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INTRODUÇÃO HISTÓRICA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE

MENTE E CÉREBRO:

DA FILOSOFIA À NEUROPSICOLOGIA

Esta obra convida-o a viajar pelo mundo da construção do conhecimento cientí�co sobre a relação entre mente e cérebro. Ao embarcar em suas páginas, você será levado a vislumbrar uma vasta e rica produção de ideias e teorias, o cimento que fornece o alicerce da ciência. Os caminhos de pedra da �loso�a; as estradas de terra das ciências naturais; os trilhos de ferro da psicologia; os viadutos da neu-rociência; as pontes suspensas das modernas tecnologias; os túneis das ciências cognitivas e os movimentados cruzamentos da neuropsicologia serão descobertos.No vasto mar da memória, se navegará por diversos conti-nentes, se passeará pelos varia-dos períodos históricos – do Egito dos faraós à Grécia antiga; da América pré-colombiana ao Brasil colonial; da Europa medieval aos Estados Unidos do pós-guerra – rumo à uni�cação de um mundo globalizado e pós-moderno. Algum esforço será exigido. A aprendizagem obriga ao renovar-se constante-mente. O cansaço chegará, o desânimo ameaçará, mas a fome de saber restaurará as forças exauridas! Aproveite a leitura, como quem passeia em um parque e desfrute os momentos!

Lucia Maria G. Barbosa atua desde 2004 como docente no Departamento de Ciências da Saúde III da Universidade Nove de Julho – UNINOVE. Leciona no Curso de Psicologia as disci-plinas: “Pesquisa em Psicologia”, “Neurociências e Comporta-mento” e “Neuropsicologia”. Psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Possui especia-lização em Neuropsicologia, certi�cada pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo – CRP-SP 6ª Região. Sua Pós-Graduação stricto sensu foi realizada na Universidade Fede-ral de São Paulo – Unifesp. Obteve os títulos de Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana e Doutora em Ciências. Esta obra é fruto de um sonho que a autora alimentava desde o seu Doutorado. Quando não encontrou um livro que lhe fornecesse uma visão conden-sada e ao mesmo tempo ampla dos diferentes enfoques a respeito das conexões entre mente e cérebro (desde a Filo-so�a até a Neuropsicologia), a autora decidiu enfrentar o desa�o de redigir uma breve história sobre esta relação, por ordem cronológica e por tópi-cos gerais (da Antiguidade até o século XXI). Agora ele tornou-se uma realidade compartilhada!

O período englobado pelos anos de 1990 foram declarados pelo Congresso Americano como a “década do cérebro”. O século XXI já tem sido considerado como o “século do cére-bro”. Tais fatos apontam não só para o reconhecimento da importância dos estudos sobre o funcionamento cerebral como também para o crescente interesse sobre a sua relação com os aspectos neurobiológicos, cognitivos e psicossociais do ser humano. Realmente, o desenvolvimento tecnológico, o surgimento da �loso�a da mente, as novas descobertas no campo das Neurociências tem trazido à tona discussões sobre a mente humana. Por se tratar de uma área multi/inter e transdisciplinar, as diversas perspectivas que contribuíram para a formação deste conjunto de disciplinas não podem ser estudadas de modo isolado. Assim, neste livro se fornece ao leitores pontos de contato entre os distintos campos que se dedicam à compreensão das relações entre mente e cére-bro, desde a Filoso�a até a Neuropsicologia, tendo como pano de fundo a História. Por isso, convida-se o leitor a embarcar nesta fantástica aventura que é a ciência!

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Universidade Nove de Julho – UNINOVERua Vergueiro, 235/249 – 12º andar

CEP: 01504-001 – Liberdade – São Paulo, SP – BrasilTel.: (11) 3385-9191 – [email protected]

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Lucia Maria G. Barbosa

São Paulo2018

INTRODUÇÃO HISTÓRICA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE

MENTE E CÉREBRO:

DA FILOSOFIA À NEUROPSICOLOGIA

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© 2018 UNINOVETodos os direitos reservados. A reprodução desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação do copyright (Lei nº 9.610/98). Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio, sem a prévia autorização da UNINOVE.

Conselho Editorial: Eduardo StorópoliMaria Cristina Barbosa StorópoliNadir da Silva Basilio Cristiane dos Santos MonteiroCinthya Cosme Gutierrez DuranRenata Mahfuz Daud Gallotti

Os conceitos emitidos neste livro são de inteira responsabilidade dos autores

Arte e imagem da Capa: Celso Luis Assis Ribeiro Bento Colaboração Capa: Big Time Serviços EditoriaisEditoração eletrônica: Big Time Serviços EditoriaisRevisão: Antonio Marcos Cavalheiro

Catalogação na Publicação (CIP)Cristiane dos Santos Monteiro – CRB/8 7474

---------------------------------------------------------------------------------------------------Barbosa, Lucia Maria G.

Introdução histórica sobre a relação entre mente e cérebro:da filosofia à neuropsicologia / Lucia Maria G. Barbosa. — SãoPaulo : Universidade Nove de Julho, UNINOVE, 2018.

205 p.

ISBN: 978-85-89852-64-7 (e-book)ISBN: 978-85-89852-65-4 (impresso)

1. Neuropsicologia. 2. Psicologia. 3. Mente e cérebro I. Autor.

CDU 159.92.01---------------------------------------------------------------------------------------------------

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Sumário

Agradecimentos ....................................................................................6Introdução .............................................................................................8

Capítulo 1Relação mente e cérebro: das especulações filosóficas aosurgimento dos primeiros autômatos .................................................. 11

Capítulo 2Relação mente e cérebro: das ciências naturais ao surgimentoda psicologia .......................................................................................45

Capítulo 3Relação mente e cérebro: do método introspectivo aosurgimento da neurociência ................................................................65

Capítulo 4Relação mente e cérebro: da crise da psicologia ao surgimentodas novas tecnologias ..........................................................................98

Capítulo 5Relação mente e cérebro: da cibernética ao surgimentodas ciências cognitivas ......................................................................128

Capítulo 6Relação mente e cérebro: da neuropsicologia russa de Luriaao surgimento da neuropsicologia cognitiva .....................................156

Referências ........................................................................................177Bibliografia consultada .....................................................................203A Autora ............................................................................................204

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6 - LUCIA MARIA G. BARBOSA

Agradecimentos

À Editora UNINOVE, pelo apoio, pela paciência e pela confiança; ao Celso Luis Assis Ribeiro Bento (gradu-ando do 9º semestre do Curso de Psicologia da UNINOVE e pesquisador do Grupo de Iniciação Científica orientado pela autora na mesma instituição), que gentilmente criou a linda capa desta obra; aos meus alunos e colegas, pelo estímulo; e a todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste livro.

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7 - LUCIA MARIA G. BARBOSA

“[...] é perfeitamente concebível que se possa efetuar uma observação do cérebro que descubra processos físicos cuja estrutura e, por conseguinte, cujas propriedades essenciais sejam análogas às que o sujeito experimenta fenomenicamente” (VIGOTSKI, 1999a [1930], p. 241).

“A observação científica não é pura descrição de fatos separados. Sua meta principal é visualizar um evento a partir do maior número possível de pers-pectivas” (LURIA, 1992, p. 182).

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INTRODUÇÃO HISTÓRICA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE MENTE E CÉREBRO - 8

Introdução

Esta obra convida-o a viajar pelo mundo da construção do co-nhecimento científico sobre a relação entre mente e cérebro. Ao em-barcar em suas páginas, você será levado a vislumbrar uma vasta e rica produção de ideias e teorias, o cimento que fornece o alicerce da ciência. Os caminhos de pedra da filosofia; as estradas de terra das ci-ências naturais; os trilhos de ferro da psicologia; os viadutos da neu-rociência; as pontes suspensas das modernas tecnologias; os túneis das ciências cognitivas e os movimentados cruzamentos da neuropsicolo-gia serão descobertos.

Como passageiro de um transporte do futuro, aquele que se ar-riscar a olhar pelas janelas deste livro, sempre encontrará atalhos para dentro de si mesmo. Neste mundo virtual da realidade da mente huma-na, o cérebro será o guia a orientar os olhos curiosos dos seus viajantes para o labirinto do tempo, quando passado e futuro se encontram no presente, que não existe e nem permanece. Para se enxergar o que vem pela frente, será necessário se voltar para trás. Para andar em direção ao ponto de chegada, terá que se recomeçar sempre do local de parti-da. A sensação de se reconhecer o que é novo será constante porque, o conhecimento científico está sempre em transformação e muito rapi-damente a novidade desaparecerá da paisagem para dar lugar ao que é ainda mais atual.

No vasto mar da memória, se navegará por diversos continentes, se passeará pelos variados períodos históricos – do Egito dos faraós à Grécia antiga; da América pré-colombiana ao Brasil colonial; da Europa medieval aos Estados Unidos do pós-guerra – rumo à unificação de um mundo globalizado e pós-moderno.

O cansaço chegará, o desânimo ameaçará, mas a fome de saber res-taurará as forças exauridas! A jornada seguirá por vales suaves e monta-nhas íngremes. Algum esforço será exigido. A aprendizagem obriga-o ao renovar-se constantemente. Hospedado no conforto da própria intimida-

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9 - INTRODUÇÃO

de, referenciais familiares servirão de faróis na escuridão das noites desta epopeia humana. Esta publicação convida a se mergulhar na história, a se saltar rumo ao desconhecido e se refazer a evolução dos antepassados. Será preciso muita perseverança. Tenha paciência. Os altos edifícios da ciência demandam por sólidas fundações, que exigem disponibilidade e tempo. Não tema a frustração! Por vezes, ao atingir um ponto turístico famoso, você poderá não conseguir visualizá-lo totalmente. Alguns fatos não se revelam e precisam de um mapa do tesouro para ser encontrados. Melhor do que chegar a eles é ser capaz de conquistá-los.

Depois de escalar o cume mais alto, no centro do furacão de tantas informações técnico-científicas, se revelará o maior mistério de todos: se constatará que tudo o que se acumulou como sabedoria fez do ser hu-mano um indivíduo ainda mais ignorante. Ao término destas férias não programadas, quando se folhear os capítulos novamente, se perceberá que, enquanto se prosseguia, o que era novo já se desatualizou. Então será preciso recomeçar uma nova empreitada e seguir caminhando com novos mapas nas mãos e binóculos de enxergar o mais longe possível. Seja persistente: tente e não se arrependa do que realizou!

Que os bons ventos o leve rumo ao destino final. Que o destino final o conduza a um recomeço. Que o recomeço não signifique um retorno, nem uma repetição, mas uma nova chance de repensar o co-nhecido como uma novidade. O conhecimento que se acumula ajun-ta poeira! O conhecimento inquieto, de quem não se contenta com o que já sabe, frutifica!

O roteiro que se segue antecipa os imprevistos do caminho e au-xilia na preparação das malas. No primeiro capítulo você embarcará na aventura das primeiras concepções filosóficas sobre a relação mente e cérebro. Talvez seja surpreendido com o surgimento de autômatos. No segundo, acompanhará a caravana de cientistas naturais e o modo como o campo da psicologia se estruturou. No terceiro, conhecerá a evolução da neurociência. No quarto, observará a crise da psicologia e a criação das novas tecnologias, quando se vislumbrarão locais antes impensáveis. No quinto, seguirá de perto os avanços da cibernética, da inteligência

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artificial e das ciências da computação até o aparecimento das ciências cognitivas. Finalmente, se descortinará a área da neuropsicologia clás-sica e suas vertentes mais atuais.

Senhores passageiros, dirijam-se ao Capítulo 1 para o embarque! Deseja-se a todos uma ótima e proveitosa viagem!

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INTRODUÇÃO HISTÓRICA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE MENTE E CÉREBRO - 11

Capítulo 1

Relação mente e cérebro: das especulações filosóficas ao surgimento

dos primeiros autômatos

O ser humano é a única espécie capaz de registrar a sua história, pensar o seu pensamento e monitorar os próprios processos mentais1. Graças ao seu lobo frontal2 mais desenvolvido do que o de qualquer ou-tro ser vivo, ele apresenta as habilidades mais sofisticadas de que se tem notícia: o planejamento, a antecipação e uma flexibilidade de adaptação incomparável (BENSON, MILLER, 1997; PINHEIRO, 2005). Por con-ta da engenharia de seus aparatos biológicos e mentais, ele foi o único na face da Terra que, ao vislumbrar o mundo natural foi capaz de se per-guntar: o que é isto? Ou ainda, ao se deparar com o seu mundo interior e privado, refletir: quem sou eu e onde mora o que me habita? Ainda hoje, durante o desenvolvimento infantil, a criança humana também procura encontrar a resposta para estas mesmas questões (PIAGET, 1987; BEE, 1996; PIAGET, 1999; PAPALIA, OLDS, FELDMAN, 2006).

1 Nesta obra os termos mental, cognitivo ou funções psicológicas superiores são empregados como sinônimos. Compreende-se que eles se referem aos processos que ocorrem no cérebro, quando o ser humano realiza ações intencionais; às operações mediadas pela linguagem, que envolvem o controle consciente do comportamento e que são produzidas reciprocamente na interação do indivíduo com o seu ambiente social. Elas têm origem material e exterior ao cérebro. Posteriormente se tornam representações mentais. Inicialmente são interpsíquicas e depois se transformam em intrapsíquicas (LURIA, 1990; VIGOTSKI, 2000).2 O lobo frontal integra o neocórtex (o mais recente da evolução filogenética). Ele se situa na parte anterior do cérebro e apresenta funções motoras e cognitivas. É responsável pelo planejamento e monitoramento da realização das atividades motoras e mentais (LENT, 2005).

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A noção de uma realidade composta por duas dimensões aparente-mente opostas, que se acham dialeticamente relacionadas (um material ou exterior e a outra, imaterial ou interior) sempre permeou a humani-dade, desde os primórdios da filosofia, até o surgimento das ciências. Tais dimensões foram conceituadas antagonicamente como um binô-mio indissociável: corpo/alma; matéria/espírito ou ainda cérebro/men-te (HALL, 1972; ECCLES, 1989; GOLSE, 1999; WERLANG, 2006). Independentemente do termo empregado, na filosofia tradicional a ques-tão central consistia em se “saber se o cérebro produz a mente ou se ele apenas a manifesta” (TEIXEIRA, 2000, p. 13, grifo nosso).

O interesse e a busca pela compreensão das relações entre uma instância concreta e outra abstrata encontram-se graficamente expres-sos em papiros egípcios, que datam, aproximadamente, de 3500 a.C. Neles se acha a descrição detalhada de ferimentos provocados no crâ-nio por armas de guerra e também a noção de que uma lesão cerebral afetaria as funções mentais. Na cultura pré-colombiana há evidên-cias de que se retirava a massa encefálica do crânio, de modo preci-so e quase cirúrgico. Tais crânios, com buracos causados pela ação humana já indicariam a realização de trepanação (furos precisos de-liberadamente produzidos no crânio, por meio do uso de instrumen-tos contundentes), em um período muito longínquo da história. Ou seja, realizavam-se intervenções no cérebro na tentativa de se tratar as suas consequências comportamentais (BOLLER, 1999; FINGER, 2001; PINHEIRO, 2005; CAMARGO, BOLOGNANI, ZUCCOLO, 2008; SANTOS, 2008; RODRIGUES, CIASCA, 2010; CASTRO, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2011; UEHARA, CHARCHART-FICHMAN, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2013).

As primeiras concepções sobre a natureza da mente humana surgiram com a questão de se entender o que animava o corpo físi-co ou qual o princípio vital invisível que o colocava em movimento. Também se buscava explicar a morte (que representaria a ausência do princípio ativo do movimento). Já existia a ideia de que a matéria da qual o corpo se originaria seria diferente daquela de onde surgi-

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ria a alma. A primeira seria corruptível e finita, enquanto a segunda, incorruptível e eterna.

Quando os portugueses desembarcaram na costa brasileira duran-te o século XVI, foi descrita a prática da antropofagia entre os índios tupinambás. Entretanto, ela tinha um caráter ritualístico. Estes nativos acreditavam que ao se alimentarem da carne de seus inimigos, eles ad-quiririam a sua coragem, sua força e valentia. Assim, a base do caniba-lismo era mística, ela se sustentava na ideia de que a energia do morto permaneceria após a sua morte e poderia ser transferida para outro cor-po. Por isso, nestas tentativas iniciais de se explicar a relação entre men-te e corpo, se buscará no mundo de fora (externo) uma explicação para os fenômenos observados e não compreendidos. De acordo com a mi-tologia dos índios brasileiros, Mani era uma menina índia que morreu de repente. No lugar onde ela foi enterrada surgiu uma planta, que ser-viu de base para a alimentação desta população: a mandioca. Do mesmo modo, havia um lindo indiozinho que foi morto por uma cobra. A mãe desesperada implorou ao deus Tupã para que trouxesse o filho de volta. Sobre a sepultura da criança surgiu um fruto, que imitava os seus olhos: o guaraná. Nos dois casos, observa-se a noção de que a morte significa transformação da matéria, no caso da mandioca; e também permanên-cia de alguma característica física, sob outra forma, no caso do guaraná (WERLANG, 2006; GURGEL, 2011). Historicamente esta tendência se inverterá e se procurará a causalidade dos fenômenos no mundo de dentro (interior).

Associava-se a cabeça com a sede da alma. Pensava-se que no mo-mento de sua partida, a alma se reuniria na cabeça, onde portas se abri-riam para a sua passagem. A alma sairia por algum dos orifícios naturais da caixa craniana. Para alguns, a alma escaparia pela boca ou por algu-ma ferida do corpo e, na morte, perderia a consciência3 de si mesma. Ela

3 Consciência é um fenômeno privado, ou seja, subjetivo, que só o próprio sujeito pode experimentar (DAMÁSIO, 2000). Ela pode ser descrita como a capacidade que distingue o ser humano dos demais animais, por não se encontrar associada com determinantes biológicos. Ela se orienta pelas necessidades superiores mais complexas do ser pensante que é o homem, como as cognitivas e surge com o desenvolvimento

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deixaria de possuir as suas faculdades espirituais, entre as quais se en-contrava a inteligência (OS PRÉ-SOCRÁTICOS, 1991). No cérebro se localizaria o “princípio do intelecto” (HALL, 1972, p. 123). Também se imaginava que tal órgão corresponderia à “sede de todas as inteligências que se acham refletidas nos órgãos corporais” (HALL, p. 131).

Desde muito cedo se pensava sobre a origem, a estrutura, bem como o funcionamento da mente e do corpo humano. Buscava-se explicar de que modo os órgãos físicos (principalmente o coração e o cérebro) se vin-culavam às atividades mentais (CASTRO, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2011). As diversas culturas oscilaram entre tendências cardiocêntricas e cerebrocêntricas, em relação ao órgão responsável por estas ativida-des. Em algumas, como a egípcia, prevalecia a noção de que o centro desta atividade se situaria no coração; em outras, como a grega, predo-minava a de que ele se encontraria no cérebro (FEINBERG, FARAH, 1997; PINHEIRO, 2005; XAVIER, HELENE, 2007; CAMARGO, BOLOGNANI, ZUCCOLO, 2008; COSENZA, FUENTES, MALLOY-DINIZ, 2008).

A civilização grega causou um profundo impacto sobre a socieda-de ocidental moderna. Nela se encontram as raízes da filosofia, da me-dicina, das ciências naturais, da neurociência e das ciências cognitivas atuais (CASTRO, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2011). De acordo com Tarnas (1993), os gregos possuíam uma grande confiança no poder do pensamento humano. Eles foram, provavelmente, os primeiros a con-siderar a compreensão do mundo como uma questão a ser respondida, por meio de explicações coerentes e racionais. Acima de tudo, eles que-riam conhecer a verdade mais profunda da realidade e do ser humano. Já consideravam como faculdades cognitivas: a percepção sensorial, a intuição, a memória, a razão, a estética, a imaginação e a moral.

da linguagem, a partir da necessidade de comunicação gerada pela atividade prática coletiva realizada socialmente. Tal conceito implica na habilidade de se ser capaz de perceber e avaliar o que ocorre com o mundo e consigo mesmo (LURIA, 1979a; VYGOTSKY, LURIA, 1996). Ela também se relaciona com o comportamento intencional ou voluntário, dirigido para um objetivo (VIGOTSKI, 1999b, 1999f).

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A antiga mitologia grega – resultado dos primeiros métodos de observação na busca pelo conhecimento sobre o mundo – forneceu os fundamentos para a evolução da filosofia grega. Com base nas imagens mitológicas, os filósofos Pré-socráticos discutiram se o mundo existiria em função de o homem o perceber ou se o mundo seria anterior à percep-ção do homem (OS PRÉ-SOCRÁTICOS, 1991; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001).

O poeta grego Homero (ca. 928-898 a.C.) sustentava a existência de um ser que habitaria o homem (KOVÁCS, 1997). Ele absorveu a in-fluência das culturas primitivas e afirmou a existência de um outro eu, interior, que ele denominou de “psyché”, ou alma. No período Homérico prevaleceu a crença de que a alma sem virtualmente nenhuma vitalida-de permaneceria no Hades, o mundo das sombras (TARNAS, 1993).

Pitágoras (ca. 582-507 a.C.), que acreditava que a mente se locali-zava no cérebro, foi o primeiro a empregar a palavra “Kosmos” que, para os gregos, significava ordem, perfeição estrutural e beleza e por este filó-sofo era descrito como uma expressão ordenada de certas essências pri-mordiais, ou princípios transcendentes, concebidos de diversas formas: como Ideias, universais, absolutos imutáveis, deidades imortais ou arqué-tipos (TARNAS, 1993).

O pensamento grego se caracteriza por um princípio recorrente em diversos filósofos: o de que o universo é governado por uma inteligência. Os pitagóricos foram aqueles que mais enfatizaram a existência da inteli-gibilidade do mundo. Descobrir as regularidades matemáticas do mundo natural levava o filósofo além do nível material da realidade e revela-va a inteligência divina que governava suas criações com transcenden-te perfeição e ordem. Esta mesma inteligência estaria refletida na mente humana e a tornaria capaz de compreender a ordem cósmica, que seria ao mesmo tempo imprevisível e ordenada (OS PRÉ-SOCRÁTICOS, 1991; TARNAS, 1993).

Seguidor de Pitágoras, o médico grego Alcameão de Crotona (ca. 560-500 a.C.) foi um dos primeiros estudiosos a afirmar que o cérebro é o responsável pelo pensamento e sensações. De acordo com Feinberg

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e Farah (1997, p. 3), ele é considerado “como o primeiro neurologista ou neuropsicólogo”. Com base em sua experiência clínica, ele sustenta-va que existiriam localizações específicas no cérebro para as diferentes sensações. Também se tornou um precursor do localizacionismo, que emergirá no século XVIII (FEINBERG, FARAH, 1997; COSENZA, FUENTES, MALLOY-DINIZ, 2008; SANTOS, 2008).

Para o filósofo pré-socrático Heráclito de Efeso (ca. 535-475 a.C.) a harmonia seria composta por elementos antagônicos que se achavam em permanente tensão um com o outro. Ele introduziu o uso do termo “Logos” para expressar a concepção de um princípio racional superior, que representaria o equilíbrio, resultante destas oposições ou a unidade inerente a todos os referidos elementos. Segundo Heráclito, existiriam duas inteligências: uma privada e outra comum. Com base nos sentidos, a inteligência privada, se valeria de palavras e se encontraria identifica-da com o bom senso; enquanto que a inteligência comum, fundamenta-da na razão, produziria o conhecimento superior (o “Logos”), por meio do qual a verdade seria alcançada (OS PRÉ-SOCRÁTICOS, 1991; TARNAS, 1993).

Anaxágoras (ca. 500-428 a.C.) postulou a existência da mente pri-mordial e transcendente, a substância mental abstrata, ou o “self” inte-lectual – denominada “Nous” – que colocaria o universo em movimento e lhe daria forma e ordem. Para ele os vários tipos de inteligência que os indivíduos manifestavam seriam o resultado da estrutura do corpo ao qual o “Nous” estava ligado, como uma função motora, sem se mistu-rar. O espírito seria feito de uma matéria não física. Haveria uma per-feita correspondência entre o corpo etéreo ou corpo espiritual e o corpo físico. Ele afirmava que o ser humano pensava porque tinha mãos (OS PRÉ-SOCRÁTICOS, 1991), ou seja, ele sustentava a importância do uso de instrumentos ou ferramentas bem como do trabalho manual para o desenvolvimento cognitivo, como Vygotsky (2000) também o fará cen-tenas de anos mais tarde.

No século V a.C. os sofistas julgavam não ser possível se conhe-cer a objetividade genuína. Afirmaram, então, que o homem deveria ser

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a medida de todas as coisas e que a única realidade que se poderia co-nhecer seria a de sua própria mente. Se antes deles a filosofia enfocava, essencialmente, o mundo externo, sem levar em consideração o obser-vador humano, a tendência agora se invertia. Com os sofistas se aceitará que todo o conhecimento é subjetivo (OS PRÉ-SOCRÁTICOS, 1991).

Para Demócrito (ca. 460-370 a.C.), um atomista, o real só poderia ser compreendido por meio da razão e os sentidos representariam uma ilusão. Ele fazia uma distinção entre dois tipos de conhecimento: o bas-tardo e o legítimo. O primeiro, fundamentado nos sentidos, impreciso e não confiável. O segundo, baseado na compreensão racional de que o universo seria formado por átomos, e de que nada haveria além deles e do vazio (OS PRÉ-SOCRÁTICOS, 1991). Estas partículas diminu-tas e invisíveis se movimentariam de modo perpétuo no vácuo e teriam uma natureza imutável e essencialmente material. De suas colisões ale-atórias e combinações variadas surgiriam os aspectos do mundo visível (TARNAS, 1993).

O médico grego Hipócrates (ca. 460-377 a.C.) considerou que o cérebro seria a sede da mente e enfatizou o papel do encéfalo. Ele também descreveu a sua atividade anormal, como origem de transtor-nos epilépticos em seus pacientes. Observou a olho nu a aparência des-te órgão e julgou tratar-se de um tipo de glândula branca (FEINBERG, FARAH, 1997; KOVÁCS, 1997; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005; XAVIER, HELENE, 2007; COSENZA, FUENTES, MALLOY-DINIZ, 2008; RODRIGUES, CIASCA, 2010).

Sócrates (ca. 469-399 a.C.), estava convencido de que a realida-de mais interior do ser humano (a sua alma ou psique) seria a sede de sua consciência e do seu caráter intelectual. Por isso, valorizava o auto-conhecimento. Acreditava que o conhecimento genuíno ainda não tinha sido encontrado e que a tarefa da filosofia deveria começar pela admis-são da própria ignorância. Para ele, o verdadeiro conhecimento não era algo a ser ensinado (conforme os sofistas acreditavam), mas algo a ser buscado. Inaugurou um método de investigação intelectual que, dialeticamente, procurava promover a verdade essencial por meio da

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autodisciplina e de sua busca incessante. Mais do que encontrar as ver-dadeiras respostas, sua tarefa seria a de tentar descobri-las, a partir da crítica racional e da reflexão. Pela primeira vez na história, se afirmava que a razão era o que distinguia os homens dos animais e que ela tinha um papel central e significativo no aprimoramento da natureza humana (PLATÃO, XENOFONTE, ARISTÓFANES, 1991; TARNAS, 1993; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001).

Platão (ca. 427-347 a.C.), que teve Sócrates como seu mentor, considerava que a mente seria independente do cérebro. Os conteúdos mentais possuiriam uma realidade autônoma ao cérebro. Em termos mais atuais, foi pioneiro ao falar sobre conteúdos mentais que, apesar de ocorrerem no cérebro, possuiriam uma realidade independente des-te. Os pensamentos formariam um verdadeiro mundo à parte e pode-riam ser abstraídos do ato de pensá-los (HALL, 1972; COSTE, 1978; PLATÃO, 1991; TARNAS, 1993; GARDNER, 1994; KOVÁCS, 1997; TEIXEIRA, 2000). Platão dividia a realidade em: mundo sensí-vel e mundo inteligível. O primeiro, que se percebe através dos senti-dos seria apenas uma cópia do segundo (o das Ideias), que seria o único imutável e verdadeiro. Considerava o intelecto a parte mais desenvolvida da alma, que se ergueria sobre o mundo físico e sensível. Ele seria capaz de recuperar o conhecimento perdido das Ideias. Estas constituíam o substrato inteligível do tangível. Elas seriam os princípios governantes da inteligência divina.

Havia vários modos de se obter conhecimento das Ideias: por meio da intuição, da memória, da estética, da imaginação, da lógica, da mate-mática e da observação empírica. Entretanto, para Platão, a observação empírica seria a mais depreciada, especialmente quando utilizada sem crítica. Na busca pelo conhecimento, razão e sentidos seriam oponen-tes. Com base no seu dualismo ontológico, ou seja, no dualismo do que existe – em que a alma era concebida como separada do corpo – Platão distinguia entre duas fontes de saber: o conhecimento (da realidade) e a opinião (sobre as aparências). Julgava que não se poderia confiar nes-ta última, ou seja, na experiência sensorial. Quanto à primeira, sugeria

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que a memória tinha um papel importante neste processo, porque a per-cepção direta das Ideias, apesar de inata, teria sido esquecida e deveria ser rememorada (PLATÃO, 1991; TARNAS, 1993). No entendimento platônico, o irracional estaria associado com a matéria, o mundo sensí-vel e o desejo instintivo; enquanto que o racional estaria associado com a mente, o transcendente e o desejo espiritual. A partir de Platão, ocor-re uma ruptura na percepção da realidade; discute-se se há algo além do que os sentidos mostram e, mesmo, se o mundo existe de fato (SEARLE, 2000; TEIXEIRA, 2000; ANDRADE, 2014). Estabelece-se a divisão entre pensamento e sensação.

Por volta do século VI a.C., os atomistas gregos introduziram uma ideia revolucionária: acreditavam que ao morrer, a alma desapareceria do indivíduo, mas a matéria se conservaria. Para eles, todo o conheci-mento humano derivaria simplesmente do impacto de átomos materiais sobre os sentidos. O átomo seria a substância elementar que constituiria o mundo material (TARNAS, 1993).

Discípulo de Platão e diferentemente da maioria dos filósofos gre-gos cerebrocêntricos, Aristóteles (384-322 a.C.) considerava o coração a sede dos pensamentos (GOMES, 2007; XAVIER, HELENE, 2007). Como o pioneiro do empirismo, se contrapôs à posição de seu mestre e afirmou que o conhecimento devia ser completamente dirigido para o mundo físico com os seus padrões e processos comprovadamente obser-váveis. Para ele, a realidade verdadeira seria o mundo perceptível de ob-jetos concretos, e não – como Platão imaginava – o mundo imperceptível de Ideias eternas (TARNAS, 1993; DURANT, 1996; MARÇAL, 2009). Afirmava que o conhecimento do mundo natural derivaria da senso-per-cepção, pois o ser humano não teria acesso direto às Ideias transcenden-tais. Seus estudos foram, basicamente, dedicados à razão, percepção e sensações (O’NEIL, 1969; COSTE, 1978; ARISTÓTELES, 1991). Em oposição a Platão, ele também sustentava que alma e corpo não pode-riam ser dissociados. A mente humana seria como uma “tabula rasa” – onde nada está escrito – até o momento em que qualquer experiência sensorial nela se imprimisse. Ela se encontraria em um estado de poten-

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cialidade, com relação às coisas inteligíveis. Os seres humanos precisa-riam da experiência sensorial para atualizar o conhecimento potencial, com o auxílio de imagens mentais.

Por isso, ele distinguia entre forma e substância, ou ainda, en-tre potencial e sua atualização, caracterizados como uma unidade e não como entidades distintas. A forma daria à substância sua essência par-ticular, não só enquanto estrutura, mas também enquanto sua dinâmica de desenvolvimento. Com isso, Aristóteles trouxe um reconhecimento para os processos naturais de crescimento com os quais cada organismo evolui da imperfeição para a perfeição, de um estado de potencialida-de para um estado de atualidade ou realização de sua forma (O’NEIL, 1969; ARISTÓTELES, 1991; TARNAS, 1993; DURANT, 1996; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001; MARÇAL, 2009). Pela primeira vez a noção de desenvolvimento surgia no pensamento grego.

Ele acreditava que o maior poder de cognição da mente derivava do “Nous”, o intelecto ativo, compreendido como divino e imortal, que daria ao ser humano a capacidade intuitiva de entender as verdades últi-mas e universais. O “Nous” estaria além do empirismo e da elaboração racional da experiência sensorial. Ele era tido, por Aristóteles, como a única parte do ser humano que lhe seria externa já que, para ele, a alma seria a forma do corpo, assim como o corpo seria a matéria da alma. No entanto, a razão ainda era o que permitiria que a experiência sensorial se tornasse a base para o conhecimento. Por isso, seria uma faculdade su-perior à sensação (O’NEIL, 1969; TARNAS, 1993; DURANT, 1996). Aristóteles redefiniu o papel da filosofia e, a partir de sua influência, a ciência gradualmente se separou dela.

Assim como Hipócrates, no século III a.C., o também médico gre-go Herófilo de Alexandria (332-280 a.C.) era conhecedor da anatomia do sistema nervoso em nível macroscópico e julgava que no cérebro se concentrava a atividade mental (PINHEIRO, 2005; XAVIER, HELENE, 2007; CASTRO, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2011). Provavelmente, as suas observações se basearam no fato de ele ser o responsável pelo atendimento dos gladiadores feridos. O contato com lesões cerebrais e

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medulares forneceu-lhe rico material para as suas especulações. Ele foi pioneiro na dissecação de cadáveres humanos. Descreveu a aparência e a localização dos troncos nervosos (KOVÁCS, 1997). Séculos mais tarde, o cirurgião romano Claudio Galeno (130-200 d.C.), explicaria que tais troncos transmitiriam as informações sensoriais e motoras, da medula espinhal ao encéfalo, tanto no ser humano quanto em animais (GURGEL, 2011).

Herófilo teve a sua atenção atraída pelos ventrículos do encéfa-lo, onde julgava que se encontraria o centro das sensações e da mo-tricidade. Considerou que a mente (o “pneuma”) se situaria no quarto destes ventrículos. Também deixou para a posteridade as suas ideias, que depois foram registradas por meio da escrita e se tornaram os pri-meiros manuais da prática médica europeia (GURGEL, 2011). Ele sus-tentou que o “vital spirit” (espírito vital) se originaria no ventrículo esquerdo do coração e seria transportado, por meio de transmutações de uma energia etérea (“pneuma” ou alma), até o cérebro através dos fluidos do sistema ventricular cerebral, ou seja, a vida mental estaria fundamentada no cérebro. A noção do sistema ventricular como sede da mente foi aceita pela doutrina cristã (FEINBERG, FARAH, 1997; FINGER, 2001; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005; PINHEIRO, 2005; XAVIER, HELENE, 2007; COSENZA, FUENTES, MALLOY-DINIZ, 2008; RODRIGUES, CIASCA, 2010; GURGEL, 2011; ANDRADE, 2014).

Com o surgimento do Cristianismo tanto a filosofia quanto a ciên-cia sofreram decisivas influências. O valor das capacidades racionais, ou seja, da observação, análise e compreensão do mundo natural, é negado e não estimulado pela fé cristã da época, em favor das capacidades emo-cionais, morais e espirituais. A principal inovação do Cristianismo foi a concepção de que o homem traz em si algo da autoconsciência que é própria de Deus (STEVENSON, 1976). Durante a Idade Média, a alma é considerada como espiritual e racional, enquanto que o corpo repre-senta a volúpia e a irracionalidade O dualismo ontológico entre espírito e matéria de Platão será reforçado (CASTRO, ANDRADE, MULLER,

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2006). A dúvida torna-se um pecado e não uma virtude intelectual pri-mária, como Sócrates anteriormente havia sustentado.

Santo Agostinho (354-430) foi o primeiro a escrever sobre a exis-tência de uma consciência na alma. Referia que se poderia duvidar de tudo, menos do fato de que sua alma havia vivenciado a dúvida de co-nhecer, desejar e existir. Opunha-se a Platão e afirmava que nenhuma ideia intelectual surgiria na mente que não fosse iluminada por Deus. Para Agostinho a alma seria a única fonte de conhecimento e sede do pensamento. A aprendizagem ocorreria a partir do interior, por meio do contato com Deus, que era considerado como mais importante do que o encontro intelectual com as Ideias. Ele acreditava que a ignorância e os erros humanos seriam produto do excesso de confiança depositada so-mente sobre a razão (TARNAS, 1993; SANTO AGOSTINHO, 1999; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001; MARÇAL, 2009).

No entanto, no início do século XI, mudanças sociais e políticas, o desenvolvimento de novas técnicas, a exploração do ambiente natural e o surgimento de um sentido profundo da história e de seu dinamismo, despertaram a percepção do valor da inteligência humana. Sob a tute-la da Igreja as primeiras Universidades surgiram por toda a Europa, e o estudo do psiquismo humano foi confinado ao poder dos religiosos. Com o surgimento das universidades medievais, a Escolástica se forta-leceu e, ao redor dos séculos XII e XIII, uma mudança filosófica radi-cal ocorreu: o racionalismo e o naturalismo foram resgatados. Mais do que fragmentar a mente, os escolásticos desejavam encontrar a unida-de na multiplicidade. O seu princípio básico se resumia em integrar to-dos os conhecimentos disponíveis (O’NEIL, 1969; TARNAS, 1993; MARÇAL, 2009).

A corrente escolástica foi influenciada pelo pensamento de Ibn Sina, médico e filósofo muçulmano, nascido na antiga Pérsia, cujo nome foi latinizado para Avicena (980-1037). Ele não separava a ciência da reli-gião e integrou os seus conhecimentos médicos à filosofia. Para ele o ser humano era considerado como um animal, formado por dois aspectos: um concreto e outro abstrato. O primeiro seria a existência material, per-

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cebida por meio das sensações. O segundo, a essência abstrata ou alma racional, sem qualquer relação com a parte física. A compreensão inte-lectual do indivíduo se deveria a esta alma imaterial, que o distinguiria dos demais seres vivos (MARÇAL, 2009).

Na Idade Média, os escolásticos sustentaram a existência de uma organização hierárquica dos poderes da mente ou de suas faculdades (que é como eles os designavam). Tal como Avicena, eles também con-sideravam que os processos psíquicos seriam formas especiais de exis-tência do espírito (O’NEIL, 1969; LURIA, 1979a). Com base nas ideias de Aristóteles, estratificaram tais faculdades: a razão e a sensação inte-grariam a função noética (relacionada ao conhecimento); enquanto que a vontade e o impulso, a função orética (ligada ao desejo). Razão e von-tade seriam faculdades superiores à sensação e impulso, considerados como poderes inferiores (O’NEIL, 1969; TARNAS, 1993). Julgavam que havia o potencial e a sua realização (ou atualização do potencial), que se constituiriam em um único processo mental. A partir da Escolástica, emergiu um novo espírito intelectual cético, aberto para mudanças funda-mentais, que encorajava uma visão da natureza mais empírica, mecanicis-ta e quantitativa. Ainda nesta mesma época alguns filósofos distinguiram três faculdades básicas, que se achariam provavelmente localizadas em algum lugar do cérebro: a percepção (ou imaginação), o raciocínio e a memória (LURIA, 1979a).

A ideia homérica de um ser que habitaria o homem foi recupera-da na Idade Média: o médico e alquimista suíço, Phillippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim (ca. 1493-1541), que ficou co-nhecido como Paracelso, sustentava que o corpo era controlado por um homúnculo que se encontraria no cérebro dos indivíduos (KOVÁCS, 1997).

Na Alta Idade Média ressurgiu o interesse pela realidade do mun-do natural, como base necessária para se adquirir êxtase místico e a contemplação religiosa. Acreditava-se que quanto mais o mundo fosse compreendido e explorado, maior o conhecimento e a reverência pela divindade, pois se supunha que razão e fé derivavam da mesma fonte: Deus. A confiança na razão humana e na experiência direta estava re-

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lacionada com o redescobrimento dos textos de Aristóteles e o renasci-mento do interesse pelos clássicos (TARNAS, 1993).

Neste mesmo período a irracionalidade e a insanidade eram tidas como contrárias à natureza criada por Deus, e eram consideradas como a manifestação do Mal. Os distúrbios mentais e as psicopatologias eram, então, descritos como possessões demoníacas. A salvação da alma ocor-reria por meio do sacrifício do corpo. O método de tratamento para tais casos era o exorcismo. Práticas de torturas ou de punições físicas seve-ras tornaram-se comuns, além do encarceramento dos doentes mentais, que eram tratados de modo desumano. Tal noção de possessão demoní-aca esteve associada com a concepção de bruxaria e de feitiçaria, até o século XVII (O’NEIL, 1969; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005). Foi somente no século XVIII que tal quadro se transformou.

Uma nova constituição psicológica do homem estava se desenvol-vendo. Ela refletia uma radical mudança de enfoque: de Deus para o ho-mem, ou do transcendente para o empírico. O homem adquiria um novo sentido de seu poder. Ele descobria a sua capacidade para compreender a ordem natural, por meio de sua inteligência, e mudar tal ordem em seu próprio benefício, sem ter que depender de um Deus onipotente. Nesta mesma época foi estabelecida, pela primeira vez, uma firme distinção entre o conhecimento derivado da teologia e o conhecimento derivado da ciência (TARNAS, 1993). Tal fato levou a filosofia a permanecer, não apenas separada, mas complementar à teologia. Ao confrontarem dire-tamente a tensão que surgia das tendências divergentes entre natureza e espírito, os filósofos escolásticos (como Aquino) prepararam, na Idade Média do século XIII, o caminho para a Revolução Científica, que viria a eclodir no século XVII.

O religioso italiano São Tomás de Aquino (1225-1274) teve o mé-rito de gradualmente introduzir Aristóteles para a Igreja, com sua ciência, filosofia e cosmologia integradas à doutrina cristã e pode ser considera-do como um empirista materialista. Para Aquino a alma era a forma do homem e o corpo, a sua matéria. O corpo era intrinsecamente necessá-rio para a existência do homem. Espírito e matéria eram distinguíveis

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no homem, mas eram também aspectos de uma totalidade homogênea. Para ele, os fenômenos mentais seriam manifestação da matéria. O ser humano seria tanto matéria quanto espírito. A cognição humana deveria refletir ambos os princípios: o conhecimento seria derivado da experi-ência concreta, de objetos particulares, a partir dos quais as coisas uni-versais poderiam ser abstraídas (TARNAS, 1993; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001). Esta concepção dialética da realidade será poste-riormente retomada. Ele pressupunha a necessidade epistemológica da experiência sensorial, ou seja, era preciso conhecer a realidade concreta antes de conhecer a abstrata e universal. Porém a experiência sensorial sem o intelecto ativo seria ininteligível e cega.

Para Aquino, tanto a experiência dos sentidos quanto o intelecto seriam necessários para a cognição. Natureza e espírito estariam intima-mente ligados um com o outro. O homem seria o centro destes dois rei-nos. Segundo Aquino, as Ideias teriam três modos de existência: como coisas com formas inteligíveis; como conceitos formados na mente hu-mana, por meio da abstração das coisas; e como exemplares da mente de Deus, independente das coisas (TARNAS, 1993; MARÇAL, 2009). Ele estava convencido da identidade entre ser e conhecer. Conhecer algo seria ter este algo no conhecedor. No processo de cognição humana a alma receberia a forma de um objeto em si mesma, como também o seu aspecto universal. Na verdade, ela seria todas as coisas, pois nela esta-ria inscrita toda a ordem do universo.

Por volta do século XIV a mentalidade medieval se transformou para sempre, com a separação entre teologia e filosofia. William de Ockham (1285-1349), um frade franciscano e filósofo inglês, que nas-ceu logo após a morte de São Tomás de Aquino, se tornou um pensador fundamental do movimento medieval em direção à modernidade, ao ne-gar qualquer base metafísica da mente humana. Ele se opôs à escolástica e a São Tomás de Aquino. Afirmou que o conhecimento humano estaria limitado ao empírico e contingente. O conhecimento universal não seria necessário, ou seja, não haveria nenhuma continuidade inteligível entre a experiência prática e o divino. Segundo Ockham, as únicas certezas

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do homem se sustentariam na observação sensorial direta e nas propo-sições lógicas autoevidentes. Especulações racionais sobre realidades invisíveis e essências universais seriam implausíveis. Para ele, todo o conhecimento humano se basearia na experiência sensorial e qualquer conhecimento, além dos sentidos, só poderia ser revelado pela fé, e não pela razão. Distinguiu dois campos de conhecimento: o religioso, que se colocava acima de qualquer dúvida e de qualquer compreensão ra-cional; e aquele dos fatos observáveis, descritos pela ciência empírica e pela filosofia racional. Existiriam a verdade religiosa e a verdade cien-tífica. No entanto, nenhuma das duas teria relação de continuidade uma com a outra (TARNAS, 1993).

Ainda no século XIV, um renovado interesse pela civilização Greco-Romana foi despertado, em função das ideias do escritor italiano Francesco Petrarca (1304-1374). O retorno às culturas antigas e a des-coberta da literatura clássica foram estimulados por Petrarca e levou ao renascimento do Humanismo Clássico, como uma reação à forma inte-lectualizada e abstrata de se compreender a realidade, imposta pela tra-dição judaico-cristã. Por outro lado, também se observou o esgotamento do pensamento escolástico, que se tornara estéril (TARNAS, 1993). O foco do conhecimento não estava mais baseado na precisão teológica, ou no conhecimento científico do mundo natural, mas nas profundida-des e complexidades da consciência. Mais do que espiritual e científico, o corpo de conhecimento seria, a partir de então, psicológico, humanis-ta e estético.

Assim, a partir do século XV surgiu uma nova escola filosófica, fundamentada na tradição platônica: o Humanismo. Ele emergiu de di-versas tradições e perspectivas. A noção de que a imaginação e a visão seriam mais significativas do que a lógica e o dogma, ou a de que o ho-mem poderia adquirir conhecimento divino, atraiu muitos pensadores. Com o Humanismo alcançou-se certo equilíbrio entre as tensões do mun-do externo e da psique interior. O indivíduo descobriu dentro de si mes-mo a imagem do divino (Ibid.). Sob a influência dessa tradição, surgiu uma nova visão de homem, que, então, adquiriu uma nova consciência

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de seu papel no universo. Ao mesmo tempo, um novo sentido de histó-ria também foi alcançado. Ela não era mais compreendida como line-ar, mas cíclica. Um novo modo de se obter o conhecimento, por meio do uso disciplinado da imaginação era estimulado. Ele minava, definiti-vamente, a autoridade espiritual da Igreja. Coincidentemente é também no século XV que a palavra “psicologia” foi empregada pela primeira vez, para se referir a um aspecto específico do estudo do ser espiritual: o campo do conhecimento relacionado com a investigação da alma hu-mana (O’NEIL, 1969).

