Irmãos Bielski

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PETER DUFFY

Os irmos BielskiA histria real de trs homens que desafiaram os nazistas, salvaram 1200 judeus e construram uma aldeia na floresta Este livro foi digitalizado sem fins comerciais para uso exclusivo de pessoas com deficincia que necessitem de leitores de tela para aceder ao seu contedo, no devendo ser distribudo com outra finalidade, mesmo de forma gratuita.

Traduo Marcos PadilhaCOMPANHIA DAS LETRAS

Copyright 2003 by Peter Duffy Publicado mediante acordo com HarperCollins Publishers Inc., Nova York. O autor agradece ao Yivo Institute for Jewish Research, por ter permitido a citao da autobiografia de Tuvia Bielski em lngua idiche, e University of Chicago Press, por autorizar a citao de Forests: The shadow of civilization, de Robert Pogue Harrison. Ttulo original The Bielski brothers: the true story of three men who defied the Nazis, saved 1200 Jews, and built a village in the forest Capa Ettore Bottini Foto da capa Bettmann/Corbis/Stock Photos , . Preparao:Cacilda Guerra e Maria Ceclia Caropreso Reviso: : Ana Maria Barbosa e Renato Potenza Rodrigues Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (cip) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Duffy, Peter, 1969Os irmos Bielski: a histria real de trs homens que desafiaram os nazistas, salvaram 1200 judeus e construram uma aldeia no meio da floresta / Peter Duffy ; traduo Marcos Padilha. So Paulo : Companhia das Letras, 2004. Ttulo original: The Bielski brothers ISBN 85-359-0522-7 1. Bielski, Isael 2. Bielski, Tuvia 3. Bielski, Zus 4. Guerra Mundial, 1939-1945 - JudeusSalvamento - Bielo-Rssia 5. Guerra Mundial 6. 1939-1945 - Resistncia judia - BieloRssia Holocausto judeu (1939-1945) - Bielo-Rssia 7. Judeus - Perseguio - Bielo-Rssia i. Ttulo Parflmnkatneemeupai 04-4021 CDD-940.53089924 ndices para catlogo sistemtico: 1. Judeus: Resistncia : Guerra Mundial, 1939-1945 : Histria 940.53089924 2. Judeus: Salvamento : Guerra Mundial, 1939-1945 : Histria 940.53089924 [2004] Todos os direitos desta edio reservados EDITORA SCHWARCZ LTDA. Rua Bandeira Paulista 702 cj. 32 04532-002 - So Paulo - SP Telefone (l 1)3707-3500 Fax (l 1)3707-3501www.companhiadasletras.com.br

Havia algo de familiar na floresta, e, na pior das hipteses, poderamos escapar por entre as rvores. Tuvia Bielski, autobiografia indita, 1955 ... as florestas eram foris, margem, o lado de fora. Nelas viviam os rejeitados, os loucos, os amantes, bandidos, eremitas, santos, leprosos, os maquis, fugitivos, desajustados, os perseguidos, os homens selvagens. Para que outro lugar poderiam ir? A margem da lei e da sociedade humanas estava a floresta. Mas o refgio da floresta era execrvel. Impossvel permanecer humano na floresta; tudo que se podia era elevar-se acima da condio humana ou se afundar abaixo dela. Robert Pogue Harrison, de Forests: The shadow of civilization, 1992 Comparadas aos guetos, eram o paraso. Nas florestas, ramos livres. tudo o que posso dizer. Tnhamos liberdade. Charles Bedzow

SumrioPrlogo 11 1. Do Czar ao Fhrer 19 2. Junho de 1941 - Dezembro de 1941 43 3. Dezembro de 1941 - Junho de 1942 71 4. Junho de 1942 - Outubro de 1942 93 5. Outubro de 1942 - Fevereiro de 1943 121 6. Fevereiro de 1943 - Abril de 1943 143 7. Maio de 1943 - Julho de 1943 168 8. Julho de 1943 - Setembro de 1943 184 9. Setembro de 1943 205 10. Outubro de 1943 - Janeiro de 1944 217 11. Janeiro de 1944 - Julho de 1944 250 12. Para Israel e a Amrica 275 Eplogo 288 Notas 291 Agradecimentos 311

PrlogoSerei famoso depois de morto. Tuvia Bielski Trs homens, irmos, salvaram tantos judeus durante a Segunda Guerra Mundial quanto Oskar Schindler. Eles organizaram uma fora militar que matou centenas de soldados inimigos, quase tantos quanto os combatentes do levante do gueto de Varsvia. Seus nomes eram Tuvia, Asael e Zus Bielski. Para os 1200 sobreviventes judeus que deixaram as florestas bielo-russas em julho de 1944, e para as vrias geraes de seus descendentes, esses homens se tornaram lendrios, reverenciados como heris. Fora desse grupo, porm, os homens por trs da maior e mais bem-sucedida fora judaica de combate e de socorro de guerra permaneceram quase desconhecidos; nos sessenta anos decorridos desde ento, apenas uns poucos livros relataram seus feitos e nenhuma placa homenageia seus nomes. Topei com essa histria enquanto fazia uma pesquisa on-line. Uma referncia solta a Judeus da Floresta despertou minha 11

curiosidade e conduziu-me por um caminho que me mobilizaria pelos trs anos seguintes um caminho que me deu a oportunidade extraordinria de reunir em primeira mo relatos de sobreviventes do Holocausto, em alguns casos apenas meses ou mesmo semanas antes de sua morte. E assim, depois de inmeras entrevistas, durante as quais ouvi histrias sobre vida nas florestas da atual Belarus ocidental, onde a resistncia dos Bielski contra os alemes resultou na criao de uma aldeia com oficinas improvisadas e habitaes primitivas, em 27 de junho de 2001 encontrei-me no limiar da maior dessas florestas. Tive a oportunidade de imaginar como ela deve ter sido, guiado por uma polonesa idosa chamada Leokadia Lankovich. Mas nada a respeito daPuschaNaliboki-puscha uma palavra comum s lnguas polonesa, russa, bielo-russa e ucraniana que significa floresta densa - indicava que ela houvesse abrigado alguma coisa fora do comum. Parecia uma floresta qualquer, num pas qualquer. Contudo, alguns dos mais extraordinrios atos de coragem e engenho demonstrados durante a guerra ocorreram entre esses pinheiros e abetos. Quando chegou a esses bosques no vero de 1943, o grupo Bielski era integrado pelo espantoso nmero de oitocentos judeus. Mais de um ano antes, os irmos tinham estabelecido uma base na floresta, povoada por vrios parentes, perto do domiclio da famlia Bielski. O mais velho e sbio dos trs, Tuvia, insistira que o grupo fosse aberto a todos os judeus, pouco importando se jovens ou velhos, saudveis ou enfermos, soldados ou invlidos. Antes salvar a vida de uma anci judia, dizia, do que matar dez soldados alemes. Aos poucos, mais pessoas chegavam, muitas resgatadas dos guetos pelos combatentes Bielski, at que a unidade se tornou um enorme ajuntamento de foragidos movendo-se de floresta em floresta, sempre um lance frente dos alemes. Em agosto de 1943, Hitler enviou suas tropas mais cruis e 12 impetuosas a essa puscha, com o propsito de matar cada integrante do grupo Bielski. Numa tentativa desesperada de sobrevivncia, os irmos conduziram todos os oitocentos membros atravs de quilmetros de pntanos da puscha, enquanto o tiroteio zunia sobre suas cabeas e os gritos dos soldados inimigos enchiam-lhes os ouvidos. Finalmente alcanaram uma rea isolada no interior mais profundo da floresta, onde permaneceram, em silncio e sem alimento, at os nazistas desistirem de sua caada. No se perdeu uma nica pessoa. Foi uma fuga de uma audcia assombrosa. Posteriormente, os trs irmos descobriram um local seguro e seco na puscha, onde determinaram a construo de uma pequena cidade. Tinha alojamentos; oficinas para alfaiates, sapateiros, costureiras e carpinteiros; um rebanho grande de vacas e cavalos; uma escola para sessenta crianas; uma rua principal e uma praa central; um teatro para a apresentao de msicas e peas teatrais; e um curtume que tambm servia de sinagoga. Para os judeus exaustos que por um triz escapavam da morte, fugidos de guetos e campos de trabalho, aquilo era a viso de um outro mundo, um lugar extraordinrio onde eles podiam viver em liberdade no corao da Europa sob domnio nazista. A sra. Lankovich, uma polonesa atarracada de riso contagiante e tendncia para uma tagarelice interminvel, prometeu me mostrar a localizao precisa da aldeia judaica. Depois dos muitos solavancos em um caminho que conduzia ao interior da floresta, ela ordenou ao

motorista que parasse o jipe militar russo. Esta era a rea, ela disse, saltando do veculo e apontando para as rvores em volta do utilitrio. No obstante sua idade, a sra. Lankovich, como que revigorada pela memria, comeou a caminhar em meio vegetao espessa to rapidamente que era difcil acompanh-la. Aqui era um dos lugares onde eles tinham um abrigo, disse, apontando 13

para uma pequena fossa cheia de gua da chuva. No parecia diferente de nenhum outro buraco nos bosques. Mas a sra. Lankovich era insistente. Ela afastava os galhos do rosto medida que avanava, parando momentaneamente para colher morangos e apontar vestgios de mais alojamentos dos Bielski. E continuava falando. Quando eu vinha ao campo, no podia andar onde eu quisesse. Os guardas me paravam. Eu lhes dizia que queria falar com uma amiga minha chamada Sulia. Eles ento mandavam algum, e Sulia vinha e me conduzia ao campo. Era bonito, disse. Era como Minsk. Tentei imaginar essa floresta h mais de meio sculo. Como seria a cozinha em alvoroo, supervisionada, me contaram, por um homem rude e com um avental perpetuamente ensangentado, que mexia, frentico, numa srie de panelas com uma colher de pau comprida? Sobre o que se conversava nos alojamentos, nos abrigos com teto de madeira, ocupados com freqncia por pessoas da mesma aldeia ou que trabalhavam na mesma profisso? Como procedia o armeiro, cujo martelar podia ser ouvido o dia inteiro, para consertar os fuzis quase destrudos, recuperados dos campos? Depois de tantos anos de crescimento da vegetao, era difcil encontrar indcios da base dos irmos. Tambm os irmos pareceram sumir depois da guerra. Asael engajou-se no Exrcito Vermelho e morreu lutando contra os nazistas na Prssia oriental, exatamente sete meses depois de abandonar a floresta. Tuvia e Zus mudaram-se para Israel, onde se dedicaram a trabalhos braais. Em meados dos anos 1950, ambos viviam num bairro de classe mdia no Brooklyn, em Nova-York, pais de famlias constitudas com esposas que conheceram enquanto comandavam as tropas da floresta. Zus, o mais bem-sucedido, tornou-se proprietrio de uma pequena companhia de caminhes e txis, enquanto Tuvia, o grande comandante que cavalgara um cavalo branco, passava maiores dificuldades, dirigindo um 14 caminho de entregas e lutando para sustentar a famlia. Tuvia faleceu em 1987,Zusem 1995. Eram homens esquecidos, imigrantes comuns americanos tentando garantir um futuro slido para seus filhos. na busca de uma histria que caminhava rpido para o desaparecimento, procurei cada uma das vivas dos irmos, guardis orgulhosas da memria de seus maridos, e o quarto irmo, Aron (Bielski) Bell, um bravo batedor de doze anos na poca da guerra. Entrevistei mais de cinqenta sobreviventes dos campos dos irmos e vasculhei cada documento, relatrio e fotografia pertencente experincia da floresta que consegui encontrar. Conversei com guerrilheiros e camponeses gentios, alguns deles aliados dos irmos, alguns inimigos. Descobri um manuscrito extenso como um livro, redigido por Tuvia Bielski, nunca traduzido para o ingls e desconhecido at mesmo de sua famlia. Foi uma viagem extraordinria, que me transformou de observador no envolvido em algum com um vnculo pessoal profundo com essa comunidade, sua histria e seus membros. A tal ponto que, quando seus bravos sobreviventes chegaram a seu fim inevitvel, senti uma enorme tristeza, no porque eram fontes importantes, mas porque eu os tinha como amigos. Assim, sinto-me honrado, ainda que um tanto imerecidamente, de ter estado na enorme puscha, no local do grande triunfo dos irmos Bielski, um dos lugares mais sagrados da Segunda Guerra Mundial - um lugar no de extermnio para os judeus, mas de celebrao da vida. Quando fechava os olhos e ouvia as vozes dos sobreviventes, eu quase podia entrever o

