177
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA MESTRADO EM HISTÓRIA LINHA DE PESQUISA: NORTE-NORDESTE MUNDO ATLÂNTICO JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E BAHIA (1759-1780) Recife 2018

JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIEcircNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA

MESTRADO EM HISTOacuteRIA

LINHA DE PESQUISA NORTE-NORDESTE MUNDO ATLAcircNTICO

JEacuteSSICA ROCHA DE SOUSA

NAS ROTAS DOS SERTOtildeES COMEacuteRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE

AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E BAHIA (1759-1780)

Recife

2018

JEacuteSSICA ROCHA DE SOUSA

NAS ROTAS DOS SERTOtildeES COMEacuteRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE

AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E BAHIA (1759-1780)

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade

Federal de Pernambuco como requisito parcial

para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em

Histoacuteria

Linha de pesquisa Mundo Atlacircntico

Orientadoar Profordf Drordf Suely Creusa Cordeiro

de Almeida

Recife

2018

JEacuteSSICA ROCHA DE SOUSA

NAS ROTAS DOS SERTOtildeES COMEacuteRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE

AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E BAHIA (1759-1780)

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade

Federal de Pernambuco como requisito parcial

para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em

Histoacuteria

Aprovada em 28022018

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Profordf Drordf Suely Creusa Cordeiro de Almeida (Orientadora)

Universidade Federal Rural de Pernambuco

_________________________________________

Profordm Dr Rocircmulo Luiz Xavier do Nascimento (Examinador Interno)

Universidade Federal de Pernambuco

_________________________________________

Profordf Drordf Jeannie da Silva Menezes (Examinador Externo)

Universidade Federal Rural de Pernambuco

AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de agradecer a meus pais Luacutecia e Risomar por terem sempre

escolhido investir na minha educaccedilatildeo apesar e acima de tudo Reconheccedilo e agradeccedilo

sinceramente o esforccedilo realizado por eles para que eu tivesse uma boa base educacional

Agradeccedilo ainda a eles e aiacute incluo tambeacutem minha irmatilde Amanda pelo apoio carinho e

incentivo ao longo desta jornada mesmo sem compreender muito bem as dinacircmicas do

universo acadecircmico eles sempre estiveram ao meu lado dispostos a ajudar no que fosse

possiacutevel

Ao meu namorado Flaacutevio meu principal entusiasta que esteve comigo e me apoiou

durante todo este processo Agradeccedilo por acreditar no meu projeto por vezes ateacute mais do

que eu por natildeo me deixar fraquejar e pelo constante incentivo para que eu me torne o melhor

que eu posso ser

Aos meus padrinhos Socorro e Carlos com os quais eu sempre pude contar

A minha querida orientadora Profordf Suely Almeida se nossos caminhos natildeo tivessem

se cruzado haacute alguns anos atraacutes natildeo sei se seria capaz de chegar ateacute aqui Suely tem sido meu

esteio acadecircmico sem ela tudo seria muito mais difiacutecil Meus sinceros agradecimentos pela

confianccedila construiacuteda ao longo desses anos de trabalho juntas e por ser essa figura humana

sempre preocupada com meu bem estar acima de qualquer prazo ou cobranccedila Pensar em

seguir a vida acadecircmica sem sua orientaccedilatildeo eacute uma ideia que ainda estou tentando digerir

Muito obrigada Su

A Josinaldo Sousa e Suzana Veiga meus companheiros de linha Ao primeiro meu

amigo da capitania anexa agradeccedilo pelo apoio dicas e apontamentos que contribuiacuteram e

muito para construccedilatildeo deste trabalho e por partilhar os aperreios e cobranccedilas tiacutepicos de

mestrandos Suzana menina da risada frouxa agradeccedilo por compartilhar sua experiecircncia e

dar suporte sempre que preciso Nossos momentos ldquotapioca com cafeacuterdquo poacutes-aula tornaram

todo o processo mais leve e tranquilo Sentirei saudades Aos meus colegas de orientaccedilatildeo

antigos e novos Raphael Luanna Mariely Jesanias e Marcelo eacute sempre bom trocar ideias

com vocecircs Aos demais colegas que o mundo atlacircntico me apresentou seja na UFPE ou na

UFRPE tambeacutem agradeccedilo

Agradeccedilo a professora Jeannie Meneses profissional e pessoa por quem nutro

profunda admiraccedilatildeo e carinho e que sempre esteve presente durante minha trajetoacuteria

acadecircmica se prontificando a ajudar no fosse necessaacuterio Obrigada pelas numerosas

contribuiccedilotildees feitas ao texto preliminar deste trabalho sobretudo as orientaccedilotildees quanto agraves

questotildees juriacutedicas

Ao professor Rocircmulo Xavier profissional que estimo e que tive o prazer de conhecer

no primeiro semestre do curso e que tambeacutem contribuiu com importantes recomendaccedilotildees

durante a qualificaccedilatildeo para construccedilatildeo deste texto final Aos demais professores do

PPGHUFPE com quem cursei disciplinas Marcus Carvalho George Cabral Joseacute Bento e

Cristiano Christillino tambeacutem agradeccedilo as contribuiccedilotildees diretas e indiretas

Aos meus amigos de graduaccedilatildeo que continuam me acompanhando e tornando menos

aacuterido o caminho Pedro Boguel Benvinda Ceci Polli Beto Sid e Deacutea obrigada pela

amizade e por entenderem minhas ausecircncias Agradeccedilo especialmente a Mirella e famiacutelia

Dona Maacutercia e Wagner por terem aberto seu lar para mim durante o periacuteodo que cursei as

disciplinas e pelo apoio e carinho que sempre recebi de todos eles

As minhas amigas de infacircncia Mariana Aretha Tuanny e Illyanna que hoje estatildeo

dispersas pelo mundo obrigada por se fazerem presentes mesmo na distacircncia

Agradeccedilo a Sandra e a Patriacutecia da secretaria do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Histoacuteria da UFPE pela competecircncia e disposiccedilatildeo em ajudar sempre que possiacutevel os alunos

Aos funcionaacuterios do arquivo do Instituo de Estudos Brasileiros - IEB da USP pela

solicitude com que me receberam e por me permitirem o acesso aos manuscritos originais

Ao Cnpq pela bolsa que tornou possiacutevel a realizaccedilatildeo deste trabalho

A todos que contribuiacuteram direta ou indiretamente na construccedilatildeo deste trabalho meu

muito obrigado

RESUMO

Nosso trabalho busca analisar o comeacutercio de mercadorias que se desenvolveu durante os anos

de 1759 a 1780 entre as capitanias de Bahia e Pernambuco Nosso marco cronoloacutegico inicia-

se em 1759 ano em que foi instalada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba detentora

do monopoacutelio comercial da regiatildeo A empresa criada na segunda metade do XVIII vinha

atender a uma nova ordem administrativa ligada agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila

que se buscou estabelecer em Portugal e que tinham por objetivo uma maior centralizaccedilatildeo do

poder real bem como um maior domiacutenio econocircmico sobre as conquistas e colocircnias O

monopoacutelio desenvolvido pela Companhia durante pouco mais de vinte anos veio alterar toda

uma loacutegica comercial que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco Nosso ponto de

anaacutelise parte da identificaccedilatildeo de que a partir da instalaccedilatildeo da Companhia Geral os locais iratildeo

buscar estrateacutegias de evasatildeo do controle reacutegio um desses meios de fuga seraacute o contrabando de

mercadorias realizado atraveacutes dos caminhos sertanejos que uniam Pernambuco e Bahia bem

como por meio da navegaccedilatildeo direta via Costa mariacutetima entre as capitanias vizinhas

Procederemos entatildeo a anaacutelise das rotas produtos casos e medidas repressivas empregadas

neste tipo de negoacutecio Antes da instalaccedilatildeo da Companhia as transaccedilotildees comerciais entre as

duas praccedilas jaacute existiam e estavam bem consolidadas no entanto a partir da criaccedilatildeo da

empresa esse comeacutercio acaba ganhando expressividade

Palavras-chave Contrabando Comeacutercio interno Rotas comerciais

ABSTRACT

Our work aims to analyze aspects of the trade in goods that were developed during the years

from 1759 to 1780 between the captaincies of Bahia and Pernambuco Our chronological

boundary begins in 1759 when the General Company of Pernambuco and Paraiacuteba was

installed holding the monopoly of the regionrsquos markets The company created in the second

half of the XVIII century was to attend to a new administrative order connected to more

pragmatic issues of governance sought to be established in Portugal which by its turn

aimed at a greater centralization of the royal power as well as a greater economic dominance

over the conquests and Colonies The monopoly developed by the Company for a little more

than twenty years changed a whole commercial logic which was already well established in

Pernambuco Our focus of analysis starts with the identification that since the creation of the

General Company the commercial sites would seek strategies to evade royal domain One of

these means of escape were the contraband of goods carried out mainly through the

hinterlands paths that linked Pernambuco and Bahia as well as through the direct navigation

via the marine coast shared by neighboring captaincies We will then proceed with an

analysis of the routes products cases and repressive measures employed in this type of trade

Before the creation of the Company commercial transactions between the two markets

already existed and were well established However since the creation of the company its

traded ends up gaining more expressiveness

Keywords Contraband Domestic trade Commercial routes

LISTA DE MAPAS

Mapa 1- Caminhos do Gado para Olinda e Recife 46

Mapa 2- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738) 47

Mapa 3- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738) 48

Mapa 4- Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 57

Mapa 5- Detalhe do roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 66

Mapa 6- Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766) 67

LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau

Amarelo) 76

Tabela 2- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia

(Sirinhaeacutem) 77

Tabela 3- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una) 80

Tabela 4- Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas 84

Tabela 5- Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos

portos do Brasil 85

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AHU ndash Arquivo Histoacuterico Ultramarino

ANTT ndash Arquivo Nacional da Torre do Tombo

IEB-USP ndash Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros

Cx ndash Caixa

D ndash Documento

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO12

2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO32

21 Contexto e conceitos32

22 Os caminhos43

3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE

PRODUTOS75

31 As mercadorias75

32 Os casos86

33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas127

4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA131

41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas131

42ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de

autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos144

43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70153

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS164

REFEREcircNCIAS167

APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS174

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

Em fins do seacuteculo XVII e iniacutecio do XVIII iraacute ocorrer em vaacuterias partes da Europa um

processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real Em Portugal esse movimento tem iniacutecio a

partir do reinado de D Joatildeo V naquele momento as consultas colegiais marca do governo

polissinodal iratildeo ceder espaccedilo para uma nova forma de organizaccedilatildeo baseada na centralidade

das decisotildees Dessa forma figuras que orbitavam ao redor do rei ganham notoriedade poliacutetica

e poder de influecircncia em assuntos decisoacuterios em detrimento dos conselhos Este periacuteodo de

mudanccedilas seraacute entendido como um encaminhamento lento e gradual de abandono de um

modelo de Estado corporativo para uma forma distinta de se conceber a poliacutetica a partir do

vieacutes da ldquorazatildeo de Estadordquo 1

De acordo com Subtil o governo de D Joatildeo V pode ser encarado como um reinado de

transiccedilatildeo2 a grande transformaccedilatildeo do sistema poliacutetico portuguecircs iraacute se operar apenas na

segunda metade do seacuteculo a partir da nomeaccedilatildeo de Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Melo ndash

Conde de Oeiras o futuro marquecircs de pombal para o cargo de primeiro ministro do reino

durante o reinado de D Joseacute I O terremoto seguido dos incecircndios e da grande onda que

assolaram a capital lisboeta no ano de 1755 tiveram impacto sob a organizaccedilatildeo poliacutetica e

administrativa do reino tornando necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que assegurassem o

exerciacutecio da governaccedilatildeo real dentro de um quadro de caos3

Sob a influecircncia do iluminismo que se disseminava por toda a Europa o Estado

portuguecircs iraacute desenvolver um conjunto de reformas poliacuteticas e fiscais que buscavam combater

o atraso econocircmico do reino que passava por uma queda na produccedilatildeo do ouro brasileiro4middot

Dentro desse contexto foram postas em accedilatildeo poliacuteticas com o intuito de revitalizar o comeacutercio

portuguecircs Na capitania de Pernambuco importante polo econocircmico da conquista essas accedilotildees

seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois organismos reguladores da economia local

a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio criado no ano de 1752 e a Companhia

Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759

1 BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da

monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima

(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro

Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 353-334 2 SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa EDIUAL2007 p 17-21

3 Ibidem P 11-14

4 BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia das letras 2002 P

195

13

A ideia da criaccedilatildeo de companhias privilegiadas de comeacutercio que poderiam dar aliacutevio

as despesas do Estado servindo para ampliar os negoacutecios da Coroa por meio de uma poliacutetica

de maior arrecadaccedilatildeo fiscal 5 figurava nas ambiccedilotildees de Pombal muito antes do secretaacuterio

ganhar relevacircncia poliacutetica Em seu primeiro cargo como enviado extraordinaacuterio da Corte

portuguesa na Inglaterra Sebastiatildeo de Carvalho enviou em 1742 para o Cardeal Mota

proposta de criaccedilatildeo de uma Companhia Oriental para o comeacutercio da Iacutendia que teria por

objetivo ldquotirar proveito das possessotildees portuguesas da Iacutendia que tanto custavam manterrdquo 6

De acordo com o historiador Kenneth Maxwell o marquecircs buscou resgatar o ldquocontrole

nacional sobre todas as riquezas que fluiacuteam para Lisboardquo 7 se utilizando de foacutermulas que havia

tomado conhecimento sobretudo na Gratilde-Bretanha e na Aacuteustria Natildeo eacute de se espantar

portanto que tempos depois Pombal tenha posto em praacutetica no Brasil tal ideia durante o

governo de D Joseacute I quando o mesmo passou a exercer o papel de secretaacuterio de Estado e

negoacutecios do Reino

Dentre as companhias comerciais criadas pelo marquecircs ao longo desse periacuteodo

destacam-se A Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo no ano de 1755 a Companhia da

Agricultura das Vinhas do Alto Douro em 1756 A Companhia Geral de Pernambuco e

Paraiacuteba no ano de 1759 e por fim a Companhia das Pescas Reais do Reino do Algarve em

1773 Estas Companhias compartilhavam entre si princiacutepios gerais similares em termos

juriacutedicos e administrativos apesar de cada uma delas conter suas peculiaridades

Vale destacar ainda que aleacutem das Companhias que de fato saiacuteram do papel existiram

vaacuterios outros planos de constituiccedilatildeo de empresas privilegiadas que por um ou outro motivo

natildeo caminharam pra frente Para Pernambuco desde o governo de D Joatildeo V existiam

pretensotildees de se fundar uma Companhia que atuasse exclusivamente no trato negreiro 8 Esta

empresa seria controlada pelos mercadores da terra deixando pouco espaccedilo para atuaccedilatildeo dos

homens de negoacutecio do Reino e tambeacutem dos comerciantes baianos natildeo existia a intenccedilatildeo de

integrar os homens de negoacutecio baianos a tal corporaccedilatildeo O projeto da Companhia tinha como

5JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de Pernambuco

e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 74 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo

da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e

sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-

camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013 P 1 6MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas de Joseacute Barreto

Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII 7 MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz e Terra 1996 P

95 8 JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 77

14

objetivo aumentar o comeacutercio que jaacute se praticava com as aacutereas africanas de Angola Benguela

Cabinda e Ajudaacute favorecendo dessa forma o aumento da entrada de escravos na capitania 9

Em conjunto a esta proposta os comerciantes de Pernambucano lanccedilaram outra ao

Reino a da criaccedilatildeo de uma Companhia destinada a explorar o comeacutercio de carnes secas e

couros do sertatildeo ou seja uma companhia voltada para o comeacutercio interno com finalidade de

aumentar a produccedilatildeo colonial Os colonos sabiam da boa disposiccedilatildeo do Reino na criaccedilatildeo de

companhias quando encaminham suas propostas o que lhes eacute omitido eacute que Pombal jaacute

pensara a criaccedilatildeo de uma companhia para a regiatildeo no entanto tratava-se de uma companhia

que privilegiasse os comerciantes reinoacuteis e natildeo o contraacuterio como pretendiam os comerciantes

de Pernambuco Motivo pelo qual nenhuma das duas propostas vingou 10

De acordo com Fernando Novais eacute durante o consulado pombalino que iraacute se

estruturar de maneira mais abrangente a economia mercantilista de Portugal A essecircncia

econocircmica por traacutes da criaccedilatildeo das Companhias exclusivistas baseava-se em uma foacutermula jaacute

bem conhecida na Europa moderna onde o Reino concedia privileacutegios ao capital particular

para que esse investisse e sustentasse o sistema de comeacutercio e navegaccedilatildeo dos complexos

imperiais ultramarinos restando claro uma parte dos lucros para a fazenda de Sua Majestade

11

Junto a esse processo de mudanccedilas econocircmicas inicia-se tambeacutem um periacuteodo de maior

preocupaccedilatildeo com a defesa do territoacuterio a partir da criaccedilatildeo de ldquolinhas de definiccedilatildeo territorial e

preservaccedilatildeo das fronteirasrdquo 12

Essa poliacutetica esteve relacionada tambeacutem com a tentativa do

Reino de minimizar a atuaccedilatildeo de mercadores estrangeiros nos mercados do conjunto imperial

portuguecircs A fundaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba aleacutem de atender a

loacutegica econocircmica do periacuteodo esteve ligada a necessidade de se coibir o comeacutercio da capitania

Pernambucana com os portos africanos da Costa da Mina O comeacutercio de resgate de escravos

na Costa da Mina constituiacutea-se em uma importante e lucrativa rota para os comerciantes de

Pernambuco e Bahia que dominavam e disputavam este setor mercantil para aquela regiatildeo

deixando pouca ou nenhuma brecha para a inserccedilatildeo da Coroa 13

9 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso

internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 7 10

Ibdem p 8 JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 80 11

NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo

Hucitec 1995 P 136 12

Idem 13

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre

Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 P35

15

Esta situaccedilatildeo eacute evidenciada atraveacutes de instruccedilatildeo enviada para o Marquecircs de Valenccedila

pelo secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro em 1779 Ela

esclarece sobre os ldquograviacutessimos inconvenientes ao Reinordquo 14

de abandonar inteiramente o

comeacutercio da ldquoCosta da Mina nas matildeos dos Americanosrdquo 15

e em particular ldquoaos habitantes da

Bahia e Pernambucordquo 16

que segundo a fonte navegavam com ampla liberdade comercial em

todos ldquoos portos daquele continenterdquo 17

Os comerciantes do Reino inclusive careciam de

ldquoprivileacutegios graccedilas ou isenccedilotildees para que na concorrecircncia com os Americanos na Aacutefricardquo 18

pudessem ter os lusos como se espera que a capital e seus habitantes tivessem a preferecircncia

nas transaccedilotildees em relaccedilatildeo a suas colocircnias19

A instruccedilatildeo demonstra o pouco controle do Reino sobre os negoacutecios entre Brasil e

Costa da Mina principalmente porque desde 1637 os holandeses aleacutem de outras aacutereas no

continente africano controladas por Portugal dominavam o Castelo de Satildeo Jorge da Mina

Um dos maiores problemas deste comeacutercio eram os produtos levados do Brasil e que se

empregavam nas compras de escravos daquela regiatildeo ouro e tabaco Na tentativa de superar

essa barreira e exercer maior controle sobre a regiatildeo o governo portuguecircs passou a promulgar

uma seacuterie de leis alvaraacutes e regimentos tentando coibir este comeacutercio tatildeo prejudicial ao Eraacuterio

Reacutegio 20

No entanto todas as medidas empreendidas natildeo se mostraram suficientes para conter o

grande e generalizado contrabando praticado na regiatildeo Excluiacutedos do processo e frustrados em

suas tentativas de coibiccedilatildeo da traficacircncia os portugueses buscaram novas formas de controle

que tinham como principal objetivo o redirecionamento do comeacutercio humano para os portos

de Angola que por ser tratar de uma conquista portuguesa contava com um maior nuacutemero de

funcionaacuterios e aparato fiscalizador 21

Nesse cenaacuterio eacute pensada a criaccedilatildeo de uma Companhia privilegiada para operar em

Pernambuco atuando de acordo com as prerrogativas reais o comeacutercio de escravos praticado

14

Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo General da

Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V XXXII1910 p 442 15

Idem 16

Idem 17

Idem 18

Idem 19

Idem 20

SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da Mina e a Capitania de

Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo

em Histoacuteria Setor de Ciecircncias Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute 21

Ibidem P 86

16

por ela deveria priorizar as rotas com a Aacutefrica Centro-Ocidental 22

dessa forma acreditavam

as autoridades que metade do problema do contrabando estaria resolvido restando ainda

resolver a questatildeo na capitania baiana O capital inicial previsto para a empresa era de

3400000 cruzados e as accedilotildees poderiam ser pagas com dinheiro gecircneros ou navios

Diante das dificuldades encontradas para compor o capital da empresa que ateacute o ano

de 1774 contava com acionistas que ainda natildeo tinham integralizado o valor total de suas

accedilotildees a Coroa recorreu em auxiacutelio concedendo-lhe empreacutestimos a juros de 4 ao ano 23

A

Companhia foi fundada oficialmente atraveacutes de alvaraacute reacutegio do ano de 1759 mas a primeira

frota soacute sairia um ano mais tarde Com o objetivo de fazer prosperar a agricultura da regiatildeo de

Pernambuco fornecendo um suprimento regular de matildeo-de-obra escrava bem como atuando

na compra e exportaccedilatildeo dos produtos coloniais e transportando atraveacutes de frotas regulares as

mercadorias do Reino para a regiatildeo 24

O monopoacutelio sobre a compra e venda de produtos nas capitanias de Pernambuco e

Paraiacuteba e todos seus distritos teriam a duraccedilatildeo de vinte anos podendo apoacutes esse prazo ser

estendido por um periacuteodo de dez anos Os produtos transportados de laacute praacute caacute foram os

manufaturados envolvendo ferramentas variados tipos de utensiacutelios gecircneros alimentiacutecios

medicamentos e escravos De caacute praacute laacute accediluacutecar cacau madeiras algodatildeo corantes tabaco

couro e atanados e variadas especiarias As trocas se davam em Bissau Cacheacuteu Cabo Verde

Costa da Mina Angola Madeira Accedilores e alguns portos da Iacutendia e da Aacutesia 25

Quanto a sua gestatildeo a empresa era composta por uma junta administrativa sediada em

Lisboa e formada por provedor 10 deputados um secretaacuterio e trecircs conselheiros Possuiacutea duas

sedes subalternas uma em Pernambuco e outra na cidade do Porto contavam na direccedilatildeo cada

uma com um intendente e seis deputados Aleacutem das duas diretorias e da sede a Companhia

possuiacutea ainda administraccedilatildeo ou procuradoresrepresentantes na Paraiacuteba Rio de Janeiro Bahia

Fayal e Satildeo Miguel 26

22

A Companhia tambeacutem operou na rota PernambucoCosta Da Mina no entanto o maior fluxo da atividade

negreira durante o periacuteodo da sua operaccedilatildeo esteve direcionada para os portos Angolanos O comeacutercio com a

Costa da Mina natildeo chegou a desaparecer mas perdeu significativa relevacircncia neste periacuteodo Sobre isto ver

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de Op Cit 23

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 92 -93 24

DIAS Eacuterika Op Cit p 17 25

Idem 26

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro P 83-86

17

Como podemos observar o engajamento de Portugal com as Companhias privilegiadas

se daraacute de forma efetiva a partir do governo de D Joseacute I e da administraccedilatildeo pombalina 27

Estas empresas foram pensadas e criadas para atuarem junto a uma seacuterie de outras medidas

racionalizadoras da economia portuguesa Apesar das circunstacircncias peculiares que levaram a

criaccedilatildeo de cada uma das Companhias em todos os casos ela esteve relacionada com a

necessidade de regulaccedilatildeo do comeacutercio seja para inibir a atuaccedilatildeo do contrabando a

participaccedilatildeo de comerciantes estrangeiros ou simplesmente a fim de canalizar de maneira

mais eficaz os lucros do comeacutercio colonial para a metroacutepole

Para natildeo nos restringirmos apenas a exemplos da Ameacuterica Portuguesa e a tiacutetulo de

comparaccedilatildeo bibliograacutefica faremos um paralelo com a Companhia Guipuzcoana de Caracas

Os caminhos que levaram a criaccedilatildeo da Companhia Venezuela satildeo bastante similares ao caso

portuguecircs A Espanha assim como Portugal demorou a se lanccedilar no empreendimento das

Companhias privilegiadas apesar do Reino jaacute ter tomado ciecircncia que o sistema de frotas

adotado ateacute o XVII era incapaz de assegurar a hegemonia da Coroa sobre suas colocircnias e de

jaacute haver planos para constituiccedilatildeo de sociedades exclusivistas estas soacute tomaram corpo no

XVIII 28

Sofria entatildeo os domiacutenios ultramarinos com o comeacutercio de contrabando praticado por

diversos paiacuteses sobretudo por ingleses franceses e holandeses A guerra de sucessatildeo ao trono

espanhol acabou por maximizar a penetraccedilatildeo de naccedilotildees estrangeiras nos mercados espanhoacuteis

da Ameacuterica os franceses chegaram mesmo a monopolizar o comeacutercio de abastecimento em

algumas regiotildees Esse processo foi possiacutevel devido ao isolamento em que se encontrava a

metroacutepole de suas colocircnias dado o estado de guerra na Europa 29

Outra medida que iraacute refletir negativamente na economia reinol seraacute a praacutetica do

comeacutercio direto entre as colocircnias espanholas isto porque durante os longos periacuteodos em que

27

Apesar do Reino de ter criado outras Companhias ao longo do seacuteculo XVII estas natildeo obtiveram resultados

expressivos economicamente Esse tipo de estrutura bem como a adesatildeo definitiva de Portugal as Companhias

privilegiadas soacute iraacute se estabelecer no seacuteculo XVIII a partir do reinado de D Joseacute I junto a um grande esforccedilo

Portuguecircs para recuperaccedilatildeo da sua economia Vale salientar que neste momento outras naccedilotildees europeias jaacute

buscavam novas formas de dinamizar seus negoacutecios e findavam a atuaccedilatildeo de boa parte de suas Companhias

exclusivistas Na Inglaterra a revoluccedilatildeo industrial comeccedilava a dar seus primeiros passos o regime de

exclusivismo jaacute natildeo atendia mais as necessidades daquele tipo de economia que agora necessitava de novos

mercados consumidores Essa divergecircncia de tendecircncias econocircmicas iraacute gerar uma seacuterie de conflitos entre os

Estados europeus ao longo do XVIII Sobre isto ver NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do

antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo Hucitec 1995 28

Sobre isto ver MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la

defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los

reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones

Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P 9-52 2006 29

Idem

18

o Reino esteve envolto nas disputas beacutelicas europeias os colonos agindo por conta proacutepria

afastados da tutela da Coroa desenvolveram redes comerciais internas deixando a Espanha

fora dessas negociaccedilotildees De acordo com os dados trabalhados pelo historiador Ricardo

Cierbide Martinera ldquoentre 1706 y 1724 no salioacute para Venezuela barco algunordquo 30

vindo do

Reino

Com a ascensatildeo de Felipe V ao trono o Reino espanhol se encaminhou para um

processo de mudanccedilas que levou a uma maior centralizaccedilatildeo do poder real e uma maior

racionalizaccedilatildeo do estado e das financcedilas incluindo a ampliaccedilatildeo do domiacutenio econocircmico sobre

suas conquistas no Atlacircntico Sul Devido agrave debilidade de controle sobre o comeacutercio

americano a ideia de criaccedilatildeo de Companhias privilegiadas inspiradas nos modelos praticados

em Franccedila e Inglaterra surge como alternativa possiacutevel para retomada do poder sobre

determinadas aacutereas

Uma das grandes preocupaccedilotildees da Coroa dizia respeito ao vultoso contrabando

praticado em seus domiacutenios A escolha pela Venezuela se deu pelo fato da colocircnia jaacute ter uma

consideraacutevel experiecircncia no cultivo e comeacutercio do cacau o fruto como explicita o historiador

Carlor Manrique era um importante produto de consumo dos mercados europeus e a regiatildeo

de Caracas jaacute havia ganhado fama pelo seu insumo de boa qualidade Dessa forma ldquolos

monarcas espantildeoles teniacutean muy presente la necesidad de volver a ejercer control sobre esta

proviacutenciardquo 31

usufruindo dos lucros de tal setor

Nasce assim em 1728 a Companhia de Comeacutercio de Caracas conhecida tambeacutem como

Companhia Guipuzcoana de Caracas Entre seus principais objetivos estavam o de suprir a

demanda metropolitana de cacau produto no qual a Companhia exerceria monopoacutelio e

defender as costas da regiatildeo dos contrabandos e da presenccedila militar de outras naccedilotildees

europeias Aleacutem disso a empresa tambeacutem incentivava o cultivo de novas plantaccedilotildees a

criaccedilatildeo de gados o cultivo do tabaco de plantas tintoras entre outras coisas 32

Com a criaccedilatildeo da Companhia a proviacutencia se torna a mais rentaacutevel para a Coroa

ademais o problema com o contrabando diminuiu consideravelmente O ecircxito da empresa

animou tanto o Reino que fez com que este posteriormente fundasse outras companhias para

atuar em diferentes aacutereas de seu Impeacuterio Ultramarino Mas a empresa natildeo agradou a todos A

30

CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en Venezuela durante el

siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997 P 66 31

MANRIQUE Carlos Alberto MurgueitioOp Cit P 13 32

CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit P 70

19

monopolizaccedilatildeo do comeacutercio de cacau iraacute causar grande descontentamento nas populaccedilotildees

locais que jaacute estavam bem habituadas a praacutetica do livre comeacutercio 33

A supressatildeo do livre comeacutercio a partir da fundaccedilatildeo de Companhias exclusivistas de

maneira geral ocasionaraacute uma seacuterie de criacuteticas por parte das povoaccedilotildees locais no caso das

Companhias Pombalinas natildeo seraacute diferente As queixas representaccedilotildees e insurreiccedilotildees foram

uma maacutexima comum nas empresas monopolistas portuguesas deste periacuteodo os protestos

grosso modo questionavam tanto o exclusivo comercial praticado pelas empresas como a maacute

atuaccedilatildeo das administraccedilotildees locais como veremos adiante

Durante a atuaccedilatildeo da Companhia Venezuelana os motins e revoltas foram frequentes

Isto porque o modelo protecionista adotado pela Companhia acabou por beneficiar o mercado

metropolitano em detrimento do colonial que perdeu focirclego As baixas no preccedilo do cacau e

de outras mercadorias base da economia local aleacutem da forma como a Companhia conduzia

seus negoacutecios pagando aos fornecedores locais em produtos ndash relatados pelos locais como de

maacute qualidade - e natildeo em dinheiro acabaraacute por levar a ruiacutena muitos produtores 34

A situaccedilatildeo

para os comerciantes da Praccedila tambeacutem natildeo era muito satisfatoacuteria estes amargaram muitos

prejuiacutezos com a praacutetica monopolista

Em 1751 tem iniacutecio uma grande insurreiccedilatildeo popular lidera por Juan Francisco de

Leoacuten que convoca o povo a declarar guerra contra a Companhia O movimento que comeccedila

como um ato de contestaccedilatildeo contra o monopoacutelio da empresa acaba ganhando forccedila e se

transforma em um ato de insurreiccedilatildeo contra o poder metropolitano A pauta dos revoltosos

girava em torno da ldquoescasez constante de artiacuteculos como ropas frutos y efectos de Espantildea el

elevado precio de las mercanciacuteas la extraccioacuten sectorizada de ciertos productos como el

cacao y el tabaco y el rechazo frente a otros como el corambre ()rdquo 35

Durante o motim os

insurretos contaram com a ajuda da Holanda que interessada em reestabelecer antigas

relaccedilotildees comerciais forneceu armamentos e municcedilotildees em troca de cacau

A revolta seraacute suprimida no ano seguinte 1752 no entanto seus efeitos tiveram

impacto sob a Companhia que paulatinamente foi perdendo privileacutegios e benesses

anteriormente concedidas pela Monarquia Espanhola Devido agrave guerra que se desenrolava

entre as naccedilotildees europeias naquele momento a Coroa opta por natildeo entrar em conflito direto

33

Ver CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit 34

MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la defensa del comercio

Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V

Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad

Catoacutelica Andreacutes Bello P 19 35

Ibidem P 20

20

com suas colocircnias De acordo com Carlos Manrique a insurreiccedilatildeo colocou em cheque os

poderes absolutos do monarca ldquoAl no defender a la Compantildeiacutea y al dejar avanzar los reclamos

de los colonos cimentaba las bases del colapso de su iniciativa centralizadora dejando a

merced del contrabando al mercado venezolanordquo 36

Devido a uma seacuterie de mudanccedilas ocorridas na Europa apoacutes a Guerra dos Sete Anos e a

conquista da independecircncia das antigas colocircnias inglesas na Ameacuterica o Reino Espanhol com

a ascensatildeo de Carlos III tomou novas direccedilotildees poliacutetico-administrativas A estrateacutegia mudara a

poliacutetica protecionista jaacute natildeo se adequava ao novo contexto econocircmico europeu que

apresentava naquele momento uma Inglaterra fragilizada A Espanha sabiamente se aproveita

dessa brecha para criar laccedilos comerciais com as antigas colocircnias britacircnicas e fortalecer seu

Impeacuterio Assim em 1778 Carlos III expede o decreto de livre comeacutercio extensivo as colocircnias

do Ultramar Algum tempo depois em 1781 a Companhia Guipuzcoana encerra

definitivamente suas atividades 37

Os casos das Companhias atuantes na Ameacuterica portuguesa seguem contornos bem

similares aos da Ameacuterica Hispacircnica A criaccedilatildeo da Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo que

teve sua fundaccedilatildeo associada agrave tentativa da Coroa de otimizar a administraccedilatildeo e comeacutercio da

regiatildeo mais ao Norte da Ameacuterica 38

por exemplo iraacute motivar uma seacuterie de protestos no

Reino Estes protestos foram encabeccedilados pelos deputados da Mesa do Espiacuterito Santo dos

Homens de Negoacutecios de Lisboa que questionavam a nocividade da concessatildeo do monopoacutelio

por uma escala de tempo tatildeo grandiosa ndash vinte anos - a reaccedilatildeo de Pombal seraacute agressiva 39

A

crise iniciada pelos principais homens de negoacutecio de Lisboa foi encarada pelo Marquecircs como

um crime de lesa majestade e seus autores sofreram puniccedilotildees severas 40

No Caso da Companhia de vinhas do Alto Douro empresa criada em um momento de

crise enfrentada pelo setor e que tinha como principal objetivo atender ao desejo do Reino de

retirar tal ramo comercial das matildeos dos mercadores ingleses que ateacute entatildeo dominavam aquele

setor deixando pouca brecha para inserccedilatildeo dos comerciantes portugueses 41

as manifestaccedilatildeo

36

Ibidem P 21 37

Ibidem P 26-28 38

Sobre isto ver CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e

Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 39

Ibidem P 37 40

Boa parte dos envolvidos foi desterrada para domiacutenios ultramarinos do Reino por tempos distintos de acordo

com a sua parcela de participaccedilatildeo no evento 41

Sobre isto consultar CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do

Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 SOUSA Fernando de O Marquecircs

de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757)

21

contraacuterias ao empreendimento comeccedilaram antes mesmo de sua fundaccedilatildeo Ainda no ano de

1756 comerciantes ingleses e seus representantes buscaram sabotar de diversas formas a

criaccedilatildeo da Companhia Esses grandes homens de negoacutecio com seu poder de influecircncia

conseguiram angariar outros comerciantes e produtores para sua causa sendo assim em

agosto de 1756 eram apenas 14 o nuacutemero de comerciantes e lavradores interessados no

projeto Pombalino 42

Aleacutem dos jaacute citados outros profissionais que atuavam no setor se sentiram lesados

com a formaccedilatildeo da Companhia e tomaram parte nos motins contraacuterios a instituiccedilatildeo da

sociedade mercantil 43

Cabe ressaltar que ateacute mesmo parte da populaccedilatildeo endossou o corpo

dos motins uma vez que a empresa cessaria com a liberdade com que se praticava a escolha e

compra de vinhos para consumo pessoal Todo esse descontentamento iraacute levar aos famosos

motins do Porto no ano de 1757 44

Nesta situaccedilatildeo age tambeacutem Pombal com violecircncia poucos dias depois da revolta eacute

aberta uma devassa para investigar os culpados A cidade eacute tomada por tropas recaindo sobre

os habitantes locais o peso de sua sustentaccedilatildeo O cargo de procurador do povo eacute extinto e os

vereadores da Cacircmara satildeo retirados de seus postos o futuro marquecircs jaacute natildeo confiava nestes

homens As penas entre os considerados culpados cerca de 460 indiviacuteduos variaram entre

pena capital degredo accediloite galeacutes confiscaccedilatildeo de bens penas pecuniaacuterias e palmatoadas 45

A Companhia das Pescas Reais criada devido agrave intenccedilatildeo da Coroa em ampliar as

atividades baleeiras no litoral da Ameacuterica Portuguesa natildeo contou com nenhum movimento

local de contestaccedilatildeo de seu monopoacutelio durante sua gecircnese no entanto Marcelo Paz

demonstra que foram duas as ondas reivindicatoacuterias a questionar a forma de atuaccedilatildeo da

empresa ao longo de seu periacuteodo de atuaccedilatildeo 46

A primeira onda contraacuteria seraacute encabeccedilada por

dois mercadores que apesar de advogarem pela mesma causa agiram de forma isolada a

saber Domingos Lopes Loureiro e Tomeacute de Castro Correia de Saacute que iratildeo contraditar a

Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 SOUSA Fernando de A Companhia Geral da

Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1978) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 10 p 9-58 2003 42

SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura

das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 P 46 43

Entre eles tanoeiros taberneiros e marinheiros jaacute que a partir da formaccedilatildeo da empresa estes trabalhadores de

alguma forma tiveram sua liberdade de atuaccedilatildeo profissional cerceada 44

Sobre isto ver CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do Porto

de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 45

Ibidem P 18 46

PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil (1765-1801) a caccedila

ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias

Sociais Universidade de Lisboa Lisboa

22

legalidade do monopoacutelio 47

Pretendiam os dois comerciantes arrematar o contrato para o

complexo baleeiro meridional 48

Um segundo movimento iraacute se iniciar por volta de 1790 este sim teve poder de

influenciar a decisatildeo reacutegia que aboliu o monopoacutelio da Companhia Diferentemente da

primeira onda os liacutederes dessas queixas passam a contestar os procedimentos da praacutetica

comercial adotada no litoral do Brasil questionando sua eficaacutecia e sustentabilidade Um dos

liacutederes chega inclusive a redigir documento analisando profundamente a atividade baleeira

apontando as falhas na produccedilatildeo e a inviabilidade da praacutetica por um periacuteodo alongado de

tempo 49

Em Pernambuco os eventos natildeo foram distintos das demais estabelecer a Companhia

Geral natildeo foi tarefa faacutecil o governador Luiacutes Diogo da Silva empregaraacute inuacutemeros esforccedilos na

tentativa de convencer a elite colonial pernambucana a se tornar acionista na empreitada em

ofiacutecio do ano de 1761 o governador afirma que ldquonatildeo haacute motivos por mais fortes nem

evidecircncias de maior demonstraccedilatildeo que possam convencecirc-los a apostarem da sua vida os

poucos cabedais que logramrdquo 50

Deixando clara a resistecircncia em aderir ao projeto seja por

parte dos homens de negoacutecio ou pela nobreza da terra

O governador dizia ainda que o motivo pelo qual os grandes da capitania se

mostravam contraacuterios a ideia de integrar os quadros da Companhia se dava por ela ldquotecirc-los

separados dos antigos interesses que estavam habituados a fazer na forma e regularidade que

lhes pareciardquo 51

Ou seja apontava o descontentamento dos negociantes e produtores com a

supressatildeo da liberdade de comeacutercio que jaacute estava bem estabelecido naquela regiatildeo

Desde sua instalaccedilatildeo a sociedade seraacute alvo de queixas por parte da populaccedilatildeo muitas

seratildeo as representaccedilotildees e denuacutencias encaminhadas ao rei sobre sua maacute administraccedilatildeo e o

estado de decadecircncia em que se achava a Capitania de Pernambuco Natildeo raro as queixas

continham apelos que suplicavam a sua extinccedilatildeo Segundo Pereira da Costa

Queixas amargas representaccedilotildees constantes foram dirigidas ao governo da

metroacutepole pelos agricultores e comerciantes contra tatildeo odioso monopoacutelio

47

PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 206-215 48

Uniatildeo das armaccedilotildees Paulistas Catarinense e Fluminenses 49

PAZ Marcelo de Oliveira P 240- 249 50

AHU ndash PE Cx 94 D 7481 Recife 4 de fevereiro de 1761 51

Idem

23

tendente a aniquilar essas duas fontes produtoras da colocircnia e cujos danos

vinham muito diretamente recair em prejuiacutezo do povo 52

A oposiccedilatildeo instalada ao monopoacutelio seraacute liderada pelos senhores de engenho e

produtores Mesa de Inspeccedilatildeo do tabaco e do accediluacutecar governadores da capitania em especial

Joseacute Cesar de Menezes algumas cacircmaras ultramarinas53

e uns poucos homens de negoacutecio que

natildeo se tornaram acionistas da empresa O ano de 1770 seraacute marcado como a primeira grande

crise pela qual passaraacute a Companhia Para aleacutem dos conflitos de interesses o Estado

portuguecircs passava por uma forte refraccedilatildeo econocircmica medida pela acentuada queda de seus

rendimentos Diante dessa situaccedilatildeo o governo portuguecircs passou a empregar maior cuidado na

organizaccedilatildeo de suas alfacircndegas e proceder ao aumento de impostos 54

A segunda grave crise acontece sete ano apoacutes a primeira o impacto da crise de 70 natildeo

iraacute se dissipar tatildeo facilmente a morte do rei D Joseacute I e o afastamento do marquecircs de Pombal

do cargo de secretaacuterio do reino no ano de 1777 faratildeo ressurgir uma nova onda de queixas e

representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma 55

A Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e

Paraiacuteba seraacute extinta durante a vigecircncia do governo de Joseacute Ceacutesar de Meneses grande

denunciador de sua ingerecircncia A empresa que era objeto de desarmonia entre a Coroa e os

habitantes locais natildeo obteve os lucros planejados pelo Reino

Outros elementos perturbadores da poliacutetica monopolista exercida pelas Companhias

privilegiadas seratildeo o contrabando descaminhos e contravenccedilotildees praacuteticas recorrentes na

histoacuteria da colonizaccedilatildeo do Novo Mundo realizada por diversas naccedilotildees durante todo o periacuteodo

colonial Reservando as particularidades das empresas aqui abordadas a atividade do

contrabando se faraacute sentir em maior ou menor grau no cotidiano de tais sociedades

mercantis

No caso venezuelano os comerciantes e produtores enxergavam a empresa como uma

verdadeira barreira na praacutetica tanto dos negoacutecios legais quanto no contrabando que jaacute

estavam acostumados a praticar com as naccedilotildees estrangeiras Aleacutem disso estes mesmos

52

COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do Interior e Justiccedila 1951-

1966 v 6 P 185 53

Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos

procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU

ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009 54

JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 171 55

Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos

procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU

ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009

24

personagens queixavam-se que a Companhia havia desregulado o mercado do cacau

provocando segundo os mesmos ldquoel descenso en los precios del producto de manera constante

contribuyendo a la peacuterdida de patrimonios criollos y al debilitamiento de sus enviacuteos al

exteriorrdquo 56

Como forma de deter o contrabando generalizado na regiatildeo uma das prerrogativas da

empresa era atuar no seu combate para isso possuiacutea embarcaccedilotildees de corso proacuteprias Quando

da captura de naus estrangeiras a tripulaccedilatildeo era recompensada com parte do espoacutelio

arrecadado com a venda das mercadorias apreendidas medida que iraacute estimular a ldquocaccedilardquo ao

contrabando nos mares caribenhos Segundo as fontes exploradas por Ricardo Martinena

entre 1759 a 1763 a Companhia apreendeu 43 embarcaccedilotildees estrangeiras 57

um nuacutemero

bastante expressivo para um periacuteodo de apenas quatro anos

De acordo com Carreira a Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo sofria com os

contrabandos praticados por nacionais estrangeiros e ainda pelos agentes da proacutepria

Companhia Esse tipo de praacutetica vai ser mais bem estudada pelo autor nas feitorias africanas

de Cacheu e Cabo Verde onde a empresa deveria atuar com exclusividade No entanto as

condiccedilotildees das fortalezas daqueles portos eram lastimaacuteveis e ldquonem serviam para defender os

portos das investidas dos navios estrangeiros nem de nenhum modo intimidavam as

populaccedilotildees negrasrdquo 58

Assim sendo a invasatildeo de navios estrangeiros era rotineira

prejudicando o comeacutercio das embarcaccedilotildees reais

Na Companhia das Vinhas do Alto Douro as contravenccedilotildees tambeacutem foram

recorrentes Entre os anos de 1772 a 1774 instaurou-se na regiatildeo uma grande devassa que

tinha por objetivo combater e expor os culpados de vaacuterias transgressotildees que vinham

ocorrendo sob a aacuterea de atuaccedilatildeo da empresa Apesar da numerosa legislaccedilatildeo que buscava

evitar os diversos tipos de fraudes existentes naquele ramo comercial estas persistiram

principalmente a introduccedilatildeo ilegal de vinhos de ramo 59

na zona demarcada 60

Outra fraude

bastante comum era a mistura de vinhos de menor qualidade aos vinhos destinados a

56

MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit P 16 57

AIZPURUA Ramoacuten Aguirre ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la lancha San Fernando y

de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5

Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San Sebastiaacuten p 379-392 2006 P 382 58

CARREIRA Antonio Op Cit P 79 59

O vinho de ramo era um vinho de menor qualidade que deveria ser vendido apenas para o mercado interno 60

Com o estabelecimento da Companhia a regiatildeo Duriense passou a ser a primeira do mundo a ter uma

demarcaccedilatildeo proacutepria que estabelecia quais terras eram adequadas para produccedilatildeo de cada qualidade de vinho

25

exportaccedilatildeo ou ainda o acreacutescimo da baga do sabugueiro ao vinho para que ele adquirisse a

coloraccedilatildeo desejada 61

Neste caso tambeacutem apura a devassa que os proacuteprios agentes da Companhia estavam

envolvidos nas contravenccedilotildees incluindo homens que ocupavam altos postos dentro da

empresa como o de provedor e deputados De acordo com o historiador Fernando Sousa

ldquonumerosos oficiais daquela instituiccedilatildeo praticavam com o maior escacircndalo a introduccedilatildeo e

mistura do vinho de ramo com o vinho fino e legal nas suas proacuteprias adegasrdquo 62

Ainda

segundo o autor mesmo apoacutes a devassa este tipo de praacutetica foi um problema recorrente no dia

a dia da empresa

Na Companhia das Pescas Reais pode-se tambeacutem averiguar o envolvimento de seus

agentes em redes de contrabando ningueacutem menos que o administrador geral da empresa o

homem de negoacutecio portuguecircs Joatildeo Marcos Vieira era o principal suspeito de uma devassa

instaurada no ano de 1794 que tinha por objetivo investigar o crime de contrabando de

escravos para a regiatildeo de Montevideacuteu Apesar do contrabando neste caso natildeo estaacute

diretamente relacionado agraves mercadorias que estavam sob o monopoacutelio da empresa acredita-se

que Joatildeo Marcos Vieira estava envolvido haacute anos numa rede de contrabando com a regiatildeo do

Rio da Prata e que se utilizava de seu cargo para obter vantagens financeiras 63

Com a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba natildeo seraacute diferente a partir da

criaccedilatildeo desse organismo regulador os locais iratildeo buscar meios e estrateacutegias de evasatildeo do

controle reacutegio um desses meios de escape seraacute o contrabando de mercadorias realizados

atraveacutes das rotas que uniam Pernambuco e Bahia tanto atraveacutes dos sertotildees e dos caminhos de

cabotagem A investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias nos demonstra que o contrabando durante o

periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio exercido pela empresa seraacute praacutetica recorrente e

generalizada Os descaminhos envolviam ateacute mesmo autoridades reacutegias oficiais deputados e

acionistas da empresa sendo seu combate tema cativo nos ofiacutecios trocados entre a Coroa e as

autoridades locais Este comeacutercio descaminhado eacute tema central desta dissertaccedilatildeo

As anaacutelises sobre as praacuteticas mercantis desenvolvidas na Ameacuterica Portuguesa figuram

entre as contemporacircneas abordagens e questionamentos que marcam uma nova forma de

pensar a colocircnia Dentro dessa perspectiva alguns trabalhos centrados em entender as

questotildees relativas ao comeacutercio colonial tecircm apontando para a existecircncia de um fluxo ilegal de

61

Sobre isto ver SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro

(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002 62

Ibidem P 166 63

PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 225-239

26

negoacutecios em diversas capitanias Dentro deste universo eacute notaacutevel a dedicaccedilatildeo que a

historiografia tem dado ao estudo dos descaminhos de ouro e pedras preciosas na regiatildeo das

Minas e adjacecircncias Destaca-se nesse sentido o trabalho produzido por Paulo Cavalcante em

ldquoNegoacutecios de Trapaccedila caminhos e descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-1750)rdquo 64

onde o autor busca explanar qual o papel do contrabando no processo de colonizaccedilatildeo da

Ameacuterica Portuguesa se utilizando de farta documentaccedilatildeo e tendo como objeto a regiatildeo das

Gerais e suas zonas fronteiriccedilas

Apesar de natildeo se centrar exclusivamente no comeacutercio descaminhado o trabalho da

historiadora Isnara Pereira Ivo sobre circulaccedilatildeo econocircmica e cultural na regiatildeo das Minas

Gerais tambeacutem merece destaque Ivo reserva partes de seu livro ldquohomens de Caminho

tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica Portuguesa ndash seacuteculo XVIIIrdquo 65

para discutir a questatildeo dos vultosos descaminhos realizados naquelas plagas dando ecircnfase aos

caminhos e picadas utilizadas pelos contraventores bem como as tentativas da Coroa em

reprimir tal fluxo

Cabe menccedilatildeo tambeacutem aos estudos desenvolvidos contemporaneamente que tem por

objetivo estudar os faustosos contrabandos realizados no extremo Sul da Ameacuterica Portuguesa

em seus contatos com a regiatildeo platina Dentro dessa seara merece revelo os trabalhos

desenvolvidos por Rodrigo Ceballos e Faacutebio Kuumlhn O primeiro se dedicaraacute em recentes

artigos a estudar os negoacutecios de contrabando conduzidos por luso-brasileiros na Buenos

Aires do seacuteculo XVII demostrando como esses indiviacuteduos foram capazes de criar redes de

solidariedade que permitiram a realizaccedilatildeo de seus negoacutecios extralegais 66

Jaacute Faacutebio Kuumlhn tem se centrado em publicaccedilotildees atuais a analisar o comeacutercio

contrabandeado de escravos na regiatildeo da Colocircnia do Sacramento do seacuteculo XVIII O autor

demonstra como os luso-brasileiros sediados naquelas aacutereas associados a homens de negoacutecios

de duas outras importantes Praccedilas comerciais a saber Bahia e Rio de Janeiro conseguiram

64

CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-

1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 65

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica

Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 66

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires

colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 CEBALLOS

Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos

Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00

27

deter hegemonia dentro de tal negoacutecio desbancando comerciantes de outras naccedilotildees

interessados naquela mateacuteria como os ingleses 67

Outros estudos que debatem a temaacutetica do contrabando e que conversam com nosso

trabalho satildeo as pesquisas de Ernst Pijning para o Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII onde o autor

defende a praacutetica do contrabando como algo inerente ao sistema colonial prerrogativa que

concordamos 68

E ainda vale nota para as obras de Zacarias Moutoukias que estudando o

comeacutercio extralegal na regiatildeo de Buenos Aires do seacuteculo XVII aponta tambeacutem para o

entendimento do descaminho como algo indissociaacutevel da economia colonial 69

Nosso trabalho dialoga com os estudos acima descritos no entanto deixamos claro

que o comeacutercio de contrabandeado alvo desse estudo assume contornos distintos afinal de

contas entre 1759 e 1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia

Geral de Pernambuco e Paraiacuteba O descaminho nessa situaccedilatildeo natildeo causava prejuiacutezos apenas

ao eraacuterio reacutegio mas tambeacutem aos acionistas e agentes da empresa que possuiacutea uma jurisdiccedilatildeo

privativa encarregada de cuidar de todas as questotildees juriacutedicas que envolvessem a Companhia

Ressaltamos ainda que apesar da empresa natildeo possuir jurisdiccedilatildeo sobre os portos do

sertatildeo Alagoas e Rio Satildeo Francisco acabava a mesma amargando graves prejuiacutezos em

decorrecircncia do comeacutercio realizado naquelas paragens pois invariavelmente os produtos que

circulavam nos sertotildees entre as capitanias vizinhas vinham inundar a praccedila mercantil de

Pernambuco a preccedilos bem mais em conta do que os vendidos pela Companhia Por isso de

acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada por volta do ano de 1770 a empresa passa a combater

com vigor este tipo de negoacutecio demonstrando a forccedila que esse comeacutercio interiorano iraacute

adquirir durante o periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio comercial da empresa

As rotas comerciais que ligavam o litoral da capitania ao sertatildeo e que tinham como

veio principal o Rio de Satildeo Francisco regiatildeo de fronteira entre Bahia e Pernambuco tambeacutem

seratildeo alvos desse estudo Para adentrar no universo sertanejo e compreender as dinacircmicas

desenvolvidas naqueles ambientes nos apoiaremos nos claacutessicos como Capistrano Abreu 70

67

KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)

Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017 68

PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista

Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 69

MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el

siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 70

ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet

1960

28

Manoel Correia de Andrade 71

e Joseacute Antonio Gonsalves de Mello 72

que nos datildeo pistas de

como se empreendeu a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial a partir das duas capitanias alvo

desse estudo Bahia e Pernambuco

Utilizaremos tambeacutem produccedilotildees mais recentes como a revisatildeo dos relatos de viajantes

pelo interior feita por Tiago Bonato 73

e do trabalho de focirclego de Kalina Vanderlei 74

Sem

esquecer claro dos renovados estudos que apontam para a vitalidade e dinamismo comercial

que esses espaccedilos sertanejos iratildeo adquirir em suas conexotildees com o litoral e ateacute mesmo com o

Ultramar Onde destacamos os trabalhos de Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Bonifaacutecio 75

e da

proacutepria Isnara Pereira Ivo 76

jaacute citada

Ainda buscando discutir a questatildeo do espaccedilo sertanejo sua ocupaccedilatildeo funcionamento

e dinamismo recorreremos a autores que trazem discussotildees acerca da noccedilatildeo de

territorializaccedilatildeo desses espaccedilos na Ameacuterica Portuguesa a partir da accedilatildeo efetiva do Estado sob

essas aacutereas Para isso nos utilizaremos de nomes como Iacuteris Kantor 77

Mafalda Soares da

Cunha 78

e Paulo Henrique Marques de Queiroz Guedes 79

Continuando a discussatildeo do

mesmo tema poreacutem a partir de uma perspectiva geograacutefica nos apoiaremos em Manoel

Correa de Andrade 80

e Antonio Carlos Robert de Moraes 81

71

ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias

Humanas Ltda 1980 72

MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-

1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 73

BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash 1822)

Guarapuava Unicentro 2014 74

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas

vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 75

BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de

Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII

Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e

Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 76

IVO Isnara Pereira Op Cit 77

KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica (1750‑1850) Anais do

Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 KANTOR Iacuteris Soberania e

territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute

Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio

portuguecircs Curitiba UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 78

CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A

criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P

15 79

GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo

na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias

humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife 80

ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 81

MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2

jun 2001 MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003

29

O presente trabalho conteacutem trecircs capiacutetulos O primeiro intitulado ldquoNos caminhos do

contrabandordquo estaacute dividido em dois toacutepicos Iniciamos procedendo a uma breve revisatildeo

historiograacutefica acerca da evoluccedilatildeo dos estudos voltados para o mundo colonial destacando as

principais mudanccedilas do ponto de vista metodoloacutegico ocorridas nos uacuteltimos quarenta anos

Neste capiacutetulo tambeacutem iremos realizar a anaacutelise e discussatildeo do conceito de contrabando caro

a este estudo

Aleacutem disso tambeacutem procederemos a investigaccedilatildeo das rotas de comeacutercio que ligavam

o litoral da capitania pernambucana ao interior do territoacuterio dando destaque aos caminhos ldquodo

Capibariberdquo e ldquodo Ipojucardquo que conectavam a praccedila mercantil pernambucana com a regiatildeo do

Rio de Satildeo Francisco em sua fronteira com a capitania Baiana Utilizando do auxiacutelio de

mapas discutiremos ainda neste primeiro momento as hipoacuteteses acerca de como se

movimentavam os comerciantes alvos desta pesquisa ressaltando para aleacutem dos caminhos

interioranos a possibilidade de atuarem seguindo uma rota direta atraveacutes da costa mariacutetima

entre Pernambuco e Bahia

O segundo capiacutetulo se chama ldquoAspectos internos dos descaminhos casos e circulaccedilatildeo

de produtosrdquo nele iremos investigar as mercadorias que circulavam entre Bahia e

Pernambuco atraveacutes das redes de comeacutercio ilegal esclarecendo quais eram os produtos que

mais transitavam entre as duas praccedilas ressaltando a grande variedade destes produtos e a

grandiosidade daquele tipo de comeacutercio Tambeacutem trataremos neste capiacutetulo sobre os casos

mais peculiares arrolados no nosso acervo documental

A anaacutelise destas ocorrecircncias nos faz compreender melhor a dinacircmica daquele tipo de

atividade mercantil Esclarecendo como atuavam os comerciantes envolvidos naquele

mercado e quais as suas condutas Deixamos claro ainda que o contrabando no periacuteodo

estudado era uma praacutetica amplamente disseminada na capitania sendo efetuado por uma

grande quantidade de sujeitos em situaccedilotildees diversas

Identificamos dentro desse contexto trecircs grandes blocos de contrabando o primeiro

era o contrabando de grande porte realizado por redes de comerciantes bem organizadas e

que possuiacuteam toda uma estrutura que permitia a realizaccedilatildeo da praacutetica em grande volume O

segundo tipo seria o contrabando de pequena monta praticado por uma infinidade de

personagens desde oficiais da companhia a pessoas ldquocomunsrdquo que se aproveitavam de uma

oportunidade para obter lucros pessoais Por fim identificamos o contrabando realizado por

embarcaccedilotildees estrangeiras que geralmente vinham dar na Costa da capitania pernambucana se

utilizando do subterfugio do mal tempo ou da necessidade de ser fazer reparos na embarcaccedilatildeo

30

se aproveitando entatildeo para introduzir nas terras exclusivas da Companhia uma infinidade de

mercadorias europeias e levar daqui os produtos da terra

O terceiro capiacutetulo denominado ldquoContrabando combate e complexidade do esquemardquo

estaacute divido em trecircs toacutepicos O primeiro deles busca proceder a anaacutelise das medidas repressivas

tomadas em niacutevel local para que se evitasse e extinguisse a praacutetica do contrabando do

territoacuterio da capitania pernambucana Para tal feito nos utilizamos de uma seacuterie de ofiacutecios

expedidos pelos governadores pernambucanos que tratam sobre o tema aleacutem disso tambeacutem

contamos em nosso acervo documental com ofiacutecios da Junta Companhia Geral em Lisboa

que nos fornecem informaccedilotildees preciosas acerca das irregularidades cometidas pelos

administradores pernambucanos e as medidas coibitivas que deveriam ser tomadas para que

se cessassem os descaminhos

Na segunda parte tratamos sobre o envolvimento de agentes acionistas e deputados da

Companhia Geral bem como de algumas autoridades reacutegias nos circuitos de comeacutercio ilegal

Por fim o terceiro toacutepico versa sobre a grande insatisfaccedilatildeo dos representantes da populaccedilatildeo

das vilas de Pernambuco que durante todo o periacuteodo do monopoacutelio exercido pela empresa

iratildeo enviar ao reino uma seacuterie de queixas e denuacutencias e representaccedilotildees atestando a maacute gestatildeo

exercida pela direccedilatildeo subalterna de Pernambuco e a acusando de agir em benefiacutecio proacuteprio

Nosso principal fundo arquiviacutestico concentra-se nos manuscritos depositados no

Arquivo Histoacuterico Ultramarino (AHU) para as capitanias de Pernambuco Bahia a anexa

Paraiacuteba e Alagoas essa ainda comarca de Pernambuco material digitalizado pelo projeto

resgate Nele se encontram uma farta documentaccedilatildeo trocada entre os governadores

principalmente os pernambucanos e a Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar sobre a

questatildeo do contrabando A grande maioria desses arquivos eacute categorizada como ofiacutecios no

entanto em alguns deles eacute possiacutevel encontrar anexos referentes a outros tipos de

documentaccedilatildeo incluindo coacutepias de devassas tiradas acerca de contrabandos editais lanccedilados

pela Companhia Geral listas de cargas e mercadorias de embarcaccedilotildees apreendidas cartas

circulares lanccediladas por autoridades locais minutas reais dando parecer sobre a mateacuteria ou

casos especiacuteficos entre outras coisas O volume desses documentos e a diversidade de

informaccedilotildees contidas neles demonstram como o comeacutercio desencaminhado no periacuteodo foi

expressivo

Tambeacutem nos utilizamos na escrita deste trabalho de processos crimes depositados no

Arquivo Nacional da Torre do Tombo esses documentos de cunho juriacutedico-administrativo

pertencem ao fundo da Conservatoacuteria da Companhia em Lisboa oacutergatildeo responsaacutevel por julgar

31

todas as causas referentes aos assuntos da empresa jaacute que a mesma possuiacutea um regime

juriacutedico privativo 82

Neles eacute possiacutevel visualizar toda a praacutexis processual e rotina juriacutedica

adotada nos casos onde foram instauradas devassas para averiguaccedilatildeo do crime de

contrabando Esse fundo eacute fonte feacutertil para nossa pesquisa pois atraveacutes dos processos

conseguimos obter informaccedilotildees detalhadas sobre os casos como as inquiriccedilotildees feitas aos reacuteus

de defesa e de acusaccedilatildeo a lista de carga das embarcaccedilotildees os personagens envolvidos nos

descaminhos as defesas perpetradas pelos advogados representantes dos reacuteus as apelaccedilotildees e

sentenccedilas dadas a niacutevel local as sentenccedilas aplicadas etc

Complementando estes acervos tambeacutem fizemos uso de manuscritos existentes no

arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) estes documentos que estatildeo

disponiacuteveis apenas para consulta presencial foram de grande importacircncia para o

entendimento das rotas que no seacuteculo XVIII ligavam o litoral de Pernambuco ao sertatildeo e

acabavam por desembocar no Rio de Satildeo Francisco regiatildeo fronteiriccedila entre Pernambuco e

Bahia e local de comeacutercio abundante Utilizamo-nos tambeacutem neste trabalho de material

transcrito existente na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional (BN) e de livros coevos

digitalizados e disponiacuteveis para consulta online pertencentes ao setor de raridades da

Biblioteca puacuteblica Maacuterio de Andrade (BMA)

Por fim esse estudo parte do entendimento do comeacutercio como um elemento de

dinamizaccedilatildeo da capitania de Pernambuco tanto na perspectiva da economia local quanto no

contexto de ampliaccedilatildeo das dinacircmicas sociais Acreditamos que o comeacutercio potencialmente

descaminhado realizado atraveacutes dos sertotildees e da navegaccedilatildeo direta entre as capitanias de Bahia

e Pernambuco acabou contribuindo para o aumento da forccedila econocircmica das regiotildees

envolvidas naqueles circuitos

82

Este tema seraacute mais bem desenvolvido no segundo capiacutetulo deste trabalho

32

2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO

21 Contexto e conceitos

Desde meados da deacutecada de 80 do seacuteculo XX tem se operado uma ampla revisatildeo

criacutetica a respeito dos paradigmas ateacute entatildeo utilizados nos estudos acerca dos impeacuterios

modernos e seus domiacutenios ultramarinos Os trabalhos centrados na anaacutelise dos aspectos

poliacuteticos da Europa moderna sofreram grandes transformaccedilotildees Sintomaacutetica satildeo as pesquisas

desenvolvidas nesse periacuteodo a despeito do processo de formaccedilatildeo dos Estados modernos

europeus bem como de seus complexos imperiais Categorias amplamente difundidas que

eram base dos estudos desenvolvidos ateacute aquele momento como centralizaccedilatildeo poliacutetica e

administrativa e poder absoluto seratildeo substituiacutedas pela identificaccedilatildeo da existecircncia de poderes

concorrentes ao do monarca dentro do sistema poliacutetico europeu 83

Esta nova abordagem seraacute consolidada com o desenvolvimento de estudos sobre o

Impeacuterio portuguecircs no exterior Aqui cabe destacar as importantes contribuiccedilotildees da tradiccedilatildeo

historiograacutefica anglo-saxocircnica principalmente os apontamentos do historiador inglecircs Charles

Boxer responsaacutevel por modificar a forma como se entendia a atuaccedilatildeo das elites coloniais

dentro do exerciacutecio de governaccedilatildeo no ultramar 84

Outro nome que merece ser lembrado eacute o de

AJR Russell-Wood aleacutem de desenvolver estudos sobre as categorias de centro e periferia o

autor iraacute tambeacutem apontar para a existecircncia dentro do sistema colonial de uma porosidade que

permitiu aos governos e autoridades locais margem para negociaccedilatildeo com a metroacutepole 85

Tambeacutem merece destaque a produccedilatildeo dos historiadores norte-americanos

responsaacuteveis por desenvolver obras sobre variadas dimensotildees da sociedade e da economia

colonial brasileira Stuart Schwartz seraacute responsaacutevel por identificar em seu claacutessico

ldquoBurocracia e sociedade no Brasil colonialrdquo 86

a incorporaccedilatildeo da magistratura portuguesa aos

interesses e dinacircmicas locais Outro historiador americano que iraacute influenciar sobremaneira

83

Sobre isto ver LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime na

Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de

governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005 84

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c

1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e

negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 161 85

Sobre isto ver AJR Russel-Wood Centro e periferia no mundo luso-brasileiro 1500-1808 Revista

brasileira de histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 nordm 36 (1998) 86

SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das letras 2013

33

esse processo revisionista eacute Jack Green que deu nova leitura a relaccedilatildeo colonial destacando a

existecircncia e importacircncia das negociaccedilotildees em diversos niacuteveis como uma realidade do sistema

poliacutetico portuguecircs 87

Esses estudos tambeacutem seratildeo desenvolvidos em Portugal onde se destacam os

apontamentos feitos por Antonio Manoel Hespanha em seu ldquoAs veacutesperas do Leviatatilde

instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVIIrdquo 88

e em estudos posteriores O autor iraacute

discutir a tatildeo esquemaacutetica visatildeo do Estado moderno centralizado tendo como base uma vasta

documentaccedilatildeo O centro nervoso da tese de Hespanha discute a autonomia dos corpos sociais

constituintes do Estado Portuguecircs Nele a monarquia eacute entendida como cabeccedila de um grande

corpo social os poderes do centro satildeo outorgados a indiviacuteduos e instituiccedilotildees nas periferias do

Impeacuterio para atuarem em nome do rei Portanto natildeo se despreza a importacircncia dos poderes

inferiores dentro do jogo poliacutetico No entanto somente a monarquia era capaz de unir e criar

nexo a um grande escopo de jurisdiccedilotildees que a abarcavam dentro do Reino e nos seus

domiacutenios ultramarinos

Dessa forma Hespanha define o Estado portuguecircs como

corporativista 89

Hespanha aponta como caracteriacutesticas primordiais da monarquia corporativa a divisatildeo

de poder no espaccedilo poliacutetico entre a coroa e os poderes subalternos o corpo legal estava

baseado na doutrina juriacutedica comum europeia mas eram muitos os casos em que as praacuteticas

consuetudinaacuterias prevaleciam o entrelaccedilamento entre deveres poliacuteticos e morais e por fim a

certa autonomia que possuiacuteam as autoridades reacutegias e a efetiva proteccedilatildeo a que estavam

sujeitos os seus direitos e atribuiccedilotildees 90

Parece-nos que Hespanha demonstra a todo tempo

natildeo a ldquofragilizaccedilatildeo do Estado Portuguecircsrdquo mas sim a relaccedilatildeo de interdependecircncia que iraacute se

desenvolver entre o reino e suas possessotildees ultramarinas

Essas concepccedilotildees iratildeo ganhar focirclego no Brasil principalmente nos anos 90 do seacuteculo

XX quando as pesquisas sobre as relaccedilotildees de poder passam a ganhar forccedila gerando uma seacuterie

de trabalhos empenhados em estudar as formas de governar e o funcionamento das

87

GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional History University

Press of Virginia 2ordf ed 1994 88

HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVII Coimbra

Almedina 1994 89

HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do impeacuterio colonial

portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios

no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 HESPANHA AM A

constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos correntes In FRAGOSO Joatildeo

GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda (Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica

imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 90

HESPANHA AM Ibdem P 46

34

instituiccedilotildees dentro do conjunto imperial Junto a estas pesquisas tambeacutem foram feitas

investigaccedilotildees para outras aacutereas do Impeacuterio dessa forma nos uacuteltimos anos tem se buscado

compreender os nexos imperiais que davam forma ao Impeacuterio portuguecircs 91

Esse alargamento de anaacutelise eacute bastante significativo uma vez que rompe com a ideia

da ineficiecircncia do sistema poliacutetico-administrativo portuguecircs essa ldquoineficiecircnciardquo passa entatildeo a

ser compreendida como uma caracteriacutestica da administraccedilatildeo colonial portuguesa 92

Seguindo

o mesmo caminho o do entendimento do Estado portuguecircs como corporativo uma seacuterie de

novos estudos comeccedilam a apontar para a importacircncia dos viacutenculos estrateacutegicos estabelecidos

pelos grupos integrantes do Estado

Dessa forma o papel central desempenhado pelas redes no interior do conjunto

imperial tem ganhado destaque nas discussotildees historiograacuteficas recentes A categoria de

ldquoredesrdquo utilizada neste trabalho parte dos pressupostos apontados em estudos recentes que

atestam a importacircncia deste mecanismo de articulaccedilatildeo tambeacutem na esfera mercantil Dentro

desta seara de pesquisa destacam-se as produccedilotildees de Joatildeo Fragoso Antocircnio Carlos Jucaacute de

Sampaio e Roquinaldo Ferreira 93

De acordo com Maria Fernanda Bicalho eacute incontestaacutevel para a historiografia que ateacute o

seacuteculo XVII o Estado portuguecircs se desenvolveu sobre o prisma corporativista 94

Apesar do

aparente consenso vale salientar que o modelo coorporativo lanccedilado por Hespanha natildeo eacute

unanimidade prova disso eacute o debate acadecircmico existente entre o autor e a historiadora Laura

91

LARA Silvia Hunold Op Cit P 32 92

HESPANHA AM Op Cit P 51 93

FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto de

conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social costumeira (Rio de Janeiro

1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e

negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 SAMPAIO

Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo nos quadros do Impeacuterio

portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica

imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 FERREIRA

Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial ultramarino portuguecircs In

FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio

portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 Para aleacutem desses autores as

produccedilotildees das historiadoras Maria de Faacutetima Gouvecirca e Mafalda Soares merecem destaque dentro da temaacutetica de

redes 94

BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da

monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima

(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro

Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 345-352

35

de Mello e Souza a despeito da centralidade do Impeacuterio Souza centra sua criacutetica na ldquopouca

atenccedilatildeo dada agrave especificidade dos diferentes contextos imperiaisrdquo 95

nos estudos do autor

De qualquer forma essa ldquorealidade corporativardquo comeccedila a ser alterada jaacute em fins do

XVII e iniacutecio do XVIII neste momento comeccedila a se desenvolver por toda a Europa um

processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real No caso de Portugal esse processo iraacute se

solidificar no reinado de Dom Joseacute I personificado pela pessoa de Sebastiatildeo Salgado de

Melo o Marquecircs de Pombal Dentro desse contexto poliacuteticas com o intuito de revitalizar o

comeacutercio portuguecircs foram postas em accedilatildeo Na capitania de Pernambuco importante polo

econocircmico da conquista essas accedilotildees seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois

organismos reguladores da economia local a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio

no ano de 1752 96

e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759

Neste cenaacuterio eacute criada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759 que se

tornaraacute a detentora do ldquocomeacutercio exclusivo das duas capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com

todos os seus distritos e nos quais ningueacutem mais podia extrair ldquomercadorias gecircneros ou

frutosrdquo 97

A Companhia que manteve o monopoacutelio comercial na regiatildeo ateacute o ano de 1780 iraacute

causar um grande impacto na economia da capitania modificando toda uma loacutegica comercial

baseada no livre comeacutercio que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco

Nossa pesquisa tende a se alinhar com o estudo desenvolvido por Avanete Pereira

sobre o exerciacutecio da governanccedila na municipalidade em Salvador na segunda metade do XVIII

98 Fica claro para noacutes que a centralizaccedilatildeo poliacutetica desejada pela Coroa nem sempre seraacute

aplicada de forma plena nos territoacuterios do ultramar As poliacuteticas pensadas para o Brasil

precisaram ser adaptadas agraves realidades coloniais principalmente se tratando de mudanccedilas

potencialmente prejudiciais economicamente agraves elites locais que haacute muito dominavam a

dinacircmica de instituiccedilotildees e negoacutecios no ultramar

O contrabando e as ilicitudes eram dinacircmicas corriqueiras nas aacutereas de atuaccedilatildeo de

sociedades exclusivistas Muitas vezes elas envolviam ateacute mesmo os agentes destas

95

SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica portuguesa do seacuteculo

XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006 P 48 96

Sobre a histoacuteria da Mesa de Inspeccedilatildeo de Pernambuco consultar CONTI Paulo Fillipy de Souza A casa das

qualidades pesos e preccedilos a mesa da inspeccedilatildeo do tabaco e accediluacutecar de pernambuco (1752-1777) 2016 182 f

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Federal de

Pernambuco 97

CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba

Lisboa Presenccedila 1982 p 224 98

PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da cacircmara da Bahia

(seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de governar

ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005

36

companhias e as autoridades reacutegias nos descaminhos Isto porque como afirma Fernando

Novais o contrabando era uma praacutetica comum dentro da economia colonial desde os seus

primoacuterdios Ainda segundo o autor tal praacutetica natildeo ldquonegava o sistemardquo nem deve ser entendida

como uma fissura ou uma exceccedilatildeo muito pelo contraacuterio o contrabando assim como a

concorrecircncia e as disputas entre as potecircncias europeias era parte da estrutura econocircmica

daquele tipo de sociedade operando dessa forma ldquodentro do mesmo sistema baacutesicordquo 99

Salientamos ainda que esse tipo de praacutetica foi extensiva e naturalizada natildeo soacute na

Ameacuterica Portuguesa mas nas diversas partes do mundo onde se desenvolveu a economia

colonial Em artigo que discute a noccedilatildeo de centralidade administrativa do governo portuguecircs

metropolitano Russel-Wood chama atenccedilatildeo para algo que ele denomina como ldquocultura de

evasatildeordquo ou seja a capacidade dos colonos luso-brasileiros de escaparem do controle reacutegio

Segundo o autor essa cultura iraacute assumir diversas formas como ldquoa recusa em pagar impostos

e taxas escamoteamento dos pontos de fiscalizaccedilatildeo evasatildeo do serviccedilo militar burla quanto a

inclusatildeo nas listas municipais []rdquo 100

As transgressotildees na capitania pernambucana natildeo se restringiram ao contrabando de

mercadorias realizado junto a praccedila baiana O cenaacuterio poliacutetico administrativo tambeacutem era

local de subversatildeo das diretivas reais Em artigo que discute questotildees de justiccedila e

administraccedilatildeo na capitania Maria Filomena Coelho relata as contendas ocorridas na segunda

metade do XVIII entre o Bispo de Olinda e o Juiz de Fora da regiatildeo que se acusavam

mutuamente de cometer desvios monetaacuterios e se utilizar de seus cargos de prestiacutegio para obter

vantagens Bem conhecido e reproduzido no mesmo artigo eacute o caso do provedor Francisco do

Rego Barros acusado de descaminhar da fazenda real uma grande soma de dinheiro e de

envolver os funcionaacuterios a ele submetidos no esquema iliacutecito 101

No artigo supracitado a autora opta por trabalhar com as categorias de suborno e

corrupccedilatildeo Nossa anaacutelise das fontes primaacuterias em conjunto com a leitura da historigrafia nos

leva a crer natildeo serem estes vocaacutebulos os mais adequados para se trabalhar a questatildeo da

ldquocultura de evasatildeordquo na Ameacuterica Portuguesa Como veremos a seguir consideramos que para

evitar cair em anacronismos seja essencial desassociar as praacuteticas transgressivas de seus

significados contemporacircneos

99

NOVAIS Fernando A P 88-92 100

A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista brasileira de

Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197 101

NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco (seacuteculo XVIII)

Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003

37

Nesta pesquisa a forma de evasatildeo que nos interessa eacute o contrabando Os contrabandos

extravios e descaminhos se constituiacuteram em praacuteticas recorrentes durante todo o seacuteculo XVIII

nas capitanias brasileiras Resultados de uma tentativa de fuga a gerecircncia da Coroa lanccedilados

sobre a proacutespera economia colonial que neste seacuteculo jaacute possuiacutea mais vulto que a

metropolitana Desta forma se faz necessaacuterio discutir neste momento o conceito de

contrabando buscando uma definiccedilatildeo que se adeque ao nosso objeto

Estudando a ligaccedilatildeo entre o contrabando e as elites na Buenos Aires do seacuteculo XVII

Zacarias Moutoukias afirma ser o comeacutercio natildeo autorizado a atividade comercial mais

importante do porto de Buenos Aires Aleacutem disso o autor iraacute destacar a participaccedilatildeo de

oficiais reacutegios nos esquemas ilegais admitindo ainda que a Coroa se adaptou a esta situaccedilatildeo

Para Moutoukias ldquola corrupcioacuten fue el processo por el cual los representantes locales del

poder central civiles y militares se integraron a dicha elite associaacutendola asiacute a la funcioacuten

imperialrdquo 102

Concordando com a perspectiva de Moutoukias Ernest Pijning iraacute afirmar que o

contrabando era algo ldquoinerente a economia do mundo atlacircntico preacute-moderno atuante em todos

os aspectos da sociedade luso-brasileirardquo 103

De acordo com Koselleck ldquoas palavras que permaneceram as mesmas natildeo satildeo por si

soacute indiacutecio suficiente da permanecircncia do mesmo conteuacutedo ou significado por elas designadosrdquo

104 Nesse sentindo concordamos com Cavancante

105 e Moutoukias

106 quando afirmam natildeo

ser possiacutevel relacionar o contrabando com o termo corrupccedilatildeo como conhecemos hoje O

contrabando era uma praacutetica enraizada na sociedade colonial e como sugere Pijning

dependendo da situaccedilatildeo e dos personagens envolvidos esse tipo de comeacutercio era aceito e ateacute

mesmo incentivado pela Coroa 107

Segundo o dicionaacuterio portuguecircs e latino de Bluteau contrabando significa ldquofazenda e

trato de fazenda furtada aos direitos ou tirada por alto sendo defeza a sua introduccedilatildeordquo 108

Ou

seja a definiccedilatildeo de contrabando no dicionaacuterio estaacute relacionada diretamente ao ato de fraudar a

102

MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el

siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 P 243 103

PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista

Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 P 399 104

KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos histoacutericos Rio de Janeiro

Contraponto Ed Puc-Rio 2006 P 105 105

Sobre isto ver CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica

Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 106

Sobre isto ver MOUTOUKIAS Zacarias Op Cit 107

PIJINING Ernest Ibdem P 400-403 108

BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de

Jesus Ano de 1712 P 321

38

fazenda real desviando o fisco Para o nosso estudo percebemos que a definiccedilatildeo claacutessica de

Bluteau natildeo se adequa inteiramente pois apesar de natildeo possuir o monopoacutelio comercial para

regiatildeo dos sertotildees comumente as autoridades locais vatildeo tratar as mercadorias transacionadas

entre as praccedilas de Bahia e Pernambuco via sertatildeo como contrabando mesmo quando estes

produtos chegavam as praccedilas comerciais de Pernambuco selados com selos de outras

alfacircndegas do Impeacuterio ou seja em algum momento aquela mercadoria havia pagado os

direitos reais

Percebemos durante a investigaccedilatildeo as fontes que existia uma grande confusatildeo quanto a

este comeacutercio feito pelos interiores Havia uma dificuldade das autoridades em classificar o

que era passiacutevel de puniccedilatildeo e poderia ser enquadrado como crime de contrabando e os casos

em que aquele tipo de negociaccedilatildeo era acobertada e permitida pela legislaccedilatildeo De acordo com

nossa observaccedilatildeo na duacutevida as autoridades reacutegias e oficiais da Companhia preferiam pecar

pelo excesso e realizar os sequestros para posterior investigaccedilatildeo Assim contamos em nosso

conjunto documental como seraacute demonstrado em capiacutetulo posterior com casos em que apoacutes

se efetuar a apreensatildeo a investigaccedilatildeo acaba por absolver os reacuteus seja por falta de provas ou

pela constataccedilatildeo de que natildeo se procedeu em descaminhos

Essa situaccedilatildeo acontecia pois natildeo existia uma delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa que

esclarecesse minuciosamente quais os portos se incluiacuteam na categoria de ldquoportos livresrdquo bem

como uma legislaccedilatildeo especiacutefica que regulamentasse quais os produtos poderiam transitar

entre estas paragens sem ofender o monopoacutelio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba

109 Segundo Koselleck os conceitos satildeo polissecircmicos reunindo em si ldquodiferentes totalidades

de sentidordquo 110

os casos coletados na nossa documentaccedilatildeo demonstram aleacutem disso como o

entendimento a respeito do que era considerado comeacutercio iliacutecito era fluiacutedo e variava de acordo

com a interpretaccedilatildeo dada pelas autoridades locais

Para o nosso tema o que pudemos perceber atraveacutes da investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias

eacute que o contrabando se constituiu em praacutetica recorrente ao longo dos vinte e um anos de

monopoacutelio praticado pela Companhia Geral A atividade iliacutecita que envolvia as proacuteprias

autoridades reacutegias oficiais e acionistas da Companhia em Pernambuco causaraacute grandes

preocupaccedilotildees por parte da Coroa e da Junta da empresa sediada em Lisboa virando assunto

recorrente na documentaccedilatildeo travada entre o Reino e os agentes locais de Pernambuco

109

Pelo menos ateacute o momento natildeo conseguimos localizar nenhum tipo de documento oficial que se referisse a

estes pontos 110

KOSELLECK Reinhart Op Cit P109

39

principalmente os governadores da capitania que eram encarregados sobre a mateacuteria

Discutiremos melhor esta questatildeo no terceiro capiacutetulo deste trabalho

Aleacutem de ser realizado de maneira extensiva durante todo o periacuteodo do monopoacutelio o

comeacutercio iliacutecito era praticado por uma grande diversidade de pessoas Apesar da existecircncia de

redes mercantis mais complexas que atuavam de maneira melhor estruturada esse comeacutercio

tambeacutem era feito em pequenas quantidades por pessoas comuns A anaacutelise das fontes nos

atenta para o fato de que havendo oportunidade de lucros pessoais o contrabando era

praticado por todos e entendido como algo banal

Devido ao caraacuteter pulverizado desse tipo de atividade mercantil os casos encontrados

na documentaccedilatildeo iratildeo apontar para uma gama muito diversa de personagens lugares e

mercadorias envolvidos nesse tipo de praacutetica No entanto eacute possiacutevel atestar com clareza a

existecircncia de um vigoroso circuito de comercio iliacutecito envolvendo as capitanias de

Pernambuco e Bahia As relaccedilotildees entre as duas praccedilas eram estreitas o contrabando de

gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa iratildeo permear todo o

periacuteodo proposto para este estudo

Vale ressaltar que antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral o comeacutercio entre

Pernambuco e Bahia jaacute existia e estava bem consolidado principalmente o comeacutercio de

carnes feito nos sertotildees que interligavam as duas praccedilas e que margeavam o Rio de Satildeo

Francisco De acordo com a historiografia a regiatildeo circundante ao Rio de Satildeo Francisco

sempre contou com uma grande densidade populacional de povos indiacutegenas 111

O que denota

a importacircncia da aacuterea natildeo soacute em termos geograacuteficos mas tambeacutem salienta o seu importante

papel como lugar de encontro de uma seacuterie de gentes

Como eacute amplamente sabido o processo de interiorizaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro iraacute

acontecer de forma tardia jaacute que em princiacutepio a colonizaccedilatildeo portuguesa deteve-se a povoar a

faixa litoracircnea do territoacuterio brasileiro soacute criando um movimento de expansatildeo em direccedilatildeo ao

interior em meados do seacuteculo XVII 112

De acordo com Capistrano de Abreu em livro claacutessico

a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial teve iniacutecio junto agraves capitanias do Norte notadamente

Bahia e Pernambuco Segundo o autor o proacuteprio Donataacuterio de Pernambuco Duarte Coelho

ainda no seacuteculo XVI nutriu ambiccedilotildees de conquistar o territoacuterio ao largo do Rio de Satildeo

111

NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte

Editora UFMG 2011 P 30 112

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco

pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111

40

Francisco Sabia-se jaacute a eacutepoca do potencial do local 113

Outro autor claacutessico Manoel Correa

de Andrade defende a tese de que o sertatildeo do que hoje conhecemos como nordeste foi

integrado agrave colonizaccedilatildeo portuguesa partindo de dois eixos centrais sendo estes Bahia e

Pernambuco 114

O movimento de integraccedilatildeo dos interiores eacute comumente associado agrave expansatildeo

pecuaacuteria pois desde 1701 a Coroa portuguesa havia proibido a criaccedilatildeo de gado a menos de

dez leacuteguas da costa 115

dessa forma os currais foram cada vez mais adentrando o espaccedilo

sertanejo seguindo o curso dos rios que forneciam os substratos necessaacuterios agrave sustentaccedilatildeo das

rezes bovinas e caprinas Pedro Puntoni confirma essa caracteriacutestica da pecuaacuteria desenvolvida

nas capitanias do norte de acordo com o autor

As fazendas de gado grosso modo acompanhavam as margens dos rios

uma vez que na regiatildeo semi-aacuterida o fornecimento de aacutegua era fator essencial

para garantir a ocupaccedilatildeo e a criaccedilatildeo do gado Os rios Satildeo Francisco ao sul e

o Parnaiacuteba ao norte eram os principais eixos da ocupaccedilatildeo por serem rios

perenes os demais na maioria seus afluentes ainda abrigavam algumas das

fazendas 116

Apesar da pecuaacuteria ser entendida como fator decisivo para a conquista dos sertotildees do

norte natildeo podemos esquecer o contexto em que se deu essa expansatildeo Eacute importante lembrar

que apoacutes a expulsatildeo dos holandeses em 1654 a economia accedilucareira foi fortemente abalada

natildeo soacute por fatores internos como o clima e as intempeacuteries a que estatildeo sujeitas qualquer tipo de

cultura tropical como tambeacutem por fatores externos como a concorrecircncia com a produccedilatildeo de

accediluacutecar antilhano e a consequente baixa de preccedilos dessa mercadoria aleacutem eacute claro do aumento

do preccedilo dos escravos dado a grande procura desse tipo de matildeo de obra em Aacutefrica 117

Assim o fluxo em sentido ao interior tambeacutem vinha atender a uma demanda da Coroa

que procurava alternativas para se livrar da crise econocircmica por qual passava a principal

cultura da colocircnia brasileira Dessa forma as expediccedilotildees aos sertotildees passaram a ser

frequentemente encorajadas Para animar e incentivar os colonos a desbravarem estas aacutereas a

113

ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet

1960 P 34 114

ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias

Humanas Ltda 1980 P 167 115

WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a

colonizaccedilatildeo do sertatildeo nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004 P

22 116

PUNTONI Pedro Ibidem P 24 117

PUNTONI Pedro Ibidem P 25

41

Coroa iraacute a partir da segunda metade do seacuteculo XVII doar sesmarias a homens que tiveram

papel de destaque nas batalhas travadas contra os holandeses 118

De acordo com Kalina Wanderlei apoacutes implementar a poliacutetica de doaccedilatildeo de terras e

de financiar uma seacuterie de diligecircncias para abrir caminhos naquelas paragens o Impeacuterio

Portuguecircs relegou estas imensidotildees de terra aos interesses privados Segundo a autora

Assim foi que a conquista dos interiores das capitanias do norte no seacuteculo

XVII tornou-se tarefa dos senhores seguindo o modelo inicial do projeto de

colonizaccedilatildeo onde aos donataacuterios e seus colonos cabia a instalaccedilatildeo da

induacutestria produtora e a defesa do territoacuterio contra a concorrecircncia externa e a

resistecircncia interna 119

middot

Cabe ainda ressaltar que a partir do Reinado de D Joatildeo V uma seacuterie de medidas e

accedilotildees seratildeo tomadas para garantir aos portugueses o controle efetivo de seus domiacutenios no

Ultramar Isto porque na Europa se vivia um momento de grande concorrecircncia comercial e de

contestaccedilatildeo de antigos tratados territoriais e seus limites a partir da elaboraccedilatildeo de modernos

estudos geograacuteficos e cartograacuteficos sobre o Novo Mundo Dentro desse contexto de

vulnerabilidade perante outras potecircncias era necessaacuterio que os diplomatas portugueses

buscassem novas formas de defender e legitimar os direitos juriacutedicos do Rei sobre os

territoacuterios ultramarinos nas negociaccedilotildees internacionais No entanto para que estes

argumentos tivessem forccedila era preciso conhecer o espaccedilo da colocircnia 120

As grandes porccedilotildees de terra que compunham a conquista no Brasil possuiacuteam ainda no

seacuteculo XVIII vastas aacutereas despovoadas e desconhecidas pelo Reino De acordo com Iacuteris

Kantor depois da Paz de Utrecht em 1713 que praticamente invalidava o antigo tratado de

Tordesilhas Espanha e Portugal vatildeo iniciar um mapeamento sistemaacutetico de suas conquistas

no aleacutem-mar As coroas ibeacutericas iratildeo neste momento investir na formaccedilatildeo de pessoal

qualificado e no custeamento de expediccedilotildees para o interior afim de que se produzissem

trabalhos geograacuteficos mais precisos 121

O projeto de elaboraccedilatildeo do ldquoNovo Atlas da Ameacuterica

Portuguesardquo iniciado em 1729 por exemplo eacute um desses esforccedilos empreendidos pela Corte

118

WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 119

WANDERLEI Kalina Ibidem P 137 120

Sobre isto ver KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica

(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 121

Idem

42

no sentido de oficializar o interior do territoacuterio assegurando a posse do Reino principalmente

sobre os espaccedilos que estavam sob litiacutegio 122

Durante o diretoacuterio pombalino estas poliacuteticas de reafirmaccedilatildeo do poder real seratildeo

reforccediladas atraveacutes da expansatildeo da rede administrativa 123

nas esferas civis e eclesiaacutesticas a

locais onde o poder estatal ainda natildeo chegava era necessaacuterio ldquoterritorializarrdquo aqueles espaccedilos

De acordo com Paulo Guedes o conceito de territoacuterio pode ser entendido como um espaccedilo

definido por e a partir de relaccedilotildees poliacuteticas e de poder ainda segundo o autor para se pensar

em territoacuterio na Ameacuterica Portuguesa necessariamente deve-se levar em conta suas

ldquojurisdiccedilotildees (militar religiosa tributaacuteria e judicial) considerando suas incongruecircncias em

relaccedilatildeo aos territoacuterios circunscritos ao acircmbito das capitaniasrdquo 124

Apesar de pequenas

discordacircncias o entendimento de que o conceito de territoacuterio estaacute intimamente relacionado

com a ideia de domiacutenio ou gestatildeo de uma determinada aacuterea eacute amplamente reconhecido pelos

estudiosos do assunto 125

A partir desse entendimento eacute que o geografo Manoel Correa de

Andrade afirma por exemplo que nos primeiros anos de sua colonizaccedilatildeo o Brasil era um

grande espaccedilo natildeo transformado em territoacuterio 126

Para aleacutem das querelas europeias deve-se pontuar que a partir do descobrimento das

minas de ouro nas Gerais vai-se assistir a um grande adensamento populacional naquelas

regiotildees interioranas principalmente entre as primeiras deacutecadas do seacuteculo XVIII Fazia-se

pois indispensaacutevel criar naqueles novos centros todo um aparato administrativo sobretudo

fiscal para regular e garantir os direitos reacutegios sobre os recursos minerais ali encontrados 127

A historiografia sobre as Minas tem demonstrado como a ocupaccedilatildeo daqueles territoacuterios

acabou por conectar uma grande malha espacial atraveacutes dos seus circuitos de comeacutercio que

movimentavam sobretudo as regiotildees interioranas das capitanias do norte incluindo as

paragens sertanejas de Pernambuco e Bahia

122

Sobre isto ver CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do

territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v43 n1 p 100-120 2016 123

Kantor Iacuteris Op Cit CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na

Ameacuterica portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39p001-

030 jan-abr2016 124

GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo

na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias

humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife P 54 125

Sobre este tema ver tambeacutem MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil

GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001 KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia

Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de

Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba UFPR-

SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 126

ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 43 ndash 51 127

CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A

criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P 15

43

Em resumo a ocupaccedilatildeo dos sertotildees foi um processo lento desenvolvido de modo

gradativo e pouco organizado No entanto a bibliografia eacute unanime em asseverar que apesar

de pouco unificado o movimento de interiorizaccedilatildeo sempre teve como base as duas capitanias

mais destacadas do Norte Pernambuco e Bahia Logo apoacutes esse primeiro momento de

conquista as regiotildees dos sertotildees passaram a atuar como importantes locais de circulaccedilatildeo

comercial Pesquisas recentes com as quais esse estudo conversa apontam para o dinamismo

que as regiotildees interioranas iratildeo exercer principalmente a partir do seacuteculo XVIII quando se

tem iniacutecio de forma mais concreta uma demanda do Reino em conhecer e dominar tais

regiotildees Estas zonas passam entatildeo a deter grande importacircncia para os fluxos comerciais

coloniais tanto nos circuitos locais quanto atlacircnticos

Para o nosso caso acreditamos que o fluxo comercial clandestino desenvolvido entre

Pernambuco e Bahia durante o periacuteodo de exclusivo comercial da Companhia Geral acabou

por expandir e reforccedilar as redes comerciais entre as duas capitanias e seus complexos

sertanejos jaacute que a partir daquele momento comerciantes e produtores que antes atuavam

livremente despachando e vendendo suas mercadorias a partir das praccedilas comerciais de

Pernambuco passaratildeo a recorrer a capitania vizinha para realizar seus negoacutecios

22 Os caminhos

Antes de nos atermos aos sertotildees que nos interessam nesta pesquisa cabe aqui uma

sucinta explanaccedilatildeo quanto ao uso do termo e suas aplicaccedilotildees Destacamos que origem da

palavra sertatildeo eacute incerta natildeo existe entre os autores que tratam do tema uma unidade em

relaccedilatildeo ao termo De acordo com Bluteau sertatildeo diz respeito a uma ldquoregiatildeo apartada do mar e

por todas as partes metida entre terrasrdquo 128

A definiccedilatildeo dada pelo autor setecentista remete a

ideia de sertatildeo como um lugar afastado do litoral distante e ateacute mesmo inexplorado Segundo

Kalina Wanderlei o imaginaacuterio acerca desse ambiente sertanejo iraacute se construir jaacute no primeiro

seacuteculo de colonizaccedilatildeo da zona accedilucareira A autora afirma que

Foi se construindo uma oposiccedilatildeo entre as regiotildees colonizadas da Ameacuterica

portuguesa e aquelas natildeo inseridas na jurisdiccedilatildeo metropolitana As primeiras

associadas ao litoral devido agrave proacutepria natureza do empreendimento

128

BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de

Jesus Ano de 1712 Tomo II P 613

44

canavieiro Criou-se assim uma dicotomia entre o espaccedilo considerado

civilizado e aquele considerado selvagem 129

Essa visatildeo dicotocircmica em que as categorias de sertatildeo e litoral satildeo construiacutedas em

sentidos opostos seraacute reforccedilada por outros autores que se utilizaram do discurso e

depoimentos de cronistas e autores coevos para estabelecer um entendimento do termo

Concordando com a autora Tiago Bonato iraacute dizer que

O imaginaacuterio do sertatildeo construiacutedo e reconstruiacutedo por cronistas

missionaacuterios padres intelectuais e sobretudo viajantes passa a ter um

caraacutecter aleacutem de simples oposiccedilatildeo ao litoral de ldquocontraste com a ideia de

regiatildeo colonialrdquo De um lado estaacute a civilizaccedilatildeo que a colonizaccedilatildeo trouxe de

outro o sertatildeo 130

De acordo com o geografo Antocircnio Carlos Robert Moraes o sertatildeo natildeo deve ser

compreendido como um lugar mas sim como ldquouma condiccedilatildeo atribuiacuteda a variados e

diferenciados lugaresrdquo 131

Afirma ainda o estudioso que no geral o sertatildeo eacute idealizado como

um espaccedilo que serve aos impulsos expansionistas na busca de incorporar tais aacutereas remotas a

determinados ldquofluxos econocircmicos ou a uma oacuterbita de poder que lhe escapa naquele momentordquo

132 continua atestando que por essa caracteriacutestica ldquotal denominaccedilatildeo geralmente eacute utilizada na

caracterizaccedilatildeo de aacutereas de soberania incerta imprecisa ou meramente formalrdquo 133

Dessa

forma o uso do termo seraacute utilizado para classificar aacutereas que carecem ser dominadas e

submetidas politicamente e integradas ao restante do territoacuterio

Podemos entatildeo perceber atraveacutes da bibliografia e da pesquisa as fontes primaacuterias que o

conceito de sertatildeo extrapola qualquer delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa Em termos

documentais ele seraacute comumente utilizado para designar uma seacuterie de aacutereas que se

encontravam fora do eixo litoracircneo e que durante um bom tempo foram ilustres desconhecidas

da maior parte dos habitantes da colocircnia brasileira e dos ministros reais sendo usado para

referenciar tudo aquilo que fosse vago estranho e afastado dos centros Ou seja os sertotildees

podem se descritos como aacutereas que natildeo estavam totalmente submetidos administrativa e

juridicamente agrave monarquia portuguesa

129

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas

vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111 130

BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash

1822) Guarapuava Unicentro 2014 P 52 131

MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003 P 2 Consultado no

dia 10112017 Disponiacutevel em httpjournalsopeneditionorgterrabrasilis341 DOI 104000terrabrasilis341 132

Ibidem P 3 133

Idem

45

Falando sobre o sertatildeo alvo deste estudo ainda no XVII a regiatildeo da ribeira do Rio de

Satildeo Francisco iraacute se desenvolver como importante zona de criaccedilatildeo de rezes bovinas e

cavalares sendo o local responsaacutevel pela distribuiccedilatildeo de carnes e couros para as feiras da

Bahia e de Pernambuco Na segunda metade do seacuteculo XVIII a regiatildeo do Aracati no Siaraacute

Grande sertatildeo pernambucano iraacute despontar como porto fornecedor de carnes salgadas e de

couros Ao longo do rio Jaguaribe que banha a vila de Santa Cruz do Aracati se

estabeleceram diversas oficinas especializadas na salga das carnes e na retirada de couros para

revenda Este porto seraacute muito visitado por comerciantes recifenses e baianos nos ldquotempos de

carnesrdquo quando iam ateacute a regiatildeo fazer negoacutecios e vender rebanhos 134

O estudo dos caminhos que levavam do litoral ao sertatildeo da capitania de Pernambuco

natildeo satildeo novos no intuito principalmente de buscar compreender as rotas por onde se

efetuaram o comeacutercio de gados e couros destacados estudiosos desenvolveram pesquisas

centradas nesta temaacutetica De acordo com Capistrano de Abreu ldquoNa segunda metade do seacuteculo

XVIII natildeo se penetrava no Recife aleacutem de Bezerros a quinze leacuteguas para o interior o que

ficava aleacutem entendia-se com a Bahiardquo 135

Discordando de Capistrano Manoel Correa de

Andrade iraacute afirmar que em 1774 o governo de Pernambuco na tentativa de minimizar a

influecircncia baiana na regiatildeo do Satildeo Francisco faraacute abrir dois caminhos para alcanccedilar o dito rio

136

O primeiro caminho sairia de Recife passando por Limoeiro atraveacutes do rio Capibaribe

chegava ao Pajeuacute para depois seguir em direccedilatildeo a Serra Talhada Floresta e finalmente

desembocar em Cabroboacute O segundo roteiro subia o Vale do Ipojuca ateacute chegar agrave Serra de

Ororobaacute de onde descia na direccedilatildeo sul ateacute a cidade de Inajaacute passando ainda por Tacaratu

Jatinatilde e por fim chegar em Cabroboacute Como se pode ver na imagem abaixo

134

ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas na Vila

de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais do XXVI Simpoacutesio

Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011 P 1-9 135

ABREU Capistrano de Op Cit P 65 136

ANDRADE Manoel Correia de Op Cit P 168

46

Mapa 1 ndash Caminhos do Gado para Olinda e Recife

Fonte ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria

Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980 P 169

Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello tambeacutem indica e comprova atraveacutes de

documentaccedilatildeo que a prerrogativa de Capistrano era errocircnea De acordo com Mello jaacute

existiam no seacuteculo XVIII dois roteiros de penetraccedilatildeo para o interior do territoacuterio

pernambucano que acompanhavam os vales dos rios O primeiro caminho o do Capibaribe

ldquoperlongava-o ateacute as nascentes e cortando territoacuterio paraibano atingia a ribeira do Pajeuacuterdquo 137

137

MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-

1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 10

47

nos atuais muniacutecipios pernambucanos de Itapetim e Satildeo Joseacute do Egito por onde se ldquoseguia ateacute

o Brejo do Gama de onde cruzava em direccedilatildeo a Cabroboacute a margem do Satildeo Franciscordquo 138

como podemos ver abaixo

Mapa 2 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738)

Fonte MELLO Joseacute Antocircnio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio

Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 12

138

Idem

48

O segundo caminho o do Ipojuca ldquoacompanhava o vale do rio deste nome e alcanccedilava

em seguida o do Moxotoacuterdquo 139

de onde chegava ao Satildeo Francisco na Boa Vista Percebemos

que apesar de pequenas discordacircncias os dois autores versaram sobre os mesmos caminhos a

saber o ldquoCaminho do Capibariberdquo e o ldquoCaminho do Ipojucardquo Para Mello os dois roteiros

tinham no Cariranha no limite sudoeste da capitania e regiatildeo de fronteira entre Bahia

Pernambuco e Minas seu ponto final

Mapa 3 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738)

Fonte MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio

Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 16

Infelizmente natildeo conseguimos descobrir nos acervos consultados ateacute o momento o

documento utilizado por Manoel Correa de Andrade para embasar sua afirmaccedilatildeo e construir

139

Idem

49

seu mapa no entanto foi possiacutevel localizar os documentos usados por Joseacute Antocircnio

Gonsalves de Mello O primeiro deles data do ano de 1738 e estaacute localizado no Arquivo do

Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB na Universidade de Satildeo Paulo ndash USP 140

trata-se natildeo

de um mapa 141

mas sim dos roteiros tanto do ldquocaminho que segue para Ipojuca e passa pelo

Urubaacute 142

das leacuteguasrdquo 143

quanto do ldquoassento das leacuteguas que fazem daqui ao Rodelas pelo

caminho do Capibariberdquo 144

descrevendo as localidades por onde esses caminhos passavam e a

distacircncia em leacuteguas deles

Faz-se cioso relacionar todas as toponiacutemias dos dois roteiros pois este trabalho jaacute foi

feito por Gonsalves de Mello na obra aqui relacionada No entanto vale a pena apontar onde

tinham iniacutecio e fim as ditas rotas e alguns de seus principais pontos de passagem a tiacutetulo de

comparaccedilotildees futuras O caminho do Capibaribe tinha iniacutecio no Engenho de Satildeo Joatildeo este

engenho fundado por Luiacutes Ramires ainda no seacuteculo XVI 145

estava localizado na margem

direita do Rio Capibaribe na freguesia da Vaacuterzea 146

o caminho passava por localidades como

ldquoMissatildeo do Limoeirordquo 147

ldquoSerra Talhadardquo 148

ldquoAngicosrdquo 149

ldquoJuazeirordquo 150

entre outros

terminando apenas no Cariranha regiatildeo limiacutetrofe entre Bahia Pernambuco e Minas Gerais O

segundo caminho o do Ipojuca comeccedilava em Santo Antatildeo atual municiacutepio de Vitoacuteria do

140

Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo

Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 141

O trabalho de Mapas que aparece no livro eacute criaccedilatildeo do grupo de pesquisas da divisatildeo de histoacuteria do instituto

de ciecircncias do homem do qual Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello participava 142

Tambeacutem conhecido como de Ararobaacute ou Ororobaacute 143

Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo

Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 144

Idem 145

PEREIRA DA COSTA F A Anais Pernambucanos 1795-1817 2ordf Ediccedilatildeo FUNDARPE Gov de

Pernambuco Recife 1983 Vol 2 535 vol 3 79 vol 7 325 PEREIRA Levy S Iuatildeo (engenho de bois) In

BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel em

httplhsunbbrbiblioatlasS_IuC3A3o_(engenho_de_bois) Data de acesso05072017 146

Atualmente a Vaacuterzea eacute um bairro da cidade do Recife localizado proacuteximo a Universidade Federal de

Pernambuco-UFPE 147

Atualmente conhecido como Limoeiro um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260890ampsearch=pernambuco|limoeiro|inf

ograficos-historico Data de acesso 05072017 148

O atual muniacutecipio do sertatildeo de Pernambuco manteacutem a mesma toponiacutemia Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261390ampsearch=pernambuco|serra-

talhada Data de acesso 05072017 149

Atual muniacutecipio do sertatildeo do estado do Rio Grande do Norte Dados do Instituto Brasileiro de geografia e

estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=240080ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017 150

Atual municiacutepio do Estado da Bahia situado no vale do Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphpcodmun=291840 Data

de acesso 05072017

50

Santo Antatildeo em Pernambuco e seguia por pontos como ldquoTacaraturdquo 151

ldquoCabroboacuterdquo 152

ldquoPilatildeo

Arcadordquo 153

entre outros tendo como fim tambeacutem o rio do Cariranha

O segundo documento utilizado por Gonsalves de Mello trata-se de um ofiacutecio enviado

pelo Bispo Azeredo Coutinho a Corte no ano de 1802 apesar de fugir de nosso recorte

temporal vale a pena observa-lo a tiacutetulo comparativo Mello refuta a indicativa de Capistrano

que alega que o Bispo Azeredo Coutinho tenha mandado abrir durante o seu governo um

caminho ligando a Praccedila de Olinda aos sertotildees 154

De acordo com o autor esse caminho era

justamente o ldquoCaminho do Ipojucardquo De fato a leitura do ofiacutecio da Junta Governativa da

Capitania de Pernambuco datada de julho de 1802 pode levar ao entendimento que partira do

Bispo Coutinho a ideia de abrir um caminho que ligasse Olinda aos sertotildeesmiddot visto que nele se

afirma que ldquouma das causas de natildeo haver maior abundacircncia de gados nesta Praccedila era a falta

de estradas para os sertotildees do Satildeo Franciscordquo 155

e que esta informaccedilatildeo chegou ateacute Portugal

atraveacutes ldquodo sect 3ordm do reacutegio aviso de 19 de setembro de 1799 dirigido pelo Exmo Sr Dr

Rodrigo de Sousa Coutinho ao Exmo Bispo desta dioceserdquo 156

Poreacutem como eacute sabido este

caminho jaacute era rota conhecida e utilizada

Para aleacutem destes dois importantes documentos conseguimos localizar tambeacutem junto

ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB da Universidade de Satildeo Paulo ndash USP um

documento datado de 1730 enviado ao ouvidor geral de Pernambuco com a seguinte ementa

ldquoPara o senhor doutor ouvidor geral ver os caminhos que satildeo necessaacuterios (serem) abertos para

seguir pela estrada de Santo Antatildeo para o rio de Satildeo Franciscordquo 157

Este documento de

autoria natildeo identificada descreve com precisatildeo o caminho que se fazia preciso abrir para

interligar o litoral da capitania com seus sertotildees atraveacutes do vale do Ipojuca

151

Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu

Data de acesso 05072017 152

Distrito do muniacutecipio de Pesqueira no agreste Pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de geografia e

estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data

de acesso 05072017 153

Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017 154

AHU ndash PE Cx 235 D 15875 155

Idem 156

Idem 157

Informaccedilatildeo prestada ao ouvidor geral sobre a necessidade da abertura de caminhos na regiatildeo do rio Satildeo

Francisco Arquivo IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-005

51

Essa rota segundo sugere a carta deveria comeccedilar na freguesia de Santo Amaro de

Jaboatatildeo onde seria necessaacuterio ldquoabrir os caminhos e tanto de enxada como de foice e

machado ateacute o siacutetio chamado as queimadasrdquo 158

Naquele ponto comeccedilaria a freguesia de

Santo Antatildeo da Mata onde se fazia preciso abrir passagem ateacute o rio das Pedras de Ipojuca

local onde terminava a freguesia de Santo Antatildeo Atravessando o rio das Pedras para seu

outro lado se chegaria a freguesia do Ararobaacute que era ldquoa mais fechada estrada que se acha em

todo o sertatildeo por nunca ser aberta no tempo em que se comeccedilou a cultivar e hoje jaacute a deixam

muitos passageiros pela natildeo poderem seguir com os seus comboiosrdquo 159

adverte o autor que

ali deveria se abrir aleacutem de uma estrada para o Rio de Satildeo Francisco outra que levasse para a

ldquomissatildeordquo do Ararobaacute e dali para o Pajeuacute

Continua alertando que era preciso por poccedilas puacuteblicas ldquocom caminhos e cruz na

estradardquo jaacute que esta rota ficava afastada Prossegue afirmando que o principal trecho que se

deveria abrir era o da Lagoa da Pedra do Tacaete e todas as aguadas do Riacho Libaral

Pedra do Cachorro e Lagoinha ldquofazendo-lhes caminho para sair para a porteira do macacordquo

160 Diz ainda que se deviam pocircr cruzes por todo o riacho do Mororoacute A aacuterea proacutexima do

Mororoacute segundo a descriccedilatildeo feita era toda ldquocultivada de moradores e fazendasrdquo 161

aleacutem

disso a localidade contava com aldeias de gentio de naccedilatildeo Xucuru Paraguaio Parariconha e

Carnejo

Nosso autor desconhecido aconselha ainda que a estrada se construa em poucos dias e

que ali no siacutetio chamado Tacalico se findava a freguesia do Pajeuacute onde por sua vez tinha

iniacutecio a freguesia de Cabroboacute Daquele ponto era necessaacuterio que se abrisse do siacutetio Tacaratu

ateacute o Rio de Satildeo Francisco uma distacircncia de aproximadamente cinco leacuteguas Continua dando

detalhes sobre os caminhos daquele sertatildeo afirmando que ldquoseguindo para as minas se

caminha a vista do dito Rio (Satildeo Francisco) 35 leacuteguas largando o tal rio se passa o rio das

Velhas na barra donde se encontra com o de Satildeo Franciscordquo 162

o fim deste caminho eacute

apontado pelo autor como a regiatildeo do Cariranha que ficava afastada cerca de 200 leacuteguas das

minas de ouro

158

Idem 159

Idem 160

Idem 161

Idem 162

Idem

52

Por fim sugere que o caminho seja aberto no mecircs de outubro e novembro pois naquela

eacutepoca havia ldquoabundacircncia de aacuteguas para os trabalhadoresrdquo 163

Advertia poreacutem que nesta

estrada seria necessaacuterio caminhar dois dias por dentro de um rio chamado Moxotoacute e que em

determinadas ocasiotildees o mesmo ficava inundado impossibilitando que o trabalho de abertura

fosse feito Aleacutem disso aquele rio era frequentado anualmente pelos povos nativos das naccedilotildees

Paraguaio e Parariconha

Na tentativa de entendermos um pouco melhor o roteiro aqui descrito faremos uma

breve explanaccedilatildeo das principais freguesias descritas no documento Para isso utilizaremos

como base um documento riquiacutessimo enviado a corte pelo governador de Pernambuco a

eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses onde o mesmo faz uma descriccedilatildeo detalhada da capitania

pernambucana relacionando todas suas freguesias povoaccedilotildees respectivas economias

caracteriacutesticas ambientais entre outros traccedilos daquelas paragens 164

De acordo com o documento da segunda metade do XVIII a freguesia de Santo

Amaro de Jaboatatildeo 165

atual municiacutepio de Jaboatatildeo dos Guararapes em Pernambuco onde

teria iniacutecio o caminho sugerido ao Ouvidor Mor tinha dez leacuteguas de aacuterea fazendo fronteira

com as freguesias de Satildeo Lourenccedilo da Mata 166

ao Norte e a leste com a freguesia da Vargem

167 A freguesia contava com 14 engenhos destes oito moiacuteam com aacutegua e seis com cavalos

Possuiacutea duas ribeiras ldquoa do Jaboatatildeo que tem seu principio em uma matardquo 168

e o outro rio era

o do Gajauacute as margens do uacuteltimo estavam situados os engenhos de aacutegua A povoaccedilatildeo natildeo

passava de uma pequena aldeia e seus habitantes viviam majoritariamente de suas plantaccedilotildees

de accediluacutecar algodatildeo e mandioca

Dando seguimento ao percurso sugerido chegaria-se a freguesia de Santo Antatildeo da

Mata atual municiacutepio de Vitoacuteria de Santo Antatildeo este jaacute era considerado um local sertanejo

163

Idem 164

Este documento que pode ser encontrando na coleccedilatildeo especial para Pernambuco existente na Biblioteca

Nacional natildeo possui uma dataccedilatildeo especiacutefica apenas eacute indicado que os dados nele contido comeccedilaram a ser

levantados no ano de 1774 Acreditamos que o relatoacuterio feito pelo governador esteja relacionado agraves tentativas da

Coroa jaacute comentadas neste capiacutetulo sobretudo no periacuteodo Pombalino de buscar conhecer melhor seu territoacuterio

Referecircncia ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices)

ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 165

Atual municiacutepio do agreste pernambucano que assumiu o nome de Jaboatatildeo dos Guararapes 166

Atual municiacutepio da regiatildeo metropolitana do Recife Dados do Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica-

IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261370ampsearch=pernambuco|sao-

lourenco-da-mata Data de acesso 05072017 167

Atual bairro da Vaacuterzea localizado na cidade do Recife 168

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

53

A freguesia tinha ldquo5 leacuteguas donde parte com o curato de Satildeo Joseacute chamado dos Bezerros 169

extrema-se com a freguesia de S Antocircnio do Ururuba 170

dos iacutendiosrdquo 171

Segundo o mesmo

documento os sertotildees daquela freguesia eram secos e o rio mais destacado do lugar era o

Pajeacuteu ldquoo qual vai fazer barra no Rio de Satildeo Franciscordquo 172

Sobre a populaccedilatildeo e economia

local o documento afirma que eram poucos os engenhos dedicados ao fabrico de accediluacutecar no

lugar apenas trecircs apesar de haverem outros dedicados ao mel e as engenhocas de rapadura O

nuacutemero de habitantes era alto e viviam de vender ldquoseus gadinhosrdquo 173

e ldquoefeitos e panos de

algodatildeordquo 174

nas feiras locais Segundo o relato o comeacutercio de panos de algodatildeo no lugar

atraia ateacute mesmo comboios dos sertotildees de Minas O que confirma estar agrave localidade inserida

nos roteiros que ligavam aos sertotildees

Depois da freguesia de Santo Antatildeo da Mata o caminho indicava que se seguisse pelo

rio Ipojuca ateacute o siacutetio ldquoCaruarurdquo que a anaacutelise da rota nos leva a crer se tratar do atual

muniacutecipio do agreste Pernambuco de mesmo nome Depois desse momento se fazia

necessaacuterio seguir para a freguesia do Ararobaacute Em documento do ano de 1780 que pretendia

compilar as cidades e vilas da capitania de Pernambuco e suas respectivas freguesias a

seguinte menccedilatildeo eacute feita quanto tal localidade ldquodo Araroba Rodelas Rio Grande do Sul natildeo

chegaram as relaccedilotildees por serem partes muito distantesrdquo 175

Nesta mesma relaccedilatildeo estima-se

que a freguesia do Ararobaacute estava a 80 leacuteguas de distacircncia de Recife

No documento remetido por Joseacute Cesar de Meneses a dita freguesia estaacute inserida

dentro do chamado ldquosertatildeo dos Garanhusrdquo 176

Ela tinha iniacutecio em um local conhecido como

ldquoCapacaccedilardquo que era pouco povoado havendo ldquomuitas leacuteguas sem habitadoresrdquo 177

As vilas de

169

Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros Data de

acesso 05072017 170

Conhecida tambeacutem como Ararobaacute ou Ororobaacute 171

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 172

Idem 173

Idem 174

Idem 175

Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo IEB-USP Fundo

Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010 176

Atualmente a cidade de Garanhus eacute um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260600ampsearch=pernambuco|garanhuns Data

de acesso 05072017 177

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

54

Simbres dos Iacutendios 178

a de Aacuteguas Belas 179

a do Riacho do Navio180

Pipaacuteoacute 181

e Arapuaacute 182

faziam parte da freguesia Boa parte dessas localidades ainda hoje preservam as toponiacutemias

do XVIII estando situadas entre o agreste de Pernambuco e a regiatildeo do vale do Satildeo

Francisco Quanto a dinacircmica comercial local o manuscrito revela ser tal freguesia ldquomui

pobrerdquo 183

sua populaccedilatildeo vivia de plantar lavouras de milho roccedila canas de accediluacutecar feijotildees

fazer mel rapadura e tambeacutem dos negoacutecios das carnes criando boiadas curtindo e vendendo

couros e solas atravessando gados para Bahia e Pernambuco etc

Seguindo nosso roteiro do Ararobaacute era necessaacuterio se abrir caminho natildeo soacute da estrada

que levava ao Rio Satildeo Francisco mas tambeacutem da missatildeo de Araroba 184

ateacute o Pajeuacute O ldquosertatildeo

do Pajeuacuterdquo era extenso nele estavam inseridas quatro importantes freguesias sertanejas

Cabroboacute 185

Satildeo Joseacute dos Bezerros 186

Tacaratu 187

e por fim Pilatildeo Arcado 188

Apoacutes a

178

Atual distrito do municiacutepio de Pesqueira localizado no agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data de acesso 05072017 179

Atual municiacutepio de Aacuteguas Belas localizado no agreste de Pernambuco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260050ampsearch=pernambuco|C381gu

as-belas Data de acesso 05072017 180

O Riacho do navio eacute um curso fluvial que atravessa o sertatildeo de Pernambuco sendo um dos principais

afluentes do Rio de Satildeo Francisco O curso nasce no atual municiacutepio de Floresta em Pernambuco Dados do

Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=260570 Data de acesso 05072017 181

Infelizmente natildeo conseguimos identificar onde se encontra tal localidade atualmente 182

Acreditamos que o autor quis se referir as proximidades da ldquoSerra do Arapuaacuterdquo localizada atualmente no

distrito de Carnaubeira da Penha situado na regiatildeo do Satildeo Francisco e inscrito na bacia do Rio Pajeuacute 183

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 184

De acordo com a bibliografia consultada a missatildeo do Araroba ou Ararobaacute ficava localizada entre os atuais

municiacutepios de Aacuteguas Belas e Garanhus Referecircncia DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na

constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume

282 ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os acossamentos de

Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII) Rev Bras Hist [online] 2015

vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016 MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute

e Rio Grande catequese violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22 185

Atual municiacutepio do sertatildeo pernambucano que conserva o mesmo nome Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260300ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017 186

Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros 187

Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu

Data de acesso 05072017 188

Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017

55

chegada ao Pajeuacute o autor adverte que se deve abrir principalmente o caminho da Lagoa da

Pedra do Tacaete e as aguadas do Riacho Libaral Pedra do Cachorro e Lagoinha

Ateacute o momento natildeo conseguimos identificar onde estaria situada atualmente a ldquoLagoa

da Pedra do Tacaeterdquo Para as outras localidades foi possiacutevel localizar seus atuais logradouros

o Riacho Libaral estaacute situado no atual municiacutepio de Sanharoacute a Pedra do Cachorro um

afloramento rochoso que atualmente atrai turistas para praacutetica de esportes radicais fica em

Satildeo Caetano Por fim Lagoinha diz respeito ao municiacutepio de Alagoinhas todas estas cidades

compotildeem a zona agreste de Pernambuco e fazem parte da microrregiatildeo do vale do Ipojuca 189

Seguindo o caminho traccedilado no documento base era orientado que nos ldquocaldeiros do

riacho do Mororoacuterdquo 190

fossem postos cruzes o dito riacho estaacute localizado atualmente no

municiacutepio de Pedra no agreste de Pernambuco de acordo com nossa rota era uma freguesia

extensa com cerca de 70 leacuteguas de comprimento e seu fim era fronteiriccedilo com a freguesia de

Cabroboacute 191

Cabroboacute era um importante ponto de passagem dos caminhos interioranos

possuiacutea 60 fazendas de gado vacum e cavalar seu principal rio era o do Pajeuacute ldquodonde toma

nome este sertatildeordquo 192

Os povos locais viviam de criar gados e os negociavam tanta na Bahia

como em Pernambuco ao que consta nos manuscritos o cultivo no local era pequeno

dedicado apenas a subsistecircncia da populaccedilatildeo local

Dando prosseguimento no guia de Cabroboacute se fazia necessaacuterio abrir os caminhos ateacute o

ldquoSiacutetio Tacaraturdquo 193

Pouco se fala sobre a freguesia de Tacaratu no documento base que aqui

nos utilizamos explica-se apenas que possuiacutea cerca de 60 fazendas e que alguns recantos

daquela freguesia eram totalmente despovoados isto porque tais locais ldquonatildeo servem de criar

gados por falta de aacuteguasrdquo 194

Quanto a economia local afirma-se que sua populaccedilatildeo vivia de

criar seus gados outros de seus negoacutecios de passar boiadas para Bahia e da laacute traziam ldquovaacuterias

189

Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas - APAC Disponiacutevel em

httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=17 Data de acesso 05072017 190

191

Fizemos um caacutelculo estimado para verificar se a informaccedilatildeo era coerente Considerando que cada leacutegua

equivale a cerca de 48 km e que o cumprimento da freguesia de Pedra ateacute o Cabroboacute seria de 70 leacuteguas

Multiplicamos 70 x 48 chegando ao valor de 336km Utilizando o recurso do Google Maps traccedilamos uma rota

entre Cabroboacute e Pedra (rodoviaacuteria) satildeo trecircs os caminhos possiacuteveis apontados pelo programa suas

quilometragens satildeo respectivamente 293 km 342 km e 352 km Valores bem proacuteximos de nossa estimativa 192

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 193

Atualmente Tacaratu eacute um muniacutecipio pernambucano localizado na regiatildeo do Meacutedio Satildeo Francisco Dados do

Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu Data de

acesso 05072017 194

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

56

fazendas para seu comeacuterciordquo 195

A atual cidade de Tacaratu muniacutecipio do estado de

Pernambuco estaacute inserida na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco

De acordo com nossa rota a distacircncia entre Tacaratu e o Rio de Satildeo Francisco era de

aproximadamente cinco leacuteguas Dali o caminho seguiria em direccedilatildeo ao atual estado de Minas

Gerais passando-se do Rio de Satildeo Francisco para o Rio das Velhas A capitania

pernambucana se estremava com a mineira atraveacutes do Cariranha esta localidade seguindo os

dados de nosso guia ficava a aproximadamente 200 leacuteguas afastada da regiatildeo das minas de

ouro

Por fim a rota aqui descrita refere-se ao rio Moxotoacute afirmando que para se abrir tal

caminho era preciso caminhar por cerca de dois dias dentro de tal rio O rio que preserva o

mesmo nome da eacutepoca banha os estados de Pernambuco e Alagoas sua nascente se encontra

no atual muniacutecipio de Sertacircnia no sertatildeo pernambucano e o mesmo desagua no Rio de Satildeo

Francisco De acordo com dados da Agecircncia pernambucana de aacuteguas e climas ndash APAC 196

a

bacia do rio Moxotoacute possui uma aacuterea total de 974401 kmsup2 e abrange 12 municiacutepios

pernambucanos total ou parcialmente Sendo eles Inajaacute Sertacircnia Arcoverde Custoacutedia

Ibimirim Manari e Tacaratu Buiacuteque Floresta Jatobaacute Iguaraci e Tupanatinga todas estas

cidades estatildeo compreendidas na regiatildeo do sertatildeo do estado

Para visualizarmos melhor o caminho aqui descrito traccedilamos um caminho aproximado

da rota de 1730 Como podemos ver na imagem abaixo

195

Idem 196

Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas ndash APAC Disponiacutevel em

httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=18 Data do acesso 05072017

57

Mapa 4 ndash Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha (1730)

Fonte Jeacutessica Rocha de Sousa Ana Maria Cuentro Barros Imagem aproximada da Rota do Ipojuca para o

Rio de Satildeo Francisco (1730) Imagem criada com o auxiacutelio do programa Adobe Illustrator

Como eacute possiacutevel notar atraveacutes da anaacutelise da rota aqui feita o caminho sugerido se

aproxima bastante do ldquocaminho do Ipojucardquo descrito no roteiro de 1738 e mapeado por

Antocircnio Gonsalves de Melo Dessa forma podemos concluir que se este documento natildeo foi

exclusivamente o guia para abertura de tal roteiro pelo menos indicava uma demanda real que

de fato foi atendida em algum momento entre 1730 e 1738 pois a partir da uacuteltima data jaacute era

possiacutevel acessar o sertatildeo ateacute o Rio de Satildeo Francisco atraveacutes do Rio Ipojuca e seus afluentes

Demonstramos atraveacutes da documentaccedilatildeo aqui elencada que os sertotildees fronteiriccedilos a

Bahia e Pernambuco eram dinacircmicos Muitas eram as localidades sertanejas apontadas nos

manuscritos que comercializavam com as duas praccedilas A conexatildeo entre as duas capitanias

eram extensas e no periacuteodo aqui estudado jaacute estavam bem consolidadas De maneira geral o

estudo sobre as rotas de penetraccedilatildeo tendem a trataacute-las apenas como caminhos pelo qual se

58

passavam os gados no entanto deve-se atentar que outros negoacutecios tambeacutem ocorriam nestas

paragens isto eacute os caminhos natildeo serviam exclusivamente ao comeacutercio das carnes e couros

Estudos mais recentes tem se dedicado a demonstrar o dinamismo do comeacutercio

sertanejo em suas conexotildees com a economia colonial estes trabalhos tem sido essenciais no

sentido de renovar a perspectiva sobre os negoacutecios desenvolvidos nas regiotildees interioranas Ao

analisar as relaccedilotildees que uniam os sertotildees da Bahia a Minas Gerais Isnara Pereira Ivo iraacute

alertar para ldquoo papel econocircmico e comercial dos sertotildeesrdquo 197

que por muitas vezes era

ldquominimizado como meros fornecedores de carnerdquo 198

a autora iraacute afirmar que este papel

ldquoredimensiona-se quando percebido como parte de uma articulaccedilatildeo econocircmica cultural e

poliacutetica maior permeada de especificidades e dinamismosrdquo 199

Ou seja Ivo chama a atenccedilatildeo

para vitalidade inclusive comercial daquelas regiotildees que no seacuteculo XVIII jaacute possuiacuteam um

ritmo proacuteprio de desenvolvimento e se encontravam conectadas ao litoral e ao aleacutem-mar

sendo peccedila importante da economia colonial

Em dissertaccedilatildeo que trata sobre a participaccedilatildeo dos negociantes pernambucanos no

comeacutercio de abastecimento da regiatildeo mineradora no seacuteculo XVIII Hugo Demeacutetrio Nunes

Teixeira Bonifaacutecio tambeacutem iraacute defender a tese do intenso movimento comercial daquelas

paragens O autor afirmaraacute que ldquoo sertatildeo era uma regiatildeo economicamente dinacircmica capaz de

prover gecircneros dos quais necessitavam por exemplo a regiatildeo das Minasrdquo 200

Cabe aqui

ressaltar que os sertotildees a que se refere Bonifaacutecio satildeo os de Pernambuco e Bahia em suas

conexotildees com as Minas de ouro

Esse dinamismo nas regiotildees interioranas tambeacutem poderaacute ser observado nas relaccedilotildees

que uniam Pernambuco a Bahia A introduccedilatildeo das barcas de passagens que faziam o

transporte de pessoas e cargas entre as duas margens do Rio de Satildeo Francisco 201

por

exemplo eacute demonstrativa do grande tracircnsito comercial estabelecido naqueles sertotildees e

denotam a tentativa da Coroa de tentar de alguma forma regulamentar aquele comeacutercio que

fugia ao controle do fisco real Visto que as tais passagens passam a fazer parte do conjunto

dos contratos reais formas de arrecadaccedilatildeo tributaacuteria utilizadas em Portugal desde o seacuteculo

197

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica

Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 115 198

Idem 199

Idem 200

BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de

Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII

Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e

Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 201

NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte Editora

UFMG 2011 P 85 AHU ndash PE Cx 133 D 9987

59

XVI 202

Analisando a implementaccedilatildeo das barcas de passagem que conectavam os rios

sertanejos as minas de ouro Isnara Pereiro Ivo afirmaraacute que

Os arrendamentos das passagens dos rios faziam parte do sistema de

contratos e estavam relacionados ao descobrimento do ouro agraves formas de

controle e descaminho e agrave ampliaccedilatildeo das receitas reais Eram feitos por

leilatildeo no Conselho Ultramarino e no ato da assinatura do contrato o

contratador assumia a obrigaccedilatildeo de pagar 1 destinado as propinas

municcedilotildees e construccedilotildees de fortalezas no ultramar e de restituir a Coroa em

trecircs anos o restante do montante a ser pago Os contratos podiam ser

arrematados tanto por um soacute individuo quanto por um grupo 203

Aqui em Pernambuco o processo de arremataccedilatildeo das tais passagens parece ter ocorrido

de forma semelhante De acordo com ofiacutecio datado de 1779 as barcas iratildeo surgir no Satildeo

Francisco por iacutempeto de um morador da regiatildeo de Rodelas que observara o ldquoincomodo e

risco que corriam os passageiros e comboios na falta de barca que os passassemrdquo 204

por isso

resolveu por uma barca no Satildeo Francisco na regiatildeo de Juazeiro Fez isso o morador sem

ldquoprocurar licenccedila para o fazer nem contribuir para a real fazenda com parte do seu

rendimentordquo 205

Quando o governador de Pernambuco a eacutepoca Duarte Sodreacute descobriu tal

negoacutecio ordenou ao comandante do distrito por o rendimento daquela passagem para

arremataccedilatildeo em praccedila puacuteblica

O morador pioneiro ofereceu 300000 reis pelo triecircnio do contrato como era de

costume No entanto o governador por acreditar que tal contrato valesse mais o mandou

colocar em leilatildeo no Recife Natildeo houve entretanto quem quisesse pagar mais por ele A

desconfianccedila reacutegia acerca dos rendimentos gerados a partir das barcas de passagens na regiatildeo

do Satildeo Francisco natildeo seraacute exclusividade da sua gecircnese em diversos outros momentos o

Conselho Ultramarino iraacute exigir que se procedesse agrave investigaccedilatildeo sobre os rendimentos

daqueles contratos 206

A desconfianccedila dos agentes reacutegios era de que os mercadores

mancomunados faziam ofertas bem abaixo da meacutedia de geraccedilatildeo de lucros daquele

investimento Todo esse clima de suspeita eacute demonstrativo da falta de conhecimento concreto

da Coroa a respeito dos negoacutecios que se praticavam nos sertotildees resultado de uma poliacutetica

administrativa que soacute se preocupou tardiamente por aquelas aacutereas

202

IVO Isnara Pereira Op Cit P 159 203

Idem 204

AHU ndash PE Cx 133 D 9987 205

Idem 206

Idem AHU ndash PE Cx 151 D 9853AHU ndash PE Cx 88 D 7150

60

Natildeo sabemos o nome do dito morador mas sabemos que seu filho Joatildeo Moreira da

Costa e Silva em 1759 fez requerimento ao Rei solicitando ser provido com o direito a

propriedade das passagens do Rio de Satildeo Francisco Neste documento Joatildeo Moreira afirma

ter sido seu pai o descobridor da passagem do Juazeiro e das outras nove passagens que iratildeo

se instalar naquele rio Ele propotildee ao rei que lhe faccedila a mercecirc de lhe conceder a propriedade

das passagens durante toda sua vida ficando o suplicante na obrigaccedilatildeo de ldquofazer bons em cada

um ano para a real fazenda 200000 reacuteisrdquo 207

Temos o conhecimento de que eram dez as passagens do Rio de Satildeo Francisco

administradas pela capitania de Pernambuco No ano de 1756 cinco dessas passagens por

pedido do Ouvidor da Comarca de Jacobina na Bahia passaratildeo a ter seus rendimentos

gerenciados pela cacircmara da Vila da Barra de Satildeo Francisco das Chagas como meio de gerar

fundos para construccedilatildeo da cadeia da nova vila passado dez anos esses contratos deveriam ser

assimilados a Provedoria Mor da Bahia Essa resoluccedilatildeo natildeo iraacute agradar ao governo de

Pernambuco que anos mais tarde iraacute requerer a reincorporaccedilatildeo das tais passagens agrave capitania

de origem As cinco passagens submetidas agrave cacircmara da Vila da Barra de S Francisco das

Chagas se situavam em Bom Jardim Barra Rio Preto Cariranha e Rio Corrente As da parte

de Pernambuco ficavam em Juazeiro Pilatildeo Arcado Surubabeacute Petra e Currais dos Bois 208

Um documento do ano de 1778 esclarece quais as condiccedilotildees e deveres a que estavam

sujeitos os contratadores das passagens do Satildeo Francisco aqui em Pernambuco Os contratos

poderiam ser arrendados por um uacutenico indiviacuteduo ou por soacutecios ficava o contratador livre para

ldquocobrar-se tudo que pertence a Fazenda Realrdquo 209

O contrato deveria ser pago a Tesouraria

Geral e Deputado da Junta da Fazenda Real atraveacutes de parcelas a cada seis meses e em

dinheiro fiacutesico Tinham por obrigaccedilatildeo ainda o contratador e seus soacutecios pagarem propina de

1 para obras pias Em relaccedilatildeo agraves barcas cabia ao contratador escolher se compraria as

embarcaccedilotildees do uacuteltimo arrendataacuterio ou se mandaria construir novas sendo determinado pelo

regulamento que o contratador antecedente negociasse preccedilos justos pelas embarcaccedilotildees

De acordo com nossas fontes se cobravam os fretes pelos seguintes produtos Cabeccedilas

de gado vacum cabeccedilas de gado vacum que passam a nado cabeccedilas de gado cavalar mansos

cabeccedilas de gado serrilho cargas passageiros e escravos Cada barca tinha um piloto e cerca

de dois a quatro marinheiros que a servia 210

Os maiores ganhos foram observados na

207

AHU ndash PE Cx 88 D 7150 208

AHU ndash PE Cx 133 D 9987 209

AHU ndash PE Cx 131 D 9853 210

AHU ndash PE Cx 133 D 9987

61

passagem do Juazeiro regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias de Bahia e Pernambuco 211

A

categoria ldquocargasrdquo natildeo especiacutefica os produtos autorizados a circular naquelas embarcaccedilotildees

com certeza muitas mercadorias das chamadas ldquovedadasrdquo se fizeram passar por esses pontos

do rio inclusive o ouro proveniente da regiatildeo das minas 212

Outra questatildeo que vale destacar na discussatildeo sobre os sertotildees envolvidos nesta

pesquisa diz respeito a relaccedilatildeo que algumas freguesias iratildeo manter concomitantemente com

as capitanias de Bahia e Pernambuco A ldquoComarca da Manga que segue o Rio de Satildeo

Francisco acima Vila de Satildeo Francisco na Barra do Rio Grande do Sulrdquo por exemplo estava

sujeita em questotildees de justiccedila ao ouvidor da Jacobina Bahia mas pertencia o ldquogoverno das

almasrdquo ao bispo de Pernambuco 213

Como jaacute discutido as questotildees de limites e de

administraccedilatildeo nas aacutereas interioranas iratildeo se dar de maneira singular naquelas paragens o

cotidiano das povoaccedilotildees e as proximidades entre uma e outra capitania parecem ter dado o

ritmo agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila

Os sertotildees setecentistas possuiacuteam vitalidade e energia e satildeo descritos nos documentos

de eacutepoca como locais propiacutecios ao desenvolvimento de praacuteticas mercantis Neste trabalho

estas relaccedilotildees mercantis iratildeo assumir contornos especiais Afinal de contas entre 1759 e

1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia Geral de Pernambuco e

Paraiacuteba No nosso caso percebemos que paralelamente a um mercado legal e reconhecido se

fez surgir naqueles espaccedilos uma seacuterie de atividades extralegais As redes comerciais

estabelecidas entre as Praccedilas da Bahia e Pernambuco no periacuteodo estudado seratildeo comumente

tachadas pela documentaccedilatildeo como perpetradoras de comeacutercio clandestino O contrabando de

gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa foram uma constante na

documentaccedilatildeo

Estas regiotildees iratildeo desempenhar papel importante neste universo de descaminhos

Como jaacute destacamos ao longo dessas regiotildees encontravam-se diversos portos de pequeno

porte que por onde antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba jaacute se

realizavam transaccedilotildees mercantis Em ofiacutecio do ano de 1770 o governador de Pernambuco

Manoel da Cunha Meneses ao falar sobre os contrabandos estabelecidos entre Bahia e

211

Idem AHU ndash PE Cx 88 D 7150 212

Sobre isto ver BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e

Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no

Seacuteculo XVIII Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado em histoacuteria) - Centro de Filosofia e Ciecircncias

Humanas Universidade Federal de Pernambuco 213

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

62

Pernambuco nos daacute informaccedilotildees importantes acerca da dinacircmica comercial desenvolvida nos

vales do Rio Satildeo Francisco Segundo o governador ldquoO sertatildeo deste continente eacute um dos mais

povoadosrdquo 214

complementa afirmando que as margens do rio de Satildeo Francisco existem

diversas povoaccedilotildees e a respeito do comeacutercio na regiatildeo diz que ldquoeste rio divide esta capitania

da Bahia [] aleacutem das povoaccedilotildees jaacute ditas eacute muito vadiaacutevel de embarcaccedilotildees ligeirasrdquo 215

por

onde se transportam ldquotoda a conta de fazendas que estatildeo tatildeo abundantes estes sertotildees e neles

as introduzem os moradores de uma e outra parterdquo 216

Alguns anos mais tarde em 1779 o ouvidor da comarca das Alagoas iraacute relatar

detalhes sobre a organizaccedilatildeo deste ldquopernicioso comeacuterciordquo Segundo o mesmo ldquoPor todos estes

engenhos jaacute natildeo haacute uma soacute caixa (de accediluacutecar) que natildeo esteja vendida pelo exorbitante preccedilo de

treze tostotildees por arroba a diferentes e muitos fabricantes que vieram da Bahia a este

propoacutesitordquo 217

Segundo o ouvidor a estrateacutegia do grupo de contraventores consistia em

transportar para as praias da regiatildeo as caixas contrabandeadas durante a noite em ldquojangadas e

sumacas que existem atualmente na ilha de Santo Aleixo e em Una donde francamente tem

saiacutedo de proacuteximo cinco ou seisrdquo 218

Apesar das rotas sertanejas aqui descritas nos indicarem as possiacuteveis vias de acesso do

litoral ao interior do territoacuterio pernambucano mapear com exatidatildeo os caminhos percorridos

pelos comerciantes contraventores natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis pois aleacutem de natildeo existir

interesse de se documentar esse tipo de comeacutercio ao que nos parece de acordo com a anaacutelise

da documentaccedilatildeo esses caminhos eram dinacircmicos e muacuteltiplos e nos faltam instrumentos

cartograacuteficos mais precisos que sejam capazes de revelar a grandiosidade da costa

pernambucana ldquode donde por mar e terra se introduzem neste continenterdquo 219

produtos

contrabandeados

Uma coisa eacute certa a natureza pernambucana contribuiacutea na realizaccedilatildeo das ilicitudes a

ldquogrande dilataccedilatildeo que tem o continente da jurisdiccedilatildeo deste governordquo 220

que compreende em

suma ldquopor costa do Mar 82 leacuteguas com muitos rios barras enseadas e entradas por entre

arrecifes que por providecircncia divina cobre toda esta costardquo 221

permitiu que nunca se faltasse

214

AHU ndash PE Cx 108 D8371 215

Idem 216

Idem 217

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 218

Idem 219

AHU ndash PE Cx 127 D 9670 220

AHU ndash PE Cx 108 D 8371 221

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

63

o contrabando em Pernambuco natildeo soacute de escravos mas de outras mercadorias 222

Apesar da

tentativa de encobrir essas rotas por parte daqueles que delas se beneficiavam alguns pontos

acabaram documentados pela fiscalizaccedilatildeo

Nosso acervo documenal revela uma variedade significativa de portos indicados pelas

autoridades locais como aacutereas de desembarque de produtos contrabandeados Listamos abaixo

os portos ateacute o momento identificados

Quadro 1 - Lista de Portos em que Ocorreratildeo apreensotildees ou se fez saber da existecircncia de

Contrabandos

PORTOLOCALIDADE

BAHIA DA TRAICcedilAtildeO

CABO DE SANTO AGOSTINHO

CAMARAJIBE

CURURIPE

GOIANA

ILHA DE SANTO ALEIXO

ILHA DO NOGUEIRA

JARAGUAacute

PRAIA DA PENHA

PRAIA DE PAU AMARELO

PRAIA DA FORTALEZA DO BRUM

PORTO CALVO

PORTO DO RECIFE

SANTO ANTONIO DA BARRA GRANDE

SIARAacute GRANDE

SIRINHAEM

TAPAGIPE

TRAPICHE DE MACIEL ndash BAHIA

UNA

Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 132 D9955 AHU ndash PE Cx133 D 9966

AHU-PE Cx 133 D 10003 AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash PE

Cx 138 D 10248 AHU ndash BA Cx 181 D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx

107 D 8284 AHU ndash PE Cx 110 D 8493 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 133 D

222

CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-1850 Recife

2002 P 102

64

10017 AHU ndash PE Cx 137 D 10197 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos

Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2

Foi possiacutevel rastrear atualizando as toponiacutemias a maior parte dos locais citados nas

fontes Como uma maneira de buscar compreender melhor a relaccedilatildeo entre aacutereas de produccedilatildeo e

localidades apontadas nesta lista como aacutereas de embarque e desembarque de produtos

vedados nos utilizaremos de dados contidos em ofiacutecio do ano de 1761 enviado pelo entatildeo

governador de Pernambuco Luiacutes Diogo Lobo ao Reino onde se encontra uma relaccedilatildeo

contendo nome e nuacutemero de todos os engenhos moentes e de fogo morto existentes na

capitania pernambucana e suas anexas 223

As localidades de Coruripe Jaraguaacute Porto Calvo Santo Antocircnio da Barra Grande

fazem parte atualmente do estado de Alagoas Comarca anexa a Pernambuco agrave eacutepoca A

regiatildeo que aparece constantemente envolvida nos circuitos de contrabando principalmente de

accediluacutecar analisados neste trabalho possuiacutea uma grande quantidade de engenhos ativos Apenas

na freguesia de Porto Calvo existia a eacutepoca 14 engenhos em atividade e um em fogo morto

Adicionando a esta soma as faacutebricas de Alagoas do Sul Alagoas do Norte e da Freguesia de

Satildeo Miguel locais onde estavam inseridos os outros portos apontados em nossa lista

chegava-se ao total de 32 engenhos operantes na regiatildeo 224

De maneira geral os engenhos estabelecidos nas capitanias do Norte da Ameacuterica

Portuguesa se fixavam em aacutereas de vaacuterzea com faacutecil acesso a rios e ribeiras de modo a

facilitar o escoamento da produccedilatildeo canavieira para seus portos de destino nas terras

alagoanas a dinacircmica natildeo era diferente Lembramos tambeacutem que a Comarca se ligava ao

sertatildeo atraveacutes de rotas terrestres e de sua rede hidrograacutefica composta por importantes rios

como o Coruripe e o Moxotoacute

Ilha de Santo Aleixo Pau Amarelo Praia da fortaleza do Brum Praia da Penha

Camaragibe Cabo de Santo Agostinho Sirinhaeacutem e Goiana se encontram atualmente na

jurisdiccedilatildeo do Estado de Pernambuco Para agrave toponiacutemia denominada ldquoUnardquo a bibliografia

consultada afirma se tratar de freguesia proacutexima a Porto Calvo em municiacutepio hoje conhecido

como Barreiros localizado no estado de Pernambuco 225

Quanto a Ilha do Nogueira tambeacutem

223

AHU ndash PE Cx 95 D 7501 224

Idem 225

Dados coletados de Ideia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexas Coleccedilatildeo Pernambuco

(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de

Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel

em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017

65

conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia

Teimosa no Recife 226

De acordo com dados levantados por Luiacutes Diogo Lobo entre Olinda e Recife os

engenhos estavam divididos nas seguintes freguesias Muribeca Cabo Ipojuca Varge Santo

Amaro de Jaboatatildeo Satildeo Lourenccedilo da Mata Nossa Senhora da Luz e Santo Antatildeo Estas

freguesias somadas possuiacuteam 90 engenhos funcionais e 17 que jaacute natildeo operavam Quanto agrave

vila de Sirinhaeacutem e seus termos contava com 43 engenhos ativos destes 10 estavam situados

na freguesia de Una 227

Goiana estava inserida na Vila de Igarassu a freguesia dispunha de

23 engenhos em atividade e um inativo Estas freguesias em sua maioria estavam localizadas

em aacutereas de faacutecil acesso ao transporte fluvial que permitiam tambeacutem que se adentrasse ao

interior do territoacuterio

Bahia da Traiccedilatildeo faz parte do estado da Paraiacuteba A listagem do governador Luiacutes Diogo

Lobo atesta que a capitania da Paraiacuteba naquele tempo contava com 20 engenhos em operaccedilatildeo

e dois em estado de fogo morto Quanto a ldquoSiaraacute Granderdquo como o nome jaacute informa se

encontra no atual estado do Cearaacute O documento de 1761 assegura que naquela capitania

havia apenas dois engenhos moentes e um inativo 228

Para o local denominado Tapagipe

ainda natildeo foi possiacutevel identificar a localizaccedilatildeo atual Como eacute possiacutevel visualizar boa parte

das localidades apontadas pelas autoridades como locais de circulaccedilatildeo de mercadorias ilegais

estavam proacuteximas a aacutereas de produccedilatildeo canavieira Aleacutem disso estes portos naturais se

situavam em maioria na regiatildeo sul da antiga capitania e possuiacuteam conexotildees com os sertotildees

atraveacutes das abundantes malhas fluviais que circundam o nordeste

Para nos ajudar a pensar espacialmente esta regiatildeo iremos fazer uso de duas imagens

A primeira uma carta topograacutefica das ldquocapitanias de que se compotildee o presente governo de

Pernambucordquo foi oferecida ao secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier

de Mendonccedila Furtado em marccedilo do ano de 1766 A carta traz detalhes a respeito dos

povoados e recantos da costa e do interior da capitania pernambucana incluindo locais

envolvidos nos circuitos do contrabando

226

PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008 227

Ainda de acordo com o documento a freguesia de Porto Calvo que atualmente faz parte do estado de

Alagoas pertencia a Vila de Sirinhaeacutem e como jaacute dito possuiacutea 14 engenhos ativos e um classificado como fogo

morto AHU ndash PE Cx 95 D 7501 228

Idem

66

Mapa 5 ndash Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766)

Fonte LAPEH ndash Laboratoacuterio de Pesquisa histoacuterica ndash Departamento de Histoacuteria CFCH UFPE

Legenda 1ndash Bahia da Traiccedilatildeo 2- Paraiacuteba 3- Goiana 4- Itamaracaacute 5- Cidade de Olinda 6- Vila de

Santo Antocircnio do Recife 7- Cabo de Santo Agostinho 8ndash Ilha de Santo Aleixo 9- Porto Calvo 10-

Entrada das Alagoas 11- Rio de Satildeo Francisco 12- Bahia de Todos os Santos

A segunda imagem trata-se de um Mapa tipograacutefico dos portos e Costa da Bahia

Olinda e Pernambuco do ano de 1776 O mapa feito por Nicolao Martinho foi encomendado

por Manoel Jozeacute de Noronha e Meneses o Conde dos Arcos como um oferecimento a seu tio

o Marquecircs de Angeja Mais complexo que a carta exposta acima o mapa mostra em detalhes

toda a Costa de Pernambuco e Bahia passando pelos atuais estados de Alagoas e Sergipe

incluindo suas vilas os rios e ribeiras e seus cursos o que nos permite ter uma melhor ideia

do espaccedilo onde ocorriam as transaccedilotildees comerciais alvo deste estudo

67

Mapa 6 ndash Mapa Tipograacutefico dos Portos e Costa da Bahia de todos os Santos

Olinda e Pernambuco (1776)

68

69

Fonte MARTINHO Nicolao Mappa tipografico dos portos e costa da Bahia de todos os Santos

Olinda e Pernambuco [Sl sn] 1776 1 mapa ms col tinta ferrogaacutelica e nanguim 51 x 159

Disponiacutevel em httpobjdigitalbnbracervo_digitaldiv_cartografiacart309964cart309964jpggt

Acesso em 01 de janeiro de 2018

A anaacutelise da documentaccedilatildeo base utilizada nesta pesquisa junto agraves duas imagens acima

nos fornecem dados para pensar em algumas hipoacuteteses sobre a circulaccedilatildeo dessas mercadorias

Acreditamos que os produtos ldquocontrabandeadosrdquo atraveacutes dos sertotildees chegavam as populaccedilotildees

de Recife e Olinda seguindo dois caminhos distintos O primeiro seria seguindo o fluxo do

Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias (destacado pela seta

vermelha no mapa 7) utilizando os caminhos jaacute bem conhecidos do comeacutercio das carnes e

couros ou seja atraveacutes das rotas do ldquoIpojucardquo e do ldquoCapibariberdquo aqui jaacute estudadas

Chegando ao litoral estas mercadorias eram desembarcadas em pequenos portos situados

preferencialmente no litoral sul de Pernambuco onde natildeo existia a fiscalizaccedilatildeo da Companhia

70

Geral A fiscalizaccedilatildeo no geral se restringia ao porto do Recife De acordo com os dados de

Luanna Ventura a entrada do porto de Recife estava localizada ao norte do forte do Brum 229

(destacado pela seta branca no mapa 7)

A segunda rota que acreditamos ter se utilizado neste comeacutercio seria a da navegaccedilatildeo

direta via costa mariacutetima entre Bahia (destacada pela seta amarela no mapa 7) e Pernambuco

Como podemos perceber atraveacutes do mapa acima existiam entre as duas capitanias uma vasta

aacuterea de Costa natildeo protegida pela empresa e como jaacute apontado neste trabalho diversas praias

do litoral pernambucano ofereciam condiccedilotildees de desembarque Esse tipo de roteiro que jaacute

aparece bem descrito em um manual de pilotagem e navegaccedilatildeo do seacuteculo XVII 230

ficava

restrito as embarcaccedilotildees maiores dada as condiccedilotildees de navegabilidade da regiatildeo Segundo o

manual a distacircncia entre Bahia e Pernambuco era de cerca de 100 leacuteguas ldquocorre a costa ateacute o

Rio de Satildeo Francisco de Nordeste sudoeste e haacute na derrota 50 leacuteguas e do Rio de Satildeo

Francisco ao Cabo de Santo Agostinho haacute 50 leacuteguas e corre a costa nordeste sudoesterdquo

Advertia ainda aos pilotos que tomassem cuidado pois ao norte do Rio de Satildeo Francisco por

volta de 5 leacuteguas existia um arrecife perigoso conhecido como ldquoBaixio de Dom Rodrigordquo 231

O processo crime em que se envolveu o senhor Manoel Ferreira dos Santos reforccedila

nosso argumento 232

pois neste caso cinco balsas carregadas de couros e solas vindas do

sertatildeo foram apreendidas junto ao rio do Jiquiaacute em Recife 233

pela desconfianccedila que as

autoridades tiveram de que as mesmas aguardavam barco para transportar tais mercadorias agrave

capitania baiana Um dos pontos utilizados na defesa do reacuteu eacute que natildeo existia no momento da

apreensatildeo nenhum barco que estivesse carregando para Bahia e que era de conhecimento

229

OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e

tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash

Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 230

Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO Antonio de Mariz

Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo

Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por Manoel da Sylva 1655 Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq== Data de acesso

01082017 231

Os Baixios de Dom Rodrigo satildeo grandes bancos de areia que estatildeo localizados a cerca de cinco quilocircmetros

da Costa do Pontal de Coruripe (Alagoas) no meio do oceano Haacute vaacuterios casos de naufraacutegio registrados no local

Conseguimos mapear junto ao nosso acervo documental um naufraacutegio ocorrido no local no ano de 1774

tratava-se do Bergantim de nome ldquoNossa Senhora da Guia e Satildeo Francisco da Paulardquo que saindo da cidade do

Rio de Janeiro com destino a Corte acabou dando de encontro com os bancos o que na ocasiatildeo levou a oacutebito 8

das 22 pessoas embarcadas De acordo com o documento as pessoas que morreram foram ldquoBaltazar Pereira dos

Reis (soacutecio do barco) o capelatildeo o escrivatildeo sota-piloto dois marinheiros uma preta e uma mulatinhardquo Fonte

AHU ndash PE Cx 117 D 8954 232

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 233

O rio do Jiquiaacute estaacute localizado no atual bairro do ldquoCordeirordquo no municiacutepio de Recife

71

geral que aquelas balsas natildeo aguentariam uma viagem ldquopara o tempestuoso mar de barra em

forardquo 234

sem danificar suas mercadorias

Como dito anteriormente a praacutetica do contrabando na capitania pernambucana

durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial estabelecido pela Companhia Geral seraacute

abrangente e disseminada No entanto os circuitos comerciais ligando as capitanias vizinhas

teratildeo papel de destaque dentro deste comeacutercio descaminhado As rotas sertanejas haacute muito

utilizadas para o comeacutercio legal das carnes passaram a operar tambeacutem com transaccedilotildees natildeo

aprovadas e o comeacutercio direto entre os vaacuterios portos do litoral pernambucano em especial

aqueles que estavam nas proximidades de engenhos e a capitania da Bahia ganharatildeo vulto

durante este periacuteodo

Assim rios e pequenos portos tanto do litoral quanto das localidades interioranas

funcionavam como vias de escoamento de toda uma gama de iliacutecitos os contrabandistas faratildeo

entrar nas Praccedilas da Bahia e de Pernambuco atraveacutes das rotas aqui descritas uma grande

quantidade de mercadorias natildeo autorizadas Estes grupos estavam cientes dos poucos riscos

de se praticar aquele comeacutercio devido a parca fiscalizaccedilatildeo exercida pela Companhia Os

circuitos comerciais desenvolvidos nas paragens sertanejas seratildeo peccedila chave na rede de

abastecimento do mercado ilegal que se estabeleceu entre Bahia e Pernambuco na segunda

metade do XVIII

A fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral comumente restringia-se ao porto do Recife por

onde deveriam ser embarcadas e desembarcadas todas as mercadorias chegadas a capitania

pernambucana Ressalta-se aqui que o monopoacutelio da Companhia natildeo se estendia aos sertotildees

como nos revela o seu documento de instalaccedilatildeo no capiacutetulo 25 Onde se afirma que

[] Eacute Vossa Majestade servido conceder-lhe o comeacutercio exclusivo das duas

capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com todos os seus distritos []

exceptua-se poreacutem o comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba para os portos do

sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco do Sul o qual seraacute livre a todas e

quaisquer pessoas como ateacute agora o tem sido 235

Como podemos observar o documento atesta que a navegaccedilatildeo feita pelos portos do

sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco permaneceria livre no entanto alguns casos

analisados por noacutes apontam que mercadorias vindas destas regiotildees muitas vezes eram

234

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 235

Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762

Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e

Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 290

72

encaradas pelas autoridades como frutos de contrabando Esta questatildeo daraacute azo para uma seacuterie

de disputas envolvendo os comerciantes sertanejos e a Companhia Geral Isto porque ao que

indicam dois processos crimes utilizados nesta pesquisa 236

a direccedilatildeo da empresa ao longo de

seus primeiros oito ou nove anos de instalaccedilatildeo natildeo se preocupou em controlar tal comeacutercio o

fazendo apenas ldquodepois daquele tempo sem mostrar ordem reacutegia que declarasse ao arbiacutetrio da

proibiccedilatildeo o artigo 25 e reprovasse a inteligecircncia e praxe dos comerciantes em tempo tatildeo

dilatadordquo 237

A Companhia passa a tomar esse controle por forccedila de um edital lanccedilado

posteriormente 238

no entanto este edital natildeo tinha forccedila de lei uma vez que tal documento

natildeo era referendando por nenhuma ordem reacutegia Esta decisatildeo da direccedilatildeo pernambucana seraacute

contestada judicialmente nos dois casos aqui jaacute mencionados pois afirmavam as defesas dos

comerciantes que tal ldquoedital da direccedilatildeo natildeo eacute lei nem assento com forccedila de lei nem os

deputados tem jurisdiccedilatildeo alguma para arrogarem a si ambiciosa e arbitrariamente o que a

instituiccedilatildeo natildeo permitiurdquo 239

e tambeacutem ldquoque a direccedilatildeo natildeo pode ampliar nem limitar os

estatutos da companhia nem proibir o que eles natildeo proiacutebemrdquo 240

Contestavam tais defesas o poder que permitia a direccedilatildeo subalterna de Pernambuco

passar por cima dos estatutos da empresa em assunto tatildeo importante como o comeacutercio sem a

deliberaccedilatildeo de uma diretiva ou ordem real Afirmavam que este comeacutercio ateacute o ano de 1770

havia se conservado livre e que era inconcebiacutevel que a direccedilatildeo sem ordem reacutegia fizesse limitar

os estatutos contrariando a liberdade de comeacutercio que desde sempre se praticava por aquelas

bandas pois o papel de ldquolimitar e derrogar leis soacute compete ao soberano legislador e natildeo aos

inferiores seus vassalosrdquo 241

Pelo que fica claro a Companhia em Pernambuco soacute passa a se preocupar com o

comeacutercio realizado nas rotas sertanejas apoacutes um periacuteodo significativo de tempo de sua

instalaccedilatildeo Muito provavelmente apoacutes estes primeiros oito ou nove anos foi possiacutevel a direccedilatildeo

da empresa perceber como estas rotas sertanejas eram importantes para economia da capitania

236

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 237

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 15 238

Natildeo foi possiacutevel identificar a data exata de tal documento no entanto de acordo com os processos aqui

citados o edital provavelmente o edital foi expedido entre 1769 e 1770 239

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 85 240

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 241

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f

85-86

73

e quatildeo grande eram as perdas que se tinham ao natildeo controlar o comeacutercio do interior em suas

ligaccedilotildees com outras praccedilas coloniais sobretudo com Bahia e Rio de Janeiro

A atitude da empresa vem atestar que os circuitos sertanejos tinham expressividade

econocircmica a eacutepoca jaacute que natildeo se teria o trabalho de coibir um comeacutercio que fosse pouco

relevante financeiramente ou mesmo desvantajoso Eacute importante destacar tambeacutem que os

limites jurisdicionais de atuaccedilatildeo da empresa natildeo estavam bem definidos nos estatutos e que o

entendimento do que poderia ser considerado como aacuterea sertaneja era bastante subjetivo

Afinal de contas como jaacute vimos natildeo se tinha um consenso a respeito do conceito de sertatildeo

Entatildeo a histoacuteria dos contrabandos aqui contada se reparte em dois momentos o

momento preacute 1770 quando a Companhia ainda natildeo exercia um controle riacutegido sobre os

sertotildees e poacutes 1770 quando a direccedilatildeo em Pernambuco passa a exercer maior poder sobre os

negoacutecios desenvolvidos naquelas paragens Explicitamos neste momento que nossa escolha

metodoloacutegica se deu no sentido de preservar os termos originais utilizados pelas autoridades

ao tratar sobre a questatildeo deste comeacutercio feito no interior destacando sempre que possiacutevel as

variaccedilotildees interpretativas entre autoridades baianas e pernambucanas No geral a denominaccedilatildeo

ldquocontrabandordquo seraacute bastante utilizada pelas autoridades mas o termo ldquodescaminhordquo tambeacutem

seraacute usado para se referir ao comeacutercio extralegal

Dessa forma o conceito de contrabando neste estudo seraacute utilizado para abrigar uma

seacuterie de casos apontados pela documentaccedilatildeo base que agregam produtos comercializados

tanta no porto do Recife por onde teoricamente deveriam ser embarcadas e desembarcadas

todas as mercadorias chegadas a capitania pernambucana quanto mercadorias vindas do

sertatildeo que tinham como destino a Bahia ou ateacute mesmo outros portos do litoral de Pernambuco

que natildeo o porto do Recife Salientando que nem tudo que em um primeiro momento eacute

apontado como contrabando pelas autoridades de fato se enquadra nesta categoria

Ressaltamos ainda que a Companhia permitia o comeacutercio sertanejo se as mercadorias

vindas daqueles locais (sobretudo couros e solas) tivessem como destino final o porto do

Recife onde seriam negociadas com a empresa Tambeacutem eacute vaacutelido pontuar que o comeacutercio das

carnes estava excetuado deste controle e continuou livre como sempre o foi A exceccedilatildeo feita

aos negoacutecios das carnes seraacute motivo de contrariedade entre os comerciantes e a direccedilatildeo da

empresa Ainda nos dois casos aqui citados as respectivas defesas iratildeo contestar a razatildeo deste

comeacutercio que tambeacutem se dava no sertatildeo ser permitido em detrimento de outros gecircneros As

ditas defesas iratildeo alegar que ldquonenhuma razatildeo haacute para que seja livre o comeacutercio da carne e natildeo

74

seja igualmente o dos courosrdquo 242

e vatildeo aleacutem afirmando que se o comeacutercio de outros produtos

era proibido ldquose havia de ser tambeacutem proibido o trazer carnes do Sertatildeo e vende-las a Bahia e

Rio de Janeiro como se fazrdquo 243

O comeacutercio legal das carnes iraacute gerar outros problemas para Companhia pois se

aproveitando do expediente de ir comerciar as carnes no sertatildeo alguns comerciantes iratildeo se

valer desta liberdade para transportar produtos vedados Eacute o que afirma em ofiacutecio do ano de

1770 o entatildeo governador de Pernambuco Manuel da Cunha Meneses ao falar sobre as

ldquoperniciosas contravenccedilotildeesrdquo que se estabeleceram entre Pernambuco e Bahia atraveacutes das rotas

sertanejas O governador neste ofiacutecio afirma que ldquoos mesmos barcos dos portos livres que

vatildeo fazer as carnes ao sertatildeo [] introduzem tambeacutem fazendas pelo Siaraacute pela vizinhanccedila de

uma capitania com a outrardquo 244

Como podemos perceber atraveacutes do exposto ateacute o momento o contrabando foi uma

praacutetica recorrente e extensiva durante o periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial exercido

pela Companhia Geral Apesar do caraacuteter disperso desse tipo de praacutetica destacam-se neste

interim os circuitos desenvolvidos entre Pernambuco e Bahia Para o periacuteodo do nosso estudo

as ligaccedilotildees comerciais entre as duas praccedilas jaacute estavam solidificadas O comeacutercio entre as

capitanias vizinhas aconteciam de acordo com nossas fontes de duas formas por via direta

atraveacutes do mar e majoritariamente pelas rotas sertanejas que no seacuteculo XVIII eram pelo

menos duas ndash o ldquoCaminho do Ipojucardquo e o ldquoCaminho do Capibariberdquo - e conectavam as duas

capitanias Tendo isto em mente no proacuteximo capiacutetulo procederemos a anaacutelise dos casos

colhidos junto ao nosso conjunto documental

242

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 69 243

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 244

AHU ndash PE Cx 108 D8371

75

3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE

PRODUTOS

31 As mercadorias

Agora que jaacute vimos as possiacuteveis rotas percorridas pelos grupos de contraventores

podemos nos ater aos casos e mercadorias que nelas circulavam Como jaacute dito anteriormente

a fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral era restrita ao porto de Recife e lembramos ainda que

apesar da Companhia natildeo deter o monopoacutelio para o comeacutercio realizado nos sertotildees a partir do

ano de 1770 a empresa de maneira geral iraacute encarar todo o comeacutercio realizado fora do porto

do Recife como passiacutevel de ser enquadrado em crime de contrabando Dessa forma podemos

observar junto a nossa documentaccedilatildeo um aumento no volume de apreensotildees a mercadorias e

embarcaccedilotildees apoacutes 1770 bem como um maior empenho das autoridades locais na repressatildeo

de tal praacutetica

O que podemos afirmar atraveacutes da investigaccedilatildeo eacute que na verdade os chamados ldquoportos

livresrdquo tambeacutem seratildeo afetados pela poliacutetica monopolizadora da Companhia Geral pois na

verdade o problema maior natildeo se encontrava na realizaccedilatildeo do comeacutercio nestas regiotildees que

como jaacute vimos existia muito antes da fundaccedilatildeo da empresa Mas sim no destino que essas

mercadorias tomavam vindo invariavelmente inundar a praccedila mercantil de Pernambuco com

produtos bem mais em conta do que os vendidos pela empresa A preocupaccedilatildeo tambeacutem se

dava em sentido contraacuterio ou seja com os produtos que saiam de Pernambuco e iam

abastecer a Praccedila baiana sem passar pelas matildeos da Companhia ou mesmo se isentando de

pagar os direitos dos contratos reais

Os produtos que circulavam entre as duas praccedilas eram diversos Iam e vinham para os

portos de Pernambuco e Bahia uma grande sorte de mercadorias Satildeo aproximadamente 19 o

total de ocorrecircncias no nosso conjunto documental onde constam informaccedilotildees precisas sobre

o material apreendido nas embarcaccedilotildees capturadas pelas autoridades Alguns desses casos

possuem em seus anexos a lista de carga ou relaccedilotildees de carga onde ficam registrados todos os

produtos transportados por aqueles barcos bem como os locais de onde vieram estas

mercadorias Nelas tambeacutem eacute possiacutevel encontrar dados sobre valores unitaacuterios e totais e ainda

a respeito de quantidades

76

Eacute possiacutevel identificar a origem do produto atraveacutes do selo da alfacircndega que nele

consta natildeo era raro que o material potencialmente descaminhado chegasse sem selo algum o

que tambeacutem eacute reportado pelas autoridades quando expediam as tais listas de cargas Em nossa

documentaccedilatildeo contamos com seis relaccedilotildees de cargas que continham produtos que foram

apreendidos pelas autoridades pernambucanas por suspeita de contrabando com selos da

alfacircndega da Bahia Tomaremos como exemplo do tracircnsito de produtos entre Bahia e

Pernambuco trecircs casos deste total a fim de ilustrar a grandiosidade deste comeacutercio

A primeira lista diz respeito a uma sumaca que em 1779 foi apreendida na praia de

Pau Amarelo em Pernambuco onde estava trocando as suas fazendas de contrabando por

gecircneros da terra ldquocomo fosse tabaco sola e melrdquo 245

Boa parte da carregaccedilatildeo desta sumaca

estava sem selo ou seja eram mercadorias que aleacutem de adentrarem ilegalmente no territoacuterio

da Companhia Geral vinham sem pagar dinheiro algum a Fazenda Real Tambeacutem foram

encontrados produtos selados pela Alfacircndega de Lisboa Segue relaccedilatildeo dos produtos

confiscados que vinham com o selo da Alfacircndega da Bahia 246

Tabela 1 - Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau Amarelo)

QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO

UNITAacuteRIO

PRECcedilO

TOTAL

6

Peccedilas de Camas Listradas 800 reacuteis 48000 reacuteis

1

Peccedila de tafetaacute azul com 21 cocircvados

240 reacuteis 21840 reacuteis

1 Retalho de druguete pardo com 15

cocircvados

300 reacuteis 4500 reacuteis

22

Peccedilas de fitas matizes 1600 reacuteis 35200 reacuteis

Fonte AHU ndash PE CX 132 D 9955

A segunda ocorrecircncia versa sobre uma embarcaccedilatildeo apreendida no mesmo ano de

1779 em Sirinhaeacutem jurisdiccedilatildeo de Pernambuco Os documentos natildeo trazem muitos detalhes

sobre o caso sabemos apenas que o mestre da embarcaccedilatildeo se chamava Antocircnio Pereira mas a

lista de cargas revela a suntuosidade deste comeacutercio Consta nessa relaccedilatildeo anexa ao

245

AHU ndash PE CX 132 D 9955 246

Medidas-padratildeo comumente utilizadas nas tabelas que trabalharemos Braccedila - 184 centiacutemetros

Cocircvados - 66 centiacutemetros Palmo ndash 22 centiacutemetros Varas - 110 centiacutemetros

77

documento nada menos que 151 tipos de produtos diferentes a exemplo do caso anterior a

maior parte estava sem selo As mercadorias que tinham selo da Alfacircndega da Bahia

encontram-se na tabela abaixo

Tabela 2 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia (Sirinhaeacutem)

QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO

UNITAacuteRIO

PRECcedilO

TOTAL

4 Peccedilas de cadiaez

800 reacuteis 3200 reacuteis

6 Peccedilas de riscado de Dio

1280 reacuteis 7680 reacuteis

6 Peccedilas de riscado de Surrate

1280 reacuteis 7680 reacuteis

43 Varas de pano de linho ordinaacuterio

180 reacuteis 7740 reacuteis

4 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com

73 varas

180 reacuteis 13140 reacuteis

5 Peccedilas de tustatildeo

Natildeo consta 17500 reacuteis

9 Varas de esguiatildeo ordinaacuterio

Peccedilas de tustatildeo 3150 reacuteis

15 Lenccedilos brancos com listras azuis

ordinaacuterios

220 reacuteis 3300 reacuteis

8 Peccedilas de riscado de Dio

1280 reacuteis 10240 reacuteis

29 Peccedilas de riscado de Surrate

1280 reacuteis 37120 reacuteis

16 Peccedilas de riscado de Linho

1800 reacuteis 28800 reacuteis

1 Peccedilas de Chita da Iacutendia

Natildeo consta 6000 reacuteis

8 Peccedilas de Chita do Norte com 64

cocircvados

2000 reacuteis 4000 reacuteis

1 Retalho de Serafina Azul com 6 cocircvados

220 reacuteis 14080 reacuteis

78

1 Retalho de Durante branco com 4

cocircvados

160 reacuteis 960 reacuteis

1 Retalho de doruguete verde traccedilado 4

cocircvados

75 reacuteis 300 reacuteis

64 Peccedilas de Balagarte

100 reacuteis 400 reacuteis

1 Peccedilas de baeta verde com 54 cocircvados

800 reacuteis 51200 reacuteis

2 Peccedilas de fita de listra azul encarnado

380 reacuteis 21280 reacuteis

2 Retalho de pano de linho ordinaacuterio com

54 varas

300 reacuteis 600 reacuteis

48 Peccedilas de Cadiaez pequenas

180 reacuteis 7720 reacuteis

21 Pares de meias de linhas

800 reacuteis 38400 reacuteis

6 Peccedilas de lenccedilo ordinaacuterio com 60 lenccedilos

240 reacuteis 5040 reacuteis

1 Retalho de brim de flores com 40

cocircvados

160 reacuteis 9600 reacuteis

10 Chapeacuteus de baeta

100 reacuteis 4000 reacuteis

17 Lenccedilos azuis de tabaco

360 reacuteis 3600 reacuteis

1 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com

34 varas

160 reacuteis 2720 reacuteis

1 () 27 varas

180 reacuteis 1755 reacuteis

5 Peccedilas de Chita da Costa

180 reacuteis 4860 reacuteis

4 Peccedilas de cadiaez 3000 reacuteis

15000 reacuteis

1 Incetada de pano de linho ordinaacuterio com

72 varas

800 reacuteis 3200 reacuteis

79

1 Peccedilas de brim cru de 48 cocircvados 180 reacuteis

4320 reacuteis

1 Peccedilas de estufo de latilde encarnado 40

cocircvados

90 reacuteis 10000 reacuteis

1 Peccedilas de carro de ouro com 40 cocircvados

250 reacuteis 20000 reacuteis

16 Peccedilas de riscado Surrate

500 reacuteis 20480 reacuteis

13 Peccedilas de riscado de Dio

1280 reacuteis 16640 reacuteis

1 Peccedilas de Riscado de Linho

Natildeo consta 1800 reacuteis

33 Peccedilas de cadiaez

800 reacuteis 26400 reacuteis

2 Peccedilas de Chita

2000 reacuteis 4000 reacuteis

7 Peccedilas de Chita da Costa

3000 reacuteis 21000 reacuteis

1 Peccedilas de lenccedilos encarnados ordinaacuterios

de tabaco

160 reacuteis 1600 reacuteis

1 Peccedilas de boceta

Natildeo consta 900 reacuteis

1 Peccedilas de chita azul do norte com 22

cocircvados

220 reacuteis 4840 reacuteis

1 Retalhos de linho ordinaacuterio com 34

varas

180 reacuteis 6120 reacuteis

5 Chapeacuteus de baeta

300 reacuteis 1500 reacuteis

44 Peccedilas de pano de linho ordinaacuterio com

2052 varas

180 reacuteis 369360 reacuteis

46 Peccedilas de bertanha de Hamburgo

1200 reacuteis 55200 reacuteis

80

9 Peccedilas de Hamburgo ou aniagem

100 reacuteis 53700 reacuteis

6 Peccedilas de Riscado Patavar

2000 reacuteis 12000 reacuteis

3 Peccedilas de Riscado de Patavar

Natildeo consta Natildeo Consta

Fonte AHU ndash PE Cx133 D 9966

Por uacuteltimo trazemos o caso de uma sumaca que segundo consta vinha do porto de Una

carregada de caixas de accediluacutecar junto a duas jangadas De acordo com o governador de

Pernambuco a eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses relator do caso a Coroa ainda natildeo havia sido

possiacutevel identificar quem era o dono da dita embarcaccedilatildeo mas os produtos vinham em sua

maioria com selo da Alfacircndega da Bahia Satildeo eles

Tabela 3 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una)

QUANTIDADE LISTA DOS PRODUTOS PRECcedilO

UNITAacuteRIO

PRECcedilO

TOTAL

13 Peccedilas de Chitas da Iacutendia Ordinaacuterias

4000 52000

78

Panos da Costa 640 49920

5

Maccedilos de fitas de linho 2400 12000

1315

Duacutezia de facas flamengas 640 84160

555

Peccedilas de Linhas de Surrales 1300 721500

421

Peccedilas de Bertanhas de Hamburgo 1200 715700

56

Peccedilas de Paniclos 1200 67200

5 Duacutezias e 5 de peles de Marroquins

6400 34665

26

Peccedilas de Chitas de Surrates 1600 41600

129

Meias peccedilas de cadeas 1300 167700

81

5

Peccedilas de Linhas de Dio 2000 10000

13

Peccedilas de Procoloacutes 1300 16700

96

Covados de Chitas do Norte 320 30720

1

Peccedilas de Druguete Rei 6000 6000

1

Peccedilas de Berlanha de Holanda 2000 2000

8

Lenccedilos Vermelhos 320 2560

8

Peccedilas de camas lavradas 10000 80000

8

Varas de Esguiatildeo 480 4080

55

Covados delu felaacute 360 1980

8

Covados de Durante 240 1920

5

Covados de Sarja 320 1600

10

Varas de estamanha 400 4000

823

Covados de Camelatildeo 180 148140

1065

Varas de pano de linho da Ilha 180 192240

855

Covados de Serquilha da Ilha 120 10260

13435 Varas de pano de linho

300 403050

38

Peccedilas de Cadeaacutes 2400 91200

6

Covados de baeta com xeste 500 3000

22 Resmas de papel florete 1000 22000

82

4

Peccedilas de Linhas Patavares 2000 8000

582

Annas de Amburgo 160 93120

79

Covados de Serguilha de Franccedila 400 31600

15

Varas de Crez 100 1500

Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9245

Podemos perceber atraveacutes das listas aqui expostas a grande variedade de produtos que

circulavam entre Bahia e Pernambuco Outro dado relevante que conseguimos inferir atraveacutes

das tabelas eacute de que esse comeacutercio descaminhado estava conectado aos circuitos mercantis

atlacircnticos o que pode ser constatado pela grande variedade de gecircneros europeus constantes

nas cargas As fazendas europeias sobretudo os tecidos que aparecem em grande monta nas

listas de carga aqui transcritas eram necessaacuterios para a realizaccedilatildeo de trocas e vendas pelos

efeitos da terra Aleacutem das fazendas jaacute citadas caixas de accediluacutecar madeira tabaco escravos

mel sola e couro seratildeo uma constante na documentaccedilatildeo

A relaccedilatildeo aqui demonstrada natildeo daacute conta da grande diversidade de produtos que

transitavam entre as duas praccedilas enfatizamos apenas aqueles que aparecem em maior grau na

documentaccedilatildeo trabalhada 247

Devemos atentar tambeacutem que para efeitos praacuteticos soacute

colocamos em nossas listas de cargas produtos que vinham selados pela Alfacircndega da Bahia

mas muito provavelmente os produtos destas embarcaccedilotildees que vinham sem selo tambeacutem

fossem provenientes das paragens soteropolitanas e de seus interiores como acontece em

outros casos do nosso acervo documental 248

Em algumas ocorrecircncias junto a descriccedilatildeo das cargas constavam tambeacutem as marcas

de seus carregadores Era comum que comerciantes possuiacutessem uma espeacutecie de marca ou

247

Os documentos que fundamentam este tracircnsito satildeo numerosos e encontram-se disponiacuteveis no AHU PE AL

e BA e nos arquivos da ANTT 248

Muitos produtos de embarcaccedilotildees provenientes da Bahia chegavam ateacute Pernambuco sem selo algum Vale

ressaltar que durante boa parte do seacuteculo XVIII Salvador funcionou como um centro distribuidor dos panos

indianos produto essencial para a compra de escravos na regiatildeo da Aacutefrica Centro-Ocidental Essas fazendas

chegavam ateacute capitania baiana atraveacutes de uma rede de contrabando que ligava diretamente as possessotildees

portuguesas da Ameacuterica e da Aacutesia Sobre isto ver ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica

Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares

Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013

83

siacutembolo que eram inseridas em suas mercadorias para identificar seus produtos e facilitar as

transaccedilotildees junto a seus comissaacuterios e representantes Na nossa documentaccedilatildeo essas marcas

aparecem principalmente nas situaccedilotildees onde as investigaccedilotildees aconteceram de maneira mais

acurada Nesses casos aleacutem de relacionar as mercadorias colocava-se ao lado o siacutembolo ou

marca que nele aparecia e se possiacutevel o nome do dono Nem sempre as autoridades eram

capazes de identificar a quem pertencia determinada marca ou siacutembolo devido a

grandiosidade do mercado e de serem muitos os comerciantes atuantes na capitania

Figura 1 ndash Exemplo de marcas encontradas na documentaccedilatildeo (destacados)

Fonte AHU- PE Cx 137 D 10234

Infelizmente nem todos os relatos de contrabando trazem grande riqueza de detalhes

acerca dos eventos Isto porque nem sempre se faziam as devassas dessas embarcaccedilotildees

apreendidas e tambeacutem porque boa parte desses barcos citados pelos agentes reais natildeo

chegaram de fato a serem confiscados apenas tendo estes oficiais notiacutecias sobre os

descaminhos No entanto possuiacutemos alguns casos no nosso acervo que nos fornecem maiores

informaccedilotildees e que nos parecem ser importantes para a visualizaccedilatildeo de um panorama mais

abrangente da natureza dos descaminhos praticados nestas paragens Para efeitos praacuteticos os

organizaremos aqui sobre a forma de tabela

84

Tabela 4 ndash Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas

Legenda PO = Porto de Origem P A = Porto de Apreensatildeo P D = Porto de Destino Fonte AHU

ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 133 D 10003 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash BA Cx 181

D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 137 D 10197

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria

da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2

Eacute claro que esta tabela natildeo eacute capaz de expressar todo o volume do comeacutercio abordado

nesta pesquisa nela natildeo constam diversas outras ocorrecircncias que nos utilizamos ao longo da

redaccedilatildeo deste trabalho bem como natildeo demonstra as minuacutecias de cada caso mas ela nos serve

para pensar a ordenaccedilatildeo deste comeacutercio Como podemos observar boa parte das embarcaccedilotildees

NOME TIPO

MESTRE

PILOTOMARINHEIROS DONO P O P A P D

Galiatildeo Navio

Numeriano Gregorio

Joze da Sylva Navio Real Lisboa Recife LisboaO Senhor do Bom Jesus

das Portas Nossa

Senhora do Pilar -

Xibante Sumaca Manoel Francisco Manoel Vieira de Mello Jaguaribe Recife Bahia

Navio Novo Natildeo consta Natildeo consta

Diogo Francisco dos

Santos Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo constaNossa Senhora da

Conceiccedilatildeo Santo

Antonio e Almas Sumaca Joaquim Antonio Antonio Joze Roberto Bahia Goiana Natildeo consta

Aacuteguia do Doiro

Lancha

(pertencente a

corveta da

Companhia

Geral Aacuteguia

do Doiro) Antonio Gomes Viana Navio Real Porto - Portugal Praia da Fortaleza do Brum Natildeo consta

Jaguaribe Sumaca

Antonio Joze dos

Santos

Manoel Roiz

Lemanha e Francisco

de Passos Vianna Natildeo consta

Camarajibe - Distrito de Porto

Calvo Natildeo consta

Sagrada Famiacutelia Sumaca

Manoel Coelhos

Francisco Joze

Cardoso Manoel de

Souza e Henrique

Antonio Natildeo consta Natildeo consta Recife Bahia da TraiccedilatildeoSenhor do Bonfim Santo

Antonio e Almas Sumaca Manoel Pavatildeo Gouvea

Joatildeo Antonio

Rodrigues Natildeo consta Ilha de Santo Aleixo Bahia Nossa Senhora do

Rozaacuterio Flor de Satildeo

Miguel Sumaca Joseacute Gonccedilalves

Comerciante da

Bahia Natildeo consta Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta

Natildeo Consta Sumaca Antonio Dias Santiago

Jacomo Rumachi

Della Praccedila Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta

Natildeo Consta Sumaca

Ignacio Vicente

Fernandez

Joseacute ou Fulano de

Arauacutejo Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta

Natildeo Consta Balsas

Luiz de Franccedila

Cordeiro Manoel de

Jesus Ramos Joseacute

Rodrigues da Silva

Manoel Martins de

Almeida

Manoel Antonio dos

Santos sertatildeo Ilha do Nogueira Bahia

Escuta em Roma Natildeo consta Natildeo consta Joseacute de Aragatildeo Bahia Uma Bahia

