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INACABADO - Joana Fatela, 10.º ano, n.º13 turma F, Escola Artística António Arroio - Disciplina de Português - Professora Eli
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A liberdade de 20 poemas
Trabalho de português
Professora Elisabete Miguel
Joana Fatela| 10º f | nº 13
2011|2012
ESCOLA ARTÍSTICA ANTÓNIO ARROIO
Índice
Fernando Pessoa
Liberdade
Não Quero, Cloe, teu Amor, que Oprime (Heterónimo)
Quem nos Ama não Menos nos Limita (Heterónimo)
Só Esta Liberdade nos Concedem os Deuses (Heterónimo)
Podemos Crer-nos Livres (Heterónimo)
Vivo uma Vida que não (Heterónimo)
Quero dos Deuses só que me não Lembrem (Heterónimo)
José Gomes Ferreira
Ah! Como te invejo
Jorge de Sena
Quem a tem... Miguel Torga
Liberdade
Conquista
Antero de Quental
Evolução
Mors Liberatrix (A Bulhão Pato)
Sophia de Mello Breyner Andresen
Liberdade
Bertold Brecht
De que Serve a Bondade
Paulo Lourenço
Liberdade
Rabindranath Tagore
O Último Negócio
Florbela Espanca
Anseios
Fernando Echevarría
A Solidão é Sempre Fundamento da Liberdade
Quem a tem...
Não hei-de morrer sem saber
Qual a cor da liberdade.
Eu não posso senão ser
desta terra em que nasci.
Embora ao mundo pertença
e sempre a verdade vença,
qual será ser livre aqui,
não hei-de morrer sem saber.
Trocaram tudo em maldade,
é quase um crime viver.
Mas embora escondam tudo
e me queiram cego e mudo
não hei-de morrer sem saber
qual a cor da liberdade.
Jorge de Sena, Poesia II
Liberdade
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa, Cancioneiro
Não quero, Cloé, teu amor, que oprime
Não quero, Cloé, teu amor, que oprime
Porque me exige o amor. Quero ser livre.
A esperança é um dever do sentimento.
Ricardo Reis, Odes (Heterónimo de Fernando Pessoa)
Ah! Como te invejo
Ah! Como te invejo,
pássaro que cantas
o silêncio das plantas
-- alheio à tempestade.
Vives sem chão
ao sol a cantar
a grande ilusão
da liberdade...
(...com algemas de ar.)
José Gomes Ferreira, Poesia III
Liberdade
Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Evolução
Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...
Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
O, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paúl, glauco pascigo...
Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade...
Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.
Antero de Quental, Sonetos
Liberdade
Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.
— Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.
Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
— Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome.
Miguel Torga, Diário XII
Não só quem nos odeia ou nos inveja
Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afectos, tenha a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.
Ricardo Reis, Odes
(Heterónimo de Fernando Pessoa)
Só Esta Liberdade nos Concedem os Deuses
Só esta liberdade nos concedem
Os deuses: submetermo-nos
Ao seu domínio por vontade nossa.
Mais vale assim fazermos
Porque só na ilusão da liberdade
A liberdade existe.
Nem outro jeito os deuses, sobre quem
O eterno fado pesa,
Usam para seu calmo e possuído
Convencimento antigo
De que é divina e livre a sua vida.
Nós, imitando os deuses,
Tão pouco livres como eles no Olimpo,
Como quem pela areia
Ergue castelos para encher os olhos,
Ergamos nossa vida
E os deuses saberão agradecer-nos
O sermos tão como eles.
Ricardo Reis, Odes
(Heterónimo de Fernando Pessoa)
Súbdito inútil de astros dominantes,
Súbdito inútil de astros dominantes,
Passageiros como eu, vivo uma vida
Que não quero nem amo,
Minha porque sou ela,
No ergástulo de ser quem sou, contudo,
De em mim pensar me livro, olhando no alto
Os astros que dominam
Submissos de os ver brilhar.
Vastidão vã que finge de infinito
(Como se o infinito se pudesse ver!) —
Dá-me ela a liberdade?
Como, se ela a não tem?
Ricardo Reis, Odes
(Heterónimo de Fernando Pessoa)
Aqui, Neera, longe
Aqui, Neera, longe
De homens e de cidades,
Por ninguém nos tolher
O passo, nem vedarem
A nossa vista as casas,
Podemos crer-nos livres.
