob a ameaça de uma perda definitiva.

Essa narrativa pressupõe uma situação primordial feita de pureza,

integridade e continuidade, situação esta seguida historicamente por

impureza, degradação e descontinuidade. A história, de certo modo, é

vista como um processo destrutivo. A fim de que seja possível fazer

frente a seu processo estabelecem-se estratégias de apropriação e

preservação do patrimônio. Nesse sentido, a nação, ou seu patrimônio

cultural, é construída por oposição a seu próprio processo de

destruição. De modo similar ao que faziam determinados tipos de

antropólogos engajados no resgate de culturas primitivas em vias de

desaparecimento, intelectuais nacionalistas têm como propósito

fundamental a apropriação, preservação e exibição do que eles

consideram como o que pode ser salvo do processo de destruição e

perda do patrimônio cultural da nação.100

99 GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda: os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro, Editora UFRJ/MinC-IPHAN, 1996. p.89 100 Idem, ibidem. p.31

51

Analisando o discurso de Rodrigo Melo Franco de Andrade à frente do IPHAN,

Gonçalves observa também a proeminência de Minas Gerais, tópica que perpassou o

discurso não só de seu diretor, mas da instituição de maneira geral:

Além disso, nas narrativas produzidas pela historiografia oficial,

Minas Gerais é usada como o cenário do que veio a ser considerado

como o mais importante acontecimento histórico do Brasil colonial no

século XVIII: a ‘inconfidência mineira’. O movimento [...] veio a ser

usado como um símbolo oficial dos ideais nacionalistas de autonomia

política. Nesse sentido, na narrativa de Rodrigo, Minas é considerada

como uma espécie de lugar sagrado da identidade nacional brasileira.

Muitos dos seus monumentos apresentam uma dimensão significativa

não somente do ponto de vista estético como também em virtude de

suas associações de natureza cívica.101

Ao se estabelecer como uma instituição que detém um monopólio privilegiado

sobre o passado, pois suas atribuições incluem a seleção e proteção legal dos

exemplares, o IPHAN consolidava-se como um lugar de poder para produção de

discursos acerca da nação brasileira. Assim, quando seus quadros são preenchidos

eminentemente por modernistas, o embate com o neocolonial anunciava seu fim, tendo

em vista a força desse discurso, institucional e governamental. O IPHAN teve mesmo o

poder de absorver personagens ligados ao neocolonial, como José Wasth Rodrigues,

aproveitando-se do que era compatível com o seu projeto de nação.

Construído na base de concepções modernistas, destacando-se Lúcio Costa nesse

projeto, a apropriação do conceito de “barroco” realizada pelo IPHAN buscou, dessa

forma, a construção de um passado que desse conta dos projetos realizados no presente.

Vejamos como isso se deu nas suas séries editoriais.

101 GONÇALVES, José Reginaldo Santos. A retórica da perda. p.69

52

2 Representações do “barroco” na produção editorial do IPHAN (1937 – 1978)

Neste capítulo será analisada a produção editorial do IPHAN, composta pela

Revista do IPHAN e pela série Publicações do IPHAN. O interesse nessa produção está

em compreender como a constituição de um corpus editorial no Instituto do Patrimônio

serviu a um projeto estrategicamente delineado de construção de um patrimônio

nacional. Se as práticas de tombamento criaram uma materialidade monumental para a

nação, a série editorial forjou, sob a égide de estudos científicos e especializados, o

conhecimento que validava as ações do IPHAN, assim como determinava seu próprio

campo de possibilidades. Segundo Márcia Chuva:

A política editorial do SPHAN foi marcada por uma produção

discursiva descritiva e classificadora do patrimônio histórico e

artístico nacional, capaz de conquistar legitimidade para prescrever os

atributos desse patrimônio e para fixar um mapa de possibilidades.

Com ela, o SPHAN passaria a balizar e polarizar os debates sobre essa

temática, fazendo com que, ao se falar de preservação cultural no

Brasil, se tornasse impossível não se remeter à sua produção, ainda

que para criticá-la ou questioná-la. 102

O IPHAN definia-se, dessa forma, como agente no campo da preservação e

restauro, assim como pólo intelectual especialista no assunto. De maneira natural, os

artigos e livros produzidos não buscavam, em hipótese alguma, criticar as ações

patrimoniais, mas sim endossá-las ou apontar novos caminhos. Criava-se então um

discurso legitimador para as práticas do órgão.

A análise, aqui, será centrada nas concepções de “barroco” presentes nas

publicações, entendidas como constituintes da especificidade brasileira que permite a

inserção do Brasil na modernidade européia. Ainda segundo Márcia Chuva: 102 CHUVA, Márcia. Fundando a nação: a representação de um Brasil barroco, moderno e civilizado. Revista Topoi, v.4, n.7, jul.-dez. 2003. p.322

53

O investimento numa produção impressa foi uma das ações

eficientemente adotadas visando a uma dada forma de proteção do

patrimônio histórico e artístico nacional. Teve papel articulador de um

debate entre intelectuais e propagandeador de ação institucional,

implementado através de notícias, artigos e polêmicas na grande

imprensa, assim como através das edições do SPHAN que somavam

um caráter legitimador e divulgador de um conhecimento

especializado prescrito pela agência estatizada. 103

Foram selecionados para a análise os volumes editados entre 1937 e 1978.,

período que abarca os 18 primeiros números da revista publicados, representando uma

primeira fase, compreendida pela direção de Rodrigo Melo Franco de Andrade (1937-

1968) e a de Renato Soeiro (1969-1978), que adotou uma postura de continuidade à

política empreendida pelo primeiro e até então único diretor. Isto fica bastante claro ao

observarmos os números editados por Renato, homenageando Rodrigo e retomando

temas expostos anteriormente. A Revista então só voltaria a ser publicada em 1984,

após a gestão renovadora de Aloísio Magalhães (1979-1982), apresentada em um novo

formato, visual e editorial, dividido em seções.

No caso das Publicações, a série se estendeu até 1987, compreendendo 38

volumes, mas mantém-se um interesse maior nos volumes que saíram até 1978 (um

total de 29). A análise está centrada nestes, pois, além de equivaler ao período

considerado para análise da Revista, os nove volumes restantes das Publicações fogem

apresentam propostas temáticas diferenciadas. São livros comemorativos e

rememorativos, como os dedicados a Rodrigo Melo Franco de Andrade104 e a Mario de

Andrade105; técnicos, tal como os dois números publicados em 1980 sobre as práticas de

103 CHUVA, Márcia. Os arquitetos da memória. p.205 104 Rodrigo e seus tempos: coletânea de textos sobre artes e letras (Publicações do IPHAN; nº 37) e Rodrigo e o SPHAN: coletânea de textos sobre patrimônio cultural (Publicações do IPHAN; nº 38). 105 Mário de Andrade: cartas de trabalho; correspondência com Rodrigo Mello Franco de Andrade, 1936-1945 (Publicações do IPHAN; nº 33)

54

proteção e revitalização de núcleos históricos106. Nas Publicações aparece também o

catálogo dos bens móveis e imóveis tombados até 1982 (mesa data da publicação)107, o

que sugere uma certa consolidação do patrimônio preservado, além de uma iniciativa

propagandística.

2.1 A Revista do IPHAN

2.1.1 Tipologia: criação, objetivos, autores e público

A Revista do IPHAN foi criada já no primeiro ano do então Serviço e permanece

até a atualidade, apesar de eventuais interrupções – temporais, mas não na série –, como

a única publicação contínua do IPHAN. Conforme apontado por Márcia Chuva,

inicialmente as datas impressas na capa não correspondiam à data efetiva de publicação.

Segundo a autora, esta investida em uma aparente regularidade das edições aliava-se à

pretensão de imprimir um caráter científico à revista. Somente a partir de 1955 as datas

passariam a corresponder a sua publicação efetiva108. Criava-se, assim, um corpus

homogêneo de publicações, com continuidades e rupturas cuidadosamente construídas.

No escopo selecionado para estudo, correspondente a uma primeira fase, tomando por

referência as datas de publicação impressas nas capas, observa-se a seguinte disposição:

onze números anuais entre 1937 e 1947; após um intervalo, edições em 1955, 1956,

1959, 1961, 1968, 1969 e 1978109.

106 Restauração e revitalização de núcleos históricos. Análise face à experiência francesa. (Publicações do IPHAN; nº 30) e Proteção e revitalização do patrimônio cultural no Brasil: uma trajetória. (Publicações do IPHAN; nº 31) 107 Bens móveis e imóveis inscritos nos livros de tombo do patrimônio histórico e artístico nacional. (Publicações do IPHAN; nº 35) 108 Ver CHUVA, Márcia. Os arquitetos da memória: a construção do patrimônio histórico e artístico nacional no Brasil (anos 30 e 40). Niterói, Universidade Federal Fluminense, 1998. 109 Serão utilizadas as datas conforme constam nas revistas.

55

O que podemos observar, nos primeiros números da Revista, é uma verdadeira

tomada de posição da instituição como fornecedora dos meios para se pensar e perceber

o patrimônio histórico e artístico nacional. Os artigos visavam, principalmente, dar

conta de duas funções: descobrir e habilitar o que deve ser classificado como bem

patrimonial e estabelecer a importância desses bens na constituição da nacionalidade

brasileira. O IPHAN definia-se, dessa forma, como norte das questões relativas ao

nacional, agora patrimonializado. Segundo Lauro Cavalcanti:

Seus artigos eram gerados de duas formas básicas: a partir de uma

‘encomenda’ do dr. Rodrigo, um técnico debruçava-se exclusivamente

sobre um tema, abandonando temporariamente suas outras obrigações

com o fito de desvendar uma faceta até então pouco estudada de nossa

cultura; em outra modalidade, os ensaios eram conseqüência de

descobertas feitas nas viagens de ‘redescoberta’ do Brasil que

caracterizaram a fase ‘heróica’. 110

É importante ressaltar também que a Revista do IPHAN logo adquiriu certo

prestígio, conforme apontou Márcia Chuva:

Em 1946, a Revista conquistou o ‘diploma de honra’ na Segunda

Exposição Internacional de Publicações Periódicas, realizado pela

Biblioteca Pública de Santiago Alvarez da Escola de Artes Plásticas

Tarascá, em Cuba, em que concorreram 1.711 publicações de todo o

mundo. 111

Podemos observar, portanto, que a Revista tornou-se uma das iniciativas mais

importantes na constituição e desenvolvimento do tema patrimônio no Brasil. No

Programa da Revista, apresentado por Rodrigo Melo Franco de Andrade no número

inaugural, os objetivos são enunciados:

110 CAVALCANTI, Lauro. “Introdução à primeira edição” In: Modernistas na repartição / organizado por Lauro Cavalcanti. – 2. ed. rev. – Rio de Janeiro: Editora UFRJ: Minc – IPHAN, 2000. p.23 111 CHUVA, Márcia. Os arquitetos da memória: a construção do patrimônio histórico e artístico nacional no Brasil (anos 30 e 40). p.221

56

A publicação desta revista não é uma iniciativa de propaganda do

Serviço do Patrimônio [...] O objetivo visado aqui consiste antes de

tudo em divulgar o conhecimento dos valores de arte e de história que

o Brasil possui e contribuir empenhadamente para seu estudo [...]

Ninguém contestará, no entanto, que há necessidade de uma ação

sistemática e continuada com o objetivo de dilatar e tornar mais

seguro e apurado o conhecimento de valores de arte e de história de

nosso país. 112

E ainda, sobre os estudos a serem feitos:

Trata-se, por conseguinte, de um vasto domínio, cujo estudo reclamará

longos anos de trabalho, assim como a preparação cuidadosa de

numerosos especialistas para empreendê-lo. Esta revista registrará

semestralmente uma pequena parte do que se houver tentado ou

conseguido com esse objetivo. Ela conta com a contribuição dos

doutos nas matérias relacionadas com a sua finalidade e bem assim

com o apoio e a simpatia de todos os brasileiros interessados pelo

patrimônio histórico e artístico nacional. 113

Os dois primeiros números editados apresentavam uma gama variada de artigos,

uma espécie de delimitação de “possíveis patrimônios”, marcando sua diversidade, com

a contribuição de diferentes especialistas. No entanto, a maior parte desses abordava o

patrimônio de “pedra e cal”, especialmente a arquitetura religiosa. Conforme uma

advertência de Rodrigo:

O presente número desde logo se ressente de grandes falhas, versando

quase todo sobre monumentos arquitetônicos, como se o patrimônio

histórico e artístico nacional consistisse principalmente nesses. 114

Esta recomendação, contudo, parece não ter surtido muito efeito, visto que os

monumentos arquitetônicos continuaram a predominar como objeto de estudo, 112 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Programa da Revista. Revista do IPHAN, n.1, 1937. p.3 113 Idem, ibidem, p.4 114 Idem, ibidem, p.4

57

respondendo por aproximadamente 40% dos artigos publicados até 1978. Isto sugere

como a concepção dos arquitetos foi predominante nas páginas da Revista.

Entre os autores que contribuíram com artigos, destaca-se Lúcio Costa – sempre

versando sobre a arquitetura colonial e o barroco –, que logo se tornou um dos grandes

intelectuais do patrimônio. Escreviam para a Revista, além dos próprios técnicos do

IPHAN, membros do Conselho Consultivo e outros intelectuais que integravam a rede

de relações pessoais de Rodrigo Melo Franco de Andrade. Em alguns casos,

participavam especialistas estrangeiros, como no caso de Robert Smith115 e Hanna

Levy116, historiadores da arte. Seus artigos foram escritos em conseqüência de cursos

que foram convidados a ministrar aos técnicos do IPHAN117.

Conforme o programa apresentado por Rodrigo M. F. de Andrade, a revista

parecia destinar-se a dois grupos distintos. Como iniciativa de divulgação do então

Serviço, endereçava-se à sociedade em geral; enquanto espaço de produção de

conhecimento especializado e embasado cientificamente, parecia querer delimitar um

campo de estudos. A pretensão científica da revista pode ser observada em sua própria

configuração, trazendo a maior parte de seus artigos assinados, organizados em forma

de coletâneas, tal qual livros, contendo muitas vezes reproduções de fontes. O

Programa da Revista publicado no primeiro número advertia também sobre a

responsabilidade dos próprios autores sobre seus escritos, reforçando esse caráter

autoral.

115 “Alguns desenhos de arquitetura existentes no Arquivo Histórico Colonial Português” (n.4, 1940), O códice de frei Cristóvão de Lisboa (n.5, 1941), “Documentos baianos” (n.9, 1945), Arquitetura civil do período colonial (n.17, 1969). Esse último refere-se ao curso ministrado por Smith. 116 “Valor artístico e valor histórico: importante problema da história da arte” (n.4, 1940), “A propósito de três teorias sobre o barroco” (n.5, 1941), “A pintura colonial no Rio de Janeiro: notas sobre suas fontes e alguns de seus aspectos” (n.6, 1942), “Modelos europeus na pintura colonial” (n.8, 1944), “Retratos coloniais” (n.9, 1945). 117 Os cursos foram os seguintes: História da Arte – Hannah Levy; Desenvolvimento da civilização material no Brasil – Afonso Arinos de Melo Franco; Arquitetura Civil em Portugal – Mário Chico; Azulejos luso-brasileiros – João Miguel dos Santos Simões; Aspectos da Arte Portuguesa no Século XVIII – Robert Smith, conforme apurado em pesquisa na série Personalidades, do Arquivo Central do IPHAN.

58

2.1.2 “Barroco” como mito de origem e “barroco” como “boa tradição”

O conceito de “barroco” foi ostensivamente formulado e aplicado nas páginas da

Revista. São numerosos os artigos que buscam identificar o “barroco” brasileiro,

criando tipologias, encontrando influências e especificidades. Constrói-se, dessa forma,

um inventário desse patrimônio “barroco”, nacional por excelência. Inventário este que

será materializado nas práticas de tombamento.

A apropriação do conceito realizada pelos artífices do patrimônio deu-se no

sentido de constituir uma arte genuinamente brasileira que fosse capaz de apontar a

origem da nação, remetendo não somente a um passado – colonial e de herança lusa –

mas também à arquitetura moderna, como herdeira e prosseguidora daquilo que Lúcio

Costa identificou como a “boa tradição”.

No número inaugural da Revista, Costa contribuiu com “Documentação

necessária”118, texto no qual explicitava as relações entre o Modernismo e o passado

nacional, estabelecendo paralelos entre construções modernas e coloniais. O principal

ponto deste artigo é uma crítica à arquitetura neocolonial, que se utilizava de um

“artificioso processo de adaptação” para empregar “os elementos já sem vida da época

colonial”, um manifesto pela arquitetura moderna e uma tradição na qual se enquadrava.

O autor, aqui, faz uma autocrítica à tradição em que se inseria, pois era um dos grandes

expoentes da arquitetura neocolonial, até se tornar um arquiteto modernista dos mais

renomados. Faz, portanto, uma crítica ferrenha a José Marianno Filho, como vimos, seu

adversário no embate entre neocolonial e modernismo. Lúcio Costa busca definir o que

118 COSTA, Lúcio. Documentação Necessária. Revista do IPHAN, n.1, p.31-41, 1937.

59

seria a “boa tradição” legada pelo passado, na qual a arquitetura moderna poderia se

inserir e dar continuidade à “evolução que estava normalmente se processando”, e que

fora interrompida pela arquitetura neocolonial. Conforme afirma:

Foi quando surgiu, com a melhor das intenções, o chamado

movimento tradicionalista de que também fizemos parte. Não

percebíamos que a verdadeira tradição estava ali mesmo, a dois

passos, com os mestres de obras nossos contemporâneos; fomos

procurar, num artificioso processo de adaptação – completamente fora

daquela realidade maior que cada vez mais se fazia presente e a que os

mestres se vinham adaptando com simplicidade e bom senso – os

elementos já sem vida da nossa época colonial: fingir por fingir, que

ao menos se fingisse coisa nossa. E a farsa teria continuado – não fora

o que se sucedeu.

Cabe-nos agora recuperar todo esse tempo perdido, estendendo a mão

ao mestre de obras sempre tão achincalhado, ao velho ‘portuga’ de

1910, porque – digam o que quiserem – foi ele quem guardou,

sozinho, a boa tradição.119

O autor identifica na casa de residência os elementos pertencentes a essa

tradição, “justeza de proporções” e “saúde plástica perfeita”, que poderiam servir de

experiência a seus contemporâneos. Critica, dessa forma, os autores que negaram o

valor arquitetônico dessas construções, referindo-se a uma citação de Aníbal Mattos,

autor do prefácio de “A Arte em Ouro Preto”, de Diogo de Vasconcellos. Como vimos,

Mattos valorara de forma negativa as construções do casario português. Segundo Costa:

Ora, a arquitetura popular apresenta em Portugal, a nosso ver,

interesse maior que a ‘erudita’ – servindo-nos da expressão usada, na

falta de outra, por Mário de Andrade, para distinguir da arte do povo a

‘sabida’. É nas suas aldeias, no aspecto viril das suas construções

rurais a um tempo rudes e acolhedoras, que as qualidades da raça se

mostram melhor. Sem o ar afetado e por vezes pedante de quando se

apura, aí, a vontade, à vontade, ela se desenvolve naturalmente,

119 COSTA, Lúcio. Documentação Necessária. p.39

60

adivinhando-se na justeza das proporções e na ausência de ‘make up’,

uma saúde plástica perfeita – se é que podemos dizer assim.120

O autor opera aqui uma diferenciação nas conceituações acerca de “barroco”. Se

para Vasconcellos e Mattos o casario português era visto como algo negativo, “pesado”

e “sombrio”, Costa reabilita-o na constituição de uma arquitetura brasileira –

formulação que apontava para a arquitetura de seu presente. Assim afirmava serem as

casas onde “a qualidade da raça se mostra melhor”, articulando-se às proposições de

Gilberto Freyre121. Propõe ainda a expansão da gama de estudos para além das casas-

grandes de fazenda ou grandes sobrados, abrangendo também as casas menores, “de

aspecto menos formalizado, mais pequeno-burguês”, encontradas principalmente nas

velhas cidades mineiras.