No século XVI, um movimento de renovação intelectual e artís-tica ocorreu na Europa: o Renascimento. Com ele o mundo clássico foi resgatado. O valor individual e a independência estavam em grande evi-dência e o corpo humano era celebrado em sua harmonia formal e propor-ção (GODWIN, 1979). Por outro lado, neste mesmo período era criado o relógio mecânico, cujo sistema de molas e engrenagens articuladas, se tornaria um paradigma4 para as máquinas modernas e forneceria as bases conceituais de um modelo e metáfora para a ciência emergente da nova era. Com uma precisão empírica sem precedentes, o homem era, então, capaz de penetrar nos mistérios da natureza e refletir sobre eles (TARNAS, 1993).

No século XVI, também surgiu na Alemanha o movimento refor-mista, sob a inspiração de Martinho Lutero (1483-1546). Como con-sequência dos ideais protestantes, enfatizou-se ainda mais o papel da consciência pessoal e um individualismo assertivo emergiu. A verdade seria aquela que o ser vivenciaria subjetivamente, e seria sempre indi-vidual (TARNAS, 1993). O ser humano seria o sujeito conhecedor dos objetos da natureza. A mente humana só poderia conhecer este mundo natural (que não era espiritual).

4 Na ciência, um paradigma representa um modelo ou um padrão teórico que serve como parâmetro para o estudo e a investigação em um determinado campo do conhecimento científico. Dele derivam as produções da ciência. Ele é o conjunto de definições, conceitos, leis, valores, teorias e técnicas, de uma área científica.

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Ainda no século XVI, a Contrarreforma foi a resposta da igreja católica contra a onda protestante. Neste processo, destacou-se o papel dos jesuítas, como educadores dos jovens. Nas instituições educacio-nais que foram fundadas pelos jesuítas, ensinou-se um programa huma-nista, inspirado nos valores renascentistas e da era clássica, por meio de uma racionalidade crítica. Com tal estratégia educacional liberal, os es-tudantes foram expostos a diversos pontos de vista (tanto pagãos, quan-to cristãos). Sob o impacto de tal pluralismo intelectual constatou-se o fracasso da cultura medieval em chegar a um consenso sobre uma ver-dade religiosa universalmente válida. Surgiu, então, a necessidade de se buscar outro tipo de sistema de crença menos controverso, subjetivo e mais racionalmente persuasivo (TARNAS, 1993).

O astrônomo alemão Johannes Kepler (1571-1630); o astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) e o físico, astrônomo e mate-mático italiano Galileu Galilei (1564-1642) descartaram a noção me-dieval de que a Terra seria o centro do universo e definiram uma nova cosmologia. O físico e químico irlandês Robert Boyle (1627-1691), na química; o médico inglês William Harvey (1578-1657), na medicina e o físico e matemático inglês Isaac Newton (1642-1727), na física, pro-moveram uma revolução no campo científico ao descreverem pela pri-meira vez na história, respectivamente, a noção moderna de elemento químico, a circulação sanguínea do corpo humano e a teoria da gravidade (TARNAS, 1993; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001; MARTINS, 2006; FORATO, 2006).

Esta primeira revolução científica ocorrida no século XVII, espe-cialmente a partir do final do Renascimento resultou em um maior co-nhecimento e melhor compreensão do universo. Com o advento da Era Moderna, a filosofia afastou-se da religião e tornou-se uma força in-dependente na vida cultural, quando se aliou à ciência. Na verdade, a descoberta de novos continentes pelos navegadores, e os diversos even-tos históricos que marcaram tal período estabeleceram o rompimen-to da Antiguidade e Idade Medieval, com o universo da Era Moderna. Revelou-se um conflito irreconciliável entre a religião e a ciência. Todos

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estes acontecimentos forjarão as bases da revolução científica do sécu-lo XVIII, inspirada nos ideais do Iluminismo.

Para o empirista inglês, Francis Bacon (1561-1626), a descoberta do Novo Mundo pelos exploradores do globo exigia uma correspondente descoberta de um novo mundo mental em que os antigos padrões de pen-sar, os preconceitos tradicionais, as distorções subjetivas, as confusões verbais e a cegueira intelectual geral fossem superados. Ele acreditava que as fundações da ciência demandavam por uma radical reformulação. Por meio da ciência, o homem moderno se afirmaria em sua verdadeira superioridade perante os seus antepassados. Para tal finalidade propôs um novo método de adquirir conhecimento: o método indutivo, que era fundamentalmente empírico (GALVÃO, 2007).

De acordo com Bacon, conhecimento era sinônimo de poder. Afirmava que o homem fora criado por Deus para interpretar e dominar a natureza. A verdadeira base do conhecimento seria o mundo natural e a informação que ele forneceria por meio dos sentidos. Foi o pioneiro da ciência experimental, e influenciou o caráter e a direção da nova ciência da Era Moderna. Pela observação cuidadosa da natureza e o meticuloso planejamento de diversos experimentos, no contexto de uma pesquisa or-ganizada, ele sustentava que a mente humana gradualmente extrairia as leis e generalizações que permitiriam a compreensão da natureza, e que seriam necessárias para o seu controle. Criticava as posições defendidas por Aristóteles e pela Escolástica que partiam de definições abstratas e distinções verbais, por meio do pensamento dedutivo. Em 1620 ele pu-blicou “Novum organum” (Novo Instrumento), em contraposição à obra de Aristóteles “Organon” (Instrumento). Criticou o método dedutivo de conhecimento por considerar que nele se forçava o fenômeno a se encai-xar em uma ordem preestabelecida (TARNAS, 1993; GALVÃO, 2007).

Neste mesmo período, Galileu argumentava que, para alcançar jul-gamentos acurados, os cientistas deveriam considerar somente as quali-dades objetivas e mensuráveis da natureza, tais como: tamanho, forma, número, peso e movimento. Apenas as características quantitativas pode-riam prover para a ciência certo conhecimento do mundo. Segundo ele,

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as qualidades perceptíveis como cor, som, gosto, cheiro e consistência deveriam ser ignoradas, por se constituírem em qualidades subjetivas e efêmeras (COSTE, 1978; TARNAS, 1993).

No século XVII surgiu na Europa um movimento que ficou conhe-cido pelo termo Iluminismo. A partir dele, uma transformação radical foi processada, o que promoveu avanços tecnológicos e científicos sem precedentes (TARNAS, 1993). A razão humana autônoma substituiu as tradicionais fontes de conhecimento, como também os limites e méto-dos da ciência empírica foram definidos. Tal período também coincidiu com o surgimento da neurofisiologia experimental (KOVÁCS, 1997). Entretanto, o conhecimento de neuroanatomia ainda era muito impreci-so. Paralelamente à evolução científica, a filosofia progredia. Nesta, se analisava a natureza e a extensão do conhecimento humano com um ri-gor e perspicácia cada vez maior. Mas, constatava-se que havia limites além dos quais o pensamento filosófico ainda não conseguira penetrar.

Numa época de tantas transformações, de descobertas de toda a espécie, do colapso das instituições e tradições culturais em que o crité-rio de verdade era questionado com cético relativismo, René Descartes (1596-1650), um filósofo francês, estabeleceu a razão humana como a base irrefutável do conhecimento. Afirmou que muito do conhecimento humano seria inato e que não se fazia necessário aprender sobre si mes-mo por meio das observações dos eventos. Embora nunca tenha definido o que era pensar, e muito menos o que era existir, Descartes entroni-zou a razão como a suprema autoridade em matéria de conhecimento, com o seu método dedutivo, matemático e racional. Para ele, o “cogito” (o pensamento, como forma de acessar o eu) era o primeiro princípio e o paradigma de todos os demais conhecimentos (DESCARTES, 1991; MARÇAL, 2009; RODRIGUES, CIASCA, 2010). Tomou como certe-za basilar, a proposição “Penso, logo existo”, que era singular e impos-sível de negá-la. Sustentou que não se poderia pensar que não se pensa (O’NEIL, 1969). A existência do pensamento e do espírito que o pensa constituía a única e verdadeira certeza de que se dispunha (TARNAS, 1993; PINHEIRO, 2005; MARÇAL, 2009; ZILIO, 2010).

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Segundo Descartes, anatomicamente a glândula pineal atuaria como uma interface entre a mente e o corpo. Nela se encontraria a sede da alma. No entanto, enfatizava que espírito e corpo seriam essencial-mente diferentes. Para ele, os fenômenos mentais ocorreriam apenas para o sujeito, ou seja, só o indivíduo poderia saber o que ocorreria em sua mente. Por isso, sustentava que os animais só manifestariam proces-sos fisiológicos e que não possuiriam mentes, mas apenas características físicas. Os fenômenos mentais – tais como: o raciocínio, a memória, a imaginação, entre outros – apresentariam uma característica específica, que não seria encontrada nos corpos físicos: a não espacialidade. Desse modo, eles não poderiam ser localizados em qualquer espaço físico, nem sequer no próprio corpo. Por oposição aos fenômenos materiais, os pensamentos seriam indivisíveis e, assim, não poderiam ocorrer no es-paço tridimensional (COSTE, 1978; DESCARTES, 1991; GARDNER, 1994; FEINBERG, FARAH, 1997; KOVÁCS, 1997; DAMÁSIO, 2000a; TEIXEIRA, 2000; MIRANDA, 2006; MARÇAL, 2009; ZILIO, 2010; ANDRADE, 2014). A visão mecanicista sobre o comportamento animal de Descartes será ampliada para o humano, por Watson e Pavlov no fi-nal do século XIX e início do século XX.

Fortemente influenciado por Descartes, o filósofo holandês Baruch (ou Bento) de Espinosa (1632-1677) desenvolveu as ideias cartesianas em outra direção e contestou a noção de separação entre mente e corpo. Ele se aproximou do que atualmente é denominado de paralelismo psi-cofísico. Considerou o mental e o físico como atributos distintos de uma mesma realidade. Segundo ele, a razão teria um papel libertador para o ser humano, que seria submetido às paixões (impulsos irracionais ou emoções). Só a razão possibilitaria ao indivíduo reconhecer que o cur-so das coisas estava previamente determinado e que existiria uma rea-lidade essencial. O mundo consistiria em uma única substância infinita ou substância única (a natureza). As diversas substâncias (objetos e se-res), que aparentariam ser múltiplas, seriam formas distintas desta uni-dade (DURANT, 1996; ESPINOSA, 1997; ESPERIDIÃO-ANTONIO et. al, 2008; MARÇAL, 2009).

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Em contraste com a posição de Descartes, a respeito do conhecimen-to inato, o filósofo inglês John Locke (1632-1704) julgava que a mente se-ria como uma “tabula rasa”, e que seria imprescindível que se adquirisse o conhecimento por meio da experiência. Com o seu empirismo, ele aju-dou a desenvolver a perspectiva associacionista e preparou os fundamen-tos para o surgimento da psicologia, enquanto ciência (O’NEIL, 1969; LOCKE, 1991; SIEGLER; 1991). Locke sustentou que não haveria nada no intelecto que não teria estado antes nos sentidos. Todo o conhecimento do mundo se basearia na experiência sensorial. A mente poderia chegar a conclusões razoáveis, por meio da combinação e composição de impres-sões sensoriais simples, ou ideias (definidas como conteúdo mental), em conceitos mais complexos. A reflexão se seguiria à sensação. A fonte de conhecimento do mundo para a mente seriam as experiências sensoriais (TARNAS, 1993). De acordo com a sua teoria existiriam três fatores no processo de conhecimento humano: a mente, o objeto físico e a percepção. A primeira possuiria o conhecimento; o segundo seria exterior à mente, e a terceira, ou ideia na mente, representaria aquele objeto. Só se conhece-ria um objeto pela mediação da ideia, mas as impressões do mundo exter-no que se vivenciaria por meio da cognição poderiam ser absolutamente confirmadas como pertencentes ao próprio mundo. Não haveria garantia de que todas as ideias humanas sobre as coisas se pareceriam genuinamente com os objetos exteriores que elas supostamente representavam. Também outro problema surgia: certas ideias complexas não poderiam ser reduzi-das a sensações ou a ideias mais simples. Para enfrentar estas dificuldades Locke propôs uma distinção entre qualidades primárias e qualidades se-cundárias dos objetos. As primeiras referentes aos aspectos mensuráveis inerentes a todos os objetos materiais, e as últimas, à experiência subje-tiva destes objetos. Enquanto as qualidades primárias produziam ideias parecidas com os objetos exteriores, as secundárias produziam ideias que seriam consequência do aparato perceptivo do indivíduo (O’NEIL, 1969; TARNAS, 1993).

Vale ressaltar que, neste período, os filósofos racionalistas (in-fluenciados por Platão e seus seguidores) afirmavam que a razão seria

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o instrumento mental indispensável, por meio do qual se teria acesso à essência imutável das coisas, pois acreditavam na supremacia da razão sobre a experiência dos sentidos. Os racionalistas (como Descartes) sus-tentavam que as principais atividades da mente seriam: perceber, recor-dar, raciocinar e desejar. Eles compreendiam a senso-percepção como a função que permitia o acesso à realidade manifesta, mutável e superfi-cial. Já os filósofos empiristas (como Locke), adotavam a posição con-trária e afirmavam exatamente o oposto, porque supunham a evidência sensorial. Tal perspectiva empirista tem suas origens no resgate das ideias de Aristóteles, que ocorreu durante a Idade Média, com os escolásticos. Na verdade, o pensamento aristotélico, que havia proclamado o poder do desenvolvimento do intelecto humano, foi dominante até por volta do século XVII (O’NEIL, 1969; MARÇAL, 2009).

Os métodos indutivo, proposto por Bacon, e dedutivo, por Descartes, deixaram uma herança para a filosofia e a ciência dos sécu-los seguintes. O exame iluminista e científico da mente será empírico como também epistemológico. Gradualmente, voltará o seu foco para a senso-percepção, o desenvolvimento cognitivo e os estudos comporta-mentais quantitativos. Na ciência se enfatizarão as correlações empíri-cas e causas tangíveis que podem ser confirmadas experimentalmente. A antiga preocupação com a causalidade dos fenômenos ou a sua causa última (o porquê), será abandonada em função da busca por sua finali-dade (o como).

O bispo irlandês George Berkeley (1685-1753), que era um fi-lósofo associacionista, sofreu forte influência de Locke e, numa críti-ca ao referido pensador (que reduzia todos os conteúdos mentais à sua base material, ou seja, às sensações), sustentou que todo o dado senso-rial poderia ser convertido ao conteúdo mental (O’NEIL, 1969; LURIA, 1991b; TARNAS, 1993; MARÇAL, 2009). Julgava que a existência de um mundo material externo à mente, não seria uma suposição assegura-da. O que se sabia, com certeza, era que a mente e suas ideias existiam (TARNAS, 1993). Berkeley rejeitava a ideia de representação mental, pois, segundo ele, nenhuma ideia da mente poderia ser semelhante a um

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objeto físico. Os dados sensoriais não seriam representações mentais de substâncias materiais, mas a própria experiência mental de si mesmos. Tudo seria registrado como ideias na mente. Toda experiência humana seria limitada às suas aparências na mente (SIEGLER, 1991).

Ele realizou uma importante análise da percepção visual de ta-manho e distância, que foi considerada uma das maiores contribuições para o campo da psicologia do século XVIII (O’NEIL, 1969; SIEGLER, 1991). Estabeleceu uma análise e explicação que foi seguida pelos as-sociacionistas. Seu trabalho na área de percepção visual se baseava na premissa de que não se poderia enxergar a distância de um objeto, por meio da retina que é bidimensional. Argumentava que tais inferências não seriam feitas por meio do estímulo visual, mas com base em pistas para distância. Por meio de suas conexões com a experiência de distân-cia obtida pelo movimento, tal mediação seria possível.

De acordo com Berkeley, ser não significaria a substância material, mas a percepção de si mesmo por uma mente. As ideias na mente seriam a verdade final. Entretanto, justificava a existência da objetividade por meio da suposição da existência da mente de Deus, uma mente individual transcendental, que seria universal. Para ele, a mente tinha retido certo poder espiritual independente da mente de Deus e não necessitava da base física para a experiência. O mundo vivenciado pela mente também seria produto da mente de Deus. Para este pensador, nada era objetivamente necessário: nem Deus, nem a ordem, nem a causalidade, nem a identidade pessoal ou o real conhecimento. Tudo era contingente (O’NEIL, 1969; TARNAS, 1993; MARÇAL, 2009).

Em 1732, o filósofo alemão Christian von Wolff (1679-1754), que havia estabelecido uma escola racionalista alemã dominante (e influen-ciará Kant) usou a palavra “psicologia” para denotar a análise e interpre-tação filosófica secular do fenômeno mental (O’NEIL, 1969; TARNAS, 1993). Ele adotou a divisão ternária da teoria das faculdades humanas, cuja origem era medieval e achava-se associada à Escolástica, segun-do a qual existiriam as faculdades: cognitiva, afetiva e conativa (que re-presentava a tendência consciente para atuar). Em tal teoria a mente era

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definida em termos de poderes, potenciais e atualização de potenciais, e não em termos de seus conteúdos ou de objetos mentais.

O filósofo inglês David Hume (1711-1776), que era um empirista, acreditava que todo o conhecimento humano se baseava na experiência sensorial. Ele fez uma distinção entre impressões sensoriais (consideradas a base de qualquer conhecimento) e as ideias, ou imagens (cópias esma-ecidas das impressões sensoriais). Enquanto para Platão, as impressões sensoriais seriam cópias esmaecidas das Ideias, para Hume, as ideias eram cópias esmaecidas das impressões (O’NEIL, 1969; TARNAS, 1993). Ele afirmou que as únicas diferenças entre uma impressão formada du-rante a percepção (isto é, a própria percepção) e uma imagem mental, na mesma modalidade sensorial (que ele chamou de ideia) seriam o grau de força e a nitidez com a qual surgiriam na mente e se imporiam para o pensamento e a consciência. As imagens geradas por estímulos inter-nos seriam menos vívidas do que as que se originavam de estímulos ex-ternos (KOSSLYN, 1992; DAMÁSIO, 2000a).

Hume argumentou que, se tudo o que se conhece são ideias, então não haveria lugar para o que Berkeley sustentava, como a noção de men-te ou de Deus, pois tudo o que poderia existir seria uma série conectada de ideias, que constituiriam a mente. Segundo Hume, a mente não pos-suiria ideias, mas ela seria as próprias ideias. Ele afirmava que muitas experiências podiam ser reduzidas à associação de simples ideias, lan-çando, assim, as bases para o associacionismo (O’NEIL, 1969).

Para Hume a mente realmente não poderia saber o que causava as sensações (LURIA, 1991b). Ela só poderia experimentar impressões, mas não a sua causa. Por meio da associação de ideias a mente assumia uma relação causal. Mas tal relação, na verdade não teria nenhuma base em impressões que sugeriam que eram causadas por uma substância ob-jetiva, cuja existência seria independente da mente. A mente nunca ex-perimentaria tal substância, mas apenas as suas impressões sugestivas. A causa deveria ser reconhecida meramente como a repetida conjunção acidental de eventos na mente (TARNAS, 1993). Segundo este filóso-fo, a causalidade seria o único princípio sobre o qual os próprios julga-

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mentos poderiam se basear. Ela estaria fundamentada na observação de eventos particulares e concretos que ocorreriam em uma sucessão tem-poral. Sem temporalidade ou concretude não se poderia aceitar a causali-dade, ou seja, o fato de que algo é responsável por outra coisa acontecer.

Hume julgava que o homem só poderia basear o seu conhecimen-to nas impressões de sua mente e não poderia assumir que sabia o que existia além destas impressões. Deste modo, todos os conceitos gerais se originariam da experiência que a mente tinha com impressões particu-lares. A partir da relação entre estas impressões, surgiriam as ideias. Era do hábito de associação da mente que surgiriam as ideias. Ele afetou a fundação lógica da ciência empírica: o processo de indução (a concep-ção de que a mente progride logicamente do particular para o universal) jamais poderia ser absolutamente legitimado. A ciência só seria possí-vel se fosse levado em conta o fato de que ela se limitava ao fenômeno, às aparências registradas na mente, e que sua certeza era subjetiva, de-terminada pela psicologia humana, e não pela natureza. O homem não seria capaz de adquirir conhecimento seguro. Com Hume a ênfase em-pirista na percepção sensorial foi levada ao extremo. Ele concluiu que a mente era somente um amontoado de percepções desconexas, que não possuía uma unidade substancial, existência contínua, ou coerência in-terna. Ordem e coerência, inclusive a ideia do ser humano, tinham que ser entendidas como ficção construída pela mente (TARNAS, 1993).

Um dos primeiros associacionistas influenciados por Hume foi o médico inglês David Hartley (1705-1757) que, em 1748, empregou a pa-lavra “psicologia” em inglês, com o significado semelhante àquele dado anteriormente por von Wolff (O’NEIL, 1969). Entretanto, devido à sua formação, enfatizou o sentido mais fisiológico do termo. Ele acreditava que o efeito dos objetos externos sobre os órgãos dos sentidos ocorria em função de minúsculas vibrações produzidas nos nervos. Qualquer re-petição de tais padrões vibratórios poderia evocar a experiência original. Sustentou que as sensações seriam processos físicos.

O historiador e filósofo escocês James Mill (1773-1836) foi ins-pirado pelo trabalho de Hartley, mas por não possuir conhecimentos em

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fisiologia, se dedicou ao estudo dos fenômenos mentais (por ele desig-nados como sentimentos). Para ele a mente seria a totalidade do conjun-to de sentimentos, que se associariam de modo sincrônico e sucessivo. Classificava os sentimentos em: simples e complexos. Os complexos eram compostos pelos simples. Também os categorizava em dois tipos: sensorial ou ideacional. Os sensoriais ocorreriam somente na presen-ça dos objetos e os ideacionais, na sua ausência. Quando discutia so-bre as sensações ele distinguia entre órgãos dos sentidos (relacionados às sensações propriamente ditas) e os objetos aos quais tais sensações correspondiam. Por meio dos órgãos dos sentidos, as sensações ocorre-riam associadas com ideias, concebidas durante tal processo. Por isso é que os sentimentos ideacionais seriam derivados dos sensoriais, dos quais seriam cópias ou imagens. Afirmava que só após as sensações é que as ideias surgiriam. Argumentava que outras ideias se sucederiam às ideias geradas pela excitação perceptual das sensações (O’NEIL, 1969). Constantemente os indivíduos vivenciariam séries alternadas de sensações e ideias.

O filósofo prussiano5 Immanuel Kant (1724-1804) era interessa-do, principalmente, em epistemologia, ou seja, no ramo da filosofia que investiga a origem do conhecimento e foi influenciado pelas ideias de Hume. Kant julgava que o espaço, tempo, classes e relações eram as categorias centrais do conhecimento e que esses tipos básicos de co-nhecimento seriam inatos no ser humano. Para ele, causalidade e ou-tras categorias de entendimento, como substância, quantidade e relação, não seriam derivadas da experiência, mas produtos do referencial men-tal. O indivíduo não receberia todo o seu conhecimento da experiência. Durante o processo cognitivo, o seu próprio conhecimento, em certo sen-tido, já o introduziria na sua experiência. O conhecimento humano não se conformaria aos objetos, pelo contrário, eles é que se conformariam ao conhecimento do homem (KANT, 1991a, 1991b). Integrou o conhe-cedor com o conhecido, mas não o conhecedor com a realidade objeti-

5 O território da antiga Prússia (um Estado que não existe mais) hoje se encontra na Alemanha, Polônia e uma parte menor, na Rússia.

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va ou com o objeto em si mesmo. Ele operou uma revolução na filosofia ao afirmar que embora existissem objetos reais no mundo, só se poderia enxergá-los e concebê-los como a forma com que a mente os via ou os concebia (KANT, 1991a; KANT, 1991b; SIEGLER, 1991; TARNAS, 1993; DURANT, 1996).

Kant acreditava que no ato da cognição humana a mente não se conformava às coisas, pelo contrário, eram as coisas que se confor-mavam à mente. A experiência do mundo pelo homem seria, necessa-riamente, determinada por suas predisposições mentais. Ou seja, uma construção da mente imposta às sensações. A ordem que o homem per-cebia no mundo era uma ordem fundamentada em sua mente. A experi-ência era inevitavelmente moldada pelo aparelho cognitivo e nunca se poderia saber, se o mundo era aquilo que se apresentava ao indivíduo ou se era algo diferente.

Kant rejeitava a teoria das faculdades humanas, mas aceitava a concepção de divisão ternária de Wolff (cognição, afeição e conação). Foi ele quem perpetuou tal noção para alguns dos psicólogos do século XIX (O’NEIL, 1969). Em oposição aos racionalistas e aos empiristas, ele sustentava que assim como o pensamento sem sensação é vazio, a sensação sem pensamento é cega. Não se poderia conhecer algo sobre o mundo só pelo pensamento ou só pela sensação. Também não seria possível, primeiro, sentir para depois pensar sobre as sensações. Os dois teriam que ocorrer simultaneamente de modo integrado. Só a conjun-ção da compreensão com a sensibilidade proveria objetivamente o co-nhecimento válido das coisas (KANT, 1991a; KANT, 1991b; TARNAS, 1993; DURANT, 1996).

As experiências do ser humano seriam modeladas pelo aparelho cognitivo, inclusive as percepções de mentes e de cérebros. Nunca se teria acesso ao cérebro, mas unicamente a algum tipo de representa-ção do cérebro produzida pelo aparelho cognitivo (TEIXEIRA, 2000). Para Kant a cognição humana não se originaria de uma natureza in-dependente da mente. Portanto, não se poderia abordar nem mentes, nem cérebros, mas apenas o como mentes e cérebros se apresentam

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para os indivíduos. O problema das relações entre mente e corpo era, para ele, insolúvel.

Kant buscou resolver a dicotomia epistemológica fundamental que se colocava entre o empirismo e o racionalismo (STERNBERG, 2000). Ele afirmou que o mundo objetivo estudado pela ciência era um mundo que já havia sido ordenado pelo aparato cognitivo da mente, pois a men-te não receberia os dados sensoriais passivamente, mas os integraria e os estruturaria em função de sua natureza. Assim, para Kant, o homem conheceria a realidade objetiva precisamente na extensão em que aque-la realidade se conformasse às estruturas fundamentais de sua mente. O mundo abordado pela ciência corresponderia a princípios que estariam na mente, porque o único mundo disponível para a mente já estaria or-ganizado de acordo com os próprios processos da mente. O homem só teria acesso ao mundo permeado por seu conhecimento. A causalidade e as leis necessárias da ciência seriam construídas a partir do referen-cial de sua cognição. Ou seja, eles não seriam derivados da experiên-cia, mas seriam trazidos para a experiência. Vale lembrar que, antes de Kant, Aristóteles e São Tomás de Aquino, também afirmaram, como ele, que o homem conhecia porque julgava as coisas por meio de prin-cípios “a priori”.

O único mundo que o homem conheceria seria o mundo empírico dos fenômenos, e esse mundo só existiria na medida da participação deste homem em sua construção. O conhecimento se restringiria aos efeitos sen-soriais da realidade física nos indivíduos. A mente nunca teria experiência daquilo que estivesse fora. Para o homem a realidade era necessariamente aquela que produzia. O próprio mundo, em si, era o que só podia ser pen-sado e nunca objetivamente conhecido. Kant assumiu que o homem podia conhecer o mundo genuinamente em função de sua organização mental, já que este era o único mundo que ele podia vivenciar o mundo fenomenal. Ele exercerá influência sobre as ideias de Jean Piaget (SIEGLER, 1991).

A revolução provocada por Kant foi sua explicação de que a ordem percebida como mundo seria a ordem dada pelo observador, ou seja, sua afirmação de que todo o conhecimento humano é subjetivamente cons-

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truído, de que as observações humanas do mundo nunca são neutras, livres de julgamentos conceituais anteriormente impostos (TARNAS, 1993). A partir de Kant, a filosofia é radicalmente redefinida. Seu obje-tivo não será mais o de determinar a concepção metafísica do mundo, como tradicionalmente concebida. Porém, será o de analisar a nature-za, os limites da razão humana e compreender quais os fatores cogniti-vos intrínsecos a toda a experiência humana. A tarefa da filosofia será a de investigar a estrutura formal da mente, ou seja, tanto os seus aspec-tos abstratos quanto os do pensamento (SUTHERLAND, 1996). Como Tarnas (1993) sustenta, Kant remove a ciência de qualquer outra base que não seja a mente humana.

Entretanto, um representante do Romantismo discordará de Kant: o escritor alemão Johann Wolfgang von Göethe (1749-1832). Ele não acreditava que o espírito humano imporia a ordem na natureza. Pelo contrário, seria o espírito da natureza que revelaria a sua própria ordem para o homem. O ser humano seria o instrumento de autorrevelação da própria natureza, pois a natureza não estaria separada do espírito, mas ela mesma seria o espírito inseparável tanto do homem quanto de Deus. Para Göethe, a natureza permearia a realidade, inclusive a mente humana e a imaginação. O interesse deste autor pelas ciências naturais levou-o a investigar fenômenos perceptivos sem considerar apenas as teorias, mas também a experiência pessoal (TARNAS, 1993; RICHARDS, 2002).

A partir do Renascimento surgiram, na cultura, duas correntes dis-tintas: o Iluminismo e o Romantismo. Na primeira se enfatizava a ciência empírica, a racionalidade e o secularismo cético. Na segunda, predomi-nava a expressão dos valores humanos. Tanto no Romantismo quanto no Iluminismo, se compartilhava da crença no poder do homem, assim como da preocupação sobre o seu lugar no universo.

Em contraste com o Iluminismo, o Romantismo valorizou no ho-mem as suas aspirações imaginativas e espirituais, sua criatividade ar-tística, suas emoções e sua autoexpressão. Deus foi redescoberto pelo Romantismo, como uma força numinosa criativa que existe na natureza e no espírito humano (Ibid.). As influências do Romantismo refletiram o

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interesse pela experiência humana em sua complexidade, ambiguidade e profundidade. Os românticos se voltaram para a consciência humana e para a complexidade da alma (tanto em seu aspecto nobre quanto em seu lado obscuro). Os aspectos subjetivos foram cada vez mais valorizados. Além da senso-percepção e da razão, imaginação e sentimentos também foram considerados como necessários para uma genuína cognição. A vontade também foi valorizada pelos românticos, como uma força que precedia o conhecimento e impelia, livremente, o homem para novos níveis de criatividade e consciência (RICHARDS, 2002). Apesar disto, a forte influência iluminista foi predominante e determinará os rumos da Revolução Científica do século XVIII.

A partir do século XVIII a ciência reinará como a base sobre a qual o universo e o ser humano serão explicados. Se antes, o estudo da mente estava subordinado à filosofia, a partir do século XIX ela desempenhará um papel coadjuvante, em relação aos conhecimentos científicos. A in-vestigação dos processos mentais se afastará das concepções filosóficas e se associará a especialidades da medicina. O método de investigação das ciências naturais será adotado por aqueles que buscam a construção do conhecimento psicológico. Sob tal influência, se investigará os pro-cessos elementares sensoriais e reflexos (O’NEIL, 1969; LURIA, 1979a; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001).

Kant e Descartes serão as principais influências na ciência moder-na. Descartes, por ser o primeiro a articular a ideia de um ser distinto e separado do mundo; Kant, pela ideia de que a organização interna do su-jeito estrutura previamente a experiência do objeto. No século XIX, o ser humano descobrirá que os meios para obter o conhecimento encontram--se dentro dele: sua própria razão e sua observação do mundo empírico. Acreditar-se-á que a mente humana poderá compreender a ordem do uni-verso por meio de suas faculdades racionais, sem a intervenção de nenhu-ma inteligência superior. Por isso, investigá-la, compreendê-la e desvendar os seus mistérios ocultos será a árdua tarefa a que muitos cientistas se de-dicarão. Entretanto, para atingir tais objetivos serão necessários muitos anos e esforços. Tal empenho será recompensado ao longo do século XX.

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Há anos buscava-se compreender e replicar mecanicamente o fun-cionamento do corpo humano. Com os antigos egípcios surgiu a primeira menção ao funcionamento do sistema nervoso, por meio do registro da escrita em hieróglifos, datada de 1700 a.C. (XAVIER, HELENE, 2007). Desde o período da civilização grega (com a criação dos primeiros bo-necos articulados), já se havia tentado reproduzir a motricidade humana (KOVÁCS, 1997). Sob a influência das ideias da física do século XVII, sobre a existência de um universo mecânico, Descartes sustentou que isto seria possível, por meio da construção de um autômato (uma má-quina que imitaria o movimento de um corpo animado). Descartes foi um dos primeiros filósofos a empregar a metáfora da máquina e a se re-ferir à noção de reflexos automáticos (O’NEIL, 1969; CALVIN, 1998; TEIXEIRA, 2000; MARÇAL, 2009). No entanto, ele sustentava que tal máquina nunca teria condições de um dia vir a desenvolver a consciên-cia humana, por julgar a sua natureza inescrutável. Entretanto, séculos mais tarde, estas ideias de Descartes darão origem à teoria representa-cional da mente (ANDLER, 1998). Pela primeira vez nos tempos mo-dernos, a descontinuidade essencial entre mente e corpo foi proposta (HENNEMAN, 1975; TARNAS, 1993; TEIXEIRA, 2000).

A noção, mencionada por Descartes, do corpo como uma máquina, também será empregada por dois cientistas, no século XVIII: o médico francês Julien Offroy de La Mettrie (1709-1751) e o fisiologista escocês Robert Whytt (1714-1766). O primeiro fará a analogia entre a máqui-na e o ser humano, para explicar as motivações humanas. Ele afirmará que tais motivações atuam como as molas de uma máquina (CALVIN, 1998). O segundo se referirá, pela primeira vez, à noção de reflexos au-tomáticos, em termos de estímulo e resposta (O’NEIL, 1969).

Inicialmente se imaginava que uma única máquina pensante apre-sentaria a capacidade de realizar operações em qualquer domínio, repro-duzindo várias habilidades. As primeiras máquinas de calcular surgiram no século XVII. Elas realizavam operações aritméticas sem qualquer auxílio externo. Suas operações eram executadas de modo automático por meio de uma força motriz (que provocava o seu movimento). A pri-

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meira delas foi concebida em 1623 pelo matemático alemão Wugekn Shikard; em 1642 outra foi criada pelo matemático e filósofo francês Blaise Pascal (1623-1662) e, em 1673, o filósofo e matemático alemão Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) construiu a sua versão. Durante o século XVIII surgiram as primeiras máquinas a fazerem uso da sim-bolização: os autômatos. O seu mecanismo de funcionamento não tinha nenhuma relação geométrica com os seus movimentos. Eles eram ca-pazes de realizar algumas das funções nervosas em um sistema mecâni-co, a partir de abstrações matemáticas. Tal fato estimulou especulações sobre o funcionamento cerebral, que fornecerão as bases para a criação dos computadores do século XX (KOVÁCS, 1997; ANDLER, 1998).

O fato de uma máquina ser capaz de reproduzir cálculos aritméti-cos permaneceu como mera curiosidade até meados do século XIX. Mas a partir de tal século, em face do progresso tecnológico, surgiu uma série de indagações sobre a natureza do pensamento humano, o que levou a importantes avanços no campo da linguagem, da lógica e da matemática.

O tear de Jacquard foi o primeiro autômato industrial. Ele era ca-paz de tecer qualquer tipo de desenho. Criado em 1805, pelo tecelão fran-cês Joseph-Marie Jacquard (1752-1834), tornou-se a primeira máquina programável da história. Mas foi só em 1821 que a automação dos cál-culos matemáticos foi possível, quando o pioneiro dos computadores, o filósofo e matemático inglês Charles Babbage (1791-1871), construiu a “Difference engine” (Máquina Diferenciada), uma máquina computa-cional mecânica. Tal criação foi aprimorada e transformada em outras versões. Ele foi um pioneiro na noção de que não é a operação que está em questão, mas a sua organização ou o modo como operações estão encadeadas dentro de um sistema. Concebeu máquinas que realizavam qualquer tipo de cálculo mecanizável. Na máquina de Jacquard ou na de Babbage as instruções para a realização das operações eram estocadas em pacotes de fichas e o processo de leitura era muito lento. Era preciso simplificar este processo e aumentar a sua velocidade. Foi só a partir das relações que se estabeleceram entre as noções de cálculo e simboliza-ção, que as fundações para o futuro surgimento da Inteligência Artificial

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e das ciências cognitivas do século XX, começaram a serem preparadas (TARNAS, 1993; KOVÁCS, 1997; ANDLER, 1998; COSTA, 2008).

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Capítulo 2

Relação mente e cérebro: das ciências naturais ao surgimento da psicologia

A Revolução Científica do século XVIII caracterizou-se pelo gran-de desenvolvimento tecnológico, o que levou à Revolução Industrial, fru-to do avanço das ciências deste período. Ao final do século XVIII, a Era Moderna foi inaugurada com o advento da mecanização da sociedade. A criação do tear mecânico, a invenção do motor, da energia elétrica, do emprego de produtos químicos, entre outros, serão de fundamental im-portância para o surgimento de novos modelos explicativos sobre as re-lações entre mente e cérebro. Neles, predominará uma visão tecnicista do funcionamento cerebral (CATANI, 2004; MUSZKAT, 2006).

O artista e inventor italiano, Leonardo da Vinci (1452-1519) des-tacou-se como o pioneiro na ilustração de livros de anatomia médica. Durante o Renascimento, ele realizou obras em que representava o cére-bro como uma glândula com três ventrículos. Mas foi a obra “De humani corpori fabrica” (“Sobre o funcionamento do corpo humano”), do belga nascido em Bruxelas, Andreas Vesalius (1514-1564) que marcou o início da anatomia e fisiologia modernas. Ele ressaltou o volume do tecido ce-rebral do ser humano, em relação ao dos demais seres vivos (FINGER, 2001; KICKHÖFEL, 2003; PINHEIRO, 2005; XAVIER, HELENE, 2007). Durante o século XVI, a prática médica europeia ainda se mos-trava muito primitiva. Considerava-se a medicina como um ramo racio-nal, que exigiria raciocínio clínico e filosófico do físico (que era como se denominava o médico). Por outro lado, a cirurgia era tida como uma

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disciplina distinta, desprezada aos ofícios manuais e era realizada pelo cirurgião. Também se achava outra categoria: a do cirurgião-barbeiro. Ele arrancava dentes, aplicava ventosas e provocava sangrias. Também poderia realizar amputações. Na prática, qualquer um poderia exercer a medicina. No caso do Brasil colonial, o tratamento das doenças físicas estava associado ao misticismo indígena (que empregava ervas medici-nais e rituais de pajelança para tratar os males do corpo), como também à feitiçaria (magia) e crendice popular. Quem exercia a medicina eram os religiosos. Os jesuítas eram considerados os médicos da alma e do corpo. Eles se valiam da terapêutica indígena e também empregavam as especiarias (utilizadas na alimentação) como remédio. A medicina das caravelas ainda era aquela praticada na Idade Média europeia. De um modo geral, ela se baseava nas obras gregas e romanas, como os livros de Galeno, que eram copiados nos monastérios medievais por monges. Estes censuravam as obras e suprimiam delas trechos que julgavam ina-dequados para os valores cristãos. A medicina achava-se associada à as-trologia. Por isso, se acreditava na influência dos astros sobre as doenças e sobre o seu tratamento (GURGEL, 2011).

Em 1662, no século XVII, surgiu a neurofisiologia experimental com o biólogo holandês Johann Swammerdam (1637-1680). Ele foi um pioneiro no uso do microscópio. Por meio de um de seus experimentos de dissecação, ele descobriu que o músculo da perna de uma rã se con-traía quando estimulado. Imaginou que espíritos animais que se movi-mentariam do cérebro em direção aos músculos, seriam os responsáveis pelas contrações observadas (KOVÁCS, 1997; XAVIER, HELENE, 2007; COSENZA, FUENTES, MALLOY-DINIZ, 2008).

No esforço por descobrir as vias que ligavam a percepção à ação motora, o fisiologista suíço Albrecht von Haller (1708-1777) concebeu um método de neurofisiologia, em que se estimulava os nervos de ani-mais vivos. Em 1762 ele realizava pesquisas empíricas sobre a veloci-dade da propagação do impulso nervoso. Influenciou várias ideias sobre força vital, que surgiram durante o período romântico do século XVIII. Afirmava que a memória imprimiria no cérebro as impressões e tam-

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bém sustentava a existência de localizações cerebrais. Segundo ele, as duas forças da vida animal seriam: a irritabilidade e a sensibilidade. A primeira se relacionava com a fibra muscular e a segunda, com a im-pressão que um objeto físico provocava, quando atingia um nervo e era enviada ao cérebro (KOVÁCS, 1997; RICHARDS, 2002). O trabalho pioneiro de von Haller impulsionou o progresso de pesquisas experi-mentais e clínicas.

O filósofo e cientista americano Benjamin Franklin (1706-1790) publicou no ano de 1751, um artigo sobre fenômenos elétricos, que vi-ria a impactar sobre o estudo do cérebro. Em 1780, o médico, físico e filósofo italiano Luigi Galvani (1737-1798) descobriu que os músculos respondiam a estímulos elétricos, por acaso, enquanto também disse-cava uma rã (e de modo independente de Swammerdam). Ele deduziu que movimentos musculares deveriam ser causados por alguma fon-te interior elétrica. O médico, anatomista e botânico alemão Alexander von Humboldt (1769-1859) realizou uma série de experimentos galvâ-nicos6. Com base em seus estudos, publicou em 1797 o primeiro volu-me de sua obra: “Versuche über die gereizte Muskel und Nervenfaser” (Experimentos de estimulação em músculos e fibras nervosas). No se-gundo volume, ele analisou as condições químicas e anatômicas que re-gulavam a resposta galvânica em plantas e animais. Ele considerou que correntes elétricas deveriam ter uma fonte interior, como Galvani já sus-peitava. Julgou que esta fonte estaria localizada no cérebro e nos nervos. Humboldt também aceitava a concepção de von Haller de que as fibras musculares apresentavam um poder inato para se contraírem (KOVÁCS, 1997; RICHARDS, 2002; XAVIER, HELENE, 2007; RODRIGUES, CIASCA, 2010).

Ao final do século XVIII, surgiram as primeiras descrições clínicas de sintomas e transtornos mentais (FINGER, 2001). A partir dos conhe-cimentos produzidos nesta área, o campo da psiquiatria se estruturou e se alcançou uma compreensão racional e científica da patologia da mente

6 São procedimentos científicos em que se faz uso de corrente elétrica. O nome é uma relação ao trabalho pioneiro de Galvani.

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humana. Em 1793, Philippe Pinel (1745-1826), seu fundador, estabele-ceu um procedimento de estudo e de cuidados médicos com relação aos pacientes da Clínica de La Salpêtrière, na França. A antiga concepção medieval de que os distúrbios mentais seriam causados por forças ma-lignas, ou possessões demoníacas foi reformulada. Assim, foi desperta-do o interesse pelo tratamento dos doentes mentais. Consequentemente, foram também buscados critérios para se classificar os fenômenos men-tais patológicos apresentados por eles. Somente séculos mais tarde, com a psicofarmacologia moderna, se resgatará a dignidade destes cidadãos, excluídos da sociedade por meio de internações abusivas em hospitais psiquiátricos (PINAFI, 2013).

No século XIX, experimentos realizados com sucesso nas áreas da medicina, fisiologia, física e química, levarão aqueles interessados pelo estudo do comportamento e da mente a adotarem o método das ciências naturais, como uma tentativa de tornar científico o estudo do psiquismo humano (SQUIRE, KANDEL, 2003; LEZAK et al., 2004). Em meados de 1846 a doença mental já se encontrava associada ao funcionamento inadequado do cérebro (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001). Tais conhecimentos comporão o campo da psicologia científica.

A compreensão sobre o vínculo existente entre mente e matéria foi de interesse primordial para o físico alemão Gustav Theodor Fechner (1801-1887), que é considerado um dos pioneiros na fundação da psico-logia experimental. Ele desenvolveu os seus estudos na área da psicofí-sica e não se dedicou especificamente à psicologia. Entretanto, forneceu contribuições metodológicas para a ciência emergente. Ele estabeleceu uma relação matemática entre o psiquismo e o mundo físico, ao conce-ber a sua lei logarítmica (MANN, 1967). O’Neil (1969) considera que o ano de 1860 pode representar um marco no surgimento da psicolo-gia, por se tratar do ano em que Fechner publicou no livro “Elemente der Psychophysik” (Elementos de psicofísica) a formulação da Lei de Fechner-Weber. Tal lei estabeleceu uma proporção entre a intensidade do estímulo e a intensidade da sensação e sistematizou as ideias do médico alemão Ernst Heinrich Weber (1795-1878) sobre intensidade percebida

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e magnitude física do estímulo, o que permitiu a mensuração da rela-ção entre sensação e estímulo (KOVÁCS, 1997; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001). Para Fechner, a mente era compreendida como conteúdo, e não como agente (VIGOTSKI7, 2001). Ele publicou “Die Psychophysik” (A psicofísica) em que descrevia o conteúdo mental em termos quantitativos. Pretendia estabelecer um monismo, ao demonstrar a identidade entre mente e matéria. No caso, os estados mentais seriam apenas uma variação, ou um tipo especial de estados físicos.

O aspecto orgânico da doença mental sempre foi priorizado. Mas logo se percebeu que em sua descrição, aspectos físicos e mentais de-veriam ser considerados conjuntamente, por se entender que nela exis-tiriam componentes que não poderiam ser reduzido ao domínio físico (TEIXEIRA, 2000). Daí a dicotomia entre as doenças orgânicas e as fun-cionais. Em função de sua complexidade, a doença mental despertará um grande interesse no século XIX, quando o tratamento de indivíduos com retardo mental e com transtornos mentais tornar-se-á uma prática. Também levará ao aparecimento das primeiras classificações nosológi-cas e à preocupação pelo estabelecimento de diagnósticos diferenciais (ANASTASI, 1977).

