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MEMÓRIAS DO ESTÁDIO OLÍMPICO MARCELO FERLA MONUMENTAIS

Jogos monumentais

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Trecho do livro "Jogos monumentais - Memórias do Estádio Olímpico", de Marcelo Ferla

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JOGOS MONUMENTAIS

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MEMÓRIAS DO ESTÁDIO OLÍMPICO

MARCELO FERLA

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ISBN 978-85-60171-27-9

MONUMENTAIS

JOGOS M

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A sede do Grêmio Foot-ball Porto-Alegrense é, antes de tudo, o lar do seu torcedor. O verdadeiro gremista passou algumas horas de sua vida no Olímpico, repartindo o espaço com 

anônimos com quem divide uma grande paixão, vociferando por vitórias, 

descarregando em público as próprias derrotas, transformando sua vida em 90 minutos de esperança e fé, de gozo ou de dor. Uma torcida de futebol é uma 

soma de solidões abissais. Cada cabeça é uma sentença, uma certeza, um 

segredo, um refúgio, uma personalidade que se funde com tantas outras para 

formar uma massa humana uniforme em suas diferenças. Cada um com suas histórias. Em azul, preto e branco.

9 788560 171279

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JOGOS MONUMENTAISMEMÓRIAS DO ESTÁDIO OLÍMPICO

Marcelo Ferla

Porto Alegre • 2012

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© Marcelo Ferla, 2012

CapaHumberto Nunes

IlustraçõesHélio Devinar

RevisãoGiovana Villanova Maciel Tito Montenegro

Este livro foi licenciado pelo Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense.

Todos os direitos desta edição reservados a

ARQUIPÉLAGO EDITORIAL LTDA.Avenida Getúlio Vargas, 901/1604CEP 90150-003Porto Alegre — RSTelefone 51 3012-6975www.arquipelagoeditorial.com.br

F357j

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ferla, Marcelo, 1965- Jogos monumentais — Memórias do Estádio Olímpico /

Marcelo Ferla. — Porto Alegre: Arquipélago Editorial, 2012.

208 p. : il. ; 14x21cm.

ISBN 978-85-60171-27-9

1. Estádio Olímpico — Rio Grande do Sul. 2. Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense — Memórias. 3. Futebol — Histórias. I. Título.

CDU 796.332(816.5)(091)821.134.3(816.5)-94

(Bibliotecária responsável: Paula Pêgas de Lima — CRB 10/1229)

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AgradecimentosO autor agradece a Milton Kuelle e Antônio Carlos Ve-rardi, pelos preciosos depoimentos, ao generoso Carlos Eduardo Santos, que dividiu seu conhecimento sobre a Baixada, a Paulo César, Fábio e Christian, do Grêmio, aos funcionários do Memorial Hermínio Bittencourt, que preservam com zelo e amor a história do clube, e do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, que pre-servam com dedicação a história da comunicação do Rio Grande do Sul, e ao brilhante Hélio Devinar, que dividiu preciosos depoimentos sobre a Baixada, ajuda a preservar com amor a história do Grêmio e que é o autor de todas as ilustrações deste livro.

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Sumário

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Qual é a sua história? .............................................................................................. 10

PONTAPÉ INICIAL

Mostardeiro, 59 .............................................................................................................. 18

O estádio do futuro ................................................................................................... 34

BOLA ROLANDO

A primeira vez ................................................................................................................. 48

O Supercampeão .......................................................................................................... 58

O ponteiro iê-iê-iê ...................................................................................................... 70

O salto do Imortal ...................................................................................................... 82

Espora na chuteira ...................................................................................................... 100

Sangue azul ......................................................................................................................... 116

Atalho para a América .......................................................................................... 138

O Matador ............................................................................................................................ 152

O blues da vitória ......................................................................................................... 162

Contra todos ...................................................................................................................... 176

O peso da história ....................................................................................................... 190

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PRELIMINAR

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Qual é a sua história?Hugo jamais vai esquecer dos domingos do Estádio Olím-pico. No final da dourada década de 1950, ao mesmo tem-po em que acompanhava o desempenho do seu time, aco-modado na cadeira cativa que adquiriu em 1954, com o número 31 gravado no encosto, ele flertava com a jovem Susana, torcedora da cadeira quase ao lado, a 33 — para sorte do casal, o destino reservou a cadeira 32, que perma-necia vazia. Hugo e Susana casaram alguns anos depois, e desde que seu filho mais velho e meu amigo Luís Pedro me contou que os pais se conheceram nas cadeiras da ma-jestosa praça de esportes da Azenha, muitos anos antes de o clube cogitar a troca por uma nova casa, pensei numa forma de registrá-la para a posteridade.