lugar que tantos deles chamavam Jerusalm. 15

/Para Vilna /AA/yAl-IPICHANSKA //AAA PUSCHA/V AAAA Mlr V Para Slonim V Para Baranovich A rea de Lida-Novogrudek em Belarus ocidental, 1941-44. (Cortesia de Jeffrey Cuyubamba/Peter Duffy)

i. Do Czar ao FhrerEm fins de 1800, Elisheva e Zusya Bielski, avs de Tuvia, Asael e Zus, se estabeleceram num love de terra arvel na pequenina aldeia de Stankevich, na regio bielo-russa do imprio czarista. Menos que uma aldeia, era um punhado de cerca de uma dzia de habitaes de madeira no cimo de uma colina, numa das regies mais remotas, mais pobres e mais atrasadas da Europa. A casa dos Bielski ficava separada do ncleo da comunidade, situada vertente abaixo e do outro lado de um pequeno lago alimentado por um rio. E eram forasteiros: os Bielski eram os nicos judeus da regio. A propriedade da famlia, arrendada de um nobre polons em dificuldades, com um fraco por bebida e jogo, tinha um moinho dagua e dois estbulos. Logo que chegaram aldeia numa carroa puxada por um s cavalo, Zusya e seu filho caula, David, estabeleceram um pequeno negcio de transformao de gros em farinha de cereais. Os demais filhos de Elisheva e Zusya eram casados e moravam, como a maioria dos judeus, em cidades localizadas dentro do imenso territrio entre o mar Bltico e o mar Negro, regio demar19

cada onde o czar havia ordenado que todos os judeus vivessem. Nesse grande gueto, estavam sujeitos a um nmero alarmante de decretos discriminatrios, que a todo instante eram alterados, viam-se compelidos a pagar toda espcie de impostos pesados, impedidos de falar em pblico sua lngua nativa, o idiche, e proibidos de atuar mesmo nos menores postos do servio pblico. As restries czaristas tambm tornavam difcil para os judeus viver em reas rurais, mas havia muito tempo Elisheva e Zusya j tinham se habituado a trabalhar a terra longe dos centros urbanos. Pouco depois de a famlia haver chegado a Stankevich, o czar promulgou outra srie de decretos anti-semitas, entre os quais um que tornava ilegal para os judeus a compra, a venda, a administrao ou o arrendamento de propriedade rural. O casal idoso ficou muito aflito com a determinao, temeroso de que em breve seria expulso de sua morada. Mas, com a flexibilidade necessria a um judeu para sobreviver sob o czar, David arranjou um modo de manter a famlia em Stankevich. Ele negociou um acordo com um dos vizinhos, um polons chamado Kushel, que transferia o arrendamento da propriedade para o nome do gentio. O homem concordou que seu envolvimento nos negcios dos Bielski seria apenas nominal e o ajuste possibilitou famlia Bielski continuar com sua atividade. A presso das circunstncias, porm, somou-se aos males de Elisheva, que sofria de uma enfermidade atrs da outra. David providenciou para que a me fosse examinada por vrios mdicos, mas foi em vo. Ela morreu num hospital em Vilna, a capital lituana, ao norte. na virada do sculo, o j ovem David estava pronto para formar sua prpria famlia. Ele se casou com Beyle Mendelavich, filha de um comerciante da localidade vizinha de Petrevich, e estabeleceuse como moleiro, contente por seguir o caminho do pai idoso, este tambm satisfeito por observar a chegada de uma nova gerao. Quando o velho Zusya morreu, em 1912, Beyle j tinha dado luz 20 quatro filhos - Velvel, Tuvia, Taibe e Asael - e outro estava a caminho. Em homenagem ao pai de David, o filho seguinte, um menino, recebeu o nome de Zusya e ficou conhecido como Zusya, Zissel ou Zus. As crianas levavam uma vida simples de camponeses, bem antes da chegada da eletricidade ou da gua corrente numa regio bielo-russa que por sculos fora dominada pelos vizinhos mais poderosos da Rssia, Polnia e Litunia. Era um mundo de casas de madeira primitivas cobertas com telhados de palha, onde o bem mais valioso de um campons era seu cavalo e a carroa de madeira de quatro rodas. medida que os anos passavam, a famlia adquiria animais de toda espcie, inclusive uns poucos cavalos, diversas vacas e algumas ovelhas; todo o alimento que consumiam era fruto de seu prprio trabalho. Os pais tinham um quarto s deles, enquanto as crianas repartiam o espao restante; vrias dormiam na mesma cama ou, no vero, cansadas depois de um longo dia de trabalho, sobre a palha do celeiro. O grau de educao dos filhos variava, mas em geral eles no avanavam muito em escolas religiosas ou seculares. David s vezes contratava um professor para ir casa. Em outras ocasies, mandava uma das crianas a Novogrudek, a cidade mais prxima com considervel populao judaica, para morar com um parente e ser educada nas escolas locais. A sinagoga mais prxima tambm ficava na cidade, uma viagem de quinze quilmetros que levava trs horas a cavalo ou em carroa, o que quase sempre impedia a famlia de assistir aos cultos com regularidade. Alternativamente, uma casa particular servia como local de orao. Aos

sbados e em dias de festas judaicas importantes, os Bielski visitavam a famlia Dziencielski, que vivia na aldeia de Grande Izvah, distante dois quilmetros pela vereda no bosque. Como os Bielski, os Dziencielski operavam um moinho e eram os nicos judeus na aldeia. David s vezes conduzia as oraes do grupo, usando o rolo 21

da Tora que os Dziencielski mantinham em casa. Ele no tinha muita instruo, mas possua uma voz melodiosa e um slido domnio dos textos sagrados. As crianas falavam as lnguas locais - bielo-russo, russo e polons - com uma fluncia raramente vista entre a maioria dos judeus bielo-russos que moravam nos bairros judeus das cidades. Os negcios de David exigiam que a famlia tivesse contato permanente com seus vizinhos, bielo-russos cristos ortodoxos e poloneses catlicos. Inteiramente ciente de que era um judeu isolado vivendo num tempo no qual a violncia anti-semita era um fato corriqueiro, ele desenvolveu uma natureza conciliatria que buscava a paz em vez do confronto. Quando funcionrios do governo czarista chegavam, anunciando a suspeita de que a famlia administrava a fazenda e violava a ordem do czar, David e Beyle lhes ofereciam um lugar mesa. O casal manipulava os funcionrios com comida e bebida, at eles sarem aos tropeos da casa, depois de beber at o estupor. Os homens do czar no apresentavam seu relatrio. Quando bandidos apareciam exigindo dinheiro ou bens, o casal os tratava com igual benevolncia, servindo-lhes uma poro especial de vodca. David Bielski no era um combatente. Durante o primeiro ano da Primeira Guerra Mundial, quando as crianas eram pequenas jovens ainda para serem convocadas pelo exrcito imperial -, o Exrcito alemo arremessou suas foras contra o imprio russo. Foi um comeo auspicioso de seis tumultuados anos para o povo da regio dos Bielski. O exrcito invasor, como muitos antes dele, tomou a via mais curta para a capital russa, diretamente atravs do corao de Belarus. A regio em volta de Stankevich foi transformada em zona de ocupao durante a ofensiva do vero de 1915. 22 Os alemes eram menos rspidos com a populao judaica do que os Romanov haviam sido. O monarca russo, agora Nicolau n, ordenara a expulso de cerca de meio milho de judeus de seu territrio, por duvidar da lealdade deles. Os invasores ofereciam um estilo de governo mais moderado, revogando medidas anti-semitas e chegando a emitir uma proclamao de amizade. No muito distante da casa dos Bielski, um grupo de soldados alemes transformara uma casa grande e abandonada num posto militar avanado. O jovem Tuvia, com apenas dez anos, demonstrava pouco interesse por sua instruo; em vez de estudar, travou amizade com os soldados e por ali perambulava todos os dias. Afeioados ao menino, os alemes davam-lhe cigarros para que levasse a seu pai e, s vezes, ofereciam-lhe um pedao de caa. Eu no perguntava se aquilo era kosher ou no, ele dizia. Aquilo era a guerra. Suas visitas duraram dois anos, tempo suficiente para adquirir um born conhecimento da lngua alem. A Grande Guerra trouxe desordem e penria para todo o imprio russo, em escala macia. Os operrios industriais apenas sobreviviam com seus salrios minguados, os soldados desertavam em face da luta sangrenta e os camponeses mal conseguiam alimentar-se. O inverno de 1916, um dos mais rigorosos da histria russa, contribuiu para a misria geral. No entanto, graas ao velho moinho, a famlia Bielski escapou da penria. Os fregueses ainda necessitavam que seu trigo e centeio fossem transformados em farinha. Muitas vezes os camponeses pagavam com o nico bem que possuam: trigo, centeio ou milho. O que quer que acontecesse, os Bielski sempre teriam o que comer. As atribulaes do imprio redundaram em inquietao civil, lanando o pas em grande

tumulto. Em fevereiro de 1917, o czar abdicou e um governo provisrio, que prometia reformas democrticas, foi estabelecido. Mas no se mostrou melhor que seu predecessor. Em 25 de outubro (7 de novembro no calendrio23

moderno), os bolcheviques, liderados por um agitador poltico de 47 anos, Vladimir I. Ulianov, que adotou o nome de Lnin, derrubaram o instvel governo provisrio. Lnin lanou-se tarefa de estabelecer sua havia muito almejada ditadura do proletariado. Impossibilitados de dedicar muita energia ao combate contra os alemes, os bolcheviques pediram a paz. No Tratado de BrestLitovsk, assinado em 3 de maro de 1918, Lnin cedeu Belarus a um governo polons recm-fundado e controlado pelos alemes. Mas lderes polticos em Minsk ignoraram o tratado e, em 25 de maro de 1918, proclamaram um estado livre e independente. Pela primeira vez na histria, uma nao ostentou o nome de Belarus. Mas, ao que parece, o pas existiu apenas para que seus lderes posassem para os fotgrafos. Quando, mais adiante, os aliados venceram os alemes no mesmo ano, Lnin ignorou tanto o tratado quanto a declarao de independncia de Belarus. A regio foi incorporada incipiente Unio Sovitica em janeiro de 1919. Mais devagar, disseram os poloneses, que, das runas da guerra, construam um estado independente, cem anos aps sua extino. Inebriados pelo vinho recente da liberdade-nas palavras de um estadista -, os poloneses queriam Belarus, juntamente com Litunia, Galcia e Ucrnia, para proteger as fronteiras orientais, terras que, em sculos anteriores, haviam pertencido Polnia. Belarus havia muito era habitada por uma classe de ricos senhores poloneses, que constitua a nobreza proprietria da terra de um pas pobre, e eles queriam seus domnios de volta. Comandadas pelo marechal Jozef Pilsudski, que passara o fim da Grande Guerra numa priso alem por ter se recusado a jurar lealdade ao ciser, as tropas polonesas marcharam para Belarus e partes da Litunia em 1919 e princpio de 1920. Tiveram pouca dificuldade em dominar a regio, principalmente porque o grosso do Exrcito Vermelho estava ocupado em combater numa guerra 24 civil mais a leste. Os poloneses tomaram Minsk, a capital de Belarus, em agosto de 1919. A guerra polaco-sovitica foi travada em territrios habitados por uma grande populao judaica. A maioria permaneceu neutra, o que encolerizou os poloneses e os fez revidar com ataques anti-semitas em diversas cidades. A famlia Bielski tambm evitou tomar partido, mesmo quando as batalhas devastaram as imediaes de sua aldeia. Os bolcheviques requisitaram um cavalo e a carroa de propriedade da famlia. Decidido a no deixar a propriedade se perder, Tuvia, ento um jovem adolescente, trabalhou durante seis semanas como tradutor polons para os russos, antes de voltar para casa em Stankevich com o cavalo e a carroa. com a vitria no norte, as legies de Pilsudski, como eram chamadas, marcharam para o sul, tomando Kiev, na Ucrnia, em maio de 1920. Mas o Exrcito Vermelho, agora vitorioso na guerra civil, organizara suas foras e desencadeara um contra-ataque. Ocupada pelos poloneses por menos de um ms, Kiev foi retomada pela investida bolchevique que no espao de seis semanas avanou at as portas de Varsvia. Lnin estava impaciente para disseminar a revoluo e introduzir o comunismo em toda a Europa Central. Mas Pilsudski ainda no estava liquidado. Suas tropas ressurgentes atacaram o Exrcito Vermelho a partir do sul, causando perdas suficientes para forar Lnin a se sentar mesa de negociaes, triunfo que