Em 1838 um discípulo de Pinel, o médico francês Jean Étienne Dominique Esquirol (1772-1840), foi o primeiro a propor uma classifi-cação sobre retardo mental (ANASTASI, 1977; NEIVA, 1996). Emil Kraepelin (1855-1927) foi um dos pioneiros da psicopatologia. Em 1883, ele concebeu uma classificação sistemática dos distúrbios mentais e des-creveu os quadros anormais. Com base nos aspectos biológicos, ele es-

7 Para fins didáticos, neste texto se adotará a grafia de “Vygotsky”, como sugerido por Glozman (2003) que, em comunicação pessoal com a autora, no ano de 2006, indicou esta como a grafia mais empregada internacionalmente. Entretanto, nas Referências e citações se respeitará a grafia que aparece nas capas das publicações brasileiras: Vygotsky, Vigotski ou ainda, Vigotskii (com dois “i” finais). Apesar de se tratar do mesmo autor, tal variação se deve ao fato de que as suas obras originais são escritas no alfabeto cirílico russo, cujas letras não possuem correspondência com o alfabeto ocidental. Por isso, os diferentes tradutores interpretam a grafia russa de modos diferentes.

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tabeleceu critérios para se caracterizar os transtornos mentais (O’NEIL, 1969; LURIA, 1979a; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005).

Na França os neurologistas Jean Martin Charcot (1825-1893) e Pierre Janet (1855-1947), que também era psiquiatra, mas, acima de to-dos, Freud na Áustria, trarão valiosas contribuições para o estabelecimen-to de uma psicologia médica que se constituirá no século XIX e atrairá o interesse de diversos cientistas. Eles comprovaram que havia uma re-lação entre doenças físicas e atividade mental. A mente também atuaria sobre o corpo. Charcot foi o responsável pela clínica de neurologia de La Salpêtrière onde, em 1862, descreveu pela primeira vez um quadro de histeria, em que sintomas físicos se manifestavam em razão de cau-sas mentais. Também, com base em casos de histeria, Janet sustentou a existência de uma segunda consciência, associada a um “estreitamento temporário do campo da consciência, decorrente de uma diminuição da capacidade de síntese, a qual deveria dar ao eu sua aparência de unidade coerente” (PEREIRA, M., 2008, p. 304), que seria capaz de determinar o comportamento do indivíduo, independentemente de seu controle cons-ciente. Ele a caracterizou com o nome de subconsciente e, independen-temente de Freud, antecipou a noção de inconsciente (O’NEIL, 1969).

A importância e o valor da contribuição de Janet foram reconheci-dos pelo médico Sigmund Freud (1856-1939), que nasceu em Freiberg (na Morávia8) e viveu grande parte de sua vida na Áustria (em Viena). Ele é considerado o pai da psicanálise, uma abordagem de fundamental valor para o estudo do psiquismo humano. Especializou-se em psiquia-tria e estudou fisiologia e neuropatologia. Sustentou que muitos dos as-pectos do comportamento tinham origem mental ou psíquica. Sua obra revolucionou a concepção do funcionamento mental, ao afirmar a im-possibilidade da racionalidade humana. Argumentou que o pensamento era governado por fatores que não podiam ser controlados e nem sempre podiam se tornar conscientes. Postulou a realidade de uma instância in-consciente, inerente à psique humana (como Janet também o fizera, mas

8 A Morávia é uma região geográfica da Europa Central que constituiu a Tchecoslováquia (Estado que não existe mais).

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de um modo mais descritivo do que dinâmico). Julgava que os fenôme-nos mentais tinham alguma base fisiológica, embora esta fosse desconhe-cida. O impacto causado pela Psicanálise se deveu ao fato de que com ela, os processos mentais do indivíduo foram valorizados. Julgou-se mais importante explicar os seres humanos a partir de seu funcionamento in-terior, do que a partir do seu comportamento manifesto ou de sua expe-riência consciente (FREUD, 1973; FREUD, 1974; HENNEMAN, 1975; STEVENSON, 1976; TARNAS, 1993; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005; PEREIRA, M., 2008).

Nas primeiras décadas do século XX, o médico alemão Georg Groddeck (1866-1934) lançou as fundações da psicossomática, ao sus-tentar que todas as doenças somáticas seriam manifestações físicas de desejos inconscientes, que se expressariam simbolicamente pela via cor-poral (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006). A aceitação de que al-gumas doenças (que se manifestavam fisicamente) não teriam origem orgânica, mas psíquica, foi revolucionária. Embora tal campo tenha se estruturado quase que à parte da psicologia vigente na época, ele se tor-nará uma área de destaque para a psicologia moderna, integrando-se tam-bém, paulatinamente, ao seu corpo de conhecimentos (COSTE, 1978; CERCHIARI, 2000).

Na segunda metade do século XIX, acreditava-se que a inteli-gência dos animais fosse um dom inato fornecido pelo criador divi-no. Mas tal concepção será confrontada com o trabalho realizado por Darwin e seu sucessor, o filósofo e biólogo inglês Herbert Spencer (1820-1903), que se dedicaram a determinar o modo como as formas elementares de adaptação biológica às condições ambientais se tornam mais complexas ao longo do processo evolutivo e a maneira como se desenvolvem as formas complexas da atividade mental. Eles prova-rão que o comportamento inato é transmitido hereditariamente para a geração seguinte. Neste mesmo período, encontram-se os primórdios de uma psicologia que postulará que a mente, as emoções e a organi-zação social do ser humano são condicionadas pelos instintos básicos e por contingências derivadas da seleção natural, ocorrida durante o

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processo evolutivo da espécie (DURANT, 1996; TEIXEIRA, 2000; XAVIER, HELENE, 2007).

O naturalista inglês Charles Darwin (1809-1882) forneceu o funda-mento comum a toda ciência biológica, ao formular a Teoria da Evolução. Em 1859 foi publicado “On the origin of species by means of natural se-lection” (Origem das espécies por meio da seleção natural). Neste livro, de sua autoria, ele explicou como a vida progride, por meio de formas qualitativamente diferentes, por vastos períodos de tempo (DARWIN, 2004a; 2004c). Também buscou entender a origem e o desenvolvimen-to da mente. Por isso, como salienta Siegler (1991), em certos aspectos, Darwin pode ser pensado como um psicólogo pioneiro do desenvolvi-mento. Ele sustentou a existência de uma continuidade entre os proces-sos mentais dos seres humanos e dos animais. Sua teoria evolucionista estimulou e justificou o surgimento de estudos comparativos em psi-cologia, tais como os trabalhos sobre a evolução mental. Ela também inspirará o surgimento da psicologia evolucionista (PINHEIRO, 2005; ZUANON, 2007; LOPES, VASCONCELLOS, 2008).

Pesquisas sobre as diferenças intelectuais entre espécies diversas, bem como dentro de grupos específicos, como o de crianças e adultos foram inspiradas em tal teoria (O’NEIL, 1969; STEVENSON, 1976; GARDNER, 2000; TEIXEIRA, 2000; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001; SQUIRE, KANDEL, 2003). Do mesmo modo, a concepção de que os organismos são controlados por seu meio e de que ao longo da vida busca-se reduzir as tensões por meio de respostas adaptativas, foi uma das consequências da teoria darwiniana da evolução (KOVÁCS, 1997).

O físico e filósofo austríaco Ernst Mach (1838-1916), foi um dos mais importantes pensadores a influenciar a ciência do século XIX e iní-cio do século XX. Ele também sofreu o impacto da teoria de Darwin. Considerava que os fenômenos psíquicos tinham que satisfazer alguma necessidade biológica. Negava-se a discutir a natureza da realidade físi-ca ou psíquica. Pensou sobre a relação entre fisiologia e psicologia bem como entre corpo e alma. Articulou uma proposta entre a física, a fisio-

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logia e a psicologia. Para ele, a consciência humana seria o reflexo dos processos interiores dos órgãos sensoriais. Foi ele quem descobriu que os canais do ouvido interno seriam responsáveis pelo sentido de equilí-brio (LURIA, 2012; FULGÊNCIO, 2014).

No ano de 1973, o zoólogo e etólogo austríaco Konrad Lorenz (1903-1989); o biólogo e ornitologista holandês Niko Tinbergen (1907-1988) e o também etólogo alemão Karl von Frisch (1886-1982) dividi-ram o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina por seu trabalho sobre o comportamento animal. A partir das ideias de Darwin, os três desenvol-veram durante a década de 1930, um método de observação em ambien-te natural, que permitiu o estudo comparado do comportamento animal. De seus trabalhos, surgiu a ciência da etologia. A corrente etológica do desenvolvimento fundamenta-se sobre a noção de que o comportamento pode ser explicado a partir de suas bases biológicas e evolutivas. Nela se examina a função de um determinado comportamento para a promo-ção da sobrevivência do grupo. O princípio geral desta abordagem é o de que cada espécie apresenta uma diversidade de comportamentos ina-tos, com a finalidade de garantir a sua sobrevivência. Com a revolução biológica e o avanço das investigações sobre as bases biológicas do fun-cionamento mental, retomou-se o interesse pelas teorias de cunho bio-lógico. A teoria evolucionista moderna influenciou a biologia por anos. No final da década de 1980, ela despertará um interesse mais específi-co dos psicólogos (GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005; PAPALIA, OLDS, FELDMAN, 2006; ZUANON, 2007).

Entre os anos de 1980 e 1990, a corrente darwiniana será retoma-da com a psicologia evolucionista, em que o humano é tido como uma espécie animal. Nela estuda-se o modo como se dá a solução de pro-blemas adaptativos. Sustenta-se que o cérebro humano desenvolveu “circuitos ou estruturas especializadas que solucionam problemas adap-tativos”, como os sociais, de linguagem, de comunicação, entre outros (GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005, p. 43). Também se investiga temas de áreas não sociais, tais como a capacidade de reconhecer obje-tos perigosos, compreender leis básicas da física, entre outros, necessá-

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rios para a adaptação e sobrevivência em um ambiente. A origem desta abordagem situar-se-á no final de 1950 e início de 1960, quando a con-cepção das ciências cognitivas e a revolução biológica ocorrerão (elas serão discutidas no capítulo 5). Ela se contrapõe a uma tendência domi-nante na psicologia, de que a mente humana é formada com base em fa-tores ambientais, sociais e culturais. O valor funcional de um processo mental dependerá do seu uso, ou seja, se ele é necessário para a adapta-ção. Acredita-se que as funções mentais são inatas e determinadas pela seleção natural. Os órgãos que constituem a mente humana são típicos da espécie. Tal abordagem tem no cognitivista, psicólogo e linguista ca-nadense Steven Pinker (1954-) um de seus expoentes. Ele considera que as capacidades cognitivas e o comportamento, entre outros, são inatos. Também defende a noção de que a família tem pouca influência sobre o indivíduo. As ideias polêmicas deste autor foram criticadas por sua excessiva ênfase biológica e também pelo fato de ele considerar que o acaso pode determinar características humanas (FINK, PINKER, 1983; PINKER, 1997; PINKER, 2002; LOPES, VASCONCELLOS, 2008; HATTORI, YAMAMOTO, 2012).

Eccles (1989) comenta que Descartes estabeleceu uma diferença básica entre seres humanos e animais: os primeiros são racionais e os últimos, instintivos. A linguagem seria uma atividade própria da alma humana. Entretanto, com a teoria darwiniana, estabeleceu-se que, filo-geneticamente, o homem seria um parente próximo dos símios. Assim, surgiram diversas tentativas para se testar tal continuidade. Supunha-se que as diferenças entre a linguagem humana e de um primata seria quantitativa e não qualitativa. Vários pesquisadores realizaram expe-rimentos com chipanzés e gorilas, que eram criados como membros de uma família e, neste contexto social, se ensinava a linguagem arti-culada. O fracasso destes projetos levou a outros procedimentos, tais como o uso da linguagem de sinais, que se mostrou o mais promissor de todos. Os resultados destas experiências enriqueceram o campo de estudos sobre a linguagem humana e as estruturas físicas e mentais a ela associadas.

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A partir de uma lógica não linear de causa e efeito, mas circular e com retroalimentação (“feedback”), a cibernética (que será apresenta-da no capítulo 5) ofereceu o conceito de auto-organização, para se pen-sar uma ciência da mente integrada. O seu paradigma está centrado nos processos e não na substância. Ela possibilitou um princípio que unifi-ca seres vivos, natureza e máquinas. Durante a década de 1990, surgiu a biocibernética, que se constituiu no estudo dos fenômenos biológicos sob a perspectiva da cibernética. Dois chilenos, o neurobiólogo Humberto Maturana (1928-) e o médico e filósofo Francisco Varela (1946-2001), propuseram a Biologia do Conhecer, ou a Teoria da Autopoiesis ou Autopoiese9. Ela representa uma explicação sobre o significado do que é viver. Também envolve uma reflexão sobre as relações humanas e tam-bém, especificamente, a linguagem e a cognição. A sua origem está re-lacionada ao interesse de Maturana pela investigação sobre a classe de sistema à qual pertenceria um ser vivo. Embora seja facilmente reco-nhecível, é difícil se explicar exatamente o que é um ser vivo. A partir da cibernética, consideram o ser vivo como máquina homeostática, por eles nomeada de autopoiética (MOREIRA, 2004). A noção de uma má-quina autopoiética vai além da noção de homeostase, porque é um sis-tema que se autoproduz, ou seja, produz a si mesmo e diferencia-se dos demais seres vivos bem como do ambiente. Tais máquinas seriam autô-nomas, individualizadas, caracterizadas pelo próprio tipo de organiza-ção autopoiética, que funcionariam autonomamente sem qualquer tipo de “input” ou “output” (entrada ou saída), como um sistema fechado. Assim, nem a reprodução e nem a evolução constituiriam a base para a definição de ser vivo (PELLANDA, 2003; MOREIRA, 2004).

A partir da segunda metade do século XIX, diversos estudiosos buscaram compreender quais as relações entre animais e seres huma-nos, entre ambiente e indivíduo e entre processos fisiológicos e psicoló-gicos. Embora o enfoque evolucionista tenha causado grande impacto e sua influência científica tenha repercutido até o século XX, ele também

9 O termo autopoiese deriva de auto, que significa próprio e poiese, produção.

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foi criticado (FONSECA, 1982; ECCLES, 1989; VYGOTSKY, LURIA, 1996; CECCATY, 1999; PENNA, 2006).

Ao se tentar explicar a evolução da atividade mental humana por meio da noção de que a ontogênese repete a filogênese, ou seja, de que o desenvolvimento individual repete o desenvolvimento da espé-cie (DARWIN, 2004b; 2007), incorreu-se em conclusões inadequadas (VYGOTSKY, LURIA, 1996; VIGOTSKI, 2000; VIGOTSKI, 2001). Com base no referido pressuposto chegou-se a afirmar que os processos de pensamento dos povos primitivos eram muito semelhantes aos pro-cessos infantis. Tal fato indicaria, portanto, a inferioridade racial de tais populações (LURIA, 1990). Por outro lado, embora os diferentes siste-mas nervosos das distintas espécies mostrem o mesmo tipo de plastici-dade, no sentido de se modificarem com a experiência e apresentem, em alguns níveis, certas semelhanças anatômicas e funcionais; as evidentes diferenças na arquitetura funcional entre o cérebro de um mamífero e o gânglio de um invertebrado sugerem que, na realização de operações exe-cutadas pelo sistema nervoso, áreas diversas são utilizadas, assim como diferentes estratégias (FONSECA, 1982; ECCLES, 1989; KOVÁCS, 1997; IMBERT, 1998).

Neste período de grandes descobertas, três principais escolas psi-cológicas se constituíram: o associacionismo, o estruturalismo e o fun-cionalismo (O’NEIL, 1969; HENNEMAN, 1975; STEVENSON, 1976; LURIA, 1979a). O associacionismo foi fortemente influenciado pela filosofia empirista e sua ênfase sobre a impressão sensorial. A experi-ência mental era explicada de modo mecanicista, como passiva e divi-sível em uma multiplicidade de conteúdos elementares que podiam se conectar. Buscava-se identificar tais conteúdos e analisar como os seus elementos se combinavam. A partir dos princípios do associacionismo diversos mecanismos básicos do comportamento humano foram des-critos, com base em investigações sobre os seus processos fisiológicos. Sob tal abordagem, o pensamento seria a associação de representações sensoriais (O’NEIL, 1969; YEHIA, 1987; LURIA, 1990; SIEGLER, 1991; VIGOTSKI, 1999a; LURIA, 2001). O estruturalismo, que cons-

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titui numa ampliação do sistema teórico de Wundt, recebeu forte influ-ência do empirismo inglês. Era uma escola essencialmente americana e nela também se investigava a consciência, mas em seus aspectos es-truturais, ou seja, os estados elementares da consciência como estru-tura do sistema nervoso central. Representou uma importante tentativa para formular uma ciência da mente. Buscava investigar os fenômenos mentais por meio de uma minuciosa descrição analítica dos estados da consciência resultantes da energia física (HENNEMAN, 1975; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001). No funcionalismo o enfoque central era a mente em ação, ou seja, os processos que levavam o indivíduo a se ajustar ao seu meio. Enfatizava-se a relação entre indivíduo e meio. Assim, as funções mentais serviriam ao propósito de ajustar o indiví-duo ao seu ambiente mutável. Tal concepção central se fundamentava na noção de Darwin sobre a adaptação das espécies ao ambiente, no decorrer de longos períodos de tempo. No funcionalismo observava-se uma ampla perspectiva biológica (O’NEIL, 1969; HENNEMAN, 1975; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001; KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001). Dele surgiu o behaviorismo nos Estados Unidos, em que não se distinguia a atividade animal da atividade consciente hu-mana (LURIA, 2001).

Durante o século XIX, se produziu na psicologia uma mudança no rumo das investigações sobre as funções mentais, que evoluiu de um enfoque associacionista, para um, estruturalista e para outro funcional (MANN, 1967). Thorndike é um dos representantes do associacionismo; Titchener, do estruturalismo e James, do funcionalismo (HENNEMAN, 1975; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001).

O nome do americano Edward Lee Thorndike (1874-1949) está associado ao estudo da inteligência humana e à criação dos primeiros testes padronizados sobre desempenho escolar. No entanto, foi o seu tra-balho experimental que o tornou mais conhecido. Com base na descri-ção do processo de aprendizagem animal (em que estudou como gatos resolviam problemas enquanto se achavam confinados em uma caixa), concebeu uma teoria de aprendizagem em que o êxito era alcançado,

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acidentalmente, por meio de tentativa e erro. Tal tipo de aprendizagem ficou conhecido como “condicionamento operante” (ou instrumental). Ele também formulou a Lei do Efeito. Por meio dela se estabelecia que, qualquer organismo vivo tendia a repetir o seu comportamento, se fos-se recompensado quando emitido; como também se extinguiria se fosse punido após a sua ocorrência. Sua teoria de aprendizagem, baseada no modelo animal, pressupunha a existência de ligações do tipo estímulo--resposta. O fortalecimento do vínculo entre estímulo e resposta, ou o seu enfraquecimento, seriam determinantes para o processo de aprendizagem (ANASTASI, 1977; VIEIRA, 1998; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001; XAVIER, HELENE, 2007).

Para o inglês Edward B. Titchener (1867-1927), discípulo de Wundt, a psicologia era a ciência da mente. Ele foi um precursor da psicologia estruturalista americana. Levou para a América, juntamen-te com William James, os conhecimentos adquiridos na Universidade de Leipzig. Acreditava que, a partir de rígidas condições de observação em laboratório, seria possível se descrever analiticamente os estados da consciência por meio da estimulação física realizada, quando se em-pregasse o método introspectivo (O’NEIL, 1969; HENNEMAN, 1975; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001; ANDRADE, SANTOS, 2004).

Influenciado pela teoria de Darwin, o psicólogo americano William James (1842-1910) se opunha ao associacionismo. Em 1890, ele publi-cou um dos mais influentes livros relacionados ao período do surgimen-to da psicologia como uma ciência: “The Principles of Psychology” (Princípios de Psicologia). Nele, rompeu com as especulações metafí-sicas ainda existentes na psicologia e indicou uma direção para ela se tornar uma ciência. Declarava que os fenômenos mentais poderiam, em última instância, ser redutíveis a princípios simples, tais como a cons-ciência. Para ele, o conceito de consciência se relacionava à percepção, às emoções e à percepção de si próprio. A mente seria uma sequência de pensamentos. Diferenciava estas ocorrências de ideias, dos processos cerebrais que as possibilitava e dos objetos aos quais estavam cognitiva-mente ou emocionalmente relacionadas. Segundo ele, os pensamentos

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não necessitavam de uma mente para serem produzidos, mas mantinham relação cognitiva e emocional com os processos cerebrais e os objetos. Eles faziam parte da consciência pessoal, estavam em constante mu-dança, eram sentidos como ininterruptos, lidavam com objetos inde-pendentes, selecionavam apenas alguns aspectos dos objetos e excluíam outros. Mente representava, para James, os processos de conhecimento, aceitação ou rejeição dos objetos (O’NEIL, 1969; HENNEMAN, 1975; STEVENSON, 1976; CALVIN, 1998; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005).

O americano John Broadus Watson (1878-1959), que lecionou no John Hopkins Hospital University, rejeitou o método introspectivo e pro-pôs o abandono do estudo da consciência. Julgou que nenhum processo mental deveria se constituir na matéria de estudo da psicologia. Watson propunha uma psicologia objetiva, em comparação com Wundt, que de-senvolvia uma psicologia subjetiva (VIGOTSKI, 2001). Segundo a sua visão, o que se chamava de fenômeno mental era, na verdade, uma infe-rência extraída da observação do comportamento (HENNEMAN, 1975; LURIA 1979a; KOSSLYN, 1992; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001; ANDRADE, SANTOS, 2004; ANDRADE, 2014). Com ele, o foco prin-cipal da psicologia se restringiria à descrição do comportamento.

Em 1913 Watson publicou um livro sobre a visão behaviorista da psicologia, que veio a se tornar o marco do surgimento desta escola “Psychology as a behaviorist views it” (Psicologia na perspectiva de um behaviorista). Nele, propôs que os psicólogos se dedicassem à investiga-ção do comportamento (em inglês “behavior”). A partir de suas ideias os profissionais da área voltaram-se à pesquisa deste e desprezaram o estudo sobre os eventos mentais a ele subjacentes. Convicto de que o ambiente seria muito mais importante do que a hereditariedade na determinação do comportamento humano, Watson deu especial atenção à aprendiza-gem que, a seu ver, ocorria por meio do condicionamento dos reflexos. Introduziu a noção de que uma resposta automática incondicionada pode ser desencadeada por um novo estímulo, que não aquele ao qual ela es-tava originalmente associada (STEVENSON, 1976; BEE, 1996; BOCK,

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FURTADO, TEIXEIRA, 2001). Ele afirmou que o pensamento era uma espécie de linguagem verbal sub-vocal, como uma conversa que o indi-víduo desenvolvia com ele mesmo (STERNBERG, 2000). Identificava a fala com o pensamento. Considerava o último como uma fala inibida ou silenciosa. Para ele, o pensamento surgiria mecanicamente, quando, ao invés de falar, se sussurrava. Julgava que para estudá-lo se deveria medir a atividade que ocorria nos músculos da garganta (KOSSLYN, 1992; VIGOTSKI, 2001). Vygotsky (2001) opôs-se à noção mecanicis-ta de Watson, de quem foi contemporâneo, e demonstrará que o sussurro não constitui um tipo de fala interior. O mesmo autor também sustenta-rá que fala e pensamento não são processos idênticos.

Watson é considerado o fundador do behaviorismo, em sua for-ma clássica. De acordo com esta corrente, que se tornou dominante na emergente psicologia científica, o comportamento poderia ser explicado como resultado de um processo de aprendizagem, em que uma reação motora ou glandular era condicionada a um estímulo específico, provin-do do ambiente. Não se fazia distinção entre o comportamento animal e o humano, pois características como o pensamento abstrato ou a cons-ciência não eram considerados como legítimos objetos de estudo para a nova ciência. Tais ideias determinariam um novo rumo para a psico-logia e influenciariam também o trabalho de diversos pesquisadores de outras áreas do conhecimento.

O trabalho de Watson foi levado adiante por Frederich Burrhus Skinner (1904-1990) que se tornou o expoente máximo do neobeha-viorismo, a partir dos anos de 1930. Com ele, o behaviorismo ameri-cano voltou-se predominantemente para o estudo da aprendizagem. A corrente skinneriana ficou conhecida como Análise Experimental do Comportamento, ou ainda Teoria do Comportamento. Sua influência esteve no auge, durante a década de 1950. Sua maior contribuição foi a formulação do condicionamento operante, ou seja, um tipo de apren-dizagem, que se fundamenta no tipo de reforço – positivo ou negativo – recebido. Segundo tal noção, a probabilidade de um comportamento ocorrer seria determinada pelo modo como ele fosse moldado pelo am-

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biente (HENNEMAN, 1975; BEE, 1996; SUTHERLAND, 1996; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001).

Como Watson, Skinner rejeitava qualquer tentativa de se estudar o comportamento humano em termos de fenômenos mentais. Também negava que os fatores herdados tivessem qualquer tipo de influência so-bre ele. Pressupunha que todo o comportamento humano fosse governa-do por leis causais. Interessou-se pelo estudo da aquisição da linguagem. Sustentou que a fala humana seria um comportamento social, adquirida por meio do condicionamento dos falantes por seu ambiente. Sua posição, quanto a este aspecto em particular, será duramente atacada por Chomsky (STEVENSON, 1976; SCLIAR-CABRAL, 1991; KATO, 1993).

Com base em Skinner, Zilio (2010, p. 60) sustenta que “o behavio-rismo radical é uma filosofia da ciência, cujo foco de análise é o objeto de estudo e os métodos da psicologia”, que seriam, respectivamente, o comportamento e aqueles apresentados pelo próprio behaviorismo ra-dical. Assim, a psicologia seria uma ciência natural. Ainda conforme o mesmo autor, para Skinner a mente é o que o corpo faz, ou seja, o comportamento.

Apesar de considerado também um neobehaviorista, Edward Tolman (1886-1959) admitia a intervenção de variáveis mentais na deter-minação do comportamento. Mostrou-se crítico quanto à posição beha-viorista radical segundo a qual se concebia o comportamento como o resultado de duas variáveis: o estímulo e a resposta. Na década de 1929 ele propunha uma terceira variável: o organismo, que atuaria de acordo com finalidades (ou propósitos). Ressaltou que os animais demonstra-vam expectativas em relação à conquista de objetivos. Eles apresenta-vam representações mentais sobre futuros resultados, que serviam de incentivos internos para o seu desempenho. Entre as décadas de 1940 e 1950, por meio de experimentos com animais, demonstrou que eles aprendiam com a observação, sem a necessidade de serem recompensa-dos. Ele concebeu o termo latente, para se referir ao tipo de aprendiza-gem que acontece sem necessidade de reforço. Contribuiu decisivamente para o estabelecimento de uma psicologia cognitiva, em que se admitia

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que a aprendizagem não estivesse reduzida apenas à mudança compor-tamental, mas que incluiria também novos conhecimentos adquiridos. Sustentou que o reforço seria mais eficiente sobre o desempenho, mas não sobre o processo de aprendizagem (STERNBERG, 2000; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005).

Na Rússia, independentemente da escola behaviorista americana, pesquisadores também realizavam estudos fisiológicos e neurofisiológi-cos que foram fundamentais para a compreensão do ser humano. Com base nos reflexos, Ivan Sechenov (1829-1905) realizou trabalhos sobre funções psicológicas. Em 1866 ele publicou a obra: “Refleksi golovno-go mozga” (Os reflexos do cérebro). Influenciou tanto Pavlov quanto Bekheterev, que fundaram a escola russa da reflexologia, que se opunha à posição idealista ou subjetiva, em que se compreendia o funcionamen-to mental como abstrato e inacessível a uma abordagem objetiva e ma-terial (LURIA, 1992; MOLON, 2011).

O fisiólogo russo Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) concentrava os seus estudos sobre o comportamento humano e animal. Assim como Watson, ele não fazia referência à mente em seus trabalhos. Também investigou a aprendizagem. No entanto, ao contrário de Watson e Thorndike, abandonou a ideia de que os comportamentos novos surgiriam a partir de obra do acaso, em um processo desordenado de tentativas e erros. Inferiu a natureza dos processos cerebrais envolvidos no controle do comportamento, ao realizar experimentos com animais e concebeu a expressão: reflexo condicionado (a expressão resposta condicionada será preferencialmente utilizada pelos americanos). A partir desta noção, descreveu como um reflexo natural se associa a um novo tipo de esti-mulação. Considerava o conjunto de operações necessárias para a ins-talação do reflexo condicionado como um sistema de sinalização. No caso, o condicionamento seria o primeiro sistema de sinalização. Ele distinguia entre o sistema de sinalização dos animais e o dos homens. Sustentava que uma das características essenciais do ser humano era a sua capacidade para se comunicar por meio de palavras. Julgava que, em função da linguagem, a sua resposta seria muito mais complexa do que

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a do animal. A linguagem moldaria o pensamento e funcionaria como o segundo sistema de sinalização. O tipo de aprendizagem descrito por Pavlov foi denominado condicionamento clássico (WALLON, 1973a; WALLON, 1973b; PAVLOV, 1974; HENNEMAN, 1975; LURIA, 1979a; SUTHERLAND, 1996; XAVIER, HELENE, 2007).

Assim como Pavlov, seu contemporâneo, o fisiologista, neuropa-tologista e psicólogo russo Vladimir Bekheterev10 (1857-1927) também realizava experimentos com animais. Entretanto, adotava uma perspec-tiva mais reducionista e limitada, em relação a Pavlov. Acreditava que os processos mentais poderiam ser registrados e observados objetiva-mente, porque todos eles eram acompanhados por movimentos reflexos e reações vegetativas. No ano de 1921 publicou um livro com o título: “Reflexologia coletiva”. Nele sustentava que os princípios da reflexolo-gia poderiam ser aplicados tanto em relação à natureza quanto em relação à sociedade. Sua obra influenciará o behaviorismo americano (LURIA, 1992; XAVIER, HELENE, 2007; MOLON, 2011; MARANHÃO FILHO, MARANHÃO, ENGELHARDT, 2015).

No período de surgimento da psicologia moderna, ainda existiam estudiosos que se dedicavam a temas desvalorizados pela corrente cien-tífica dominante. No final do século XIX e princípios do XX, discutia-se um grupo de fenômenos controversos que, embora não fossem aborda-dos pela ciência, despertavam a atenção de diversos investigadores em face de suas evidências. Na realidade, desde o século XVIII já se tratava de questões tais como: clarividência, telepatia, supranormalidade ou pa-ranormalidade. Em 1825, o médico, advogado, linguista e músico aus-tríaco Franz Anton Mesmer (1734-1815) publicou o livro: “Instruction pratique sur le magnestisme animal” (Instrução prática sobre o magnetis-mo animal) e também liderou um movimento que ficou conhecido como Mesmerismo, em referência ao seu nome. Nele se sustentava a concepção de um magnetismo animal que se conectaria ao corpo humano e provo-caria diversas manifestações, não explicadas pelas abordagens materia-

10 Em razão das diversas formas de se traduzir os nomes russos, Bekheterev também é grafado como Becheterev em outras obras.

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listas. O astrômomo francês Nicolas Camille Flamarion (1842-1925) estudou a telepatia e concluiu que a alma existe, mas apresenta qualida-des desconhecidas. Ele integrou uma corrente, que ficou conhecida como Espiritualismo durante o século XIX. Em 1896, fundou-se a “American Society for Psychological Research – SPR” (Sociedade Americana para Pesquisa Psicológica). Nela estudaram-se: experiências extra corporais, aparições de seres humanos imateriais, indivíduos sonâmbulos, entre outros. Aceitou-se que algum aspecto do ser humano (alma, espírito ou consciência) poderia funcionar fora do corpo. Afirmou-se que a mente seria independente em relação ao corpo. O psicólogo inglês John Beloff (1920-2006) dedicou-se ao estudo acadêmico da percepção extra senso-rial e tentou alcançar evidências experimentais sobre as atividades psí-quicas paranormais. Em 1962 publicou o livro “The existence of mind” (A existência da mente). No entanto, os seus esforços não se mostraram promissores (ALVARADO, 2013). Os estudos psicológicos tomaram um novo rumo e todos estes fatos foram negligenciados.

Para que a psicologia se afirmasse como um campo legítimo, no campo do saber científico do século XIX, os seus laços com as espe-culações filosóficas foram rompidos. O seu método pautou-se sobre o modelo quantitativo e empírico das ciências naturais e, por meio do uso de laboratórios, a nova ciência psicológica foi reconhecida como uma psicologia essencialmente experimental. O trabalho pioneiro de Wundt forneceu as condições para que a psicologia se tornasse uma discipli-na científica. Considerado o fundador da psicologia científica moderna, ele abrirá o caminho para o surgimento de uma ciência da mente, du-rante o século XX.

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INTRODUÇÃO HISTÓRICA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE MENTE E CÉREBRO - 65

Capítulo 3

Relação mente e cérebro: do método introspectivo ao surgimento da

neurociência

O psicólogo alemão Wilhelm Wundt (1832-1920) trabalhou sobre a influência da tradição associacionista e aplicou métodos da fisiologia sensorial experimental para resolver problemas, colocados em termos associacionistas (O’NEIL, 1969). Seguiu as doutrinas da filosofia em-pirista e se opôs às da filosofia racionalista. Propôs que a psicologia se constituísse no estudo científico da consciência. Utilizou-se da intros-pecção – a percepção interna – como o seu principal método. Foi pio-neiro no estabelecimento de uma psicologia experimental de conteúdo mental, denominada por ele de psicologia fisiológica (HENNEMAN, 1975; STEVENSON, 1976; LURIA, 1979a; KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001). No final do século XIX ele se dedicava aos estudos so-bre a relação entre processos mentais e comportamento verbal (SCLIAR-CABRAL, 1991).

No ano de 1874 surgiu a primeira edição de seu livro “Grundzüge der physiologschen Psychologie” (Princípios de psicologia fisiológi-ca), o primeiro manual geral sobre psicologia. Em 1880 ele publicou a obra “Logik” (Lógica). Nela já se ocupava de uma teoria cognitiva. O primeiro periódico devotado a estudos experimentais foi concebido por Wundt e surgiu em 1881: “Philosophisches studien” (Estudos filosófi-cos). Ele também construiu na Universidade de Leipzig, na Alemanha, o primeiro laboratório de psicofisiologia, estabelecido oficialmente em 1879, para ensinar e pesquisar sobre o assunto (MANN, 1967; O’NEIL, 1969; HENNEMAN, 1975; ANASTASI, 1977; SCLIAR-CABRAL,

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66 - Capítulo 3 | RELAÇÃO MENTE E CÉREBRO: DO MÉTODO INTROSPECTIVO AO...

1991; KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001; TEIXEIRA, 2000; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001; ANDRADE, SANTOS, 2004).

Wundt estabeleceu um paralelo entre a química e a psicologia. A sua abordagem à última se assemelhava a uma tabela periódica da cons-ciência, na qual os elementos seriam as imagens (por serem acessíveis à introspecção). Ele buscava identificar os conteúdos elementares e mos-trar como tais elementos podiam ser combinados. As regras de combina-ção ditariam todos os tipos possíveis de experiência que a pessoa poderia vivenciar (O’NEIL, 1969; KOSSLYN, 1992).

No final do século XIX, por influência da psicologia fisiológi-ca, produziram-se inúmeras pesquisas em laboratórios. Entretanto, elas eram mais associadas ao método do que ao objeto de estu-do. A mente será explicada por meio da fisiologia (KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001). Nesta mesma época, por influência da teoria associacionista – em que os fenômenos mais complexos se reduziriam a seus elementos constitutivos – o pensamento e a fala eram estudados isoladamente, como elementos distintos. No campo da fala compreendia-se a palavra como um paralelo exteriorizado do pensamento, sem qualquer tipo de influência sobre a vida interior do indivíduo. O pensamento era tido como a simples associação das re-presentações sensoriais (LURIA, 2001; VIGOTSKI, 2001).

Charles Bell (1744-1842), médico e anatomista escocês, desco-briu experimentalmente que a qualidade da experiência sensorial era re-gulada pelos nervos das raízes espinhais dorsais. Independentemente, o médico e fisiologista francês, François Magendie (1783-1855) chegou às mesmas conclusões. Ambos realizaram experimentos em que identi-ficaram a diferenciação entre as funções sensoriais das raízes espinhais dorsais e as funções motoras, das raízes espinhais ventrais. As primei-ras são compostas por fibras aferentes, ou seja, trazem as informações da periferia do sistema nervoso para o seu centro. As segundas, por fi-bras eferentes: levam as respostas motoras para os músculos esqueléti-cos. Assim, estabeleceu-se a lei de Bell-Megendie, em que se sustenta que diferentes funções são executadas por partes distintas do cérebro.

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Comprovou-se que dentro do sistema nervoso existia uma base anatô-mica para a localização destas funções (KOVÁCS, 1997).

Desde o século XVII e, especialmente a partir do século XVIII, tam-bém se discutia se o cérebro e o sistema nervoso trabalhavam como uma unidade, ou como partes independentes (KOVÁCS, 1997; DAMÁSIO, 2000a). O médico inglês Thomas Willis (1621-1673) foi o autor de uma das maiores obras sobre a ciência do cérebro. Em 1664, ele publicou “Cerebri anatome” (Anatomia do cérebro), em que abordava as funções cerebrais. O médico anatomista, químico e físico alemão Franciscus de le Boë (1614-1672) que adotou o nome de Franciscus Sylvius, era pro-fessor no curso de medicina em Leyden. A partir da representação realís-tica da superfície cerebral, ele descreveu a fissura que levou o seu nome (fissura de Sylvius). O médico dinamarquês Niels Stensen (1638-1686), conhecido como Steno, proferiu uma palestra em Paris com o título de: “Discours sur l’anatomie du cerveau” (“Discurso sobre a anatomia do cérebro”), em 1668. Nela, ressaltou a importância do crescimento do sistema nervoso para a organização das diferentes partes do cérebro, de um modo que permitiria a realização de suas funções de forma harmô-nica e não caótica. No século XVIII, surgiram relatos sobre lesões em um lado do cérebro, que produziam paralisia no lado contralateral. Em 1709, o italiano Domenico Mistichelli (1675-1715), professor de me-dicina, descreveu o cruzamento do trato piramidal. O matemático sue-co Emannuel Swedenborg (1688-1772), que se tornou cientista natural e, posteriormente, estudou medicina, sustentou que o cérebro era a fon-te da compreensão, pensamento, julgamento e vontade. Ele julgava que diferentes funções estariam representadas em áreas corticais distintas (FINGER, 2001).

O fisiologista e anatomista alemão, Franz Joseph Gall (1758-1828) acreditou que as funções mentais e os comportamentos humanos possuí-am localizações em áreas específicas do crânio, que seriam independentes entre si. Concebeu com Johann Caspar Spurzheim (1776-1832) a teoria frenológica, surgida na Áustria ao final do século XVIII. Nela se busca-va avaliar as capacidades e atributos mentais, através da medição da to-

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pografia da caixa craniana. Apesar de efêmera, o mérito da frenologia foi o de inspirar o surgimento da fisiologia e o desenvolvimento de novas metodologias para o estudo do cérebro (O’NEIL, 1969; HENNEMAN, 1975; LURIA, 1979a; GARDNER, 1994; FEINBERG, FARAH, 1997; KOVÁCS, 1997; ZOLA, 1997; DAMÁSIO, 2000a; FINGER, 2001; KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001; LENT, 2005; PINHEIRO, 2005; XAVIER, HELENE, 2007; UEHARA, CHARCHART-FICHMAN, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2013; ANDRADE, 2014).

No término do século XVIII, o localizacionismo mobilizou a aten-ção dos cientistas. Mas no século XIX, tal posição polarizará as opini-ões. Desde esta época, o cérebro tornou-se o centro do interesse dos cientistas, para a compreensão da vida mental. Esta abordagem reducio-nista predominará ainda por muitos anos, especialmente com o advento da Revolução Industrial, quando a metáfora do cérebro como máquina prevalecerá, até o início do século XX. Entretanto, com o avanço das neurociências e ciências cognitivas ao longo deste mesmo século, o lo-calizacionismo cerebral será superado por explicações holistas ou globa-listas do cérebro ou ainda como uma unidade dinâmica (LURIA, 1973; VIGOTSKI, 1999c; VIGOTSKI, 1999d; KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001; LENT, 2005; MUSZKAT, 2006).

O neurologista e neuropsiquiatra alemão Edward Hitzig (1838-1907) e o seu também conterrâneo, o anatomista Gustav Fritsch (1837-1927) estimularam eletricamente o córtex de um cachorro (sem anestesia), pela primeira vez no mundo, e descobriram a área motora do lobo fron-tal. O neurologista inglês David Ferrier (1843-1928), confirmou os re-sultados dos dois alemães, por meio do mesmo método de estimulação cortical. Assim, estabeleceram-se novas relações entre estrutura cere-bral e suas funções. Eles refutaram o holismo de Flourens (FEINBERG; FARAH, 1997; LENT, 2005).

O fisiologista francês Marie-Jean-Pierre Flourens (1794-1867) foi um dos mais duros críticos da frenologia de Gall. Ele considerava que as diferentes partes do sistema nervoso funcionavam de modo distribuído ou coordenado, e qualquer problema em uma das funções exercidas pe-

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las várias áreas, afetaria as outras. Assim, atribuiu uma função específi-ca para cada unidade do sistema nervoso. Ele também deixou implícita a noção de um funcionamento estratificado, em que os níveis inferiores dependiam dos superiores e eram por eles modificados, mas generali-zou muito as localizações de funções no córtex. Ele realizava experi-mentos com animais, em que provocava lesões em seus cérebros, por meio de ablações (remoções cirúrgicas de pedaços do cérebro). Com bases nos dados coletados, julgou que a área lesionada do cérebro es-pecífica não tinha importância, mas sim a extensão da lesão (O’NEIL, 1969; FEINBERG, FARAH, 1997; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005; PINHEIRO, 2005; XAVIER, HELENE, 2007; ANDRADE, 2014).

O fisiologista alemão Johannes Müller (1801-1858) também se opôs à frenologia e concordou com as críticas de Flourens. Considerado o pai da fisiologia, em razão dos trabalhos que desenvolveu nesta área, Müller estabeleceu que a sensação causada pela estimulação de um ner-vo (seja ela visual ou auditiva, entre outras), sempre corresponderá ao sentido por ele provocado, independentemente do estímulo responsável por produzir esta resposta (XAVIER; HELENE, 2007). Dois de seus alu-nos trouxeram importantes contribuições para a ciência, especialmente para a neurologia: von Helmholtz e du Bois-Reymond.

O fisiologista tcheco Jan Evangelista Purkinje (1787-1869) des-cobriu um tipo de célula nervosa muito grande, encontrada no cerebelo, em 1837. Ela recebeu o seu nome e é conhecida como célula de Purkinje (GUYTON, 1993). Com este seu trabalho pioneiro, outros cientistas avançaram nos estudos sobre a neuroanatomia celular.

O anatomista e fisiologista espanhol Santiago Ramón y Cajal (1852-1934) destacou-se por ter descrito que os neurônios compõem o encéfalo e que eles seriam responsáveis pela condução dos sinais nervo-sos por meio de sinapses. Além disso, demonstrou que, em termos anatô-micos, os neurônios de todos os animais seriam semelhantes. A partir de seus achados, se descobriu que é o número de células nervosas e a for-ma como se inter-relacionam o que diferencia a capacidade de aprendi-zado entre as espécies e não o tipo destas células nervosas. Ele também

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propôs que o exercício mental se associava ao crescimento das ramifi-cações neurais. Ganhou o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1906, como se explicará melhor mais abaixo (SQUIRE, KANDEL, 2003; MUSZKAT, 2006; SQUIRE et al., 2013). Com Ramón y Cajal superou--se a descrição estática dos dados anatômicos e alcançou-se uma visão dinâmica do funcionamento cerebral. Ele é considerado como um dos fundadores da neurociência moderna. Assim, compreendeu-se que as ba-ses do estudo de mente deveriam ser buscadas no encéfalo.

Como já comentado anteriormente, fatos arqueológicos confir-maram que desde a antiguidade já se associava a cabeça com o cen-tro das funções vitais. Há registros de representações de craniotomia11. Encontraram-se fósseis onde se observou a existência de buracos artifi-cialmente produzidos, com precisão cirúrgica, principalmente nas regi-ões parietal, occipital e frontal do cérebro. Esta prática de trepanação em diversas culturas antigas indica que desde há muito tempo já se supunha a relação entre este órgão e o comportamento humano (FINGER, 2001; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005; RODRIGUES, CIASCA, 2010).

Desde 1800, a associação entre fala e lobo frontal já despertava o interesse de estudiosos. No ano de 1825, o médico francês Jean-Baptiste Bouillaud (1796-1881) relacionou a perda da fala com lesão frontal, fun-damentado em um grande número de casos por ele atendidos. Apesar de descobrir que no córtex frontal se encontrariam funções linguísticas, o seu trabalho foi ignorado por décadas. Não se deu a devida atenção às suas evidências clínicas de que os aspectos motores da fala se diferen-ciavam daqueles relativos especificamente ao uso da linguagem, quan-to à sua localização cerebral (STOOKEY, 1963; FEINBERG, FARAH, 1997). No entanto, o estudo de lesões cerebrais se mostrará um valioso método para se conhecer o cérebro e suas funções.

Até 1860, aproximadamente, diversos relatos sobre a associação entre perda da fala e lesões no lobo frontal surgirão, tanto na Europa

11 Procedimento cirúrgico em que se realiza a retirada de um retalho ósseo para se acessar o cérebro. Após a cirurgia o pedaço de osso é recolocado.

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quanto nos Estados Unidos da América, e despertarão o interesse dos pesquisadores a respeito da localização de funções cognitivas no cére-bro, especialmente com relação à linguagem. Outros aspectos também atrairão a atenção dos estudiosos.

Em 1855, o anatomista italiano Bartolomeo Panizza (1785-1865) descreveu casos de cegueira cortical, relativa à perda da visão por lesão occipital, em que as vias visuais permaneciam intactas. Dados de ex-perimentos com animais confirmaram tais achados. Comprovou-se que nestas lesões a visão não estava comprometida, mas sim os seus proces-sos mais complexos, de percepção visual (KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001; RODRIGUES, CIASCA, 2010).

