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IX ENCONTRO DA ABCP Estado e Políticas Públicas OS FUNDOS DE PENSÃO COMO FINANCIADORES DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO Luiz Bruno Dantas Universidade Federal Fluminense Brasília, DF 04 a 07 de agosto de 2014

IX ENCONTRO DA ABCP Estado e Políticas Públicas · determinantes para a alocação de recursos ... fundos de empresas estatais: a Previ do Banco do Brasil, a Petros da Petrobras

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IX ENCONTRO DA ABCP

Estado e Políticas Públicas

OS FUNDOS DE PENSÃO COMO FINANCIADORES DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO

Luiz Bruno Dantas

Universidade Federal Fluminense

Brasília, DF

04 a 07 de agosto de 2014

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OS FUNDOS DE PENSÃO COMO FINANCIADORES DO DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO

Luiz Bruno Dantas

Universidade Federal Fluminense

Resumo do trabalho:

Os fundos de pensão têm se mostrado importantes fontes de capital no capitalismo

financeiro contemporâneo. Os conselhos de administração das empresas têm

ocupado espaço cada vez mais central na definição de estratégias empresariais e

fundos de investimentos são detentores de grande vantagem por poderem integrar a

estrutura de capital de muitas empresas. A trajetória de desenvolvimento brasileira

sofreu grande mudança com a participação relativamente menor do Estado. Nos

anos recentes, essa situação tem se modificado com a ajuda dos fundos de pensão

nacionais que têm auxiliado o Estado no interior do mundo corporativo e provendo

investimentos em infraestrutura. Dentro das novas condições do capitalismo

contemporâneo, os fundos de pensão assumem importante papel no financiamento

do desenvolvimento brasileiro.

Palavras-chave:

Fundos de pensão; políticas de desenvolvimento; financeirização; governança corporativa; variedades de capitalismo.

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Os Fundos de pensão como financiadores do desenvolvimento brasileiro

I – Introdução.

O Estado brasileiro teve papel central no desenvolvimento econômico do país ao

longo do século XX. O governo autoritário de Getúlio Vargas se preocupou em promover os

setores de petróleo, siderurgia e energia elétrica capazes de fornecer insumos industriais.1

As negociações com o governo norte-americano em plena Segunda Guerra Mundial foram

uma oportunidade única para obter apoio e recursos nesse sentido. Em seu curto governo

democrático, Getúlio Vargas se empenhou em criar agências aptas a dar suporte ao

desenvolvimento econômico brasileiro. A Assessoria Econômica da Presidência da

República, restrita a seu governo, o BNDE e a Petrobrás são os exemplos mais importantes.

As relações do governo com o empresariado eram harmônicas. Representantes da iniciativa

privada em cargos públicos e o executivo buscando apoio em associações empresariais

resumiam essa sinergia entre os setores público e privado. O Estado não ditava os rumos

da economia, antes os definia através de uma aliança com o setor empresarial.2

O governo de Juscelino Kubitschek manteve o crescimento econômico no país com a

participação de empresas multinacionais notadamente no setor automobilístico. Indústrias

locais integravam cadeias produtivas de empresas estrangeiras firmando uma colaboração

entre Estado, capital nacional e capital multinacional. Essa aliança continuou durante o

regime militar que foi marcado pelos anos de intenso crescimento do “milagre econômico” e

pelo II Plano Nacional de Desenvolvimento no governo Geisel. O Estado se encarregou de

grandes obras de infraestrutura entre as quais se destacam a hidrelétrica de Itaipu e o

programa nuclear. Embora houvesse queixas públicas sobre o excesso de iniciativas

estatais, a aliança entre Estado e iniciativa privada (nacional e estrangeira) continuava

sólida.

Essas décadas de crescimento econômico foram financiadas com fundos

previdenciários, endividamento público e alta inflação. Os projetos de infraestrutura dos

anos 1970 causaram grande endividamento do Estado brasileiro que culminou com a crise

da dívida na década seguinte. Os anos 1980 foram palco de uma tortuosa transição para o

1 LEOPOLDI, Maria Antonieta. A economia política do primeiro governo Vargas (1930-1945): a política econômica em tempos de turbulência. In: DELGADO, Lucília de Almeida; FERREIRA, Jorge (org.). O Brasil Republicano. v. 2. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 243-83. 2 LEOPOLDI, Maria Antonieta. O difícil caminho do meio: Estado, burguesia e industrialização no segundo governo Vargas (1951-1954). In: GOMES, Ângela de Castro. Vargas e a Crise dos Anos 50. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. p. 161-203.

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regime democrático que culminou com uma nova Constituição e um panorama econômico

desalentador de altíssima inflação e vulnerabilidade externa impedindo o acesso a capitais

estrangeiros.

Essa situação sofre dramática mudança com os governos neoliberais dos anos 1990,

especialmente com Fernando Henrique Cardoso. A partir do Plano Real, a inflação

finalmente é controlada e o Brasil passa a receber cada vez mais investimentos

estrangeiros. O governo percebe a necessidade de continuar recebendo esses recursos e

se empenha em atrair esses investimentos acatando um conjunto de orientações que ficou

conhecido como Consenso de Washington e que previa, entre muitas medidas, abertura

comercial, liberdade para capitais estrangeiros, equilíbrio fiscal e privatização de empresas

públicas. Integrantes destacados da equipe econômica partilhavam desse ideário liberal.3 O

primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso ficou marcado pela privatização de

empresas públicas entre as quais, a mineradora Vale do Rio Doce, símbolo da

modernização liderada por Vargas, e o sistema Telebrás que foi leiloado em favor de várias

empresas de telefonia.4

A década de 1990 representou uma mudança numa trajetória de desenvolvimento

brasileiro onde o Estado sempre teve forte presença. A afirmação de que era necessário

romper com o “legado da era Vargas” tem precisamente esse sentido e toda a polêmica a

respeito das privatizações demonstrou que tal mudança não seria assimilada facilmente.

