Jean Piajet - O Estruturalismo

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O Estruturalismo

Jean PiagetO ESTRUTURALISMODIFEL

1979DO MESMO AUTOR

Publicado em portugus por esta Editora:A Psicologia da Criana (em colaborao com B. Inhelder) Sabedoria e Iluses da Filosofia, 1969

JEAN PIAGET

O ESTRUTURALISMO

Traduo de

MOACIR RENATO DE AMORIM

3 edio

DIFEL

So Paulo Rio de Janeiro

Titulo do original:Le structuralisme(Coll. Que sais-je?, n. 1311)

Copyright byPresses Universitaires de France, Paris

1979Av. Vieira de Carvalho, 40 5. andar

CEP 01210 Tels. 223-4619 e 223-6923

Vendas: Rua Marqus de Itu, 79

CEP 01223 Telefone 221-8599

So Paulo SP

Rua da Proclamao, 226 Bom Sucesso

Rio de Janeiro RJINDICE

CAPTULO I. Introduo e Posio dos Problemas1. Definies 5

2. A totalidade 10

3. As transformaes 12

4. A auto-regulao 15

CAPTULO II. As Estruturas Matemticas e Lgicas5. A noo de grupo 18

6. As estruturas-mes 21

7. As estruturas lgicas 26

8. Os limites vicariantes da formalizao 29

CAPTULO III. As Estruturas Fsicas e Biolgicas 9. Estruturas fsicas e causalidade 33

10. As estruturas orgnicas 39

CAPTULO IV. As Estruturas Psicolgicas11. Os incios do estruturalismo em psicologia

e a teoria da Gestalt 45

12. Estruturas e gnese da inteligncia 51

13. Estruturas e funes 56

CAPTULO V. O Estruturalismo Lingstico14. O estruturalismo sincrnico 61

15. O estruturalismo transformacional e

as relaes entre a ontognese e a filognese 66

16. Formao social, inatismo ou equilibrao

das estruturas lingsticas 71

17. Estruturas lingsticas e estruturas lgicas 75

CAPTULO VI. A Utilizao das Estruturas nos

Estudos Sociais18. Estruturalismos globais ou metdicos 79

19. O estruturalismo antropolgico de

Claude Lvi-Strauss 86

CAPTULO VII. Estruturalismo e Filosofia20. Estruturalismo e dialtica 97

21. Um estruturalismo sem estruturas 104

CONCLUSO 111

CAPTULO I

INTRODUO E POSIO DOS PROBLEMAS

1. Definies. Tem-se dito, freqentemente, que difcil caracterizar o estruturalismo, pois ele se revestiu de formas por demais variadas para que possam apresentar um denominador comum, e as estruturas esboadas adquiriram significaes cada vez mais diferentes Comparando os diversos sentidos que o estruturalismo tomou nas cincias contemporneas e nas discusses correntes, cada vez mais em moda, parece possvel, entretanto, tentar-se uma sntese, mas sob a condio expressa de distinguir os dois problemas, sempre ligados de fato ainda que independentes de direito, ou seja, o do ideal positivo que recobre a noo de estrutura nas conquistas ou esperanas das diversas variedades de estruturalismo, e o das intenes crticas que acompanharam o nascimento e o desenvolvimento de cada uma delas, em oposio com as tendncias reinantes nas diferentes disciplinas.

Entregando-se a esta dissociao, deve-se ento reconhecer que existe um ideal comum de inteligibilidade que alcanam ou investigam todos os estruturalistas, ao passo que suas intenes crticas so infinitamente variveis: para uns, como nas matemticas, o estruturalismo se ope compartimentagem dos captulos heterogneos reencon-

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trando a unidade graas a isomorfismos; para outros, como nas sucessivas geraes de lingistas, o estruturalismo se distanciou sobretudo das pesquisas diacrnicas, que se estribam em fenmenos isolados, para encontrar sistemas de conjunto em funo da sincronia; em psicologia, o estruturalismo combateu por mais tempo as tendncias atomsticas, que procuravam reduzir as totalidades s associaes entre elementos prvios; nas discusses correntes v-se o estruturalismo queixar-se do historicismo, do funcionalismo e, s vezes mesmo, de todas as formas de recurso ao sujeito humano em geral.

evidente, portanto, que, se se procura definir o estruturalismo em oposio a outras atitudes e insistindo sobre aquelas que pde combater, no se encontrar seno diversidade e contradies ligadas a todas as peripcias da histria das cincias ou das idias. Em compensao, centrando-se sobre os caracteres positivos da idia de estrutura, encontram-se, pelo menos, dois aspectos comuns a todos os estruturalismos: de uma parte, um ideal ou esperanas de inteligibilidade intrnseca, fundadas sobre o postulado de que uma estrutura se basta a si prpria e no requer, para ser apreendida, o recurso a todas as espcies de elementos estranhos sua natureza; por outro lado, realizaes, na medida em que se chegou a atingir efetivamente certas estruturas e em que sua utilizao evidencia alguns caracteres gerais e aparentemente necessrios que elas apresentam, apesar de suas variedades.

Em uma primeira aproximao, uma estrutura um sistema de transformaes que comporta leis enquanto sistema (por oposio s propriedades dos elementos) e que se conserva ou se enriquece pelo prprio jogo de suas transformaes, sem que estas conduzam para fora de suas fronteiras ou faam apelo a elementos exteriores. Em resumo, uma estrutura compreende os caracteres de totalidade, de transformaes e de auto-regulao.

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Em uma segunda aproximao, mas pode tratar-se de uma fase bem ulterior e tambm sucedendo imediatamente descoberta da estrutura, esta deve poder dar lugar a uma formalizao. Contudo, preciso deixar claro que essa formalizao obra do terico, ao passo que a estrutura independente dele, e pode traduzir-se imediatamente em equaes lgico-matemticas ou passar pelo intermedirio de um modelo ciberntico. Existem, portanto, diferentes graus possveis de formalizao, dependentes das decises do terico, ao passo que o modo de existncia da estrutura que ele descobre deve ser determinado em cada domnio particular de pesquisa.

A noo de transformao nos permite, primeiramente, delimitar o problema, porque se fosse preciso englobar na idia de estrutura todos os formalismos, em todos os sentidos do tempo, o estruturalismo recobriria, de fato, todas as teorias filosficas no estritamente empiristas que recorrem a formas ou a essncias, de Plato a Husserl, passando sobretudo por Kant, e mesmo certas variedades de empirismo como o positivismo lgico, que faz apelo a formas sintticas e semnticas para explicar a lgica. Ora, no sentido definido h pouco, a prpria lgica no comporta sempre estruturas, enquanto estruturas de conjunto e de transformaes: ela permaneceu, em mltiplos aspectos, tributria de um atomismo bastante resistente e o estruturalismo lgico est apenas em seus incios.

Limitar-nos-emos, portanto, neste pequeno trabalho, aos estruturalismos prprios s diferentes cincias, o que j uma empresa bastante arriscada, e tambm, para terminar, a alguns movimentos filosficos inspirados em diversos graus pelos estruturalismos procedentes das cincias humanas. De incio, todavia, convm comentar um pouco a definio proposta e esclarecer porque uma noo aparentemente to abstrata como um sistema de transforma-

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es, fechado sobre si mesmo, pode fazer nascer em todos os domnios to grandes esperanas.

2. A totalidade. O carter de totalidade prprio s estruturas evidente, uma vez que a nica oposio sobre a qual todos os estruturalistas esto de acordo (no sentido das intenes crticas consideradas em 1) aquela das estruturas e dos agregados, ou compostos a partir de elementos independentes do todo. Uma estrutura , por certo, formada de elementos, mas estes esto subordinados s leis que caracterizam o sistema como tal; e essas leis, ditas de composio, no se reduzem a associaes cumulativas, mas conferem ao todo, enquanto tal, propriedades de conjunto distintas daquelas que pertencem aos elementos. Por exemplo, os nmeros inteiros no existem isoladamente e no se os descobriu em uma ordem qualquer para os reunir, em seguida, em um todo: eles no se manifestam seno em funo da prpria seqncia dos nmeros e esta apresenta propriedades estruturais de grupos, corpos, anis etc., bem distintas das que pertencem a cada nmero que, por seu lado, pode ser par ou impar, primo ou divisvel por n > 1 etc.

Porm, esse carter de totalidade levanta de fato muitos problemas, dos quais conservaremos os dois principais, um relativo sua natureza e o outro ao seu modo de formao ou de pr-formao.

Seria falso crer que em todos os domnios as atitudes epistemolgicas se reduzem a uma alternativa: ou o reconhecimento de totalidades com suas leis estruturais ou uma composio atomstica a partir de elementos. Quer se trate de estruturas perceptivas ou Gestalt, de totalidades sociais, classes sociais ou sociedades inteiras, etc., constata-se que, s pressuposies associacionistas para a percepo ou individualistas para a sociologia etc., opuseram-se, na histria das idias, duas espcies de concepes, das quais apenas a segunda parece conforme ao esprito do estruturalismo contemporneo. A primeira consiste em se contentar em inverter a tenta-

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tiva que parecia natural aos espritos querendo proceder do simples ao complexo, em colocar, sem mais, as totalidades desde o incio segundo uma espcie de emergncia, considerada como uma lei da natureza. Quando Auguste Comte queria explicar o homem pela humanidade e no mais a humanidade pelo homem, quando Durkheim considerava o todo social como emergindo da reunio de indivduos como as molculas da reunio dos tomos, ou quando os Gestaltistas acreditavam discernir nas percepes primrias uma totalidade imediata, comparvel aos efeitos de campo no eletromagnetismo, tinham, sem dvida o mrito de nos lembrar que um todo outra coisa alm de uma simples soma de elementos prvios, mas, considerando o todo como anterior aos elementos ou contemporneos de seus contatos, simplificavam sua tarefa com o risco de deixar escapar os problemas centrais da natureza das leis de composio.

Ora, alm dos esquemas de associao atomstica e os de totalidades emergentes, existe uma terceira posio, que a das estruturas operatrias: aquela que adota desde o incio uma atitude relacional, segundo a qual o que conta no nem o elemento nem um todo se impondo como tal, sem que se possa precisar como, e sim as relaes entre os elementos ou, em outras palavras os procedimentos ou processos de composio (segundo se fale de operaes intencionais ou de realidades objetivas), no sendo o todo seno a resultante dessas relaes ou composies, rujas leis so as do sistema.

Mas surge ento um segundo problema, muito mais grave, que em verdade o problema central de todo estruturalismo: so as totalidades por composio sempre compostas, mas como ou por quem, ou estiveram antes de tudo (e esto sempre) em vias de composio? Em outras palavras, comportam as estruturas uma formao ou no conhecem seno uma pr-formao mais ou menos eterna?

Entre as gneses sem estrutura que supe a associao atomstica, e s quais o empirismo nos habituou, e as totalidades ou formas sem gnese que arriscam assim, sem cessar, a reunir-se ao terreno transcendental das essncias, das

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idias platnicas ou das formas a priori, o estruturalismo chamado a escolher ou a encontrar solues de superao. Ora, naturalmente sobre esse ponto que as opinies mais divergem, at quelas segundo as quais o problema da estrutura e da gnese no poderia se colocar, sendo a primeira intemporal por natureza (como se isso no fosse uma escolha e precisamente no sentido da pr-formao).

