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56Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
“QUANDO A MÁSCARA E O ROSTO TROCAM DE LUGAR”: O FUTURO DISTÓPICO EM “V DE VINGANÇA”
Autor: Fernando Scaff Moura
Orientador: Clóvis Gruner
INTRODUÇÃO
Nomear esta monografia com a frase da música “Além da máscara”,
da banda Pouca Vogal, projeto paralelo de Humberto Gessinger e Duca
Leindecker, respectivamente integrantes das bandas Engenheiros
do Hawaii e Cidadão Quem, além de uma forma de homenagem a
estas queridas bandas gaúchas, é uma frase simples para explicar o
quadro maior do que significa o título da obra utilizada neste trabalho:
“V de Vingança”. Afinal, muito pouco do quadrinho1 tem a ver com
uma vingança propriamente dita, tudo pode girar em torno de V; o
personagem principal da obra cujo rosto e o nome jamais são revelados,
somente o codinome, V; e sua tentativa de castigar todos aqueles que
o fizeram sofrer nos campos de concentração. Contudo, sua vingança
se estende a uma justiça social, a castigar a sociedade corrupta e
fascista que se consolidou na Inglaterra após uma guerra nuclear que
aconteceu durante os anos 80.
A vingança que compõe o título da obra é a vingança de toda a
história contra o fascismo, é o golpe contra os governos desonestos,
as pessoas omissas os quais nada fazem, admirando a ruína de suas
vidas sentadas no sofá da sala. V mostra que basta um homem para
iniciar a mudança do mundo, mas é necessário o envolvimento de toda
sociedade para que ele se modifique de verdade. A Anarquia é possível.
Um mundo melhor é possível. A vingança de V é contra o mundo mau
que fez dele quem ele é, e não contra o líder do fascismo, ou do partido
como um todo, mas de tudo que fez possível eles tomarem o poder.
O nome da história em quadrinhos, em sua língua mãe, é “V for
Vendetta” e, no caso, Vendeta tem um significado um pouco mais nobre
que a vingança propriamente dita, é o espírito da vingança, o acerto
de contas. Uma revanche em nome da honra. A justiça entre famílias
quando a própria lei não consegue cumpri-la, para limpar o nome ou
deixar claro que uma injustiça não pode acontecer novamente. Para V,
a justiça não está ao seu lado na luta pela liberdade.
Neste ponto, vemos que a máscara e o rosto trocam de lugar. V
não é um rosto, afinal, a todo momento ele é mostrado de máscara,
as poucas pessoas que veem seu rosto, pouco tempo depois, estarão
mortas para não dizer a ninguém quem ele é ou como se parece. Nós
não sabemos quem ele é, nem mesmo Evey, garota que ele educa e
mora com ele sabe sua verdadeira identidade. A máscara tomou o
lugar do rosto, é ela que representa o homem, e ela tem um grande
significado.
Primeiro, ela é o rosto de Guy Fawkes, o revolucionário por trás da
tentativa de explodir o parlamento inglês na revolta da pólvora, em 5
de novembro de 1605. Segundo, V transforma seu rosto, sua máscara,
na ideologia por trás de seus feitos, ela e a letra V representam a
Liberdade sobre a Justiça, representam os diretos humanos, a
integridade, a revolução, a Anarquia.
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 57Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Com o tempo e com sua morte, a máscara tem que se manter viva,
porém, sem o homem ela nada vale. Como o Fantasma, história em
quadrinhos dos anos 40, desenvolvidos por Lee Falk e Ray Moore, onde
o “espírito que anda”, a Alma Imortal por trás do manto do fantasma
deveria se manter sempre alerta e vigilante por toda a eternidade
(explicarei mais tarde sobre esta lenda).
A história de V segue esse princípio, com sua morte2 o manto
e a máscara são assumidas voluntariamente por Evey, a inocente e
frágil menina que, treinada por V, se vê diante da responsabilidade e,
sem pestanejar, assume o manto, incitando a revolução e provando
que, de uma vez por todas, os ideais são a prova de balas, imortais.
Novamente, a máscara e o rosto, trocam de lugar.
A história em V de Vingança se passa em Londres no ano de 1997,
após uma guerra nuclear ter destruído quase todo o mundo, deixando
a Inglaterra livre, porém sofrendo pelas as catástrofes nucleares. V é
um personagem misterioso, sempre de manto e máscara3, nunca sendo
revelada sua identidade aos leitores ou aos personagens interessados.
V salva Evey, uma menina de 16 anos, de um assassinato e, assim,
começa a educá-la na cultura que se perdeu com o governo fascista
que se estabeleceu em Londres após a guerra.
V age sabotando Londres, explodindo símbolos e ícones do poder,
matando políticos e cidadãos corruptos que o fizeram sofrer no
passado. Contudo, sempre criando uma forma de, com isso, educar os
londrinos a pensarem por si só. V quer a revolução. Ele tem êxito em
todo seu plano, no fim, com sua morte, Evey assume o manto dando
sequência a suas ideias e fechando a história em quadrinhos.
Não podemos deixar de falar das histórias em quadrinhos
propriamente ditas nesta introdução, afinal, apesar delas estarem
presentes em nossa história a mais de um século, muito pouco se fala
sobre elas como uma fonte histórica, desta forma, vale a pena pensar
na resposta para a seguinte pergunta: Mas afinal, o que é uma história
em quadrinhos?
Se formos buscar o significado da palavra, poucos conseguiríamos
responder. Talvez o termo brasileiro seja a definição mais correta,
uma história contada a partir de quadradinhos, portanto, história
em quadrinhos. Contudo, em sua língua de origem, ela é chamada
de “comics” que significa cômico, o que não corresponde a todas as
histórias deste gênero. Na França, país representativo na produção
e consumo destas obras, ela é chamada de “bande dessinées”, ou
tiras desenhadas, no que podem se enquadrar as famosas tirinhas de
jornal, mas não as revistas em si. Na Itália as chamam de “fumetti”,
ou fumacinha, por causa dos balões com as falas dos personagens.
Durante muito tempo chamamos as HQs (Histórias em Quadrinhos)
de gibis, que significava moleque, isso há muito tempo no Brasil e
Portugal. Até hoje esse apelido carinhoso define as revistas da turma
da Mônica, criada por Mauricio de Sousa, e é usada para definir
quadrinhos infantis, mas não os quadrinhos de heróis. Em Portugal,
se chama “Banda Desenhada”, similar à França, ou “História aos
quadrinhos”, que é uma definição meio estranha. No Japão é comum e
muito popular o Mangá, contudo, o estilo de desenho, forma de leitura
e enredos são bem diferentes dos quadrinhos ocidentais.
Mesmo com tantos nomes em tantos lugares, pouco podemos
saber das histórias em quadrinhos pelo ponto de vista da História
como disciplina, mas estão presentes em muitos trabalhos das
demais ciências humanas, como a Antropologia e a Sociologia, ou
mesmo no seu próprio meio, as Artes. Assim, para responder tal
58Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
pergunta, pedimos auxílio para Will Eisner, o grande mestre por trás
dos quadrinhos, criador do herói “Spirit” entre outras grandes obras
de arte das histórias em quadrinhos. Ele define os quadrinhos como
sendo uma “Arte Seqüencial”, uma história contada em sequência
de desenhos e textos, com um enredo definido, não precisando dos
quadrinhos, dos balões ou qualquer outra coisa visual aos quadrinhos,
somente um enredo que conta a história, usando a fusão gráfica do
texto e da imagem. Falaremos sobre isso mais tarde.
Além de Eisner como nome famoso por trás das HQs, temos
também Stan Lee, responsável pela criação de um grande número
de heróis tão populares nos dias de hoje, como o Homem-Aranha, o
Quarteto Fantástico, o Surfista Prateado, grande parte dos X-Men,
entre tantos outros heróis da editora Marvel, popular nos dias de
hoje, apenas equiparável a DC, editora responsável pelos heróis
Super Homem, Batman, Lanterna Verde, entre outros. Stan Lee é
conhecido como a Casa das Ideias da Marvel, responsável pelas
grandes sagas e grandes heróis, e as duas editoras lançam um
grande numero de quadrinhos que lemos atualmente. Stan Lee,
por mais representativo autor de quadrinhos, carismático e icônico,
produziu poucas obras teorizado os quadrinhos como fez Eisner,
poucas delas foram traduzidas para o português, ou são facilmente
encontradas.
Com tantas histórias em quadrinhos, muitos heróis, e um consumo
durante anos destas revistas que influenciaram a juventude de tantas
pessoas, dificilmente elas passariam impunes pela história. Contudo,
a história em quadrinhos pouco foi teorizada para tal fim, assim, na
busca por definir como fonte histórica os quadrinhos, devemos ir aos
próprios desenhistas e pensadores dos quadrinhos. Entre os mais
populares temos o próprio Will Eisner com o livro “A Arte Sequencial”
e Scott McCloud e seu livro “Desvendando os Quadrinhos”.
O livro de McCloud é escrito em formado de HQ, sem textos
longos, somente quadrinhos e um narrador brincando com a meta
linguagem dos quadrinhos e seus princípios. Já o livro de Eisner é um
pioneiro, com textos, teorias mais densas e longos textos, mas claro,
como não pode deixar de se fazer ao falar de quadrinhos, recheado de
imagens do próprio autor.
Por motivos que têm muito a ver com o uso e a temática, a Arte Sequencial tem sido geralmente ignorada como forma digna de discussão acadêmica. Embora cada um dos seus elementos mais importantes, tais como design, o desenho, o cartum e a criação escrita tenham merecido considerações acadêmicas isoladamente, esta combinação única tem recebido um espaço bem pequeno (se é que tem recebido algum) no currículo literário e artístico. Creio que tanto o profissional como o crítico são responsáveis por isso.4
Eisner é o primeiro a elevar o quadrinho ao status de arte,
comparando-o com o cinema, pois os dois trabalham com enredo, uma
trama, discurso e imagens. Porém, cada um tem sua técnica e formas
de elaborar suas narrativas.
Neste ponto, trabalhar com os quadrinhos torna-se algo complexo.
Não há como separar o texto da imagem, nem mesmo como tratar uma
passagem inteira sem pensar o que se passa em cada quadrinho. Em
geral, há toda uma intenção dos desenhistas com o uso das sombras,
dos movimentos para acompanhar o discurso e deixar a obra mais
completa e complexa. Eisner fala sobre essas questões do desenho,
fundamentais para o quadrinho.
Sem parecer nas linhas escritas, podemos saber se a história se
passa de dia ou à noite, em um cenário rural ou urbano, ou mesmo
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 59Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
em que época tudo está se passando. As imagens dizem muito mais
que o texto e, muitas vezes, só temos elas para acompanhar todos os
acontecimentos.
Frequentemente, as imagens mostram acontecimentos em
momentos diferentes, ou seja, a sequência de quadro não acompanha
a sequência real de movimentos como no cinema, por exemplo: um som
de campainha enquanto um homem toma café, no próximo desenho
temos o homem tomando café com uma mulher. As roupas do homem
não mudaram, nem a disposição das coisas na mesa de café. Assim,
conseguimos supor, sem a necessidade de discurso ou imagens, que o
homem se levantou, atendeu a porta, convidou a mulher para entrar e a
acompanhou até o ambiente onde ele estava tomando café, tudo isso,
sem aparecer uma linha ou imagem.
Em menor escala, pode acontecer de dois homens estarem se
encarando para um duelo, o som de tiros aparece escrito no quadrado
e vemos um homem no chão. Não temos a imagem do tiro sendo dado
ou recebido, ou mesmo a queda, tudo acontece rápido. Mas sabemos,
em nossa interpretação da sequência de imagens, o que aconteceu.
Porém, o autor pode querer dar uma intenção diferente aos
acontecimentos. Quando o tiro é disparado, ele pode dar um ângulo
da bala no ar, uma imagem do homem levando o tiro, ele cambalear
na contra luz, para, por fim, cair morto. A cena parece mais longa,
demorada, impactante.
A escolha dos ângulos em que a imagem será visualizada pelo
leitor, a demora das cenas em relação ao acontecido, tudo pode mudar
as intenções e interpretações da história. Naquela situação em que o
homem toma café com a mulher, todos os acontecimentos que ficaram
nas margens dos quadrados não eram importantes e foram cortados
para dar espaço para os que realmente eram, como o diálogo que eles
teriam na mesa de café. Na situação do duelo rápido, a morte pode
querer ser retratada como algo efêmero, veloz e cruel. Ou mesmo, a
morte do bandido não era tão importante para o enredo da história, isso
depende do contexto. Por outro lado, a cena mais longa do tiroteio pode
querer valorizar o momento, a morte de um personagem importante,
ou mesmo mostrar a tragédia de uma maneira mais próxima e terrível.
As interpretações todas dependem da sequência dos
acontecimentos, sozinho pode ser impossível que um quadrinho da
história diga todo o desenrolar da cena. Vamos a um exemplo prático:
Figura 1 - Análise do quadrinho 1
WILLIBGHA, Bill; MEDINA, Lan; LEJOLAHA, Steve Fábulas Panini/Vertigo : Barueri, 2003
Volume 1 p.3
Este quadrinho solitário pouco pode nos dizer sobre a história,
o contexto ou mesmo justificar seus acontecimentos. Podemos ver
60Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
um homem fumando seu cigarro, fazendo algumas anotações em
um escritório apertado. Um quadro de recados, fotos sobre a mesa,
uma luminária, uma cafeteira, um sobretudo pendurado e certificados
na parede. Essas informações pouco podem nos dizer sobre toda a
história. Para os fãs do gênero noir, podemos até interpretar que seja
um escritório de algum detetive, mas sozinha, esta imagem pouco diz.
Somado a isso, temos um homem debruçado sobre a mesa,
colocando a mão no peito, provavelmente, como quem sente dor. Sua
posição indica alguém cansado, sofrendo. Ele, dentro do contexto,
pouco diz também. Agora, vamos usar o texto para tentar desvendar
o mistério.
Quem inicia o dialogo é o homem fumando. Sabemos disso pela
dinâmica dos quadrinhos, leitura da esquerda para a direita, de cima
para baixo, como em um livro, e como o balão de fala dele aparece
à cima do outro, sabemos que ele fala antes do homem sofrido. Ele
diz: “Parece que você está sem fôlego João. Andou subindo o pé-de-
feijão de novo?”. Ao que o outro responde: “huh... huh... não”.
Temos aqui o uso de uma técnica dos quadrinhos, que vamos
esmiuçar. Primeiro, os negritos nas falas, comuns nos quadrinhos, são
muito representativos. Mas o que eles, de fato, significam?
Eisner, sempre ele, os define como sendo o “controle do ouvido do
leitor5”, e que, com este recurso, se pode acrescentar som e disciplina
ao ouvido interior do leitor. Seria algo como dar ênfase às palavras,
como se elas fossem mais importantes que as demais no texto. Ou
pelo personagem dar mais entonação a elas ao serem pronunciadas,
ou por serem significativas para a história.
Então, sabemos que “Pé-de-feijão” e “não” são palavras
importantes no diálogo entre os personagens. Isso não ajuda muito.
O tal João fala “huh... huh...”, que em língua alguma significa alguma
coisa, mas foi usado nesta conversa para indicar que ele está respirando
pesado, ou seja, está emitindo estes sons. Em outro momento, esses
mesmos “huh... huh...” podiam indicar alguém sendo espancado,
provavelmente acrescentariam um “g” algo como “hugh”, que denota
mais dor, mas isso depende de autor para autor. Isso acrescenta drama
à cena, o homem aparece bufando, cansado. Isso é verdade pela fala do
homem fumando, e informa, que a respiração de João está pesada.
Agora, por que a ele está com a respiração pesada? Bom, a única
coisa que sabemos é que ele não subiu o “pé-de-feijão”, mas há quanto
tempo ele está com a respiração pesada, e por qual motivo, isso não
temos como descobrir olhando somente essa imagem. Ele pode ter
recebido uma notícia ruim do outro homem. Pode estar tendo um
ataque cardíaco, recebendo super poderes (estamos em uma história
em quadrinhos afinal), enfim, qualquer coisa é possível.
Temos mais informações na interpretação deste quadrinho. Outra
muito interessante é que o homem fumando não está nem aí para
o João. Por quê? Os dois não se gostam? O que faz ele perder a
respiração não lhe interessa? O homem fumando é o vilão da história
vendo o herói padecer em sua frente? Também não há como saber.
Podemos tentar interpretar o quadrinho solitariamente, mas é
impossível, mesmo lendo a referência da imagem, e sabendo que o
título da HQ é “Fábulas” pouco ajuda. Faz a citação ao “João e o Pé-
de-Feijão” fazer um pouco mais de sentido em uma conversa formal em
um escritório qualquer, mas nem tanto também.
Isto torna a arte sequencial de Will Eisner válida. O quadrinho,
algumas vezes pode, sim, fazer todo o sentido do mundo, mas nem
sempre isso será possível.
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 61Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 2 - Analise do quadrinho 2
WILLIBGHA, Bill; MEDINA, Lan; LEJOLAHA, Steve Fábulas Panini/Vertigo : Barueri, 2003
Volume 1 p.3
Agora temos mais informações. Sabemos que o João está ofegante
por ter corrido até a sala da segurança do senhor Lobo Mau. Isso,
após passar pela sala de negócios da B. Neve. Tudo começa a fazer
sentido nesse momento... Temos um homem chamado Lobo Mau, e
outro chamado de João, onde a referência a ele é o “Pé-de-Feijão”.
Tudo pode estar fugindo ao controle da realidade, mas histórias em
quadrinhos são assim mesmo, por isso são tão fascinantes.
Figura 3 - Análise do quadrinho 3
WILLIBGHA, Bill; MEDINA, Lan; LEJOLAHA, Steve Fabulas Panini/Vertigo : Barueri, 2003
Volume 1 p.3
Assim termina a página 3 da revista. Mais referências às
histórias infantis. Agora João acusa Lobo Mau de ainda bufar na
casa dos porquinhos, o que ofende o detetive. As ofensas são
percebidas pelo diálogo onde os negritos são usados. Contudo,
agora, temos o gancho da história, uma revelação usada na página
impar (normalmente a página da direita) que será virada para revelar
algo novo. Agora, sabemos que o João veio ao segurança informar
sobre um crime horrível! O que será que vai acontecer?
Esta revista, “Fábulas”, é uma das melhores revistas da
atualidade, tendo recebido alguns prêmios.Porém, é pouco
reconhecida pelos fanáticos por super-heróis, que normalmente só
consomem revistas das editoras DC ou Marvel, deixando o selo
Vertigo para as histórias mais densas, voltadas para um público
mais adulto.
62Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Posso adiantar que a história se passa em Nova York, em um bairro
particular habitado pelas fábulas das histórias infantis, em que seus
personagens tiveram que fugir de seus reinos distantes por causa de
uma terrível ameaça. Todos estão presentes, como podemos ver de
pronto, temos a o João do pé-de-feijão, o Lobo Mau e a Branca de
Neve (nota na porta pela qual João passou correndo) nas páginas
anteriores a essa corrida toda (ele corre uma ou duas páginas, mais ou
menos), outros são apresentados, sendo deixados para trás na corrida
até a sala do Lobo Mau.
É este complexo jogo de imagens e texto que forma a “gramática”
de leitura dos quadrinhos. Como o jogo de cena em que aparece João
entrando na sala, e logo na sequência, caído sobre a mesa, que não
mostra o processo todo de sua queda até a mesa. Somente o vemos
apoiado, já falando com o Lobo Mau. Também a sequência de cenas nos
quadros que se completam e formam toda a história, onde, sozinhos,
os quadrinhos nada significariam, ou significariam muito pouco para a
narrativa, sendo necessário toda a revista, ou toda a série delas para
compreender o todo dos acontecimentos.
As histórias em quadrinhos são uma rica fonte de pesquisa e
leitura. Sendo atrativas e convidativas à leitura. São voltadas para
diversos públicos: o infantil, onde encontramos as revistinhas da Turma
da Mônica e da Disney; revistas para jovens, e adultos interessados,
como as revistas de Heróis da Marvel e DC; ou adulto e curiosos, como
algumas revistas do selo Vertigo, as Graphic Novels (sobre as quais
falarei mais tarde) e outras revistas com textos e imagens mais densos
e impactantes, sem tantos heróis ou fantasias, em que podemos
encontrar as últimas revistas de Will Eisner, entre tantas outras
revistas do Alan Moore, Frank Miller e Neil Gaiman. Podem agradar
os jovens também, como toda boa revista, mas somente alguém mais
vivido consegue entender o que se passa com os personagens em sua
plenitude.
Então, se a revista é tão rica, perpassa a história da juventude
durante muito tempo, por que a historiografia pouco se preocupa com
ela? Como toda fonte alternativa, ela não está passiva de críticas.
Até chegarmos à Escola dos Annales, onde algumas fontes novas
foram incorporadas nas ferramentas do historiador, a literatura,
o cinema, pinturas e fotografias eram tidas como fontes pouco
significativas, onde não se trazia a veracidade pura e bruta da história
para ser transcrita pelo historiador. Neste momento, havia o mote
famoso, de Langlois e Seignobos: “Onde não há documentos não há
história”.
Felizmente, esse conceito cai por terra com o tempo, hoje, com
a modernidade e a contemporaneidade, a discussão sobre o que é
história e o que é uma fonte histórica se amplia ao infinito. Mantendo
um método historiográfico e investigativo, o historiador pode usar de
qualquer fonte, que consiga validar, para descobrir o que, de fato, pode
ter acontecido no passado.
Os quadrinhos neste processo foram largamente defendidos
e criticados. As acusações marxistas e conservadoras de que eles
seriam obra do mercado de consumo, feito para manipular as crianças
e corromper a sociedade, perpassou anos a fio, se engendrando na
mente de pais e professores sobre a sua característica subversiva,
corruptora, e produto de um mundo capitalista imperialista e covarde!
Estas acusações tornaram os quadrinhos fonte pouco usual, afinal,
como obras de conteúdo estritamente manipulável, não seriam bem
vistos quando usados como fontes. Percebemos esse tipo de discurso
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 63Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
em obras como “Por que ler o pato Donald”, dos chilenos Dorfman e
Mattelart.
No entanto, na edição “Shazam!” da revista Debates, organizada
por Álvado de Moya, encontramos uma larga defesa, proferida por um
bom número de autores, onde deparamos com uma historiografia dos
quadrinhos, estudos sobre os personagens, seus usos na educação e a
aprendizagens dos jovens.
Junto destes autores, temos o renomado Umberto Eco, com seus
textos publicados pela revista Debates: “Apocalípticos e Integrados”,
nos quais pondera sobre os quadrinhos realmente serem fruto do
mercado de consumo, sem deixar de ser arte, comparando-o com
o cinema. Eco é um dos primeiros a dar este voto de confiança aos
quadrinhos, e pensar neles como uma possibilidade de estudo.
No Brasil, atualmente, temos bons estudos e pesquisadores
se debruçando sobre os quadrinhos, como Álvaro de Moya, Moacy
Cirne, Waldomiro Verguero, entre outros. Mesmo de maneira escassa,
encontramos artigos citando o uso, ou falando abertamente sobre
os quadrinhos. Estudando-os ou usando-os como instrumentos para
melhor entender um determinado período da história.
Assim, perguntar se é possível desvendar a história com esses
materiais sobre as HQs, desbravar esta fonte pouco usual para
entender um período, relações políticas, discursos e intenções do
autor, como é feito com o cinema, a literatura, é uma forma de manter
a discussão sobre os quadrinhos presa há um debate já feito e muito
bem defendido por tantos autores.
A intenção deste trabalho é analisar os quadrinhos como um
todo, esmiuçar suas características que os elevam ao status de Arte,
para entender o que aconteceu nos anos 80, e o que representaram
à juventude dessa época. Para isso, utilizaremos o Graphic Novel “V
de Vingança” escrita por Alan Moore e desenhada por David Lloyd.
A partir dela, pretendemos descobrir mais sobre a década de 80, as
influências que fizeram desta revista tão popular em sua época e
tirar dela os discursos anarquistas e representações históricas que
possibilitam interpretações.
Esta monografia foi divida em três capítulos.
O primeiro abordará uma historiografia das histórias em quadrinhos,
do seu início nos jornais de domingo aos grandes quadrinhos de luxo
do século XX, dando principal atenção aos quadrinhos dos anos 80
e seus autores. Também fará uma análise do quadrinho como arte,
aprofundando sua ferramenta e conceito estético, para compreender o
que é o quadrinho e o que o define como sendo uma Arte Sequencial.
Para solucionar essa proposta, foram utilizadas as leituras feitas de
Álvaro de Moya, Will Eisner e Eric Hobsbawm.
O segundo capítulo falará sobre os anos 80, seu panorama cultural,
enfatizado na Inglaterra. A guerra fria, breves relações políticas, para
que possamos melhor entender a graphic novel “V de Vingança”, que
teve sua origem nessa década. Na sequência do capítulo, haverá uma
análise do totalitarismo no quadrinho, comparado com o livro de George
Orwell “1984”, lembrando que a obra de Alan Moore teve grande
influência desta obra, principalmente no tocante ao totalitarismo.
Percebendo nestas duas perspectivas de futuro, de Moore e Orwell, os
pessimismos de seus tempos. Neste momento, as leituras de Hannah
Arendt e Michel Foucault foram de grande importância.
Já no terceiro capítulo será feita uma análise mais completa da
fonte, para tentar entender a história, seu enredo e personagens,
principalmente quem é V, suas ideias e desejos revolucionários.
64Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Assim, tenta descobrir em qual anarquismo V se enquadraria. Walter
Benjamim e Foucault dão conta desta análise.
Enfim, vamos abrir as páginas quadriculadas da história para
conhecer os anos 80, a obra “1984”, de George Orwell, que influenciou
a HQ analisada e o(s) anarquismo(s) em V de Vingança!
1. DA HISTÓRIA DOS QUADRINHOS PARA A HISTÓRIA EM QUADRINHOS
A união fora uma batalha, o clímax uma vitória. Era um golpe desferido no partido. Era um ato políticoGeorge Orwell
1.1 Das “tirinhas” às revistas
A história dos quadrinhos começou em um domingo. Mais
precisamente no dia 5 de maio de 1895, no jornal novaiorquino World,
onde o famoso personagem de Richard F. Outcault, “O Garoto Amarelo”
começa a ser publicado, semanalmente, em forma de tirinhas, para
assim iniciar um processo de industrialização do gênero que chegará
aos quadrinhos modernos.