Ainda durante este período, outro aspecto chamou a atenção dos cientistas: a assimetria hemisférica. Os dados de pacientes, que se acu-mulavam, corroboravam a concepção de que a área da fala estaria situa-da no hemisfério esquerdo. Desde 1816 o neurologista francês Marc Dax (1770-1837) estabelecera a relação entre lesão no hemisfério esquerdo com afasia12 e hemiplegia direita. Ele examinou 40 pacientes durante 20 anos. Em 1836, ele descreveu estes achados em um manuscrito que não foi publicado, mas foi distribuído entre colegas. Alguns anos mais tar-de, a questão relativa ao localizacionismo cerebral seria retomada e o nome de Broca (e não o de Dax) entraria para a história (FREINBERG; FARAH, 1997).

Em 1848, o americano Phineas Gage (1823-1861) sofreu uma dramática lesão no córtex pré-frontal13. Ele foi atendido pelo Dr. John Harlow (1848-1949) um médico que, naquela época, desconhecia a rela-ção entre esta área cerebral e as funções executivas (DAMÁSIO, 2000a).

12 As afasias são transtornos da linguagem, que podem afetar tanto a sua expressão (fala ou escrita) quanto a sua recepção (compreensão), em decorrência de danos nas áreas cerebrais responsáveis pelas funções linguísticas (GIL, 2003).13 O córtex pré-frontal se localiza à frente das áreas motoras do lobo frontal. Ocupa ¼ do lobo frontal e se associa às funções cognitivas superiores. Comunica-se com quase todas as demais áreas do encéfalo e tem um papel de controlador e coordenador dos processos cognitivos e comportamentais (LENT, 2005).

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Entretanto, ao longo dos anos se observou que o cérebro não funciona-ria de modo indiferenciado, como os opositores do localizacionismo su-punham. Constatou-se que as funções cognitivas se achavam localizada em áreas específicas. Posteriormente, Luria (1973) salientará a impor-tância do córtex pré-frontal para o desenvolvimento da cognição do ser humano. E, em breve surgirão trabalhos em que se relacionarão lesões em áreas determinadas do cérebro, com o funcionamento mental do in-divíduo (ECCLES, 1989; BENSON, MILLER, 1997; KOVÁCS, 1997; LEZAK, 1997; ESPERIDIÃO-ANTONIO et. al, 2008; DAMÁSIO, 2000a; HOMSKAYA, 2001; LURIA, 2001; UEHARA, CHARCHART-FICHMAN, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2013).

Segundo Feinberg e Farah (1997), depois da década de 1860, ocor-rerá uma mudança nos rumos das investigações sobre o funcionamento cerebral, que levará ao surgimento da neurologia e da neuropsicologia comportamentais modernas. Diversas pesquisas (inclusive com animais) ampliarão os trabalhos para outras funções superiores do cérebro, para além da fala e sua relação com o hemisfério esquerdo. O ultrapassado método frenológico – cujo objetivo era avaliar as capacidades e atributos mentais por meio da análise das características externas do crânio – será deslocado para dentro de sua estrutura óssea, ou seja, para o seu interior.

Ao final do século XIX, o córtex cerebral se tornou o foco das in-vestigações. Nesta época predominava a concepção de que o córtex fun-cionaria como o centro de integração neural, como mediador entre as sensações e as ações (KOVÁCS, 1997). No entanto, com o passar do tempo e com o avanço dos conhecimentos sobre o funcionamento cere-bral, isto foi revisto e outras abordagens às funções corticais serão pro-duzidas (FINGER, 2001).

O médico francês Ernest Auburtin (1825-1893), que era genro de Bouillaud, sustentou a tese de localizacionismo em relação à lesão cerebral frontal e perda da fala (juntamente com o sogro). Em 1861 a Sociedade de Antropologia de Paris promoveu uma série de discussões entre ele e o anatomista, antropólogo e zoologista francês Louis Pierre Gratiolet (1815-1865), que defendia ideias holísticas sobre a relação

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entre lesões frontais e o funcionamento cerebral (STOOKEY, 1963; FEINBERG, FARAH, 1997). O secretário e também fundador desta so-ciedade, que participava como ouvinte dos debates, comentou sobre um paciente que ele atendia e sua contribuição tornou-se fundamental para a disputa entre os dois opositores, porque após a apresentação deste caso clínico, prevaleceu o localizacionismo de Auburtin. O médico respon-sável pelo caso relatado era Broca.

O cirurgião e antropologista francês Pierre-Paul Broca (1824-1880) comprovou haver uma localização cerebral específica para o centro da fala, após constatar a relação entre lesões cerebrais e comprometimen-tos de determinadas capacidades linguísticas. Ele foi reconhecido como o primeiro a demonstrar a possibilidade de localização cortical de uma função cognitiva (LURIA, 1973; FINGER, 2001). Os seus dados esta-vam baseados em Leborgne, cujo cérebro foi estudado depois de sua mor-te (este seu paciente, que só era capaz de vocalizar “tan”, era o mesmo sobre o qual havia feito um breve relato durante o debate entre os opo-nentes Auburtin e Gratiolet). Embora ele compreendesse o que se dizia para ele, era incapaz de falar (empregar a linguagem para emitir uma resposta verbal). Em 1861, quatro meses depois de participar do even-to na Sociedade de Antropologia, Broca apresentou suas descobertas na Sociedade de Anatomia de Paris. Posteriormente nomeou-se “área de Broca” à região cerebral, por ele descrita como a área da fala. O seu nome foi divulgado mundialmente e ele se tornou o pioneiro na descri-ção dos transtornos da fala e linguagem (RAICHLE, 1997; FEINBERG, FARAH, 1997; PINHEIRO, 2005; XAVIER, HELENE, 2007; UEHARA, CHARCHART-FICHMAN, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2013; ANDRADE, 2014). No entanto, a posição localizacionista de Auburtin e Broca seria contestada em breve.

Independentemente, o neurologista alemão Karl Wernicke (1843-1905) também observou um mesmo tipo de relação, que envolvia ou-tras funções da linguagem e documentou, pela primeira vez, uma nova forma de afasia, no ano de 1876. Neste caso, o lobo frontal não se acha-va envolvido. Diversas regiões estavam combinadas neste novo tipo

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de afasia. A localização descrita por este neurologista alemão ficou co-nhecida como “área de Wernicke”. O seu trabalho também serviu para explicar outros comprometimentos cerebrais (relacionados com as apra-xias14, alexias15, entre outros transtornos). Ele sustentou que, ao invés de um grande número de centros para cada função cognitiva, um reduzido número se combinaria, por meio de uma vasta rede de conexões. Este paradigma conexista explicaria a diversidade destas funções e a varie-dade dos transtornos cognitivos. Também contradiria o localizacionis-mo (ECCLES, 1989; LURIA, 1979a; LURIA, 1992; GARDNER, 1994; KOVÁCS, 1997; RAICHLE, 1997; COLTHEART, DAVIES, 1998; DAMÁSIO, 2000a; PINHEIRO, 2005; ANDRADE, 2014).

As contribuições complementares de Broca e Wernicke forneceram os pilares para o estudo do processamento da linguagem em pacientes afásicos. Elas também anteciparam a abordagem conexista (das ciências cognitivas) e a neuropsicologia, que surgiriam no século seguinte, quan-do se investiu nas investigações sobre circuitos neurais do sistema ner-voso, ao invés de se estudar estruturas nervosas isoladas.

Em 1863, Gustave Dax (filho de Marc Dax) entregou à Academia de Medicina de Paris o texto que o seu pai havia produzido em 1836, sobre as relações entre o hemisfério esquerdo e um centro da fala. O re-ferido manuscrito foi lido em 1864 e publicado em 1865, em honra da memória de seu autor. No mesmo ano desta publicação, Broca tornou--se injustamente célebre quando afirmou que o hemisfério esquerdo te-ria um papel predominante na produção da fala. Na realidade o mérito de tal descoberta deveria caber a Marc Dax, cuja contribuição científi-ca só foi reconhecida tardiamente. Historicamente, ele foi o primeiro a constatar tal associação (FEINBERG; FARAH, 1997).

14 As apraxias constituem transtornos dos gestos intencionais, da manipulação real ou em mímica de objetos como resultado de lesão cerebral adquirida (GIL, 2003).15 As alexias são transtornos ou a total incapacidade para se compreender a linguagem escrita (GIL, 2003).

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A partir de 1873, pesquisadores encontraram diferenças entre cé-lulas nervosas, quanto à sua morfologia, densidade e características, gra-ças ao trabalho pioneiro do médico e histologista italiano Camillo Golgi (1843-1926). Ele sustentou que os axônios neuronais formariam uma es-trutura reticular (ou em rede) contínua. No entanto, ele foi desmentido pelo neuroanatomista espanhol, Santiago Ramón-y-Cajal (1852-1934), que concebeu uma ideia oposta à de Golgi. Para ele, os neurônios atua-riam de modo contíguo (em contato) sem continuidade. Eles comporiam unidades independentes. Ele concluiu que o neurônio seria a unidade si-nalizadora do sistema nervoso. Também sustentou que, para a compre-ensão dos processos mentais, seria necessário conhecer-se o encéfalo (SQUIRE, KANDEL, 2003; PINHEIRO, 2005; XAVIER, HELENE, 2007; ANDRADE, 2014). Os dois cientistas compartilharam o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1906, quando se conheceram pes-soalmente. Entretanto, foi somente em 1950 que a tese de Ramón-y-Cajal foi comprovada, por meio do uso de um microscópio eletrônico. Ela tornou-se conhecida como a “doutrina do neurônio”.

Destes estudos originaram-se os mapas citoarquitetônicos. Eles foram fundamentais para a compreensão da distribuição e concentração anatômica das células do sistema nervoso, de acordo com sua especia-lização e diferenciação funcional. Dentre os pioneiros neste campo, en-contram-se: a médica francesa Cécil Mugnier Vogt (1875-1962) e seu esposo, o neuroanatomista alemão Oskar Vogt (1870-1959); bem como o neurologista australiano Alfred W. Campbell (1868-1937). Em 1909, o neurologista e psiquiatra alemão Korbiniam Broadmann (1868-1918) concebeu um dos mais conhecidos destes mapas, com base em seus estu-dos microscópicos. Por meio de números, 52 diferentes áreas anatômicas, com funcionalidades distintas, foram identificadas no cérebro (LURIA, 1973; FEINBERG, FARAH, 1997; KOVÁCS, 1997; MESULAM, 1997; FINGER, 2001; XAVIER, HELENE, 2007; SANTOS, 2008; LAGE, 2013; ANDRADE, 2014). Kovács (1997, p. 128) avalia que os neuro-logistas do século XIX “transportaram a metodologia frenológica para dentro do crânio e a colocaram em cima do córtex”.

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O filósofo escocês Alexander Bain (1818-1903) foi um pesquisador de campo que buscou fundamentar a sua psicologia na neurofisiologia. Ele desenvolveu a noção de tentativa e erro em 1855. Dela se originou, anos mais tarde, a teoria de Thorndike (O’NEIL, 1969; CALVIN, 1998). Apesar de não ser um experimentalista, publicou dois livros fundamen-tais, que influenciaram os seus contemporâneos: “The senses and the in-tellect” (Os sentidos e o intelecto), publicado em 1855, e “The emotions and the will” (As emoções e a vontade), cuja primeira edição apareceu em 1859 (O’NEIL, 1969). Ele concebeu a mente em termos mais dinâ-micos do que Mill, ao adotar a analogia entre ela e o composto quími-co, que produz uma série de reações a partir de alguns elementos que se misturam.

Um interesse mais específico do que os de Fechner, sobre os fe-nômenos psicológicos, foi despertado em um dos alunos de Johannes Müller: o físico e fisiólogo alemão Hermann Ludwig Ferdinand von Helmholtz (1821-1894). Também tido como um dos pais da psicologia experimental – em função de suas investigações sobre a fisiologia e des-crição da percepção sensorial – ficou conhecido por ter formulado o prin-cípio de conservação da energia e medido a velocidade de propagação do estímulo nervoso. Ele demonstrou que o intervalo de tempo entre a recep-ção dos dados sensoriais e a emissão de uma resposta motora é extrema-mente rápido (O’NEIL, 1969; HENNEMAN, 1975; KOVÁCS, 1997).

Na década de 1870, outro aluno de Müller, o médico alemão Emil du Bois-Reymond (1818-1896) foi um dos pioneiros a hipotetizar a transmissão do impulso nervoso. Segundo ele, o processo excitatório que acontecia dos nervos para os efetores poderia se dar de modo elé-trico (por meio de corrente) ou quimicamente (por meio de substâncias que seriam liberadas pela parte terminal do neurônio). Ele conseguiu explicar a essência elétrica da atividade nervosa (XAVIER; HELENE, 2007; RODRIGUES, CIASCA, 2010). Também quantificou a sua pro-pagação, por meio do galvanômetro, um equipamento empregado para medir correntes elétricas de baixa intensidade (FINGER, 2001). Mas

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somente no século XX que se descobriram quais seriam os seus trans-missores químicos.

O neurofisiologista inglês Charles Scott Sherrington (1857- 1952) publicou em 1906 a obra: ”The integrative action of the nervous system” (A ação integradora do sistema nervoso). Nela descreveu de que modo o sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico funcionavam em conjunto, ou seja, como os neurônios se comunicavam. Foi o criador dos termos: neurônio (que identifica a célula nervosa) e sinapse (ponto de contato entre um neurônio e outro, por meio do qual a transmissão dos sinais nervosos acontece). Realizou experimentos com animais, em que provocava lesões corticais ou retirava-lhes o córtex. Observava os efei-tos de tais procedimentos (GUYTON, 1993; KOVÁCS, 1997; FINGER, 2001; PINHEIRO, 2005). Recebeu o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1932.

Alan Lloyd Hodgkin (1914-1998) e Andrew Fielding Huxley (1917-2012), dois fisiologistas ingleses ganhadores do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1963, criaram o primeiro modelo mate-mático (quantitativo) em neurociência, muito utilizado. Por meio dele, o cérebro foi analisado como um sistema completo. Antes mesmo da existência do microscópio eletrônico, eles descreveram como se daria o movimento dos íons durante o potencial de ação das células nervosas (KOVÁCS, 1997).

O neurobiólogo americano Roger Wolcott Sperry (1913-1994) foi honrado com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 1981. Desde a década de 1950, com os estudos que conduziu, ele demonstrou que os hemisférios cerebrais seriam especializados em diferentes funções, mas se integrariam e formariam uma unidade funcional integral (TEIXEIRA, 2000; KOVÁCS, 1997).

Na década de 1880, o alemão Hermann Ebbinghaus (1850-1909) inaugurou os primeiros estudos sobre memória realizados em laborató-rios e é considerado o pioneiro da psicologia experimental nesta área. Ele concebeu uma prova para avaliá-la quantitativamente, em que em-pregava sílabas sem sentido para serem recordadas. Tornou-se um dos

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pioneiros no estudo dos princípios de seu armazenamento e também no uso de suas estratégias. Reportou que as memórias têm diferentes tempos de duração e que a repetição mantém a memorização por um maior período de tempo (SQUIRE, KANDEL, 2003; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005).

O psicólogo francês, Theodule Armand Ribot (1839-1916) distin-guiu os transtornos da memória anterógrada e retrógrada. A primeira re-lacionada com a incapacidade de se criar novas memórias e a segunda, de se lembrar do passado. Descreveu a preservação de alguns tipos de aprendizagem em condições de amnésia (perda total ou parcial de in-formações que anteriormente se encontravam na memória) e antecipou a noção de memória declarativa (cujo conteúdo é facilmente acessado por tratar de fatos e informações específicas aprendidas) e não declara-tiva (que não é acessada de modo explícito, mas por meio de procedi-mentos motores aprendidos, automatismos ou hábitos). Com base em seus experimentos, observou o que ficou conhecido como Lei de Ribot: conteúdos mais recentemente estabelecidos são os mais vulneráveis às lesões cerebrais (XAVIER, 1993; FEINBERG, FARAH, 1997; SQUIRE, KANDEL, 2003).

Em 1889, o neuropsiquiatra russo Sergei Sergueievitch Korsakoff (1854-1900) relatou um dos transtornos de memória mais estudados até hoje: a síndrome de Korsakoff. Ela leva a um esquecimento progressivo. Surge, principalmente, em decorrência do uso e abuso de álcool e da fal-ta de vitamina B1, dentre outras etiologias (FEINBERG, FARAH, 1997; GIL, 2003; SQUIRE, KANDEL, 2003). Tal trabalho foi importante para se entender melhor os processos normais de memorização. Descobrir-se-á que não existe uma área única responsável por seu processamen-to, mas vários centros associados com os diferentes tipos de memória.

O médico alemão Ludwig Lichtheim (1845-1928) especializou-se em afasias e estudou a relação delas com o processamento da linguagem, com base no paradigma holístico do sistema nervoso. No inicio do sécu-lo XX o neurologista e psiquiatra alemão Hugo Liepmann (1863-1925)

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descreveu as apraxias e diferenciou, entre elas, a apraxia ideomotora16. A partir da abordagem de diversos centros interconectados no sistema nervoso, o neurologista suíço Joseph Jules Déjerine (1849-1917) des-creveu a alexia sem agrafia17 (FEINBERG, FARAH, 1997; GIL, 2003). Todos adotaram o pressuposto de que já não caberia mais imaginar que cada função do cérebro estaria associada a um único centro específico (como popularizado na abordagem localizacionista). Pelo contrário, as diversas funções cerebrais e seus transtornos seriam explicados como resultantes de poucos centros especializados (visual, motor, da lingua-gem, entre outros), que se combinariam por meio de conexões múltiplas. Mesmo assim, críticos ainda não aceitavam o aspecto localista que tal abordagem continha, dentre os quais se encontrava Jackson.

Sob o impacto da teoria evolucionista de Darwin, o neurologista inglês John Hughlings Jackson (1835-1911) estabeleceu a relação entre os diversos níveis do funcionamento cerebral com os estágios da evo-lução filogenética do sistema nervoso. Em 1873, ele explicou o funcio-namento do sistema nervoso como dinamicamente relacionado ao seu centro: o cérebro, que se acharia hierarquicamente organizado. Segundo ele, as suas partes não poderiam ser compreendidas de forma isolada, mas em associação com esta unidade fundamental. O neurologista e en-docrinologista francês Pierre Marie (1853-1940), que foi aluno de Broca, se contrapôs às ideias de seu professor a respeito das disfunções da lin-guagem. Ele também ergueu suas críticas contra o localizacionismo, de modo contundente, em favor de uma perspectiva mais holística sobre o

16 A apraxia ideomotora é um tipo de apraxia, que se caracteriza como um transtorno dos gestos que não envolvem a manipulação real de objetos, ou seja, dificuldade para imitar ou realizar sob ordem verbal: gestos arbitrários que não têm significado (como colocar as costas das mãos sobre a testa), gestos expressivos, com significado social (como mandar um beijo), pantomima (representar por meio de gestos, por exemplo, como se penteia o cabelo; se bebe um copo de água ou ainda como se abre uma porta com uma chave, sem fazer uso de qualquer um dos objetos concretos). Também envolve a capacidade de compreensão de gestos, que são realizados por outra pessoa. Ela é adquirida por meio de lesão em áreas específicas do cérebro (GIL, 2003).17 Alexia sem agrafia é um distúrbio da leitura em que a escrita não se encontra comprometida, mas sim a sua compreensão (GIL, 2003).

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sistema nervoso (O’NEIL, 1969; LURIA, 1973; FEINBERG, FARAH, 1997; PINHEIRO, 2005).

Durante a década de 1930, o neuroanatomista americano James Papez (1883-1958) concebeu um sistema composto por diversos compo-nentes cujas ações seriam coordenadas e integradas por um circuito, que veio a ser conhecido como circuito de Papez. As estruturas que o com-põe (hipocampo, hipotálamo, córtex cingulado e os núcleos anteriores do tálamo) estariam relacionadas às emoções. Na década de 1940, o fisio-logista suíço Walter Rudolf Hess (1881-1973) se opôs à ideia de que ha-veria um único centro controlador de toda a atividade cerebral. Para ele, uma organização cerebral dependeria da complexidade de suas atividades. Ações mais complexas envolveriam uma quantidade maior de estruturas. No mesmo período, o médico neurocientista americano Paul MacLean (1913-2007) e Papez estudavam o referido circuito das emoções, e de seus trabalhos surgiu o conceito de sistema límbico (COSENZA, FUENTES, MALLOY-DINIZ, 2008; ESPERIDIÃO-ANTONIO et. al, 2008).

O filósofo francês Henri Bergson (1959-1941) sustentou que o pas-sado pode sobreviver como um hábito ou uma recordação independente. Para ele, não existiria consciência sem memória. A memória permitiria a percepção consciente da noção de temporalidade. Ela representaria as marcas do passado no presente. Uma destas seria o que se vivencia e se preserva como lembrança. Outras seriam os aspectos físico-corporais, tais como o processo de envelhecimento. As habilidades aprendidas também as constituiriam (SQUIRE, KANDEL, 2003; COELHO, 2004).

O psicólogo inglês Frederic C. Bartlett (1886-1969) sustentou que a memória consistiria em “um processo criativo de reconstrução” (SQUIRE; KANDEL, 2003, p. 18), ou seja, ela não dependeria apenas do ambiente e nem seria fiel à realidade: seria produzida pela estrutura men-tal do indivíduo. O seu trabalho influenciará e dará origem à psicologia cognitiva, durante a década de 1960 do século XX. Nesta mesma dé-cada (1960), a biologia sofrerá uma nova revolução, com o surgimento da biologia molecular. Para se compreender processos mentais (como a memória e a aprendizagem), realizar-se-ão pesquisas com animais mais

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simples, como os invertebrados. Como o sistema nervoso destes orga-nismos não é tão complexo quanto o de humanos, suas análises celula-res e moleculares serão possíveis. Posteriormente, durante as décadas de 1980 e 1990, o uso de camundongos também se mostrará promissor (SQUIRE, KANDEL, 2003; DAMÁSIO, 2000b).

No final do século XIX e início do século XX, descobriu-se a exis-tência dos genes, responsáveis pela determinação e transmissão heredi-tária de informações. Cada gene se localizaria nos cromossomos, que se achavam dentro do núcleo das células. O monge e botânico austríaco Gregor Mendel (1822-1884) notabilizou-se por chegar aos princípios da hereditariedade a partir de seus experimentos com plantas. Ele classificou os genes em dominantes e recessivos. O biólogo inglês Willian Bateson (1861-1926) defendia as ideias de Mendel e foi o primeiro a empregar o termo genético no estudo da hereditariedade. É considerado o pai da genética. Thomas Hunt Morgan (1866-1945), biólogo americano, reali-zou estudos genéticos a partir de animais experimentais. Ele foi pionei-ro nas pesquisas genéticas com a mosca-das-frutas (“Drosophila”) que, por suas características biológicas (reduzido número de pares de cro-mossomos e reduzido tempo para o surgimento de uma nova geração) mostrou-se ideal para a realização de experimentos nesta área (SQUIRE, KANDEL, 2003; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005).

Em 1953, a estrutura da molécula que constitui os cromossomos (ácido desoxirribonucleico – ADN ou DNA em inglês) foi decifrada por James Watson (1928-) e Francis Crick (1916-2004). Assim, o pilar da biologia molecular foi formulado: o código genético estaria contido no ADN, que podia ser “transcrito em uma molécula intermediária, o ARN mensageiro, que, por sua vez, pode ser traduzido em uma proteína”18 (SQUIRE; KANDEL, 2003, p. 19).

Em 1967, o biofísico americano Seymor Benzer (1921-2007) in-vestigou os processos de aprendizagem e de armazenamento de memória em “Drosophilas” por meio de técnicas químicas que provocavam muta-

18 Itálico do autor da obra original.

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ções genéticas em genes únicos. Ele observou os resultados de alterações em genes individuais sobre o comportamento. Identificou proteínas que se achavam associadas com as formas não declarativas de estocagem de memória. Os seus resultados foram consistentes com os dados obtidos em estudos de biologia molecular para a memória não declarativa em outras espécies. O fisiologista americano Ralph Brinster (1932-) e cole-gas conceberam uma tecnologia que permitiu se colocar e se ativar ge-nes que normalmente não estão presentes em camundongos ou que não se expressam. Em 1990, geneticista molecular italiano Mario Capecchi (1937-) e o fisiologista e químico inglês Oliver Smythies (1925-) de-senvolveram a técnica de knock-out (nocaute) de genes. Por meio de tal método, se desativam experimentalmente genes no genoma de camun-dongos e se estuda os resultados desta ausência. Deste modo, pode-se modificar qualquer gene nestes animais e observar como isto altera o funcionamento nervoso em diversos sistemas da memória, o que deve levar a novas descobertas sobre os seus processos (Ibid).

Para elucidar o seu objeto de estudo, a partir do final do século XIX, foi necessário se estabelecer estreita relação entre a psicologia e outras ciências, como a fisiologia e a biologia. Da convergência dos co-nhecimentos sobre a atividade nervosa superior e sobre os processos animais foi possível se compreender os fenômenos mentais, principal-mente a partir do próprio organismo. No entanto, tal enfoque organicista mostrou suas limitações ao ser aplicado ao estudo do ser humano. Um dos seus problemas era o de se pressupor que as propriedades do fenô-meno mental fossem universais, ou seja, imutáveis e comuns a todos os indivíduos (HENNEMAN, 1975; ANASTASI, 1977; LURIA,1979a; VYGOTSKY, LURIA, 1996; VIGOTSKI, 2001). Até as décadas finais do século XIX, em razão do empirismo do método científico, viveu-se a ilusão de que o universo seria completamente inteligível. Mas as fun-dações da Era Moderna começarão a entrar em processo de dissolução a partir do século XX.

De 1913 até por volta da década de 1950, os eventos mentais dei-xaram de se constituir em um objeto de estudo para a psicologia, em fun-

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ção do domínio da escola behaviorista radical, especialmente nos Estados Unidos. Nesta abordagem teórica se privilegiava o estudo dos compor-tamentos observáveis. Ela surgiu como uma opção ao método intros-pectivo, que não satisfazia as demandas por uma psicologia científica. Entretanto, no behaviorismo radical não se forneceu um modo adequa-do para se abordar os fenômenos mentais complexos. Nele se oferecia uma explicação teleológica do fenômeno humano, ou seja, explicava--se o comportamento pelo próprio comportamento, sem descrever-se os processos dos quais era resultante.

Nas primeiras décadas do século XX, a compreensão tradicional que o ser humano tinha a respeito da natureza e a sua capacidade para explicá-la foi desafiada por uma série de eventos (MERLEAU-PONTY, 1973). Em 1924, o príncipe francês Louis Victor Pierre Raymond de Broglie (1892-1987), que era historiador e cientista, defendeu a sua tese de doutorado: “Recherches sur la théorie des quanta” (Pesquisas sobre a teoria dos quanta19). As contribuições deste trabalho e de muitos outros forneceram as bases da física moderna, em especial, as contribuições de três físicos alemães: Einstein, Planck e Heisenberg. A partir das formu-lações da Teoria da Relatividade, de autoria do Prêmio Nobel de Física de 1921, Albert Einstein (1879-1955), publicada a partir de 1905, a or-denação do tempo foi explicada como dependente da posição e do mo-vimento do observador situado em algum lugar do espaço. Descreveu-se como o espaço/tempo interage com a matéria. O tempo deixou de ser considerado um parâmetro abstrato e universal. Ele foi considerado como a quarta dimensão da realidade física. Ou seja, com ela o dualismo de substâncias teve que ser abandonado. Estados mentais seriam também considerados como estados físicos. O mental não seria mais imaterial. Na Física Quântica, se descreveu os átomos, as moléculas e as suas in-terações mútuas, a partir dos estudos de Max Planck (1858-1947), que foi laureado com o Prêmio Nobel de Física de 1918. Uma vez que to-

19 Quanta é o plural de quantum, ou seja, um termo da física moderna, criado em 1900, pelo físico alemão Max Planck (1858-1947), que significa a quantidade mínima de energia que pode ser emitida, propagada ou absorvida.

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das as coisas são compostas por átomos, todos os fenômenos da reali-dade cotidiana poderiam ser tratados pela física. Assim, estabeleceu-se uma relação entre tal ciência e a mente. Na década de 1920, o ganhador do Prêmio Novel de Física de 1932, Werner Heisenberg (1901-1976), demonstrou, na Mecânica Quântica, que a realidade física em seu nível mais fundamental era indeterminada. Em 1927 ele formulou o princípio da incerteza, que se fundamenta “na falibilidade lógica, no surgimen-to da contradição presente na realidade física e na indeterminabilidade da verdade científica” (PETRAGLIA, 2000, p. 10). Toda a realidade da ciência seria observável e o objeto observado não poderia ser separado do sujeito observador, ou seja, a intervenção do observador sobre o ob-jeto observado seria determinante (SEARLE, 2000; TEIXEIRA, 2000; PELLANDA, 2003; VIEIRA, 2006; SANTOS, 2011; SOUZA CRUZ, 2011).

As teorias psicológicas sofreram o impacto destas mudanças notá-veis. Por muito tempo evitou-se introduzir variáveis internas ou concei-tos hipotéticos não observáveis em teorias do comportamento humano. Em função destes desenvolvimentos, a reconciliação entre espírito e matéria, entre intelecto e alma, entre consciência e inconsciente, entre sujeito e objeto bem como entre razão e emoção do projeto romântico será resgatada com vigor. Reconhecer-se-á que conceitos hipotéticos não precisam ser acessíveis à observação direta, mas que podem ser válidos se sustentados por evidências empíricas, a partir das quais sua realida-de possa ser inferida.

Após a Primeira Guerra Mundial e, especialmente sob a influência da psicologia da Gestalt, diversos pesquisadores se colocarão a favor de uma abordagem holística, em relação aos estudos do sistema nervoso. Todos enfatizaram a unidade cerebral, assim como o fizeram Jackson e Pierre Marie. Não teria mais sentido se discutir sobre uma rede de co-nexões entre centros corticais especializados. A seguir, destacam-se al-guns deles. O neurologista inglês Henry Head (1861-1940) se dedicou ao estudo dos nervos sensoriais e ao sistema somatosensorial. O psi-cólogo americano Karl Lashley (1890-1958) investigou os processos

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de aprendizagem assim como os de memória, por meio da remoção de diferentes áreas do córtex cerebral de ratos, na década de 1920. Ficou convencido de que a aprendizagem não dependeria da associação entre estímulo e resposta. Ele constatou que o sistema de armazenamento da memória envolve o cérebro como um todo. O neurologista e psiquia-tra alemão Kurt Goldstein (1878-1965), pioneiro da neuropsicologia moderna, após a Primeira Guerra Mundial, atendeu diversos pacientes com lesões cerebrais traumáticas. Ele também concebeu a teoria holís-tica do organismo, com base na psicologia da Gestalt (BEACH, 1961; SQUIRE, KANDEL, 2003; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005; XAVIER, HELENE, 2007).

A psicologia da “Gestalt” (ou psicologia da forma) ofereceu uma das novas possibilidades para o estudo da mente humana. Ela teve ori-gem na Alemanha, a partir da década de 1910. Surgiu sob a influência dos estudos da psicofísica, da fisiologia (sobre os processos nervosos supe-riores) e da filosofia racionalista alemã. Foi, principalmente, formulada pelo psicólogo e filósofo austríaco Max Wertheimer (1880-1943) e seus assistentes (também psicólogos): o alemão Kurt Koffka (1886-1941) e o estoniano20 Wolfgang Köhler (1887-1967). Os estudos desenvolvidos sob esta abordagem tratavam dos processos mentais complexos. Enfocava, particularmente, a percepção. Suas investigações valiam-se do método introspectivo. De acordo com os gestaltistas, não seria possível expli-car os complexos processos perceptivos a partir dos mais simples. As experiências seriam estruturadas em todos coerentes. Acreditavam que o cérebro organizaria, como uma figura coerente, os estímulos externos (até mesmo aqueles imprecisos ou incompletos). Sustentavam que a to-talidade era mais importante do que a soma de suas partes (O’NEIL, 1969; HENNEMAN, 1975; FADIMAN, FRAGER, 1986; LURIA, 1990; VIEIRA, 1998; SEARLE, 2000; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001; KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005). Não faziam distinção entre percepções mais elementares e formas mais elevadas de pensamento.

20 Nascido na Estônia.

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Por volta dos anos de 1930, introduziram o termo “insight” na psi-cologia. Ele é empregado sem tradução, para designar uma espécie de entendimento interno, uma compreensão imediata ou o aparecimento de uma solução completa com referência a toda a estrutura de um proble-ma. Explicavam a aprendizagem como o processo de se estabelecer rela-ções entre as partes e o conjunto por elas formado. Foram pioneiros em abordar tal processo por meio da resolução de problemas. Anteciparam a moderna psicologia cognitiva (CHI, GLASER, 1992; VIEIRA, 1998; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001).

Desde a década de 1920, Köhler desenvolvia pesquisas sobre o comportamento intelectual de animais. A partir de seus achados, rejeitou a teoria de Thorndike, a respeito da aprendizagem por meio da tentativa e erro. Ele investigou como macacos resolviam o proble-ma de pegar bananas que estavam fora de suas jaulas e verificou que tal noção não era suficiente para explicar o comportamento de alguns animais. De acordo com as suas observações, parecia que, diante de um problema, eles planejavam as suas ações antes de emitir suas res-postas. Tal comportamento foi interpretado como um insight. Segundo Köhler a situação era reestruturada, por meio de um ato criativo. Este trabalho atraiu o interesse de Vygotsky que, a partir da década de 1920, ingressará no campo da psicologia (LURIA, 1979a; CHI, GLASER, 1992; VYGOTSKY, LURIA, 1996; VIEIRA, 1998; VIGOTSKI, 1999a; VIGOTSKI, 2001).

Na psicologia da Gestalt havia uma oposição ao behaviorismo radi-cal e ao estruturalismo. Os gestaltistas argumentavam que tais correntes enfatizavam demais o papel da estimulação e subestimavam o papel de-sempenhado pelo próprio indivíduo. Eles consideravam que o processo de aprendizagem seria muito mais complexo do que se supunha na es-cola behaviorista radical (GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005). Para eles o estudo do comportamento humano deveria abarcar aspectos mais globais. Nas investigações desenvolvidas sob tal abordagem, os aspectos internos da conduta foram analisados (tais como a percepção e a cogni-

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ção). Reconheceu-se a existência de operações complexas que serviam como mediadoras entre os estímulos e as respostas.

Assim como os gestaltistas, os existencialistas se opunham ao modo como o behaviorismo explicava o comportamento. Julgavam que não se levava em conta a totalidade da natureza humana, o que incluiria a sua subjetividade. Menosprezavam o conhecimento científico vigente e negavam os valores objetivos. Ressaltavam a importância da liberda-de individual. Afirmaram a consciência ontológica, ou seja, a consciên-cia de ser (MAY, 1976; LURIA, 1990).

O existencialismo constituiu-se em um movimento filosófico euro-peu, que se estabeleceu especialmente após a Segunda Guerra Mundial. Tal escola de pensamento foi iniciada no século XVIII pelo filósofo so-cial e político franco-suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Ele jul-gava que a exaltação da razão tinha negligenciado a natureza verdadeira do homem, que transcendia todas as fórmulas abstratas. Argumentou que o homem sofria em função das sofisticadas corrupções da civilização, que o alienavam de sua condição natural (boa). A questão central de sua obra estava nas discussões sobre como conciliar a singularidade do indi-víduo com as exigências da sociedade (ROUSSEAU, 1991; TARNAS, 1993). As ideias de Rousseau deram início a uma corrente na cultura oci-dental que levaria primeiro ao romantismo e, depois, ao existencialismo.

Dentre os existencialistas, destaca-se o filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), cujos escritos refletiam a crise da cultura mo-derna. Em oposição à análise experimental do mundo objetivo, como conduzida pelos racionalistas, ele se propunha a pensar o humano em sua ambiguidade, complexidade e suas diversas dimensões (HEIDEGGER, 1991; WERLE, 2007).

Tanto a Gestalt, quanto o Existencialismo sofreram a influência da fenomenologia do matemático e filósofo Edmund Gustav Albrecht Husserl (1859-1938), que nasceu onde é hoje a República Tcheca. Ela surgiu como um apelo à experiência pessoal nas operações mentais. Na fenomenologia buscou-se experimentar o fenômeno tal qual ele se apre-sentava em sua realidade, sem a mediação dos conceitos. Neste enfo-

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que, o interesse achava-se concentrado sobre o ser e o mundo vivo da experiência humana. Dedicou-se especial atenção à descrição dos fe-nômenos tais como eles pareciam, sem qualquer pressuposto de como eles seriam de verdade (MAY, 1976; TARNAS, 1993). Nele utilizou-se, como método, a descrição da experiência enquanto ela ocorria, como anteriormente Göethe já havia antecipado (JORDAN, 1993; WERLE, 2003; MAINBERGER, 2010).

Além de Husserl, o filólogo e filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900) foi um crítico da cultura de sua época e também foi um dos pioneiros do existencialismo. Ele expressou o paradigma da posição romântica. Afirmou que não existiriam fatos ou conhecimentos reais, mas interpretações. Cada modo de se ver o mundo seria o produ-to de impulsos não revelados. Haveria uma pluralidade de perspectivas, através das quais o mundo poderia ser explicado. Para ele, a verdade não poderia ser provada ou refutada, mas criada. Ele desconstruiu os valo-res ocidentais: atacou a ciência, a razão e a organização social moderna. Foi um profeta da pós-modernidade (STEVENSON, 1976; MAY, 1976; NIETZSCHE, 1991a; NIETZSCHE, 1991b; DURANT, 1996; SANTOS, 2006; MARÇAL, 2009).

Ao final do século XVIII e ao longo do século XIX, iniciou-se a discussão sobre o papel e as limitações da razão humana. Tais debates críticos, sobre o excessivo predomínio da racionalidade em várias áre-as do saber, abalaram a confiança que, até então, se tinha no método da ciência. Tais questionamentos desencadearam uma crise, que culminou com um ponto de mudança nos rumos da cultura e ciência ocidentais modernas e levou à pós-modernidade. Questionou-se a dicotomia en-tre doenças físicas e psíquicas, como se elas se diferenciassem quanto à sua natureza. O ser humano foi decomposto ao nível molecular e na era Pós-Moderna, resgatou-se a sua unidade funcional somato-psíquica ou a sua integralidade ou ainda, a sua unicidade.

A década de 1950 é considerada como um marco na inauguração da Pós-modernidade. Como definida por Tarnas (2003, p. 409), “a era pós-moderna é uma era sem consenso sobre a natureza da realidade”.

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INTRODUÇÃO HISTÓRICA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE MENTE E CÉREBRO - 89

Neste período, prevalece na ciência o pluralismo da verdade, como tam-bém, a confluência de diversas abordagens teóricas. Surge uma corrente eclética do pensamento, em que várias abordagens são aproximadas. A ciência pós-moderna caracteriza-se como do contraditório, do parado-xal e do instável. O conhecimento humano é radicalmente interpretativo e nenhuma interpretação é final. A sociedade pós-moderna está saturada pela informação e se apresenta fragmentada. A realidade é transforma-da em signo, em um simulacro que “faz o real parecer mais real, dá-lhe uma aparência desejável” (SANTOS, 2006, p. 97). A questão que se co-loca é como se conceber um novo conjunto de premissas e métodos, que possam ser úteis para abordar a complexidade e multiplicidade de realidades humanas, com as quais o cientista pós-moderno se confron-ta atualmente, sem reduzi-las ou suprimi-las? Do mesmo modo, de que forma se pode alcançar uma coerência frutífera e autêntica a partir da fragmentação? A partir do paradigma pós-moderno se alcança a consci-ência de que a realidade é múltipla e temporal, sem nenhuma base que possa demonstrá-la (TARNAS, 1993). Vive-se uma era de incertezas, mas também de fertilidade para o aparecimento de novas perspectivas e possibilidades que se abrem para o futuro (SANTOS, 2006; ALMEIDA FILHO, 2007; MOREIRA-ALMEIDA, 2013). Na concepção pós-mo-dernista está implícita a ideia de que a cognição humana é mediada, si-tuada e contextual, especialmente em razão da noção de plasticidade cerebral (MUSZKAT, 2006).

Desde a década de 1950 a corrente do estruturalismo predominou nas ciências humanas, sob a forte influência das concepções vinda do campo da linguística, semiologia e semiótica. Durante a década de 1960, o filósofo argelino, Jacques Derrida (1930-2004) concebeu o conceito de desconstrução. Ele atacou o que denominou de logocentrismo oci-dental: o predomínio da razão e da palavra, que acaba com as diferen-ças entre objetos reais (porque estes são reduzidos a meros conceitos). Também criticou o modo como as identidades individuais são descon-sideradas (SANTOS, 2006).

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Na década de 1960, o médico, neurobiólogo e neurocientista austra-liano, John Carew Eccles (1903-1997), que tinha interesse por filosofia, se dedicou a investigar as relações entre mente e cérebro. Ele apresen-tou uma concepção controversa a este respeito. Criticamente sustentou que se superestimava a importância do cérebro. Também afirmou que a mente seria um produto do cérebro que, posteriormente, se separaria dele. Para ele, haveria uma mente independente do cérebro. No entanto, ela se encontraria a ele relacionada, para interagir com o mundo físico. A mente se caracterizaria por sua capacidade de integrar em uma unida-de, de forma consciente, os processos neurais do cérebro com sua ação sobre este (ECCLES, 1989, 1995). Fundamentou-se no modelo dos três mundos do filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994), que foi um crí-tico da teoria evolucionista de Darwin e sustentava que a interface en-tre corpo e mente se refletiria na consciência humana (PENNA, 2006). Eccles buscou dar ao modelo filosófico de Popper uma sustentação neu-robiológica. Defendeu o trialismo entre cérebro e mente. Considerava-se um interacionista trialista (ECCLES, 1989, 1995).

Eccles (1989) aceitou a ambivalência da realidade e argumentou a favor da possibilidade de haver uma influência mental que atuaria sobre o funcionamento neural, ou seja, acontecimentos mentais atuariam sobre o cérebro. No modelo explicativo adotado por ele, existiriam três Mundos: Mundo 1, Mundo 2 e Mundo 3 (ECCLES, 1989, 1995). Eles abordariam todos os aspectos existentes relacionados à experiência. O primeiro se-ria aquele dos objetos materiais e estados físicos. Nele se encontrariam o universo da matéria e da energia, da biologia bem como todos os instru-mentos criados pela cultura humana (do extrativismo até a produção de livros e criação da arte). Neste, só se reconheceria o que tivesse existên-cia física. O segundo seria o dos estados de consciência e de todos os co-nhecimentos subjetivos (da percepção à imaginação), entre os quais: as emoções, os sonhos e a criação. No centro do Mundo 2 estaria o eu ou ego, a base da unidade do indivíduo. Avaliava que a maioria dos modelos de explicações sobre a relação entre mente e cérebro (dualistas, monistas ou interacionistas) restringiam os seus enfoques com questões relativas

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aos Mundos 1 e 2. Por isso, um terceiro Mundo foi proposto, na tentativa de enfrentar e resolver tal problema. O Mundo 3 seria o da cultura, criado pelo ser humano e que “reciprocamente faz homens” (ECCLES, 1989, p. 204). A linguagem, os meios de comunicação, a herança cultural codifi-cada e os sistemas teóricos se achariam neste Mundo da civilização. Os animais não teriam acesso a ele (ECCLES, 1989, 1995).

Eccles (1989) considerou que a ligação entre cérebro e mente se processaria no Mundo 2, pelo eu ou ego, que dirigiria todo o desempe-nho cerebral e receberia o resultado cumulativo e integrado de um su-posto cérebro de ligação. Tal cérebro ainda seria desconhecido e nada se conheceria a seu respeito. Para superar as noções tradicionais sobre as interfaces entre mente e cérebro, ele hipotetizou que acontecimentos mentais, gerados internamente, seriam capazes de excitar fortemente neurônios de áreas particulares do cérebro (de ligação). Eccles (1989) julgava que a mente não poderia ser reduzida a seu aspecto material. Neste sentido, ele se perguntou se seria possível a mente produzir trans-formações físicas sobre o cérebro. Para responder a esta questão, ele tomou como base o princípio da incerteza de Heisenberg e a noção de campo de probabilidade da física quântica (em que um campo estrita-mente físico é também imaterial). Ele concebeu a ideia de que “a con-centração mental envolvida em intenções ou no pensamento planejado” (ECCLES, 1989, p. 288) poderia causar atividade neural e denominou tal processo de exocitose.

Esperava que um dia a ciência aceitasse o fato de que eventos men-tais poderiam atuar sobre o cérebro. Explicou teologicamente que, em razão de sua origem divina, cada alma seria implantada no feto em cres-cimento entre o momento da concepção e do nascimento. Chegou mes-mo a afirmar: “sou obrigado a atribuir a singularidade do eu ou alma a uma criação espiritual sobrenatural” (Ibid., p. 363). Apesar de ter sido um dos mais respeitados neurocientistas de sua época e de ser ganha-dor do Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1963, por seu traba-lho sobre a transmissão neuronal (sinapses), juntamente com Hodgkin e Huxley, o polêmico Eccles sofreu duras críticas e rejeição da comu-

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nidade científica por suas explicações metafísicas sobre a relação men-te e cérebro. Posteriormente, Luria (1973) abordará a origem da mente como exterior ao cérebro, com base na abordagem sócio-histórica21 de Vygotsky e proporá a noção de processos extra corticais, sem se aproxi-mar da concepção de Eccles (como será explicado no capítulo 6).

Em 1818, enquanto tentava explicar a insônia, o médico alemão Johan Christian August Heingroth (1773-1843) empregou pela primei-ra vez a palavra psicossomática. Julgava que a etiologia das doenças fí-sicas e mentais devia-se às dores da alma, ou seja, resultariam de uma etiologia psicológica (CASTRO; ANDRADE; MULLER, 2006). O sur-gimento da psicossomática representou o resgate de uma abordagem ho-lística. Com ela, fatores biológicos e psicológicos foram integrados de modo multidisciplinar. Entretanto, a ênfase na causa psicológica é, aos poucos, substituída por uma tendência etiológica multifatorial.