Considerava-se então que as instituições capazes de liderar o desenvolvimento econômico

estavam ligadas ao mercado e não ao Estado o que contrariava práticas e crenças comuns

na formulação de políticas econômicas no país havia décadas.

Com a eleição de Lula em 2002, uma nova mudança de rumo se configurava.

Setores do empresariado, descontentes com o que viam como uma abertura excessiva da

economia, formaram uma aliança com o Partido dos Trabalhadores e, consequentemente,

com suas bases sindicais. A “burguesia nacional”, distinta da “burguesia compradora”, nos

termos de Poulantzas, esperava uma condução da economia menos subserviente aos

caprichos da finança globalizada que, além de demonstrar seu potencial efeito

desestabilizador, era vista fundamentalmente como uma ameaça à sobrevivência de seus

3 SANTANA, Carlos H. V. Conjuntura crítica, legados institucionais e comunidades epistêmicas. Limites e possibilidades de uma agenda de desenvolvimento no Brasil. In: BOSCHI, Renato R. (org.). Variedades de Capitalismo, Política e Desenvolvimento na América Latina. Belo Horizonte: UFMG, 2011. p. 121-63. 4 RUFATTO, Luiz. A História do Plano Real. São Paulo: Boitempo, 2012.

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empreendimentos.5 Os quadros sindicais que assumiram importantes postos de comando no

novo governo petista simpatizavam com a ideia de uma política econômica onde o Estado

assumiria um papel mais ativo e sua trajetória profissional e acadêmica contrastava com a

dos quadros do governo anterior.

O governo Lula, no poder após oito anos de liberalismo econômico na condução do

país, tinha o objetivo de reorientar o Estado para uma inserção mais soberana do país, mas

devia perseguir tal intento num ambiente muito diferente daquele de décadas atrás. As

empresas multinacionais continuavam como importantes investidores com relevante

presença no setor industrial e de serviços. Mas o mundo havia se integrado financeiramente,

recursos financeiros relevantes eram movimentados por bancos de investimento, gestores

de fundos e investidores institucionais. Estes agentes e vários outros semelhantes eram

determinantes para a alocação de recursos vitais para empresas e cobiçados por economias

nacionais. Uma consequência importante é que a estrutura de propriedade das empresas

tem se modificado dando lugar a acionistas que podem estar presentes em várias firmas

construindo redes de relações e de poder. O Estado não pode atuar na economia criando ou

financiando indústrias, atualmente ele precisa ser ele mesmo um investidor, deter ações das

empresas junto a outros investidores, influir nas decisões dos conselhos de administração e

indicar diretores. Com o maior alcance dos investimentos financeiros, o poder do Estado

precisa ocupar novos cenários.

Para exercer esses novos papeis são necessários volumosos fundos financeiros. O

Estado brasileiro tem encontrado nos fundos de pensão de grandes empresas estatais os

instrumentos para atuar nesse novo cenário de financeirização da economia.

II – O desenvolvimento dos fundos de pensão.

A prática de instituir fundos para garantir uma renda a funcionários que deixariam de

trabalhar remonta aos Estados Unidos no século XIX. No pós-guerra, a regulamentação

desses fundos começou a se aperfeiçoar o que culminou na decretação da ERISA

(Employees Retirement Income Security Act) em 1974 que transformou os fundos de

pensão em fundos de investimento6. A natureza dos fundos era de planos de Contribuição

Definida (CD) onde está estabelecido o montante que o empregado deve contribuir para sua

5 BOITO JR., Armando. Governos Lula: a nova burguesia nacional no poder. In: BOITO JR.; GALVÃO, Andréa (orgs.). Política e Classes Sociais no Brasil dos Anos 2000. São Paulo: Alameda, 2012. p. 67-104. 6 CLOWES, Michael J. The Money Flood: How Pension Funds Revolutionized Investing. John Wiley & Sons; 2000.

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própria pensão. Quanto será seu benefício é algo que dependerá da performance do fundo

e da competência de seus gestores, próprios ou terceirizados. Ao contrário dos institutos

públicos de previdência como o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) que geralmente

são de Benefício Definido (BD), a modalidade CD transfere o risco de insolvência do fundo

para o segurado. Ele pode receber uma pensão baixa ou, em circunstâncias muito graves,

nenhuma a despeito de suas contribuições. As contribuições podem ser reajustadas para

manter a perspectivas de recebimento de benefícios mais altos. O oposto se observa no

caso do INSS onde, apesar de constantes déficits, nenhum benefício é ameaçado ou

diminuído.

Um efeito importante da legislação norte-americana foi o de prover liquidez para o

mercado de capitais numa conjuntura em que a economia sofria ao mesmo tempo com a

inflação e baixo crescimento econômico. Isso não passou despercebido no Brasil onde

institutos privados e mal supervisionados frequentemente encontravam-se insolventes7. O

então ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen elaborou em 1977 o projeto que criava

os fundos de pensão no Brasil sendo posteriormente aprovado no Congresso Nacional. A

princípio somente empresas estatais e multinacionais instituíram fundos, mas a persistente

inflação inibia investimentos em longo prazo.