Bem sei, ó flava, que inda
Nos tolhe a vida o corpo,
E não temos a mão
Onde temos a alma;
Bem sei que mesmo aqui
Se nos gasta esta carne
Que os deuses concederam
Ao estado antes de Averno.
Mas aqui não nos prendem
Mais coisas do que a vida,
Mãos alheias não tomam
Do nosso braço, ou passos
Humanos se atravessam
Pelo nosso caminho.
Não nos sentimos presos
Senão com pensarmos nisso,
Por isso não pensemos
E deixemo-nos crer
Na inteira liberdade
Que é a ilusão que agora
Nos torna iguais dos deuses.
Ricardo Reis, Odes
(Heterónimo de Fernando Pessoa)
Mors Liberatrix (A Bulhão Pato)
Na tua mão, sombrio cavaleiro,
Cavaleiro vestido de armas pretas,
Brilha uma espada feita de cometas,
Que rasga a escuridão como um luzeiro.
Caminhas no teu curso aventureiro,
Todo involto na noite que projectas...
Só o gládio de luz com fulvas betas
Emerge do sinistro nevoeiro.
— «Se esta espada que empunho é coruscante,
(Responde o negro cavaleiro-andante)
É porque esta é a espada da Verdade.
Firo, mas salvo... Prostro e desbarato,
Mas consolo... Subverto, mas resgato...
E, sendo a Morte, sou a Liberdade.»
Antero de Quental, Sonetos
De que Serve a Bondade
De que serve a bondade
Quando os bondosos são logo abatidos, ou são abatidos
Aqueles para quem foram bondosos?
De que serve a liberdade
Quando os livres têm que viver entre os não-livres?
De que serve a razão
Quando só a sem-razão arranja a comida de que cada um precisa?
Em vez de serdes só bondosos, esforçai-vos
Por criar uma situação que torne possível a bondade, e melhor;
A faça supérflua!
Em vez de serdes só livres, esforçai-vos
Por criar uma situação que a todos liberte
E também o amor da liberdade
Faça supérfluo!
Em vez de serdes só razoáveis, esforçai-vos
Por criar uma situação que faça da sem-razão dos indivíduos
Um mau negócio!
Bertold Brecht, Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas
Tradução de Paulo Quintela
Conquista
Livre não sou, que nem a própria vida
Mo consente.
Mas a minha aguerrida
Teimosia
É quebrar dia a dia
Um grilhão da corrente.
Livre não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
Que se afogou e flutua
Entre nenúfares de serenidade
Depois de ter a lua!
Miguel Torga, Cântico do Homem
Liberdade
Que bom é ser livre e poder exprimir o que me vai na alma,
ser o que sou e o que posso ser, pela simples razão de o ser,
ser a caneta de um poeta, e escrever sem medir as palavras,
ser as asas de um condor, e percorrer o mundo sem fronteiras,
ser o sol que se levanta,
ser as estrelas e a lua,
ser a guitarra de um cigano,
e encanto de mulher nua,
ser a água que bate nas rochas, e espalha sua brisa no ar,
ser um relógio de areia, sem ter inicio nem fim,
ser a canção de uma criança,
ser a mais bela melodia,
ser filho da liberdade,
ser tudo aquilo que queria.
Paulo Lourenço, Ramiro de Kali
O Último Negócio
Certa manhã
ia eu pelo caminho pedregoso,
quando, de espada desembainhada,
chegou o Rei no seu carro.
Gritei:
— Vendo-me!
O Rei tomou-me pela mão e disse:
— Sou poderoso, posso comprar-te.
Mas de nada lhe serviu o seu poder
e voltou sem mim no seu carro.
As casas estavam fechadas
ao sol do meio dia,
e eu vagueava pelo beco tortuoso
quando um velho
com um saco de oiro às costas
me saiu ao encontro.
Hesitou um momento, e disse:
— Posso comprar-te.
Uma a uma contou as suas moedas.
Mas eu voltei-lhe as costas
e fui-me embora.
Anoitecia e a sebe do jardim
estava toda florida.
Uma gentil rapariga
apareceu diante de mim, e disse:
— Compro-te com o meu sorriso.
Mas o sorriso empalideceu
e apagou-se nas suas lágrimas.