Para Costa, a arquitetura portuguesa implementada havia encontrado na colônia

um ambiente que lhe provocou um processo de adaptação, resultando em algo novo:

Tais características, transferidas – na pessoa dos antigos mestres e

pedreiros ‘incultos’ – para a nossa terra, longe de um mau começo,

conferiram, desde logo, pelo contrário, à arquitetura portuguesa na

colônia, esse ar despretensioso e puro que ela soube manter, apesar

das vicissitudes por que passou, até meados do século XIX.

Sem dúvida, neste particular se observa o ‘amolecimento’ notado por

Gilberto Freyre, perdendo-se, nos compromissos de adaptação ao

meio, um pouco daquela ‘carrure’ tipicamente portuguesa; mas em

compensação, devido aos costumes mais simples e à largueza maior

da vida colonial, e por influência, também, talvez, da própria

grandiosidade do cenário americano, – certos maneirismos preciosos e

um tanto arrebitados que lá se encontram, jamais se viram aqui.122

120 COSTA, Lúcio. Documentação Necessária. p.31 121 Ver, por exemplo: FREYRE, Gilberto. Mucambos do Nordeste: algumas notas sobre o tipo de casa popular mais primitiva do nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1937. (Publicações do IPHAN; nº 1). 122 COSTA, Lúcio. Op. Cit. p.31-32

61

O autor utiliza-se de duas tópicas recorrentes no discurso do IPHAN: a falta de

instrução e a falta de recursos como impulsionadoras de uma maneira nova – vale dizer

autêntica e nacional – de se construir. Aproximando Brasil e Europa, compara o negro

e o índio ao “louro bárbaro […] em seus primeiros contatos com a civilização latina, ou

mais tarde, pretendendo traduzir, com o sotaque ainda áspero e gótico os motivos greco-

romanos renascidos”, para afirmar que:

Em ambas [as mãos-de-obra negra e índias] o mesmo jeito de quem

está descobrindo coisa nova e não acabou de compreender direito; sem

vislumbre de ‘maitrise’ mas cheio de intenção plástica e ainda com

aquele sentido de revelação que num e noutro depois, com o apuro da

técnica, desaparece.123

Nesta passagem é possível observar também a idéia de uma criação “pura”,

espontânea, que, conforme se torna mais apurada, acaba por perder esse valor de

originalidade. Essa é uma idéia cara a Lúcio Costa, especialmente nas suas formulações

acerca do “barroco”, conforme veremos.

No terceiro número da Revista, Lúcio Costa publicou um artigo sobre a

“evolução” do mobiliário luso-brasileiro124. Inicia seu texto afirmando que:

Tendo o Brasil permanecido como colônia portuguesa até 1822, é

natural que nosso mobiliário seja, antes de mais nada, um

desdobramento do mobiliário português.125

Nesse caso, é operada uma diferente significação, “luso-brasileiro”, inclusive na

afirmação de que o território foi colônia portuguesa até 1822. O ponto, neste artigo, é

apontar as origens do Brasil analisando seus fatores formadores. A primeira questão

123 COSTA, Lúcio. Documentação Necessária. p.32 124 COSTA, Lúcio. Notas sobre a evolução do mobiliário luso-brasileiro. Revista do IPHAN, Rio de Janeiro, n.3, p.149-162, 1939. 125 Idem, ibidem,. p.149

62

explorada refere-se à contribuição das “três raças”. Para Costa, os portugueses são os

principais artífices deste processo:

Se o material empregado era, isto sim, bem brasileiro, aqueles que o

trabalharam foram sempre os portugueses filhos mesmo de Portugal –

muitos deles irmãos leigos de ordens religiosas – ou, quando nascidos

no Brasil, de ascendência exclusivamente portuguesa, ou então

mestiços, misturas em que entravam, junto com o do negro e do índio,

dosagens maiores ou menores de sangue português. Quanto ao negro

ou índio sem mistura, limitava-se o mais das vezes a reproduzir

móveis do reino e de qualquer forma se fazia mestre no ofício sob as

vistas do português.126

Seguindo uma linha de argumentação semelhante à exposta em Documentação

Necessária, o autor afirma que “ao colono só interessava o essencial... Essa sobriedade

mobiliária dos primeiros colonos se manteve depois como uma das características da

casa brasileira”127. Desta forma, para Costa,

As diferenciações que o estudo mais demorado da matéria poderá

revelar [...] resultarão menos de inovações próprias ou criações locais

nossas, do que da preferência, poder-se-ia mesmo dizer da insistência,

com que repetimos determinados modelos em detrimento de outros

mais em voga na Metrópole.128

É proposto então um esquema classificatório universal, enquadrando o Brasil em

um padrão europeu, procedimento que adotaria também em outro artigo, conforme

veremos mais à frente:

O mobiliário do Brasil pode ser, assim, da mesma forma que o norte-

americano e todos os demais de fundo europeu, classificado em três

grandes períodos: o primeiro abrange os séculos XVI e XVII e

prolonga-se mesmo até começos do de Setecentos; o segundo, período

126 COSTA, Lúcio. Notas sobre a evolução do mobiliário luso-brasileiro. p.149 127 Idem, ibidem. p.150-151 128 Idem, ibidem. p.150

63

barroco por excelência, estende-se praticamente por todo o século

XVIII; e o terceiro e último, isto é, o da reação acadêmica, liberal e

puritana iniciada em fins desse século, corresponde para nós

principalmente, à primeira metade do século XIX. Depois disso,

houve apenas modas improvisadas e sem rumo, já desorientadas pela

produção industrial que dia a dia se acentuava.129

A idéia de uma “boa tradição” que se perdeu também está presente neste texto,

nas “modas improvisadas e sem rumo”. Ao analisar o período dito “barroco”, afirma

que:

No segundo período, uma transformação fundamental,

verdadeiramente revolucionária, altera por completo o aspecto do

mobiliário. [...] Essa impressão de movimento e de vida, como se

móvel fosse organismo e não coisa fabricada, é o traço comum que

distingue de um modo geral a produção do século XVIII.130

Para Lúcio Costa, essa transformação da arte está intimamente relacionada ao

meio na qual se situa, numa imbricação entre arquitetura e sociedade. Portanto, esse

período revolucionário,

Corresponde, também, ao desenvolvimento dos centros urbanos e às

manifestações inequívocas, tanto de caráter individual como coletivo,

da formação de uma consciência independente, nacional.131

“Barroco” – “transformação fundamental, verdadeiramente revolucionária” –

aparece aqui intimamente ligado à idéia de “uma consciência independente, nacional”.

Pode-se afirmar, nesse sentido, que para o autor as artes “barrocas” (expressas numa

casa, numa igreja ou no mobiliário) trazem em si o elemento revolucionário que dá

origem ao Brasil, não mais colônia portuguesa.

129 COSTA, Lúcio. Notas sobre a evolução do mobiliário luso-brasileiro. p.152 130 Idem, ibidem. p.154-155 131 Idem, ibidem. p.157

64

No décimo-primeiro número da Revista, de 1946, foi publicado um artigo de

Paulo Thedim Barreto sobre as Casas de Câmera e Cadeia132, uma ampliação de tese

apresentada para a cadeira da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do

Brasil. O artigo estabelece um histórico das Casas de Câmara e Cadeia, apontando suas

origens e a organização administrativo-judiciária na colônia portuguesa. Aponta

exemplos, contratos de arrematação e analisa detalhadamente os programas

arquitetônicos dos edifícios. Por fim, faz uma análise cronológica da evolução

arquitetônica desse tipo de construção. Afirma que, no século XIX as Casas “perderam

a energia construtiva e plástica dos séculos anteriores”133, referindo-se ao tempo

colonial, ao barroco, quando, a despeito da menor desenvoltura estética, “todos os

problemas arquiteturais de expressão barroca eram enfrentados com o entusiasmo de

quem encontra soluções novas”134. Há, neste sentido, a construção de uma progressiva

perda de valor estético e renovação que, segundo o autor, é acompanhada pela

separação entre os poderes administrativos e judiciários. Por fim, faz uma ressalva ao

caso de Ouro Preto, cuja Casa de Câmara e Cadeia, embora construída no século XIX,

teve seu projeto concebido no fim do século XVIII, desse modo permitindo-lhe figurar

entre o patrimônio barroco.

Em 1968, Augusto C. da Silva Telles publicou um artigo no décimo-sexto

número da Revista, uma versão de sua tese de livre-docência da cadeira de Arquitetura

no Brasil da Faculdade Nacional de Arquitetura, na qual realiza um estudo sobre a

fundação e desenvolvimento da cidade de Vassouras135. Neste, faz o seguinte

comentário, lamentando a perda das características originais das construções mais

simples e antigas, similares a de outras cidades mineiras:

132 BARRETO, Paulo Thedim. Casas de Câmera e Cadeia. Revista do IPHAN, n.11, p. 9-195, 1946. 133 Idem, ibidem. p.194 134 Idem, Ibidem, p. 188 135 TELLES, Augusto C. da Silva. Vassouras (estudo da construção residencial urbana). Revista do IPHAN , n.16, p.9-136, 1968.

65

Vassouras, fundada no início do século XIX, conforme já vimos, (a

capela começa a ser construída em 1828, e a vila é criada em 1833),

desenvolver-se-á, justamente, nesta fase de transição, por que passa

nossa arquitetura, assim como todos os demais aspectos culturais do

Brasil: do barroco e rococó (colonial), de influência lusa, para o neo-

clássico, de influência principalmente francesa.

Por este motivo, não possuem as edificações vassourenses aquela

unidade no tratamento plástico e nos detalhes que encontramos, por

exemplo, na maioria das construções de Ouro Preto [...].136

Transferindo esta concepção para as práticas patrimonialistas e a idéia de

preservação dos núcleos originais da nação, a opção tomada foi em prol da arquitetura

colonial – como mito de origem da nação brasileira – e do Modernismo como seguidor

da linha evolutiva da “boa arquitetura”. Segundo Márcia Chuva:

Para inserir o Brasil na consagrada história da Arte Universal,

investiu-se na reapropriação do barroco, que passou a ser visto como

um movimento artístico considerado profundamente renovador, que

desde a ‘pureza’ e ‘verdade’ das construções gregas jamais havia se

repetido e que, a partir do barroco, só teve novo momento renovador

com a arquitetura moderna, advinda da revolução industrial. Foi esta

que possibilitou a introdução de novos materiais, novas formas e

técnicas. A genialidade de Lucio Costa construía, assim, a genealogia

da ‘boa arquitetura’, universal, em que a produção brasileira se

enquadrava, na origem e na atualidade. 137

Nesse sentido, o ecletismo foi preterido, considerado um hiato nessa linha

evolutiva, por apresentar-se como um estilo “importado”. O mesmo vale para o

neocolonial, que buscava produzir o efeito de “antigo” através de técnicas artificiais,

considerado “artificioso” por Lúcio Costa. A arquitetura colonial, por outro lado,

embora de origem lusa – portanto reafirmadora de certa tradição – apresentava 136 TELLES, Augusto C. da Silva. Vassouras (estudo da construção residencial urbana). p.82 137 CHUVA, Márcia. Os arquitetos da memória: a construção do patrimônio histórico e artístico nacional no Brasil (anos 30 e 40). p.328

66

especificidades obtidas na adaptação ao meio brasileiro que lhe conferiam o caráter de

nacional. O “barroco”, então, apresentava-se como o ponto de ligação entre o Brasil e o

mundo europeu, ponto de inserção no moderno “Concerto das Nações”, ligação que teve

como corolário dessa especificidade o “barroco” mineiro com suas igrejas setecentistas

e arquitetura vernacular138, resultando na inserção do Brasil nos catálogos de história da

arte mundiais. Segundo Maria Cecília Londres Fonseca:

Quanto aos estilos de época, havia também uma hierarquização. O

barroco era o estilo mais valorizado, seguido pelo neoclássico. A

arquitetura moderna, que foi introduzida no Brasil em 1928, já em 1947

teve seu primeiro exemplar tombado – a Igreja de São Francisco de

Assis, na Pampulha, em Belo Horizonte, Minas Gerais, de autoria de

Oscar Niemeyer. Ainda nesse período foram tombados o prédio do

MEC (1948) [...] Quanto ao estilo eclético, a ovelha negra da

arquitetura brasileira aos olhos dos arquitetos modernistas, apesar de

sua importância histórica como estilo característico da Primeira

República, só foram então tombados três imóveis, e mesmo assim

exclusivamente por seu valor histórico.139

No quinto número da Revista (1941) foi publicado o seminal artigo de Lúcio

Costa, A Arquitetura Jesuítica no Brasil – um caso de apropriação exemplar do conceito

de “barroco” – no qual é proposta uma cronologia classificatória que define a arte

barroca brasileira140. O que está em jogo neste artigo é a inauguração de uma linha

evolutiva da “arquitetura tradicional” brasileira que comporta em si todas as fases da

história da arte universal. Baseada na crença em um universalismo da arte, o Brasil é

138 Arquitetura vernacular refere-se àquela que emprega no processo de construção materiais e recursos próprios da região, adquirindo dessa forma um caráter regional, local. Um exemplo clássico no Brasil são as construções usando pedras locais em Ouro Preto. 139 FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. p.115 140 COSTA, Lúcio. A arquitetura jesuítica no Brasil. Revista do IPHAN, Rio de Janeiro, n. 5, p. 9-104, 1941.

67

posto na era moderna através de um “ajuste dos relógios”141 do tempo colonial,

recriando os estilos europeus como variantes do “barroco”.

O artigo insere-se no processo de reabilitação do “barroco” em direção a sua

canonização como manifestação artística que impulsiona a nação brasileira:

A idéia de coisa decadente, de aberração, andou tanto tempo associada à

noção de arte barroca, que, ainda hoje, muita gente só admira tais obras

por condescendência, quase por favor.

Se algumas vezes os monumentos barrocos merecem realmente essa

pecha de anomalias artísticas, a grande maioria deles – inclusive

daqueles em que o arrojo da concepção ou o delírio ornamental atingem

o clímax – é constituída por autênticas obras de arte, que não resultaram

de nenhum processo de degenerescência, mas, pelo contrário, de um

processo legítimo de renovação.142

O autor toma para sua análise as obras de arte jesuítica afirmando que, no caso

brasileiro, essas podem não ser as obras mais ricas, mas não deixam de ser

significativas. Explica que parece haver certa confusão generalizante no termo

“jesuítico”143, pois os séculos XVII e XVIII assistiram ao fim do Renascimento e o

início do Barroco, desenvolvendo-se em paralelo, portanto:

Ora, as transformações por que passou a arquitetura religiosa,

juntamente com a civil, durante esse longo período, obedeceram a um

processo evolutivo normal, de natureza, por assim dizer, fisiológica:

uma vez quebrado o tabu das fórmulas neo-clássicas renascentistas,

gastas de tanto se repetirem, ela teria mesmo de percorrer –

independentemente da existência ou não da Companhia de Jesus – o

caminho que efetivamente percorreu, até quando o barroco, por sua vez

impossibilitado de renovação, teve de ceder lugar à nova atitude

141 Expressão de Márcia Chuva 142 COSTA, Lúcio. A arquitetura jesuítica no Brasil. p.11 143 Esse é um dos últimos artigos a aparecer na Revista que se utiliza ainda do termo “jesuítico” para definir o período classificado como “barroco”. Logo o termo desaparece e apenas “barroco” continua a ser usado.

68

classicista e já o seu tanto acadêmica de fins do século XVIII e começo

do XIX.144

Pode-se observar, nesse trecho, uma aproximação em relação às concepções de

Heinrich Wölfflin expostas em Conceitos Fundamentais da História da Arte145, para

quem existiriam dois estilos – clássico e barroco – alternando-se ao longo da história da

arte. Conforme afirma:

Nessas condições, é de fundamental importância o fato de se

observarem, em todos os estilos arquitetônicos do Ocidente, certas

constantes de evolução. Existe um período clássico e um Barroco, não

apenas na época moderna e na arquitetura antiga, mas também num

terreno tão longínquo como o Gótico.146

Wölfflin define “clássico” (também chamado “renascimento”) e “barroco”

através de cinco pares de oposição, gerando um esquema comparativo. Para nossa

análise, podemos destacar que o primeiro estilo, o “clássico”, é identificado à pureza das

formas, ao equilíbrio e a uma estagnação. Já o segundo, o “barroco”, é definido como

profusão de formas, cores e um estilo renovador. Conforme Wölfflin:

O Barroco emprega o mesmo sistema de formas, mas em lugar do

perfeito, do completo, oferece o agitado, o mutável; em lugar do

limitado e concebível, o ilimitado e colossal. Desaparece o ideal da

proporção bela e o interesse não se concentra mais no que é, mas no que

acontece.147

A história da arte seria, portanto, uma sucessão de alternâncias entre

conservadorismo e renovação. Assim, Costa identifica o barroco como um estilo que

144 COSTA, Lúcio. A arquitetura jesuítica no Brasil. p.9 145 WÖLFFLIN, Heinrich. Conceitos fundamentais da história da arte: o problema da evolução dos estilos na arte mais recente. 4ª. Ed., São Paulo: Martins Fontes, 2000. Publicado originalmente em 1915, com o título “Kunstgeschichtliche Grundbegriffe”. 146 Idem, ibidem, p.320 147 Idem, ibidem, p.12

69

surge após quebrar-se “o tabu das fórmulas neo-clássicas renascentistas” e que se esgota

em fins do século XIX, quando ressurge “uma nova atitude classicista e já o seu tanto

acadêmica”. Nessa mesma chave, afirma que o barroco seria então uma possibilidade de

tratar os elementos construtivos como “formas plásticas autônomas”, uma “nova

concepção plástica, liberta dos preconceitos anteriores”.

Em seguida, afirma sobre o estilo dos padres:

...apesar das mudanças de forma, das mudanças de material e das

mudanças de técnica, a personalidade inconfundível dos padres, o

‘espírito’ jesuítico, vem sempre à tona: – é a marca, o ‘cachet’ que

identifica todas elas e as diferencia, à primeira vista, das demais. E é

precisamente essa constante, que persiste sem embargo das

acomodações impostas pela experiência e pela moda – ora perdida no

conjunto da composição, ora escondida numa ou noutra particularidade

dela – essa presença irredutível e acima de todas as modalidades de

estilo porventura adotadas, é que constitui, no fundo, o verdadeiro

‘estilo’ dos padres da Companhia.

Tratando-se de uma ordem nova e ‘diferente’, livre de compromissos

com as tradições monásticas medievais, e por conseguinte em situação

particularmente favorável para se deixar impregnar, logo de início, do

espírito moderno, post-renascentista e barroco, é natural que tenha sido

mesmo assim.148

Costa observa, portanto, uma espécie de constante que permeia o estilo dos

jesuítas através do tempo, da mesma forma que transforma os estilos da arte brasileira

em palavras compostas, incluindo-lhes a denominação “barroco”, à maneira de Eugene

D’Ors, que propõe um “espírito barroco”, uma constante histórica:

Essas constantes históricas entram na vida universal da

Humanidade e na sua pluralidade uniforme, instaurando uma

invariabilidade relativa e uma estabilidade, aí, onde o demais é

mudança, contingência, fluir. A trama complexa da história abre

148 COSTA, Lúcio. A arquitetura jesuítica no Brasil. p.10

70

passo à presença destas ‘constantes’; presença manifesta e

dominante em certas ocasiões; noutras, subordinada e oculta.149

.

Ao analisar as valorações negativas de barroco, D’Ors chega a um esquema de

quatro proposições que refuta, apresentando novas idéias que estariam então mais

afinadas com os estudos contemporâneos. Entre essas, cabe destacar:

O Barroco é uma constante histórica que se volta a encontrar em épocas

tão reciprocamente longínquas como o Alexandrismo o está da Contra-

Reforma, ou esta do período ‘Fim-de-Século’; quer dizer, do fim do séc.

XIX, e que se manifestou já nas regiões mais diversas, tanto no Oriente

como no Ocidente.150

E ainda:

Longe de preceder do estilo clássico, o Barroco opõe-se a ele de uma

maneira mais fundamental, todavia, do que o romantismo, o qual, por

seu lado, não parece agora mais do que um episódio no

desenvolvimento histórico da constante barroca.151

Ademais, Costa imprime-lhe um caráter revolucionário, “pós”, independente. A

noção romântica de uma criação artística que revoluciona na ruptura, como

manifestação inspirada e individualizada parece adequar-se bem ao texto de Costa,

assim como às proposições modernistas em geral.