No entanto, delimitar essa data, ou considerar “O Garoto
Amarelo” como sendo a primeira, é uma injustiça com outras
obras, ou mesmo um equívoco com formas de expressão similares,
anteriores a tal tirinha. Sua importância se dá ao fato de ser a
primeira em cores; serem publicadas com uma frequência semanal,
apesar das histórias não serem interligadas; o público a aceitar
muito bem, dando início a uma larga produção de novas ideias e
novos autores, tornado as tirinhas parte obrigatória nos grandes
jornais.
Somados a sua aceitação, ela traz muitas características das
histórias em quadrinhos: como o Balão, onde as falas dos personagens
aparecem; o uso de linhas de movimento, pequenos traços ao lado do
personagem indicando movimentação na imagem; e uma sequência de
ao menos três quadrados que contam uma história sem se alterar a
cena, alguma vezes, trazendo o conceito da Arte Sequencial sugerida
por Will Eisner.
Contudo, antes do “O Garoto Amarelo”, houve outras. Alvaro de
Moya6, sugere como sendo as primeiras a retratar o gênero, as tiras
“M. Vieux-Bois”, de Rudolph Töpffer, iniciadas em 1827. Nelas, há uma
história contada por quadros em sequência, contudo, não possuem
balões ou os desenhos dinâmicos como os que aparecem no “O Garoto
Amarelo”. Elas se enquadram, mais provavelmente, como charges,
com seu narrador em linhas abaixo do desenho, contando as histórias
acompanhando a ação dos quadros.
As charges já eram populares nos jornais antes das tirinhas. Eram
desenhos únicos com dizeres abaixo, mas não obrigatórios, criticando
ou sugerindo algo. Nelas vemos a possível sugestão às futuras tirinhas
que se tornariam as revistas populares nos anos de 1930, mesmo
que nelas não haja uma história em sequência, nem movimento, nem
balões, nem nada que sugira os conceitos normais em um quadrinho.
Outros autores, como Sonia M. Bibe-Luyten7, vão mais longe,
atribuindo a origem dos quadrinhos às pinturas rupestres, desenhos
nas paredes de cavernas que contam a história de uma situação ou
acontecimento, seguidas pelos afrescos, murais ou vitrais, pinturas e
desenhos que, com o tempo, levariam às histórias em quadrinhos.
Pensar quadrinhos é perceber uma gama de características que
os definem. Principalmente as tirinhas, que podem ser tidas como a
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 65Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
poesia dos quadrinhos, exigem uma abordagem e uso de ferramentas
para tal que diferem, e muito, de uma pintura rupestre ou de um vitral.
Todas podem ser uma forma de comunicação por meio de imagens
e, às vezes, textos. Contudo, nem todas podem ser vistas como
pertencentes ao gênero história em quadrinhos. As charges podem
ser o final de um processo do qual virá a surgir “O garoto amarelo”
e mesmo ele não possui todas as características que tornarão os
quadrinhos populares. Mas é nele que vemos pela primeira vez o balão,
que “é a marca registrada dos quadrinhos8”.
Esta discussão das origens dos quadrinhos diverge de autor para
autor, mas todos concordam com a importância de “O Garoto Amarelo”
para a história em quadrinhos; com isso, podemos dizer que os
quadrinhos como conhecemos surgiram ao público em um domingo.
Junto do sucesso que foram as tiras amarelas do “Garoto” nos
jornais, outras começaram a aparecer. Como as famosas tiras de “Os
Sobrinhos do capitão”, de Rudolph Dirks, em 1897, e “Little Nemo in
Slumberland”, de Winsor McCay, em 1905. Nesta última, a arte começa
receber destaque, dando outras ideias e imagens às tirinhas, quando
ela retrata os sonhos de Nemo. As tiras eram desenhadas inspiradas
na art deco popular na época, com curvas e sugestões oníricas, que era
a proposta das tiras. A importância da forma com que o desenho é feito
começa a levar os quadrinhos a uma popularidade cada vez maior, pois
elas deixam de ser feitas de qualquer maneira, para receber atenção e
uma arte mais adequada à proposta e à ideia do autor, sugestionando o
discurso de imagem e textos, como Will Eisner afirma ao dizer que “as
duas funções estão irrevogavelmente entrelaçadas. A arte sequencial
é o ato de urdir um tecido9”, ou seja, histórias em quadrinhos é fruto do
bom uso do texto e da imagem para comunicar e narrar a história.
Em 1929, o ano do crack na bolsa de Nova York, a grande depressão
norte americana, as tiras começam a perder qualidade e autores.
Contudo, as histórias em quadrinhos ganham novos horizontes e
perspectivas. Irônica e contraditoriamente a tudo que pensamos de
1929, e os anos seguintes, os quadrinhos começam sua glória.
É talvez por isso que se explica como o gênero aventura chegou ao auge e um turbilhão de histórias surgiu nesta época, explorando ao máximo esta nova mina de ouro. Aventura indica um desejo de evasão e a criação de mitos, de heróis positivos. Revela a necessidade de novos modelos nos quais se inspirar para a conduta humana10.
É neste ano que um dos mais populares personagens das histórias
em quadrinhos surge: Tintin, criação de Georges Remi, conhecido
pela alcunha de Hergé. Neste momento os quadrinhos deixam de
ser suplementos de jornais, para serem vendidos como revistinhas
independentes. Tintin também está nesta leva. Ele é uma mostra da
consolidação do gênero, com influência e repercussão, transformando
a forma como se fazem a história independente, principalmente no
cenário europeu das HQs.
Nos Estados Unidos, em contra-ponto às revistas mais sérias de
aventura e ação, Walt Disney começa seu império com o rato Mickey
em 1929. Com revistinhas de um humor mais infantil, Disney firma
os pés no que vai ser a grande indústria dos quadrinhos nas décadas
seguintes.
Ainda, em 1929, inicia-se uma época que ficou conhecida como A
Era de Ouro dos Quadrinhos, tendo como personagem vanguardista
deste momento “Tarzan”, de Hal Foster. Este quadrinho, baseado
no livro de Edgar Rice Burroghs, sai completamente dos quadrinhos
engraçados, como era comum no gênero (em inglês, a palavra para
66Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
denominar as HQ é comics, que significa cômico), para histórias mais
sérias com enredos mais densos. Junto de “Tarzan”, o quadrinho de
ficção científica “Buck Rogers”, baseado em um conto publicado um
ano antes na revista norte americana Amazing Stories, vem somar esta
era repleta de heróis.
Estas revistas abrem as portas para uma boa quantidade de heróis
e aventuras diversas, que começam a ser produzidas nos cinemas,
e com o decorrer do tempo transformadas em bonecos de ação,
programas para a tevê e romances, como vemos atualmente.
Com a grande depressão, tem-se início a ascensão dos quadrinhos
e sua concretização na cultura juvenil mundial. A década de 1930
se inicia com lendários personagens que marcaram o século XX e a
histórias das histórias em quadrinhos, como o detetive “Dick Tracy”,
de Chester Gould lançado em 1931; o aventureiro espacial “Flash
Gordon”, de Alex Raymon, lançado em 1934; e o “Agente Secreto
X-9”, de Dashiell Hammett, também de 1934; sem esquecer o mágico
“Mandrake”, lançado no mesmo ano, por Lee Falk e Phil Davis. Em
1936, Lee Falk inicia um novo projeto com Ray Moore, “Fantasma”, um
personagem de sucesso dos quadrinhos e que inova em seus temas,
dando um panorama maior ao personagem, com uma história que vem
de um passado e almeja um futuro; com revistas que mostram uma
sequência evolutiva de suas ações visando um desfecho, ou ao menos
completar a lenda que sempre é proferida pelo herói, dele ser o espírito
que anda, um imortal, pelo fato de ter filhos que seguem seus passos,
vestindo seu manto. Ou seja, houve um fantasma no passado, há um
fantasma agora, e haverá um no futuro.
Em 1937, Hal Foster deixa “Tarzan” de lado para dar início a uma
importante história em quadrinhos, “O Príncipe Valente”, que une um
desenho belíssimo com textos e pesquisa exemplares. Em “Príncipe
Valente”, vemos o início do que serão os grandes quadrinhos nas
décadas seguintes. Nesta obra, houve a preocupação com um desenho
significativo e com histórias sérias e impactantes, preenchendo
os quadros nas páginas das histórias, além de uma inovação nos
quadrinhos, usando somente narradores e poucos diálogos, sem
balões, valorizando a excelência do desenho como prioridade, e textos
significativos e bem elaborados para conduzir a história.
Ao se aproximar o conflito armado da Segunda Guerra Mundial, o
cenário dos quadrinhos também começa a se alterar. Em 1938, surgem
dois personagens queridos pelos leitores de quadrinhos: um voltado
ao público infantil, Pato Donald, conhecido personagem Disney, porém
criado por Carl Barks. Outro, voltado para o público jovem, com o herói
célebre, confundido com um pássaro ou com um avião, aparece nas
páginas das comics norte americanas, Superman, ou “Super-Homem”,
de Jerry Siegel e Joe Shuster. Eles inovam nos quadrinhos, onde um
herói poderoso, com super força, capacidade de voar, visão de raios-X
entre outros super poderes, dá inicio a Era de Prata dos quadrinhos.
Praticamente sozinho, Superman altera todo o conceito de elaboração
de heróis e problemáticas das histórias. Suas aventuras fantásticas
permitiram mais histórias de outros super-heróis mascarados, com
roupa collant e super poderes. Bom, nem todos eles.
“Batman”, de Bob Kane, surge em 1939, contando a história de um
homem rico sem os grandes poderes que o Superman possuía; veste
o manto do morcego para combater o crime nas noites da cidade de
Gothan, usando de apetrechos e intuição de detetive para resolver
seus mistérios e prender os bandidos. Assim, os heróis começam a
aparecer: “Capitão Marvel”, de C. C. Beck, em 1939; “Namor”, de Bill
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 67Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Everett, do mesmo ano; “Capitão America”, em 1941, por Jack Kirby
e Joe Simon.
Dentre todos, o mais afetado dentro de suas histórias pela grande
guerra foi o Capitão América. Todos, desde “Tarzan”, que continuava
sendo publicado nas mãos de outros autores, o “Fantasma”, “Príncipe
Valente”, entre outros, tinham povos inimigos, ou alguma espécie de
“germânicos” como vilões em suas histórias. Mas foi o Capitão América
quem lutou no front contra os nazistas. Contudo, torna-se ícone por
ser um soldado que questiona sua causa, tendo como frase célebre
“Talvez eu devesse lutar menos... e perguntar mais”11, como bem nos
lembra Bibe-Luyten, em seu livro “O que é história em quadrinhos12”.
Após a guerra, seu arquivilão torna-se o Caveira Vermelha, como uma
metáfora ao comunismo.
Mas, em 1940, uma personalidade lendária surge, tanto por sua
obra quanto como autor. “O Espírito” (The Spirit), de Will Eisner. Obra
e autor se confundem em fama. Nos quadrinhos do “Espírito”, o uso de
luz e sombra e de ângulos cinematográficos nos desenhos consolida a
beleza nos quadrinhos de heróis. As histórias bem elaboradas contra
um vilão que nunca aparece13, fazem deste quadrinho um marco,
símbolo de apreciação e bom gosto. Isso graças a seu autor, o primeiro
a pensar sua arte, brigar para que ela se tornasse uma arte comparável
ao cinema, a literatura e a pintura. Hoje, os quadrinhos são vistos como
a nona arte.
Após alguns anos como professor de Técnicas de Quadrinhos na
Faculdade de Artes de Nova York, Will Eisner publica o livro, “História
em quadrinhos e a Arte Sequencial”14, de 1989, elaborando todos os
conceitos básicos para se ter e fazer uma história em quadrinhos,
sugerindo que, nem sempre, ela precise dos quadrinhos propriamente
ditos. Uma prática já utilizada, nos anos 1970 em diante, em Graphic
Novels, sobre as quais falarei mais tarde.
Voltando aos anos 40, com o fim da Segunda Guerra Mundial, os
quadrinhos entram em defasagem na Europa; com a escassez de papel
e suprimentos, eles acabam ficando em segundo plano. Outros heróis
e aventuras surgem neste período, porém, somente nos anos 1950
eles voltam com força, e novamente, nas tirinhas.
“Recruta Zero”, de Mort Walker e “Mindum” (mais conhecido
como Peanuts, ou a Turma de Charlie Brown), de Charles Shulz, voltam
a habitar os jornais, cativar os leitores novamente aos quadrinhos.
No Brasil, em 1964, Maurício de Sousa cria a “Turma da Mônica”,
que atrai os leitores brasileiros ao hábito dos quadrinhos. No mesmo
ano, Quino cria, na Argentina, “Mafalda”, outra personagem que marcou
sua presença nos leitores de quadrinhos, que dialogava em suas tiras
com humor e profundidade, falando de política e relações mundiais.
Com o cenário dos quadrinhos crescendo, alguns autores não
conseguem espaço para suas revistas, pois ainda os antigos heróis
eram publicados em massa, e o cenário underground se intensifica. Um
dos autores mais respeitados dentre as revistas alternativas é Robert
Crumb, hoje visto como um respeitável desenhista de quadrinhos, mas,
nos anos de 1965, criava personagens identificados com a juventude
do período, criticando o modo de fazer quadrinhos e de se viver a vida
no american dream.
Em 1985, o mundo dos quadrinhos muda completamente: grandes
autores reformulam os velhos personagens da era de prata, fazendo
deles os heróis famosos das HQs de hoje em dia. As Graphic Novels,
repletas de arte e textos fantásticos, se popularizam no gênero, e os
quadrinhos se firmam no público jovem e adulto.
68Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Frank Miller, neste ano, reformula o Batman, com a série “O
Cavaleiro das Trevas”. Torna o personagem mais sombrio e ligado
com o clima da guerra fria e da violência urbana dos grandes centros.
Neil Gaiman cria a revista “Sandman” que muda a forma de se ver
as histórias em quadrinhos, com desenhos elaborados e conceitos
semióticos sugestivos em cada história. Alan Moore, responsável por
“V de Vingança” de 1988, cria heróis, reformula histórias e é tido como
um Midas das HQs, pois toda história que faz são obras de arte de
texto, algumas vezes contando com excelentes desenhistas, e tem
grande aceitação pelo público.
Entre suas histórias, as mais significativas nos quadrinhos são
“Watchmen”, de 1988, e “A Piada Mortal” de 1989. Todas com histórias
únicas, que também alteraram a forma de se ver alguns dos grandes
heróis dos quadrinhos.
Entrarei em maiores detalhes sobre estes quadrinhos dos anos
80 e 90 adiante, por hora, ficamos com esta breve história das HQs,
dentro do contexto mundial em que elas estavam inseridas.
1.2 Forma e técnica: tiras e graphic novels
Para entender melhor esta história das histórias em quadrinhos
é interessante também entender a mudanças das técnicas de
desenhos, temas das histórias e as formas de se fazer uma história
em quadrinhos.
Alguns conceitos são padrões em uma história em quadrinhos,
exclusivos dentro dela, como os próprios Quadrados que delimitam o
desenho, que, como já mencionado, não são obrigatórios para se fazer
uma história em quadrinhos de fato. Will Eisner se diverte provando este
argumento, e mesmo nas HQs mensais, alguns desenhos “sangram” do
quadrado, extrapolando seus limites. Fora das histórias em quadrinhos,
dificilmente veremos esses quadrinhos serem empregados de mesma
forma em outra arte.
Outra característica são os Balões, áreas “vazias” do desenho,
com uma indicação de um personagem presente na cena, ou não, onde
está escrito o que ele fala. Estes balões têm formas, indicando se o
personagem grita, sussurra, pensa ou diz simplesmente. Como os
quadrados, a presença dos balões não é obrigatória, o próprio Eisner,
em seu livro “Quadrinhos e a arte Sequencial15”, comenta sobre a
possibilidade de uma história sem nenhum diálogo onde tudo está
expresso pelas imagens. Um bom exemplo de quadrinho sem som é
“Gon”, de Masashi Tanaka, publicado em 2003, que conta a história
de um pequeno dragão caindo em aventuras pela selva sem emitir
nenhum som. Também sem o recurso do narrador, como é o caso do
“Príncipe Valente”, que não tem balões de diálogo.
A última das características são as Onomatopéias, que não são
exclusivas dos quadrinhos, mas estão comumente presentes. Elas são
imitação de sons escritas nos desenhos para sugerir algum tipo de
barulho. Como por exemplo, sobre um telefone desenhado estar escrito
“triiim” para informar ao leitor que o telefone está tocando, ou “crack”
escrito sobre o desenho de um galho sob o pé de alguém, informando
que ele se partiu. Também é uma característica não obrigatória, sendo
um recurso somente quando há a necessidade de mencionar um som
importante nos acontecimentos da aventura.
Então, se nenhuma dessas características, muitas delas exclusivas,
são obrigatórias, há a possibilidade de se fazer uma história em
quadrinhos sem nenhuma delas, correto? Sim. Então, como eu
identificarei um quadrinho, quando eu estiver diante de um?
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 69Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
É neste ponto que a teoria de Will Eisner sobre a Arte Sequencial
entra. “’Escrever’ para um quadrinho pode ser definido como a
concepção de uma ideia, a disposição de elementos de imagem e a
construção da sequência da narração e da composição do diálogo”16.
Ou seja, a idéia de fundir imagens com textos para que se conte uma
história.
Em sua forma mais simples, os quadrinhos empregam uma série de imagens repetitivas e símbolos reconhecíveis. Quando são usados vezes e vezes para expressar ideias similares, tornam-se uma linguagem – uma forma literária, se quiserem. E é essa aplicação disciplinada que cria a “gramática” da Arte Sequêncial.17
Esta “gramática” artística presente nos quadrinhos é o que
a faz reconhecível e comparável umas as outras. Não são suas
características mais visíveis, mas a forma como ela é feita, sua
elaboração e concepção. História em quadrinhos é a narração de uma
história pelo uso de imagens desenhadas junto a um roteiro.
Com o tempo, a exigência por um bom desenho e a melhora nas
qualidades das revistas criou uma forma de quadrinhos muito diferente
daquelas de seus primórdios. Como no caso de “O Garoto Amarelo”
em que as onomatopéias não existiam. Ou mesmo nas tiras de
Rudolph Töpffer, que, pela falta dos balões, sempre tinham de recorrer
a um narrador externo, em textos fora dos quadrados, para contar a
história.
Quando se examina uma obra em quadrinhos como um todo, a disposição dos seus elementos específicos assume a característica de uma linguagem. O vocabulário da Arte Sequencial tem se desenvolvido continuamente nos Estados Unidos. Desde a primeira aparição dos quadrinhos na imprensa diária, na virada do século, essa forma popular de leitura encontrou um público amplo e, em particular, passou a fazer parte da dieta literária inicial da
maioria dos jovens. As histórias em quadrinhos comunicam numa “linguagem” que se vale da experiência visual comum ao criador e ao público. Pode-se esperar dos leitores modernos uma compreensão fácil da mistura imagem-palavra e da tradicional decodificação de texto. A história em quadrinhos pode ser chamada de “leitura” num sentido mais amplo que o comumente aplicado ao termo.18
Fora estas questões mais precisas de conceituação dos quadrinhos,
temos as formas de se fazer uma história. Como as tirinhas, revistas
e Graphic Novel.
Uma tirinha é toda história que tem início e fim na mesma página,
de preferência, em poucos quadros. Por muito tempo se teve como
padrão o uso de três quadrados. Isso não impede que mais quadrinhos
sejam usados pelo autor, ou mesmo dois quadrinhos. O importante é
que sejam histórias curtas com seu início e fim na mesma página.
Naturalmente as tirinhas são empregadas para se fazer humor,
porém, alguns autores, como Laerte, no Brasil, as usam para causar
reflexões sobre a natureza humana e política. Ou mesmo “Mafalda”, de
Quino, que cria discussões profundas com o recurso de três quadrados,
aprofundando, de maneira simples, situações complexas mundiais.
Entre os maiores exemplos de tirinhas populares temos “Minduin”
(Peanuts), de Charles Shulz; e “Calvin e Haroldo” de Bill Watterson.
Sempre bem humoradas, mas com questões profundas sobre a
natureza humana, política mundial e a própria vida em si.
Muitas vezes as tiras são seriadas, onde várias tirinhas contam
histórias interligadas entre acontecimentos, uma referenciando a
outra. Algo comum nas revistas de heróis.
As revistas em quadrinhos se popularizaram nos anos 30 e 40,
porém, nem sempre elas foram como nós conhecemos. Hoje, as
revistas são mensais, e no final de uma já se tem o gancho para a
70Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
próxima revista, fazendo o leitor esperar ansiosamente pela próxima
edição para saber o desfecho do último infortúnio do herói. “Se o
leitor acompanha uma história em quadrinhos seriada, é necessário
que ele leia o maior número de tiras e/ou páginas dominicais desta
história. Em caso contrário, a narrativa ficará truncada ou mesmo
incompreensível.19”
Porém, no seu início, as revistas tinham histórias curtas, com início
e fim na mesma revista. Poucas vezes necessitado do recurso em
estender a história em mais de uma edição, o que se convencionou
em chamar de “minisséries”. Histórias que seguiam em mais de uma
revista, mas tinham fim previsto.
Tarzan é um exemplo destas revistas com histórias únicas. Ela foi
uma das primeiras revistas a se preocupar com o desenho em cada
quadrinho. A arte maravilhosa de Hal Foster fez de Tarzan um ícone
entre revistas, cada espaço era ocupado, e cada desenho repleto de
significados, mostrando detalhadamente quão exótica era a floresta
em que viva o Rei das Selvas.
Somente vamos rever uma arte similar em “Príncipe Valente”,
também de Hal Fostes, e em Spirit de Will Eisner, que emprega uma
linguagem cinematográfica em suas obras, com trocas de ângulos nos
desenhos, e cortes de quadros sugestivos. Ele não foi o primeiro, mas
certamente foi o autor que melhor utilizou tal recurso.
Com as revistas em quadrinhos mensais, ou quinzenais como eram
nos anos 80 e 90, as demandas de histórias acabaram criando certas
repetições, inventando sempre novas origens para heróis ou recontando-
as de maneiras diferentes, em “minisséries” ruins ou fracas.
Neste ponto, o mercado consumidor acaba necessitando de um
estímulo. Os quadrinhos estavam estabelecidos, mas o formato estava
padronizado, ou muito infantil ou sem mudanças necessárias para
manter os velhos leitores de quadrinhos ou atrair novos. Esta era a
brecha que faltava para as Graphic Novels, que, podemos dizer, são
um fenômeno dos anos 80.
Will Eisner inova criando aventuras exclusivas para revistas
únicas, onde a qualidade do material era superior ao das revistinhas
em quadrinhos, e as histórias tinham um cunho mais adulto, mais
similar a um romance, com personagens complexos e técnicas mais
artísticas nos desenhos e nos textos. Nesta leva, várias histórias de
heróis também são feitas neste mesmo estilo, conhecido como Graphic
Novel. Entre as mais famosas, temos a “Piada Mortal” de Alan Moore,
uma história do epopeico confronto entre Batman e Coringa. “Elektra”
de Frank Miller, que é conhecido mais pela arte aquarelada do que pelo
texto e pela heroína, que ainda é pouco popular entre os leitores.
É Will Eisner que populariza20 o termo para as Novelas Gráficas,
colocando um selo na capa de sua Graphic Novel chamada “Um
Contrato Com Deus”, de 1978. Estas revistas começam a se
popularizar, pois “as Graphic Novels são o espaço mais indicado para
as experimentações, para a renovação estética nas HQs21”, tornando-
se um caminho interessante onde os grandes desenhistas e roteiristas
desenvolveram grandes histórias. Assim, mesmo que Asterix, TinTin,
entre outros, fossem lançadas nos anos 50 e 60 como revistas únicas e
com histórias exclusivas, com boa arte e texto, em grandes álbuns, só
se pode vê-los como pertencentes as edições de luxo dos quadrinhos
a partir dos anos 80.
A escolha do termo “Graphic Novel” não é ao acaso, Eisner o
desenvolve na intenção de colocar essas revistas no patamar de artes
comparadas à literatura. Pois, Novels em inglês significa romance,
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 71Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
novela. Assim, Eisner sugere que, ler um “romance gráfico” é o mesmo
que ler um livro. Os quadrinhos não são somente desenhos coloridos,
mas possuem textos bem elaborados e enredos penetrantes.
Alguns heróis também foram criados nas Graphic Novels, longe
dos quadrinhos, heróis épicos nasceram e morreram nelas. Como
os “Watchmen” e “V de Vingança” do inigualável Alan Moore e
“Sandman” do genial Neil Gaiman, mesmo que Sandman tenha sido,
originalmente, uma revista mensal, sua arte e texto eram exemplares, e
como teve um fim previsto, com o tempo, foram relançadas no melhor
estilho das Graphic Novels de luxo.
Dentro destas Graphic Novels se encontra a já citada “V de
Vingança”, obra que será utilizada para melhor entender os anos 80,
período em que ela é lançada. Todas as formas de HQs são ótimas
fontes para melhor entender um determinado período, tanto como
obra refletida pelo ideal de um autor, como pela necessidade de um
público consumidor que muda com o decorrer do tempo. No entanto,
nas revistas de luxos a arte e o discurso artístico são mais visíveis,
e a liberdade do autor em produzir algo mais aberto as suas ideias
tornam as Graphic Novels fontes mais abrangentes sobre assuntos
mais definidos. Com isso, vou entrar mais detalhadamente no contexto
dos anos 80 e no cenário dos quadrinhos.
1.3 A “revolução” dos quadrinhos nos anos 80
O mundo dos anos 80 está imerso em uma conturbação política. A
Guerra Fria e ameaça da guerra nuclear, junto com o descontentamento
econômico e político, tudo fruto de um processo longo, como a
guerra fria que tem seu auge na década de 50, e outras tantas crises
econômicas e políticas, com regimes ditatoriais ao redor do mundo.
Enfim, um prato cheio para a ficção científica, romances de espionagem
e as histórias em quadrinhos.