Foi necessário, portanto, a estabilidade econômica para que os investimentos e

ativos dos fundos de pensão brasileiros começassem a crescer. Mas tão importante quanto

isso foi a regulamentação do setor consolidada no fim do segundo mandato de Fernando

Henrique Cardoso com as Leis Complementares nº 108 e 109. Essas leis determinavam a

responsabilidade dos fundos pelos seus próprios recursos descartando ajuda do Estado

para cobertura de possíveis perdas. Mas o que merece maior destaque é que foram

estabelecidas duas inovações decisivas para os fundos de pensão ganharem escala: a

portabilidade e os fundos multipatrocinados.

A portabilidade permitia a qualquer participante transferir seus recursos para

qualquer fundo de sua preferência como se tratasse de uma conta bancária. Isso poderia

tanto estimular a competição entre as gestões quanto favorecer os maiores fundos por

serem mais confiáveis. Os fundos multipatrocinados seguem princípio semelhante: uma

empresa pequena ou média pode escolher por constituir um plano num fundo de pensão já

atuante se valendo de sua experiência e se eximindo dos custos da gestão. A legislação

favorecia a concentração de recursos em poucos fundos de pensão. De fato, o que se viu na

7 MENICUCCI, Telma. Previdência privada: a negação/complementação da previdência social pública. Belo Horizonte, 1994. Dissertação de mestrado. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas/Universidade Federal de Minas Gerais. mimeo.

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década seguinte foi uma imensa concentração entre os três maiores fundos de empresas

estatais: a Previ do Banco do Brasil, a Petros da Petrobras e a Funcef da Caixa Econômica

Federal.

Tabela 1: Concentração de investimentos entre os três maiores fundos de pensão do país Previ

(R$ mi) % do total

Petros (R$ mi)

% do total

Funcef (R$ mi)

% do total

Proporção combinada

Total do setor (R$ mi)

Dez. 03 57.854.138 26,76 21.853.466 10,10 14.941.031 6,91 43,77 216.180.000

Dez. 04 70.332.029 27.49 24.986.337 9,76 17.997.363 7,03 44,28 255.788.000

Dez. 05 82.947.332 28,09 28.609.549 9,68 21.153.581 7,16 44,93 295.250.000

Dez. 06 105.888.470 30,06 32.595.721 9,25 23.392.617 6,64 45,95 352.196.000

Dez. 07 138.079.040 31,68 39.198.676 8,99 32.042.678 7,35 48,02 435.770.000

Dez. 08 116.570.702 27,80 39.679.589 9,46 32.429.462 7,73 44,99 419.229.000

Dez. 09 142.461.935 28,94 45.643.656 9,27 38.744.212 7,87 46,08 492.134.000

Dez. 10 152.806.747 28,38 55.686.014 10,34 43.641.664 8,10 46,82 538.417.000

Dez. 11 155.635.595 27,12 58.008.099 10,11 47.643.713 8,30 45,53 573.729.000

Dez. 12 166.242.459 25,90 67.321.702 10,49 51.727.579 8,06 44,45 641.725.000

Dez. 13 169.465.751 26,46 66.096.806 10.32 55.046.095 8,59 45,37 640.328.000

Fonte: Consolidado estatístico da Abrapp, vários anos (www.abrapp.org.br)

O último consolidado estatístico da Abrapp (Associação Brasileira das Entidades

Fechadas de Previdência Complementar), órgão representativo do setor, datada de

dezembro do ano passado, identifica 260 fundos de pensão. No entanto, pouco menos da

metade dos investimentos estão restritos aos três maiores. Esta desproporção tem sido

consistente por mais de uma década fazendo com que Previ, Petros e Funcef quase se

equivalham a todos os demais ou, sendo mais preciso, detenham entre 40% e 45% de todos

os investimentos (chegando a um pico de 48% em 2007). Os assentos nos conselhos de

administração e diretoria de tais entidades são evidentemente lugares estratégicos e suas

decisões têm grande alcance no conjunto da economia brasileira.

O processo de privatizações já demonstrou isso quando recursos tanto dos fundos

de pensão quanto do BNDES foram usados pelos consórcios vencedores para arrematar as

estatais. O capital dos fundos de pensão passou a fazer parte da estrutura de propriedade

de empresas estratégicas como Embraer, CSN, Usiminas, Vale e empresas de telefonia.

Esse emprego foi bastante contestado à época e alguns conflitos societários longos

ocorreram, mas não se pode dizer que tais transações foram prejudiciais para os fundos de

pensão levando em conta o perfil de longo prazo que seus investimentos requerem. As

privatizações foram em parte viabilizadas pelos recursos da previdência complementar

fechada como pode ser visto no quadro abaixo.

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Tabela 2: Participação dos fundos de pensão e de outros compradores nas privatizações

Comprador Valor (US$ bi) Participação

Empresas Nacionais 8,42 43%

Investidores estrangeiros 3,12 16%

Setor financeiro 2,85 15%

Pessoas físicas 2,91 14%

Fundos de pensão 2,28 12%

Total 19,61 100%

Fonte: BIONDI, Aloysio. O Brasil Privatizado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001

Privatizações federais até 31/12/1998; exclui telecomunicações.

Apesar do montante relativamente menor é necessário destacar que não é permitido

aos fundos de pensão deter fatias muito grandes de uma mesma empresa e que as estatais

foram arrematadas em consórcios. A participação das fundações de previdência privada não

era decisiva, mas ela possibilitou integrar a propriedade de companhias tão importantes

quanto às citadas acima. Quanto aos leilões da Telebrás, recursos dos fundos de pensão

estiveram presentes em consórcios que arremataram duas concessões de telefonia fixa

(Telemar/Oi e Brasil Telecom) e duas concessões de telefonia móvel (Telemig Celular e

Tele Norte Celular). Em três dos quatro consórcios os fundos participantes eram a Previ e a

Sistel. As privatizações ajudaram a expandir a presença dos fundos de pensão no capital

das principais empresas nacionais.

