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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Marcus Vinícius Batista Nascimento Interpretação da língua brasileira de sinais a partir do gênero jornalístico televisivo: elementos verbo-visuais na produção de sentidos MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM SÃO PAULO 2011

Interpretação da língua brasileira de sinais a partir do ... Vinicius... · Programa Sentidos , corpus desta pesquisa: Alessandra Nunes, Giovana Batisttella, Adriana Minei, Rafael

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Marcus Vinícius Batista Nascimento

Interpretação da língua brasileira de sinais a partir do gênero jornalístico televisivo: elementos verbo-visuais na produção de

sentidos

MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM

SÃO PAULO

2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Marcus Vinícius Batista Nascimento

Interpretação da língua brasileira de sinais a partir do gênero jornalístico televisivo: elementos verbo-visuais na produção de

sentidos

MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob a orientação da Professora Doutora Elisabeth Brait.

SÃO PAULO

2011

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BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou

parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras ou eletrônicos.

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Para o povo surdo, por ser o motivo da existência de

tradutores intérpretes de língua de sinais.

Para os profissionais tradutores intérpretes de libras/português, por serem os

responsáveis pela construção da ponte enunciativo-discursiva

na interação entre surdos e ouvintes.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer é ação constitutiva da trajetória do humano em busca de objetivos

previamente traçados. Isso porque não é possível traçar objetivos, planos ou até

mesmo sonhos sem um processo de alteridade, isto é, de envolvimento do outro (ou

de outros) durante a caminhada. Nesse sentido, queremos agradecer alguns desses

outros que fizeram parte dessa trajetória.

Primeiramente, ao Deus Criador de todas as coisas. Cada porta aberta, cada

passo dado e cada escolha realizada aconteceu por Tua permissão. Tu estás em

tudo: do silêncio que impulsiona às reflexões, aos conflitos que nos direcionam à

busca desse mesmo silêncio. “Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas”

(Romanos 11: 36). Obrigado por ser Senhor em minha vida!

À CAPES pelo apoio financeiro para a realização desta pesquisa.

À minha orientadora, Professora Doutora Beth Brait, por me permitir compor o

“círculo braitiano” e por me fazer caminhar do primeiro momento, “Deus e sua

época”, até a especificidade desta pesquisa. As orientações sobre a natureza

constitutivamente dialógica da linguagem ampliaram meus horizontes para a vida!

À minha mãe, Fátima, pelo amor, carinho e incentivo constante na vida, no

caminhar profissional e acadêmico e por compreender as bagunças temporárias

com os livros e papéis sobre a mesa, cama e sofá.

Às professoras Kathryn Harrison (PUC-SP) e Ronice Quadros (UFSC) por

terem aceitado prontamente compor as bancas de qualificação e defesa final deste

trabalho. Obrigado pela possibilidade de crescer com as sugestões valiosas

oriundas de suas experiências profissionais e acadêmicas.

Aos professores do Programa de Pós Graduação em Linguística Aplicada e

Estudos da Linguagem – LAEL/PUC-SP – que tive oportunidade de conviver e

aprender nesse tempo ou ainda na graduação: Angela Lessa, Fernanda Liberali,

Zuleica Camargo, Tony Sardinha e Lúcia Arantes.

À professora Cecília Moura por ser constante amiga, incentivadora e

referencial acadêmico e profissional, além de ser batalhadora incansável pela

inclusão social dos surdos.

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Às professoras da graduação em Fonoaudiologia da PUC-SP – Cecília Bonini,

Lúcia Masini, Vera Teixeira, Laura Martz, Iza Garcia – por serem as responsáveis

pelo despertar do interesse investigativo/científico pela linguagem ainda nos

primeiros anos da trajetória acadêmica.

À equipe do Núcleo de TV da AVAPE responsável pela produção do

Programa Sentidos, corpus desta pesquisa: Alessandra Nunes, Giovana Batisttella,

Adriana Minei, Rafael Carvalho, Almir Bonfim Jr. Obrigado pela oportunidade de

fazer parte de uma equipe tão dedicada a uma causa 100% social!

Aos colegas que compartilharam dúvidas, tensões e conhecimento nas

discussões de nossos trabalhos durante esses dois anos: Bruna Dugnani, Claudia

Garcia, Rodolfo Vianna, Rodrigo Fernando, Sandra Lima, Fábio Wolf, Sirlene

Barbosa, Orisson Júnior e Maria Inês Otranto.

Aos amigos da Juventude PIB Maia que foram pedra de arrimo nos momentos

tempestuosos que permearam essa caminhada: Kleidy França, Willian Valério,

Taveira Júnior e Ricardo Castro. Obrigado pela preciosa amizade, poderosa força e

apoio constante e incondicional.

À amiga de sempre, Vera Suzart, por me possibilitar enxergar realidades de

outros pontos de vista que não o da minha própria altura. Obrigado por alargar

minhas fronteiras.

Aos amigos Davi do Carmo, Paula Lima e Diego Moreira pela amizade,

carinho, apoio e incentivo para prosseguir e continuar avançando em direção aos

meus objetivos profissionais e acadêmicos.

À amiga e colega tradutora intérprete de libras/português, Juliana Fernandes,

por ter sido a minha anfitriã no universo dos surdos, por me ouvir, por falar, por me

apoiar, por elucubrarmos juntos e pelo sonhar conjunto na possibilidade de construir

não só uma formação acadêmica para os TILSP, mas pela luta do reconhecimento

profissional dessa classe de trabalhadores.

Aos colegas do Setor de Intérpretes da Federação Nacional de Educação e

Integração dos Surdos (SEINT/FENEIS-SP) pela força e incentivo durante este

trabalho.

Aos amigos surdos que foram e sempre serão modelos de luta, de vida e

busca pela possibilidade de existir em um mundo pouco preparado para recebê-los:

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Sylvia Lia, Moryse Saruta, Tiago Codogno, Daniela Cury, Paullo Vieira, Mariana

Campos, Neivaldo Zovico, Fernando Silva, Aryane Costa, Priscilla Gaspar,

Alexandre Melendez, Rodrigo Sabro, Elomena Almeida.

Aos amigos e colegas tradutores intérpretes de libras/português que me

acompanharam e me apoioram no percurso deste trabalho: Regiane Eufrausino,

Ricieri Palha, Renato Rodrigues, Aaron Rudner, Cyntia Teixeira, Odirlei Faria, Lilian

Coutinho, Vânia Santiago, Adriano Paiva. Espero que esta pesquisa possa contribuir

para a reflexão e formação de todos aqueles que decidem atuar nessa prazerosa e

conflituosa profissão.

A todo o povo surdo por serem os principais motivadores de uma formação de

excelência de profissionais tradutores intérpretes de libras/português. A nossa

existência é determinada pela existência de vocês!

E por fim, mas não menos importante, a todos aqueles que não foram citados,

mas que, direta ou indiretamente, contribuíram para o andamento e finalização desta

pesquisa.

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Interpretação da língua brasileira de sinais a partir do gênero jornalístico televisivo: elementos verbo-visuais na produção de sentidos

Marcus Vinícius Batista Nascimento RESUMO: Este trabalho tem por objetivo realizar uma análise descritiva da atuação do tradutor intérprete de libras/português (TILSP) no gênero jornalístico e na esfera de atividade televisiva a partir da experiência de atuação do autor desta pesquisa como intérprete nesse gênero do discurso. Para isso escolhemos como corpus uma produção telejornalística, de domínio público, constituída por um recorte de uma edição do Programa Sentidos, veiculado por meio de um canal de TV a cabo, disponibilizado na internet posteriormente, com interpretação para a libras durante a exibição. Questionamos que elementos verbo-visuais colaboram e/ou interferem na interpretação da libras no gênero jornalístico, esfera televisiva; como esses elementos afetam as escolhas tradutórias e a construção lexical e sintática na interpretação da libras a partir desse gênero; e quais efeitos de sentidos são produzidos a partir da interferência desses elementos no processo de interpretação do português para a libras. Nesse sentido, fundamentamos a pesquisa na teoria do Círculo de Bakhtin compreendendo os conceitos de exotopia, cronotopo, gêneros do discurso, enunciação, enunciado concreto, texto, discurso, autoria e situação extraverbal como fios condutores da análise do corpus que foi transcrito e descrito, a partir de um movimento exotópico de deslocamento de sujeito analisado para o de pesquisador, de forma que o pesquisador olhe a si mesmo, considerando os elementos linguísticos e extralinguísticos da língua alvo no ato tradutório/interpretativo, a libras, por meio do sistema de transcrição de língua de sinais ELAN (EUDICO Language Annotator) desenvolvido pelo Max Planck Institute for Psycholinguistics e utilizado no grupo Estudos da Comunidade Surda: Língua, Cultura e História na Universidade de São Paulo e no curso de Letras/Libras da Universidade Federal de Santa Catarina. A análise mostrou que os elementos verbo-visuais e a totalidade das imagens das reportagens são fatores de modificação das marcas linguísticas da libras como direção do olhar e do corpo e que essas imagens são decisivas para a negociação de sentidos discursivos provenientes dessa esfera no momento da interpretação. A incorporação das formas e delineios das imagens durante a sinalização do TILSP nos mostraram que a totalidade verbo-visual, constituinte dessa esfera, não só interfere na interpretação da língua de sinais, mas também colabora para que o TILSP realize estratégias interpretativas objetivando a transmissão dos sentidos instaurados pelo projeto discursivo dos enunciadores desse gênero. A partir da análise propomos uma possibilidade de encaminhamento teórico metodológico para a formação e atuação do TILSP a partir de uma perspectiva enunciativo-discursiva, adotando a análise do Programa Sentidos como norteador desta proposta. Para tanto, utilizamos como fio condutor algumas produções telejornalísticas considerando a possibilidade de futuras inserções dos TILSP nessa esfera de produção do discurso e a realização de práticas interpretativas a partir do gênero jornalístico, sugerindo a expansão de sua atuação em outros gêneros circulantes nessa esfera. Palavras-chave: tradução, interpretação, libras, gênero jornalístico, esfera televisiva.

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Interpretation of the Brazilian sign language in the television journalistic genre: visual-verbal elements in the production of meaning

Marcus Vinícius Batista Nascimento ABSTRACT: This research aims to conduct a descriptive analysis of the performance of LIBRAS (Brazilian Sign Language) / Portuguese translator interpreter (TILSP), in the journalism genre and in the sphere of television activity, from the work experience of the author of this research as an interpreter in this kind of discourse. For this, we chose as corpus a public domain television journalistic production, consisting of an edition cut of Programa Sentidos with the libras interpretation during it. The show is broadcasted by a cable television channel and then is available on the internet. We question which verbal-visual elements contribute and / or interfere with the libras interpretation of the journalistic genre, in the television sphere; how these elements affect the translations choices and lexical and syntactic construction in the libras interpretation from this genre, and which sense effects are produced from the interference of these elements in the process of Portuguese-LIBRAS interpretation. In this sense, The Circle of Bakhtin will serve as theoretical foundations of our research, and the comprehension of the Bakhtinian concepts of exotopy, chronotope, speech genres, enunciation, concrete utterance, text, discourse, authorship and extraverbal situation are the guidelines for the corpus analysis, which was transcribed and described from an exotopic movement shift, from the analyzed subject to the researcher, in a way that the researcher could look at himself taking into consideration the linguistic and extralinguistic elements of the target language in the act of translation/interpretation. The target language, LIBRAS, was transcribed using the Sign Language transcription system ELAN (EUDICO Language Annotator), developed by Max Planck Institute for Psycholinguistics and used on the research group Estudos da Comunidade Surda: Língua, Cultura e História (Deaf Community Studies: Language, Culture and History) in the University of São Paulo and in the course de Letras/Libras (Language Studies/Libras) of the Federal University of Santa Catarina.The analysis showed that the verbal-visual elements and images of all the reports are factors of libras linguistic marks modification, as look and body direction, and that these images are crucial for the negotiation of discursive meanings from this sphere at the time of interpretation. The incorporation of shapes and outlines of the images during signaling TILSP showed us that the whole verbal-visual component of that sphere, not only interferes with the interpretation of sign language, but also contributes to the realization of TILSP interpretive strategies aiming the transmission of senses brought by the enunciators’ discursive project in this genre. From the analysis we propose a theoretical and methodological possibility of referral to TILSP training and working from an enunciative-discursive perspective, adopting the analysis of Programa Sentidos as an orientation for this proposal. To this end, we used as guidelines some television journalistic productions, taking into account the possibility of future insertions of TILSP in this sphere of discourse production and realization of interpretative practices in the journalistic genre, suggesting the expansion of its operations in other genres circulating in this sphere. Keywords: translation, interpretation, libras, journalistic genre, television sphere.

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Traduzir não é atividade restrita ao estritamente linguístico, nem é a ordem do linguístico

estritamente linguística. Traduzir é criar ligações, muitas vezes perigosas; é gerar interfaces, [...]

é vincular seres humanos entre si, por vezes de modo confrontativo;

traduzir é conviver com um desejo que jamais se realiza, é viver na companhia constante da

impossibilidade de realizar plenamente o sentido – e no entanto se traduz.

Adail Sobral (2003)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14

CAPÍTULO 1

Panorama histórico da atuação do tradutor intérprete de libras/português

(TILSP) ...................................................................................................................... 20

1.1. Tradutor intérprete de língua de sinais no Brasil ................................................ 21

1.2. Formação e pesquisa para tradutores intérpretes de libras/português ............. 28

CAPÍTULO 2

Tradução e/ou Interpretação? Questões terminológicas e as atividades

tradutórias e interpretativas ................................................................................... 34

2.1. Da semelhança semântica à diferenciação do ato ............................................. 34

2.2. Interpretação da língua de sinais: atividade interlinguística de natureza

verbo-visual ............................................................................................................. ..39

CAPÍTULO 3

Contribuições do Círculo de Bakhtin para o estudo da interpretação da língua

de sinais .................................................................................................................. 45

3.1. Tradução/interpretação na perspectiva enunciativo-discursiva ......................... 46

3.2. Gêneros do discurso e a totalidade do ato tradutório/interpretativo .................. 52

3.3. Texto, discurso e autoria na prática de interpretação da língua de

sinais ......................................................................................................................... 58

CAPÍTULO 4

O tradutor intérprete de libras/português (TILSP) como agente de

acessibilidade para surdos na mídia televisiva ....................................................... 66

4.1. Acessibilidade dos surdos à mídia televisiva ..................................................... 66

4.2. Aspectos técnicos de captação e edição de imagem do TILSP ........................ 72

4.3. O processo interpretativo .................................................................................. 80

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CAPÍTULO 5

A construção verbo-visual do Programa Sentidos .............................................. 86

5.1. Escolha do corpus .............................................................................................. 86

5.2. Movimento exotópico para enfrentamento e análise do corpus ......................... 88

5.3. Descrição e delimitação do corpus ..................................................................... 91

5.3.1. Sistema de transcrição ELAN ............................................................... 94

5.4. Análise do corpus ............................................................................................... 99

5.4.1. Totalidade verbo-visual na sintaxe e no léxico ................................... 100

CAPÍTULO 6

Considerações dialógicas para a atuação do tradutor intérprete de

libras/português na esfera televisiva, gênero jornalístico ................................. 114

6.1. Competência referencial: presença do TILSP na equipe editorial .................... 115

6.2. Variação estilística e os processos interpretativos ........................................... 116

6.3. Verbo-visualidade do gênero jornalístico televisivo para a construção de

estratégias interpretativas ...................................................................................... 122

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 128

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 133

ANEXOS ................................................................................................................. 140

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INTRODUÇÃO

Historicamente os surdos foram impedidos de falar em sua língua e de

posicionarem-se enquanto cidadãos pertencentes a uma comunidade considerada

linguisticamente minoritária. Ela, a comunidade surda, deixou de ser reconhecida

enquanto minoria linguística e social, tendo a surdez não como traço constitutivo de

sua subjetividade, mas como, apenas, uma deficiência.

No entanto, foi a partir dos movimentos multiculturais que tomaram força na

década de 1980 protagonizados pelas minorias sociais que impulsionaram uma luta

pelo reconhecimento cultural e social de comunidades minoritárias e abrangeram

desde minorias étnicas como negros, latinos e índios, até pessoas com deficiência

(MOURA, 2000; SKLIAR, 1997), acompanhado das recentes pesquisas e estudos

teóricos, iniciados por Willian Stokoe na década de 1960, sobre as línguas de sinais,

que a comunidade surda iniciou um movimento em prol do reconhecimento da

importância de sua língua no trabalho com o surdo, bem como aspectos como

identidade, comunidade e cultura, assim como a reivindicação do acesso às

informações por meio de sua língua: a língua de sinais.

Como resultado desses movimentos, os surdos têm assumido seu lugar

enquanto cidadãos participando socialmente das decisões que englobam aspectos

relacionados à inclusão social e educacional de pessoas com deficiência. Com essa

participação os surdos vêm retomando o fio de suas histórias, deixando de serem

falados, somente, para se tornarem falantes em sua língua, narrando-se como

sujeitos autônomos na linguagem e capazes de ser, fazer, significar e produzir

significados.

Como condutores de sua história, esses surdos adentram as mais diversas

instâncias sociais falando em sua língua e atuando nos mais variados campos de

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conhecimento como agentes de produção e como sujeitos ativos e participantes

socialmente. E a partir desse movimento inclusivo e de participação social, surge a

necessidade de profissionais que façam a tradução/interpretação dos discursos em

libras (língua brasileira de sinais)1/ português/libras.

O profissional responsável por essa função, no Brasil, é o tradutor intérprete

de libras/português (TILSP)2 que medeia situações de comunicação entre pessoas

surdas e ouvintes que não saibam se comunicar em língua de sinais.

Basicamente, esse profissional atua em três frentes: a) intermedeia a

comunicação entre as pessoas surdas usuárias de libras e as pessoas ouvintes

usuárias da língua portuguesa em diferentes contextos; b) traduz os textos da libras

para a língua portuguesa e os textos da língua portuguesa para a libras; c) auxilia no

esclarecimento da forma escrita produzida pelos surdos em quaisquer contextos que

se façam necessários (concursos, avaliações em sala de aula, documentos, etc.)

(QUADROS et. al., 2009).

A atuação do TILSP vem se expandindo devido às políticas inclusivas

governamentais, que vem sendo implantadas desde meados da década de 1990 e

1 Algumas publicações da área de estudo da língua brasileira de sinais utilizam o termo libras com a primeira letra grafada em maiúscula (Libras) e ainda outras com a grafia maiúscula de todas as letras (LIBRAS). No primeiro caso, essa grafia também é utilizada na legislação de regulamentação e reconhecimento dessa língua (Lei 10.436/02 e Decreto 5.626/05). Neste trabalho usaremos este termo com todas as letras em minúscula, (libras) baseando-nos nas recentes publicações oriundas do grupo de pesquisa Estudos da Comunidade Surda: Língua, Cultura e História da Universidade de São Paulo (McCLEARY, VIOTTI, 2006; McCLEARY, VIOTTI, LEITE, 2010). A justificativa para essa escolha se dá pelo fato de libras ser o nome de uma língua e os nomes das línguas no português brasileiro não são grafados com a primeira letra em maiúscula. Lançaremos mão da grafia com a primeira letra em maiúscula quando realizarmos uma citação direta da legislação ou de publicações que assim a utilizaram. 2 As recentes publicações na área de estudos de tradução e interpretação de língua de sinais têm

usado a sigla TILS para referir-se ao tradutor intérprete de língua de sinais (VASCONCELLOS 2010; ANATER, PASSOS, 2010) ou ILS para Intérprete de Língua de Sinais (LACERDA, 2009; RUSSO 2009; METZGER 2010; SANTOS 2010). Na legislação, a referenciação a esse profissional como tradutor intérprete de libras/português aparece, pela primeira vez, no decreto 5.626/05, sendo que em documentos anteriores a este, a referência usada é intérprete de libras ou intérprete de língua de sinais. Neste trabalho será usada a sigla TILSP referindo-se ao tradutor intérprete de libras/português. A escolha de acrescentar o “português” baseia-se na concepção de que traduzir/interpretar significa “[...] mobilizar um texto por meio de outro discurso” (SOBRAL 2008, p.70). Em um primeiro momento o profissional que atua no Brasil, irá deparar-se com a relação biunívoca: libras-português-libras, mas essa relação não impede que os pares linguisticos no processo de tradução/interpretação sejam outros. A seguir, haverá um capítulo detalhando as justificativas das escolhas terminológicas para referir-nos a esse profissional.

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que buscam incluir socialmente pessoas com deficiência sensorial, física e com

mobilidade reduzida.

A legislação vigente prevê e determina a adaptação das diversas instâncias

sociais para inclusão dessas pessoas com o acesso igualitário às informações e

conhecimentos produzidos nessas instâncias. Dentre as instâncias sociais,

apontadas nas leis, que necessitam adaptar-se para possibilitar aos sujeitos com

deficiências sensoriais, como os surdos e cegos, acesso às informações, destacam-

se os meios de comunicação de massa, em especial a mídia televisiva.

Atualmente, o recurso3 de acessibilidade utilizado pelas redes

concessionárias televisivas para surdos e pessoas com deficiência auditiva é a

legenda oculta ou closed caption. Porém, esse recurso não propicia ao telespectador

surdo um verdadeiro acesso ao conteúdo transmitido pela mídia televisiva, visto que

nem todos os surdos sabem ler em língua portuguesa devido a sua primeira língua

ser a língua de sinais (MOURA, 2000, QUADROS 1997, 2002).

O recurso mais adequado para o acesso de surdos usuários da libras à

produção cultural audiovisual brasileira é a presença de um TILSP nas

programações exibidas em que o conteúdo em língua portuguesa é interpretado

para a libras.

A portaria 310 de 27 de junho de 2006 do Ministério das Comunicações

aponta recursos de acessibilidade na televisão para pessoas com deficiência visual

e auditiva, dentre os quais se encontra o TILSP que é considerado canal de

mediação entre surdos e ouvintes. A norma de acessibilidade na televisão – NBR

15.290 – estabelecida pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas)

oferece parâmetros técnicos para a captação e edição da imagem do TILSP, porém

os aspectos da prática interpretativa na esfera televisiva, e nos diferentes gêneros

que circulam nessa esfera, não são abordados nesses documentos o que torna

necessários olhares e pesquisas que delineiem a prática do TILSP, contribuindo

para a formação de profissionais que atuem nesse campo.

3 A política de acessibilidade instituída no Brasil considera o TILSP como recurso de acessibilidade o

colocando no mesmo patamar das legendas ocultas e da audiodescrição para pessoas com deficiência visual. No entanto, encaramos o TILSP para além do conceito de recurso, mas o denominaremos agente de acessibilidade pelo fato de sua interação ultrapassar questões tecnológicas e de adaptação constituintes dos recursos de acessibilidade.

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O TILSP, por sua vez, sendo o profissional apontado pela legislação como a

ponte de acesso dos surdos à informação veiculada na esfera televisiva, deve ater-

se a variedade de gêneros existentes nessa esfera, atentando para as

peculiaridades de cada um, analisando a totalidade verbo-visual, considerando os

aspectos linguísticos e extralinguísticos que influenciam e/ou interferem no processo

tradutório/interpretativo.

Considerando todos esses aspectos, este trabalho tem por objetivo realizar

uma análise descritiva da atuação do TILSP no gênero jornalístico, na esfera de

atividade televisiva, a partir da experiência de atuação do autor dessa pesquisa

como intérprete nesse gênero do discurso. Assim sendo, o objetivo específico é

responder as seguintes questões:

a) Que elementos verbo-visuais colaboram e/ou interferem na interpretação

da libras no gênero jornalístico, esfera televisiva?

b) Como esses elementos afetam as escolhas tradutórias e a construção

lexical e sintática na interpretação da libras a partir desse gênero?

c) Quais efeitos de sentidos são produzidos a partir da interferência desses

elementos no processo de interpretação do português para a libras?

Para tanto, o corpus analisado constitui-se de uma produção audiovisual

telejornalística exibida semanalmente por meio de um canal de TV a cabo e

disponibilizado posteriormente na internet, com temática específica sobre a inclusão

social das pessoas com deficiência e aspectos relacionados ao desenvolvimento

sustentável. Trata-se de uma edição do Programa Sentidos que é proposto e

mantido pela AVAPE (Associação para Valorização e Promoção da Pessoa com

Deficiência).

O programa é interpretado para a libras em um estúdio montado na instituição

mantenedora do programa e editado posteriormente. A edição do Programa que

será analisada foi retirada do banco de dados virtual disponível no site

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http://www.youtube.com/tvsentidos que é o canal do “Programa Sentidos” na

internet.

A fundamentação teórico-metodológica que embasa essa pesquisa constitui-se

da teoria do Círculo de Bakhtin, mais especificamente dos conceitos de gênero do

discurso, enunciado concreto, enunciação, exotopia, cronotopo, texto, discurso e

autoria. Nessa perspectiva teórica o corpus é obervado, descrito e analisado a partir

da situação concreta de sua produção, considerando a situação sócio-histórica em

que a linguagem é produzida, os sujeitos envolvidos e as coerções presentes na

esfera de produção do discurso.

Desse modo, essa dissertação está organizada em seis capítulos. No primeiro,

Panorama histórico da atuação do tradutor intérprete de libras/português (TILSP),

mapeamos os momentos históricos de atuação e formação dos profissionais TILSP,

pontuando o movimento de deslocamento do lugar de missionário em instituições

religiosas para o de profissional com necessidade de formação específica,

acadêmica e científica, habilitado linguística e discursivamente para mediar a

comunicação entre surdos e ouvintes que desconhecem a língua de sinais. Também

realizamos uma reflexão sobre a construção da formação desse profissional no

Brasil e o avanço de pesquisas que descrevem a prática do TILSP, propondo

metodologias para os processos interpretativos, além de versarem sobre as

questões de identidade e processos formativos desse profissional.

No segundo capítulo, Tradução e/ou Interpretação? Questões terminológicas e

as atividades tradutórias e interpretativas, realizamos uma discussão sobre as

diferenças e semelhanças existentes nas atividades de tradução e interpretação,

explicitando ao leitor as escolhas terminológicas realizadas para nos referirmos a

este profissional no decorrer deste trabalho, além de acompanhar as tendências

atuais de discussão a respeito do (s) papel (is) do TILSP referente às atividades

tradutórias e interpretativas frente às diferentes situações de interação que envolve o

surdo enquanto locutor e interlocutor.

No capítulo três, Contribuições do Círculo de Bakhtin para o estudo da

interpretação da língua de sinais, realizamos uma leitura dos conceitos bakhtinianos

de enunciação, enunciado concreto, gênero do discurso, texto, discurso e autoria

para fundamentar a perspectiva enunciativo-discursiva da tradução/interpretação

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que norteará a descrição, análise e discussão do corpus, olhando a prática de

interpretação da língua de sinais como um ato enunciativo-discursivo que envolve,

para além do sistema da língua, a arquitetônica sujeito/discurso/texto/espaço/tempo

existente em qualquer ato de enunciação.

No capítulo seguinte, O tradutor intérprete de libras/português (TILSP) como

agente de acessibilidade para surdos na mídia televisiva, iniciamos uma imersão nos

aspectos constitutivos da totalidade do corpus desta pesquisa. Realizamos uma

discussão sobre a questão da acessibilidade da mídia televisiva e sobre o TILSP

como agente para que essa acessibilidade aconteça. Apresentamos o processo de

captação, edição e inserção da imagem do TILSP no programa escolhido como

corpus e descrevemos como é construída a competência referencial, isto é, a

preparação do processo de interpretação que se inicia muito antes do próprio ato

interpretativo em si.

Após descrevermos os aspectos gerais da esfera televisiva e do gênero

jornalístico, apresentamos no capítulo cinco, A totalidade verbo-visual do Programa

Sentidos, os procedimentos metodológicos de descrição e transcrição para, então,

partirmos para a análise do corpus.

No capítulo seis, Considerações dialógicas para a atuação do tradutor

intérprete de libras/português na esfera televisiva, gênero jornalístico, apresentamos

uma possibilidade de encaminhamento teórico-metodológico para a atuação de

profissionais TILSP nessa esfera de atuação, adotando a análise do Programa

Sentidos como norteador dessa proposta de formação aliado ao conceito

bakhtiniano de estilo, mostrando algumas produções telejornalísticas e considerando

as possibilidades de futuras inserções do TILSP nessa esfera de atuação.

Nas considerações finais, destacamos algumas conclusões em torno dos

aspectos apontados pela análise da prática de interpretação na esfera televisiva,

gênero jornalístico, que permitiram caracterizar os aspectos de preparação,

organização e efetivação do ato interpretativo nessa esfera, dialogando com

possíveis encaminhamentos para a formação de TILSP para atuação não apenas na

esfera televisiva, mas em outras esferas de produção do discurso.

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CAPÍTULO 1 Panorama histórico da atuação do tradutor intérprete de libras/português (TILSP)

As áreas de investigação mudam quando novos modos de fazer pesquisa, tanto do ponto de vista teórico quanto metodológico,

são percebidos como mais relevantes para alguns pesquisadores que, ao adotar persuasões particulares, começam a ver o

mundo por meio de uma par diferente de óculos, por assim dizer, passando a construir (enfatizo: construir) o quê e o como se

pesquisa de modos diferentes.

Moita Lopes

Nosso objetivo, neste capítulo, é apresentar o panorama histórico de atuação

do tradutor intérprete de língua de sinais no Brasil. O percurso histórico sobre a

atuação desse profissional possibilita a compreensão de como tem sido construída

uma tradição de estudos e pesquisas relacionadas à tradução e interpretação de

língua de sinais, iniciada na década de 1990. Embora esse assunto seja recente no

universo acadêmico, a prática interpretativa formalizada em uma atuação

profissional tem sido almejada pela classe de TILSP e pela comunidade surda há

algum tempo.

Primeiramente, a partir da contribuição de alguns autores do campo de

estudos surdos, da tradução e interpretação de língua de sinais e da legislação que

promove a acessibilidade de pessoas surdas considerando o TILSP como agente

para tal, rastreamos momentos relevantes relacionados à história dos TILSPs

descrevendo a ascensão política e social desse profissional e dos usuários4 de seus

serviços: os surdos.

4 Na busca por uma terminologia que defina a relação profissional entre surdo e TILSP optamos por “usuário”, pois o surdo é quem utiliza diretamente os serviços prestados por este profissional. Inicialmente optamos pelo termo “cliente”, mas essa terminologia parece denunciar uma relação mercadológica, muitas vezes, inexistente nessa interação. Ainda expandindo o termo usuário, podemos pensar que a relação profissional do TILSP é constituída em uma dupla instância: o usuário institucional, que é o contratante de seu serviço (empresa, escola, associação, ONG, etc.) e que arcará com as despesas relacionadas a prestação de serviço; e o (s) usuário (s) direto, que são os surdos e ouvintes envolvidos na interação discursiva da interpretação. Essa divisão não é estática, uma vez que o usuário direto também pode ser o usuário institucional, visto a possibilidade do surdo (ou o ouvinte) serem os contratantes do serviço de interpretação.

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Em seguida realizamos uma reflexão sobre a situação atual da formação de

TILSPs e a produção de pesquisas que vem crescendo a cada ano no Brasil.

Utilizando as recentes publicações que demonstram o efervescente direcionamento

do universo acadêmico/científico para a prática do TILSP, convocamos alguns dos

autores que tem se dedicado a pesquisar sobre a tradução e interpretação da língua

de sinais brasileira, bem como a constituição de uma identidade profissional e as

complexidades existentes em cada esfera de atuação possível do TILSP.

1.1. O tradutor intérprete de língua de sinais no Brasil

Atualmente existem poucos dados que indicam o momento exato do início da

atuação profissional do TILSP junto com a comunidade surda, perante a sociedade.