O Breve Século XX fora de guerras mundiais, quentes ou frias, feitas por grandes potências e seus aliados em cenários de destruição de massa cada vez mais apocalípticos, culminando no holocausto nuclear das super potencias, felizmente evitado. Esse perigo desaparecera visivelmente. O que quer que trouxesse o futuro, o próprio desaparecimento ou transformação de todos os velhos atores do drama mundial, com exceção de um, significava que uma Terceira Guerra Mundial do velho tipo se achava entre as perspectivas menos prováveis.22
O autor complementa ainda: “Em suma, o século (XX) acabou
numa desordem global cuja natureza não estava clara, e sem um
mecanismo óbvio para acabar com ela ou mantê-la sob controle23”.
Neste meio, algumas Graphic Novels ganham destaque no cenário dos
quadrinhos mundiais, e seus autores viram ícones dentro deste mundo
dos quadrinhos.
Entre autores mais importantes, em nível internacional, temos três,
também responsáveis pelas grandes histórias em quadrinhos desta
década, os já citados: Frank Miller, Neil Gaiman e Alan Moore.
Estes três viraram o exemplo de bons roteiristas de quadrinhos.
Cada obra produzida por eles influenciava e alterava o gênero, tanto
na mitologia dos heróis quanto como em histórias independentes e
conceituais.
Frank Miller marca sua passagem pelas histórias das histórias
em quadrinhos, nos anos 80, com as obras: “Cavaleiros das Trevas”
e “Ronin”. Principalmente a primeira, que reformula o personagem
Batman, deixando-o mais sério e compenetrado em suas ambições,
sombrio e violento como a própria década que o concebe. Uma
característica interessante é o uso de computação gráfica nos
72Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
desenhos, algo inusitado para a época. É o começo de uma revolução
dos quadrinhos, no uso de cores e desenhos mais vivos com aspecto
mais “cybernético”. Mesmo a temática da obra tem um pessimismo
em um mundo destruído pela paranóia e guerras, onde até os heróis
já perderam seus antigos propósitos de “capa e espada”. O super-
homem, nesta história, não é um herói para salvar o mundo, mas um
funcionário do governo dos Estados Unidos.
Neil Gaiman, em 1988, começa sua obra prima, “Sandman”,
uma revista em 75 edições que elabora conceitos visuais dentro da
história, com um tema completamente novo, fantasioso e ao mesmo
tempo humano. Nestas histórias, ele conta facetas na existência de
uma entidade conhecida como “Sonho”, ou Morpheus, o nome do
deus grego do sonhar. Junto dele, na história às vezes aparecem seus
irmãos “Destino”, “Morte”, “Destruição”, “Desejo”, “Desespero” e
“Delírio” (uma curiosidade é que, em inglês, todos os nomes começam
com D). A existência destas entidades e a influência delas no mundo
mortal, junto com a presença de antigos mitos e lendas, que se tornam
reais nas páginas da HQ, fizerem de Sandman uma das mais cultuadas
revistas em quadrinhos dos anos 80 e 90, quando foram relançadas
como qualidade de Luxo em Graphic Novels.
O personagem Sonho, como sendo algum símbolo de esperança
e conforto do sono, é perturbado por amores iludidos e pelo egoísmo
humano, seu humor afeta a forma como as pessoas sonham. Sua desilusão
é a desilusão humana. Até seus irmãos trazem com eles reflexos deste
pessimismo. Algo sempre mencionado sobre os anos 1980.
Já Alan Moore, teve na década citada o momento de maior índice
de produção. Entre suas obras mais surpreendentes, desta década,
estão “Watchmen”, de 1988, “A Piada Mortal”, de 1989 e “V de
Vingança”, 1989. Como trabalharemos com esse último no decorrer,
comentemos os dois primeiros.
“Watchmen” retrata um mundo outro de heróis mais humanos
que os grandes heróis da era de prata, humanos por não terem
super poderes, e não por serem humanitários. Nela, vemos todo o
desenvolvimento do mundo dentro do ponto de vista de heróis da
antiga e nova geração (algo entre 1940 a 1960, antiga geração, e 1970
a 1980, nova geração), sobre a violência e os grandes acontecimentos
dos Estados Unidos envolvendo estes mesmos heróis. Também temos
um jornaleiro que interpreta o mundo e sugere o futuro pelas manchetes
dos jornais. Assim, de maneira magistral, acabamos conhecendo um
pouco de uma nova história do século XX, até os conturbados anos 80
que, graças aos heróis, chegou a um caos e ao medo, e graças a eles
também, a tranquilidade e ao conformismo.
Personagens ímpares como Coruja, Rorschach e Dr. Manhattan
mostram pontos de vistas sobre a luta contra o crime, o mundo e a
humanidade de maneiras diferentes. Esses três personagens (há
vários outros de igual profundidade, porém, esses três estão mais
presentes na história), principalmente Dr. Manhattan, filosofam sobre
suas existências, o que estão fazendo e o porquê, tentando se verem
em um mundo que não os quer mais. Toda a história se desenrola
após o assassinato de um dos antigos heróis, o Comediante, amigo e
inimigo de todos; nas lembranças de cada um, o Comediante aparece
com frases sobre vida, o que leva alguém a ser herói e comentários
ácidos e sádicos sobre cada um. Muitas vezes, carregados de uma
dura verdade.
Dentre todos, o único com algum tipo de superpoder é o Dr.
Manhattan, graças a um erro em uma experiência nuclear. Ele tem um
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 73Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
poder, se não igual, muito semelhante do que se imagina Deus possuir.
Ele reconstrói e destrói a matéria, cria vida, está além do tempo e do
espaço, pode ler mentes e tudo mais que se possa imaginar. Contudo,
com seus poderes, ele cria uma enorme indiferença à humanidade,
uma crítica muito bem feita à teologia de qualquer ordem, mostrando
que, com grandes poderes, talvez, não se venha uma grande
responsabilidade24, mas um tédio sobre a própria existência.
Contudo, é este mesmo Dr. que faz os russos, e suas armas
nucleares, permanecerem em banho-maria. O medo de que ele
entre na guerra, mantém a guerra fria, gelada, e favorável ao lado
Americano. Todo o tempo há informes jornalísticos sobre o relógio
do apocalipse, marcando quinze minutos para a meia noite, os
problemas na guerra e a tensão do front (no quadrinho se comenta
uma guerra acontecendo pelo petróleo em algum lugar no Oriente
Médio).
“Watchmen” é uma Graphic Novel que deve ser lida por toda
e qualquer pessoa amante do bom gosto, que se interesse pela
história do século XX e/ou por histórias em quadrinhos.
Não tão epopeica quando “Watchmen”, mas de igual profundidade
e importância, temos “A Piada Mortal”, do mesmo autor. Uma outra
reformulação do personagem Batman, hoje um dos mais queridos
pelos leitores de quadrinhos. Nela, temos o maniqueísmo da luta do
bem e do mal, e a nuança da balança quando se coloca Batman de
um lado e do outro seu arquiinimigo, o Coringa.
Mesmo para aqueles que não gostam de quadrinho, ou mesmo
(por mais absurdo que seja) não goste do Batman, a leitura é uma
reflexão sobre o bem e o mal, o certo e o errado, o ético e o moral.
Nela, descobrimos a história nunca contada do passado do Coringa,
e a tentativa do Batman entender como duas pessoas que não se
conhecem podem se odiar tanto.
Ao fim de toda a trama, temos o Coringa se revelando o psicopata
que é, passando dos limites para provar seu ponto de vista. Terminamos,
refletindo: Quem é mais louco? O Batman ou o Coringa?
Todas essas Graphc Novels têm por base sonhos, ilusões,
paranoia, conflitos e intenções políticas dentro de suas histórias. O
clima ameaçador da década influenciou a arte, da pintura e literatura,
ao cinema e histórias em quadrinhos. Este diálogo com a realidade
perpassa todas as histórias em quadrinhos no decorrer do tempo,
mesmo quando nela encontramos anacronismos e situações hipotéticas
absurdas em determinados momentos históricos em que se passa a
história. No livro “Muito Além dos Quadrinhos”, Verguero e Ramos
fazem uma análise muito interessante:
(...) alguns quadrinhos podem dar falsa realidade histórica, como é o caso do Príncipe Valente, de Harold Foster, no qual existe um anacronismo. Várias vezes o fato histórico é utilizado apenas como um pano de fundo para a correlação com situações do cotidiano. 25
Este cotidiano presente nos quadrinhos torna a leitura de um
quadrinho como fonte interessante e significativa em um trabalho
histórico. O autor, imerso em sua própria realidade, produz quando
convém, uma obra repleta de facetas e sugestões a sua própria
realidade. No caso do “Príncipe Valente”, quando o personagem
principal se defrontava contra os Hunos, ou os Germânicos, na Idade
Media, era uma analogia à Segunda Guerra Mundial e o conflito contra
Alemanha. Mesmo podendo ser anacrônico o momento de conflito que
se passa dentro da HQ, ou mesmo este conflito nunca ter acontecido
no período proposto pelo autor. A importância de ele ser retratado era
74Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
uma forma de mostrar ao leitor uma faceta de sua própria realidade,
sobre sua situação cotidiana atual. “Elas (as HQs) trabalham com a
ficção, mas carregam em si todos elementos que constatam a realidade,
tanto no discurso da escrita como no discurso visual.”26
Nesta ideia de falsa sensação de realidade e anacronismo,
percebemos algumas alterações de fatos históricos dentro dos
quadrinhos, para fortalecer o enredo da narrativa, e situar o leitor
no tempo, espaço e na importância dos acontecimentos. O uso
deste recurso é bem empregado por Alan Moore, principalmente em
“Watchmen”.
Quando vemos as noticias de que Kennedy foi morto, boatos
surgem sugerindo que sua morte foi causada pelo próprio governo dos
Estados Unidos e quem apertou o gatilho foi o Comediante. Sabemos
que o Comediante é um personagem fictício, e a morte do Kennedy é
real. Fazer essa mistura nos faz conhecer melhor o contexto político
em que se encontra a história, a importância do personagem dentro
do enredo e motivos outros que levam o Comediante a ser morto já no
início da história.
Outros acontecimentos “irreais” se passam na história: na guerra
do Vietnã, os vencedores foram os EUA, anos antes do fim real, graças
ao Comediante e ao Dr. Manhattan. Com essa vitória, Richard Nixon,
presidente dos Estados Unidos na época da guerra, consegue se
reeleger para o terceiro mandato, e a Guerra Fria muda seus paradigmas.
Alterar esse fato histórico torna a leitura interessante. Primeiro, para
compreender toda a narrativa (importância dos personagens e cadeia
de acontecimentos posteriores) como para ver um “o que aconteceria
se27” na hipótese dos vitoriosos serem outros no conflito do Vietnã, e
se heróis existissem.
Estas HQs com temáticas profundas retratando seu tempo, em
histórias empolgantes com temas inovadores, recursos gráficos novos
(com o tempo tornam-se quase ilimitados) e uma aceitação maior pelo
público, tornaram as Graphic Novels a revolução dos quadrinhos dos
anos 1980. Marcando seu lugar entre as grandes artes: a nona arte.
Portanto, para pensar os conturbados anos 80, seus dilemas e
transformações políticas, vamos à Inglaterra. Ao espetáculo de fogos
e explosões de “V de vingança”, a ilusão e paranoia da guerra nuclear
dos anos 80, para entender por que, em 1988, Alan Moore escreveu
para a introdução desta Graphic Novel que “Esta terra está cada vez
mais fria e hostil, e eu não gosto mais daqui!28”.
2. “V”, a vingança
Se você quer uma imagem do futuro, imagine uma bota prensando um rosto humano para sempre.George Orwell
2.1 A década perdida?
Estamos na Inglaterra, década de 80, temos uma Rainha, bebemos
chá às 17h, vestimos nossas calças jeans e camisetas do David Bowie.
Lemos livros de George Orwell, Aldous Huxley, Thomas Disch, Harlan
Ellison e Thomas Pynchon29. Sem esquecer que, em 1979, Margaret
Thatcher torna-se a primeira Primeira-Ministra, e não gostamos muito
dela.
Mesmo com Metallica, AC/DC, Rolling Stones e Pink Floyd, nada
de muito novo no mundo do Rock surge nos hits de sucesso, grande
parte são relançamentos. Na grande maioria, a música eletrônica e
ritmos menos pesados como The Police, Wham!, Abba, Bee Gees
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 75Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
entre outros, habitam as fitas K7 gravas e trocadas entre os jovens
desta geração. Alguns mantêm na sala o bom Atari, mas ir ao fliperama
gastar suas fichas em pimball ou em pac-man ainda é o programa mais
interessante.
Em Londres, outras bandas significativas, provocantes e inovadoras
em sua forma de fazer melodias e letras começaram a fazer sua fama.
Sex Pistols e The Clash. Sem duvida são as bandas mais influentes
desta geração do punk rock londrino.
O punk é o lado B da música nos anos 80. Em vez de música
eletrônica e roupas estranhas, o punk tinha seus poucos acordes, vozes
pouco harmoniosas, cabelos espetados, arrepiados ou bagunçados,
roupas surradas e jaquetas de couro ou jeans. É o punk que traz uma
mensagem anarquista ao mundo. Gritando contra o consumismo,
sangrando as cordas da guitarra contra o mundo louco que os cerca,
lutando contra o movimento cultural que não dizia aquilo que estes
jovens queriam ouvir.
De fato, os anos 80 estão repletos de pequenas peculiaridades,
mudanças significativas na política mundial e no imaginário popular
dos jovens. A cultura pessimista leva aos anos 90 um ar fresco. Pois
toda a paranoia, sem motivos muito convincentes a não ser o alívio
de todos com o “fim” do comunismo, se vai como se nunca tivesse
existido, deixando a década de 80 em um limbo, a ponto de muitos
chamarem-na de “década perdida”.
O que se podia esperar? Os anos oitenta foram os progenitores30
e assassinos do glamour rock, considerado por muitos, se não a
pior coisa que já aconteceu depois da era disco, o movimento mais
incompreendido da música inglesa. O glam como é conhecido, foi tema
de um filme, “Velvet gold mine”, de 1998, dirigido por Todd Haynes.
Tendo em seu elenco Christian Bale, um inglês radicado nos Estados
Unidos que, para investigar um crime, precisa relembrar do seu
“vergonhoso” passado como um admirador deste tipo de música.
Em suma, os músicos tocavam com roupas apertadas, repletas de
purpurina, e, sem qualquer motivo, retiravam a roupa no meio do show.
Batendo em suas partes íntimas com os instrumentos, ou coisas assim,
enquanto uma música desafinada animava as festas regadas a muita
droga sintética do final do século XX.
Entre as bandas principais, algumas delas retratadas no filme, temos:
Alice Cooper, David Bowie, Gary Glitter, Queen, T.Rex, Placebo, Scissor
Sister, Slade e, para não esquecer, Secos & Molhados. Muitas dessas
bandas de Glam não iam ao estremo deste estilo, mas seguiam algumas
tendências. O Glam influenciou o punk e outros movimentos, tem sua
importância musical e cultural. Mas se foi, não precisamos mais dele.
Fora do cenário musical, estamos impressionados com a trilogia
de Star Wars: “Uma Nova Esperança” de George Lucas, o “Império
Contra Ataca”, de Irvin Kershner e “O Retorno de Jedi”, de Richard
Marquad, sendo eles, respectivamente, de 1977, 1980 e 1983.
Alan Moore31, roteirista de V de Vingança, está entre os 27 e
30 anos, um desconhecido no mundo dos quadrinhos. Como nós,
também iludido com a política conservadora de Thatcher, sua caçada
anticomunista e comentários ácidos sobre a liberdade e a juventude.
David Lloyd32, desenhista de V de Vingança, é um veterano
nas HQs, trabalhando para a Marvel Inglesa desde os anos 70, é o
responsável pelo futuro projeto que solidificará seu nome e de seu
amigo Moore na história dos quadrinhos.
Sem esquecer, é claro, que a Guerra Fria ainda é matéria de
manchete em quase todo noticiário. O comunismo é uma “ameaça”
76Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
latente ao mundo, a guerra nuclear esta cada vez mais próxima de
acontecer. Aprendemos na escola como nos proteger de um ataque
aéreo inesperado e o que fazer quando a bomba H cair.
“London Calling” já havia sido cantada pelo The Clash, em 1979.
Pensar os anos oitenta, política e culturalmente, é entrar em um
caldeirão de acontecimentos fervilhantes e confusos. O mundo estava
envolto em um medo generalizado, os anos 60 já estavam nos livros
de história e a juventude está iludida e temerosa com o futuro. Tudo é
incerto e nada parece solucionar essa desilusão.
Diferente dos Estados Unidos, a Europa ainda mantém em suas
paredes resquícios de um século conturbado. Duas guerras mundiais
que se mantiveram, em grande parte, em solo europeu. O ano de 1968
que, não só na França, marcou a Europa com suas manifestações,
protestos e mortes. O envelhecimento do movimento Hippie na
Inglaterra. O fim destes cem anos não parecia ser um final feliz. Talvez,
apesar de se passar na América Latina, o final de “Cem anos de
Solidão” (1982) de Gabriel García Márquez sintetize o final esperado.
Sem contar que, em 1982, nossa Primeira-Ministra mais impopular
se vê em um dilema, que se torna sua maior oportunidade, as
Falklands (que os argentinos insistem em chamar de Ilhas Malvinas)
são dominadas pelo exército argentino. Mesmo sendo um território
desimportante na economia inglesa, o parlamento considera esta
atitude como sendo uma ofensa direta a moral inglesa e ao bom nome
da Rainha. Porém, em vez de perder a pose, a sra. Thatcher declara
guerra para reconquistar o seu território, dando início em 2 de abril de
1982 ao conflito Inglaterra versus Argentina, que se repetiria na copa
de 198633, no campo de futebol, onde um gol de mão é a revanche
castelhana realizada.
O resultado dessa guerra são dois: primeiro, a elevação da moral
da primeira-ministra e com isso sua reeleição, fazendo seu domínio
se estender por toda a década e calando a boca dos parlamentares
que gritavam “Demita-se, demita-se34” nos dias de crise anteriores a
vitória. E segundo, a criação de um mito, um herói popular que até
hoje se mantém nos noticiários argentinos: Diego Maradona, por
permitir que, mesmo trapaceando, a Argentina estabelecesse a sua
superioridade latina sobre os invasores saxões no futebol.
Thatcher assume a postura de Dama de Ferro como ficou conhecida
pelo seu discurso contra o comunismo e a URSS. A Inglaterra entra em
uma crise econômica, as greves gerais atrasam a economia inglesa
e nem o Partido Conservador, nem o Trabalhista, conseguem acertar
um acordo com os trabalhadores. Thatcher retira os subsídios do
governo, deixando a administração nas mãos das empresas privadas.
Desemprego e inflação são a reposta a isso. A Primeira-Ministra declara:
“vai piorar muito antes de melhorar35”. Como diriam os membros do
partido totalitário de “V de Vingança”: “Inglaterra Triunfa”.
Assim surge a postura neoliberal na Grã-Bretanha. Os trabalhadores
em greve, o mundo dentro de um colapso nuclear (sabemos, hoje, que
seria muito difícil acontecer tal hecatombe, mas nos anos 1980 não
era o que aparecia na TV), e como resposta aos medos e incertezas
políticas econômicas, Thatcher simplesmente diz que não fará nada.
Vamos dar a voz a um inglês mais velho sobre:
A tentativa mais consistente de instituí-lo no Ocidente (planos econômicos utópicos que prezavam a liberdade e o máximo de felicidade), o regime da sra. Thatcher na Grã-Bretanha, cujo fracasso econômico era geral admitido na época de sua queda, tinha de operar com um certo gradualismo. Contudo, quando se fizeram tentativas para instituir-se de uma hora para outra, essas
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 77Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
economias de laissez-faire em substituição às antigas economias soviético-socialistas, os resultados foram economicamente apavorantes, e política e socialmente desastrosos. As teorias em que se baseava a teologia neoliberal, embora elegantes, pouca relação tinham com a realidade36.
Somado a isso, Thatcher mantém uma barreira moral e crítica
contra o comunismo soviético, aderindo à muralha de ferro, ou
cordão sanitário, da maneira exemplar. Suas declarações duras são
responsáveis pela alcunha “Dama de Ferro”, como sendo uma protetora
da fronteira ocidente - oriente comunista. Uma de suas frases famosas
é “Ninguém se lembraria do Bom Samaritano se ele só tivesse boas
intenções. Ele possuía também dinheiro.37”
Tais declarações eram a expressão de uma rigidez política da
época, a necessidade de tomar um partido, uma opinião moral, uma
posição ética mundial.
No Brasil, os comunistas e estudantes revolucionários começavam
a parar de morrer nos cárceres da ditadura. Cuba ainda estava lá, viva e
forte no Atlântico, uma bandeira vermelha tremulando no horizonte da
praia de Malibu, na Flórida. Não havia mais ícones comunistas jovens e
heróicos como nos anos 60 e 70. O mundo estava mudando. Mas tudo
parecia tão incerto que, mesmo quando Mikahail Gorbachev assume
a secretaria-geral do Partido Comunista Soviético, promovendo
uma tentativa de paz e reacomodação econômica e política com a
perestroika e a glasnost, o mundo parecia se manter nas miras das
bombas nucleares.
Nesta balança para se tomar um lado, capitalismo e comunismo
se chocavam mundialmente, e o medo deste choque causar uma
catástrofe era a base do pensamento de 1980. Certo, talvez não fosse
tão transtornador viver neste período, ainda estamos aqui, afinal. No
mínimo era confuso. Mas, na queda de braço, a Inglaterra ficou do lado
do “Bom Samaritano”.
Embora o capitalismo certamente não se achasse na melhor das formas no fim do Breve Século XX, o comunismo do tipo soviético estava inquestionavelmente morto, e era muito pouco provável que revivesse. Por outro lado, nenhum observador sério no início da década de 1990 podia ser tão confiante em relação à democracia liberal quanto ao capitalismo. O máximo que se podia prever com alguma confiança era que praticamente todos os Estados iam continuar a declarar suas profunda ligação com a democracia, a organizar algum tipo de eleição, com uma certa tolerância por uma oposição às vezes conceitual, mas dando sua própria interpretação ao significado do termo.38
Quando, em 1986, o inesquecível (deveria ser inesquecível) desastre
nuclear na Usina de Tchernobyl na Ucrânia ocorre, e o mundo se vê
no impasse de que o comunismo estava fragilizado, doente e ruindo,
literalmente. Mas também, com medo, afinal, toda grande potência
possuía uma Usina nuclear em uma cidade não muito distante.
Até chegarmos em 1989, com o comunismo mostrando,
definitivamente, seus erros e opressões, com o massacre na Praça da Paz
Celestial, na China, e com a queda do muro de Berlin, na Alemanha. Muita
paranoia e medo participavam dos sonhos e pesadelos dos anos 80.
Fora de toda loucura generalizada da política econômica mundial,
a cultura também passava por severas mudanças. O cinema largava
seus antigos conceitos, para câmeras mais leves, efeitos especiais
e sonoros que revolucionam a arte, como em Star Wars. A televisão
já estava em todos os lugares, ao ponto de Thatcher declarar que
“Vivemos na era da televisão. Uma só tomada de uma enfermeira
bonita ajudando a um velho a sair de uma sala diz mais do que todas as
estatísticas sanitárias39”. A música deixa de ser tirada com os dedos
78Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
das guitarras para dar lugar à música eletrônica, bateria pronta e
melodias repetitivas. Seriados de televisão e ficções científicas trazem
alienígenas invasores como uma metáfora ao comunismo, fazendo uma
releitura do que já era feito nos anos 50 e 60, quando a guerra fria
estava em seu auge, e esta metáfora começava a ser usada em livros
e no cinema.
Os filmes trazem uma juventude querendo festa, perder a
virgindade, curtir a vida adoidadamente40 e sobreviver à vida escolar,
com todas as suas divisões étnicas, fazendo coisas erradas por ter
uma opinião diferente da “norma” estabelecida. Talvez isto seja culpa
da banda Pink Floyd, com seu LP duplo “The Wall”, de 1979, dentro
de todas as grandes músicas: “Another brick in the wall”, tornou-se a
canção mais influente, principalmente a parte 241.
A IBM lança o computador portátil, em 1981, e uma nova revolução,
talvez o início da quarta revolução industrial, como alguns historiadores
indicam, tenha surgido com esse primeiro espécime de computador,
entrando nas casas como fez o rádio e a televisão.
Em 1985, ecologistas detectam um buraco na camada de ozônio
sobre a Antártida, dando base aos argumentos dos ambientalistas
que se estendiam há décadas alertando sobre o consumismo, a
obsolescência e o mau uso das matérias primas.
Sem contar outras guerras mais quentes como Israel invadindo
o Líbano, com o apoio dos USA, em 1982. Ou mesmo a invasão do
Panamá, para abolir as drogas vendidas aos “inocentes jovens” norte
americanos.
No entanto, podemos concordar com Gary Jules, músico britânico
que, em 1982, lançou uma música, hoje considerada um hino, utilizada
em filmes de muitos diretores que tiveram sua juventude neste período.
Como Sean Penn em seu filme “Into the Wild” e Richard Kelly, com o
filme “Donnie Darko”. A música é “Mad World”.
Ele diz: “And I find it kind of funny / I find it kind of sad, The dreams
in which I’m dying are the best I’ve ever had, I find it hard to tell you /
I find it hard to take, When people run in circles It’s a very very Mad
World / Enlarging your world Mad World”42.
Entender os anos 80 nos permite entender o contexto em que a
graphic novel V de Vingança foi escrita e onde Alan Moore e David Lloyd
estavam inseridos. Contudo, o mundo louco e conturbado da década
de oitenta, suas características e situações culturais, econômicas e
políticas tem origens durante todo um século. Este século também
influencia a obra de Alan Moore, V de Vingança, e esta é influenciada
pela obra de George Orwell, “1984”. Vamos ampliar nosso mundo
e voltar um pouco nas décadas e perceber essas influências, que
fazem estes dois autores projetarem futuros não muito agradáveis de
imaginar.