Com a vitória do Partido dos Trabalhadores, vários quadros partidários e sindicalistas

assumiram postos de destaque no governo e na direção dos fundos de pensão. Egressos do

sindicalismo bancário paulista Ricardo Berzoini assumiu o Ministério do Trabalho e Luiz

Gushiken, a Secretaria de Comunicação. Seus colegas, Sérgio Rosa e Wagner Pinheiro

assumiram a presidência da Previ e da Petros respectivamente sendo a direção da Funcef

confiada a Guilherme de Lacerda, economista ligado ao PT. Tantos dirigentes ligados à

trajetória do partido que, enfim, chegava ao poder não significava que havia total liberdade

de ação nos fundos de pensão. Havia e há limites claros a serem respeitados.

III – A regulação dos fundos de pensão.

A primeira coisa a reconhecer é que os recursos da previdência privada

complementar fechada pertencem aos participantes, trabalhadores ainda na ativa, seus

dependentes e assistidos, aposentados que agora recebem os recursos que pouparam em

sua vida produtiva. Alguns desses recursos podem ser canalizados segundo alguma

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conveniência política, mas seu objetivo é garantir no futuro renda para os trabalhadores que

recolhem suas contribuições hoje.

Um problema crítico em um fundo de pensão não é necessariamente seu volume de

investimento ou de ativos, mas seu passivo atuarial, ou seja, quanto ele precisa

desembolsar para pagar suas despesas presentes e quanto precisará para pagar suas

despesas futuras. Isso é conhecido como cálculo atuarial e leva em conta muitas variáveis –

expectativa de vida, anos de contribuição, rentabilidade dos investimentos, modalidade do

plano, etc. Para haver alguma segurança de que os compromissos futuros serão honrados

estabeleceu-se uma meta atuarial que deveria ser cumprida anualmente. Até recentemente

esta meta era 6% ao ano acima da inflação, mas foi modificada em novembro de 2012 por

uma portaria do CNPC8 (Conselho Nacional de Previdência Complementar) que prevê uma

diminuição de 0,25% até 2018 quando a meta se estabelecerá em 4,5%.

Aplicar investimentos com rentabilidade tão alta é uma tarefa de grande

responsabilidade ainda mais se levarmos em conta a origem e a finalidade desses recursos.

A gestão dos fundos de pensão deve ser conduzida com muito critério. Mas obedece a

limites determinados legalmente respeitando um regime de cotas de investimentos. Esses

limites fixados em resolução do CMN9 (Conselho Monetário Nacional) estimulam a

segurança e a dispersão dos investimentos. Devem ser observadas cotas correspondentes

a cada segmento – renda fixa, renda variável, investimentos estruturados, investimentos no

exterior, operações com participantes e imóveis – e ainda há limites por empresa ou tipo de

investimento.

A governança dos fundos de pensão enfrenta um conflito latente entre os interesses

dos patrocinadores – empresa que institui a fundação – e os dos participantes e assistidos.

A Lei Complementar nº 108 estabelece que em fundos previdenciários a composição dos

Conselhos de Administração se dará por meio de indicados em partes iguais dos

patrocinadores e participantes cabendo o voto de qualidade ao presidente do Conselho

indicado sempre pelo patrocinador. No conselho fiscal a situação se inverte, cabendo o voto

de qualidade ao presidente indicado pelos participantes. No caso de empresas privadas,

dois terços das indicações cabem aos patrocinadores. Isso concede evidente vantagem aos

patrocinadores. Sua posição privilegiada no conselho de administração lhes dá a

8 Resolução MPS/CNPC nº 9, de 29.11.2012. 9 Resolução BACEN nº 3.792, de 24.09.2009.

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possibilidade de ditar as diretrizes dos investimentos e indicar a diretoria-executiva o que

tem poucas chances de ser contestado pelos participantes a não ser de forma litigiosa.10

As relações eventualmente conflituosas entre participantes e patrocinadores

remetem a um amplo conjunto de problemas de governança corporativa. Os deveres de

transparência e prestação de contas, a proteção dos interesses dos acionistas minoritários,

o problema de agência representado pelo risco de gestores atuarem na direção das

empresas com objetivos que não levem em conta os interesses dos acionistas são questões

de governança corporativa. No Brasil, sempre foi comum acionistas majoritários, no bloco de

controle, conduzirem empresas em total desconsideração aos interesses dos minoritários. O

ambiente corporativo nacional, no entanto, tem passado por profundas transformações nos

últimos anos atenuando alguns de seus traços menos democráticos.

O ativismo dos fundos de pensão tem sido em parte responsável por isso.

Legalmente não lhes é permitido serem acionistas majoritários de qualquer sociedade

anônima, portanto, eles propagam a necessidade de melhores práticas corporativas. Os

fundos de pensão são investidores com grande volume de recursos e uma perspectiva de

longo prazo. São bons sócios e por isso seus valores acabam sendo levados em conta.

No entanto, a criação do índice Novo Mercado da Bovespa foi mais decisiva para a

promoção de práticas de governança corporativa mais justas. A Bovespa criou uma escala

crescente com três estágios Nível 1, Nível 2 e Novo Mercado onde cada patamar superior

submete a empresa a critérios mais rigorosos de governança. A empresa que aceita regras

de níveis de governança mais elevados ganha uma reputação positiva no mercado de

capitais que pode se traduzir em elevação de suas cotações. Os benefícios são palpáveis.

