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INSTITUTO SUPERIOR DE CINCIAS DO TRABALHO E DA EMPRESA
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
O PENSAMENTO SOCIAL SOBRE O POLTICO EM MOAMBIQUE. ESTUDO DE CASO DA CIDADE DE TETE.
Gabriel Srgio Mith Ribeiro
Tese submetida como requisito parcial para obteno do grau de Doutor em
Estudos Africanos Interdisciplinares em Cincias Sociais, na especialidade de
Poltica e Relaes Internacionais em frica
Orientador Professor Doutor Franz-Wilhelm Heimer
Professor Catedrtico Jubilado Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Empresa (ISCTE Lisboa)
Outubro de 2008
INSTITUTO SUPERIOR DE CINCIAS DO TRABALHO E DA EMPRESA
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
O PENSAMENTO SOCIAL SOBRE O POLTICO EM MOAMBIQUE. ESTUDO DE CASO DA CIDADE DE TETE.
Gabriel Srgio Mith Ribeiro
Tese submetida como requisito parcial para obteno do grau de Doutor em
Estudos Africanos Interdisciplinares em Cincias Sociais, na especialidade de
Poltica e Relaes Internacionais em frica
Orientador Professor Doutor Franz-Wilhelm Heimer
Professor Catedrtico Jubilado Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Empresa (ISCTE Lisboa)
Outubro de 2008
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
Palavras-chave: estudos africanos; pensamento social; representaes sociais; cultura
poltica; estado; Moambique; Tete; colonizao portuguesa; processo de transio;
Frelimo; Renamo; Samora Machel; Joaquim Chissano; Armando Guebuza; Afonso
Dhlakama; socialismo; guerra; multipartidarismo; democracia; eleies.
Resumo
A investigao aborda o pensamento social sobre o poltico. A componente terica
estrutura-se em torno do conceito de representaes sociais (Moscovici), associado aos
conceitos de cultura poltica (Almond & Verba) e de estado (Weber; Bayart), bem como a
uma definio precisa de objecto de atitude (Chaiken & Eagly). A ancoragem da pesquisa
na realidade emprica fez-se na cidade de Tete (Moambique), sendo que a componente
essencial do trabalho de campo (2004) assentou em 61 entrevistas semi-estruturadas que
visaram captar, nos discursos do senso comum, juzos valorativos (tendencialmente
positivos ou negativos) de objectos polticos associados ao estado.
O tratamento do material emprico permitiu analisar um conjunto de themata (Moscovici &
Vignaux) dos discursos do senso comum atravs dos quais se revelam as representaes
sociais do macro-poltico em Moambique. Esses themata remetem, respectivamente, para
o perodo colonial (at 1974-1975); para o processo de transio para a independncia
(1974-1975); para a governao de Samora Machel (1975-1986); e para a governao de
Joaquim Chissano (1986-2004).
A investigao insere-se numa perspectiva epistemolgica de tendncia construtivista que
recusa considerar o poltico como essncia dada, mas antes aborda-o enquanto fenmeno
social em permanente reelaborao. Desse modo, a produo do poltico s pode ser
captada, na sua verdadeira essncia, olhando para e a partir das respectivas sociedades. O
estudo visa explicar como que o senso comum pensa a poltica ou, dito em linguagem
coloquial, analisa o que est na cabea das pessoas comuns sobre poltica em Moambique.
i
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
Key words: African studies; social thinking; social representations; political culture;
state; Mozambique; Tete; Portuguese colonization; process of transition; Frelimo;
Renamo; Samora Machel; Joaquim Chissano; Armando Guebuza; Afonso Dhlakama;
socialism; war; multiparty system; democracy; elections.
Resume
The research deals with the social thinking on politics. The theoretical approach is
structured around the concept of social representations (Moscovici), linked to the concepts
of political culture (Almond & Verba) and state (Weber; Bayart), as well as to a precise
definition of the subject of attitude (Chaiken & Eagly). The empirical was carried out in
the city of Tete (Mozambique). The main fieldwork (2004) implied 61 semi-structured
interviews designed to identify, in common sense speech, value (positive or negative)
judgements of political objects referred to the state.
The treatment of the empirical material allowed to distinguish, and analyze, a set of
themata (Moscovici & Vignaux) which reveal social representations of the macro-political
in Mozambique. These themata refer, respectively, to the colonial period (until 1974-1975)
to the process of transition to independence (1974-1975) to the government of Samora
Machel (1975-1986) and to the governance of Joaquim Chissano (1986-2004).
The research is epistemologically placed in a tendentially constructivist perspective that
refuses to consider the political as a given, but considers the political as a social
phenomenon in permanent re-elaboration. Thus, the production of the political can only be
understood in its true characteristics, looking to and from the societies themselves. The
study seeks to explain how the common sense thinks the political; in colloquial terms, it
analyzes what is in the minds of ordinary people with regard to politics in Mozambique.
ii
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
AGRADECIMENTOS
vasta a lista de pessoas e instituies que, pelo seu apoio, permitiram a realizao da
investigao que agora se apresenta. Sendo certamente injusta a omisso de muitas,
destaco algumas.
Na nica situao em que no hesito nas precedncias, deixo registado o agradecimento ao
meu Orientador, Professor Doutor Franz-Wilhelm Heimer, pelo apoio acadmico
completo. Apoio completo significa, em primeiro lugar, que o seu rigor e lucidez
intelectuais se traduziram em orientaes e crticas invariavelmente teis e construtivas, do
incio ao fim da investigao; em segundo lugar, porque a sua postura pedaggica tem sido
exemplar, nomeadamente ao ter incentivado e facultado sistematicamente a possibilidade
de eu participar em iniciativas acadmicas, nomeadamente em diversas conferncias,
colquios e debates sobretudo para apresentar partes da investigao que ia
desenvolvendo; em terceiro lugar, sem essa conjugao o meu amadurecimento como
investigador e a qualidade deste texto seriam seguramente mais pobres. Contacto com o
Professor Doutor Franz-Wilhelm Heimer h mais de uma dcada e reconheo nele
qualidades acadmicas raras, associadas disponibilidade pessoal, sentido de justia e de
responsabilidade, bem como apoio em pequenas questes que muitos talvez considerem
como meramente burocrticas ou comezinhas, mas que so decisivas para o sucesso do
trabalho acadmico.
Agradeo tambm a todos os investigadores africanistas com quem fui discutindo ao longo
destes anos questes relacionadas com as sociedades africanas, em especial aos que
integraram o projecto de investigao do Centro de Estudos Africanos do ISCTE
Recomposio dos espaos polticos na frica Lusfona: Antnio Correia e Silva; Arlindo
Carvalho; Carlos Cardoso; Elisete Marques da Silva; Elsio Macamo; Nelson Pestana; e o
coordenador do projecto, Franz-Wilhelm Heimer. Este trabalho tributrio dos muitos
debates que fomos mantendo entre 2001 e 2005.
Em Moambique, no posso esquecer o apoio dos meus familiares e amigos. Sem eles
talvez no realizasse com prazer, segurana e vontade um trabalho de campo que
iii
Agradecimentos
remonta a 1997. Nos agradecimentos individuais serei, sem dvida, injusto. Mas no posso
deixar de destacar o meu tio materno, Ismael Mith, e a minha prima materna em primeiro
grau, Fuzia Isac (Guida).
Em Moambique ainda devo agradecer, por um lado, aos que me ajudaram no trabalho de
campo, em especial ao meu guia/colaborador na cidade de Tete, Domingos Arroz, e a todas
as pessoas com quem conversei ao longo destes anos sobre os problemas que afectam a
sociedade (ou as sociedades) do meu pas natal.
Por ltimo, palavras de reconhecimento ao apoio de quatro instituies.
Embora seja um scio relativamente ausente, tenho tido no Centro de Estudos Africanos
(CEA) do Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Empresa (ISCTE) um
acolhimento afvel e competente desde que o comecei a frequentar em 1996. Rapidamente
percebi que o CEA-ISCTE (Lisboa) uma instituio de referncia a nvel internacional e
que, felizmente, conseguiu abrir, manter e aprofundar contactos profcuos no plano
acadmico com centros de investigao e investigadores dos pases africanos.
Como docente de histria do ensino bsico e secundrio em Portugal desde 1991, estou
parcialmente grato ao Ministrio da Educao por me ter concedido o estatuto de
equiparao a bolseiro nos anos lectivos de 2002-2003, 2003-2004 e 2004-2005, mas que
poderia ter sido prorrogado por mais dois anos, conforme legalmente previsto. Na fase
mais sobrecarregada da concluso da investigao, em 2005, a alterao governativa
entretanto ocorrida teve como consequncias, para o ano lectivo de 2005-2006, o
indeferimento do pedido de renovao da equiparao a bolseiro e, para o ano lectivo de
2006-2007, um novo indeferimento da solicitao de um ano de licena sabtica, deciso
sem fundamentos convincentes que a justificassem. Assim, alm da sobrecarga da
actividade lectiva a tempo inteiro, tornou-se impossvel prosseguir o trabalho de campo em
Tete nos moldes em que estava inicialmente planificado. Tendo em considerao o lugar-
comum do papel estratgico de frica para Portugal, a atitude do Ministrio da Educao
de Portugal desde 2005 em relao a esta investigao caracteriza a negao desse
desiderato. As atitudes responsabilizam quem as toma.
iv
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
Uma palavra de agradecimento Fundao para a Cincia e a Tecnologia (FCT) que, por
diversas vezes, financiou iniciativas importantes para o meu percurso de investigador nos
ltimos anos.