De fato, este problema, que a prpria noo de totalidade j levanta, se determina a partir do momento em que se leva a srio a segunda caracterstica das estruturas, no sentido contemporneo do termo, e que a de ser um sistema de transformaes e no uma forma esttica qualquer.

3. As transformaes. Se o caracterstico das totalidades estruturadas depender de suas leis de composio, elas so, portanto, estruturantes por natureza e essa constante dualidade ou, mais precisamente, bipolaridade de propriedades de serem sempre e simultaneamente estruturantes e estruturadas, que explica, em primeiro lugar, o sucesso dessa noo que, como a de ordem em Cournot (caso particular, alis, das estruturas matemticas atuais), assegura sua inteligibilidade atravs de seu prprio exerccio. Ora, uma atividade estruturante no pode consistir seno em um sistema de transformaes.

Esta condio limitativa pode parecer surpreendente se nos referimos aos incios saussurianos do estruturalismo lingstico (alis, Saussure falava apenas em sistema e para caracterizar as leis de oposio e de equilbrio sincrnicos) ou s primeiras formas do estruturalismo psicolgico, uma vez que uma Gestalt caracteriza formas perceptivas em geral estticas. Ora, no apenas preciso julgar uma corrente de idias em sua orientao, e no exclusivamente em suas origens, mas tambm desde estes incios

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lingsticos e psicolgicos vem-se despontar as idias de transformaes, O sistema sincrnico da lngua no imvel: repele ou aceita as inovaes em funo das necessidades determinadas pelas oposies ou ligaes do sistema e, sem que se tenha assistido de improviso ao nascimento de gramticas transformacionais, no sentido de Chomsky, a concepo saussuriana de um equilbrio de certo modo dinmico prolongou-se rapidamente na estilstica de Bally, que j se estriba em transformaes em um sentido restrito de variaes individuais. Quanto s Gestalts psicolgicas, seus autores falaram desde o incio em leis de organizao, que transformam o dado sensorial, e as concepes probabilsticas, que presentemente podem ser inquietantes, acentuam esse aspecto transformador da percepo.

De fato, todas as estruturas conhecidas, dos grupos matemticos mais elementares s que regulam os parentescos etc., so sistemas de transformaes; contudo, estes podem ser quer intemporais (porque 1 + 1 fazem imediatamente 2, e 3 sucede a 2 sem intervalo de durao), quer temporais (porque casar leva tempo) e se no comportassem tais transformaes, confundir-se-iam com formas estticas quaisquer e perderiam todo o interesse explicativo. Mas coloca-se ento, inevitavelmente, o problema da fonte dessas transformaes, logo, de suas relaes com uma formao, simplesmente. Sem dvida, preciso distinguir, numa estrutura, seus elementos, que so submetidos a tais transformaes, e as leis prprias que regem estas ltimas: tais leis podem ser ento facilmente concebidas como imutveis e, mesmo em estruturalismos no estritamente formais (no sentido das cincias da formalizao), encontram-se excelentes espritos pouco inclinados psicognese para, de um salto, pularem da estabilidade das regras da transformao a seu inatismo: o caso, por exemplo, de Noam Chomsky, para o qual as gramticas gerado-

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ras parecem requerer a exigncia de leis sintticas inatas, como se a estabilidade no pudesse se explicar atravs de processos obrigatrios de equilibrao e como se o retorno biologia, que a hiptese de um inatismo supe, no levantasse problemas de formao to complexos como os de uma psicognese.

Todavia, a esperana implcita de todos os estruturalismos anti-histricos ou antigenticos colocar definitivamente as estruturas sobre fundamentos intemporais, tais como os dos sistemas lgico-matemticos (e o inatismo de Chomsky se acompanha, a este respeito, de uma reduo de suas sintaxes a uma estrutura formal de monide). Contudo, se queremos nos entregar a uma teoria geral das estruturas, que no pode estar, ento, seno conforme s exigncias de uma epistemologia interdisciplinar, quase impossvel, salvo a se exilar incontinenti no empreo dos transcendentalismos, no se perguntar, em presena de um sistema de transformaes intemporais como um grupo ou como a rede do conjunto das partes, como se os obtm. Pode-se, ento, sempre proceder por decretos, como os axiomticos, mas, do ponto de vista epistemolgico, esta uma forma elegante de pilhagem que consiste em explorar o trabalho anterior de uma classe laboriosa de construtores, em lugar de construir por si prprio os materiais de partida. O outro mtodo, epistemologicamente menos exposto s alienaes cognitivas, o da genealogia das estruturas, que a distino introduzida por Goedel entre a maior ou menor fora ou fraqueza das estruturas (ver Captulo II), impe: nesse caso, um problema central no pode mais ser evitado, ou seja, o problema, no ainda da histria nem da psicognese, mas pelo menos o da construo das estruturas e das relaes indissociveis entre o estruturalismo e o construtivismo. Este ser, portanto, entre outros, um de nossos temas.

[14] 4. A auto-regulao. A terceira caracterstica fundamental das estruturas de se regularem elas prprias, essa auto-regulao acarretando sua conservao e um certo fechamento. Comeando por estas duas resultantes, elas significam que as transformaes inerentes a uma estrutura no conduzem para fora de suas fronteiras e no engendram seno elementos que pertencem sempre estrutura e que conservam suas leis. Assim que, adicionando ou subtraindo um ao, ou, do outro, dois nmeros inteiros absolutamente quaisquer, obtm-se sempre nmeros inteiros, os quais confirmam as leis do grupo aditivo desses nmeros. nesse sentido que a estrutura se fecha por si mesma, mas este fechamento no significa absolutamente que a estrutura considerada no possa entrar, a titulo de subestrutura, em uma estrutura mais ampla. Contudo, esta modificao das fronteiras gerais no anula as primeiras: no h anexao e sim confederao e as leis de subestrutura no so alteradas e sim conservadas, de maneira tal que a mudana interposta um enriquecimento. Esses caracteres de conservao com estabilidade das fronteiras, apesar da construo indefinida de novos elementos, supem, por conseguinte, uma auto-regulao das estruturas e essa propriedade essencial refora, sem dvida alguma, a importncia da noo e as esperanas que suscita em todos os domnios porque, quando se consegue a reduzir um certo campo de conhecimentos a uma estrutura auto-reguladora, tem-se a impresso de se entrar na posse do motor intimo do sistema. Essa auto-regulao se efetua, alis, segundo procedimentos ou processos diversos, o que introduz a considerao de uma ordem de complexibilidade crescente e reconduz, por conseguinte, s questes de construo e, definitivamente, de formao.

No cume da escala (mas acerca desse termo podem haver divergncias e uns falaro em base de uma pirmide ali onde vemos um cume), a auto-regulao procede por

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operaes bem reguladas, essas regras no sendo outras seno as leis de totalidade da estrutura considerada. Poder-se-ia dizer ento que fazer equvocos voluntrios falar em auto-regulao, uma vez que se pensa ou nas leis da estrutura, e evidente que elas a regulem, ou ento no matemtico ou no lgico que opera e novamente evidente que, se se encontra em estado normal, regula corretamente seus atos. Contudo, se suas operaes so bem reguladas e se as leis da estrutura so leis de transformao, portanto de carter operatrio, resta perguntar o que uma operao na perspectiva estrutural. Ora, do ponto de vista ciberntico (da cincia da regulao, portanto) ela uma regulao perfeita: isto significa que no se limita a corrigir os erros em vista do resultado dos atos, e sim que constitui deles uma pr-correo graas aos meios internos de controle, tais como a reversibilidade (por exemplo + n n = 0), fonte do princpio de contradio (se + n n 0 ento n n).

Por outro lado, existe a imensa categoria das estruturas no estritamente lgicas ou matemticas, isto , cujas transformaes se desenrolam no tempo: lingsticas, sociolgicas, psicolgicas etc., e evidente ento que sua regulao supe de fato, nesse caso, regulaes no sentido ciberntico do termo, fundadas no em operaes estritas, ou seja, inteiramente reversiveis (por inverso ou reciprocidades) e sim sobre um jogo de antecipaes e retroaes (feedbacks) cujo domnio de aplicao cobre a vida inteira (desde as regulaes fisiolgicas e a homeostase do genoma ou do pool gentico: ver 10).

Enfim, as regulaes, no sentido habitual do termo, parecem proceder de mecanismos estruturais ainda mais simples, aos quais impossvel recusar o direito de acesso ao domnio das estruturas em geral: so os mecanismos de ritmos, que se encontram em todas as escalas biolgicas

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e humanas. Ora, o ritmo assegura sua auto-regulao; pelos meios mais elementares, fundados sobre as simetrias e as repeties.

Ritmos, regulaes e operaes, tais so, portanto, os trs processos essenciais da auto-regulao ou da auto-conservao das estruturas: cada um livre de ver ai as etapas da construo real destas estruturas ou de inverter a ordem, colocando na base os mecanismos operatrios sob uma forma intemporal e quase platnica, dela extraindo todo o resto.

[17]CAPTULO II

AS ESTRUTURAS MATEMTICAS E LGICAS5. A noo de grupo. impossvel consagrar-se a uma exposio crtica do estruturalismo sem comear pelo exame das estruturas matemticas, e isso devido a razes no apenas lgicas mas tambm pertencentes prpria histria das idias. Se as influncias formadoras que puderam intervir nos incios do estruturalismo lingstico e psicolgico no eram de natureza matemtica (Saussure inspirou-se na cincia econmica em sua doutrina sobre o equilbrio sincrnico, e os Gestaltistas na fsica) o atual mestre da antropologia social e cultural, Lvi-Strauss, tirou seus modelos estruturais diretamente da lgebra geral.

Por outro lado, se se aceita a definio de estrutura apresentada em 1, parece incontestvel que a mais antiga estrutura, conhecida e estudada como tal, foi a de grupo descoberta por Galois, e que lentamente conquistou as matemticas do sculo XIX. Um grupo um conjunto de elementos (por exemplo, os nmeros inteiros, positivos e negativos) reunidos por uma operao de composio (por exemplo, a adio) tal que, aplicada aos elementos do conjunto, torna a dar um elemento do conjunto; existe um elemento neutro (no exemplo escolhido, o zero), tal que, composto com um outro, no o modifica (aqui n + 0 = 0 + n = n)

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e, sobretudo, existe uma operao inversa (no caso particular a subtrao), tal que, composta com a operao direta, fornece o elemento neutro (+ n n = n + n = 0); finalmente, as composies so associativas (aqui [n + m] + l = n + [m + l].

Fundamento da lgebra, a estrutura de grupo revelou-se de uma generalidade e de uma fecundidade extraordinrias. Encontramo-la em quase todos os domnios das matemticas e na lgica; adquiriu uma importncia fundamental na fsica e provvel que,o mesmo acontecer um dia em relao biologia. importante, pois, procurar compreender as razes desse sucesso porque, podendo ser considerado como um prottipo das estruturas, e em domnios onde tudo o que se afirma deve ser demonstrado, o grupo fornece as mais slidas razes para confiar em um porvir do estruturalismo quando reveste formas precisas.