85

que se empregavam neste ramo mercantil eram categorizadas como sumacas As sumacas

eram pequenos veleiros utilizados principalmente na navegaccedilatildeo de cabotagem

Em ofiacutecio do ano de 1775 em que o governador de Pernambuco comunica ao

secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar do Reino o envio de homens para a capitania do

Rio de Janeiro este iraacute afirmar que remeteu ldquoAo Marquecircs cento e oito marinheiros a saber

quarenta e oito por quatro sumacas em razatildeo de natildeo haver navio grande que os pudesse

transportar todosrdquo 249

Fazendo uma conta de divisatildeo baacutesica temos como resultado que a

capacidade destas embarcaccedilotildees girava em torno de 12 homens o que nos parece um resultado

bem razoaacutevel e coerente com os casos em que possuiacutemos o nuacutemero de marinheiros por

embarcaccedilatildeo

Neste mesmo documento Joseacute Cesar de Meneses remete mapa das embarcaccedilotildees

marinheiros e pescadores que possuem a capitania de Pernambuco a Corte Declara o

governador haver na ocasiatildeo sessenta e nove sumacas na capitania divididas da seguinte

forma

Tabela 5 - Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos portos do

Brasil

LOCAL QUANTIDADE

RECIFE

52

SIRINHAEM

3

IGARASSU

2

MEIRIM

1

SANTA LUZIA

4

GOIANAITAMARACAacute

2

RIO GRANDE

3

RUSSAS

1

249

AHU ndash PE Cx 120 D 9196

86

PARAIacuteBA

1

TOTAL

69 SUMACAS

Fonte AHU ndash PE Cx 120 D 9196

O documento eacute importante pois nos lanccedila pistas sobre o volume das sumacas

existentes na capitania aleacutem de nos informar que esta era o principal tipo de embarcaccedilatildeo

utilizada pelos comerciantes pernambucanos uma vez que no mesmo mapa na categoria de

ldquoclassesrdquo soacute constam mais dois tipos de barcos as corvetas que estatildeo em nuacutemero de seis e as

galeras com um uacutenico exemplar Ou seja praticamente todo o comeacutercio de navegaccedilatildeo seja

ele liacutecito ou natildeo feito em Pernambuco e suas anexas era realizado atraveacutes das sumacas que

como jaacute visto eram embarcaccedilotildees mais apropriadas para o comeacutercio de cabotagem

32 Os casos

Agora que jaacute sabemos quais produtos circulavam por estas rotas podemos nos deter

com mais detalhes na anaacutelise de alguns dos casos mais peculiares encontrados em nosso

acervo Devemos lembrar que a partir da segunda metade do seacuteculo XVIII a Coroa buscou

controlar de forma mais efetiva suas conquistas no Ultramar O comeacutercio nas colocircnias seraacute

alvo preferencial das poliacuteticas centralizadoras empreendidas neste contexto O ministro de D

Joseacute I iraacute demandar preciosa atenccedilatildeo agrave atividade comercial na tentativa de resgatar e reerguer o

comeacutercio com suas colocircnias o marquecircs buscaraacute se associar ao grupo mercantil que a eacutepoca jaacute

detinha vultosos cabedais passa entatildeo a conceder-lhes favores e privileacutegios antes reservados a

uma elite ligada a terra

O periacuteodo pombalino seraacute marcado pela alianccedila que iraacute unir a Monarquia ao grupo

mercantil 250

As mudanccedilas preconizadas por Pombal seratildeo fundamentais para a integraccedilatildeo

desses homens a chamada elite colonial Neste momento as capitanias mais destacadas do

Norte da Ameacuterica Portuguesa jaacute contavam com uma rede complexa de comeacutercio que se

estendia do Ultramar ao interior como assegura Russel-Woody ao afirmar que ldquoSalvador e

250

SAMPAIO Antonio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio e a coroa na construccedilatildeo das hierarquias sociais O

Rio de Janeiro na primeira metade do seacuteculo XVIII In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs)

Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 2010 P 462-463

87

Recife natildeo se apresentavam mais como meros portos de entrada para pessoas acometidas pela

febre do ouro expandindo igualmente seus alcances em relaccedilatildeo aos mercados internos para

produtos europeus e escravos africanosrdquo 251

Essa nova configuraccedilatildeo social que insere os homens de negoacutecio na elite traraacute junto a

si uma remodelagem nos equiliacutebrios sociais que foram construiacutedos ao longo da colonizaccedilatildeo

O que por ventura iraacute acarretar uma seacuterie de disputas entre os grupos que compunham esta

elite de um lado a nobreza da terra elite tradicional e histoacuterica do outro os homens de

negoacutecio elite mercantil indispensaacutevel para a execuccedilatildeo das reformas empreendidas pelo

governo pombalino O papel da Coroa nesse interim seraacute o de mediar os interesses e

apaziguar os conflitos agindo no sentido de garantir o funcionamento do sistema 252

A dinacircmica do comeacutercio em Pernambuco durante o periacuteodo estudado eacute complexa De

um lado temos um grupo mercantil jaacute bem estabelecido e detentor de amplo capital do outro

lado temos a implementaccedilatildeo na segunda metade do XVIII de dois organismos reguladores

do comeacutercio colonial a Mesa de Inspeccedilatildeo 253

e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba

Instituiccedilotildees criadas pela metroacutepole com o objetivo de assegurar maior controle sobre a

circulaccedilatildeo de riquezas dentro do Impeacuterio Portuguecircs canalizando-as para o Reino

Uma contradiccedilatildeo notoacuteria se estabelece entre os interesses reais e os interesses

coloniais Segundo a documentaccedilatildeo trabalhada e os recentes estudos sobre administraccedilatildeo

portuguesa no Ultramar percebemos que em Pernambuco tambeacutem se desenvolveu o processo

de aparelhaccedilatildeo das instituiccedilotildees administrativas ao atendimento dos interesses locais 254

Longos anos de autonomia das elites de Pernambuco de praacuteticas de direito oriundas de

questotildees especificas do cotidiano da Capitania de formas de realizar a riqueza no acircmbito do

local promoveram como era de se esperar muacuteltiplas reaccedilotildees

No bojo destas questotildees o contrabando como estrateacutegia de se esquivar do controle

imposto pela Coroa ganha forccedila Comecemos entatildeo a tratar sobre o contrabando de caixas de

accediluacutecar um dos produtos mais descaminhados do periacuteodo Muitos senhores de engenho se

251

WOOD-RUSSEL AJR Centros e periferias no Mundo Luso-Brasileiro1500-1808 Revista Brasileira de

Histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 n 361998 P 29 252

SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Op Cit P 462 253

A mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e Tabaco eacute criado em Pernambuco no ano de 1752 a instituiccedilatildeo reguladora

tinha como prerrogativa controlar a qualidade do accediluacutecar e do tabaco produzidos e comercializados na capitania

evitar fraudes e contrabandos agindo ainda na fiscalizaccedilatildeo e fixaccedilatildeo dos preccedilos bem como atuar no sentindo de

aumentar a cultura do accediluacutecar na capitania 254

SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do Recife agrave poliacutetica

pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime poderes e sociedades

Lisboa 2005 P 4

88

arriscaram em transaccedilotildees de venda direta de suas safras a comerciantes baianos Esses

produtores certamente se sentiam vexados em seus negoacutecios com a empresa jaacute que por

muitas vezes a direccedilatildeo da Companhia se negava a pagar o preccedilo estabelecido pela Mesa de

Inspeccedilatildeo bem como pagar os subsiacutedios sobre o produto que eram de sua responsabilidade O

contrabando com a Bahia aleacutem de dirimir os prejuiacutezos desse grupo tinha a vantagem de ser a

feito a dinheiro e natildeo a creacutedito fazendas ou letras como costumava fazer a Companhia

praacutetica que foi arduamente criticada pelos senhores de engenho ao longo do monopoacutelio

daquela empresa

Diversas satildeo as ocorrecircncias encontradas na documentaccedilatildeo que fundamentam nossa

afirmaccedilatildeo O contrabando de accediluacutecar era tatildeo notoacuterio e puacuteblico que no ano de 1780 o

contratador do subsiacutedio de accediluacutecar de Pernambuco pediu auxilio de tropas pagas ao

governador para que seus prejuiacutezos fossem dirimidos Segundo o contratador ele

experimentava muitos prejuiacutezos no dito contrato pois da Bahia vinham muitos barcos ldquoa esta

capitania carregar efeitos para aquela cidaderdquo 255

Afirmando o mesmo que jaacute haviam saiacutedo

naquele tempo de Pernambuco para Bahia ldquoquatro sumacas carregadas aleacutem de uma que

naufragourdquo 256

Ainda no mesmo ofiacutecio o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ter atendido ao

requerimento do contratador lhe concedendo ldquo24 soldados e um cabo os quais seguiram para

a vila das Alagoas a fim de evitar os extravios do accediluacutecarrdquo 257

Chegando a Ilha de Santo

Aleixo foram informados sobre duas sumacas que praticavam o pernicioso comeacutercio uma

das embarcaccedilotildees ldquocom muita prestezardquo conseguiu fugir soacute sendo possiacutevel capturar a outra

Esta outra embarcaccedilatildeo tinha por mestre Manoel Pavatildeo ldquoaquele celebre Pavatildeo que se tem feito

conhecido pelo exerciacutecio de extraviador de accediluacutecares desta capitania para Bahiardquo 258

que

aparece referenciado acima na tabela 1

De fato o nome do piloto Manoel Pavatildeo apareceraacute em outro ofiacutecio um ano antes

quando o Ouvidor das Alagoas Comarca anexa a Pernambuco iraacute relatar ao governador Joseacute

Cesar de Meneses sobre a audaacutecia praticada pelos mestres de embarcaccedilotildees e suas companhias

que se dedicavam ao comeacutercio descaminhado dando destaque naquela situaccedilatildeo para a figura

255

AHU ndash PE Cx 137 D 10197 256

Idem 257

Idem 258

Idem

89

de Pavatildeo O mestre acabou sendo preso naquela ocasiatildeo e condenado a pagar pena na cadeia

de Recife pelo crime de ldquoextraviador de efeitos para fora desta capitaniardquo 259

Segundo a devassa tirada pelas autoridades Pavatildeo era um sujeito de 44 anos casado

branco natural da Ilha de San Miguel e que ldquovivia de andar embarcado por mestre de

sumacasrdquo 260

Haacute dois anos se encontrava empregado no posto de mestre da sumaca

apreendida e durante este tempo fez nela seis viagens Sendo quatro viagens para as Alagoas

aportando em Jaraguaacute e duas viagens a Cururipe lugares do governo da capitania de

Pernambuco No processo tambeacutem consta que o mestre carregara durante essas seis viagens

90 caixas de accediluacutecar bem como madeiras que foram desembarcadas as primeiras levas no

Trapiche de Maciel (Bahia) e a uacuteltima a bordo de um navio no porto da Bahia estrateacutegia

utilizada pelo piloto para fugir da fiscalizaccedilatildeo que o governador baiano estava promovendo na

ocasiatildeo

Quando da ldquotomadia da sumacardquo em que era mestre a dita estava carregada com dez

caixas de accediluacutecar 261

que segundo Pavatildeo seriam levadas a Bahia mas antes ele pretendia fazer

uma parada no porto de Cururipe a fim de carregar madeiras O caso de Pavatildeo natildeo foi

exceccedilatildeo em nosso acervo contamos com outros documentos em que mestres ou marinheiros

destas sumacas acabam sendo detidos e se inicia processo investigativo para posterior

julgamento esse tipo de documento atesta como este ramo potencialmente ilegal do

mercadejar acabou se tornando meio de vida para uma parcela significativa de indiviacuteduos que

engendrados em suas teias faziam da ilicitude rotina Como no caso de Pavatildeo que como era

sabido pelas autoridades reais ldquohaacute anos se ocupardquo do exerciacutecio de extraviador

Muitos foram os ofiacutecios trocados entre as autoridades pernambucanas e a Corte a

respeito das medidas para tentar evitar o grande extravio de accediluacutecar durante o periacuteodo Em

ofiacutecio do ano de 1778 por exemplo o governador Joseacute Cesar de Meneses se queixaraacute da

ldquoescandalosa relaxaccedilatildeo com que nesta capitania se estatildeo fazendo os maiores contrabandos e

extravios de accediluacutecar e outros gecircnerosrdquo 262

que tinham como destino ldquoo porto da Bahia e outros

do continente da Ameacutericardquo 263

Para continuarmos no ano de 1778 em ofiacutecio enviado ao

Reino pelo ouvidor da Comarca das Alagoas este iraacute afirmar que na praia da Barra-Grande

haviam cerca de 100 caixas de accediluacutecar apreendidas a diversos comerciantes que a direccedilatildeo da

259

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 260

Idem 261

O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria

no momento da apreensatildeo 262

AHU ndash PE Cx 131 D 9892 263

Idem

90

Companhia deveria ldquomandar conduzir sem perda de tempo por seu proveitordquo 264

jaacute que as

mesmas estavam mal condicionadas e corriam o risco de se estragar

Em outro ofiacutecio em que trata do mesmo tema o ouvidor daacute detalhes sobre os

descaminhos de accediluacutecar realizados atraveacutes da Ilha de Santo Aleixo e da freguesia de Una

relatando a ousadia desses grupos que se utilizavam de diversas artimanhas para se verem

livres dos embaraccedilos causados no caso de apreensatildeo Afirma o oficial que os grupos

envolvidos naquele tipo de comeacutercio estavam ldquocada vez mais animados e atrevidos procuram

a saiacuteda dos efeitos por todos os modos e artes e forccedila pois jaacute se preparam armados e

associados para resistiremrdquo 265

A audaacutecia destes homens era tamanha que por vezes mesmo

apoacutes a apreensatildeo de seus barcos e caixas de accediluacutecar se empenhavam de todos os modos para

recuperar as mercadorias ou simplesmente fugir da tutela das autoridades como podemos

perceber em dois casos relatados pelo mesmo ouvidor da Comarca de Alagoas

O primeiro diz respeito a uma sumaca de invocaccedilatildeo Nossa Senhora do Rosaacuterio Flor de

Satildeo Miguel de quem era dono um comerciante na Bahia Ao entrar no porto de Barra Grande

a sumaca passou por fiscalizaccedilatildeo do meirinho geral da correiccedilatildeo que lhe apreendeu doze

caixas de accediluacutecar 266

bem como por medida de precauccedilatildeo e seguindo as ordens do ouvidor lhe

foi retirado o leme e colocado em poder de um morador da praia vizinha O ouvidor durante

este processo prontamente fez expedir ordem para o procurador da Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba por em arrecadaccedilatildeo as caixas de accediluacutecar apreendidas No entanto a

astuacutecia dos contrabandistas era tanta que ldquoem noite de 3 de abril precedente o mestre e a

maior parte de sua companhia vieram a terra e violentamente arrancaram o leme e

conduzindo-o a bordo levantaram acircncorardquo 267

de acordo com o ouvidor seguiram para a ldquoIlha

de Santo Aleixo porto livre e seguro destes levantadosrdquo 268

O segundo caso relatado eacute ainda de maior atrevimento Duas sumacas pertencentes a

comerciantes da Praccedila pernambucana ambas com despacho para Bahia deram fundo no porto

de Santo Antocircnio Grande Passando pela fiscalizaccedilatildeo se apreendeu junto a primeira sumaca

30 caixas de accediluacutecar jaacute a segunda ldquose achava em lastrordquo 269

ou seja estava naquele momento

sem mercadorias Na tentativa de se prevenir possiacuteveis fugas as autoridades retiraram os

264

AHU ndash AL Cx 3 D220 265

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 266

O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria

no momento da apreensatildeo 267

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 268

Idem 269

Idem

91

panos das velas das duas embarcaccedilotildees e mais uma vez foi comunicado a Companhia a

apreensatildeo das duas embarcaccedilotildees

O mestre da segunda embarcaccedilatildeo requereu diversas vezes autorizaccedilatildeo para carregar

em Pernambuco ldquoe por que se obrigou a dar fianccedila o procurador da Companhia nesta feacute lhe

baldeou para a sumaca as 30 caixas apreendidas na outrardquo 270

no entanto antes que se

concluiacutesse a carga o mestre e o restante dos marinheiros foram a terra e arrombaram a casa do

depoacutesito ldquodonde sacaram o pano que conduzido a bordo e acabado de carregar com caixas dos

contrabandistas deram a vela para a cidade da Bahiardquo 271

tudo isto ocorreu durante a noite

agindo o grupo sem ser percebido

Em ofiacutecio tambeacutem do ano de 1778 da Junta da Companhia em Portugal enviada ao

governo de Pernambuco eacute relatado caso de semelhante audaacutecia Afirma a Junta que estando

duas sumacas no Cabo de Agostinho em Pernambuco carregando caixas de accediluacutecar e outros

efeitos foi o Guarda Mor da praccedila ateacute elas fazer a apreensatildeo do dito material no entanto o

mestre da primeira sumaca em que entrou o Guarda ldquonatildeo soacute o resistiurdquo 272

a apreensatildeo como

tambeacutem apoacutes iccedilar a vela da embarcaccedilatildeo quis lanccedilar o Guarda Mor ao mar o que soacute natildeo fez

ldquopor compaixatildeordquo 273

o mandando lanccedilar em terra

Neste mesmo documento eacute relatada outra artimanha utilizada pelos contraventores

Nele eacute narrado que sendo apreendido um barco que tinha como porto de origem a Bahia

carregado com 37 caixas um feixe e um cunhete de accediluacutecar e mais 126 couros salgados na

embarcaccedilatildeo foram encontrados ldquodois despachos um de madeira para a dita cidade e outro

para o caso de ser apreendido dizer que trazia os ditos efeitos para Pernambucordquo 274

O mestre

desta embarcaccedilatildeo segundo as autoridades era um contrabandista experiente no mesmo ano

segundo consta no documento o tal mestre havia desembarcado perto da praia de Maria de

Farinha em Pernambuco ldquofazendas e escravosrdquo 275

Parece que a fuga da tripulaccedilatildeo apoacutes a apreensatildeo natildeo era coisa rara pois encontramos

em 1769 relato do governador de Pernambuco a eacutepoca o Conde de Povolide afirmando que

havia expedido ordens para que se apreendesse uma sumaca que estava no porto de

Camaragibe carregando caixas de accediluacutecar enviando para tal serviccedilo o Porta Bandeira

Francisco de Oliveira Chegando ao local o oficial fez o sequestro da embarcaccedilatildeo que no

270

Idem 271

Idem 272

AHU ndash PE Cx128 D 9737 273

Idem 274

Idem 275

Idem

92

momento da apreensatildeo estava carregada com 18 caixas e dois feixos de accediluacutecar 276

e prendeu

na mesma ocasiatildeo o mestre da embarcaccedilatildeo o senhor Joseacute dos Santos

No entanto por ldquodescuidordquo ou ldquomaliacuteciardquo dos sentinelas que faziam a guarda do preso

este conseguiu escapar indo ateacute sua sumaca e empreendendo fuga Poreacutem ldquoao sair da baiacutea

pela perturbaccedilatildeo que lhe causava a fuga deram em uns recifes de pedrasrdquo 277

Mesmo assim a

tripulaccedilatildeo conseguiu fugir utilizando as lanchas da embarcaccedilatildeo ldquotomando o caminho da

Bahia fugitivosrdquo 278

Os oficiais reacutegios envolvidos no caso tentaram ainda ir atraacutes da

tripulaccedilatildeo mas natildeo foi possiacutevel ldquopor irem jaacute mui avanccedilados na retiradardquo 279

ficando para traacutes

apenas um marinheiro ldquoque cansou no caminhordquo 280

e que foi levado para a cadeia da vila

Por vezes os contrabandos de accediluacutecar e de outros gecircneros entre as capitanias de Bahia

e Pernambuco iratildeo gerar certo conflito entre as autoridades das capitanias vizinhas que ao

que a documentaccedilatildeo tem nos mostrado usualmente discordavam sobre a questatildeo dos limites

territoriais e fiscais circunstacircncias e locais que caracterizavam o contrabando Devemos levar

em conta que as situaccedilotildees de mercado de Bahia e Pernambuco a eacutepoca eram bastante

distintas pois mesmo tendo sido capital da colocircnia ateacute o ano de 1763 e importante praccedila

comercial durante o XVIII a Bahia natildeo contava com uma companhia monopolizadora tendo

como instituiccedilatildeo fiscalizadora apenas uma Mesa de Inspeccedilatildeo 281

Dessa forma natildeo estava a

Bahia sujeita as regulamentaccedilotildees e restriccedilotildees comerciais impostas a Pernambuco e suas

anexas

Vejamos com maiores detalhes o caso da sumaca Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo Santo

Antocircnio e Almas conhecida com a ldquoescorregardquo que foi uma dessas ocorrecircncias envolvendo

controveacutersias entre as autoridades de Bahia e de Pernambuco arrolada por noacutes O imbroacuteglio

comeccedila com a apreensatildeo da embarcaccedilatildeo no dia dois de abril de 1780 quando o entatildeo

governador da capitania pernambucana Joseacute Cesar de Meneses apoacutes receber denuacutencia do

Intendente da Companhia Geral acerca de uma sumaca vinda da Bahia que estava ancorada

276

O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria

no momento da apreensatildeo 277

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 278

Idem 279

Idem 280

Idem 281

Sobre isto ver KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da

Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime

poderes e sociedades Lisboa 2005 P 1

93

no distrito de Goiana a carregar caixas de accediluacutecar envia um tenente e oito soldados de tropas

pagas ao local para fazer a apreensatildeo e tomar as providecircncias cabiacuteveis 282

Apoacutes a apreensatildeo a embarcaccedilatildeo que pertencia ao negociante baiano Antocircnio Joseacute

Roberto eacute enviada para a Vila de Recife onde Joseacute Cesar solicita que o juiz de fora do local

faccedila inventaacuterio de toda a carga confiscada Depois desse primeiro passo as caixas de accediluacutecar

encontradas na embarcaccedilatildeo satildeo avaliadas pelo presidente da Mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e

Tabaco e por fim a carga completa eacute enviada para os depoacutesitos da Companhia Geral que seria

depositaacuteria da mesma ateacute o momento da decisatildeo real No momento da apreensatildeo a sumaca

estava carregada com 81 caixas de accediluacutecar escravos cunhetes feixos de accediluacutecar e outras

miudezas como ldquoum barril de mel latas de tabaco duas peccedilas de cetim azul com flores

brancasrdquo 283

a lista de ldquomiudezasrdquo eacute grande assim como a confusatildeo gerada pelo caso

A carga retida era significativa o inventaacuterio expotildee que as mercadorias pertenciam a

carregadores diversos o que iraacute dificultar a identificaccedilatildeo destes homens aleacutem disso esta

tarefa se tornava mais complicada ldquopor costumar ser aqueles homens sertanejos que dela vem

de partes muito remotas a comprar fazendas para andarem mascateando pelos dilatados

sertotildees deste continenterdquo 284

As autoridades locais natildeo foram capazes de reconhecer todas as

marcas inseridas nos produtos e nem o dono da embarcaccedilatildeo se demonstrou interessado em

colaborar

Destacamos que a sumaca tambeacutem estava transportando passageiros que levavam

consigo cargas particulares este fato intricou ainda mais o processo pois se fez necessaacuterio

separar e inventariar estes volumes tambeacutem Os produtos e mercadorias transportados por

aquelas pessoas eram diversos A lista incluiacutea artigos como couros farinha manteiga armas

somas em dinheiro entre outros Alertamos tambeacutem para a presenccedila de carga humana o

capitatildeo Gabriel Alvarez Lima por exemplo levava ldquo17 escravos novos a saber 9 fecircmeas e 8

machosrdquo 285

outro viajente o Sr Antocircnio Pereira de Melo carregava ldquo7 escravos novos e um

ladinordquo 286

aleacutem destes dois exemplos no momento da apreensatildeo outros passageiros tambeacutem

transportavam na ldquoescorregardquo seus escravos particulares

Respondendo ao primeiro contato do governador pernambucano o Conselho

Ultramarino em 9 de julho de 1780 aprova suas accedilotildees e demandam que toda a carga fosse

282

AHU- PE Cx 136 D 10147 283

AHU- PE Cx 137 D10234 284

AHU- BA Cx 181 D 13481 285

AHU- PE Cx 136 D 10147 286

Idem

94

transferida para posse do desembargador intendente geral dos contrabandos ateacute que a devassa

iniciada na Bahia estive concluiacuteda Paralelamente a devassa baiana Joseacute Cesar lanccedila

instruccedilotildees para que o ouvidor da Paraiacuteba instaure na comarca tambeacutem uma devassa para

averiguar o caso Neste interim o dono da embarcaccedilatildeo o Sr Antocircnio Joseacute Roberto solicita

ao governador que a sumaca lhe fosse devolvida para que ele natildeo amargasse tantas perdas

com a embarcaccedilatildeo parada O pedido eacute atendido mediante pagamento da quantia de um conto e

vinte e cinco mil reis segurado por ldquofiadores idocircneosrdquo da praccedila Vale ressaltar que junto ao

valor da embarcaccedilatildeo se acresceu o valor de quatro escravos ldquoa ela pertencentesrdquo 287

Natildeo temos conhecimento a respeito da devassa iniciada pelo ouvidor da Paraiacuteba nem

mesmo se em algum momento ela chegou a se realizar 288

Jaacute sobre a devassa ocorrida na

Bahia possuiacutemos maiores detalhes A embarcaccedilatildeo que tinha como mestre no momento da

apreensatildeo Joaquim Antocircnio recebeu guia autorizando sua partida de Salvador em lastro isto

eacute sem mercadorias Durante o periacuteodo de averiguaccedilatildeo da situaccedilatildeo o dono da sumaca foi

preso no entanto antes que se fosse decidido sobre os rumos do processo o mesmo pagou

fianccedila e foi liberado 289

Durante o processo de devassa foi lavrado um libelo acusatoacuterio culpando o reacuteu pelo

crime de contrabando Os ministros que cuidaram do caso afirmavam neste documento que

Antocircnio Joseacute Roberto teria despachado a ldquoescorregardquo em lastro ldquopara vila de Goiana com o

pretexto de ir conduzir efeitos para esta cidaderdquo 290

por isso teria o acusado conseguido junto

agrave alfacircndega passaporte e os despachos necessaacuterios 291

middot No entanto durante a anaacutelise do caso

parece claro para os ministros que o dono da embarcaccedilatildeo havia agido ldquocom dolo manifestordquo

pois ldquofizera navegar por aquele mesmo tempo a dita sumaca carregada de escravos fazendas

caixas de accediluacutecar feixes cunhetes e outras miudezasrdquo 292

das quais natildeo possuiacutea as guias nem

os despachos necessaacuterios

Os ministros tambeacutem afirmam que o porto de Goiana fazia parte da aacuterea monopolizada

pela Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba logo ldquonatildeo podia o reacuteu nem devia fazer

conduzirrdquo 293

da Bahia para laacute as mercadorias encontradas a bordo da sumaca Este fato era de

287

AHU ndash PE Cx 137 D 10234 288

Ateacute o momento soacute foi possiacutevel localizar nos arquivos documentos que atestam a ordem dada pelo governador

Joseacute Cesar de Meneses ao Ouvidor da Paraiacuteba no entanto natildeo sabemos se esta foi atendida nem o que dela se

apurou 289

AHU- BA Cx 181 D 13481 290

Idem 291

Idem 292

Idem 293

Idem

95

conhecimento geral pois existiam ldquomuitas ordens expedidas sobre a mesma proibiccedilatildeordquo por

isso Antocircnio Joseacute Roberto estava ldquoincurso nas penas de perdimento (das mercadorias) e as

mais estabelecidas ao mesmo respeito pelo foral da alfacircndega enquanto aos ditos despachos e

direitos que se deveriam pagarrdquo 294

Fica evidente na documentaccedilatildeo que o comerciante baiano era um homem articulado e

que possuiacutea bons contatos dessa forma o mesmo recorre do libelo acusatoacuterio expedido a

princiacutepio Sua defesa se centrou em trecircs pontos O primeiro deles afirmava que era costume

amplamente praticado principalmente no caso de sumacas despacharem em lastro e depois

receberem mercadorias O reacuteu afirmou que as guias de tais produtos natildeo eram tiradas pois

ldquoera costume praticado por todos natildeo levarem guias das fazendas carregadas para os sertotildees e

lugares onde natildeo haacute alfacircndegasrdquo 295

e declarou ainda que ldquonatildeo haacute proibiccedilatildeo alguma de

carregar fazendas e outros efeitosrdquo 296

para os sertotildees jaacute que estes jaacute tinham pagado os

direitos fazendaacuterios nos seus portos de origem por isso ldquoa todos era permitida essa liberdaderdquo

297

Cabe destacar que no seu discurso de defesa o reacuteu insiste em frisar que o porto de

Goiana era um porto sertanejo logo natildeo sujeito ao monopoacutelio comercial praticado pela

Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto sabia que os limites de accedilatildeo

da empresa natildeo se estendiam as terras dos sertotildees No entanto eacute curioso observar que ainda

em sua defesa o acusado iraacute afirmar ter recebido notiacutecia de ldquopessoas fidedignas de

Pernambucordquo 298

que a Companhia estava extinta e que por isso se animou em carregar sua

embarcaccedilatildeo para a capitania de Pernambuco Tambeacutem declarou a seu favor que quando ficou

sabendo que a empresa ainda existia natildeo vendeu as mercadorias na capitania pernambucana

logo natildeo teria cometido o crime de contrabando

Ora os discursos se natildeo contraditoacuterios ao menos satildeo incongruentes em primeiro lugar

afirmou o negociante que aquele tipo de comeacutercio praticado nos ldquosertotildeesrdquo era livre a todos

depois declarou natildeo ter vendido suas mercadorias em Goiana para natildeo ofender o monopoacutelio

da Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto na tentativa de obter

294

Idem Sobre funcionamento administraccedilatildeo e regulamento da Alfacircndega de Pernambuco no seacuteculo XVIII

consultar OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e

tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash

Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 295

AHU - BA Cx 181 D 1348 296

Idem 297

Idem 298

Idem

96

absolviccedilatildeo a todo custo se utiliza das duas foacutermulas de forma que se a primeira falhasse

ainda ficava o reacuteu resguardado de natildeo ter praticado descaminhos da Real Fazenda

Outro ponto explorado pelos advogados do acusado em sua defesa diz respeito ao fato

de que o Procurador Geral da Companhia o senhor Manoel Joseacute de Carvalho natildeo reclamou

durante o processo de construccedilatildeo da devassa os direitos devidos da empresa no caso mesmo

que este pedido tenha sido feito pelos ministros que julgaram a situaccedilatildeo Natildeo sabemos se por

omissatildeo por conluio ou mesmo por natildeo acreditar ter se cometido no caso o crime de

contrabando o procurador nada declara a favor da empresa

No entanto eacute interessante analisarmos o comportamento do procurador tendo em

vista o principal e uacuteltimo argumento utilizado pelo reacuteu para se ver livre das acusaccedilotildees de

contrabando e descaminhos Afirmara Antocircnio Joseacute Roberto que ldquoa maior parte das caixas de

accediluacutecarrdquo 299

carregadas pela sumaca ldquoiam a entregar a Francisco Joseacute de Fonsecardquo 300

nada

mais nada menos que o proacuteprio tesoureiro da Companhia Geral e os demais efeitos seriam

entregues ldquoa diversas pessoas e negociantes todos moradores na Vila do Reciferdquo 301

De

acordo com o dono da embarcaccedilatildeo esta informaccedilatildeo estava contida nos cadernos que

transportava e posteriormente na relaccedilatildeo da carga feita pelo escrivatildeo da Conservatoacuteria da

Companhia onde era possiacutevel observar que ldquotoda a referida carga era pertencente a pessoas

daquele continenterdquo 302

A defesa do reacuteu parece ter surtido efeito jaacute que Antocircnio Joseacute Roberto foi condenando

apenas ldquono perdimento das fazendas achadas a bordo da sumacardquo 303

isto porque segundo os

ministros julgaram o costume de natildeo transportar guias das fazendas transportadas aos

pequenos portos que natildeo contavam com aparato alfandegaacuterio eram ldquoverdadeiramente abusos

e transgressotildees das reais ordensrdquo 304

Uma vez que era sabido que tirar as guias era necessaacuterio

natildeo soacute para legitimar as descargas dos produtos nos seus portos de destino mas tambeacutem para

que fosse possiacutevel identificar em qualquer parte que ldquotiveram despachos de entrada na

Alfacircndega e pagaram entatildeo os devidos direitosrdquo 305

Fora isso o reacuteu eacute absolvido de todas as acusaccedilotildees contidas no Libelo acusatoacuterio

inclusive do crime de contrabando Aleacutem da perda das fazendas ao acusado eacute ordenado o

299

Idem 300

Idem 301

Idem 302

Idem 303

Idem 304

Idem 305

Idem

97

pagamento das custas do processo 306

Pelo que podemos entender atraveacutes da leitura do

documento os escravos transportados no momento da apreensatildeo natildeo foram apreendidos pela

Real Fazenda provavelmente os ministros aceitaram a defesa do reacuteu sobre esta mateacuteria que

alegava baseado em carta reacutegia de 30 de junho de 1766 e Alvaraacute de 3 de marccedilo de 1770 que

ldquose natildeo devem direitos de saiacuteda de escravos levados para as lavouras e demais serviccedilos das

terras dos recocircncavos e sertotildeesrdquo 307

A sentenccedila inicial eacute contestada pelo reacuteu em sua defesa iraacute afirmar que as fazendas que

estavam sem as devidas guias foram todas compradas a ldquoManoel Duratildees Sampaio o qual a

despachara na alfacircndega e que se achavam seladasrdquo 308

Segundo o comerciante baiano esta

informaccedilatildeo foi omitida na relaccedilatildeo das fazendas feita no ato da apreensatildeo No entanto a

reconsideraccedilatildeo natildeo eacute aceita pelos ministros fica entatildeo decidido que ldquocumpra-se a sentenccedila

embargadardquo e que o reacuteu arque com as custas do processo 309

Pelo exposto ateacute o momento pode-se perceber como a devassa feita na Bahia acaba

por contrariar a apreensatildeo feita pelo governador Pernambucano e as demais autoridades

reacutegias da capitania que primeiro averiguaram o caso e ao que demonstra a documentaccedilatildeo

pareciam natildeo ter duacutevidas quanto agrave existecircncia da praacutetica do contrabando no caso da

ldquoescorregardquo uma vez que Goiana fazia parte do governo de Pernambuco onde a Companhia

Geral exercia seu monopoacutelio desde 1759

A contrariedade de opiniotildees das autoridades eacute notoacuteria Em ofiacutecio enviado ao Reino em

trecircs de outubro de 1780 onde trata sobre as providecircncias tomadas localmente a respeito do

caso Joseacute Cesar de Meneses afirma ter dado ordens ao ouvidor da Comarca da Paraiacuteba para

que se achem ldquoos culpados no contrabando da referida sumacardquo 310

Apoacutes a devassa realizada

na Bahia em 1781 sobre a situaccedilatildeo da ldquoescorregardquo iraacute o governador baiano o Marquecircs de

Valenccedila concluir que ldquopela sentenccedila proferida contra esse reacuteu (Antocircnio Joseacute Roberto) se

conhece bem a razatildeo porque natildeo tiveram descaminhos os reais direitosrdquo 311

Como jaacute dito anteriormente os conflitos entre as autoridades das duas capitanias natildeo

eram raros No ano de 1778 por exemplo o governador pernambucano se queixaraacute dos

306

De acordo com as ordenaccedilotildees Filipinas em Livro III Tiacutetulo LXVII quando proferida a sentenccedila final em

qualquer tipo de caso de todas as qualidades o juiz deveria condenar pelo menos no pagamento das custas do

processo o reacuteu nos casos onde o reacuteu era absolvido o autor do processo deveria arcar com esse custo 307

Idem 308

Idem 309

Idem 310

AHU - PE Cx 138 D 10248 311

AHU - BA Cx 138 D 10248

98

procedimentos adotados pelo administrador da Companhia Geral que por motivo

desconhecido se encontrava na Bahia Joseacute Cesar de Meneses faraacute seacuterias denuacutencias contra o

comportamento do administrador segundo o mesmo ldquoo administrador da Companhia Geral

que estaacute na Bahiardquo onde afirmava o governador natildeo possuir jurisdiccedilatildeo ldquonatildeo cumpre como

deve as suas obrigaccedilotildees nem cuida com verdadeiro zelo nos interesses da companhiardquo 312

O governador ainda afirmaraacute que ldquosoacute o administrador da Bahia eacute que pode com pouco

custo evitar a continuaccedilatildeo dos contrabandos e extravios dos gecircneros desta capitaniardquo 313

Joseacute

Cesar acusava o administrador de natildeo ter interesse em acabar com os contrabandos visto que

para ele a medida mais eficaz para seu combate era o de natildeo permitir a entrada na capitania

baiana dos barcos que saiam ilegalmente de Pernambuco accedilatildeo que segundo o governador natildeo

desempenhava o tal administrador 314

Em ofiacutecio do ano posterior a questatildeo da falta de jurisdiccedilatildeo na Bahia voltaraacute a tona

Segundo Joseacute Cesar o governo da Bahia andava em grande relaxaccedilatildeo no combate aos

contrabandos e ao inveacutes de conter as ilicitudes agia em sentido oposto ldquoautorizando-se a

introduccedilatildeo dos escravos que para ela se transportam da dita cidade (Recife)rdquo 315

Neste

documento como anexo encontra-se guia autorizada pelo governador da Bahia a eacutepoca

Manoel da Cunha Meneses permitindo que um comerciante baiano transportasse para

Pernambuco vinte seis escravos e quatorze escravas Accedilatildeo totalmente proibida pelos estatutos

da Companhia

Eacute patente o desinteresse das autoridades baianas em repreender tais atos O que natildeo

podemos afirmar com total certeza eacute se tal desinteresse estava relacionado aos ganhos

oriundos daquele tipo de comeacutercio para a capitania soteropolitana ou se realmente os agentes

reacutegios baianos acreditavam que aquelas negociaccedilotildees eram de fato legais Nosso palpite

baseado na pesquisa exaustiva aos documentos nos leva a crer que fosse um pouco das duas

coisas Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais nos contrabandos no proacuteximo

capiacutetulo

Retomando a anaacutelise do processo da ldquoescorregardquo conseguimos identificar dentro do

acervo dos avulsos do Arquivo Histoacuterico Ultramarino para Pernambuco uma carta do reacuteu

cerca de quatro meses apoacutes a finalizaccedilatildeo da devassa recorrendo de sua sentenccedila Vale

ressaltar que nesse momento ano de 1781 o monopoacutelio comercial da Companhia Geral havia

312

AHU- PE Cx 131 D 9892 313

Idem 314

Idem 315

AHU- PE Cx 132 D9955

99

sido extinto Neste documento Antocircnio Joseacute Roberto solicita que seja devolvida sua sumaca

com a respectiva carga que lhe foi ldquoinjustamente apreendida no porto de Goianardquo 316

e da

qual ele estava ldquoapartado haacute ano e meiordquo 317

O pedido feito pelo comerciante se respalda na sentenccedila positiva que o mesmo havia

conseguido junto aos ministros responsaacuteveis pela devassa na capitania da Bahia que julgaram

na ocasiatildeo ldquomal feita a tomadiardquo realizada pelo governador pernambucano A carta eacute extensa

e reuacutene coacutepias de outros documentos relativos ao caso o que torna um pouco confusa a

narrativa no entanto nos oferece informaccedilotildees preciosas como por exemplo a indicaccedilatildeo de

que Antocircnio Joseacute Roberto viajou ao Reino para recorrer da sentenccedila pois afirma o mesmo

que na Bahia jaacute havia obtido sentenccedila favoraacutevel e ldquono transporte a esta corte onde haacute dois

meses e meio (estou) como forasteiro diligenciando chegar a real presenccedila de V Majestaderdquo

318 continua afirmando se antepor a sua Majestade ldquopedindo somente justiccedilardquo

319

Recorria entatildeo o comerciante baiano por obter de volta suas caixas de accediluacutecares

couros e solas que estavam retidos nos armazeacutens da ldquoextinta Companhiardquo em virtude dos

muitos ldquoprejuiacutezos que tem sentindordquo 320

aleacutem da carga principal que estava em posse da

Companhia existia tambeacutem uma caixa carregada de fazendas sob os cuidados do

Superintendente Geral dos contrabandos Antocircnio Joseacute Roberto tambeacutem iraacute pleitear a

devoluccedilatildeo deste conteuacutedo Segundo o mesmo a caixa continha ldquouma insignificante porccedilatildeo de

fazendardquo 321

que os ministros haviam se esquecido de julgar e por isso a mercadoria

continuava apreendida a favor da Fazenda Real O argumento utilizado por Antocircnio Joseacute

Roberto na apelaccedilatildeo seraacute o mesmo aplicado durante o processo de devassa onde afirma natildeo

ser costumeiro levar guias de fazendas para ldquoportos onde natildeo haacute alfacircndegardquo 322

Sobre o conteuacutedo existente na caixa iraacute afirmar o comerciante que todas as

mercadorias contidas nela foram ldquodespachadas e seladas pela alfacircndega da Bahiardquo no entanto

a relaccedilatildeo que dela consta em dois documentos que tratam sobre o caso contestam essa

versatildeo Como podemos ver a seguir

316

AHU- PE Cx 0142 D 10475 317

Idem 318

Idem 319

Idem 320

Idem 321

Idem 322

Idem

100

Lista 1 ndash Fazendas encontradas na caixa

RELACcedilAtildeO DAS FAZENDAS CONTIDAS NA CAIXA

Duas peccedilas de cetim azul claro com flores brancas caixa da faacutebrica (real) ndash 101 cocircvados com

armas reais de tinta preta ndash sem selo

Duas peccedilas de camelotildees listrados ndash 80 cocircvados - com selo da alfacircndega da Bahia

Sete peccedilas de chitas encarnadas do norte ndash 170 fardas - seis peccedilas com selo da alfacircndega da

Bahia e uma sem selo

Sete peccedilas da costa - 147 jardas - com selo da alfacircndega da Bahia

Um retalho de riscado de linho - seis cocircvados - sem selo

Cinco pares de meias de algodatildeo velhas

Um lenccedilol de Hamburgo

Trecircs sacos

Duas camisas de estopa velhas

Uma toalha de Hamburgo velha

Um calccedilatildeo de ldquoduraquerdquo

Um atadouro

Duas guarniccedilotildees de camisa de caccedila

Uma caixa de papel

Trecircs navalhas de barba

Uma pedra de afiar

101

Um estojo de baeta

Uma garrafa vazia

Fonte AHU- PE Cx 0142 D 10475 AHU- PE Cx 137 D10234

Como podemos observar a tal caixa continha aleacutem de umas poucas fazendas produtos

para uso pessoal alguns jaacute bastante utilizados No entanto desses poucos tecidos nem todos

apresentavam os devidos selos reais muito provavelmente por este motivo a carga

permaneceu apreendida A apelaccedilatildeo enfaacutetica de Antocircnio Joseacute Roberto pela devoluccedilatildeo

daquele conteuacutedo que ele mesmo declara como ldquoinsignificante resto de fazendasrdquo 323

pode

nos parecer em um primeiro momento estranha mas devemos lembrar que durante todo o

desenrolar do caso o comerciante teve muitos prejuiacutezos jaacute que aleacutem de perder seus produtos

ainda teve que pagar as custas do processo

Aleacutem disso devemos ter em foco que a aquisiccedilatildeo e uso de produtos pessoais no seacuteculo

XVIII se dava de maneira bem distinta dos moldes contemporacircneos A vida uacutetil de peccedilas de

roupa por exemplo era bastante extensa portanto apesar de ldquovelhasrdquo as vestimentas

poderiam continuar a ser utilizadas ainda por um bom tempo Outros objetos como sacos

navalhas garrafa toalhas lenccediloacuteis etc tambeacutem possuiacuteam existecircncia longa sendo utilizados ao

longo de toda a vida Ateacute o momento natildeo conseguimos mapear junto ao nosso conjunto

documental a resposta do Reino a este pedido portanto natildeo temos certeza se ele foi atendido

Aleacutem de revelar aspectos da dinacircmica comercial entre Pernambuco e Bahia durante a

segunda metade do seacuteculo XVIII o caso da ldquoescorregardquo demonstra as disputas de poder

envolvendo as autoridades das capitanias vizinhas resultado de um quadro de sobreposiccedilatildeo de

jurisdiccedilotildees comum em toda a Ameacuterica Portuguesa De acordo com a documentaccedilatildeo a

capitania baiana parece ter saiacutedo ldquovencedorardquo nesta competiccedilatildeo de conflitos de interesses

uma vez que apesar dos esforccedilos empreendidos pelas autoridades pernambucanas no caso

que pareciam estar seguros sobre a existecircncia do crime de contrabando na ocorrecircncia e que

foram responsaacuteveis pela apreensatildeo catalogaccedilatildeo da carga informe sobre a situaccedilatildeo para a

Coroa e primeiras investigaccedilotildees a decisatildeo final ficou cingida aos ministros baianos Ministros

esses que ao julgarem posteriormente o caso acabaram por inocentar o reacuteu do crime de

contrabando

323

Idem

102

O contrabando de couros solas e outros gecircneros vindos do sertatildeo tambeacutem teraacute

destaque junto a documentaccedilatildeo coletada Em ofiacutecio do ano de 1778 o governador de

Pernambuco daacute conta ao Reino da apreensatildeo que fez de uma sumaca que vinda da Bahia foi

capturada no Rio Grande do Norte lugar do governo da capitania de Pernambuco A sumaca

que se chamava ldquoSagrada Famiacuteliardquo ao que consta vinha da Bahia carregada de contrabandos

que ldquoestava trocando nestes portos por diversos gecircneros como fosse tabaco e courosrdquo 324

segundo o documento depois de trocar tais produtos a sumaca iria para Bahia da Traiccedilatildeo

ldquocarregar pau-brasil para alguns dos portos estrangeirosrdquo 325

O governador toma ciecircncia do caso e envia uma tropa para apreender a embarcaccedilatildeo

Como o piloto da mesma ldquoandava oculto nesta praccedila logo que soube do embarque da tropa

partiu a dar aviso a dita sumacardquo 326

assim que souberam da notiacutecia os tripulantes da

embarcaccedilatildeo iccedilaram as velas e tentaram fugir no entanto devido ao pouco vento que se fazia

no momento natildeo conseguiram seguir com a sumaca e a abandonaram no local Parte da

tripulaccedilatildeo conseguiu escapar atraveacutes das lanchas do barco e levaram consigo ldquoalgumas

canastrasrdquo que acreditava o governador serem restos das fazendas de contrabando

A sumaca foi apreendida e levada para o porto do Recife onde foi inventariada pelo

Juiz de Fora da Praccedila No momento da ldquotomadiardquo a embarcaccedilatildeo estava carregada com 1052

arrobas de tabaco 220 couros de boi em cabelo e 11 barris de mel Os cinco marinheiros que

natildeo conseguiram fugir foram levados para Recife e ficaram presos na cadeia da vila onde

responderam a inquiriccedilatildeo feita pelo mesmo Juiz de Fora nos fornecendo maiores detalhes

sobre o caso No mesmo documento tambeacutem constam algumas certidotildees importantes como a

lista de apetrechos do barco o auto de apreensatildeo termo de entrega do barco avaliaccedilatildeo da

carga entre outros

De maneira geral os marinheiros que eram todos portugueses e segundos seus

testemunhos novatos na tripulaccedilatildeo daquela embarcaccedilatildeo iratildeo ao longo das inquiriccedilotildees

apresentar a mesma versatildeo dos fatos com maiores ou menores detalhes Testemunhavam que

estando o barco aportado no Rio Grande do Norte chegou um homem ldquoque se dizia ser piloto

do dito barcordquo 327

informando ao dono da sumaca o senhor Luiz Pereira que o barco seria

apreendido e que eles buscassem fugir poreacutem por falta de vento natildeo foi possiacutevel escapar e

324

AHU ndash PE Cx 129 D 9771 325

Idem 326

Idem 327

Idem

103

logo ldquochegaram trecircs jangadas com soldados e os fizeram conduzir a este porto (do Recife)rdquo 328

onde foram presos

Afirmam tambeacutem que a sumaca apreendida estava naquelas paragens para carregar

ldquofumo e couros em pelordquo Satildeo unanimes tambeacutem os marinheiros em atestar que o barco

naquele tempo natildeo tinha mestre 329

e quem o conduzia era seu proacuteprio dono Luiz Pereira e

ainda que o mesmo natildeo havia declarado a sua tripulaccedilatildeo o porto para onde pretendia seguir

viagem aleacutem disso atestam os tripulantes que a carga encontrada a bordo pertencia somente

ao dono da embarcaccedilatildeo

Os marinheiros asseguram ainda que na mesma jangada na qual o piloto veio dar a

notiacutecia da apreensatildeo ldquofugiram para terrardquo o dono e o dito piloto ldquolevando consigo duas

frasqueiras vazias e uma canastra com um pouco de fazenda resto de negoacutecio que ele dizia

tinha sido comprado a Companhia Geralrdquo 330

Felizmente conseguimos localizar junto ao

nosso conjunto documental cerca de um mecircs apoacutes a apreensatildeo da ldquoSagrada Famiacuteliardquo

requerimento de seus donos pedindo que lhe fossem entregues os gecircneros ou produto deles

devolvendo a embarcaccedilatildeo e ressarcindo a ambos os danos e perdas que tiveram com a

apreensatildeo

Fica esclarecido pois que a sumaca pertencia natildeo soacute a Luiz Pereira mas tambeacutem a

Francisco Joseacute de Melo seu soacutecio Segundo o documento os dois tinham contraiacutedo sociedade

para ldquodos portos daquela capitania carregarem para a praccedila todos os gecircneros e efeitos

permitidosrdquo 331

Afirmam ainda que para isso conseguiram as licenccedilas junto ao governo para

que a tal sumaca pudesse navegar para ldquoqualquer dos mesmos portosrdquo No documento os

donos datildeo detalhes sobre o roteiro de viagem seguido pela embarcaccedilatildeo que primeiramente

navegou com efeitos para Una passando depois para Barra Grande onde ldquoo suplicante tinha

de fazer dar cumprimento as despesas [] contra os seus devedoresrdquo 332

Como natildeo encontraram em Barra Grande carga suficiente seguiram para Barra de

Catuama no Rio de Tejucupapo em Pernambuco ldquoonde aleacutem de alguma lenha farinha e mel

jaacute os suplicantes tinham feito embarcar 200 arrobas de tabaco em corda e 220 couros de boi

328

Idem 329

O marinheiro Manoel de Sousa afirma que quando entrou para tripulaccedilatildeo o mestre da sumaca era Alberto

Vieira morador na praccedila do Recife poreacutem pouco tempo depois o dito mestre foi servir em outra embarcaccedilatildeo

assumindo o dono da sumaca o senhor Luiz Pereira a funccedilatildeo do mestre 330

AHU ndash PE Cx 129 D 9771 331

AHU ndash PE Cx 129 D 9792 332

Idem

104

em cabelordquo 333

mercadorias estas que haviam sido compradas nos arrabaldes de Goiana

Segundo a versatildeo dada pelos donos da Sagrada Famiacutelia a apreensatildeo do barco foi motivada

por uma denuacutencia falsa planejada por seus devedores ldquoescandalizados da cauccedilatildeo que se lhe

faziardquo 334

junto com outros inimigos do suplicante a saber Manoel da Silva Xelas e Manoel

Joseacute da Costa que se ocuparam ldquoem lhe maquinar culpas por que o fizessem prender e

satisfazer assim sua vinganccedilardquo 335

Sobre a sua fuga e tambeacutem a do mestre da embarcaccedilatildeo Luiz Pereira afirma que apesar

de natildeo ter o que recear como ldquoo mal era certo e estava a vista cuidaram em evita-lordquo 336

fugindo dessa forma em outra jangada levando consigo apenas ldquoo triste socorro de duas

canastras com sua roupardquo 337

Continua afirmando que assim que a sumaca foi levada pelos

soldados a Pernambuco logo sua carga foi posta em arrecadaccedilatildeo mesmo que natildeo houvesse

confirmaccedilatildeo nenhuma sobre o contrabando denunciado Segundo o dono da embarcaccedilatildeo ficou

sabendo a apreensatildeo se deu devido a uma falsa denuacutencia de que eles ldquoestavam carregando

naquele porto de Goiana pau-brasil para o conduzirem para as Martinicasrdquo 338

poreacutem no

momento da apreensatildeo natildeo foram encontradas as tais madeiras na sumaca

Reclamam entatildeo os suplicantes que mesmo diante da incerteza da praacutetica de

contrabando e de suas suacuteplicas e contestaccedilotildees as autoridades reacutegias deram seguimento no

processo vendendo a carga do barco Afirmam ainda que enviaram ao governador as licenccedilas

que tinham para comerciar no porto da apreensatildeo 339

como tambeacutem os motivos pelos quais

havia o mestre e o dono do barco fugido na ocasiatildeo poreacutem natildeo foram capazes de ir ao

encontro marcado pelo governador pernambucano para esclarecimentos sobre o caso nem o

mestre nem o suplicante O primeiro porque tinha ido ldquoprocurar sua vida e natildeo lhe

importavam os requerimentos dos suplicantesrdquo 340

e o segundo porque ldquoestava na cidade da

Bahia para onde tinha feito viagem no seu ofiacutecio de pilotordquo 341

Continuam alegando ter sido a apreensatildeo e arremataccedilatildeo feita pelo governador injusta e

apelam agrave Rainha por justiccedila pois perdendo suas fazendas ldquosem culpasrdquo estavam os mesmos

333

Idem 334

Idem 335

Idem 336

Idem 337

Idem 338

Idem 339

Este e outros documentos referentes ao caso estatildeo anexados ao requerimento enviado a Rainha 340

AHU ndash PE Cx 129 D 9792 341

Idem

105

ldquona consternaccedilatildeo de abraccedilarem a miseacuteriardquo 342

uma vez que jaacute natildeo tinham meios de sustentar

suas famiacutelias muito menos de bancarem uma viagem ao Reino para implorarem ldquojusticcedila e a

maternal piedaderdquo 343

da soberana Ao longo do documento os suplicantes o tempo inteiro

reforccedilam a maacutexima de que o contrabando natildeo foi comprovado

Tambeacutem asseguram que a fuga se deu pois quem estava comandando a jangada que

foi fazer a apreensatildeo era Manoel da Silva Xelas inimigo que haacute pouco tempo ldquolhes tinha

segurado que lhe diligenciava a perdiccedilatildeordquo 344

Sustentam ainda que as canastras levadas

possuiacuteam apenas roupas Terminam pedindo que se faccedila justiccedila e lhe entreguem ldquotodos os

gecircneros e efeitos apreendidos ou o seu produtordquo aleacutem eacute claro de solicitarem que o governador

devolvesse a embarcaccedilatildeo Natildeo conseguimos encontrar ateacute o momento a resposta do Reino a

tal solicitaccedilatildeo portanto natildeo sabemos se em algum momento ela foi atendida O relato

demonstra mais uma vez como a definiccedilatildeo do que poderia ser considerado contrabando era

cambiante e dificultosa como podemos ver ao longo desse trabalho vaacuterios foram os casos

onde as autoridades pernambucanas fizeram apreensatildeo e posteriormente os reacuteus apelaram a

instacircncias superiores e conseguiram absolviccedilatildeo de suas penas

Conseguimos mapear mais dois casos relevantes sobre o comeacutercio de couros realizado

atraveacutes dos sertotildees que dividiam Pernambuco e Bahia que merecem ser detalhados pois

revelam detalhes preciosos sobre os circuitos de mercancia do interior 345

Tratam-se de dois

processos crimes dirigidos agrave Conservatoacuteria da Companhia Geral em Lisboa Antes de nos

atermos aos casos cabe uma ressalva para explicar brevemente como se tratavam as mateacuterias

judiciais na empresa Quanto a questotildees de justiccedila a Companhia possuiacutea um juiacutezo privativo

para resoluccedilatildeo de assuntos que lhe dissessem respeito 346

podendo atuar ldquocom jurisdiccedilatildeo

privativa e inibiccedilatildeo de todos os juiacutezes e tribunais [] em todas as causas contenciosas em

que forem autores os reacuteus o provedor deputados secretaacuterios e mais pessoas do serviccedilo da

Companhiardquo 347

A empresa mantinha um juiz conservador em Lisboa responsaacutevel por julgar estas

causas mas as direccedilotildees subalternas como a de Pernambuco tambeacutem possuiacuteam um juiz

342

Idem 343

Idem 344

Idem 345

Os dois processos aqui citados satildeo extensos e possuem etapas e procedimentos burocraacuteticos muacuteltiplos Cada

um conteacutem cerca de 200 laudas com vaacuterias passagens em latim e tracircmites juriacutedicos Por motivos praacuteticos

optamos por fazer pequenos compilados das ocorrecircncias deixando claro que temos ciecircncia sobre a

impossibilidade de qualquer resumo expressar com precisatildeo a complexidade destes casos 346

JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004P 87-88 347

Idem

106

conservador nomeado pela Junta da empresa em Lisboa que estava apto para julgar causas

que envolvessem o montante de ateacute 300$000 reis No entanto os reacuteus poderiam recorrer de

toda forma a conservatoacuteria de Lisboa Dessa forma na maioria dos casos a apelaccedilatildeo a

conservatoacuteria da empresa em Lisboa era o uacuteltimo recurso a que poderiam valer-se os reacuteus

acusados de cometer contrabando

Estas questotildees eram reguladas pelo artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa

nele afirma-se que a Companhia era independente de todos os tribunais maiores e menores

respondendo efetivamente apenas ao Rei Em nenhum caso era admitido que ministros ou

tribunais reais se intrometessem nesta mateacuteria Isto porque o capital formador da Companhia

provinha de pessoas que a princiacutepio natildeo tinham qualquer relaccedilatildeo com a Real Fazenda dessa

forma ficava a empresa livre para ldquodispor de seus proacuteprios bens como lhe parecer mais

convenienterdquo 348

Se algum tribunal ou ministro quisesse obter informaccedilotildees de algo

concernente a administraccedilatildeo da Companhia era necessaacuterio solicitar tais informaccedilotildees a sua

Junta ou as Direccedilotildees subalternas que poderiam ou natildeo deferir tal pedido 349

De acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a empresa possuiacutea uma independecircncia juriacutedica

relativa Jaacute que apesar de natildeo estar subordinada a nenhum outro tipo de tribunal respondia a

administraccedilatildeo da Companhia imediatamente ao Rei que era o responsaacutevel por confirmar as

nomeaccedilotildees feitas pela sua Junta Aleacutem disso segundo o autor os homens nomeados para

exercer a funccedilatildeo de juiacutezes conservadores eram em sua maioria sujeitos envolvidos na

administraccedilatildeo real ocupando cargos na casa de suplicaccedilatildeo ou mesmo no papel de juiz de fora

350

Voltando para os casos o primeiro tem como personagem principal o mestre sapateiro

e comerciante de couros e solas Manoel Antocircnio dos Santos que no ano de 1777 teve 1032

meios de sola apreendidos pelo guarda mor da direccedilatildeo da Companhia chamado Joatildeo Antocircnio

Batista As tais solas estavam distribuiacutedas em cinco balsas que se encontravam no momento

da apreensatildeo quatro na Ilha do Nogueira 351

e uma no rio do Jiquiaacute Durante a accedilatildeo do

confisco boa parte das solas foi molhada tornando-se mais uma pauta para reclamaccedilatildeo do reacuteu

348

Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor

do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Artigo 12 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil

Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 349

No caso de indeferimento cabia recurso ao Rei 350

JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit P 87-88 351

Tambeacutem conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia

Teimosa no Recife Sobre isto ver PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife

2008

107

a Conservatoacuteria lisboeta aleacutem de afirmar natildeo ter praticado contrabando solicitava a

restituiccedilatildeo monetaacuteria da mercadoria avariada pois natildeo restava duacutevida ldquoque aacutegua salgada na

sola faz um grande dano e daqui resulta ou perder-se inteiramente o valor ou ficar diminuiacutedo

em parte muito consideraacutevelrdquo 352

e ainda que ldquoeste contemplado prejuiacutezo causou ao reacuteu o

acelerado procedimento do guarda morrdquo 353

As cinco balsas foram apreendidas pois existia a suspeita de que as mesmas estavam

fora da barra do porto esperando um barco que iria a Bahia transportar as solas e couros no

entanto o barco acabou se atrasando e natildeo partiu na data combinada Sendo assim a versatildeo

das autoridades era de que ldquoas balsas estavam escondidas ao peacute do Recife esperando que

saiacutesse o dito barcordquo 354

segundo consta nos autos essa afirmaccedilatildeo teria sido feito pelos

jangadeiros que conduziam as balsas a vaacuterias testemunhas que foram inquiridas durante o

processo

Na verdade aleacutem dessas testemunhas que ldquoouviram dizerrdquo um uacutenico jangadeiro iraacute

testemunhar contra o reacuteu Era ele Manoel Martins de Almeida ldquohomem branco morador na

rua da praia solteiro que vive de pescador de idade que disse ser de 47 anosrdquo 355

Manoel iraacute

afirmar que voltando ele de uma pescaria tinha encontrado quatro jangadas juntas carregadas

de sola e que na ocasiatildeo dois homens brancos dos quais ele ignorava os nomes fretaram a sua

jangada para tambeacutem a carregar com as solas e ldquoesperar ali com as mais jangadas um barco

que no dia seguinte havia sair deste Porto que ia em direitura para o da Bahiardquo 356

afirma o

pescador que natildeo chegou a receber o dinheiro combinado pelo serviccedilo pois o guarda mor da

Companhia logo apareceu e fez a apreensatildeo conduzindo os barcos para o trapiche da empresa

Os outros jangadeiros serviram de testemunhas de defesa do reacuteu as versotildees dadas por

eles eram bastante parecidas utilizaremos aqui o testemunho de Manoel de Jesus Ramos

ldquohomem preto morador na rua da praia que vive de jangadeiro solteiro de idade de 25 anosrdquo

357 para exemplificar Afirmava Manoel que por ordem do reacuteu ele e ldquomais quatro jangadas da

rua da praia foram aos Afogados junto ao Tocolombo 358

receber-lhe a sola de que se trata e

por sua determinaccedilatildeo a vinham descarregar atraacutes do coleacutegiordquo 359

continua afirmando que ldquopor

352

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 5 353

Idem 354

Ibdem f 48 355

Ibdem f 45 356

Idem 357

Ibdem f 36 358

Atual ponte Motocolomboacute que liga os bairros de Afogados e Imbiribeira no Recife 359

Refere-se a praia do coleacutegio conhecida assim por estar nas imediaccedilotildees do antigo coleacutegio jesuiacuteta do Recife

nas proximidades do bairro de Santo Antocircnio Fonte BARBOSA Virgiacutenia Igreja do Divino Espiacuterito Santo

108

ser mareacute vazia e encalhar em jangadas e fazer vento rijo se acoitaram ao peacute da Ilha do

Nogueira da parte de dentro do Reciferdquo 360

neste momento as jangadas foram apreendidas pelo

Guarda Mor da Companhia e levadas para o trapiche da empresa

Nem todas estavam no mesmo local quando da ldquotomadiardquo pois algumas delas tinham

encalhado nas coroas de areia ldquopelo rio abaixo por dentro do Reciferdquo 361

Segundo Manoel o

destino ldquoque todas as jangadas traziam por ordem do reacuteu era descarregarem por de traacutes do

coleacutegiordquo 362

Diz ainda que natildeo tinham autorizaccedilatildeo de saiacuterem de Recife ldquonatildeo soacute por natildeo haver

para que mas pelo grande risco que haviardquo 363

Tambeacutem em seu testemunho vai afirmar que

conhecia o reacuteu haacute algum tempo e que nunca tinha ouvido dizer que ele fosse contrabandista

ldquoantes o tem por homem de muita verdade e eacute mestre do ofiacutecio de sapateirordquo 364

Como dito anteriormente quase todos os jangadeiros testemunharam a favor do reacuteu

salientando que o mesmo natildeo tinha enviado ordem para que eles saiacutessem de Recife e que o

sapateiro era um homem respeitaacutevel e correto Vale ressaltar que todos eles eram vizinhos

moradores na rua da praia se conheciam e foram contratados para o serviccedilo no mesmo tempo

Coincidecircncia ou natildeo o uacutenico depoimento contraacuterio viraacute exatamente do jangadeiro que foi

contratado para o serviccedilo posteriormente e que ao que o processo indica natildeo possuiacutea relaccedilotildees

de amizade com os demais

A defesa do reacuteu iraacute se centrar em alguns pontos destacaremos os mais importantes O

primeiro seraacute o entendimento de que existiam dois tipos de delito o ldquoefetivo e o afectivordquo O

primeiro tipo se daria quando de fato o ato iliacutecito fosse concretizado ou seja o delito tivesse

sido efetivado O segundo seria a intenccedilatildeo de cometer o ato sem que se chegasse a realiza-lo

O advogado do reacuteu iraacute se utilizar desta diferenciaccedilatildeo para sustentar sua defesa pois segundo o

mesmo ldquonenhuma lei humana tem proibido e mandado punir nem pode em qualquer delito

que seja proibir ou mandar punir ao simples ato interno ou a uacutenica interna deliberaccedilatildeo dos

homensrdquo 365

isto porque ldquoo pecado de pensamento que fica no mesmo e dele natildeo sabe

absolutamente em palavra ou obra soacute pertence a Deus proibi-lo e castiga-lordquo 366

ou seja

Recife PE Pesquisa Escolar Online Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Recife Disponiacutevel em

lthttpbasiliofundajgovbrpesquisaescolargt Data de acesso 03082017 360

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 36 361

Idem 362

Idem 363

Idem 364

Idem 365

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 50 366

Idem

109

afirmava o advogado que natildeo se poderia julgar a intenccedilatildeo de um crime que natildeo chegou a se

concluir

O segundo ponto da defesa iraacute se concentrar nas condiccedilotildees mariacutetimas que

supostamente enfrentaram as balsas durante o momento da apreensatildeo Afirmam entatildeo que natildeo

era criacutevel que as cinco balsas pudessem navegar no mar de fora rumo a Bahia ou mesmo

esperar embarcaccedilatildeo que de laacute viesse Asseguram que mesmo dentro da barra ldquodeste rio que se

estaacute vendo defendido dos arrecifes natildeo estavam seguras as balsas pois ventando rijo se altera

o mesmo rio e faz maretas tatildeo fortes como laacute forardquo 367

prossegue atestando que naquelas

condiccedilotildees estavam em perigo ldquooutras embarcaccedilotildees de maior seguranccedila como estamos vendo

frequentemente quanto mais balsas que natildeo tem firmeza alguma para resistir ao mar alterado

com o vento rijordquo 368

O terceiro toacutepico da defesa era simples consistia em afirmar que os depoimentos das

testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo eram relevantes e que natildeo demonstravam que o contrabando

houvesse sido praticado Outra questatildeo levantada pela defesa foi o fato das solas na ocasiatildeo

da apreensatildeo natildeo estarem marcadas sendo assim natildeo haveria o interesse da parte do reacuteu em

fazer conduzir nestas condiccedilotildees esta mercadoria para a Bahia ldquopois indo sem marca natildeo se

podia saber de quem era nem a quem ia entregar e eis aqui um contrabando e negoacutecio

extravagante e nunca vistordquo 369

Aleacutem disso afirmam ser o produto ldquosola da matardquo

conhecidas popularmente como vaquetas artigo de comercializaccedilatildeo permitida

O argumento mais forte da defesa centrava-se na liberdade permitida pelo artigo 25

dos estatutos da Companhia ao comeacutercio realizado nos sertotildees Como jaacute visto no capiacutetulo

anterior este comeacutercio soacute passa a ser reprimido apoacutes o ano de 1770 por forccedila de um edital

lanccedilado pela direccedilatildeo da empresa em Pernambuco que por natildeo ser referendado por ordem

reacutegia natildeo possuiacutea forccedila de lei Assim sendo o advogado garantia que ldquoainda na hipoacutetese

sempre negada que o reacuteu extraviasse efetivamente a sola natildeo cometia um delito algum nem

podia incorrer nas penas do artigo 34 370

rdquo Isto porque ldquousava da permissatildeo do artigo 25 e a

liberdade do comeacutercio do Sertatildeo de que fala o mesmo natildeo se deve entender para ir somente

buscar a sola e vender a direccedilatildeordquo

367

Ibidem f 51 368

Idem 369

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 7 370

Ibdem f 52

110

O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral citado no caso prevecirc as

puniccedilotildees passiacuteveis para aqueles que fizessem comeacutercio desautorizado na capitania de

Pernambuco e suas anexas Legislando da seguinte forma

Nenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute

mandar levar ou introduzir as sobreditas fazendas secas ou molhadas nas

ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da produccedilatildeo []Sob pena

de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto importar o

seu valor [] 371

O comeacutercio realizado nos sertotildees que tinham como destino o porto do Recife onde se

deveriam trocar as mercadorias com a Companhia monopolista era considerado legal 372

Tanto que o reacuteu deste caso haacute muitos anos fazia esse tipo de negociaccedilatildeo com a empresa 373

Segundo consta nos autos do processo teria comprado Manoel Antonio dos Santos a sola

ldquoparte a dinheiro e outra parte recebeu em pagamento de coiramas de Portugal gecircnero em que

haacute muitos anos negocia com a direccedilatildeo comprando-lhes partidas avultadas de carmeiras

cordovotildees marroquins e outros gecircnerosrdquo 374

que depois ldquopelo miuacutedo vendia as tais partidas

nesta Praccedila e para fora dela [] e recebia em satisfaccedilatildeo accediluacutecares solas e outros gecircneros da

terrardquo 375

A Companhia em dois momentos iraacute rebater a defasa do reacuteu fazendo diversas

acusaccedilotildees o processo eacute extenso e possuiacute vaacuterias apelaccedilotildees e contestaccedilotildees faremos aqui um

compilado dos principais pontos apresentados pela empresa na figura do seu procurador fiscal

em Pernambuco O primeiro ponto faz referecircncia as testemunhas de defesa afirmava a

Companhia que as ditas testemunhas ldquosatildeo todas falsas apaixonadas e por dinheiro

corrompiacuteveis e a maior parte delas satildeo os mesmos jangadeiros auxiliantes e outras satildeo do

ofiacutecio de sapateiro de que eacute o embargado juizrdquo 376

Como jaacute informado o reacuteu aleacutem de negociar

com solas e couros haacute vaacuterios anos era juiz do ofiacutecio de sapateiro na praccedila como muitas

371

Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762

Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e

Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 293 372

Assunto discutido no primeiro capiacutetulo deste trabalho 373

No processo constam anexadas vaacuterias contas apresentadas pelo reacuteu discriminando produtos e seus valores

negociados ao longo dos anos com a empresa como uma espeacutecie de contabilidade pessoal 374

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 375

Idem Vale pontuar que de acordo com o artigo 33 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral a venda

em miuacutedo era permitida aos comerciantes da terra Sendo entatildeo o comeacutercio de grosso trato reservado

exclusivamente a empesa Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de

Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de

livros sobre o Brasil Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 376

Ibdem f 61

111

testemunhas de defesa possuiacuteam o mesmo ofiacutecio o procurador fiscal da Companhia iraacute acusar

Manoel Antocircnio de se utilizar de seu lugar de poder dentro daquela corporaccedilatildeo para gerar

testemunhos positivos a seu respeito

A acusaccedilatildeo encabeccedilada pelo procurador fiscal tambeacutem iraacute chamar atenccedilatildeo para o fato

de que havendo mareacute de dia o reacuteu escolheu deixar para carregar de noite o que era entendido

como atitude suspeita Contestam tambeacutem a alegaccedilatildeo da defesa de que no maacuteximo haveria se

cometido ldquocontrabando afectivordquo pois ldquose fora soacute a efetiva vontade de extraviar natildeo havia o

extraviador ter as jangadas carregadas e escondidasrdquo 377

continua sustentando que ldquose fosse

para descarregarem na praia do coleacutegio natildeo haviam estar de manhatilde ancoradasrdquo 378

Consta

tambeacutem no documento que soacute natildeo chegou a ser efetivado o contrabando porque o barco que

iria para Bahia natildeo pode partir na data prevista devido agraves condiccedilotildees da mareacute

Outro ponto levantado pela empresa seraacute a localizaccedilatildeo geograacutefica das jangadas no

momento da apreensatildeo afirmando que natildeo fazia sentido que o desembarque da mercadoria

fosse feito na praia do coleacutegio visto que ficava aquele local ldquomuito para o norte do forte (das

cinco pontas)rdquo jaacute a Ilha do Nogueira ficava ao ldquoSul do mesmo forterdquo 379

Aleacutem disso havia na

ocasiatildeo condiccedilotildees de navegaccedilatildeo para desembarcarem na praia do coleacutegio por isso natildeo fazia

sentido estarem ancoradas A empresa iraacute ainda acusar o reacuteu alegando ser ele natildeo soacute

ldquoextraviador dos efeitos desta capitania para a cidade da Bahia se natildeo que da mesma cidade

costuma introduzir contrabandos nesta capitania como fosse um lote de escravos e vendeu

uma moleca ao seu grande amigo e falsa testemunha Joatildeo Francisco Guimaratildeesrdquo 380

aleacutem da

fazenda seca que jaacute carregava

A companhia tambeacutem iraacute replicar o fato dos jangadeiros terem afirmado que estavam

parados esperando uma jangada que havia ficado para traacutes por estar encalhada declarando

natildeo haver necessidade para tal jaacute que ldquocada uma vai ganhar o seu frete quanto mais depressa

chegasse o tinha ganhado e mais depressa se recolhia a sua casa para estar pronto para no

outro diardquo 381

Ademais tambeacutem iratildeo questionar o porquecirc dos jangadeiros terem fugido pois

ldquose as ditas jangadas carregadas de sola viessem para o Recife nenhuma necessidade havia

para que os jangadeiros fugissem desamparando as suas jangadasrdquo 382

continuam garantindo

377

Ibdem f 56 378

Idem 379

Idem 380

Joatildeo Francisco Guimaratildees seraacute testemunha de defesa do reacuteu durante o processo ANTT Feitos Findos

Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 61 381

Ibidem f 55 382

Idem

112

que ldquoa causa da fuga era por estarem compreendidos na extraviaccedilatildeo sendo os condutores e

auxiliantes do extraviordquo 383

Por fim o procurador fiscal da empresa alega que o advogado do reacuteu fez maacute

interpretaccedilatildeo do artigo 25 dos estatutos da empresa uma vez que ldquoo que determina o dito

artigo eacute que possam negociar para o sertatildeo e mais portos isso natildeo se entende para fora da

capitaniardquo 384

a sola estaria entatildeo compreendida ldquono artigo 34 da instituiccedilatildeo da Companhia

Geral e suposto pelo artigo 25 da mesma seja exclusivo para todos os gecircneros e frutos da terra

soacute se deve entender para o negoacutecio dentro das suas Capitanias e natildeo para fora delasrdquo 385

Solicitam entatildeo que o reacuteu seja condenado no perdimento das mercadorias e na pena de dobro

O processo eacute longo mas de maneira geral os fatos satildeo estes o grande trunfo da defesa

eacute afirmar que a sola foi apreendida dentro de Recife onde natildeo era proibido o seu comeacutercio

sendo assim natildeo havia meios de se provar a intenccedilatildeo de extraviar e que mesmo que houvesse

a intenccedilatildeo natildeo se poderia condenar o reacuteu por isso - ldquoextravio afectivordquo No fim das contas o

sapateiro e comerciante Manoel Antocircnio acaba sendo absolvido e os apelantes satildeo

condenados a pagar ldquoas custasrdquo do processo como de costume

Outra apelaccedilatildeo crime que merece destaque dentro do nosso conjunto documental eacute

um caso do ano de 1779 que diz respeito ao processo envolvendo o barco conhecido como o

ldquoXibanterdquo de quem era dono o capitatildeo Manoel Vieira de Melo A embarcaccedilatildeo apreendida por

soldados cumprindo ordens do governador da capitania vinha do sertatildeo do Aracati Ribeira

do Jaguaribe e estava carregada de couros e solas pertencentes a vaacuterios comerciantes A

sumaca despertou a atenccedilatildeo das autoridades pois chegando ao porto do Recife natildeo entrou

logo na barra o que alimentou a suspeita de que a mesma estivesse extraviando efeitos para

os portos do sul mais precisamente para a Bahia 386

No momento da apreensatildeo o mestre da

sumaca estava em terra

Junto com a embarcaccedilatildeo foram apreendidos tambeacutem cinco escravos pertencentes ao

dono do Xibante que trabalhavam como marinheiros O dono da embarcaccedilatildeo tratou logo de

fazer solicitaccedilatildeo para soltura de seus escravos afirmando que os mesmos ldquonatildeo satildeo barco nem

carga e sim marinheiros do barco que ganham soldo cada um para seu dono e a diferenccedila que

383

Ibidem f 61 384

Ibidem f 57 385

Idem 386

Para mais informaccedilotildees a respeito do Porto de Recife no seacuteculo XVIII consultar OLIVEIRA Luanna Maria

Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-

1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de

Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 ndash 26

113

tem que marinheiro brancos eacute lucrarem estes os soldos para seus senhoresrdquo 387

Este assunto

rapidamente se resolveu pois Manoel Vieira conseguiu recuperar sua escravaria pondo o

capitatildeo Francisco de Oliveira como fiador de tais escravos estando ele responsaacutevel ainda por

entregar em juiacutezo os homens todas as vezes que assim fosse requerido

Algo curioso neste processo eacute que a embarcaccedilatildeo ficaraacute apreendida junto com a carga

apesar de encontramos outros documentos que apontam situaccedilotildees semelhantes a defesa do

reacuteu a todo o momento contestaraacute tal decisatildeo afirmando que natildeo era costume da Companhia

agir daquela forma Devido a apreensatildeo feita na embarcaccedilatildeo nos autos da apelaccedilatildeo constam

os objetos que nela existiam como toneis barricas candeeiros entre outros objetos de uso

cotidiano Consta tambeacutem nos autos a avaliaccedilatildeo do valor do barco que foi feita pelo doutor

juiz conservador da Companhia junto a um ldquocorpo de mestranccedilardquo 388

a sumaca naquela

ocasiatildeo teve seu valor estimado em um conto e cem mil reis Como jaacute dito os advogados do

reacuteu iratildeo insistir na liberaccedilatildeo do barco iniciam a defesa afirmando que no decurso de 19 anos

foram ldquotantas e tantas apreensotildees tomadias de gecircneros e contrabandos introduzidos

transportados e ocultados em barcos lanchas botes canoas jangadas e casardquo 389

no entanto

ldquonatildeo consta que tambeacutem se apreendessem as casas jangadas canoas botes lanchas e barcos

como instrumentos das extraviaccedilotildees e contrabandosrdquo 390

Isto porque segundo a defesa natildeo se

encontrava nos estatutos da empresa ordens para apreensatildeo de embarcaccedilotildees apenas a sua

carga estaria sujeita as ldquotomadiasrdquo Como comentado em nosso conjunto documental

encontramos outros casos onde as embarcaccedilotildees satildeo apreendidas junto a suas mercadorias natildeo

parecendo para noacutes que esta praacutetica fosse anocircmala

Persistindo na mesma mateacuteria o jurista alegava que ldquoa tiacutetulo de contrabando soacute

mandam as ordens reacutegias apreender e tomar embarcaccedilotildees nos portos do Brasil quando satildeo de

estrangeiros que sem faculdade reacutegia vem a eles oculta e furtivamente fazer negocio e

transportar os gecircneros do paiacutesrdquo 391

Esta ordem tambeacutem se aplicava a embarcaccedilotildees piratas e

ldquoxavecos de mourosrdquo pois aqueles eram ldquodeclarados inimigos da coroa de Portugal e seus

vassalosrdquo 392

Pedia entatildeo o advogado que fosse exonerada a fianccedila feita pelo reacuteu para receber

seu barco de volta uma vez que o Xibante natildeo era ldquoclasse assinada das embarcaccedilotildees que as

387

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 10 388

Ibidem f 11 389

Ibidem f 13 390

Idem 391

Ibidem f 13 verso 392

Idem

114

ordens reacutegias mandam apreende-las e toma-las por se ele portuguecircs e habitador desta terra e

vassalo fiel de sua majestade e natildeo estrangeiro nem piratardquo 393

Seguindo a mesma linha de defesa do caso acima descrito tambeacutem iraacute se afirmar que a

apreensatildeo da sumaca teria se dado de maneira indevida jaacute que nenhuma extraviaccedilatildeo efetiva

havia sido comprovada pois na ocasiatildeo do seu sequestro o barco estava ldquobordejando ao norte

da barra e natildeo tinha passado para o sul nem o mesmo tinha ordem do reacuteu para o poder fazerrdquo

394 e ainda que ldquoos afetos e intenccedilotildees do animo [] soacute Deus conhece e os homens penetrar natildeo

podemrdquo 395

Ou seja seguindo a loacutegica da defesa mesmo que os indiacutecios apontassem que

haveria de se cometer crime de contrabando natildeo poderiam as autoridades atuar

preventivamente

Um dado interessante sobre o caso eacute que o Xibante no momento de sua apreensatildeo

trazia passageiros a bordo A defesa afirmaraacute a seu favor que estes viajantes tinham como

porto de destino Recife aleacutem disso iratildeo alegar que a sumaca vinha em meia carga por isso

natildeo seria vantajoso comercialmente falando o envio da embarcaccedilatildeo para Bahia Assegurando

ainda que o mestre natildeo entrou diretamente no porto do Recife pois foi a terra buscar ordens

do dono da sumaca para saber qual o destino deveria tomar neste meio tempo em que o

mestre estava em terra aconteceu o apresamento

Ainda de acordo com versatildeo dada pela defesa ldquoa gente da mareaccedilatildeo vinha toda

levantada com o mesmo (mestre) por bulhas que tiveram no Aracati e para fazerem mal ao

dito foram eles os que arguiram a ida do barco para a Bahiardquo 396

Afirmam ainda que se

realmente se tivesse a intenccedilatildeo de fazer contrabando o barco poderia ter seguido para Sul

sem ficar parado a vista de todos naquela barra e que o reacuteu natildeo tinha culpa da ignoracircncia de

seu mestre uma vez que natildeo havia expedido ordens que autorizassem a ida para Bahia

Ressaltamos que alguns passageiros do barco confirmaram a afirmaccedilatildeo do desentendimento

entre os marinheiros e o mestre da embarcaccedilatildeo sem explicar ao certo o porquecirc de tal rusga

Tambeacutem como no caso acima a defesa iraacute se utilizar do artigo 25 dos estatutos da

empresa para defender que aquele comeacutercio feito nos sertotildees era livre e que a Companhia soacute

passou a reprimi-lo posteriormente Denunciam ainda que mesmo apoacutes a dita proibiccedilatildeo era

notoacuterio e sabido por todos que os deputados da empresa ldquopara seus negoacutecios particulares tem

393

Idem 394

Idem 395

Ibidem f 14 396

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 14

115

sempre carregado solas e couros do sertatildeo para a Bahia e para o Riordquo 397

sendo assim se

julgassem justa a dita proibiccedilatildeo natildeo deveriam continuar a praticar aquele comeacutercio ldquopor serem

executores da instituiccedilatildeo ou obrigados a executa-la se entendessem ser justa e legalrdquo 398

Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais e oficiais e deputados da proacutepria

companhia no comeacutercio descaminhado mais profundamente no proacuteximo capiacutetulo

Todos os pontos alegados acima seratildeo sustentados pelas testemunhas de defesa

durante as inquiriccedilotildees destacando sempre que ldquoantes da Companhia sempre houve comeacutercio

dos gecircneros do sertatildeo que satildeo couros e solas para a Bahia e para o Rio de Janeirordquo 399

e que

apenas depois de nove ou dez anos dela jaacute estabelecida se passou a impedir aqueles negoacutecios

sertanejos Esta versatildeo dos fatos tambeacutem eacute confirmada por um dos passageiros que estava no

barco no momento do sequestro Durante o processo seratildeo coletados ainda os testemunhos de

homens que estavam trabalhando na construccedilatildeo de uma casa para o reacuteu em Igarassu 400

estes

iratildeo afirmar que apoacutes receber carta do mestre do barco Manoel Vieira natildeo havia autorizado a

ida do Xibante para Bahia

O processo eacute bastante detalhado e aleacutem de conter toda a relaccedilatildeo da carga e suas

respectivas marcas traz em anexo importantes documentos encontrados dentro da

embarcaccedilatildeo a saber cartas e comentaacuterios Estas cartas foram escritas pelo filho do dono do

barco Andreacute Vieira Melo 401

ao mestre da embarcaccedilatildeo e foram inseridas nos autos pois

apesar do conteuacutedo pessoal tratavam de maneira geral sobre negoacutecios e foram utilizadas como

provas contra o reacuteu jaacute que constavam nelas o destino seguinte da embarcaccedilatildeo e outras

informaccedilotildees pertinentes A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo dos assuntos tratados nestes documentos

traremos aqui uma das cartas de Andreacute Vieira ao mestre da embarcaccedilatildeo

O remetente pedia que chegando a embarcaccedilatildeo a cidade da Bahia havendo ldquoocasiatildeo de

navio para Benguela me faraacute mercecirc comprar um escravo de Benguela do tamanho do Leandro

ou maior pouco que seja mesmo Benguelardquo 402

continua instruindo que quem deveria tratar

397

Ibidem f 14 verso 398

Idem 399

Depoimento da testemunha Francisco Brito homem branco casado morador fora da porta da vila que vive de

andar embarcado de idade de 30 anos Ibidem f 25 verso 400

Satildeo eles Joseacute da Costa homem preto solteiro morador em Igarassu oficial de pedreiro de idade de 35 anos

e Antocircnio Rocha homem pardo casado morador em Igarassu oficial de carapina de idade de 33 anos ANTT

Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 23 ndash 25 401

Durante o processo eacute informado que Andreacute Vieira de Melo havia trabalhado como piloto da Companhia

Geral mas foi dispensado do serviccedilo pois nas trecircs viagens que fez pela empresa teve prejuiacutezos o que causou a

desconfianccedila de seus superiores por ser ldquocaso estranho em trecircs viagens e em trecircs diferentes embarcaccedilotildees se

contar semelhante homem soacute com perdasrdquo 402

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 34

frente e verso

116

dos negoacutecios era o senhor Antocircnio Joseacute e estando os escravos baratos deveria comprar ldquomais

um moleque mais grande que o Leandro que eacute para o barco seja bem feitordquo 403

pedia ainda

ldquouma pessoa da linhagem de Luandardquo 404

advertindo quanto ao preccedilo de tais homens

Prossegue pedindo ainda que se compre um calccedilatildeo e uma camisa a cada um dos escravos e

que lhe sirvam algum mel Por fim despede- se de maneira cordial

Os comentaacuterios seguiam um esquema bastante parecido entre si e eram um hibrido

entre recibo e contrato trocado entre o mestre da sumaca e os carregadores da mesma

Continham informaccedilotildees padratildeo informadas pelo mestre da embarcaccedilatildeo mais instruccedilotildees

relativas a carga Como no exemplo abaixo

Digo eu abaixo assinado Mestre que sou da sumaca por invocaccedilatildeo Nosso

senhor bom Jesus das Portas e Nossa senhora do Pilar 405

que ao presente

estaacute surta e ancorada neste porto de Jaguaribe para com o favor de Deus

seguir viagem ao da cidade da Bahia onde eacute minha direita descarga que eacute

verdade que recebi e tenho carregado na dita sumaca debaixo de coberta

enxuta e bem acondicionada de Manoel da Costa marcados com a marca a

margem que declarou fazer por sua conta e risco a entregar na mesma cidade

em nome dele carregador Antonio de Oliveira Leite ao que promete levando

a salvamento para que obrigo minha pessoa e bens e a dita sumaca pagando-

me de frete de cada praccedila nove vinteacutens E para clareza passei dois de um teor

somente por mim assinados que um cumprido outro natildeo valha digo natildeo

valeraacute Aracati 28 de marccedilo de 1779 Satildeo 79 meios de sola e 3 couros de boi

com a marca A+ Manoel Francisco Xelas 406

Os argumentos utilizados pela Companhia para enquadrar o caso do Xibante no crime

de contrabando seratildeo diversos primeiramente a empresa por meio de seu procurador fiscal

afirma ficar constatado que a embarcaccedilatildeo tinha como destino a capitania baiana e que o crime

soacute natildeo se efetivou por ter agido a fiscalizaccedilatildeo primeiro Eacute necessaacuterio atentar para o fato de

que a saiacuteda destes produtos em direitura para Bahia era considerada como contrabando pela

Companhia mesmo a empresa natildeo possuindo o monopoacutelio do comeacutercio realizado nos sertotildees

Isto porque a interpretaccedilatildeo do procurador fiscal da empresa para o artigo 25 dos estatutos da

Companhia que legislava sobre esta mateacuteria era de que esses negoacutecios eram livres para

serem feitos apenas internamente ou seja limitados aos sertotildees que estavam sob jurisdiccedilatildeo do

governo de Pernambuco

403

Idem 404

Idem 405

Nome oficial da sumaca que tinha por alcunha o ldquoXibanterdquo 406

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 38

verso

117

O procurador tambeacutem iraacute se utilizar dos testemunhos dos marinheiros do barco

mesmo daqueles que eram escravos pois mereciam os ditos escravos ldquocreacutedito por serem

marinheiros do mesmo barcordquo 407

e se por direito natildeo eram testemunhas vaacutelidas naquele caso

deveriam ser levados em consideraccedilatildeo uma vez que ldquoficam supridos os seus defeitos com os

depoimentos das outras testemunhasrdquo 408

Quanto a contestaccedilatildeo do reacuteu sobre as leis de

apreensatildeo de embarcaccedilotildees soacute serem vaacutelidas para navios estrangeiros afirmam que quando

ldquocompreendidas com extraviaccedilatildeo e contrabandos assim como aconteceu com o barco do reacuteurdquo

409 as embarcaccedilotildees portuguesas tambeacutem poderiam ser detidas

A defesa de Manoel Francisco iraacute recorrer novamente das acusaccedilotildees poreacutem a

argumentaccedilatildeo permanece praticamente a mesma enfatizando um ou outro ponto e

acrescentando poucas informaccedilotildees novas Daacute ecircnfase a questatildeo do ldquodelito afectivordquo afirmando

que ldquosoacute Deus conhece soacute a divina justiccedila pune os maus pensamentos os desordenados afetos

vis sinistros conatos e as maleacutevolas intenccedilotildees mas natildeo os homens nem a justiccedila humanardquo 410

isto porque ldquonatildeo haacute lei que a esta permita semelhante conhecimento e puniccedilatildeo da privativa

jurisdiccedilatildeo e regalia de Deusrdquo 411

A loacutegica do argumento eacute bastante simples afirma que natildeo se

pode punir um crime que natildeo aconteceu como tambeacutem alega ser impossiacutevel que a direccedilatildeo

posto que humana fosse capaz de conhecer as intenccedilotildees do mestre do barco jaacute que ldquoo

pensamento o afeto o conato e a intenccedilatildeo do reacuteu era impeacutervia e inacessiacutevel ao conhecimento

e puniccedilatildeo da Justiccedila humanardquo 412

Quanto a questatildeo dos testemunhos dos escravos a defesa do reacuteu iraacute recorrer alegando

que segundo as ordenaccedilotildees Filipinas os juramentos ldquodos pretos e servosrdquo natildeo deveriam ter

valor Jaacute que as ordenaccedilotildees postulam que ldquoos escravos natildeo podem ser testemunhas nem seraacute

perguntado geralmente em feito algum salvo os casos por direito especialmente

determinadosrdquo 413

De acordo com Adriana Campos 414

no Brasil a tradiccedilatildeo romana foi

responsaacutevel por emprestar os fundamentos baacutesicos da legislaccedilatildeo voltada para a questatildeo da

escravidatildeo Em linhas gerais segundo esta tradiccedilatildeo natildeo teriam entatildeo os escravos

407

Ibidem f 43 verso 408

Idem 409

Ibidem f 45 410

Ibidem f 55 411

Idem 412

Ibidem f 55 verso 413

Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI P647 Disponiacutevel em

httpwww1ciucptihtiprojfilipinasl3p647htm Data de acesso 02082017 Infelizmente natildeo conseguimos

identificar os casos especiais reportados pelas ordenaccedilotildees 414

CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito Santo do seacuteculo XIX

Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003

P 62 ndash 64

118

personalidade poliacutetica o que os impediria de se tornar parte de processos ciacuteveis Poreacutem essa

realidade segundo a autora era alterada no direito penal quando os escravos poderiam tornar-

se sujeitos e responder criminalmente 415

Apesar da Companhia possuir uma administraccedilatildeo

juriacutedica privativa acreditamos a mesma estava sujeita as legislaccedilotildees e aparato juriacutedico da

eacutepoca portanto deveriam obedecer de maneira geral as ordenaccedilotildees Filipinas e as tradiccedilotildees

do direito romano

A defesa tambeacutem iraacute contestar o uso das cartas do filho do reacuteu como prova

incriminatoacuteria argumentando que Andreacute Vieira natildeo era dono da embarcaccedilatildeo logo natildeo tinha

ele poder de determinar para onde seguiria a sumaca Sendo assim natildeo teriam as cartas forccedila

para atestar a efetividade da atividade iliacutecita Ainda no assunto das cartas e comentaacuterios a

defesa apresenta como anexos outros comentaacuterios onde o mestre da embarcaccedilatildeo atesta estar

se dirigindo para o porto do Recife Posteriormente a Companhia iraacute contestar esses

documentos afirmando serem falsos Diz a empresa atraveacutes de seus representantes que sobre

aqueles documentos natildeo se ldquopodia dar feacute e creacutedito tambeacutem pode ser que se passassem

naquele sertatildeo do Aracati em tempo que o destino do Mestre fosse seguir derrota para este

porto (do Recife)rdquo 416

Por fim a defesa do reacuteu destaca que os couros e solas encontrados na sumaca natildeo

eram mercadorias vedadas de serem trazidas do sertatildeo para o porto do Recife pelo contraacuterio

alegam que a empresa desejava ldquoque venham muitos para o seu negoacuteciordquo 417

Afirmam ainda

que mesmo que os gecircneros estivessem sendo levados para Bahia ldquonatildeo eacute terra de inimigos

aquela cidade nem os couros e solas satildeo coisas proibidasrdquo 418

Continuam sustentando que a

proibiccedilatildeo vigente legislava apenas quanto a extraviaccedilatildeo destes gecircneros e natildeo o comeacutercio dos

gecircneros em si Como maneira de atestar tal diferenciaccedilatildeo afirmam que ldquouma coisa eacute ser

proibida somente a extraviaccedilatildeo e outra coisa eacute serem tambeacutem proibidos os gecircneros por haver

miacutenima disparidade de um caso ao outrordquo 419

Dessa forma como o barco do reacuteu foi

apreendido em aacuteguas pernambucanas natildeo estaria incurso nas penas regidas pelo artigo 34 dos

estatutos da Companhia

O caso eacute longo e arrastado mas os fatos satildeo basicamente os expostos acima No fim

das contas mesmo tendo sido o reacuteu e seu filho acusados de praticarem contrabando natildeo soacute

415

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 27

verso 416

Ibidem f 67 417

Ibidem f 59 418

Ibidem f 60 419

Idem

119

neste caso como tambeacutem de terem levado no mesmo ano dois barcos com escravos para

Bahia e ainda expor o procurador fiscal da Companhia que o filho do acusado negociava

escravos em Igarassu e Tracunhaeacutem para depois ir vendecirc-los na Bahia foi Manoel Vieira apoacutes

3 anos de processo absolvido pela conservador da direccedilatildeo lisboeta

Como jaacute dito os contrabandos eram realizados natildeo soacute no grosso trato como nos casos

demonstrados acima mas tambeacutem no miuacutedo Vaacuterias seratildeo as referecircncias na documentaccedilatildeo

desse tipo de praacutetica que incluiacuteam os proacuteprios oficiais dos navios reais que tanto traziam de

Portugal fazendas europeias para venda na capitania pernambucana como levavam produtos

da terra para Europa Iremos tratar de dois casos colhidos dos fundos da conservatoacuteria da

Companhia em Lisboa que confirmam este movimento de comeacutercio de pequena monta

O primeiro deles ocorrido no ano de 1774 envolve o despenseiro do navio real Nossa

Senhora dos Prazeres o senhor Joatildeo Marques Cunha Que foi acusado de introduzir no navio

em que servia trecircs volumes com fazendas de contrabando A carga apreendida nestes trecircs

volumes era a seguinte 106 peccedilas de bertanha de Hamburgo 27 peccedilas de chita 6 peccedilas de

lenccedilos azuis 13 peccedilas ditas do Norte com cercadura 10 peccedilas de cangas azuis 5 ditas

lavradas e um garrafatildeo de aguardente As mercadorias foram avaliadas na ocasiatildeo em 600 reis

420

De acordo com o libelo acusatoacuterio lavrado contra o reacuteu o crime teria acontecido da

seguinte forma ainda em Lisboa eacute acusado Joatildeo Marques de introduzir no navio os volumes

de ldquofazendas secas das reprovadas e proibidasrdquo 421

chegando ao porto do Recife teria o

despenseiro feito conduzir as tais fazendas para a lancha de outro navio real a saber o navio

Luz Para tal feito acusava-se de tecirc-lo ajudado o guarda da Alfacircndega Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo

que foi preso junto com o despenseiro Pedia entatildeo a Companhia que o reacuteu respondesse de

acordo com as penas contidas no artigo 34 dos estatutos da empresa

Durante o processo seratildeo escutadas as testemunhas de defesa e de acusaccedilatildeo As

testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo de maneira geral referendar o exposto no libelo acusatoacuterio

Incluindo os capitatildees dos dois navios envolvidos no caso Diraacute o capitatildeo do navio Nossa

Senhora dos Prazeres que ldquoJoatildeo Marques despenseiro [] foi quem introduziu o contrabandordquo

422 e que para isso contou com a ajuda de Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo guarda da alfacircndega que foi

quem ldquolevou as fazendas e a tirou do navio Prazeres e as transportou no catraio do mesmo

420

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 7 421

Idem 422

Ibidem f 17 verso

120

navio para o navio Nossa Senhora da Luzrdquo 423

Joseacute Gomes Ribeiro capitatildeo do navio Luz

tambeacutem acusaraacute o despenseiro como autor do iliacutecito atestando que ouvira dizer por moccedilos

que serviam no seu navio que Joatildeo Marques era o responsaacutevel pelo contrabando que se

apreendeu na lancha do navio Luz 424

O depoimento padratildeo das testemunhas de acusaccedilatildeo afirmava basicamente que as

fazendas apreendidas teriam sido introduzidas no navio Luz pelo guarda da Alfacircndega Joatildeo

da Ressurreiccedilatildeo e que elas pertenciam ao despenseiro do navio Nossa Senhora dos Prazeres

Joatildeo Marques Complementam afirmando que para este transporte utilizaram a lancha que

leva a pedra de descarga do navio e quem as conduziu e tomou conta delas na lancha foi o

marinheiro ldquoTiatildeordquo sem a ciecircncia do patratildeo mor Algumas testemunhas tambeacutem iratildeo afirmar

que quando o escaler da ronda atracou na lancha para fazer a apreensatildeo o marinheiro Tiatildeo foi

ao encontro do guarda mor ldquorogando-lhe dissimulasse a passagem livre da dita fazendardquo 425

As testemunhas de defesa tambeacutem iratildeo depor de maneira parecida Em seus

testemunhos alegam que o reacuteu era despenseiro de navios reais haacute mais de 13 anos e que

nunca havia sido acusado de contrabando que soacute costumava trazer de Lisboa os gecircneros

liberados alguns companheiros de tripulaccedilatildeo iratildeo afirmar que natildeo viram o reacuteu introduzindo

fazendas proibidas em Lisboa etc Merece destaque nos depoimentos a menccedilatildeo de que o reacuteu

possuiacutea diversas inimizades na embarcaccedilatildeo isto porque administrava os recursos do barco

com zelo os tripulantes ldquomuitas vezes lhe pediam vaacuterias coisas e o reacuteu natildeo lhes dava pelo

que dele natildeo gostavamrdquo 426

Nestes testemunhos eacute lanccedilado no caso um novo suspeito Joseacute

Ribeiro marinheiro do navio Luz que segundo as testemunhas de defesa estava na lancha em

que as fazendas foram apreendidas e era o real autor do crime

As testemunhas iratildeo afirmar ainda que o despenseiro natildeo estava na lancha no

momento da apreensatildeo e que Joseacute Ribeiro o verdadeiro culpado chegou a oferecer dinheiro

ao sargento que fez a ldquotomadiardquo Aleacutem disso contra Joseacute Ribeiro pesava o fato de momentos

depois da apreensatildeo ter o mesmo voltado a um escaler do navio Luz e lanccedilado ao mar um

saco de pimentas 427

por medo que tinha que os soldados da guarda do trapiche dessem busca

no escaler este saco foi encontrado posteriormente em uma praia por ldquoum pretordquo Ainda

423

Idem 424

Idem 425

Depoimento de Joatildeo Fernandes homem branco solteiro natural da freguesia de satildeo Miguel de Carreiras do

Arcebispado de Braga moccedilo do serviccedilo do navio Luz de idade de 23 anos pouco mais ou menos Ibidem f 27

verso 426

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 13 427

Esta afirmaccedilatildeo aparece nos depoimentos de vaacuterias testemunhas Lembramos que as pimentas estavam

inseridas no rol de produtos vedados

121

segundo as testemunhas assim que ficou sabendo do iniacutecio do processo de devassa para se

apurar o caso de contrabando o tal marinheiro teria fugido para Bahia e desaparecido atitude

que segundo as testemunhas reforccedilava sua culpa

A defesa do reacuteu iraacute se utilizar de todos os pontos positivos trazidos pelos testemunhos

durante os inqueacuteritos reforccedilando o fato de que o reacuteu natildeo estava na lancha no momento da

ldquotomadiardquo estando ele ldquoa bordo do navio Prazeres e o maior sinal da sua inocecircncia foi natildeo se

retirar desta praccedila sendo-lhe noticiada a devassa e que a ele imputavam o mencionado

contrabandordquo 428

sublinhando que o reacuteu natildeo fugiu pois nada temia Punham entatildeo a culpa no

mencionado Joseacute Ribeiro que naquele momento estava ainda sumido

A defesa tambeacutem iraacute afirmar que os depoimentos das testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo

eram conclusivos e em nada prejudicavam o reacuteu pois para que o despenseiro fosse

condenando natildeo bastavam indiacutecios ou conjecturas para a condenaccedilatildeo se fazia necessaacuterio a

existecircncia de ldquouma prova plena legal contundente e mais clara do que a luz do meio diardquo 429

coisa que natildeo constava nos inqueacuteritos visto que muitas testemunhas iratildeo depor ldquode ouvidardquo

ou seja afirmavam saber do fato por ouvirem dizer a um terceiro o que acaba fazendo com

que estas declaraccedilotildees percam forccedila

Outro argumento interessante lanccedilado pela defesa eacute a afirmaccedilatildeo de que se as fazendas

de fato fossem do reacuteu teria ele agido de maneira mais inteligente para natildeo ser pego Isto

porque asseguravam que considerando que as fazendas fossem do despenseiro natildeo era criacutevel

que as mandasse para outro barco a outra pessoa pois esta accedilatildeo tornaria a situaccedilatildeo

potencialmente mais arriscada do que simplesmente enviar as mercadorias para terra Atestam

ainda que ldquoeacute certo que quando eacute costumado a praticar contrabandos todo o seu desiacutegnio eacute por

em salvo as fazendas com toda cautelardquo 430

isto ldquopara a natildeo perderem que eacute o menos para natildeo

pagarem o dobro para natildeo padecerem o rigor da prisatildeo em terra estranha e natildeo sofrerem as

avultadas despesas que trazem consigo os tais contrabandosrdquo 431

Tambeacutem alega que o caso teria sido orquestrado pelo mestre do navio Prazeres que

tinha ldquoconhecida inimizaderdquo pelo reacuteu pois queria o tal capitatildeo ldquogastar com excessiva largueza

os mantimentos da despensardquo 432

e o reacuteu zeloso do seu ofiacutecio tratava de administrar sem

estrago e excesso os mantimentos Entatildeo o capitatildeo do Prazeres teria em conluio com o capitatildeo

428

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 49

verso 429

Ibidem f 50 430

Ibidem f 51 431

Idem 432

Idem

122

do Luz armado contra o reacuteu Mesmo que a eacutepoca segundo relatos das testemunhas os dois

estivessem ldquodivorciadosrdquo o capitatildeo do Luz querendo se isentar da ldquomaacuteculardquo e maacute fama de ter

sido encontrado contrabando no seu navio topou se unir ao seu companheiro e ldquose viram em

beneficio proacuteprio e grave prejuiacutezo do reacuteurdquo 433

Apesar dos argumentos consistentes da defesa o processo contou com diversas

apelaccedilotildees ateacute a sentenccedila final Na uacuteltima apelaccedilatildeo iraacute a defesa declarar que ldquoo embargante eacute

um homem casado nesta Corte com filhos acha-se pobre e preso e ficaraacute inteiramente

destruidiacutessimo havendo-se dele o dobro que certamente natildeo deve porque natildeo eacute o cumplice

daquele contrabandordquo 434

Por fim em 29 de abril de 1775 Joatildeo Marques eacute absolvido pois

havia duacutevidas das autoridades quanto a autoria do crime e nesse caso natildeo deveria entatildeo ser o

despenseiro condenando No entanto ficou o mesmo encarregado do pagamento das custas do

processo como era de costume

O outro caso trata-se de uma apelaccedilatildeo crime onde era apelante a justiccedila e o procurador

fiscal da direccedilatildeo subalterna de Pernambuco contra o reacuteu Euseacutebio Alvarez da Costa O caso eacute o

seguinte o reacuteu que era alferes de auxiliares tinha em seu poder uma portaria passada pela

Companhia geral pois haacute alguns anos atraacutes tinha auxiliado aquela empresa a resgatar uns

escravos que haviam sido furtados Como sabia onde estes escravos estavam todos jaacute em

poder de terceiros cedeu a direccedilatildeo tal documento para que o alferes auxiliado por militares

fizesse o resgate dos tais escravos

O reacuteu entatildeo eacute acusado de continuar a se utilizar desta portaria em benefiacutecio proacuteprio

Isso porque fingindo ser agente da direccedilatildeo da Companhia Euseacutebio Alvarez prendia

comerciantes e mascates que vinham da Bahia trazendo contrabando e para solta-los exigia

pagamento tambeacutem em produtos vedados Diz o procurador fiscal da Companhia que o reacuteu

era acostumando a cometer ldquosimilares malefiacuteciosrdquo que eram puacuteblicos e notoacuterios nas freguesias

de Ipojuca Cabo e Sirinhaem e ainda ldquoque o reacuteu vive destas e de outras ladroeiras fazendo-se

agente da direccedilatildeo e intimidando com a portaria do senhor generalrdquo 435

O caso especiacutefico que eacute objeto desta apelaccedilatildeo envolve o mascate Joatildeo Manoel que

trazendo fazendas de contrabando da Bahia para Pernambuco foi apreendido pelo reacuteu que se

fez passar na ocasiatildeo por oficial da Companhia apresentando a portaria que possuiacutea O

mascate segundo a denuacutencia foi libertado pelo reacuteu mediante pagamento feito atraveacutes de ldquoduas

433

Idem 434

Ibidem f 92 verso 435

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1 f 9

123

peccedilas de riscado da Iacutendia e uma letra de 14 ou 16 mil que devia Joatildeo Paes filho de dona

Joanna moradora na lagoa do Cabordquo 436

Tendo o crime sucedido em julho ou agosto do ano

de 1776 Foi entatildeo Euseacutebio Alvarez preso para que se tirasse devassa do caso

Praticamente todas as testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo afirmar a mesma coisa

sustentando a versatildeo descrita acima afirmam que apresentando o reacuteu a portaria para o

mascate Joatildeo Manoel que trazia produtos vedados da Bahia soacute o autorizou a passar quando

este lhe deu duas peccedilas de riscado e umas letras Algumas testemunhas como Ignacio Correa

Teixeira 437

por exemplo iratildeo declarar que uma dessas peccedilas de riscado teria sido comprada

pelo reacuteu Versatildeo reforccedilada tambeacutem por Jeronimo Joseacute Cavalcanti que inclusive assegura ter

tentado comprar do mascate o mesmo tipo de peccedila de riscado que Euseacutebio Alvarez havia

adquirido pelo valor de sete patacas e meia 438

Os depoimentos das testemunhas de defesa iratildeo se encaminhar no sentido de informar

que o reacuteu era um homem iacutentegro respeitado e estimado por seus superiores e que jaacute havia

prestados serviccedilos a Companhia no caso do furto dos escravos e ainda que natildeo acreditavam

ser Euseacutebio Alvarez um contrabandista Vaacuterias testemunhas como Manoel Joseacute dos Santos

por exemplo alegam que o comandante da freguesia do Cabo era inimigo do reacuteu Algumas

testemunhas vatildeo aleacutem como eacute o caso de Joseacute Correia Faria e declaram ser aquele comandante

ldquocostumado a caluniar a todos e que o mesmo comandante auxilia e daacute passagem aos

contrabandistasrdquo 439

A defesa do reacuteu se inicia como uma afirmaccedilatildeo polecircmica e que vem corroborar o nosso

entendimento de que os contrabandos durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia Geral

foram uma praacutetica comum e amplamente disseminada tanto no grosso trato como no miuacutedo

aleacutem disso reforccedila tambeacutem nosso argumento que o litoral sul da capitania era

abundantemente frequentado pelos contrabandistas Declara a defesa que ldquose houvesse de

proceder o juiacutezo contra todas as pessoas que natildeo delatam o contrabandista e deixam passar

os contrabandos a maior parte delas de fora desta Praccedila ateacute a vila de Penedo deveriam ser

punidasrdquo 440

isto porque ainda segundo a defesa as pessoas natildeo ldquodelatam os contrabandistas e

deixam passar os contrabandosrdquo 441

436

Ibidem f 8 437

Ibidem f 24 verso 438

Ibidem f 23 verso 439

Ibidem f 29 verso 440

Ibidem f 37 441

Idem

124

Continua afirmando que todos na praccedila sabiam disso e que era impossiacutevel que o

procurador fiscal da Companhia desconhecesse tais fatos Atestam ainda ldquoque muito e muitos

contrabandos estatildeo entrando todos os dias nesta vila e hatildeo de entrar enquanto existir a

Companhia sem que ningueacutem delate os contrabandistasrdquo 442

E que o reacuteu soacute foi denunciado

pois possuiacutea inimigos Sustentavam a versatildeo de que tudo foi arquitetado pelo comandante da

freguesia do Cabo que era ldquodeclarado inimigo do reacuteurdquo e que induzira aos outros a

testemunhar contra o alferes Eram entatildeo as testemunhas compradas e seu juramento de

nenhum valor

Declaram aleacutem disso que o reacuteu soacute fez uso da portaria expedida pela Companhia no

caso da apreensatildeo dos escravos ldquoe natildeo cuidou nunca em fazendas de contrabandistas por natildeo

ter ordem para isso e menos os auxiliou porque eacute zeloso do serviccedilo da Direccedilatildeo e natildeo

adversaacuterio delardquo 443

Afirmam ainda que o Euseacutebio Alvarez nunca apreendeu contrabandista

nenhum nem fazendas de contrabando e que nem mesmo conhecia o mascate citado no caso e

que se o tivesse apreendido natildeo seria capaz de soltaacute-lo ldquopelo donativo de duas peccedilas de

riscado e 16 letrasrdquo 444

Outro ponto interessante da defesa versa sobre a condiccedilatildeo e a qualidade do reacuteu

Declaram entatildeo que o mesmo era alfares de auxiliares e que era notoacuterio a todos que ldquonasceu

nobre e abastado e sempre teve o que comer e natildeo precisava de furtar para issordquo prosseguem

afirmando que ldquoa sua conduta sempre se conformou a nobreza do seu nascimento e as leis

divinas e humanasrdquo 445

Com este argumento a defesa busca se utilizar da condiccedilatildeo do reacuteu

para contestar a denuacutencia deixando claro que aleacutem de natildeo precisar cometer contrabandos

esse tipo de atitude natildeo condizia com a honra esperada de sua ascendecircncia nobre

Apesar das denuacutencias do procurador fiscal da Companhia os argumentos da defesa

acabam vingando e o reacuteu eacute absolvido em maio de 1778 ficando ele responsaacutevel por pagar

apenas as custas do processo como era de costume Como podemos observar boa parte dos

casos detalhados ateacute o momento no grosso trato ou no miuacutedo acabaram por inocentar seus

reacuteus mesmo quando se sabia publicamente que aqueles homens eram reconhecidos

contrabandistas Isto porque as apreensotildees em sua maioria eram feitas preventivamente ou

seja antes do crime realizar-se Fato que usaratildeo os reacuteus a seu favor para afirmar natildeo serem as

provas conclusivas Para o comeacutercio feito nos ldquointerioresrdquo o artigo 25 dos estatutos seraacute

442

Idem 443

Ibidem f 11 444

Idem 445

Idem

125

amplamente utilizado nas defesas para isentar os comerciantes que negociavam naquelas

paragens

O desenrolar dos casos revelam aleacutem de interessantes e importantes detalhes da praacutetica

de comeacutercio iliacutecito ao longo do periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial da Companhia a

dificuldade de se reprimir e castigar aquele tipo de accedilatildeo Pois aleacutem da grande dificuldade de

se monitorar uma aacuterea tatildeo vasta e de se controlar um comeacutercio que acontecia por vaacuterios meios

e formas dificilmente a apreensatildeo configurava flagrante Desenvolveremos melhor este

toacutepico no proacuteximo capiacutetulo

Destacamos tambeacutem que dentro do conjunto de atividades comerciais iliacutecitas

desenvolvidas na capitania o comeacutercio com navios estrangeiros estaraacute presente de forma

abundante 446

Em 1770 por exemplo o governador de Pernambuco relata ao secretaacuterio de

Estado da Marinha e Ultramar ter apreendido papeacuteis em poder de Henrique Joseacute Colaccedilo

onde constava um grande volume de contrabandos e negoacutecios feitos por ele com navios

estrangeiros no Cearaacute O governador passa coacutepia neste ofiacutecio de todas as ldquocompras e vendas

que no Cearaacute Grande debaixo de pretexto de arribada forccedilada fizeramrdquo 447

os comerciantes

estrangeiros

Estes negoacutecios ainda segundo Joseacute Cesar foram feitos ldquoem prejuiacutezo dos negociantes

deste continente e Companhia Geral e Reais direitos de sua majestaderdquo 448

pois da capitania

do Cearaacute tinham levado ldquodinheiro ouro em pensas como tambeacutem quinze mil rolos de paus de

tintas e obra mais duzentos e cinco arrobas de papaconha sessenta e oito de resina e gomas e

quinhentos e noventa e quatro couros em cabelordquo 449

como se pode ver nos documentos

anexados Nestes papeacuteis constam tambeacutem as mercadorias em sua maioria importadas

introduzidas ilegalmente nas terras do Cearaacute como queijos fitas de algodatildeo facas tecidos

diversos enxofre poacutelvora entre outros

Atestam esse fluxo tambeacutem a preocupaccedilatildeo constante das autoridades locais com

embarcaccedilotildees estrangeiras que estando destinadas a outros portos do Estado do Brasil acabam

arribando em Pernambuco devido as maacutes condiccedilotildees do tempo ou pela necessidade de reparar

avarias Como ocorre por exemplo em 1761 quando trecircs naus inglesas da Companhia

Oriental datildeo fundo em Recife em virtude de problemas na embarcaccedilatildeo Para evitar os

446

Os documentos que comprovam este fluxo satildeo muitos e estatildeo disponiacuteveis nos avulsos do arquivo histoacuterico

ultramarino - AHU para a capitania de Pernambuco 447

AHU ndash PE Cx 110 D8493 448

Idem 449

Idem

126

descaminhos o governador publica bando em praccedila puacuteblica esclarecendo que era proibido a

pessoas de qualquer condiccedilatildeo ou qualidade fazer qualquer tipo de comeacutercio com aquela

embarcaccedilatildeo por ldquoser com elas inabilitadas toda compra ou negociaccedilatildeo mercantil puacuteblica ou

oculta grande ou pequena de gecircneros comerciaacuteveis estrangeirosrdquo 450

Ainda no mesmo documento afirma o governador que o contrabando era um dos

delitos mais ldquoperniciosos entre os que infectam o Estado dos que se fazem a sociedade civil

mais odiososrdquo 451

continua alegando que aquele tipo de praacutetica se fazia natildeo soacute contra o Eraacuterio

reacutegio mas tambeacutem em ruiacutena do comeacutercio local e prejuiacutezo do mesmo Pois os contrabandistas

vendem seus produtos com diminuiccedilatildeo de preccedilos jaacute os comerciantes legais ficavam com ldquosuas

fazendas empatadas [] sem ter quem as comprerdquo 452

Adverte entatildeo o governador que quem

fosse pego fazendo tais negociaccedilotildees iliacutecitas seria julgado em todas as penas cabiacuteveis e quem

fizesse denuacutencia receberia ldquoparte competenterdquo como premiaccedilatildeo

A preocupaccedilatildeo das autoridades para que natildeo houvesse contrabando com navios

estrangeiros na Costa da capitania era tatildeo grande que em alguns casos era tirada uma devassa

para se averiguar se os motivos alegados pela tripulaccedilatildeo para fazer parada em territoacuterio

pernambucano eram verdadeiros Esse eacute o caso do bergantim inglecircs denominado Sabina que

arribou no porto de Cabedelo na Paraiacuteba ldquopara se refazer de coisas necessaacuteriasrdquo 453

no ano de

1776 Logo o governador da Paraiacuteba passa ordens para que alguns soldados verifiquem a

embarcaccedilatildeo e a conduzam para fortaleza de Cabedelo onde ficaram ldquodebaixo de artilhariardquo e

posteriormente se procedeu uma devassa para verificar se a arribada era realmente necessaacuteria

Durante o tempo em que esteve naquele porto as mercadorias da embarcaccedilatildeo foram

transferidas para armazeacutens onde ficaram sob constante vigilacircncia para que natildeo ldquose

descaminhasse coisa algumardquo 454

Aleacutem do comeacutercio direto as fazendas estrangeiras tambeacutem chegavam a Pernambuco

atraveacutes de embarcaccedilotildees vindas da Bahia Isso eacute o que afirma Martinho de Melo e Castro

secretaacuterio da Marinha e Ultramar em ofiacutecio destinado ao governador de Pernambuco Joseacute

Cesar de Meneses Neste documento o secretaacuterio iraacute afirmar ser de conhecimento geral no

reino ldquoas escandalosas relaxaccedilotildees com que nesses portos (Pernambuco) se introduzem

450

AHU ndash PE Cx 95 D7497 451

Idem 452

Idem 453

AHU ndash PE Cx 122 Doc 9339 454

Idem

127

fazendas de Franccedila de Inglaterra e de Holandardquo 455

segue dizendo que as tais fazendas eram

extraiacutedas da Costa da Mina e chegavam a Pernambuco ldquointroduzidas pela Bahia e por navios

de comeacutercio que dessa capitania vatildeo aquela Costardquo 456

Como vimos o contrabando de mercadorias ou melhor o potencial comeacutercio de

produtos contrabandeados seraacute uma praacutetica extensiva durante todo o periacuteodo de existecircncia da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Vaacuterias eram as ldquomodalidadesrdquo desse tipo de

comeacutercio que podia ser realizado no grosso trato ou no miuacutedo praticado atraveacutes das rotas que

ligavam Pernambuco e Bahia pelo sertatildeo ou ainda pelo litoral esse comeacutercio era heterogecircneo

e envolvia diversos personagens Desde os grandes comerciantes passando pelos indiviacuteduos

comuns que viam nos descaminhos oportunidade de amealhar algum recurso chegando aos

estrangeiros de diversas naccedilotildees que frequentavam o litoral da capitania trazendo produtos

europeus e levando em contrapartida as mercadorias da terra

33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas

Agora que jaacute conhecemos as rotas os casos e as mercadorias que circulavam entre as

praccedilas de Bahia e Pernambuco nos resta tentar esclarecer como estes produtos ganhavam as

ruas e iam parar nas matildeos dos compradores finais Durante nossa pesquisa nas fontes

primaacuterias descobrimos que alguns destes comerciantes envolvidos nos circuitos iliacutecitos

estavam associados a falsificadores de selos reais como nos revelam dois documentos

coletados do nosso acervo

O primeiro caso eacute do ano de 1770 trata-se de uma carta anocircnima escrita no Recife

endereccedilada ao secretaacuterio de Estado do Reino e das Mercecircs o Conde de Oeiras O denunciador

aleacutem de falar sobre o comeacutercio ilegal praticado nos portos do sertatildeo afirma que ldquose introduz

aqui inumeraacuteveis fazendas sem despacho pelos mesmos navios da Companhiardquo 457

continua

explicando que ldquoo contrabando leva quantas meias sobras haacute nesta terra e ouro velho que

podem adquirir para a Bahia e o Rio de Janeiro vai o dinheiro provincial para se empregarem

em fazendas que se introduzem nesta praccedila por contrabandordquo 458

completa dizendo que as

455

Cf AHU ndash PE ndash Coacutedice 583 fls 202-203 apud DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os

locais uma anaacutelise da correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania

de Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei SOUZA

George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo atlacircntico Recife Editora

Universitaacuteria da UFPE 2012 P 225 456

Idem 457

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 458

Idem

128

ditas fazendas ldquochegam a ter selos falsos com que as selam por se natildeo fazer tatildeo manifesto o

contrabando a quem os compra e torna a venderrdquo 459

Em ofiacutecio escrito pela Junta da Companhia sediada em Lisboa no ano de 1778 um

caso correlato eacute denunciado Afirma-se neste documento a existecircncia em Recife de um

homem chamado Manoel Correa de Mendonccedila que foi preso no ano de 1772 por selar

fazendas contrabandeadas na sua casa 460

Podemos inferir atraveacutes dos dados como se

comportavam estas redes mercantis de contrabando que buscavam se agrupar a falsificadores

na intenccedilatildeo de fazer com que os produtos iliacutecitos circulassem livremente na praccedila mercantil

pernambucana e pudessem por exemplo ser vendidos sem maiores problemas nas lojas da

praccedila

Aleacutem da venda nas lojas quando feito em pequeno porte muito provavelmente estas

mercadorias ganhavam as ruas atraveacutes das bocetas das negras de ganho apesar da praacutetica ter

sido proibida por postura do ano de 1744 a venda desses produtos atraveacutes dessas

intermediaacuterias ainda constituiacutea-se em atitude cotidiana como nos esclarece carta dos oficiais

da cacircmara de Olinda escrita no ano de 1769 e endereccedilada a Corte

Nesta carta os oficiais apelam ao Rei pelo relaxamento da medida pois afirmam ser

aquele comeacutercio essencial para a sustentaccedilatildeo de famiacutelias por ser o ato de ldquocomprar e venderrdquo

o ldquouacutenico recurso que haacute no Brasilrdquo 461

O documento esclarece ainda que este tipo de comeacutercio

era um haacutebito da capitania como os proacuteprios camaraacuterios afirmam ldquoestilo da terrardquo antes da

pragmaacutetica as pretas cativas vendiam pelas ruas ldquotoda a qualidade de vendas de frutos

legumes docesrdquo 462

e com o decurso do tempo foram incrementados a este comeacutercio ldquofitas de

seda fazendas de algodatildeo da Iacutendia bertanha aniagemrdquo 463

Outro documento confirma essa dinacircmica mercantil em ofiacutecio do ano de 1778 da

Junta da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba ao governador de Pernambuco declara a

junta saber que ldquoos ricos e poderosos dessa terra (Pernambuco) trazem duas trecircs escravas a

vender pelas ruas em bocetasrdquo 464

continuam afirmando que ldquocada uma eacute uma loja os

melhores gecircneros e fazendas as quais recebem dos navios que vatildeo a este portordquo concluindo o

documento a Junta faz questatildeo de destacar que ldquopor ordem de sua majestade eacute proibido andar-

459

Idem 460

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 461

AHU ndash PE Cx 107 D 8312 462

Idem 463

Idem 464

AHU ndash PE Cx 128 D 9737

129

se vendendo desta forma pelas ruasrdquo 465

O apelo feito pela cacircmara bem como a denuacutencia da

Junta da Companhia Geral satildeo demonstrativos da persistecircncia desse comeacutercio que ligava os

principais homens de negoacutecio da praccedila pernambucana a estas intermediaacuterias de cor

Respondendo a este ofiacutecio tambeacutem no ano de 1778 o governador Joseacute Cesar de

Meneses confirma a afirmaccedilatildeo da Junta lisboeta Declara a autoridade que tal costume era

praticado na Praccedila e pelo que havia apurado natildeo era coisa moderna De acordo com os dados

colhidos por ele os governadores que o haviam precedido e os ministros que os auxiliavam

nunca haviam impugnado tal accedilatildeo afirma ainda que ldquoas cacircmaras concedem licenccedilas as

escravas que vendem dessa forma pelas ruasrdquo 466

Acreditava o governador que isso ocorria

pois ldquonem o artigo 18 da pragmaacutetica de 1749 que proiacutebe vender fazendas pelas ruas em

caixas ou trouxas nas cidades ou vilas desse Reino nem a declaraccedilatildeo feita ao mesmo inciso no

alvaraacute de 21 de abril de 1751rdquo 467

determinavam expressamente que tal proibiccedilatildeo se estendia

as conquistas A falta de uma legislaccedilatildeo especiacutefica para a colocircnia acabava neste caso criando

uma brecha para a continuidade daquele procedimento na capitania pernambucana

Tambeacutem encontramos relatos na historiografia que compravam o costume local de

mulheres de cor andarem pelas ruas a vender uma infinidade de produtos inclusive

contrabandos A historiadora Suely Almeida se dedica em artigo intitulado ldquoHistoacuterias de

gentes sem qualidade Mulheres de cor na Capitania de Pernambuco no seacuteculo XVIIIrdquo a

recompor as tramas comerciais que essas intermediaacuterias estavam envolvidas Sobre os

produtos que transitavam por entre cestos bocetas e tabuleiros nas ruas do Recife iraacute afirmar

a autora que

Tanto nos tabuleiros como nas tabernas vendia-se de tudo comida bebida

roupas poacutelvora armas ferramentas utensiacutelios domeacutesticos alguns artigos de

luxo como tecidos finos joias e coisas de toucador Essas vendas ou

tabernas se constituiacuteam em espaccedilos intermediaacuterios entre a legalidade e a

ilegalidade 468

Para o contrabando de escravos nossa hipoacutetese baseada na anaacutelise a documentaccedilatildeo eacute

que muito provavelmente antes de vir para a capitania boa parte da escravaria jaacute estava

encomendada e negociada dada a dificuldade de fazer entrar e se esconder uma grande

quantidade de pessoas na capitania sem ser notado Apesar de encontrarmos vaacuterios

465

Idem 466

AHU ndash PE Cx 130 D 9823 467

Idem 468

ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de Pernambuco no seacuteculo

XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria da escravidatildeo em Pernambuco Editora

UniversitaacuteriaUFPE 2012 P 52

130

documentos que fazem referecircncia ao comeacutercio descaminhado de escravos durante o periacuteodo

da nossa pesquisa natildeo achamos referecircncia alguma quanto a qualquer tipo de feira de venda de

escravos extralegal ou coisa parecida o que nos leva a crer que de fato aquele tipo de

negociaccedilatildeo era feita em sua maioria de forma antecipada

Quanto as caixas de accediluacutecar e outras mercadorias que saiam de Pernambuco e iam para

Bahia a documentaccedilatildeo natildeo oferece maiores detalhes Isto porque como jaacute dito aqui a praccedila

comercial da Bahia natildeo estava sujeita ao regime de exclusivo comercial dessa forma o

tracircnsito de produtos e negoacutecios era feito de maneira mais livre Aleacutem disso como tambeacutem jaacute

visto anteriormente as autoridades baianas de maneira geral pareciam natildeo se importar muito

com o tracircnsito comercial que ligava as duas capitanias autorizando a introduccedilatildeo das

mercadorias oriundas destes negoacutecios sem grandes problemas

131

4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA

41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas

O contrabando seraacute uma constante durante os vinte e um anos de existecircncia da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba causando graves prejuiacutezos aos comerciantes

lisboetas donos da maior parte de suas accedilotildees Essa praacutetica seraacute alvo de grande preocupaccedilatildeo

por parte da coroa e da Junta da Companhia sediada em Lisboa 469

sendo um assunto

recorrente na documentaccedilatildeo Conseguimos localizar junto ao nosso acervo uma seacuterie de

ofiacutecios e cartas trocadas entre as autoridades locais e o Reino ao longo de todo o periacuteodo de

monopoacutelio exercido pela empresa que tratam sobre o tema demonstrativos da importacircncia e

proporccedilatildeo que os contrabandos assumiram durante aquele periacuteodo

A preocupaccedilatildeo do Reino em evitar e conter os contrabandos na capitania

pernambucana se daraacute a partir dos primeiros anos de funcionamento da Companhia revelando

que a praacutetica clandestina se instalou contemporaneamente ao funcionamento da empresa

Alertamos que o teor dessa documentaccedilatildeo por vezes se tornaraacute repetitivo de qualquer forma

optamos por trabalhar com uma significativa variedade de documentos natildeo soacute para reforccedilar

nosso ponto como tambeacutem para demonstrar que os problemas envolvendo as transaccedilotildees

descaminhadas persistiram ao longo dos anos de existecircncia do monopoacutelio

De acordo com Antonio Manuel Hespanha devido a uma seacuterie de limitaccedilotildees

enfrentadas pelo Reino a aplicabilidade de penas dentro do sistema punitivo reacutegio portuguecircs

era reduzida Afirma o autor que o modelo de poder coercitivo exercido por Portugal evitava

ao maacuteximo a consumaccedilatildeo da puniccedilatildeo sendo a disciplina social garantida por ldquomecanismos

quotidianos de controlordquo tendo como fim a defesa da supremacia simboacutelica do Rei Dessa

forma a concessatildeo do perdatildeo real em alguns crimes acabava por se tornar estilo expediente

rotineiro Hespanha assegura que esta realidade soacute seraacute alterada de maneira efetiva em

469

A Junta da Companhia Geral estava sediada em Lisboa e representava dentro da estrutura administrativa da

empresa a escala maacutexima de poder era o centro decisoacuterio da Companhia e possuiacutea competecircncia deliberativa A

Junta era composta por um provedor dez deputados e trecircs conselheiros eleitos entre os principais acionistas da

empresa para mandatos a priori de trecircs anos A Companhia possuiacutea ainda duas outras administraccedilotildees uma na

cidade do Porto e outra em Recife conhecidas como ldquodireccedilotildeesrdquo cada uma delas possuiacutea um intendente e seis

deputados Estas direccedilotildees eram subordinadas a Junta administrativa de Lisboa Sobre isto ver JUacuteNIOR Joseacute

Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 CARREIRA Antonio

As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982

132

meados do XVIII com a ascensatildeo do despotismo iluminado periacuteodo que compreende o marco

cronoloacutegico desta pesquisa 470

Apesar da Companhia possuir um juiacutezo privativo e de alguns casos como

demonstrado no capiacutetulo anterior acabarem por apoacutes as investigaccedilotildees inocentarem os reacuteus eacute

notoacuteria a atenccedilatildeo que o Reino iraacute demandar aos casos de contrabando ocorridos durante o seu

funcionamento A comunicaccedilatildeo oficial estabelecida entre os governadores da capitania e o

ministro do Estado da Marinha e Ultramar nos demonstra como a metroacutepole buscou instruir

seus agentes locais para atuarem na coibiccedilatildeo e puniccedilatildeo dos diversos personagens envolvidos

nos esquemas iliacutecitos

Jaacute em 1763 encontramos ofiacutecio enviado a Corte pelo governador Luiacutes Diogo Lobo da

Silva onde o oficial reacutegio comunica ao Conselho Ultramarino as medidas que vinha tomando

para reprimir a ldquoprejudicial transgressatildeordquo 471

que segundo o mesmo havia causado ldquoquase

uma total extraccedilatildeo do dinheiro provincialrdquo Afirma o governador ter mandando o procurador

fiscal da Companhia bem como o juiz da alfacircndega daquela Praccedila darem buscas nas lojas

suspeitas a fim de que se cumprisse o que determina o artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo

da Companhia Geral 472

No mesmo ofiacutecio Luiacutes Diogo Lobo busca esclarecer junto ao Reino qual o

procedimento adotar em caso de apreensatildeo de mercadorias fruto de denuacutencias que se

encontravam sem selo ou seja produtos que ainda natildeo haviam pagado os reais direitos em

nenhum porto A duacutevida do governador era se mesmo nestes casos deveriam os denunciantes

receber a parte que lhes era devida seguindo o que estabelecia o artigo 34 do documento de

instituiccedilatildeo da Companhia 473

Destacamos que a duacutevida das autoridades em relaccedilatildeo ao que

fazer com os frutos das apreensotildees seraacute corriqueira Isto porque o documento de instituiccedilatildeo da

470

HESPANHA Antonio Manoel O direito penal da monarquia corporativa In _____ Caleidoscoacutepio do

Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda 2012 P 129-164 471

AHU-PE ndash Cx 99 D 7757 472

Idem 473

O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba determinava que

ldquoNenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute mandar levar ou introduzir as sobreditas

fazendas secas ou molhadas nas ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da sua produccedilatildeo a menos

que natildeo seja na forma acima referida sob pena de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto

importar o seu valor Sendo tudo aplicado a favor dos denunciantes que poderatildeo dar suas denuacutencias em

segredo ou em puacuteblico Neste Reino diante dos juiacutezes conservadores de Lisboa e do Porto e em Pernambuco

diante do Juiz Conservador da mesma Companhia os quais todos faratildeo notificar as denunciaccedilotildees aos

procuradores da Companhia para serem partes nelas tudo de baixo das penas acima declaradasrdquo (Grifo nosso)

Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor do

Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel

em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 05052017

133

Companhia que balizava tais questotildees natildeo contemplava a diversidade de situaccedilotildees

encontradas pelos oficiais reacutegios no cotidiano 474

De acordo com o artigo 34 nenhuma pessoa poderia introduzir nas terras exclusivas

da Companhia nem enviar dela para outras localidades nenhum tipo de gecircnero exceto nos

casos dos comerciantes que negociavam no ldquomiuacutedordquo como autorizava o artigo 33 475

sob

pena de perdimento das fazendas ou de seu valor como jaacute explicitamos anteriormente Quem

estivesse disposto a denunciar tais contrabandos o que poderia ser feito em segredo ou

publicamente levaria a terccedila parte dos rendimentos feitos com aquela apreensatildeo O precircmio

era uma forma de incentivar as denuacutencias na capitania jaacute que sem elas o trabalho dos oficiais

reacutegios ficava bastante dificultado No entanto fazer estas denuacutencias requeria coragem pois

invariavelmente violecircncias e represaacutelias eram sofridas pelos denunciantes 476

A praacutetica de reservar quotas sobre o espoacutelio do contrabando aos que contribuiacutessem

para sua apreensatildeo era comum natildeo soacute na colocircnia brasileira como na Ameacuterica hispacircnica Ao

tratar sobre os descaminhos do ouro e diamantes na regiatildeo das Minas setecentistas Isnara

Pereiro Ivo iraacute afirmar que uma das estrateacutegias adotadas pela Coroa ao decorrer do seacuteculo

XVIII para tentar conter os contrabandos na regiatildeo era a de destinar a terccedila parte do material

apreendido ao funcionaacuterio reacutegio que fizesse a tomadia 477

Falando sobre os contrabandos

474

Em diversos documentos oficiais trabalhados ao longo deste texto solicitam as autoridades coloniais ao

Reino que se mandem instruccedilotildees do que fazer com as mercadorias apreendidas Ao que tudo indica quando os

confiscos aconteciam independentemente de denuacutencias os gecircneros apreendidos eram levados aos armazeacutens da

Companhia Poreacutem nem sempre os oficiais tinham certeza do que fazer com os frutos das apreensotildees como por

exemplo eacute o caso de uma carga de couros e tabaco apreendida por Joseacute Cesar de Meneses em 1778 tirado de

uma sumaca que fazia contrabandos com a Costa da Bahia Apesar de ter remetido os tabacos e os couros para os

armazeacutens da Companhia o governador solicita lhe seja esclarecido pela Corte se aquela direccedilatildeo deveria pagar

pelos ditos gecircneros ao Eraacuterio Reacutegio pois parecia ao governador ldquopertencer este sequestro mais a S Majestade do

que a direccedilatildeordquo Fonte AHU ndash PE Cx 129 D 9771 475

Como jaacute visto no segundo capiacutetulo deste trabalho de acordo como artigo 33 do documento de instituiccedilatildeo da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba a empresa autoriza que os comerciantes da terra continuassem a

fazer seus negoacutecios no ldquomiuacutedordquo ficando reservado a Companhia o comeacutercio de grosso trato que em Pernambuco

comeccedilava no valor de cem mil reis Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa -

Officina de Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA -

Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 476

Em ofiacutecio do ano de 1780 o governador Joseacute Cesar de Meneses ao falar sobre caso ocorrido no mesmo ano

na capitania afirma ter sido assassinado o soldado Ignaacutecio Tavares do Regimento do Recife e na mesma ocasiatildeo

foi espancado violentamente o soldado Francisco Antocircnio Ribeiro do mesmo Regimento ao irem agrave praia da

Penha (Recife) examinar uma jangada vinda da Bahia cheia de contrabandos Atesta ainda o governador que

durante estas diligecircncias era comum que houvesse certa resistecircncia por parte dos contrabandistas Declara

tambeacutem neste documento ter feito pagar recentemente a soldados que haviam denunciado novo crime de

contrabando a terccedila parte do fruto da apreensatildeo no valor de 270259 mil reis a fim de ldquoanimar a tropa e

cuidarem em fazer melhores diligecircnciasrdquo Fonte AHU-PE Cx 138 D10250 477

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica

Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 288

134

realizados no porto de Buenos Aires do seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos tambeacutem iraacute atestar que

se tinha o costume naquela localidade de recompensar o denunciador de ldquotratos realizados

sem permissatildeo realrdquo 478

com ao menos um terccedilo do valor apreendido

Voltando a nossa narrativa em 1769 o entatildeo governador de Pernambucano Conde de

Povolide anuncia ao Reino a grande ldquoousadia com que se estavam praticando tatildeo escandalosas

negociaccedilotildees quase a minha face e de todos os ministros desta capitaniardquo 479

De acordo com o

Conde devido agrave falta de denuacutencias se introduziam na aacuterea exclusiva da Companhia ldquofazendas

secas por negociantes da Bahia em alguns portos desta capitaniardquo ainda segundo o governador

os mesmos negociantes extraiam gecircneros da terra para a capitania vizinha em ldquoprejuiacutezo grave

dos direitos reaisrdquo 480

Neste mesmo ofiacutecio o oficial reacutegio relata como atuavam aqueles

grupos empenhados no trato iliacutecito e os cuidados que vinha empregando na contenccedilatildeo de tais

praacuteticas assegurando ter recomendado aos capitatildees mores e regentes de distrito a maior

vigilacircncia ldquopara evitar a travessia de semelhantes negociaccedilotildeesrdquo 481

Neste mesmo ano eacute enviada resposta ao governador em Pernambuco em forma de

minuta do Rei D Joseacute I Ordenava-se que para se evitar os ldquoprejudicialiacutessimos empates que

tem experimentado a Companhiardquo 482

se executasse na capitania pela figura do Juiz

conservador da Companhia Geral todas as leis e ordens referentes a repressatildeo do

contrabando Pedindo que se desse especial observacircncia ao alvaraacute reacutegio expedido no dia 14 de

novembro de 1757 483

onde se ampliavam os paraacutegrafos que tratavam sobre o tema nas

Comarcas do Reino e em seus domiacutenios ultramarinos

Em 1770 era a vez de Manoel da Cunha Meneses relatar o insucesso na repressatildeo

contra os descaminhos que naquelas paragens se estabeleciam Segundo o governador natildeo

havia meios ldquopara que estes contrabandos se possam evitarrdquo 484

Prosseguindo seu relato o

capitatildeo general afirma que o motivo das fazendas da Companhia estarem ldquoempatadasrdquo nos

armazeacutens era que nos sertotildees daquela capitania havia uma ldquogrande multiplicidaderdquo 485

das

mesmas fazendas que adentravam via contrabando o territoacuterio monopolizado atraveacutes do Rio

de Satildeo Francisco Explica ainda a dificuldade em se mandar fiscalizar aquelas ldquoremontadas

478

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires

colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 479

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 480

Idem 481

Idem 482

AHU ndash PE Cx 107 D 8276 483

Natildeo foi possiacutevel identificar tal alvaraacute junto ao nosso acervo documental 484

AHU ndash PE Cx 108 D 8371 485

Idem

135

paragensrdquo de acordo com o governador ldquonatildeo haacute sujeitos que bastem para em tatildeo longas

distacircncias fazerem a sua obrigaccedilatildeo de impedir as ditas passagensrdquo 486

e mesmo que

houvessem ldquoseria necessaacuterio uma importante soma de ordenados da real fazenda para lhe

satisfazer as despesas precisas nas dilatas viagensrdquo 487

Percebemos que as dificuldades encontradas pelos governadores pernambucanos e os

ministros do Conselho Ultramarino nos combates aos contrabandos em muito se aproximam

dos desafios enfrentados pela Coroa e pelos oficiais reacutegios envolvidos na administraccedilatildeo das

Minas de ouro Isto eacute que o nos sugere os atuais trabalhos dedicados a explorar os circuitos

mercantis desenvolvidos nas regiotildees mineiras que apontam para os grandes descaminhos de

minerais realizados naquelas plagas Desde cedo a Coroa buscou montar todo um aparato

fiscalizador com o intuito de conter a sangria que ofendia a Real Fazenda De acordo com a

historiadora Isnara Pereira Ivo a regiatildeo do Satildeo Francisco e suas anexas foram as principais

vias alvo de controle Os contrabandos naquela regiatildeo se davam tanto atraveacutes dos caminhos e

picadas de terra abertas ilegalmente ao longo das margens dos rios ldquocomo no curso de

pequenos afluentes e nos grandiosos braccedilos drsquoaacutegua que alimentavam secularmente os leitos da

margem direita do Velho Chicordquo 488

No entanto por maior que fosse o zelo do Reino no que diz respeito agrave tatildeo importante

demanda nenhuma medida adotada se mostrou completamente eficaz isto porque os

caminhos eram muitos e extensos ainda de acordo com Ivo ldquoos dilatados sertotildees abrigavam

veredas que as proacuteprias autoridades desconheciam e talvez por isso mesmo tentavam ampliar

medidas de combate a evasatildeo fiscalrdquo 489

Existia uma grande preocupaccedilatildeo por parte da Coroa

com a abertura de caminhos natildeo autorizados o que pode ser medido entre outras coisas pela

recorrecircncia de ordens reacutegias que buscavam regular tal mateacuteria

Nota-se que tanto no caso das Minas quanto em Pernambuco que a grande extensatildeo

do territoacuterio e a falta de conhecimento sobre as vastas aacutereas que estavam fora do eixo

litoracircneo iratildeo dificultar sobremaneira o trabalho repressivo por parte das autoridades reais

Por maiores que fossem os esforccedilos empregados a contenccedilatildeo dos descaminhos nas condiccedilotildees

apontadas era tarefa praticamente impossiacutevel Natildeo havia nenhum tipo de estrutura que

permitisse o monitoramento total de aacutereas tatildeo vastas A questatildeo da extensatildeo territorial da

486

Idem 487

Idem 488

IVO Isnara Pereira Op Cit P 289 489

Idem

136

Capitania pernambucana apareceraacute em vaacuterios documentos como um dos elementos mais

impeditivos para efetividade da fiscalizaccedilatildeo

Nosso conjunto documental nos sugere um aumento do volume de contrabandos a

partir de meados da deacutecada de 70 490

o que consequentemente iraacute gerar uma maior

preocupaccedilatildeo por parte do Reino e das autoridades locais em tomar medidas repressivas para

cessar tal fluxo Durante esta fase esteve agrave frente do governo de Pernambuco Joseacute Cesar de

Meneses Filho do conde de Sabugosa 491

o governador de Pernambuco nasceu na Bahia

onde permaneceu durante a vigecircncia do governo de seu pai como Vice-Rei do Brasil entre os

anos de 1720 a 1734

Ingressou na carreira militar e serviu em Portugal durante alguns anos depois desse

periacuteodo seguiu para as Iacutendias onde fixou residecircncia Foi nomeado como governador da

capitania de Pernambuco em 27 de julho de 1774 permanecendo no cargo ateacute o ano de 1787

492 Seu governo foi conturbado enfrentando uma epidemia de bexigas e uma grave seca em

1776 que levou a uma fome generalizada Em obra tradicional onde traccedila biografias

panegiricas Pereira da Costa afirma

Joseacute Cesar de Meneses pelo seu caraacuteter eneacutergico pelas suas qualidades e

pela simpatia geral que angariou pelos atos de justiccedila do seu governo

correto e honesto foi alvo de diferentes manifestaccedilotildees populares [] 493

Ao longo do seu governo Joseacute Cesar teve de lidar com inuacutemeros problemas relativos

agraves atividades da Companhia Geral em Pernambuco e suas anexas Estando a frente da

capitania durante a segunda crise por qual passava a Companhia e permanecendo ateacute o fim de

seu monopoacutelio 494

o governador foi um aacutevido denunciador da maacute administraccedilatildeo da empresa

em Pernambuco Devido a isto a relaccedilatildeo do oficial com a diretoria pernambucana natildeo era das

490

Para mais detalhes sobre este fluxo consultar o primeiro capiacutetulo deste trabalho 491

Joseacute Cesar de Meneses natildeo era filho legitimo de Vasco Fernandes Cesar de Meneses o Conde de Sabugosa

Nascido de um relacionamento do Conde com Luzia Rosa de Andrade portuguesa que residia na Bahia o o

governador foi batizado como filho de pai incoacutegnito apesar de Vasco Fernandes afirmar em cartas e conversas

que o mesmo era seu filho Sobre isto ver COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos

Recife Secretaria do interior e justiccedila 1951-1966 V 6 492

Apesar de comumente os governadores de capitania na Ameacuterica Portuguesa serem nomeados para ocupar tais

cargos por um periacuteodo de apenas quatro anos Joseacute Cesar de Meneses permaneceu durante treze anos a frente do

governo de Pernambuco Fato que indica uma possiacutevel habilidade pessoal do oficial em mediar os interesses

locais e metropolitanos Sobre este tema ver JUNIOR Joseacute Inaldo Chaves Biografia e micro-histoacuteria diaacutelogos

possiacuteveis para uma histoacuteria da governanccedila no Impeacuterio Portuguecircs (Capitania da Parayba c1764-1797) Revista

Cantareira Rio de Janeiro 15ordm ediccedilatildeo jul-dez 2011 493

COSTA Francisco Augusto Pereira da Op Cit V 6 P 349 494

A segunda crise enfrentada pela empresa ocorrida entre 17781780 tem iniacutecio poacutes-morte do Rei D Joseacute I e

do quase imediato afastamento de Pombal do centro decisoacuterio do Reino Neste momento uma seacuterie de peticcedilotildees

passam a ser enviadas a Rainha D Maria I tanto na colocircnia quanto no Reino pedindo a extinccedilatildeo dos privileacutegios

da Companhia Geral e a volta do comeacutercio livre

137

melhores 495

com bastante constacircncia o governador relatava ao Reino os desmandos dos

agentes locais da empresa destacando ainda o mal que tal empreendimento havia causado de

acordo com sua avaliaccedilatildeo as atividades comerciais na regiatildeo 496

Durante o periacuteodo do seu governo a questatildeo do contrabando ocuparaacute lugar cativo na

pauta das documentaccedilotildees trocadas entre o governador e o secretaacuterio de Estado da Marinha e

Ultramar do Reino Martinho de Melo e Castro Apesar de ser da opiniatildeo que a Companhia

prejudicava o comeacutercio local o governador seguindo as recomendaccedilotildees de seu cargo buscou

auxiliar sempre que possiacutevel e necessaacuterio a empresa principalmente no que se refere ao

combate dos descaminhos 497

Devemos lembrar como jaacute apontado previamente que de

acordo com as recomendaccedilotildees do artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa a

administraccedilatildeo da Companhia respondia diretamente ao Rei e era independente de todos os

tribunais maiores ou menores natildeo podendo em nenhum caso se intrometer ministro ou

tribunal algum em seus assuntos 498

Devido ao caraacuteter privativo da empresa no tocante as suas questotildees judiciais ficavam

os governadores e demais autoridades locais impedidos de agir com maior liberdade nas

ocorrecircncias de contrabando Eacute o que atesta Joseacute Cesar de Meneses respondendo a cobranccedila

feita pela Junta da empresa para que o oficial passasse a regular de maneira mais contundente

as ingerecircncias que cometiam os deputados da Direccedilatildeo da Companhia em Pernambuco e os

contrabandos na regiatildeo O governador na ocasiatildeo aponta para o artigo acima de forma a

atestar sua falta de jurisdiccedilatildeo para atuar em certos casos

495

Alguns ofiacutecios confirmam a existecircncia de certa animosidade entre o oficial reacutegio e a direccedilatildeo pernambucana

que se queixaraacute da falta de assistecircncia dada pelo governador aos negoacutecios da Companhia Acusaccedilatildeo que busca

repetidamente o governador se defender afirmando e reafirmando em diversos documentos os auxiacutelios que tem

prestado aquela direccedilatildeo Um ofiacutecio enviado pelo governador ao Reino no ano de 1775 ilustra bem esta questatildeo

Nele o oficial reacutegio busca esclarecer junto a Corte as acusaccedilotildees feitas pelo Intendente da Companhia o senhor

Antocircnio Joseacute Souto sobre sua conduta Afirmando em tal ocasiatildeo que o tal intendente despoacutetico e de se utilizar

de seu cargo na direccedilatildeo daquela instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9218 496

O governador enviaraacute a Corte uma seacuterie de correspondecircncias ao longo de seu governo relatando o estado em

que se encontrava a capitania chegando ateacute mesmo a fazer comparaccedilotildees numeacutericas do volume do comeacutercio

antes e depois do monopoacutelio instaurado pela Companhia Geral Exemplo disto eacute o ofiacutecio do ano de 1778 onde o

oficial envia ao Reino extenso documento onde relata natildeo soacute seu ponto de vista a respeito da instituiccedilatildeo e do que

vinha obrando para acudir a Companhia durante seu governo como tambeacutem traz em anexo diversos documentos

com os nuacutemeros referentes ao comeacutercio dos diversos gecircneros que se fazia na capitania antes e depois da criaccedilatildeo

da Companhia Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 497

AHU ndash PE Cx 130 D 9823 498

Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor

do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel

em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217

138

Em ofiacutecio do ano de 1777 onde relata a situaccedilatildeo dos contrabandos na capitania Joseacute

Cesar aponta alternativa que acreditava ser suficiente para extinguir os contrabandos

Segundo o mesmo deveria a Companhia remeter para a capitania ldquoos mesmos gecircneros que

trazem os contrabandistas e vendecirc-los pelo mesmo preccedilo que os contrabandistas os vendemrdquo

499 De acordo com o governador se a Companhia assim fizesse ningueacutem ldquose incomodaria com

tanto trabalho e risco a introduzi-las nem jamais se continuariam tais contrabandosrdquo 500

Ainda neste mesmo ofiacutecio o oficial eacute enfaacutetico ao afirmar que ldquoa introduccedilatildeo dos

contrabandos nasce porque por preccedilos mais racionaacuteveis e diminutos se compram as mesmas

fazendas de contrabandos o que natildeo se consegue da direccedilatildeordquo 501

destaca ainda o funcionaacuterio

real que as mercadorias comercializadas pela Companhia eram vendidas a preccedilos maiores do

que em todas outras Praccedilas comerciais do Brasil que natildeo contavam com uma empresa

monopolizadora

Outra medida eficaz para fazer cessar os contrabandos naquelas paragens apontada

pelo governador seria a direccedilatildeo da Companhia comeccedilar a assistir aos lavradores da terra em

dinheiro fiacutesico 502

Para Joseacute Cesar a questatildeo era simples bastava passar a empresa a praticar

seu comeacutercio de forma justa cobrando valores mais competitivos por seus gecircneros europeus e

fazer os pagamentos dos efeitos da terra em dinheiro agindo a empresa desta forma natildeo

necessitariam os fabricantes locais recorrerem a outras maneiras de obter o metal e

conseguirem melhores lucros

A questatildeo da falta de moeda corrente seraacute uma reclamaccedilatildeo constante dos moradores

da terra contra a Companhia Os estatutos da empresa estabeleciam que a regulaccedilatildeo dos

financiamentos junto aos produtores ocorreria da seguinte forma a Companhia adiantava ao

produtor de couros ou accediluacutecar a terccedila parte relativa a produccedilatildeo anual de cada um esse

adiantamento poderia ser feito em dinheiro mercadorias ou instrumentos de trabalho No

entanto de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a Companhia buscava evitar fazer seus

pagamentos em dinheiro sobretudo para evitar que os produtores comprassem gecircneros

vedados atraveacutes do contrabando 503

Em outro ofiacutecio jaacute no ano posterior o governador trata com maior detalhe a questatildeo

dos preccedilos praticados pela Companhia e pelos contrabandistas O capitatildeo general afirma que o

499

AHU ndash PE Cx 127 D 9670 500

Idem 501

Idem 502

AHU ndash PE Cx 130 D 9823 503

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit P 111

139

motivo dos contrabandistas venderem os seus produtos a preccedilos menores que o da Companhia

natildeo estava relacionado agrave falta de pagamento de direitos ou fretes mas simplesmente porque

os negociantes envolvidos naquele trato se empenhavam em comprar seus gecircneros por preccedilos

mais moacutedicos Razatildeo pela qual mesmo correndo os riscos de transportarem os seus produtos

ldquoem jangadas quase debaixo drsquoaacutegua sujeitas a mil avarias e sobretudo o maior e mais

formidaacutevel de todos os riscos o do confiscordquo 504

conseguiam tais comerciantes vender seus

gecircneros por valores inferiores aos praticados pela Companhia Geral

Em relaccedilatildeo ao comeacutercio de escravos segundo o governador agia a Companhia da

mesma forma prejudicial Em documento em que detalha o nuacutemero de cativos e embarcaccedilotildees

que entraram no porto do Recife entre os anos de 1742 a 1777 Joseacute Ceacutesar versaraacute sobre a

questatildeo do comeacutercio atlacircntico para Pernambuco em paralelo com as praccedilas de Bahia e Rio de

Janeiro Segundo o governador era notoacuterio que em Angola e na Costa da Mina se reservava ldquoa

flor dos escravos para os negociantes da Bahia e do Rio de Janeirordquo 505

pois estes pagavam

aos seus comissaacuterios africanos a dinheiro e melhores efeitos Dessa forma ficava relegada a

Companhia Geral apenas o ldquorefugordquo da escravaria que era composta por negros de ldquoruim

qualidade e carestiardquo 506

Diz o governador natildeo saber com a empresa procedia em suas compras na Costa da

Aacutefrica no entanto como a experiecircncia mostrava era possiacutevel se comprar escravos

contrabandeados ldquopor uma quinta parte menosrdquo 507

dos que os vendidos pela Companhia

Geral Aleacutem disso como se vivia em Pernambuco uma crise de moeda fiacutesica a Companhia

costumeiramente mandava vender alguns de seus escravos no Rio de Janeiro ldquopor muito

menos do que nesta praccedilardquo 508

ainda segundo Joseacute Cesar os negros que se iam vender na

praccedila carioca eram ldquosempre os melhores e mais escolhidosrdquo 509

Dessa forma concluiacutea o governador que os escravos que permaneciam na capitania

eram sempre os de ldquopior qualidaderdquo o que acabava por provocar um ldquomaior desembolso a

que o lavrador fica sujeito tanto no maior nuacutemero que deveria comprar quanto na qualidaderdquo

510 Segundo o funcionaacuterio real os lavradores residentes na capitania eram forccedilados a

substituir o plantel constantemente pois logo ldquomorrem pela sua ruim qualidade e moleacutestias

504

Idem 505

Idem 506

Idem 507

Idem 508

Idem 509

Idem 510

Idem

140

com quem jaacute vecircm contaminadosrdquo 511

sendo vendidos aqui cinco vezes mais caros ldquodo que se

costuma pagar os melhores da Bahia e Rio de Janeiro []rdquo 512

Outra inteligente sugestatildeo a ser empregada na repressatildeo dos contrabandos naquela

regiatildeo eacute dada pelo Ouvidor da Comarca de Alagoas no ano de 1778 Seguindo ordens do

governador Joseacute Cesar de Meneses o oficial que fazia vaacuterias correiccedilotildees na aacuterea limiacutetrofe entre

Pernambuco e Bahia iraacute declarar ao seu superior pernambucano que o combate ao

contrabando era impossiacutevel pois para isto ldquoseria preciso lanccedilar um cordatildeo de tropa por toda a

praia na sua extensatildeo de sessenta leacuteguasrdquo 513

Para o Ouvidor a situaccedilatildeo natildeo mudaria ateacute que

se tomassem ldquonovas providecircncias e uma nova legislaccedilatildeo que contenha os senhores de

engenho na facilidade com que vendem suas safras inteiras conhecidamente a

contrabandistasrdquo 514

ou seja de acordo com o oficial seria mais faacutecil se coibir a praacutetica

regulando a produccedilatildeo dos engenhos ldquoera melhor que este grande e inuacutetil trabalho que se tem

em guardar sessenta leacuteguas de praia se tivesse em pedir contas aos senhores de engenho das

suas respectivas safrasrdquo 515

Este conselho eacute enviado pelo governador ao Reino poreacutem ateacute o momento natildeo

conseguimos encontrar nenhum documento que ateste que o mesmo tenha sido colocado em

praacutetica Joseacute Cesar demonstrava grande preocupaccedilatildeo em relatar ao Reino sempre que

possiacutevel o trabalho que vinha executando em relaccedilatildeo ao combate dos contrabandos no

periacuteodo do seu governo Como jaacute explicitado e declarado pelo proacuteprio o contrabando era ldquoum

dos principais objetosrdquo 516

da ldquomaior vigilacircncia e cuidadordquo 517

do governador que haacute muito

tempo segundo o mesmo natildeo cessava ldquode aplicar todos os meios de lhe cortar o passordquo 518

como vinha apresentando regularmente ao Reino atraveacutes de diversos documentos

Em ofiacutecio encaminhado a Junta da empresa em Lisboa em 1778 afirma novamente o

governador estar ldquodando providecircncias sobre providecircncias para evitar os contrabandosrdquo 519

alegando ainda ter recomendando ordens a este respeito a pessoas ldquode maior satisfaccedilatildeo e

511

Idem 512

Idem Sobre o comeacutercio de escravos em Pernambuco durante o governo de Joseacute Cesar de Meneses consultar

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre

Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 513

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 514

Idem 515

Idem 516

AHU ndash PE Cx 134 D 10074 517

Idem 518

Idem 519

AHU ndash PE Cx 130 D 9823

141

confidecircnciardquo 520

e ateacute mesmo estar prestando repetidos auxiacutelios de tropas pagas No entanto o

combate aos contrabandos natildeo era tarefa das mais faacuteceis mesmo se utilizando do auxiacutelio de

tropas pagas como atesta ter feito Joseacute Cesar de Meneses e o fizerem diversos governadores

durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia 521

vigiar tatildeo vasto territoacuterio era impossiacutevel

No ano de 1779 o capitatildeo general iraacute remeter ao secretaacuterio de Estado da Marinha e

Ultramar ofiacutecio onde apresenta uma seacuterie de certidotildees passadas pela direccedilatildeo da Companhia

em Pernambuco atestando o auxiacutelio e providecircncias dadas pelo governador em diversas

diligecircncias com objetivo de dirimir os descaminhos ao longo dos uacuteltimos anos Neste

documento encontra-se tambeacutem coacutepia anexa de carta circular que o governador fez correr ldquoa

todos os ministros da minha jurisdiccedilatildeo que se achavam em ato de correiccedilatildeordquo 522

Nela consta

com detalhe o procedimento que todos os Capitatildees Mores comandantes e regentes de distrito

deveriam tomar para impedir os contrabandos em seus locais de atuaccedilatildeo

Eram quatro os passos que deveriam ser seguidos por estes oficiais reacutegios Em

primeiro lugar deveriam eles inspecionar todas as lojas e casas onde houvesse suspeita da

praacutetica de contrabando caso a suspeita se revelasse verdadeira o fruto da apreensatildeo deveria

ser remetido ao juiz conservador que para melhor averiguaccedilatildeo do caso deveria chamar ldquoos

ventenarios do seu distritordquo 523

e os obrigar a declarar em segredo ldquose pelas suas venterias

existem ou grassam alguns contrabandistas ou comissaacuterios volantes de fazendasrdquo havendo

denuacutencia deveria se proceder contra os mesmos de acordo com as leis de sua Majestade

Em segundo lugar era responsabilidade do comandante do distrito visitar pessoalmente

ldquotodos os barcos e qualquer outra embarcaccedilatildeo que dos portos da sua jurisdiccedilatildeo derem entrada

fazendo desta visita auto no livro competenterdquo 524

Especial atenccedilatildeo deveria ser dada aos

barcos que costumavam transportar madeira para Bahia nestes casos o despacho soacute deveria

ser entregue ao mestre da embarcaccedilatildeo proacuteximo a data de saiacuteda daquele porto Aleacutem disso

sempre que houvesse a miacutenima suspeita de introduccedilatildeo de algum iliacutecito deveria o comandante

do distrito enviar guardas a bordo para verificaccedilatildeo da carga

A terceira medida consistia em fazer chamar todos os jangadeiros das costas e praias

da jurisdiccedilatildeo por ele comandada fazendo-os ldquoassinar termo em que se obriguem a natildeo

520

Idem 521

A contrataccedilatildeo de tropas pagas para atuar na repressatildeo aos contrabandos se fez necessaacuteria em diversas

ocasiotildees devido ao volume daquele comeacutercio descaminhado e a grandiosidade territorial da capitania de

Pernambuco e de suas anexas 522

AHU ndash PE Cx 132 D 9955 523

Idem 524

Idem

142

transportar efeitos a bordo do barco que natildeo esteja franco a recebecirc-los para Pernambucordquo 525

e

ainda deveriam orientar a estes que natildeo respondessem ldquoaos sinais que costumam fazer as

embarcaccedilotildees ao largo chamando jangadas para se receberem e baldearem em terra os

contrabandosrdquo 526

O jangadeiro que desobedece tal ordem deveria ser preso autuado e

remetido agrave presenccedila do governador para que cumprisse as penas destinadas aos

contrabandistas

Por fim deveriam os comandantes de distrito nomear em todos os ldquoportos barras

baias e entradas dos mares da sua jurisdiccedilatildeordquo pessoa ldquocuja probidade capacidade e honra

vossa mercecirc tenha mais conceitordquo Esta pessoa seria responsaacutevel por avisar ao comandante

assim que qualquer embarcaccedilatildeo entrasse no distrito para que o mesmo pudesse em pessoa

fazer a inspeccedilatildeo necessaacuteria Caso o comandante estivesse ausente e houvesse necessidade

estes ldquoajudantesrdquo nomeados poderiam apreender lemes e velas de embarcaccedilotildees suspeitas bem

como fazer apreensatildeo de alguns fardos e fazendas ateacute a volta da autoridade distrital A carta

circular termina de forma intimidadora o governador deixa claro que a ldquomenor omissatildeordquo a

respeito desta mateacuteria natildeo seria tolerada sendo punido asperamente o oficial reacutegio que a

descumprisse ldquonatildeo soacute por erro e falta do seu ofiacutecio mas como fator e auxiliador do vil crime

de contrabandistardquo 527

O tom ameaccedilador do governador aos seus oficiais subordinados eacute

explicado pelo conjunto documental

Antes de darmos iniacutecio a um novo toacutepico vale a pena ressaltar como a questatildeo dos

contrabandos e extravios seratildeo uma constante na histoacuteria da colonizaccedilatildeo europeia na Ameacuterica

Dependendo do momento e da localidade os Centros iratildeo lidar com a mateacuteria de formas

distintas Tomemos como exemplo o jaacute famoso caso envolvendo os descaminhos na regiatildeo

fronteiriccedila do extremo Sul do Brasil Os contemporacircneos trabalhos que tratam sobre o

comeacutercio na regiatildeo do Prata iratildeo apontar os portugueses ou melhor os luso-brasileiros como

responsaacuteveis por no seacuteculo XVII e XVIII fomentar uma grande rede de contrabandos na

regiatildeo

Falando a respeito dos negoacutecios desenvolvidos por estes homens na Buenos Aires do

seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos iraacute demonstrar como estes comerciantes iratildeo se engendrar e

desenvolver redes clientelares na regiatildeo que contavam inclusive com o apoio de funcionaacuterios

espanhoacuteis de modo a permitir que eles mantivessem seus negoacutecios extralegais apesar das

525

Idem 526

Idem 527

Idem

143

diversas medidas restritivas lanccediladas pelo Reino Espanhol a fim de conter tais extravios 528

O autor ainda chama atenccedilatildeo para o fato de que a Corte na Espanha natildeo estava de todo alheia

aos acontecimentos em torno da conquista buenairense tendo ela mesma se aproveitado da

situaccedilatildeo em alguns casos 529

Como os novos estudos acerca dos Impeacuterios Europeus tecircm demonstrado as relaccedilotildees

criadas em seus domiacutenios ultramarinos iratildeo se desenvolver de maneira distinta atendendo a

uma dinacircmica proacutepria e as estrateacutegias poliacuteticas locais feitas muitas vezes a revelia das

disposiccedilotildees reacutegias Atraveacutes desse vieacutes de entendimento eacute possiacutevel compreender como mesmo

apoacutes a restauraccedilatildeo da soberania portuguesa e das intensas disputas entre as Coroas ibeacutericas

pelo domiacutenio da regiatildeo platina ainda era possiacutevel que luso-brasileiros e colonos espanhoacuteis

incluindo uma gama de autoridades reais mantivessem entre si relaccedilotildees comerciais que

permitiram a continuaccedilatildeo de um faustoso comeacutercio extralegal no porto de Buenos Aires

Continuando a tratar sobre o comeacutercio de contrabando na regiatildeo platina vale destacar

o estudo feito pelo historiador Faacutebio Kuhn a respeito dos descaminhos de escravos para regiatildeo

na primeira metade do seacuteculo XVIII Em recente artigo o autor busca demonstrar como os

comerciantes luso-brasileiros sediados na Colocircnia do Sacramento passaram a deter hegemonia

sobre aquele negoacutecio Estes comerciantes segundo o autor estavam associados a homens de

negoacutecio de duas importantes Praccedilas da Ameacuterica lusa Rio de Janeiro e Salvador eram estes

comissaacuterios os responsaacuteveis por remeter para o Sul as remessas de negros chegadas ao litoral

das respectivas capitanias 530

Quando em princiacutepios do XVIII como consequecircncia de ajustes diplomaacuteticos a Coroa

Espanhola concede o asiento de negros para os britacircnicos que fundam a fim de explorar tal

contrato a South Sea Company os comerciantes portugueses ignorando as proibiccedilotildees sobre

aquela mateacuteria passam a rivalizar com os ingleses nas vendas de escravos para regiatildeo A

situaccedilatildeo chegou a tal estaacutegio que a Companhia inglesa nos seus uacuteltimos anos de

funcionamento passou a diminuir drasticamente o contingente de negros enviados aquela

localidade pois eles jaacute natildeo tinham saiacuteda dada a grande oferta de escravos que os

contrabandistas portugueses faziam entrar no territoacuterio da South Sea Company

528

Sobre isto ver CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a

administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00 529

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires

colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 242 530

KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)

Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017

144

Percebemos como toda a questatildeo relativa ao comeacutercio de contrabando neste caso

guardada as devidas proporccedilotildees iratildeo se desenrolar de maneira semelhante a que encontramos

para o nosso objeto de anaacutelise Aleacutem de ter uma Companhia de comeacutercio exclusivista

envolvida e das vaacuterias medidas tomadas pela Coroa espanhola para inutilmente tentar conter

tais extravios no caso trabalhado por Kuhn tambeacutem haacute indiacutecios de que os proacuteprios oficiais

castelhanos facilitavam e auxiliavam os descaminhos

Aleacutem disso o autor demonstra como os traficantes portugueses situados na Colocircnia do

Sacramento e seus agentes e comissaacuterios eram homens bem articulados que desfrutavam de

prestiacutegio tendo alguns deles ocupado inclusive cargos na administraccedilatildeo colonial Isso mesmo

quando desde 1751 a Coroa portuguesa ciente da desordem causada pelo comeacutercio ilegal de

escravos na regiatildeo passou ordens para que se extinguisse aquele negoacutecio castigando quem

fosse apreendido em tal crime com ldquomulta no triplo do seu valor para os reacuteus aleacutem do

degredo para Angola por dez anos dos contrabandistas envolvidosrdquo 531

Apesar da aparente incongruecircncia a participaccedilatildeo de oficiais agentes e autoridades

reacutegias no comeacutercio descaminhado foi uma realidade durante o periacuteodo colonial em distintas

localidades e eacutepocas Eacute sobre o envolvimento destes homens nos contrabandos que iremos

tratar no toacutepico a seguir

42 ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de

autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos

Apesar do empenho sobretudo dos governadores em reprimir as atividades iliacutecitas o

contrabando era uma praacutetica quase impossiacutevel de ser controlada fazendo com que os esforccedilos

e medidas tomadas por estes oficiais se mostrassem pouco eficazes dada a grandiosidade do

esquema que incluiacutea autoridades reacutegias oficiais e deputados da proacutepria Companhia nos

circuitos de descaminho O envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e proacuteprios deputados

da Companhia nos descaminhos era um problema que desde os primoacuterdios do

estabelecimento da empresa se buscava combater

Jaacute em 1763 relata o governador Luiacutes Diogo Lobo da Silvia ser necessaacuterio enviar para

os sertotildees a fim de averiguar as ldquodesordensrdquo causadas pelos contrabandistas ldquooficiais de mais

confianccedila e menos amizadesrdquo 532

Sobre este respeito escreve o Conde de Povolide ao Reino

531

Ibidem P 103 532

AHU ndash PE Cx 99 D 7757

145

em 1769 alertando que ldquotoda esta capitania da parte do Sul desta capital ateacute ao Rio de Satildeo

Francisco me consta com evidecircncia se acha contaminada de contrabandos e com tatildeo pouca ou

nenhuma atividade nos ministros para devassar delesrdquo 533

Neste mesmo documento o Conde

declara ao Reino sua insatisfaccedilatildeo com o Sargento Mor do distrito de Porto Calvo que natildeo

havia segundo o governador ldquoobservado boa condutardquo 534

na execuccedilatildeo de ordem passada para

se averiguar crime de contrabando na regiatildeo

Escrevendo ao Conselho Ultramarino em 1770 Manoel da Cunha Meneses

governador de Pernambuco que acabava de assumir o cargo seria mais enfaacutetico ao denunciar

ao Reino o envolvimento de funcionaacuterios reacutegios estabelecidos nos sertotildees da Capitania na

introduccedilatildeo de contrabandos Afirmava o governador ser o sertatildeo daquela capitania um dos

mais povoados relatando que em cada povoado e freguesia existiam capitatildees mores regentes

e diretores poreacutem acusava Manuel da Cunha serem estes oficiais ldquomesmos culpados ou

proacuteprios contrabandistas pois se sujeitam a viver no agreste dos matos a fim de

enriqueceremrdquo 535

Continua seu relato afirmando que tais ldquoqualidades de oficiaisrdquo 536

executavam suas

ordens da forma que bem lhe aprouvessem pois ldquose fiam no seguro dos longes em que se

acham para natildeo recearem castigordquo 537

Dessa forma conclui o governador ser o combate ao

contrabando tarefa das mais difiacuteceis jaacute que natildeo havia ali ldquopessoas de que se faccedila confianccedila a

embaraccedilar a passagem das fazendasrdquo 538

Aleacutem disso o capitatildeo general atestava que a

grandiosidade da Costa pernambucana dificultava ainda mais o trabalho repressivo 539

Como se pode observar existia certa conivecircncia e em alguns casos participaccedilatildeo ativa

de funcionaacuterios reais no comeacutercio iliacutecito Estas autoridades locais natildeo atuavam de maneira

isolada diversos documentos atestam a participaccedilatildeo de oficiais da Companhia Geral tanto

aqueles que trabalhavam embarcados quanto os que estavam a disposiccedilatildeo da direccedilatildeo em

Pernambuco e mesmo de seus deputados nas redes de contrabando Em 1769 o jaacute

mencionado Conde de Povolide acusa em ofiacutecio endereccedilado ao Reino os oficiais e acionistas

da empresa Na ocasiatildeo afirma o governador que ldquouma das causas do grande contrabando

existente nos portos do sertatildeo pernambucano era a negligecircncia com que operava o juiz

533

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 534

Idem 535

AHU ndash PE Cx 108 D 8371 536

Idem 537

Idem 538

Idem 539

Idem

146

conservador da companhiardquo 540

que ldquotem ocasionado a relaxaccedilatildeo em que se acha esta

negociaccedilatildeo de travessiardquo 541

Neste mesmo ofiacutecio o Conde relata a Corte o caso especiacutefico de uma sumaca

apreendida em Camaragibe distrito de Porto Calvo que estava carregando caixas de accediluacutecar

para seguir para Bahia O governador acreditava que naquele episoacutedio oficiais da Companhia

haviam agido de forma a facilitar a introduccedilatildeo das contravenccedilotildees isto porque um dos

negociantes preso pelo envolvimento no contrabando possuiacutea ldquotrecircs irmatildeos nesta praccedila dois

ocupados na Companhia Geral e outro escrivatildeo da mesma Conservatoacuteriardquo Como os termos

judiciais da apreensatildeo deveriam acontecer no cartoacuterio onde trabalhava o irmatildeo escrivatildeo

alertava o Conde a necessidade de se ldquousar de alguma precauccedilatildeo para este casordquo 542

O envolvimento dos oficiais da Companhia nessa situaccedilatildeo era tatildeo previsiacutevel que o

governador acreditava natildeo ser suficiente apenas tomar cuidado com o desenrolar do processo

chegando mesmo a afirmar que ldquose a experiecircncia mostrar que natildeo bastam (as precauccedilotildees)

como assim me persuado determino mandar suspender o processordquo 543

que ficaria parado ateacute

ldquodar conta a vossa excelecircncia para obter uma eficaz providecircncia em ministro tal em que possa

confiar retidatildeo que natildeo for flexiacutevel as logrativas em penhor que considero haveratildeo neste casordquo

544

A atuaccedilatildeo nos descaminhos dos oficiais que prestavam serviccedilos dentro dos navios

reais tambeacutem seraacute destacada dentro do nosso conjunto documental A participaccedilatildeo destas

equipagens era tatildeo notoacuteria que jaacute se faziam saber no proacuteprio Reino Como nos revela ofiacutecio

enviado por Joseacute Cesar de Meneses no ano de 1778 ao secretaacuterio de Estado da Marinha e

Ultramar Segundo o governador ldquose fez preciso informar-me que os oficiais das ditas

embarcaccedilotildees reacutegias se tem deslizado nos excessos de trazerem nas ditas embarcaccedilotildees toda a

sorte de contrabando que podemrdquo 545

os produtos transacionados por eles iam de fazendas a

comestiacuteveis e ainda de acordo com Joseacute Cesar tinham aqueles homens ldquoarte de as meterem a

bordo antes de sair desse porto sem que se possa perceberrdquo 546

540

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 541

Idem 542

Idem 543

Idem 544

Idem 545

AHU ndash PE Cx 130 D 9815 546

Idem Vale ressaltar que naquele mesmo ano o governador em ofiacutecio dirigido a Junta lisboeta afirma que

segundo seu entendimento natildeo se devesse considerar contrabando todos os gecircneros levados a Portugal pelos

oficiais reais que os trocavam na capitania pelos mantimentos trazidos da Europa Isto porque Pernambuco

como se sabia passava por uma crise monetaacuteria logo os gecircneros da terra eram as uacutenicas coisas que poderiam

147

No mesmo ano o governador revela a Corte como a marinhagem do navio real

conhecido como o ldquoPenquerdquo tinha tido ldquoo atrevido descaramento de iludir e zombarrdquo 547

das

ordens passadas por ele passadas Jaacute que desobedecendo as diretivas de Joseacute Cesar fizeram

os marinheiros daquele navio descarregar nas terras exclusivas da Companhia diversos

gecircneros europeus as escondidas Aleacutem disso os mesmos oficiais retardaram propositalmente a

partida da embarcaccedilatildeo a fim de carregarem nela gecircneros da terra Apesar das buscas dadas

pelo governador com o auxiacutelio do Patratildeo Mor da capitania natildeo foi possiacutevel evitar todo o

contrabando naquele caso isto porque de acordo com o governador ldquoas mesmas lanchas da

Ribeira das Naus que vatildeo a bordo a tiacutetulo de amarrarem os navios de sua majestade satildeo as que

servem de transportar os gecircneros proibidos como a larga e amiudada experiecircncia dos meus

embarques me tem mostradordquo 548

Permanecendo no ano de 1778 outro ofiacutecio encontrado em nosso conjunto

documental acaba reafirmando a efetiva participaccedilatildeo destes oficiais dos navios reais no

comeacutercio descaminhado Neste documento a direccedilatildeo da Junta da Companhia Geral

dialogando com o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ldquonatildeo nos causar admiraccedilatildeo que

nesta capitania se vendam fazendas por contrabando por preccedilos inferiores aos da companhiardquo

549 completam dizendo que isto soacute era possiacutevel pois algumas dessas fazendas chegavam a

Pernambucano pelas matildeos dos proacuteprios oficiais da empresa que as traziam nos navios reais

sem pagar frete ou qualquer tipo de direitos 550

Se em um primeiro momento o envolvimento dos oficiais da Companhia e de seus

proacuteprios deputados e acionistas nas redes de comeacutercio iliacutecito nos causa estranhamento eacute

necessaacuterio lembrar que os principais negociantes da praccedila mercantil pernambucana se

tornaratildeo acionistas da empresa e que se estes de iniacutecio resistiram agrave ideia da fundaccedilatildeo de uma

companhia monopolista logo perceberam que para continuar a usufruir dos privileacutegios que

tinham na eacutepoca em que o comeacutercio era livre fazia-se necessaacuterio se engendrar na

administraccedilatildeo da empresa

ofertar as populaccedilotildees locais nas suas permutas com os agentes dos navios reacutegios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D

9823 547

AHU ndash PE Cx 131 D 9865 548

Idem 549

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 550

Em ofiacutecio do ano de 1778 em resposta a este da Junta Lisboeta Joseacute Ceacutesar de Meneses discorda daquele

conselho afirmando que em comparaccedilatildeo aos contrabandos vindos dos outros portos do Brasil o trazido pelos

oficiais dos navios reais tinha parca relevacircncia Aleacutem disso atesta o governador que o menor valor cobrado pelos

produtos de contrabandos nada tinham a ver com a questatildeo do natildeo pagamento de fretes e direitos como jaacute

explicitado neste capiacutetulo segundo o governador a uacutenica vantagem que tinham aqueles oficiais reais em natildeo

pagarem tais taxas era o de obterem maiores lucros nos seus negoacutecios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823

148

O que queremos dizer aqui eacute que os homens de negoacutecio de Pernambuco natildeo eram

ingecircnuos cientes da criaccedilatildeo da Companhia apesar de suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis se

tornaram acionistas e diretores da mesma pois sabiam que fazer parte da governaccedilatildeo era ldquoum

poderoso elemento constituidor de conexotildees e de fluxos de troca gerados a partir da proacutepria

instacircncia administrativardquo 551

e dessa forma puderam instrumentalizar a instituiccedilatildeo para o

atendimento de seus interesses pessoais fossem eles liacutecitos ou natildeo

Aleacutem disso como jaacute descrito ao longo deste trabalho a participaccedilatildeo de oficiais reais

nos descaminhos praticados nos domiacutenios ultramarinos era uma praacutetica jaacute haacute muito enraizada

Em seu estudo sobre o comeacutercio descaminhado desenvolvido na Ameacuterica Lusa na primeira

metade do XVIII Paulo Cavalcante demonstra como guardas auditores e ouvidores reacutegios

envolvidos na administraccedilatildeo das Minas coloniais se mancomunavam com os extraviadores de

ouro e diamantes a fim de tirarem vantagens pessoais auxiliando aqueles contrabandistas

Situaccedilatildeo que como atesta o autor a Coroa tinha ciecircncia e buscava a todo tempo reprimir sem

no entanto lograr ecircxito 552

A historiadora Nauk Maria de Jesus ao escrever sobre episoacutedio jaacute bem conhecido da

historiografia brasileira onde se procedeu na troca de ouro por chumbo nos caixotes de

quinto destinados ao Rei no ano de 1722 tambeacutem revela o envolvimento de importantes

autoridades coloniais nas redes de comeacutercio iliacutecito De acordo com a autora haacute evidecircncias da

existecircncia no comeccedilo do seacuteculo XVIII de uma grande rede de descaminho de ouro

envolvendo membros da elite imperial portuguesa Esta rede estaria conectada a diversas

naccedilotildees e era constituiacuteda por oficiais reacutegios e seus associados que concomitantemente ao

exerciacutecio de seus cargos reacutegios realizavam negoacutecios atlacircnticos privados fossem eles liacutecitos ou

natildeo 553

Retomando nossa narrativa a Junta lisboeta da empresa sabia da conivecircncia dos

administradores pernambucanos com os contrabandistas como nos esclarecem dois ofiacutecios do

ano de 1778 e um posterior do ano de 1780 enviados pela instituiccedilatildeo para o governo de

Pernambuco Os ofiacutecios do ano de 1778 satildeo resultado da troca de mensagens entre aquela

551

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c

1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e

negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 180-181 552

Sobre isto consultar CAVALCANTE PAULO Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica

Portuguesa - 1700-1750 Satildeo Paulo Hucitec 2006 553

Sobre isto ver JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de

ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na

trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 2010 P 525-548

149

administraccedilatildeo superior e o governador Joseacute Cesar de Meneses este uacuteltimo ao longo do seu

governo encaminhou por vaacuterias vezes ofiacutecios para a Junta informando o estado em que se

encontravam os negoacutecios locais e as condutas da diretoria pernambucana que eram motivo de

criacuteticas tanto pela parte do governador quanto da direccedilatildeo lisboeta

O conteuacutedo de tais ofiacutecios apresentam duras criacuteticas a forma como procedia a

administraccedilatildeo pernambucana nos interesses da empresa chegam os ministros portugueses a

afirmar que se a Companhia se encontrava apartada de seus objetivos iniciais a culpa residia

nos administradores pernambucanos que ldquoa desfiguraram e natildeo cumpriram as determinaccedilotildees

da juntardquo 554

Os documentos ainda acusam a direccedilatildeo subalterna de natildeo prestar contas quanto

ao verdadeiro estado em que se achavam as capitanias e agir em total desrespeito as reais

ordens 555

Aleacutem disso fica evidente que a administraccedilatildeo lisboeta sabia que os deputados em