Em ltimo lugar, mas no menos importante, agradeo Fundao Luso-Americana para o
Desenvolvimento (FLAD) o apoio financeiro que permitiu suportar parte dos custos com
as viagens a Moambique em 2004.
Aos aqui referidos e a todas as pessoas e instituies que esto omissos e que me apoiaram
nesta investigao, os meus sinceros agradecimentos.
Gabriel Mith Ribeiro
Lisboa, Outubro de 2008
v
Agradecimentos
vi
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
NDICE
INTRODUO................................................................................................................................................................ 1 I PARTE TEORIA E METODOLOGIA...................................................................................................................5 1. Um ponto de partida..................................................................................................................................................7 2. A dimenso subjectiva da poltica.......................................................................................................................15 3. Perspectiva terica e instrumentos de anlise................................................................................................19
3.1. O conceito de representaes sociais: themata, comunicao, tempo e senso comum................ 20 3.2. Representaes sociais, cultura poltica e atitudes ............................................................................. 32 3.3. A cultura poltica ........................................................................................................................................... 37 3.4. As atitudes...................................................................................................................................................... 43 3.5. O estado .......................................................................................................................................................... 46
4. O estudo do pensamento social em frica e em Moambique .................................................................... 57 4.1. Uma perspectiva sobre frica.................................................................................................................... 57 4.2. Estudos sobre Moambique: hiptese de sistematizao................................................................... 67
5. Tete: provncia e cidade (Moambique) ............................................................................................................ 73 5.1. A regio de Tete ............................................................................................................................................ 73 5.2. A cidade de Tete ........................................................................................................................................... 86
6. O trabalho de campo ............................................................................................................................................. 99 6.1. A escolha dos entrevistados em 2004..................................................................................................... 101 6.2. A categoria social em estudo ................................................................................................................... 103 6.3. O registo e tratamento de dados............................................................................................................ 107
ENTRE TEORIA E EMPIRIA...................................................................................................................................111 7. Notas historiogrficas: uma introduo.......................................................................................................... 113 8. O estado em Moambique na longa durao ................................................................................................... 115
8.1. A constituio do estado no sculo XIX................................................................................................. 1168.2. A poltica colonial do Estado Novo.......................................................................................................... 122 8.3. O eplogo colonial e a luta pela independncia ..................................................................................... 126 8.4. A primeira repblica ps-colonial (1975-1992/4) ............................................................................... 134 8.5. A segunda repblica ps-colonial (desde incios dos anos 90) ......................................................... 143
9. Nota de abertura da anlise emprica (II a V partes) ................................................................................ 151
vii
ndice
II PARTE REPRESENTAES SOCIAIS DA POCA COLONIAL .......................................................... 153 10. Notas preliminares: atributos salientes da colonizao........................................................................... 155 11. Apropriao da herana civilizacional europeia........................................................................................... 157
11.1. O mal necessrio ......................................................................................................................................... 16511.2. Eles civilizaram-nos ................................................................................................................................... 170 11.3. Vida material e reelaboraes da colonizao .................................................................................... 173
12. Estado versus igrejas........................................................................................................................................ 179 13. Ns e os out os: o papel simblico das fronteirasr ..................................................................................... 183 14. Colonialistas portugueses e ingleses: a salincia do racismo.............................................................. 195 15. As caractersticas da sociedade ....................................................................................................................205 16. Colonialismo sem herdeiros polticos ........................................................................................................ 213 III PARTE REVOLUO E PENSAMENTO SOCIAL (1974-1975).......................................................... 217 17. As representaes sociais geradas na transio poltica (1974-1975) ................................................ 219 18. Aplicao emprica de uma teoria...................................................................................................................229 19. Ancoragem e objectivao do novo ................................................................................................................235
19.1. Ancoragem da nova representao social ............................................................................................235 19.2. Objectivao: a Frelimo tornada essncia ..........................................................................................248
20. A nova elite de um povo e de um estado velhos .........................................................................................265 IV PARTE O QUE PERMANECEU......................................................................................................................275 21. Um estado conservador ....................................................................................................................................277 22. Estado e mundo rural: relao com forte significado ..............................................................................283 23. Representaes sociais da ordem pblica ................................................................................................... 291 24. Estado, indivduo e propriedade.....................................................................................................................295 25. Moambique: um caso de continuidade histrica .......................................................................................299 V PARTE REPRESENTAES SOCIAIS DO PERODO PS-COLONIAL.............................................307 26. O perodo ps-colonial: nota de abertura ....................................................................................................309 27. Sintoma da guerra ..............................................................................................................................................311 28. Estado: a representao social de uma palavra .........................................................................................325
28.1. Relao de alteridade entre o poder e o povo....................................................................................325 28.2. Onde comea e onde acaba o estado? ................................................................................................329 28.3. Separar o Partido do estado sem discriminar o pblico do privado ...........................................333
29. Atributos do lder ou atributos do estado?................................................................................................343 29.1. Machel, Chissano, Guebuza e Dhlakama...............................................................................................353
30. Representaes sociais da participao eleitoral...................................................................................... 381 30.1. A bondade das eleies ...........................................................................................................................383 30.2. Participao eleitoral: contradies e especificidades .................................................................384 30.3. Democracia: uma palavra com valor .....................................................................................................396
CONCLUSES ...........................................................................................................................................................403 BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................................................433 ANEXOS .....................................................................................................................................................................457 Anexo da I parte Guio, dados estatsticos e sociogrficos das entrevistas (2004). ........................459 Anexo da II parte Excertos de discursos sobre a poca colonial ............................................................485 Anexo da III parte Excertos de discursos sobre a transio para o ps-colonial ..............................503 Anexo da IV parte Excertos de discursos sobre continuidades entre o colonial e o ps-colonial ...509 Anexo da V parte Excertos de discursos sobre o perodo ps-colonial................................................... 517 Curriculum vitae do candidato .553
viii
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
INTRODUO
O estudo que se apresenta surge na sequncia de outro que decorreu entre 1997 e 20001.
Ento ficou a ideia de se ter enveredado por um domnio da investigao acadmica
praticamente inexplorado na perspectiva a que nos propusemos: analisar a dimenso
poltica do pensamento social em Moambique partindo, essencialmente, de dois
conceitos: o de cultura poltica e o de representaes sociais. De 2001 em diante demos
continuidade a essa primeira investigao que, vista aos olhos de hoje, no foi mais do que
uma fase preparatria de um percurso agora um pouco mais consolidado.
Da primeira para a segunda pesquisa corrigimos enfoques estruturais no sentido de assumir
de modo explcito e coerente uma posio epistemolgica de tendncia construtivista. No
plano terico a consequncia essencial foi a inverso dos termos: a primazia passou do
conceito de cultura poltica de Gabriel Almond e Sidney Verba2 para o conceito de
representaes sociais de Serge Moscovici3. Essa foi uma inverso decisiva, no s pela
rigidez normativa da proposta de Gabriel Almond e Sidney Verba, como tambm porque
um investimento persistente no conceito proposto por Serge Moscovici revelou-se
profcuo. Por outro lado, ainda no plano terico, outros dois instrumentos analticos foram
introduzidos: o de objecto de atitude a partir da definio proposta por Shelly Chaiken e
Alice Eagly4 e o modelo tripartido atravs do qual Albert Hirschman enquadra a aco
social (exit, voice & loyalty)5. Ao nvel da operacionalizao da abordagem, reforou-se o
conceito de estado6 por se tratar do referente central na delimitao do que se entende por
poltico na investigao. Caminhmos, desse modo, para a consolidao de um modelo de
anlise que marca diferenas qualitativas em relao pesquisa anterior para o mestrado7.
No plano metodolgico, mantivemos o trabalho de campo assente em entrevistas semi-
directivas que permitiam captar, nos discursos do senso comum, temas associados aco
do estado em Moambique desde o perodo colonial actualidade. Tambm houve, a esse
1 Ribeiro 2000. 2 Almond & Verba 1989 [1963], pp.1-44. 3 Moscovici 2000 [1984]; Moscovici & Vignaux 2000 [1994]. 4 Chaiken & Eagly 1993. 5 Hirschman 1970. 6 Bayart 1989; Idem 1996; Weber 1978 [1922]. 7 Ribeiro 2000.
1
Introduo
nvel e aps uma nova fase exploratria em 2003, uma mudana de enfoque em 2004. At
ento as recolhas empricas haviam decorrido em diferentes espaos do pas (nas
provncias de Maputo, Tete e Nampula, em espaos rurais e urbanos, com uma ida pontual
cidade de Lichinga na provncia do Niassa). Em 2004, para uma mais eficaz ancoragem
da pesquisa na realidade emprica, optmos pela focalizao num espao especfico: a
cidade de Tete. Essa constituiu a etapa mais importante das recolhas empricas. Realizmos
ainda um trabalho de campo complementar na cidade e em vrios distritos da provncia de
Tete em 2008 que permitiu validar, corrigir e complementar os dados anteriormente
recolhidos.