O endocrinologista húngaro Hans Hugo Bruno Selye (1907-1982) conceituou o “stress” (estresse) como o conjunto de sintomas resultan-tes de uma reação de adaptação geral. Com o conceito de homeostase proposto pelo fisiologista americano Walter Bradford Cannon (1871-1945) em 1929, reiterou-se a concepção holística que ressurgia. De acor-do com ele, o organismo físico poderia ser perturbado em sua unidade por qualquer tipo de fator, inclusive o psicossocial. Em 1981, o psicólo-go experimental americano Robert Ader (1932-2011) publicou um arti-go com o título de “Psychoneuroimunology” (Psiconeuroimunologia) e estabeleceu as bases para as relações entre o psiquismo, o sistema ner-voso central e o sistema imunológico. Ele demonstrou como o sistema imunológico seria afetado pelos processos psicológicos e sustentou que o estresse poderia agravar doenças físicas (Ibid).

21 A abordagem teórica de Vygotsky é conhecida no Brasil por dois nomes: psicologia sócio-histórica ou psicologia histórico-cultural. Tal fato tem relação com o modo como o nome original russo foi traduzido para as línguas inglesa ou portuguesa. Posteriormente, estes termos foram associados a grupos de estudo e/ou de investigação brasileiros, diferenciados, que deram preferência ao uso de um ou de outro na publicação de seus trabalhos.

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Historicamente a ciência se encontrava em um caos de interpreta-ções valiosas, mas incompatíveis. A solução do impasse ainda prevalecia sem solução à vista. Foi nesse contexto tão diversificado que a neuroci-ência surgiu, em resposta às inquietações da ciência pós-moderna: como uma interface entre várias disciplinas ou ainda como um campo multi-profissional de atuação interdisciplinar.

De um modo geral, na neurociência se investigam as relações en-tre o sistema nervoso com a fisiologia do organismo. Ela é o estudo do sistema nervoso, a partir de diferentes perspectivas, dentre as quais, a da relação entre mente e cérebro. Nela são enfatizados os trabalhos so-bre as capacidades mentais superiores, tais como: linguagem, memó-ria, aprendizagem e autoconsciência. Também se estudam os processos patológicos do sistema nervoso e suas repercussões sobre o organismo (LENT, 2005; RODRIGUES, CIASCA, 2010; FIX VENTURA, 2010).

O desenvolvimento da neurociência levou à superação do dualis-mo entre mente e cérebro. De fato, a noção de multidisciplinaridade é central em neurociência. Tal conceito busca superar a ideia reducionis-ta concebida por Descartes, de fragmentação do objeto de estudo da ci-ência e de ênfase na especialização do cientista. Um novo paradigma emergiu com o surgimento de novos campos disciplinares, como os da ciência da informação e da cibernética, entre outros. A prática científi-ca nestes campos resultou na produção de objetos radicalmente novos. A complexidade destas novas realidades tornou obsoletos os modelos científicos pautados na subdivisão do conhecimento científico em dis-ciplinas distintas e na valorização da simplificação de seu objeto de es-tudo. Fez-se necessário repensar-se a abordagem analítica, que reduzia tal objeto em seus componentes básicos. Neste novo modelo, deve-se “respeitar a complexidade inerente aos processos concretos da natureza, da sociedade e da história, em busca de sua essencialidade” (ALMEIDA FILHO, 2007, p. 34).

Os conhecimentos que deram origem à neurociência começaram a se estruturar em meados do século XIX, com os trabalhos de neuroa-natomistas, que analisavam a forma do cérebro, a sua estrutura celular e

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seus circuitos neurais; de neuroquímicos, que tentavam compreender a composição química do cérebro (composto por lipídeos e proteínas); de neurofisiólogos, que buscavam explicar as suas propriedades bioelétri-cas; de psicólogos bem como, posteriormente, de neuropsicólogos, que discutiam de que forma a base neural do comportamento e da cognição humana estaria organizada. Entretanto, alguns críticos argumentam que a neurociência contemporânea tem contribuído para a radicalização de uma perspectiva materialista, que sempre foi predominante nas ciências naturais ocidentais, ou seja, a posição de se reduzir a experiência sub-jetiva humana às suas estruturas neurológicas (ARAÚJO, 2013). Mas, como colocado por Muszkat (2006), as teorias neurológicas se funda-mentaram em concepções ideológicas sobre o cérebro, que se transfor-maram ao longo do tempo. Das noções primitivas sobre a energia vital armazenada nos ventrículos cerebrais, ao cérebro mecânico como má-quina, à ideia deste órgão como a metáfora de todos os centros da vida psíquica e do comportamento humano, à analogia com o computador, se chegará à aceitação de uma relação dialética entre o binômio cérebro e meio ambiente. A compreensão de que o desenvolvimento do substra-to neurológico depende de sua contextualização, frente a um mundo em constante transformação, demandará uma revisão das noções de limite, certeza, precisão ou ainda de verdade da ciência.

Na área da própria Física moderna tem-se demonstrado o quão complexo é definir-se o que é realmente a matéria. Araújo (2013) sus-tenta que o materialismo não é uma teoria científica e também não se constitui em um resultado lógico do método científico. Ainda confor-me este autor há respeitados cientistas que criticam o materialismo na ciência ou o veem até como um obstáculo em seu progresso. Na ciên-cia se deveria estimular-se sempre uma observação crítica da realidade e não a assimilação acrítica de um método. Tais questões serão retoma-das em meados da década de 1970, quando grupos de médicos discutirão e aceitarão a existência da relação entre estilo de vida e saúde. Também questionarão a sua prática essencialmente voltada para o tratamento das doenças e seus sintomas. Eles constatarão a necessidade de se instituir

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um modelo preventivo e humanizado na medicina ocidental, o que leva-rá a uma nova forma de se compreender a doença e o ser humano, a par-tir de uma perspectiva biopsicossocial (MOYERS, 1995; AMIRALIAN et al., 2000; FARIAS, BUCHALLA, 2005).

Neste sentido, desde as décadas de 1940 e 1950, se estruturarão as bases do paradigma da complexidade, quando a mente ser tornará um ob-jeto empírico da ciência. Durante a década de 1960, o antropólogo, soció-logo e filósofo francês Edgar Morin (1921-) tomou da Cibernética o termo complexidade e o integrou ao seu trabalho teórico, em oposição às cor-rentes de pensamento reducionistas ou lineares. Com ele Morin enfatizou “as relações e dependências multidimensionais de todos os saberes, tais como a biologia, a antropologia, a sociologia e a física”´(PETRAGLIA, 2000, p. 10). Com a teoria da complexidade, modelos homeostáticos se-rão combinados com os da cibernética (KOVÁCS, 1997). Nela se propo-rão modelos caóticos para se explicar os processos mentais complexos.

Foi somente na metade da década de 1960 que o campo da neu-rociência se consolidou, a partir da convergência de diversas áreas do conhecimento, que anteriormente se encontravam isoladas. A emergên-cia de uma nova era, em que se começou a atuar de modo colaborativo, foi resultado do esforço conjunto de diversos cientistas que comparti-lharam de linguagem, métodos e interesses comuns. Dentre estes profis-sionais podem-se distinguir dois grupos principais: os neurocientistas e os profissionais de saúde (LENT, 2005). Os primeiros são aqueles que se dedicam à pesquisa nesta área (biólogos, fisiologistas, histologistas, neurologistas, dentre outros). Os segundos compõem o grupo dos que buscam manter, recuperar ou reabilitar funções neurais comprometidas (médicos, neurocirurgiões, psiquiatras, neuropsicólogos, fonoaudiólo-gos, dentre outros). Outros profissionais também têm integrado estes trabalhos: engenheiros, programadores de computador, designers, peda-gogos, educadores, entre outros. Todos contribuíram para o surgimento de novas tecnologias, instrumentos e materiais que pudessem auxiliar na recuperação, manutenção ou melhoria da qualidade de vida dos in-divíduos que sofrem com doenças neurodegenerativas, transtornos neu-

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rológicos e mentais. O desejo coletivo de se conhecer o funcionamento do cérebro e das estruturas que o sustentam resultou em uma das áreas de maior desenvolvimento científico (FIX VENTURA, 2010). Como referido por Squire et al. (2013), 1.100 cientistas compareceram ao “1º Encontro Anual da Sociedade de Neurociência”, organizado em 1971. Em 2010, o número de participantes no mesmo evento era de 31.500.

Quanto ao Brasil, durante a década de 1940, produziram-se os pri-meiros estudos sobre o cérebro e o organismo. Atualmente, a Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC), que foi fundada em 1977, reúne os trabalhos científicos brasileiros da área. Em 2008 re-alizou-se o I Congresso de Neurociência Latino-Americano, Caribenho e Ibérico (NEUROLATAM) no Rio de Janeiro. Desde este ano, o pe-riódico “Psychology and Neuroscience” (Psicologia e Neurociência) é publicado. Em 2009 criou-se o Instituto Brasileiro de Neurociências e Comportamento. A área da neurociência brasileira tem se destacado no cenário internacional em relação à sua produtividade científica (FIX VENTURA, 2010).

A neurociência é uma ciência da natureza e integra as ciências fí-sicas (JACOB, 1998). Kovács (1997, p. 11) define a neurociência como “a ciência do sistema nervoso”. Ela também pode ser entendida como o estudo da relação entre circuitos neurais e funções mentais (CASTRO; LANDEIRA-FERNANDEZ, 2011). Lent (2005) descreve a neuroci-ência como um campo de conhecimento comum, que reúne diferentes perspectivas sobre o estudo do sistema nervoso. Por isso, denomina as suas diversas especialidades pelo termo: neurociências. Dentre as neu-rociências destacam-se desde a neurociência molecular (que investiga o sistema nervoso no nível de suas moléculas); a neurociência celular (que aborda os aspectos estruturais e funcionais das células nervosas); a neurociência comportamental (que pesquisa como comportamentos e fenômenos psicológicos são produzidos); a neurociência cognitiva (que trata das funções cognitivas humanas) como também a neuropsicologia (sobre a qual se tratará no capítulo 6), entre outras.

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Pinel (2005) também afirma que a neurociência se compõe da in-ter-relação de diferentes disciplinas, dentre elas a biopsicologia, que ele define como o estudo científico da biologia do comportamento. Ela tam-bém é conhecida como: psicobiologia, neurociência comportamental ou biologia comportamental. Este autor explica a neurociência cogniti-va como um dos ramos da biopsicologia, em que se busca compreender quais as áreas cerebrais que se acham associadas com os processos cog-nitivos mais complexos, por meio do uso de tecnologias de neuroima-gens. Para ele, a neuropsicologia integra a biopsicologia.

Para Teixeira (2000), a neurociência constitui o estudo da base fí-sica dos estados mentais. Squire et al. (2013), consideram a neurociên-cia como a disciplina em que se estuda o sistema nervoso e também as bases biológicas do comportamento, a partir de um conjunto multidis-ciplinar de ciências. Imbert (1998, p. 56), afirma que o termo neuroci-ência é um neologismo, que “traduz bem o caráter multidisciplinar das ciências do cérebro”, em que o complexo mente/cérebro é abordado com relação ao seu aspecto material.

De que modo atribuir aos estados mentais uma descrição física? A diversidade de definições da neurociência demonstra como ainda não se resolveu satisfatoriamente, nesta área, o maior desafio de todos os cientistas: explicar de modo definitivo a relação entre cérebro e men-te (TEIXEIRA, 2000; ZILIO, 2010). Mesmo assim, posteriormente, o corpo de conhecimentos do referido campo de saberes será de relevân-cia para a estruturação de uma nova disciplina: a ciência cognitiva. A neurociência ocupará um lugar central nela e fornecerá muitos dos co-nhecimentos sobre as relações entre cérebro e comportamento. Também indicará para os cientistas cognitivistas quais as aproximações possíveis entre cognição e suas bases biológicas.

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Capítulo 4

Relação mente e cérebro: da

crise da psicologia ao surgimento das novas tecnologias

Gomes (2007, p. 76) ressalta que, desde o início do século XIX, já “havia uma grande distância entre a reflexão filosófica sobre as ope-rações do intelecto ou da alma, e a observação médica sobre as rela-ções entre lesões cerebrais, funcionamento mental e comportamento”. No ambiente liberal e pluralista do século XIX surgiu uma forte reação às teorias biológicas da mente, ou teorias naturalistas, sob a influência do filósofo alemão Franz Brentano (1838-1917). Com ele, uma mudan-ça será provocada nos rumos da ciência psicológica (TARNAS, 1993; TEIXEIRA, 2000).

Brentano propôs uma psicologia da mente em funcionamento, sob um enfoque holístico, em oposição ao enfoque elementar de Wundt (O’NEIL, 1969; VIEIRA, 1998). Ele sustentava que os estados mentais seriam representações de coisas no mundo e que sempre implicariam em objetos exteriores ao sujeito. Por isso, o mental não poderia ser redutí-vel a qualquer substrato físico, já que o conteúdo mental estaria sempre direcionado para fora do indivíduo, de modo intencional. Ele argumen-tava que a característica essencial do mental seria a intencionalidade (O’NEIL, 1969; TEIXEIRA, 2000).

No entanto, no final do século XIX e início do século XX, as abor-dagens psicológicas se achavam divididas em relação ao seu objeto de estudo e ao método para estudá-lo. Por um lado, havia uma tendência idealista, em que o psiquismo era descrito e não explicado, o que excluía

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a psicologia do campo científico. Por outro lado, existia uma corrente cientificista e materialista, em que os aspectos subjetivos da psique hu-mana eram desconsiderados. Em sua explicação eles eram reduzidos a aspectos físicos. O mental não teria existência independente.

Uma vez que o estudo do ser humano situa a psicologia nos limites das ciências biológicas e das ciências sociais, tal situação foi caracteri-zada como uma crise e suscitou debates sobre o método a se adotar no estudo dos fenômenos psicológicos (VIGOTSKI, 1999e; LURIA, 2001; PESSOA JR., 2006; MOLON, 2011). Como, a partir do início do século XX o modelo médico (das ciências naturais) já não se mostrava o mais adequado, a resolução do impasse que surgiu no seio da psicologia será inspirada por contribuições vindas de fora de seus limites, como as da antropologia, linguística e das ciências sociais, entre outras.

Desde as primeiras especulações sobre as relações entre mente e cérebro, observaram-se duas fortes tendências: a gnose e o éthos. Na primeira, o foco se concentra sobre a tentativa de se compreender a ati-vidade de se conhecer, ou seja, o que acontece com aquele que conhe-ce, com os demais e com o seu ambiente. Neste caso, pressupõe-se que o indivíduo domine um código, por meio do qual se comunique com os outros (a linguagem); que compartilhe experiências com eles (a apren-dizagem) e que também saiba agir de acordo com as normas deste de-terminado grupo social (o autocontrole). Como consequência, deve-se explicar como se dá o conhecimento e de que modo ele orienta o au-tocontrole. No caso da segunda, a ênfase é sobre o contexto em que a ação de conhecer se manifesta. Neste ambiente cultural estabelecem-se as regras que podem se confrontar com o comportamento daquele que conhece ou, pelo contrário, o agente conhecedor pode se opor a elas por meio de seu comportamento. A noção de éthos fornece os parâmetros morais de adequação ou inadequação, de normalidade ou anormalidade bem como de variações comportamentais. Na psicologia se herdará esta tradição e, por isso, na maior parte de suas abordagens teóricas moder-nas se estudará: como o indivíduo adquire o conhecimento e como ele se comporta em sociedade (GOMES, 2007).

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Desta forma, tal tradição será integrada à ciência emergente, e se constituirá em uma perspectiva mais abrangente do ser humano. Reconhecer-se-á que, além dos aspectos orgânicos, as condições histó-ricas, sociais e culturais também são capazes de transformá-lo (LURIA, 1992). Como referido por Vygotsky (1999e, p. 417), ao propor uma so-lução para a crise da psicologia: não “queremos diferenciar nossa esco-la da ciência, mas esta do não científico, a psicologia da não psicologia. Esta psicologia de que falamos ainda não existe: terá de ser criada e não por uma só escola”. Ainda segundo o mesmo autor, a nova psicologia seria caracterizada como “a última ciência do período histórico da hu-manidade ou a ciência da pré-história dessa humanidade” (Ibid, p. 417).

O desenvolvimento histórico era uma das ideias fundamentais na obra do filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Tal desenvolvimento era compreendido como uma sucessão temporal de estágios, em que o atual, preparado pelo anterior, constituía o seguinte. Com base na dialética (um processo contínuo e evolutivo de oposição e síntese), ele revelou a importância da história para a compreensão do ho-mem. De acordo com sua concepção, todas as dimensões da existência estavam dialeticamente integradas em uma única totalidade. Desta for-ma, todos os opostos seriam logicamente necessários e elementos mu-tuamente implicados na verdade maior que, por isso, seria radicalmente paradoxal. Apesar de criticado, Hegel influenciará a psicologia profun-da, particularmente a psicanálise freudiana, como também a formação intelectual de Vygotsky (STEVENSON, 1976; TARNAS, 1993; BOCK, FURTADO, TEIXEIRA, 2001; MOLON, 2011).

A partir dos trabalhos sobre filosofia política, que foram desenvol-vidos em parceria pelos filósofos alemães Friedrich Engels (1820-1895) e, o também sociólogo, Karl Heinrich Marx (1818-1883) – que em 1848 lançaram o “Manifesto comunista” – um novo sistema de ideias econô-micas e políticas se estabeleceu: o Marxismo. Nele, a noção central era a de que os modos de produção da sociedade determinavam o seu próprio desenvolvimento. Terá grande influência sobre psicólogos russos, que adotarão a concepção de um ser humano historicamente determinado.

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Engels enfatizava que o homem não era influenciado apenas pelas condições naturais, mas que, por meio de instrumentos, tinha a possibili-dade de transformar a natureza. Por ser essencialmente social, o homem se distinguia dos animais por sua capacidade de produzir os próprios meios de subsistência. Marx – um discípulo de Hegel e também admi-rador de Bacon – sustentava que o indivíduo era determinado pelas con-dições materiais de sua vida, ou seja, pela sociedade em que vivia. Para ele a atividade mental humana, compreendida como produto da histó-ria social dos indivíduos, se encontrava em constante mudança e movi-mento. De acordo com Marx, a prática coletiva que se desenvolvia em dada sociedade determinava a ação e as estruturas dos processos mentais (STEVENSON, 1976; LURIA, 1990; MARX, 1991; GALVÃO, 2007; MARÇAL, 2009). Marx acreditava que a consciência humana não se-ria racional e que as complexas causas que a determinavam, não pode-riam ser totalmente conhecidas. Estes dois autores serão de fundamental importância para a proposição do método do materialismo histórico e dialético da abordagem sócio-histórica (VIGOTSKI, 1999e).

A importância dos aspectos sociais também foi destacada pelo te-órico social francês Emile Durkheim (1858-1917), por uma perspectiva mais limitada do que a de Marx. Durkheim não aceitava a teoria evolu-cionista de Darwin como base para a compreensão da mente humana. Também se opunha a qualquer relação entre processos mentais e mani-festação da vida espiritual do ser humano. Ele afirmou que os processos básicos da mente se originariam a partir da sociedade e que, por isso, deveriam ser explicados sob o enfoque social. No entanto, tal autor re-duzia este enfoque apenas aos aspectos referentes às representações co-letivas, sem considerar os fatores socioeconômicos; ou seja, estudava os determinantes sociais do comportamento que mantinham as pessoas em sociedade, tais como: deveres, leis e costumes (LURIA, 1990). Tal visão foi também compartilhada por Lévy-Bruhl, que (como Durkheim) pertencia à escola francesa de sociologia.

Na década de 1920, Lucien Lévy-Bruhl (1857-1939) influenciou aqueles que se dedicavam ao estudo da mente humana, com suas investi-

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gações sobre sociedades primitivas, quando publicou o livro: “Les fonc-tions mentales dans les sociétés inférieures” (As funções mentais em sociedades inferiores). Ele acreditava que nos povos primitivos o pen-samento lógico não havia se desenvolvido, e que predominava um tipo de pensamento mágico, pré-lógico, que ele designou com o nome de “participation mystique” (participação mística ou identidade mística). O indivíduo não seria capaz de fazer uma distinção racional entre sujei-to e objeto, por compartilhar de uma identidade coletiva com o seu gru-po social. Estabeleceu uma analogia entre o pensamento infantil e o do homem primitivo. Julgava que na criança predominaria o mesmo pen-samento do tipo pré-lógico ou mágico (WALLON, 1995; VYGOTSKY, LURIA, 1996; VIGOTSKI, 2000; LURIA, 2001; VIGOTSKI, 2001; LÉVY-BRUHL, 2014).

James Mark Baldwin (1861-1934) também abordou o papel dos fatores sociais sobre o desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Ele hipotetizou a existência de estágios. Sugeriu que crianças progrediriam de um estágio em que as relações com o ambiente físico seriam domi-nantes para o pensamento – denominado de estágio sensório-motor – até alcançarem níveis de pensamento lógico, em estágios: quase lógico, ló-gico e hiper-lógico (O’NEIL, 1969; SIEGLER, 1991). Piaget (que será abordado adiante neste mesmo capítulo) também adotará em sua teo-ria esta concepção linear e sequencial de desenvolvimento (PAPALIA; OLDS; FELDMAN, 2006).

O antropólogo e linguista americano, Edward Sapir (1884-1939), se interessou pelo estudo da relação entre linguagem e cultura. Propôs que a percepção que se tem da realidade é afetada pela linguagem que a articula, tanto quanto a linguagem é dominada por esta mesma realida-de, que é uma realidade conceitualizada (CUNHA, 2012).

Entre as décadas de 1950 e 1960, o filósofo, antropólogo e soció-logo belga Claude Lévi-Strauss (1908-2009), que considerava a antropo-logia como uma psicologia, estabeleceu a relação entre cultura e mente humana. Ele observou diversos fenômenos linguísticos, nas mais distin-tas sociedades e os explicou como expressões da mente humana. Esta

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teria características comuns que se manifestariam conforme as diferen-tes culturas (STERNBERG, 2000; DESCOLA, 2009).

Nas décadas iniciais do século XX uma profunda crise se instalou na ciência (especificamente entre as ciências humanas) e também na fi-losofia (MERLEAU-PONTY, 1973). Por outro lado, novas possibilida-des de compreensão da relação entre mente e cérebro surgiram. Ao redor da segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra Mundial (a partir da década de 1950) novos aspectos serão adicionados à equação epistemológica da ciência moderna e se constituirão em seus fundamen-tos lógicos, ou seja, em seus princípios e hipóteses. Diversas transfor-mações ocorrerão nas sociedades avançadas e nas ciências: instala-se a era Pós-moderna.

O filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), expo-ente do Existencialismo do pós-guerra, rejeitou um dos mais importan-tes pilares da Psicanálise: o pressuposto de que há causas inconscientes que determinam os fenômenos psicológicos. Para ele, todos os aspectos da vida mental seriam intencionais e, portanto, a sua característica es-sencial seria a consciência (STEVENSON, 1976). Sartre sustentava que cada indivíduo teria total independência para agir de acordo com o que ele é. Não haveria regra social comum. A moral e o valor estariam em sua própria maneira de ser. Diferentemente do que supunha Descartes, para Sartre o “cogito” do indivíduo seria a “existência concreta no mundo e, portanto, a certeza que ele tem de si mesmo é anterior ao pensamento e implicada em todo o ato” (MARÇAL, 2009, p. 612).

No final da década de 1950, que marca o início da Era Pós-Moderna, o filósofo alemão Herbert Marcuse (1889-1979) buscou sin-tetizar as ideias de Freud e Marx, com a publicação de uma obra que foi traduzida para o português com o título de: “Eros e civilização”. Combinou a crítica marxista da sociedade capitalista com os novos de-senvolvimentos filosóficos e disciplinas como a psicologia (SANTOS, 2006; CARNEIRO, 2008; CARNEIRO, 2014). Este ecletismo predo-minará em várias áreas do saber e da cultura. A tentativa de integração dos múltiplos campos do conhecimento humano, a busca por se unificar

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o que é complexo e multifacetado, a constatação da impossibilidade de uma síntese, marcará a época que atualmente ainda se encontra em curso.

O filósofo e físico americano Thomas S. Kuhn (1922-1996) publi-cou em 1962 uma obra que revolucionou as questões filosóficas sobre o modelo positivista de ciência: “A estrutura das revoluções científicas”. Nela, propôs uma nova concepção de ciência e deu à história um va-lor epistemológico. Kuhn criticou o modo linear e cumulativo como se considerava, até então, a produção do conhecimento científico. Também rejeitou a filosofia empirista e indutiva da ciência. Descreveu três dis-tintos períodos de evolução da ciência: o de pré-ciência, o da ciência normal e o de crise ou das revoluções científicas. O primeiro é anterior ao surgimento de um paradigma. Nele há uma competição entre abor-dagens divergentes de uma mesma área do conhecimento, tanto teóri-ca quanto epistemologicamente. No segundo, observa-se a aceitação da comunidade científica a um determinado paradigma, que tem sua cre-dibilidade inquestionável. O terceiro é a consequência natural do fato de que, na ciência normal, alguns problemas teóricos ou experimentais de importância em um determinado campo de conhecimento, parecem não resolvidos adequadamente, com o paradigma que foi coletivamen-te adotado. Neste último, surge o que pode ser caracterizada como uma crise. Entretanto, o avanço tecnológico e novas descobertas também produzem fatos novos e não previstos pela ciência normal, que a levam a um novo progresso. Por isso, Kuhn considerou que a evolução da ci-ência seria descontínua. Desta forma, quando uma revolução (ou crise) se instala, um exame crítico do paradigma até então em vigor se impõe e, assim, outro paradigma surge e se rivaliza com o anterior. Em suma, para Kuhn, o desenvolvimento da ciência se faz por meio de sequências de períodos de ciência normal, que sempre são alternados por outros de revolução. Esta se caracteriza por profundas mudanças conceituais. As concepções kuhnianas foram duramente combatidas. Os seus adver-sários criticaram o fato de ele ignorar a divergência e o espírito crítico dentro da ciência; de deixar espaço para se tratar questões metafísicas como ciência; como também de desconsiderar o paradigma da raciona-

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lidade científica, entre outros. Mas, em certo sentido, Kuhn se mostrava em sintonia com a pós-modernidade, que se anunciava como uma era de distensão (PEDUZZI, 2006; MENDONÇA, 2012).

Em um artigo científico de 1953, o médico, político e psicólo-go francês Henri Wallon (1879-1962) afirmou que as “necessidades do organismo e as exigências sociais são os dois pólos entre os quais se manifesta a actividade22 do homem” (WALLON, 1973b, p. 109). As pri-meiras são compartilhadas com os demais animais, e as segundas, são especificamente humanas. Neste sentido, de acordo com ele, é a lingua-gem que distingue o ser humano dos demais seres vivos. Com base no pensamento dialético, entende que a relação entre cérebro e mente não comporta explicações reducionistas ou monistas. Sustenta que a ativi-dade mental depende de um aparato biológico, que não a determina. No entanto, por outro lado, na ocorrência de uma lesão cerebral, a ativida-de mental fica comprometida. Também afirma que tanto o desenvolvi-mento biológico quanto o social são interdependentes. Em sua obra, o biológico e o social não se dissociam. O meio social é de fundamental importância para o desenvolvimento das atividades mentais. Ressalta o papel da emoção, tanto como um fato fisiológico quanto como um fato social. Fisiologicamente ela se manifesta por meio de reações motoras e físicas; socialmente, ela representa um comportamento primitivo de adaptação. De acordo com este autor, a emoção é uma manifestação lin-guística, comunicativa e social, que surge antes mesmo do aparecimento da linguagem. Neste sentido, discordava da noção de que a linguagem fosse biologicamente determinada (WALLON, 1989; 1995).

Já, o linguista e filósofo americano Avram Noam Chomsky (nasci-do em 1928) sustentará que o indivíduo já nasce biologicamente provido de uma gramática universal. Na década de 1960, contestará as posições sustentadas por Skinner, quanto à linguagem. Chomsky discordará da concepção de que a fala se desenvolve a partir de reforçamento ou imi-tação do comportamento. Afirmará que tal capacidade humana é inata,

22 O texto original, de onde a citação foi retirada, está grafado em português de Portugal. Por isso, na palavra atividade há um “C” entre a letra A inicial e o T.

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ou seja, geneticamente determinada. Segundo ele, a própria exposição do indivíduo com a língua, provoca o seu aprendizado. Para ele, a maturação biológica prepara o organismo para ativar no cérebro os mecanismos ne-cessários para tal desenvolvimento (MAIA, 1986; SCLIAR-CABRAL, 1991; KATO, 1993). Seu trabalho em linguística contribuirá para atrair a atenção de estudiosos para o fato de que, para que os indivíduos façam uso da linguagem, existem “representações não observáveis” (KOSSLYN, 1992, p. 172), ou seja, se pressupõe a realidade de eventos que ocorrem dentro do cérebro e não são visíveis ou observáveis. Suas contribuições serão decisivas para o desenvolvimento futuro das ciências cognitivas. Chomsky sustentará que o funcionamento normal e o patológico da mente, podem ser alcançados por meio da linguagem. Com base nela é possível se acessar tanto a mente quanto o cérebro (ALCHIERI, 2004). De acordo com Piaget (2007, p. 61), Chomsky “prestou à psicologia o serviço de fornecer uma crítica decisiva das interpretações de Skinner e de mostrar a impossibilidade de uma aprendizagem da linguagem pelos modelos behavioristas e associacionistas”. Entretanto, discordará dele quanto à relação entre linguagem e pensamento, como também o criti-cará por sua ênfase no inatismo.

A partir da segunda metade do século XIX, contribuições vindas da fenomenologia, do existencialismo, da psicologia da Gestalt, da psi-canálise, das ciências sociais, e de outras ciências emergentes, amplia-ram o alcance e deram nova identidade para a ciência psicológica. Na tentativa de se superar a separação cartesiana entre mente e corpo, no-vos campos de conhecimento se estruturarão e novas teorias serão pro-postas. Já não se aceitará a noção de que as estruturas mentais tenham menos existência do que as estruturas do sistema nervoso. Noções, tais como mente e cérebro, serão compreendidas como conceitos definidos no âmbito de uma teoria. No bojo destas transformações, um novo cam-po de interesse surgirá: o estudo do funcionamento mental.

O matemático, biólogo, filósofo, psicólogo e pedagogo suiço Jean Piaget (1896-1980), que tinha sido aluno de Pierre Janet, concebeu uma das mais abrangentes teorias sobre a origem mental dos conhecimentos:

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a epistemologia genética (PIAGET, 2007). Sua teoria será de fundamen-tal importância para a compreensão dos fenômenos cognitivos, no cam-po da psicologia (LEFÈVRE, 1989; SIEGLER, 1991; VIEIRA, 1998). Em sua infância havia desenvolvido um grande interesse pelas áreas da biologia e da filosofia, mas, ao redor dos 20 anos, alterou o eixo de seus estudos para a da epistemologia: ele queria entender como o conheci-mento era adquirido. Buscou compreender e explicar como este evolui, desde a infância até a vida adulta, assim como os seres humanos alcan-çam uma compreensão cada vez mais objetiva da realidade (O’NEIL, 1969; YEHIA, 1987; SIEGLER, 1991; SUTHERLAND, 1996).

A presunção central de sua obra é a de que a evolução do conheci-mento é governada pelos mesmos princípios que governam a evolução das espécies: as habilidades intelectuais evoluem lenta e gradualmente, por meio de trocas com o meio físico, social, natural e cultural. O desen-volvimento ocorreria em uma sucessão hierárquica e imutável, por meio de estágios que se sucederiam uns aos outros, sendo cada um deles quali-tativamente diferente do outro. O modelo piagetiano é fundamentalmen-te biológico. Entretanto, ele não é reducionista (PIAGET, 1987, 2006).

Piaget (2006, p. 102) sustentou que a maturação do sistema ner-voso seria fundamental para o desenvolvimento mental, mas sem “as condições de experiência material ou de interação social”, ele não se-ria atualizado. Neste sentido, este autor descreveu como as funções, de organização interna e adaptação externa, combinariam na maturação e evoluiriam de reflexos ou instintos até as ações inteligentes. Tal proces-so seria ativo e se construiria a partir da relação dinâmica entre o su-jeito e o seu meio, em que ambos alternadamente se transformariam e seriam transformados.

Conforme Piaget (1987) as estruturas do conhecimento não seriam inatas. Elas evoluiriam por meio de um processo biológico de adaptação ao ambiente, que resultaria da interação constante e da tensão existente entre dois movimentos dialéticos fundamentais: acomodação e assimila-ção. De acordo com Piaget (2006, p. 15), a atividade humana consistiria “neste movimento contínuo e perpétuo de reajustamento ou equilibração”.

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A assimilação seria a capacidade de a criança absorver novas ex-periências ou conhecimentos por meio de estruturas já existentes (que não se transformariam). A mudança se daria nas experiências ou conhe-cimentos (as novas funções). Implicaria que elas seriam representadas mentalmente com base em uma compreensão prévia dos fatos (já exis-tente). Assim, o ajustamento às estruturas pré-existentes ocorreria nes-tas novas funções e durante tal processo elas seriam transformadas. Já, a acomodação, seria a capacidade de as estruturas existentes na criança se reajustarem às novas funções. Neste caso, a mudança das estruturas po-deria ser parcial ou total (com o surgimento de estruturas novas). A par-tir dos conceitos de assimilação e acomodação Piaget também formulou a noção de esquema. O esquema é um conceito complexo que abrange tanto padrões motores de comportamento quanto processos interioriza-dos de pensamento (PIAGET, 2006). Por meio de um processo de inte-riorização, os esquemas mentais se derivariam dos esquemas motores (YEHIA, 1987; SIEGLER, 1991; BEE, 1996; SUTHERLAND, 1996).

Por influência das ideias de Rousseau, introduziu uma noção re-volucionária para a sua época: a de que a criança pensaria e aprenderia de uma maneira radicalmente diferente a do adulto. Em contraste com os teóricos da aprendizagem contemporâneos a ele, se opunha à noção de que apenas o ambiente modelaria o comportamento. Piaget via o de-senvolvimento como a formação de um equilíbrio cada vez mais estável entre o sistema cognitivo da criança e o mundo externo, ou seja, o mo-delo que a criança tem sobre o mundo tenderia a cada vez mais se asse-melhar à realidade (PIAGET, 1987, 1999, 2006).

Postulou em sua teoria a existência de quatro estágios universais do desenvolvimento mental. Eles se sucederiam em uma ordem fixa: primeiro, o período sensório-motor; depois, o período pré-operacional; então, o período das operações concretas e finalmente, o período das ope-rações formais (PIAGET, 1987, 2007). Em cada fase a criança pensa-ria de uma maneira diferente àquela da fase anterior. Para Piaget (1999) a linguagem evoluiria progressivamente com o pensamento e seria es-sencial para o desenvolvimento mental, pois ela seria a manifestação

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da função simbólica que formaria o pensamento e, por sua vez, tornaria possível a aquisição da fala. Ao parodiar Descartes, Lefèvre (1989) sus-tenta que Piaget afirmaria: “Penso, logo falo”.

Vygotsky, que era contemporâneo de Piaget, atacou as suas con-cepções e tornou-se o seu principal opositor nas discussões sobre lin-guagem e pensamento. Embora compartilhasse com Piaget da noção de um organismo ativo, na aquisição do conhecimento e também defendes-se a ideia de que o desenvolvimento infantil se diferenciaria do adulto (VIGOTSKI, 2000, 2001), ele expôs o que alguns consideraram ser a alternativa mais poderosa às ideias de Piaget (SUTHERLAND, 1996). Vygotsky que, em sua breve vida, só leu as obras iniciais de Piaget e não acompanhou a evolução de sua teoria, julgou-o determinista e rejeitou a sua concepção universal de desenvolvimento e sua abordagem bioló-gica (VIGOTSKI, 2000).

O advogado e médico bielorusso Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) se opôs a uma série de concepções vigentes em sua época. Em razão da crise da psicologia clássica (do final do século XIX e início do século XX) e também da Revolução Russa, ele concebeu uma teo-ria marxista do funcionamento cognitivo, que ele denominou como psi-cologia cultural, instrumental ou histórica (LURIA, 1992). Partiu das concepções do materialismo dialético de Marx e Engels, mas suas re-flexões foram além. Aprofundou-se nas discussões sobre o surgimen-to das funções psicológicas superiores, especificamente humanas (que se desenvolveriam por meio da interação social e seriam mediadas por signos culturais) e também contribuiu para a compreensão do cérebro como um complexo sistema funcional (que se constituiria não somente com base em sua natureza biológica, mas também, reciprocamente, em sua natureza social). Suas contribuições foram de fundamental impor-tância para o surgimento da neuropsicologia russa de Luria (vide o ca-pítulo 6 deste livro).

Vygotsky (1999d, 1999e, 1999f) discordava do reducionismo ma-terialista e também das correntes idealistas subjetivistas. Propôs um método integrador, em que ambas as correntes se complementariam de

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modo dialético. Aliás, em diversos momentos de sua obra, evidencia-se esta sua posição, com relação a diversos tópicos. Diante dos impasses históricos e metodológicos que a psicologia enfrentou, ele buscou uma posição conciliatória (LURIA, 2001). Afirmou que “todas as conquis-tas, tanto da psicologia subjetiva quanto da objetiva, são incorporadas de fato pela nova formulação do problema apresentada pela psicologia dialética” (VIGOTSKI, 1999d, p. 158). Sustentou que a atividade hu-mana decorria da interação entre fatores biológicos e condições sociais. Afirmou que a linguagem era um processo ao mesmo tempo social e pessoal. Declarou que o pensamento era a internalização da linguagem social, que se tornaria pessoal. Discorreu sobre o modo como os proces-sos mentais superiores inicialmente se desenvolvem como interpessoais, mas se transformam em processos intrapessoais com o tempo. Entendeu a internalização como uma reconstrução interna de uma operação exter-na e material (VIGOTSKI, 2000).

Vygotsky (1999a, 1999c, 2000) aceitava a existência de um subs-trato físico para os processos cognitivos, mas rejeitava a noção de um paralelismo psicofísico entre cérebro e mente, assim como se opunha ao reducionismo do psíquico ao cerebral. Não desconsiderou os substratos biológicos do comportamento, mas os explicou em relação com as con-dições sociais em constante mudança (VYGOTSKY; LURIA, 1996). Para ele o cérebro seria a base material da atividade mental. Entretanto, o seu desenvolvimento estaria associado às condições culturais e histó-ricas das sociedades humanas. O fenômeno psicológico seria o resulta-do característico da existência social humana.

A perspectiva sócio-histórica de Vygotsky (2000) baseia-se no pressuposto de que as formas complexas de vida e de trabalho sociais produziram profundas mudanças no comportamento humano. A divi-são de funções para a realização de tarefas coletivas e o surgimento da comunicação entre os integrantes de um mesmo grupo social, determi-naram uma nova relação do homem com o seu meio: a mediação. Esta noção era fundamental para Vygotsky (1999a). Por outro lado, o seu es-tudo histórico e dialético implicou, necessariamente, na noção de trans-

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formação indissociável do indivíduo e da sociedade ao longo do tempo (ANDRADE; SMOLKA, 2012).

O uso de instrumentos (concretos) e de signos (abstratos) como mediadores distinguiu a espécie humana das demais espécies animais. Por meio dos primeiros, foi possível se modificar o ambiente e se criar a tecnologia. Os segundos possibilitaram que se operasse mentalmente a realidade concreta. No lugar do objeto concreto, se lidaria com o seu substituto ou o seu representante: o signo verbal ou palavra. A interação entre o ser humano e seu ambiente ocorreria por meio do uso de instru-mentos (orientados externamente) e de signos (orientados internamente), criados pela sociedade no curso da história humana. Processos psico-lógicos e sociais seriam determinados por ferramentas sociais, a partir da transformação de objetos em signos culturais. O indivíduo emprega-ria instrumentos próprios de sua cultura e de seus sistemas linguísticos, por meio dos quais novas formas de atividade surgiriam. Deste modo, as diversas formas de funcionamento cognitivo seriam o produto final dos diferentes contextos sócio-históricos e culturais que os produziriam (VYGOTSKY; LURIA, 1996).

Foi o trabalho coletivo e a linguagem verbal que estabeleceram no homem uma forma particular de lidar com a realidade: o pensamen-to abstrato. A linguagem serviu como um instrumento de transmissão de experiências e conhecimentos. Por meio dela uma nova forma de co-nhecimento se originou: o conhecimento racional. O ser humano deixou de atuar em conformidade com motivos biológicos e começou a agir em razão de necessidades sociais. Assim, ele ultrapassou os limites da ex-periência sensorial imediata. O ser humano deixou de se submeter pas-sivamente às condições de seu ambiente, em razão de sua capacidade de abstração da realidade. Neste sentido, o curso do desenvolvimento cognitivo se distanciou cada vez mais do aspecto material da realida-de imediata percebida, em direção a uma realidade conceitualizada (VIGOTSKI, 1999a, 2000).

As formas superiores de atividade consciente específicas do ser hu-mano (tais como: atenção seletiva, memorização arbitrária e pensamen-

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to lógico) não seriam produto biológico natural da evolução do cérebro, mas sim da forma material e social características da vida do ser humano (VIGOTSKI, 1999a). Por isso, Vygotsky (1999a, 2000) deu grande valor ao estudo do pensamento e da linguagem. Interessou-se pelo modo como a criança aprende a pensar. Ao contrário do que afirmava Piaget (1999), sustentava que isto se daria por meio de um processo de interiorização das atividades exteriores e sociais, que seriam incorporadas na estrutu-ra mental da própria criança, com a mediação ou emprego dos sistemas simbólicos de representação da realidade fornecidos pela sociedade.

Para Vygotsky (2000) todas as funções psicológicas superiores mais complexas se originariam das relações reais e concretas entre in-divíduos. Em contraste, as funções básicas, elementares, ou naturais, dependeriam basicamente da maturidade biológica. Para ele a vida psí-quica teria surgido ao longo da história da sociedade, a partir da ativida-de física, que no cérebro adquiriu a forma de representação da realidade (LURIA, 1979a, 1990). Segundo Vygotsky (1999a), o funcionamento mental superior seria típico da espécie humana. Somente o ser humano teria desenvolvido uma consciência, que lhe permitiu a ação voluntária, intencional assim como a liberdade de tomar decisões, que seriam ca-racterísticas de tal funcionamento (VIGOTSKI, 1999b, 1999d, 1999f).

Vygotsky sempre esteve à frente de seu tempo. Opôs-se às expli-cações dos associacionistas. Considerava que as funções psíquicas se achavam inter-relacionadas de modo peculiar. Conforme sua concep-ção, tais funções não deveriam ser estudadas isoladamente, uma vez que não seria possível se compreender uma função sem relacioná-la às demais. Também sustentava que no estudo das referidas funções, as di-mensões social e histórica tinham que ser consideradas. Para ele o sis-tema psicológico representaria uma estrutura funcional, composta pelo conjunto de conexões que se estabeleciam no cérebro entre as funções psíquicas. Julgava que as ligações mútuas que se estabeleciam entre as várias funções se transformavam ao longo do desenvolvimento infantil: de funções básicas para as mais complexas. Inicialmente elas estariam indiferenciadas. Só posteriormente adquiririam características próprias,

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sem perder a conexão com as mais primitivas. Afirmava que o nível de pensamento da criança traduziria o modo como as diferentes funções psíquicas achavam-se inter-relacionadas. Explicava o funcionamento cerebral como uma unidade complexa e dinâmica (VIGOTSKI, 1999a).

Vygotsky (também contemporâneo de Watson e de Pavlov) dis-cordava das explicações mecanicistas sobre o aprendizado, que propu-nham a associação entre estímulo e resposta. Ele aceitava que isto só se aplicaria às funções básicas ou elementares (de origem biológica). No entanto, as funções superiores ou complexas (que para ele tinham uma origem sócio-cultural) exigiriam um elo intermediário entre o estímu-lo e a resposta. Diferentemente dos animais, o ser humano poderia es-tabelecer conexões indiretas entre estímulos e respostas por meio do emprego de signos, o que resultaria em respostas muito mais variáveis (VIGOTSKI, 2000; LURIA, 2010). Deste modo, o indivíduo poderia con-trolar o seu próprio comportamento de forma ativa, por estar engajado no estabelecimento da relação entre estímulo e resposta, o que lhe con-feriria o livre arbítrio. Assim, considerava necessário que os psicólogos abordassem a questão da consciência, pois ela seria uma das mais im-portantes funções superiores e representaria a essência da mente humana (VIGOTSKI, 1999b, 1999d, 1999f). Por meio dela se poderia planejar e realizar as ações, bem como corrigi-las e também monitorá-las. Com ela, o homem se tornaria capaz de criar imagens subjetivas do mundo e manipulá-las, na ausência de percepções imediatas. Mas levou muitos anos até que o ocidente conhecesse o trabalho deste autor, que morreu precocemente de tuberculose e deixou muitos materiais ainda sem pu-blicação. Também levou muito tempo para que a sua contribuição à psi-cologia soviética fosse postumamente reconhecida.

A União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS manteve-se isolada dos centros de produção de pesquisa científica ocidentais, políti-ca, cultural e linguisticamente. Com o regime comunista instalado, após a Revolução Russa de 1917 e com a posterior Guerra Fria entre a URSS e os Estados Unidos da América – EUA, quase nada do que se realiza-va na ciência psicológica daquele país era conhecido. No início da dé-

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cada de 1920, a abordagem sócio-histórica foi concebida por Vygotsky e, na década seguinte (de 1930), quando a URSS ainda se encontrava sob o regime socialista e ditatorial do governo stalinista, sofreu perse-guição política e ideológica. Josef Stálin (1879-1953), que governou a União Soviética de 1934 a 1953, combatia a psicometria e a psicotécni-ca nas áreas: educativa, social e industrial. Por razões também pessoais, Stálin proibiu a publicação de todas as obras de Vygotsky bem como a sua adoção nos currículos das universidades soviéticas. Stálin, por ab-soluta ignorância, suspendeu a divulgação destas obras porque consi-derava a psicologia sócio-histórica por demais idealista e contrária aos ideais da Revolução Russa. Tal boicote também estava relacionado a um confronto de ideias sobre linguística. Stálin havia produzido um trabalho sobre o tema que, comparado com as concepções de Vygotsky, recebeu críticas. Assim, se adotou como psicologia soviética oficial, durante este período, as concepções psicofisiológicas de Pavlov. De 1936 até 1956, a psicologia sócio-histórica e toda a pesquisa a ela relacionada, foram ba-nidas do meio acadêmico e científico soviético. Apenas em 1962, é que apareceram nos Estados Unidos as primeiras traduções para a língua in-glesa das obras de Vygotsky. Até este ano, o trabalho deste autor ainda era desconhecido no ocidente. As suas obras completas só foram publi-cados na URSS durante a década de 1980 (OLIVEIRA, 1993; MOLON, 2011; REGO, 2012).