Pernambuco usavam a instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio participando de uma seacuterie de

atividades iliacutecitas e natildeo recomendadas A Junta chega a afirmar que os proacuteprios deputados da

empresa eram seus principais devedores revelando ser aquele fato um dos que mais

ocasionavam espanto aos oficiais lisboetas pois estes estavam cientes do ldquogrande cabedal que

se acham devendo os moradores e negociantes desta praccedila e as pessoas que ocuparam e

ocupam os lugares desta direccedilatildeo seus parentes e outros empregados no serviccedilo da

Companhiardquo 556

Atestam tambeacutem que mesmo depois de receberem os lucros respectivos a sua

porcentagem societaacuteria natildeo constava que estes acionistas tivessem feito sequer um

pagamento a Companhia 557

Na lista de acusaccedilotildees feitas pela Junta a administraccedilatildeo de Pernambuco consta tambeacutem

serem aqueles deputados os culpados pela grande falta de creacutedito que se experimentava na

Praccedila de que os habitantes locais tanto reclamavam Afirma a Junta que o objetivo primaacuterio

da Companhia Geral era o de fazer florescer o comeacutercio em Pernambuco e Paraiacuteba com o

554

AHU ndash PE Cx 128 D 9736 555

Em resposta a este ofiacutecio no mesmo ano o governador Joseacute Cesar de Meneses afirmaraacute natildeo compreender

como a Junta durante todo esse tempo fosse ldquosempre enganadardquo Sobre a falta de informaccedilatildeo que alega a Junta

lisboeta o governador afirma que aquele conselho natildeo desconhecia todos os fatos ocorridos na capitania jaacute que

era sabido que diversos acontecimentos chegavam a seu conhecimento mesmo antes do seu governo Declara

ainda que em mateacuteria tatildeo importante natildeo se fazia necessaacuterio provas concretas para que a Junta passasse a tomar

providecircncias mas apenas ldquoleves indiacuteciosrdquo para pocircr em praacutetica as precauccedilotildees devidas Alerta ainda o capitatildeo

general que a Junta descumprido o regulado no artigo 6 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia que

determinava que os deputados e intendente eleitos cumprissem mandatos de apenas dois anos acabava por

contribuir com a relaxaccedilatildeo com que procedia aquela direccedilatildeo pernambucana sendo certo que se fossem

removidos de seus postos em tempo correto natildeo chegariam a desfigurar a Companhia 556

Idem 557

Idem

150

aumento da agricultura e faacutebricas e natildeo fazer ldquoenriquecer aacute custa do seu cabedal mercadores

e negociantes que metessem em si os fundos da Companhiardquo 558

O que o documento explicita

eacute a praacutetica comum de diretores e acionistas da diretoria pernambucana de contraiacuterem

empreacutestimos para si e seus associados junto agrave mesma para fazer comeacutercio pessoal e depois

natildeo restituir tais deacutebitos a Companhia

Quanto a questatildeo do contrabando e dos altos preccedilos cobrados pela empresa nos

gecircneros que negociava na terra a Direccedilatildeo portuguesa se defende afirmando que por menor

que fosse o lucro da empresa sobre as transaccedilotildees comerciais os preccedilos praticados pela mesma

jamais seriam capazes de ldquoconcorrer com aqueles que natildeo pagam direitos nem fretesrdquo559

ou

ainda com aqueles que ldquonatildeo fazem intenccedilatildeo de paga-los a quem lhes confiou e por todo o

preccedilo lhes faz conta vende-lasrdquo 560

afirmando que tirava a Companhia lucros menores do que

mercadores particulares em condiccedilotildees normais Contestam tambeacutem a pouca atividade da

Direccedilatildeo pernambucana em reprimir tais desordens afirmando que os contrabandos aleacutem de

natildeo serem castigados natildeo eram relatados a Junta assim natildeo ficava aquela administraccedilatildeo

sabendo quem eram as pessoas envolvidas naquele tipo de crime nem quais mercadorias

estariam sendo negociadas

Quanto as opressotildees que se queixavam natildeo soacute os habitantes da capitania quanto o

governador Joseacute Cesar de Meneses atestam os oficiais portugueses serem todas elas

precedentes ldquoda ambiccedilatildeo e maacute feacute dos membros de sua direccedilatildeordquo 561

Poreacutem para aquela Junta

parecia estranho e inconcebiacutevel considerar o povo daquelas plagas como ldquooprimido e aflitordquo

isto porque a soma do cabedal enviado para Pernambuco chegava naquele tempo haacute quantia

de trecircs milhotildees e meio quantia que considerava o conselho lisboeta suficiente para

manutenccedilatildeo e bom funcionamento do comeacutercio na regiatildeo isto eacute se fosse tal recurso bem

gerido condiccedilatildeo que estava claro para a Junta que natildeo ocorria Pois ainda a despeito das

queixas dos locais afirmam os ministros lisboetas ter total ciecircncia que ldquoentre os mercadores e

negociantes desta praccedila e a direccedilatildeo (da Companhia Geral) haacute ocultas e escandalosas

negociaccedilotildees que servem de vexar os povosrdquo 562

558

Idem 559

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 560

Idem 561

Idem 562

Idem Em ofiacutecio do ano de 1778 em que responde ao documento supracitado da Companhia o governador

Joseacute Cesar de Meneses contesta novamente a posiccedilatildeo adotada pela Junta que afirmando ter ldquopleno

conhecimento daquelas ocultas e escandalosas negociaccedilotildeesrdquo e de vaacuterias outras violecircncias e opressotildees cometidas

pela direccedilatildeo pernambucana natildeo tenha tomado nenhuma providecircncia mais incisiva pelo contraacuterio permitiu

151

Devido as vaacuterias queixas feitas pelos habitantes da terra atraveacutes das cacircmaras locais e

das constantes denuacutencias encaminhadas pelo governador sobre o mau procedimento da

direccedilatildeo subalterna a Junta passa a partir de 1778 a cobrar com maior vigor os deputados e

intendente em Pernambuco Ordenando por exemplo que passassem eles a cobrar todos os

devedores da empresa sem perda de tempo Aqueles que natildeo fossem cobrados se deveria

explicar o porquecirc da accedilatildeo Junto agraves cobranccedilas ficou ordenado tambeacutem que se remetesse ao

Reino os nomes daqueles personagens que na capitania se sabiam envolvidos nas praacuteticas

iliacutecitas Tudo isto obrou a Junta por considerar ldquomuito estranhaacutevel que esteja padecendo o

creacutedito da Companhiardquo 563

Todas as exigecircncias tomadas pela sede da Companhia em Lisboa

satildeo demonstrativas da desconfianccedila que a mesma passaraacute a nutrir pela direccedilatildeo pernambucana

e atestam nossa afirmativa de que os deputados e diretores da capitania Duartina destruiacuteram o

creacutedito da empresa dentro do seu proacuteprio seio

Permanecendo no mesmo tema e ano em ofiacutecio enviado pelo secretaacuterio de Estado da

Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro ao governador Joseacute Cesar de Meneses o

oficial portuguecircs faraacute uma longa redaccedilatildeo apontando ldquoos excessos e prevaricaccedilotildees cometidas

pelos deputados da Companhia de Pernambucordquo 564

que aquela altura havia ldquochegado a tal

excesso que jaacute natildeo pode haver sofrimento que os possa tolerarrdquo 565

Afirma o secretaacuterio que

desde 1768 eram enviadas ordens do Reino para tentar conter os abusos daquela direccedilatildeo

subalterna no entanto as referidas natildeo eram atendidas obrando os deputados em sentido

oposto agraves diretivas reais

O secretaacuterio acusa os diretores e intendente daquela direccedilatildeo de se apropriarem de

todos os gecircneros remetidos do Reino e ainda de ldquoos repartirem a creacuteditos pelos seus parentes

amigos e associados e de os tomarem eles mesmos de baixo de nomes alheiosrdquo 566

apropriavam-se tais deputados do cabedal alheio em benefiacutecio de seus proacuteprios negoacutecios e

agindo dessa forma aumentavam ainda mais a grande diacutevida dos habitantes locais com a

Companhia diacutevida esta que os mesmos natildeo buscavam satisfazer de ldquomodo algumrdquo 567

Neste mesmo ofiacutecio versaraacute o secretaacuterio tambeacutem sobre a questatildeo do contrabando

afirmando natildeo ser ldquomenos escandalosa a relaxaccedilatildeo com que nessa capitania se estatildeo fazendo

aquela Junta em desacordo com artigo 6 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral que os membros

daquela direccedilatildeo se conservassem no poder por repetidos anos Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 563

AHU ndash PE Cx 128 D 9736 564

AHU ndash PE Cx 130 D 9832 565

Idem 566

Idem 567

Idem

152

com todo descaramento e liberdade os maiores contrabandos e extravios de accediluacutecar e de outros

gecircneros para o porto da Bahia e de outros do continente da Ameacutericardquo 568

atividade que

fraudava os direitos e deveres reais dado o caraacuteter totalmente pernicioso de tal accedilatildeo para a

fazenda real esperava o ministro do rei que agisse a administraccedilatildeo em Pernambuco com

maior vigor no combate e natildeo que agisse em sentido contraacuterio como se sabia estava

ocorrendo

Reclama tambeacutem Martinho de Melo e Castro que as carregaccedilotildees que saiam de

Pernambuco com destino ao Reino estavam desde o princiacutepio daquele ano indo com uma

quantidade muito maior de gecircneros remetidos por particulares do que produtos enviados pela

Companhia Este fato apesar de ser permitido pelos estatutos da empresa 569

causava espanto

no secretaacuterio pois havia naquele momento na capitania cerca de duas mil pessoas entre

ldquohomens de negoacutecio senhores de engenho capitalistas vendedores e outras diferentes classes

de habitantesrdquo 570

que estavam devendo ldquoconsideraacuteveis somasrdquo a empresa e estranhamente

nenhuma destas pessoas enviavam remessas de coisa alguma ao Reino

Diz o oficial reacutegio que por esta ldquomanifesta dissimulaccedilatildeordquo via-se ldquopassar a Pernambuco

seiscentos a setecentos mil cruzados do produto dos gecircneros pertencentes a esses habitantesrdquo

571 isto sem contar ldquoas somas dos gecircneros que remetem em contrabando pelo porto da Bahia e

que natildeo possa ver um real dos seus devedoresrdquo 572

na verdade agia a administraccedilatildeo de

Pernambuco natildeo no sentido de buscar reverter tal quadro mas opostamente buscavam ainda

por cima nas palavras do secretaacuterio ldquopersuadir com palpaacutevel falsidade que essa capitania se

acha reduzida a maior pobreza e miseacuteriardquo 573

Atestava entatildeo o secretaacuterio real que natildeo era da intenccedilatildeo de Sua Majestade permitir

que aqueles deputados responsaacuteveis por ldquozelar os interesses das viuacutevas oacuterfatildeos conventos

568

Idem 569

O documento de instituiccedilatildeo da Companhia em seu artigo 31 autorizava fabricantes e lavradores a enviarem

por sua conta e risco seus gecircneros para a Europa dentro dos navios da empresa Poreacutem esse tipo de operaccedilatildeo

natildeo poderia contar com nenhum tipo de intermediaacuterio Se por acaso fosse descoberto que algueacutem procedeu em

ldquocompras simuladas para carregarem nos seus nomes os gecircneros alheiosrdquo a accedilatildeo seria enquadrada no crime de

contrabando sujeita a pena de perda de carregaccedilatildeo e trestobro Se houvesse denunciante a terccedila parte do espoacutelio

seria reservada ao mesmo Apesar de ser uma praacutetica legal a Junta da empresa buscava desencorajar esse tipo de

negoacutecio Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel

Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros

sobre o Brasil Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 570

AHU ndash PE Cx 130 D 9832 571

Idem 572

Idem 573

Idem

153

religiosos capelas lugares pios deste Reino e outros diferentes classes de uacuteteis e inocentes

vassalosrdquo que haviam contribuiacutedo com seus proacuteprios recursos para formar o capital da

Companhia locupletassem a incriacutevel soma de 392384849 reis que deviam aos fundos

daquela empresa Por fim Martinho de Melo e Castro recomenda a Joseacute Cesar que

empregasse toda atenccedilatildeo naquele assunto buscando prevenir ldquoas fraudes os abusos os

contrabandos e as prevaricaccedilotildees que em toda parte do mundo sempre foram a ruiacutena dos

Estadosrdquo 574

43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70

Muitas seratildeo as denuacutencias encaminhadas ao reino pelos habitantes da capitania contra

a maacute gerecircncia da Companhia e os abusos em que ocorriam os deputados da empresa Em

1770 tem iniacutecio a primeira crise enfrentada pela instituiccedilatildeo uma seacuterie de representaccedilatildeo seratildeo

enviadas pelas cacircmaras locais a Corte expondo os problemas enfrentados pela populaccedilatildeo

local no trato com a empresa queixando-se da grande decadecircncia do comeacutercio na regiatildeo da

pobreza a que foram acometidos os habitantes e dos procedimentos irregulares da diretoria em

Pernambuco A seca que assolou a capitania entre os uacuteltimos meses de 1769 e os primeiros

meses de 1770 causando uma grande baixa nas safras de accediluacutecar parece ter contribuiacutedo

sobremaneira para o desencadeamento da crise

Isto porque a direccedilatildeo pernambucana se recusou a pagar o acreacutescimo de duzentos reis

por arroba de accediluacutecar determinado pela Mesa de Inspeccedilatildeo da Praccedila que seguia ordens de

edital previsto para estes casos A administraccedilatildeo da Companhia natildeo aceitaraacute de bom grado

esta situaccedilatildeo e em resposta a decisatildeo da Mesa lanccedila edital afirmando que ldquopor natildeo ter

obrigaccedilatildeo recusaraacute receber os ditos accediluacutecares por preccedilos que natildeo fazem conta ao comeacutercio que

administrardquo 575

completa dizendo que os lavradores e senhores descontentes poderiam enviar

ao reino seus produtos ldquopor sua contardquo em conformidade do regimento da instituiccedilatildeo 576

Ao

que tudo indica os produtores seguiram a ldquorecomendaccedilatildeordquo daquela direccedilatildeo pois no mesmo

ano o governador Manoel da Cunha Meneses envia ofiacutecio ao Reino explicando os motivos

dos produtores da capitania estarem retendo em seus armazeacutens a produccedilatildeo canavieira Solicita

574

Idem 575

AHU ndash PE Cx 109 D 8428 576

Idem

154

entatildeo o governador que o Rei apontasse soluccedilatildeo a tal empate que vinha causando notoacuterios

prejuiacutezos a todos

Os camaraacuterios de Igarassu enviam carta neste mesmo ano ao Rei atestando ldquoa grande

e inexplicaacutevel consternaccedilatildeo em que se vecirc esta capitania no presente tempo e a total ruiacutena e

decadecircncia que para o futuro vai ameaccedilando o comeacuterciordquo 577

Eles reclamavam da falta de

dinheiro que se experimentava nas terras exclusivas uma vez que a Companhia ldquonatildeo compra

gecircneros de efeito nenhum a dinheiro [] e soacute os paga com fazendas cariacutessimas e escravos de

refugordquo 578

O senado de Igarassu expotildee tambeacutem os abusos cometidos pela direccedilatildeo

pernambucana que agindo por interesses proacuteprios quando do desembarque dos navios

chegados de Angola e Costa da Mina carregados com escravos ldquoescolhem os melhores [] e

os marcam com uma fita de nastro no pescoccedilordquo 579

estes escravos marcados eram remetidos

para a Praccedila do Rio de Janeiro deixando aos produtores da capitania o refugo da escravaria A

carta continua relatando uma seacuterie de denuacutencias sobre a maacute administraccedilatildeo da Companhia

como por exemplo sua alianccedila com algumas casas de comeacutercio em prejuiacutezo dos demais

comerciantes e agricultores bem como da populaccedilatildeo em geral

Os habitantes da capitania de Itamaracaacute sobretudo os produtores de accediluacutecar e tabaco

tambeacutem enviam em 1770 representaccedilatildeo ao Reino alertando para ldquoa consternaccedilatildeo e vexame a

que se veem reduzidos pelos lamentaacuteveis danos e inexplicaacuteveis prejuiacutezosrdquo 580

causados pela

instalaccedilatildeo da Companhia na regiatildeo Pontuam aspectos bastante semelhantes aos expostos

pelos camaraacuterios de Igarassu fazendo comparaccedilotildees sobre o volume do comeacutercio na capitania

antes e depois da instituiccedilatildeo da empresa A representaccedilatildeo que possuiacute um abaixo assinado com

cerca de treze paacuteginas apenas de assinaturas daqueles homens que se sentiam prejudicados

pela Companhia termina suplicando a aboliccedilatildeo da empresa e a restituiccedilatildeo dos danos para

aqueles produtores

Aleacutem das diversas representaccedilotildees contraacuterias 581

enviadas pelos representantes locais a

Corte na capitania o clima era de agitaccedilatildeo Como nos demonstra ofiacutecio enviado pelo

secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar ao governador Manoel da Cunha Meneses

denunciando papeacuteis anocircnimos que tinham sido fixados na capitania satirizando um edital

577

AHU ndash PE Cx 108 D 8380 578

Idem 579

Idem 580

AHU ndash PE Cx 108 D 8393 581

Vaacuterios outros documentos a este respeito foram emitidos entre os anos de 1770 a 1771 pelos habitantes

locais e seus oacutergatildeos representativos incluindo cartas pessoais e algumas ateacute mesmo anocircnimas AHU ndash PE Cx

109 D 8421 AHU ndash PE Cx 109 D8444 AHU ndash PE Cx 110 D8507 AHU ndashPE Cx 110 D 8515 AHU-

PE Cx 111 D 8541

155

lanccedilado pela direccedilatildeo da Companhia Neste edital a administraccedilatildeo da empresa a fim de

supostamente fazer encerrar os buchichos que corriam entre a populaccedilatildeo sobre a sua maacute

gerecircncia convocava a todos que tivessem denuacutencias do mau procedimento dos membros

daquela direccedilatildeo empregados em todos os cargos fizessem representaccedilatildeo para que fossem

aplicadas as devidas providecircncias

O texto anocircnimo que criticava o edital atacava diretamente os deputados Destacando

que se as denuacutencias natildeo existiam natildeo era pela falta de delitos a denunciar mas sim pelo receio

que tinham os habitantes locais de sofrerem represaacutelias Afirma o panfleto que

Pelo edital de 13 de agosto conheceu todo o povo a ignoracircncia de toda a

mesa da direccedilatildeo da Companhia e de seu escrivatildeo fazendo-se os deputados

reacuteus e querendo serem juiacutezes de seus proacuteprios delitos Nomeiem os

deputados ministro independente que receba as queixas e as remeta a Sua

Majestade que natildeo faltaraacute quem vaacute depor contra os mesmos deputados que

tatildeo inocentes se mostram mas este conselho lhe natildeo haacute de agradar e podem

estar certos que quando vier sindicante deporemos sobre as fabulosas e falsas

articulaccedilotildees da qual o edital tambeacutem se faraacute dos pecados que pedem que o

povo os acuse e muito mais temos que dizer 582

A Companhia atraveacutes de sua direccedilatildeo na capitania iraacute se defender contra tais acusaccedilotildees

afirmando serem injuriosas e promovidas por um pequeno grupo de indiviacuteduos que nunca

aceitaram a instalaccedilatildeo da empresa Em carta enviada por Antocircnio Joseacute Souto intendente da

direccedilatildeo pernambucana em 1771 a respeito daquelas denuacutencias que segundo o mesmo estavam

centradas em queixas contra as ldquoomissotildees ou falta de pureza na direccedilatildeordquo 583

o mesmo iraacute

declarar que a paixatildeo dos moradores daquela capitania ldquolhes tinha cegado o conhecimentordquo

584 dessa forma natildeo conseguiam ver como a empresa lhes era beneacutefica No entanto o impacto

da crise de 70 natildeo iraacute se dissipar tatildeo facilmente A morte do rei D Joseacute I seguida do

afastamento do marquecircs de Pombal do cargo de primeiro ministro do Reino no ano de 1777

faratildeo ressurgir uma onda de queixas e representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma

As denuacutencias desta segunda fase de crise continuam a apontar basicamente os mesmos

pontos das primeiras Em resumo as representaccedilotildees se queixam do deploraacutevel estado em que

se encontravam as lavouras tanto de accediluacutecar quanto de tabaco afirmando estarem destruiacutedas

as faacutebricas de curtume e atanados e reclamando da quase inexistecircncia do comeacutercio livre com

os sertotildees e com a Costa da Mina Aleacutem disso se queixam dos procedimentos adotados pela

empresa que lhes obrigavam a vender suas manufaturas e efeitos por preccedilos diminutos e a

582

AHU ndash PE Cx 109 D 8458 583

AHU ndash PE Cx 100 D 8509 584

Idem

156

receber por eles fazendas desnecessaacuterias e de baixa qualidade sem jamais serem pagos a

dinheiro fiacutesico Afirmam tambeacutem que a Companhia natildeo disponibilizava escravos suficientes

e que vendia aos moradores apenas os doentes indo os melhores serem vendidos no Rio de

Janeiro Relatam tambeacutem o alto grau de endividamento daqueles que negociavam com a

empresa pela forma que os negoacutecios eram feitos na capitania Fora isso denunciavam a

forma arbitraacuteria e duvidosa com que agiam os seus deputados e intendente

Em carta de 1777 a cacircmara de Olinda queixa-se ao Reino de problemas semelhantes

aos relatados pelos oficiais de Igarassu sete anos antes Neste documento o Senado da cacircmara

apela pela extinccedilatildeo da Companhia suplicando ao monarca que os libertassem de ldquotatildeo

insuportaacutevel tiraniardquo 585

Ainda nesta carta reclamam tambeacutem os camaraacuterios da escassez de

moeda que grassava em Pernambuco afirmando que a ldquofalta de dinheiro presentemente

irremediaacutevel tem aniquilado os fabricantes e os reduzido a uacuteltima consternaccedilatildeordquo 586

isto

porque a Companhia continuava a pagar pelos efeitos da terra em fazendas e natildeo a dinheiro

que era gecircnero necessaacuterio para o sustento e manutenccedilatildeo das faacutebricas e dos fabricantes

Fica confirmado tambeacutem no relato a manutenccedilatildeo do costume dos deputados da

empresa em reservar para si e seus ldquoparceirosrdquo comerciais os escravos mais sadios e melhor

escolhidos Vendendo para populaccedilatildeo os menos saudaacuteveis e a preccedilos exorbitantes no que

resultavam segundo a cacircmara em ldquograndes mortandadesrdquo nos engenhos e lavouras que

acabavam se conservando sempre com um nuacutemero reduzido de escravaria Por fim os oficiais

protestam sobre o procedimento adotado pela empresa de vender os gecircneros de maior

necessidade apenas a dinheiro quando era ela mesma a responsaacutevel pela crise monetaacuteria

instalada na regiatildeo

No mesmo ano de 1777 a cacircmara de Olinda envia nova carta relatando com maiores

detalhes o estado do comeacutercio na capitania e apelando junto ao Reino para a supressatildeo dos

privileacutegios da Companhia Geral Os camaraacuterios apelam a real clemecircncia testemunhando que

eram tratados por aquela instituiccedilatildeo com ldquodespoacutetica autoridade e matildeo violentardquo alegam ainda

serem dominados e vexados como ldquose fossemos de alguma naccedilatildeo inimiga ou infieacuteis e rebeldes

ao proacuteprio soberanordquo 587

Neste documento tambeacutem se reforccedila a questatildeo das vantagens

pessoais que os deputados logravam no comeacutercio de escravos segundo os oficiais da cacircmara

ldquoa florrdquo da escravaria era reservada para estes negociantes ficando apenas o ldquorefugordquo para os

585

AHU ndash PE Cx 126 D 9577 586

Idem 587

AHU ndash PE Cx108 D 8330

157

moradores da terra Acusam ainda os oficiais da cacircmara de agirem os homens daquela

direccedilatildeo da mesma forma com os gecircneros da Europa

A falta de dinheiro mais uma vez eacute denunciada como o ldquomais sensiacutevel e fatalrdquo mal

que fazia a Companhia ao povo de Pernambuco Como o dinheiro era como afirmam os

camaraacuterios ldquopreciso para expediccedilatildeo dos seus negoacutecios e estabelecimentos de suas famiacuteliasrdquo e

estando aquela terra ldquoexausta de moeda correnterdquo 588

muitos fabricantes e lavradores

acabavam recorrendo ao contrabando nos portos livres para obter dinheiro fiacutesico De acordo

com a Cacircmara olindense essa situaccedilatildeo era de total responsabilidade da Companhia isto

porque a empresa havia reduzido os habitantes daquelas plagas a extrema pobreza sem ter

estes homens meios de sustentar suas famiacutelias Dessa forma acabavam recorrendo agrave compra

de fazendas em outros portos mesmo que sujeito aos confiscos As queixas evidenciam a

relaccedilatildeo entre a refraccedilatildeo pela qual passava o comeacutercio legal e o aumento dos negoacutecios

descaminhados enquanto o comeacutercio legal passava por um periacuteodo de queda os descaminhos

de produtos ganhavam focirclego

Ainda sobre o comeacutercio de contrabando assegura o senado de Olinda que as fazendas

vindas dos portos livres se vendiam por menor preccedilo do que os praticados pela Companhia o

que segundo tais oficiais era inconcebiacutevel pois os contrabandistas compravam tais gecircneros de

mercadores dos portos livres ldquojaacute com avanccedilosrdquo 589

e ainda eram responsaacuteveis pelas ldquodespesas

do transporterdquo 590

Os escravos vindos do comeacutercio descaminhado tambeacutem eram mais baratos

de acordo com o documento alguns moradores que mandavam comprar negros nos portos

livres ldquoos compram com tatildeo notaacutevel cocircmodo a respeito do preccedilo porque que vende a

Companhia na terra que chegam a comprar dois pretos com o valorrdquo 591

Tambeacutem reivindicam a forma como a empresa procedia na avaliaccedilatildeo e compra dos

gecircneros da terra Declara a cacircmara que os produtos da Companhia eram vendidos por preccedilos

que eram determinados pela proacutepria direccedilatildeo e que natildeo se davam os devidos descontos a peccedilas

avariadas No entanto o contraacuterio natildeo se fazia verdade os oficiais alegam que qualquer avaria

era descontada no valor final dos efeitos da terra ainda atestam que os preccedilos eram fixados

pelos avaliadores da Companhia natildeo seguiam a nenhum tipo de criteacuterio preacute-estabelecidos

588

Idem 589

Idem 590

Idem 591

Idem

158

dando tais avaliadores o preccedilo que lhe achassem conveniente Questionavam entatildeo os

camaraacuterios ldquoque justiccedila e que lei do comeacutercio pode permitir semelhante deferecircnciardquo 592

Em 1778 seraacute a vez da Cacircmara de Goiana enviar suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis a

Companhia ao Reino As objeccedilotildees satildeo parecidas com as de suas congecircneres Afirmam aqueles

oficiais que a Companhia ldquoestabelecida em 1760 tem de todo arruinado os fabricantes de

todos os gecircnerosrdquo 593

Reforccedilam a questatildeo de como procedia a direccedilatildeo pernambucana na

venda de escravos que aleacutem de os venderem por ldquoexcessiviacutessimo preccedilordquo destinavam as

populaccedilatildeo apenas os negros de ldquorefugordquo que vinham jaacute contaminados de moleacutestias Tendo

inclusive sido acometida a capitania duas vezes por epidemias que dizimaram muitos

habitantes provenientes daqueles escravos doentes jaacute que a ldquoflorrdquo da escravaria era remetida

pelos deputados pernambucanos ao Rio de Janeiro

Ao longo da carta os camaristas queixam-se de outras diversas accedilotildees da empresa

Dando destaque ao alto grau de endividamento dos agricultores obrigados a empenhar seus

bens os altos juros cobrados aos homens de negoacutecio bem como contestam os preccedilos

praticados pela empresa em seu comeacutercio Em denuacutencia as condutas questionaacuteveis da direccedilatildeo

em Pernambuco atestam que os melhores gecircneros da Europa aqueles que possuiacuteam maior

saiacuteda quase todos ldquose encaminhavam as lojas particulares de algum dos mesmos deputados

donde entatildeo os iam comprar os pobres dos mercadoresrdquo 594

Por fim apelavam a sua majestade

para livrar aquele ldquopovo deste penoso cativeirordquo 595

Um ano depois em 1779 era a vez da Cacircmara de Recife enviar carta ao reino

solicitando o fim das concessotildees exclusivas dadas a Companhia Os oficiais da Cacircmara

recifense se apoiavam na recente decisatildeo do Reino em abolir os privileacutegios concedidos a

Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo ao solicitarem para capitania de Pernambuco a

mesma graccedila Alegavam os camaraacuterios ser a Companhia Geral a culpada pelo ldquomiseraacutevel

estado a que se acha reduzida toda esta capitaniardquo 596

Os camaristas aproveitam para lembrar

junto a este pedido os grandes esforccedilos empregados pelos habitantes daquelas plagas em

ldquoconservar o domiacutenio desta porccedilatildeo do Brasilrdquo 597

quando do ataque do inimigo holandecircs o

que havia lhes custado ao longo dos anos como fazem questatildeo de sublinhar suas vidas e

fazendas

592

Idem 593

AHU ndash PE Cx 130 D 9830 594

Idem 595

Idem 596

AHU ndash PE Cx 133 D 10009 597

Idem

159

Junto com a extinccedilatildeo da Companhia demandam tambeacutem trecircs providecircncias que

acreditavam deveriam acompanhar tal graccedila A primeira solicitaccedilatildeo era de que a Companhia

Geral voltasse a pagar o subsiacutedio dos accediluacutecares que ldquovoluntariamente e contra as ordens

reacutegiasrdquo 598

havia parado de pagar aos fabricantes haacute doze anos A segunda demanda requeria

que natildeo se cobrassem altos juros nos deacutebitos que haviam contraiacutedo os habitantes daquela terra

com a empresa isto porque segundo os camaristas os gecircneros que geravam os

endividamentos jaacute haviam sido comprados por preccedilos ldquosobrecarregadosrdquo Por fim pedem os

oficiais da Cacircmara que a empresa natildeo cobre de uma uacutenica vez os grandes deacutebitos dos

habitantes pois se isto acontecesse causaria a ruiacutena daquela capitania

Em resposta a estas trecircs representaccedilotildees a Junta da Companhia em Lisboa remete

ofiacutecio ao Reino no ano de 1780 defendendo-se das acusaccedilotildees e apontando a direccedilatildeo em

Pernambucano como a verdadeira responsaacutevel das queixas populares Chegando a afirmar que

se a empresa fosse ldquodirigida por homens inteligentes e zelosos do serviccedilo de Vossa Majestade

e do bem puacuteblico natildeo soacute teria produzido muitas maiores vantagens a favor do Estado mas ateacute

seria pedida a sua conservaccedilatildeo pelos mesmos povos daquelas capitaniasrdquo 599

Neste ofiacutecio o

conselho lisboeta descreve com detalhes todas as artimanhas e estrateacutegias utilizadas pelo

intendente e deputados da direccedilatildeo pernambucana a fim de tirarem benefiacutecios pessoais de seus

postos

Assim admitem que no comeacutercio das fazendas aqueles diretores se associavam a

caixeiros e parceiros e tiravam das carregaccedilotildees da Companhia para suas lojas particulares

todas as fazendas ldquomelhores em qualidade sortimento e em preccedilosrdquo antes mesmo destas peccedilas

serem colocadas a venda pela empresa Dessa forma os demais mercadores que ldquonatildeo

entravam neste conluio quando iam aos armazeacutens da Companhia soacute encontravam as que os

outros tinham refugadordquo Esta situaccedilatildeo acabava por gerar o monopoacutelio das melhores fazendas

nas matildeos destes deputados e seus associados que se aproveitando da situaccedilatildeo passavam a

revender tais gecircneros cerca de 30 a 40 mais caro nas fazendas de menor procura e nas de

melhor saiacuteda chegava-se a acrescer mais ldquode 100 importando-lhes ainda sobre este avanccedilo o

juro da leirdquo 600

Sobre a forma como procedia aos pagamentos de lavradores e fabricantes natildeo a

dinheiro e sim em fazendas atesta a Junta que procedia a direccedilatildeo pernambucana de forma

598

Idem 599

AHU ndash PE Cx 136 D 10156 600

Idem

160

abusiva e ruinosa pois se recusavam a comprar as fazendas em dinheiro alegando a falta de

moeda Atitude que acabava por obrigar que os produtores locais fossem vender seus gecircneros

a mercadores particulares por preccedilo natildeo fixado ficando a cargo do comprador estabelecer o

valor que lhe aprouvesse a segunda e natildeo menos desvantajosa alternativa para estes

fabricantes locais seria irem vender seus produtos ldquoa dinheiro com grande perda as pessoas

por quem os mesmos diretores lhes mandam comprarrdquo 601

Quanto a questatildeo da falta de moeda fiacutesica atesta a direccedilatildeo lisboeta ser real a limitaccedilatildeo

de dinheiro naquela Praccedila No entanto acusam novamente a direccedilatildeo pernambucana como a

responsaacutevel pelo problema Segundo a Junta o primeiro motivo da falta de dinheiro no caixa

da Companhia estava relacionado com a grande soma que diretores ldquoem seus nomes no de

seus parentes nos de mercadores seus associados e em outros supostosrdquo 602

que formavam

uma lista de 73 pessoas deviam a empresa e na demora que estes faziam em seu pagamento

Dessa forma ficava a Companhia em Pernambuco sem cabedal suficiente para socorrer aos

produtores locais

O segundo motivo alegado pelo conselho portuguecircs seria de que os diretores em

Pernambuco haviam feito pagamentos dos quarteacuteis vencidos de contratos reais

monopolizados por eles mesmos indevidamente com o dinheiro do caixa da Companhia A

terceira causa da falta de dinheiro era o de agirem os deputados pernambucanos no comeacutercio

de escravos da mesma forma como operavam no comeacutercio de fazendas Expunha a Junta que

assim que os negreiros davam entrada na capitania alguns membros da direccedilatildeo iam ainda de

madrugada ldquoescolher e esconder os melhores fazendo os assentos das vendas em nomes

diversos e supostos e por preccedilos mais inferiores que aqueles por que vendem os de refugo

que expotildeem em puacuteblico para a vendardquo 603

aleacutem disso reservavam estas melhores ldquopeccedilasrdquo

para irem vender em outras praccedilas da Ameacuterica

Encerrando este tema os oficiais lisboetas afirmam que o valor das diacutevidas relativas a

assistecircncia prestada pela empresa a produtores locais de accediluacutecar e tabaco era menor do que os

causados pelos abusos que faziam os diretores da praccedila que confiavam os cabedais da

empresa ldquoa pessoas sem estabelecimento e sem creacutedito servindo-se dos mesmos cabedais

para suas ocultas e reprovadas negociaccedilotildeesrdquo 604

Aleacutem disso declara o conselho portuguecircs

que muitas eram as dificuldades apontadas pela direccedilatildeo na colocircnia em cobrar tais deacutebitos o

601

Idem 602

Idem 603

Idem 604

Idem

161

que para a Junta fazia parecer que os deputados pernambucanos pareciam mais ldquouns homens

levantados para destruir a Companhia do que homens que os interessados elegeramrdquo 605

Esta

afirmaccedilatildeo da Junta acaba por reforccedilar nosso entendimento de que a Companhia foi arruinada

de ldquofora para dentrordquo pois de acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada seus proacuteprios agentes

laboraram contra os interesses econocircmicos da instituiccedilatildeo agindo em benefiacutecio proacuteprio

Quanto a mateacuteria do contrabando diraacute a Junta saber que ldquoa maior parte dos membros

daquela direccedilatildeo e dos indiviacuteduos empregados nos seus serviccedilos satildeo os que fazem e protegem

os mais escandalosos contrabandosrdquo 606

tanto ldquona introduccedilatildeo de fazendas dos portos deste

reino e dos da Bahia como na exportaccedilatildeo e extravio dos gecircneros das capitanias de

Pernambucordquo 607

Acusam ainda serem aqueles diretores os culpados de incitar as cacircmaras de

Pernambuco a levarem a real presenccedila suas queixas contra Companhia faziam isto pois

pretendiam nunca pagar as suas avultadas diacutevidas a Companhia ou pagarem em parcelas ao

longo dos anos sem juros

Ainda neste documento manifesta aquela direccedilatildeo superior o seu descontentamento

com os oficiais reacutegios locais que mesmo tirando devassas dos casos de descaminhos nunca

chegam a apontar um culpado mesmo sendo ldquotatildeo puacuteblicas e escandalosas as violecircncias e

contrabandosrdquo 608

que estavam cometendo os diretores pernambucanos No entanto afirmam

os ministros lisboetas terem ciecircncia da dificuldade em se achar testemunhas dispostas a

deporem contra aqueles diretores ldquoem cujo nuacutemero os mais delinquentes satildeo os mais

poderosos pelos cabedais pelas amizades e pelos importantes empregos que ocupamrdquo 609

ficando assim os fabricantes e lavradores da capitania receosos de lhe fazerem denuacutencias pois

como a Junta atesta ldquoos mais oprimidos satildeo sempre os mais dependentesrdquo 610

Por fim o

conselho portuguecircs conclui que as queixas dos habitantes da capitania se endereccedilavam as

ldquoviolecircnciasrdquo cometidas pelos deputados em Pernambuco e natildeo a instituiccedilatildeo da Companhia em

si

A onda de ataques iniciada em 1777 acabou culminando na supressatildeo dos privileacutegios

comerciais da Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba a partir de abril de 1780

Alvo de oposiccedilatildeo de interesses entre os locais e os metropolitanos a mesma natildeo chegou a

alcanccedilar os lucros esperados pela Coroa portuguesa causando notoacuterios prejuiacutezos agrave economia

605

Idem 606

Idem 607

Idem 608

Idem 609

Idem 610

Idem

162

local em particular a elite pernambucana 611

O processo de liquidaccedilatildeo da empresa se estendeu

por muitos e muitos anos de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior no ano de 1907 a junta

liquidataacuteria da empresa envia solicitaccedilatildeo ao representante portuguecircs no Brasil no sentido de

reaver diacutevidas ainda existentes em Pernambuco 612

A segunda metade do seacuteculo XVIII seraacute marcada como um periacuteodo de importantes

mudanccedilas governamentais no Impeacuterio Portuguecircs a ascensatildeo do Marquecircs de Pombal ao cargo

de secretaacuterio do Reino e das mercecircs viraacute acompanhada de um conjunto de medidas de caraacuteter

revitalizador que teraacute como expoente o comeacutercio de Portugal com suas conquistas e colocircnias

As medidas implantadas pelo governo portuguecircs em Pernambucano tinham por objetivo deter

maior controle sobre a produccedilatildeo de uma das mais destacadas capitanias do Norte do Estado

do Brasil

As criaccedilotildees dos organismos da mesa de Inspeccedilatildeo e da Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba vinham atender ao pensamento iluminista da eacutepoca e buscavam

canalizar os lucros da colocircnia para a Corte No entanto o que o marquecircs natildeo previu foi que

apoacutes um primeiro momento de estranhamento por parte dos locais as instituiccedilotildees seriam

absorvidas e aparelhadas aos interesses da elite local que infiltradas em suas respectivas

administraccedilotildees iriam utilizar desses lugares funcionais privilegiados na defesa de ganhos

proacuteprios Aleacutem disso os habitantes locais tambeacutem passam a criar mecanismos para a fuga

desse controle metropolitano dentre esses mecanismos destaca-se o contrabando de gecircneros

O conjunto documental analisado eacute revelador da vitalidade dos sertotildees pernambucanos

e baianos que durante o seacuteculo XVIII iratildeo assumir papel de destaque dentro do mercado

interno estando conectado a uma grande malha comercial que se estendia ateacute a regiatildeo das

Minas Gerais Os rios caminhos e picadas interioranas cumpriram um destacado papel na

conexatildeo entre diversas localidades sertanejas e as cidades litoracircneas Seguindo os caminhos

de terra e das aacuteguas mercadores comerciantes fazendeiros e profissionais liberais fizeram

surgir nas lonjuras dos sertotildees um espaccedilo de dinamismo e intensa atividade comercial

A grandiosidade da costa pernambucana que permitia natildeo soacute a navegaccedilatildeo direta entre

Bahia e Pernambuco como tambeacutem fornecia condiccedilotildees naturais para ancoragem em diversas

praias do litoral junto ao envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e deputados da empresa

611

Sobre isto ver DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In

Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel

em httpcvcinstituto camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de

2017 612

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 P

188-202

163

nos contrabandos somada a ineficaz e insuficiente forccedila militar empregada no seu combate e o

desejo de senhores de engenhos produtores e comerciantes de fugir das malhas do comeacutercio

monopolista faratildeo com que a praacutetica se torne uma constante na segunda metade do XVIII No

bojo dessas questotildees o comeacutercio iliacutecito com a vizinha capitania Bahia que contava apenas

com uma Mesa de Inspeccedilatildeo e natildeo com uma companhia comercial monopolizadora ganharaacute

forccedila

164

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao longo da narrativa deste trabalho jaacute esclarecemos as principais conclusotildees tiradas

sobre o nosso objeto de estudo No entanto a tiacutetulo de compilaccedilatildeo e arremate iremos pontuar

as consideraccedilotildees mais significativas para o entendimento do comeacutercio de contrabando

realizado durante os vinte e um anos de vigecircncia do exclusivo comercial praticado pela

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba

Vimos que a Companhia Geral criada no ano de 1759 no contexto de mudanccedilas no

sistema poliacutetico portuguecircs foi fundada para atuar junto a uma seacuterie de outras medidas que

vinham atender o esforccedilo portuguecircs de racionalizaccedilatildeo administrativa e econocircmica de seus

espaccedilos ultramarinos A empresa instalada durante o consulado Pombalino iraacute modificar

sobremaneira o modo de se fazer negoacutecios na capitania de Pernambuco e suas anexas

modificando toda a loacutegica mercantil da regiatildeo que haacute muito estava instituiacuteda e consolidada

Com a fundaccedilatildeo da empresa as populaccedilotildees locais passaram a buscar estrateacutegias de

fuga do controle metropolitano dessa forma comerciantes e produtores da Praccedila

pernambucana jaacute bem habituados ao livre comeacutercio comeccedilaram a realizar transaccedilotildees

comerciais iliacutecitas junto agrave vizinha capitania da Bahia O comeacutercio de mercadorias estabelecido

entre as duas mais destacadas capitanias do Norte se realizava tanto atraveacutes dos sertotildees que

tinham no Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes a peccedila chave desse circuito de comeacutercio

iliacutecito sertanejo bem como de forma direta atraveacutes da Costa mariacutetima que ligava Bahia a

Pernambuco

Lembramos que o artigo 25 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral

determinava que a empresa natildeo possuiacutea o monopoacutelio do comeacutercio para os portos do sertatildeo

Alagoas e Rio de Satildeo Francisco No entanto a poliacutetica monopolista da Companhia iraacute afetar

tambeacutem os chamados ldquoportos livresrdquo Isto porque por volta da deacutecada de 70 a direccedilatildeo

pernambucana por forccedila de um edital passa a encarar as transaccedilotildees mercantis efetuadas a

partir daqueles espaccedilos como contrabando Medida repressiva que salienta a importacircncia

econocircmica do comeacutercio realizado a partir das rotas sertanejas Afinal de contas natildeo se

empregaria esforccedilos e recursos no controle de tais negoacutecios se eles natildeo tivessem relevacircncia

As mercadorias que circulavam neste comeacutercio descaminhado eram muitas da

capitania pernambucana saiam principalmente os efeitos da terra dos quais destacamos o

accediluacutecar e seus derivados couros e tabacos Vindos das terras soteropolitanas os principais

165

produtos eram gecircneros europeus com realce para a grande variedade de tecircxteis Vimos

tambeacutem que entre as duas Praccedilas realizava-se o comeacutercio humano os escravos comprados por

menores preccedilos na Bahia vinham abastecer as lavouras e faacutebricas pernambucanas As trocas

mercantis realizadas por vias ilegais mesmo que potencialmente perigosas dado o risco de

apreensatildeo e demais penalidades seratildeo amplamente desenvolvidas por fabricantes produtores

e comerciantes pernambucanos que buscavam melhores preccedilos e vendas a dinheiro fiacutesico

Destacamos que o contrabando foi uma praacutetica recorrente durante toda histoacuteria

colonial do Novo Mundo Na Ameacuterica Portuguesa pesquisas mais recentes atestam para

recorrecircncia do comeacutercio extralegal em diversas capitanias Esta historiografia com a qual

concordamos tem demonstrado como os descaminhos eram processos inerentes ao trato

comercial colonial Presente nas mais variadas atividades mercantis e locais os contrabandos

e descaminhos natildeo devem ser encarados como uma ldquofalhardquo ou ldquodeficiecircnciardquo do sistema mas

sim como parte integrante do mesmo

O comeacutercio iliacutecito praticado durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba foi um negoacutecio amplamente praticado De acordo

com a documentaccedilatildeo trabalhada este tipo de mercadejar acontecia tanto no grosso trato

envolvendo uma rede de indiviacuteduos empenhados em criar estrateacutegias que possibilitassem o

funcionamento da praacutetica iliacutecita Como no miuacutedo onde sujeitos comuns aproveitavam as

oportunidades que surgiam para ganhos extras Destacamos ainda o contrabando feito

diretamente com navios estrangeiros que aportando na capitania sobre pretextos diversos

procediam ocultamente nas trocas comerciais com os habitantes locais

A grande preocupaccedilatildeo do Reino em reprimir tais negoacutecios iliacutecitos revela a

grandiosidade da praacutetica durante o periacuteodo do exclusivo comercial da Companhia Diversos

satildeo os documentos travados entre as autoridades locais e o governo metropolitano para tratar

da mateacuteria Apesar do empenho dos oficiais reacutegios locais sobretudo os governadores de

Pernambuco os contrabandos persistiram durante toda a existecircncia da Companhia Isto

porque natildeo existia estrutura local para que o combate as ilicitudes fossem feitas de maneira

efetiva dada a grandiosidade da capitania de Pernambuco aleacutem disso o comeacutercio

descaminhado era uma praacutetica ostensiva que envolvia variados personagens situaccedilotildees e

circunstacircncias

Dentre os personagens envolvidos nas redes de comeacutercio extralegal salientamos a

participaccedilatildeo de autoridades reacutegias oficiais e agentes da proacutepria Companhia Estes homens

iratildeo utilizar de seus postos privilegiados para obter vantagens pessoais Vimos que a

166

participaccedilatildeo de autoridades reais em circuitos iliacutecitos natildeo era uma prerrogativa exclusiva do

nosso objeto de anaacutelise tendo ocorrido em diversos outros locais da Ameacuterica Lusa e ateacute

mesmo da Ameacuterica Hispacircnica Como os atuais estudos tecircm demonstrado o envolvimento em

praacuteticas iliacutecitas natildeo era necessariamente oposto ao exerciacutecio de ofiacutecios reacutegios

Destacamos tambeacutem as inuacutemeras queixas e representaccedilotildees encaminhadas pelas

populaccedilotildees locais sobretudo pelas cacircmaras ultramarinas ao governo da metroacutepole alertando

para o estado de decadecircncia do comeacutercio nas praccedilas de Pernambuco e das inuacutemeras atividades

iliacutecitas e maacute gestatildeo conduzida pela direccedilatildeo da empresa na capitania A documentaccedilatildeo

evidencia como os proacuteprios deputados e acionistas da empresa foram responsaacuteveis pela

liquidaccedilatildeo da mesma destruindo seu capital ao agirem em benefiacutecio proacuteprio a fim de

obterem vantagens financeiras

Criado no contexto das reformas pombalinas a Companhia natildeo conseguiraacute renovar

seu contrato de exclusivo comercial sendo este extinguindo no ano de 1780 Naquele

momento a metroacutepole jaacute estava sob o comando de uma nova soberana Dona Maria I e

Pombal jaacute estava afastado do centro decisoacuterio Inicia-se entatildeo um novo movimento poliacutetico-

administrativo em Portugal conhecido na historiografia como ldquoa viradeirardquo Nesta nova

conjuntura jaacute natildeo havia espaccedilo para a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba que natildeo

chegou a alcanccedilar os nuacutemeros esperados pelo Reino e foi durante toda sua existecircncia alvo de

criacuteticas das populaccedilotildees locais Voltava entatildeo o comeacutercio na capitania a ser livre fazendo

dessa forma minorar o grande fluxo extralegal alvo deste estudo

167

REFEREcircNCIAS

ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria

Briguiet1960

AIZPURUA AGUIRRE Ramoacuten ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la

lancha San Fernando y de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista

de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5 Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San

Sebastiaacuten p 379-392 2006

A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista

brasileira de Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197

ALENCASTRO Luiz Felipe de O trato dos viventes formaccedilatildeo do Brasil no Atlacircntico

Sul Satildeo Paulo Companhia das Letras 2000

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas -

As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p

34-53 janjul 2013

ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de

Pernambuco no seacuteculo XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria

da escravidatildeo em Pernambuco Editora UniversitaacuteriaU-FPE 2012

ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os

acossamentos de Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII)

Rev Bras Hist [online] 2015 vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016

ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria

Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980

ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec

2004

BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na

administraccedilatildeo da monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO

Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no

impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo

Brasileiro (1783 ndash 1822) Guarapuava Unicentro 2014

168

BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores

e Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da

Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII Recife 2012 Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de

Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas da Universidade

Federal de Pernambuco

BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia

das letras 2002

CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito

Santo do seacuteculo XIX Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de

Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003

CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do

Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996

CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e

Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982

CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-

1850 Recife Editora da UFPE 2002

CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica

Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006

CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a

administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016

vol15 n2

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa

na Buenos Aires colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248

janjun 2009

CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en

Venezuela durante el siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997

CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do

territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v 43 n1 p 100-120 2016

COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do

Interior e Justiccedila 1951-1966 v 6

169

CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica

portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n

39 p001-030 jan-abr 2016

DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas

Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume 282

DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In

Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-

camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013

DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os locais uma anaacutelise da

correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania de

Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei

SOUZA George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo

atlacircntico Recife Editora Universitaacuteria da UFPE 2012

DIAS Manuel Nunes Fomento Ultramarino e Mercantilismo a companhia geral do Gratildeo-

Paraacute e Maranhatildeo (1755-1778) (XIII) Revista de Histoacuteria Brasil v 41 n 83 p 73-94 apr

2017

FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto

de conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social

costumeira (Rio de Janeiro 1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima

(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-

XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

FERREIRA Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial

ultramarino portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama

das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro

Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico

cultura e transgressatildeo na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado

em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias humanas Universidade Federal de Pernambuco

Recife

GINZBURG Carlo Relaccedilotildees de forccedila Histoacuteria retoacuterica prova Satildeo Paulo Companhia

das letras 2002

GINZBURG Carlos Sinais raiacutezes de um paradigma indiciaacuterio In___ Mitos emblemas e

sinais - Morfologia e Histoacuteria Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989 P 143-180

170

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo

portuguecircs c 1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na

trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de

Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Poder Poliacutetico e administraccedilatildeo na formaccedilatildeo do complexo

atlacircntico portuguecircs (1645-1808)In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) O

Antigo Regime nos troacutepicos ndash A dinacircmica Imperial Portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio

de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional

History University Press of Virginia 2ordf ed 1994

HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash

Seacutec XVII Coimbra Almedina 1994

HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do

impeacuterio colonial portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na

trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de

Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

HESPANHA AM A constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos

correntes In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda

(Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash

XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

HESPANHA Antonio Manoel Caleidoscoacutepio do Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda

2012

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos

sertotildees da Ameacuterica Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012

JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de

ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de

Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos

XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo

Hucitec 1976

JUacuteNIOR Miguel Dieacutegues As Companhias Privilegiadas no comeacutercio colonial Revista de

Histoacuteria Brasil v 1 n 3 p 309-336 sep 1950

171

KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica

(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez

2009

KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e

a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida

(Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba

UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009

KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da

Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de

Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005

KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos

histoacutericos Rio de Janeiro Contraponto Ed Puc-Rio 2006

KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da

Prata 1730-1752) Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017

LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime

na Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral

(Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX

Satildeo Paulo Alameda 2005

MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute e Rio Grande catequese

violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22

MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la

defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia

hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten

Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P

9-52 2006

MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz

e Terra 1996

MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio

Pernambucano (1738-1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966

MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas

de Joseacute Barreto Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII

172

MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil

GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001

MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003

MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites

Buenos Aires em el siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988

NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco

(seacuteculo XVIII) Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003

NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo

Horizonte Editora UFMG 2011

NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)

Satildeo Paulo Hucitec 1995

OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria

conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de

Histoacuteria Recife 2016

PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil

(1765-1801) a caccedila ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos

Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias Sociais Universidade de Lisboa Lisboa

PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da

cacircmara da Bahia (seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia

Amaral (Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash

seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005

PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008

PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo

XVIII Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001

PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a colonizaccedilatildeo do sertatildeo

nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004

RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias

do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel

em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017

173

ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas

na Vila de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais

do XXVI Simpoacutesio Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011

SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo

nos quadros do Impeacuterio portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O

Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio

de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da

Mina e a Capitania de Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P

Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Setor de Ciecircncias

Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute

SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das

letras 2013

SCHWARTZ Stuart B Segredos Internos ndash Engenhos e escravos na sociedade colonial

Satildeo Paulo Companhia das Letras 1988

SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral

da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P

42-53 JanJun 2003

SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro

(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002

SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do

Recife agrave poliacutetica pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de

Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005

SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica

portuguesa do seacuteculo XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006

SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa

EDIUAL2007

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de

Pernambuco pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010

174

APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS

Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos de Pernambuco

AHU ndash PE Cx 88 D 7150

AHU ndash PE Cx 95 D7497

AHU ndash PE Cx 95 D 7501

AHU ndash PE Cx 107 D 8312

AHU ndash PE Cx 127 D 9670

AHU ndash PE Cx128 D 9737

AHU ndash PE Cx 138 D 10248

AHU ndash PE Cx 107 D 8284

AHU ndash PE Cx 108 D 8371

AHU ndash PE Cx 110 D 8493

AHU ndash PE Cx 117 D 8954

AHU ndash PE Cx 120 D 9196

AHU ndash PE Cx 121 D 9245

AHU ndash PE Cx 122 D 9339

AHU ndash PE Cx 127 D 9656

AHU ndash PE Cx 129 D 9771

AHU ndash PE Cx 129 D 9792

AHU ndash PE Cx 130 D 9815

AHU ndash PE Cx 130 D 9815

AHU ndash PE Cx 130 D 9823

AHU - PE Cx 130 D 9823

AHU ndash PE Cx 130 D 9830

AHU - PE Cx 130 D 9966

AHU ndash PE Cx 131 D 9853

AHU ndash PE Cx 131 D 9892

AHU ndash PE Cx 132 D 9955

AHU ndash PE Cx133 D 9966

AHU - PE Cx 133 D 10003

AHU ndash PE Cx 133 D 10009

AHU ndash PE Cx 133 D 10012

175

AHU ndash PE Cx 133 D 10012

AHU ndash PE Cx 133 D 10017

AHU - PE Cx 136 D 10147

AHU ndash PE Cx 137 D 10197

AHU - PE Cx 137 D 10234

AHU ndash PE Cx 138 D 10250

AHU - PE Cx 142 D 10475

AHU ndash PE Cx 151 D 9853

Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Bahia

AHU - BA Cx 138 D 10248

AHU ndash BA Cx 181 D 13481

Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Alagoas

AHU ndash AL Cx 3 D 221

AHU ndash AL Cx 3 D 220

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2

nordm 3 cx 2

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2

nordm 6 cx 2

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm

4 cx 1 f 7

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1

Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros

Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo

IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010

Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo

IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060

Acervo especial para Pernambuco da Biblioteca Nacional

176

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco

(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

Fontes impressas

BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da

Companhia de Jesus Ano de 1712

Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO

Antonio de Mariz Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil

Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por

Manoel da Sylva 1655

Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo

General da Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V

XXXII1910 p 442

Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI

Page 2: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO

JEacuteSSICA ROCHA DE SOUSA

NAS ROTAS DOS SERTOtildeES COMEacuteRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE

AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E BAHIA (1759-1780)

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade

Federal de Pernambuco como requisito parcial

para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em

Histoacuteria

Linha de pesquisa Mundo Atlacircntico

Orientadoar Profordf Drordf Suely Creusa Cordeiro

de Almeida

Recife

2018

JEacuteSSICA ROCHA DE SOUSA

NAS ROTAS DOS SERTOtildeES COMEacuteRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE

AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E BAHIA (1759-1780)

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade

Federal de Pernambuco como requisito parcial

para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em

Histoacuteria

Aprovada em 28022018

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Profordf Drordf Suely Creusa Cordeiro de Almeida (Orientadora)

Universidade Federal Rural de Pernambuco

_________________________________________

Profordm Dr Rocircmulo Luiz Xavier do Nascimento (Examinador Interno)

Universidade Federal de Pernambuco

_________________________________________

Profordf Drordf Jeannie da Silva Menezes (Examinador Externo)

Universidade Federal Rural de Pernambuco

AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de agradecer a meus pais Luacutecia e Risomar por terem sempre

escolhido investir na minha educaccedilatildeo apesar e acima de tudo Reconheccedilo e agradeccedilo

sinceramente o esforccedilo realizado por eles para que eu tivesse uma boa base educacional

Agradeccedilo ainda a eles e aiacute incluo tambeacutem minha irmatilde Amanda pelo apoio carinho e

incentivo ao longo desta jornada mesmo sem compreender muito bem as dinacircmicas do

universo acadecircmico eles sempre estiveram ao meu lado dispostos a ajudar no que fosse

possiacutevel

Ao meu namorado Flaacutevio meu principal entusiasta que esteve comigo e me apoiou

durante todo este processo Agradeccedilo por acreditar no meu projeto por vezes ateacute mais do

que eu por natildeo me deixar fraquejar e pelo constante incentivo para que eu me torne o melhor

que eu posso ser

Aos meus padrinhos Socorro e Carlos com os quais eu sempre pude contar

A minha querida orientadora Profordf Suely Almeida se nossos caminhos natildeo tivessem

se cruzado haacute alguns anos atraacutes natildeo sei se seria capaz de chegar ateacute aqui Suely tem sido meu

esteio acadecircmico sem ela tudo seria muito mais difiacutecil Meus sinceros agradecimentos pela

confianccedila construiacuteda ao longo desses anos de trabalho juntas e por ser essa figura humana

sempre preocupada com meu bem estar acima de qualquer prazo ou cobranccedila Pensar em

seguir a vida acadecircmica sem sua orientaccedilatildeo eacute uma ideia que ainda estou tentando digerir

Muito obrigada Su

A Josinaldo Sousa e Suzana Veiga meus companheiros de linha Ao primeiro meu

amigo da capitania anexa agradeccedilo pelo apoio dicas e apontamentos que contribuiacuteram e

muito para construccedilatildeo deste trabalho e por partilhar os aperreios e cobranccedilas tiacutepicos de

mestrandos Suzana menina da risada frouxa agradeccedilo por compartilhar sua experiecircncia e

dar suporte sempre que preciso Nossos momentos ldquotapioca com cafeacuterdquo poacutes-aula tornaram

todo o processo mais leve e tranquilo Sentirei saudades Aos meus colegas de orientaccedilatildeo

antigos e novos Raphael Luanna Mariely Jesanias e Marcelo eacute sempre bom trocar ideias

com vocecircs Aos demais colegas que o mundo atlacircntico me apresentou seja na UFPE ou na

UFRPE tambeacutem agradeccedilo

Agradeccedilo a professora Jeannie Meneses profissional e pessoa por quem nutro

profunda admiraccedilatildeo e carinho e que sempre esteve presente durante minha trajetoacuteria

acadecircmica se prontificando a ajudar no fosse necessaacuterio Obrigada pelas numerosas

contribuiccedilotildees feitas ao texto preliminar deste trabalho sobretudo as orientaccedilotildees quanto agraves

questotildees juriacutedicas

Ao professor Rocircmulo Xavier profissional que estimo e que tive o prazer de conhecer

no primeiro semestre do curso e que tambeacutem contribuiu com importantes recomendaccedilotildees

durante a qualificaccedilatildeo para construccedilatildeo deste texto final Aos demais professores do

PPGHUFPE com quem cursei disciplinas Marcus Carvalho George Cabral Joseacute Bento e

Cristiano Christillino tambeacutem agradeccedilo as contribuiccedilotildees diretas e indiretas

Aos meus amigos de graduaccedilatildeo que continuam me acompanhando e tornando menos

aacuterido o caminho Pedro Boguel Benvinda Ceci Polli Beto Sid e Deacutea obrigada pela

amizade e por entenderem minhas ausecircncias Agradeccedilo especialmente a Mirella e famiacutelia

Dona Maacutercia e Wagner por terem aberto seu lar para mim durante o periacuteodo que cursei as

disciplinas e pelo apoio e carinho que sempre recebi de todos eles

As minhas amigas de infacircncia Mariana Aretha Tuanny e Illyanna que hoje estatildeo

dispersas pelo mundo obrigada por se fazerem presentes mesmo na distacircncia

Agradeccedilo a Sandra e a Patriacutecia da secretaria do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Histoacuteria da UFPE pela competecircncia e disposiccedilatildeo em ajudar sempre que possiacutevel os alunos

Aos funcionaacuterios do arquivo do Instituo de Estudos Brasileiros - IEB da USP pela

solicitude com que me receberam e por me permitirem o acesso aos manuscritos originais

Ao Cnpq pela bolsa que tornou possiacutevel a realizaccedilatildeo deste trabalho

A todos que contribuiacuteram direta ou indiretamente na construccedilatildeo deste trabalho meu

muito obrigado

RESUMO

Nosso trabalho busca analisar o comeacutercio de mercadorias que se desenvolveu durante os anos

de 1759 a 1780 entre as capitanias de Bahia e Pernambuco Nosso marco cronoloacutegico inicia-

se em 1759 ano em que foi instalada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba detentora

do monopoacutelio comercial da regiatildeo A empresa criada na segunda metade do XVIII vinha

atender a uma nova ordem administrativa ligada agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila

que se buscou estabelecer em Portugal e que tinham por objetivo uma maior centralizaccedilatildeo do

poder real bem como um maior domiacutenio econocircmico sobre as conquistas e colocircnias O

monopoacutelio desenvolvido pela Companhia durante pouco mais de vinte anos veio alterar toda

uma loacutegica comercial que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco Nosso ponto de

anaacutelise parte da identificaccedilatildeo de que a partir da instalaccedilatildeo da Companhia Geral os locais iratildeo

buscar estrateacutegias de evasatildeo do controle reacutegio um desses meios de fuga seraacute o contrabando de

mercadorias realizado atraveacutes dos caminhos sertanejos que uniam Pernambuco e Bahia bem

como por meio da navegaccedilatildeo direta via Costa mariacutetima entre as capitanias vizinhas

Procederemos entatildeo a anaacutelise das rotas produtos casos e medidas repressivas empregadas

neste tipo de negoacutecio Antes da instalaccedilatildeo da Companhia as transaccedilotildees comerciais entre as

duas praccedilas jaacute existiam e estavam bem consolidadas no entanto a partir da criaccedilatildeo da

empresa esse comeacutercio acaba ganhando expressividade

Palavras-chave Contrabando Comeacutercio interno Rotas comerciais

ABSTRACT

Our work aims to analyze aspects of the trade in goods that were developed during the years

from 1759 to 1780 between the captaincies of Bahia and Pernambuco Our chronological

boundary begins in 1759 when the General Company of Pernambuco and Paraiacuteba was

installed holding the monopoly of the regionrsquos markets The company created in the second

half of the XVIII century was to attend to a new administrative order connected to more

pragmatic issues of governance sought to be established in Portugal which by its turn

aimed at a greater centralization of the royal power as well as a greater economic dominance

over the conquests and Colonies The monopoly developed by the Company for a little more

than twenty years changed a whole commercial logic which was already well established in

Pernambuco Our focus of analysis starts with the identification that since the creation of the

General Company the commercial sites would seek strategies to evade royal domain One of

these means of escape were the contraband of goods carried out mainly through the

hinterlands paths that linked Pernambuco and Bahia as well as through the direct navigation

via the marine coast shared by neighboring captaincies We will then proceed with an

analysis of the routes products cases and repressive measures employed in this type of trade

Before the creation of the Company commercial transactions between the two markets

already existed and were well established However since the creation of the company its

traded ends up gaining more expressiveness

Keywords Contraband Domestic trade Commercial routes

LISTA DE MAPAS

Mapa 1- Caminhos do Gado para Olinda e Recife 46

Mapa 2- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738) 47

Mapa 3- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738) 48

Mapa 4- Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 57

Mapa 5- Detalhe do roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 66

Mapa 6- Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766) 67

LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau

Amarelo) 76

Tabela 2- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia

(Sirinhaeacutem) 77

Tabela 3- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una) 80

Tabela 4- Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas 84

Tabela 5- Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos

portos do Brasil 85

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AHU ndash Arquivo Histoacuterico Ultramarino

ANTT ndash Arquivo Nacional da Torre do Tombo

IEB-USP ndash Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros

Cx ndash Caixa

D ndash Documento

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO12

2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO32

21 Contexto e conceitos32

22 Os caminhos43

3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE

PRODUTOS75

31 As mercadorias75

32 Os casos86

33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas127

4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA131

41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas131

42ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de

autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos144

43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70153

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS164

REFEREcircNCIAS167

APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS174

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

Em fins do seacuteculo XVII e iniacutecio do XVIII iraacute ocorrer em vaacuterias partes da Europa um

processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real Em Portugal esse movimento tem iniacutecio a

partir do reinado de D Joatildeo V naquele momento as consultas colegiais marca do governo

polissinodal iratildeo ceder espaccedilo para uma nova forma de organizaccedilatildeo baseada na centralidade

das decisotildees Dessa forma figuras que orbitavam ao redor do rei ganham notoriedade poliacutetica

e poder de influecircncia em assuntos decisoacuterios em detrimento dos conselhos Este periacuteodo de

mudanccedilas seraacute entendido como um encaminhamento lento e gradual de abandono de um

modelo de Estado corporativo para uma forma distinta de se conceber a poliacutetica a partir do

vieacutes da ldquorazatildeo de Estadordquo 1

De acordo com Subtil o governo de D Joatildeo V pode ser encarado como um reinado de

transiccedilatildeo2 a grande transformaccedilatildeo do sistema poliacutetico portuguecircs iraacute se operar apenas na

segunda metade do seacuteculo a partir da nomeaccedilatildeo de Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Melo ndash

Conde de Oeiras o futuro marquecircs de pombal para o cargo de primeiro ministro do reino

durante o reinado de D Joseacute I O terremoto seguido dos incecircndios e da grande onda que

assolaram a capital lisboeta no ano de 1755 tiveram impacto sob a organizaccedilatildeo poliacutetica e

administrativa do reino tornando necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que assegurassem o

exerciacutecio da governaccedilatildeo real dentro de um quadro de caos3

Sob a influecircncia do iluminismo que se disseminava por toda a Europa o Estado

portuguecircs iraacute desenvolver um conjunto de reformas poliacuteticas e fiscais que buscavam combater

o atraso econocircmico do reino que passava por uma queda na produccedilatildeo do ouro brasileiro4middot

Dentro desse contexto foram postas em accedilatildeo poliacuteticas com o intuito de revitalizar o comeacutercio

portuguecircs Na capitania de Pernambuco importante polo econocircmico da conquista essas accedilotildees

seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois organismos reguladores da economia local

a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio criado no ano de 1752 e a Companhia

Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759

1 BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da

monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima

(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro

Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 353-334 2 SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa EDIUAL2007 p 17-21

3 Ibidem P 11-14

4 BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia das letras 2002 P

195

13

A ideia da criaccedilatildeo de companhias privilegiadas de comeacutercio que poderiam dar aliacutevio

as despesas do Estado servindo para ampliar os negoacutecios da Coroa por meio de uma poliacutetica

de maior arrecadaccedilatildeo fiscal 5 figurava nas ambiccedilotildees de Pombal muito antes do secretaacuterio

ganhar relevacircncia poliacutetica Em seu primeiro cargo como enviado extraordinaacuterio da Corte

portuguesa na Inglaterra Sebastiatildeo de Carvalho enviou em 1742 para o Cardeal Mota

proposta de criaccedilatildeo de uma Companhia Oriental para o comeacutercio da Iacutendia que teria por

objetivo ldquotirar proveito das possessotildees portuguesas da Iacutendia que tanto custavam manterrdquo 6

De acordo com o historiador Kenneth Maxwell o marquecircs buscou resgatar o ldquocontrole

nacional sobre todas as riquezas que fluiacuteam para Lisboardquo 7 se utilizando de foacutermulas que havia

tomado conhecimento sobretudo na Gratilde-Bretanha e na Aacuteustria Natildeo eacute de se espantar

portanto que tempos depois Pombal tenha posto em praacutetica no Brasil tal ideia durante o

governo de D Joseacute I quando o mesmo passou a exercer o papel de secretaacuterio de Estado e

negoacutecios do Reino

Dentre as companhias comerciais criadas pelo marquecircs ao longo desse periacuteodo

destacam-se A Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo no ano de 1755 a Companhia da

Agricultura das Vinhas do Alto Douro em 1756 A Companhia Geral de Pernambuco e

Paraiacuteba no ano de 1759 e por fim a Companhia das Pescas Reais do Reino do Algarve em

1773 Estas Companhias compartilhavam entre si princiacutepios gerais similares em termos

juriacutedicos e administrativos apesar de cada uma delas conter suas peculiaridades

Vale destacar ainda que aleacutem das Companhias que de fato saiacuteram do papel existiram

vaacuterios outros planos de constituiccedilatildeo de empresas privilegiadas que por um ou outro motivo

natildeo caminharam pra frente Para Pernambuco desde o governo de D Joatildeo V existiam

pretensotildees de se fundar uma Companhia que atuasse exclusivamente no trato negreiro 8 Esta

empresa seria controlada pelos mercadores da terra deixando pouco espaccedilo para atuaccedilatildeo dos

homens de negoacutecio do Reino e tambeacutem dos comerciantes baianos natildeo existia a intenccedilatildeo de

integrar os homens de negoacutecio baianos a tal corporaccedilatildeo O projeto da Companhia tinha como

5JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de Pernambuco

e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 74 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo

da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e

sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-

camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013 P 1 6MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas de Joseacute Barreto

Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII 7 MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz e Terra 1996 P

95 8 JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 77

14

objetivo aumentar o comeacutercio que jaacute se praticava com as aacutereas africanas de Angola Benguela

Cabinda e Ajudaacute favorecendo dessa forma o aumento da entrada de escravos na capitania 9

Em conjunto a esta proposta os comerciantes de Pernambucano lanccedilaram outra ao

Reino a da criaccedilatildeo de uma Companhia destinada a explorar o comeacutercio de carnes secas e

couros do sertatildeo ou seja uma companhia voltada para o comeacutercio interno com finalidade de

aumentar a produccedilatildeo colonial Os colonos sabiam da boa disposiccedilatildeo do Reino na criaccedilatildeo de

companhias quando encaminham suas propostas o que lhes eacute omitido eacute que Pombal jaacute

pensara a criaccedilatildeo de uma companhia para a regiatildeo no entanto tratava-se de uma companhia

que privilegiasse os comerciantes reinoacuteis e natildeo o contraacuterio como pretendiam os comerciantes

de Pernambuco Motivo pelo qual nenhuma das duas propostas vingou 10

De acordo com Fernando Novais eacute durante o consulado pombalino que iraacute se

estruturar de maneira mais abrangente a economia mercantilista de Portugal A essecircncia

econocircmica por traacutes da criaccedilatildeo das Companhias exclusivistas baseava-se em uma foacutermula jaacute

bem conhecida na Europa moderna onde o Reino concedia privileacutegios ao capital particular

para que esse investisse e sustentasse o sistema de comeacutercio e navegaccedilatildeo dos complexos

imperiais ultramarinos restando claro uma parte dos lucros para a fazenda de Sua Majestade

11

Junto a esse processo de mudanccedilas econocircmicas inicia-se tambeacutem um periacuteodo de maior

preocupaccedilatildeo com a defesa do territoacuterio a partir da criaccedilatildeo de ldquolinhas de definiccedilatildeo territorial e

preservaccedilatildeo das fronteirasrdquo 12

Essa poliacutetica esteve relacionada tambeacutem com a tentativa do

Reino de minimizar a atuaccedilatildeo de mercadores estrangeiros nos mercados do conjunto imperial

portuguecircs A fundaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba aleacutem de atender a

loacutegica econocircmica do periacuteodo esteve ligada a necessidade de se coibir o comeacutercio da capitania

Pernambucana com os portos africanos da Costa da Mina O comeacutercio de resgate de escravos

na Costa da Mina constituiacutea-se em uma importante e lucrativa rota para os comerciantes de

Pernambuco e Bahia que dominavam e disputavam este setor mercantil para aquela regiatildeo

deixando pouca ou nenhuma brecha para a inserccedilatildeo da Coroa 13

9 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso

internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 7 10

Ibdem p 8 JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 80 11

NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo

Hucitec 1995 P 136 12

Idem 13

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre

Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 P35

15

Esta situaccedilatildeo eacute evidenciada atraveacutes de instruccedilatildeo enviada para o Marquecircs de Valenccedila

pelo secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro em 1779 Ela

esclarece sobre os ldquograviacutessimos inconvenientes ao Reinordquo 14

de abandonar inteiramente o

comeacutercio da ldquoCosta da Mina nas matildeos dos Americanosrdquo 15

e em particular ldquoaos habitantes da

Bahia e Pernambucordquo 16

que segundo a fonte navegavam com ampla liberdade comercial em

todos ldquoos portos daquele continenterdquo 17

Os comerciantes do Reino inclusive careciam de

ldquoprivileacutegios graccedilas ou isenccedilotildees para que na concorrecircncia com os Americanos na Aacutefricardquo 18

pudessem ter os lusos como se espera que a capital e seus habitantes tivessem a preferecircncia

nas transaccedilotildees em relaccedilatildeo a suas colocircnias19

A instruccedilatildeo demonstra o pouco controle do Reino sobre os negoacutecios entre Brasil e

Costa da Mina principalmente porque desde 1637 os holandeses aleacutem de outras aacutereas no

continente africano controladas por Portugal dominavam o Castelo de Satildeo Jorge da Mina

Um dos maiores problemas deste comeacutercio eram os produtos levados do Brasil e que se

empregavam nas compras de escravos daquela regiatildeo ouro e tabaco Na tentativa de superar

essa barreira e exercer maior controle sobre a regiatildeo o governo portuguecircs passou a promulgar

uma seacuterie de leis alvaraacutes e regimentos tentando coibir este comeacutercio tatildeo prejudicial ao Eraacuterio

Reacutegio 20

No entanto todas as medidas empreendidas natildeo se mostraram suficientes para conter o

grande e generalizado contrabando praticado na regiatildeo Excluiacutedos do processo e frustrados em

suas tentativas de coibiccedilatildeo da traficacircncia os portugueses buscaram novas formas de controle

que tinham como principal objetivo o redirecionamento do comeacutercio humano para os portos

de Angola que por ser tratar de uma conquista portuguesa contava com um maior nuacutemero de

funcionaacuterios e aparato fiscalizador 21

Nesse cenaacuterio eacute pensada a criaccedilatildeo de uma Companhia privilegiada para operar em

Pernambuco atuando de acordo com as prerrogativas reais o comeacutercio de escravos praticado

14

Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo General da

Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V XXXII1910 p 442 15

Idem 16

Idem 17

Idem 18

Idem 19

Idem 20

SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da Mina e a Capitania de

Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo

em Histoacuteria Setor de Ciecircncias Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute 21

Ibidem P 86

16

por ela deveria priorizar as rotas com a Aacutefrica Centro-Ocidental 22

dessa forma acreditavam

as autoridades que metade do problema do contrabando estaria resolvido restando ainda

resolver a questatildeo na capitania baiana O capital inicial previsto para a empresa era de

3400000 cruzados e as accedilotildees poderiam ser pagas com dinheiro gecircneros ou navios

Diante das dificuldades encontradas para compor o capital da empresa que ateacute o ano

de 1774 contava com acionistas que ainda natildeo tinham integralizado o valor total de suas

accedilotildees a Coroa recorreu em auxiacutelio concedendo-lhe empreacutestimos a juros de 4 ao ano 23

A

Companhia foi fundada oficialmente atraveacutes de alvaraacute reacutegio do ano de 1759 mas a primeira

frota soacute sairia um ano mais tarde Com o objetivo de fazer prosperar a agricultura da regiatildeo de

Pernambuco fornecendo um suprimento regular de matildeo-de-obra escrava bem como atuando

na compra e exportaccedilatildeo dos produtos coloniais e transportando atraveacutes de frotas regulares as

mercadorias do Reino para a regiatildeo 24

O monopoacutelio sobre a compra e venda de produtos nas capitanias de Pernambuco e

Paraiacuteba e todos seus distritos teriam a duraccedilatildeo de vinte anos podendo apoacutes esse prazo ser

estendido por um periacuteodo de dez anos Os produtos transportados de laacute praacute caacute foram os

manufaturados envolvendo ferramentas variados tipos de utensiacutelios gecircneros alimentiacutecios

medicamentos e escravos De caacute praacute laacute accediluacutecar cacau madeiras algodatildeo corantes tabaco

couro e atanados e variadas especiarias As trocas se davam em Bissau Cacheacuteu Cabo Verde

Costa da Mina Angola Madeira Accedilores e alguns portos da Iacutendia e da Aacutesia 25

Quanto a sua gestatildeo a empresa era composta por uma junta administrativa sediada em

Lisboa e formada por provedor 10 deputados um secretaacuterio e trecircs conselheiros Possuiacutea duas

sedes subalternas uma em Pernambuco e outra na cidade do Porto contavam na direccedilatildeo cada

uma com um intendente e seis deputados Aleacutem das duas diretorias e da sede a Companhia

possuiacutea ainda administraccedilatildeo ou procuradoresrepresentantes na Paraiacuteba Rio de Janeiro Bahia

Fayal e Satildeo Miguel 26

22

A Companhia tambeacutem operou na rota PernambucoCosta Da Mina no entanto o maior fluxo da atividade

negreira durante o periacuteodo da sua operaccedilatildeo esteve direcionada para os portos Angolanos O comeacutercio com a

Costa da Mina natildeo chegou a desaparecer mas perdeu significativa relevacircncia neste periacuteodo Sobre isto ver

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de Op Cit 23

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 92 -93 24

DIAS Eacuterika Op Cit p 17 25

Idem 26

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro P 83-86

17

Como podemos observar o engajamento de Portugal com as Companhias privilegiadas

se daraacute de forma efetiva a partir do governo de D Joseacute I e da administraccedilatildeo pombalina 27

Estas empresas foram pensadas e criadas para atuarem junto a uma seacuterie de outras medidas

racionalizadoras da economia portuguesa Apesar das circunstacircncias peculiares que levaram a

criaccedilatildeo de cada uma das Companhias em todos os casos ela esteve relacionada com a

necessidade de regulaccedilatildeo do comeacutercio seja para inibir a atuaccedilatildeo do contrabando a

participaccedilatildeo de comerciantes estrangeiros ou simplesmente a fim de canalizar de maneira

mais eficaz os lucros do comeacutercio colonial para a metroacutepole

Para natildeo nos restringirmos apenas a exemplos da Ameacuterica Portuguesa e a tiacutetulo de

comparaccedilatildeo bibliograacutefica faremos um paralelo com a Companhia Guipuzcoana de Caracas

Os caminhos que levaram a criaccedilatildeo da Companhia Venezuela satildeo bastante similares ao caso

portuguecircs A Espanha assim como Portugal demorou a se lanccedilar no empreendimento das

Companhias privilegiadas apesar do Reino jaacute ter tomado ciecircncia que o sistema de frotas

adotado ateacute o XVII era incapaz de assegurar a hegemonia da Coroa sobre suas colocircnias e de

jaacute haver planos para constituiccedilatildeo de sociedades exclusivistas estas soacute tomaram corpo no

XVIII 28

Sofria entatildeo os domiacutenios ultramarinos com o comeacutercio de contrabando praticado por

diversos paiacuteses sobretudo por ingleses franceses e holandeses A guerra de sucessatildeo ao trono

espanhol acabou por maximizar a penetraccedilatildeo de naccedilotildees estrangeiras nos mercados espanhoacuteis

da Ameacuterica os franceses chegaram mesmo a monopolizar o comeacutercio de abastecimento em

algumas regiotildees Esse processo foi possiacutevel devido ao isolamento em que se encontrava a

metroacutepole de suas colocircnias dado o estado de guerra na Europa 29

Outra medida que iraacute refletir negativamente na economia reinol seraacute a praacutetica do

comeacutercio direto entre as colocircnias espanholas isto porque durante os longos periacuteodos em que

27

Apesar do Reino de ter criado outras Companhias ao longo do seacuteculo XVII estas natildeo obtiveram resultados

expressivos economicamente Esse tipo de estrutura bem como a adesatildeo definitiva de Portugal as Companhias

privilegiadas soacute iraacute se estabelecer no seacuteculo XVIII a partir do reinado de D Joseacute I junto a um grande esforccedilo

Portuguecircs para recuperaccedilatildeo da sua economia Vale salientar que neste momento outras naccedilotildees europeias jaacute

buscavam novas formas de dinamizar seus negoacutecios e findavam a atuaccedilatildeo de boa parte de suas Companhias

exclusivistas Na Inglaterra a revoluccedilatildeo industrial comeccedilava a dar seus primeiros passos o regime de

exclusivismo jaacute natildeo atendia mais as necessidades daquele tipo de economia que agora necessitava de novos

mercados consumidores Essa divergecircncia de tendecircncias econocircmicas iraacute gerar uma seacuterie de conflitos entre os

Estados europeus ao longo do XVIII Sobre isto ver NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do

antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo Hucitec 1995 28

Sobre isto ver MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la

defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los

reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones

Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P 9-52 2006 29

Idem

18

o Reino esteve envolto nas disputas beacutelicas europeias os colonos agindo por conta proacutepria

afastados da tutela da Coroa desenvolveram redes comerciais internas deixando a Espanha

fora dessas negociaccedilotildees De acordo com os dados trabalhados pelo historiador Ricardo

Cierbide Martinera ldquoentre 1706 y 1724 no salioacute para Venezuela barco algunordquo 30

vindo do

Reino

Com a ascensatildeo de Felipe V ao trono o Reino espanhol se encaminhou para um

processo de mudanccedilas que levou a uma maior centralizaccedilatildeo do poder real e uma maior

racionalizaccedilatildeo do estado e das financcedilas incluindo a ampliaccedilatildeo do domiacutenio econocircmico sobre

suas conquistas no Atlacircntico Sul Devido agrave debilidade de controle sobre o comeacutercio

americano a ideia de criaccedilatildeo de Companhias privilegiadas inspiradas nos modelos praticados

em Franccedila e Inglaterra surge como alternativa possiacutevel para retomada do poder sobre

determinadas aacutereas

Uma das grandes preocupaccedilotildees da Coroa dizia respeito ao vultoso contrabando

praticado em seus domiacutenios A escolha pela Venezuela se deu pelo fato da colocircnia jaacute ter uma

consideraacutevel experiecircncia no cultivo e comeacutercio do cacau o fruto como explicita o historiador

Carlor Manrique era um importante produto de consumo dos mercados europeus e a regiatildeo

de Caracas jaacute havia ganhado fama pelo seu insumo de boa qualidade Dessa forma ldquolos

monarcas espantildeoles teniacutean muy presente la necesidad de volver a ejercer control sobre esta

proviacutenciardquo 31

usufruindo dos lucros de tal setor

Nasce assim em 1728 a Companhia de Comeacutercio de Caracas conhecida tambeacutem como

Companhia Guipuzcoana de Caracas Entre seus principais objetivos estavam o de suprir a

demanda metropolitana de cacau produto no qual a Companhia exerceria monopoacutelio e

defender as costas da regiatildeo dos contrabandos e da presenccedila militar de outras naccedilotildees

europeias Aleacutem disso a empresa tambeacutem incentivava o cultivo de novas plantaccedilotildees a

criaccedilatildeo de gados o cultivo do tabaco de plantas tintoras entre outras coisas 32

Com a criaccedilatildeo da Companhia a proviacutencia se torna a mais rentaacutevel para a Coroa

ademais o problema com o contrabando diminuiu consideravelmente O ecircxito da empresa

animou tanto o Reino que fez com que este posteriormente fundasse outras companhias para

atuar em diferentes aacutereas de seu Impeacuterio Ultramarino Mas a empresa natildeo agradou a todos A

30

CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en Venezuela durante el

siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997 P 66 31

MANRIQUE Carlos Alberto MurgueitioOp Cit P 13 32

CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit P 70

19

monopolizaccedilatildeo do comeacutercio de cacau iraacute causar grande descontentamento nas populaccedilotildees

locais que jaacute estavam bem habituadas a praacutetica do livre comeacutercio 33

A supressatildeo do livre comeacutercio a partir da fundaccedilatildeo de Companhias exclusivistas de

maneira geral ocasionaraacute uma seacuterie de criacuteticas por parte das povoaccedilotildees locais no caso das

Companhias Pombalinas natildeo seraacute diferente As queixas representaccedilotildees e insurreiccedilotildees foram

uma maacutexima comum nas empresas monopolistas portuguesas deste periacuteodo os protestos

grosso modo questionavam tanto o exclusivo comercial praticado pelas empresas como a maacute

atuaccedilatildeo das administraccedilotildees locais como veremos adiante

Durante a atuaccedilatildeo da Companhia Venezuelana os motins e revoltas foram frequentes

Isto porque o modelo protecionista adotado pela Companhia acabou por beneficiar o mercado

metropolitano em detrimento do colonial que perdeu focirclego As baixas no preccedilo do cacau e

de outras mercadorias base da economia local aleacutem da forma como a Companhia conduzia

seus negoacutecios pagando aos fornecedores locais em produtos ndash relatados pelos locais como de

maacute qualidade - e natildeo em dinheiro acabaraacute por levar a ruiacutena muitos produtores 34

A situaccedilatildeo

para os comerciantes da Praccedila tambeacutem natildeo era muito satisfatoacuteria estes amargaram muitos

prejuiacutezos com a praacutetica monopolista

Em 1751 tem iniacutecio uma grande insurreiccedilatildeo popular lidera por Juan Francisco de

Leoacuten que convoca o povo a declarar guerra contra a Companhia O movimento que comeccedila

como um ato de contestaccedilatildeo contra o monopoacutelio da empresa acaba ganhando forccedila e se

transforma em um ato de insurreiccedilatildeo contra o poder metropolitano A pauta dos revoltosos

girava em torno da ldquoescasez constante de artiacuteculos como ropas frutos y efectos de Espantildea el

elevado precio de las mercanciacuteas la extraccioacuten sectorizada de ciertos productos como el

cacao y el tabaco y el rechazo frente a otros como el corambre ()rdquo 35

Durante o motim os

insurretos contaram com a ajuda da Holanda que interessada em reestabelecer antigas

relaccedilotildees comerciais forneceu armamentos e municcedilotildees em troca de cacau

A revolta seraacute suprimida no ano seguinte 1752 no entanto seus efeitos tiveram

impacto sob a Companhia que paulatinamente foi perdendo privileacutegios e benesses

anteriormente concedidas pela Monarquia Espanhola Devido agrave guerra que se desenrolava

entre as naccedilotildees europeias naquele momento a Coroa opta por natildeo entrar em conflito direto

33

Ver CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit 34

MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la defensa del comercio

Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V

Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad

Catoacutelica Andreacutes Bello P 19 35

Ibidem P 20

20

com suas colocircnias De acordo com Carlos Manrique a insurreiccedilatildeo colocou em cheque os

poderes absolutos do monarca ldquoAl no defender a la Compantildeiacutea y al dejar avanzar los reclamos

de los colonos cimentaba las bases del colapso de su iniciativa centralizadora dejando a

merced del contrabando al mercado venezolanordquo 36

Devido a uma seacuterie de mudanccedilas ocorridas na Europa apoacutes a Guerra dos Sete Anos e a

conquista da independecircncia das antigas colocircnias inglesas na Ameacuterica o Reino Espanhol com

a ascensatildeo de Carlos III tomou novas direccedilotildees poliacutetico-administrativas A estrateacutegia mudara a

poliacutetica protecionista jaacute natildeo se adequava ao novo contexto econocircmico europeu que

apresentava naquele momento uma Inglaterra fragilizada A Espanha sabiamente se aproveita

dessa brecha para criar laccedilos comerciais com as antigas colocircnias britacircnicas e fortalecer seu

Impeacuterio Assim em 1778 Carlos III expede o decreto de livre comeacutercio extensivo as colocircnias

do Ultramar Algum tempo depois em 1781 a Companhia Guipuzcoana encerra

definitivamente suas atividades 37

Os casos das Companhias atuantes na Ameacuterica portuguesa seguem contornos bem

similares aos da Ameacuterica Hispacircnica A criaccedilatildeo da Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo que

teve sua fundaccedilatildeo associada agrave tentativa da Coroa de otimizar a administraccedilatildeo e comeacutercio da

regiatildeo mais ao Norte da Ameacuterica 38

por exemplo iraacute motivar uma seacuterie de protestos no

Reino Estes protestos foram encabeccedilados pelos deputados da Mesa do Espiacuterito Santo dos

Homens de Negoacutecios de Lisboa que questionavam a nocividade da concessatildeo do monopoacutelio

por uma escala de tempo tatildeo grandiosa ndash vinte anos - a reaccedilatildeo de Pombal seraacute agressiva 39

A

crise iniciada pelos principais homens de negoacutecio de Lisboa foi encarada pelo Marquecircs como

um crime de lesa majestade e seus autores sofreram puniccedilotildees severas 40

No Caso da Companhia de vinhas do Alto Douro empresa criada em um momento de

crise enfrentada pelo setor e que tinha como principal objetivo atender ao desejo do Reino de

retirar tal ramo comercial das matildeos dos mercadores ingleses que ateacute entatildeo dominavam aquele

setor deixando pouca brecha para inserccedilatildeo dos comerciantes portugueses 41

as manifestaccedilatildeo

36

Ibidem P 21 37

Ibidem P 26-28 38

Sobre isto ver CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e

Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 39

Ibidem P 37 40

Boa parte dos envolvidos foi desterrada para domiacutenios ultramarinos do Reino por tempos distintos de acordo

com a sua parcela de participaccedilatildeo no evento 41

Sobre isto consultar CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do

Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 SOUSA Fernando de O Marquecircs

de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757)

21

contraacuterias ao empreendimento comeccedilaram antes mesmo de sua fundaccedilatildeo Ainda no ano de

1756 comerciantes ingleses e seus representantes buscaram sabotar de diversas formas a

criaccedilatildeo da Companhia Esses grandes homens de negoacutecio com seu poder de influecircncia

conseguiram angariar outros comerciantes e produtores para sua causa sendo assim em

agosto de 1756 eram apenas 14 o nuacutemero de comerciantes e lavradores interessados no

projeto Pombalino 42

Aleacutem dos jaacute citados outros profissionais que atuavam no setor se sentiram lesados

com a formaccedilatildeo da Companhia e tomaram parte nos motins contraacuterios a instituiccedilatildeo da

sociedade mercantil 43

Cabe ressaltar que ateacute mesmo parte da populaccedilatildeo endossou o corpo

dos motins uma vez que a empresa cessaria com a liberdade com que se praticava a escolha e

compra de vinhos para consumo pessoal Todo esse descontentamento iraacute levar aos famosos

motins do Porto no ano de 1757 44

Nesta situaccedilatildeo age tambeacutem Pombal com violecircncia poucos dias depois da revolta eacute

aberta uma devassa para investigar os culpados A cidade eacute tomada por tropas recaindo sobre

os habitantes locais o peso de sua sustentaccedilatildeo O cargo de procurador do povo eacute extinto e os

vereadores da Cacircmara satildeo retirados de seus postos o futuro marquecircs jaacute natildeo confiava nestes

homens As penas entre os considerados culpados cerca de 460 indiviacuteduos variaram entre

pena capital degredo accediloite galeacutes confiscaccedilatildeo de bens penas pecuniaacuterias e palmatoadas 45

A Companhia das Pescas Reais criada devido agrave intenccedilatildeo da Coroa em ampliar as

atividades baleeiras no litoral da Ameacuterica Portuguesa natildeo contou com nenhum movimento

local de contestaccedilatildeo de seu monopoacutelio durante sua gecircnese no entanto Marcelo Paz

demonstra que foram duas as ondas reivindicatoacuterias a questionar a forma de atuaccedilatildeo da

empresa ao longo de seu periacuteodo de atuaccedilatildeo 46

A primeira onda contraacuteria seraacute encabeccedilada por

dois mercadores que apesar de advogarem pela mesma causa agiram de forma isolada a

saber Domingos Lopes Loureiro e Tomeacute de Castro Correia de Saacute que iratildeo contraditar a

Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 SOUSA Fernando de A Companhia Geral da

Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1978) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 10 p 9-58 2003 42

SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura

das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 P 46 43

Entre eles tanoeiros taberneiros e marinheiros jaacute que a partir da formaccedilatildeo da empresa estes trabalhadores de

alguma forma tiveram sua liberdade de atuaccedilatildeo profissional cerceada 44

Sobre isto ver CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do Porto

de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 45

Ibidem P 18 46

PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil (1765-1801) a caccedila

ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias

Sociais Universidade de Lisboa Lisboa

22

legalidade do monopoacutelio 47

Pretendiam os dois comerciantes arrematar o contrato para o

complexo baleeiro meridional 48

Um segundo movimento iraacute se iniciar por volta de 1790 este sim teve poder de

influenciar a decisatildeo reacutegia que aboliu o monopoacutelio da Companhia Diferentemente da

primeira onda os liacutederes dessas queixas passam a contestar os procedimentos da praacutetica

comercial adotada no litoral do Brasil questionando sua eficaacutecia e sustentabilidade Um dos

liacutederes chega inclusive a redigir documento analisando profundamente a atividade baleeira

apontando as falhas na produccedilatildeo e a inviabilidade da praacutetica por um periacuteodo alongado de

tempo 49

Em Pernambuco os eventos natildeo foram distintos das demais estabelecer a Companhia

Geral natildeo foi tarefa faacutecil o governador Luiacutes Diogo da Silva empregaraacute inuacutemeros esforccedilos na

tentativa de convencer a elite colonial pernambucana a se tornar acionista na empreitada em

ofiacutecio do ano de 1761 o governador afirma que ldquonatildeo haacute motivos por mais fortes nem

evidecircncias de maior demonstraccedilatildeo que possam convencecirc-los a apostarem da sua vida os

poucos cabedais que logramrdquo 50

Deixando clara a resistecircncia em aderir ao projeto seja por

parte dos homens de negoacutecio ou pela nobreza da terra

O governador dizia ainda que o motivo pelo qual os grandes da capitania se

mostravam contraacuterios a ideia de integrar os quadros da Companhia se dava por ela ldquotecirc-los

separados dos antigos interesses que estavam habituados a fazer na forma e regularidade que

lhes pareciardquo 51

Ou seja apontava o descontentamento dos negociantes e produtores com a

supressatildeo da liberdade de comeacutercio que jaacute estava bem estabelecido naquela regiatildeo

Desde sua instalaccedilatildeo a sociedade seraacute alvo de queixas por parte da populaccedilatildeo muitas

seratildeo as representaccedilotildees e denuacutencias encaminhadas ao rei sobre sua maacute administraccedilatildeo e o

estado de decadecircncia em que se achava a Capitania de Pernambuco Natildeo raro as queixas

continham apelos que suplicavam a sua extinccedilatildeo Segundo Pereira da Costa

Queixas amargas representaccedilotildees constantes foram dirigidas ao governo da

metroacutepole pelos agricultores e comerciantes contra tatildeo odioso monopoacutelio

47

PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 206-215 48

Uniatildeo das armaccedilotildees Paulistas Catarinense e Fluminenses 49

PAZ Marcelo de Oliveira P 240- 249 50

AHU ndash PE Cx 94 D 7481 Recife 4 de fevereiro de 1761 51

Idem

23

tendente a aniquilar essas duas fontes produtoras da colocircnia e cujos danos

vinham muito diretamente recair em prejuiacutezo do povo 52

A oposiccedilatildeo instalada ao monopoacutelio seraacute liderada pelos senhores de engenho e

produtores Mesa de Inspeccedilatildeo do tabaco e do accediluacutecar governadores da capitania em especial

Joseacute Cesar de Menezes algumas cacircmaras ultramarinas53

e uns poucos homens de negoacutecio que

natildeo se tornaram acionistas da empresa O ano de 1770 seraacute marcado como a primeira grande

crise pela qual passaraacute a Companhia Para aleacutem dos conflitos de interesses o Estado

portuguecircs passava por uma forte refraccedilatildeo econocircmica medida pela acentuada queda de seus

rendimentos Diante dessa situaccedilatildeo o governo portuguecircs passou a empregar maior cuidado na

organizaccedilatildeo de suas alfacircndegas e proceder ao aumento de impostos 54

A segunda grave crise acontece sete ano apoacutes a primeira o impacto da crise de 70 natildeo

iraacute se dissipar tatildeo facilmente a morte do rei D Joseacute I e o afastamento do marquecircs de Pombal

do cargo de secretaacuterio do reino no ano de 1777 faratildeo ressurgir uma nova onda de queixas e

representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma 55

A Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e

Paraiacuteba seraacute extinta durante a vigecircncia do governo de Joseacute Ceacutesar de Meneses grande

denunciador de sua ingerecircncia A empresa que era objeto de desarmonia entre a Coroa e os

habitantes locais natildeo obteve os lucros planejados pelo Reino

Outros elementos perturbadores da poliacutetica monopolista exercida pelas Companhias

privilegiadas seratildeo o contrabando descaminhos e contravenccedilotildees praacuteticas recorrentes na

histoacuteria da colonizaccedilatildeo do Novo Mundo realizada por diversas naccedilotildees durante todo o periacuteodo

colonial Reservando as particularidades das empresas aqui abordadas a atividade do

contrabando se faraacute sentir em maior ou menor grau no cotidiano de tais sociedades

mercantis

No caso venezuelano os comerciantes e produtores enxergavam a empresa como uma

verdadeira barreira na praacutetica tanto dos negoacutecios legais quanto no contrabando que jaacute

estavam acostumados a praticar com as naccedilotildees estrangeiras Aleacutem disso estes mesmos

52

COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do Interior e Justiccedila 1951-

1966 v 6 P 185 53

Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos

procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU

ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009 54

JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 171 55

Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos

procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU

ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009

24

personagens queixavam-se que a Companhia havia desregulado o mercado do cacau

provocando segundo os mesmos ldquoel descenso en los precios del producto de manera constante

contribuyendo a la peacuterdida de patrimonios criollos y al debilitamiento de sus enviacuteos al

exteriorrdquo 56

Como forma de deter o contrabando generalizado na regiatildeo uma das prerrogativas da

empresa era atuar no seu combate para isso possuiacutea embarcaccedilotildees de corso proacuteprias Quando

da captura de naus estrangeiras a tripulaccedilatildeo era recompensada com parte do espoacutelio

arrecadado com a venda das mercadorias apreendidas medida que iraacute estimular a ldquocaccedilardquo ao

contrabando nos mares caribenhos Segundo as fontes exploradas por Ricardo Martinena

entre 1759 a 1763 a Companhia apreendeu 43 embarcaccedilotildees estrangeiras 57

um nuacutemero

bastante expressivo para um periacuteodo de apenas quatro anos

De acordo com Carreira a Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo sofria com os

contrabandos praticados por nacionais estrangeiros e ainda pelos agentes da proacutepria

Companhia Esse tipo de praacutetica vai ser mais bem estudada pelo autor nas feitorias africanas

de Cacheu e Cabo Verde onde a empresa deveria atuar com exclusividade No entanto as

condiccedilotildees das fortalezas daqueles portos eram lastimaacuteveis e ldquonem serviam para defender os

portos das investidas dos navios estrangeiros nem de nenhum modo intimidavam as

populaccedilotildees negrasrdquo 58

Assim sendo a invasatildeo de navios estrangeiros era rotineira

prejudicando o comeacutercio das embarcaccedilotildees reais

Na Companhia das Vinhas do Alto Douro as contravenccedilotildees tambeacutem foram

recorrentes Entre os anos de 1772 a 1774 instaurou-se na regiatildeo uma grande devassa que

tinha por objetivo combater e expor os culpados de vaacuterias transgressotildees que vinham

ocorrendo sob a aacuterea de atuaccedilatildeo da empresa Apesar da numerosa legislaccedilatildeo que buscava

evitar os diversos tipos de fraudes existentes naquele ramo comercial estas persistiram

principalmente a introduccedilatildeo ilegal de vinhos de ramo 59

na zona demarcada 60

Outra fraude

bastante comum era a mistura de vinhos de menor qualidade aos vinhos destinados a

56

MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit P 16 57

AIZPURUA Ramoacuten Aguirre ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la lancha San Fernando y

de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5

Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San Sebastiaacuten p 379-392 2006 P 382 58

CARREIRA Antonio Op Cit P 79 59

O vinho de ramo era um vinho de menor qualidade que deveria ser vendido apenas para o mercado interno 60

Com o estabelecimento da Companhia a regiatildeo Duriense passou a ser a primeira do mundo a ter uma

demarcaccedilatildeo proacutepria que estabelecia quais terras eram adequadas para produccedilatildeo de cada qualidade de vinho

25

exportaccedilatildeo ou ainda o acreacutescimo da baga do sabugueiro ao vinho para que ele adquirisse a

coloraccedilatildeo desejada 61

Neste caso tambeacutem apura a devassa que os proacuteprios agentes da Companhia estavam

envolvidos nas contravenccedilotildees incluindo homens que ocupavam altos postos dentro da

empresa como o de provedor e deputados De acordo com o historiador Fernando Sousa

ldquonumerosos oficiais daquela instituiccedilatildeo praticavam com o maior escacircndalo a introduccedilatildeo e

mistura do vinho de ramo com o vinho fino e legal nas suas proacuteprias adegasrdquo 62

Ainda

segundo o autor mesmo apoacutes a devassa este tipo de praacutetica foi um problema recorrente no dia

a dia da empresa

Na Companhia das Pescas Reais pode-se tambeacutem averiguar o envolvimento de seus

agentes em redes de contrabando ningueacutem menos que o administrador geral da empresa o

homem de negoacutecio portuguecircs Joatildeo Marcos Vieira era o principal suspeito de uma devassa

instaurada no ano de 1794 que tinha por objetivo investigar o crime de contrabando de

escravos para a regiatildeo de Montevideacuteu Apesar do contrabando neste caso natildeo estaacute

diretamente relacionado agraves mercadorias que estavam sob o monopoacutelio da empresa acredita-se

que Joatildeo Marcos Vieira estava envolvido haacute anos numa rede de contrabando com a regiatildeo do

Rio da Prata e que se utilizava de seu cargo para obter vantagens financeiras 63

Com a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba natildeo seraacute diferente a partir da

criaccedilatildeo desse organismo regulador os locais iratildeo buscar meios e estrateacutegias de evasatildeo do

controle reacutegio um desses meios de escape seraacute o contrabando de mercadorias realizados

atraveacutes das rotas que uniam Pernambuco e Bahia tanto atraveacutes dos sertotildees e dos caminhos de

cabotagem A investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias nos demonstra que o contrabando durante o

periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio exercido pela empresa seraacute praacutetica recorrente e

generalizada Os descaminhos envolviam ateacute mesmo autoridades reacutegias oficiais deputados e

acionistas da empresa sendo seu combate tema cativo nos ofiacutecios trocados entre a Coroa e as

autoridades locais Este comeacutercio descaminhado eacute tema central desta dissertaccedilatildeo

As anaacutelises sobre as praacuteticas mercantis desenvolvidas na Ameacuterica Portuguesa figuram

entre as contemporacircneas abordagens e questionamentos que marcam uma nova forma de

pensar a colocircnia Dentro dessa perspectiva alguns trabalhos centrados em entender as

questotildees relativas ao comeacutercio colonial tecircm apontando para a existecircncia de um fluxo ilegal de

61

Sobre isto ver SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro

(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002 62

Ibidem P 166 63

PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 225-239

26

negoacutecios em diversas capitanias Dentro deste universo eacute notaacutevel a dedicaccedilatildeo que a

historiografia tem dado ao estudo dos descaminhos de ouro e pedras preciosas na regiatildeo das

Minas e adjacecircncias Destaca-se nesse sentido o trabalho produzido por Paulo Cavalcante em

ldquoNegoacutecios de Trapaccedila caminhos e descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-1750)rdquo 64

onde o autor busca explanar qual o papel do contrabando no processo de colonizaccedilatildeo da

Ameacuterica Portuguesa se utilizando de farta documentaccedilatildeo e tendo como objeto a regiatildeo das

Gerais e suas zonas fronteiriccedilas

Apesar de natildeo se centrar exclusivamente no comeacutercio descaminhado o trabalho da

historiadora Isnara Pereira Ivo sobre circulaccedilatildeo econocircmica e cultural na regiatildeo das Minas

Gerais tambeacutem merece destaque Ivo reserva partes de seu livro ldquohomens de Caminho

tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica Portuguesa ndash seacuteculo XVIIIrdquo 65

para discutir a questatildeo dos vultosos descaminhos realizados naquelas plagas dando ecircnfase aos

caminhos e picadas utilizadas pelos contraventores bem como as tentativas da Coroa em

reprimir tal fluxo

Cabe menccedilatildeo tambeacutem aos estudos desenvolvidos contemporaneamente que tem por

objetivo estudar os faustosos contrabandos realizados no extremo Sul da Ameacuterica Portuguesa

em seus contatos com a regiatildeo platina Dentro dessa seara merece revelo os trabalhos

desenvolvidos por Rodrigo Ceballos e Faacutebio Kuumlhn O primeiro se dedicaraacute em recentes

artigos a estudar os negoacutecios de contrabando conduzidos por luso-brasileiros na Buenos

Aires do seacuteculo XVII demostrando como esses indiviacuteduos foram capazes de criar redes de

solidariedade que permitiram a realizaccedilatildeo de seus negoacutecios extralegais 66

Jaacute Faacutebio Kuumlhn tem se centrado em publicaccedilotildees atuais a analisar o comeacutercio

contrabandeado de escravos na regiatildeo da Colocircnia do Sacramento do seacuteculo XVIII O autor

demonstra como os luso-brasileiros sediados naquelas aacutereas associados a homens de negoacutecios

de duas outras importantes Praccedilas comerciais a saber Bahia e Rio de Janeiro conseguiram

64

CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-

1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 65

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica

Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 66

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires

colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 CEBALLOS

Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos

Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00

27

deter hegemonia dentro de tal negoacutecio desbancando comerciantes de outras naccedilotildees

interessados naquela mateacuteria como os ingleses 67

Outros estudos que debatem a temaacutetica do contrabando e que conversam com nosso

trabalho satildeo as pesquisas de Ernst Pijning para o Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII onde o autor

defende a praacutetica do contrabando como algo inerente ao sistema colonial prerrogativa que

concordamos 68

E ainda vale nota para as obras de Zacarias Moutoukias que estudando o

comeacutercio extralegal na regiatildeo de Buenos Aires do seacuteculo XVII aponta tambeacutem para o

entendimento do descaminho como algo indissociaacutevel da economia colonial 69

Nosso trabalho dialoga com os estudos acima descritos no entanto deixamos claro

que o comeacutercio de contrabandeado alvo desse estudo assume contornos distintos afinal de

contas entre 1759 e 1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia

Geral de Pernambuco e Paraiacuteba O descaminho nessa situaccedilatildeo natildeo causava prejuiacutezos apenas

ao eraacuterio reacutegio mas tambeacutem aos acionistas e agentes da empresa que possuiacutea uma jurisdiccedilatildeo

privativa encarregada de cuidar de todas as questotildees juriacutedicas que envolvessem a Companhia

Ressaltamos ainda que apesar da empresa natildeo possuir jurisdiccedilatildeo sobre os portos do

sertatildeo Alagoas e Rio Satildeo Francisco acabava a mesma amargando graves prejuiacutezos em

decorrecircncia do comeacutercio realizado naquelas paragens pois invariavelmente os produtos que

circulavam nos sertotildees entre as capitanias vizinhas vinham inundar a praccedila mercantil de

Pernambuco a preccedilos bem mais em conta do que os vendidos pela Companhia Por isso de

acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada por volta do ano de 1770 a empresa passa a combater

com vigor este tipo de negoacutecio demonstrando a forccedila que esse comeacutercio interiorano iraacute

adquirir durante o periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio comercial da empresa

As rotas comerciais que ligavam o litoral da capitania ao sertatildeo e que tinham como

veio principal o Rio de Satildeo Francisco regiatildeo de fronteira entre Bahia e Pernambuco tambeacutem

seratildeo alvos desse estudo Para adentrar no universo sertanejo e compreender as dinacircmicas

desenvolvidas naqueles ambientes nos apoiaremos nos claacutessicos como Capistrano Abreu 70

67

KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)

Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017 68

PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista

Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 69

MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el

siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 70

ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet

1960

28

Manoel Correia de Andrade 71

e Joseacute Antonio Gonsalves de Mello 72

que nos datildeo pistas de

como se empreendeu a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial a partir das duas capitanias alvo

desse estudo Bahia e Pernambuco

Utilizaremos tambeacutem produccedilotildees mais recentes como a revisatildeo dos relatos de viajantes

pelo interior feita por Tiago Bonato 73

e do trabalho de focirclego de Kalina Vanderlei 74

Sem

esquecer claro dos renovados estudos que apontam para a vitalidade e dinamismo comercial

que esses espaccedilos sertanejos iratildeo adquirir em suas conexotildees com o litoral e ateacute mesmo com o

Ultramar Onde destacamos os trabalhos de Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Bonifaacutecio 75

e da

proacutepria Isnara Pereira Ivo 76

jaacute citada

Ainda buscando discutir a questatildeo do espaccedilo sertanejo sua ocupaccedilatildeo funcionamento

e dinamismo recorreremos a autores que trazem discussotildees acerca da noccedilatildeo de

territorializaccedilatildeo desses espaccedilos na Ameacuterica Portuguesa a partir da accedilatildeo efetiva do Estado sob

essas aacutereas Para isso nos utilizaremos de nomes como Iacuteris Kantor 77

Mafalda Soares da

Cunha 78

e Paulo Henrique Marques de Queiroz Guedes 79

Continuando a discussatildeo do

mesmo tema poreacutem a partir de uma perspectiva geograacutefica nos apoiaremos em Manoel

Correa de Andrade 80

e Antonio Carlos Robert de Moraes 81

71

ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias

Humanas Ltda 1980 72

MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-

1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 73

BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash 1822)

Guarapuava Unicentro 2014 74

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas

vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 75

BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de

Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII

Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e

Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 76

IVO Isnara Pereira Op Cit 77

KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica (1750‑1850) Anais do

Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 KANTOR Iacuteris Soberania e

territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute

Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio

portuguecircs Curitiba UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 78

CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A

criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P

15 79

GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo

na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias

humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife 80

ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 81

MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2

jun 2001 MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003

29

O presente trabalho conteacutem trecircs capiacutetulos O primeiro intitulado ldquoNos caminhos do

contrabandordquo estaacute dividido em dois toacutepicos Iniciamos procedendo a uma breve revisatildeo

historiograacutefica acerca da evoluccedilatildeo dos estudos voltados para o mundo colonial destacando as

principais mudanccedilas do ponto de vista metodoloacutegico ocorridas nos uacuteltimos quarenta anos

Neste capiacutetulo tambeacutem iremos realizar a anaacutelise e discussatildeo do conceito de contrabando caro

a este estudo

Aleacutem disso tambeacutem procederemos a investigaccedilatildeo das rotas de comeacutercio que ligavam

o litoral da capitania pernambucana ao interior do territoacuterio dando destaque aos caminhos ldquodo

Capibariberdquo e ldquodo Ipojucardquo que conectavam a praccedila mercantil pernambucana com a regiatildeo do

Rio de Satildeo Francisco em sua fronteira com a capitania Baiana Utilizando do auxiacutelio de

mapas discutiremos ainda neste primeiro momento as hipoacuteteses acerca de como se

movimentavam os comerciantes alvos desta pesquisa ressaltando para aleacutem dos caminhos

interioranos a possibilidade de atuarem seguindo uma rota direta atraveacutes da costa mariacutetima

entre Pernambuco e Bahia

O segundo capiacutetulo se chama ldquoAspectos internos dos descaminhos casos e circulaccedilatildeo

de produtosrdquo nele iremos investigar as mercadorias que circulavam entre Bahia e

Pernambuco atraveacutes das redes de comeacutercio ilegal esclarecendo quais eram os produtos que

mais transitavam entre as duas praccedilas ressaltando a grande variedade destes produtos e a

grandiosidade daquele tipo de comeacutercio Tambeacutem trataremos neste capiacutetulo sobre os casos

mais peculiares arrolados no nosso acervo documental

A anaacutelise destas ocorrecircncias nos faz compreender melhor a dinacircmica daquele tipo de

atividade mercantil Esclarecendo como atuavam os comerciantes envolvidos naquele

mercado e quais as suas condutas Deixamos claro ainda que o contrabando no periacuteodo

estudado era uma praacutetica amplamente disseminada na capitania sendo efetuado por uma

grande quantidade de sujeitos em situaccedilotildees diversas

Identificamos dentro desse contexto trecircs grandes blocos de contrabando o primeiro

era o contrabando de grande porte realizado por redes de comerciantes bem organizadas e

que possuiacuteam toda uma estrutura que permitia a realizaccedilatildeo da praacutetica em grande volume O

segundo tipo seria o contrabando de pequena monta praticado por uma infinidade de

personagens desde oficiais da companhia a pessoas ldquocomunsrdquo que se aproveitavam de uma

oportunidade para obter lucros pessoais Por fim identificamos o contrabando realizado por

embarcaccedilotildees estrangeiras que geralmente vinham dar na Costa da capitania pernambucana se

utilizando do subterfugio do mal tempo ou da necessidade de ser fazer reparos na embarcaccedilatildeo

30

se aproveitando entatildeo para introduzir nas terras exclusivas da Companhia uma infinidade de

mercadorias europeias e levar daqui os produtos da terra

O terceiro capiacutetulo denominado ldquoContrabando combate e complexidade do esquemardquo

estaacute divido em trecircs toacutepicos O primeiro deles busca proceder a anaacutelise das medidas repressivas

tomadas em niacutevel local para que se evitasse e extinguisse a praacutetica do contrabando do

territoacuterio da capitania pernambucana Para tal feito nos utilizamos de uma seacuterie de ofiacutecios

expedidos pelos governadores pernambucanos que tratam sobre o tema aleacutem disso tambeacutem

contamos em nosso acervo documental com ofiacutecios da Junta Companhia Geral em Lisboa

que nos fornecem informaccedilotildees preciosas acerca das irregularidades cometidas pelos

administradores pernambucanos e as medidas coibitivas que deveriam ser tomadas para que

se cessassem os descaminhos

Na segunda parte tratamos sobre o envolvimento de agentes acionistas e deputados da

Companhia Geral bem como de algumas autoridades reacutegias nos circuitos de comeacutercio ilegal

Por fim o terceiro toacutepico versa sobre a grande insatisfaccedilatildeo dos representantes da populaccedilatildeo

das vilas de Pernambuco que durante todo o periacuteodo do monopoacutelio exercido pela empresa

iratildeo enviar ao reino uma seacuterie de queixas e denuacutencias e representaccedilotildees atestando a maacute gestatildeo

exercida pela direccedilatildeo subalterna de Pernambuco e a acusando de agir em benefiacutecio proacuteprio

Nosso principal fundo arquiviacutestico concentra-se nos manuscritos depositados no

Arquivo Histoacuterico Ultramarino (AHU) para as capitanias de Pernambuco Bahia a anexa

Paraiacuteba e Alagoas essa ainda comarca de Pernambuco material digitalizado pelo projeto

resgate Nele se encontram uma farta documentaccedilatildeo trocada entre os governadores

principalmente os pernambucanos e a Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar sobre a

questatildeo do contrabando A grande maioria desses arquivos eacute categorizada como ofiacutecios no

entanto em alguns deles eacute possiacutevel encontrar anexos referentes a outros tipos de

documentaccedilatildeo incluindo coacutepias de devassas tiradas acerca de contrabandos editais lanccedilados

pela Companhia Geral listas de cargas e mercadorias de embarcaccedilotildees apreendidas cartas

circulares lanccediladas por autoridades locais minutas reais dando parecer sobre a mateacuteria ou

casos especiacuteficos entre outras coisas O volume desses documentos e a diversidade de

informaccedilotildees contidas neles demonstram como o comeacutercio desencaminhado no periacuteodo foi

expressivo

Tambeacutem nos utilizamos na escrita deste trabalho de processos crimes depositados no

Arquivo Nacional da Torre do Tombo esses documentos de cunho juriacutedico-administrativo

pertencem ao fundo da Conservatoacuteria da Companhia em Lisboa oacutergatildeo responsaacutevel por julgar

31

todas as causas referentes aos assuntos da empresa jaacute que a mesma possuiacutea um regime

juriacutedico privativo 82

Neles eacute possiacutevel visualizar toda a praacutexis processual e rotina juriacutedica

adotada nos casos onde foram instauradas devassas para averiguaccedilatildeo do crime de

contrabando Esse fundo eacute fonte feacutertil para nossa pesquisa pois atraveacutes dos processos

conseguimos obter informaccedilotildees detalhadas sobre os casos como as inquiriccedilotildees feitas aos reacuteus

de defesa e de acusaccedilatildeo a lista de carga das embarcaccedilotildees os personagens envolvidos nos

descaminhos as defesas perpetradas pelos advogados representantes dos reacuteus as apelaccedilotildees e

sentenccedilas dadas a niacutevel local as sentenccedilas aplicadas etc

Complementando estes acervos tambeacutem fizemos uso de manuscritos existentes no

arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) estes documentos que estatildeo

disponiacuteveis apenas para consulta presencial foram de grande importacircncia para o

entendimento das rotas que no seacuteculo XVIII ligavam o litoral de Pernambuco ao sertatildeo e

acabavam por desembocar no Rio de Satildeo Francisco regiatildeo fronteiriccedila entre Pernambuco e

Bahia e local de comeacutercio abundante Utilizamo-nos tambeacutem neste trabalho de material

transcrito existente na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional (BN) e de livros coevos

digitalizados e disponiacuteveis para consulta online pertencentes ao setor de raridades da

Biblioteca puacuteblica Maacuterio de Andrade (BMA)

Por fim esse estudo parte do entendimento do comeacutercio como um elemento de

dinamizaccedilatildeo da capitania de Pernambuco tanto na perspectiva da economia local quanto no

contexto de ampliaccedilatildeo das dinacircmicas sociais Acreditamos que o comeacutercio potencialmente

descaminhado realizado atraveacutes dos sertotildees e da navegaccedilatildeo direta entre as capitanias de Bahia

e Pernambuco acabou contribuindo para o aumento da forccedila econocircmica das regiotildees

envolvidas naqueles circuitos

82

Este tema seraacute mais bem desenvolvido no segundo capiacutetulo deste trabalho

32

2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO

21 Contexto e conceitos

Desde meados da deacutecada de 80 do seacuteculo XX tem se operado uma ampla revisatildeo

criacutetica a respeito dos paradigmas ateacute entatildeo utilizados nos estudos acerca dos impeacuterios

modernos e seus domiacutenios ultramarinos Os trabalhos centrados na anaacutelise dos aspectos

poliacuteticos da Europa moderna sofreram grandes transformaccedilotildees Sintomaacutetica satildeo as pesquisas

desenvolvidas nesse periacuteodo a despeito do processo de formaccedilatildeo dos Estados modernos

europeus bem como de seus complexos imperiais Categorias amplamente difundidas que

eram base dos estudos desenvolvidos ateacute aquele momento como centralizaccedilatildeo poliacutetica e

administrativa e poder absoluto seratildeo substituiacutedas pela identificaccedilatildeo da existecircncia de poderes

concorrentes ao do monarca dentro do sistema poliacutetico europeu 83

Esta nova abordagem seraacute consolidada com o desenvolvimento de estudos sobre o

Impeacuterio portuguecircs no exterior Aqui cabe destacar as importantes contribuiccedilotildees da tradiccedilatildeo

historiograacutefica anglo-saxocircnica principalmente os apontamentos do historiador inglecircs Charles

Boxer responsaacutevel por modificar a forma como se entendia a atuaccedilatildeo das elites coloniais

dentro do exerciacutecio de governaccedilatildeo no ultramar 84

Outro nome que merece ser lembrado eacute o de

AJR Russell-Wood aleacutem de desenvolver estudos sobre as categorias de centro e periferia o

autor iraacute tambeacutem apontar para a existecircncia dentro do sistema colonial de uma porosidade que

permitiu aos governos e autoridades locais margem para negociaccedilatildeo com a metroacutepole 85

Tambeacutem merece destaque a produccedilatildeo dos historiadores norte-americanos

responsaacuteveis por desenvolver obras sobre variadas dimensotildees da sociedade e da economia

colonial brasileira Stuart Schwartz seraacute responsaacutevel por identificar em seu claacutessico

ldquoBurocracia e sociedade no Brasil colonialrdquo 86

a incorporaccedilatildeo da magistratura portuguesa aos

interesses e dinacircmicas locais Outro historiador americano que iraacute influenciar sobremaneira

83

Sobre isto ver LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime na

Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de

governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005 84

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c

1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e

negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 161 85

Sobre isto ver AJR Russel-Wood Centro e periferia no mundo luso-brasileiro 1500-1808 Revista

brasileira de histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 nordm 36 (1998) 86

SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das letras 2013

33

esse processo revisionista eacute Jack Green que deu nova leitura a relaccedilatildeo colonial destacando a

existecircncia e importacircncia das negociaccedilotildees em diversos niacuteveis como uma realidade do sistema

poliacutetico portuguecircs 87

Esses estudos tambeacutem seratildeo desenvolvidos em Portugal onde se destacam os

apontamentos feitos por Antonio Manoel Hespanha em seu ldquoAs veacutesperas do Leviatatilde

instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVIIrdquo 88

e em estudos posteriores O autor iraacute

discutir a tatildeo esquemaacutetica visatildeo do Estado moderno centralizado tendo como base uma vasta

documentaccedilatildeo O centro nervoso da tese de Hespanha discute a autonomia dos corpos sociais

constituintes do Estado Portuguecircs Nele a monarquia eacute entendida como cabeccedila de um grande

corpo social os poderes do centro satildeo outorgados a indiviacuteduos e instituiccedilotildees nas periferias do

Impeacuterio para atuarem em nome do rei Portanto natildeo se despreza a importacircncia dos poderes

inferiores dentro do jogo poliacutetico No entanto somente a monarquia era capaz de unir e criar

nexo a um grande escopo de jurisdiccedilotildees que a abarcavam dentro do Reino e nos seus

domiacutenios ultramarinos

Dessa forma Hespanha define o Estado portuguecircs como

corporativista 89

Hespanha aponta como caracteriacutesticas primordiais da monarquia corporativa a divisatildeo

de poder no espaccedilo poliacutetico entre a coroa e os poderes subalternos o corpo legal estava

baseado na doutrina juriacutedica comum europeia mas eram muitos os casos em que as praacuteticas

consuetudinaacuterias prevaleciam o entrelaccedilamento entre deveres poliacuteticos e morais e por fim a

certa autonomia que possuiacuteam as autoridades reacutegias e a efetiva proteccedilatildeo a que estavam

sujeitos os seus direitos e atribuiccedilotildees 90

Parece-nos que Hespanha demonstra a todo tempo

natildeo a ldquofragilizaccedilatildeo do Estado Portuguecircsrdquo mas sim a relaccedilatildeo de interdependecircncia que iraacute se

desenvolver entre o reino e suas possessotildees ultramarinas

Essas concepccedilotildees iratildeo ganhar focirclego no Brasil principalmente nos anos 90 do seacuteculo

XX quando as pesquisas sobre as relaccedilotildees de poder passam a ganhar forccedila gerando uma seacuterie

de trabalhos empenhados em estudar as formas de governar e o funcionamento das

87

GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional History University

Press of Virginia 2ordf ed 1994 88

HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVII Coimbra

Almedina 1994 89

HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do impeacuterio colonial

portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios

no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 HESPANHA AM A

constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos correntes In FRAGOSO Joatildeo

GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda (Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica

imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 90

HESPANHA AM Ibdem P 46

34

instituiccedilotildees dentro do conjunto imperial Junto a estas pesquisas tambeacutem foram feitas

investigaccedilotildees para outras aacutereas do Impeacuterio dessa forma nos uacuteltimos anos tem se buscado

compreender os nexos imperiais que davam forma ao Impeacuterio portuguecircs 91

Esse alargamento de anaacutelise eacute bastante significativo uma vez que rompe com a ideia

da ineficiecircncia do sistema poliacutetico-administrativo portuguecircs essa ldquoineficiecircnciardquo passa entatildeo a

ser compreendida como uma caracteriacutestica da administraccedilatildeo colonial portuguesa 92

Seguindo

o mesmo caminho o do entendimento do Estado portuguecircs como corporativo uma seacuterie de

novos estudos comeccedilam a apontar para a importacircncia dos viacutenculos estrateacutegicos estabelecidos

pelos grupos integrantes do Estado

Dessa forma o papel central desempenhado pelas redes no interior do conjunto

imperial tem ganhado destaque nas discussotildees historiograacuteficas recentes A categoria de

ldquoredesrdquo utilizada neste trabalho parte dos pressupostos apontados em estudos recentes que

atestam a importacircncia deste mecanismo de articulaccedilatildeo tambeacutem na esfera mercantil Dentro

desta seara de pesquisa destacam-se as produccedilotildees de Joatildeo Fragoso Antocircnio Carlos Jucaacute de

Sampaio e Roquinaldo Ferreira 93

De acordo com Maria Fernanda Bicalho eacute incontestaacutevel para a historiografia que ateacute o

seacuteculo XVII o Estado portuguecircs se desenvolveu sobre o prisma corporativista 94

Apesar do

aparente consenso vale salientar que o modelo coorporativo lanccedilado por Hespanha natildeo eacute

unanimidade prova disso eacute o debate acadecircmico existente entre o autor e a historiadora Laura

91

LARA Silvia Hunold Op Cit P 32 92

HESPANHA AM Op Cit P 51 93

FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto de

conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social costumeira (Rio de Janeiro

1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e

negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 SAMPAIO

Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo nos quadros do Impeacuterio

portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica

imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 FERREIRA

Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial ultramarino portuguecircs In

FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio

portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 Para aleacutem desses autores as

produccedilotildees das historiadoras Maria de Faacutetima Gouvecirca e Mafalda Soares merecem destaque dentro da temaacutetica de

redes 94

BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da

monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima

(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro

Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 345-352

35

de Mello e Souza a despeito da centralidade do Impeacuterio Souza centra sua criacutetica na ldquopouca

atenccedilatildeo dada agrave especificidade dos diferentes contextos imperiaisrdquo 95

nos estudos do autor

De qualquer forma essa ldquorealidade corporativardquo comeccedila a ser alterada jaacute em fins do

XVII e iniacutecio do XVIII neste momento comeccedila a se desenvolver por toda a Europa um

processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real No caso de Portugal esse processo iraacute se

solidificar no reinado de Dom Joseacute I personificado pela pessoa de Sebastiatildeo Salgado de

Melo o Marquecircs de Pombal Dentro desse contexto poliacuteticas com o intuito de revitalizar o

comeacutercio portuguecircs foram postas em accedilatildeo Na capitania de Pernambuco importante polo

econocircmico da conquista essas accedilotildees seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois

organismos reguladores da economia local a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio

no ano de 1752 96

e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759

Neste cenaacuterio eacute criada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759 que se

tornaraacute a detentora do ldquocomeacutercio exclusivo das duas capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com

todos os seus distritos e nos quais ningueacutem mais podia extrair ldquomercadorias gecircneros ou

frutosrdquo 97

A Companhia que manteve o monopoacutelio comercial na regiatildeo ateacute o ano de 1780 iraacute

causar um grande impacto na economia da capitania modificando toda uma loacutegica comercial

baseada no livre comeacutercio que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco

Nossa pesquisa tende a se alinhar com o estudo desenvolvido por Avanete Pereira

sobre o exerciacutecio da governanccedila na municipalidade em Salvador na segunda metade do XVIII

98 Fica claro para noacutes que a centralizaccedilatildeo poliacutetica desejada pela Coroa nem sempre seraacute

aplicada de forma plena nos territoacuterios do ultramar As poliacuteticas pensadas para o Brasil

precisaram ser adaptadas agraves realidades coloniais principalmente se tratando de mudanccedilas

potencialmente prejudiciais economicamente agraves elites locais que haacute muito dominavam a

dinacircmica de instituiccedilotildees e negoacutecios no ultramar

O contrabando e as ilicitudes eram dinacircmicas corriqueiras nas aacutereas de atuaccedilatildeo de

sociedades exclusivistas Muitas vezes elas envolviam ateacute mesmo os agentes destas

95

SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica portuguesa do seacuteculo

XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006 P 48 96

Sobre a histoacuteria da Mesa de Inspeccedilatildeo de Pernambuco consultar CONTI Paulo Fillipy de Souza A casa das

qualidades pesos e preccedilos a mesa da inspeccedilatildeo do tabaco e accediluacutecar de pernambuco (1752-1777) 2016 182 f

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Federal de

Pernambuco 97

CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba

Lisboa Presenccedila 1982 p 224 98

PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da cacircmara da Bahia

(seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de governar

ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005

36

companhias e as autoridades reacutegias nos descaminhos Isto porque como afirma Fernando

Novais o contrabando era uma praacutetica comum dentro da economia colonial desde os seus

primoacuterdios Ainda segundo o autor tal praacutetica natildeo ldquonegava o sistemardquo nem deve ser entendida

como uma fissura ou uma exceccedilatildeo muito pelo contraacuterio o contrabando assim como a

concorrecircncia e as disputas entre as potecircncias europeias era parte da estrutura econocircmica

daquele tipo de sociedade operando dessa forma ldquodentro do mesmo sistema baacutesicordquo 99

Salientamos ainda que esse tipo de praacutetica foi extensiva e naturalizada natildeo soacute na

Ameacuterica Portuguesa mas nas diversas partes do mundo onde se desenvolveu a economia

colonial Em artigo que discute a noccedilatildeo de centralidade administrativa do governo portuguecircs

metropolitano Russel-Wood chama atenccedilatildeo para algo que ele denomina como ldquocultura de

evasatildeordquo ou seja a capacidade dos colonos luso-brasileiros de escaparem do controle reacutegio

Segundo o autor essa cultura iraacute assumir diversas formas como ldquoa recusa em pagar impostos

e taxas escamoteamento dos pontos de fiscalizaccedilatildeo evasatildeo do serviccedilo militar burla quanto a

inclusatildeo nas listas municipais []rdquo 100

As transgressotildees na capitania pernambucana natildeo se restringiram ao contrabando de

mercadorias realizado junto a praccedila baiana O cenaacuterio poliacutetico administrativo tambeacutem era

local de subversatildeo das diretivas reais Em artigo que discute questotildees de justiccedila e

administraccedilatildeo na capitania Maria Filomena Coelho relata as contendas ocorridas na segunda

metade do XVIII entre o Bispo de Olinda e o Juiz de Fora da regiatildeo que se acusavam

mutuamente de cometer desvios monetaacuterios e se utilizar de seus cargos de prestiacutegio para obter

vantagens Bem conhecido e reproduzido no mesmo artigo eacute o caso do provedor Francisco do

Rego Barros acusado de descaminhar da fazenda real uma grande soma de dinheiro e de

envolver os funcionaacuterios a ele submetidos no esquema iliacutecito 101

No artigo supracitado a autora opta por trabalhar com as categorias de suborno e

corrupccedilatildeo Nossa anaacutelise das fontes primaacuterias em conjunto com a leitura da historigrafia nos

leva a crer natildeo serem estes vocaacutebulos os mais adequados para se trabalhar a questatildeo da

ldquocultura de evasatildeordquo na Ameacuterica Portuguesa Como veremos a seguir consideramos que para

evitar cair em anacronismos seja essencial desassociar as praacuteticas transgressivas de seus

significados contemporacircneos

99

NOVAIS Fernando A P 88-92 100

A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista brasileira de

Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197 101

NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco (seacuteculo XVIII)

Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003

37

Nesta pesquisa a forma de evasatildeo que nos interessa eacute o contrabando Os contrabandos

extravios e descaminhos se constituiacuteram em praacuteticas recorrentes durante todo o seacuteculo XVIII

nas capitanias brasileiras Resultados de uma tentativa de fuga a gerecircncia da Coroa lanccedilados

sobre a proacutespera economia colonial que neste seacuteculo jaacute possuiacutea mais vulto que a

metropolitana Desta forma se faz necessaacuterio discutir neste momento o conceito de

contrabando buscando uma definiccedilatildeo que se adeque ao nosso objeto

Estudando a ligaccedilatildeo entre o contrabando e as elites na Buenos Aires do seacuteculo XVII

Zacarias Moutoukias afirma ser o comeacutercio natildeo autorizado a atividade comercial mais

importante do porto de Buenos Aires Aleacutem disso o autor iraacute destacar a participaccedilatildeo de

oficiais reacutegios nos esquemas ilegais admitindo ainda que a Coroa se adaptou a esta situaccedilatildeo

Para Moutoukias ldquola corrupcioacuten fue el processo por el cual los representantes locales del

poder central civiles y militares se integraron a dicha elite associaacutendola asiacute a la funcioacuten

imperialrdquo 102

Concordando com a perspectiva de Moutoukias Ernest Pijning iraacute afirmar que o

contrabando era algo ldquoinerente a economia do mundo atlacircntico preacute-moderno atuante em todos

os aspectos da sociedade luso-brasileirardquo 103

De acordo com Koselleck ldquoas palavras que permaneceram as mesmas natildeo satildeo por si

soacute indiacutecio suficiente da permanecircncia do mesmo conteuacutedo ou significado por elas designadosrdquo

104 Nesse sentindo concordamos com Cavancante

105 e Moutoukias

106 quando afirmam natildeo

ser possiacutevel relacionar o contrabando com o termo corrupccedilatildeo como conhecemos hoje O

contrabando era uma praacutetica enraizada na sociedade colonial e como sugere Pijning

dependendo da situaccedilatildeo e dos personagens envolvidos esse tipo de comeacutercio era aceito e ateacute

mesmo incentivado pela Coroa 107

Segundo o dicionaacuterio portuguecircs e latino de Bluteau contrabando significa ldquofazenda e

trato de fazenda furtada aos direitos ou tirada por alto sendo defeza a sua introduccedilatildeordquo 108

Ou

seja a definiccedilatildeo de contrabando no dicionaacuterio estaacute relacionada diretamente ao ato de fraudar a

102

MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el

siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 P 243 103

PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista

Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 P 399 104

KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos histoacutericos Rio de Janeiro

Contraponto Ed Puc-Rio 2006 P 105 105

Sobre isto ver CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica

Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 106

Sobre isto ver MOUTOUKIAS Zacarias Op Cit 107

PIJINING Ernest Ibdem P 400-403 108

BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de

Jesus Ano de 1712 P 321

38

fazenda real desviando o fisco Para o nosso estudo percebemos que a definiccedilatildeo claacutessica de

Bluteau natildeo se adequa inteiramente pois apesar de natildeo possuir o monopoacutelio comercial para

regiatildeo dos sertotildees comumente as autoridades locais vatildeo tratar as mercadorias transacionadas

entre as praccedilas de Bahia e Pernambuco via sertatildeo como contrabando mesmo quando estes

produtos chegavam as praccedilas comerciais de Pernambuco selados com selos de outras

alfacircndegas do Impeacuterio ou seja em algum momento aquela mercadoria havia pagado os

direitos reais

Percebemos durante a investigaccedilatildeo as fontes que existia uma grande confusatildeo quanto a

este comeacutercio feito pelos interiores Havia uma dificuldade das autoridades em classificar o

que era passiacutevel de puniccedilatildeo e poderia ser enquadrado como crime de contrabando e os casos

em que aquele tipo de negociaccedilatildeo era acobertada e permitida pela legislaccedilatildeo De acordo com

nossa observaccedilatildeo na duacutevida as autoridades reacutegias e oficiais da Companhia preferiam pecar

pelo excesso e realizar os sequestros para posterior investigaccedilatildeo Assim contamos em nosso

conjunto documental como seraacute demonstrado em capiacutetulo posterior com casos em que apoacutes

se efetuar a apreensatildeo a investigaccedilatildeo acaba por absolver os reacuteus seja por falta de provas ou

pela constataccedilatildeo de que natildeo se procedeu em descaminhos

Essa situaccedilatildeo acontecia pois natildeo existia uma delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa que

esclarecesse minuciosamente quais os portos se incluiacuteam na categoria de ldquoportos livresrdquo bem

como uma legislaccedilatildeo especiacutefica que regulamentasse quais os produtos poderiam transitar

entre estas paragens sem ofender o monopoacutelio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba

109 Segundo Koselleck os conceitos satildeo polissecircmicos reunindo em si ldquodiferentes totalidades

de sentidordquo 110

os casos coletados na nossa documentaccedilatildeo demonstram aleacutem disso como o

entendimento a respeito do que era considerado comeacutercio iliacutecito era fluiacutedo e variava de acordo

com a interpretaccedilatildeo dada pelas autoridades locais

Para o nosso tema o que pudemos perceber atraveacutes da investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias

eacute que o contrabando se constituiu em praacutetica recorrente ao longo dos vinte e um anos de

monopoacutelio praticado pela Companhia Geral A atividade iliacutecita que envolvia as proacuteprias

autoridades reacutegias oficiais e acionistas da Companhia em Pernambuco causaraacute grandes

preocupaccedilotildees por parte da Coroa e da Junta da empresa sediada em Lisboa virando assunto

recorrente na documentaccedilatildeo travada entre o Reino e os agentes locais de Pernambuco

109

Pelo menos ateacute o momento natildeo conseguimos localizar nenhum tipo de documento oficial que se referisse a

estes pontos 110

KOSELLECK Reinhart Op Cit P109

39

principalmente os governadores da capitania que eram encarregados sobre a mateacuteria

Discutiremos melhor esta questatildeo no terceiro capiacutetulo deste trabalho

Aleacutem de ser realizado de maneira extensiva durante todo o periacuteodo do monopoacutelio o

comeacutercio iliacutecito era praticado por uma grande diversidade de pessoas Apesar da existecircncia de

redes mercantis mais complexas que atuavam de maneira melhor estruturada esse comeacutercio

tambeacutem era feito em pequenas quantidades por pessoas comuns A anaacutelise das fontes nos

atenta para o fato de que havendo oportunidade de lucros pessoais o contrabando era

praticado por todos e entendido como algo banal

Devido ao caraacuteter pulverizado desse tipo de atividade mercantil os casos encontrados

na documentaccedilatildeo iratildeo apontar para uma gama muito diversa de personagens lugares e

mercadorias envolvidos nesse tipo de praacutetica No entanto eacute possiacutevel atestar com clareza a

existecircncia de um vigoroso circuito de comercio iliacutecito envolvendo as capitanias de

Pernambuco e Bahia As relaccedilotildees entre as duas praccedilas eram estreitas o contrabando de

gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa iratildeo permear todo o

periacuteodo proposto para este estudo

Vale ressaltar que antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral o comeacutercio entre

Pernambuco e Bahia jaacute existia e estava bem consolidado principalmente o comeacutercio de

carnes feito nos sertotildees que interligavam as duas praccedilas e que margeavam o Rio de Satildeo

Francisco De acordo com a historiografia a regiatildeo circundante ao Rio de Satildeo Francisco

sempre contou com uma grande densidade populacional de povos indiacutegenas 111

O que denota

a importacircncia da aacuterea natildeo soacute em termos geograacuteficos mas tambeacutem salienta o seu importante

papel como lugar de encontro de uma seacuterie de gentes

Como eacute amplamente sabido o processo de interiorizaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro iraacute

acontecer de forma tardia jaacute que em princiacutepio a colonizaccedilatildeo portuguesa deteve-se a povoar a

faixa litoracircnea do territoacuterio brasileiro soacute criando um movimento de expansatildeo em direccedilatildeo ao

interior em meados do seacuteculo XVII 112

De acordo com Capistrano de Abreu em livro claacutessico

a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial teve iniacutecio junto agraves capitanias do Norte notadamente

Bahia e Pernambuco Segundo o autor o proacuteprio Donataacuterio de Pernambuco Duarte Coelho

ainda no seacuteculo XVI nutriu ambiccedilotildees de conquistar o territoacuterio ao largo do Rio de Satildeo

111

NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte

Editora UFMG 2011 P 30 112

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco

pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111

40

Francisco Sabia-se jaacute a eacutepoca do potencial do local 113

Outro autor claacutessico Manoel Correa

de Andrade defende a tese de que o sertatildeo do que hoje conhecemos como nordeste foi

integrado agrave colonizaccedilatildeo portuguesa partindo de dois eixos centrais sendo estes Bahia e

Pernambuco 114

O movimento de integraccedilatildeo dos interiores eacute comumente associado agrave expansatildeo

pecuaacuteria pois desde 1701 a Coroa portuguesa havia proibido a criaccedilatildeo de gado a menos de

dez leacuteguas da costa 115

dessa forma os currais foram cada vez mais adentrando o espaccedilo

sertanejo seguindo o curso dos rios que forneciam os substratos necessaacuterios agrave sustentaccedilatildeo das

rezes bovinas e caprinas Pedro Puntoni confirma essa caracteriacutestica da pecuaacuteria desenvolvida

nas capitanias do norte de acordo com o autor

As fazendas de gado grosso modo acompanhavam as margens dos rios

uma vez que na regiatildeo semi-aacuterida o fornecimento de aacutegua era fator essencial

para garantir a ocupaccedilatildeo e a criaccedilatildeo do gado Os rios Satildeo Francisco ao sul e

o Parnaiacuteba ao norte eram os principais eixos da ocupaccedilatildeo por serem rios

perenes os demais na maioria seus afluentes ainda abrigavam algumas das

fazendas 116

Apesar da pecuaacuteria ser entendida como fator decisivo para a conquista dos sertotildees do

norte natildeo podemos esquecer o contexto em que se deu essa expansatildeo Eacute importante lembrar

que apoacutes a expulsatildeo dos holandeses em 1654 a economia accedilucareira foi fortemente abalada

natildeo soacute por fatores internos como o clima e as intempeacuteries a que estatildeo sujeitas qualquer tipo de

cultura tropical como tambeacutem por fatores externos como a concorrecircncia com a produccedilatildeo de

accediluacutecar antilhano e a consequente baixa de preccedilos dessa mercadoria aleacutem eacute claro do aumento

do preccedilo dos escravos dado a grande procura desse tipo de matildeo de obra em Aacutefrica 117

Assim o fluxo em sentido ao interior tambeacutem vinha atender a uma demanda da Coroa

que procurava alternativas para se livrar da crise econocircmica por qual passava a principal

cultura da colocircnia brasileira Dessa forma as expediccedilotildees aos sertotildees passaram a ser

frequentemente encorajadas Para animar e incentivar os colonos a desbravarem estas aacutereas a

113

ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet

1960 P 34 114

ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias

Humanas Ltda 1980 P 167 115

WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a

colonizaccedilatildeo do sertatildeo nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004 P

22 116

PUNTONI Pedro Ibidem P 24 117

PUNTONI Pedro Ibidem P 25

41

Coroa iraacute a partir da segunda metade do seacuteculo XVII doar sesmarias a homens que tiveram

papel de destaque nas batalhas travadas contra os holandeses 118

De acordo com Kalina Wanderlei apoacutes implementar a poliacutetica de doaccedilatildeo de terras e

de financiar uma seacuterie de diligecircncias para abrir caminhos naquelas paragens o Impeacuterio

Portuguecircs relegou estas imensidotildees de terra aos interesses privados Segundo a autora

Assim foi que a conquista dos interiores das capitanias do norte no seacuteculo

XVII tornou-se tarefa dos senhores seguindo o modelo inicial do projeto de

colonizaccedilatildeo onde aos donataacuterios e seus colonos cabia a instalaccedilatildeo da

induacutestria produtora e a defesa do territoacuterio contra a concorrecircncia externa e a

resistecircncia interna 119

middot

Cabe ainda ressaltar que a partir do Reinado de D Joatildeo V uma seacuterie de medidas e

accedilotildees seratildeo tomadas para garantir aos portugueses o controle efetivo de seus domiacutenios no

Ultramar Isto porque na Europa se vivia um momento de grande concorrecircncia comercial e de

contestaccedilatildeo de antigos tratados territoriais e seus limites a partir da elaboraccedilatildeo de modernos

estudos geograacuteficos e cartograacuteficos sobre o Novo Mundo Dentro desse contexto de

vulnerabilidade perante outras potecircncias era necessaacuterio que os diplomatas portugueses

buscassem novas formas de defender e legitimar os direitos juriacutedicos do Rei sobre os

territoacuterios ultramarinos nas negociaccedilotildees internacionais No entanto para que estes

argumentos tivessem forccedila era preciso conhecer o espaccedilo da colocircnia 120

As grandes porccedilotildees de terra que compunham a conquista no Brasil possuiacuteam ainda no

seacuteculo XVIII vastas aacutereas despovoadas e desconhecidas pelo Reino De acordo com Iacuteris

Kantor depois da Paz de Utrecht em 1713 que praticamente invalidava o antigo tratado de

Tordesilhas Espanha e Portugal vatildeo iniciar um mapeamento sistemaacutetico de suas conquistas

no aleacutem-mar As coroas ibeacutericas iratildeo neste momento investir na formaccedilatildeo de pessoal

qualificado e no custeamento de expediccedilotildees para o interior afim de que se produzissem

trabalhos geograacuteficos mais precisos 121

O projeto de elaboraccedilatildeo do ldquoNovo Atlas da Ameacuterica

Portuguesardquo iniciado em 1729 por exemplo eacute um desses esforccedilos empreendidos pela Corte

118

WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 119

WANDERLEI Kalina Ibidem P 137 120

Sobre isto ver KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica

(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 121

Idem

42

no sentido de oficializar o interior do territoacuterio assegurando a posse do Reino principalmente

sobre os espaccedilos que estavam sob litiacutegio 122

Durante o diretoacuterio pombalino estas poliacuteticas de reafirmaccedilatildeo do poder real seratildeo

reforccediladas atraveacutes da expansatildeo da rede administrativa 123

nas esferas civis e eclesiaacutesticas a

locais onde o poder estatal ainda natildeo chegava era necessaacuterio ldquoterritorializarrdquo aqueles espaccedilos

De acordo com Paulo Guedes o conceito de territoacuterio pode ser entendido como um espaccedilo

definido por e a partir de relaccedilotildees poliacuteticas e de poder ainda segundo o autor para se pensar

em territoacuterio na Ameacuterica Portuguesa necessariamente deve-se levar em conta suas

ldquojurisdiccedilotildees (militar religiosa tributaacuteria e judicial) considerando suas incongruecircncias em

relaccedilatildeo aos territoacuterios circunscritos ao acircmbito das capitaniasrdquo 124

Apesar de pequenas

discordacircncias o entendimento de que o conceito de territoacuterio estaacute intimamente relacionado

com a ideia de domiacutenio ou gestatildeo de uma determinada aacuterea eacute amplamente reconhecido pelos

estudiosos do assunto 125

A partir desse entendimento eacute que o geografo Manoel Correa de

Andrade afirma por exemplo que nos primeiros anos de sua colonizaccedilatildeo o Brasil era um

grande espaccedilo natildeo transformado em territoacuterio 126

Para aleacutem das querelas europeias deve-se pontuar que a partir do descobrimento das

minas de ouro nas Gerais vai-se assistir a um grande adensamento populacional naquelas

regiotildees interioranas principalmente entre as primeiras deacutecadas do seacuteculo XVIII Fazia-se

pois indispensaacutevel criar naqueles novos centros todo um aparato administrativo sobretudo

fiscal para regular e garantir os direitos reacutegios sobre os recursos minerais ali encontrados 127

A historiografia sobre as Minas tem demonstrado como a ocupaccedilatildeo daqueles territoacuterios

acabou por conectar uma grande malha espacial atraveacutes dos seus circuitos de comeacutercio que

movimentavam sobretudo as regiotildees interioranas das capitanias do norte incluindo as

paragens sertanejas de Pernambuco e Bahia

122

Sobre isto ver CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do

territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v43 n1 p 100-120 2016 123

Kantor Iacuteris Op Cit CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na

Ameacuterica portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39p001-

030 jan-abr2016 124

GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo

na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias

humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife P 54 125

Sobre este tema ver tambeacutem MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil

GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001 KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia

Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de

Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba UFPR-

SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 126

ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 43 ndash 51 127

CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A

criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P 15

43

Em resumo a ocupaccedilatildeo dos sertotildees foi um processo lento desenvolvido de modo

gradativo e pouco organizado No entanto a bibliografia eacute unanime em asseverar que apesar

de pouco unificado o movimento de interiorizaccedilatildeo sempre teve como base as duas capitanias

mais destacadas do Norte Pernambuco e Bahia Logo apoacutes esse primeiro momento de

conquista as regiotildees dos sertotildees passaram a atuar como importantes locais de circulaccedilatildeo

comercial Pesquisas recentes com as quais esse estudo conversa apontam para o dinamismo

que as regiotildees interioranas iratildeo exercer principalmente a partir do seacuteculo XVIII quando se

tem iniacutecio de forma mais concreta uma demanda do Reino em conhecer e dominar tais

regiotildees Estas zonas passam entatildeo a deter grande importacircncia para os fluxos comerciais

coloniais tanto nos circuitos locais quanto atlacircnticos

Para o nosso caso acreditamos que o fluxo comercial clandestino desenvolvido entre

Pernambuco e Bahia durante o periacuteodo de exclusivo comercial da Companhia Geral acabou

por expandir e reforccedilar as redes comerciais entre as duas capitanias e seus complexos

sertanejos jaacute que a partir daquele momento comerciantes e produtores que antes atuavam

livremente despachando e vendendo suas mercadorias a partir das praccedilas comerciais de

Pernambuco passaratildeo a recorrer a capitania vizinha para realizar seus negoacutecios

22 Os caminhos

Antes de nos atermos aos sertotildees que nos interessam nesta pesquisa cabe aqui uma

sucinta explanaccedilatildeo quanto ao uso do termo e suas aplicaccedilotildees Destacamos que origem da

palavra sertatildeo eacute incerta natildeo existe entre os autores que tratam do tema uma unidade em

relaccedilatildeo ao termo De acordo com Bluteau sertatildeo diz respeito a uma ldquoregiatildeo apartada do mar e

por todas as partes metida entre terrasrdquo 128

A definiccedilatildeo dada pelo autor setecentista remete a

ideia de sertatildeo como um lugar afastado do litoral distante e ateacute mesmo inexplorado Segundo

Kalina Wanderlei o imaginaacuterio acerca desse ambiente sertanejo iraacute se construir jaacute no primeiro

seacuteculo de colonizaccedilatildeo da zona accedilucareira A autora afirma que

Foi se construindo uma oposiccedilatildeo entre as regiotildees colonizadas da Ameacuterica

portuguesa e aquelas natildeo inseridas na jurisdiccedilatildeo metropolitana As primeiras

associadas ao litoral devido agrave proacutepria natureza do empreendimento

128

BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de

Jesus Ano de 1712 Tomo II P 613

44

canavieiro Criou-se assim uma dicotomia entre o espaccedilo considerado

civilizado e aquele considerado selvagem 129

Essa visatildeo dicotocircmica em que as categorias de sertatildeo e litoral satildeo construiacutedas em

sentidos opostos seraacute reforccedilada por outros autores que se utilizaram do discurso e

depoimentos de cronistas e autores coevos para estabelecer um entendimento do termo

Concordando com a autora Tiago Bonato iraacute dizer que

O imaginaacuterio do sertatildeo construiacutedo e reconstruiacutedo por cronistas

missionaacuterios padres intelectuais e sobretudo viajantes passa a ter um

caraacutecter aleacutem de simples oposiccedilatildeo ao litoral de ldquocontraste com a ideia de

regiatildeo colonialrdquo De um lado estaacute a civilizaccedilatildeo que a colonizaccedilatildeo trouxe de

outro o sertatildeo 130

De acordo com o geografo Antocircnio Carlos Robert Moraes o sertatildeo natildeo deve ser

compreendido como um lugar mas sim como ldquouma condiccedilatildeo atribuiacuteda a variados e

diferenciados lugaresrdquo 131

Afirma ainda o estudioso que no geral o sertatildeo eacute idealizado como

um espaccedilo que serve aos impulsos expansionistas na busca de incorporar tais aacutereas remotas a

determinados ldquofluxos econocircmicos ou a uma oacuterbita de poder que lhe escapa naquele momentordquo

132 continua atestando que por essa caracteriacutestica ldquotal denominaccedilatildeo geralmente eacute utilizada na

caracterizaccedilatildeo de aacutereas de soberania incerta imprecisa ou meramente formalrdquo 133

Dessa

forma o uso do termo seraacute utilizado para classificar aacutereas que carecem ser dominadas e

submetidas politicamente e integradas ao restante do territoacuterio

Podemos entatildeo perceber atraveacutes da bibliografia e da pesquisa as fontes primaacuterias que o

conceito de sertatildeo extrapola qualquer delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa Em termos

documentais ele seraacute comumente utilizado para designar uma seacuterie de aacutereas que se

encontravam fora do eixo litoracircneo e que durante um bom tempo foram ilustres desconhecidas

da maior parte dos habitantes da colocircnia brasileira e dos ministros reais sendo usado para

referenciar tudo aquilo que fosse vago estranho e afastado dos centros Ou seja os sertotildees

podem se descritos como aacutereas que natildeo estavam totalmente submetidos administrativa e

juridicamente agrave monarquia portuguesa

129

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas

vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111 130

BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash

1822) Guarapuava Unicentro 2014 P 52 131

MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003 P 2 Consultado no

dia 10112017 Disponiacutevel em httpjournalsopeneditionorgterrabrasilis341 DOI 104000terrabrasilis341 132

Ibidem P 3 133

Idem

45

Falando sobre o sertatildeo alvo deste estudo ainda no XVII a regiatildeo da ribeira do Rio de

Satildeo Francisco iraacute se desenvolver como importante zona de criaccedilatildeo de rezes bovinas e

cavalares sendo o local responsaacutevel pela distribuiccedilatildeo de carnes e couros para as feiras da

Bahia e de Pernambuco Na segunda metade do seacuteculo XVIII a regiatildeo do Aracati no Siaraacute

Grande sertatildeo pernambucano iraacute despontar como porto fornecedor de carnes salgadas e de

couros Ao longo do rio Jaguaribe que banha a vila de Santa Cruz do Aracati se

estabeleceram diversas oficinas especializadas na salga das carnes e na retirada de couros para

revenda Este porto seraacute muito visitado por comerciantes recifenses e baianos nos ldquotempos de

carnesrdquo quando iam ateacute a regiatildeo fazer negoacutecios e vender rebanhos 134

O estudo dos caminhos que levavam do litoral ao sertatildeo da capitania de Pernambuco

natildeo satildeo novos no intuito principalmente de buscar compreender as rotas por onde se

efetuaram o comeacutercio de gados e couros destacados estudiosos desenvolveram pesquisas

centradas nesta temaacutetica De acordo com Capistrano de Abreu ldquoNa segunda metade do seacuteculo

XVIII natildeo se penetrava no Recife aleacutem de Bezerros a quinze leacuteguas para o interior o que

ficava aleacutem entendia-se com a Bahiardquo 135

Discordando de Capistrano Manoel Correa de

Andrade iraacute afirmar que em 1774 o governo de Pernambuco na tentativa de minimizar a

influecircncia baiana na regiatildeo do Satildeo Francisco faraacute abrir dois caminhos para alcanccedilar o dito rio

136

O primeiro caminho sairia de Recife passando por Limoeiro atraveacutes do rio Capibaribe

chegava ao Pajeuacute para depois seguir em direccedilatildeo a Serra Talhada Floresta e finalmente

desembocar em Cabroboacute O segundo roteiro subia o Vale do Ipojuca ateacute chegar agrave Serra de

Ororobaacute de onde descia na direccedilatildeo sul ateacute a cidade de Inajaacute passando ainda por Tacaratu

Jatinatilde e por fim chegar em Cabroboacute Como se pode ver na imagem abaixo

134

ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas na Vila

de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais do XXVI Simpoacutesio

Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011 P 1-9 135

ABREU Capistrano de Op Cit P 65 136

ANDRADE Manoel Correia de Op Cit P 168

46

Mapa 1 ndash Caminhos do Gado para Olinda e Recife

Fonte ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria

Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980 P 169

Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello tambeacutem indica e comprova atraveacutes de

documentaccedilatildeo que a prerrogativa de Capistrano era errocircnea De acordo com Mello jaacute

existiam no seacuteculo XVIII dois roteiros de penetraccedilatildeo para o interior do territoacuterio

pernambucano que acompanhavam os vales dos rios O primeiro caminho o do Capibaribe

ldquoperlongava-o ateacute as nascentes e cortando territoacuterio paraibano atingia a ribeira do Pajeuacuterdquo 137

137

MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-

1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 10

47

nos atuais muniacutecipios pernambucanos de Itapetim e Satildeo Joseacute do Egito por onde se ldquoseguia ateacute

o Brejo do Gama de onde cruzava em direccedilatildeo a Cabroboacute a margem do Satildeo Franciscordquo 138

como podemos ver abaixo

Mapa 2 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738)

Fonte MELLO Joseacute Antocircnio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio

Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 12

138

Idem

48

O segundo caminho o do Ipojuca ldquoacompanhava o vale do rio deste nome e alcanccedilava

em seguida o do Moxotoacuterdquo 139

de onde chegava ao Satildeo Francisco na Boa Vista Percebemos

que apesar de pequenas discordacircncias os dois autores versaram sobre os mesmos caminhos a

saber o ldquoCaminho do Capibariberdquo e o ldquoCaminho do Ipojucardquo Para Mello os dois roteiros

tinham no Cariranha no limite sudoeste da capitania e regiatildeo de fronteira entre Bahia

Pernambuco e Minas seu ponto final

Mapa 3 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738)

Fonte MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio

Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 16

Infelizmente natildeo conseguimos descobrir nos acervos consultados ateacute o momento o

documento utilizado por Manoel Correa de Andrade para embasar sua afirmaccedilatildeo e construir

139

Idem

49

seu mapa no entanto foi possiacutevel localizar os documentos usados por Joseacute Antocircnio

Gonsalves de Mello O primeiro deles data do ano de 1738 e estaacute localizado no Arquivo do

Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB na Universidade de Satildeo Paulo ndash USP 140

trata-se natildeo

de um mapa 141

mas sim dos roteiros tanto do ldquocaminho que segue para Ipojuca e passa pelo

Urubaacute 142

das leacuteguasrdquo 143

quanto do ldquoassento das leacuteguas que fazem daqui ao Rodelas pelo

caminho do Capibariberdquo 144

descrevendo as localidades por onde esses caminhos passavam e a

distacircncia em leacuteguas deles

Faz-se cioso relacionar todas as toponiacutemias dos dois roteiros pois este trabalho jaacute foi

feito por Gonsalves de Mello na obra aqui relacionada No entanto vale a pena apontar onde

tinham iniacutecio e fim as ditas rotas e alguns de seus principais pontos de passagem a tiacutetulo de

comparaccedilotildees futuras O caminho do Capibaribe tinha iniacutecio no Engenho de Satildeo Joatildeo este

engenho fundado por Luiacutes Ramires ainda no seacuteculo XVI 145

estava localizado na margem

direita do Rio Capibaribe na freguesia da Vaacuterzea 146

o caminho passava por localidades como

ldquoMissatildeo do Limoeirordquo 147

ldquoSerra Talhadardquo 148

ldquoAngicosrdquo 149

ldquoJuazeirordquo 150

entre outros

terminando apenas no Cariranha regiatildeo limiacutetrofe entre Bahia Pernambuco e Minas Gerais O

segundo caminho o do Ipojuca comeccedilava em Santo Antatildeo atual municiacutepio de Vitoacuteria do

140

Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo

Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 141

O trabalho de Mapas que aparece no livro eacute criaccedilatildeo do grupo de pesquisas da divisatildeo de histoacuteria do instituto

de ciecircncias do homem do qual Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello participava 142

Tambeacutem conhecido como de Ararobaacute ou Ororobaacute 143

Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo

Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 144

Idem 145

PEREIRA DA COSTA F A Anais Pernambucanos 1795-1817 2ordf Ediccedilatildeo FUNDARPE Gov de

Pernambuco Recife 1983 Vol 2 535 vol 3 79 vol 7 325 PEREIRA Levy S Iuatildeo (engenho de bois) In

BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel em

httplhsunbbrbiblioatlasS_IuC3A3o_(engenho_de_bois) Data de acesso05072017 146

Atualmente a Vaacuterzea eacute um bairro da cidade do Recife localizado proacuteximo a Universidade Federal de

Pernambuco-UFPE 147

Atualmente conhecido como Limoeiro um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260890ampsearch=pernambuco|limoeiro|inf

ograficos-historico Data de acesso 05072017 148

O atual muniacutecipio do sertatildeo de Pernambuco manteacutem a mesma toponiacutemia Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261390ampsearch=pernambuco|serra-

talhada Data de acesso 05072017 149

Atual muniacutecipio do sertatildeo do estado do Rio Grande do Norte Dados do Instituto Brasileiro de geografia e

estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=240080ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017 150

Atual municiacutepio do Estado da Bahia situado no vale do Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphpcodmun=291840 Data

de acesso 05072017

50

Santo Antatildeo em Pernambuco e seguia por pontos como ldquoTacaraturdquo 151

ldquoCabroboacuterdquo 152

ldquoPilatildeo

Arcadordquo 153

entre outros tendo como fim tambeacutem o rio do Cariranha

O segundo documento utilizado por Gonsalves de Mello trata-se de um ofiacutecio enviado

pelo Bispo Azeredo Coutinho a Corte no ano de 1802 apesar de fugir de nosso recorte

temporal vale a pena observa-lo a tiacutetulo comparativo Mello refuta a indicativa de Capistrano

que alega que o Bispo Azeredo Coutinho tenha mandado abrir durante o seu governo um

caminho ligando a Praccedila de Olinda aos sertotildees 154

De acordo com o autor esse caminho era

justamente o ldquoCaminho do Ipojucardquo De fato a leitura do ofiacutecio da Junta Governativa da

Capitania de Pernambuco datada de julho de 1802 pode levar ao entendimento que partira do

Bispo Coutinho a ideia de abrir um caminho que ligasse Olinda aos sertotildeesmiddot visto que nele se

afirma que ldquouma das causas de natildeo haver maior abundacircncia de gados nesta Praccedila era a falta

de estradas para os sertotildees do Satildeo Franciscordquo 155

e que esta informaccedilatildeo chegou ateacute Portugal

atraveacutes ldquodo sect 3ordm do reacutegio aviso de 19 de setembro de 1799 dirigido pelo Exmo Sr Dr

Rodrigo de Sousa Coutinho ao Exmo Bispo desta dioceserdquo 156

Poreacutem como eacute sabido este

caminho jaacute era rota conhecida e utilizada

Para aleacutem destes dois importantes documentos conseguimos localizar tambeacutem junto

ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB da Universidade de Satildeo Paulo ndash USP um

documento datado de 1730 enviado ao ouvidor geral de Pernambuco com a seguinte ementa

ldquoPara o senhor doutor ouvidor geral ver os caminhos que satildeo necessaacuterios (serem) abertos para

seguir pela estrada de Santo Antatildeo para o rio de Satildeo Franciscordquo 157

Este documento de

autoria natildeo identificada descreve com precisatildeo o caminho que se fazia preciso abrir para

interligar o litoral da capitania com seus sertotildees atraveacutes do vale do Ipojuca

151

Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu

Data de acesso 05072017 152

Distrito do muniacutecipio de Pesqueira no agreste Pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de geografia e

estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data

de acesso 05072017 153

Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017 154

AHU ndash PE Cx 235 D 15875 155

Idem 156

Idem 157

Informaccedilatildeo prestada ao ouvidor geral sobre a necessidade da abertura de caminhos na regiatildeo do rio Satildeo

Francisco Arquivo IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-005

51

Essa rota segundo sugere a carta deveria comeccedilar na freguesia de Santo Amaro de

Jaboatatildeo onde seria necessaacuterio ldquoabrir os caminhos e tanto de enxada como de foice e

machado ateacute o siacutetio chamado as queimadasrdquo 158

Naquele ponto comeccedilaria a freguesia de

Santo Antatildeo da Mata onde se fazia preciso abrir passagem ateacute o rio das Pedras de Ipojuca

local onde terminava a freguesia de Santo Antatildeo Atravessando o rio das Pedras para seu

outro lado se chegaria a freguesia do Ararobaacute que era ldquoa mais fechada estrada que se acha em

todo o sertatildeo por nunca ser aberta no tempo em que se comeccedilou a cultivar e hoje jaacute a deixam

muitos passageiros pela natildeo poderem seguir com os seus comboiosrdquo 159

adverte o autor que

ali deveria se abrir aleacutem de uma estrada para o Rio de Satildeo Francisco outra que levasse para a

ldquomissatildeordquo do Ararobaacute e dali para o Pajeuacute

Continua alertando que era preciso por poccedilas puacuteblicas ldquocom caminhos e cruz na

estradardquo jaacute que esta rota ficava afastada Prossegue afirmando que o principal trecho que se

deveria abrir era o da Lagoa da Pedra do Tacaete e todas as aguadas do Riacho Libaral

Pedra do Cachorro e Lagoinha ldquofazendo-lhes caminho para sair para a porteira do macacordquo

160 Diz ainda que se deviam pocircr cruzes por todo o riacho do Mororoacute A aacuterea proacutexima do

Mororoacute segundo a descriccedilatildeo feita era toda ldquocultivada de moradores e fazendasrdquo 161

aleacutem

disso a localidade contava com aldeias de gentio de naccedilatildeo Xucuru Paraguaio Parariconha e

Carnejo

Nosso autor desconhecido aconselha ainda que a estrada se construa em poucos dias e

que ali no siacutetio chamado Tacalico se findava a freguesia do Pajeuacute onde por sua vez tinha

iniacutecio a freguesia de Cabroboacute Daquele ponto era necessaacuterio que se abrisse do siacutetio Tacaratu

ateacute o Rio de Satildeo Francisco uma distacircncia de aproximadamente cinco leacuteguas Continua dando

detalhes sobre os caminhos daquele sertatildeo afirmando que ldquoseguindo para as minas se

caminha a vista do dito Rio (Satildeo Francisco) 35 leacuteguas largando o tal rio se passa o rio das

Velhas na barra donde se encontra com o de Satildeo Franciscordquo 162

o fim deste caminho eacute

apontado pelo autor como a regiatildeo do Cariranha que ficava afastada cerca de 200 leacuteguas das

minas de ouro

158

Idem 159

Idem 160

Idem 161

Idem 162

Idem

52

Por fim sugere que o caminho seja aberto no mecircs de outubro e novembro pois naquela

eacutepoca havia ldquoabundacircncia de aacuteguas para os trabalhadoresrdquo 163

Advertia poreacutem que nesta

estrada seria necessaacuterio caminhar dois dias por dentro de um rio chamado Moxotoacute e que em

determinadas ocasiotildees o mesmo ficava inundado impossibilitando que o trabalho de abertura

fosse feito Aleacutem disso aquele rio era frequentado anualmente pelos povos nativos das naccedilotildees

Paraguaio e Parariconha

Na tentativa de entendermos um pouco melhor o roteiro aqui descrito faremos uma

breve explanaccedilatildeo das principais freguesias descritas no documento Para isso utilizaremos

como base um documento riquiacutessimo enviado a corte pelo governador de Pernambuco a

eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses onde o mesmo faz uma descriccedilatildeo detalhada da capitania

pernambucana relacionando todas suas freguesias povoaccedilotildees respectivas economias

caracteriacutesticas ambientais entre outros traccedilos daquelas paragens 164

De acordo com o documento da segunda metade do XVIII a freguesia de Santo

Amaro de Jaboatatildeo 165

atual municiacutepio de Jaboatatildeo dos Guararapes em Pernambuco onde

teria iniacutecio o caminho sugerido ao Ouvidor Mor tinha dez leacuteguas de aacuterea fazendo fronteira

com as freguesias de Satildeo Lourenccedilo da Mata 166

ao Norte e a leste com a freguesia da Vargem

167 A freguesia contava com 14 engenhos destes oito moiacuteam com aacutegua e seis com cavalos

Possuiacutea duas ribeiras ldquoa do Jaboatatildeo que tem seu principio em uma matardquo 168

e o outro rio era

o do Gajauacute as margens do uacuteltimo estavam situados os engenhos de aacutegua A povoaccedilatildeo natildeo

passava de uma pequena aldeia e seus habitantes viviam majoritariamente de suas plantaccedilotildees

de accediluacutecar algodatildeo e mandioca

Dando seguimento ao percurso sugerido chegaria-se a freguesia de Santo Antatildeo da

Mata atual municiacutepio de Vitoacuteria de Santo Antatildeo este jaacute era considerado um local sertanejo

163

Idem 164

Este documento que pode ser encontrando na coleccedilatildeo especial para Pernambuco existente na Biblioteca

Nacional natildeo possui uma dataccedilatildeo especiacutefica apenas eacute indicado que os dados nele contido comeccedilaram a ser

levantados no ano de 1774 Acreditamos que o relatoacuterio feito pelo governador esteja relacionado agraves tentativas da

Coroa jaacute comentadas neste capiacutetulo sobretudo no periacuteodo Pombalino de buscar conhecer melhor seu territoacuterio

Referecircncia ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices)

ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 165

Atual municiacutepio do agreste pernambucano que assumiu o nome de Jaboatatildeo dos Guararapes 166

Atual municiacutepio da regiatildeo metropolitana do Recife Dados do Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica-

IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261370ampsearch=pernambuco|sao-

lourenco-da-mata Data de acesso 05072017 167

Atual bairro da Vaacuterzea localizado na cidade do Recife 168

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

53

A freguesia tinha ldquo5 leacuteguas donde parte com o curato de Satildeo Joseacute chamado dos Bezerros 169

extrema-se com a freguesia de S Antocircnio do Ururuba 170

dos iacutendiosrdquo 171

Segundo o mesmo

documento os sertotildees daquela freguesia eram secos e o rio mais destacado do lugar era o

Pajeacuteu ldquoo qual vai fazer barra no Rio de Satildeo Franciscordquo 172

Sobre a populaccedilatildeo e economia

local o documento afirma que eram poucos os engenhos dedicados ao fabrico de accediluacutecar no

lugar apenas trecircs apesar de haverem outros dedicados ao mel e as engenhocas de rapadura O

nuacutemero de habitantes era alto e viviam de vender ldquoseus gadinhosrdquo 173

e ldquoefeitos e panos de

algodatildeordquo 174

nas feiras locais Segundo o relato o comeacutercio de panos de algodatildeo no lugar

atraia ateacute mesmo comboios dos sertotildees de Minas O que confirma estar agrave localidade inserida

nos roteiros que ligavam aos sertotildees

Depois da freguesia de Santo Antatildeo da Mata o caminho indicava que se seguisse pelo

rio Ipojuca ateacute o siacutetio ldquoCaruarurdquo que a anaacutelise da rota nos leva a crer se tratar do atual

muniacutecipio do agreste Pernambuco de mesmo nome Depois desse momento se fazia

necessaacuterio seguir para a freguesia do Ararobaacute Em documento do ano de 1780 que pretendia

compilar as cidades e vilas da capitania de Pernambuco e suas respectivas freguesias a

seguinte menccedilatildeo eacute feita quanto tal localidade ldquodo Araroba Rodelas Rio Grande do Sul natildeo

chegaram as relaccedilotildees por serem partes muito distantesrdquo 175

Nesta mesma relaccedilatildeo estima-se

que a freguesia do Ararobaacute estava a 80 leacuteguas de distacircncia de Recife

No documento remetido por Joseacute Cesar de Meneses a dita freguesia estaacute inserida

dentro do chamado ldquosertatildeo dos Garanhusrdquo 176

Ela tinha iniacutecio em um local conhecido como

ldquoCapacaccedilardquo que era pouco povoado havendo ldquomuitas leacuteguas sem habitadoresrdquo 177

As vilas de

169

Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros Data de

acesso 05072017 170

Conhecida tambeacutem como Ararobaacute ou Ororobaacute 171

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 172

Idem 173

Idem 174

Idem 175

Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo IEB-USP Fundo

Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010 176

Atualmente a cidade de Garanhus eacute um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260600ampsearch=pernambuco|garanhuns Data

de acesso 05072017 177

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

54

Simbres dos Iacutendios 178

a de Aacuteguas Belas 179

a do Riacho do Navio180

Pipaacuteoacute 181

e Arapuaacute 182

faziam parte da freguesia Boa parte dessas localidades ainda hoje preservam as toponiacutemias

do XVIII estando situadas entre o agreste de Pernambuco e a regiatildeo do vale do Satildeo

Francisco Quanto a dinacircmica comercial local o manuscrito revela ser tal freguesia ldquomui

pobrerdquo 183

sua populaccedilatildeo vivia de plantar lavouras de milho roccedila canas de accediluacutecar feijotildees

fazer mel rapadura e tambeacutem dos negoacutecios das carnes criando boiadas curtindo e vendendo

couros e solas atravessando gados para Bahia e Pernambuco etc

Seguindo nosso roteiro do Ararobaacute era necessaacuterio se abrir caminho natildeo soacute da estrada

que levava ao Rio Satildeo Francisco mas tambeacutem da missatildeo de Araroba 184

ateacute o Pajeuacute O ldquosertatildeo

do Pajeuacuterdquo era extenso nele estavam inseridas quatro importantes freguesias sertanejas

Cabroboacute 185

Satildeo Joseacute dos Bezerros 186

Tacaratu 187

e por fim Pilatildeo Arcado 188

Apoacutes a

178

Atual distrito do municiacutepio de Pesqueira localizado no agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data de acesso 05072017 179

Atual municiacutepio de Aacuteguas Belas localizado no agreste de Pernambuco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260050ampsearch=pernambuco|C381gu

as-belas Data de acesso 05072017 180

O Riacho do navio eacute um curso fluvial que atravessa o sertatildeo de Pernambuco sendo um dos principais

afluentes do Rio de Satildeo Francisco O curso nasce no atual municiacutepio de Floresta em Pernambuco Dados do

Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=260570 Data de acesso 05072017 181

Infelizmente natildeo conseguimos identificar onde se encontra tal localidade atualmente 182

Acreditamos que o autor quis se referir as proximidades da ldquoSerra do Arapuaacuterdquo localizada atualmente no

distrito de Carnaubeira da Penha situado na regiatildeo do Satildeo Francisco e inscrito na bacia do Rio Pajeuacute 183

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 184

De acordo com a bibliografia consultada a missatildeo do Araroba ou Ararobaacute ficava localizada entre os atuais

municiacutepios de Aacuteguas Belas e Garanhus Referecircncia DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na

constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume

282 ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os acossamentos de

Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII) Rev Bras Hist [online] 2015

vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016 MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute

e Rio Grande catequese violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22 185

Atual municiacutepio do sertatildeo pernambucano que conserva o mesmo nome Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260300ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017 186

Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros 187

Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu

Data de acesso 05072017 188

Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017

55

chegada ao Pajeuacute o autor adverte que se deve abrir principalmente o caminho da Lagoa da

Pedra do Tacaete e as aguadas do Riacho Libaral Pedra do Cachorro e Lagoinha

Ateacute o momento natildeo conseguimos identificar onde estaria situada atualmente a ldquoLagoa

da Pedra do Tacaeterdquo Para as outras localidades foi possiacutevel localizar seus atuais logradouros

o Riacho Libaral estaacute situado no atual municiacutepio de Sanharoacute a Pedra do Cachorro um

afloramento rochoso que atualmente atrai turistas para praacutetica de esportes radicais fica em

Satildeo Caetano Por fim Lagoinha diz respeito ao municiacutepio de Alagoinhas todas estas cidades

compotildeem a zona agreste de Pernambuco e fazem parte da microrregiatildeo do vale do Ipojuca 189

Seguindo o caminho traccedilado no documento base era orientado que nos ldquocaldeiros do

riacho do Mororoacuterdquo 190

fossem postos cruzes o dito riacho estaacute localizado atualmente no

municiacutepio de Pedra no agreste de Pernambuco de acordo com nossa rota era uma freguesia

extensa com cerca de 70 leacuteguas de comprimento e seu fim era fronteiriccedilo com a freguesia de

Cabroboacute 191

Cabroboacute era um importante ponto de passagem dos caminhos interioranos

possuiacutea 60 fazendas de gado vacum e cavalar seu principal rio era o do Pajeuacute ldquodonde toma

nome este sertatildeordquo 192

Os povos locais viviam de criar gados e os negociavam tanta na Bahia

como em Pernambuco ao que consta nos manuscritos o cultivo no local era pequeno

dedicado apenas a subsistecircncia da populaccedilatildeo local

Dando prosseguimento no guia de Cabroboacute se fazia necessaacuterio abrir os caminhos ateacute o

ldquoSiacutetio Tacaraturdquo 193

Pouco se fala sobre a freguesia de Tacaratu no documento base que aqui

nos utilizamos explica-se apenas que possuiacutea cerca de 60 fazendas e que alguns recantos

daquela freguesia eram totalmente despovoados isto porque tais locais ldquonatildeo servem de criar

gados por falta de aacuteguasrdquo 194

Quanto a economia local afirma-se que sua populaccedilatildeo vivia de

criar seus gados outros de seus negoacutecios de passar boiadas para Bahia e da laacute traziam ldquovaacuterias

189

Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas - APAC Disponiacutevel em

httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=17 Data de acesso 05072017 190

191

Fizemos um caacutelculo estimado para verificar se a informaccedilatildeo era coerente Considerando que cada leacutegua

equivale a cerca de 48 km e que o cumprimento da freguesia de Pedra ateacute o Cabroboacute seria de 70 leacuteguas

Multiplicamos 70 x 48 chegando ao valor de 336km Utilizando o recurso do Google Maps traccedilamos uma rota

entre Cabroboacute e Pedra (rodoviaacuteria) satildeo trecircs os caminhos possiacuteveis apontados pelo programa suas

quilometragens satildeo respectivamente 293 km 342 km e 352 km Valores bem proacuteximos de nossa estimativa 192

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 193

Atualmente Tacaratu eacute um muniacutecipio pernambucano localizado na regiatildeo do Meacutedio Satildeo Francisco Dados do

Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu Data de

acesso 05072017 194

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

56

fazendas para seu comeacuterciordquo 195

A atual cidade de Tacaratu muniacutecipio do estado de

Pernambuco estaacute inserida na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco

De acordo com nossa rota a distacircncia entre Tacaratu e o Rio de Satildeo Francisco era de

aproximadamente cinco leacuteguas Dali o caminho seguiria em direccedilatildeo ao atual estado de Minas

Gerais passando-se do Rio de Satildeo Francisco para o Rio das Velhas A capitania

pernambucana se estremava com a mineira atraveacutes do Cariranha esta localidade seguindo os

dados de nosso guia ficava a aproximadamente 200 leacuteguas afastada da regiatildeo das minas de

ouro

Por fim a rota aqui descrita refere-se ao rio Moxotoacute afirmando que para se abrir tal

caminho era preciso caminhar por cerca de dois dias dentro de tal rio O rio que preserva o

mesmo nome da eacutepoca banha os estados de Pernambuco e Alagoas sua nascente se encontra

no atual muniacutecipio de Sertacircnia no sertatildeo pernambucano e o mesmo desagua no Rio de Satildeo

Francisco De acordo com dados da Agecircncia pernambucana de aacuteguas e climas ndash APAC 196

a

bacia do rio Moxotoacute possui uma aacuterea total de 974401 kmsup2 e abrange 12 municiacutepios

pernambucanos total ou parcialmente Sendo eles Inajaacute Sertacircnia Arcoverde Custoacutedia

Ibimirim Manari e Tacaratu Buiacuteque Floresta Jatobaacute Iguaraci e Tupanatinga todas estas

cidades estatildeo compreendidas na regiatildeo do sertatildeo do estado

Para visualizarmos melhor o caminho aqui descrito traccedilamos um caminho aproximado

da rota de 1730 Como podemos ver na imagem abaixo

195

Idem 196

Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas ndash APAC Disponiacutevel em

httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=18 Data do acesso 05072017

57

Mapa 4 ndash Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha (1730)

Fonte Jeacutessica Rocha de Sousa Ana Maria Cuentro Barros Imagem aproximada da Rota do Ipojuca para o

Rio de Satildeo Francisco (1730) Imagem criada com o auxiacutelio do programa Adobe Illustrator

Como eacute possiacutevel notar atraveacutes da anaacutelise da rota aqui feita o caminho sugerido se

aproxima bastante do ldquocaminho do Ipojucardquo descrito no roteiro de 1738 e mapeado por

Antocircnio Gonsalves de Melo Dessa forma podemos concluir que se este documento natildeo foi

exclusivamente o guia para abertura de tal roteiro pelo menos indicava uma demanda real que

de fato foi atendida em algum momento entre 1730 e 1738 pois a partir da uacuteltima data jaacute era

possiacutevel acessar o sertatildeo ateacute o Rio de Satildeo Francisco atraveacutes do Rio Ipojuca e seus afluentes

Demonstramos atraveacutes da documentaccedilatildeo aqui elencada que os sertotildees fronteiriccedilos a

Bahia e Pernambuco eram dinacircmicos Muitas eram as localidades sertanejas apontadas nos

manuscritos que comercializavam com as duas praccedilas A conexatildeo entre as duas capitanias

eram extensas e no periacuteodo aqui estudado jaacute estavam bem consolidadas De maneira geral o

estudo sobre as rotas de penetraccedilatildeo tendem a trataacute-las apenas como caminhos pelo qual se

58

passavam os gados no entanto deve-se atentar que outros negoacutecios tambeacutem ocorriam nestas

paragens isto eacute os caminhos natildeo serviam exclusivamente ao comeacutercio das carnes e couros

Estudos mais recentes tem se dedicado a demonstrar o dinamismo do comeacutercio

sertanejo em suas conexotildees com a economia colonial estes trabalhos tem sido essenciais no

sentido de renovar a perspectiva sobre os negoacutecios desenvolvidos nas regiotildees interioranas Ao

analisar as relaccedilotildees que uniam os sertotildees da Bahia a Minas Gerais Isnara Pereira Ivo iraacute

alertar para ldquoo papel econocircmico e comercial dos sertotildeesrdquo 197

que por muitas vezes era

ldquominimizado como meros fornecedores de carnerdquo 198

a autora iraacute afirmar que este papel

ldquoredimensiona-se quando percebido como parte de uma articulaccedilatildeo econocircmica cultural e

poliacutetica maior permeada de especificidades e dinamismosrdquo 199

Ou seja Ivo chama a atenccedilatildeo

para vitalidade inclusive comercial daquelas regiotildees que no seacuteculo XVIII jaacute possuiacuteam um

ritmo proacuteprio de desenvolvimento e se encontravam conectadas ao litoral e ao aleacutem-mar

sendo peccedila importante da economia colonial

Em dissertaccedilatildeo que trata sobre a participaccedilatildeo dos negociantes pernambucanos no

comeacutercio de abastecimento da regiatildeo mineradora no seacuteculo XVIII Hugo Demeacutetrio Nunes