2.2 O futuro é hoje
Karl Marx, na introdução do Manifesto ao Partido Comunista,
desenvolve o conceito de “Aprendiz de feiticeiro43”, usando-o para
denominar os burgueses revolucionários, franceses e ingleses, do século
XVIII e XIX, que, após obterem suas conquistas, se perderem pelo poder
e ambição, não conseguem controlar aquilo que haviam criado. Um
feitiço que volta contra o feiticeiro. Uma magia que foge ao tamanho
previsto e causa um efeito maior do que o esperado. Podemos dizer que
o século XX está repleto destes feitiços que fugiram ao controle.
Um deles, iniciado com a propagação da mídia, após a vitória norte
americana, ao custo de muitas vidas, com a bomba atômica caindo
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 79Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
sobre Hiroshima e Nagasaki, desencadeou um pensamento paranóico,
uma política desenfreada e crises econômicas que perpassaram o
mundo até 1989, e além, quando um simples muro de concreto cai,
deixando em suas ruínas escombros de um feitiço que ainda pode ser
sentido ao olharmos para trás, e para o mundo atual.
Antes deste feitiço, temos os movimentos totalitários do início
do século, que geraram tanto tormento a tanta gente. Terror, morte,
desespero e desilusões marcam o período, surge a magia principal que
marca, a ferro e fogo, algumas vezes literalmente, o século XX.
Os movimentos totalitários saíram da Itália, Rússia e Alemanha
para ganhar o mundo. O fascismo, o nazismo e o stalinismo tornaram-
se ideias a serem interpretadas, e não somente movimentos isolados
em determinados países. Elas marcaram outras ditaduras totalitárias
ao redor do mundo. Mesmo estas ideias tendo sido findadas em 1945,
ou se a intenção fosse que o túmulo marcasse tal data como o fim
derradeiro desta feitiçaria da pior espécie lançada sobre o mundo,
seus aprendizes erraram a mão em alguma fórmula e dela surgiram
muitos outros terrores do breve século XX.
A bomba atômica foi uma resposta indireta a esta feitiçaria, os regimes
ditatoriais foram uma resposta a ela, as outras guerras: Golfo, Vietnã, a
crise dos mísseis entre Cuba e os Estados Unidos, a própria revolução
cubana, o maio de 68, o massacre em Praga, em Pequim, a passeata dos
cem mil, o movimento negro, feministas, enfim, tanta luta e tanta morte
por efeito de um feitiço mal feito, tudo respostas a um erro passado,
que custou a ser consertado, se foi consertado44. Podem ser respostas
indiretas ao acontecimento, seguindo o fluxo dos acontecimentos.
Hoje, talvez, a Segunda Guerra Mundial esteja na história, em um
passado de quase 100 anos. Hitler é uma personalidade tão excêntrica
quanto Napoleão. A Rússia, dizem, não é mais comunista, outros
sussurram que o comunismo está morto. E o mundo respira aliviado
um novo final dos tempos: o aquecimento global, ou outra catástrofe
ecológica do gênero.
Vamos voltar à Inglaterra e às obras propostas para análise. As
ruas sujas e repletas de cartazes com mensagens ligadas ao Estado
são o panorama predominante. A cidade cinza de fuligem e poluição
marca nossa primeira olhadela pela janela de nosso quarto.
O governo nos ama. Nos protege e nos quer bem. Vemos seus
olhos em todo lugar, suas mensagens de apoio. Ouvimos no rádio, na
televisão, sua voz, a voz que parece ser a do destino, nos alertado,
nos mostrando o que está acontecendo. Sempre preciso, sempre certo
sobre os dados, sobre as estatísticas, sobre o futuro.
Ouvir o governo na rádio ou na tevê nos acalma. É tudo que
podemos fazer, não ouvimos música, a não ser aquelas aceitas pelo
estado, ou marchinhas militares. Não assistimos nada que não seja
aquilo que temos que ver, porque o estado quer. E ele só faz isso por
que ele nos ama. O fardo de responder por nós é grande demais, e não
podemos reclamar.
Normalmente trabalhamos em fábricas de armas ou em alguma
outra função em prol do Estado, que se esforça para conter as guerras
que sempre ameaçam nosso território, bombas podem explodir a
qualquer momento. Estamos sitiados dentro de nossas próprias casas.
Nenhum lugar é seguro.
Quem pertence ao partido tem suas vantagens, claro. Melhores
casas, acesso a certos lugares, algum tipo de imunidade. Quanto mais
alto e mais perto da alta cúpula, quanto mais importante seu cargo ou
função, mais regalias e vistas grossas são feitas sobre suas costas.
80Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Este é o mundo que vivemos após tanto conflito, guerras e
ameaças. Aceitamos nosso grande líder como um irmão mais velho a
cuidar de nós quando nossos pais não estão em casa. Ele sabe o que é
melhor para nós, e nós aceitamos isso, sem questionar.
Estamos em um mundo totalitário, em um futuro distópico45,
imaginado por alguém para uma Inglaterra ditatorial, paranóica e
omissa ao que acontecia com ela mesma. Por enquanto, podemos
estar tanto na mente de George Orwell quanto na de Alan Moore;
“1984” ou “V de Vingança”. Nas duas temos essas ideias de futuro,
uma Inglaterra arruinada pelo século que a precede. Nas duas temos
uma população omissa, desinteressada, confusa e medrosa, algo
desconcertante, como diz Hannah Arendt:
Mas o que é desconcertante no sucesso do totalitarismo é o verdadeiro altruísmo de seus adeptos. É compreensível que as convicções de um nazista ou bolchevista não sejam abalados por crimes cometidos contra os inimigos do movimento; mas o fato espantoso é que ele não vacila quando o monstro começa a devorar os próprios filhos, nem mesmo quando ele próprio se torna vítima da opressão, quando é incriminado e condenado, quando é expulso do partido e enviado para um campo de concentração ou de trabalhos forçados. Pelo contrario: para assombro de todo o mundo civilizado, estará até disposto a colaborar com a própria condenação e tramar a própria sentença de morte, contanto que o seu status como membro do movimento permaneça intacto.46
Os motivos que levam Orwell a escrever seu clássico livro, “1984”
são relativamente claros. Publicado em 1949, quatro anos após o fim
da Segunda Grande Guerra, possui todo o pessimismo do período. As
ruínas da Europa ainda eram visíveis; o sofrimento, o terror e as perdas
ainda faziam parte de uma conversa corriqueira. Alertar o mundo que
aquilo não podia acontecer novamente, ou que não só a Alemanha e
a URSS poderiam criar sistemas totalitários como o nazismo, a Grã-
Bretanha facilmente poderia sucumbir se nada fosse feito. Do contrário,
o autor pensou em uma estimativa de 35 anos para todas as mudanças
que ele imaginava viessem a acontecer. Para que os quatro ministérios:
“o Ministério da Verdade, que se ocupava das notícias, diversões,
instrução e belas-artes; Ministério da Paz, que se ocupava da guerra;
o Ministério do Amor, que mantinha a lei e a ordem, e o Ministério
da Fartura, que acudia às atividades econômicas47” surgissem nesta
nova Londres, tendo na fachada do Ministério da Verdade os 3 lemas
do partido: “Guerra é Paz, Liberdade é Escravidão, Ignorância é Força”.
Podemos ver “1984” como um alerta, uma necessidade de dizer “para
que não se esqueça, para que nunca mais aconteça48”.
Orwell se desilude com o que acontece na Rússia, com o governo
de Stalin, as mortes e os campos de trabalhos forçados. A tirania
naquilo que seria o sonho comunista se realizando. Em sua obra,
esta desilusão e alerta estão constantemente presentes. As formas
como o governo age, sua postura e relações com seu povo são formas
como o autor via o governo de Stalin. A própria fisionomia do Grande
Irmão, lembrava os cartazes de Stalin: “o rosto de um homem de uns
quarenta e cinco anos, com espesso bigode preto e traços rústicos mas
atraentes49” já a descrição de Goldstein lembra em muito a face de
Trotsky: “era um rosto judaico, magro, com um grande halo de cabelo
branco esgrouvinhado e um pequeno cavanhaque – um rosto arguto (...)
no nariz comprido e fino (...) se equilibravam os óculos50”. Esta relação
do Grande Irmão com Goldstein é uma metáfora ao relacionamento
de Stalin com seu antigo amigo, e rival na política da URSS, Trotsky51.
Contudo, o que leva Alan Moore resgatar este livro, próximo ao
ano previsto para o cumprimento de sua profecia, e ampliar o ano para
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 81Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
uma década à frente, 1997, alterar algumas coisas para um cenário
mais atual e, novamente, projetar um futuro distópico sobre Londres?
Vejamos: na década de 80, pessoas vivas que tinham lutado na
segunda guerra mundial não eram muitas, ou haviam falecido ou
atingiam a terceira idade. Uma Inglaterra totalitária não era um projeto
de governo viável para o momento. O mundo já tinha problemas
demais para resolver. Por que V de Vingança torna-se um quadrinho
tão popular se o mundo não se parecia, em nada, com aquele vivido
por George Orwell?
Talvez, fossem parecidos.
Os dois livros retratam a população de maneira semelhante,
omissa e disciplinada com o estado que a rege. Contudo, há algumas
discrepâncias que mostram os pontos onde as diferenças de período
se ressaltam.
O “1984” trabalha com um mundo mais próximo ao Stalinismo,
controlando as pessoas pelo psicológico, propagandas políticas
massivas, ódio ao outro, entre outras teorias de controle de massa. A
própria ideologia do partido de “1984” se chama Socialismo Inglês. A
organização de poucos ministérios responsáveis por um bom número
de funções, entre outras características lembram muito a visão que se
tinha do Stalinismo.
Diferente de V de Vingança, que possui um distanciamento da
Segunda Guerra, quase meio século de tecnologia e inovações para
acrescentar. Fazer um remake do “1984” não estaria a altura dos
anos 8052.
O cenário de V de Vingança se assemelha com o mundo cinza
e sujo de Orwell, porém, com mais outras formas de controle e
tecnologias. Vemos a presença de campos de concentração, ódio a
negros, homossexuais, entre outros povos e minorias. A presença da
televisão e sua importância na sociedade são apresentadas, sendo
uma constante preocupação de Moore a quantidade de tempo médio
que as pessoas ficam em frente à TV durante o dia.
Esta televisão como parte de um sistema controlador aparece nas
duas histórias de maneiras diferentes. Orwell apresenta as teletelas,
aparelhos de tevê que ficam fixas em todas as casas. “O aparelho
podia ter o volume reduzido, mas era impossível desligá-lo de vez53”.
Elas servem também como câmeras que filmam o tempo todo todas as
pessoas, dentro de suas próprias casas, na intimidade do lar. Ninguém
está impune da vigilância constante, feita pelo próprio Estado. Temos
aqui um exemplo duro e bruto do que é o panóptico54 de Foucault e
sua implicação vigilante, onde ninguém sabe se realmente está sendo
vigiado.
Um princípio usado de maneira diferente por Moore. A tevê está
presente nas casas como nos dias de hoje, as pessoas assistem como
um hábito costumeiro diário. Passando suas horas vendo besteiras
e notícias. Contudo, essa vigilância monitorada está nas ruas, nos
policiais fazendo vigia. Fazendo quarentena em bairros, impedindo
pessoas de sair de casa, como é mostrado já nas primeiras páginas da
HQ, quando uma noticia é passada na rádio, mostram-se câmeras de
vigilância sobre as pessoas, com placas dizendo “Para sua proteção”55
e policiais indicando o que fazer.
Esta forma de disciplina se encaixa na proposta de “sociedade de
controle” de Gilles Deleuze, no texto “Sobre as sociedades de controle”
do livro “Conversações”. Aqui, Deleuze busca em Foucault a ideia
disciplinar dos séculos XVIII e XIX, mas projeta para o final do século
XX, com novas tecnologias e ideias de vigilância constante. Onde não
82Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
somente as pessoas são sentinelas umas das outras, mas câmeras
de segurança, computadores e radares monitoram os movimentos e
mantêm todos sob o devido controle. Mesmo o panóptico se mantendo
como um conceito abrangente através do tempo, o ano de 1997 de
“V de Vingança” se enquadra perfeitamente nesta sociedade pensada
por Deleuze.
Na própria notícia da rádio já encontramos um discurso de controle,
quando informa à população que as “zonas de quarentena hoje são as
áreas de Brixton e Streatham. Sugerimos que o acesso a elas seja
evitado por razões de saúde e segurança56”, na sequência, informativos
sobre racionamento de carne e produções de ovos, junto com a notícia
do desbaratamento do que “se supõe ser uma célula terrorista”. Após
uma notícia assustadora como essa, de que há células terroristas na
cidade, segue-se outra falando da roupa da jovem rainha e sua aparição
pública. Abrindo uma brecha para falar que para a Bretanha voltar a ser
uma grande nação só depende dos homens desse país, ou seja, se ela
não é uma grande nação, a culpa também é dos homens trabalhadores
deste país. Fecha, alertando as pessoas sobre o preenchimento do
censo, que também é uma forma de controle populacional, e com uma
rápida informação sobre um projeto de limpeza de um charco, que não
fica muito claro. Por fim, um “boa noite”.
Essas notícias todas, por mais importantes que algumas delas
pareçam ser, foram dadas as 00h07, do dia 5 de novembro, enquanto Evey
se maquia para tentar, pela primeira vez, ganhar algum complemento
ao seu parco salário em uma fábrica de munições, vendendo assim,
talvez a única coisa que seja dela, seu corpo. Ela tem dezesseis anos.
Ao mesmo tempo, em uma coincidência do destino, esse é o dia em
que V iniciará o fim de sua revolta. Também se preparando, colocando
sua maquiagem, sua mascara e fantasia. Provavelmente, ninguém
estava prestando atenção ao que era dito no rádio.
A diferença crucial nas duas obras está no desfecho. Para
Orwell, não existe esperança. O mundo está fadado ao fracasso, ao
conformismo e a escravidão moral para sempre. Mesmo um herói, que
encontra outro igual em sua luta, se vê cercado e condenado a morte
certa ao tentar de rebelar contra o partido. Porém, não somente ele
morre, não somente ele perde a causa, ele perde seus princípios, seu
ideal, tudo que fazia dele, ele mesmo, para no fim aceitar tudo que ele
sempre odiou. Aceitar, amar, morrer por aquilo.
Moore não concorda com isso, no mínimo, não aceita em sua obra.
A Anarquia é a salvação do mundo, um homem, um único homem, pode
mudar as coisas, por pior que elas estejam. Claro, agitando a massa
para agir com ele.
As duas obras contêm um pessimismo em relação à política do
momento em que foram escritas, as pessoas que nada fazem a respeito
do mundo que as cercam e a natureza humana.
David Lloyd, desenhista de V de Vingança, na introdução, de
1990, da graphic novel comenta sobre uma ida dele ao bar. Sobre
os seriados que passam na tevê enquanto ele bebe sua Guinness
tranquilamente em um pub londrino. Primeiro, “EastEnders – um
seriado sobre o dia-a-dia de trabalhadores alegres e descontraídos em
um bairro mítico e decadente de Londres”, depois “Porridge – a reprise
de um sitcom sobre um prisioneiro alegre e descontraído numa prisão
vitoriana decadente e, por conveniência, nada opressiva”, então, as
8:30, “veio A Question of Sport – um show de perguntas estralando
celebridades esportivas alegres e descontraídas, respondendo sobre
outras celebridades esportivas, muitas das quais também alegres e
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 83Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
descontraídas” “Reinou o bom humor57”. Contudo, 30 segundos após
iniciar o noticiário, a televisão é desligada. Ao indagar ao garçom sobre
qual motivo levou a tevê a ser desligada, ouve como resposta, em um
tom alegre e descontraído, do garçom: “Não reclame comigo. Foi a
patroa”. Ao terminar a cerveja, foi embora do bar, sabendo que a TV
não seria ligada novamente, pois após o noticiário das nove, passaria
o filme “Os meninos do Brasil”, “com poucos personagens alegres
e descontraídos”. Para finalizar sua carta, ele coloca que: “Em V de
Vingança, também não há muitos personagens alegres e descontraídos.
E é para gente que não desliga na hora do noticiário” (provavelmente
valia a pena ver jornal nos anos 80).
Esta colocação sobre os anos 80, sobre a televisão marcar presença
com personagens despreocupados e descontraídos em contraponto
a visão dos autores sobre o mundo não estar tão alegre assim, nem
tão descontraído, muito menos despreocupado, mostra que, V de
Vingança veio na contra cultura, não querendo acalmar as pessoas
sobre o mundo que as cercam, e sim, avisar que, a qualquer momento,
as pessoas deveriam ir à rua para acertar as coisas.
Esta relação da televisão, do rádio, das propagandas coladas por
toda Londres nas duas obras, mostra as formas de propaganda do
Estado às pessoas para marcar sua presença a todo o momento. “A
essência dos movimentos totalitários, que só podem permanecer no
poder enquanto estiverem em movimento e transmitirem movimento a
tudo que os rodeia58”. Nos casos de “1984”: “o Grande Irmão Zela por
Ti”; Os lemas do Partido; Os Dois Minutos de Ódio, momento diário
em que todos os funcionários do partido vão para uma grande sala, e
por dois minutos assistem em uma grande tela, imagens da guerra,
dos revolucionários contra o partido, e lengalenga especiosa dita pelo
Inimigo do Povo, Emmanuel Goldstein, um homem a ser odiado, nunca
capturado pelo estado, quase uma lenda sombria a perturbar o sono
das crianças; ódio ao inimigo; ao passado perturbador; a guerra; ao
mesmo tempo uma prova de amor ao Partido, ao grande irmão. Além
de diversas situações, cartazes panfletários entre outros movimentos
usados de subterfúgio para controlar a mente das pessoas, indo para
todos os instintos humanos, até o sexual. “O Partido estava procurando
matar o instinto sexual ou, se não fosse possível matá-lo, distorcê-lo e
torná-lo indecente.59”
Em “V de Vingança” a propaganda também está presente. Não
só em plaquetas dizendo “para a sua proteção”, mas em cartazes que
sempre aparecem como “força através da pureza, pureza através da
fé”, propagandas na rádio dizendo “deposite sua fé no Destino”, que é
como ficou conhecida a voz na rádio; ou programas de seriado, como
um elaborado dentro da HQ chamado de Storm Saxon60, que acontece
no futuro de 2501. Um herói racista, que salva mulheres brancas e
sexys, quais sofrem nas mãos dos negros que dominam o mundo. Neste
seriado, vemos frases como: “esses negros carniceiros já abusaram
demais! Eles curram nossas mulheres, queimam nossas casas, nossas
posses.61”; ou o seriado Sempre Rir que tem a chamada para o
episódio que diz: “acompanhem os problemas de Sid e Brenda, quando
um vizinho os acusa de armazenar comida62”, uma forma humorada de
educar e mostrar o que não deve ser feito, um pensamento do estado
para as pessoas. A tevê como normatização.
Nos países totalitários, a propaganda e o terror parecem ser duas faces da mesma moeda. Isso, porém, só é verdadeiro em parte. Quando o totalitarismo detém o controle absoluto, substitui a propaganda pela doutrinação e emprega a violência não mais para assustar o povo, (o que só é feito nos estágios iniciais, quando
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ainda existe a oposição política) mas para dar realidade às suas doutrinas ideológicas e às suas mentiras utilitárias63”
Outra abordagem que surge nas duas histórias é a poluição
das cidades. Em “1984”, a poluição é culpa das fábricas, carvão
queimando e sujeira. Em V, aconteceu um Inverno Nuclear. Mesmo
que já se tenha uma preocupação ambiental, e o mundo começa a ver
os desastres ecológicos, não como agora, pois, na época, eles tinham
bombas atômicas para se preocupar, não como hoje que elas não são
tão importantes quanto as baleias, as tartarugas e os carros. Na teoria
de Moore, Thatcher não se elegeria para o terceiro mandato em 1988,
perderia o cargo para os partidos trabalhistas, e assim, a Inglaterra
se livraria das bombas atômicas que possuía, deixando de ser alvo da
guerra nuclear que afeta a periferia do mundo inglês. Porém, mesmo
as bombas não tendo estourado no meio do chá das cinco da tarde. O
mundo sofre com as explosões. Deixando tudo mais escuro, chuvoso e
sujo. Tudo uma simbologia para agravar ainda mais o futuro distópico,
onde nada é melhor do que foi no passado.
A explicação para estas situações catastróficas que acontecem
é realizada pelos Estados das duas obras de maneira diferente, tudo
para justificar o poder e concretizar os mitos de origem, validando os
problemas atuais como sendo problemas do passado. Orwell joga tudo
em um passado mítico, antigo e esquecido pela falta de lembrança
das pessoas, de educação cultural e histórica. Mesmo quando Winston
Smith, personagem principal em “1984”, vaga pela cidade e encontra
uma pessoa velha para quem ele possa perguntar sobre o passado,
esta não sabe dizer nada sobre seu próprio passado ou de alguma
história mais antiga ao Partido. Ninguém sabe como era antes das
guerras, “os livros de História dizem que antes da revolução a vida
era completamente diferente do que é hoje. Reinava a mais terrível
opressão, injustiça, pobreza... pior do que tudo que imaginamos64”.
Mesmo o velho, que esta sendo “interrogado” por Smith, não se
lembra, está alcoolizado demais, velho demais para lembrar. Talvez
nem se importe. Como durante muito tempo lembrar-se do seu
passado era desimportante, sua memória acabou apagando ou se
misturando com novas informações que vieram com o tempo. Assim, o
partido conseguia controlar o passado, o presente e o futuro. Ninguém
consegue lembrar-se do que aconteceu, ninguém pode comparar sua
vida com outra para saber o que era melhor.
“Quem controla o passado, controla o futuro; quem controla o
presente, controla o passado65” este é um dos lemas do Partido em
“1984”.
Já em V de Vingança tudo inicia na recessão de 1981, na Inglaterra
real, durante o ministério da senhora Thatcher (mesmo que o nome
dela não seja dito literalmente), poucos anos antes do ano de 1997,
em que se passa a história. Os trabalhistas assumem o poder e retiram
as bombas atômicas, mesmo assim, a guerra acontece. Não se explica
direito, pois a história é contata pela memória de Evey que, na época,
tinha 7 anos. Mas, em 1988, se iniciou uma guerra nuclear, entre
os russos e os norte americanos. Com o tempo, os bombardeios se
espalharam pelo mundo, a África deixou de existir, a Europa recebeu
grande parte das bombas, Londres ficou embaixo d’água. O céu
ficou amarelo e preto66. O clima ficou louco. As pessoas morriam de
doenças, os esgotos transbordaram. Em 1992, no meio de uma guerra
de quadrilha pelo poder, uma coalizão de grupos fascistas, chamada
de Nórdica Chama, consegue o poder. Em meio ao caos, as coisas
começam a se acalmar.
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 85Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Assim, este grupo começa a caçar, prender e matar minorias. O
pai da Evey é levado embora, pois participou de um grupo socialista
na juventude, sua mãe já havia morrido de alguma doença. Assim, a
menina é levada para trabalhar em uma fábrica de fósforos. Este é o
retrato da Inglaterra em 1997 em “V de Vingança”. O passado ainda é
recente, mas em meio ao caos e as transformações mundiais, parece
ser muito pior do que é hoje. Mesmo o governo sendo fascista, as
coisas não poderiam ficar piores do que eram durante a guerra. Parece
que o lema “Ignorância é Força” se encaixa perfeitamente nesta
nova Inglaterra, pois ao ignorar o passado, deixar de fazer perguntas
e entender o que se passa ao seu redor, o estado se fortalece, e a
realidade torna-se mais suportável, pois eu simplesmente a ignoro.
Dentro de todo esse conceito de semelhanças e diferenças,
encontramos um ponto chave para pensar “V de Vingança” e “1984”,
que são seus movimentos totalitários. Estes feitiços que afetaram os
autores e que, por consequência, as próprias obras criadas.
Somos imediatamente tentados a interpretar o totalitarismo como forma moderna de tirania, ou seja, um governo sem leis no qual o poder é exercido por um só homem. De um lado, o poder arbitrário, sem freios das leis, exercido no interesse do governante e contra os interesses dos governados; e, de outro, o medo do governante pelo povo67.
Esta afirmação torna-se verdade nas duas obras. Em “1984” pelas
investidas e políticas contra traição, a paranoia do partido e todo o
aparato usado no Ministério do Amor para acabar com as ideias
rebeldes nos revoltados. Sem contar a Novilingua68, que é uma forma
de controle das pessoas.
Em “V de Vingança” este medo do governante pelo povo, e
o interesse deste em governar aparece de maneira mais poética.
Enquanto conhecemos o Grande Irmão, na obra Orwell, uma entidade
praticamente sem nome, um rosto que encara as pessoas, que as
oprime e que as ama. Na Inglaterra de Moore, temos Adam Susan, o
Líder. A cabeça do partido, o homem por trás de tudo.