A primeira dessas razes a forma lgico-matemtica da abstrao, da qual procede o grupo e que explica a generalidade de suas utilizaes. Quando uma propriedade descoberta por abstrao a partir dos prprios objetos, ela, sem dvida, nos esclarece acerca desses objetos; todavia, quanto mais a propriedade geral mais se arrisca a ser pobre e pouco utilizvel, porque se aplica a tudo. O que prprio, ao contrrio, da abstrao reflexiva, que caracteriza o pensamento lgico-matemtico, ser tirada no dos objetos e sim das aes que se pode exercer sobre eles e, essencialmente, das coordenaes mais gerais destas aes, tais como, reunir, ordenar, corresponder etc. Ora, so precisamente essas coordenaes gerais que se encontram no grupo e, antes de tudo a) a possibilidade de uma volta ao ponto de partida (operao inversa do grupo) e b) a possibilidade de atingir um mesmo fim por caminhos diferentes e sem que esse ponto de chegada seja modificado pelo itinerrio percorrido (associatividade do grupo).

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Quanto natureza das composies (reunies etc.) pode ser independente da ordem (grupos comutativos ou abelianos) ou estribar-se em uma ordem necessria.

Isto posto, a estrutura do grupo , por conseguinte, um instrumento de coerncia que comporta sua prpria lgica, atravs de sua regulao interna ou auto-regulao. Emprega, com efeito, por seu prprio exerccio, trs dos princpios fundamentais do racionalismo: o de no-contradio, que encarnado na reversibilidade das transformaes, o de identidade, que assegurado pela permanncia do elemento neutro e, enfim, o princpio, sobre o qual se insiste menos mas que igualmente essencial, segundo o qual o ponto de chegada permanece independente do caminho percorrido. Por exemplo, o conjunto dos deslocamentos no espao forma um grupo (uma vez que dois deslocamentos sucessivos so ainda um deslocamento, pois um deslocamento pode ser anulado pelo deslocamento inverso ou retorno etc.): logo, a associatividade do grupo dos deslocamentos que corresponde direo dos desvios , deste ponto de vista, fundamental para a coerncia do espao, porque se os pontos de chegada fossem constantemente modificados pelos caminhos percorridos no haveria mais, espao e sim um fluxo perptuo comparvel ao rio de Herclito.

O grupo , em seguida, um instrumento essencial de transformaes, mas de transformaes racionais que no modificam tudo ao mesmo tempo e das quais cada uma solidria de um invariante: desta forma que o deslocamento de um slido no espao usual deixa sem modificao suas dimenses, que a diviso de um todo em fraes deixa invariante a soma total etc. Por si s, a estrutura de grupo basta para denunciar o carter artificial da anttese sobre a qual E. Meyerson fundava sua epistemologia, e segundo a qual toda modificao era irracional, apenas a identidade caracterizando a razo.

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Enquanto combinao indissocivel da transformao e da conservao, o grupo ento, principalmente, um instrumento incomparvel de construtividade, no s porque um sistema de transformaes mas tambm, e sobretudo, porque estas podem ser de certo modo dosadas pela diferenciao de um grupo em seus sub-grupos e pelas possveis passagens de um destes aos outros. assim que o grupo dos deslocamentos deixa invariantes, alm das dimenses da figura deslocada (das distncias, portanto), seus ngulos, suas paralelas, suas retas etc. Pode-se ento fazer variar as dimenses, conservando porm todo o resto, e obtm-se um grupo mais geral, do qual o grupo de deslocamentos torna-se um subgrupo: o das similitudes, que permite aumentar uma figura sem lhe modificar a forma. Pode-se em seguida modificar os ngulos, conservando porm as paralelas e as retas etc.; obtm-se desta forma um grupo ainda mais geral, do qual o grupo das similitudes torna-se um subgrupo: o da geometria afim que intervm, por exemplo, transformando um losango em um outro. Contnuar-se- modificando as paralelas e conservando as retas: chega-se ento ao grupo projetivo (perspectivas etc.), do qual os precedentes tornam-se subgrupos encaixados. Finalmente, pode-se conservar no mais as prprias retas e considerar as figuras de certo modo elsticas, das quais apenas so mantidas as correspondncias bi-unvocas e bi-contnuas entre seus pontos, e esse ser o grupo mais geral ou grupo das homeomorfias, prprio topologia. Assim, as diferentes geometrias, que parecem constituir o modelo de descries estticas, puramente figurativas e repartidas em captulos disjuntos, formam apenas, utilizando a estrutura de grupo, uma vasta construo, cujas transformaes permitem, pelo encaixamento dos sub-grupos, passar de uma subestrutura a uma outra (sem falar da mtrica geral que se pode apoiar na topologia para tirar dela as mtricas particulares, no-euclidianas ou euclidianas e voltar por este meio ao grupo dos deslocamentos). E essa mudana radical de uma geometria figurativa em um sistema total de transformaes que F. Klein pde expor em seu famoso Programme dErlangen e um primeiro exemplo daquilo que, graas estrutura de grupo, pode-se chamar uma vitria positiva do estruturalismo.

6. As estruturas-me. Todavia, essa ainda uma vitria parcial e o caracterstico daquilo que se pde chamar escola estruturalista nas matemticas, isto , a dos Bourbaki, foi procurar subordinar as matemticas inteiras idia de estrutura.

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As matemticas clssicas eram formadas por um conjunto de captulos heterogneos, tais como, lgebra, teoria dos nmeros, anlise, geometria, clculo das probabilidades etc., firmando-se cada um deles sobre um domnio determinado e sobre objetos ou seres definidos por suas propriedades intrnsecas. O fato de que a estrutura de grupo tenha podido se aplicar aos mais diversos elementos, e no somente s operaes algbricas, impeliu ento os Bourbaki a generalizar a pesquisa das estruturas segundo um princpio anlogo de abstrao. Se se denominam elementos objetos j abstratos, tais como, nmeros, deslocamentos, projees etc. (e observa-se que j existem resultados de operaes e tambm operaes em si mesmas), o grupo no caracterizado pela natureza desses elementos, mas ultrapassa-os por uma nova abstrao de grau superior que consiste em separar certas transformaes comuns, s quais podem submeter-se no importa quais espcies de elementos. Igualmente, o mtodo dos Bourbaki consistiu, por um procedimento de isomorfizao, em separar as estruturas mais gerais, s quais podem submeter-se elementos matemticos de todas as variedades, qualquer que seja o domnio do qual se os toma emprestado e fazendo inteira e total abstrao de sua natureza particular.

O ponto de partida de uma tal empresa consistiu, pois, em uma espcie de induo, uma vez que nem o nmero e nem a forma das estruturas fundamentais procuradas foram deduzidas a priori. Esse mtodo conduziu descoberta de trs estruturas-me, ou seja, fontes de todas as outras, irredutiveis porm entre si (este nmero de trs resultando, portanto, de uma anlise regressiva e no de uma construo apriorstica). Existem, de incio, as estruturas algbricas, cujo prottipo o grupo, porm com todos os derivados tirados dele (anis, corpos etc.). So caracterizadas pela presena de operaes diretas e inversas, no sentido de uma reversibilidade por

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negao (se T a operao e T-1sua inversa, ento T-1 . T = 0). Pode-se distinguir, em seguida, as estruturas de ordem, que tm por objeto as relaes e cujo prottipo a rede ou grade (entrelaamento), ou seja, uma estrutura de uma generalidade comparvel do grupo, mas que foi estudada mais recentemente (por Birkhoff, Glivenko etc.). A estrutura reticulada une seus elementos por meio das relaes sucede ou precede, dois elementos comportando sempre um menor limite superior (o mais prximo dos sucessores ou supremum) e um maior limite inferior (o mais elevado, dos predecessores ou infimum). Aplica-se, como o grupo, a um nmero considervel de casos (por exemplo, ao conjunto das partes de um conjunto ou simplexo, ou a um grupo e seus subgrupos etc.). Sua forma geral de reversibilidade no mais a inverso e sim a reciprocidade: A . B precede A + B transformado em A + B sucede a A . B por permutao dos (+) e dos (.) e tambm das relaes precede e sucede. Enfim, as terceiras estruturas-me so de natureza topolgica, fundadas sobre as noes de proximidade, de continuidade e de limite.

Estando estas estruturas fundamentais distinguidas e caracterizadas, as outras derivam-se por dois processos: ou por combinao, submetendo-se um conjunto de elementos a duas estruturas ao mesmo tempo (exemplo: a topologia algbrica), ou por diferenciao, isto , impondo axiomas limitativos que definem subestruturas (exemplo: os grupos geomtricos derivando, a titulo de subgrupos sucessivamente encaixados, do grupo das homeomorfias topol-

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gicas, introduzindo a conservao das retas, em seguida das paralelas, depois dos ngulos etc.: ver 5). Pode-se tambm passar de estruturas fortes a estruturas mais fracas, por exemplo, um semigrupo que associativo mas que no tem elemento neutro nem inverso (os nmeros naturais > 0).

Para unir uns aos outros esses diferentes aspectos e para ajudar a precisar o que poderia ser uma significao geral das estruturas, interessante se perguntar se os fundamentos dessa arquitetura das matemticas (o termo dos Bourbaki) apresenta um carter natural ou se somente podem se situar sobre o terreno formal das axiomticas. Tomamos aqui o termo natural no sentido em que se pode falar de nmeros naturais para designar os inteiros positivos que foram construdos antes que os matemticos os utilizassem, e construdos por meio de operaes tiradas da ao cotidiana, tais como a correspondncia bi-unvoca utilizada pelas sociedades primitivas na troca de um contra um, ou pela criana que brinca, milnios antes que Cantor tivesse se servido deles para constituir o primeiro cardinal transfinito.

Ora, espantoso constatar que as primeiras operaes das quais se serve a criana em seu desenvolvimento, e que derivam diretamente das coordenaes gerais de suas aes sobre os objetos, podem precisamente se repartir em trs grandes categorias, conforme sua reversibilidade proceda por inverso, maneira das estruturas algbricas (no caso particular: estruturas de classificao e de nmeros), por reciprocidade, como nas estruturas de ordem (no caso particular: seriaes, correspondncias seriais etc.) ou, em lugar de se fundar sobre as semelhanas e diferenas, as unies inocentadas pelas leis de proximidade, de continuidade e de fronteiras, o que constitui estruturas topolgicas elementares (que so, do ponto de vista psicogentico, anteriores s estruturas mtricas e projetivas, contrariamente ao desenvolvimento histrico das geometrias, em conformidade, porm, com a ordem de filiao terica!).