os poloneses passaram a denominar o milagre do Vistula. Aps meses de negociao, o Tratado de Riga foi assinado em 18 de maro de 1921.0 acordo cedeu a poro oeste da Bielo-Rssia, inclusive a pequena aldeia onde os Bielski viviam, para a recm-instituda Segunda Repblica da Polnia. Um tempo estranho, durante o qual Stankevich sentiu-se afastada do tumulto. Era difcil estabelecer conexes telegrficas, mesmo entre as cidades maiores, e os jornais que chegavam ao 25

campo eram picados a fim de servir como papel de cigarro. Os Bielski estavam isolados, mas o que precisavam saber? Os novos governantes, como os antigos, com certeza iriam olh-los com insensibilidade e suspeita. Durante esses anos de guerra, David Bielski conseguiu pr fim a suasociedade com o vizinho polons Kushel e passar a propriedade para seu prprio nome. Ele expandiu seu negcio com a ajuda da mulher e dos filhos e viajava para as cidades da regio de Novogrudek e Lida, trinta quilmetros a noroeste, para entregar mercadorias aos fregueses. Os camponeses vizinhos se impressionaram com seu empenho e muitos deles passaram a considerar a famlia como prspera. No que ela fosse realmente rica - seus luxos eram poucos -, mas eles estavam em situao muito melhor do que a gente pauprrima dos arredores. Tnhamos um moinho pequeno em nossa aldeia, mas no era como o deles, disse Maria Nestor, uma bielo-russa que nasceu em 1911 e cresceu perto de Stankevich. Eles tinham um moinho de verdade e ele era muito popular. Beyle Bielski, uma mulher afetuosa, mais tosca e socivel que o marido, continuava a produzir filhos num ritmo regular. Outros quatro nasceram entre 1912el921 - trs meninos, um dos quais morreu logo aps o nascimento, e uma menina, a segunda do casal. Os filhos mais velhos haviam chegado adolescncia. Velvel, o mais velho, mostrava-se um jovem srio, interessado nos estudos, enquanto Tuvia, nascido em 1906, revelava uma natureza mais aventureira e combativa. Diferentemente do pai, ele no estava inclinado a ignorar as ofensas dos camponeses rudes que tinham especial predileo por atormentar os que demonstrassem fraqueza. Depois que alguns camponeses locais furtaram uma quantidade de feno dos Bielski, Tuvia os confrontou com firmeza sobre o roubo. Corra para casa, um campons disse, ou lhe darei uma surra. 26 O menino voltou para casa - Eu estava sozinho e no queria fazer uma cena - e contou a Velvel a respeito da ameaa do homem. O irmo mais velho limitou-se a dar de ombros, mas os irmos mais moos, Asael, dois anos mais jovem, e Zus, seis, se encolerizaram com a histria, e os trs resolveram ir forra. Armaram-se com foices e foram at os inimigos da famlia. Aps uma discusso acalorada, um dos irmos golpeou um campons com a foice. O golpe falhou, principalmente porque intimidou o homem de tal forma, que ele, voltando as costas, fugiu, rapidamente acompanhado pelos amigos. Mais tarde, quando um campons que alugava parte do campo dos Bielski tambm foi descoberto roubando feno, Tuvia mais uma vez partiu para um acerto de contas. Novamente armado com uma foice, o adolescente aproximou-se do ladro, que tambm estava armado, e de quatro de seus amigos. V embora daqui ou o matarei, o campons gritou. Tuvia ignorou a ameaa e derrubou-o no cho, socando-o. Os quatro companheiros gargalharam ao ver o amigo nocauteado. Um adolescente judeu acabou com um patife do qual toda a aldeia tinha medo, disse um deles. Desse dia em diante, o feno dos Bielski ficou a salvo. Tuvia agora tinha a reputao de

violento - o primeiro vislumbre do que ele mais tarde chamaria de orgulho judeu havia se revelado. O novo governo da regio dos Bielski no se mostrava particularmente benevolente com os habitantes judeus, e o anti-semitismo institucional era uma realidade explcita. Havia uma taxao punitiva e restries ao trabalho. Um sistema rigoroso de cotas limitava o ingresso da maioria dos judeus nas universidades polonesas, e os que o conseguiam eram obrigados a se sentar nos cha27

mados bancos do gueto das salas de aula. (Muitos, em vez disso, permaneciam de p, em sinal de protesto.) Mas, de muitas maneiras, a vida era melhor do que na poca do czar. Organizaes judaicas polticas, culturais, religiosas e educacionais usufruam de maior liberdade. E elas floresceram em Novogrudek, denominada Navaredok pelos residentes judeus, j que a cidade abrigava uma comunidade judaica desde o sculo xvi. A populao israelita suportou inmeras provaes ao longo de sua extensa histria, inclusive uma tentativa, em meados dos anos 1500, do rei lituano, na poca o soberano da regio, de agrupar os judeus de Novogrudek num gueto. Eles tambm ficavam sujeitos aos caprichos das sucessivas levas de exrcitos invasoresdepois de desencadeada a guerra russo-polonesa de 1655, Novogrudek foi ocupada e reocupada por cada um desses exrcitos duas vezes no decurso de quatro anos, todos eles muitssimo felizes em saquear e pilhar. No sculo xvin, durante um perodo de domnio polons, a pobreza da populao judaica piorou, em razo dos esforos das autoridades locais para impedi-la de participar d vida econmica da cidade. A chegada do czar em 1795 trouxe novas aflies. Ainda assim, a comunidade cresceu e serviu de base para alguns rabinos respeitveis, entre eles Yechiel Michel Epstein, autor de textos sobre a lei judaica, considerado um dos maiores rabinos da Rssia. com seu casaco de cetim e chapu de abas largas ornado com pele, o rabino Epstein irradiava a graa solene de um monarca quando saa da sinagoga depois dos servios do sbado, seguido por membros da congregao. Meu corao se inflava de orgulho toda vez que o via, escreveu um contemporneo seu. Em 1896, o rabino Joseph Yozel Horowitz, um dos lderes de um movimento ortodoxo que enfatizava o comportamento tico, abriu uma yeshiva - escola ortodoxa - em Novogrudek. Reb Yozel, como era conhecido, desenvolveu o que se conhecia como a 28 escola de Navaredok do Movimento Musar. Paralelamente ao estudo dos textos, os alunos eram instrudos a lidar com situaes pblicas desconfortveis - caminhar em trapos em meio a pessoas bem vestidas, embarcar num trem sem nenhum dinheiro para a passagem, comportar-se estranhamente durante uma conversa de esquina -, na tentativa de desenvolver uma capacidade serena de ignorar o ridculo. Se conseguissem perder seus elos com a vaidade e o orgulho, estariam em melhor posio para advogar mais energicamente sua viso do judasmo. Os alunos de Reb Yozel eram to dedicados que se podia ouvilos cantando os textos sagrados at altas horas da madrugada. na poca em que as crianas Bielski visitavam a cidade, aproximadamente uma dcada depois, mais da metade da populao e a maioria dos comerciantes, dos artesos e dos lojistas de Novogrudek eram judeus. Seus estabelecimentos localizavam-se em torno da praa do mercado no centro da cidade, toda ela calada de pedra, em um de seus pontos mais altos, prximo das runas de um, castelo multissecular, o ponto mais notvel de Novogrudek. (A estrutura de sete torres havia resistido s investidas dos cavaleiros teutnicos e dos trtaros ao longo de sua histria, mas invasores suecos destruram a maior parte do castelo em 1706.) Nos dias de feira, s segundas e quintas-feiras, judeus e gentios de toda a regio percorriam as vrias estradas que conduziam ao mercado para comprar e vender uma variedade

abundante de produtos. Os agricultores traziam manteiga, batatas, farinha, verduras e frutos, disse Sonya Oshman, nascida na cidade. O que quer que o solo produzisse. Era uma reunio de pessoas simples. Donas de casa e agricultores. Viam-se principalmente mulheres, porque a feira acontecia durante o dia e os homens estavam ausentes, trabalhando. Quando crianas, ns adorvamos aquilo, disse Morris Schuster, tambm nascido em Novogrudek. Era uma coisa linda.29

Os alimentos eram to naturais - framboesas, morangos e amoras-pretas. As frutas eram colhidas na floresta. Nada era artificial. Ah, a manteiga! O po! A maior parte das moradias da cidade era mida e abafada, de um s andar, iluminada por velas ou lmpadas a leo e aquecida nas noites frias de inverno por grandes foges a lenha. Os moradores obtinham gua de poos situados em vrios pontos da cidade, muitas vezes entregue por um carregador musculoso. Como no havia encanamento domstico, as latrinas externas eram uma caracterstica de toda propriedade familiar. Quando os poloneses reassumiram o governo em 1921, a cidade ostentava vrias sinagogas, a maioria situada bem perto da praa principal, no local conhecido como o Quarteiro das Sinagogas. Aougueiros, alfaiates, sapateiros e pequenos comerciantes, cada um tinha sua prpria shul-sinagoga-e casa anexa de estudos. A maior era a Velha Sinagoga, na qual cabiam centenas de pessoas, embora s oferecesse o servio do sbado. O prdio, tambm conhecido como Sinagoga Fria por no ter aquecimento, tinha a fama de ser freqentado por fantasmas. As crianas tinham medo de passar por ali noite. Toda manh o zelador batia na porta trs vezes antes de anunciar em voz alta: Mortos! Vo para seu repouso!. A tolerncia do novo governo com a manifestao judaica foi um ganho para o sionismo, influente movimento em ascenso que defendia a volta dos judeus para a terra de Israel. Os sionistas locais dividiam-se em vrias correntes, e muitas delas tinham grupos de juventude afiliados. Entre a diversidade de faces religiosas que havia, algumas opunham-se ao sionismo, enquanto entre as faces seculares algumas viam o socialismo como o melhor caminho para o bem1estar dos judeus. As novas liberdades ocasionaram a fundao de sistemas de escolas judaicas seculares, que rapidamente se difudiram por toda 30 a Polnia. Em Novogrudek, a mais popular era a escola Tarbut, especializada em ensino sionista ministrado em hebraico, o que transformou a lngua sagrada em uma lngua cotidiana. Muitos judeus jovens tambm freqentavam as escolas pblicas polonesas, que, diferentemente das escolas judaicas seculares e religiosas, eram gratuitas. Um grupo menor freqentava a exclusiva escola pblica secundria, batizada com o nome do filho mais estimado de Novogrudek, o grande poeta polons Adam Mickiewicz, na qual os estudantes usavam um distinto uniforme preto, com insgnias na manga direita. As liberdades mais amplas, porm, no se traduziram num padro de vida melhor. Quando as autoridades polonesas reduziram as restries de viagem no princpio dos anos 1920, estrangeiros foram autorizados a visitar a cidade e muitos ficaram chocados com a pobreza que encontraram. Os nascidos em Novogrudek que viviam em lugares distantes resolveram ajudar. Alexander Harkavy, escritor e lingista residente em Nova York, que traduziu para o idiche Dom Quixote e outras obras literrias, lanou um movimento por meio da sinagoga novogrudekense no Lower East Side de Manhattan, que atendia a 4 mil judeus emigrados de Novogrudek. Ele clamou por doaes para os desafortunados, empobrecidos, perseguidos e oprimidos de sua cidade natal. No fim, os mais de 40 mil dlares arrecadados ajudaram a estabelecer uma srie de instituies na cidade, inclusive um orfanato, um centro de distribuio de sopa e uma biblioteca. na cidade de cerca de 10 mil habitantes tambm residiam poloneses, que constituam a classe

governante e proprietria de terras (muitos deles se mudaram para a regio numa iniciativa promovida pelo governo para aumentar a populao polonesa), bielo-russos, a classe operria, e algumas centenas de trtaros maometanos. No obstante a considervel populao gentia, Novogrudek era um centro dinmico da vida judaica nos anos 31