Qual seria o tempo desse “barroco”, portanto? Segundo Costa, deveriam ser

classificadas como tal “a maior parte das manifestações de arte compreendidas entre a

última fase do Renascimento e o novo surto classicista de fins do século XVIII e, no

149 D’ORS, Eugene. O Barroco. Lisboa: Vega 1990. p.62 150 Idem, ibidem, p.69 151 Idem, ibidem, p.69

71

Brasil, princípios do XIX”.152 Mas para o autor não se trata apenas de um “estilo

barroco”:

A expressão ‘arte barroca’ não significa, assim, apenas um estilo. Ela

abrange todo um sistema, verdadeira confederação de estilos – uma

‘commonwealth’ barroca, poder-se-ia dizer. Estilos perfeitamente

diferenciados entre si, mas que mantém uma norma comum de conduta

em relação aos preceitos e módulos renascentistas.153

Trata-se de uma norma de conduta que, como vimos, baseia-se em conceitos

como superação e renovação. Conforme afirma:

Na construção de suas igrejas os padres, embora acompanhassem, como

os demais religiosos, a evolução normal do estilo de cada época,

atuaram em numerosos casos como autênticos renovadores,

apoiando e adotando as concepções artísticas mais modernas e

‘avançadas’; não somente com o barroco ainda classicista da primeira

fase da Contra-Reforma, quando, fora da Itália, as formas ornadas do

primeiro Renascimento ainda prevaleciam, como depois, na época de

maior eloqüência do estilo barroco, com as inovações, nem sempre

aceitáveis, de alguns artistas, mesmo jesuítas.154

A “arte barroca” poderia ser dividida então nas seguintes fases: classicismo

barroco (fins do século XVI até primeira metade do XVII), romanicismo barroco

(segunda metade do XVII até princípios do XVIII), goticismo barroco (primeira metade

até meados do XVIII) e renascimento barroco (segunda metade do XVIII até princípios

do XIX). Desta forma, renunciando a pressupostos reguladores canônicos, Lúcio Costa

criou novas categorias, igualmente transistóricas, através de um reajuste da periodização

que prolongava a “presença do barroco”. Uma espécie de “essência barroca”, então,

152 COSTA, Lúcio. A arquitetura jesuítica no Brasil. p.12 153 Idem, ibidem, p.12 154 Idem, ibidem, p.32. Grifos nossos.

72

perpassava toda a “arquitetura tradicional”, tornando-se o ponto de identificação entre o

Brasil e o mundo europeu. Conforme afirma:

Do primeiro estilo – o mais caracterizadamente jesuítico – até ao estilo

mineiro da última fase, cuja obra prima é a capela-mor da igreja de S.

Francisco de Assis, em Ouro Preto, estilo apenas alcançado pelos

padres, as transformações sucessivas repetem, curiosamente e na mesma

cadência, as várias etapas que percorreu o conjunto da arte européia, na

sua evolução da idade clássica à Renascença, através dos estilos

medievais – românico e gótico.155

Costa afirma, entretanto, que no caso brasileiro essa variedade de estilos pode

ser mais bem observada na composição e talha dos retábulos de altar, classificados

como arquitetura de interior. Opera aqui uma importante significação, expandindo o

conceito de arquitetura. O artigo parte então para o estabelecimento de uma tipologia

das igrejas, analisando sua “arquitetura externa” – chamemos assim para fins de

diferenciação, em contraponto ao que o autor denomina “arquitetura de interior” – e o

uso dos elementos que a compõem, a saber: programa, técnica, partido, comodulação e

modenatura. Dividindo as construções em grupos, apresenta exemplos.

Segundo Costa, o período do classicismo situa-se entre estilos – como um limbo

– resultando em obras “post-renascentistas ou proto-barrocas”, caracterizado como um

período confuso. O romanicismo é o estilo seiscentista por excelência, classificado

como rico, severo e bonito. Afirma ser encontrado mais comumente nos retábulos

franciscanos e nas obras da Companhia de Jesus. O goticismo caracteriza-se pela

profusão de formas e é o estilo característico das matrizes mineiras. Sobre o

renascimento, afirma:

Corresponde a um verdadeiro renascimento, com a volta às

composições mais claras e arrumadas da primeira época. O lindo

155 COSTA, Lúcio. A arquitetura jesuítica no Brasil. p.43

73

desenho e a primorosa talha, aliviados de tanto ornato e tanto ouro,

desenvolve-se desafogadamente, elegantes, cheios de invenção e graça,

levando o capricho e a sutileza dos ‘achados’ muitas vezes até o

requinte, senão mesmo ao enfado.156

Aproxima-se aqui, novamente, de Wölfflin, com a idéia de um retorno

caracterizado como clareza, beleza, e que acaba por conduzir ao “enfado”. Da

estagnação, portanto, viria a renovação furiosa e inovadora.

Cabe mencionar também o comentário de Lúcio Costa sobre as capelas de São

Paulo inventariadas por Mário de Andrade no primeiro número da Revista, ditas

“toscas”. Enquadradas no primeiro grupo apresentado, mais uma vez a idéia da

invenção sem instrução produzindo uma arte autenticamente nacional aparece:

Convém, no entanto, desde logo reconhecer, que não são sempre as

obras academicamente perfeitas, dentro dos cânones greco-romanos, as

que, de fato, maior valor plástico possuem. As obras de sabor popular,

desfigurando a seu modo as relações modulares dos padrões eruditos,

criam, muitas vezes, relações plásticas novas e imprevistas, cheias de

espontaneidade e de espírito de invenção, o que eventualmente as

coloca em plano artisticamente superior ao das obras muito bem

comportadas, dentro das regras do ‘estilo’ e do ‘bom tom’, mas vazias

de seiva criadora e de sentido plástico real. Não são, pois, estes

retábulos paulistas simples cópias inábeis mas, muito pelo contrário,

legítimas ‘recriações’, podendo ser considerados[...] como das mais

antigas e autênticas expressões conhecidas da arte ‘brasileira’, em

contraposição à maior parte das obras luso-brasileiras dessa época, que

se deveriam melhor dizer – ‘portugueses do Brasil’.157

Em que pese o reconhecimento de uma arte luso-brasileira ou de “portugueses

do Brasil”, essas categorias aparecem apenas como contraponto à arte genuinamente

156 COSTA, Lúcio. A arquitetura jesuítica no Brasil. p.45-47 157 Idem, ibidem, p.63

74

nacional. Arte que, ao desfigurar padrões eruditos e criar relações plásticas novas,

origina um produto inteiramente novo, autêntico.

Quando Costa propõe a denominação “arquitetura de interior”, a iniciativa

insere-se em um processo que constituirá uma concepção mais alargada da

arquitetura158. O último número, editado por Renato Soeiro em 1978, trazia um artigo

póstumo de Rodrigo Melo Franco de Andrade sobre a pintura colonial mineira159, no

qual afirma que:

Não se pode, com rigor, considerar o desenvolvimento da pintura

brasileira do período colonial independentemente da evolução da

arquitetura no País. Em Minas Gerais, como em todo o Brasil, desde a

primeira fase do povoamento até que se irradiasse o ensino acadêmico

no século XIX, a obra dos pintores foi acessória dos arquitetos.160

O autor segue sua análise identificando artistas, modelos e pinturas. Confere

destaque a Manuel da Costa Ataíde. Conclui afirmando que:

Com o advento de Manuel da Costa Ataíde, a pintura mineira atinge o

ponto mais alto. Foi sob a ação deste mestre que a arte religiosa da

capitania, renovada com vigor desde alguns anos e diferenciada da

tradição reinol, graças ao impulso genial de Antônio Francisco Lisboa,

pôde alcançar por fim o objetivo a que se inclinava, fortemente, na

decoração interna dos templos, para fundir as contribuições de

arquitetura, escultura e pintura numa só unidade plástica e dinâmica.161

Rodrigo constrói uma evolução na pintura mineira da qual Ataíde é o maior

expoente. Aponta a “influência de Aleijadinho” como um fator fundamental na

158 A partir da Resolução do Conselho Consultivo da SPHAN, de 13/08/85, referente ao Processo Administrativo nº 13/85/SPHAN, os tombamentos de igrejas passaram a incluir também todo o seu acervo, classificado como “arquitetura de interior”. 159 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Pintura Colonial em Minas Gerais. Revista do IPHAN, n.18, p.11-74, 1978. 160 Idem, Ibidem, p. 11 161 Idem, Ibidem, p.42

75

formação dos pintores mineiros, além de uma “influência estilística francesa”.

Comentando o ambiente de Minas Colonial, socorre-se de Lúcio Costa:

O que sucedeu, ali, foi um surto original, perfeitamente caracterizado,

como Lúcio Costa observou, ‘distinto das manifestações equivalentes,

contemporâneas, nas demais regiões do País ou da antiga metrópole’.

Verifica-se, plenamente, a procedência do conceito do mesmo

especialista, segundo o qual ‘um foco ideológico comum atuou

simultaneamente sobre as obras de talha e de pintura, ambas concebidas

segundo os mesmos princípios de composição’. Arquitetos,

entalhadores e pintores tiveram a movê-los uma idêntica intenção

plástica, cujos efeitos se traduziram em formas definidamente

peculiares no interior das igrejas mineiras do período.162

A idéia de um “surto original” aponta para o início de um caminho em direção à

plena nacionalidade brasileira. Se o “barroco” manifestava-se por todo o território

“brasileiro”, havia ainda uma referência muito forte à herança lusa. O “surto original”

em Minas Colonial constituía-se em especificidade dessa forma através da

“originalidade” de seus artistas e artífices.

O autor apresenta, por fim, uma breve biografia de Manuel da Costa Ataíde.

Antes, em 1938, no segundo número da Revista, Manuel Bandeira havia contribuído

com um breve artigo sobre Ataíde163, no qual apresentava um contrato de arrematação

que comprovava ter o pintor exercido também o ofício de dourador. Iniciativas como

essa, de divulgar a descoberta de novos ofícios de um artista colonial ou novas obras

das quais participou, serão coligidas mais à frente, com a publicação de um

dicionário164, integrando o projeto de construção de uma história da arte completa.

162 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Pintura Colonial em Minas Gerais. p.42 163 BANDEIRA, Manuel. Manuel da Costa Ataíde, dourador. Revista do IPHAN, n.2, p.149-151, 1938. 164 MARTINS, Judith. Dicionário de artistas e artífices dos séculos XVIII e XIX em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1974. 2v. (Publicações do IPHAN; nº 27).

76

Neste viés descritivo, divulgador, o historiador Salomão de Vasconcellos165

contribuiu com três artigos para a Revista que tratavam do desenvolvimento das cidades

coloniais mineiras de Ouro Preto (dois artigos) e Sabará166. Nestes, narra a fundação das

cidades através da ocupação do solo, listando nomes e lotes, com farta informação. São

artigos que sugerem a divulgação de um conhecimento para posteriores estudos

relacionados aos tombamentos dos conjuntos urbanos. Salomão Vasconcellos publicou

ainda diversos artigos sobre a formação histórica de cidades mineiras, afirmando-se

como uma espécie de especialista no assunto.

Seu filho é o arquiteto Sylvio de Vasconcellos, assistente técnico do IPHAN em

Minas Gerais, que publicou em 1956 um livro nos moldes das pesquisas de seu pai

sobre a formação residencial de Ouro Preto. A obra era dividida nas seguintes seções:

Fundamentos, Meio Social, Meio Físico, Construções, Plantas, Interiores e Fachadas.

Apresentava, dessa forma, não somente os fatores de formação histórica, como

estabelecia tipologias para as construções, procedimentos comuns nas atividades de

pesquisa do IPHAN. Na introdução, comentava a necessidade desse tipo de estudo:

A maioria das publicações existentes no Brasil, em regra, têm-se

limitado à descrição de sua história político-militar ou a detalhes

regionais ou peculiares de sua arte, sendo raras as divulgações, como

as empreendidas pelos nossos modernos sociólogos, que dessem

notícias mais amplas de nosso país.

Especificamente, sobre nossa civilização material, os estudos

existentes têm preferido os monumentos isolados, principalmente

religiosos ou públicos, ainda assim, com precedência de sua história

ou das poucas singularidades que apresentam. Só muito recentemente,

com Lúcio Costa, Paulo Barreto, Afonso Arinos de Melo Franco,

Paulo Santos, e poucos mais, passou o problema a ser encarado com

165 Salomão de Vasconcellos foi representante regional do IPHAN em Minas Gerais, durante a década de 1940. 166 Os primeiros aforamentos e os primeiros ranchos de Ouro Preto. Revista do IPHAN, n.5, p.241-258, 1941; Como nasceu Sabará. Revista do IPHAN, n.9, p.291-330, 1945; Como nasceu Ouro Preto – sua formação cadastral desde 1712. Revista do IPHAN, n.12, p.171-232, 1955.

77

mais largueza, abrindo veredas ao ‘descortino eficaz’ de nossa

arquitetura, consideradas suas origens, causas, significação e

conseqüências.

Desistindo, pois, das obras de caráter monumental, em parte já

versadas, julgamos de bom alvitre pesquisar a arquitetura particular

que, se por um lado se reveste de menor apuro e riqueza, por outro,

por mais ligada ao homem, às suas necessidades e possibilidades, está

a merecer maior atenção.167

Outro ponto que surge no final deste trecho é a relação entre obras monumentais

e “arquitetura particular”, em que o autor se alia às proposições de Gilberto Freyre e

Lúcio Costa, de valorização da casa popular que, apesar de sua simplicidade, encontra-

se “mais ligada ao homem”.

O livro é também um manifesto contra o ecletismo – que inclui o neocolonial –

pela arquitetura colonial, selecionando Ouro Preto como um exemplo privilegiado:

Para evitar, porém, pela diversidade do espaço e tempo, viesse o

estudo a transbordar dos limites [...] procuramos equacioná-lo,

elegendo, como ponto de referência, uma povoação que, por sua

importância na formação do país pudesse ser tido como padrão de sua

época. Não tão antiga que correspondesse aos ensaios de nossa

civilização, nem tão nova que, perdida em contraditórias influências

alienígenas, pouco tivesse guardado de seu caráter nativo. Vila Rica,

centro de toda a colônia no século XVIII, impunha-se sem maior

dúvida.

De tal modo, porém, a arquitetura civil se integra no meio onde se

concretiza, que não seria aconselhável desligá-la do ambiente onde se

realizou, o que, com a necessária condensação, não foi portanto

descurado.168

A primazia de Ouro Preto está, assim, na posição central ocupada na colônia

durante o século XVIII, na “tradição” preservada nas construções e no modo como a

167 VASCONCELLOS, Sylvio de. Vila Rica Formação e Desenvolvimento – Residências. Ministério da Educação e Saúde – Instituto Nacional do Livro: Rio de Janeiro, 1956. p.9 168 Idem, ibidem. p.10

78

cidade se integra à paisagem. Assim, nesse conjunto formado por arquitetura e meio,

Vasconcellos vê características “barrocas”:

As residências, ‘desataviadas e pobres’, desprovidas de qualquer

ênfase que, em particular desmembrasse a homogeneidade geral,

ajeitam-se modestamente aos vales, galgando em escalonamento

contínuo as ladeiras, a cujos acidentes se amoldam em ritmo perfeito.

De tal modo se colocam em sucessão cadenciada e justa que o seu

conjunto adquire acentuado movimento, tão próprio do barroco, e

manifestado, não nos elementos em si, as casas, mas na continuidade

delas, em orgânica simetria.

O estilo, tão apegado às decorações, às ousadias, aos requintes, se

exprime caracteristicamente nos monumentos religiosos mas, também,

se extravasa com naturalidade, espontâneo, não no comportamento das

fachadas, de linhas despretensiosas, mas nas soluções estruturais, no

desapego ao formal, ao estático, na conjugação de volumes e na

comunhão variada de seus grupos residenciais, agenciados na

povoação linear, com um caráter eminentemente dinâmico.169

Uma concepção como tal, que enxerga o “barroco” nas “soluções estruturais, no

desapego ao formal”, parece enquadrar-se bem nos pressupostos expostos por Lúcio

Costa em Documentação Necessária, quando explicitou as relações entre a arte colonial

e a arte moderna. Por outro lado, a visão da “cidade barroca” como um conjunto

integrado por arquitetura e natureza coaduna-se com um artigo publicado na primeira

edição da Revista.

O artigo170, publicado por Raimundo Lopes, naturalista do Museu Nacional, trata

da relação entre a Natureza e os monumentos culturais, segundo as regiões do Brasil.

Em sua análise de Minas Gerais, afirma que, em Ouro Preto, “o que mais feriu a minha

atenção foi o íntimo acordo entre as características artísticas e tradicionais da cidade e o

169 Idem, ibidem. Cit. p.254 170 LOPES, Raimundo. A natureza e os monumentos culturais. Revista do IPHAN, n.1, 1937. p.77-99

79

seu ambiente”171. Esta hipótese é corroborada pelo isolamento da cidade em relação à

metrópole, o que não ocorria nas cidades coloniais marítimas. O autor define a cidade

como um exemplo privilegiado de arquitetura vernacular, afirmando que “a própria

escultura do Aleijadinho emprega a pedra-sabão, material tirado dessa série geológica, a

que a velha capital deveu a sua grandeza”172.

De volta ao texto de Sylvio de Vasconcellos, a chegada do século XIX é vista

com maus-olhos pelo autor, como a interrupção de uma tradição arquitetônica. Mas

Ouro Preto parece manter-se, pela estagnação em que encontrava173, como vemos a

seguir:

Já então, com o emprego de novas técnicas construtivas, decorrente

também de novos materiais [...] e maiores noções de conforto, novas

concepções arquitetônicas começaram a prevalecer, interpondo-se à

continuidade daquelas que por três séculos serviram ao Brasil.

Contudo, nas Minas, as inovações não eclipsaram de todo a tradição,

tanto por motivo de estar a região mais afastada dos centros de

irradiação das novas doutrinas, como também, porque, já por esta

época, uma pronunciada decadência econômica não permitiria de fato

consideráveis desenvolvimentos ou alterações profundas na grande

maioria de suas povoações.174

Concluía, portanto, que “em Ouro Preto as contradições peculiares ao século

XIX, principalmente na segunda metade, não determinariam, de fato, maiores

modificações na fisionomia da cidade”175. E ainda: “Salvos os chalés [...] e uma ou

outra construção mais formal, mais comportada, da época, os conjuntos residenciais se

mantiveram fiéis à boa tradição luso-brasileira que os edificou”176.

171 LOPES, Raimundo. A natureza e os monumentos culturais. p.78 172 Idem, ibidem. p.78 173 Essa tese foi defendida também por Afonso Arinos de Melo Franco e Manuel Bandeira, em volumes publicados na série Publicações, como veremos a seguir. 174 VASCONCELLOS, Sylvio de. Op. Cit. p.300 175 VASCONCELLOS, Sylvio de. Op. Cit. p.301 176 VASCONCELLOS, Sylvio de. Op. Cit. p.301 Grifos do autor.

80

Por fim, explicitava sua crítica ao ecletismo e ao neocolonial, chamado

“pseudotradicionalista” e professava sua fé pelo modernismo, referindo-se

provavelmente ao Grande Hotel de Ouro Preto:

Para o final, o ecletismo sobreveio em composições de clara imitação

greco-romana, com suas pilastras, arquitraves, platibandas, etc.,

superadas, depois, pelas tentativas pseudotradicionalistas, continentais

ou nacionais, que só recentemente começam, afinal, a serem

substituídas por uma autêntica arquitetura contemporânea.177

O projeto de construção do Grande Hotel de Ouro Preto foi objeto de polêmica

dentro do IPHAN e ilustra mais uma vez os embates entre Neocolonial e Modernismo.