Mesmo a Resolução da CMN citada acima admite cotas de aplicação maiores em empresas

listadas no índice Novo Mercado.

Mesmo com inovações tão importantes, visões mais pessimistas e, ao mesmo

tempo, convincentes como a de Sérgio Lazzarini ainda continuam pertinentes para abordar

a realidade corporativa brasileira.11 O autor considera que o que realmente importa no

relacionamento empresarial no país é ter bons contatos, laços para usar seu vocabulário. A

partir da descrição de alguns conflitos societários ele defende a conclusão de que a

presença em várias estruturas de propriedade é uma vantagem nessas situações. O

investidor estrangeiro é muitas vezes prejudicado em um ambiente cujas regras informais

ele não conhece bem.

10 COELHO LOTT, Eustáquio. A gestão dos fundos de pensão no Brasil In: ROSA, Sérgio (org.). Governança Corporativa e os Fundos de Pensão. São Paulo: Abrapp, 2010. 11 LAZZARINI, Sérgio. Capitalismo de Laços. São Paulo: Elsevier, 2011.

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Usando uma metodologia específica para analisar os laços no interior do mundo

empresarial, Lazzarini parte da consideração de que cada empresa é um nó numa rede que

liga todas elas e busca identificar quais nós se liga mais a outros nós, em outras palavras,

quem tem mais influência. A constatação é de que BNDESpar, seguida dos três principais

fundos de pensão de estatais, são os principais nós na rede corporativa brasileira.

A influência pode ser exercida de muitas maneiras; por meio da presença nos

conselhos, através da influência em outros conselhos, através da estrutura de propriedade,

etc. O exemplo mais conhecido foi o da destituição do diretor-executivo da Vale Roger

Agnelli indicado pelo Bradesco após atrito com diretrizes do governo. Ora, BNDESpar, Previ,

Petros e Funcef são acionistas da mineradora, através de uma SPE chamada Litel que

controla a holding Valepar. Sua influência sobre os conselhos da Vale era clara e é possível

que laços com outros conselhos pudessem ter sido valiosos numa disputa societária desta

relevância.

O desfecho da história é conhecido; a vontade do governo prevaleceu e o diretor acabou

exonerado. Um episódio que mostra um lado mais sombrio da governança corporativa

brasileira do que as inovações que citamos anteriormente poderiam sugerir.

A contradição entre regras avançadas de governança e o ambiente corporativo muito

afeito a contatos e influência lembra a distinção entre Minority Shareholder Protection (MSP)

e Degrees of Coordination (DoC) proposta pelos professores Peter A. Gourevitch e James

Shinn.12 A proteção do acionista minoritário relaciona-se aos temas geralmente identificados

à problemática de governança corporativa descritos acima, mas o que os autores chamam

de graus de coordenação são regras que estruturam o mercado mais amplamente, como

legislação trabalhista, antitruste, relações entre fornecedores e distribuidores, entre outras,

fruto de negociações políticas num âmbito também mais amplo do que o corporativo. A

disparidade entre esses fatores é tema de pesquisa dos autores norte-americanos e explica

em grande parte o mundo dos negócios tal qual é no Brasil.

Gourevitch e Shinn aplicam o paradigma de variedades de capitalismo para avaliar

as variáveis em seu estudo. Trata-se de uma teoria que defende que dois modelos de

capitalismo são mais eficientes porque as complementaridades entre suas instituições

estimula seu melhor funcionamento. Uma economia de mercado liberal (LME) englobaria

financiamento através do mercado de capitais, capital com expectativas de curto prazo,

relações empresariais concorrenciais, relações de trabalho instáveis e formação generalista

12 GOUREVITCH Peter A.; SHINN, James. Political Power & Corporate Control: the new global politics of corporate governance. New York: Princeton University Press, 2005.

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da mão-de-obra. A economia de mercado coordenada (CME) reuniria características

contrastantes, mas tenderia a ser tão eficiente como o outro modelo, só que em seus

próprios termos.

O que é pertinente nessa abordagem é entender sua natureza institucionalista e

apreender que aquilo que as instituições são e seus desenvolvimentos possíveis dependem

de uma trajetória que as levou ao ponto em que se encontram agora. No caso brasileiro, é

necessário reconhecer o peso que o Estado tem na organização da economia e na indução

a estratégias de desenvolvimento, percurso que foi esboçado na abertura deste artigo.

O governo de Fernando Henrique Cardoso foi importante na institucionalização dos

fundos de pensão e do mercado de capitais. O envolvimento da previdência complementar

fechada, em que pesem alguns conflitos, foi benéfico para suas fundações e aumentou sua

influência. Iniciativas particulares como a da Bovespa mencionada acima devem, entre

outras, ser consideradas em seus próprios méritos. O governo Lula e o de sua sucessora

Dilma Rousseff aprofundaram a institucionalização do setor e, respeitadas suas obrigações

atuariais, empregaram a influência dos fundos de pensão em seus próprios objetivos. Os

fundos de pensão são atualmente peças de uma estratégia de desenvolvimento possível.

IV – Fundos públicos e coalizões políticas.

As decisões são tomadas no interior de uma empresa refletindo o poder decorrente

da posse de fatias maiores de seu capital. É frequente que fundos de investimentos ou

outros investidores institucionais tenham assento em mais de um conselho de administração

o que, seguindo o argumento de Lazzarini, aumenta sua influência. Os próprios conselheiros

podem ser peças com bastante centralidade na rede de contatos corporativos. Muitas

indústrias são identificadas com as figuras de seus fundadores, indivíduos identificados com

o ideal do empreendedorismo, self-made men, que criaram grandes empresas com seu

esforço e tenacidade. A gestão dos negócios hoje é complexa demais para imaginarmos

uma pessoa, talvez com a ajuda de alguns poucos familiares de confiança, liderando uma

firma. As exigências de boas práticas de governança resultante da abertura de capital e da

ramificação da estrutura de propriedade são a causa desse processo.