As vantagens metodolgicas que justificaram a focalizao na cidade de Tete tm a ver no
s com o facto de termos trabalhado continuamente nesse espao desde 1997, como
tambm porque as suas caractersticas (uma cidade pequena do centro-interior/noroeste do
pas onde o estado tem mantido uma presena forte desde a poca colonial) permitiam
delimitar com o rigor necessrio um universo de anlise. Os objectivos eram, por um lado,
captar a maior diversidade possvel do pensamento de determinado tecido social (a cidade
de Tete) e, por outro lado, analisar as caractersticas das representaes sociais sobre o
poltico que era possvel detectar nessa diversidade.
Assim sendo, o presente estudo de caso encontra as suas especificidades no s na
perspectiva analtica elaborada, nem apenas por se focalizar numa determinada realidade
emprica, mas tambm porque articula a diversidade social de um espao especfico no
contexto nacional (a cidade de Tete) com um referente do pensamento social que remete
precisamente para a formao territorial nacional (o estado em Moambique). Ou seja,
estar em anlise a dimenso poltica do pensamento social referenciado ao estado em
Moambique, a partir de um trabalho de campo levado a cabo, na sua essncia, na cidade
de Tete.
Nesta como na anterior investigao existe a conscincia de no se ter produzido nada de
definitivo. Na verdade, trabalhar a dimenso subjectiva do social, em particular a dimenso
poltica do pensamento social, faz perceber, ao mesmo tempo, por um lado, a fragilidade e
falibilidade dos instrumentos de anlise disponveis e, por outro lado, que a sociedade na
qual tm incidido as pesquisas est longe de corresponder a um tecido social sedimentado.
2
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
As dinmicas de recomposio social e poltica do ltimo meio sculo em Moambique
arriscam a que se desactualizem com relativa rapidez as anlises que tomam o poltico por
adquirido. Propomos, por isso, apresentar como que uma fotografia de uma realidade
dinmica captada num momento preciso. E as fotografias no cristalizam as realidades
sociais. As ltimas so intrinsecamente dinmicas e radicalmente autnomas.
Se esse conjunto de pressupostos implica estar-se perante uma investigao que s pode ter
a ambio de ser exploratria, essa tambm uma garantia da existncia de um terreno
social apelativo para a continuidade de pesquisas desta natureza. No menos relevante, o
trabalho tenta ainda contribuir para que se reforcem os debates tericos no mbito dos
estudos africanos. No basta afirmar que os instrumentos de anlise existentes so
inadequados para as sociedades africanas porque as ltimas so especficas. necessrio
test-los em estudos de caso para avaliar as suas potencialidades e limitaes. Nesse
sentido, apesar da sua matriz ocidental, esta pesquisa tem tambm como propsito chamar
a ateno para a pertinncia do conceito de representaes sociais no estudo das sociedades
africanas. At por se tratar de um conceito derivado de uma teoria suficientemente
consistente que pode contribuir para a consolidao de um campo de pesquisas no mbito
dos estudos africanos.
Quanto sistematizao e anlise dos dados empricos, o que se prope um percurso
(nem sempre de leitura fcil) por diversos temas identificados no material emprico, temas
esses que constituem ncleos a partir dos quais se elaboram e renovam, na actualidade,
conjuntos de representaes sociais das relaes entre o estado e as sociedades em
Moambique ao longo do tempo. uma tentativa de elaborar um mapeamento do que
existe na cabea das pessoas comuns sobre poltica. Nesses processos, se, por um lado, a
histria, as ideologias ou determinados acontecimentos constituem a matria-prima para
que os actores sociais elaborem as suas representaes do poltico; por outro lado, a
investigao encontra nos discursos do senso comum (aqueles discursos que circulam no
espao pblico e que resultam das interaces quotidianas) a fonte primordial que permite
captar de modo contextualizado o objecto de estudo.
O texto comea pela explicitao da perspectiva terica e metodolgica da investigao (I
parte). Segue-se o enquadramento no tempo e no espao da regio e da cidade em estudo
3
Introduo
(Entre a Teoria e a Empiria). Da em diante o estudo centra-se na abordagem da realidade
emprica, cujo material recolhido organizado com base numa sequncia cronolgica
iniciada com a anlise das representaes sociais do estado na poca colonial (at
1974/1975) (II parte); seguida da anlise das representaes sociais do processo de
transio para a independncia (1974-1975) (III parte); depois analisam-se as
representaes sociais que permitem sustentar a tese da continuidade entre o colonial e o
ps-colonial monopartidrio ao nvel do tipo de relacionamento entre as sociedades e o
poder que as tutela (IV parte); o estudo do material emprico termina com a anlise das
representaes sociais que se reportam aco do estado no perodo ps-colonial socialista
(1975-incios dos anos noventa) e multipartidrio (a actualidade iniciada nos anos noventa)
(V parte). Seguem-se as concluses, a bibliografia e os anexos.
4
I PARTE
TEORIA E METODOLOGIA
() there was a convergence between the Marxists and non-Marxists points of view: common knowledge is infectious, deficient and wrong. So, after the war, I reacted in a way against this point of view and tried to rehabilitate common knowledge which is grounded in our ordinary experience, everyday language and daily practices. But deep down I reacted against the underlying idea which had preoccupied me at a given moment, that is, the idea that le peuple ne pense pas,people are not capable of thinking rationally, only intellectualsare. I was grew up at a time when fascism reigned, so one could say that, on the contrary, it is intellectuals who are not capable of thinking rationally, since in the middle of the twentieth century they have produced such irrational theories as racism and nazism. () the problem for me became the following one: how is scientific knowledge transformed into common or spontaneous knowledge? () I saw the transforming of scientific knowledge into common knowledge as a possible and exciting area of study (Serge Moscovici in: Moscovici & Markov 2000 [1998], p. 228).
1. Um ponto de partida
6
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
1. Um ponto de partida
As obras tm igualmente uma dinmica prpria e imprevisvel, o que significa, que por mais elaboradas que sejam as teorias de partida, elas acabam por adquirir uma espcie de vida prpria, de onde resulta um todo final que mais um produto das circunstncias e condicionantes que da teoria (Antnio Jos Telo 2007, p.14).
O estudo do poltico tem sido dos mais apelativos no mbito da anlise social, sendo que a
perspectiva adoptada pela investigao a de considerar que quem analisa o poltico tem
de faz-lo olhando para e a partir das respectivas sociedades. Desse pressuposto decorre o
resto. Tais interesses analticos tendem a reforar-se nos perodos ou fases de alterao de
regimes polticos como tem acontecido na generalidade da frica Subsaariana desde finais
dos anos cinquenta do sculo XX, particularmente a partir das primeiras transies para as
independncias. Os processos de recomposio social e poltica em frica tm-se mantido,
desde essa altura, particularmente intensos. Constituem desafios permanentes para os
analistas de fenmenos sociais que tentam captar o sentido desses processos. Na maior
parte dos casos trata-se de tecidos sociais em transformao acelerada e, portanto, pouco
sedimentados, o que rapidamente tende a desactualizar as anlises e os instrumentos em
que se sustentam, tornando-as extraordinariamente falveis. Acrescente-se que o territrio
da maior parte dos pases hoje independentes abrange constelaes complexas e
heterogneas, o que dificulta adicionalmente as anlises orientadas para o nvel nacional.
Se podem, por isso, ser legtimas, de algum modo, as percepes de permanente
instabilidade de parte significativa das sociedades africanas, essa perspectiva torna-se
problemtica quando, a essas percepes, no se contrapem outras que busquem lgicas
de continuidade, mesmo e sobretudo na transio do colonial para o ps-colonial. Ir ao
encontro de perspectivas que apontem para uma constante interaco entre as
permanncias e as mudanas, constitui um dos desafios da investigao. Cremos no andar
longe da verdade se considerarmos que a reside um dos maiores interesses de
investigaes que versem sobre o social. Por seu lado, o terreno emprico para tais
pesquisas em sociedades da frica Subsaariana pode resumir-se a: vastido, riqueza e
complexidade.
7
1. Um ponto de partida
Obedecendo as anlises do poltico, nos mais diversos contextos, a um elevado potencial
de seduo, at pela sua complexidade e subjectividade, em frica quando a abordagem do
poltico se referencia ao estado, remetendo desse modo para as formaes territoriais
nacionais, s caractersticas que os processos sociais de natureza poltica envolvem,
importante acrescentar outras. Nomeadamente aquelas que apontam para o cruzamento
entre o endgeno e o exgeno; entre a herana colonial e as tradies autctones; entre
situaes onde o rural parece absorver o urbano; outras onde o urbano parece ganhar
ascendncia sobre o rural; entre fluxos migratrios permanentes, sazonais, conjunturais,
tanto internos quanto externos; entre contextos onde se sobrepem e complementam
mundos diferentes (um cosmopolita, outro regional e outro virado para o isolamento nos
espaos ancestrais), com actores sociais capazes de interagir nos diversos contextos; entre
dimenses da vida social como a religio, a poltica, os laos de parentesco ou vida
econmica separadas por referentes demasiado tnues. Esta listagem aleatria seria
interminvel.
Porm, o que se pretende sublinhar que a diversidade no interior das formaes sociais
africanas conceito que remete para a noo de indivduos ligados entre si por uma rede
de inter-relaes concretas historicamente constitudas, independentemente do seu grau de
complexidade8 obriga a precaues analticas que evitem abordar esse universo (ou esse
conjunto de universos) de forma indiscriminada, difusa ou por simples mimetismos a partir
de outros tipos de sociedade.