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Estádios de futebol são uma usina de histórias reais que compõem o fantástico imaginário do esporte mais popular do universo. Os acontecimentos de dentro do campo de jogo são narrados e mostrados e analisados ao vivo e de-pois revistos em coberturas amplas com suas muitas câma-ras e lentes e microfones e opiniões. Transformam jogado-res em santos. O jogo invisível das arquibancadas é distante do grande público como um evento de massa, mas bem mais próximo de cada um de nós. Desenvolve-se dentro do coração do torcedor.

No livro Febre de bola, o britânico Nick Hornby relata a sua própria vida usando o calendário de jogos do Arse-nal como timeline. O protagonista das experiências mais emocionantes é o velho estádio de Highbury. O gremista que vivenciou pelo menos uma partida no mítico estádio da Carlos Barbosa, no bairro da Azenha, da cidade de Por-to Alegre, capital do Rio Grande do Sul, estado mais ao sul do continental Brasil, o maior país da América do Sul, tem combustível suficiente para contar boas histórias. Dois tempos de 45 minutos podem ser uma eternidade nas ar-quibancadas do planeta.

A sede do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense é, antes de tudo, o lar do seu torcedor. E de suas idiossincrasias e pontos de vista. Sentado no cimento frio com o pior ân-gulo do jogo ou nas poltronas estofadas dos lugares mais confortáveis, de pé por nervosismo ou por falta de espaço ou por superstição, o verdadeiro gremista passou muitas horas de sua vida no Olímpico, repartindo o espaço com anônimos com quem divide uma grande paixão, vocife-rando por vitórias, descarregando em público as próprias derrotas, transformando sua vida em 90 minutos de espe-

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rança e fé, de gozo ou de dor. Uma torcida de futebol é uma soma de solidões abissais. Cada cabeça é uma sentença, uma certeza, um segredo, um refúgio, uma personalidade que se funde com tantas outras para formar uma massa humana uniforme em suas diferenças. Cada um com suas histórias. Em azul, preto e branco.

A minha é mais ou menos assim: fui levado pela pri-meira vez ao Estádio Olímpico em um domingo, dia 7 de outubro de 1973, pelas mãos de meu pai, o Primo, que me fez tricolor, e assim foi feito pelo Vô Alcides, que tinha na porta de madeira azul do porão uma frase cravada acima da taramela: “Aqui Mora um Gremista”. Vi o Grêmio de Mazinho, o goleador da tarde, vencer o Vasco de Andrada, o argentino que levou o gol mil de Pelé, por 1x0. Foi um gol de cabeça, na goleira da Cascatinha, que recordo com exa-tidão apesar da visão parcialmente obstruída pelo torcedor da minha frente, que carregava um daqueles rádios Mo-torola de ondas médias, curtas e todas as muitas e mais que caberiam em seu tamanho extra-GG alimentado por pilhas gigantes da Eveready — ou seria Ray-o-Vac?

Muitos anos depois, mais ou menos no mesmo lugar, sentado na cadeira G-98, com meu nome completo gra-vado, levei meu pai para assistirmos a classificação do Grê-mio às semifinais da Libertadores de 2007. Foi nos pênaltis, mas não haveria roteiro capaz de conceder um final infeliz àquela noite de comemoração familiar: o Primo estava fes-tejando seus 70 anos. Eu lembro de ver o Grêmio despachar o Ceará com o gol de Nildo e ser bicampeão da Copa do Brasil e sair para comemorar com o Jorge, meu irmão mais velho. E vi muitos jogos ao lado da Marcia, minha irmã mais nova, e do Luca, meu sobrinho, que convenceu o Vi-

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tor, pai dele, a se tornar gremista, na clássica máxima do “de pai para filho”, só que ao contrário.