Esses fatos parecem indicar, portanto, que as estruturas-me dos Bourbaki correspondem, sob uma forma naturalmente muito

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elementar, seno rudimentar, e bastante afastada da generalidade e da possvel formalizao que revestem sobre o plano terico, s coordenaes necessrias ao funcionamento de toda inteligncia, desde os graus mais primitivos de sua formao. Com efeito, no seria difcil mostrar que as primeiras operaes, que acabam de estar em discusso, procedem de fato das prprias coordenaes sensrio-motoras, cujas aes instrumentais, na criancinha como no chimpanz, j comportam seguramente estruturas (ver o captulo IV).

Antes porm de separar o que estas constataes significam do ponto de vista lgico, lembremos que o estruturalismo dos Bourbaki est em vias de transformao sob a influncia de uma corrente que til assinalar, porque bom observar o modo de descoberta, seno de formao, das novas estruturas. Trata-se da inveno das categorias (Mac Lane, Eilenberg etc.), isto , uma classe de elementos incluindo as funes que eles comportam, portanto, acompanhada de morfismos. Com efeito, em sua acepo atual, uma funo a aplicao de um conjunto sobre um outro ou sobre si mesmo e conduz, assim, construo de isomorfismos ou de morfismos sob todas as suas formas. Basta dizer que, insistindo sobre as funes, as categorias so enfocadas no mais sobre as estruras-me e sim sobre os prprios procedimentos de relacionamento que permitiram separ-las, o que torna a considerar a nova estrutura como tirada no dos seres aos quais chegaram as operaes precedentes, mas dessas prprias operaes enquanto processos formadores.

No portanto sem razo que S. Papert v nas categorias um esforo para apreender as operaes do matemtico mais que da matemtica. um novo exemplo desta abstrao reflexiva que tira sua substncia no dos objetos mas das aes exercidas sobre eles (mesmo quando os objetos anteriores j eram o produto de uma tal abstrao), e esses fatos so preciosos no que diz respeito natureza e ao modo de construo das estruturas.

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7. As estruturas lgicas. A lgica parece, primeira vista, constituir o terreno privilegiado das estruturas, uma vez que se assenta sobre as formas do conhecimento e no sobre seus contedos. Alm disso, quando se levanta o problema (malvisto pelos lgicos) da lgica natural no sentido (indicado no 6) dos nmeros naturais, percebe-se rapidamente que os contedos manipulados pelas formas lgicas ainda tm formas, orientadas na direo daquelas que so logicisveis, essas formas dos contedos compreendendo contedos menos elaborados, mas que tm novamente formas, e assim por diante, cada elemento sendo um contedo para aquele que lhe superior e uma forma para o inferior.

Todavia, se esse encaixamento de formas e essa relatividade das formas e dos contedos so altamente instrutivos para a teoria do estruturalismo, no interessam lgica a no ser indiretamente, em relao ao problema das fronteiras da formalizao (ver 8). A lgica simblica ou matemtica (a nica que conta hoje) se instala em um ponto qualquer desta marcha ascendente, porm, com a inteno sistemtica de fazer dele um comeo absoluto, e essa inteno razovel, pois realizvel graas ao mtodo axiomtico. Com efeito, basta escolher como ponto de partida um certo nmero de noes consideradas como indefinveis, no sentido de que so elas que serviro para definir as outras, e de proposies consideradas como indemonstrveis (relativamente ao sistema escolhido, pois sua escolha livre) e que serviro para a demonstrao. preciso apenas que essas noes primeiras e esses axiomas sejam suficientes, compatveis entre si e reduzidos ao minimum, isto , no redundantes. Basta, em seguida, outorgar-se regras de construo, sob a forma de um processo operatrio, e a formalizao constitui, ento, um sistema que se basta a si prprio, sem apelo a intuies exteriores e cujo ponto de partida em um sentido absoluto.

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Resta, evidentemente, o problema das fronteiras superiores da formalizao e a questo epistemolgica de saber aquilo que os indefinveis e os indemonstrveis recobrem, mas, do ponto de vista formal onde se coloca o lgico, existe ai o exemplo, sem dvida nico, de uma autonomia radical, no sentido de uma regulao puramente interna, ou seja, de uma auto-regulao perfeita.

Poder-se-ia, por conseguinte, sustentar, de um ponto de vista amplo, que cada sistema de lgica (e eles so inumerveis) constitui uma estrutura, uma vez que comporta os caracteres de totalidade, de transformaes e de auto-regulao. Contudo, trata-se, por um lado, de estruturas elaboradas ad hoc e, quer se o diga ou no, a tendncia intima do estruturalismo atingir estruturas naturais, este conceito um pouco equvoco e freqentemente mal afamado recobrindo quer a idia de um profundo enraizamento na natureza humana (com um risco de retorno ao apriorismo) quer, ao contrrio, a idia de uma existncia absoluta, independente, em um sentido, da natureza humana, que deve simplesmente a ela se adaptar (correndo este segundo sentido o risco de um retorno s essncias transcendentais).

Por outro lado, e isto mais grave, um sistema de lgica constitui uma totalidade fechada quanto ao conjunto dos teoremas que demonstra, mas esta no seno uma totalidade relativa, porque o sistema permanece aberto por cima, em relao aos teoremas que no demonstra (particularmente os indecidveis, devido aos limites da formalizao), e aberto por baixo, porque as noes e axiomas de partida recobrem uma infinidade de elementos implcitos.

principalmente deste ltimo problema que se ocupou o que se pode chamar o estruturalismo em lgica, sendo sua inteno explicita pesquisar o que pode haver sob as

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operaes de partida, codificadas pelos axiomas. E o que se encontrou foi realmente um conjunto de estruturas autnticas, no apenas comparveis s grandes estruturas que utilizam os matemticos e que se impem intuitiva e independentemente de sua formalizao, mas tambm idnticas a algumas dentre elas, encaixando-se ento naquilo que se denomina hoje lgebra geral e que uma teoria das estruturas.

Em particular, notvel que a lgica de Boole, um dos grandes fundadores da lgica simblica do sculo XIX, constitua uma lgebra chamada lgebra de Boole. Essa lgebra, que cobre a lgica das classes e a das proposies sob sua forma clssica, corresponde, por um outro caminho, a uma aritmtica mdulo 2, isto , cujos nicos valores so 0 e 1. Ora, dessa lgebra pode-se tirar uma estrutura de rede (ver 6) ajuntando-se s propriedades comuns a todas as redes, as propriedades de ser distributiva, de conter um elemento maximum e um minimum e, sobretudo, de ser complementada (cada termo comportando desta forma seu inverso ou negao): falar-se- ento de uma rede de Boole.

Por outro lado, as operaes booleanas da disjuno exclusiva (ou p ou q, mas no os dois) e da equivalncia (p e q ou nem um, nem outro) permitem, uma e outra, constituir um grupo e cada um desses dois grupos pode ser transformado em um anel comutativo. V-se, assim, que se encontram na lgica as duas principais estruturas que so correntes nas matemticas.

Mas pode-se separar, alm disso, um grupo mais geral, a titulo de caso particular do grupo 4 de Klein. Seja uma operao tal como a implicao p q: se a invertermos (N) ter-se- p . q (o que nega, portanto, a implicao). Se permutarmos os termos ou simplesmente conservarmos sua forma, mas entre proposies negadas ( ( ), ter-se- sua recproca R, ou q ( p. Se, na forma normal de p ( q (ou p . q V p . q V p . q), permutarmos os (V) e os (.), obteremos a correlativa C de p ( q ou p . q. Enfim, se deixarmos p ( q sem modificao, ter-se- a transformao idntica I. Ora, tem-se de maneira comutativa: NR = C; NC = R; CR = N e NCR = I.[28]

Por conseguinte, existe ai um grupo de quatro transformaes, do qual as operaes da lgica bivalente das proposies (sejam elas binrias, ternrias etc.) fornecem tantos exemplos de quaternos quantos se pode formar com os elementos de seu conjunto de partes; para alguns desses quaternos tem-se I = R e N = C ou I = C e N = R, mas nunca, naturalmente, I = N.

Em suma, evidente que existem na lgica estruturas em sentido pleno e tanto mais interessantes para a teoria do estruturalismo j que se pode seguir sua psicognese no desenvolvimento do pensamento natural. Existe ai um problema sobre o qual ser conveniente voltar.

8. Os limites vicariantes da formalizao. Toda- via, a reflexo sobre as estruturas lgicas apresenta um outro interesse para o estruturalismo em geral, que o de mostrar em que as estruturas no se confundem com sua formalizao e em que elas procedem, assim, de uma realidade natural, em um sentido que paulatinamente nos esforaremos em precisar.

Em 1931, Kurt Goedel fez uma descoberta cuja ressonncia foi considervel porque colocava em discusso, definitivamente, as opinies reinantes que tendem a uma reduo integral das matemticas lgica e desta pura formalizao, e porque impunha fronteiras a esta ltima, mveis ou vicariantes sem dvida, mas sempre existentes em

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um dado momento da construo. Demonstrou com efeito que uma teoria, mesmo suficientemente rica e consistente, como por exemplo, a aritmtica elementar, no pode chegar, por seus prprios meios ou atravs de meios mais fracos (no caso particular da lgica dos Principia mathematica de Whitehead e Russell), a demonstrar sua prpria no-contradio: apoiando-se s em seus instrumentos ela conduz com efeito a proposies indecidveis e no consegue, portanto, a saturao. Em compensao, descobriu-se em seguida que essas demonstraes, irrealizveis no seio da teoria tomada como ponto de partida, tornam-se possveis pelo emprego de meios mais fortes: foi o que Gentzen obteve para a aritmtica elementar, apoiando-se sobre a aritmtica transfinita de Cantor. Todavia, esta, por sua vez, no basta para concluir seu prprio sistema e, para consegui-lo, ser necessrio recorrer a teorias de tipo superior.

O interesse primrio de tais constataes que elas introduzem a noo da maior menor fora ou fraqueza das estruturas em um domnio delimitado onde so comparveis. A hierarquia assim introduzida sugere ento, imediatamente, uma idia de construo, do mesmo modo que em biologia a hierarquia dos caracteres sugeriu a evoluo: com efeito, parece razovel que uma estrutura fraca utiliza meios mais elementares e que atividade crescente correspondam instrumentos cuja elaborao mais complexa.

Ora, essa idia de construo no uma simples viso do esprito. O segundo ensinamento fundamental das descobertas de Goedel , com efeito, imp-lo de maneira bastante direta, pois, para rematar uma teoria no sentido da demonstrao de sua no-contradio, no basta apenas analisar seus pressupostos mas torn-se necessrio construir a seguinte! Podia-se, at ai, considerar as teorias como que formando uma bela pirmide repousando sobre uma base auto-suficiente, sendo o andar inferior o mais slido, uma

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vez que formado pelos instrumentos mais simples. Contudo, se a simplicidade torna-se indcio de fraqueza e para consolidar um andar torna-se necessrio construir o seguinte, a consistncia da pirmide est em realidade suspensa ao seu vrtice, e a um vrtice por si prprio inacabado e devendo ser elevado contnuamente: a imagem da pirmide exige ento ser invertida e, mais precisamente, substituda de fato, a idia da estrutura como sistema de transformaes torna-se, assim, solidria de um construtivismo da formao contnua. Ora, a razo desse estado de coisas mostra-se definitivamente bastante simples e de alcance bastante geral. Tiraram-se dos resultados de Goedel consideraes importantes acerca dos limites da formalizao e pde-se mostrar, alm dos patamares formais, a existncia de patamares distintos de conhecimentos semiformais e semi-intuitivos ou aproximados em graus diversos, que esperam, por assim dizer, a chegada de seu turno de formalizao.