O número de trabalhos de Vygotsky traduzidas para o português, disponíveis no Brasil, ainda é reduzido. Somente no final dos anos de 1980, é que alguns deles chegaram neste país, especialmente os textos dedicados ao desenvolvimento infantil e a temas relacionados à educa-ção. O interesse que suas ideias despertarão nos profissionais brasileiros, contribuirá significativamente para uma compreensão sócio-histórica do desenvolvimento cognitivo. O seu trabalho provocará repercussões na área da Educação (OLIVEIRA; 1993; SUTHERLAND, 1996; MOURA, 1999; VÓVIO, 1999). Entretanto, as suas contribuições de cunho mais biológico, para a compreensão do funcionamento cerebral e seus trans-tornos, do desenvolvimento neurológico, da reabilitação neuropsico-

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lógica e também das relações entre funções cognitivas e cérebro serão relegadas a um segundo plano pelos estudiosos brasileiros, como ressal-tado por Andrade e Smolka (2012).

Principalmente, depois da Segunda Guerra Mundial, a luta contra a dor (física e mental) se acentuou. Por conta do avanço do capitalismo e do desenvolvimento tecnológico, bem como da constatação de que não haveria máquina mais perfeita e eficaz do que o ser humano, uma pana-ceia de drogas foi disponibilizada para melhorar o desempenho profis-sional, a insônia, as dores musculares e os sofrimentos da alma. Além do mal estar psicológico, se combatia o mal estar social. Quando a psi-cofarmacologia moderna surgiu, por meio dela se buscava livrar os in-sanos de tratamentos desumanos, ineficazes e abusivos. Na atualidade, a medicalização excessiva alienou o indivíduo de sua alma. Promete-se o alívio imediato para todo o sofrimento: droga-se o cérebro e torna-se a mente um zumbi que nada sente. No entanto, a dor continua (PINAFI, 2013). Trata-se do corpo e se esquece da mente. Trata-se da mente e se esquece do corpo. É preciso se pensar uma forma pós-moderna de psicofarmacologia para se devolver ao indivíduo a sua autonomia. Como indicado por Witte (2015), talvez isto possa explicar o ressurgimento de um movimento de retorno às terapias naturais, como alternativa à medi-cina alopática tradicional.

Com a aproximação do final da Segunda Guerra Mundial e ao re-dor da década de 1940, observaram-se importantes transformações em diversas áreas do conhecimento científico e tecnológico, tanto em seus métodos quanto em seus fundamentos epistemológicos. Com o fracasso da explicação behaviorista sobre o comportamento humano e o avanço da tecnologia computacional, o estudo da mente se tornará o foco dos inte-resses de novas ciências. Elas também serão responsáveis por mudanças na cultura e na sociedade e inaugurarão a Era Pós-moderna (VIEIRA, 1998; SANTOS, 2006). Algumas das ideias de Vygotsky, desenvolvi-das durante as décadas de 1920 e 1930, se mostrarão visionárias. Entre 1943 e a década de 1950, muitos dos aspectos investigados por ele inte-grarão a agenda da ciência pós-moderna emergente.

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A pós-modernidade também está associada ao surgimento de no-vas tecnologias de comunicação, baseadas na informação. Enquanto, nos séculos passados, os idealistas explicavam a mente por meio da no-ção de espírito e, os materialistas com base no aspecto físico, na Era da Informática a realidade será tomada como signo. O mundo é irreal, por-que ele só existe na linguagem. Sem representação de algum tipo, não há ser humano, natureza ou pensamento. Nas sociedades pós-industriais o simulacro da realidade pode se tornar mais perfeito do que a própria realidade: se observará o surgimento de uma hiper-realidade (SANTOS, 2006; VIEIRA, 2006).

A partir desta perspectiva, pode-se tratar a realidade com base em signos analógicos ou digitais. Os primeiros são semelhantes àquilo que representam (por exemplo: uma fotografia de uma pessoa é parecida com o ser humano fotografado). Os segundos são arbitrários e não têm uma continuidade em relação ao que substituem ou representam, como os números e as letras (por exemplo: o objeto maçã pode ser represen-tado por diferentes palavras, em culturas distintas: “apple”, em inglês; “apfel”, em alemão ou ainda, “pomme”, em francês).

Vygotsky não poderia imaginar que, de fato, a exploração siste-mática da mente sofreria importantes desdobramentos a partir da última metade do século XX, especialmente depois do período do Pós-Guerra, quando uma série de progressos caracterizou o que se denominou de Revolução Tecnológica. Desde esta época, técnicas de engenharia foram aplicadas a processos biológicos e deram origem à bioengenharia, cujo projeto envolveu a fabricação de dispositivos artificiais que podiam subs-tituir as partes naturais correspondentes, tais como: membros, válvulas coronárias, aparelhos auditivos, entre outros (KOVÁCS, 1997).

Vygotsky (1999a, p. 241) antecipou a possibilidade do surgimento das tecnologias de neuroimagens quando em 1930, no prólogo da edição russa de um livro de Köhler, ele afirmou que, em teoria, “é perfeitamente concebível que se possa efetuar uma observação do cérebro que descubra processos físicos cuja estrutura e, por conseguinte, cujas propriedades es-senciais sejam análogas as que o sujeito experimenta fenomenicamente”.

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Embora considerasse que, em termos práticos, naquela época isto seria impossível por razões técnicas, também julgava que a maior dificuldade seria superar um problema maior: “a diferença existente entre o espaço geométrico-anatômico do cérebro e seu espaço funcional” (VYGOTSKY, 1999a, p. 241). No entanto, o advento de novas tecnologias permitiu que se compreendesse mais acuradamente a estrutura do cérebro e possibilitou novas explicações sobre o seu funcionamento como também o tratamento de transtornos causados por injúrias ou disfunções cerebrais.

Como já referido, desde a antiguidade se constataram descrições sobre ferimentos na cabeça ou lesões cerebrais. Em termos religiosos, a realização de sacrifícios também forneceu conhecimentos sobre a exis-tência dos órgãos internos do corpo humano. Há evidências de que já se tentava tratar doenças mentais a partir de intervenções cerebrais, tais como os procedimentos de trepanação (GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005; PINHEIRO, 2005; CAMARGO, BOLOGNANI, ZUCCOLO, 2008; CASTRO, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2011).

Em 1870, o pioneiro neurologista e psicólogo escocês David Ferrier (1843-1928), mapeou de modo minucioso a região motora do córtex de primatas, por meio de lesões e estimulação elétrica. O método empre-gado consistia em se danificar o córtex de vertebrados para observar-se o que ocorreria. Também se estimulava diretamente o córtex do animal para verificar as reações que ondas elétricas provocavam sobre o seu comportamento (KOVÁCS, 1997).

A partir do final do século XIX, os pioneiros no campo da neuro-ciência (como Broca e Wernicke, entre outros) se dedicaram ao estudo dos pacientes com lesões no cérebro, para compreenderem de que modo elas afetavam as funções mentais. Durantes as duas grandes guerras mun-diais, o atendimento a soldados feridos no campo de batalha possibilitou uma melhor compreensão sobre a relação entre lesões cerebrais e funções cognitivas. Apesar dos grandes avanços alcançados sobre o entendimen-to destas funções, também se constatou algumas limitações no emprego de tal método de investigação. Observava-se que nem sempre o tamanho ou a localização das injúrias eram idênticos nos diferentes indivíduos.

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Eles variavam. Por isso, não se podia determinar com precisão a rela-ção entre função mental e área cerebral afetada. Além disso, cada pessoa apresentava uma organização cerebral diferente, em razão de suas experi-ências pessoais. Ou seja, o cérebro de cada paciente seria único e, devido às inter-relações das diversas áreas cerebrais, não se poderia afirmar com segurança se a função mental afetada estaria, de fato, associada apenas à área lesionada. Haveria a chance de outras áreas (aparentemente intac-tas), também estarem comprometidas. Embora os conhecimentos sobre o funcionamento alterado do cérebro houvesse progredido, ainda seria ne-cessário o desenvolvimento de novas técnicas para se conseguir explicar o seu funcionamento normal (LURIA, 1973; DAMÁSIO, DAMÁSIO, 1997; FEINBERG, FARAH, 1997; RAICHLE, 1997; LEZAK et al., 2004; LENT, 2005; LURIA, 2012; MOREIRA-ALMEIDA, 2013; UEHARA, CHARCHART-FICHMAN, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2013).

No século XVII o microscópio revolucionou a biologia e, pos-teriormente, a partir da década de 1950, o microscópio eletrônico am-pliou a compreensão sobre a célula nervosa e os processos moleculares de funções cognitivas (KOVÁCS, 1997; SQUIRE, KANDEL, 2003). A descoberta do raio-X, durante os últimos anos do século XIX, impactou sobre a sociedade. Pela primeira vez se revelou o invisível. Acreditava-se que a quarta dimensão espacial, a qual os sentidos humanos não te-riam acesso, havia sido demonstrada (SOUZA CRUZ, 2011).

No final do século XIX e início do século XX, quando a psicolo-gia surgia como ciência, com base nos achados da fisiologia e da psico-física, nela também se esboçavam as suas primeiras técnicas avaliativas. Criavam-se os testes psicológicos, no âmbito da prática educacional, com a finalidade de se avaliar a inteligência. A partir da década de 1940, no-vos instrumentos psicológicos foram criados. Sob o impacto da psica-nálise e do behaviorismo, a psicometria direcionou-se para a avaliação de aspectos conceituais relativos ao comportamento e à personalida-de23. Desde a metade do século XX, procedeu-se à avaliação dos aspec-

23 Personalidade é um termo controverso, que pode ser definido como o “modo relativamente constante e peculiar de perceber, pensar, sentir e agir do indivíduo”,

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tos cognitivos, como uma alternativa e reação aos métodos invasivos adotados pela neurologia da época. Assim, os dados experimentais co-letados por técnicas e equipamentos cada vez mais sofisticados, permi-tiram que se comprovasse a relação íntima entre funcionamento mental e cerebral (ANASTASI, 1977; ANCONA-LOPEZ, 1987a; ANCONA-LOPEZ, 1987b; CUNHA, 2000; ALCHIERI, 2004; LEZAK et al., 2004; MIRANDA, 2006).

Na década de 1930, desenvolveu-se na Europa a terapia eletrocon-vulsiva (TEC). Em 1938 ela foi utilizada em seres humanos. Tal técnica consiste em se aplicar uma forte corrente elétrica no cérebro do pacien-te, para que se promovam mudanças em seu comportamento. Por meio de eletrodos se provocam alterações em neurotransmissores e no sistema neuroendócrino. Não se conhece exatamente de que modo esta técnica produz os seus resultados. Ela ainda é empregada em pacientes depres-sivos (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). Durante esta mesma dé-cada, as cirurgias psiquiátricas surgiram. Elas serviam para aliviar ou amenizar os transtornos mentais crônicos ou intratáveis. Basicamente, consistiam na destruição de áreas cerebrais. Resultaram da aceitação de que deveria haver algum comprometimento do cérebro na doença mental.

Dois americanos – o psicólogo Carlyle Jacobsen (1902-1974) e o neurocientista John F. Fulton (1889-1960), já executavam loboto-mias24 frontais e pré-frontais em animais. Em 1935, eles apresentaram no Congresso Internacional de Neurologia (realizado em Londres) um experimento com um chimpanzé. O animal era muito agressivo e, após a retirada de seus lobos frontais, tornou-se manso. O neurologista por-tuguês António Caetano de Abreu Freire Egas Moniz (1874-1955), que foi ouvinte desta palestra, resolveu tentar tal procedimento em humanos,

que também engloba os seus aspectos físicos e “as noções de habilidades, atitudes, crenças, emoções, desejos” e modo de se comportar. Ela refere-se à forma em que estes aspectos estão inter-relacionados e se diferenciam em cada pessoa (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2001, p. 100).24 A lobotomia é um procedimento cirúrgico em que se retiram partes ou a totalidade de um lobo cerebral.

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por meio da ablação ou retirada de partes do lobo frontal. Nele Moniz utilizou o leucótomo, um instrumento cirúrgico empregado para se cor-tar as fibras da substância branca dos lobos frontais. Por isso o nome de leucotomia ou psicocirurgia. Em razão do desenvolvimento desta téc-nica no tratamento dos transtornos mentais, ganhou o Prêmio Nobel de Medicina ou Fisiologia de 1949 (KOVÁCS, 1997; LORING, MEADOR, 1997; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005; LENT, 2005).

Com o desenvolvimento da neurocirurgia, a partir do final da dé-cada de 1930, novas evidências relacionadas ao funcionamento cerebral foram reveladas. O neurocirurgião canadense, Wilder Penfield (1891-1976) concebeu uma técnica inovadora, utilizada para o tratamento ci-rúrgico da epilepsia, por meio da retirada de tecido epiléptico. Para minimizar os danos colaterais causados por tal cirurgia, ele aplicava es-timulação elétrica de baixa intensidade diretamente sobre vários pontos do córtex. O paciente permanecia consciente durante a aplicação destes estímulos, de modo a responder às solicitações que Penfield lhe fazia durante o procedimento cirúrgico (SQUIRE; KANDEL, 2003). O prin-cipal objetivo era determinar os seus efeitos sobre a função da fala e da linguagem. Deste modo, ele evitava remover áreas relacionadas com tais habilidades. Assim, ele identificou várias áreas relacionadas à lin-guagem verbal. Com base nesta técnica, investigou a superfície cortical de mais de 1000 pacientes. No ano de 1938, sugeriu que alguns proces-sos da memória poderiam estar associados aos lobos temporais. Os seus achados foram criticados em razão de lidar com indivíduos que apresen-tavam comprometimentos neurológicos. Em 1950, publicou com o neu-rocirurgião canadense Theodore Brown Rasmussen (1910-2002): “The cerebral córtex of man” (O córtex cerebral do homem). Nele descreve-ram que a estimulação cortical evoca experiências sensoriais, enquanto se realiza uma neurocirurgia (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). O estudo de pacientes lobotomizados ou dos que se submeteram às demais técnicas cirúrgicas pioneiras contribuiu muito para o desenvolvimento da compreensão do funcionamento do cérebro. Entretanto, estes proce-dimentos caíram em desuso, com o surgimento da psicofarmacologia.

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Foi durante a década de 1940 que surgiram os primeiros psicofár-macos para o tratamento de transtornos psiquiátricos. Em 1950 já se con-tava com antipsicóticos, antidepressivos, ansiolíticos e antimania. Com eles reduziu-se o número de internações hospitalares e o tempo de per-manência do paciente internado. Novas drogas foram aprimoradas, com menos toxicidade e efeitos colaterais. Os psicofármacos também servi-ram tecnicamente para a concepção de hipóteses sobre a fisiopatologia dos transtornos mentais. Além disso, se investigaram as alterações mo-leculares causadas por estes medicamentos, que levariam a mudanças em circuitos neurais específicos (GORENSTEIN; SCAVONE, 1999).

Durante a Segunda Guerra Mundial, o médico (neurologista e psiquiatra) francês Henri Hécaen (1912-1983) serviu como oficial da marinha francesa. Em 1952, ele passou alguns meses no Canadá, onde trabalhou com Penfield. Durante o período em que viveu neste país, ele foi exposto às correntes positivistas americanas. Ao retornar ao seu país, dedicou-se totalmente à neuropsicologia (sobre a qual se comentará no capítulo 6). Inicialmente abordou o problema da relação entre mente e corpo de forma monista, com base em sua formação original (neurop-siquiatria), mas com o tempo, se transformou e adotou uma posição mais flexível. No início da década de 1960 nomeou o seu laboratório como: “Groupe de Neuropsychologie et de Neurolinguistique” (Grupo de Neuropsicologia e de Neurolinguística). Ele investigou, especifica-mente, os lobos parietais. Grande parte do seu trabalho baseou-se nas observações de lesões cerebrais (TZAVARAS, 1986; BOLLER, 1999).

Inspirado pelo trabalho de Penfield, o também neurocirurgião ame-ricano William Scoville (1906-1984) comprovou que os lobos temporais tinham papel relevante nos processos da memória humana. Em 1957, ele relatou o caso H.M., que fora atendido em conjunto com a neurop-sicóloga canadense Brenda Milner (1918-) do Instituto Neurológico de Montreal, que já havia trabalhado com Hécaen, quando ele morou no Canadá. Após um traumatismo crânio-encefálico sofrido quando H.M. tinha 9 anos, surgiu um quadro de epilepsia, que se agravou com o passar dos anos. Com 27 anos de idade ele apresentava um grave quadro inca-

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pacitante. Como último recurso, Scoville decidiu retirar bilateralmente a região medial dos lobos temporais, a fim de tratar as convulsões que não eram mais controladas de outra forma. Em 1953 procedeu-se à sua neu-rocirurgia. Inadvertidamente, o hipocampo de H.M. foi totalmente remo-vido. Os sintomas epilépticos desapareceram. Entretanto, H.M. perdeu a capacidade de manter na memória de longo prazo qualquer novo apren-dizado. Ele nunca se recuperou de tal déficit e continuou a ser acompa-nhado por Milner por mais de 40 anos. O caso de H.M. levou Milner a descobrir que o fato de que atividades mentais, e processos mais abran-gentes, dependeriam de diferentes centros controladores e também de suas interconexões (XAVIER, 1993; ZOLA, 1997; SQUIRE, KANDEL, 2003; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005; LENT, 2005: CAMARGO, BOLOGNANI, ZUCCOLO, 2008; COSENZA, FUENTES, MALLOY-DINIZ, 2008).

Luria (que será apresentado no capítulo 6) desenvolveu uma teoria das funções cerebrais, com base em sua vasta experiência no atendimento a soldados feridos de guerra que apresentavam comprometimentos neuro-lógicos (HOMSKAYA, 2001; CAMARGO, BOLOGNANI, ZUCCOLO, 2008). Em suas obras ele descreveu quadros patológicos decorrentes de lesões cerebrais, particularmente relacionadas aos lobos frontais e pré--frontais. Afirmou que uma mesma lesão que ocorre em uma mesma lo-calização pode provocar diversas manifestações, conforme o momento temporal em que ela ocorreu (nos períodos iniciais da vida ou durante a vida adulta). Com base em suas observações, também discutiu o papel que as funções associadas à área afetada cumprem no desenvolvimento cognitivo (LURIA, 1963, 1973, 1979b, 2001).

Na década de 1960, investigações baseadas na observação de le-sões cerebrais foram retomadas, principalmente em razão da divulgação dos trabalhos de Hécaen, Milner e Luria, entre outros. O “lesion method” (método por lesão) estabeleceu a relação entre uma região específica do cérebro que apresenta lesão com “um padrão de alteração de algum as-pecto do desempenho cognitivo ou comportamental experimentalmente controlado” (DAMÁSIO, H.; DAMÁSIO, A. 1997, p. 69). Com ele, se

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revelou que a área lesionada integra uma rede de áreas corticais e sub-corticais que, em razão de sua interconectividade, atuam de modo or-questrado para produzir uma função (LURIA, 1973). Atualmente ele é empregado tanto em animais quanto em humanos. O exame pode ser realizado tanto em seres vivos quanto no “post-mortem” (exame reali-zado após a morte).

O método de estudo de lesões cerebrais também foi integrado às técnicas eletroneurofisiológicas, fundamentais para o conhecimen-to da relação entre mente e cérebro. Como as células nervosas condu-zem corrente elétrica para a transmissão do impulso nervoso, foi criado um equipamento capaz de captar as ondas elétricas que caracterizam tal atividade: o eletroencefalograma (EEG). Com ele, transformaram-se os sinais analógicos em digitais. Concebido em 1924, pelo neurologista ale-mão Hans Berger (1873-1941), com o EEG também se amplificou e se filtrou as interferências indesejáveis (tanto do próprio organismo quan-to do ambiente). Desde o final da década de 1920 a atividade elétrica de origem neural foi registrada com este aparelho. Por meio de eletro-dos colocados sobre a superfície do crânio a atividade cerebral é capta-da, com base na frequência e voltagem de seus sinais. Com esta técnica, também se observam as variações no ritmo do potencial elétrico do cé-rebro. Para a avaliação dos fenômenos espontâneos, medidos com o uso do EEG, destacam-se os potenciais evocados ou exógenos (PEs). Para se investigar as vias sensoriais (visual, auditiva e somatosensorial) se parte de estímulos externos que desencadeiam sinais elétricos. As téc-nicas de “event-related potentials” ou “event-related brain potentials”- ERP (potenciais evocados por evento, potenciais evento-relacionados, ou potenciais endógenos) possibilitam a captação de alterações na ativi-dade cerebral, que surgem quando uma tarefa específica é fornecida, ou seja, em que se realiza uma atividade voluntária de modo consciente. O potencial cognitivo associado com a realização da tarefa é uma respos-ta associada com um evento específico. O potencial evocado foi o pri-meiro procedimento a empregar o eletroencefalograma promediado, ou seja, em que se realiza um processo técnico matemático de filtragem dos

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sinais neurais. Com ele se transformam os resultados do EEG em um potencial elétrico relacionado a evento (ERP). As técnicas eletrofisio-lógicas foram utilizadas para se estudar também os processos mentais, por meio da comparação entre populações normais e clínicas. A coleta de índices eletrofisiológicos também se beneficiou das técnicas de gra-vação direta da atividade cortical, como também do procedimento cirúr-gico em que se aplicam estimulações elétricas no córtex cerebral (com a caixa craniana aberta), para a observação de comportamentos provoca-dos por esta estimulação (VIGOTSKI, 1999c; DAMÁSIO; DAMÁSIO, 1997; KNIGHT, 1997; IMBERT, 1998; SANTOS, 2008; LAGE, 2013).

Sacks (1997, p. 18) refere que “a história da neurologia e da neu-ropsicologia pode ser vista como uma história do estudo do hemisfério esquerdo”. De fato, grande parte dos conhecimentos acumulados sobre o método lesional refere-se ao hemisfério esquerdo (ECCLES, 1989). Neste sentido, diversos trabalhos deram origem a novas discussões sobre o tema do localizacionismo das funções cognitivas no cérebro. Ainda na década de 1960, com base nos dados de pesquisas com canhotos, bilín-gues, analfabetos e crianças, se questionará a dominância do hemisfério esquerdo para a linguagem. Buscar-se-á nos fatores biológicos (sexo e desenvolvimento manual, por exemplo) e nos sociais (aquisição de uma segunda língua ou aquisição da escrita, entre outros), a explicação para a determinação do hemisfério esquerdo como preponderante não só na linguagem, como também nas demais funções mentais (KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001; QUINTINO-AIRES, 2007). Constatar-se-á que os animais não apresentam tal característica (FONSECA, 1982; ECCLES, 1989).

Em razão do trabalho coletivo, ocorreu a lateralização da mão di-reita, ao longo da evolução humana. Também associado a tal fato, a ne-cessidade de comunicação levou ao surgimento da fala. Tanto a praxia manual quanto o desenvolvimento da linguagem resultaram na laterali-zação das funções no cérebro e na dominância do hemisfério esquerdo, que também é responsável pelas principais funções cognitivas (associa-das ao uso do signo verbal: a palavra). Os transtornos cognitivos do he-

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misfério esquerdo sempre foram os mais estudados e os mais descritos. Isto explica a predominância de estudos sobre este hemisfério e sobre as funções a ele relacionadas. Por décadas o hemisfério direito foi negli-genciado. Nele se encontram as capacidades básicas necessárias para o reconhecimento do corpo e da realidade, ou seja, dos espaços corporal e extra corporal. A sua organização funcional é menos diferenciada do que a do esquerdo, o que representa uma dificuldade maior para o estu-do de suas funções. Exige-se do investigador que ele ultrapasse os as-pectos verbais da organização da consciência e se depare com aspectos de difícil descrição (LURIA, 1973; ECCLES, 1989).

Como já comentado acima, o uso do método lesional ficou limi-tado a trabalhos que investigaram principalmente o hemisfério esquer-do. Sacks (1997, p. 19) sustentou que seria necessário “um novo tipo de neurologia”, para se abordar adequadamente o hemisfério direito. A partir da década de 1970, novas tecnologias propiciarão o surgimento de um outro modo de se estudar o cérebro. Nelas o fluxo sanguíneo ce-rebral será utilizado para mapear e monitorar os sistemas neuronais que subsidiam ou controlam o comportamento. Elas permitiram a observa-ção das distribuições espaciais e temporais das atividades cerebrais, as-sim como a visualização do sistema nervoso ao vivo, em funcionamento ou durante a realização de tarefas. Com o advento do computador, estas máquinas revolucionaram o campo das neurociências, tais como: o raio--X por tomografia computadorizada, que inicialmente ficou conhecido como “X-ray CT”, mas depois se tornou apenas “Computed tomogra-phy” – CT (Tomografia computadorizada – TC); a caríssima ”Nuclear magnetic resonance” – NMR (Ressonância magnética nuclear), que foi preterida pela “Magnetic resonance imaging” – MRI (Imagens por res-sonância magnética – RM); a “Positron emission tomography”- PET-scan (Tomografia por emissão de pósitrons) e a “Single photon emission computed tomogrphy” – SPECT (Tomografia por emissão de fóton úni-co). Com elas foi possível se acompanhar a distribuição das atividades cerebrais tanto no tempo quanto no espaço. As técnicas de neuroimagem possibilitaram também, com exatidão jamais alcançada anteriormente,

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que se localizassem alterações fisiológicas na atividade neuronal, pro-vocadas por mudanças comportamentais induzidas. Por meio da obser-vação do aumento no fluxo sanguíneo (técnicas hemodinâmicas) e do metabolismo dos tecidos cerebrais conseguiu-se avaliar e medir a ativida-de regional do cérebro. Além disso, as técnicas mais modernas fornece-ram imagens em três dimensões (ou 3D), como é o caso da SPECT. Isto permitiu a manipulação da imagem em diferentes direções e uma visua-lização ainda mais precisa (DAMÁSIO, DAMÁSIO, 1997; KOVÁCS, 1997; FARAH, 1997; KNIGHT, 1997; RAICHLE, 1997; IMBERT, 1998; LEZAK et al., 2004; SANTOS, 2008; LAGE, 2013).

Desde o final da década de 1980, a técnica de neuroimagem funcional propiciou um novo avanço em relação a estas tecnologias, porque ela possibilitou a observação imediata e dinâmica da atividade neuronal, em imagens de excelente resolução. Tal técnica permitiu a observação online (em tempo real) do cérebro em funcionamento. Nela, o processamento de informações em um circuito cerebral específico traduz-se por intensificação da atividade neuronal. Por meio do uso da “Functional magnetic resonance imaging” – fMRI (Imagem funcional por ressonância magnética ou ressonância magnética funcional) é possível se observar alterações da atividade dos neurônios com precisão milimétrica. Tal tecnologia também contribuiu para a compreensão das neuropsicopatologias (FEINBERG, FARAH, 1997; RAICHLE, 1997; ARCURI, McGUIRE, 2001).

Parte dos dados sobre as funções do hemisfério direito, foram ob-tidas por meio de técnicas de estimulação cortical (ECCLES, 1989). A estimulação magnética transcraniana (EMT) consiste em se transmitir impulsos magnéticos de alta intensidade, por meio de um dispositivo eletromagnético que é fixado no escalpe. A formação rápida do campo magnético e o seu desaparecimento levam à formação de uma corrente elétrica fugaz no cérebro. A atividade do cérebro é alterada em decorrên-cia desta corrente, sob o local onde o dispositivo encontra-se colocado. Ou seja, uma lesão cerebral temporária é criada. A EMT é uma técnica não invasiva de modulação cortical que produz lesões virtuais temporá-rias em pessoas sadias, que não apresentam problemas neurológicos. Por

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meio de tal instrumento também se ativam áreas previamente selecio-nadas, para fins clínicos, experimentais e de pesquisa, o que permite se estudar as relações entre cérebro, comportamento e funções cognitivas (tais como: linguagem, memória ou funções executivas). Ela é útil para uso no tratamento de doenças neurológicas e na estimulação da apren-dizagem. Durante o procedimento (que é indolor, seguro e não apresen-ta efeito colateral) o indivíduo permanece consciente (GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005; BOGGIO et al., 2006).

Outro procedimento do tipo de técnica acima descrito é o de es-timulação transcraniana por corrente contínua (ETCC). Nela são colo-cados dois eletrodos, também no couro cabeludo. Durante certo tempo, uma corrente contínua de baixa intensidade é aplicada. Ela leva a altera-ções nas funções cerebrais, por afetar a atividade neuronal espontânea. Diferentes intensidades e tempos da corrente elétrica provocam variados efeitos, que se prolongam para além do tempo da estimulação. Diferentes polaridades ou direções da corrente provocam consequências distintas: aumento ou inibição da resposta produzida. Tem se discutido a possibi-lidade de os efeitos de longo prazo de tal técnica. Parece que ela inter-fere em mecanismos de plasticidade neuronal e que o seu uso mostra-se promissor em relação aos processos de aprendizagem, memória e con-trole motor (MACEDO; BOGGIO, 2008).

Apesar das suas limitações, o estudo de lesões cerebrais consti-tuiu-se no primeiro método da neurociência. Seu maior problema esteve associado à falta de teorias consistentes que fundamentassem os seus da-dos empíricos. Com o surpreendente progresso tecnológico, foi possível se entender a estrutura cerebral e se obter registros mais individualiza-dos e acurados da atividade neuronal. Tal desenvolvimento técnico mo-dificou e continua transformando fundamentalmente os conhecimentos e as possibilidades de intervenções sobre o cérebro humano e o funciona-mento mental. Ele impacta sobre a compreensão da relação entre cérebro e mente como também produz outras rotas para o rumo da neurociência. Historicamente, com a identificação das bases neurais de comportamen-tos e funções mentais, surgiram as ciências cognitivas.

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Capítulo 5

Relação mente e cérebro: da cibernética ao surgimento das

ciências cognitivas

Ao final do século XIX e início do XX, houve um aumento no in-teresse por estudos sobre as atividades mentais associadas à aquisição de conhecimentos, tais como memória e raciocínio. Tal fato culminou no que se denominou revolução cognitiva (ESPERIDIÃO-ANTONIO et. al, 2008). De acordo com Oliveira (1990), as ciências cognitivas emer-giram do cognitivismo. Ele foi uma corrente de pensamento, que sur-giu no final da década de 1960, com a metáfora do cérebro como um computador. Tem fundamental importância para o estudo da mente e se caracteriza como mentalista, mas não dualista. Nele se considera a men-te, de modo funcionalista, como um sistema em que seus componentes são caracterizados por suas funções e não por sua constituição física. Diferentemente do behaviorismo radical, não reduz a mente ao com-portamento; nem tampouco ao cérebro, como o fará a neuropsicologia cognitiva, segundo a crítica deste autor. O cognitivismo se contrapõe à noção dualista de que como nenhuma estrutura material apresenta capa-cidades humanas, logo, deve existir um elemento (espiritual), distinto da matéria, que abrange a mente humana. Entretanto, os computadores conseguiram replicar capacidades humanas, tais como: realizar cálcu-los aritméticos, jogar xadrez, entre outras. Deste modo, se pode explicar, em termos físicos, como as partes do computador funcionam. Do mes-mo modo, também se explicará a atividade mental (ZILIO, 2010). Por isso, as ciências cognitivas também surgiram da reunião daqueles que se debruçaram sobre conceitos das áreas da matemática, lógica e esta-

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tística para explicar as relações entre mente e cérebro. Elas tornaram-se um ramo da psicologia, em que o processamento cerebral das funções cognitivas é explicado cientificamente (ANDRADE; SANTOS, 2004).

Já em 1820, Babbage afirmava que sua máquina “funcionava de forma similar às faculdades humanas de memória e previsão” (COSTA, 2008, p. 60). Mas o panorama histórico que deu origem à cibernética e às ciências da computação iniciou-se de forma definitiva com o filósofo e matemático inglês George Boole (1815-1864). Em 1847 ele publicou: “Mathematical analysis of logic” (Análise matemática da lógica). A par-tir do desenvolvimento de suas ideias, ele mostrou ser possível se aplicar métodos do campo da álgebra simbólica à lógica. Assim, ele promoveu uma revolução: permitiu que se pudesse realizar a transição da lógica para o simbólico. Deste modo, surgiu o aspecto abstrato que, futuramente, se materializaria na máquina. Em 1954, Boole publicou “An investigation of the laws of thought” (Uma investigação sobre as leis do pensamento). Nesta obra introduziu os valores 0 ou 1 às proposições (operações) e so-bre estes mesmos valores, a realização de um cálculo, com base na lógica de sua operacionalização com o mesmo (ANDLER, 1998). Com Boole surgiu a lógica simbólica. A partir do cálculo booleano seguiu-se a me-canização da lógica, como comprovado por Jevons e Marquant.

O economista e lógico inglês William Stanley Jevons (1835-1882) criou em 1870 uma máquina lógica que funcionava a partir de um tecla-do. Inspirado nas ideias do piano lógico de Jevons, o filósofo america-no Allan Marquant (1853-1924), concebeu em 1881 uma máquina que também realizava operações lógicas, por meio de um circuito elétrico. Marquant foi aluno do filósofo, pedagogo, matemático e cientista ame-ricano Charles Sanders Peirce (1839-1883). Para este, estas máquinas não se retroalimentavam e nem encontravam os seus próprios proble-mas. Elas só faziam uma única tarefa e não saberiam fazer nada mais além. Peirce as chamou de máquinas raciocinantes. Ele sustentou que possuíam limitações. Do mesmo modo, a mente humana também seria limitada. Entretanto, tal limitação só ocorreria quando ela não contasse com qualquer outro recurso auxiliar. Se um lápis e um papel a ajudas-

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se, suas limitações mentais seriam ultrapassadas. Por isso, tais máquinas nem de longe se assemelhavam à mente humana (CESTARI; GAZONI; NÖTH, 2014). Porém, foram necessárias para o estabelecimento das ba-ses que levaram ao surgimento das ciências da computação e das ciên-cias cognitivas.

Em 1884, o matemático, filósofo e lógico alemão Gottlob Frege (1848-1925) publicou “Die Grundlagen der Arithmetik” (Os fundamen-tos da aritmética). Ele concebeu uma lógica como uma linguagem, por meio da qual se exprimiria tudo o que se faz em aritmética. Com Frege surgiu a filosofia da mente: a filosofia analítica que constitui um método de se filosofar. A sua contribuição foi essencial para as ciências cogniti-vas e marcou o nascimento da lógica moderna, cujas raízes se encontram em Descartes, Kant, Leibniz e Husserl. O matemático, filósofo e lógico galês Bertrand Russell (1872-1970) se opôs a Frege (ANDLER, 1998). Em seu livro “The analysis of matter” (A análise da matéria), publica-do em 1927, Russell sugeriu que nunca se poderá observar o cérebro de modo direto, mas somente por meio da via representacional. Conforme explicado por Teixeira (2000, p. 85): o “cérebro cria imagens de outros cérebros quando os examina”, ou seja, o conhecimento que se tem do cérebro é sempre resultado da percepção (um processo indireto ou me-diado). Só se tem acesso a estas representações. O cérebro é uma reali-dade material e não é possível se acessar diretamente a matéria.

O engenheiro americano Hermann Hollerith (1860-1929) venceu um concurso que escolheu o melhor invento para realizar o censo dos Estados Unidos da América de 1890. Ele concebeu uma máquina estatís-tica que lia eletricamente pequenos cartões perfurados, onde conseguiu colocar uma quantidade enorme de informações. Para que as informa-ções coubessem neles, foi necessário codificá-las em combinações de furos nos cartões. Desta forma, surgiram os códigos padronizados, que possibilitam a redução da quantidade de armazenamento dos dados co-letados (COSTA, 2008).

Em 1931, o matemático austro-húngaro Kurt Friedrich Gödel (1906-1978) codificou uma série de instruções por meio de números.

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Ele abalou as bases da matemática. O seu trabalho transformou as ciên-cias da computação. Com base nas contribuições de Gödel, o matemá-tico inglês Alan Turing (1912-1954) também codificou (por números) máquinas que antes seguiam instruções sequenciais. Ele buscou respon-der às questões deixadas em aberto por Gödel. Em 1936, apresentou a sua invenção: uma máquina, que veio a se tornar a base dos computado-res digitais modernos, que ficou conhecida como: a Máquina de Turing. Era composta por uma memória (o estado interno) e uma unidade lei-tora, que consistia em uma fita limitada composta por células onde sím-bolos alfabéticos estavam (ou não) inscritos, como o alfabeto binário (numeral). De acordo com o estado interno e do símbolo na célula, tal equipamento realizava algumas operações: “mover a fita de uma célula para frente, para trás, escrever ou não algum símbolo se a célula estives-se vaga, apagar o símbolo ou alterar o seu estado interno” (KOVÁCS, 1997, p. 147) Ele é considerado como um dos pioneiros das ciências da computação e da Inteligência Artificial, especialmente após 1950, quando se publica a sua obra: “Computing machinery and intelligence” (Maquinário computacional e inteligência). O matemático prussiano, David Hilbert (1862-1943), substituiu valores numéricos, por marcas em papel. Posteriormente, Turing aprimorou a sua máquina e criou novos modelos. Em 1945, colocou em suas máquinas marcas, no lugar dos nú-meros e, finalmente, os impulsos (OLIVEIRA, 1990; KOVÁCS, 1997; D’ALKAINE, 2006; ANDRADE, 2014; HODGES, 2016).

Na virada do século XIX para o XX, Russell e Hilbert se debru-çarão sobre as relações entre matemática, cálculo e lógica. A associa-ção entre cálculo e simbolização ocorrerá fora do campo da psicologia, na área da linguagem formal e da simbolização. Para o surgimento dos computadores faltava uma “teoria da máquina” (ANDLER, 1998, p. 35), que ultrapassasse a noção até então existente. Para Peirce, uma máquina lógica seria um dispositivo (mecânico ou elétrico) concebido para au-xiliar o raciocínio humano. Embora criadas para resolverem problemas específicos com o uso da lógica formal, havia uma enorme diferença en-tre estas máquinas e os computadores modernos. Eram alimentadas pelo

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usuário que inseria nelas as informações necessárias, executava as ações e aguardava pela resposta que lhe era apresentada. O resultado de suas operações era previsível. No caso dos computadores, eles funcionam como uma sucessão de estados no tempo, cujos resultados são difíceis de serem previstos. Mesmo que o usuário não faça nada, o computador fará. Este espera ativamente pelo usuário realizar algo. Deste modo, o matemático húngaro John von Neumann (1903-1957), que entre 1940 e 1950, juntamente com o matemático americano Stephan Cole Kleene (1909-1994) projetaram uma modificação a partir da Máquina de Turing. Em 1945 eles criaram um computador eletrônico, como são os atuais computadores (KOVÁCS, 1997; CESTARI, GAZONI, NÖTH, 2014).

O engenheiro americano Claude Shannon (1916-2001) estabeleceu a associação entre circuito elétrico, cálculo booleano, aritmética e lógica. No ano de 1948 foi publicada a sua obra: “A mathematical theory of communication” (Uma teoria matemática da comunicação). Nela, Shannon apresentou as partes componentes de um sistema de comunicação: a fonte de informação; o emissor; o canal de transmissão; o destino e o receptor. Antes desta publicação, não havia teorias científicas que sustentassem a comunicação (que era estudada por engenheiros). Entretanto, já existiam sistemas de comunicação, tais como: o telégrafo (desde a década de 1830); o telefone (que surgiu durante a década de 1870); o rádio AM (por volta de 1900), a televisão (ao redor de 1930), entre outros. Os engenheiros que lidavam com tais sistemas não observavam qualquer tipo de relação entre eles, porque, entre outros aspectos, a mídia para transmitir informações que se empregava nestes sistemas, era bastante diversificada, assim como a forma de se transferir a mensagem de um local para outro. Por isso, a dificuldade para se integrar os conhecimentos em uma teoria da comunicação. Porém, alguns elementos que levariam à proposta teórica de Shannon, já estavam presentes (ANDLER, 1998; CHIU et al., 2015).

O primeiro a contribuir para a formulação de Shannon foi a cria-ção do Código Morse. Ele era constituído por um sistema de códigos que, para maximizar a velocidade da transmissão de mensagens, utiliza-

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va símbolos. O segundo foi a “pulse-code modulation – PCM” (modula-ção por pulso codificado), que se apresentava como um sistema digital, não analógico. E o mais significativo de todos foi o trabalho que os en-genheiros do “Bell Telephone Laboratories” (Laboratórios de telefone Bell) realizaram. Entre eles estava o sueco Harry Nyquist (1889-1976), que em 1924 lançou o artigo “Certain factors affecting telegraph speed” (Certos fatores que afetam a velocidade do telégrafo). Apesar de tratar--se de um texto sobre os aspectos técnicos de engenharia, nele Nyquist também discorreu sobre a velocidade da inteligência (BRITTAIN, 2010; CHIU et al., 2015).

Em 1937, Shannon estabeleceu uma relação entre cálculo boole-ano (proposto por Boole) e circuitos elétricos. Ao formular a noção de que a informação pode ser quantificada e definida de modo preciso, ele se tornou o pai da Era digital ou da teoria da informação. Por meio da linguagem universal dos dígitos binários (1 ou 0) a informação pôde ser digitalizada e, assim, transmitida sem erro por meio de “bits”, con-siderada a menor unidade de armazenamento da informação. O atual código binário da informática se baseia em “bytes”, que indica Falso (o zero) ou Verdadeiro (o 1). Ele armazena até 256 combinações possí-veis de “bits”, representados pelos intervalos de 00000000 a 11111111 (ANDLER, 1998; D’ALKAINE, 2006; COSTA, 2008; STANFORD ENCICLOPEDIA OF PHILOSOPHY, 2014; CHIU et al., 2015; THE TURING DIGITAL ARCHIVE, 2015; HODGES, 2016).

Na década de 1940 já se desenvolvia uma tecnologia do mental, que se delineava nos séculos anteriores, desde o surgimento dos primeiros autômatos. Entretanto, nela ainda persistia uma lacuna entre a máquina, a mente e o cérebro, que eram abordados isoladamente. Durante sécu-los, prevaleceu esta dicotomia entre máquina e ser humano. Entretanto, estes objetos artificiais foram concebidos como virtualização da cogni-ção humana. Então, o desenvolvimento tecnológico chegou a um impas-se. Para se chegar aos computadores mais modernos fez-se necessário se ultrapassar a tecnologia até então disponível. Nesta, as operações eram realizadas a partir da materialização do cálculo em um meio físico

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(como, por exemplo, as marcas em uma fita). Como resolver o proble-ma? A resposta será fornecida por Simon e Newell. Eles proporão a no-ção clássica de Inteligência Artificial. Tais cientistas sustentaram que o sistema de representação teria que ser a lógica moderna do pensamento, ou seja, a sua linguagem (como será explicado neste texto mais adiante).

Foi com a Segunda Guerra Mundial que um novo sistema de ca-bos foi desenvolvido, em razão da necessidade prática e urgente de se aprimorar e se acelerar os sistemas eletrônicos de informação (como a decodificação de mensagens cifradas do inimigo, entre outras). Estas no-vas máquinas não executavam a leitura de instruções físicas. A natureza das instruções era diferente da natureza dos dados. Elas realizavam os procedimentos solicitados, a partir dos componentes que eram coloca-dos em atividade. Diferentemente das máquinas universais de Jacquard e Babbage, estas eram especializadas. Assim, concebeu-se um programa interno para simplificar a operação de se transformar o sistema de cabos, o que antecipou os futuros programas dos modernos computadores, rea-lizados por impulsos. Só então, a lacuna entre máquina e organismo foi superada pela cibernética e os três elementos (máquina, mente e cére-bro) foram interligados (ANDLER, 1998; TEIXEIRA, 2000).

Neste mesmo período da guerra, os psicólogos americanos foram requisitados a aprimorar as habilidades de percepção e comunicação de operadores humanos para atuarem com os sistemas de informação ele-trônica para finalidades bélicas (OLIVEIRA, 1990; VIEIRA, 1998). Pela primeira vez, observava-se que o uso destas novas tecnologias implicava em mudanças no comportamento humano. Quando em uso, estas novas tecnologias alteravam o modo de se pensar e se agir de quem as criou. Assim, para serem operadas, foi necessário um treinamento específico, que resultará em novas transformações comportamentais que levarão a novos avanços tecnológicos. Como consequência da Segunda Guerra Mundial, desenvolveram-se sistemas de comunicação e surgiu a teoria da informação. No bojo destes novos conhecimentos, sobre como men-sagens linguísticas são interpretadas, também se estruturou as bases do que viria a se tornar o campo da psicolinguística.

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Segundo Scliar-Cabral (1991, p. 14), a língua foi “considerada como um código que permite gerar mensagens através de um canal, graças aos processos de codificação de que resulta o output (ou saída), produzido pelo emissor, e de decodificação do input (entrada), pelo re-ceptor25”. Ou seja, na psicolinguística se estuda de que modo intenções do falante se transformam em sinais de um código culturalmente acei-to, e como tais sinais são interpretados pelos ouvintes. Nela se trata dos processos de codificação e de decodificação. Como sustentado por Maia (1986, p. 7), a linguagem é uma atividade “que significa, isto é, aponta para outras atividades, esse apontar pode fazer-se com maior ou menor exatidão”. Esta autora fornece como exemplo a linguagem artificial dos computadores que ainda empregavam cartões perfurados: ela é muito precisa. A máquina sempre realiza a mesma operação em que estes car-tões são perfurados de uma maneira específica.

A cibernética desenvolveu-se, particularmente, no pós-guerra, entre 1940 e 1950. Nela se estudava a inteligência artificial. Buscava-se com-preender e explicar como o fluxo de informações acontece no interior de um sistema. Também se investigava o mesmo processo em artefatos tec-nológicos e também quando o feedback (retroação ou retroalimentação de informações no sistema) era empregado. Esta retroação implicou na substituição da causalidade linear pela noção de curva causal, ou seja, a aceitação de que a causa afeta o efeito e este, a causa. Os seus funda-mentos encontram-se nas técnicas de engenharia de sistemas e de con-trole de sistemas. As técnicas cibernéticas foram também utilizadas nos organismos vivos. De fato, em 1948, o matemático, zoólogo e filósofo americano Norbert Wiener (1894-1964), sustentou a ideia de que o pro-cessamento de informações e as funções de controle mostravam-se se-melhantes, tanto em máquinas quanto em seres vivos. Ele também referia que seria possível se reduzir tais processos a modelos e leis matemáticas comuns. Neste mesmo ano publicou o livro: “Cybernetics: or control and communication in the animal and the machine” (Cibernética: ou contro-le e comunicação em animal e máquina). A partir de sua atuação na arti-

25 O itálico consta na obra original.

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lharia aérea das Forças Armadas americanas, durante a Segunda Guerra Mundial, ele sustentou que a cibernética constituía uma nova ciência e que seria possível se conceber uma máquina para executar o padrão de cálculo complexo do ser humano (ANDLER, 1998; PETRAGLIA, 2000; KIM, 2004; UEHARA, CHARCHAT-FICHMAN, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2013).