Meu nome é Adam Susan. Eu sou o Líder. Sou um homem como qualquer outro. Eu conduzo o país que amo para fora da desolação do século vinte. Acredito na sobrevivência. No destino da raça nórdica. Eu acredito no fascismo. Oh, sim, eu sou fascista. O que é fascismo? Uma palavra. Um termo cujo significado se perdeu no resmungo dos fracos e traidores. Os romanos inventaram o fascismo. Um maço de gravetos era o símbolo. Um graveto sozinho podia ser partido. O maço resistiria. Fascismo... força da união.Eu acredito na força. Eu acredito na união. E se a força, a união de propósitos, exige uniformidade de pensamento, palavras e feitos, que assim seja.Eu não ouvirei súplicas por liberdade. Sou surdo aos apelos por diretos civis. Eles são luxos. Eu não acredito em luxos.A guerra escorraçou os luxos.A guerra escorraçou a liberdade.A única liberdade que resta ao povo é passar fome. A liberdade de morrer... de viver num mundo caótico. Devo conceder a eles tal liberdade? Creio que não.Reservo a mim a liberdade que nego aos outros? Não. Eu me restrinjo à minha cela e sou apenas um servo. Eu, que sou mestre de tudo que posso ver.Eu vejo a desolação. Contemplo as cinzas. Possuo tanto e tenho tão pouco.Eu não sou amado, nem de corpo nem de alma. Jamais conheci o murmúrio da ternura. Nunca senti a paz que reside por entre as coxas de uma mulher. Mas eu sou respeitado. Sou temido. E isso é o bastante...... por que eu amo. Eu, que não sou amado, tenho um amor mais profundo que gemidos e convulsões da conjunção carnal.Devo falar dela? Devo falar da minha noiva?Ela não tem olhos para flertar ou proteger, mas a tudo enxerga. A tudo vê e compreende com divina sabedoria. Diante dos portais de
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seu intelecto, eu me deixo cegar pela luz interior. Quão ignóbil devo parecer a seus olhos, quão pueril e primitivo.Sua alma é limpa, imaculada pelas armadilhas da emoção. Ela não odeia, não anseia. Jamais foi tocada pela alegria ou tristeza. Eu a venero, mas não a mereço. Eu idolatro a pureza de seu desprezo. Ela não me respeita e nem me teme.Ela não me ama.Quem não a conhece pensa que é dura e fria. Uma criatura sem vida e sem paixão. Eles não a conhecem, nem recebem seu toque.Ela me toca e eu encontro com Deus, pelo destino. Toda a existência flui através dela. Eu a idolatro. Sou seu escravo. Liberdade alguma jamais foi tão doce.Minha amada, deixe-me ficar ao seu lado para sempre, passar minha vida em seu interior. Eu anseio por todos os seus desígnios sem jamais suplicar a menor centelha de afeição. Destino.Destino... eu te amo.69”
Arendt ao dizer: “o idealismo, tolo ou heróico, nasce da decisão
e da convicção individuais, mas forja-se na experiência70” deve ter
pensado em pessoas como o Líder, que têm suas convicções acima de
sua própria vida, por mais erradas que estas convicções sejam.
Quem leu esse texto sem acompanhar com o quadrinho, de onde
esse monólogo foi tirado, pode achar tudo muito confuso. Portanto,
vamos elucidar o mistério. Ele está falando com uma máquina. Um
computador que tudo rege, tudo vê e tudo sabe. Um banco de dados
que vigia a todos, que calcula os acertos do partido, chamado de
Destino.
Ela seria uma metáfora que podemos empregar como sendo o
próprio poder. De estar acima do panóptico, de Michel Foucault, deter
para si toda a “Governamentalidade71”. O Líder acredita em tudo que
diz nesta passagem, por mais perturbador que seja. São pensamentos
íntimos, sua ideologia somada a sua experiência de vida.
A cena se passa no começo do capítulo 5 da HQ, chamado
“Versões”. E acontece quando o Líder passa em frente à Old Bailey72,
o centro criminal de Londres, algo como um fórum, e encara a estátua
da justiça que há sobre a cúpula maior da construção. A estatua é
clássica: coroa na cabeça, espada na mão direita, balança na mão
esquerda, braços abertos como uma cruz, olhos fechados.
Fora todo o transtorno psicológico que podemos tirar desse cara a
partir de seu discurso e distorções em suas interpretações. Podemos
fazer uma análise da sua noção de governo com a ideia que existe de
governo nos anos 80.
Quando ele entra no prédio em que se encontrará com sua máquina
amada. Oito soldados o saldam com os braços erguidos com a palma
aberta, como se saldaria um nazista. Sempre que ele passa por um
soldado o mesmo gesto é repetido. Neste momento, o monólogo fala
sobre a uniformidade e força.
Na passagem em que ele afirmar não acreditar em luxos, ainda
temos os oito soldados, mas agora, de outro ponto de vista, vemos em
primeiro plano o cano de uma arma73. Já podemos interpretar um bom
número de visões políticas.
Sobre a liberdade que Susan cede para ele mesmo, no quadrinho
em que ela está inserida, vemos o desenho de um corredor por onde
passa o líder e várias telas de vigilância da cidade ligadas e sendo
monitoradas74. Mostrando uma certa ironia em seu discurso, pois ele
está fora das câmeras, do outro lado. Ele pode se privar de alguma
coisa, contudo, o panóptico está ao seu controle, e desta forma, Susan
não está no mesmo nível de vigilância que diz estar.
Quando fala de sua “noiva”, ele entra em sua sala escura e, ao
tocar em uma cadeira, aparentemente confortável, fala do toque que
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 87Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
recebe dela, ele está apertando o botão que a liga. Ou seja, é ele
quem a toca, quem a controla. Seu discurso é insano. Como daquelas
pessoas que falam com plantas, dizendo que elas a amam mais por
fazer isso75.
Quando o Líder diz que ser escravo do poder é a mais doce
liberdade, podemos interpretar claramente o lema do partido criado
por Orwell “Liberdade é escravidão”. Neste discurso, encontramos as
peças para montar o totalitarismo existente, fragmentado por Hannah
Arendt. Como, por exemplo, quando Susan afirma que uniformidade
é uma exigência para a união de propósitos, vemos a aceitação desta
idéia pela massa, sendo que este governo está a tanto tempo no
poder, regendo as pessoas como acha melhor, mesmo que tenha que
empregar a força. Assim percebemos o que diz Arendt: “os movimentos
totalitários são possíveis onde quer que existam massas que, por
um motivo ou outro, desenvolveram certo gosto pela organização
política.76” Organização esta que, comparada ao caos da pós-guerra
nuclear, torna-se a melhor opção.
Como diz Malvadinho, personagem de tirinhas criada por André
Dhamer, “Se um revólver é um grande argumento, o fuzil é uma verdade
científica77”, e a organização do movimento totalitário veio armado com
vários deles. Não tinha como discutir.
Quando o Líder se afirma como sendo um fascista, já colocamos
toda a ideia dos totalitarismos do início do século como sendo o caso
da Graphic Novel.
A organização deste estado totalitário também é muito peculiar.
Enquanto em “1984”, o Partido Interno está envolvido em mistério.
Pouco sabemos sobre ele, seus membros e o que fazem. Mas
sabemos da sua existência, que ele nos observa e que administra
tudo cuidadosamente. Na Londres futurista de 1997 as coisas são
diferentes. O partido é esmiuçado. Como vimos, até o pensamento do
Líder é apresentado ao leitor. Vemos por trás dos bastidores, por entre
as coxias, no palco dos acontecimentos.
Enquanto na obra de Orwell temos quatro ministérios, a organização
da tirania de Moore se representa em seus ministérios de controle,
todos ligados a partes do corpo, principalmente do rosto. Formando a
metáfora das funções empregadas a cada membro de cada parte, e do
próprio Estado em si.
Temos os “homens-dedo”, que são o equivalente aos policiais do
Estado, e respondem ao “Dedo”, o departamento de Polícia. O “Olho”,
responsável pela vigilância e monitoramento das câmeras. “Ouvido”
que monitora os telefones, ouvindo tudo que está sendo dito em
Londres. “Nariz” que investiga acontecimentos e segue o rastro das
pistas. Composto também por algo como laboratórios e agências de
detetive. Há também a “Boca” responsável por toda a comunicação,
rádio, televisões, jornais, revistas, etc. E todos respondem ao Cérebro,
ou seja, ao Líder, um único homem, este que controla, metaforicamente,
o destino, simbolizado pelo computador preciso que tudo sabe. Todos
estes juntos representam a cabeça, grupo principal para administrar
o partido.
Esta é uma metáfora sobre um país regido pela razão, sem emoção.
Não há um coração, um grupo responsável pelo bem estar das pessoas,
ou algo assim. Moore nos apresenta somente a cabeça, a responsável
por vigiar e iludir as pessoas.
É este totalitarismo – organizado, rígido, que utiliza a força, que
valoriza a “raça nórdica” acima das outras – que é o temor de Moore
e Lloyd.
88Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Interessante ressaltar a diferença crucial das obras, sendo uma
um romance e a outra uma história em quadrinhos. As diferenças de
narrativas, possibilidades e leituras são várias. No romance, Orwell tem
que seduzir o leitor, fazer mistério sobre o governo, deixando tudo na
imaginação do leitor. Há descrições mais longas sobre o cenário além
de linhas e mais linhas de texto para mostrar reações dos personagens
e seus pensamentos. Nesta obra não há espaço para mostrar detalhes
e peculiaridades, o romance tem que seguir sua ordem, com inicio,
meio e fim.
Já na Graphic Novel de Moore, a liberdade narrativa torna-se
maior. Ele não precisa se ater ao texto, pois possui como ajuda na
narrativa as imagens. Nelas, vemos expressões dos personagens,
conseguimos interpretar intenções na sugestão de um olhar. Junto
do texto, muitas vezes, ele passeia por outras áreas da Londres
devastada. Os ângulos que escolhe para o desenho são sugestivos
para enfatizar o texto, como por exemplo, na história inicial do
capitulo um, do tomo três: “A terra do faça-o-que-quizer”, chamado
“Vox Populi”78. Onde é colocada uma sequência que inicia com
uma garotinha encarando uma câmera de vigilância, ao lado de
sua bicicleta, tendo em primeiro plano um cartaz com os dizeres:
“Monitores sabotados. Permaneçam em suas casas!” Essa sequência
de 18 quadrinhos nos leva a uma bela descrição do que as pessoas
interpretam das ações “terroristas” de V. Mostrando um plano com
a câmera de segurança encarando a menina, e sempre intercalando
com a opinião sobre os acontecimentos de pessoas diferentes.
Enquanto alguns reclamam do governo por não fazer nada contra, se
sentindo inseguros em suas casas, outros acham fantástico, criticam
o nome usado pelo “herói”, ou alguns acontecimentos que ocorreram
com as câmeras desligadas. Dentre as opiniões temos a do próprio
Líder, se questionando sobre como seu país irá reagir agora que o
governo está silencioso sem as comunicações. A menina, olhando
para a câmera diz “merda”, espera uma reação, e nada acontece. Por
fim, ri, xinga o mundo em que ela vive e as pessoas que não gosta.
Picha embaixo da câmera a palavra “merda” e o símbolo de “V” na
parede em frente79. E é este o último quadro, após o questionamento
de Susan “como meu país preencherá o silêncio?”, vemos em plano
geral o poste com a câmera de segurança, “merda” escrito no chão,
o símbolo de “V” na parede. Sugestionando a resposta a pergunta
do Líder. Este é um tipo de discurso utilizado nesta história e em
tantas outras HQs, repleto de interpretações entre os quadros, entre
as linhas, retiradas dos silêncios.
A configuração geral das revistas de histórias em quadrinhos apresenta uma sobreposição de palavras e imagem, e, assim, é preciso que o leitor exerça as suas habilidades interpretativas visuais e verbais. As regências da arte (por exemplo, perspectiva, simetria, pincelada) e as regências da leitura (por exemplo, gramática, enredo, sintaxe) superpõem-se mutuamente. A leitura da revista de quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço intelectual80”
Desta forma, não há necessidade de descrever todos os
acontecimentos. Não precisamos que o autor escreva “então, a menina
se afastou do poste em direção a sua bicicleta, pegou um spray em
sua mochila, se abaixou em frente à câmera de vigilância e pichou
‘merda’”. Todos esses acontecimentos ficam implícitos de quadro a
quadro. Vemo-la sorrindo, falando “merda” para a câmera; em seguida,
próxima de sua bicicleta, pegando alguma coisa, e no outro, ela já está
agachada, no chão, na letra A da palavra “merda”.
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 89Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Esta diferença de linguagem, da HQ para o romance, torna não
somente a leitura propriamente dita, diferente, mas as possibilidades
narrativas, de mostrar como está Londres após a hecatombe: a
expressão facial das pessoas; além de tornar fascinante a revelação
do por trás da ditadura. Não necessita de muitas linhas para descrever
como é a sala do Líder, somente um ou dois quadrinhos. Enquanto
algum personagem anda pelas ruas, já vemos como ela está suja e
devastada. Como são as casas e as rondas policiais. O espaço físico
usado para a narrativa é diferente, e a leitura interpretativa torna-
se outra. Assim, a forma como se dão as histórias, permite relações
diferentes com o leitor.
Em “1984”, temos sempre a visão perceptiva do personagem
principal Winston Smith; já em “V de Vingança”, o cenário é um todo,
vagamos pela Londres a todo momento, entrando na mente do vilão e
em seu habitat, da mesma forma que estamos na mente de Evey, mas
nunca na mente de V, dele, só ouvimos seus discursos, normalmente é
nele que vemos a opinião dos autores de maneira mais forte.
Em sua carta de abertura de “V de Vingança”, Moore coloca que
Estamos em 1988 agora. Margaret Thatcher está entrando em seu terceiro mandato e fala confiante de uma liderança ininterrupta dos Conservadores no próximo século. Minha filha caçula tem sete anos, e um jornal tablóide acalenta a idéia de campos de concentração para pessoas com AIDS. Os soldados da tropa de choque usam visores negros, bem como seus cavalos; e suas unidades móveis têm câmeras de vídeo rotativas instaladas no teto. O governo expressou o desejo de erradicar a homossexualidade até mesmo como conceito abstrato. Só posso especular sobre qual minoria será alvo dos próximos ataques.81
A primeira parte da revista, “A Europa depois do reino”, foi escrita
em 1981, o autor fazia especulações sobre sua obra e o medo que o
futuro reservava. Tinha medo de estar certo. É este mundo que Moore
não gosta, que lhe dá o desejo de sair da Inglaterra. Contudo, em
vez de uma história pessimista como aquela escrita no pós Segunda
Grande Guerra, Moore colocou esperança, o desejo de que, talvez,
algo possa mudar. Ele colocou V, o herói que mudará o mundo com
seu discurso anarquista, suas bombas e suas rosas. Um anti-herói
necessário para o mundo em ruínas que se encontrava. Um anjo da
história. Um homem que é uma ideia. Uma máscara sem rosto. Um
V de vitória.
Mas afinal, quem é V?
3. “BOA NOITE LONDRES”
Além disso, ver ou mesmo pensar em Goldsteim produzia automaticamente medo e raiva.George Orwell
3.1 “V” e a revolta sem rosto
Old Bailey. Segunda Versão: Ola, formosa dama. Linda noite, não? Perdoe-me a intromissão talvez a senhorita pretendesse passear... apenas desfrutar a paisagem. Não importa. Creio que é chegado o momento de uma breve conversa.Ahh, Eu me esqueci que não fomos apresentados. Eu não tenho um nome, mas pode me chamar de V. Madame Justiça... Este é V. V... esta é madame Justiça. Olá madame Justiça. ‘Boa noite, V.’Pronto. Agora já nos conhecemos. Para ser sincero, outrora fui um admirador seu. Até imagino o que está pensando... ‘O pobre rapaz tem uma queda por mim... uma paixão juvenil.’ Desculpe, mas não é este o caso. Eu a admirava, apesar da distância. Ainda criança, passando pela
90Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
rua, eu admirava sua beleza. Eu dizia a meu pai, ‘quem é aquela moça?’, e ele respondia, ‘É a madame Justiça’. Ao que eu replicava: ‘Como ela é linda’. Por favor, não pense que se trata apenas de atração física. Em absoluto. Eu a amava como pessoa, como ideal. Isso foi há muito tempo. Agora, confesso que há outra pessoa... ‘O quê? Que vergonha V! Traindo-me com uma meretriz de lábios pintados e sorriso vulgar!’Eu, madame? Permita-me uma correção. Foi a sua infidelidade que me arremessou nos braços dela!Ah! Ficou surpresa, não? Pensou que eu desconhecia suas escapadelas? Enganou-se, eu sei de tudo. Na verdade, não me surpreendi quando soube que você flertava com homens de uniforme.‘Uniforme? E-eu não sei do que está falando. Sempre foi você, V... O único em minha vi--‘ Mentirosa! Meretriz! Ousa negar que se deixou envolver por ele, com suas braçadeiras e botas?E então? O gato comeu sua língua? Foi o que pensei.Muito bem. A verdade foi revelada. Você não é mais minha Justiça. É a dele. Recebeu outro em sua cama. Faça bom proveito de seu novo amante.‘Snif! Snif! Q-quem é ela? Como se chama?’ Seu nome é Anarquia, e ela me ensinou mais como amante do que você imagina. Com ela, aprendi que não há sentido na justiça sem liberdade. Ela não faz promessas e nem deixa de cumpri-las como você. Eu costumava me indagar por que jamais me olhou nos olhos. Agora eu sei. Por isso, adeus, cara dama. Nossa separação não me entristece, uma vez que não é mais a mulher que amei outrora. Eis um último presente, que deixo a seus pés.82
V cumprimenta a estátua da Justiça, se curvando e tirando
o chapéu. Vira as costas e sai. Então acontece a explosão. “As
chamas da liberdade que adorável. Quanta justeza, minha preciosa
anarquia...”83 e cita Shakespeare na sequência “Ó beldade, até hoje
eu te desconhecia84”.
Toda essa cena acontece no telhado da Old Bailey, com V tendo uma
conversa com a estátua. Um jogo de amor que ironiza por se assemelhar
com o do líder pelo seu computador85. Um é lógico, racional e cheio de
interesses, o outro é caloroso, repleto de ciúmes e explosivo.
V trata tudo como uma peça de teatro, até trazendo os explosivos
dentro de uma caixa de bombons86.
Todo o desenho está no jogo de cenas entre os dois, que tem suas
faces imóveis. Todavia, dependendo do ângulo e das palavras, estão
repletos de sentimentos. V utiliza uma máscara sempre sorrindo,
parecendo que tudo que fala não passa de uma ironia. Já a Justiça tem
um semblante sério, reflexivo, repleto de pesar.
Esta é a grande sacada de Lloyd, pois acima de tudo, se trata de
uma estatua e de um homem usando uma máscara, que mantém nos
rostos sempre as mesmas expressões.
Este jogo de ângulos nos desenhos torna essa passagem uma
das mais impactantes do quadrinho. V se curva, aponta o dedo, tira o
chapéu e gesticula, a justiça permanece sempre impassível, imóvel, e,
mesmo assim, parece estar com todo o peso da culpa nas costas. Ao
falar que acha bonito o amor juvenil de V, a estátua parece estar com o
semblante maternal, amigável. Quanto V fala de sua infância passando
pela estatua, mostra um ângulo da rua, olhando a estatua no alto do
telhado. No momento em que ela acusa, na voz de V, dele a estar
traindo com uma meretriz, o rosto está sério, à altura dos olhos, parece
estar com as sobrancelhas apertadas. Entretanto, ao ser acusada de
ser uma meretriz que trai V com homens de uniforme, a vemos de
baixo, parece que desviando o olhar. Por fim, ao perguntar como se
chama a nova amada de V, vemos por sobre seus ombros que V está
de costas para ela.
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 91Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Contudo, sabemos que ela é uma estatua, e é perturbador ver
que em momento algum sua expressão muda. Somente a sombra
cobre um lugar ou outro, mas sem perder o foco da luz sugerida no
quadrinho, ela muda pela distância do rosto com o quadro geral da
cena87.
Este é V, um homem que faz de tudo um grande espetáculo: o herói
dramático, romântico, e ideológico. Sua primeira aparição está já na
página inicial da história, no sétimo quadro, onde vemos um homem,
provavelmente nu e careca, indo em direção a uma penteadeira bem
iluminada onde, na parede ao fundo, há diversos cartazes de filmes
clássicos em preto e branco. O vulto da cabeça de um urso ou lobo, à
direita, e a esquerda, uma estante de livros, contendo entre os títulos
legíveis, Utopia, Capital e Mein Kampf.
Seu refúgio se chama Galeria das Sombras88, um abrigo para
toda a arte banida da tirania da nova Londres. Livros, música,
filmes, quadros e risos. Um esconderijo sem janelas, que traz aos
olhos inúmeras referências do que é importante para o autor que se
perdeu com a ditadura. É neste local que toda a mágica acontece,
os bastidores do grande espetáculo de luzes e fogos que V preparou
para essa Londres corrompida.
O anti-herói trata sua empreitada como uma peça de teatro,
sempre utilizando de frases de Shakespeare ou criando todo um
cenário simbólico para justificar seus assassinatos. No último
quadrinho da página 16, ele fala: “Pronto, a abertura terminou. Venha,
nós temos que preparar o primeiro ato89”. Um personagem ciente da
peça, que tem todo o roteiro tramado para o que vai acontecer.
O rosto de V jamais aparece, muitos especulam e sugerem quem
ele seja, porém, seu nome, identidade, credo ou qualquer outra
informação se limitam a ele ser o prisioneiro da cela 590, em um campo
de concentração com experiências genéticas, destinado a minorias
como negros, homossexuais e religiosos contrários ao partido
(provavelmente V se encaixa em alguma dessas características).
O mistério permanece para além da história, que, com o tempo,
descobrimos não se tratar da história do grande revolucionário e sua
máscara sorridente, e sim, da história da menina de 16 anos, Evey.
Que quase é morta pelos homens-dedo ao tentar se prostituir pela
primeira vez na vida, o pior não acontece graças a V91.
A abertura de seu espetáculo é nada mais nada menos que a
explosão do Parlamento Inglês. Em poucas páginas tudo se revela,
sem guardar nada para o final. Digo isso, pois a máscara que V usa
é do revolucionário Guy Fawkes, famoso por ter tentado explodir o
parlamento no dia 5 de novembro de 1605, no que ficou conhecido
como a Revolta da Pólvora. Contudo, Fawkes foi preso antes de realizar
seu plano, nas portas do parlamento com uma grande quantidade de
pólvora. Assim, a trova famosa (atualmente famosa por culpa da HQ),
é dita por V, informando que haverá uma grande celebração:
“Remember, remember the fifth of November.Gunpowder, Treason and Plot.I see no reason why Gunpowder TreasonShould ever be forgot”92
É bom lembrar que, no primeiro quadrinho da história, quando
a Voz do Destino fala na rádio, a data que é informada é a de 5 de
novembro de 1997. Assim começa o show, com data marcada: uma
grande explosão, e fogos de artifício fazendo um grande V no céu,
iluminando a noite e fazendo Evey se impressionar por fazer tanto
tempo que não vê algo tão bonito.
92Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
V é a representação desta cultura perdida pela ditadura que assola
a Inglaterra. É a lembrança de um mundo bom que se perdeu durante
os erros políticos dos anos 80. É a nostalgia do tempo que já foi, o
resquício dos bons momentos que não voltam mais. Sua Galeria das
Sombras é um museu da antiguidade da cultura pop e da arte em si
como um todo: Cinema, Literatura, Pintura, Esculturas, Música, Teatro,
entre outras coisas como danças e mágicas. Até mesmo a presença de
uma junkbox para marcar a época de que V sente falta.
Toda a obra é repleta de simbolismos e metáforas, tanto nas
imagens quanto nas escolhas de fantasias e ações tomadas por V.
Interpretar essas situações teatrais, tornam o quadrinho fascinante.
Moore e Lloyd vão a fundo na “gramática da Arte Sequencial”93,
proposta por Will Eisner, quando urdem o tecido que forma a HQ, com
imagens e textos.
Quando V aplica sua vingança contra aqueles que o torturaram,
contra os homens que aniquilaram seus sonhos, e os sonhos de tantos
outros, sempre usa de algum subterfúgio para lembrar suas vítimas o
que está acontecendo a elas. Lembrar que tudo acontece por culpa
delas, e não de seu assassino. Que, no mínimo, tudo aquilo já era
esperado. Assim, temos o uso de cenários, itens significativos, como
uma hóstia, mas sempre com o uso da rosa Violet Carson, uma linda
flor, típica da Inglaterra, que dizem estar extinta desde a hecatombe
dos anos 80. A rosa é uma lembrança do campo de concentração,
mas também é a forma de mostrar que em tudo deve haver “romance.
Sempre, sempre romance”94, como diz V.
V age sempre rápido, a primeira parte do quadrinho acontece
rapidamente, pois tudo já estava armado há anos, só esperando
acontecer. Sua primeira vítima é Lewis Prothero, o homem por trás da
Voz do Destino, antigamente conhecido como Comandante do campo
de concentração onde V foi aprisionado, o “Campo de Readaptação
de Larkhill”.
V sequestra Prothero durante uma viagem de trem e o veste
com seu antigo uniforme, levando-o a uma réplica cinematográfica
do campo de concentração. Vemos as portas falsas, as luzes fortes
fazendo grandes sombras95.
Como prisioneiros, todas as bonecas de porcelana da coleção de
Prothero, vestidas com roupas listradas. Todas enfileiradas. Sabemos
da paixão do homem pelas bonecas por citações de outros a elas em
passagens anteriores à situação. E também, por uma defesa feita por
ele, momentos antes de ser sequestrado, sobre coleções de bonecas
serem interessantes, acompanhada de uma história de como ele é
galanteador com as mulheres, para não pensarem que ele é algum tipo
de homossexual.
Assim, V coloca todas as bonecas em um forno96. Como comandante
do campo, Prothero era responsável por acionar os fornos. E assim, V
queima e derrete todas as bonecas enquanto elas “gritam” em coro
“ma-mãe”. Mesmo o ex-comandante implorando, ele assiste o fim
de sua tão amada coleção, ficando catatônico com o choque. Nesta
passagem, V não utiliza de sua máscara de Guy Fawkes, e sim de outra
máscara com roupa de algo que lembra um bilheteiro de circo. Com um
nariz protuberante e um sorriso ainda maior do que a outra máscara.
Sendo que, por trás, ele praticamente repete as palavras de Michel
Onfray, fazendo jus a sua vingança.
Por todos aqueles que só conheciam o destino dentro dos fornos crematório e das chaminés de tijolos dos campos de concentração; por aqueles cujas peles tatuadas serviram de abajur; por aqueles cuja gordura tornou-se sabão, os cabelos tecidos; por aqueles,
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 93Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
crianças, mulheres e homens, que foram maculados, aviltados, humilhados, destruídos; por aqueles que voltaram destroçados, fedidos, rachados, freqüentados por pesadelos que escavam em suas camas a rigidez dos estrados de arame e transformam em sudários seus lençóis onde se arriscam tantas noites a serem engolidos por uma memória sombria; por todos eles, é preciso acabar com os impasses do indizível e das experiências limites a fim de desejar que a política de hoje e de amanhã seja esclarecida pelas lições que se devem tirar da experiência concentracionária nazista97
Após a explosão do parlamento e poucas horas depois, com o
fim da Voz do Destino, a queda do governo torna-se uma questão de
tempo. A bela voz de Prothero só sabe repetir “ma-mãe” e “sala cinco”.
Nada mais. Assim, substituem a voz do radialista para outra não tão
bela e nem tão experiente.