Foram apresentados projetos de Carlos Leão e Oscar Niemeyer, funcionários da

instituição. O primeiro projetara um edifício nos moldes neocoloniais, que buscava se

integrar visualmente à paisagem urbana da cidade. Niemeyer, por sua vez, projetou um

edifício de linhas modernistas. Lúcio Costa foi o parecerista da construção, e defendeu

ferrenhamente o projeto de Niemeyer, considerado seu discípulo. A questão foi

discutida e Costa terminou por adotar uma solução de compromisso: inseriu algumas

modificações no projeto original tornando-o mais integrado visualmente ao conjunto

urbano. No entanto, o modernismo triunfara, assim como a concepção de Costa para

quem a arquitetura do presente não deveria se confundir com a do passado, mas

integrar-se, permanecendo autêntica. Na “cidade barroca” por excelência, estava fincada

uma obra modernista.178

Em relação ao privilégio dado a Minas Gerais, o décimo-sétimo número da

Revista, de 1969, editado em homenagem a Rodrigo Melo Franco de Andrade, trazia

uma palestra sua proferida exatamente em Ouro Preto, cujo início é transcrito a seguir:

177 VASCONCELLOS, Sylvio. P.304 178 Sobre essa questão ver MOTTA, Lia. A SPHAN em Ouro Preto: uma história de conceitos e critérios. Revista do IPHAN, n.22, 1987

81

A maior concentração dos monumentos que integram o patrimônio

histórico e artístico nacional está localizada em Minas Gerais. A

despeito de só ter o povoamento do território mineiro principiado

depois de decorridos dois séculos desde o descobrimento do Brasil,

poucas décadas bastaram para que esta área fosse enriquecida de bens

culturais em número maior e com feição mais expressiva do que as

demais regiões do país.179

O autor afirmava, ainda, que, a despeito da maior importância dos monumentos

religiosos, a arquitetura civil também tinha grande valor, destacando as pontes e

chafarizes de Ouro Preto como os mais belos do Brasil. Ressaltava que mais

significativo, no entanto, era, no caso de Minas Gerais, a preservação dos núcleos

urbanos coloniais, como Ouro Preto, Tiradentes, Mariana e outros. Preservação, por

excelência, dos núcleos de origem da arte brasileira.

Uma outra questão perpassa os estudos sobre o “barroco” na Revista: os artigos

são descritivos e classificatórios, forjando, no Brasil, o patrimônio que apontaria a

origem da nação. Não possuem, neste sentido, discussões específicas acerca do próprio

conceito de “barroco”, seja apresentando diferentes pontos de vista, ou inserindo-se

explicitamente em uma determinada linha teórica. A única exceção a este caso é o artigo

de Hanna Levy, “A propósito de três teorias sobre o barroco”, publicado na quinta

edição da Revista180. A autora foi convidada por Rodrigo Melo Franco de Andrade para

ministrar um curso de história da arte aos técnicos do IPHAN, ainda nos primeiros anos

de funcionamento da instituição. Além do curso, publicou alguns artigos na Revista.

Neste, a historiadora da arte analisa as concepções de “barroco” de Heinrich Wölfflin,

Max Dvorak e Leo Balet, buscando a proposta mais afeita ao caso brasileiro. Conclui

179 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Palestra proferida por Rodrigo M. F.de Andrade, em Ouro Preto, a 1-7-68. Revista do SPHAN, n.17, 1969, p.11 180 LEVY, Hanna. A propósito de três teorias sobre o Barroco. Revista do IPHAN, Rio de Janeiro, n.5, p.259-285, 1941

82

que a teoria de Balet é a mais adequada, por condicionar a arte barroca ao momento

histórico, permitindo assim suas diferentes especificidades. No entanto, este artigo não

parece ter encontrado muita ressonância dentro da instituição, pois somente Levy

escreveu sobre questões específicas da história da arte brasileira. Além disso, quando

Silva Telles escreveu uma retrospectiva dos estudos sobre “barroco” no Brasil181 para a

Revista do IPHAN, em 1984, criando uma listagem dos mais importantes artigos nela

publicados, o de Levy não é sequer citado.

O tipo de trabalho realizado pela pesquisadora, buscando matrizes teóricas,

aplicando modelos, enfim, um trabalho que pouco tinha de descritivo – como era a

maior parte dos artigos da Revista – não obtém sucesso no IPHAN, conforme podemos

observar no trecho abaixo. Trata-se de uma carta enviada por Rodrigo Melo à Hanna

Levy quando esta estava lotada em Brasília182:

À vista do seu relatório correspondente aos trabalhos realizados pela

Senhora nesta repartição durante o mês de julho próximo findo,

comunico-lhe o seguinte:

Tais como têm sido exercidas as suas atividades e elaborados os seus

relatórios, esta repartição não tira nenhum proveito nem daqueles, nem

destes. Ao cabo de muitos meses desse regime, a senhora

provavelmente ficará bem provida de observações e conhecimentos,

para seu próprio uso, sobre as imagens de Santos, mas o arquivo desta

Diretoria, mas conservará anotação alguma de qualquer utilidade

relativa ao assunto.

Ora o objetivo das instruções que lhe transmiti para apresentação

de relatório mensal foi exatamente conseguir que seus serviços a

esta repartição consistam em alguma coisa mais proveitosa do que

um artigo para a revista, como produto do trabalho do ano inteiro.

Devolvo-lhe, portanto, o relatório referente ao mês passado, afim de

que, a principiar julho e de ora em diante, a senhora inclua naquele e

nos relatórios sucessivos as observações que tiver feito, as reflexões de

181 TELLES, Augusto C. da Silva. O Barroco no Brasil. Revista do IPHAN, n.19, p.125-137, 1984. 182 Agradeço especialmente a Adriana Nakamuta por me ajudar a localizar as cartas.

83

interesse que porventura lhe tenham ocorrido sobre o assunto e as

conclusões parciais a que houver chegado. Em suma: pondero-lhe,

mais uma vez, que é absolutamente indispensável tornar os seus

serviços de proveito efetivo para esta repartição. Não se justifica

que a Senhora seja remunerada a título permanente afim de

estudar para si mesma...183

Hanna Levy pode ter sido uma pesquisadora de extrema importância para a

história da arte no Brasil, conforme aponta Guilherme Simões Júnior ao afirmar que

seus estudos foram cruciais para a ascensão da figura de Lourival Gomes Machado na

USP, que se tornou um especialista em barroco no Brasil. Mas parece bastante claro

que, enquanto Levy esteve no IPHAN, não esteve entre pares, por não desenvolver uma

pesquisa descritiva que fizesse conhecer, que apresentasse os dados seguros e as provas

documentadas.

Merece destaque, no entanto, o artigo “Modelos europeus na pintura

colonial”184, objeto de polêmica entre os pesquisadores de história da arte, conforme

apontado por Guiomar Grammont185. Segundo a autora:

Hannah Levy foi a primeira pesquisadora a levantar a hipótese do uso

de modelos das gravuras européias de Bíblias ilustradas da época na

pintura de Manoel da Costa Ataíde, o que significou verdadeira

revolução nos estudos sobre o chamado ‘barroco mineiro’. Os

exemplos com que a autora documenta sua tese são eloqüentes no

sentido de evidenciar que a emulação de modelos não constituía

nenhum problema para os pintores do período. As modificações dos

modelos que aparecem nos desenhos dos pintores locais são mínimas

183 Carta de Rodrigo Mello Franco de Andrade a Hanna Levy, de 7 de agosto de 1947. Grifos nossos. Este material se encontra no Arquivo Central do IPHAN, no Rio de Janeiro. Localização: Arquivo Técnico e Administrativo – Representante 1945-1948 / AA01-P02-Cx.0037/357/P.0159. 184 LEVY, Hanna. Modelos europeus na pintura colonial. Revista do IPHAN. Rio de Janeiro, n.8, 1944. p.7-66 185 GRAMMONT, Guiomar de. Aleijadinho e o aeroplano: o paraíso barroco e a construção do herói colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008

84

e, muitas vezes, determinadas por motivos que aparentemente nada

têm a ver com critérios artísticos.186 P.251

Decorre daí que:

Essa constatação provocou polêmica. No princípio, como os

pesquisadores supunham, anacronicamente, a validade transistórica

das categorias de seu próprio tempo sobre os artífices e as artes do

período colonial, tais como ‘autoria subjetivada’ e ‘originalidade’,

admitir a emulação equivalia a praticamente colocar em dúvida a

integridade moral do artífice, pondo sob suspeição a qualidade das

‘cópias’.187 P.252

Dessa maneira, o problema da “originalidade” foi posto aos pesquisadores, que

deviam discutir em que medida a adoção de modelos tornaria um artista como

Aleijadinho menos “original”. Um imenso trabalho de pesquisa que buscava a

comparação exaustiva das obras foi levado a cabo e, segundo Grammont: “O conceito

de ‘originalidade’ foi então redefinido, sem ser abandonado, e esvaziou-se a idéia de

emulação, diante da hipótese da ‘recriação’ das obras pelo ‘artista genial’”188.

2.2 A série Publicações do IPHAN

2.2.1 Tipologia: criação, objetivos, autores e público

A série Publicações do IPHAN, assim como a Revista, foi criada no primeiro

ano de funcionamento do então Serviço, em 1937. Os livros foram editados sem

186 GRAMMONT, Guiomar de. Aleijadinho e o aeroplano. p. 251 187 Idem, ibidem, p. 252 188 Idem, ibidem, p.253

85

apresentar regularidade; em alguns anos eram publicados dois ou três volumes, em

outros casos passavam-se quatro anos sem nenhuma publicação.

A série é fruto de escolhas editoriais clara e estrategicamente delineadas do que

deve ser publicado sob a égide do IPHAN, ou seja, são autorizações concedidas a

autores e assuntos que, naquele momento, são relevantes para o desenvolvimento dos

estudos sobre patrimônio , sempre em tom de aprovação às iniciativas do então Serviço.

Consistem em uma série de estudos de caráter monográfico, assinados por um só

autor189. Sua importância pode ser observada na quantidade de obras prefaciadas por

Rodrigo Melo Franco de Andrade, em textos que, de maneira geral, justificam sua

publicação, expondo questões importantes para os estudiosos do patrimônio naquele

momento.

Seus colaboradores, assim como na Revista, integravam o quadro de técnicos do

IPHAN, o Conselho Consultivo ou faziam parte de suas redes de relações pessoais.

Entre os intelectuais convidados para ministrar cursos aos técnicos do órgão, apenas

Afonso Arinos de Melo Franco – também membro do Conselho Consultivo – teve um

volume publicado nessa série190.

O objetivo visado com as Publicações consistiu no estabelecimento de uma

história da arte brasileira que englobasse todos os seus aspectos, tornando-se referência

para os estudiosos, objetivo que foi perseguido com afinco ao longo dos anos.

Conforme afirma Rodrigo Melo Franco de Andrade, no primeiro volume publicado,

“Mucambos do Nordeste”191:

189 A única exceção é o trigésimo-sexto volume da série, “Tecelagem manual no Triângulo Mineiro: uma abordagem tecnológica”, publicado em 1984, sob a organização de três autores. 190 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Desenvolvimento da civilização material no Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1944. (Publicações do IPHAN; nº 11) 191 FREYRE, Gilberto. Mucambos do Nordeste: algumas notas sobre o tipo de casa popular mais primitiva do nordeste do Brasil. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1937. (Publicações do IPHAN; nº 1).

86

Tendo por objeto questões gerais ou aspectos particulares da formação e

do desenvolvimento das artes plásticas no Brasil, assim como estudos

sobre materiais de nossa arqueologia, de nossa etnografia, de nossa arte

popular, de nossas artes aplicadas e dos monumentos vinculados à nossa

história, os trabalhos que serão dados à publicidade em seguida ao

presente ensaio do professor Gilberto Freyre visarão a informação e a

instruir com seriedade os interessados sobre aqueles assuntos. O

Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional se empenhará no

sentido de impedir que a literatura enfática ou sentimental, peculiar a

certo gênero de amadores, se insinue nestas publicações. Por este meio,

não interessa divulgar páginas literárias, ainda que brilhantes. O que

interessa é divulgar pesquisas seguras, estudos sérios e trabalhos

honestos e bem documentados acerca do patrimônio histórico e artístico

do Brasil. Estas publicações não têm outra finalidade.192

Reafirma-se, nesse sentido, o caráter científico das Publicações: oposto a um

“amadorismo”, o profissionalismo científico nesse caso calca-se fortemente na

documentação exibida, fornecendo provas irrefutáveis da história a ser contada. Para

tanto, é feito um investimento visando fornecer instrução e informação profissional para

os estudiosos da área, preocupação que parece, de fato, nortear a empreitada. Márcia

Chuva afirma que:

O Diretor contratou professores para ministrar aulas a seus funcionários,

dentre os quais Hanna Levy, sobre História da Arte, e Celso Cunha, o

famoso gramático da língua portuguesa, para uma escrita correta e

Afonso Arinos, sobre o ‘desenvolvimento da civilização material no

Brasil’.193

Sobre a arquitetura popular, tema desse primeiro volume, afirma que:

192 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Prefácio (in Mocambos do Nordeste, de Gilberto Freyre) in Rodrigo e o SPHAN, p. 95 193 CHUVA, Márcia. Os arquitetos da memória: a construção do patrimônio histórico e artístico nacional no Brasil (anos 30 e 40). p.207

87

Esta tem sido considerada entre nós com tão imerecido descaso, que só

isso justifica a escolha de um trabalho sobre mocambos do Nordeste

para preceder a tantos outros versando matéria de maior interesse

artístico. Dir-se-ia de fato, tendo-se em vista a bibliografia relacionada

com a finalidade deste Serviço (aliás muito escassa e lamentavelmente

dispersa), que a história da arquitetura brasileira se processou apenas

sob a influência dos estilos eruditos importados da Europa. Ao

parentesco que tenham acaso os nossos monumentos considerados

artísticos com os tipos de habitação criados no Brasil pelo engenho

popular não se prestou ainda quase nenhuma atenção. E, mesmo entre

aquelas influências européias que contribuíram para formar a nossa

tradição arquitetônica, têm sido desprezados ou desconhecidos os traços

da arte popular ibérica, que, no entanto, se transmitiram às nossas

edificações com muito mais freqüência e resultados certamente mais

felizes que quaisquer outros.194

A tópica em torno de “um vasto trabalho por fazer” é recorrente na afirmação de

que há uma escassa bibliografia sobre o assunto. Rodrigo ressalta também o

desconhecimento da influência da arte ibérica na formação do Brasil, referindo-se ao

século XIX brasileiro e à primeira geração de artistas românticos, quando havia um

privilégio à formação francesa em detrimento da portuguesa.

Outra tópica recorrente, relativa à falta de instrução ou de recursos que gera um

novo produto pela criatividade ou adaptação ao meio brasileiro, aparece no seguinte

trecho: “E por vezes, as mesmas contingências econômicas impelem o engenho popular

a invenções que aparentam algumas dessas construções rudimentares às lídimas

expressões da melhor arquitetura”195.

O interesse pela habitação popular reside no seguinte motivo:

Porque os nossos tipos de habitação popular não têm somente interesse

documentário, do ponto de vista do historiador e do sociólogo, senão

194 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Prefácio (in Mocambos do Nordeste, de Gilberto Freyre), p. 93 195 Idem, ibidem, p 93

88

ainda interesse como obras de arte, possuindo, como possuem muitas

vezes, os traços essenciais, que distinguem exemplares autênticos de

boa arquitetura.196

A busca pela autenticidade aparece aqui mais uma vez, na essência de uma boa

arquitetura. A preferência pela casa é explicada por Rodrigo M. F. citando Gilberto

Freyre:

“A casa é, na verdade, o centro mais importante de adaptação do

homem ao meio [...] O brasileiro, pela sua profunda formação patriarcal

e semi-patriarcal, que ainda continua a atuar sobre ele em várias regiões

menos asfaltadas, é um tipo social em quem a influência da casa se

acusa em traços da maior significação”.197

A obra de Gilberto Freyre analisa o processo de construção popular utilizando-se

da teoria da contribuição das três raças no processo de formação do Brasil. O autor

inicia sua narrativa afirmando que há uma unanimidade portuguesa na arquitetura nobre

nordestina até o século XIX, ao passo que a casa popular – o mucambo – origina-se de

uma mistura de técnicas africanas e indígenas, com alguma influência da choupana

196 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Prefácio (in Mocambos do Nordeste, de Gilberto Freyre), p.93 Grifos nossos. 197 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Prefácio (in Mocambos do Nordeste, de Gilberto Freyre), p.93. A citação não possui referência, mas parece prover do prefácio de “Sobrados e Mucambos”, no qual Freyre afirma: “E a casa é, na verdade, o centro, mais importante de adaptação do homem ao meio. Mesmo diminuída de importância, como nas fases de decadência da economia patriarcal, ou com a economia agrária substituída pela metropolitana, o antigo bloco partido em muitas especializações - residência, igreja, colégio, botica, hospital, hotel, banco - não deixa de influir poderosamente na formação do tipo social. O brasileiro pela sua profunda formação patriarcal e pela semipatriarcal, que ainda continua a atuar sobre ele em, várias regiões menos asfaltadas, é um tipo social em que a influência da casa se acusa ecológica e economicamente em traços da maior significação. Gosta da rua, mas a sombra da casa o acompanha. Gosta de mudar de casa, mas ao pobre nada preocupa mais que comprar seu mucambo; e o rico, logo que faz fortuna, levanta palacete bem à vista da rua. O fenômeno de preferência pelo hotel, pela pensão, pela casa de apartamento - que aliás ainda é casa - limita-se, por ora, ao Rio de Janeiro e a São Paulo. No resto do Brasil ainda se prefere "a minha casa, a minha casinha, não há casa como a minha. O privatismo patriarcal ou semipatriarcal ainda, nos domina. Mesmo que a casa seja mucambo - o aliás tão caluniado mucambo.”

89

portuguesa. Para o autor, o caso do mucambo do Nordeste é dos que ilustra melhor a

relação do homem com o espaço e com o meio, tornando-se um exemplo da

constituição de uma especificidade brasileira.

A obra de maior relevância para o desenvolvimento do IPHAN, no entanto,

parece ter sido “Desenvolvimento da Civilização Material no Brasil”, de Afonso Arinos

de Melo Franco, publicado em 1944. Segundo Márcia Chuva:

Esse livro parece ter se tornado uma referência teórica e metodológica

daquilo que se pretendia como tratamento do objeto patrimonial,

definindo um âmbito de estudos não suprimido pelo historiador

tradicional, nem tampouco pelos profissionais da arquitetura. 198

Em nota preliminar, Rodrigo Melo Franco de Andrade informava que a obra era

resultado de cinco conferências proferidas por Afonso Arinos aos técnicos do IPHAN,

em fins de 1941. Mas, por se tratar de uma pesquisa dos fatores de ordem material que

constituíram a nação brasileira, considerava o fator inédito frente ao primado dos

estudos políticos e sociais realizados pelos historiadores, julgando melhor publicá-la,

retirando-a do arquivo.

Afonso Arinos analisa as raízes da civilização material brasileira, estabelecendo

uma hierarquia de influências e defendendo a predominância da herança material lusa,

afinando-se dessa forma, com proposições já vistas de Gilberto Freyre e Lúcio Costa.

Para o autor:

O desenvolvimento da nossa civilização material é de base

portuguesa, entendida no seu complexo luso-afro-asiático. A

contribuição negra e índia, muito notável na elaboração de nosso

psiquismo nacional, é pouco importante na nossa civilização material,

não somente por ter sido absorvida no choque com um meio muito

mais evoluído mas também porque as condições de sujeição em que

198 CHUVA, Márcia. Os arquitetos da memória: a construção do patrimônio histórico e artístico nacional no Brasil (anos 30 e 40). p.211

90

viviam as raças negra e vermelha não permitiam a expansão plena das

suas respectivas formas de cultura, Por isto mesmo os elementos

negros e índios, presentes na nossa civilização material, salvo um ou

outro mais notáveis, são de difícil identificação.199

Quanto aos exemplares dessa civilização material, o autor destaca as “belas, as

maravilhosas igrejas [...] em quase todo o Brasil”, “erigidas no período colonial, [...]

algumas se ligam ainda a conventos, que são igualmente obras preciosas de força,

elegância e beleza". Afirma ainda que “as igrejas eram o verdadeiro centro social da

vida na colônia”.200

Isto porque, para Arinos, a ostentação era uma característica psicológica dos

portugueses que se tornou um componente da civilização material brasileira. Apesar de

considerar que a simplicidade imperava nas construções particulares – chamadas

“franciscanas” – afirmava que os prédios públicos eram projetados com mais esmero.

