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8/19/2019 INVENÇÃO DAS TRADIÇÕES.pdf
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INVENÇÃO DAS TRADIÇÕES
ERIC HOBSBAWM
8/19/2019 INVENÇÃO DAS TRADIÇÕES.pdf
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Por “tradição inventada” entende-se um conjunto de práticas,normalmente reguladas por regras tácita ou abertamente aceitas; taispráticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e
normas de comportamento através da repetição, o que implica,automaticamente; uma continuidade em relação ao passado. Aliás,sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com umpassado histórico apropriado. Exemplo notável é a escolha deliberadade um estilo gótico quando da reconstrução da sede do Parlamento
britânico no século XIX, assim como a decisão igualmente deliberada,após a II Guerra, de reconstruir o prédio da Câmara partindoexatamente do mesmo plano básico anterior. 0 passado histórico noqual a nova tra10 dição é inserida não precisa ser remoto, perdido nasbrumas do tempo. Até as revoluções e os “movimentos progressistas”,
que por definição rompem com o passado, têm seu passado relevante,embora eles terminem abruptamente em uma data determinada, talcomo 1789. Contudo, na medida em que há referência a um passadohistórico, as tradições “inventadas” caracterizam-se por estabelecercom ele uma continuidade bastante artificial.
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A “tradição” neste sentido deve ser nitidamente diferenciadado “costume”, vigente nas sociedades ditas “tradicionais”. Oobjetivo e a característica das “tradições”, inclusive dasinventadas, é a invariabilidade. O passado real ou forjado aque elas se referem impõe práticas fixas (normalmente
formalizadas), tais como a repetição. O “costume”, nassociedades tradicionais, tem a dupla função de motor evolante. Não impede as inovações e pode mudar até certoponto, embora evidentemente seja tolhido pela exigência deque deve parecer compatível ou idêntico ao precedente.
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As vezes, as novas tradições podiam ser prontamente enxertadas nas
velhas; outras vezes, podiam ser inventadas com empréstimos fornecidospelos depósitos bem supridos do ritual, simbolismo e princípios moraisoficiais - religião e pompa principesca, folclore e maçonaria (que, por suavez, é uma tradição inventada mais antiga, de grande poder simbólico).Assim, o desenvolvimento do nacionalismo suíço, concomitante à formaçãodo Estado federal moderno no século XIX, foi brilhantemente analisado porRudolf Braun,4 estudioso que tem a vantagem de ser versado numadisciplina (“Volkskunde” - folclore) que se presta a esse tipo de análise, eespecializado num país onde sua modernização não foi embargada pelaassociação com a violência nazista. As práticas tradicionais existentes -canções folclóricas, campeonatos de ginástica e de tiro ao alvo - foram
modificadas, ritualizadas e institucionalizadas para servir a novospropósitos nacionais. As canções folclóricas tradicionais acrescentaram-senovas canções na mesma língua, muitas vezes compostas por mestres-escola e transferidas para um repertório coral de conteúdo patriótico-progressista .
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Nesta nova arquitetura dos festivais sãoinconfundíveis os resquícios das formasbarrocas de comemoração, exibição epompa. E como nas come15 moraçõesbarrocas o Estado e a Igreja mesclavam-senum plano mais alto, surge também um
amálgama de elementos religiosos epatrióticos nestas novas formas deatividade musical e física
Rudolf Braun, op. cit.
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Finalmente, o estudo da invenção dastradições é interdisciplinar. E um campocomum a historiadores, antropólogossociais e vários outros estudiosos dasciências humanas, e que não pode seradequadamente investigado sem talcolaboração.