Quando um governo debate com um setor industrial ou de serviços não está

dialogando, portanto, com alguns poucos “donos” e seus respectivos empregados, mas sim

com os acionistas destas empresas e, principalmente, com aqueles que dispõem de maior

influência. Este é o novo ambiente com que iniciativas estatais devem se deparar na

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tentativa de estimular a atividade econômica. Para isso deverão lançar mão de fundos

financeiros através dos quais estarão presentes nos conselhos das empresas.

Linda Weiss, cientista política australiana, ao avaliar o ambiente de inovação norte-

americano o caracteriza como um Estado híbrido que ela batiza como Estado de Segurança

Nacional (NSS) onde demandas militares estimulam pesquisa em tecnologia de ponta e

apoiam empresas startups.13 Este seria um arranjo viável para um país avesso a políticas

industriais ou a qualquer interferência do Estado nos negócios privados. A fusão de

objetivos comerciais e de segurança nacional escamoteia uma presença não-privada no

modelo de desenvolvimento tecnológico norte-americano onde finalidades comerciais são

admitidas em encomendas privadas. O mais importante para nosso argumento é que a

autora cita uma série de fundos ligados ao NSS que investem em venture capital e

encorajam com vultosos recursos “o mais fantástico sistema de tecnologia de transformação

do mundo”14. Mesmo nos Estados Unidos, fundos financeiros públicos estão envolvidos em

políticas de desenvolvimento o que indica que esta é uma realidade bastante disseminada.

No Brasil, o governo Lula empregou alguns fundos desse tipo como o BNDES, o FI-

FGTS ou os fundos de pensão que não são exatamente públicos. Mas assim como nos

Estados Unidos, o ambiente político para a implantação de uma política desse tipo é

indispensável. Após uma década de políticas liberais, distantes da trajetória institucional

brasileira e com o país se ressentindo de sua vulnerabilidade externa, havia um clamor por

uma mudança de rumos. Retomando o argumento de Armando Boito Jr. mencionado acima

a eleição de Lula foi garantida por uma coalizão composta por movimentos populares,

setores do sindicalismo principalmente aqueles ligados à CUT e a burguesia nacional que se

distingue da burguesia compradora. O que distingue uma da outra é sua posição em relação

à economia global. A burguesia nacional teme perda de espaço no mercado internacional e

principalmente nacional para grupos estrangeiros enquanto a burguesia compradora tem

interesses vinculados à economia global.

A adesão da burguesia nacional à candidatura Lula é clara, a começar pela chapa

que disputava a presidência da República em que José Alencar, fundador da Coteminas,

figurava como candidato à vice-presidente. A indicação de Luiz Fernando Furlan, à época

presidente da Sadia, ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior

significou o reforço de mais um destacado membro da burguesia ao governo do PT que

13 WEISS, Linda. A volta do Estado: aprendendo com os BRIC? O Estado de transformação: volta,

renovação ou redescoberta? Desenvolvimento em debate. v. 2. n. 1. p. 9-31. jan.-abr. 2011.

14 WEISS, Linda. Op. cit. p. 21.

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desta forma expressava seu caráter reformista. O que esta fração da burguesia desejava

era um ambiente seguro para sua própria sobrevivência garantido por uma postura diferente

do novo governo que, por exemplo, liderou um bloco de países levando ao impasse as

negociações da Rodada Doha na OMC e rechaçou definitivamente a Alca. Nem sempre

suas relações com o governo foram tão harmônicas como demonstram as queixas do

próprio vice-presidente a respeito do câmbio supervalorizado e das altas taxas de juros. Mas

muitos setores do empresariado nacional continuam fieis ao governo.

Outra abordagem a respeito da base de apoio aos governos do Partido dos

Trabalhadores proposta pelo economista Fernando Nogueira da Costa sustenta que o Brasil

está se transformando num capitalismo de Estado neocorporativista15. O autor diferencia

neocorporativismo de dirigismo estatal porque no primeiro as organizações que representam

interesses particulares estão livres para aprovar suas relações com o Estado. A democracia

pluralista também difere do neocorporativismo porque neste há mediações limitadas de

interesses gerados na sociedade civil, pois estes estão circunscritas a sindicatos e

associações empresariais.

O autor não tem uma visão ingênua sobre esse arranjo social. O pertencimento à

entidade de classe ou partido político torna-se quase uma obrigação e a troca de favores

uma rotina. Assim como no ambiente corporativo descrito por Lazzarini, no

neocorporativismo, que abarca uma perspectiva mais ampla, os contatos são essenciais

para a sobrevivência nessas organizações.

No entanto, nem tudo é negativo. Ao contrário de outros capitalismos de Estado

como a Rússia e a China, no Brasil o Estado também tem compromissos com as entidades

que representam interesses.

A solução neocorporativista se impôs em países e períodos históricos em que os governos foram dominados por partidos da classe trabalhadora. Alguns desses governos reagem assim à dificuldade de governabilidade na transição, representando para as organizações sindicais a garantia política que o Estado será o promotor de alguns interesses classistas fundamentais: pleno emprego, Estado de bem-estar social, proteção de direitos sindicais. Essa garantia leva os sindicatos a privilegiar a negociação política acima da atividade conflitivo-

15 COSTA, Fernando Nogueira da. Capitalismo de Estado Neocorporativista Texto para Discussão.

Instituto de Economia da Unicamp. Campinas, nº 207. Julho de 2012.