As fronteiras da formalizao so, pois, mveis ou vicariantes e no fechadas de uma vez por todas como uma muralha marcando os limites de um imprio. J. Ladrire props a engenhosa interpretao segundo a qual no podemos sobrevoar de uma s vez todas as operaes possveis do pensamento, o que uma primeira aproximao exata, mas, por um lado, o nmero de operaes possveis de nosso pensamento no est fixado de uma vez por todas e poderia muito bem aumentar e, por outro lado, nossa capacidade de sobrevo modifica-se a tal ponto com o desenvolvimento mental que pode-se tambm esperar along-la. Em compensao, se nos referimos relatividade das formas e dos contedos lembrados no incio do 7, os limites da formao pertenceriam mais simplesmente ao

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fato de que no existe forma em-si nem contedo em-si, todo elemento (das aes sensrio-motoras s operaes, ou destas s teorias etc.) representando simultaneamente o papel de forma em relao aos contedos, que subsume, e de contedo em relao s formas superiores: a aritmtica elementar uma forma, no h como duvidar, que se torna porm um contedo na aritmtica transfinita (a titulo de potncia do enumervel). O resultado disso que, em cada nvel, a formalizao possvel de um contedo dado permanece limitada pela natureza desse contedo. A formalizao da lgica natural no conduz muito longe, ainda que esta seja uma forma em relao s aes concretas; a das matemticas intuitivas leva bem mais longe, ainda que seja necessrio melhor-las para poder trat-las formalmente etc.

Ora, se encontramos formas em todas as camadas do comportamento humano, at nos esquemas sensrio-motores e a seus casos particulares, os esquemas perceptivos etc., necessrio concluir dai que tudo estrutura e terminar nossa exposio? Em um sentido, talvez, mas somente neste sentido de que tudo estruturvel. Porm, a estrutura enquanto sistema auto-regulador de transformaes no se confunde com uma forma qualquer: um monte de seixos apresenta para ns uma forma (porque existe, segundo a teoria da Gestalt, tanto ms como boas formas: 11) mas somente pode tornar-se uma estrutura se se d a ele uma teoria refinada, fazendo intervir o sistema total de seus movimentos virtuais. Isto nos conduz fsica.

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CAPTULO III

AS ESTRUTURAS FSICAS E BIOLGICAS

9. Estruturas fsicas e causalidade. Sendo o estruturalismo a atitude terica que renovou e contnua a inspirar as cincias do homem em seus movimentos de vanguarda, era indispensvel comear por examinar o que ele significa nas matemticas e na lgica mas, pode-se perguntar, por que tambm na fsica? Pela razo de que no se sabe, a priori, se as estruturas pertencem ao homem, natureza ou aos dois e se a juno dos dois deve ser procurada sobre o terreno da explicao humana dos fenmenos fsicos.

O ideal cientifico do fsico consistiu durante muito tempo em medir fenmenos, em estabelecer leis quantitativas e a interpretar essas leis recorrendo a noes tais como a acelerao, a massa, o trabalho, a energia etc., definidas umas em funo das outras de maneira a preservar certos princpios de conservao exprimindo sua coerncia. Pelo que se pode falar de estruturas nesse estgio clssico da fsica, trata-se sobretudo das estruturas das grandes teorias, no seio das quais as relaes se ajustam em um sistema relacional, como em Newton com a inrcia, a igualdade da ao e da reao e a fora como produto da massa e da acelerao; ou em Maxwell, com a reciprocidade dos processos eltricos e magnticos. Todavia, desde o abalo da fsica dos princpios, a dilatao da pesquisa aos nveis extremos, superiores e inferiores, da escala dos f-

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nmenos e desde as inverses de perspectivas to imprevistas como a subordinao da mecnica ao eletromagnetismo, assiste-se a uma valorizao progressiva da idia de estrutura: a teoria da medida tornando-se o ponto sensvel da fsica contempornea, acaba-se por procurar a estrutura antes da medida e a conceber a estrutura como um conjunto de estados e de transformaes possveis, no seio dos quais o sistema real estudado vem tomar seu lugar determinado, mas ao mesmo tempo interpretado ou explicado em funo do conjunto dos possveis.

O problema principal que essa evoluo da fsica levanta ento para o estruturalismo .o da natureza da causalidade e, mais precisamente, o das relaes entre as estruturas lgico-matemticas utilizadas na explicao causal das leis e as supostas estruturas do real. Se, com o positivismo, interpretam-se as matemticas como uma simples linguagem, a questo certamente no existe mais e a prpria cincia se reduz a uma pura descrio. Mas logo que se reconhece a existncia de estruturas lgicas ou matemticas enquanto sistemas de transformaes, o problema que se coloca o de estabelecer se so essas transformaes formais que sozinhas do conta das modificaes e conservaes reais observadas nos fatos; se, ao contrrio, as primeiras no constituem seno um reflexo interiorizado em nosso esprito dos mecanismos inerentes causalidade fsica objetiva e independente de ns; ou, finalmente, se existe entre essas estruturas exteriores e as de nossas operaes um vinculo permanente, sem identidade porm, e um vinculo que se encontraria agindo, encarnado concretamente em domnios medianos tais como, por exemplo, os das estruturas biolgicas ou de nossas aes sensrio-motoras. Para consolidar as idias, bom lembrar que duas das grandes doutrinas da causalidade, no incio deste sculo, orientaram-se em direo s duas das primeiras destas trs solues; E. Meyerson concebendo a causalidade como apriorstica, porque se reduz iden-

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tificao do diverso e L. Brunschvicg definindo a causalidade pela frmula existe um universo (no sentido da relatividade). Contudo, a dificuldade evidente do primeiro destes dois sistemas de explicar somente as conservaes e relegar as transformaes, que so todavia essenciais causalidade, ao domnio do irracional. Quanto ao segundo, tem por conseqncia integrar as estruturas operatrias na causalidade e considerar a aritmtica como uma disciplina fsico-matemtica (apesar de tudo o que se pde dizer do idealismo brunschvicguiano!). Resta porm submeter essa hiptese a uma verificao psicobiolgica.

Voltando fsica, uma primeira evidncia que a deduo lgico-matemtica de um conjunto de leis no basta para sua explicao, na medida em que essa deduo permanece formal: a explicao supe, ainda, seres ou objetos situados sob os fenmenos e aes efetivas desses seres uns sobre os outros. Todavia, o fato surpreendente que essas aes se assemelham, em muitos casos, s operaes e precisamente na medida em que h correspondncia entre as primeiras e as segundas que temos a impresso de compreender. Mas, compreender ou explicar no se limita, de forma alguma ento, a aplicar nossas operaes ao real e a constatar que este se deixa fazer: uma simples aplicao permanece interior ao nvel das leis. Para ultrapass-la e atingir as causas preciso mais: necessrio atribuir essas operaes aos objetos enquanto tais e conceb-los como constituindo operadores em si mesmos. ento, e apenas ento, que se pode falar de estrutura causal, sendo essa estrutura o sistema objetivo dos operadores em suas interaes efetivas.

De um tal ponto de vista, o acordo permanente das realidades fsicas e dos instrumentos matemticos utilizados para descrev-las j bastante extraordinrio, visto que

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esses instrumentos, bem freqentemente, preexistiram sua utilizao e quando so construdos por ocasio de um fato novo, no so tirados desse fato fsico e sim elaborados dedutivamente at a imitao. Ora, esse acordo no simplesmente, como acredita o positivismo, o de uma linguagem com os objetos designados (porque no costume das linguagens narrar de antemo os acontecimentos que descrevem) e sim o acordo das operaes humanas com as operaes dos objetos-operadores, portanto, uma harmonia entre esse operador particular (ou esse fabricante de operaes mltiplas) que o homem, em seu corpo e em seu esprito, e esses inumerveis operadores que so os objetos fsicos em todas as escalas: h portanto ai, ou a prova manifesta desta harmonia preestabelecida entre as mnadas de janelas cerradas, com as quais sonhava Leibnitz, ou ento, se as mnadas no fossem por acaso fechadas e sim abertas, o mais belo exemplo das adaptaes biolgicas conhecidas (isto , ao mesmo tempo fsico-qumicas e cognitivas).

Porm, se isso j verdade para as operaes em geral, ainda verdade para as mais notveis das estruturas operatrias. Sabe-se muito bem, por exemplo, que as estruturas de grupo (ver 5) so de um emprego bastante geral em fsica, da escala microfsica at mecnica celeste relativista. Ora, esse emprego de um grande interesse no tocante s relaes entre as estruturas operatrias do sujeito e as dos operadores exteriores e objetivos. Pode-se, a este respeito, distinguir trs casos. H primeiramente aquele onde o grupo pode ter um valor heurstico para o fsico, representando, ao todo, somente transformaes irrealizveis fisicamente, tal como o grupo PCT [Trata-se ainda do grupo 4 de Klein. (N. do T.)] onde P a paridade (transformao

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de uma configurao em sua simetria, por meio do espelho), C a carga (transformao C de uma partcula em sua antipartcula) e T a inverso do sentido do tempo! Em seguida h o caso onde as transformaes, sem constituir processos fsicos independentes do fsico, resultam de aes materiais do experimentador manipulando os fatores, ou ainda, de coordenaes entre possveis leituras de aparelhos de medida por observadores em diferentes situaes. Uma das realizaes do grupo de Lorentz corresponde a este segundo tipo, logo que intervm mudanas de referencial que coordenam os pontos de vista de dois observadores animados de velocidades diferentes. As transformaes do grupo so, ento, operaes do sujeito, mas fisicamente realizveis em certos casos, o que mostra a segunda realizao desse grupo quando se trata de transformaes reais operadas por um mesmo sujeito sobre o sistema estudado. Isso conduz ao terceiro caso, onde as transformaes do grupo so fisicamente realizadas, independentemente das manipulaes do experimentador, ou ainda, fisicamente significativas, porm no estado virtual ou potencial.

Este terceiro caso, mais interessante, o da composio das foras (o paralelogramo) quando as foras se compem delas prprias. E deve-se recordar que para duas foras tendo uma resultante R, basta inverter o sentido desta resultante para que esta terceira fora R, igual e de sentido oposto a R, mantenha as duas primeiras em equilbrio. preciso, ento, evocar tambm a admirvel explicao dos estados de equilbrio pela compensao de todos os trabalhos virtuais, compatveis com as ligaes do sistema, o que, junto aos princpios da composio de foras, constitui uma vasta estrutura explicativa, fundada sobre a de grupo.