E regressou outra vez à sombra,
sozinha.
O sol faiscava na areia
e as ondas do mar
quebravam-se caprichosamente.
Um menino estava sentado na praia
brincando com as conchas.
Levantou a cabeça
e, como se me conhecesse, disse:
— Posso comprar-te com nada.
Desde que fiz este negócio a brincar,
sou livre.
Rabindranath Tagore, O Coração da Primavera
Tradução de Manuel Simões
A Solidão é Sempre Fundamento da Liberdade
A solidão é sempre fundamento
da liberdade. Mas também do espaço
por onde se desenvolve o alargar do tempo
à volta da atenção estrita do acto.
Húmus, e alma, é a solidão. E vento,
quando da imóvel solenidade clama
o mudo susto do grito, ainda suspenso
do nome que vai ser sua prisão pensada.
A menos que esse nome seja estremecimento
— fruto de solidão compenetrada
que, por dentro da sombra, nomeia o movimento
de cada corpo entrando por sua luz sagrada.
Fernando Echevarría, Sobre os Mortos
Quero dos deuses só que me não lembrem.
Quero dos deuses só que me não lembrem.
Serei livre — sem dita nem desdita,
Como o vento que é a vida
Do ar que não é nada
O ódio e o amor iguais nos buscam; ambos,
Cada um com seu modo nos oprimem.
A quem deuses concedem
Nada, tem liberdade
Ricardo Reis, Odes
(Heterónimo de Fernando Pessoa)
Anseios
Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha que cais!
Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quimeras irreais,
Não valem o prazer duma saudade!
Tu chamas ao meu seio, negra prisão!
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbres o brilho do luar!...
Não 'stendas tuas asas para o longe...
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela, a soluçar...
Florbela Espanca, Charneca em Flor
A escolha
Para a escolha dos poemas, comecei, em primeiro lugar, por pensar um tema
para que houvesse unidade neste meu dossiê. Após reflexão, concluí que só poderia
ser subordinado ao tema da Liberdade, quando existe tudo pode acontecer incluindo
voar ou pintar o céu de várias cores.
Recolhi poemas de autores que há muito conheci e aprendi a admirar, como
Fernando Pessoa, Sophia de Mello Breyner Andresen, e Miguel Torga.
Desconhecia, no entanto, a maioria e este foi o meu primeiro encontro com a maioria
dos poetas que para aqui trouxe.
Como não podia deixar de ser, estes poemas falam todos da liberdade, mas
sentida diferentemente. A liberdade, tanto é tratada como sendo fonte de prazer,
como sendo horizonte longínquo difícil de conquistar, ou como sendo estranha
pertença de outrem, e também como sendo um objectivo a perseguir e que pela rota
trilhada nos mostra como realmente somos e aquilo em que acreditamos.
Por último, mas não menos importante, a seleção destes poemas, além de ter
sido formada com base nos autores e na temática que pretendia, foi também feita
através da minha relação com os textos.
poema e ilustração
Liberdade”, de Fernando Pessoa, é, de todos, o poema com que mais me
identifico, foi o eleito para a minha ilustração.
Neste poema, o sujeito poético fala sobretudo na liberdade de escolha, e no
prazer que nos dá quando somos livres e tomamos as nossas próprias decisões.
Para mim, este desenho, mostra aquilo que sinto em relação a ser livre,
autónoma, sem preconceitos ou influências externas. Não é figurativo, é como a
liberdade, abstrato e diferente para todos. Ao caminhar com o pincel e as aguarelas,
deparei-me com o meu verdadeiro eu, com aquilo que sou, e tive que tomar
decisões, para as quais tive total liberdade. Não estava sujeita a regras, tinha
liberdade total para fazer os caminhos que quisesse, para expressar aquilo que
sentia.
Com esta ilustração pretendi também mostrar a inexistência de autolimites, a
única fronteira a que me submeto é a da criação, dar uso à liberdade e criar, ser
original.
O facto de este pequeno desenho começar por algo pequeno que depois se
expande através de um remoinho, tem como propósito mostrar que a liberdade não
nasce conosco, temos de lutar por ela, construi-la, através de escolhas e decisões.
Sítios consultados e usados como fontes do presente trabalho:
http://arquivopessoa.net/textos/2603 (março de 2012)
FIM