Alguns pesquisadores, na tentativa de rastrear e contar a história desses

profissionais vem realizando estudos etnográficos para identificar os momentos

determinantes de uma evolução social e histórica desse profissional.

Poderíamos, para iniciar esse mapeamento histórico, remeter-nos a história da

educação de surdos no Brasil, iniciada, oficialmente, com a vinda do professor surdo

francês Edward Hernest Huet que fundou o Instituto Nacional de Surdos-Mudos,

hoje Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, com apoio de Dom Pedro II

para o estabelecimento do Instituto (MOURA, 2000). Nessa instituição professores

surdos e ouvintes conviviam e lecionavam as aulas dando indícios que as primeiras

situações de comunicação mediadas por meio de interpretação de língua de sinais

aconteceram.

Entretanto, algumas hipóteses têm sido levantadas quanto às situações de

interpretação para além de instituições educacionais de pessoas surdas. Dentre

elas, a que mais vem se confirmando por meio de depoimentos da comunidade

surda (RUSSO, 2010) é que os próprios familiares dos surdos assumiam essa

função, visto que antes da década de 1990 não existiam políticas inclusivas para

pessoas com deficiência e nem profissionais que assumiam essa função.

Pereira (2008), afirma que:

Historicamente não é possível rastrear o exato momento em que os intérpretes começaram a atuar, mas é plausível imaginar que desde

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que povos de diferentes línguas mantiveram contato houve, também, a necessidade de intérpretes. No caso das pessoas surdas, existem hipóteses de que a interpretação que surgiu no meio familiar foi, aos poucos, se estendendo aos professores de crianças surdas e ao âmbito religioso. (p. 138)

Na década de 1980 iniciou-se a atuação do TILSP em espaços religiosos

(QUADROS, 2007), entretanto, a função do TILSP dentro dessa esfera vai além da

própria prática interpretativa e envolve, dentre outras funções, o acolhimento do

sujeito surdo na comunidade religiosa, bem como a conscientização das pessoas

em relação a sua condição tanto social como audiológica.

Silva (2010), em pesquisa etnográfica sobre as concepções da surdez em

instituições religiosas, afirma que nas instituições de matriz protestante, o intérprete

de libras não atua apenas em performances interpretativas, mas assume o papel de

missionário-intérprete, “[...] cabe a ele negociar com a congregação e com pastores

a fundação e manutenção desse projeto na congregação local, de modo que ele é

um mediador fundamental entre surdos e a congregação como um todo” (p. 95).

O autor analisa documentos e manuais criados nas instituições religiosas de

matriz protestante que direcionam e determinam como deve ser a atuação do

missionário-intérprete junto ao ministério com surdos5. O intérprete também é

incumbido de orientar as famílias dos surdos quanto à questão social, cultural e

linguística que envolve a surdez.

Em relação às práticas de interpretação dentro desses espaços, Silva (2010)

mostra o que os manuais instrutivos, criados por organizações representativas

dessas instituições em relação ao trabalho com os surdos, dizem sobre o intérprete:

Desse modo, ser intérprete exige uma série de requisitos. Além de ter uma vida espiritual reta, ele deve dominar o Livro de sinais bíblicos [...] que traz um léxico específico de sinais vinculados à religião. Ademais, O clamor expressa uma normatividade referente à performance de interpretação, a saber: ela deve ser realizada no palco, com dois metros quadrados de espaço; o intérprete deve se posicionar em pé; ele deve estar vestido adequadamente, utilizando a própria cor da roupa como pano de fundo para as mãos; ele deve

5 Nome dado ao conjunto de trabalhos realizados com a comunidade surda dentro das igrejas evangélicas (SILVA, 2010). Esses trabalhos vão da interpretação dos cultos em língua de sinais até a reunião periódica para o estudo da bíblia e realização de outras atividades como, por exemplo, recreação, acampamentos, festas, etc.

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saber antecipadamente quais músicas serão tocadas, quais passagens bíblicas serão lidas, qual será o mote da pregação; deve ter clareza e grande capacidade de expressão corporal; ser seguro, tranquilo, autoconfiante; usar adequadamente a língua, pois ela também é objeto da adoração; tomar devido cuidado com aparência, roupa, cabelo, acessórios; entre outras recomendações que visam disciplinar o corpo do intérprete no palco. (p. 86).

Os requisitos exigidos dos missionários-intérpretes no desempenho

interpretativo na esfera religiosa passaram, posteriormente, a serem aplicados à

atuação profissional, como o posicionamento no palco ao lado do locutor, a

vestimenta discreta e adequada, o conhecimento prévio do conteúdo a ser

interpretado, seja em palestras, conferências ou em espaços educacionais como

salas de aula.

Desse modo, notamos que o próprio desempenho interpretativo dentro da

esfera religiosa já sofria influência das condições espaciais, visuais e verbais que ali

circulavam. Essas práticas de interpretação, influenciadas pelos aspectos

contextuais, foram determinantes para a discussão no processo de formação e

atuação profissional de TILSP fora desse contexto, uma vez que grande parte dos

TILSP atuantes, atualmente, teve suas primeiras experiências com interpretação de

língua de sinais dentro das comunidades religiosas a que pertencem (ou

pertenceram).

Nos anos de 1988 e 1992, aconteceram no Brasil o I e o II Encontro Nacional

de ILS promovidos pela FENEIS (Federação Nacional de Integração e Educação

dos Surdos) do Rio de Janeiro. Esses encontros foram determinantes para a

categoria, pois inauguraram os primeiros passos para um movimento de

profissionalização e reconhecimento da profissão.

Russo (2010), conta que nesses encontros foram realizados os primeiros

intercâmbios interestaduais de experiências de intérpretes. A autora ainda afirma

que no segundo encontro foi aprovado o código de ética referente a atuação

profissional de intérpretes de língua de sinais no Brasil. Código que foi traduzido por

Ricardo Sander (TILSP de relevante atuação no movimento de profissionalização da

categoria e atual presidente da Federação Brasileira de Tradutores Intérpretes de

Língua de Sinais – FEBRAPILS), a partir do original Interpreting for Deaf People,

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publicado em 1965 pelo RID – Registry of Interpreters for the Deaf, entidade que

certifica os TILS de ASL (American Sign Language).

Em meados da década de 1990 começam a ser inaugurados cursos de

formação para tradutores intérpretes de libras/português. Porém, esses cursos não

eram oferecidos em nível superior, mas eram cursos livres promovidos pela FENEIS

em alguns estados brasileiros devido a expansão da instituição e a inauguração de

filiais.

Com as políticas inclusivas instauradas no fim da década de 1990 e no início

dos anos 2000 o TILSP passa a ser considerado agente de acessibilidade para

pessoas surdas usuárias de língua de sinais e a sua formação passa a ser

determinada e exigida legalmente.

A lei 10.098 de 19 de dezembro de 2000 que estabelece normas gerais e

critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou

com mobilidade reduzida, afirma no artigo 18 do capítulo VII referente à

acessibilidade nos sistemas de comunicação e sinalização, que:

O poder público implementará a formação de profissionais intérpretes de escrita em braile, linguagem de sinais e de guias-intérpretes, para facilitar qualquer tipo de comunicação direta à pessoa portadora de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação.

Posteriormente, em 2002, a Lei 10.436 reconhece a língua brasileira de sinais

como meio de comunicação e expressão oficial da comunidade surda estabelecendo

um marco na inclusão de surdos, pois se institui, a partir desse reconhecimento, a

consideração da comunidade surda enquanto minoria linguística, social e cultural

determinando, dentre outros aspectos relacionados a libras, o apoio de redes

concessionárias para a sua difusão e uso.

Em 2004, o decreto 5.296 que regulamentou a lei de acessibilidade,

10.098/00, descreve detalhadamente como ela, a acessibilidade, deve ocorrer em

todas as instâncias sociais garantindo o atendimento prioritário ao surdo por meio da

intermediação realizada por intérpretes de libras ou pessoas capacitadas nessa

língua, além de apontar a necessidade do uso de uma “janela com intérprete de

libras” para o acesso à informação e comunicação nas mídias televisivas.

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No ano seguinte, em 22 de dezembro, a lei de libras é regulamentada pelo

decreto 5.626. Esse decreto é considerado o “divisor de águas” no que tange a

inclusão de sujeitos surdos e a formação de TILSP, pois nele aparece, pela primeira

vez, o termo “Tradutor e Intérprete de LIBRAS – Língua Portuguesa” e a

determinação da formação desse profissional em nível superior.

Dentre as determinações consta a criação de um exame de proficiência para

certificação de profissionais para o ensino e para a tradução e interpretação da

libras. O Ministério da Educação em parceria com a Universidade Federal de Santa

Catarina, em busca do cumprimento das exigências do decreto, passou a realizar

em todo o território nacional, desde o ano de 2006, o Exame PROLIBRAS que tem

por objetivo avaliar a compreensão e produção na língua brasileira de sinais

(QUADROS et. al., 2009), oferecendo aos aprovados uma certificação profissional

para a atuação como professores de libras e tradutores intérpretes de

libras/português.

No entanto, o exame PROLIBRAS não substitui a formação desses

profissionais, conforme mostram Quadros et. al. (2009):

O exame Prolibras é uma ação de curto prazo para certificar profissionais para participarem dos processos de inclusão dos surdos brasileiros. À medida que contarmos com a formação de profissionais para atuarem nessas áreas, a certificação terá cumprido o seu papel (p. 22).

Também em cumprimento ao decreto 5.626, em 2008, é criado o primeiro

curso superior de bacharelado em Letras/Libras no Brasil promovido pela

Universidade Federal de Santa Catarina. Santos (2010), afirma que o curso foi

criado para atender à legislação que determina a formação de TILSP em nível

superior e que a formação do TILSP, anterior à formação em nível superior,

acontecia por meio de cursos livres promovidos por associações de surdos, pela

FENEIS, por instituições religiosas e por extensões universitárias, com o objetivo de

familiarizar o intérprete com alguns tipos específicos de interpretação.

Lacerda (2009) mostra que a formação de TILSP no Brasil acontecia antes do

decreto 5.626/05 e da criação do Letras/Libras e iniciou-se formalmente em nível

superior, em meados de 2004 e 2005 em iniciativas pioneiras de algumas

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universidades como, por exemplo, a Universidade Metodista de Piracicaba

(UNIMEP)/SP, Estácio de Sá/RJ e PUC/MG.

Em 01 de setembro de 2010, a lei 12.319 regulamentou a profissão de

tradutor intérprete de libras. Essa regulamentação é considerada uma conquista

para a categoria e para a comunidade surda, visto que a busca pela regulamentação

da profissão constitui-se em uma luta histórica. No entanto, a lei obteve três vetos,

dentre os quais a exigência de uma formação específica em nível superior em

tradução e interpretação com habilitação em libras/português com a justificativa de

que impor a habilitação em curso superior específico e a criação de conselhos

profissionais impediria o exercício de profissionais formados em outras áreas e com

formação em nível médio.

A lei salienta que a formação do TILSP pode ser realizada por meio de: a)

cursos de educação profissional, promovidos pelo sistema que o credenciou; b)

cursos de extensão universitária; c) cursos de formação continuada, promovidos por

instituições de ensino superior e instituições credenciadas por Secretarias de

Educação.

Não obstante às conquistas legais, as lutas por um reconhecimento social da

função por meio de entidades representativas da classe, tem sido determinante para

o avanço profissional e conquistas de espaços em universidades e em cenários

políticos nos últimos anos.

As APILS (Associações de Profissionais Tradutores Intérpretes e Guias-

Intérpretes de Língua de Sinais) começam a surgir, formalmente, no Brasil no início

dos anos 2000 e atualmente, segundo o site da Federação Brasileira de Tradutores

Intérpretes de Língua de Sinais – FEBRAPILS, somam-se em 16 associações.

A FEBRAPILS foi fundada em 22 de agosto de 2008 e, segundo Russo (2010),

tem o

[...] propósito de lutar para a regulamentação da profissão no território nacional, além de integrar os intérpretes através das parcerias entre as diversas associações. Além disso, a organização dos intérpretes enquanto federação permitiu que os intérpretes do Brasil pudessem participar mais diretamente das discussões mundiais acerca da interpretação em Libras, já que a WASLI (Associação Mundial dos ILS) só admite como sócios jurídicos as entidades de representação nacional (p. 26).

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A organização coletiva da classe com o objetivo de luta pelos direitos enquanto

classe trabalhadora e pelo reconhecimento legal e social da profissão, contribui para

a transformação de concepções errôneas, em relação a atuação do TILSP, da

população que desconhece esse exercício profissional.

Santos (2006), descreve comportamentos que demonstram uma depreciação

da função do TILSP e que o colocam em uma posição distante das discussões

acerca dos processos tradutórios e formativos enquanto profissional. Essas

representações são mapeadas pela autora por meio da sistematização de

enunciados como “lindo teu trabalho”, “você não precisa traduzir isso”, “vocês são

pagos?”, que apontam para o deslocamento do lugar profissional do TILSP para um

inferior em que interpretar língua de sinais significa “apoiar” o surdo.

Com a organização da categoria enquanto classe trabalhadora e com a luta

pelo reconhecimento profissional, concepções como as mapeadas por Santos

(2006) tendem a se diluir na medida em que o TILSP assume seu lugar enquanto

profissional com formação específica para atuar nesta função, tornando visível

socialmente os motivos de sua atuação.

Devido a essas representações sociais de que o TILSP existe para oferecer

“apoio” ao surdo, a classe profissional ainda depara-se com pedidos de atuação

voluntária em eventos e festividades organizados por repartições públicas (como,

por exemplo, secretarias, coordenadorias e conselhos das pessoas com deficiência)

que deveriam, naturalmente, defender o TILSP como agente de acessibilidade para

surdos usuários da libras reconhecendo-o como profissional por meio de

remuneração pelos serviços prestados.

A atuação voluntária desses profissionais para órgãos de caráter público

torna-se uma compactuação com o Estado, com o não investimento na inclusão

social de pessoas surdas e com deficiência. Além de corroborar a concepção de que

o voluntariado junto às instituições públicas demonstra o quanto esse mesmo Estado

considera a atuação do TILSP um processo de tutela e assistencialismo ao surdo.

Os movimentos sociais da categoria, institucionalizados em associações,

federações e possíveis sindicatos, engendram espaços políticos e de luta pelo

reconhecimento da categoria pela sociedade, pois com esse reconhecimento os

surdos, usuários dos serviços prestados pelos TILSP e que historicamente foram

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estigmatizados pela sua deficiência, também deixam de serem vistos como sujeitos

que necessitam de tutela para comunicação, mas que precisam de profissionais com

formação específica e que realizam tradução e interpretação de discursos em

libras/português/libras.

Direcionando nosso olhar às leis citadas até aqui, notamos que existe uma

política legislativa em prol da formação de TILSP. Mesmo a regulamentação da

profissão em que foi vetada a formação específica de nível superior, há a

determinação da formação em outros níveis educacionais. Nessas leis, o TILSP é

considerado como recurso, dispositivo e agente6 que promove a acessibilidade de

sujeitos surdos e com deficiência auditiva que sejam usuários da libras.

Porém, no que diz respeito ao processo de formação desse profissional,

notamos ausência de diretrizes curriculares e de parâmetros formativos específicos,

que possibilitem uma formação efetiva para que o TILSP possa atuar, com

autonomia, nas mais diversas esferas da comunicação humana, bem como nos

diferentes gêneros discursivos circulantes nessas esferas.

O estabelecimento dessas diretrizes ficou a cargo da academia, que vem

expandindo os estudos e pesquisas referentes à prática de tradução/interpretação

da língua de sinais/português. As leis determinam a formação, mas não oferecem os

caminhos para que ela aconteça. Afirmam e reafirmam o exercício profissional do

TILSP e sua importância para a inclusão de surdos usuários da libras, mas não

apontam os caminhos mais adequados e pertinentes para uma formação eficaz e

efetiva.

1.2. Formação e pesquisa para tradutores intérpretes de libras/português

A formação acadêmica de TILSP no Brasil é recente e vem impulsionada

pelas lutas históricas da comunidade surda, pelas leis de acessibilidade, pelas

políticas inclusivas instauradas por meio do governo brasileiro e pelas resoluções de

organizações internacionais como a ONU e a UNESCO.

6 Vide Norma da ABNT/NBR 15290 – Acessibilidade em comunicação na televisão. Existe uma variação na terminologia para referência ao TILSP como promotor da acessibilidade para surdos usuários de libras.

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Essa formação tem sido fundamentada a partir de experiências e pesquisas

realizadas em países que atuam na formação desses profissionais há alguns anos

como, por exemplo, os Estados Unidos e os países Escandinavos, conforme nos

mostra Quadros (2007). Em uma revisão dos processos de formação de tradutores

intérpretes de língua de sinais nesses países, a autora aponta como esses

profissionais possuem intensa formação para atuação com surdos usuários do

serviço de interpretação posteriormente ao seu egresso da academia.

A emergência na formação de TILSP abre novas possibilidades de pesquisa,

oferecendo espaços, inclusive, para que os profissionais que atuam há algum tempo

no mercado adentrem na academia para uma reflexão metalinguística sobre sua

prática construindo percursos teóricos para embasá-la, contribuindo com a

sistematização dos processos interpretativos e com a formação de novos

profissionais.

Sobral (2008), na obra Dizer o ‘mesmo’ a outros: ensaios sobre tradução,

reflete sobre o processo de teorização da prática e de uma prática fundamentada em

bases teóricas na atuação do tradutor/intérprete. O autor argumenta sobre a

importância deste profissional saber articular as teorias que apreende nos espaços

acadêmicos à sua prática, além de frisar que as escolhas realizadas por esse

profissional, no ato tradutório, são fundamentadas em arcabouços teóricos:

[...] se nem toda teorização acerca da atividade do tradutor é feita a partir da atividade concreta do tradutor, em contrapartida toda atividade de tradução envolve escolhas que refletem, implícita ou explicitamente, alguma espécie de teorização (p. 13).

A questão de que nem todo “prático” é um “teórico” e vice-versa também é

abordada por Sobral. Porém, o autor enfatiza que toda atividade prática exige uma

meta reflexão que pode apontar para caminhos teóricos:

Quando falo de ‘prática’ no tocante à atividade de tradução, falo tanto da prática da tradução per se como da situação concreta do tradutor diante dos seus clientes. Quando falo de ‘teoria’, falo tanto de abordagens teóricas da tradução como da presença do teórico no ato tradutório (SOBRAL, 2008, p. 15).

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A partir da discussão realizada por Sobral (2008), propomos um olhar sobre a

teoria e a prática na formação de TILSP e sobre a recente produção de pesquisas

relacionadas à atuação desse profissional. Por ser um campo recente no universo

científico brasileiro, a área de tradução e interpretação da libras/português tem

“bebido” de muitas fontes com objetivo de alçar e delimitar um campo específico e

autônomo para a produção de conhecimento.

Na maioria das vezes, as pesquisas partem de inquietações e

questionamentos derivados da prática de TILSP que possuem, em alguns casos,

longa experiência de atuação. Essas inquietações impulsionam esses “práticos” a

teorizar sobre sua prática e a buscar fundamentos teóricos para responder às suas

inquietações.

Pereira (2010), traz grande contribuição ao campo de pesquisas relacionadas

a tradução e interpretação da língua de sinais com o levantamento do estado da arte

da produção acadêmica brasileira sobre a temática. A autora realiza um

levantamento bibliográfico sobre as teses e dissertações concluídas e em

andamento e mostra as áreas em que a temática tradução e interpretação de língua

de sinais é recorrente, totalizando oito campos epistemológicos, identificados a partir

das produções acadêmicas concluídas, a saber: Linguística Aplicada, Linguística,

Educação Especial, Semiologia, Ciências da Linguagem, Educação, Educação

Escolar e Letras Vernáculas.

A autora aponta maior produção de pesquisas dentro do campo da Educação,

em primeiro lugar, e da Linguística Aplicada que desponta em segundo, e levanta a

hipótese de que a alta demanda da inserção de surdos na esfera educacional

ocasiona a atuação massiva do TILSP nessa esfera do que em outras, indicando

maiores inquietações e questionamentos que direcionam os “práticos” a

pesquisarem dentro do campo epistemológico que se relaciona com a esfera de

atuação prática, a Educação.

Nas produções em andamento, os campos encontrados pela autora são seis:

Linguística, Letras, Literatura, Educação, Estudos da Tradução e Linguística

Aplicada. A predominância de trabalhos em andamento está em Estudos da

Tradução, com mais de cinquenta por cento das produções encontradas filiadas a

esse campo.

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A partir dos dados levantados por Pereira (2010), podemos observar a

variação na produção científica quanto às questões que circundam a temática de

TILSP. A recorrência de pesquisas da área da Linguística Aplicada, dos Estudos da

Tradução e da Educação justifica-se pela proximidade que esses campos têm com a

prática da tradução e interpretação da libras/português.

As pesquisas em Linguística Aplicada relacionadas a essa temática justificam-

se pela interdisciplinaridade que esse campo possibilita com outras áreas do

conhecimento, relacionando os aspectos inerentes às práticas de linguagem e pelo

fato de que a tendência de muitos estudos contemporâneos em Linguística Aplicada

tem sido “[...] focalizar a linguagem como prática social e observá-la em uso,

imbricada em ampla amalgamação de fatores contextuais.” (FABRÍCIO, 2006, p. 48).

Vasconcellos (2010), apresenta possível justificativa para afiliação das pesquisas de

tradução e interpretação da libras/português ao campo de Estudos da Tradução:

A inserção estratégica do tradutor e do intérprete de línguas de sinais em um campo disciplinar já estabelecido, longe de diminuir a importância de sua questão identitária, pode contribuir para o fortalecimento do empoderamento (“empowerment”) desses profissionais que, mesmo filiados a um campo disciplinar já constituído, não perdem sua especificidade ou visibilidade (VASCONCELLOS, 2010, p. 121).

Os campos aqui citados e apontados pelas publicações convocadas neste

capítulo mostram uma possível necessidade de constituição de um campo

específico de pesquisas relacionadas à tradução e interpretação da libras/português.

Estudos relacionados ao processo de formação, de construção das identidades do

TILSP, do processo tradutório da língua de sinais para a língua portuguesa escrita e

vice-versa, da interpretação enquanto atividade entre culturas e outras temáticas

vêm ocupando o cenário acadêmico nos últimos dez anos7.

Santos (2010), coloca que dentre as questões que necessitam de avanços em

pesquisas referentes a formação do TILSP destacam-se a proficiência linguística, a

7 A saber: ROSA, 2005; LIMA, 2006; QUADROS 2004, 2007; SOUZA 2008; QUADROS e SOUZA

2008; MASSUTI E SANTOS 2008; LACERDA 2009, PEREIRA 2010, VASCONCELLOS 2010, SANTOS 2010. São alguns dos autores que tem pesquisado a prática do TILSP, bem como sua identidade e formação. As temáticas inerentes à prática de tradução/interpretação de língua de sinais são múltiplas e tendem a ampliar nos próximos anos.

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inserção cultural, as habilidades, competências, técnicas e estratégias de trabalho,

qualidade de interpretação e comportamento ético perante as situações

apresentadas. Acrescenta-se a esses aspectos a importância da flexibilidade

linguística, enunciativa e discursiva para a atuação em diversos campos da atividade

humana, aliada à capacidade analítica e peremptória para escolhas adequadas no

ato tradutório/interpretativo no processo de verter sentidos de um discurso à outro.

As atuais afiliações, inserções e intersecções com os campos

epistemológicos aqui citados, colaboram com o crescimento da área de estudos em

tradução e interpretação da língua de sinais, indicando uma possível

interdisciplinaridade para novas pesquisas relacionadas a esse campo.

O II Congresso Nacional de Pesquisas em Tradução e Interpretação de

Língua de Sinais, realizado na Universidade Federal de Santa Catarina em

novembro de 2010, abriu espaço para a apresentação da produção científica

relacionada à área por meio de comunicação oral e exposição de pôsteres. Os

trabalhos foram organizados em sete eixos temáticos: formação de intérpretes de

língua de sinais, formação de tradutores de língua de sinais, discurso e

tradução/interpretação de/para a língua de sinais, metodologias para implementar a

tradução de/para a língua de sinais, avaliação da tradução/interpretação de/para a

língua de sinais, tradução de/para a escrita de sinais, metodologias para

implementar a interpretação de/para a língua de sinais.

O site oficial do congresso mostra que, no total, foram quarenta e nove

trabalhos aceitos e apresentados com grande variação nos campos epistemológicos

em que as pesquisas estavam relacionadas. Nas apresentações foi notório aos

participantes as diversas abordagens teóricas buscadas pelos autores para embasar

as pesquisas relacionadas a prática de tradução e interpretação da libras/português.

A própria subdivisão temática dos trabalhos já sugere essa multiplicidade de olhares

e abordagens teóricas nas pesquisas que falavam sobre a prática, formação e

identidade do TILSP.

O crescimento de pesquisas no campo de tradução e interpretação da

libras/português indica a necessidade de teorização sobre práticas já existentes.

Esse processo de teorização tem se consolidado no âmbito acadêmico pela própria

inserção dos profissionais que atuavam e/ou atuam como TILSP implicando, assim

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como coloca Sobral (2008), na construção de teorias através da prática sem fazer

com que uma seja aplicação de outra, pois

[...] não há teoria, por mais ‘perfeita’ que seja, que possa ser simplesmente aplicada a uma prática, ao menos com bons resultados, porque as práticas não são estáticas (nem as teorias, ao contrário do que pensam confortável ou dogmaticamente alguns) (p. 17) .

Ao articularmos esses dados e reflexões teóricas com as demandas de

formação instauradas pelas políticas de inclusão social das pessoas com deficiência,

sistematizadas em leis e que enxergam o TILSP como agente de acessibilidade para

surdos usuários da libras, bem como a recorrente determinação legal de formação

desses profissionais, começamos a perceber o quanto as demandas sociais e legais

ampliam os campos de atuação desse profissional, fazendo com que

questionamentos e inquietações sobre sua atuação o levem a pesquisar, descrever,

delimitar e delinear sua prática dentro dos espaços acadêmicos e de construção de

conhecimentos.

Nesse sentido, buscamos aqui descrever a atuação do tradutor intérprete de

libras/português em uma das esferas possíveis de atuação e que, possivelmente, é

uma área de crescente demanda, haja vista a amplitude e crescimento dos

movimentos surdos na exigência de acessibilidade em todos os âmbitos sociais,

dentre eles, a esfera televisiva, gênero jornalístico.

No entanto, antes de iniciar a descrição da atuação nessa esfera, faz-se

necessário aprofundar a discussão sobre o que é traduzir, interpretar e quais as

implicações dessas definições para a atuação do TILSP nessa e em outras esferas

de atuação.

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CAPÍTULO 2 Tradução e/ou Interpretação? Questões terminológicas e as atividades tradutória e interpretativa

Se o sentido nasce da diferença, é só na diferença que podemos encontrar sentido. Como a tradução é uma

atividade de criação de pontes entre diferenças, e como a tradução entre línguas orais e línguas de sinais envolve

diferenças, pode-se dizer legitimamente que traduzir em libras também é dizer o “mesmo” a outros.

Adail Sobral

No sentido de manter uma coerência com as atuais discussões sobre a

prática de tradução/interpretação da língua de sinais, este capítulo tem o objetivo de

apresentar considerações teóricas sobre diferenças e semelhanças conceituais

entre os termos tradução e interpretação, bem como aos termos que se referem ao

sujeito que realiza essa atividade: intérprete, tradutor, tradutor/intérprete.

Para essa discussão convocamos os autores dos Estudos da Tradução, da

área de Tradução e Interpretação de Língua de Sinais e perseguimos essa diferença

com o objetivo de justificar as escolhas terminológicas realizadas neste trabalho,

assim como a delimitação, ou delineio, da atividade que está a cargo do profissional

que media enunciativo-discursivamente a interação entre surdos e ouvintes.

2.1. Da semelhança semântica à diferenciação do ato

Uma das discussões centrais na pesquisa, formação e prática de tradutores e

intérpretes está, justamente, na diferença das atividades de tradução e

interpretação. Nesse sentido, queremos ser coerentes com essa tendência e

apresentar considerações teóricas sobre as possíveis diferenças entre essas duas

atividades, além de justificar as escolhas variantes, neste trabalho, do uso de termos

como tradutor/intérprete, intérprete e tradutor, bem como ato tradutório e ato

interpretativo.

Na busca por essas diferenças conceituais e consideravelmente importantes,

recorremos a alguns autores da área da tradução e interpretação que pontuam de

maneira incisiva a diferença, não apenas terminológica limitando-se a diferenciação

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lexical, mas aprofundam-se marcando-a na prática e na realização dessas

atividades. No entanto, antes de convocar as vozes teóricas dos estudos

tradutológicos que perseguem essa diferença, queremos apresentar os traços de

semelhanças nos atos de traduzir e interpretar que determinam, dentre outros

aspectos, a realização de uma atividade de mediação entre línguas.

O pano de fundo que institui a semelhança nessas atividades pode ser,

inicialmente, desvelado na origem etimológica da palavra tradução. Segundo o

Dicionário de Radicais Clássicos – Dialética da Língua Portuguesa de Alcebíades

Fernandes Junior, o radical TRA, proveniente de TRAH e TRAIN, originários do

grego e do latim, significa puxar, adestrar, conduzir uma veste, enquanto DUÇ,

também vindo do latim, significa tirar, guiar, conduzir. O radical TRA permanece nas

línguas de origem e influência latina: francês – TRAduction, italiano – TRAduzione e

inglês TRAnslation. Nesse sentido, a tradução é um ato de puxar, conduzir de um

determinado lugar a outro com uma nova veste.

No cerne do significado etimológico aplicado ao ato, a prática de interpretação

de línguas também está vestida desse sentido, visto que se caracteriza pelo ato de

trazer de um lado a outro colocando no discurso mobilizado uma nova veste, uma

nova forma linguística, mas mantendo a sua interioridade (se é que assim pode ser

pontuado), o sentido. Portanto, é possível afirmar que a interpretação também é um

ato tradutório, pois “[...] todo ato de tradução é tanto tradução como interpretação,

porque traduzir é sempre interpretar e porque sempre que se interpreta se traduz”

(SOBRAL, 2008, p. 88).

Mesmo havendo essa congruência semântica entre tradução e interpretação,

podemos questionar o motivo da diferenciação entre traduzir e interpretar, ainda que

assumamos que as duas atividades são caracterizadas pela mediação realizada

entre diferentes línguas, cujos destinatários são interlocutores que desconhecem (ou

conhecem insuficientemente) a língua fonte do discurso a qual se pretende ter

acesso e, por isso, necessitam de uma mediação linguística-enunciativa-discursiva.

Para responder a esse questionamento passaremos, a partir de então, a

convocar as vozes teóricas dos Estudos da Tradução e Interpretação que

anunciamos no início deste capítulo. Conforme foi explicitado, assumimos neste

trabalho que a interpretação de uma língua à outra também caracteriza-se por uma

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atividade tradutória independente da sua modalidade linguística. Todavia,

assumimos, também, em ressonância com as concepções apresentadas a seguir,

que traduzir e interpretar são atividades diferentes caracterizadas, primordialmente,

pelas esferas de produção em que são realizadas.

Alguns teóricos e pesquisadores dos Estudos da Tradução nos mostram que

a tradução é uma atividade ligada à transposição escrita de uma língua à outra,

enquanto a interpretação é caracterizada por uma transposição oral, em tempo real,

face a face, entre línguas (PAGURA, 2003, RONAI, 1987).

Sobral (2008), salienta que os estudiosos dos processos tradutórios

costumam realizar uma distinção entre traduzir, que refere-se à pratica de tradução

de textos escritos, interpretar para designar a tradução de textos orais e em língua

de sinais, verter para designar a todo tipo de tradução da primeira língua do tradutor

para uma segunda língua e para realizar adaptações explícitas de letras de canções

e poemas, e transcriar para traduções de textos literários. Para o autor, a exploração

sistemática de diferentes terminologias para referir-se ao ato de “[...] mobilizar um

texto por meio de outro discurso” (p. 70) são iniciativas para destacar diferentes

aspectos de um mesmo processo.