Esta voz, presente desde o início da obra, sendo finda na página 38
da história, tem uma grande importância na manipulação administrativa
da ditadura. Como coloca Hannah Arendt: “Quando o totalitarismo
detém o controle absoluto, substitui a propaganda pela doutrinação
e emprega a violência não mais para assustar o povo, mas para dar
realidade às suas doutrinas ideológicas e às suas mentiras utilitárias98”.
A Voz na rádio representa justamente essa doutrinação, somado a isso,
era divulgado que esta voz pertencia ao computador conhecido como
Destino, por isso “Voz do Destino”. Sendo este computador sempre
preciso, astuto e responsável pelos acertos do partido e sendo a voz
o elo entre o partido e o povo. Uma fissura neste relacionamento gera
desconfiança, o que acontece precisamente:
A capital ouve atentamente. Há algo errado. Algo estranho na Voz do Destino. Algo diminuto que lança uma sombra majestosa e incômoda sobre o futuro, pois, o que quer que reservem os dias vindouros, uma coisa é certa... nada será como antes99.
Estes dois golpes contra o partido são o começo do fim. A explosão
do parlamento e a morte da voz do destino criam um desconforto
no Estado que precisa se justificar inventando qualquer desculpa
que, claro, é aceita pelo povo, já que a existência do “Codinome V”,
como é conhecido pelos homens-dedo, é desconhecida pelo resto
da população.
A história segue, e os alvos de V mudam a medida que vão
morrendo. Com isso, as críticas de Moore à sociedade também se
alteram, o que antes era a mídia, agora é a religião.
Durante a missa, no sermão do bispo, é feita uma menção à
presença de um mal na sociedade, de satã estar agindo, como
sendo algo profetizado por Deus. Após a missa, o bispo conversa
com um auxiliar, e comenta que foi Destino que pediu para ele
acrescentar essa passagem e “quem são eles para questionar o
todo-poderoso?”, colocando o Estado e o líder no mesmo patamar
de Deus, um recurso usado em várias outras ditaduras totalitárias
pelo mundo. Como Mussolini fez ao ceder o Vaticano para a igreja
católica.
Fora a isso, o bispo se pergunta por qual pecado mortal será
tentado por Deus. Na conversa, descobrimos que ele espera
uma jovem menina, no entanto, é informado que ela é um pouco
mais velha que o normal, ela tem 15 anos. O Bispo fica um pouco
chateado com a informação.
A menina é Evey, e está ajudando V em sua vingança.
Acusar o bispo como sendo um pedófilo, cometer perjúrio entre
outras coisas, pode parecer o ápice da crítica de Moore, porém,
com o tempo ele começa a criticar as pessoas, a população, o
telespectador, enfim, a todos nós, leitores do quadrinho.
94Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Evey ajuda V em seus objetivos, deixando a janela aberta e
enrolando o bispo o máximo que pode. No fim, descobrimos que o
bispo era o padre do campo de reeducação, e é mais uma vítima das
vinganças do “terrorista” V.
Descobrimos que V colocou para tocar durante o assassinato
do bispo a quinta sinfonia e que o som faz o ritmo “da-da-da-dum”
é o código Morse para a letra V100. Mais uma sacada simbólica e
teatral de V.
O bispo foi morto com uma hóstia envenenada com cianureto101.
Poético e irônico.
Evey entra em uma crise por ter ajudado a matar um homem. V
diz que foi ela quem quis fazer um pacto. Por fim, ele faz uma citação
ao livro “V” de Thomas Pynchon “Há mais mistérios por trás de V do
que nós suspeitávamos. Não é quem, mas o que é ela.102” Mais uma
situação usando a letra V103.
Essas relações da letra V com o mundo, os lugares mais estranhos
onde ela aparece. Livros com ela como título, sinfonias. Palavras com
ela como inicial. Número romano, citações em latim. Enfim, toda a gama
de informações que contém a letra V, fazem o nome V do personagem
se tornar simbólico, impactante e complexo. Fazendo-nos sempre
perguntar “mas quem afinal é V?” Podemos usar das palavras de
Michel Onfray, ao definir o rebelde, para descrever este personagem:
Uma problematização dos prazeres que autoriza uma resolução dos desejos sem o parasita da culpa, uma nova erótica e uma cultura de si que supõem uma definição ampliada da dietética entendia como uma ética generalizada, um governo de si no qual o regime dos prazeres parece menos uma ocasião de sofrimento que uma possibilidade hedonista, uma intersubjetividade contratual e jubilatória, uma moral da brandura e da amizade, uma política da moderação, o desejo não mais definido pela falta, mas pelo pleno, a
confusão da ética, da estética e da existência, a vida pensada como uma obra de arte.104”
V é a essência da revolta. Como ele mesmo diz, ao se confrontar
com o detetive Finch, membro do Nariz, que desde o início ficou
encarregado pela investigação dos acontecimentos relacionados ao
terrorista conhecido como “Codinome V” (e que pincela com o clima
noir o quadrinho), após levar quatro tiros do detetive: “Pronto! Você
pretendia me matar? Não há carne ou sangue dentro deste manto para
morrerem. Há apenas uma ideia. Ideias são a prova de balas.105”
Como homem revoltado106, V é aquele que diz não, um ser cansado
de aturar a injustiça para se levantar e dizer: “agora basta, já passou
do limite”. Diferente de um revolucionário, que necessariamente deve
agir em grupo, o revoltado luta em sua individualidade, sendo seguido
ou não por alguém, na certeza que, em alguma parte de sua atitude
de revolta há uma razão, uma certeza de estar certo. Sua certeza
extrapola sua essência, formando dele sua própria revolta. V é este
homem, que mesmo na morte, acredita na lógica de suas ações.
“Na revolta, o homem transcende no outro, e, desse ponto de vista,
a solidariedade humana é metafísica107”, assim é a influência de V, de
suas ideias e motivos. Em momento algum da história, mesmo tendo a
oportunidade de fazê-lo, ele divulga seus propósitos ou a forma como
fazer acontecer suas ideias, ele não quer liderar a revolta, nem ser o
guia, mas apontar a direção. Como revoltado, as pessoas são tocadas
pela causa, mas por ela ter sentido e não por serem convocadas à luta.
Está ideia do personagem V por trás da história nos traz a
baila uma discussão gerada por Moacy Cirne, onde ele coloca que
“basta ver, com sensibilidade, certas configurações mitológicas que
plasmam alguns personagens para que entendamos melhor o espaço
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 95Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
epistemológico de sua concretude108”. Com isso, ele quer dizer que o
personagem caracteriza a obra, faz dela única e genial. O autor e tudo
mais ficam a mercê do jogo de ações feitas por esse personagem que
guia a história.
V extrapola os limites de ser um personagem de ficção para ser a
essência da revolta. Um conjunto de frases e atitudes que o tornam
quase inumano. Além das transformações que ele sofreu no campo
de concentração o deixarem com uma força e agilidades superiores à
humana. Mas tudo isso só serve para reforçar seu discurso como uma
ideia, um revolucionário pronto para morrer por sua causa. V pode ser
o personagem principal, o nome no título da obra, contudo, ele parece
estar mais para metáfora do que para indivíduo.
No entanto, toda essa inumanidade que ele apresenta, revela um
homem “humano, demasiadamente humano”, com desejos, sonhos,
ambições, perspectivas, críticas e falhas, na busca de ser, ou já sendo,
um espírito livre, sendo feliz em sua individualidade.
Com o tempo descobrimos que a história, na verdade, é a trajetória
de Evey, como dito antes, a menina de dezesseis anos que, como um
conto de fadas antigo, passa por todas as transformações de sua vida.
Entretanto, sem todas as metáforas que as fábulas apresentam, tudo
acontece de uma maneira mais bruta e real.
Enquanto na história da Bela Adormecida, ela fura o dedo em uma
agulha de uma roda de fiar, simbolizando sua primeira menstruação e
sua passagem de uma menina inocente para a mulher adulta que se
tornará, Evey quase fura a fila da maturidade, menstruação e relações
com um príncipe encantado, oferecendo seu corpo para um homem em
troca de dinheiro. Pela sua atitude, pelo seu desconhecimento do caso,
tudo indica que ela é virgem. Principalmente quando ela está sendo
questionada pelo policial à paisana e ela diz que ele será seu primeiro
e ele complementa dizendo “freguês”109, deixando no ar que talvez ele
seja o primeiro homem de sua vida.110
Quando ela é salva por V, ela entra na “Jornada do Herói” de
Joseph Campbell. Partindo para a mudança de sua existência, do
mundo comum em que vivia, aquele onde ela iria se prostituir, entrando
no Chamado à aventura, sendo levada por V à Galeria das Sombras.
Depois de descobrir melhor sobre o mundo comum, ela entra na
aventura, ajudando o V com o Bispo, para logo em seguida recusar
o chamado. Não concordando com V e querendo voltar a sua vida
normal.
Pelas definições, a ordem do chamado da aventura, pode ser, de
maneira simplificada, dividida e definida nos seguintes percursos:
Mundo comum, ou o dia a dia do herói; Chamado à aventura, quando
a rotina é quebrada; Recusa ao Chamado, quando o herói decide
não se envolver; Encontro com o mentor, quando se depara com
alguém mais experiente e/ou com uma grande decisão; Travessia do
primeiro limiar, quando o herói decide encarar o mundo novo; Testes,
aliados e inimigos, grande parte da história, onde passará por testes,
conhecerá pessoas novas, e se deparará com algo que pode ser o
inimigo definitivo; Aproximação da caverna oculta, quando se aproxima
do objetivo de sua missão; Provação, quando o herói enfrenta seu
maior desafio; Recompensa, a conquista do herói; Caminho de volta, o
retorno ao mundo anterior (não é obrigatório); Ressurreição, acontece
ao enfrentar uma trama anterior, não resolvida; por fim, Retorno com o
elixir, o fim da história, quando o herói volta transformado111.
O encontro com o mentor já aconteceu, mas foi com a recusa
de Evey que V decide treiná-la, e assim, levando-a para a rua e a
96Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
abandonando. Evey se encontra sozinha112, entrando no quinto ponto
da jornada, onde ela atravessa o primeiro limiar, se inserindo em um
mundo diferente daquele onde ela era somente uma criança inocente e
agora tem que encarar o mundo de frente.
Neste momento, os testes, aliados e inimigos são apresentados.
Evey acaba morando com Gord, um homem comum do subúrbio
de Londres que, para sobreviver às vezes se envolve com algumas
tramóias e ilegalidades. Já se passaram alguns meses desde o início
da história, Evey se apresenta mais adulta, amadurecendo. Antes,
tentou retribuir a estada na Galeria da Solidão com o seu corpo,
mas V recusou, informando que isso não seria possível. Ela se sentiu
confusa, transtornada. Achando que V poderia ser seu Pai, levado
pelo partido há muitos anos trás. Após negações e revelações ela se
encontra esquecendo V neste novo lar.
É com Gord que ela se entrega, um homem que a respeita e que
a ama. Onde ela começa a viver aquela vida normal que ela queria,
longe dos assassinatos de planos revolucionários de V. Contudo, a
violência não fica fora de casa, Gord é morto113 pelos seus comparsas,
com uma espadada através da porta. Novamente Evey se vê como
criança, como aquela menina que sempre precisa de ajuda, que
sempre precisou de alguém a seu lado e nunca teve. Nem sua mãe,
nem seu pai, V ou mesmo Gord. Aqui ela perde um aliado, e tem que
superar os testes de suas escolhas, descobrindo quem é seu inimigo,
o Estado, a violência que cerca as pessoas, o medo e a incerteza.
Ela pega uma pistola na gaveta e sai para a rua. Vingar Gord, matar
aqueles que a fizeram sofrer e que fazem tantos outros. Porém, é
impedida por V, e levada novamente para a caverna oculta, a Galeria
das sombras.
Campbell coloca este momento como sendo um momento da
história de grande clímax, e tudo fica indefinido. Moore e Lloyd não
podiam ser mais literais. V provavelmente a seda com clorofórmio,
e ela entra em um sonho, onde tudo em sua mente é uma bagunça.
Partindo de um sonho de quando era uma menina, e seu pai vem
chamá-la para a festa, em um momento seu pai vira Gord, e eles
vão para cama juntos, até que sua mãe os pega no flagra e ela se
vê com seu pai. Contudo, mesmo ela se sentindo culpada sua mãe
não fica brava, só avisa sobre a vinda de um homem das marionetes.
Os lugares mudam as sensações se trocam rapidamente. Ela sente
medo do marionetista, que estava tirando a cabeça das pessoas
a pauladas114, enquanto todos riem. Ela corre, atrás dela vem V,
o homem das marionetes. Mesmo fugindo, ela sabe que não dará
tempo, se vê cercada, sozinha, culpa a todos por seu infortúnio.
Consegue chegar a um elevador, a porta fecha deixando V para
fora. Mas ela descobre que V está no elevador. E ele a pega115.
Trocamos a página impar pela par116 e descobrimos que Evey está
em uma cela, com roupas de prisioneira. Pelo outro lado da grade,
somente pode-se ver o cartaz “Força através da pureza, pureza
através da fé”117. O mesmo que tinha na rua onde, pela primeira vez
ela tentou vender seu corpo, sua pureza. Evey se encontra na oitava
parte de sua jornada, a provação.
Sem sombra de dúvida esta é a passagem mais impactante
de toda a Graphic Novel, o momento em que Evey se encontra
presa, tendo como parceiro de cela um rato118. Ela é torturada
psicologicamente, fisicamente e moralmente pelos guardas, tudo
para que ela entregue o paradeiro do terrorista conhecido como
“Codinome V”.
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 97Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Raspam o cabelo dela, a afogam, batem. Contudo, ela não sabe o
local onde V se escondia, foi levada lá vendada e solta na rua novamente
vendada. Não sabe nada sobre seu antigo anfitrião e salvador, não há
informação a ser revelada, mas ela é torturada.
Com o tempo, o rato não a incomoda mais, tudo que ela tem para
lhe dar forças e esperanças é a parceira de cela ao lado, que lhe deixou
um bilhete, escrito a mão em cinco pedaços de papel higiênico, onde
ela conta a vida dela e o motivo dela estar ali.
O nome desta vizinha é Valerie119, uma atriz em começo de
carreira que se apaixonou por uma mulher. A homossexualidade é algo
condenável pelo partido (e por Margareth Tatcher também), porém,
Valerie ama outras garotas, e não vê nada de errado nisso, mas a
sociedade a reprime, e mesmo ela se afastando para viver sua vida,
a opressão e o preconceito a condenaram. Só o amor uma pela outra
bastava, até serem afastadas e presas. Foram torturadas e obrigadas
a darem nomes e acusarem umas as outras. Sua parceira, Ruth, se
suicidou na cela, Valerie tem certeza que irá morrer. A declaração de
Valeire no final da carta que está nas mãos de Evey120 é o consolo
supremo a toda angústia passada no cárcere.
Eu vou morrer aqui. Cada centímetro de mim morrerá... exceto um. Só um. É pequeno e frágil e é a única coisa no mundo que ainda vale a pena se ter. Não devemos jamais perdê-lo, vendê-lo ou entregá-lo. Não podemos deixar que alguém tire de nós.Não sei quem você é, se é homem ou mulher. Talvez eu nunca o veja, nem te abrace, nem bebamos juntos... mas eu te amo.Espero que consiga fugir daqui. Espero que o mundo mude, que as coisas melhorem, e que, um dia, as rosas voltem. Queria poder te beijar.Valerie121”
É este ultimo centímetro que Winston Smith perde no final de
“1984” e que Evey recupera neste momento do quadrinho. Aquela
menina linda que perdeu toda a beleza na prisão, ficando magra e
frágil recupera a postura e seus princípios. Assim, quando levada para
um último interrogatório, sendo obrigada a assinar uma declaração
acusando V de algumas injustiças e outras verdades (como o
assassinato de um bom numero de figurões do partido), ela recusa e
diz não. Assim, foi condenada a ser levada para trás do depósito de
produtos químicos e ser fuzilada.
Aceitando sua morte, não há mais nada com que possam ameaçá-
la e, portanto, está livre.
A cena é impactante, Evey se vê sozinha na cela, descobre que
tudo não passou de um circo, um espetáculo de bonecos e gravações
de vós para iludi-la. Tudo está vazio, até mesmo o rato está preso em
uma gaiola122. No final do labirinto, ela se depara com V a esperando,
na Galeria das Sombras.
Claro que a garota não gosta nem um pouco da “brincadeira”.
Xinga, grita, acusa V de ser um louco. Ainda mais que ele diz ter feito
tudo isso por amor! Por querer libertá-la! A discussão esquenta os
ânimos. V argumenta que a vida é uma prisão, Evey não se importa
de ser presa se ela for feliz. V fala das injustiças, da omissão das
pessoas, do mundo ao redor dela. Evey retruca que o mundo é assim
mesmo e nós temos que suportá-lo, ela foge, não quer mais pensar
em nada, argumentar. Ela corre e V manda ela aproveitar o melhor
momento da vida dela, quando ela sente a liberdade aflorando em
sua essência.
Evey cai de joelhos, e chora. V a leva para o terraço, onde chove.
Ela não sente frio, nem medo, somente a liberdade em seu corpo nu e
98Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
frágil. E ela se transforma. Esta é a recompensa de toda sua jornada
mitológica, e agora ela está de volta a Galeria das Sombras.
Esta passagem é muito importante para o quadrinho. Não somente
pelas transformações de Evey, mas pela simbologia aplicada por Moore.
V, em sua história, neste mesmo momento de sua vida, mais ou menos,
quando ele está no cárcere do campo de concentração, ele também
sofre sua transformação. Porém, no caso dele, há uma explosão, e ele
sobrevive ao fogo. A última vez que seu corpo é visto, foi saindo do
meio das chamas, nu. Evey, por sua vez, está nua, na chuva. Fogo e
água123, elementos opostos.
Estas duas transformações mostram à vertente revolucionária dos
dois personagens. Algo que V deixa bem claro quando ele e Evey estão
levando explosivos para o trem:
A anarquia ostenta duas faces, a criadora e a destruidora. Destruidores derrubam impérios, fazem telas com os destroços, onde os criadores erguem mundos melhores. Os destroços, uma vez obtidos, tornam as ruínas irrelevantes. Fora com os explosivos, então!Fora com os destruidores. Eles não têm lugar em nosso mundo melhor.Brindemos a todos os nossos bombardeiros, a nossos bastardos mais desprezíveis e odiosos. Bebamos a sua saúde......e depois que não os vejamos mais.124”
Aqui fica bem clara a proposta do quadrinho. Esta fala de V mostra
toda a proposta, o que significa Evey e V dentro da história. V sabe
que morrerá e que isso é um processo necessário para a revolução, e
também sabe que Evey com sua alma doce e desejos bons é a resposta
para o futuro quando ele não estiver mais aqui.
Após ser baleado, V morre e Evey descobre que realmente não
importa quem está por trás da máscara e sim o que ele representa.
Evey assume o manto, e este é, literalmente, seu renascimento. Não
podemos acusar Moore de errar a fórmula de Campbell, mas este
momento é triunfante na HQ. Pois V é declarado morto, o partido
informa que se ele não aparecer até a meia noite, sua morte será
confirmada. O povo aguarda nas ruas, agitado com o caos generalizado
que tomou as ruas de Londres. Quando V surge, agora como Evey,
declarando que a anarquia ou os grilhões são as únicas opções, o povo
volta ao caos. Tudo como manda o script.
Seu retorno com o elixir, sendo a décima segunda parte da
jornada mitológica, é quando Evey leva para a Galeria das sombras
o novo Líder, um dos poucos figurões do partido que permaneceram
vivo, com alguma credibilidade, após todos os acontecimentos, mas
ele estava tão afastado da politicagem, que nem sabe de todas as
artimanhas envolvidas. Agora ela não é mais a mesma, o mundo não
é mais o mesmo. E a história continua.
Podemos colocar a ressurreição como o momento em que ela se
descobre livre, e o retorno com o elixir ela ter se transformado no
manto de V. Porém, a ressurreição de V é tão literal, que seria injusto
fazer essa interpretação.
Assim se forma a jornada mitológica de Evey, e como “V de
Vingança” é sua história. Porém, V também passa por sua jornada,
vamos descobrindo todos os acontecimentos com o tempo, com as
investigações do detetive Finch e os diários que são encontrados.
Finch também é um personagem importante na história, ele
também passa por sua jornada, também descobre a liberdade, mas
diferente de Evey ele não teve um mentor, nem mesmo alguém para
orientar seu caminho, no fim, ele caminha sozinho pela escuridão de
Londres.
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 99Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Todos estão sendo influenciados pelas ações de V: Evey, Finch, o
Líder, e tantos outros personagens. V é uma entidade que tudo possui
e tudo pode. Um ser praticamente onipotente e onisciente que pulsa
anarquia e revolta. Um anjo que altera a história e os acontecimentos
ao redor dele.
3.2 O “anjo da história”: o ódio do passado deve alimentar o presente
O Anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruínas sobre ruínas e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. (...) Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso.125”
Podemos dizer que Benjamim é sensível à arte para retirar essa
metáfora tão significativa de um quadro como o Angelus Novus.
Entretanto, a metáfora é pertinente, e usá-la para definir V nos faz
perceber todo o processo revolucionário e interpretar este personagem
por trás da máscara que sorri.
Benjamim molda este anjo pensando em todo o processo
histórico com que os historiadores acabam se deparando ao desvendar
o passado. Desta forma, o anjo é uma entidade que está presente
e se deslocando junto com este passado rumo ao futuro, o qual ele
não encara, somente sabe que está vindo. Esta entidade ruma ao
progresso, que significa a ruína do passado, pela elevação do futuro.
Ao pensar neste mundo de ruínas como sendo algo inevitável para
que o futuro venha e nestes processos como sendo o justo acontecimento
da própria história, percebemos que, durante toda a HQ, V não nega
o processo, mas o apressa, o direciona e o controla para que, destas
ruínas surja um futuro mais interessante do proposto pela tempestade
fulminante que acarreta toda esta Londres “futurista” de 1997.
As ruínas de uma sociedade causada pela guerra nuclear; o fim dos
anos 80, tão caros para o autor; uma sociedade indiferente e omissa
às injustiças e à corrupção; um mundo caótico e perdido nas mãos
de um governante louco. São estas as ruínas que o progresso cria e
tornando-as o alicerce onde o V baseia uma sociedade utópica que ele
tanto almeja.
V é uma entidade arrastada por esse progresso, percebendo sem
virar o rosto toda a destruição que esta tempestade criou, e sem
pestanejar, tenta mover suas asas para tentar guiar esse progresso
para um estado, digamos, superior. V como o Anjo da História, como
alerta ao futuro, um ser acima das ruínas do passado, que se molda
delas, capaz de se orientar na tempestade.
Como Foucault e Benjamim, Moore tenta com V de Vingança fazer
um alerta contra o fascismo e os estados totalitários. V é este alerta de
que a mudança pode ser feita e deve ser gerada pela sociedade, para
assim, evitar essas ruínas.
Foucault mostra as tramas do poder, sua origem e seus caminhos
para se estender sobre todas as pessoas. Um poder invisível, opressor
e tido como necessário para a vida humana. Percebemos isso na leitura
de “Vigiar e Punir”, “Genealogia do Poder”, entre tantos outros textos
do autor. O poder como o conhecemos está nas tramas da sociedade,
na vigilância constante de pessoa para pessoa. O Panoptismo não é
apenas uma explicação de como a sociedade funciona, mas também
um aviso para nos deixar cientes que a sociedade é controlada.
100Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
“Em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de
poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou
obrigações.126” Este “corpo dócil” pensado por Foucault nos traz a tona
a sociedade controlada pela sociedade totalitária, como a pensada por
Hannah Arendt, e encontrada em V de Vingança, pois ela condiciona o
indivíduo a um controle para que seu poder se mantenha estabelecido,
um controle de mente e corpo, ela é capaz de “exercer sobre ele
uma coerção sem folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica –
movimentos, gestos atitudes, rapidez: poder infinitesimal sobre o
corpo ativo.127”
Se projetarmos a sociedade vigilante de Foucault para V de
Vingança encontraremos muitas semelhanças, tanto porque estas
semelhanças também estão presentes em nosso mundo atual. Na
Graphic Novel encontramos a rigidez da disciplina educadora; a ideia
de se fazer quarentena, como era no medievo, quando se tinha alguma
peste doentia na cidade; ou mesmo as situações de panóptico, com
vigilância eletrônica, polícia e censo, entre outras situações.
Estas situações são relações da sociedade comum, contudo, elas
se elevam em um Estado fascista. Em seu texto “Introdução à vida não
fascista”, Foucault coloca três inimigos ao mundo128, que podem levar
aos desconfortos da sociedade, são eles: a burocracia; os “técnicos
do desejo – os psicanalistas e semiólogos”, que querem levar o mundo
à catalogação da lei binária; e, por fim, o inimigo maior, o fascismo.
Mas não qualquer fascismo, e sim aquele “que nos faz amar o poder,
desejar esta coisa que nos domina e nos explora.129”
Benjamim também vê no fascismo uma ameaça à sociedade,
“o assombro com o fato de que os episódios que vivemos no século
XX ‘ainda sejam’ possíveis, não é um assombro filosófico130”. A luta
contra essa personificação deve se manter sempre, pois o fascismo
“se beneficia da circunstância de que seus adversários o enfrentam
em nome do progresso, considerando como uma norma histórica.131”
Porém, em nome deste progresso o fascismo pode renascer. Cabe ao
anjo da história observar estes acontecimentos, ver as ruínas que o
progresso molda e alertar o futuro. Coube a V destronar o fascismo e
a (in)justiça em nome da liberdade.
Uma das ações de V mais incríveis é quando ele domina a televisão
londrina e passa uma mensagem muito informativa. Ele segue o
conselho de Benjamim, tentando mudar o pensamento das pessoas
que “se alimentam da imagem dos antepassados escravizados, e não
dos descendentes libertados.132” Assim, ele faz tal qual um historiador
que possui o dom de mudar as coisas, “o dom de despertar no passado
as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador
convencido de que também os mortos não estarão em segurança se
o inimigo vencer.133”
Esta ideia de não mostrar um futuro glorioso, onde a vitória se
encontra, onde está o progresso, e sim mostrar um passado forte,
interessante, onde todos nós podemos firmar nossos pés sem medo,
pois lá também há vitória. Não somos todos fracassados historicamente,
pelo contrário, o passado nos permite ir ao futuro com segurança e
convicção.