Teixeira Bonifaacutecio tambeacutem iraacute defender a tese do intenso movimento comercial daquelas

paragens O autor afirmaraacute que ldquoo sertatildeo era uma regiatildeo economicamente dinacircmica capaz de

prover gecircneros dos quais necessitavam por exemplo a regiatildeo das Minasrdquo 200

Cabe aqui

ressaltar que os sertotildees a que se refere Bonifaacutecio satildeo os de Pernambuco e Bahia em suas

conexotildees com as Minas de ouro

Esse dinamismo nas regiotildees interioranas tambeacutem poderaacute ser observado nas relaccedilotildees

que uniam Pernambuco a Bahia A introduccedilatildeo das barcas de passagens que faziam o

transporte de pessoas e cargas entre as duas margens do Rio de Satildeo Francisco 201

por

exemplo eacute demonstrativa do grande tracircnsito comercial estabelecido naqueles sertotildees e

denotam a tentativa da Coroa de tentar de alguma forma regulamentar aquele comeacutercio que

fugia ao controle do fisco real Visto que as tais passagens passam a fazer parte do conjunto

dos contratos reais formas de arrecadaccedilatildeo tributaacuteria utilizadas em Portugal desde o seacuteculo

197

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica

Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 115 198

Idem 199

Idem 200

BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de

Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII

Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e

Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 201

NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte Editora

UFMG 2011 P 85 AHU ndash PE Cx 133 D 9987

59

XVI 202

Analisando a implementaccedilatildeo das barcas de passagem que conectavam os rios

sertanejos as minas de ouro Isnara Pereiro Ivo afirmaraacute que

Os arrendamentos das passagens dos rios faziam parte do sistema de

contratos e estavam relacionados ao descobrimento do ouro agraves formas de

controle e descaminho e agrave ampliaccedilatildeo das receitas reais Eram feitos por

leilatildeo no Conselho Ultramarino e no ato da assinatura do contrato o

contratador assumia a obrigaccedilatildeo de pagar 1 destinado as propinas

municcedilotildees e construccedilotildees de fortalezas no ultramar e de restituir a Coroa em

trecircs anos o restante do montante a ser pago Os contratos podiam ser

arrematados tanto por um soacute individuo quanto por um grupo 203

Aqui em Pernambuco o processo de arremataccedilatildeo das tais passagens parece ter ocorrido

de forma semelhante De acordo com ofiacutecio datado de 1779 as barcas iratildeo surgir no Satildeo

Francisco por iacutempeto de um morador da regiatildeo de Rodelas que observara o ldquoincomodo e

risco que corriam os passageiros e comboios na falta de barca que os passassemrdquo 204

por isso

resolveu por uma barca no Satildeo Francisco na regiatildeo de Juazeiro Fez isso o morador sem

ldquoprocurar licenccedila para o fazer nem contribuir para a real fazenda com parte do seu

rendimentordquo 205

Quando o governador de Pernambuco a eacutepoca Duarte Sodreacute descobriu tal

negoacutecio ordenou ao comandante do distrito por o rendimento daquela passagem para

arremataccedilatildeo em praccedila puacuteblica

O morador pioneiro ofereceu 300000 reis pelo triecircnio do contrato como era de

costume No entanto o governador por acreditar que tal contrato valesse mais o mandou

colocar em leilatildeo no Recife Natildeo houve entretanto quem quisesse pagar mais por ele A

desconfianccedila reacutegia acerca dos rendimentos gerados a partir das barcas de passagens na regiatildeo

do Satildeo Francisco natildeo seraacute exclusividade da sua gecircnese em diversos outros momentos o

Conselho Ultramarino iraacute exigir que se procedesse agrave investigaccedilatildeo sobre os rendimentos

daqueles contratos 206

A desconfianccedila dos agentes reacutegios era de que os mercadores

mancomunados faziam ofertas bem abaixo da meacutedia de geraccedilatildeo de lucros daquele

investimento Todo esse clima de suspeita eacute demonstrativo da falta de conhecimento concreto

da Coroa a respeito dos negoacutecios que se praticavam nos sertotildees resultado de uma poliacutetica

administrativa que soacute se preocupou tardiamente por aquelas aacutereas

202

IVO Isnara Pereira Op Cit P 159 203

Idem 204

AHU ndash PE Cx 133 D 9987 205

Idem 206

Idem AHU ndash PE Cx 151 D 9853AHU ndash PE Cx 88 D 7150

60

Natildeo sabemos o nome do dito morador mas sabemos que seu filho Joatildeo Moreira da

Costa e Silva em 1759 fez requerimento ao Rei solicitando ser provido com o direito a

propriedade das passagens do Rio de Satildeo Francisco Neste documento Joatildeo Moreira afirma

ter sido seu pai o descobridor da passagem do Juazeiro e das outras nove passagens que iratildeo

se instalar naquele rio Ele propotildee ao rei que lhe faccedila a mercecirc de lhe conceder a propriedade

das passagens durante toda sua vida ficando o suplicante na obrigaccedilatildeo de ldquofazer bons em cada

um ano para a real fazenda 200000 reacuteisrdquo 207

Temos o conhecimento de que eram dez as passagens do Rio de Satildeo Francisco

administradas pela capitania de Pernambuco No ano de 1756 cinco dessas passagens por

pedido do Ouvidor da Comarca de Jacobina na Bahia passaratildeo a ter seus rendimentos

gerenciados pela cacircmara da Vila da Barra de Satildeo Francisco das Chagas como meio de gerar

fundos para construccedilatildeo da cadeia da nova vila passado dez anos esses contratos deveriam ser

assimilados a Provedoria Mor da Bahia Essa resoluccedilatildeo natildeo iraacute agradar ao governo de

Pernambuco que anos mais tarde iraacute requerer a reincorporaccedilatildeo das tais passagens agrave capitania

de origem As cinco passagens submetidas agrave cacircmara da Vila da Barra de S Francisco das

Chagas se situavam em Bom Jardim Barra Rio Preto Cariranha e Rio Corrente As da parte

de Pernambuco ficavam em Juazeiro Pilatildeo Arcado Surubabeacute Petra e Currais dos Bois 208

Um documento do ano de 1778 esclarece quais as condiccedilotildees e deveres a que estavam

sujeitos os contratadores das passagens do Satildeo Francisco aqui em Pernambuco Os contratos

poderiam ser arrendados por um uacutenico indiviacuteduo ou por soacutecios ficava o contratador livre para

ldquocobrar-se tudo que pertence a Fazenda Realrdquo 209

O contrato deveria ser pago a Tesouraria

Geral e Deputado da Junta da Fazenda Real atraveacutes de parcelas a cada seis meses e em

dinheiro fiacutesico Tinham por obrigaccedilatildeo ainda o contratador e seus soacutecios pagarem propina de

1 para obras pias Em relaccedilatildeo agraves barcas cabia ao contratador escolher se compraria as

embarcaccedilotildees do uacuteltimo arrendataacuterio ou se mandaria construir novas sendo determinado pelo

regulamento que o contratador antecedente negociasse preccedilos justos pelas embarcaccedilotildees

De acordo com nossas fontes se cobravam os fretes pelos seguintes produtos Cabeccedilas

de gado vacum cabeccedilas de gado vacum que passam a nado cabeccedilas de gado cavalar mansos

cabeccedilas de gado serrilho cargas passageiros e escravos Cada barca tinha um piloto e cerca

de dois a quatro marinheiros que a servia 210

Os maiores ganhos foram observados na

207

AHU ndash PE Cx 88 D 7150 208

AHU ndash PE Cx 133 D 9987 209

AHU ndash PE Cx 131 D 9853 210

AHU ndash PE Cx 133 D 9987

61

passagem do Juazeiro regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias de Bahia e Pernambuco 211

A

categoria ldquocargasrdquo natildeo especiacutefica os produtos autorizados a circular naquelas embarcaccedilotildees

com certeza muitas mercadorias das chamadas ldquovedadasrdquo se fizeram passar por esses pontos

do rio inclusive o ouro proveniente da regiatildeo das minas 212

Outra questatildeo que vale destacar na discussatildeo sobre os sertotildees envolvidos nesta

pesquisa diz respeito a relaccedilatildeo que algumas freguesias iratildeo manter concomitantemente com

as capitanias de Bahia e Pernambuco A ldquoComarca da Manga que segue o Rio de Satildeo

Francisco acima Vila de Satildeo Francisco na Barra do Rio Grande do Sulrdquo por exemplo estava

sujeita em questotildees de justiccedila ao ouvidor da Jacobina Bahia mas pertencia o ldquogoverno das

almasrdquo ao bispo de Pernambuco 213

Como jaacute discutido as questotildees de limites e de

administraccedilatildeo nas aacutereas interioranas iratildeo se dar de maneira singular naquelas paragens o

cotidiano das povoaccedilotildees e as proximidades entre uma e outra capitania parecem ter dado o

ritmo agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila

Os sertotildees setecentistas possuiacuteam vitalidade e energia e satildeo descritos nos documentos

de eacutepoca como locais propiacutecios ao desenvolvimento de praacuteticas mercantis Neste trabalho

estas relaccedilotildees mercantis iratildeo assumir contornos especiais Afinal de contas entre 1759 e

1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia Geral de Pernambuco e

Paraiacuteba No nosso caso percebemos que paralelamente a um mercado legal e reconhecido se

fez surgir naqueles espaccedilos uma seacuterie de atividades extralegais As redes comerciais

estabelecidas entre as Praccedilas da Bahia e Pernambuco no periacuteodo estudado seratildeo comumente

tachadas pela documentaccedilatildeo como perpetradoras de comeacutercio clandestino O contrabando de

gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa foram uma constante na

documentaccedilatildeo

Estas regiotildees iratildeo desempenhar papel importante neste universo de descaminhos

Como jaacute destacamos ao longo dessas regiotildees encontravam-se diversos portos de pequeno

porte que por onde antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba jaacute se

realizavam transaccedilotildees mercantis Em ofiacutecio do ano de 1770 o governador de Pernambuco

Manoel da Cunha Meneses ao falar sobre os contrabandos estabelecidos entre Bahia e

211

Idem AHU ndash PE Cx 88 D 7150 212

Sobre isto ver BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e

Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no

Seacuteculo XVIII Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado em histoacuteria) - Centro de Filosofia e Ciecircncias

Humanas Universidade Federal de Pernambuco 213

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

62

Pernambuco nos daacute informaccedilotildees importantes acerca da dinacircmica comercial desenvolvida nos

vales do Rio Satildeo Francisco Segundo o governador ldquoO sertatildeo deste continente eacute um dos mais

povoadosrdquo 214

complementa afirmando que as margens do rio de Satildeo Francisco existem

diversas povoaccedilotildees e a respeito do comeacutercio na regiatildeo diz que ldquoeste rio divide esta capitania

da Bahia [] aleacutem das povoaccedilotildees jaacute ditas eacute muito vadiaacutevel de embarcaccedilotildees ligeirasrdquo 215

por

onde se transportam ldquotoda a conta de fazendas que estatildeo tatildeo abundantes estes sertotildees e neles

as introduzem os moradores de uma e outra parterdquo 216

Alguns anos mais tarde em 1779 o ouvidor da comarca das Alagoas iraacute relatar

detalhes sobre a organizaccedilatildeo deste ldquopernicioso comeacuterciordquo Segundo o mesmo ldquoPor todos estes

engenhos jaacute natildeo haacute uma soacute caixa (de accediluacutecar) que natildeo esteja vendida pelo exorbitante preccedilo de

treze tostotildees por arroba a diferentes e muitos fabricantes que vieram da Bahia a este

propoacutesitordquo 217

Segundo o ouvidor a estrateacutegia do grupo de contraventores consistia em

transportar para as praias da regiatildeo as caixas contrabandeadas durante a noite em ldquojangadas e

sumacas que existem atualmente na ilha de Santo Aleixo e em Una donde francamente tem

saiacutedo de proacuteximo cinco ou seisrdquo 218

Apesar das rotas sertanejas aqui descritas nos indicarem as possiacuteveis vias de acesso do

litoral ao interior do territoacuterio pernambucano mapear com exatidatildeo os caminhos percorridos

pelos comerciantes contraventores natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis pois aleacutem de natildeo existir

interesse de se documentar esse tipo de comeacutercio ao que nos parece de acordo com a anaacutelise

da documentaccedilatildeo esses caminhos eram dinacircmicos e muacuteltiplos e nos faltam instrumentos

cartograacuteficos mais precisos que sejam capazes de revelar a grandiosidade da costa

pernambucana ldquode donde por mar e terra se introduzem neste continenterdquo 219

produtos

contrabandeados

Uma coisa eacute certa a natureza pernambucana contribuiacutea na realizaccedilatildeo das ilicitudes a

ldquogrande dilataccedilatildeo que tem o continente da jurisdiccedilatildeo deste governordquo 220

que compreende em

suma ldquopor costa do Mar 82 leacuteguas com muitos rios barras enseadas e entradas por entre

arrecifes que por providecircncia divina cobre toda esta costardquo 221

permitiu que nunca se faltasse

214

AHU ndash PE Cx 108 D8371 215

Idem 216

Idem 217

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 218

Idem 219

AHU ndash PE Cx 127 D 9670 220

AHU ndash PE Cx 108 D 8371 221

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

63

o contrabando em Pernambuco natildeo soacute de escravos mas de outras mercadorias 222

Apesar da

tentativa de encobrir essas rotas por parte daqueles que delas se beneficiavam alguns pontos

acabaram documentados pela fiscalizaccedilatildeo

Nosso acervo documenal revela uma variedade significativa de portos indicados pelas

autoridades locais como aacutereas de desembarque de produtos contrabandeados Listamos abaixo

os portos ateacute o momento identificados

Quadro 1 - Lista de Portos em que Ocorreratildeo apreensotildees ou se fez saber da existecircncia de

Contrabandos

PORTOLOCALIDADE

BAHIA DA TRAICcedilAtildeO

CABO DE SANTO AGOSTINHO

CAMARAJIBE

CURURIPE

GOIANA

ILHA DE SANTO ALEIXO

ILHA DO NOGUEIRA

JARAGUAacute

PRAIA DA PENHA

PRAIA DE PAU AMARELO

PRAIA DA FORTALEZA DO BRUM

PORTO CALVO

PORTO DO RECIFE

SANTO ANTONIO DA BARRA GRANDE

SIARAacute GRANDE

SIRINHAEM

TAPAGIPE

TRAPICHE DE MACIEL ndash BAHIA

UNA

Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 132 D9955 AHU ndash PE Cx133 D 9966

AHU-PE Cx 133 D 10003 AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash PE

Cx 138 D 10248 AHU ndash BA Cx 181 D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx

107 D 8284 AHU ndash PE Cx 110 D 8493 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 133 D

222

CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-1850 Recife

2002 P 102

64

10017 AHU ndash PE Cx 137 D 10197 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos

Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2

Foi possiacutevel rastrear atualizando as toponiacutemias a maior parte dos locais citados nas

fontes Como uma maneira de buscar compreender melhor a relaccedilatildeo entre aacutereas de produccedilatildeo e

localidades apontadas nesta lista como aacutereas de embarque e desembarque de produtos

vedados nos utilizaremos de dados contidos em ofiacutecio do ano de 1761 enviado pelo entatildeo

governador de Pernambuco Luiacutes Diogo Lobo ao Reino onde se encontra uma relaccedilatildeo

contendo nome e nuacutemero de todos os engenhos moentes e de fogo morto existentes na

capitania pernambucana e suas anexas 223

As localidades de Coruripe Jaraguaacute Porto Calvo Santo Antocircnio da Barra Grande

fazem parte atualmente do estado de Alagoas Comarca anexa a Pernambuco agrave eacutepoca A

regiatildeo que aparece constantemente envolvida nos circuitos de contrabando principalmente de

accediluacutecar analisados neste trabalho possuiacutea uma grande quantidade de engenhos ativos Apenas

na freguesia de Porto Calvo existia a eacutepoca 14 engenhos em atividade e um em fogo morto

Adicionando a esta soma as faacutebricas de Alagoas do Sul Alagoas do Norte e da Freguesia de

Satildeo Miguel locais onde estavam inseridos os outros portos apontados em nossa lista

chegava-se ao total de 32 engenhos operantes na regiatildeo 224

De maneira geral os engenhos estabelecidos nas capitanias do Norte da Ameacuterica

Portuguesa se fixavam em aacutereas de vaacuterzea com faacutecil acesso a rios e ribeiras de modo a

facilitar o escoamento da produccedilatildeo canavieira para seus portos de destino nas terras

alagoanas a dinacircmica natildeo era diferente Lembramos tambeacutem que a Comarca se ligava ao

sertatildeo atraveacutes de rotas terrestres e de sua rede hidrograacutefica composta por importantes rios

como o Coruripe e o Moxotoacute

Ilha de Santo Aleixo Pau Amarelo Praia da fortaleza do Brum Praia da Penha

Camaragibe Cabo de Santo Agostinho Sirinhaeacutem e Goiana se encontram atualmente na

jurisdiccedilatildeo do Estado de Pernambuco Para agrave toponiacutemia denominada ldquoUnardquo a bibliografia

consultada afirma se tratar de freguesia proacutexima a Porto Calvo em municiacutepio hoje conhecido

como Barreiros localizado no estado de Pernambuco 225

Quanto a Ilha do Nogueira tambeacutem

223

AHU ndash PE Cx 95 D 7501 224

Idem 225

Dados coletados de Ideia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexas Coleccedilatildeo Pernambuco

(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de

Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel

em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017

65

conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia

Teimosa no Recife 226

De acordo com dados levantados por Luiacutes Diogo Lobo entre Olinda e Recife os

engenhos estavam divididos nas seguintes freguesias Muribeca Cabo Ipojuca Varge Santo

Amaro de Jaboatatildeo Satildeo Lourenccedilo da Mata Nossa Senhora da Luz e Santo Antatildeo Estas

freguesias somadas possuiacuteam 90 engenhos funcionais e 17 que jaacute natildeo operavam Quanto agrave

vila de Sirinhaeacutem e seus termos contava com 43 engenhos ativos destes 10 estavam situados

na freguesia de Una 227

Goiana estava inserida na Vila de Igarassu a freguesia dispunha de

23 engenhos em atividade e um inativo Estas freguesias em sua maioria estavam localizadas

em aacutereas de faacutecil acesso ao transporte fluvial que permitiam tambeacutem que se adentrasse ao

interior do territoacuterio

Bahia da Traiccedilatildeo faz parte do estado da Paraiacuteba A listagem do governador Luiacutes Diogo

Lobo atesta que a capitania da Paraiacuteba naquele tempo contava com 20 engenhos em operaccedilatildeo

e dois em estado de fogo morto Quanto a ldquoSiaraacute Granderdquo como o nome jaacute informa se

encontra no atual estado do Cearaacute O documento de 1761 assegura que naquela capitania

havia apenas dois engenhos moentes e um inativo 228

Para o local denominado Tapagipe

ainda natildeo foi possiacutevel identificar a localizaccedilatildeo atual Como eacute possiacutevel visualizar boa parte

das localidades apontadas pelas autoridades como locais de circulaccedilatildeo de mercadorias ilegais

estavam proacuteximas a aacutereas de produccedilatildeo canavieira Aleacutem disso estes portos naturais se

situavam em maioria na regiatildeo sul da antiga capitania e possuiacuteam conexotildees com os sertotildees

atraveacutes das abundantes malhas fluviais que circundam o nordeste

Para nos ajudar a pensar espacialmente esta regiatildeo iremos fazer uso de duas imagens

A primeira uma carta topograacutefica das ldquocapitanias de que se compotildee o presente governo de

Pernambucordquo foi oferecida ao secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier

de Mendonccedila Furtado em marccedilo do ano de 1766 A carta traz detalhes a respeito dos

povoados e recantos da costa e do interior da capitania pernambucana incluindo locais

envolvidos nos circuitos do contrabando

226

PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008 227

Ainda de acordo com o documento a freguesia de Porto Calvo que atualmente faz parte do estado de

Alagoas pertencia a Vila de Sirinhaeacutem e como jaacute dito possuiacutea 14 engenhos ativos e um classificado como fogo

morto AHU ndash PE Cx 95 D 7501 228

Idem

66

Mapa 5 ndash Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766)

Fonte LAPEH ndash Laboratoacuterio de Pesquisa histoacuterica ndash Departamento de Histoacuteria CFCH UFPE

Legenda 1ndash Bahia da Traiccedilatildeo 2- Paraiacuteba 3- Goiana 4- Itamaracaacute 5- Cidade de Olinda 6- Vila de

Santo Antocircnio do Recife 7- Cabo de Santo Agostinho 8ndash Ilha de Santo Aleixo 9- Porto Calvo 10-

Entrada das Alagoas 11- Rio de Satildeo Francisco 12- Bahia de Todos os Santos

A segunda imagem trata-se de um Mapa tipograacutefico dos portos e Costa da Bahia

Olinda e Pernambuco do ano de 1776 O mapa feito por Nicolao Martinho foi encomendado

por Manoel Jozeacute de Noronha e Meneses o Conde dos Arcos como um oferecimento a seu tio

o Marquecircs de Angeja Mais complexo que a carta exposta acima o mapa mostra em detalhes

toda a Costa de Pernambuco e Bahia passando pelos atuais estados de Alagoas e Sergipe

incluindo suas vilas os rios e ribeiras e seus cursos o que nos permite ter uma melhor ideia

do espaccedilo onde ocorriam as transaccedilotildees comerciais alvo deste estudo

67

Mapa 6 ndash Mapa Tipograacutefico dos Portos e Costa da Bahia de todos os Santos

Olinda e Pernambuco (1776)

68

69

Fonte MARTINHO Nicolao Mappa tipografico dos portos e costa da Bahia de todos os Santos

Olinda e Pernambuco [Sl sn] 1776 1 mapa ms col tinta ferrogaacutelica e nanguim 51 x 159

Disponiacutevel em httpobjdigitalbnbracervo_digitaldiv_cartografiacart309964cart309964jpggt

Acesso em 01 de janeiro de 2018

A anaacutelise da documentaccedilatildeo base utilizada nesta pesquisa junto agraves duas imagens acima

nos fornecem dados para pensar em algumas hipoacuteteses sobre a circulaccedilatildeo dessas mercadorias

Acreditamos que os produtos ldquocontrabandeadosrdquo atraveacutes dos sertotildees chegavam as populaccedilotildees

de Recife e Olinda seguindo dois caminhos distintos O primeiro seria seguindo o fluxo do

Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias (destacado pela seta

vermelha no mapa 7) utilizando os caminhos jaacute bem conhecidos do comeacutercio das carnes e

couros ou seja atraveacutes das rotas do ldquoIpojucardquo e do ldquoCapibariberdquo aqui jaacute estudadas

Chegando ao litoral estas mercadorias eram desembarcadas em pequenos portos situados

preferencialmente no litoral sul de Pernambuco onde natildeo existia a fiscalizaccedilatildeo da Companhia

70

Geral A fiscalizaccedilatildeo no geral se restringia ao porto do Recife De acordo com os dados de

Luanna Ventura a entrada do porto de Recife estava localizada ao norte do forte do Brum 229

(destacado pela seta branca no mapa 7)

A segunda rota que acreditamos ter se utilizado neste comeacutercio seria a da navegaccedilatildeo

direta via costa mariacutetima entre Bahia (destacada pela seta amarela no mapa 7) e Pernambuco

Como podemos perceber atraveacutes do mapa acima existiam entre as duas capitanias uma vasta

aacuterea de Costa natildeo protegida pela empresa e como jaacute apontado neste trabalho diversas praias

do litoral pernambucano ofereciam condiccedilotildees de desembarque Esse tipo de roteiro que jaacute

aparece bem descrito em um manual de pilotagem e navegaccedilatildeo do seacuteculo XVII 230

ficava

restrito as embarcaccedilotildees maiores dada as condiccedilotildees de navegabilidade da regiatildeo Segundo o

manual a distacircncia entre Bahia e Pernambuco era de cerca de 100 leacuteguas ldquocorre a costa ateacute o

Rio de Satildeo Francisco de Nordeste sudoeste e haacute na derrota 50 leacuteguas e do Rio de Satildeo

Francisco ao Cabo de Santo Agostinho haacute 50 leacuteguas e corre a costa nordeste sudoesterdquo

Advertia ainda aos pilotos que tomassem cuidado pois ao norte do Rio de Satildeo Francisco por

volta de 5 leacuteguas existia um arrecife perigoso conhecido como ldquoBaixio de Dom Rodrigordquo 231

O processo crime em que se envolveu o senhor Manoel Ferreira dos Santos reforccedila

nosso argumento 232

pois neste caso cinco balsas carregadas de couros e solas vindas do

sertatildeo foram apreendidas junto ao rio do Jiquiaacute em Recife 233

pela desconfianccedila que as

autoridades tiveram de que as mesmas aguardavam barco para transportar tais mercadorias agrave

capitania baiana Um dos pontos utilizados na defesa do reacuteu eacute que natildeo existia no momento da

apreensatildeo nenhum barco que estivesse carregando para Bahia e que era de conhecimento

229

OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e

tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash

Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 230

Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO Antonio de Mariz

Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo

Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por Manoel da Sylva 1655 Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq== Data de acesso

01082017 231

Os Baixios de Dom Rodrigo satildeo grandes bancos de areia que estatildeo localizados a cerca de cinco quilocircmetros

da Costa do Pontal de Coruripe (Alagoas) no meio do oceano Haacute vaacuterios casos de naufraacutegio registrados no local

Conseguimos mapear junto ao nosso acervo documental um naufraacutegio ocorrido no local no ano de 1774

tratava-se do Bergantim de nome ldquoNossa Senhora da Guia e Satildeo Francisco da Paulardquo que saindo da cidade do

Rio de Janeiro com destino a Corte acabou dando de encontro com os bancos o que na ocasiatildeo levou a oacutebito 8

das 22 pessoas embarcadas De acordo com o documento as pessoas que morreram foram ldquoBaltazar Pereira dos

Reis (soacutecio do barco) o capelatildeo o escrivatildeo sota-piloto dois marinheiros uma preta e uma mulatinhardquo Fonte

AHU ndash PE Cx 117 D 8954 232

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 233

O rio do Jiquiaacute estaacute localizado no atual bairro do ldquoCordeirordquo no municiacutepio de Recife

71

geral que aquelas balsas natildeo aguentariam uma viagem ldquopara o tempestuoso mar de barra em

forardquo 234

sem danificar suas mercadorias

Como dito anteriormente a praacutetica do contrabando na capitania pernambucana

durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial estabelecido pela Companhia Geral seraacute

abrangente e disseminada No entanto os circuitos comerciais ligando as capitanias vizinhas

teratildeo papel de destaque dentro deste comeacutercio descaminhado As rotas sertanejas haacute muito

utilizadas para o comeacutercio legal das carnes passaram a operar tambeacutem com transaccedilotildees natildeo

aprovadas e o comeacutercio direto entre os vaacuterios portos do litoral pernambucano em especial

aqueles que estavam nas proximidades de engenhos e a capitania da Bahia ganharatildeo vulto

durante este periacuteodo

Assim rios e pequenos portos tanto do litoral quanto das localidades interioranas

funcionavam como vias de escoamento de toda uma gama de iliacutecitos os contrabandistas faratildeo

entrar nas Praccedilas da Bahia e de Pernambuco atraveacutes das rotas aqui descritas uma grande

quantidade de mercadorias natildeo autorizadas Estes grupos estavam cientes dos poucos riscos

de se praticar aquele comeacutercio devido a parca fiscalizaccedilatildeo exercida pela Companhia Os

circuitos comerciais desenvolvidos nas paragens sertanejas seratildeo peccedila chave na rede de

abastecimento do mercado ilegal que se estabeleceu entre Bahia e Pernambuco na segunda

metade do XVIII

A fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral comumente restringia-se ao porto do Recife por

onde deveriam ser embarcadas e desembarcadas todas as mercadorias chegadas a capitania

pernambucana Ressalta-se aqui que o monopoacutelio da Companhia natildeo se estendia aos sertotildees

como nos revela o seu documento de instalaccedilatildeo no capiacutetulo 25 Onde se afirma que

[] Eacute Vossa Majestade servido conceder-lhe o comeacutercio exclusivo das duas

capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com todos os seus distritos []

exceptua-se poreacutem o comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba para os portos do

sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco do Sul o qual seraacute livre a todas e

quaisquer pessoas como ateacute agora o tem sido 235

Como podemos observar o documento atesta que a navegaccedilatildeo feita pelos portos do

sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco permaneceria livre no entanto alguns casos

analisados por noacutes apontam que mercadorias vindas destas regiotildees muitas vezes eram

234

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 235

Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762

Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e

Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 290

72

encaradas pelas autoridades como frutos de contrabando Esta questatildeo daraacute azo para uma seacuterie

de disputas envolvendo os comerciantes sertanejos e a Companhia Geral Isto porque ao que

indicam dois processos crimes utilizados nesta pesquisa 236

a direccedilatildeo da empresa ao longo de

seus primeiros oito ou nove anos de instalaccedilatildeo natildeo se preocupou em controlar tal comeacutercio o

fazendo apenas ldquodepois daquele tempo sem mostrar ordem reacutegia que declarasse ao arbiacutetrio da

proibiccedilatildeo o artigo 25 e reprovasse a inteligecircncia e praxe dos comerciantes em tempo tatildeo

dilatadordquo 237

A Companhia passa a tomar esse controle por forccedila de um edital lanccedilado

posteriormente 238

no entanto este edital natildeo tinha forccedila de lei uma vez que tal documento

natildeo era referendando por nenhuma ordem reacutegia Esta decisatildeo da direccedilatildeo pernambucana seraacute

contestada judicialmente nos dois casos aqui jaacute mencionados pois afirmavam as defesas dos

comerciantes que tal ldquoedital da direccedilatildeo natildeo eacute lei nem assento com forccedila de lei nem os

deputados tem jurisdiccedilatildeo alguma para arrogarem a si ambiciosa e arbitrariamente o que a

instituiccedilatildeo natildeo permitiurdquo 239

e tambeacutem ldquoque a direccedilatildeo natildeo pode ampliar nem limitar os

estatutos da companhia nem proibir o que eles natildeo proiacutebemrdquo 240

Contestavam tais defesas o poder que permitia a direccedilatildeo subalterna de Pernambuco

passar por cima dos estatutos da empresa em assunto tatildeo importante como o comeacutercio sem a

deliberaccedilatildeo de uma diretiva ou ordem real Afirmavam que este comeacutercio ateacute o ano de 1770

havia se conservado livre e que era inconcebiacutevel que a direccedilatildeo sem ordem reacutegia fizesse limitar

os estatutos contrariando a liberdade de comeacutercio que desde sempre se praticava por aquelas

bandas pois o papel de ldquolimitar e derrogar leis soacute compete ao soberano legislador e natildeo aos

inferiores seus vassalosrdquo 241

Pelo que fica claro a Companhia em Pernambuco soacute passa a se preocupar com o

comeacutercio realizado nas rotas sertanejas apoacutes um periacuteodo significativo de tempo de sua

instalaccedilatildeo Muito provavelmente apoacutes estes primeiros oito ou nove anos foi possiacutevel a direccedilatildeo

da empresa perceber como estas rotas sertanejas eram importantes para economia da capitania

236

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 237

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 15 238

Natildeo foi possiacutevel identificar a data exata de tal documento no entanto de acordo com os processos aqui

citados o edital provavelmente o edital foi expedido entre 1769 e 1770 239

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 85 240

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 241

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f

85-86

73

e quatildeo grande eram as perdas que se tinham ao natildeo controlar o comeacutercio do interior em suas

ligaccedilotildees com outras praccedilas coloniais sobretudo com Bahia e Rio de Janeiro

A atitude da empresa vem atestar que os circuitos sertanejos tinham expressividade

econocircmica a eacutepoca jaacute que natildeo se teria o trabalho de coibir um comeacutercio que fosse pouco

relevante financeiramente ou mesmo desvantajoso Eacute importante destacar tambeacutem que os

limites jurisdicionais de atuaccedilatildeo da empresa natildeo estavam bem definidos nos estatutos e que o

entendimento do que poderia ser considerado como aacuterea sertaneja era bastante subjetivo

Afinal de contas como jaacute vimos natildeo se tinha um consenso a respeito do conceito de sertatildeo

Entatildeo a histoacuteria dos contrabandos aqui contada se reparte em dois momentos o

momento preacute 1770 quando a Companhia ainda natildeo exercia um controle riacutegido sobre os

sertotildees e poacutes 1770 quando a direccedilatildeo em Pernambuco passa a exercer maior poder sobre os

negoacutecios desenvolvidos naquelas paragens Explicitamos neste momento que nossa escolha

metodoloacutegica se deu no sentido de preservar os termos originais utilizados pelas autoridades

ao tratar sobre a questatildeo deste comeacutercio feito no interior destacando sempre que possiacutevel as

variaccedilotildees interpretativas entre autoridades baianas e pernambucanas No geral a denominaccedilatildeo

ldquocontrabandordquo seraacute bastante utilizada pelas autoridades mas o termo ldquodescaminhordquo tambeacutem

seraacute usado para se referir ao comeacutercio extralegal

Dessa forma o conceito de contrabando neste estudo seraacute utilizado para abrigar uma

seacuterie de casos apontados pela documentaccedilatildeo base que agregam produtos comercializados

tanta no porto do Recife por onde teoricamente deveriam ser embarcadas e desembarcadas

todas as mercadorias chegadas a capitania pernambucana quanto mercadorias vindas do

sertatildeo que tinham como destino a Bahia ou ateacute mesmo outros portos do litoral de Pernambuco

que natildeo o porto do Recife Salientando que nem tudo que em um primeiro momento eacute

apontado como contrabando pelas autoridades de fato se enquadra nesta categoria

Ressaltamos ainda que a Companhia permitia o comeacutercio sertanejo se as mercadorias

vindas daqueles locais (sobretudo couros e solas) tivessem como destino final o porto do

Recife onde seriam negociadas com a empresa Tambeacutem eacute vaacutelido pontuar que o comeacutercio das

carnes estava excetuado deste controle e continuou livre como sempre o foi A exceccedilatildeo feita

aos negoacutecios das carnes seraacute motivo de contrariedade entre os comerciantes e a direccedilatildeo da

empresa Ainda nos dois casos aqui citados as respectivas defesas iratildeo contestar a razatildeo deste

comeacutercio que tambeacutem se dava no sertatildeo ser permitido em detrimento de outros gecircneros As

ditas defesas iratildeo alegar que ldquonenhuma razatildeo haacute para que seja livre o comeacutercio da carne e natildeo

74

seja igualmente o dos courosrdquo 242

e vatildeo aleacutem afirmando que se o comeacutercio de outros produtos

era proibido ldquose havia de ser tambeacutem proibido o trazer carnes do Sertatildeo e vende-las a Bahia e

Rio de Janeiro como se fazrdquo 243

O comeacutercio legal das carnes iraacute gerar outros problemas para Companhia pois se

aproveitando do expediente de ir comerciar as carnes no sertatildeo alguns comerciantes iratildeo se

valer desta liberdade para transportar produtos vedados Eacute o que afirma em ofiacutecio do ano de

1770 o entatildeo governador de Pernambuco Manuel da Cunha Meneses ao falar sobre as

ldquoperniciosas contravenccedilotildeesrdquo que se estabeleceram entre Pernambuco e Bahia atraveacutes das rotas

sertanejas O governador neste ofiacutecio afirma que ldquoos mesmos barcos dos portos livres que

vatildeo fazer as carnes ao sertatildeo [] introduzem tambeacutem fazendas pelo Siaraacute pela vizinhanccedila de

uma capitania com a outrardquo 244

Como podemos perceber atraveacutes do exposto ateacute o momento o contrabando foi uma

praacutetica recorrente e extensiva durante o periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial exercido

pela Companhia Geral Apesar do caraacuteter disperso desse tipo de praacutetica destacam-se neste

interim os circuitos desenvolvidos entre Pernambuco e Bahia Para o periacuteodo do nosso estudo

as ligaccedilotildees comerciais entre as duas praccedilas jaacute estavam solidificadas O comeacutercio entre as

capitanias vizinhas aconteciam de acordo com nossas fontes de duas formas por via direta

atraveacutes do mar e majoritariamente pelas rotas sertanejas que no seacuteculo XVIII eram pelo

menos duas ndash o ldquoCaminho do Ipojucardquo e o ldquoCaminho do Capibariberdquo - e conectavam as duas

capitanias Tendo isto em mente no proacuteximo capiacutetulo procederemos a anaacutelise dos casos

colhidos junto ao nosso conjunto documental

242

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 69 243

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 244

AHU ndash PE Cx 108 D8371

75

3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE

PRODUTOS

31 As mercadorias

Agora que jaacute vimos as possiacuteveis rotas percorridas pelos grupos de contraventores

podemos nos ater aos casos e mercadorias que nelas circulavam Como jaacute dito anteriormente

a fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral era restrita ao porto de Recife e lembramos ainda que

apesar da Companhia natildeo deter o monopoacutelio para o comeacutercio realizado nos sertotildees a partir do

ano de 1770 a empresa de maneira geral iraacute encarar todo o comeacutercio realizado fora do porto

do Recife como passiacutevel de ser enquadrado em crime de contrabando Dessa forma podemos

observar junto a nossa documentaccedilatildeo um aumento no volume de apreensotildees a mercadorias e

embarcaccedilotildees apoacutes 1770 bem como um maior empenho das autoridades locais na repressatildeo

de tal praacutetica

O que podemos afirmar atraveacutes da investigaccedilatildeo eacute que na verdade os chamados ldquoportos

livresrdquo tambeacutem seratildeo afetados pela poliacutetica monopolizadora da Companhia Geral pois na

verdade o problema maior natildeo se encontrava na realizaccedilatildeo do comeacutercio nestas regiotildees que

como jaacute vimos existia muito antes da fundaccedilatildeo da empresa Mas sim no destino que essas

mercadorias tomavam vindo invariavelmente inundar a praccedila mercantil de Pernambuco com

produtos bem mais em conta do que os vendidos pela empresa A preocupaccedilatildeo tambeacutem se

dava em sentido contraacuterio ou seja com os produtos que saiam de Pernambuco e iam

abastecer a Praccedila baiana sem passar pelas matildeos da Companhia ou mesmo se isentando de

pagar os direitos dos contratos reais

Os produtos que circulavam entre as duas praccedilas eram diversos Iam e vinham para os

portos de Pernambuco e Bahia uma grande sorte de mercadorias Satildeo aproximadamente 19 o

total de ocorrecircncias no nosso conjunto documental onde constam informaccedilotildees precisas sobre

o material apreendido nas embarcaccedilotildees capturadas pelas autoridades Alguns desses casos

possuem em seus anexos a lista de carga ou relaccedilotildees de carga onde ficam registrados todos os

produtos transportados por aqueles barcos bem como os locais de onde vieram estas

mercadorias Nelas tambeacutem eacute possiacutevel encontrar dados sobre valores unitaacuterios e totais e ainda

a respeito de quantidades

76

Eacute possiacutevel identificar a origem do produto atraveacutes do selo da alfacircndega que nele

consta natildeo era raro que o material potencialmente descaminhado chegasse sem selo algum o

que tambeacutem eacute reportado pelas autoridades quando expediam as tais listas de cargas Em nossa

documentaccedilatildeo contamos com seis relaccedilotildees de cargas que continham produtos que foram

apreendidos pelas autoridades pernambucanas por suspeita de contrabando com selos da

alfacircndega da Bahia Tomaremos como exemplo do tracircnsito de produtos entre Bahia e

Pernambuco trecircs casos deste total a fim de ilustrar a grandiosidade deste comeacutercio

A primeira lista diz respeito a uma sumaca que em 1779 foi apreendida na praia de

Pau Amarelo em Pernambuco onde estava trocando as suas fazendas de contrabando por

gecircneros da terra ldquocomo fosse tabaco sola e melrdquo 245

Boa parte da carregaccedilatildeo desta sumaca

estava sem selo ou seja eram mercadorias que aleacutem de adentrarem ilegalmente no territoacuterio

da Companhia Geral vinham sem pagar dinheiro algum a Fazenda Real Tambeacutem foram

encontrados produtos selados pela Alfacircndega de Lisboa Segue relaccedilatildeo dos produtos

confiscados que vinham com o selo da Alfacircndega da Bahia 246

Tabela 1 - Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau Amarelo)

QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO

UNITAacuteRIO

PRECcedilO

TOTAL

6

Peccedilas de Camas Listradas 800 reacuteis 48000 reacuteis

1

Peccedila de tafetaacute azul com 21 cocircvados

240 reacuteis 21840 reacuteis

1 Retalho de druguete pardo com 15

cocircvados

300 reacuteis 4500 reacuteis

22

Peccedilas de fitas matizes 1600 reacuteis 35200 reacuteis

Fonte AHU ndash PE CX 132 D 9955

A segunda ocorrecircncia versa sobre uma embarcaccedilatildeo apreendida no mesmo ano de

1779 em Sirinhaeacutem jurisdiccedilatildeo de Pernambuco Os documentos natildeo trazem muitos detalhes

sobre o caso sabemos apenas que o mestre da embarcaccedilatildeo se chamava Antocircnio Pereira mas a

lista de cargas revela a suntuosidade deste comeacutercio Consta nessa relaccedilatildeo anexa ao

245

AHU ndash PE CX 132 D 9955 246

Medidas-padratildeo comumente utilizadas nas tabelas que trabalharemos Braccedila - 184 centiacutemetros

Cocircvados - 66 centiacutemetros Palmo ndash 22 centiacutemetros Varas - 110 centiacutemetros

77

documento nada menos que 151 tipos de produtos diferentes a exemplo do caso anterior a

maior parte estava sem selo As mercadorias que tinham selo da Alfacircndega da Bahia

encontram-se na tabela abaixo

Tabela 2 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia (Sirinhaeacutem)

QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO

UNITAacuteRIO

PRECcedilO

TOTAL

4 Peccedilas de cadiaez

800 reacuteis 3200 reacuteis

6 Peccedilas de riscado de Dio

1280 reacuteis 7680 reacuteis

6 Peccedilas de riscado de Surrate

1280 reacuteis 7680 reacuteis

43 Varas de pano de linho ordinaacuterio

180 reacuteis 7740 reacuteis

4 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com

73 varas

180 reacuteis 13140 reacuteis

5 Peccedilas de tustatildeo

Natildeo consta 17500 reacuteis

9 Varas de esguiatildeo ordinaacuterio

Peccedilas de tustatildeo 3150 reacuteis

15 Lenccedilos brancos com listras azuis

ordinaacuterios

220 reacuteis 3300 reacuteis

8 Peccedilas de riscado de Dio

1280 reacuteis 10240 reacuteis

29 Peccedilas de riscado de Surrate

1280 reacuteis 37120 reacuteis

16 Peccedilas de riscado de Linho

1800 reacuteis 28800 reacuteis

1 Peccedilas de Chita da Iacutendia

Natildeo consta 6000 reacuteis

8 Peccedilas de Chita do Norte com 64

cocircvados

2000 reacuteis 4000 reacuteis

1 Retalho de Serafina Azul com 6 cocircvados

220 reacuteis 14080 reacuteis

78

1 Retalho de Durante branco com 4

cocircvados

160 reacuteis 960 reacuteis

1 Retalho de doruguete verde traccedilado 4

cocircvados

75 reacuteis 300 reacuteis

64 Peccedilas de Balagarte

100 reacuteis 400 reacuteis

1 Peccedilas de baeta verde com 54 cocircvados

800 reacuteis 51200 reacuteis

2 Peccedilas de fita de listra azul encarnado

380 reacuteis 21280 reacuteis

2 Retalho de pano de linho ordinaacuterio com

54 varas

300 reacuteis 600 reacuteis

48 Peccedilas de Cadiaez pequenas

180 reacuteis 7720 reacuteis

21 Pares de meias de linhas

800 reacuteis 38400 reacuteis

6 Peccedilas de lenccedilo ordinaacuterio com 60 lenccedilos

240 reacuteis 5040 reacuteis

1 Retalho de brim de flores com 40

cocircvados

160 reacuteis 9600 reacuteis

10 Chapeacuteus de baeta

100 reacuteis 4000 reacuteis

17 Lenccedilos azuis de tabaco

360 reacuteis 3600 reacuteis

1 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com

34 varas

160 reacuteis 2720 reacuteis

1 () 27 varas

180 reacuteis 1755 reacuteis

5 Peccedilas de Chita da Costa

180 reacuteis 4860 reacuteis

4 Peccedilas de cadiaez 3000 reacuteis

15000 reacuteis

1 Incetada de pano de linho ordinaacuterio com

72 varas

800 reacuteis 3200 reacuteis

79

1 Peccedilas de brim cru de 48 cocircvados 180 reacuteis

4320 reacuteis

1 Peccedilas de estufo de latilde encarnado 40

cocircvados

90 reacuteis 10000 reacuteis

1 Peccedilas de carro de ouro com 40 cocircvados

250 reacuteis 20000 reacuteis

16 Peccedilas de riscado Surrate

500 reacuteis 20480 reacuteis

13 Peccedilas de riscado de Dio

1280 reacuteis 16640 reacuteis

1 Peccedilas de Riscado de Linho

Natildeo consta 1800 reacuteis

33 Peccedilas de cadiaez

800 reacuteis 26400 reacuteis

2 Peccedilas de Chita

2000 reacuteis 4000 reacuteis

7 Peccedilas de Chita da Costa

3000 reacuteis 21000 reacuteis

1 Peccedilas de lenccedilos encarnados ordinaacuterios

de tabaco

160 reacuteis 1600 reacuteis

1 Peccedilas de boceta

Natildeo consta 900 reacuteis

1 Peccedilas de chita azul do norte com 22

cocircvados

220 reacuteis 4840 reacuteis

1 Retalhos de linho ordinaacuterio com 34

varas

180 reacuteis 6120 reacuteis

5 Chapeacuteus de baeta

300 reacuteis 1500 reacuteis

44 Peccedilas de pano de linho ordinaacuterio com

2052 varas

180 reacuteis 369360 reacuteis

46 Peccedilas de bertanha de Hamburgo

1200 reacuteis 55200 reacuteis

80

9 Peccedilas de Hamburgo ou aniagem

100 reacuteis 53700 reacuteis

6 Peccedilas de Riscado Patavar

2000 reacuteis 12000 reacuteis

3 Peccedilas de Riscado de Patavar

Natildeo consta Natildeo Consta

Fonte AHU ndash PE Cx133 D 9966

Por uacuteltimo trazemos o caso de uma sumaca que segundo consta vinha do porto de Una

carregada de caixas de accediluacutecar junto a duas jangadas De acordo com o governador de

Pernambuco a eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses relator do caso a Coroa ainda natildeo havia sido

possiacutevel identificar quem era o dono da dita embarcaccedilatildeo mas os produtos vinham em sua

maioria com selo da Alfacircndega da Bahia Satildeo eles

Tabela 3 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una)

QUANTIDADE LISTA DOS PRODUTOS PRECcedilO

UNITAacuteRIO

PRECcedilO

TOTAL

13 Peccedilas de Chitas da Iacutendia Ordinaacuterias

4000 52000

78

Panos da Costa 640 49920

5

Maccedilos de fitas de linho 2400 12000

1315

Duacutezia de facas flamengas 640 84160

555

Peccedilas de Linhas de Surrales 1300 721500

421

Peccedilas de Bertanhas de Hamburgo 1200 715700

56

Peccedilas de Paniclos 1200 67200

5 Duacutezias e 5 de peles de Marroquins

6400 34665

26

Peccedilas de Chitas de Surrates 1600 41600

129

Meias peccedilas de cadeas 1300 167700

81

5

Peccedilas de Linhas de Dio 2000 10000

13

Peccedilas de Procoloacutes 1300 16700

96

Covados de Chitas do Norte 320 30720

1

Peccedilas de Druguete Rei 6000 6000

1

Peccedilas de Berlanha de Holanda 2000 2000

8

Lenccedilos Vermelhos 320 2560

8

Peccedilas de camas lavradas 10000 80000

8

Varas de Esguiatildeo 480 4080

55

Covados delu felaacute 360 1980

8

Covados de Durante 240 1920

5

Covados de Sarja 320 1600

10

Varas de estamanha 400 4000

823

Covados de Camelatildeo 180 148140

1065

Varas de pano de linho da Ilha 180 192240

855

Covados de Serquilha da Ilha 120 10260

13435 Varas de pano de linho

300 403050

38

Peccedilas de Cadeaacutes 2400 91200

6

Covados de baeta com xeste 500 3000

22 Resmas de papel florete 1000 22000

82

4

Peccedilas de Linhas Patavares 2000 8000

582

Annas de Amburgo 160 93120

79

Covados de Serguilha de Franccedila 400 31600

15

Varas de Crez 100 1500

Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9245

Podemos perceber atraveacutes das listas aqui expostas a grande variedade de produtos que

circulavam entre Bahia e Pernambuco Outro dado relevante que conseguimos inferir atraveacutes

das tabelas eacute de que esse comeacutercio descaminhado estava conectado aos circuitos mercantis

atlacircnticos o que pode ser constatado pela grande variedade de gecircneros europeus constantes

nas cargas As fazendas europeias sobretudo os tecidos que aparecem em grande monta nas

listas de carga aqui transcritas eram necessaacuterios para a realizaccedilatildeo de trocas e vendas pelos

efeitos da terra Aleacutem das fazendas jaacute citadas caixas de accediluacutecar madeira tabaco escravos

mel sola e couro seratildeo uma constante na documentaccedilatildeo

A relaccedilatildeo aqui demonstrada natildeo daacute conta da grande diversidade de produtos que

transitavam entre as duas praccedilas enfatizamos apenas aqueles que aparecem em maior grau na

documentaccedilatildeo trabalhada 247

Devemos atentar tambeacutem que para efeitos praacuteticos soacute

colocamos em nossas listas de cargas produtos que vinham selados pela Alfacircndega da Bahia

mas muito provavelmente os produtos destas embarcaccedilotildees que vinham sem selo tambeacutem

fossem provenientes das paragens soteropolitanas e de seus interiores como acontece em

outros casos do nosso acervo documental 248

Em algumas ocorrecircncias junto a descriccedilatildeo das cargas constavam tambeacutem as marcas

de seus carregadores Era comum que comerciantes possuiacutessem uma espeacutecie de marca ou

247

Os documentos que fundamentam este tracircnsito satildeo numerosos e encontram-se disponiacuteveis no AHU PE AL

e BA e nos arquivos da ANTT 248

Muitos produtos de embarcaccedilotildees provenientes da Bahia chegavam ateacute Pernambuco sem selo algum Vale

ressaltar que durante boa parte do seacuteculo XVIII Salvador funcionou como um centro distribuidor dos panos

indianos produto essencial para a compra de escravos na regiatildeo da Aacutefrica Centro-Ocidental Essas fazendas

chegavam ateacute capitania baiana atraveacutes de uma rede de contrabando que ligava diretamente as possessotildees

portuguesas da Ameacuterica e da Aacutesia Sobre isto ver ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica

Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares

Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013

83

siacutembolo que eram inseridas em suas mercadorias para identificar seus produtos e facilitar as

transaccedilotildees junto a seus comissaacuterios e representantes Na nossa documentaccedilatildeo essas marcas

aparecem principalmente nas situaccedilotildees onde as investigaccedilotildees aconteceram de maneira mais

acurada Nesses casos aleacutem de relacionar as mercadorias colocava-se ao lado o siacutembolo ou

marca que nele aparecia e se possiacutevel o nome do dono Nem sempre as autoridades eram

capazes de identificar a quem pertencia determinada marca ou siacutembolo devido a

grandiosidade do mercado e de serem muitos os comerciantes atuantes na capitania

Figura 1 ndash Exemplo de marcas encontradas na documentaccedilatildeo (destacados)

Fonte AHU- PE Cx 137 D 10234

Infelizmente nem todos os relatos de contrabando trazem grande riqueza de detalhes

acerca dos eventos Isto porque nem sempre se faziam as devassas dessas embarcaccedilotildees

apreendidas e tambeacutem porque boa parte desses barcos citados pelos agentes reais natildeo

chegaram de fato a serem confiscados apenas tendo estes oficiais notiacutecias sobre os

descaminhos No entanto possuiacutemos alguns casos no nosso acervo que nos fornecem maiores

informaccedilotildees e que nos parecem ser importantes para a visualizaccedilatildeo de um panorama mais

abrangente da natureza dos descaminhos praticados nestas paragens Para efeitos praacuteticos os

organizaremos aqui sobre a forma de tabela

84

Tabela 4 ndash Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas

Legenda PO = Porto de Origem P A = Porto de Apreensatildeo P D = Porto de Destino Fonte AHU

ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 133 D 10003 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash BA Cx 181

D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 137 D 10197

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria

da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2

Eacute claro que esta tabela natildeo eacute capaz de expressar todo o volume do comeacutercio abordado

nesta pesquisa nela natildeo constam diversas outras ocorrecircncias que nos utilizamos ao longo da

redaccedilatildeo deste trabalho bem como natildeo demonstra as minuacutecias de cada caso mas ela nos serve

para pensar a ordenaccedilatildeo deste comeacutercio Como podemos observar boa parte das embarcaccedilotildees

NOME TIPO

MESTRE

PILOTOMARINHEIROS DONO P O P A P D

Galiatildeo Navio

Numeriano Gregorio

Joze da Sylva Navio Real Lisboa Recife LisboaO Senhor do Bom Jesus

das Portas Nossa

Senhora do Pilar -

Xibante Sumaca Manoel Francisco Manoel Vieira de Mello Jaguaribe Recife Bahia

Navio Novo Natildeo consta Natildeo consta

Diogo Francisco dos

Santos Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo constaNossa Senhora da

Conceiccedilatildeo Santo

Antonio e Almas Sumaca Joaquim Antonio Antonio Joze Roberto Bahia Goiana Natildeo consta

Aacuteguia do Doiro

Lancha

(pertencente a

corveta da

Companhia

Geral Aacuteguia

do Doiro) Antonio Gomes Viana Navio Real Porto - Portugal Praia da Fortaleza do Brum Natildeo consta

Jaguaribe Sumaca

Antonio Joze dos

Santos

Manoel Roiz

Lemanha e Francisco

de Passos Vianna Natildeo consta

Camarajibe - Distrito de Porto

Calvo Natildeo consta

Sagrada Famiacutelia Sumaca

Manoel Coelhos

Francisco Joze

Cardoso Manoel de

Souza e Henrique

Antonio Natildeo consta Natildeo consta Recife Bahia da TraiccedilatildeoSenhor do Bonfim Santo

Antonio e Almas Sumaca Manoel Pavatildeo Gouvea

Joatildeo Antonio

Rodrigues Natildeo consta Ilha de Santo Aleixo Bahia Nossa Senhora do

Rozaacuterio Flor de Satildeo

Miguel Sumaca Joseacute Gonccedilalves

Comerciante da

Bahia Natildeo consta Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta

Natildeo Consta Sumaca Antonio Dias Santiago

Jacomo Rumachi

Della Praccedila Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta

Natildeo Consta Sumaca

Ignacio Vicente

Fernandez

Joseacute ou Fulano de

Arauacutejo Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta

Natildeo Consta Balsas

Luiz de Franccedila

Cordeiro Manoel de

Jesus Ramos Joseacute

Rodrigues da Silva

Manoel Martins de

Almeida

Manoel Antonio dos

Santos sertatildeo Ilha do Nogueira Bahia

Escuta em Roma Natildeo consta Natildeo consta Joseacute de Aragatildeo Bahia Uma Bahia

85

que se empregavam neste ramo mercantil eram categorizadas como sumacas As sumacas

eram pequenos veleiros utilizados principalmente na navegaccedilatildeo de cabotagem

Em ofiacutecio do ano de 1775 em que o governador de Pernambuco comunica ao

secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar do Reino o envio de homens para a capitania do

Rio de Janeiro este iraacute afirmar que remeteu ldquoAo Marquecircs cento e oito marinheiros a saber

quarenta e oito por quatro sumacas em razatildeo de natildeo haver navio grande que os pudesse

transportar todosrdquo 249

Fazendo uma conta de divisatildeo baacutesica temos como resultado que a

capacidade destas embarcaccedilotildees girava em torno de 12 homens o que nos parece um resultado

bem razoaacutevel e coerente com os casos em que possuiacutemos o nuacutemero de marinheiros por

embarcaccedilatildeo

Neste mesmo documento Joseacute Cesar de Meneses remete mapa das embarcaccedilotildees

marinheiros e pescadores que possuem a capitania de Pernambuco a Corte Declara o

governador haver na ocasiatildeo sessenta e nove sumacas na capitania divididas da seguinte

forma

Tabela 5 - Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos portos do

Brasil

LOCAL QUANTIDADE

RECIFE

52

SIRINHAEM

3

IGARASSU

2

MEIRIM

1

SANTA LUZIA

4

GOIANAITAMARACAacute

2

RIO GRANDE

3

RUSSAS

1

249

AHU ndash PE Cx 120 D 9196

86

PARAIacuteBA

1

TOTAL

69 SUMACAS

Fonte AHU ndash PE Cx 120 D 9196

O documento eacute importante pois nos lanccedila pistas sobre o volume das sumacas

existentes na capitania aleacutem de nos informar que esta era o principal tipo de embarcaccedilatildeo

utilizada pelos comerciantes pernambucanos uma vez que no mesmo mapa na categoria de

ldquoclassesrdquo soacute constam mais dois tipos de barcos as corvetas que estatildeo em nuacutemero de seis e as

galeras com um uacutenico exemplar Ou seja praticamente todo o comeacutercio de navegaccedilatildeo seja

ele liacutecito ou natildeo feito em Pernambuco e suas anexas era realizado atraveacutes das sumacas que

como jaacute visto eram embarcaccedilotildees mais apropriadas para o comeacutercio de cabotagem

32 Os casos

Agora que jaacute sabemos quais produtos circulavam por estas rotas podemos nos deter

com mais detalhes na anaacutelise de alguns dos casos mais peculiares encontrados em nosso

acervo Devemos lembrar que a partir da segunda metade do seacuteculo XVIII a Coroa buscou

controlar de forma mais efetiva suas conquistas no Ultramar O comeacutercio nas colocircnias seraacute

alvo preferencial das poliacuteticas centralizadoras empreendidas neste contexto O ministro de D

Joseacute I iraacute demandar preciosa atenccedilatildeo agrave atividade comercial na tentativa de resgatar e reerguer o

comeacutercio com suas colocircnias o marquecircs buscaraacute se associar ao grupo mercantil que a eacutepoca jaacute

detinha vultosos cabedais passa entatildeo a conceder-lhes favores e privileacutegios antes reservados a

uma elite ligada a terra

O periacuteodo pombalino seraacute marcado pela alianccedila que iraacute unir a Monarquia ao grupo

mercantil 250

As mudanccedilas preconizadas por Pombal seratildeo fundamentais para a integraccedilatildeo

desses homens a chamada elite colonial Neste momento as capitanias mais destacadas do

Norte da Ameacuterica Portuguesa jaacute contavam com uma rede complexa de comeacutercio que se

estendia do Ultramar ao interior como assegura Russel-Woody ao afirmar que ldquoSalvador e

250

SAMPAIO Antonio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio e a coroa na construccedilatildeo das hierarquias sociais O

Rio de Janeiro na primeira metade do seacuteculo XVIII In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs)

Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 2010 P 462-463

87

Recife natildeo se apresentavam mais como meros portos de entrada para pessoas acometidas pela

febre do ouro expandindo igualmente seus alcances em relaccedilatildeo aos mercados internos para

produtos europeus e escravos africanosrdquo 251

Essa nova configuraccedilatildeo social que insere os homens de negoacutecio na elite traraacute junto a

si uma remodelagem nos equiliacutebrios sociais que foram construiacutedos ao longo da colonizaccedilatildeo

O que por ventura iraacute acarretar uma seacuterie de disputas entre os grupos que compunham esta

elite de um lado a nobreza da terra elite tradicional e histoacuterica do outro os homens de

negoacutecio elite mercantil indispensaacutevel para a execuccedilatildeo das reformas empreendidas pelo

governo pombalino O papel da Coroa nesse interim seraacute o de mediar os interesses e

apaziguar os conflitos agindo no sentido de garantir o funcionamento do sistema 252

A dinacircmica do comeacutercio em Pernambuco durante o periacuteodo estudado eacute complexa De

um lado temos um grupo mercantil jaacute bem estabelecido e detentor de amplo capital do outro

lado temos a implementaccedilatildeo na segunda metade do XVIII de dois organismos reguladores

do comeacutercio colonial a Mesa de Inspeccedilatildeo 253

e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba

Instituiccedilotildees criadas pela metroacutepole com o objetivo de assegurar maior controle sobre a

circulaccedilatildeo de riquezas dentro do Impeacuterio Portuguecircs canalizando-as para o Reino

Uma contradiccedilatildeo notoacuteria se estabelece entre os interesses reais e os interesses

coloniais Segundo a documentaccedilatildeo trabalhada e os recentes estudos sobre administraccedilatildeo

portuguesa no Ultramar percebemos que em Pernambuco tambeacutem se desenvolveu o processo

de aparelhaccedilatildeo das instituiccedilotildees administrativas ao atendimento dos interesses locais 254

Longos anos de autonomia das elites de Pernambuco de praacuteticas de direito oriundas de

questotildees especificas do cotidiano da Capitania de formas de realizar a riqueza no acircmbito do

local promoveram como era de se esperar muacuteltiplas reaccedilotildees

No bojo destas questotildees o contrabando como estrateacutegia de se esquivar do controle

imposto pela Coroa ganha forccedila Comecemos entatildeo a tratar sobre o contrabando de caixas de

accediluacutecar um dos produtos mais descaminhados do periacuteodo Muitos senhores de engenho se

251

WOOD-RUSSEL AJR Centros e periferias no Mundo Luso-Brasileiro1500-1808 Revista Brasileira de

Histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 n 361998 P 29 252

SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Op Cit P 462 253

A mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e Tabaco eacute criado em Pernambuco no ano de 1752 a instituiccedilatildeo reguladora

tinha como prerrogativa controlar a qualidade do accediluacutecar e do tabaco produzidos e comercializados na capitania

evitar fraudes e contrabandos agindo ainda na fiscalizaccedilatildeo e fixaccedilatildeo dos preccedilos bem como atuar no sentindo de

aumentar a cultura do accediluacutecar na capitania 254

SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do Recife agrave poliacutetica

pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime poderes e sociedades

Lisboa 2005 P 4

88

arriscaram em transaccedilotildees de venda direta de suas safras a comerciantes baianos Esses

produtores certamente se sentiam vexados em seus negoacutecios com a empresa jaacute que por

muitas vezes a direccedilatildeo da Companhia se negava a pagar o preccedilo estabelecido pela Mesa de

Inspeccedilatildeo bem como pagar os subsiacutedios sobre o produto que eram de sua responsabilidade O

contrabando com a Bahia aleacutem de dirimir os prejuiacutezos desse grupo tinha a vantagem de ser a

feito a dinheiro e natildeo a creacutedito fazendas ou letras como costumava fazer a Companhia

praacutetica que foi arduamente criticada pelos senhores de engenho ao longo do monopoacutelio

daquela empresa

Diversas satildeo as ocorrecircncias encontradas na documentaccedilatildeo que fundamentam nossa

afirmaccedilatildeo O contrabando de accediluacutecar era tatildeo notoacuterio e puacuteblico que no ano de 1780 o

contratador do subsiacutedio de accediluacutecar de Pernambuco pediu auxilio de tropas pagas ao

governador para que seus prejuiacutezos fossem dirimidos Segundo o contratador ele

experimentava muitos prejuiacutezos no dito contrato pois da Bahia vinham muitos barcos ldquoa esta

capitania carregar efeitos para aquela cidaderdquo 255

Afirmando o mesmo que jaacute haviam saiacutedo

naquele tempo de Pernambuco para Bahia ldquoquatro sumacas carregadas aleacutem de uma que

naufragourdquo 256

Ainda no mesmo ofiacutecio o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ter atendido ao

requerimento do contratador lhe concedendo ldquo24 soldados e um cabo os quais seguiram para

a vila das Alagoas a fim de evitar os extravios do accediluacutecarrdquo 257

Chegando a Ilha de Santo

Aleixo foram informados sobre duas sumacas que praticavam o pernicioso comeacutercio uma

das embarcaccedilotildees ldquocom muita prestezardquo conseguiu fugir soacute sendo possiacutevel capturar a outra

Esta outra embarcaccedilatildeo tinha por mestre Manoel Pavatildeo ldquoaquele celebre Pavatildeo que se tem feito

conhecido pelo exerciacutecio de extraviador de accediluacutecares desta capitania para Bahiardquo 258

que

aparece referenciado acima na tabela 1

De fato o nome do piloto Manoel Pavatildeo apareceraacute em outro ofiacutecio um ano antes

quando o Ouvidor das Alagoas Comarca anexa a Pernambuco iraacute relatar ao governador Joseacute

Cesar de Meneses sobre a audaacutecia praticada pelos mestres de embarcaccedilotildees e suas companhias

que se dedicavam ao comeacutercio descaminhado dando destaque naquela situaccedilatildeo para a figura

255

AHU ndash PE Cx 137 D 10197 256

Idem 257

Idem 258

Idem

89

de Pavatildeo O mestre acabou sendo preso naquela ocasiatildeo e condenado a pagar pena na cadeia

de Recife pelo crime de ldquoextraviador de efeitos para fora desta capitaniardquo 259

Segundo a devassa tirada pelas autoridades Pavatildeo era um sujeito de 44 anos casado

branco natural da Ilha de San Miguel e que ldquovivia de andar embarcado por mestre de

sumacasrdquo 260

Haacute dois anos se encontrava empregado no posto de mestre da sumaca

apreendida e durante este tempo fez nela seis viagens Sendo quatro viagens para as Alagoas

aportando em Jaraguaacute e duas viagens a Cururipe lugares do governo da capitania de

Pernambuco No processo tambeacutem consta que o mestre carregara durante essas seis viagens

90 caixas de accediluacutecar bem como madeiras que foram desembarcadas as primeiras levas no

Trapiche de Maciel (Bahia) e a uacuteltima a bordo de um navio no porto da Bahia estrateacutegia

utilizada pelo piloto para fugir da fiscalizaccedilatildeo que o governador baiano estava promovendo na

ocasiatildeo

Quando da ldquotomadia da sumacardquo em que era mestre a dita estava carregada com dez

caixas de accediluacutecar 261

que segundo Pavatildeo seriam levadas a Bahia mas antes ele pretendia fazer

uma parada no porto de Cururipe a fim de carregar madeiras O caso de Pavatildeo natildeo foi

exceccedilatildeo em nosso acervo contamos com outros documentos em que mestres ou marinheiros

destas sumacas acabam sendo detidos e se inicia processo investigativo para posterior

julgamento esse tipo de documento atesta como este ramo potencialmente ilegal do

mercadejar acabou se tornando meio de vida para uma parcela significativa de indiviacuteduos que

engendrados em suas teias faziam da ilicitude rotina Como no caso de Pavatildeo que como era

sabido pelas autoridades reais ldquohaacute anos se ocupardquo do exerciacutecio de extraviador

Muitos foram os ofiacutecios trocados entre as autoridades pernambucanas e a Corte a

respeito das medidas para tentar evitar o grande extravio de accediluacutecar durante o periacuteodo Em

ofiacutecio do ano de 1778 por exemplo o governador Joseacute Cesar de Meneses se queixaraacute da

ldquoescandalosa relaxaccedilatildeo com que nesta capitania se estatildeo fazendo os maiores contrabandos e

extravios de accediluacutecar e outros gecircnerosrdquo 262

que tinham como destino ldquoo porto da Bahia e outros

do continente da Ameacutericardquo 263

Para continuarmos no ano de 1778 em ofiacutecio enviado ao

Reino pelo ouvidor da Comarca das Alagoas este iraacute afirmar que na praia da Barra-Grande

haviam cerca de 100 caixas de accediluacutecar apreendidas a diversos comerciantes que a direccedilatildeo da

259

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 260

Idem 261

O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria

no momento da apreensatildeo 262

AHU ndash PE Cx 131 D 9892 263

Idem

90

Companhia deveria ldquomandar conduzir sem perda de tempo por seu proveitordquo 264

jaacute que as

mesmas estavam mal condicionadas e corriam o risco de se estragar

Em outro ofiacutecio em que trata do mesmo tema o ouvidor daacute detalhes sobre os

descaminhos de accediluacutecar realizados atraveacutes da Ilha de Santo Aleixo e da freguesia de Una

relatando a ousadia desses grupos que se utilizavam de diversas artimanhas para se verem

livres dos embaraccedilos causados no caso de apreensatildeo Afirma o oficial que os grupos

envolvidos naquele tipo de comeacutercio estavam ldquocada vez mais animados e atrevidos procuram

a saiacuteda dos efeitos por todos os modos e artes e forccedila pois jaacute se preparam armados e

associados para resistiremrdquo 265

A audaacutecia destes homens era tamanha que por vezes mesmo

apoacutes a apreensatildeo de seus barcos e caixas de accediluacutecar se empenhavam de todos os modos para

recuperar as mercadorias ou simplesmente fugir da tutela das autoridades como podemos

perceber em dois casos relatados pelo mesmo ouvidor da Comarca de Alagoas

O primeiro diz respeito a uma sumaca de invocaccedilatildeo Nossa Senhora do Rosaacuterio Flor de

Satildeo Miguel de quem era dono um comerciante na Bahia Ao entrar no porto de Barra Grande

a sumaca passou por fiscalizaccedilatildeo do meirinho geral da correiccedilatildeo que lhe apreendeu doze

caixas de accediluacutecar 266

bem como por medida de precauccedilatildeo e seguindo as ordens do ouvidor lhe

foi retirado o leme e colocado em poder de um morador da praia vizinha O ouvidor durante

este processo prontamente fez expedir ordem para o procurador da Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba por em arrecadaccedilatildeo as caixas de accediluacutecar apreendidas No entanto a

astuacutecia dos contrabandistas era tanta que ldquoem noite de 3 de abril precedente o mestre e a

maior parte de sua companhia vieram a terra e violentamente arrancaram o leme e

conduzindo-o a bordo levantaram acircncorardquo 267

de acordo com o ouvidor seguiram para a ldquoIlha

de Santo Aleixo porto livre e seguro destes levantadosrdquo 268

O segundo caso relatado eacute ainda de maior atrevimento Duas sumacas pertencentes a

comerciantes da Praccedila pernambucana ambas com despacho para Bahia deram fundo no porto

de Santo Antocircnio Grande Passando pela fiscalizaccedilatildeo se apreendeu junto a primeira sumaca

30 caixas de accediluacutecar jaacute a segunda ldquose achava em lastrordquo 269

ou seja estava naquele momento

sem mercadorias Na tentativa de se prevenir possiacuteveis fugas as autoridades retiraram os

264

AHU ndash AL Cx 3 D220 265

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 266

O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria

no momento da apreensatildeo 267

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 268

Idem 269

Idem

91

panos das velas das duas embarcaccedilotildees e mais uma vez foi comunicado a Companhia a

apreensatildeo das duas embarcaccedilotildees

O mestre da segunda embarcaccedilatildeo requereu diversas vezes autorizaccedilatildeo para carregar

em Pernambuco ldquoe por que se obrigou a dar fianccedila o procurador da Companhia nesta feacute lhe

baldeou para a sumaca as 30 caixas apreendidas na outrardquo 270

no entanto antes que se

concluiacutesse a carga o mestre e o restante dos marinheiros foram a terra e arrombaram a casa do

depoacutesito ldquodonde sacaram o pano que conduzido a bordo e acabado de carregar com caixas dos

contrabandistas deram a vela para a cidade da Bahiardquo 271

tudo isto ocorreu durante a noite

agindo o grupo sem ser percebido

Em ofiacutecio tambeacutem do ano de 1778 da Junta da Companhia em Portugal enviada ao

governo de Pernambuco eacute relatado caso de semelhante audaacutecia Afirma a Junta que estando

duas sumacas no Cabo de Agostinho em Pernambuco carregando caixas de accediluacutecar e outros

efeitos foi o Guarda Mor da praccedila ateacute elas fazer a apreensatildeo do dito material no entanto o

mestre da primeira sumaca em que entrou o Guarda ldquonatildeo soacute o resistiurdquo 272

a apreensatildeo como

tambeacutem apoacutes iccedilar a vela da embarcaccedilatildeo quis lanccedilar o Guarda Mor ao mar o que soacute natildeo fez

ldquopor compaixatildeordquo 273

o mandando lanccedilar em terra

Neste mesmo documento eacute relatada outra artimanha utilizada pelos contraventores

Nele eacute narrado que sendo apreendido um barco que tinha como porto de origem a Bahia

carregado com 37 caixas um feixe e um cunhete de accediluacutecar e mais 126 couros salgados na

embarcaccedilatildeo foram encontrados ldquodois despachos um de madeira para a dita cidade e outro

para o caso de ser apreendido dizer que trazia os ditos efeitos para Pernambucordquo 274

O mestre

desta embarcaccedilatildeo segundo as autoridades era um contrabandista experiente no mesmo ano

segundo consta no documento o tal mestre havia desembarcado perto da praia de Maria de

Farinha em Pernambuco ldquofazendas e escravosrdquo 275

Parece que a fuga da tripulaccedilatildeo apoacutes a apreensatildeo natildeo era coisa rara pois encontramos

em 1769 relato do governador de Pernambuco a eacutepoca o Conde de Povolide afirmando que

havia expedido ordens para que se apreendesse uma sumaca que estava no porto de

Camaragibe carregando caixas de accediluacutecar enviando para tal serviccedilo o Porta Bandeira

Francisco de Oliveira Chegando ao local o oficial fez o sequestro da embarcaccedilatildeo que no

270

Idem 271

Idem 272

AHU ndash PE Cx128 D 9737 273

Idem 274

Idem 275

Idem

92

momento da apreensatildeo estava carregada com 18 caixas e dois feixos de accediluacutecar 276

e prendeu

na mesma ocasiatildeo o mestre da embarcaccedilatildeo o senhor Joseacute dos Santos

No entanto por ldquodescuidordquo ou ldquomaliacuteciardquo dos sentinelas que faziam a guarda do preso

este conseguiu escapar indo ateacute sua sumaca e empreendendo fuga Poreacutem ldquoao sair da baiacutea

pela perturbaccedilatildeo que lhe causava a fuga deram em uns recifes de pedrasrdquo 277

Mesmo assim a

tripulaccedilatildeo conseguiu fugir utilizando as lanchas da embarcaccedilatildeo ldquotomando o caminho da

Bahia fugitivosrdquo 278

Os oficiais reacutegios envolvidos no caso tentaram ainda ir atraacutes da

tripulaccedilatildeo mas natildeo foi possiacutevel ldquopor irem jaacute mui avanccedilados na retiradardquo 279

ficando para traacutes

apenas um marinheiro ldquoque cansou no caminhordquo 280

e que foi levado para a cadeia da vila

Por vezes os contrabandos de accediluacutecar e de outros gecircneros entre as capitanias de Bahia

e Pernambuco iratildeo gerar certo conflito entre as autoridades das capitanias vizinhas que ao

que a documentaccedilatildeo tem nos mostrado usualmente discordavam sobre a questatildeo dos limites

territoriais e fiscais circunstacircncias e locais que caracterizavam o contrabando Devemos levar

em conta que as situaccedilotildees de mercado de Bahia e Pernambuco a eacutepoca eram bastante

distintas pois mesmo tendo sido capital da colocircnia ateacute o ano de 1763 e importante praccedila

comercial durante o XVIII a Bahia natildeo contava com uma companhia monopolizadora tendo

como instituiccedilatildeo fiscalizadora apenas uma Mesa de Inspeccedilatildeo 281

Dessa forma natildeo estava a

Bahia sujeita as regulamentaccedilotildees e restriccedilotildees comerciais impostas a Pernambuco e suas

anexas

Vejamos com maiores detalhes o caso da sumaca Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo Santo

Antocircnio e Almas conhecida com a ldquoescorregardquo que foi uma dessas ocorrecircncias envolvendo

controveacutersias entre as autoridades de Bahia e de Pernambuco arrolada por noacutes O imbroacuteglio

comeccedila com a apreensatildeo da embarcaccedilatildeo no dia dois de abril de 1780 quando o entatildeo

governador da capitania pernambucana Joseacute Cesar de Meneses apoacutes receber denuacutencia do

Intendente da Companhia Geral acerca de uma sumaca vinda da Bahia que estava ancorada

276

O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria

no momento da apreensatildeo 277

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 278

Idem 279

Idem 280

Idem 281

Sobre isto ver KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da

Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime

poderes e sociedades Lisboa 2005 P 1

93

no distrito de Goiana a carregar caixas de accediluacutecar envia um tenente e oito soldados de tropas

pagas ao local para fazer a apreensatildeo e tomar as providecircncias cabiacuteveis 282

Apoacutes a apreensatildeo a embarcaccedilatildeo que pertencia ao negociante baiano Antocircnio Joseacute

Roberto eacute enviada para a Vila de Recife onde Joseacute Cesar solicita que o juiz de fora do local

faccedila inventaacuterio de toda a carga confiscada Depois desse primeiro passo as caixas de accediluacutecar

encontradas na embarcaccedilatildeo satildeo avaliadas pelo presidente da Mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e

Tabaco e por fim a carga completa eacute enviada para os depoacutesitos da Companhia Geral que seria

depositaacuteria da mesma ateacute o momento da decisatildeo real No momento da apreensatildeo a sumaca

estava carregada com 81 caixas de accediluacutecar escravos cunhetes feixos de accediluacutecar e outras

miudezas como ldquoum barril de mel latas de tabaco duas peccedilas de cetim azul com flores

brancasrdquo 283

a lista de ldquomiudezasrdquo eacute grande assim como a confusatildeo gerada pelo caso

A carga retida era significativa o inventaacuterio expotildee que as mercadorias pertenciam a

carregadores diversos o que iraacute dificultar a identificaccedilatildeo destes homens aleacutem disso esta

tarefa se tornava mais complicada ldquopor costumar ser aqueles homens sertanejos que dela vem

de partes muito remotas a comprar fazendas para andarem mascateando pelos dilatados

sertotildees deste continenterdquo 284

As autoridades locais natildeo foram capazes de reconhecer todas as

marcas inseridas nos produtos e nem o dono da embarcaccedilatildeo se demonstrou interessado em

colaborar

Destacamos que a sumaca tambeacutem estava transportando passageiros que levavam

consigo cargas particulares este fato intricou ainda mais o processo pois se fez necessaacuterio

separar e inventariar estes volumes tambeacutem Os produtos e mercadorias transportados por

aquelas pessoas eram diversos A lista incluiacutea artigos como couros farinha manteiga armas

somas em dinheiro entre outros Alertamos tambeacutem para a presenccedila de carga humana o

capitatildeo Gabriel Alvarez Lima por exemplo levava ldquo17 escravos novos a saber 9 fecircmeas e 8

machosrdquo 285

outro viajente o Sr Antocircnio Pereira de Melo carregava ldquo7 escravos novos e um

ladinordquo 286

aleacutem destes dois exemplos no momento da apreensatildeo outros passageiros tambeacutem

transportavam na ldquoescorregardquo seus escravos particulares

Respondendo ao primeiro contato do governador pernambucano o Conselho

Ultramarino em 9 de julho de 1780 aprova suas accedilotildees e demandam que toda a carga fosse

282

AHU- PE Cx 136 D 10147 283

AHU- PE Cx 137 D10234 284

AHU- BA Cx 181 D 13481 285

AHU- PE Cx 136 D 10147 286

Idem

94

transferida para posse do desembargador intendente geral dos contrabandos ateacute que a devassa

iniciada na Bahia estive concluiacuteda Paralelamente a devassa baiana Joseacute Cesar lanccedila

instruccedilotildees para que o ouvidor da Paraiacuteba instaure na comarca tambeacutem uma devassa para

averiguar o caso Neste interim o dono da embarcaccedilatildeo o Sr Antocircnio Joseacute Roberto solicita

ao governador que a sumaca lhe fosse devolvida para que ele natildeo amargasse tantas perdas

com a embarcaccedilatildeo parada O pedido eacute atendido mediante pagamento da quantia de um conto e

vinte e cinco mil reis segurado por ldquofiadores idocircneosrdquo da praccedila Vale ressaltar que junto ao

valor da embarcaccedilatildeo se acresceu o valor de quatro escravos ldquoa ela pertencentesrdquo 287

Natildeo temos conhecimento a respeito da devassa iniciada pelo ouvidor da Paraiacuteba nem

mesmo se em algum momento ela chegou a se realizar 288

Jaacute sobre a devassa ocorrida na

Bahia possuiacutemos maiores detalhes A embarcaccedilatildeo que tinha como mestre no momento da

apreensatildeo Joaquim Antocircnio recebeu guia autorizando sua partida de Salvador em lastro isto

eacute sem mercadorias Durante o periacuteodo de averiguaccedilatildeo da situaccedilatildeo o dono da sumaca foi

preso no entanto antes que se fosse decidido sobre os rumos do processo o mesmo pagou

fianccedila e foi liberado 289

Durante o processo de devassa foi lavrado um libelo acusatoacuterio culpando o reacuteu pelo

crime de contrabando Os ministros que cuidaram do caso afirmavam neste documento que

Antocircnio Joseacute Roberto teria despachado a ldquoescorregardquo em lastro ldquopara vila de Goiana com o

pretexto de ir conduzir efeitos para esta cidaderdquo 290

por isso teria o acusado conseguido junto

agrave alfacircndega passaporte e os despachos necessaacuterios 291

middot No entanto durante a anaacutelise do caso

parece claro para os ministros que o dono da embarcaccedilatildeo havia agido ldquocom dolo manifestordquo

pois ldquofizera navegar por aquele mesmo tempo a dita sumaca carregada de escravos fazendas

caixas de accediluacutecar feixes cunhetes e outras miudezasrdquo 292

das quais natildeo possuiacutea as guias nem

os despachos necessaacuterios

Os ministros tambeacutem afirmam que o porto de Goiana fazia parte da aacuterea monopolizada

pela Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba logo ldquonatildeo podia o reacuteu nem devia fazer

conduzirrdquo 293

da Bahia para laacute as mercadorias encontradas a bordo da sumaca Este fato era de

287

AHU ndash PE Cx 137 D 10234 288

Ateacute o momento soacute foi possiacutevel localizar nos arquivos documentos que atestam a ordem dada pelo governador

Joseacute Cesar de Meneses ao Ouvidor da Paraiacuteba no entanto natildeo sabemos se esta foi atendida nem o que dela se

apurou 289

AHU- BA Cx 181 D 13481 290

Idem 291

Idem 292

Idem 293

Idem

95

conhecimento geral pois existiam ldquomuitas ordens expedidas sobre a mesma proibiccedilatildeordquo por

isso Antocircnio Joseacute Roberto estava ldquoincurso nas penas de perdimento (das mercadorias) e as

mais estabelecidas ao mesmo respeito pelo foral da alfacircndega enquanto aos ditos despachos e

direitos que se deveriam pagarrdquo 294

Fica evidente na documentaccedilatildeo que o comerciante baiano era um homem articulado e

que possuiacutea bons contatos dessa forma o mesmo recorre do libelo acusatoacuterio expedido a

princiacutepio Sua defesa se centrou em trecircs pontos O primeiro deles afirmava que era costume

amplamente praticado principalmente no caso de sumacas despacharem em lastro e depois

receberem mercadorias O reacuteu afirmou que as guias de tais produtos natildeo eram tiradas pois

ldquoera costume praticado por todos natildeo levarem guias das fazendas carregadas para os sertotildees e

lugares onde natildeo haacute alfacircndegasrdquo 295

e declarou ainda que ldquonatildeo haacute proibiccedilatildeo alguma de

carregar fazendas e outros efeitosrdquo 296

para os sertotildees jaacute que estes jaacute tinham pagado os

direitos fazendaacuterios nos seus portos de origem por isso ldquoa todos era permitida essa liberdaderdquo

297

Cabe destacar que no seu discurso de defesa o reacuteu insiste em frisar que o porto de

Goiana era um porto sertanejo logo natildeo sujeito ao monopoacutelio comercial praticado pela

Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto sabia que os limites de accedilatildeo

da empresa natildeo se estendiam as terras dos sertotildees No entanto eacute curioso observar que ainda

em sua defesa o acusado iraacute afirmar ter recebido notiacutecia de ldquopessoas fidedignas de

Pernambucordquo 298

que a Companhia estava extinta e que por isso se animou em carregar sua

embarcaccedilatildeo para a capitania de Pernambuco Tambeacutem declarou a seu favor que quando ficou

sabendo que a empresa ainda existia natildeo vendeu as mercadorias na capitania pernambucana

logo natildeo teria cometido o crime de contrabando

Ora os discursos se natildeo contraditoacuterios ao menos satildeo incongruentes em primeiro lugar

afirmou o negociante que aquele tipo de comeacutercio praticado nos ldquosertotildeesrdquo era livre a todos

depois declarou natildeo ter vendido suas mercadorias em Goiana para natildeo ofender o monopoacutelio

da Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto na tentativa de obter

294

Idem Sobre funcionamento administraccedilatildeo e regulamento da Alfacircndega de Pernambuco no seacuteculo XVIII

consultar OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e

tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash

Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 295

AHU - BA Cx 181 D 1348 296

Idem 297

Idem 298

Idem

96

absolviccedilatildeo a todo custo se utiliza das duas foacutermulas de forma que se a primeira falhasse

ainda ficava o reacuteu resguardado de natildeo ter praticado descaminhos da Real Fazenda

Outro ponto explorado pelos advogados do acusado em sua defesa diz respeito ao fato

de que o Procurador Geral da Companhia o senhor Manoel Joseacute de Carvalho natildeo reclamou

durante o processo de construccedilatildeo da devassa os direitos devidos da empresa no caso mesmo

que este pedido tenha sido feito pelos ministros que julgaram a situaccedilatildeo Natildeo sabemos se por

omissatildeo por conluio ou mesmo por natildeo acreditar ter se cometido no caso o crime de

contrabando o procurador nada declara a favor da empresa

No entanto eacute interessante analisarmos o comportamento do procurador tendo em

vista o principal e uacuteltimo argumento utilizado pelo reacuteu para se ver livre das acusaccedilotildees de

contrabando e descaminhos Afirmara Antocircnio Joseacute Roberto que ldquoa maior parte das caixas de

accediluacutecarrdquo 299

carregadas pela sumaca ldquoiam a entregar a Francisco Joseacute de Fonsecardquo 300

nada

mais nada menos que o proacuteprio tesoureiro da Companhia Geral e os demais efeitos seriam

entregues ldquoa diversas pessoas e negociantes todos moradores na Vila do Reciferdquo 301

De

acordo com o dono da embarcaccedilatildeo esta informaccedilatildeo estava contida nos cadernos que

transportava e posteriormente na relaccedilatildeo da carga feita pelo escrivatildeo da Conservatoacuteria da

Companhia onde era possiacutevel observar que ldquotoda a referida carga era pertencente a pessoas

daquele continenterdquo 302

A defesa do reacuteu parece ter surtido efeito jaacute que Antocircnio Joseacute Roberto foi condenando

apenas ldquono perdimento das fazendas achadas a bordo da sumacardquo 303

isto porque segundo os

ministros julgaram o costume de natildeo transportar guias das fazendas transportadas aos

pequenos portos que natildeo contavam com aparato alfandegaacuterio eram ldquoverdadeiramente abusos

e transgressotildees das reais ordensrdquo 304

Uma vez que era sabido que tirar as guias era necessaacuterio

natildeo soacute para legitimar as descargas dos produtos nos seus portos de destino mas tambeacutem para

que fosse possiacutevel identificar em qualquer parte que ldquotiveram despachos de entrada na

Alfacircndega e pagaram entatildeo os devidos direitosrdquo 305

Fora isso o reacuteu eacute absolvido de todas as acusaccedilotildees contidas no Libelo acusatoacuterio

inclusive do crime de contrabando Aleacutem da perda das fazendas ao acusado eacute ordenado o

299

Idem 300

Idem 301

Idem 302

Idem 303

Idem 304

Idem 305

Idem

97

pagamento das custas do processo 306

Pelo que podemos entender atraveacutes da leitura do

documento os escravos transportados no momento da apreensatildeo natildeo foram apreendidos pela

Real Fazenda provavelmente os ministros aceitaram a defesa do reacuteu sobre esta mateacuteria que

alegava baseado em carta reacutegia de 30 de junho de 1766 e Alvaraacute de 3 de marccedilo de 1770 que

ldquose natildeo devem direitos de saiacuteda de escravos levados para as lavouras e demais serviccedilos das

terras dos recocircncavos e sertotildeesrdquo 307

A sentenccedila inicial eacute contestada pelo reacuteu em sua defesa iraacute afirmar que as fazendas que

estavam sem as devidas guias foram todas compradas a ldquoManoel Duratildees Sampaio o qual a

despachara na alfacircndega e que se achavam seladasrdquo 308

Segundo o comerciante baiano esta

informaccedilatildeo foi omitida na relaccedilatildeo das fazendas feita no ato da apreensatildeo No entanto a

reconsideraccedilatildeo natildeo eacute aceita pelos ministros fica entatildeo decidido que ldquocumpra-se a sentenccedila

embargadardquo e que o reacuteu arque com as custas do processo 309

Pelo exposto ateacute o momento pode-se perceber como a devassa feita na Bahia acaba

por contrariar a apreensatildeo feita pelo governador Pernambucano e as demais autoridades

reacutegias da capitania que primeiro averiguaram o caso e ao que demonstra a documentaccedilatildeo

pareciam natildeo ter duacutevidas quanto agrave existecircncia da praacutetica do contrabando no caso da

ldquoescorregardquo uma vez que Goiana fazia parte do governo de Pernambuco onde a Companhia

Geral exercia seu monopoacutelio desde 1759

A contrariedade de opiniotildees das autoridades eacute notoacuteria Em ofiacutecio enviado ao Reino em

trecircs de outubro de 1780 onde trata sobre as providecircncias tomadas localmente a respeito do

caso Joseacute Cesar de Meneses afirma ter dado ordens ao ouvidor da Comarca da Paraiacuteba para

que se achem ldquoos culpados no contrabando da referida sumacardquo 310

Apoacutes a devassa realizada

na Bahia em 1781 sobre a situaccedilatildeo da ldquoescorregardquo iraacute o governador baiano o Marquecircs de

Valenccedila concluir que ldquopela sentenccedila proferida contra esse reacuteu (Antocircnio Joseacute Roberto) se

conhece bem a razatildeo porque natildeo tiveram descaminhos os reais direitosrdquo 311

Como jaacute dito anteriormente os conflitos entre as autoridades das duas capitanias natildeo

eram raros No ano de 1778 por exemplo o governador pernambucano se queixaraacute dos

306

De acordo com as ordenaccedilotildees Filipinas em Livro III Tiacutetulo LXVII quando proferida a sentenccedila final em

qualquer tipo de caso de todas as qualidades o juiz deveria condenar pelo menos no pagamento das custas do

processo o reacuteu nos casos onde o reacuteu era absolvido o autor do processo deveria arcar com esse custo 307

Idem 308

Idem 309

Idem 310

AHU - PE Cx 138 D 10248 311

AHU - BA Cx 138 D 10248

98

procedimentos adotados pelo administrador da Companhia Geral que por motivo

desconhecido se encontrava na Bahia Joseacute Cesar de Meneses faraacute seacuterias denuacutencias contra o

comportamento do administrador segundo o mesmo ldquoo administrador da Companhia Geral

que estaacute na Bahiardquo onde afirmava o governador natildeo possuir jurisdiccedilatildeo ldquonatildeo cumpre como

deve as suas obrigaccedilotildees nem cuida com verdadeiro zelo nos interesses da companhiardquo 312

O governador ainda afirmaraacute que ldquosoacute o administrador da Bahia eacute que pode com pouco

custo evitar a continuaccedilatildeo dos contrabandos e extravios dos gecircneros desta capitaniardquo 313

Joseacute

Cesar acusava o administrador de natildeo ter interesse em acabar com os contrabandos visto que

para ele a medida mais eficaz para seu combate era o de natildeo permitir a entrada na capitania

baiana dos barcos que saiam ilegalmente de Pernambuco accedilatildeo que segundo o governador natildeo

desempenhava o tal administrador 314

Em ofiacutecio do ano posterior a questatildeo da falta de jurisdiccedilatildeo na Bahia voltaraacute a tona

Segundo Joseacute Cesar o governo da Bahia andava em grande relaxaccedilatildeo no combate aos

contrabandos e ao inveacutes de conter as ilicitudes agia em sentido oposto ldquoautorizando-se a

introduccedilatildeo dos escravos que para ela se transportam da dita cidade (Recife)rdquo 315

Neste

documento como anexo encontra-se guia autorizada pelo governador da Bahia a eacutepoca

Manoel da Cunha Meneses permitindo que um comerciante baiano transportasse para

Pernambuco vinte seis escravos e quatorze escravas Accedilatildeo totalmente proibida pelos estatutos

da Companhia

Eacute patente o desinteresse das autoridades baianas em repreender tais atos O que natildeo

podemos afirmar com total certeza eacute se tal desinteresse estava relacionado aos ganhos

oriundos daquele tipo de comeacutercio para a capitania soteropolitana ou se realmente os agentes

reacutegios baianos acreditavam que aquelas negociaccedilotildees eram de fato legais Nosso palpite

baseado na pesquisa exaustiva aos documentos nos leva a crer que fosse um pouco das duas

coisas Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais nos contrabandos no proacuteximo

capiacutetulo

Retomando a anaacutelise do processo da ldquoescorregardquo conseguimos identificar dentro do

acervo dos avulsos do Arquivo Histoacuterico Ultramarino para Pernambuco uma carta do reacuteu

cerca de quatro meses apoacutes a finalizaccedilatildeo da devassa recorrendo de sua sentenccedila Vale

ressaltar que nesse momento ano de 1781 o monopoacutelio comercial da Companhia Geral havia

312

AHU- PE Cx 131 D 9892 313

Idem 314

Idem 315

AHU- PE Cx 132 D9955

99

sido extinto Neste documento Antocircnio Joseacute Roberto solicita que seja devolvida sua sumaca

com a respectiva carga que lhe foi ldquoinjustamente apreendida no porto de Goianardquo 316

e da

qual ele estava ldquoapartado haacute ano e meiordquo 317

O pedido feito pelo comerciante se respalda na sentenccedila positiva que o mesmo havia

conseguido junto aos ministros responsaacuteveis pela devassa na capitania da Bahia que julgaram

na ocasiatildeo ldquomal feita a tomadiardquo realizada pelo governador pernambucano A carta eacute extensa

e reuacutene coacutepias de outros documentos relativos ao caso o que torna um pouco confusa a

narrativa no entanto nos oferece informaccedilotildees preciosas como por exemplo a indicaccedilatildeo de

que Antocircnio Joseacute Roberto viajou ao Reino para recorrer da sentenccedila pois afirma o mesmo

que na Bahia jaacute havia obtido sentenccedila favoraacutevel e ldquono transporte a esta corte onde haacute dois

meses e meio (estou) como forasteiro diligenciando chegar a real presenccedila de V Majestaderdquo

318 continua afirmando se antepor a sua Majestade ldquopedindo somente justiccedilardquo

319

Recorria entatildeo o comerciante baiano por obter de volta suas caixas de accediluacutecares

couros e solas que estavam retidos nos armazeacutens da ldquoextinta Companhiardquo em virtude dos

muitos ldquoprejuiacutezos que tem sentindordquo 320

aleacutem da carga principal que estava em posse da

Companhia existia tambeacutem uma caixa carregada de fazendas sob os cuidados do

Superintendente Geral dos contrabandos Antocircnio Joseacute Roberto tambeacutem iraacute pleitear a

devoluccedilatildeo deste conteuacutedo Segundo o mesmo a caixa continha ldquouma insignificante porccedilatildeo de

fazendardquo 321

que os ministros haviam se esquecido de julgar e por isso a mercadoria

continuava apreendida a favor da Fazenda Real O argumento utilizado por Antocircnio Joseacute

Roberto na apelaccedilatildeo seraacute o mesmo aplicado durante o processo de devassa onde afirma natildeo

ser costumeiro levar guias de fazendas para ldquoportos onde natildeo haacute alfacircndegardquo 322

Sobre o conteuacutedo existente na caixa iraacute afirmar o comerciante que todas as

mercadorias contidas nela foram ldquodespachadas e seladas pela alfacircndega da Bahiardquo no entanto

a relaccedilatildeo que dela consta em dois documentos que tratam sobre o caso contestam essa

versatildeo Como podemos ver a seguir

316

AHU- PE Cx 0142 D 10475 317

Idem 318

Idem 319

Idem 320

Idem 321

Idem 322

Idem

100

Lista 1 ndash Fazendas encontradas na caixa

RELACcedilAtildeO DAS FAZENDAS CONTIDAS NA CAIXA

Duas peccedilas de cetim azul claro com flores brancas caixa da faacutebrica (real) ndash 101 cocircvados com

armas reais de tinta preta ndash sem selo

Duas peccedilas de camelotildees listrados ndash 80 cocircvados - com selo da alfacircndega da Bahia

Sete peccedilas de chitas encarnadas do norte ndash 170 fardas - seis peccedilas com selo da alfacircndega da

Bahia e uma sem selo

Sete peccedilas da costa - 147 jardas - com selo da alfacircndega da Bahia

Um retalho de riscado de linho - seis cocircvados - sem selo

Cinco pares de meias de algodatildeo velhas

Um lenccedilol de Hamburgo

Trecircs sacos

Duas camisas de estopa velhas

Uma toalha de Hamburgo velha

Um calccedilatildeo de ldquoduraquerdquo

Um atadouro

Duas guarniccedilotildees de camisa de caccedila

Uma caixa de papel

Trecircs navalhas de barba

Uma pedra de afiar

101

Um estojo de baeta

Uma garrafa vazia

Fonte AHU- PE Cx 0142 D 10475 AHU- PE Cx 137 D10234

Como podemos observar a tal caixa continha aleacutem de umas poucas fazendas produtos

para uso pessoal alguns jaacute bastante utilizados No entanto desses poucos tecidos nem todos

apresentavam os devidos selos reais muito provavelmente por este motivo a carga

permaneceu apreendida A apelaccedilatildeo enfaacutetica de Antocircnio Joseacute Roberto pela devoluccedilatildeo

daquele conteuacutedo que ele mesmo declara como ldquoinsignificante resto de fazendasrdquo 323

pode

nos parecer em um primeiro momento estranha mas devemos lembrar que durante todo o

desenrolar do caso o comerciante teve muitos prejuiacutezos jaacute que aleacutem de perder seus produtos

ainda teve que pagar as custas do processo

Aleacutem disso devemos ter em foco que a aquisiccedilatildeo e uso de produtos pessoais no seacuteculo

XVIII se dava de maneira bem distinta dos moldes contemporacircneos A vida uacutetil de peccedilas de

roupa por exemplo era bastante extensa portanto apesar de ldquovelhasrdquo as vestimentas

poderiam continuar a ser utilizadas ainda por um bom tempo Outros objetos como sacos

navalhas garrafa toalhas lenccediloacuteis etc tambeacutem possuiacuteam existecircncia longa sendo utilizados ao

longo de toda a vida Ateacute o momento natildeo conseguimos mapear junto ao nosso conjunto

documental a resposta do Reino a este pedido portanto natildeo temos certeza se ele foi atendido

Aleacutem de revelar aspectos da dinacircmica comercial entre Pernambuco e Bahia durante a

segunda metade do seacuteculo XVIII o caso da ldquoescorregardquo demonstra as disputas de poder

envolvendo as autoridades das capitanias vizinhas resultado de um quadro de sobreposiccedilatildeo de

jurisdiccedilotildees comum em toda a Ameacuterica Portuguesa De acordo com a documentaccedilatildeo a

capitania baiana parece ter saiacutedo ldquovencedorardquo nesta competiccedilatildeo de conflitos de interesses

uma vez que apesar dos esforccedilos empreendidos pelas autoridades pernambucanas no caso

que pareciam estar seguros sobre a existecircncia do crime de contrabando na ocorrecircncia e que

foram responsaacuteveis pela apreensatildeo catalogaccedilatildeo da carga informe sobre a situaccedilatildeo para a

Coroa e primeiras investigaccedilotildees a decisatildeo final ficou cingida aos ministros baianos Ministros

esses que ao julgarem posteriormente o caso acabaram por inocentar o reacuteu do crime de

contrabando

323

Idem

102

O contrabando de couros solas e outros gecircneros vindos do sertatildeo tambeacutem teraacute

destaque junto a documentaccedilatildeo coletada Em ofiacutecio do ano de 1778 o governador de

Pernambuco daacute conta ao Reino da apreensatildeo que fez de uma sumaca que vinda da Bahia foi

capturada no Rio Grande do Norte lugar do governo da capitania de Pernambuco A sumaca

que se chamava ldquoSagrada Famiacuteliardquo ao que consta vinha da Bahia carregada de contrabandos

que ldquoestava trocando nestes portos por diversos gecircneros como fosse tabaco e courosrdquo 324

segundo o documento depois de trocar tais produtos a sumaca iria para Bahia da Traiccedilatildeo

ldquocarregar pau-brasil para alguns dos portos estrangeirosrdquo 325

O governador toma ciecircncia do caso e envia uma tropa para apreender a embarcaccedilatildeo

Como o piloto da mesma ldquoandava oculto nesta praccedila logo que soube do embarque da tropa

partiu a dar aviso a dita sumacardquo 326

assim que souberam da notiacutecia os tripulantes da

embarcaccedilatildeo iccedilaram as velas e tentaram fugir no entanto devido ao pouco vento que se fazia

no momento natildeo conseguiram seguir com a sumaca e a abandonaram no local Parte da

tripulaccedilatildeo conseguiu escapar atraveacutes das lanchas do barco e levaram consigo ldquoalgumas

canastrasrdquo que acreditava o governador serem restos das fazendas de contrabando

A sumaca foi apreendida e levada para o porto do Recife onde foi inventariada pelo

Juiz de Fora da Praccedila No momento da ldquotomadiardquo a embarcaccedilatildeo estava carregada com 1052

arrobas de tabaco 220 couros de boi em cabelo e 11 barris de mel Os cinco marinheiros que

natildeo conseguiram fugir foram levados para Recife e ficaram presos na cadeia da vila onde

responderam a inquiriccedilatildeo feita pelo mesmo Juiz de Fora nos fornecendo maiores detalhes

sobre o caso No mesmo documento tambeacutem constam algumas certidotildees importantes como a

lista de apetrechos do barco o auto de apreensatildeo termo de entrega do barco avaliaccedilatildeo da

carga entre outros

De maneira geral os marinheiros que eram todos portugueses e segundos seus

testemunhos novatos na tripulaccedilatildeo daquela embarcaccedilatildeo iratildeo ao longo das inquiriccedilotildees

apresentar a mesma versatildeo dos fatos com maiores ou menores detalhes Testemunhavam que

estando o barco aportado no Rio Grande do Norte chegou um homem ldquoque se dizia ser piloto

do dito barcordquo 327

informando ao dono da sumaca o senhor Luiz Pereira que o barco seria

apreendido e que eles buscassem fugir poreacutem por falta de vento natildeo foi possiacutevel escapar e

324

AHU ndash PE Cx 129 D 9771 325

Idem 326

Idem 327

Idem

103

logo ldquochegaram trecircs jangadas com soldados e os fizeram conduzir a este porto (do Recife)rdquo 328

onde foram presos

Afirmam tambeacutem que a sumaca apreendida estava naquelas paragens para carregar

ldquofumo e couros em pelordquo Satildeo unanimes tambeacutem os marinheiros em atestar que o barco

naquele tempo natildeo tinha mestre 329

e quem o conduzia era seu proacuteprio dono Luiz Pereira e

ainda que o mesmo natildeo havia declarado a sua tripulaccedilatildeo o porto para onde pretendia seguir

viagem aleacutem disso atestam os tripulantes que a carga encontrada a bordo pertencia somente

ao dono da embarcaccedilatildeo

Os marinheiros asseguram ainda que na mesma jangada na qual o piloto veio dar a

notiacutecia da apreensatildeo ldquofugiram para terrardquo o dono e o dito piloto ldquolevando consigo duas

frasqueiras vazias e uma canastra com um pouco de fazenda resto de negoacutecio que ele dizia

tinha sido comprado a Companhia Geralrdquo 330

Felizmente conseguimos localizar junto ao

nosso conjunto documental cerca de um mecircs apoacutes a apreensatildeo da ldquoSagrada Famiacuteliardquo

requerimento de seus donos pedindo que lhe fossem entregues os gecircneros ou produto deles

devolvendo a embarcaccedilatildeo e ressarcindo a ambos os danos e perdas que tiveram com a

apreensatildeo

Fica esclarecido pois que a sumaca pertencia natildeo soacute a Luiz Pereira mas tambeacutem a

Francisco Joseacute de Melo seu soacutecio Segundo o documento os dois tinham contraiacutedo sociedade

para ldquodos portos daquela capitania carregarem para a praccedila todos os gecircneros e efeitos

permitidosrdquo 331

Afirmam ainda que para isso conseguiram as licenccedilas junto ao governo para

que a tal sumaca pudesse navegar para ldquoqualquer dos mesmos portosrdquo No documento os

donos datildeo detalhes sobre o roteiro de viagem seguido pela embarcaccedilatildeo que primeiramente

navegou com efeitos para Una passando depois para Barra Grande onde ldquoo suplicante tinha

de fazer dar cumprimento as despesas [] contra os seus devedoresrdquo 332

Como natildeo encontraram em Barra Grande carga suficiente seguiram para Barra de

Catuama no Rio de Tejucupapo em Pernambuco ldquoonde aleacutem de alguma lenha farinha e mel

jaacute os suplicantes tinham feito embarcar 200 arrobas de tabaco em corda e 220 couros de boi

328

Idem 329

O marinheiro Manoel de Sousa afirma que quando entrou para tripulaccedilatildeo o mestre da sumaca era Alberto

Vieira morador na praccedila do Recife poreacutem pouco tempo depois o dito mestre foi servir em outra embarcaccedilatildeo

assumindo o dono da sumaca o senhor Luiz Pereira a funccedilatildeo do mestre 330

AHU ndash PE Cx 129 D 9771 331

AHU ndash PE Cx 129 D 9792 332

Idem

104

em cabelordquo 333

mercadorias estas que haviam sido compradas nos arrabaldes de Goiana

Segundo a versatildeo dada pelos donos da Sagrada Famiacutelia a apreensatildeo do barco foi motivada

por uma denuacutencia falsa planejada por seus devedores ldquoescandalizados da cauccedilatildeo que se lhe

faziardquo 334

junto com outros inimigos do suplicante a saber Manoel da Silva Xelas e Manoel

Joseacute da Costa que se ocuparam ldquoem lhe maquinar culpas por que o fizessem prender e

satisfazer assim sua vinganccedilardquo 335

Sobre a sua fuga e tambeacutem a do mestre da embarcaccedilatildeo Luiz Pereira afirma que apesar

de natildeo ter o que recear como ldquoo mal era certo e estava a vista cuidaram em evita-lordquo 336

fugindo dessa forma em outra jangada levando consigo apenas ldquoo triste socorro de duas

canastras com sua roupardquo 337

Continua afirmando que assim que a sumaca foi levada pelos

soldados a Pernambuco logo sua carga foi posta em arrecadaccedilatildeo mesmo que natildeo houvesse

confirmaccedilatildeo nenhuma sobre o contrabando denunciado Segundo o dono da embarcaccedilatildeo ficou

sabendo a apreensatildeo se deu devido a uma falsa denuacutencia de que eles ldquoestavam carregando

naquele porto de Goiana pau-brasil para o conduzirem para as Martinicasrdquo 338

poreacutem no

momento da apreensatildeo natildeo foram encontradas as tais madeiras na sumaca

Reclamam entatildeo os suplicantes que mesmo diante da incerteza da praacutetica de

contrabando e de suas suacuteplicas e contestaccedilotildees as autoridades reacutegias deram seguimento no

processo vendendo a carga do barco Afirmam ainda que enviaram ao governador as licenccedilas

que tinham para comerciar no porto da apreensatildeo 339

como tambeacutem os motivos pelos quais

havia o mestre e o dono do barco fugido na ocasiatildeo poreacutem natildeo foram capazes de ir ao

encontro marcado pelo governador pernambucano para esclarecimentos sobre o caso nem o

mestre nem o suplicante O primeiro porque tinha ido ldquoprocurar sua vida e natildeo lhe

importavam os requerimentos dos suplicantesrdquo 340

e o segundo porque ldquoestava na cidade da

Bahia para onde tinha feito viagem no seu ofiacutecio de pilotordquo 341

Continuam alegando ter sido a apreensatildeo e arremataccedilatildeo feita pelo governador injusta e

apelam agrave Rainha por justiccedila pois perdendo suas fazendas ldquosem culpasrdquo estavam os mesmos

333

Idem 334

Idem 335

Idem 336

Idem 337

Idem 338

Idem 339

Este e outros documentos referentes ao caso estatildeo anexados ao requerimento enviado a Rainha 340

AHU ndash PE Cx 129 D 9792 341

Idem

105

ldquona consternaccedilatildeo de abraccedilarem a miseacuteriardquo 342

uma vez que jaacute natildeo tinham meios de sustentar

suas famiacutelias muito menos de bancarem uma viagem ao Reino para implorarem ldquojusticcedila e a

maternal piedaderdquo 343

da soberana Ao longo do documento os suplicantes o tempo inteiro

reforccedilam a maacutexima de que o contrabando natildeo foi comprovado

Tambeacutem asseguram que a fuga se deu pois quem estava comandando a jangada que

foi fazer a apreensatildeo era Manoel da Silva Xelas inimigo que haacute pouco tempo ldquolhes tinha

segurado que lhe diligenciava a perdiccedilatildeordquo 344

Sustentam ainda que as canastras levadas

possuiacuteam apenas roupas Terminam pedindo que se faccedila justiccedila e lhe entreguem ldquotodos os

gecircneros e efeitos apreendidos ou o seu produtordquo aleacutem eacute claro de solicitarem que o governador

devolvesse a embarcaccedilatildeo Natildeo conseguimos encontrar ateacute o momento a resposta do Reino a

tal solicitaccedilatildeo portanto natildeo sabemos se em algum momento ela foi atendida O relato

demonstra mais uma vez como a definiccedilatildeo do que poderia ser considerado contrabando era

cambiante e dificultosa como podemos ver ao longo desse trabalho vaacuterios foram os casos

onde as autoridades pernambucanas fizeram apreensatildeo e posteriormente os reacuteus apelaram a

instacircncias superiores e conseguiram absolviccedilatildeo de suas penas

Conseguimos mapear mais dois casos relevantes sobre o comeacutercio de couros realizado

atraveacutes dos sertotildees que dividiam Pernambuco e Bahia que merecem ser detalhados pois

revelam detalhes preciosos sobre os circuitos de mercancia do interior 345

Tratam-se de dois

processos crimes dirigidos agrave Conservatoacuteria da Companhia Geral em Lisboa Antes de nos

atermos aos casos cabe uma ressalva para explicar brevemente como se tratavam as mateacuterias

judiciais na empresa Quanto a questotildees de justiccedila a Companhia possuiacutea um juiacutezo privativo

para resoluccedilatildeo de assuntos que lhe dissessem respeito 346

podendo atuar ldquocom jurisdiccedilatildeo

privativa e inibiccedilatildeo de todos os juiacutezes e tribunais [] em todas as causas contenciosas em

que forem autores os reacuteus o provedor deputados secretaacuterios e mais pessoas do serviccedilo da

Companhiardquo 347

A empresa mantinha um juiz conservador em Lisboa responsaacutevel por julgar estas

causas mas as direccedilotildees subalternas como a de Pernambuco tambeacutem possuiacuteam um juiz

342

Idem 343

Idem 344

Idem 345

Os dois processos aqui citados satildeo extensos e possuem etapas e procedimentos burocraacuteticos muacuteltiplos Cada

um conteacutem cerca de 200 laudas com vaacuterias passagens em latim e tracircmites juriacutedicos Por motivos praacuteticos

optamos por fazer pequenos compilados das ocorrecircncias deixando claro que temos ciecircncia sobre a

impossibilidade de qualquer resumo expressar com precisatildeo a complexidade destes casos 346

JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004P 87-88 347

Idem

106

conservador nomeado pela Junta da empresa em Lisboa que estava apto para julgar causas

que envolvessem o montante de ateacute 300$000 reis No entanto os reacuteus poderiam recorrer de

toda forma a conservatoacuteria de Lisboa Dessa forma na maioria dos casos a apelaccedilatildeo a

conservatoacuteria da empresa em Lisboa era o uacuteltimo recurso a que poderiam valer-se os reacuteus

acusados de cometer contrabando

Estas questotildees eram reguladas pelo artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa

nele afirma-se que a Companhia era independente de todos os tribunais maiores e menores

respondendo efetivamente apenas ao Rei Em nenhum caso era admitido que ministros ou

tribunais reais se intrometessem nesta mateacuteria Isto porque o capital formador da Companhia

provinha de pessoas que a princiacutepio natildeo tinham qualquer relaccedilatildeo com a Real Fazenda dessa

forma ficava a empresa livre para ldquodispor de seus proacuteprios bens como lhe parecer mais

convenienterdquo 348

Se algum tribunal ou ministro quisesse obter informaccedilotildees de algo

concernente a administraccedilatildeo da Companhia era necessaacuterio solicitar tais informaccedilotildees a sua

Junta ou as Direccedilotildees subalternas que poderiam ou natildeo deferir tal pedido 349

De acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a empresa possuiacutea uma independecircncia juriacutedica

relativa Jaacute que apesar de natildeo estar subordinada a nenhum outro tipo de tribunal respondia a

administraccedilatildeo da Companhia imediatamente ao Rei que era o responsaacutevel por confirmar as

nomeaccedilotildees feitas pela sua Junta Aleacutem disso segundo o autor os homens nomeados para

exercer a funccedilatildeo de juiacutezes conservadores eram em sua maioria sujeitos envolvidos na

administraccedilatildeo real ocupando cargos na casa de suplicaccedilatildeo ou mesmo no papel de juiz de fora

350

Voltando para os casos o primeiro tem como personagem principal o mestre sapateiro

e comerciante de couros e solas Manoel Antocircnio dos Santos que no ano de 1777 teve 1032

meios de sola apreendidos pelo guarda mor da direccedilatildeo da Companhia chamado Joatildeo Antocircnio

Batista As tais solas estavam distribuiacutedas em cinco balsas que se encontravam no momento

da apreensatildeo quatro na Ilha do Nogueira 351

e uma no rio do Jiquiaacute Durante a accedilatildeo do

confisco boa parte das solas foi molhada tornando-se mais uma pauta para reclamaccedilatildeo do reacuteu

348

Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor

do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Artigo 12 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil

Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 349

No caso de indeferimento cabia recurso ao Rei 350

JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit P 87-88 351

Tambeacutem conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia

Teimosa no Recife Sobre isto ver PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife

2008

107

a Conservatoacuteria lisboeta aleacutem de afirmar natildeo ter praticado contrabando solicitava a

restituiccedilatildeo monetaacuteria da mercadoria avariada pois natildeo restava duacutevida ldquoque aacutegua salgada na

sola faz um grande dano e daqui resulta ou perder-se inteiramente o valor ou ficar diminuiacutedo

em parte muito consideraacutevelrdquo 352

e ainda que ldquoeste contemplado prejuiacutezo causou ao reacuteu o

acelerado procedimento do guarda morrdquo 353

As cinco balsas foram apreendidas pois existia a suspeita de que as mesmas estavam

fora da barra do porto esperando um barco que iria a Bahia transportar as solas e couros no

entanto o barco acabou se atrasando e natildeo partiu na data combinada Sendo assim a versatildeo

das autoridades era de que ldquoas balsas estavam escondidas ao peacute do Recife esperando que

saiacutesse o dito barcordquo 354

segundo consta nos autos essa afirmaccedilatildeo teria sido feito pelos

jangadeiros que conduziam as balsas a vaacuterias testemunhas que foram inquiridas durante o

processo

Na verdade aleacutem dessas testemunhas que ldquoouviram dizerrdquo um uacutenico jangadeiro iraacute

testemunhar contra o reacuteu Era ele Manoel Martins de Almeida ldquohomem branco morador na

rua da praia solteiro que vive de pescador de idade que disse ser de 47 anosrdquo 355

Manoel iraacute

afirmar que voltando ele de uma pescaria tinha encontrado quatro jangadas juntas carregadas

de sola e que na ocasiatildeo dois homens brancos dos quais ele ignorava os nomes fretaram a sua

jangada para tambeacutem a carregar com as solas e ldquoesperar ali com as mais jangadas um barco

que no dia seguinte havia sair deste Porto que ia em direitura para o da Bahiardquo 356

afirma o

pescador que natildeo chegou a receber o dinheiro combinado pelo serviccedilo pois o guarda mor da

Companhia logo apareceu e fez a apreensatildeo conduzindo os barcos para o trapiche da empresa

Os outros jangadeiros serviram de testemunhas de defesa do reacuteu as versotildees dadas por

eles eram bastante parecidas utilizaremos aqui o testemunho de Manoel de Jesus Ramos

ldquohomem preto morador na rua da praia que vive de jangadeiro solteiro de idade de 25 anosrdquo

357 para exemplificar Afirmava Manoel que por ordem do reacuteu ele e ldquomais quatro jangadas da

rua da praia foram aos Afogados junto ao Tocolombo 358

receber-lhe a sola de que se trata e

por sua determinaccedilatildeo a vinham descarregar atraacutes do coleacutegiordquo 359

continua afirmando que ldquopor

352

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 5 353

Idem 354

Ibdem f 48 355

Ibdem f 45 356

Idem 357

Ibdem f 36 358

Atual ponte Motocolomboacute que liga os bairros de Afogados e Imbiribeira no Recife 359

Refere-se a praia do coleacutegio conhecida assim por estar nas imediaccedilotildees do antigo coleacutegio jesuiacuteta do Recife

nas proximidades do bairro de Santo Antocircnio Fonte BARBOSA Virgiacutenia Igreja do Divino Espiacuterito Santo

108

ser mareacute vazia e encalhar em jangadas e fazer vento rijo se acoitaram ao peacute da Ilha do

Nogueira da parte de dentro do Reciferdquo 360

neste momento as jangadas foram apreendidas pelo

Guarda Mor da Companhia e levadas para o trapiche da empresa

Nem todas estavam no mesmo local quando da ldquotomadiardquo pois algumas delas tinham

encalhado nas coroas de areia ldquopelo rio abaixo por dentro do Reciferdquo 361

Segundo Manoel o

destino ldquoque todas as jangadas traziam por ordem do reacuteu era descarregarem por de traacutes do

coleacutegiordquo 362

Diz ainda que natildeo tinham autorizaccedilatildeo de saiacuterem de Recife ldquonatildeo soacute por natildeo haver

para que mas pelo grande risco que haviardquo 363

Tambeacutem em seu testemunho vai afirmar que

conhecia o reacuteu haacute algum tempo e que nunca tinha ouvido dizer que ele fosse contrabandista

ldquoantes o tem por homem de muita verdade e eacute mestre do ofiacutecio de sapateirordquo 364

Como dito anteriormente quase todos os jangadeiros testemunharam a favor do reacuteu

salientando que o mesmo natildeo tinha enviado ordem para que eles saiacutessem de Recife e que o

sapateiro era um homem respeitaacutevel e correto Vale ressaltar que todos eles eram vizinhos

moradores na rua da praia se conheciam e foram contratados para o serviccedilo no mesmo tempo

Coincidecircncia ou natildeo o uacutenico depoimento contraacuterio viraacute exatamente do jangadeiro que foi

contratado para o serviccedilo posteriormente e que ao que o processo indica natildeo possuiacutea relaccedilotildees

de amizade com os demais

A defesa do reacuteu iraacute se centrar em alguns pontos destacaremos os mais importantes O

primeiro seraacute o entendimento de que existiam dois tipos de delito o ldquoefetivo e o afectivordquo O

primeiro tipo se daria quando de fato o ato iliacutecito fosse concretizado ou seja o delito tivesse

sido efetivado O segundo seria a intenccedilatildeo de cometer o ato sem que se chegasse a realiza-lo

O advogado do reacuteu iraacute se utilizar desta diferenciaccedilatildeo para sustentar sua defesa pois segundo o

mesmo ldquonenhuma lei humana tem proibido e mandado punir nem pode em qualquer delito

que seja proibir ou mandar punir ao simples ato interno ou a uacutenica interna deliberaccedilatildeo dos

homensrdquo 365

isto porque ldquoo pecado de pensamento que fica no mesmo e dele natildeo sabe

absolutamente em palavra ou obra soacute pertence a Deus proibi-lo e castiga-lordquo 366

ou seja

Recife PE Pesquisa Escolar Online Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Recife Disponiacutevel em

lthttpbasiliofundajgovbrpesquisaescolargt Data de acesso 03082017 360

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 36 361

Idem 362

Idem 363

Idem 364

Idem 365

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 50 366

Idem

109

afirmava o advogado que natildeo se poderia julgar a intenccedilatildeo de um crime que natildeo chegou a se

concluir

O segundo ponto da defesa iraacute se concentrar nas condiccedilotildees mariacutetimas que

supostamente enfrentaram as balsas durante o momento da apreensatildeo Afirmam entatildeo que natildeo

era criacutevel que as cinco balsas pudessem navegar no mar de fora rumo a Bahia ou mesmo

esperar embarcaccedilatildeo que de laacute viesse Asseguram que mesmo dentro da barra ldquodeste rio que se

estaacute vendo defendido dos arrecifes natildeo estavam seguras as balsas pois ventando rijo se altera

o mesmo rio e faz maretas tatildeo fortes como laacute forardquo 367

prossegue atestando que naquelas

condiccedilotildees estavam em perigo ldquooutras embarcaccedilotildees de maior seguranccedila como estamos vendo

frequentemente quanto mais balsas que natildeo tem firmeza alguma para resistir ao mar alterado

com o vento rijordquo 368

O terceiro toacutepico da defesa era simples consistia em afirmar que os depoimentos das

testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo eram relevantes e que natildeo demonstravam que o contrabando

houvesse sido praticado Outra questatildeo levantada pela defesa foi o fato das solas na ocasiatildeo

da apreensatildeo natildeo estarem marcadas sendo assim natildeo haveria o interesse da parte do reacuteu em

fazer conduzir nestas condiccedilotildees esta mercadoria para a Bahia ldquopois indo sem marca natildeo se

podia saber de quem era nem a quem ia entregar e eis aqui um contrabando e negoacutecio

extravagante e nunca vistordquo 369

Aleacutem disso afirmam ser o produto ldquosola da matardquo

conhecidas popularmente como vaquetas artigo de comercializaccedilatildeo permitida

O argumento mais forte da defesa centrava-se na liberdade permitida pelo artigo 25

dos estatutos da Companhia ao comeacutercio realizado nos sertotildees Como jaacute visto no capiacutetulo

anterior este comeacutercio soacute passa a ser reprimido apoacutes o ano de 1770 por forccedila de um edital

lanccedilado pela direccedilatildeo da empresa em Pernambuco que por natildeo ser referendado por ordem

reacutegia natildeo possuiacutea forccedila de lei Assim sendo o advogado garantia que ldquoainda na hipoacutetese

sempre negada que o reacuteu extraviasse efetivamente a sola natildeo cometia um delito algum nem

podia incorrer nas penas do artigo 34 370

rdquo Isto porque ldquousava da permissatildeo do artigo 25 e a

liberdade do comeacutercio do Sertatildeo de que fala o mesmo natildeo se deve entender para ir somente

buscar a sola e vender a direccedilatildeordquo

367

Ibidem f 51 368

Idem 369

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 7 370

Ibdem f 52

110

O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral citado no caso prevecirc as

puniccedilotildees passiacuteveis para aqueles que fizessem comeacutercio desautorizado na capitania de

Pernambuco e suas anexas Legislando da seguinte forma

Nenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute

mandar levar ou introduzir as sobreditas fazendas secas ou molhadas nas

ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da produccedilatildeo []Sob pena

de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto importar o

seu valor [] 371

O comeacutercio realizado nos sertotildees que tinham como destino o porto do Recife onde se

deveriam trocar as mercadorias com a Companhia monopolista era considerado legal 372

Tanto que o reacuteu deste caso haacute muitos anos fazia esse tipo de negociaccedilatildeo com a empresa 373

Segundo consta nos autos do processo teria comprado Manoel Antonio dos Santos a sola

ldquoparte a dinheiro e outra parte recebeu em pagamento de coiramas de Portugal gecircnero em que

haacute muitos anos negocia com a direccedilatildeo comprando-lhes partidas avultadas de carmeiras

cordovotildees marroquins e outros gecircnerosrdquo 374

que depois ldquopelo miuacutedo vendia as tais partidas

nesta Praccedila e para fora dela [] e recebia em satisfaccedilatildeo accediluacutecares solas e outros gecircneros da

terrardquo 375

A Companhia em dois momentos iraacute rebater a defasa do reacuteu fazendo diversas

acusaccedilotildees o processo eacute extenso e possuiacute vaacuterias apelaccedilotildees e contestaccedilotildees faremos aqui um

compilado dos principais pontos apresentados pela empresa na figura do seu procurador fiscal

em Pernambuco O primeiro ponto faz referecircncia as testemunhas de defesa afirmava a

Companhia que as ditas testemunhas ldquosatildeo todas falsas apaixonadas e por dinheiro

corrompiacuteveis e a maior parte delas satildeo os mesmos jangadeiros auxiliantes e outras satildeo do

ofiacutecio de sapateiro de que eacute o embargado juizrdquo 376

Como jaacute informado o reacuteu aleacutem de negociar

com solas e couros haacute vaacuterios anos era juiz do ofiacutecio de sapateiro na praccedila como muitas

371

Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762

Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e

Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 293 372

Assunto discutido no primeiro capiacutetulo deste trabalho 373

No processo constam anexadas vaacuterias contas apresentadas pelo reacuteu discriminando produtos e seus valores

negociados ao longo dos anos com a empresa como uma espeacutecie de contabilidade pessoal 374

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 375

Idem Vale pontuar que de acordo com o artigo 33 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral a venda

em miuacutedo era permitida aos comerciantes da terra Sendo entatildeo o comeacutercio de grosso trato reservado

exclusivamente a empesa Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de

Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de

livros sobre o Brasil Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 376

Ibdem f 61

111

testemunhas de defesa possuiacuteam o mesmo ofiacutecio o procurador fiscal da Companhia iraacute acusar

Manoel Antocircnio de se utilizar de seu lugar de poder dentro daquela corporaccedilatildeo para gerar

testemunhos positivos a seu respeito

A acusaccedilatildeo encabeccedilada pelo procurador fiscal tambeacutem iraacute chamar atenccedilatildeo para o fato

de que havendo mareacute de dia o reacuteu escolheu deixar para carregar de noite o que era entendido

como atitude suspeita Contestam tambeacutem a alegaccedilatildeo da defesa de que no maacuteximo haveria se

cometido ldquocontrabando afectivordquo pois ldquose fora soacute a efetiva vontade de extraviar natildeo havia o

extraviador ter as jangadas carregadas e escondidasrdquo 377

continua sustentando que ldquose fosse

para descarregarem na praia do coleacutegio natildeo haviam estar de manhatilde ancoradasrdquo 378

Consta

tambeacutem no documento que soacute natildeo chegou a ser efetivado o contrabando porque o barco que

iria para Bahia natildeo pode partir na data prevista devido agraves condiccedilotildees da mareacute

Outro ponto levantado pela empresa seraacute a localizaccedilatildeo geograacutefica das jangadas no

momento da apreensatildeo afirmando que natildeo fazia sentido que o desembarque da mercadoria

fosse feito na praia do coleacutegio visto que ficava aquele local ldquomuito para o norte do forte (das

cinco pontas)rdquo jaacute a Ilha do Nogueira ficava ao ldquoSul do mesmo forterdquo 379

Aleacutem disso havia na

ocasiatildeo condiccedilotildees de navegaccedilatildeo para desembarcarem na praia do coleacutegio por isso natildeo fazia

sentido estarem ancoradas A empresa iraacute ainda acusar o reacuteu alegando ser ele natildeo soacute

ldquoextraviador dos efeitos desta capitania para a cidade da Bahia se natildeo que da mesma cidade

costuma introduzir contrabandos nesta capitania como fosse um lote de escravos e vendeu

uma moleca ao seu grande amigo e falsa testemunha Joatildeo Francisco Guimaratildeesrdquo 380

aleacutem da

fazenda seca que jaacute carregava

A companhia tambeacutem iraacute replicar o fato dos jangadeiros terem afirmado que estavam

parados esperando uma jangada que havia ficado para traacutes por estar encalhada declarando

natildeo haver necessidade para tal jaacute que ldquocada uma vai ganhar o seu frete quanto mais depressa

chegasse o tinha ganhado e mais depressa se recolhia a sua casa para estar pronto para no

outro diardquo 381

Ademais tambeacutem iratildeo questionar o porquecirc dos jangadeiros terem fugido pois

ldquose as ditas jangadas carregadas de sola viessem para o Recife nenhuma necessidade havia

para que os jangadeiros fugissem desamparando as suas jangadasrdquo 382

continuam garantindo

377

Ibdem f 56 378

Idem 379

Idem 380

Joatildeo Francisco Guimaratildees seraacute testemunha de defesa do reacuteu durante o processo ANTT Feitos Findos

Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 61 381

Ibidem f 55 382

Idem

112

que ldquoa causa da fuga era por estarem compreendidos na extraviaccedilatildeo sendo os condutores e

auxiliantes do extraviordquo 383

Por fim o procurador fiscal da empresa alega que o advogado do reacuteu fez maacute

interpretaccedilatildeo do artigo 25 dos estatutos da empresa uma vez que ldquoo que determina o dito

artigo eacute que possam negociar para o sertatildeo e mais portos isso natildeo se entende para fora da

capitaniardquo 384

a sola estaria entatildeo compreendida ldquono artigo 34 da instituiccedilatildeo da Companhia

Geral e suposto pelo artigo 25 da mesma seja exclusivo para todos os gecircneros e frutos da terra

soacute se deve entender para o negoacutecio dentro das suas Capitanias e natildeo para fora delasrdquo 385

Solicitam entatildeo que o reacuteu seja condenado no perdimento das mercadorias e na pena de dobro

O processo eacute longo mas de maneira geral os fatos satildeo estes o grande trunfo da defesa

eacute afirmar que a sola foi apreendida dentro de Recife onde natildeo era proibido o seu comeacutercio

sendo assim natildeo havia meios de se provar a intenccedilatildeo de extraviar e que mesmo que houvesse

a intenccedilatildeo natildeo se poderia condenar o reacuteu por isso - ldquoextravio afectivordquo No fim das contas o

sapateiro e comerciante Manoel Antocircnio acaba sendo absolvido e os apelantes satildeo

condenados a pagar ldquoas custasrdquo do processo como de costume

Outra apelaccedilatildeo crime que merece destaque dentro do nosso conjunto documental eacute

um caso do ano de 1779 que diz respeito ao processo envolvendo o barco conhecido como o

ldquoXibanterdquo de quem era dono o capitatildeo Manoel Vieira de Melo A embarcaccedilatildeo apreendida por

soldados cumprindo ordens do governador da capitania vinha do sertatildeo do Aracati Ribeira

do Jaguaribe e estava carregada de couros e solas pertencentes a vaacuterios comerciantes A

sumaca despertou a atenccedilatildeo das autoridades pois chegando ao porto do Recife natildeo entrou

logo na barra o que alimentou a suspeita de que a mesma estivesse extraviando efeitos para

os portos do sul mais precisamente para a Bahia 386

No momento da apreensatildeo o mestre da

sumaca estava em terra

Junto com a embarcaccedilatildeo foram apreendidos tambeacutem cinco escravos pertencentes ao

dono do Xibante que trabalhavam como marinheiros O dono da embarcaccedilatildeo tratou logo de

fazer solicitaccedilatildeo para soltura de seus escravos afirmando que os mesmos ldquonatildeo satildeo barco nem

carga e sim marinheiros do barco que ganham soldo cada um para seu dono e a diferenccedila que

383

Ibidem f 61 384

Ibidem f 57 385

Idem 386

Para mais informaccedilotildees a respeito do Porto de Recife no seacuteculo XVIII consultar OLIVEIRA Luanna Maria

Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-

1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de

Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 ndash 26

113

tem que marinheiro brancos eacute lucrarem estes os soldos para seus senhoresrdquo 387

Este assunto

rapidamente se resolveu pois Manoel Vieira conseguiu recuperar sua escravaria pondo o

capitatildeo Francisco de Oliveira como fiador de tais escravos estando ele responsaacutevel ainda por

entregar em juiacutezo os homens todas as vezes que assim fosse requerido

Algo curioso neste processo eacute que a embarcaccedilatildeo ficaraacute apreendida junto com a carga

apesar de encontramos outros documentos que apontam situaccedilotildees semelhantes a defesa do

reacuteu a todo o momento contestaraacute tal decisatildeo afirmando que natildeo era costume da Companhia

agir daquela forma Devido a apreensatildeo feita na embarcaccedilatildeo nos autos da apelaccedilatildeo constam

os objetos que nela existiam como toneis barricas candeeiros entre outros objetos de uso

cotidiano Consta tambeacutem nos autos a avaliaccedilatildeo do valor do barco que foi feita pelo doutor

juiz conservador da Companhia junto a um ldquocorpo de mestranccedilardquo 388

a sumaca naquela

ocasiatildeo teve seu valor estimado em um conto e cem mil reis Como jaacute dito os advogados do

reacuteu iratildeo insistir na liberaccedilatildeo do barco iniciam a defesa afirmando que no decurso de 19 anos

foram ldquotantas e tantas apreensotildees tomadias de gecircneros e contrabandos introduzidos

transportados e ocultados em barcos lanchas botes canoas jangadas e casardquo 389

no entanto

ldquonatildeo consta que tambeacutem se apreendessem as casas jangadas canoas botes lanchas e barcos

como instrumentos das extraviaccedilotildees e contrabandosrdquo 390

Isto porque segundo a defesa natildeo se

encontrava nos estatutos da empresa ordens para apreensatildeo de embarcaccedilotildees apenas a sua

carga estaria sujeita as ldquotomadiasrdquo Como comentado em nosso conjunto documental

encontramos outros casos onde as embarcaccedilotildees satildeo apreendidas junto a suas mercadorias natildeo

parecendo para noacutes que esta praacutetica fosse anocircmala

Persistindo na mesma mateacuteria o jurista alegava que ldquoa tiacutetulo de contrabando soacute

mandam as ordens reacutegias apreender e tomar embarcaccedilotildees nos portos do Brasil quando satildeo de

estrangeiros que sem faculdade reacutegia vem a eles oculta e furtivamente fazer negocio e

transportar os gecircneros do paiacutesrdquo 391

Esta ordem tambeacutem se aplicava a embarcaccedilotildees piratas e

ldquoxavecos de mourosrdquo pois aqueles eram ldquodeclarados inimigos da coroa de Portugal e seus

vassalosrdquo 392

Pedia entatildeo o advogado que fosse exonerada a fianccedila feita pelo reacuteu para receber

seu barco de volta uma vez que o Xibante natildeo era ldquoclasse assinada das embarcaccedilotildees que as

387

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 10 388

Ibidem f 11 389

Ibidem f 13 390

Idem 391

Ibidem f 13 verso 392

Idem

114

ordens reacutegias mandam apreende-las e toma-las por se ele portuguecircs e habitador desta terra e

vassalo fiel de sua majestade e natildeo estrangeiro nem piratardquo 393

Seguindo a mesma linha de defesa do caso acima descrito tambeacutem iraacute se afirmar que a

apreensatildeo da sumaca teria se dado de maneira indevida jaacute que nenhuma extraviaccedilatildeo efetiva

havia sido comprovada pois na ocasiatildeo do seu sequestro o barco estava ldquobordejando ao norte

da barra e natildeo tinha passado para o sul nem o mesmo tinha ordem do reacuteu para o poder fazerrdquo

394 e ainda que ldquoos afetos e intenccedilotildees do animo [] soacute Deus conhece e os homens penetrar natildeo

podemrdquo 395

Ou seja seguindo a loacutegica da defesa mesmo que os indiacutecios apontassem que

haveria de se cometer crime de contrabando natildeo poderiam as autoridades atuar

preventivamente

Um dado interessante sobre o caso eacute que o Xibante no momento de sua apreensatildeo

trazia passageiros a bordo A defesa afirmaraacute a seu favor que estes viajantes tinham como

porto de destino Recife aleacutem disso iratildeo alegar que a sumaca vinha em meia carga por isso

natildeo seria vantajoso comercialmente falando o envio da embarcaccedilatildeo para Bahia Assegurando

ainda que o mestre natildeo entrou diretamente no porto do Recife pois foi a terra buscar ordens

do dono da sumaca para saber qual o destino deveria tomar neste meio tempo em que o

mestre estava em terra aconteceu o apresamento

Ainda de acordo com versatildeo dada pela defesa ldquoa gente da mareaccedilatildeo vinha toda

levantada com o mesmo (mestre) por bulhas que tiveram no Aracati e para fazerem mal ao

dito foram eles os que arguiram a ida do barco para a Bahiardquo 396

Afirmam ainda que se

realmente se tivesse a intenccedilatildeo de fazer contrabando o barco poderia ter seguido para Sul

sem ficar parado a vista de todos naquela barra e que o reacuteu natildeo tinha culpa da ignoracircncia de

seu mestre uma vez que natildeo havia expedido ordens que autorizassem a ida para Bahia

Ressaltamos que alguns passageiros do barco confirmaram a afirmaccedilatildeo do desentendimento

entre os marinheiros e o mestre da embarcaccedilatildeo sem explicar ao certo o porquecirc de tal rusga

Tambeacutem como no caso acima a defesa iraacute se utilizar do artigo 25 dos estatutos da

empresa para defender que aquele comeacutercio feito nos sertotildees era livre e que a Companhia soacute

passou a reprimi-lo posteriormente Denunciam ainda que mesmo apoacutes a dita proibiccedilatildeo era

notoacuterio e sabido por todos que os deputados da empresa ldquopara seus negoacutecios particulares tem

393

Idem 394

Idem 395

Ibidem f 14 396

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 14

115

sempre carregado solas e couros do sertatildeo para a Bahia e para o Riordquo 397

sendo assim se

julgassem justa a dita proibiccedilatildeo natildeo deveriam continuar a praticar aquele comeacutercio ldquopor serem

executores da instituiccedilatildeo ou obrigados a executa-la se entendessem ser justa e legalrdquo 398

Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais e oficiais e deputados da proacutepria

companhia no comeacutercio descaminhado mais profundamente no proacuteximo capiacutetulo

Todos os pontos alegados acima seratildeo sustentados pelas testemunhas de defesa

durante as inquiriccedilotildees destacando sempre que ldquoantes da Companhia sempre houve comeacutercio

dos gecircneros do sertatildeo que satildeo couros e solas para a Bahia e para o Rio de Janeirordquo 399

e que

apenas depois de nove ou dez anos dela jaacute estabelecida se passou a impedir aqueles negoacutecios

sertanejos Esta versatildeo dos fatos tambeacutem eacute confirmada por um dos passageiros que estava no

barco no momento do sequestro Durante o processo seratildeo coletados ainda os testemunhos de

homens que estavam trabalhando na construccedilatildeo de uma casa para o reacuteu em Igarassu 400

estes

iratildeo afirmar que apoacutes receber carta do mestre do barco Manoel Vieira natildeo havia autorizado a

ida do Xibante para Bahia

O processo eacute bastante detalhado e aleacutem de conter toda a relaccedilatildeo da carga e suas

respectivas marcas traz em anexo importantes documentos encontrados dentro da

embarcaccedilatildeo a saber cartas e comentaacuterios Estas cartas foram escritas pelo filho do dono do

barco Andreacute Vieira Melo 401

ao mestre da embarcaccedilatildeo e foram inseridas nos autos pois

apesar do conteuacutedo pessoal tratavam de maneira geral sobre negoacutecios e foram utilizadas como

provas contra o reacuteu jaacute que constavam nelas o destino seguinte da embarcaccedilatildeo e outras

informaccedilotildees pertinentes A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo dos assuntos tratados nestes documentos

traremos aqui uma das cartas de Andreacute Vieira ao mestre da embarcaccedilatildeo

O remetente pedia que chegando a embarcaccedilatildeo a cidade da Bahia havendo ldquoocasiatildeo de

navio para Benguela me faraacute mercecirc comprar um escravo de Benguela do tamanho do Leandro

ou maior pouco que seja mesmo Benguelardquo 402

continua instruindo que quem deveria tratar

397

Ibidem f 14 verso 398

Idem 399

Depoimento da testemunha Francisco Brito homem branco casado morador fora da porta da vila que vive de

andar embarcado de idade de 30 anos Ibidem f 25 verso 400

Satildeo eles Joseacute da Costa homem preto solteiro morador em Igarassu oficial de pedreiro de idade de 35 anos

e Antocircnio Rocha homem pardo casado morador em Igarassu oficial de carapina de idade de 33 anos ANTT

Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 23 ndash 25 401

Durante o processo eacute informado que Andreacute Vieira de Melo havia trabalhado como piloto da Companhia

Geral mas foi dispensado do serviccedilo pois nas trecircs viagens que fez pela empresa teve prejuiacutezos o que causou a

desconfianccedila de seus superiores por ser ldquocaso estranho em trecircs viagens e em trecircs diferentes embarcaccedilotildees se

contar semelhante homem soacute com perdasrdquo 402

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 34

frente e verso

116

dos negoacutecios era o senhor Antocircnio Joseacute e estando os escravos baratos deveria comprar ldquomais

um moleque mais grande que o Leandro que eacute para o barco seja bem feitordquo 403

pedia ainda

ldquouma pessoa da linhagem de Luandardquo 404

advertindo quanto ao preccedilo de tais homens

Prossegue pedindo ainda que se compre um calccedilatildeo e uma camisa a cada um dos escravos e

que lhe sirvam algum mel Por fim despede- se de maneira cordial

Os comentaacuterios seguiam um esquema bastante parecido entre si e eram um hibrido

entre recibo e contrato trocado entre o mestre da sumaca e os carregadores da mesma

Continham informaccedilotildees padratildeo informadas pelo mestre da embarcaccedilatildeo mais instruccedilotildees

relativas a carga Como no exemplo abaixo

Digo eu abaixo assinado Mestre que sou da sumaca por invocaccedilatildeo Nosso

senhor bom Jesus das Portas e Nossa senhora do Pilar 405

que ao presente

estaacute surta e ancorada neste porto de Jaguaribe para com o favor de Deus

seguir viagem ao da cidade da Bahia onde eacute minha direita descarga que eacute

verdade que recebi e tenho carregado na dita sumaca debaixo de coberta

enxuta e bem acondicionada de Manoel da Costa marcados com a marca a

margem que declarou fazer por sua conta e risco a entregar na mesma cidade

em nome dele carregador Antonio de Oliveira Leite ao que promete levando

a salvamento para que obrigo minha pessoa e bens e a dita sumaca pagando-

me de frete de cada praccedila nove vinteacutens E para clareza passei dois de um teor

somente por mim assinados que um cumprido outro natildeo valha digo natildeo

valeraacute Aracati 28 de marccedilo de 1779 Satildeo 79 meios de sola e 3 couros de boi

com a marca A+ Manoel Francisco Xelas 406

Os argumentos utilizados pela Companhia para enquadrar o caso do Xibante no crime

de contrabando seratildeo diversos primeiramente a empresa por meio de seu procurador fiscal

afirma ficar constatado que a embarcaccedilatildeo tinha como destino a capitania baiana e que o crime

soacute natildeo se efetivou por ter agido a fiscalizaccedilatildeo primeiro Eacute necessaacuterio atentar para o fato de

que a saiacuteda destes produtos em direitura para Bahia era considerada como contrabando pela

Companhia mesmo a empresa natildeo possuindo o monopoacutelio do comeacutercio realizado nos sertotildees

Isto porque a interpretaccedilatildeo do procurador fiscal da empresa para o artigo 25 dos estatutos da

Companhia que legislava sobre esta mateacuteria era de que esses negoacutecios eram livres para

serem feitos apenas internamente ou seja limitados aos sertotildees que estavam sob jurisdiccedilatildeo do

governo de Pernambuco

403

Idem 404

Idem 405

Nome oficial da sumaca que tinha por alcunha o ldquoXibanterdquo 406

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 38

verso

117

O procurador tambeacutem iraacute se utilizar dos testemunhos dos marinheiros do barco

mesmo daqueles que eram escravos pois mereciam os ditos escravos ldquocreacutedito por serem

marinheiros do mesmo barcordquo 407

e se por direito natildeo eram testemunhas vaacutelidas naquele caso

deveriam ser levados em consideraccedilatildeo uma vez que ldquoficam supridos os seus defeitos com os

depoimentos das outras testemunhasrdquo 408

Quanto a contestaccedilatildeo do reacuteu sobre as leis de

apreensatildeo de embarcaccedilotildees soacute serem vaacutelidas para navios estrangeiros afirmam que quando

ldquocompreendidas com extraviaccedilatildeo e contrabandos assim como aconteceu com o barco do reacuteurdquo

409 as embarcaccedilotildees portuguesas tambeacutem poderiam ser detidas

A defesa de Manoel Francisco iraacute recorrer novamente das acusaccedilotildees poreacutem a

argumentaccedilatildeo permanece praticamente a mesma enfatizando um ou outro ponto e

acrescentando poucas informaccedilotildees novas Daacute ecircnfase a questatildeo do ldquodelito afectivordquo afirmando

que ldquosoacute Deus conhece soacute a divina justiccedila pune os maus pensamentos os desordenados afetos

vis sinistros conatos e as maleacutevolas intenccedilotildees mas natildeo os homens nem a justiccedila humanardquo 410

isto porque ldquonatildeo haacute lei que a esta permita semelhante conhecimento e puniccedilatildeo da privativa

jurisdiccedilatildeo e regalia de Deusrdquo 411

A loacutegica do argumento eacute bastante simples afirma que natildeo se

pode punir um crime que natildeo aconteceu como tambeacutem alega ser impossiacutevel que a direccedilatildeo

posto que humana fosse capaz de conhecer as intenccedilotildees do mestre do barco jaacute que ldquoo

pensamento o afeto o conato e a intenccedilatildeo do reacuteu era impeacutervia e inacessiacutevel ao conhecimento

e puniccedilatildeo da Justiccedila humanardquo 412

Quanto a questatildeo dos testemunhos dos escravos a defesa do reacuteu iraacute recorrer alegando

que segundo as ordenaccedilotildees Filipinas os juramentos ldquodos pretos e servosrdquo natildeo deveriam ter

valor Jaacute que as ordenaccedilotildees postulam que ldquoos escravos natildeo podem ser testemunhas nem seraacute

perguntado geralmente em feito algum salvo os casos por direito especialmente

determinadosrdquo 413

De acordo com Adriana Campos 414

no Brasil a tradiccedilatildeo romana foi

responsaacutevel por emprestar os fundamentos baacutesicos da legislaccedilatildeo voltada para a questatildeo da

escravidatildeo Em linhas gerais segundo esta tradiccedilatildeo natildeo teriam entatildeo os escravos

407

Ibidem f 43 verso 408

Idem 409

Ibidem f 45 410

Ibidem f 55 411

Idem 412

Ibidem f 55 verso 413

Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI P647 Disponiacutevel em

httpwww1ciucptihtiprojfilipinasl3p647htm Data de acesso 02082017 Infelizmente natildeo conseguimos

identificar os casos especiais reportados pelas ordenaccedilotildees 414

CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito Santo do seacuteculo XIX

Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003

P 62 ndash 64

118

personalidade poliacutetica o que os impediria de se tornar parte de processos ciacuteveis Poreacutem essa

realidade segundo a autora era alterada no direito penal quando os escravos poderiam tornar-

se sujeitos e responder criminalmente 415

Apesar da Companhia possuir uma administraccedilatildeo

juriacutedica privativa acreditamos a mesma estava sujeita as legislaccedilotildees e aparato juriacutedico da

eacutepoca portanto deveriam obedecer de maneira geral as ordenaccedilotildees Filipinas e as tradiccedilotildees

do direito romano

A defesa tambeacutem iraacute contestar o uso das cartas do filho do reacuteu como prova

incriminatoacuteria argumentando que Andreacute Vieira natildeo era dono da embarcaccedilatildeo logo natildeo tinha

ele poder de determinar para onde seguiria a sumaca Sendo assim natildeo teriam as cartas forccedila

para atestar a efetividade da atividade iliacutecita Ainda no assunto das cartas e comentaacuterios a

defesa apresenta como anexos outros comentaacuterios onde o mestre da embarcaccedilatildeo atesta estar

se dirigindo para o porto do Recife Posteriormente a Companhia iraacute contestar esses

documentos afirmando serem falsos Diz a empresa atraveacutes de seus representantes que sobre

aqueles documentos natildeo se ldquopodia dar feacute e creacutedito tambeacutem pode ser que se passassem

naquele sertatildeo do Aracati em tempo que o destino do Mestre fosse seguir derrota para este

porto (do Recife)rdquo 416

Por fim a defesa do reacuteu destaca que os couros e solas encontrados na sumaca natildeo

eram mercadorias vedadas de serem trazidas do sertatildeo para o porto do Recife pelo contraacuterio

alegam que a empresa desejava ldquoque venham muitos para o seu negoacuteciordquo 417

Afirmam ainda

que mesmo que os gecircneros estivessem sendo levados para Bahia ldquonatildeo eacute terra de inimigos

aquela cidade nem os couros e solas satildeo coisas proibidasrdquo 418

Continuam sustentando que a

proibiccedilatildeo vigente legislava apenas quanto a extraviaccedilatildeo destes gecircneros e natildeo o comeacutercio dos

gecircneros em si Como maneira de atestar tal diferenciaccedilatildeo afirmam que ldquouma coisa eacute ser

proibida somente a extraviaccedilatildeo e outra coisa eacute serem tambeacutem proibidos os gecircneros por haver

miacutenima disparidade de um caso ao outrordquo 419

Dessa forma como o barco do reacuteu foi

apreendido em aacuteguas pernambucanas natildeo estaria incurso nas penas regidas pelo artigo 34 dos

estatutos da Companhia

O caso eacute longo e arrastado mas os fatos satildeo basicamente os expostos acima No fim

das contas mesmo tendo sido o reacuteu e seu filho acusados de praticarem contrabando natildeo soacute

415

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 27

verso 416

Ibidem f 67 417

Ibidem f 59 418

Ibidem f 60 419

Idem

119

neste caso como tambeacutem de terem levado no mesmo ano dois barcos com escravos para

Bahia e ainda expor o procurador fiscal da Companhia que o filho do acusado negociava

escravos em Igarassu e Tracunhaeacutem para depois ir vendecirc-los na Bahia foi Manoel Vieira apoacutes

3 anos de processo absolvido pela conservador da direccedilatildeo lisboeta

Como jaacute dito os contrabandos eram realizados natildeo soacute no grosso trato como nos casos

demonstrados acima mas tambeacutem no miuacutedo Vaacuterias seratildeo as referecircncias na documentaccedilatildeo

desse tipo de praacutetica que incluiacuteam os proacuteprios oficiais dos navios reais que tanto traziam de

Portugal fazendas europeias para venda na capitania pernambucana como levavam produtos

da terra para Europa Iremos tratar de dois casos colhidos dos fundos da conservatoacuteria da

Companhia em Lisboa que confirmam este movimento de comeacutercio de pequena monta

O primeiro deles ocorrido no ano de 1774 envolve o despenseiro do navio real Nossa

Senhora dos Prazeres o senhor Joatildeo Marques Cunha Que foi acusado de introduzir no navio

em que servia trecircs volumes com fazendas de contrabando A carga apreendida nestes trecircs

volumes era a seguinte 106 peccedilas de bertanha de Hamburgo 27 peccedilas de chita 6 peccedilas de

lenccedilos azuis 13 peccedilas ditas do Norte com cercadura 10 peccedilas de cangas azuis 5 ditas

lavradas e um garrafatildeo de aguardente As mercadorias foram avaliadas na ocasiatildeo em 600 reis

420

De acordo com o libelo acusatoacuterio lavrado contra o reacuteu o crime teria acontecido da

seguinte forma ainda em Lisboa eacute acusado Joatildeo Marques de introduzir no navio os volumes

de ldquofazendas secas das reprovadas e proibidasrdquo 421

chegando ao porto do Recife teria o

despenseiro feito conduzir as tais fazendas para a lancha de outro navio real a saber o navio

Luz Para tal feito acusava-se de tecirc-lo ajudado o guarda da Alfacircndega Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo

que foi preso junto com o despenseiro Pedia entatildeo a Companhia que o reacuteu respondesse de

acordo com as penas contidas no artigo 34 dos estatutos da empresa

Durante o processo seratildeo escutadas as testemunhas de defesa e de acusaccedilatildeo As

testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo de maneira geral referendar o exposto no libelo acusatoacuterio

Incluindo os capitatildees dos dois navios envolvidos no caso Diraacute o capitatildeo do navio Nossa

Senhora dos Prazeres que ldquoJoatildeo Marques despenseiro [] foi quem introduziu o contrabandordquo

422 e que para isso contou com a ajuda de Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo guarda da alfacircndega que foi

quem ldquolevou as fazendas e a tirou do navio Prazeres e as transportou no catraio do mesmo

420

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 7 421

Idem 422

Ibidem f 17 verso

120

navio para o navio Nossa Senhora da Luzrdquo 423

Joseacute Gomes Ribeiro capitatildeo do navio Luz

tambeacutem acusaraacute o despenseiro como autor do iliacutecito atestando que ouvira dizer por moccedilos

que serviam no seu navio que Joatildeo Marques era o responsaacutevel pelo contrabando que se

apreendeu na lancha do navio Luz 424

O depoimento padratildeo das testemunhas de acusaccedilatildeo afirmava basicamente que as

fazendas apreendidas teriam sido introduzidas no navio Luz pelo guarda da Alfacircndega Joatildeo

da Ressurreiccedilatildeo e que elas pertenciam ao despenseiro do navio Nossa Senhora dos Prazeres

Joatildeo Marques Complementam afirmando que para este transporte utilizaram a lancha que

leva a pedra de descarga do navio e quem as conduziu e tomou conta delas na lancha foi o

marinheiro ldquoTiatildeordquo sem a ciecircncia do patratildeo mor Algumas testemunhas tambeacutem iratildeo afirmar

que quando o escaler da ronda atracou na lancha para fazer a apreensatildeo o marinheiro Tiatildeo foi

ao encontro do guarda mor ldquorogando-lhe dissimulasse a passagem livre da dita fazendardquo 425

As testemunhas de defesa tambeacutem iratildeo depor de maneira parecida Em seus

testemunhos alegam que o reacuteu era despenseiro de navios reais haacute mais de 13 anos e que

nunca havia sido acusado de contrabando que soacute costumava trazer de Lisboa os gecircneros

liberados alguns companheiros de tripulaccedilatildeo iratildeo afirmar que natildeo viram o reacuteu introduzindo

fazendas proibidas em Lisboa etc Merece destaque nos depoimentos a menccedilatildeo de que o reacuteu

possuiacutea diversas inimizades na embarcaccedilatildeo isto porque administrava os recursos do barco

com zelo os tripulantes ldquomuitas vezes lhe pediam vaacuterias coisas e o reacuteu natildeo lhes dava pelo

que dele natildeo gostavamrdquo 426

Nestes testemunhos eacute lanccedilado no caso um novo suspeito Joseacute

Ribeiro marinheiro do navio Luz que segundo as testemunhas de defesa estava na lancha em

que as fazendas foram apreendidas e era o real autor do crime

As testemunhas iratildeo afirmar ainda que o despenseiro natildeo estava na lancha no

momento da apreensatildeo e que Joseacute Ribeiro o verdadeiro culpado chegou a oferecer dinheiro

ao sargento que fez a ldquotomadiardquo Aleacutem disso contra Joseacute Ribeiro pesava o fato de momentos

depois da apreensatildeo ter o mesmo voltado a um escaler do navio Luz e lanccedilado ao mar um

saco de pimentas 427

por medo que tinha que os soldados da guarda do trapiche dessem busca

no escaler este saco foi encontrado posteriormente em uma praia por ldquoum pretordquo Ainda

423

Idem 424

Idem 425

Depoimento de Joatildeo Fernandes homem branco solteiro natural da freguesia de satildeo Miguel de Carreiras do

Arcebispado de Braga moccedilo do serviccedilo do navio Luz de idade de 23 anos pouco mais ou menos Ibidem f 27

verso 426

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 13 427

Esta afirmaccedilatildeo aparece nos depoimentos de vaacuterias testemunhas Lembramos que as pimentas estavam

inseridas no rol de produtos vedados

121

segundo as testemunhas assim que ficou sabendo do iniacutecio do processo de devassa para se

apurar o caso de contrabando o tal marinheiro teria fugido para Bahia e desaparecido atitude

que segundo as testemunhas reforccedilava sua culpa

A defesa do reacuteu iraacute se utilizar de todos os pontos positivos trazidos pelos testemunhos

durante os inqueacuteritos reforccedilando o fato de que o reacuteu natildeo estava na lancha no momento da

ldquotomadiardquo estando ele ldquoa bordo do navio Prazeres e o maior sinal da sua inocecircncia foi natildeo se

retirar desta praccedila sendo-lhe noticiada a devassa e que a ele imputavam o mencionado

contrabandordquo 428

sublinhando que o reacuteu natildeo fugiu pois nada temia Punham entatildeo a culpa no

mencionado Joseacute Ribeiro que naquele momento estava ainda sumido

A defesa tambeacutem iraacute afirmar que os depoimentos das testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo

eram conclusivos e em nada prejudicavam o reacuteu pois para que o despenseiro fosse

condenando natildeo bastavam indiacutecios ou conjecturas para a condenaccedilatildeo se fazia necessaacuterio a

existecircncia de ldquouma prova plena legal contundente e mais clara do que a luz do meio diardquo 429

coisa que natildeo constava nos inqueacuteritos visto que muitas testemunhas iratildeo depor ldquode ouvidardquo

ou seja afirmavam saber do fato por ouvirem dizer a um terceiro o que acaba fazendo com

que estas declaraccedilotildees percam forccedila

Outro argumento interessante lanccedilado pela defesa eacute a afirmaccedilatildeo de que se as fazendas

de fato fossem do reacuteu teria ele agido de maneira mais inteligente para natildeo ser pego Isto

porque asseguravam que considerando que as fazendas fossem do despenseiro natildeo era criacutevel

que as mandasse para outro barco a outra pessoa pois esta accedilatildeo tornaria a situaccedilatildeo

potencialmente mais arriscada do que simplesmente enviar as mercadorias para terra Atestam

ainda que ldquoeacute certo que quando eacute costumado a praticar contrabandos todo o seu desiacutegnio eacute por

em salvo as fazendas com toda cautelardquo 430

isto ldquopara a natildeo perderem que eacute o menos para natildeo

pagarem o dobro para natildeo padecerem o rigor da prisatildeo em terra estranha e natildeo sofrerem as

avultadas despesas que trazem consigo os tais contrabandosrdquo 431

Tambeacutem alega que o caso teria sido orquestrado pelo mestre do navio Prazeres que

tinha ldquoconhecida inimizaderdquo pelo reacuteu pois queria o tal capitatildeo ldquogastar com excessiva largueza

os mantimentos da despensardquo 432

e o reacuteu zeloso do seu ofiacutecio tratava de administrar sem

estrago e excesso os mantimentos Entatildeo o capitatildeo do Prazeres teria em conluio com o capitatildeo

428

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 49

verso 429

Ibidem f 50 430

Ibidem f 51 431

Idem 432

Idem

122

do Luz armado contra o reacuteu Mesmo que a eacutepoca segundo relatos das testemunhas os dois

estivessem ldquodivorciadosrdquo o capitatildeo do Luz querendo se isentar da ldquomaacuteculardquo e maacute fama de ter

sido encontrado contrabando no seu navio topou se unir ao seu companheiro e ldquose viram em

beneficio proacuteprio e grave prejuiacutezo do reacuteurdquo 433

Apesar dos argumentos consistentes da defesa o processo contou com diversas

apelaccedilotildees ateacute a sentenccedila final Na uacuteltima apelaccedilatildeo iraacute a defesa declarar que ldquoo embargante eacute

um homem casado nesta Corte com filhos acha-se pobre e preso e ficaraacute inteiramente

destruidiacutessimo havendo-se dele o dobro que certamente natildeo deve porque natildeo eacute o cumplice

daquele contrabandordquo 434

Por fim em 29 de abril de 1775 Joatildeo Marques eacute absolvido pois

havia duacutevidas das autoridades quanto a autoria do crime e nesse caso natildeo deveria entatildeo ser o

despenseiro condenando No entanto ficou o mesmo encarregado do pagamento das custas do

processo como era de costume

O outro caso trata-se de uma apelaccedilatildeo crime onde era apelante a justiccedila e o procurador

fiscal da direccedilatildeo subalterna de Pernambuco contra o reacuteu Euseacutebio Alvarez da Costa O caso eacute o

seguinte o reacuteu que era alferes de auxiliares tinha em seu poder uma portaria passada pela

Companhia geral pois haacute alguns anos atraacutes tinha auxiliado aquela empresa a resgatar uns

escravos que haviam sido furtados Como sabia onde estes escravos estavam todos jaacute em

poder de terceiros cedeu a direccedilatildeo tal documento para que o alferes auxiliado por militares

fizesse o resgate dos tais escravos

O reacuteu entatildeo eacute acusado de continuar a se utilizar desta portaria em benefiacutecio proacuteprio

Isso porque fingindo ser agente da direccedilatildeo da Companhia Euseacutebio Alvarez prendia

comerciantes e mascates que vinham da Bahia trazendo contrabando e para solta-los exigia

pagamento tambeacutem em produtos vedados Diz o procurador fiscal da Companhia que o reacuteu

era acostumando a cometer ldquosimilares malefiacuteciosrdquo que eram puacuteblicos e notoacuterios nas freguesias

de Ipojuca Cabo e Sirinhaem e ainda ldquoque o reacuteu vive destas e de outras ladroeiras fazendo-se

agente da direccedilatildeo e intimidando com a portaria do senhor generalrdquo 435

O caso especiacutefico que eacute objeto desta apelaccedilatildeo envolve o mascate Joatildeo Manoel que

trazendo fazendas de contrabando da Bahia para Pernambuco foi apreendido pelo reacuteu que se

fez passar na ocasiatildeo por oficial da Companhia apresentando a portaria que possuiacutea O

mascate segundo a denuacutencia foi libertado pelo reacuteu mediante pagamento feito atraveacutes de ldquoduas

433

Idem 434

Ibidem f 92 verso 435

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1 f 9

123

peccedilas de riscado da Iacutendia e uma letra de 14 ou 16 mil que devia Joatildeo Paes filho de dona

Joanna moradora na lagoa do Cabordquo 436

Tendo o crime sucedido em julho ou agosto do ano

de 1776 Foi entatildeo Euseacutebio Alvarez preso para que se tirasse devassa do caso

Praticamente todas as testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo afirmar a mesma coisa

sustentando a versatildeo descrita acima afirmam que apresentando o reacuteu a portaria para o

mascate Joatildeo Manoel que trazia produtos vedados da Bahia soacute o autorizou a passar quando

este lhe deu duas peccedilas de riscado e umas letras Algumas testemunhas como Ignacio Correa

Teixeira 437

por exemplo iratildeo declarar que uma dessas peccedilas de riscado teria sido comprada

pelo reacuteu Versatildeo reforccedilada tambeacutem por Jeronimo Joseacute Cavalcanti que inclusive assegura ter

tentado comprar do mascate o mesmo tipo de peccedila de riscado que Euseacutebio Alvarez havia

adquirido pelo valor de sete patacas e meia 438

Os depoimentos das testemunhas de defesa iratildeo se encaminhar no sentido de informar

que o reacuteu era um homem iacutentegro respeitado e estimado por seus superiores e que jaacute havia

prestados serviccedilos a Companhia no caso do furto dos escravos e ainda que natildeo acreditavam

ser Euseacutebio Alvarez um contrabandista Vaacuterias testemunhas como Manoel Joseacute dos Santos

por exemplo alegam que o comandante da freguesia do Cabo era inimigo do reacuteu Algumas

testemunhas vatildeo aleacutem como eacute o caso de Joseacute Correia Faria e declaram ser aquele comandante

ldquocostumado a caluniar a todos e que o mesmo comandante auxilia e daacute passagem aos

contrabandistasrdquo 439

A defesa do reacuteu se inicia como uma afirmaccedilatildeo polecircmica e que vem corroborar o nosso

entendimento de que os contrabandos durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia Geral

foram uma praacutetica comum e amplamente disseminada tanto no grosso trato como no miuacutedo

aleacutem disso reforccedila tambeacutem nosso argumento que o litoral sul da capitania era

abundantemente frequentado pelos contrabandistas Declara a defesa que ldquose houvesse de

proceder o juiacutezo contra todas as pessoas que natildeo delatam o contrabandista e deixam passar

os contrabandos a maior parte delas de fora desta Praccedila ateacute a vila de Penedo deveriam ser

punidasrdquo 440

isto porque ainda segundo a defesa as pessoas natildeo ldquodelatam os contrabandistas e

deixam passar os contrabandosrdquo 441

436

Ibidem f 8 437

Ibidem f 24 verso 438

Ibidem f 23 verso 439

Ibidem f 29 verso 440

Ibidem f 37 441

Idem

124

Continua afirmando que todos na praccedila sabiam disso e que era impossiacutevel que o

procurador fiscal da Companhia desconhecesse tais fatos Atestam ainda ldquoque muito e muitos

contrabandos estatildeo entrando todos os dias nesta vila e hatildeo de entrar enquanto existir a

Companhia sem que ningueacutem delate os contrabandistasrdquo 442

E que o reacuteu soacute foi denunciado

pois possuiacutea inimigos Sustentavam a versatildeo de que tudo foi arquitetado pelo comandante da

freguesia do Cabo que era ldquodeclarado inimigo do reacuteurdquo e que induzira aos outros a

testemunhar contra o alferes Eram entatildeo as testemunhas compradas e seu juramento de

nenhum valor

Declaram aleacutem disso que o reacuteu soacute fez uso da portaria expedida pela Companhia no

caso da apreensatildeo dos escravos ldquoe natildeo cuidou nunca em fazendas de contrabandistas por natildeo

ter ordem para isso e menos os auxiliou porque eacute zeloso do serviccedilo da Direccedilatildeo e natildeo

adversaacuterio delardquo 443

Afirmam ainda que o Euseacutebio Alvarez nunca apreendeu contrabandista

nenhum nem fazendas de contrabando e que nem mesmo conhecia o mascate citado no caso e

que se o tivesse apreendido natildeo seria capaz de soltaacute-lo ldquopelo donativo de duas peccedilas de

riscado e 16 letrasrdquo 444

Outro ponto interessante da defesa versa sobre a condiccedilatildeo e a qualidade do reacuteu

Declaram entatildeo que o mesmo era alfares de auxiliares e que era notoacuterio a todos que ldquonasceu

nobre e abastado e sempre teve o que comer e natildeo precisava de furtar para issordquo prosseguem

afirmando que ldquoa sua conduta sempre se conformou a nobreza do seu nascimento e as leis

divinas e humanasrdquo 445

Com este argumento a defesa busca se utilizar da condiccedilatildeo do reacuteu

para contestar a denuacutencia deixando claro que aleacutem de natildeo precisar cometer contrabandos

esse tipo de atitude natildeo condizia com a honra esperada de sua ascendecircncia nobre

Apesar das denuacutencias do procurador fiscal da Companhia os argumentos da defesa

acabam vingando e o reacuteu eacute absolvido em maio de 1778 ficando ele responsaacutevel por pagar

apenas as custas do processo como era de costume Como podemos observar boa parte dos

casos detalhados ateacute o momento no grosso trato ou no miuacutedo acabaram por inocentar seus

reacuteus mesmo quando se sabia publicamente que aqueles homens eram reconhecidos

contrabandistas Isto porque as apreensotildees em sua maioria eram feitas preventivamente ou

seja antes do crime realizar-se Fato que usaratildeo os reacuteus a seu favor para afirmar natildeo serem as

provas conclusivas Para o comeacutercio feito nos ldquointerioresrdquo o artigo 25 dos estatutos seraacute

442

Idem 443

Ibidem f 11 444

Idem 445

Idem

125

amplamente utilizado nas defesas para isentar os comerciantes que negociavam naquelas

paragens

O desenrolar dos casos revelam aleacutem de interessantes e importantes detalhes da praacutetica

de comeacutercio iliacutecito ao longo do periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial da Companhia a

dificuldade de se reprimir e castigar aquele tipo de accedilatildeo Pois aleacutem da grande dificuldade de

se monitorar uma aacuterea tatildeo vasta e de se controlar um comeacutercio que acontecia por vaacuterios meios

e formas dificilmente a apreensatildeo configurava flagrante Desenvolveremos melhor este

toacutepico no proacuteximo capiacutetulo

Destacamos tambeacutem que dentro do conjunto de atividades comerciais iliacutecitas

desenvolvidas na capitania o comeacutercio com navios estrangeiros estaraacute presente de forma

abundante 446

Em 1770 por exemplo o governador de Pernambuco relata ao secretaacuterio de

Estado da Marinha e Ultramar ter apreendido papeacuteis em poder de Henrique Joseacute Colaccedilo

onde constava um grande volume de contrabandos e negoacutecios feitos por ele com navios

estrangeiros no Cearaacute O governador passa coacutepia neste ofiacutecio de todas as ldquocompras e vendas

que no Cearaacute Grande debaixo de pretexto de arribada forccedilada fizeramrdquo 447

os comerciantes

estrangeiros

Estes negoacutecios ainda segundo Joseacute Cesar foram feitos ldquoem prejuiacutezo dos negociantes

deste continente e Companhia Geral e Reais direitos de sua majestaderdquo 448

pois da capitania

do Cearaacute tinham levado ldquodinheiro ouro em pensas como tambeacutem quinze mil rolos de paus de

tintas e obra mais duzentos e cinco arrobas de papaconha sessenta e oito de resina e gomas e

quinhentos e noventa e quatro couros em cabelordquo 449

como se pode ver nos documentos

anexados Nestes papeacuteis constam tambeacutem as mercadorias em sua maioria importadas

introduzidas ilegalmente nas terras do Cearaacute como queijos fitas de algodatildeo facas tecidos

diversos enxofre poacutelvora entre outros

Atestam esse fluxo tambeacutem a preocupaccedilatildeo constante das autoridades locais com

embarcaccedilotildees estrangeiras que estando destinadas a outros portos do Estado do Brasil acabam

arribando em Pernambuco devido as maacutes condiccedilotildees do tempo ou pela necessidade de reparar

avarias Como ocorre por exemplo em 1761 quando trecircs naus inglesas da Companhia

Oriental datildeo fundo em Recife em virtude de problemas na embarcaccedilatildeo Para evitar os

446

Os documentos que comprovam este fluxo satildeo muitos e estatildeo disponiacuteveis nos avulsos do arquivo histoacuterico

ultramarino - AHU para a capitania de Pernambuco 447

AHU ndash PE Cx 110 D8493 448

Idem 449

Idem

126

descaminhos o governador publica bando em praccedila puacuteblica esclarecendo que era proibido a

pessoas de qualquer condiccedilatildeo ou qualidade fazer qualquer tipo de comeacutercio com aquela

embarcaccedilatildeo por ldquoser com elas inabilitadas toda compra ou negociaccedilatildeo mercantil puacuteblica ou

oculta grande ou pequena de gecircneros comerciaacuteveis estrangeirosrdquo 450

Ainda no mesmo documento afirma o governador que o contrabando era um dos

delitos mais ldquoperniciosos entre os que infectam o Estado dos que se fazem a sociedade civil

mais odiososrdquo 451

continua alegando que aquele tipo de praacutetica se fazia natildeo soacute contra o Eraacuterio

reacutegio mas tambeacutem em ruiacutena do comeacutercio local e prejuiacutezo do mesmo Pois os contrabandistas

vendem seus produtos com diminuiccedilatildeo de preccedilos jaacute os comerciantes legais ficavam com ldquosuas

fazendas empatadas [] sem ter quem as comprerdquo 452

Adverte entatildeo o governador que quem

fosse pego fazendo tais negociaccedilotildees iliacutecitas seria julgado em todas as penas cabiacuteveis e quem

fizesse denuacutencia receberia ldquoparte competenterdquo como premiaccedilatildeo

A preocupaccedilatildeo das autoridades para que natildeo houvesse contrabando com navios

estrangeiros na Costa da capitania era tatildeo grande que em alguns casos era tirada uma devassa

para se averiguar se os motivos alegados pela tripulaccedilatildeo para fazer parada em territoacuterio

pernambucano eram verdadeiros Esse eacute o caso do bergantim inglecircs denominado Sabina que

arribou no porto de Cabedelo na Paraiacuteba ldquopara se refazer de coisas necessaacuteriasrdquo 453

no ano de

1776 Logo o governador da Paraiacuteba passa ordens para que alguns soldados verifiquem a

embarcaccedilatildeo e a conduzam para fortaleza de Cabedelo onde ficaram ldquodebaixo de artilhariardquo e

posteriormente se procedeu uma devassa para verificar se a arribada era realmente necessaacuteria

Durante o tempo em que esteve naquele porto as mercadorias da embarcaccedilatildeo foram

transferidas para armazeacutens onde ficaram sob constante vigilacircncia para que natildeo ldquose

descaminhasse coisa algumardquo 454

Aleacutem do comeacutercio direto as fazendas estrangeiras tambeacutem chegavam a Pernambuco

atraveacutes de embarcaccedilotildees vindas da Bahia Isso eacute o que afirma Martinho de Melo e Castro

secretaacuterio da Marinha e Ultramar em ofiacutecio destinado ao governador de Pernambuco Joseacute

Cesar de Meneses Neste documento o secretaacuterio iraacute afirmar ser de conhecimento geral no

reino ldquoas escandalosas relaxaccedilotildees com que nesses portos (Pernambuco) se introduzem

450

AHU ndash PE Cx 95 D7497 451

Idem 452

Idem 453

AHU ndash PE Cx 122 Doc 9339 454

Idem

127

fazendas de Franccedila de Inglaterra e de Holandardquo 455

segue dizendo que as tais fazendas eram

extraiacutedas da Costa da Mina e chegavam a Pernambuco ldquointroduzidas pela Bahia e por navios

de comeacutercio que dessa capitania vatildeo aquela Costardquo 456

Como vimos o contrabando de mercadorias ou melhor o potencial comeacutercio de

produtos contrabandeados seraacute uma praacutetica extensiva durante todo o periacuteodo de existecircncia da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Vaacuterias eram as ldquomodalidadesrdquo desse tipo de

comeacutercio que podia ser realizado no grosso trato ou no miuacutedo praticado atraveacutes das rotas que

ligavam Pernambuco e Bahia pelo sertatildeo ou ainda pelo litoral esse comeacutercio era heterogecircneo

e envolvia diversos personagens Desde os grandes comerciantes passando pelos indiviacuteduos

comuns que viam nos descaminhos oportunidade de amealhar algum recurso chegando aos

estrangeiros de diversas naccedilotildees que frequentavam o litoral da capitania trazendo produtos

europeus e levando em contrapartida as mercadorias da terra

33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas

Agora que jaacute conhecemos as rotas os casos e as mercadorias que circulavam entre as

praccedilas de Bahia e Pernambuco nos resta tentar esclarecer como estes produtos ganhavam as

ruas e iam parar nas matildeos dos compradores finais Durante nossa pesquisa nas fontes

primaacuterias descobrimos que alguns destes comerciantes envolvidos nos circuitos iliacutecitos

estavam associados a falsificadores de selos reais como nos revelam dois documentos

coletados do nosso acervo

O primeiro caso eacute do ano de 1770 trata-se de uma carta anocircnima escrita no Recife

endereccedilada ao secretaacuterio de Estado do Reino e das Mercecircs o Conde de Oeiras O denunciador

aleacutem de falar sobre o comeacutercio ilegal praticado nos portos do sertatildeo afirma que ldquose introduz

aqui inumeraacuteveis fazendas sem despacho pelos mesmos navios da Companhiardquo 457

continua

explicando que ldquoo contrabando leva quantas meias sobras haacute nesta terra e ouro velho que

podem adquirir para a Bahia e o Rio de Janeiro vai o dinheiro provincial para se empregarem

em fazendas que se introduzem nesta praccedila por contrabandordquo 458

completa dizendo que as

455

Cf AHU ndash PE ndash Coacutedice 583 fls 202-203 apud DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os

locais uma anaacutelise da correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania

de Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei SOUZA

George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo atlacircntico Recife Editora

Universitaacuteria da UFPE 2012 P 225 456

Idem 457

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 458

Idem

128

ditas fazendas ldquochegam a ter selos falsos com que as selam por se natildeo fazer tatildeo manifesto o

contrabando a quem os compra e torna a venderrdquo 459

Em ofiacutecio escrito pela Junta da Companhia sediada em Lisboa no ano de 1778 um

caso correlato eacute denunciado Afirma-se neste documento a existecircncia em Recife de um

homem chamado Manoel Correa de Mendonccedila que foi preso no ano de 1772 por selar

fazendas contrabandeadas na sua casa 460

Podemos inferir atraveacutes dos dados como se

comportavam estas redes mercantis de contrabando que buscavam se agrupar a falsificadores

na intenccedilatildeo de fazer com que os produtos iliacutecitos circulassem livremente na praccedila mercantil

pernambucana e pudessem por exemplo ser vendidos sem maiores problemas nas lojas da

praccedila

Aleacutem da venda nas lojas quando feito em pequeno porte muito provavelmente estas

mercadorias ganhavam as ruas atraveacutes das bocetas das negras de ganho apesar da praacutetica ter

sido proibida por postura do ano de 1744 a venda desses produtos atraveacutes dessas

intermediaacuterias ainda constituiacutea-se em atitude cotidiana como nos esclarece carta dos oficiais

da cacircmara de Olinda escrita no ano de 1769 e endereccedilada a Corte

Nesta carta os oficiais apelam ao Rei pelo relaxamento da medida pois afirmam ser

aquele comeacutercio essencial para a sustentaccedilatildeo de famiacutelias por ser o ato de ldquocomprar e venderrdquo

o ldquouacutenico recurso que haacute no Brasilrdquo 461

O documento esclarece ainda que este tipo de comeacutercio

era um haacutebito da capitania como os proacuteprios camaraacuterios afirmam ldquoestilo da terrardquo antes da

pragmaacutetica as pretas cativas vendiam pelas ruas ldquotoda a qualidade de vendas de frutos

legumes docesrdquo 462

e com o decurso do tempo foram incrementados a este comeacutercio ldquofitas de

seda fazendas de algodatildeo da Iacutendia bertanha aniagemrdquo 463

Outro documento confirma essa dinacircmica mercantil em ofiacutecio do ano de 1778 da

Junta da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba ao governador de Pernambuco declara a

junta saber que ldquoos ricos e poderosos dessa terra (Pernambuco) trazem duas trecircs escravas a

vender pelas ruas em bocetasrdquo 464

continuam afirmando que ldquocada uma eacute uma loja os

melhores gecircneros e fazendas as quais recebem dos navios que vatildeo a este portordquo concluindo o

documento a Junta faz questatildeo de destacar que ldquopor ordem de sua majestade eacute proibido andar-

459

Idem 460

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 461

AHU ndash PE Cx 107 D 8312 462

Idem 463

Idem 464

AHU ndash PE Cx 128 D 9737

129

se vendendo desta forma pelas ruasrdquo 465

O apelo feito pela cacircmara bem como a denuacutencia da

Junta da Companhia Geral satildeo demonstrativos da persistecircncia desse comeacutercio que ligava os

principais homens de negoacutecio da praccedila pernambucana a estas intermediaacuterias de cor

Respondendo a este ofiacutecio tambeacutem no ano de 1778 o governador Joseacute Cesar de

Meneses confirma a afirmaccedilatildeo da Junta lisboeta Declara a autoridade que tal costume era

praticado na Praccedila e pelo que havia apurado natildeo era coisa moderna De acordo com os dados

colhidos por ele os governadores que o haviam precedido e os ministros que os auxiliavam

nunca haviam impugnado tal accedilatildeo afirma ainda que ldquoas cacircmaras concedem licenccedilas as

escravas que vendem dessa forma pelas ruasrdquo 466

Acreditava o governador que isso ocorria

pois ldquonem o artigo 18 da pragmaacutetica de 1749 que proiacutebe vender fazendas pelas ruas em

caixas ou trouxas nas cidades ou vilas desse Reino nem a declaraccedilatildeo feita ao mesmo inciso no

alvaraacute de 21 de abril de 1751rdquo 467

determinavam expressamente que tal proibiccedilatildeo se estendia

as conquistas A falta de uma legislaccedilatildeo especiacutefica para a colocircnia acabava neste caso criando

uma brecha para a continuidade daquele procedimento na capitania pernambucana

Tambeacutem encontramos relatos na historiografia que compravam o costume local de

mulheres de cor andarem pelas ruas a vender uma infinidade de produtos inclusive

contrabandos A historiadora Suely Almeida se dedica em artigo intitulado ldquoHistoacuterias de

gentes sem qualidade Mulheres de cor na Capitania de Pernambuco no seacuteculo XVIIIrdquo a

recompor as tramas comerciais que essas intermediaacuterias estavam envolvidas Sobre os

produtos que transitavam por entre cestos bocetas e tabuleiros nas ruas do Recife iraacute afirmar

a autora que

Tanto nos tabuleiros como nas tabernas vendia-se de tudo comida bebida

roupas poacutelvora armas ferramentas utensiacutelios domeacutesticos alguns artigos de

luxo como tecidos finos joias e coisas de toucador Essas vendas ou

tabernas se constituiacuteam em espaccedilos intermediaacuterios entre a legalidade e a

ilegalidade 468

Para o contrabando de escravos nossa hipoacutetese baseada na anaacutelise a documentaccedilatildeo eacute

que muito provavelmente antes de vir para a capitania boa parte da escravaria jaacute estava

encomendada e negociada dada a dificuldade de fazer entrar e se esconder uma grande

quantidade de pessoas na capitania sem ser notado Apesar de encontrarmos vaacuterios

465

Idem 466

AHU ndash PE Cx 130 D 9823 467

Idem 468

ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de Pernambuco no seacuteculo

XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria da escravidatildeo em Pernambuco Editora

UniversitaacuteriaUFPE 2012 P 52

130

documentos que fazem referecircncia ao comeacutercio descaminhado de escravos durante o periacuteodo

da nossa pesquisa natildeo achamos referecircncia alguma quanto a qualquer tipo de feira de venda de

escravos extralegal ou coisa parecida o que nos leva a crer que de fato aquele tipo de

negociaccedilatildeo era feita em sua maioria de forma antecipada

Quanto as caixas de accediluacutecar e outras mercadorias que saiam de Pernambuco e iam para