Para Cokely (1992), existem diferenças cruciais entre as atividades dos

tradutores e dos intérpretes. O autor salienta que uma das diferenças entre os

modelos tradutórios e os modelos interpretativos está no fato de que o intérprete, por

exemplo, está limitado a um “espaço-tempo” específico, pois sua atuação depende

totalmente da fala e, por consequência, do ritmo e entoação do orador, enquanto o

tradutor possui um “espaço-tempo” diferenciado, mais expandido, em que é possível

recorrer a outras referências para a tradução, refazê-la, refiná-la, se necessário,

após possíveis releituras do material traduzido, sendo esta uma ação recursiva.

No mesmo trajeto, explorando a interpretação como uma ação diferenciada

da tradução, Pagura (2003) chama atenção para as motivações da constante

confusão que se faz entre essas atividades. Para o autor, essa fusão terminológica

deu-se, no Brasil, com a Lei da Reforma do Ensino, 5.692/71, que institui a formação

de “tradutores-intérpretes” como uma das inúmeras possibilidades dos cursos

profissionalizantes a serem instituídos no ensino de segundo grau (atual Ensino

Médio).

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No tocante à tradução/interpretação da língua de sinais brasileira existem,

ainda, alguns questionamentos quanto ao uso correto da terminologia. Assim como

na Lei mencionada por Pagura (2003), o termo “tradutor e intérprete” também foi

instituído legalmente para a atividade do profissional que media enunciativo-

discusivamente situações de interação que envolve a língua de sinais brasileira e a

língua portuguesa. O decreto 5.626/05, que regulamenta a lei de Libras, 10.436/02,

determina a formação de tradutores e intérpretes de libras – língua portuguesa para

atuar na mediação de comunicação entre surdos e ouvintes.

A libras, atualmente, possui um sistema de escrita em construção, o Sign

Writing8 (Escrita de Sinais). No entanto esse sistema não tem sido adotado como

forma de comunicação em provas, avaliações e registros oficiais9, por não ser

reconhecida amplamente pela comunidade surda. A lei de libras, 10.436/02, acentua

em um parágrafo único que “a Língua Brasileira de Sinais - Libras não poderá

substituir a modalidade escrita da língua portuguesa”. Nesse caso, o termo tradutor

intérprete, refere-se a possíveis situações em que a língua portuguesa escrita estará

envolvida no processo tradutório. Russo (2009), salienta que:

[...] em alguns momentos, os intérpretes de língua de sinais também atuam como um tradutor, já que o par linguístico da LIBRAS é a língua portuguesa, uma língua grafa. Um exemplo de uma situação é quando um surdo produz um determinado discurso em LIBRAS, registra-o em vídeo e repassa-o para que o agora tradutor de língua

8 O Sign Writing foi criado na Dinamarca em 1974, a princípio, para registrar passos de dança e logo despertou o interesse de pesquisadores de língua de sinais, por possibilitar a representação gráfica de movimentos corporais e espaciais (STUMPF, 2008). Segundo Silva e Nogueira (2010) o Sign Writing tem sido estudado como forma gráfica de escrita de línguas de sinais no mundo e existem atualmente no Brasil pesquisas concluídas em que o resumo da dissertação foi produzido em língua portuguesa e escrita de sinais, além de outras pesquisas voltadas para essa temática (STUMPF, 2008; 2008; SILVA, 2009; GOMES, 2009). Esse sistema de representação gráfica ainda não é reconhecido amplamente pela comunidade surda como uma escrita da libras. No entanto, os pesquisadores da área a utilizam como a forma escrita oficial dessa língua. Em 2010, foi publicado pela primeira vez no periódico Cadernos de Tradução do Programa de Pós Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina, com conceito A2 na avaliação Qualis-CAPES, um artigo em Sign Writing: “Tradução e interpretação da Língua Brasileira de Sinais: Formação e Pesquisa” (QUADROS, STUMPF, 2010) disponível em: http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/traducao/article/view/15714/14228. 9 A Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) tem oferecido aos alunos surdos dos cursos de graduação e pós-graduação a possibilidade de produzirem seus materiais bibliográficos em libras, tanto na modalidade escrita (escrita de sinais) como na modalidade sinalizada em que o registro é realizado por meio de filmagem, além da língua portuguesa escrita.

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de sinais faça a tradução para o português escrito. Nesse momento, o intérprete de língua de sinais assume uma outra função, a de traduzir, ou seja, de verter um texto de modalidade visuo-gestual para um outro texto de modalidade escrita (p. 24).

Existem outras situações em que a modalidade escrita da língua portuguesa

será o par linguistico da libras. A esfera jurídica, por exemplo, em uma situação de

interpretação, quando houver um surdo que não sabe se comunicar pela língua

portuguesa escrita e, por determinação do juiz, for necessário algum registro gráfico

de seu depoimento, o intérprete assumirá a função de tradutor, pois a transposição,

nesse caso, será da língua de sinais para a língua escrita10.

Alguns pesquisadores e autores atuais têm escolhido utilizar apenas

interpretação de libras para a atividade realizada e intérprete de libras para o sujeito

que realiza essa ação, justificando que a tradução não está ligada, diretamente, a

sua função, como é o caso de Lacerda (2009), que analisa a atuação do Intérprete

de Libras em atuação na educação infantil e no ensino fundamental. A autora

reconhece a função tradutória de uma atividade interpretativa, mas, baseando-se em

autores dos Estudos da Tradução, descreve as diferenças entre essas duas ações.

Baseando-nos na discussão realizada até aqui, neste trabalho, realizamos

escolhas específicas para referirmos à atuação do profissional que media

enunciativo-discursivamente a comunicação entre surdos e ouvintes. Utilizaremos o

termo tradutor/intérprete de libras/português (TILSP) para a referência ao sujeito que

realiza essa função, em sintonia com as atuais publicações da área que utilizam

essa terminologia, com a lei que institui a formação desses profissionais e, também,

por abranger as possibilidades (poucas, mas reais) de atuação desse profissional

em situações que a língua escrita estará envolvida, além de referir-se ao caráter

tradutório da interpretação, tal como pontua Sobral (2008).

Em relação à atividade, ao evento da prática de transpor um texto a outro,

será utilizado o termo interpretação ou ato interpretativo com referência a

10 Atualmente tem sido realizada a avaliação e formação de tradutores e intérpretes surdos que realizam a tradução da língua de sinais para o português escrito e vice-versa. O exame PROLIBRAS, que acontece anualmente para aprovação e certificação de tradutores intérpretes e professores de libras, realizou, em 2009 em 2010, a avaliação de surdos tradutores. O II Congresso Brasileiro de Pesquisas em Tradução e Interpretação da Língua de Sinais também contou com a atuação de intérpretes surdos que realizaram a interpretação de outras línguas de sinais, como a American Sign Language, para a libras.

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predominância de tradução de textos sinalizados e orais na interação discursiva

entre surdos e ouvintes.

A partir deste momento, depois de assumirmos que o TILSP realiza,

predominantemente, atividades de interpretação de uma língua à outra (COKELY,

1992), ampliaremos e focaremos a discussão e definição do ato interpretativo.

2.2. Interpretação da língua de sinais: atividade interlinguística de natureza

verbo-visual

Pagura (2003), apresenta dois modelos interpretativos que são,

costumeiramente, desconhecidos por profissionais que não atuam na área. O

primeiro modelo trata-se da interpretação consecutiva, que é aquela em que o

intérprete escuta um longo trecho de discurso, toma notas e, após a conclusão de

um trecho significativo ou do discurso inteiro, assume a palavra e repete todo o

discurso na língua-alvo, normalmente a sua língua materna. O segundo é a

interpretação simultânea, em que os intérpretes – sempre em duplas – trabalham

isolados numa cabine com vidro, de forma a permitir a visão do orador e recebem o

discurso por meio de fones de ouvido. Ao processar a mensagem, re-expressam-na

na língua de chegada por meio de um microfone ligado a um sistema de som que

leva sua fala até os ouvintes, por meio de fones de ouvido ou receptores

semelhantes a rádios portáteis. Essa modalidade permite a tradução de uma

mensagem em um número infinito de idiomas ao mesmo tempo, desde que o

equipamento assim o permita.

Partindo da apresentação feita por Pagura (2003) e direcionando essa

distinção à prática do TILSP, afirmamos que o modelo mais utilizado em um ato

interpretativo que envolva a língua de sinais é a interpretação simultânea. No

entanto, diferente do que acontece com os intérpretes de línguas orais que ficam

escondidos fisicamente em uma cabine com fones de ouvido, o TILSP, geralmente,

posiciona-se ao lado do locutor, no palco, no caso de uma interpretação de

conferência, e realiza ali o ato interpretativo. Tanto este último fato mencionado

como a recorrência de uma interpretação simultânea se dá devido à modalidade

linguística da língua de sinais, gestual-visual-espacial, diferente das línguas

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envolvidas na atuação de intérpretes de línguas orais, necessitando de uma

exposição visual para o acesso do público a qual se interpreta.

Para Isham e Lane (1993), há poucas diferenças entre a atividade realizada

entre os intérpretes de línguas orais e os intérpretes de língua de sinais. Os autores

salientam que, talvez, a única diferença resida no fato de que os segundos transitem

por modalidades linguísticas diferentes e, por esse motivo, existam implicações à

atuação interpretativa, à operacionalização da interpretação.

Esta diferença pontuada por Isham e Lane (1993), da modalidade linguística,

é crucial para a atuação do TILSP, isso porque a modalidade linguística das línguas

envolvidas, da língua oral para a língua de sinais e vice e versa, é de outra natureza,

instituindo, assim, uma atuação que envolve processo de ressignificação verbo-

visual intermodal.

Quadros (2006), pontua essa diferença de modalidade mostrando que as

línguas de sinais oferecem para a linguística um novo campo de investigação sobre

a aquisição e desenvolvimento de línguas naturais, visto que há, nas línguas de

sinais, propriedades de nível linguístico que, embora sejam parecidos com o das

línguas orais, diferenciam-se no próprio processo enunciativo. A autora realiza uma

revisão de literatura dos estudos referentes às descrições linguísticas da American

Sign Language e da Língua Brasileira de Sinais para pontuar os efeitos de

modalidade entre as línguas faladas e as línguas sinalizadas:

Por um lado, existe uma preocupação em relação aos efeitos das diferenças na modalidade fazendo com que os estudos das línguas de sinais sejam extremamente relevantes. Por outro lado, as similaridades encontradas entre as línguas faladas e as línguas sinalizadas parecem indicar a existência de propriedades do sistema linguístico que transcendem a modalidade das línguas. Nesse sentido, o estudo das línguas de sinais tem apresentado elementos significativos para a confirmação dos princípios que regem as línguas humanas. (QUADROS, 2006, p. 175).

No tocante às atividades tradutórias e interpretativas, Segala (2010), ao falar

do processo tradutório da língua de sinais para o português escrito e vice-versa,

pontua a importância da diferenciação entre as modalidades linguísticas envolvidas

nesse tipo de tradução, bem como da diferença entre a interpretação entre línguas

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de sinais e línguas orais. O autor afirma que um processo de tradução entre línguas

de diferentes modalidades não pode ser denominada, apenas, de tradução

interlingual, pois este termo já se refere a uma atividade de mediação entre línguas

diferentes, mas no caso em que os pares linguísticos são línguas de sinais e línguas

orais, a mediação caracteriza-se por uma tradução intermodal.

Para Segala (2010), que baseia-se em Jakobson (1969), o processo

tradutório e/ou interpretativo entre línguas sinalizadas para línguas orais auditivas

em suas duas faces (oral e escrito) pode, ainda, ser denominada por tradução

intersemiótica, pois envolve dois sistemas de signos diferentes. O autor propõe,

então, que a tradução entre textos escritos em língua portuguesa e em libras, por

exemplo, constitui-se em uma tradução intersemiótica.

Jakobson (1969), considera tradução intersemiótica quando há uma

transmutação, tradução, entre um sistema verbal e um sistema não verbal como, por

exemplo, de um texto para ícones, desenhos, fotos, pinturas, vídeo, etc. Embora o

autor não faça referência às línguas de natureza gestual-visual-espacial, podemos

considerar, juntamente com Segala (2010), que o processo de interpretação entre

línguas sinalizadas e línguas faladas constitui-se em uma transmutação

intersemiótica, visto que os sistemas de signos envolvidos nesse processo são de

materialidades diferentes: verbal-oral11 e gestual-visual-espacial.

A questão da materialidade das línguas envolvidas é de extrema relevância

para o processo e, possivelmente, modelos de interpretação. No que se refere à

atuação de um intérprete de língua oral falada, sua atuação não é intermodal, mas

somente interlingual, pois o processo interpretativo acontece na relação biunívoca

dos pares linguísticos cuja materialidade constitui-se do verbal-oral-falado para o

verbal-oral-falado. No caso da interpretação de/para a língua de sinais em que o par

linguístico seja uma língua oral falada, a transposição, independente da esfera de

11 Pontuamos a especificidade da materialidade verbal-oral dessa relação, pois a língua escrita também faz parte da dimensão verbal de uma língua de modalidade oral-auditiva, visto que o “verbal”, no tocante à materialidade e não ao que, tradicionalmente, se atribui a esse termo, o status condicionante de língua, possui duas faces: o oral e o escrito (BRAIT, 2010). Ainda, segundo o Dicionário de Língua Portuguesa Houaiss (2010) verbal significa: expresso oralmente, falado, oral. Sendo assim, faz-se necessário pontuar que a transposição linguística, neste caso, se dá entre produção discursiva verbal-oral.

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produção, será de uma materialidade verbal-oral-falada para uma materialidade

verbal-oral-sinalizada, tornando, por recorrência, o ato interpretativo com línguas

orais e línguas de sinais uma atividade interlingual de natureza verbo-visual.

Essa totalidade será considerada aqui uma

[...] enunciação, um enunciado concreto articulado por um projeto discursivo do qual participam, com a mesma força e importância, a linguagem verbal e a linguagem visual. Essa unidade significativa, essa enunciação, esse enunciado concreto, por sua vez, estará constituído a partir de determinada esfera ideológica, a qual possibilita e dinamiza sua existência, interferindo diretamente em suas formas de produção, circulação e recepção (BRAIT, 2010).

Constituídas indissoluvelmente a interligação verbo-visual do ato interpretativo

enquanto enunciação é constitutiva da tarefa do profissional que media discursos

entre línguas diferentes, e nesse caso, de modalidades diferentes. Essa diferença de

modalidade produz discursos de diferentes consistências, textos de diferentes

aspectos. Nesse sentido, adotamos como concepção de materialidade linguistica, de

texto, a proposta de Brait (2010) que, partindo dos pressupostos bakhtinianos, o

designa como semiótico-ideológico abrangendo a dimensão visual, verbal e verbo-

visual da língua e das linguagens que a partir dela circulam como participantes da

produção de um enunciado concreto:

Assim concebido, o texto deve ser analisado, interpretado, reconhecido a partir dos mecanismos que o constituem, dos embates e das tensões que lhe são inerentes, das particularidades da natureza de seus planos de expressão, das esferas em que circula e do fato de que o ostenta, necessariamente, a assinatura do sujeito, individual e coletivo, constituído por discursos históricos, sociais e culturais [...] (BRAIT, 2010, p. 195).

A língua de sinais, conforme já sinalizamos neste trabalho, possui sua

enunciação produzida no espaço (QUADROS, KARNOPP, 2004). Enunciação que é

constituída por signos linguísticos visuais, possíveis de serem analisados

automamente, a partir de si mesmos, da menor à maior unidade, na inter-relação

com os outros signos, conforme salienta a proposta saussureana de análise e

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estudo da língua12. Dessa forma, a transposição de sua materialidade em um ato

tradutório (no sentido mais amplo do termo), vai além do enquadramento textual da

língua em uso e requer uma ressignificação dos sentidos, dos apontamentos do

texto para dentro e para fora de si mesmo, implícitos no processo enunciativo da

língua, em sua totalidade, que ultrapassam a transposição, apenas, lexical marcada

pela relação sinal-palavra e palavra-sinal.

Essa (re) produção de sentidos é determinada, acima de tudo, pela esfera de

produção discursiva desse ato de enunciação, pois “a situação e os participantes

mais imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação”

(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2009, p. 118). Nesse sentido, a interpretação da língua

de sinais não será realizada, por exemplo, na esfera educacional da mesma forma

que seria na esfera jurídica. Os sujeitos envolvidos, as coerções determinadas pelo

gênero discursivo produzido nessas esferas e os próprios aspectos estilísticos da

enunciação são diferentes. A fala de um juiz que, em um primeiro momento, seria o

principal enunciador e que determina, por meio de sua autoridade, as outras

manifestações enunciativas difere-se do estilo de enunciação utilizado por um

professor em uma sala de aula, em uma relação direta com os enunciatários.

O próprio posicionamento físico desses enunciadores determina como um ato

interpretativo em língua de sinais será executado. Um juiz não passa a audiência em

pé, andando de um lado para o outro, escrevendo na lousa, dirigindo-se ao réu para

saber se ele possui alguma dúvida ou corrigindo qualquer registro gráfico que ele,

possivelmente, venha a fazer durante um julgamento. E, ao contrário, um professor

também não senta em uma cadeira mais alta no meio da sala de aula e coloca um

aluno a sua frente acompanhado de seu pai, no papel de um defensor, tal qual é um

advogado, durante a aula, para defender seus déficits de aprendizagem. Nesse

sentido, a interpretação da língua de sinais/língua portuguesa, a relação verbo-visual

12 Não queremos nos estender na discussão sobre o caráter linguístico da língua de sinais. Sua constituição enquanto língua natural já foi comprovada cientificamente. No entanto, vale recordar que foi em 1960 que as primeiras pesquisas, realizadas por Willian Stokoe nos Estados Unidos, comprovaram que a língua de sinais possui a mesma função, tanto simbólica quanto neurolinguística, além da complexidade das línguas orais (SACKS, 1998). Salientaremos, portanto, os aspectos de sua produção enunciativa para chegarmos, posteriormente, à dimensão discursiva que essa língua possibilita aos seus usuários, bem como ao processo de tradução/interpretação dela para outras línguas e vice-versa.

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indissolúvel desse ato enunciativo, é determinada pela esfera de produção,

recepção e circulação dos discursos interpretados.

No próximo capítulo, faremos uma leitura dos conceitos bakhtinianos de

enunciação, enunciado concreto, gêneros do discurso, texto, discurso e autoria

relacionando-os com práticas de interpretação das línguas de sinais pontuado as

possíveis contribuições que essa teoria oferece para o estudo e análise dessa

atividade, bem como para a leitura do corpus desta pesquisa.

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CAPÍTULO 3 Contribuições do Círculo de Bakhtin para o estudo da interpretação da língua de sinais

É instaurador de discursividade todo aquele cuja obra permite que outros pensem algo diferente dele. Dito

de outra maneira: sua obra é condição de possibilidade para que determinados pensamentos se produzam, mas ao invés de serem pensamentos que repetem

o que diz essa obra, ao contrário, trazem diferenças em relação a ela. Poderíamos então dizer que

Bakhtin não é apenas um autor que não cansamos de repetir, mas é também fundador de discursividade.

Marília Amorim

Do início da dissertação até o presente momento buscamos descrever

aspectos relevantes sobre o TILSP, tanto em termos históricos como de formação

profissional. Durante o último capítulo começamos a costurar essas questões com a

base teórica que fundamenta essa pesquisa: a teoria do Círculo de Bakhtin.

As especificidades do nosso objeto de estudo apontaram para o uso dessa

teoria como coerente para responder às questões de pesquisa levantadas, não só

por oferecer subsídios fundamentais para o estudo da linguagem em condições de

uso, como também por indicar caminhos metodológicos que abarcam a totalidade e

a especificidade do corpus escolhido para a pesquisa.

O construto teórico adotado como fundamentação dessa pesquisa, diferente

do que costumeiramente se pensa, não foi elaborado apenas pelo filósofo Mikhail

Bakhtin, mas caracteriza-se por um conjunto de reflexões sobre a língua, a

linguagem e os discursos que emergem das situações concretas de produção,

iniciado por ele, chamado pelos pesquisadores e comentadores de suas obras por

pensamento bakhtiniano, e, segundo Brait e Campos (2009), estudiosas do legado

teórico deixado pelo filósofo russo, foi desenvolvido em um constante diálogo com

intelectuais, cientistas e artistas na Rússia no período de 1920 a 1970.

Esse grupo, chamado de Círculo de Bakhtin, congregou, em um turbulento

período da Rússia czarista e em diferentes momentos histórico-geográficos dessa

época, linguistas, filósofos, biólogos, musicistas e literários que explanavam,

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refletiam, versavam e publicavam obras de cunho filosófico linguístico, deixando um

legado teórico para diferentes leituras, explanações e aplicações nos estudos

relacionados à língua, linguagem, discurso, poesia e literatura.

Brait (2008), afirma que Bakhtin, bem como os membros de seu Círculo, não

propôs, formalmente, uma teoria de análise do discurso, do mesmo modo quando

fazemos referência à Análise do Discurso Francesa, “entretanto, também não se

pode negar que o pensamento bakhtiniano representa, hoje, uma das maiores

contribuições para o estudo da linguagem, observada tanto em suas manifestações

artísticas como na diversidade de sua riqueza cotidiana” (p. 9).

Nesse sentido, faremos um diálogo, neste capítulo, com essa teoria

relacionando-a com a prática de tradução e interpretação da língua de sinais na

esfera televisiva, gênero jornalístico, adotando como diretrizes os conceitos de

enunciação, enunciado concreto, gêneros do discurso, texto, discurso e autoria.

3.1. Tradução/interpretação na perspectiva enunciativo-discursiva

Para o Círculo de Bakhtin, o estudo da língua é inseparável da vida, pois é

nela, nas relações entre os sujeitos, na realização da língua por meio da interação

entre esses mesmo sujeitos, que a linguagem acontece e os sentidos se instauram.

O olhar para a linguagem deve ocorrer nas suas reais condições de produção, pois,

obrigatoriamente, os sentidos implícitos nessas práticas só emergem na interação

real e viva entre sujeitos singulares.

A compreensão do olhar direcionado para as reais condições de uso da

linguagem implica na exploração de dois conceitos fortemente presentes nos

estudos sobre a linguagem e discurso: enunciação e enunciado. Esses conceitos,

também utilizados em outras teorias linguísticas e de análise do discurso, são

vestidos de diferentes sentidos e de uso e, conforme mostram Brait e Melo (2009),

diferem-se dos sentidos a eles implicados no pensamento bakhtiniano. Segundo as

autoras, para algumas teorias a enunciação é caracterizada por processo enquanto

enunciado é tomado como produto desse processo e, ainda, em outras, enunciado é

tomado como frase ou como cadeias frasais.

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Brait (2005), pontua que Bakhtin interessa-se pelas características e formas

do intercurso social pelo qual o significado é realizado, procurando explorar a ideia e

centrar a discussão no fato de que “[...] a linguagem não é falada no vazio, mas

numa situação histórica e social concreta no momento e no lugar da atualização do

enunciado” (p. 93).

Nos estudos bakhtinianos, enunciação e enunciado são abordados no

conjunto da obra deixada pelo Círculo e aparecem como constitutivos um do outro.

Olhar para o enunciado concreto, a partir de lentes dialógicas, significa abordá-lo

“[...] muito mais do que aquilo que está incluído dentro dos fatores estritamente

linguísticos, o que, vale dizer, solicita um olhar para outros elementos que o

constituem” (BRAIT e MELO, 2008, p. 6). Enquanto o conceito de enunciação está

diretamente ligado a enunciado concreto e à interação em que ele se dá, “o

enunciado concreto (e não a abstração linguística) nasce, vive e morre no processo

de interação social entre os participantes da enunciação. Sua forma e significado

são determinados basicamente pela forma e caráter desta interação”

(VOLOCHÍNOV s/d. p. 10).

Bakhtin/Volochínov (2009)13 apresenta a enunciação como “produto da

interação entre dois indivíduos socialmente organizados” (p. 116), em que a palavra,

enquanto materialização dessa enunciação está sempre dirigida ao outro. O autor

afirma que é na enunciação, ou enunciações, pelo fenômeno da interação verbal,

que a verdadeira substância da língua se constitui, deixando de ser apenas um

sistema abstrato de formas linguísticas, pois “a enunciação só se torna efetiva entre

falantes” (p. 132).

13 Os estudos sobre o pensamento bakhtiniano explanam e questionam a autoria de algumas das obras produzidas por esse Círculo, isso porque algumas dessas obras são duplamente assinadas, especialmente O Freudismo, Marxismo e Filosofia da Linguagem e O método formal dos estudos literários. Faraco (2009) relata que a discussão a respeito da autoria de tais obras dividiu a recepção, por parte dos pesquisadores, em três direções: a) daqueles que respeitam as autorias das edições originais e só reconhecem como de autoria do próprio Bakhtin os textos publicados em seu nome; b) os que atribuem a Bakhtin a autoria de todos os textos; e c) uma solução que inclui nas obras dois nomes de autoria (Bakhtin/Volochínov, Bakhtin/Medvedev). Nesse trabalho, juntamente com este autor, adotamos a primeira direção. Os bakhtinianos brasileiros adotam essa postura desde os estudos da década de 1980 (vide BRAIT, B.; FARACO, C.; TEZZA, C.; RONCARI, L.; BERNARDI, R. M.; (Orgs) Uma introdução a Bakhtin. Curitiba: Hatier, 1988) No entanto, durante nosso texto serão realizadas citações de dupla autoria, tal como está na terceira direção pontuada por Faraco (2009), devido a questões de normas de citação utilizada atualmente nos estudos bakhtinianos.

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A enunciação é protagonizada, a priori pela interação entre dois sujeitos: o

locutor e o interlocutor, isso porque a palavra comporta duas faces, “[...] ela é

determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se

dirige para alguém” (p. 117). Nessa interação, o locutor é aquele que, a princípio,

detém a palavra, de forma inalienável, é ele o “dono da palavra” (p.117). No entanto

esse seu domínio acontece no momento de materialização dessa palavra, no

instante do ato fisiológico de sua externalização, pois a palavra, enquanto produto

dessa enunciação é o “[...] território comum do locutor e do interlocutor” (p. 117).

Através da palavra, defino-me em relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ele se apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu interlocutor (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2009, p. 117).

O falante ao enunciar-se, falar, expressar-se, coloca em movimento no seu

enunciado uma série de respostas que foram construídas na interação com outros

falantes em outros momentos históricos, em determinadas esferas ideológicas,

sendo ele, nessas interações, ouvinte (empiricamente) ou, mesmo, falante, pois

quando interage com outro por meio da comunicação discursiva já assume os dois

papéis, isto é, ele é falante-ouvinte/ouvinte-falante e

[...] pressupõe não só a existência do sistema da língua que usa, mas também de alguns enunciados antecedentes – dos seus e alheios – com os quais o seu enunciado entra nessas ou naquelas relações (baseia-se neles, polemiza com eles, simplesmente os pressupõe já conhecidos do ouvinte). Cada enunciado é um elo na corrente complexamente organizada de outros enunciados. (BAKHTIN, 2010, p. 272).

Bakhtin (2010), salienta a presença do falante e de sua “posse” do sistema

abstrato da língua para, então, produzir enunciados. Dessa forma, compreende-se

que não há sujeito sem discurso e nem discurso sem sujeito. A linguagem constitui o

homem a partir de sua relação com o outro e ela só pode ser constituída se o

homem se apossar da língua para recortar a realidade.

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A enunciação, então, é esse ato de posse da língua para o exercício da

linguagem na vida, justamente porque ela, a enunciação, está “na fronteira entre a

vida e o aspecto verbal do enunciado; ela, por assim dizer, bombeia a energia de

uma situação da vida para o discurso verbal, ela dá a qualquer coisa

linguisticamente estável o seu momento histórico vivo, o seu caráter único”

(VOLOCHÍNOV, s/d, p. 10).

Nessa perspectiva, a prática de tradução/interpretação é abordada como um

ato enunciativo-discursivo, pois constitui-se de uma prática de linguagem que

medeia a interação entre diferentes sujeitos. A interação entre o locutor e o

interlocutor, em uma situação de interação que envolve línguas diferentes em que os

enunciadores desconhecem a língua um do outro, só é realizada por meio do ato da

tradução/interpretação, isto é, por este ato de enunciação que constrói a ponte

discursiva entre locutor e interlocutor.

Encarar a tradução/interpretação como ato enunciativo-discursivo a partir da

perspectiva dialógica de estudo da linguagem, significa enxergar a materialidade

produzida nesse ato como um enunciado concreto, concebido como uma unidade

real na constante cadeia de comunicação discursiva. Esse enunciado concreto

compõe, legitimamente, o discurso e está para além da estrutura da língua, de suas

unidades e de seus elementos; esta, na verdade, no uso de seus falantes em

determinadas situações e momentos históricos.

Sobral (2008), acentua a questão da tradução/interpretação como enunciado

concreto ao afirmar que traduzir significa “[...] mobilizar um texto por meio de outro

discurso” (p. 70) e que o tradutor/intérprete ao dirigir-se a um público a que um autor

não pode se dirigir cria, necessariamente, novas relações enunciativas e discursivas,

isto é, uma nova relação entre o autor e o público.

A especificidade da tradução está no fato de que, em primeiro lugar, o discurso passa a ter, além do locutor e dos interlocutores “originais”, um interlocutor que também é locutor (o tradutor) e outro grupo de interlocutores (os leitores da tradução). O discurso a ser traduzido não pode incorporar diretamente esse outro grupo de interlocutores, assim como o discurso gerado pela tradução não pode incorporar os leitores do “original”. (SOBRAL, 2008, p 70).

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A tradução/interpretação, enquanto ato enunciativo-discursivo é realizado em

situações concretas de interação entre sujeitos organizados socialmente e

ultrapassam a dimensão linguística, os aspectos lexicais, morfológicos, sintáticos,

textuais, pois “[...] essas relações entre enunciações plenas não se prestam à

gramaticalização, uma vez que, reiteramos, não são possíveis entre as unidades da

língua, e isso tanto no sistema da língua quanto no interior do enunciado”

(BAKHTIN, 2010, p. 276).

Bakhtin (2010), traça um paralelo entre oração e enunciado, explicitando a

diferença entre os dois e salienta que devem ser estudados de maneira diferente: a

oração deve ser analisada a partir do enunciado. A oração não tem relação com o

contexto do discurso, pois “[...] se ela é um enunciado pleno e acabado (uma réplica

do discurso), então ela estará imediatamente (e individualmente) diante da realidade

(do contexto extraverbal do discurso) e de outras enunciações de outros [...]” (p.

277). Mesmo as pausas que são abordadas como elementos importantes na análise

da fala, não podem ser consideradas apenas como unidades gramaticais, elas são

reais e são determinadas pelo falante.

A oração enquanto unidade da língua carece de todas essas propriedades: não é delimitada de ambos os lados pela alternância dos sujeitos do discurso, não tem contato imediato com a realidade (com a situação extraverbal) nem relação imediata com enunciados alheios, não dispõe de plenitude semântica nem capacidade de determinar imediatamente a posição responsiva do outro falante, isto é, de suscitar resposta. (BAKHTIN, 2010, p. 278).

Segundo Voloshinov/Bajtin (1997), em todo enunciado há uma ligação entre a

parte verbal (a palavra) e a extraverbal (a dimensão social) estabelecida a partir de

três fatores: o horizonte espacial e temporal comum aos interlocutores (quando e

onde ocorre a enunciação); o horizonte temático (do que se fala) e o horizonte

axiológico (entonação valorativa).

