Jornal Laboratório Zero - Especial Blumenau

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  • 8/7/2019 Jornal Laboratrio Zero - Especial Blumenau

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    Os 600 mm que derrubaram a cidadUm ano depois, poucos sinais de recuperao: apesar das aes da prefeitura, sobram escombros e improviso

    Falar sobre Blumenau falar de doiserodos diferentes, o antes e o depoisa tragdia de novembro do ano passa-o. Em especial, trs dias desse ms, 2123, as 72 horas em que choveu maisue o esperado para o ms inteiro. Acos-mada e preparada para lidar com en-

    hentes, a cidade nunca havia presen-ado deslizamentos to graves.Dos 135 bitos causados pelas chu-

    as em 16 cidades catarinenses, 24 fo-m em Blumenau nmero que so foi maior porque a Defesa Civil javia comeado a retirar pessoas das

    eas de risco semanas antes. Segundoprefeitura, 20 mil foram atingidas pe-s chuvas. Dessas, 5400 deixaram suasasas e caram em 63 abrigos monta-os em escolas, clubes e igrejas, e dezil famlias se cadastraram para rece-

    er auxlio nanceiro.Um ano depois, as consequncias

    os deslizamentos ainda podem ser vis-s em vrios pontos da cidade. Algunsarrancos j foram tomados por vege-o nova, e alguns lugares onde ruasteiras foram levadas pela terra ga-

    haram caminhos improvisados. Paraabalhar na preveno de novos desas-es, a Prefeitura de Blumenau tenta sedaptar. Criou a Diretoria de Geologia,ue analisa as reas de desmoronamen-

    para ver quais ainda oferecem risconoticar os moradores. Est conside-

    rando mudanas no plano diretor e nocdigo ambiental para priorizar a ver-ticalizao das construes e aumentara rea de proteo ambiental. Tambmformou a Central da Reconstruo, for-a-tarefa que pretende revisar os dezmil cadastros de atingidos para retirarpessoas de casas condenadas ou reasde risco.

    Criada em maio, a Central tem 20pessoas de diversas secretarias. At ago-ra, a equipe j fez dois mil relatrios decasas em reas de risco, sendo que 60%j estavam destrudas ou rachadas. A

    consultora da Central, Neusa Felizetti,que acompanhou de perto os trabalhosna poca das chuvas, diz que a priori-dade de quem precisa usar polticasde habitao, como o auxlio-aluguel,no valor de R$ 300, ou o uso das mo-radias provisrias. A Central tambmpossui um trabalho de monitoramentode reas de risco quando chove, poismuita gente no saiu de suas casasmesmo aps a condenao da rea. Noentanto, Neusa diz que a maioria temconscincia do perigo: Quando chove,eles saem e vo para casa de parente ouamigos.

    Uma stima moradia provisria foicriada em outubro deste ano, e outrasnove famlias j foram realocadas. Emum ano, as lembranas da tragdiaainda esto muito visveis, seja nos

    escombros encontrados na beira da es-trada ou nas sete moradias que aindaso o nico lugar que 324 famlias tmpara morar. Para Neusa, no h comodenir hoje quanto tempo Blumenaudemoraria para se recuperar: A cidadenunca mais ser a mesma. S daqui amais 150 anos de histria para saber.

    Geograa peculiarA enchente em Tubaro, em 1974,

    as fortes chuvas que alagaram o Valedo Itaja, em 1983, ofuraco Catarina, em

    2004. Nas ltimas qua-tro dcadas, pelo menosdez desastres naturaisde grandes proporesocorreram em SantaCatarina. Ao todo, forammais de 400 mortes ecerca de 650 mil pesso-as desabrigadas nessesepisdios. O ano de 2008se junta a eles, e traz umagravante: os desabamentos.

    Em Blumenau a histria tornou-secomum. Famlias que perderam tudonas enchentes de 1983 e 1984, decidi-ram reconstruir suas casas nos morros,como alternativa s cheias do rio Ita-ja. O municpio j estava preparadoe acostumado com as enchentes, o queningum esperava que a cidade viesse

    abaixo, explica Neusa Felizetti, con-sultora da Central de Reconstruo deBlumenau. Para especialistas, caracte-rsticas do solo e do relevo e condiesclimticas anmalas foram os respon-sveis pela tragdia.

    A regio sul do pas uma frontei-ra climtica, ou seja, rea que sofreinuncia de diversas massas de ar. Oencontro entre massas quente e friacausou precipitaes que se intensica-ram com a presena de um anticiclone

    que trazia umidade dolitoral. O Centro de In-

    formaes Ambientaise de Hidrometereolo-gia de Santa Catarina(Ciram/Epagri) espe-rava 180 milmetrosde chuva por ms. Masentre os dias 21 e 23de novembro, choveu200 milmetros pordia. Este era um anode La Nia, ou seja,

    esperava-se chover pouco. Com estacombinao excepcional de fatores,no foi possvel prever com muita ante-cedncia, justica o metereologista doCiram, Marcelo Martins.