É assim que V entra, como um deus que julga sua criação, pela tela
da TV, revelando tudo aquilo que a educação e o totalitarismo fascistas
tentam negar, mas diferente de seu inimigos, V não se impõe como
um líder, ou um chefe, mas como um orientador, alguém para indicar o
caminho. Como Zaratustra, personagem de Nietzsche em “Assim falou
Zaratustra”, que desce de sua montanha para mostrar aos homens
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 101Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
as opções para serem seres humanos melhores, ou serem o “último
dos homens” ou serem o “super-homem”, mas em momento algum ele
força as pessoas a optarem por alguma delas, somente conversa e
argumenta sobre as possibilidades.
Ele assume o horário nobre, quando todos estão prostrados diante
da TV, como em um jornal, iniciando sua fala com seu saudoso “Boa
noite, Londres”134. Sabemos que é uma gravação em fita, não é ao
vivo, então, há uma trama que se desenrola durante a exibição, nos
bastidores da emissora de televisão. Vou deixar isso de lado, não é
importante agora135.
Falando em trabalho, é desta forma que V inicia sua abordagem com os
telespectadores, sempre os tratando como funcionários incompetentes,
que não estão cumprindo bem seu papel para que as coisas deem certo.
V se coloca no papel de Deus onipresente, como um patrão que quer o
melhor desempenho do funcionário, porém, sem nunca ser imperativo
em sua fala. Ele busca a origem humana no começo da evolução das
espécies, buscando em Darwim o contraponto da religiosidade e o
criacionismo. Algo comum de se pensar neste mundo fascista, onde a
religião é um predominante meio de controle e educação.
V se coloca naquela época primordial, dizendo que ajudou o homem
neste processo evolucionário. Ele elogia, carrega o discurso de maneira
exímia, enaltece os grandes feitos da humanidade e suas evoluções
tecnológicas. Porém, ele tem problemas com seu funcionário, com sua
criação, e o problema está na “indisposição natural para subir dentro
da empresa.136” Acusa a humanidade (afinal, ele está falando com
todos os telespectadores e também, com nós leitores do quadrinho)
de ser acomodada, não querer encarar responsabilidades, mesmo ele
(Deus, Patrão, V) dando muitas oportunidades.
Aqui temos uma imagem de Buda, como sendo um exemplo
das oportunidades dadas aos homens no passado, mesmo assim,
ninguém quis ouvi-lo, preferiram se manter em seus lugares, dizendo
saber onde deveriam estar, mas V é veemente, “para ser franco, você
nunca nem tentou.137”
Todo o discurso de V é acusador, sem ser cruel ou impositivo.
Sempre apontando o dedo para o telespectador mostrando que ele
é o culpado pelo mundo estar da forma que está. Sua acomodação,
inércia e indiferença, sua servidão voluntária, características
indispensáveis para a consolidação de uma sociedade totalitária, é a
causa de todo o transtorno e incômodo.
V vai além, apontando o principal problema da sociedade: os
desentendimentos familiares.
Estou sabendo que você não consegue mais se entender com sua esposa... me disseram que os dois brigam muito, que você grita... falaram até de violência. Fui informado que você sempre magoa aquela que ama... aquela que jamais deveria magoar.E seus filhos? São sempre as crianças que sofrem, como você bem sabe. Pobrezinhos! O que fizeram para merecer isso?O que fizeram para merecer sua truculência, seu desespero, sua covardia e todas as intolerâncias cultivadas com tanta estima?138”
Acusar o alicerce familiar, que seria a base da sociedade, é ir
além de apontar o dedo para os erros do mundo, mas questionar se
esses erros que tanto acusam como sendo praticados pelo Estado,
pelo outro, às vezes por um inimigo distante, não possam estar
acontecendo dentro daquela sala confortável em frente a TV. V acusa
a humanidade pelos seus próprios problemas, mas acusa também o
cidadão comum de ser o elo fraco para uma sociedade devidamente
livre, justa e melhor.
102Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
“A gerência”, como diz V, “é deplorável139”, mas não é dela a culpa
destes problemas todos. Ele reconhece que “tivemos uma sucessão
de malversadores larápios e lunáticos tomando um sem-número de
decisões catastróficas. Isso é inegável140”, mas ele retorna a sua
acusação dizendo: “mas quem os elegeu?141”. Neste momento vemos
uma sala em frente à TV, com um pai gordo com sua cerveja na mão,
uma mãe deitada no sofá. Uma filha mais velha apoiada no respaldar
e um garoto ao lado142. Todos vendo a TV, todos responsáveis e
culpados.
Claro que qualquer um está sujeito a se equivocar, mas cometer os mesmos erros fatais, século após século parece uma atitude deliberada. Você encorajou esses incompetentes, que transformaram sua vida profissional num inferno.143
Assim V termina suas acusações, diz que “bastava dizer ‘não’144”
e que agora, seu valor na companhia tinha se perdido, e terá dois anos
para se corrigir e atingir resultados satisfatórios, caso contrário, será
cortado. “Isso é tudo. Pode voltar ao trabalho. As tarefas normais
devem começar tão logo seja possível.145”
Este vídeo é o golpe final de V à sociedade, ao partido, ao fascismo
como um todo. V inicia o fim de seu grandioso espetáculo.
Esta passagem é composta de um uso complexo de imagem
e discurso, pois, a todo momento, enquanto V fala, imagens são
mostradas, sem legendas ou explicação, ao fundo. Quando fala sobre
evolução, temos ao fundo alguma espécie de símio. Ao elogiar a
ausência de faltas dos “funcionários”, temos uma imagem do corpo de
bombeiros. Os grandes feitos são retratados com o homem pousando
na lua. Temos imagens de guerras, alguns quadros antigos. Fotos de
ditadores e passeatas nazistas. Por fim, uma explosão atômica.
Estas imagens complementam o discurso, sendo praticamente
usadas como um recurso cinematográfico, afinal, V está em uma
televisão. Aqui sentimos muito bem essa proximidade das duas fontes,
do Quadrinho para com o Cinema. Quando V fala algo, a imagem induz
a interpretação para aqueles que as entende. O discurso ganha força
e impacto, tendo uma interpretação imagética muito maior do que se
fosse simplesmente oral. Por exemplo, ao falar das crianças e delas
sofrerem com os maus tratos, vemos uma criança loira apoiada em
uma janela. Não temos certeza de quem ela seja, pois não há uma
referência. Mas parece ser a criança de “Alemanha, Ano Zero” do
filme de Roberto Rosellini146. Neste filme, esta criança passa por maus
bocados, diversos tipos de violência, para, no fim, acabar se matando.
Um jovem de 12 anos. O filme é forte e impactante, e ver esta imagem
junto do discurso, quando ele fala “O que fizeram para merecer isso?”,
as cenas do filme e os acontecimentos que a criança sofreu e cometeu
se somam à interpretação da pergunta. As referências durante todo
o discurso, e também em todo o quadrinho, tornam as interpretações
dos acontecimentos muito mais significativas.
Contudo, o golpe ao âmago de todo o poder é quando V coloca,
por poucos instantes, os dizeres “Eu te amo” na tela de Destino147, na
frente do Líder, fazendo-o entrar em um surto louco.
Assim começa o tomo 3 da HQ, “A terra do Faça-o-que-quiser148”.
Com Evey entrando definitivamente na sua fase adulta, após passar
pelo cárcere fictício de V, e guardar em um baú, vários ursinhos de
pelúcia, livros infantis e tudo que não é mais necessário.
Já faz meses que V não age, colocando todos na calmaria antes da
tempestade. E que tempestade! V explode o partido em vários pontos
estratégicos usando os ritmos das explosões na sequência apoteótica
de 1812 Ouverture Solennelle, de Tchaikovsky149.
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 103Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Claro que, habitualmente, não há som nas histórias em quadrinhos,
porém, neste momento, quando vemos a partitura com o nome da
sinfonia e V se aproximando como um maestro150 pronto para reger
seus instrumentos, podemos sentir as vibrações dos metais e dos
tambores. Com isso, vemos o caos, a Cabeça sendo desmantelada,
as pessoas não sabendo o que fazer. Então, uma mensagem no rádio
aparece, é V, declarando que a privacidade está sendo novamente
devolvida como direito aos cidadãos, ninguém saberá o que estão
fazendo, sem câmeras ou escutas. Está declarado, por três dias, a lei
do “faça-o-que-quiser”. Londres está em chamas, a música termina, V
agradece os aplausos151.
Um momento sublime e inesquecível. Estamos novamente no dia 5
de novembro, agora de 1998. Passado um ano do início da história. V,
na pressa por criar as ruínas desse presente ingrato, transformando-o
em um passado vítima da tempestade do progresso, leva suas asas
para um novo futuro. Como o Angelus Novus de Klee, interpretado
por Benjamim, ele também encara o passado, suas ruínas, e sente
em seu manto a mesma tempestade violenta que o empurra. Mas ele
alertou os mortos. Incitou o orgulho de um passado e a certeza de um
futuro melhor. Acertou o fascismo aonde doía mais, no poder. Agora,
simplesmente se deixa carregar pela tempestade caótica que criou.
Contudo, não está com os olhos escancarados e com a boca dilatada,
mas sim, com um sorriso levado no rosto.
3.3 Qual anarquismo? “V” e o anarquismo individualista
V é um anarquista. Isso ele afirma ao longo de toda a história. Sua
busca por um mundo melhor, não fascista, com pessoas livres para
tomarem as rédeas de suas próprias vidas, é tudo que ele sempre quis.
Este é seu desejo, e esta é a sua vingança.
Em um dos diálogos que acontece na história, de Evey com V,
perceberemos esta opinião anárquica de V. O diálogo começa com
Evey falando do início de toda a baderna que gerará a revolução:
...aconteceu lá em East Finchley esta noite. Dissero que a moça tinha levado uma lata de feijão e metero uma bala bem na cara dela. Todo mundo fico mudo, parado... que nem se ela fosse uma paquistanesa. Essa foi demais. Se os putos aparece aqui, vão levá um chute no rabo... Ah, se vão”152
Este relato de Evey é acompanhado das imagens da cena relatada.
Com uma mulher sendo pega pelos policiais em um saque a uma loja
de conveniências. Uma arma sendo colocada em seu rosto e, depois,
uma multidão vendo o corpo cair, mas tendo em primeiro plano a arma
(claramente uma pistola panzer, usada pelos nazistas na segunda
guerra mundial153) com fumaça saindo do cano. No que assim, entra
o discurso de V.
Não se deve contar com a maioria silenciosa, pois o silêncio é algo frágil. Um ruído alto... e está tudo acabado.O povo está amedrontado e desorganizado demais. Alguns podem ter tido a oportunidade de protestar, mas foram como vozes gritando no deserto.O barulho é relativo ao silêncio que precede. Quanto mais absoluta a quietude, mais devastadoras as palmas.Nossos governantes não ouvem a voz do povo há gerações, Evey... e ela é muito mais alta do que eles se recordam.”154
As imagens da multidão silenciosa155, observando o assassinato,
observando as pessoas reagirem em meio à turba, pasma. Muitos
horrorizados, outros tantos impassíveis, mas no fim, todos
enraivecidos156.
104Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Assim chegamos ao 6 de novembro de 1998, após Londres ter
sido explodida ao som de Tchaikovsky. Pessoas nas ruas, a cidade
sendo saqueada. Multidões em protestos por todos os lados. Fogo e
manifestações.
Evey escuta as notícias em um rádio trazido por V, e pergunta o
que é isso, o que está acontecendo? Todo esse tumulto e gritaria, V...
Isso é Anarquia? Esta é a terra do faça-o-que-quiser?”157 Ao que
V responde:
Não. Esta é a terra do faça-o-que-quiser. Anarquia significa sem líderes, não sem ordem.Com Anarquia, vem uma era de Ordung, de verdadeira ordem, ou seja, ordem voluntária. Esta Era de Ordung terá início quando o insano e incoerente ciclo de verdwirrung, que esses boletins revelam, tiver se exaurido. Isto não é anarquia, Eve. Isto é o caos.”158
Pensar com quais anarquismos estamos lidando, pode ser algo
complexo demais, afinal, como qualquer ideologia, há diversas
vertentes e muitas são similares entre si. No caso de V, sabemos
existir uma deixa para o anarco-individualismo. Vertente fundada por
Max Stirner, escritor de “O ego e o que a ele pertence”. Sendo que ele
ficou conhecido como o anarquista egoísta.
Para o Estado, é indispensável que ninguém tenha vontade própria. Se alguns a possuíssem, seria preciso excluí-los, prendê-los ou bani-los. Se todos a possuíssem, o Estado acabaria. É impossível imaginar um estado sem senhores nem servos, já que ele deve desejar ser o senhor de tudo aqui que abrange – e a isso chamamos ‘a vontade do Estado’... A vontade que existe em mim pode destruí-lo e, por isso, ele a chama de egoísmo. Minha vontade e o estado são duas forças em luta, entre as quais é impossível a paz eterna.”159
Este pensamento diz muito sobre V, a ponto de conseguirmos
ver nele o reflexo revoltado de Stirner e de seu egoísmo. Esta luta
incansável do homem contra o Estado, da força usada para a revolta
que faz sangrar seus pulsos e, assim, se livrar dos grilhões que o
aprisionam. Este é V, um homem contra o Estado, na tentativa de fazer
as outras pessoas também sentirem essa vontade, este egoísmo.
Em várias passagens do quadrinho podemos ver V se colocando
como o contraponto do estado. Principalmente quando ele revela a
Evey que ele também possui um Destino, o computador que tudo rege.
Ele também sabe o que o Estado sabe, e ele está à altura de todo o
poder fascista.
Outra boa passagem sobre as relações dele com o estado, neste
teatro maniqueísta gerado por V, é aquela, já citada, onde há a
declaração a estatua da Justiça. Seu amor de infância que se deitou
com o inimigo, gerando o ódio do amante deixado para trás.
Deste amor frustrado, do ódio, surge o V destruidor. Que
percebemos no discurso de despedida que faz para Evey, ao definir as
duas faces da anarquia, a destruidora e a criadora.
A anarquia ostenta duas faces, a criadora e a destruidora. Destruidores derrubam impérios, fazem telas com os destroços, onde os criadores erguem mundos melhores. Os destroços, uma vez obtidos, tornam as ruínas irrelevantes. Fora com os explosivos, então!Fora com os destruidores. Eles não têm lugar em nosso mundo melhor.Brindemos a todos os nossos bombardeiros, a nossos bastardos mais desprezíveis e odiosos. Bebamos a sua saúde......e depois que não os vejamos mais.”160
Este brinde a sua própria saúde e morte, onde ele se vê como um
bastardo desprezível e odioso, um incômodo em um mundo melhor.
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 105Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Porém, antes, sua função é vital para se conseguir o mundo melhor que
ele almeja, no qual os criadores erguerão e manterão este mundo.
Esta faceta destruidora é reflexo das teorias niilista anárquicas.
Da necessidade de criar as ruínas de um mundo intrinsecamente
corrompido, onde as pessoas estão habituadas a ele e às próprias
tramas de poder foucaultiano, estão estabelecidos de maneira a
nenhuma resistência conseguir pará-los.
Aqui encontramos ideias anarquistas de Bakunin, a destruição do
Estado pela elevação do povo em seu posto de direto, o comando de
suas próprias vidas: “A estrela da Revolução se erguerá de um mar de
sangue e fogo, brilhando bem alto e independente sobre Moscou, e se
transformará na estrela-guia que conduzirá a humanidade liberada.161”
Esta frase, tirada do livro Apelo aos eslavos, mostrava esta ideia
niilista, em outro contexto, mas se transportada para a Londres de V,
mostra o espetáculo de fogos de V para servir de estandarte ao povo,
de exemplo aos duvidosos.
Outra passagem nas ideias de Bakunin que descreve V está no
Catecismo revolucionário, quando ele diz que:
O revolucionário é um homem sob o juramento – diz o catecismo -, ele deve ocupar-se exclusivamente com um único interesse, um único pensamento, uma única paixão: a revolução... Há entre ele e a sociedade uma guerra de morte, incessante irreconciliável... Ele deve fazer uma lista daqueles que foram condenados à morte e executar as sentenças, pela ordem de suas relativas iniqüidades.162
Bakunin não podia ser mais literal, mas V faz sua lista de
condenados ao contrário das iniqüidades. Fora isso, este é V, um
revolucionário sobre juramento. Percebemos em suas atitudes, nas
suas palavras e ações que tudo que faz está voltado para mudar a
sociedade e implementar o anarquismo como modo de vida na Londres
de 1997. Sua vingança, seu niilismo, sua vida, seu anarquismo, são
ferramentas para mudar o mundo. Mundo este que o jogou no fogo, no
campo de concentração, tentou matar suas esperanças, seus amigos,
tudo que tinha e possuía. Que matou os pais de Evey, que a forçou a
se prostituir para poder se alimentar direito. Que mata. E, ao mesmo
tempo, não se importa com nada que acontece a sua volta, em que sua
corrupção está intrinsecamente ligada a essa violência, como sendo
algo meramente natural na ordem das coisas. O Fascismo jamais
deveria se tornar uma opção no mundo. A este mundo injusto V dedica
seu mais belo presente póstumo, a Anarquia.
Qual anarquismo V discursa? Isso pode pouco ser importante. Seria
aquele pensado pelo filosofo Godwin? Puro, inocente e racional?
A anarquia é transitória, mas a ditadura tende a se tornar permanente. A anarquia desperta a mente, difunde energia e iniciativa entre a comunidade, embora possa talvez não fazê-lo da melhor maneira... Mas na ditadura, a mente é esmagada sob a mais odiosa forma de igualdade. Tudo que promete grandeza está destinado a cair sob o jugo exterminador da suspeita e da inveja.163
Facilmente conseguimos encontrar no discurso de V noções desta
passagem do livro Inquéritos sob a justiça política. O povo como único
revolucionário capaz de reger quando não houver mais estado. Quando
isso não for mais necessário, algo novo virá. A anarquia não é o ponto
final do processo revolucionário. Anarquia ao contrario da ditadura.
Ou quem sabe, nas belas palavras de Proudhon, do livro “A
propriedade é um roubo”, lá também podemos encontrar uma forma
de se pensar V:
Se tivesse de responder à seguinte questão: o que é escravidão?, e a respondesse numa única palavra: é um assassinato, meu
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pensamento seria logo compreendido. Eu não teria necessidade de um longo discurso para mostrar que o poder de tirar o homem o pensamento, a vontade, a personalidade é um poder de vida e de morte, e que fazer um homem escravo é assassiná-lo. Por que então a esta outra pergunta: o que é propriedade?, não posso eu responder da mesma maneira: é um roubo, sem ter a certeza de não ser entendido, embora esta segunda proposição não seja senão a primeira transformada?164
Não é difícil interpretar as pessoas omissas como escravos do
fascismo, as rédeas do partido, seu controle sobre a liberdade de
expressão e vigilância como uma forma do Partido tomar Londres como
sendo sua propriedade? V tenta devolver aos homens aquilo que é
deles por direito de nascença, a liberdade.
Até nas palavras do bondoso Krapotkin, encontramos dizeres que
podiam ser ditas por V:
Quando este dia chegar – e cabe a vocês apressar a sua chegada -, quando toda uma região, quando grandes cidades com seus subúrbios tiverem se libertado dos homens que as governam, nossa tarefa está definida: é preciso fazer com que todos os equipamentos retornem às mãos da comunidade; que todos os recursos sociais, hoje em poder de indivíduos isolados, sejam devolvidos aos seus verdadeiros donos, ou seja, a todos, para que cada um possa desfrutar o seu quinhão no consumo, para que a produção de tudo que for necessário e útil possa continuar sem interrupções e para que a vida social, longe de sofrer uma interrupção, possa prosseguir com renovada energia.165
A revolução de todos por todos, na devolução de suas
ferramentas, aquilo que os sustenta, se adaptarmos para os anos 80,
aquilo que lhes faz feliz, sem que deva justificativa a um possuidor
destes recursos. V deseja isso aos londrinos, que eles tomem por
eles mesmos o poder do Estado, para, assim, tornarem-se livres,
como bem entenderem.
Pensar a anarquia em V de Vingança, retoma a discussão do início
desta monografia, sobre as relações do HQ com o público dos anos 80,
a Era Thatcher e a desilusão política na juventude desta década.
A Inglaterra e o mundo passavam por transformações
socioeconômicas com a fragilidade da guerra fria e a ameaça constante
de um holocausto nuclear. Não parecia haver esperanças para um
futuro melhor. A HQ vem mostrar um futuro esperado por todos, onde
há uma guerra nuclear, o mundo está estraçalhado e caótico, e na
tentativa de arrumar a situação, voltam os mesmo problemas do início
do século, anteriores as grandes guerras e a concretização de uma
ameaça fascista na Europa.
Alan Moore não se preocupa em dizer que a ameaça não aconteceu,
que a bomba não caiu. Mas mostra que, para a Inglaterra se salvar, a
Dama de Ferro deve deixar de ser a primeira ministra britânica, assim,
com o partido trabalhista assumindo as rédeas inglesas, limpando
o território das bombas nucleares, talvez, ela possa sair ilesa dos
ataques, por deixar de ser um alvo em potencial.
A crítica do autor não está na análise de um mundo hipotético
fascista futurista, mas nos receios das decisões na década de oitenta
no futuro por vir. Principalmente ao se tratar dos preconceitos ao
homossexualismo, racismos e xenofobia, situações retratadas na
HQ quando V descreve as pessoas que eram levadas à força para os
campos de concentração.
A falta de liberdade de expressão, a vigilância constante nas ruas.
A polícia, o Estado guiando como bem entendem as normas de convívio,
com guerras praticamente particulares, como no caso da Batalha das
Malvinas, e as pessoas criticando sem nada fazer, ou simplesmente
aceitando as decisões sem se preocupar com o dia de amanhã.
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 107Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Se as pessoas pensarem no que estão fazendo, as mudanças podem
vir a ajudar. A angústia revolucionária que existe no quadrinho é o fato
de ninguém mais querer fazer nada para mudar o mundo no estado em
que ele está. Para isso, faz-se necessária uma medida drástica, niilista,
que mova as pessoas do seu lugar. Tudo pode depender de um homem,
mas será somente o início, pois, se ninguém aceitar ou ver as injustiças
existentes, nada mais poderá ser feito. O conformismo tornará tudo
novamente igual.
Os anarquismos em V de Vingança são o alerta à década de 80,
uma sugestão de uma opção melhor que a vigente. Melhor que a tirania
de Thatcher, que a rigidez inglesa, que a paranoia caótica, que o medo
e o conformismo, Moore, utilizando de V, propõe a anarquia, afinal, se
é para ter alguém como Thatcher no comando do Estado, melhor era
não ter Estado nenhum, melhor seria a Anarquia, um povo sem Estado,
mas não um povo sem ordem. A pura e simples anarquia.
A graphic novel permanece atual, mesmo mais de vinte anos
após sua publicação, as pessoas continuam omissas, aceitando tudo
que acontece a sua volta, e as corrupções do estado. Ainda sendo
necessário um anarquista como V para que uma mudança ocorra. Ler
nos anos 90, ou depois, não faz dela uma obra deslocada no tempo,
mesmo lendo após a data futura proposta, 1997, ainda dá para sentir
a tensão do tempo. Mesmo sem a guerra fria, ainda temos bombas
atômicas, mesmo sem as ditaduras, ainda temos governantes
corruptos, mesmo com todos os movimentos jovens e culturais dos
anos 80, ainda temos pessoas omissas.
Talvez ainda precisemos de uma frase anarquista para melhor
entender o que nós queremos, se é esta justiça complexa dos novos
tempos, ou a doce e dura liberdade.
Em uma de suas últimas frases, V declara: “Esta é a missão deles:
governarem-se a si mesmo. Suas vidas, amores e terra166”. Não mais,
não menos.
CONCLUSÃO
Trabalhar com histórias em quadrinhos como fonte histórica pode
ser extremamente complicado. Analisar todas as imagens e textos
para transmitir alguma informação ao leitor de maneira que seja
inteligível e curiosa, não é fácil em nenhuma circunstância, mas com
os quadrinhos, o recurso da imagem e sua interpretação, as grandes
possibilidades de interpretação, podem levar a contradições quando
soltas solitariamente, fora do contexto delas.
Em um primeiro momento, após ler algumas pesquisas de outros
historiadores, reparei que usar recortes das imagens no texto dificulta
a leitura. Por serem mídias diferentes, texto e história em quadrinhos
nem sempre se encaixam perfeitamente. Como não estávamos
fazendo uma análise direta das imagens para colocá-las no meio da
página e assim desvendá-la, e sim, estávamos tentando fazer uma
análise dos anos 80, do autor, dos diálogos e das sugestões por
trás da obra, descobrimos que deixar a interpretação das imagens
ao leitor poderia confundir a sequência do texto, afinal, como o
leitor pode não ter lido a Graphc Novel, inserir sem explicações
um quadrinho na intenção de que faça sentido com o texto, não
seria a melhor forma. Assim, colocar os recortes necessários, mais
por curiosidade do que por meio indispensável para se entender o
texto, tornou-se a melhor forma para se trabalhar com esta fonte
para mim. Com isso, as imagens ficaram no final do texto, como dito
na introdução.
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Encontrar estudos semelhantes, que trabalhassem com histórias
em quadrinhos também não foi fácil. Alguns artigos, outros textos, mas
em geral, muitos usavam o quadrinho como objeto de pesquisa e não
como fonte, a intenção inicial da monografia. Com a falta de exemplos
e teorias mais aprofundadas sobre o uso dos quadrinhos como fonte,
readaptamos algumas ideias, e muitas outras foram modificadas ao
escrever definitivamente a monografia.