O sentido do enunciado só pode ser compreendido na articulação desses três

fatores, considerando que a situação extraverbal é parte constitutiva da estrutura da

significação. O enunciador, em um espaço e tempo específicos, seleciona os

recursos da língua necessários para compor verbalmente o seu texto, avaliando a

situação, além de refletir o respectivo contexto, integra uma valoração. De modo que

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a cada novo enunciado, surge outra significação, determinada pela interação entre o

enunciador (autor), o seu interlocutor (o leitor) e o tópico do discurso (o que ou

quem). Segundo Voloshinov/Bajtin (1997), a entonação é social por excelência, pois

é pela entonação que o discurso se insere na vida e nela o enunciador entra em

contato com o interlocutor.

O tradutor/intérprete, como enunciador/mediador em uma interação entre

sujeitos que não tem acesso aos discursos nas línguas originais, também seleciona

os recursos linguísticos mais adequados para conduzir o discurso da língua fonte à

língua alvo a partir de um espaço-tempo específico. Sua tradução/interpretação, isto

é, a enunciação por ele realizada, não se estagna no nível linguístico, pois se assim

fosse, sua atuação seria limitada aos seus componentes abstratos (fonéticos,

morfológicos, sintáticos, etc.) e a relação limitar-se-ia a busca de correspondências

linguísticas e terminológicas entre as línguas envolvidas em um ato

tradutório/interpretativo. Essa enunciação subsiste na dimensão discursiva e

ideológica, na passagem da significação linguística para a o uso real do discurso, ou

seja, nas situações concretas de mediação entre esses interlocutores

“discursivamente estranhos”.

Se os enunciados concretos nascem, vivem e morrem no processo de

interação social entre os participantes da enunciação e sua forma e significado são

determinados basicamente pela forma e caráter desta interação

(BAJTIN/VOLOSHINOV, 1997) a tradução e interpretação deve ser estudada,

analisada e avaliada a partir das situações reais de produção e interação

considerando os sujeitos envolvidos nessa interação, os discursos a serem

mobilizados, tanto em língua fonte como em língua alvo e a concretude da

realização.

Para isso, é preciso compreender que todo enunciado está inserido em um

tipo de esfera da atividade humana e ele, o enunciado, se referirá à esfera pela qual

foi produzido, desde a seleção dos recursos da língua (lexicais, fraseológicos e

gramaticais), como também na composição estética e nos temas abordados

(BAKHTIN, 2003a). Cada campo de atividade social elabora tipos relativamente

estáveis de enunciados, denominados gêneros do discurso.

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3.2. Gêneros do discurso e a totalidade do ato tradutório/interpretativo

O conceito de gêneros do discurso presente no pensamento bakhtiniano foi

elaborado por três membros do Círculo: Pavel N. Medvedev (1891-1938), Valentin

N. Voloshinov (1895-1936) e Mikhail Bakhtin (1895-1975). Esses três intelectuais

compuseram uma obra que se articula, se completa e se costura dialogicamente na

definição desse conceito. Para falar de gênero do discurso dentro da arquitetônica

do pensamento bakhtiniano é necessário percorrer a trajetória conceitual e teórica

elaborada por esses três teóricos.

O interesse do Círculo, em principio, era abordar e investigar o discurso

literário. No entanto, Brait (2003) aponta que já em 1926, na obra Discurso na arte e

discurso na vida, se evidencia uma característica marcante em toda a obra de

Bakhtin e de seu Círculo que é “[...] proceder a observações do discurso não

artístico, cotidiano, para, em seguida, voltar às especificidades do discurso literário

e/ou poético” (p. 127). Segundo a autora esse procedimento, que percorre o

discurso literário e cotidiano abordando a linguagem como um todo, colabora não só

para os estudos literários, mas também para os estudos linguísticos, enunciativos e

discursivos.

O conceito de gênero do discurso no pensamento bakhtiniano, segundo

Machado (2005) é concebido como um conceito plural, pois se reporta às formações

combinatórias da linguagem em suas dimensões verbal e extraverbal. Além disso,

articula formas discursivas criadoras de linguagem, de visões de mundo e de

sistema de valores configurados por pontos de vista determinados.

Seguiremos esse movimento dialógico construído pelo Círculo de Bakhtin,

perseguindo essa pluralidade constitutiva da obra bakhtiniana, para

compreendermos a tradução/interpretação a partir da óptica dos gêneros do

discurso, abordando a totalidade desses atos enunciativos, conforme pontuamos no

tópico anterior, considerando não apenas a abstração linguística envolvida nessas

enunciações, mas seus apontamentos discursivos para dentro e para fora de si

mesmo, produzindo e reproduzindo os sentidos envolvidos em uma mediação

enunciativo-discursiva.

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Bajtin/Medevdev (1994), buscando a especificidade do gênero literário, define

o gênero como a forma tipificada da totalidade de uma obra, de um enunciado,

substancial, concluída e solucionada. Trata-se de uma totalidade temática, orientada

pela realidade circundante, marcada por um tempo e um espaço. Segundo os

autores é o gênero que dá forma a uma obra, isto é, a um enunciado concreto, seus

elementos estruturais só podem ser compreendidos em conjunto e na relação com o

gênero.

A totalidade do enunciado está duplamente orientada para a realidade: o

primeiro sentido dessa orientação é determinado por um espaço e um tempo real,

ligada, especificamente, à esfera de produção ideológica. Essa primeira orientação é

direcionada à vida, aos ouvintes e receptores de determinada obra e está

diretamente ligada às condições de execução e percepção e implica na existência

de um auditório, na reação de determinados receptores, isto porque entre o receptor

e o autor se estabelece uma determinada inter-relação, pois a obra ocupa o seu

lugar na vida cotidiana. É nessa orientação que a obra participa do cotidiano a partir

do ouvido, executado, lido em determinado tempo, lugar e circunstância

(BAJTIN/MEDVEDEV, 1994).

A segunda orientação do gênero está direcionada para sua interioridade, ou

seja, para as coerções que são instituídas a partir de si na relação com o tempo e

com o espaço em que é produzido. Sua forma, sua estrutura, seu estilo e seu

conteúdo temático são determinados pelo contexto de produção, de sua realização.

A partir da dupla orientação do gênero com a realidade, Bajtin/Medvedev

(1994) abordam o conteúdo temático dessa totalidade afirmando que o tema não

pode ser instituído pelos aspectos linguísticos, pela estrutura da língua, somente,

pois o tema sempre transcende a língua. O tema não está centrado no significado

das palavras e das orações, mas só se constitui com sua ajuda, assim com a ajuda

de todos os elementos verbais (semânticos, lexicais, sintáticos, etc.) da língua. Para

os autores o tema de uma obra, de um enunciado concreto, só é definido enquanto

ato sócio histórico determinado, sendo, portanto, inseparável na realização concreta

e real na vida. O conteúdo temático é inseparável da sua orientação inicial, ele é

determinado pela sua realidade circundante, é indivisível, inseparável, das

circunstâncias de lugar e de tempo.

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Bajtin/Medvedev (1994) afirmam, então, que a dupla orientação do gênero (do

exterior – espaço, tempo, auditório, receptor – e interior – tema, estrutura, aspectos

linguísticos) é um todo indissolúvel, inseparável, sendo determinados mutuamente

em uma relação unitária, porém bilateral. A unidade temática de um enunciado e seu

lugar na vida cotidiana se funde no gênero.

As práticas de tradução e interpretação, isto é, de mediação linguística-

enunciativa-discursiva entre sujeitos socialmente singulares e ideologicamente

situados em diferentes lugares, podem ser abordadas a partir dessa dupla

orientação. O ato interpretativo, mais especificamente, é determinado não somente

pelas escolhas verbais por parte do enunciador que está na zona de mediação, o

intérprete, mas suas escolhas são determinadas a partir de um movimento

bidirecional vindo do exterior para o interior, a partir de quem é o interlocutor no qual

o discurso deverá alcançar, bem como da situação real e concreta em que se dá

essa interação, é que suas escolhas estilístico-composicionais serão realizadas.

Souza (2002), chama atenção para a sociologia do gênero presente nas

obras do Círculo de Bakhtin. O autor persegue, de maneira incisiva, a teoria do

enunciado concreto construído pelos três autores adotados neste item para a

definição de gêneros do discurso e afirma que: “os gêneros do discurso se tornam

os modelos padrões da construção de um todo verbal, como que uma tipologia

estilístico-composicional das produções verbais” (p. 99).

A sociologia do gênero pontuado por Souza (2002) pode ser mapeada,

também, em Bakhtin/Volochínov (2009) quando abordam a questão do enunciado e

da enunciação, bem como da interação verbal, do tema e da significação presente

dos enunciados. Bakhtin/Volochínov (2009) consideram o signo linguístico como

material semiótico-ideológico, congregando, em uma fusão conceitual, o que

chamam de domínio dos signos e esfera ideológica afirmando que “o domínio do

ideológico confunde com o domínio dos signos [...]” e que são “mutuamente

correspondentes” (p. 32), pois “[...] onde o signo se encontra, encontra-se também o

ideológico. Tudo que o é ideológico possui um valor semiótico” (p.33).

Bakhtin/Volochínov (2009), afirmam que cada signo ideológico não é uma

sombra da realidade, um reflexo apenas, mas um fragmento material a qual

representa, corporificado, “seja como som, como massa física, como cor, como

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movimento do corpo ou como outra coisa qualquer” (p. 33). Essa materialidade

específica dos signos ideológicos, segundo o autor, exige, em termos

metodológicos, um estudo unitário e objetivo. Por esse motivo Bakhtin/Volochínov

considera o signo como um fenômeno do mundo exterior, passível de análise e

estudo, notável em experiência exterior.

Para eles é a partir do material verbal, no elo entre a estrutura sociopolítica e

a ideologia, que surgem todas as formas e os meios de comunicação verbal.

Bakhtin/Volochínov (2009) afirmam que das “[...] formas e tipos de comunicação

verbal derivam tanto as formas como os temas dos atos de fala” (p. 43). A variedade

dos atos de fala, tipos de discurso, é determinada pela psicologia social14, ou seja,

pela relação covariante da produção ideológica e da estrutura sociopolítica em que

se dá essa produção. O autor deixa claro que é a partir da “enunciação” que se

manifesta essa relação sendo incorporadas pelo material verbal e pelas demais

manifestações de natureza semiótica como, por exemplo, a mímica, a linguagem

gestual, os gestos condicionados, etc.

A esses tipos de discurso e diferentes formas da comunicação verbal, Bakhtin

(2010a) denomina gêneros do discurso, definindo-os como tipos relativamente

estáveis de enunciados e pontua que sua composição é determinada por três

importantes elementos: o conteúdo temático (acabamento específico), o estilo

(seleção dos recursos lexicais, fraseológicos, e gramaticais da língua) e, a

construção composicional (sequência organizacional) que são determinados pela

especificidade de diferentes campos de comunicação.

Esses três elementos comportam a totalidade do gênero e, segundo, Rocha

(2010), ignorar essa correlação de conceitos é aceitar apenas a relativa estabilidade

dos enunciados, minimizando os conceitos de gênero a uma unidade de

classificação textual.

14 Psicologia social é um conceito marxista que Bakhtin/Volochínov (2009) trazem para a sua obra. Segundo os autores o conceito marxista de “psicologia social” é um “[...] elo entre a estrutura sociopolítica e a ideologia no sentido estrito do termo (ciência, arte, etc.)” (p. 42) e explicita a materialização desse elo na interação verbal. “A psicologia do corpo social não se situa em nenhum lugar “interior” (na “alma” dos indivíduos em situação de comunicação); ela é, pelo contrário, inteiramente exteriorizada: na palavra, no gesto, no ato. Nada há nela de inexprimível, de interiorizado, tudo está na superfície, tudo está na troca, tudo está no material, principalmente no material verbal” (p. 43).

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O tema, que faz parte da totalidade do gênero do discurso bakhtiniano, é

abordado também por Bakhtin/Volochínov (2009) e corresponde ao sentido da

enunciação e é sempre único. O tema sempre será determinado pela condição

histórica que está sendo produzido e não é determinado apenas pelas formas

linguísticas, conforme já pontuado anteriormente, mas também pelos aspectos

extraverbais que afetam o enunciado, também, por dentro efetivando a temática do

irrepetível ato de enunciação. “O tema da enunciação é concreto, tão concreto como

o instante histórico ao qual ele pertence. Somente a enunciação tomada em toda a

sua amplitude concreta, como fenômeno histórico, possui um tema” (p. 134).

Os gêneros têm propósitos discursivos definidos, que consideram as

características de sua esfera, materializando-se a partir de um conteúdo temático

determinado, que contempla o seu objeto discursivo e sua orientação valorativa

específica para com ele. Assim, o conceito de conteúdo temático, diferentemente de

tema, está mais relacionado com as formas de produção, ou melhor, com as

possibilidades viáveis de significar dentro de um gênero específico, que possibilitam

a materialização do enunciado concreto (ROCHA, 2010).

O estilo, segundo aspecto da totalidade do gênero, é definido pelas escolhas

fraseológicas, gramaticais, semânticos e lexicais, isto é, são as seleções dentro de

formas tipificadas especificas. Para Bakhtin (2010a), o estilo se revela nas diversas

atividades de comunicação humana. A especificidade de cada campo de

comunicação vai determinar o estilo que está empregado no gênero, pois “o estilo

integra a unidade do gênero do enunciado como seu elemento” (p. 266). O estilo vai

construir um gênero, a partir de uma relação covariante constituindo-se a partir de

determinados estilos específicos de enunciados concretos. Assim como o enunciado

se constitui na interação discursiva, o estilo só se concretiza no enunciado. O estilo

está para o enunciado, como o enunciado está para a interação discursiva:

Pode-se dizer que a gramática e a estilística convergem e divergem em qualquer fenômeno concreto de linguagem: se o examinamos apenas no sistema da língua estamos diante de um fenômeno gramatical, mas se o examinamos no conjunto de um enunciado individual ou do gênero discursivo já se trata de fenômeno estilístico. Porque a própria escolha de uma determinada forma gramatical pelo falante é um ato estilístico (BAKHTIN, 2010, p. 269).

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A terceira dimensão do gênero do discurso, a forma composicional, constitui-

se na realização material de um enunciado concreto e é caracterizado pela

alternância dos sujeitos falantes e pelo acabamento específico. O critério de

acabamento é dado pela possibilidade de resposta e caracteriza-se por: 1) o

tratamento exaustivo do objeto do sentido; 2) o intuito, o querer-dizer do locutor; 3)

as formas típicas de acabamento na estruturação do gênero.

Bakhtin (2005), atesta essas questões do gênero ao analisar as obras de

Dostoiévski chegando à conclusão que todas essas características constitutivas do

gênero do discurso são determinadas pelo momento sócio histórico em que ele esta

situado. Na obra Problemas da Poética de Dostoiévski, escrito em 1929 e publicado,

pela primeira vez, em 1969, Bakhtin apresenta outra característica fundante dos

gêneros do discurso: a tradição. Segundo o autor, por uma lógica abstrata, os

gêneros sempre são e não são os mesmos, estão em constante

renovação/atualização recordam o seu passado, o seu começo, pela obediência

àquilo que é típico da tradição ao lado da inserção do que é novo no gênero. Isso

assegura a unidade e a continuidade do gênero, na medida em que o gênero

apresenta os elementos de princípio (archaica), vestígios da sua tradição, que estão

sempre se atualizando de acordo com o desenvolvimento da literatura (e da vida em

sociedade).

Partindo dos postulados bakhtinianos sobre os gêneros do discurso e sobre a

realização dos enunciados a partir de diferentes esferas ideológicas, considerando

não apenas os seus aspectos inerentes, isto é, sua abstração linguística, mas

também aquilo que está posto no exterior e que afeta o enunciado por dentro,

propomos um olhar sobre a prática da tradução/interpretação, mais especificamente,

da interpretação da língua de sinais.

Como sujeito responsável pelo ato enunciativo de mediação entre sujeitos

que desconhecem as línguas a qual se pretende ter acesso, o intérprete, enquanto

enunciador construtor da ponte interativa, realizará suas escolhas linguísticas a

partir do espaço-tempo (cronotopo) de sua atuação. Sua enunciação, nas duas

faces da interpretação (língua fonte/ língua alvo) será determinada pelo interlocutor,

pelo espaço enunciativo, e pelo estilo do locutor, o primeiro enunciador dessa

interação. Isso se dá pelo fato de que o sentido implícito no discurso do locutor deve

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alcançar o interlocutor, em sua totalidade, mesmo chegando com defasagem devido

aos próprios aspectos de mobilização entre línguas, isto é, de percas na própria

tradução.

Para Sobral (2008), a tradução e a interpretação são gêneros que se

alimentam de outros gêneros abarcando a multiplicidade dos tipos do discurso, mas

que por si só constitui-se por uma ação de recorte do mundo que recorta um recorte,

isto é, que origina pelas mãos de um novo autor (ou co-autor) um discurso que vem

de outro discurso e que já tem um autor.

E o discurso traduzido tem essa especificidade porque o ato tradutório envolve o essencial de todo gênero: a construção de um arquitetônica discursiva e a instauração de uma dada relação enunciativa que se dirige a determinados destinatários (no caso a destinatários aos quais o autor do texto traduzido não poderia dirigir-se). (p. 69).

Desse modo, entramos em uma questão constitutiva de todo ato interpretativo

e tradutório: as questões de texto e de discurso dessa mediação enunciativo-

discursiva e da autoria como condição constitutiva do intérprete e tradutor no

processo de transmutação de um discurso por meio de outro discurso.

3.3. Texto, discurso e autoria na prática de interpretação da língua de sinais

No pensamento bakhtiniano, texto não é visto como um conjunto de palavras

e de frases escritas ou como um trecho retirado de uma obra, tal como é definido no

Dicionário de Língua Portuguesa Houaiss (2010). A concepção de texto em Bakhtin,

assim como em toda a sua reflexão acerca da língua e da linguagem, transcende a

definição que abarca, apenas, a abstração linguística. No texto O problema do texto

na linguística, na filologia e em outras ciências humanas, que constitui-se de notas

escritas em 1959-1961 publicadas na revista russa Questões de literatura (1976) sob

a responsabilidade de V. V. Kojínov (SOBRAL, 2009) e organizado, posteriormente,

na coletânea Estética da Criação Verbal (2010), Bakhtin expande o conceito de

texto, ultrapassando a linha divisória entre o que é texto verbal (linguístico) e textos

de outras naturezas, ao considerá-lo como um conjunto coerente de signos. O autor

afirma que, se partirmos deste pressuposto, a arte, a musicologia, as artes plásticas,

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também operam com textos. “São pensamentos sobre pensamentos, vivências das

vivências, palavras sobre palavras, textos sobre textos” (p. 307). A expansão do

conceito de texto vai mais além, quando ele afirma que todo texto, oral ou escrito,

compreende um número considerável de elementos naturais diversos que estão

desprovidos da análise linguística em si, e seria, por exemplo, a questão da precisão

oratória (ou como colocado pelo autor, dicção ruim), deterioração de manuscritos,

etc.

Neste ensaio também é possível ouvir ecos da definição de alteridade,

conceito fortemente presente no pensamento bakhtiniano, principalmente nas

afirmações de que as ciências humanas opera sobre pensamentos de outros,

voltados para os sentidos e significados dos outros e que são realizados,

materializados, encarnados, em forma de texto. “Todo texto tem um sujeito, um autor

(o falante, ou quem escreve)” (p. 308).

Bakhtin (2010), chama atenção para um aspecto de extrema importância em

relação ao texto: o sistema da linguagem que está por trás dele. É esse sistema que

possibilita o (s) autor (es) mobilizarem, expressarem-se, criarem, por meio do texto,

fazendo dele, ao mesmo tempo em que é marca refletida e refratada do pensamento

de outro (s), algo único, irrepetível, individual, singular, “[...] e nisso reside todo o seu

sentido (sua intenção em prol da qual ele foi criado)” (p. 310).

A singularidade natural (por exemplo, as impressões digitais) e a unicidade significante (semiótica) do texto. Só é possível a reprodução mecânica das impressões digitais (em qualquer número de exemplares); é possível, evidentemente, a mesma reprodução mecânica do texto (por exemplo, a cópia), mas a reprodução do texto pelo sujeito (a retomada dele, a repetição da leitura, uma nova execução, uma citação) é um acontecimento novo e singular na vida do texto, o novo elo na cadeia histórica da comunicação discursiva (p. 310/311).

A singularidade do texto, enquanto ato irrepetível, pontuado por Bakhtin, é

articulado com a capacidade humana de ser pela linguagem, na relação interativa

com o outro por meio do uso de sistemas semióticos linguísticos. “O acontecimento

do texto, isto é, a sua verdadeira essência, sempre se desenvolve na fronteira de

duas consciências, de dois sujeitos” (p. 311). Segundo o autor, todo sistema de

signos, ou seja, qualquer língua é possível ser traduzido para outros sistemas

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signicos, mas o texto, diferente dos sistemas linguísticos, tal como é abordado pela

linguística descritiva, “[...] nunca pode ser traduzido até o fim, pois não existe um

potencial texto único dos textos” (p. 311).

Bakhtin (2010) aborda, também, a relação língua/fala/enunciado/comunicação

discursiva. Para o autor não é possível identificar os limites entre língua e

comunicação discursiva, tal como é possível identificar entre fala e língua, já que a

fala é composta por enunciados. Essa impossibilidade de identificação se dá devido

a cadeia ininterrupta dialógica presente na comunicação discursiva, pois um

enunciado é sempre resposta de outro e instituidor de novos enunciados. Então, não

existe um ponto inicial e um ponto final dessa cadeia comunicativa, pois ela é

constitutiva do discurso como em um “círculo virtuoso”.

O enunciado, enquanto elo de toda a comunicação discursiva, é composto

não apenas pelos elementos linguísticos, que podem ser considerados “internos” ao

enunciado, mas também é determinado pelos elementos extralinguísticos que “[...]

penetram o enunciado também por dentro” (p. 313). O linguístico e o extralinguístico

fundem-se no acontecimento do enunciado interna e externamente. “Do ponto de

vista dos objetivos extralinguísticos do enunciado todo, o linguístico é apenas um

meio” (p. 313).

Sobral (2008) aborda o texto, na perspectiva bakhtiniana, ao refletir sobre a

atuação do tradutor/intérprete, afirmando que esse profissional, enquanto

enunciador presente na zona de mediação enunciativo-discursiva traduz discursos e

não (apenas) textos. O autor, ainda, define texto como:

[...] um objeto material que, ao ser tomado como produzido por um sujeito, torna-se um enunciado, um discurso, algo proferido em contexto. Os sujeitos e os contextos não estão submetidos ao texto, pois este não é uma unidade autárquica transferível integralmente de um conhecedor/produtor a um desconhecedor/receptor passivo, o texto não é uma unidade em que há sentidos prontos e acabados, mas feixes de possibilidade de sentidos. O texto é uma materialidade em que só são criados sentidos a partir da discursivização, do uso de textos por sujeitos numa situação concreta, esta sim a instância plasmadora da transformação de frases em enunciados, sempre no âmbito dos gêneros (formas típicas de organizar textos a partir de outros discursos) e das esferas de atividade (o ambiente sócio-histórico específico em que cada gênero se faz presente) (p. 58).

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Realizando uma contraposição do que é texto, Sobral (2008) define, em

sequência, o que é discurso:

O discurso, por sua vez, é uma unidade de produção de sentido que é parte das práticas simbólicas de sujeitos concretos e articulada dialogicamente às suas condições sócio-históricas de produção, bem como vinculada constitutivamente (isto é, em sua própria constituição) com outros discursos. Mobilizando as formas da língua e as formas típicas de enunciados em suas condições, o discurso constitui seus sujeitos e inscreve em sua superfície a própria existência e legitimidade social e histórica tanto dos sujeitos como de si mesmo como discurso. (p. 59).

O autor ainda afirma que o discurso recorre a textos, mas não se confunde

com eles, isto porque um texto só faz sentido quando se sabe quem escreveu o quê

dirigindo-se a quem em que situação. Essa relação dialógica entre texto e discurso,

articulada por Sobral (2008), acompanha toda a obra bakhtiniana oferecendo aos

estudiosos da linguagem a expansão do olhar sobre aquilo que se busca encontrar

no objeto analisado. No caso dessa pesquisa, em que o objeto de análise é a

interpretação da língua de sinais, o material deve ser visto para além da relação de

transmutação de códigos entre línguas, mas como um constante processo de

discursivização entre os textos produzidos entre locutor e interlocutor.

Todo texto possui um autor, conforme pontua Bakhtin (2010b), e não há a

possibilidade de existência de um autor se ele não produzir textos e, por

consequência, discursos. O TILSP, assim como todo enunciador que transita na

zona de mediação linguística em um ato tradutório/interpretativo, também é dotado

dessa característica constitutiva para essa mediação, isto porque, ao ter acesso ao

texto de língua fonte, o TILSP vai acessar a sua bagagem cultural e linguística para

buscar as melhores possibilidades de ressignificação de sentido na língua alvo. Se

colocarmos dois TILSP para realizarem a interpretação de um mesmo discurso de

língua fonte e posteriormente analisarmos como ele foi interpretado para a língua

alvo, veremos a impossibilidade de igualdade do discurso traduzido. Isso se dá pela

característica constitutiva de todo ato enunciativo: a irrepetibilidade, ou seja, cada

TILSP buscará melhores maneiras de ressignificar o discurso em língua alvo de

acordo com suas experiências tradutórias e interpretativas, com sua bagagem

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linguística e discursiva nas línguas envolvidas no ato e, também, quem é o público a

ser alcançado pelo locutor.

No entanto a autoria, enquanto condição discursiva de intérpretes e

tradutores, por vezes, pode levar esse profissional a considerar-se tão “dono”

daquilo que se traduz/interpreta que o discurso não passa mais a ser um discurso

traduzido em que é possível encontrar marcas do enunciador da língua fonte, mas

torna-se um texto citado, isto é, um texto submetido às vontades e adaptações do

tradutor/intérprete. Esse distanciamento do discurso em língua fonte, devido a essa

condição autoral do intérprete, pode anular o projeto discursivo do locutor

impossibilitando a produção do sentido (daquilo que o próprio locutor planejou dizer)

para o seu interlocutor, sendo suprimida por aquilo que o tradutor/intérprete acha por

bem traduzir/interpretar ou não.

Para exemplificar essa afirmação trazemos nossa experiência como docente

no curso de pós-graduação lato sensu em Interpretação Tradução de Libras –

Português na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Em

uma das atividades realizadas com os alunos objetivando o aperfeiçoamento da

interpretação libras-português (também chamada de interpretação de voz),

utilizamos o vídeo de um adolescente surdo (que será chamado aqui de enunciador)

discursando, em libras, contra o implante coclear e a favor da utilização da língua de

sinais. O cenário montado ao fundo constitui-se de um pano escrito com letras em

recorte manual: “Feliz 2010!”, ele, por sua vez, veste uma camiseta regata vermelha

e é enquadrado pela câmera da cintura para cima (Figura 1). O objetivo do exercício

era, justamente, trabalhar a flexibilidade discursiva do intérprete frente a diferentes

textos produzidos a partir de diferentes gêneros e em diferentes esferas de produção

de discurso.

O enunciador inicia seu discurso desejando a todos um feliz ano novo com

uma expressão sorridente aliada a movimentos de expansão nos sinais, transmitindo

o sentido de felicitação. No entanto, quando entra na temática sobre o implante

coclear, o enunciador muda a expressão de sorriso para a de seriedade marcando, a

partir dos léxicos AGORA e SÉRIO, a transição de um discurso de felicitação para o

de protesto.

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Figura (1)

Durante a sua fala sobre o implante coclear, o enunciador utiliza léxicos como

IMPLANTE COCLEAR, MÉDICO, DOUTOR, SOCIEDADE, ORALISMO, FALA e

BEBÊ. No entanto, mesmo dotado de léxicos que estão presentes também no

discurso acadêmico a respeito dessa temática, o adolescente surdo não se refere ao

implante da mesma maneira como um surdo doutor em educação se referiria.

Primeiro, porque ele não é um professor doutor em educação; segundo, porque a

situação concreta a qual ele sinaliza não é um ambiente acadêmico; e terceiro, seu

objetivo nesse vídeo é registrar, com o conhecimento que ele possui a respeito da

temática, um protesto enquanto surdo adolescente membro dessa comunidade.

Durante o exercício, um dos alunos interpretou o discurso presente no vídeo

utilizando recursos lexicais em língua portuguesa que destoavam do verdadeiro

tema do vídeo. Aquilo que era IMPLANTE COCLEAR em língua de sinais,

transformou-se, na língua portuguesa, em “cirurgia para correção da audição

visando o amoldamento do surdo em ouvinte”, o que era DOUTOR virou “médico

otorrinolaringologista” e o que era BEBÊ tornou-se “criança recém-nascida

implantada sem desejo próprio”.

Nesse caso, a interpretação suprimiu o verdadeiro objetivo do discurso do

enunciador e excluiu as características constitutivas dessa enunciação. A

interpretação ficou presa a equivalências lexicais não contemplando a totalidade do

enunciado e nem os aspectos extralinguísticos que “gritavam” para aparecer no

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discurso interpretado. Se retirássemos o texto em língua fonte e apresentássemos

somente o texto em língua alvo para um ouvinte que não conhece a língua de sinais

ele, possivelmente, diria que a interpretação em língua portuguesa oral partiu de um

discurso de um sinalizador acadêmico defendendo, de maneira incisiva, o uso da

língua de sinais contrariando o implante coclear defendido pelos profissionais da

área médica.

A partir desse exemplo podemos considerar a questão da autoria, bem como

todas as peculiaridades constitutivas do processo tradutório/interpretativo como uma

“zona de perigo”15, visto que o empoderamento do discurso alheio, enquanto

enunciador/mediador, pode fazer com que ele, enquanto construtor dessa ponte

interativa, na verdade, não a construa entre os polos locutor (falante na língua fonte)

e interlocutor (receptor na língua alvo), mas de si mesmo (enunciador/mediador)

para o interlocutor (receptor da língua alvo na qual o discurso deveria alcançar em

toda a dimensão do sentido produzido em língua fonte). Por esse motivo, a atuação

do TILSP frente a textos e discursos, tanto em língua de sinais como em línguas

orais, estará sempre submetida à compreensão do (s) outro (s) (considerando aqui o

TILSP como um “outro” participante dessa interação discursiva em que a sua

compreensão também é constitutiva, e fundamental, para a chegada do discurso em

língua alvo), pois “ver e compreender o autor de uma obra significa ver e

compreender outra consciência, a consciência do outro e seu mundo, isto é outro

sujeito” (BAKHTIN, 2010b, p. 316.).

O discurso vem a existir fundamentalmente por meio de um processo de

produção de sentidos realizados por, para e entre sujeitos (SOBRAL, 2008) e por

esse motivo não se pode compreender um discurso sem compreender quem são os

sujeitos envolvidos na relação dialógica, na situação sócio-histórica de produção do

discurso e das coerções presentes nas esferas de produção discursiva.

Desse modo, passaremos, a partir de então, a debruçarmo-nos sobre as

características constitutivas da totalidade do corpus desta pesquisa. Por esse

motivo, no capítulo seguinte mobilizaremos o que foi pontuado até então a respeito

15 O tradutor/intérprete ao realizar a atividade de mediação linguístico-discursiva já caminha na “zona de perigo” constitutiva desse ato de enunciação. No entanto, chamamos atenção para a especificidade da autoria nesse processo, visto a possível apropriação do discurso do outro como se fosse seu próprio discurso anulando, conforme pontuamos, aquilo que o locutor pretende (ou pretendia) dizer ao interlocutor.