    No municpio de Blumenau, houveainda outro agravante: o relevo. O soloda parte norte da cidade formadopelo complexo migmattico de Santa

    Catarina, um tipo mais estvel e comenos morros. J ao sul, a formapor rochas sedimentares do grupo Itaja faz com que o relevo seja maacidentado, e o solo de alta fragilidaSegundo Maurcio Pozzobon, da Direria de Geologia, os trs meses de chuininterruptas que antecederam o desatre enfraqueceram a terra, que sofretodos os movimentos possveis de macausados por gua. Esses movimensempre existiram e sempre vo existicidade se instalou em uma janela temporal em que no ocorreu nada [desl

    zamentos], mas 150 anos de histriapouco na escala geolgica, explica.Em novembro de 2008, Blumena

    ocializaria o Plano Municipal de Rduo de Riscos, um estudo geolgdo relevo da cidade, mas a cerimnfoi cancelada. Realizado atravs Ministrio das Cidades, o estudo ansou 17 reas ao longo de quatro anoa maioria ao sul da cidade, onde estas reas que o Ministrio considera sentamentos precrios: reas de bairenda, com ocupao ilegal, as masujeitas a riscos. As chuvas do mesms causaram deslizamentos em trmil pontos da cidade, 65% dos questavam nas reas pesquisadas.

    Ceclia Cussioli

    Letcia Arcoverde

    Deslizamentos surpreenderam famlias que,fugindo das enchentes,mudaram-se para os morros

    s chuvas abriram uma cratera no terreno da Escola Bsica Municipal Jlia Strzalkowska, no bairro Valparaso. Mesmo com a rea condenada pela Defesa Civil, moradores da regio qu

    Blumenau: reconstruo e viglia

    Textos: Ceclia CussioliLetcia ArcoverdePedro DellagneloSoa Franco

    Fotos: Pedro Dellagnelo Soa Franco

    Design: Andr Rodrigues Rafael Amaral

    Especial

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    Burocracia empaca primeiras obrasCom verba de doaes e crdito da Caixa, prefeitura espera construir 2 mil apartamentos para desabrigados

    A partir do ano que vem, quando asasas e apartamentos da reconstruoomearem a ser entregues em Blume-au, duas mil famlias podero por mo drama que se arrasta desde novem-ro de 2008. Com os R$ 8,2 milhese doaes repassados pelo governostadual em abril, a prefeitura com-rou dez terrenos para a construoas novas moradias. O nanciamentoos apartamentos ser realizado atra-s do programaMinha Casa, Minhada, da Caixa Econmica Federal, sob

    provao do cadastro da famlia desa-rigada. Para o melhor aproveitamentoo espao, a Secretaria de Habitao dounicpio, responsvel pela adminis-ao projeto, priorizou a verticaliza-o das reas. As obras foram iniciadasm apenas um dos terrenos e a primei-

    unidade, a ser entregue no prximoimestre, abrigar 160 famlias.

    Evandro Mayer, arquiteto da Se-etaria de Habitao, atribui o atrasoas construes burocracia e bus-a por reas adequadas. Tm que sercais passveis de habitao, com rea

    scriturada. Muitos terrenos da cidadesto localizados em reas de risco eo negociados com contratos de ga-eta [acordos rmados diretamententre as partes, sem diviso formal dorreno] explica. Quem determina aabilidade dos terrenos a Diretoria

    e Geologia, criada aps o desastre, queonta com o trabalho de trs tcnicos. A quipe trabalha na ampliao e atuali-ao do Plano Municipal de Reduoe Riscos, no estudo sobre a geologiae Blumenau realizado entre 2006 e008, sob encomenda do Ministrio dasidades. At agora, foram analisadasnco grandes zonas, onde j foramropostas demolies e interdies deasas. Maurcio Pozzobon, bilogo dairetoria, ressalta a importncia da

    nlise desses terrenos: A cidade temuas unidades, norte e sul, que tm ca-ctersticas completamente diferentes.oi feita uma avaliao em 17 grandeseas que, por ironia do destino, teve a

    presentao cancelada pelos desliza-entos em 2008. No novo programa,

    nalisaremos outras 35 macro reas.Depois de encontradas os locais

    ara construo, uma comisso devaliao do municpio inspeciona aompra antes de encaminhar os do-umentos de nanciamento Caixaconmica Federal. Enquanto isso,terreno decretado pela prefeitura

    omo uma Zona Especial de Interesseblico (ZEIS), para que determinadasgras de zoneamento da cidade pos-

    am ser ignoradas. Para reduzir o valornal e as prestaes de cada unidade,Secretaria de Habitao desmembra

    artes do terreno que no sero utili-adas devido ao seu relevo irregular. Ascitaes para a construo das obrasoram abertas em abril, mas apenas emetembro de 2009 as construtoras sele-onadas apresentaram os projetos dos

    ondomnios residenciais, aprovadosela Caixa em outubro.