1920 e 1930, na verdade, ao longo de muito de sua histria. Como um antigo morador relembrou, tudo ficava sossegado no sbado. Mesmo os gentios evitavam tumultos no dia sagrado. Aps a instalao do governo polons, Beyle deu luz mais dois filhos - Ykov, em 1924, e Aron, em 1930 -, perfazendo o total de doze, dos quais onze sobreviveram. As crianas mais velhas, quando no envolvidas em obrigaes no moinho, usufruam as novas oportunidades da cidade, onde eram consideradas gente pobre do campo, em comparao com os judeus citadinos, mais prsperos. Zus freqentou a escola Tarbut durante cinco anos e tambm participou de umas poucas reunies do Betar, grupo juvenil filiado ao brao militante do movimento sionista. Tuvia aderiu organizao Mizrachi, composta de observantes religiosos sionistas, e por algum tempo pensou em abandonar o pas e viver na Palestina. Mas, quando um dos membros da Mizrachi o surpreendeu fumando um cigarro no sbado, foi-lhe solicitado que no comparecesse mais s reunies. Embora com um orgulho ardoroso de sua identidade judaica, a maioria dos filhos adotou uma atitude no muito reverente com relao prtica religiosa. David e Beyle mantinham um lar kosher, mas os rapazes muitas vezes escondiam toucinho no estbulo, mascando-o quando os pais no estavam perto. Um dos irmos mais velhos de David, judeu ultra-ortodoxo, horrorizava-se pela dificuldade em distinguir os Bielski dos camponeses das vizinhanas. Cedam-me uma das crianas e eu farei dela um judeu de verdade, dizia. Ento, David ofereceu-lhe um dos filhos mais moos. O menino, loshua, viajou com o tio para Novogrudek, onde lhe foi dada uma educao religiosa completa, e freqentou as melhores instituies rabnicas. com 22 anos de idade, ele era um rabino. Em 1927, Tuvia, ento com 21 anos, mais de um metro e 32 oitenta de altura e uma boa aparncia morena, tambm estava pronto para ir embora, ansioso para descobrir o mundo alm da pequena aldeia onde havia nascido. Foi convocado para o Exrcito polons e designado para Varsvia, o centro cosmopolita da vida polonesa, onde serviu como membro do 30B Batalho de Infantaria. Graas a seu timo desempenho, depois de seis meses foi indicado para treinar novos recrutas. Em Varsvia, ele tambm experimentou o tipo de anti-semitismo do qual escapara em Stankevich. Quando pediu a um cozinheiro se podia obter um schmeer de gordura de frango para seu po, o homem respondeu: D o fora, seu judeu sarnento. Sem pensar, Tuvia agarrou o homem com a mo direita e o socou com a esquerda. Lanou-o contra urna mesa e pegou uma grande faca mas, apesar da raiva, ele conteve o impulso de usar. Em vez disso, apanhou uma cadeira e a despedaou no rosto do cozinheiro. Depois de duas semanas no hospital, o cozinheiro ainda teve audcia suficiente para provocar seu agressor novamente: Lembre-se, judeu, ele disse, eu ainda you pegar e matar voc. Se voc me disser isso outra vez, Tuvia respondeu, you enterr-lo vivo, no morto. O incidente foi objeto de um inqurito rigoroso. Ao se explicar a um oficial superior, Tuvia exps seu orgulho em servir no Exrcito e em defender seu pas. O insulto do cozinheiro dirigirase no apenas a ele, disse habilmente, mas ao prprio Exrcito polons. Estou pronto a proteger a honra do meu uniforme. Nenhuma medida foi tomada. Depois de dois anos de servio sem incidentes dignos de nota, ele voltou para casa com o

posto de cabo. Esperou algum tempo antes de decidir se estabelecer. com a ajuda de um casamenteiro, encontrou uma esposa chamada Rivke e mudou-se de Stankevich para a cidade de Subotniki, cerca de cinqenta quilmetros ao norte. Ela era bonita? No you mentir, disse Tuvia. Ela no era33

bonita. Mas sua famlia possua uma loja grande, a maior na cidade, e Tuvia repentinamente tornara-se um homem de negcios importante. O amor nunca fizera parte da equao. Eu estava pensando em minha prpria vida, admitiu. Como o servio militar, seu casamento ofereceu-lhe a oportunidade de conhecer um mundo mais amplo. Viajava com freqncia para Vilna, o grande centro judaico, considerado a Jerusalm da Litunia, para tratar de negcios para a loja. Numa dessas viagens comprou um rdio, o primeiro na cidade. O casal, habitualmente junto com seus vizinhos, ouvia os programas de Moscou, Berlim e Varsvia. Tuvia era leitor assduo de vrios j ornais, de uma pluralidade de lnguas, e um narrador cativante, que usava histrias dos livros sagrados judaicos para ilustrar os dilemas contemporneos. O filho bem-apessoado de um moleiro humilde alguns o chamavam o Clark Gable dos Bielski - desenvolvera um carisma simples, uma mente curiosa e uma sofisticao que desmentia sua origem camponesa. Tinha tambm um ar prudente, dando a sensao de que possua insondveis reservas de sabedoria e pensava profundamente sobre as questes da vida. Quem quer que o conhecesse sentia que ele estava destinado a algo maior do que administrar uma loja num fim de mundo rural. Entre princpio e meados dos anos 1930, a vida em Stankevich comeou a mudar. A famlia Bielski prosperara o bastante para contratar uma criada para o servio domstico e um homem para ajudar no moinho. O trabalhador do moinho, Adolph Stishok, era um bielorusso de cabelos e barba louros que, com o tempo, assimilou o idiche o suficiente para falar com seus empregadores na lngua deles. Tuvia fora embora. Asael, o irmo tranqilo, dois anos mais novo que ele, envolvera-se completamente com o negcio, que havia se expandido e agora inclua dois moinhos adicionais em aldeias prximas; seu impetuoso irmo Zus, quatro anos mais jovem, ajudava nas atividades do dia-a-dia. ;;.,.:,; u >/;>.. -, Foi um pandemnio; netft o comandante sabia .. - ; . , >: ;r 181

O comandante judeu mencionou ento as denncias sobre ataques anti-semitas contra grupos judeus. Platon concordou que era um assunto muito srio e comprometeu-se a investig-lo em breve. O general ento contou a Tuvia que o destacamento dos irmos passaria por algumas mudanas cosmticas. Dali por diante, se chamaria Destacamento Ordzhonikidze, em homenagem a Grigori Ordzhonikidze, um antigo lder sovitico e comandante do Exrcito Vermelho morto em circunstncias misteriosas em 1937. O nome da brigada de Fyodor Sinitchkin tambm estava sendo mudado de Lnin para Kirov. Seus quadros continuariam a abranger a unidade dos irmos, o Destacamento de Outubro, de Viktor Panchenkov, e trs outros grupos. O general, porm, tinha assuntos muito mais urgentes para discutir com Tuvia e os demais comandantes. Os alemes se aproximavam. Estavam vindo para a Puscha Naliboki e chegando em nmero nunca visto na regio. hora de nos prepararmos para um imenso ataque, disse. Platon passou a palavra a um de seus auxiliares mais graduados, um russo alto, barbudo, de olhar feroz, chamado Yefim Gapayev e conhecido pelo nome de guerra de Sokolov. Ele esboou um plano para fortificar a floresta. As brigadas receberiam a incumbncia de defender sees, e os destacamentos dessas brigadas deveriam defender partes de cada seo. Depois que Sokolov acabou de falar, Tuvia observou que, como seu destacamento tinha uma grande populao de idosos e crianas, precisaria de ajuda para defender sua seo. Sokolov ento designou combatentes de outra unidade russa para dar assistncia ao grupo judeu. Tuvia deixou a reunio chocado com a idia de enfrentar outro ataque, que faria todas as outras incurses contra sua unidade parecerem brincadeira de criana. Em vez de encontrar um 182 refgio seguro napuscha, acabara conduzindo seu grupo para um local que oferecia riscos ainda mais srios. Ele e seus homens se apressaram a regressar base. Depois de chegar, Tuvia destacou um grupo para cortar rvores, a fim de bloquear o acesso dos alemes floresta. Trincheiras foram cavadas nas bordas da floresta e minas - construdas por um membro do grupo Bielski, que aprendera a arte com um combatente sovitico - foram colocadas ao longo das trilhas. O moral do grupo judeu desceu a seu ponto mais baixo. O que poderemos fazer com to poucas armas contra um inimigo to forte e terrvel?, algum perguntou a Tuvia. A verdade era que ele no sabia.183