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de texto, discurso, autoria, enunciado/enunciação e ato interpretativo, para ler,

descrever e analisar a prática de interpretação da língua de sinais na esfera

televisiva, especificamente no gênero jornalístico, encarando o TILSP como um

enunciador/mediador nessa esfera, o responsável por promover acessibilidade de

pessoas surdas à produção cultural áudio visual brasileira.

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CAPÍTULO 4 O tradutor intérprete de libras/português (TILSP) como agente de acessibilidade para surdos na mídia televisiva

A acessibilidade é um direito, não um privilégio.

William Loughborough

Neste capítulo, nosso objetivo é apresentar o TILSP como agente de

acessibilidade para surdos na mídia televisiva. Inicialmente, por meio da

recuperação de dados estatísticos quanto ao acesso da população brasileira à

televisão e de considerações teóricas sobre este dispositivo de comunicação de

massa, problematizamos os recursos atuais de acessibilidade utilizados pelas redes

concessionárias televisas para que surdos, e pessoas com outras deficiências

sensoriais, como, por exemplo, os cegos, desfrutem das programações oferecidas

pelas emissoras de TV aberta.

Em seguida apresentamos as determinações técnicas ideais apresentadas na

NBR 15.290 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para a captação,

edição e inserção da imagem do TILSP à totalidade de uma programação televisiva

para, posteriormente, apresentar as condições reais, e atuais, para a preparação do

programa escolhido como corpus dessa pesquisa: o Programa Sentidos.

Finalizamos o capítulo descrevendo como se dá o processo de construção da

interpretação, e o próprio processo interpretativo em si, do Programa Sentidos.

4.1. Acessibilidade dos surdos à mídia televisiva

A produção cultural audiovisual brasileira tem aumentado consideravelmente.

Diversos gêneros circulam na esfera televisiva oferecendo ao telespectador

diferentes possibilidades de entretenimento e divertimento por meio das

programações apresentadas pelas redes concessionárias de televisão. No total, são

seis as principais emissoras que exibem abertamente sua programação no território

nacional: Rede Globo, Rede Record, SBT, Rede Bandeirantes, Rede TV! e MTV

Brasil.

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Rezende (2000), afirma que em toda parte do mundo a televisão divide com

outros meios de comunicação e lazer como a internet, cinema e rádio, a preferência

do público. Porém, no Brasil a televisão não é apenas um veículo nacional de

comunicação, “ela desfruta de um prestígio tão considerado que assume a condição

de única via de acesso às notícias e ao entretenimento para grande parte da

população” (p. 23).

O público alcançado pela televisão brasileira é tão diverso quanto a sua

programação. Torres e Mazzoni (2006) afirmam que:

Há de se considerar que a mensagem transmitida pela televisão atinge a público heterogêneo, tanto em características pessoais (escolaridade, idade, preferências, limitações orgânicas etc.), quanto em termos das condições ambientais de captação dessa mensagem. (p. 75)

Dentre a heterogeneidade do público alcançado pela mídia televisiva

brasileira encontram-se as pessoas com deficiência que, segundo o censo

demográfico efetuado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE no

ano 2000, correspondem a 14,7% da população nacional. Desse total,

aproximadamente, seis milhões de pessoas possuem limitações parciais e/ou totais

da audição.

No entanto, essa parcela constituinte da heterogeneidade do público

alcançado pela televisão brasileira não partilha do prestígio desse meio de

comunicação e de seu conteúdo audiovisual, devido à ausência de recursos efetivos

de acessibilidade. Os surdos, enquanto telespectadores impossibilitados de

apreensão das informações por meio da audição, ficam em parte de fora no que

tange ao acesso à transmissão da cultura audiovisual.

Para Torres e Mazzoni (2006) é necessário, antes de se lograr a

acessibilidade nos meios de comunicação, observar se, inicialmente, esses serviços

realmente foram desenhados para todos. Os autores afirmam que para a informação

transmitida pela esfera televisiva alcançar, realmente, a todos, principalmente as

pessoas com deficiência, deve ser aplicado o princípio da redundância:

O princípio da redundância, neste contexto, estabelece que informação acessível é aquela que pode ser captada de forma

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multissensorial. Como desdobramento do princípio da redundância, surgiram algumas regras práticas para a transformação da informação, objetivando que aquilo que é captado por um sentido possa ser compreendido também por outros sentidos. As técnicas utilizadas para a obtenção da redundância são aplicáveis tanto aos programas gravados, quanto àqueles outros transmitidos em tempo real (ao vivo) e podem ser aplicadas à maior parte dos programas transmitidos, tais como noticiários, propagandas, filmes, novelas e entrevistas. (p. 77)

Esse princípio prevê que diferentes sistemas de códigos e sinais, que

proporcionam a acessibilidade, sejam utilizados concomitantemente na mídia

televisiva: a) a audiodescrição, que é a descrição em áudio de forma sucinta para

transmitir o que não pode ser apreendido pela visão, proporcionando uma descrição

narrativa dos elementos visuais principais das cenas, vestuários, ações, mudanças

de cenário, etc.; b) transmissão por linguagem gestual, em que o conteúdo

transmitido pela televisão é interpretado para a língua de sinais; e c) sistema de

legendagem, em que o conteúdo é transcrito na língua pátria e transmitida em sinal

fechado, o qual pode ser captado nos aparelhos receptores que possuem essa

opção, conhecida como tecla CC – closed caption (TORRES e MAZZONI, 2006).

Devido a tecnologia existente atualmente, esses recursos de acessibilidade

podem ser aplicados sem grandes barreiras, principalmente com a inauguração da

TV Digital que permite a inserção e execução dessas tecnologias facilmente. No

entanto, existem outras motivações que levam as emissoras brasileiras a não

utilizarem o princípio da redundância. Nesse sentido, Torres e Mazzoni (2006) ainda

afirmam:

As tecnologias atuais permitem que haja bom nível de acessibilidade nas informações transmitidas via televisão, mas foi constatado que isso ainda não ocorre na televisão brasileira. Isso pode ser devido a um conjunto de razões que inclui a ausência de normas disciplinadoras, a existência de tendências estéticas dominantes e, até mesmo, a timidez das reivindicações que têm sido apresentadas neste sentido. (p. 77).

A inserção desses recursos de acessibilidade, concomitantemente,

possibilitaria aos telespectadores que não podem, por razões biológicas, ter acesso

à programação da televisão brasileira em sua totalidade, um acesso pleno,

ultrapassando o limite da própria deficiência. A inserção do princípio da redundância

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na mídia televisiva colaboraria para a compreensão, por exemplo, dos elementos

componentes em uma notícia, no caso de uma transmissão telejornalística, visto

que:

[...] nem é só a imagem que expõe o fato, nem é apenas o texto que emite a informação telejornalística, nem é unicamente o som que comunica os acontecimentos. Pelo contrário, a combinação de cada elemento que pode ser utilizado para se comunicar uma notícia é o que realmente atua como aglutinador dos mecanismos de transmissão dos conteúdos jornalísticos (SOUZA, 2006. s/p.).

No que diz respeito a acessibilidade específica para pessoas surdas e com

deficiência auditiva, dois, dos três principais sistemas tecnológicos apontados por

Torres e Mazzoni (2006) – closed caption, audiodescrição e janela de libras –

possibilitam a compreensão do conteúdo transmitido na mídia televisiva: o sistema

de legendagem, ou closed caption, e a interpretação do conteúdo em língua de

sinais. Segundo a publicação do Ministério da Justiça, A Classificação Indicativa na

Língua Brasileira de Sinais (2009), são essas as duas ferramentas essenciais que

possibilitam aos surdos o acesso à televisão.

Atualmente, o recurso de acessibilidade utilizado pelas redes concessionárias

de televisão para surdos e pessoas com deficiência auditiva é o closed caption.

Porém, Franco (2006) aponta para as problemáticas existentes nesse recurso

utilizado atualmente afirmando que as políticas de produção audiovisual têm sido

pretensiosas e protecionistas, visto que são apenas alguns programas de uma

emissora na televisão brasileira que disponibiliza esse recurso, determinando o que

os surdos e deficientes auditivos devem e/ou podem assistir.

Souza (2006), afirma que “quando um surdo se coloca diante da TV para

assistir a um telejornal e se depara com a legenda de closed caption, ele está

assistindo a exibição dos fatos telejornalísticos em um código linguístico diferente

daquele que normalmente utiliza” (s/p).

Com o objetivo de proporcionar a essa população, e a outras pessoas com

outras limitações sensoriais como, por exemplo, os cegos, o acesso efetivo às

programações veiculadas por meio da mídia televisiva, uma política legislativa em

prol da acessibilidade nos meios de comunicação de massa tem sido elaborada e

aprovada.

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A legislação vigente que prevê e determina a adaptação das diversas

instâncias sociais para inclusão dos surdos e para o acesso igualitário às

informações e produção de conhecimento, destaca os meios de comunicação de

massa, em especial a mídia televisiva, enquanto instâncias sociais que necessitam

adaptar-se para promover o acesso às pessoas com deficiências sensoriais.

O decreto 5.296 de 2 de dezembro de 2004 que regulamenta a lei de

acessibilidade, 10.098/00, prevê detalhadamente acessibilidade em todas os

âmbitos da sociedade, garantindo o atendimento prioritário ao surdo através da

intermediação realizada por intérpretes de libras ou pessoas capacitadas nessa

língua. Esse decreto também determina a inserção de uma “janela com intérprete de

libras” para o acesso à informação e comunicação considerando o TILSP como o

profissional que dará ao telespectador surdo o acesso à informação.

A portaria 310 de 27 de junho de 2006 do Ministério das Comunicações

aponta recursos de acessibilidade na televisão para pessoas com deficiência visual

e auditiva, dentre os quais se encontra o TILSP que é considerado canal de

mediação entre surdos e ouvintes.

A norma de acessibilidade na televisão – NBR 15.290 – estabelecida pela

Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estabelece parâmetros técnicos

para a captação e edição da imagem do TILSP, porém os aspectos da prática

interpretativa na esfera televisiva, e nos diferentes gêneros que compõem essa

esfera, não são abordados nesses documentos necessitando de olhares e

pesquisas que delineiem a prática do TILSP, contribuindo para a formação de

profissionais que atuem nesse campo.

O TILSP, por sua vez, sendo o profissional apontado pela legislação como a

ponte de acesso dos surdos à informação veiculada na esfera televisiva, deve ater-

se à variedade de gêneros discursivos que circulam nessa esfera atentando-se para

as peculiaridades de cada um, analisando a totalidade verbo-visual, considerando os

aspectos linguísticos e extralinguísticos, que influenciam e/ou interferem no

processo tradutório/interpretativo. No entanto, para que todos esses aspectos sejam

considerados pelo TILSP no ato tradutório/interpretativo, faz-se necessário uma

formação que abranja esses aspectos, além de outros, para a construção de uma

prática efetiva.

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Os atuais estudos e pesquisas, que estão investigando a atuação do TILSP,

têm concentrado seus focos em contextos educacionais e acadêmicos, deixando de

observar outras esferas possíveis de atuação desse profissional que são abertas

devido a crescente discussão sobre a inclusão social de pessoas com deficiência, e

as práticas de inclusão em si, que permitem que essas pessoas exerçam

plenamente a sua cidadania.

A esfera televisiva, como apontamos nesse item, é um campo possível e

legítimo de atuação para este profissional que será alcançado na medida em que a

comunidade surda reivindicar seus direitos de acesso à comunicação e fazer valer o

que é determinado pela lei.

A acessibilidade na mídia televisiva deixará de existir no plano legislativo e

passará a ser realidade quando as emissoras de televisão enxergarem as pessoas

com deficiência, tanto surdos como cegos, como um público em potencial que faz

parte da população brasileira e que tem direito de participar, como cidadãos, da

produção cultural audiovisual, estendendo esse acesso não somente aos telejornais,

mas também a toda e qualquer programação produzida nessa esfera.

Diferente do que tem acontecido na esfera educacional, em que os TILSP são

contratados para atuação sem formação e preparação prévia para lidar com a

complexidade da esfera e das práticas discursivas que nela são produzidas,

impulsionados pela demanda desenfreada de inclusão instaurada pelas políticas

orientadas por documentos nacionais e internacionais, é possível preparar e formar

esses profissionais para atuar na esfera televisiva, previamente, visto que essa

esfera, devido aos fatores apontados nesse capítulo, ainda é um campo de atuação

a ser alcançado.

No entanto, quando esse alcance ocorrer será necessário profissionais que

saibam lidar, mesmo que basicamente, com as condições de produção discursivas

da esfera televisiva, especialmente no gênero jornalístico, para verter os discursos

que nela circulam com autonomia e propriedade, produzindo sentidos e transmitindo

a produção cultural audiovisual brasileira.

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4.2. Aspectos técnicos de captação e edição de imagem do TILSP

Conforme foi citado no tópico anterior, existe, atualmente, a norma de

acessibilidade na televisão – NBR 15.290 – estabelecida pela Associação Brasileira

de Normas Técnicas (ABNT), para a captação e edição de imagem de um TILSP na

esfera televisiva. Essa norma é de fundamental importância para a compreensão,

por parte dos telespectadores surdos, da interpretação dos discursos que circulam

nessa esfera.

A norma tem como objetivo estabelecer diretrizes gerais a serem observadas

para acessibilidade em comunicação na televisão, considerando as diversas

condições de percepção e cognição, com ou sem a ajuda de sistema assistivo ou

outro que complemente necessidades individuais. Discute, estabelece e descreve a

inserção dos diversos recursos possíveis para a acessibilidade de pessoas com

deficiência sensoriais visuais e auditivas.

Nas diretrizes para a janela de libras a norma estabelece que o local onde

será gravada a imagem do intérprete deve ter:

a) espaço suficiente para que o intérprete não fique colado ao fundo,

evitando desta forma o aparecimento de sombras;

b) iluminação suficiente e adequada para que a câmera de vídeo possa

captar, com qualidade, o intérprete e o fundo;

c) câmera de vídeo apoiada ou fixada sobre tripé fixo;

d) marcação no solo para delimitar o espaço de movimentação do

intérprete.

Em relação à janela de libras:

a) os contrastes devem ser nítidos, quer em cores, quer em preto e

branco;

b) deve haver contraste entre o pano de fundo e os elementos do

intérprete;

c) o foco deve abranger toda a movimentação e gesticulação do

intérprete;

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d) a iluminação adequada deve evitar o aparecimento de sombras nos

olhos e/ou seu ofuscamento.

Quanto ao recorte, ou wipe, em relação à imagem do intérprete da libras:

a) a altura da janela deve ser no mínimo metade da altura da tela do

televisor;

b) a largura da janela deve ocupar no mínimo a quarta parte da largura

da tela do televisor;

c) sempre que possível, o recorte deve estar localizado de modo a não

ser encoberto pela tarja preta da legenda oculta;

d) quando houver necessidade de deslocamento do recorte na tela do

televisor, deve haver continuidade na imagem da janela.

Os parâmetros acima para a inserção da janela do intérprete deveriam seguir

o exemplo abaixo de divisão espacial:

Intérprete

de

Libras

Figura (2)

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No que diz respeito aos aspectos de captação da imagem do intérprete da

esfera televisiva, a norma de acessibilidade na televisão pontua os requisitos para

uma boa interpretação e visualização da libras:

a) a vestimenta, a pele e o cabelo do intérprete devem ser contrastantes

entre si e entre o fundo. Devem ser evitados fundo e vestimenta em tons

próximos ao tom da pele do intérprete;

b) na transmissão de telejornais e outros programas, com o intérprete da

libras em cena, devem ser tomadas medidas para a boa visualização da

libras;

c) no recorte não devem ser incluídas ou sobrepostas quaisquer outras

imagens.

Segundo a norma, uma produção audiovisual televisiva só será considerada

acessível caso siga, criteriosamente, as regras e diretrizes nela estabelecidas.

Conforme podemos notar, todas as diretrizes e aspectos pontuados até então,

oferecem, ou parecem oferecer, boas condições básicas de captação e edição do

TILSP, no intuito de promover uma acessibilidade adequada às pessoas surdas e

deficientes auditivas usuárias da libras.

No entanto, as produções brasileiras que inserem a imagem do intérprete de

libras, não costumam seguir à risca as determinações estabelecidas pela ABNT.

Dentre essas produções audiovisuais encontram-se as propagandas políticas que,

quando optam por inserir o TILSP, desrespeitam todas as diretrizes deixando a

imagem do intérprete pequena, quase impossível de se perceber a produção

discursiva em língua de sinais, deixando a desejar o acesso dos surdos, mesmo

com a presença do TILSP, sem acesso aos discursos ali produzidos.

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Figura (3) 16

A figura (3) mostra uma propaganda política partidária exibida no ano de

2008. Esse tipo de inserção do intérprete de libras raramente acontece. Neste caso

é possível visualizar a intérprete, bem como sua sinalização sem grandes

interferências do conteúdo visual da propaganda. No entanto, costumeiramente, o

intérprete está em tamanho menor e a sinalização quase invisível. Infelizmente não

conseguimos exemplos desse tipo de edição da imagem do intérprete em

propagandas políticas.

O tipo de recorte, ou wipe, utilizado na figura (3) é o recorte Chroma Key que

corresponde a gravação da imagem do intérprete com fundo verde ou azul para

posterior recorte e edição. Essas cores são escolhidas para recorte de imagens de

seres humanos, pois a pigmentação da pele humana possui menos incidência do

azul e do verde facilitando o recorte e a edição da imagem.

Na figura (3) a imagem do intérprete não está inserida em uma delimitação

espacial, em uma janela, para a interpretação, mas integra-se ao cenário da

produção audiovisual. Esse tipo de wipe tem sido bastante utilizado nas produções

televisivas que optam por inserir o intérprete de libras em suas programações, uma

das justificativas para a utilização desse tipo de recorte e inserção da imagem é de

que a “janela” traz certa poluição visual à totalidade da produção.

Além do recorte Chroma Key existem, ainda, outras possibilidades de edição

e inserção do intérprete de libras em produções audiovisuais. A “janela de libras” em

16 Esta imagem foi retirada do site de compartilhamento de vídeos YouTube. Imagem disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=U6fX8F7ePmQ Acesso em 25/05/2011.

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programas veiculados por mídias televisivas é a mais utilizada atualmente. A TV

Câmara de Brasília, que exibe as sessões da Câmara dos Deputados com

interpretação para a língua de sinais (figura 4) utiliza, em vez do recorte em Chroma

Key, um espaço delimitado visualmente na tela para demarcar o espaço da

sinalização do intérprete.

Figura (4) 17

Nesse caso o intérprete está inserido em uma janela em que o fundo é

semitransparente sendo possível notar um “descolamento” de sua imagem da

programação exibida e, logo, do conteúdo visual da programação. Abaixo da janela

do intérprete há um Gerador de Caracteres (GC) em que são exibidas informações

verbo-visuais (textos escritos) sobre o conteúdo a ser falado pelos deputados, bem

como seus nomes e contatos. A inserção do GC obedece aos parâmetros

estabelecidos pela norma de acessibilidade na televisão, uma vez que não está

sobreposta à janela do intérprete, mas localiza-se abaixo dela.

Da mesma forma, o canal NBR de Brasília que apresenta os discursos da

Presidente da República e dos Ministros também utiliza uma janela para a

interpretação em língua de sinais (figura 5). Assim como é feito na TV Câmara, o

canal NBR utiliza uma janela com fundo semitransparente separando a imagem do

intérprete da programação exibida, conforme podemos ver abaixo:

17 Esta imagem é um recorte de um vídeo disponibilizado na Rede Social Facebook no dia 18/05/2011. O link para visualização deste vídeo é: http://www.facebook.com/video/video.php?v=2065587283085&comments

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Figura (5)18

Os tipos, formatos e estilos das janelas não são determinados pela norma de

acessibilidade na televisão e por este motivo é possível encontrar variações nos

tamanhos, cores e localização da janela nas produções. Alguns programas

aproveitam a necessidade da inserção do intérprete de libras e o utilizam como

elemento visual da produção audiovisual.

Figura (6) 19

18

Esta imagem foi retirada do site de compartilhamento de vídeos YouTube. Imagem disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=WjZe_WAjVdI&feature=relmfu Acesso em 25/05/2011.

19 Esta imagem foi retirada do site de compartilhamento de vídeos YouTube. Imagem disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=M03vFKXwe0Q Acesso em 25/05/2011.

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Figura (7)20

Na figura (6), a janela do intérprete de libras é um pouco maior que as vistas

até aqui e apresenta um detalhe na borda que complementa os outros detalhes

visuais colocados à direita da janela. Essa imagem foi recortada do Programa

Especial exibido pela TV BRASIL. O Programa, assim como o programa que é

corpus desta pesquisa, possui como público-alvo as pessoas com deficiência e é a

única produção audiovisual no Brasil que aplica o princípio da redundância, já

pontuado neste capítulo, utilizando legendagem em língua portuguesa, interpretação

para a libras e audiodescrição para pessoas com deficiência visual.

Já na figura (7), que corresponde a uma produção audiovisual produzida por

uma instituição religiosa de matriz protestante, a janela do intérprete possui formato

diferente de todos os exemplos apresentados. Sua forma é redonda e totalmente

“grudada” nas laterais esquerdas e o fundo não é “neutro”, sem imagens, mas é

constituído de formas verticais e diagonais sinalizando ser o espaço de uma parede

do local em que são realizados as celebrações religiosas de tal instituição.

O tipo de janela utilizado na figura (7) não obedece aos parâmetros

estabelecidos pela norma de acessibilidade na televisão e, visivelmente,

impossibilita ao telespectador surdo compreender com clareza a sinalização, visto

que o fundo com formas geométricas interfere na qualidade da visualização da

produção discursiva em língua de sinais.

20

Esta imagem foi retirada do site de compartilhamento de vídeos YouTube. Imagem disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=YiXU673aDF0&feature=related Acesso em 25/05/2011.

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No Programa Sentidos, corpus desta pesquisa, o wipe utilizado atualmente é

o Chroma Key. No início do programa, em 2008, o tipo de recorte e inserção do

intérprete de libras era uma janela com fundo branco (Figura 8). No entanto, com o

objetivo de aumentar a imagem do intérprete para melhorar a visualização da

interpretação e por considerarem a janela utilizada um elemento visualmente

poluente da totalidade da produção, passou-se a adotar o recorte em Chroma Key

para a inserção do TILSP no programa.

Com o recorte em Chroma Key e sem a inserção da janela com fundo branco

a visualização da interpretação em língua de sinais ficou mais clara, visto que

também o tamanho do intérprete aumentou, conforme podemos ver na Figura (8).

Figura (8)

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No entanto, mesmo com essas mudanças para possibilitar ao telespectador

surdo uma melhor visualização da interpretação da língua de sinais, algumas

mudanças ainda precisam ser realizadas, principalmente no tipo do recorte da

imagem do TILSP, pois, mesmo que com o Chroma Key a visualização tenha ficado

melhor do que com a janela e fundo branco, em alguns momentos o conteúdo visual

do programa interfere na visualização da interpretação. Por este motivo, a atual

direção e produção do programa estudam outras possibilidades de janela para o

intérprete contemplando as normas de acessibilidade na televisão pontuadas neste

capítulo.

Como foi possível perceber, por meio de exemplos de janelas com intérpretes

de libras em produções audiovisuais de diferentes gêneros discursivos (jornalístico,

político, e religioso) a inserção do TILSP na esfera televisiva vem sendo uma

demanda crescente. Mesmo com tantas multiplicidades de inserções deste

profissional e da variedade estilística das produções audiovisuais, reafirmamos que

o intérprete é um agente de acessibilidade para que telespectadores surdos tenham

acesso aos conteúdos produzidos na mídia televisiva.

Além dos aspectos técnicos de captação e edição de imagem que são de

extrema importância para atuação do TILSP nesta esfera, existe um fator que é

determinante para que a interpretação per se seja realizada de maneira clara e

coerente, possibilitando ao telespectador surdo acesso aos discursos ali produzidos,

que é o acesso aos textos a serem interpretados antes do próprio ato da

interpretação. No próximo tópico falaremos sobre como é construído o processo de

interpretação no Programa Sentidos e como esse acesso anterior ao texto auxilia a

construção do discurso a ser interpretado.

4.3. O processo interpretativo

A interpretação na esfera televisa demanda do profissional TILSP

envolvimento para além do ato interpretativo em si. A sua atuação inicia-se anterior

ao momento da gravação quando, em reunião com a equipe de jornalistas,

produtores e editores, tem acesso ao material que será transmitido no programa.

Esse acesso prévio ao conteúdo a ser exibido no programa acontece (ou

deveria acontecer) também quando o TILSP atua em outros gêneros discursivos

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como no gênero conferência, por exemplo, em que, assim como os intérpretes de

línguas orais, o acesso ao material do conferencista possibilitará ao TILSP “planejar”

sua interpretação por meio do acesso a terminologias especificas da temática

abordada pelo convidado, oferecendo a possibilidade de pesquisa prévia desses

termos desconhecidos e o planejamento de estratégias discursivas para interpretá-

las quando não houver um léxico correspondente em língua de sinais específico

para aquele termo.

Essa habilidade de construir suas escolhas linguísticas, enunciativas e

discursivas por meio do acesso prévio ao material referente à qual se interpreta é

denominado por Aubert (1994) de competência referencial. Segundo o autor essa

competência faz parte das habilidades necessárias que um tradutor/intérprete deve

possuir para exercer a prática tradutória. Trata-se do desenvolvimento da

capacidade de se buscar conhecer e familiarizar-se com os referentes dos diversos

universos que podem ocorrer em uma tradução/interpretação.

No caso da atuação do TILSP na esfera televisiva a competência referencial é

fundamental por dois principais fatores: 1) o público-alvo da interpretação nessa

esfera é muito maior do que seria em uma sala de aula, em um curso, palestra ou

conferência, logo a probabilidade de alcance de um erro da interpretação seria mais

abrangente acarretando para o TILSP e para a produção audiovisual interpretada

problemas futuros, inclusive de cunho institucional; e 2) pela simultaneidade

envolvida no ato interpretativo nesta esfera. Em uma produção audiovisual

transmitida ao vivo, por exemplo, a interpretação deve finalizar juntamente com a

fala do locutor para que a sinalização não seja cortada pela vinheta de intervalo ou

encerramento da produção interpretada. Nesse sentido, recursos de interpretação

de língua de sinais como os de expansão e compressão mapeados e descritos por

Lawrence (2007)21, por exemplo, devem ser previamente planejados.

21 Lawrence (2007) verificou que há enunciados em American Sign Language para as quais não é possível encontrar correspondências exatas no Inglês americano e vice-versa, exigindo do intérprete dessas línguas flexibilidade linguística para realizar expansões (expansion) e compressões (compression) discursivas, tanto na língua de sinais como na língua oral, para alcançar o sentido produzido nos discursos de língua fonte. Essa técnica é baseada nos estilos discursivos presentes na sinalização de surdos americanos nativos que utilizam esses recursos para expressar conceitos e ideias que ainda não estão lexicalizados. A autora mapeou sete tipos de expansões/compressões: 1) Contrasting Feature; 2) Feating; 3) Reiteration; 4) Explanaing by examples; 5) Usign 3-D Space; 6) Scaffolding, 7) Describe Then Do (LAWRENCE, 2007, p. 14). Essa técnica é utilizada por alguns formadores de intérpretes nos Estados Unidos e foi trazido para a formação de intérpretes no Brasil

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Relataremos aqui como é construída a competência referencial de

interpretação no Programa Sentidos. Consideramos relevante descrever como é

realizado esse processo por ser ele de extrema importância para a interpretação

nessa esfera, conforme já sinalizamos anteriormente, além de fazer parte da

totalidade da produção escolhida como corpus desta pesquisa.

A primeira atividade realizada como parte da competência referencial antes da

interpretação da língua de sinais do Programa Sentidos é o acesso ao texto dos

enunciadores por meio de dois tipos de material escrito. O primeiro é chamado de

espelho (anexo 1). Por meio deste material o TILSP22 tem conhecimento das

matérias que serão exibidas no programa a ser interpretado, obtendo um primeiro

conhecimento dos assuntos que serão abordados, podendo acessar seu

conhecimento prévio sobre tais assuntos e saber se as reportagens que serão

exibidas trazem temas que fazem parte de sua bagagem cultural, repertório

linguístico e de seu conhecimento de mundo.

O segundo material é chamado de script (anexo 2). Nesse material está

transcrito todo o texto verbal do apresentador, dos entrevistados e dos off’s, que são

os áudios gravados pelo repórter, sem a sua aparição, sobre as imagens da

reportagem. A partir deste texto o intérprete tem o primeiro acesso ao discurso da

língua fonte, possibilitando-lhe o mapeamento de terminologias desconhecidas e de

enunciados em que será necessário utilizar recursos e estratégias interpretativas,

como os tipos de expansão ou compressão, por exemplo, e também ao de nomes

de pessoas, de empresas e outras instituições que demandará o uso da soletração

em alfabeto datilológico.

Após o primeiro acesso, propriamente dito, ao texto do programa a ser

interpretado, o segundo acesso acontece por meio da sua versão audiovisual

finalizada com as reportagens, com os elementos visuais, verbo-visuais e áudios. O

TILSP assiste toda a produção, desde as cabeças das reportagens, que

pelo intérprete americano Aaron Rudner (Mestre em Linguística pela Gallaudet University e Doutorando em Linguística pela PUC-RJ, intérprete há mais de 30 anos nos Estados Unidos) que realiza formação desses profissionais, também, na América Latina. 22 Embora o intérprete do Programa Sentidos seja o autor desta pesquisa, nos referiremos ao sujeito do discurso presente na interpretação, sempre em terceira pessoa, mais especificamente como TILSP e/ou intérprete. Essa escolha está fundamentada teoricamente no pensamento bakhtiniano, descrito no capítulo seguinte e na metodologia.

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correspondem a uma pequena introdução do que será exibido no programa, até o

seu encerramento. Nessa primeira visualização do Programa o TILSP percebe os

elementos da totalidade que podem influenciar na interpretação para a língua de

sinais, como o posicionamento dos entrevistadores e dos entrevistados, as artes,

que são as edições com textos, que denominaremos como elementos verbo-

visuais23, assim como também é informado pelo editor de possíveis trechos que

serão legendados pelo fato da fala de algum entrevistado não estar clara, devido o

grande número de pessoas com deficiência que aparecem no programa com

problemas de fluência na linguagem oral.

Finalizado a segunda etapa da competência referencial para a gravação do

Programa, o passo seguinte é a própria interpretação que acontece no estúdio da

instituição financiadora da produção.

Nas primeiras experiências de gravação do programa o processo de

construção da competência referencial não era realizado dificultando, em alguns

momentos, o desempenho no ato interpretativo, visto que havia momentos em que

os locutores enunciavam termos que não faziam parte do repertório linguístico do

TILSP, obrigando-o a criar, na execução da interpretação, estratégias discursivas de

último momento para transmitir ao telespectador surdo o sentido dos discursos ali

produzidos.

O acesso prévio à totalidade do programa também abriu a possibilidade de

uma maior liberdade de transmissão do sentido do discurso, desprendido da forma

da língua fonte, dando ao TILSP a possibilidade de transitar com maior naturalidade

na língua alvo. A simultaneidade da interpretação nessa esfera e a urgência e

preocupação de estar colado na fala dos locutores do programa, em alguns

momentos, obriga o TILSP a prender-se a forma linguística da língua fonte e a

realizar não uma interpretação, propriamente dito, mas um português sinalizado

distanciando-se da discursividade presente da própria língua de sinais.

Existem, além desses aspectos supracitados, outros fatores que interferem na

construção e execução da interpretação televisiva da língua de sinais, pois “qualquer

que seja o aspecto da expressão-enunciação considerado, ele será determinado

23 Na análise do corpus esses aspectos pontuados serão melhor percebidos por meio da transcrição dos elementos linguísticos e extralinguísticos.