Max Planck, do qual sabe-se bem o papel que representou criando a fsica quntica, mas do qual sabe-se tambm que no se adaptou inteiramente corrente de idias que desencadeou, susten-

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tou que, ao lado da causalidade eficiente, os fenmenos fsicos obedecem de uma maneira igualmente total ao princpio de ao minimum: ora, esse princpio, segundo ele, est ligado a uma causa final que, ao contrrio, faz do futuro, ou mais precisamente, de um fim determinado, aquilo de onde procede o desenrolar dos processos que ai conduzem. Porm, antes de emprestar aos ftons (no raio luminoso conduzido de uma estrela at ns pelo caminho ptico mais curto, apesar de todas as refraes sofridas ao atravessar as camadas da atmosfera) o poder de se comportar como seres dotados de razo (ibid, pg. 129), alm da qualidade de operadores que j lhes atribumos, resta perguntar como se determina, nesse caso, a integral de Fermat que tem um valor minimum em relao a todos os caminhos prximos. Ora, aqui novamente, como no caso dos trabalhos virtuais, situando o real nas transformaes possveis que se encontra a explicao, por uma compensao gradual entre todas as variaes possveis nas proximidades do projeto real.

Esse papel das transformaes possveis finalmente evidente no caso das explicaes probabilistas: explicar o segundo princpio da termodinmica pelo aumento da probabilidade (isto , da entropia) , novamente, ainda que se trate desta vez de uma irreversibilidade contrria s composies de um grupo, determinar uma estrutura compondo o conjunto dos possveis para deduzir da o real (uma vez que a probabilidade a relao dos casos favorveis a esses casos possveis).

Em suma, existem portanto estruturas fsicas independentes de ns, mas que correspondem s nossas estruturas operatrias, inclusive nessa caracterstica, que poderia parecer especial s atividades do esprito, de firmar-se sobre o possvel e de situar o real no sistema dos virtuais. Esse parentesco entre as estruturas causais e operatrias, bastante compreensvel nos casos onde a explicao depende ainda de modelos construdos em parte artificialmente, ou nas situaes especiais microfsica, onde o desenrolar dos processos indissocivel da ao do experimentador (donde os propsitos um pouco desabusados

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e Eddington, que considera muito natural, ento, reencontrar continuamente formas de grupos), coloca em compensao um problema, logo que mltiplas verificaes por meio de diversas informaes mostram a objetividade da estrutura exterior a ns. A explicao mais simples consiste nesse caso em lembrar-se de que, antes de tudo, na ao prpria que descobrimos a causalidade, no na ao de um eu no sentido metafsico de Maine de Biran e sim na ao sensrio-motriz e instrumental, onde a criana j descobre a transmisso do movimento e o papel dos impulsos e das resistncias. Ora, a ao igualmente a fonte das operaes, no que ela as contenha de antemo, e nem que contenha toda a causalidade, mas porque suas coordenaes gerais comportam certas estruturas elementares, suficientes para servir de ponto de partida s abstraes reflexivas e s construes ulteriores. Mas isto conduz s estruturas biolgicas.

10. As estruturas orgnicas. O organismo vivo , ao mesmo tempo, um sistema fsico-qumico entre os outros e a fonte das atividades do sujeito. Se uma estrutura , como admitimos ( 1), um sistema total de transformaes auto-reguladoras, o organismo ento o prottipo das estruturas e, se conhecssemos a sua com preciso, ele nos forneceria a chave do estruturalismo, por sua dupla natureza de objeto fsico complexo e de motor do comportamento. Todavia, no nos encontramos ainda em tal ponto; um estruturalismo biolgico autntico est apenas em vias de formao, aps sculos de reducionismo simplificador ou de vitalismo mais verbal que explicativo.

As tentativas de reduo do vital ao fsico-qumico j so, em si mesmas, instrutivas para o estruturalismo, como todos os problemas de reduo, mas com uma acuidade particular neste caso de maior importncia. O princpio delas era que, conhecendo no mundo inorgnico os

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fenmenos A, B, C etc., para conhecer o organismo deve ser suficiente compor a sua soma ou o produto: donde uma longa srie de doutrinas ditas mecanicistas e das quais os mais deplorveis exemplos so os animais-mquinas de Descartes, essa confisso implcita de derrota que o esquema e, ainda em honra a muitos meios, uma evoluo por variaes fortuitas e seleo aps a concluso. Esqueceram-se assim, simplesmente, dois fatos capitais. Um que a fsica no procede por adio de informaes cumulativas e as novas descobertas M, N etc., conduzem sempre a uma completa refundio dos conhecimentos A, B, C etc.: ora, restam as incgnitas do futuro X, Y etc. A outra que, na prpria fsica, as tentativas de reduo do complexo ao simples, como do eletromagnetismo ao mecnico, conduzem a snteses onde o inferior enriquecido pelo superior e onde a assimilao recproca que dai resulta coloca em evidncia a existncia de estruturas de conjunto, por oposio s composies aditivas ou identificadoras. Pode-se, ento, esperar sem inquietude as redues do vital ao fsico-qumico, porque elas no reduziro nada, mas transformaro em seu beneficio os dois termos da relao.

A essas tentativas de redues, simplificadoras e anti-estruturalistas, o vitalismo ops constantemente as idias de totalidade, de finalidade interna ou externa etc., mas que no so estruturas enquanto no se precisam as modalidades causais e operatrias das transformaes em jogo no sistema. Da mesma forma, a doutrina da emergncia defendida por Lloyd Morgan e outros, se limita a constatar a existncia de totalidades de diversos nveis, mas dizer que elas emergem em um dado momento consiste somente em assinalar que ai existem problemas. Por outro lado, se o vitalismo acentuou o organismo como sujeito, cap ou fonte do sujeito, em oposio ao aspecto mecnico do objeto, sempre se contentou com uma representao daque-

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le inspirada pelas introspeces do senso comum ou, com Driesch, da metafsica das formas aristotlicas.

interessante assinalar, a este respeito, que o primeiro ensaio de estruturalismo explicito em biologia, o organicismo de L. von Bertalanffy, foi inspirado pelos trabalhos da psicologia experimental no domnio das Gestalts ou estruturas perspectivas e motoras. Todavia, se a obra deste terico da biologia de um incontestvel interesse por seu esforo de fundar uma teoria geral dos sistemas, os progressos internos da fisiologia comparada, da embriologia causal, da gentica, da teoria da evoluo, da etologia etc. que so, sobretudo, to significativos relativamente orientao estruturalista atual da biologia.

A fisiologia utilizou desde muito tempo, e em prolongamento aos trabalhos de Claude Bernard, uma noo capital do ponto de vista da estrutura e que a de homeostase, devida a Cannon; referindo-se a um equilbrio permanente do meio interno e, por conseguinte, sua regulao, esse conceito leva a colocar em evidncia a auto-regulao do organismo inteiro. Ora, esta ultrapassa, em trs pontos, as formas fsicas conhecidas de equilibrao (notadamente as compensaes parciais no momento dos deslocamentos de equilbrio, segundo o princpio de Le Chatelier).

Em primeiro lugar, constata-se que a regulao da estrutura, devida primeiramente a uma auto-regulao geral, em seguida assegurada por rgos diferenciados de regulao. assim que os mltiplos fatores da coagulao do sangue do lugar, segundo Markosjan, a uma regulao espontnea, filogeneticamente antiga (provavelmente desde os celenterados), depois so submetidos ao controle de um primeiro rgo de regulao com o sistema hormonal e, enfim, ao de um segundo, com o sistema nervoso.

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Em segundo lugar, e por conseguinte, uma estrutura viva comporta um funcionamento ligado ao do organismo em seu conjunto, de maneira tal que preenche ou comporta uma funo, no sentido biolgico, definvel pelo papel que a subestrutura representa em relao estrutura total. difcil contestar esse fato no terreno da vida, mas nos domnios cognitivos encontram-se autores que opem o estruturalismo a todo funcionalismo, opinio que ficar portanto para ser discutida.

Em terceiro lugar e, note-se, em estreita ligao com esse carter funcional das estruturas orgnicas, estas apresentam um aspecto que as estruturas fsicas ignoram (salvo para o fsico), que o de se referir a significaes. Estas so explicitas para o sujeito vivo no terreno do comportamento onde as estruturas instintivas; notadamente, colocam em jogo todas as espcies de indcios significativos hereditrios (os IRM dos etologistas: innate releasing mechanisms). Mas elas so implcitas em todo funcionamento, desde a distino especificamente biolgica do normal e do anormal: por exemplo, em caso de perigo de asfixia no nascimento, a coagulao do sangue d lugar a uma regulao nervosa imediata.

Contudo, a homeostase no tem somente um sentido fisiolgico. Uma das conquistas essenciais do estruturalismo biolgico contemporneo ter podido rejeitar a imagem de um genoma enquanto agregado de genes isolados em proveito de um sistema onde, como diz Dobzhansky, os genes no agem mais como solistas mas sim como uma orquestra com genes reguladores em particular, uma ao concertada de vrios genes sobre um nico carter ou de um gene sobre vrios caracteres etc. E a unidade gentica no mais o genoma individual e sim a populao com, no uma simples mistura, mas uma combinao de raas, tal que seu pool apresenta uma homeostase gentica, isto , uma equilibrao que aumenta a probabilidade de sobrevivncia e verificvel quando, como fizeram Dobzhansky e Spassky, se misturam vrias raas conhecidas em uma caixa de populao, estudando suas taxas aps algumas geraes. Alm do mais, o processo fundamental de va-

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riao no mais a mutao e sim a recombinao gentica, principal instrumento de formao das novas estruturas hereditrias.

No domnio da embriognese, as tendncias estruturalistas j em ao aps a descoberta dos organizadores, das regulaes estruturais e das regneraes, nada mais fazem do que se acentuarem com os trabalhos de Waddington, os quais introduziram a noo de homorhsis(*) ou equilbrio cintico do desenvolvimento com compensao dos possveis desvios em torno das crodes ou caminhos necessrios que esse desenvolvimento segue. Todavia, Waddington mostrou a interao do meio e da sntese gentica no curso do desenvolvimento (formao do gentipo) e insistiu sobre o fato de que o fentipo sendo assim uma resposta do genoma s incitaes do meio, a seleo firma-se sobre essas respostas e no sobre os prprios gentipos: donde a possibilidade, atravs de tais selees, de uma assimilao gentica ou fixaes dos caracteres adquiridos. De uma maneira geral, Waddington v nas relaes entre o meio e o organismo um circuito ciberntico, de modo que o organismo escolhe seu meio ao mesmo tempo que este o condiciona. A noo de estrutura auto-reguladora ultrapassa aqui o indivduo e a prpria populao para englobar o complexo meio x fentipos x pool gentico da populao. Ora, essa interpretao fundamental no que concerne ao significado da evoluo. Da mesma forma como existem ainda autores para pensar o desenvolvimento embriolgico inteiramente pr-formado, negando assim o valor da noo de epignese ( qual Waddington restitui, ao contrrio, seu sentido pleno), pde-se s vezes, nestes ltimos anos, sustentar que a evoluo inteira estava predeterminada por uma combinatria fundada sobre os componentes do ADN: isso seria ento o triunfo de um estruturalismo pr-formado sobre a prpria evoluo. Restabelecendo-se o papel do meio, que levanta os problemas aos quais as variaes endgenas fornecem as respostas, restitui-se evoluo sua significao dialtica, em lugar de v-la como o desenrolar de uma predestinao eterna, da qual as lacunas e as falhas se tornam, ento, inexplicveis.