Bahia a documentaccedilatildeo natildeo oferece maiores detalhes Isto porque como jaacute dito aqui a praccedila

comercial da Bahia natildeo estava sujeita ao regime de exclusivo comercial dessa forma o

tracircnsito de produtos e negoacutecios era feito de maneira mais livre Aleacutem disso como tambeacutem jaacute

visto anteriormente as autoridades baianas de maneira geral pareciam natildeo se importar muito

com o tracircnsito comercial que ligava as duas capitanias autorizando a introduccedilatildeo das

mercadorias oriundas destes negoacutecios sem grandes problemas

131

4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA

41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas

O contrabando seraacute uma constante durante os vinte e um anos de existecircncia da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba causando graves prejuiacutezos aos comerciantes

lisboetas donos da maior parte de suas accedilotildees Essa praacutetica seraacute alvo de grande preocupaccedilatildeo

por parte da coroa e da Junta da Companhia sediada em Lisboa 469

sendo um assunto

recorrente na documentaccedilatildeo Conseguimos localizar junto ao nosso acervo uma seacuterie de

ofiacutecios e cartas trocadas entre as autoridades locais e o Reino ao longo de todo o periacuteodo de

monopoacutelio exercido pela empresa que tratam sobre o tema demonstrativos da importacircncia e

proporccedilatildeo que os contrabandos assumiram durante aquele periacuteodo

A preocupaccedilatildeo do Reino em evitar e conter os contrabandos na capitania

pernambucana se daraacute a partir dos primeiros anos de funcionamento da Companhia revelando

que a praacutetica clandestina se instalou contemporaneamente ao funcionamento da empresa

Alertamos que o teor dessa documentaccedilatildeo por vezes se tornaraacute repetitivo de qualquer forma

optamos por trabalhar com uma significativa variedade de documentos natildeo soacute para reforccedilar

nosso ponto como tambeacutem para demonstrar que os problemas envolvendo as transaccedilotildees

descaminhadas persistiram ao longo dos anos de existecircncia do monopoacutelio

De acordo com Antonio Manuel Hespanha devido a uma seacuterie de limitaccedilotildees

enfrentadas pelo Reino a aplicabilidade de penas dentro do sistema punitivo reacutegio portuguecircs

era reduzida Afirma o autor que o modelo de poder coercitivo exercido por Portugal evitava

ao maacuteximo a consumaccedilatildeo da puniccedilatildeo sendo a disciplina social garantida por ldquomecanismos

quotidianos de controlordquo tendo como fim a defesa da supremacia simboacutelica do Rei Dessa

forma a concessatildeo do perdatildeo real em alguns crimes acabava por se tornar estilo expediente

rotineiro Hespanha assegura que esta realidade soacute seraacute alterada de maneira efetiva em

469

A Junta da Companhia Geral estava sediada em Lisboa e representava dentro da estrutura administrativa da

empresa a escala maacutexima de poder era o centro decisoacuterio da Companhia e possuiacutea competecircncia deliberativa A

Junta era composta por um provedor dez deputados e trecircs conselheiros eleitos entre os principais acionistas da

empresa para mandatos a priori de trecircs anos A Companhia possuiacutea ainda duas outras administraccedilotildees uma na

cidade do Porto e outra em Recife conhecidas como ldquodireccedilotildeesrdquo cada uma delas possuiacutea um intendente e seis

deputados Estas direccedilotildees eram subordinadas a Junta administrativa de Lisboa Sobre isto ver JUacuteNIOR Joseacute

Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 CARREIRA Antonio

As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982

132

meados do XVIII com a ascensatildeo do despotismo iluminado periacuteodo que compreende o marco

cronoloacutegico desta pesquisa 470

Apesar da Companhia possuir um juiacutezo privativo e de alguns casos como

demonstrado no capiacutetulo anterior acabarem por apoacutes as investigaccedilotildees inocentarem os reacuteus eacute

notoacuteria a atenccedilatildeo que o Reino iraacute demandar aos casos de contrabando ocorridos durante o seu

funcionamento A comunicaccedilatildeo oficial estabelecida entre os governadores da capitania e o

ministro do Estado da Marinha e Ultramar nos demonstra como a metroacutepole buscou instruir

seus agentes locais para atuarem na coibiccedilatildeo e puniccedilatildeo dos diversos personagens envolvidos

nos esquemas iliacutecitos

Jaacute em 1763 encontramos ofiacutecio enviado a Corte pelo governador Luiacutes Diogo Lobo da

Silva onde o oficial reacutegio comunica ao Conselho Ultramarino as medidas que vinha tomando

para reprimir a ldquoprejudicial transgressatildeordquo 471

que segundo o mesmo havia causado ldquoquase

uma total extraccedilatildeo do dinheiro provincialrdquo Afirma o governador ter mandando o procurador

fiscal da Companhia bem como o juiz da alfacircndega daquela Praccedila darem buscas nas lojas

suspeitas a fim de que se cumprisse o que determina o artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo

da Companhia Geral 472

No mesmo ofiacutecio Luiacutes Diogo Lobo busca esclarecer junto ao Reino qual o

procedimento adotar em caso de apreensatildeo de mercadorias fruto de denuacutencias que se

encontravam sem selo ou seja produtos que ainda natildeo haviam pagado os reais direitos em

nenhum porto A duacutevida do governador era se mesmo nestes casos deveriam os denunciantes

receber a parte que lhes era devida seguindo o que estabelecia o artigo 34 do documento de

instituiccedilatildeo da Companhia 473

Destacamos que a duacutevida das autoridades em relaccedilatildeo ao que

fazer com os frutos das apreensotildees seraacute corriqueira Isto porque o documento de instituiccedilatildeo da

470

HESPANHA Antonio Manoel O direito penal da monarquia corporativa In _____ Caleidoscoacutepio do

Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda 2012 P 129-164 471

AHU-PE ndash Cx 99 D 7757 472

Idem 473

O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba determinava que

ldquoNenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute mandar levar ou introduzir as sobreditas

fazendas secas ou molhadas nas ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da sua produccedilatildeo a menos

que natildeo seja na forma acima referida sob pena de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto

importar o seu valor Sendo tudo aplicado a favor dos denunciantes que poderatildeo dar suas denuacutencias em

segredo ou em puacuteblico Neste Reino diante dos juiacutezes conservadores de Lisboa e do Porto e em Pernambuco

diante do Juiz Conservador da mesma Companhia os quais todos faratildeo notificar as denunciaccedilotildees aos

procuradores da Companhia para serem partes nelas tudo de baixo das penas acima declaradasrdquo (Grifo nosso)

Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor do

Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel

em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 05052017

133

Companhia que balizava tais questotildees natildeo contemplava a diversidade de situaccedilotildees

encontradas pelos oficiais reacutegios no cotidiano 474

De acordo com o artigo 34 nenhuma pessoa poderia introduzir nas terras exclusivas

da Companhia nem enviar dela para outras localidades nenhum tipo de gecircnero exceto nos

casos dos comerciantes que negociavam no ldquomiuacutedordquo como autorizava o artigo 33 475

sob

pena de perdimento das fazendas ou de seu valor como jaacute explicitamos anteriormente Quem

estivesse disposto a denunciar tais contrabandos o que poderia ser feito em segredo ou

publicamente levaria a terccedila parte dos rendimentos feitos com aquela apreensatildeo O precircmio

era uma forma de incentivar as denuacutencias na capitania jaacute que sem elas o trabalho dos oficiais

reacutegios ficava bastante dificultado No entanto fazer estas denuacutencias requeria coragem pois

invariavelmente violecircncias e represaacutelias eram sofridas pelos denunciantes 476

A praacutetica de reservar quotas sobre o espoacutelio do contrabando aos que contribuiacutessem

para sua apreensatildeo era comum natildeo soacute na colocircnia brasileira como na Ameacuterica hispacircnica Ao

tratar sobre os descaminhos do ouro e diamantes na regiatildeo das Minas setecentistas Isnara

Pereiro Ivo iraacute afirmar que uma das estrateacutegias adotadas pela Coroa ao decorrer do seacuteculo

XVIII para tentar conter os contrabandos na regiatildeo era a de destinar a terccedila parte do material

apreendido ao funcionaacuterio reacutegio que fizesse a tomadia 477

Falando sobre os contrabandos

474

Em diversos documentos oficiais trabalhados ao longo deste texto solicitam as autoridades coloniais ao

Reino que se mandem instruccedilotildees do que fazer com as mercadorias apreendidas Ao que tudo indica quando os

confiscos aconteciam independentemente de denuacutencias os gecircneros apreendidos eram levados aos armazeacutens da

Companhia Poreacutem nem sempre os oficiais tinham certeza do que fazer com os frutos das apreensotildees como por

exemplo eacute o caso de uma carga de couros e tabaco apreendida por Joseacute Cesar de Meneses em 1778 tirado de

uma sumaca que fazia contrabandos com a Costa da Bahia Apesar de ter remetido os tabacos e os couros para os

armazeacutens da Companhia o governador solicita lhe seja esclarecido pela Corte se aquela direccedilatildeo deveria pagar

pelos ditos gecircneros ao Eraacuterio Reacutegio pois parecia ao governador ldquopertencer este sequestro mais a S Majestade do

que a direccedilatildeordquo Fonte AHU ndash PE Cx 129 D 9771 475

Como jaacute visto no segundo capiacutetulo deste trabalho de acordo como artigo 33 do documento de instituiccedilatildeo da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba a empresa autoriza que os comerciantes da terra continuassem a

fazer seus negoacutecios no ldquomiuacutedordquo ficando reservado a Companhia o comeacutercio de grosso trato que em Pernambuco

comeccedilava no valor de cem mil reis Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa -

Officina de Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA -

Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 476

Em ofiacutecio do ano de 1780 o governador Joseacute Cesar de Meneses ao falar sobre caso ocorrido no mesmo ano

na capitania afirma ter sido assassinado o soldado Ignaacutecio Tavares do Regimento do Recife e na mesma ocasiatildeo

foi espancado violentamente o soldado Francisco Antocircnio Ribeiro do mesmo Regimento ao irem agrave praia da

Penha (Recife) examinar uma jangada vinda da Bahia cheia de contrabandos Atesta ainda o governador que

durante estas diligecircncias era comum que houvesse certa resistecircncia por parte dos contrabandistas Declara

tambeacutem neste documento ter feito pagar recentemente a soldados que haviam denunciado novo crime de

contrabando a terccedila parte do fruto da apreensatildeo no valor de 270259 mil reis a fim de ldquoanimar a tropa e

cuidarem em fazer melhores diligecircnciasrdquo Fonte AHU-PE Cx 138 D10250 477

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica

Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 288

134

realizados no porto de Buenos Aires do seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos tambeacutem iraacute atestar que

se tinha o costume naquela localidade de recompensar o denunciador de ldquotratos realizados

sem permissatildeo realrdquo 478

com ao menos um terccedilo do valor apreendido

Voltando a nossa narrativa em 1769 o entatildeo governador de Pernambucano Conde de

Povolide anuncia ao Reino a grande ldquoousadia com que se estavam praticando tatildeo escandalosas

negociaccedilotildees quase a minha face e de todos os ministros desta capitaniardquo 479

De acordo com o

Conde devido agrave falta de denuacutencias se introduziam na aacuterea exclusiva da Companhia ldquofazendas

secas por negociantes da Bahia em alguns portos desta capitaniardquo ainda segundo o governador

os mesmos negociantes extraiam gecircneros da terra para a capitania vizinha em ldquoprejuiacutezo grave

dos direitos reaisrdquo 480

Neste mesmo ofiacutecio o oficial reacutegio relata como atuavam aqueles

grupos empenhados no trato iliacutecito e os cuidados que vinha empregando na contenccedilatildeo de tais

praacuteticas assegurando ter recomendado aos capitatildees mores e regentes de distrito a maior

vigilacircncia ldquopara evitar a travessia de semelhantes negociaccedilotildeesrdquo 481

Neste mesmo ano eacute enviada resposta ao governador em Pernambuco em forma de

minuta do Rei D Joseacute I Ordenava-se que para se evitar os ldquoprejudicialiacutessimos empates que

tem experimentado a Companhiardquo 482

se executasse na capitania pela figura do Juiz

conservador da Companhia Geral todas as leis e ordens referentes a repressatildeo do

contrabando Pedindo que se desse especial observacircncia ao alvaraacute reacutegio expedido no dia 14 de

novembro de 1757 483

onde se ampliavam os paraacutegrafos que tratavam sobre o tema nas

Comarcas do Reino e em seus domiacutenios ultramarinos

Em 1770 era a vez de Manoel da Cunha Meneses relatar o insucesso na repressatildeo

contra os descaminhos que naquelas paragens se estabeleciam Segundo o governador natildeo

havia meios ldquopara que estes contrabandos se possam evitarrdquo 484

Prosseguindo seu relato o

capitatildeo general afirma que o motivo das fazendas da Companhia estarem ldquoempatadasrdquo nos

armazeacutens era que nos sertotildees daquela capitania havia uma ldquogrande multiplicidaderdquo 485

das

mesmas fazendas que adentravam via contrabando o territoacuterio monopolizado atraveacutes do Rio

de Satildeo Francisco Explica ainda a dificuldade em se mandar fiscalizar aquelas ldquoremontadas

478

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires

colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 479

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 480

Idem 481

Idem 482

AHU ndash PE Cx 107 D 8276 483

Natildeo foi possiacutevel identificar tal alvaraacute junto ao nosso acervo documental 484

AHU ndash PE Cx 108 D 8371 485

Idem

135

paragensrdquo de acordo com o governador ldquonatildeo haacute sujeitos que bastem para em tatildeo longas

distacircncias fazerem a sua obrigaccedilatildeo de impedir as ditas passagensrdquo 486

e mesmo que

houvessem ldquoseria necessaacuterio uma importante soma de ordenados da real fazenda para lhe

satisfazer as despesas precisas nas dilatas viagensrdquo 487

Percebemos que as dificuldades encontradas pelos governadores pernambucanos e os

ministros do Conselho Ultramarino nos combates aos contrabandos em muito se aproximam

dos desafios enfrentados pela Coroa e pelos oficiais reacutegios envolvidos na administraccedilatildeo das

Minas de ouro Isto eacute que o nos sugere os atuais trabalhos dedicados a explorar os circuitos

mercantis desenvolvidos nas regiotildees mineiras que apontam para os grandes descaminhos de

minerais realizados naquelas plagas Desde cedo a Coroa buscou montar todo um aparato

fiscalizador com o intuito de conter a sangria que ofendia a Real Fazenda De acordo com a

historiadora Isnara Pereira Ivo a regiatildeo do Satildeo Francisco e suas anexas foram as principais

vias alvo de controle Os contrabandos naquela regiatildeo se davam tanto atraveacutes dos caminhos e

picadas de terra abertas ilegalmente ao longo das margens dos rios ldquocomo no curso de

pequenos afluentes e nos grandiosos braccedilos drsquoaacutegua que alimentavam secularmente os leitos da

margem direita do Velho Chicordquo 488

No entanto por maior que fosse o zelo do Reino no que diz respeito agrave tatildeo importante

demanda nenhuma medida adotada se mostrou completamente eficaz isto porque os

caminhos eram muitos e extensos ainda de acordo com Ivo ldquoos dilatados sertotildees abrigavam

veredas que as proacuteprias autoridades desconheciam e talvez por isso mesmo tentavam ampliar

medidas de combate a evasatildeo fiscalrdquo 489

Existia uma grande preocupaccedilatildeo por parte da Coroa

com a abertura de caminhos natildeo autorizados o que pode ser medido entre outras coisas pela

recorrecircncia de ordens reacutegias que buscavam regular tal mateacuteria

Nota-se que tanto no caso das Minas quanto em Pernambuco que a grande extensatildeo

do territoacuterio e a falta de conhecimento sobre as vastas aacutereas que estavam fora do eixo

litoracircneo iratildeo dificultar sobremaneira o trabalho repressivo por parte das autoridades reais

Por maiores que fossem os esforccedilos empregados a contenccedilatildeo dos descaminhos nas condiccedilotildees

apontadas era tarefa praticamente impossiacutevel Natildeo havia nenhum tipo de estrutura que

permitisse o monitoramento total de aacutereas tatildeo vastas A questatildeo da extensatildeo territorial da

486

Idem 487

Idem 488

IVO Isnara Pereira Op Cit P 289 489

Idem

136

Capitania pernambucana apareceraacute em vaacuterios documentos como um dos elementos mais

impeditivos para efetividade da fiscalizaccedilatildeo

Nosso conjunto documental nos sugere um aumento do volume de contrabandos a

partir de meados da deacutecada de 70 490

o que consequentemente iraacute gerar uma maior

preocupaccedilatildeo por parte do Reino e das autoridades locais em tomar medidas repressivas para

cessar tal fluxo Durante esta fase esteve agrave frente do governo de Pernambuco Joseacute Cesar de

Meneses Filho do conde de Sabugosa 491

o governador de Pernambuco nasceu na Bahia

onde permaneceu durante a vigecircncia do governo de seu pai como Vice-Rei do Brasil entre os

anos de 1720 a 1734

Ingressou na carreira militar e serviu em Portugal durante alguns anos depois desse

periacuteodo seguiu para as Iacutendias onde fixou residecircncia Foi nomeado como governador da

capitania de Pernambuco em 27 de julho de 1774 permanecendo no cargo ateacute o ano de 1787

492 Seu governo foi conturbado enfrentando uma epidemia de bexigas e uma grave seca em

1776 que levou a uma fome generalizada Em obra tradicional onde traccedila biografias

panegiricas Pereira da Costa afirma

Joseacute Cesar de Meneses pelo seu caraacuteter eneacutergico pelas suas qualidades e

pela simpatia geral que angariou pelos atos de justiccedila do seu governo

correto e honesto foi alvo de diferentes manifestaccedilotildees populares [] 493

Ao longo do seu governo Joseacute Cesar teve de lidar com inuacutemeros problemas relativos

agraves atividades da Companhia Geral em Pernambuco e suas anexas Estando a frente da

capitania durante a segunda crise por qual passava a Companhia e permanecendo ateacute o fim de

seu monopoacutelio 494

o governador foi um aacutevido denunciador da maacute administraccedilatildeo da empresa

em Pernambuco Devido a isto a relaccedilatildeo do oficial com a diretoria pernambucana natildeo era das

490

Para mais detalhes sobre este fluxo consultar o primeiro capiacutetulo deste trabalho 491

Joseacute Cesar de Meneses natildeo era filho legitimo de Vasco Fernandes Cesar de Meneses o Conde de Sabugosa

Nascido de um relacionamento do Conde com Luzia Rosa de Andrade portuguesa que residia na Bahia o o

governador foi batizado como filho de pai incoacutegnito apesar de Vasco Fernandes afirmar em cartas e conversas

que o mesmo era seu filho Sobre isto ver COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos

Recife Secretaria do interior e justiccedila 1951-1966 V 6 492

Apesar de comumente os governadores de capitania na Ameacuterica Portuguesa serem nomeados para ocupar tais

cargos por um periacuteodo de apenas quatro anos Joseacute Cesar de Meneses permaneceu durante treze anos a frente do

governo de Pernambuco Fato que indica uma possiacutevel habilidade pessoal do oficial em mediar os interesses

locais e metropolitanos Sobre este tema ver JUNIOR Joseacute Inaldo Chaves Biografia e micro-histoacuteria diaacutelogos

possiacuteveis para uma histoacuteria da governanccedila no Impeacuterio Portuguecircs (Capitania da Parayba c1764-1797) Revista

Cantareira Rio de Janeiro 15ordm ediccedilatildeo jul-dez 2011 493

COSTA Francisco Augusto Pereira da Op Cit V 6 P 349 494

A segunda crise enfrentada pela empresa ocorrida entre 17781780 tem iniacutecio poacutes-morte do Rei D Joseacute I e

do quase imediato afastamento de Pombal do centro decisoacuterio do Reino Neste momento uma seacuterie de peticcedilotildees

passam a ser enviadas a Rainha D Maria I tanto na colocircnia quanto no Reino pedindo a extinccedilatildeo dos privileacutegios

da Companhia Geral e a volta do comeacutercio livre

137

melhores 495

com bastante constacircncia o governador relatava ao Reino os desmandos dos

agentes locais da empresa destacando ainda o mal que tal empreendimento havia causado de

acordo com sua avaliaccedilatildeo as atividades comerciais na regiatildeo 496

Durante o periacuteodo do seu governo a questatildeo do contrabando ocuparaacute lugar cativo na

pauta das documentaccedilotildees trocadas entre o governador e o secretaacuterio de Estado da Marinha e

Ultramar do Reino Martinho de Melo e Castro Apesar de ser da opiniatildeo que a Companhia

prejudicava o comeacutercio local o governador seguindo as recomendaccedilotildees de seu cargo buscou

auxiliar sempre que possiacutevel e necessaacuterio a empresa principalmente no que se refere ao

combate dos descaminhos 497

Devemos lembrar como jaacute apontado previamente que de

acordo com as recomendaccedilotildees do artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa a

administraccedilatildeo da Companhia respondia diretamente ao Rei e era independente de todos os

tribunais maiores ou menores natildeo podendo em nenhum caso se intrometer ministro ou

tribunal algum em seus assuntos 498

Devido ao caraacuteter privativo da empresa no tocante as suas questotildees judiciais ficavam

os governadores e demais autoridades locais impedidos de agir com maior liberdade nas

ocorrecircncias de contrabando Eacute o que atesta Joseacute Cesar de Meneses respondendo a cobranccedila

feita pela Junta da empresa para que o oficial passasse a regular de maneira mais contundente

as ingerecircncias que cometiam os deputados da Direccedilatildeo da Companhia em Pernambuco e os

contrabandos na regiatildeo O governador na ocasiatildeo aponta para o artigo acima de forma a

atestar sua falta de jurisdiccedilatildeo para atuar em certos casos

495

Alguns ofiacutecios confirmam a existecircncia de certa animosidade entre o oficial reacutegio e a direccedilatildeo pernambucana

que se queixaraacute da falta de assistecircncia dada pelo governador aos negoacutecios da Companhia Acusaccedilatildeo que busca

repetidamente o governador se defender afirmando e reafirmando em diversos documentos os auxiacutelios que tem

prestado aquela direccedilatildeo Um ofiacutecio enviado pelo governador ao Reino no ano de 1775 ilustra bem esta questatildeo

Nele o oficial reacutegio busca esclarecer junto a Corte as acusaccedilotildees feitas pelo Intendente da Companhia o senhor

Antocircnio Joseacute Souto sobre sua conduta Afirmando em tal ocasiatildeo que o tal intendente despoacutetico e de se utilizar

de seu cargo na direccedilatildeo daquela instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9218 496

O governador enviaraacute a Corte uma seacuterie de correspondecircncias ao longo de seu governo relatando o estado em

que se encontrava a capitania chegando ateacute mesmo a fazer comparaccedilotildees numeacutericas do volume do comeacutercio

antes e depois do monopoacutelio instaurado pela Companhia Geral Exemplo disto eacute o ofiacutecio do ano de 1778 onde o

oficial envia ao Reino extenso documento onde relata natildeo soacute seu ponto de vista a respeito da instituiccedilatildeo e do que

vinha obrando para acudir a Companhia durante seu governo como tambeacutem traz em anexo diversos documentos

com os nuacutemeros referentes ao comeacutercio dos diversos gecircneros que se fazia na capitania antes e depois da criaccedilatildeo

da Companhia Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 497

AHU ndash PE Cx 130 D 9823 498

Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor

do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel

em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217

138

Em ofiacutecio do ano de 1777 onde relata a situaccedilatildeo dos contrabandos na capitania Joseacute

Cesar aponta alternativa que acreditava ser suficiente para extinguir os contrabandos

Segundo o mesmo deveria a Companhia remeter para a capitania ldquoos mesmos gecircneros que

trazem os contrabandistas e vendecirc-los pelo mesmo preccedilo que os contrabandistas os vendemrdquo

499 De acordo com o governador se a Companhia assim fizesse ningueacutem ldquose incomodaria com

tanto trabalho e risco a introduzi-las nem jamais se continuariam tais contrabandosrdquo 500

Ainda neste mesmo ofiacutecio o oficial eacute enfaacutetico ao afirmar que ldquoa introduccedilatildeo dos

contrabandos nasce porque por preccedilos mais racionaacuteveis e diminutos se compram as mesmas

fazendas de contrabandos o que natildeo se consegue da direccedilatildeordquo 501

destaca ainda o funcionaacuterio

real que as mercadorias comercializadas pela Companhia eram vendidas a preccedilos maiores do

que em todas outras Praccedilas comerciais do Brasil que natildeo contavam com uma empresa

monopolizadora

Outra medida eficaz para fazer cessar os contrabandos naquelas paragens apontada

pelo governador seria a direccedilatildeo da Companhia comeccedilar a assistir aos lavradores da terra em

dinheiro fiacutesico 502

Para Joseacute Cesar a questatildeo era simples bastava passar a empresa a praticar

seu comeacutercio de forma justa cobrando valores mais competitivos por seus gecircneros europeus e

fazer os pagamentos dos efeitos da terra em dinheiro agindo a empresa desta forma natildeo

necessitariam os fabricantes locais recorrerem a outras maneiras de obter o metal e

conseguirem melhores lucros

A questatildeo da falta de moeda corrente seraacute uma reclamaccedilatildeo constante dos moradores

da terra contra a Companhia Os estatutos da empresa estabeleciam que a regulaccedilatildeo dos

financiamentos junto aos produtores ocorreria da seguinte forma a Companhia adiantava ao

produtor de couros ou accediluacutecar a terccedila parte relativa a produccedilatildeo anual de cada um esse

adiantamento poderia ser feito em dinheiro mercadorias ou instrumentos de trabalho No

entanto de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a Companhia buscava evitar fazer seus

pagamentos em dinheiro sobretudo para evitar que os produtores comprassem gecircneros

vedados atraveacutes do contrabando 503

Em outro ofiacutecio jaacute no ano posterior o governador trata com maior detalhe a questatildeo

dos preccedilos praticados pela Companhia e pelos contrabandistas O capitatildeo general afirma que o

499

AHU ndash PE Cx 127 D 9670 500

Idem 501

Idem 502

AHU ndash PE Cx 130 D 9823 503

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit P 111

139

motivo dos contrabandistas venderem os seus produtos a preccedilos menores que o da Companhia

natildeo estava relacionado agrave falta de pagamento de direitos ou fretes mas simplesmente porque

os negociantes envolvidos naquele trato se empenhavam em comprar seus gecircneros por preccedilos

mais moacutedicos Razatildeo pela qual mesmo correndo os riscos de transportarem os seus produtos

ldquoem jangadas quase debaixo drsquoaacutegua sujeitas a mil avarias e sobretudo o maior e mais

formidaacutevel de todos os riscos o do confiscordquo 504

conseguiam tais comerciantes vender seus

gecircneros por valores inferiores aos praticados pela Companhia Geral

Em relaccedilatildeo ao comeacutercio de escravos segundo o governador agia a Companhia da

mesma forma prejudicial Em documento em que detalha o nuacutemero de cativos e embarcaccedilotildees

que entraram no porto do Recife entre os anos de 1742 a 1777 Joseacute Ceacutesar versaraacute sobre a

questatildeo do comeacutercio atlacircntico para Pernambuco em paralelo com as praccedilas de Bahia e Rio de

Janeiro Segundo o governador era notoacuterio que em Angola e na Costa da Mina se reservava ldquoa

flor dos escravos para os negociantes da Bahia e do Rio de Janeirordquo 505

pois estes pagavam

aos seus comissaacuterios africanos a dinheiro e melhores efeitos Dessa forma ficava relegada a

Companhia Geral apenas o ldquorefugordquo da escravaria que era composta por negros de ldquoruim

qualidade e carestiardquo 506

Diz o governador natildeo saber com a empresa procedia em suas compras na Costa da

Aacutefrica no entanto como a experiecircncia mostrava era possiacutevel se comprar escravos

contrabandeados ldquopor uma quinta parte menosrdquo 507

dos que os vendidos pela Companhia

Geral Aleacutem disso como se vivia em Pernambuco uma crise de moeda fiacutesica a Companhia

costumeiramente mandava vender alguns de seus escravos no Rio de Janeiro ldquopor muito

menos do que nesta praccedilardquo 508

ainda segundo Joseacute Cesar os negros que se iam vender na

praccedila carioca eram ldquosempre os melhores e mais escolhidosrdquo 509

Dessa forma concluiacutea o governador que os escravos que permaneciam na capitania

eram sempre os de ldquopior qualidaderdquo o que acabava por provocar um ldquomaior desembolso a

que o lavrador fica sujeito tanto no maior nuacutemero que deveria comprar quanto na qualidaderdquo

510 Segundo o funcionaacuterio real os lavradores residentes na capitania eram forccedilados a

substituir o plantel constantemente pois logo ldquomorrem pela sua ruim qualidade e moleacutestias

504

Idem 505

Idem 506

Idem 507

Idem 508

Idem 509

Idem 510

Idem

140

com quem jaacute vecircm contaminadosrdquo 511

sendo vendidos aqui cinco vezes mais caros ldquodo que se

costuma pagar os melhores da Bahia e Rio de Janeiro []rdquo 512

Outra inteligente sugestatildeo a ser empregada na repressatildeo dos contrabandos naquela

regiatildeo eacute dada pelo Ouvidor da Comarca de Alagoas no ano de 1778 Seguindo ordens do

governador Joseacute Cesar de Meneses o oficial que fazia vaacuterias correiccedilotildees na aacuterea limiacutetrofe entre

Pernambuco e Bahia iraacute declarar ao seu superior pernambucano que o combate ao

contrabando era impossiacutevel pois para isto ldquoseria preciso lanccedilar um cordatildeo de tropa por toda a

praia na sua extensatildeo de sessenta leacuteguasrdquo 513

Para o Ouvidor a situaccedilatildeo natildeo mudaria ateacute que

se tomassem ldquonovas providecircncias e uma nova legislaccedilatildeo que contenha os senhores de

engenho na facilidade com que vendem suas safras inteiras conhecidamente a

contrabandistasrdquo 514

ou seja de acordo com o oficial seria mais faacutecil se coibir a praacutetica

regulando a produccedilatildeo dos engenhos ldquoera melhor que este grande e inuacutetil trabalho que se tem

em guardar sessenta leacuteguas de praia se tivesse em pedir contas aos senhores de engenho das

suas respectivas safrasrdquo 515

Este conselho eacute enviado pelo governador ao Reino poreacutem ateacute o momento natildeo

conseguimos encontrar nenhum documento que ateste que o mesmo tenha sido colocado em

praacutetica Joseacute Cesar demonstrava grande preocupaccedilatildeo em relatar ao Reino sempre que

possiacutevel o trabalho que vinha executando em relaccedilatildeo ao combate dos contrabandos no

periacuteodo do seu governo Como jaacute explicitado e declarado pelo proacuteprio o contrabando era ldquoum

dos principais objetosrdquo 516

da ldquomaior vigilacircncia e cuidadordquo 517

do governador que haacute muito

tempo segundo o mesmo natildeo cessava ldquode aplicar todos os meios de lhe cortar o passordquo 518

como vinha apresentando regularmente ao Reino atraveacutes de diversos documentos

Em ofiacutecio encaminhado a Junta da empresa em Lisboa em 1778 afirma novamente o

governador estar ldquodando providecircncias sobre providecircncias para evitar os contrabandosrdquo 519

alegando ainda ter recomendando ordens a este respeito a pessoas ldquode maior satisfaccedilatildeo e

511

Idem 512

Idem Sobre o comeacutercio de escravos em Pernambuco durante o governo de Joseacute Cesar de Meneses consultar

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre

Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 513

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 514

Idem 515

Idem 516

AHU ndash PE Cx 134 D 10074 517

Idem 518

Idem 519

AHU ndash PE Cx 130 D 9823

141

confidecircnciardquo 520

e ateacute mesmo estar prestando repetidos auxiacutelios de tropas pagas No entanto o

combate aos contrabandos natildeo era tarefa das mais faacuteceis mesmo se utilizando do auxiacutelio de

tropas pagas como atesta ter feito Joseacute Cesar de Meneses e o fizerem diversos governadores

durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia 521

vigiar tatildeo vasto territoacuterio era impossiacutevel

No ano de 1779 o capitatildeo general iraacute remeter ao secretaacuterio de Estado da Marinha e

Ultramar ofiacutecio onde apresenta uma seacuterie de certidotildees passadas pela direccedilatildeo da Companhia

em Pernambuco atestando o auxiacutelio e providecircncias dadas pelo governador em diversas

diligecircncias com objetivo de dirimir os descaminhos ao longo dos uacuteltimos anos Neste

documento encontra-se tambeacutem coacutepia anexa de carta circular que o governador fez correr ldquoa

todos os ministros da minha jurisdiccedilatildeo que se achavam em ato de correiccedilatildeordquo 522

Nela consta

com detalhe o procedimento que todos os Capitatildees Mores comandantes e regentes de distrito

deveriam tomar para impedir os contrabandos em seus locais de atuaccedilatildeo

Eram quatro os passos que deveriam ser seguidos por estes oficiais reacutegios Em

primeiro lugar deveriam eles inspecionar todas as lojas e casas onde houvesse suspeita da

praacutetica de contrabando caso a suspeita se revelasse verdadeira o fruto da apreensatildeo deveria

ser remetido ao juiz conservador que para melhor averiguaccedilatildeo do caso deveria chamar ldquoos

ventenarios do seu distritordquo 523

e os obrigar a declarar em segredo ldquose pelas suas venterias

existem ou grassam alguns contrabandistas ou comissaacuterios volantes de fazendasrdquo havendo

denuacutencia deveria se proceder contra os mesmos de acordo com as leis de sua Majestade

Em segundo lugar era responsabilidade do comandante do distrito visitar pessoalmente

ldquotodos os barcos e qualquer outra embarcaccedilatildeo que dos portos da sua jurisdiccedilatildeo derem entrada

fazendo desta visita auto no livro competenterdquo 524

Especial atenccedilatildeo deveria ser dada aos

barcos que costumavam transportar madeira para Bahia nestes casos o despacho soacute deveria

ser entregue ao mestre da embarcaccedilatildeo proacuteximo a data de saiacuteda daquele porto Aleacutem disso

sempre que houvesse a miacutenima suspeita de introduccedilatildeo de algum iliacutecito deveria o comandante

do distrito enviar guardas a bordo para verificaccedilatildeo da carga

A terceira medida consistia em fazer chamar todos os jangadeiros das costas e praias

da jurisdiccedilatildeo por ele comandada fazendo-os ldquoassinar termo em que se obriguem a natildeo

520

Idem 521

A contrataccedilatildeo de tropas pagas para atuar na repressatildeo aos contrabandos se fez necessaacuteria em diversas

ocasiotildees devido ao volume daquele comeacutercio descaminhado e a grandiosidade territorial da capitania de

Pernambuco e de suas anexas 522

AHU ndash PE Cx 132 D 9955 523

Idem 524

Idem

142

transportar efeitos a bordo do barco que natildeo esteja franco a recebecirc-los para Pernambucordquo 525

e

ainda deveriam orientar a estes que natildeo respondessem ldquoaos sinais que costumam fazer as

embarcaccedilotildees ao largo chamando jangadas para se receberem e baldearem em terra os

contrabandosrdquo 526

O jangadeiro que desobedece tal ordem deveria ser preso autuado e

remetido agrave presenccedila do governador para que cumprisse as penas destinadas aos

contrabandistas

Por fim deveriam os comandantes de distrito nomear em todos os ldquoportos barras

baias e entradas dos mares da sua jurisdiccedilatildeordquo pessoa ldquocuja probidade capacidade e honra

vossa mercecirc tenha mais conceitordquo Esta pessoa seria responsaacutevel por avisar ao comandante

assim que qualquer embarcaccedilatildeo entrasse no distrito para que o mesmo pudesse em pessoa

fazer a inspeccedilatildeo necessaacuteria Caso o comandante estivesse ausente e houvesse necessidade

estes ldquoajudantesrdquo nomeados poderiam apreender lemes e velas de embarcaccedilotildees suspeitas bem

como fazer apreensatildeo de alguns fardos e fazendas ateacute a volta da autoridade distrital A carta

circular termina de forma intimidadora o governador deixa claro que a ldquomenor omissatildeordquo a

respeito desta mateacuteria natildeo seria tolerada sendo punido asperamente o oficial reacutegio que a

descumprisse ldquonatildeo soacute por erro e falta do seu ofiacutecio mas como fator e auxiliador do vil crime

de contrabandistardquo 527

O tom ameaccedilador do governador aos seus oficiais subordinados eacute

explicado pelo conjunto documental

Antes de darmos iniacutecio a um novo toacutepico vale a pena ressaltar como a questatildeo dos

contrabandos e extravios seratildeo uma constante na histoacuteria da colonizaccedilatildeo europeia na Ameacuterica

Dependendo do momento e da localidade os Centros iratildeo lidar com a mateacuteria de formas

distintas Tomemos como exemplo o jaacute famoso caso envolvendo os descaminhos na regiatildeo

fronteiriccedila do extremo Sul do Brasil Os contemporacircneos trabalhos que tratam sobre o

comeacutercio na regiatildeo do Prata iratildeo apontar os portugueses ou melhor os luso-brasileiros como

responsaacuteveis por no seacuteculo XVII e XVIII fomentar uma grande rede de contrabandos na

regiatildeo

Falando a respeito dos negoacutecios desenvolvidos por estes homens na Buenos Aires do

seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos iraacute demonstrar como estes comerciantes iratildeo se engendrar e

desenvolver redes clientelares na regiatildeo que contavam inclusive com o apoio de funcionaacuterios

espanhoacuteis de modo a permitir que eles mantivessem seus negoacutecios extralegais apesar das

525

Idem 526

Idem 527

Idem

143

diversas medidas restritivas lanccediladas pelo Reino Espanhol a fim de conter tais extravios 528

O autor ainda chama atenccedilatildeo para o fato de que a Corte na Espanha natildeo estava de todo alheia

aos acontecimentos em torno da conquista buenairense tendo ela mesma se aproveitado da

situaccedilatildeo em alguns casos 529

Como os novos estudos acerca dos Impeacuterios Europeus tecircm demonstrado as relaccedilotildees

criadas em seus domiacutenios ultramarinos iratildeo se desenvolver de maneira distinta atendendo a

uma dinacircmica proacutepria e as estrateacutegias poliacuteticas locais feitas muitas vezes a revelia das

disposiccedilotildees reacutegias Atraveacutes desse vieacutes de entendimento eacute possiacutevel compreender como mesmo

apoacutes a restauraccedilatildeo da soberania portuguesa e das intensas disputas entre as Coroas ibeacutericas

pelo domiacutenio da regiatildeo platina ainda era possiacutevel que luso-brasileiros e colonos espanhoacuteis

incluindo uma gama de autoridades reais mantivessem entre si relaccedilotildees comerciais que

permitiram a continuaccedilatildeo de um faustoso comeacutercio extralegal no porto de Buenos Aires

Continuando a tratar sobre o comeacutercio de contrabando na regiatildeo platina vale destacar

o estudo feito pelo historiador Faacutebio Kuhn a respeito dos descaminhos de escravos para regiatildeo

na primeira metade do seacuteculo XVIII Em recente artigo o autor busca demonstrar como os

comerciantes luso-brasileiros sediados na Colocircnia do Sacramento passaram a deter hegemonia

sobre aquele negoacutecio Estes comerciantes segundo o autor estavam associados a homens de

negoacutecio de duas importantes Praccedilas da Ameacuterica lusa Rio de Janeiro e Salvador eram estes

comissaacuterios os responsaacuteveis por remeter para o Sul as remessas de negros chegadas ao litoral

das respectivas capitanias 530

Quando em princiacutepios do XVIII como consequecircncia de ajustes diplomaacuteticos a Coroa

Espanhola concede o asiento de negros para os britacircnicos que fundam a fim de explorar tal

contrato a South Sea Company os comerciantes portugueses ignorando as proibiccedilotildees sobre

aquela mateacuteria passam a rivalizar com os ingleses nas vendas de escravos para regiatildeo A

situaccedilatildeo chegou a tal estaacutegio que a Companhia inglesa nos seus uacuteltimos anos de

funcionamento passou a diminuir drasticamente o contingente de negros enviados aquela

localidade pois eles jaacute natildeo tinham saiacuteda dada a grande oferta de escravos que os

contrabandistas portugueses faziam entrar no territoacuterio da South Sea Company

528

Sobre isto ver CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a

administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00 529

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires

colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 242 530

KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)

Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017

144

Percebemos como toda a questatildeo relativa ao comeacutercio de contrabando neste caso

guardada as devidas proporccedilotildees iratildeo se desenrolar de maneira semelhante a que encontramos

para o nosso objeto de anaacutelise Aleacutem de ter uma Companhia de comeacutercio exclusivista

envolvida e das vaacuterias medidas tomadas pela Coroa espanhola para inutilmente tentar conter

tais extravios no caso trabalhado por Kuhn tambeacutem haacute indiacutecios de que os proacuteprios oficiais

castelhanos facilitavam e auxiliavam os descaminhos

Aleacutem disso o autor demonstra como os traficantes portugueses situados na Colocircnia do

Sacramento e seus agentes e comissaacuterios eram homens bem articulados que desfrutavam de

prestiacutegio tendo alguns deles ocupado inclusive cargos na administraccedilatildeo colonial Isso mesmo

quando desde 1751 a Coroa portuguesa ciente da desordem causada pelo comeacutercio ilegal de

escravos na regiatildeo passou ordens para que se extinguisse aquele negoacutecio castigando quem

fosse apreendido em tal crime com ldquomulta no triplo do seu valor para os reacuteus aleacutem do

degredo para Angola por dez anos dos contrabandistas envolvidosrdquo 531

Apesar da aparente incongruecircncia a participaccedilatildeo de oficiais agentes e autoridades

reacutegias no comeacutercio descaminhado foi uma realidade durante o periacuteodo colonial em distintas

localidades e eacutepocas Eacute sobre o envolvimento destes homens nos contrabandos que iremos

tratar no toacutepico a seguir

42 ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de

autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos

Apesar do empenho sobretudo dos governadores em reprimir as atividades iliacutecitas o

contrabando era uma praacutetica quase impossiacutevel de ser controlada fazendo com que os esforccedilos

e medidas tomadas por estes oficiais se mostrassem pouco eficazes dada a grandiosidade do

esquema que incluiacutea autoridades reacutegias oficiais e deputados da proacutepria Companhia nos

circuitos de descaminho O envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e proacuteprios deputados

da Companhia nos descaminhos era um problema que desde os primoacuterdios do

estabelecimento da empresa se buscava combater

Jaacute em 1763 relata o governador Luiacutes Diogo Lobo da Silvia ser necessaacuterio enviar para

os sertotildees a fim de averiguar as ldquodesordensrdquo causadas pelos contrabandistas ldquooficiais de mais

confianccedila e menos amizadesrdquo 532

Sobre este respeito escreve o Conde de Povolide ao Reino

531

Ibidem P 103 532

AHU ndash PE Cx 99 D 7757

145

em 1769 alertando que ldquotoda esta capitania da parte do Sul desta capital ateacute ao Rio de Satildeo

Francisco me consta com evidecircncia se acha contaminada de contrabandos e com tatildeo pouca ou

nenhuma atividade nos ministros para devassar delesrdquo 533

Neste mesmo documento o Conde

declara ao Reino sua insatisfaccedilatildeo com o Sargento Mor do distrito de Porto Calvo que natildeo

havia segundo o governador ldquoobservado boa condutardquo 534

na execuccedilatildeo de ordem passada para

se averiguar crime de contrabando na regiatildeo

Escrevendo ao Conselho Ultramarino em 1770 Manoel da Cunha Meneses

governador de Pernambuco que acabava de assumir o cargo seria mais enfaacutetico ao denunciar

ao Reino o envolvimento de funcionaacuterios reacutegios estabelecidos nos sertotildees da Capitania na

introduccedilatildeo de contrabandos Afirmava o governador ser o sertatildeo daquela capitania um dos

mais povoados relatando que em cada povoado e freguesia existiam capitatildees mores regentes

e diretores poreacutem acusava Manuel da Cunha serem estes oficiais ldquomesmos culpados ou

proacuteprios contrabandistas pois se sujeitam a viver no agreste dos matos a fim de

enriqueceremrdquo 535

Continua seu relato afirmando que tais ldquoqualidades de oficiaisrdquo 536

executavam suas

ordens da forma que bem lhe aprouvessem pois ldquose fiam no seguro dos longes em que se

acham para natildeo recearem castigordquo 537

Dessa forma conclui o governador ser o combate ao

contrabando tarefa das mais difiacuteceis jaacute que natildeo havia ali ldquopessoas de que se faccedila confianccedila a

embaraccedilar a passagem das fazendasrdquo 538

Aleacutem disso o capitatildeo general atestava que a

grandiosidade da Costa pernambucana dificultava ainda mais o trabalho repressivo 539

Como se pode observar existia certa conivecircncia e em alguns casos participaccedilatildeo ativa

de funcionaacuterios reais no comeacutercio iliacutecito Estas autoridades locais natildeo atuavam de maneira

isolada diversos documentos atestam a participaccedilatildeo de oficiais da Companhia Geral tanto

aqueles que trabalhavam embarcados quanto os que estavam a disposiccedilatildeo da direccedilatildeo em

Pernambuco e mesmo de seus deputados nas redes de contrabando Em 1769 o jaacute

mencionado Conde de Povolide acusa em ofiacutecio endereccedilado ao Reino os oficiais e acionistas

da empresa Na ocasiatildeo afirma o governador que ldquouma das causas do grande contrabando

existente nos portos do sertatildeo pernambucano era a negligecircncia com que operava o juiz

533

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 534

Idem 535

AHU ndash PE Cx 108 D 8371 536

Idem 537

Idem 538

Idem 539

Idem

146

conservador da companhiardquo 540

que ldquotem ocasionado a relaxaccedilatildeo em que se acha esta

negociaccedilatildeo de travessiardquo 541

Neste mesmo ofiacutecio o Conde relata a Corte o caso especiacutefico de uma sumaca

apreendida em Camaragibe distrito de Porto Calvo que estava carregando caixas de accediluacutecar

para seguir para Bahia O governador acreditava que naquele episoacutedio oficiais da Companhia

haviam agido de forma a facilitar a introduccedilatildeo das contravenccedilotildees isto porque um dos

negociantes preso pelo envolvimento no contrabando possuiacutea ldquotrecircs irmatildeos nesta praccedila dois

ocupados na Companhia Geral e outro escrivatildeo da mesma Conservatoacuteriardquo Como os termos

judiciais da apreensatildeo deveriam acontecer no cartoacuterio onde trabalhava o irmatildeo escrivatildeo

alertava o Conde a necessidade de se ldquousar de alguma precauccedilatildeo para este casordquo 542

O envolvimento dos oficiais da Companhia nessa situaccedilatildeo era tatildeo previsiacutevel que o

governador acreditava natildeo ser suficiente apenas tomar cuidado com o desenrolar do processo

chegando mesmo a afirmar que ldquose a experiecircncia mostrar que natildeo bastam (as precauccedilotildees)

como assim me persuado determino mandar suspender o processordquo 543

que ficaria parado ateacute

ldquodar conta a vossa excelecircncia para obter uma eficaz providecircncia em ministro tal em que possa

confiar retidatildeo que natildeo for flexiacutevel as logrativas em penhor que considero haveratildeo neste casordquo

544

A atuaccedilatildeo nos descaminhos dos oficiais que prestavam serviccedilos dentro dos navios

reais tambeacutem seraacute destacada dentro do nosso conjunto documental A participaccedilatildeo destas

equipagens era tatildeo notoacuteria que jaacute se faziam saber no proacuteprio Reino Como nos revela ofiacutecio

enviado por Joseacute Cesar de Meneses no ano de 1778 ao secretaacuterio de Estado da Marinha e

Ultramar Segundo o governador ldquose fez preciso informar-me que os oficiais das ditas

embarcaccedilotildees reacutegias se tem deslizado nos excessos de trazerem nas ditas embarcaccedilotildees toda a

sorte de contrabando que podemrdquo 545

os produtos transacionados por eles iam de fazendas a

comestiacuteveis e ainda de acordo com Joseacute Cesar tinham aqueles homens ldquoarte de as meterem a

bordo antes de sair desse porto sem que se possa perceberrdquo 546

540

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 541

Idem 542

Idem 543

Idem 544

Idem 545

AHU ndash PE Cx 130 D 9815 546

Idem Vale ressaltar que naquele mesmo ano o governador em ofiacutecio dirigido a Junta lisboeta afirma que

segundo seu entendimento natildeo se devesse considerar contrabando todos os gecircneros levados a Portugal pelos

oficiais reais que os trocavam na capitania pelos mantimentos trazidos da Europa Isto porque Pernambuco

como se sabia passava por uma crise monetaacuteria logo os gecircneros da terra eram as uacutenicas coisas que poderiam

147

No mesmo ano o governador revela a Corte como a marinhagem do navio real

conhecido como o ldquoPenquerdquo tinha tido ldquoo atrevido descaramento de iludir e zombarrdquo 547

das

ordens passadas por ele passadas Jaacute que desobedecendo as diretivas de Joseacute Cesar fizeram

os marinheiros daquele navio descarregar nas terras exclusivas da Companhia diversos

gecircneros europeus as escondidas Aleacutem disso os mesmos oficiais retardaram propositalmente a

partida da embarcaccedilatildeo a fim de carregarem nela gecircneros da terra Apesar das buscas dadas

pelo governador com o auxiacutelio do Patratildeo Mor da capitania natildeo foi possiacutevel evitar todo o

contrabando naquele caso isto porque de acordo com o governador ldquoas mesmas lanchas da

Ribeira das Naus que vatildeo a bordo a tiacutetulo de amarrarem os navios de sua majestade satildeo as que

servem de transportar os gecircneros proibidos como a larga e amiudada experiecircncia dos meus

embarques me tem mostradordquo 548

Permanecendo no ano de 1778 outro ofiacutecio encontrado em nosso conjunto

documental acaba reafirmando a efetiva participaccedilatildeo destes oficiais dos navios reais no

comeacutercio descaminhado Neste documento a direccedilatildeo da Junta da Companhia Geral

dialogando com o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ldquonatildeo nos causar admiraccedilatildeo que

nesta capitania se vendam fazendas por contrabando por preccedilos inferiores aos da companhiardquo

549 completam dizendo que isto soacute era possiacutevel pois algumas dessas fazendas chegavam a

Pernambucano pelas matildeos dos proacuteprios oficiais da empresa que as traziam nos navios reais

sem pagar frete ou qualquer tipo de direitos 550

Se em um primeiro momento o envolvimento dos oficiais da Companhia e de seus

proacuteprios deputados e acionistas nas redes de comeacutercio iliacutecito nos causa estranhamento eacute

necessaacuterio lembrar que os principais negociantes da praccedila mercantil pernambucana se

tornaratildeo acionistas da empresa e que se estes de iniacutecio resistiram agrave ideia da fundaccedilatildeo de uma

companhia monopolista logo perceberam que para continuar a usufruir dos privileacutegios que

tinham na eacutepoca em que o comeacutercio era livre fazia-se necessaacuterio se engendrar na

administraccedilatildeo da empresa

ofertar as populaccedilotildees locais nas suas permutas com os agentes dos navios reacutegios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D

9823 547

AHU ndash PE Cx 131 D 9865 548

Idem 549

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 550

Em ofiacutecio do ano de 1778 em resposta a este da Junta Lisboeta Joseacute Ceacutesar de Meneses discorda daquele

conselho afirmando que em comparaccedilatildeo aos contrabandos vindos dos outros portos do Brasil o trazido pelos

oficiais dos navios reais tinha parca relevacircncia Aleacutem disso atesta o governador que o menor valor cobrado pelos

produtos de contrabandos nada tinham a ver com a questatildeo do natildeo pagamento de fretes e direitos como jaacute

explicitado neste capiacutetulo segundo o governador a uacutenica vantagem que tinham aqueles oficiais reais em natildeo

pagarem tais taxas era o de obterem maiores lucros nos seus negoacutecios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823

148

O que queremos dizer aqui eacute que os homens de negoacutecio de Pernambuco natildeo eram

ingecircnuos cientes da criaccedilatildeo da Companhia apesar de suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis se

tornaram acionistas e diretores da mesma pois sabiam que fazer parte da governaccedilatildeo era ldquoum

poderoso elemento constituidor de conexotildees e de fluxos de troca gerados a partir da proacutepria

instacircncia administrativardquo 551

e dessa forma puderam instrumentalizar a instituiccedilatildeo para o

atendimento de seus interesses pessoais fossem eles liacutecitos ou natildeo

Aleacutem disso como jaacute descrito ao longo deste trabalho a participaccedilatildeo de oficiais reais

nos descaminhos praticados nos domiacutenios ultramarinos era uma praacutetica jaacute haacute muito enraizada

Em seu estudo sobre o comeacutercio descaminhado desenvolvido na Ameacuterica Lusa na primeira

metade do XVIII Paulo Cavalcante demonstra como guardas auditores e ouvidores reacutegios

envolvidos na administraccedilatildeo das Minas coloniais se mancomunavam com os extraviadores de

ouro e diamantes a fim de tirarem vantagens pessoais auxiliando aqueles contrabandistas

Situaccedilatildeo que como atesta o autor a Coroa tinha ciecircncia e buscava a todo tempo reprimir sem

no entanto lograr ecircxito 552

A historiadora Nauk Maria de Jesus ao escrever sobre episoacutedio jaacute bem conhecido da

historiografia brasileira onde se procedeu na troca de ouro por chumbo nos caixotes de

quinto destinados ao Rei no ano de 1722 tambeacutem revela o envolvimento de importantes

autoridades coloniais nas redes de comeacutercio iliacutecito De acordo com a autora haacute evidecircncias da

existecircncia no comeccedilo do seacuteculo XVIII de uma grande rede de descaminho de ouro

envolvendo membros da elite imperial portuguesa Esta rede estaria conectada a diversas

naccedilotildees e era constituiacuteda por oficiais reacutegios e seus associados que concomitantemente ao

exerciacutecio de seus cargos reacutegios realizavam negoacutecios atlacircnticos privados fossem eles liacutecitos ou

natildeo 553

Retomando nossa narrativa a Junta lisboeta da empresa sabia da conivecircncia dos

administradores pernambucanos com os contrabandistas como nos esclarecem dois ofiacutecios do

ano de 1778 e um posterior do ano de 1780 enviados pela instituiccedilatildeo para o governo de

Pernambuco Os ofiacutecios do ano de 1778 satildeo resultado da troca de mensagens entre aquela

551

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c

1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e

negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 180-181 552

Sobre isto consultar CAVALCANTE PAULO Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica

Portuguesa - 1700-1750 Satildeo Paulo Hucitec 2006 553

Sobre isto ver JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de

ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na

trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 2010 P 525-548

149

administraccedilatildeo superior e o governador Joseacute Cesar de Meneses este uacuteltimo ao longo do seu

governo encaminhou por vaacuterias vezes ofiacutecios para a Junta informando o estado em que se

encontravam os negoacutecios locais e as condutas da diretoria pernambucana que eram motivo de

criacuteticas tanto pela parte do governador quanto da direccedilatildeo lisboeta

O conteuacutedo de tais ofiacutecios apresentam duras criacuteticas a forma como procedia a

administraccedilatildeo pernambucana nos interesses da empresa chegam os ministros portugueses a

afirmar que se a Companhia se encontrava apartada de seus objetivos iniciais a culpa residia

nos administradores pernambucanos que ldquoa desfiguraram e natildeo cumpriram as determinaccedilotildees

da juntardquo 554

Os documentos ainda acusam a direccedilatildeo subalterna de natildeo prestar contas quanto

ao verdadeiro estado em que se achavam as capitanias e agir em total desrespeito as reais

ordens 555

Aleacutem disso fica evidente que a administraccedilatildeo lisboeta sabia que os deputados em

Pernambuco usavam a instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio participando de uma seacuterie de

atividades iliacutecitas e natildeo recomendadas A Junta chega a afirmar que os proacuteprios deputados da

empresa eram seus principais devedores revelando ser aquele fato um dos que mais

ocasionavam espanto aos oficiais lisboetas pois estes estavam cientes do ldquogrande cabedal que

se acham devendo os moradores e negociantes desta praccedila e as pessoas que ocuparam e

ocupam os lugares desta direccedilatildeo seus parentes e outros empregados no serviccedilo da

Companhiardquo 556

Atestam tambeacutem que mesmo depois de receberem os lucros respectivos a sua

porcentagem societaacuteria natildeo constava que estes acionistas tivessem feito sequer um

pagamento a Companhia 557

Na lista de acusaccedilotildees feitas pela Junta a administraccedilatildeo de Pernambuco consta tambeacutem

serem aqueles deputados os culpados pela grande falta de creacutedito que se experimentava na

Praccedila de que os habitantes locais tanto reclamavam Afirma a Junta que o objetivo primaacuterio

da Companhia Geral era o de fazer florescer o comeacutercio em Pernambuco e Paraiacuteba com o

554

AHU ndash PE Cx 128 D 9736 555

Em resposta a este ofiacutecio no mesmo ano o governador Joseacute Cesar de Meneses afirmaraacute natildeo compreender

como a Junta durante todo esse tempo fosse ldquosempre enganadardquo Sobre a falta de informaccedilatildeo que alega a Junta

lisboeta o governador afirma que aquele conselho natildeo desconhecia todos os fatos ocorridos na capitania jaacute que

era sabido que diversos acontecimentos chegavam a seu conhecimento mesmo antes do seu governo Declara

ainda que em mateacuteria tatildeo importante natildeo se fazia necessaacuterio provas concretas para que a Junta passasse a tomar

providecircncias mas apenas ldquoleves indiacuteciosrdquo para pocircr em praacutetica as precauccedilotildees devidas Alerta ainda o capitatildeo

general que a Junta descumprido o regulado no artigo 6 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia que

determinava que os deputados e intendente eleitos cumprissem mandatos de apenas dois anos acabava por

contribuir com a relaxaccedilatildeo com que procedia aquela direccedilatildeo pernambucana sendo certo que se fossem

removidos de seus postos em tempo correto natildeo chegariam a desfigurar a Companhia 556

Idem 557

Idem

150

aumento da agricultura e faacutebricas e natildeo fazer ldquoenriquecer aacute custa do seu cabedal mercadores

e negociantes que metessem em si os fundos da Companhiardquo 558

O que o documento explicita

eacute a praacutetica comum de diretores e acionistas da diretoria pernambucana de contraiacuterem

empreacutestimos para si e seus associados junto agrave mesma para fazer comeacutercio pessoal e depois

natildeo restituir tais deacutebitos a Companhia

Quanto a questatildeo do contrabando e dos altos preccedilos cobrados pela empresa nos

gecircneros que negociava na terra a Direccedilatildeo portuguesa se defende afirmando que por menor

que fosse o lucro da empresa sobre as transaccedilotildees comerciais os preccedilos praticados pela mesma

jamais seriam capazes de ldquoconcorrer com aqueles que natildeo pagam direitos nem fretesrdquo559

ou

ainda com aqueles que ldquonatildeo fazem intenccedilatildeo de paga-los a quem lhes confiou e por todo o

preccedilo lhes faz conta vende-lasrdquo 560

afirmando que tirava a Companhia lucros menores do que

mercadores particulares em condiccedilotildees normais Contestam tambeacutem a pouca atividade da

Direccedilatildeo pernambucana em reprimir tais desordens afirmando que os contrabandos aleacutem de

natildeo serem castigados natildeo eram relatados a Junta assim natildeo ficava aquela administraccedilatildeo

sabendo quem eram as pessoas envolvidas naquele tipo de crime nem quais mercadorias

estariam sendo negociadas

Quanto as opressotildees que se queixavam natildeo soacute os habitantes da capitania quanto o

governador Joseacute Cesar de Meneses atestam os oficiais portugueses serem todas elas

precedentes ldquoda ambiccedilatildeo e maacute feacute dos membros de sua direccedilatildeordquo 561

Poreacutem para aquela Junta

parecia estranho e inconcebiacutevel considerar o povo daquelas plagas como ldquooprimido e aflitordquo

isto porque a soma do cabedal enviado para Pernambuco chegava naquele tempo haacute quantia

de trecircs milhotildees e meio quantia que considerava o conselho lisboeta suficiente para

manutenccedilatildeo e bom funcionamento do comeacutercio na regiatildeo isto eacute se fosse tal recurso bem

gerido condiccedilatildeo que estava claro para a Junta que natildeo ocorria Pois ainda a despeito das

queixas dos locais afirmam os ministros lisboetas ter total ciecircncia que ldquoentre os mercadores e

negociantes desta praccedila e a direccedilatildeo (da Companhia Geral) haacute ocultas e escandalosas

negociaccedilotildees que servem de vexar os povosrdquo 562

558

Idem 559

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 560

Idem 561

Idem 562

Idem Em ofiacutecio do ano de 1778 em que responde ao documento supracitado da Companhia o governador

Joseacute Cesar de Meneses contesta novamente a posiccedilatildeo adotada pela Junta que afirmando ter ldquopleno

conhecimento daquelas ocultas e escandalosas negociaccedilotildeesrdquo e de vaacuterias outras violecircncias e opressotildees cometidas

pela direccedilatildeo pernambucana natildeo tenha tomado nenhuma providecircncia mais incisiva pelo contraacuterio permitiu

151

Devido as vaacuterias queixas feitas pelos habitantes da terra atraveacutes das cacircmaras locais e

das constantes denuacutencias encaminhadas pelo governador sobre o mau procedimento da

direccedilatildeo subalterna a Junta passa a partir de 1778 a cobrar com maior vigor os deputados e

intendente em Pernambuco Ordenando por exemplo que passassem eles a cobrar todos os

devedores da empresa sem perda de tempo Aqueles que natildeo fossem cobrados se deveria

explicar o porquecirc da accedilatildeo Junto agraves cobranccedilas ficou ordenado tambeacutem que se remetesse ao

Reino os nomes daqueles personagens que na capitania se sabiam envolvidos nas praacuteticas

iliacutecitas Tudo isto obrou a Junta por considerar ldquomuito estranhaacutevel que esteja padecendo o

creacutedito da Companhiardquo 563

Todas as exigecircncias tomadas pela sede da Companhia em Lisboa

satildeo demonstrativas da desconfianccedila que a mesma passaraacute a nutrir pela direccedilatildeo pernambucana

e atestam nossa afirmativa de que os deputados e diretores da capitania Duartina destruiacuteram o

creacutedito da empresa dentro do seu proacuteprio seio

Permanecendo no mesmo tema e ano em ofiacutecio enviado pelo secretaacuterio de Estado da

Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro ao governador Joseacute Cesar de Meneses o

oficial portuguecircs faraacute uma longa redaccedilatildeo apontando ldquoos excessos e prevaricaccedilotildees cometidas

pelos deputados da Companhia de Pernambucordquo 564

que aquela altura havia ldquochegado a tal

excesso que jaacute natildeo pode haver sofrimento que os possa tolerarrdquo 565

Afirma o secretaacuterio que

desde 1768 eram enviadas ordens do Reino para tentar conter os abusos daquela direccedilatildeo

subalterna no entanto as referidas natildeo eram atendidas obrando os deputados em sentido

oposto agraves diretivas reais

O secretaacuterio acusa os diretores e intendente daquela direccedilatildeo de se apropriarem de

todos os gecircneros remetidos do Reino e ainda de ldquoos repartirem a creacuteditos pelos seus parentes

amigos e associados e de os tomarem eles mesmos de baixo de nomes alheiosrdquo 566

apropriavam-se tais deputados do cabedal alheio em benefiacutecio de seus proacuteprios negoacutecios e

agindo dessa forma aumentavam ainda mais a grande diacutevida dos habitantes locais com a

Companhia diacutevida esta que os mesmos natildeo buscavam satisfazer de ldquomodo algumrdquo 567

Neste mesmo ofiacutecio versaraacute o secretaacuterio tambeacutem sobre a questatildeo do contrabando

afirmando natildeo ser ldquomenos escandalosa a relaxaccedilatildeo com que nessa capitania se estatildeo fazendo

aquela Junta em desacordo com artigo 6 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral que os membros

daquela direccedilatildeo se conservassem no poder por repetidos anos Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 563

AHU ndash PE Cx 128 D 9736 564

AHU ndash PE Cx 130 D 9832 565

Idem 566

Idem 567

Idem

152

com todo descaramento e liberdade os maiores contrabandos e extravios de accediluacutecar e de outros

gecircneros para o porto da Bahia e de outros do continente da Ameacutericardquo 568

atividade que

fraudava os direitos e deveres reais dado o caraacuteter totalmente pernicioso de tal accedilatildeo para a

fazenda real esperava o ministro do rei que agisse a administraccedilatildeo em Pernambuco com

maior vigor no combate e natildeo que agisse em sentido contraacuterio como se sabia estava

ocorrendo

Reclama tambeacutem Martinho de Melo e Castro que as carregaccedilotildees que saiam de

Pernambuco com destino ao Reino estavam desde o princiacutepio daquele ano indo com uma

quantidade muito maior de gecircneros remetidos por particulares do que produtos enviados pela

Companhia Este fato apesar de ser permitido pelos estatutos da empresa 569

causava espanto

no secretaacuterio pois havia naquele momento na capitania cerca de duas mil pessoas entre

ldquohomens de negoacutecio senhores de engenho capitalistas vendedores e outras diferentes classes

de habitantesrdquo 570

que estavam devendo ldquoconsideraacuteveis somasrdquo a empresa e estranhamente

nenhuma destas pessoas enviavam remessas de coisa alguma ao Reino

Diz o oficial reacutegio que por esta ldquomanifesta dissimulaccedilatildeordquo via-se ldquopassar a Pernambuco

seiscentos a setecentos mil cruzados do produto dos gecircneros pertencentes a esses habitantesrdquo

571 isto sem contar ldquoas somas dos gecircneros que remetem em contrabando pelo porto da Bahia e

que natildeo possa ver um real dos seus devedoresrdquo 572

na verdade agia a administraccedilatildeo de

Pernambuco natildeo no sentido de buscar reverter tal quadro mas opostamente buscavam ainda

por cima nas palavras do secretaacuterio ldquopersuadir com palpaacutevel falsidade que essa capitania se

acha reduzida a maior pobreza e miseacuteriardquo 573

Atestava entatildeo o secretaacuterio real que natildeo era da intenccedilatildeo de Sua Majestade permitir

que aqueles deputados responsaacuteveis por ldquozelar os interesses das viuacutevas oacuterfatildeos conventos

568

Idem 569

O documento de instituiccedilatildeo da Companhia em seu artigo 31 autorizava fabricantes e lavradores a enviarem

por sua conta e risco seus gecircneros para a Europa dentro dos navios da empresa Poreacutem esse tipo de operaccedilatildeo

natildeo poderia contar com nenhum tipo de intermediaacuterio Se por acaso fosse descoberto que algueacutem procedeu em

ldquocompras simuladas para carregarem nos seus nomes os gecircneros alheiosrdquo a accedilatildeo seria enquadrada no crime de

contrabando sujeita a pena de perda de carregaccedilatildeo e trestobro Se houvesse denunciante a terccedila parte do espoacutelio

seria reservada ao mesmo Apesar de ser uma praacutetica legal a Junta da empresa buscava desencorajar esse tipo de

negoacutecio Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel

Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros

sobre o Brasil Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 570

AHU ndash PE Cx 130 D 9832 571

Idem 572

Idem 573

Idem

153

religiosos capelas lugares pios deste Reino e outros diferentes classes de uacuteteis e inocentes

vassalosrdquo que haviam contribuiacutedo com seus proacuteprios recursos para formar o capital da

Companhia locupletassem a incriacutevel soma de 392384849 reis que deviam aos fundos

daquela empresa Por fim Martinho de Melo e Castro recomenda a Joseacute Cesar que

empregasse toda atenccedilatildeo naquele assunto buscando prevenir ldquoas fraudes os abusos os

contrabandos e as prevaricaccedilotildees que em toda parte do mundo sempre foram a ruiacutena dos

Estadosrdquo 574

43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70

Muitas seratildeo as denuacutencias encaminhadas ao reino pelos habitantes da capitania contra

a maacute gerecircncia da Companhia e os abusos em que ocorriam os deputados da empresa Em

1770 tem iniacutecio a primeira crise enfrentada pela instituiccedilatildeo uma seacuterie de representaccedilatildeo seratildeo

enviadas pelas cacircmaras locais a Corte expondo os problemas enfrentados pela populaccedilatildeo

local no trato com a empresa queixando-se da grande decadecircncia do comeacutercio na regiatildeo da

pobreza a que foram acometidos os habitantes e dos procedimentos irregulares da diretoria em

Pernambuco A seca que assolou a capitania entre os uacuteltimos meses de 1769 e os primeiros

meses de 1770 causando uma grande baixa nas safras de accediluacutecar parece ter contribuiacutedo

sobremaneira para o desencadeamento da crise

Isto porque a direccedilatildeo pernambucana se recusou a pagar o acreacutescimo de duzentos reis

por arroba de accediluacutecar determinado pela Mesa de Inspeccedilatildeo da Praccedila que seguia ordens de

edital previsto para estes casos A administraccedilatildeo da Companhia natildeo aceitaraacute de bom grado

esta situaccedilatildeo e em resposta a decisatildeo da Mesa lanccedila edital afirmando que ldquopor natildeo ter

obrigaccedilatildeo recusaraacute receber os ditos accediluacutecares por preccedilos que natildeo fazem conta ao comeacutercio que

administrardquo 575

completa dizendo que os lavradores e senhores descontentes poderiam enviar

ao reino seus produtos ldquopor sua contardquo em conformidade do regimento da instituiccedilatildeo 576

Ao

que tudo indica os produtores seguiram a ldquorecomendaccedilatildeordquo daquela direccedilatildeo pois no mesmo

ano o governador Manoel da Cunha Meneses envia ofiacutecio ao Reino explicando os motivos

dos produtores da capitania estarem retendo em seus armazeacutens a produccedilatildeo canavieira Solicita

574

Idem 575

AHU ndash PE Cx 109 D 8428 576

Idem

154

entatildeo o governador que o Rei apontasse soluccedilatildeo a tal empate que vinha causando notoacuterios

prejuiacutezos a todos

Os camaraacuterios de Igarassu enviam carta neste mesmo ano ao Rei atestando ldquoa grande

e inexplicaacutevel consternaccedilatildeo em que se vecirc esta capitania no presente tempo e a total ruiacutena e

decadecircncia que para o futuro vai ameaccedilando o comeacuterciordquo 577

Eles reclamavam da falta de

dinheiro que se experimentava nas terras exclusivas uma vez que a Companhia ldquonatildeo compra

gecircneros de efeito nenhum a dinheiro [] e soacute os paga com fazendas cariacutessimas e escravos de

refugordquo 578

O senado de Igarassu expotildee tambeacutem os abusos cometidos pela direccedilatildeo

pernambucana que agindo por interesses proacuteprios quando do desembarque dos navios

chegados de Angola e Costa da Mina carregados com escravos ldquoescolhem os melhores [] e

os marcam com uma fita de nastro no pescoccedilordquo 579

estes escravos marcados eram remetidos

para a Praccedila do Rio de Janeiro deixando aos produtores da capitania o refugo da escravaria A

carta continua relatando uma seacuterie de denuacutencias sobre a maacute administraccedilatildeo da Companhia

como por exemplo sua alianccedila com algumas casas de comeacutercio em prejuiacutezo dos demais

comerciantes e agricultores bem como da populaccedilatildeo em geral

Os habitantes da capitania de Itamaracaacute sobretudo os produtores de accediluacutecar e tabaco

tambeacutem enviam em 1770 representaccedilatildeo ao Reino alertando para ldquoa consternaccedilatildeo e vexame a

que se veem reduzidos pelos lamentaacuteveis danos e inexplicaacuteveis prejuiacutezosrdquo 580

causados pela

instalaccedilatildeo da Companhia na regiatildeo Pontuam aspectos bastante semelhantes aos expostos

pelos camaraacuterios de Igarassu fazendo comparaccedilotildees sobre o volume do comeacutercio na capitania

antes e depois da instituiccedilatildeo da empresa A representaccedilatildeo que possuiacute um abaixo assinado com

cerca de treze paacuteginas apenas de assinaturas daqueles homens que se sentiam prejudicados

pela Companhia termina suplicando a aboliccedilatildeo da empresa e a restituiccedilatildeo dos danos para

aqueles produtores

Aleacutem das diversas representaccedilotildees contraacuterias 581

enviadas pelos representantes locais a

Corte na capitania o clima era de agitaccedilatildeo Como nos demonstra ofiacutecio enviado pelo

secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar ao governador Manoel da Cunha Meneses

denunciando papeacuteis anocircnimos que tinham sido fixados na capitania satirizando um edital

577

AHU ndash PE Cx 108 D 8380 578

Idem 579

Idem 580

AHU ndash PE Cx 108 D 8393 581

Vaacuterios outros documentos a este respeito foram emitidos entre os anos de 1770 a 1771 pelos habitantes

locais e seus oacutergatildeos representativos incluindo cartas pessoais e algumas ateacute mesmo anocircnimas AHU ndash PE Cx

109 D 8421 AHU ndash PE Cx 109 D8444 AHU ndash PE Cx 110 D8507 AHU ndashPE Cx 110 D 8515 AHU-

PE Cx 111 D 8541

155

lanccedilado pela direccedilatildeo da Companhia Neste edital a administraccedilatildeo da empresa a fim de

supostamente fazer encerrar os buchichos que corriam entre a populaccedilatildeo sobre a sua maacute

gerecircncia convocava a todos que tivessem denuacutencias do mau procedimento dos membros

daquela direccedilatildeo empregados em todos os cargos fizessem representaccedilatildeo para que fossem

aplicadas as devidas providecircncias

O texto anocircnimo que criticava o edital atacava diretamente os deputados Destacando

que se as denuacutencias natildeo existiam natildeo era pela falta de delitos a denunciar mas sim pelo receio

que tinham os habitantes locais de sofrerem represaacutelias Afirma o panfleto que

Pelo edital de 13 de agosto conheceu todo o povo a ignoracircncia de toda a

mesa da direccedilatildeo da Companhia e de seu escrivatildeo fazendo-se os deputados

reacuteus e querendo serem juiacutezes de seus proacuteprios delitos Nomeiem os

deputados ministro independente que receba as queixas e as remeta a Sua

Majestade que natildeo faltaraacute quem vaacute depor contra os mesmos deputados que

tatildeo inocentes se mostram mas este conselho lhe natildeo haacute de agradar e podem

estar certos que quando vier sindicante deporemos sobre as fabulosas e falsas

articulaccedilotildees da qual o edital tambeacutem se faraacute dos pecados que pedem que o

povo os acuse e muito mais temos que dizer 582

A Companhia atraveacutes de sua direccedilatildeo na capitania iraacute se defender contra tais acusaccedilotildees

afirmando serem injuriosas e promovidas por um pequeno grupo de indiviacuteduos que nunca

aceitaram a instalaccedilatildeo da empresa Em carta enviada por Antocircnio Joseacute Souto intendente da

direccedilatildeo pernambucana em 1771 a respeito daquelas denuacutencias que segundo o mesmo estavam

centradas em queixas contra as ldquoomissotildees ou falta de pureza na direccedilatildeordquo 583

o mesmo iraacute

declarar que a paixatildeo dos moradores daquela capitania ldquolhes tinha cegado o conhecimentordquo

584 dessa forma natildeo conseguiam ver como a empresa lhes era beneacutefica No entanto o impacto

da crise de 70 natildeo iraacute se dissipar tatildeo facilmente A morte do rei D Joseacute I seguida do

afastamento do marquecircs de Pombal do cargo de primeiro ministro do Reino no ano de 1777

faratildeo ressurgir uma onda de queixas e representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma

As denuacutencias desta segunda fase de crise continuam a apontar basicamente os mesmos

pontos das primeiras Em resumo as representaccedilotildees se queixam do deploraacutevel estado em que

se encontravam as lavouras tanto de accediluacutecar quanto de tabaco afirmando estarem destruiacutedas

as faacutebricas de curtume e atanados e reclamando da quase inexistecircncia do comeacutercio livre com

os sertotildees e com a Costa da Mina Aleacutem disso se queixam dos procedimentos adotados pela

empresa que lhes obrigavam a vender suas manufaturas e efeitos por preccedilos diminutos e a

582

AHU ndash PE Cx 109 D 8458 583

AHU ndash PE Cx 100 D 8509 584

Idem

156

receber por eles fazendas desnecessaacuterias e de baixa qualidade sem jamais serem pagos a

dinheiro fiacutesico Afirmam tambeacutem que a Companhia natildeo disponibilizava escravos suficientes

e que vendia aos moradores apenas os doentes indo os melhores serem vendidos no Rio de

Janeiro Relatam tambeacutem o alto grau de endividamento daqueles que negociavam com a

empresa pela forma que os negoacutecios eram feitos na capitania Fora isso denunciavam a

forma arbitraacuteria e duvidosa com que agiam os seus deputados e intendente

Em carta de 1777 a cacircmara de Olinda queixa-se ao Reino de problemas semelhantes

aos relatados pelos oficiais de Igarassu sete anos antes Neste documento o Senado da cacircmara

apela pela extinccedilatildeo da Companhia suplicando ao monarca que os libertassem de ldquotatildeo

insuportaacutevel tiraniardquo 585

Ainda nesta carta reclamam tambeacutem os camaraacuterios da escassez de

moeda que grassava em Pernambuco afirmando que a ldquofalta de dinheiro presentemente

irremediaacutevel tem aniquilado os fabricantes e os reduzido a uacuteltima consternaccedilatildeordquo 586

isto

porque a Companhia continuava a pagar pelos efeitos da terra em fazendas e natildeo a dinheiro

que era gecircnero necessaacuterio para o sustento e manutenccedilatildeo das faacutebricas e dos fabricantes

Fica confirmado tambeacutem no relato a manutenccedilatildeo do costume dos deputados da

empresa em reservar para si e seus ldquoparceirosrdquo comerciais os escravos mais sadios e melhor

escolhidos Vendendo para populaccedilatildeo os menos saudaacuteveis e a preccedilos exorbitantes no que

resultavam segundo a cacircmara em ldquograndes mortandadesrdquo nos engenhos e lavouras que

acabavam se conservando sempre com um nuacutemero reduzido de escravaria Por fim os oficiais

protestam sobre o procedimento adotado pela empresa de vender os gecircneros de maior

necessidade apenas a dinheiro quando era ela mesma a responsaacutevel pela crise monetaacuteria

instalada na regiatildeo

No mesmo ano de 1777 a cacircmara de Olinda envia nova carta relatando com maiores

detalhes o estado do comeacutercio na capitania e apelando junto ao Reino para a supressatildeo dos

privileacutegios da Companhia Geral Os camaraacuterios apelam a real clemecircncia testemunhando que

eram tratados por aquela instituiccedilatildeo com ldquodespoacutetica autoridade e matildeo violentardquo alegam ainda

serem dominados e vexados como ldquose fossemos de alguma naccedilatildeo inimiga ou infieacuteis e rebeldes

ao proacuteprio soberanordquo 587

Neste documento tambeacutem se reforccedila a questatildeo das vantagens

pessoais que os deputados logravam no comeacutercio de escravos segundo os oficiais da cacircmara

ldquoa florrdquo da escravaria era reservada para estes negociantes ficando apenas o ldquorefugordquo para os

585

AHU ndash PE Cx 126 D 9577 586

Idem 587

AHU ndash PE Cx108 D 8330

157

moradores da terra Acusam ainda os oficiais da cacircmara de agirem os homens daquela

direccedilatildeo da mesma forma com os gecircneros da Europa

A falta de dinheiro mais uma vez eacute denunciada como o ldquomais sensiacutevel e fatalrdquo mal

que fazia a Companhia ao povo de Pernambuco Como o dinheiro era como afirmam os

camaraacuterios ldquopreciso para expediccedilatildeo dos seus negoacutecios e estabelecimentos de suas famiacuteliasrdquo e

estando aquela terra ldquoexausta de moeda correnterdquo 588

muitos fabricantes e lavradores

acabavam recorrendo ao contrabando nos portos livres para obter dinheiro fiacutesico De acordo

com a Cacircmara olindense essa situaccedilatildeo era de total responsabilidade da Companhia isto

porque a empresa havia reduzido os habitantes daquelas plagas a extrema pobreza sem ter

estes homens meios de sustentar suas famiacutelias Dessa forma acabavam recorrendo agrave compra

de fazendas em outros portos mesmo que sujeito aos confiscos As queixas evidenciam a

relaccedilatildeo entre a refraccedilatildeo pela qual passava o comeacutercio legal e o aumento dos negoacutecios

descaminhados enquanto o comeacutercio legal passava por um periacuteodo de queda os descaminhos

de produtos ganhavam focirclego

Ainda sobre o comeacutercio de contrabando assegura o senado de Olinda que as fazendas

vindas dos portos livres se vendiam por menor preccedilo do que os praticados pela Companhia o

que segundo tais oficiais era inconcebiacutevel pois os contrabandistas compravam tais gecircneros de

mercadores dos portos livres ldquojaacute com avanccedilosrdquo 589

e ainda eram responsaacuteveis pelas ldquodespesas

do transporterdquo 590

Os escravos vindos do comeacutercio descaminhado tambeacutem eram mais baratos

de acordo com o documento alguns moradores que mandavam comprar negros nos portos

livres ldquoos compram com tatildeo notaacutevel cocircmodo a respeito do preccedilo porque que vende a

Companhia na terra que chegam a comprar dois pretos com o valorrdquo 591

Tambeacutem reivindicam a forma como a empresa procedia na avaliaccedilatildeo e compra dos

gecircneros da terra Declara a cacircmara que os produtos da Companhia eram vendidos por preccedilos

que eram determinados pela proacutepria direccedilatildeo e que natildeo se davam os devidos descontos a peccedilas

avariadas No entanto o contraacuterio natildeo se fazia verdade os oficiais alegam que qualquer avaria

era descontada no valor final dos efeitos da terra ainda atestam que os preccedilos eram fixados

pelos avaliadores da Companhia natildeo seguiam a nenhum tipo de criteacuterio preacute-estabelecidos

588

Idem 589

Idem 590

Idem 591

Idem

158

dando tais avaliadores o preccedilo que lhe achassem conveniente Questionavam entatildeo os

camaraacuterios ldquoque justiccedila e que lei do comeacutercio pode permitir semelhante deferecircnciardquo 592

Em 1778 seraacute a vez da Cacircmara de Goiana enviar suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis a

Companhia ao Reino As objeccedilotildees satildeo parecidas com as de suas congecircneres Afirmam aqueles

oficiais que a Companhia ldquoestabelecida em 1760 tem de todo arruinado os fabricantes de

todos os gecircnerosrdquo 593

Reforccedilam a questatildeo de como procedia a direccedilatildeo pernambucana na

venda de escravos que aleacutem de os venderem por ldquoexcessiviacutessimo preccedilordquo destinavam as

populaccedilatildeo apenas os negros de ldquorefugordquo que vinham jaacute contaminados de moleacutestias Tendo

inclusive sido acometida a capitania duas vezes por epidemias que dizimaram muitos

habitantes provenientes daqueles escravos doentes jaacute que a ldquoflorrdquo da escravaria era remetida

pelos deputados pernambucanos ao Rio de Janeiro

Ao longo da carta os camaristas queixam-se de outras diversas accedilotildees da empresa

Dando destaque ao alto grau de endividamento dos agricultores obrigados a empenhar seus

bens os altos juros cobrados aos homens de negoacutecio bem como contestam os preccedilos

praticados pela empresa em seu comeacutercio Em denuacutencia as condutas questionaacuteveis da direccedilatildeo

em Pernambuco atestam que os melhores gecircneros da Europa aqueles que possuiacuteam maior

saiacuteda quase todos ldquose encaminhavam as lojas particulares de algum dos mesmos deputados

donde entatildeo os iam comprar os pobres dos mercadoresrdquo 594

Por fim apelavam a sua majestade

para livrar aquele ldquopovo deste penoso cativeirordquo 595

Um ano depois em 1779 era a vez da Cacircmara de Recife enviar carta ao reino

solicitando o fim das concessotildees exclusivas dadas a Companhia Os oficiais da Cacircmara

recifense se apoiavam na recente decisatildeo do Reino em abolir os privileacutegios concedidos a

Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo ao solicitarem para capitania de Pernambuco a

mesma graccedila Alegavam os camaraacuterios ser a Companhia Geral a culpada pelo ldquomiseraacutevel

estado a que se acha reduzida toda esta capitaniardquo 596

Os camaristas aproveitam para lembrar

junto a este pedido os grandes esforccedilos empregados pelos habitantes daquelas plagas em

ldquoconservar o domiacutenio desta porccedilatildeo do Brasilrdquo 597

quando do ataque do inimigo holandecircs o

que havia lhes custado ao longo dos anos como fazem questatildeo de sublinhar suas vidas e

fazendas

592

Idem 593

AHU ndash PE Cx 130 D 9830 594

Idem 595

Idem 596

AHU ndash PE Cx 133 D 10009 597

Idem

159

Junto com a extinccedilatildeo da Companhia demandam tambeacutem trecircs providecircncias que

acreditavam deveriam acompanhar tal graccedila A primeira solicitaccedilatildeo era de que a Companhia

Geral voltasse a pagar o subsiacutedio dos accediluacutecares que ldquovoluntariamente e contra as ordens

reacutegiasrdquo 598

havia parado de pagar aos fabricantes haacute doze anos A segunda demanda requeria

que natildeo se cobrassem altos juros nos deacutebitos que haviam contraiacutedo os habitantes daquela terra

com a empresa isto porque segundo os camaristas os gecircneros que geravam os

endividamentos jaacute haviam sido comprados por preccedilos ldquosobrecarregadosrdquo Por fim pedem os

oficiais da Cacircmara que a empresa natildeo cobre de uma uacutenica vez os grandes deacutebitos dos

habitantes pois se isto acontecesse causaria a ruiacutena daquela capitania

Em resposta a estas trecircs representaccedilotildees a Junta da Companhia em Lisboa remete

ofiacutecio ao Reino no ano de 1780 defendendo-se das acusaccedilotildees e apontando a direccedilatildeo em

Pernambucano como a verdadeira responsaacutevel das queixas populares Chegando a afirmar que

se a empresa fosse ldquodirigida por homens inteligentes e zelosos do serviccedilo de Vossa Majestade

e do bem puacuteblico natildeo soacute teria produzido muitas maiores vantagens a favor do Estado mas ateacute

seria pedida a sua conservaccedilatildeo pelos mesmos povos daquelas capitaniasrdquo 599

Neste ofiacutecio o

conselho lisboeta descreve com detalhes todas as artimanhas e estrateacutegias utilizadas pelo

intendente e deputados da direccedilatildeo pernambucana a fim de tirarem benefiacutecios pessoais de seus

postos

Assim admitem que no comeacutercio das fazendas aqueles diretores se associavam a

caixeiros e parceiros e tiravam das carregaccedilotildees da Companhia para suas lojas particulares

todas as fazendas ldquomelhores em qualidade sortimento e em preccedilosrdquo antes mesmo destas peccedilas

serem colocadas a venda pela empresa Dessa forma os demais mercadores que ldquonatildeo

entravam neste conluio quando iam aos armazeacutens da Companhia soacute encontravam as que os

outros tinham refugadordquo Esta situaccedilatildeo acabava por gerar o monopoacutelio das melhores fazendas

nas matildeos destes deputados e seus associados que se aproveitando da situaccedilatildeo passavam a

revender tais gecircneros cerca de 30 a 40 mais caro nas fazendas de menor procura e nas de

melhor saiacuteda chegava-se a acrescer mais ldquode 100 importando-lhes ainda sobre este avanccedilo o

juro da leirdquo 600

Sobre a forma como procedia aos pagamentos de lavradores e fabricantes natildeo a

dinheiro e sim em fazendas atesta a Junta que procedia a direccedilatildeo pernambucana de forma

598

Idem 599

AHU ndash PE Cx 136 D 10156 600

Idem

160

abusiva e ruinosa pois se recusavam a comprar as fazendas em dinheiro alegando a falta de

moeda Atitude que acabava por obrigar que os produtores locais fossem vender seus gecircneros

a mercadores particulares por preccedilo natildeo fixado ficando a cargo do comprador estabelecer o

valor que lhe aprouvesse a segunda e natildeo menos desvantajosa alternativa para estes

fabricantes locais seria irem vender seus produtos ldquoa dinheiro com grande perda as pessoas

por quem os mesmos diretores lhes mandam comprarrdquo 601

Quanto a questatildeo da falta de moeda fiacutesica atesta a direccedilatildeo lisboeta ser real a limitaccedilatildeo

de dinheiro naquela Praccedila No entanto acusam novamente a direccedilatildeo pernambucana como a

responsaacutevel pelo problema Segundo a Junta o primeiro motivo da falta de dinheiro no caixa

da Companhia estava relacionado com a grande soma que diretores ldquoem seus nomes no de

seus parentes nos de mercadores seus associados e em outros supostosrdquo 602

que formavam

uma lista de 73 pessoas deviam a empresa e na demora que estes faziam em seu pagamento

Dessa forma ficava a Companhia em Pernambuco sem cabedal suficiente para socorrer aos

produtores locais

O segundo motivo alegado pelo conselho portuguecircs seria de que os diretores em

Pernambuco haviam feito pagamentos dos quarteacuteis vencidos de contratos reais

monopolizados por eles mesmos indevidamente com o dinheiro do caixa da Companhia A

terceira causa da falta de dinheiro era o de agirem os deputados pernambucanos no comeacutercio

de escravos da mesma forma como operavam no comeacutercio de fazendas Expunha a Junta que

assim que os negreiros davam entrada na capitania alguns membros da direccedilatildeo iam ainda de

madrugada ldquoescolher e esconder os melhores fazendo os assentos das vendas em nomes

diversos e supostos e por preccedilos mais inferiores que aqueles por que vendem os de refugo

que expotildeem em puacuteblico para a vendardquo 603

aleacutem disso reservavam estas melhores ldquopeccedilasrdquo

para irem vender em outras praccedilas da Ameacuterica

Encerrando este tema os oficiais lisboetas afirmam que o valor das diacutevidas relativas a

assistecircncia prestada pela empresa a produtores locais de accediluacutecar e tabaco era menor do que os

causados pelos abusos que faziam os diretores da praccedila que confiavam os cabedais da

empresa ldquoa pessoas sem estabelecimento e sem creacutedito servindo-se dos mesmos cabedais

para suas ocultas e reprovadas negociaccedilotildeesrdquo 604

Aleacutem disso declara o conselho portuguecircs

que muitas eram as dificuldades apontadas pela direccedilatildeo na colocircnia em cobrar tais deacutebitos o

601

Idem 602

Idem 603

Idem 604

Idem

161

que para a Junta fazia parecer que os deputados pernambucanos pareciam mais ldquouns homens

levantados para destruir a Companhia do que homens que os interessados elegeramrdquo 605

Esta

afirmaccedilatildeo da Junta acaba por reforccedilar nosso entendimento de que a Companhia foi arruinada

de ldquofora para dentrordquo pois de acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada seus proacuteprios agentes

laboraram contra os interesses econocircmicos da instituiccedilatildeo agindo em benefiacutecio proacuteprio

Quanto a mateacuteria do contrabando diraacute a Junta saber que ldquoa maior parte dos membros

daquela direccedilatildeo e dos indiviacuteduos empregados nos seus serviccedilos satildeo os que fazem e protegem

os mais escandalosos contrabandosrdquo 606

tanto ldquona introduccedilatildeo de fazendas dos portos deste

reino e dos da Bahia como na exportaccedilatildeo e extravio dos gecircneros das capitanias de

Pernambucordquo 607

Acusam ainda serem aqueles diretores os culpados de incitar as cacircmaras de

Pernambuco a levarem a real presenccedila suas queixas contra Companhia faziam isto pois

pretendiam nunca pagar as suas avultadas diacutevidas a Companhia ou pagarem em parcelas ao

longo dos anos sem juros

Ainda neste documento manifesta aquela direccedilatildeo superior o seu descontentamento

com os oficiais reacutegios locais que mesmo tirando devassas dos casos de descaminhos nunca

chegam a apontar um culpado mesmo sendo ldquotatildeo puacuteblicas e escandalosas as violecircncias e

contrabandosrdquo 608

que estavam cometendo os diretores pernambucanos No entanto afirmam

os ministros lisboetas terem ciecircncia da dificuldade em se achar testemunhas dispostas a

deporem contra aqueles diretores ldquoem cujo nuacutemero os mais delinquentes satildeo os mais

poderosos pelos cabedais pelas amizades e pelos importantes empregos que ocupamrdquo 609

ficando assim os fabricantes e lavradores da capitania receosos de lhe fazerem denuacutencias pois

como a Junta atesta ldquoos mais oprimidos satildeo sempre os mais dependentesrdquo 610

Por fim o

conselho portuguecircs conclui que as queixas dos habitantes da capitania se endereccedilavam as

ldquoviolecircnciasrdquo cometidas pelos deputados em Pernambuco e natildeo a instituiccedilatildeo da Companhia em

si

A onda de ataques iniciada em 1777 acabou culminando na supressatildeo dos privileacutegios

comerciais da Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba a partir de abril de 1780

Alvo de oposiccedilatildeo de interesses entre os locais e os metropolitanos a mesma natildeo chegou a

alcanccedilar os lucros esperados pela Coroa portuguesa causando notoacuterios prejuiacutezos agrave economia

605

Idem 606

Idem 607

Idem 608

Idem 609

Idem 610

Idem

162

local em particular a elite pernambucana 611

O processo de liquidaccedilatildeo da empresa se estendeu

por muitos e muitos anos de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior no ano de 1907 a junta

liquidataacuteria da empresa envia solicitaccedilatildeo ao representante portuguecircs no Brasil no sentido de

reaver diacutevidas ainda existentes em Pernambuco 612

A segunda metade do seacuteculo XVIII seraacute marcada como um periacuteodo de importantes

mudanccedilas governamentais no Impeacuterio Portuguecircs a ascensatildeo do Marquecircs de Pombal ao cargo

de secretaacuterio do Reino e das mercecircs viraacute acompanhada de um conjunto de medidas de caraacuteter

revitalizador que teraacute como expoente o comeacutercio de Portugal com suas conquistas e colocircnias

As medidas implantadas pelo governo portuguecircs em Pernambucano tinham por objetivo deter

maior controle sobre a produccedilatildeo de uma das mais destacadas capitanias do Norte do Estado

do Brasil

As criaccedilotildees dos organismos da mesa de Inspeccedilatildeo e da Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba vinham atender ao pensamento iluminista da eacutepoca e buscavam

canalizar os lucros da colocircnia para a Corte No entanto o que o marquecircs natildeo previu foi que

apoacutes um primeiro momento de estranhamento por parte dos locais as instituiccedilotildees seriam

absorvidas e aparelhadas aos interesses da elite local que infiltradas em suas respectivas

administraccedilotildees iriam utilizar desses lugares funcionais privilegiados na defesa de ganhos

proacuteprios Aleacutem disso os habitantes locais tambeacutem passam a criar mecanismos para a fuga

desse controle metropolitano dentre esses mecanismos destaca-se o contrabando de gecircneros

O conjunto documental analisado eacute revelador da vitalidade dos sertotildees pernambucanos

e baianos que durante o seacuteculo XVIII iratildeo assumir papel de destaque dentro do mercado

interno estando conectado a uma grande malha comercial que se estendia ateacute a regiatildeo das

Minas Gerais Os rios caminhos e picadas interioranas cumpriram um destacado papel na

conexatildeo entre diversas localidades sertanejas e as cidades litoracircneas Seguindo os caminhos

de terra e das aacuteguas mercadores comerciantes fazendeiros e profissionais liberais fizeram

surgir nas lonjuras dos sertotildees um espaccedilo de dinamismo e intensa atividade comercial

A grandiosidade da costa pernambucana que permitia natildeo soacute a navegaccedilatildeo direta entre

Bahia e Pernambuco como tambeacutem fornecia condiccedilotildees naturais para ancoragem em diversas

praias do litoral junto ao envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e deputados da empresa

611

Sobre isto ver DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In

Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel

em httpcvcinstituto camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de

2017 612

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 P

188-202

163

nos contrabandos somada a ineficaz e insuficiente forccedila militar empregada no seu combate e o

desejo de senhores de engenhos produtores e comerciantes de fugir das malhas do comeacutercio

monopolista faratildeo com que a praacutetica se torne uma constante na segunda metade do XVIII No

bojo dessas questotildees o comeacutercio iliacutecito com a vizinha capitania Bahia que contava apenas

com uma Mesa de Inspeccedilatildeo e natildeo com uma companhia comercial monopolizadora ganharaacute

forccedila

164

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao longo da narrativa deste trabalho jaacute esclarecemos as principais conclusotildees tiradas

sobre o nosso objeto de estudo No entanto a tiacutetulo de compilaccedilatildeo e arremate iremos pontuar

as consideraccedilotildees mais significativas para o entendimento do comeacutercio de contrabando

realizado durante os vinte e um anos de vigecircncia do exclusivo comercial praticado pela

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba

Vimos que a Companhia Geral criada no ano de 1759 no contexto de mudanccedilas no

sistema poliacutetico portuguecircs foi fundada para atuar junto a uma seacuterie de outras medidas que

vinham atender o esforccedilo portuguecircs de racionalizaccedilatildeo administrativa e econocircmica de seus

espaccedilos ultramarinos A empresa instalada durante o consulado Pombalino iraacute modificar

sobremaneira o modo de se fazer negoacutecios na capitania de Pernambuco e suas anexas

modificando toda a loacutegica mercantil da regiatildeo que haacute muito estava instituiacuteda e consolidada

Com a fundaccedilatildeo da empresa as populaccedilotildees locais passaram a buscar estrateacutegias de

fuga do controle metropolitano dessa forma comerciantes e produtores da Praccedila

pernambucana jaacute bem habituados ao livre comeacutercio comeccedilaram a realizar transaccedilotildees

comerciais iliacutecitas junto agrave vizinha capitania da Bahia O comeacutercio de mercadorias estabelecido

entre as duas mais destacadas capitanias do Norte se realizava tanto atraveacutes dos sertotildees que

tinham no Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes a peccedila chave desse circuito de comeacutercio

iliacutecito sertanejo bem como de forma direta atraveacutes da Costa mariacutetima que ligava Bahia a

Pernambuco

Lembramos que o artigo 25 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral

determinava que a empresa natildeo possuiacutea o monopoacutelio do comeacutercio para os portos do sertatildeo

Alagoas e Rio de Satildeo Francisco No entanto a poliacutetica monopolista da Companhia iraacute afetar

tambeacutem os chamados ldquoportos livresrdquo Isto porque por volta da deacutecada de 70 a direccedilatildeo

pernambucana por forccedila de um edital passa a encarar as transaccedilotildees mercantis efetuadas a

partir daqueles espaccedilos como contrabando Medida repressiva que salienta a importacircncia

econocircmica do comeacutercio realizado a partir das rotas sertanejas Afinal de contas natildeo se

empregaria esforccedilos e recursos no controle de tais negoacutecios se eles natildeo tivessem relevacircncia

As mercadorias que circulavam neste comeacutercio descaminhado eram muitas da

capitania pernambucana saiam principalmente os efeitos da terra dos quais destacamos o

accediluacutecar e seus derivados couros e tabacos Vindos das terras soteropolitanas os principais

165

produtos eram gecircneros europeus com realce para a grande variedade de tecircxteis Vimos

tambeacutem que entre as duas Praccedilas realizava-se o comeacutercio humano os escravos comprados por

menores preccedilos na Bahia vinham abastecer as lavouras e faacutebricas pernambucanas As trocas

mercantis realizadas por vias ilegais mesmo que potencialmente perigosas dado o risco de

apreensatildeo e demais penalidades seratildeo amplamente desenvolvidas por fabricantes produtores

e comerciantes pernambucanos que buscavam melhores preccedilos e vendas a dinheiro fiacutesico

Destacamos que o contrabando foi uma praacutetica recorrente durante toda histoacuteria

colonial do Novo Mundo Na Ameacuterica Portuguesa pesquisas mais recentes atestam para

recorrecircncia do comeacutercio extralegal em diversas capitanias Esta historiografia com a qual

concordamos tem demonstrado como os descaminhos eram processos inerentes ao trato

comercial colonial Presente nas mais variadas atividades mercantis e locais os contrabandos

e descaminhos natildeo devem ser encarados como uma ldquofalhardquo ou ldquodeficiecircnciardquo do sistema mas

sim como parte integrante do mesmo

O comeacutercio iliacutecito praticado durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba foi um negoacutecio amplamente praticado De acordo

com a documentaccedilatildeo trabalhada este tipo de mercadejar acontecia tanto no grosso trato

envolvendo uma rede de indiviacuteduos empenhados em criar estrateacutegias que possibilitassem o

funcionamento da praacutetica iliacutecita Como no miuacutedo onde sujeitos comuns aproveitavam as

oportunidades que surgiam para ganhos extras Destacamos ainda o contrabando feito

diretamente com navios estrangeiros que aportando na capitania sobre pretextos diversos

procediam ocultamente nas trocas comerciais com os habitantes locais

A grande preocupaccedilatildeo do Reino em reprimir tais negoacutecios iliacutecitos revela a

grandiosidade da praacutetica durante o periacuteodo do exclusivo comercial da Companhia Diversos

satildeo os documentos travados entre as autoridades locais e o governo metropolitano para tratar

da mateacuteria Apesar do empenho dos oficiais reacutegios locais sobretudo os governadores de

Pernambuco os contrabandos persistiram durante toda a existecircncia da Companhia Isto

porque natildeo existia estrutura local para que o combate as ilicitudes fossem feitas de maneira

efetiva dada a grandiosidade da capitania de Pernambuco aleacutem disso o comeacutercio

descaminhado era uma praacutetica ostensiva que envolvia variados personagens situaccedilotildees e

circunstacircncias

Dentre os personagens envolvidos nas redes de comeacutercio extralegal salientamos a

participaccedilatildeo de autoridades reacutegias oficiais e agentes da proacutepria Companhia Estes homens

iratildeo utilizar de seus postos privilegiados para obter vantagens pessoais Vimos que a

166

participaccedilatildeo de autoridades reais em circuitos iliacutecitos natildeo era uma prerrogativa exclusiva do

nosso objeto de anaacutelise tendo ocorrido em diversos outros locais da Ameacuterica Lusa e ateacute

mesmo da Ameacuterica Hispacircnica Como os atuais estudos tecircm demonstrado o envolvimento em

praacuteticas iliacutecitas natildeo era necessariamente oposto ao exerciacutecio de ofiacutecios reacutegios

Destacamos tambeacutem as inuacutemeras queixas e representaccedilotildees encaminhadas pelas

populaccedilotildees locais sobretudo pelas cacircmaras ultramarinas ao governo da metroacutepole alertando

para o estado de decadecircncia do comeacutercio nas praccedilas de Pernambuco e das inuacutemeras atividades

iliacutecitas e maacute gestatildeo conduzida pela direccedilatildeo da empresa na capitania A documentaccedilatildeo

evidencia como os proacuteprios deputados e acionistas da empresa foram responsaacuteveis pela

liquidaccedilatildeo da mesma destruindo seu capital ao agirem em benefiacutecio proacuteprio a fim de

obterem vantagens financeiras

Criado no contexto das reformas pombalinas a Companhia natildeo conseguiraacute renovar

seu contrato de exclusivo comercial sendo este extinguindo no ano de 1780 Naquele

momento a metroacutepole jaacute estava sob o comando de uma nova soberana Dona Maria I e

Pombal jaacute estava afastado do centro decisoacuterio Inicia-se entatildeo um novo movimento poliacutetico-

administrativo em Portugal conhecido na historiografia como ldquoa viradeirardquo Nesta nova

conjuntura jaacute natildeo havia espaccedilo para a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba que natildeo

chegou a alcanccedilar os nuacutemeros esperados pelo Reino e foi durante toda sua existecircncia alvo de

criacuteticas das populaccedilotildees locais Voltava entatildeo o comeacutercio na capitania a ser livre fazendo

dessa forma minorar o grande fluxo extralegal alvo deste estudo

167

REFEREcircNCIAS

ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria

Briguiet1960

AIZPURUA AGUIRRE Ramoacuten ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la

lancha San Fernando y de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista

de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5 Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San

Sebastiaacuten p 379-392 2006

A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista

brasileira de Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197

ALENCASTRO Luiz Felipe de O trato dos viventes formaccedilatildeo do Brasil no Atlacircntico

Sul Satildeo Paulo Companhia das Letras 2000

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas -

As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p

34-53 janjul 2013

ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de

Pernambuco no seacuteculo XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria

da escravidatildeo em Pernambuco Editora UniversitaacuteriaU-FPE 2012

ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os

acossamentos de Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII)

Rev Bras Hist [online] 2015 vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016

ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria

Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980

ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec

2004

BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na

administraccedilatildeo da monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO

Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no

impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo

Brasileiro (1783 ndash 1822) Guarapuava Unicentro 2014

168

BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores

e Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da

Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII Recife 2012 Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de

Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas da Universidade

Federal de Pernambuco

BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia

das letras 2002

CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito

Santo do seacuteculo XIX Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de

Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003

CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do

Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996

CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e

Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982

CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-

1850 Recife Editora da UFPE 2002

CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica

Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006

CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a

administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016

vol15 n2

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa

na Buenos Aires colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248

janjun 2009

CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en

Venezuela durante el siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997

CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do

territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v 43 n1 p 100-120 2016

COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do

Interior e Justiccedila 1951-1966 v 6

169

CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica

portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n

39 p001-030 jan-abr 2016

DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas

Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume 282

DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In

Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-

camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013

DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os locais uma anaacutelise da

correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania de

Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei

SOUZA George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo

atlacircntico Recife Editora Universitaacuteria da UFPE 2012

DIAS Manuel Nunes Fomento Ultramarino e Mercantilismo a companhia geral do Gratildeo-

Paraacute e Maranhatildeo (1755-1778) (XIII) Revista de Histoacuteria Brasil v 41 n 83 p 73-94 apr

2017

FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto

de conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social

costumeira (Rio de Janeiro 1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima

(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-

XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

FERREIRA Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial

ultramarino portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama

das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro

Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico

cultura e transgressatildeo na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado

em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias humanas Universidade Federal de Pernambuco

Recife

GINZBURG Carlo Relaccedilotildees de forccedila Histoacuteria retoacuterica prova Satildeo Paulo Companhia

das letras 2002

GINZBURG Carlos Sinais raiacutezes de um paradigma indiciaacuterio In___ Mitos emblemas e

sinais - Morfologia e Histoacuteria Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989 P 143-180

170

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo

portuguecircs c 1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na

trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de

Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Poder Poliacutetico e administraccedilatildeo na formaccedilatildeo do complexo

atlacircntico portuguecircs (1645-1808)In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) O

Antigo Regime nos troacutepicos ndash A dinacircmica Imperial Portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio

de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional

History University Press of Virginia 2ordf ed 1994

HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash

Seacutec XVII Coimbra Almedina 1994

HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do

impeacuterio colonial portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na

trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de

Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

HESPANHA AM A constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos

correntes In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda

(Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash

XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

HESPANHA Antonio Manoel Caleidoscoacutepio do Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda

2012

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos

sertotildees da Ameacuterica Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012

JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de

ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de

Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos

XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo

Hucitec 1976

JUacuteNIOR Miguel Dieacutegues As Companhias Privilegiadas no comeacutercio colonial Revista de

Histoacuteria Brasil v 1 n 3 p 309-336 sep 1950

171

KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica

(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez

2009

KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e

a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida

(Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba

UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009

KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da

Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de

Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005

KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos

histoacutericos Rio de Janeiro Contraponto Ed Puc-Rio 2006

KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da

Prata 1730-1752) Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017

LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime

na Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral

(Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX

Satildeo Paulo Alameda 2005

MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute e Rio Grande catequese

violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22

MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la

defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia

hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten

Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P

9-52 2006

MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz

e Terra 1996

MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio

Pernambucano (1738-1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966

MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas

de Joseacute Barreto Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII

172

MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil

GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001

MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003

MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites

Buenos Aires em el siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988

NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco

(seacuteculo XVIII) Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003

NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo

Horizonte Editora UFMG 2011

NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)

Satildeo Paulo Hucitec 1995

OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria

conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de

Histoacuteria Recife 2016

PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil

(1765-1801) a caccedila ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos

Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias Sociais Universidade de Lisboa Lisboa

PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da

cacircmara da Bahia (seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia

Amaral (Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash

seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005

PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008

PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo

XVIII Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001

PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a colonizaccedilatildeo do sertatildeo

nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004

RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias

do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel

em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017

173

ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas

na Vila de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais

do XXVI Simpoacutesio Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011

SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo

nos quadros do Impeacuterio portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O

Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio

de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da

Mina e a Capitania de Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P

Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Setor de Ciecircncias

Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute

SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das

letras 2013

SCHWARTZ Stuart B Segredos Internos ndash Engenhos e escravos na sociedade colonial

Satildeo Paulo Companhia das Letras 1988

SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral

da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P

42-53 JanJun 2003

SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro

(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002

SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do

Recife agrave poliacutetica pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de

Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005

SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica

portuguesa do seacuteculo XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006

SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa

EDIUAL2007

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de

Pernambuco pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010

174

APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS

Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos de Pernambuco

AHU ndash PE Cx 88 D 7150

AHU ndash PE Cx 95 D7497

AHU ndash PE Cx 95 D 7501

AHU ndash PE Cx 107 D 8312

AHU ndash PE Cx 127 D 9670

AHU ndash PE Cx128 D 9737

AHU ndash PE Cx 138 D 10248

AHU ndash PE Cx 107 D 8284

AHU ndash PE Cx 108 D 8371

AHU ndash PE Cx 110 D 8493

AHU ndash PE Cx 117 D 8954

AHU ndash PE Cx 120 D 9196

AHU ndash PE Cx 121 D 9245

AHU ndash PE Cx 122 D 9339

AHU ndash PE Cx 127 D 9656

AHU ndash PE Cx 129 D 9771

AHU ndash PE Cx 129 D 9792

AHU ndash PE Cx 130 D 9815

AHU ndash PE Cx 130 D 9815

AHU ndash PE Cx 130 D 9823

AHU - PE Cx 130 D 9823

AHU ndash PE Cx 130 D 9830

AHU - PE Cx 130 D 9966

AHU ndash PE Cx 131 D 9853

AHU ndash PE Cx 131 D 9892

AHU ndash PE Cx 132 D 9955

AHU ndash PE Cx133 D 9966

AHU - PE Cx 133 D 10003

AHU ndash PE Cx 133 D 10009

AHU ndash PE Cx 133 D 10012

175

AHU ndash PE Cx 133 D 10012

AHU ndash PE Cx 133 D 10017

AHU - PE Cx 136 D 10147

AHU ndash PE Cx 137 D 10197

AHU - PE Cx 137 D 10234

AHU ndash PE Cx 138 D 10250

AHU - PE Cx 142 D 10475

AHU ndash PE Cx 151 D 9853

Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Bahia

AHU - BA Cx 138 D 10248

AHU ndash BA Cx 181 D 13481

Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Alagoas

AHU ndash AL Cx 3 D 221

AHU ndash AL Cx 3 D 220

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2

nordm 3 cx 2

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2

nordm 6 cx 2

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm

4 cx 1 f 7

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1

Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros

Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo

IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010

Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo

IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060

Acervo especial para Pernambuco da Biblioteca Nacional

176

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco

(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

Fontes impressas

BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da

Companhia de Jesus Ano de 1712

Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO

Antonio de Mariz Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil

Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por

Manoel da Sylva 1655

Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo

General da Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V

XXXII1910 p 442

Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI

Page 3: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO

JEacuteSSICA ROCHA DE SOUSA

NAS ROTAS DOS SERTOtildeES COMEacuteRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE

AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E BAHIA (1759-1780)

Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-

Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade

Federal de Pernambuco como requisito parcial

para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em

Histoacuteria

Aprovada em 28022018

BANCA EXAMINADORA

________________________________________

Profordf Drordf Suely Creusa Cordeiro de Almeida (Orientadora)

Universidade Federal Rural de Pernambuco

_________________________________________

Profordm Dr Rocircmulo Luiz Xavier do Nascimento (Examinador Interno)

Universidade Federal de Pernambuco

_________________________________________

Profordf Drordf Jeannie da Silva Menezes (Examinador Externo)

Universidade Federal Rural de Pernambuco

AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de agradecer a meus pais Luacutecia e Risomar por terem sempre

escolhido investir na minha educaccedilatildeo apesar e acima de tudo Reconheccedilo e agradeccedilo

sinceramente o esforccedilo realizado por eles para que eu tivesse uma boa base educacional

Agradeccedilo ainda a eles e aiacute incluo tambeacutem minha irmatilde Amanda pelo apoio carinho e

incentivo ao longo desta jornada mesmo sem compreender muito bem as dinacircmicas do

universo acadecircmico eles sempre estiveram ao meu lado dispostos a ajudar no que fosse

possiacutevel

Ao meu namorado Flaacutevio meu principal entusiasta que esteve comigo e me apoiou

durante todo este processo Agradeccedilo por acreditar no meu projeto por vezes ateacute mais do

que eu por natildeo me deixar fraquejar e pelo constante incentivo para que eu me torne o melhor

que eu posso ser

Aos meus padrinhos Socorro e Carlos com os quais eu sempre pude contar

A minha querida orientadora Profordf Suely Almeida se nossos caminhos natildeo tivessem

se cruzado haacute alguns anos atraacutes natildeo sei se seria capaz de chegar ateacute aqui Suely tem sido meu

esteio acadecircmico sem ela tudo seria muito mais difiacutecil Meus sinceros agradecimentos pela

confianccedila construiacuteda ao longo desses anos de trabalho juntas e por ser essa figura humana

sempre preocupada com meu bem estar acima de qualquer prazo ou cobranccedila Pensar em

seguir a vida acadecircmica sem sua orientaccedilatildeo eacute uma ideia que ainda estou tentando digerir

Muito obrigada Su

A Josinaldo Sousa e Suzana Veiga meus companheiros de linha Ao primeiro meu

amigo da capitania anexa agradeccedilo pelo apoio dicas e apontamentos que contribuiacuteram e

muito para construccedilatildeo deste trabalho e por partilhar os aperreios e cobranccedilas tiacutepicos de

mestrandos Suzana menina da risada frouxa agradeccedilo por compartilhar sua experiecircncia e

dar suporte sempre que preciso Nossos momentos ldquotapioca com cafeacuterdquo poacutes-aula tornaram

todo o processo mais leve e tranquilo Sentirei saudades Aos meus colegas de orientaccedilatildeo

antigos e novos Raphael Luanna Mariely Jesanias e Marcelo eacute sempre bom trocar ideias

com vocecircs Aos demais colegas que o mundo atlacircntico me apresentou seja na UFPE ou na

UFRPE tambeacutem agradeccedilo

Agradeccedilo a professora Jeannie Meneses profissional e pessoa por quem nutro

profunda admiraccedilatildeo e carinho e que sempre esteve presente durante minha trajetoacuteria

acadecircmica se prontificando a ajudar no fosse necessaacuterio Obrigada pelas numerosas

contribuiccedilotildees feitas ao texto preliminar deste trabalho sobretudo as orientaccedilotildees quanto agraves

questotildees juriacutedicas

Ao professor Rocircmulo Xavier profissional que estimo e que tive o prazer de conhecer

no primeiro semestre do curso e que tambeacutem contribuiu com importantes recomendaccedilotildees

durante a qualificaccedilatildeo para construccedilatildeo deste texto final Aos demais professores do

PPGHUFPE com quem cursei disciplinas Marcus Carvalho George Cabral Joseacute Bento e

Cristiano Christillino tambeacutem agradeccedilo as contribuiccedilotildees diretas e indiretas

Aos meus amigos de graduaccedilatildeo que continuam me acompanhando e tornando menos

aacuterido o caminho Pedro Boguel Benvinda Ceci Polli Beto Sid e Deacutea obrigada pela

amizade e por entenderem minhas ausecircncias Agradeccedilo especialmente a Mirella e famiacutelia

Dona Maacutercia e Wagner por terem aberto seu lar para mim durante o periacuteodo que cursei as

disciplinas e pelo apoio e carinho que sempre recebi de todos eles

As minhas amigas de infacircncia Mariana Aretha Tuanny e Illyanna que hoje estatildeo

dispersas pelo mundo obrigada por se fazerem presentes mesmo na distacircncia

Agradeccedilo a Sandra e a Patriacutecia da secretaria do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Histoacuteria da UFPE pela competecircncia e disposiccedilatildeo em ajudar sempre que possiacutevel os alunos

Aos funcionaacuterios do arquivo do Instituo de Estudos Brasileiros - IEB da USP pela

solicitude com que me receberam e por me permitirem o acesso aos manuscritos originais

Ao Cnpq pela bolsa que tornou possiacutevel a realizaccedilatildeo deste trabalho

A todos que contribuiacuteram direta ou indiretamente na construccedilatildeo deste trabalho meu

muito obrigado

RESUMO

Nosso trabalho busca analisar o comeacutercio de mercadorias que se desenvolveu durante os anos

de 1759 a 1780 entre as capitanias de Bahia e Pernambuco Nosso marco cronoloacutegico inicia-

se em 1759 ano em que foi instalada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba detentora

do monopoacutelio comercial da regiatildeo A empresa criada na segunda metade do XVIII vinha

atender a uma nova ordem administrativa ligada agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila

que se buscou estabelecer em Portugal e que tinham por objetivo uma maior centralizaccedilatildeo do

poder real bem como um maior domiacutenio econocircmico sobre as conquistas e colocircnias O

monopoacutelio desenvolvido pela Companhia durante pouco mais de vinte anos veio alterar toda

uma loacutegica comercial que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco Nosso ponto de

anaacutelise parte da identificaccedilatildeo de que a partir da instalaccedilatildeo da Companhia Geral os locais iratildeo

buscar estrateacutegias de evasatildeo do controle reacutegio um desses meios de fuga seraacute o contrabando de

mercadorias realizado atraveacutes dos caminhos sertanejos que uniam Pernambuco e Bahia bem

como por meio da navegaccedilatildeo direta via Costa mariacutetima entre as capitanias vizinhas

Procederemos entatildeo a anaacutelise das rotas produtos casos e medidas repressivas empregadas

neste tipo de negoacutecio Antes da instalaccedilatildeo da Companhia as transaccedilotildees comerciais entre as

duas praccedilas jaacute existiam e estavam bem consolidadas no entanto a partir da criaccedilatildeo da

empresa esse comeacutercio acaba ganhando expressividade

Palavras-chave Contrabando Comeacutercio interno Rotas comerciais

ABSTRACT

Our work aims to analyze aspects of the trade in goods that were developed during the years

from 1759 to 1780 between the captaincies of Bahia and Pernambuco Our chronological

boundary begins in 1759 when the General Company of Pernambuco and Paraiacuteba was

installed holding the monopoly of the regionrsquos markets The company created in the second

half of the XVIII century was to attend to a new administrative order connected to more

pragmatic issues of governance sought to be established in Portugal which by its turn

aimed at a greater centralization of the royal power as well as a greater economic dominance

over the conquests and Colonies The monopoly developed by the Company for a little more

than twenty years changed a whole commercial logic which was already well established in

Pernambuco Our focus of analysis starts with the identification that since the creation of the

General Company the commercial sites would seek strategies to evade royal domain One of

these means of escape were the contraband of goods carried out mainly through the

hinterlands paths that linked Pernambuco and Bahia as well as through the direct navigation

via the marine coast shared by neighboring captaincies We will then proceed with an

analysis of the routes products cases and repressive measures employed in this type of trade

Before the creation of the Company commercial transactions between the two markets

already existed and were well established However since the creation of the company its

traded ends up gaining more expressiveness

Keywords Contraband Domestic trade Commercial routes

LISTA DE MAPAS

Mapa 1- Caminhos do Gado para Olinda e Recife 46

Mapa 2- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738) 47

Mapa 3- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738) 48

Mapa 4- Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 57

Mapa 5- Detalhe do roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 66

Mapa 6- Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766) 67

LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau

Amarelo) 76

Tabela 2- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia

(Sirinhaeacutem) 77

Tabela 3- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una) 80

Tabela 4- Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas 84

Tabela 5- Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos

portos do Brasil 85

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AHU ndash Arquivo Histoacuterico Ultramarino

ANTT ndash Arquivo Nacional da Torre do Tombo

IEB-USP ndash Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros

Cx ndash Caixa

D ndash Documento

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO12

2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO32

21 Contexto e conceitos32

22 Os caminhos43

3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE

PRODUTOS75

31 As mercadorias75

32 Os casos86

33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas127

4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA131

41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas131

42ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de

autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos144

43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70153

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS164

REFEREcircNCIAS167

APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS174

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

Em fins do seacuteculo XVII e iniacutecio do XVIII iraacute ocorrer em vaacuterias partes da Europa um

processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real Em Portugal esse movimento tem iniacutecio a

partir do reinado de D Joatildeo V naquele momento as consultas colegiais marca do governo

polissinodal iratildeo ceder espaccedilo para uma nova forma de organizaccedilatildeo baseada na centralidade

das decisotildees Dessa forma figuras que orbitavam ao redor do rei ganham notoriedade poliacutetica

e poder de influecircncia em assuntos decisoacuterios em detrimento dos conselhos Este periacuteodo de

mudanccedilas seraacute entendido como um encaminhamento lento e gradual de abandono de um

modelo de Estado corporativo para uma forma distinta de se conceber a poliacutetica a partir do

vieacutes da ldquorazatildeo de Estadordquo 1

De acordo com Subtil o governo de D Joatildeo V pode ser encarado como um reinado de

transiccedilatildeo2 a grande transformaccedilatildeo do sistema poliacutetico portuguecircs iraacute se operar apenas na

segunda metade do seacuteculo a partir da nomeaccedilatildeo de Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Melo ndash

Conde de Oeiras o futuro marquecircs de pombal para o cargo de primeiro ministro do reino

durante o reinado de D Joseacute I O terremoto seguido dos incecircndios e da grande onda que

assolaram a capital lisboeta no ano de 1755 tiveram impacto sob a organizaccedilatildeo poliacutetica e

administrativa do reino tornando necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que assegurassem o

exerciacutecio da governaccedilatildeo real dentro de um quadro de caos3

Sob a influecircncia do iluminismo que se disseminava por toda a Europa o Estado

portuguecircs iraacute desenvolver um conjunto de reformas poliacuteticas e fiscais que buscavam combater

o atraso econocircmico do reino que passava por uma queda na produccedilatildeo do ouro brasileiro4middot

Dentro desse contexto foram postas em accedilatildeo poliacuteticas com o intuito de revitalizar o comeacutercio

portuguecircs Na capitania de Pernambuco importante polo econocircmico da conquista essas accedilotildees

seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois organismos reguladores da economia local

a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio criado no ano de 1752 e a Companhia

Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759

1 BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da

monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima

(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro

Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 353-334 2 SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa EDIUAL2007 p 17-21

3 Ibidem P 11-14

4 BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia das letras 2002 P

195

13

A ideia da criaccedilatildeo de companhias privilegiadas de comeacutercio que poderiam dar aliacutevio

as despesas do Estado servindo para ampliar os negoacutecios da Coroa por meio de uma poliacutetica

de maior arrecadaccedilatildeo fiscal 5 figurava nas ambiccedilotildees de Pombal muito antes do secretaacuterio

ganhar relevacircncia poliacutetica Em seu primeiro cargo como enviado extraordinaacuterio da Corte

portuguesa na Inglaterra Sebastiatildeo de Carvalho enviou em 1742 para o Cardeal Mota

proposta de criaccedilatildeo de uma Companhia Oriental para o comeacutercio da Iacutendia que teria por

objetivo ldquotirar proveito das possessotildees portuguesas da Iacutendia que tanto custavam manterrdquo 6

De acordo com o historiador Kenneth Maxwell o marquecircs buscou resgatar o ldquocontrole

nacional sobre todas as riquezas que fluiacuteam para Lisboardquo 7 se utilizando de foacutermulas que havia

tomado conhecimento sobretudo na Gratilde-Bretanha e na Aacuteustria Natildeo eacute de se espantar

portanto que tempos depois Pombal tenha posto em praacutetica no Brasil tal ideia durante o

governo de D Joseacute I quando o mesmo passou a exercer o papel de secretaacuterio de Estado e

negoacutecios do Reino

Dentre as companhias comerciais criadas pelo marquecircs ao longo desse periacuteodo

destacam-se A Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo no ano de 1755 a Companhia da

Agricultura das Vinhas do Alto Douro em 1756 A Companhia Geral de Pernambuco e

Paraiacuteba no ano de 1759 e por fim a Companhia das Pescas Reais do Reino do Algarve em

1773 Estas Companhias compartilhavam entre si princiacutepios gerais similares em termos

juriacutedicos e administrativos apesar de cada uma delas conter suas peculiaridades

Vale destacar ainda que aleacutem das Companhias que de fato saiacuteram do papel existiram

vaacuterios outros planos de constituiccedilatildeo de empresas privilegiadas que por um ou outro motivo

natildeo caminharam pra frente Para Pernambuco desde o governo de D Joatildeo V existiam

pretensotildees de se fundar uma Companhia que atuasse exclusivamente no trato negreiro 8 Esta

empresa seria controlada pelos mercadores da terra deixando pouco espaccedilo para atuaccedilatildeo dos

homens de negoacutecio do Reino e tambeacutem dos comerciantes baianos natildeo existia a intenccedilatildeo de

integrar os homens de negoacutecio baianos a tal corporaccedilatildeo O projeto da Companhia tinha como

5JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de Pernambuco

e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 74 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo

da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e

sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-

camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013 P 1 6MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas de Joseacute Barreto

Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII 7 MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz e Terra 1996 P

95 8 JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 77

14

objetivo aumentar o comeacutercio que jaacute se praticava com as aacutereas africanas de Angola Benguela

Cabinda e Ajudaacute favorecendo dessa forma o aumento da entrada de escravos na capitania 9

Em conjunto a esta proposta os comerciantes de Pernambucano lanccedilaram outra ao

Reino a da criaccedilatildeo de uma Companhia destinada a explorar o comeacutercio de carnes secas e

couros do sertatildeo ou seja uma companhia voltada para o comeacutercio interno com finalidade de

aumentar a produccedilatildeo colonial Os colonos sabiam da boa disposiccedilatildeo do Reino na criaccedilatildeo de

companhias quando encaminham suas propostas o que lhes eacute omitido eacute que Pombal jaacute

pensara a criaccedilatildeo de uma companhia para a regiatildeo no entanto tratava-se de uma companhia

que privilegiasse os comerciantes reinoacuteis e natildeo o contraacuterio como pretendiam os comerciantes

de Pernambuco Motivo pelo qual nenhuma das duas propostas vingou 10

De acordo com Fernando Novais eacute durante o consulado pombalino que iraacute se

estruturar de maneira mais abrangente a economia mercantilista de Portugal A essecircncia

econocircmica por traacutes da criaccedilatildeo das Companhias exclusivistas baseava-se em uma foacutermula jaacute

bem conhecida na Europa moderna onde o Reino concedia privileacutegios ao capital particular

para que esse investisse e sustentasse o sistema de comeacutercio e navegaccedilatildeo dos complexos

imperiais ultramarinos restando claro uma parte dos lucros para a fazenda de Sua Majestade

11

Junto a esse processo de mudanccedilas econocircmicas inicia-se tambeacutem um periacuteodo de maior

preocupaccedilatildeo com a defesa do territoacuterio a partir da criaccedilatildeo de ldquolinhas de definiccedilatildeo territorial e

preservaccedilatildeo das fronteirasrdquo 12

Essa poliacutetica esteve relacionada tambeacutem com a tentativa do

Reino de minimizar a atuaccedilatildeo de mercadores estrangeiros nos mercados do conjunto imperial

portuguecircs A fundaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba aleacutem de atender a

loacutegica econocircmica do periacuteodo esteve ligada a necessidade de se coibir o comeacutercio da capitania

Pernambucana com os portos africanos da Costa da Mina O comeacutercio de resgate de escravos

na Costa da Mina constituiacutea-se em uma importante e lucrativa rota para os comerciantes de

Pernambuco e Bahia que dominavam e disputavam este setor mercantil para aquela regiatildeo

deixando pouca ou nenhuma brecha para a inserccedilatildeo da Coroa 13

9 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso

internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 7 10

Ibdem p 8 JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 80 11

NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo

Hucitec 1995 P 136 12

Idem 13

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre

Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 P35

15

Esta situaccedilatildeo eacute evidenciada atraveacutes de instruccedilatildeo enviada para o Marquecircs de Valenccedila

pelo secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro em 1779 Ela

esclarece sobre os ldquograviacutessimos inconvenientes ao Reinordquo 14

de abandonar inteiramente o

comeacutercio da ldquoCosta da Mina nas matildeos dos Americanosrdquo 15

e em particular ldquoaos habitantes da

Bahia e Pernambucordquo 16

que segundo a fonte navegavam com ampla liberdade comercial em

todos ldquoos portos daquele continenterdquo 17

Os comerciantes do Reino inclusive careciam de

ldquoprivileacutegios graccedilas ou isenccedilotildees para que na concorrecircncia com os Americanos na Aacutefricardquo 18

pudessem ter os lusos como se espera que a capital e seus habitantes tivessem a preferecircncia

nas transaccedilotildees em relaccedilatildeo a suas colocircnias19

A instruccedilatildeo demonstra o pouco controle do Reino sobre os negoacutecios entre Brasil e

Costa da Mina principalmente porque desde 1637 os holandeses aleacutem de outras aacutereas no

continente africano controladas por Portugal dominavam o Castelo de Satildeo Jorge da Mina

Um dos maiores problemas deste comeacutercio eram os produtos levados do Brasil e que se

empregavam nas compras de escravos daquela regiatildeo ouro e tabaco Na tentativa de superar

essa barreira e exercer maior controle sobre a regiatildeo o governo portuguecircs passou a promulgar

uma seacuterie de leis alvaraacutes e regimentos tentando coibir este comeacutercio tatildeo prejudicial ao Eraacuterio

Reacutegio 20

No entanto todas as medidas empreendidas natildeo se mostraram suficientes para conter o

grande e generalizado contrabando praticado na regiatildeo Excluiacutedos do processo e frustrados em

suas tentativas de coibiccedilatildeo da traficacircncia os portugueses buscaram novas formas de controle

que tinham como principal objetivo o redirecionamento do comeacutercio humano para os portos

de Angola que por ser tratar de uma conquista portuguesa contava com um maior nuacutemero de

funcionaacuterios e aparato fiscalizador 21

Nesse cenaacuterio eacute pensada a criaccedilatildeo de uma Companhia privilegiada para operar em

Pernambuco atuando de acordo com as prerrogativas reais o comeacutercio de escravos praticado

14

Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo General da

Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V XXXII1910 p 442 15

Idem 16

Idem 17

Idem 18

Idem 19

Idem 20

SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da Mina e a Capitania de

Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo

em Histoacuteria Setor de Ciecircncias Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute 21

Ibidem P 86

16

por ela deveria priorizar as rotas com a Aacutefrica Centro-Ocidental 22

dessa forma acreditavam

as autoridades que metade do problema do contrabando estaria resolvido restando ainda

resolver a questatildeo na capitania baiana O capital inicial previsto para a empresa era de

3400000 cruzados e as accedilotildees poderiam ser pagas com dinheiro gecircneros ou navios

Diante das dificuldades encontradas para compor o capital da empresa que ateacute o ano

de 1774 contava com acionistas que ainda natildeo tinham integralizado o valor total de suas

accedilotildees a Coroa recorreu em auxiacutelio concedendo-lhe empreacutestimos a juros de 4 ao ano 23

A

Companhia foi fundada oficialmente atraveacutes de alvaraacute reacutegio do ano de 1759 mas a primeira

frota soacute sairia um ano mais tarde Com o objetivo de fazer prosperar a agricultura da regiatildeo de

Pernambuco fornecendo um suprimento regular de matildeo-de-obra escrava bem como atuando

na compra e exportaccedilatildeo dos produtos coloniais e transportando atraveacutes de frotas regulares as

mercadorias do Reino para a regiatildeo 24

O monopoacutelio sobre a compra e venda de produtos nas capitanias de Pernambuco e

Paraiacuteba e todos seus distritos teriam a duraccedilatildeo de vinte anos podendo apoacutes esse prazo ser

estendido por um periacuteodo de dez anos Os produtos transportados de laacute praacute caacute foram os

manufaturados envolvendo ferramentas variados tipos de utensiacutelios gecircneros alimentiacutecios

medicamentos e escravos De caacute praacute laacute accediluacutecar cacau madeiras algodatildeo corantes tabaco

couro e atanados e variadas especiarias As trocas se davam em Bissau Cacheacuteu Cabo Verde

Costa da Mina Angola Madeira Accedilores e alguns portos da Iacutendia e da Aacutesia 25

Quanto a sua gestatildeo a empresa era composta por uma junta administrativa sediada em

Lisboa e formada por provedor 10 deputados um secretaacuterio e trecircs conselheiros Possuiacutea duas

sedes subalternas uma em Pernambuco e outra na cidade do Porto contavam na direccedilatildeo cada

uma com um intendente e seis deputados Aleacutem das duas diretorias e da sede a Companhia

possuiacutea ainda administraccedilatildeo ou procuradoresrepresentantes na Paraiacuteba Rio de Janeiro Bahia

Fayal e Satildeo Miguel 26

22

A Companhia tambeacutem operou na rota PernambucoCosta Da Mina no entanto o maior fluxo da atividade

negreira durante o periacuteodo da sua operaccedilatildeo esteve direcionada para os portos Angolanos O comeacutercio com a

Costa da Mina natildeo chegou a desaparecer mas perdeu significativa relevacircncia neste periacuteodo Sobre isto ver

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de Op Cit 23

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 92 -93 24

DIAS Eacuterika Op Cit p 17 25

Idem 26

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro P 83-86

17

Como podemos observar o engajamento de Portugal com as Companhias privilegiadas

se daraacute de forma efetiva a partir do governo de D Joseacute I e da administraccedilatildeo pombalina 27

Estas empresas foram pensadas e criadas para atuarem junto a uma seacuterie de outras medidas

racionalizadoras da economia portuguesa Apesar das circunstacircncias peculiares que levaram a

criaccedilatildeo de cada uma das Companhias em todos os casos ela esteve relacionada com a

necessidade de regulaccedilatildeo do comeacutercio seja para inibir a atuaccedilatildeo do contrabando a

participaccedilatildeo de comerciantes estrangeiros ou simplesmente a fim de canalizar de maneira

mais eficaz os lucros do comeacutercio colonial para a metroacutepole

Para natildeo nos restringirmos apenas a exemplos da Ameacuterica Portuguesa e a tiacutetulo de

comparaccedilatildeo bibliograacutefica faremos um paralelo com a Companhia Guipuzcoana de Caracas

Os caminhos que levaram a criaccedilatildeo da Companhia Venezuela satildeo bastante similares ao caso

portuguecircs A Espanha assim como Portugal demorou a se lanccedilar no empreendimento das

Companhias privilegiadas apesar do Reino jaacute ter tomado ciecircncia que o sistema de frotas

adotado ateacute o XVII era incapaz de assegurar a hegemonia da Coroa sobre suas colocircnias e de

jaacute haver planos para constituiccedilatildeo de sociedades exclusivistas estas soacute tomaram corpo no

XVIII 28

Sofria entatildeo os domiacutenios ultramarinos com o comeacutercio de contrabando praticado por

diversos paiacuteses sobretudo por ingleses franceses e holandeses A guerra de sucessatildeo ao trono

espanhol acabou por maximizar a penetraccedilatildeo de naccedilotildees estrangeiras nos mercados espanhoacuteis

da Ameacuterica os franceses chegaram mesmo a monopolizar o comeacutercio de abastecimento em

algumas regiotildees Esse processo foi possiacutevel devido ao isolamento em que se encontrava a

metroacutepole de suas colocircnias dado o estado de guerra na Europa 29

Outra medida que iraacute refletir negativamente na economia reinol seraacute a praacutetica do

comeacutercio direto entre as colocircnias espanholas isto porque durante os longos periacuteodos em que

27

Apesar do Reino de ter criado outras Companhias ao longo do seacuteculo XVII estas natildeo obtiveram resultados

expressivos economicamente Esse tipo de estrutura bem como a adesatildeo definitiva de Portugal as Companhias

privilegiadas soacute iraacute se estabelecer no seacuteculo XVIII a partir do reinado de D Joseacute I junto a um grande esforccedilo

Portuguecircs para recuperaccedilatildeo da sua economia Vale salientar que neste momento outras naccedilotildees europeias jaacute

buscavam novas formas de dinamizar seus negoacutecios e findavam a atuaccedilatildeo de boa parte de suas Companhias

exclusivistas Na Inglaterra a revoluccedilatildeo industrial comeccedilava a dar seus primeiros passos o regime de

exclusivismo jaacute natildeo atendia mais as necessidades daquele tipo de economia que agora necessitava de novos

mercados consumidores Essa divergecircncia de tendecircncias econocircmicas iraacute gerar uma seacuterie de conflitos entre os

Estados europeus ao longo do XVIII Sobre isto ver NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do

antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo Hucitec 1995 28

Sobre isto ver MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la

defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los

reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones

Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P 9-52 2006 29

Idem

18

o Reino esteve envolto nas disputas beacutelicas europeias os colonos agindo por conta proacutepria

afastados da tutela da Coroa desenvolveram redes comerciais internas deixando a Espanha

fora dessas negociaccedilotildees De acordo com os dados trabalhados pelo historiador Ricardo

Cierbide Martinera ldquoentre 1706 y 1724 no salioacute para Venezuela barco algunordquo 30

vindo do

Reino

Com a ascensatildeo de Felipe V ao trono o Reino espanhol se encaminhou para um

processo de mudanccedilas que levou a uma maior centralizaccedilatildeo do poder real e uma maior

racionalizaccedilatildeo do estado e das financcedilas incluindo a ampliaccedilatildeo do domiacutenio econocircmico sobre

suas conquistas no Atlacircntico Sul Devido agrave debilidade de controle sobre o comeacutercio

americano a ideia de criaccedilatildeo de Companhias privilegiadas inspiradas nos modelos praticados

em Franccedila e Inglaterra surge como alternativa possiacutevel para retomada do poder sobre

determinadas aacutereas

Uma das grandes preocupaccedilotildees da Coroa dizia respeito ao vultoso contrabando

praticado em seus domiacutenios A escolha pela Venezuela se deu pelo fato da colocircnia jaacute ter uma

consideraacutevel experiecircncia no cultivo e comeacutercio do cacau o fruto como explicita o historiador

Carlor Manrique era um importante produto de consumo dos mercados europeus e a regiatildeo

de Caracas jaacute havia ganhado fama pelo seu insumo de boa qualidade Dessa forma ldquolos

monarcas espantildeoles teniacutean muy presente la necesidad de volver a ejercer control sobre esta

proviacutenciardquo 31

usufruindo dos lucros de tal setor

Nasce assim em 1728 a Companhia de Comeacutercio de Caracas conhecida tambeacutem como

Companhia Guipuzcoana de Caracas Entre seus principais objetivos estavam o de suprir a

demanda metropolitana de cacau produto no qual a Companhia exerceria monopoacutelio e

defender as costas da regiatildeo dos contrabandos e da presenccedila militar de outras naccedilotildees

europeias Aleacutem disso a empresa tambeacutem incentivava o cultivo de novas plantaccedilotildees a

criaccedilatildeo de gados o cultivo do tabaco de plantas tintoras entre outras coisas 32

Com a criaccedilatildeo da Companhia a proviacutencia se torna a mais rentaacutevel para a Coroa

ademais o problema com o contrabando diminuiu consideravelmente O ecircxito da empresa

animou tanto o Reino que fez com que este posteriormente fundasse outras companhias para

atuar em diferentes aacutereas de seu Impeacuterio Ultramarino Mas a empresa natildeo agradou a todos A

30

CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en Venezuela durante el

siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997 P 66 31

MANRIQUE Carlos Alberto MurgueitioOp Cit P 13 32

CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit P 70

19

monopolizaccedilatildeo do comeacutercio de cacau iraacute causar grande descontentamento nas populaccedilotildees

locais que jaacute estavam bem habituadas a praacutetica do livre comeacutercio 33

A supressatildeo do livre comeacutercio a partir da fundaccedilatildeo de Companhias exclusivistas de

maneira geral ocasionaraacute uma seacuterie de criacuteticas por parte das povoaccedilotildees locais no caso das

Companhias Pombalinas natildeo seraacute diferente As queixas representaccedilotildees e insurreiccedilotildees foram

uma maacutexima comum nas empresas monopolistas portuguesas deste periacuteodo os protestos

grosso modo questionavam tanto o exclusivo comercial praticado pelas empresas como a maacute

atuaccedilatildeo das administraccedilotildees locais como veremos adiante

Durante a atuaccedilatildeo da Companhia Venezuelana os motins e revoltas foram frequentes

Isto porque o modelo protecionista adotado pela Companhia acabou por beneficiar o mercado

metropolitano em detrimento do colonial que perdeu focirclego As baixas no preccedilo do cacau e

de outras mercadorias base da economia local aleacutem da forma como a Companhia conduzia

seus negoacutecios pagando aos fornecedores locais em produtos ndash relatados pelos locais como de

maacute qualidade - e natildeo em dinheiro acabaraacute por levar a ruiacutena muitos produtores 34

A situaccedilatildeo

para os comerciantes da Praccedila tambeacutem natildeo era muito satisfatoacuteria estes amargaram muitos

prejuiacutezos com a praacutetica monopolista

Em 1751 tem iniacutecio uma grande insurreiccedilatildeo popular lidera por Juan Francisco de

Leoacuten que convoca o povo a declarar guerra contra a Companhia O movimento que comeccedila

como um ato de contestaccedilatildeo contra o monopoacutelio da empresa acaba ganhando forccedila e se

transforma em um ato de insurreiccedilatildeo contra o poder metropolitano A pauta dos revoltosos

girava em torno da ldquoescasez constante de artiacuteculos como ropas frutos y efectos de Espantildea el

elevado precio de las mercanciacuteas la extraccioacuten sectorizada de ciertos productos como el

cacao y el tabaco y el rechazo frente a otros como el corambre ()rdquo 35

Durante o motim os

insurretos contaram com a ajuda da Holanda que interessada em reestabelecer antigas

relaccedilotildees comerciais forneceu armamentos e municcedilotildees em troca de cacau

A revolta seraacute suprimida no ano seguinte 1752 no entanto seus efeitos tiveram

impacto sob a Companhia que paulatinamente foi perdendo privileacutegios e benesses

anteriormente concedidas pela Monarquia Espanhola Devido agrave guerra que se desenrolava

entre as naccedilotildees europeias naquele momento a Coroa opta por natildeo entrar em conflito direto

33

Ver CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit 34

MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la defensa del comercio

Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V

Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad

Catoacutelica Andreacutes Bello P 19 35

Ibidem P 20

20

com suas colocircnias De acordo com Carlos Manrique a insurreiccedilatildeo colocou em cheque os

poderes absolutos do monarca ldquoAl no defender a la Compantildeiacutea y al dejar avanzar los reclamos

de los colonos cimentaba las bases del colapso de su iniciativa centralizadora dejando a

merced del contrabando al mercado venezolanordquo 36

Devido a uma seacuterie de mudanccedilas ocorridas na Europa apoacutes a Guerra dos Sete Anos e a

conquista da independecircncia das antigas colocircnias inglesas na Ameacuterica o Reino Espanhol com

a ascensatildeo de Carlos III tomou novas direccedilotildees poliacutetico-administrativas A estrateacutegia mudara a

poliacutetica protecionista jaacute natildeo se adequava ao novo contexto econocircmico europeu que

apresentava naquele momento uma Inglaterra fragilizada A Espanha sabiamente se aproveita

dessa brecha para criar laccedilos comerciais com as antigas colocircnias britacircnicas e fortalecer seu

Impeacuterio Assim em 1778 Carlos III expede o decreto de livre comeacutercio extensivo as colocircnias

do Ultramar Algum tempo depois em 1781 a Companhia Guipuzcoana encerra

definitivamente suas atividades 37

Os casos das Companhias atuantes na Ameacuterica portuguesa seguem contornos bem

similares aos da Ameacuterica Hispacircnica A criaccedilatildeo da Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo que

teve sua fundaccedilatildeo associada agrave tentativa da Coroa de otimizar a administraccedilatildeo e comeacutercio da

regiatildeo mais ao Norte da Ameacuterica 38

por exemplo iraacute motivar uma seacuterie de protestos no

Reino Estes protestos foram encabeccedilados pelos deputados da Mesa do Espiacuterito Santo dos

Homens de Negoacutecios de Lisboa que questionavam a nocividade da concessatildeo do monopoacutelio

por uma escala de tempo tatildeo grandiosa ndash vinte anos - a reaccedilatildeo de Pombal seraacute agressiva 39

A

crise iniciada pelos principais homens de negoacutecio de Lisboa foi encarada pelo Marquecircs como

um crime de lesa majestade e seus autores sofreram puniccedilotildees severas 40

No Caso da Companhia de vinhas do Alto Douro empresa criada em um momento de

crise enfrentada pelo setor e que tinha como principal objetivo atender ao desejo do Reino de

retirar tal ramo comercial das matildeos dos mercadores ingleses que ateacute entatildeo dominavam aquele

setor deixando pouca brecha para inserccedilatildeo dos comerciantes portugueses 41

as manifestaccedilatildeo

36

Ibidem P 21 37

Ibidem P 26-28 38

Sobre isto ver CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e

Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 39

Ibidem P 37 40

Boa parte dos envolvidos foi desterrada para domiacutenios ultramarinos do Reino por tempos distintos de acordo

com a sua parcela de participaccedilatildeo no evento 41

Sobre isto consultar CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do

Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 SOUSA Fernando de O Marquecircs

de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757)

21

contraacuterias ao empreendimento comeccedilaram antes mesmo de sua fundaccedilatildeo Ainda no ano de

1756 comerciantes ingleses e seus representantes buscaram sabotar de diversas formas a

criaccedilatildeo da Companhia Esses grandes homens de negoacutecio com seu poder de influecircncia

conseguiram angariar outros comerciantes e produtores para sua causa sendo assim em

agosto de 1756 eram apenas 14 o nuacutemero de comerciantes e lavradores interessados no

projeto Pombalino 42

Aleacutem dos jaacute citados outros profissionais que atuavam no setor se sentiram lesados

com a formaccedilatildeo da Companhia e tomaram parte nos motins contraacuterios a instituiccedilatildeo da

sociedade mercantil 43

Cabe ressaltar que ateacute mesmo parte da populaccedilatildeo endossou o corpo

dos motins uma vez que a empresa cessaria com a liberdade com que se praticava a escolha e

compra de vinhos para consumo pessoal Todo esse descontentamento iraacute levar aos famosos

motins do Porto no ano de 1757 44

Nesta situaccedilatildeo age tambeacutem Pombal com violecircncia poucos dias depois da revolta eacute

aberta uma devassa para investigar os culpados A cidade eacute tomada por tropas recaindo sobre

os habitantes locais o peso de sua sustentaccedilatildeo O cargo de procurador do povo eacute extinto e os

vereadores da Cacircmara satildeo retirados de seus postos o futuro marquecircs jaacute natildeo confiava nestes

homens As penas entre os considerados culpados cerca de 460 indiviacuteduos variaram entre

pena capital degredo accediloite galeacutes confiscaccedilatildeo de bens penas pecuniaacuterias e palmatoadas 45

A Companhia das Pescas Reais criada devido agrave intenccedilatildeo da Coroa em ampliar as

atividades baleeiras no litoral da Ameacuterica Portuguesa natildeo contou com nenhum movimento

local de contestaccedilatildeo de seu monopoacutelio durante sua gecircnese no entanto Marcelo Paz

demonstra que foram duas as ondas reivindicatoacuterias a questionar a forma de atuaccedilatildeo da

empresa ao longo de seu periacuteodo de atuaccedilatildeo 46

A primeira onda contraacuteria seraacute encabeccedilada por

dois mercadores que apesar de advogarem pela mesma causa agiram de forma isolada a

saber Domingos Lopes Loureiro e Tomeacute de Castro Correia de Saacute que iratildeo contraditar a

Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 SOUSA Fernando de A Companhia Geral da

Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1978) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 10 p 9-58 2003 42

SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura

das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 P 46 43

Entre eles tanoeiros taberneiros e marinheiros jaacute que a partir da formaccedilatildeo da empresa estes trabalhadores de

alguma forma tiveram sua liberdade de atuaccedilatildeo profissional cerceada 44

Sobre isto ver CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do Porto

de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 45

Ibidem P 18 46

PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil (1765-1801) a caccedila

ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias

Sociais Universidade de Lisboa Lisboa

22

legalidade do monopoacutelio 47

Pretendiam os dois comerciantes arrematar o contrato para o

complexo baleeiro meridional 48

Um segundo movimento iraacute se iniciar por volta de 1790 este sim teve poder de

influenciar a decisatildeo reacutegia que aboliu o monopoacutelio da Companhia Diferentemente da

primeira onda os liacutederes dessas queixas passam a contestar os procedimentos da praacutetica

comercial adotada no litoral do Brasil questionando sua eficaacutecia e sustentabilidade Um dos

liacutederes chega inclusive a redigir documento analisando profundamente a atividade baleeira

apontando as falhas na produccedilatildeo e a inviabilidade da praacutetica por um periacuteodo alongado de

tempo 49

Em Pernambuco os eventos natildeo foram distintos das demais estabelecer a Companhia

Geral natildeo foi tarefa faacutecil o governador Luiacutes Diogo da Silva empregaraacute inuacutemeros esforccedilos na

tentativa de convencer a elite colonial pernambucana a se tornar acionista na empreitada em

ofiacutecio do ano de 1761 o governador afirma que ldquonatildeo haacute motivos por mais fortes nem

evidecircncias de maior demonstraccedilatildeo que possam convencecirc-los a apostarem da sua vida os

poucos cabedais que logramrdquo 50

Deixando clara a resistecircncia em aderir ao projeto seja por

parte dos homens de negoacutecio ou pela nobreza da terra

O governador dizia ainda que o motivo pelo qual os grandes da capitania se

mostravam contraacuterios a ideia de integrar os quadros da Companhia se dava por ela ldquotecirc-los

separados dos antigos interesses que estavam habituados a fazer na forma e regularidade que

lhes pareciardquo 51

Ou seja apontava o descontentamento dos negociantes e produtores com a

supressatildeo da liberdade de comeacutercio que jaacute estava bem estabelecido naquela regiatildeo

Desde sua instalaccedilatildeo a sociedade seraacute alvo de queixas por parte da populaccedilatildeo muitas

seratildeo as representaccedilotildees e denuacutencias encaminhadas ao rei sobre sua maacute administraccedilatildeo e o

estado de decadecircncia em que se achava a Capitania de Pernambuco Natildeo raro as queixas

continham apelos que suplicavam a sua extinccedilatildeo Segundo Pereira da Costa

Queixas amargas representaccedilotildees constantes foram dirigidas ao governo da

metroacutepole pelos agricultores e comerciantes contra tatildeo odioso monopoacutelio

47

PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 206-215 48

Uniatildeo das armaccedilotildees Paulistas Catarinense e Fluminenses 49

PAZ Marcelo de Oliveira P 240- 249 50

AHU ndash PE Cx 94 D 7481 Recife 4 de fevereiro de 1761 51

Idem

23

tendente a aniquilar essas duas fontes produtoras da colocircnia e cujos danos

vinham muito diretamente recair em prejuiacutezo do povo 52

A oposiccedilatildeo instalada ao monopoacutelio seraacute liderada pelos senhores de engenho e

produtores Mesa de Inspeccedilatildeo do tabaco e do accediluacutecar governadores da capitania em especial

Joseacute Cesar de Menezes algumas cacircmaras ultramarinas53

e uns poucos homens de negoacutecio que

natildeo se tornaram acionistas da empresa O ano de 1770 seraacute marcado como a primeira grande

crise pela qual passaraacute a Companhia Para aleacutem dos conflitos de interesses o Estado

portuguecircs passava por uma forte refraccedilatildeo econocircmica medida pela acentuada queda de seus

rendimentos Diante dessa situaccedilatildeo o governo portuguecircs passou a empregar maior cuidado na

organizaccedilatildeo de suas alfacircndegas e proceder ao aumento de impostos 54

A segunda grave crise acontece sete ano apoacutes a primeira o impacto da crise de 70 natildeo

iraacute se dissipar tatildeo facilmente a morte do rei D Joseacute I e o afastamento do marquecircs de Pombal

do cargo de secretaacuterio do reino no ano de 1777 faratildeo ressurgir uma nova onda de queixas e

representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma 55

A Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e

Paraiacuteba seraacute extinta durante a vigecircncia do governo de Joseacute Ceacutesar de Meneses grande

denunciador de sua ingerecircncia A empresa que era objeto de desarmonia entre a Coroa e os

habitantes locais natildeo obteve os lucros planejados pelo Reino

Outros elementos perturbadores da poliacutetica monopolista exercida pelas Companhias

privilegiadas seratildeo o contrabando descaminhos e contravenccedilotildees praacuteticas recorrentes na

histoacuteria da colonizaccedilatildeo do Novo Mundo realizada por diversas naccedilotildees durante todo o periacuteodo

colonial Reservando as particularidades das empresas aqui abordadas a atividade do

contrabando se faraacute sentir em maior ou menor grau no cotidiano de tais sociedades

mercantis

No caso venezuelano os comerciantes e produtores enxergavam a empresa como uma

verdadeira barreira na praacutetica tanto dos negoacutecios legais quanto no contrabando que jaacute

estavam acostumados a praticar com as naccedilotildees estrangeiras Aleacutem disso estes mesmos

52

COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do Interior e Justiccedila 1951-

1966 v 6 P 185 53

Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos

procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU

ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009 54

JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 171 55

Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos

procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU

ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009

24

personagens queixavam-se que a Companhia havia desregulado o mercado do cacau

provocando segundo os mesmos ldquoel descenso en los precios del producto de manera constante

contribuyendo a la peacuterdida de patrimonios criollos y al debilitamiento de sus enviacuteos al

exteriorrdquo 56

Como forma de deter o contrabando generalizado na regiatildeo uma das prerrogativas da

empresa era atuar no seu combate para isso possuiacutea embarcaccedilotildees de corso proacuteprias Quando

da captura de naus estrangeiras a tripulaccedilatildeo era recompensada com parte do espoacutelio

arrecadado com a venda das mercadorias apreendidas medida que iraacute estimular a ldquocaccedilardquo ao

contrabando nos mares caribenhos Segundo as fontes exploradas por Ricardo Martinena

entre 1759 a 1763 a Companhia apreendeu 43 embarcaccedilotildees estrangeiras 57

um nuacutemero

bastante expressivo para um periacuteodo de apenas quatro anos

De acordo com Carreira a Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo sofria com os

contrabandos praticados por nacionais estrangeiros e ainda pelos agentes da proacutepria

Companhia Esse tipo de praacutetica vai ser mais bem estudada pelo autor nas feitorias africanas

de Cacheu e Cabo Verde onde a empresa deveria atuar com exclusividade No entanto as

condiccedilotildees das fortalezas daqueles portos eram lastimaacuteveis e ldquonem serviam para defender os

portos das investidas dos navios estrangeiros nem de nenhum modo intimidavam as

populaccedilotildees negrasrdquo 58

Assim sendo a invasatildeo de navios estrangeiros era rotineira

prejudicando o comeacutercio das embarcaccedilotildees reais

Na Companhia das Vinhas do Alto Douro as contravenccedilotildees tambeacutem foram

recorrentes Entre os anos de 1772 a 1774 instaurou-se na regiatildeo uma grande devassa que

tinha por objetivo combater e expor os culpados de vaacuterias transgressotildees que vinham

ocorrendo sob a aacuterea de atuaccedilatildeo da empresa Apesar da numerosa legislaccedilatildeo que buscava

evitar os diversos tipos de fraudes existentes naquele ramo comercial estas persistiram

principalmente a introduccedilatildeo ilegal de vinhos de ramo 59

na zona demarcada 60

Outra fraude

bastante comum era a mistura de vinhos de menor qualidade aos vinhos destinados a

56

MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit P 16 57

AIZPURUA Ramoacuten Aguirre ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la lancha San Fernando y

de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5

Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San Sebastiaacuten p 379-392 2006 P 382 58

CARREIRA Antonio Op Cit P 79 59

O vinho de ramo era um vinho de menor qualidade que deveria ser vendido apenas para o mercado interno 60

Com o estabelecimento da Companhia a regiatildeo Duriense passou a ser a primeira do mundo a ter uma

demarcaccedilatildeo proacutepria que estabelecia quais terras eram adequadas para produccedilatildeo de cada qualidade de vinho

25

exportaccedilatildeo ou ainda o acreacutescimo da baga do sabugueiro ao vinho para que ele adquirisse a

coloraccedilatildeo desejada 61

Neste caso tambeacutem apura a devassa que os proacuteprios agentes da Companhia estavam

envolvidos nas contravenccedilotildees incluindo homens que ocupavam altos postos dentro da

empresa como o de provedor e deputados De acordo com o historiador Fernando Sousa

ldquonumerosos oficiais daquela instituiccedilatildeo praticavam com o maior escacircndalo a introduccedilatildeo e

mistura do vinho de ramo com o vinho fino e legal nas suas proacuteprias adegasrdquo 62

Ainda

segundo o autor mesmo apoacutes a devassa este tipo de praacutetica foi um problema recorrente no dia

a dia da empresa

Na Companhia das Pescas Reais pode-se tambeacutem averiguar o envolvimento de seus

agentes em redes de contrabando ningueacutem menos que o administrador geral da empresa o

homem de negoacutecio portuguecircs Joatildeo Marcos Vieira era o principal suspeito de uma devassa

instaurada no ano de 1794 que tinha por objetivo investigar o crime de contrabando de

escravos para a regiatildeo de Montevideacuteu Apesar do contrabando neste caso natildeo estaacute

diretamente relacionado agraves mercadorias que estavam sob o monopoacutelio da empresa acredita-se

que Joatildeo Marcos Vieira estava envolvido haacute anos numa rede de contrabando com a regiatildeo do

Rio da Prata e que se utilizava de seu cargo para obter vantagens financeiras 63

Com a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba natildeo seraacute diferente a partir da

criaccedilatildeo desse organismo regulador os locais iratildeo buscar meios e estrateacutegias de evasatildeo do

controle reacutegio um desses meios de escape seraacute o contrabando de mercadorias realizados

atraveacutes das rotas que uniam Pernambuco e Bahia tanto atraveacutes dos sertotildees e dos caminhos de

cabotagem A investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias nos demonstra que o contrabando durante o

periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio exercido pela empresa seraacute praacutetica recorrente e

generalizada Os descaminhos envolviam ateacute mesmo autoridades reacutegias oficiais deputados e

acionistas da empresa sendo seu combate tema cativo nos ofiacutecios trocados entre a Coroa e as

autoridades locais Este comeacutercio descaminhado eacute tema central desta dissertaccedilatildeo

As anaacutelises sobre as praacuteticas mercantis desenvolvidas na Ameacuterica Portuguesa figuram

entre as contemporacircneas abordagens e questionamentos que marcam uma nova forma de

pensar a colocircnia Dentro dessa perspectiva alguns trabalhos centrados em entender as

questotildees relativas ao comeacutercio colonial tecircm apontando para a existecircncia de um fluxo ilegal de

61

Sobre isto ver SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro

(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002 62

Ibidem P 166 63

PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 225-239

26

negoacutecios em diversas capitanias Dentro deste universo eacute notaacutevel a dedicaccedilatildeo que a

historiografia tem dado ao estudo dos descaminhos de ouro e pedras preciosas na regiatildeo das

Minas e adjacecircncias Destaca-se nesse sentido o trabalho produzido por Paulo Cavalcante em

ldquoNegoacutecios de Trapaccedila caminhos e descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-1750)rdquo 64

onde o autor busca explanar qual o papel do contrabando no processo de colonizaccedilatildeo da

Ameacuterica Portuguesa se utilizando de farta documentaccedilatildeo e tendo como objeto a regiatildeo das

Gerais e suas zonas fronteiriccedilas

Apesar de natildeo se centrar exclusivamente no comeacutercio descaminhado o trabalho da

historiadora Isnara Pereira Ivo sobre circulaccedilatildeo econocircmica e cultural na regiatildeo das Minas

Gerais tambeacutem merece destaque Ivo reserva partes de seu livro ldquohomens de Caminho

tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica Portuguesa ndash seacuteculo XVIIIrdquo 65

para discutir a questatildeo dos vultosos descaminhos realizados naquelas plagas dando ecircnfase aos

caminhos e picadas utilizadas pelos contraventores bem como as tentativas da Coroa em

reprimir tal fluxo

Cabe menccedilatildeo tambeacutem aos estudos desenvolvidos contemporaneamente que tem por

objetivo estudar os faustosos contrabandos realizados no extremo Sul da Ameacuterica Portuguesa

em seus contatos com a regiatildeo platina Dentro dessa seara merece revelo os trabalhos

desenvolvidos por Rodrigo Ceballos e Faacutebio Kuumlhn O primeiro se dedicaraacute em recentes

artigos a estudar os negoacutecios de contrabando conduzidos por luso-brasileiros na Buenos

Aires do seacuteculo XVII demostrando como esses indiviacuteduos foram capazes de criar redes de

solidariedade que permitiram a realizaccedilatildeo de seus negoacutecios extralegais 66

Jaacute Faacutebio Kuumlhn tem se centrado em publicaccedilotildees atuais a analisar o comeacutercio

contrabandeado de escravos na regiatildeo da Colocircnia do Sacramento do seacuteculo XVIII O autor

demonstra como os luso-brasileiros sediados naquelas aacutereas associados a homens de negoacutecios

de duas outras importantes Praccedilas comerciais a saber Bahia e Rio de Janeiro conseguiram

64

CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-

1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 65

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica

Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 66

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires

colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 CEBALLOS

Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos

Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00

27

deter hegemonia dentro de tal negoacutecio desbancando comerciantes de outras naccedilotildees

interessados naquela mateacuteria como os ingleses 67

Outros estudos que debatem a temaacutetica do contrabando e que conversam com nosso

trabalho satildeo as pesquisas de Ernst Pijning para o Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII onde o autor

defende a praacutetica do contrabando como algo inerente ao sistema colonial prerrogativa que

concordamos 68

E ainda vale nota para as obras de Zacarias Moutoukias que estudando o

comeacutercio extralegal na regiatildeo de Buenos Aires do seacuteculo XVII aponta tambeacutem para o

entendimento do descaminho como algo indissociaacutevel da economia colonial 69

Nosso trabalho dialoga com os estudos acima descritos no entanto deixamos claro

que o comeacutercio de contrabandeado alvo desse estudo assume contornos distintos afinal de

contas entre 1759 e 1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia

Geral de Pernambuco e Paraiacuteba O descaminho nessa situaccedilatildeo natildeo causava prejuiacutezos apenas

ao eraacuterio reacutegio mas tambeacutem aos acionistas e agentes da empresa que possuiacutea uma jurisdiccedilatildeo

privativa encarregada de cuidar de todas as questotildees juriacutedicas que envolvessem a Companhia

Ressaltamos ainda que apesar da empresa natildeo possuir jurisdiccedilatildeo sobre os portos do

sertatildeo Alagoas e Rio Satildeo Francisco acabava a mesma amargando graves prejuiacutezos em

decorrecircncia do comeacutercio realizado naquelas paragens pois invariavelmente os produtos que

circulavam nos sertotildees entre as capitanias vizinhas vinham inundar a praccedila mercantil de

Pernambuco a preccedilos bem mais em conta do que os vendidos pela Companhia Por isso de

acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada por volta do ano de 1770 a empresa passa a combater

com vigor este tipo de negoacutecio demonstrando a forccedila que esse comeacutercio interiorano iraacute

adquirir durante o periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio comercial da empresa

As rotas comerciais que ligavam o litoral da capitania ao sertatildeo e que tinham como

veio principal o Rio de Satildeo Francisco regiatildeo de fronteira entre Bahia e Pernambuco tambeacutem

seratildeo alvos desse estudo Para adentrar no universo sertanejo e compreender as dinacircmicas

desenvolvidas naqueles ambientes nos apoiaremos nos claacutessicos como Capistrano Abreu 70

67

KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)

Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017 68

PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista

Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 69

MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el

siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 70

ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet

1960

28

Manoel Correia de Andrade 71

e Joseacute Antonio Gonsalves de Mello 72

que nos datildeo pistas de

como se empreendeu a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial a partir das duas capitanias alvo

desse estudo Bahia e Pernambuco

Utilizaremos tambeacutem produccedilotildees mais recentes como a revisatildeo dos relatos de viajantes

pelo interior feita por Tiago Bonato 73

e do trabalho de focirclego de Kalina Vanderlei 74

Sem

esquecer claro dos renovados estudos que apontam para a vitalidade e dinamismo comercial

que esses espaccedilos sertanejos iratildeo adquirir em suas conexotildees com o litoral e ateacute mesmo com o

Ultramar Onde destacamos os trabalhos de Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Bonifaacutecio 75

e da

proacutepria Isnara Pereira Ivo 76

jaacute citada

Ainda buscando discutir a questatildeo do espaccedilo sertanejo sua ocupaccedilatildeo funcionamento

e dinamismo recorreremos a autores que trazem discussotildees acerca da noccedilatildeo de

territorializaccedilatildeo desses espaccedilos na Ameacuterica Portuguesa a partir da accedilatildeo efetiva do Estado sob

essas aacutereas Para isso nos utilizaremos de nomes como Iacuteris Kantor 77

Mafalda Soares da

Cunha 78

e Paulo Henrique Marques de Queiroz Guedes 79

Continuando a discussatildeo do

mesmo tema poreacutem a partir de uma perspectiva geograacutefica nos apoiaremos em Manoel

Correa de Andrade 80

e Antonio Carlos Robert de Moraes 81

71

ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias

Humanas Ltda 1980 72

MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-

1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 73

BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash 1822)

Guarapuava Unicentro 2014 74

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas

vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 75

BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de

Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII

Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e

Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 76

IVO Isnara Pereira Op Cit 77

KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica (1750‑1850) Anais do

Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 KANTOR Iacuteris Soberania e

territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute

Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio

portuguecircs Curitiba UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 78

CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A

criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P

15 79

GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo

na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias

humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife 80

ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 81

MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2

jun 2001 MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003

29

O presente trabalho conteacutem trecircs capiacutetulos O primeiro intitulado ldquoNos caminhos do

contrabandordquo estaacute dividido em dois toacutepicos Iniciamos procedendo a uma breve revisatildeo

historiograacutefica acerca da evoluccedilatildeo dos estudos voltados para o mundo colonial destacando as

principais mudanccedilas do ponto de vista metodoloacutegico ocorridas nos uacuteltimos quarenta anos

Neste capiacutetulo tambeacutem iremos realizar a anaacutelise e discussatildeo do conceito de contrabando caro

a este estudo

Aleacutem disso tambeacutem procederemos a investigaccedilatildeo das rotas de comeacutercio que ligavam

o litoral da capitania pernambucana ao interior do territoacuterio dando destaque aos caminhos ldquodo

Capibariberdquo e ldquodo Ipojucardquo que conectavam a praccedila mercantil pernambucana com a regiatildeo do

Rio de Satildeo Francisco em sua fronteira com a capitania Baiana Utilizando do auxiacutelio de

mapas discutiremos ainda neste primeiro momento as hipoacuteteses acerca de como se

movimentavam os comerciantes alvos desta pesquisa ressaltando para aleacutem dos caminhos

interioranos a possibilidade de atuarem seguindo uma rota direta atraveacutes da costa mariacutetima

entre Pernambuco e Bahia

O segundo capiacutetulo se chama ldquoAspectos internos dos descaminhos casos e circulaccedilatildeo

de produtosrdquo nele iremos investigar as mercadorias que circulavam entre Bahia e

Pernambuco atraveacutes das redes de comeacutercio ilegal esclarecendo quais eram os produtos que

mais transitavam entre as duas praccedilas ressaltando a grande variedade destes produtos e a

grandiosidade daquele tipo de comeacutercio Tambeacutem trataremos neste capiacutetulo sobre os casos

mais peculiares arrolados no nosso acervo documental

A anaacutelise destas ocorrecircncias nos faz compreender melhor a dinacircmica daquele tipo de

atividade mercantil Esclarecendo como atuavam os comerciantes envolvidos naquele

mercado e quais as suas condutas Deixamos claro ainda que o contrabando no periacuteodo

estudado era uma praacutetica amplamente disseminada na capitania sendo efetuado por uma

grande quantidade de sujeitos em situaccedilotildees diversas

Identificamos dentro desse contexto trecircs grandes blocos de contrabando o primeiro

era o contrabando de grande porte realizado por redes de comerciantes bem organizadas e

que possuiacuteam toda uma estrutura que permitia a realizaccedilatildeo da praacutetica em grande volume O

segundo tipo seria o contrabando de pequena monta praticado por uma infinidade de

personagens desde oficiais da companhia a pessoas ldquocomunsrdquo que se aproveitavam de uma

oportunidade para obter lucros pessoais Por fim identificamos o contrabando realizado por

embarcaccedilotildees estrangeiras que geralmente vinham dar na Costa da capitania pernambucana se

utilizando do subterfugio do mal tempo ou da necessidade de ser fazer reparos na embarcaccedilatildeo

30

se aproveitando entatildeo para introduzir nas terras exclusivas da Companhia uma infinidade de

mercadorias europeias e levar daqui os produtos da terra

O terceiro capiacutetulo denominado ldquoContrabando combate e complexidade do esquemardquo

estaacute divido em trecircs toacutepicos O primeiro deles busca proceder a anaacutelise das medidas repressivas

tomadas em niacutevel local para que se evitasse e extinguisse a praacutetica do contrabando do

territoacuterio da capitania pernambucana Para tal feito nos utilizamos de uma seacuterie de ofiacutecios

expedidos pelos governadores pernambucanos que tratam sobre o tema aleacutem disso tambeacutem

contamos em nosso acervo documental com ofiacutecios da Junta Companhia Geral em Lisboa

que nos fornecem informaccedilotildees preciosas acerca das irregularidades cometidas pelos

administradores pernambucanos e as medidas coibitivas que deveriam ser tomadas para que

se cessassem os descaminhos

Na segunda parte tratamos sobre o envolvimento de agentes acionistas e deputados da

Companhia Geral bem como de algumas autoridades reacutegias nos circuitos de comeacutercio ilegal

Por fim o terceiro toacutepico versa sobre a grande insatisfaccedilatildeo dos representantes da populaccedilatildeo

das vilas de Pernambuco que durante todo o periacuteodo do monopoacutelio exercido pela empresa

iratildeo enviar ao reino uma seacuterie de queixas e denuacutencias e representaccedilotildees atestando a maacute gestatildeo

exercida pela direccedilatildeo subalterna de Pernambuco e a acusando de agir em benefiacutecio proacuteprio

Nosso principal fundo arquiviacutestico concentra-se nos manuscritos depositados no

Arquivo Histoacuterico Ultramarino (AHU) para as capitanias de Pernambuco Bahia a anexa

Paraiacuteba e Alagoas essa ainda comarca de Pernambuco material digitalizado pelo projeto

resgate Nele se encontram uma farta documentaccedilatildeo trocada entre os governadores

principalmente os pernambucanos e a Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar sobre a

questatildeo do contrabando A grande maioria desses arquivos eacute categorizada como ofiacutecios no

entanto em alguns deles eacute possiacutevel encontrar anexos referentes a outros tipos de

documentaccedilatildeo incluindo coacutepias de devassas tiradas acerca de contrabandos editais lanccedilados

pela Companhia Geral listas de cargas e mercadorias de embarcaccedilotildees apreendidas cartas

circulares lanccediladas por autoridades locais minutas reais dando parecer sobre a mateacuteria ou

casos especiacuteficos entre outras coisas O volume desses documentos e a diversidade de

informaccedilotildees contidas neles demonstram como o comeacutercio desencaminhado no periacuteodo foi

expressivo

Tambeacutem nos utilizamos na escrita deste trabalho de processos crimes depositados no

Arquivo Nacional da Torre do Tombo esses documentos de cunho juriacutedico-administrativo

pertencem ao fundo da Conservatoacuteria da Companhia em Lisboa oacutergatildeo responsaacutevel por julgar

31

todas as causas referentes aos assuntos da empresa jaacute que a mesma possuiacutea um regime

juriacutedico privativo 82

Neles eacute possiacutevel visualizar toda a praacutexis processual e rotina juriacutedica

adotada nos casos onde foram instauradas devassas para averiguaccedilatildeo do crime de

contrabando Esse fundo eacute fonte feacutertil para nossa pesquisa pois atraveacutes dos processos

conseguimos obter informaccedilotildees detalhadas sobre os casos como as inquiriccedilotildees feitas aos reacuteus

de defesa e de acusaccedilatildeo a lista de carga das embarcaccedilotildees os personagens envolvidos nos

descaminhos as defesas perpetradas pelos advogados representantes dos reacuteus as apelaccedilotildees e

sentenccedilas dadas a niacutevel local as sentenccedilas aplicadas etc

Complementando estes acervos tambeacutem fizemos uso de manuscritos existentes no

arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) estes documentos que estatildeo

disponiacuteveis apenas para consulta presencial foram de grande importacircncia para o

entendimento das rotas que no seacuteculo XVIII ligavam o litoral de Pernambuco ao sertatildeo e

acabavam por desembocar no Rio de Satildeo Francisco regiatildeo fronteiriccedila entre Pernambuco e

Bahia e local de comeacutercio abundante Utilizamo-nos tambeacutem neste trabalho de material

transcrito existente na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional (BN) e de livros coevos

digitalizados e disponiacuteveis para consulta online pertencentes ao setor de raridades da

Biblioteca puacuteblica Maacuterio de Andrade (BMA)

Por fim esse estudo parte do entendimento do comeacutercio como um elemento de

dinamizaccedilatildeo da capitania de Pernambuco tanto na perspectiva da economia local quanto no

contexto de ampliaccedilatildeo das dinacircmicas sociais Acreditamos que o comeacutercio potencialmente

descaminhado realizado atraveacutes dos sertotildees e da navegaccedilatildeo direta entre as capitanias de Bahia

e Pernambuco acabou contribuindo para o aumento da forccedila econocircmica das regiotildees

envolvidas naqueles circuitos

82

Este tema seraacute mais bem desenvolvido no segundo capiacutetulo deste trabalho

32

2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO

21 Contexto e conceitos

Desde meados da deacutecada de 80 do seacuteculo XX tem se operado uma ampla revisatildeo

criacutetica a respeito dos paradigmas ateacute entatildeo utilizados nos estudos acerca dos impeacuterios

modernos e seus domiacutenios ultramarinos Os trabalhos centrados na anaacutelise dos aspectos

poliacuteticos da Europa moderna sofreram grandes transformaccedilotildees Sintomaacutetica satildeo as pesquisas

desenvolvidas nesse periacuteodo a despeito do processo de formaccedilatildeo dos Estados modernos

europeus bem como de seus complexos imperiais Categorias amplamente difundidas que

eram base dos estudos desenvolvidos ateacute aquele momento como centralizaccedilatildeo poliacutetica e

administrativa e poder absoluto seratildeo substituiacutedas pela identificaccedilatildeo da existecircncia de poderes

concorrentes ao do monarca dentro do sistema poliacutetico europeu 83

Esta nova abordagem seraacute consolidada com o desenvolvimento de estudos sobre o

Impeacuterio portuguecircs no exterior Aqui cabe destacar as importantes contribuiccedilotildees da tradiccedilatildeo

historiograacutefica anglo-saxocircnica principalmente os apontamentos do historiador inglecircs Charles

Boxer responsaacutevel por modificar a forma como se entendia a atuaccedilatildeo das elites coloniais

dentro do exerciacutecio de governaccedilatildeo no ultramar 84

Outro nome que merece ser lembrado eacute o de

AJR Russell-Wood aleacutem de desenvolver estudos sobre as categorias de centro e periferia o

autor iraacute tambeacutem apontar para a existecircncia dentro do sistema colonial de uma porosidade que

permitiu aos governos e autoridades locais margem para negociaccedilatildeo com a metroacutepole 85

Tambeacutem merece destaque a produccedilatildeo dos historiadores norte-americanos

responsaacuteveis por desenvolver obras sobre variadas dimensotildees da sociedade e da economia

colonial brasileira Stuart Schwartz seraacute responsaacutevel por identificar em seu claacutessico

ldquoBurocracia e sociedade no Brasil colonialrdquo 86

a incorporaccedilatildeo da magistratura portuguesa aos

interesses e dinacircmicas locais Outro historiador americano que iraacute influenciar sobremaneira

83

Sobre isto ver LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime na

Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de

governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005 84

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c

1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e

negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 161 85

Sobre isto ver AJR Russel-Wood Centro e periferia no mundo luso-brasileiro 1500-1808 Revista

brasileira de histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 nordm 36 (1998) 86

SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das letras 2013

33

esse processo revisionista eacute Jack Green que deu nova leitura a relaccedilatildeo colonial destacando a

existecircncia e importacircncia das negociaccedilotildees em diversos niacuteveis como uma realidade do sistema

poliacutetico portuguecircs 87

Esses estudos tambeacutem seratildeo desenvolvidos em Portugal onde se destacam os

apontamentos feitos por Antonio Manoel Hespanha em seu ldquoAs veacutesperas do Leviatatilde

instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVIIrdquo 88

e em estudos posteriores O autor iraacute

discutir a tatildeo esquemaacutetica visatildeo do Estado moderno centralizado tendo como base uma vasta

documentaccedilatildeo O centro nervoso da tese de Hespanha discute a autonomia dos corpos sociais

constituintes do Estado Portuguecircs Nele a monarquia eacute entendida como cabeccedila de um grande

corpo social os poderes do centro satildeo outorgados a indiviacuteduos e instituiccedilotildees nas periferias do

Impeacuterio para atuarem em nome do rei Portanto natildeo se despreza a importacircncia dos poderes

inferiores dentro do jogo poliacutetico No entanto somente a monarquia era capaz de unir e criar

nexo a um grande escopo de jurisdiccedilotildees que a abarcavam dentro do Reino e nos seus

domiacutenios ultramarinos

Dessa forma Hespanha define o Estado portuguecircs como

corporativista 89

Hespanha aponta como caracteriacutesticas primordiais da monarquia corporativa a divisatildeo

de poder no espaccedilo poliacutetico entre a coroa e os poderes subalternos o corpo legal estava

baseado na doutrina juriacutedica comum europeia mas eram muitos os casos em que as praacuteticas

consuetudinaacuterias prevaleciam o entrelaccedilamento entre deveres poliacuteticos e morais e por fim a

certa autonomia que possuiacuteam as autoridades reacutegias e a efetiva proteccedilatildeo a que estavam

sujeitos os seus direitos e atribuiccedilotildees 90

Parece-nos que Hespanha demonstra a todo tempo

natildeo a ldquofragilizaccedilatildeo do Estado Portuguecircsrdquo mas sim a relaccedilatildeo de interdependecircncia que iraacute se

desenvolver entre o reino e suas possessotildees ultramarinas

Essas concepccedilotildees iratildeo ganhar focirclego no Brasil principalmente nos anos 90 do seacuteculo

XX quando as pesquisas sobre as relaccedilotildees de poder passam a ganhar forccedila gerando uma seacuterie

de trabalhos empenhados em estudar as formas de governar e o funcionamento das

87

GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional History University

Press of Virginia 2ordf ed 1994 88

HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVII Coimbra

Almedina 1994 89

HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do impeacuterio colonial

portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios

no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 HESPANHA AM A

constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos correntes In FRAGOSO Joatildeo

GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda (Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica

imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 90

HESPANHA AM Ibdem P 46

34

instituiccedilotildees dentro do conjunto imperial Junto a estas pesquisas tambeacutem foram feitas

investigaccedilotildees para outras aacutereas do Impeacuterio dessa forma nos uacuteltimos anos tem se buscado

compreender os nexos imperiais que davam forma ao Impeacuterio portuguecircs 91

Esse alargamento de anaacutelise eacute bastante significativo uma vez que rompe com a ideia

da ineficiecircncia do sistema poliacutetico-administrativo portuguecircs essa ldquoineficiecircnciardquo passa entatildeo a

ser compreendida como uma caracteriacutestica da administraccedilatildeo colonial portuguesa 92

Seguindo

o mesmo caminho o do entendimento do Estado portuguecircs como corporativo uma seacuterie de

novos estudos comeccedilam a apontar para a importacircncia dos viacutenculos estrateacutegicos estabelecidos

pelos grupos integrantes do Estado

Dessa forma o papel central desempenhado pelas redes no interior do conjunto

imperial tem ganhado destaque nas discussotildees historiograacuteficas recentes A categoria de

ldquoredesrdquo utilizada neste trabalho parte dos pressupostos apontados em estudos recentes que

atestam a importacircncia deste mecanismo de articulaccedilatildeo tambeacutem na esfera mercantil Dentro

desta seara de pesquisa destacam-se as produccedilotildees de Joatildeo Fragoso Antocircnio Carlos Jucaacute de

Sampaio e Roquinaldo Ferreira 93

De acordo com Maria Fernanda Bicalho eacute incontestaacutevel para a historiografia que ateacute o

seacuteculo XVII o Estado portuguecircs se desenvolveu sobre o prisma corporativista 94

Apesar do

aparente consenso vale salientar que o modelo coorporativo lanccedilado por Hespanha natildeo eacute

unanimidade prova disso eacute o debate acadecircmico existente entre o autor e a historiadora Laura

91

LARA Silvia Hunold Op Cit P 32 92

HESPANHA AM Op Cit P 51 93

FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto de

conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social costumeira (Rio de Janeiro

1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e

negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 SAMPAIO

Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo nos quadros do Impeacuterio

portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica

imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 FERREIRA

Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial ultramarino portuguecircs In

FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio

portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 Para aleacutem desses autores as

produccedilotildees das historiadoras Maria de Faacutetima Gouvecirca e Mafalda Soares merecem destaque dentro da temaacutetica de

redes 94

BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da

monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima

(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro

Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 345-352

35

de Mello e Souza a despeito da centralidade do Impeacuterio Souza centra sua criacutetica na ldquopouca

atenccedilatildeo dada agrave especificidade dos diferentes contextos imperiaisrdquo 95

nos estudos do autor

De qualquer forma essa ldquorealidade corporativardquo comeccedila a ser alterada jaacute em fins do

XVII e iniacutecio do XVIII neste momento comeccedila a se desenvolver por toda a Europa um

processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real No caso de Portugal esse processo iraacute se

solidificar no reinado de Dom Joseacute I personificado pela pessoa de Sebastiatildeo Salgado de

Melo o Marquecircs de Pombal Dentro desse contexto poliacuteticas com o intuito de revitalizar o

comeacutercio portuguecircs foram postas em accedilatildeo Na capitania de Pernambuco importante polo

econocircmico da conquista essas accedilotildees seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois

organismos reguladores da economia local a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio

no ano de 1752 96

e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759

Neste cenaacuterio eacute criada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759 que se

tornaraacute a detentora do ldquocomeacutercio exclusivo das duas capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com

todos os seus distritos e nos quais ningueacutem mais podia extrair ldquomercadorias gecircneros ou

frutosrdquo 97

A Companhia que manteve o monopoacutelio comercial na regiatildeo ateacute o ano de 1780 iraacute

causar um grande impacto na economia da capitania modificando toda uma loacutegica comercial

baseada no livre comeacutercio que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco