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pelas condições reais da enunciação em questão, isto é, antes de tudo pela situação

social mais imediata” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2009, p. 116).

Na interpretação da língua de sinais na esfera televisiva, no ato interpretativo,

isto é, na realização da enunciação, a situação social mais imediata é caracterizada

pela interação do TILSP com o público-alvo de sua interpretação, que no momento

da captação da imagem, não acontece com um auditório presente, empírico, tal

como é na interpretação em outras esferas. O interlocutor do TILSP nesta esfera, no

momento da interpretação, é “corporificado” na câmera que captura sua imagem.

Embora não haja no estúdio telespectadores surdos assistindo sua interpretação, o

TILSP deve estar consciente que seu público é real e muito maior do que ele pode

imaginar. Sua produção discursiva, sua enunciação, é direcionada a um auditório

social, pois “[...] não existe interlocutor abstrato; não teríamos linguagem comum

com tal interlocutor, nem no sentido próprio nem no figurado”

(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2009, p. 116).

Bakhtin/Volochínov (2009), pontua que uma enunciação sempre está

direcionada a alguém, ela é produto de interação de dois sujeitos organizados

socialmente e “[...] mesmo que não haja um interlocutor real, este pode ser

substituído pelo representante médio do grupo social a qual pertence o locutor” (p.

116). O TILSP, quando interpreta para uma câmera, está, na verdade, diante de um

público de telespectadores surdos que buscam na produção audiovisual interpretada

o que as pessoas ouvintes também procuram quando se posicionam diante de uma

programação televisiva, que é saber de notícias, conhecer os últimos fatos ocorridos

na política, economia, entreter-se com uma programação diferenciada, etc.

Se “a palavra dirige-se a um interlocutor” e “[...] ela é função da pessoa desse

interlocutor [...]” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2009, p. 116), o TILSP é o enunciador

responsável pela construção da ponte discursiva entre o enunciador da

programação televisiva e o interlocutor a qual se dirige a palavra por ele enunciada.

Nesse caso o interlocutor não possui acesso natural à palavra desse enunciador por

ser ela produzida em outra língua que é acessada, em termos neurossensoriais, por

outras vias havendo a necessidade de uma mediação, de uma construção dialógica,

e é o TILSP o sujeito que possui esse “poder” de mediação entre os sentidos que

circulam nos discursos produzidos nessas diferentes línguas.

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Passaremos, a partir do capítulo seguinte, à metodologia da pesquisa

explicitando os procedimentos utilizados para descrição e transcrição do corpus

para, posteriormente, encaminharmo-nos para a análise dos dados.

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CAPÍTULO 5 A construção verbo-visual do Programa Sentidos

Pode-se, no entanto, dizer que toda enunciação efetiva, seja qual for a sua forma, contém sempre, com maior

ou menor nitidez, a indicação de um acordo ou desacordo de alguma coisa. Os contextos não estão simplesmente justapostos, como se fosse indiferentes uns aos outros,

encontram-se numa situação de interação e de conflito tenso e ininterrupto.

Bakhtin/Volochínov

Neste capítulo explicitaremos os procedimentos metodológicos para descrição

e análise do corpus. Primeiramente, serão explicitados os critérios de escolha do

corpus para em seguida apresentarmos a proposta metodológica de enfrentamento,

descrição e análise a partir dos conceitos bakhtinianos de exotopia e cronotopo,

para, posteriormente, apresentarmos os instrumentos utilizados para transcrição dos

elementos linguísticos e extralinguísticos, considerando a totalidade verbo-visual

constituinte do corpus escolhido. Neste capítulo também realizaremos a análise do

corpus por meio das categorias sintaxe e léxico concernindo a totalidade verbo-

visual na construção desses elementos durante a interpretação da libras no gênero

jornalístico, esfera televisiva.

5.1. Escolha do corpus

Bakhtin (2010a), afirma que todo tipo de investigação acontece a partir de

enunciados concretos dentro de campos específicos de atividade humana e de

comunicação. A questão do desconhecimento do enunciado e de sua natureza, logo

de suas produções na interação verbal leva o investigador, caso tenha a linguagem

como objeto de estudo, a voltar seu olhar, apenas, para a estrutura e a forma da

linguagem, excluindo, no entanto, as relações da língua com a vida. Segundo o

autor a vida se concretiza na linguagem, são nos enunciados, na interação

discursiva que a vida surge e permanece.

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Ainda salientando a importância da observação do conteúdo e forma da

produção ideológica como constituintes um do outro, Bakhtin/Volochínov (2010)

afirmam:

Todo signo, como sabemos, resulta de um consenso entre indivíduos socialmente organizados no decorrer de um processo de interação. Razão pela qual as formas do signo são condicionadas tanto pela organização social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação acontece. Uma modificação dessas formas ocasiona uma modificação do signo. (p. 45).

De maneira a especificar os aspectos de estudo da produção ideológica,

Bakhtin/Volochínov (2009) apresentam regras metodológicas para o estudo das

ideologias e do material semiótico-ideológico:

1. Não separar a ideologia da realidade material do signo

(colocando-a no campo da “consciência” ou em qualquer outra esfera fugidia e indefinível).

2. Não dissociar o signo das formas concretas da comunicação social (entendendo-se que o signo faz parte de um sistema de comunicação social organizada e que não tem existência fora desse sistema, a não ser como objeto físico).

3. Não dissociar a comunicação e suas formas de sua base material (infra-estrutura). (p. 45).

A escolha do corpus desta pesquisa seguiu essas diretrizes metodológicas.

Buscamos alinhar os procedimentos propostos por Bakhtin/Volochínov (2010) com a

escolha do corpus objetivando responder as perguntas de pesquisa levantadas.

O objeto específico de análise aqui será o processo de interpretação da

língua portuguesa para a língua brasileira de sinais. A esfera ideológica escolhida

para se observar esse ato enunciativo é a esfera televisiva. E o gênero do discurso

no qual esse ato enunciativo parte é o gênero jornalístico.

Desse modo, nossa escolha buscou abarcar a totalidade da interpretação

nessa esfera, a partir desse gênero para mapear, descrever e pontuar os elementos

verbo-visuais presentes que interferem e/ou colaboram na prática de interpretação

da língua de sinais.

O corpus escolhido para essa pesquisa constitui-se do recorte de uma edição

do Programa Sentidos. Produção telejornalística que é produzida pela Organização

Não Governamental (ONG) AVAPE – Associação para Valorização e Promoção da

Pessoa com Deficiência – exibida, por meio da rede concessionária de televisão

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NET – Cidade e disponibilizada, posteriormente, na internet por meio do site de

reprodução de vídeos Youtube, mais especificamente no canal virtual

http://www.youtube.com/tvsentidos.

Esta produção telejornalística foi escolhida a partir dos seguintes critérios:

1) é o programa que o autor desta pesquisa atua como TILSP;

2) é uma produção telejornalística, do tipo revista eletrônica, que possui em

sua edição, e posterior exibição, grande inserção de elementos visuais e verbo-

visuais;

3) o público-alvo do programa são pessoas com deficiência, pessoas surdas e

militantes na inclusão social dessa população.

Essa pesquisa foi submetida à avaliação do Comitê de Ética em Pesquisa da

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (CEP-PUCSP) por meio de um projeto

registrado no protocolo de número 083/2011 tendo parecer favorável (anexo III) para

sua realização por não apresentar qualquer risco ou dano ao ser humano do ponto

de vista ético.

5.2. Movimento exotópico para enfrentamento e análise do corpus

Marília Amorim (2004) em seu livro O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas

Ciências Humanas tece considerações a respeito da produção de pesquisa e leitura

dos textos nas Ciências Humanas. Partindo dos pressupostos bakhtinianos a autora

afirma que o objeto do pesquisador na verdade é sujeito sendo, portanto, um sujeito-

objeto que é constituído de vozes que são confrontadas com aquilo que o

pesquisador deseja encontrar nele.

As vozes do texto que são constituídas em um constante processo de

tecelagem discursiva se encontram e instituem novas vozes por meio do encontro

entre aquilo que o pesquisador deseja olhar e o que o corpus realmente apresenta.

Essa busca do pesquisador pelo seu outro monta e remonta uma arena dialógica,

isto é, o pesquisador, que também é um outro, caçando o que o outro tem a dizer.

Desse modo, a produção de conhecimento e o texto em que se dá esse conhecimento são uma arena onde se confrontam múltiplos discursos. Por exemplo, entre o discurso do sujeito a ser analisado e

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conhecido e o discurso do próprio pesquisador que pretende analisar e conhecer, uma vasta gama de significados conflituais e mesmo paradoxal vai emergir (AMORIM, 2004, p. 12).

Nesse processo de alteridade, de busca do outro “[...] é preciso pensar que há

na pesquisa um movimento em direção à alteridade posto que, até no sentido

estritamente matemático, há sempre um desconhecido, isto é, uma incógnita”

(AMORIM, 2004, p. 29). Este movimento em direção ao outro da pesquisa é iniciado

a partir de uma extraposição, de um lugar fora do texto, que direciona o pesquisador

em um movimento bidirecional: ele se direciona até o seu sujeito-objeto ao mesmo

tempo em que o sujeito-objeto deixa revelar-se por meio da sua materialidade

linguística, enunciativa e discursiva.

O movimento apresentado por Amorim (2004) neste livro constitui-se do

conceito bakhtiniano de exotopia, construído por Bakhtin no ensaio “O autor e o

herói” (escrito entre 1922 e 1924) e publicado na coletânea Estética da Criação

Verbal ([1979] 2010) e que se constitui, essencialmente, de dois movimentos.

Primeiro o de tentar captar o olhar do outro, de tentar entender o que o outro olha,

como o outro vê. Segundo, de retornar ao lugar, que é necessariamente exterior à

vivência do retratado, para sintetizar ou totalizar o que vê, de acordo com seus

valores, sua perspectiva, sua problemática (AMORIM, 2008).

Enquanto pesquisador, minha tarefa é tentar captar algo do modo como ele se vê, para depois assumir plenamente meu lugar exterior e dali configurar o que vejo do que ele vê. Exotopia significa desdobramento de olhares a partir de um lugar exterior. Esse lugar exterior permite, segundo Bakhtin, que se veja do sujeito algo que ele próprio nunca pode ver; e, por isso, na origem do conceito de exotopia está a ideia de dom, de doação: é dando ao sujeito outro sentido, uma outra configuração, que o pesquisador, assim como o artista, dá de seu lugar, isto é, dá aquilo que somente de sua posição, e portanto com seus valores, é possível enxergar”. (AMORIM, 2007, p. 14).

Nesta pesquisa o processo de busca do outro envolve outro tipo de

alteridade. Se o pesquisador desloca-se do seu lugar em busca do outro presente

em seu corpus e encontra esse outro nas vozes discursivas do texto, aqui o

movimento em direção ao outro exige um enfrentamento de si mesmo, visto que o

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pesquisador é o mesmo sujeito empírico presente no corpus. Aqui o pesquisador

está de frente ao outro de si mesmo, já que “[...] o outro se torna estrangeiro pelo

simples fato de eu pretender estudá-lo” (AMORIM, 2004, p. 31).

Para descrever e analisar o corpus nesta pesquisa, realizamos um movimento

exotópico: de deslocamento do lugar de pesquisador para encontrar o sujeito do

corpus. No entanto, esse mover-se em direção ao sujeito-objeto exigiu um

desprendimento do conceito de que o sujeito presente no corpus é o mesmo sujeito

que se direciona até ele. Partimos do pressuposto de que o sujeito do discurso

presente como intérprete do Programa Sentidos difere-se do sujeito do discurso que

olha para sua produção discursiva, o pesquisador. O corpo empírico é o mesmo,

mas os papéis sociais e, portanto, discursivos assumidos nesses dois espaços

diferem-se um do outro. O enfrentamento do corpus nessa perspectiva, justifica-se

pelo movimento “semicircular” em que o intérprete descola-se de seu cronotopo

(espaço-tempo) no corpus para assumir um novo cronotopo olhando a si mesmo

como outro, isto é, como pesquisador.

O outro é aquele em relação ao qual não há adesão e que assim se constitui como um objeto para mim. E se a construção do objeto se faz por objetivação do sujeito, isto é, pelo que em mim se desloca e não adere, pode-se dizer que a alteridade enquanto objeto de pesquisa procede de mim (AMORIM, 2004, p. 69).

No entanto, mesmo assumindo que os sujeitos discursivos diferem-se um do

outro pelas condições de espaço/tempo/situação/esfera de produção do discurso,

apesar de estarem empiricamente no mesmo corpo, não deixamos de considerar a

tensão discursiva existente neste tipo de análise. O enfrentamento, por parte do

pesquisador, com aquilo que o seu outro apresenta no corpus (as escolhas

linguísticas, seu estilo discursivo e possíveis erros de produção de sentido

realizados justamente pelas escolhas tradutórias) afetam o olhar, obrigando o

pesquisador a considerar e assumir todos os aspectos presentes não higienizando

aquilo que o corpus apresenta, e, portanto, não silenciando o que o corpus tem a

dizer.

Pelos motivos explicitados, nos referiremos ao sujeito presente no corpus

como TILSP, por vezes como intérprete, mas colocando-o no lugar de terceira

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pessoa, visto que aquele que fala, o sujeito-objeto deste corpus é outro, que não o

próprio pesquisador.

5.3. Descrição e delimitação do corpus

O Programa Sentidos é uma produção telejornalística, do tipo revista

eletrônica, e mostra ações sociais realizadas por pessoas que trabalham pela

promoção da igualdade social, pela inclusão social de pessoas com deficiência e

vulnerabilidade social.

O programa é exibido no tempo total de 27’30” (vinte e sete minutos e trinta

segundos) e é divido em dois blocos: o primeiro de 11’57” (onze minutos e cinquenta

e sete segundos) e o segundo de 14’21” (catorze minutos e vinte um segundos).

Esse tempo de exibição e divisão dos blocos varia de acordo com as extensões das

reportagens e com o tempo usado em cada quadro. Possui um apresentador que

permanece no estúdio de onde grava as chamadas cabeças, que são as entradas

para as reportagens exibidas no decorrer do programa, e duas repórteres que

gravam as externas, que são as matérias gravadas em locus específico fora do

estúdio do programa e, na maioria dos casos, fora da institituição financiadora, a

AVAPE.

O programa todo é composto por duas reportagens e três quadros: quadro

APRENDA LIBRAS, que tem por objetivo ensinar expressões idiomáticas em língua

brasileira de sinais para os telespectadores; quadro FALA SÉRIO, que discute

questões ligadas a acessibilidade, utilizando as próprias pessoas com deficiência

como repórteres, ou temáticas sobre cidadania e sustentabilidade; e o MINUTO

AVAPE, que apresenta as ações da instituição matenedora do Programa.

O primeiro bloco constitui-se da vinheta de abertura (15”), da abertura feita

pelo apresentador (20”), da escalada (30”) – que é a sinopse de cada reportagem e

quadro que será exibido no programa, da cabeça da primeira reportagem (20”), da

cabeça do quadro APRENDA LIBRAS (7”), da vinheta do quadro APRENDA LIBRAS

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(7”), do quadro APRENDA LIBRAS (2’00”) e da vinheta de passagem para o bloco

seguinte (5”) seguido de um break – intervalo – (1’30”)24.

O segundo bloco do programa é composto pela vinheta de passagem (5”),

pela cabeça dos contatos (20”) – que constitui-se no momento em que o

apresentador apresenta os canais de contato com a produção do programa e

convida o telespectador a participar do programa enviando sugestões de temas para

as reportagens; cabeça da segunda reportagem (20”), cabeça do quadro MINUTO

AVAPE (20”), vinheta do quadro MINUTO AVAPE (6”), quadro MINUTO AVAPE

(2’45”), cabeça do quadro FALA SÉRIO (20”), quadro FALA SÉRIO (6’30”), cabeça

de encerramento (20”) e vinheta de encerramento (1’00”).

Essa estrutura do Programa Sentidos é mantida em todas as edições, exceto

o tempo das reportagens que variam de acordo com a temática e com a elaboração

realizada pelo editor. No entanto, o tempo limite de exibição do programa na rede

concessionária televisiva parceira não pode ultrapassar o período de 27’30”.

Visualmente o Programa Sentidos é composto por elementos que constituem

o gênero jornalístico e o caracterizam como tal. O uso de elementos como o Gerador

de Caracteres (GC), o posicionamento do apresentador no estúdio e sua

movimentação e as tomadas feitas pela camera são características de um jornalismo

menos formal, mas interativo com o telespectador provocando o encurtamento da

distância discursiva entre locutores presentes no Programa e o telespectador que

está, como auditório social, do outro lado da tela.

24 Essas informações e nomenclaturas foram retiradas do Espelho do Programa Sentidos disponibilizados para nós pela equipe de produção do Programa.

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Figura (10): Estrutura visual da edição final com close no apresentador e com a presença do G.C.

Na figura 10 é possível observar os elementos visuais e verbo-visuais

compondo a totalidade do Programa. A localização do GC ao fundo de toda a tela,

inclusive atrás do TILSP mostra sua integração com a totalidade do Programa. No

entanto, nota-se que a disposição do nome do apresentador localiza-se para a

direita do TILSP não interferindo no espaço destinado à sua interpretação. O

posicionamento do apresentador também à direita mostra que o espaço para a

presença do TILSP, nesse caso, é planejado desde o momento da captação de

imagem das cabeças em estúdio. Essa disposição visual se repete em todo o

Programa, exceto nas reportagens em que há grande disposição de imagens ao

fundo. No canto superior direito existe a logomarca da instituição mantenedora do

Programa Sentidos e ao fundo traços amarelos e laranjas dispostos

intercaladamente que remontam, de maneira estática, os mesmos traços utilizados

na vinheta de abertura.

A edição do Programa Sentidos escolhida como corpus dessa pesquisa é a

de número 354 (espelho do programa no anexo 1). Nesta edição o programa

apresenta um filme curta metragem intitulado “Na ponta dos dedos” que conta a

história de um músico com deficiência visual; uma reportagem no Museu Afro Brasil,

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no parque do Ibirapuera em São Paulo; o quadro APRENDA LIBRAS ensina os

sinais de redes sociais; o quadro MINUTO AVAPE apresenta as ações da primeira

clínica da AVAPE em São Bernardo do Campo e o quadro FALA SÉRIO apresenta a

problemática da mortalidade no trânsito brasileiro e mostra o trabalho de

conscientização realizado entre escolas pra reverter esta situação.

Delimitamos para analisar a materialidade linguística, enunciativa e discursiva

do ato interpretativo no corpus o bloco em que há a matéria sobre o Museu Afro

Brasil, por apresentar maior interferência de elementos verbo-visuais durante a

exibição. Porém, a análise desse bloco será relacionada com os outros ao

pontuarmos as especificidades dos elementos verbo-visuais. Este bloco inicia-se

com a cabeça dos contatos e é sequenciada com a matéria supracitada no tempo

total de 5’32”25.

5.3.1. Sistema de transcrição ELAN

Para chegar aos discursos e sentidos produzidos por meio da interpretação

da língua de sinais na esfera televisiva, gênero jornalístico, partiremos da

materialidade linguística e enunciativa. Para tanto, será necessário transcrever essa

materialidade para, então, lê-la buscando encontrar, a partir de lentes dialógicas, os

sentidos produzidos por meio desse ato enunciativo.

Para transcrever a materialidade linguística da interpretação da língua de

sinais no corpus optamos por utilizar o sistema de transcrição de língua de sinais

ELAN (EUDICO Language Annotator) desenvolvido pelo Max Planck Institute for

Psycholinguistics e utilizado no grupo Estudos da Comunidade Surda: Língua,

Cultura e História da Universidade de São Paulo (USP), nos grupos de pesquisas

sobre Língua de Sinais e no curso de Letras/Libras da Universidade Federal de

Santa Catarina (UFSC).

25 O bloco descrito e transcrito está disponível no canal da TV Sentidos no YouTube, mais especificamente no link: http://www.youtube.com/watch?v=1D0q5vmqd1c (Acesso em 18 de junho de 2010).

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Figura (11): Sistema ELAN utilizado na transcrição do corpus com as trilhas estabelecidas

de acordo com as necessidades desta pesquisa.

A escolha desse sistema justifica-se pelo seu uso atual nas pesquisas

relacionadas à língua de sinais em diversas faces: descrição linguística da libras,

análise do processo de aquisição de linguagem por crianças surdas, criação de

bancos de dados em línguas de sinais, sistematização de um sistema de transcrição

de línguas na modalidade gestual-visual-espacial, etc. Além de ser um sistema de

transcrição que possibilita transcrever e descrever marcas de sinais manuais e de

sinais não manuais que ocorrem simultaneamente abrangendo maiores aspectos

das línguas sinalizadas (McCLEARY, VIOTTI, LEITE, 2010; PICHER et. al. 2010;

QUADROS & PIZZIO, 2007).

Atualmente existem algumas propostas de transcrição da língua de sinais

com utilização do ELAN como, por exemplo, a de McCleary, Viotti e Leite, (2010)

que a partir da experiência de criação de corpus de narrativas em libras no grupo

Estudos da Comunidade Surda: Língua, Cultura e História (ECS/USP) tinham por

objetivo “[...] registrar longos trechos de discurso de forma criteriosa, seguindo

parâmetros de padronização, de modo que o corpus pudesse ser utilizado por

pesquisadores brasileiros e estrangeiros” (p.269).

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Segundo os autores, existem atualmente alguns sistemas que possibilitam a

transcrição e descrição linguística multimodal. No entanto, o ELAN tem sido usado

com maior recorrência na descrição de línguas na modalidade gestual-visual-

espacial e possibilitam o uso de arquivos de vídeo e áudio o que contribui para a

análise de interação bimodal (surdo e ouvinte), bem como para os estudos da

gestualidade.

Na proposta de McCleary, Viotti e Leite (2010) a transcrição possui uma pauta

contendo várias trilhas separadas, cada uma delas relacionada a um aspecto da

sinalização. Essa proposta de transcrição foi adaptada posteriormente no sistema

ELAN por meio da criação de trilhas subsequenciadas que ficaram organizadas da

seguinte maneira:

NOME DA TRILHA DESCRIÇÃO IU Translation (Intonation Unit Translation)

Registro da tradução para o português das unidades básicas do discurso na libras.

MS-Gloss-BP (Manual Sign Gloss Brazilian Portuguese)

Registro de glosas, em português brasileiro, referentes aos sinais manuais.

MS-Gloss-E (Manual Sign Gloss English) Registro de glosas, em inglês, referentes aos sinais manuais.

NMS-Gloss-BP (Non-manual Sign Gloss Brazilian Portuguese)

Registro de glosas, em português Brasileiro, referentes aos sinais não Manuais.

NMS-Gloss-E (Non-manual Sign Gloss English)

Registro de glosas, em inglês, referentes aos sinais não manuais.

SMS-Gloss-BP (Simultaneous Manual Sign Gloss)

Registro de glosas, em português Brasileiro, referentes aos sinais manuais realizados simultaneamente a outro sinal.

Eyebrow Registro das configurações das sobrancelhas

Eyegaze Registro das configurações e movimentos do Olhar

Hands Registro de qual mão realiza o sinal

Location Registro da localização da mão no espaço de Sinalização durante a realização do sinal.

Repetition Registro do número de vezes que o movimento constitutivo do sinal é repetido.

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Dictionary Registro das páginas dos sinais em Capovilla e Raphael, quando o sinal for dicionarizado.

Comments Registro de comentários sobre a transcrição.

(McCLEARY, VIOTTI E LEITE, p. 278, 2010).

Esclarecemos que a proposta de McCleary, Viotti e Leite (2010) é utilizada no

processo de descrição linguística da língua de sinais brasileira a partir de narrativas

de falantes nativos dessa língua, isto é, sujeitos surdos. Nossa proposta nessa

pesquisa não é descrever o sistema da libras, mas sim analisar o processo de

interpretação da língua portuguesa para esta língua. Por esse motivo, não

seguiremos o padrão de trilhas estabelecidas na proposta destes autores. No

entanto, usaremos como base a organização das trilhas subsequenciadas, bem

como a forma de anotação do léxico.

Desse modo, organizamos nossa transcrição no ELAN com o objetivo de

mapear a produção lexical e sintática da libras no ato interpretativo e a

simultaneidade da interferência dos elementos verbo-visuais nessa produção

linguístico-enunciativa utilizando em algumas trilhas o recurso dos vocabulários

controlados, que constitui-se de um repertório fechado de possibilidades de

anotação que pode ser previamente inserido e depois utilizado como base para

todos os arquivos de anotação. Abaixo se encontra a ordem subsequenciada das

trilhas com os marcadores que utilizamos nos vocabulários controlados durante a

transcrição:

NOME DA TRILHA DESCRIÇÃO Texto em português Registro do texto em língua fonte

(português). Locutor/português Registro de identificação do locutor do

discurso em português: - REPÓRTER/OFF (áudio/narração da reportagem) - APRESENTADOR; - ENTREVISTADO; e - ENTREVISTADO 2.

Elementos verbo-visuais Registro dos elementos verbo-visuais que aparecem simultaneamente ao ato de interpretação:

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-GC: Gerador de Caracteres; -TT: Imagem em Toda a Tela; -IR: Imagens da reportagem; -OEV: Outros elementos verbo-visuais.

Glosa – sinais manuais Registro de glosas, em português, referentes aos sinais manuais.

Mãos Registro do uso das mãos para a produção do sinal: - md: mão direita; - me: mão esquerda; - 2m: duas mãos.

Direção do olhar Registro das configurações e movimentos do olhar: > Olhar para direita; < Olhar para esquerda; ^ Olhar para cima; v Olhar para baixo; % Olhar para frente.

Tipo de espaço Registro da altura do espaço da sinalização: - AC: Altura da cabeça; - AP: Altura do peito; - ACT: Altura da cintura.

Locação Registro da localização da sinalização: - EE: Espaço a esquerda; - ED: Espaço a direita; - EF: Espaço a frente.

Corpo Registro do direcionamento do corpo: - DE: Direcionado para esquerda; - DD: Direcionado para direita; - DF: Direcionado para frente.

Apontação Registro dos apontamentos espaciais: - AE: Apontação para esquerda; - AD: Apontação para direita; - AF: Apontação para frente; - AB: Apontação para baixo; - AC: Apontação para cima.

O texto em língua fonte (português) também foi transcrito em uma trilha no

sistema ELAN com base na proposta do Projeto de Estudo da Norma Linguística

Urbana Culta de São Paulo – Projeto NURC-SP/Núcleo USP (2003).

Durante a discussão dos dados levantados no corpus utilizaremos alguns

recursos para marcar a mobilização da transcrição para o texto da dissertação. Para

nos referirmos aos enunciadores da língua portuguesa (o apresentador, os

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repórteres, os entrevistados) utilizaremos a grafia em caixa alta e negrito seguido da

sigla (L.F) (Língua Fonte), e o texto em português será transcrito em itálico. Para nos

referirmos ao enunciador da libras (o TILSP) utilizaremos a grafia em caixa alta

seguido da sigla L.A. (Língua Alvo). O registro da transcrição da libras será grafado

conforme a proposta de Quadros e Karnopp (2004) em que as glosas, isto é, os

nomes do sinais em língua portuguesa, serão grafadas em caixa alta, conforme

exemplificado abaixo.

APRESENTADOR (L.F): texto transcrito em língua portuguesa

TILSP (L.A): TEXTO EM LIBRAS

Também optamos por recortar alguns trechos da transcrição realizada do

ELAN para mostrar a simultaneidade da produção linguística com os elementos

verbo-visuais.

5.4. Análise do corpus

Após detalharmos os aspectos metodológicos escolhidos para a transcrição e

descrição do corpus partiremos, a partir de agora, para a análise da materialidade

linguístico-enunciativa para ler os discursos e, então, os sentidos implícitos na

prática de interpretação da libras neste corpus.

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5.4.1. Totalidade verbo-visual na sintaxe e no léxico

O bloco escolhido para transcrição e análise apresenta, na vinheta de

abertura, a inserção de elementos visuais e verbo-visuais. O intérprete, em vez de

interpretá-los, direciona seu corpo para a imagem que aparece ao lado direito da tela

realizando um apontamento para a construção verbo-visual disposta ao lado de sua

imagem. A direção do olhar também acompanha a rotação do corpo e o

apontamento para o texto disposto na tela.

Figura (12)

O momento sem produção discursiva do intérprete é o período em que o G.C

permanece na tela. O mesmo enunciado que é verbo-visualmente disposto

([email protected]) é verbalizado pelo apresentador, mas não é

interpretado para a língua de sinais, havendo, portanto uma interrupção na produção

da sintaxe em libras. No momento em que o apresentador verbaliza o texto

visualmente disposto na tela, o intérprete direciona-se para frente e não realiza

nenhuma produção discursiva, conforme podemos notar no recorte do trecho

transcrito nesse momento do discurso (figura 13).

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Figura (13)

Esse fenômeno também ocorre na sequência da vinheta de abertura quando

o apresentador pede ao telespectador que também entre em contato por meio do

Twitter. O intérprete também escolhe não realizar a interpretação do endereço do

Programa nesta rede social e, assim como no anúncio do e-mail, realiza um

apontamento para o texto verbo-visual. No entanto, esse apontamento, diferente do

realizado anteriormente, não é feito apenas para o lado direito, mas para o canto

superior direito, visto que a imagem com endereço do Programa no Twitter ocupa

toda a tela (figura 14).

Figura (14)

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A escolha do intérprete em não realizar a interpretação dos textos verbais em

língua portuguesa justifica-se pela sua disposição visual ao lado da tela não

necessitando de uma transliteração em língua de sinais, visto que a informação

verbo-visualmente disposta não teria uma equivalência lexicalizada na libras

necessitando, portanto, da soletração das letras do português na língua de sinais.

O estilo do Programa Sentidos parece ser um fator que possibilita essas

escolhas realizadas pelo intérprete e denunciam um jornalismo informal, já que a

inserção desses elementos como facilitadores para a apreensão da informação por

parte do telespectador é amplamente utilizado no jornalismo televisivo do tipo revista

eletrônica. Ao escolher não interpretar o texto verbo-visualmente disposto e apenas

apontá-lo, o intérprete acaba por integrar sua imagem na totalidade desta produção

telejornalística realizando mais que uma interpretação: sua imagem integra a

produção do Programa confirmando o que pontuamos no capítulo anterior.

O processo de edição final do Programa Sentidos é realizado com um

planejamento para a inserção do intérprete: o G.C. e as imagens que ocupam toda a

disposição da tela e todos os possíveis elementos verbo-visuais são organizados

buscando não ocupar o espaço destinado para a interpretação. Nesse ponto

percebemos que a totalidade extralinguística determina a organização sintática da

libras na interpretação desta produção telejornalística.

Quadros e Karnopp (2004) pontuam que na produção sintática da libras

qualquer referência usada no discurso requer o estabelecimento de um local no

espaço da sinalização (espaço definido na frente do corpo do sinalizador). No

processo de interpretação da libras realizada no corpus notamos que a referência

para o discurso presente na língua alvo não é realizado na própria libras, o intérprete

direciona a atenção do interlocutor para os aspectos extralinguísticos, isto é, que

não estão na produção linguística propriamente dito. Nesse caso, a compreensão

por parte do interlocutor surdo do enunciado verbo-visualmente disposto está

condicionada ao conhecimento da língua portuguesa na modalidade escrita.

Se “[...] compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação

a ela, encontrar seu lugar adequado no contexto correspondente”

(BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2009, p. 137) o intérprete parece, então, qualificar o

interlocutor surdo pressupondo a sua compreensão da língua portuguesa

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oferecendo a ele a possibilidade de apreensão total das informações verbo-

visualmente organizadas na tela. Caso o enunciado verbal fosse transliterado para a

libras a compreensão do interlocutor em relação ao contato do Programa estaria

prejudicado, pois o telespectador surdo perderia a informação visual em detrimento

da atenção dispensada na compreensão da soletração deste mesmo texto.