Essas conquistas da biologia contempornea so tanto mais preciosas para o estruturalismo em geral que,

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englobando a teoria comparada do comportamento ou etologia, fornecem as bases indispensveis ao estruturalismo psicogentico. Com efeito, de um lado a etologia colocou em evidncia a existncia de uma estrutura complexa dos instintos, a tal ponto que pode-se falar hoje de uma lgica dos instintos e analisar seus diversos nveis hierrquicos, constituindo o instinto, assim, uma lgica dos rgos ou dos instrumentos orgnicos, antes que se constitua uma lgica das aes no programadas hereditariamente e dos instrumentos fabricados. Por outro lado, e isso no menos essencial, a etologia atual tende a mostrar que toda aprendizagem e toda memria no se constituem seno se apoiando sobre estruturas prvias (e talvez mesmo sobre as do ARN ou cido ribonuclico, rplica sujeita s variaes do ADN ou cido desoxirribonuclico das substncias germinativas). Desta forma, os contatos com a experincia e as mais fortuitas modificaes adquiridas em funo do meio, nas quais o empirismo procurava o modelo da formao dos conhecimentos, no so estabelecidos seno por assimilaes s estruturas, nem todas inatas ou imutveis, porm mais estveis e mais coerentes do que os tateios pelos quais se inicia o conhecimento emprico.

Em resumo, as totalidades e auto-regulaes biolgicas, sendo materiais e de contedo fsico-qumico, fazem compreender a ligao indissocivel das estruturas e do sujeito, uma vez que o organismo a fonte desse sujeito: se o homem, no dizer de Michel Foucault, somente uma certa ruptura na ordem das coisas, correspondente, h menos de dois sculos porm, a uma simples dobra no nosso saber, til, entretanto, lembrar-se de que esta ruptura e esta dobra resultam de um vastssimo estalido, mas no mal organizado, e que constitudo pela vida inteira.

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CAPTULO IV

AS ESTRUTURAS PSICOLGICAS

11. Os incios do estruturalismo em psicologia e a teoria da Gestalt. Pode-se considerar que a noo de estrutura apareceu em psicologia desde os incios deste sculo, quando a psicologia do pensamento da escola de Wurzburg se ops (no momento em que Binet o fazia na Frana e Claparde na Suia) ao associacionismo, que pretendia tudo explicar atravs de associaes mecnicas entre elementos prvios (sensaes e imagens). Alm disso, espantoso constatar que, atravs de meios estritamente experimentais, K. Bhler evidenciou, desde esta poca, os caracteres subjetivos da estrutura que a fenomenologia constantemente utilizou desde ento: a inteno e a significao (que correspondem, alis, s noes de transformaes com auto-regulao, que inserimos em nossa definio objetiva do 1). Com efeito, ele mostrou no s que o julgamento um ato unificador (sobre o que todos os antiassociacionistas estavam incontinenti de acordo), mas tambm que o pensamento comporta graus de complexidade crescente, que foram chamados Bewusstheit (pensamento independente da imagem e atribuindo significaes), Regelbewusstsein (conscincia da regra intervindo nas estruturas de relaes etc.) e intentio ou ato sinttico

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dirigido, que visa arquitetura de conjunto ou ao sistema do pensamento em ato.

Contudo, em lugar de se orientar na direo funcional das razes psicogenticas e biolgicas, a psicologia do pensamento, estendendo suas anlises apenas sobre o terreno acabado da inteligncia adulta (e sabe-se, de resto, que o adulto estudado por um psiclogo sempre escolhido entre seus assistentes ou estudantes), no descobriu, finalmente, seno estruturas lgicas, donde a concluso, que se imps a ela, de que o pensamento o espelho da lgica, quando uma anlise da gnese conduz evidentemente a inverter esses termos.

Todavia, a forma mais espetacular do estruturalismo psicolgico foi incontestavelmente fornecida pela teoria da Gestalt, nascida em 1912 dos trabalhos convergentes de W. Khler e de M. Wertheimer, e pelo seu prolongamento em psicologia social, devido a K. Lewin e seus discpulos.

A teoria da forma ou Gestalt desenvolveu-se na ambincia da fenomenologia, mas no reteve dela seno a noo de uma interao fundamental entre o sujeito e o objeto e resolutamente, engajou-se na direo naturalista, devido formao de fsico que Khler havia recebido e ao papel que representaram, para ele e outros, os modelos de campos. Esses modelos, alis, exerceram sobre a teoria uma influncia que, de certo modo, pode-se hoje considerar nefasta, ainda que tenha sido estimulante no seu princpio.

Com efeito, um campo de foras como um campo eletromagntico, uma totalidade organizada, isto , onde a composio das foras toma uma certa forma segundo as direes e as intensidades; contudo, trata-se a de uma composio produzindo-se quase instantaneamente e, se se pode ainda falar de transformaes, elas so quase imediatas. Ora, j sobre o terreno do sistema nervoso e dos campos polissinpticos, a velocidade das correntes eltricas

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bem menor (3 a 9 ciclos por segundo para as ondas a ). E, se a organizao de uma percepo a partir das aferncias rpida, esta no uma razo para generalizar este exemplo a todas as Gestalts. Ora, a preocupao com os efeitos de campo conduziu Khler a no ver ato autntico de inteligncia seno na compreenso imediata (o insight), como se os tateios que precedem a intuio final no fossem j inteligentes. E, sobretudo, o modelo do campo sem dvida responsvel pela pouca importncia atribuda pelos Gestaltistas s consideraes funcionais e psicogenticas e, finalmente, s atividades do sujeito.

Isso no impede que, precisamente porque concebida desta maneira, a Gestalt represente um tipo de estrutura que agrada a um certo nmero de estruturalistas, cujo ideal, implcito ou confesso, consiste em procurar estruturas que possam considerar como puras, porque as desejam sem histria e, a fortiori, sem gnese, sem funes e sem relaes com o sujeito. fcil construir tais essncias do terreno filosfico, onde a inveno livre de todo constrangimento, mas difcil encontr-las no terreno da realidade verificvel. A Gestalt nos oferece uma tal hiptese: importa, pois, examinar com cuidado o seu valor.

A idia central do estruturalismo Gestaltista a de totalidade. j em 1890 Ehrenfels havia mostrado a existncia de percepes estribando-se nas qualidades de conjunto ou de forma (Gestaltqualitt) dos objetos complexos, tais como uma melodia ou uma fisionomia: com efeito, se se transpe a melodia de um tom para um outro, todos os sons particulares podem ser mudados, mas reconhece-se, todavia, a mesma melodia. Contudo, Ehrenfels via nestas qualidades de conjunto, realidades perceptivas se sobrepondo s das sensaes. A originalidade da teoria da Gestalt , ao contrrio, contestar a existncia das sensaes a ttulo de elementos psicolgicos prvios e lhes atribuir apenas o papel de elementos estruturados, mas no estruturantes. Portanto, o que est dado, desde o incio, uma totalidade como tal e trata-se de explic-la: aqui que intervm a hiptese do campo, segundo a qual as aferncias no impressionariam isoladamente o crebro, mas conduziriam, por intermdio do campo eltrico do sistema nervoso, a formas de organizao quase imediatas. Mas resta encontrar as leis. dessa organizao.

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Ora, como em um campo os elementos esto constantemente subordinados ao todo, cada modificao local acarretando um novo arranjo do conjunto, a primeira lei das totalidades perceptivas que no s existem propriedades do todo enquanto tal, mas tambm que o valor quantitativo do todo no igual ao da soma das partes. Em outras palavras, essa primeira lei a da composio no aditiva do todo e Khler bastante explcito sobre esse ponto, uma vez que no seu livro, Die physischen Gestalten, recusa composio das foras mecnicas o carter de Gestalt, por causa de sua composio aditiva. Sobre o terreno das percepes, essa composio no aditiva facilmente verificvel: um espao dividido parece maior que quando no dividido; em certas iluses de peso, o objeto complexo A + B (uma barra de chumbo situada acima de uma caixa vazia, formando os dois uma forma simples, de cor uniforme), parece menos pesado que a barra A sozinha (pelo relacionamento com os volumes etc.).

A segunda lei fundamental a da tendncia das totalidades perceptivas a tomarem a melhor forma possvel (lei da pregnncia* das boas formas), estando essas formas pregnantes caracterizadas por sua simplicidade, sua regularidade, sua simetria, sua continuidade, a proximidade dos elementos etc. Na hiptese do campo, trata-se dos efeitos dos princpios fsicos de equilbrio e de menor ao (de extremum, como no caso da Gestalt das bolhas de sabo: maximum de volume para o minimum de superfcie) etc. Existem ainda outras leis importantes e copiosamente verificadas (lei da figura destacando-se sempre sobre um fundo, lei das fronteiras que pertencem figura e no ao fundo etc.), mas as duas precedentes bastam nossa discusso.

Convm sublinhar, antes de tudo, a importncia dessa noo de equilibrao, que permite explicar a pregnncia das boas formas economizando seu inatismo: como as leis de equilbrio so coercitivas, bastam, com efeito, para dar conta da generalidade desses processos sem necessitar atribu-los a uma hereditariedade. Por outro lado, essa equilibrao, enquanto processo simultaneamente fsico e fisiolgico, constitui, ao mesmo tempo, um sistema de transformaes, ainda que muito rpidas, e um sistema autnomo em sua regulao, duas propriedades que, alm das leis gerais de totalidade, fazem as Gestalts entrar na definio de estruturas propostas no 1.

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Em compensao, j no terreno s das percepes, pode-se perguntar se a hiptese do campo, com suas diversas conseqncias antifuncionalistas, basta para dar conta dos fenmenos. No que se refere ao campo cerebral, Piron mostrou que se se apresenta cada um a um olho separado, os dois excitantes de uma experincia habitual de movimento aparente, este no se produz por falta do circuito imediato entre os dois hemisfrios cerebrais, como admitiria a teoria.

Do ponto de vista psicolgico, pode-se submeter as percepes a todas as espcies de aprendizagens, o que pouco conforme a interpretao por um campo fsico; E. Brunswick demonstrou a existncia daquilo que denominou as Gestalts empricas, por oposio s Gestalts geomtricas: por exemplo, se se apresenta em viso rpida (taquistoscpio) uma forma intermediria entre uma mo e uma figura de cinco pontas* bem simtricas, apenas a metade dos adultos corrige o modelo nessa direo (lei da boa forma geomtrica) e a outra metade no sentido da mo (Gestalt emprica) : ora, se as percepes se modificam sob a influncia da experincia e como diz Brunswick, das probabilidades de ocorrncia (freqncias relativas dos modelos reais), porque sua estruturao obedece, ento, a leis funcionais e no apenas fsicas (leis de campo), e o principal colaborador de Khler, Wallach, teve de reconhecer, ele prprio, o papel da memria nas estruturaes perceptivas.