No entanto, pouquíssimos exemplares se destacariam na civilização material, pois:

Não esqueçamos também que, em face da Coroa, a nobreza ocupava,

do ponto de vista econômico, uma situação inferior à do clero. [...] No

Brasil os bens clericais freqüentemente adicionavam abundância à

estabilidade. Não é de se admirar, portanto, que as igrejas estivessem

sempre entre os edifícios mais cuidados, mais ricos, amplos e sólidos.

Nelas se concentrou, durante os três primeiros séculos, o que havia de

melhor em matéria de desvelo arquitetônico, quanto à sua construção,

e de riqueza artística quanto às esculturas, pinturas, pratarias e talhas

das fachadas e interiores.201

Estabelecia-se, assim, um primado da arquitetura religiosa na formação de uma

civilização material brasileira. Pensando no estatuto desta obra – uma série de

conferências destinadas aos técnicos do IPHAN – é possível supor que sua recepção

199 MELO FRANCO, Afonso Arinos. Desenvolvimento da civilização material no Brasil.. p.24 200 Idem, ibidem, p.24 201 Idem, ibidem, p.23

91

produziu um efeito satisfatório, pelo que pôde ser observado no volume de pesquisa

dedicada a esse tipo de construção, assim como na quantidade de artigos publicados na

Revista.

Sua análise prossegue destacando o papel do Estado no processo civilizatório,

desde o estabelecimento do Governo Geral em Salvador até a Corte Imperial no

Oitocentos. Segundo o autor, o século XVII é o mais importante da história do Brasil,

quando ocorreu a consolidação do domínio português no litoral, com a expulsão dos

invasores, a conquista do sertão e a definição das fronteiras. Posteriormente, trata da

fixação dos bandeirantes no interior e o estabelecimento de ligações entre as capitanias,

no século XVIII.

À zona de mineração é conferido um grande destaque. Para Afonso Arinos, a

descoberta do ouro e a conseqüente atividade mineradora, impulsionam o processo

civilizatório, entendido aqui como a constituição de um repertório material. Observe-se

a seguinte passagem:

Não nos deteremos aqui em pormenorizar as admiráveis riquezas

arquitetônicas que se acumularam nas principais vilas mineiras no

correr, principalmente, da segunda metade do século XVIII. Isto seria

capítulo de um curso de História da Arte.

Mas, como observação geral, é cabível a de que então se formou uma

surpreendente civilização material nas montanhas, com admiráveis

palácios, igrejas, chafarizes, pontes, que ainda hoje nos espantam e

nos comovem. Sendo por demais conhecido de todos vós, não me

preocuparei em citar nomes desses monumentos.202

Conforme afirma logo em seguida, “as vilas, que aos poucos foram se

estendendo por todo o território mineiro, atestavam o progresso da civilização”. Por isso

mesmo o privilégio concedido à “capitania de Minas Gerais, a que demos naturalmente

202 MELO FRANCO, Afonso Arinos. Desenvolvimento da civilização material no Brasil. p.82

92

maior importância por ter sido o centro principal da civilização brasileira no século

XVIII” 203. Nota-se não só o primado da arquitetura religiosa, mas sobretudo mineira.

Por fim, analisa o século XIX como tendo sido marcado pela passagem do Brasil

“agrícola” para o capitalismo industrial. Nesse sentido, o café imperial cultivado no

Vale do Paraíba fecha o primeiro ciclo, escravocrata e latifundiário, dando lugar a uma

nova era do café, baseada no trabalho assalariado, que desenvolve uma civilização

material absolutamente distinta.

Segundo Afonso Arinos, a zona da mineração – que incluía a região de Minas

Gerais – atravessara um período de estagnação e decadência devido à retração da

exploração aurífera e à mudança de sua principal atividade econômica, tornando o que

havia sido um símbolo de riqueza em uma região dominada pela pobreza, na qual os

monumentos se arruinavam com o passar do tempo:

"Com a abertura das fazendas de criação e de cultura, recurso

necessário à vida dos mineradores empobrecidos, os núcleos urbanos,

onde se definira e afirmara a civilização material do ouro e das pedras,

foram sendo abandonados".204

Dessa tese apresentada pelo autor – a da constituição de uma importante

civilização material em Minas Gerais que se retrai no século XIX e é relegada ao

abandono – surgiria uma tópica importante no discurso acerca de Ouro Preto, tornado

cidade imóvel, congelada no tempo, conforme veremos a seguir.

A fundação de Belo Horizonte, cumprindo o “velho sonho dos Inconfidentes de

1788 de transferirem a capital de Minas, de Vila Rica para um novo centro mais bem

situado e mais capaz de desenvolvimento” é descrita como “o último episódio marcante

da civilização brasileira do século XIX”. A ligação entre a Inconfidência e a nova

203 MELO FRANCO, Afonso Arinos. Desenvolvimento da civilização material no Brasil. p.86 204 Idem, ibidem, p.114

93

cidade é sugerida por um sentimento latente: "a instalação solene se deu na praça

simbolicamente chamada da Liberdade, velho culto nunca arrefecido nos corações

mineiros"205.

A materialidade da nação foi, e ainda é, o objeto do IPHAN nas práticas de

tombamento. Buscar seus indícios, preservar o que for possível, são as prioridades da

pesquisa desenvolvida nesses anos. A série Publicações enquadrava-se nesta iniciativa,

apresentando, em sua maioria, estudos detalhados sobre exemplares da “civilização

material” ou sobre os artífices dessa materialidade.

2.2.2 Inventário do patrimônio barroco: Minas Gerais do século XVIII

Dentro do escopo proposto, podemos observar que aproximadamente 30% dos

volumes são referentes a Minas Gerais (a maior parte destes versando sobre igrejas,

alguns sobre cidades e dois sobre a pintura mineira). Todos se localizam temporalmente

em Minas colonial, com exceção do Guia de Ouro Preto, que avança até a

contemporaneidade por tratar-se de um guia turístico206.

Este Guia207 – o segundo volume da série Publicações, publicado no ano de

1938 – é uma iniciativa de divulgação da cidade de Ouro Preto, contendo um histórico

dos principais lugares e edificações da cidade e destacando roteiros para turistas.

Apresenta ainda um anexo contendo as plantas de Ouro Preto e Mariana, além de

205 MELO FRANCO, Afonso Arinos. Desenvolvimento da civilização material no Brasil. p.133 206 A obra foi posteriormente reeditada pela Ediouro, por mais de uma vez. 207 BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1938. (Publicações do IPHAN; nº 2)

94

diversas ilustrações ao longo do livro, por Luís Jardim, que já havia contribuído com

artigos para a Revista, sobre a pintura nas igrejas coloniais mineiras208.

No Guia, baseado na obra de Diogo de Vasconcellos209, o seu autor, Manuel

Bandeira, afirma que o casario de Ouro Preto era precário até 1720, quando melhores

edifícios começaram a ser construídos, como a primitiva Matriz de Ouro Preto, ainda

assim considerada uma construção frágil. Na segunda metade do século XVIII a atual

cidade teria começado a tomar seu aspecto atual, com a construção do Palácio dos

Governadores e o “início da boa arquitetura de pedra argamassada”, aspecto que,

segundo Bandeira, se manteve até a atualidade:

Mas os prédios novos são exceção em Ouro Preto. Ela conservou,

mercê de sua pobreza, uma admirável unidade. De todas as nossas

velhas cidades é ela talvez a única destinada a ficar como relíquia

inapreciável do nosso passado. As duas outras que se lhe irmanam nessa

feição tradicionalista estão fadadas a uma renovação sem cura: Bahia e

Olinda. Em ambas é ainda bem forte a emoção especial ligada aos

vestígios dos séculos defuntos. Mas Olinda é cada vez mais arrabalde

do Recife. A capital acabará fatalmente por absorvê-la. Quanto à cidade

do Salvador, o progresso, que tudo renova, fará com ela o que já fez

com o velho Rio e o velho Recife.210

Ouro Preto seria, portanto, um núcleo de arte colonial autêntico, imobilizado em

seu momento áureo, uma jóia de um determinado tipo de patrimônio, a saber, “colonial”

e “barroco”, num tempo não tão distante:

Como se vê, a cidade cujo ar de prestigiosa velhice tanto nos enternece,

pode-se dizer que é de ontem. O que lhe deu aquela feição de tão nobre

antiguidade foi a decadência rápida e súbita da nossa arquitetura

tradicional por todo o Brasil.211

208 A pintura decorativa em algumas igrejas antigas de Minas. Revista do IPHAN, n.3 p.63-103, 1939; A pintura do Guarda-mor José Soares de Araújo em Diamantina. Revista do IPHAN, n.4 p.155-181, 1940 209 VASCONCELLOS, Diogo. A Arte em Ouro Preto. 210 BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. p.45 211 Idem, ibidem, p.20-23

95

A decadência a que se refere diz respeito à arquitetura neoclássica e eclética

reconhecida no território brasileiro no século XIX e início do XX. A proposição afina-se

com a “linha evolutiva da boa arquitetura” preconizada por Lúcio Costa, cara ao

modernismo arquitetônico. A crítica se torna explícita e direcionada ao Neocolonial no

seguinte trecho:

Há em algumas dessas casas novas a intenção de retomar o estilo das

velhas. Mas falta a essa arquitetura de arremedo o principal em tudo,

que é o caráter. Essa maneira arrebitada e enfeitada que batizaram de

estilo neo-colonial, tomou à velha construção portuguesa uma meia

dúzia de detalhes de ornato, desprezando por completo a lição de

força, de tranqüila dignidade que é a característica do colonial

legítimo.212

Em seguida, Bandeira apresenta relatos de viajantes que, ao longo do século

XIX, freqüentemente descreveram a cidade como decadente, pois, segundo o autor,

eram insensíveis aos elementos que despertam nosso nacionalismo, ainda que em alguns

casos os monumentos tivesse sido tratados com admiração. Guiomar de Grammont

aponta acerca do estatuto desses relatos de viagens e a inversão operada pelos

modernistas, o seguinte:

No discurso dos viajantes do século XIX, com Saint-Hilaire, Burton,

Eschwege e outros, observamos sempre a comparação implícita com

manifestações artísticas e monumentos europeus, para fornecer

imagens verossímeis, que possam aproximar mais da opinião de seus

leitores aquilo que descrevem. A comparação, contudo, sempre é

efetuada segundo um padrão de inferioridade da colônia americana em

relação à Europa, satisfazendo, assim, a expectativa de recepção

pressuposta no enunciado. [...] No discurso modernista, o movimento

é contrário: a ordem é revalorizar a arte local para integrá-la no vasto

212 BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. p.41

96

programa de “redescoberta” das raízes da arte brasileira, enfatizando

aspectos como a miscigenação racial e cultural, projeto no qual foi

integrado o mito do Aleijadinho. O que chamamos “redescoberta”,

contudo, em nossa perspectiva, significou, efetivamente, a invenção

de um país que é o Brasil modernista, baseado na invenção de raízes

culturais. O barroco teria um papel fundamental na constituição dessas

raízes.213

Sobre o nacionalismo despertado por esses monumentos, Manuel Bandeira

afirma, em defesa de uma arte brasileira com referência na “linha evolutiva”

estabelecida, que a tradição fora rompida:

Para nós brasileiros, o que tem força de nos comover são justamente

esses sobradões pesados, essas frontarias barrocas, onde alguma coisa

de nosso começou a se fixar. A desgraça foi que esse fio de tradição se

tivesse partido.214

O autor compõe o panteão de heróis de Ouro Preto, com destaque para

Tiradentes e Aleijadinho, “as duas grandes sombras de Vila Rica”.215 O primeiro é

apresentado como herói nacional incompreendido e cidadão prestigioso. Em seus

termos:

A verdade é que Gonzaga, Cláudio Manoel da Costa, Alvarenga eram

homens requintados, letrados, a quem a vida corria fácil, ao passo que o

alferes sempre lutara pela subsistência: antes de alistar-se na tropa paga

vivera da profissão que lhe valeu o apelido. Não obstante, foi ele talvez

o único a demonstrar fé, entusiasmo e coragem na aventura de 89.

Descoberta a conspiração, enquanto os outros, entibiados, não

procuravam outra coisa senão salvar-se, ele revelou a mais heróica força

de ânimo, chamando a si toda a culpa e enfrentando com serenidade a

pena última.216

213 GRAMMONT, Guiomar. Aleijadinho e o aeroplano. p.134 214 BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. p.42 215 Idem, ibidem, p.49 216 Idem, ibidem, p.49

97

Utiliza-se, nessa construção, da figura de um herói romântico, trágico, um mártir

da independência brasileira. A Inconfidência Mineira e o personagem Tiradentes são

como uma conseqüência do espírito e arquitetura “barrocos” de Ouro Preto, esta

simbolizada em Aleijadinho. Esta mesma tese é também apresentada por Lúcio Costa,

que destaca igualmente os dois personagens.

A Aleijadinho são dedicadas várias páginas no Guia, endossando a biografia

escrita por Rodrigo Bretas, considerada como tudo o que se sabe sobre a vida do artista.

Sobre o pronunciamento de um vereador de Mariana que se refere a Aleijadinho, citado

na biografia, diz nos permitir conhecer “a personalidade do artista, que naquela curta

notícia avulta em toda a força e originalidade da sua prodigiosa figura”217. Reforça,

dessa forma, a idéia de um artista original que dá início a uma arte genuinamente

brasileira:

Entenda-se que o diminutivo de Aleijadinho é significativo da pura

compaixão e meiguice brasileira. O homem a que ele se aplicou nada

tinha de fraco nem de pequeno. Era, em sua disformidade, formidável.

Nem no físico, nem no moral, nem na arte, nenhum vestígio de tibieza

sentimental. Toda a sua obra de arquiteto e escultor é de uma saúde, de

uma robustez, de uma dignidade que não atingiu a nenhum outro artista

plástico entre nós. As suas igrejas, que apresentam uma solução tão

sábia de adaptação do barroco ao ambiente do século XVIII mineiro,

não criam aquela atmosfera de misticismo quase doentio que há, por

exemplo, em S. Francisco de Assis, da Bahia, ou na Misericórdia, de

Olinda: nas claras naves de Antônio Francisco dir-se-ia que a crença

não se socorre senão da razão; não há nelas nenhum apelo ao êxtase, ao

mistério, ao alumbramento.218

217 Grifos nossos. 218 BANDEIRA, Manuel. Guia de Ouro Preto. p.54-57

98

O autor discute também a enfermidade que teria acometido o artista, utilizando-

se das informações do texto de Bretas e de um artigo de jornal escrito em 1929 pelo

médico René Laclette, que mais à frente publicaria um artigo na Revista do IPHAN

sobre o assunto219. Ao fim da seção, apresenta também uma relação de obras

“definitivamente comprovadas por lançamentos nos livros de receita e despesa das

Irmandades ou recibos autógrafos do artista ou através de cuidadosos exames e

confrontos”, advertência que afirma o caráter científico das pesquisas que foram

realizadas.

Sobre a cronologia histórica de Ouro Preto proposta por Bandeira, vale dizer que

o período pós-1789 é muito pouco analisado, sendo proposta como última data histórica

de Ouro Preto o dia 12 de julho de 1933, quando a cidade foi declarada “Monumento

Nacional”. Quando o Guia é reeditado, esse limite é ajustado, sendo proposta como

última data histórica o ano de 1980, quando a cidade passa a integrar o Patrimônio

Cultural da Humanidade, por ter sido reconhecida como Monumento Histórico Mundial

pela UNESCO. Dessa forma, o autor cria uma cronologia que remete à descoberta e

fundação da cidade, seu período áureo, o congelamento neste período e o posterior

reconhecimento desse monumento colonial. Primeiramente, em nível nacional; em

seguida, como patrimônio mundial.

Em 1942, Antonio Francisco Lopes publicou a “História da construção da Igreja

do Carmo de Ouro Preto”220. A obra contava com prefácio de Rodrigo Melo Franco de

Andrade, no qual afirmava que “as melhores fontes para o estudo da história da arte no

Brasil são os arquivos das igrejas”, revelando “os dados mais precisos, profusos e

esclarecedores”. Segundo Rodrigo M. F., a obra de Lopes foca-se numa narrativa

objetiva, sem apreciações críticas de arte, limitando-se a “reconstituir, à luz dos

219 LACLETTE, René. O “Aleijadinho” e suas doenças. Revista do IPHAN, n.17, p.127-176, 1969. 220 LOPES, Francisco Antonio. História da construção da Igreja do Carmo de Ouro Preto. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1942. (Publicações do SPHAN; nº 8)

99

documentos autênticos que manuseou o empreendimento acidentado da edificação

daquele monumento”. Considera que, no momento da publicação da obra, o mais

importante é “investigar a história das artes plásticas no Brasil diretamente nas suas

fontes autênticas”.

Como vimos, esses são os pressupostos que regeram boa parte da pesquisa

histórica realizada no IPHAN sobre o passado colonial, constituindo uma metodologia

de pesquisa largamente aplicada, já demonstrada nos artigos da Revista, com as

freqüentes exposições de fontes primárias. Lopes comenta ainda a participação mais

ostensiva do Aleijadinho nas obras da igreja do Carmo que, apesar de não haver

documentação a esse respeito, seria comprovada em um estudo a ser publicado

posteriormente.

O texto de Lopes narra a história da construção da Igreja do Carmo, desde a

capela de Santa Quitéria – cuja data de construção não é conhecida –, primeira

ocupação do terreno onde se localiza a atual igreja. Este templo começou a ser

construído seguindo o projeto original de Manuel Francisco Lisboa. São descritos em

detalhes o projeto de construção e os materiais empregados, bem como as modificações

realizadas. A narrativa de Lopes então prossegue pelas obras de acabamento e de

interior do templo, sugerindo algumas intervenções do Aleijadinho, sendo comprovada

apenas sua autoria na talha de dois altares-colaterais. Destaca também o pintor Manuel

da Costa Ataíde, autor do risco para o altar-mor.

Por sua vez, Carlos Del Negro publicou, em 1958, “Contribuição ao estudo da

pintura mineira”, vigésimo-volume da série221. No prefácio, Rodrigo Melo Franco de

Andrade nos informa que o estudo de Del Negro “corresponde a um dos estudos

preparatórios que se tornavam indispensáveis para se delinear com segurança a

221 DEL NEGRO, Carlos. Contribuição ao estudo da pintura mineira. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1958. (Publicações do PHAN; nº 20)

100

evolução da pintura antiga em nosso país”. Ressalta que os exemplares mais

importantes datam principalmente do século XVIII e, sobre a escolha da região de

Minas Gerais, afirma:

[...] os exemplares da espécie que se encontram na área do atual estado

de Minas Gerais, estudados pelo professor Del Negro, são

possivelmente os mais interessantes e valiosos do acervo pictórico

nacional.222

Segue sua exposição lamentando não ter sido possível ao autor abarcar a região

de Diamantina e do Serro, lacunas essas que busca preencher no prefácio, indicando

templos e artistas. Conclui que:

A despeito da omissão das obras mencionadas acima, o livro do

professor Carlos Del Negro satisfaz plenamente à finalidade que se

propôs, pois trata com segurança das pinturas de maior significação

ocorridas em Minas Gerais e assinala com justiça a preeminência que

cabe, entre todas, à do marianense Manuel da Costa Ataíde. 223

Rodrigo M. F. coloca Ataíde no papel de precursor de uma escola de pintura

mineira, como fez no seu artigo de 1978, já exposto anteriormente224. O que se segue à

citação de Rodrigo, no prefácio, é um trecho sobre Ataíde idêntico ao artigo da Revista.

O livro apresenta análises detalhadas, bastante descritivas e técnicas, das

pinturas dos templos contemplados pelo recorte proposto. Em alguns casos, como na

igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, o texto é mais extenso, abordando

outros aspectos ou apresentando fotos. Em uma parte inicial, que apresenta um breve

histórico da região aurífera e das origens da pintura mineira, afirma que esta última

resulta do trabalho de artistas portugueses que trabalharam na Europa, baseada na cópia

222 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Prefácio a Contribuição ao estudo da pintura mineira. 223 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Prefácio a Contribuição ao estudo da pintura mineira. 224 Idem. Pintura Colonial em Minas Gerais. Revista do SPHAN, n.18, p.11-74, 1978.