    Mercado imobilirio

    Alm da burocracia, outro obstcu-lo encontrado para a viabilizao dosapartamentos foram as negociaescom os proprietrios dos terrenos, me-diadas pela prefeitura. Nada foi desa-propriado, mas o acordo no poderiaser o de mercado. Se um dono pedisseR$ 2 milhes pelo seu terreno, j invia-bilizaria a compra dos outros ponderaMayer. Ele relata que o desastre aumen-tou a especulao imobiliria no muni-cpio, fazendo com que o valor dos ter-renos e dos aluguis de imveis subissedrasticamente. Para Soraia Vasselai,delegada do Sindicato dos Corretoresde Imveis de Santa Catarina, o aqueci-mento do mercado imobilirio de Blu-menau se insere em um contexto na-cional de surgimento de programas decrdito para construo, como oMinhaCasa, Minha Vida. Entretanto, ela re-

    conhece que o desastre mexeu no preodos terrenos da cidade Em alguns lu-gares houve desvalorizao de at 30%,que foi compensada pela valorizao deoutras reas. Tinha investidor achandoque seu terreno valia ouro. O metroquadrado de algumas reas chegou asubir de R$ 10 para R$ 30 depois denovembro de 2008, mas Soraia acredi-ta que um ano aps os deslizamentos omercado est voltando normalidade.

    Atrasados, os novos complexos notm previso de implantao da infra-estrutura social necessria, como esco-las, creches, postos policiais e de sade.Mayer arma que o mapeamento paraessas reas algumas bastante distantesdo local de origem das famlias deveacontecer paralelamente construo,mas ainda no teve incio. A tcnica res-ponsvel pela Central de Reconstruo,Neusa Felizetti, avalia que a escolha daprefeitura por no desapropriar reasem regies mais favorecidas da cidadefoi poltica: mais fcil criar guetosque indisposio na cidade.

    No certo que todas as famliasdesabrigadas tero acesso ao nan-ciamento da Caixa, pois os critrios deavaliao doMinha Casa, Minha Vidaso extremamente rigorosos. Por serum banco, a Caixa visa o lucro. Tempessoas que perderam tudo no desas-

    tre, e no tm nenhum bem, por exem-plo, para dar de garantia, esclareceMayer. Mesmo com a entrega de doismil novos apartamentos prevista pelaprefeitura, o dcit habitacional da ci-dade de 20 mil pessoas, que j existiaantes da tragdia, no ser resolvido.O cadastro dos atingidos pelo desastreconta com cerca de dez mil pessoas,e cerca de outras dez mil vivem hojeem locais irregulares ou em situaode risco. Como muitas outras cidadebrasileiras, em Blumenau houve umaconcepo equivocada de ocupao.No d para resolver o problema deum dia para o outro, analisa Maur-cio Pozzobon.

    Soa Franco

    Pedro Dellagnelo

    Bairro Progresso250.000 m

    540 apartamentos

    airro Progresso5.200 m

    80 apartamentos

    Bairro Itoupavazinha6.200 m

    96 apartamentos

    Bairro Ponta Ag uda10.100 m

    144 apartamentos

    airro Itoupava Central5.600 m

    6 apartamentos

    Bairro Passo Manso7.600 m

    112 apartamentos

    Bairro Passo Manso20.400 m

    340 apartamentos

    airro Badenfurt7.800 m

    160 apartamentos

    Bairro Passo Manso14.000 m

    260 apartamentos

    airro Tribess54.500 m

    44 apartamentos

    airro Tribess5.700 m

    288 apartamentos

    Para onde f oram os R $8 milhes

    Com doaes repassadas pelo gover-no do estado, a prefeitura de Blumenaucomprou os terrenos para a construode moradias aos desabrigados. Os R$ 8,2milhes foram usados para a aquisio dedez reas espalhadas pela cidade, apsavaliao de uma equipe da Secretaria daHabitao e da Diretoria de Geologia paragarantir a segurana do solo.

    Os apartamentos sero nanciadosatravs do programaMinha Casa, Minha Vida da Caixa Econmica Federal.

    Por opo da prefeitura, nenhumterreno foi desapropriado, o que levou compra de zonas na periferia da cidade,muitas vezes sem a infraestrutura socialnecessria. Alguns desabrigados pode-ro, tambm, ser relocados para partes

    diferentes da cidade em relao a ondmoravam. Segundo Neuza Felizetti, csultora da Central da Reconstruo, esdeslocamento ir gerar um novo granproblema [de urbanismo].

    Atualmente apenas um dos prdiocom capacidade para 160 famlias no baro Badenfurt, comeou a ser construdotem previso de entrega para 2010.