A ação de “direcionar a cabeça e os olhos (e talvez o corpo) em direção a

uma localização particular simultaneamente com o sinal de um substantivo ou com a

apontação para o substantivo” (QUADROS e KARNOPP, 2004, p. 128) também

determina a produção sintática da língua de sinais brasileira. Nos recortes do corpus

apresentados notamos a movimentação do tronco, o direcionamento do olhar e o

apontamento para os textos verbo-visualmente dispostos como aspectos

constitutivos da sintaxe construída na interpretação do português para a libras nesse

gênero.

Na materialidade transcrita também emerge a modificação de outro elemento:

a direção do olhar. Esse aspecto, que é apontado por Quadros e Karnopp (2004)

como expressões não manuais que compõem os parâmetros linguísticos da língua

de sinais brasileira, se altera em poucos momentos e está fixada sempre para frente,

em direção à câmera. Há uma grande recorrência de sinais em que a direção do

olhar está para frente. No entanto, notamos alteração desse elemento quando o

TILSP utiliza o recurso de tridimensionalidade (LAWRENCE, 2007) para pontuar as

locações espaciais dos locutores no discurso em língua fonte (entrevistador à direita

repórter à esquerda, por exemplo) ou quando constrói uma sentença a sua frente na

altura do peito ou da cintura, realizando simultaneamente um apontamento para

essa mesma construção (figura 15). A direção do olhar e os apontamentos são

realizados predominantemente em sincronia, principalmente quando o TILSP quer

marcar espacialmente algum léxico ou soletração.

Lodi (2004) ao analisar o discurso em libras a partir do gênero conto de fadas

também observou que a direção do olhar é um importante diferenciador das

referências de segunda e terceira pessoa do discurso e salienta que no caso de

diálogos entre personagens o olhar direciona-se para o interlocutor marcando a

segunda pessoa do singular. Para a autora a modificação da direção do olhar e do

direcionamento do corpo está submetida ao tipo de gênero do discurso em que a

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libras é utilizada pelos sinalizadores. A marcação desses dois aspectos na prática de

contação de histórias em libras possibilita o reconhecimento das diferentes

personagens presentes durante a narrativa.

Segundo Lawrence (2007), o recurso de tridimensionalidade presente nos

discursos em línguas de sinais é frequente quando os sinalizadores querem

representar personagens no discurso, marcando-os especificamente em cada ponto

no espaço. O direcionamento do olhar dependerá de quem será a personagem, bem

como de sua ação no discurso. No entanto, Moreira (2007) chama atenção para

esse recurso amplamente utilizado pelos usuários nativos de línguas de sinais

pontuando a comum confusão dessa marca linguística das línguas de sinais com os

recursos teatrais utilizados por atores. A autora, que investiga a produção dêitica na

língua de sinais brasileira, salienta que a transição entre uma personagem e outra

no discurso pode ser percebida por meio da

(i) posição e movimento do tronco e cabeça; (ii) a direção do olhar; (iii) a caracterização da personagem (jeito de olhar, sinalizar, objetos que carrega); (iv) as mudanças na expressão facial e (v) expressões nominais que indicam a personagem representada (MOREIRA, 2007, p. 53).

Moreira (2007) também destaca a sutileza das marcas de transição dos

papeis das personagens no discurso em libras e que, em alguns casos, essa

transição é marcada pela expressão nominal da personagem a ser incorporada no

discurso que pode ser realizada simultaneamente ao posicionamento dessa

personagem no espaço.

Em um ato interpretativo os usos desses elementos linguísticos estão

plenamente dependentes do tipo de discurso enunciado pelo locutor em língua fonte,

a marcação e o uso da tridimensionalidade como fator constitutivo para a construção

de diferentes personagens e/ou sujeitos no discurso em libras deve ser construído a

partir daquilo que o locutor pretende dizer ao seu interlocutor (LODI, 2004).

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Figura (15).

No corpus desta pesquisa notamos que há uma recorrência do uso do recurso de

tridimensionalidade devido às variações de turno dos falantes em língua fonte,

implicando mudanças significativas na produção sintática da interpretação em libras,

pois para referenciar os diferentes locutores do discurso o TILSP utiliza esse recurso

posicionando-se nos diferentes espaços, direcionando seu olhar e realizando

apontamentos de acordo com o posicionamento discursivo desses locutores na tela

e a alteração do turno na língua fonte.

A incorporação do discurso do outro nesse processo de interpretação, isto é,

de marcação das falas de cada um dos participantes do discurso em língua fonte é

importante para a produção de sentido na libras. Caso o intérprete realize uma

interpretação literal mantendo o discurso da libras (língua alvo) mais próximo

possível das formas linguísticas da língua portuguesa (língua fonte) (LEESON, 2005)

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o discurso das personagens não poderia ser identificada, pois se em língua

portuguesa marcamos a mobilização do discurso do outro utilizando terceira pessoa

para uma citação indireta, por exemplo, na libras essa marcação é realizada no

espaço por meio da mudança no posicionamento do corpo.

Bakhtin/Volochínov (2009) diz que:

Pode-se também apreender e transmitir de forma analítica a enunciação de outrem enquanto expressão que caracteriza não só o objeto do discurso (que é, de fato, menor) mas ainda o próprio falante: sua maneira de falar (individual, ou tipológica, ou ambas); seu estado de espírito, expresso não no conteúdo mas nas formas do discurso (por exemplo, a fala entrecortada, a escolha da ordem das palavras, a entoação expressiva, etc.), a capacidade ou incapacidade de exprimir-se bem, etc. (p. 166).

Na interpretação da libras, em especial no gênero jornalístico televisivo, a

apreensão do outro na produção discursiva sinalizada é determinante para a

transmissão do projeto discursivo instituído pelos locutores presente nesse gênero: o

repórter, o entrevistado, o apresentador, etc. No caso do nosso corpus essa

apreensão aparece marcada pela alteração da direção do olhar, como pontuamos,

pela rotação do corpo e pela locação da produção sintática que pode variar iniciando

no espaço a direita e sendo finalizada na esquerda ou mantida em um desses lados

marcando, desse modo, o discursos de um dos locutores.

Na transcrição percebemos que o TILSP absorve para a sua sinalização a

imagem presente no momento da reportagem. No texto em língua portuguesa o

entrevistado (1) descreve para a entrevistada (2), que é deficiente visual, as

características de uma escultura em bronze. Na interpretação essa descrição

aparece primeiro com a expressão nominal B-R-O-N-Z-E e em seguida uma

expansão a frente do seu corpo, na altura do peito, do formato da escultura (figura

16). O direcionamento do corpo para a direita (<) e a recorrência do uso de sinais

não lexicalizados que se assemelham com o referente na qual se busca interpretar

(a escultura de bronze) mostra a interferência da imagem presente no todo da

reportagem no momento da interpretação.

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ENTREVISTADO (L.F): então esse rosto de bronze... ahn:... de um homem negro

TILSP (L.A): HOMEM NEGRO

TILSP (L.A): ESCULTURA

Figura (16): Imagem do referente presente na sinalização

Descrição visual do formato do rosto da escultura de bronze

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ENTREVISTADO (L.F): ...tem realmente esse objeto ai preso no pescoço...

TILSP (L.A): (SINAL NÃO LEXICALIZADO PARA COLAR NO PESCOÇO DA ESCULTURA) TEM (MOVIMENTO EM VOLTA DO PESCOÇO)

Figura (17): Expansão discursiva do objeto de tortura no pescoço

A expansão do texto em língua fonte (... tem realmente esse objeto ai preso

no pescoço...) para a descrição gestual, não lexicalizada, no espaço de sinalização a

frente do corpo, na altura do peito, com mudança na direção do olhar (<) e do

direcionamento do corpo (DD) seguida da sinalização em volta do pescoço do

TILSP, mostra que a ausência de um léxico equivalente na libras para o texto

produzido em língua portuguesa, que foi separada apenas pela sinalização do verbo

TER (figura 17), faz com que o TILSP busque nas imagens da reportagem, isto é,

nos elementos verbo-visuais presentes na totalidade da produção telejornalística

possibilidades de construção de sentidos daquilo que está sendo falado pelo locutor.

Quadros e Karnopp (2004) observam que no espaço em que são realizados

os sinais, o estabelecimento nominal e o uso do sistema pronominal são

Descrição visual do formato do objeto em volta da escultura

Descrição visual do formato do objeto em volta do pescoço do TILSP TEM

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fundamentais para as relações sintáticas. Desse modo a construção nominal e

pronominal na interpretação da libras no corpus apresenta grande interferência dos

elementos verbo-visuais contidos no todo da reportagem, sendo afetada e alterada

de acordo com a presença desses elementos durante o discurso falado pelo locutor

na língua fonte.

As marcas linguístico-enunciativas da interpretação da libras pontuadas até o

presente momento no corpus nos direcionam para a leitura dos discursos

instaurados a partir deste ato de enunciação que é determinado pela esfera de

produção, pela situação sócio-histórica e pela interação entre os falantes da língua

fonte. Percebe-se que o TILSP constrói a ponte interativa para a passagem dos

sentidos como enunciador/mediador entre a produção audiovisual e o interlocutor

surdo a partir de grande apreensão da totalidade imagética contida no todo da

reportagem. Quanto mais acesso prévio a totalidade da produção audiovisual, isto é,

de construção da competência referencial (AUBERT, 1993) para a interpretação,

maiores possibilidades haverá de trazer essas referências para o discurso na libras.

Percebemos que os elementos verbo-visuais pontuados até o presente

momento alteraram a produção sintática, pois causaram uma interrupção na

continuidade linguístico-enunciativa da interpretação em libras, mas não

interromperam a fluidez discursiva, visto que o discurso foi composto pela presença

dos elementos verbo-visualmente dispostos durante a totalidade da reportagem. O

gerador de caracteres (G.C.), as imagens da reportagem (I.R.) e os elementos

dispostos em toda a tela (T.T) ofereceram para o intérprete a possibilidade de criar

sentidos discursivos a partir da presença deles, qualificando o telespectador surdo

como capaz de apreender as informações verbais visualmente dispostas na tela e

incorporando na interpretação em libras o todo da produção áudio visual.

O corpus também apresenta modificação da construção lexical na libras

durante o processo de interpretação a partir do gênero jornalístico. Segundo

Ferreira-Brito (1995) a incorporação de informação léxico-sintática se dá pela

superposição da informação lexical somada à informação de ordem sintática (objeto

direto, locativo, sujeito). Esse aglutinamento de informações marcam, também, a

construção e criação dos processos lexicais na libras. A autora ainda aponta que

algumas configurações de mãos são usadas nas línguas de sinais para a construção

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do léxico e podem representar a forma e o tamanho dos referentes, assim como

características dos movimentos dos seres em um evento, com função de descrever

o referente do nome (atuando como adjetivos), substituir o referente do nome

(atuando como pronomes) ou localizar os referentes (como locativos). A esse

processo de descrição dos referentes a autora chama classificadores.

Quadros e Karnopp (2004) afirmam que na língua de sinais brasileira há a

participação ativa e demasiada de classificadores na produção de palavras.

Segundo as autoras os classificadores

[...] têm distintas propriedades morfológicas, são formas complexas em que a configuração de mão, o movimento e a locação da mão podem especificar qualidades de um referente. Classificadores são geralmente usados para especificar o movimento e a posição de objetos e pessoas ou para descrever o tamanho e a forma de objetos (p. 93).

No corpus notamos a presença do uso de classificadores na construção do

léxico durante a interpretação. No entanto, o uso desses classificadores, assim

como na construção sintática, foi determinado pela imagem presente na reportagem

no momento da interpretação (figura 18). Na sequência abaixo o texto em língua

fonte diz respeito a uma descrição do locutor sobre o objeto máscara para a

entrevistada. Nessa narrativa o locutor conta que esse objeto é originário da

república do Congo e foi trazida ao Brasil nos navios negreiros. A máscara descrita

pelo locutor possui traços faciais daquele determinado povo em sua parte interna

marcando esse objeto como característico desse determinado povo. Na

interpretação da libras o TILSP recorre ao uso dos classificadores para especificar e

detalhar a qualidade do referente, marcando primeiramente o léxico no seu local de

produção natural, no rosto, e depois construindo, a partir do que está sendo falado

pelo locutor na reportagem, os detalhes constituintes desse objeto.

Nota-se que o uso desse classificador e a sua localização no espaço

assemelha-se com o posicionamento da entrevistada durante a narração, pois ela

segura a máscara e a toca para perceber, por meio do tato, os detalhes que o

locutor descreve. No entanto, notamos que o direcionamento do corpo do TILSP não

está em sintonia com a direção do corpo da entrevistada captado pela câmera e

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exibido na tela. Há uma variação do posicionamento da entrevistada durante a

narração do locutor e do TILSP no momento da interpretação.

ENTREVISTADO (L.F): então ela possui algumas marcas nu/nu/na face... né... no rosto...

TILSP (L.A): MÁSCARA NO ROSTO MÁSCARA MÁSCARA NO ROSTO

TILSP (L.A): MÁSCARA APONTAMENTO TEM

TILSP (L.A): PARECE MÃO NO ROSTO MÃO NA MÁSCARA (1)

TILSP (L.A): MÃO NA MÁSCARA (2) MÃO NA MÁSCARA (3)

Figura (18)

Configuração da mão em sintonia com a imagem da máscara

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No caso do recorte acima, é possível comparar o formato da máscara na mão

da entrevistada com a configuração da mão do TILSP na construção do léxico em

libras. A construção linguístico-enunciativo na interpretação da libras está sendo

determinada pelas aspectos extralinguísticos que “[...] penetram o enunciado

também dentro” (BAKHTIN, 2010, p.313).

Se “do ponto de vista dos objetivos extralinguísticos do enunciado todo, o

linguístico é apenas um meio” (BAKHTIN, 2010, p.313) a interpretação da libras

neste corpus nos mostra que a construção léxico-semântica é plenamente

construída por meio da interferência dos elementos verbo-visuais da reportagem,

que contribuem para a construção do sentido do projeto discursivo do

enunciador/locutor durante o programa na língua fonte, a libras.

A presença dos elementos verbo-visuais observados durante a interpretação

da libras indicam os efeitos de sentido instaurados a partir deles no processo de

ressignificação entre as línguas envolvidas nesse ato interpretativo. O gênero

jornalístico, com sua totalidade verbo-visual, nos mostra como a interpretação pode

ser elaborada a partir dos apontamentos desses elementos para fora de si mesmo

(BRAIT, 2010), isto é, a partir da forte influência de uma arquitetônica verbo-visual

previamente traçada para construir sentido ao telespectador sobre o tema da

reportagem.

A penetração dos aspectos extralinguísticos na construção sintática e lexical

da libras nos mostram como os sentidos da interpretação nessa esfera ideológica

são instaurados a partir da interação do TILSP com os aspectos enunciativo-

discursivos que nela circulam e que a compõem e que ultrapassam a abstração

linguística. Os processos de ressignificação tradutória e de construção da

interpretação foram notados pela materialidade linguística, mas foram descritos e

observados a partir do primeiro acesso do TILSP à totalidade do programa por meio

do texto em língua portuguesa escrita no script.

Esse acesso prévio possibilitou ao TILSP pensar em estratégias

interpretativas para a passagem dos sentidos enunciados na língua fonte para os

interlocutores na língua alvo. O posicionamento das imagens durante a reportagem

e a sua forte interferência na materialidade linguística da libras nos mostram como

os elementos verbo-visuais, tanto os que são utilizados para exibir textos verbais

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(G.C. e as imagens que ocupam a tela por inteiro) como as imagens específicas das

reportagens (o posicionamento dos interlocutores durante uma entrevista, a

abordagem do repórter, as imagens que são descritas pelo repórter em off)

colaboram para a realização de um enunciado concreto, uma interpretação que pode

abarcar a totalidade da produção audiovisual.

A imagem constitui um papel fundamental para construção de sentido no

gênero jornalístico, esfera televisiva, e muitas por vezes por si só torna-se um

enunciado, isto é, a linguagem em realização na vida, na cadeia do discurso e

instaura sentidos pela ausência de uma composição sonora e pela explosão da

construção de linhas, cores, desenhos, em um todo que dispensa o uso de palavras.

Esse tecido dialógico presente nas imagens compõe o gênero investigado nesta

pesquisa e devem ser absorvidos durante os processos de interpretação para a

libras, visto que muitas vezes é ela, por si mesma, que denunciará os sentidos

(aquilo que se pretende dizer) para o telespectador.

Bakhtin/Volochínov (2009) diz que a enunciação é o produto da interação

entre dois indivíduos socialmente organizados e mesmo que não haja um represente

médio e empírico do grupo social a qual se enuncia, este pode ser substituído por

um representante médio do grupo. A interação do TILSP com seu interlocutor na

realização do ato interpretativo se dá, em um primeiro momento, com a câmera que,

nesse caso, é o representante médio do interlocutor real, o telespectador surdo que

assiste o programa, por esse motivo que no corpus há maior recorrência do

direcionamento do olhar para frente do que para outros pontos de enunciação,

porque seu interlocutor real é aquele que está diante de si corporificado na câmera

no estúdio no momento da interpretação.

Nesse sentido, após observar a materialidade linguístico-enunciativo presente

no corpus e lermos os possíveis efeitos de sentidos instaurados na interpretação da

libras a partir da forte inserção de elementos verbo-visuais durante a sinalização,

partiremos agora para a construção de uma proposta teórico-metodológica para a

formação e atuação de TILSP nessa esfera ideológica, a partir deste gênero.

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CAPÍTULO 6 Considerações dialógicas para a atuação do tradutor intérprete de libras/português na esfera televisiva, gênero jornalístico

A vida é dialógica por natureza. Viver significa participar de um diálogo: interrogar, escutar,

responder, concordar, etc. Neste diálogo o homem participa todo e com toda sua vida: com os

olhos, os lábios, as mãos, a alma, o espírito, com o corpo todo, com suas ações. Ele se põe todo na palavra, e esta palavra entra no tecido

dialógico da existência humana, no simpósio universal.

Bakhtin

Neste capítulo apresentamos uma possibilidade de encaminhamento teórico-

metodológico para a formação e atuação de profissionais TILSP nessa esfera de

atuação, a partir de uma perspectiva enunciativo-discursiva, adotando a análise do

Programa Sentidos como norteador desta proposta. Para tanto, buscamos analisar

algumas produções telejornalísticas considerando a possibilidade de futuras

inserções dos TILSP nessa esfera de produção do discurso e a realização de

práticas interpretativas a partir do gênero jornalístico, sugerindo a expansão de sua

atuação em outros gêneros circulantes nessa esfera.

Seguindo a concepção presente no Manual de Telejornalismo produzido pela

Central Globo de Jornalismo (1988) de que no telejornal o locutor conversa com o

telespectador e de que a palavra produzida, enunciada, nessa esfera não é

recursiva, isto é, o que foi falado é inscrito na realização real e não se pode

“apagar”, apresentaremos aspectos dessa esfera da ordem linguística, enunciativa e

discursiva que poderá contribuir para a construção de estratégias interpretativas do

TILSP em atuação nesse campo.

Considerando essa necessidade de formação de TILSP para atuação nessa

esfera a nossa proposta não pretende esgotar possibilidades de encaminhamentos

de formação e atuação de TILSP nesse contexto, mas ansiamos que a proposta

aqui realizada possa instaurar discursividade, no sentido foucaultiano do termo, e

propiciar, incitar e incentivar novos olhares, pesquisas e descrições da atuação do

TILSP nessa e em outras esferas de produção do discurso.

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6.1. Competência referencial: a presença do TILSP na equipe editorial

Aubert (1994) apresenta algumas competências necessárias que um

tradutor/intérprete deve desenvolver para atuar profissionalmente, dentre elas

encontra-se a competência referencial, pontuada neste trabalho como um fator de

extrema relevância para o desempenho tradutório/interpretativo. Partindo das

considerações deste autor e das descrições aqui realizadas a partir do corpus,

consideramos importante para atuação do TILSP na esfera televisiva, gênero

jornalístico, que a interpretação da produção audiovisual não seja realizada com

base em um acesso prévio ao material que será exibido apenas minutos antes da

gravação, o TILSP deverá compor a equipe editorial e de jornalismo da produção

que deverá ser interpretada.

Com a participação efetiva e diária do TILSP na equipe editorial da produção

telejornalística a construção da competência referencial ocorrerá a partir da

materialidade discursiva construída na organização da pauta do programa ou

telejornal. A pauta de uma reportagem é apontada por Rossi (2005) como um

condutor fio que delimita o que será levado ao ar, e funciona em duas direções:

orienta repórteres para o que devem fazer no seu dia-a-dia e informa chefias,

diretores e/ou proprietários das diversas publicações sobre quase tudo aquilo que

está sendo trabalhado pela redação. O acesso a esse fio condutor das reportagens

e do concretismo organizacional da produção telejornalística possibilitará ao TILSP

mapear, rastrear e planejar a sua produção linguística na libras visando construir um

discurso nesta língua que transmita o projeto discursivo do telejornal enunciado

pelos seus apresentadores.

Esse aspecto é de extrema relevância, também, pelos diferentes tipos de

textos produzidos na esfera jornalística televisiva. Nessa esfera há uma maior

recorrência na produção de textos falados, lidos, do que de textos orais,

espontâneos.

A maioria das narrações é feita a partir de textos lidos/ou decorados (offs, passagens, narrações de apresentadores, etc.), e mesmo que o repórter se comunique com naturalidade, seu padrão de emissão é diferente do utilizado no dia-a-dia. Na verdade, por mais natural que o profissional pareça, o que ocorre no vídeo é a recriação, imitação, da fala espontânea, num processo semelhante ao dos atores que,

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depois de estudarem e decorarem suas falas, dizem-nas como se fossem improvisadas. (COTES, 2003, p. 71).

No Manual de Telejornalismo (1998) organizado pela Central Globo de

Jornalismo consta que o texto televisivo que é para ser ouvido é, também,

naturalmente, para ser lido em voz alta pelo próprio narrador. Os textos são lidos

pelo repórter âncora a partir de um aparelho que fica a sua frente, o teleprompter,

também conhecido como TP. Nesse aparelho o texto que foi previamente

organizado na reunião de pauta entre editores, repórteres, jornalistas, produtores é

exibido para que o repórter âncora, sentado, ou em pé, a depender do estilo do

telejornal, possa ler essas informações. Dificilmente há uma variação ou alteração

do texto que esta exibido no TP.

O TILSP, quando membro da equipe telejornalística, terá acesso a esse

mesmo texto que será lido pelo âncora no TP e saberá exatamente o conteúdo que

deverá ser interpretado. Com essa participação na equipe telejornalística e acesso

prévio ao texto que deverá ser falado pelo âncora, o TILSP poderá realizar

pesquisas de possíveis terminologias e/ou expressões que não estão “disponíveis”

no seu background linguístico e cultural.

A participação do TILSP nas reuniões de pauta e na equipe editorial também

possibilita a esse profissional mapear os componentes verbo-visuais que serão

utilizados na edição final da produção audiovisual a ser interpretada, conforme

pontuamos na análise do corpus. No entanto, a recorrência entre textos falados e

orais, bem como a inserção dos elementos verbo-visuais, dependerá, dentre outros

fatores, das características estilísticas do telejornal.

6.2. Variação estilística e os processos interpretativos

Uma das especificidades do telejornalismo é a variação de estilo. Cada

produção possui características específicas de como transmitir a notícia ao

telespectador e essa variação é determinada não apenas pela mudança de emissora

ou rede concessionária responsável pela produção, mas também pelo horário que é

exibido, pelo público que deverá ser alcançado em determinado horário e pelas

temáticas abordadas durante as reportagens. Segundo Rossi (2005), toda prática

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jornalística é orientada por uma norma de estilo que impõe, do ponto de vista da

chegada da notícia, seis perguntas básicas: quem, quando, onde, como, porque, o

quê. Essas perguntas orientam a produção da notícia com olhar no telespectador

e/ou leitor, buscando construir uma ponte entre aquele que transmite a notícia e

aquele que a recebe.

Para compreendermos a variação estilística do telejornalismo e sua

importância para a atuação do TILSP nesse gênero do discurso convocaremos o

conceito de estilo presente no pensamento bakhtiniano. Este conceito que, assim

como tantos outros, é definido não apenas em uma obra, mas no conjunto de textos

de todo o Círculo de Bakhtin (BRAIT, 2004) nos norteará para entender os diferentes

estilos telejornalísticos que determinam o uso da linguagem e, por consequência, a

compreensão do telespectador. Brait (2003) diz que em Bakhtin, o conceito de estilo

está relacionado com um enfoque específico sobre o discurso, os textos, as formas

linguísticas, enunciativas e discursivas que, reiteradas, modificadas, retomadas

apontam para um estilo genérico, isto é, aspectos que caracterizam um determinado

conjunto de textos produzidos que dão forma a um gênero ou até mesmo uma época

ou um enunciador.

Na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem, Bakhtin/Volochínov (2009)

afirma que “[...] a situação e os participantes mais imediatos determinam a forma e o

estilo ocasionais da enunciação” (p. 118). Partimos do pressuposto de que uma

produção telejornalística constitui-se em um enunciado concreto, isto é, uma

realização na vida que pressupõe sujeito/esfera/tempo/espaço de produção

discursiva. Todo telejornal tem por objetivo transmitir informação para um

telespectador que busca encontrar essa informação. Quando um sujeito se

posiciona diante da televisão com o objetivo de saber dos acontecimentos locais,

regionais e internacionais ele pressupõe que encontrará aquilo que busca.

O telejornal, ao entrar no ar, geralmente fala para o homem que chegou do

trabalho, para a dona-de-casa aterafada com panelas, com a mesa e com as

crianças. Essas pessoas querem se informar (MANUAL DE TELEJORNALISMO,

1988). Há aqueles que assistem o telejornal logo pela manhã, quando acordam,

outros no horário do almoço, outros quando chegam em casa no início da noite e

outros ainda antes de dormir. Cada momento do dia determina diferentes aspectos

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tanto de busca por parte do telespectador, quanto do estilo por parte da produção

telejornalística.

A construção estilística de cada telejornal é condicionada a partir da situação

concreta de exibição e do projeto discursivo que visa a interação com o

telespectador. Bakhtin (2010) diz que:

O estilo é indissociável de determinadas unidades temáticas e – o que é de especial importância – de determinadas unidades composicionais: de determinados tipo de construção do conjunto, de tipos do seu acabamento, de tipos de relação do falante com outros participantes da comunicação discursiva – com os ouvintes, os leitores, os parceiros, o discurso do outro, etc. O estilo integra a unidade do gênero do enunciado como seu elemento (p. 266).

O gênero jornalístico televisivo é constituído dessas características

composicionais e que são comuns nas diferentes produções. O conjunto deste

gênero é formado por elementos estruturais, temáticos e estilísticos que o

denunciam como um gênero que tem por objetivo transmitir informação. Porém, é

possível encontrar traços de especificidades que diferenciam essas produções e

revelam diferentes estilos de fazer e transmitir notícia.

Tomemos como objeto de análise e compreensão das diferenças estilísticas

do telejornalismo as produções realizadas pela Rede Globo de televisão,

especificamente as chamadas de conexão com repórteres que estão como

correspondentes em outros países, ou até mesmo em uma reportagem fora do

estúdio e as chamadas para as reportagens, conhecidas como lead (ROSSI, 2006).

No primeiro jornal do dia, Bom Dia Brasil, (figura 19) o jornalista âncora

encontra-se sentado em uma poltrona e entra em contato com o repórter

correspondente por meio de uma televisão. A organização composicional do cenário

e o posicionamento do jornalista em estúdio apontam para a transmissão de um

jornalismo informal, de uma interação mais relacional com o telespectador, de

saudação, de “sala de estar”, de um contexto familiar por ser esse o primeiro

telejornal do dia.

Diferente do que acontece com o telejornal que é exibido no horário do

almoço, Jornal Hoje (figura 19), em que os âncoras estão posicionados atrás de uma

bancada e a televisão, outrora posicionada em frente a poltrona do primeiro

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telejornal do dia, encontra-se, neste momento, atrás dos apresentadores. No

entanto, nas duas produções telejornalísticas há um traço de informalidade durante

a transmissão da notícia marcada pelo uso de gestos menos rígidos e maior uso de

expressividade facial e variação vocal (KYRILLOS, COTES, FEIJÓ, 2003),

denunciando uma proximidade com o telespectador, mesmo que no segundo

telejornal a bancada marque um distanciamento entre aquele que apresenta daquele

que assiste, a interação entre os apresentadores parecer ser um aspecto que

quebra a necessidade dessa formalidade.

Figura (19)

Os apresentadores interagem durante a chamada da reportagem e

conversam entre si sobre a temática daquilo que será exibido realizando

comentários sobre a notícia. O sorriso durante os comentários, os gestos faciais e

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manuais, o ar “simpático” ao falar da notícia e a interação entre os âncoras mostra

que, neste caso, o texto varia entre o oral, espontâneo, e o falado, lido.

Cotes (2003) pontua que a gestualidade é um aspecto de extrema relevância

para a transmissão da notícia, tanto no que tange a credibilidade quanto a precisão

dessa transmissão. A autora afirma que é na comunicação não verbal que encontra-

se grande parte da expressividade discursiva de um comunicador. Voz e corpo,

encarados como elementos não verbais da comunicação, marcam um jornalismo

sério e comprometido com a informação e com o telespectador. Ampliando essa

concepção, afirmamos que nessa relação é possível mapear, também, o estilo

jornalístico de fazer notícia.

Para Cotes (2003) o uso de elementos não verbais, isto é, os gestos

corporais, devem estar adequados para o contexto e para o conteúdo da

mensagem, no pensamento bakhtiniano encontramos pistas de que esses aspectos

fundem-se no enunciado como um todo e tornam-se constitutivos da enunciação do

jornalista, pois “[...] esses elementos extralinguísticos (dialógicos) penetram o

enunciado também por dentro” (BAKHTIN, 2010, p. 313).

Se no Jornal Hoje a interação entre os âncoras parece ser um fator que

contribui para o apontamento de uma informalidade na transmissão da notícia, no

Jornal Nacional, produção exibida durante o horário considerado “nobre”, a interação

entre os apresentadores parece não existir. A ausência dessa interação revela um

formalismo e distanciamento daquele que está do outro lado da tela, o telespectador,

e a bancada que marca fisicamente essa distância parece ganhar essa dimensão ao

ser focalizada por inteiro antes do início das transmissões da notícia. Formalidade

que não aparece no Fantástico, outra produção audiovisual que mistura jornalismo e

entretenimento, que possui características de uma revista eletrônica informativa e

que, no primeiro dia da semana, informa aos telespectadores um apanhado do que

aconteceu durante a semana anterior, estabelecendo uma interação direta com

aquele que está do outro lado da tela por meio de fóruns, do envio de vídeos

baseados em acontecimentos reais, etc. (figura 20).

Esses aspectos pontuados que marcam diferentes estilos de transmitir notícia

entre estes dois jornais são de extrema relevância para a atuação do TILSP,

principalmente no que tange às escolhas linguísticas para marcação enunciativa

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durante a interpretação. O uso e o não uso de gestos corporais, o posicionamento

do corpo, a interação entre os apresentadores devem ser incorporadas na

interpretação da libras para a transmissão dos sentidos produzidos por meio da

totalidade discursiva marcada pelos elementos linguísticos e extralinguísticos

durante a enunciação dos jornalistas e essa totalidade aparecerá na libras por meio

das marcas linguístico-enunciativas.