Nossa pesquisa tende a se alinhar com o estudo desenvolvido por Avanete Pereira

sobre o exerciacutecio da governanccedila na municipalidade em Salvador na segunda metade do XVIII

98 Fica claro para noacutes que a centralizaccedilatildeo poliacutetica desejada pela Coroa nem sempre seraacute

aplicada de forma plena nos territoacuterios do ultramar As poliacuteticas pensadas para o Brasil

precisaram ser adaptadas agraves realidades coloniais principalmente se tratando de mudanccedilas

potencialmente prejudiciais economicamente agraves elites locais que haacute muito dominavam a

dinacircmica de instituiccedilotildees e negoacutecios no ultramar

O contrabando e as ilicitudes eram dinacircmicas corriqueiras nas aacutereas de atuaccedilatildeo de

sociedades exclusivistas Muitas vezes elas envolviam ateacute mesmo os agentes destas

95

SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica portuguesa do seacuteculo

XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006 P 48 96

Sobre a histoacuteria da Mesa de Inspeccedilatildeo de Pernambuco consultar CONTI Paulo Fillipy de Souza A casa das

qualidades pesos e preccedilos a mesa da inspeccedilatildeo do tabaco e accediluacutecar de pernambuco (1752-1777) 2016 182 f

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Federal de

Pernambuco 97

CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba

Lisboa Presenccedila 1982 p 224 98

PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da cacircmara da Bahia

(seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de governar

ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005

36

companhias e as autoridades reacutegias nos descaminhos Isto porque como afirma Fernando

Novais o contrabando era uma praacutetica comum dentro da economia colonial desde os seus

primoacuterdios Ainda segundo o autor tal praacutetica natildeo ldquonegava o sistemardquo nem deve ser entendida

como uma fissura ou uma exceccedilatildeo muito pelo contraacuterio o contrabando assim como a

concorrecircncia e as disputas entre as potecircncias europeias era parte da estrutura econocircmica

daquele tipo de sociedade operando dessa forma ldquodentro do mesmo sistema baacutesicordquo 99

Salientamos ainda que esse tipo de praacutetica foi extensiva e naturalizada natildeo soacute na

Ameacuterica Portuguesa mas nas diversas partes do mundo onde se desenvolveu a economia

colonial Em artigo que discute a noccedilatildeo de centralidade administrativa do governo portuguecircs

metropolitano Russel-Wood chama atenccedilatildeo para algo que ele denomina como ldquocultura de

evasatildeordquo ou seja a capacidade dos colonos luso-brasileiros de escaparem do controle reacutegio

Segundo o autor essa cultura iraacute assumir diversas formas como ldquoa recusa em pagar impostos

e taxas escamoteamento dos pontos de fiscalizaccedilatildeo evasatildeo do serviccedilo militar burla quanto a

inclusatildeo nas listas municipais []rdquo 100

As transgressotildees na capitania pernambucana natildeo se restringiram ao contrabando de

mercadorias realizado junto a praccedila baiana O cenaacuterio poliacutetico administrativo tambeacutem era

local de subversatildeo das diretivas reais Em artigo que discute questotildees de justiccedila e

administraccedilatildeo na capitania Maria Filomena Coelho relata as contendas ocorridas na segunda

metade do XVIII entre o Bispo de Olinda e o Juiz de Fora da regiatildeo que se acusavam

mutuamente de cometer desvios monetaacuterios e se utilizar de seus cargos de prestiacutegio para obter

vantagens Bem conhecido e reproduzido no mesmo artigo eacute o caso do provedor Francisco do

Rego Barros acusado de descaminhar da fazenda real uma grande soma de dinheiro e de

envolver os funcionaacuterios a ele submetidos no esquema iliacutecito 101

No artigo supracitado a autora opta por trabalhar com as categorias de suborno e

corrupccedilatildeo Nossa anaacutelise das fontes primaacuterias em conjunto com a leitura da historigrafia nos

leva a crer natildeo serem estes vocaacutebulos os mais adequados para se trabalhar a questatildeo da

ldquocultura de evasatildeordquo na Ameacuterica Portuguesa Como veremos a seguir consideramos que para

evitar cair em anacronismos seja essencial desassociar as praacuteticas transgressivas de seus

significados contemporacircneos

99

NOVAIS Fernando A P 88-92 100

A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista brasileira de

Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197 101

NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco (seacuteculo XVIII)

Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003

37

Nesta pesquisa a forma de evasatildeo que nos interessa eacute o contrabando Os contrabandos

extravios e descaminhos se constituiacuteram em praacuteticas recorrentes durante todo o seacuteculo XVIII

nas capitanias brasileiras Resultados de uma tentativa de fuga a gerecircncia da Coroa lanccedilados

sobre a proacutespera economia colonial que neste seacuteculo jaacute possuiacutea mais vulto que a

metropolitana Desta forma se faz necessaacuterio discutir neste momento o conceito de

contrabando buscando uma definiccedilatildeo que se adeque ao nosso objeto

Estudando a ligaccedilatildeo entre o contrabando e as elites na Buenos Aires do seacuteculo XVII

Zacarias Moutoukias afirma ser o comeacutercio natildeo autorizado a atividade comercial mais

importante do porto de Buenos Aires Aleacutem disso o autor iraacute destacar a participaccedilatildeo de

oficiais reacutegios nos esquemas ilegais admitindo ainda que a Coroa se adaptou a esta situaccedilatildeo

Para Moutoukias ldquola corrupcioacuten fue el processo por el cual los representantes locales del

poder central civiles y militares se integraron a dicha elite associaacutendola asiacute a la funcioacuten

imperialrdquo 102

Concordando com a perspectiva de Moutoukias Ernest Pijning iraacute afirmar que o

contrabando era algo ldquoinerente a economia do mundo atlacircntico preacute-moderno atuante em todos

os aspectos da sociedade luso-brasileirardquo 103

De acordo com Koselleck ldquoas palavras que permaneceram as mesmas natildeo satildeo por si

soacute indiacutecio suficiente da permanecircncia do mesmo conteuacutedo ou significado por elas designadosrdquo

104 Nesse sentindo concordamos com Cavancante

105 e Moutoukias

106 quando afirmam natildeo

ser possiacutevel relacionar o contrabando com o termo corrupccedilatildeo como conhecemos hoje O

contrabando era uma praacutetica enraizada na sociedade colonial e como sugere Pijning

dependendo da situaccedilatildeo e dos personagens envolvidos esse tipo de comeacutercio era aceito e ateacute

mesmo incentivado pela Coroa 107

Segundo o dicionaacuterio portuguecircs e latino de Bluteau contrabando significa ldquofazenda e

trato de fazenda furtada aos direitos ou tirada por alto sendo defeza a sua introduccedilatildeordquo 108

Ou

seja a definiccedilatildeo de contrabando no dicionaacuterio estaacute relacionada diretamente ao ato de fraudar a

102

MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el

siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 P 243 103

PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista

Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 P 399 104

KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos histoacutericos Rio de Janeiro

Contraponto Ed Puc-Rio 2006 P 105 105

Sobre isto ver CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica

Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 106

Sobre isto ver MOUTOUKIAS Zacarias Op Cit 107

PIJINING Ernest Ibdem P 400-403 108

BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de

Jesus Ano de 1712 P 321

38

fazenda real desviando o fisco Para o nosso estudo percebemos que a definiccedilatildeo claacutessica de

Bluteau natildeo se adequa inteiramente pois apesar de natildeo possuir o monopoacutelio comercial para

regiatildeo dos sertotildees comumente as autoridades locais vatildeo tratar as mercadorias transacionadas

entre as praccedilas de Bahia e Pernambuco via sertatildeo como contrabando mesmo quando estes

produtos chegavam as praccedilas comerciais de Pernambuco selados com selos de outras

alfacircndegas do Impeacuterio ou seja em algum momento aquela mercadoria havia pagado os

direitos reais

Percebemos durante a investigaccedilatildeo as fontes que existia uma grande confusatildeo quanto a

este comeacutercio feito pelos interiores Havia uma dificuldade das autoridades em classificar o

que era passiacutevel de puniccedilatildeo e poderia ser enquadrado como crime de contrabando e os casos

em que aquele tipo de negociaccedilatildeo era acobertada e permitida pela legislaccedilatildeo De acordo com

nossa observaccedilatildeo na duacutevida as autoridades reacutegias e oficiais da Companhia preferiam pecar

pelo excesso e realizar os sequestros para posterior investigaccedilatildeo Assim contamos em nosso

conjunto documental como seraacute demonstrado em capiacutetulo posterior com casos em que apoacutes

se efetuar a apreensatildeo a investigaccedilatildeo acaba por absolver os reacuteus seja por falta de provas ou

pela constataccedilatildeo de que natildeo se procedeu em descaminhos

Essa situaccedilatildeo acontecia pois natildeo existia uma delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa que

esclarecesse minuciosamente quais os portos se incluiacuteam na categoria de ldquoportos livresrdquo bem

como uma legislaccedilatildeo especiacutefica que regulamentasse quais os produtos poderiam transitar

entre estas paragens sem ofender o monopoacutelio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba

109 Segundo Koselleck os conceitos satildeo polissecircmicos reunindo em si ldquodiferentes totalidades

de sentidordquo 110

os casos coletados na nossa documentaccedilatildeo demonstram aleacutem disso como o

entendimento a respeito do que era considerado comeacutercio iliacutecito era fluiacutedo e variava de acordo

com a interpretaccedilatildeo dada pelas autoridades locais

Para o nosso tema o que pudemos perceber atraveacutes da investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias

eacute que o contrabando se constituiu em praacutetica recorrente ao longo dos vinte e um anos de

monopoacutelio praticado pela Companhia Geral A atividade iliacutecita que envolvia as proacuteprias

autoridades reacutegias oficiais e acionistas da Companhia em Pernambuco causaraacute grandes

preocupaccedilotildees por parte da Coroa e da Junta da empresa sediada em Lisboa virando assunto

recorrente na documentaccedilatildeo travada entre o Reino e os agentes locais de Pernambuco

109

Pelo menos ateacute o momento natildeo conseguimos localizar nenhum tipo de documento oficial que se referisse a

estes pontos 110

KOSELLECK Reinhart Op Cit P109

39

principalmente os governadores da capitania que eram encarregados sobre a mateacuteria

Discutiremos melhor esta questatildeo no terceiro capiacutetulo deste trabalho

Aleacutem de ser realizado de maneira extensiva durante todo o periacuteodo do monopoacutelio o

comeacutercio iliacutecito era praticado por uma grande diversidade de pessoas Apesar da existecircncia de

redes mercantis mais complexas que atuavam de maneira melhor estruturada esse comeacutercio

tambeacutem era feito em pequenas quantidades por pessoas comuns A anaacutelise das fontes nos

atenta para o fato de que havendo oportunidade de lucros pessoais o contrabando era

praticado por todos e entendido como algo banal

Devido ao caraacuteter pulverizado desse tipo de atividade mercantil os casos encontrados

na documentaccedilatildeo iratildeo apontar para uma gama muito diversa de personagens lugares e

mercadorias envolvidos nesse tipo de praacutetica No entanto eacute possiacutevel atestar com clareza a

existecircncia de um vigoroso circuito de comercio iliacutecito envolvendo as capitanias de

Pernambuco e Bahia As relaccedilotildees entre as duas praccedilas eram estreitas o contrabando de

gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa iratildeo permear todo o

periacuteodo proposto para este estudo

Vale ressaltar que antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral o comeacutercio entre

Pernambuco e Bahia jaacute existia e estava bem consolidado principalmente o comeacutercio de

carnes feito nos sertotildees que interligavam as duas praccedilas e que margeavam o Rio de Satildeo

Francisco De acordo com a historiografia a regiatildeo circundante ao Rio de Satildeo Francisco

sempre contou com uma grande densidade populacional de povos indiacutegenas 111

O que denota

a importacircncia da aacuterea natildeo soacute em termos geograacuteficos mas tambeacutem salienta o seu importante

papel como lugar de encontro de uma seacuterie de gentes

Como eacute amplamente sabido o processo de interiorizaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro iraacute

acontecer de forma tardia jaacute que em princiacutepio a colonizaccedilatildeo portuguesa deteve-se a povoar a

faixa litoracircnea do territoacuterio brasileiro soacute criando um movimento de expansatildeo em direccedilatildeo ao

interior em meados do seacuteculo XVII 112

De acordo com Capistrano de Abreu em livro claacutessico

a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial teve iniacutecio junto agraves capitanias do Norte notadamente

Bahia e Pernambuco Segundo o autor o proacuteprio Donataacuterio de Pernambuco Duarte Coelho

ainda no seacuteculo XVI nutriu ambiccedilotildees de conquistar o territoacuterio ao largo do Rio de Satildeo

111

NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte

Editora UFMG 2011 P 30 112

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco

pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111

40

Francisco Sabia-se jaacute a eacutepoca do potencial do local 113

Outro autor claacutessico Manoel Correa

de Andrade defende a tese de que o sertatildeo do que hoje conhecemos como nordeste foi

integrado agrave colonizaccedilatildeo portuguesa partindo de dois eixos centrais sendo estes Bahia e

Pernambuco 114

O movimento de integraccedilatildeo dos interiores eacute comumente associado agrave expansatildeo

pecuaacuteria pois desde 1701 a Coroa portuguesa havia proibido a criaccedilatildeo de gado a menos de

dez leacuteguas da costa 115

dessa forma os currais foram cada vez mais adentrando o espaccedilo

sertanejo seguindo o curso dos rios que forneciam os substratos necessaacuterios agrave sustentaccedilatildeo das

rezes bovinas e caprinas Pedro Puntoni confirma essa caracteriacutestica da pecuaacuteria desenvolvida

nas capitanias do norte de acordo com o autor

As fazendas de gado grosso modo acompanhavam as margens dos rios

uma vez que na regiatildeo semi-aacuterida o fornecimento de aacutegua era fator essencial

para garantir a ocupaccedilatildeo e a criaccedilatildeo do gado Os rios Satildeo Francisco ao sul e

o Parnaiacuteba ao norte eram os principais eixos da ocupaccedilatildeo por serem rios

perenes os demais na maioria seus afluentes ainda abrigavam algumas das

fazendas 116

Apesar da pecuaacuteria ser entendida como fator decisivo para a conquista dos sertotildees do

norte natildeo podemos esquecer o contexto em que se deu essa expansatildeo Eacute importante lembrar

que apoacutes a expulsatildeo dos holandeses em 1654 a economia accedilucareira foi fortemente abalada

natildeo soacute por fatores internos como o clima e as intempeacuteries a que estatildeo sujeitas qualquer tipo de

cultura tropical como tambeacutem por fatores externos como a concorrecircncia com a produccedilatildeo de

accediluacutecar antilhano e a consequente baixa de preccedilos dessa mercadoria aleacutem eacute claro do aumento

do preccedilo dos escravos dado a grande procura desse tipo de matildeo de obra em Aacutefrica 117

Assim o fluxo em sentido ao interior tambeacutem vinha atender a uma demanda da Coroa

que procurava alternativas para se livrar da crise econocircmica por qual passava a principal

cultura da colocircnia brasileira Dessa forma as expediccedilotildees aos sertotildees passaram a ser

frequentemente encorajadas Para animar e incentivar os colonos a desbravarem estas aacutereas a

113

ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet

1960 P 34 114

ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias

Humanas Ltda 1980 P 167 115

WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a

colonizaccedilatildeo do sertatildeo nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004 P

22 116

PUNTONI Pedro Ibidem P 24 117

PUNTONI Pedro Ibidem P 25

41

Coroa iraacute a partir da segunda metade do seacuteculo XVII doar sesmarias a homens que tiveram

papel de destaque nas batalhas travadas contra os holandeses 118

De acordo com Kalina Wanderlei apoacutes implementar a poliacutetica de doaccedilatildeo de terras e

de financiar uma seacuterie de diligecircncias para abrir caminhos naquelas paragens o Impeacuterio

Portuguecircs relegou estas imensidotildees de terra aos interesses privados Segundo a autora

Assim foi que a conquista dos interiores das capitanias do norte no seacuteculo

XVII tornou-se tarefa dos senhores seguindo o modelo inicial do projeto de

colonizaccedilatildeo onde aos donataacuterios e seus colonos cabia a instalaccedilatildeo da

induacutestria produtora e a defesa do territoacuterio contra a concorrecircncia externa e a

resistecircncia interna 119

middot

Cabe ainda ressaltar que a partir do Reinado de D Joatildeo V uma seacuterie de medidas e

accedilotildees seratildeo tomadas para garantir aos portugueses o controle efetivo de seus domiacutenios no

Ultramar Isto porque na Europa se vivia um momento de grande concorrecircncia comercial e de

contestaccedilatildeo de antigos tratados territoriais e seus limites a partir da elaboraccedilatildeo de modernos

estudos geograacuteficos e cartograacuteficos sobre o Novo Mundo Dentro desse contexto de

vulnerabilidade perante outras potecircncias era necessaacuterio que os diplomatas portugueses

buscassem novas formas de defender e legitimar os direitos juriacutedicos do Rei sobre os

territoacuterios ultramarinos nas negociaccedilotildees internacionais No entanto para que estes

argumentos tivessem forccedila era preciso conhecer o espaccedilo da colocircnia 120

As grandes porccedilotildees de terra que compunham a conquista no Brasil possuiacuteam ainda no

seacuteculo XVIII vastas aacutereas despovoadas e desconhecidas pelo Reino De acordo com Iacuteris

Kantor depois da Paz de Utrecht em 1713 que praticamente invalidava o antigo tratado de

Tordesilhas Espanha e Portugal vatildeo iniciar um mapeamento sistemaacutetico de suas conquistas

no aleacutem-mar As coroas ibeacutericas iratildeo neste momento investir na formaccedilatildeo de pessoal

qualificado e no custeamento de expediccedilotildees para o interior afim de que se produzissem

trabalhos geograacuteficos mais precisos 121

O projeto de elaboraccedilatildeo do ldquoNovo Atlas da Ameacuterica

Portuguesardquo iniciado em 1729 por exemplo eacute um desses esforccedilos empreendidos pela Corte

118

WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 119

WANDERLEI Kalina Ibidem P 137 120

Sobre isto ver KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica

(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 121

Idem

42

no sentido de oficializar o interior do territoacuterio assegurando a posse do Reino principalmente

sobre os espaccedilos que estavam sob litiacutegio 122

Durante o diretoacuterio pombalino estas poliacuteticas de reafirmaccedilatildeo do poder real seratildeo

reforccediladas atraveacutes da expansatildeo da rede administrativa 123

nas esferas civis e eclesiaacutesticas a

locais onde o poder estatal ainda natildeo chegava era necessaacuterio ldquoterritorializarrdquo aqueles espaccedilos

De acordo com Paulo Guedes o conceito de territoacuterio pode ser entendido como um espaccedilo

definido por e a partir de relaccedilotildees poliacuteticas e de poder ainda segundo o autor para se pensar

em territoacuterio na Ameacuterica Portuguesa necessariamente deve-se levar em conta suas

ldquojurisdiccedilotildees (militar religiosa tributaacuteria e judicial) considerando suas incongruecircncias em

relaccedilatildeo aos territoacuterios circunscritos ao acircmbito das capitaniasrdquo 124

Apesar de pequenas

discordacircncias o entendimento de que o conceito de territoacuterio estaacute intimamente relacionado

com a ideia de domiacutenio ou gestatildeo de uma determinada aacuterea eacute amplamente reconhecido pelos

estudiosos do assunto 125

A partir desse entendimento eacute que o geografo Manoel Correa de

Andrade afirma por exemplo que nos primeiros anos de sua colonizaccedilatildeo o Brasil era um

grande espaccedilo natildeo transformado em territoacuterio 126

Para aleacutem das querelas europeias deve-se pontuar que a partir do descobrimento das

minas de ouro nas Gerais vai-se assistir a um grande adensamento populacional naquelas

regiotildees interioranas principalmente entre as primeiras deacutecadas do seacuteculo XVIII Fazia-se

pois indispensaacutevel criar naqueles novos centros todo um aparato administrativo sobretudo

fiscal para regular e garantir os direitos reacutegios sobre os recursos minerais ali encontrados 127

A historiografia sobre as Minas tem demonstrado como a ocupaccedilatildeo daqueles territoacuterios

acabou por conectar uma grande malha espacial atraveacutes dos seus circuitos de comeacutercio que

movimentavam sobretudo as regiotildees interioranas das capitanias do norte incluindo as

paragens sertanejas de Pernambuco e Bahia

122

Sobre isto ver CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do

territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v43 n1 p 100-120 2016 123

Kantor Iacuteris Op Cit CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na

Ameacuterica portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39p001-

030 jan-abr2016 124

GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo

na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias

humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife P 54 125

Sobre este tema ver tambeacutem MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil

GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001 KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia

Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de

Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba UFPR-

SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 126

ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 43 ndash 51 127

CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A

criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P 15

43

Em resumo a ocupaccedilatildeo dos sertotildees foi um processo lento desenvolvido de modo

gradativo e pouco organizado No entanto a bibliografia eacute unanime em asseverar que apesar

de pouco unificado o movimento de interiorizaccedilatildeo sempre teve como base as duas capitanias

mais destacadas do Norte Pernambuco e Bahia Logo apoacutes esse primeiro momento de

conquista as regiotildees dos sertotildees passaram a atuar como importantes locais de circulaccedilatildeo

comercial Pesquisas recentes com as quais esse estudo conversa apontam para o dinamismo

que as regiotildees interioranas iratildeo exercer principalmente a partir do seacuteculo XVIII quando se

tem iniacutecio de forma mais concreta uma demanda do Reino em conhecer e dominar tais

regiotildees Estas zonas passam entatildeo a deter grande importacircncia para os fluxos comerciais

coloniais tanto nos circuitos locais quanto atlacircnticos

Para o nosso caso acreditamos que o fluxo comercial clandestino desenvolvido entre

Pernambuco e Bahia durante o periacuteodo de exclusivo comercial da Companhia Geral acabou

por expandir e reforccedilar as redes comerciais entre as duas capitanias e seus complexos

sertanejos jaacute que a partir daquele momento comerciantes e produtores que antes atuavam

livremente despachando e vendendo suas mercadorias a partir das praccedilas comerciais de

Pernambuco passaratildeo a recorrer a capitania vizinha para realizar seus negoacutecios

22 Os caminhos

Antes de nos atermos aos sertotildees que nos interessam nesta pesquisa cabe aqui uma

sucinta explanaccedilatildeo quanto ao uso do termo e suas aplicaccedilotildees Destacamos que origem da

palavra sertatildeo eacute incerta natildeo existe entre os autores que tratam do tema uma unidade em

relaccedilatildeo ao termo De acordo com Bluteau sertatildeo diz respeito a uma ldquoregiatildeo apartada do mar e

por todas as partes metida entre terrasrdquo 128

A definiccedilatildeo dada pelo autor setecentista remete a

ideia de sertatildeo como um lugar afastado do litoral distante e ateacute mesmo inexplorado Segundo

Kalina Wanderlei o imaginaacuterio acerca desse ambiente sertanejo iraacute se construir jaacute no primeiro

seacuteculo de colonizaccedilatildeo da zona accedilucareira A autora afirma que

Foi se construindo uma oposiccedilatildeo entre as regiotildees colonizadas da Ameacuterica

portuguesa e aquelas natildeo inseridas na jurisdiccedilatildeo metropolitana As primeiras

associadas ao litoral devido agrave proacutepria natureza do empreendimento

128

BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de

Jesus Ano de 1712 Tomo II P 613

44

canavieiro Criou-se assim uma dicotomia entre o espaccedilo considerado

civilizado e aquele considerado selvagem 129

Essa visatildeo dicotocircmica em que as categorias de sertatildeo e litoral satildeo construiacutedas em

sentidos opostos seraacute reforccedilada por outros autores que se utilizaram do discurso e

depoimentos de cronistas e autores coevos para estabelecer um entendimento do termo

Concordando com a autora Tiago Bonato iraacute dizer que

O imaginaacuterio do sertatildeo construiacutedo e reconstruiacutedo por cronistas

missionaacuterios padres intelectuais e sobretudo viajantes passa a ter um

caraacutecter aleacutem de simples oposiccedilatildeo ao litoral de ldquocontraste com a ideia de

regiatildeo colonialrdquo De um lado estaacute a civilizaccedilatildeo que a colonizaccedilatildeo trouxe de

outro o sertatildeo 130

De acordo com o geografo Antocircnio Carlos Robert Moraes o sertatildeo natildeo deve ser

compreendido como um lugar mas sim como ldquouma condiccedilatildeo atribuiacuteda a variados e

diferenciados lugaresrdquo 131

Afirma ainda o estudioso que no geral o sertatildeo eacute idealizado como

um espaccedilo que serve aos impulsos expansionistas na busca de incorporar tais aacutereas remotas a

determinados ldquofluxos econocircmicos ou a uma oacuterbita de poder que lhe escapa naquele momentordquo

132 continua atestando que por essa caracteriacutestica ldquotal denominaccedilatildeo geralmente eacute utilizada na

caracterizaccedilatildeo de aacutereas de soberania incerta imprecisa ou meramente formalrdquo 133

Dessa

forma o uso do termo seraacute utilizado para classificar aacutereas que carecem ser dominadas e

submetidas politicamente e integradas ao restante do territoacuterio

Podemos entatildeo perceber atraveacutes da bibliografia e da pesquisa as fontes primaacuterias que o

conceito de sertatildeo extrapola qualquer delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa Em termos

documentais ele seraacute comumente utilizado para designar uma seacuterie de aacutereas que se

encontravam fora do eixo litoracircneo e que durante um bom tempo foram ilustres desconhecidas

da maior parte dos habitantes da colocircnia brasileira e dos ministros reais sendo usado para

referenciar tudo aquilo que fosse vago estranho e afastado dos centros Ou seja os sertotildees

podem se descritos como aacutereas que natildeo estavam totalmente submetidos administrativa e

juridicamente agrave monarquia portuguesa

129

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas

vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111 130

BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash

1822) Guarapuava Unicentro 2014 P 52 131

MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003 P 2 Consultado no

dia 10112017 Disponiacutevel em httpjournalsopeneditionorgterrabrasilis341 DOI 104000terrabrasilis341 132

Ibidem P 3 133

Idem

45

Falando sobre o sertatildeo alvo deste estudo ainda no XVII a regiatildeo da ribeira do Rio de

Satildeo Francisco iraacute se desenvolver como importante zona de criaccedilatildeo de rezes bovinas e

cavalares sendo o local responsaacutevel pela distribuiccedilatildeo de carnes e couros para as feiras da

Bahia e de Pernambuco Na segunda metade do seacuteculo XVIII a regiatildeo do Aracati no Siaraacute

Grande sertatildeo pernambucano iraacute despontar como porto fornecedor de carnes salgadas e de

couros Ao longo do rio Jaguaribe que banha a vila de Santa Cruz do Aracati se

estabeleceram diversas oficinas especializadas na salga das carnes e na retirada de couros para

revenda Este porto seraacute muito visitado por comerciantes recifenses e baianos nos ldquotempos de

carnesrdquo quando iam ateacute a regiatildeo fazer negoacutecios e vender rebanhos 134

O estudo dos caminhos que levavam do litoral ao sertatildeo da capitania de Pernambuco

natildeo satildeo novos no intuito principalmente de buscar compreender as rotas por onde se

efetuaram o comeacutercio de gados e couros destacados estudiosos desenvolveram pesquisas

centradas nesta temaacutetica De acordo com Capistrano de Abreu ldquoNa segunda metade do seacuteculo

XVIII natildeo se penetrava no Recife aleacutem de Bezerros a quinze leacuteguas para o interior o que

ficava aleacutem entendia-se com a Bahiardquo 135

Discordando de Capistrano Manoel Correa de

Andrade iraacute afirmar que em 1774 o governo de Pernambuco na tentativa de minimizar a

influecircncia baiana na regiatildeo do Satildeo Francisco faraacute abrir dois caminhos para alcanccedilar o dito rio

136

O primeiro caminho sairia de Recife passando por Limoeiro atraveacutes do rio Capibaribe

chegava ao Pajeuacute para depois seguir em direccedilatildeo a Serra Talhada Floresta e finalmente

desembocar em Cabroboacute O segundo roteiro subia o Vale do Ipojuca ateacute chegar agrave Serra de

Ororobaacute de onde descia na direccedilatildeo sul ateacute a cidade de Inajaacute passando ainda por Tacaratu

Jatinatilde e por fim chegar em Cabroboacute Como se pode ver na imagem abaixo

134

ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas na Vila

de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais do XXVI Simpoacutesio

Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011 P 1-9 135

ABREU Capistrano de Op Cit P 65 136

ANDRADE Manoel Correia de Op Cit P 168

46

Mapa 1 ndash Caminhos do Gado para Olinda e Recife

Fonte ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria

Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980 P 169

Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello tambeacutem indica e comprova atraveacutes de

documentaccedilatildeo que a prerrogativa de Capistrano era errocircnea De acordo com Mello jaacute

existiam no seacuteculo XVIII dois roteiros de penetraccedilatildeo para o interior do territoacuterio

pernambucano que acompanhavam os vales dos rios O primeiro caminho o do Capibaribe

ldquoperlongava-o ateacute as nascentes e cortando territoacuterio paraibano atingia a ribeira do Pajeuacuterdquo 137

137

MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-

1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 10

47

nos atuais muniacutecipios pernambucanos de Itapetim e Satildeo Joseacute do Egito por onde se ldquoseguia ateacute

o Brejo do Gama de onde cruzava em direccedilatildeo a Cabroboacute a margem do Satildeo Franciscordquo 138

como podemos ver abaixo

Mapa 2 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738)

Fonte MELLO Joseacute Antocircnio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio

Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 12

138

Idem

48

O segundo caminho o do Ipojuca ldquoacompanhava o vale do rio deste nome e alcanccedilava

em seguida o do Moxotoacuterdquo 139

de onde chegava ao Satildeo Francisco na Boa Vista Percebemos

que apesar de pequenas discordacircncias os dois autores versaram sobre os mesmos caminhos a

saber o ldquoCaminho do Capibariberdquo e o ldquoCaminho do Ipojucardquo Para Mello os dois roteiros

tinham no Cariranha no limite sudoeste da capitania e regiatildeo de fronteira entre Bahia

Pernambuco e Minas seu ponto final

Mapa 3 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738)

Fonte MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio

Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 16

Infelizmente natildeo conseguimos descobrir nos acervos consultados ateacute o momento o

documento utilizado por Manoel Correa de Andrade para embasar sua afirmaccedilatildeo e construir

139

Idem

49

seu mapa no entanto foi possiacutevel localizar os documentos usados por Joseacute Antocircnio

Gonsalves de Mello O primeiro deles data do ano de 1738 e estaacute localizado no Arquivo do

Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB na Universidade de Satildeo Paulo ndash USP 140

trata-se natildeo

de um mapa 141

mas sim dos roteiros tanto do ldquocaminho que segue para Ipojuca e passa pelo

Urubaacute 142

das leacuteguasrdquo 143

quanto do ldquoassento das leacuteguas que fazem daqui ao Rodelas pelo

caminho do Capibariberdquo 144

descrevendo as localidades por onde esses caminhos passavam e a

distacircncia em leacuteguas deles

Faz-se cioso relacionar todas as toponiacutemias dos dois roteiros pois este trabalho jaacute foi

feito por Gonsalves de Mello na obra aqui relacionada No entanto vale a pena apontar onde

tinham iniacutecio e fim as ditas rotas e alguns de seus principais pontos de passagem a tiacutetulo de

comparaccedilotildees futuras O caminho do Capibaribe tinha iniacutecio no Engenho de Satildeo Joatildeo este

engenho fundado por Luiacutes Ramires ainda no seacuteculo XVI 145

estava localizado na margem

direita do Rio Capibaribe na freguesia da Vaacuterzea 146

o caminho passava por localidades como

ldquoMissatildeo do Limoeirordquo 147

ldquoSerra Talhadardquo 148

ldquoAngicosrdquo 149

ldquoJuazeirordquo 150

entre outros

terminando apenas no Cariranha regiatildeo limiacutetrofe entre Bahia Pernambuco e Minas Gerais O

segundo caminho o do Ipojuca comeccedilava em Santo Antatildeo atual municiacutepio de Vitoacuteria do

140

Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo

Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 141

O trabalho de Mapas que aparece no livro eacute criaccedilatildeo do grupo de pesquisas da divisatildeo de histoacuteria do instituto

de ciecircncias do homem do qual Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello participava 142

Tambeacutem conhecido como de Ararobaacute ou Ororobaacute 143

Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo

Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 144

Idem 145

PEREIRA DA COSTA F A Anais Pernambucanos 1795-1817 2ordf Ediccedilatildeo FUNDARPE Gov de

Pernambuco Recife 1983 Vol 2 535 vol 3 79 vol 7 325 PEREIRA Levy S Iuatildeo (engenho de bois) In

BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel em

httplhsunbbrbiblioatlasS_IuC3A3o_(engenho_de_bois) Data de acesso05072017 146

Atualmente a Vaacuterzea eacute um bairro da cidade do Recife localizado proacuteximo a Universidade Federal de

Pernambuco-UFPE 147

Atualmente conhecido como Limoeiro um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260890ampsearch=pernambuco|limoeiro|inf

ograficos-historico Data de acesso 05072017 148

O atual muniacutecipio do sertatildeo de Pernambuco manteacutem a mesma toponiacutemia Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261390ampsearch=pernambuco|serra-

talhada Data de acesso 05072017 149

Atual muniacutecipio do sertatildeo do estado do Rio Grande do Norte Dados do Instituto Brasileiro de geografia e

estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=240080ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017 150

Atual municiacutepio do Estado da Bahia situado no vale do Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphpcodmun=291840 Data

de acesso 05072017

50

Santo Antatildeo em Pernambuco e seguia por pontos como ldquoTacaraturdquo 151

ldquoCabroboacuterdquo 152

ldquoPilatildeo

Arcadordquo 153

entre outros tendo como fim tambeacutem o rio do Cariranha

O segundo documento utilizado por Gonsalves de Mello trata-se de um ofiacutecio enviado

pelo Bispo Azeredo Coutinho a Corte no ano de 1802 apesar de fugir de nosso recorte

temporal vale a pena observa-lo a tiacutetulo comparativo Mello refuta a indicativa de Capistrano

que alega que o Bispo Azeredo Coutinho tenha mandado abrir durante o seu governo um

caminho ligando a Praccedila de Olinda aos sertotildees 154

De acordo com o autor esse caminho era

justamente o ldquoCaminho do Ipojucardquo De fato a leitura do ofiacutecio da Junta Governativa da

Capitania de Pernambuco datada de julho de 1802 pode levar ao entendimento que partira do

Bispo Coutinho a ideia de abrir um caminho que ligasse Olinda aos sertotildeesmiddot visto que nele se

afirma que ldquouma das causas de natildeo haver maior abundacircncia de gados nesta Praccedila era a falta

de estradas para os sertotildees do Satildeo Franciscordquo 155

e que esta informaccedilatildeo chegou ateacute Portugal

atraveacutes ldquodo sect 3ordm do reacutegio aviso de 19 de setembro de 1799 dirigido pelo Exmo Sr Dr

Rodrigo de Sousa Coutinho ao Exmo Bispo desta dioceserdquo 156

Poreacutem como eacute sabido este

caminho jaacute era rota conhecida e utilizada

Para aleacutem destes dois importantes documentos conseguimos localizar tambeacutem junto

ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB da Universidade de Satildeo Paulo ndash USP um

documento datado de 1730 enviado ao ouvidor geral de Pernambuco com a seguinte ementa

ldquoPara o senhor doutor ouvidor geral ver os caminhos que satildeo necessaacuterios (serem) abertos para

seguir pela estrada de Santo Antatildeo para o rio de Satildeo Franciscordquo 157

Este documento de

autoria natildeo identificada descreve com precisatildeo o caminho que se fazia preciso abrir para

interligar o litoral da capitania com seus sertotildees atraveacutes do vale do Ipojuca

151

Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu

Data de acesso 05072017 152

Distrito do muniacutecipio de Pesqueira no agreste Pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de geografia e

estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data

de acesso 05072017 153

Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017 154

AHU ndash PE Cx 235 D 15875 155

Idem 156

Idem 157

Informaccedilatildeo prestada ao ouvidor geral sobre a necessidade da abertura de caminhos na regiatildeo do rio Satildeo

Francisco Arquivo IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-005

51

Essa rota segundo sugere a carta deveria comeccedilar na freguesia de Santo Amaro de

Jaboatatildeo onde seria necessaacuterio ldquoabrir os caminhos e tanto de enxada como de foice e

machado ateacute o siacutetio chamado as queimadasrdquo 158

Naquele ponto comeccedilaria a freguesia de

Santo Antatildeo da Mata onde se fazia preciso abrir passagem ateacute o rio das Pedras de Ipojuca

local onde terminava a freguesia de Santo Antatildeo Atravessando o rio das Pedras para seu

outro lado se chegaria a freguesia do Ararobaacute que era ldquoa mais fechada estrada que se acha em

todo o sertatildeo por nunca ser aberta no tempo em que se comeccedilou a cultivar e hoje jaacute a deixam

muitos passageiros pela natildeo poderem seguir com os seus comboiosrdquo 159

adverte o autor que

ali deveria se abrir aleacutem de uma estrada para o Rio de Satildeo Francisco outra que levasse para a

ldquomissatildeordquo do Ararobaacute e dali para o Pajeuacute

Continua alertando que era preciso por poccedilas puacuteblicas ldquocom caminhos e cruz na

estradardquo jaacute que esta rota ficava afastada Prossegue afirmando que o principal trecho que se

deveria abrir era o da Lagoa da Pedra do Tacaete e todas as aguadas do Riacho Libaral

Pedra do Cachorro e Lagoinha ldquofazendo-lhes caminho para sair para a porteira do macacordquo

160 Diz ainda que se deviam pocircr cruzes por todo o riacho do Mororoacute A aacuterea proacutexima do

Mororoacute segundo a descriccedilatildeo feita era toda ldquocultivada de moradores e fazendasrdquo 161

aleacutem

disso a localidade contava com aldeias de gentio de naccedilatildeo Xucuru Paraguaio Parariconha e

Carnejo

Nosso autor desconhecido aconselha ainda que a estrada se construa em poucos dias e

que ali no siacutetio chamado Tacalico se findava a freguesia do Pajeuacute onde por sua vez tinha

iniacutecio a freguesia de Cabroboacute Daquele ponto era necessaacuterio que se abrisse do siacutetio Tacaratu

ateacute o Rio de Satildeo Francisco uma distacircncia de aproximadamente cinco leacuteguas Continua dando

detalhes sobre os caminhos daquele sertatildeo afirmando que ldquoseguindo para as minas se

caminha a vista do dito Rio (Satildeo Francisco) 35 leacuteguas largando o tal rio se passa o rio das

Velhas na barra donde se encontra com o de Satildeo Franciscordquo 162

o fim deste caminho eacute

apontado pelo autor como a regiatildeo do Cariranha que ficava afastada cerca de 200 leacuteguas das

minas de ouro

158

Idem 159

Idem 160

Idem 161

Idem 162

Idem

52

Por fim sugere que o caminho seja aberto no mecircs de outubro e novembro pois naquela

eacutepoca havia ldquoabundacircncia de aacuteguas para os trabalhadoresrdquo 163

Advertia poreacutem que nesta

estrada seria necessaacuterio caminhar dois dias por dentro de um rio chamado Moxotoacute e que em

determinadas ocasiotildees o mesmo ficava inundado impossibilitando que o trabalho de abertura

fosse feito Aleacutem disso aquele rio era frequentado anualmente pelos povos nativos das naccedilotildees

Paraguaio e Parariconha

Na tentativa de entendermos um pouco melhor o roteiro aqui descrito faremos uma

breve explanaccedilatildeo das principais freguesias descritas no documento Para isso utilizaremos

como base um documento riquiacutessimo enviado a corte pelo governador de Pernambuco a

eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses onde o mesmo faz uma descriccedilatildeo detalhada da capitania

pernambucana relacionando todas suas freguesias povoaccedilotildees respectivas economias

caracteriacutesticas ambientais entre outros traccedilos daquelas paragens 164

De acordo com o documento da segunda metade do XVIII a freguesia de Santo

Amaro de Jaboatatildeo 165

atual municiacutepio de Jaboatatildeo dos Guararapes em Pernambuco onde

teria iniacutecio o caminho sugerido ao Ouvidor Mor tinha dez leacuteguas de aacuterea fazendo fronteira

com as freguesias de Satildeo Lourenccedilo da Mata 166

ao Norte e a leste com a freguesia da Vargem

167 A freguesia contava com 14 engenhos destes oito moiacuteam com aacutegua e seis com cavalos

Possuiacutea duas ribeiras ldquoa do Jaboatatildeo que tem seu principio em uma matardquo 168

e o outro rio era

o do Gajauacute as margens do uacuteltimo estavam situados os engenhos de aacutegua A povoaccedilatildeo natildeo

passava de uma pequena aldeia e seus habitantes viviam majoritariamente de suas plantaccedilotildees

de accediluacutecar algodatildeo e mandioca

Dando seguimento ao percurso sugerido chegaria-se a freguesia de Santo Antatildeo da

Mata atual municiacutepio de Vitoacuteria de Santo Antatildeo este jaacute era considerado um local sertanejo

163

Idem 164

Este documento que pode ser encontrando na coleccedilatildeo especial para Pernambuco existente na Biblioteca

Nacional natildeo possui uma dataccedilatildeo especiacutefica apenas eacute indicado que os dados nele contido comeccedilaram a ser

levantados no ano de 1774 Acreditamos que o relatoacuterio feito pelo governador esteja relacionado agraves tentativas da

Coroa jaacute comentadas neste capiacutetulo sobretudo no periacuteodo Pombalino de buscar conhecer melhor seu territoacuterio

Referecircncia ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices)

ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 165

Atual municiacutepio do agreste pernambucano que assumiu o nome de Jaboatatildeo dos Guararapes 166

Atual municiacutepio da regiatildeo metropolitana do Recife Dados do Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica-

IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261370ampsearch=pernambuco|sao-

lourenco-da-mata Data de acesso 05072017 167

Atual bairro da Vaacuterzea localizado na cidade do Recife 168

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

53

A freguesia tinha ldquo5 leacuteguas donde parte com o curato de Satildeo Joseacute chamado dos Bezerros 169

extrema-se com a freguesia de S Antocircnio do Ururuba 170

dos iacutendiosrdquo 171

Segundo o mesmo

documento os sertotildees daquela freguesia eram secos e o rio mais destacado do lugar era o

Pajeacuteu ldquoo qual vai fazer barra no Rio de Satildeo Franciscordquo 172

Sobre a populaccedilatildeo e economia

local o documento afirma que eram poucos os engenhos dedicados ao fabrico de accediluacutecar no

lugar apenas trecircs apesar de haverem outros dedicados ao mel e as engenhocas de rapadura O

nuacutemero de habitantes era alto e viviam de vender ldquoseus gadinhosrdquo 173

e ldquoefeitos e panos de

algodatildeordquo 174

nas feiras locais Segundo o relato o comeacutercio de panos de algodatildeo no lugar

atraia ateacute mesmo comboios dos sertotildees de Minas O que confirma estar agrave localidade inserida

nos roteiros que ligavam aos sertotildees

Depois da freguesia de Santo Antatildeo da Mata o caminho indicava que se seguisse pelo

rio Ipojuca ateacute o siacutetio ldquoCaruarurdquo que a anaacutelise da rota nos leva a crer se tratar do atual

muniacutecipio do agreste Pernambuco de mesmo nome Depois desse momento se fazia

necessaacuterio seguir para a freguesia do Ararobaacute Em documento do ano de 1780 que pretendia

compilar as cidades e vilas da capitania de Pernambuco e suas respectivas freguesias a

seguinte menccedilatildeo eacute feita quanto tal localidade ldquodo Araroba Rodelas Rio Grande do Sul natildeo

chegaram as relaccedilotildees por serem partes muito distantesrdquo 175

Nesta mesma relaccedilatildeo estima-se

que a freguesia do Ararobaacute estava a 80 leacuteguas de distacircncia de Recife

No documento remetido por Joseacute Cesar de Meneses a dita freguesia estaacute inserida

dentro do chamado ldquosertatildeo dos Garanhusrdquo 176

Ela tinha iniacutecio em um local conhecido como

ldquoCapacaccedilardquo que era pouco povoado havendo ldquomuitas leacuteguas sem habitadoresrdquo 177

As vilas de

169

Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros Data de

acesso 05072017 170

Conhecida tambeacutem como Ararobaacute ou Ororobaacute 171

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 172

Idem 173

Idem 174

Idem 175

Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo IEB-USP Fundo

Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010 176

Atualmente a cidade de Garanhus eacute um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260600ampsearch=pernambuco|garanhuns Data

de acesso 05072017 177

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

54

Simbres dos Iacutendios 178

a de Aacuteguas Belas 179

a do Riacho do Navio180

Pipaacuteoacute 181

e Arapuaacute 182

faziam parte da freguesia Boa parte dessas localidades ainda hoje preservam as toponiacutemias

do XVIII estando situadas entre o agreste de Pernambuco e a regiatildeo do vale do Satildeo

Francisco Quanto a dinacircmica comercial local o manuscrito revela ser tal freguesia ldquomui

pobrerdquo 183

sua populaccedilatildeo vivia de plantar lavouras de milho roccedila canas de accediluacutecar feijotildees

fazer mel rapadura e tambeacutem dos negoacutecios das carnes criando boiadas curtindo e vendendo

couros e solas atravessando gados para Bahia e Pernambuco etc

Seguindo nosso roteiro do Ararobaacute era necessaacuterio se abrir caminho natildeo soacute da estrada

que levava ao Rio Satildeo Francisco mas tambeacutem da missatildeo de Araroba 184

ateacute o Pajeuacute O ldquosertatildeo

do Pajeuacuterdquo era extenso nele estavam inseridas quatro importantes freguesias sertanejas

Cabroboacute 185

Satildeo Joseacute dos Bezerros 186

Tacaratu 187

e por fim Pilatildeo Arcado 188

Apoacutes a

178

Atual distrito do municiacutepio de Pesqueira localizado no agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data de acesso 05072017 179

Atual municiacutepio de Aacuteguas Belas localizado no agreste de Pernambuco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260050ampsearch=pernambuco|C381gu

as-belas Data de acesso 05072017 180

O Riacho do navio eacute um curso fluvial que atravessa o sertatildeo de Pernambuco sendo um dos principais

afluentes do Rio de Satildeo Francisco O curso nasce no atual municiacutepio de Floresta em Pernambuco Dados do

Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=260570 Data de acesso 05072017 181

Infelizmente natildeo conseguimos identificar onde se encontra tal localidade atualmente 182

Acreditamos que o autor quis se referir as proximidades da ldquoSerra do Arapuaacuterdquo localizada atualmente no

distrito de Carnaubeira da Penha situado na regiatildeo do Satildeo Francisco e inscrito na bacia do Rio Pajeuacute 183

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 184

De acordo com a bibliografia consultada a missatildeo do Araroba ou Ararobaacute ficava localizada entre os atuais

municiacutepios de Aacuteguas Belas e Garanhus Referecircncia DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na

constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume

282 ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os acossamentos de

Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII) Rev Bras Hist [online] 2015

vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016 MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute

e Rio Grande catequese violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22 185

Atual municiacutepio do sertatildeo pernambucano que conserva o mesmo nome Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260300ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017 186

Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros 187

Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu

Data de acesso 05072017 188

Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017

55

chegada ao Pajeuacute o autor adverte que se deve abrir principalmente o caminho da Lagoa da

Pedra do Tacaete e as aguadas do Riacho Libaral Pedra do Cachorro e Lagoinha

Ateacute o momento natildeo conseguimos identificar onde estaria situada atualmente a ldquoLagoa

da Pedra do Tacaeterdquo Para as outras localidades foi possiacutevel localizar seus atuais logradouros

o Riacho Libaral estaacute situado no atual municiacutepio de Sanharoacute a Pedra do Cachorro um

afloramento rochoso que atualmente atrai turistas para praacutetica de esportes radicais fica em

Satildeo Caetano Por fim Lagoinha diz respeito ao municiacutepio de Alagoinhas todas estas cidades

compotildeem a zona agreste de Pernambuco e fazem parte da microrregiatildeo do vale do Ipojuca 189

Seguindo o caminho traccedilado no documento base era orientado que nos ldquocaldeiros do

riacho do Mororoacuterdquo 190

fossem postos cruzes o dito riacho estaacute localizado atualmente no

municiacutepio de Pedra no agreste de Pernambuco de acordo com nossa rota era uma freguesia

extensa com cerca de 70 leacuteguas de comprimento e seu fim era fronteiriccedilo com a freguesia de

Cabroboacute 191

Cabroboacute era um importante ponto de passagem dos caminhos interioranos

possuiacutea 60 fazendas de gado vacum e cavalar seu principal rio era o do Pajeuacute ldquodonde toma

nome este sertatildeordquo 192

Os povos locais viviam de criar gados e os negociavam tanta na Bahia

como em Pernambuco ao que consta nos manuscritos o cultivo no local era pequeno

dedicado apenas a subsistecircncia da populaccedilatildeo local

Dando prosseguimento no guia de Cabroboacute se fazia necessaacuterio abrir os caminhos ateacute o

ldquoSiacutetio Tacaraturdquo 193

Pouco se fala sobre a freguesia de Tacaratu no documento base que aqui

nos utilizamos explica-se apenas que possuiacutea cerca de 60 fazendas e que alguns recantos

daquela freguesia eram totalmente despovoados isto porque tais locais ldquonatildeo servem de criar

gados por falta de aacuteguasrdquo 194

Quanto a economia local afirma-se que sua populaccedilatildeo vivia de

criar seus gados outros de seus negoacutecios de passar boiadas para Bahia e da laacute traziam ldquovaacuterias

189

Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas - APAC Disponiacutevel em

httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=17 Data de acesso 05072017 190

191

Fizemos um caacutelculo estimado para verificar se a informaccedilatildeo era coerente Considerando que cada leacutegua

equivale a cerca de 48 km e que o cumprimento da freguesia de Pedra ateacute o Cabroboacute seria de 70 leacuteguas

Multiplicamos 70 x 48 chegando ao valor de 336km Utilizando o recurso do Google Maps traccedilamos uma rota

entre Cabroboacute e Pedra (rodoviaacuteria) satildeo trecircs os caminhos possiacuteveis apontados pelo programa suas

quilometragens satildeo respectivamente 293 km 342 km e 352 km Valores bem proacuteximos de nossa estimativa 192

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 193

Atualmente Tacaratu eacute um muniacutecipio pernambucano localizado na regiatildeo do Meacutedio Satildeo Francisco Dados do

Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu Data de

acesso 05072017 194

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

56

fazendas para seu comeacuterciordquo 195

A atual cidade de Tacaratu muniacutecipio do estado de

Pernambuco estaacute inserida na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco

De acordo com nossa rota a distacircncia entre Tacaratu e o Rio de Satildeo Francisco era de

aproximadamente cinco leacuteguas Dali o caminho seguiria em direccedilatildeo ao atual estado de Minas

Gerais passando-se do Rio de Satildeo Francisco para o Rio das Velhas A capitania

pernambucana se estremava com a mineira atraveacutes do Cariranha esta localidade seguindo os

dados de nosso guia ficava a aproximadamente 200 leacuteguas afastada da regiatildeo das minas de

ouro

Por fim a rota aqui descrita refere-se ao rio Moxotoacute afirmando que para se abrir tal

caminho era preciso caminhar por cerca de dois dias dentro de tal rio O rio que preserva o

mesmo nome da eacutepoca banha os estados de Pernambuco e Alagoas sua nascente se encontra

no atual muniacutecipio de Sertacircnia no sertatildeo pernambucano e o mesmo desagua no Rio de Satildeo

Francisco De acordo com dados da Agecircncia pernambucana de aacuteguas e climas ndash APAC 196

a

bacia do rio Moxotoacute possui uma aacuterea total de 974401 kmsup2 e abrange 12 municiacutepios

pernambucanos total ou parcialmente Sendo eles Inajaacute Sertacircnia Arcoverde Custoacutedia

Ibimirim Manari e Tacaratu Buiacuteque Floresta Jatobaacute Iguaraci e Tupanatinga todas estas

cidades estatildeo compreendidas na regiatildeo do sertatildeo do estado

Para visualizarmos melhor o caminho aqui descrito traccedilamos um caminho aproximado

da rota de 1730 Como podemos ver na imagem abaixo

195

Idem 196

Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas ndash APAC Disponiacutevel em

httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=18 Data do acesso 05072017

57

Mapa 4 ndash Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha (1730)

Fonte Jeacutessica Rocha de Sousa Ana Maria Cuentro Barros Imagem aproximada da Rota do Ipojuca para o

Rio de Satildeo Francisco (1730) Imagem criada com o auxiacutelio do programa Adobe Illustrator

Como eacute possiacutevel notar atraveacutes da anaacutelise da rota aqui feita o caminho sugerido se

aproxima bastante do ldquocaminho do Ipojucardquo descrito no roteiro de 1738 e mapeado por

Antocircnio Gonsalves de Melo Dessa forma podemos concluir que se este documento natildeo foi

exclusivamente o guia para abertura de tal roteiro pelo menos indicava uma demanda real que

de fato foi atendida em algum momento entre 1730 e 1738 pois a partir da uacuteltima data jaacute era

possiacutevel acessar o sertatildeo ateacute o Rio de Satildeo Francisco atraveacutes do Rio Ipojuca e seus afluentes

Demonstramos atraveacutes da documentaccedilatildeo aqui elencada que os sertotildees fronteiriccedilos a

Bahia e Pernambuco eram dinacircmicos Muitas eram as localidades sertanejas apontadas nos

manuscritos que comercializavam com as duas praccedilas A conexatildeo entre as duas capitanias

eram extensas e no periacuteodo aqui estudado jaacute estavam bem consolidadas De maneira geral o

estudo sobre as rotas de penetraccedilatildeo tendem a trataacute-las apenas como caminhos pelo qual se

58

passavam os gados no entanto deve-se atentar que outros negoacutecios tambeacutem ocorriam nestas

paragens isto eacute os caminhos natildeo serviam exclusivamente ao comeacutercio das carnes e couros

Estudos mais recentes tem se dedicado a demonstrar o dinamismo do comeacutercio

sertanejo em suas conexotildees com a economia colonial estes trabalhos tem sido essenciais no

sentido de renovar a perspectiva sobre os negoacutecios desenvolvidos nas regiotildees interioranas Ao

analisar as relaccedilotildees que uniam os sertotildees da Bahia a Minas Gerais Isnara Pereira Ivo iraacute

alertar para ldquoo papel econocircmico e comercial dos sertotildeesrdquo 197

que por muitas vezes era

ldquominimizado como meros fornecedores de carnerdquo 198

a autora iraacute afirmar que este papel

ldquoredimensiona-se quando percebido como parte de uma articulaccedilatildeo econocircmica cultural e

poliacutetica maior permeada de especificidades e dinamismosrdquo 199

Ou seja Ivo chama a atenccedilatildeo

para vitalidade inclusive comercial daquelas regiotildees que no seacuteculo XVIII jaacute possuiacuteam um

ritmo proacuteprio de desenvolvimento e se encontravam conectadas ao litoral e ao aleacutem-mar

sendo peccedila importante da economia colonial

Em dissertaccedilatildeo que trata sobre a participaccedilatildeo dos negociantes pernambucanos no

comeacutercio de abastecimento da regiatildeo mineradora no seacuteculo XVIII Hugo Demeacutetrio Nunes

Teixeira Bonifaacutecio tambeacutem iraacute defender a tese do intenso movimento comercial daquelas

paragens O autor afirmaraacute que ldquoo sertatildeo era uma regiatildeo economicamente dinacircmica capaz de

prover gecircneros dos quais necessitavam por exemplo a regiatildeo das Minasrdquo 200

Cabe aqui

ressaltar que os sertotildees a que se refere Bonifaacutecio satildeo os de Pernambuco e Bahia em suas

conexotildees com as Minas de ouro

Esse dinamismo nas regiotildees interioranas tambeacutem poderaacute ser observado nas relaccedilotildees

que uniam Pernambuco a Bahia A introduccedilatildeo das barcas de passagens que faziam o

transporte de pessoas e cargas entre as duas margens do Rio de Satildeo Francisco 201

por

exemplo eacute demonstrativa do grande tracircnsito comercial estabelecido naqueles sertotildees e

denotam a tentativa da Coroa de tentar de alguma forma regulamentar aquele comeacutercio que

fugia ao controle do fisco real Visto que as tais passagens passam a fazer parte do conjunto

dos contratos reais formas de arrecadaccedilatildeo tributaacuteria utilizadas em Portugal desde o seacuteculo

197

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica

Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 115 198

Idem 199

Idem 200

BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de

Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII

Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e

Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 201

NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte Editora

UFMG 2011 P 85 AHU ndash PE Cx 133 D 9987

59

XVI 202

Analisando a implementaccedilatildeo das barcas de passagem que conectavam os rios

sertanejos as minas de ouro Isnara Pereiro Ivo afirmaraacute que

Os arrendamentos das passagens dos rios faziam parte do sistema de

contratos e estavam relacionados ao descobrimento do ouro agraves formas de

controle e descaminho e agrave ampliaccedilatildeo das receitas reais Eram feitos por

leilatildeo no Conselho Ultramarino e no ato da assinatura do contrato o

contratador assumia a obrigaccedilatildeo de pagar 1 destinado as propinas

municcedilotildees e construccedilotildees de fortalezas no ultramar e de restituir a Coroa em

trecircs anos o restante do montante a ser pago Os contratos podiam ser

arrematados tanto por um soacute individuo quanto por um grupo 203

Aqui em Pernambuco o processo de arremataccedilatildeo das tais passagens parece ter ocorrido

de forma semelhante De acordo com ofiacutecio datado de 1779 as barcas iratildeo surgir no Satildeo

Francisco por iacutempeto de um morador da regiatildeo de Rodelas que observara o ldquoincomodo e

risco que corriam os passageiros e comboios na falta de barca que os passassemrdquo 204

por isso

resolveu por uma barca no Satildeo Francisco na regiatildeo de Juazeiro Fez isso o morador sem

ldquoprocurar licenccedila para o fazer nem contribuir para a real fazenda com parte do seu

rendimentordquo 205

Quando o governador de Pernambuco a eacutepoca Duarte Sodreacute descobriu tal

negoacutecio ordenou ao comandante do distrito por o rendimento daquela passagem para

arremataccedilatildeo em praccedila puacuteblica

O morador pioneiro ofereceu 300000 reis pelo triecircnio do contrato como era de

costume No entanto o governador por acreditar que tal contrato valesse mais o mandou

colocar em leilatildeo no Recife Natildeo houve entretanto quem quisesse pagar mais por ele A

desconfianccedila reacutegia acerca dos rendimentos gerados a partir das barcas de passagens na regiatildeo

do Satildeo Francisco natildeo seraacute exclusividade da sua gecircnese em diversos outros momentos o

Conselho Ultramarino iraacute exigir que se procedesse agrave investigaccedilatildeo sobre os rendimentos

daqueles contratos 206

A desconfianccedila dos agentes reacutegios era de que os mercadores

mancomunados faziam ofertas bem abaixo da meacutedia de geraccedilatildeo de lucros daquele

investimento Todo esse clima de suspeita eacute demonstrativo da falta de conhecimento concreto

da Coroa a respeito dos negoacutecios que se praticavam nos sertotildees resultado de uma poliacutetica

administrativa que soacute se preocupou tardiamente por aquelas aacutereas

202

IVO Isnara Pereira Op Cit P 159 203

Idem 204

AHU ndash PE Cx 133 D 9987 205

Idem 206

Idem AHU ndash PE Cx 151 D 9853AHU ndash PE Cx 88 D 7150

60

Natildeo sabemos o nome do dito morador mas sabemos que seu filho Joatildeo Moreira da

Costa e Silva em 1759 fez requerimento ao Rei solicitando ser provido com o direito a

propriedade das passagens do Rio de Satildeo Francisco Neste documento Joatildeo Moreira afirma

ter sido seu pai o descobridor da passagem do Juazeiro e das outras nove passagens que iratildeo

se instalar naquele rio Ele propotildee ao rei que lhe faccedila a mercecirc de lhe conceder a propriedade

das passagens durante toda sua vida ficando o suplicante na obrigaccedilatildeo de ldquofazer bons em cada

um ano para a real fazenda 200000 reacuteisrdquo 207

Temos o conhecimento de que eram dez as passagens do Rio de Satildeo Francisco

administradas pela capitania de Pernambuco No ano de 1756 cinco dessas passagens por

pedido do Ouvidor da Comarca de Jacobina na Bahia passaratildeo a ter seus rendimentos

gerenciados pela cacircmara da Vila da Barra de Satildeo Francisco das Chagas como meio de gerar

fundos para construccedilatildeo da cadeia da nova vila passado dez anos esses contratos deveriam ser

assimilados a Provedoria Mor da Bahia Essa resoluccedilatildeo natildeo iraacute agradar ao governo de

Pernambuco que anos mais tarde iraacute requerer a reincorporaccedilatildeo das tais passagens agrave capitania

de origem As cinco passagens submetidas agrave cacircmara da Vila da Barra de S Francisco das

Chagas se situavam em Bom Jardim Barra Rio Preto Cariranha e Rio Corrente As da parte

de Pernambuco ficavam em Juazeiro Pilatildeo Arcado Surubabeacute Petra e Currais dos Bois 208

Um documento do ano de 1778 esclarece quais as condiccedilotildees e deveres a que estavam

sujeitos os contratadores das passagens do Satildeo Francisco aqui em Pernambuco Os contratos

poderiam ser arrendados por um uacutenico indiviacuteduo ou por soacutecios ficava o contratador livre para

ldquocobrar-se tudo que pertence a Fazenda Realrdquo 209

O contrato deveria ser pago a Tesouraria

Geral e Deputado da Junta da Fazenda Real atraveacutes de parcelas a cada seis meses e em

dinheiro fiacutesico Tinham por obrigaccedilatildeo ainda o contratador e seus soacutecios pagarem propina de

1 para obras pias Em relaccedilatildeo agraves barcas cabia ao contratador escolher se compraria as

embarcaccedilotildees do uacuteltimo arrendataacuterio ou se mandaria construir novas sendo determinado pelo

regulamento que o contratador antecedente negociasse preccedilos justos pelas embarcaccedilotildees

De acordo com nossas fontes se cobravam os fretes pelos seguintes produtos Cabeccedilas

de gado vacum cabeccedilas de gado vacum que passam a nado cabeccedilas de gado cavalar mansos

cabeccedilas de gado serrilho cargas passageiros e escravos Cada barca tinha um piloto e cerca

de dois a quatro marinheiros que a servia 210

Os maiores ganhos foram observados na

207

AHU ndash PE Cx 88 D 7150 208

AHU ndash PE Cx 133 D 9987 209

AHU ndash PE Cx 131 D 9853 210

AHU ndash PE Cx 133 D 9987

61

passagem do Juazeiro regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias de Bahia e Pernambuco 211

A

categoria ldquocargasrdquo natildeo especiacutefica os produtos autorizados a circular naquelas embarcaccedilotildees

com certeza muitas mercadorias das chamadas ldquovedadasrdquo se fizeram passar por esses pontos

do rio inclusive o ouro proveniente da regiatildeo das minas 212

Outra questatildeo que vale destacar na discussatildeo sobre os sertotildees envolvidos nesta

pesquisa diz respeito a relaccedilatildeo que algumas freguesias iratildeo manter concomitantemente com

as capitanias de Bahia e Pernambuco A ldquoComarca da Manga que segue o Rio de Satildeo

Francisco acima Vila de Satildeo Francisco na Barra do Rio Grande do Sulrdquo por exemplo estava

sujeita em questotildees de justiccedila ao ouvidor da Jacobina Bahia mas pertencia o ldquogoverno das

almasrdquo ao bispo de Pernambuco 213

Como jaacute discutido as questotildees de limites e de

administraccedilatildeo nas aacutereas interioranas iratildeo se dar de maneira singular naquelas paragens o

cotidiano das povoaccedilotildees e as proximidades entre uma e outra capitania parecem ter dado o

ritmo agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila

Os sertotildees setecentistas possuiacuteam vitalidade e energia e satildeo descritos nos documentos

de eacutepoca como locais propiacutecios ao desenvolvimento de praacuteticas mercantis Neste trabalho

estas relaccedilotildees mercantis iratildeo assumir contornos especiais Afinal de contas entre 1759 e

1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia Geral de Pernambuco e

Paraiacuteba No nosso caso percebemos que paralelamente a um mercado legal e reconhecido se

fez surgir naqueles espaccedilos uma seacuterie de atividades extralegais As redes comerciais

estabelecidas entre as Praccedilas da Bahia e Pernambuco no periacuteodo estudado seratildeo comumente

tachadas pela documentaccedilatildeo como perpetradoras de comeacutercio clandestino O contrabando de

gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa foram uma constante na

documentaccedilatildeo

Estas regiotildees iratildeo desempenhar papel importante neste universo de descaminhos

Como jaacute destacamos ao longo dessas regiotildees encontravam-se diversos portos de pequeno

porte que por onde antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba jaacute se

realizavam transaccedilotildees mercantis Em ofiacutecio do ano de 1770 o governador de Pernambuco

Manoel da Cunha Meneses ao falar sobre os contrabandos estabelecidos entre Bahia e

211

Idem AHU ndash PE Cx 88 D 7150 212

Sobre isto ver BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e

Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no

Seacuteculo XVIII Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado em histoacuteria) - Centro de Filosofia e Ciecircncias

Humanas Universidade Federal de Pernambuco 213

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

62

Pernambuco nos daacute informaccedilotildees importantes acerca da dinacircmica comercial desenvolvida nos

vales do Rio Satildeo Francisco Segundo o governador ldquoO sertatildeo deste continente eacute um dos mais

povoadosrdquo 214

complementa afirmando que as margens do rio de Satildeo Francisco existem

diversas povoaccedilotildees e a respeito do comeacutercio na regiatildeo diz que ldquoeste rio divide esta capitania

da Bahia [] aleacutem das povoaccedilotildees jaacute ditas eacute muito vadiaacutevel de embarcaccedilotildees ligeirasrdquo 215

por

onde se transportam ldquotoda a conta de fazendas que estatildeo tatildeo abundantes estes sertotildees e neles

as introduzem os moradores de uma e outra parterdquo 216

Alguns anos mais tarde em 1779 o ouvidor da comarca das Alagoas iraacute relatar

detalhes sobre a organizaccedilatildeo deste ldquopernicioso comeacuterciordquo Segundo o mesmo ldquoPor todos estes

engenhos jaacute natildeo haacute uma soacute caixa (de accediluacutecar) que natildeo esteja vendida pelo exorbitante preccedilo de

treze tostotildees por arroba a diferentes e muitos fabricantes que vieram da Bahia a este

propoacutesitordquo 217

Segundo o ouvidor a estrateacutegia do grupo de contraventores consistia em

transportar para as praias da regiatildeo as caixas contrabandeadas durante a noite em ldquojangadas e

sumacas que existem atualmente na ilha de Santo Aleixo e em Una donde francamente tem

saiacutedo de proacuteximo cinco ou seisrdquo 218

Apesar das rotas sertanejas aqui descritas nos indicarem as possiacuteveis vias de acesso do

litoral ao interior do territoacuterio pernambucano mapear com exatidatildeo os caminhos percorridos

pelos comerciantes contraventores natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis pois aleacutem de natildeo existir

interesse de se documentar esse tipo de comeacutercio ao que nos parece de acordo com a anaacutelise

da documentaccedilatildeo esses caminhos eram dinacircmicos e muacuteltiplos e nos faltam instrumentos

cartograacuteficos mais precisos que sejam capazes de revelar a grandiosidade da costa

pernambucana ldquode donde por mar e terra se introduzem neste continenterdquo 219

produtos

contrabandeados

Uma coisa eacute certa a natureza pernambucana contribuiacutea na realizaccedilatildeo das ilicitudes a

ldquogrande dilataccedilatildeo que tem o continente da jurisdiccedilatildeo deste governordquo 220

que compreende em

suma ldquopor costa do Mar 82 leacuteguas com muitos rios barras enseadas e entradas por entre

arrecifes que por providecircncia divina cobre toda esta costardquo 221

permitiu que nunca se faltasse

214

AHU ndash PE Cx 108 D8371 215

Idem 216

Idem 217

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 218

Idem 219

AHU ndash PE Cx 127 D 9670 220

AHU ndash PE Cx 108 D 8371 221

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

63

o contrabando em Pernambuco natildeo soacute de escravos mas de outras mercadorias 222

Apesar da

tentativa de encobrir essas rotas por parte daqueles que delas se beneficiavam alguns pontos

acabaram documentados pela fiscalizaccedilatildeo

Nosso acervo documenal revela uma variedade significativa de portos indicados pelas

autoridades locais como aacutereas de desembarque de produtos contrabandeados Listamos abaixo

os portos ateacute o momento identificados

Quadro 1 - Lista de Portos em que Ocorreratildeo apreensotildees ou se fez saber da existecircncia de

Contrabandos

PORTOLOCALIDADE

BAHIA DA TRAICcedilAtildeO

CABO DE SANTO AGOSTINHO

CAMARAJIBE

CURURIPE

GOIANA

ILHA DE SANTO ALEIXO

ILHA DO NOGUEIRA

JARAGUAacute

PRAIA DA PENHA

PRAIA DE PAU AMARELO

PRAIA DA FORTALEZA DO BRUM

PORTO CALVO

PORTO DO RECIFE

SANTO ANTONIO DA BARRA GRANDE

SIARAacute GRANDE

SIRINHAEM

TAPAGIPE

TRAPICHE DE MACIEL ndash BAHIA

UNA

Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 132 D9955 AHU ndash PE Cx133 D 9966

AHU-PE Cx 133 D 10003 AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash PE

Cx 138 D 10248 AHU ndash BA Cx 181 D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx

107 D 8284 AHU ndash PE Cx 110 D 8493 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 133 D

222

CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-1850 Recife

2002 P 102

64

10017 AHU ndash PE Cx 137 D 10197 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos

Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2

Foi possiacutevel rastrear atualizando as toponiacutemias a maior parte dos locais citados nas

fontes Como uma maneira de buscar compreender melhor a relaccedilatildeo entre aacutereas de produccedilatildeo e

localidades apontadas nesta lista como aacutereas de embarque e desembarque de produtos

vedados nos utilizaremos de dados contidos em ofiacutecio do ano de 1761 enviado pelo entatildeo

governador de Pernambuco Luiacutes Diogo Lobo ao Reino onde se encontra uma relaccedilatildeo

contendo nome e nuacutemero de todos os engenhos moentes e de fogo morto existentes na

capitania pernambucana e suas anexas 223

As localidades de Coruripe Jaraguaacute Porto Calvo Santo Antocircnio da Barra Grande

fazem parte atualmente do estado de Alagoas Comarca anexa a Pernambuco agrave eacutepoca A

regiatildeo que aparece constantemente envolvida nos circuitos de contrabando principalmente de

accediluacutecar analisados neste trabalho possuiacutea uma grande quantidade de engenhos ativos Apenas

na freguesia de Porto Calvo existia a eacutepoca 14 engenhos em atividade e um em fogo morto

Adicionando a esta soma as faacutebricas de Alagoas do Sul Alagoas do Norte e da Freguesia de

Satildeo Miguel locais onde estavam inseridos os outros portos apontados em nossa lista

chegava-se ao total de 32 engenhos operantes na regiatildeo 224

De maneira geral os engenhos estabelecidos nas capitanias do Norte da Ameacuterica

Portuguesa se fixavam em aacutereas de vaacuterzea com faacutecil acesso a rios e ribeiras de modo a

facilitar o escoamento da produccedilatildeo canavieira para seus portos de destino nas terras

alagoanas a dinacircmica natildeo era diferente Lembramos tambeacutem que a Comarca se ligava ao

sertatildeo atraveacutes de rotas terrestres e de sua rede hidrograacutefica composta por importantes rios

como o Coruripe e o Moxotoacute

Ilha de Santo Aleixo Pau Amarelo Praia da fortaleza do Brum Praia da Penha

Camaragibe Cabo de Santo Agostinho Sirinhaeacutem e Goiana se encontram atualmente na

jurisdiccedilatildeo do Estado de Pernambuco Para agrave toponiacutemia denominada ldquoUnardquo a bibliografia

consultada afirma se tratar de freguesia proacutexima a Porto Calvo em municiacutepio hoje conhecido

como Barreiros localizado no estado de Pernambuco 225

Quanto a Ilha do Nogueira tambeacutem

223

AHU ndash PE Cx 95 D 7501 224

Idem 225

Dados coletados de Ideia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexas Coleccedilatildeo Pernambuco

(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de

Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel

em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017

65

conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia

Teimosa no Recife 226

De acordo com dados levantados por Luiacutes Diogo Lobo entre Olinda e Recife os

engenhos estavam divididos nas seguintes freguesias Muribeca Cabo Ipojuca Varge Santo

Amaro de Jaboatatildeo Satildeo Lourenccedilo da Mata Nossa Senhora da Luz e Santo Antatildeo Estas

freguesias somadas possuiacuteam 90 engenhos funcionais e 17 que jaacute natildeo operavam Quanto agrave

vila de Sirinhaeacutem e seus termos contava com 43 engenhos ativos destes 10 estavam situados

na freguesia de Una 227

Goiana estava inserida na Vila de Igarassu a freguesia dispunha de

23 engenhos em atividade e um inativo Estas freguesias em sua maioria estavam localizadas

em aacutereas de faacutecil acesso ao transporte fluvial que permitiam tambeacutem que se adentrasse ao

interior do territoacuterio

Bahia da Traiccedilatildeo faz parte do estado da Paraiacuteba A listagem do governador Luiacutes Diogo

Lobo atesta que a capitania da Paraiacuteba naquele tempo contava com 20 engenhos em operaccedilatildeo

e dois em estado de fogo morto Quanto a ldquoSiaraacute Granderdquo como o nome jaacute informa se

encontra no atual estado do Cearaacute O documento de 1761 assegura que naquela capitania

havia apenas dois engenhos moentes e um inativo 228

Para o local denominado Tapagipe

ainda natildeo foi possiacutevel identificar a localizaccedilatildeo atual Como eacute possiacutevel visualizar boa parte

das localidades apontadas pelas autoridades como locais de circulaccedilatildeo de mercadorias ilegais

estavam proacuteximas a aacutereas de produccedilatildeo canavieira Aleacutem disso estes portos naturais se

situavam em maioria na regiatildeo sul da antiga capitania e possuiacuteam conexotildees com os sertotildees

atraveacutes das abundantes malhas fluviais que circundam o nordeste

Para nos ajudar a pensar espacialmente esta regiatildeo iremos fazer uso de duas imagens

A primeira uma carta topograacutefica das ldquocapitanias de que se compotildee o presente governo de

Pernambucordquo foi oferecida ao secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier

de Mendonccedila Furtado em marccedilo do ano de 1766 A carta traz detalhes a respeito dos

povoados e recantos da costa e do interior da capitania pernambucana incluindo locais

envolvidos nos circuitos do contrabando

226

PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008 227

Ainda de acordo com o documento a freguesia de Porto Calvo que atualmente faz parte do estado de

Alagoas pertencia a Vila de Sirinhaeacutem e como jaacute dito possuiacutea 14 engenhos ativos e um classificado como fogo

morto AHU ndash PE Cx 95 D 7501 228

Idem

66

Mapa 5 ndash Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766)

Fonte LAPEH ndash Laboratoacuterio de Pesquisa histoacuterica ndash Departamento de Histoacuteria CFCH UFPE

Legenda 1ndash Bahia da Traiccedilatildeo 2- Paraiacuteba 3- Goiana 4- Itamaracaacute 5- Cidade de Olinda 6- Vila de

Santo Antocircnio do Recife 7- Cabo de Santo Agostinho 8ndash Ilha de Santo Aleixo 9- Porto Calvo 10-

Entrada das Alagoas 11- Rio de Satildeo Francisco 12- Bahia de Todos os Santos

A segunda imagem trata-se de um Mapa tipograacutefico dos portos e Costa da Bahia

Olinda e Pernambuco do ano de 1776 O mapa feito por Nicolao Martinho foi encomendado

por Manoel Jozeacute de Noronha e Meneses o Conde dos Arcos como um oferecimento a seu tio

o Marquecircs de Angeja Mais complexo que a carta exposta acima o mapa mostra em detalhes

toda a Costa de Pernambuco e Bahia passando pelos atuais estados de Alagoas e Sergipe

incluindo suas vilas os rios e ribeiras e seus cursos o que nos permite ter uma melhor ideia

do espaccedilo onde ocorriam as transaccedilotildees comerciais alvo deste estudo

67

Mapa 6 ndash Mapa Tipograacutefico dos Portos e Costa da Bahia de todos os Santos

Olinda e Pernambuco (1776)

68

69

Fonte MARTINHO Nicolao Mappa tipografico dos portos e costa da Bahia de todos os Santos

Olinda e Pernambuco [Sl sn] 1776 1 mapa ms col tinta ferrogaacutelica e nanguim 51 x 159

Disponiacutevel em httpobjdigitalbnbracervo_digitaldiv_cartografiacart309964cart309964jpggt

Acesso em 01 de janeiro de 2018

A anaacutelise da documentaccedilatildeo base utilizada nesta pesquisa junto agraves duas imagens acima

nos fornecem dados para pensar em algumas hipoacuteteses sobre a circulaccedilatildeo dessas mercadorias

Acreditamos que os produtos ldquocontrabandeadosrdquo atraveacutes dos sertotildees chegavam as populaccedilotildees

de Recife e Olinda seguindo dois caminhos distintos O primeiro seria seguindo o fluxo do

Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias (destacado pela seta

vermelha no mapa 7) utilizando os caminhos jaacute bem conhecidos do comeacutercio das carnes e

couros ou seja atraveacutes das rotas do ldquoIpojucardquo e do ldquoCapibariberdquo aqui jaacute estudadas

Chegando ao litoral estas mercadorias eram desembarcadas em pequenos portos situados

preferencialmente no litoral sul de Pernambuco onde natildeo existia a fiscalizaccedilatildeo da Companhia

70

Geral A fiscalizaccedilatildeo no geral se restringia ao porto do Recife De acordo com os dados de

Luanna Ventura a entrada do porto de Recife estava localizada ao norte do forte do Brum 229

(destacado pela seta branca no mapa 7)

A segunda rota que acreditamos ter se utilizado neste comeacutercio seria a da navegaccedilatildeo

direta via costa mariacutetima entre Bahia (destacada pela seta amarela no mapa 7) e Pernambuco

Como podemos perceber atraveacutes do mapa acima existiam entre as duas capitanias uma vasta

aacuterea de Costa natildeo protegida pela empresa e como jaacute apontado neste trabalho diversas praias

do litoral pernambucano ofereciam condiccedilotildees de desembarque Esse tipo de roteiro que jaacute

aparece bem descrito em um manual de pilotagem e navegaccedilatildeo do seacuteculo XVII 230

ficava

restrito as embarcaccedilotildees maiores dada as condiccedilotildees de navegabilidade da regiatildeo Segundo o

manual a distacircncia entre Bahia e Pernambuco era de cerca de 100 leacuteguas ldquocorre a costa ateacute o

Rio de Satildeo Francisco de Nordeste sudoeste e haacute na derrota 50 leacuteguas e do Rio de Satildeo

Francisco ao Cabo de Santo Agostinho haacute 50 leacuteguas e corre a costa nordeste sudoesterdquo

Advertia ainda aos pilotos que tomassem cuidado pois ao norte do Rio de Satildeo Francisco por

volta de 5 leacuteguas existia um arrecife perigoso conhecido como ldquoBaixio de Dom Rodrigordquo 231

O processo crime em que se envolveu o senhor Manoel Ferreira dos Santos reforccedila

nosso argumento 232

pois neste caso cinco balsas carregadas de couros e solas vindas do

sertatildeo foram apreendidas junto ao rio do Jiquiaacute em Recife 233

pela desconfianccedila que as

autoridades tiveram de que as mesmas aguardavam barco para transportar tais mercadorias agrave

capitania baiana Um dos pontos utilizados na defesa do reacuteu eacute que natildeo existia no momento da

apreensatildeo nenhum barco que estivesse carregando para Bahia e que era de conhecimento

229

OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e

tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash

Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 230

Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO Antonio de Mariz

Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo

Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por Manoel da Sylva 1655 Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq== Data de acesso

01082017 231

Os Baixios de Dom Rodrigo satildeo grandes bancos de areia que estatildeo localizados a cerca de cinco quilocircmetros

da Costa do Pontal de Coruripe (Alagoas) no meio do oceano Haacute vaacuterios casos de naufraacutegio registrados no local

Conseguimos mapear junto ao nosso acervo documental um naufraacutegio ocorrido no local no ano de 1774

tratava-se do Bergantim de nome ldquoNossa Senhora da Guia e Satildeo Francisco da Paulardquo que saindo da cidade do

Rio de Janeiro com destino a Corte acabou dando de encontro com os bancos o que na ocasiatildeo levou a oacutebito 8

das 22 pessoas embarcadas De acordo com o documento as pessoas que morreram foram ldquoBaltazar Pereira dos

Reis (soacutecio do barco) o capelatildeo o escrivatildeo sota-piloto dois marinheiros uma preta e uma mulatinhardquo Fonte

AHU ndash PE Cx 117 D 8954 232

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 233

O rio do Jiquiaacute estaacute localizado no atual bairro do ldquoCordeirordquo no municiacutepio de Recife

71

geral que aquelas balsas natildeo aguentariam uma viagem ldquopara o tempestuoso mar de barra em

forardquo 234

sem danificar suas mercadorias

Como dito anteriormente a praacutetica do contrabando na capitania pernambucana

durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial estabelecido pela Companhia Geral seraacute

abrangente e disseminada No entanto os circuitos comerciais ligando as capitanias vizinhas

teratildeo papel de destaque dentro deste comeacutercio descaminhado As rotas sertanejas haacute muito

utilizadas para o comeacutercio legal das carnes passaram a operar tambeacutem com transaccedilotildees natildeo

aprovadas e o comeacutercio direto entre os vaacuterios portos do litoral pernambucano em especial

aqueles que estavam nas proximidades de engenhos e a capitania da Bahia ganharatildeo vulto

durante este periacuteodo

Assim rios e pequenos portos tanto do litoral quanto das localidades interioranas

funcionavam como vias de escoamento de toda uma gama de iliacutecitos os contrabandistas faratildeo

entrar nas Praccedilas da Bahia e de Pernambuco atraveacutes das rotas aqui descritas uma grande

quantidade de mercadorias natildeo autorizadas Estes grupos estavam cientes dos poucos riscos

de se praticar aquele comeacutercio devido a parca fiscalizaccedilatildeo exercida pela Companhia Os

circuitos comerciais desenvolvidos nas paragens sertanejas seratildeo peccedila chave na rede de

abastecimento do mercado ilegal que se estabeleceu entre Bahia e Pernambuco na segunda

metade do XVIII

A fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral comumente restringia-se ao porto do Recife por

onde deveriam ser embarcadas e desembarcadas todas as mercadorias chegadas a capitania

pernambucana Ressalta-se aqui que o monopoacutelio da Companhia natildeo se estendia aos sertotildees

como nos revela o seu documento de instalaccedilatildeo no capiacutetulo 25 Onde se afirma que

[] Eacute Vossa Majestade servido conceder-lhe o comeacutercio exclusivo das duas

capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com todos os seus distritos []

exceptua-se poreacutem o comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba para os portos do

sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco do Sul o qual seraacute livre a todas e

quaisquer pessoas como ateacute agora o tem sido 235

Como podemos observar o documento atesta que a navegaccedilatildeo feita pelos portos do

sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco permaneceria livre no entanto alguns casos

analisados por noacutes apontam que mercadorias vindas destas regiotildees muitas vezes eram

234

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 235

Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762

Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e

Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 290

72

encaradas pelas autoridades como frutos de contrabando Esta questatildeo daraacute azo para uma seacuterie

de disputas envolvendo os comerciantes sertanejos e a Companhia Geral Isto porque ao que

indicam dois processos crimes utilizados nesta pesquisa 236

a direccedilatildeo da empresa ao longo de

seus primeiros oito ou nove anos de instalaccedilatildeo natildeo se preocupou em controlar tal comeacutercio o

fazendo apenas ldquodepois daquele tempo sem mostrar ordem reacutegia que declarasse ao arbiacutetrio da

proibiccedilatildeo o artigo 25 e reprovasse a inteligecircncia e praxe dos comerciantes em tempo tatildeo

dilatadordquo 237

A Companhia passa a tomar esse controle por forccedila de um edital lanccedilado

posteriormente 238

no entanto este edital natildeo tinha forccedila de lei uma vez que tal documento

natildeo era referendando por nenhuma ordem reacutegia Esta decisatildeo da direccedilatildeo pernambucana seraacute

contestada judicialmente nos dois casos aqui jaacute mencionados pois afirmavam as defesas dos

comerciantes que tal ldquoedital da direccedilatildeo natildeo eacute lei nem assento com forccedila de lei nem os

deputados tem jurisdiccedilatildeo alguma para arrogarem a si ambiciosa e arbitrariamente o que a

instituiccedilatildeo natildeo permitiurdquo 239

e tambeacutem ldquoque a direccedilatildeo natildeo pode ampliar nem limitar os

estatutos da companhia nem proibir o que eles natildeo proiacutebemrdquo 240

Contestavam tais defesas o poder que permitia a direccedilatildeo subalterna de Pernambuco

passar por cima dos estatutos da empresa em assunto tatildeo importante como o comeacutercio sem a

deliberaccedilatildeo de uma diretiva ou ordem real Afirmavam que este comeacutercio ateacute o ano de 1770

havia se conservado livre e que era inconcebiacutevel que a direccedilatildeo sem ordem reacutegia fizesse limitar

os estatutos contrariando a liberdade de comeacutercio que desde sempre se praticava por aquelas

bandas pois o papel de ldquolimitar e derrogar leis soacute compete ao soberano legislador e natildeo aos

inferiores seus vassalosrdquo 241

Pelo que fica claro a Companhia em Pernambuco soacute passa a se preocupar com o

comeacutercio realizado nas rotas sertanejas apoacutes um periacuteodo significativo de tempo de sua

instalaccedilatildeo Muito provavelmente apoacutes estes primeiros oito ou nove anos foi possiacutevel a direccedilatildeo

da empresa perceber como estas rotas sertanejas eram importantes para economia da capitania

236

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 237

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 15 238

Natildeo foi possiacutevel identificar a data exata de tal documento no entanto de acordo com os processos aqui

citados o edital provavelmente o edital foi expedido entre 1769 e 1770 239

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 85 240

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 241

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f

85-86

73

e quatildeo grande eram as perdas que se tinham ao natildeo controlar o comeacutercio do interior em suas

ligaccedilotildees com outras praccedilas coloniais sobretudo com Bahia e Rio de Janeiro

A atitude da empresa vem atestar que os circuitos sertanejos tinham expressividade

econocircmica a eacutepoca jaacute que natildeo se teria o trabalho de coibir um comeacutercio que fosse pouco

relevante financeiramente ou mesmo desvantajoso Eacute importante destacar tambeacutem que os

limites jurisdicionais de atuaccedilatildeo da empresa natildeo estavam bem definidos nos estatutos e que o

entendimento do que poderia ser considerado como aacuterea sertaneja era bastante subjetivo

Afinal de contas como jaacute vimos natildeo se tinha um consenso a respeito do conceito de sertatildeo

Entatildeo a histoacuteria dos contrabandos aqui contada se reparte em dois momentos o

momento preacute 1770 quando a Companhia ainda natildeo exercia um controle riacutegido sobre os

sertotildees e poacutes 1770 quando a direccedilatildeo em Pernambuco passa a exercer maior poder sobre os

negoacutecios desenvolvidos naquelas paragens Explicitamos neste momento que nossa escolha

metodoloacutegica se deu no sentido de preservar os termos originais utilizados pelas autoridades

ao tratar sobre a questatildeo deste comeacutercio feito no interior destacando sempre que possiacutevel as

variaccedilotildees interpretativas entre autoridades baianas e pernambucanas No geral a denominaccedilatildeo

ldquocontrabandordquo seraacute bastante utilizada pelas autoridades mas o termo ldquodescaminhordquo tambeacutem

seraacute usado para se referir ao comeacutercio extralegal

Dessa forma o conceito de contrabando neste estudo seraacute utilizado para abrigar uma

seacuterie de casos apontados pela documentaccedilatildeo base que agregam produtos comercializados

tanta no porto do Recife por onde teoricamente deveriam ser embarcadas e desembarcadas

todas as mercadorias chegadas a capitania pernambucana quanto mercadorias vindas do

sertatildeo que tinham como destino a Bahia ou ateacute mesmo outros portos do litoral de Pernambuco

que natildeo o porto do Recife Salientando que nem tudo que em um primeiro momento eacute

apontado como contrabando pelas autoridades de fato se enquadra nesta categoria

Ressaltamos ainda que a Companhia permitia o comeacutercio sertanejo se as mercadorias

vindas daqueles locais (sobretudo couros e solas) tivessem como destino final o porto do

Recife onde seriam negociadas com a empresa Tambeacutem eacute vaacutelido pontuar que o comeacutercio das

carnes estava excetuado deste controle e continuou livre como sempre o foi A exceccedilatildeo feita

aos negoacutecios das carnes seraacute motivo de contrariedade entre os comerciantes e a direccedilatildeo da

empresa Ainda nos dois casos aqui citados as respectivas defesas iratildeo contestar a razatildeo deste

comeacutercio que tambeacutem se dava no sertatildeo ser permitido em detrimento de outros gecircneros As

ditas defesas iratildeo alegar que ldquonenhuma razatildeo haacute para que seja livre o comeacutercio da carne e natildeo

74

seja igualmente o dos courosrdquo 242

e vatildeo aleacutem afirmando que se o comeacutercio de outros produtos

era proibido ldquose havia de ser tambeacutem proibido o trazer carnes do Sertatildeo e vende-las a Bahia e

Rio de Janeiro como se fazrdquo 243

O comeacutercio legal das carnes iraacute gerar outros problemas para Companhia pois se

aproveitando do expediente de ir comerciar as carnes no sertatildeo alguns comerciantes iratildeo se

valer desta liberdade para transportar produtos vedados Eacute o que afirma em ofiacutecio do ano de

1770 o entatildeo governador de Pernambuco Manuel da Cunha Meneses ao falar sobre as

ldquoperniciosas contravenccedilotildeesrdquo que se estabeleceram entre Pernambuco e Bahia atraveacutes das rotas

sertanejas O governador neste ofiacutecio afirma que ldquoos mesmos barcos dos portos livres que

vatildeo fazer as carnes ao sertatildeo [] introduzem tambeacutem fazendas pelo Siaraacute pela vizinhanccedila de

uma capitania com a outrardquo 244

Como podemos perceber atraveacutes do exposto ateacute o momento o contrabando foi uma

praacutetica recorrente e extensiva durante o periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial exercido

pela Companhia Geral Apesar do caraacuteter disperso desse tipo de praacutetica destacam-se neste

interim os circuitos desenvolvidos entre Pernambuco e Bahia Para o periacuteodo do nosso estudo

as ligaccedilotildees comerciais entre as duas praccedilas jaacute estavam solidificadas O comeacutercio entre as

capitanias vizinhas aconteciam de acordo com nossas fontes de duas formas por via direta

atraveacutes do mar e majoritariamente pelas rotas sertanejas que no seacuteculo XVIII eram pelo

menos duas ndash o ldquoCaminho do Ipojucardquo e o ldquoCaminho do Capibariberdquo - e conectavam as duas

capitanias Tendo isto em mente no proacuteximo capiacutetulo procederemos a anaacutelise dos casos

colhidos junto ao nosso conjunto documental

242

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 69 243

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 244

AHU ndash PE Cx 108 D8371

75

3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE

PRODUTOS

31 As mercadorias

Agora que jaacute vimos as possiacuteveis rotas percorridas pelos grupos de contraventores

podemos nos ater aos casos e mercadorias que nelas circulavam Como jaacute dito anteriormente

a fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral era restrita ao porto de Recife e lembramos ainda que

apesar da Companhia natildeo deter o monopoacutelio para o comeacutercio realizado nos sertotildees a partir do

ano de 1770 a empresa de maneira geral iraacute encarar todo o comeacutercio realizado fora do porto

do Recife como passiacutevel de ser enquadrado em crime de contrabando Dessa forma podemos

observar junto a nossa documentaccedilatildeo um aumento no volume de apreensotildees a mercadorias e

embarcaccedilotildees apoacutes 1770 bem como um maior empenho das autoridades locais na repressatildeo

de tal praacutetica

O que podemos afirmar atraveacutes da investigaccedilatildeo eacute que na verdade os chamados ldquoportos

livresrdquo tambeacutem seratildeo afetados pela poliacutetica monopolizadora da Companhia Geral pois na

verdade o problema maior natildeo se encontrava na realizaccedilatildeo do comeacutercio nestas regiotildees que

como jaacute vimos existia muito antes da fundaccedilatildeo da empresa Mas sim no destino que essas

mercadorias tomavam vindo invariavelmente inundar a praccedila mercantil de Pernambuco com

produtos bem mais em conta do que os vendidos pela empresa A preocupaccedilatildeo tambeacutem se

dava em sentido contraacuterio ou seja com os produtos que saiam de Pernambuco e iam

abastecer a Praccedila baiana sem passar pelas matildeos da Companhia ou mesmo se isentando de

pagar os direitos dos contratos reais

Os produtos que circulavam entre as duas praccedilas eram diversos Iam e vinham para os

portos de Pernambuco e Bahia uma grande sorte de mercadorias Satildeo aproximadamente 19 o

total de ocorrecircncias no nosso conjunto documental onde constam informaccedilotildees precisas sobre

o material apreendido nas embarcaccedilotildees capturadas pelas autoridades Alguns desses casos

possuem em seus anexos a lista de carga ou relaccedilotildees de carga onde ficam registrados todos os

produtos transportados por aqueles barcos bem como os locais de onde vieram estas

mercadorias Nelas tambeacutem eacute possiacutevel encontrar dados sobre valores unitaacuterios e totais e ainda

a respeito de quantidades

76

Eacute possiacutevel identificar a origem do produto atraveacutes do selo da alfacircndega que nele

consta natildeo era raro que o material potencialmente descaminhado chegasse sem selo algum o

que tambeacutem eacute reportado pelas autoridades quando expediam as tais listas de cargas Em nossa

documentaccedilatildeo contamos com seis relaccedilotildees de cargas que continham produtos que foram

apreendidos pelas autoridades pernambucanas por suspeita de contrabando com selos da

alfacircndega da Bahia Tomaremos como exemplo do tracircnsito de produtos entre Bahia e

Pernambuco trecircs casos deste total a fim de ilustrar a grandiosidade deste comeacutercio

A primeira lista diz respeito a uma sumaca que em 1779 foi apreendida na praia de

Pau Amarelo em Pernambuco onde estava trocando as suas fazendas de contrabando por

gecircneros da terra ldquocomo fosse tabaco sola e melrdquo 245

Boa parte da carregaccedilatildeo desta sumaca

estava sem selo ou seja eram mercadorias que aleacutem de adentrarem ilegalmente no territoacuterio

da Companhia Geral vinham sem pagar dinheiro algum a Fazenda Real Tambeacutem foram

encontrados produtos selados pela Alfacircndega de Lisboa Segue relaccedilatildeo dos produtos

confiscados que vinham com o selo da Alfacircndega da Bahia 246

Tabela 1 - Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau Amarelo)

QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO

UNITAacuteRIO

PRECcedilO

TOTAL

6

Peccedilas de Camas Listradas 800 reacuteis 48000 reacuteis

1

Peccedila de tafetaacute azul com 21 cocircvados

240 reacuteis 21840 reacuteis

1 Retalho de druguete pardo com 15

cocircvados

300 reacuteis 4500 reacuteis

22

Peccedilas de fitas matizes 1600 reacuteis 35200 reacuteis

Fonte AHU ndash PE CX 132 D 9955

A segunda ocorrecircncia versa sobre uma embarcaccedilatildeo apreendida no mesmo ano de

1779 em Sirinhaeacutem jurisdiccedilatildeo de Pernambuco Os documentos natildeo trazem muitos detalhes

sobre o caso sabemos apenas que o mestre da embarcaccedilatildeo se chamava Antocircnio Pereira mas a

lista de cargas revela a suntuosidade deste comeacutercio Consta nessa relaccedilatildeo anexa ao

245

AHU ndash PE CX 132 D 9955 246

Medidas-padratildeo comumente utilizadas nas tabelas que trabalharemos Braccedila - 184 centiacutemetros

Cocircvados - 66 centiacutemetros Palmo ndash 22 centiacutemetros Varas - 110 centiacutemetros

77

documento nada menos que 151 tipos de produtos diferentes a exemplo do caso anterior a

maior parte estava sem selo As mercadorias que tinham selo da Alfacircndega da Bahia

encontram-se na tabela abaixo

Tabela 2 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia (Sirinhaeacutem)

QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO

UNITAacuteRIO

PRECcedilO

TOTAL

4 Peccedilas de cadiaez

800 reacuteis 3200 reacuteis

6 Peccedilas de riscado de Dio

1280 reacuteis 7680 reacuteis

6 Peccedilas de riscado de Surrate

1280 reacuteis 7680 reacuteis

43 Varas de pano de linho ordinaacuterio

180 reacuteis 7740 reacuteis

4 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com

73 varas

180 reacuteis 13140 reacuteis

5 Peccedilas de tustatildeo

Natildeo consta 17500 reacuteis

9 Varas de esguiatildeo ordinaacuterio

Peccedilas de tustatildeo 3150 reacuteis

15 Lenccedilos brancos com listras azuis

ordinaacuterios

220 reacuteis 3300 reacuteis

8 Peccedilas de riscado de Dio

1280 reacuteis 10240 reacuteis

29 Peccedilas de riscado de Surrate

1280 reacuteis 37120 reacuteis

16 Peccedilas de riscado de Linho

1800 reacuteis 28800 reacuteis

1 Peccedilas de Chita da Iacutendia

Natildeo consta 6000 reacuteis

8 Peccedilas de Chita do Norte com 64

cocircvados

2000 reacuteis 4000 reacuteis

1 Retalho de Serafina Azul com 6 cocircvados

220 reacuteis 14080 reacuteis

78

1 Retalho de Durante branco com 4

cocircvados

160 reacuteis 960 reacuteis

1 Retalho de doruguete verde traccedilado 4

cocircvados

75 reacuteis 300 reacuteis

64 Peccedilas de Balagarte

100 reacuteis 400 reacuteis

1 Peccedilas de baeta verde com 54 cocircvados

800 reacuteis 51200 reacuteis

2 Peccedilas de fita de listra azul encarnado

380 reacuteis 21280 reacuteis

2 Retalho de pano de linho ordinaacuterio com

54 varas

300 reacuteis 600 reacuteis

48 Peccedilas de Cadiaez pequenas

180 reacuteis 7720 reacuteis

21 Pares de meias de linhas

800 reacuteis 38400 reacuteis

6 Peccedilas de lenccedilo ordinaacuterio com 60 lenccedilos

240 reacuteis 5040 reacuteis

1 Retalho de brim de flores com 40

cocircvados

160 reacuteis 9600 reacuteis

10 Chapeacuteus de baeta

100 reacuteis 4000 reacuteis

17 Lenccedilos azuis de tabaco

360 reacuteis 3600 reacuteis

1 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com

34 varas

160 reacuteis 2720 reacuteis

1 () 27 varas

180 reacuteis 1755 reacuteis

5 Peccedilas de Chita da Costa

180 reacuteis 4860 reacuteis

4 Peccedilas de cadiaez 3000 reacuteis

15000 reacuteis

1 Incetada de pano de linho ordinaacuterio com

72 varas

800 reacuteis 3200 reacuteis

79

1 Peccedilas de brim cru de 48 cocircvados 180 reacuteis

4320 reacuteis

1 Peccedilas de estufo de latilde encarnado 40

cocircvados

90 reacuteis 10000 reacuteis

1 Peccedilas de carro de ouro com 40 cocircvados

250 reacuteis 20000 reacuteis

16 Peccedilas de riscado Surrate

500 reacuteis 20480 reacuteis

13 Peccedilas de riscado de Dio

1280 reacuteis 16640 reacuteis

1 Peccedilas de Riscado de Linho

Natildeo consta 1800 reacuteis

33 Peccedilas de cadiaez

800 reacuteis 26400 reacuteis

2 Peccedilas de Chita

2000 reacuteis 4000 reacuteis

7 Peccedilas de Chita da Costa

3000 reacuteis 21000 reacuteis

1 Peccedilas de lenccedilos encarnados ordinaacuterios

de tabaco

160 reacuteis 1600 reacuteis

1 Peccedilas de boceta

Natildeo consta 900 reacuteis

1 Peccedilas de chita azul do norte com 22

cocircvados

220 reacuteis 4840 reacuteis

1 Retalhos de linho ordinaacuterio com 34

varas

180 reacuteis 6120 reacuteis

5 Chapeacuteus de baeta

300 reacuteis 1500 reacuteis

44 Peccedilas de pano de linho ordinaacuterio com

2052 varas

180 reacuteis 369360 reacuteis

46 Peccedilas de bertanha de Hamburgo

1200 reacuteis 55200 reacuteis

80

9 Peccedilas de Hamburgo ou aniagem

100 reacuteis 53700 reacuteis

6 Peccedilas de Riscado Patavar

2000 reacuteis 12000 reacuteis

3 Peccedilas de Riscado de Patavar

Natildeo consta Natildeo Consta

Fonte AHU ndash PE Cx133 D 9966

Por uacuteltimo trazemos o caso de uma sumaca que segundo consta vinha do porto de Una

carregada de caixas de accediluacutecar junto a duas jangadas De acordo com o governador de

Pernambuco a eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses relator do caso a Coroa ainda natildeo havia sido

possiacutevel identificar quem era o dono da dita embarcaccedilatildeo mas os produtos vinham em sua

maioria com selo da Alfacircndega da Bahia Satildeo eles

Tabela 3 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una)

QUANTIDADE LISTA DOS PRODUTOS PRECcedilO

UNITAacuteRIO

PRECcedilO

TOTAL

13 Peccedilas de Chitas da Iacutendia Ordinaacuterias

4000 52000

78

Panos da Costa 640 49920

5

Maccedilos de fitas de linho 2400 12000

1315

Duacutezia de facas flamengas 640 84160

555

Peccedilas de Linhas de Surrales 1300 721500

421

Peccedilas de Bertanhas de Hamburgo 1200 715700

56

Peccedilas de Paniclos 1200 67200

5 Duacutezias e 5 de peles de Marroquins

6400 34665

26

Peccedilas de Chitas de Surrates 1600 41600

129

Meias peccedilas de cadeas 1300 167700

81

5

Peccedilas de Linhas de Dio 2000 10000

13

Peccedilas de Procoloacutes 1300 16700

96

Covados de Chitas do Norte 320 30720

1

Peccedilas de Druguete Rei 6000 6000

1

Peccedilas de Berlanha de Holanda 2000 2000

8

Lenccedilos Vermelhos 320 2560

8

Peccedilas de camas lavradas 10000 80000

8

Varas de Esguiatildeo 480 4080

55

Covados delu felaacute 360 1980

8

Covados de Durante 240 1920

5

Covados de Sarja 320 1600

10

Varas de estamanha 400 4000

823

Covados de Camelatildeo 180 148140

1065

Varas de pano de linho da Ilha 180 192240

855

Covados de Serquilha da Ilha 120 10260

13435 Varas de pano de linho

300 403050

38

Peccedilas de Cadeaacutes 2400 91200

6

Covados de baeta com xeste 500 3000

22 Resmas de papel florete 1000 22000

82

4

Peccedilas de Linhas Patavares 2000 8000

582

Annas de Amburgo 160 93120

79

Covados de Serguilha de Franccedila 400 31600

15

Varas de Crez 100 1500

Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9245

Podemos perceber atraveacutes das listas aqui expostas a grande variedade de produtos que

circulavam entre Bahia e Pernambuco Outro dado relevante que conseguimos inferir atraveacutes

das tabelas eacute de que esse comeacutercio descaminhado estava conectado aos circuitos mercantis

atlacircnticos o que pode ser constatado pela grande variedade de gecircneros europeus constantes

nas cargas As fazendas europeias sobretudo os tecidos que aparecem em grande monta nas

listas de carga aqui transcritas eram necessaacuterios para a realizaccedilatildeo de trocas e vendas pelos

efeitos da terra Aleacutem das fazendas jaacute citadas caixas de accediluacutecar madeira tabaco escravos

mel sola e couro seratildeo uma constante na documentaccedilatildeo

A relaccedilatildeo aqui demonstrada natildeo daacute conta da grande diversidade de produtos que

transitavam entre as duas praccedilas enfatizamos apenas aqueles que aparecem em maior grau na

documentaccedilatildeo trabalhada 247

Devemos atentar tambeacutem que para efeitos praacuteticos soacute

colocamos em nossas listas de cargas produtos que vinham selados pela Alfacircndega da Bahia

mas muito provavelmente os produtos destas embarcaccedilotildees que vinham sem selo tambeacutem

fossem provenientes das paragens soteropolitanas e de seus interiores como acontece em

outros casos do nosso acervo documental 248

Em algumas ocorrecircncias junto a descriccedilatildeo das cargas constavam tambeacutem as marcas

de seus carregadores Era comum que comerciantes possuiacutessem uma espeacutecie de marca ou

247

Os documentos que fundamentam este tracircnsito satildeo numerosos e encontram-se disponiacuteveis no AHU PE AL

e BA e nos arquivos da ANTT 248

Muitos produtos de embarcaccedilotildees provenientes da Bahia chegavam ateacute Pernambuco sem selo algum Vale

ressaltar que durante boa parte do seacuteculo XVIII Salvador funcionou como um centro distribuidor dos panos

indianos produto essencial para a compra de escravos na regiatildeo da Aacutefrica Centro-Ocidental Essas fazendas

chegavam ateacute capitania baiana atraveacutes de uma rede de contrabando que ligava diretamente as possessotildees

portuguesas da Ameacuterica e da Aacutesia Sobre isto ver ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica

Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares

Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013

83

siacutembolo que eram inseridas em suas mercadorias para identificar seus produtos e facilitar as

transaccedilotildees junto a seus comissaacuterios e representantes Na nossa documentaccedilatildeo essas marcas

aparecem principalmente nas situaccedilotildees onde as investigaccedilotildees aconteceram de maneira mais

acurada Nesses casos aleacutem de relacionar as mercadorias colocava-se ao lado o siacutembolo ou

marca que nele aparecia e se possiacutevel o nome do dono Nem sempre as autoridades eram

capazes de identificar a quem pertencia determinada marca ou siacutembolo devido a

grandiosidade do mercado e de serem muitos os comerciantes atuantes na capitania

Figura 1 ndash Exemplo de marcas encontradas na documentaccedilatildeo (destacados)

Fonte AHU- PE Cx 137 D 10234

Infelizmente nem todos os relatos de contrabando trazem grande riqueza de detalhes

acerca dos eventos Isto porque nem sempre se faziam as devassas dessas embarcaccedilotildees

apreendidas e tambeacutem porque boa parte desses barcos citados pelos agentes reais natildeo

chegaram de fato a serem confiscados apenas tendo estes oficiais notiacutecias sobre os

descaminhos No entanto possuiacutemos alguns casos no nosso acervo que nos fornecem maiores

informaccedilotildees e que nos parecem ser importantes para a visualizaccedilatildeo de um panorama mais

abrangente da natureza dos descaminhos praticados nestas paragens Para efeitos praacuteticos os

organizaremos aqui sobre a forma de tabela

84

Tabela 4 ndash Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas

Legenda PO = Porto de Origem P A = Porto de Apreensatildeo P D = Porto de Destino Fonte AHU

ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 133 D 10003 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash BA Cx 181

D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 137 D 10197

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria

da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2

Eacute claro que esta tabela natildeo eacute capaz de expressar todo o volume do comeacutercio abordado

nesta pesquisa nela natildeo constam diversas outras ocorrecircncias que nos utilizamos ao longo da

redaccedilatildeo deste trabalho bem como natildeo demonstra as minuacutecias de cada caso mas ela nos serve

para pensar a ordenaccedilatildeo deste comeacutercio Como podemos observar boa parte das embarcaccedilotildees

NOME TIPO

MESTRE

PILOTOMARINHEIROS DONO P O P A P D

Galiatildeo Navio

Numeriano Gregorio

Joze da Sylva Navio Real Lisboa Recife LisboaO Senhor do Bom Jesus

das Portas Nossa

Senhora do Pilar -

Xibante Sumaca Manoel Francisco Manoel Vieira de Mello Jaguaribe Recife Bahia

Navio Novo Natildeo consta Natildeo consta

Diogo Francisco dos

Santos Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo constaNossa Senhora da

Conceiccedilatildeo Santo

Antonio e Almas Sumaca Joaquim Antonio Antonio Joze Roberto Bahia Goiana Natildeo consta

Aacuteguia do Doiro

Lancha

(pertencente a

corveta da

Companhia

Geral Aacuteguia

do Doiro) Antonio Gomes Viana Navio Real Porto - Portugal Praia da Fortaleza do Brum Natildeo consta

Jaguaribe Sumaca

Antonio Joze dos

Santos

Manoel Roiz

Lemanha e Francisco

de Passos Vianna Natildeo consta

Camarajibe - Distrito de Porto

Calvo Natildeo consta

Sagrada Famiacutelia Sumaca

Manoel Coelhos

Francisco Joze

Cardoso Manoel de

Souza e Henrique

Antonio Natildeo consta Natildeo consta Recife Bahia da TraiccedilatildeoSenhor do Bonfim Santo

Antonio e Almas Sumaca Manoel Pavatildeo Gouvea

Joatildeo Antonio

Rodrigues Natildeo consta Ilha de Santo Aleixo Bahia Nossa Senhora do

Rozaacuterio Flor de Satildeo

Miguel Sumaca Joseacute Gonccedilalves

Comerciante da

Bahia Natildeo consta Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta

Natildeo Consta Sumaca Antonio Dias Santiago

Jacomo Rumachi

Della Praccedila Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta

Natildeo Consta Sumaca

Ignacio Vicente

Fernandez

Joseacute ou Fulano de

Arauacutejo Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta

Natildeo Consta Balsas

Luiz de Franccedila

Cordeiro Manoel de

Jesus Ramos Joseacute

Rodrigues da Silva

Manoel Martins de

Almeida

Manoel Antonio dos

Santos sertatildeo Ilha do Nogueira Bahia

Escuta em Roma Natildeo consta Natildeo consta Joseacute de Aragatildeo Bahia Uma Bahia

85

que se empregavam neste ramo mercantil eram categorizadas como sumacas As sumacas

eram pequenos veleiros utilizados principalmente na navegaccedilatildeo de cabotagem

Em ofiacutecio do ano de 1775 em que o governador de Pernambuco comunica ao

secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar do Reino o envio de homens para a capitania do

Rio de Janeiro este iraacute afirmar que remeteu ldquoAo Marquecircs cento e oito marinheiros a saber

quarenta e oito por quatro sumacas em razatildeo de natildeo haver navio grande que os pudesse

transportar todosrdquo 249

Fazendo uma conta de divisatildeo baacutesica temos como resultado que a

capacidade destas embarcaccedilotildees girava em torno de 12 homens o que nos parece um resultado

bem razoaacutevel e coerente com os casos em que possuiacutemos o nuacutemero de marinheiros por

embarcaccedilatildeo

Neste mesmo documento Joseacute Cesar de Meneses remete mapa das embarcaccedilotildees

marinheiros e pescadores que possuem a capitania de Pernambuco a Corte Declara o

governador haver na ocasiatildeo sessenta e nove sumacas na capitania divididas da seguinte

forma

Tabela 5 - Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos portos do

Brasil

LOCAL QUANTIDADE

RECIFE

52

SIRINHAEM

3

IGARASSU

2

MEIRIM

1

SANTA LUZIA

4

GOIANAITAMARACAacute

2

RIO GRANDE

3

RUSSAS

1

249

AHU ndash PE Cx 120 D 9196

86

PARAIacuteBA

1

TOTAL

69 SUMACAS

Fonte AHU ndash PE Cx 120 D 9196

O documento eacute importante pois nos lanccedila pistas sobre o volume das sumacas

existentes na capitania aleacutem de nos informar que esta era o principal tipo de embarcaccedilatildeo

utilizada pelos comerciantes pernambucanos uma vez que no mesmo mapa na categoria de

ldquoclassesrdquo soacute constam mais dois tipos de barcos as corvetas que estatildeo em nuacutemero de seis e as

galeras com um uacutenico exemplar Ou seja praticamente todo o comeacutercio de navegaccedilatildeo seja

ele liacutecito ou natildeo feito em Pernambuco e suas anexas era realizado atraveacutes das sumacas que

como jaacute visto eram embarcaccedilotildees mais apropriadas para o comeacutercio de cabotagem

32 Os casos

Agora que jaacute sabemos quais produtos circulavam por estas rotas podemos nos deter

com mais detalhes na anaacutelise de alguns dos casos mais peculiares encontrados em nosso

acervo Devemos lembrar que a partir da segunda metade do seacuteculo XVIII a Coroa buscou

controlar de forma mais efetiva suas conquistas no Ultramar O comeacutercio nas colocircnias seraacute

alvo preferencial das poliacuteticas centralizadoras empreendidas neste contexto O ministro de D

Joseacute I iraacute demandar preciosa atenccedilatildeo agrave atividade comercial na tentativa de resgatar e reerguer o

comeacutercio com suas colocircnias o marquecircs buscaraacute se associar ao grupo mercantil que a eacutepoca jaacute

detinha vultosos cabedais passa entatildeo a conceder-lhes favores e privileacutegios antes reservados a

uma elite ligada a terra

O periacuteodo pombalino seraacute marcado pela alianccedila que iraacute unir a Monarquia ao grupo

mercantil 250

As mudanccedilas preconizadas por Pombal seratildeo fundamentais para a integraccedilatildeo

desses homens a chamada elite colonial Neste momento as capitanias mais destacadas do

Norte da Ameacuterica Portuguesa jaacute contavam com uma rede complexa de comeacutercio que se

estendia do Ultramar ao interior como assegura Russel-Woody ao afirmar que ldquoSalvador e

250

SAMPAIO Antonio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio e a coroa na construccedilatildeo das hierarquias sociais O

Rio de Janeiro na primeira metade do seacuteculo XVIII In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs)

Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 2010 P 462-463

87

Recife natildeo se apresentavam mais como meros portos de entrada para pessoas acometidas pela

febre do ouro expandindo igualmente seus alcances em relaccedilatildeo aos mercados internos para

produtos europeus e escravos africanosrdquo 251

Essa nova configuraccedilatildeo social que insere os homens de negoacutecio na elite traraacute junto a

si uma remodelagem nos equiliacutebrios sociais que foram construiacutedos ao longo da colonizaccedilatildeo

O que por ventura iraacute acarretar uma seacuterie de disputas entre os grupos que compunham esta

elite de um lado a nobreza da terra elite tradicional e histoacuterica do outro os homens de

negoacutecio elite mercantil indispensaacutevel para a execuccedilatildeo das reformas empreendidas pelo

governo pombalino O papel da Coroa nesse interim seraacute o de mediar os interesses e

apaziguar os conflitos agindo no sentido de garantir o funcionamento do sistema 252

A dinacircmica do comeacutercio em Pernambuco durante o periacuteodo estudado eacute complexa De

um lado temos um grupo mercantil jaacute bem estabelecido e detentor de amplo capital do outro

lado temos a implementaccedilatildeo na segunda metade do XVIII de dois organismos reguladores

do comeacutercio colonial a Mesa de Inspeccedilatildeo 253

e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba

Instituiccedilotildees criadas pela metroacutepole com o objetivo de assegurar maior controle sobre a

circulaccedilatildeo de riquezas dentro do Impeacuterio Portuguecircs canalizando-as para o Reino

Uma contradiccedilatildeo notoacuteria se estabelece entre os interesses reais e os interesses

coloniais Segundo a documentaccedilatildeo trabalhada e os recentes estudos sobre administraccedilatildeo

portuguesa no Ultramar percebemos que em Pernambuco tambeacutem se desenvolveu o processo

de aparelhaccedilatildeo das instituiccedilotildees administrativas ao atendimento dos interesses locais 254

Longos anos de autonomia das elites de Pernambuco de praacuteticas de direito oriundas de

questotildees especificas do cotidiano da Capitania de formas de realizar a riqueza no acircmbito do

local promoveram como era de se esperar muacuteltiplas reaccedilotildees

No bojo destas questotildees o contrabando como estrateacutegia de se esquivar do controle

imposto pela Coroa ganha forccedila Comecemos entatildeo a tratar sobre o contrabando de caixas de

accediluacutecar um dos produtos mais descaminhados do periacuteodo Muitos senhores de engenho se

251

WOOD-RUSSEL AJR Centros e periferias no Mundo Luso-Brasileiro1500-1808 Revista Brasileira de

Histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 n 361998 P 29 252

SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Op Cit P 462 253

A mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e Tabaco eacute criado em Pernambuco no ano de 1752 a instituiccedilatildeo reguladora

tinha como prerrogativa controlar a qualidade do accediluacutecar e do tabaco produzidos e comercializados na capitania

evitar fraudes e contrabandos agindo ainda na fiscalizaccedilatildeo e fixaccedilatildeo dos preccedilos bem como atuar no sentindo de

aumentar a cultura do accediluacutecar na capitania 254

SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do Recife agrave poliacutetica

pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime poderes e sociedades

Lisboa 2005 P 4

88

arriscaram em transaccedilotildees de venda direta de suas safras a comerciantes baianos Esses

produtores certamente se sentiam vexados em seus negoacutecios com a empresa jaacute que por

muitas vezes a direccedilatildeo da Companhia se negava a pagar o preccedilo estabelecido pela Mesa de

Inspeccedilatildeo bem como pagar os subsiacutedios sobre o produto que eram de sua responsabilidade O

contrabando com a Bahia aleacutem de dirimir os prejuiacutezos desse grupo tinha a vantagem de ser a

feito a dinheiro e natildeo a creacutedito fazendas ou letras como costumava fazer a Companhia

praacutetica que foi arduamente criticada pelos senhores de engenho ao longo do monopoacutelio

daquela empresa

Diversas satildeo as ocorrecircncias encontradas na documentaccedilatildeo que fundamentam nossa

afirmaccedilatildeo O contrabando de accediluacutecar era tatildeo notoacuterio e puacuteblico que no ano de 1780 o

contratador do subsiacutedio de accediluacutecar de Pernambuco pediu auxilio de tropas pagas ao

governador para que seus prejuiacutezos fossem dirimidos Segundo o contratador ele

experimentava muitos prejuiacutezos no dito contrato pois da Bahia vinham muitos barcos ldquoa esta

capitania carregar efeitos para aquela cidaderdquo 255

Afirmando o mesmo que jaacute haviam saiacutedo

naquele tempo de Pernambuco para Bahia ldquoquatro sumacas carregadas aleacutem de uma que

naufragourdquo 256

Ainda no mesmo ofiacutecio o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ter atendido ao

requerimento do contratador lhe concedendo ldquo24 soldados e um cabo os quais seguiram para

a vila das Alagoas a fim de evitar os extravios do accediluacutecarrdquo 257

Chegando a Ilha de Santo

Aleixo foram informados sobre duas sumacas que praticavam o pernicioso comeacutercio uma

das embarcaccedilotildees ldquocom muita prestezardquo conseguiu fugir soacute sendo possiacutevel capturar a outra

Esta outra embarcaccedilatildeo tinha por mestre Manoel Pavatildeo ldquoaquele celebre Pavatildeo que se tem feito

conhecido pelo exerciacutecio de extraviador de accediluacutecares desta capitania para Bahiardquo 258

que

aparece referenciado acima na tabela 1

De fato o nome do piloto Manoel Pavatildeo apareceraacute em outro ofiacutecio um ano antes

quando o Ouvidor das Alagoas Comarca anexa a Pernambuco iraacute relatar ao governador Joseacute

Cesar de Meneses sobre a audaacutecia praticada pelos mestres de embarcaccedilotildees e suas companhias

que se dedicavam ao comeacutercio descaminhado dando destaque naquela situaccedilatildeo para a figura

255

AHU ndash PE Cx 137 D 10197 256

Idem 257

Idem 258

Idem

89

de Pavatildeo O mestre acabou sendo preso naquela ocasiatildeo e condenado a pagar pena na cadeia

de Recife pelo crime de ldquoextraviador de efeitos para fora desta capitaniardquo 259

Segundo a devassa tirada pelas autoridades Pavatildeo era um sujeito de 44 anos casado

branco natural da Ilha de San Miguel e que ldquovivia de andar embarcado por mestre de

sumacasrdquo 260

Haacute dois anos se encontrava empregado no posto de mestre da sumaca

apreendida e durante este tempo fez nela seis viagens Sendo quatro viagens para as Alagoas

aportando em Jaraguaacute e duas viagens a Cururipe lugares do governo da capitania de

Pernambuco No processo tambeacutem consta que o mestre carregara durante essas seis viagens

90 caixas de accediluacutecar bem como madeiras que foram desembarcadas as primeiras levas no

Trapiche de Maciel (Bahia) e a uacuteltima a bordo de um navio no porto da Bahia estrateacutegia

utilizada pelo piloto para fugir da fiscalizaccedilatildeo que o governador baiano estava promovendo na

ocasiatildeo

Quando da ldquotomadia da sumacardquo em que era mestre a dita estava carregada com dez

caixas de accediluacutecar 261

que segundo Pavatildeo seriam levadas a Bahia mas antes ele pretendia fazer

uma parada no porto de Cururipe a fim de carregar madeiras O caso de Pavatildeo natildeo foi

exceccedilatildeo em nosso acervo contamos com outros documentos em que mestres ou marinheiros

destas sumacas acabam sendo detidos e se inicia processo investigativo para posterior

julgamento esse tipo de documento atesta como este ramo potencialmente ilegal do

mercadejar acabou se tornando meio de vida para uma parcela significativa de indiviacuteduos que

engendrados em suas teias faziam da ilicitude rotina Como no caso de Pavatildeo que como era

sabido pelas autoridades reais ldquohaacute anos se ocupardquo do exerciacutecio de extraviador

Muitos foram os ofiacutecios trocados entre as autoridades pernambucanas e a Corte a

respeito das medidas para tentar evitar o grande extravio de accediluacutecar durante o periacuteodo Em

ofiacutecio do ano de 1778 por exemplo o governador Joseacute Cesar de Meneses se queixaraacute da

ldquoescandalosa relaxaccedilatildeo com que nesta capitania se estatildeo fazendo os maiores contrabandos e

extravios de accediluacutecar e outros gecircnerosrdquo 262

que tinham como destino ldquoo porto da Bahia e outros

do continente da Ameacutericardquo 263

Para continuarmos no ano de 1778 em ofiacutecio enviado ao

Reino pelo ouvidor da Comarca das Alagoas este iraacute afirmar que na praia da Barra-Grande

haviam cerca de 100 caixas de accediluacutecar apreendidas a diversos comerciantes que a direccedilatildeo da

259

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 260

Idem 261

O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria

no momento da apreensatildeo 262

AHU ndash PE Cx 131 D 9892 263

Idem

90

Companhia deveria ldquomandar conduzir sem perda de tempo por seu proveitordquo 264

jaacute que as

mesmas estavam mal condicionadas e corriam o risco de se estragar

Em outro ofiacutecio em que trata do mesmo tema o ouvidor daacute detalhes sobre os

descaminhos de accediluacutecar realizados atraveacutes da Ilha de Santo Aleixo e da freguesia de Una

relatando a ousadia desses grupos que se utilizavam de diversas artimanhas para se verem

livres dos embaraccedilos causados no caso de apreensatildeo Afirma o oficial que os grupos

envolvidos naquele tipo de comeacutercio estavam ldquocada vez mais animados e atrevidos procuram

a saiacuteda dos efeitos por todos os modos e artes e forccedila pois jaacute se preparam armados e

associados para resistiremrdquo 265

A audaacutecia destes homens era tamanha que por vezes mesmo

apoacutes a apreensatildeo de seus barcos e caixas de accediluacutecar se empenhavam de todos os modos para

recuperar as mercadorias ou simplesmente fugir da tutela das autoridades como podemos

perceber em dois casos relatados pelo mesmo ouvidor da Comarca de Alagoas

O primeiro diz respeito a uma sumaca de invocaccedilatildeo Nossa Senhora do Rosaacuterio Flor de

Satildeo Miguel de quem era dono um comerciante na Bahia Ao entrar no porto de Barra Grande

a sumaca passou por fiscalizaccedilatildeo do meirinho geral da correiccedilatildeo que lhe apreendeu doze

caixas de accediluacutecar 266

bem como por medida de precauccedilatildeo e seguindo as ordens do ouvidor lhe

foi retirado o leme e colocado em poder de um morador da praia vizinha O ouvidor durante

este processo prontamente fez expedir ordem para o procurador da Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba por em arrecadaccedilatildeo as caixas de accediluacutecar apreendidas No entanto a

astuacutecia dos contrabandistas era tanta que ldquoem noite de 3 de abril precedente o mestre e a

maior parte de sua companhia vieram a terra e violentamente arrancaram o leme e

conduzindo-o a bordo levantaram acircncorardquo 267

de acordo com o ouvidor seguiram para a ldquoIlha

de Santo Aleixo porto livre e seguro destes levantadosrdquo 268

O segundo caso relatado eacute ainda de maior atrevimento Duas sumacas pertencentes a

comerciantes da Praccedila pernambucana ambas com despacho para Bahia deram fundo no porto

de Santo Antocircnio Grande Passando pela fiscalizaccedilatildeo se apreendeu junto a primeira sumaca

30 caixas de accediluacutecar jaacute a segunda ldquose achava em lastrordquo 269

ou seja estava naquele momento

sem mercadorias Na tentativa de se prevenir possiacuteveis fugas as autoridades retiraram os

264

AHU ndash AL Cx 3 D220 265

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 266

O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria

no momento da apreensatildeo 267

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 268

Idem 269

Idem

91

panos das velas das duas embarcaccedilotildees e mais uma vez foi comunicado a Companhia a

apreensatildeo das duas embarcaccedilotildees

O mestre da segunda embarcaccedilatildeo requereu diversas vezes autorizaccedilatildeo para carregar

em Pernambuco ldquoe por que se obrigou a dar fianccedila o procurador da Companhia nesta feacute lhe

baldeou para a sumaca as 30 caixas apreendidas na outrardquo 270

no entanto antes que se

concluiacutesse a carga o mestre e o restante dos marinheiros foram a terra e arrombaram a casa do

depoacutesito ldquodonde sacaram o pano que conduzido a bordo e acabado de carregar com caixas dos

contrabandistas deram a vela para a cidade da Bahiardquo 271

tudo isto ocorreu durante a noite

agindo o grupo sem ser percebido

Em ofiacutecio tambeacutem do ano de 1778 da Junta da Companhia em Portugal enviada ao

governo de Pernambuco eacute relatado caso de semelhante audaacutecia Afirma a Junta que estando

duas sumacas no Cabo de Agostinho em Pernambuco carregando caixas de accediluacutecar e outros

efeitos foi o Guarda Mor da praccedila ateacute elas fazer a apreensatildeo do dito material no entanto o

mestre da primeira sumaca em que entrou o Guarda ldquonatildeo soacute o resistiurdquo 272

a apreensatildeo como

tambeacutem apoacutes iccedilar a vela da embarcaccedilatildeo quis lanccedilar o Guarda Mor ao mar o que soacute natildeo fez

ldquopor compaixatildeordquo 273

o mandando lanccedilar em terra

Neste mesmo documento eacute relatada outra artimanha utilizada pelos contraventores

Nele eacute narrado que sendo apreendido um barco que tinha como porto de origem a Bahia

carregado com 37 caixas um feixe e um cunhete de accediluacutecar e mais 126 couros salgados na

embarcaccedilatildeo foram encontrados ldquodois despachos um de madeira para a dita cidade e outro

para o caso de ser apreendido dizer que trazia os ditos efeitos para Pernambucordquo 274

O mestre

desta embarcaccedilatildeo segundo as autoridades era um contrabandista experiente no mesmo ano

segundo consta no documento o tal mestre havia desembarcado perto da praia de Maria de

Farinha em Pernambuco ldquofazendas e escravosrdquo 275

Parece que a fuga da tripulaccedilatildeo apoacutes a apreensatildeo natildeo era coisa rara pois encontramos

em 1769 relato do governador de Pernambuco a eacutepoca o Conde de Povolide afirmando que

havia expedido ordens para que se apreendesse uma sumaca que estava no porto de

Camaragibe carregando caixas de accediluacutecar enviando para tal serviccedilo o Porta Bandeira

Francisco de Oliveira Chegando ao local o oficial fez o sequestro da embarcaccedilatildeo que no

270

Idem 271

Idem 272

AHU ndash PE Cx128 D 9737 273

Idem 274

Idem 275

Idem

92

momento da apreensatildeo estava carregada com 18 caixas e dois feixos de accediluacutecar 276

e prendeu

na mesma ocasiatildeo o mestre da embarcaccedilatildeo o senhor Joseacute dos Santos

No entanto por ldquodescuidordquo ou ldquomaliacuteciardquo dos sentinelas que faziam a guarda do preso

este conseguiu escapar indo ateacute sua sumaca e empreendendo fuga Poreacutem ldquoao sair da baiacutea

pela perturbaccedilatildeo que lhe causava a fuga deram em uns recifes de pedrasrdquo 277

Mesmo assim a

tripulaccedilatildeo conseguiu fugir utilizando as lanchas da embarcaccedilatildeo ldquotomando o caminho da

Bahia fugitivosrdquo 278

Os oficiais reacutegios envolvidos no caso tentaram ainda ir atraacutes da

tripulaccedilatildeo mas natildeo foi possiacutevel ldquopor irem jaacute mui avanccedilados na retiradardquo 279

ficando para traacutes

apenas um marinheiro ldquoque cansou no caminhordquo 280

e que foi levado para a cadeia da vila

Por vezes os contrabandos de accediluacutecar e de outros gecircneros entre as capitanias de Bahia

e Pernambuco iratildeo gerar certo conflito entre as autoridades das capitanias vizinhas que ao

que a documentaccedilatildeo tem nos mostrado usualmente discordavam sobre a questatildeo dos limites

territoriais e fiscais circunstacircncias e locais que caracterizavam o contrabando Devemos levar

em conta que as situaccedilotildees de mercado de Bahia e Pernambuco a eacutepoca eram bastante

distintas pois mesmo tendo sido capital da colocircnia ateacute o ano de 1763 e importante praccedila

comercial durante o XVIII a Bahia natildeo contava com uma companhia monopolizadora tendo

como instituiccedilatildeo fiscalizadora apenas uma Mesa de Inspeccedilatildeo 281

Dessa forma natildeo estava a

Bahia sujeita as regulamentaccedilotildees e restriccedilotildees comerciais impostas a Pernambuco e suas

anexas

Vejamos com maiores detalhes o caso da sumaca Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo Santo

Antocircnio e Almas conhecida com a ldquoescorregardquo que foi uma dessas ocorrecircncias envolvendo

controveacutersias entre as autoridades de Bahia e de Pernambuco arrolada por noacutes O imbroacuteglio

comeccedila com a apreensatildeo da embarcaccedilatildeo no dia dois de abril de 1780 quando o entatildeo

governador da capitania pernambucana Joseacute Cesar de Meneses apoacutes receber denuacutencia do

Intendente da Companhia Geral acerca de uma sumaca vinda da Bahia que estava ancorada

276

O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria

no momento da apreensatildeo 277

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 278

Idem 279

Idem 280

Idem 281

Sobre isto ver KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da

Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime

poderes e sociedades Lisboa 2005 P 1

93

no distrito de Goiana a carregar caixas de accediluacutecar envia um tenente e oito soldados de tropas

pagas ao local para fazer a apreensatildeo e tomar as providecircncias cabiacuteveis 282

Apoacutes a apreensatildeo a embarcaccedilatildeo que pertencia ao negociante baiano Antocircnio Joseacute

Roberto eacute enviada para a Vila de Recife onde Joseacute Cesar solicita que o juiz de fora do local

faccedila inventaacuterio de toda a carga confiscada Depois desse primeiro passo as caixas de accediluacutecar

encontradas na embarcaccedilatildeo satildeo avaliadas pelo presidente da Mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e

Tabaco e por fim a carga completa eacute enviada para os depoacutesitos da Companhia Geral que seria

depositaacuteria da mesma ateacute o momento da decisatildeo real No momento da apreensatildeo a sumaca

estava carregada com 81 caixas de accediluacutecar escravos cunhetes feixos de accediluacutecar e outras

miudezas como ldquoum barril de mel latas de tabaco duas peccedilas de cetim azul com flores

brancasrdquo 283

a lista de ldquomiudezasrdquo eacute grande assim como a confusatildeo gerada pelo caso

A carga retida era significativa o inventaacuterio expotildee que as mercadorias pertenciam a

carregadores diversos o que iraacute dificultar a identificaccedilatildeo destes homens aleacutem disso esta

tarefa se tornava mais complicada ldquopor costumar ser aqueles homens sertanejos que dela vem

de partes muito remotas a comprar fazendas para andarem mascateando pelos dilatados

sertotildees deste continenterdquo 284

As autoridades locais natildeo foram capazes de reconhecer todas as

marcas inseridas nos produtos e nem o dono da embarcaccedilatildeo se demonstrou interessado em

colaborar

Destacamos que a sumaca tambeacutem estava transportando passageiros que levavam

consigo cargas particulares este fato intricou ainda mais o processo pois se fez necessaacuterio

separar e inventariar estes volumes tambeacutem Os produtos e mercadorias transportados por

aquelas pessoas eram diversos A lista incluiacutea artigos como couros farinha manteiga armas

somas em dinheiro entre outros Alertamos tambeacutem para a presenccedila de carga humana o

capitatildeo Gabriel Alvarez Lima por exemplo levava ldquo17 escravos novos a saber 9 fecircmeas e 8

machosrdquo 285

outro viajente o Sr Antocircnio Pereira de Melo carregava ldquo7 escravos novos e um

ladinordquo 286

aleacutem destes dois exemplos no momento da apreensatildeo outros passageiros tambeacutem

transportavam na ldquoescorregardquo seus escravos particulares

Respondendo ao primeiro contato do governador pernambucano o Conselho

Ultramarino em 9 de julho de 1780 aprova suas accedilotildees e demandam que toda a carga fosse

282

AHU- PE Cx 136 D 10147 283

AHU- PE Cx 137 D10234 284

AHU- BA Cx 181 D 13481 285

AHU- PE Cx 136 D 10147 286

Idem

94

transferida para posse do desembargador intendente geral dos contrabandos ateacute que a devassa

iniciada na Bahia estive concluiacuteda Paralelamente a devassa baiana Joseacute Cesar lanccedila

instruccedilotildees para que o ouvidor da Paraiacuteba instaure na comarca tambeacutem uma devassa para

averiguar o caso Neste interim o dono da embarcaccedilatildeo o Sr Antocircnio Joseacute Roberto solicita

ao governador que a sumaca lhe fosse devolvida para que ele natildeo amargasse tantas perdas

com a embarcaccedilatildeo parada O pedido eacute atendido mediante pagamento da quantia de um conto e

vinte e cinco mil reis segurado por ldquofiadores idocircneosrdquo da praccedila Vale ressaltar que junto ao

valor da embarcaccedilatildeo se acresceu o valor de quatro escravos ldquoa ela pertencentesrdquo 287

Natildeo temos conhecimento a respeito da devassa iniciada pelo ouvidor da Paraiacuteba nem

mesmo se em algum momento ela chegou a se realizar 288

Jaacute sobre a devassa ocorrida na

Bahia possuiacutemos maiores detalhes A embarcaccedilatildeo que tinha como mestre no momento da

apreensatildeo Joaquim Antocircnio recebeu guia autorizando sua partida de Salvador em lastro isto

eacute sem mercadorias Durante o periacuteodo de averiguaccedilatildeo da situaccedilatildeo o dono da sumaca foi

preso no entanto antes que se fosse decidido sobre os rumos do processo o mesmo pagou

fianccedila e foi liberado 289

Durante o processo de devassa foi lavrado um libelo acusatoacuterio culpando o reacuteu pelo

crime de contrabando Os ministros que cuidaram do caso afirmavam neste documento que

Antocircnio Joseacute Roberto teria despachado a ldquoescorregardquo em lastro ldquopara vila de Goiana com o

pretexto de ir conduzir efeitos para esta cidaderdquo 290

por isso teria o acusado conseguido junto

agrave alfacircndega passaporte e os despachos necessaacuterios 291

middot No entanto durante a anaacutelise do caso

parece claro para os ministros que o dono da embarcaccedilatildeo havia agido ldquocom dolo manifestordquo

pois ldquofizera navegar por aquele mesmo tempo a dita sumaca carregada de escravos fazendas

caixas de accediluacutecar feixes cunhetes e outras miudezasrdquo 292

das quais natildeo possuiacutea as guias nem

os despachos necessaacuterios

Os ministros tambeacutem afirmam que o porto de Goiana fazia parte da aacuterea monopolizada

pela Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba logo ldquonatildeo podia o reacuteu nem devia fazer

conduzirrdquo 293

da Bahia para laacute as mercadorias encontradas a bordo da sumaca Este fato era de

287

AHU ndash PE Cx 137 D 10234 288

Ateacute o momento soacute foi possiacutevel localizar nos arquivos documentos que atestam a ordem dada pelo governador

Joseacute Cesar de Meneses ao Ouvidor da Paraiacuteba no entanto natildeo sabemos se esta foi atendida nem o que dela se

apurou 289

AHU- BA Cx 181 D 13481 290

Idem 291

Idem 292

Idem 293

Idem

95

conhecimento geral pois existiam ldquomuitas ordens expedidas sobre a mesma proibiccedilatildeordquo por

isso Antocircnio Joseacute Roberto estava ldquoincurso nas penas de perdimento (das mercadorias) e as

mais estabelecidas ao mesmo respeito pelo foral da alfacircndega enquanto aos ditos despachos e

direitos que se deveriam pagarrdquo 294

Fica evidente na documentaccedilatildeo que o comerciante baiano era um homem articulado e

que possuiacutea bons contatos dessa forma o mesmo recorre do libelo acusatoacuterio expedido a

princiacutepio Sua defesa se centrou em trecircs pontos O primeiro deles afirmava que era costume

amplamente praticado principalmente no caso de sumacas despacharem em lastro e depois

receberem mercadorias O reacuteu afirmou que as guias de tais produtos natildeo eram tiradas pois

ldquoera costume praticado por todos natildeo levarem guias das fazendas carregadas para os sertotildees e

lugares onde natildeo haacute alfacircndegasrdquo 295

e declarou ainda que ldquonatildeo haacute proibiccedilatildeo alguma de

carregar fazendas e outros efeitosrdquo 296

para os sertotildees jaacute que estes jaacute tinham pagado os

direitos fazendaacuterios nos seus portos de origem por isso ldquoa todos era permitida essa liberdaderdquo

297

Cabe destacar que no seu discurso de defesa o reacuteu insiste em frisar que o porto de

Goiana era um porto sertanejo logo natildeo sujeito ao monopoacutelio comercial praticado pela

Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto sabia que os limites de accedilatildeo

da empresa natildeo se estendiam as terras dos sertotildees No entanto eacute curioso observar que ainda

em sua defesa o acusado iraacute afirmar ter recebido notiacutecia de ldquopessoas fidedignas de

Pernambucordquo 298

que a Companhia estava extinta e que por isso se animou em carregar sua

embarcaccedilatildeo para a capitania de Pernambuco Tambeacutem declarou a seu favor que quando ficou

sabendo que a empresa ainda existia natildeo vendeu as mercadorias na capitania pernambucana

logo natildeo teria cometido o crime de contrabando

Ora os discursos se natildeo contraditoacuterios ao menos satildeo incongruentes em primeiro lugar

afirmou o negociante que aquele tipo de comeacutercio praticado nos ldquosertotildeesrdquo era livre a todos

depois declarou natildeo ter vendido suas mercadorias em Goiana para natildeo ofender o monopoacutelio

da Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto na tentativa de obter

294

Idem Sobre funcionamento administraccedilatildeo e regulamento da Alfacircndega de Pernambuco no seacuteculo XVIII

consultar OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e

tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash

Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 295

AHU - BA Cx 181 D 1348 296

Idem 297

Idem 298

Idem

96

absolviccedilatildeo a todo custo se utiliza das duas foacutermulas de forma que se a primeira falhasse

ainda ficava o reacuteu resguardado de natildeo ter praticado descaminhos da Real Fazenda

Outro ponto explorado pelos advogados do acusado em sua defesa diz respeito ao fato

de que o Procurador Geral da Companhia o senhor Manoel Joseacute de Carvalho natildeo reclamou

durante o processo de construccedilatildeo da devassa os direitos devidos da empresa no caso mesmo

que este pedido tenha sido feito pelos ministros que julgaram a situaccedilatildeo Natildeo sabemos se por

omissatildeo por conluio ou mesmo por natildeo acreditar ter se cometido no caso o crime de

contrabando o procurador nada declara a favor da empresa

No entanto eacute interessante analisarmos o comportamento do procurador tendo em

vista o principal e uacuteltimo argumento utilizado pelo reacuteu para se ver livre das acusaccedilotildees de

contrabando e descaminhos Afirmara Antocircnio Joseacute Roberto que ldquoa maior parte das caixas de

accediluacutecarrdquo 299

carregadas pela sumaca ldquoiam a entregar a Francisco Joseacute de Fonsecardquo 300

nada

mais nada menos que o proacuteprio tesoureiro da Companhia Geral e os demais efeitos seriam

entregues ldquoa diversas pessoas e negociantes todos moradores na Vila do Reciferdquo 301

De

acordo com o dono da embarcaccedilatildeo esta informaccedilatildeo estava contida nos cadernos que

transportava e posteriormente na relaccedilatildeo da carga feita pelo escrivatildeo da Conservatoacuteria da

Companhia onde era possiacutevel observar que ldquotoda a referida carga era pertencente a pessoas

daquele continenterdquo 302

A defesa do reacuteu parece ter surtido efeito jaacute que Antocircnio Joseacute Roberto foi condenando

apenas ldquono perdimento das fazendas achadas a bordo da sumacardquo 303

isto porque segundo os

ministros julgaram o costume de natildeo transportar guias das fazendas transportadas aos

pequenos portos que natildeo contavam com aparato alfandegaacuterio eram ldquoverdadeiramente abusos

e transgressotildees das reais ordensrdquo 304

Uma vez que era sabido que tirar as guias era necessaacuterio

natildeo soacute para legitimar as descargas dos produtos nos seus portos de destino mas tambeacutem para

que fosse possiacutevel identificar em qualquer parte que ldquotiveram despachos de entrada na

Alfacircndega e pagaram entatildeo os devidos direitosrdquo 305

Fora isso o reacuteu eacute absolvido de todas as acusaccedilotildees contidas no Libelo acusatoacuterio

inclusive do crime de contrabando Aleacutem da perda das fazendas ao acusado eacute ordenado o

299

Idem 300

Idem 301

Idem 302

Idem 303

Idem 304

Idem 305

Idem

97

pagamento das custas do processo 306

Pelo que podemos entender atraveacutes da leitura do

documento os escravos transportados no momento da apreensatildeo natildeo foram apreendidos pela

Real Fazenda provavelmente os ministros aceitaram a defesa do reacuteu sobre esta mateacuteria que

alegava baseado em carta reacutegia de 30 de junho de 1766 e Alvaraacute de 3 de marccedilo de 1770 que

ldquose natildeo devem direitos de saiacuteda de escravos levados para as lavouras e demais serviccedilos das

terras dos recocircncavos e sertotildeesrdquo 307

A sentenccedila inicial eacute contestada pelo reacuteu em sua defesa iraacute afirmar que as fazendas que

estavam sem as devidas guias foram todas compradas a ldquoManoel Duratildees Sampaio o qual a

despachara na alfacircndega e que se achavam seladasrdquo 308

Segundo o comerciante baiano esta

informaccedilatildeo foi omitida na relaccedilatildeo das fazendas feita no ato da apreensatildeo No entanto a

reconsideraccedilatildeo natildeo eacute aceita pelos ministros fica entatildeo decidido que ldquocumpra-se a sentenccedila

embargadardquo e que o reacuteu arque com as custas do processo 309

Pelo exposto ateacute o momento pode-se perceber como a devassa feita na Bahia acaba

por contrariar a apreensatildeo feita pelo governador Pernambucano e as demais autoridades

reacutegias da capitania que primeiro averiguaram o caso e ao que demonstra a documentaccedilatildeo

pareciam natildeo ter duacutevidas quanto agrave existecircncia da praacutetica do contrabando no caso da

ldquoescorregardquo uma vez que Goiana fazia parte do governo de Pernambuco onde a Companhia

Geral exercia seu monopoacutelio desde 1759

A contrariedade de opiniotildees das autoridades eacute notoacuteria Em ofiacutecio enviado ao Reino em

trecircs de outubro de 1780 onde trata sobre as providecircncias tomadas localmente a respeito do

caso Joseacute Cesar de Meneses afirma ter dado ordens ao ouvidor da Comarca da Paraiacuteba para

que se achem ldquoos culpados no contrabando da referida sumacardquo 310

Apoacutes a devassa realizada

na Bahia em 1781 sobre a situaccedilatildeo da ldquoescorregardquo iraacute o governador baiano o Marquecircs de

Valenccedila concluir que ldquopela sentenccedila proferida contra esse reacuteu (Antocircnio Joseacute Roberto) se

conhece bem a razatildeo porque natildeo tiveram descaminhos os reais direitosrdquo 311

Como jaacute dito anteriormente os conflitos entre as autoridades das duas capitanias natildeo

eram raros No ano de 1778 por exemplo o governador pernambucano se queixaraacute dos

306

De acordo com as ordenaccedilotildees Filipinas em Livro III Tiacutetulo LXVII quando proferida a sentenccedila final em

qualquer tipo de caso de todas as qualidades o juiz deveria condenar pelo menos no pagamento das custas do

processo o reacuteu nos casos onde o reacuteu era absolvido o autor do processo deveria arcar com esse custo 307

Idem 308

Idem 309

Idem 310

AHU - PE Cx 138 D 10248 311

AHU - BA Cx 138 D 10248

98

procedimentos adotados pelo administrador da Companhia Geral que por motivo

desconhecido se encontrava na Bahia Joseacute Cesar de Meneses faraacute seacuterias denuacutencias contra o

comportamento do administrador segundo o mesmo ldquoo administrador da Companhia Geral

que estaacute na Bahiardquo onde afirmava o governador natildeo possuir jurisdiccedilatildeo ldquonatildeo cumpre como

deve as suas obrigaccedilotildees nem cuida com verdadeiro zelo nos interesses da companhiardquo 312

O governador ainda afirmaraacute que ldquosoacute o administrador da Bahia eacute que pode com pouco

custo evitar a continuaccedilatildeo dos contrabandos e extravios dos gecircneros desta capitaniardquo 313

Joseacute

Cesar acusava o administrador de natildeo ter interesse em acabar com os contrabandos visto que

para ele a medida mais eficaz para seu combate era o de natildeo permitir a entrada na capitania

baiana dos barcos que saiam ilegalmente de Pernambuco accedilatildeo que segundo o governador natildeo

desempenhava o tal administrador 314

Em ofiacutecio do ano posterior a questatildeo da falta de jurisdiccedilatildeo na Bahia voltaraacute a tona

Segundo Joseacute Cesar o governo da Bahia andava em grande relaxaccedilatildeo no combate aos

contrabandos e ao inveacutes de conter as ilicitudes agia em sentido oposto ldquoautorizando-se a

introduccedilatildeo dos escravos que para ela se transportam da dita cidade (Recife)rdquo 315

Neste

documento como anexo encontra-se guia autorizada pelo governador da Bahia a eacutepoca

Manoel da Cunha Meneses permitindo que um comerciante baiano transportasse para

Pernambuco vinte seis escravos e quatorze escravas Accedilatildeo totalmente proibida pelos estatutos

da Companhia

Eacute patente o desinteresse das autoridades baianas em repreender tais atos O que natildeo

podemos afirmar com total certeza eacute se tal desinteresse estava relacionado aos ganhos

oriundos daquele tipo de comeacutercio para a capitania soteropolitana ou se realmente os agentes

reacutegios baianos acreditavam que aquelas negociaccedilotildees eram de fato legais Nosso palpite

baseado na pesquisa exaustiva aos documentos nos leva a crer que fosse um pouco das duas

coisas Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais nos contrabandos no proacuteximo

capiacutetulo

Retomando a anaacutelise do processo da ldquoescorregardquo conseguimos identificar dentro do

acervo dos avulsos do Arquivo Histoacuterico Ultramarino para Pernambuco uma carta do reacuteu

cerca de quatro meses apoacutes a finalizaccedilatildeo da devassa recorrendo de sua sentenccedila Vale

ressaltar que nesse momento ano de 1781 o monopoacutelio comercial da Companhia Geral havia

312

AHU- PE Cx 131 D 9892 313

Idem 314

Idem 315

AHU- PE Cx 132 D9955

99

sido extinto Neste documento Antocircnio Joseacute Roberto solicita que seja devolvida sua sumaca

com a respectiva carga que lhe foi ldquoinjustamente apreendida no porto de Goianardquo 316

e da

qual ele estava ldquoapartado haacute ano e meiordquo 317

O pedido feito pelo comerciante se respalda na sentenccedila positiva que o mesmo havia

conseguido junto aos ministros responsaacuteveis pela devassa na capitania da Bahia que julgaram

na ocasiatildeo ldquomal feita a tomadiardquo realizada pelo governador pernambucano A carta eacute extensa

e reuacutene coacutepias de outros documentos relativos ao caso o que torna um pouco confusa a

narrativa no entanto nos oferece informaccedilotildees preciosas como por exemplo a indicaccedilatildeo de

que Antocircnio Joseacute Roberto viajou ao Reino para recorrer da sentenccedila pois afirma o mesmo

que na Bahia jaacute havia obtido sentenccedila favoraacutevel e ldquono transporte a esta corte onde haacute dois

meses e meio (estou) como forasteiro diligenciando chegar a real presenccedila de V Majestaderdquo

318 continua afirmando se antepor a sua Majestade ldquopedindo somente justiccedilardquo

319

Recorria entatildeo o comerciante baiano por obter de volta suas caixas de accediluacutecares

couros e solas que estavam retidos nos armazeacutens da ldquoextinta Companhiardquo em virtude dos

muitos ldquoprejuiacutezos que tem sentindordquo 320

aleacutem da carga principal que estava em posse da

Companhia existia tambeacutem uma caixa carregada de fazendas sob os cuidados do

Superintendente Geral dos contrabandos Antocircnio Joseacute Roberto tambeacutem iraacute pleitear a

devoluccedilatildeo deste conteuacutedo Segundo o mesmo a caixa continha ldquouma insignificante porccedilatildeo de

fazendardquo 321

que os ministros haviam se esquecido de julgar e por isso a mercadoria

continuava apreendida a favor da Fazenda Real O argumento utilizado por Antocircnio Joseacute

Roberto na apelaccedilatildeo seraacute o mesmo aplicado durante o processo de devassa onde afirma natildeo

ser costumeiro levar guias de fazendas para ldquoportos onde natildeo haacute alfacircndegardquo 322

Sobre o conteuacutedo existente na caixa iraacute afirmar o comerciante que todas as

mercadorias contidas nela foram ldquodespachadas e seladas pela alfacircndega da Bahiardquo no entanto

a relaccedilatildeo que dela consta em dois documentos que tratam sobre o caso contestam essa

versatildeo Como podemos ver a seguir

316

AHU- PE Cx 0142 D 10475 317

Idem 318

Idem 319

Idem 320

Idem 321

Idem 322

Idem

100

Lista 1 ndash Fazendas encontradas na caixa

RELACcedilAtildeO DAS FAZENDAS CONTIDAS NA CAIXA

Duas peccedilas de cetim azul claro com flores brancas caixa da faacutebrica (real) ndash 101 cocircvados com

armas reais de tinta preta ndash sem selo

Duas peccedilas de camelotildees listrados ndash 80 cocircvados - com selo da alfacircndega da Bahia

Sete peccedilas de chitas encarnadas do norte ndash 170 fardas - seis peccedilas com selo da alfacircndega da

Bahia e uma sem selo

Sete peccedilas da costa - 147 jardas - com selo da alfacircndega da Bahia

Um retalho de riscado de linho - seis cocircvados - sem selo

Cinco pares de meias de algodatildeo velhas

Um lenccedilol de Hamburgo

Trecircs sacos

Duas camisas de estopa velhas

Uma toalha de Hamburgo velha

Um calccedilatildeo de ldquoduraquerdquo

Um atadouro

Duas guarniccedilotildees de camisa de caccedila

Uma caixa de papel

Trecircs navalhas de barba

Uma pedra de afiar

101

Um estojo de baeta

Uma garrafa vazia

Fonte AHU- PE Cx 0142 D 10475 AHU- PE Cx 137 D10234

Como podemos observar a tal caixa continha aleacutem de umas poucas fazendas produtos

para uso pessoal alguns jaacute bastante utilizados No entanto desses poucos tecidos nem todos

apresentavam os devidos selos reais muito provavelmente por este motivo a carga

permaneceu apreendida A apelaccedilatildeo enfaacutetica de Antocircnio Joseacute Roberto pela devoluccedilatildeo

daquele conteuacutedo que ele mesmo declara como ldquoinsignificante resto de fazendasrdquo 323

pode

nos parecer em um primeiro momento estranha mas devemos lembrar que durante todo o

desenrolar do caso o comerciante teve muitos prejuiacutezos jaacute que aleacutem de perder seus produtos

ainda teve que pagar as custas do processo

Aleacutem disso devemos ter em foco que a aquisiccedilatildeo e uso de produtos pessoais no seacuteculo

XVIII se dava de maneira bem distinta dos moldes contemporacircneos A vida uacutetil de peccedilas de

roupa por exemplo era bastante extensa portanto apesar de ldquovelhasrdquo as vestimentas

poderiam continuar a ser utilizadas ainda por um bom tempo Outros objetos como sacos

navalhas garrafa toalhas lenccediloacuteis etc tambeacutem possuiacuteam existecircncia longa sendo utilizados ao

longo de toda a vida Ateacute o momento natildeo conseguimos mapear junto ao nosso conjunto

documental a resposta do Reino a este pedido portanto natildeo temos certeza se ele foi atendido

Aleacutem de revelar aspectos da dinacircmica comercial entre Pernambuco e Bahia durante a

segunda metade do seacuteculo XVIII o caso da ldquoescorregardquo demonstra as disputas de poder

envolvendo as autoridades das capitanias vizinhas resultado de um quadro de sobreposiccedilatildeo de

jurisdiccedilotildees comum em toda a Ameacuterica Portuguesa De acordo com a documentaccedilatildeo a

capitania baiana parece ter saiacutedo ldquovencedorardquo nesta competiccedilatildeo de conflitos de interesses

uma vez que apesar dos esforccedilos empreendidos pelas autoridades pernambucanas no caso

que pareciam estar seguros sobre a existecircncia do crime de contrabando na ocorrecircncia e que

foram responsaacuteveis pela apreensatildeo catalogaccedilatildeo da carga informe sobre a situaccedilatildeo para a

Coroa e primeiras investigaccedilotildees a decisatildeo final ficou cingida aos ministros baianos Ministros

esses que ao julgarem posteriormente o caso acabaram por inocentar o reacuteu do crime de

contrabando

323

Idem

102

O contrabando de couros solas e outros gecircneros vindos do sertatildeo tambeacutem teraacute

destaque junto a documentaccedilatildeo coletada Em ofiacutecio do ano de 1778 o governador de

Pernambuco daacute conta ao Reino da apreensatildeo que fez de uma sumaca que vinda da Bahia foi

capturada no Rio Grande do Norte lugar do governo da capitania de Pernambuco A sumaca

que se chamava ldquoSagrada Famiacuteliardquo ao que consta vinha da Bahia carregada de contrabandos

que ldquoestava trocando nestes portos por diversos gecircneros como fosse tabaco e courosrdquo 324

segundo o documento depois de trocar tais produtos a sumaca iria para Bahia da Traiccedilatildeo

ldquocarregar pau-brasil para alguns dos portos estrangeirosrdquo 325

O governador toma ciecircncia do caso e envia uma tropa para apreender a embarcaccedilatildeo

Como o piloto da mesma ldquoandava oculto nesta praccedila logo que soube do embarque da tropa

partiu a dar aviso a dita sumacardquo 326

assim que souberam da notiacutecia os tripulantes da

embarcaccedilatildeo iccedilaram as velas e tentaram fugir no entanto devido ao pouco vento que se fazia

no momento natildeo conseguiram seguir com a sumaca e a abandonaram no local Parte da

tripulaccedilatildeo conseguiu escapar atraveacutes das lanchas do barco e levaram consigo ldquoalgumas

canastrasrdquo que acreditava o governador serem restos das fazendas de contrabando

A sumaca foi apreendida e levada para o porto do Recife onde foi inventariada pelo

Juiz de Fora da Praccedila No momento da ldquotomadiardquo a embarcaccedilatildeo estava carregada com 1052

arrobas de tabaco 220 couros de boi em cabelo e 11 barris de mel Os cinco marinheiros que

natildeo conseguiram fugir foram levados para Recife e ficaram presos na cadeia da vila onde

responderam a inquiriccedilatildeo feita pelo mesmo Juiz de Fora nos fornecendo maiores detalhes

sobre o caso No mesmo documento tambeacutem constam algumas certidotildees importantes como a

lista de apetrechos do barco o auto de apreensatildeo termo de entrega do barco avaliaccedilatildeo da

carga entre outros

De maneira geral os marinheiros que eram todos portugueses e segundos seus

testemunhos novatos na tripulaccedilatildeo daquela embarcaccedilatildeo iratildeo ao longo das inquiriccedilotildees

apresentar a mesma versatildeo dos fatos com maiores ou menores detalhes Testemunhavam que

estando o barco aportado no Rio Grande do Norte chegou um homem ldquoque se dizia ser piloto

do dito barcordquo 327

informando ao dono da sumaca o senhor Luiz Pereira que o barco seria

apreendido e que eles buscassem fugir poreacutem por falta de vento natildeo foi possiacutevel escapar e

324

AHU ndash PE Cx 129 D 9771 325

Idem 326

Idem 327

Idem

103

logo ldquochegaram trecircs jangadas com soldados e os fizeram conduzir a este porto (do Recife)rdquo 328

onde foram presos

Afirmam tambeacutem que a sumaca apreendida estava naquelas paragens para carregar

ldquofumo e couros em pelordquo Satildeo unanimes tambeacutem os marinheiros em atestar que o barco

naquele tempo natildeo tinha mestre 329

e quem o conduzia era seu proacuteprio dono Luiz Pereira e

ainda que o mesmo natildeo havia declarado a sua tripulaccedilatildeo o porto para onde pretendia seguir

viagem aleacutem disso atestam os tripulantes que a carga encontrada a bordo pertencia somente

ao dono da embarcaccedilatildeo

Os marinheiros asseguram ainda que na mesma jangada na qual o piloto veio dar a

notiacutecia da apreensatildeo ldquofugiram para terrardquo o dono e o dito piloto ldquolevando consigo duas

frasqueiras vazias e uma canastra com um pouco de fazenda resto de negoacutecio que ele dizia

tinha sido comprado a Companhia Geralrdquo 330

Felizmente conseguimos localizar junto ao

nosso conjunto documental cerca de um mecircs apoacutes a apreensatildeo da ldquoSagrada Famiacuteliardquo

requerimento de seus donos pedindo que lhe fossem entregues os gecircneros ou produto deles

devolvendo a embarcaccedilatildeo e ressarcindo a ambos os danos e perdas que tiveram com a

apreensatildeo

Fica esclarecido pois que a sumaca pertencia natildeo soacute a Luiz Pereira mas tambeacutem a

Francisco Joseacute de Melo seu soacutecio Segundo o documento os dois tinham contraiacutedo sociedade

para ldquodos portos daquela capitania carregarem para a praccedila todos os gecircneros e efeitos

permitidosrdquo 331

Afirmam ainda que para isso conseguiram as licenccedilas junto ao governo para

que a tal sumaca pudesse navegar para ldquoqualquer dos mesmos portosrdquo No documento os

donos datildeo detalhes sobre o roteiro de viagem seguido pela embarcaccedilatildeo que primeiramente

navegou com efeitos para Una passando depois para Barra Grande onde ldquoo suplicante tinha

de fazer dar cumprimento as despesas [] contra os seus devedoresrdquo 332

Como natildeo encontraram em Barra Grande carga suficiente seguiram para Barra de

Catuama no Rio de Tejucupapo em Pernambuco ldquoonde aleacutem de alguma lenha farinha e mel

jaacute os suplicantes tinham feito embarcar 200 arrobas de tabaco em corda e 220 couros de boi

328

Idem 329

O marinheiro Manoel de Sousa afirma que quando entrou para tripulaccedilatildeo o mestre da sumaca era Alberto

Vieira morador na praccedila do Recife poreacutem pouco tempo depois o dito mestre foi servir em outra embarcaccedilatildeo

assumindo o dono da sumaca o senhor Luiz Pereira a funccedilatildeo do mestre 330

AHU ndash PE Cx 129 D 9771 331

AHU ndash PE Cx 129 D 9792 332

Idem

104

em cabelordquo 333

mercadorias estas que haviam sido compradas nos arrabaldes de Goiana

Segundo a versatildeo dada pelos donos da Sagrada Famiacutelia a apreensatildeo do barco foi motivada

por uma denuacutencia falsa planejada por seus devedores ldquoescandalizados da cauccedilatildeo que se lhe

faziardquo 334

junto com outros inimigos do suplicante a saber Manoel da Silva Xelas e Manoel

Joseacute da Costa que se ocuparam ldquoem lhe maquinar culpas por que o fizessem prender e

satisfazer assim sua vinganccedilardquo 335

Sobre a sua fuga e tambeacutem a do mestre da embarcaccedilatildeo Luiz Pereira afirma que apesar

de natildeo ter o que recear como ldquoo mal era certo e estava a vista cuidaram em evita-lordquo 336

fugindo dessa forma em outra jangada levando consigo apenas ldquoo triste socorro de duas

canastras com sua roupardquo 337

Continua afirmando que assim que a sumaca foi levada pelos

soldados a Pernambuco logo sua carga foi posta em arrecadaccedilatildeo mesmo que natildeo houvesse

confirmaccedilatildeo nenhuma sobre o contrabando denunciado Segundo o dono da embarcaccedilatildeo ficou

sabendo a apreensatildeo se deu devido a uma falsa denuacutencia de que eles ldquoestavam carregando

naquele porto de Goiana pau-brasil para o conduzirem para as Martinicasrdquo 338

poreacutem no

momento da apreensatildeo natildeo foram encontradas as tais madeiras na sumaca

Reclamam entatildeo os suplicantes que mesmo diante da incerteza da praacutetica de

contrabando e de suas suacuteplicas e contestaccedilotildees as autoridades reacutegias deram seguimento no

processo vendendo a carga do barco Afirmam ainda que enviaram ao governador as licenccedilas

que tinham para comerciar no porto da apreensatildeo 339

como tambeacutem os motivos pelos quais

havia o mestre e o dono do barco fugido na ocasiatildeo poreacutem natildeo foram capazes de ir ao

encontro marcado pelo governador pernambucano para esclarecimentos sobre o caso nem o

mestre nem o suplicante O primeiro porque tinha ido ldquoprocurar sua vida e natildeo lhe

importavam os requerimentos dos suplicantesrdquo 340

e o segundo porque ldquoestava na cidade da

Bahia para onde tinha feito viagem no seu ofiacutecio de pilotordquo 341

Continuam alegando ter sido a apreensatildeo e arremataccedilatildeo feita pelo governador injusta e

apelam agrave Rainha por justiccedila pois perdendo suas fazendas ldquosem culpasrdquo estavam os mesmos

333

Idem 334

Idem 335

Idem 336

Idem 337

Idem 338

Idem 339

Este e outros documentos referentes ao caso estatildeo anexados ao requerimento enviado a Rainha 340

AHU ndash PE Cx 129 D 9792 341

Idem

105

ldquona consternaccedilatildeo de abraccedilarem a miseacuteriardquo 342

uma vez que jaacute natildeo tinham meios de sustentar

suas famiacutelias muito menos de bancarem uma viagem ao Reino para implorarem ldquojusticcedila e a

maternal piedaderdquo 343

da soberana Ao longo do documento os suplicantes o tempo inteiro

reforccedilam a maacutexima de que o contrabando natildeo foi comprovado

Tambeacutem asseguram que a fuga se deu pois quem estava comandando a jangada que

foi fazer a apreensatildeo era Manoel da Silva Xelas inimigo que haacute pouco tempo ldquolhes tinha

segurado que lhe diligenciava a perdiccedilatildeordquo 344

Sustentam ainda que as canastras levadas

possuiacuteam apenas roupas Terminam pedindo que se faccedila justiccedila e lhe entreguem ldquotodos os

gecircneros e efeitos apreendidos ou o seu produtordquo aleacutem eacute claro de solicitarem que o governador

devolvesse a embarcaccedilatildeo Natildeo conseguimos encontrar ateacute o momento a resposta do Reino a

tal solicitaccedilatildeo portanto natildeo sabemos se em algum momento ela foi atendida O relato

demonstra mais uma vez como a definiccedilatildeo do que poderia ser considerado contrabando era

cambiante e dificultosa como podemos ver ao longo desse trabalho vaacuterios foram os casos

onde as autoridades pernambucanas fizeram apreensatildeo e posteriormente os reacuteus apelaram a

instacircncias superiores e conseguiram absolviccedilatildeo de suas penas

Conseguimos mapear mais dois casos relevantes sobre o comeacutercio de couros realizado

atraveacutes dos sertotildees que dividiam Pernambuco e Bahia que merecem ser detalhados pois

revelam detalhes preciosos sobre os circuitos de mercancia do interior 345

Tratam-se de dois

processos crimes dirigidos agrave Conservatoacuteria da Companhia Geral em Lisboa Antes de nos

atermos aos casos cabe uma ressalva para explicar brevemente como se tratavam as mateacuterias

judiciais na empresa Quanto a questotildees de justiccedila a Companhia possuiacutea um juiacutezo privativo

para resoluccedilatildeo de assuntos que lhe dissessem respeito 346

podendo atuar ldquocom jurisdiccedilatildeo

privativa e inibiccedilatildeo de todos os juiacutezes e tribunais [] em todas as causas contenciosas em

que forem autores os reacuteus o provedor deputados secretaacuterios e mais pessoas do serviccedilo da

Companhiardquo 347

A empresa mantinha um juiz conservador em Lisboa responsaacutevel por julgar estas

causas mas as direccedilotildees subalternas como a de Pernambuco tambeacutem possuiacuteam um juiz

342

Idem 343

Idem 344

Idem 345

Os dois processos aqui citados satildeo extensos e possuem etapas e procedimentos burocraacuteticos muacuteltiplos Cada

um conteacutem cerca de 200 laudas com vaacuterias passagens em latim e tracircmites juriacutedicos Por motivos praacuteticos

optamos por fazer pequenos compilados das ocorrecircncias deixando claro que temos ciecircncia sobre a

impossibilidade de qualquer resumo expressar com precisatildeo a complexidade destes casos 346

JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004P 87-88 347

Idem

106

conservador nomeado pela Junta da empresa em Lisboa que estava apto para julgar causas

que envolvessem o montante de ateacute 300$000 reis No entanto os reacuteus poderiam recorrer de

toda forma a conservatoacuteria de Lisboa Dessa forma na maioria dos casos a apelaccedilatildeo a

conservatoacuteria da empresa em Lisboa era o uacuteltimo recurso a que poderiam valer-se os reacuteus

acusados de cometer contrabando

Estas questotildees eram reguladas pelo artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa

nele afirma-se que a Companhia era independente de todos os tribunais maiores e menores

respondendo efetivamente apenas ao Rei Em nenhum caso era admitido que ministros ou

tribunais reais se intrometessem nesta mateacuteria Isto porque o capital formador da Companhia

provinha de pessoas que a princiacutepio natildeo tinham qualquer relaccedilatildeo com a Real Fazenda dessa

forma ficava a empresa livre para ldquodispor de seus proacuteprios bens como lhe parecer mais

convenienterdquo 348

Se algum tribunal ou ministro quisesse obter informaccedilotildees de algo

concernente a administraccedilatildeo da Companhia era necessaacuterio solicitar tais informaccedilotildees a sua

Junta ou as Direccedilotildees subalternas que poderiam ou natildeo deferir tal pedido 349

De acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a empresa possuiacutea uma independecircncia juriacutedica

relativa Jaacute que apesar de natildeo estar subordinada a nenhum outro tipo de tribunal respondia a

administraccedilatildeo da Companhia imediatamente ao Rei que era o responsaacutevel por confirmar as

nomeaccedilotildees feitas pela sua Junta Aleacutem disso segundo o autor os homens nomeados para

exercer a funccedilatildeo de juiacutezes conservadores eram em sua maioria sujeitos envolvidos na

administraccedilatildeo real ocupando cargos na casa de suplicaccedilatildeo ou mesmo no papel de juiz de fora

350

Voltando para os casos o primeiro tem como personagem principal o mestre sapateiro

e comerciante de couros e solas Manoel Antocircnio dos Santos que no ano de 1777 teve 1032

meios de sola apreendidos pelo guarda mor da direccedilatildeo da Companhia chamado Joatildeo Antocircnio

Batista As tais solas estavam distribuiacutedas em cinco balsas que se encontravam no momento

da apreensatildeo quatro na Ilha do Nogueira 351

e uma no rio do Jiquiaacute Durante a accedilatildeo do

confisco boa parte das solas foi molhada tornando-se mais uma pauta para reclamaccedilatildeo do reacuteu

348

Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor

do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Artigo 12 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil

Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 349

No caso de indeferimento cabia recurso ao Rei 350

JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit P 87-88 351

Tambeacutem conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia

Teimosa no Recife Sobre isto ver PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife

2008

107

a Conservatoacuteria lisboeta aleacutem de afirmar natildeo ter praticado contrabando solicitava a

restituiccedilatildeo monetaacuteria da mercadoria avariada pois natildeo restava duacutevida ldquoque aacutegua salgada na

sola faz um grande dano e daqui resulta ou perder-se inteiramente o valor ou ficar diminuiacutedo

em parte muito consideraacutevelrdquo 352

e ainda que ldquoeste contemplado prejuiacutezo causou ao reacuteu o

acelerado procedimento do guarda morrdquo 353

As cinco balsas foram apreendidas pois existia a suspeita de que as mesmas estavam

fora da barra do porto esperando um barco que iria a Bahia transportar as solas e couros no

entanto o barco acabou se atrasando e natildeo partiu na data combinada Sendo assim a versatildeo

das autoridades era de que ldquoas balsas estavam escondidas ao peacute do Recife esperando que

saiacutesse o dito barcordquo 354

segundo consta nos autos essa afirmaccedilatildeo teria sido feito pelos

jangadeiros que conduziam as balsas a vaacuterias testemunhas que foram inquiridas durante o

processo

Na verdade aleacutem dessas testemunhas que ldquoouviram dizerrdquo um uacutenico jangadeiro iraacute

testemunhar contra o reacuteu Era ele Manoel Martins de Almeida ldquohomem branco morador na

rua da praia solteiro que vive de pescador de idade que disse ser de 47 anosrdquo 355

Manoel iraacute

afirmar que voltando ele de uma pescaria tinha encontrado quatro jangadas juntas carregadas

de sola e que na ocasiatildeo dois homens brancos dos quais ele ignorava os nomes fretaram a sua

jangada para tambeacutem a carregar com as solas e ldquoesperar ali com as mais jangadas um barco

que no dia seguinte havia sair deste Porto que ia em direitura para o da Bahiardquo 356

afirma o

pescador que natildeo chegou a receber o dinheiro combinado pelo serviccedilo pois o guarda mor da

Companhia logo apareceu e fez a apreensatildeo conduzindo os barcos para o trapiche da empresa

Os outros jangadeiros serviram de testemunhas de defesa do reacuteu as versotildees dadas por

eles eram bastante parecidas utilizaremos aqui o testemunho de Manoel de Jesus Ramos

ldquohomem preto morador na rua da praia que vive de jangadeiro solteiro de idade de 25 anosrdquo

357 para exemplificar Afirmava Manoel que por ordem do reacuteu ele e ldquomais quatro jangadas da

rua da praia foram aos Afogados junto ao Tocolombo 358

receber-lhe a sola de que se trata e

por sua determinaccedilatildeo a vinham descarregar atraacutes do coleacutegiordquo 359

continua afirmando que ldquopor

352

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 5 353

Idem 354

Ibdem f 48 355

Ibdem f 45 356

Idem 357

Ibdem f 36 358

Atual ponte Motocolomboacute que liga os bairros de Afogados e Imbiribeira no Recife 359

Refere-se a praia do coleacutegio conhecida assim por estar nas imediaccedilotildees do antigo coleacutegio jesuiacuteta do Recife

nas proximidades do bairro de Santo Antocircnio Fonte BARBOSA Virgiacutenia Igreja do Divino Espiacuterito Santo

108

ser mareacute vazia e encalhar em jangadas e fazer vento rijo se acoitaram ao peacute da Ilha do

Nogueira da parte de dentro do Reciferdquo 360

neste momento as jangadas foram apreendidas pelo

Guarda Mor da Companhia e levadas para o trapiche da empresa

Nem todas estavam no mesmo local quando da ldquotomadiardquo pois algumas delas tinham

encalhado nas coroas de areia ldquopelo rio abaixo por dentro do Reciferdquo 361

Segundo Manoel o

destino ldquoque todas as jangadas traziam por ordem do reacuteu era descarregarem por de traacutes do

coleacutegiordquo 362

Diz ainda que natildeo tinham autorizaccedilatildeo de saiacuterem de Recife ldquonatildeo soacute por natildeo haver

para que mas pelo grande risco que haviardquo 363

Tambeacutem em seu testemunho vai afirmar que

conhecia o reacuteu haacute algum tempo e que nunca tinha ouvido dizer que ele fosse contrabandista

ldquoantes o tem por homem de muita verdade e eacute mestre do ofiacutecio de sapateirordquo 364

Como dito anteriormente quase todos os jangadeiros testemunharam a favor do reacuteu

salientando que o mesmo natildeo tinha enviado ordem para que eles saiacutessem de Recife e que o

sapateiro era um homem respeitaacutevel e correto Vale ressaltar que todos eles eram vizinhos

moradores na rua da praia se conheciam e foram contratados para o serviccedilo no mesmo tempo

Coincidecircncia ou natildeo o uacutenico depoimento contraacuterio viraacute exatamente do jangadeiro que foi

contratado para o serviccedilo posteriormente e que ao que o processo indica natildeo possuiacutea relaccedilotildees

de amizade com os demais

A defesa do reacuteu iraacute se centrar em alguns pontos destacaremos os mais importantes O

primeiro seraacute o entendimento de que existiam dois tipos de delito o ldquoefetivo e o afectivordquo O

primeiro tipo se daria quando de fato o ato iliacutecito fosse concretizado ou seja o delito tivesse

sido efetivado O segundo seria a intenccedilatildeo de cometer o ato sem que se chegasse a realiza-lo

O advogado do reacuteu iraacute se utilizar desta diferenciaccedilatildeo para sustentar sua defesa pois segundo o

mesmo ldquonenhuma lei humana tem proibido e mandado punir nem pode em qualquer delito

que seja proibir ou mandar punir ao simples ato interno ou a uacutenica interna deliberaccedilatildeo dos

homensrdquo 365

isto porque ldquoo pecado de pensamento que fica no mesmo e dele natildeo sabe

absolutamente em palavra ou obra soacute pertence a Deus proibi-lo e castiga-lordquo 366

ou seja

Recife PE Pesquisa Escolar Online Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Recife Disponiacutevel em

lthttpbasiliofundajgovbrpesquisaescolargt Data de acesso 03082017 360

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 36 361

Idem 362

Idem 363

Idem 364

Idem 365

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 50 366

Idem

109

afirmava o advogado que natildeo se poderia julgar a intenccedilatildeo de um crime que natildeo chegou a se

concluir

O segundo ponto da defesa iraacute se concentrar nas condiccedilotildees mariacutetimas que

supostamente enfrentaram as balsas durante o momento da apreensatildeo Afirmam entatildeo que natildeo

era criacutevel que as cinco balsas pudessem navegar no mar de fora rumo a Bahia ou mesmo

esperar embarcaccedilatildeo que de laacute viesse Asseguram que mesmo dentro da barra ldquodeste rio que se

estaacute vendo defendido dos arrecifes natildeo estavam seguras as balsas pois ventando rijo se altera

o mesmo rio e faz maretas tatildeo fortes como laacute forardquo 367

prossegue atestando que naquelas

condiccedilotildees estavam em perigo ldquooutras embarcaccedilotildees de maior seguranccedila como estamos vendo

frequentemente quanto mais balsas que natildeo tem firmeza alguma para resistir ao mar alterado

com o vento rijordquo 368

O terceiro toacutepico da defesa era simples consistia em afirmar que os depoimentos das

testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo eram relevantes e que natildeo demonstravam que o contrabando

houvesse sido praticado Outra questatildeo levantada pela defesa foi o fato das solas na ocasiatildeo

da apreensatildeo natildeo estarem marcadas sendo assim natildeo haveria o interesse da parte do reacuteu em

fazer conduzir nestas condiccedilotildees esta mercadoria para a Bahia ldquopois indo sem marca natildeo se

podia saber de quem era nem a quem ia entregar e eis aqui um contrabando e negoacutecio

extravagante e nunca vistordquo 369

Aleacutem disso afirmam ser o produto ldquosola da matardquo

conhecidas popularmente como vaquetas artigo de comercializaccedilatildeo permitida

O argumento mais forte da defesa centrava-se na liberdade permitida pelo artigo 25

dos estatutos da Companhia ao comeacutercio realizado nos sertotildees Como jaacute visto no capiacutetulo

anterior este comeacutercio soacute passa a ser reprimido apoacutes o ano de 1770 por forccedila de um edital

lanccedilado pela direccedilatildeo da empresa em Pernambuco que por natildeo ser referendado por ordem

reacutegia natildeo possuiacutea forccedila de lei Assim sendo o advogado garantia que ldquoainda na hipoacutetese

sempre negada que o reacuteu extraviasse efetivamente a sola natildeo cometia um delito algum nem

podia incorrer nas penas do artigo 34 370

rdquo Isto porque ldquousava da permissatildeo do artigo 25 e a

liberdade do comeacutercio do Sertatildeo de que fala o mesmo natildeo se deve entender para ir somente

buscar a sola e vender a direccedilatildeordquo

367

Ibidem f 51 368

Idem 369

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 7 370

Ibdem f 52

110

O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral citado no caso prevecirc as

puniccedilotildees passiacuteveis para aqueles que fizessem comeacutercio desautorizado na capitania de

Pernambuco e suas anexas Legislando da seguinte forma

Nenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute

mandar levar ou introduzir as sobreditas fazendas secas ou molhadas nas

ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da produccedilatildeo []Sob pena

de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto importar o

seu valor [] 371

O comeacutercio realizado nos sertotildees que tinham como destino o porto do Recife onde se

deveriam trocar as mercadorias com a Companhia monopolista era considerado legal 372

Tanto que o reacuteu deste caso haacute muitos anos fazia esse tipo de negociaccedilatildeo com a empresa 373

Segundo consta nos autos do processo teria comprado Manoel Antonio dos Santos a sola

ldquoparte a dinheiro e outra parte recebeu em pagamento de coiramas de Portugal gecircnero em que

haacute muitos anos negocia com a direccedilatildeo comprando-lhes partidas avultadas de carmeiras

cordovotildees marroquins e outros gecircnerosrdquo 374

que depois ldquopelo miuacutedo vendia as tais partidas

nesta Praccedila e para fora dela [] e recebia em satisfaccedilatildeo accediluacutecares solas e outros gecircneros da

terrardquo 375

A Companhia em dois momentos iraacute rebater a defasa do reacuteu fazendo diversas

acusaccedilotildees o processo eacute extenso e possuiacute vaacuterias apelaccedilotildees e contestaccedilotildees faremos aqui um

compilado dos principais pontos apresentados pela empresa na figura do seu procurador fiscal

em Pernambuco O primeiro ponto faz referecircncia as testemunhas de defesa afirmava a

Companhia que as ditas testemunhas ldquosatildeo todas falsas apaixonadas e por dinheiro

corrompiacuteveis e a maior parte delas satildeo os mesmos jangadeiros auxiliantes e outras satildeo do

ofiacutecio de sapateiro de que eacute o embargado juizrdquo 376

Como jaacute informado o reacuteu aleacutem de negociar

com solas e couros haacute vaacuterios anos era juiz do ofiacutecio de sapateiro na praccedila como muitas

371

Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762

Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e

Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 293 372

Assunto discutido no primeiro capiacutetulo deste trabalho 373

No processo constam anexadas vaacuterias contas apresentadas pelo reacuteu discriminando produtos e seus valores

negociados ao longo dos anos com a empresa como uma espeacutecie de contabilidade pessoal 374

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 375

Idem Vale pontuar que de acordo com o artigo 33 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral a venda

em miuacutedo era permitida aos comerciantes da terra Sendo entatildeo o comeacutercio de grosso trato reservado

exclusivamente a empesa Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de

Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de

livros sobre o Brasil Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 376

Ibdem f 61

111

testemunhas de defesa possuiacuteam o mesmo ofiacutecio o procurador fiscal da Companhia iraacute acusar

Manoel Antocircnio de se utilizar de seu lugar de poder dentro daquela corporaccedilatildeo para gerar

testemunhos positivos a seu respeito

A acusaccedilatildeo encabeccedilada pelo procurador fiscal tambeacutem iraacute chamar atenccedilatildeo para o fato

de que havendo mareacute de dia o reacuteu escolheu deixar para carregar de noite o que era entendido

como atitude suspeita Contestam tambeacutem a alegaccedilatildeo da defesa de que no maacuteximo haveria se

cometido ldquocontrabando afectivordquo pois ldquose fora soacute a efetiva vontade de extraviar natildeo havia o

extraviador ter as jangadas carregadas e escondidasrdquo 377

continua sustentando que ldquose fosse

para descarregarem na praia do coleacutegio natildeo haviam estar de manhatilde ancoradasrdquo 378

Consta

tambeacutem no documento que soacute natildeo chegou a ser efetivado o contrabando porque o barco que

iria para Bahia natildeo pode partir na data prevista devido agraves condiccedilotildees da mareacute

Outro ponto levantado pela empresa seraacute a localizaccedilatildeo geograacutefica das jangadas no

momento da apreensatildeo afirmando que natildeo fazia sentido que o desembarque da mercadoria

fosse feito na praia do coleacutegio visto que ficava aquele local ldquomuito para o norte do forte (das

cinco pontas)rdquo jaacute a Ilha do Nogueira ficava ao ldquoSul do mesmo forterdquo 379