Opes tericas e metodolgicas conscientes, por um lado; e a ancoragem das pesquisas
num contexto social especfico (determinvel a partir de critrios como os que remetem
para referentes geogrficos, pertenas tnicas, religiosas ou polticas, por exemplo), por
outro lado constituem duas linhas fundamentais na estruturao da investigao que
permitem enquadr-la com relativa preciso. Uma preocupao de raiz a procura da
eficcia analtica pela construo de uma lgica interpretativa coerente ao longo do texto.
Inteno tanto mais relevante quanto a focagem da anlise incide sobre um domnio do
social que, por muito que se tente delimitar, no deixa de ser incomensurvel, subjectivo,
complexo, contraditrio: a dimenso poltica do pensamento social.
8 Cf. Gresle 1999, p.235.
8
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
Na I parte do texto far-se-o, no incio, algumas consideraes tericas. Depois uma
abordagem exploratria de algumas investigaes em domnios prximos do estudo do
pensamento social sobre o poltico. Ficar para o ponto seguinte a apresentao da
realidade emprica em estudo (a cidade e a regio de Tete Moambique). Por ltimo, uma
reflexo de cariz metodolgico sobre o trabalho de campo.
As clarificaes tericas e metodolgicas constituem uma componente essencial. Todavia,
deve ser sublinhado que o texto no tem a ambio de se centrar nesse tipo de
problemticas. Pretende-se apenas recorrer de modo pragmtico a um conjunto de
conceitos disponvel no mercado das ideias, conferir articulao a esse conjunto em funo
dos objectivos da investigao e explicitar os suportes metodolgicos do trabalho. , por
isso, importante que o leitor distinga, no texto, o que meramente instrumental (a
componente terica e metodolgica) do que essencial (o estudo de uma realidade
emprica especfica). Se um no pode existir sem o outro, e tendo em conta que a dinmica
entre eles implica um condicionamento mtuo (tanto pode ser a teoria a condicionar as
percepes da realidade social como o inverso), opta-se conscientemente por privilegiar a
realidade social, o que confere investigao o carcter de estudo de caso eminentemente
emprico.
Sublinhe-se, nesse sentido, que o trabalho procurou distanciar-se do que se pode estar a
tornar um lugar-comum entre os africanistas, concretamente a ideia de que os quadros
tericos e conceitos considerados de matriz ocidental no serem aplicveis s sociedades
africanas. Se tal pressuposto contm uma verdade parcial evidenciada pelas dificuldades
agregadas transposio acrtica de modelos e conceitos de umas sociedades para outras,
torna-se problemtico se tais preocupaes, ainda que legtimas, tenderem a induzir os
investigadores a no se preocupar com debates e aprofundamentos tericos continuados
nos estudos africanos, como em qualquer rea do saber. Essa uma via essencial para que
as abordagens ganhem sustentabilidade.
Chamando desde j a ateno para o papel central que um conceito de matriz ocidental o
conceito de representaes sociais desempenhar neste estudo sobre uma sociedade
africana, til parafrasear o autor e principal terico do conceito, Serge Moscovici: To
9
1. Um ponto de partida
clarify my view, I should perhaps simply state my preference for any theory to absence
of theory9. Frase significativa tambm por ter sido escrita em 1972 quando Serge
Moscovici buscava ainda um rumo que considerava inexistente na psicologia social e antes
de, em 1984, publicar o texto em que elaborava de forma consequente o conceito de
representaes sociais. Exemplo de como o enfoque nas questes tericas levou a que se
constitusse uma rea de pesquisa relativamente slida como hoje a das representaes
sociais. A situao permite ilustrar a importncia da agenda africanista ser pautada por
ambies de natureza equivalente.
Embora existam, nos estudos africanos, contributos nesse sentido de diferentes reas
(antropologia, histria, sociologia, economia, cincia poltica), a verdade que se continua
longe de um esforo de coeso analtica que permita autonomizar a anlise terica (e
conceptual) das abordagens empricas propriamente ditas. Nesse mbito, o estudo do
poltico em frica constitui um dos domnios em que se revelam, de modo particular,
algumas fragilidades. A questo manifesta-se com especial acuidade quando se pretende
estudar a dimenso subjectiva do poltico, a que tem a ver com o pensamento social.
Uma tentativa de equacionar de modo consequente essas questes, quer reconhecendo os
problemas tericos e metodolgicos dos estudos africanos, quer tentando avanar com um
espao relativamente slido de reflexo e de lanamento de bases para se ultrapassar, na
medida do possvel, o statu quo, foi o projecto Recomposio dos espaos polticos na
frica Lusfona. Envolveu investigadores que trabalham sobre Angola, Moambique,
Guin-Bissau, S. Tom e Prncipe e Cabo Verde10.
Da dinmica imprimida entre 2000 e 2005, com enquadramento institucional do Centro de
Estudos Africanos (CEA) do ISCTE11 em Lisboa, possvel fazer um balano positivo. Os
9 Moscovici 2000 [1972], p. 103. 10 Projecto de investigao foi financiado pela Fundao para a Cincia e a Tecnologia (FCT). Decorreu no
Centro de Estudos Africanos (CEA) do Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Empresa (ISCTE Lisboa) entre 2000 e 2005. Eram membros e investigadores Franz-Wilhelm Heimer (coord. Alemanha/Portugal), Nelson Pestana (Angola), Elsio Macamo (Moambique), Carlos Cardoso (Guin-Bissau), Antnio Correia e Silva (Cabo Verde), Arlindo Carvalho (S. Tom e Prncipe), Elisete Marques da Silva (Portugal/Angola) e Gabriel Mith Ribeiro (Portugal/Moambique).
11 Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da Empresa.
10
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
debates internos que envolveram os oito elementos do projecto referido foram bastante
profcuos, consistentes, persistentes no tempo e lanaram linhas de continuidade12.
Esta investigao tenta rentabilizar alguns dos ganhos conseguidos ou consolidados no
mbito desse projecto. Conferir articulao a um conjunto que envolvia diversos
investigadores, com formaes de base diferentes na rea das cincias sociais, interessados
em analisar sociedades africanas distintas e com perspectivas diversificadas para a
abordagem do poltico acabou por ser um mecanismo de presso que conferiu papel
central teoria e metodologia, pois isso possibilitava aproximaes progressivas em
torno de referentes comuns e consensuais, indispensveis aferio da produo
intelectual de cariz acadmico. Tomou-se conscincia da importncia desse tipo de
preocupaes nos estudos das sociedades africanas.
Ficou claro equipa do projecto que partir para abordagens analticas assentes em estudos
de caso sem uma preocupao problematizante a anteceder-lhe, comportava, pelo menos,
dois riscos muito presentes nos estudos africanos: por um lado, o da atomizao ou
fragmentao das abordagens (cada caso um caso, num continente marcado pela
diversidade no s entre os pases, mas tambm no seu interior); por outro lado, o do
mimetismo atravs da transposio de linhas de anlise testadas noutros contextos (as
abordagens por analogia).
A nossa opo metodolgica () limita de forma drstica as opes tericas. Noutros termos, () no d o poltico por adquirido. Antes pelo contrrio, parte de dois pressupostos: o primeiro consiste na ideia de que a realidade social se constitui atravs da aco dos indivduos. Nesse sentido, o poltico apenas passvel de observao a partir da aco que o constitui. O segundo v no poltico um processo sempre em constituio, no podendo, por isto, ser uma essncia perene13. () No primeiro caso, isto , na histria por analogia, o interesse analtico est virado para a descrio de aspectos sociolgicos que tornam as unidades sociais africanas diferentes das ocidentais. Com base nessas diferenas nega-se a estas sociedades a possibilidade de uma democratizao segundo o padro ocidental. As formas polticas africanas ganham no contexto desta histria por analogia o carcter de uma anomalia. () No segundo caso, a saber o poltico como artefacto de constrangimentos estruturais, a anlise parte de unidades conceptuais previamente definidas, que impem formas de conduta e limitam a compreenso das opes dos actores sociais. A sociedade, o Estado e a economia surgem neste contexto como quadros de aco independentes da vontade, anseios e intenes dos actores sociais. Estes no exercem
12 Cf. Cardoso et alii 2002. 13 Serge Moscovici aponta no mesmo sentido: I have tried to show that there is a functionalist model
underlying the theories of knowledge and influence in social psychology, and I thought that it should be replaced by the genetic model; that is to say, by a model which considers society as a more or less structured network and which views relationships as in the making, not as already made. In this model, social influence is viewed as a reciprocal action or negotiation, not as a form of pressure exerted by the group or the individual to re-establish the equilibrium (Moscovici in: Moscovici & Markov 2000 [1998], p.272).
11
1. Um ponto de partida
nenhuma influncia sobre estes quadros de aco, mas submetem-se sua vontade. () As abordagens dominantes em frica no vo para alm de uma descrio. Qualquer explicao que tentam fazer tem a tendncia de ser circular ou pouco relevante. Ora, a anlise sociolgica no se define apenas pela sua capacidade de fazer constataes, mas sim, e sobretudo, pelo seu potencial explicativo. Com efeito, a anlise sociolgica procura explicar porque que o fenmeno social se apresenta como ele se apresenta. Essa explicao normalmente diacrnica.14
Sublinhe-se ainda que se est perante um esforo de convergncia inicial que se traduzir
em compromissos constatveis nos percursos de cada investigador, uma espcie de agenda
prvia para ser respeitada, reinterpretada, renovada de modo consciente. No s a agenda
em si que est em causa, mas o prprio debate sobre os seus significados e alcances.