8. Julho de 1943 - Setembro de 1943 O ataque alemo estava assumindo as dimenses de tudo o que Tuvia temia. O general nazista Curt von Gottberg enviara um enorme grupo de combatentes veteranos antiguerrilha para suprimir todos os bandidos numa extensa rea de territrio, da Puscha Lipichanska Puscha Naliboki. Grupos guerrilheiros devem ser aniquilados, seus acampamentos e abrigos destrudos e suas provises confiscadas, lia-se em uma ordem de 7 de julho, distribuda aos comandantes nazistas que participavam da Operao Hermann, o nome em cdigo da ao prestes a iniciar-se. O ataque tambm abrangeria incurses nas aldeias consideradas simpticas aos guerrilheiros, durante as quais criaes de animais, mercadorias e produtos deveriam ser confiscados, e os camponeses executados ou enviados para a Alemanha a fim de reforar a fora de trabalho escravo. Seria, como as ordens nazistas declaravam, uma concentrao implacvel de foras. As unidades combatentes nazistas haviam passado boa parte do ano anterior esquadrinhando os territrios ocupados e diri184 gindo campanhas de terra arrasada contra todos os que elas decidiram rotular como guerrilheiros. Muitos dos integrantes das tropas j tinham participado de extermnios anteriores de judeus em Belarus, Litunia e Ucrnia como membros de formaes ssEinsatzgruppen. Depois que a tarefa de eliminar os judeus da Unio Sovitica tinha sido quase inteiramente completada, os assassinos foram transferidos para batalhar contra os guerrilheiros. A mais notria dessas formaes era uma unidade ss-Sonderkommando (comando especial), chefiada pelo ss-Obersturmbannfhrer (tenente-coronel) Oskar Dirlewanger. com cerca de novecentos homens divididos em seis companhias, havia sido constituda em!941por ordem de Heinrich Himmler, o Reichsfhrer-ss, e seu contingente foi formado com homens por ele libertados de prises alems. Dirlewanger era to sinistro quanto qualquer um deles. Mesmo Himmler o considerava um tanto excntrico. com olhos encovados, malevolentes, Dirlewanger era um veterano da Primeira Guerra Mundial que se engajara no Partido Nazista, tornando-se por fim membro das tropas de assalto S em 1934. Mais tarde, foi preso por ter relaes sexuais com uma menor, infrao que o levou a ser expulso do Partido Nazista, devido natureza baixa dos crimes e ao carter inferior demonstrado por suas aes. Depois de cumprir vinte meses de priso, passou dois anos combatendo com uma unidade alem na Guerra Civil Espanhola. Em 1940, aps uma campanha bem-sucedida para a reviso de sua condenao, Dirlewanger foi aceito nas ss e encarregado do comando do regimento criminal de Himmler. No princpio de 1942, depois de servir por algum tempo na Polnia, a unidade foi transferida para a Unio Sovitica, onde comeou a lutar contra guerrilheiros e no teve escrpulos em se voltar contra civis. Dirlewanger prendia mulheres e crianas e as forava a marchar sobre 185

campos minados. Incendiava aldeias inteiras e massacrava sua populao civil, muitas vezes depois da mais leve insinuao de que os residentes eram simpticos ao inimigo. Por tudo isso, ele foi elogiado em Berlim. No decorrer do ano, Dirlewanger recebeu quatro medalhas por seu valor, e vrios de seus homens foram recompensados com promoes. Durante a primeira metade de 1943, Dirlewanger e seus comandados promoveram pilhagens, incndios e assassinatos ao longo de sua marcha atravs de Belarus, numa campanha que levou morte dezenas de milhares de camponeses bielo-russos e poloneses, e destruio de centenas de aldeias, muitas delas jamais reconstrudas. Em dois dias do ms fevereiro, a unidade destruiu quatro aldeias , num nico dia em maro, purificou, na linguagem eufemstica de um relatrio de combate, outras trs. Em princpios de maio, Dirlewanger relatou que havia exterminado 386 guerrilheiros e 294 civis, enquanto apenas trs de seus homens tinham sofrido ferimentos-o tipo de cifra que levou historiadores como French MacLean a concluir que a unidade estava simplesmente realizando massacres. A Operao Hermann seria sua 16s campanha antiguerrilha de larga escala. sua unidade somaram-se outras, de reputao igualmente cruel. Uma delas, o Regimento 2 de Polcia ss, j havia se unido a Dirlewanger em duas grandes operaes realizadas em abril, uma delas para erradicar combatentes hostis da cidade de Minsk. A Operao Hermann inclua ainda uma brigada de infantaria SS, um regimento de fuzileiros, pelotes de gendarmes, uma unidade de atiradores poloneses, unidades do comando SD, regimentos da polcia lituana e frotas areas da Luftwaffe. Esperava-se que as tropas seguissem os guerrilheiros para onde quer que eles fugissem, o que significava marchar por florestas e pntanos, expondo-se ao risco de minas e armadilhas. Deve-se observar, particularmente de encontros anteriores 186 com guerrilheiros, (...) que, logo que perceberem que esto sendo atacados pelos alemes, [eles tentaro] ocultar-se em pntanos intransitveis ou se disfarar de pacficos habitantes locais, declaravam as ordens da Operao Hermann. Neste territrio cortado por pntanos e cursos dagua de todas as dimenses, as tropas devem estar preparadas para usar as vias aquticas e a construo de pontes auxiliares. As foras alems marcharam para a batalha em 15 de julho. Transcorreriam ainda vrios dias at que o inimigo se aproximasse do grupo Bielski, acampado perto do lago Kroman, na Puscha Naliboki. Os irmos e seus combatentes ouviram os sons trovejantes da batalha muito antes de presenciarem qualquer ao. Os alemes empregaram mquinas pesadas para pr de lado as rvores tornbadas que bloqueavam as precrias trilhas que conduziam ao interior da puscha. O acesso foi liberado nos ltimos dias de julho, e veculos blindados roncaram bosques adentro. Os no-combatentes Bielski foram enviados para o interior da floresta, enquanto cerca de cem guerrilheiros judeus, junto com duzentos aliados russos, ficaram espera para lanar um ataque-surpresa contra o inimigo que se aproximava vindo do leste. Antes, porm, que os alemes estivessem ao alcance do fogo, um guerrilheiro russo - um traidor, como se soube mais tarde detonou um nico tiro de fuzil, alertando-os sobre a emboscada iminente. Os nazistas saltaram dos caminhes e atiraram em todas as direes, enquanto os guerrilheiros abandonavam suas posies e corriam para o interior

da floresta. Os combatentes Bielski voltaram ao local onde se encontravam os no-combatentes. A disposio de nimo de todos era, compreensivelmente, tensa. Logo chegou a informao de patrulhas soviticas de que apuscha-naturalmente, um territrio no familiar para os irmos estava sendo completamente cercada. 187

Os alemes ocupavam todas as pequenas aldeias que circundavam os limites da grande floresta. Primeiro, a cidade de Naliboki, poucos quilmetros a leste, tombou aos invasores. Depois, o lugarejo de Kletischa, uns poucos quilmetros ao norte da posio dos irmos, foi tomado. O cerco se fechava. As foras alems comearam ento a penetrar na floresta, e os guerrilheiros do general Platon ofereceram uma defesa enrgica. Mas, depois de algumas horas, ficou claro que as tropas nazistas no encontrariam muita dificuldade em se mover mais para o interior dos bosques. Os guerrilheiros se retiravam para mais longe a cada hora. com os combates ainda ecoando distncia, um comandante guerrilheiro polons cavalgou at o acampamento dos irmos com novidades sobre os alemes: eles estavam agora a apenas dois quilmetros dali. Seja bravo, senhor, disse o polons, estendendo a mo para Tuvia. Estamos cercados por todos os lados. Ento ele voltou s pressas para seus homens, enquanto os irmos meditavam sobre sua prxima ao. Mas eles estavam em dvida sobre como reagir. Depois de algumas horas, Tuvia e Asael galoparam para uma unidade russa prxima, na esperana de obter mais informaes a respeito dos movimentos alemes. Foram informados que o grupo do comandante polons j havia sido desbaratado e que os alemes eram esperados na rea da base dos Bielski na manh seguinte. O que voc vai fazer? Tuvia perguntou ao comandante russo. . Precisamos sair daqui!, disse o homem. Mas para onde?, Tuvia perguntou. O homem no deu nenhum conselho a Tuvia, dizendo por fim que agisse como achar melhor. Tuvia e Asael voltaram ao campo, onde um ajuntamento ner188 voso de oitocentas pessoas - combatentes e no-combatentes aguardava instrues. Os guerrilheiros russos a cavalo passavam a galope pelo acampamento, numa sugesto de que uma batalha era iminente. Tuvia sabia que todos esperavam que ele apresentasse algum tipo de plano. Mas ele no tinha nenhum. Em vez disso, tentou mostrar-se controlado. No podia permitir que o grupo embarcasse na histeria. Anunciou que era possvel se esquivar dos alemes. Era possvel sobreviver a essa provao. O que precisamos de coragem serena, disse. Nem todo mundo se sentiu tranqilizado. Grisha Latij, o gentio que era lder da clula rebelde da Komsomol, juntou alguns aliados e se retirou da base. Tinham decidido lutar por sua prpria conta e risco. A atitude provocou pnico imediato. Uma grande multido tentou acompanhar Grisha e seus homens, uma vez que eles de fato pareciam saber o que estavam fazendo. Desconcertado pela agitao, Tuvia percebeu que ele precisava deter esse ato de insurreio. Ele correu para diante do grupo de Grisha e ordenou a todos que voltassem para o acampamento. A noite est chegando, gritou. Os alemes no atacaro durante a noite. quando ns escaparemos! Todo mundo deve voltar! Milagrosamente, todos o obedeceram.

Nas poucas horas seguintes, grupos guerrilheiros continuaram a passar por perto, em direo a posies mais profundas na floresta. medida que a noite caa, os sons da fuzilaria foram cessando. Como Tuvia tinha previsto, os alemes estavam se acomodando para um repouso noturno. Tendo prometido um plano de fuga, Tuvia sabia que agora teria que apresentar um. Sentia-se cada vez mais embaraado por sua falta de imaginao. Ento, dois homens se chegaram a ele com uma idia. Diferentemente de tantos outros no grupo Bielski, Michel Mechlis e Akiva Shemonovich tinham um conhecimento 189

profundo do terreno da puscha. Mechlis fora inspetor florestal antes da guerra e Akiva era um negociante que exercia sua atividade perto da puscha. Sabemos para onde ir, Mechlis disse a Tuvia. um caminho difcil, atravs dos pntanos. Mas se alcanarmos uma ilha, Krasnaya Gorka, poderemos sobreviver. Como voc pode ter certeza de que os alemes no chegaro l tambm?, Tuvia perguntou. No h garantia, respondeu Mechlis. No havia outra opo. A deciso de viajar noite atravs dos pntanos de Krasnaya Gorka foi tomada. Tuvia se dirigiu ao grupo. O inimigo est muito prximo, mas decidimos nos embrenhar ainda mais no interior da floresta, disse. Ns atravessaremos um terreno difcil e lamacento. Devemos manter absoluto silncio e todos devem obedecer s ordens. Deixem todos os objetos no essenciais para trs no queremos abandonar coisas ao longo da marcha que sirvam de pista para o inimigo. Carreguem tanta comida quanto conseguirem e isso basta. Todos entupiram os bolsos com gros de trigo e centeio, punhados de ervilhas secas e rabanetes mofados. Vacas e cavalos que eles tinham obtido nas ltimas semanas foram abandonados nos ermos da puscha. Ento, essa massa extraordinria de gente seguiu Mechlis atravs dos pntanos. Muitos tiraram os sapatos, pensando que seria mais fcil avanar pela lama descalos. As crianas foram carregadas nos ombros dos pais. Devagar e em silncio, numa noite sinistra sem vento, o grupo de oitocentas pessoas se moveu pelos pntanos, uma atrs da outra. Os nicos sons vinham do chapinhar dos ps descalos afundando na lamaceira e do mugido das vacas que vagavam em algum lugar ao longe. A gua s vezes chegava altura do peito, enquanto em outras ocasies mal alcanava os tornozelos dos caminhantes. ....... ; ; * 190 Por volta da meia-noite, o som de um alto-falante ecoou ao longe. As palavras chegaram primeiro em russo, depois em polons. Guerrilheiros! Vocs sabem que no podem lutar uma guerra contra nossos tanques e canhes. Quando o dia amanhecer, abandonem suas armas e rendam-se. Pouco antes da aurora, o grupo chegou a um lugar seco entre arbustos, e muitos tombaram ao cho, exaustos. Mas ainda no haviam chegado ilha de Krasnaya Gorka. A provao estava longe do fim. Mesmo assim, alguns adormeceram. Qualquer um que roncasse era acordado, para impedir a difuso de sons desnecessrios. Sentado em silncio em meio a sua gente, Tuvia se lembrou dos primeiros dias em que o grupo fora para a floresta, quando tinham que se preocupar com qualquer som que fizessem. Quando o sol nasceu, Tuvia, Asael e o guia Mechlis encontraram um caminho seco, que os levaria de volta ao acampamento que haviam abandonado na noite anterior. Decidiram ver onde os alemes estavam. Furtivamente, seguiram para o antigo acampamento e, por um instante, Tuvia pensou que talvez o perigo tivesse passado e que - quem sabe? - os alemes houvessem partido. Ento, de repente, o som de fuzilaria pesada

vibrou no ar. Os trs mergulharam nos arbustos e esperaram o tiroteio acabar. Era evidente para Tuvia que os tiros vinham de alemes que estavam na base ou muito perto dela. Logo que as descargas cessaram, os trs se lanaram s pressas de volta para o grupo. Quando tinham avanado umas poucas centenas de metros, o fogo recomeou. Pensei que estvamos acabados, disse Tuvia. Ele calculou que os alemes estavam a cerca de meio quilmetro e teve certeza de que haviam sido notados. Mais uma vez se atiraram ao cho, de onde ouviram os berros dos voluntrios bielo-russos que serviam na vanguarda dos alemes. Peguem os animais!, eles gritavam. Peguem os animais! 191