Aleacutem disso havia na

ocasiatildeo condiccedilotildees de navegaccedilatildeo para desembarcarem na praia do coleacutegio por isso natildeo fazia

sentido estarem ancoradas A empresa iraacute ainda acusar o reacuteu alegando ser ele natildeo soacute

ldquoextraviador dos efeitos desta capitania para a cidade da Bahia se natildeo que da mesma cidade

costuma introduzir contrabandos nesta capitania como fosse um lote de escravos e vendeu

uma moleca ao seu grande amigo e falsa testemunha Joatildeo Francisco Guimaratildeesrdquo 380

aleacutem da

fazenda seca que jaacute carregava

A companhia tambeacutem iraacute replicar o fato dos jangadeiros terem afirmado que estavam

parados esperando uma jangada que havia ficado para traacutes por estar encalhada declarando

natildeo haver necessidade para tal jaacute que ldquocada uma vai ganhar o seu frete quanto mais depressa

chegasse o tinha ganhado e mais depressa se recolhia a sua casa para estar pronto para no

outro diardquo 381

Ademais tambeacutem iratildeo questionar o porquecirc dos jangadeiros terem fugido pois

ldquose as ditas jangadas carregadas de sola viessem para o Recife nenhuma necessidade havia

para que os jangadeiros fugissem desamparando as suas jangadasrdquo 382

continuam garantindo

377

Ibdem f 56 378

Idem 379

Idem 380

Joatildeo Francisco Guimaratildees seraacute testemunha de defesa do reacuteu durante o processo ANTT Feitos Findos

Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 61 381

Ibidem f 55 382

Idem

112

que ldquoa causa da fuga era por estarem compreendidos na extraviaccedilatildeo sendo os condutores e

auxiliantes do extraviordquo 383

Por fim o procurador fiscal da empresa alega que o advogado do reacuteu fez maacute

interpretaccedilatildeo do artigo 25 dos estatutos da empresa uma vez que ldquoo que determina o dito

artigo eacute que possam negociar para o sertatildeo e mais portos isso natildeo se entende para fora da

capitaniardquo 384

a sola estaria entatildeo compreendida ldquono artigo 34 da instituiccedilatildeo da Companhia

Geral e suposto pelo artigo 25 da mesma seja exclusivo para todos os gecircneros e frutos da terra

soacute se deve entender para o negoacutecio dentro das suas Capitanias e natildeo para fora delasrdquo 385

Solicitam entatildeo que o reacuteu seja condenado no perdimento das mercadorias e na pena de dobro

O processo eacute longo mas de maneira geral os fatos satildeo estes o grande trunfo da defesa

eacute afirmar que a sola foi apreendida dentro de Recife onde natildeo era proibido o seu comeacutercio

sendo assim natildeo havia meios de se provar a intenccedilatildeo de extraviar e que mesmo que houvesse

a intenccedilatildeo natildeo se poderia condenar o reacuteu por isso - ldquoextravio afectivordquo No fim das contas o

sapateiro e comerciante Manoel Antocircnio acaba sendo absolvido e os apelantes satildeo

condenados a pagar ldquoas custasrdquo do processo como de costume

Outra apelaccedilatildeo crime que merece destaque dentro do nosso conjunto documental eacute

um caso do ano de 1779 que diz respeito ao processo envolvendo o barco conhecido como o

ldquoXibanterdquo de quem era dono o capitatildeo Manoel Vieira de Melo A embarcaccedilatildeo apreendida por

soldados cumprindo ordens do governador da capitania vinha do sertatildeo do Aracati Ribeira

do Jaguaribe e estava carregada de couros e solas pertencentes a vaacuterios comerciantes A

sumaca despertou a atenccedilatildeo das autoridades pois chegando ao porto do Recife natildeo entrou

logo na barra o que alimentou a suspeita de que a mesma estivesse extraviando efeitos para

os portos do sul mais precisamente para a Bahia 386

No momento da apreensatildeo o mestre da

sumaca estava em terra

Junto com a embarcaccedilatildeo foram apreendidos tambeacutem cinco escravos pertencentes ao

dono do Xibante que trabalhavam como marinheiros O dono da embarcaccedilatildeo tratou logo de

fazer solicitaccedilatildeo para soltura de seus escravos afirmando que os mesmos ldquonatildeo satildeo barco nem

carga e sim marinheiros do barco que ganham soldo cada um para seu dono e a diferenccedila que

383

Ibidem f 61 384

Ibidem f 57 385

Idem 386

Para mais informaccedilotildees a respeito do Porto de Recife no seacuteculo XVIII consultar OLIVEIRA Luanna Maria

Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-

1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de

Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 ndash 26

113

tem que marinheiro brancos eacute lucrarem estes os soldos para seus senhoresrdquo 387

Este assunto

rapidamente se resolveu pois Manoel Vieira conseguiu recuperar sua escravaria pondo o

capitatildeo Francisco de Oliveira como fiador de tais escravos estando ele responsaacutevel ainda por

entregar em juiacutezo os homens todas as vezes que assim fosse requerido

Algo curioso neste processo eacute que a embarcaccedilatildeo ficaraacute apreendida junto com a carga

apesar de encontramos outros documentos que apontam situaccedilotildees semelhantes a defesa do

reacuteu a todo o momento contestaraacute tal decisatildeo afirmando que natildeo era costume da Companhia

agir daquela forma Devido a apreensatildeo feita na embarcaccedilatildeo nos autos da apelaccedilatildeo constam

os objetos que nela existiam como toneis barricas candeeiros entre outros objetos de uso

cotidiano Consta tambeacutem nos autos a avaliaccedilatildeo do valor do barco que foi feita pelo doutor

juiz conservador da Companhia junto a um ldquocorpo de mestranccedilardquo 388

a sumaca naquela

ocasiatildeo teve seu valor estimado em um conto e cem mil reis Como jaacute dito os advogados do

reacuteu iratildeo insistir na liberaccedilatildeo do barco iniciam a defesa afirmando que no decurso de 19 anos

foram ldquotantas e tantas apreensotildees tomadias de gecircneros e contrabandos introduzidos

transportados e ocultados em barcos lanchas botes canoas jangadas e casardquo 389

no entanto

ldquonatildeo consta que tambeacutem se apreendessem as casas jangadas canoas botes lanchas e barcos

como instrumentos das extraviaccedilotildees e contrabandosrdquo 390

Isto porque segundo a defesa natildeo se

encontrava nos estatutos da empresa ordens para apreensatildeo de embarcaccedilotildees apenas a sua

carga estaria sujeita as ldquotomadiasrdquo Como comentado em nosso conjunto documental

encontramos outros casos onde as embarcaccedilotildees satildeo apreendidas junto a suas mercadorias natildeo

parecendo para noacutes que esta praacutetica fosse anocircmala

Persistindo na mesma mateacuteria o jurista alegava que ldquoa tiacutetulo de contrabando soacute

mandam as ordens reacutegias apreender e tomar embarcaccedilotildees nos portos do Brasil quando satildeo de

estrangeiros que sem faculdade reacutegia vem a eles oculta e furtivamente fazer negocio e

transportar os gecircneros do paiacutesrdquo 391

Esta ordem tambeacutem se aplicava a embarcaccedilotildees piratas e

ldquoxavecos de mourosrdquo pois aqueles eram ldquodeclarados inimigos da coroa de Portugal e seus

vassalosrdquo 392

Pedia entatildeo o advogado que fosse exonerada a fianccedila feita pelo reacuteu para receber

seu barco de volta uma vez que o Xibante natildeo era ldquoclasse assinada das embarcaccedilotildees que as

387

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 10 388

Ibidem f 11 389

Ibidem f 13 390

Idem 391

Ibidem f 13 verso 392

Idem

114

ordens reacutegias mandam apreende-las e toma-las por se ele portuguecircs e habitador desta terra e

vassalo fiel de sua majestade e natildeo estrangeiro nem piratardquo 393

Seguindo a mesma linha de defesa do caso acima descrito tambeacutem iraacute se afirmar que a

apreensatildeo da sumaca teria se dado de maneira indevida jaacute que nenhuma extraviaccedilatildeo efetiva

havia sido comprovada pois na ocasiatildeo do seu sequestro o barco estava ldquobordejando ao norte

da barra e natildeo tinha passado para o sul nem o mesmo tinha ordem do reacuteu para o poder fazerrdquo

394 e ainda que ldquoos afetos e intenccedilotildees do animo [] soacute Deus conhece e os homens penetrar natildeo

podemrdquo 395

Ou seja seguindo a loacutegica da defesa mesmo que os indiacutecios apontassem que

haveria de se cometer crime de contrabando natildeo poderiam as autoridades atuar

preventivamente

Um dado interessante sobre o caso eacute que o Xibante no momento de sua apreensatildeo

trazia passageiros a bordo A defesa afirmaraacute a seu favor que estes viajantes tinham como

porto de destino Recife aleacutem disso iratildeo alegar que a sumaca vinha em meia carga por isso

natildeo seria vantajoso comercialmente falando o envio da embarcaccedilatildeo para Bahia Assegurando

ainda que o mestre natildeo entrou diretamente no porto do Recife pois foi a terra buscar ordens

do dono da sumaca para saber qual o destino deveria tomar neste meio tempo em que o

mestre estava em terra aconteceu o apresamento

Ainda de acordo com versatildeo dada pela defesa ldquoa gente da mareaccedilatildeo vinha toda

levantada com o mesmo (mestre) por bulhas que tiveram no Aracati e para fazerem mal ao

dito foram eles os que arguiram a ida do barco para a Bahiardquo 396

Afirmam ainda que se

realmente se tivesse a intenccedilatildeo de fazer contrabando o barco poderia ter seguido para Sul

sem ficar parado a vista de todos naquela barra e que o reacuteu natildeo tinha culpa da ignoracircncia de

seu mestre uma vez que natildeo havia expedido ordens que autorizassem a ida para Bahia

Ressaltamos que alguns passageiros do barco confirmaram a afirmaccedilatildeo do desentendimento

entre os marinheiros e o mestre da embarcaccedilatildeo sem explicar ao certo o porquecirc de tal rusga

Tambeacutem como no caso acima a defesa iraacute se utilizar do artigo 25 dos estatutos da

empresa para defender que aquele comeacutercio feito nos sertotildees era livre e que a Companhia soacute

passou a reprimi-lo posteriormente Denunciam ainda que mesmo apoacutes a dita proibiccedilatildeo era

notoacuterio e sabido por todos que os deputados da empresa ldquopara seus negoacutecios particulares tem

393

Idem 394

Idem 395

Ibidem f 14 396

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 14

115

sempre carregado solas e couros do sertatildeo para a Bahia e para o Riordquo 397

sendo assim se

julgassem justa a dita proibiccedilatildeo natildeo deveriam continuar a praticar aquele comeacutercio ldquopor serem

executores da instituiccedilatildeo ou obrigados a executa-la se entendessem ser justa e legalrdquo 398

Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais e oficiais e deputados da proacutepria

companhia no comeacutercio descaminhado mais profundamente no proacuteximo capiacutetulo

Todos os pontos alegados acima seratildeo sustentados pelas testemunhas de defesa

durante as inquiriccedilotildees destacando sempre que ldquoantes da Companhia sempre houve comeacutercio

dos gecircneros do sertatildeo que satildeo couros e solas para a Bahia e para o Rio de Janeirordquo 399

e que

apenas depois de nove ou dez anos dela jaacute estabelecida se passou a impedir aqueles negoacutecios

sertanejos Esta versatildeo dos fatos tambeacutem eacute confirmada por um dos passageiros que estava no

barco no momento do sequestro Durante o processo seratildeo coletados ainda os testemunhos de

homens que estavam trabalhando na construccedilatildeo de uma casa para o reacuteu em Igarassu 400

estes

iratildeo afirmar que apoacutes receber carta do mestre do barco Manoel Vieira natildeo havia autorizado a

ida do Xibante para Bahia

O processo eacute bastante detalhado e aleacutem de conter toda a relaccedilatildeo da carga e suas

respectivas marcas traz em anexo importantes documentos encontrados dentro da

embarcaccedilatildeo a saber cartas e comentaacuterios Estas cartas foram escritas pelo filho do dono do

barco Andreacute Vieira Melo 401

ao mestre da embarcaccedilatildeo e foram inseridas nos autos pois

apesar do conteuacutedo pessoal tratavam de maneira geral sobre negoacutecios e foram utilizadas como

provas contra o reacuteu jaacute que constavam nelas o destino seguinte da embarcaccedilatildeo e outras

informaccedilotildees pertinentes A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo dos assuntos tratados nestes documentos

traremos aqui uma das cartas de Andreacute Vieira ao mestre da embarcaccedilatildeo

O remetente pedia que chegando a embarcaccedilatildeo a cidade da Bahia havendo ldquoocasiatildeo de

navio para Benguela me faraacute mercecirc comprar um escravo de Benguela do tamanho do Leandro

ou maior pouco que seja mesmo Benguelardquo 402

continua instruindo que quem deveria tratar

397

Ibidem f 14 verso 398

Idem 399

Depoimento da testemunha Francisco Brito homem branco casado morador fora da porta da vila que vive de

andar embarcado de idade de 30 anos Ibidem f 25 verso 400

Satildeo eles Joseacute da Costa homem preto solteiro morador em Igarassu oficial de pedreiro de idade de 35 anos

e Antocircnio Rocha homem pardo casado morador em Igarassu oficial de carapina de idade de 33 anos ANTT

Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 23 ndash 25 401

Durante o processo eacute informado que Andreacute Vieira de Melo havia trabalhado como piloto da Companhia

Geral mas foi dispensado do serviccedilo pois nas trecircs viagens que fez pela empresa teve prejuiacutezos o que causou a

desconfianccedila de seus superiores por ser ldquocaso estranho em trecircs viagens e em trecircs diferentes embarcaccedilotildees se

contar semelhante homem soacute com perdasrdquo 402

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 34

frente e verso

116

dos negoacutecios era o senhor Antocircnio Joseacute e estando os escravos baratos deveria comprar ldquomais

um moleque mais grande que o Leandro que eacute para o barco seja bem feitordquo 403

pedia ainda

ldquouma pessoa da linhagem de Luandardquo 404

advertindo quanto ao preccedilo de tais homens

Prossegue pedindo ainda que se compre um calccedilatildeo e uma camisa a cada um dos escravos e

que lhe sirvam algum mel Por fim despede- se de maneira cordial

Os comentaacuterios seguiam um esquema bastante parecido entre si e eram um hibrido

entre recibo e contrato trocado entre o mestre da sumaca e os carregadores da mesma

Continham informaccedilotildees padratildeo informadas pelo mestre da embarcaccedilatildeo mais instruccedilotildees

relativas a carga Como no exemplo abaixo

Digo eu abaixo assinado Mestre que sou da sumaca por invocaccedilatildeo Nosso

senhor bom Jesus das Portas e Nossa senhora do Pilar 405

que ao presente

estaacute surta e ancorada neste porto de Jaguaribe para com o favor de Deus

seguir viagem ao da cidade da Bahia onde eacute minha direita descarga que eacute

verdade que recebi e tenho carregado na dita sumaca debaixo de coberta

enxuta e bem acondicionada de Manoel da Costa marcados com a marca a

margem que declarou fazer por sua conta e risco a entregar na mesma cidade

em nome dele carregador Antonio de Oliveira Leite ao que promete levando

a salvamento para que obrigo minha pessoa e bens e a dita sumaca pagando-

me de frete de cada praccedila nove vinteacutens E para clareza passei dois de um teor

somente por mim assinados que um cumprido outro natildeo valha digo natildeo

valeraacute Aracati 28 de marccedilo de 1779 Satildeo 79 meios de sola e 3 couros de boi

com a marca A+ Manoel Francisco Xelas 406

Os argumentos utilizados pela Companhia para enquadrar o caso do Xibante no crime

de contrabando seratildeo diversos primeiramente a empresa por meio de seu procurador fiscal

afirma ficar constatado que a embarcaccedilatildeo tinha como destino a capitania baiana e que o crime

soacute natildeo se efetivou por ter agido a fiscalizaccedilatildeo primeiro Eacute necessaacuterio atentar para o fato de

que a saiacuteda destes produtos em direitura para Bahia era considerada como contrabando pela

Companhia mesmo a empresa natildeo possuindo o monopoacutelio do comeacutercio realizado nos sertotildees

Isto porque a interpretaccedilatildeo do procurador fiscal da empresa para o artigo 25 dos estatutos da

Companhia que legislava sobre esta mateacuteria era de que esses negoacutecios eram livres para

serem feitos apenas internamente ou seja limitados aos sertotildees que estavam sob jurisdiccedilatildeo do

governo de Pernambuco

403

Idem 404

Idem 405

Nome oficial da sumaca que tinha por alcunha o ldquoXibanterdquo 406

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 38

verso

117

O procurador tambeacutem iraacute se utilizar dos testemunhos dos marinheiros do barco

mesmo daqueles que eram escravos pois mereciam os ditos escravos ldquocreacutedito por serem

marinheiros do mesmo barcordquo 407

e se por direito natildeo eram testemunhas vaacutelidas naquele caso

deveriam ser levados em consideraccedilatildeo uma vez que ldquoficam supridos os seus defeitos com os

depoimentos das outras testemunhasrdquo 408

Quanto a contestaccedilatildeo do reacuteu sobre as leis de

apreensatildeo de embarcaccedilotildees soacute serem vaacutelidas para navios estrangeiros afirmam que quando

ldquocompreendidas com extraviaccedilatildeo e contrabandos assim como aconteceu com o barco do reacuteurdquo

409 as embarcaccedilotildees portuguesas tambeacutem poderiam ser detidas

A defesa de Manoel Francisco iraacute recorrer novamente das acusaccedilotildees poreacutem a

argumentaccedilatildeo permanece praticamente a mesma enfatizando um ou outro ponto e

acrescentando poucas informaccedilotildees novas Daacute ecircnfase a questatildeo do ldquodelito afectivordquo afirmando

que ldquosoacute Deus conhece soacute a divina justiccedila pune os maus pensamentos os desordenados afetos

vis sinistros conatos e as maleacutevolas intenccedilotildees mas natildeo os homens nem a justiccedila humanardquo 410

isto porque ldquonatildeo haacute lei que a esta permita semelhante conhecimento e puniccedilatildeo da privativa

jurisdiccedilatildeo e regalia de Deusrdquo 411

A loacutegica do argumento eacute bastante simples afirma que natildeo se

pode punir um crime que natildeo aconteceu como tambeacutem alega ser impossiacutevel que a direccedilatildeo

posto que humana fosse capaz de conhecer as intenccedilotildees do mestre do barco jaacute que ldquoo

pensamento o afeto o conato e a intenccedilatildeo do reacuteu era impeacutervia e inacessiacutevel ao conhecimento

e puniccedilatildeo da Justiccedila humanardquo 412

Quanto a questatildeo dos testemunhos dos escravos a defesa do reacuteu iraacute recorrer alegando

que segundo as ordenaccedilotildees Filipinas os juramentos ldquodos pretos e servosrdquo natildeo deveriam ter

valor Jaacute que as ordenaccedilotildees postulam que ldquoos escravos natildeo podem ser testemunhas nem seraacute

perguntado geralmente em feito algum salvo os casos por direito especialmente

determinadosrdquo 413

De acordo com Adriana Campos 414

no Brasil a tradiccedilatildeo romana foi

responsaacutevel por emprestar os fundamentos baacutesicos da legislaccedilatildeo voltada para a questatildeo da

escravidatildeo Em linhas gerais segundo esta tradiccedilatildeo natildeo teriam entatildeo os escravos

407

Ibidem f 43 verso 408

Idem 409

Ibidem f 45 410

Ibidem f 55 411

Idem 412

Ibidem f 55 verso 413

Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI P647 Disponiacutevel em

httpwww1ciucptihtiprojfilipinasl3p647htm Data de acesso 02082017 Infelizmente natildeo conseguimos

identificar os casos especiais reportados pelas ordenaccedilotildees 414

CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito Santo do seacuteculo XIX

Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003

P 62 ndash 64

118

personalidade poliacutetica o que os impediria de se tornar parte de processos ciacuteveis Poreacutem essa

realidade segundo a autora era alterada no direito penal quando os escravos poderiam tornar-

se sujeitos e responder criminalmente 415

Apesar da Companhia possuir uma administraccedilatildeo

juriacutedica privativa acreditamos a mesma estava sujeita as legislaccedilotildees e aparato juriacutedico da

eacutepoca portanto deveriam obedecer de maneira geral as ordenaccedilotildees Filipinas e as tradiccedilotildees

do direito romano

A defesa tambeacutem iraacute contestar o uso das cartas do filho do reacuteu como prova

incriminatoacuteria argumentando que Andreacute Vieira natildeo era dono da embarcaccedilatildeo logo natildeo tinha

ele poder de determinar para onde seguiria a sumaca Sendo assim natildeo teriam as cartas forccedila

para atestar a efetividade da atividade iliacutecita Ainda no assunto das cartas e comentaacuterios a

defesa apresenta como anexos outros comentaacuterios onde o mestre da embarcaccedilatildeo atesta estar

se dirigindo para o porto do Recife Posteriormente a Companhia iraacute contestar esses

documentos afirmando serem falsos Diz a empresa atraveacutes de seus representantes que sobre

aqueles documentos natildeo se ldquopodia dar feacute e creacutedito tambeacutem pode ser que se passassem

naquele sertatildeo do Aracati em tempo que o destino do Mestre fosse seguir derrota para este

porto (do Recife)rdquo 416

Por fim a defesa do reacuteu destaca que os couros e solas encontrados na sumaca natildeo

eram mercadorias vedadas de serem trazidas do sertatildeo para o porto do Recife pelo contraacuterio

alegam que a empresa desejava ldquoque venham muitos para o seu negoacuteciordquo 417

Afirmam ainda

que mesmo que os gecircneros estivessem sendo levados para Bahia ldquonatildeo eacute terra de inimigos

aquela cidade nem os couros e solas satildeo coisas proibidasrdquo 418

Continuam sustentando que a

proibiccedilatildeo vigente legislava apenas quanto a extraviaccedilatildeo destes gecircneros e natildeo o comeacutercio dos

gecircneros em si Como maneira de atestar tal diferenciaccedilatildeo afirmam que ldquouma coisa eacute ser

proibida somente a extraviaccedilatildeo e outra coisa eacute serem tambeacutem proibidos os gecircneros por haver

miacutenima disparidade de um caso ao outrordquo 419

Dessa forma como o barco do reacuteu foi

apreendido em aacuteguas pernambucanas natildeo estaria incurso nas penas regidas pelo artigo 34 dos

estatutos da Companhia

O caso eacute longo e arrastado mas os fatos satildeo basicamente os expostos acima No fim

das contas mesmo tendo sido o reacuteu e seu filho acusados de praticarem contrabando natildeo soacute

415

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 27

verso 416

Ibidem f 67 417

Ibidem f 59 418

Ibidem f 60 419

Idem

119

neste caso como tambeacutem de terem levado no mesmo ano dois barcos com escravos para

Bahia e ainda expor o procurador fiscal da Companhia que o filho do acusado negociava

escravos em Igarassu e Tracunhaeacutem para depois ir vendecirc-los na Bahia foi Manoel Vieira apoacutes

3 anos de processo absolvido pela conservador da direccedilatildeo lisboeta

Como jaacute dito os contrabandos eram realizados natildeo soacute no grosso trato como nos casos

demonstrados acima mas tambeacutem no miuacutedo Vaacuterias seratildeo as referecircncias na documentaccedilatildeo

desse tipo de praacutetica que incluiacuteam os proacuteprios oficiais dos navios reais que tanto traziam de

Portugal fazendas europeias para venda na capitania pernambucana como levavam produtos

da terra para Europa Iremos tratar de dois casos colhidos dos fundos da conservatoacuteria da

Companhia em Lisboa que confirmam este movimento de comeacutercio de pequena monta

O primeiro deles ocorrido no ano de 1774 envolve o despenseiro do navio real Nossa

Senhora dos Prazeres o senhor Joatildeo Marques Cunha Que foi acusado de introduzir no navio

em que servia trecircs volumes com fazendas de contrabando A carga apreendida nestes trecircs

volumes era a seguinte 106 peccedilas de bertanha de Hamburgo 27 peccedilas de chita 6 peccedilas de

lenccedilos azuis 13 peccedilas ditas do Norte com cercadura 10 peccedilas de cangas azuis 5 ditas

lavradas e um garrafatildeo de aguardente As mercadorias foram avaliadas na ocasiatildeo em 600 reis

420

De acordo com o libelo acusatoacuterio lavrado contra o reacuteu o crime teria acontecido da

seguinte forma ainda em Lisboa eacute acusado Joatildeo Marques de introduzir no navio os volumes

de ldquofazendas secas das reprovadas e proibidasrdquo 421

chegando ao porto do Recife teria o

despenseiro feito conduzir as tais fazendas para a lancha de outro navio real a saber o navio

Luz Para tal feito acusava-se de tecirc-lo ajudado o guarda da Alfacircndega Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo

que foi preso junto com o despenseiro Pedia entatildeo a Companhia que o reacuteu respondesse de

acordo com as penas contidas no artigo 34 dos estatutos da empresa

Durante o processo seratildeo escutadas as testemunhas de defesa e de acusaccedilatildeo As

testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo de maneira geral referendar o exposto no libelo acusatoacuterio

Incluindo os capitatildees dos dois navios envolvidos no caso Diraacute o capitatildeo do navio Nossa

Senhora dos Prazeres que ldquoJoatildeo Marques despenseiro [] foi quem introduziu o contrabandordquo

422 e que para isso contou com a ajuda de Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo guarda da alfacircndega que foi

quem ldquolevou as fazendas e a tirou do navio Prazeres e as transportou no catraio do mesmo

420

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 7 421

Idem 422

Ibidem f 17 verso

120

navio para o navio Nossa Senhora da Luzrdquo 423

Joseacute Gomes Ribeiro capitatildeo do navio Luz

tambeacutem acusaraacute o despenseiro como autor do iliacutecito atestando que ouvira dizer por moccedilos

que serviam no seu navio que Joatildeo Marques era o responsaacutevel pelo contrabando que se

apreendeu na lancha do navio Luz 424

O depoimento padratildeo das testemunhas de acusaccedilatildeo afirmava basicamente que as

fazendas apreendidas teriam sido introduzidas no navio Luz pelo guarda da Alfacircndega Joatildeo

da Ressurreiccedilatildeo e que elas pertenciam ao despenseiro do navio Nossa Senhora dos Prazeres

Joatildeo Marques Complementam afirmando que para este transporte utilizaram a lancha que

leva a pedra de descarga do navio e quem as conduziu e tomou conta delas na lancha foi o

marinheiro ldquoTiatildeordquo sem a ciecircncia do patratildeo mor Algumas testemunhas tambeacutem iratildeo afirmar

que quando o escaler da ronda atracou na lancha para fazer a apreensatildeo o marinheiro Tiatildeo foi

ao encontro do guarda mor ldquorogando-lhe dissimulasse a passagem livre da dita fazendardquo 425

As testemunhas de defesa tambeacutem iratildeo depor de maneira parecida Em seus

testemunhos alegam que o reacuteu era despenseiro de navios reais haacute mais de 13 anos e que

nunca havia sido acusado de contrabando que soacute costumava trazer de Lisboa os gecircneros

liberados alguns companheiros de tripulaccedilatildeo iratildeo afirmar que natildeo viram o reacuteu introduzindo

fazendas proibidas em Lisboa etc Merece destaque nos depoimentos a menccedilatildeo de que o reacuteu

possuiacutea diversas inimizades na embarcaccedilatildeo isto porque administrava os recursos do barco

com zelo os tripulantes ldquomuitas vezes lhe pediam vaacuterias coisas e o reacuteu natildeo lhes dava pelo

que dele natildeo gostavamrdquo 426

Nestes testemunhos eacute lanccedilado no caso um novo suspeito Joseacute

Ribeiro marinheiro do navio Luz que segundo as testemunhas de defesa estava na lancha em

que as fazendas foram apreendidas e era o real autor do crime

As testemunhas iratildeo afirmar ainda que o despenseiro natildeo estava na lancha no

momento da apreensatildeo e que Joseacute Ribeiro o verdadeiro culpado chegou a oferecer dinheiro

ao sargento que fez a ldquotomadiardquo Aleacutem disso contra Joseacute Ribeiro pesava o fato de momentos

depois da apreensatildeo ter o mesmo voltado a um escaler do navio Luz e lanccedilado ao mar um

saco de pimentas 427

por medo que tinha que os soldados da guarda do trapiche dessem busca

no escaler este saco foi encontrado posteriormente em uma praia por ldquoum pretordquo Ainda

423

Idem 424

Idem 425

Depoimento de Joatildeo Fernandes homem branco solteiro natural da freguesia de satildeo Miguel de Carreiras do

Arcebispado de Braga moccedilo do serviccedilo do navio Luz de idade de 23 anos pouco mais ou menos Ibidem f 27

verso 426

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 13 427

Esta afirmaccedilatildeo aparece nos depoimentos de vaacuterias testemunhas Lembramos que as pimentas estavam

inseridas no rol de produtos vedados

121

segundo as testemunhas assim que ficou sabendo do iniacutecio do processo de devassa para se

apurar o caso de contrabando o tal marinheiro teria fugido para Bahia e desaparecido atitude

que segundo as testemunhas reforccedilava sua culpa

A defesa do reacuteu iraacute se utilizar de todos os pontos positivos trazidos pelos testemunhos

durante os inqueacuteritos reforccedilando o fato de que o reacuteu natildeo estava na lancha no momento da

ldquotomadiardquo estando ele ldquoa bordo do navio Prazeres e o maior sinal da sua inocecircncia foi natildeo se

retirar desta praccedila sendo-lhe noticiada a devassa e que a ele imputavam o mencionado

contrabandordquo 428

sublinhando que o reacuteu natildeo fugiu pois nada temia Punham entatildeo a culpa no

mencionado Joseacute Ribeiro que naquele momento estava ainda sumido

A defesa tambeacutem iraacute afirmar que os depoimentos das testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo

eram conclusivos e em nada prejudicavam o reacuteu pois para que o despenseiro fosse

condenando natildeo bastavam indiacutecios ou conjecturas para a condenaccedilatildeo se fazia necessaacuterio a

existecircncia de ldquouma prova plena legal contundente e mais clara do que a luz do meio diardquo 429

coisa que natildeo constava nos inqueacuteritos visto que muitas testemunhas iratildeo depor ldquode ouvidardquo

ou seja afirmavam saber do fato por ouvirem dizer a um terceiro o que acaba fazendo com

que estas declaraccedilotildees percam forccedila

Outro argumento interessante lanccedilado pela defesa eacute a afirmaccedilatildeo de que se as fazendas

de fato fossem do reacuteu teria ele agido de maneira mais inteligente para natildeo ser pego Isto

porque asseguravam que considerando que as fazendas fossem do despenseiro natildeo era criacutevel

que as mandasse para outro barco a outra pessoa pois esta accedilatildeo tornaria a situaccedilatildeo

potencialmente mais arriscada do que simplesmente enviar as mercadorias para terra Atestam

ainda que ldquoeacute certo que quando eacute costumado a praticar contrabandos todo o seu desiacutegnio eacute por

em salvo as fazendas com toda cautelardquo 430

isto ldquopara a natildeo perderem que eacute o menos para natildeo

pagarem o dobro para natildeo padecerem o rigor da prisatildeo em terra estranha e natildeo sofrerem as

avultadas despesas que trazem consigo os tais contrabandosrdquo 431

Tambeacutem alega que o caso teria sido orquestrado pelo mestre do navio Prazeres que

tinha ldquoconhecida inimizaderdquo pelo reacuteu pois queria o tal capitatildeo ldquogastar com excessiva largueza

os mantimentos da despensardquo 432

e o reacuteu zeloso do seu ofiacutecio tratava de administrar sem

estrago e excesso os mantimentos Entatildeo o capitatildeo do Prazeres teria em conluio com o capitatildeo

428

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 49

verso 429

Ibidem f 50 430

Ibidem f 51 431

Idem 432

Idem

122

do Luz armado contra o reacuteu Mesmo que a eacutepoca segundo relatos das testemunhas os dois

estivessem ldquodivorciadosrdquo o capitatildeo do Luz querendo se isentar da ldquomaacuteculardquo e maacute fama de ter

sido encontrado contrabando no seu navio topou se unir ao seu companheiro e ldquose viram em

beneficio proacuteprio e grave prejuiacutezo do reacuteurdquo 433

Apesar dos argumentos consistentes da defesa o processo contou com diversas

apelaccedilotildees ateacute a sentenccedila final Na uacuteltima apelaccedilatildeo iraacute a defesa declarar que ldquoo embargante eacute

um homem casado nesta Corte com filhos acha-se pobre e preso e ficaraacute inteiramente

destruidiacutessimo havendo-se dele o dobro que certamente natildeo deve porque natildeo eacute o cumplice

daquele contrabandordquo 434

Por fim em 29 de abril de 1775 Joatildeo Marques eacute absolvido pois

havia duacutevidas das autoridades quanto a autoria do crime e nesse caso natildeo deveria entatildeo ser o

despenseiro condenando No entanto ficou o mesmo encarregado do pagamento das custas do

processo como era de costume

O outro caso trata-se de uma apelaccedilatildeo crime onde era apelante a justiccedila e o procurador

fiscal da direccedilatildeo subalterna de Pernambuco contra o reacuteu Euseacutebio Alvarez da Costa O caso eacute o

seguinte o reacuteu que era alferes de auxiliares tinha em seu poder uma portaria passada pela

Companhia geral pois haacute alguns anos atraacutes tinha auxiliado aquela empresa a resgatar uns

escravos que haviam sido furtados Como sabia onde estes escravos estavam todos jaacute em

poder de terceiros cedeu a direccedilatildeo tal documento para que o alferes auxiliado por militares

fizesse o resgate dos tais escravos

O reacuteu entatildeo eacute acusado de continuar a se utilizar desta portaria em benefiacutecio proacuteprio

Isso porque fingindo ser agente da direccedilatildeo da Companhia Euseacutebio Alvarez prendia

comerciantes e mascates que vinham da Bahia trazendo contrabando e para solta-los exigia

pagamento tambeacutem em produtos vedados Diz o procurador fiscal da Companhia que o reacuteu

era acostumando a cometer ldquosimilares malefiacuteciosrdquo que eram puacuteblicos e notoacuterios nas freguesias

de Ipojuca Cabo e Sirinhaem e ainda ldquoque o reacuteu vive destas e de outras ladroeiras fazendo-se

agente da direccedilatildeo e intimidando com a portaria do senhor generalrdquo 435

O caso especiacutefico que eacute objeto desta apelaccedilatildeo envolve o mascate Joatildeo Manoel que

trazendo fazendas de contrabando da Bahia para Pernambuco foi apreendido pelo reacuteu que se

fez passar na ocasiatildeo por oficial da Companhia apresentando a portaria que possuiacutea O

mascate segundo a denuacutencia foi libertado pelo reacuteu mediante pagamento feito atraveacutes de ldquoduas

433

Idem 434

Ibidem f 92 verso 435

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1 f 9

123

peccedilas de riscado da Iacutendia e uma letra de 14 ou 16 mil que devia Joatildeo Paes filho de dona

Joanna moradora na lagoa do Cabordquo 436

Tendo o crime sucedido em julho ou agosto do ano

de 1776 Foi entatildeo Euseacutebio Alvarez preso para que se tirasse devassa do caso

Praticamente todas as testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo afirmar a mesma coisa

sustentando a versatildeo descrita acima afirmam que apresentando o reacuteu a portaria para o

mascate Joatildeo Manoel que trazia produtos vedados da Bahia soacute o autorizou a passar quando

este lhe deu duas peccedilas de riscado e umas letras Algumas testemunhas como Ignacio Correa

Teixeira 437

por exemplo iratildeo declarar que uma dessas peccedilas de riscado teria sido comprada

pelo reacuteu Versatildeo reforccedilada tambeacutem por Jeronimo Joseacute Cavalcanti que inclusive assegura ter

tentado comprar do mascate o mesmo tipo de peccedila de riscado que Euseacutebio Alvarez havia

adquirido pelo valor de sete patacas e meia 438

Os depoimentos das testemunhas de defesa iratildeo se encaminhar no sentido de informar

que o reacuteu era um homem iacutentegro respeitado e estimado por seus superiores e que jaacute havia

prestados serviccedilos a Companhia no caso do furto dos escravos e ainda que natildeo acreditavam

ser Euseacutebio Alvarez um contrabandista Vaacuterias testemunhas como Manoel Joseacute dos Santos

por exemplo alegam que o comandante da freguesia do Cabo era inimigo do reacuteu Algumas

testemunhas vatildeo aleacutem como eacute o caso de Joseacute Correia Faria e declaram ser aquele comandante

ldquocostumado a caluniar a todos e que o mesmo comandante auxilia e daacute passagem aos

contrabandistasrdquo 439

A defesa do reacuteu se inicia como uma afirmaccedilatildeo polecircmica e que vem corroborar o nosso

entendimento de que os contrabandos durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia Geral

foram uma praacutetica comum e amplamente disseminada tanto no grosso trato como no miuacutedo

aleacutem disso reforccedila tambeacutem nosso argumento que o litoral sul da capitania era

abundantemente frequentado pelos contrabandistas Declara a defesa que ldquose houvesse de

proceder o juiacutezo contra todas as pessoas que natildeo delatam o contrabandista e deixam passar

os contrabandos a maior parte delas de fora desta Praccedila ateacute a vila de Penedo deveriam ser

punidasrdquo 440

isto porque ainda segundo a defesa as pessoas natildeo ldquodelatam os contrabandistas e

deixam passar os contrabandosrdquo 441

436

Ibidem f 8 437

Ibidem f 24 verso 438

Ibidem f 23 verso 439

Ibidem f 29 verso 440

Ibidem f 37 441

Idem

124

Continua afirmando que todos na praccedila sabiam disso e que era impossiacutevel que o

procurador fiscal da Companhia desconhecesse tais fatos Atestam ainda ldquoque muito e muitos

contrabandos estatildeo entrando todos os dias nesta vila e hatildeo de entrar enquanto existir a

Companhia sem que ningueacutem delate os contrabandistasrdquo 442

E que o reacuteu soacute foi denunciado

pois possuiacutea inimigos Sustentavam a versatildeo de que tudo foi arquitetado pelo comandante da

freguesia do Cabo que era ldquodeclarado inimigo do reacuteurdquo e que induzira aos outros a

testemunhar contra o alferes Eram entatildeo as testemunhas compradas e seu juramento de

nenhum valor

Declaram aleacutem disso que o reacuteu soacute fez uso da portaria expedida pela Companhia no

caso da apreensatildeo dos escravos ldquoe natildeo cuidou nunca em fazendas de contrabandistas por natildeo

ter ordem para isso e menos os auxiliou porque eacute zeloso do serviccedilo da Direccedilatildeo e natildeo

adversaacuterio delardquo 443

Afirmam ainda que o Euseacutebio Alvarez nunca apreendeu contrabandista

nenhum nem fazendas de contrabando e que nem mesmo conhecia o mascate citado no caso e

que se o tivesse apreendido natildeo seria capaz de soltaacute-lo ldquopelo donativo de duas peccedilas de

riscado e 16 letrasrdquo 444

Outro ponto interessante da defesa versa sobre a condiccedilatildeo e a qualidade do reacuteu

Declaram entatildeo que o mesmo era alfares de auxiliares e que era notoacuterio a todos que ldquonasceu

nobre e abastado e sempre teve o que comer e natildeo precisava de furtar para issordquo prosseguem

afirmando que ldquoa sua conduta sempre se conformou a nobreza do seu nascimento e as leis

divinas e humanasrdquo 445

Com este argumento a defesa busca se utilizar da condiccedilatildeo do reacuteu

para contestar a denuacutencia deixando claro que aleacutem de natildeo precisar cometer contrabandos

esse tipo de atitude natildeo condizia com a honra esperada de sua ascendecircncia nobre

Apesar das denuacutencias do procurador fiscal da Companhia os argumentos da defesa

acabam vingando e o reacuteu eacute absolvido em maio de 1778 ficando ele responsaacutevel por pagar

apenas as custas do processo como era de costume Como podemos observar boa parte dos

casos detalhados ateacute o momento no grosso trato ou no miuacutedo acabaram por inocentar seus

reacuteus mesmo quando se sabia publicamente que aqueles homens eram reconhecidos

contrabandistas Isto porque as apreensotildees em sua maioria eram feitas preventivamente ou

seja antes do crime realizar-se Fato que usaratildeo os reacuteus a seu favor para afirmar natildeo serem as

provas conclusivas Para o comeacutercio feito nos ldquointerioresrdquo o artigo 25 dos estatutos seraacute

442

Idem 443

Ibidem f 11 444

Idem 445

Idem

125

amplamente utilizado nas defesas para isentar os comerciantes que negociavam naquelas

paragens

O desenrolar dos casos revelam aleacutem de interessantes e importantes detalhes da praacutetica

de comeacutercio iliacutecito ao longo do periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial da Companhia a

dificuldade de se reprimir e castigar aquele tipo de accedilatildeo Pois aleacutem da grande dificuldade de

se monitorar uma aacuterea tatildeo vasta e de se controlar um comeacutercio que acontecia por vaacuterios meios

e formas dificilmente a apreensatildeo configurava flagrante Desenvolveremos melhor este

toacutepico no proacuteximo capiacutetulo

Destacamos tambeacutem que dentro do conjunto de atividades comerciais iliacutecitas

desenvolvidas na capitania o comeacutercio com navios estrangeiros estaraacute presente de forma

abundante 446

Em 1770 por exemplo o governador de Pernambuco relata ao secretaacuterio de

Estado da Marinha e Ultramar ter apreendido papeacuteis em poder de Henrique Joseacute Colaccedilo

onde constava um grande volume de contrabandos e negoacutecios feitos por ele com navios

estrangeiros no Cearaacute O governador passa coacutepia neste ofiacutecio de todas as ldquocompras e vendas

que no Cearaacute Grande debaixo de pretexto de arribada forccedilada fizeramrdquo 447

os comerciantes

estrangeiros

Estes negoacutecios ainda segundo Joseacute Cesar foram feitos ldquoem prejuiacutezo dos negociantes

deste continente e Companhia Geral e Reais direitos de sua majestaderdquo 448

pois da capitania

do Cearaacute tinham levado ldquodinheiro ouro em pensas como tambeacutem quinze mil rolos de paus de

tintas e obra mais duzentos e cinco arrobas de papaconha sessenta e oito de resina e gomas e

quinhentos e noventa e quatro couros em cabelordquo 449

como se pode ver nos documentos

anexados Nestes papeacuteis constam tambeacutem as mercadorias em sua maioria importadas

introduzidas ilegalmente nas terras do Cearaacute como queijos fitas de algodatildeo facas tecidos

diversos enxofre poacutelvora entre outros

Atestam esse fluxo tambeacutem a preocupaccedilatildeo constante das autoridades locais com

embarcaccedilotildees estrangeiras que estando destinadas a outros portos do Estado do Brasil acabam

arribando em Pernambuco devido as maacutes condiccedilotildees do tempo ou pela necessidade de reparar

avarias Como ocorre por exemplo em 1761 quando trecircs naus inglesas da Companhia

Oriental datildeo fundo em Recife em virtude de problemas na embarcaccedilatildeo Para evitar os

446

Os documentos que comprovam este fluxo satildeo muitos e estatildeo disponiacuteveis nos avulsos do arquivo histoacuterico

ultramarino - AHU para a capitania de Pernambuco 447

AHU ndash PE Cx 110 D8493 448

Idem 449

Idem

126

descaminhos o governador publica bando em praccedila puacuteblica esclarecendo que era proibido a

pessoas de qualquer condiccedilatildeo ou qualidade fazer qualquer tipo de comeacutercio com aquela

embarcaccedilatildeo por ldquoser com elas inabilitadas toda compra ou negociaccedilatildeo mercantil puacuteblica ou

oculta grande ou pequena de gecircneros comerciaacuteveis estrangeirosrdquo 450

Ainda no mesmo documento afirma o governador que o contrabando era um dos

delitos mais ldquoperniciosos entre os que infectam o Estado dos que se fazem a sociedade civil

mais odiososrdquo 451

continua alegando que aquele tipo de praacutetica se fazia natildeo soacute contra o Eraacuterio

reacutegio mas tambeacutem em ruiacutena do comeacutercio local e prejuiacutezo do mesmo Pois os contrabandistas

vendem seus produtos com diminuiccedilatildeo de preccedilos jaacute os comerciantes legais ficavam com ldquosuas

fazendas empatadas [] sem ter quem as comprerdquo 452

Adverte entatildeo o governador que quem

fosse pego fazendo tais negociaccedilotildees iliacutecitas seria julgado em todas as penas cabiacuteveis e quem

fizesse denuacutencia receberia ldquoparte competenterdquo como premiaccedilatildeo

A preocupaccedilatildeo das autoridades para que natildeo houvesse contrabando com navios

estrangeiros na Costa da capitania era tatildeo grande que em alguns casos era tirada uma devassa

para se averiguar se os motivos alegados pela tripulaccedilatildeo para fazer parada em territoacuterio

pernambucano eram verdadeiros Esse eacute o caso do bergantim inglecircs denominado Sabina que

arribou no porto de Cabedelo na Paraiacuteba ldquopara se refazer de coisas necessaacuteriasrdquo 453

no ano de

1776 Logo o governador da Paraiacuteba passa ordens para que alguns soldados verifiquem a

embarcaccedilatildeo e a conduzam para fortaleza de Cabedelo onde ficaram ldquodebaixo de artilhariardquo e

posteriormente se procedeu uma devassa para verificar se a arribada era realmente necessaacuteria

Durante o tempo em que esteve naquele porto as mercadorias da embarcaccedilatildeo foram

transferidas para armazeacutens onde ficaram sob constante vigilacircncia para que natildeo ldquose

descaminhasse coisa algumardquo 454

Aleacutem do comeacutercio direto as fazendas estrangeiras tambeacutem chegavam a Pernambuco

atraveacutes de embarcaccedilotildees vindas da Bahia Isso eacute o que afirma Martinho de Melo e Castro

secretaacuterio da Marinha e Ultramar em ofiacutecio destinado ao governador de Pernambuco Joseacute

Cesar de Meneses Neste documento o secretaacuterio iraacute afirmar ser de conhecimento geral no

reino ldquoas escandalosas relaxaccedilotildees com que nesses portos (Pernambuco) se introduzem

450

AHU ndash PE Cx 95 D7497 451

Idem 452

Idem 453

AHU ndash PE Cx 122 Doc 9339 454

Idem

127

fazendas de Franccedila de Inglaterra e de Holandardquo 455

segue dizendo que as tais fazendas eram

extraiacutedas da Costa da Mina e chegavam a Pernambuco ldquointroduzidas pela Bahia e por navios

de comeacutercio que dessa capitania vatildeo aquela Costardquo 456

Como vimos o contrabando de mercadorias ou melhor o potencial comeacutercio de

produtos contrabandeados seraacute uma praacutetica extensiva durante todo o periacuteodo de existecircncia da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Vaacuterias eram as ldquomodalidadesrdquo desse tipo de

comeacutercio que podia ser realizado no grosso trato ou no miuacutedo praticado atraveacutes das rotas que

ligavam Pernambuco e Bahia pelo sertatildeo ou ainda pelo litoral esse comeacutercio era heterogecircneo

e envolvia diversos personagens Desde os grandes comerciantes passando pelos indiviacuteduos

comuns que viam nos descaminhos oportunidade de amealhar algum recurso chegando aos

estrangeiros de diversas naccedilotildees que frequentavam o litoral da capitania trazendo produtos

europeus e levando em contrapartida as mercadorias da terra

33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas

Agora que jaacute conhecemos as rotas os casos e as mercadorias que circulavam entre as

praccedilas de Bahia e Pernambuco nos resta tentar esclarecer como estes produtos ganhavam as

ruas e iam parar nas matildeos dos compradores finais Durante nossa pesquisa nas fontes

primaacuterias descobrimos que alguns destes comerciantes envolvidos nos circuitos iliacutecitos

estavam associados a falsificadores de selos reais como nos revelam dois documentos

coletados do nosso acervo

O primeiro caso eacute do ano de 1770 trata-se de uma carta anocircnima escrita no Recife

endereccedilada ao secretaacuterio de Estado do Reino e das Mercecircs o Conde de Oeiras O denunciador

aleacutem de falar sobre o comeacutercio ilegal praticado nos portos do sertatildeo afirma que ldquose introduz

aqui inumeraacuteveis fazendas sem despacho pelos mesmos navios da Companhiardquo 457

continua

explicando que ldquoo contrabando leva quantas meias sobras haacute nesta terra e ouro velho que

podem adquirir para a Bahia e o Rio de Janeiro vai o dinheiro provincial para se empregarem

em fazendas que se introduzem nesta praccedila por contrabandordquo 458

completa dizendo que as

455

Cf AHU ndash PE ndash Coacutedice 583 fls 202-203 apud DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os

locais uma anaacutelise da correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania

de Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei SOUZA

George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo atlacircntico Recife Editora

Universitaacuteria da UFPE 2012 P 225 456

Idem 457

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 458

Idem

128

ditas fazendas ldquochegam a ter selos falsos com que as selam por se natildeo fazer tatildeo manifesto o

contrabando a quem os compra e torna a venderrdquo 459

Em ofiacutecio escrito pela Junta da Companhia sediada em Lisboa no ano de 1778 um

caso correlato eacute denunciado Afirma-se neste documento a existecircncia em Recife de um

homem chamado Manoel Correa de Mendonccedila que foi preso no ano de 1772 por selar

fazendas contrabandeadas na sua casa 460

Podemos inferir atraveacutes dos dados como se

comportavam estas redes mercantis de contrabando que buscavam se agrupar a falsificadores

na intenccedilatildeo de fazer com que os produtos iliacutecitos circulassem livremente na praccedila mercantil

pernambucana e pudessem por exemplo ser vendidos sem maiores problemas nas lojas da

praccedila

Aleacutem da venda nas lojas quando feito em pequeno porte muito provavelmente estas

mercadorias ganhavam as ruas atraveacutes das bocetas das negras de ganho apesar da praacutetica ter

sido proibida por postura do ano de 1744 a venda desses produtos atraveacutes dessas

intermediaacuterias ainda constituiacutea-se em atitude cotidiana como nos esclarece carta dos oficiais

da cacircmara de Olinda escrita no ano de 1769 e endereccedilada a Corte

Nesta carta os oficiais apelam ao Rei pelo relaxamento da medida pois afirmam ser

aquele comeacutercio essencial para a sustentaccedilatildeo de famiacutelias por ser o ato de ldquocomprar e venderrdquo

o ldquouacutenico recurso que haacute no Brasilrdquo 461

O documento esclarece ainda que este tipo de comeacutercio

era um haacutebito da capitania como os proacuteprios camaraacuterios afirmam ldquoestilo da terrardquo antes da

pragmaacutetica as pretas cativas vendiam pelas ruas ldquotoda a qualidade de vendas de frutos

legumes docesrdquo 462

e com o decurso do tempo foram incrementados a este comeacutercio ldquofitas de

seda fazendas de algodatildeo da Iacutendia bertanha aniagemrdquo 463

Outro documento confirma essa dinacircmica mercantil em ofiacutecio do ano de 1778 da

Junta da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba ao governador de Pernambuco declara a

junta saber que ldquoos ricos e poderosos dessa terra (Pernambuco) trazem duas trecircs escravas a

vender pelas ruas em bocetasrdquo 464

continuam afirmando que ldquocada uma eacute uma loja os

melhores gecircneros e fazendas as quais recebem dos navios que vatildeo a este portordquo concluindo o

documento a Junta faz questatildeo de destacar que ldquopor ordem de sua majestade eacute proibido andar-

459

Idem 460

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 461

AHU ndash PE Cx 107 D 8312 462

Idem 463

Idem 464

AHU ndash PE Cx 128 D 9737

129

se vendendo desta forma pelas ruasrdquo 465

O apelo feito pela cacircmara bem como a denuacutencia da

Junta da Companhia Geral satildeo demonstrativos da persistecircncia desse comeacutercio que ligava os

principais homens de negoacutecio da praccedila pernambucana a estas intermediaacuterias de cor

Respondendo a este ofiacutecio tambeacutem no ano de 1778 o governador Joseacute Cesar de

Meneses confirma a afirmaccedilatildeo da Junta lisboeta Declara a autoridade que tal costume era

praticado na Praccedila e pelo que havia apurado natildeo era coisa moderna De acordo com os dados

colhidos por ele os governadores que o haviam precedido e os ministros que os auxiliavam

nunca haviam impugnado tal accedilatildeo afirma ainda que ldquoas cacircmaras concedem licenccedilas as

escravas que vendem dessa forma pelas ruasrdquo 466

Acreditava o governador que isso ocorria

pois ldquonem o artigo 18 da pragmaacutetica de 1749 que proiacutebe vender fazendas pelas ruas em

caixas ou trouxas nas cidades ou vilas desse Reino nem a declaraccedilatildeo feita ao mesmo inciso no

alvaraacute de 21 de abril de 1751rdquo 467

determinavam expressamente que tal proibiccedilatildeo se estendia

as conquistas A falta de uma legislaccedilatildeo especiacutefica para a colocircnia acabava neste caso criando

uma brecha para a continuidade daquele procedimento na capitania pernambucana

Tambeacutem encontramos relatos na historiografia que compravam o costume local de

mulheres de cor andarem pelas ruas a vender uma infinidade de produtos inclusive

contrabandos A historiadora Suely Almeida se dedica em artigo intitulado ldquoHistoacuterias de

gentes sem qualidade Mulheres de cor na Capitania de Pernambuco no seacuteculo XVIIIrdquo a

recompor as tramas comerciais que essas intermediaacuterias estavam envolvidas Sobre os

produtos que transitavam por entre cestos bocetas e tabuleiros nas ruas do Recife iraacute afirmar

a autora que

Tanto nos tabuleiros como nas tabernas vendia-se de tudo comida bebida

roupas poacutelvora armas ferramentas utensiacutelios domeacutesticos alguns artigos de

luxo como tecidos finos joias e coisas de toucador Essas vendas ou

tabernas se constituiacuteam em espaccedilos intermediaacuterios entre a legalidade e a

ilegalidade 468

Para o contrabando de escravos nossa hipoacutetese baseada na anaacutelise a documentaccedilatildeo eacute

que muito provavelmente antes de vir para a capitania boa parte da escravaria jaacute estava

encomendada e negociada dada a dificuldade de fazer entrar e se esconder uma grande

quantidade de pessoas na capitania sem ser notado Apesar de encontrarmos vaacuterios

465

Idem 466

AHU ndash PE Cx 130 D 9823 467

Idem 468

ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de Pernambuco no seacuteculo

XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria da escravidatildeo em Pernambuco Editora

UniversitaacuteriaUFPE 2012 P 52

130

documentos que fazem referecircncia ao comeacutercio descaminhado de escravos durante o periacuteodo

da nossa pesquisa natildeo achamos referecircncia alguma quanto a qualquer tipo de feira de venda de

escravos extralegal ou coisa parecida o que nos leva a crer que de fato aquele tipo de

negociaccedilatildeo era feita em sua maioria de forma antecipada

Quanto as caixas de accediluacutecar e outras mercadorias que saiam de Pernambuco e iam para

Bahia a documentaccedilatildeo natildeo oferece maiores detalhes Isto porque como jaacute dito aqui a praccedila

comercial da Bahia natildeo estava sujeita ao regime de exclusivo comercial dessa forma o

tracircnsito de produtos e negoacutecios era feito de maneira mais livre Aleacutem disso como tambeacutem jaacute

visto anteriormente as autoridades baianas de maneira geral pareciam natildeo se importar muito

com o tracircnsito comercial que ligava as duas capitanias autorizando a introduccedilatildeo das

mercadorias oriundas destes negoacutecios sem grandes problemas

131

4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA

41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas

O contrabando seraacute uma constante durante os vinte e um anos de existecircncia da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba causando graves prejuiacutezos aos comerciantes

lisboetas donos da maior parte de suas accedilotildees Essa praacutetica seraacute alvo de grande preocupaccedilatildeo

por parte da coroa e da Junta da Companhia sediada em Lisboa 469

sendo um assunto

recorrente na documentaccedilatildeo Conseguimos localizar junto ao nosso acervo uma seacuterie de

ofiacutecios e cartas trocadas entre as autoridades locais e o Reino ao longo de todo o periacuteodo de

monopoacutelio exercido pela empresa que tratam sobre o tema demonstrativos da importacircncia e

proporccedilatildeo que os contrabandos assumiram durante aquele periacuteodo

A preocupaccedilatildeo do Reino em evitar e conter os contrabandos na capitania

pernambucana se daraacute a partir dos primeiros anos de funcionamento da Companhia revelando

que a praacutetica clandestina se instalou contemporaneamente ao funcionamento da empresa

Alertamos que o teor dessa documentaccedilatildeo por vezes se tornaraacute repetitivo de qualquer forma

optamos por trabalhar com uma significativa variedade de documentos natildeo soacute para reforccedilar

nosso ponto como tambeacutem para demonstrar que os problemas envolvendo as transaccedilotildees

descaminhadas persistiram ao longo dos anos de existecircncia do monopoacutelio

De acordo com Antonio Manuel Hespanha devido a uma seacuterie de limitaccedilotildees

enfrentadas pelo Reino a aplicabilidade de penas dentro do sistema punitivo reacutegio portuguecircs

era reduzida Afirma o autor que o modelo de poder coercitivo exercido por Portugal evitava

ao maacuteximo a consumaccedilatildeo da puniccedilatildeo sendo a disciplina social garantida por ldquomecanismos

quotidianos de controlordquo tendo como fim a defesa da supremacia simboacutelica do Rei Dessa

forma a concessatildeo do perdatildeo real em alguns crimes acabava por se tornar estilo expediente

rotineiro Hespanha assegura que esta realidade soacute seraacute alterada de maneira efetiva em

469

A Junta da Companhia Geral estava sediada em Lisboa e representava dentro da estrutura administrativa da

empresa a escala maacutexima de poder era o centro decisoacuterio da Companhia e possuiacutea competecircncia deliberativa A

Junta era composta por um provedor dez deputados e trecircs conselheiros eleitos entre os principais acionistas da

empresa para mandatos a priori de trecircs anos A Companhia possuiacutea ainda duas outras administraccedilotildees uma na

cidade do Porto e outra em Recife conhecidas como ldquodireccedilotildeesrdquo cada uma delas possuiacutea um intendente e seis

deputados Estas direccedilotildees eram subordinadas a Junta administrativa de Lisboa Sobre isto ver JUacuteNIOR Joseacute

Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 CARREIRA Antonio

As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982

132

meados do XVIII com a ascensatildeo do despotismo iluminado periacuteodo que compreende o marco

cronoloacutegico desta pesquisa 470

Apesar da Companhia possuir um juiacutezo privativo e de alguns casos como

demonstrado no capiacutetulo anterior acabarem por apoacutes as investigaccedilotildees inocentarem os reacuteus eacute

notoacuteria a atenccedilatildeo que o Reino iraacute demandar aos casos de contrabando ocorridos durante o seu

funcionamento A comunicaccedilatildeo oficial estabelecida entre os governadores da capitania e o

ministro do Estado da Marinha e Ultramar nos demonstra como a metroacutepole buscou instruir

seus agentes locais para atuarem na coibiccedilatildeo e puniccedilatildeo dos diversos personagens envolvidos

nos esquemas iliacutecitos

Jaacute em 1763 encontramos ofiacutecio enviado a Corte pelo governador Luiacutes Diogo Lobo da

Silva onde o oficial reacutegio comunica ao Conselho Ultramarino as medidas que vinha tomando

para reprimir a ldquoprejudicial transgressatildeordquo 471

que segundo o mesmo havia causado ldquoquase

uma total extraccedilatildeo do dinheiro provincialrdquo Afirma o governador ter mandando o procurador

fiscal da Companhia bem como o juiz da alfacircndega daquela Praccedila darem buscas nas lojas

suspeitas a fim de que se cumprisse o que determina o artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo

da Companhia Geral 472

No mesmo ofiacutecio Luiacutes Diogo Lobo busca esclarecer junto ao Reino qual o

procedimento adotar em caso de apreensatildeo de mercadorias fruto de denuacutencias que se

encontravam sem selo ou seja produtos que ainda natildeo haviam pagado os reais direitos em

nenhum porto A duacutevida do governador era se mesmo nestes casos deveriam os denunciantes

receber a parte que lhes era devida seguindo o que estabelecia o artigo 34 do documento de

instituiccedilatildeo da Companhia 473

Destacamos que a duacutevida das autoridades em relaccedilatildeo ao que

fazer com os frutos das apreensotildees seraacute corriqueira Isto porque o documento de instituiccedilatildeo da

470

HESPANHA Antonio Manoel O direito penal da monarquia corporativa In _____ Caleidoscoacutepio do

Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda 2012 P 129-164 471

AHU-PE ndash Cx 99 D 7757 472

Idem 473

O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba determinava que

ldquoNenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute mandar levar ou introduzir as sobreditas

fazendas secas ou molhadas nas ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da sua produccedilatildeo a menos

que natildeo seja na forma acima referida sob pena de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto

importar o seu valor Sendo tudo aplicado a favor dos denunciantes que poderatildeo dar suas denuacutencias em

segredo ou em puacuteblico Neste Reino diante dos juiacutezes conservadores de Lisboa e do Porto e em Pernambuco

diante do Juiz Conservador da mesma Companhia os quais todos faratildeo notificar as denunciaccedilotildees aos

procuradores da Companhia para serem partes nelas tudo de baixo das penas acima declaradasrdquo (Grifo nosso)

Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor do

Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel

em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 05052017

133

Companhia que balizava tais questotildees natildeo contemplava a diversidade de situaccedilotildees

encontradas pelos oficiais reacutegios no cotidiano 474

De acordo com o artigo 34 nenhuma pessoa poderia introduzir nas terras exclusivas

da Companhia nem enviar dela para outras localidades nenhum tipo de gecircnero exceto nos

casos dos comerciantes que negociavam no ldquomiuacutedordquo como autorizava o artigo 33 475

sob

pena de perdimento das fazendas ou de seu valor como jaacute explicitamos anteriormente Quem

estivesse disposto a denunciar tais contrabandos o que poderia ser feito em segredo ou

publicamente levaria a terccedila parte dos rendimentos feitos com aquela apreensatildeo O precircmio

era uma forma de incentivar as denuacutencias na capitania jaacute que sem elas o trabalho dos oficiais

reacutegios ficava bastante dificultado No entanto fazer estas denuacutencias requeria coragem pois

invariavelmente violecircncias e represaacutelias eram sofridas pelos denunciantes 476

A praacutetica de reservar quotas sobre o espoacutelio do contrabando aos que contribuiacutessem

para sua apreensatildeo era comum natildeo soacute na colocircnia brasileira como na Ameacuterica hispacircnica Ao

tratar sobre os descaminhos do ouro e diamantes na regiatildeo das Minas setecentistas Isnara

Pereiro Ivo iraacute afirmar que uma das estrateacutegias adotadas pela Coroa ao decorrer do seacuteculo

XVIII para tentar conter os contrabandos na regiatildeo era a de destinar a terccedila parte do material

apreendido ao funcionaacuterio reacutegio que fizesse a tomadia 477

Falando sobre os contrabandos

474

Em diversos documentos oficiais trabalhados ao longo deste texto solicitam as autoridades coloniais ao

Reino que se mandem instruccedilotildees do que fazer com as mercadorias apreendidas Ao que tudo indica quando os

confiscos aconteciam independentemente de denuacutencias os gecircneros apreendidos eram levados aos armazeacutens da

Companhia Poreacutem nem sempre os oficiais tinham certeza do que fazer com os frutos das apreensotildees como por

exemplo eacute o caso de uma carga de couros e tabaco apreendida por Joseacute Cesar de Meneses em 1778 tirado de

uma sumaca que fazia contrabandos com a Costa da Bahia Apesar de ter remetido os tabacos e os couros para os

armazeacutens da Companhia o governador solicita lhe seja esclarecido pela Corte se aquela direccedilatildeo deveria pagar

pelos ditos gecircneros ao Eraacuterio Reacutegio pois parecia ao governador ldquopertencer este sequestro mais a S Majestade do

que a direccedilatildeordquo Fonte AHU ndash PE Cx 129 D 9771 475

Como jaacute visto no segundo capiacutetulo deste trabalho de acordo como artigo 33 do documento de instituiccedilatildeo da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba a empresa autoriza que os comerciantes da terra continuassem a

fazer seus negoacutecios no ldquomiuacutedordquo ficando reservado a Companhia o comeacutercio de grosso trato que em Pernambuco

comeccedilava no valor de cem mil reis Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa -

Officina de Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA -

Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 476

Em ofiacutecio do ano de 1780 o governador Joseacute Cesar de Meneses ao falar sobre caso ocorrido no mesmo ano

na capitania afirma ter sido assassinado o soldado Ignaacutecio Tavares do Regimento do Recife e na mesma ocasiatildeo

foi espancado violentamente o soldado Francisco Antocircnio Ribeiro do mesmo Regimento ao irem agrave praia da

Penha (Recife) examinar uma jangada vinda da Bahia cheia de contrabandos Atesta ainda o governador que

durante estas diligecircncias era comum que houvesse certa resistecircncia por parte dos contrabandistas Declara

tambeacutem neste documento ter feito pagar recentemente a soldados que haviam denunciado novo crime de

contrabando a terccedila parte do fruto da apreensatildeo no valor de 270259 mil reis a fim de ldquoanimar a tropa e

cuidarem em fazer melhores diligecircnciasrdquo Fonte AHU-PE Cx 138 D10250 477

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica

Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 288

134

realizados no porto de Buenos Aires do seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos tambeacutem iraacute atestar que

se tinha o costume naquela localidade de recompensar o denunciador de ldquotratos realizados

sem permissatildeo realrdquo 478

com ao menos um terccedilo do valor apreendido

Voltando a nossa narrativa em 1769 o entatildeo governador de Pernambucano Conde de

Povolide anuncia ao Reino a grande ldquoousadia com que se estavam praticando tatildeo escandalosas

negociaccedilotildees quase a minha face e de todos os ministros desta capitaniardquo 479

De acordo com o

Conde devido agrave falta de denuacutencias se introduziam na aacuterea exclusiva da Companhia ldquofazendas

secas por negociantes da Bahia em alguns portos desta capitaniardquo ainda segundo o governador

os mesmos negociantes extraiam gecircneros da terra para a capitania vizinha em ldquoprejuiacutezo grave

dos direitos reaisrdquo 480

Neste mesmo ofiacutecio o oficial reacutegio relata como atuavam aqueles

grupos empenhados no trato iliacutecito e os cuidados que vinha empregando na contenccedilatildeo de tais

praacuteticas assegurando ter recomendado aos capitatildees mores e regentes de distrito a maior

vigilacircncia ldquopara evitar a travessia de semelhantes negociaccedilotildeesrdquo 481

Neste mesmo ano eacute enviada resposta ao governador em Pernambuco em forma de

minuta do Rei D Joseacute I Ordenava-se que para se evitar os ldquoprejudicialiacutessimos empates que

tem experimentado a Companhiardquo 482

se executasse na capitania pela figura do Juiz

conservador da Companhia Geral todas as leis e ordens referentes a repressatildeo do

contrabando Pedindo que se desse especial observacircncia ao alvaraacute reacutegio expedido no dia 14 de

novembro de 1757 483

onde se ampliavam os paraacutegrafos que tratavam sobre o tema nas

Comarcas do Reino e em seus domiacutenios ultramarinos

Em 1770 era a vez de Manoel da Cunha Meneses relatar o insucesso na repressatildeo

contra os descaminhos que naquelas paragens se estabeleciam Segundo o governador natildeo

havia meios ldquopara que estes contrabandos se possam evitarrdquo 484

Prosseguindo seu relato o

capitatildeo general afirma que o motivo das fazendas da Companhia estarem ldquoempatadasrdquo nos

armazeacutens era que nos sertotildees daquela capitania havia uma ldquogrande multiplicidaderdquo 485

das

mesmas fazendas que adentravam via contrabando o territoacuterio monopolizado atraveacutes do Rio

de Satildeo Francisco Explica ainda a dificuldade em se mandar fiscalizar aquelas ldquoremontadas

478

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires

colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 479

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 480

Idem 481

Idem 482

AHU ndash PE Cx 107 D 8276 483

Natildeo foi possiacutevel identificar tal alvaraacute junto ao nosso acervo documental 484

AHU ndash PE Cx 108 D 8371 485

Idem

135

paragensrdquo de acordo com o governador ldquonatildeo haacute sujeitos que bastem para em tatildeo longas

distacircncias fazerem a sua obrigaccedilatildeo de impedir as ditas passagensrdquo 486

e mesmo que

houvessem ldquoseria necessaacuterio uma importante soma de ordenados da real fazenda para lhe

satisfazer as despesas precisas nas dilatas viagensrdquo 487

Percebemos que as dificuldades encontradas pelos governadores pernambucanos e os

ministros do Conselho Ultramarino nos combates aos contrabandos em muito se aproximam

dos desafios enfrentados pela Coroa e pelos oficiais reacutegios envolvidos na administraccedilatildeo das

Minas de ouro Isto eacute que o nos sugere os atuais trabalhos dedicados a explorar os circuitos

mercantis desenvolvidos nas regiotildees mineiras que apontam para os grandes descaminhos de

minerais realizados naquelas plagas Desde cedo a Coroa buscou montar todo um aparato

fiscalizador com o intuito de conter a sangria que ofendia a Real Fazenda De acordo com a

historiadora Isnara Pereira Ivo a regiatildeo do Satildeo Francisco e suas anexas foram as principais

vias alvo de controle Os contrabandos naquela regiatildeo se davam tanto atraveacutes dos caminhos e

picadas de terra abertas ilegalmente ao longo das margens dos rios ldquocomo no curso de

pequenos afluentes e nos grandiosos braccedilos drsquoaacutegua que alimentavam secularmente os leitos da

margem direita do Velho Chicordquo 488

No entanto por maior que fosse o zelo do Reino no que diz respeito agrave tatildeo importante

demanda nenhuma medida adotada se mostrou completamente eficaz isto porque os

caminhos eram muitos e extensos ainda de acordo com Ivo ldquoos dilatados sertotildees abrigavam

veredas que as proacuteprias autoridades desconheciam e talvez por isso mesmo tentavam ampliar

medidas de combate a evasatildeo fiscalrdquo 489

Existia uma grande preocupaccedilatildeo por parte da Coroa

com a abertura de caminhos natildeo autorizados o que pode ser medido entre outras coisas pela

recorrecircncia de ordens reacutegias que buscavam regular tal mateacuteria

Nota-se que tanto no caso das Minas quanto em Pernambuco que a grande extensatildeo

do territoacuterio e a falta de conhecimento sobre as vastas aacutereas que estavam fora do eixo

litoracircneo iratildeo dificultar sobremaneira o trabalho repressivo por parte das autoridades reais

Por maiores que fossem os esforccedilos empregados a contenccedilatildeo dos descaminhos nas condiccedilotildees

apontadas era tarefa praticamente impossiacutevel Natildeo havia nenhum tipo de estrutura que

permitisse o monitoramento total de aacutereas tatildeo vastas A questatildeo da extensatildeo territorial da

486

Idem 487

Idem 488

IVO Isnara Pereira Op Cit P 289 489

Idem

136

Capitania pernambucana apareceraacute em vaacuterios documentos como um dos elementos mais

impeditivos para efetividade da fiscalizaccedilatildeo

Nosso conjunto documental nos sugere um aumento do volume de contrabandos a

partir de meados da deacutecada de 70 490

o que consequentemente iraacute gerar uma maior

preocupaccedilatildeo por parte do Reino e das autoridades locais em tomar medidas repressivas para

cessar tal fluxo Durante esta fase esteve agrave frente do governo de Pernambuco Joseacute Cesar de

Meneses Filho do conde de Sabugosa 491

o governador de Pernambuco nasceu na Bahia

onde permaneceu durante a vigecircncia do governo de seu pai como Vice-Rei do Brasil entre os

anos de 1720 a 1734

Ingressou na carreira militar e serviu em Portugal durante alguns anos depois desse

periacuteodo seguiu para as Iacutendias onde fixou residecircncia Foi nomeado como governador da

capitania de Pernambuco em 27 de julho de 1774 permanecendo no cargo ateacute o ano de 1787

492 Seu governo foi conturbado enfrentando uma epidemia de bexigas e uma grave seca em

1776 que levou a uma fome generalizada Em obra tradicional onde traccedila biografias

panegiricas Pereira da Costa afirma

Joseacute Cesar de Meneses pelo seu caraacuteter eneacutergico pelas suas qualidades e

pela simpatia geral que angariou pelos atos de justiccedila do seu governo

correto e honesto foi alvo de diferentes manifestaccedilotildees populares [] 493

Ao longo do seu governo Joseacute Cesar teve de lidar com inuacutemeros problemas relativos

agraves atividades da Companhia Geral em Pernambuco e suas anexas Estando a frente da

capitania durante a segunda crise por qual passava a Companhia e permanecendo ateacute o fim de

seu monopoacutelio 494

o governador foi um aacutevido denunciador da maacute administraccedilatildeo da empresa

em Pernambuco Devido a isto a relaccedilatildeo do oficial com a diretoria pernambucana natildeo era das

490

Para mais detalhes sobre este fluxo consultar o primeiro capiacutetulo deste trabalho 491

Joseacute Cesar de Meneses natildeo era filho legitimo de Vasco Fernandes Cesar de Meneses o Conde de Sabugosa

Nascido de um relacionamento do Conde com Luzia Rosa de Andrade portuguesa que residia na Bahia o o

governador foi batizado como filho de pai incoacutegnito apesar de Vasco Fernandes afirmar em cartas e conversas

que o mesmo era seu filho Sobre isto ver COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos

Recife Secretaria do interior e justiccedila 1951-1966 V 6 492

Apesar de comumente os governadores de capitania na Ameacuterica Portuguesa serem nomeados para ocupar tais

cargos por um periacuteodo de apenas quatro anos Joseacute Cesar de Meneses permaneceu durante treze anos a frente do

governo de Pernambuco Fato que indica uma possiacutevel habilidade pessoal do oficial em mediar os interesses

locais e metropolitanos Sobre este tema ver JUNIOR Joseacute Inaldo Chaves Biografia e micro-histoacuteria diaacutelogos

possiacuteveis para uma histoacuteria da governanccedila no Impeacuterio Portuguecircs (Capitania da Parayba c1764-1797) Revista

Cantareira Rio de Janeiro 15ordm ediccedilatildeo jul-dez 2011 493

COSTA Francisco Augusto Pereira da Op Cit V 6 P 349 494

A segunda crise enfrentada pela empresa ocorrida entre 17781780 tem iniacutecio poacutes-morte do Rei D Joseacute I e

do quase imediato afastamento de Pombal do centro decisoacuterio do Reino Neste momento uma seacuterie de peticcedilotildees

passam a ser enviadas a Rainha D Maria I tanto na colocircnia quanto no Reino pedindo a extinccedilatildeo dos privileacutegios

da Companhia Geral e a volta do comeacutercio livre

137

melhores 495

com bastante constacircncia o governador relatava ao Reino os desmandos dos

agentes locais da empresa destacando ainda o mal que tal empreendimento havia causado de

acordo com sua avaliaccedilatildeo as atividades comerciais na regiatildeo 496

Durante o periacuteodo do seu governo a questatildeo do contrabando ocuparaacute lugar cativo na

pauta das documentaccedilotildees trocadas entre o governador e o secretaacuterio de Estado da Marinha e

Ultramar do Reino Martinho de Melo e Castro Apesar de ser da opiniatildeo que a Companhia

prejudicava o comeacutercio local o governador seguindo as recomendaccedilotildees de seu cargo buscou

auxiliar sempre que possiacutevel e necessaacuterio a empresa principalmente no que se refere ao

combate dos descaminhos 497

Devemos lembrar como jaacute apontado previamente que de

acordo com as recomendaccedilotildees do artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa a

administraccedilatildeo da Companhia respondia diretamente ao Rei e era independente de todos os

tribunais maiores ou menores natildeo podendo em nenhum caso se intrometer ministro ou

tribunal algum em seus assuntos 498

Devido ao caraacuteter privativo da empresa no tocante as suas questotildees judiciais ficavam

os governadores e demais autoridades locais impedidos de agir com maior liberdade nas

ocorrecircncias de contrabando Eacute o que atesta Joseacute Cesar de Meneses respondendo a cobranccedila

feita pela Junta da empresa para que o oficial passasse a regular de maneira mais contundente

as ingerecircncias que cometiam os deputados da Direccedilatildeo da Companhia em Pernambuco e os

contrabandos na regiatildeo O governador na ocasiatildeo aponta para o artigo acima de forma a

atestar sua falta de jurisdiccedilatildeo para atuar em certos casos

495

Alguns ofiacutecios confirmam a existecircncia de certa animosidade entre o oficial reacutegio e a direccedilatildeo pernambucana

que se queixaraacute da falta de assistecircncia dada pelo governador aos negoacutecios da Companhia Acusaccedilatildeo que busca

repetidamente o governador se defender afirmando e reafirmando em diversos documentos os auxiacutelios que tem

prestado aquela direccedilatildeo Um ofiacutecio enviado pelo governador ao Reino no ano de 1775 ilustra bem esta questatildeo

Nele o oficial reacutegio busca esclarecer junto a Corte as acusaccedilotildees feitas pelo Intendente da Companhia o senhor

Antocircnio Joseacute Souto sobre sua conduta Afirmando em tal ocasiatildeo que o tal intendente despoacutetico e de se utilizar

de seu cargo na direccedilatildeo daquela instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9218 496

O governador enviaraacute a Corte uma seacuterie de correspondecircncias ao longo de seu governo relatando o estado em

que se encontrava a capitania chegando ateacute mesmo a fazer comparaccedilotildees numeacutericas do volume do comeacutercio

antes e depois do monopoacutelio instaurado pela Companhia Geral Exemplo disto eacute o ofiacutecio do ano de 1778 onde o

oficial envia ao Reino extenso documento onde relata natildeo soacute seu ponto de vista a respeito da instituiccedilatildeo e do que

vinha obrando para acudir a Companhia durante seu governo como tambeacutem traz em anexo diversos documentos

com os nuacutemeros referentes ao comeacutercio dos diversos gecircneros que se fazia na capitania antes e depois da criaccedilatildeo

da Companhia Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 497

AHU ndash PE Cx 130 D 9823 498

Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor

do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel

em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217

138

Em ofiacutecio do ano de 1777 onde relata a situaccedilatildeo dos contrabandos na capitania Joseacute

Cesar aponta alternativa que acreditava ser suficiente para extinguir os contrabandos

Segundo o mesmo deveria a Companhia remeter para a capitania ldquoos mesmos gecircneros que

trazem os contrabandistas e vendecirc-los pelo mesmo preccedilo que os contrabandistas os vendemrdquo

499 De acordo com o governador se a Companhia assim fizesse ningueacutem ldquose incomodaria com

tanto trabalho e risco a introduzi-las nem jamais se continuariam tais contrabandosrdquo 500

Ainda neste mesmo ofiacutecio o oficial eacute enfaacutetico ao afirmar que ldquoa introduccedilatildeo dos

contrabandos nasce porque por preccedilos mais racionaacuteveis e diminutos se compram as mesmas

fazendas de contrabandos o que natildeo se consegue da direccedilatildeordquo 501

destaca ainda o funcionaacuterio

real que as mercadorias comercializadas pela Companhia eram vendidas a preccedilos maiores do

que em todas outras Praccedilas comerciais do Brasil que natildeo contavam com uma empresa

monopolizadora

Outra medida eficaz para fazer cessar os contrabandos naquelas paragens apontada

pelo governador seria a direccedilatildeo da Companhia comeccedilar a assistir aos lavradores da terra em

dinheiro fiacutesico 502

Para Joseacute Cesar a questatildeo era simples bastava passar a empresa a praticar

seu comeacutercio de forma justa cobrando valores mais competitivos por seus gecircneros europeus e

fazer os pagamentos dos efeitos da terra em dinheiro agindo a empresa desta forma natildeo

necessitariam os fabricantes locais recorrerem a outras maneiras de obter o metal e

conseguirem melhores lucros

A questatildeo da falta de moeda corrente seraacute uma reclamaccedilatildeo constante dos moradores

da terra contra a Companhia Os estatutos da empresa estabeleciam que a regulaccedilatildeo dos

financiamentos junto aos produtores ocorreria da seguinte forma a Companhia adiantava ao

produtor de couros ou accediluacutecar a terccedila parte relativa a produccedilatildeo anual de cada um esse

adiantamento poderia ser feito em dinheiro mercadorias ou instrumentos de trabalho No

entanto de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a Companhia buscava evitar fazer seus

pagamentos em dinheiro sobretudo para evitar que os produtores comprassem gecircneros

vedados atraveacutes do contrabando 503

Em outro ofiacutecio jaacute no ano posterior o governador trata com maior detalhe a questatildeo

dos preccedilos praticados pela Companhia e pelos contrabandistas O capitatildeo general afirma que o

499

AHU ndash PE Cx 127 D 9670 500

Idem 501

Idem 502

AHU ndash PE Cx 130 D 9823 503

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit P 111

139

motivo dos contrabandistas venderem os seus produtos a preccedilos menores que o da Companhia

natildeo estava relacionado agrave falta de pagamento de direitos ou fretes mas simplesmente porque

os negociantes envolvidos naquele trato se empenhavam em comprar seus gecircneros por preccedilos

mais moacutedicos Razatildeo pela qual mesmo correndo os riscos de transportarem os seus produtos

ldquoem jangadas quase debaixo drsquoaacutegua sujeitas a mil avarias e sobretudo o maior e mais

formidaacutevel de todos os riscos o do confiscordquo 504

conseguiam tais comerciantes vender seus

gecircneros por valores inferiores aos praticados pela Companhia Geral

Em relaccedilatildeo ao comeacutercio de escravos segundo o governador agia a Companhia da

mesma forma prejudicial Em documento em que detalha o nuacutemero de cativos e embarcaccedilotildees

que entraram no porto do Recife entre os anos de 1742 a 1777 Joseacute Ceacutesar versaraacute sobre a

questatildeo do comeacutercio atlacircntico para Pernambuco em paralelo com as praccedilas de Bahia e Rio de

Janeiro Segundo o governador era notoacuterio que em Angola e na Costa da Mina se reservava ldquoa

flor dos escravos para os negociantes da Bahia e do Rio de Janeirordquo 505

pois estes pagavam

aos seus comissaacuterios africanos a dinheiro e melhores efeitos Dessa forma ficava relegada a

Companhia Geral apenas o ldquorefugordquo da escravaria que era composta por negros de ldquoruim

qualidade e carestiardquo 506

Diz o governador natildeo saber com a empresa procedia em suas compras na Costa da

Aacutefrica no entanto como a experiecircncia mostrava era possiacutevel se comprar escravos

contrabandeados ldquopor uma quinta parte menosrdquo 507

dos que os vendidos pela Companhia

Geral Aleacutem disso como se vivia em Pernambuco uma crise de moeda fiacutesica a Companhia

costumeiramente mandava vender alguns de seus escravos no Rio de Janeiro ldquopor muito

menos do que nesta praccedilardquo 508

ainda segundo Joseacute Cesar os negros que se iam vender na

praccedila carioca eram ldquosempre os melhores e mais escolhidosrdquo 509

Dessa forma concluiacutea o governador que os escravos que permaneciam na capitania

eram sempre os de ldquopior qualidaderdquo o que acabava por provocar um ldquomaior desembolso a

que o lavrador fica sujeito tanto no maior nuacutemero que deveria comprar quanto na qualidaderdquo

510 Segundo o funcionaacuterio real os lavradores residentes na capitania eram forccedilados a

substituir o plantel constantemente pois logo ldquomorrem pela sua ruim qualidade e moleacutestias

504

Idem 505

Idem 506

Idem 507

Idem 508

Idem 509

Idem 510

Idem

140

com quem jaacute vecircm contaminadosrdquo 511

sendo vendidos aqui cinco vezes mais caros ldquodo que se

costuma pagar os melhores da Bahia e Rio de Janeiro []rdquo 512

Outra inteligente sugestatildeo a ser empregada na repressatildeo dos contrabandos naquela

regiatildeo eacute dada pelo Ouvidor da Comarca de Alagoas no ano de 1778 Seguindo ordens do

governador Joseacute Cesar de Meneses o oficial que fazia vaacuterias correiccedilotildees na aacuterea limiacutetrofe entre

Pernambuco e Bahia iraacute declarar ao seu superior pernambucano que o combate ao

contrabando era impossiacutevel pois para isto ldquoseria preciso lanccedilar um cordatildeo de tropa por toda a

praia na sua extensatildeo de sessenta leacuteguasrdquo 513

Para o Ouvidor a situaccedilatildeo natildeo mudaria ateacute que

se tomassem ldquonovas providecircncias e uma nova legislaccedilatildeo que contenha os senhores de

engenho na facilidade com que vendem suas safras inteiras conhecidamente a

contrabandistasrdquo 514

ou seja de acordo com o oficial seria mais faacutecil se coibir a praacutetica

regulando a produccedilatildeo dos engenhos ldquoera melhor que este grande e inuacutetil trabalho que se tem

em guardar sessenta leacuteguas de praia se tivesse em pedir contas aos senhores de engenho das

suas respectivas safrasrdquo 515

Este conselho eacute enviado pelo governador ao Reino poreacutem ateacute o momento natildeo

conseguimos encontrar nenhum documento que ateste que o mesmo tenha sido colocado em

praacutetica Joseacute Cesar demonstrava grande preocupaccedilatildeo em relatar ao Reino sempre que

possiacutevel o trabalho que vinha executando em relaccedilatildeo ao combate dos contrabandos no

periacuteodo do seu governo Como jaacute explicitado e declarado pelo proacuteprio o contrabando era ldquoum

dos principais objetosrdquo 516

da ldquomaior vigilacircncia e cuidadordquo 517

do governador que haacute muito

tempo segundo o mesmo natildeo cessava ldquode aplicar todos os meios de lhe cortar o passordquo 518

como vinha apresentando regularmente ao Reino atraveacutes de diversos documentos

Em ofiacutecio encaminhado a Junta da empresa em Lisboa em 1778 afirma novamente o

governador estar ldquodando providecircncias sobre providecircncias para evitar os contrabandosrdquo 519

alegando ainda ter recomendando ordens a este respeito a pessoas ldquode maior satisfaccedilatildeo e

511

Idem 512

Idem Sobre o comeacutercio de escravos em Pernambuco durante o governo de Joseacute Cesar de Meneses consultar

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre

Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 513

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 514

Idem 515

Idem 516

AHU ndash PE Cx 134 D 10074 517

Idem 518

Idem 519

AHU ndash PE Cx 130 D 9823

141

confidecircnciardquo 520

e ateacute mesmo estar prestando repetidos auxiacutelios de tropas pagas No entanto o

combate aos contrabandos natildeo era tarefa das mais faacuteceis mesmo se utilizando do auxiacutelio de

tropas pagas como atesta ter feito Joseacute Cesar de Meneses e o fizerem diversos governadores

durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia 521

vigiar tatildeo vasto territoacuterio era impossiacutevel

No ano de 1779 o capitatildeo general iraacute remeter ao secretaacuterio de Estado da Marinha e

Ultramar ofiacutecio onde apresenta uma seacuterie de certidotildees passadas pela direccedilatildeo da Companhia

em Pernambuco atestando o auxiacutelio e providecircncias dadas pelo governador em diversas

diligecircncias com objetivo de dirimir os descaminhos ao longo dos uacuteltimos anos Neste

documento encontra-se tambeacutem coacutepia anexa de carta circular que o governador fez correr ldquoa

todos os ministros da minha jurisdiccedilatildeo que se achavam em ato de correiccedilatildeordquo 522

Nela consta

com detalhe o procedimento que todos os Capitatildees Mores comandantes e regentes de distrito

deveriam tomar para impedir os contrabandos em seus locais de atuaccedilatildeo

Eram quatro os passos que deveriam ser seguidos por estes oficiais reacutegios Em

primeiro lugar deveriam eles inspecionar todas as lojas e casas onde houvesse suspeita da

praacutetica de contrabando caso a suspeita se revelasse verdadeira o fruto da apreensatildeo deveria

ser remetido ao juiz conservador que para melhor averiguaccedilatildeo do caso deveria chamar ldquoos

ventenarios do seu distritordquo 523

e os obrigar a declarar em segredo ldquose pelas suas venterias

existem ou grassam alguns contrabandistas ou comissaacuterios volantes de fazendasrdquo havendo

denuacutencia deveria se proceder contra os mesmos de acordo com as leis de sua Majestade

Em segundo lugar era responsabilidade do comandante do distrito visitar pessoalmente

ldquotodos os barcos e qualquer outra embarcaccedilatildeo que dos portos da sua jurisdiccedilatildeo derem entrada

fazendo desta visita auto no livro competenterdquo 524

Especial atenccedilatildeo deveria ser dada aos

barcos que costumavam transportar madeira para Bahia nestes casos o despacho soacute deveria

ser entregue ao mestre da embarcaccedilatildeo proacuteximo a data de saiacuteda daquele porto Aleacutem disso

sempre que houvesse a miacutenima suspeita de introduccedilatildeo de algum iliacutecito deveria o comandante

do distrito enviar guardas a bordo para verificaccedilatildeo da carga

A terceira medida consistia em fazer chamar todos os jangadeiros das costas e praias

da jurisdiccedilatildeo por ele comandada fazendo-os ldquoassinar termo em que se obriguem a natildeo

520

Idem 521

A contrataccedilatildeo de tropas pagas para atuar na repressatildeo aos contrabandos se fez necessaacuteria em diversas

ocasiotildees devido ao volume daquele comeacutercio descaminhado e a grandiosidade territorial da capitania de

Pernambuco e de suas anexas 522

AHU ndash PE Cx 132 D 9955 523

Idem 524

Idem

142

transportar efeitos a bordo do barco que natildeo esteja franco a recebecirc-los para Pernambucordquo 525

e

ainda deveriam orientar a estes que natildeo respondessem ldquoaos sinais que costumam fazer as

embarcaccedilotildees ao largo chamando jangadas para se receberem e baldearem em terra os

contrabandosrdquo 526

O jangadeiro que desobedece tal ordem deveria ser preso autuado e

remetido agrave presenccedila do governador para que cumprisse as penas destinadas aos

contrabandistas

Por fim deveriam os comandantes de distrito nomear em todos os ldquoportos barras

baias e entradas dos mares da sua jurisdiccedilatildeordquo pessoa ldquocuja probidade capacidade e honra

vossa mercecirc tenha mais conceitordquo Esta pessoa seria responsaacutevel por avisar ao comandante

assim que qualquer embarcaccedilatildeo entrasse no distrito para que o mesmo pudesse em pessoa

fazer a inspeccedilatildeo necessaacuteria Caso o comandante estivesse ausente e houvesse necessidade

estes ldquoajudantesrdquo nomeados poderiam apreender lemes e velas de embarcaccedilotildees suspeitas bem

como fazer apreensatildeo de alguns fardos e fazendas ateacute a volta da autoridade distrital A carta

circular termina de forma intimidadora o governador deixa claro que a ldquomenor omissatildeordquo a

respeito desta mateacuteria natildeo seria tolerada sendo punido asperamente o oficial reacutegio que a

descumprisse ldquonatildeo soacute por erro e falta do seu ofiacutecio mas como fator e auxiliador do vil crime

de contrabandistardquo 527

O tom ameaccedilador do governador aos seus oficiais subordinados eacute

explicado pelo conjunto documental

Antes de darmos iniacutecio a um novo toacutepico vale a pena ressaltar como a questatildeo dos

contrabandos e extravios seratildeo uma constante na histoacuteria da colonizaccedilatildeo europeia na Ameacuterica

Dependendo do momento e da localidade os Centros iratildeo lidar com a mateacuteria de formas

distintas Tomemos como exemplo o jaacute famoso caso envolvendo os descaminhos na regiatildeo

fronteiriccedila do extremo Sul do Brasil Os contemporacircneos trabalhos que tratam sobre o

comeacutercio na regiatildeo do Prata iratildeo apontar os portugueses ou melhor os luso-brasileiros como

responsaacuteveis por no seacuteculo XVII e XVIII fomentar uma grande rede de contrabandos na

regiatildeo

Falando a respeito dos negoacutecios desenvolvidos por estes homens na Buenos Aires do

seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos iraacute demonstrar como estes comerciantes iratildeo se engendrar e

desenvolver redes clientelares na regiatildeo que contavam inclusive com o apoio de funcionaacuterios

espanhoacuteis de modo a permitir que eles mantivessem seus negoacutecios extralegais apesar das

525

Idem 526

Idem 527

Idem

143

diversas medidas restritivas lanccediladas pelo Reino Espanhol a fim de conter tais extravios 528

O autor ainda chama atenccedilatildeo para o fato de que a Corte na Espanha natildeo estava de todo alheia

aos acontecimentos em torno da conquista buenairense tendo ela mesma se aproveitado da

situaccedilatildeo em alguns casos 529

Como os novos estudos acerca dos Impeacuterios Europeus tecircm demonstrado as relaccedilotildees

criadas em seus domiacutenios ultramarinos iratildeo se desenvolver de maneira distinta atendendo a

uma dinacircmica proacutepria e as estrateacutegias poliacuteticas locais feitas muitas vezes a revelia das

disposiccedilotildees reacutegias Atraveacutes desse vieacutes de entendimento eacute possiacutevel compreender como mesmo

apoacutes a restauraccedilatildeo da soberania portuguesa e das intensas disputas entre as Coroas ibeacutericas

pelo domiacutenio da regiatildeo platina ainda era possiacutevel que luso-brasileiros e colonos espanhoacuteis

incluindo uma gama de autoridades reais mantivessem entre si relaccedilotildees comerciais que

permitiram a continuaccedilatildeo de um faustoso comeacutercio extralegal no porto de Buenos Aires

Continuando a tratar sobre o comeacutercio de contrabando na regiatildeo platina vale destacar

o estudo feito pelo historiador Faacutebio Kuhn a respeito dos descaminhos de escravos para regiatildeo

na primeira metade do seacuteculo XVIII Em recente artigo o autor busca demonstrar como os

comerciantes luso-brasileiros sediados na Colocircnia do Sacramento passaram a deter hegemonia

sobre aquele negoacutecio Estes comerciantes segundo o autor estavam associados a homens de

negoacutecio de duas importantes Praccedilas da Ameacuterica lusa Rio de Janeiro e Salvador eram estes

comissaacuterios os responsaacuteveis por remeter para o Sul as remessas de negros chegadas ao litoral

das respectivas capitanias 530

Quando em princiacutepios do XVIII como consequecircncia de ajustes diplomaacuteticos a Coroa

Espanhola concede o asiento de negros para os britacircnicos que fundam a fim de explorar tal

contrato a South Sea Company os comerciantes portugueses ignorando as proibiccedilotildees sobre

aquela mateacuteria passam a rivalizar com os ingleses nas vendas de escravos para regiatildeo A

situaccedilatildeo chegou a tal estaacutegio que a Companhia inglesa nos seus uacuteltimos anos de

funcionamento passou a diminuir drasticamente o contingente de negros enviados aquela

localidade pois eles jaacute natildeo tinham saiacuteda dada a grande oferta de escravos que os

contrabandistas portugueses faziam entrar no territoacuterio da South Sea Company

528

Sobre isto ver CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a

administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00 529

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires

colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 242 530

KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)

Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017

144

Percebemos como toda a questatildeo relativa ao comeacutercio de contrabando neste caso

guardada as devidas proporccedilotildees iratildeo se desenrolar de maneira semelhante a que encontramos

para o nosso objeto de anaacutelise Aleacutem de ter uma Companhia de comeacutercio exclusivista

envolvida e das vaacuterias medidas tomadas pela Coroa espanhola para inutilmente tentar conter

tais extravios no caso trabalhado por Kuhn tambeacutem haacute indiacutecios de que os proacuteprios oficiais

castelhanos facilitavam e auxiliavam os descaminhos

Aleacutem disso o autor demonstra como os traficantes portugueses situados na Colocircnia do

Sacramento e seus agentes e comissaacuterios eram homens bem articulados que desfrutavam de

prestiacutegio tendo alguns deles ocupado inclusive cargos na administraccedilatildeo colonial Isso mesmo

quando desde 1751 a Coroa portuguesa ciente da desordem causada pelo comeacutercio ilegal de

escravos na regiatildeo passou ordens para que se extinguisse aquele negoacutecio castigando quem

fosse apreendido em tal crime com ldquomulta no triplo do seu valor para os reacuteus aleacutem do

degredo para Angola por dez anos dos contrabandistas envolvidosrdquo 531

Apesar da aparente incongruecircncia a participaccedilatildeo de oficiais agentes e autoridades

reacutegias no comeacutercio descaminhado foi uma realidade durante o periacuteodo colonial em distintas

localidades e eacutepocas Eacute sobre o envolvimento destes homens nos contrabandos que iremos

tratar no toacutepico a seguir

42 ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de

autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos

Apesar do empenho sobretudo dos governadores em reprimir as atividades iliacutecitas o

contrabando era uma praacutetica quase impossiacutevel de ser controlada fazendo com que os esforccedilos

e medidas tomadas por estes oficiais se mostrassem pouco eficazes dada a grandiosidade do

esquema que incluiacutea autoridades reacutegias oficiais e deputados da proacutepria Companhia nos

circuitos de descaminho O envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e proacuteprios deputados

da Companhia nos descaminhos era um problema que desde os primoacuterdios do

estabelecimento da empresa se buscava combater

Jaacute em 1763 relata o governador Luiacutes Diogo Lobo da Silvia ser necessaacuterio enviar para

os sertotildees a fim de averiguar as ldquodesordensrdquo causadas pelos contrabandistas ldquooficiais de mais

confianccedila e menos amizadesrdquo 532

Sobre este respeito escreve o Conde de Povolide ao Reino

531

Ibidem P 103 532

AHU ndash PE Cx 99 D 7757

145

em 1769 alertando que ldquotoda esta capitania da parte do Sul desta capital ateacute ao Rio de Satildeo

Francisco me consta com evidecircncia se acha contaminada de contrabandos e com tatildeo pouca ou

nenhuma atividade nos ministros para devassar delesrdquo 533

Neste mesmo documento o Conde

declara ao Reino sua insatisfaccedilatildeo com o Sargento Mor do distrito de Porto Calvo que natildeo

havia segundo o governador ldquoobservado boa condutardquo 534

na execuccedilatildeo de ordem passada para

se averiguar crime de contrabando na regiatildeo

Escrevendo ao Conselho Ultramarino em 1770 Manoel da Cunha Meneses

governador de Pernambuco que acabava de assumir o cargo seria mais enfaacutetico ao denunciar

ao Reino o envolvimento de funcionaacuterios reacutegios estabelecidos nos sertotildees da Capitania na

introduccedilatildeo de contrabandos Afirmava o governador ser o sertatildeo daquela capitania um dos

mais povoados relatando que em cada povoado e freguesia existiam capitatildees mores regentes

e diretores poreacutem acusava Manuel da Cunha serem estes oficiais ldquomesmos culpados ou

proacuteprios contrabandistas pois se sujeitam a viver no agreste dos matos a fim de

enriqueceremrdquo 535

Continua seu relato afirmando que tais ldquoqualidades de oficiaisrdquo 536

executavam suas

ordens da forma que bem lhe aprouvessem pois ldquose fiam no seguro dos longes em que se

acham para natildeo recearem castigordquo 537

Dessa forma conclui o governador ser o combate ao

contrabando tarefa das mais difiacuteceis jaacute que natildeo havia ali ldquopessoas de que se faccedila confianccedila a

embaraccedilar a passagem das fazendasrdquo 538

Aleacutem disso o capitatildeo general atestava que a

grandiosidade da Costa pernambucana dificultava ainda mais o trabalho repressivo 539

Como se pode observar existia certa conivecircncia e em alguns casos participaccedilatildeo ativa

de funcionaacuterios reais no comeacutercio iliacutecito Estas autoridades locais natildeo atuavam de maneira

isolada diversos documentos atestam a participaccedilatildeo de oficiais da Companhia Geral tanto

aqueles que trabalhavam embarcados quanto os que estavam a disposiccedilatildeo da direccedilatildeo em

Pernambuco e mesmo de seus deputados nas redes de contrabando Em 1769 o jaacute

mencionado Conde de Povolide acusa em ofiacutecio endereccedilado ao Reino os oficiais e acionistas

da empresa Na ocasiatildeo afirma o governador que ldquouma das causas do grande contrabando

existente nos portos do sertatildeo pernambucano era a negligecircncia com que operava o juiz

533

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 534

Idem 535

AHU ndash PE Cx 108 D 8371 536

Idem 537

Idem 538

Idem 539

Idem

146

conservador da companhiardquo 540

que ldquotem ocasionado a relaxaccedilatildeo em que se acha esta

negociaccedilatildeo de travessiardquo 541

Neste mesmo ofiacutecio o Conde relata a Corte o caso especiacutefico de uma sumaca

apreendida em Camaragibe distrito de Porto Calvo que estava carregando caixas de accediluacutecar

para seguir para Bahia O governador acreditava que naquele episoacutedio oficiais da Companhia

haviam agido de forma a facilitar a introduccedilatildeo das contravenccedilotildees isto porque um dos

negociantes preso pelo envolvimento no contrabando possuiacutea ldquotrecircs irmatildeos nesta praccedila dois

ocupados na Companhia Geral e outro escrivatildeo da mesma Conservatoacuteriardquo Como os termos

judiciais da apreensatildeo deveriam acontecer no cartoacuterio onde trabalhava o irmatildeo escrivatildeo

alertava o Conde a necessidade de se ldquousar de alguma precauccedilatildeo para este casordquo 542

O envolvimento dos oficiais da Companhia nessa situaccedilatildeo era tatildeo previsiacutevel que o

governador acreditava natildeo ser suficiente apenas tomar cuidado com o desenrolar do processo

chegando mesmo a afirmar que ldquose a experiecircncia mostrar que natildeo bastam (as precauccedilotildees)

como assim me persuado determino mandar suspender o processordquo 543

que ficaria parado ateacute

ldquodar conta a vossa excelecircncia para obter uma eficaz providecircncia em ministro tal em que possa

confiar retidatildeo que natildeo for flexiacutevel as logrativas em penhor que considero haveratildeo neste casordquo

544

A atuaccedilatildeo nos descaminhos dos oficiais que prestavam serviccedilos dentro dos navios

reais tambeacutem seraacute destacada dentro do nosso conjunto documental A participaccedilatildeo destas

equipagens era tatildeo notoacuteria que jaacute se faziam saber no proacuteprio Reino Como nos revela ofiacutecio

enviado por Joseacute Cesar de Meneses no ano de 1778 ao secretaacuterio de Estado da Marinha e

Ultramar Segundo o governador ldquose fez preciso informar-me que os oficiais das ditas

embarcaccedilotildees reacutegias se tem deslizado nos excessos de trazerem nas ditas embarcaccedilotildees toda a

sorte de contrabando que podemrdquo 545

os produtos transacionados por eles iam de fazendas a

comestiacuteveis e ainda de acordo com Joseacute Cesar tinham aqueles homens ldquoarte de as meterem a

bordo antes de sair desse porto sem que se possa perceberrdquo 546

540

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 541

Idem 542

Idem 543

Idem 544

Idem 545

AHU ndash PE Cx 130 D 9815 546

Idem Vale ressaltar que naquele mesmo ano o governador em ofiacutecio dirigido a Junta lisboeta afirma que

segundo seu entendimento natildeo se devesse considerar contrabando todos os gecircneros levados a Portugal pelos

oficiais reais que os trocavam na capitania pelos mantimentos trazidos da Europa Isto porque Pernambuco

como se sabia passava por uma crise monetaacuteria logo os gecircneros da terra eram as uacutenicas coisas que poderiam

147

No mesmo ano o governador revela a Corte como a marinhagem do navio real

conhecido como o ldquoPenquerdquo tinha tido ldquoo atrevido descaramento de iludir e zombarrdquo 547

das

ordens passadas por ele passadas Jaacute que desobedecendo as diretivas de Joseacute Cesar fizeram

os marinheiros daquele navio descarregar nas terras exclusivas da Companhia diversos

gecircneros europeus as escondidas Aleacutem disso os mesmos oficiais retardaram propositalmente a

partida da embarcaccedilatildeo a fim de carregarem nela gecircneros da terra Apesar das buscas dadas

pelo governador com o auxiacutelio do Patratildeo Mor da capitania natildeo foi possiacutevel evitar todo o

contrabando naquele caso isto porque de acordo com o governador ldquoas mesmas lanchas da

Ribeira das Naus que vatildeo a bordo a tiacutetulo de amarrarem os navios de sua majestade satildeo as que

servem de transportar os gecircneros proibidos como a larga e amiudada experiecircncia dos meus

embarques me tem mostradordquo 548

Permanecendo no ano de 1778 outro ofiacutecio encontrado em nosso conjunto

documental acaba reafirmando a efetiva participaccedilatildeo destes oficiais dos navios reais no

comeacutercio descaminhado Neste documento a direccedilatildeo da Junta da Companhia Geral

dialogando com o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ldquonatildeo nos causar admiraccedilatildeo que

nesta capitania se vendam fazendas por contrabando por preccedilos inferiores aos da companhiardquo

549 completam dizendo que isto soacute era possiacutevel pois algumas dessas fazendas chegavam a

Pernambucano pelas matildeos dos proacuteprios oficiais da empresa que as traziam nos navios reais

sem pagar frete ou qualquer tipo de direitos 550

Se em um primeiro momento o envolvimento dos oficiais da Companhia e de seus

proacuteprios deputados e acionistas nas redes de comeacutercio iliacutecito nos causa estranhamento eacute

necessaacuterio lembrar que os principais negociantes da praccedila mercantil pernambucana se

tornaratildeo acionistas da empresa e que se estes de iniacutecio resistiram agrave ideia da fundaccedilatildeo de uma

companhia monopolista logo perceberam que para continuar a usufruir dos privileacutegios que

tinham na eacutepoca em que o comeacutercio era livre fazia-se necessaacuterio se engendrar na

administraccedilatildeo da empresa

ofertar as populaccedilotildees locais nas suas permutas com os agentes dos navios reacutegios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D

9823 547

AHU ndash PE Cx 131 D 9865 548

Idem 549

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 550

Em ofiacutecio do ano de 1778 em resposta a este da Junta Lisboeta Joseacute Ceacutesar de Meneses discorda daquele

conselho afirmando que em comparaccedilatildeo aos contrabandos vindos dos outros portos do Brasil o trazido pelos

oficiais dos navios reais tinha parca relevacircncia Aleacutem disso atesta o governador que o menor valor cobrado pelos

produtos de contrabandos nada tinham a ver com a questatildeo do natildeo pagamento de fretes e direitos como jaacute

explicitado neste capiacutetulo segundo o governador a uacutenica vantagem que tinham aqueles oficiais reais em natildeo

pagarem tais taxas era o de obterem maiores lucros nos seus negoacutecios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823

148

O que queremos dizer aqui eacute que os homens de negoacutecio de Pernambuco natildeo eram

ingecircnuos cientes da criaccedilatildeo da Companhia apesar de suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis se

tornaram acionistas e diretores da mesma pois sabiam que fazer parte da governaccedilatildeo era ldquoum

poderoso elemento constituidor de conexotildees e de fluxos de troca gerados a partir da proacutepria

instacircncia administrativardquo 551

e dessa forma puderam instrumentalizar a instituiccedilatildeo para o

atendimento de seus interesses pessoais fossem eles liacutecitos ou natildeo

Aleacutem disso como jaacute descrito ao longo deste trabalho a participaccedilatildeo de oficiais reais

nos descaminhos praticados nos domiacutenios ultramarinos era uma praacutetica jaacute haacute muito enraizada

Em seu estudo sobre o comeacutercio descaminhado desenvolvido na Ameacuterica Lusa na primeira

metade do XVIII Paulo Cavalcante demonstra como guardas auditores e ouvidores reacutegios

envolvidos na administraccedilatildeo das Minas coloniais se mancomunavam com os extraviadores de

ouro e diamantes a fim de tirarem vantagens pessoais auxiliando aqueles contrabandistas

Situaccedilatildeo que como atesta o autor a Coroa tinha ciecircncia e buscava a todo tempo reprimir sem

no entanto lograr ecircxito 552

A historiadora Nauk Maria de Jesus ao escrever sobre episoacutedio jaacute bem conhecido da

historiografia brasileira onde se procedeu na troca de ouro por chumbo nos caixotes de

quinto destinados ao Rei no ano de 1722 tambeacutem revela o envolvimento de importantes

autoridades coloniais nas redes de comeacutercio iliacutecito De acordo com a autora haacute evidecircncias da

existecircncia no comeccedilo do seacuteculo XVIII de uma grande rede de descaminho de ouro

envolvendo membros da elite imperial portuguesa Esta rede estaria conectada a diversas

naccedilotildees e era constituiacuteda por oficiais reacutegios e seus associados que concomitantemente ao

exerciacutecio de seus cargos reacutegios realizavam negoacutecios atlacircnticos privados fossem eles liacutecitos ou

natildeo 553

Retomando nossa narrativa a Junta lisboeta da empresa sabia da conivecircncia dos

administradores pernambucanos com os contrabandistas como nos esclarecem dois ofiacutecios do

ano de 1778 e um posterior do ano de 1780 enviados pela instituiccedilatildeo para o governo de

Pernambuco Os ofiacutecios do ano de 1778 satildeo resultado da troca de mensagens entre aquela

551

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c

1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e

negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 180-181 552

Sobre isto consultar CAVALCANTE PAULO Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica

Portuguesa - 1700-1750 Satildeo Paulo Hucitec 2006 553

Sobre isto ver JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de

ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na

trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 2010 P 525-548

149

administraccedilatildeo superior e o governador Joseacute Cesar de Meneses este uacuteltimo ao longo do seu

governo encaminhou por vaacuterias vezes ofiacutecios para a Junta informando o estado em que se

encontravam os negoacutecios locais e as condutas da diretoria pernambucana que eram motivo de

criacuteticas tanto pela parte do governador quanto da direccedilatildeo lisboeta

O conteuacutedo de tais ofiacutecios apresentam duras criacuteticas a forma como procedia a

administraccedilatildeo pernambucana nos interesses da empresa chegam os ministros portugueses a

afirmar que se a Companhia se encontrava apartada de seus objetivos iniciais a culpa residia

nos administradores pernambucanos que ldquoa desfiguraram e natildeo cumpriram as determinaccedilotildees

da juntardquo 554

Os documentos ainda acusam a direccedilatildeo subalterna de natildeo prestar contas quanto

ao verdadeiro estado em que se achavam as capitanias e agir em total desrespeito as reais

ordens 555

Aleacutem disso fica evidente que a administraccedilatildeo lisboeta sabia que os deputados em

Pernambuco usavam a instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio participando de uma seacuterie de

atividades iliacutecitas e natildeo recomendadas A Junta chega a afirmar que os proacuteprios deputados da

empresa eram seus principais devedores revelando ser aquele fato um dos que mais

ocasionavam espanto aos oficiais lisboetas pois estes estavam cientes do ldquogrande cabedal que

se acham devendo os moradores e negociantes desta praccedila e as pessoas que ocuparam e

ocupam os lugares desta direccedilatildeo seus parentes e outros empregados no serviccedilo da

Companhiardquo 556

Atestam tambeacutem que mesmo depois de receberem os lucros respectivos a sua

porcentagem societaacuteria natildeo constava que estes acionistas tivessem feito sequer um

pagamento a Companhia 557

Na lista de acusaccedilotildees feitas pela Junta a administraccedilatildeo de Pernambuco consta tambeacutem

serem aqueles deputados os culpados pela grande falta de creacutedito que se experimentava na

Praccedila de que os habitantes locais tanto reclamavam Afirma a Junta que o objetivo primaacuterio

da Companhia Geral era o de fazer florescer o comeacutercio em Pernambuco e Paraiacuteba com o

554

AHU ndash PE Cx 128 D 9736 555

Em resposta a este ofiacutecio no mesmo ano o governador Joseacute Cesar de Meneses afirmaraacute natildeo compreender

como a Junta durante todo esse tempo fosse ldquosempre enganadardquo Sobre a falta de informaccedilatildeo que alega a Junta

lisboeta o governador afirma que aquele conselho natildeo desconhecia todos os fatos ocorridos na capitania jaacute que

era sabido que diversos acontecimentos chegavam a seu conhecimento mesmo antes do seu governo Declara

ainda que em mateacuteria tatildeo importante natildeo se fazia necessaacuterio provas concretas para que a Junta passasse a tomar

providecircncias mas apenas ldquoleves indiacuteciosrdquo para pocircr em praacutetica as precauccedilotildees devidas Alerta ainda o capitatildeo

general que a Junta descumprido o regulado no artigo 6 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia que

determinava que os deputados e intendente eleitos cumprissem mandatos de apenas dois anos acabava por

contribuir com a relaxaccedilatildeo com que procedia aquela direccedilatildeo pernambucana sendo certo que se fossem

removidos de seus postos em tempo correto natildeo chegariam a desfigurar a Companhia 556

Idem 557

Idem

150

aumento da agricultura e faacutebricas e natildeo fazer ldquoenriquecer aacute custa do seu cabedal mercadores

e negociantes que metessem em si os fundos da Companhiardquo 558

O que o documento explicita

eacute a praacutetica comum de diretores e acionistas da diretoria pernambucana de contraiacuterem

empreacutestimos para si e seus associados junto agrave mesma para fazer comeacutercio pessoal e depois

natildeo restituir tais deacutebitos a Companhia

Quanto a questatildeo do contrabando e dos altos preccedilos cobrados pela empresa nos

gecircneros que negociava na terra a Direccedilatildeo portuguesa se defende afirmando que por menor

que fosse o lucro da empresa sobre as transaccedilotildees comerciais os preccedilos praticados pela mesma

jamais seriam capazes de ldquoconcorrer com aqueles que natildeo pagam direitos nem fretesrdquo559

ou

ainda com aqueles que ldquonatildeo fazem intenccedilatildeo de paga-los a quem lhes confiou e por todo o

preccedilo lhes faz conta vende-lasrdquo 560

afirmando que tirava a Companhia lucros menores do que

mercadores particulares em condiccedilotildees normais Contestam tambeacutem a pouca atividade da

Direccedilatildeo pernambucana em reprimir tais desordens afirmando que os contrabandos aleacutem de

natildeo serem castigados natildeo eram relatados a Junta assim natildeo ficava aquela administraccedilatildeo

sabendo quem eram as pessoas envolvidas naquele tipo de crime nem quais mercadorias

estariam sendo negociadas

Quanto as opressotildees que se queixavam natildeo soacute os habitantes da capitania quanto o

governador Joseacute Cesar de Meneses atestam os oficiais portugueses serem todas elas

precedentes ldquoda ambiccedilatildeo e maacute feacute dos membros de sua direccedilatildeordquo 561

Poreacutem para aquela Junta

parecia estranho e inconcebiacutevel considerar o povo daquelas plagas como ldquooprimido e aflitordquo

isto porque a soma do cabedal enviado para Pernambuco chegava naquele tempo haacute quantia

de trecircs milhotildees e meio quantia que considerava o conselho lisboeta suficiente para

manutenccedilatildeo e bom funcionamento do comeacutercio na regiatildeo isto eacute se fosse tal recurso bem

gerido condiccedilatildeo que estava claro para a Junta que natildeo ocorria Pois ainda a despeito das

queixas dos locais afirmam os ministros lisboetas ter total ciecircncia que ldquoentre os mercadores e

negociantes desta praccedila e a direccedilatildeo (da Companhia Geral) haacute ocultas e escandalosas

negociaccedilotildees que servem de vexar os povosrdquo 562

558

Idem 559

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 560

Idem 561

Idem 562

Idem Em ofiacutecio do ano de 1778 em que responde ao documento supracitado da Companhia o governador

Joseacute Cesar de Meneses contesta novamente a posiccedilatildeo adotada pela Junta que afirmando ter ldquopleno

conhecimento daquelas ocultas e escandalosas negociaccedilotildeesrdquo e de vaacuterias outras violecircncias e opressotildees cometidas

pela direccedilatildeo pernambucana natildeo tenha tomado nenhuma providecircncia mais incisiva pelo contraacuterio permitiu

151

Devido as vaacuterias queixas feitas pelos habitantes da terra atraveacutes das cacircmaras locais e

das constantes denuacutencias encaminhadas pelo governador sobre o mau procedimento da

direccedilatildeo subalterna a Junta passa a partir de 1778 a cobrar com maior vigor os deputados e

intendente em Pernambuco Ordenando por exemplo que passassem eles a cobrar todos os

devedores da empresa sem perda de tempo Aqueles que natildeo fossem cobrados se deveria

explicar o porquecirc da accedilatildeo Junto agraves cobranccedilas ficou ordenado tambeacutem que se remetesse ao

Reino os nomes daqueles personagens que na capitania se sabiam envolvidos nas praacuteticas

iliacutecitas Tudo isto obrou a Junta por considerar ldquomuito estranhaacutevel que esteja padecendo o

creacutedito da Companhiardquo 563

Todas as exigecircncias tomadas pela sede da Companhia em Lisboa

satildeo demonstrativas da desconfianccedila que a mesma passaraacute a nutrir pela direccedilatildeo pernambucana

e atestam nossa afirmativa de que os deputados e diretores da capitania Duartina destruiacuteram o

creacutedito da empresa dentro do seu proacuteprio seio

Permanecendo no mesmo tema e ano em ofiacutecio enviado pelo secretaacuterio de Estado da

Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro ao governador Joseacute Cesar de Meneses o

oficial portuguecircs faraacute uma longa redaccedilatildeo apontando ldquoos excessos e prevaricaccedilotildees cometidas

pelos deputados da Companhia de Pernambucordquo 564

que aquela altura havia ldquochegado a tal

excesso que jaacute natildeo pode haver sofrimento que os possa tolerarrdquo 565

Afirma o secretaacuterio que

desde 1768 eram enviadas ordens do Reino para tentar conter os abusos daquela direccedilatildeo

subalterna no entanto as referidas natildeo eram atendidas obrando os deputados em sentido

oposto agraves diretivas reais

O secretaacuterio acusa os diretores e intendente daquela direccedilatildeo de se apropriarem de

todos os gecircneros remetidos do Reino e ainda de ldquoos repartirem a creacuteditos pelos seus parentes

amigos e associados e de os tomarem eles mesmos de baixo de nomes alheiosrdquo 566

apropriavam-se tais deputados do cabedal alheio em benefiacutecio de seus proacuteprios negoacutecios e

agindo dessa forma aumentavam ainda mais a grande diacutevida dos habitantes locais com a

Companhia diacutevida esta que os mesmos natildeo buscavam satisfazer de ldquomodo algumrdquo 567

Neste mesmo ofiacutecio versaraacute o secretaacuterio tambeacutem sobre a questatildeo do contrabando

afirmando natildeo ser ldquomenos escandalosa a relaxaccedilatildeo com que nessa capitania se estatildeo fazendo

aquela Junta em desacordo com artigo 6 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral que os membros

daquela direccedilatildeo se conservassem no poder por repetidos anos Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 563

AHU ndash PE Cx 128 D 9736 564

AHU ndash PE Cx 130 D 9832 565

Idem 566

Idem 567

Idem

152

com todo descaramento e liberdade os maiores contrabandos e extravios de accediluacutecar e de outros

gecircneros para o porto da Bahia e de outros do continente da Ameacutericardquo 568

atividade que

fraudava os direitos e deveres reais dado o caraacuteter totalmente pernicioso de tal accedilatildeo para a

fazenda real esperava o ministro do rei que agisse a administraccedilatildeo em Pernambuco com

maior vigor no combate e natildeo que agisse em sentido contraacuterio como se sabia estava

ocorrendo

Reclama tambeacutem Martinho de Melo e Castro que as carregaccedilotildees que saiam de

Pernambuco com destino ao Reino estavam desde o princiacutepio daquele ano indo com uma

quantidade muito maior de gecircneros remetidos por particulares do que produtos enviados pela

Companhia Este fato apesar de ser permitido pelos estatutos da empresa 569

causava espanto

no secretaacuterio pois havia naquele momento na capitania cerca de duas mil pessoas entre

ldquohomens de negoacutecio senhores de engenho capitalistas vendedores e outras diferentes classes

de habitantesrdquo 570

que estavam devendo ldquoconsideraacuteveis somasrdquo a empresa e estranhamente

nenhuma destas pessoas enviavam remessas de coisa alguma ao Reino

Diz o oficial reacutegio que por esta ldquomanifesta dissimulaccedilatildeordquo via-se ldquopassar a Pernambuco

seiscentos a setecentos mil cruzados do produto dos gecircneros pertencentes a esses habitantesrdquo

571 isto sem contar ldquoas somas dos gecircneros que remetem em contrabando pelo porto da Bahia e

que natildeo possa ver um real dos seus devedoresrdquo 572

na verdade agia a administraccedilatildeo de

Pernambuco natildeo no sentido de buscar reverter tal quadro mas opostamente buscavam ainda

por cima nas palavras do secretaacuterio ldquopersuadir com palpaacutevel falsidade que essa capitania se

acha reduzida a maior pobreza e miseacuteriardquo 573

Atestava entatildeo o secretaacuterio real que natildeo era da intenccedilatildeo de Sua Majestade permitir

que aqueles deputados responsaacuteveis por ldquozelar os interesses das viuacutevas oacuterfatildeos conventos

568

Idem 569

O documento de instituiccedilatildeo da Companhia em seu artigo 31 autorizava fabricantes e lavradores a enviarem

por sua conta e risco seus gecircneros para a Europa dentro dos navios da empresa Poreacutem esse tipo de operaccedilatildeo

natildeo poderia contar com nenhum tipo de intermediaacuterio Se por acaso fosse descoberto que algueacutem procedeu em

ldquocompras simuladas para carregarem nos seus nomes os gecircneros alheiosrdquo a accedilatildeo seria enquadrada no crime de

contrabando sujeita a pena de perda de carregaccedilatildeo e trestobro Se houvesse denunciante a terccedila parte do espoacutelio

seria reservada ao mesmo Apesar de ser uma praacutetica legal a Junta da empresa buscava desencorajar esse tipo de

negoacutecio Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel

Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros

sobre o Brasil Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 570

AHU ndash PE Cx 130 D 9832 571

Idem 572

Idem 573

Idem

153

religiosos capelas lugares pios deste Reino e outros diferentes classes de uacuteteis e inocentes

vassalosrdquo que haviam contribuiacutedo com seus proacuteprios recursos para formar o capital da

Companhia locupletassem a incriacutevel soma de 392384849 reis que deviam aos fundos

daquela empresa Por fim Martinho de Melo e Castro recomenda a Joseacute Cesar que

empregasse toda atenccedilatildeo naquele assunto buscando prevenir ldquoas fraudes os abusos os

contrabandos e as prevaricaccedilotildees que em toda parte do mundo sempre foram a ruiacutena dos

Estadosrdquo 574

43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70

Muitas seratildeo as denuacutencias encaminhadas ao reino pelos habitantes da capitania contra

a maacute gerecircncia da Companhia e os abusos em que ocorriam os deputados da empresa Em

1770 tem iniacutecio a primeira crise enfrentada pela instituiccedilatildeo uma seacuterie de representaccedilatildeo seratildeo

enviadas pelas cacircmaras locais a Corte expondo os problemas enfrentados pela populaccedilatildeo

local no trato com a empresa queixando-se da grande decadecircncia do comeacutercio na regiatildeo da

pobreza a que foram acometidos os habitantes e dos procedimentos irregulares da diretoria em

Pernambuco A seca que assolou a capitania entre os uacuteltimos meses de 1769 e os primeiros

meses de 1770 causando uma grande baixa nas safras de accediluacutecar parece ter contribuiacutedo

sobremaneira para o desencadeamento da crise

Isto porque a direccedilatildeo pernambucana se recusou a pagar o acreacutescimo de duzentos reis

por arroba de accediluacutecar determinado pela Mesa de Inspeccedilatildeo da Praccedila que seguia ordens de

edital previsto para estes casos A administraccedilatildeo da Companhia natildeo aceitaraacute de bom grado

esta situaccedilatildeo e em resposta a decisatildeo da Mesa lanccedila edital afirmando que ldquopor natildeo ter

obrigaccedilatildeo recusaraacute receber os ditos accediluacutecares por preccedilos que natildeo fazem conta ao comeacutercio que

administrardquo 575

completa dizendo que os lavradores e senhores descontentes poderiam enviar

ao reino seus produtos ldquopor sua contardquo em conformidade do regimento da instituiccedilatildeo 576

Ao

que tudo indica os produtores seguiram a ldquorecomendaccedilatildeordquo daquela direccedilatildeo pois no mesmo

ano o governador Manoel da Cunha Meneses envia ofiacutecio ao Reino explicando os motivos

dos produtores da capitania estarem retendo em seus armazeacutens a produccedilatildeo canavieira Solicita

574

Idem 575

AHU ndash PE Cx 109 D 8428 576

Idem

154

entatildeo o governador que o Rei apontasse soluccedilatildeo a tal empate que vinha causando notoacuterios

prejuiacutezos a todos

Os camaraacuterios de Igarassu enviam carta neste mesmo ano ao Rei atestando ldquoa grande

e inexplicaacutevel consternaccedilatildeo em que se vecirc esta capitania no presente tempo e a total ruiacutena e

decadecircncia que para o futuro vai ameaccedilando o comeacuterciordquo 577

Eles reclamavam da falta de

dinheiro que se experimentava nas terras exclusivas uma vez que a Companhia ldquonatildeo compra

gecircneros de efeito nenhum a dinheiro [] e soacute os paga com fazendas cariacutessimas e escravos de

refugordquo 578

O senado de Igarassu expotildee tambeacutem os abusos cometidos pela direccedilatildeo

pernambucana que agindo por interesses proacuteprios quando do desembarque dos navios

chegados de Angola e Costa da Mina carregados com escravos ldquoescolhem os melhores [] e

os marcam com uma fita de nastro no pescoccedilordquo 579

estes escravos marcados eram remetidos

para a Praccedila do Rio de Janeiro deixando aos produtores da capitania o refugo da escravaria A

carta continua relatando uma seacuterie de denuacutencias sobre a maacute administraccedilatildeo da Companhia

como por exemplo sua alianccedila com algumas casas de comeacutercio em prejuiacutezo dos demais

comerciantes e agricultores bem como da populaccedilatildeo em geral

Os habitantes da capitania de Itamaracaacute sobretudo os produtores de accediluacutecar e tabaco

tambeacutem enviam em 1770 representaccedilatildeo ao Reino alertando para ldquoa consternaccedilatildeo e vexame a

que se veem reduzidos pelos lamentaacuteveis danos e inexplicaacuteveis prejuiacutezosrdquo 580

causados pela

instalaccedilatildeo da Companhia na regiatildeo Pontuam aspectos bastante semelhantes aos expostos

pelos camaraacuterios de Igarassu fazendo comparaccedilotildees sobre o volume do comeacutercio na capitania

antes e depois da instituiccedilatildeo da empresa A representaccedilatildeo que possuiacute um abaixo assinado com

cerca de treze paacuteginas apenas de assinaturas daqueles homens que se sentiam prejudicados

pela Companhia termina suplicando a aboliccedilatildeo da empresa e a restituiccedilatildeo dos danos para

aqueles produtores

Aleacutem das diversas representaccedilotildees contraacuterias 581

enviadas pelos representantes locais a

Corte na capitania o clima era de agitaccedilatildeo Como nos demonstra ofiacutecio enviado pelo

secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar ao governador Manoel da Cunha Meneses

denunciando papeacuteis anocircnimos que tinham sido fixados na capitania satirizando um edital

577

AHU ndash PE Cx 108 D 8380 578

Idem 579

Idem 580

AHU ndash PE Cx 108 D 8393 581

Vaacuterios outros documentos a este respeito foram emitidos entre os anos de 1770 a 1771 pelos habitantes

locais e seus oacutergatildeos representativos incluindo cartas pessoais e algumas ateacute mesmo anocircnimas AHU ndash PE Cx

109 D 8421 AHU ndash PE Cx 109 D8444 AHU ndash PE Cx 110 D8507 AHU ndashPE Cx 110 D 8515 AHU-

PE Cx 111 D 8541

155

lanccedilado pela direccedilatildeo da Companhia Neste edital a administraccedilatildeo da empresa a fim de

supostamente fazer encerrar os buchichos que corriam entre a populaccedilatildeo sobre a sua maacute

gerecircncia convocava a todos que tivessem denuacutencias do mau procedimento dos membros

daquela direccedilatildeo empregados em todos os cargos fizessem representaccedilatildeo para que fossem

aplicadas as devidas providecircncias

O texto anocircnimo que criticava o edital atacava diretamente os deputados Destacando

que se as denuacutencias natildeo existiam natildeo era pela falta de delitos a denunciar mas sim pelo receio

que tinham os habitantes locais de sofrerem represaacutelias Afirma o panfleto que

Pelo edital de 13 de agosto conheceu todo o povo a ignoracircncia de toda a

mesa da direccedilatildeo da Companhia e de seu escrivatildeo fazendo-se os deputados

reacuteus e querendo serem juiacutezes de seus proacuteprios delitos Nomeiem os

deputados ministro independente que receba as queixas e as remeta a Sua

Majestade que natildeo faltaraacute quem vaacute depor contra os mesmos deputados que

tatildeo inocentes se mostram mas este conselho lhe natildeo haacute de agradar e podem

estar certos que quando vier sindicante deporemos sobre as fabulosas e falsas

articulaccedilotildees da qual o edital tambeacutem se faraacute dos pecados que pedem que o

povo os acuse e muito mais temos que dizer 582

A Companhia atraveacutes de sua direccedilatildeo na capitania iraacute se defender contra tais acusaccedilotildees

afirmando serem injuriosas e promovidas por um pequeno grupo de indiviacuteduos que nunca

aceitaram a instalaccedilatildeo da empresa Em carta enviada por Antocircnio Joseacute Souto intendente da

direccedilatildeo pernambucana em 1771 a respeito daquelas denuacutencias que segundo o mesmo estavam

centradas em queixas contra as ldquoomissotildees ou falta de pureza na direccedilatildeordquo 583

o mesmo iraacute

declarar que a paixatildeo dos moradores daquela capitania ldquolhes tinha cegado o conhecimentordquo

584 dessa forma natildeo conseguiam ver como a empresa lhes era beneacutefica No entanto o impacto

da crise de 70 natildeo iraacute se dissipar tatildeo facilmente A morte do rei D Joseacute I seguida do

afastamento do marquecircs de Pombal do cargo de primeiro ministro do Reino no ano de 1777

faratildeo ressurgir uma onda de queixas e representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma

As denuacutencias desta segunda fase de crise continuam a apontar basicamente os mesmos

pontos das primeiras Em resumo as representaccedilotildees se queixam do deploraacutevel estado em que

se encontravam as lavouras tanto de accediluacutecar quanto de tabaco afirmando estarem destruiacutedas

as faacutebricas de curtume e atanados e reclamando da quase inexistecircncia do comeacutercio livre com

os sertotildees e com a Costa da Mina Aleacutem disso se queixam dos procedimentos adotados pela

empresa que lhes obrigavam a vender suas manufaturas e efeitos por preccedilos diminutos e a

582

AHU ndash PE Cx 109 D 8458 583

AHU ndash PE Cx 100 D 8509 584

Idem

156

receber por eles fazendas desnecessaacuterias e de baixa qualidade sem jamais serem pagos a

dinheiro fiacutesico Afirmam tambeacutem que a Companhia natildeo disponibilizava escravos suficientes

e que vendia aos moradores apenas os doentes indo os melhores serem vendidos no Rio de

Janeiro Relatam tambeacutem o alto grau de endividamento daqueles que negociavam com a

empresa pela forma que os negoacutecios eram feitos na capitania Fora isso denunciavam a

forma arbitraacuteria e duvidosa com que agiam os seus deputados e intendente

Em carta de 1777 a cacircmara de Olinda queixa-se ao Reino de problemas semelhantes

aos relatados pelos oficiais de Igarassu sete anos antes Neste documento o Senado da cacircmara

apela pela extinccedilatildeo da Companhia suplicando ao monarca que os libertassem de ldquotatildeo

insuportaacutevel tiraniardquo 585

Ainda nesta carta reclamam tambeacutem os camaraacuterios da escassez de

moeda que grassava em Pernambuco afirmando que a ldquofalta de dinheiro presentemente

irremediaacutevel tem aniquilado os fabricantes e os reduzido a uacuteltima consternaccedilatildeordquo 586

isto

porque a Companhia continuava a pagar pelos efeitos da terra em fazendas e natildeo a dinheiro

que era gecircnero necessaacuterio para o sustento e manutenccedilatildeo das faacutebricas e dos fabricantes

Fica confirmado tambeacutem no relato a manutenccedilatildeo do costume dos deputados da

empresa em reservar para si e seus ldquoparceirosrdquo comerciais os escravos mais sadios e melhor

escolhidos Vendendo para populaccedilatildeo os menos saudaacuteveis e a preccedilos exorbitantes no que

resultavam segundo a cacircmara em ldquograndes mortandadesrdquo nos engenhos e lavouras que

acabavam se conservando sempre com um nuacutemero reduzido de escravaria Por fim os oficiais

protestam sobre o procedimento adotado pela empresa de vender os gecircneros de maior

necessidade apenas a dinheiro quando era ela mesma a responsaacutevel pela crise monetaacuteria

instalada na regiatildeo

No mesmo ano de 1777 a cacircmara de Olinda envia nova carta relatando com maiores

detalhes o estado do comeacutercio na capitania e apelando junto ao Reino para a supressatildeo dos

privileacutegios da Companhia Geral Os camaraacuterios apelam a real clemecircncia testemunhando que

eram tratados por aquela instituiccedilatildeo com ldquodespoacutetica autoridade e matildeo violentardquo alegam ainda

serem dominados e vexados como ldquose fossemos de alguma naccedilatildeo inimiga ou infieacuteis e rebeldes

ao proacuteprio soberanordquo 587

Neste documento tambeacutem se reforccedila a questatildeo das vantagens

pessoais que os deputados logravam no comeacutercio de escravos segundo os oficiais da cacircmara

ldquoa florrdquo da escravaria era reservada para estes negociantes ficando apenas o ldquorefugordquo para os

585

AHU ndash PE Cx 126 D 9577 586

Idem 587

AHU ndash PE Cx108 D 8330

157

moradores da terra Acusam ainda os oficiais da cacircmara de agirem os homens daquela

direccedilatildeo da mesma forma com os gecircneros da Europa

A falta de dinheiro mais uma vez eacute denunciada como o ldquomais sensiacutevel e fatalrdquo mal

que fazia a Companhia ao povo de Pernambuco Como o dinheiro era como afirmam os

camaraacuterios ldquopreciso para expediccedilatildeo dos seus negoacutecios e estabelecimentos de suas famiacuteliasrdquo e

estando aquela terra ldquoexausta de moeda correnterdquo 588

muitos fabricantes e lavradores

acabavam recorrendo ao contrabando nos portos livres para obter dinheiro fiacutesico De acordo

com a Cacircmara olindense essa situaccedilatildeo era de total responsabilidade da Companhia isto

porque a empresa havia reduzido os habitantes daquelas plagas a extrema pobreza sem ter

estes homens meios de sustentar suas famiacutelias Dessa forma acabavam recorrendo agrave compra

de fazendas em outros portos mesmo que sujeito aos confiscos As queixas evidenciam a

relaccedilatildeo entre a refraccedilatildeo pela qual passava o comeacutercio legal e o aumento dos negoacutecios

descaminhados enquanto o comeacutercio legal passava por um periacuteodo de queda os descaminhos

de produtos ganhavam focirclego

Ainda sobre o comeacutercio de contrabando assegura o senado de Olinda que as fazendas

vindas dos portos livres se vendiam por menor preccedilo do que os praticados pela Companhia o

que segundo tais oficiais era inconcebiacutevel pois os contrabandistas compravam tais gecircneros de

mercadores dos portos livres ldquojaacute com avanccedilosrdquo 589

e ainda eram responsaacuteveis pelas ldquodespesas

do transporterdquo 590

Os escravos vindos do comeacutercio descaminhado tambeacutem eram mais baratos

de acordo com o documento alguns moradores que mandavam comprar negros nos portos

livres ldquoos compram com tatildeo notaacutevel cocircmodo a respeito do preccedilo porque que vende a

Companhia na terra que chegam a comprar dois pretos com o valorrdquo 591

Tambeacutem reivindicam a forma como a empresa procedia na avaliaccedilatildeo e compra dos

gecircneros da terra Declara a cacircmara que os produtos da Companhia eram vendidos por preccedilos

que eram determinados pela proacutepria direccedilatildeo e que natildeo se davam os devidos descontos a peccedilas

avariadas No entanto o contraacuterio natildeo se fazia verdade os oficiais alegam que qualquer avaria

era descontada no valor final dos efeitos da terra ainda atestam que os preccedilos eram fixados

pelos avaliadores da Companhia natildeo seguiam a nenhum tipo de criteacuterio preacute-estabelecidos

588

Idem 589

Idem 590

Idem 591

Idem

158

dando tais avaliadores o preccedilo que lhe achassem conveniente Questionavam entatildeo os

camaraacuterios ldquoque justiccedila e que lei do comeacutercio pode permitir semelhante deferecircnciardquo 592

Em 1778 seraacute a vez da Cacircmara de Goiana enviar suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis a

Companhia ao Reino As objeccedilotildees satildeo parecidas com as de suas congecircneres Afirmam aqueles

oficiais que a Companhia ldquoestabelecida em 1760 tem de todo arruinado os fabricantes de

todos os gecircnerosrdquo 593

Reforccedilam a questatildeo de como procedia a direccedilatildeo pernambucana na

venda de escravos que aleacutem de os venderem por ldquoexcessiviacutessimo preccedilordquo destinavam as

populaccedilatildeo apenas os negros de ldquorefugordquo que vinham jaacute contaminados de moleacutestias Tendo

inclusive sido acometida a capitania duas vezes por epidemias que dizimaram muitos

habitantes provenientes daqueles escravos doentes jaacute que a ldquoflorrdquo da escravaria era remetida

pelos deputados pernambucanos ao Rio de Janeiro

Ao longo da carta os camaristas queixam-se de outras diversas accedilotildees da empresa

Dando destaque ao alto grau de endividamento dos agricultores obrigados a empenhar seus

bens os altos juros cobrados aos homens de negoacutecio bem como contestam os preccedilos

praticados pela empresa em seu comeacutercio Em denuacutencia as condutas questionaacuteveis da direccedilatildeo

em Pernambuco atestam que os melhores gecircneros da Europa aqueles que possuiacuteam maior

saiacuteda quase todos ldquose encaminhavam as lojas particulares de algum dos mesmos deputados

donde entatildeo os iam comprar os pobres dos mercadoresrdquo 594

Por fim apelavam a sua majestade

para livrar aquele ldquopovo deste penoso cativeirordquo 595

Um ano depois em 1779 era a vez da Cacircmara de Recife enviar carta ao reino

solicitando o fim das concessotildees exclusivas dadas a Companhia Os oficiais da Cacircmara

recifense se apoiavam na recente decisatildeo do Reino em abolir os privileacutegios concedidos a

Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo ao solicitarem para capitania de Pernambuco a

mesma graccedila Alegavam os camaraacuterios ser a Companhia Geral a culpada pelo ldquomiseraacutevel

estado a que se acha reduzida toda esta capitaniardquo 596

Os camaristas aproveitam para lembrar

junto a este pedido os grandes esforccedilos empregados pelos habitantes daquelas plagas em

ldquoconservar o domiacutenio desta porccedilatildeo do Brasilrdquo 597

quando do ataque do inimigo holandecircs o

que havia lhes custado ao longo dos anos como fazem questatildeo de sublinhar suas vidas e

fazendas

592

Idem 593

AHU ndash PE Cx 130 D 9830 594

Idem 595

Idem 596

AHU ndash PE Cx 133 D 10009 597

Idem

159

Junto com a extinccedilatildeo da Companhia demandam tambeacutem trecircs providecircncias que

acreditavam deveriam acompanhar tal graccedila A primeira solicitaccedilatildeo era de que a Companhia

Geral voltasse a pagar o subsiacutedio dos accediluacutecares que ldquovoluntariamente e contra as ordens

reacutegiasrdquo 598

havia parado de pagar aos fabricantes haacute doze anos A segunda demanda requeria

que natildeo se cobrassem altos juros nos deacutebitos que haviam contraiacutedo os habitantes daquela terra

com a empresa isto porque segundo os camaristas os gecircneros que geravam os

endividamentos jaacute haviam sido comprados por preccedilos ldquosobrecarregadosrdquo Por fim pedem os

oficiais da Cacircmara que a empresa natildeo cobre de uma uacutenica vez os grandes deacutebitos dos

habitantes pois se isto acontecesse causaria a ruiacutena daquela capitania

Em resposta a estas trecircs representaccedilotildees a Junta da Companhia em Lisboa remete

ofiacutecio ao Reino no ano de 1780 defendendo-se das acusaccedilotildees e apontando a direccedilatildeo em

Pernambucano como a verdadeira responsaacutevel das queixas populares Chegando a afirmar que

se a empresa fosse ldquodirigida por homens inteligentes e zelosos do serviccedilo de Vossa Majestade

e do bem puacuteblico natildeo soacute teria produzido muitas maiores vantagens a favor do Estado mas ateacute

seria pedida a sua conservaccedilatildeo pelos mesmos povos daquelas capitaniasrdquo 599

Neste ofiacutecio o

conselho lisboeta descreve com detalhes todas as artimanhas e estrateacutegias utilizadas pelo

intendente e deputados da direccedilatildeo pernambucana a fim de tirarem benefiacutecios pessoais de seus

postos

Assim admitem que no comeacutercio das fazendas aqueles diretores se associavam a

caixeiros e parceiros e tiravam das carregaccedilotildees da Companhia para suas lojas particulares

todas as fazendas ldquomelhores em qualidade sortimento e em preccedilosrdquo antes mesmo destas peccedilas

serem colocadas a venda pela empresa Dessa forma os demais mercadores que ldquonatildeo

entravam neste conluio quando iam aos armazeacutens da Companhia soacute encontravam as que os

outros tinham refugadordquo Esta situaccedilatildeo acabava por gerar o monopoacutelio das melhores fazendas

nas matildeos destes deputados e seus associados que se aproveitando da situaccedilatildeo passavam a

revender tais gecircneros cerca de 30 a 40 mais caro nas fazendas de menor procura e nas de

melhor saiacuteda chegava-se a acrescer mais ldquode 100 importando-lhes ainda sobre este avanccedilo o

juro da leirdquo 600

Sobre a forma como procedia aos pagamentos de lavradores e fabricantes natildeo a

dinheiro e sim em fazendas atesta a Junta que procedia a direccedilatildeo pernambucana de forma

598

Idem 599

AHU ndash PE Cx 136 D 10156 600

Idem

160

abusiva e ruinosa pois se recusavam a comprar as fazendas em dinheiro alegando a falta de

moeda Atitude que acabava por obrigar que os produtores locais fossem vender seus gecircneros

a mercadores particulares por preccedilo natildeo fixado ficando a cargo do comprador estabelecer o

valor que lhe aprouvesse a segunda e natildeo menos desvantajosa alternativa para estes

fabricantes locais seria irem vender seus produtos ldquoa dinheiro com grande perda as pessoas

por quem os mesmos diretores lhes mandam comprarrdquo 601

Quanto a questatildeo da falta de moeda fiacutesica atesta a direccedilatildeo lisboeta ser real a limitaccedilatildeo

de dinheiro naquela Praccedila No entanto acusam novamente a direccedilatildeo pernambucana como a

responsaacutevel pelo problema Segundo a Junta o primeiro motivo da falta de dinheiro no caixa

da Companhia estava relacionado com a grande soma que diretores ldquoem seus nomes no de

seus parentes nos de mercadores seus associados e em outros supostosrdquo 602

que formavam

uma lista de 73 pessoas deviam a empresa e na demora que estes faziam em seu pagamento

Dessa forma ficava a Companhia em Pernambuco sem cabedal suficiente para socorrer aos

produtores locais

O segundo motivo alegado pelo conselho portuguecircs seria de que os diretores em

Pernambuco haviam feito pagamentos dos quarteacuteis vencidos de contratos reais

monopolizados por eles mesmos indevidamente com o dinheiro do caixa da Companhia A

terceira causa da falta de dinheiro era o de agirem os deputados pernambucanos no comeacutercio

de escravos da mesma forma como operavam no comeacutercio de fazendas Expunha a Junta que

assim que os negreiros davam entrada na capitania alguns membros da direccedilatildeo iam ainda de

madrugada ldquoescolher e esconder os melhores fazendo os assentos das vendas em nomes

diversos e supostos e por preccedilos mais inferiores que aqueles por que vendem os de refugo

que expotildeem em puacuteblico para a vendardquo 603

aleacutem disso reservavam estas melhores ldquopeccedilasrdquo

para irem vender em outras praccedilas da Ameacuterica

Encerrando este tema os oficiais lisboetas afirmam que o valor das diacutevidas relativas a

assistecircncia prestada pela empresa a produtores locais de accediluacutecar e tabaco era menor do que os

causados pelos abusos que faziam os diretores da praccedila que confiavam os cabedais da

empresa ldquoa pessoas sem estabelecimento e sem creacutedito servindo-se dos mesmos cabedais

para suas ocultas e reprovadas negociaccedilotildeesrdquo 604

Aleacutem disso declara o conselho portuguecircs

que muitas eram as dificuldades apontadas pela direccedilatildeo na colocircnia em cobrar tais deacutebitos o

601

Idem 602

Idem 603

Idem 604

Idem

161

que para a Junta fazia parecer que os deputados pernambucanos pareciam mais ldquouns homens

levantados para destruir a Companhia do que homens que os interessados elegeramrdquo 605

Esta

afirmaccedilatildeo da Junta acaba por reforccedilar nosso entendimento de que a Companhia foi arruinada

de ldquofora para dentrordquo pois de acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada seus proacuteprios agentes

laboraram contra os interesses econocircmicos da instituiccedilatildeo agindo em benefiacutecio proacuteprio

Quanto a mateacuteria do contrabando diraacute a Junta saber que ldquoa maior parte dos membros

daquela direccedilatildeo e dos indiviacuteduos empregados nos seus serviccedilos satildeo os que fazem e protegem

os mais escandalosos contrabandosrdquo 606

tanto ldquona introduccedilatildeo de fazendas dos portos deste

reino e dos da Bahia como na exportaccedilatildeo e extravio dos gecircneros das capitanias de

Pernambucordquo 607

Acusam ainda serem aqueles diretores os culpados de incitar as cacircmaras de

Pernambuco a levarem a real presenccedila suas queixas contra Companhia faziam isto pois

pretendiam nunca pagar as suas avultadas diacutevidas a Companhia ou pagarem em parcelas ao

longo dos anos sem juros

Ainda neste documento manifesta aquela direccedilatildeo superior o seu descontentamento

com os oficiais reacutegios locais que mesmo tirando devassas dos casos de descaminhos nunca

chegam a apontar um culpado mesmo sendo ldquotatildeo puacuteblicas e escandalosas as violecircncias e

contrabandosrdquo 608

que estavam cometendo os diretores pernambucanos No entanto afirmam

os ministros lisboetas terem ciecircncia da dificuldade em se achar testemunhas dispostas a

deporem contra aqueles diretores ldquoem cujo nuacutemero os mais delinquentes satildeo os mais

poderosos pelos cabedais pelas amizades e pelos importantes empregos que ocupamrdquo 609

ficando assim os fabricantes e lavradores da capitania receosos de lhe fazerem denuacutencias pois

como a Junta atesta ldquoos mais oprimidos satildeo sempre os mais dependentesrdquo 610

Por fim o

conselho portuguecircs conclui que as queixas dos habitantes da capitania se endereccedilavam as

ldquoviolecircnciasrdquo cometidas pelos deputados em Pernambuco e natildeo a instituiccedilatildeo da Companhia em

si

A onda de ataques iniciada em 1777 acabou culminando na supressatildeo dos privileacutegios

comerciais da Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba a partir de abril de 1780

Alvo de oposiccedilatildeo de interesses entre os locais e os metropolitanos a mesma natildeo chegou a

alcanccedilar os lucros esperados pela Coroa portuguesa causando notoacuterios prejuiacutezos agrave economia

605

Idem 606

Idem 607

Idem 608

Idem 609

Idem 610

Idem

162

local em particular a elite pernambucana 611

O processo de liquidaccedilatildeo da empresa se estendeu

por muitos e muitos anos de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior no ano de 1907 a junta

liquidataacuteria da empresa envia solicitaccedilatildeo ao representante portuguecircs no Brasil no sentido de

reaver diacutevidas ainda existentes em Pernambuco 612

A segunda metade do seacuteculo XVIII seraacute marcada como um periacuteodo de importantes

mudanccedilas governamentais no Impeacuterio Portuguecircs a ascensatildeo do Marquecircs de Pombal ao cargo

de secretaacuterio do Reino e das mercecircs viraacute acompanhada de um conjunto de medidas de caraacuteter

revitalizador que teraacute como expoente o comeacutercio de Portugal com suas conquistas e colocircnias

As medidas implantadas pelo governo portuguecircs em Pernambucano tinham por objetivo deter

maior controle sobre a produccedilatildeo de uma das mais destacadas capitanias do Norte do Estado

do Brasil

As criaccedilotildees dos organismos da mesa de Inspeccedilatildeo e da Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba vinham atender ao pensamento iluminista da eacutepoca e buscavam

canalizar os lucros da colocircnia para a Corte No entanto o que o marquecircs natildeo previu foi que

apoacutes um primeiro momento de estranhamento por parte dos locais as instituiccedilotildees seriam

absorvidas e aparelhadas aos interesses da elite local que infiltradas em suas respectivas

administraccedilotildees iriam utilizar desses lugares funcionais privilegiados na defesa de ganhos

proacuteprios Aleacutem disso os habitantes locais tambeacutem passam a criar mecanismos para a fuga

desse controle metropolitano dentre esses mecanismos destaca-se o contrabando de gecircneros

O conjunto documental analisado eacute revelador da vitalidade dos sertotildees pernambucanos

e baianos que durante o seacuteculo XVIII iratildeo assumir papel de destaque dentro do mercado

interno estando conectado a uma grande malha comercial que se estendia ateacute a regiatildeo das

Minas Gerais Os rios caminhos e picadas interioranas cumpriram um destacado papel na

conexatildeo entre diversas localidades sertanejas e as cidades litoracircneas Seguindo os caminhos

de terra e das aacuteguas mercadores comerciantes fazendeiros e profissionais liberais fizeram

surgir nas lonjuras dos sertotildees um espaccedilo de dinamismo e intensa atividade comercial

A grandiosidade da costa pernambucana que permitia natildeo soacute a navegaccedilatildeo direta entre

Bahia e Pernambuco como tambeacutem fornecia condiccedilotildees naturais para ancoragem em diversas

praias do litoral junto ao envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e deputados da empresa

611

Sobre isto ver DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In

Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel

em httpcvcinstituto camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de

2017 612

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 P

188-202

163

nos contrabandos somada a ineficaz e insuficiente forccedila militar empregada no seu combate e o

desejo de senhores de engenhos produtores e comerciantes de fugir das malhas do comeacutercio

monopolista faratildeo com que a praacutetica se torne uma constante na segunda metade do XVIII No

bojo dessas questotildees o comeacutercio iliacutecito com a vizinha capitania Bahia que contava apenas

com uma Mesa de Inspeccedilatildeo e natildeo com uma companhia comercial monopolizadora ganharaacute

forccedila

164

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao longo da narrativa deste trabalho jaacute esclarecemos as principais conclusotildees tiradas

sobre o nosso objeto de estudo No entanto a tiacutetulo de compilaccedilatildeo e arremate iremos pontuar

as consideraccedilotildees mais significativas para o entendimento do comeacutercio de contrabando

realizado durante os vinte e um anos de vigecircncia do exclusivo comercial praticado pela

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba

Vimos que a Companhia Geral criada no ano de 1759 no contexto de mudanccedilas no

sistema poliacutetico portuguecircs foi fundada para atuar junto a uma seacuterie de outras medidas que

vinham atender o esforccedilo portuguecircs de racionalizaccedilatildeo administrativa e econocircmica de seus

espaccedilos ultramarinos A empresa instalada durante o consulado Pombalino iraacute modificar

sobremaneira o modo de se fazer negoacutecios na capitania de Pernambuco e suas anexas

modificando toda a loacutegica mercantil da regiatildeo que haacute muito estava instituiacuteda e consolidada

Com a fundaccedilatildeo da empresa as populaccedilotildees locais passaram a buscar estrateacutegias de

fuga do controle metropolitano dessa forma comerciantes e produtores da Praccedila

pernambucana jaacute bem habituados ao livre comeacutercio comeccedilaram a realizar transaccedilotildees

comerciais iliacutecitas junto agrave vizinha capitania da Bahia O comeacutercio de mercadorias estabelecido

entre as duas mais destacadas capitanias do Norte se realizava tanto atraveacutes dos sertotildees que

tinham no Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes a peccedila chave desse circuito de comeacutercio

iliacutecito sertanejo bem como de forma direta atraveacutes da Costa mariacutetima que ligava Bahia a

Pernambuco

Lembramos que o artigo 25 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral

determinava que a empresa natildeo possuiacutea o monopoacutelio do comeacutercio para os portos do sertatildeo

Alagoas e Rio de Satildeo Francisco No entanto a poliacutetica monopolista da Companhia iraacute afetar

tambeacutem os chamados ldquoportos livresrdquo Isto porque por volta da deacutecada de 70 a direccedilatildeo

pernambucana por forccedila de um edital passa a encarar as transaccedilotildees mercantis efetuadas a

partir daqueles espaccedilos como contrabando Medida repressiva que salienta a importacircncia

econocircmica do comeacutercio realizado a partir das rotas sertanejas Afinal de contas natildeo se

empregaria esforccedilos e recursos no controle de tais negoacutecios se eles natildeo tivessem relevacircncia

As mercadorias que circulavam neste comeacutercio descaminhado eram muitas da

capitania pernambucana saiam principalmente os efeitos da terra dos quais destacamos o

accediluacutecar e seus derivados couros e tabacos Vindos das terras soteropolitanas os principais

165

produtos eram gecircneros europeus com realce para a grande variedade de tecircxteis Vimos

tambeacutem que entre as duas Praccedilas realizava-se o comeacutercio humano os escravos comprados por

menores preccedilos na Bahia vinham abastecer as lavouras e faacutebricas pernambucanas As trocas

mercantis realizadas por vias ilegais mesmo que potencialmente perigosas dado o risco de

apreensatildeo e demais penalidades seratildeo amplamente desenvolvidas por fabricantes produtores

e comerciantes pernambucanos que buscavam melhores preccedilos e vendas a dinheiro fiacutesico

Destacamos que o contrabando foi uma praacutetica recorrente durante toda histoacuteria

colonial do Novo Mundo Na Ameacuterica Portuguesa pesquisas mais recentes atestam para

recorrecircncia do comeacutercio extralegal em diversas capitanias Esta historiografia com a qual

concordamos tem demonstrado como os descaminhos eram processos inerentes ao trato

comercial colonial Presente nas mais variadas atividades mercantis e locais os contrabandos

e descaminhos natildeo devem ser encarados como uma ldquofalhardquo ou ldquodeficiecircnciardquo do sistema mas

sim como parte integrante do mesmo

O comeacutercio iliacutecito praticado durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba foi um negoacutecio amplamente praticado De acordo

com a documentaccedilatildeo trabalhada este tipo de mercadejar acontecia tanto no grosso trato

envolvendo uma rede de indiviacuteduos empenhados em criar estrateacutegias que possibilitassem o

funcionamento da praacutetica iliacutecita Como no miuacutedo onde sujeitos comuns aproveitavam as

oportunidades que surgiam para ganhos extras Destacamos ainda o contrabando feito

diretamente com navios estrangeiros que aportando na capitania sobre pretextos diversos

procediam ocultamente nas trocas comerciais com os habitantes locais

A grande preocupaccedilatildeo do Reino em reprimir tais negoacutecios iliacutecitos revela a

grandiosidade da praacutetica durante o periacuteodo do exclusivo comercial da Companhia Diversos

satildeo os documentos travados entre as autoridades locais e o governo metropolitano para tratar

da mateacuteria Apesar do empenho dos oficiais reacutegios locais sobretudo os governadores de

Pernambuco os contrabandos persistiram durante toda a existecircncia da Companhia Isto

porque natildeo existia estrutura local para que o combate as ilicitudes fossem feitas de maneira

efetiva dada a grandiosidade da capitania de Pernambuco aleacutem disso o comeacutercio

descaminhado era uma praacutetica ostensiva que envolvia variados personagens situaccedilotildees e

circunstacircncias

Dentre os personagens envolvidos nas redes de comeacutercio extralegal salientamos a

participaccedilatildeo de autoridades reacutegias oficiais e agentes da proacutepria Companhia Estes homens

iratildeo utilizar de seus postos privilegiados para obter vantagens pessoais Vimos que a

166

participaccedilatildeo de autoridades reais em circuitos iliacutecitos natildeo era uma prerrogativa exclusiva do

nosso objeto de anaacutelise tendo ocorrido em diversos outros locais da Ameacuterica Lusa e ateacute

mesmo da Ameacuterica Hispacircnica Como os atuais estudos tecircm demonstrado o envolvimento em

praacuteticas iliacutecitas natildeo era necessariamente oposto ao exerciacutecio de ofiacutecios reacutegios

Destacamos tambeacutem as inuacutemeras queixas e representaccedilotildees encaminhadas pelas

populaccedilotildees locais sobretudo pelas cacircmaras ultramarinas ao governo da metroacutepole alertando

para o estado de decadecircncia do comeacutercio nas praccedilas de Pernambuco e das inuacutemeras atividades

iliacutecitas e maacute gestatildeo conduzida pela direccedilatildeo da empresa na capitania A documentaccedilatildeo

evidencia como os proacuteprios deputados e acionistas da empresa foram responsaacuteveis pela

liquidaccedilatildeo da mesma destruindo seu capital ao agirem em benefiacutecio proacuteprio a fim de

obterem vantagens financeiras

Criado no contexto das reformas pombalinas a Companhia natildeo conseguiraacute renovar

seu contrato de exclusivo comercial sendo este extinguindo no ano de 1780 Naquele

momento a metroacutepole jaacute estava sob o comando de uma nova soberana Dona Maria I e

Pombal jaacute estava afastado do centro decisoacuterio Inicia-se entatildeo um novo movimento poliacutetico-

administrativo em Portugal conhecido na historiografia como ldquoa viradeirardquo Nesta nova

conjuntura jaacute natildeo havia espaccedilo para a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba que natildeo

chegou a alcanccedilar os nuacutemeros esperados pelo Reino e foi durante toda sua existecircncia alvo de

criacuteticas das populaccedilotildees locais Voltava entatildeo o comeacutercio na capitania a ser livre fazendo

dessa forma minorar o grande fluxo extralegal alvo deste estudo

167

REFEREcircNCIAS

ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria

Briguiet1960

AIZPURUA AGUIRRE Ramoacuten ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la

lancha San Fernando y de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista

de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5 Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San

Sebastiaacuten p 379-392 2006

A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista

brasileira de Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197

ALENCASTRO Luiz Felipe de O trato dos viventes formaccedilatildeo do Brasil no Atlacircntico

Sul Satildeo Paulo Companhia das Letras 2000

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas -

As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p

34-53 janjul 2013

ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de

Pernambuco no seacuteculo XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria

da escravidatildeo em Pernambuco Editora UniversitaacuteriaU-FPE 2012

ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os

acossamentos de Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII)

Rev Bras Hist [online] 2015 vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016

ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria

Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980

ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec

2004

BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na

administraccedilatildeo da monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO

Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no

impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo

Brasileiro (1783 ndash 1822) Guarapuava Unicentro 2014

168

BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores

e Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da

Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII Recife 2012 Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de

Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas da Universidade

Federal de Pernambuco

BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia

das letras 2002

CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito

Santo do seacuteculo XIX Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de

Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003

CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do

Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996

CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e

Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982

CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-

1850 Recife Editora da UFPE 2002

CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica

Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006

CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a

administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016

vol15 n2

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa

na Buenos Aires colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248

janjun 2009

CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en

Venezuela durante el siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997

CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do

territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v 43 n1 p 100-120 2016

COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do

Interior e Justiccedila 1951-1966 v 6

169

CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica

portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n

39 p001-030 jan-abr 2016

DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas

Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume 282

DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In

Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-

camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013

DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os locais uma anaacutelise da

correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania de

Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei

SOUZA George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo

atlacircntico Recife Editora Universitaacuteria da UFPE 2012

DIAS Manuel Nunes Fomento Ultramarino e Mercantilismo a companhia geral do Gratildeo-

Paraacute e Maranhatildeo (1755-1778) (XIII) Revista de Histoacuteria Brasil v 41 n 83 p 73-94 apr

2017

FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto

de conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social

costumeira (Rio de Janeiro 1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima

(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-

XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

FERREIRA Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial

ultramarino portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama

das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro

Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico

cultura e transgressatildeo na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado

em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias humanas Universidade Federal de Pernambuco

Recife

GINZBURG Carlo Relaccedilotildees de forccedila Histoacuteria retoacuterica prova Satildeo Paulo Companhia

das letras 2002

GINZBURG Carlos Sinais raiacutezes de um paradigma indiciaacuterio In___ Mitos emblemas e

sinais - Morfologia e Histoacuteria Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989 P 143-180

170

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo

portuguecircs c 1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na

trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de

Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Poder Poliacutetico e administraccedilatildeo na formaccedilatildeo do complexo

atlacircntico portuguecircs (1645-1808)In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) O

Antigo Regime nos troacutepicos ndash A dinacircmica Imperial Portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio

de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional

History University Press of Virginia 2ordf ed 1994

HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash

Seacutec XVII Coimbra Almedina 1994

HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do

impeacuterio colonial portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na

trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de

Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

HESPANHA AM A constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos

correntes In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda

(Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash

XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

HESPANHA Antonio Manoel Caleidoscoacutepio do Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda

2012

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos

sertotildees da Ameacuterica Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012

JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de

ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de

Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos

XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo

Hucitec 1976

JUacuteNIOR Miguel Dieacutegues As Companhias Privilegiadas no comeacutercio colonial Revista de

Histoacuteria Brasil v 1 n 3 p 309-336 sep 1950

171

KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica

(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez

2009

KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e

a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida

(Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba

UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009

KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da

Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de

Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005

KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos

histoacutericos Rio de Janeiro Contraponto Ed Puc-Rio 2006

KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da

Prata 1730-1752) Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017

LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime

na Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral

(Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX

Satildeo Paulo Alameda 2005

MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute e Rio Grande catequese

violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22

MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la

defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia

hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten

Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P

9-52 2006

MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz

e Terra 1996

MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio

Pernambucano (1738-1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966

MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas

de Joseacute Barreto Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII

172

MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil

GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001

MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003

MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites

Buenos Aires em el siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988

NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco

(seacuteculo XVIII) Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003

NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo

Horizonte Editora UFMG 2011

NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)

Satildeo Paulo Hucitec 1995

OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria

conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de

Histoacuteria Recife 2016

PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil

(1765-1801) a caccedila ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos

Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias Sociais Universidade de Lisboa Lisboa

PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da

cacircmara da Bahia (seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia

Amaral (Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash

seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005

PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008

PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo

XVIII Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001

PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a colonizaccedilatildeo do sertatildeo

nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004

RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias

do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel

em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017

173

ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas

na Vila de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais

do XXVI Simpoacutesio Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011

SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo

nos quadros do Impeacuterio portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O

Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio

de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da

Mina e a Capitania de Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P

Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Setor de Ciecircncias

Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute

SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das

letras 2013

SCHWARTZ Stuart B Segredos Internos ndash Engenhos e escravos na sociedade colonial

Satildeo Paulo Companhia das Letras 1988

SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral

da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P

42-53 JanJun 2003

SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro

(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002

SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do

Recife agrave poliacutetica pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de

Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005

SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica

portuguesa do seacuteculo XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006

SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa

EDIUAL2007

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de

Pernambuco pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010

174

APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS

Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos de Pernambuco

AHU ndash PE Cx 88 D 7150

AHU ndash PE Cx 95 D7497

AHU ndash PE Cx 95 D 7501

AHU ndash PE Cx 107 D 8312

AHU ndash PE Cx 127 D 9670

AHU ndash PE Cx128 D 9737

AHU ndash PE Cx 138 D 10248

AHU ndash PE Cx 107 D 8284

AHU ndash PE Cx 108 D 8371

AHU ndash PE Cx 110 D 8493

AHU ndash PE Cx 117 D 8954

AHU ndash PE Cx 120 D 9196

AHU ndash PE Cx 121 D 9245

AHU ndash PE Cx 122 D 9339

AHU ndash PE Cx 127 D 9656

AHU ndash PE Cx 129 D 9771

AHU ndash PE Cx 129 D 9792

AHU ndash PE Cx 130 D 9815

AHU ndash PE Cx 130 D 9815

AHU ndash PE Cx 130 D 9823

AHU - PE Cx 130 D 9823

AHU ndash PE Cx 130 D 9830

AHU - PE Cx 130 D 9966

AHU ndash PE Cx 131 D 9853

AHU ndash PE Cx 131 D 9892

AHU ndash PE Cx 132 D 9955

AHU ndash PE Cx133 D 9966

AHU - PE Cx 133 D 10003

AHU ndash PE Cx 133 D 10009

AHU ndash PE Cx 133 D 10012

175

AHU ndash PE Cx 133 D 10012

AHU ndash PE Cx 133 D 10017

AHU - PE Cx 136 D 10147

AHU ndash PE Cx 137 D 10197

AHU - PE Cx 137 D 10234

AHU ndash PE Cx 138 D 10250

AHU - PE Cx 142 D 10475

AHU ndash PE Cx 151 D 9853

Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Bahia

AHU - BA Cx 138 D 10248

AHU ndash BA Cx 181 D 13481

Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Alagoas

AHU ndash AL Cx 3 D 221

AHU ndash AL Cx 3 D 220

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2

nordm 3 cx 2

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2

nordm 6 cx 2

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm

4 cx 1 f 7

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1

Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros

Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo

IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010

Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo

IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060

Acervo especial para Pernambuco da Biblioteca Nacional

176

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco

(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

Fontes impressas

BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da

Companhia de Jesus Ano de 1712

Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO

Antonio de Mariz Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil

Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por

Manoel da Sylva 1655

Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo

General da Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V

XXXII1910 p 442

Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI

Page 4: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO

AGRADECIMENTOS

Primeiramente gostaria de agradecer a meus pais Luacutecia e Risomar por terem sempre

escolhido investir na minha educaccedilatildeo apesar e acima de tudo Reconheccedilo e agradeccedilo

sinceramente o esforccedilo realizado por eles para que eu tivesse uma boa base educacional

Agradeccedilo ainda a eles e aiacute incluo tambeacutem minha irmatilde Amanda pelo apoio carinho e

incentivo ao longo desta jornada mesmo sem compreender muito bem as dinacircmicas do

universo acadecircmico eles sempre estiveram ao meu lado dispostos a ajudar no que fosse

possiacutevel

Ao meu namorado Flaacutevio meu principal entusiasta que esteve comigo e me apoiou

durante todo este processo Agradeccedilo por acreditar no meu projeto por vezes ateacute mais do

que eu por natildeo me deixar fraquejar e pelo constante incentivo para que eu me torne o melhor

que eu posso ser

Aos meus padrinhos Socorro e Carlos com os quais eu sempre pude contar

A minha querida orientadora Profordf Suely Almeida se nossos caminhos natildeo tivessem

se cruzado haacute alguns anos atraacutes natildeo sei se seria capaz de chegar ateacute aqui Suely tem sido meu

esteio acadecircmico sem ela tudo seria muito mais difiacutecil Meus sinceros agradecimentos pela

confianccedila construiacuteda ao longo desses anos de trabalho juntas e por ser essa figura humana

sempre preocupada com meu bem estar acima de qualquer prazo ou cobranccedila Pensar em

seguir a vida acadecircmica sem sua orientaccedilatildeo eacute uma ideia que ainda estou tentando digerir

Muito obrigada Su

A Josinaldo Sousa e Suzana Veiga meus companheiros de linha Ao primeiro meu

amigo da capitania anexa agradeccedilo pelo apoio dicas e apontamentos que contribuiacuteram e

muito para construccedilatildeo deste trabalho e por partilhar os aperreios e cobranccedilas tiacutepicos de

mestrandos Suzana menina da risada frouxa agradeccedilo por compartilhar sua experiecircncia e

dar suporte sempre que preciso Nossos momentos ldquotapioca com cafeacuterdquo poacutes-aula tornaram

todo o processo mais leve e tranquilo Sentirei saudades Aos meus colegas de orientaccedilatildeo

antigos e novos Raphael Luanna Mariely Jesanias e Marcelo eacute sempre bom trocar ideias

com vocecircs Aos demais colegas que o mundo atlacircntico me apresentou seja na UFPE ou na

UFRPE tambeacutem agradeccedilo

Agradeccedilo a professora Jeannie Meneses profissional e pessoa por quem nutro

profunda admiraccedilatildeo e carinho e que sempre esteve presente durante minha trajetoacuteria

acadecircmica se prontificando a ajudar no fosse necessaacuterio Obrigada pelas numerosas

contribuiccedilotildees feitas ao texto preliminar deste trabalho sobretudo as orientaccedilotildees quanto agraves

questotildees juriacutedicas

Ao professor Rocircmulo Xavier profissional que estimo e que tive o prazer de conhecer

no primeiro semestre do curso e que tambeacutem contribuiu com importantes recomendaccedilotildees

durante a qualificaccedilatildeo para construccedilatildeo deste texto final Aos demais professores do

PPGHUFPE com quem cursei disciplinas Marcus Carvalho George Cabral Joseacute Bento e

Cristiano Christillino tambeacutem agradeccedilo as contribuiccedilotildees diretas e indiretas

Aos meus amigos de graduaccedilatildeo que continuam me acompanhando e tornando menos

aacuterido o caminho Pedro Boguel Benvinda Ceci Polli Beto Sid e Deacutea obrigada pela

amizade e por entenderem minhas ausecircncias Agradeccedilo especialmente a Mirella e famiacutelia

Dona Maacutercia e Wagner por terem aberto seu lar para mim durante o periacuteodo que cursei as

disciplinas e pelo apoio e carinho que sempre recebi de todos eles

As minhas amigas de infacircncia Mariana Aretha Tuanny e Illyanna que hoje estatildeo

dispersas pelo mundo obrigada por se fazerem presentes mesmo na distacircncia

Agradeccedilo a Sandra e a Patriacutecia da secretaria do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em

Histoacuteria da UFPE pela competecircncia e disposiccedilatildeo em ajudar sempre que possiacutevel os alunos

Aos funcionaacuterios do arquivo do Instituo de Estudos Brasileiros - IEB da USP pela

solicitude com que me receberam e por me permitirem o acesso aos manuscritos originais

Ao Cnpq pela bolsa que tornou possiacutevel a realizaccedilatildeo deste trabalho

A todos que contribuiacuteram direta ou indiretamente na construccedilatildeo deste trabalho meu

muito obrigado

RESUMO

Nosso trabalho busca analisar o comeacutercio de mercadorias que se desenvolveu durante os anos

de 1759 a 1780 entre as capitanias de Bahia e Pernambuco Nosso marco cronoloacutegico inicia-

se em 1759 ano em que foi instalada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba detentora

do monopoacutelio comercial da regiatildeo A empresa criada na segunda metade do XVIII vinha

atender a uma nova ordem administrativa ligada agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila

que se buscou estabelecer em Portugal e que tinham por objetivo uma maior centralizaccedilatildeo do

poder real bem como um maior domiacutenio econocircmico sobre as conquistas e colocircnias O

monopoacutelio desenvolvido pela Companhia durante pouco mais de vinte anos veio alterar toda

uma loacutegica comercial que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco Nosso ponto de

anaacutelise parte da identificaccedilatildeo de que a partir da instalaccedilatildeo da Companhia Geral os locais iratildeo

buscar estrateacutegias de evasatildeo do controle reacutegio um desses meios de fuga seraacute o contrabando de

mercadorias realizado atraveacutes dos caminhos sertanejos que uniam Pernambuco e Bahia bem

como por meio da navegaccedilatildeo direta via Costa mariacutetima entre as capitanias vizinhas

Procederemos entatildeo a anaacutelise das rotas produtos casos e medidas repressivas empregadas

neste tipo de negoacutecio Antes da instalaccedilatildeo da Companhia as transaccedilotildees comerciais entre as

duas praccedilas jaacute existiam e estavam bem consolidadas no entanto a partir da criaccedilatildeo da

empresa esse comeacutercio acaba ganhando expressividade

Palavras-chave Contrabando Comeacutercio interno Rotas comerciais

ABSTRACT

Our work aims to analyze aspects of the trade in goods that were developed during the years

from 1759 to 1780 between the captaincies of Bahia and Pernambuco Our chronological

boundary begins in 1759 when the General Company of Pernambuco and Paraiacuteba was

installed holding the monopoly of the regionrsquos markets The company created in the second

half of the XVIII century was to attend to a new administrative order connected to more

pragmatic issues of governance sought to be established in Portugal which by its turn

aimed at a greater centralization of the royal power as well as a greater economic dominance

over the conquests and Colonies The monopoly developed by the Company for a little more

than twenty years changed a whole commercial logic which was already well established in

Pernambuco Our focus of analysis starts with the identification that since the creation of the

General Company the commercial sites would seek strategies to evade royal domain One of

these means of escape were the contraband of goods carried out mainly through the

hinterlands paths that linked Pernambuco and Bahia as well as through the direct navigation

via the marine coast shared by neighboring captaincies We will then proceed with an

analysis of the routes products cases and repressive measures employed in this type of trade

Before the creation of the Company commercial transactions between the two markets

already existed and were well established However since the creation of the company its

traded ends up gaining more expressiveness

Keywords Contraband Domestic trade Commercial routes

LISTA DE MAPAS

Mapa 1- Caminhos do Gado para Olinda e Recife 46

Mapa 2- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738) 47

Mapa 3- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738) 48

Mapa 4- Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 57

Mapa 5- Detalhe do roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 66

Mapa 6- Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766) 67

LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau

Amarelo) 76

Tabela 2- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia

(Sirinhaeacutem) 77

Tabela 3- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una) 80

Tabela 4- Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas 84

Tabela 5- Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos

portos do Brasil 85

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AHU ndash Arquivo Histoacuterico Ultramarino

ANTT ndash Arquivo Nacional da Torre do Tombo

IEB-USP ndash Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros

Cx ndash Caixa

D ndash Documento

SUMAacuteRIO

1 INTRODUCcedilAtildeO12

2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO32

21 Contexto e conceitos32

22 Os caminhos43

3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE

PRODUTOS75

31 As mercadorias75

32 Os casos86

33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas127

4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA131

41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas131

42ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de

autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos144

43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70153

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS164

REFEREcircNCIAS167

APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS174

12

1 INTRODUCcedilAtildeO

Em fins do seacuteculo XVII e iniacutecio do XVIII iraacute ocorrer em vaacuterias partes da Europa um

processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real Em Portugal esse movimento tem iniacutecio a

partir do reinado de D Joatildeo V naquele momento as consultas colegiais marca do governo

polissinodal iratildeo ceder espaccedilo para uma nova forma de organizaccedilatildeo baseada na centralidade

das decisotildees Dessa forma figuras que orbitavam ao redor do rei ganham notoriedade poliacutetica

e poder de influecircncia em assuntos decisoacuterios em detrimento dos conselhos Este periacuteodo de

mudanccedilas seraacute entendido como um encaminhamento lento e gradual de abandono de um

modelo de Estado corporativo para uma forma distinta de se conceber a poliacutetica a partir do

vieacutes da ldquorazatildeo de Estadordquo 1

De acordo com Subtil o governo de D Joatildeo V pode ser encarado como um reinado de

transiccedilatildeo2 a grande transformaccedilatildeo do sistema poliacutetico portuguecircs iraacute se operar apenas na

segunda metade do seacuteculo a partir da nomeaccedilatildeo de Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Melo ndash

Conde de Oeiras o futuro marquecircs de pombal para o cargo de primeiro ministro do reino

durante o reinado de D Joseacute I O terremoto seguido dos incecircndios e da grande onda que

assolaram a capital lisboeta no ano de 1755 tiveram impacto sob a organizaccedilatildeo poliacutetica e

administrativa do reino tornando necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que assegurassem o

exerciacutecio da governaccedilatildeo real dentro de um quadro de caos3

Sob a influecircncia do iluminismo que se disseminava por toda a Europa o Estado

portuguecircs iraacute desenvolver um conjunto de reformas poliacuteticas e fiscais que buscavam combater

o atraso econocircmico do reino que passava por uma queda na produccedilatildeo do ouro brasileiro4middot

Dentro desse contexto foram postas em accedilatildeo poliacuteticas com o intuito de revitalizar o comeacutercio

portuguecircs Na capitania de Pernambuco importante polo econocircmico da conquista essas accedilotildees

seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois organismos reguladores da economia local

a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio criado no ano de 1752 e a Companhia

Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759

1 BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da

monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima

(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro

Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 353-334 2 SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa EDIUAL2007 p 17-21

3 Ibidem P 11-14

4 BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia das letras 2002 P

195

13

A ideia da criaccedilatildeo de companhias privilegiadas de comeacutercio que poderiam dar aliacutevio

as despesas do Estado servindo para ampliar os negoacutecios da Coroa por meio de uma poliacutetica

de maior arrecadaccedilatildeo fiscal 5 figurava nas ambiccedilotildees de Pombal muito antes do secretaacuterio

ganhar relevacircncia poliacutetica Em seu primeiro cargo como enviado extraordinaacuterio da Corte

portuguesa na Inglaterra Sebastiatildeo de Carvalho enviou em 1742 para o Cardeal Mota

proposta de criaccedilatildeo de uma Companhia Oriental para o comeacutercio da Iacutendia que teria por

objetivo ldquotirar proveito das possessotildees portuguesas da Iacutendia que tanto custavam manterrdquo 6

De acordo com o historiador Kenneth Maxwell o marquecircs buscou resgatar o ldquocontrole

nacional sobre todas as riquezas que fluiacuteam para Lisboardquo 7 se utilizando de foacutermulas que havia

tomado conhecimento sobretudo na Gratilde-Bretanha e na Aacuteustria Natildeo eacute de se espantar

portanto que tempos depois Pombal tenha posto em praacutetica no Brasil tal ideia durante o

governo de D Joseacute I quando o mesmo passou a exercer o papel de secretaacuterio de Estado e

negoacutecios do Reino

Dentre as companhias comerciais criadas pelo marquecircs ao longo desse periacuteodo

destacam-se A Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo no ano de 1755 a Companhia da

Agricultura das Vinhas do Alto Douro em 1756 A Companhia Geral de Pernambuco e

Paraiacuteba no ano de 1759 e por fim a Companhia das Pescas Reais do Reino do Algarve em

1773 Estas Companhias compartilhavam entre si princiacutepios gerais similares em termos

juriacutedicos e administrativos apesar de cada uma delas conter suas peculiaridades

Vale destacar ainda que aleacutem das Companhias que de fato saiacuteram do papel existiram

vaacuterios outros planos de constituiccedilatildeo de empresas privilegiadas que por um ou outro motivo

natildeo caminharam pra frente Para Pernambuco desde o governo de D Joatildeo V existiam

pretensotildees de se fundar uma Companhia que atuasse exclusivamente no trato negreiro 8 Esta

empresa seria controlada pelos mercadores da terra deixando pouco espaccedilo para atuaccedilatildeo dos

homens de negoacutecio do Reino e tambeacutem dos comerciantes baianos natildeo existia a intenccedilatildeo de

integrar os homens de negoacutecio baianos a tal corporaccedilatildeo O projeto da Companhia tinha como

5JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de Pernambuco

e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 74 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo

da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e

sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-

camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013 P 1 6MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas de Joseacute Barreto

Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII 7 MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz e Terra 1996 P

95 8 JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 77

14

objetivo aumentar o comeacutercio que jaacute se praticava com as aacutereas africanas de Angola Benguela

Cabinda e Ajudaacute favorecendo dessa forma o aumento da entrada de escravos na capitania 9

Em conjunto a esta proposta os comerciantes de Pernambucano lanccedilaram outra ao

Reino a da criaccedilatildeo de uma Companhia destinada a explorar o comeacutercio de carnes secas e

couros do sertatildeo ou seja uma companhia voltada para o comeacutercio interno com finalidade de

aumentar a produccedilatildeo colonial Os colonos sabiam da boa disposiccedilatildeo do Reino na criaccedilatildeo de

companhias quando encaminham suas propostas o que lhes eacute omitido eacute que Pombal jaacute

pensara a criaccedilatildeo de uma companhia para a regiatildeo no entanto tratava-se de uma companhia

que privilegiasse os comerciantes reinoacuteis e natildeo o contraacuterio como pretendiam os comerciantes

de Pernambuco Motivo pelo qual nenhuma das duas propostas vingou 10

De acordo com Fernando Novais eacute durante o consulado pombalino que iraacute se

estruturar de maneira mais abrangente a economia mercantilista de Portugal A essecircncia

econocircmica por traacutes da criaccedilatildeo das Companhias exclusivistas baseava-se em uma foacutermula jaacute

bem conhecida na Europa moderna onde o Reino concedia privileacutegios ao capital particular

para que esse investisse e sustentasse o sistema de comeacutercio e navegaccedilatildeo dos complexos

imperiais ultramarinos restando claro uma parte dos lucros para a fazenda de Sua Majestade

11

Junto a esse processo de mudanccedilas econocircmicas inicia-se tambeacutem um periacuteodo de maior

preocupaccedilatildeo com a defesa do territoacuterio a partir da criaccedilatildeo de ldquolinhas de definiccedilatildeo territorial e

preservaccedilatildeo das fronteirasrdquo 12

Essa poliacutetica esteve relacionada tambeacutem com a tentativa do

Reino de minimizar a atuaccedilatildeo de mercadores estrangeiros nos mercados do conjunto imperial

portuguecircs A fundaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba aleacutem de atender a

loacutegica econocircmica do periacuteodo esteve ligada a necessidade de se coibir o comeacutercio da capitania

Pernambucana com os portos africanos da Costa da Mina O comeacutercio de resgate de escravos

na Costa da Mina constituiacutea-se em uma importante e lucrativa rota para os comerciantes de

Pernambuco e Bahia que dominavam e disputavam este setor mercantil para aquela regiatildeo

deixando pouca ou nenhuma brecha para a inserccedilatildeo da Coroa 13

9 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso

internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 7 10

Ibdem p 8 JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 80 11

NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo

Hucitec 1995 P 136 12

Idem 13

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre

Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 P35

15

Esta situaccedilatildeo eacute evidenciada atraveacutes de instruccedilatildeo enviada para o Marquecircs de Valenccedila

pelo secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro em 1779 Ela

esclarece sobre os ldquograviacutessimos inconvenientes ao Reinordquo 14

de abandonar inteiramente o

comeacutercio da ldquoCosta da Mina nas matildeos dos Americanosrdquo 15

e em particular ldquoaos habitantes da

Bahia e Pernambucordquo 16

que segundo a fonte navegavam com ampla liberdade comercial em

todos ldquoos portos daquele continenterdquo 17

Os comerciantes do Reino inclusive careciam de

ldquoprivileacutegios graccedilas ou isenccedilotildees para que na concorrecircncia com os Americanos na Aacutefricardquo 18

pudessem ter os lusos como se espera que a capital e seus habitantes tivessem a preferecircncia

nas transaccedilotildees em relaccedilatildeo a suas colocircnias19

A instruccedilatildeo demonstra o pouco controle do Reino sobre os negoacutecios entre Brasil e