O uso da cibernética no campo da neurologia mostrou-se útil. As novas teorias permitiram a integração entre a comunicação (cibernética ou teoria da informação) e sistemas de controle dos organismos vivos como também das máquinas (robótica). Com base em um conjunto de instruções lógicas e matemáticas específicas, criou-se o computador. Tal máquina imitava o modo como, supostamente, o cérebro humano fun-cionaria. Ela era capaz de realizar autonomamente diversas operações, a partir de informações que lhe eram fornecidas (OLIVEIRA, 1990; KOVÁCS, 1997; TEIXEIRA, 2000).

O filósofo e cientista cognitivista americano Jerry Alan Fodor (1935-) propôs a controversa teoria modular. Nela, sustentou que a men-te seria formada por diversos módulos de processamento de informa-ção inatos, que operariam de maneira totalmente independente uns dos outros e também desempenhariam funções não aprendidas específicas. Para ele, a cognição humana apresentaria finalidades próprias das es-pécie (FODOR, 1981; COLTHEART, DAVIES, 1998; VIEIRA, 1998; CANDIOTTO, 2008; ANDRADE, 2014). Com Fodor e Minsky, a psi-cologia cognitiva tornou-se modular. Deste modo, os vínculos entre ela e a Inteligência Artificial se estreitaram.

A aproximação entre a engenharia, a psicologia e as ciências da computação, deu origem ao campo da Inteligência Artificial, um ramo da ciência computacional em que se objetivava se desenvolver progra-mas para que máquinas realizassem tarefas associadas ao funcionamento cognitivo, tais como: a resolução de problemas ou o cálculo matemático. Conforme Teixeira (2008, p. 11), nele se “apostou numa proposta meto-dológica inovadora, qual seja, a ideia de que simular é explicar”. Tentava-se replicar a forma pela qual os humanos realizam tarefas, por meio do

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uso da inteligência. A partir do final da década de 1950, ele se tornou uma alternativa para se enfrentar a antiga dicotomia entre mente e cére-bro (KOSSLYN, 1992; KOVÁCS, 1997; ANDLER, 1998; GARDNER, 2000; TEIXEIRA, 2000; DWYER, 2001).

O cientista cognitivista americano Marvin Minsky (1927-), é tido como um dos pioneiros nesta área. Foi co-fundador do Laboratório de Inteligência Artificial do “Massachusetts Institute of Technology” – MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts), nos Estados Unidos da América. Ele definiu a Inteligência Artificial como a ciência em que as máquinas (computadores) realizam o que o ser humano é capaz de executar de modo inteligente, por meio da formulação de programas. O também americano Herbert Alexander Simon (1916-2001), economista e ganhador do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas em 1978, foi um dos fundadores da Inteligência Artificial e da psicologia cognitiva, juntamente com o psicólogo cognitivista e pesquisador das ciências da computação americano Allen Newell (1927-1992). Newell contribuiu decisivamente para a concepção da linguagem de processamento de informações. Criou em 1956 o programa de inteligência artificial: “Logic Theorist” (Teórico lógico) e, em parceria com Simon, outro programa: “General Problem Solver” (Solucionador geral de problema). O matemático, educador e cientista da computação sul africano Seymour Papert (1928-), teórico da abordagem do Processamento de Informação, que também atua no MIT, foi um dos pioneiros da Inteligência Artificial. Ele definiu a inteligência artificial, no sentido restrito, como a capacidade de máquinas executarem tarefas que seriam consideradas inteligentes, caso fossem realizadas por pessoas (OLIVEIRA, 1990; KOSSLYN, 1992; SUTHERLAND, 1996; FARAH, 1997; KOVÁCS, 1997; ANDLER, 1998; GARDNER, 2000; TEIXEIRA, 2000; ANDRADE, 2014; SBICCA, 2014).

O campo da Inteligência Artificial emergiu da busca por se criar uma máquina capaz de replicar processos cognitivos. Ela se associou à noção de que seria possível se reproduzir mecanicamente partes da ati-vidade mental humana, por meio de dispositivos que não possuíssem nem a estrutura ou a composição físico-química do cérebro humano.

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Com ela confirmou-se que a mente poderia operar de forma semelhan-te ao programa de um computador. Por meio dela foi possível se propor modelos explicativos sobre os processos cognitivos e também se testar como as informações seriam representadas na mente. Foram propostos dois tipos básicos de funcionamento na área da Inteligência Artificial: o processamento serial e o processamento paralelo. No primeiro, as ope-rações se realizariam e seriam coordenadas em sequência; no segundo, muitas operações seriam realizadas simultaneamente. Este último foi conhecido como neoconexismo (KOSSLYN, 1992; ANDLER, 1998; SMOLENSKY, 1998; VIEIRA, 1998; TEIXEIRA, 2000).

Entre as décadas de 1950 e 1960, surgirão as ciências cognitivas. Um dos pioneiros no estabelecimento do campo das ciências cognitivas foi o psicólogo americano George Armitage Miller (1920-2012). Foi no ano de 1957 que ele fundou, com outros colegas da Universidade de Harvard, o “Center for Cognitive Science” (Centro da Ciência Cognitiva). Da confluência interdisciplinar, a partir da qual emergiu a noção de in-teligência artificial, se consolidarão as bases para a estruturação deste novo campo científico, cujas hipóteses foram concebidas desde a teoria dos autômatos. As indagações sobre a natureza da mente humana serão retomadas e se postulará a existência de representações. Também serão propostos modelos explicativos sobre o modo como elas são processa-das, em contraposição à noção de que consistem em imagens mentais. As funções mentais serão explicadas mecanicamente, em analogia ao modo como as informações são tratadas por um computador (ANDLER, 1998; TEIXEIRA, 2000; LOPES, VASCONCELLOS, 2008; PINKER, 2013).

No final dos anos de 1950, destacou-se o enfoque do Processamento de Informação, como resultado da integração entre a teoria da informa-ção (cibernética) e, principalmente, trabalhos sobre comunicação. Nele se empregou a metáfora computacional, principalmente sob uma abor-dagem teórica da psicologia, por meio da qual os processos, percepções e atividades mentais foram descritos. Ele se baseou em um rigoroso mé-todo de investigação científica, regido pela experiência controlada. O seu pressuposto básico foi o computacional, em que os humanos são entendi-

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dos como seres intencionais26 e autônomos que processam informações para interagir com o mundo externo. O foco deste modelo foi a descri-ção teórica das sequências através das quais as representações mentais se formariam ou se modificariam, e sobre as quais as respostas seriam selecionadas. Mesmo sem se conhecer os mecanismos neuronais ou as suas bases neurobiológicas (que não eram devidamente especificadas), será possível se descrever a relação funcional entre o comportamento e o processamento da informação. Neste sentido, se denominará tal mo-delo computacional da mente como funcionalista. No funcionalismo se aceita que a mente existe no cérebro, como uma organização particular. Porém, sustenta-se que ela também pode produzir-se fora dele, em um meio artificial, tal como em um computador. Esta corrente ficou mais conhecida como a do cognitivismo clássico e predominou durante a dé-cada de 1960. Nela dividiu-se o sistema mental em componentes e se explorou a maneira como estes transformariam e manipulariam as in-formações. Enfatizou-se a plasticidade e a flexibilidade do processo de transformações, que combinariam e variariam as diversas estratégias. Conseguiu-se fornecer uma explicação viável sobre as representações e os mecanismos utilizados durante o processo cognitivo (SUTHERLAND, 1996; VIEIRA, 1998; TEIXEIRA, 2000).

Há muitos anos, os objetivos e métodos das investigações beha-vioristas radicais eram questionados, em razão de suas evidentes limi-tações. Ao empregarem o método das ciências naturais e focalizarem os seus trabalhos apenas sobre aspectos observáveis, omitiram ou ignora-ram questões fundamentais para a compreensão dos fenômenos mentais. Eles também desconsideraram as contribuições de cientistas de outras abordagens teóricas, que acumulavam evidências sobre a complexi-dade do funcionamento cerebral. O paradigma do estímulo e resposta (S-R) estava superado (KOSSLYN, 1992; SQUIRE, KANDEL, 2003; UEHARA, CHARCHART-FICHMAN, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2013). Como resposta às críticas contra o programa behaviorista radical

26 Vale ressaltar que o tema da intencionalidade já havia sido colocado por Brentano no século XIX.

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e com o surgimento das ciências computacionais, a psicologia cogniti-va se estabeleceu. Nela se descreve e se explica de que modo o indiví-duo realiza tarefas cognitivas, ou seja, quais são os processos mentais que as sustentam. Estuda-se como a informação é percebida, analisada, armazenada, recuperada e tratada (STENBERG, 1992, 2000). Ela está fundamentada no paradigma de que “tanto o computador quanto os se-res humanos têm algo em comum, uma vez que os seus processos são do mesmo tipo” (VIEIRA, 1998, p. 108).

Sempre houve um intercâmbio constante entre os conhecimentos produzidos na neurociência e nas ciências cognitivas. Nem sempre foi possível se distinguir claramente os limites entre elas. No entanto, por muitos anos, os psicólogos e estes cientistas realizaram os seus traba-lhos de forma independente. É a partir de Neisser que uma agenda co-mum se inicia. Em 1967, Neisser lançou o livro “Cognitive psychology” (Psicologia cognitiva). Com ele, este novo campo de conhecimento emer-giu. Por meio desta obra o seu autor também nomeou esta nova área da psicologia (STERNBERG, 2000; KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001; ANDRADE, SANTOS, 2004; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005).

A partir da década de 1970, o paradigma do Processamento de Informação foi predominantemente adotado pelos psicólogos que foca-ram os seus trabalhos na investigação dos processos cognitivos. Sob a influência das ciências da computação, a psicologia cognitiva foi reco-nhecida como uma disciplina plena. Ela foi definida como o estudo sobre como se percebe, aprende-se, se recorda e se pensa sobre a informação (STERNBERG, 2000). De acordo com Lopes e Vasconcellos (2008), na psicologia cognitiva se descreve como é a mente humana e como a informação é processada. Segundo Sternberg (1992), de acordo com o foco de seu interesse, os pesquisadores desta área podem ser divididos em dois grupos: em um primeiro, enfatiza-se o estudo da velocidade de processamento das informações; em um segundo, os próprios proces-sos no desempenho de tarefas, ou seja, como os indivíduos solucionam problemas, em termos de sua precisão e uso de estratégias neste proces-

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samento. Andrade e Santos (2004) resumem o surgimento da psicolo-gia cognitiva como o resultado da aplicação do método experimental às ideias estruturalistas e funcionalistas sobre o binômio mente e corpo.

Apesar das críticas realizadas, por adeptos da psicologia cognitiva contra a teoria behaviorista, Siegler (1991) considera que a perspectiva antiestrutural dos behavioristas radicais, que entendem a aprendizagem como aditiva, cumulativa e linear, é consistente com a do Processamento de Informação. Entretanto, nesta última, os fatores interiores da men-te despertam o interesse (enquanto que na behaviorista radical somente os fatores exteriores são relevantes). Nela o interesse é sobre o proces-so cognitivo propriamente dito. A preocupação central é com o proces-so de aquisição de conhecimentos e não com a natureza do indivíduo. O mesmo autor refere que, na psicologia cognitiva, também se ata-cou a teoria piagetiana. No entanto, ele considera que a abordagem do Processamento de Informação pode ser entendida, por um lado, como uma extensão moderna da teoria de Piaget e, por outro, ela representa uma al-ternativa a esta teoria. Os modelos de processamento de informação não são desenvolvimentistas e, por isso, desconsideram qualquer mudança qualitativa no crescimento cognitivo. Aceitam somente as mudanças quantitativas, que ocorrem em função do aumento na velocidade de processamento ou ainda, por exemplo, na quantidade de informações que podem ser retidas na memória. A capacidade para a memorização é um dos fatores fundamentais no processamento de informação bem sucedido.

Na psicologia cognitiva, os teóricos da abordagem do Processamento de Informação estudam particularmente os processos de mudanças que ocorrem no pensamento. Eles investigam em particular os quatro meca-nismos que se encontram envolvidos com o processamento cognitivo: automatização, codificação, generalização e construção de estratégias. O primeiro envolve a realização cada vez mais eficiente de processos mentais, de modo que eles requeiram menos ativação da atenção. Com a idade e experiência, ele se torna mais automático em inúmeras tarefas. O segundo e o terceiro implicam na identificação das características que contêm informações mais essenciais dos objetos e eventos, com a finali-

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dade de formar as suas representações internas. O último contribui para a solução de problemas, aprendizado, desempenho em testes de inteli-gência e raciocínio. Ele pode ser descrito como um conjunto de subpro-gramas ou processos que compõem uma espécie de planejamento para aprimorar o processamento de informações. Qualquer modo de realizar as tarefas cognitivas, mesmo que pouco eficaz, sempre será considera-do estratégico (SIEGLER, 1991; VIEIRA, 1998).

O sistema de processamento impõe uma série de limites ao que é possível se processar em diferentes idades. É a interação entre este sistema processador e o ambiente que promove a sua auto mudança. Esta trans-formação do sistema de processamento de informações é que constitui o crescimento cognitivo. O conhecimento não é formado pelo indivíduo, mas é registrado em sua mente de forma imediata. No Processamento de Informação, o progresso de uma criança pode ser visto como um au-mento da capacidade de se processar informações. Neste sentido, se valoriza mais os processos do que os produtos. As diferenças observa-das entre as diversas faixas etárias variam em grau, mas não em espé-cie (SIEGLER, 1991).

O sistema cognitivo do ser humano é descrito pelos estados mentais (interiores) e seus processos (operações semelhantes àquelas realizadas por uma máquina). Ele se caracteriza pela atividade mental, em termos de processos que manipulam símbolos. Os estados são representacionais, ou seja, substitutos de entidades externas, cujo conteúdo remete a tais entidades. Entretanto, tal sistema simbólico físico é limitado, porque por meio da manipulação de símbolos não se consegue compreender a orga-nização do cérebro humano, em relação ao modo como ele processa as informações (SIEGLER, 1991; ANDLER, 1998; SMOLENSKY, 1998).

Sutherland (1996) avalia que o modelo proposto pela abordagem do Processamento de Informação pode parecer mecânico em compara-ção com o piagetiano, mas é muito mais complexo do que o behavio-rista. Ainda, segundo o mesmo autor, quando se redescobriu a obra de Vygotsky, a abordagem do processamento de informação sofreu duras críticas, em razão de nela não se considerar aspectos como: fatores his-

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tóricos, culturais e o papel do contexto social. Foi julgada como exces-sivamente técnica e tão criticada quanto, anteriormente, o behaviorismo havia sido.

Entre as décadas de 1960 e 1970, em que a psicologia cognitiva se consolidava como o estudo do funcionamento mental, por meio de mo-delos computacionais, ocorria uma revolução na biologia, cujas desco-bertas aproximaram as duas ciências (SQUIRE, KANDEL, 2003; LENT, 2005). Os seus principais componentes abrangeram dois níveis: o mole-cular e os sistemas neurais do encéfalo. O primeiro estava relacionado aos mecanismos celulares como, por exemplo, os estudos sobre o códi-go genético. Os segundos, relacionados à função cognitiva, tais como os trabalhos sobre mapeamento de áreas encefálicas específicas, por meio do registro da atividade celular nervosa no encéfalo, tanto em animais despertos quanto com o uso de tecnologias de neuroimagens funcionais em humanos. Demonstrou-se que não existe um único centro para uma função específica, mas que diversas áreas encefálicas participam, ou seja, as funções encontram-se distribuídas e diferentes locais tratam aspectos distintos da atividade cognitiva total.

Como descrito por Sternberg (2000, p. 31), Neisser definiu a psi-cologia cognitiva como o “estudo da maneira como as pessoas apren-dem, estruturam, armazenam e usam o conhecimento”. Neste campo de conhecimento científico, uma série de modelos cognitivos sobre as va-riadas funções mentais se sucederão, ao longo do tempo. A seguir, apre-sentam-se alguns deles.

No final da década de 1960, os psicólogos americanos Richard Chatam Atkinson (1929) e Richard M. Shiffrin (1942-) apresentaram um dos primeiros modelos cognitivos para a memória: o modelo modal ou de múltiplos armazenadores. Eles explicaram os processos que contro-lam as operações da memória, que é descrita como um fluxo de proces-samento de informações através de um sistema. Tal sistema é composto por três tipos de armazenadores: o sensorial, o de curto prazo e o de lon-go prazo. Resumidamente, o primeiro é a porta de entrada dos dados. Alguns destes chegam ao segundo, para serem categorizados e codifica-

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dos. As principais operações se realizam neste armazenador. Após ana-lisar-se se os dados são relevantes, eles são transferidos para o terceiro. Caso não sejam submetidos às operações descritas, eles são descarta-dos e não são armazenados neste último sistema, que tem uma função prática, uma vez que as informações nele consolidadas são sempre úteis (ATKINSON; SHIFFRIN, 1968; UEHARA, CHARCHAT-FICHMAN, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2013).

Com base no modelo de Atkinson e Shiffrin (1968), os psicólo-gos ingleses Alan Baddeley (1934-) e Graham Hitch27 propuseram, em 1974, o modelo cognitivo de memória denominado “working memory” (memória de trabalho ou memória operacional)28, que constitui um sis-tema específico da memória de curso prazo (BADDELEY, 2003). Mais do que um estocador de dados, ele caracteriza-se como um processador que envolve tanto o processamento quanto o armazenamento temporá-rio de informações envolvidas em atividades cognitivas complexas (tais como: linguagem, resolução de problemas, entre outras). Ele permite que se lide com um número limitado de informações por um período de tempo restrito. Assim, se explica de que maneira tarefas mentais podem ser realizadas simultaneamente, ou seja, de que forma informações tem-porárias são mantidas ativas e manipuladas, enquanto se processa outra operação cognitiva, em paralelo. Acredita-se que este tipo de ativida-de, que envolve o funcionamento superior do cérebro, é ativado no cór-tex frontal. Três diferentes componentes possibilitariam tais operações: o esboço viso espacial; a alça fonológica e o executivo central. Os dois primeiros deixam a informação ativada para o uso. O primeiro lida com dados visuais e espaciais; o segundo, com dados linguísticos. O terceiro

27 Até a publicação deste livro, não se encontrou qualquer registro dos anos de nascimento e/ou de morte de Graham Hitch.28 Em comunicação pessoal com a autora, no ano de 2007, o Dr. Baddeley sugeriu que a melhor tradução para a língua portuguesa seria o termo memória operacional (do que memória de trabalho), porque ele descreveria a noção de que tal memória permite que operações mentais sejam realizadas simultaneamente, enquanto outras tarefas cognitivas são processadas. Por isso, neste trabalho ele será preferencialmente empregado.

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tem um papel regulador no controle do tráfego de informações. Ele ad-ministra este fluxo, entre a memória operacional e os demais sistemas cognitivos. Posteriormente, em 1986, o modelo original foi revisto e se adicionou a ele mais um quarto elemento: o “buffer” episódico. Este in-tegra as informações temporariamente ativadas, com os dados provenien-tes da memória de longo prazo, em uma única representação episódica, que reúne as informações de diferentes modalidades, tanto viso-espaciais quanto linguísticas (GATHERCOLE, BADDELEY, 2003; HELENE, XAVIER, 2003; BUENO, OLIVEIRA, 2004; UEHARA, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2010; MOURÃO-JÚNIOR, MELO, 2011; UEHARA, CHARCHAT-FICHMAN, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2013).

Em 1958, o psicólogo experimental inglês Donald E. Broadbent (1926-1993), um dos pioneiros da psicologia cognitiva, propôs a teoria do filtro atencional. As informações originadas de diversas modalidades sensoriais seriam filtradas antes de seu processamento. A atenção depen-deria de um canal de categorização das informações, com capacidade limitada, que filtraria os estímulos de acordo com algumas característi-cas físicas pré-selecionadas, antes da sua identificação. Por meio dele, só se realizaria uma operação por vez. Por isso, quanto maior o número de objetivos a serem alcançados em uma tarefa, pior seria o desempe-nho do individuo (HELENE, XAVIER, 2003; CRUZ, 2012)

Em 1986, o engenheiro e psicólogo americano Donald Norman (1935-) e o neuropsicólogo cognitivo inglês Tim Shallice (1940-) tam-bém investigaram os processos de seleção da atenção e propuseram um modelo cognitivo: o Sistema Atencional Supervisor (SAS), cujas funções se encontrariam nos lobos frontais. Eles diferenciaram dois processos atencionais: os automáticos e os controlados. Os primeiros seriam pro-cessados paralelamente e mostrar-se-iam mais velozes do que os últimos, que demandariam por maior atenção e se realizariam em sequência, de modo mais lento. Dois programas controladores (um pré e outro pós-con-trolador) seriam necessários para a seleção e planejamento das ações em situações rotineiras ou novas (CRUZ, 2012; UEHARA, CHARCHAT-FICHMAN, LANDEIRA-FERNANDEZ, 2013).

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Nos anos de 1990, gradualmente a psicologia cognitiva se di-versificará dos princípios do processamento de informação. Surgirá uma psicologia cognitiva experimental ou ainda uma neuropsicolo-gia cognitiva (VIEIRA, 1998; ANDRADE, SANTOS, 2004; BUENO; OLIVEIRA, 2004). De certa forma nelas se delimitarão as questões co-locadas pela neurociência, que podem ser lidadas mais especificamente no estudo da cognição. No entanto, as explicações cognitivas conti-nuarão independentes das explicações neurológicas (IMBERT, 1998; LENT, 2005). Como sustentado por Smolensky (1998), o cérebro realiza o processo neuronal e a mente, o processo simbólico. Só posteriormente os conhecimentos destas duas ciências se integrarão de fato.

Em 1989 George Miller proferiu a palestra: “The place of language in a scientific psychology” (O lugar da linguagem na psicologia cientí-fica) e também se tornou um dos fundadores da moderna psicolinguís-tica. Ele reconheceu que a mente humana poderia ser compreendida e explicada como um computador, a partir do modelo de processamento de informação. Com base nas teorias da informação, da comunicação e da inteligência artificial, ele também trouxe contribuições para o campo da psicologia cognitiva (PINKER, 2013).

Na década de 1990, o neurobiólogo William Calvin (1939-) sus-tentou que são os processos neurais darwinianos (evolutivos) que pos-sibilitaram ao cérebro exibir inteligência e consciência. De acordo com ele, primeiro o cérebro representaria o meio ambiente. Tal órgão criaria uma série de possibilidades sobre o mundo (cenários) para depois po-der agir (motoramente). A atividade organizaria e orientaria o comporta-mento do organismo nas diferentes situações. Quando uma informação fosse recebida (“input” ou entrada), a seguir ocorreria o pensamento, a partir dos cenários de ação possíveis; logo depois, uma resposta (esco-lhida) seria produzida (CALVIN, 1998; TEIXEIRA, 2008).

Por décadas predominou o modelo computacional da mente. Entretanto, durante o final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980 se questionou o papel central que o computador ocupava no cognitivis-mo clássico (ou funcionalista). Eccles (1989) se opôs frontalmente a

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qualquer tentativa de se comparar o cérebro com uma máquina, mesmo que se tratasse dos mais complexos computadores. Julgava que expli-car processos mentais a partir de simulações em computadores estaria “aquém de todas as expectativas” (Ibid, p. 213). Até então, se sustentava a existência da analogia entre computadores digitais e sistema cognitivo humano (TEIXEIRA, 2000). Em contraposição, surgiu a teoria conexis-ta, corrente conexista ou conexionista29, que também é conhecida como “Parallel distributed processing” – PDP (Processamento distribuído em paralelo ou Processamento por redes neurais ou ainda Processamento distribuído em redes paralelas).

No conexismo, estabeleceu-se um modelo em rede, em correspon-dência à comunicação entre as células do cérebro humano (neurônios). Nele, a analogia com o computador foi substituída pela analogia com a inteligência biológica. Neste sentido, este novo modelo se aproximará da concepção que já era proposta pela ciência da Inteligência Artificial (KOVÁCS, 1997; ANDLER, 1998). Conforme Smolensky (1998, p. 77), os sistemas conexistas são “redes de processadores extremamente simples, que estão maciçamente interconectados e operam em paralelo”.

A noção de processamento paralelo originou-se da informática. Para se resolver o problema relativo à limitação física para a velocidade de qualquer circuito computacional e se obter um desempenho que exce-desse tal limite, se concebeu um modelo para acelerar os programas de computador (VIEIRA, 1998). Tais modelos matemáticos de redes cor-respondem ao modo como se supõe que os neurônios no cérebro humano se distribuem. No conexionismo se testará modelos, com base no proces-samento distribuído em paralelo ou nas redes neurais. Em tal perspec-tiva o computador será relegado ao segundo plano, como coadjuvante.

Tal modelo foi proposto pelo americano Warren Sturgis McCulloch (1898-1969). Formado em filosofia e psicologia, ele também cursou me-dicina e se dedicou à neurofisiologia, em estudos sobre o sistema ner-voso. Foi um dos pioneiros da cibernética. Com base na observação de

29 Conforme diferentes traduções dos termos originais da língua inglesa.

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que os neurônios se ligam por meio de redes, McCulloch concebeu um dos modelos de representação da informação dentro da mente, que ficou conhecido como “bottom-up” (de baixo para cima) ou “data-driven” (di-recionado pelos dados brutos). Nela as descrições são mecanicistas e se apoiam nas investigações sobre os potenciais de ação dos neurônios, ou seja, na comunicação neuronal. No caso deste modelo, se supunha que ele seria dirigido pela entrada dos dados. Ele se daria de baixo para cima, ou seja, do dado bruto para o seu processamento ou da periferia (partes) em direção ao centro (o todo). Na teoria conexista, teoria de redes neu-ronais ou processamento paralelo distribuído deu-se a preferência por explicações baseadas na abordagem “bottom-up”. Em um segundo mo-delo, antagônico a este primeiro, denominado “top-down” (de cima para baixo) ou “knowledge driven” (direcionado pelo conhecimento ou infor-mação) se supunha que o processamento se daria do todo em direção às partes, ou de cima para baixo; dirigido por estruturas de conhecimento, estocados em memória. Ele estava baseado nas descrições mecanicistas do sistema nervoso, em que o seu funcionamento (raciocínio e compu-tação simbólica) pode ser reproduzido por máquinas a partir de abstra-ções matemáticas, tais como as máquinas de Babbage ou de Turing. Os adeptos da Inteligência Artificial, ou do cognitivismo clássico (que uti-lizavam a metáfora do computador) adotaram uma abordagem do tipo “top-down” ou “knowledge driven”. O psicólogo alemão Ulrich Neisser (1928-2012) propôs a integração entre estes dois modelos antagônicos de representação da informação dentro da mente. Ele sustentou que a ativi-dade cognitiva implicaria nos dois procedimentos, de modo simultâneo (KOVÁCS, 1997; LÉON-CARRIÓN, 2002; McCULLOCH, 2012).

A grande contribuição da psicologia cognitiva foi a de ultrapassar a concepção behaviorista radical. Nela se comprovou que seria possível haver estados mentais entre o estímulo e a resposta. Eles poderiam ser estudados de modo objetivo e científico, o que possibilitou a agregação de um nível de explicação psicológica, comprometida com uma função física (OLIVEIRA, 1990; FARAH, 1997; KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001). Atualmente predomina nela a noção das redes neurais

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como metáfora do processamento paralelo, simultâneo e que ocorre em múltiplos locais do cérebro. O seu pressuposto é o de que as áreas dis-tintas do cérebro produzem juntas operações mentais coordenadas, ou seja, elas constituem um conjunto indivisível e cooperativo (FEINBERG; FARAH, 1997).

Até por volta do final da Segunda Guerra Mundial, o pêndulo de interesse sobre a relação entre cérebro e mente fixou-se sobre os aspec-tos constitucionais, orgânicos, genéticos ou fisiológicos. O cérebro era visto como uma máquina para todas as finalidades. Qualquer parte do cérebro poderia servir para qualquer função mental (GARDNER, 2000). Embora a metáfora mecanicista do cérebro, como uma máquina, tenha perdurado até o século XIX, tal cenário começou a se transformar a par-tir do final do século XX. Como ressaltado por Kovács (1997, p. 9): “o cérebro sem uma mente, (...), reduz-se a uma máquina biológica refle-xiva, monotonamente automática, como dos pacientes comatosos”. Tal crítica também se estenderá ao campo da psicologia. O cognitivismo clássico será questionado em relação a diversos aspectos por sua pers-pectiva monista, reducionista e computo-representacional do complexo mente e cérebro.

Durante a década de 1950 as questões filosóficas sobre as rela-ções entre mente e cérebro ressurgiram na agenda dos filósofos. Porém, de uma maneira diferente. Eles retomaram as antigas discussões sobre a natureza do mental sob uma perspectiva interdisciplinar, com base nos conhecimentos da psicologia e da neurociência, que foram integrados à abordagem filosófica (JACOB, 1998).

Desta forma, constituiu-se a filosofia da mente. Segundo Teixeira (2000), o seu problema central foca-se sobre a natureza dos processos mentais e suas relações com o cérebro. Ele também destaca que entre as décadas de 1970 e 1980 os filósofos da mente passaram a discutir se máquinas podiam “pensar”. Deste debate originou-se uma série de con-fusões linguísticas (resultantes do abuso da metáfora computacional), devido à transposição indistinta de alguns termos, utilizados para designar funções realizadas por mentes, para computadores digitais, tais como:

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pensamento e memória. As contribuições do campo da filosofia da mente constituíram uma das bases da ciência cognitiva moderna (ZILIO, 2010), juntamente com a ciência da computação e a neurociência.

Há diversas correntes dentro da filosofia da mente, mas, resumi-damente, elas podem ser caracterizadas como dualistas ou monistas. Na primeira, defende-se a dicotomia entre mente e cérebro, ou seja, a men-te teria uma existência independente do cérebro. Ela seria uma estrutu-ra abstrata irreconciliável com a materialidade. Na segunda, se explica o mental como um fenômeno cerebral ou físico. Há também os agnósticos, ou seja, alguns teóricos que julgam que a relação entre mente e cérebro é insolúvel por acreditarem que a vida mental só tem acesso aos conte-údos mentais. Não é possível se acessar os processos cerebrais que pro-duzem o pensamento (FODOR, 1981; TEIXEIRA, 2000; TEIXEIRA, 2008; VICTORINO, 2009; ZILIO, 2010).

As abordagens monistas se subdividem. Em uma de suas verten-tes (o materialismo ou fisicalismo), se sustenta que a atividade mental se resumiria a estados físicos e químicos do cérebro. Nela cabe a ideia de existência de uma energia mental (subjacente e constante às funções mentais), por se considerar a energia também como física. Em outra, os estados mentais estariam identificados com os estados físicos (teorias de identidade). Em uma terceira possibilidade (reducionismo), eles seriam reduzidos aos estados cerebrais. Em uma quarta (emergentismo ou te-orias da superveniência), eles se originariam de estados cerebrais, mas apresentariam propriedades não físicas especiais (ANCONA-LOPEZ, 1987a; TEIXEIRA, 2000; VICTORINO, 2009).

Um dos expoentes da filosofia de mente é o filósofo america-no Daniel Dennett (1942-), também pioneiro da ciência cognitiva. Fortemente influenciado por teóricos da Inteligência Artificial, ele afir-ma que a mente se manifesta como comportamento e ela resulta daqui-lo que acontece no cérebro. Ele não aceita a existência de ideias dentro da cabeça (TEIXEIRA, 2008). Conforme Kovács (1997, p. 185), para Dennett “a consciência e seu conteúdo são uma mera ilusão, sem deixar claro quem está sendo iludido”.

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Outro renomado filósofo da mente é o também americano John Searle (1932-), conhecido por propor o naturalismo biológico, para su-perar as explicações dualistas de cunho computacional, comportamen-tal, social ou linguístico. Searle (2000, p. 57) explica que o seu método é naturalismo, pois “a mente faz parte da natureza” e é biológico “por-que o modo de explicação da existência de fenômenos mentais é bio-lógico”. Ele assume que processos mentais são características de nível superior do sistema cerebral e são causados por fenômenos do cérebro, ou seja, neurobiológicos (SEARLE, 2000; ANDRADE, 2014; LYRA, MOGRABI, EL-HANI, 2016). Para ele, os estados mentais e a consci-ência são o resultado do que acontece durante a atividade neuronal (in-clusive as atividades inconscientes). Ao discutir a função da consciência, sustenta que muito do que se faz de fundamental importância para a so-brevivência da espécie humana demanda por atividade consciente. Para ele, não se pode eliminar a consciência e manter-se o comportamento. Tal suposição implicaria em se aceitar que a consciência não é uma parte física do mundo físico (como ele defende), ou seja, seria assumir-se er-roneamente, o dualismo da consciência, em relação ao comportamento. O tema da intencionalidade, recorrente na filosofia, é também retomado por Searle. Para este autor a intencionalidade “é aquela característica da mente graças a qual os estados mentais são dirigidos a, ou falam de, ou se referem a, ou apontam para estados de coisas no mundo” (SEARLE, 2000, p. 67).

O filósofo australiano David Chalmers (1966-) defende um dua-lismo entre mente e cérebro desde 1969. O seu dualismo é tido como naturalista, porque ele julga que a experiência consciente, assim como o espaço e o tempo, constitui uma das características do mundo. Para ele a consciência não pode ser imitada na natureza. Por isso, não se pode teorizar sobre a mente, sem explicar-se a natureza da consciên-cia. A existência humana sempre pressupõe a consciência do que se faz (TEIXEIRA, 2008).

A partir da década de 1980 surgiu uma concepção radical do ma-terialismo, ao qual foi adicionado o adjetivo eliminativo. Avalia-se que

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o uso de termos psicológicos para lidar com questões relativas à mente é inadequado e propõe-se que se adote a terminologia da neurociência. Porém, no materialismo eliminativo não se discute o reducionismo do mental ao cerebral. Nele se elimina toda e qualquer linguagem psicoló-gica para se referir aos fenômenos mentais e concebe-se uma linguagem essencialmente neurológica como a da verdadeira ciência (TEIXEIRA, 2000; ZILIO, 2010).

A filósofa canadense Patricia S. Churchland (1943-) propôs o uso do termo neurofilosofia para denominar tal corrente de pensamento aci-ma referida. Ela integra esta escola da filosofia da mente, que também é denominada “strong artificial intelligence” (inteligência artificial rí-gida) juntamente com o seu marido, o também filósofo americano Paul Churchland (1942-). Com base nas concepções de Minsky, eles pressu-põem que os processos mentais são funções, que podem ser reproduzidas em uma máquina digital por meio de cálculos. Tal máquina equivale-ria biologicamente ao cérebro (KOVÁCS, 1997). Assim, afirmam que a neurociência (a ciência do cérebro) poderá resolver os problemas da fi-losofia da mente porque, em um futuro próximo, será capaz de explicar os fenômenos mentais. Mas Teixeira (2000) questiona se estes filósofos acreditam que, por meio do conhecimento neurocientífico, também será possível responder-se aos problemas das ciências cognitivas.

Nas ciências cognitivas os conceitos sobre o cérebro foram integra-dos em teorias, por meio das quais se tentou explicar o funcionamento mental. Aceitar-se-á que funções e processos cognitivos fundamentam--se sobre as estruturas cerebrais, ou seja, eles “são, em última instância, igualmente manifestações e expressões do cérebro” (IMBERT, 1998, p. 56). Conceitos, teorias e problemas da psicologia (relações entre cére-bro e mente bem como entre cérebro e comportamento), das ciências da computação (Inteligência Artificial), da filosofia (da mente e epistemoló-gica), da biologia (neurociência e biologia molecular), da linguística (lin-guagem) e da antropologia (estudos culturais) serão importados para uma nova área, que surgirá da convergência de todos estes conhecimentos: a neurociência cognitiva. Nela emergiu um corpo de conhecimento, distin-

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to desta diversidade de trabalhos filosóficos e científicos, ou seja, uniu--se a neurociência com a ciência cognitiva (FODOR, 1981; OLIVEIRA, 1990; KOVÁCS, 1997; IMBERT, 1998; BUENO; OLIVEIRA, 2004; LENT, 2005; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005; MENDONÇA, AZAMBUJA, SCHLECHT, 2008).

Os conhecimentos da neurociência, da biologia molecular e da psicologia cognitiva se unificarão em uma ciência comum: molecular e comportamental. Tal fato originou novas concepções sobre as inter-rela-ções entre funções mentais e cérebro. Neste campo específico, em que se processou uma aproximação entre psicólogos, neurocientistas, cientistas da computação e também filósofos da mente, se desenvolverão os estu-dos sobre as capacidades superiores, tipicamente humanas, tais como a linguagem, a autoconsciência ou a memória. Durante a década de 1980, o psicólogo americano Michael Posner (1936-) integrou as abordagens cognitivas, experimentais e biológicas, ao estudo das funções cerebrais mais complexas (STERNBERG, 2000). Nos anos de 1990, destacou-se o papel do cérebro como substrato biológico da cognição (SUTHERLAND, 1996; KOVÁCS, 1997; VIEIRA, 1998; GARDNER, 2000). Conforme a crítica de Teixeira (2000, p. 11), a década de 1990 caracterizou-se como um período em que “mais do que em qualquer época, tentou-se tornar a ciência da mente uma ciência do cérebro”. Predominou a noção de que seria possível reduzir estados mentais às suas prováveis bases neurofi-siológicas, particularmente porque, paralelamente, avanços na biolo-gia molecular levaram à crença de que se poderia desvendar a natureza da mente humana (SQUIRE; KANDEL, 2003). Ao final da década de 1990 entendia-se que a mente humana refletiria a estrutura do cérebro, mas as suas relações ainda precisariam ser elucidadas.

Nos anos de 1970, a Inteligência Artificial foi duramente contesta-da. Questionou-se e criticou-se a noção de que os processos cognitivos poderiam ser produzidos por uma máquina. De acordo com os conexistas somente uma máquina idêntica ao cérebro poderia se tornar cognitiva. Para eles, as redes neurais seriam capazes de simular fenômenos cogni-tivos, compreendidos por tais cientistas como “processos calculatórios

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e representacionais” (ANDLER, 1998, p. 48). Agregou-se a este deba-te a neurofilosofia, que tem por objetivo unir a neurociência cognitiva com a filosofia da mente e se tornar a ciência unificada do cérebro e da mente. No entanto, isto está longe de se concretizar (KOVÁCS, 1997; VIEIRA, 1998; DAMÁSIO, 2000b; GARDNER 2000; VICTORINO, 2009). Em 2000 surgiu a neurociência social e cognitiva, em que se busca associar aspectos do comportamento, da cognição social com o cérebro (GAZZANIGA; HEATHERTON, 2005). Além disto, aspectos ambien-tais também entraram na discussão das questões relativas à relação en-tre mente e cérebro.

Em 1945, o psicólogo alemão Kurt Lewin (1890-1947), que con-cebeu a Teoria do Campo, descreveu que o comportamento seria uma função resultante da relação do indivíduo com o ambiente. Na déca-da de 1960, o psicólogo americano Marak Richard Rosenzweig (1922-2009) e a, também americana, neuroanatomista Marian Cleeves Diamond (1926-) comprovaram, por meio de estudos com animais, que o cérebro continuava a se desenvolver, se adaptar e se transformar, com base nas experiências de vida do indivíduo, em suas interações com o seu meio. Sustentaram que ambientes estimulantes se associavam a mudanças ana-tômicas e bioquímicas do cérebro e assim, confirmaram a neuroplastici-dade deste órgão. Mas tal concepção não era nova. Em 1930, o médico e fisiologista alemão Albrecht Julius Theodor Bethe (1875-1954) já ti-nha empregado o termo plasticidade do córtex cerebral (FERRARI et al., 2001; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005; PASCUAL-LEONE et al., 2005; MUSZKAT, 2006; DUARTE, BARBOSA, 2010).

Com o avanço da neurociência e das ciências cognitivas o mo-delo do cérebro como máquina foi superado pelo do cérebro modular, como um ecossistema. Junto com esta noção mais orgânica surgiu a no-ção de plasticidade cerebral ou neuroplasticidade. Ela representa a mu-dança adaptativa na estrutura e função do sistema nervoso, que ocorre em qualquer fase da ontogenia, como função de interações com o meio ambiente interno e externo, ou ainda como resultante de lesões que afe-tam o ambiente neural. Com esta concepção a organização dos neurô-

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nios será explicada como modulada pelo ambiente (MUSZKAT, 2006). Porém, estas e outras noções já tinham sido antecipadas por Vygotsky desde o final da década de 1920 na Rússia. Mas tal autor foi ignorado pela ciência ocidental durante décadas.

Na neurociência cognitiva os processos mentais foram estudados, com base no funcionamento cerebral. A neuropsicologia surgirá do in-teresse por se investigar a base anatômica das funções cognitivas bem como a sua relação com lesão cerebral e transtornos neurocognitivos. Desde o século XIX já existia uma neuropsicologia restrita aos neuro-logistas (BOLLER, 1999). No entanto, só durante a segunda metade do século XX que ela se tornará uma ciência interdisciplinar de fato. Mesmo assim, o estudo da mente humana não terá superado uma perspectiva a--histórica. Por isso, durante a década de 1970, muitos estudiosos encon-trarão na abordagem sócio-histórica uma alternativa para ultrapassar tal dificuldade. Será nesta década que as obras de Vygotsky serão divulgadas para o público de língua inglesa (traduzidas do russo para o inglês). Com base nos seus pressupostos teóricos, um dos mais importantes de seus colaboradores estruturará a neuropsicologia russa ou clássica (LURIA, 1973; HOMSKAYA, 2001).

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Capítulo 6

Relação mente e cérebro: da neuropsicologia russa de Luria ao

surgimento da neuropsicologia cognitiva

Apesar dos grandes avanços ninguém ainda foi capaz de explicar e esgotar todas as possibilidades sobre a relação entre mente e cérebro. Com todo o progresso da neurologia, da neurofisiologia, da neurobio-logia ou com as mais atuais tecnologias de neuroimagens, em nenhuma área do conhecimento científico se chegou a um consenso a este respei-to. Todos os esforços necessários têm sido feitos no sentido de se en-contrar uma explicação cada vez mais integrada sobre o funcionamento cerebral e a sua relação com as funções mentais. O intercâmbio de co-nhecimentos entre diversas disciplinas foi essencial. Novos campos de atuação que fazem interfaces com diversas abordagens teóricas têm sur-gido. Por isso, valoriza-se o trabalho interdisciplinar, em equipes mul-tiprofissionais e também se busca superar os limites das disciplinas, na adoção de perspectivas transdisciplinares (ALMEIDA FILHO, 2007; BERNI, 2010; RODRIGUES, CIASCA, 2010).

A aproximação entre a neurologia e a psicologia se iniciou durante o início do século XX. Em 1913, William Osler (1849-1919) utilizou o termo neuropsicologia pela primeira vez, em uma conferência que realizava nos Estados Unidos. Considera-se que foi ele quem propôs tal área como uma disciplina. Na mesma época, na URSS, também se discutia a aproximação entre as duas áreas. Em 1923, ocorreu o I Congresso de Psiconeurologia em Moscou (BOLLER, 1999; KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001; PINHEIRO, 2005; ALCHIERI, 2004; MOLON, 2011).

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A neuropsicologia é uma especialidade da neurociência (RODRIGUES; CIASCA, 2010). Constitui o “estudo do comportamen-to em relação aos mecanismos anatômicos e fisiológicos do cérebro” (KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001, p. 263). Nela se estuda a relação entre lesão cerebral, cognição e comportamento, bem como a sua base neural, ou seja, tanto o funcionamento normal do sistema nervoso quanto o patológico. Ela constituiu-se no estudo das complexas funções psicológicas, que não estão localizadas no tecido cerebral (DAMÁSIO, DAMÁSIO, 1997; BOGGIO et al., 2006; COSENZA, FUENTES, MALLOY-DINIZ, 2008). Pode ser definida como o estudo das rela-ções entre cérebro e comportamento (BOLLER, 1999; CAMARGO, BOLOGNANI, ZUCCOLO, 2008). Nela incluem-se os procedimentos neuropsicodiagnósticos e de reabilitação de transtornos neurocognitivos.

No Brasil, a formação em neuropsicologia é especializada desde 2004, quando na Resolução CFP Nº 002/2004, a sua prática foi regula-mentada como também se reconheceu tal campo teórico e de atuação como exclusivo do psicólogo (ANDRADE; SANTOS, 2004). De acor-do com a Resolução CFP Nº 013/2007 (que normatiza os procedimen-tos para a obtenção de título profissional de especialista em Psicologia), para se atuar como neuropsicólogo é necessária a formação graduada em Psicologia e o título de especialista em neuropsicologia (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2004, 2007).

A neuropsicologia clássica ou russa pode ser definida como a ci-ência do cérebro humano em funcionamento, que tem por “objetivo, es-pecífico e único, investigar o papel dos complexos sistemas do cérebro individual nas complexas formas de atividade mental” (LURIA, 1973, p. 16). Por meio dela, se explicam as funções cognitivas como constelações de sistemas funcionais complexos que se inter-relacionam com conste-lações de estruturas cerebrais que lhe servem de substrato. Com ela se busca a compreensão do cérebro e dos processos mentais. Começou a se estruturar durante a Segunda Guerra Mundial e no período pós-guer-ra, na década de 1940, em razão dos atendimentos aos soldados feridos (LURIA, 1992). Milhares de lesões cerebrais exigiram dos profissionais

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de diversas áreas, o máximo empenho para se garantir a sobrevivência de casos complexos nunca antes observados (LURIA, 1992; HOMSKAYA, 2001). Dentre estes profissionais encontrava-se o cientista social e médi-co russo, Aleksander Romanovich Luria (1902-1977). Ele afirmou que de 1936 a 1945 dedicou-se ao “estudo da dissolução e da restauração das funções psicológicas superiores, nos termos dos mecanismos cere-brais que as controlam” (LURIA, 1992, p. 60).