101

de estampas, mas que adquiriu originalidade ao longo do tempo. Alinhado aos autores

do IPHAN, como Lúcio Costa e outros, Del Negro aponta a presença do fator português

na formação brasileira, mas destaca também o “desvio” operado na colônia, a

emergência da “originalidade” brasileira.

Por último, o autor apresenta um resumo crítico, em que identifica quatro

modelos de pinturas de teto em Minas Gerais, estabelecendo uma tipologia. Descreve

um ou mais exemplos de cada modelo, e apresenta algumas interseções de dois modelos

diferentes. O terceiro modelo, identificado no teto da capela-mor do Santuário do

Senhor Bom Jesus de Matozinhos de Congonhas do Campo, é o mais explorado, e ao

seu pintor expoente – Manuel da Costa Ataíde – são dedicadas algumas páginas. Estas

contêm uma relação de obras do artista; um estudo comparativo entre o teto da capela-

mor e nave da igreja de Nossa Senhora do Rosário de Santa Rita Durão (que conclui

que a pintura do templo de Santa Rita “contribuiu para a formação da arte de Ataíde”) e

uma listagem cronológica provável de suas pinturas. Posteriormente, em 1978, foi

publicada uma extensão deste estudo, denominada “Nova contribuição ao estudo da

pintura mineira”225. Tratava-se, sobretudo, de fazer conhecer os artistas brasileiros e

enquadrá-los numa história da arte universal.

Em 1974, Judith Martins, secretária pessoal de Rodrigo M.F. e historiadora da

arte, publicou o “Dicionário de artistas e artífices dos séculos XVIII e XIX em Minas

Gerais”226. Na introdução da obra, explica-se que os verbetes presentes no dicionário

foram confeccionados por ela própria, entre 1940 e 1960, sob a orientação de Melo

Franco de Andrade. As fontes utilizadas foram cópias de documentos originais de

arquivos públicos civis e eclesiásticos, levantadas através de atividade de pesquisa

225 DEL NEGRO, Carlos. Nova contribuição ao estudo da pintura mineira (norte de Minas): pintura dos tetos de igrejas. Rio de Janeiro: IPHAN, 1978. (Publicações do IPHAN; nº 29) 226 MARTINS, Judith. Dicionário de artistas e artífices dos séculos XVIII e XIX em Minas Gerais. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura, 1974. 2v. (Publicações do IPHAN; nº 27).

102

empreendida por antigos funcionários e colaboradores do IPHAN. Inicialmente, o

material estava datilografado em cadernos classificadores. Por ocasião de sua

publicação, foi reestruturado, revisto e ampliado. No prefácio, Melo Franco afirma,

então, que a obra demonstra que a instituição sempre teve a pesquisa como meta, a

despeito de suas limitações financeiras.

Ainda no prefácio, são explicados o estatuto do dicionário e a recepção

almejada. Seu critério principal é o fornecimento de dados transcritos da documentação

pesquisada, considerados fundamentais para os estudiosos da arte e da sociedade da

velha Minas Gerais. Rodrigo afirma ainda que, por não privilegiar a apresentação de

biografias, a obra não se destina a “um público apenas curioso”. Dessa forma, procura

condicionar a recepção do Dicionário a um público especialista.

Os verbetes apresentam a documentação relativa aos artistas, dispostos em

ordem alfabética, apresentando inicialmente seu nome e sua profissão. Em alguns casos,

há também um texto biográfico introdutório, conferindo destaque, como nos casos de

Aleijadinho, Manuel Francisco Lisboa (seu suposto pai) e Ataíde. Em seguida, constam

ofícios, livros de casamento e, principalmente, contratos de obras, classificados de

acordo com o edifício relativo. Constam informações tais como valores dos contratos e

data de execução. Por fim, o Dicionário apresenta uma extensa listagem dos

documentos e da bibliografia citados.

Que tipo de estratégias encerra uma obra como essa, que, conforme o exposto,

não se destina ao público em geral? Por certo, encerra as discussões então relevantes em

torno da questão do arquivo, da importância da documentação, dos “dados confiáveis” a

que Rodrigo Melo Franco de Andrade se refere. O IPHAN publica uma obra resultante

de uma pesquisa de fôlego nos arquivos mineiros, inventariando-os, demonstrando

intimidade com a documentação a qual se refere nos livros, artigos e pareceres. Coloca-

103

se, também, mais uma vez como centro da produção de conhecimento ao publicar obra

de referência, mediando a relação entre o pesquisador e o arquivo. Vale dizer que, em

1978, foi publicado na Revista um artigo que apresentava o índice do primeiro volume

do Dicionário reorganizado, desta vez por monumentos227.

227 MENEZES, Ivo Porto de. Índice, por monumentos, do “Dicionário de artistas e artífices mineiros dos séculos XVIII e XIX em Minas Gerais – 1º. Volume”, de Judith Martins. Revista do IPHAN, n.18, p.237-251, 1978.

104

3 A biografia do Aleijadinho

3.1 Representações do Aleijadinho nas páginas da Revista

Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, nome recorrente nas páginas da

Revista, desempenhou papel fundamental na construção empreendida pelo IPHAN,

como personagem central do “barroco” mineiro e, portanto, da arte brasileira como era

então concebida. Na segunda edição publicada da revista, Rodrigo Melo Franco de

Andrade escreveu um artigo sobre o Aleijadinho228, em que arrolava as obras que

tiveram a participação do “arquiteto” – para usar expressão de Lúcio Costa –

comprovada, através da pesquisa em Livros de Receitas e Despesas de irmandades.

O autor sustenta a necessidade da publicação do artigo da seguinte forma:

Foi então que, empenhados em pôr termo às hipóteses um tanto

fantasistas lançadas pela profusão dos admiradores de Antonio

Francisco Lisboa, o sr. Feu de Carvalho contestou ao Aleijadinho quase

todas as obras que lhe eram atribuídas e pôs em duvida a própria

contribuição biográfica de Rodrigo Bretas. Seu trabalho, – a que falta a

autoridade da investigação direta no domínio que era objeto sua crítica

–, ressente-se, além disso, de grande incompreensão e injusto desapreço

pela obra do escultor dos profetas de Congonhas.

No entanto, a despeito das lacunas de que se ressentia, essa crítica teve

um grande mérito e uma importância considerável para o

desenvolvimento dos estudos que se vinham realizando em torno do

Aleijadinho. Foi a partir da publicação do livro do sr. Feu de Carvalho

que se sentiu a necessidade inadiável de investigar com segurança a

obra que pertencia de fato a Antonio Francisco Lisboa. Deve-se-lhe

efetivamente o serviço relevante de ter reclamado, antes de qualquer

228 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Contribuição para o estudo da obra do Aleijadinho. Revista do IPHAN , Rio de Janeiro, n. 2, p. 255-312, 1938.

105

outro, a comprovação necessária, por meio de documentos idôneos,

daquilo que porventura se pretendesse atribuir ao artista.229

Rodrigo elogia as biografias escritas por Rodrigo Bretas e Diogo de

Vasconcelos, mas afirma que não tiveram a preocupação de atestar a autoria de

Aleijadinho nas obras que lhe atribuem. Segundo o autor:

Quando Rodrigo José Ferreira Bretas escrevia sobre o Aleijadinho o

trabalho que o ‘Correio Oficial de Minas’ publicou no decurso do ano

de 1858’, não suspeitava de que a autoria das obras que ele atribuía a

Antonio Francisco Lisboa viesse a ser algum dia controvertida. Caso

lhe ocorresse essa possibilidade, não lhe teria sido muito difícil

comprovar as suas asserções, pois abundavam certamente àquele

tempo os meios de que precisasse no sentido de documentá-las.230

E ainda:

Mesmo depois que um historiador com a autoridade de Diogo de

Vasconcelos, por ocasião do bicentenário de Ouro Preto, dedicou um

estudo pormenorizado às obras de arte da antiga capital mineira,

grande parte do qual versando sobre Antonio Francisco Lisboa,

perduraram os equívocos nesse sentido. É que o ilustre autor da

‘História Antiga de Minas Gerais’ se desinteressara também de

comprovar a autoria do Aleijadinho sobre os trabalhos que lhe

emprestou nas igrejas de Vila Rica.231

Era importante, portanto, nesse momento em que as atenções se voltavam para o

Aleijadinho, sair do “domínio arriscado das conjecturas”, através da pesquisa conduzida

nos arquivos, que providenciasse provas documentais. Neste caso, a pesquisa foi

realizada em sua maioria por Epaminondas de Macedo, um dos técnicos do IPHAN,

229 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Contribuição para o estudo da obra do Aleijadinho. p.256-257 230 Idem, Ibidem, p.255 231 Idem, ibidem, p.256

106

durante o ano de 1937, “no decurso dos estudos que realizava para o tombamento

sistemático das obras de arquitetura civil e religiosa no Estado de Minas Gerais”.

O autor segue então enumerando, por monumentos, as descobertas relativas à

autoria de Aleijadinho. O artigo trazia também reproduções das fontes primárias

utilizadas, procedimento comumente utilizado nos artigos publicados.

Além deste, foram publicados também dois outros artigos no terceiro número.

No primeiro232, Afonso Arinos de Melo Franco apresenta o que afirma ser o primeiro

relato estrangeiro sobre Aleijadinho, de autoria de Eschwege, que viajou a Minas Gerais

em 1811 e publicou o seu livro em 1818. Confere bastante relevância ao depoimento,

pois Eschwege sugere ter encontrado o artista ainda em vida. Compara-o ao livro de

Saint-Hillarie, que esteve em Congonhas do Campo em 1818, sugerindo que este pode

ter utilizado o texto de Eschwege como base para seu relato.

No segundo artigo233, Judith Martins aponta referências biográficas de

Aleijadinho, destacando aquele que seria o primeiro registro histórico sobre ele, de

autoria do vereador Joaquim José da Silva, em 1790, que afirma ter servido de base para

a biografia escrita por Rodrigo Bretas, em 1858. As referências fornecidas eram todas

comentadas. A iniciativa denota ter havido uma preocupação por parte do IPHAN, nesse

sentido, de capitanear o conhecimento a respeito do Aleijadinho, esclarecendo

polêmicas a seu respeito, sugerindo direções biográficas, inclusive republicando, na

série Publicações do IPHAN, a biografia escrita em 1858, com texto introdutório de

Lúcio Costa234.

232 FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O primeiro depoimento estrangeiro sobre o Aleijadinho. Revista do IPHAN, n.3, p. 173-178, 1939. 233 MARTINS, Judith. Apontamentos para a bibliografia de Antônio Francisco Lisboa. Revista do IPHAN , n.3, 179-207, 1939. 234 COSTA, Lúcio; BRETAS, Rodrigo José Ferreira. O Aleijadinho . Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1951. (Publicações do IPHAN; nº 15) A obra será analisada mais adiante.

107

O médico René Laclette contribuiu com “O ‘Aleijadinho’ e suas doenças”235, em

1969, no décimo-sétimo número da Revista. O artigo é uma ampliação do estudo “A

doença do Aleijadinho”, publicado em 1929 em O Jornal (citado por Manuel Bandeira

no Guia de Ouro Preto), e posteriormente republicado em 1933. O texto investiga qual

teria sido, de fato, a doença que acometeu Antonio Francisco Lisboa. René Laclette

ainda discutiria o assunto em um debate coordenado por José Marianno Filho, em 1942,

e em uma comunicação à Associação Nacional de Medicina e à Associação Médica de

Minas Gerais, em 1964, como o resultado de toda esta trajetória de investigações. O

autor afirma, sobre o artigo:

Nele procuramos superar as inevitáveis controvérsias e colocar o

problema dentro de um critério funcional, isto é, explicar como Antônio

Francisco continuou a esculpir apesar da doença.236

Laclette afirma, ainda, sobre a biografia escrita por Rodrigo Bretas:

Quanto mais estudamos o trabalho de Bretas, mais nos admiramos da

sua precisão e honestidade. Não vamos procurar, nele, um diagnóstico

médico; é querermos mais do que ele nos pode dar. É necessária a

análise minuciosa do texto ao lado de uma interpretação da nosologia da

época, dentro do seu quadro histórico e das condições médio sociais

então vigentes.237

Ratifica, nesse sentido, a validade desta biografia e dá o tom de sua análise:

guiando-se pelo texto de Bretas, fornece dados explicativos que visam validar

algumasdas hipóteses sobre a doença do Aleijadinho. Afirma que o artista não era

aleijado de nascença – conforme afirmava José Marianno – e que poderia, sim, ter

perdido os dedos ou atrofiado as mãos, sendo obrigado a ter os instrumentos atados ao

235 LACLETTE, René. O “Aleijadinho” e suas doenças. Revista do IPHAN, n.17, p.127-176, 1969. 236 Idem, ibidem, p.128 237 Idem, Ibidem, p.129

108

que lhe restava dos membros superiores para poder esculpir. O artigo de Laclette, com

fartas explicações e imbuído de autoridade médica, comenta diagnósticos pregressos

feitos por outros especialistas ou contemporâneos e propõe assim encerrar as polêmicas

em torno da enfermidade que acometeu Antônio Francisco Lisboa.

O principal ponto nas formulações acerca do Aleijadinho é sua formulação como

uma espécie de “primeiro arquiteto brasileiro”, estabelecendo-o como um gênio que

impulsiona a arquitetura nacional e a própria nação brasileira, em um cenário carente de

instrução e recursos, transformando a herança européia através de sua criatividade.

Pode-se dizer, também, que o interesse em comprovar participações suas na construção

de edifícios e altares visa à descoberta de seu legado, funcionando como atestados de

valor patrimonial. As construções biográficas baseiam-se comumente no conflito entre a

“poesia” de suas criações e a enfermidade que o acometeu, em uma formulação

romântico-trágica. Nesse mesmo sentido, constroem-se ligações entre Aleijadinho e

Tiradentes, tal como faz Lúcio Costa, ao comentar o ambiente de Ouro Preto no século

XVIII, em artigo:

Poetas e eruditos, prelados e bacharéis, músicos, arquitetos, pintores,

escultores, professores de artes mecânicas e mestres de ofícios – todos

conviviam, e nesse desenvolvimento intensivo, no delimitado espaço

urbano, levou, naturalmente, àquele anseio de independência que o

Tiradentes, afinal, catalisou. 238

E conclui, em tom heróico:

A contradição fundamental entre o estilo da época [...] e o ímpeto

poderoso do seu temperamento apaixonado [...] é a marca indelével da

sua obra, o que lhe dá o tom singular, e faz deste brasileiro das Minas

Gerais [o Aleijadinho] a mais alta expressão da arte portuguesa do seu

tempo. 239

238 COSTA, Lúcio. Antônio Francisco Lisboa, o “Aleijadinho”. Revista do IPHAN, n.18, 1978. p.76 239 Idem, ibidem, p.81

109

3.2 A biografia de Rodrigo Bretas

No décimo-quinto volume da série Publicações do IPHAN, foi publicada uma

reedição da biografia do Aleijadinho, escrita por Rodrigo José Ferreira Bretas em 1858,

acompanhada de introdução escrita por Lúcio Costa, notas explicativas por Rodrigo

Melo Franco de Andrade e Judith Martins e farta documentação fotográfica240. A

iniciativa de reeditar essa biografia traz o propósito claro de divulgação da “vida e obra”

do Aleijadinho segundo os critérios considerados adequados pelo IPHAN. Isso

demonstra haver, no IPHAN, uma contínua preocupação em capitanear o conhecimento

a respeito do artista, direcionando as possibilidades de pesquisa biográfica.

Para uma melhor compreensão dessa iniciativa, é interessante a observação de

um artigo publicado por José Marianno Filho, arquiteto, no Jornal do Commercio, em

1940. Como vimos, Lúcio Costa havia sido um dos mais renomados discípulos de José

Marianno quando integrava o movimento da arquitetura neocolonial, tendo rompido

com este em prol da arquitetura moderna. No episódio da reforma da Escola de Belas

Artes, Marianno colocara-se contra as iniciativas de Lúcio Costa. O artigo de Marianno,

intitulado “Uma vítima da imaginação popular”241, refutava justamente uma série de

hipóteses até então estabelecidas sobre a vida do Aleijadinho. É dividido em cinco

partes, a saber: “autoria”, “instrução”, “profissão”, “biografias” e “moléstia”, com

especial foco nesta última, conforme se pode ler a seguir:

Algumas das lendas grosseiras que se formaram, inclusive aquela de

que o artista punha em fuga os visitantes curiosos desferindo golpes de 240 COSTA, Lúcio; BRETAS, Rodrigo José Ferreira. O Aleijadinho . Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1951. (Publicações do IPHAN; nº 15). 241 FILHO, José Marianno. Uma vítima da imaginação popular. Jornal do Commercio, Rio de Janeiro, 28 jan. 1940. p.5

110

pedra de sabão, lenda que apesar de infantil foi endossada pelo poeta

Manuel Bandeira, serão sem dificuldades postas a margem pelas

pessoas de bom senso. Entretanto, a lenda mais inverossímil e perigosa,

que é justamente a que atribui ao artista a perda dos dedos das mãos, na

época em que ele realizou a melhor parte de sua obra, continua ainda de

pé, fornecendo abundante material para os literatos que ultimamente se

vêm preocupando com o grande artista mineiro.242

José Marianno apresenta, em seu artigo, uma visão bastante diferenciada da

corrente, pelo que se pode depreender. Sobre a questão da autoria, afirma:

A impossibilidade de saber com precisão, quais as obras que haviam

sido realizadas pessoalmente pelo artista. Até aquele momento, a

primeira impressão do estrangeiro que se procurasse informar sobre os

tesouros artísticos da terra, era de que todos os altares e seus santos toda

a talha das igrejas eram obra do Aleijadinho.243

O autor faz uma rápida análise de duas biografias do artista, a de Rodrigo Bretas

e a de Diogo Vasconcellos, de 1934244. O texto de Bretas é bastante criticado. Sobre

Vasconcellos, a principal queixa de Marianno é a atribuição da profissão de arquiteto ao

Aleijadinho. Marianno não o considera um arquiteto ou, nas suas palavras, “mestre de

risco”. Segundo ele, trata-se de um ornamentista que, na condição de arrematante das

obras, pode ter sugerido soluções originais aos mestres construtores participantes,

incapazes de as propor. Não refuta, portanto, a sua “genialidade”.

Sobre a questão da instrução, Marianno afirma que Bretas aponta influências que

não parecem corresponder à realidade. Questiona, então, se Manuel Francisco teria

242 FILHO, José Marianno. Uma vítima da imaginação popular. p.5 243 Idem, Ibidem, p.5 244 VASCONCELLOS, Diogo Luiz de Almeida Pereira de. A Arte em Ouro Preto. Belo Horizonte: Academia Mineira de Letras, 1934. Como o artigo de Marianno é anterior a republicação da biografia de Bretas pelo IPHAN, provavelmente ele se refere à seguinte versão: BRETAS, Rodrigo. Traços biográficos relativo ao finado Antônio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro, mais conhecido pelo apelido de Aleijadinho. Revista do Arquivo Público Mineiro. Ouro Preto, Ano I, n.1, Imprensa Oficial de Minas Gerais, p.169-174, jan./mar. 1896.

111

praticado a “arte do desenho” e afirma que João Gomes, chamado por Bretas

“desenhista e pintor”, era na verdade um gravador de metais, técnica bem diferente do

único ofício do Aleijadinho, entalhador de madeira. A respeito da afirmação de

Vasconcellos da influência bíblica nas composições do artista, afirma:

Independentemente das informações que lhe foram trazidas pelas

estampas de Bíblias góticas e bizantinas, Antonio Lisboa estava

perfeitamente informado sobre o barroco espanhol, e a Renascença

italiana. Aliás, na composição dos templos de São Francisco de Assis de

Ouro Preto e São João del Rey, e em vários outros percebe-se que o

artista esteve fartamente informado de certas expressões arquitetônicas

até então desconhecidas no Brasil. Seria de fato impossível determinar

de quem recebeu o Aleijadinho tão preciosos informes sobre a arte

européia. Mas o fato é que o pai e o tio figuras medíocres e sem cultura

não lhe podiam ministrar conhecimentos jamais exteriorizados nas

obras que realizaram.245

Em relação à moléstia sofrida por Aleijadinho, Marianno discorre longamente.