Recusar a perspectiva do social enquanto produto acabado, dado que a percepo do social
oscila entre algo esttico ou, em sentido contrrio, transformando-se com base num
percurso teleolgico de um determinado estdio a outro (por exemplo, no plano poltico,
do tradicional para o autoritrio e deste para o democrtico); recusar a anlise definitiva;
ou evitar a generalizao abusiva. Em contrapartida, perceber as lgicas de regulao
social partindo da perspectiva dos actores sociais envolvidos, nas suas especificidades e
contradies, sem a mera preocupao de confirmar pr-conceitos ou pr-definies que
procuram nas sociedades africanas aquilo em que elas obedecem, manifestam
insuficincias ou falham em relao a modelos de matriz ocidental; manter as anlises ao
nvel do possvel, do que pode ser empiricamente constatvel, e no ao nvel do que
hipoteticamente seria desejvel15. Portanto, busca-se um conjunto de procedimentos que
permitam ultrapassar anlises efmeras, com a conscincia de que a renovao permanente
das sociedades africanas na negociao da sua modernidade16 implica uma renovao
tambm contnua dos estudos sobre essas mesmas realidades.
O presente estudo de caso tomou como ponto de partida as linhas gerais do projecto
Recomposio dos espaos polticos na frica Lusfona e assume ser essa uma decisiva
base de trabalho. Direccionou-as para a especificidade desta investigao: a dimenso
subjectiva do social, isto , a dimenso poltica do pensamento social. Quando no se d o
poltico por adquirido; quando se considera que a realidade social , antes de mais, uma
realidade dinmica que se constitui pela aco social dos indivduos, a partir da qual se
produz e permanentemente se reelabora o poltico; assim sendo, a vastido e complexidade
14 Cardoso et alii 2002, pp.11, 15 e 17. 15 Essas preocupaes estiveram muito presentes nas intervenes do coordenador, Franz-Wilhelm Heimer. 16 Cf. Macamo 2005.
12
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
do que est em causa obriga a outras clarificaes com vista a uma focagem progressiva no
objecto de estudo, de modo a conferir eficcia analtica investigao.
disso que tratam os pontos seguintes.
13
1. Um ponto de partida
14
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
2. A dimenso subjectiva da poltica
Dizer que no h verdade absoluta, que todo o conhecimento, cientfico ou no, adopta um ponto de vista particular, uma coisa. Deduzir da que, por esta razo, todos os conhecimentos se equivalem uma outra coisa (Luc van Campenhoudt 2003 [2001], p. 38).
A primeira das clarificaes consiste em distinguir analiticamente duas dimenses. Por um
lado, a dimenso comportamental do poltico que corresponde s prticas dos actores
sociais. Albert Hirschman prope um olhar especfico sobre elas, considerando que a sua
captao enquanto objectos de anlise acontece em organismos ou instituies formais
e/ou informais que agregam os indivduos e nas quais eles participam sempre (por aco ou
por omisso, de acordo com um modelo tripartido: exit, voice & loyalty): estado, partidos
polticos, empresas, organizaes religiosas, associaes cvicas, famlias, etc.17. Por outro
lado, a dimenso subjectiva do poltico que tem a ver com o pensamento social (tambm
designado, de acordo com a perspectiva de Serge Moscovici, por pensamento de senso
comum), isto , como que os actores sociais inseridos em contextos especficos pensam a
poltica (ou, em sentido mais amplo, como constroem socialmente a realidade18). Dito de
modo coloquial, no ltimo caso procura-se saber o que est na cabea das pessoas comuns
sobre poltica. precisamente esta segunda dimenso que nos interessa de modo
especfico.
evidente que no possvel estabelecer barreiras estanques entre o pensamento social e
as prticas sociais. Desse modo e desde logo, pretendemos evidenciar a conscincia da
existncia dessas duas dimenses. No sendo possvel pr de lado as prticas sociais, elas
aparecero, na nossa investigao, tanto quanto possvel, num plano secundrio em relao
ao pensamento social.
Serge Moscovici, num texto relativamente recente (Moscovici 1998), tendo em conta a
longa maturao das suas reflexes que se estenderam por quatro dcadas, e embora no
17 Hirschman 1970. 18 Cf. Berger & Luckmann 1999 [1966]; Moscovici 2000 [1984], pp. 64-65.
15
2. A dimenso subjectiva da poltica
versando de modo especfico o poltico, prope uma perspectiva interessante sobre o que
est em causa quando se aborda o pensamento social:
First, individuals are not monophasic, capable of only one privileged manner of thinking, with other ways being accessory, pernicious, even useless survivals of early ones. Second, in our psychological theory, we suppose, as did August Comte, that eventually one single form of thought, that is, science, will prevail and the rest will die out. Such is the law of progress and of rationalization. Now there is no reason why, in the future, only one form of true thinking should predominate, logos being definitely substituted for mythos, since, in every known culture, several forms of thinking coexist. In short, cognitive polyphasia, the diversity of forms of thought, is the rule, not the exception. () The hypothesis of cognitive polyphasia assumes that our tendency to employ diverse and even opposite ways of thinking such as scientific and religious, metaphorical and logical, and so on is a normal state of affairs in ordinary life and communication. Consequently, the logical or cognitive unity of our mental life, which is taken for granted by most psychologists, is a desideratum, not a fact19. , portanto, a complexidade do pensamento e do conhecimento de senso comum que esto
em causa. Por isso, isolar, na medida do possvel, a dimenso subjectiva do social (ou o
pensamento social) e, dentro dela, a dimenso poltica, constituem opes preliminares
importantes, algo que tentaremos clarificar ao longo da I parte do texto.
Uma segunda clarificao que se pretende estabelecer de incio, dado estarem em causa
objectos polticos, a que separa, ao nvel do pensamento social, as representaes sociais
das ideologias (em especial das ideologias dominantes)20. As primeiras tm a ver com os
universos consensuais ou com a afiliao e implicam um papel activo dos actores sociais;
as ltimas tm a ver com os universos reificados ou com a alienao e implicam a
imposio de vises parcelares de determinados segmentos sociais ou instituies sobre os
restantes21. Portanto, as ideologias sero importantes apenas e na medida em que fornecem
matria-prima para as representaes sociais22. So as ltimas que verdadeiramente
interessam pesquisa.
19 Moscovici 2000 [1984], pp. 242 e 245. 20 Cf. Heywood 2003 [1992/1998]; Flick 1998; Bar-Tal 2000. 21 Cf. Moscovici & Markov 2000 [1998], pp. 237 e segs. 22 The denial that society thinks can assume () that groups and individuals are always and completely
under the sway of a dominant ideology which is produced and imposed by their social class, the State, the Church or the school, and that what they think and say only reflects such an ideology. In other words, it is maintained that they dont as a rule think, or produce anything original, on their own: they reproduce and, in turn, are reproduced. () So what we are suggesting is that individuals and groups, far from being passive receptors, think for themselves, produce and ceaselessly communicate their own specific representations and solutions to the questions they set themselves. () Events, science and ideologies simply provide them with food for thought (Moscovici 2000 [1984], pp.29-30).
16
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
A terceira e ltima clarificao preliminar tem a ver com os conceitos que permitem captar
o lado subjectivo da poltica. Quando se refere a existncia de preocupaes tericas, a
investigao estabelece partida uma limitao: pe de lado discusses meta-tericas ou
de paradigmas e centra-se de modo muito limitado, por um lado, em torno de conceitos que
permitem captar a realidade emprica que suporta o estudo de caso (o pensamento social
sobre o poltico na cidade de Tete Moambique) e, por outro lado, os diferentes conceitos
que sustentam o estudo s fazem sentido se permitirem uma utilizao articulada e
consequente. Caso contrrio, aumentam os riscos de desarticulao, de contradio e de
disperso em que uma investigao sobre a dimenso subjectiva do social invariavelmente
incorre. Se no se pode fugir a tais riscos, ao menos que se tentem limitar os seus efeitos.
17
2. A dimenso subjectiva da poltica
18
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
3. Perspectiva terica e instrumentos de anlise
No so as conexes materiais das coisas massim as conexes conceptuais dos problemas, que constituem a base da delimitao dos domnios do trabalho cientfico (Max Weber [1904], A objectividade do conhecimento nas cincias sociais e em poltica social in: Cruz 2004, p.619).
A investigao parte de uma posio epistemolgica de tendncia construtivista. Importa,
por isso, sublinhar que se considerar o social enquanto realidade em construo
permanente tendo em conta o papel do conhecimento nessa construo23. Desse modo, a
realidade social, e dentro dela os processos polticos, resulta sempre da aco colectiva.
Foi esse ponto de partida que condicionou o que central na investigao, a saber: a
seleco dos instrumentos de anlise; o modo como cada um desses instrumentos foi
utilizado e, em conjunto, como foram organizados num todo coerente em funo dos
objectivos da pesquisa; a definio de linhas de indagao da realidade emprica; e a
apresentao dos resultados.