De algum modo evitando serem descobertos, eles correram de volta ao grupo, que, mais uma vez, entrou em pnico. Uma me implorava filha pequena que parasse de chorar; um ancio murmurava oraes em voz quase inaudvel. As granadas dos morteiros alemes atingiam o topo das rvores prximas, fazendo as fagulhas se espalharem em todas as direes. Tuvia impeliu todos para o pntano. A tensa caminhada para Krasnaya Gorka recomeava. Estavam com sorte. A parte do pntano que o grupo vadeava tinha um capinzal alto, permitindo que as pessoas se ocultassem. Avies da Luftwaffe sobrevoaram a rea, mas nenhum conseguiu localizar a comprida fila de caminhantes. As vozes alems podiam ser ouvidas ao longe - Heinz, segure o cavalo!, um homem gritou -, mas nenhum soldado enxergou as centenas de fugitivos passando em meio vegetao. com o passar das horas, a fadiga fez com que alguns caminhantes vacilassem, e eles tiveram que ser incitados a continuar. Os suprimentos escassos de vveres se aproximavam do fim e todos sofriam a agonia da fome. As mulheres se inclinavam sobre os homens a sua frente e os combatentes tinham que amparar os idosos, para que no cassem na gua. Ao anoitecer, a unidade chegou a uma rea enflorestada que, apesar de submersa na gua, fornecia proteo razovel. Emendei meu cinto e o cinturo da arma juntos, atei-me a um tronco de rvore e dormitei intermitentemente, contou Tuvia. Logo a maioria seguiu meu exemplo, enquanto outros subiram nas rvores, em busca de uma posio mais confortvel. Entre os que no dormiram, houve quem procurasse por alimento e conseguisse achar alguns ps de framboesa. No tnhamos absolutamente nada para comer, contou Leah Johnson, nascida Bedzovsky. Quando encontramos os bagos nas rvores, no sabamos se eram apropriados para comer. Foi terrvel. A noite 192 passou devagar e - extraordinariamente-em silncio. As crianas permaneceram quietas durante toda a provao. na manh seguinte, a neblina tinha se dissipado e o grupo se ps de p para continuar a marcha rumo ao norte, na direo de Krasnaya Gorka. A sorte mais uma vez os favoreceu: a ilha ficava a apenas uns cem metros dali e, logo depois, oitocentas pessoas estavam numa rea mnima de terra, cercada de pntano por todos os lados. Mas os sons do fogo de artilharia continuavam a se propagar no ar. Mesmo com a chegada do grupo ao que parecia um refgio seguro, o perigo ainda no havia passado. E agora? O plano de Tuvia era permanecer nessa ilha no meio dos pntanos, no interior da imensa puscha, at que os alemes suspendessem o cerco. Mas quanto tempo isso levaria? E, mais urgente, como fariam para obter comida? Tinham poucos vveres no comeo da viagem para Krasnaya Gorka. Agora, no restava quase nada. Depois que todos se acomodaram, os irmos fizeram uma chamada e descobriram que estavam faltando seis pessoas, entre elas um pai e seus dois filhos e um velho chamado Shmuel Pupko. Trs homens concordaram em procur-los. Voltaram noite, com todos os que haviam se perdido. Um dia se passou, depois outro, e o problema da alimentao se agravou. Mesmo uma fatia de po mofado se tornara uma iguaria para ser comida por seu possuidor atrs de uma rvore

ou arbusto, longe de olhos curiosos e mos vidas. Alguns comearam a perder as foras e, exaustos, ficavam prostrados no cho. Comearam a aparecer sinais de inanio, como o inchao ao redor dos olhos e a descamao da pele. Ela simplesmente se desprendia do nosso corpo, contou Murray Kasten. Descascava como papel. 193

O ataque alemo prosseguia por toda parte ao redor do grupo, seus sons ecoando sobre o pantanal. Os combatentes ainda no podiam arriscar-se a viajar para as aldeias em volta da puscha. Depois que mais um dia se passou, Tuvia decidiu enviar uma patrulha - Akiva Shemonovich e mais alguns combatentes para verificar se era possvel chegar at a aldeia mais prxima, Kletischa. Horas depois, eles voltaram com a notcia de que os alemes estavam por toda parte. Aps uma semana, as pessoas comearam a perder as esperanas, e muitos temeram que Krasnaya Gorka pudesse ser o lugar de seu ltimo repouso. Alguns combatentes passaram a falar em romper o bloqueio, no importando onde os alemes estivessem situados. Vociferante, Zus insistiu que era hora de arriscar uma surtida atravs das posies nazistas. Permanecer ali e morrer de fome no era o que eu queria, diria mais tarde. Ele me disse: No posso suportar a fome. No posso. Quem vem comigo?, contou Snia, sua mulher. Oitenta combatentes partiram com Zus, que ameaou atirar em quem os seguisse. Seu plano era passar furtivamente atravs das linhas de ataque alems e percorrer toda a distncia de volta at o teatro de operaes anterior dos irmos, na regio de Stankevich, onde ele sabia que poderiam encontrar vveres. Se Zus e seus homens vissem que era impossvel passar pelas posies nazistas, ele mandaria um patrulheiro a Krasnaya Gorka, para instruir todos a permanecerem na ilha. Mas se dentro de dois dias no houvesse mensagem alguma, o grupo deveria presumir que a unidade encontrara uma passagem segura. Todos ento deveriam seguir por um caminho semelhante de volta para a rea de Stankevich. Era um plano muito arriscado. Se os alemes aniquilassem o grupo de Zus, impedindo-o de enviar um patrulheiro, a unidade de Krasnaya Gorka caminharia para uma armadilha mortal. Mas 194 os irmos sentiram que no tinham outra escolha. Ou saam logo, ou morreriam de qualquer jeito. Depois de dois dias sem notcia dos homens de Zus, teve incio o pequeno xodo de grupos de vinte ou trinta pessoas, cada um liderado por guerrilheiros experientes, como Yehuda Bielski, Pesach Friedberg e Yehuda Levin. O ltimo grupo a deixar a ilha foi chefiado por Tuvia, Asael e Layzer Malbin, e inclua os mais fracos e doentes entre os no-combatentes. Os grupos percorreram o territrio com todo o cuidado, atravessando os pntanos em direo beira da puscha. Encontraram pacotes de cigarros alemes jogados fora, montes de cartuchos usados e at jornais alemes amassados. Era como se os alemes houvessem abandonado, pelo menos parcialmente, suas posies. Por fim, as pequenas unidades Bielski chegaram ao rio que marcava a fronteira ocidental da puscha. Um homem afogou-se; os demais conseguiram sair da Puscha Naliboki em segurana. Poucos tiveram nimo para comemoraes, mas eles sabiam que uma faanha fora realizada. Durante cerca de duas semanas, um grupo fatigado e faminto de oitocentas pessoas tinha se esquivado das tropas mais impetuosas que Hitler jamais lanara na batalha. Era uma

das grandes fugas da Segunda Guerra Mundial, uma evaso de tal audcia e sorte que fazia todas as outras escapadas milagrosas dos Bielski parecerem meros ensaios. Mas ningum estava pensando muito nisso enquanto o grupo regressava regio prxima a Stankevich. Afinal, eles retornavam a uma rea de onde haviam fugido dois meses antes por ela haver se tornado demasiadamente perigosa. Muitos acharam que estavam voltando para os braos da morte. , Uma das pequenas unidades Bielski, composta de cerca de trinta pessoas, decidiu no retornar rea de Stankevich. Os ho195

mens permaneceram na puscha com planos de preparar uma base para o grupo maior, na eventualidade de que o territrio do esconderijo anterior ainda fosse inseguro. A unidade era liderada por Israel Kessler, o homem que fora descoberto pelos irmos escondendo-se com diversos seguidores perto de Abelkevitch e que tinha se aliado ao grupo rebelde da Komsomol. Ele era nativo da aldeia de Naliboki e se sentia vontade nas imediaes da puscha. Os irmos se preocupavam cada vez mais com Kessler, que, de acordo com rumores, fora ladro antes da guerra, tendo mesmo cumprido pena na priso. Mas, at ento, ele se revelara uma aquisio importante para a unidade e teve autorizao dos irmos para permanecer na puscha. Tuvia ordenou que, por volta de P de setembro, ele mandasse um mensageiro com um relatrio dos progressos da preparao da base para a sede do comando dos irmos, ainda a estabelecer-se. A unidade de Kessler vagueou pelo interior da puscha, esquivando-se de foras alems perdidas, em busca de qualquer espcie de alimento. Encontraram um cavalo que havia levado um tiro. Famintos e com medo de acender uma fogueira, cortamos a carne e a comemos crua, escreveu IsakNowog. Depois, um grupo de oito homens se aproximou de uma casa camponesa e, apesar de ser alvejado e atacado por um co, fugiu carregando um suprimento proveitoso de vveres. Poucos dias depois, enquanto o grupo repousava, Kessler levantou-se de um salto, dizendo que sentia cheiro de fumaa. Rapidamente subiu numa rvore para ter uma viso melhor dos arredores. Tudo est em chamas!, gritou l de cima. Era evidente que Kletischa, Naliboki e vrias outras comunidades em volta da puscha estavam sendo pilhadas e incendiadas pelas foras nazistas em retirada. Os camponeses locais estavam sendo mortos ou colocados fora em caminhes com destino Alemanha. 196 O grupo de Kessler deixou o interior da floresta, a fim de explorar as aldeias. Em todas, os combatentes depararam com a mesma cena. Nenhuma estrutura sequer fora deixada de p e nenhum habitante vivo pde ser encontrado. Parecia que os alemes, na impossibilidade de eliminar tantos guerrilheiros quanto esperavam, transferiram sua clera para os camponeses. Embora catastrfica para a populao camponesa, a destruio das aldeias foi um golpe de sorte para os homens de Kessler. No apenas significava o fim de qualquer informante potencial ou real, mas tambm que eles podiam confiscar os vveres e suprimentos que os alemes no tinham conseguido carregar. Um verdadeiro prmio. Nas aldeias em runas, os guerrilheiros encontraram frangos, porcos e vacas andando a esmo. Recolheram favos nas colmias e vasculharam pores em busca de batatas. Descobriram legumes nos roados e trigo nos campos, prontos para ser colhidos. Havia carroas, mquinas de costura, ferramentas de sapateiro e debuIhadoras para quem quisesse. Muito do que haviam perdido nas fugas dos ataques alemes durante os dois ltimos meses podia agora ser substitudo. No decurso de alguns dias, tudo foi levado para uma pequena base que os combatentes estabeleceram perto da ilha de Krasnaya Gorka. Eles se alimentaram como reis da floresta e

danaram em volta da fogueira, carregando Kessler nos ombros. Numa das viagens ao quartel-general guerrilheiro, ofereceram a um dos subcomandantes de Platon uma proviso de cerejas conservadas em mel. Mas um membro da unidade de Kessler, Abraham Weiner, estava comeando a se sentir pouco vontade com o modo de agir do lder. Ele reparou como Kessler pilhava as casas camponesas em busca de jias, relgios e outros objetos de valor, em vez de confiscar apenas os itens necessrios para a sobrevivncia do grupo. Era 197