Afirma que seus biógrafos “se preocuparam mais particularmente com a moléstia do

artista, do que com sua arte”:

A tradição oral se formou, em parte, através desse depoimento pouco

fidedigno. De acordo que, quando há quinze anos, intrigado com as

invencionices da nora do Aleijadinho eu procurei ouvir os velhos

habitantes de Ouro Preto, deles recolhi versões ainda mais

exageradas.246

O depoimento ao qual se refere foi prestado por Joana Lopes – suposta nora do

Aleijadinho – a Rodrigo Bretas, tornando-se a base de sua biografia. Chama a depoente

de “mitômana, com a tendência incoercível para a criação de cenas fantásticas e irreais”.

Segundo Marianno:

245 FILHO, José Marianno. Uma vítima da imaginação popular. p.5 246 Idem, ibidem. p.5

112

Aliás, justamente na última fase de sua carreira, quando a julgar pelo

depoimento da mitômana Joana Lopes, o artista, tendo perdido os

dedos, trabalhava com os ferros amarrados à arcada palmar das mãos,

aparecem misteriosamente alguns trabalhos superiores em delicadeza de

execução, a tudo o que o artista realizara antes de ser atacado pelo mal

deformante.247

Além das análises de caráter artístico, comenta sobre a observação de um recibo

assinado por Aleijadinho de 1796, quando

Já haviam decorrido dezenove anos do aparecimento das primeiras

lesões dérmicas do mal de Hansen. A caligrafia é firme e

desembaraçada, igual, de resto, aos recibos posteriores. Um homem

privado das extremidades dos dedos, não poderia ter a sensibilidade

necessária para escrever de modo correntio.248

Seu principal ponto no artigo é a descrença de que a lepra pudesse ter afetado as

mãos de Aleijadinho, obrigando-o a esculpir com ferros atados nas mãos, como informa

Bretas. Para Marianno, o Aleijadinho teria sofrido de lepra, mas a doença não se teria

manifestado nessa parte de seu corpo.

No mesmo ano do artigo de Marianno (1940), o IPHAN publicaria o quinto

volume de sua série, chamado Em torno da história do Sabará, de Zoroastro Viana

Passos249. A obra trata do histórico da construção da Igreja do Carmo de Sabará,

abordando a fundação da Ordem do Carmo e do processo construtivo através dos

documentos coligidos e de comentários sobre a participação de Aleijadinho nas obras.

Rodrigo Melo Franco de Andrade prefaciou o livro, afirmando o seguinte:

Efetivamente, embora tenha sido o início da construção da capela de

São Francisco de Assis, em Vila Rica, que assinalou, em 1766, a

247 FILHO, José Marianno. Uma vítima da imaginação popular, p.5 248 Idem, Ibidem, p.5 249 PASSOS, Zoroastro Viana. Em torno da história do Sabará. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1940. (Publicações do IPHAN; nº 5)

113

abertura do ciclo das criações originais da arquitetura religiosa na

Capitania das Minas, cumpre reconhecer que foi na portada do Carmo,

em Sabará, que apareceram, primeiro, os admiráveis ornatos esculpidos

em pedra, cuja feição peculiar haveria de distinguir, definitivamente,

um certo número de igrejas mineiras, daquele período, de todas as

outras edificações da mesma natureza erigidas no Brasil.250

E ainda:

Foi na construção do Carmo de Sabará que os mestres de ofícios do

século XVIII deixaram assinalada, nas Minas, com características mais

expressivas, o momento de transição da fase em que mantinham o

espírito tradicional dos arquitetos portugueses para a quadra

privilegiada em que, libertando-se daquele espírito, puderam realizar as

obras mais genuínas da arquitetura brasileira.251

Rodrigo Melo Franco de Andrade reafirmava, dessa forma, a especificidade do

“barroco” mineiro no território brasileiro e o caráter profundamente renovador e

nacional inerente a essas construções. Comentava, ainda, a necessidade de reunir provas

documentais e dados seguros que permitissem comprovar e descobrir as obras que

contaram com participação do Aleijadinho – iniciativa que, como vimos, foi levada a

cabo nos artigos da Revista. O autor demora-se longamente em refutar as críticas de

José Marianno, chamado de “censor”, endossando a biografia de Rodrigo Bretas e o

relato de um vereador apresentado em seu livro.

No livro, Viana Passos analisa a obra “O Aleijadinho”, de Feu de Carvalho,

publicada em 1934252. Afirma que ela possui algum valor, embora embasada em poucas

fontes. Segundo o autor, Feu de Carvalho faz uma crítica ao fato de que praticamente

toda obra de arte mineira setecentista seja atribuída ao Aleijadinho, restringindo em seu

250 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Prefácio a Em torno da história do Sabará, p.1 251 Idem, Ibidem, p.1-2 252 CARVALHO, Feu de. O Aleijadinho . Belo Horizonte: Ed. Históricas, 1934.

114

texto as confirmações de autoria ao estritamente documentado. Passos colocava-se,

então, como um ampliador deste inventário, apresentando novas evidências que

permitissem atribuir novas obras ao artista. Aponta a biografia de Rodrigo Bretas como

a melhor referência para reconstituir a vida e a obra do Aleijadinho, e arrola uma série

de fontes para comprovação de autoria. Ao final do livro, apresenta reproduções

fotográficas de parte dos documentos relativos ao artista, fornecendo vista às provas tão

valorizadas no âmbito do IPHAN.

Em 1942, Viana Passos publicou o segundo volume da obra253, não integrante da

série Publicações, editada por iniciativa pessoal do autor e do governador de Minas

Gerais, Benedito Valadares. Este volume aborda outras igrejas de Sabará e traz seções

sobre a Minas colonial e sobre o Aleijadinho.

O autor critica de forma bastante inflamada os relatos de Stefan Zweig sobre o

Aleijadinho, que lhe parecem desqualificantes, reafirmando as virtudes do artista:

Positivamente, digo eu, ‘Aleijadinho’ tem contínuo azar a perseguí-lo.

De pouco tempo a esta parte, uma grande coluna tem tentado demolí-lo,

ora negando-lhe as obras, ora restringindo-as à Igreja de São Francisco

de Assis do Ouro Preto e à do Bom Jesus de Matosinhos, com seus

Passos e Profetas, ora com cumulá-las de senões.254

No “Brasil, país do futuro"255, Zweig tece críticas supostamente negativas a

Minas colonial, especialmente a Vila Rica e a Vila Real (Ouro Preto e Sabará,

respectivamente) e ao Aleijadinho. Passos socorre-se então do historiador Diogo de

Vasconcellos e narra a história das duas cidades.

No capítulo dedicado a Aleijadinho, apresenta provas de sua participação na

autoria de várias obras, reacendendo a polêmica com José Marianno Filho:

253 PASSOS, Zoroastro Viana. Em torno da história do Sabará. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1942. Segundo volume. 254 Idem, Ibidem, p.233 255 Publicado originalmente em 1941.

115

Em história só documento visível ou sérias provas circunstanciais

servem como elemento de convicção.

Senão fica-se como o ilustre Dr. José Marianno que cada vez que toma

a pena é para ter uma nova conceituação da arte de Antonio Francisco,

baseada apenas em palavras brilhantes, mas suas.256

Quando a biografia de Bretas é republicada, em 1951, parece haver dois

interesses principais em jogo: reabilitá-la, através do respaldo do IPHAN, e fornecer

novas provas da participação do Aleijadinho em diversas obras, ampliando seu legado.

Uma explicação preliminar não-assinada, mas atribuída a Rodrigo Melo Franco

de Andrade, no livro Rodrigo e o SPHAN257, afirma que a publicação atende ao “grande

interesse manifestado no Brasil e no estrangeiro pela obra e a personalidade” do

Aleijadinho. Nesta reedição, ressalta-se que:

As pesquisas procedidas pela Diretoria do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional e os estudos de alguns historiadores, publicados nos

últimos anos, forneceram subsídios importantes não só para a

verificação das fontes das informações constantes do texto, mas também

para em alguns poucos casos retificá-las e em outros ampliá-las, à vista

de documentação autêntica da época.258

Como resultado dessa iniciativa de coletar as provas que demonstrassem a

verdade histórica, foi encontrado um “risco original” supostamente feito por

Aleijadinho para a igreja franciscana de São João del Rei. Através dessa prova, Lúcio

Costa busca dissolver a polêmica a respeito da participação do Aleijadinho na

construção da Igreja da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, de São João del Rei.

256 PASSOS, Zoroastro Viana. Em torno da história do Sabará. p.361 257 Andrade, Rodrigo Melo Franco de. Rodrigo e o SPHAN. 258 Explicação preliminar in COSTA, Lúcio; BRETAS, Rodrigo José Ferreira, O Aleijadinho .

116

Na introdução259, Lúcio Costa discorre sobre a arquitetura praticada pelo artista,

baseando-se no risco original encontrado da capela franciscana de São João del Rei.

Comparando-o ao risco da igreja franciscana de Ouro Preto, projetada quatro meses

depois, busca evidenciar as semelhanças que comprovam serem de mesma autoria,

respondendo às críticas feitas por José Marianno Filho. Segundo Costa, ambas as igrejas

teriam sido influenciadas pela experiência de construção das portadas carmelitas em

Sabará e Ouro Preto, após a visita do “arquiteto” ao Rio de Janeiro, quando a portada da

igreja da Ordem Terceira Carmelitana teria impressionado o artista. Sobre o risco

encontrado, afirma:

Para quem conhece o vulto da obra genial desse artista e a sua vida

atormentada e trágica, e tem presente a figura dele nessa época,

quando ainda sadio, tal como é descrito na página 23 desta biografia,

retrato baseado naturalmente nos informes de sua nora, a tarefa de

analisar esse velho risco se transforma numa experiência

verdadeiramente única, pois sabemos agora, graças às revelações

dessa apaixonante indagação, que, quando Antônio Francisco Lisboa o

desenhava, ainda não havia encontrado a solução que se tornaria

depois definitiva e consagrada.

Está-se, pois, a devassar a obra do artista em pleno processo de

criação e, assim, este risco de portada adquire, pelo calor de vida que

ainda encerra e pelo que testemunha, um sentido novo, imprevisto e

comovente, por isso que ultrapassa os limites inerentes à sua

qualidade de simples desenho.260

Reforça, nesse sentido, o mito romântico da “vida atormentada e trágica” do

gênio criador e ressalta o interesse pela oportunidade de observar a “evolução” da

arquitetura de Aleijadinho, desde a capela de São João del Rei até a matriz de

259 Intitulada “A Arquitetura de Antônio Francisco Lisboa revelada no risco original da capela franciscana de São João del Rei”. 260 COSTA, Lúcio; BRETAS, Rodrigo José Ferreira, O Aleijadinho . p.13-14

117

Tiradentes. A despeito de uma falta de qualidade artística, reitera a validade do risco

pela possibilidade de se observar essa evolução:

Daí a sensação de coisa inacabada que, sem embargo do apuro

excepcional do desenho, esse risco produz: é que, familiarizados com

a solução definitiva, plasticamente resolvida, posteriormente

realizada, sentimos falta, no desenho, daquela perfeita triangulação. E

quando se atenta nos antecedentes desse risco de portada, e na

precipitação dos desenvolvimentos ulteriores a ele, pode-se de fato

concluir que também o seu autor teria motivos para ainda não estar

satisfeito com a solução então apresentada.261

O projeto para a Matriz de Tiradentes é reverenciado então como a derradeira

manifestação do “estilo pessoal” do Aleijadinho, embora só tenha sido construído após

sua morte, com modificações. Segundo Costa:

É em Tiradentes, finalmente, no risco do novo frontispício aposto em

1810 à velha estrutura da bela matriz de Santo Antônio, obra da

primeira metade do século anterior - risco este documentadamente da

autoria de Antônio Francisco Lisboa - que se registra a derradeira

manifestação do apego do artista às proporções elegantes e a

determinados pormenores do projeto aprovado em São João del Rei, a

8 de julho de 1774, pelos irmãos terceiros de São Francisco. Apesar da

execução, de qualidade inferior, dessa obra posterior à sua morte, a

igreja ainda conserva na silhueta e no conjunto a marca inconfundível

do estilo pessoal do Aleijadinho [...] Aliás, no interior dessa matriz

riquíssima, também deve ser atribuído ao artista e seus oficiais o risco

e a execução da magnífica balaustrada do corpo da igreja - cujo

desenho foi repetido no adro - embora não se conheça qualquer

documento comprobatório.262

É importante observar como Lúcio Costa busca a comprovação, por meio de

análises documentais, da autoria do Aleijadinho em outros projetos sobre os quais

261 COSTA, Lúcio; BRETAS, Rodrigo José Ferreira. O Aleijadinho . p.11 262 Idem, ibidem, p.21

118

apenas se especulava a sua participação. Assim, na qualidade de especialista e

autoridade no assunto, é permitido ao autor especular sobre uma autoria do artista-

arquiteto jamais comprovada: a do interior da matriz de Tiradentes.

Lúcio Costa propõe, assim, uma concepção de “barroco” que realça o caráter

único do Aleijadinho, a partir da sua criação artística:

Esse recurso, próprio da concepção dinâmica e barroca, também

empregado no magistral retábulo franciscano de Ouro Preto, e só

utilizado por Antônio Francisco Lisboa, poderia resultar

contraproducente, se aplicado fora de propósito ou executado sem a

requerida perícia, dando então a sensação oposta, de esmagamento e

depressão; entretanto, realizado com a paixão e mestria de Antônio

Francisco, transmite à obra acabada, ainda mesmo quando se trate de

lavor de extremo requinte e delicadeza, como no caso dessa portada de

Vila Rica, uma tal energia e vibração, que a tornam verdadeiramente

inconfundível.263

Destaca-se, nessa passagem, a transformação do “barroco” operada pelo

Aleijadinho, não mais como “exagero” ou “peso”, mas “requinte e delicadeza”.

Transformação essa que especifica um determinado “barroco”, brasileiro e mineiro.

Vale ainda destacar que Lúcio Costa, ao conceber o Aleijadinho como artista “de

gênio”, utilizando-se de critérios tais como “renovação” e até mesmo “vanguarda”,

propõe também a necessidade de superação da própria “novidade” por ele instaurada.

Na passagem a seguir, Costa comenta as alterações que afirma terem sido feitas na

igreja do Carmo de Sabará pelo executante da obra, a despeito da qualidade artística do

projeto do Aleijadinho:

Ora, ainda quando, em determinados casos, tais alterações fossem

necessárias ou vantajosas, eram sempre indevidas; não que o projeto

fosse isento de falhas, e Antonio Francisco Lisboa, se lhe houvesse

acompanhado de perto a execução, teria certamente modificado 263 COSTA, Lúcio; BRETAS, Rodrigo José Ferreira. O Aleijadinho . p.13

119

muita coisa, pois era artista demais para ater-se, durante anos, ao

que projetara, mas porque, na qualidade de executante da concepção

de outrem, de fato não lhe cabia a iniciativa.264

A biografia escrita por Bretas mostra um mesmo gênio inspirado, vencedor das

adversidades de sua enfermidade. O texto é composto no formato “vida e obra”,

apresentando descrições detalhadas do artista, de sua personalidade e de suas criações

artísticas. Sobre sua formação, afirma que:

O conhecimento que tinha de desenho, de arquitetura e escultura, fora

obtido na escola prática de seu pai e talvez na do desenhista pintor

João Gomes Batista, que na corte do Rio de Janeira recebera as lições

do acreditado artista Vieira e era empregado como abridor de cunhos

na casa da fundição de ouro desta capital.

Depois de muitos anos de trabalho, tanto nesta cidade, como fora dela,

sob as vistas e risco de seu pai, que então era tido na província como

primeiro arquiteto, encetou Antônio Francisco a sua carreira de mestre

da arquitetura e escultura, e nesta qualidade excedeu a todos os artistas

deste gênero, que existiram em seu tempo.265

Assim, desde o início da obra, imputa a Aleijadinho a excepcionalidade dentre

seus contemporâneos. Sua genialidade, no entanto, faz par com a sua enfermidade que

teria se iniciado no ano de 1777266. Dessa forma, é inaugurada a construção do

Aleijadinho como um herói trágico-romântico, gênio e monstro, como aparece

representado na seguinte passagem:

As pálpebras inflamaram-se, e permanecendo neste estado, ofereciam

à vista sua parte interior; perdeu quase todos os dentes, e a boca

entortou-se, como sucede freqüentemente ao estuporado; o queixo e o

lábio inferior abateram-se um pouco; assim, o olhar do infeliz adquiriu

certa expressão sinistra e de ferocidade, que chegava mesmo a

264 COSTA, Lúcio; BRETAS, Rodrigo José Ferreira. O Aleijadinho . p.19 Grifos nossos. 265 Idem, ibidem, p.23 266 Assim como afirma Diogo de Vasconcellos, provavelmente baseado no texto de Bretas.

120

assustar a quem quer que o encarasse inopinadamente. Esta

circunstância, e a tortura da boca, o tornavam de um aspecto

medonho.267

A despeito de seu aspecto, Bretas ressalta um lado amável do artista, que se

misturava à sua aparência medonha:

A consciência que tinha Antônio Francisco da desagradável impressão

que causava sua fisionomia o tornava intolerante, e mesmo iroso para

com os que lhe parecia observarem-no de propósito; entretanto, era ele

alegre e jovial entre as pessoas de sua intimidade.

Sua prevenção contra todos era tal que, ainda com as maneiras

agradáveis de tratá-lo e com os próprios louvores tributados à sua

perícia de artista, ele se molestava, julgando irônicas e expressivas de

mofa e escárnio todas as palavras que neste sentido lhe eram dirigidas.

Nestas circunstâncias costumava trabalhar às ocultas debaixo de uma

tolda, ainda mesmo que houvesse de fazê-lo dentro dos templos.268

A isto se soma a imagem do artista que vivia pela sua arte, sem colher os louros

de sua excelência e que tinha, em seu escravo Maurício269, um companheiro fiel:

O – Aleijadinho – não ajuntou fortuna alguma pelo exercício de sua

arte; além de que partilhava igualmente o que ganhava com o escravo

Maurício, era descuidado na guarda de seu dinheiro, que de contínuo

roubavam-lhe, e muito despendida em esmolas aos pobres.270

O texto prossegue então pela análise das obras do templo de São Francisco de

Assis de Ouro Preto:

Reconhece-se que ele mereceu a nomeada de que gozou, atendendo-se

principalmente ao estado das artes no seu tempo, à falta que sentiu de

mestres científicos e dos princípios indispensáveis a quem aspira a

267 COSTA, Lúcio; BRETAS, Rodrigo José Ferreira, O Aleijadinho . p.24 268 Idem, ibidem, p.25 269 Ao longo do texto, Rodrigo Bretas nos informa que Aleijadinho teve três escravos, sendo que Maurício foi quem o acompanhou por grande parte de sua vida 270 COSTA, Lúcio; BRETAS, Rodrigo José Ferreira, Op. Cit.. p.33

121

máxima perfeição nos referidos gêneros [escultura e talha], e

sobretudo quanto às desvantagens contra as quais ultimamente lutava

em conseqüência da perda de membros necessários à execução de seus

trabalhos.271

Se antes Bretas havia situado Aleijadinho em uma determinada linhagem,

referindo-se a seu pai e João Gomes Batista, agora a afirmava insuficiente, pois havia

sentido falta de “mestres científicos”. Ademais, o “estado das artes no seu tempo”

tampouco lhe oferecia alento; sua genialidade havia se construído por si só, novidade

artística excepcional que fora. Acrescente-se a isso, mais uma vez, a mutilação, que

tornava o trabalho ainda mais espetacular.

Para Bretas, no entanto, se a genialidade era incontestável, as condições que o

cercavam teriam seu preço:

Apenas atenta-se para estes trabalhos, depara-se logo com o gênio

incontestável do artista, mas não se deixa de reconhecer também que

ele foi melhor inspirado do que ensinado e advertido; porquanto o seu

desenho ressente-se às vezes de alguma imperfeição.272

E ainda:

Nas esculturas do Aleijadinho observa-se sempre mais ou menos bem

sucedida a intenção de um verdadeiro artista, cuja tendência é para a

expressão de um sentimento ou de uma idéia, alvo comum de todas as

artes. Faltou-lhe, como já se disse, o preceito da arte, mas sobrou-lhe a

inspiração do gênio e do espírito religioso.273

Bretas reproduz, como já foi dito, um discurso proferido em 1790 pelo vereador

de Mariana, Joaquim José da Silva (Memória que se lê no respectivo livro de registro

271 COSTA, Lúcio; BRETAS, Rodrigo José Ferreira, O Aleijadinho . p.26 272 Idem, ibidem, p.27 273 Idem, ibidem, p.29

122

de fatos notáveis estabelecido pela ordem régia de 20 de Julho de 1782) no qual consta

o que seria a primeira referência ao Aleijadinho, em que se pode ler o seguinte:

Com efeito, Antônio Francisco, o novo Praxíteles, é quem honra

igualmente a arquitetura e escultura. [...]