Pelo seu significado para o estudo, clarificamos, desde j, o sentido com que se utilizaro,
ao longo do texto, trs termos: sociedade, formao social e tecido social. O termo
sociedade serve para captar a abrangncia de uma realidade social o que implica a
referncia a determinados nveis identificados atravs de sistemas de relaes de ordem
poltica, econmica, religiosa e, num plano mais geral, cultural. Formao social reporta-se
a uma sociedade concreta ou histrica (que de facto existiu ou existe) como, por exemplo,
o feudalismo europeu que identificado atravs de formaes sociais precisas (inglesa,
francesa ou alem). De qualquer modo, quando utilizados de forma heurstica, esboroa-se a
diferena entre os termos sociedade e formao social. Quanto ao termo tecido social
assinala uma realidade social complexa que resiste reduo a um s princpio estruturante
(como classe, estrato, etnia, casta, etc.)24.
23 Berger & Luckmann 1999 [1966]. 24 Cf. Akoun 1999.
19
3. Perspectiva terica e instrumentos de anlise
3.1. O conceito de representaes sociais: themata, comunicao, tempo e senso
comum
A teoria das representaes sociais constitui o ponto de partida em torno do qual foi
construdo o modelo de anlise subjacente investigao. Trata-se de uma teoria
sustentada num conjunto de reflexes estruturadas, com destaque para as propostas de
Serge Moscovici25, que nos faculta um quadro analtico com forte potencial para
consolidar um campo de pesquisas sobre o pensamento social em frica.
Dada a complexidade que a teoria assumiu, e no sendo o nosso propsito aprofundar essa
perspectiva, mas antes seleccionar e conferir coerncia ao que serve a nossa investigao,
optmos por sistematizar o conceito de representaes sociais tendo em conta o
subconceito de themata e seleccionando trs pressupostos dos quais dependem as
representaes sociais enquanto fenmenos cuja existncia empiricamente verificvel: os
intercmbios comunicativos; a dimenso tempo; e o senso comum.
Apesar da extensa produo escrita que remonta aos anos sessenta do sculo XX, os dois
textos fundamentais da teoria foram elaborados por Serge Moscovici, o seu criador e
principal terico, no intervalo de uma dcada. Primeiro atravs da sistematizao do
conceito de representaes sociais (1984) e, mais tarde, complementado pelo subconceito
de themata (clarificado em 1993/1994 em parceria com Georges Vignaux). O ltimo texto
retomou as teses centrais do primeiro e acrescentou a definio dos themata (plural de
thema, do grego).
Embora Serge Moscovici designe os themata por conceito no ttulo do artigo, mas ao no
lhe conferir a mesma importncia para a teoria que confere ao conceito de representaes
sociais, consideramos themata um subconceito. O ltimo no se apresenta como um
instrumento de anlise autnomo, dado que s existe e s funcional quando considerado
enquanto aspecto especfico do conceito mais vasto e autnomo de representaes sociais.
Ou seja, quando se abordam os themata est a abordar-se o conceito de representaes
sociais propriamente dito. O mesmo vale para outros termos associadas ao conceito que
25 Moscovici 2000. Cf. Vala 1993 & 1997; Duveen 2000; Minayo 1999; Moscovici 1999 [1994]; Baczko
1985a e 1985b.
20
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
apresentaremos de seguida (os intercmbios comunicativos, a dimenso tempo e o senso
comum).
A ideia inicial com que se deve ficar do conceito de representaes sociais que ele
permite captar a forma como os actores sociais constroem, no domnio do pensamento
social, a sua prpria realidade26. As representaes so factores produtores da realidade,
dado que as dinmicas sociais condicionam as representaes e em funo destas que os
indivduos interpretarem o mundo que os rodeia, determinando em grande parte as
respostas ao que julgam ter acontecido27.
() it is no longer appropriate to consider representations as a replica of the world or a reflection of it, not only because these positivist conception is the source of numerous difficulties, but also because representations also evoke what is absent from this world, they form it rather more than they simulate28.
Dito por outras palavras, uma representao no se limita apenas a ser o reflexo de um
objecto na mente dos indivduos, mas tambm a criao do prprio objecto para o
sujeito29. As representaes sociais tm a ver com o conhecimento colectivamente gerado,
partilhado e reelaborado30, isto , com conhecimento que os actores sociais produzem a
partir das interaces que constituem a essncia da aco social.
26 Cf. Berger & Luckmann 1999 [1966]. 27 Vala 2002, pp. 461-463. Cf. Heimer et alii 1990, p. 20. Nas palavras de Moscovici: () social
representations determine both the character of the stimulus and the response it elicits, just as in particular situation they determine which is which. () It is quiet clear that the situation determines both the questions we will ask and the answers these will elicit (Moscovici 2000 [1984], pp. 70-71). Berger & Luckmann referem, por seu lado, que a () relao entre o conhecimento e a sua base social dialctica; isto , conhecimento um produto social e conhecimento um factor de transformao social. (Berger & Luckmann 1999 [1966], p.96).
28 Moscovici 2000 [1998a], p.154. 29 Cf. Moscovici 2000 [1998a], pp.131 e segs. 30 Cf. Berger & Luckmann 1999 [1966]; Durkheim 1982 [1895]; Idem 1974 [1898]. Segundo Gerard
Duveen (2000, pp. 6 e segs.) foi da separao entre as representaes colectivas e as representaes individuais com gnese em Durkheim que derivou uma tendencial separao entre a psicologia (que trataria das representaes individuais) e a sociologia do conhecimento (que teria como objecto as representaes colectivas), perspectiva que o conceito de representaes sociais de Moscovici tenta ultrapassar. A diferenciao deixou de fazer sentido dado que o individual e o colectivo mantm uma interaco permanente e, por isso mesmo, no retommos o conceito de Durkheim de representaes colectivas, optando pelo conceito de representaes sociais. Sublinhe-se que o construtivismo (nomeadamente a produo terica que nos interessa relacionada com o pensamento social, cf. Berger & Luckmann 1999 [1966]; Moscovici 2000) visa, precisamente, ultrapassar esquemas dualistas que, ao privilegiarem inevitavelmente uma ou outra dimenso, assumiam carcter artificial, conduzindo as perspectivas de anlise do social a um impasse, como acontecia com o pensamento de Marx (infra-estruturas versus superstruturas)
21
3. Perspectiva terica e instrumentos de anlise
Individuals and groups create representations in the course of communication and cooperation. Representations, obviously, are not created by individuals in isolation. Once created, however, they lead a life of their own, circulate, merge, attract and repel each other, and give birth to new representations, while old ones die out. As a consequence, in order to understand and to explain a representation, it is necessary to start with that, or those, from which it was born. () So what we are suggesting is that individuals and groups, far from being passive receptors, think for themselves, produce and ceaselessly communicate their own specific representations and solutions to the questions they set themselves. In the streets, in cafs, offices, hospitals, laboratories, etc., people analyse, comment, concoct spontaneous, unofficial philosophies which have a decisive impact on their social relations, their choices, the way they bring up their children, plan ahead and so forth. Events, science and ideologies simply provide them with food for thought31. Tal ponto de partida reduz drasticamente os riscos de mimetismo, preocupao que tem
marcado os estudos sobre as sociedades da frica Subsaariana. As anlises por analogia
essencialmente a transposio de modelos, teorias ou conceitos de matriz ocidental para
outras sociedades constituem a negao liminar da teoria das representaes sociais,
dado que as ltimas implicam sempre o papel activo dos actores sociais. Da que a teoria se
apresente como particularmente til aos estudos africanos.
Themata
Os indivduos focalizam a sua ateno em determinados objectos que se tornam princpios
organizadores a partir dos quais se constituem ou renovam as representaes sociais. O
thema o que escolhido e privilegiado entre as mltiplas possibilidades existentes no
mundo quotidiano e que ganha, desse modo, relevncia social atravs dos discursos que
circulam no espao pblico. a seleco de determinados themata pelos prprios actores
sociais que permite conferir contedos precisos s representaes. O thema o que
caracteriza a relao entre, por um lado, aquilo que estvel e central nas representaes
(o ncleo) e, por outro lado, o que perifrico e, por isso, menos resistente presso da
comunicao e da mudana32.
Para compreender as especificidades de cada representao social (ou de conjuntos de
representaes sociais), compete aos analistas proceder com clareza identificao e
ou de Durkheim (colectivo versus individual). Cf. Moscovici in: Moscovici & Markov 2000 [1998], pp.254 e segs.
31 Moscovici 2000 [1984], pp. 27 e 30. 32 Moscovici & Vignaux 2000 [1994], pp.156-183.
22
O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
sistematizao dos diversos themata. O processo implica a definio de limites em relao
a campos j existentes ou conhecidos e a apresentao argumentativa dos objectos que
validam esses campos pelas propriedades atribudas pelos indivduos que os tornam tpicos
ou mesmo exclusivos33. Importa, desse modo, explicitar os mecanismos que fazem as
sociedades distinguir as mensagens significantes das mensagens no-significantes34.
Numa perspectiva mais ampla, consideramos que o processo referido corresponde ao
funcionamento do pensamento social. legitimo considerar que o ltimo tem a ver com
conjuntos de representaes que, por sua vez, se organizam em torno de themata. por
isso que, no vocabulrio a que recorreremos ao longo do texto, os termos dimenso poltica
do pensamento social (ou pensamento social sobre o poltico) e representaes sociais do
poltico so equivalentes.