Por outro lado, mostramos por nossa vez, com uma srie de colaboradores, que existe uma notvel evoluo das percepes com a idade e que, alm dos efeitos de campo (entendidos, porm, no sentido de um campo de centrao do olhar), existem atividades perceptivas ou relacionamentos por exploraes quase intencionais, comparaes ativas etc., que modificam sensivelmente as Gestalts no curso do desenvolvimento: se se estuda, em particular, a explorao das figuras por registro dos movimentos oculares, constata-se que estes so cada vez melhor coordenados e ajustados com a idade. Quanto aos efeitos do campo, suas interaes quase imediatas parecem devidas a mecanismos probabilistas de encontros entre as partes do rgo registrador e as da figura percebida e, sobretudo, de junes ou correspondncias entre esses encontros e pode-se tirar desse esquema probabilista uma lei coordenando as diversas iluses ptico-geometrias planas atualmente conhecidas.

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Em resumo, j sobre o terreno da percepo, o sujeito no o simples teatro em cujo palco se representam peas independentes dele e previamente reguladas por leis de uma equilibrao fsica automtica: ele o ator e, com freqncia mesmo, o autor dessas estruturaes que ajusta, na proporo de seu desenrolar, por uma equilibrao ativa feita das compensaes opostas s perturbaes exteriores, portanto, por uma contnua auto-regulao.

Isso que, desde logo, vale para o terreno perceptivo, se impe, a fortiori, sobre os da motricidade e da inteligncia, que os Gestaltistas queriam subordinar s leis de composio das Gestalts em geral, notadamente perceptiva. Em um livro sobre a inteligncia dos macacos superiores, admirvel, alis, pelos fatos novos que descreve, Khler apresentou o ato de inteligncia como uma sbita reorganizao do campo perceptivo no sentido das melhores formas; e Wertheimer procurou, por sua vez, reduzir o jogo dos silogismos ou dos raciocnios matemticos a reestruturaes obedecendo s leis da Gestalt. Duas grandes dificuldades, porm, se opem a essas interpretaes por extenso das hipteses de campo. A primeira que as estruturas lgico-matemticas apresentando, sem sombra de dvidas, leis de totalidades (ver os 5 a 7), no so Gestalts, uma vez que sua composio rigorosamente aditiva (2 e 2 fazem exatamente 4, ainda que, ou porque esta adio participa das leis da estrutura total de grupo). A segunda que o sujeito sensrio-motor ou inteligente ativo e constri, ele prprio, suas estruturas por procedimentos de abstraes reflexivas que, salvo em casos bastante excepcionais, no tm grande coisa a ver com a figurao perceptiva. Porm, a est um problema central para a teoria do estruturalismo e convm, portanto, examin-lo de perto.

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12. Estruturas e gnese da inteligncia. Pode-se atribuir todas as espcies de pontos de partida s estruturas: ou so dadas tais quais, maneira das essncias eternas, ou surgem, no se sabe porque, no curso dessa histria feita de caprichos, que Michel Foucault denomina uma arqueologia, ou so tiradas do mundo fsico, maneira das Gestalts, ou pertencem, de uma maneira ou de outra, ao sujeito: porm, essas maneiras no so inumerveis e no podem se orientar seno ao lado de um inatismo, cuja pr-formao lembra a predeterminao (sob a condio de devolver essas.fontes hereditrias biologia, o que levanta, necessariamente, o problema de sua formao), de uma emergncia contingente (o que reconduz arqueologia de h pouco, no interior, porm, da dobra subjetiva ou humana) ou de uma construo. Em suma, h somente trs solues: pr-formao, criaes contingentes ou construo (tirar as estruturas da experincia no uma soluo distinta, porque ou a experincia estruturada apenas por uma organizao que a condiciona antes de tudo ou concebida como dando acesso diretamente s estruturas externas que so, ento, pr-formadas no mundo exterior).

Como a noo de uma emergncia contingente quase contraditria com a idia de estrutura (retornaremos a isto no 21) e, em todo caso, com a natureza das estruturas lgico-matemticas, o verdadeiro problema o da predeterminao ou da construo. A primeira vista, uma estrutura constituindo uma totalidade fechada e autnoma, sua pr-formao parece se impor, donde o renascimento perptuo das tendncias platnicas nas matemticas e na lgica e o sucesso de um certo estruturalismo esttico nos autores cativados pelos incios absolutos ou pelas posies independentes da histria e da psicologia. Porm, como as estruturas, por outro lado, so sistemas de transformaes que se engendram uns aos outros, em genealogias pelo

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menos abstratas, e as estruturas mais autnticas so de natureza operatria, o conceito de transformao sugere o de formao e a auto-regulao invoca a autoconstruo.

esse o problema central que as pesquisas sobre a formao da inteligncia encontram, e o encontram pela prpria fora das coisas, uma vez que se trata de explicar como o sujeito em desenvolvimento vai conquistar as estruturas lgico-matemticas. Ou bem as descobre j prontas, mas sabe-se bem que ele no constata a existncia delas como se percebem as cores ou a queda dos corpos, e que sua transmisso educativa (familiar ou escolar) s possvel na medida em que a criana possui um minimum de instrumentos de assimilao, que participam j de tais estruturas (e veremos no 17 que as coisas se passam da mesma maneira com relao s transmisses lingsticas), ou ento reconhecer-se-, ao contrrio, que as constri, porm ele no , de modo algum, livre para arranj-las sua maneira, como um jogo ou um desenho, e o problema especfico dessa construo compreender como e por que chega a resultados necessrios, como se estes estivessem sempre predeterminados.

Ora, as observaes e experincias mostram, da maneira mais clara, que as estruturas lgicas se constroem e levam mesmo uma boa dzia de anos a se elaborarem e que essa construo obedece a leis particulares, que no so as de uma aprendizagem qualquer: graas ao duplo jogo das abstraes reflexivas (ver 5), fornecendo os materiais da construo proporo das necessidades, e de uma equilibrao, no sentido da auto-regulao fornecendo a organizao reversvel interna das estruturas, estas alcanam, por sua prpria construo, a necessidade que o apriorismo sempre julgou indispensvel situar nos pontos de partida ou nas condies prvias, mas que de fato atingida apenas no trmino.

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Certamente, as estruturas humanas no partem do nada e, se toda estrutura o resultado de uma gnese, preciso admitir resolutamente, em vista dos fatos, que uma gnese constitui sempre a passagem de uma estrutura mais simples a uma estrutura mais complexa e isso segundo uma regresso infinita (no estado atual dos conhecimentos). H, portanto, dados de partida a assinalar construo das estruturas lgicas, porm, no so nem primeiros, j que marcam apenas o incio de nossa anlise, em falta de poder remontar mais alto, nem esto j na posse daquilo que ser, ao mesmo tempo, tirado delas e apoiado sobre elas na seqncia da construo. Designaremos esses dados de partida pelo termo global de coordenao geral das aes, entendendo-se por isso as ligaes comuns a todas as coordenaes sensrio-motoras, sem entrar no pormenor da anlise dos nveis, comeando pelos movimentos espontneos do organismo e os reflexos que so, sem dvida, diferenciaes estabilizadas dele, ou ainda, pelos complexos de reflexos e de programao instintiva, como o ato de mamar do recm-nascido, conduzindo atravs dos hbitos adquiridos at o limiar da inteligncia sensrio-motora ou das condutas instrumentais. Ora, em todos esses comportamentos, cujas razes so inatas e as diferenciaes adquiridas, encontram-se certos fatores funcionais e certos elementos estruturais comuns. Os fatores funcionais so a assimilao ou processo segundo o qual uma conduta se reproduz ativamente e se integra de novos objetos (exemplo: sugar seu polegar, integrando-o no esquema do ato de mamar) e a acomodao dos esquemas de assimilao diversidade dos objetos. Os elementos estruturais so essencialmente certas relaes de ordem (ordem dos movimentos num reflexo, nos de um hbito, nas conexes entre meios e fins perseguidos), os encaixamentos (subordinao de um esquema simples, como pegar, a um outro mais complexo, como atirar) e as correspondncias (nas assimilaes recognitivas etc.).

Ora, pelo jogo das assimilaes simples e recprocas, essas formas elementares de coordenao permitem, desde o nvel sensrio-motor anterior linguagem, a constituio de certas estruturas equilibradas, isto , cujas regulaes asseguram, desde logo, um certo grau de reversibilidade. As duas mais notveis so, primeiramente, o grupo prtico dos deslocamentos (coordenao dos deslocamentos, desvios e retornos: ver 5) com o invariante que est ligado a ele, isto , a permanncia dos objetos que saem do campo perceptivo e que podem ser reencontrados pela reconstituio de seus deslocamentos; em seguida, essa forma da causalidade objetivada e espacializada que intervm nas condutas instrumentais (puxar para si os objetos utilizando seu suporte ou um basto etc.). j se pode, portanto, falar de inteligncia neste nvel, mas

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de uma inteligncia sensrio-motriz, sem representaes e essencialmente ligada ao e s suas coordenaes.

Contudo, desde que a funo semitica (linguagem, jogo simblico, imagens etc.) permite a evocao de situaes no atualmente percebidas, ou seja, a representao ou pensamento, assiste -se s primeiras abstraes reflexivas, que consistem em tirar dos esquemas sensrio-motores certas ligaes, que so, ento, refletidas (no sentido fsico) sobre esse novo plano, que o do pensamento, e elaboradas sob formas de condutas distintas e de estruturas conceituais. Por exemplo, as relaes de ordem que, no plano sensrio-motor, ficavam inseridas em no importa qual esquema articulado, so dele separadas para dar lugar a uma conduta especfica, a de organizar ou ordenar; da mesma forma, os encaixamentos so extrados dos contextos onde permaneciam implcitos, para dar lugar a condutas de classificao (disposies figuradas etc.) e as correspondncias tornam-se precocemente bastante sistemticas (aplicaes de um a vrios, correspondncias de elemento a elemento, entre uma cpia e seu modelo. etc.). H nessas condutas um incio- incontestvel de lgica, mas com duas limitaes essenciais: ainda no se encontra a reversibilidade, logo, no existem operaes (se se define estas por sua possibilidade de inverso) e, por conseguinte, no existe tambm conservaes quantitativas (um todo dividido no conserva a mesma soma etc.). Portanto, trata-se apenas de uma meia-lgica (no sentido prprio, uma vez que lhe falta a metade, isto , os inversos) que marca, entretanto, a seu favor, duas noes bastante fundamentais. 1) H, primeiramente, a noo de funo ou aplicao ordenada (pares orientados) : por exemplo, se se puxa progressivamente um fio formando dois segmentos em ngulo reto, A e B, a criana compreende bem que o segmento B aumenta em funo da diminuio de A, porm, sem admitir, para tanto, que o comprimento total A + B permanece constante, j que ela julga os comprimentos apenas de maneira ordinal (ordem dos pontos de chegada: mais longo = mais longe) e no por quantificao dos intervalos. 2) H, em seguida, a relao de identidade ( o mesmo fio, ai