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contratual. Esse processo pode levar à centralização da estrutura sindical e da atividade de negociação.16

O autor se concentra na porção trabalhista do neocorporativismo, mas ressalta que

ele também é fruto de uma trajetória democrática ausente nos países citados anteriormente.

Mas também essa trajetória carrega um forte traço corporativista evidente na importância

das relações entre sindicatos e Estado. O diagnóstico de Fernando Nogueira da Costa

destaca o poder dos sindicatos na sustentação do governo que deve promover alguns de

seus “interesses classistas fundamentais” ao mesmo tempo em que se hierarquiza como

decorrência da “centralização da estrutura sindical” e de sua nova índole negociadora.

O capitalismo de Estado neocorporativista ainda se caracteriza por transformar, por

meio dos fundos de pensão, os trabalhadores em rentistas. A educação previdenciária e o

objetivo de se aposentar com proventos maiores do que os do teto do INSS têm empurrado

muitos trabalhadores para a previdência privada fechada (fundos de pensão) ou aberta

(seguradoras). Essa tendência deve ser dimensionada. Em dezembro de 2013, segundo

dados da Abrapp, havia, entre participantes e assistidos da previdência complementar

fechada, um total de 2.923.518 pessoas somado a 3.557.382 dependentes. Não é um

número tão expressivo levando-se em conta o total da população o que acentua o caráter

corporativista desse arranjo social. De qualquer maneira, esse processo, iniciado no

governo Fernando Henrique Cardoso, acabou seguindo um caminho diferente e servindo

não apenas para o desenvolvimento do mercado de capitais, mas para legitimar um tipo de

capitalismo onde o Estado recuperou, em novas condições, um papel mais relevante na

economia.

V – Os fundos de pensão e o financiamento do desenvolvimento brasileiro.

O quadro exposto por Lazzarini pode a partir das considerações anteriores sofrer

alguns retoques. Em que pese a relevância de sua abordagem do mundo corporativo em

redes, os atores não são apenas portadores de contatos e influência. O BNDES e os fundos

de pensão estão imersos em uma conjuntura política e social sem a qual não se pode

interpretar suas ações. Sua centralidade na rede de relações corporativas brasileiras só tem

significado a partir desse contexto. O que para alguns pode ser interpretado como um

perigoso avanço do Estado sobre a livre iniciativa, por outros pode ser visto como um

16

COSTA, Fernando Nogueira da. Op. cit. p. 12.

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legítimo papel que não é tão inédito no Brasil. Mas é necessário inserir todos os atores

dentro de seu contexto social e político.

Os fundos de pensão têm participação em dezenas de empresas de máxima

grandeza no país. Gigantes como a Vale, a Ambev, a Embraer e a Oi; empresas de geração

de energia elétrica como a CPFL, a Celesc e a Neoenergia; dentre as maiores do setor

alimentício somente BR Foods tem recursos dos fundos de pensão, mas JBS e Marfrig têm

recursos do BNDES; empresas que se destacam nos mais diversos ramos como Usiminas,

Marcopolo, Totus, Invepar, Random entre outras. Como vimos, isso rende uma posição

invejável aos fundos de pensão que podem estar presentes em vários conselhos

participando de suas decisões.

Nossa hipótese é de que os fundos de pensão integram uma coalizão que envolve

quadros sindicais, setores do empresariado e o governo. Eles atuam como instrumentos

num ambiente em que decisões estratégicas são tomadas em conselhos e a presença de

integrantes dessa coalizão é necessária. Representantes dos fundos de pensão nestes

conselhos buscam os interesses de uma agenda de desenvolvimento identificada com o

Partido dos Trabalhadores. Devemos notar que as relações no interior destes conselhos

nem sempre é conflituosa o que aponta para convergências de interesses entre seus

participantes e também mostra a opção desses quadros sindicais pela negociação política.

Analisando os conselhos dos fundos de pensão e de grandes empresas brasileiras

notamos que muitos de seus conselheiros estão em mais de um lugar. Dan Conrado,

presidente da Previ, preside também a Vale, mas antes já integrou os conselhos de Weg,

Celesc e Brasilprev entre outras empresas. Marcel Juviniano Barros também integra a

diretoria-executiva da Previ e o conselho da Vale; Robson Rocha está no conselho de

adminstração da Previ e da Vale. Carlos Fernando da Costa, presidente da Petros integra o

conselho da BR Foods e seu colega na diretoria-executiva da Petros, Luiz Carlos Fernandes

Afonso, também integra o conselho da empresa alimentícia. Vale destacar a figura de

Luciano Coutinho, presidente do BNDES e conselheiro da Petrobrás e da Vale.

Os exemplos podiam se multiplicar apontando a presença de quadros das estatais

quase sempre de origem sindical nas instâncias decisórias de empresas privadas. Recente

reportagem do jornal Valor ressaltou isso e ainda destacou que muitos destes conselheiros

têm filiação ao Partido dos Trabalhadores.17 A reportagem questiona a legitimidade e o

mérito de tais conselheiros por supostamente serem indicações políticas. Mas o que escapa

17 COSTA, Raymundo; DI CUNTO, Raphael. Indicações do PT ao conselho de empresas entram na disputa eleitoral da Previ. São Paulo: Valor. 19.mai.2014.

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aos jornalistas é justamente o fato de que se trata de um projeto político e que estes

quadros atuam de acordo com ele. Além do mais, um conselho de administração é um

cenário político; as decisões tomadas ali coagem obrigam pessoas e instituições e quem

quer que o componha age politicamente. Não está reservado apenas a empresários e

administradores agir legitimamente naquele espaço.