Por outro lado, a natureza dinmica das representaes sociais tem a ver com o facto dos
themata funcionarem como ideias elementares (ou ideias primrias) assentes em
proposies ou conceitos que estabelecem entre eles relaes dialcticas explcitas ou
subentendidas, num leque infinito de possibilidades, sendo que a sua validade conferida
pela relevncia que os actores sociais lhes conferem35. Constituem exemplos elucidativos o
modo como se manifestam nos discursos do senso comum, por exemplo, as associaes
entre colono/colonizado; liberdade/opresso; sade/doena; loucura/lucidez; rico/pobre;
dominante/dominado; guerra/paz; portugueses/Frelimo ou Frelimo/Renamo; elites/povo;
etc. Compreender os sistemas de oposies das diferentes representaes sociais captar o
processo que as mantm permanentemente vivas enquanto fenmenos sociais36.
Porque a dimenso subjectiva do real que se pretende captar (o pensamento social)
comporta invariavelmente um lado opaco, obscuro, subjectivo, instvel para esses
domnios que aponta quer o subconceito de themata37, quer o conceito de representaes
33 Moscovici & Vignaux 2000 [1994], p. 178. 34 Moscovici 2000 [1984], pp.21 e segs. 35 Cf. Feliciano 1998, pp.22 e segs. 36 Cf. Moscovici & Vignaux 2000 [1994], pp.156-183, em especial pp.179 e segs. 37 Themata never reveal themselves clearly; not even part of them is definitively attainable, so much are
they intricately interwoven with a certain collective memory inscribed in language, and so much are they composites, like the representations they sustain, at once both cognitive (invariants anchored in our neurosensory apparatus and our schemes of action) and cultural (consensual universals of themes objectified
23
3. Perspectiva terica e instrumentos de anlise
sociais , a teorizao de Serge Moscovici apresenta-se, tambm ela, em elaborao
contnua. O que estvel nessa teorizao a exigncia de uma contnua interaco entre a
teoria e as realidades empricas para captar as especificidades do real. Est-se, portanto,
perante um processo de consolidao terica iniciado nos anos sessenta e que se mantm
em aberto. tambm essa caracterstica que torna a teoria congruente com perspectivas de
tendncia construtivista.
Os intercmbios comunicativos
A teoria das representaes sociais sustenta-se na importncia que atribui comunicao
enquanto caracterstica inerente aos fenmenos sociais38. Por um lado, a dinmica das
representaes depende da comunicao e, por outro lado, os intercmbios comunicativos
reflectem a natureza dos processos sociais que lhes so subjacentes39, permitindo aos
actores sociais a organizao significante do real40. Ou seja, as representaes sociais
geram juzos valorativos sobre o meio que no funcionam como algo exterior estrutura
social, mas so incorporados e objectivados por ela41.
A dispersa construo terica de Serge Moscovici que foi surgindo ao longo do tempo teve
a sorte de encontrar um analista, Gerard Duveen (2000), que organizou e publicou uma
colectnea contendo os textos essenciais da produo terica de Serge Moscovici,
compilao fundamental para a sobrevivncia de uma teorizao com essas caractersticas.
Foi Gerard Duveen quem sintetizou de modo particularmente eficaz o que est em causa:
() it is the relationship between communication and representation which is central. () In all communicative exchanges there is an effort to grasp the world through particular ideas and to project those ideas so as to influence others, to establish a certain way of making sense so that things are seen in this way rather than that way. Whenever knowledge is expressed it is for some purpose; it is never disinterested.42
by the temporalities and histories of the longue dure [itlico original]) (Moscovici & Vignaux 2000 [1994], p. 182).
38 Moscovici 2000 [1972], p.110; Moscovici in: Moscovici & Markov 2000 [1998], pp.259 e segs.; Moscovici 2000 [1998a], pp.149 e segs. Cf. Berger & Luckamnn (1999) [1966], pp.40-57.
39 Moscovici 2000 [1998a], p.152. 40 Alm da organizao significante do real, s representaes sociais so atribudas as funes: da
comunicao, dos comportamentos representacionais e da diferenciao social (Vala 2002, pp.364-367). 41 Vala 2002, p. 365. 42 Duveen 2000, p.17. Cf. Moscovici & Vignaux 2000 [1994], pp. 159 e segs.; Moscovici & Markov 2000
[1998], pp. 273 e segs.
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O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
Todavia, no plano analtico, importante existir a predisposio para separar os
intercmbios comunicativos (em particular os discursos do senso comum que circulam nos
espaos de sociabilidade) das representaes sociais propriamente ditas (ou o que est na
cabea das pessoas). Isto , mesmo que seja pouco vivel, na prtica, estabelecer uma
diferenciao entre o que os indivduos dizem e o que os indivduos pensam, no estudo do
pensamento social a dimenso do reprimido ou dos interditos (no sentido do no-dito que
se torna relevante precisamente por ser silenciado) no deve ser subestimada, o que implica
uma capacidade interpretativa por parte dos analistas capaz de ir alm do verbalmente
explcito.
A dimenso tempo ou a procura do momento original
As representaes, enquanto fenmenos sociais, tm necessariamente de ser
contextualizadas no tempo. No seu tempo de vida, mas tambm no tempo histrico das
sociedades onde se manifestam. por isso que a questo da origem das representaes
sociais o momento inicial em que se manifestaram ou as pr-representaes de onde
derivam relevante para a sua compreenso.
Essa focalizao na dimenso tempo, tendo em conta o modo como se equaciona na teoria
das representaes sociais de Serge Moscovici43, congruente com uma preocupao
recorrente nos debates sobre as sociedades da frica Subsaariana. No ltimo caso
sistemtica a tendncia de fazer derivar as anlises do social, directa ou indirectamente, das
interaces entre as heranas ancestrais africanas e os impulsos de modernidade
proporcionados pela colonizao europeia. Para o perodo ps-colonial a ltima
condicionante tem-se metamorfoseado numa srie de argumentos que tendem a
sobrevalorizar o impacto dos factores exgenos nas sociedades africanas suposta e quase
eternamente tidas como de matriz tradicional. Mesmo que mantenham alguma utilidade,
trata-se de argumentos que vo-se perpetuando desde a ocupao colonial efectiva iniciada
43 Berger & Luckmann quando propem uma teorizao para a sociologia do conhecimento, tambm
consideram essencial a dimenso tempo: O mundo da vida quotidiana estruturado tanto em termos espaciais como temporais. A estrutura espacial tem pouca importncia nas nossas presentes consideraes. () A temporalidade uma propriedade intrnseca da conscincia. () O tempo-padro pode ser compreendido como a interseco entre o tempo csmico e o seu calendrio estabelecido pela sociedade () / () A mesma estrutura temporal () coerciva. No posso inverter, minha vontade, as sequncias por ela impostas () (Berger & Luckmann 1999 [1966], pp.38-39).
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3. Perspectiva terica e instrumentos de anlise
em finais do sculo XIX e que podem e devem ser repensados. Importa questionar, na
actualidade, em que medida a matriz tradicional central ou perifrica para a percepo
dos processos polticos associados ao estado e em que medida essas caractersticas
interagem nos diferentes contextos sociais da frica Subsaariana.
Mais de um sculo passado, do qual seguramente mais de um tero corresponde ao perodo
ps-colonial, foroso reconhecer ser esse um intervalo de tempo suficientemente amplo
para que as sociedades africanas tenham sofrido recomposies profundas pautadas pela
existncia dos estados autnomos. No existem hoje, por isso, razes convincentes para
que tais sociedades no sejam abordadas, no plano analtico associado ao pensamento
social, ao nvel das demais sociedades da contemporaneidade. Os argumentos de carcter
histrico que legitimam, no caso das sociedades africanas, um tipo de anlise
essencialmente assente no contraponto entre o tradicional e o moderno, ganham acentuada
relatividade na fundamentao apresentada por Serge Moscovici para a sua teoria:
Our past experience and ideas are not dead experiences or dead ideas, but continue to be active, to change and to infiltrate our present experience and ideas. In many respects, the past is more real than the present. The peculiar power and clarity of representations that is, of social representations derives from the success with which they control the reality of today through that of yesterday and the continuity which this presupposes. () [But] The social representations with which I am concerned are neither those of primitive societies, nor are they survivals, in the subsoil of our culture, from prehistoric times. They are those of our current society, of our political, scientific, human soil, which have not always had enough time to allow the proper sedimentation to become immutable traditions. And their importance continues to increase, in direct proportion to the heterogeneity and fluctuation of the unifying systems official sciences, religions, ideologies and to the changes which these must undergo in order to penetrate everyday life and become part of common reality44. Aps ter expressado essas ideias em 1984, o autor voltou a insistir nelas em 1998,
compondo um texto, tal como os outros, mas este em particular, merecedor de anlise no
mbito dos estudos africanos45. Depois de uma resenha sobre a evoluo do conceito de
representaes colectivas que antecedeu o de representaes sociais46, e da diferenciao
44 Moscovici 2000 [1984], pp. 24 e 32. 45 Moscovici 2000 [1998a], pp. 120-155 e sobretudo pp. 131-149. 46 A substituio do termo colectivas por sociais marca, assim, a original diferena estabelecida em
relao a Durkheim. () Ora, para Moscovici, as representaes nunca seriam de outra natureza: elas seriam da natureza mesma dos grupos sociais que as criam, e sua eficcia tanto prtica como simblica dependeria dessa insero, e no poderia jamais ter um sentido universal. Com este argumento, Moscovici acabou por demonstrar que as representaes no derivam de uma nica sociedade, ultrapassando-a, como insistiu Durkheim, mas das diversas sociedades que existem no interior da sociedade maior, e, portanto, no podem ultrapass-la. (Oliveira 2004, pp. 180-186).