o tipo de comportamento que poderia causar problemas com os guerrilheiros russos. Kessler voltou a sua antiga profisso, Weiner disse mais tarde. O ladro que cumprira pena na priso e apenas aprendera a escrever o prprio nome em letras maisculas na floresta estava fora de controle. Sem suspeitar da boa fortuna de Kessler e de seus homens, as pequenas unidades Bielski fizeram a viagem de mais ou menos quarenta quilmetros de volta antiga rea. Depois que o grupo de Tuvia, Asael e Layzer Malbin chegou s proximidades de Stankevich - tinha sido o ltimo a deixar a puscha -, os comandantes tentaram entrar em contato com as demais unidades. No calor de agosto, os grupos dispersos haviam montado seus prprios acampamentos, que consistiam em abrigos sob lona, como barracas, e uma fogueira, nas florestas pequenas onde os irmos haviam estacionado antes da viagem para a puscha. Os combatentes logo procuraram obter alimento com os antigos aliados camponeses e descobriram que a Operao Hermann causara muita destruio na regio. A populao estava atordoada com a violncia, e muitos destacamentos de guerrilheiros soviticos haviam se desorganizado depois das batalhas. Criou-se um clima altamente carregado nas reas rurais e os cornbatentes tinham trabalho para assegurar seu sustento. Em vez de trazer itens comparativamente de luxo, como vacas e frangos, eles retornavam aos acampamentos com grandes quantidades de batatas. Depois de tanto tempo com to pouco no estmago, muitos tinham dificuldade de digerir at uma comida leve como essa. No caos desses dias ps-Hermann, comearam a vir tona histrias sobre guerrilheiros soviticos indisciplinados, muitos dos quais haviam se separado de suas unidades durante os ataques. 198 Os judeus conheceram com freqncia a fora de sua brutalidade. Num desses casos, um guerrilheiro matou um membro do grupo Bielski que se recusou a lhe entregar suas armas. Depois, um grupo de combatentes soviticos roubou o jovem Aron Bielski e outros homens da unidade, tomando-lhe as armas, relgios e algumas moedas de ouro. Encolerizados, os trs irmos imediatamente organizaram uma fora de setenta combatentes armados. Lutaremos contra eles se as armas no forem devolvidas, Tuvia disse tropa. Isso est acontecendo com excessiva freqncia para que o ignoremos. Os combatentes invadiram o campo russo e Tuvia, Zus e Asael dirigiram-se cabana do comandante. Como ele estava dormindo, sob o efeito de uma bebedeira, seu substituto perguntou o que significava toda aquela confuso. Vocs pretendem nos atacar?, indagou. Sim, seu filho-da-puta, respondeu Tuvia. Se necessrio, vamos lutar contra vocs. Quem deu ordens para desarmarem minha gente e meu irmo? prosseguiu o comandante judeu. Sabe quem Aron Bielski? Sabe o que esse moo j fez pela ptria? O russo tentou acalmar Tuvia, mas em vo, pois este estava fora de si de to enraivecido. Quero nossas armas agora! disse Tuvia. Onde elas esto? Calma! No sei nada sobre isso, respondeu o outro. Espere, espere, you chamar nosso lder. Ele ento acordou o comandante.

Depois de levantar-se da cama, o russo, cambaleante, ouviu Tuvia lhe contar a histria do confisco e exigir que tudo fosse devolvido. Se um nico cartucho estiver faltando, mataremos todo mundo, interveio Asael. O comandante se comprometeu a fazer o que pudesse para resolver o impasse. Saiu da cabana e ordenou a sua tropa que se alinhasse. Os homens se arrastaram s posies e Aron identificou os 199

ladres, onze no total. Ento o comandante russo falou: Dou-lhes cinco minutos para mostrarem as armas. Imediatamente, tudo foi devolvido e os irmos Bielski se acalmaram. Quando Tuvia estava prestes a deixar a base, o comandante russo o censurou por ter se exaltado tanto. Podamos ter resolvido isso calma e amigavelmente, disse. Sim, eu estava um pouco nervoso, Tuvia admitiu, apertando-lhe a mo. Mas devo lutar pelo que acredito que direito. A clera dos Bielski, to enrgica quando despertada, podia tambm dirigir-se queles que faziam parte do prprio grupo, e, durante esses dias tensos, Zus voltou seu temperamento feroz para outro judeu. Ele se enraiveceu quando ficou sabendo de histrias sobre um homem chamado Kaplan, lder de uma das pequenas unidades Bielski. Dizia-se que ele dava permisso para que seus comandados roubassem os camponeses - um combatente, por exemplo, tinha levado um casaco de pele. Zus tambm ouviu dizer que Kaplan batera numa mulher do grupo e a obrigara a ficar para trs com o filho quando o lder e sua gente se mudaram para uma nova localidade. Zus apressou-se em confrontar o homem que, no seu entender, estava manchando a reputao dos irmos. Seguiu-se uma discusso entre os dois, durante a qual Zus repreendeu Kaplan por tratar mal a tal mulher. Kaplan acusou os irmos de estarem mais interessados em ouro do que em ajudar pessoas. Zus partiu para cima dele, a fim de agredi-lo. Quando Kaplan virou-se para fugir, Zus apontou sua arma e ordenou-lhe queparasse. v > > Kaplan o ignorou. No faa isso! Asael gritou para o irmo. Mas Zus atirou e matou Kaplan. O corpo foi enterrado onde caiu. < Para muitos, foi um incidente perturbador. A idia de um judeu matando outro judeu, sobretudo numa poca em que a vida de seu povo corria tanto perigo, era difcil de aceitar. Aqueles que j desconfiavam da liderana dos Bielski consideraram o episdio um ato escandaloso de criminalidade. Mas os irmos sentiram que a execuo se justificava, devido participao do homem em atividades que punham em risco a unidade. Era o tipo de ato brutal que, at ento, tinha funcionado em favor do grupo - um dos instrumentos que permitiam que uma multido to numerosa continuasse a existir num mundo to feroz. na prtica, porm, o estilo de comando cada vez mais rigoroso dos irmos podia ser uma coisa repulsiva de contemplar. A maioria do grupo, grata por ser protegida pelos irmos, preferia no pensar muito no assunto. : ;; ; j i ? : No fim de agosto, Tuvia reuniu os oitocentos membros do grupo - com exceo da unidade de Kessler, que permanecia na puscha-e contou-lhes as novidades que alterariam para sempre a histria do destacamento, uma mudana perturbadora em sua maneira de operar. Fyodor Sinitchkin, o comandante da Brigada Kirov e comandante imediato dos irmos, havia sido substitudo por um de seus subcomandantes, Sergei Vasilyev, um antigo comandante de tanque do Exrcito Vermelho, com cara de buldogue, que fugira do cativeiro alemo em agosto de 1942.0 russo de 39 anos planejava dividir a grande unidade em duas sees - uma para os combatentes e outra para homens desarmados, mulheres e crianas.

A idia era sediar o grupo combatente dos irmos na rea ao redor de Stankevich. O grupo manteria o nome Ordzhonikidze e seria comandado por um guerrilheiro russo. Zus seria o subcomandante e chefe de reconhecimento. A unidade no combatente, que se basearia na distante Puscha Naliboki, conservaria Tuvia 200 201 l

como comandante, Layzer Malbin como chefe do estado-maior, Pesach Friedberg como intendente e Solomon Wolkowyski como chefe da seo especial. Seria conhecida oficialmente como Destacamento Kalinin, assim batizada em homenagem a um dos lderes imediatos de Stalin, M. I. Kalinin, presidente do Soviete Supremo da URSS. Asael no foi designado para nenhuma das duas unidades. Enviaram-no para o estado-maior da Brigada Kirov de Sergei Vasilyev, onde serviria como oficial de reconhecimento. No apenas o grupo estava sendo dividido, como os trs irmos foram obrigados a se separar. Tuvia se ops vigorosamente ao plano de diviso, quando Vasilyev lhe falou a respeito. Desde os primeiros dias da guerra, ele argumentara que, quanto maior fosse, mais forte se tornaria o grupo judeu. Agora, por causa da interferncia dos soviticos, tudo estava comprometido. Sem seus protetores armados, o grupo dos no-combatentes ficaria vulnervel a ataques. com um comandante sovitico, o grupo combatente no mais se dedicaria ao compromisso de preservar a vida dos judeus. E ainda perderiam Asael, o lder de confiana dos jovens soldados, para a burocracia guerrilheira. na percepo de Tuvia, a unidade agora seria obrigada a agir em maior conformidade com os objetivos de guerra soviticos. E os judeus no estavam exatamente no topo da lista de prioridades do movimento guerrilheiro, a despeito das declaraes pblicas de Stalin sobre o papel de cada cidado na batalha pela ptria. Tuvia pelejou para apresentar um plano alternativo que fosse satisfatrio para os soviticos. Chegou a considerar a idia de remover toda a unidade do controle de Vasilyev e reposicion-la numa nova zona de operao, longe da rea de Lida-Novogrudek. Mas, depois de consultar os irmos e os principais assistentes, admitiu que precisava obedecer ao comando. Ele disse a Vasilyev 202 que era um verdadeiro e leal cidado sovitico, pronto a acatar ordens. O novo comandante da brigada deu a Tuvia cinco dias para efetuar a mudana. O qu?, ele disse. No possvel deslocar centenas de pessoas sem preparativos adequados, sem vveres e uma estrutura de comando. Quando Tuvia sugeriu que a mudana levaria duas semanas, Vasilyev retrucou que ele tinha uma semana para completar a tarefa. Imediatamente, membros da unidade foram escalados para reunir vveres e suprimentos para a grande viagem de volta puscha. Muitos dos combatentes juntaram seus pertences, na expectativa de se unirem a seu novo comandante, um capito ucraniano chamado Mikhail Lushenko. Tuvia no conseguia se conformar com a idia de perder todos os seus combatentes. Assim, discretamente, exortou-os a desafiarem as ordens e a permanecerem com a unidade no-combatente. A maior parte deles concordou. Cerca de metade dos combatentes Bielski, mais ou menos uma centena de soldados, apresentaram-se para a primeira reunio do Destacamento Ordzhonikidze. com o capito Lushenko estava um russo chamado Vasily Kian, que fora nomeado comissrio para assuntos polticos, e outro russo, Petr Podkovzin, chefe do estadomaior. Os comandantes soviticos dividiram os combatentes judeus em duas sees, a dos solteiros e a dos casados, e designaram comandantes e subcomandantes para ambas. Entre os soldados da nova unidade, havia alguns agitadores do contingente rebelde da Komsomol, inclusive Grisha Latij,

nomeado comissrio substituto. Os combatentes foram informados de que o destacamento operaria de maneira semelhante a um tpico grupo sovitico. Durante a noite, os homens se ocupariam de atividades de guerrilha e, durante o dia, descansariam na casa de camponeses amistosos. A unidade tambm continuaria com sua aliana ocasional203