Levando em conta as apreensões da burguesia nacional, a falência da Sadia,

arruinada por apostas arriscadas em derivativos cambiais, seria um fato dramático. Expor o

mercado interno a aventura de uma multinacional poderia ser um risco que a base de apoio

ao governo não estava disposta a correr. Sabemos que esse foi um capítulo da formação de

“campeãs nacionais” muito criticado por jornalistas e economistas liberais. Os diretores da

Sadia esperavam por recursos do BNDES quando lhes foi feita uma proposta que eles não

estavam em condições de recusar: a fusão com a Perdigão. O que se pretendia era criar

uma empresa de grande porte e presença internacional (a BR Foods está presente em 50

países e quatro continentes) Especulava-se havia anos sobre a aquisição da concorrente

pela Sadia e a fusão tomaria o sentido contrário. Não custa lembrar que a Perdigão era

dividida por muitos fundos de pensão.

Tabela 3. Estrutura Acionária da BR Foods.

Acionista Participação (%)

Previ 12,21

Petros 11,31

Tarpon Investimentos S. A. 8,02

BlackRock Inc 4,03

Fundação de Seguridade Valia (Vale) 2,54

Fundação Sistel de Seguridade Social 1,34

Ações em Tesouraria 0,28

Outros 60,27

Fonte: www.econoinfo.com.br

Entre os proprietários da BR Foods encontram-se quatro fundos de pensão com

investimentos relativamente pequenos, mas averiguamos acima sua participação no

conselho de administração. A partir de sua estrutura de propriedade, não se pode identifica

um bloco de controle, um acionista ou conjunto restrito de acionista que claramente são

majoritários. Mas assim como o programa de privatizações foi parcialmente viabilizado com

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recursos dos fundos de pensão, as fusões promovidas no fim do governo Lula, tanto no

caso acima quanto no da fusão Oi/Telemar, também contaram com esses mesmos

recursos. Sua conveniência para os objetivos de desenvolvimento propostos pelo governo

pôde mais uma vez ser comprovada o que não significa que os pensionistas saíram

perdendo afinal seus fundos ganham dividendos com a empresa e controlam sua política de

investimentos.

Os exemplos da presença de recursos previdenciários nas grandes empresas

brasileiras poderiam se multiplicar, mas um merece particular atenção. A Invepar é uma

empresa de infraestrutura que tem integrado consórcios vencedores de concessões

importantes como as do Aeroporto de Cumbica e a BR-040, além de ser controladora de

empresas de mobilidade urbana como a Metrô-Rio e a Linha Amarela S. A. Ela tem sido útil

numa área onde o financiamento de novos projetos nem sempre foi fácil. Mas sua estrutura

de propriedade a destaca de outras empresas porque ela é propriedade quase exclusiva de

fundos de pensão.

Tabela 4. Estrutura de Propriedade da Invepar.

Acionista Participação (%)

BB Carteira Livre I Fundo de Investimentos em Ações (Previ) 25,84

Petros 25,00

Funcef 25,00

OAS S. A. 12,18

OAS Investimentos S. A. 9,97

Construtora OAS Ltda. 2,00

Fonte: www.econoinfo.com.br

Os três grandes fundos de estatais detêm mais de três quartos da Invepar ficando o

restante com uma construtora privada. Nota-se que um fundo de investimentos ligado à

Previ tem mais de 25% de participação na empresa o que é vedado ao próprio fundo de

acordo com a portaria do CMN mencionada acima. Além do mais, a participação de uma

empresa privada de engenharia, com conhecimento técnico indispensável para a condução

das concessões, é um caso de convergência de interesses entre objetivos

desenvolvimentistas (ampliar a infraestrutura rodoviária e aeroportuária) e a livre iniciativa.

Com os fundos financeiros controlados pelo Estado e os fundos de pensão em

particular que são a expressão de uma coalizão que conta com sindicatos, empresários e o

Estado, muitos arranjos são possíveis em projetos específicos que sejam relevantes para o

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país em determinadas áreas. Nas condições de financeirização da riqueza o emprego dos

fundos de pensão uma demonstração da variedade institucional capaz de gerir o

capitalismo.

VI – Conclusão.

Os fundos de pensão têm assumido no país nos últimos quinze anos uma

importância que não pode ser explicada apenas pelo número de trabalhadores que se

transformam em investidores ou por sua presença no mercado de capitais. A política de

investimentos dos fundos de estatais tem respondido a um componente político.

A aplicação de fundos previdenciários tem ajudado num grande avanço institucional

tanto no setor financeiro quanto no previdenciário. Além disso, muitos trabalhadores em

condições mais privilegiadas no conjunto do mercado de trabalho conseguem pensões mais

satisfatórias do que conseguiriam no sistema público.

Podemos dizer que os fundos de pensão funcionam no conjunto de uma ampla

coalizão que envolve setores do empresariado que têm mais a ganhar com a política do

atual governo mais orientada ao desenvolvimento e com quadros do sindicalismo que

consolidaram suas posições numa estrutura mais hierarquizada e que ainda se inseriram

vantajosamente no mundo corporativo.

Enquanto essa coalizão durar, os fundos de pensão continuarão representando seus

interesses. No entanto, mudanças no comando dos governos são comuns num regime

democrático. Ainda assim, há de se levar em conta a trajetória institucional brasileira, das

relações entre Estado e empresariado. Fundos financeiros serão a partir de agora

importantes para negociações entre governos e corporações e os fundos de pensão já estão

inseridos neste novo cenário.

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