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O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
que ento se estabelecia entre sociedades primitivas e modernas, Serge Moscovici
escreveu:
() I prefer simply to state my disagreement with the idea that collective representations should have a meaning in distant societies or in former times, but not in our own, with is deification of scientific beliefs. () it seems to me legitimate to suppose that all forms of belief, ideologies, knowledge, including even science, are, in one way or another, social representations. It seemed then (Moscovici, [1961]/1976) and it seems all the more so today, that neither the opposition of the social to the individual, nor the evolution from the traditional to the modern, had, in this regard, the importance which is given to them47. Neste debate, insistimos na necessidade das investigaes se reportarem s origens para
que se compreendam e se expliquem as representaes sociais48, bem como na necessidade
de se considerar tambm o facto dos tecidos sociais assentarem em contnuos histricos,
pressupostos que relativizam, e muito, a noo de origem. Na perspectiva em que a noo
de origem vai ser por ns abordada (e na perspectiva em que ela pode e deve ser abordada
noutros estudos sobre o pensamento social), no constitui premissa vlida estabelecer-se
uma relao directa e imediata entre, por um lado, a noo de momento original e, por
outro lado, as tradies de matriz pr-colonial (ou ancestral) das sociedades africanas49,
nem as ltimas so necessariamente o mais relevante nimporte quoi.
Se o caminho pode ser esse, para compreender o fenmeno das representaes sociais
existem tambm outras possibilidades de considerar as origens, no s quando esto em
causa as sociedades ditas de tipo ocidental, como quando estiverem em causa quaisquer
outros tipos de sociedades como as africanas. Partindo do caso de Moambique,
identificam-se momentos que desempenham (e desempenharam) a funo de momentos
originais associados construo simblica da formao territorial independente. Esses
momentos (no geral relacionados com a conquista da independncia) so relevantes
precisamente porque, sendo considerados genuinamente africanos, surgem desligados, aos
olhos dos prprios actores sociais, das tradies ancestrais africanas. A verdade que
estamos sempre perante mecanismos do domnio do simblico incorporados na estrutura
social, quer quando a referncia ao tempo ancestral africano valorada de modo positivo,
quer quando essa valorao negativa.
47 Moscovici 2000 [1998a], pp.142-143. 48 Moscovici 2000 [1984], p. 27. 49 Cf. Feliciano 1998.
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3. Perspectiva terica e instrumentos de anlise
O simblico (termo que usaremos de forma heurstica como sinnimo de pensamento
social) das sociedades africanas da actualidade est muito longe de se esgotar na dimenso
tradicional. Para alm disso, a noo de tradicional, em si, cada vez mais suscita
dificuldades de caracterizao, em particular quando associada s dinmicas do estado
(polticas, sociais, culturais, econmicas). A verdade que existe uma dimenso do
simblico que remete para a contemporaneidade (ou para o passado recente), to vlida e
to significativa para as sociedades africanas como para quaisquer outras, desde que as
prprias sociedades consigam enquadr-la na sua noo de tempo histrico.
Essa busca sempre relativa das origens legitimou que, no estudo do pensamento social
sobre o estado em Moambique, se atribusse relevncia s representaes sociais
relacionadas com o processo de transio para a independncia (1974-1975) e com a luta
armada de libertao nacional que o antecedeu (1964-1964). Esto em causa
acontecimentos aos quais os prprios actores sociais conferem, na actualidade (e durante
todo o perodo ps-colonial), um papel significativo na interpretao que fazem da
evoluo histrica do pas. pela anlise do que existe na cabea das pessoas comuns
sobre essa conjuntura que se pode aferir o que est em causa, sendo que se trata de um
momento original devido ao seu forte impacto no pensamento social em Moambique.
Todavia, ele no pode ser analisado apenas como momento de ruptura simblica, mas
enquanto processo social complexo no qual interagem, em simultneo, diversas
possibilidades. Elas oscilam entre uma dimenso de ruptura com o passado, passam por
uma outra dimenso que a da renovao do que existia e por uma outra dimenso ainda
que remete para a perpetuao do velho no novo (isto , para a perpetuao do colonial no
ps-colonial, assim como o pr-colonial se perpetuou, em algumas das suas dimenses, no
colonial). O que o presente estudo do fenmeno das representaes sociais do estado visa
demonstrar que o momento original pode resultar da interseco de conjuntos de
variveis que, num dado momento, alteram a relao de foras entre eles. Muitas vezes no
mago da construo colectiva do momento original no est mais do que a generalizao
e reelaborao de representaes sociais que at a eram prprias de uma minoria ou de um
conjunto restrito de minorias sociais50.
50 Os dois processos maiores na formao das representaes sociais so a ancoragem e a objectivao,
aspectos especficos da teoria que sero explicitados na III parte do texto.
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O pensamento social sobre o poltico em Moambique Estudo de caso da cidade de Tete
A relevncia atribuda ao estado nos discursos do senso comum permite, inclusivamente,
sustentar a tese segundo a qual o pensamento social em Moambique tende a identificar
muito mais facilmente nos momentos associados histria do pas uma natureza fundadora
ou original, do que nos referentes associados s diversas tradies ancestrais africanas.
Acrescente-se que, numa dada sociedade, as representaes sociais tanto permitem
momentos de consenso como de ruptura51, como podem ainda permitir suportar a
simultaneidade de tendncias contrrias. Ou seja, o reforo de uma tendncia de ruptura
numa determinada dimenso do social pode ser suportado pelo reforo de uma determinada
tendncia contrria de continuidade numa outra dimenso, directa ou indirectamente
associada primeira. Em qualquer caso ambas se reflectem no pensamento social.
Em sntese, ao implicar uma perspectiva de evoluo no tempo, o estudo das
representaes sociais remete para a necessidade de identificao do(s) momento(s)-chave
na renovao de determinadas dimenses do simblico das sociedades, sendo que isso
deve ser feito de acordo com os objectivos da cada pesquisa. Porm, tendo em conta tanto
a perspectiva dos actores sociais, quanto a dos analistas, o carcter subjectivo do que se
considera como momento original no lhe diminui a importncia para a compreenso do
fenmeno das representaes sociais.
O senso comum
Clarificar o significado do termo senso comum no contexto da teoria das representaes
sociais constitui um outro pressuposto importante. A questo aponta num duplo sentido:
um relacionado com a forma como se produz o conhecimento do senso comum nas
sociedades contemporneas; outro associado importncia dos discursos do senso comum
enquanto vector principal a partir do qual se produzem, circulam e captam as
representaes sociais. Esses dois aspectos so complementares.
A teoria recorre a uma perspectiva que reequaciona o modo como usualmente se concebe a
produo do conhecimento do senso comum, acabando por apresentar alguma
51 Cf. Moscovici & Vignaux 2000 [1994], pp. 169 e segs.; Moscovici 2000 [1998a], p.151.
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3. Perspectiva terica e instrumentos de anlise
originalidade epistemolgica. Serge Moscovici tende a situar a produo do senso comum
de cima para baixo, isto , esse tipo de conhecimento social tem tambm origem, e cada
vez mais nas sociedades contemporneas, em teorias cientficas52 ou academicamente
elaboradas que as elites popularizam. Relativiza-se, por isso, o papel hegemnico
tendencialmente atribudo aos saberes de origem popular propriamente ditos nesses
processos.
Tendo ns o cuidado de circunscrever a questo aos processos polticos que remetem para
o estado, isto , sem generalizarmos a outros domnios do pensamento social, dado que se
trata como refere Serge Moscovici de uma caracterstica particularmente saliente (mas
no apenas) nas sociedades where scientific and technical knowledge is popularized53, os
dados empricos de que dispomos levam-nos a afirmar com segurana que no possvel
colocar, na actualidade, as dinmicas polticas em curso nas sociedades africanas margem
dessas realidades. Existe, portanto, uma dimenso do senso comum nas sociedades
africanas cuja origem remete para teorias cientficas ou para saberes estruturados de
natureza acadmica que as elites popularizaram (e popularizam), por muito que o discurso
das elites se suportasse (e suporte) em verses simplificadas (ou mesmo ultra-
simplificadas) dessas mesmas teorias ou saberes.
No caso de Moambique, serve de exemplo, no processo de transio para a independncia
e na primeira dcada ps-colonial durante a governao de Samora Machel (1975-1986), a
divulgao da noo de socialismo, numa interpretao tributria do marxismo-
leninismo54. Mas serve tambm de exemplo, na ltima dcada e meia, a divulgao da
noo de democracia. claro que as formas e o impacto social das teorias de onde derivam
esses termos so discutveis. O que no parece discutvel que, sem dvida, o tipo de
52 Moscovici in: Moscovici & Markov 2000 [1998], pp.248 e segs. 53 () we concentrated on the emergence of social representat