com o Destacamento de Outubro, de Viktor Panchenkov, o mais antigo aliado guerrilheiro dos irmos, que permanecera na rea durante os distrbios de julho e agosto. Ao contrrio de seu irmo mais velho, Zus aprovou o plano de dividir o grupo principal em dois. Ele j pensara nisso aps a retirada desordenada durante o ataque alemo na floresta de Yasinovo, em 9 de junho. Sentira que os no-combatentes tinham atrapalhado um contraataque organizado, prejudicando a segurana de todos. Mas, uma vez que em assuntos de organizao ele se submetia opinio de Tuvia, seu ponto de vista no causou divergncias com o irmo. Ele jamais apoiaria a diviso do grupo enfrentando a oposio de Tuvia ou Asael. Mas, quando os soviticos ordenaram a mudana, ele no apresentou nenhuma objeo. A nova unidade tambm lhe conferiu um forte papel de liderana, maior do que lhe fora atribudo no grupo mais amplo. O capito Lushenko e os russos no podiam rivalizar com suas qualificaes de liderana ou com seu conhecimento da regio. No papel, apenas Lushenko era o lder, contou Zus muitos anos depois. na verdade, o lder era eu. O mundo dos irmos tinha se transformado de forma notvel em apenas algumas semanas. O novo grupo de Zus estava se preparando para as primeiras aes com superviso sovitica, enquanto Asael se apresentava para exercer suas funes no posto de comando de Sergei Vasilyev; e Tuvia e o grupo no-combatente comeavam sua jornada de volta para a Puscha Naliboki. Cerca de setecentos judeus estavam retornando ao lugar onde haviam esperado encontrar um refgio seguro dois meses antes. Depois de uma exaustiva fuga dos alemes e tendo que se submeter s ordens dos soviticos, eles rezavam para poder encontr-lo. 204 9. Setembro de 1943 No vero de 1943, a guerra evolua a favor das foras aliadas. Os alemes haviam se recuperado depois de Stalingrado e obtiveram uma vitria em Kharkov, mas depois foram batidos numa batalha gigantesca em Kursk, onde 1,3 milho de soldados do Exrcito Vermelho enfrentou cerca de l milho de combatentes alemes, no que o historiador Richard Overy descreveu como a maior batalha planejada da Histria. Logo depois que os soviticos venceram em Kursk, foras inglesas e americanas invadiram a Itlia, aps derrotar as foras do Eixo no Norte da frica. A campanha anglo-americana provocou a queda de Mussolini, mas no foi de forma alguma uma vitria fcil para os Aliados. Enquanto avanavam na direo de Roma, enfrentaram poderosos contra-ataques alemes e o avano se desacelerou. Entrementes, os nazistas passavam por outras dificuldades, entre elas um esforo bem-sucedido das potncias ocidentais para diminuir substancialmente a eficcia dos submarinos alemes no Atlntico Norte. No Pacfico, os japoneses estavam na defensiva, tendo se reti205

rado das ilhas Aleutas e sofrido derrotas na Nova Guin e na Nova Gergia. A destruio do povo judeu na Europa prosseguiu sem interrupo, mesmo quando muitas tentativas hericas de resistncia foram empreendidas. A mais famosa, o levante do gueto de Varsvia, comeou em abril de 1943, quando mais de setecentos judeus, com armamento improvisado, lutaram heroicamente contra 2 mil soldados alemes e seus respectivos aliados durante 28 dias. Finalmente, em 16 de maio, depois de uma luta brutal de casa em casa, os alemes anunciaram que haviam dominado a rebelio. Vrios milhares de judeus morreram durante o combate, enquanto mais de 50 mil capitularam e foram fuzilados ou enviados para campos de extermnio. Os alemes alegaram que s perderam dezesseis homens, embora muitos acreditem que o nmero tenha sido bem mais elevado, chegando a algumas centenas. Mas nada conseguia deter os assassinos. Em junho de 1943, depois que uma quarta cmara de gs foi instalada em Auschwitz, Himmler deu ordem para que todos os guetos da Polnia e da Unio Sovitica evacuassem judeus logo que possvel. Hitler, agora era certo, estava destinado a perder a guerra contra Unio Sovitica, Gr-Bretanha e Estados Unidos. Mas estava determinado a no perder a guerra contra os judeus. Qualquer tentativa de fuga dos guetos de Lida e Novogrudek foi suspensa durante as grandes batalhas da Operao Hermann, em julho e agosto de 1943. Porm, no comeo de setembro, pequenos grupos, particularmente no gueto de Lida, estavam se arriscando a viajar at os guerrilheiros. Muitas das pessoas jovens, inspiradas pelas fugas bem-sucedidas do ano anterior, se empenhavam em localizar armas e convencer os parentes idosos a fazer a viagem. .;:.,. ,r:..,;-.; ti -,--. -v;.- -.;,.. f. : --. :x-; 206 Layzer Stolicki, comandante da fora policial judaica de Lida, ajudava os fugitivos dobrando os guardas gentios com vodca e indicando a potenciais guerrilheiros o caminho para as florestas. Outros continuavam a resistir s exortaes para escapar, acreditando nas mentiras dos nazistas de que nenhum dano adviria para os que trabalhassem lealmente para o Reich. Para as pessoas mais velhas, era mais fcil pensar que um milagre seguramente aconteceria do que erguer-se e fugir na maior pobreza para a floresta desconhecida, escreveu Liza Ettinger. E havia outros que, acreditando que o fim era iminente, se preparavam para o dia inevitvel em que os nazistas viriam para o prximo extermnio em massa. Essa ocasio logo chegaria. Em 17 de setembro, os nazistas e seus colaboradores cercaram o gueto de Lida - cuja populao era de mais de 2 mil, de acordo com um documento alemo de dois meses antes-e transmitiram uma mensagem por alto-falantes. Vocs no sero maltratados. Precisamos de trabalhadores para o esforo de guerra. Vocs tm duas horas para empacotar seus pertences. Ento, as tropas invadiram o gueto e instruram todo mundo a se alinhar em grupos de cinqenta. Alguns tentaram esconder-se, certos de que outro morticnio era iminente. Liza Ettinger, carregando um po, fsforos e algumas moedas de ouro, entrou num abrigo sob uma casa com uma amiga. De onde estava, pde ouvir os gritos dos reclusos do gueto quando os alemes comearam a atirar para cima e a gritar ordens a plenos pulmes. Os alemes conduziram os internos atravs dos portes. Era o mesmo caminho de 8 de maio, disse Willy Moll, com treze anos na poca, referindo-se ao massacre dos judeus em 1942. Enquanto passvamos, muita gente da cidade, gentios, poloneses, paravam para nos

observar. Alguns tinham sorrisos nos rostos e alguns estavam muito tristes. Enquanto a marcha prosseguia, Moll fugiu da formao. 207

Caminhei por meio quarteiro, mais ou menos, e uma mulher me reconheceu e comeou a gritar: Um judeu! Um judeu!. Alertado pelos gritos, um soldado alemo correu atrs do menino, que disparou em direo a uma viela e pulou para dentro de uma latrina externa. Por uma rachadura, eu podia ver o nazista correndo de um lado para outro, disse. Um moo polons que estava observando a cena se desenrolar contou ao alemo onde o jovem judeu se refugiara. Ele abriu a porta violentamente, me puxou e me colocou contra a parede do compartimento, contou Moll. Nunca esquecerei o cu, porque eu estava muito acovardado para olhar para o soldado, ali, com sua arma. Ento olhei para o alto. Era um dia to bonito, ensolarado, e o cu parecia to formoso. Estava certo de que ele me fuzilaria, mas, em vez disso, ele me empurrou e me mandou andar. Ento, andei. Os dois voltaram para o cortejo. Devemos ficar de olho neste judeuzinho, disse o alemo. Quando o grupo repousava mais adiante na estrada, o jovem Willy afastou-se furtivamente uma segunda vez e, ento, no foi capturado. Escondeu-se num campo at a noite, quando comeou sua viagem para o acampamento guerrilheiro sobre o qual ouvira falar, organizado pelos irmos Bielski. Os demais caminhantes logo ficaram cientes de que no estavam sendo escoltados para os fossos de execuo de 8 de maio. Em vez disso, estavam sendo conduzidos para a estao ferroviria, parte de um processo de evacuao que continuou nos dois dias seguintes, 18 e 19 de setembro. Quando Mike Stoll, de dezessete anos, chegou com vrios membros da famlia, viu que os judeus estavam sendo despachados em quinze a vinte vages. Eles nos atiraram num vago e ficamos l congelando, imaginando o que fazer em seguida, contou. Sabamos que nos matariam. Sabamos que iramos diretamente 208 do trem de carga para os fornos. Havia todo tipo de rumores. Algumas pessoas no acreditavam no que estava para acontecer. Diziam que havia campos onde a gente trabalharia e sobreviveria. Eu sabia que tinha que achar um jeito de sair dali. Stoll e os outros no vago se apressaram em tramar um plano de fuga. Sua irm, Bella, avistou um auxiliar iugoslavo com quem havia travado camaradagem durante a ocupao e perguntou se ele lhe daria um machado, que o grupo esperava usar para fazer um buraco no cho de madeira do vago. Uma idia maluca, mas que talvez resultasse em alguma coisa, contou Bella. Ele disse: Voc vai me matar?. Eu respondi: Por que ia querer matar voc? Queremos nos salvar. Voc sabe que no estamos indo para nenhum lugar onde nos deixaro viver. Ele resmungou um pouco e ento disse que procuraria no galpo. Finalmente, o homem apareceu com um machado cujo cabo fora removido. Outras pessoas que estavam no vago falaram com um policial local, que, depois de receber jias e relgios de todo mundo, concordou em deixar a porta do trem destrancada. Logo que o trem deixou a estao no final da tarde, descobriuse que a porta estava firmemente trancada. O grupo abandonou o plano de abrir um buraco no cho, por considerlo muito perigoso. Em vez disso, as atenes se voltaram para uma janela pequena e gradeada, perto do teto do vago. Usando o machado de Bella, os homens conseguiram remover as barras e, depois de uma discusso, Stoll arrastou-se para fora da janela.

Eu no podia falhar, porque meu pai e minha irm estavam no vago, contou. Desci e me virei. Caminhei at o fecho da porta. L havia um arame e, at hoje, no sei como encontrei foras, mas, mexendo nele, finalmente consegui abrir o trinco. Ele entrou novamente no vago e todos se prepararam para saltar. Depois que trs pessoas saltaram, os sons de tiros cortaram o ar noturno. Stoll recolocou a porta na posio e todos no carro209

comearam a rezar. Ento passaram a discutir sobre o que fazer em seguida. Antes que pudessem chegar a uma resoluo, a velocidade do trem diminuiu, enquanto ele entrava numa estao. Assim que o trem parou, os policiais realizaram uma inspeo e descobriram a porta destrancada. Quem est faltando?, um deles perguntou. Estamos todos aqui, algum disse. Quem iria saltar de um trem? Os policiais praguejaram e gritaram, prometendo executar todos. Mas, no fim, simplesmente fecharam a porta, assegurandose de que estava firmemente trancada. Isso no me intimidou, disse Stoll. Eu parecia um animal selvagem. Tinha que sair. na escurido, os soldados no viram que as barras da janela haviam sido removidas. Assim, depois que o trem partiu novamente, Stoll saiu e se equilibrou em frente porta. A essa altura, eu j era um acrobata, contou. Sabia o que fazer. Assim, cheguei at a porta, arranquei o arame, abri a porta e pulei para dentro. Eu disse: Vamos. Vrias pessoas saltaram do trem, entre elas Stoll, seu pai e sua irm, Bella. Saltamos e rolamos de lado, vertente abaixo, Stoll disse. Eles conseguiram escapar em segurana e sem ouvir tiros. Tudo que me lembro que minha boca ficou cheia de cascalho, contou Bella. Estava apavorada. Fiquei l deitada at o trem se afastar. Ele fazia muito barulho. Pensei que nunca acabaria de passar. Eles comearam a caminhar de volta para Lida e para a base dos Bielski. Stoll e seus companheiros de fuga foram afortunados, alguns dos poucos judeus na histria da guerra a escapar de um trem cujo destino era um campo de concentrao. Os trens se dirigiam para as cmaras de gs do campo de concentrao de Maidanek, situado perto da cidade polonesa de Lublin. No decurso de quase trs anos, 210 mais de 300 mil pessoas foram mortas no campo. Entre elas, os ltimos moradores da centenria comunidade judaica da cidade de Lida. Em Novogrudek, que anteriormente tivera dois guetos habitados por milhares de judeus, o nico gueto do tribunal continha agora cerca de 250 resi