E eu vi a maior parte dos jogos com grandes amigos. Com o Zico eu corri em direção à mureta do fosso, no mesmo lugar em que, anos depois, a Geral inventou a ava-lanche, embebido de conhaque (nos bons tempos em que era possível beber conhaque nos estádios), para comemo-rar um gol de Gilson Cabeção contra o Flamengo. Com o Chico eu ouvi uma jovem garota perguntar, depois de um gol sofrido pelo Grêmio, com voz meiga e semblante angelical: “Mas não foi falha do Danrlei, né?”. Com o Dani e o Béco e o Luiz vi a maior parte das vitórias dos anos de 1990. Com o Carlos Eugênio assisti Rodrigo Fabri mar-car três gols em um único jogo e quase despencamos das arquibancadas de alegria. Com o Eduardo, que acha que futebol-arte é coisa de veado, assisti uma porção de parti-das bem a seu gosto, rudes e truncadas, mas sem perder a ternura do futebol. Com o Mauro, que mora em São Paulo, dividi um bocado de jogos por SMS, conectando o calor do Olímpico à sala do pay-per-view, e com o Mauro de Porto Alegre dividi alegrias e incertezas sob o céu de blues. Com o Zé Pedro, parceiro fiel dos últimos tempos do estádio, de olho clínico como cabe aos cineastas, ouvi elogios in-cansáveis ao potencial do Jonas quando ele era vaiado pelo resto da torcida — e não é que o Zé é que tinha razão?

Finalmente, resolvi contar aqui uma história que tra-duz com requinte a magia e os códigos pessoais dos está-dios de futebol em geral, e do Olímpico em particular: a do meu vizinho de cadeira. Por cerca de oito anos convivemos quase semanalmente nas vitórias e derrotas, análises e recla mações. Com o tempo eu sabia onde ele morava e a

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sua profissão, e onde passava as férias e a que turma per-tencia. De repente, me dei conta que não sabia como ele se chamava. Na prática porque nunca tinha perguntado, mas no fundo porque nenhum nome ou sobrenome ou apelido ou condecoração teria mais importância do que o fato de ele ser o meu vizinho de cadeira do Estádio Olímpico. Era mais do que suficiente.

No estádio que já nasceu democrático — porque o ne-gro mais emblemático do clube, Tesourinha, jogou na sua inauguração (e deu passes para outro negro, Vitor, mar-car os dois primeiros gols) —, onde os atletas do time que nunca perdia, montado por Foguinho, subiam e desciam as arquibancadas das sociais para ganhar forma e fôlego, o Grêmio concebeu seu futebol-força.

No gramado da Azenha, Aírton Ferreira da Silva se consagrou correndo até o escanteio do lado direito da de-fesa, girando o corpo, jogando a perna direita por trás da esquerda e atrasando a bola nas mãos do goleiro, de char-les. O zagueiro foi o primeiro grande craque da Era Olím-pico. E se a história conta que um dos pavilhões da Baixada foi usado como parte de seu pagamento junto ao Força e Luz, faz sentido supor que o clube não teria recursos para contratá-lo se não houvesse um novo estádio.

O Olímpico, da goleira da Carlos Barbosa e da golei-ra da Cascatinha, foi o palco dos desfiles de Gessy Lima, o craque-galã, que atraía para as arquibancadas a futura maior estrela da MPB, Elis Regina Carvalho Costa (desde 1962 matriculada sob nº 688 como sócia do seu time do coração), e dos gols toscos de Jardel, e dos tentos impos-síveis de Alcindo, e dos passes refinados de Sérgio Lopes, e dos desarmes cirúrgicos de Roger, e das defesas de

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Danrlei, e do trio Tarciso, André e Éder, e da classe de Atí-lio Genaro Ancheta, e da eficiência de Valdo e seu Grêmio Show, e do time copeiro de Dinho & Goiano, e dos dribles desconcertantes do menino Dener, e da elegância de Ta-deu Ricci, e das cobranças de falta de Anderson Lima, e da dedicação de Iúra, O Passarinho. E de Loivo, que tinha um coração de leão.

Este livro não vai contar a história do estádio em si nem se propõe a lembrar cada um de seus ídolos — e muito menos vai adiante com as minhas lembranças. É uma obra que compila algumas memórias afetivas vivenciadas pelo torcedor do Grêmio nos últimos 58 anos, coletadas em jo-gos cruciais da vida do clube disputados em sua casa, sem entrar no mérito de se foram os mais importantes — mas certamente todos eles foram muitos significativos. Este é um livro de paixões e de recordações do gremista que, ao vibrar e pular e dispender sua energia para incentivar os atletas do seu clube, já foi herói, pelo menos por um dia, em algum setor do Olímpico — parafraseando o clássico de David Bowie.

Este é um livro recheado por momentos inesquecíveis. Mas tenho a obrigação de afirmar que a melhor história do Estádio Olímpico não estará aqui descrita. Esta, só você sabe qual é. Qual é a sua história?