Superior a tudo e singular nas esculturas de pedra em todo o vulto ou

meio relevado e no debuxo e ornatos irregulares do melhor gosto

francês é o sobredito Antônio Francisco. Em qualquer peça que serve

de realce aos edifícios mais elegantes, admira-se a invenção, o

equilíbrio natural, ou composto, a justeza das dimensões, a energia

dos usos e costumes e a escolha e disposição dos acessórios com os

grupos verossímeis que inspira a bela natureza.

Tanta preciosidade se acha depositada em um corpo enfermo que

precisa ser conduzido a qualquer parte e atarem-se-lhe os ferros para

poder obrar.274

Rodrigo Bretas serve-se, nesse sentido, de um registro histórico contemporâneo

à vida do artista para corroborar suas hipóteses, a saber, a da maestria de seus ofícios, a

da genialidade singular e a da mutilação decorrente da doença que o acometeu.

Os anos finais da vida de Aleijadinho são descritos de maneira trágica. Na

seguinte passagem, Bretas – que dá informações também sobre a nora do artista, de

quem colheu depoimento – discorre sobre esse período:

Vive ainda a nora do Aleijadinho, e bem que em mau estado existe

também a casa em que este faleceu; num dois pequenos departamentos

interiores dela vê-se o lugar em que, deitado sobre um estrado (três

tábuas sobre dois toros ou cepos de pau pouco ressaltados do

pavimento térreo), jazeu por quase dois anos, tendo um dos lados

horrivelmente chagado, aquele que por suas obras de artista distinto

havia honrado a sua Pátria!275

274 COSTA, Lúcio; BRETAS, Rodrigo José Ferreira, O Aleijadinho . p.32. Grifos do autor. 275 Idem, ibidem. p.35

123

Em uma frase lapidar, formulação trágico-romântica por excelência, Bretas

resume a vida de Antônio Francisco Lisboa: “tanta miséria ousando aliar-se a tanta

poesia!”276.

Seguem-se, então, as notas explicativas escritas por Rodrigo Melo Franco de

Andrade e Judith Martins, complementando o texto de Bretas e corrigindo erros. Nestas,

constam breves informações biográficas, onde se lê que Rodrigo Bretas (1814-1866) foi

sócio correspondente do IHGB, deputado da Assembléia Provincial de Minas, secretário

do Governo e Diretor Geral da Instrução na província de Minas. As notas apresentam

também fontes primárias e fornecem extensas explicações sobre os fatos relatados no

texto, além de fotografias e uma relação das obras do Aleijadinho com autoria

comprovada.

É interessante observar algumas dessas notas que buscam “corrigir” julgamentos

de Bretas, como por exemplo, a que trata da questão da “falta de mestres científicos”,

com o intuito de reabilitar a linhagem estabelecida pelo autor e até mesmo ampliá-la:

Nem o estado das artes plásticas, no tempo de Antônio Francisco

Lisboa, era primário, como o insinua o A., nem faltaram ao

Aleijadinho mestres idôneos, tais como Manuel Francisco Lisboa,

arquiteto prestigioso, mestre das obras reais, e João Gomes Batista,

abridor de cunhos, desenhista requintado e introdutor no país do novo

estilo ou ‘gosto francês’. A formação artística de Antônio Francisco

Lisboa não se teria operado, aliás, apenas sob a orientação desses dois

mestres mencionados expressamente pelo cronista seu contemporâneo

e, sim, também provavelmente, sob a influência de Francisco Xavier

de Brito e José Coelho de Noronha, que se distinguiam então nas

obras de escultura e de talha nas igrejas mineiras e com os quais terá

feito o aprendizado de seu ofício de escultor e entalhador. 277

276 COSTA, Lúcio; BRETAS, Rodrigo José Ferreira, O Aleijadinho . p.35 277 Idem, ibidem. p.40

124

Ou ainda, as notas tratam da questão imperfeição, dos critérios de apreciação do

momento em que Bretas escreveu sua biografia, e privilegiam-se os critérios

“científicos” que vigoram à época do IPHAN:

A imperfeição aludida corresponde à opinião pessoal do A., que revela

certos vícios de apreciação próprios da época. As obras referidas no

texto são consideradas, hoje em dia, pelos críticos idôneos,

artisticamente impecáveis.278

Uma belíssima análise do texto de Bretas foi levada a cabo por Guiomar

Grammont em “Aleijadinho e o aeroplano”279, obra na qual discute a constituição do

mito romântico de Aleijadinho como herói colonial, através das sucessivas

reapropriações dessa biografia, escrita em 1858 e tomada como um texto fundador desse

processo.

Assim, a autora nos informa sobre o estatuto do texto de Bretas:

Como retrato encomiástico, a finalidade do texto é a individuação do

personagem “Aleijadinho” por meio de elementos de caracterização

que o tipificam ao exagerar certos traços, segundo um procedimento

epidítico comum a obras semelhantes do tempo.280

Este procedimento consiste numa adequação entre caráter e ações do

personagem, descrevendo-lhe características físicas e psicológicas, conforme vimos em

citações aqui privilegiadas. O resultado obtido, segundo Grammont, baseia-se na

premissa de que:

O retrato reaplica o lugar-comum romântico, o do belo-horrível,

comum na ficção e poesia do tempo, que fazem a beleza surgir da

feiúra, e vice-versa. No caso, as belas obras são os filhos maravilhosos

278 COSTA, Lúcio; BRETAS, Rodrigo José Ferreira, O Aleijadinho . p.41 279 GRAMMONT, Guiomar de. Aleijadinho e o aeroplano: o paraíso barroco e a construção do herói colonial. 280 Idem, ibidem, p.67

125

que se originam do pai feio, como flores nascidas da matéria em

decomposição.281

A autora comenta também como a narrativa de Bretas utiliza tópicas epidíticas,

apropriando-se de narrativas pregressas e distantes como as biografias de Michelangelo

e Rafael, para constituir histórias acerca do Aleijadinho.

Sua análise recai ainda sobre outras tópicas presentes no texto de Bretas,

românticas por excelência, como o auto-didatismo do artista, seu isolamento da

sociedade, e questões polêmicas como o fato de nunca ter sido encontrado o livro no

qual estaria o pronunciamento do vereador de Mariana; ou até mesmo a aparente

impossibilidade de se provar, empiricamente, a existência do Aleijadinho:

O mito alcançou tais proporções que originou o desconcertante

questionamento sobre o texto de Bretas. Esse questionamento, que

teria sido iniciado por José Marianno Filho e Feu de Carvalho e,

posteriormente, consolidado por Dalton Sala, instaurou o estimulante

“mistério Aleijadinho”: o artista teria existido ou não passa de uma

invenção romanesca de Bretas? Desenvolveu-se uma polêmica – que

atravessou a história da arte brasileira no século XX – entre o discurso

do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, corroborado por um

número significativo de pesquisadores, e esses estudiosos isolados que

questionavam a versão oficial amparando-se, no entanto, sobre um

eixo comum: a existência empírica do Aleijadinho. Essa polêmica não

deixou de ser importante, uma vez que impulsionou uma verdadeira

corrida aos arquivos por parte de historiadores sequiosos de encontrar

novas evidências que pudessem acrescentar-se ou sobrepor-se àquelas

que já existiam.282

No entanto, conforme Grammont nos adverte, o trabalho de questionamento

acerca da idoneidade do texto de Bretas acabou apenas por reforçar o mito:

281 GRAMMONT, Guiomar de. Aleijadinho e o aeroplano. p.69 282 Idem, ibidem. p.90-91

126

Embora diferentes, entre si, tanto no estilo, quanto no nível de

tratamento exaustivo do tema, esses autores criaram um discurso a

contrapelo, que desempenha uma função reguladora dos excessos

meramente apologéticos ou pretensamente rigorosos e sérios, mas

reafirmadores do mito. Aparentemente contestadores, os textos de

autores que questionam Bretas funcionaram e funcionam, ainda, como

uma espécie de contraponto que apenas confere mais consistência ao

personagem. De um lado, despiram a biografia de seus aspectos

menos verificáveis, mais fantasiosos porque dirigidos a uma escuta

que se encontrava no século XIX e cujos efeitos não possuem mais,

hoje, a mesma eficácia, nem se coadunam com os padrões por vezes

engessados do discurso acadêmico e científico da atualidade. De outro

lado, ao colocarem em descrédito esse texto fundacional, esses autores

dessacralizaram um pouco o tema, perfazendo a metade do caminho

para sua cientifização: apontaram filigranas, pontos de

inverossimilhança na biografia de Bretas, provocando um esforço

monumental de busca de “provas” e preenchimento das lacunas do

texto fundante, esforço que só serviu para reforçá-lo. Em suma, no

imenso conjunto de discursos afluentes sobre o tema, esse discurso

aparentemente contestatório funcionou como um rio vindo de uma

direção contrária, cujas águas serviram apenas para engrossar o leito e

emprestar força caudalosa ao curso principal.283

O IPHAN, dessa forma, canonizava o Aleijadinho a partir de uma determinada

biografia apologética, fazendo-lhe as devidas complementações e correções, ao mesmo

tempo em que permanecia no seu esforço progressivo de revelar, documentalmente, o

seu legado.

É nesse sentido que o IPHAN republica a biografia de 1858, elegendo-a como

versão oficial da vida do Aleijadinho, ainda que com pequenos ajustes. O texto, tornado

canônico, modelaria então novos discursos: por vezes como contraponto, por outras em

decorrência das idéias apresentadas, procedimento este muito mais comumente adotado.

Com a palavra, Lúcio Costa:

283 GRAMMONT, Guiomar de. Aleijadinho e o aeroplano, p.97

127

Neste particular, foi decisiva a atuação do Rodrigo no sentido de livrar

a imagem de Antônio Francisco Lisboa da emaranhada trama de

inverdades e fantasias tecida em torno de sua obra de arquiteto e de

escultor, que, a partir daí, passou a ser estudada com base na precisão

histórica e na competência crítica, senda esta, sem dúvida, das mais

importantes e apaixonantes tarefas levadas a cabo pelo Patrimônio, – a

de repor, definitivamente, o Aleijadinho na verdadeira dimensão da

portentosa e imortal grandeza do seu gênio.284

284 COSTA, Lúcio. Prefácio a Rodrigo e seus tempos. p.7

128

Conclusão

Conforme vimos, o conceito de “barroco” pouco esteve presente no vocabulário

de uma história da arte brasileira, ao longo do século XIX. Inicialmente não era

aplicável à arte colonial, que se desconhecia. Ou então era classificado de forma

negativa, sendo eventualmente reconhecido com reservas. No início do século XX foi

operada uma inversão de significado, quando passa a ser valorizado, considerado como

um constituinte da nação brasileira. Assim, o trabalho de Diogo de Vasconcellos exalta

as obras de arte coloniais de Ouro Preto, embora ainda não veicule claramente

formulado o conceito de “barroco” para classificá-las. Foi o Neocolonial, capitaneado

por Ricardo Severo e José Marianno Filho, que procedeu a uma sistemática valorização

do passado colonial, aplicando os pressupostos ali encontrados na construção de casas e

edifícios que se enquadrassem numa arquitetura tradicional e nacional e propondo um

uso coetâneo desse passado. Criticavam, ainda, o Ecletismo e a importação

desnacionalizada de modelos europeus, aplicados indiscriminadamente.

Do seio desse grupo emerge Lúcio Costa, um de seus mais considerados

expoentes, que a partir do contato com a arquitetura moderna de Le Corbusier e com a

observação in loco da arquitetura colonial mineira, formula um novo projeto para uma

arquitetura contemporânea. Dessa forma, torna-se um crítico do Neocolonial, incluindo-

o na mesma seara que o Ecletismo, e professa sua fé pela arquitetura moderna. O marco

dessa nova arquitetura é o prédio do Ministério de Educação e Saúde, construído no

embate entre um projeto neocolonial e modernista. Sintomático é o fato de que o

imbróglio se dá ao mesmo tempo em que a criação do IPHAN é levada a cabo; e a

instituição, quando criada, funcionará no novo prédio modernista.

129

Através de sua série editorial, o IPHAN construiu uma história da arte brasileira

que se enquadrava no inventário patrimonial, ao mesmo tempo em que o delimitava. Foi

uma estratégia bem-sucedida, na medida em que tornou a produção do órgão

incontornável aos estudiosos do assunto. As palavras de Rodrigo Melo Franco de

Andrade, no prefácio a “Em torno da história do Sabará”, não se aplicam tão somente à

série Publicações, podendo ser empregadas também para a Revista: dizem respeito à

necessidade de se constituir uma sólida documentação sobre a arte brasileira, que a

abarcasse em sua totalidade, paulatinamente preenchendo suas lacunas. O IPHAN

esforçou-se, nesse sentido, em fazer conhecer os artistas e os artífices impulsionadores

desse processo, assim como as obras de arte que nos chegam como bens patrimoniais, e

em divulgar, através de provas bem documentadas, os indícios desse passado. Nas

páginas da Revista foi construído o inventário da arte brasileira; na série Publicações,

seus exemplos foram estudados em maior profundidade.

Conforme o exposto, para os artífices do IPHAN, a arte genuinamente brasileira

tem seu início ainda na Colônia, na adaptação da herança européia ao meio brasileiro.

Este momento pôde ser fortemente marcado em Minas Gerais, onde um impulso

“renovador” e “autêntico” marcou o início do “ciclo das criações originais”. Ao

Aleijadinho foi conferido maior destaque, como estopim deste surto criativo. Na Revista

são numerosos os artigos que abordam o artista, geralmente esclarecendo dúvidas a seu

respeito ou apontando novas descobertas em participações de obras. Nas Publicações, a

obra de maior vulto, nesse sentido, foi “O Aleijadinho”, na qual o IPHAN apontava

claramente a direção biográfica a seguir, chancelando o texto de Rodrigo Bretas e

voltando-se contra as acusações de José Marianno Filho.

130

Majoritariamente, a produção editorial versou sobre a arquitetura religiosa e

colonial, o que pode também ser observado nos processos de tombamento, conforme

afirma Maria Cecília Londres:

Foi, portanto, relativamente aos bens imóveis dos séculos XVI, XVII e

XVIII, primordialmente de arquitetura religiosa, que a instituição

desenvolveu a maior parte de suas pesquisas, o que permitiu, ao longo

do tempo, que se formulassem critérios considerados seguros para as

decisões sobre tombamento e sobre os trabalhos de restauração. 285

O privilégio dado a Minas Gerais é um bom exemplo disso. Mas a arquitetura

civil colonial também foi estudada com cuidado, especialmente por Lúcio Costa, que no

casario identificou a “boa tradição” construtiva que o modernismo retomava e

atualizava na contemporaneidade. O livro “Mocambos do Nordeste”, de Gilberto Freyre

– o grande estudioso da “casa brasileira” –, foi reconhecido por Rodrigo como destinado

a preencher o espaço destinado às obras de arquitetura popular, assunto que ele

considerava ter sido tratado com descaso até 1937. É no âmbito dessa discussão sobre a

importância do casario que os conjuntos arquitetônicos serão selecionados para

tombamento.

As formulações acerca de “barroco” indicavam um ponto de contato com o

mundo europeu, embora afirmassem a especificidade obtida no meio brasileiro. Neste

processo, foi dado um grande destaque ao caso de Minas Gerais, região possuidora de

“bens culturais em número maior e com feição mais expressiva”286 – nas palavras de

Rodrigo Melo Franco de Andrade – da arte brasileira.

De maneira geral, pode-se dizer que o IPHAN opera uma separação entre a

arquitetura popular (o casario) e a arquitetura religiosa e civil (as construções oficiais,

285 FONSECA, Maria Cecília Londres. O patrimônio em processo: trajetória da política federal de preservação no Brasil. p.110 286 ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Palestra proferida por Rodrigo M. F. de Andrade, em Ouro Preto, a 1-7-68. Revista do IPHAN, n.17, 1969. p.11

131

como palácios e casas de câmara e cadeia). No primeiro grupo, o processo de adaptação

ao meio propiciou uma diferenciação da matriz portuguesa, gerando especificidades

regionais, sem, no entanto, renegá-la por completo. É o processo de construção

português, o uso de “pedra e cal”, que gera a solidificação dessas construções e sua

conseqüente permanência ao longo do tempo. No caso da arquitetura religiosa e civil, a

matriz portuguesa possui uma presença mais forte, enfatizada nas relações entre a

colônia e a metrópole, sem grandes especificidades locais.

No século XVIII, no entanto, e principalmente em Minas Gerais, haveria uma

mudança fundamental nesse caráter, com a entrada em cena de determinados artistas e

artífices, os mais importantes sendo, evidentemente, o Aleijadinho e Manuel da Costa

Ataíde. A partir da criatividade destes “brasileiros” e da incorporação de outras matrizes

– como a italiana – teria sido criada uma arte brasileira por excelência, com marcas de

diferenciação muito bem enunciadas. Se o “barroco” indica o ponto de contato com

Portugal e o mundo europeu, o “barroco mineiro” seria, no entanto, o ponto de

distinção. Haveria, assim, uma arte genuinamente brasileira que, embora original, podia

ser enquadrada na história da arte universal.

Vimos também como os funcionários e artífices do IPHAN estavam

identificados ao modernismo arquitetônico. Conseqüentemente, as apropriações de

“barroco”, especialmente as de Lúcio Costa, podem ser qualificadas de “modernistas”.

A “boa tradição” identificada no “barroco” só pôde ser recuperada pela arquitetura

modernista. Rodrigo Melo ao referir-se a Lúcio Costa no prefácio de Mucambos de

Nordeste, destaca-o como “aquele herdeiro legítimo da melhor tradição da arquitetura

brasileira e seu insigne renovador”. Costa é assim um “herdeiro legítimo”, pois, na

disputa entre o neocolonial e o modernismo, a vitória coube ao segundo. Se ambos

disputavam o monopólio do uso legítimo do passado na construção do futuro, a vitória

132

modernista encontra-se imbricada na história do IPHAN e no papel que a instituição

desempenhou junto à sociedade. Como Instituto do Patrimônio, como autoridade maior

na determinação de um passado a se preservar, foi o uso prescrito pelos modernistas que

se tornou objeto de proteção legal.

Dessa forma, os discursos construídos no âmbito do IPHAN não podiam

vislumbrar o caráter encomiástico da biografia do Aleijadinho de Rodrigo Bretas,

reeditada pelo IPHAN. Incorreu-se, assim, em proposições anacrônicas porém

triunfantes, do ponto de vista do sucesso da empreitada de construir o mito do

Aleijadinho.

Foi a partir de um ponto de vista do presente, das possibilidades hoje dadas para

se pensar os usos de representações, de modelos culturais e as convenções vigentes nos

séculos XVII e XVIII (momento da produção e da recepção de obras arquitetônicas e

artísticas), que foi possível historicizar as práticas e concepções triunfantes no IPHAN,

entre 1937 e 1978, particularmente nas suas publicações.

A apropriação de “barroco” feita pelo IPHAN foi, assim, circunscrita ao seu

tempo e moldada por ambições como a constituição e salvaguarda de um patrimônio

nacional e, no mesmo movimento, pelo estabelecimento do modernismo arquitetônico

como critério limite. Não se trata, portanto, de invalidar esta prática de apropriação

observada na produção editorial ou apresentar uma alternativa “melhor”, mas apenas

circunscrevê-la em determinados pressupostos.

O resultado esperado, neste trabalho descritivo, foi a compreensão de que o

patrimônio, que nos é dado como algo natural e intrínseco à nacionalidade brasileira, é

antes fruto de um projeto construído sob pressupostos historicizáveis.

133

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