Mesmo assim, lidar com algo que está presente em minha vida
desde minha infância, ainda mais com uma de minhas HQ favoritas faz o
trabalho ser mais ameno e gostoso de se fazer. Possuindo a fonte, pude
me dedicar em trabalhar com as leituras e em escrever, e relê-la quantas
vezes fosse necessário, lendo tudo minuciosamente, ou folhando as
páginas na procura de alguma imagem que dissesse algo que eu ainda
não havia percebido, isso foi um exercício interessante, com o tempo, a
fonte acaba te dizendo o que você esperava ou negando tudo aquilo que
você supunha para lhe dar um caminho novo e interessante.
Como tive uma “militância anarquista” em minha época de colégio,
acabávamos lendo e repassando livros uns para os outros, e “V de
Vingança” era uma leitura obrigatória. Discutíamos sobre ele, sobre
anarquia e o mundo. Criticávamos longamente o filme baseado na
obra, que, realmente, não se parece com a Obra original, deixando
muito a desejar, ao se tratar de Anarquia. Mas nunca víamos V
como um Anarco-Individualista, tínhamos pelo Max Stirner um ódio
ideológico. Contudo, relendo os livros e anotações nas bordas dos
livros e o próprio V, acabei por redescobrir um anarquismo deixado de
lado, conhecer um personagem que não via, que inserido nos anos 80,
uma década que não vivi, acabou fazendo muito mais sentido do que
vê-lo como um proudhoniano.
Com o tempo, a pesquisa monográfica tornou-se uma forma de
saciar minhas curiosidades juvenis, descobrir a década que precedeu
minha geração, as bandas que eu tanto gostava, e que criou os filmes
que marcaram minha infância. Ler relatos e descobrir a paranóia
existente nos livros de espionagem que habitam minha estante.
Não vivi com a bomba atômica, nem com ditadura alguma.
Notar que poucos anos antes de eu nascer o mundo era uma loucura
generalizada, permitiram interpretar os desenhos, quadrinhos e jogos
de videogame que joguei minha vida toda com outros olhos. Os filmes e
livros tinham por trás um apelo a um momento histórico complexo. Um
medo do final dos tempos. Hoje, o medo mudou de nome, acusamos
as ameaças ecológicas, evitamos gastar copos de plástico, ou comer
sopa de tartaruga. Um discurso que funciona dos anos 90 em diante,
mas que, para um mundo prestes a acabar como alguns temiam nos
anos 80, seria infundado.
Claro que a paranoia não era tamanha, que o final dos tempos
era impensável mesmo para os jovens daquela época, mas existia a
ameaça. O medo de um estagiário desastrado tropeçar nos botões
errados e erradicar um país inteiro do mapa era um receio, exagerado
ou irônico, mas era.
Descobrir essas coisas “velhas”, mas que criam uma nova
roupagem quando começamos a entender os detalhes, foi sem dúvida
a parte mais interessante.
Entre as conclusões referentes às descobertas feitas sobre esta
graphic novel, pode-se ver em V um exemplo a ser seguido, pois em “V
de Vingança” se encontram todos os conselhos de Foucault para viver
uma vida não fascista, mas não qualquer fascismo, e sim aquele que
existe dentro de nós. Os conselhos, que se encaixam em V, são:
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- Libere a ação política de toda forma de paranóia unitária e totalizante;- Faça crescer a ação, o pensamento e os desejos por proliferação, justaposição e disjunção, mais do que por subdivisão e hierarquização piramidal;- Libere-se das velhas categorias do Negativo (a lei, o limite, a castração, a falta, a lacuna), que o pensamento ocidental, por um longo tempo, sacralizou como forma do poder e modo de acesso à realidade. Prefira o que é positivo e múltiplo; a diferença à uniformidade; o fluxo às unidades; os agenciamentos móveis aos sistemas. Considere que o que é produtivo, não é sedentário, mas nômade;- Não imagine que seja preciso ser triste para ser militante, mesmo que a coisa que se combata seja abominável. É a ligação do desejo com a realidade (e não sua fuga, nas formas da representação) que possui uma força revolucionária;- Não utilize o pensamento para dar a uma prática política um valor de verdade; nem a ação política, para desacreditar um pensamento, como se ele fosse apenas pura especulação. Utilize a prática política como um intensificador do pensamento, e a análise como um multiplicador das formas e dos domínios de intervenção da ação política;- Não exija da ação política que ela restabeleça os “direitos” do indivíduo, tal como a filosofia os definiu. O indivíduo é o produto do poder. O que é preciso é “desindividualizar” pela multiplicação, o deslocamento e os diversos agenciamentos. O grupo não deve ser o laço orgânico que une os indivíduos hierarquizados, mas um constante gerador de “desindividualização”;- Não caia de amores pelo poder.167
Viver uma vida não fascista não parece ser difícil, não precisamos
ser nenhum V para conseguir construir um mundo melhor. Contudo,
segui-los pode torná-lo livre, porém ser livre sozinho, em uma sociedade
que você não aceita e que não o aceita, pode trazer-lhe tristeza. “V de
Vingança” é um quadrinho sobre mudanças e escolhas, sobre a vida
e o futuro, colocando a revolta e a anarquia somente como um pano
de fundo sobre a própria existência humana. Na vida real, ser V, ou
sentir o que ele sentiu não te fará uma Evey ou um revoltado capaz de
explodir a corrupção, mas sim, andar sozinho por um mundo devastado
pelo caos. Caminhar pelas ruínas da destruição do progresso sem
nem ao menos saber para onde vai o Anjo da História. No fim, o que
V quer nos deixar de verdade é que, mais vale estar sozinho do que
mal acompanhado, se for para estar sozinho com suas convicções
e liberdade. Exatamente como o que acontece com Finch, no último
quadrinho da história.
Figura 4 -Último quadrinho de v de vingança
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo : Panini/Vertigo
p267
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Assim, acabamos descobrindo um novo “V de Vingança”, fruto de
uma década que foi herdeira de um conturbado século. Esmiuçamos
uma história em quadrinhos genial, repleta de referências e
complexidades, para ajudar os quadrinhos a deixarem de ser somente
um entretenimento injustiçado, tornar uma fonte completa, interessante
ao trabalho do historiador e com isso aumentar o nível do debate.
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Notas de rodapé1 Termo carinhoso para se chamar as Histórias em quadrinhos.
2 Ver imagem 5 em anexo.
3 Ver imagem 6 em anexo.
4 EISNER, Will Quadrinhos e a arte seqüencial São Paulo: Martins Fontes, 1999 p.5
5 Id. ibid. p.125
6 MOYA, Álvaro de, História das histórias em quadrinhos São Paulo : Editora Brasiliense, 1996
7 BIBE-LUYTEN, Sonia M. O que é história em quadrinhos São Paulo : Círculo do Livro (Coleção primeiros passos), 1993 p.136
8 Id. Ibid. p. 134
9 EISNER, Will op.cit. p. 122
10 BIBE-LUYTEN, Sonia op. cit p. 142
11 Esta frase foi dita pelo “bandeiroso” (apelido dado pelos inimigos ao Capitão América, pelo fato de ele parecer uma bandeira ambulante) na sua participação na Guerra do Vietnã, largamente criticada pelas mídias, e não seria diferente nas HQs. Com o tempo, as editoras deram um jeito de colocar o Capitão América em todas as guerras que os Estados Unidos participaram. Desde a guerra dos confederados ao conflito da guerra fria, usando como subterfúgio máquinas do tempo, fendas espaciais ou qualquer outra coisa que o levasse ao passado ou ao futuro.
12 BIBE-LUYTEN, Sonia M. op. Cit. p. 148
13 Eisner foi bem cuidadoso neste ponto, somente relatos de vítimas indicam que o vilão é negro e vive sempre no cais, no caso, o vilão é o Octopus, ou O Polvo, homem por trás dos crimes que sempre acaba conseguindo fugir do herói antes de ser capturado. Quando Spirit se depa-ra com Octopus ou é nas sombras ou na contra luz, deixando a fisionomia do bandido no mistério.
14 EISNER, Will op. Cit.
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15 Id. Ibid.
16 Id. Ibid. p. 122
17 id. ibid. p.8
18 Id. Ibid. P.7
19 LUCCHETTI, Marcos Aurélio; LUCCHETTI, Rubens Francisco História em quadrinhos: uma introdução Revista USP – São Paulo
20 O termo já havia sido usado nos anos 60 por Richard Kile, pelo que nos coloca os autores: TEIXEIRA, Nícia Cecília Ribas Borges; CORREA, Wyllian Eduardo de Souza Watchmen e o discurso distópico do “bem maior” Guarapuava : Revista de História e Estudos Culturais Vol. 6 ano VI nº2, 2009. pg 9
21 SANTOS, Roberto Elísio dos O caos dos quadrinhos modernos Revista Comunicação e Educação São Paulo v.2 Jan./Abr. 1995
22 HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914 – 1991 São Paulo : Companhia das Letras, 1995 p.538
23 Id. Ibid. p.541
24 “Grandes poderes trazem grande responsabilidade” uma frase clássica nos quadrinhos do “Homem-Aranha”, publicado pela editora Marvel.
25 VERGUERO, Waldomiro. RAMOS, Paulo Muito além dos quadrinhos São Paulo : Devir, 2009 p.105
26 Id. Ibid.
27 Referência a uma popular série de revistas da editora Marvel que se intitula “O que aconteceria se” (em inglês “What if”) que conta uma versão de alguma história se algo inesperado acontecesse, o que aconteceria no futuro. Alterando uma situação famosa, como mudar a pessoa que se transformou em Homem Aranha, ou se o Wolverine não salvasse alguém, entre outras.
28 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo : Panini/Vertigo, 2006 p. 8
29 Indicações que Alan Moore sugere como sendo referencias na elaboração do quadrinho V de Vingança em seu artigo “Por Trás do Sorriso Pintado” publicado na Graphic Novel: MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p. 274
30 O Glam tem seu inicio nos anos 70, recebendo influência de vários outros movimentos musicais anteriores a ele, contudo, é nos anos 80 que sua representação e repercussão mundial se destacam.
31 Alan Moore, nascido em 18 de novembro de 1953 no interior da Inglaterra, tornou-se um dos grandes nomes por trás dos quadrinhos, sua fama se equipara a suas esquisitices. Mora em um sítio longe da capital, com sua esposa e duas filhas. Possui longos cabelos desgrenhados e uma barba similar. Sempre aparece com anéis e roupas de couro. É vocalista em botecos da região de uma banda Hardcore. Sempre retira o nome dos filmes baseado em sua obra, criticando o filme por deturpar sua arte. Abriu alguns selos independentes para lançar seus quadrinhos alternativos. Acusa as editoras de plagiarem suas histórias, algumas vezes com razão, mesmo assim, elas continuam o contratando para escre-ver uma ou outra história, que, às vezes, ele recusa. Além de roteirista de HQ e músico, também é um grande escritor, com seu livro “A Voz do Fogo” sendo o mais vendido no mês de seu lançamento, entre outros livros não tão famosos que ele também escreveu.
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32 Pouco se sabe sobre este desenhista, nasceu em 1950, britânico, ficou conhecido por ter desenhado com Alan Moore em V de Vingança, mas já trabalhava na Marvel Britânica, na década de 70, desenhando até hoje algumas revistas mensais de heróis ingleses, com pouca influên-cia no público brasileiro.
33 O jogo ocorrido no decorrer da copa entre Argentina e Inglaterra ficou conhecido como “a batalha das Malvinas”, referenciando a batalha perdida em 1982. A Argentina viu no campo de futebol a oportunidade da revanche ao confronto.
34 GARFINKEL, Bernard Margaret Thatcher (coleção Grandes Lideres) São Paulo : Nova Cultura, 1987
35 Id. Ibid.
36 HOBSBAWM, Eric. op. cit. p542
37 GARFINKEL, Bernard op. cit.
38 HOBSBAWM, Eric. op.cit p553
39 GARFINKEL, Bernard op.cit.
40 “Curtindo a Vida Adoidado” ou “Ferris Bueller’s Day Off”, filme dirigido por John Hughes, lançado em 1986
41 Este LP, duplo, está entre os lançamentos mais importantes da banda Pink Floyd. Dentre eles, as três partes de “Another brick in the wall” representa um sentimento juvenil que perpassou o cinema e outros protestos da época. Cada parte tem um estilo melódico diferente, e composições experimentais que tornam cada uma única, mesmo mantendo o ritmo. Esta experimentação musical é uma característica da banda Pink Floyd. Contudo a parte dois possui em seus versos o trecho famoso que diz: “Hey! Teachers! Leave them kids alone!” uma crítica a forma rígida e normatizada da escola primária inglesa, que se estende a toda forma de educação rígida (militar, acadêmica, familiar, etc.). A Parte 1 trata sobre a relação pai e filho. A 2 com a educação e a alienação das crianças, já a 3 sobre a sociedade e as críticas à juventude. As três músicas terminam com o refrão clássico “All in all it’s just another brick in the wall. / All in all you’re just another brick in the wall” que em uma tradução livre seria : “Tudo foram apenas tijolos no muro, Todos vocês foram apenas tijolos no muro.” Tendo várias interpretações como: todos não passam de coisas sem personalidades que formam os tijolos da sociedade, concreto e adubo. Ou, como alguns dizem “os tijolos do céu, do fim do universo”. Porém, as impressões deixadas pelos corpos das vítimas das bombas atômicas nos muros de Hiroshima e Nagasaki, também estão nas interpretações mais condizentes com os anos 80.
42 Tradução: eu acho isso irônico / eu acho isso triste, Os sonhos onde estou morrendo são os melhores que eu já tive, acho difícil dizer a você / acho difícil de entender, Quando as pessoas andam em círculos é um Mundo muito muito Louco, Amplie seu mundo, Mundo Louco.
43 MARX, Karl; ENGEL, Friedrich Manifesto do partido Comunista Porto Alegre : L&PM, 1998 p. 26
44 Mesmo a bomba atômica tinha um princípio bom por trás de sua equação matemática (E=MC²), que fora feita para calcular a energia gera-da pela explosão de uma estrela e resultou na fórmula que explodiria átomos. Este é o princípio de feitiços fora de controle, quando algo que é pensando com um propósito bom, vira contra esse feiticeiro, mudando seu propósito e tornando-se algo grande demais para se controlado.
45 “A distopia ainda que usada como uma maneira de crítica social, caracteriza-se justamente como o contrário da utopia, constituindo-se numa utopia negativa, ou uma antiutopia.” – ORCIUCH, Richard Mathias Uma bota pisando um rosto humano, para sempre: As distopias
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políticas nas obras de 1984 e Admirável mundo novo 2005. 50f. trabalho de conclusão de curso (graduação em História) – setor de ciências humanas, letras e artes, Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, 2005. p.13. A preocupação aqui é “se o exercício da imaginação utópica não seria, no fundo, a revelação e a concretização de tendências ditatoriais do homem. Em outras palavras: se a utopia não é algo intrinsecamente mau, se ela não é nosso lado-monstro, ao invés de nosso lado-médico.” - COELHO, Teixeira O que é utopia São Paulo : brasiliense (primeiros passos), 1989, p.46.
46 ARENDT, Hannah Origens do totalitarismo São Paulo : Companhia das Letras, 1989 p. 357
47 ORWELL, George 1984 São Paulo : Companhia Editorial Nacional, 2005 pg.8
48 Slogan do Arquivo Nacional para a exposição de fotos e arquivos da Ditadura Militar no Brasil de 1964 a 1985, chamado de “Memórias Reveladas”.
49 ORWELL, George op.cit pg.5
50 ORWELL, George op.cit. pg.14
51 ORCIUCH, Richard Mathias op.cit.
52 V de Vingança está inserido junto com um bom número de obras que também começam a retratar o futuro de maneira distópica, como: “Blade Runner”, filme de 1982 dirigido por Ridley Scott, “MadMax”, 1979 por George Miller, “Robocop” de Paul Verhoeven, 1987, entre ou-tros. Assim, V não é o precursor de um gênero, mas dialoga com a cultura de sua época.
53 ORWELL, George op.cit. pg.6
54 “Fazer com que a vigilância seja permanente em seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a tornar inútil a atualidade de seu exercício; (...) enfim, que os detentos se encontrem presos numa situação de poder de que eles mesmos são os portadores.” FOUCAULT, Michel Vigiar e punir Petrópolis, RJ : Vozes, 2008 p.166
55 Ver imagem 7 em anexo.
56 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p.11
57 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p. 7
58 ARENDT, Hannah op.cit. p356
59 ORWELL, George op.cit p.67
60 Ver imagem 8 em anexo
61 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit p.109
62 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit p.110
63 ARENDT, Hannah op.cit p.390
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64 ORWELL, George op.cit. p.90
65 ORWELL, George op.cit. p.36
66 Ver imagem 9 em anexo
67 ARENDT, Hannah op.cit. p.513
68 A novilíngua é uma forma de controle intelectual. Um conceito de vocabulário elaborado genialmente por Orwell para mostrar os níveis de controle das pessoas. Normalmente, o vocabulário aumenta, novas palavras são inventadas para explicar novas coisas, enquanto outras palavras vão caindo em desuso, mas não sendo extintas. A novilíngua prega o contrário a isso. Com a destruição de palavras, encurtando o vocabulário, impedindo as pessoas de conceituarem aquilo que elas sentem. Por exemplo “se temos a palavra “bom”, para que precisamos de “mau”? “Imbom” faz o mesmo efeito... e melhor por que é exatamente oposta, enquanto “mau” não é.” “No fim, todo o conceito de bondade e maldade será descrito por seis palavras; ou melhor, em uma única, não vês que beleza, Winston?” Esta argumentação pode parecer bela. Facilitar o uso de palavras, encurtar todas as regras gramaticais em uma linguagem simples. Contudo, sem as palavras, seus significados e definições, torna-se impossível pensar e conceituar a realidade, se não soubéssemos o que é liberdade, a palavra fosse inexistente, sentiría-mos alguma necessidade, um desejo, mas não saberíamos dizer o que queremos, ou o que desejamos. Algo semelhante a perguntar a um leigo sobre o que é anarquia, várias definições podem surgir: caos total, bagunça, desordem, negação do estado, entre outras coisas. Não entender a palavra, faz a compreensão de um texto, da sua realidade tornar-se errônea, ou incompreensível.
69 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p 39 -41
70 ARENDT, Hannah op.cit. p.357
71 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder, 14ª edição. Rio de Janeiro: Graal, 1999
72 Ver imagem 10 em anexo
73 Ver imagem 11 em anexo
74 Ver imagem 12 em anexo
75 Existem estudos que dizem que conversar com plantas ajuda em seu desenvolvimento, mas nada diz que elas retribuam com amor.
76 ARENDT, Hannah op.cit. p. 361
77 DHAMER, André, disponível em www.malvados.com.br, acessado em 20 de abril de 2010, tirinha número 1372.
78 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p.190 e 191
79 Ver imagem 13 em anexo.
80 EISNER, Will op.cit. p.8
81 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p.8
118Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
82 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit p41 a 43
83 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit p43
84 Citação da peça Henrique VIII, de Willian Shakespeare, ato 1, cena IV. MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p43
85 Neste capítulo chamado “Versões” o autor faz um jogo da passagem dos dois, V e Líder, pela estátua da justiça da Old Bailey. O diálogo fascista é a primeira versão e o anarquista a segunda.
86 Ver imagem 14 em anexo
87 Ver imagem 15 em anexo.
88 Ver imagem 16 em anexo.
89 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p16
90 O numero da sala está em romano “V”, um dos tantos motivos para seu codinome ser V.
91 A sonoridade de V e Evey em inglês são muito semelhantes. Esta informação se torna relevante no decorrer da história.
92 “Lembrem, lembrem, o cinco de novembro, que traição, que artimanha. Por isso, não há por que esquecer uma traição tamanha” (tradução retirada da HQ) MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p16 Existe uma data comemorativa na Inglaterra, não um feriado, o que seria um tanto quanto irônico, mas muitos felicitam o dia da Revolta da Pólvora, no dia 5 de novembro, com esta trova sendo famosa. No Brasil ela só se tornou conhecida por culpa da graphic novel.
93 EISNER, Will op.cit.
94 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p220
95 Ver imagem 17 em anexo.
96 Ver imagem 18 em anexo.
97 ONFRAY, Michel. A política do rebelde: tratado de resistência e insubmissão. Rio de Janeiro: Rocco, 2001 p.35
98 ARENDT, Hannah op.cit. p390
99 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p38
100 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p61
101 Ver imagem 19 em anexo.
102 Id. Ib. p.66
103 Ver imagem 20 em anexo.
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 119Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
104 ONFRAY, Michel. Op.cit. p175
105 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p238
106 CAMUS, Albert O homem revoltado RJ : Record, 1999
107 Id.ibid. P29
108 CIRNE, Moacy Quadrinhos, sedução e paixão Petrópolis : Vozes, 2000 p.62
109 Ver imagem 21 em anexo.
110 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p13
111 MOYERS, Bill; CAMPBELL, Joseph O poder do mito Editora Multimídia /Cultura Marcas DVD de entrevista.
112 Ver imagem 22 em anexo.
113 Ver imagem 23 em anexo.
114 Ver imagem 24 em anexo.
115 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p144 a 149
116 Uma ferramenta muito usada nos quadrinhos. Normalmente as páginas pares são as páginas da esquerda e as ímpares as da direita. Co-mumente, o quadrinho de impacto da história é o último da página ímpar, para que, quando a página for virada, voltando à página par, tenha-se a sensação de surpresa, revelando algo inesperado.
117 Ver imagem 25 em anexo.
118 Ver imagem 26 em anexo.
119 Ver imagem 27 em anexo.
120 Ver imagem 28 em anexo.
121 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p161-162
122 Ver imagem 29 em anexo.
123 Ver imagem 30 e 31 em Anexo.
124 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p224
125 BENJAMIM, Walter Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre a literatura e história cultural São Paulo: Brasiliense, 1994 p. 226.
126 FOUCAULT, Michel op.cit. p.118
127 Id.ibid. p.118
120Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
128 FOUCAULT, Michel Introdução à vida não fascista retirado do site: http://vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/vidanaofascista.pdf no dia 21/05/2010.
129 id.ibid.
130 BENJAMIM, Walter id.ibid p.226
131 id.ibid. p226
132 id.ibid. p229
133 id.ibid. p225
134 Ver imagem 32 em anexo.
135 Posso adiantar que V sairá vivo, e de maneira triunfal, contudo, há a apreensão de que ele tenha morrido a bala, mas não era ele. Em tem-po, ele trocou de roupa com um importante funcionário da TV, no fim, o funcionário morreu com fogo amigo. E V voltou seguro e com o trabalho bem feito para casa.
136 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p116
137 id.ibid P116
138 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p118
139 id.ibid
140 id.ibid
141 id.ibid
142 Ver imagem 33 em anexo.
143 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p119
144 id.ibid p119
145 id.ibid p120
146 Ver imagem 34 em anexo.
147 Ver imagem 35 em anexo.
148 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p183
149 id.ibid. p184
150 Ver imagem 36 em anexo.
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 121Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
151 Ver imagem 37 em anexo
152 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p195
153 Ver imagem 38 em anexo.
154 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit p195 -196
155 Ver imagem 39 em anexo.
156 Ver imagem 40 em anexo.
157 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p197
158 id.ibid. p197
159 WOODCOCK, George História das idéias e movimentos anarquistas – A Idéia Porto Alegre : L&PM, 2002 p110
160 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p224
161 WOODCOCK, George op.cit. p172
162 id.ibid. p194
163 WOODCOCK, George op.cit. p65
164 PROUDHON, Pierre Joseph, A propriedade é um roubo Porto Alegre : L&PM, 1998 p20
165 WOODCOCK, George op.cit. p226
166 MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) op.cit. p247
167 FOUCAULT, Michel Introdução à vida não fascista disponível em: vsites.unb.br/fe/tef/filoesco/foucault/vidanaofascista.pdf acesso em 10 de junho de 210
122Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Anexo
Figura 5 - V está morto!
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/
Vertigo p247
Figura 6 - V ao espelho
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/
Vertigo p12
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 123Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 8 - Storm Saxon
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo
p110
Figura 7 - Câmera de vigilância
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/
Vertigo p11
124Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 11 - Sequência do discurso do líder e seus pontos de vista
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p39
Figura 9 - Retrato de Londres após a guerra nuclear
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p29
figura 10 - Old Bailey vista de cima
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p39
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 125Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 13 - Cena da garotinha e da câmera
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/
Vetigo191
Figura 14 - Presente a justiça
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p43
Figura 12 - Líder a cima do panóptico/controle
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo
p40
CENA DA GAROTINHA E DA CÂMERA
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/
Vetigo191
126Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 16 - Galeria das sombras
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo
p168
Figura 15 - Diálogo entre a máscara e a estatua
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p42
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 127Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 18 - Bonecas ao forno
Figura 18 - HÓSTIA DE CIANURETO
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p36
Figura 17 - Cenário cenográfico DEV
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo 36
128Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 20 - V LENDO “V”, DE THOMAS PYNCHON
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p66
Figura 19 - Hóstia de Cianureto
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo p64
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 129Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 22 - Evey Sosinha
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/
Vetigo p102
Figura 23 - Gord Morto
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/
Vetigo p139
Figura 21 - Primeiro “freguês” de Evey
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo 13
130Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 25 - Visão da cela de Evey
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo
p150
Figura 26 - Companheiro de cela
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo
p151
Figura 24 - Marionetista no sonho de Evey
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo
p147
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 131Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 28- Evey terminando de ler a carta de valerie
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo
p162
Figura 27 - Cartaz do filme que valerie fez parte antes
de ser levada para o campo de concentração
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vetigo
p106
132Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 30 - Renascimento de V - fogo
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo p85
Figura 29 - Rato na gaiola
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo p167
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 133Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 32 - V na TV
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo
p114
Figura 31 - Renascimento De Evey - Água
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo
p174
134Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 34 - Imagens mostradas por V ao fundo de sua transmissão
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo
p118
Figura 33 - Família em frente á TV
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo
p118
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 135Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 37 - V agradece os aplausos
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo
p189
Figura 35 - Destino ama o líder?
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo
179
Figura 36 - V Iniciando sua orquestra
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo
p185
136Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 39 - Multidão silenciosa
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo
p196
Figura 38 - Tiro de panzer no rosto de uma mulher
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo
195
Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011 137Monografias - Universidade Tuiuti do Paraná | História | 2011
Figura 40 - Multidão enraivecida
MOORE, Alan (roteiro); LLOYD, David (desenho) V de Vingança São Paulo: Panini/Vertigo
p196