No início da guerra, Luria trabalhava no “Instituto Estatal de Medicina Experimental de Moscou”, cujo diretor ficou responsável por planejar, criar e organizar o serviço para tratamento de lesões no siste-ma nervoso central dos militares, que eram transportados para lá, após receberem os primeiros cuidados médicos nos hospitais montados no campo de guerra. Depois de permanecerem neste instituto, eles eram en-caminhados para os centros de reabilitação de diversas partes do país. Luria se alistou como voluntário nos primeiros meses da guerra, mas foi chamado de volta, pelo governo russo, para continuar suas pesqui-sas científicas. Ele organizou e dirigiu um dos serviços de reabilitação, onde trabalhava com uma equipe interdisciplinar, composta por: psicó-logos, neuropatologistas, neurocirurgiões, psiquiatras, fisiologistas, en-tre outros. Como chefe desta equipe, supervisionava as reabilitações dos soldados. Em razão dos transtornos mentais e comportamentais que estes pacientes apresentavam como consequência de seus comprometi-mentos neurológicos, foi necessário repensarem-se novas formas de se lidar com tais incapacidades. Ao mesmo tempo em que indagações prá-ticas eram produzidas, discussões teóricas se realizavam e a formação de novos profissionais tinha que ser providenciada. Luria e sua equipe enfrentaram tal desafio: promoveram conferências sobre casos clínicos, publicaram materiais científicos e criaram novos métodos avaliativos e de reabilitação (LURIA, 1992; HOMSKAYA, 2001).

Luria integrou sua experiência clínica, sua capacidade intelectual, o seu vasto conhecimento científico, a uma profícua colaboração com Vygotsky. Ele não só compartilhou de várias concepções com Vygotsky, como também ampliou a sua concepção biológica de funcionamento

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mental, ao conceber uma teoria neuropsicológica. Também foi capaz de romper com o artificialismo dos laboratórios ao propor um novo modo de se compreender a complexidade e o dinamismo dos fenômenos men-tais e cerebrais. Soube colocar questões pertinentes à pesquisa empírica e definiu uma série de programas de pesquisa para a neuropsicologia. Concebeu um método para diagnosticar as lesões cerebrais localizadas e desenvolveu técnicas de reabilitação de funções comprometidas. Em sua abordagem, exigiu uma atitude ativa do pesquisador, tanto na cria-ção de técnicas, no uso de instrumentos quanto na escolha dos procedi-mentos, consistentes com os fundamentos da psicologia sócio-histórica (LURIA, 1992; HOMSKAYA, 2001; GLOZMAN, 2003; OLIVEIRA; REGO, 2010).

Dentre as avaliações psicológicas, a neuropsicológica é uma de suas modalidades (CUNHA, 2000). Nela, além de conhecimentos sobre psicometria e psicologia clínica, também se demanda por especializa-ção e prática em situações profissionais em que se exigem informações sobre o sistema nervoso bem como os seus transtornos (patologias e disfunções). Miranda (2006) destaca que a evolução da avaliação neu-ropsicológica, está pautada nos aportes teóricos das neurociências inte-grados à prática psicológica e ao psicodiagnóstico tradicional. Também considera a contribuição que as tecnologias de neuroimagem produzi-ram sobre o conhecimento das relações entre cérebro e comportamento, bem como os conhecimentos adquiridos com os métodos e técnicas de reabilitação neuropsicológica.

De acordo com Lezak et al. (2004), a neuropsicologia clínica é uma ciência aplicada, em que se estuda a manifestação de transtornos cerebrais no comportamento. Neste sentido, a avaliação neuropsicológi-ca auxilia no estabelecimento de diagnósticos diferenciais como também na identificação de problemas de comportamento que possam indicar a manifestação de um transtorno cerebral. Ela fornece subsídios para as intervenções médico-cirúrgicas, além de valiosas informações sobre a evolução ou involução do quadro, ao longo do tempo. Também é útil e fundamental para a re-colocação acadêmica ou profissional e o planeja-

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mento da reabilitação neuropsicológica do paciente. Quando um indiví-duo sofreu uma lesão encefálica ou foi exposto a substâncias tóxicas, os transtornos neuropsicológicos podem ser os únicos sintomas a expressar a presença do problema (LEZAK, 1997).

Durante o pós-guerra Luria tinha particular interesse pela reabi-litação dos pacientes com lesão cerebral localizada (ou focal). Naquela época o maior problema que se colocava para os psicólogos era como se reabilitar a atividade mental. Luria percebeu que seria fundamental se manter as capacidades laborais do paciente. Também entendeu que para se alcançar tal objetivo, seria preciso ter um profundo conhecimen-to a respeito das condições pessoais de vida do sujeito. Deveria se co-nhecer o modo como aquele indivíduo se autoavaliava (LURIA, 1992; HOMSKAYA, 2001).

Fundamentado em mais de 800 casos de militares com transtor-nos cerebrais, que ele acompanhou, Luria publicou “Traumatic afasia” (Afasia traumática), em 1947. Nele, se opôs frontalmente contra a no-ção ocidental sobre as afasias, em que se sustentava que haveria centros específicos para a fala no cérebro. Ele expôs a sua concepção original sobre a organização neural da fala e de seus transtornos. Com base na ideia de que a atividade cerebral se acharia organizada em unidades fun-cionais, ele sustentou que tal organização se daria de modo hierárquico e sistêmico. Em 1948, a obra “Functional recovery from military brain wounds” (Recuperação funcional de lesões cerebrais ocorridas no ser-viço militar) foi disponibilizada para o público. Nela, propôs pela pri-meira vez os princípios fundamentais da reabilitação neuropsicológica. Tais trabalhos mudaram os rumos da neuropsicologia russa e também influenciaram a forma como a reabilitação neuropsicológica é realiza-da hoje em dia (Ibid).

Como ressaltado por Wilson et al. (2011), na reabilitação neurop-sicológica, essencialmente, se lida com os transtornos cognitivos decor-rentes de lesões do cérebro. Embora ela esteja voltada para a reparação ou alívio das consequências de prejuízos cerebrais em relação às fun-ções emocionais, comportamentais e motoras (incapacidades), nela tam-

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bém se consideram as repercussões destes problemas na vida cotidiana do indivíduo (desvantagens). Restaurar ou compensar tais funções, por meio de estratégias não são os seus únicos objetivos. Neste tipo de reabi-litação também se atua junto aos profissionais envolvidos no tratamento multidisciplinar, aos familiares e ao grupo social, com base em uma vi-são de ser humano como uma totalidade biopsicossocial (AMIRALIAN et al., 2000; FARIAS, BUCHALLA, 2005).

Dentro da neuropsicologia há outra área multidisciplinar, em que diversos conhecimentos são integrados: a neuropsicologia do desenvol-vimento (MIRANDA; MUSZKAT, 2004; MUSZKAT, 2006). Nela se es-tudam as transformações que ocorrem durante o período do ciclo de vida que se estende da infância à adolescência, em que diversas habilidades são adquiridas, e como elas estão relacionadas ao cérebro. Tais mudan-ças são determinadas por processos neurobiológicos, como também pelo contato sócio-cultural. Elas provocam marcantes diferenças entre os indi-víduos e grupos sociais (CIASCA; GUIMARÃES; TABAQUIM, 2006). Neste sentido, deve-se destacar a atuação de profissionais brasileiros jun-to aos povos indígenas (CONSELHO REGIONAL DE PSICOLOGIA DA 6ª REGIÃO, 2010) e a área da neuropsicologia transcultural, em que se ressalta a importância de se considerar as condições sócio-cultu-rais e materiais do indivíduo, especialmente quando são realizadas ava-liações neuropsicológicas, porque tais fatores afetam os resultados dos testes neuropsicológicos (ALCHIERI, 2004).

No ano de 1924, Luria conheceu Vygotsky, durante uma conferên-cia que este proferiu em Leningrado (URSS), durante o II Congresso de Psiconeurologia (LURIA, 1992; MOLON, 2011). As suas ideias foram inspiradoras para Luria (1973; 2012), que com ele trabalhou em diver-sas pesquisas e que também retomou muitos dos temas por ele aborda-dos. Luria veio a se tornar o mais fiel de seus colaboradores. Desde então e, mesmo depois da morte de Vygotsky, ele sempre reconheceu e valo-rizou os seus ensinamentos para a sua formação científica. Tal postura de Luria se comprova com o relato de Akhutina (2002). Ela refere que, quando mostrou sua tese de doutorado para ele, a sua única correção foi

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riscar o seu próprio nome e colocar em seu lugar o nome de Vygotsky, no capítulo em que ela discorria sobre os princípios da neuropsicologia. Luria fez questão de colocar todos os créditos para Vygotsky. De fato, ele influenciou decisivamente os trabalhos na área da neuropsicologia russa (LURIA, 1963; VIGOTSKI, 1999a), como testemunhado por Luria (2012, p. 34), ao comentar de qual das áreas de interesse de Vygotsky ele mais se aproximou: “[...] aquela que certamente exerceu a maior in-fluência em minha própria carreira, foi a da neurologia. Este interesse fez com que nós dois realizássemos cursos na Faculdade de Medicina”. Luria se formou em Medicina em 1936 e Vygotsky realizou formação em neurologia, durante o final da década de 1920 e início dos anos 30, já próximo de sua morte.

Inicialmente, os trabalhos em clínica neurológica de Vygotsky concentraram-se sobre as afasias (transtornos da linguagem). Tal es-colha se relacionou com as bases de sua psicologia sócio-histórica, ou seja, com sua convicção de que o surgimento das funções mentais su-periores seria dependente e determinado pela aquisição da linguagem. Ele criou um método de estudo, em que, primeiramente, se especifica-riam as relações entre as funções psicológicas elementares e as superio-res bem como as suas organizações cerebrais. Após, apresentar-se-iam os princípios gerais que explicavam de que modo a estrutura do funcio-namento mental se transformava, o que caracterizava os vários quadros patológicos e sua ontogênese. Segundo Luria (2012, p. 36), o método empregado por Vygotsky no estudo da afasia: “serviu como um modelo para todas as nossas investigações ulteriores em neuropsicologia”. Para eles o uso de um código verbal culturalmente determinado representaria uma forma superior de funcionamento cerebral e uma complexa função mental, só presente na espécie humana (LURIA, 1973; LURIA, 1979b; VIGOTSKI, 1999c; LURIA, 2001; VIGOTSKI, 2001; VYGOTSKY; LURIA, 1996; LURIA, 2010).

Luria (1979a, 1990, 2001) compartilhava com Vygotsky (2000) da premissa central da perspectiva sócio-histórica. Para ele, o comporta-mento humano seria determinado pela organização social do trabalho e

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pelas condições históricas a ela associadas. Tanto Vygotsky quanto Luria relacionou o desenvolvimento da atividade cognitiva com as transfor-mações históricas que ocorreram nas formas de produção e de prática social durante a evolução do ser humano (VYGOTSKY; LURIA, 1996).

Como Vygotsky (1999a), Luria (1973, 1979b, 1990, 1991a, 1991b, 1992) aceitava o pressuposto básico de que todos os processos cogniti-vos se fundamentariam no funcionamento cerebral. Entretanto, dialeti-camente, também seriam determinados por condições sócio-históricas. As principais funções mentais (percepção, memória, atenção voluntá-ria, linguagem e pensamento, entre outras) não seriam inatas ou univer-sais. Para Luria (1979a), que se opunha às ideias predominantes de sua época, elas dependeriam de um longo processo de formação e de apren-dizagem social humana. Seriam determinadas pelos modos e meios de organização da atividade adotada, ao se manipular objetos concretos e ao se interagir com outros seres humanos (LURIA, 1963). Ao se inse-rir em uma determinada cultura, a partir da manipulação de objetos físi-cos, da comunicação e da relação com outros indivíduos, se aprenderia a respeito do mundo e de si mesmo. Por isso, o surgimento das funções psicológicas mais complexas não dependeria apenas de condições bioló-gicas, como também das referidas condições mediadas. Inicialmente, tal processo se daria de modo interpessoal (exterior), para depois tornar-se intrapessoal, ou seja, internalizar-se. Assim, a origem das funções men-tais seria extra cortical (social).

Luria (1963) admitia que no desenvolvimento das funções cogni-tivas as capacidades básicas inatas seriam pré-requisitos fundamentais. Entretanto, se colocava contrário a que se interpretasse todo o desenvol-vimento ou seus distúrbios e patologias como resultantes de fatores ge-neticamente determinados. Também se opunha a qualquer tentativa de se reduzir a atividade mental à atividade nervosa superior (LURIA,1979a; 1991a). Considerava que o comportamento humano teria um caráter re-flexo, no sentido amplo do termo, ou seja, de responder conforme as condições materiais de vida e o que se aprendeu socialmente na relação com outro ser humano (LURIA, 1963).

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Do mesmo modo como Vygotsky (1999a), não concordava com a tese evolucionista em que se afirmava que a ontogênese repetia a filo-gênese. Entendia que devido às condições histórico-sociais de existên-cia do ser humano, o seu comportamento o distinguia radicalmente dos demais seres vivos. Ele seria capaz de ultrapassar o nível de percepção imediata da realidade para o nível abstrato de conhecimentos, em fun-ção de peculiaridades de sua experiência social.

Luria (1963) diferenciou as peculiaridades da atividade do siste-ma nervoso em animais e em humanos. Ele afirmou que se encontraria em ambos as principais características dos processos nervosos: força, equilíbrio e mobilidade. A força se referia à rapidez, estabilidade e con-centração com a qual novas conexões são formadas entre os neurônios. Ela manteria as conexões livres das influências externas e também ini-biriam as reações inadequadas. O equilíbrio entre os processos de exci-tação e inibição seria necessário para a adequada reação aos estímulos. A mobilidade diria respeito à capacidade de se inibir rapidamente cer-tos sistemas de conexão para mobilizar outros. Ela seria fundamental para garantir a adaptação às mudanças rápidas das condições naturais. No entanto, no ser humano, que é consciente e atua de modo voluntá-rio, as propriedades citadas seriam insuficientes para explicar as pecu-liaridades de sua atividade nervosa superior. A elas acrescentar-se-iam os processos de linguagem, que organizam suas reações e regulam o seu comportamento. Por meio da linguagem o ser humano se orienta-ria, sistematizaria as suas impressões e perceberia as próprias ações. Ele também responderia a instruções verbais de pessoas com as quais se re-laciona. Mais importante, ele subordinaria o seu comportamento às in-tenções verbalmente formuladas.

Julgava que, devido às atividades de trabalho e às necessidades de comunicação, um sistema de códigos havia se estabelecido ao longo da história social humana para designar objetos concretos e suas relações. Tal fato permitiu ao homem sair do plano sensorial e alcançar o racio-nal. Por meio da linguagem verbal o ser humano teria se tornado capaz de orientar-se em situações práticas e planejar a sua atividade de modo

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consciente, ou seja, intencional (VIGOTSKI, 1999b). Considerava a ati-vidade consciente como aquela que distinguiria o ser humano dos animais e acreditava que ela só se desenvolveria no transcurso da evolução on-togenética (LURIA, 1979a, 1979b, 1991a, 2001, 2010, 2012). Segundo ele, as condições básicas da atividade consciente do homem consistiriam na obtenção de informação, discriminação dos elementos essenciais e no registro das informações recebidas na memória (LURIA, 1979b, 1991a).

Considerava que só no ser humano os comportamentos instintivos (reflexos, fome ou necessidade sexual) eram suplantados por formas mais superiores de comportamento. Julgava que com o surgimento do córtex cerebral e dos órgãos especializados dos sentidos o comportamento per-ceptivo (a partir dos quais a atividade de pesquisa e de orientação ha-via se originado), foi possível o aparecimento de atividades adaptativas e das bases para a atividade consciente. O surgimento de ferramentas e da linguagem bem como a transição para o trabalho social possibilitou o surgimento da codificação abstrata da informação e a assimilação histó-rica da experiência. Com a atividade orientadora intelectual, o compor-tamento começou a ser precedido por ela e a ela se subordinou. Tarefas complexas foram resolvidas no plano mental e só depois concretizadas em ações exteriores. Os planos e programas de ação (ou o seu planeja-mento) se tornaram independentes da situação imediatamente perceptí-vel (LURIA, 1979b).

Conforme refere Lefèvre (1989), as concepções de Luria sobre o desenvolvimento psíquico foram inovadoras, pois permitiram se en-tender, de modo dinâmico, como o cérebro funcionava. De fato, Luria (1963) articulou os conhecimentos psicológicos com os neurológicos. Para Luria o cérebro humano seria plástico e atuaria como um sistema aberto que poderia se modificar. Ao longo do desenvolvimento filogené-tico e ontogenético, ele teria a possibilidade de criar novas funções, sem a necessidade de que mudanças fossem realizadas em sua morfologia. Com base na noção de sistema funcional fornecido por Luria (1979a), compreende-se que o sistema nervoso atua como um complexo dinâmico inter-relacionado, cujo objetivo final permanente (invariante) é produzi-

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do pelas unidades componentes de seu sistema mutável (variante). Como colocado por Andrade e Smolka (2012), o funcionamento do cérebro se-ria o que permanece e o cérebro em funcionamento seria o que muda. Para ele, tal dinamismo funcional só seria possível em razão de estrutu-ras hierárquicas conjugadas que, como resultado da evolução filogené-tica, achar-se-iam organizadas em três unidades funcionais (UEHARA; CHARCHART-FICHMAN; LANDEIRA-FERNANDEZ, 2013).

Cada uma das três unidades de funcionamento cerebral seria res-ponsável pela regulação do tônus cortical e do estado de vigília (unida-de I); pela recepção, análise, síntese e armazenamento de informações (unidade II); e pela programação, regulação, avaliação e controle da ati-vidade mental, da qual a atividade consciente seria resultante (unidade III). Elas operariam em qualquer atividade mental. O cérebro receberia e processaria estímulos sensoriais (unidade II); em seguida, criaria pro-gramas de suas ações e controlaria a execução das mesmas (unidade III). Ele trabalharia como um complexo sistema funcional integrado. Além disso, um sistema fundamental ativador (unidade I) estaria a cargo da manutenção do estado de atenção (LURIA, 1979a, 1991a).

Como Lefèvre (1989) coloca, para Luria toda a tarefa exigiria o tra-balho integrado do cérebro e a mesma tarefa poderia ser resolvida de ma-neira diferente, conforme a mobilização das várias áreas cerebrais. Luria (1979a, 1991a) entendia que as funções psíquicas não se localizavam em áreas específicas do cérebro, mas que envolveriam diferentes zonas, que atuariam de modo articulado para acionar todo o sistema funcional.

Para ele a formação da atividade mental complexa exigiria um con-junto de operações bem sucedidas. Se algum elo faltasse entre elas ou se um passo não fosse eficientemente realizado, todo o processo de desen-volvimento estaria comprometido e anomalias poderiam surgir. Qualquer comprometimento de uma área cerebral afetaria todos os sistemas fun-cionais a ela relacionados e não apenas uma função específica referente a tal localização (LURIA, 1991a, 1991b, 2001). Considerava que, em-bora pudesse se assemelhar em sua manifestação, a desorganização de certos processos do sistema nervoso, poderiam ser muito diversos em

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sua natureza. Por isso, não admitia a ideia de que os distúrbios mentais fossem manifestações diretas de um único transtorno geral. Pelo con-trário, considerava que eles seriam consequência de diversos processos anômalos (LURIA, 1963).

Luria (1979a) também abordou a questão relativa à dominância hemisférica. Ele explicou que o hemisfério cerebral dominante surgiu na espécie humana, em decorrência do predomínio do uso de uma das mãos na realização da atividade de trabalho (na maioria dos casos, a mão direita). Como consequência desta peculiar lateralização, ocorreu a dominância do hemisfério esquerdo em indivíduos destros e do direi-to, nos canhotos. Segundo ele, tal organização funcional do cérebro hu-mano também teve grande importância e se relacionou com a aquisição da fala, porque é no hemisfério esquerdo que a fala se processa.

Com as contribuições de Luria, o campo da neuropsicologia se es-truturou na URSS. O interesse de estudiosos da psicologia em integrar a seu corpo teórico os conhecimentos sobre funções corticais superiores e concepções linguísticas levará à concepção de novas metodologias. Buscar-se-á uma formulação linguística dos fenômenos neuropsicoló-gicos. Valorizar-se-á o estudo da linguagem como uma interface entre a neurologia e a psicologia. Por outro lado, o desenvolvimento psicomé-trico contribuirá para que a relação entre distúrbios das funções nervo-sas superiores e suas bases neuropsicológicas sejam compreendidos de uma forma melhor (LEFÈVRE,1989; DAMÁSIO, 2000a).

Principalmente nos Estados Unidos, alguns dos princípios da psi-cologia sócio-histórica serão adotados por outra escola, sem necessa-riamente, assumir-se completamente o seu método: a neuropsicologia cognitiva. Como comentado por Candiotto (2008), tal ecletismo provo-cará a aproximação entre teorias e técnicas epistemologicamente diver-gentes, no que é consistente com uma das características do pensamento pós-moderno. Por exemplo, Léon-Carrión (2002) aproximará os mode-los conexionistas de processamento de informações, da teoria neurop-sicológica de Luria, por avaliar que compartilham de bases conceituais semelhantes. Julga que o modelo das três unidades funcionais (aplicado

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ao cérebro) e as redes de processamento paralelo (aplicadas aos siste-mas artificiais) constitui um mesmo conceito. De modo eclético, ele se fixará apenas nos aspectos estruturais da neuropsicologia clássica e des-considerará a sólida formação sócio-histórica de Luria.

Até a década de 1970, predominava na psicologia cognitiva a me-táfora do cérebro como um computador. Nela se sustentava que, o cére-bro constituiria o “hardware” (o aspecto físico) e a mente, o “software” (o programa capaz de criar as operações internas da máquina). Assim como um mesmo computador poderia aceitar diferentes programas e um mesmo programa poderia ser acessado em diferentes computadores, concluiu-se que o “hardware” e o “software” seriam independentes, ou seja, o estudo do cérebro seria irrelevante para a psicologia cogni-tiva. Para se entender a mente, não seria necessário se compreender os aspectos cerebrais. Por isso, por muitos anos a psicologia cognitiva e a neuropsicologia se mantiveram distantes (FEINBERG; FARAH, 1997).

Em 1949 o psicólogo canadense Donald Hebb (1904-1985) publicou a obra: “The organization of behavior: a neuropsychological theory” (A organização do comportamento: uma teoria neuropsicológica). Em seu livro, sustentou que os processos de aprendizagem deveriam ser simples no nível neuronal, ou seja, ele explicou os processos de aprendizagem como resultantes de modificações sinápticas. Ele também relacionou estas alterações nas sinapses com flexibilidade cognitiva. Para ele o cérebro se mostraria bastante plástico. Segundo Hebb, neurônios que descarregam juntos formam uma mesma rede neural. Quando um neurônio ativa outro, ocorre uma provável mudança metabólica em ambos, que torna a sinapse entre eles mais intensa. Tal fato resultaria no processo de que quando um destes neurônios descarrega, a probabilidade de o outro também descarregar seja muito maior. Assim, ele provou que as redes neurais são empregadas para a aprendizagem. É possível se aprender sem um professor. Em relação à memória, ele sugeriu a existência de redes distribuídas em grandes áreas do cérebro e introduziu a noção de armazenamento distribuído no encéfalo. De acordo com ele, quando ocorresse uma lesão, um número de células interconectadas sobreviveria

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e asseguraria a representação da informação. Tal fato não foi confirmado. Não há redundância ou duplicação de função entre as diversas áreas. Cada uma contribui de modo distinto para a estocagem de memórias completas. Hebb foi considerado como um dos fundadores da psicologia cognitiva. Segundo Pinel (2005), ele teve um papel fundamental para o surgimento da psicobiologia (biopsicologia, biologia comportamental ou neurociência comportamental) porque, pela primeira vez na história, se descreveu como fenômenos psicológicos se relacionavam com a atividade cerebral (KNIGHT, 1997; KOVÁCS, 1997; KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001; GAZZANIGA, HEATHERTON, 2005; PINHEIRO, 2005; MUSZKAT, 2006; XAVIER, HELENE, 2007).

Em 1960, quando se dedicava à neuropsicologia na França, Hécaen nomeou o seu laboratório como: “Groupe de neuropsychologie et de neu-rolinguistique” (Grupo de neuropsicologia e de neurolinguística). Foi co-editor da revista “Neuropsychologia”30 (Neuropsicologia). Também foi co-fundador do “International Neuropsychological Symposium” (Simpósio Neuropsicológico Internacional), que anualmente ainda re-úne grandes nomes da área para debater temas de interesse. Discutiu a noção de esquema corporal31 e descreveu a somatognosia32, com base em seus estudou dos lobos parietais, por meio da observação de lesões. Também se encontra entre os pioneiros da neuropsicologia ocidental (TZAVARAS, 1986; BOLLER, 1999; GIL, 2003).

No ano de 1976, dois americanos, o psicólogo George Miller (1920-2012) e o neurocientista Michael Gazzaniga (1939-) concebe-ram o termo neurociências cognitivas. Elas deveriam ser diferenciadas da neurociência do comportamento, da neurociência computacional e da

30 Interessante notar que o nome do periódico do qual Hécaen era co-editor é “Neuropsychologia”(e não a palavra francesa para Neuropsicologia: “Neuropsychologie”).31 Esquema corporal é a representação mental do corpo (GIL, 2003).32 Somatognosia indica o conhecimento adquirido a respeito dos limites do próprio corpo, da postura em que se encontra o corpo e dos movimentos necessários para se executar ações físicas (GIL, 2003).

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psicologia cognitiva. Na verdade elas representam a interface entre to-das elas (KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001; PINHEIRO, 2005; MENDONÇA, AZAMBUJA, SCHLECHT, 2008; BRUER, [2016?]).

Foi somente durante a década de 1980, quando se deu o abandono do modelo computacional no campo da psicologia cognitiva, que se con-solidou a interface entre ela e a neuropsicologia americana. Esta última agregou da psicologia cognitiva o estudo de casos únicos como também questões teóricas. Porém não foi beneficiada com questões metodológi-cas. Já a psicologia cognitiva enriqueceu-se com os conhecimentos sobre localização cerebral e organização funcional das habilidades cognitivas (que tradicionalmente eram estudadas na neuropsicologia americana). Os resultados dos estudos de pacientes com transtornos neurológicos realiza-dos a partir da interpretação teórica cognitiva mostraram-se promissores. Algumas das teorias cognitivas mais atuais foram testadas com sucesso nestes indivíduos. Desta inter-relação surgiu a neuropsicologia cognitiva como um programa de pesquisa, com o objetivo geral de descrever as ba-ses biológicas da cognição humana, como também estabelecer a relação entre processos cognitivos, comportamento humano e funções cerebrais preservadas ou alteradas. Tal área se beneficiou muito com os avanços das técnicas não invasivas e tecnologias de neuroimagem. Nela se buscou as-sociar os sistemas neurais e certas funções cognitivas, tais como: atenção e memória. Também se investigou as consequências de lesões cerebrais sobre os processos mentais, que são colocados sob o controle experimen-tal (FEINBERG, FARAH, 1997; DAMÁSIO, 2000a; KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001; PINEL, 2005).

De acordo com Coltheart e Davies (1998, p. 103), a neuropsicolo-gia cognitiva “é um ramo da psicologia cognitiva”. Ela se fundamenta na observação de indivíduos que apresentam transtornos neurocognitivos adquiridos. Entretanto, na neuropsicologia cognitiva desconsidera-se o papel central dos fatores históricos e culturais, como também a existên-cia dos aspectos extra-corticais. Nela prioriza-se a avaliação quantitativa em detrimento da qualitativa, que é mais valorizada na neuropsicologia clássica de Luria.

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Durante a década de 1950 Luria manteve um intenso intercâmbio com pesquisadores internacionais, após um longo período de ostracis-mo, em razão das perseguições políticas e anti-semitas que enfrentou, enquanto Stálin se mantinha na liderança da, então, URSS. Nesta mesma época, foi convidado para integrar a comissão editorial de uma das mais importantes revistas sobre pesquisa cerebral: a “Cortex” (Córtex). Ele realizou algumas viagens internacionais a trabalho e conseguiu conven-cer profissionais sobre a importância de se traduzir as obras de Vygotsky para a língua inglesa. Também obteve convite para a tradução de algu-mas de suas obras (HOMSKAYA, 2001). Com algumas décadas de atra-so, o Brasil conheceria o trabalho de Luria.

Em 1944, o médico pediatra brasileiro Antonio Frederico Branco Lefèvre (1916-1981), realizou um curso, em que, pela primeira vez, en-trou em contato com a neuropsicologia. Ele tornou-se um dos pioneiros desta área científica no Brasil e atuou como neuropediatra. Em 1950 de-fendeu a tese: “Contribuição para a psicopatologia da afasia em crianças”. Com o tema de seu doutorado, inaugurou a possibilidade de interação en-tre neurologia e psicologia no país. Em 1975, abriu o Setor de Atividade Nervosa Superior na Clínica Neurológica da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP. Criou uma escola brasileira. Também iniciou um trabalho interdisciplinar de reabilitação de pacientes com trans-tornos neuropsicológicos, em colaboração com a filósofa e neuropsicóloga Beatriz Helena Whitaker Ferreira Lefévre (1928-2013), que foi sua grande companheira e, após a morte do esposo, deu continuidade ao seu trabalho. Em 1988 fundou-se a Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp), pela iniciativa do neuropediatra e professor de neuroanatomia do curso de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, Norberto Rodrigues e do neurologista, linguista e neuropsicólogo Jayme Maciel, da Universidade de Campinas – UNICAMP. Em 1991, aconteceu na cidade de São Paulo, o I Congresso Brasileiro de Neuropsicologia e o II Congresso Latino-Americano de Neuropsicologia, também por inicia-tiva de Norberto Rodrigues (KRISTENSEN, ALMEIDA, GOMES, 2001; MENDONÇA, AZAMBUJA, SCHLECHT, 2008).

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As obras de Luria só chegaram ao Brasil a partir da década de 1970. Foi neste mesmo período que, introduziu-se entre os procedimentos au-xiliares de diagnóstico e de planejamento cirúrgico para doenças neu-rológicas e neuropsiquiátricas a avaliação neuropsicológica, na Divisão de Neurocirurgia Funcional do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – USP (CAMARGO, BOLOGNANI, ZUCCOLO, 2008; MENDONÇA, AZAMBUJA, SCHLECHT, 2008).

Em 2003, inaugurou-se na Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, o Centro Paulista de Neuropsicologia, composto pelo Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil Interdisciplinar – NANI; o Serviço de Avaliação e Reabilitação do Idoso – SARI como também o Centro de Reabilitação em Lesões Adquiridas – CPNReb (MELLO; MIRANDA; MUSZKAT, 2006). Ele integra o Departamento de Psicobiologia da UNIFESP e se mantém com o apoio do Fundo de Incentivo à Psicofarmacologia (AFIP).

Recentemente realizou-se uma pesquisa em que se perguntou a 600 participantes de um congresso de psiquiatria se a mente seria produto da atividade do cérebro. Os investigadores constataram que 53% da amostra concordaram com a afirmação e 47% a rejeitaram. Depois de assistirem uma palestra em que tal tema foi discutido, as opiniões se inverteram: 40% respondeu positivamente e 60%, negativamente (MOREIRA-ALMEIDA; ARAÚJO, 2015). Nas primeiras décadas do século XXI, continua atual o debate a respeito das relações entre mente e cérebro.

Ainda não foi possível se descobrir o que o indivíduo pensa, a par-tir de registros eletroencefalográficos ou de técnicas de neuroimagem funcional. Não há qualquer tipo de dispositivo que traduza os sinais elé-tricos dos neurônios para os seus respectivos conteúdos mentais. Neste sentido, como bem colocado por Teixeira (2000), se tais fenômenos subjetivos só são acessados pelo próprio sujeito que os produz, e se eles não são encontrados no cérebro, onde é que eles ocorrem? A subjetivi-dade não ocorre no cérebro, mas na mente. Então para se produzir es-tados subjetivos não seria necessário um cérebro, mas apenas a mente?

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Mas quando o cérebro é alterado, a mente também se altera ou até mes-mo desaparece. Como resolver estes dilemas? Nem a filosofia nem a ci-ência têm qualquer resposta a tais questões ontológicas.

Um dos aspectos mais polêmicos deste tema relaciona-se com o estudo da consciência e as dificuldades metodológicas nele envolvi-das, em razão de seu caráter subjetivo. Damásio (2000b) procurou jus-tificar a sua relevância científica e indicar as suas bases neurológicas. Resumidamente, ele descreveu dois tipos de consciência: a central e a ampliada. A primeira seria biologicamente simples, com um único ní-vel de organização, que se manteria estável ao longo do tempo. Ela seria responsável por fornecer a experiência de ser e estar no aqui e agora (o momento presente). Tal tipo seria compartilhado com os animais. A se-gunda seria uma consciência mais complexa do ponto de vista biológi-co, que envolveria níveis e graus distintos da experiência de ser e estar, para além do presente, ou seja, em relação ao passado vivido ou ao fu-turo antecipado. Diferentemente da primeira, esta se transformaria com o desenvolvimento do organismo. Alguns animais poderiam apresentar certo nível primário deste tipo de consciência. Entretanto, o seu nível mais elevado só seria encontrado na espécie humana e seria dependen-te da existência da memória operacional e do sistema linguístico. Com ela, passado e futuro se integrariam com o presente, de um modo ex-tensamente abrangente. Ainda, de acordo com o mesmo autor, doenças neurológicas que comprometessem a consciência ampliada, não com-prometeriam, necessariamente, a consciência central. Entretanto, todos os transtornos que causassem danos ao funcionamento da consciência central, afetariam diretamente a consciência ampliada, que não existiria sem a base da consciência central. Este mesmo autor apresentou argu-mentos sobre a relação entre a consciência, a emoção (outro tema ain-da pouco explorado).

Atualmente, descobertas sobre pesquisas com células-tronco abrem novas possibilidades para a neurociência, especialmente em relação a le-sões cerebrais e às doenças neurodegenerativas, dentre outras (PEREIRA, L., 2008). No futuro talvez seja possível se repor ou se renovar células

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e órgãos (MUSZKAT, 2006; RIBEIRO, 2013). Tais procedimentos de-verão contribuir para um melhor entendimento das funções cognitivas.

A revolução informacional transformou vários aspectos da vida social. O filósofo e sociólogo tunisiense Pierre Lévy (1956-) é um dos maiores estudiosos sobre as consequências do uso da Internet na socie-dade atual. Ele rompeu definitivamente com o modelo cartesiano de se pensar, quando propôs um tipo de ecologia cognitiva (PELLANDA, 2003). Além de se tratar de cognitiva, a sua proposta também consiste em um projeto global, que implica em ações práticas. Nela se estuda o impacto da cibernética na sociedade pós-moderna. Ele concebeu o pro-jeto de inteligência coletiva, que é descrita como uma antropologia do ciberespaço (entendido como um local virtual, em que, independente-mente da localização geográfica em que os indivíduos se situem, eles possam realizar encontros por meio do uso de tecnologias e se manterem interconectados). Esta inteligência pressupõe a valorização das capaci-dades individuais e o compartilhamento destas inteligências coletiva-mente. Tal tema insere-se no campo de estudos dos aspectos sociais e culturais das tecnologias em informação, que, por sua vez, acha-se na área de Informação e Tecnologia das Ciências da Informação. Tal proje-to surgiu na década de 1990, em que o mundo ainda se dividia entre ca-pitalistas e socialistas. O uso do computador e dos novos equipamentos eletrônicos permitiu que os indivíduos se encontrassem em ciberespa-ços e se inserissem em comunidades virtuais, sem serem discriminados em razão de sua etnia, nacionalidade, ideologia ou religião. Lévy almeja “a construção do laço social baseado no saber” (BEMBEM; SANTOS, 2013, p. 143). Este conhecimento não é científico, mas é o “savoir-vi-vre ou vivre-savoir” (saber viver e viver o saber). Os intelectuais cole-tivos só podem se reunir em um mesmo local, por meio das tecnologias de informação e comunicação. São estas ferramentas que promovem a sinergia entre os saberes individuais em um ciberespaço do saber. Este espaço ainda se encontra em construção e implicará em transformações sociais, políticas e, principalmente, educacionais. Nos ambientes co-laborativos, a comunicação se dá de todos para todos. A informação é

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compartilhada e o seu armazenamento é descentralizado. A inteligência coletiva não está limitada a um número restrito de pessoas. A sabedoria é da humanidade e todos devem ter acesso a ela. Assim, ela implica em trabalho colaborativo, ou seja, coletivo. Reconhece-se que “habilidades se distribuem nos indivíduos, a fim de coordená-las para serem usadas em prol da coletividade”. Tal atividade possibilitou o surgimento de re-des, “novas formas de construção, acesso e compartilhamento de conhe-cimentos com o auxílio do computador” (Ibid, p. 141).

O recente uso de tecnologias digitais e realidades virtuais devem, em um futuro próximo, impactar sobre a expansão da cognição huma-na (DWYER, 2001; VIEIRA. 2006; RIBEIRO, 2013; PELLANDA, DEMOLY 2014), uma vez que mudanças nas práticas sociais também reconfiguram o desenvolvimento mental (LURIA, 1990; VIGOTSKI, 2000). Já se observaram resultados promissores em indivíduos autis-tas, com o uso das tecnologias “touch” (PELLANDA; DEMOLY 2014).

Na área da psicofarmacologia, um dos temas mais atuais e polêmi-cos que se tem discutido refere-se ao uso da “canabis” (planta da qual se origina a maconha) para fins medicinais. No ano de 1988 constatou-se pela primeira vez que existiriam receptores de canabinóides (os compo-nentes químicos que se encontram na “canabis”) no cérebro humano. Com isto, descobriu-se também um sistema endocanabinóide cerebral. Tal sistema produz ácidos graxos que realizam a ligação com os recep-tores de canabinóides, para regular o funcionamento do cérebro. Tal sis-tema se relaciona com diversas funções associadas à redução de dor, à produção de estado de tranquilidade, à ação antioxidante no organismo e também à proteção de células nervosas. Deste modo, a descoberta des-te sistema cerebral despertou a atenção dos investigadores para o estudo do efeito neuroprotetor da “canabis” sobre alguns transtornos neurológi-cos e neurodegenerativos, como a epilepsia e a Doença de Alzheimer. Já existem inúmeros relatos de sucesso em relação a isto. Apesar dos obs-táculos e problemas de diversas ordens para a realização de pesquisas que utilizam a “canabis”, proibida em inúmeros países (entre os quais o Brasil), o desenvolvimento de investigações científicas sérias poderá

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beneficiar muitos pacientes neuropsicológicos, que têm seus corpos e suas mentes aprisionados por transtornos cuja etiologia a ciência ainda não consegue explicar (WITTE, 2015).

Em 1972, durante uma palestra, o polêmico Eccles (1989) afirmou que as bases neurobiológicas de muitos problemas mentais ainda eram ignoradas. Para ele, tal fato estaria relacionado ao limite das ciências em fornecer explicações para fatos de grande complexidade. Ao deba-ter sobre a questão da associação entre cérebro e mente ele declarou: “é um grande desafio para o futuro” (Ibid, p. 233). Não se pode negar que a sua afirmação ainda é pertinente!

Realmente, esta discussão não se esgota. Questionam-se os li-mites do método científico para se chegar à compreensão das relações entre mente e cérebro. Kovács (1997, p. 194) avalia que, por se funda-mentar na racionalidade e no empirismo, ele representa “apenas o refle-xo das próprias limitações da mente racional, que dele dispõe como o único método para conhecer a realidade”. Talvez, a mente humana de-mande por uma descrição que só se encontre “justamente naqueles ou-tros aspectos vedados ao método” da ciência (Ibid, p. 194). Por isso, o estudo da relação entre mente e cérebro, metaforicamente, ainda pode considerado como um canteiro de obras, em que estudiosos de diversas áreas continuam engajados no árduo trabalho de construção do conhe-cimento científico, concretando com suas ideias e teorias os alicerces do futuro da neurociência, das ciências cognitivas e da neuropsicologia.

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INTRODUÇÃO HISTÓRICA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE MENTE E CÉREBRO - 177

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33 A grafia do nome e sobrenome do cientista português António Damásio e do mesmo sobrenome de sua esposa Hanna Damásio aparece sem o acento agudo nesta publicação americana. Entretanto, no corpo do texto, respeitou-se a acentuação do nome próprio do autor e manteve-se o acento na segunda letra “A” de seus sobrenomes.

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34 O nome de Homskaya é russo. Por isso ele é escrito com a letra “V”: Evgenia.

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35 Existem variações na forma como o primeiro nome de Luria é grafado nas diversas traduções do russo para o português (em razão do mesmo motivo referido na nota de rodapé 8, ou seja, das diversas traduções da língua russa, que emprega o alfabeto cirílico). Na folha de rosto da edição desta obra a letra “E” foi omitida (Alexandr). Na maioria das publicações, ela aparece entre o “D” e o “R” (Alexander).36 No Brasil, o sobrenome de Vygotsky é grafado de diferentes formas, nas várias edições de suas obras, em razão da tradução do alfabeto cirílico russo ou das traduções de língua estrangeira de seus livros para o português. Por isso, para fins didáticos, nestas referências, se respeitará a grafia que aparece nas capas das edições brasileiras (vale observar que “Vigotskii”, “Vigotski” ou “Vygotsky”, como constará mais adiante, referem-se ao mesmo autor).

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INTRODUÇÃO HISTÓRICA SOBRE A RELAÇÃO ENTRE MENTE E CÉREBRO - 204

A Autora

Lucia Maria G. Barbosa é docente, desde 2004, do Departamento de Saúde III da Universidade Nove de Julho – UNINOVE e orientadora de Grupo de Iniciação Científica no Curso de Psicologia da mesma ins-tituição. Como pesquisadora, insere-se na linha de pesquisa “Processos Cognitivos, de Aprendizagem e Interação Social” do Curso de Psicologia da UNINOVE e também faz parte do “Núcleo de Investigações Clínicas e Educacionais (NICE)”, do mesmo curso. É integrante do Grupo de Pesquisa em “História e Filosofia da Ciência” da UNINOVE. Psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Fonoaudiologia pela Escola Paulista de Medicina. Realizou o Mestrado em Distúrbios da Comunicação Humana, na Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo – EPM/Unifesp. Concluiu o Doutorado em Ciências, também pela Universidade Federal de São Paulo. Possui certificado de especialização em Neuropsicologia, con-cedido pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (6ª Região). Recebeu bolsa de estudos da Stuttering Foundation of America e reali-zou na Northwestern University (Evanston, Estados Unidos da América) o curso de formação de especialista na área de gagueira. Atua nas áre-as da Saúde e Educação. Sua experiência profissional fundamenta-se, respectivamente, sobre a Neuropsicologia Clássica Russa de Luria e a abordagem teórica da Psicologia Sócio-Histórica de Vygotsky. Autora de obra sobre a etiologia, a prevenção e o tratamento da gagueira, tam-bém organizou com colegas livros na área da Psicologia Educacional e Escolar. Atualmente investiga os aspectos neurobiológicos, cognitivos e psicossociais relacionados aos universitários que cumprem dupla jor-nada (estudam e trabalham) e o impacto do tempo em suas atividades acadêmicas e laborais.

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Esta obra convida-o a viajar pelo mundo da construção do conhecimento cientí�co sobre a relação entre mente e cérebro. Ao embarcar em suas páginas, você será levado a vislumbrar uma vasta e rica produção de ideias e teorias, o cimento que fornece o alicerce da ciência. Os caminhos de pedra da �loso�a; as estradas de terra das ciências naturais; os trilhos de ferro da psicologia; os viadutos da neu-rociência; as pontes suspensas das modernas tecnologias; os túneis das ciências cognitivas e os movimentados cruzamentos da neuropsicologia serão descobertos.No vasto mar da memória, se navegará por diversos conti-nentes, se passeará pelos varia-dos períodos históricos – do Egito dos faraós à Grécia antiga; da América pré-colombiana ao Brasil colonial; da Europa medieval aos Estados Unidos do pós-guerra – rumo à uni�cação de um mundo globalizado e pós-moderno. Algum esforço será exigido. A aprendizagem obriga ao renovar-se constante-mente. O cansaço chegará, o desânimo ameaçará, mas a fome de saber restaurará as forças exauridas! Aproveite a leitura, como quem passeia em um parque e desfrute os momentos!

Lucia Maria G. Barbosa atua desde 2004 como docente no Departamento de Ciências da Saúde III da Universidade Nove de Julho – UNINOVE. Leciona no Curso de Psicologia as disci-plinas: “Pesquisa em Psicologia”, “Neurociências e Comporta-mento” e “Neuropsicologia”. Psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP. Possui especia-lização em Neuropsicologia, certi�cada pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo – CRP-SP 6ª Região. Sua Pós-Graduação stricto sensu foi realizada na Universidade Fede-ral de São Paulo – Unifesp. Obteve os títulos de Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana e Doutora em Ciências. Esta obra é fruto de um sonho que a autora alimentava desde o seu Doutorado. Quando não encontrou um livro que lhe fornecesse uma visão conden-sada e ao mesmo tempo ampla dos diferentes enfoques a respeito das conexões entre mente e cérebro (desde a Filo-so�a até a Neuropsicologia), a autora decidiu enfrentar o desa�o de redigir uma breve história sobre esta relação, por ordem cronológica e por tópi-cos gerais (da Antiguidade até o século XXI). Agora ele tornou-se uma realidade compartilhada!

O período englobado pelos anos de 1990 foram declarados pelo Congresso Americano como a “década do cérebro”. O século XXI já tem sido considerado como o “século do cére-bro”. Tais fatos apontam não só para o reconhecimento da importância dos estudos sobre o funcionamento cerebral como também para o crescente interesse sobre a sua relação com os aspectos neurobiológicos, cognitivos e psicossociais do ser humano. Realmente, o desenvolvimento tecnológico, o surgimento da �loso�a da mente, as novas descobertas no campo das Neurociências tem trazido à tona discussões sobre a mente humana. Por se tratar de uma área multi/inter e transdisciplinar, as diversas perspectivas que contribuíram para a formação deste conjunto de disciplinas não podem ser estudadas de modo isolado. Assim, neste livro se fornece ao leitores pontos de contato entre os distintos campos que se dedicam à compreensão das relações entre mente e cére-bro, desde a Filoso�a até a Neuropsicologia, tendo como pano de fundo a História. Por isso, convida-se o leitor a embarcar nesta fantástica aventura que é a ciência!

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