Figura (20)

No Jornal Hoje há momentos em que os âncoras conversam entre si, como

podemos notar foto (19), assim como no Fantástico em que a interação entre os

apresentadores é mais recorrente do que nos outros telejornais apontados,

marcando um “parede” entre eles e os telespectadores. Essa interação entre os dois

apresentadores e a marcação de uma quebra de olhar para a câmera podem

aparecer na interpretação da libras a partir do recurso de tridimensionalidade

mapeado na análise do corpus. A marcação dos sujeitos do discurso na construção

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enunciativa nos diferentes polos espaciais durante a sinalização transmitirá ao

telespectador surdo o sentido dessa interação que é característica do estilo destes

telejornais.

As variações estilísticas marcadas predominante pela interação entre os

enunciadores e as marcas gestuais corporais e vocais presente nos tipos de textos

produzidos nesse gênero, bem como as formas composicionais dos telejornais

apresentados que mostram quais temas serão abordados na transmissão da notícia,

devem ser incorporados pelo TILSP durante o processo interpretativo. No entanto,

enfatizamos que o mapeamento dessas características estilísticas não são

perceptíveis apenas em uma edição do telejornal a ser interpretado, mas são

marcas de um estilo específico que podem ser identificadas no conjunto das

produções, por esse motivo voltamos a pontuar que a participação do TILSP na

equipe editorial poderá contribuir para o mapeamento das características estilísticas

do telejornal a ser interpretado e para a construção de estratégias de incorporação

desses elementos de estilo na enunciação em libras.

6.3. Verbo-visualidade do gênero jornalístico televisivo para a construção de

estratégias interpretativas

No Manual de Telejornalismo (1988) utilizado neste capítulo como norteador

de leitura das características composicionais da produção jornalística no contexto da

televisão, lemos:

Respeitar a palavra é muito importante no texto de televisão. Imprescindível, no entanto, é não esquecer que a palavra está casada com a imagem. O papel da palavra é enriquecer a informação visual. Quem achar que a palavra pode competir com a imagem está completamente perdido. Ou o texto tem a ver com o que está sendo mostrado ou o texto trai a sua função (p. 11).

O gênero jornalístico televisivo possibilita o uso e abuso de recursos verbo-

viuais, visto que a televisão é composta pela sintonia texto e imagem em que um

afeta o outro por inteiro. Há imagens que falam por si e textos que (tentam) traduzir

detalhes que só podem ser percebidos na imagem, ao mesmo tempo em que, por

recorrentes momentos, essas duas dimensões fundem-se num todo indissolúvel e

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instauram os sentidos do projeto discursivo a ser transmitido durante a apresentação

do telejornal.

Na citação acima, notamos que a imagem é concebida como fator de extrema

importância para esta esfera e que, em grande parte, torna-se mais importante que a

própria linguagem verbal. Ela, a imagem, é vista, a partir desta citação e de uma

perspectiva enunciativo-discursiva, também, como um enunciado concreto. Ela pode

instaurar sentido por si só e afetar o telespectador sem mesmo um texto verbal ser

atrelado a ela.

No entanto, chamamos atenção para a variação do uso isolado da imagem

nesse gênero do discurso, especificamente nesta esfera em análise, pois a imagem,

em grande parte dos casos, ganha sentido com uma narração ou mesmo com um

texto verbal escrito a ela somado. Conforme foi pontuado na descrição e análise do

corpus, a inserção de elementos verbo-visuais constitui uma marca deste gênero e

são, indiscutivelmente, construtores de sentido durante a transmissão da notícia.

Em jornalismo de televisão ninguém duvida: a imagem é mais forte do que a palavra. Toda a vez que num telejornal as falas estão em desacordo com as imagens, produz-se uma espécie de descarrilamento da comunicação: o trem das palavras vai para um lado e o trilho da imagem, para outro. [...] Texto e imagem no telejornalismo devem estar juntos, inseparáveis como os olhos e os ouvidos de uma pessoa. (MANUAL DE TELEJORNALISMO, 1988, p. 71).

E essa relação, imagem e palavra, também pode contribuir para a construção

de estratégias interpretativas do português para a libras nesta e em outras esferas.

Se no Programa Sentidos observamos que a inserção dos elementos verbo-visuais

modificou a construção léxico-sintática da interpretação em libras, em outros tipos de

telejornalismo eles podem incorporar a enunciação em sua totalidade.

Partindo do corpus desta pesquisa como ponto inicial para a compreensão

desses elementos nos processos interpretativos, recuperemos uma notícia de

importante significado histórico que ganhou proporções internacionais pela força

física e ideológica do seu acontecimento e que foi exibida em todos os telejornais do

Brasil e do mundo: o atentado terrorista contra o World Trade Center no dia onze de

setembro de 2011. Utilizaremos aqui para sugerir possibilidades de

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encaminhamento de incorporação do todo verbo-visual da reportagem na

enunciação em libras a transmissão realizada pelo Jornal Nacional, produção

telejornalística produzida e exibida pela Rede Globo de Televisão, no dia do

acontecimento.

O projeto verbo visual para a transmissão do maior atentado terrorista da

história, conforme sinaliza o próprio texto do telejornal, inicia ainda antes da

transmissão da matéria gravada no local do atentado quando a apresentadora,

enquadrada mais a esquerda do vídeo, deixa um espaço à direita para a inserção da

imagem de um mapa dos Estados Unidos, com um rastro amarelado parecendo de

um fogo, com o desenho de uma das torres do World Trade Center em chamas,

marcada pelo desenho de um alvo ao centro do mapa (Figura 21). Essa imagem

acompanhou todo o texto da cabeça da reportagem narrada pela jornalista e

introduziu ao telespectador o que seria noticiado sobre aquele dia histórico para toda

a humanidade:

Boa noite. Eram oito horas e quarenta e cinco minutos da

manhã em Nova York, nove e quarenta em cindo em

Brasília, um avião americano de passageiros batia em

cheio numa das torres do World Trade Center. Um

acidente tão inimaginável que imediatamente chamou a

atenção de todo o planeta, mas não era acidente. Para a

perplexidade do mundo inteiro foram-se registrando

acontecimentos que nenhum roteirista de Hollywood

imaginou e era tudo real, estava começando o maior

atentado terrorista de todos os tempos.

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Figura (21)

Figura (22)

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Realizada a introdução da matéria sobre o atentado, inicia-se a exibição da

cobertura do acontecimento com imagens das torres em chamas e com a narrativa

em off do repórter responsável pela cobertura. A descrição do choque dos aviões

com as torres acontece durante a primeira imagem que é sucedida pela captação da

mesma cena de outros ângulos (figura 22). Nesse caso, o acontecimento, marcado

jornalisticamente pela soma do texto verbal, ganha dimensão de sentido quando,

sem o texto, passa a mostrar ao telespectador, de diferentes perspectivas, o mesmo

momento do choque do avião nas torres.

Perguntamos: como, então, a interpretação dessa reportagem ocorreria e

como o TILSP poderia trazer para a libras o sentido transmitido pela arquitetônica

verbo-visual construída na transmissão dessa notícia? Um dos aspectos que

possibilitaria construir uma interpretação que abarcasse o projeto discursivo

instaurado pela totalidade verbo-visual seria o uso de uma sinalização

policomponencial, isto é, com a incorporação de classificadores baseados no

posicionamento das torres a partir do ângulo inicial captado pela câmera. A

marcação das torres em um dos polos espaciais (direita, esquerda ou frente) e o uso

do léxico AVIÃO tomando como início de produção do sinal o mesmo ponto que o

próprio avião se desloca na imagem em direção à torre, daria conta da transmissão

do texto verbalizado pelo repórter. Possibilidade que se constituiria em uma

compressão (LAWRENCE, 2007) do texto fonte e teria uma realização e organização

mais visual, constitutiva da própria enunciação em língua de sinais.

Outro recurso que poderia ser utilizado seria o apontamento para a imagem

transmitida. No entanto, o estilo jornalístico desta produção audiovisual não

abarcaria a possibilidade de realização dessa marca enunciativa tal como é

realizado no Programa Sentidos. O posicionamento com o olhar direcionado a todo o

momento para a câmera é uma característica dos jornalistas do Jornal Nacional e

deve se manter na sinalização, visto que esta é uma das marcas estilísticas que

denunciam o formalismo na transmissão da notícia e um distanciamento do

telespectador.

A nossa proposta de encaminhamento teórico-metodológica foi dividida em

três subtópicos, mas se completam em uma relação covariante, uma depende da

outra para a sua realização. O TILSP só poderá mapear as características

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estilísticas da produção telejornalística a ser interpretada e os elementos verbo-

visuais que compõe a estrutura composicional do telejornal se participar

efetivamente da equipe editorial para a organização da pauta e a construção do

texto. No entanto, salientamos que sua participação na equipe editorial tem por

objetivo a observação, o mapeamento e a análise dos textos verbais, visuais e

verbo-visuais adotados para a transmissão da notícia para, a partir de então, pensar

e planejar estratégias tradutórias/interpretativas de incorporação dessas dimensões

linguísticas, enunciativas e discursivas na interpretação da libras. Logo, sua inserção

como membro da equipe de jornalistas consiste em, além de realizar as ações

supracitadas, colaborar com a equipe telejornalística para criar mecanismos e adotar

recursos que propiciem acessibilidade para surdos usuários de libras.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Toda pesquisa só tem começo depois do fim. Dizendo melhor, é impossível saber quando

e onde começa um processo de reflexão. Porém, uma vez terminado, é possível

ressignificar o que veio antes e tentar ver indícios no que ainda não era e que passou a ser.

Marília Amorim

A formação acadêmica de tradutores intérpretes de libras/português no Brasil

é recente e está em desenvolvimento e expansão. Atualmente, percebe-se uma

grande demanda de atuação desses profissionais na esfera educacional que é

impulsionada pelas políticas de educação inclusiva e que tem colocado crianças

surdas para estudarem em salas de aulas regulares necessitando, portanto, de

profissionais TILSP preparados para lidar com as forças coercitivas dessa esfera.

Com essa crescente demanda, aumenta-se a necessidade de formação e

pesquisa para essa prática, nesse determinado contexto. No entanto, salientamos a

necessidade e importância de refletir sobre a inserção social do surdo, e

consequentemente do TILSP, também em outras esferas da sociedade, haja vista a

visibilidade que esse sujeito e sua língua têm ganhado nos últimos anos e o direito

garantido pela legislação de exercer cidadania por meio de sua língua. A esfera

televisiva é um espaço em potencial de visibilidade e de exercício dessa cidadania

para o sujeito surdo, bem como para a atuação de profissionais TILSP. Em busca de

analisar como ocorrem os processos de interpretação da língua brasileira de sinais

nesta esfera, adotamos como objeto de análise uma produção telejornalística

disponibilizada virtualmente: o Programa Sentidos.

Durante a dissertação discutimos como a formação do TILSP tem caminhado

na direção de uma descrição e formalização de práticas já existentes com o objetivo

de oferecer para os novos profissionais caminhos metodológicos e teórico-práticos

de atuação que, também, podem proporcionar para a comunidade surda brasileira

um serviço de interpretação de língua de sinais que busque transmitir os sentidos

construídos no discurso enunciado em língua fonte.

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Discutimos as questões semânticas que cercam e preenchem os termos

tradução e interpretação e suas aplicações práticas na execução das atividades

tradutórias e interpretativas e descobrimos, desvelando o tecido etimológico, que o

ato interpretativo possui, constitutivamente, um exercício tradutório, visto que todo

movimento de mobilização de um discurso por meio de outro discurso constitui-se,

por excelência, em uma tradução, isto é, em conduzir um “corpo” de um lugar a

outro dando a ele uma nova “veste”.

Pegando o gancho instituído pelos significados etimológicos desvelados a

partir da leitura do que é teórico e prático da tradução e interpretação e dos

possíveis sentidos negociados nessa atividade interlinguística, invocamos os

conceitos de enunciação, enunciado concreto, gênero do discurso, texto, discurso e

autoria oriundos do legado teórico deixado pelo Círculo de Bakhtin e os utilizamos

como óculos de leitura do corpus. Concebendo a interpretação da língua de sinais

como um ato enunciativo-discursivo de natureza verbo-visual que envolve a

arquitetônica constitutiva de toda enunciação, sujeito/discurso/texto/espaço/tempo,

propusemos uma leitura da prática de interpretação da língua de sinais a partir da

perspectiva dialógica.

Precedendo a descrição e a análise do corpus, observamos diferentes

produções televisivas para mapear como é realizada a inserção do TILSP enquanto

agente de acessibilidade nesta esfera e desvelamos diferentes marcas da

acessibilidade (ou da ausência dela) nessas produções. Existe uma norma instituída

para a inserção do TILSP na esfera televisiva, mas, por meio da observação e

análise dessas diferentes produções, percebemos que muitos caminhos ainda

precisam ser percorridos para que o surdo realmente seja considerado um

telespectador em potencial para assistir e multiplicar as informações transmitidas

pela televisão.

Adentrando na especificidade do corpus descrevemos como acontece o

processo de construção da interpretação no Programa Sentidos e, a partir de então,

já iniciamos uma imersão na totalidade desta produção apontando alguns caminhos

para a análise e, de certa forma, denunciando hipóteses que encontraríamos na

leitura da materialidade presente no corpus.

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A leitura do corpus se deu por meio de um movimento exotópico e de

alteridade, encarando o TILSP como um outro, mesmo sendo ele o mesmo sujeito

empírico que também o olhava para a descrição e análise, vivenciamos um embate

discursivo, um enfrentamento daquilo que pensaríamos encontrar com aquilo que

realmente encontramos. O fato de o sujeito empírico ser o mesmo nos dois

diferentes polos cronotópicos, como TILSP no corpus e como pesquisador na

extraposição, não impediu que o olhar fosse direcionado para a materialidade

linguística, enunciativa e discursiva, mesmo sendo, em alguns momentos,

desconfortável encarar-nos enquanto o sujeito que também apresentou possíveis

“erros” de tradução, se assim podemos chamar, ou incoerência na construção visual

da língua de sinais. No entanto, esse enfrentamento e desconfortabilidade por estar

localizado em dois diferentes lugares nos proporcionou uma experiência

enriquecedora do ponto de vista cientifico, pois entendemos que, no dizer de Marília

Amorim (2004), “[...] o outro se torna estrangeiro pelo simples fato de eu pretender

estudá-lo” (p. 31).

As perguntas de pesquisa levantadas nos direcionaram para buscar, a partir

da materialidade linguístico-enunciativa, marcas de interferência da totalidade verbo-

visual presente no Programa Sentidos e constitutivas desse gênero do discurso, na

esfera escolhida para a análise, na interpretação da libras. Durante a transcrição,

descrição e análise dessa materialidade descobrimos que nesse gênero discursivo,

especificamente nesta produção analisada, os elementos verbo-visuais não só

interferem na construção linguístico-enunciativo da libras, mas instituem produção

de sentidos para o interlocutor surdo que está, empírica e discursivamente,

localizado do outro lado da câmera.

A totalidade das imagens da reportagem foi um fator emergente durante a

transcrição e análise para a construção linguística da enunciação em língua de

sinais. A modificação das marcas linguísticas da libras, como direção do olhar e do

corpo, nos mostrou o quanto as imagens são decisivas para a negociação de

sentidos discursivos provenientes dessa esfera no momento da interpretação. A

incorporação das formas e delineios das imagens durante a sinalização do TILSP

nos mostraram que a totalidade verbo-visual, constituinte dessa esfera, não só

interfere na interpretação da língua de sinais, mas também colabora para que o

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TILSP realize estratégias interpretativas objetivando a transmissão dos sentidos

instaurados pelo projeto discursivo dos enunciadores desse gênero. Projeto este que

não é transmitido apenas pela exibição da produção, mas é elaborado, construído e

instaurado no encontro das diferentes vozes que compõem a equipe editorial e de

edição do telejornal do início das discussões das pautas até a exibição pública.

Tomando como ponto de partida a análise do corpus e os sentidos

desvelados durante a interpretação da língua de sinais nessa esfera, neste gênero,

propusemos uma possibilidade de encaminhamento teórico-metodológico para a

atuação do TILSP na esfera televisiva, gênero jornalístico. A partir do conceito de

estilo proveniente do pensamento bakhtiniano, analisamos as diferenças estilísticas

de telejornais e sugerimos possibilidades de estratégias interpretativas para a

atuação do TILSP no gênero jornalístico.

No entanto, esta proposta marcada pelo encontro da descrição da

materialidade desvelada durante a análise e da nossa experiência enquanto TILSP

nesse campo, não tem por objetivo esgotar as discussões e possibilidades de

propostas para atuação nessa esfera e gênero, mas esperamos contribuir para a

formação de TILSP para atuação nesse campo em expansão e em potencial.

O que percebemos atualmente é que as esferas de atuação para o TILSP

estão sendo constituídas independentes do preparo destes profissionais para lidar

com as coerções circulantes nelas. Os surdos estão sendo incluídos e pessoas que

sabem língua de sinais, muitas vezes pessoas que não são profissionais da área e

que tem, apenas, um conhecimento raso desta língua, estão sendo contratadas para

atuar junto aos surdos, sem preparo, sem conhecimento linguístico e dos aspectos

tradutórios e interpretativos. Porém, diferente de outras esferas, a televisão ainda

está em processo de adequação às normas de acessibilidade e legislação e a

inserção de profissionais TILSP para atuar vem na contramão das outras esferas, ou

seja, é possível formar tradutores intérpretes de libras/português para que quando

esse campo estiver consolidado, haja profissionais qualificados e preparados para

atuar nele.

Essa pesquisa surgiu da inquietação oriunda da nossa atuação prática

enquanto TILSP nessa esfera, no gênero jornalístico, e que nos motivou a sair do

empirismo para descrever o processo de interpretação da língua de sinais.

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Consideramos que as perguntas levantadas foram respondidas a partir da análise do

corpus e os objetivos foram alcançados: descrever e analisar a interpretação da

língua de sinais na esfera televisiva, gênero jornalístico. Porém, durante esse

processo de descrição, descobrimos muito mais do que uma materialidade

linguística, enunciativa e discursiva que apontassem caminhos de formação e

atuação do TILSP nessa esfera. Descobrimos que interpretar libras/português

significa transitar na zona de conflito da mediação discursiva e subjetiva de sujeitos

que se expressam por línguas tão distintas. Significa construir pontes dialógicas

entre sujeitos singulares, descontruir e reconstruir enunciados, produzir sentidos e

aproximar olhares e culturas. Descobrimos que ser intérprete é ser mediador de

mundos.

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ROCHA, R. B. S. S. A escrita argumentativa: diálogos com um livro didático de português. [Dissertação de Mestrado]. São Paulo: PUC-SP, 2010. ROSSI, C. O que é jornalismo. São Paulo: Brasiliense, 2006. RUSSO, A. Intérprete de Língua Brasileira de Sinais: uma posição discursiva em construção. [Dissertação de Mestrado]. Porto Alegre: UFRGS, 2010. SACKS, O. Vendo Vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. SANTOS, S. A. Tradução e interpretação de língua de sinais: deslocamentos nos processos de formação. In: Cadernos de Tradução. Florianópolis: UFSC/PGET, 2010. SEGALA, R. R. Tradução Intermodal e Intersemiótica/interlingual: Português Brasileiro escrito para Língua Brasileira de Sinais. [Dissertação de Mestrado]. Florianópolis: UFSC/CCE, 2010. SILVA, C. A. A. Entre a deficiência e a cultura: análise etnográfica de atividades missionárias com surdos. [Tese de Doutorado]. São Paulo: USP/FFLCH/Departamento de Antropologia, 2010. SILVA, A. M.; NOGUEIRA, T. C. Um estudo sobre o processo de tradução de um texto em língua de sinais escrita para a língua portuguesa: desafios e estratégias. Resumo expandido do II Congresso Brasileiro de Tradução e Interpretação de Língua de Sinais. UFSC, 2010. SILVA, F. I. Analisando o processo de leitura de uma possível escrita de Língua Brasileira de Sinais: SignWriting. [Dissertação de Mestrado]. Florianópolis: UFSC, 2009. SOUZA, S. X. Traduzibilidade poética na interface Libras – Português: aspectos linguísticos e tradutórios com base em “Bandeira Brasileira” de Pimenta (1999). In: QUADROS, R. M; STUMPF, M. Estudos Surdos IV. Petrópolis: Editora Arara Azul, 2008. ___________. Percepção da Mensagem de Notícias do Telejornal Local de TV Aberta “Jornal do 10” por Sujeitos Surdos. Revista Virtual de Cultura Surda e Diversidade. Rio de Janeiro: Editora Arara Azul, 2006. SOUZA, G. T. Introdução à teoria do enunciado concreto do círculo Bakhtin/Volochinov/Medvedev. São Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2002. SOBRAL, A.; BENEDETTI, I. C. Conversas com Tradutores: Balanços e Perspectivas da Tradução. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

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_________. Dizer o ‘mesmo’ a outros. Ensaios sobre tradução. São Paulo: SBS, 2008. _________. Estética da Criação Verbal. In: BRAIT, B. Bakhtin dialogismo e polifonia. São Paulo: Contexto, 2009. SKLIAR, C. (org.). Educação e Exclusão – Abordagens Sócio-Antropológicas em Educação Especial. Porto Alegre. Editora Mediação, 1997. ____________ Um Olhar Sobre o Nosso Olhar Acerca da Surdez e as Diferenças In: SKLIAR, C., Um Olhar Sobre as Diferenças, Porto Alegre, Editora Mediação, 1998. STUMPF, M. R. Escrita de Sinais I. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Centro de Comunicação e Expressão – CCE, 2008. TORRES, E. F.; MAZZONI, A. A. O direito de acesso à televisão nos meios televisivos: onde está a inclusão? Brasília: Inclusão Social. 2007. ____________; ____________; MELLO, A. G. Nem toda pessoa cega lê em Braille e toda pessoa surda se comunica em língua de sinais. In: Educação e Pesquisa (USP), São Paulo, USP, 2007. QUADROS, R. M. O Tradutor Intérprete de Língua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEESP, 2007. ______________; Efeitos de modalidade de língua: as línguas de sinais. Educação Temática Digital, Campinas, v. 7, 2006. _____________. ; KARNOPP, L. B. Língua de Sinais Brasileira: Estudos Linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004. _____________ ; SOUZA, S. X. Aspectos da tradução/encenação na língua de sinais brasileira para um ambiente virtual de ensino: práticas tradutórias do curso de Letras Libras. In QUADROS, R. M; Estudos Surdos III. Petrópolis: Editora Arara Azul, 2008. _____________; STUMPF, M. Tradução e Interpretação da Língua Brasileira de Sinais: formação e Pesquisa. In: Cadernos de Tradução. Florianópolis: UFSC/PGET, 2010. _____________; SZEREMETA, J. F.; COSTA, E. FERRARO, M. L.; FURTADO, O.; SILVA, J. C. Exame Prolibras. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina, 2009. VASCONCELOS, M. L. Tradução e Interpretação de Língua de Sinais (TILS) na Pós-Graduação: a afiliação ao campo disciplinar “Estudos da Tradução”. In: Cadernos de Tradução. Florianópolis: UFSC/PGET, 2010.

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VOLOSHINOV, V. (BAJTIN, M. M.). La palabra en la vida y palabra en La poesia. Hacia una poética sociológica. In: BAJTIN, M. M. Hacia una filosofía del acto ético. De los borradores y otros escritos. Tradução Tatiana Bubnova. Rubí (Barcelona): Antropos; San Juan: Universidad de Puerto Rico, 1997 [1926].

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ANEXOS

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ANEXO I

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ESPELHO PROGRAMA SENTIDOS 354 ENTREGA VEICULAÇÃO 16/06/2011

2 blocos de 8’40” e 18’50” / 1 break de 1’30” 27’30”

NO AR ASSUNTO DURAÇÃO

VINHETA VINHETA DE ABERTURA 25”

ESTÚDIO ABERTURA DUDU BRAGA 20”

ESTÚDIO/OFF ESCALADA 30”

ESTÚDIO CABEÇA 20”

VT CABEÇA ALTERNATIVA - CURTA METRAGEM

NA PONTA DOS DEDOS

4’42”

ESTÚDIO CABEÇA 20”

VINHETA VINHETA APRENDA LIBRAS 7”

VT APRENDA LIBRAS – Redes Sociais 1’30”

ESTÚDIO CHAMADA 2º BLOCO 20”

VINHETA VINHETA DE PASSAGEM 5”

---BREAK 1-- ---------------BREAK 1--------------- 1’30”

VINHETA VINHETA DE PASSAGEM 5”

ESTÚDIO CABEÇA Contatos PGM Sentidos 20”

ESTÚDIO CABEÇA 20”

VT Matéria 2 – Museu Afro Brasil 6’00”

ESTÚDIO CABEÇA MINUTO AVAPE 20”

VINHETA VINHETA MINUTO AVAPE 6”

VT MINUTO AVAPE – CR SBC 2’30”

ESTÚDIO CABEÇA FALA SÉRIO 20”

VT Matéria 3 - FALA SÉRIO – Trânsito Seguro 7’30”

ESTÚDIO CABEÇA DE ENCERRAMENTO 20”

VINHETA VINHETA DE ENCERRAMENTO 1’00”

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ANEXO II

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DATA 09/06

RETRANCA PROGRAMA 354

PROGRAMA SENTIDOS

ROTEIRO Alessandra Nunes

TEMPO 11’27”

BLOCO

1

MAKING OFF ESTÚDIO

VT

SOBE SOM

DUDU ANDANDO ATÉ ENQUADRAR AO LADO DO LOGO SENTIDOS. ZOOM IN GC: DUDU BRAGA Apresentador ESCALADA OFF ALESSANDRA Insert’s das matérias VINHETA DE ABERTURA OFICIAL

VIVO OFF OFF OFF OFF VT

AÇÕES SOCIAIS E INCLUSÃO! COMEÇA AGORA O PROGRAMA SENTIDOS. CONFIRA O QUE A NOSSA EQUIPE PREPAROU PARA VOCÊ: SHANTALA, UMA MASSAGEM INDIANA MILENAR QUE PROPORCIONA RELAXAMENTO E AMPLIA O CONTATO DA FAMÍLIA COM O BEBÊ. SOBE SOM DIVERSÃO. LAZER E CULTURA EM ESPAÇOS COM ACESSIBILIDADE. SOBE SOM UNIDADE PROFISSIONALIZANTE DA AVAPE INCLUI PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA CIDADE DE TATUÍ, INTERIOR DE SÃO PAULO. SOBE SOM E NO QUADRO FALA SÉRIO, ACIDENTES DE TRÂNSITO SÃO UMA DAS PRINCIPAIS CAUSAS DE MORTE E SEQUELAS EM SÃO PAULO. TRABALHOS DE CONSCIENTIZAÇÃO LUTAM PARA REVERTER ESTE QUADRO. SOBE SOM

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DUDU BRAGA PLANO MÉDIO FUNDO BRANCO COM LISTRAS COLORIDAS

GC: Dudu Braga Apresentador MATÉRIA 1 SHANTALA CABEÇA EXTRA CURTA METRAGEM NA PONTA DOS DEDOS.

VIVO VT VIVO VT

MUITO MAIS DO QUE UMA TÉCNICA DE MASSAGEM INFANTIL, SHANTALA É UMA FORMA DE TRANSMITIR AMOR POR MEIO DO TOQUE SUTIL DAS MÃOS. UM MOMENTO EM QUE MÃES E FILHOS COM DEFICIÊNCIA FORTALECEM AINDA MAIS O VÍNCULO AFETIVO. TC IN: TC OUT: TT: NÓS RECEBEMOS DO JORNALISTA ALEXANDRE MELO, UM CURTA-METRAGEM FEITO COM MUITA SENSIBILIDADE, CHAMADO NA PONTA DOS DEDOS, ONDE CONTA A HISTÓRIA DO MÚSICO ARI. AGORA, NOSSO PROGRAMA ABRE ESPAÇO PARA ESSA BELA PRODUÇÃO INDEPENDENTE. TC IN: TC OUT: TT:

DUDU AO LADA DO PLASMA– PLANO MÉDIO E IMAGENS DO APRENDA LIBRAS – VINI NA TELA GC: Dudu Braga Apresentador VINHETA APRENDA LIBRAS VT APRENDA LIBRAS VINÍCIUS

VIVO VT VT

O MUNDO E AS PESSOAS ESTÃO CONECTADAS PELAS REDES SOCIAIS. EU TENHPO O MEU QUE É @DUDUBRAGA2, TEMOS O @TVSENTIDOS, PÁGINA DA AVAPE NO FACEBOOK E YOUTUBE. E A COMUNIDADE SURDA TAMBÉM SE BENEFICIA MUITO DESTA FORMA DE COMUNICAÇÃO. ENTÃO, VAMOS APRENDER COMO SÃO OS SINAS DE DIFERENTES REDES SOCIAIS. SOBE SOM TC IN: TC OUT: TT:

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NASCIMENTO Tema: REDES SOCIAIS

CAM – DUDU PARADO FUNDO MARRON E ANDA ATÉ PLASMA

GC: Dudu Braga Apresentador IMAGEM TATUÍ NA PLASMA

VIVO VIVO

NO PRÓXIMO BLOCO, DIVERSÃO. LAZER E CULTURA EM ESPAÇOS COM ACESSIBILIDADE. E MAIS, UNIDADE PROFISSIONALIZANTE DA AVAPE INCLUI PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NA CIDADE DE TATUÍ, INTERIOR DE SÃO PAULO. ATÉ JÁ.

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ANEXO III

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Rua Ministro Godói, 969 – Sala 63-C (Andar Térreo do E.R.B.M.) – Perdizes – São Paulo – SP – CEP: 05015-001 Tel/Fax: (11) 3670-8466 – e-mail: [email protected] – site: http://www.pucsp.br/cometica

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA DA PUC-SP

SEDE CAMPUS MONTE ALEGRE

Protocolo de Pesquisa nº 083/2011

Faculdade de Filosofia, Comunicação, Letras e Artes Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada: Estudo da Linguagem Orientador(a): Prof.(a). Dr.(a). Elisabeth Brait Autor(a): Marcus Vinícius Batista Nascimento

PARECER sobre o Protocolo de Pesquisa, em nível de Dissertação de Mestrado, intitulado Interpretação da Língua Brasileira de Sinais a partir do gênero jornalístico televisivo: elementos verbo-visuais na produção de sentidos

CONSIDERAÇÕES APROVADAS EM COLEGIADO

Em conformidade com os dispositivos da Resolução nº 196 de 10 de outubro de 1996 e

demais resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Ministério da Saúde (MS), em que os

critérios da relevância social, da relação custo/benefício e da autonomia dos sujeitos da pesquisa

pesquisados foram preenchidos.

O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido permite ao sujeito compreender o significado,

o alcance e os limites de sua participação nesta pesquisa.

A exposição do Projeto é clara e objetiva, feita de maneira concisa e fundamentada,

permitindo concluir que o trabalho tem uma linha metodológica bem definida, na base do qual será

possível retirar conclusões consistentes e, portanto, válidas.

No entendimento do CEP da PUC-SP, o Projeto em questão não apresenta qualquer risco ou

dano ao ser humano do ponto de vista ético.

CONCLUSÃO

Face ao parecer consubstanciado apensado ao Protocolo de Pesquisa, o Comitê de Ética em

Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP – Sede Campus Monte Alegre,

em Reunião Ordinária de 02/05/2011, APROVOU o Protocolo de Pesquisa nº 083/2011.

Cabe ao(s) pesquisador(es) elaborar e apresentar ao CEP da PUC-SP – Sede Campus

Monte Alegre, os relatórios parcial e final sobre a pesquisa, conforme disposto na Resolução nº 196

de 10 de outubro de 1996, inciso IX.2, alínea “c”, do Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Ministério

da Saúde (MS), bem como cumprir integralmente os comandos do referido texto legal e demais

resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Ministério da Saúde (MS).

São Paulo, 02 de maio de 2011.

_____________________________________________ Prof. Dr. Edgard de Assis Carvalho

Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa da PUC-SP