Costa da Mina principalmente porque desde 1637 os holandeses aleacutem de outras aacutereas no

continente africano controladas por Portugal dominavam o Castelo de Satildeo Jorge da Mina

Um dos maiores problemas deste comeacutercio eram os produtos levados do Brasil e que se

empregavam nas compras de escravos daquela regiatildeo ouro e tabaco Na tentativa de superar

essa barreira e exercer maior controle sobre a regiatildeo o governo portuguecircs passou a promulgar

uma seacuterie de leis alvaraacutes e regimentos tentando coibir este comeacutercio tatildeo prejudicial ao Eraacuterio

Reacutegio 20

No entanto todas as medidas empreendidas natildeo se mostraram suficientes para conter o

grande e generalizado contrabando praticado na regiatildeo Excluiacutedos do processo e frustrados em

suas tentativas de coibiccedilatildeo da traficacircncia os portugueses buscaram novas formas de controle

que tinham como principal objetivo o redirecionamento do comeacutercio humano para os portos

de Angola que por ser tratar de uma conquista portuguesa contava com um maior nuacutemero de

funcionaacuterios e aparato fiscalizador 21

Nesse cenaacuterio eacute pensada a criaccedilatildeo de uma Companhia privilegiada para operar em

Pernambuco atuando de acordo com as prerrogativas reais o comeacutercio de escravos praticado

14

Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo General da

Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V XXXII1910 p 442 15

Idem 16

Idem 17

Idem 18

Idem 19

Idem 20

SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da Mina e a Capitania de

Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo

em Histoacuteria Setor de Ciecircncias Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute 21

Ibidem P 86

16

por ela deveria priorizar as rotas com a Aacutefrica Centro-Ocidental 22

dessa forma acreditavam

as autoridades que metade do problema do contrabando estaria resolvido restando ainda

resolver a questatildeo na capitania baiana O capital inicial previsto para a empresa era de

3400000 cruzados e as accedilotildees poderiam ser pagas com dinheiro gecircneros ou navios

Diante das dificuldades encontradas para compor o capital da empresa que ateacute o ano

de 1774 contava com acionistas que ainda natildeo tinham integralizado o valor total de suas

accedilotildees a Coroa recorreu em auxiacutelio concedendo-lhe empreacutestimos a juros de 4 ao ano 23

A

Companhia foi fundada oficialmente atraveacutes de alvaraacute reacutegio do ano de 1759 mas a primeira

frota soacute sairia um ano mais tarde Com o objetivo de fazer prosperar a agricultura da regiatildeo de

Pernambuco fornecendo um suprimento regular de matildeo-de-obra escrava bem como atuando

na compra e exportaccedilatildeo dos produtos coloniais e transportando atraveacutes de frotas regulares as

mercadorias do Reino para a regiatildeo 24

O monopoacutelio sobre a compra e venda de produtos nas capitanias de Pernambuco e

Paraiacuteba e todos seus distritos teriam a duraccedilatildeo de vinte anos podendo apoacutes esse prazo ser

estendido por um periacuteodo de dez anos Os produtos transportados de laacute praacute caacute foram os

manufaturados envolvendo ferramentas variados tipos de utensiacutelios gecircneros alimentiacutecios

medicamentos e escravos De caacute praacute laacute accediluacutecar cacau madeiras algodatildeo corantes tabaco

couro e atanados e variadas especiarias As trocas se davam em Bissau Cacheacuteu Cabo Verde

Costa da Mina Angola Madeira Accedilores e alguns portos da Iacutendia e da Aacutesia 25

Quanto a sua gestatildeo a empresa era composta por uma junta administrativa sediada em

Lisboa e formada por provedor 10 deputados um secretaacuterio e trecircs conselheiros Possuiacutea duas

sedes subalternas uma em Pernambuco e outra na cidade do Porto contavam na direccedilatildeo cada

uma com um intendente e seis deputados Aleacutem das duas diretorias e da sede a Companhia

possuiacutea ainda administraccedilatildeo ou procuradoresrepresentantes na Paraiacuteba Rio de Janeiro Bahia

Fayal e Satildeo Miguel 26

22

A Companhia tambeacutem operou na rota PernambucoCosta Da Mina no entanto o maior fluxo da atividade

negreira durante o periacuteodo da sua operaccedilatildeo esteve direcionada para os portos Angolanos O comeacutercio com a

Costa da Mina natildeo chegou a desaparecer mas perdeu significativa relevacircncia neste periacuteodo Sobre isto ver

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de Op Cit 23

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 92 -93 24

DIAS Eacuterika Op Cit p 17 25

Idem 26

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro P 83-86

17

Como podemos observar o engajamento de Portugal com as Companhias privilegiadas

se daraacute de forma efetiva a partir do governo de D Joseacute I e da administraccedilatildeo pombalina 27

Estas empresas foram pensadas e criadas para atuarem junto a uma seacuterie de outras medidas

racionalizadoras da economia portuguesa Apesar das circunstacircncias peculiares que levaram a

criaccedilatildeo de cada uma das Companhias em todos os casos ela esteve relacionada com a

necessidade de regulaccedilatildeo do comeacutercio seja para inibir a atuaccedilatildeo do contrabando a

participaccedilatildeo de comerciantes estrangeiros ou simplesmente a fim de canalizar de maneira

mais eficaz os lucros do comeacutercio colonial para a metroacutepole

Para natildeo nos restringirmos apenas a exemplos da Ameacuterica Portuguesa e a tiacutetulo de

comparaccedilatildeo bibliograacutefica faremos um paralelo com a Companhia Guipuzcoana de Caracas

Os caminhos que levaram a criaccedilatildeo da Companhia Venezuela satildeo bastante similares ao caso

portuguecircs A Espanha assim como Portugal demorou a se lanccedilar no empreendimento das

Companhias privilegiadas apesar do Reino jaacute ter tomado ciecircncia que o sistema de frotas

adotado ateacute o XVII era incapaz de assegurar a hegemonia da Coroa sobre suas colocircnias e de

jaacute haver planos para constituiccedilatildeo de sociedades exclusivistas estas soacute tomaram corpo no

XVIII 28

Sofria entatildeo os domiacutenios ultramarinos com o comeacutercio de contrabando praticado por

diversos paiacuteses sobretudo por ingleses franceses e holandeses A guerra de sucessatildeo ao trono

espanhol acabou por maximizar a penetraccedilatildeo de naccedilotildees estrangeiras nos mercados espanhoacuteis

da Ameacuterica os franceses chegaram mesmo a monopolizar o comeacutercio de abastecimento em

algumas regiotildees Esse processo foi possiacutevel devido ao isolamento em que se encontrava a

metroacutepole de suas colocircnias dado o estado de guerra na Europa 29

Outra medida que iraacute refletir negativamente na economia reinol seraacute a praacutetica do

comeacutercio direto entre as colocircnias espanholas isto porque durante os longos periacuteodos em que

27

Apesar do Reino de ter criado outras Companhias ao longo do seacuteculo XVII estas natildeo obtiveram resultados

expressivos economicamente Esse tipo de estrutura bem como a adesatildeo definitiva de Portugal as Companhias

privilegiadas soacute iraacute se estabelecer no seacuteculo XVIII a partir do reinado de D Joseacute I junto a um grande esforccedilo

Portuguecircs para recuperaccedilatildeo da sua economia Vale salientar que neste momento outras naccedilotildees europeias jaacute

buscavam novas formas de dinamizar seus negoacutecios e findavam a atuaccedilatildeo de boa parte de suas Companhias

exclusivistas Na Inglaterra a revoluccedilatildeo industrial comeccedilava a dar seus primeiros passos o regime de

exclusivismo jaacute natildeo atendia mais as necessidades daquele tipo de economia que agora necessitava de novos

mercados consumidores Essa divergecircncia de tendecircncias econocircmicas iraacute gerar uma seacuterie de conflitos entre os

Estados europeus ao longo do XVIII Sobre isto ver NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do

antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo Hucitec 1995 28

Sobre isto ver MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la

defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los

reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones

Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P 9-52 2006 29

Idem

18

o Reino esteve envolto nas disputas beacutelicas europeias os colonos agindo por conta proacutepria

afastados da tutela da Coroa desenvolveram redes comerciais internas deixando a Espanha

fora dessas negociaccedilotildees De acordo com os dados trabalhados pelo historiador Ricardo

Cierbide Martinera ldquoentre 1706 y 1724 no salioacute para Venezuela barco algunordquo 30

vindo do

Reino

Com a ascensatildeo de Felipe V ao trono o Reino espanhol se encaminhou para um

processo de mudanccedilas que levou a uma maior centralizaccedilatildeo do poder real e uma maior

racionalizaccedilatildeo do estado e das financcedilas incluindo a ampliaccedilatildeo do domiacutenio econocircmico sobre

suas conquistas no Atlacircntico Sul Devido agrave debilidade de controle sobre o comeacutercio

americano a ideia de criaccedilatildeo de Companhias privilegiadas inspiradas nos modelos praticados

em Franccedila e Inglaterra surge como alternativa possiacutevel para retomada do poder sobre

determinadas aacutereas

Uma das grandes preocupaccedilotildees da Coroa dizia respeito ao vultoso contrabando

praticado em seus domiacutenios A escolha pela Venezuela se deu pelo fato da colocircnia jaacute ter uma

consideraacutevel experiecircncia no cultivo e comeacutercio do cacau o fruto como explicita o historiador

Carlor Manrique era um importante produto de consumo dos mercados europeus e a regiatildeo

de Caracas jaacute havia ganhado fama pelo seu insumo de boa qualidade Dessa forma ldquolos

monarcas espantildeoles teniacutean muy presente la necesidad de volver a ejercer control sobre esta

proviacutenciardquo 31

usufruindo dos lucros de tal setor

Nasce assim em 1728 a Companhia de Comeacutercio de Caracas conhecida tambeacutem como

Companhia Guipuzcoana de Caracas Entre seus principais objetivos estavam o de suprir a

demanda metropolitana de cacau produto no qual a Companhia exerceria monopoacutelio e

defender as costas da regiatildeo dos contrabandos e da presenccedila militar de outras naccedilotildees

europeias Aleacutem disso a empresa tambeacutem incentivava o cultivo de novas plantaccedilotildees a

criaccedilatildeo de gados o cultivo do tabaco de plantas tintoras entre outras coisas 32

Com a criaccedilatildeo da Companhia a proviacutencia se torna a mais rentaacutevel para a Coroa

ademais o problema com o contrabando diminuiu consideravelmente O ecircxito da empresa

animou tanto o Reino que fez com que este posteriormente fundasse outras companhias para

atuar em diferentes aacutereas de seu Impeacuterio Ultramarino Mas a empresa natildeo agradou a todos A

30

CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en Venezuela durante el

siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997 P 66 31

MANRIQUE Carlos Alberto MurgueitioOp Cit P 13 32

CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit P 70

19

monopolizaccedilatildeo do comeacutercio de cacau iraacute causar grande descontentamento nas populaccedilotildees

locais que jaacute estavam bem habituadas a praacutetica do livre comeacutercio 33

A supressatildeo do livre comeacutercio a partir da fundaccedilatildeo de Companhias exclusivistas de

maneira geral ocasionaraacute uma seacuterie de criacuteticas por parte das povoaccedilotildees locais no caso das

Companhias Pombalinas natildeo seraacute diferente As queixas representaccedilotildees e insurreiccedilotildees foram

uma maacutexima comum nas empresas monopolistas portuguesas deste periacuteodo os protestos

grosso modo questionavam tanto o exclusivo comercial praticado pelas empresas como a maacute

atuaccedilatildeo das administraccedilotildees locais como veremos adiante

Durante a atuaccedilatildeo da Companhia Venezuelana os motins e revoltas foram frequentes

Isto porque o modelo protecionista adotado pela Companhia acabou por beneficiar o mercado

metropolitano em detrimento do colonial que perdeu focirclego As baixas no preccedilo do cacau e

de outras mercadorias base da economia local aleacutem da forma como a Companhia conduzia

seus negoacutecios pagando aos fornecedores locais em produtos ndash relatados pelos locais como de

maacute qualidade - e natildeo em dinheiro acabaraacute por levar a ruiacutena muitos produtores 34

A situaccedilatildeo

para os comerciantes da Praccedila tambeacutem natildeo era muito satisfatoacuteria estes amargaram muitos

prejuiacutezos com a praacutetica monopolista

Em 1751 tem iniacutecio uma grande insurreiccedilatildeo popular lidera por Juan Francisco de

Leoacuten que convoca o povo a declarar guerra contra a Companhia O movimento que comeccedila

como um ato de contestaccedilatildeo contra o monopoacutelio da empresa acaba ganhando forccedila e se

transforma em um ato de insurreiccedilatildeo contra o poder metropolitano A pauta dos revoltosos

girava em torno da ldquoescasez constante de artiacuteculos como ropas frutos y efectos de Espantildea el

elevado precio de las mercanciacuteas la extraccioacuten sectorizada de ciertos productos como el

cacao y el tabaco y el rechazo frente a otros como el corambre ()rdquo 35

Durante o motim os

insurretos contaram com a ajuda da Holanda que interessada em reestabelecer antigas

relaccedilotildees comerciais forneceu armamentos e municcedilotildees em troca de cacau

A revolta seraacute suprimida no ano seguinte 1752 no entanto seus efeitos tiveram

impacto sob a Companhia que paulatinamente foi perdendo privileacutegios e benesses

anteriormente concedidas pela Monarquia Espanhola Devido agrave guerra que se desenrolava

entre as naccedilotildees europeias naquele momento a Coroa opta por natildeo entrar em conflito direto

33

Ver CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit 34

MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la defensa del comercio

Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V

Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad

Catoacutelica Andreacutes Bello P 19 35

Ibidem P 20

20

com suas colocircnias De acordo com Carlos Manrique a insurreiccedilatildeo colocou em cheque os

poderes absolutos do monarca ldquoAl no defender a la Compantildeiacutea y al dejar avanzar los reclamos

de los colonos cimentaba las bases del colapso de su iniciativa centralizadora dejando a

merced del contrabando al mercado venezolanordquo 36

Devido a uma seacuterie de mudanccedilas ocorridas na Europa apoacutes a Guerra dos Sete Anos e a

conquista da independecircncia das antigas colocircnias inglesas na Ameacuterica o Reino Espanhol com

a ascensatildeo de Carlos III tomou novas direccedilotildees poliacutetico-administrativas A estrateacutegia mudara a

poliacutetica protecionista jaacute natildeo se adequava ao novo contexto econocircmico europeu que

apresentava naquele momento uma Inglaterra fragilizada A Espanha sabiamente se aproveita

dessa brecha para criar laccedilos comerciais com as antigas colocircnias britacircnicas e fortalecer seu

Impeacuterio Assim em 1778 Carlos III expede o decreto de livre comeacutercio extensivo as colocircnias

do Ultramar Algum tempo depois em 1781 a Companhia Guipuzcoana encerra

definitivamente suas atividades 37

Os casos das Companhias atuantes na Ameacuterica portuguesa seguem contornos bem

similares aos da Ameacuterica Hispacircnica A criaccedilatildeo da Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo que

teve sua fundaccedilatildeo associada agrave tentativa da Coroa de otimizar a administraccedilatildeo e comeacutercio da

regiatildeo mais ao Norte da Ameacuterica 38

por exemplo iraacute motivar uma seacuterie de protestos no

Reino Estes protestos foram encabeccedilados pelos deputados da Mesa do Espiacuterito Santo dos

Homens de Negoacutecios de Lisboa que questionavam a nocividade da concessatildeo do monopoacutelio

por uma escala de tempo tatildeo grandiosa ndash vinte anos - a reaccedilatildeo de Pombal seraacute agressiva 39

A

crise iniciada pelos principais homens de negoacutecio de Lisboa foi encarada pelo Marquecircs como

um crime de lesa majestade e seus autores sofreram puniccedilotildees severas 40

No Caso da Companhia de vinhas do Alto Douro empresa criada em um momento de

crise enfrentada pelo setor e que tinha como principal objetivo atender ao desejo do Reino de

retirar tal ramo comercial das matildeos dos mercadores ingleses que ateacute entatildeo dominavam aquele

setor deixando pouca brecha para inserccedilatildeo dos comerciantes portugueses 41

as manifestaccedilatildeo

36

Ibidem P 21 37

Ibidem P 26-28 38

Sobre isto ver CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e

Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 39

Ibidem P 37 40

Boa parte dos envolvidos foi desterrada para domiacutenios ultramarinos do Reino por tempos distintos de acordo

com a sua parcela de participaccedilatildeo no evento 41

Sobre isto consultar CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do

Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 SOUSA Fernando de O Marquecircs

de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757)

21

contraacuterias ao empreendimento comeccedilaram antes mesmo de sua fundaccedilatildeo Ainda no ano de

1756 comerciantes ingleses e seus representantes buscaram sabotar de diversas formas a

criaccedilatildeo da Companhia Esses grandes homens de negoacutecio com seu poder de influecircncia

conseguiram angariar outros comerciantes e produtores para sua causa sendo assim em

agosto de 1756 eram apenas 14 o nuacutemero de comerciantes e lavradores interessados no

projeto Pombalino 42

Aleacutem dos jaacute citados outros profissionais que atuavam no setor se sentiram lesados

com a formaccedilatildeo da Companhia e tomaram parte nos motins contraacuterios a instituiccedilatildeo da

sociedade mercantil 43

Cabe ressaltar que ateacute mesmo parte da populaccedilatildeo endossou o corpo

dos motins uma vez que a empresa cessaria com a liberdade com que se praticava a escolha e

compra de vinhos para consumo pessoal Todo esse descontentamento iraacute levar aos famosos

motins do Porto no ano de 1757 44

Nesta situaccedilatildeo age tambeacutem Pombal com violecircncia poucos dias depois da revolta eacute

aberta uma devassa para investigar os culpados A cidade eacute tomada por tropas recaindo sobre

os habitantes locais o peso de sua sustentaccedilatildeo O cargo de procurador do povo eacute extinto e os

vereadores da Cacircmara satildeo retirados de seus postos o futuro marquecircs jaacute natildeo confiava nestes

homens As penas entre os considerados culpados cerca de 460 indiviacuteduos variaram entre

pena capital degredo accediloite galeacutes confiscaccedilatildeo de bens penas pecuniaacuterias e palmatoadas 45

A Companhia das Pescas Reais criada devido agrave intenccedilatildeo da Coroa em ampliar as

atividades baleeiras no litoral da Ameacuterica Portuguesa natildeo contou com nenhum movimento

local de contestaccedilatildeo de seu monopoacutelio durante sua gecircnese no entanto Marcelo Paz

demonstra que foram duas as ondas reivindicatoacuterias a questionar a forma de atuaccedilatildeo da

empresa ao longo de seu periacuteodo de atuaccedilatildeo 46

A primeira onda contraacuteria seraacute encabeccedilada por

dois mercadores que apesar de advogarem pela mesma causa agiram de forma isolada a

saber Domingos Lopes Loureiro e Tomeacute de Castro Correia de Saacute que iratildeo contraditar a

Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 SOUSA Fernando de A Companhia Geral da

Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1978) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 10 p 9-58 2003 42

SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura

das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 P 46 43

Entre eles tanoeiros taberneiros e marinheiros jaacute que a partir da formaccedilatildeo da empresa estes trabalhadores de

alguma forma tiveram sua liberdade de atuaccedilatildeo profissional cerceada 44

Sobre isto ver CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do Porto

de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 45

Ibidem P 18 46

PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil (1765-1801) a caccedila

ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias

Sociais Universidade de Lisboa Lisboa

22

legalidade do monopoacutelio 47

Pretendiam os dois comerciantes arrematar o contrato para o

complexo baleeiro meridional 48

Um segundo movimento iraacute se iniciar por volta de 1790 este sim teve poder de

influenciar a decisatildeo reacutegia que aboliu o monopoacutelio da Companhia Diferentemente da

primeira onda os liacutederes dessas queixas passam a contestar os procedimentos da praacutetica

comercial adotada no litoral do Brasil questionando sua eficaacutecia e sustentabilidade Um dos

liacutederes chega inclusive a redigir documento analisando profundamente a atividade baleeira

apontando as falhas na produccedilatildeo e a inviabilidade da praacutetica por um periacuteodo alongado de

tempo 49

Em Pernambuco os eventos natildeo foram distintos das demais estabelecer a Companhia

Geral natildeo foi tarefa faacutecil o governador Luiacutes Diogo da Silva empregaraacute inuacutemeros esforccedilos na

tentativa de convencer a elite colonial pernambucana a se tornar acionista na empreitada em

ofiacutecio do ano de 1761 o governador afirma que ldquonatildeo haacute motivos por mais fortes nem

evidecircncias de maior demonstraccedilatildeo que possam convencecirc-los a apostarem da sua vida os

poucos cabedais que logramrdquo 50

Deixando clara a resistecircncia em aderir ao projeto seja por

parte dos homens de negoacutecio ou pela nobreza da terra

O governador dizia ainda que o motivo pelo qual os grandes da capitania se

mostravam contraacuterios a ideia de integrar os quadros da Companhia se dava por ela ldquotecirc-los

separados dos antigos interesses que estavam habituados a fazer na forma e regularidade que

lhes pareciardquo 51

Ou seja apontava o descontentamento dos negociantes e produtores com a

supressatildeo da liberdade de comeacutercio que jaacute estava bem estabelecido naquela regiatildeo

Desde sua instalaccedilatildeo a sociedade seraacute alvo de queixas por parte da populaccedilatildeo muitas

seratildeo as representaccedilotildees e denuacutencias encaminhadas ao rei sobre sua maacute administraccedilatildeo e o

estado de decadecircncia em que se achava a Capitania de Pernambuco Natildeo raro as queixas

continham apelos que suplicavam a sua extinccedilatildeo Segundo Pereira da Costa

Queixas amargas representaccedilotildees constantes foram dirigidas ao governo da

metroacutepole pelos agricultores e comerciantes contra tatildeo odioso monopoacutelio

47

PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 206-215 48

Uniatildeo das armaccedilotildees Paulistas Catarinense e Fluminenses 49

PAZ Marcelo de Oliveira P 240- 249 50

AHU ndash PE Cx 94 D 7481 Recife 4 de fevereiro de 1761 51

Idem

23

tendente a aniquilar essas duas fontes produtoras da colocircnia e cujos danos

vinham muito diretamente recair em prejuiacutezo do povo 52

A oposiccedilatildeo instalada ao monopoacutelio seraacute liderada pelos senhores de engenho e

produtores Mesa de Inspeccedilatildeo do tabaco e do accediluacutecar governadores da capitania em especial

Joseacute Cesar de Menezes algumas cacircmaras ultramarinas53

e uns poucos homens de negoacutecio que

natildeo se tornaram acionistas da empresa O ano de 1770 seraacute marcado como a primeira grande

crise pela qual passaraacute a Companhia Para aleacutem dos conflitos de interesses o Estado

portuguecircs passava por uma forte refraccedilatildeo econocircmica medida pela acentuada queda de seus

rendimentos Diante dessa situaccedilatildeo o governo portuguecircs passou a empregar maior cuidado na

organizaccedilatildeo de suas alfacircndegas e proceder ao aumento de impostos 54

A segunda grave crise acontece sete ano apoacutes a primeira o impacto da crise de 70 natildeo

iraacute se dissipar tatildeo facilmente a morte do rei D Joseacute I e o afastamento do marquecircs de Pombal

do cargo de secretaacuterio do reino no ano de 1777 faratildeo ressurgir uma nova onda de queixas e

representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma 55

A Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e

Paraiacuteba seraacute extinta durante a vigecircncia do governo de Joseacute Ceacutesar de Meneses grande

denunciador de sua ingerecircncia A empresa que era objeto de desarmonia entre a Coroa e os

habitantes locais natildeo obteve os lucros planejados pelo Reino

Outros elementos perturbadores da poliacutetica monopolista exercida pelas Companhias

privilegiadas seratildeo o contrabando descaminhos e contravenccedilotildees praacuteticas recorrentes na

histoacuteria da colonizaccedilatildeo do Novo Mundo realizada por diversas naccedilotildees durante todo o periacuteodo

colonial Reservando as particularidades das empresas aqui abordadas a atividade do

contrabando se faraacute sentir em maior ou menor grau no cotidiano de tais sociedades

mercantis

No caso venezuelano os comerciantes e produtores enxergavam a empresa como uma

verdadeira barreira na praacutetica tanto dos negoacutecios legais quanto no contrabando que jaacute

estavam acostumados a praticar com as naccedilotildees estrangeiras Aleacutem disso estes mesmos

52

COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do Interior e Justiccedila 1951-

1966 v 6 P 185 53

Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos

procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU

ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009 54

JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 171 55

Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos

procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU

ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009

24

personagens queixavam-se que a Companhia havia desregulado o mercado do cacau

provocando segundo os mesmos ldquoel descenso en los precios del producto de manera constante

contribuyendo a la peacuterdida de patrimonios criollos y al debilitamiento de sus enviacuteos al

exteriorrdquo 56

Como forma de deter o contrabando generalizado na regiatildeo uma das prerrogativas da

empresa era atuar no seu combate para isso possuiacutea embarcaccedilotildees de corso proacuteprias Quando

da captura de naus estrangeiras a tripulaccedilatildeo era recompensada com parte do espoacutelio

arrecadado com a venda das mercadorias apreendidas medida que iraacute estimular a ldquocaccedilardquo ao

contrabando nos mares caribenhos Segundo as fontes exploradas por Ricardo Martinena

entre 1759 a 1763 a Companhia apreendeu 43 embarcaccedilotildees estrangeiras 57

um nuacutemero

bastante expressivo para um periacuteodo de apenas quatro anos

De acordo com Carreira a Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo sofria com os

contrabandos praticados por nacionais estrangeiros e ainda pelos agentes da proacutepria

Companhia Esse tipo de praacutetica vai ser mais bem estudada pelo autor nas feitorias africanas

de Cacheu e Cabo Verde onde a empresa deveria atuar com exclusividade No entanto as

condiccedilotildees das fortalezas daqueles portos eram lastimaacuteveis e ldquonem serviam para defender os

portos das investidas dos navios estrangeiros nem de nenhum modo intimidavam as

populaccedilotildees negrasrdquo 58

Assim sendo a invasatildeo de navios estrangeiros era rotineira

prejudicando o comeacutercio das embarcaccedilotildees reais

Na Companhia das Vinhas do Alto Douro as contravenccedilotildees tambeacutem foram

recorrentes Entre os anos de 1772 a 1774 instaurou-se na regiatildeo uma grande devassa que

tinha por objetivo combater e expor os culpados de vaacuterias transgressotildees que vinham

ocorrendo sob a aacuterea de atuaccedilatildeo da empresa Apesar da numerosa legislaccedilatildeo que buscava

evitar os diversos tipos de fraudes existentes naquele ramo comercial estas persistiram

principalmente a introduccedilatildeo ilegal de vinhos de ramo 59

na zona demarcada 60

Outra fraude

bastante comum era a mistura de vinhos de menor qualidade aos vinhos destinados a

56

MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit P 16 57

AIZPURUA Ramoacuten Aguirre ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la lancha San Fernando y

de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5

Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San Sebastiaacuten p 379-392 2006 P 382 58

CARREIRA Antonio Op Cit P 79 59

O vinho de ramo era um vinho de menor qualidade que deveria ser vendido apenas para o mercado interno 60

Com o estabelecimento da Companhia a regiatildeo Duriense passou a ser a primeira do mundo a ter uma

demarcaccedilatildeo proacutepria que estabelecia quais terras eram adequadas para produccedilatildeo de cada qualidade de vinho

25

exportaccedilatildeo ou ainda o acreacutescimo da baga do sabugueiro ao vinho para que ele adquirisse a

coloraccedilatildeo desejada 61

Neste caso tambeacutem apura a devassa que os proacuteprios agentes da Companhia estavam

envolvidos nas contravenccedilotildees incluindo homens que ocupavam altos postos dentro da

empresa como o de provedor e deputados De acordo com o historiador Fernando Sousa

ldquonumerosos oficiais daquela instituiccedilatildeo praticavam com o maior escacircndalo a introduccedilatildeo e

mistura do vinho de ramo com o vinho fino e legal nas suas proacuteprias adegasrdquo 62

Ainda

segundo o autor mesmo apoacutes a devassa este tipo de praacutetica foi um problema recorrente no dia

a dia da empresa

Na Companhia das Pescas Reais pode-se tambeacutem averiguar o envolvimento de seus

agentes em redes de contrabando ningueacutem menos que o administrador geral da empresa o

homem de negoacutecio portuguecircs Joatildeo Marcos Vieira era o principal suspeito de uma devassa

instaurada no ano de 1794 que tinha por objetivo investigar o crime de contrabando de

escravos para a regiatildeo de Montevideacuteu Apesar do contrabando neste caso natildeo estaacute

diretamente relacionado agraves mercadorias que estavam sob o monopoacutelio da empresa acredita-se

que Joatildeo Marcos Vieira estava envolvido haacute anos numa rede de contrabando com a regiatildeo do

Rio da Prata e que se utilizava de seu cargo para obter vantagens financeiras 63

Com a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba natildeo seraacute diferente a partir da

criaccedilatildeo desse organismo regulador os locais iratildeo buscar meios e estrateacutegias de evasatildeo do

controle reacutegio um desses meios de escape seraacute o contrabando de mercadorias realizados

atraveacutes das rotas que uniam Pernambuco e Bahia tanto atraveacutes dos sertotildees e dos caminhos de

cabotagem A investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias nos demonstra que o contrabando durante o

periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio exercido pela empresa seraacute praacutetica recorrente e

generalizada Os descaminhos envolviam ateacute mesmo autoridades reacutegias oficiais deputados e

acionistas da empresa sendo seu combate tema cativo nos ofiacutecios trocados entre a Coroa e as

autoridades locais Este comeacutercio descaminhado eacute tema central desta dissertaccedilatildeo

As anaacutelises sobre as praacuteticas mercantis desenvolvidas na Ameacuterica Portuguesa figuram

entre as contemporacircneas abordagens e questionamentos que marcam uma nova forma de

pensar a colocircnia Dentro dessa perspectiva alguns trabalhos centrados em entender as

questotildees relativas ao comeacutercio colonial tecircm apontando para a existecircncia de um fluxo ilegal de

61

Sobre isto ver SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro

(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002 62

Ibidem P 166 63

PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 225-239

26

negoacutecios em diversas capitanias Dentro deste universo eacute notaacutevel a dedicaccedilatildeo que a

historiografia tem dado ao estudo dos descaminhos de ouro e pedras preciosas na regiatildeo das

Minas e adjacecircncias Destaca-se nesse sentido o trabalho produzido por Paulo Cavalcante em

ldquoNegoacutecios de Trapaccedila caminhos e descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-1750)rdquo 64

onde o autor busca explanar qual o papel do contrabando no processo de colonizaccedilatildeo da

Ameacuterica Portuguesa se utilizando de farta documentaccedilatildeo e tendo como objeto a regiatildeo das

Gerais e suas zonas fronteiriccedilas

Apesar de natildeo se centrar exclusivamente no comeacutercio descaminhado o trabalho da

historiadora Isnara Pereira Ivo sobre circulaccedilatildeo econocircmica e cultural na regiatildeo das Minas

Gerais tambeacutem merece destaque Ivo reserva partes de seu livro ldquohomens de Caminho

tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica Portuguesa ndash seacuteculo XVIIIrdquo 65

para discutir a questatildeo dos vultosos descaminhos realizados naquelas plagas dando ecircnfase aos

caminhos e picadas utilizadas pelos contraventores bem como as tentativas da Coroa em

reprimir tal fluxo

Cabe menccedilatildeo tambeacutem aos estudos desenvolvidos contemporaneamente que tem por

objetivo estudar os faustosos contrabandos realizados no extremo Sul da Ameacuterica Portuguesa

em seus contatos com a regiatildeo platina Dentro dessa seara merece revelo os trabalhos

desenvolvidos por Rodrigo Ceballos e Faacutebio Kuumlhn O primeiro se dedicaraacute em recentes

artigos a estudar os negoacutecios de contrabando conduzidos por luso-brasileiros na Buenos

Aires do seacuteculo XVII demostrando como esses indiviacuteduos foram capazes de criar redes de

solidariedade que permitiram a realizaccedilatildeo de seus negoacutecios extralegais 66

Jaacute Faacutebio Kuumlhn tem se centrado em publicaccedilotildees atuais a analisar o comeacutercio

contrabandeado de escravos na regiatildeo da Colocircnia do Sacramento do seacuteculo XVIII O autor

demonstra como os luso-brasileiros sediados naquelas aacutereas associados a homens de negoacutecios

de duas outras importantes Praccedilas comerciais a saber Bahia e Rio de Janeiro conseguiram

64

CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-

1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 65

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica

Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 66

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires

colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 CEBALLOS

Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos

Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00

27

deter hegemonia dentro de tal negoacutecio desbancando comerciantes de outras naccedilotildees

interessados naquela mateacuteria como os ingleses 67

Outros estudos que debatem a temaacutetica do contrabando e que conversam com nosso

trabalho satildeo as pesquisas de Ernst Pijning para o Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII onde o autor

defende a praacutetica do contrabando como algo inerente ao sistema colonial prerrogativa que

concordamos 68

E ainda vale nota para as obras de Zacarias Moutoukias que estudando o

comeacutercio extralegal na regiatildeo de Buenos Aires do seacuteculo XVII aponta tambeacutem para o

entendimento do descaminho como algo indissociaacutevel da economia colonial 69

Nosso trabalho dialoga com os estudos acima descritos no entanto deixamos claro

que o comeacutercio de contrabandeado alvo desse estudo assume contornos distintos afinal de

contas entre 1759 e 1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia

Geral de Pernambuco e Paraiacuteba O descaminho nessa situaccedilatildeo natildeo causava prejuiacutezos apenas

ao eraacuterio reacutegio mas tambeacutem aos acionistas e agentes da empresa que possuiacutea uma jurisdiccedilatildeo

privativa encarregada de cuidar de todas as questotildees juriacutedicas que envolvessem a Companhia

Ressaltamos ainda que apesar da empresa natildeo possuir jurisdiccedilatildeo sobre os portos do

sertatildeo Alagoas e Rio Satildeo Francisco acabava a mesma amargando graves prejuiacutezos em

decorrecircncia do comeacutercio realizado naquelas paragens pois invariavelmente os produtos que

circulavam nos sertotildees entre as capitanias vizinhas vinham inundar a praccedila mercantil de

Pernambuco a preccedilos bem mais em conta do que os vendidos pela Companhia Por isso de

acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada por volta do ano de 1770 a empresa passa a combater

com vigor este tipo de negoacutecio demonstrando a forccedila que esse comeacutercio interiorano iraacute

adquirir durante o periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio comercial da empresa

As rotas comerciais que ligavam o litoral da capitania ao sertatildeo e que tinham como

veio principal o Rio de Satildeo Francisco regiatildeo de fronteira entre Bahia e Pernambuco tambeacutem

seratildeo alvos desse estudo Para adentrar no universo sertanejo e compreender as dinacircmicas

desenvolvidas naqueles ambientes nos apoiaremos nos claacutessicos como Capistrano Abreu 70

67

KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)

Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017 68

PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista

Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 69

MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el

siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 70

ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet

1960

28

Manoel Correia de Andrade 71

e Joseacute Antonio Gonsalves de Mello 72

que nos datildeo pistas de

como se empreendeu a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial a partir das duas capitanias alvo

desse estudo Bahia e Pernambuco

Utilizaremos tambeacutem produccedilotildees mais recentes como a revisatildeo dos relatos de viajantes

pelo interior feita por Tiago Bonato 73

e do trabalho de focirclego de Kalina Vanderlei 74

Sem

esquecer claro dos renovados estudos que apontam para a vitalidade e dinamismo comercial

que esses espaccedilos sertanejos iratildeo adquirir em suas conexotildees com o litoral e ateacute mesmo com o

Ultramar Onde destacamos os trabalhos de Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Bonifaacutecio 75

e da

proacutepria Isnara Pereira Ivo 76

jaacute citada

Ainda buscando discutir a questatildeo do espaccedilo sertanejo sua ocupaccedilatildeo funcionamento

e dinamismo recorreremos a autores que trazem discussotildees acerca da noccedilatildeo de

territorializaccedilatildeo desses espaccedilos na Ameacuterica Portuguesa a partir da accedilatildeo efetiva do Estado sob

essas aacutereas Para isso nos utilizaremos de nomes como Iacuteris Kantor 77

Mafalda Soares da

Cunha 78

e Paulo Henrique Marques de Queiroz Guedes 79

Continuando a discussatildeo do

mesmo tema poreacutem a partir de uma perspectiva geograacutefica nos apoiaremos em Manoel

Correa de Andrade 80

e Antonio Carlos Robert de Moraes 81

71

ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias

Humanas Ltda 1980 72

MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-

1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 73

BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash 1822)

Guarapuava Unicentro 2014 74

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas

vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 75

BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de

Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII

Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e

Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 76

IVO Isnara Pereira Op Cit 77

KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica (1750‑1850) Anais do

Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 KANTOR Iacuteris Soberania e

territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute

Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio

portuguecircs Curitiba UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 78

CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A

criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P

15 79

GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo

na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias

humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife 80

ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 81

MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2

jun 2001 MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003

29

O presente trabalho conteacutem trecircs capiacutetulos O primeiro intitulado ldquoNos caminhos do

contrabandordquo estaacute dividido em dois toacutepicos Iniciamos procedendo a uma breve revisatildeo

historiograacutefica acerca da evoluccedilatildeo dos estudos voltados para o mundo colonial destacando as

principais mudanccedilas do ponto de vista metodoloacutegico ocorridas nos uacuteltimos quarenta anos

Neste capiacutetulo tambeacutem iremos realizar a anaacutelise e discussatildeo do conceito de contrabando caro

a este estudo

Aleacutem disso tambeacutem procederemos a investigaccedilatildeo das rotas de comeacutercio que ligavam

o litoral da capitania pernambucana ao interior do territoacuterio dando destaque aos caminhos ldquodo

Capibariberdquo e ldquodo Ipojucardquo que conectavam a praccedila mercantil pernambucana com a regiatildeo do

Rio de Satildeo Francisco em sua fronteira com a capitania Baiana Utilizando do auxiacutelio de

mapas discutiremos ainda neste primeiro momento as hipoacuteteses acerca de como se

movimentavam os comerciantes alvos desta pesquisa ressaltando para aleacutem dos caminhos

interioranos a possibilidade de atuarem seguindo uma rota direta atraveacutes da costa mariacutetima

entre Pernambuco e Bahia

O segundo capiacutetulo se chama ldquoAspectos internos dos descaminhos casos e circulaccedilatildeo

de produtosrdquo nele iremos investigar as mercadorias que circulavam entre Bahia e

Pernambuco atraveacutes das redes de comeacutercio ilegal esclarecendo quais eram os produtos que

mais transitavam entre as duas praccedilas ressaltando a grande variedade destes produtos e a

grandiosidade daquele tipo de comeacutercio Tambeacutem trataremos neste capiacutetulo sobre os casos

mais peculiares arrolados no nosso acervo documental

A anaacutelise destas ocorrecircncias nos faz compreender melhor a dinacircmica daquele tipo de

atividade mercantil Esclarecendo como atuavam os comerciantes envolvidos naquele

mercado e quais as suas condutas Deixamos claro ainda que o contrabando no periacuteodo

estudado era uma praacutetica amplamente disseminada na capitania sendo efetuado por uma

grande quantidade de sujeitos em situaccedilotildees diversas

Identificamos dentro desse contexto trecircs grandes blocos de contrabando o primeiro

era o contrabando de grande porte realizado por redes de comerciantes bem organizadas e

que possuiacuteam toda uma estrutura que permitia a realizaccedilatildeo da praacutetica em grande volume O

segundo tipo seria o contrabando de pequena monta praticado por uma infinidade de

personagens desde oficiais da companhia a pessoas ldquocomunsrdquo que se aproveitavam de uma

oportunidade para obter lucros pessoais Por fim identificamos o contrabando realizado por

embarcaccedilotildees estrangeiras que geralmente vinham dar na Costa da capitania pernambucana se

utilizando do subterfugio do mal tempo ou da necessidade de ser fazer reparos na embarcaccedilatildeo

30

se aproveitando entatildeo para introduzir nas terras exclusivas da Companhia uma infinidade de

mercadorias europeias e levar daqui os produtos da terra

O terceiro capiacutetulo denominado ldquoContrabando combate e complexidade do esquemardquo

estaacute divido em trecircs toacutepicos O primeiro deles busca proceder a anaacutelise das medidas repressivas

tomadas em niacutevel local para que se evitasse e extinguisse a praacutetica do contrabando do

territoacuterio da capitania pernambucana Para tal feito nos utilizamos de uma seacuterie de ofiacutecios

expedidos pelos governadores pernambucanos que tratam sobre o tema aleacutem disso tambeacutem

contamos em nosso acervo documental com ofiacutecios da Junta Companhia Geral em Lisboa

que nos fornecem informaccedilotildees preciosas acerca das irregularidades cometidas pelos

administradores pernambucanos e as medidas coibitivas que deveriam ser tomadas para que

se cessassem os descaminhos

Na segunda parte tratamos sobre o envolvimento de agentes acionistas e deputados da

Companhia Geral bem como de algumas autoridades reacutegias nos circuitos de comeacutercio ilegal

Por fim o terceiro toacutepico versa sobre a grande insatisfaccedilatildeo dos representantes da populaccedilatildeo

das vilas de Pernambuco que durante todo o periacuteodo do monopoacutelio exercido pela empresa

iratildeo enviar ao reino uma seacuterie de queixas e denuacutencias e representaccedilotildees atestando a maacute gestatildeo

exercida pela direccedilatildeo subalterna de Pernambuco e a acusando de agir em benefiacutecio proacuteprio

Nosso principal fundo arquiviacutestico concentra-se nos manuscritos depositados no

Arquivo Histoacuterico Ultramarino (AHU) para as capitanias de Pernambuco Bahia a anexa

Paraiacuteba e Alagoas essa ainda comarca de Pernambuco material digitalizado pelo projeto

resgate Nele se encontram uma farta documentaccedilatildeo trocada entre os governadores

principalmente os pernambucanos e a Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar sobre a

questatildeo do contrabando A grande maioria desses arquivos eacute categorizada como ofiacutecios no

entanto em alguns deles eacute possiacutevel encontrar anexos referentes a outros tipos de

documentaccedilatildeo incluindo coacutepias de devassas tiradas acerca de contrabandos editais lanccedilados

pela Companhia Geral listas de cargas e mercadorias de embarcaccedilotildees apreendidas cartas

circulares lanccediladas por autoridades locais minutas reais dando parecer sobre a mateacuteria ou

casos especiacuteficos entre outras coisas O volume desses documentos e a diversidade de

informaccedilotildees contidas neles demonstram como o comeacutercio desencaminhado no periacuteodo foi

expressivo

Tambeacutem nos utilizamos na escrita deste trabalho de processos crimes depositados no

Arquivo Nacional da Torre do Tombo esses documentos de cunho juriacutedico-administrativo

pertencem ao fundo da Conservatoacuteria da Companhia em Lisboa oacutergatildeo responsaacutevel por julgar

31

todas as causas referentes aos assuntos da empresa jaacute que a mesma possuiacutea um regime

juriacutedico privativo 82

Neles eacute possiacutevel visualizar toda a praacutexis processual e rotina juriacutedica

adotada nos casos onde foram instauradas devassas para averiguaccedilatildeo do crime de

contrabando Esse fundo eacute fonte feacutertil para nossa pesquisa pois atraveacutes dos processos

conseguimos obter informaccedilotildees detalhadas sobre os casos como as inquiriccedilotildees feitas aos reacuteus

de defesa e de acusaccedilatildeo a lista de carga das embarcaccedilotildees os personagens envolvidos nos

descaminhos as defesas perpetradas pelos advogados representantes dos reacuteus as apelaccedilotildees e

sentenccedilas dadas a niacutevel local as sentenccedilas aplicadas etc

Complementando estes acervos tambeacutem fizemos uso de manuscritos existentes no

arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) estes documentos que estatildeo

disponiacuteveis apenas para consulta presencial foram de grande importacircncia para o

entendimento das rotas que no seacuteculo XVIII ligavam o litoral de Pernambuco ao sertatildeo e

acabavam por desembocar no Rio de Satildeo Francisco regiatildeo fronteiriccedila entre Pernambuco e

Bahia e local de comeacutercio abundante Utilizamo-nos tambeacutem neste trabalho de material

transcrito existente na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional (BN) e de livros coevos

digitalizados e disponiacuteveis para consulta online pertencentes ao setor de raridades da

Biblioteca puacuteblica Maacuterio de Andrade (BMA)

Por fim esse estudo parte do entendimento do comeacutercio como um elemento de

dinamizaccedilatildeo da capitania de Pernambuco tanto na perspectiva da economia local quanto no

contexto de ampliaccedilatildeo das dinacircmicas sociais Acreditamos que o comeacutercio potencialmente

descaminhado realizado atraveacutes dos sertotildees e da navegaccedilatildeo direta entre as capitanias de Bahia

e Pernambuco acabou contribuindo para o aumento da forccedila econocircmica das regiotildees

envolvidas naqueles circuitos

82

Este tema seraacute mais bem desenvolvido no segundo capiacutetulo deste trabalho

32

2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO

21 Contexto e conceitos

Desde meados da deacutecada de 80 do seacuteculo XX tem se operado uma ampla revisatildeo

criacutetica a respeito dos paradigmas ateacute entatildeo utilizados nos estudos acerca dos impeacuterios

modernos e seus domiacutenios ultramarinos Os trabalhos centrados na anaacutelise dos aspectos

poliacuteticos da Europa moderna sofreram grandes transformaccedilotildees Sintomaacutetica satildeo as pesquisas

desenvolvidas nesse periacuteodo a despeito do processo de formaccedilatildeo dos Estados modernos

europeus bem como de seus complexos imperiais Categorias amplamente difundidas que

eram base dos estudos desenvolvidos ateacute aquele momento como centralizaccedilatildeo poliacutetica e

administrativa e poder absoluto seratildeo substituiacutedas pela identificaccedilatildeo da existecircncia de poderes

concorrentes ao do monarca dentro do sistema poliacutetico europeu 83

Esta nova abordagem seraacute consolidada com o desenvolvimento de estudos sobre o

Impeacuterio portuguecircs no exterior Aqui cabe destacar as importantes contribuiccedilotildees da tradiccedilatildeo

historiograacutefica anglo-saxocircnica principalmente os apontamentos do historiador inglecircs Charles

Boxer responsaacutevel por modificar a forma como se entendia a atuaccedilatildeo das elites coloniais

dentro do exerciacutecio de governaccedilatildeo no ultramar 84

Outro nome que merece ser lembrado eacute o de

AJR Russell-Wood aleacutem de desenvolver estudos sobre as categorias de centro e periferia o

autor iraacute tambeacutem apontar para a existecircncia dentro do sistema colonial de uma porosidade que

permitiu aos governos e autoridades locais margem para negociaccedilatildeo com a metroacutepole 85

Tambeacutem merece destaque a produccedilatildeo dos historiadores norte-americanos

responsaacuteveis por desenvolver obras sobre variadas dimensotildees da sociedade e da economia

colonial brasileira Stuart Schwartz seraacute responsaacutevel por identificar em seu claacutessico

ldquoBurocracia e sociedade no Brasil colonialrdquo 86

a incorporaccedilatildeo da magistratura portuguesa aos

interesses e dinacircmicas locais Outro historiador americano que iraacute influenciar sobremaneira

83

Sobre isto ver LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime na

Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de

governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005 84

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c

1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e

negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 161 85

Sobre isto ver AJR Russel-Wood Centro e periferia no mundo luso-brasileiro 1500-1808 Revista

brasileira de histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 nordm 36 (1998) 86

SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das letras 2013

33

esse processo revisionista eacute Jack Green que deu nova leitura a relaccedilatildeo colonial destacando a

existecircncia e importacircncia das negociaccedilotildees em diversos niacuteveis como uma realidade do sistema

poliacutetico portuguecircs 87

Esses estudos tambeacutem seratildeo desenvolvidos em Portugal onde se destacam os

apontamentos feitos por Antonio Manoel Hespanha em seu ldquoAs veacutesperas do Leviatatilde

instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVIIrdquo 88

e em estudos posteriores O autor iraacute

discutir a tatildeo esquemaacutetica visatildeo do Estado moderno centralizado tendo como base uma vasta

documentaccedilatildeo O centro nervoso da tese de Hespanha discute a autonomia dos corpos sociais

constituintes do Estado Portuguecircs Nele a monarquia eacute entendida como cabeccedila de um grande

corpo social os poderes do centro satildeo outorgados a indiviacuteduos e instituiccedilotildees nas periferias do

Impeacuterio para atuarem em nome do rei Portanto natildeo se despreza a importacircncia dos poderes

inferiores dentro do jogo poliacutetico No entanto somente a monarquia era capaz de unir e criar

nexo a um grande escopo de jurisdiccedilotildees que a abarcavam dentro do Reino e nos seus

domiacutenios ultramarinos

Dessa forma Hespanha define o Estado portuguecircs como

corporativista 89

Hespanha aponta como caracteriacutesticas primordiais da monarquia corporativa a divisatildeo

de poder no espaccedilo poliacutetico entre a coroa e os poderes subalternos o corpo legal estava

baseado na doutrina juriacutedica comum europeia mas eram muitos os casos em que as praacuteticas

consuetudinaacuterias prevaleciam o entrelaccedilamento entre deveres poliacuteticos e morais e por fim a

certa autonomia que possuiacuteam as autoridades reacutegias e a efetiva proteccedilatildeo a que estavam

sujeitos os seus direitos e atribuiccedilotildees 90

Parece-nos que Hespanha demonstra a todo tempo

natildeo a ldquofragilizaccedilatildeo do Estado Portuguecircsrdquo mas sim a relaccedilatildeo de interdependecircncia que iraacute se

desenvolver entre o reino e suas possessotildees ultramarinas

Essas concepccedilotildees iratildeo ganhar focirclego no Brasil principalmente nos anos 90 do seacuteculo

XX quando as pesquisas sobre as relaccedilotildees de poder passam a ganhar forccedila gerando uma seacuterie

de trabalhos empenhados em estudar as formas de governar e o funcionamento das

87

GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional History University

Press of Virginia 2ordf ed 1994 88

HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVII Coimbra

Almedina 1994 89

HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do impeacuterio colonial

portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios

no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 HESPANHA AM A

constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos correntes In FRAGOSO Joatildeo

GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda (Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica

imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 90

HESPANHA AM Ibdem P 46

34

instituiccedilotildees dentro do conjunto imperial Junto a estas pesquisas tambeacutem foram feitas

investigaccedilotildees para outras aacutereas do Impeacuterio dessa forma nos uacuteltimos anos tem se buscado

compreender os nexos imperiais que davam forma ao Impeacuterio portuguecircs 91

Esse alargamento de anaacutelise eacute bastante significativo uma vez que rompe com a ideia

da ineficiecircncia do sistema poliacutetico-administrativo portuguecircs essa ldquoineficiecircnciardquo passa entatildeo a

ser compreendida como uma caracteriacutestica da administraccedilatildeo colonial portuguesa 92

Seguindo

o mesmo caminho o do entendimento do Estado portuguecircs como corporativo uma seacuterie de

novos estudos comeccedilam a apontar para a importacircncia dos viacutenculos estrateacutegicos estabelecidos

pelos grupos integrantes do Estado

Dessa forma o papel central desempenhado pelas redes no interior do conjunto

imperial tem ganhado destaque nas discussotildees historiograacuteficas recentes A categoria de

ldquoredesrdquo utilizada neste trabalho parte dos pressupostos apontados em estudos recentes que

atestam a importacircncia deste mecanismo de articulaccedilatildeo tambeacutem na esfera mercantil Dentro

desta seara de pesquisa destacam-se as produccedilotildees de Joatildeo Fragoso Antocircnio Carlos Jucaacute de

Sampaio e Roquinaldo Ferreira 93

De acordo com Maria Fernanda Bicalho eacute incontestaacutevel para a historiografia que ateacute o

seacuteculo XVII o Estado portuguecircs se desenvolveu sobre o prisma corporativista 94

Apesar do

aparente consenso vale salientar que o modelo coorporativo lanccedilado por Hespanha natildeo eacute

unanimidade prova disso eacute o debate acadecircmico existente entre o autor e a historiadora Laura

91

LARA Silvia Hunold Op Cit P 32 92

HESPANHA AM Op Cit P 51 93

FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto de

conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social costumeira (Rio de Janeiro

1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e

negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 SAMPAIO

Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo nos quadros do Impeacuterio

portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica

imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 FERREIRA

Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial ultramarino portuguecircs In

FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio

portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 Para aleacutem desses autores as

produccedilotildees das historiadoras Maria de Faacutetima Gouvecirca e Mafalda Soares merecem destaque dentro da temaacutetica de

redes 94

BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da

monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima

(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro

Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 345-352

35

de Mello e Souza a despeito da centralidade do Impeacuterio Souza centra sua criacutetica na ldquopouca

atenccedilatildeo dada agrave especificidade dos diferentes contextos imperiaisrdquo 95

nos estudos do autor

De qualquer forma essa ldquorealidade corporativardquo comeccedila a ser alterada jaacute em fins do

XVII e iniacutecio do XVIII neste momento comeccedila a se desenvolver por toda a Europa um

processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real No caso de Portugal esse processo iraacute se

solidificar no reinado de Dom Joseacute I personificado pela pessoa de Sebastiatildeo Salgado de

Melo o Marquecircs de Pombal Dentro desse contexto poliacuteticas com o intuito de revitalizar o

comeacutercio portuguecircs foram postas em accedilatildeo Na capitania de Pernambuco importante polo

econocircmico da conquista essas accedilotildees seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois

organismos reguladores da economia local a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio

no ano de 1752 96

e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759

Neste cenaacuterio eacute criada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759 que se

tornaraacute a detentora do ldquocomeacutercio exclusivo das duas capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com

todos os seus distritos e nos quais ningueacutem mais podia extrair ldquomercadorias gecircneros ou

frutosrdquo 97

A Companhia que manteve o monopoacutelio comercial na regiatildeo ateacute o ano de 1780 iraacute

causar um grande impacto na economia da capitania modificando toda uma loacutegica comercial

baseada no livre comeacutercio que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco

Nossa pesquisa tende a se alinhar com o estudo desenvolvido por Avanete Pereira

sobre o exerciacutecio da governanccedila na municipalidade em Salvador na segunda metade do XVIII

98 Fica claro para noacutes que a centralizaccedilatildeo poliacutetica desejada pela Coroa nem sempre seraacute

aplicada de forma plena nos territoacuterios do ultramar As poliacuteticas pensadas para o Brasil

precisaram ser adaptadas agraves realidades coloniais principalmente se tratando de mudanccedilas

potencialmente prejudiciais economicamente agraves elites locais que haacute muito dominavam a

dinacircmica de instituiccedilotildees e negoacutecios no ultramar

O contrabando e as ilicitudes eram dinacircmicas corriqueiras nas aacutereas de atuaccedilatildeo de

sociedades exclusivistas Muitas vezes elas envolviam ateacute mesmo os agentes destas

95

SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica portuguesa do seacuteculo

XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006 P 48 96

Sobre a histoacuteria da Mesa de Inspeccedilatildeo de Pernambuco consultar CONTI Paulo Fillipy de Souza A casa das

qualidades pesos e preccedilos a mesa da inspeccedilatildeo do tabaco e accediluacutecar de pernambuco (1752-1777) 2016 182 f

Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Federal de

Pernambuco 97

CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba

Lisboa Presenccedila 1982 p 224 98

PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da cacircmara da Bahia

(seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de governar

ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005

36

companhias e as autoridades reacutegias nos descaminhos Isto porque como afirma Fernando

Novais o contrabando era uma praacutetica comum dentro da economia colonial desde os seus

primoacuterdios Ainda segundo o autor tal praacutetica natildeo ldquonegava o sistemardquo nem deve ser entendida

como uma fissura ou uma exceccedilatildeo muito pelo contraacuterio o contrabando assim como a

concorrecircncia e as disputas entre as potecircncias europeias era parte da estrutura econocircmica

daquele tipo de sociedade operando dessa forma ldquodentro do mesmo sistema baacutesicordquo 99

Salientamos ainda que esse tipo de praacutetica foi extensiva e naturalizada natildeo soacute na

Ameacuterica Portuguesa mas nas diversas partes do mundo onde se desenvolveu a economia

colonial Em artigo que discute a noccedilatildeo de centralidade administrativa do governo portuguecircs

metropolitano Russel-Wood chama atenccedilatildeo para algo que ele denomina como ldquocultura de

evasatildeordquo ou seja a capacidade dos colonos luso-brasileiros de escaparem do controle reacutegio

Segundo o autor essa cultura iraacute assumir diversas formas como ldquoa recusa em pagar impostos

e taxas escamoteamento dos pontos de fiscalizaccedilatildeo evasatildeo do serviccedilo militar burla quanto a

inclusatildeo nas listas municipais []rdquo 100

As transgressotildees na capitania pernambucana natildeo se restringiram ao contrabando de

mercadorias realizado junto a praccedila baiana O cenaacuterio poliacutetico administrativo tambeacutem era

local de subversatildeo das diretivas reais Em artigo que discute questotildees de justiccedila e

administraccedilatildeo na capitania Maria Filomena Coelho relata as contendas ocorridas na segunda

metade do XVIII entre o Bispo de Olinda e o Juiz de Fora da regiatildeo que se acusavam

mutuamente de cometer desvios monetaacuterios e se utilizar de seus cargos de prestiacutegio para obter

vantagens Bem conhecido e reproduzido no mesmo artigo eacute o caso do provedor Francisco do

Rego Barros acusado de descaminhar da fazenda real uma grande soma de dinheiro e de

envolver os funcionaacuterios a ele submetidos no esquema iliacutecito 101

No artigo supracitado a autora opta por trabalhar com as categorias de suborno e

corrupccedilatildeo Nossa anaacutelise das fontes primaacuterias em conjunto com a leitura da historigrafia nos

leva a crer natildeo serem estes vocaacutebulos os mais adequados para se trabalhar a questatildeo da

ldquocultura de evasatildeordquo na Ameacuterica Portuguesa Como veremos a seguir consideramos que para

evitar cair em anacronismos seja essencial desassociar as praacuteticas transgressivas de seus

significados contemporacircneos

99

NOVAIS Fernando A P 88-92 100

A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista brasileira de

Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197 101

NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco (seacuteculo XVIII)

Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003

37

Nesta pesquisa a forma de evasatildeo que nos interessa eacute o contrabando Os contrabandos

extravios e descaminhos se constituiacuteram em praacuteticas recorrentes durante todo o seacuteculo XVIII

nas capitanias brasileiras Resultados de uma tentativa de fuga a gerecircncia da Coroa lanccedilados

sobre a proacutespera economia colonial que neste seacuteculo jaacute possuiacutea mais vulto que a

metropolitana Desta forma se faz necessaacuterio discutir neste momento o conceito de

contrabando buscando uma definiccedilatildeo que se adeque ao nosso objeto

Estudando a ligaccedilatildeo entre o contrabando e as elites na Buenos Aires do seacuteculo XVII

Zacarias Moutoukias afirma ser o comeacutercio natildeo autorizado a atividade comercial mais

importante do porto de Buenos Aires Aleacutem disso o autor iraacute destacar a participaccedilatildeo de

oficiais reacutegios nos esquemas ilegais admitindo ainda que a Coroa se adaptou a esta situaccedilatildeo

Para Moutoukias ldquola corrupcioacuten fue el processo por el cual los representantes locales del

poder central civiles y militares se integraron a dicha elite associaacutendola asiacute a la funcioacuten

imperialrdquo 102

Concordando com a perspectiva de Moutoukias Ernest Pijning iraacute afirmar que o

contrabando era algo ldquoinerente a economia do mundo atlacircntico preacute-moderno atuante em todos

os aspectos da sociedade luso-brasileirardquo 103

De acordo com Koselleck ldquoas palavras que permaneceram as mesmas natildeo satildeo por si

soacute indiacutecio suficiente da permanecircncia do mesmo conteuacutedo ou significado por elas designadosrdquo

104 Nesse sentindo concordamos com Cavancante

105 e Moutoukias

106 quando afirmam natildeo

ser possiacutevel relacionar o contrabando com o termo corrupccedilatildeo como conhecemos hoje O

contrabando era uma praacutetica enraizada na sociedade colonial e como sugere Pijning

dependendo da situaccedilatildeo e dos personagens envolvidos esse tipo de comeacutercio era aceito e ateacute

mesmo incentivado pela Coroa 107

Segundo o dicionaacuterio portuguecircs e latino de Bluteau contrabando significa ldquofazenda e

trato de fazenda furtada aos direitos ou tirada por alto sendo defeza a sua introduccedilatildeordquo 108

Ou

seja a definiccedilatildeo de contrabando no dicionaacuterio estaacute relacionada diretamente ao ato de fraudar a

102

MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el

siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 P 243 103

PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista

Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 P 399 104

KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos histoacutericos Rio de Janeiro

Contraponto Ed Puc-Rio 2006 P 105 105

Sobre isto ver CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica

Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 106

Sobre isto ver MOUTOUKIAS Zacarias Op Cit 107

PIJINING Ernest Ibdem P 400-403 108

BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de

Jesus Ano de 1712 P 321

38

fazenda real desviando o fisco Para o nosso estudo percebemos que a definiccedilatildeo claacutessica de

Bluteau natildeo se adequa inteiramente pois apesar de natildeo possuir o monopoacutelio comercial para

regiatildeo dos sertotildees comumente as autoridades locais vatildeo tratar as mercadorias transacionadas

entre as praccedilas de Bahia e Pernambuco via sertatildeo como contrabando mesmo quando estes

produtos chegavam as praccedilas comerciais de Pernambuco selados com selos de outras

alfacircndegas do Impeacuterio ou seja em algum momento aquela mercadoria havia pagado os

direitos reais

Percebemos durante a investigaccedilatildeo as fontes que existia uma grande confusatildeo quanto a

este comeacutercio feito pelos interiores Havia uma dificuldade das autoridades em classificar o

que era passiacutevel de puniccedilatildeo e poderia ser enquadrado como crime de contrabando e os casos

em que aquele tipo de negociaccedilatildeo era acobertada e permitida pela legislaccedilatildeo De acordo com

nossa observaccedilatildeo na duacutevida as autoridades reacutegias e oficiais da Companhia preferiam pecar

pelo excesso e realizar os sequestros para posterior investigaccedilatildeo Assim contamos em nosso

conjunto documental como seraacute demonstrado em capiacutetulo posterior com casos em que apoacutes

se efetuar a apreensatildeo a investigaccedilatildeo acaba por absolver os reacuteus seja por falta de provas ou

pela constataccedilatildeo de que natildeo se procedeu em descaminhos

Essa situaccedilatildeo acontecia pois natildeo existia uma delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa que

esclarecesse minuciosamente quais os portos se incluiacuteam na categoria de ldquoportos livresrdquo bem

como uma legislaccedilatildeo especiacutefica que regulamentasse quais os produtos poderiam transitar

entre estas paragens sem ofender o monopoacutelio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba

109 Segundo Koselleck os conceitos satildeo polissecircmicos reunindo em si ldquodiferentes totalidades

de sentidordquo 110

os casos coletados na nossa documentaccedilatildeo demonstram aleacutem disso como o

entendimento a respeito do que era considerado comeacutercio iliacutecito era fluiacutedo e variava de acordo

com a interpretaccedilatildeo dada pelas autoridades locais

Para o nosso tema o que pudemos perceber atraveacutes da investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias

eacute que o contrabando se constituiu em praacutetica recorrente ao longo dos vinte e um anos de

monopoacutelio praticado pela Companhia Geral A atividade iliacutecita que envolvia as proacuteprias

autoridades reacutegias oficiais e acionistas da Companhia em Pernambuco causaraacute grandes

preocupaccedilotildees por parte da Coroa e da Junta da empresa sediada em Lisboa virando assunto

recorrente na documentaccedilatildeo travada entre o Reino e os agentes locais de Pernambuco

109

Pelo menos ateacute o momento natildeo conseguimos localizar nenhum tipo de documento oficial que se referisse a

estes pontos 110

KOSELLECK Reinhart Op Cit P109

39

principalmente os governadores da capitania que eram encarregados sobre a mateacuteria

Discutiremos melhor esta questatildeo no terceiro capiacutetulo deste trabalho

Aleacutem de ser realizado de maneira extensiva durante todo o periacuteodo do monopoacutelio o

comeacutercio iliacutecito era praticado por uma grande diversidade de pessoas Apesar da existecircncia de

redes mercantis mais complexas que atuavam de maneira melhor estruturada esse comeacutercio

tambeacutem era feito em pequenas quantidades por pessoas comuns A anaacutelise das fontes nos

atenta para o fato de que havendo oportunidade de lucros pessoais o contrabando era

praticado por todos e entendido como algo banal

Devido ao caraacuteter pulverizado desse tipo de atividade mercantil os casos encontrados

na documentaccedilatildeo iratildeo apontar para uma gama muito diversa de personagens lugares e

mercadorias envolvidos nesse tipo de praacutetica No entanto eacute possiacutevel atestar com clareza a

existecircncia de um vigoroso circuito de comercio iliacutecito envolvendo as capitanias de

Pernambuco e Bahia As relaccedilotildees entre as duas praccedilas eram estreitas o contrabando de

gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa iratildeo permear todo o

periacuteodo proposto para este estudo

Vale ressaltar que antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral o comeacutercio entre

Pernambuco e Bahia jaacute existia e estava bem consolidado principalmente o comeacutercio de

carnes feito nos sertotildees que interligavam as duas praccedilas e que margeavam o Rio de Satildeo

Francisco De acordo com a historiografia a regiatildeo circundante ao Rio de Satildeo Francisco

sempre contou com uma grande densidade populacional de povos indiacutegenas 111

O que denota

a importacircncia da aacuterea natildeo soacute em termos geograacuteficos mas tambeacutem salienta o seu importante

papel como lugar de encontro de uma seacuterie de gentes

Como eacute amplamente sabido o processo de interiorizaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro iraacute

acontecer de forma tardia jaacute que em princiacutepio a colonizaccedilatildeo portuguesa deteve-se a povoar a

faixa litoracircnea do territoacuterio brasileiro soacute criando um movimento de expansatildeo em direccedilatildeo ao

interior em meados do seacuteculo XVII 112

De acordo com Capistrano de Abreu em livro claacutessico

a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial teve iniacutecio junto agraves capitanias do Norte notadamente

Bahia e Pernambuco Segundo o autor o proacuteprio Donataacuterio de Pernambuco Duarte Coelho

ainda no seacuteculo XVI nutriu ambiccedilotildees de conquistar o territoacuterio ao largo do Rio de Satildeo

111

NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte

Editora UFMG 2011 P 30 112

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco

pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111

40

Francisco Sabia-se jaacute a eacutepoca do potencial do local 113

Outro autor claacutessico Manoel Correa

de Andrade defende a tese de que o sertatildeo do que hoje conhecemos como nordeste foi

integrado agrave colonizaccedilatildeo portuguesa partindo de dois eixos centrais sendo estes Bahia e

Pernambuco 114

O movimento de integraccedilatildeo dos interiores eacute comumente associado agrave expansatildeo

pecuaacuteria pois desde 1701 a Coroa portuguesa havia proibido a criaccedilatildeo de gado a menos de

dez leacuteguas da costa 115

dessa forma os currais foram cada vez mais adentrando o espaccedilo

sertanejo seguindo o curso dos rios que forneciam os substratos necessaacuterios agrave sustentaccedilatildeo das

rezes bovinas e caprinas Pedro Puntoni confirma essa caracteriacutestica da pecuaacuteria desenvolvida

nas capitanias do norte de acordo com o autor

As fazendas de gado grosso modo acompanhavam as margens dos rios

uma vez que na regiatildeo semi-aacuterida o fornecimento de aacutegua era fator essencial

para garantir a ocupaccedilatildeo e a criaccedilatildeo do gado Os rios Satildeo Francisco ao sul e

o Parnaiacuteba ao norte eram os principais eixos da ocupaccedilatildeo por serem rios

perenes os demais na maioria seus afluentes ainda abrigavam algumas das

fazendas 116

Apesar da pecuaacuteria ser entendida como fator decisivo para a conquista dos sertotildees do

norte natildeo podemos esquecer o contexto em que se deu essa expansatildeo Eacute importante lembrar

que apoacutes a expulsatildeo dos holandeses em 1654 a economia accedilucareira foi fortemente abalada

natildeo soacute por fatores internos como o clima e as intempeacuteries a que estatildeo sujeitas qualquer tipo de

cultura tropical como tambeacutem por fatores externos como a concorrecircncia com a produccedilatildeo de

accediluacutecar antilhano e a consequente baixa de preccedilos dessa mercadoria aleacutem eacute claro do aumento

do preccedilo dos escravos dado a grande procura desse tipo de matildeo de obra em Aacutefrica 117

Assim o fluxo em sentido ao interior tambeacutem vinha atender a uma demanda da Coroa

que procurava alternativas para se livrar da crise econocircmica por qual passava a principal

cultura da colocircnia brasileira Dessa forma as expediccedilotildees aos sertotildees passaram a ser

frequentemente encorajadas Para animar e incentivar os colonos a desbravarem estas aacutereas a

113

ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet

1960 P 34 114

ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias

Humanas Ltda 1980 P 167 115

WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a

colonizaccedilatildeo do sertatildeo nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004 P

22 116

PUNTONI Pedro Ibidem P 24 117

PUNTONI Pedro Ibidem P 25

41

Coroa iraacute a partir da segunda metade do seacuteculo XVII doar sesmarias a homens que tiveram

papel de destaque nas batalhas travadas contra os holandeses 118

De acordo com Kalina Wanderlei apoacutes implementar a poliacutetica de doaccedilatildeo de terras e

de financiar uma seacuterie de diligecircncias para abrir caminhos naquelas paragens o Impeacuterio

Portuguecircs relegou estas imensidotildees de terra aos interesses privados Segundo a autora

Assim foi que a conquista dos interiores das capitanias do norte no seacuteculo

XVII tornou-se tarefa dos senhores seguindo o modelo inicial do projeto de

colonizaccedilatildeo onde aos donataacuterios e seus colonos cabia a instalaccedilatildeo da

induacutestria produtora e a defesa do territoacuterio contra a concorrecircncia externa e a

resistecircncia interna 119

middot

Cabe ainda ressaltar que a partir do Reinado de D Joatildeo V uma seacuterie de medidas e

accedilotildees seratildeo tomadas para garantir aos portugueses o controle efetivo de seus domiacutenios no

Ultramar Isto porque na Europa se vivia um momento de grande concorrecircncia comercial e de

contestaccedilatildeo de antigos tratados territoriais e seus limites a partir da elaboraccedilatildeo de modernos

estudos geograacuteficos e cartograacuteficos sobre o Novo Mundo Dentro desse contexto de

vulnerabilidade perante outras potecircncias era necessaacuterio que os diplomatas portugueses

buscassem novas formas de defender e legitimar os direitos juriacutedicos do Rei sobre os

territoacuterios ultramarinos nas negociaccedilotildees internacionais No entanto para que estes

argumentos tivessem forccedila era preciso conhecer o espaccedilo da colocircnia 120

As grandes porccedilotildees de terra que compunham a conquista no Brasil possuiacuteam ainda no

seacuteculo XVIII vastas aacutereas despovoadas e desconhecidas pelo Reino De acordo com Iacuteris

Kantor depois da Paz de Utrecht em 1713 que praticamente invalidava o antigo tratado de

Tordesilhas Espanha e Portugal vatildeo iniciar um mapeamento sistemaacutetico de suas conquistas

no aleacutem-mar As coroas ibeacutericas iratildeo neste momento investir na formaccedilatildeo de pessoal

qualificado e no custeamento de expediccedilotildees para o interior afim de que se produzissem

trabalhos geograacuteficos mais precisos 121

O projeto de elaboraccedilatildeo do ldquoNovo Atlas da Ameacuterica

Portuguesardquo iniciado em 1729 por exemplo eacute um desses esforccedilos empreendidos pela Corte

118

WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 119

WANDERLEI Kalina Ibidem P 137 120

Sobre isto ver KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica

(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 121

Idem

42

no sentido de oficializar o interior do territoacuterio assegurando a posse do Reino principalmente

sobre os espaccedilos que estavam sob litiacutegio 122

Durante o diretoacuterio pombalino estas poliacuteticas de reafirmaccedilatildeo do poder real seratildeo

reforccediladas atraveacutes da expansatildeo da rede administrativa 123

nas esferas civis e eclesiaacutesticas a

locais onde o poder estatal ainda natildeo chegava era necessaacuterio ldquoterritorializarrdquo aqueles espaccedilos

De acordo com Paulo Guedes o conceito de territoacuterio pode ser entendido como um espaccedilo

definido por e a partir de relaccedilotildees poliacuteticas e de poder ainda segundo o autor para se pensar

em territoacuterio na Ameacuterica Portuguesa necessariamente deve-se levar em conta suas

ldquojurisdiccedilotildees (militar religiosa tributaacuteria e judicial) considerando suas incongruecircncias em

relaccedilatildeo aos territoacuterios circunscritos ao acircmbito das capitaniasrdquo 124

Apesar de pequenas

discordacircncias o entendimento de que o conceito de territoacuterio estaacute intimamente relacionado

com a ideia de domiacutenio ou gestatildeo de uma determinada aacuterea eacute amplamente reconhecido pelos

estudiosos do assunto 125

A partir desse entendimento eacute que o geografo Manoel Correa de

Andrade afirma por exemplo que nos primeiros anos de sua colonizaccedilatildeo o Brasil era um

grande espaccedilo natildeo transformado em territoacuterio 126

Para aleacutem das querelas europeias deve-se pontuar que a partir do descobrimento das

minas de ouro nas Gerais vai-se assistir a um grande adensamento populacional naquelas

regiotildees interioranas principalmente entre as primeiras deacutecadas do seacuteculo XVIII Fazia-se

pois indispensaacutevel criar naqueles novos centros todo um aparato administrativo sobretudo

fiscal para regular e garantir os direitos reacutegios sobre os recursos minerais ali encontrados 127

A historiografia sobre as Minas tem demonstrado como a ocupaccedilatildeo daqueles territoacuterios

acabou por conectar uma grande malha espacial atraveacutes dos seus circuitos de comeacutercio que

movimentavam sobretudo as regiotildees interioranas das capitanias do norte incluindo as

paragens sertanejas de Pernambuco e Bahia

122

Sobre isto ver CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do

territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v43 n1 p 100-120 2016 123

Kantor Iacuteris Op Cit CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na

Ameacuterica portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39p001-

030 jan-abr2016 124

GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo

na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias

humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife P 54 125

Sobre este tema ver tambeacutem MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil

GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001 KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia

Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de

Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba UFPR-

SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 126

ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 43 ndash 51 127

CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A

criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P 15

43

Em resumo a ocupaccedilatildeo dos sertotildees foi um processo lento desenvolvido de modo

gradativo e pouco organizado No entanto a bibliografia eacute unanime em asseverar que apesar

de pouco unificado o movimento de interiorizaccedilatildeo sempre teve como base as duas capitanias

mais destacadas do Norte Pernambuco e Bahia Logo apoacutes esse primeiro momento de

conquista as regiotildees dos sertotildees passaram a atuar como importantes locais de circulaccedilatildeo

comercial Pesquisas recentes com as quais esse estudo conversa apontam para o dinamismo

que as regiotildees interioranas iratildeo exercer principalmente a partir do seacuteculo XVIII quando se

tem iniacutecio de forma mais concreta uma demanda do Reino em conhecer e dominar tais

regiotildees Estas zonas passam entatildeo a deter grande importacircncia para os fluxos comerciais

coloniais tanto nos circuitos locais quanto atlacircnticos

Para o nosso caso acreditamos que o fluxo comercial clandestino desenvolvido entre

Pernambuco e Bahia durante o periacuteodo de exclusivo comercial da Companhia Geral acabou

por expandir e reforccedilar as redes comerciais entre as duas capitanias e seus complexos

sertanejos jaacute que a partir daquele momento comerciantes e produtores que antes atuavam

livremente despachando e vendendo suas mercadorias a partir das praccedilas comerciais de

Pernambuco passaratildeo a recorrer a capitania vizinha para realizar seus negoacutecios

22 Os caminhos

Antes de nos atermos aos sertotildees que nos interessam nesta pesquisa cabe aqui uma

sucinta explanaccedilatildeo quanto ao uso do termo e suas aplicaccedilotildees Destacamos que origem da

palavra sertatildeo eacute incerta natildeo existe entre os autores que tratam do tema uma unidade em

relaccedilatildeo ao termo De acordo com Bluteau sertatildeo diz respeito a uma ldquoregiatildeo apartada do mar e

por todas as partes metida entre terrasrdquo 128

A definiccedilatildeo dada pelo autor setecentista remete a

ideia de sertatildeo como um lugar afastado do litoral distante e ateacute mesmo inexplorado Segundo

Kalina Wanderlei o imaginaacuterio acerca desse ambiente sertanejo iraacute se construir jaacute no primeiro

seacuteculo de colonizaccedilatildeo da zona accedilucareira A autora afirma que

Foi se construindo uma oposiccedilatildeo entre as regiotildees colonizadas da Ameacuterica

portuguesa e aquelas natildeo inseridas na jurisdiccedilatildeo metropolitana As primeiras

associadas ao litoral devido agrave proacutepria natureza do empreendimento

128

BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de

Jesus Ano de 1712 Tomo II P 613

44

canavieiro Criou-se assim uma dicotomia entre o espaccedilo considerado

civilizado e aquele considerado selvagem 129

Essa visatildeo dicotocircmica em que as categorias de sertatildeo e litoral satildeo construiacutedas em

sentidos opostos seraacute reforccedilada por outros autores que se utilizaram do discurso e

depoimentos de cronistas e autores coevos para estabelecer um entendimento do termo

Concordando com a autora Tiago Bonato iraacute dizer que

O imaginaacuterio do sertatildeo construiacutedo e reconstruiacutedo por cronistas

missionaacuterios padres intelectuais e sobretudo viajantes passa a ter um

caraacutecter aleacutem de simples oposiccedilatildeo ao litoral de ldquocontraste com a ideia de

regiatildeo colonialrdquo De um lado estaacute a civilizaccedilatildeo que a colonizaccedilatildeo trouxe de

outro o sertatildeo 130

De acordo com o geografo Antocircnio Carlos Robert Moraes o sertatildeo natildeo deve ser

compreendido como um lugar mas sim como ldquouma condiccedilatildeo atribuiacuteda a variados e

diferenciados lugaresrdquo 131

Afirma ainda o estudioso que no geral o sertatildeo eacute idealizado como

um espaccedilo que serve aos impulsos expansionistas na busca de incorporar tais aacutereas remotas a

determinados ldquofluxos econocircmicos ou a uma oacuterbita de poder que lhe escapa naquele momentordquo

132 continua atestando que por essa caracteriacutestica ldquotal denominaccedilatildeo geralmente eacute utilizada na

caracterizaccedilatildeo de aacutereas de soberania incerta imprecisa ou meramente formalrdquo 133

Dessa

forma o uso do termo seraacute utilizado para classificar aacutereas que carecem ser dominadas e

submetidas politicamente e integradas ao restante do territoacuterio

Podemos entatildeo perceber atraveacutes da bibliografia e da pesquisa as fontes primaacuterias que o

conceito de sertatildeo extrapola qualquer delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa Em termos

documentais ele seraacute comumente utilizado para designar uma seacuterie de aacutereas que se

encontravam fora do eixo litoracircneo e que durante um bom tempo foram ilustres desconhecidas

da maior parte dos habitantes da colocircnia brasileira e dos ministros reais sendo usado para

referenciar tudo aquilo que fosse vago estranho e afastado dos centros Ou seja os sertotildees

podem se descritos como aacutereas que natildeo estavam totalmente submetidos administrativa e

juridicamente agrave monarquia portuguesa

129

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas

vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111 130

BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash

1822) Guarapuava Unicentro 2014 P 52 131

MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003 P 2 Consultado no

dia 10112017 Disponiacutevel em httpjournalsopeneditionorgterrabrasilis341 DOI 104000terrabrasilis341 132

Ibidem P 3 133

Idem

45

Falando sobre o sertatildeo alvo deste estudo ainda no XVII a regiatildeo da ribeira do Rio de

Satildeo Francisco iraacute se desenvolver como importante zona de criaccedilatildeo de rezes bovinas e

cavalares sendo o local responsaacutevel pela distribuiccedilatildeo de carnes e couros para as feiras da

Bahia e de Pernambuco Na segunda metade do seacuteculo XVIII a regiatildeo do Aracati no Siaraacute

Grande sertatildeo pernambucano iraacute despontar como porto fornecedor de carnes salgadas e de

couros Ao longo do rio Jaguaribe que banha a vila de Santa Cruz do Aracati se

estabeleceram diversas oficinas especializadas na salga das carnes e na retirada de couros para

revenda Este porto seraacute muito visitado por comerciantes recifenses e baianos nos ldquotempos de

carnesrdquo quando iam ateacute a regiatildeo fazer negoacutecios e vender rebanhos 134

O estudo dos caminhos que levavam do litoral ao sertatildeo da capitania de Pernambuco

natildeo satildeo novos no intuito principalmente de buscar compreender as rotas por onde se

efetuaram o comeacutercio de gados e couros destacados estudiosos desenvolveram pesquisas

centradas nesta temaacutetica De acordo com Capistrano de Abreu ldquoNa segunda metade do seacuteculo

XVIII natildeo se penetrava no Recife aleacutem de Bezerros a quinze leacuteguas para o interior o que

ficava aleacutem entendia-se com a Bahiardquo 135

Discordando de Capistrano Manoel Correa de

Andrade iraacute afirmar que em 1774 o governo de Pernambuco na tentativa de minimizar a

influecircncia baiana na regiatildeo do Satildeo Francisco faraacute abrir dois caminhos para alcanccedilar o dito rio

136

O primeiro caminho sairia de Recife passando por Limoeiro atraveacutes do rio Capibaribe

chegava ao Pajeuacute para depois seguir em direccedilatildeo a Serra Talhada Floresta e finalmente

desembocar em Cabroboacute O segundo roteiro subia o Vale do Ipojuca ateacute chegar agrave Serra de

Ororobaacute de onde descia na direccedilatildeo sul ateacute a cidade de Inajaacute passando ainda por Tacaratu

Jatinatilde e por fim chegar em Cabroboacute Como se pode ver na imagem abaixo

134

ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas na Vila

de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais do XXVI Simpoacutesio

Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011 P 1-9 135

ABREU Capistrano de Op Cit P 65 136

ANDRADE Manoel Correia de Op Cit P 168

46

Mapa 1 ndash Caminhos do Gado para Olinda e Recife

Fonte ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria

Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980 P 169

Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello tambeacutem indica e comprova atraveacutes de

documentaccedilatildeo que a prerrogativa de Capistrano era errocircnea De acordo com Mello jaacute

existiam no seacuteculo XVIII dois roteiros de penetraccedilatildeo para o interior do territoacuterio

pernambucano que acompanhavam os vales dos rios O primeiro caminho o do Capibaribe

ldquoperlongava-o ateacute as nascentes e cortando territoacuterio paraibano atingia a ribeira do Pajeuacuterdquo 137

137

MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-

1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 10

47

nos atuais muniacutecipios pernambucanos de Itapetim e Satildeo Joseacute do Egito por onde se ldquoseguia ateacute

o Brejo do Gama de onde cruzava em direccedilatildeo a Cabroboacute a margem do Satildeo Franciscordquo 138

como podemos ver abaixo

Mapa 2 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738)

Fonte MELLO Joseacute Antocircnio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio

Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 12

138

Idem

48

O segundo caminho o do Ipojuca ldquoacompanhava o vale do rio deste nome e alcanccedilava

em seguida o do Moxotoacuterdquo 139

de onde chegava ao Satildeo Francisco na Boa Vista Percebemos

que apesar de pequenas discordacircncias os dois autores versaram sobre os mesmos caminhos a

saber o ldquoCaminho do Capibariberdquo e o ldquoCaminho do Ipojucardquo Para Mello os dois roteiros

tinham no Cariranha no limite sudoeste da capitania e regiatildeo de fronteira entre Bahia

Pernambuco e Minas seu ponto final

Mapa 3 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738)

Fonte MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio

Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 16

Infelizmente natildeo conseguimos descobrir nos acervos consultados ateacute o momento o

documento utilizado por Manoel Correa de Andrade para embasar sua afirmaccedilatildeo e construir

139

Idem

49

seu mapa no entanto foi possiacutevel localizar os documentos usados por Joseacute Antocircnio

Gonsalves de Mello O primeiro deles data do ano de 1738 e estaacute localizado no Arquivo do

Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB na Universidade de Satildeo Paulo ndash USP 140

trata-se natildeo

de um mapa 141

mas sim dos roteiros tanto do ldquocaminho que segue para Ipojuca e passa pelo

Urubaacute 142

das leacuteguasrdquo 143

quanto do ldquoassento das leacuteguas que fazem daqui ao Rodelas pelo

caminho do Capibariberdquo 144

descrevendo as localidades por onde esses caminhos passavam e a

distacircncia em leacuteguas deles

Faz-se cioso relacionar todas as toponiacutemias dos dois roteiros pois este trabalho jaacute foi

feito por Gonsalves de Mello na obra aqui relacionada No entanto vale a pena apontar onde

tinham iniacutecio e fim as ditas rotas e alguns de seus principais pontos de passagem a tiacutetulo de

comparaccedilotildees futuras O caminho do Capibaribe tinha iniacutecio no Engenho de Satildeo Joatildeo este

engenho fundado por Luiacutes Ramires ainda no seacuteculo XVI 145

estava localizado na margem

direita do Rio Capibaribe na freguesia da Vaacuterzea 146

o caminho passava por localidades como

ldquoMissatildeo do Limoeirordquo 147

ldquoSerra Talhadardquo 148

ldquoAngicosrdquo 149

ldquoJuazeirordquo 150

entre outros

terminando apenas no Cariranha regiatildeo limiacutetrofe entre Bahia Pernambuco e Minas Gerais O

segundo caminho o do Ipojuca comeccedilava em Santo Antatildeo atual municiacutepio de Vitoacuteria do

140

Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo

Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 141

O trabalho de Mapas que aparece no livro eacute criaccedilatildeo do grupo de pesquisas da divisatildeo de histoacuteria do instituto

de ciecircncias do homem do qual Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello participava 142

Tambeacutem conhecido como de Ararobaacute ou Ororobaacute 143

Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo

Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 144

Idem 145

PEREIRA DA COSTA F A Anais Pernambucanos 1795-1817 2ordf Ediccedilatildeo FUNDARPE Gov de

Pernambuco Recife 1983 Vol 2 535 vol 3 79 vol 7 325 PEREIRA Levy S Iuatildeo (engenho de bois) In

BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel em

httplhsunbbrbiblioatlasS_IuC3A3o_(engenho_de_bois) Data de acesso05072017 146

Atualmente a Vaacuterzea eacute um bairro da cidade do Recife localizado proacuteximo a Universidade Federal de

Pernambuco-UFPE 147

Atualmente conhecido como Limoeiro um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260890ampsearch=pernambuco|limoeiro|inf

ograficos-historico Data de acesso 05072017 148

O atual muniacutecipio do sertatildeo de Pernambuco manteacutem a mesma toponiacutemia Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261390ampsearch=pernambuco|serra-

talhada Data de acesso 05072017 149

Atual muniacutecipio do sertatildeo do estado do Rio Grande do Norte Dados do Instituto Brasileiro de geografia e

estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=240080ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017 150

Atual municiacutepio do Estado da Bahia situado no vale do Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphpcodmun=291840 Data

de acesso 05072017

50

Santo Antatildeo em Pernambuco e seguia por pontos como ldquoTacaraturdquo 151

ldquoCabroboacuterdquo 152

ldquoPilatildeo

Arcadordquo 153

entre outros tendo como fim tambeacutem o rio do Cariranha

O segundo documento utilizado por Gonsalves de Mello trata-se de um ofiacutecio enviado

pelo Bispo Azeredo Coutinho a Corte no ano de 1802 apesar de fugir de nosso recorte

temporal vale a pena observa-lo a tiacutetulo comparativo Mello refuta a indicativa de Capistrano

que alega que o Bispo Azeredo Coutinho tenha mandado abrir durante o seu governo um

caminho ligando a Praccedila de Olinda aos sertotildees 154

De acordo com o autor esse caminho era

justamente o ldquoCaminho do Ipojucardquo De fato a leitura do ofiacutecio da Junta Governativa da

Capitania de Pernambuco datada de julho de 1802 pode levar ao entendimento que partira do

Bispo Coutinho a ideia de abrir um caminho que ligasse Olinda aos sertotildeesmiddot visto que nele se

afirma que ldquouma das causas de natildeo haver maior abundacircncia de gados nesta Praccedila era a falta

de estradas para os sertotildees do Satildeo Franciscordquo 155

e que esta informaccedilatildeo chegou ateacute Portugal

atraveacutes ldquodo sect 3ordm do reacutegio aviso de 19 de setembro de 1799 dirigido pelo Exmo Sr Dr

Rodrigo de Sousa Coutinho ao Exmo Bispo desta dioceserdquo 156

Poreacutem como eacute sabido este

caminho jaacute era rota conhecida e utilizada

Para aleacutem destes dois importantes documentos conseguimos localizar tambeacutem junto

ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB da Universidade de Satildeo Paulo ndash USP um

documento datado de 1730 enviado ao ouvidor geral de Pernambuco com a seguinte ementa

ldquoPara o senhor doutor ouvidor geral ver os caminhos que satildeo necessaacuterios (serem) abertos para

seguir pela estrada de Santo Antatildeo para o rio de Satildeo Franciscordquo 157

Este documento de

autoria natildeo identificada descreve com precisatildeo o caminho que se fazia preciso abrir para

interligar o litoral da capitania com seus sertotildees atraveacutes do vale do Ipojuca

151

Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu

Data de acesso 05072017 152

Distrito do muniacutecipio de Pesqueira no agreste Pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de geografia e

estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data

de acesso 05072017 153

Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017 154

AHU ndash PE Cx 235 D 15875 155

Idem 156

Idem 157

Informaccedilatildeo prestada ao ouvidor geral sobre a necessidade da abertura de caminhos na regiatildeo do rio Satildeo

Francisco Arquivo IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-005

51

Essa rota segundo sugere a carta deveria comeccedilar na freguesia de Santo Amaro de

Jaboatatildeo onde seria necessaacuterio ldquoabrir os caminhos e tanto de enxada como de foice e

machado ateacute o siacutetio chamado as queimadasrdquo 158

Naquele ponto comeccedilaria a freguesia de

Santo Antatildeo da Mata onde se fazia preciso abrir passagem ateacute o rio das Pedras de Ipojuca

local onde terminava a freguesia de Santo Antatildeo Atravessando o rio das Pedras para seu

outro lado se chegaria a freguesia do Ararobaacute que era ldquoa mais fechada estrada que se acha em

todo o sertatildeo por nunca ser aberta no tempo em que se comeccedilou a cultivar e hoje jaacute a deixam

muitos passageiros pela natildeo poderem seguir com os seus comboiosrdquo 159

adverte o autor que

ali deveria se abrir aleacutem de uma estrada para o Rio de Satildeo Francisco outra que levasse para a

ldquomissatildeordquo do Ararobaacute e dali para o Pajeuacute

Continua alertando que era preciso por poccedilas puacuteblicas ldquocom caminhos e cruz na

estradardquo jaacute que esta rota ficava afastada Prossegue afirmando que o principal trecho que se

deveria abrir era o da Lagoa da Pedra do Tacaete e todas as aguadas do Riacho Libaral

Pedra do Cachorro e Lagoinha ldquofazendo-lhes caminho para sair para a porteira do macacordquo

160 Diz ainda que se deviam pocircr cruzes por todo o riacho do Mororoacute A aacuterea proacutexima do

Mororoacute segundo a descriccedilatildeo feita era toda ldquocultivada de moradores e fazendasrdquo 161

aleacutem

disso a localidade contava com aldeias de gentio de naccedilatildeo Xucuru Paraguaio Parariconha e

Carnejo

Nosso autor desconhecido aconselha ainda que a estrada se construa em poucos dias e

que ali no siacutetio chamado Tacalico se findava a freguesia do Pajeuacute onde por sua vez tinha

iniacutecio a freguesia de Cabroboacute Daquele ponto era necessaacuterio que se abrisse do siacutetio Tacaratu

ateacute o Rio de Satildeo Francisco uma distacircncia de aproximadamente cinco leacuteguas Continua dando

detalhes sobre os caminhos daquele sertatildeo afirmando que ldquoseguindo para as minas se

caminha a vista do dito Rio (Satildeo Francisco) 35 leacuteguas largando o tal rio se passa o rio das

Velhas na barra donde se encontra com o de Satildeo Franciscordquo 162

o fim deste caminho eacute

apontado pelo autor como a regiatildeo do Cariranha que ficava afastada cerca de 200 leacuteguas das

minas de ouro

158

Idem 159

Idem 160

Idem 161

Idem 162

Idem

52

Por fim sugere que o caminho seja aberto no mecircs de outubro e novembro pois naquela

eacutepoca havia ldquoabundacircncia de aacuteguas para os trabalhadoresrdquo 163

Advertia poreacutem que nesta

estrada seria necessaacuterio caminhar dois dias por dentro de um rio chamado Moxotoacute e que em

determinadas ocasiotildees o mesmo ficava inundado impossibilitando que o trabalho de abertura

fosse feito Aleacutem disso aquele rio era frequentado anualmente pelos povos nativos das naccedilotildees

Paraguaio e Parariconha

Na tentativa de entendermos um pouco melhor o roteiro aqui descrito faremos uma

breve explanaccedilatildeo das principais freguesias descritas no documento Para isso utilizaremos

como base um documento riquiacutessimo enviado a corte pelo governador de Pernambuco a

eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses onde o mesmo faz uma descriccedilatildeo detalhada da capitania

pernambucana relacionando todas suas freguesias povoaccedilotildees respectivas economias

caracteriacutesticas ambientais entre outros traccedilos daquelas paragens 164

De acordo com o documento da segunda metade do XVIII a freguesia de Santo

Amaro de Jaboatatildeo 165

atual municiacutepio de Jaboatatildeo dos Guararapes em Pernambuco onde

teria iniacutecio o caminho sugerido ao Ouvidor Mor tinha dez leacuteguas de aacuterea fazendo fronteira

com as freguesias de Satildeo Lourenccedilo da Mata 166

ao Norte e a leste com a freguesia da Vargem

167 A freguesia contava com 14 engenhos destes oito moiacuteam com aacutegua e seis com cavalos

Possuiacutea duas ribeiras ldquoa do Jaboatatildeo que tem seu principio em uma matardquo 168

e o outro rio era

o do Gajauacute as margens do uacuteltimo estavam situados os engenhos de aacutegua A povoaccedilatildeo natildeo

passava de uma pequena aldeia e seus habitantes viviam majoritariamente de suas plantaccedilotildees

de accediluacutecar algodatildeo e mandioca

Dando seguimento ao percurso sugerido chegaria-se a freguesia de Santo Antatildeo da

Mata atual municiacutepio de Vitoacuteria de Santo Antatildeo este jaacute era considerado um local sertanejo

163

Idem 164

Este documento que pode ser encontrando na coleccedilatildeo especial para Pernambuco existente na Biblioteca

Nacional natildeo possui uma dataccedilatildeo especiacutefica apenas eacute indicado que os dados nele contido comeccedilaram a ser

levantados no ano de 1774 Acreditamos que o relatoacuterio feito pelo governador esteja relacionado agraves tentativas da

Coroa jaacute comentadas neste capiacutetulo sobretudo no periacuteodo Pombalino de buscar conhecer melhor seu territoacuterio

Referecircncia ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices)

ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 165

Atual municiacutepio do agreste pernambucano que assumiu o nome de Jaboatatildeo dos Guararapes 166

Atual municiacutepio da regiatildeo metropolitana do Recife Dados do Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica-

IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261370ampsearch=pernambuco|sao-

lourenco-da-mata Data de acesso 05072017 167

Atual bairro da Vaacuterzea localizado na cidade do Recife 168

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

53

A freguesia tinha ldquo5 leacuteguas donde parte com o curato de Satildeo Joseacute chamado dos Bezerros 169

extrema-se com a freguesia de S Antocircnio do Ururuba 170

dos iacutendiosrdquo 171

Segundo o mesmo

documento os sertotildees daquela freguesia eram secos e o rio mais destacado do lugar era o

Pajeacuteu ldquoo qual vai fazer barra no Rio de Satildeo Franciscordquo 172

Sobre a populaccedilatildeo e economia

local o documento afirma que eram poucos os engenhos dedicados ao fabrico de accediluacutecar no

lugar apenas trecircs apesar de haverem outros dedicados ao mel e as engenhocas de rapadura O

nuacutemero de habitantes era alto e viviam de vender ldquoseus gadinhosrdquo 173

e ldquoefeitos e panos de

algodatildeordquo 174

nas feiras locais Segundo o relato o comeacutercio de panos de algodatildeo no lugar

atraia ateacute mesmo comboios dos sertotildees de Minas O que confirma estar agrave localidade inserida

nos roteiros que ligavam aos sertotildees

Depois da freguesia de Santo Antatildeo da Mata o caminho indicava que se seguisse pelo

rio Ipojuca ateacute o siacutetio ldquoCaruarurdquo que a anaacutelise da rota nos leva a crer se tratar do atual

muniacutecipio do agreste Pernambuco de mesmo nome Depois desse momento se fazia

necessaacuterio seguir para a freguesia do Ararobaacute Em documento do ano de 1780 que pretendia

compilar as cidades e vilas da capitania de Pernambuco e suas respectivas freguesias a

seguinte menccedilatildeo eacute feita quanto tal localidade ldquodo Araroba Rodelas Rio Grande do Sul natildeo

chegaram as relaccedilotildees por serem partes muito distantesrdquo 175

Nesta mesma relaccedilatildeo estima-se

que a freguesia do Ararobaacute estava a 80 leacuteguas de distacircncia de Recife

No documento remetido por Joseacute Cesar de Meneses a dita freguesia estaacute inserida

dentro do chamado ldquosertatildeo dos Garanhusrdquo 176

Ela tinha iniacutecio em um local conhecido como

ldquoCapacaccedilardquo que era pouco povoado havendo ldquomuitas leacuteguas sem habitadoresrdquo 177

As vilas de

169

Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros Data de

acesso 05072017 170

Conhecida tambeacutem como Ararobaacute ou Ororobaacute 171

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 172

Idem 173

Idem 174

Idem 175

Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo IEB-USP Fundo

Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010 176

Atualmente a cidade de Garanhus eacute um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260600ampsearch=pernambuco|garanhuns Data

de acesso 05072017 177

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

54

Simbres dos Iacutendios 178

a de Aacuteguas Belas 179

a do Riacho do Navio180

Pipaacuteoacute 181

e Arapuaacute 182

faziam parte da freguesia Boa parte dessas localidades ainda hoje preservam as toponiacutemias

do XVIII estando situadas entre o agreste de Pernambuco e a regiatildeo do vale do Satildeo

Francisco Quanto a dinacircmica comercial local o manuscrito revela ser tal freguesia ldquomui

pobrerdquo 183

sua populaccedilatildeo vivia de plantar lavouras de milho roccedila canas de accediluacutecar feijotildees

fazer mel rapadura e tambeacutem dos negoacutecios das carnes criando boiadas curtindo e vendendo

couros e solas atravessando gados para Bahia e Pernambuco etc

Seguindo nosso roteiro do Ararobaacute era necessaacuterio se abrir caminho natildeo soacute da estrada

que levava ao Rio Satildeo Francisco mas tambeacutem da missatildeo de Araroba 184

ateacute o Pajeuacute O ldquosertatildeo

do Pajeuacuterdquo era extenso nele estavam inseridas quatro importantes freguesias sertanejas

Cabroboacute 185

Satildeo Joseacute dos Bezerros 186

Tacaratu 187

e por fim Pilatildeo Arcado 188

Apoacutes a

178

Atual distrito do municiacutepio de Pesqueira localizado no agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data de acesso 05072017 179

Atual municiacutepio de Aacuteguas Belas localizado no agreste de Pernambuco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260050ampsearch=pernambuco|C381gu

as-belas Data de acesso 05072017 180

O Riacho do navio eacute um curso fluvial que atravessa o sertatildeo de Pernambuco sendo um dos principais

afluentes do Rio de Satildeo Francisco O curso nasce no atual municiacutepio de Floresta em Pernambuco Dados do

Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=260570 Data de acesso 05072017 181

Infelizmente natildeo conseguimos identificar onde se encontra tal localidade atualmente 182

Acreditamos que o autor quis se referir as proximidades da ldquoSerra do Arapuaacuterdquo localizada atualmente no

distrito de Carnaubeira da Penha situado na regiatildeo do Satildeo Francisco e inscrito na bacia do Rio Pajeuacute 183

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 184

De acordo com a bibliografia consultada a missatildeo do Araroba ou Ararobaacute ficava localizada entre os atuais

municiacutepios de Aacuteguas Belas e Garanhus Referecircncia DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na

constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume

282 ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os acossamentos de

Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII) Rev Bras Hist [online] 2015

vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016 MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute

e Rio Grande catequese violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22 185

Atual municiacutepio do sertatildeo pernambucano que conserva o mesmo nome Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260300ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017 186

Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros 187

Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro

de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu

Data de acesso 05072017 188

Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de

geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico

Data de acesso 05072017

55

chegada ao Pajeuacute o autor adverte que se deve abrir principalmente o caminho da Lagoa da

Pedra do Tacaete e as aguadas do Riacho Libaral Pedra do Cachorro e Lagoinha

Ateacute o momento natildeo conseguimos identificar onde estaria situada atualmente a ldquoLagoa

da Pedra do Tacaeterdquo Para as outras localidades foi possiacutevel localizar seus atuais logradouros

o Riacho Libaral estaacute situado no atual municiacutepio de Sanharoacute a Pedra do Cachorro um

afloramento rochoso que atualmente atrai turistas para praacutetica de esportes radicais fica em

Satildeo Caetano Por fim Lagoinha diz respeito ao municiacutepio de Alagoinhas todas estas cidades

compotildeem a zona agreste de Pernambuco e fazem parte da microrregiatildeo do vale do Ipojuca 189

Seguindo o caminho traccedilado no documento base era orientado que nos ldquocaldeiros do

riacho do Mororoacuterdquo 190

fossem postos cruzes o dito riacho estaacute localizado atualmente no

municiacutepio de Pedra no agreste de Pernambuco de acordo com nossa rota era uma freguesia

extensa com cerca de 70 leacuteguas de comprimento e seu fim era fronteiriccedilo com a freguesia de

Cabroboacute 191

Cabroboacute era um importante ponto de passagem dos caminhos interioranos

possuiacutea 60 fazendas de gado vacum e cavalar seu principal rio era o do Pajeuacute ldquodonde toma

nome este sertatildeordquo 192

Os povos locais viviam de criar gados e os negociavam tanta na Bahia

como em Pernambuco ao que consta nos manuscritos o cultivo no local era pequeno

dedicado apenas a subsistecircncia da populaccedilatildeo local

Dando prosseguimento no guia de Cabroboacute se fazia necessaacuterio abrir os caminhos ateacute o

ldquoSiacutetio Tacaraturdquo 193

Pouco se fala sobre a freguesia de Tacaratu no documento base que aqui

nos utilizamos explica-se apenas que possuiacutea cerca de 60 fazendas e que alguns recantos

daquela freguesia eram totalmente despovoados isto porque tais locais ldquonatildeo servem de criar

gados por falta de aacuteguasrdquo 194

Quanto a economia local afirma-se que sua populaccedilatildeo vivia de

criar seus gados outros de seus negoacutecios de passar boiadas para Bahia e da laacute traziam ldquovaacuterias

189

Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas - APAC Disponiacutevel em

httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=17 Data de acesso 05072017 190

191

Fizemos um caacutelculo estimado para verificar se a informaccedilatildeo era coerente Considerando que cada leacutegua

equivale a cerca de 48 km e que o cumprimento da freguesia de Pedra ateacute o Cabroboacute seria de 70 leacuteguas

Multiplicamos 70 x 48 chegando ao valor de 336km Utilizando o recurso do Google Maps traccedilamos uma rota

entre Cabroboacute e Pedra (rodoviaacuteria) satildeo trecircs os caminhos possiacuteveis apontados pelo programa suas

quilometragens satildeo respectivamente 293 km 342 km e 352 km Valores bem proacuteximos de nossa estimativa 192

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 193

Atualmente Tacaratu eacute um muniacutecipio pernambucano localizado na regiatildeo do Meacutedio Satildeo Francisco Dados do

Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu Data de

acesso 05072017 194

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

56

fazendas para seu comeacuterciordquo 195

A atual cidade de Tacaratu muniacutecipio do estado de

Pernambuco estaacute inserida na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco

De acordo com nossa rota a distacircncia entre Tacaratu e o Rio de Satildeo Francisco era de

aproximadamente cinco leacuteguas Dali o caminho seguiria em direccedilatildeo ao atual estado de Minas

Gerais passando-se do Rio de Satildeo Francisco para o Rio das Velhas A capitania

pernambucana se estremava com a mineira atraveacutes do Cariranha esta localidade seguindo os

dados de nosso guia ficava a aproximadamente 200 leacuteguas afastada da regiatildeo das minas de

ouro

Por fim a rota aqui descrita refere-se ao rio Moxotoacute afirmando que para se abrir tal

caminho era preciso caminhar por cerca de dois dias dentro de tal rio O rio que preserva o

mesmo nome da eacutepoca banha os estados de Pernambuco e Alagoas sua nascente se encontra

no atual muniacutecipio de Sertacircnia no sertatildeo pernambucano e o mesmo desagua no Rio de Satildeo

Francisco De acordo com dados da Agecircncia pernambucana de aacuteguas e climas ndash APAC 196

a

bacia do rio Moxotoacute possui uma aacuterea total de 974401 kmsup2 e abrange 12 municiacutepios

pernambucanos total ou parcialmente Sendo eles Inajaacute Sertacircnia Arcoverde Custoacutedia

Ibimirim Manari e Tacaratu Buiacuteque Floresta Jatobaacute Iguaraci e Tupanatinga todas estas

cidades estatildeo compreendidas na regiatildeo do sertatildeo do estado

Para visualizarmos melhor o caminho aqui descrito traccedilamos um caminho aproximado

da rota de 1730 Como podemos ver na imagem abaixo

195

Idem 196

Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas ndash APAC Disponiacutevel em

httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=18 Data do acesso 05072017

57

Mapa 4 ndash Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha (1730)

Fonte Jeacutessica Rocha de Sousa Ana Maria Cuentro Barros Imagem aproximada da Rota do Ipojuca para o

Rio de Satildeo Francisco (1730) Imagem criada com o auxiacutelio do programa Adobe Illustrator

Como eacute possiacutevel notar atraveacutes da anaacutelise da rota aqui feita o caminho sugerido se

aproxima bastante do ldquocaminho do Ipojucardquo descrito no roteiro de 1738 e mapeado por

Antocircnio Gonsalves de Melo Dessa forma podemos concluir que se este documento natildeo foi

exclusivamente o guia para abertura de tal roteiro pelo menos indicava uma demanda real que

de fato foi atendida em algum momento entre 1730 e 1738 pois a partir da uacuteltima data jaacute era

possiacutevel acessar o sertatildeo ateacute o Rio de Satildeo Francisco atraveacutes do Rio Ipojuca e seus afluentes

Demonstramos atraveacutes da documentaccedilatildeo aqui elencada que os sertotildees fronteiriccedilos a

Bahia e Pernambuco eram dinacircmicos Muitas eram as localidades sertanejas apontadas nos

manuscritos que comercializavam com as duas praccedilas A conexatildeo entre as duas capitanias

eram extensas e no periacuteodo aqui estudado jaacute estavam bem consolidadas De maneira geral o

estudo sobre as rotas de penetraccedilatildeo tendem a trataacute-las apenas como caminhos pelo qual se

58

passavam os gados no entanto deve-se atentar que outros negoacutecios tambeacutem ocorriam nestas

paragens isto eacute os caminhos natildeo serviam exclusivamente ao comeacutercio das carnes e couros

Estudos mais recentes tem se dedicado a demonstrar o dinamismo do comeacutercio

sertanejo em suas conexotildees com a economia colonial estes trabalhos tem sido essenciais no

sentido de renovar a perspectiva sobre os negoacutecios desenvolvidos nas regiotildees interioranas Ao

analisar as relaccedilotildees que uniam os sertotildees da Bahia a Minas Gerais Isnara Pereira Ivo iraacute

alertar para ldquoo papel econocircmico e comercial dos sertotildeesrdquo 197

que por muitas vezes era

ldquominimizado como meros fornecedores de carnerdquo 198

a autora iraacute afirmar que este papel

ldquoredimensiona-se quando percebido como parte de uma articulaccedilatildeo econocircmica cultural e

poliacutetica maior permeada de especificidades e dinamismosrdquo 199

Ou seja Ivo chama a atenccedilatildeo

para vitalidade inclusive comercial daquelas regiotildees que no seacuteculo XVIII jaacute possuiacuteam um

ritmo proacuteprio de desenvolvimento e se encontravam conectadas ao litoral e ao aleacutem-mar

sendo peccedila importante da economia colonial

Em dissertaccedilatildeo que trata sobre a participaccedilatildeo dos negociantes pernambucanos no

comeacutercio de abastecimento da regiatildeo mineradora no seacuteculo XVIII Hugo Demeacutetrio Nunes

Teixeira Bonifaacutecio tambeacutem iraacute defender a tese do intenso movimento comercial daquelas

paragens O autor afirmaraacute que ldquoo sertatildeo era uma regiatildeo economicamente dinacircmica capaz de

prover gecircneros dos quais necessitavam por exemplo a regiatildeo das Minasrdquo 200

Cabe aqui

ressaltar que os sertotildees a que se refere Bonifaacutecio satildeo os de Pernambuco e Bahia em suas

conexotildees com as Minas de ouro

Esse dinamismo nas regiotildees interioranas tambeacutem poderaacute ser observado nas relaccedilotildees

que uniam Pernambuco a Bahia A introduccedilatildeo das barcas de passagens que faziam o

transporte de pessoas e cargas entre as duas margens do Rio de Satildeo Francisco 201

por

exemplo eacute demonstrativa do grande tracircnsito comercial estabelecido naqueles sertotildees e

denotam a tentativa da Coroa de tentar de alguma forma regulamentar aquele comeacutercio que

fugia ao controle do fisco real Visto que as tais passagens passam a fazer parte do conjunto

dos contratos reais formas de arrecadaccedilatildeo tributaacuteria utilizadas em Portugal desde o seacuteculo

197

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica

Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 115 198

Idem 199

Idem 200

BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de

Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII

Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e

Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 201

NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte Editora

UFMG 2011 P 85 AHU ndash PE Cx 133 D 9987

59

XVI 202

Analisando a implementaccedilatildeo das barcas de passagem que conectavam os rios

sertanejos as minas de ouro Isnara Pereiro Ivo afirmaraacute que

Os arrendamentos das passagens dos rios faziam parte do sistema de

contratos e estavam relacionados ao descobrimento do ouro agraves formas de

controle e descaminho e agrave ampliaccedilatildeo das receitas reais Eram feitos por

leilatildeo no Conselho Ultramarino e no ato da assinatura do contrato o

contratador assumia a obrigaccedilatildeo de pagar 1 destinado as propinas

municcedilotildees e construccedilotildees de fortalezas no ultramar e de restituir a Coroa em

trecircs anos o restante do montante a ser pago Os contratos podiam ser

arrematados tanto por um soacute individuo quanto por um grupo 203

Aqui em Pernambuco o processo de arremataccedilatildeo das tais passagens parece ter ocorrido

de forma semelhante De acordo com ofiacutecio datado de 1779 as barcas iratildeo surgir no Satildeo

Francisco por iacutempeto de um morador da regiatildeo de Rodelas que observara o ldquoincomodo e

risco que corriam os passageiros e comboios na falta de barca que os passassemrdquo 204

por isso

resolveu por uma barca no Satildeo Francisco na regiatildeo de Juazeiro Fez isso o morador sem

ldquoprocurar licenccedila para o fazer nem contribuir para a real fazenda com parte do seu

rendimentordquo 205

Quando o governador de Pernambuco a eacutepoca Duarte Sodreacute descobriu tal

negoacutecio ordenou ao comandante do distrito por o rendimento daquela passagem para

arremataccedilatildeo em praccedila puacuteblica

O morador pioneiro ofereceu 300000 reis pelo triecircnio do contrato como era de

costume No entanto o governador por acreditar que tal contrato valesse mais o mandou

colocar em leilatildeo no Recife Natildeo houve entretanto quem quisesse pagar mais por ele A

desconfianccedila reacutegia acerca dos rendimentos gerados a partir das barcas de passagens na regiatildeo

do Satildeo Francisco natildeo seraacute exclusividade da sua gecircnese em diversos outros momentos o

Conselho Ultramarino iraacute exigir que se procedesse agrave investigaccedilatildeo sobre os rendimentos

daqueles contratos 206

A desconfianccedila dos agentes reacutegios era de que os mercadores

mancomunados faziam ofertas bem abaixo da meacutedia de geraccedilatildeo de lucros daquele

investimento Todo esse clima de suspeita eacute demonstrativo da falta de conhecimento concreto

da Coroa a respeito dos negoacutecios que se praticavam nos sertotildees resultado de uma poliacutetica

administrativa que soacute se preocupou tardiamente por aquelas aacutereas

202

IVO Isnara Pereira Op Cit P 159 203

Idem 204

AHU ndash PE Cx 133 D 9987 205

Idem 206

Idem AHU ndash PE Cx 151 D 9853AHU ndash PE Cx 88 D 7150

60

Natildeo sabemos o nome do dito morador mas sabemos que seu filho Joatildeo Moreira da

Costa e Silva em 1759 fez requerimento ao Rei solicitando ser provido com o direito a

propriedade das passagens do Rio de Satildeo Francisco Neste documento Joatildeo Moreira afirma

ter sido seu pai o descobridor da passagem do Juazeiro e das outras nove passagens que iratildeo

se instalar naquele rio Ele propotildee ao rei que lhe faccedila a mercecirc de lhe conceder a propriedade

das passagens durante toda sua vida ficando o suplicante na obrigaccedilatildeo de ldquofazer bons em cada

um ano para a real fazenda 200000 reacuteisrdquo 207

Temos o conhecimento de que eram dez as passagens do Rio de Satildeo Francisco

administradas pela capitania de Pernambuco No ano de 1756 cinco dessas passagens por

pedido do Ouvidor da Comarca de Jacobina na Bahia passaratildeo a ter seus rendimentos

gerenciados pela cacircmara da Vila da Barra de Satildeo Francisco das Chagas como meio de gerar

fundos para construccedilatildeo da cadeia da nova vila passado dez anos esses contratos deveriam ser

assimilados a Provedoria Mor da Bahia Essa resoluccedilatildeo natildeo iraacute agradar ao governo de

Pernambuco que anos mais tarde iraacute requerer a reincorporaccedilatildeo das tais passagens agrave capitania

de origem As cinco passagens submetidas agrave cacircmara da Vila da Barra de S Francisco das

Chagas se situavam em Bom Jardim Barra Rio Preto Cariranha e Rio Corrente As da parte

de Pernambuco ficavam em Juazeiro Pilatildeo Arcado Surubabeacute Petra e Currais dos Bois 208

Um documento do ano de 1778 esclarece quais as condiccedilotildees e deveres a que estavam

sujeitos os contratadores das passagens do Satildeo Francisco aqui em Pernambuco Os contratos

poderiam ser arrendados por um uacutenico indiviacuteduo ou por soacutecios ficava o contratador livre para

ldquocobrar-se tudo que pertence a Fazenda Realrdquo 209

O contrato deveria ser pago a Tesouraria

Geral e Deputado da Junta da Fazenda Real atraveacutes de parcelas a cada seis meses e em

dinheiro fiacutesico Tinham por obrigaccedilatildeo ainda o contratador e seus soacutecios pagarem propina de

1 para obras pias Em relaccedilatildeo agraves barcas cabia ao contratador escolher se compraria as

embarcaccedilotildees do uacuteltimo arrendataacuterio ou se mandaria construir novas sendo determinado pelo

regulamento que o contratador antecedente negociasse preccedilos justos pelas embarcaccedilotildees

De acordo com nossas fontes se cobravam os fretes pelos seguintes produtos Cabeccedilas

de gado vacum cabeccedilas de gado vacum que passam a nado cabeccedilas de gado cavalar mansos

cabeccedilas de gado serrilho cargas passageiros e escravos Cada barca tinha um piloto e cerca

de dois a quatro marinheiros que a servia 210

Os maiores ganhos foram observados na

207

AHU ndash PE Cx 88 D 7150 208

AHU ndash PE Cx 133 D 9987 209

AHU ndash PE Cx 131 D 9853 210

AHU ndash PE Cx 133 D 9987

61

passagem do Juazeiro regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias de Bahia e Pernambuco 211

A

categoria ldquocargasrdquo natildeo especiacutefica os produtos autorizados a circular naquelas embarcaccedilotildees

com certeza muitas mercadorias das chamadas ldquovedadasrdquo se fizeram passar por esses pontos

do rio inclusive o ouro proveniente da regiatildeo das minas 212

Outra questatildeo que vale destacar na discussatildeo sobre os sertotildees envolvidos nesta

pesquisa diz respeito a relaccedilatildeo que algumas freguesias iratildeo manter concomitantemente com

as capitanias de Bahia e Pernambuco A ldquoComarca da Manga que segue o Rio de Satildeo

Francisco acima Vila de Satildeo Francisco na Barra do Rio Grande do Sulrdquo por exemplo estava

sujeita em questotildees de justiccedila ao ouvidor da Jacobina Bahia mas pertencia o ldquogoverno das

almasrdquo ao bispo de Pernambuco 213

Como jaacute discutido as questotildees de limites e de

administraccedilatildeo nas aacutereas interioranas iratildeo se dar de maneira singular naquelas paragens o

cotidiano das povoaccedilotildees e as proximidades entre uma e outra capitania parecem ter dado o

ritmo agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila

Os sertotildees setecentistas possuiacuteam vitalidade e energia e satildeo descritos nos documentos

de eacutepoca como locais propiacutecios ao desenvolvimento de praacuteticas mercantis Neste trabalho

estas relaccedilotildees mercantis iratildeo assumir contornos especiais Afinal de contas entre 1759 e

1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia Geral de Pernambuco e

Paraiacuteba No nosso caso percebemos que paralelamente a um mercado legal e reconhecido se

fez surgir naqueles espaccedilos uma seacuterie de atividades extralegais As redes comerciais

estabelecidas entre as Praccedilas da Bahia e Pernambuco no periacuteodo estudado seratildeo comumente

tachadas pela documentaccedilatildeo como perpetradoras de comeacutercio clandestino O contrabando de

gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa foram uma constante na

documentaccedilatildeo

Estas regiotildees iratildeo desempenhar papel importante neste universo de descaminhos

Como jaacute destacamos ao longo dessas regiotildees encontravam-se diversos portos de pequeno

porte que por onde antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba jaacute se

realizavam transaccedilotildees mercantis Em ofiacutecio do ano de 1770 o governador de Pernambuco

Manoel da Cunha Meneses ao falar sobre os contrabandos estabelecidos entre Bahia e

211

Idem AHU ndash PE Cx 88 D 7150 212

Sobre isto ver BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e

Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no

Seacuteculo XVIII Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado em histoacuteria) - Centro de Filosofia e Ciecircncias

Humanas Universidade Federal de Pernambuco 213

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

62

Pernambuco nos daacute informaccedilotildees importantes acerca da dinacircmica comercial desenvolvida nos

vales do Rio Satildeo Francisco Segundo o governador ldquoO sertatildeo deste continente eacute um dos mais

povoadosrdquo 214

complementa afirmando que as margens do rio de Satildeo Francisco existem

diversas povoaccedilotildees e a respeito do comeacutercio na regiatildeo diz que ldquoeste rio divide esta capitania

da Bahia [] aleacutem das povoaccedilotildees jaacute ditas eacute muito vadiaacutevel de embarcaccedilotildees ligeirasrdquo 215

por

onde se transportam ldquotoda a conta de fazendas que estatildeo tatildeo abundantes estes sertotildees e neles

as introduzem os moradores de uma e outra parterdquo 216

Alguns anos mais tarde em 1779 o ouvidor da comarca das Alagoas iraacute relatar

detalhes sobre a organizaccedilatildeo deste ldquopernicioso comeacuterciordquo Segundo o mesmo ldquoPor todos estes

engenhos jaacute natildeo haacute uma soacute caixa (de accediluacutecar) que natildeo esteja vendida pelo exorbitante preccedilo de

treze tostotildees por arroba a diferentes e muitos fabricantes que vieram da Bahia a este

propoacutesitordquo 217

Segundo o ouvidor a estrateacutegia do grupo de contraventores consistia em

transportar para as praias da regiatildeo as caixas contrabandeadas durante a noite em ldquojangadas e

sumacas que existem atualmente na ilha de Santo Aleixo e em Una donde francamente tem

saiacutedo de proacuteximo cinco ou seisrdquo 218

Apesar das rotas sertanejas aqui descritas nos indicarem as possiacuteveis vias de acesso do

litoral ao interior do territoacuterio pernambucano mapear com exatidatildeo os caminhos percorridos

pelos comerciantes contraventores natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis pois aleacutem de natildeo existir

interesse de se documentar esse tipo de comeacutercio ao que nos parece de acordo com a anaacutelise

da documentaccedilatildeo esses caminhos eram dinacircmicos e muacuteltiplos e nos faltam instrumentos

cartograacuteficos mais precisos que sejam capazes de revelar a grandiosidade da costa

pernambucana ldquode donde por mar e terra se introduzem neste continenterdquo 219

produtos

contrabandeados

Uma coisa eacute certa a natureza pernambucana contribuiacutea na realizaccedilatildeo das ilicitudes a

ldquogrande dilataccedilatildeo que tem o continente da jurisdiccedilatildeo deste governordquo 220

que compreende em

suma ldquopor costa do Mar 82 leacuteguas com muitos rios barras enseadas e entradas por entre

arrecifes que por providecircncia divina cobre toda esta costardquo 221

permitiu que nunca se faltasse

214

AHU ndash PE Cx 108 D8371 215

Idem 216

Idem 217

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 218

Idem 219

AHU ndash PE Cx 127 D 9670 220

AHU ndash PE Cx 108 D 8371 221

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash

Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

63

o contrabando em Pernambuco natildeo soacute de escravos mas de outras mercadorias 222

Apesar da

tentativa de encobrir essas rotas por parte daqueles que delas se beneficiavam alguns pontos

acabaram documentados pela fiscalizaccedilatildeo

Nosso acervo documenal revela uma variedade significativa de portos indicados pelas

autoridades locais como aacutereas de desembarque de produtos contrabandeados Listamos abaixo

os portos ateacute o momento identificados

Quadro 1 - Lista de Portos em que Ocorreratildeo apreensotildees ou se fez saber da existecircncia de

Contrabandos

PORTOLOCALIDADE

BAHIA DA TRAICcedilAtildeO

CABO DE SANTO AGOSTINHO

CAMARAJIBE

CURURIPE

GOIANA

ILHA DE SANTO ALEIXO

ILHA DO NOGUEIRA

JARAGUAacute

PRAIA DA PENHA

PRAIA DE PAU AMARELO

PRAIA DA FORTALEZA DO BRUM

PORTO CALVO

PORTO DO RECIFE

SANTO ANTONIO DA BARRA GRANDE

SIARAacute GRANDE

SIRINHAEM

TAPAGIPE

TRAPICHE DE MACIEL ndash BAHIA

UNA

Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 132 D9955 AHU ndash PE Cx133 D 9966

AHU-PE Cx 133 D 10003 AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash PE

Cx 138 D 10248 AHU ndash BA Cx 181 D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx

107 D 8284 AHU ndash PE Cx 110 D 8493 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 133 D

222

CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-1850 Recife

2002 P 102

64

10017 AHU ndash PE Cx 137 D 10197 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos

Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2

Foi possiacutevel rastrear atualizando as toponiacutemias a maior parte dos locais citados nas

fontes Como uma maneira de buscar compreender melhor a relaccedilatildeo entre aacutereas de produccedilatildeo e

localidades apontadas nesta lista como aacutereas de embarque e desembarque de produtos

vedados nos utilizaremos de dados contidos em ofiacutecio do ano de 1761 enviado pelo entatildeo

governador de Pernambuco Luiacutes Diogo Lobo ao Reino onde se encontra uma relaccedilatildeo

contendo nome e nuacutemero de todos os engenhos moentes e de fogo morto existentes na

capitania pernambucana e suas anexas 223

As localidades de Coruripe Jaraguaacute Porto Calvo Santo Antocircnio da Barra Grande

fazem parte atualmente do estado de Alagoas Comarca anexa a Pernambuco agrave eacutepoca A

regiatildeo que aparece constantemente envolvida nos circuitos de contrabando principalmente de

accediluacutecar analisados neste trabalho possuiacutea uma grande quantidade de engenhos ativos Apenas

na freguesia de Porto Calvo existia a eacutepoca 14 engenhos em atividade e um em fogo morto

Adicionando a esta soma as faacutebricas de Alagoas do Sul Alagoas do Norte e da Freguesia de

Satildeo Miguel locais onde estavam inseridos os outros portos apontados em nossa lista

chegava-se ao total de 32 engenhos operantes na regiatildeo 224

De maneira geral os engenhos estabelecidos nas capitanias do Norte da Ameacuterica

Portuguesa se fixavam em aacutereas de vaacuterzea com faacutecil acesso a rios e ribeiras de modo a

facilitar o escoamento da produccedilatildeo canavieira para seus portos de destino nas terras

alagoanas a dinacircmica natildeo era diferente Lembramos tambeacutem que a Comarca se ligava ao

sertatildeo atraveacutes de rotas terrestres e de sua rede hidrograacutefica composta por importantes rios

como o Coruripe e o Moxotoacute

Ilha de Santo Aleixo Pau Amarelo Praia da fortaleza do Brum Praia da Penha

Camaragibe Cabo de Santo Agostinho Sirinhaeacutem e Goiana se encontram atualmente na

jurisdiccedilatildeo do Estado de Pernambuco Para agrave toponiacutemia denominada ldquoUnardquo a bibliografia

consultada afirma se tratar de freguesia proacutexima a Porto Calvo em municiacutepio hoje conhecido

como Barreiros localizado no estado de Pernambuco 225

Quanto a Ilha do Nogueira tambeacutem

223

AHU ndash PE Cx 95 D 7501 224

Idem 225

Dados coletados de Ideia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexas Coleccedilatildeo Pernambuco

(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de

Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel

em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017

65

conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia

Teimosa no Recife 226

De acordo com dados levantados por Luiacutes Diogo Lobo entre Olinda e Recife os

engenhos estavam divididos nas seguintes freguesias Muribeca Cabo Ipojuca Varge Santo

Amaro de Jaboatatildeo Satildeo Lourenccedilo da Mata Nossa Senhora da Luz e Santo Antatildeo Estas

freguesias somadas possuiacuteam 90 engenhos funcionais e 17 que jaacute natildeo operavam Quanto agrave

vila de Sirinhaeacutem e seus termos contava com 43 engenhos ativos destes 10 estavam situados

na freguesia de Una 227

Goiana estava inserida na Vila de Igarassu a freguesia dispunha de

23 engenhos em atividade e um inativo Estas freguesias em sua maioria estavam localizadas

em aacutereas de faacutecil acesso ao transporte fluvial que permitiam tambeacutem que se adentrasse ao

interior do territoacuterio

Bahia da Traiccedilatildeo faz parte do estado da Paraiacuteba A listagem do governador Luiacutes Diogo

Lobo atesta que a capitania da Paraiacuteba naquele tempo contava com 20 engenhos em operaccedilatildeo

e dois em estado de fogo morto Quanto a ldquoSiaraacute Granderdquo como o nome jaacute informa se

encontra no atual estado do Cearaacute O documento de 1761 assegura que naquela capitania

havia apenas dois engenhos moentes e um inativo 228

Para o local denominado Tapagipe

ainda natildeo foi possiacutevel identificar a localizaccedilatildeo atual Como eacute possiacutevel visualizar boa parte

das localidades apontadas pelas autoridades como locais de circulaccedilatildeo de mercadorias ilegais

estavam proacuteximas a aacutereas de produccedilatildeo canavieira Aleacutem disso estes portos naturais se

situavam em maioria na regiatildeo sul da antiga capitania e possuiacuteam conexotildees com os sertotildees

atraveacutes das abundantes malhas fluviais que circundam o nordeste

Para nos ajudar a pensar espacialmente esta regiatildeo iremos fazer uso de duas imagens

A primeira uma carta topograacutefica das ldquocapitanias de que se compotildee o presente governo de

Pernambucordquo foi oferecida ao secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier

de Mendonccedila Furtado em marccedilo do ano de 1766 A carta traz detalhes a respeito dos

povoados e recantos da costa e do interior da capitania pernambucana incluindo locais

envolvidos nos circuitos do contrabando

226

PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008 227

Ainda de acordo com o documento a freguesia de Porto Calvo que atualmente faz parte do estado de

Alagoas pertencia a Vila de Sirinhaeacutem e como jaacute dito possuiacutea 14 engenhos ativos e um classificado como fogo

morto AHU ndash PE Cx 95 D 7501 228

Idem

66

Mapa 5 ndash Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766)

Fonte LAPEH ndash Laboratoacuterio de Pesquisa histoacuterica ndash Departamento de Histoacuteria CFCH UFPE

Legenda 1ndash Bahia da Traiccedilatildeo 2- Paraiacuteba 3- Goiana 4- Itamaracaacute 5- Cidade de Olinda 6- Vila de

Santo Antocircnio do Recife 7- Cabo de Santo Agostinho 8ndash Ilha de Santo Aleixo 9- Porto Calvo 10-

Entrada das Alagoas 11- Rio de Satildeo Francisco 12- Bahia de Todos os Santos

A segunda imagem trata-se de um Mapa tipograacutefico dos portos e Costa da Bahia

Olinda e Pernambuco do ano de 1776 O mapa feito por Nicolao Martinho foi encomendado

por Manoel Jozeacute de Noronha e Meneses o Conde dos Arcos como um oferecimento a seu tio

o Marquecircs de Angeja Mais complexo que a carta exposta acima o mapa mostra em detalhes

toda a Costa de Pernambuco e Bahia passando pelos atuais estados de Alagoas e Sergipe

incluindo suas vilas os rios e ribeiras e seus cursos o que nos permite ter uma melhor ideia

do espaccedilo onde ocorriam as transaccedilotildees comerciais alvo deste estudo

67

Mapa 6 ndash Mapa Tipograacutefico dos Portos e Costa da Bahia de todos os Santos

Olinda e Pernambuco (1776)

68

69

Fonte MARTINHO Nicolao Mappa tipografico dos portos e costa da Bahia de todos os Santos

Olinda e Pernambuco [Sl sn] 1776 1 mapa ms col tinta ferrogaacutelica e nanguim 51 x 159

Disponiacutevel em httpobjdigitalbnbracervo_digitaldiv_cartografiacart309964cart309964jpggt

Acesso em 01 de janeiro de 2018

A anaacutelise da documentaccedilatildeo base utilizada nesta pesquisa junto agraves duas imagens acima

nos fornecem dados para pensar em algumas hipoacuteteses sobre a circulaccedilatildeo dessas mercadorias

Acreditamos que os produtos ldquocontrabandeadosrdquo atraveacutes dos sertotildees chegavam as populaccedilotildees

de Recife e Olinda seguindo dois caminhos distintos O primeiro seria seguindo o fluxo do

Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias (destacado pela seta

vermelha no mapa 7) utilizando os caminhos jaacute bem conhecidos do comeacutercio das carnes e

couros ou seja atraveacutes das rotas do ldquoIpojucardquo e do ldquoCapibariberdquo aqui jaacute estudadas

Chegando ao litoral estas mercadorias eram desembarcadas em pequenos portos situados

preferencialmente no litoral sul de Pernambuco onde natildeo existia a fiscalizaccedilatildeo da Companhia

70

Geral A fiscalizaccedilatildeo no geral se restringia ao porto do Recife De acordo com os dados de

Luanna Ventura a entrada do porto de Recife estava localizada ao norte do forte do Brum 229

(destacado pela seta branca no mapa 7)

A segunda rota que acreditamos ter se utilizado neste comeacutercio seria a da navegaccedilatildeo

direta via costa mariacutetima entre Bahia (destacada pela seta amarela no mapa 7) e Pernambuco

Como podemos perceber atraveacutes do mapa acima existiam entre as duas capitanias uma vasta

aacuterea de Costa natildeo protegida pela empresa e como jaacute apontado neste trabalho diversas praias

do litoral pernambucano ofereciam condiccedilotildees de desembarque Esse tipo de roteiro que jaacute

aparece bem descrito em um manual de pilotagem e navegaccedilatildeo do seacuteculo XVII 230

ficava

restrito as embarcaccedilotildees maiores dada as condiccedilotildees de navegabilidade da regiatildeo Segundo o

manual a distacircncia entre Bahia e Pernambuco era de cerca de 100 leacuteguas ldquocorre a costa ateacute o

Rio de Satildeo Francisco de Nordeste sudoeste e haacute na derrota 50 leacuteguas e do Rio de Satildeo

Francisco ao Cabo de Santo Agostinho haacute 50 leacuteguas e corre a costa nordeste sudoesterdquo

Advertia ainda aos pilotos que tomassem cuidado pois ao norte do Rio de Satildeo Francisco por

volta de 5 leacuteguas existia um arrecife perigoso conhecido como ldquoBaixio de Dom Rodrigordquo 231

O processo crime em que se envolveu o senhor Manoel Ferreira dos Santos reforccedila

nosso argumento 232

pois neste caso cinco balsas carregadas de couros e solas vindas do

sertatildeo foram apreendidas junto ao rio do Jiquiaacute em Recife 233

pela desconfianccedila que as

autoridades tiveram de que as mesmas aguardavam barco para transportar tais mercadorias agrave

capitania baiana Um dos pontos utilizados na defesa do reacuteu eacute que natildeo existia no momento da

apreensatildeo nenhum barco que estivesse carregando para Bahia e que era de conhecimento

229

OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e

tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash

Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 230

Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO Antonio de Mariz

Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo

Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por Manoel da Sylva 1655 Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq== Data de acesso

01082017 231

Os Baixios de Dom Rodrigo satildeo grandes bancos de areia que estatildeo localizados a cerca de cinco quilocircmetros

da Costa do Pontal de Coruripe (Alagoas) no meio do oceano Haacute vaacuterios casos de naufraacutegio registrados no local

Conseguimos mapear junto ao nosso acervo documental um naufraacutegio ocorrido no local no ano de 1774

tratava-se do Bergantim de nome ldquoNossa Senhora da Guia e Satildeo Francisco da Paulardquo que saindo da cidade do

Rio de Janeiro com destino a Corte acabou dando de encontro com os bancos o que na ocasiatildeo levou a oacutebito 8

das 22 pessoas embarcadas De acordo com o documento as pessoas que morreram foram ldquoBaltazar Pereira dos

Reis (soacutecio do barco) o capelatildeo o escrivatildeo sota-piloto dois marinheiros uma preta e uma mulatinhardquo Fonte

AHU ndash PE Cx 117 D 8954 232

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 233

O rio do Jiquiaacute estaacute localizado no atual bairro do ldquoCordeirordquo no municiacutepio de Recife

71

geral que aquelas balsas natildeo aguentariam uma viagem ldquopara o tempestuoso mar de barra em

forardquo 234

sem danificar suas mercadorias

Como dito anteriormente a praacutetica do contrabando na capitania pernambucana

durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial estabelecido pela Companhia Geral seraacute

abrangente e disseminada No entanto os circuitos comerciais ligando as capitanias vizinhas

teratildeo papel de destaque dentro deste comeacutercio descaminhado As rotas sertanejas haacute muito

utilizadas para o comeacutercio legal das carnes passaram a operar tambeacutem com transaccedilotildees natildeo

aprovadas e o comeacutercio direto entre os vaacuterios portos do litoral pernambucano em especial

aqueles que estavam nas proximidades de engenhos e a capitania da Bahia ganharatildeo vulto

durante este periacuteodo

Assim rios e pequenos portos tanto do litoral quanto das localidades interioranas

funcionavam como vias de escoamento de toda uma gama de iliacutecitos os contrabandistas faratildeo

entrar nas Praccedilas da Bahia e de Pernambuco atraveacutes das rotas aqui descritas uma grande

quantidade de mercadorias natildeo autorizadas Estes grupos estavam cientes dos poucos riscos

de se praticar aquele comeacutercio devido a parca fiscalizaccedilatildeo exercida pela Companhia Os

circuitos comerciais desenvolvidos nas paragens sertanejas seratildeo peccedila chave na rede de

abastecimento do mercado ilegal que se estabeleceu entre Bahia e Pernambuco na segunda

metade do XVIII

A fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral comumente restringia-se ao porto do Recife por

onde deveriam ser embarcadas e desembarcadas todas as mercadorias chegadas a capitania

pernambucana Ressalta-se aqui que o monopoacutelio da Companhia natildeo se estendia aos sertotildees

como nos revela o seu documento de instalaccedilatildeo no capiacutetulo 25 Onde se afirma que

[] Eacute Vossa Majestade servido conceder-lhe o comeacutercio exclusivo das duas

capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com todos os seus distritos []

exceptua-se poreacutem o comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba para os portos do

sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco do Sul o qual seraacute livre a todas e

quaisquer pessoas como ateacute agora o tem sido 235

Como podemos observar o documento atesta que a navegaccedilatildeo feita pelos portos do

sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco permaneceria livre no entanto alguns casos

analisados por noacutes apontam que mercadorias vindas destas regiotildees muitas vezes eram

234

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 235

Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762

Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e

Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 290

72

encaradas pelas autoridades como frutos de contrabando Esta questatildeo daraacute azo para uma seacuterie

de disputas envolvendo os comerciantes sertanejos e a Companhia Geral Isto porque ao que

indicam dois processos crimes utilizados nesta pesquisa 236

a direccedilatildeo da empresa ao longo de

seus primeiros oito ou nove anos de instalaccedilatildeo natildeo se preocupou em controlar tal comeacutercio o

fazendo apenas ldquodepois daquele tempo sem mostrar ordem reacutegia que declarasse ao arbiacutetrio da

proibiccedilatildeo o artigo 25 e reprovasse a inteligecircncia e praxe dos comerciantes em tempo tatildeo

dilatadordquo 237

A Companhia passa a tomar esse controle por forccedila de um edital lanccedilado

posteriormente 238

no entanto este edital natildeo tinha forccedila de lei uma vez que tal documento

natildeo era referendando por nenhuma ordem reacutegia Esta decisatildeo da direccedilatildeo pernambucana seraacute

contestada judicialmente nos dois casos aqui jaacute mencionados pois afirmavam as defesas dos

comerciantes que tal ldquoedital da direccedilatildeo natildeo eacute lei nem assento com forccedila de lei nem os

deputados tem jurisdiccedilatildeo alguma para arrogarem a si ambiciosa e arbitrariamente o que a

instituiccedilatildeo natildeo permitiurdquo 239

e tambeacutem ldquoque a direccedilatildeo natildeo pode ampliar nem limitar os

estatutos da companhia nem proibir o que eles natildeo proiacutebemrdquo 240

Contestavam tais defesas o poder que permitia a direccedilatildeo subalterna de Pernambuco

passar por cima dos estatutos da empresa em assunto tatildeo importante como o comeacutercio sem a

deliberaccedilatildeo de uma diretiva ou ordem real Afirmavam que este comeacutercio ateacute o ano de 1770

havia se conservado livre e que era inconcebiacutevel que a direccedilatildeo sem ordem reacutegia fizesse limitar

os estatutos contrariando a liberdade de comeacutercio que desde sempre se praticava por aquelas

bandas pois o papel de ldquolimitar e derrogar leis soacute compete ao soberano legislador e natildeo aos

inferiores seus vassalosrdquo 241

Pelo que fica claro a Companhia em Pernambuco soacute passa a se preocupar com o

comeacutercio realizado nas rotas sertanejas apoacutes um periacuteodo significativo de tempo de sua

instalaccedilatildeo Muito provavelmente apoacutes estes primeiros oito ou nove anos foi possiacutevel a direccedilatildeo

da empresa perceber como estas rotas sertanejas eram importantes para economia da capitania

236

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 237

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 15 238

Natildeo foi possiacutevel identificar a data exata de tal documento no entanto de acordo com os processos aqui

citados o edital provavelmente o edital foi expedido entre 1769 e 1770 239

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 85 240

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 241

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f

85-86

73

e quatildeo grande eram as perdas que se tinham ao natildeo controlar o comeacutercio do interior em suas

ligaccedilotildees com outras praccedilas coloniais sobretudo com Bahia e Rio de Janeiro

A atitude da empresa vem atestar que os circuitos sertanejos tinham expressividade

econocircmica a eacutepoca jaacute que natildeo se teria o trabalho de coibir um comeacutercio que fosse pouco

relevante financeiramente ou mesmo desvantajoso Eacute importante destacar tambeacutem que os

limites jurisdicionais de atuaccedilatildeo da empresa natildeo estavam bem definidos nos estatutos e que o

entendimento do que poderia ser considerado como aacuterea sertaneja era bastante subjetivo

Afinal de contas como jaacute vimos natildeo se tinha um consenso a respeito do conceito de sertatildeo

Entatildeo a histoacuteria dos contrabandos aqui contada se reparte em dois momentos o

momento preacute 1770 quando a Companhia ainda natildeo exercia um controle riacutegido sobre os

sertotildees e poacutes 1770 quando a direccedilatildeo em Pernambuco passa a exercer maior poder sobre os

negoacutecios desenvolvidos naquelas paragens Explicitamos neste momento que nossa escolha

metodoloacutegica se deu no sentido de preservar os termos originais utilizados pelas autoridades

ao tratar sobre a questatildeo deste comeacutercio feito no interior destacando sempre que possiacutevel as

variaccedilotildees interpretativas entre autoridades baianas e pernambucanas No geral a denominaccedilatildeo

ldquocontrabandordquo seraacute bastante utilizada pelas autoridades mas o termo ldquodescaminhordquo tambeacutem

seraacute usado para se referir ao comeacutercio extralegal

Dessa forma o conceito de contrabando neste estudo seraacute utilizado para abrigar uma

seacuterie de casos apontados pela documentaccedilatildeo base que agregam produtos comercializados

tanta no porto do Recife por onde teoricamente deveriam ser embarcadas e desembarcadas

todas as mercadorias chegadas a capitania pernambucana quanto mercadorias vindas do

sertatildeo que tinham como destino a Bahia ou ateacute mesmo outros portos do litoral de Pernambuco

que natildeo o porto do Recife Salientando que nem tudo que em um primeiro momento eacute

apontado como contrabando pelas autoridades de fato se enquadra nesta categoria

Ressaltamos ainda que a Companhia permitia o comeacutercio sertanejo se as mercadorias

vindas daqueles locais (sobretudo couros e solas) tivessem como destino final o porto do

Recife onde seriam negociadas com a empresa Tambeacutem eacute vaacutelido pontuar que o comeacutercio das

carnes estava excetuado deste controle e continuou livre como sempre o foi A exceccedilatildeo feita

aos negoacutecios das carnes seraacute motivo de contrariedade entre os comerciantes e a direccedilatildeo da

empresa Ainda nos dois casos aqui citados as respectivas defesas iratildeo contestar a razatildeo deste

comeacutercio que tambeacutem se dava no sertatildeo ser permitido em detrimento de outros gecircneros As

ditas defesas iratildeo alegar que ldquonenhuma razatildeo haacute para que seja livre o comeacutercio da carne e natildeo

74

seja igualmente o dos courosrdquo 242

e vatildeo aleacutem afirmando que se o comeacutercio de outros produtos

era proibido ldquose havia de ser tambeacutem proibido o trazer carnes do Sertatildeo e vende-las a Bahia e

Rio de Janeiro como se fazrdquo 243

O comeacutercio legal das carnes iraacute gerar outros problemas para Companhia pois se

aproveitando do expediente de ir comerciar as carnes no sertatildeo alguns comerciantes iratildeo se

valer desta liberdade para transportar produtos vedados Eacute o que afirma em ofiacutecio do ano de

1770 o entatildeo governador de Pernambuco Manuel da Cunha Meneses ao falar sobre as

ldquoperniciosas contravenccedilotildeesrdquo que se estabeleceram entre Pernambuco e Bahia atraveacutes das rotas

sertanejas O governador neste ofiacutecio afirma que ldquoos mesmos barcos dos portos livres que

vatildeo fazer as carnes ao sertatildeo [] introduzem tambeacutem fazendas pelo Siaraacute pela vizinhanccedila de

uma capitania com a outrardquo 244

Como podemos perceber atraveacutes do exposto ateacute o momento o contrabando foi uma

praacutetica recorrente e extensiva durante o periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial exercido

pela Companhia Geral Apesar do caraacuteter disperso desse tipo de praacutetica destacam-se neste

interim os circuitos desenvolvidos entre Pernambuco e Bahia Para o periacuteodo do nosso estudo

as ligaccedilotildees comerciais entre as duas praccedilas jaacute estavam solidificadas O comeacutercio entre as

capitanias vizinhas aconteciam de acordo com nossas fontes de duas formas por via direta

atraveacutes do mar e majoritariamente pelas rotas sertanejas que no seacuteculo XVIII eram pelo

menos duas ndash o ldquoCaminho do Ipojucardquo e o ldquoCaminho do Capibariberdquo - e conectavam as duas

capitanias Tendo isto em mente no proacuteximo capiacutetulo procederemos a anaacutelise dos casos

colhidos junto ao nosso conjunto documental

242

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 69 243

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 244

AHU ndash PE Cx 108 D8371

75

3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE

PRODUTOS

31 As mercadorias

Agora que jaacute vimos as possiacuteveis rotas percorridas pelos grupos de contraventores

podemos nos ater aos casos e mercadorias que nelas circulavam Como jaacute dito anteriormente

a fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral era restrita ao porto de Recife e lembramos ainda que

apesar da Companhia natildeo deter o monopoacutelio para o comeacutercio realizado nos sertotildees a partir do

ano de 1770 a empresa de maneira geral iraacute encarar todo o comeacutercio realizado fora do porto

do Recife como passiacutevel de ser enquadrado em crime de contrabando Dessa forma podemos

observar junto a nossa documentaccedilatildeo um aumento no volume de apreensotildees a mercadorias e

embarcaccedilotildees apoacutes 1770 bem como um maior empenho das autoridades locais na repressatildeo

de tal praacutetica

O que podemos afirmar atraveacutes da investigaccedilatildeo eacute que na verdade os chamados ldquoportos

livresrdquo tambeacutem seratildeo afetados pela poliacutetica monopolizadora da Companhia Geral pois na

verdade o problema maior natildeo se encontrava na realizaccedilatildeo do comeacutercio nestas regiotildees que

como jaacute vimos existia muito antes da fundaccedilatildeo da empresa Mas sim no destino que essas

mercadorias tomavam vindo invariavelmente inundar a praccedila mercantil de Pernambuco com

produtos bem mais em conta do que os vendidos pela empresa A preocupaccedilatildeo tambeacutem se

dava em sentido contraacuterio ou seja com os produtos que saiam de Pernambuco e iam

abastecer a Praccedila baiana sem passar pelas matildeos da Companhia ou mesmo se isentando de

pagar os direitos dos contratos reais

Os produtos que circulavam entre as duas praccedilas eram diversos Iam e vinham para os

portos de Pernambuco e Bahia uma grande sorte de mercadorias Satildeo aproximadamente 19 o

total de ocorrecircncias no nosso conjunto documental onde constam informaccedilotildees precisas sobre

o material apreendido nas embarcaccedilotildees capturadas pelas autoridades Alguns desses casos

possuem em seus anexos a lista de carga ou relaccedilotildees de carga onde ficam registrados todos os

produtos transportados por aqueles barcos bem como os locais de onde vieram estas

mercadorias Nelas tambeacutem eacute possiacutevel encontrar dados sobre valores unitaacuterios e totais e ainda

a respeito de quantidades

76

Eacute possiacutevel identificar a origem do produto atraveacutes do selo da alfacircndega que nele

consta natildeo era raro que o material potencialmente descaminhado chegasse sem selo algum o

que tambeacutem eacute reportado pelas autoridades quando expediam as tais listas de cargas Em nossa

documentaccedilatildeo contamos com seis relaccedilotildees de cargas que continham produtos que foram

apreendidos pelas autoridades pernambucanas por suspeita de contrabando com selos da

alfacircndega da Bahia Tomaremos como exemplo do tracircnsito de produtos entre Bahia e

Pernambuco trecircs casos deste total a fim de ilustrar a grandiosidade deste comeacutercio

A primeira lista diz respeito a uma sumaca que em 1779 foi apreendida na praia de

Pau Amarelo em Pernambuco onde estava trocando as suas fazendas de contrabando por

gecircneros da terra ldquocomo fosse tabaco sola e melrdquo 245

Boa parte da carregaccedilatildeo desta sumaca

estava sem selo ou seja eram mercadorias que aleacutem de adentrarem ilegalmente no territoacuterio

da Companhia Geral vinham sem pagar dinheiro algum a Fazenda Real Tambeacutem foram

encontrados produtos selados pela Alfacircndega de Lisboa Segue relaccedilatildeo dos produtos

confiscados que vinham com o selo da Alfacircndega da Bahia 246

Tabela 1 - Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau Amarelo)

QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO

UNITAacuteRIO

PRECcedilO

TOTAL

6

Peccedilas de Camas Listradas 800 reacuteis 48000 reacuteis

1

Peccedila de tafetaacute azul com 21 cocircvados

240 reacuteis 21840 reacuteis

1 Retalho de druguete pardo com 15

cocircvados

300 reacuteis 4500 reacuteis

22

Peccedilas de fitas matizes 1600 reacuteis 35200 reacuteis

Fonte AHU ndash PE CX 132 D 9955

A segunda ocorrecircncia versa sobre uma embarcaccedilatildeo apreendida no mesmo ano de

1779 em Sirinhaeacutem jurisdiccedilatildeo de Pernambuco Os documentos natildeo trazem muitos detalhes

sobre o caso sabemos apenas que o mestre da embarcaccedilatildeo se chamava Antocircnio Pereira mas a

lista de cargas revela a suntuosidade deste comeacutercio Consta nessa relaccedilatildeo anexa ao

245

AHU ndash PE CX 132 D 9955 246

Medidas-padratildeo comumente utilizadas nas tabelas que trabalharemos Braccedila - 184 centiacutemetros

Cocircvados - 66 centiacutemetros Palmo ndash 22 centiacutemetros Varas - 110 centiacutemetros

77

documento nada menos que 151 tipos de produtos diferentes a exemplo do caso anterior a

maior parte estava sem selo As mercadorias que tinham selo da Alfacircndega da Bahia

encontram-se na tabela abaixo

Tabela 2 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia (Sirinhaeacutem)

QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO

UNITAacuteRIO

PRECcedilO

TOTAL

4 Peccedilas de cadiaez

800 reacuteis 3200 reacuteis

6 Peccedilas de riscado de Dio

1280 reacuteis 7680 reacuteis

6 Peccedilas de riscado de Surrate

1280 reacuteis 7680 reacuteis

43 Varas de pano de linho ordinaacuterio

180 reacuteis 7740 reacuteis

4 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com

73 varas

180 reacuteis 13140 reacuteis

5 Peccedilas de tustatildeo

Natildeo consta 17500 reacuteis

9 Varas de esguiatildeo ordinaacuterio

Peccedilas de tustatildeo 3150 reacuteis

15 Lenccedilos brancos com listras azuis

ordinaacuterios

220 reacuteis 3300 reacuteis

8 Peccedilas de riscado de Dio

1280 reacuteis 10240 reacuteis

29 Peccedilas de riscado de Surrate

1280 reacuteis 37120 reacuteis

16 Peccedilas de riscado de Linho

1800 reacuteis 28800 reacuteis

1 Peccedilas de Chita da Iacutendia

Natildeo consta 6000 reacuteis

8 Peccedilas de Chita do Norte com 64

cocircvados

2000 reacuteis 4000 reacuteis

1 Retalho de Serafina Azul com 6 cocircvados

220 reacuteis 14080 reacuteis

78

1 Retalho de Durante branco com 4

cocircvados

160 reacuteis 960 reacuteis

1 Retalho de doruguete verde traccedilado 4

cocircvados

75 reacuteis 300 reacuteis

64 Peccedilas de Balagarte

100 reacuteis 400 reacuteis

1 Peccedilas de baeta verde com 54 cocircvados

800 reacuteis 51200 reacuteis

2 Peccedilas de fita de listra azul encarnado

380 reacuteis 21280 reacuteis

2 Retalho de pano de linho ordinaacuterio com

54 varas

300 reacuteis 600 reacuteis

48 Peccedilas de Cadiaez pequenas

180 reacuteis 7720 reacuteis

21 Pares de meias de linhas

800 reacuteis 38400 reacuteis

6 Peccedilas de lenccedilo ordinaacuterio com 60 lenccedilos

240 reacuteis 5040 reacuteis

1 Retalho de brim de flores com 40

cocircvados

160 reacuteis 9600 reacuteis

10 Chapeacuteus de baeta

100 reacuteis 4000 reacuteis

17 Lenccedilos azuis de tabaco

360 reacuteis 3600 reacuteis

1 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com

34 varas

160 reacuteis 2720 reacuteis

1 () 27 varas

180 reacuteis 1755 reacuteis

5 Peccedilas de Chita da Costa

180 reacuteis 4860 reacuteis

4 Peccedilas de cadiaez 3000 reacuteis

15000 reacuteis

1 Incetada de pano de linho ordinaacuterio com

72 varas

800 reacuteis 3200 reacuteis

79

1 Peccedilas de brim cru de 48 cocircvados 180 reacuteis

4320 reacuteis

1 Peccedilas de estufo de latilde encarnado 40

cocircvados

90 reacuteis 10000 reacuteis

1 Peccedilas de carro de ouro com 40 cocircvados

250 reacuteis 20000 reacuteis

16 Peccedilas de riscado Surrate

500 reacuteis 20480 reacuteis

13 Peccedilas de riscado de Dio

1280 reacuteis 16640 reacuteis

1 Peccedilas de Riscado de Linho

Natildeo consta 1800 reacuteis

33 Peccedilas de cadiaez

800 reacuteis 26400 reacuteis

2 Peccedilas de Chita

2000 reacuteis 4000 reacuteis

7 Peccedilas de Chita da Costa

3000 reacuteis 21000 reacuteis

1 Peccedilas de lenccedilos encarnados ordinaacuterios

de tabaco

160 reacuteis 1600 reacuteis

1 Peccedilas de boceta

Natildeo consta 900 reacuteis

1 Peccedilas de chita azul do norte com 22

cocircvados

220 reacuteis 4840 reacuteis

1 Retalhos de linho ordinaacuterio com 34

varas

180 reacuteis 6120 reacuteis

5 Chapeacuteus de baeta

300 reacuteis 1500 reacuteis

44 Peccedilas de pano de linho ordinaacuterio com

2052 varas

180 reacuteis 369360 reacuteis

46 Peccedilas de bertanha de Hamburgo

1200 reacuteis 55200 reacuteis

80

9 Peccedilas de Hamburgo ou aniagem

100 reacuteis 53700 reacuteis

6 Peccedilas de Riscado Patavar

2000 reacuteis 12000 reacuteis

3 Peccedilas de Riscado de Patavar

Natildeo consta Natildeo Consta

Fonte AHU ndash PE Cx133 D 9966

Por uacuteltimo trazemos o caso de uma sumaca que segundo consta vinha do porto de Una

carregada de caixas de accediluacutecar junto a duas jangadas De acordo com o governador de

Pernambuco a eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses relator do caso a Coroa ainda natildeo havia sido

possiacutevel identificar quem era o dono da dita embarcaccedilatildeo mas os produtos vinham em sua

maioria com selo da Alfacircndega da Bahia Satildeo eles

Tabela 3 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una)

QUANTIDADE LISTA DOS PRODUTOS PRECcedilO

UNITAacuteRIO

PRECcedilO

TOTAL

13 Peccedilas de Chitas da Iacutendia Ordinaacuterias

4000 52000

78

Panos da Costa 640 49920

5

Maccedilos de fitas de linho 2400 12000

1315

Duacutezia de facas flamengas 640 84160

555

Peccedilas de Linhas de Surrales 1300 721500

421

Peccedilas de Bertanhas de Hamburgo 1200 715700

56

Peccedilas de Paniclos 1200 67200

5 Duacutezias e 5 de peles de Marroquins

6400 34665

26

Peccedilas de Chitas de Surrates 1600 41600

129

Meias peccedilas de cadeas 1300 167700

81

5

Peccedilas de Linhas de Dio 2000 10000

13

Peccedilas de Procoloacutes 1300 16700

96

Covados de Chitas do Norte 320 30720

1

Peccedilas de Druguete Rei 6000 6000

1

Peccedilas de Berlanha de Holanda 2000 2000

8

Lenccedilos Vermelhos 320 2560

8

Peccedilas de camas lavradas 10000 80000

8

Varas de Esguiatildeo 480 4080

55

Covados delu felaacute 360 1980

8

Covados de Durante 240 1920

5

Covados de Sarja 320 1600

10

Varas de estamanha 400 4000

823

Covados de Camelatildeo 180 148140

1065

Varas de pano de linho da Ilha 180 192240

855

Covados de Serquilha da Ilha 120 10260

13435 Varas de pano de linho

300 403050

38

Peccedilas de Cadeaacutes 2400 91200

6

Covados de baeta com xeste 500 3000

22 Resmas de papel florete 1000 22000

82

4

Peccedilas de Linhas Patavares 2000 8000

582

Annas de Amburgo 160 93120

79

Covados de Serguilha de Franccedila 400 31600

15

Varas de Crez 100 1500

Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9245

Podemos perceber atraveacutes das listas aqui expostas a grande variedade de produtos que

circulavam entre Bahia e Pernambuco Outro dado relevante que conseguimos inferir atraveacutes

das tabelas eacute de que esse comeacutercio descaminhado estava conectado aos circuitos mercantis

atlacircnticos o que pode ser constatado pela grande variedade de gecircneros europeus constantes

nas cargas As fazendas europeias sobretudo os tecidos que aparecem em grande monta nas

listas de carga aqui transcritas eram necessaacuterios para a realizaccedilatildeo de trocas e vendas pelos

efeitos da terra Aleacutem das fazendas jaacute citadas caixas de accediluacutecar madeira tabaco escravos

mel sola e couro seratildeo uma constante na documentaccedilatildeo

A relaccedilatildeo aqui demonstrada natildeo daacute conta da grande diversidade de produtos que

transitavam entre as duas praccedilas enfatizamos apenas aqueles que aparecem em maior grau na

documentaccedilatildeo trabalhada 247

Devemos atentar tambeacutem que para efeitos praacuteticos soacute

colocamos em nossas listas de cargas produtos que vinham selados pela Alfacircndega da Bahia

mas muito provavelmente os produtos destas embarcaccedilotildees que vinham sem selo tambeacutem

fossem provenientes das paragens soteropolitanas e de seus interiores como acontece em

outros casos do nosso acervo documental 248

Em algumas ocorrecircncias junto a descriccedilatildeo das cargas constavam tambeacutem as marcas

de seus carregadores Era comum que comerciantes possuiacutessem uma espeacutecie de marca ou

247

Os documentos que fundamentam este tracircnsito satildeo numerosos e encontram-se disponiacuteveis no AHU PE AL

e BA e nos arquivos da ANTT 248

Muitos produtos de embarcaccedilotildees provenientes da Bahia chegavam ateacute Pernambuco sem selo algum Vale

ressaltar que durante boa parte do seacuteculo XVIII Salvador funcionou como um centro distribuidor dos panos

indianos produto essencial para a compra de escravos na regiatildeo da Aacutefrica Centro-Ocidental Essas fazendas

chegavam ateacute capitania baiana atraveacutes de uma rede de contrabando que ligava diretamente as possessotildees

portuguesas da Ameacuterica e da Aacutesia Sobre isto ver ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica

Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares

Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013

83

siacutembolo que eram inseridas em suas mercadorias para identificar seus produtos e facilitar as

transaccedilotildees junto a seus comissaacuterios e representantes Na nossa documentaccedilatildeo essas marcas

aparecem principalmente nas situaccedilotildees onde as investigaccedilotildees aconteceram de maneira mais

acurada Nesses casos aleacutem de relacionar as mercadorias colocava-se ao lado o siacutembolo ou

marca que nele aparecia e se possiacutevel o nome do dono Nem sempre as autoridades eram

capazes de identificar a quem pertencia determinada marca ou siacutembolo devido a

grandiosidade do mercado e de serem muitos os comerciantes atuantes na capitania

Figura 1 ndash Exemplo de marcas encontradas na documentaccedilatildeo (destacados)

Fonte AHU- PE Cx 137 D 10234

Infelizmente nem todos os relatos de contrabando trazem grande riqueza de detalhes

acerca dos eventos Isto porque nem sempre se faziam as devassas dessas embarcaccedilotildees

apreendidas e tambeacutem porque boa parte desses barcos citados pelos agentes reais natildeo

chegaram de fato a serem confiscados apenas tendo estes oficiais notiacutecias sobre os

descaminhos No entanto possuiacutemos alguns casos no nosso acervo que nos fornecem maiores

informaccedilotildees e que nos parecem ser importantes para a visualizaccedilatildeo de um panorama mais

abrangente da natureza dos descaminhos praticados nestas paragens Para efeitos praacuteticos os

organizaremos aqui sobre a forma de tabela

84

Tabela 4 ndash Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas

Legenda PO = Porto de Origem P A = Porto de Apreensatildeo P D = Porto de Destino Fonte AHU

ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 133 D 10003 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash BA Cx 181

D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 137 D 10197

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria

da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2

Eacute claro que esta tabela natildeo eacute capaz de expressar todo o volume do comeacutercio abordado

nesta pesquisa nela natildeo constam diversas outras ocorrecircncias que nos utilizamos ao longo da

redaccedilatildeo deste trabalho bem como natildeo demonstra as minuacutecias de cada caso mas ela nos serve

para pensar a ordenaccedilatildeo deste comeacutercio Como podemos observar boa parte das embarcaccedilotildees

NOME TIPO

MESTRE

PILOTOMARINHEIROS DONO P O P A P D

Galiatildeo Navio

Numeriano Gregorio

Joze da Sylva Navio Real Lisboa Recife LisboaO Senhor do Bom Jesus

das Portas Nossa

Senhora do Pilar -

Xibante Sumaca Manoel Francisco Manoel Vieira de Mello Jaguaribe Recife Bahia

Navio Novo Natildeo consta Natildeo consta

Diogo Francisco dos

Santos Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo constaNossa Senhora da

Conceiccedilatildeo Santo

Antonio e Almas Sumaca Joaquim Antonio Antonio Joze Roberto Bahia Goiana Natildeo consta

Aacuteguia do Doiro

Lancha

(pertencente a

corveta da

Companhia

Geral Aacuteguia

do Doiro) Antonio Gomes Viana Navio Real Porto - Portugal Praia da Fortaleza do Brum Natildeo consta

Jaguaribe Sumaca

Antonio Joze dos

Santos

Manoel Roiz

Lemanha e Francisco

de Passos Vianna Natildeo consta

Camarajibe - Distrito de Porto

Calvo Natildeo consta

Sagrada Famiacutelia Sumaca

Manoel Coelhos

Francisco Joze

Cardoso Manoel de

Souza e Henrique

Antonio Natildeo consta Natildeo consta Recife Bahia da TraiccedilatildeoSenhor do Bonfim Santo

Antonio e Almas Sumaca Manoel Pavatildeo Gouvea

Joatildeo Antonio

Rodrigues Natildeo consta Ilha de Santo Aleixo Bahia Nossa Senhora do

Rozaacuterio Flor de Satildeo

Miguel Sumaca Joseacute Gonccedilalves

Comerciante da

Bahia Natildeo consta Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta

Natildeo Consta Sumaca Antonio Dias Santiago

Jacomo Rumachi

Della Praccedila Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta

Natildeo Consta Sumaca

Ignacio Vicente

Fernandez

Joseacute ou Fulano de

Arauacutejo Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta

Natildeo Consta Balsas

Luiz de Franccedila

Cordeiro Manoel de

Jesus Ramos Joseacute

Rodrigues da Silva

Manoel Martins de

Almeida

Manoel Antonio dos

Santos sertatildeo Ilha do Nogueira Bahia

Escuta em Roma Natildeo consta Natildeo consta Joseacute de Aragatildeo Bahia Uma Bahia

85

que se empregavam neste ramo mercantil eram categorizadas como sumacas As sumacas

eram pequenos veleiros utilizados principalmente na navegaccedilatildeo de cabotagem

Em ofiacutecio do ano de 1775 em que o governador de Pernambuco comunica ao

secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar do Reino o envio de homens para a capitania do

Rio de Janeiro este iraacute afirmar que remeteu ldquoAo Marquecircs cento e oito marinheiros a saber

quarenta e oito por quatro sumacas em razatildeo de natildeo haver navio grande que os pudesse

transportar todosrdquo 249

Fazendo uma conta de divisatildeo baacutesica temos como resultado que a

capacidade destas embarcaccedilotildees girava em torno de 12 homens o que nos parece um resultado

bem razoaacutevel e coerente com os casos em que possuiacutemos o nuacutemero de marinheiros por

embarcaccedilatildeo

Neste mesmo documento Joseacute Cesar de Meneses remete mapa das embarcaccedilotildees

marinheiros e pescadores que possuem a capitania de Pernambuco a Corte Declara o

governador haver na ocasiatildeo sessenta e nove sumacas na capitania divididas da seguinte

forma

Tabela 5 - Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos portos do

Brasil

LOCAL QUANTIDADE

RECIFE

52

SIRINHAEM

3

IGARASSU

2

MEIRIM

1

SANTA LUZIA

4

GOIANAITAMARACAacute

2

RIO GRANDE

3

RUSSAS

1

249

AHU ndash PE Cx 120 D 9196

86

PARAIacuteBA

1

TOTAL

69 SUMACAS

Fonte AHU ndash PE Cx 120 D 9196

O documento eacute importante pois nos lanccedila pistas sobre o volume das sumacas

existentes na capitania aleacutem de nos informar que esta era o principal tipo de embarcaccedilatildeo

utilizada pelos comerciantes pernambucanos uma vez que no mesmo mapa na categoria de

ldquoclassesrdquo soacute constam mais dois tipos de barcos as corvetas que estatildeo em nuacutemero de seis e as

galeras com um uacutenico exemplar Ou seja praticamente todo o comeacutercio de navegaccedilatildeo seja

ele liacutecito ou natildeo feito em Pernambuco e suas anexas era realizado atraveacutes das sumacas que

como jaacute visto eram embarcaccedilotildees mais apropriadas para o comeacutercio de cabotagem

32 Os casos

Agora que jaacute sabemos quais produtos circulavam por estas rotas podemos nos deter

com mais detalhes na anaacutelise de alguns dos casos mais peculiares encontrados em nosso

acervo Devemos lembrar que a partir da segunda metade do seacuteculo XVIII a Coroa buscou

controlar de forma mais efetiva suas conquistas no Ultramar O comeacutercio nas colocircnias seraacute

alvo preferencial das poliacuteticas centralizadoras empreendidas neste contexto O ministro de D

Joseacute I iraacute demandar preciosa atenccedilatildeo agrave atividade comercial na tentativa de resgatar e reerguer o

comeacutercio com suas colocircnias o marquecircs buscaraacute se associar ao grupo mercantil que a eacutepoca jaacute

detinha vultosos cabedais passa entatildeo a conceder-lhes favores e privileacutegios antes reservados a

uma elite ligada a terra

O periacuteodo pombalino seraacute marcado pela alianccedila que iraacute unir a Monarquia ao grupo

mercantil 250

As mudanccedilas preconizadas por Pombal seratildeo fundamentais para a integraccedilatildeo

desses homens a chamada elite colonial Neste momento as capitanias mais destacadas do

Norte da Ameacuterica Portuguesa jaacute contavam com uma rede complexa de comeacutercio que se

estendia do Ultramar ao interior como assegura Russel-Woody ao afirmar que ldquoSalvador e

250

SAMPAIO Antonio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio e a coroa na construccedilatildeo das hierarquias sociais O

Rio de Janeiro na primeira metade do seacuteculo XVIII In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs)

Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 2010 P 462-463

87

Recife natildeo se apresentavam mais como meros portos de entrada para pessoas acometidas pela

febre do ouro expandindo igualmente seus alcances em relaccedilatildeo aos mercados internos para

produtos europeus e escravos africanosrdquo 251

Essa nova configuraccedilatildeo social que insere os homens de negoacutecio na elite traraacute junto a

si uma remodelagem nos equiliacutebrios sociais que foram construiacutedos ao longo da colonizaccedilatildeo

O que por ventura iraacute acarretar uma seacuterie de disputas entre os grupos que compunham esta

elite de um lado a nobreza da terra elite tradicional e histoacuterica do outro os homens de

negoacutecio elite mercantil indispensaacutevel para a execuccedilatildeo das reformas empreendidas pelo

governo pombalino O papel da Coroa nesse interim seraacute o de mediar os interesses e

apaziguar os conflitos agindo no sentido de garantir o funcionamento do sistema 252

A dinacircmica do comeacutercio em Pernambuco durante o periacuteodo estudado eacute complexa De

um lado temos um grupo mercantil jaacute bem estabelecido e detentor de amplo capital do outro

lado temos a implementaccedilatildeo na segunda metade do XVIII de dois organismos reguladores

do comeacutercio colonial a Mesa de Inspeccedilatildeo 253

e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba

Instituiccedilotildees criadas pela metroacutepole com o objetivo de assegurar maior controle sobre a

circulaccedilatildeo de riquezas dentro do Impeacuterio Portuguecircs canalizando-as para o Reino

Uma contradiccedilatildeo notoacuteria se estabelece entre os interesses reais e os interesses

coloniais Segundo a documentaccedilatildeo trabalhada e os recentes estudos sobre administraccedilatildeo

portuguesa no Ultramar percebemos que em Pernambuco tambeacutem se desenvolveu o processo

de aparelhaccedilatildeo das instituiccedilotildees administrativas ao atendimento dos interesses locais 254

Longos anos de autonomia das elites de Pernambuco de praacuteticas de direito oriundas de

questotildees especificas do cotidiano da Capitania de formas de realizar a riqueza no acircmbito do

local promoveram como era de se esperar muacuteltiplas reaccedilotildees

No bojo destas questotildees o contrabando como estrateacutegia de se esquivar do controle

imposto pela Coroa ganha forccedila Comecemos entatildeo a tratar sobre o contrabando de caixas de

accediluacutecar um dos produtos mais descaminhados do periacuteodo Muitos senhores de engenho se

251

WOOD-RUSSEL AJR Centros e periferias no Mundo Luso-Brasileiro1500-1808 Revista Brasileira de

Histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 n 361998 P 29 252

SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Op Cit P 462 253

A mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e Tabaco eacute criado em Pernambuco no ano de 1752 a instituiccedilatildeo reguladora

tinha como prerrogativa controlar a qualidade do accediluacutecar e do tabaco produzidos e comercializados na capitania

evitar fraudes e contrabandos agindo ainda na fiscalizaccedilatildeo e fixaccedilatildeo dos preccedilos bem como atuar no sentindo de

aumentar a cultura do accediluacutecar na capitania 254

SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do Recife agrave poliacutetica

pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime poderes e sociedades

Lisboa 2005 P 4

88

arriscaram em transaccedilotildees de venda direta de suas safras a comerciantes baianos Esses

produtores certamente se sentiam vexados em seus negoacutecios com a empresa jaacute que por

muitas vezes a direccedilatildeo da Companhia se negava a pagar o preccedilo estabelecido pela Mesa de

Inspeccedilatildeo bem como pagar os subsiacutedios sobre o produto que eram de sua responsabilidade O

contrabando com a Bahia aleacutem de dirimir os prejuiacutezos desse grupo tinha a vantagem de ser a

feito a dinheiro e natildeo a creacutedito fazendas ou letras como costumava fazer a Companhia

praacutetica que foi arduamente criticada pelos senhores de engenho ao longo do monopoacutelio

daquela empresa

Diversas satildeo as ocorrecircncias encontradas na documentaccedilatildeo que fundamentam nossa

afirmaccedilatildeo O contrabando de accediluacutecar era tatildeo notoacuterio e puacuteblico que no ano de 1780 o

contratador do subsiacutedio de accediluacutecar de Pernambuco pediu auxilio de tropas pagas ao

governador para que seus prejuiacutezos fossem dirimidos Segundo o contratador ele

experimentava muitos prejuiacutezos no dito contrato pois da Bahia vinham muitos barcos ldquoa esta

capitania carregar efeitos para aquela cidaderdquo 255

Afirmando o mesmo que jaacute haviam saiacutedo

naquele tempo de Pernambuco para Bahia ldquoquatro sumacas carregadas aleacutem de uma que

naufragourdquo 256

Ainda no mesmo ofiacutecio o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ter atendido ao

requerimento do contratador lhe concedendo ldquo24 soldados e um cabo os quais seguiram para

a vila das Alagoas a fim de evitar os extravios do accediluacutecarrdquo 257

Chegando a Ilha de Santo

Aleixo foram informados sobre duas sumacas que praticavam o pernicioso comeacutercio uma

das embarcaccedilotildees ldquocom muita prestezardquo conseguiu fugir soacute sendo possiacutevel capturar a outra

Esta outra embarcaccedilatildeo tinha por mestre Manoel Pavatildeo ldquoaquele celebre Pavatildeo que se tem feito

conhecido pelo exerciacutecio de extraviador de accediluacutecares desta capitania para Bahiardquo 258

que

aparece referenciado acima na tabela 1

De fato o nome do piloto Manoel Pavatildeo apareceraacute em outro ofiacutecio um ano antes

quando o Ouvidor das Alagoas Comarca anexa a Pernambuco iraacute relatar ao governador Joseacute

Cesar de Meneses sobre a audaacutecia praticada pelos mestres de embarcaccedilotildees e suas companhias

que se dedicavam ao comeacutercio descaminhado dando destaque naquela situaccedilatildeo para a figura

255

AHU ndash PE Cx 137 D 10197 256

Idem 257

Idem 258

Idem

89

de Pavatildeo O mestre acabou sendo preso naquela ocasiatildeo e condenado a pagar pena na cadeia

de Recife pelo crime de ldquoextraviador de efeitos para fora desta capitaniardquo 259

Segundo a devassa tirada pelas autoridades Pavatildeo era um sujeito de 44 anos casado

branco natural da Ilha de San Miguel e que ldquovivia de andar embarcado por mestre de

sumacasrdquo 260

Haacute dois anos se encontrava empregado no posto de mestre da sumaca

apreendida e durante este tempo fez nela seis viagens Sendo quatro viagens para as Alagoas

aportando em Jaraguaacute e duas viagens a Cururipe lugares do governo da capitania de

Pernambuco No processo tambeacutem consta que o mestre carregara durante essas seis viagens

90 caixas de accediluacutecar bem como madeiras que foram desembarcadas as primeiras levas no

Trapiche de Maciel (Bahia) e a uacuteltima a bordo de um navio no porto da Bahia estrateacutegia

utilizada pelo piloto para fugir da fiscalizaccedilatildeo que o governador baiano estava promovendo na

ocasiatildeo

Quando da ldquotomadia da sumacardquo em que era mestre a dita estava carregada com dez

caixas de accediluacutecar 261

que segundo Pavatildeo seriam levadas a Bahia mas antes ele pretendia fazer

uma parada no porto de Cururipe a fim de carregar madeiras O caso de Pavatildeo natildeo foi

exceccedilatildeo em nosso acervo contamos com outros documentos em que mestres ou marinheiros

destas sumacas acabam sendo detidos e se inicia processo investigativo para posterior

julgamento esse tipo de documento atesta como este ramo potencialmente ilegal do

mercadejar acabou se tornando meio de vida para uma parcela significativa de indiviacuteduos que

engendrados em suas teias faziam da ilicitude rotina Como no caso de Pavatildeo que como era

sabido pelas autoridades reais ldquohaacute anos se ocupardquo do exerciacutecio de extraviador

Muitos foram os ofiacutecios trocados entre as autoridades pernambucanas e a Corte a

respeito das medidas para tentar evitar o grande extravio de accediluacutecar durante o periacuteodo Em

ofiacutecio do ano de 1778 por exemplo o governador Joseacute Cesar de Meneses se queixaraacute da

ldquoescandalosa relaxaccedilatildeo com que nesta capitania se estatildeo fazendo os maiores contrabandos e

extravios de accediluacutecar e outros gecircnerosrdquo 262

que tinham como destino ldquoo porto da Bahia e outros

do continente da Ameacutericardquo 263

Para continuarmos no ano de 1778 em ofiacutecio enviado ao

Reino pelo ouvidor da Comarca das Alagoas este iraacute afirmar que na praia da Barra-Grande

haviam cerca de 100 caixas de accediluacutecar apreendidas a diversos comerciantes que a direccedilatildeo da

259

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 260

Idem 261

O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria

no momento da apreensatildeo 262

AHU ndash PE Cx 131 D 9892 263

Idem

90

Companhia deveria ldquomandar conduzir sem perda de tempo por seu proveitordquo 264

jaacute que as

mesmas estavam mal condicionadas e corriam o risco de se estragar

Em outro ofiacutecio em que trata do mesmo tema o ouvidor daacute detalhes sobre os

descaminhos de accediluacutecar realizados atraveacutes da Ilha de Santo Aleixo e da freguesia de Una

relatando a ousadia desses grupos que se utilizavam de diversas artimanhas para se verem

livres dos embaraccedilos causados no caso de apreensatildeo Afirma o oficial que os grupos

envolvidos naquele tipo de comeacutercio estavam ldquocada vez mais animados e atrevidos procuram

a saiacuteda dos efeitos por todos os modos e artes e forccedila pois jaacute se preparam armados e

associados para resistiremrdquo 265

A audaacutecia destes homens era tamanha que por vezes mesmo

apoacutes a apreensatildeo de seus barcos e caixas de accediluacutecar se empenhavam de todos os modos para

recuperar as mercadorias ou simplesmente fugir da tutela das autoridades como podemos

perceber em dois casos relatados pelo mesmo ouvidor da Comarca de Alagoas

O primeiro diz respeito a uma sumaca de invocaccedilatildeo Nossa Senhora do Rosaacuterio Flor de

Satildeo Miguel de quem era dono um comerciante na Bahia Ao entrar no porto de Barra Grande

a sumaca passou por fiscalizaccedilatildeo do meirinho geral da correiccedilatildeo que lhe apreendeu doze

caixas de accediluacutecar 266

bem como por medida de precauccedilatildeo e seguindo as ordens do ouvidor lhe

foi retirado o leme e colocado em poder de um morador da praia vizinha O ouvidor durante

este processo prontamente fez expedir ordem para o procurador da Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba por em arrecadaccedilatildeo as caixas de accediluacutecar apreendidas No entanto a

astuacutecia dos contrabandistas era tanta que ldquoem noite de 3 de abril precedente o mestre e a

maior parte de sua companhia vieram a terra e violentamente arrancaram o leme e

conduzindo-o a bordo levantaram acircncorardquo 267

de acordo com o ouvidor seguiram para a ldquoIlha

de Santo Aleixo porto livre e seguro destes levantadosrdquo 268

O segundo caso relatado eacute ainda de maior atrevimento Duas sumacas pertencentes a

comerciantes da Praccedila pernambucana ambas com despacho para Bahia deram fundo no porto

de Santo Antocircnio Grande Passando pela fiscalizaccedilatildeo se apreendeu junto a primeira sumaca

30 caixas de accediluacutecar jaacute a segunda ldquose achava em lastrordquo 269

ou seja estava naquele momento

sem mercadorias Na tentativa de se prevenir possiacuteveis fugas as autoridades retiraram os

264

AHU ndash AL Cx 3 D220 265

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 266

O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria

no momento da apreensatildeo 267

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 268

Idem 269

Idem

91

panos das velas das duas embarcaccedilotildees e mais uma vez foi comunicado a Companhia a

apreensatildeo das duas embarcaccedilotildees

O mestre da segunda embarcaccedilatildeo requereu diversas vezes autorizaccedilatildeo para carregar

em Pernambuco ldquoe por que se obrigou a dar fianccedila o procurador da Companhia nesta feacute lhe

baldeou para a sumaca as 30 caixas apreendidas na outrardquo 270

no entanto antes que se

concluiacutesse a carga o mestre e o restante dos marinheiros foram a terra e arrombaram a casa do

depoacutesito ldquodonde sacaram o pano que conduzido a bordo e acabado de carregar com caixas dos

contrabandistas deram a vela para a cidade da Bahiardquo 271

tudo isto ocorreu durante a noite

agindo o grupo sem ser percebido

Em ofiacutecio tambeacutem do ano de 1778 da Junta da Companhia em Portugal enviada ao

governo de Pernambuco eacute relatado caso de semelhante audaacutecia Afirma a Junta que estando

duas sumacas no Cabo de Agostinho em Pernambuco carregando caixas de accediluacutecar e outros

efeitos foi o Guarda Mor da praccedila ateacute elas fazer a apreensatildeo do dito material no entanto o

mestre da primeira sumaca em que entrou o Guarda ldquonatildeo soacute o resistiurdquo 272

a apreensatildeo como

tambeacutem apoacutes iccedilar a vela da embarcaccedilatildeo quis lanccedilar o Guarda Mor ao mar o que soacute natildeo fez

ldquopor compaixatildeordquo 273

o mandando lanccedilar em terra

Neste mesmo documento eacute relatada outra artimanha utilizada pelos contraventores

Nele eacute narrado que sendo apreendido um barco que tinha como porto de origem a Bahia

carregado com 37 caixas um feixe e um cunhete de accediluacutecar e mais 126 couros salgados na

embarcaccedilatildeo foram encontrados ldquodois despachos um de madeira para a dita cidade e outro

para o caso de ser apreendido dizer que trazia os ditos efeitos para Pernambucordquo 274

O mestre

desta embarcaccedilatildeo segundo as autoridades era um contrabandista experiente no mesmo ano

segundo consta no documento o tal mestre havia desembarcado perto da praia de Maria de

Farinha em Pernambuco ldquofazendas e escravosrdquo 275

Parece que a fuga da tripulaccedilatildeo apoacutes a apreensatildeo natildeo era coisa rara pois encontramos

em 1769 relato do governador de Pernambuco a eacutepoca o Conde de Povolide afirmando que

havia expedido ordens para que se apreendesse uma sumaca que estava no porto de

Camaragibe carregando caixas de accediluacutecar enviando para tal serviccedilo o Porta Bandeira

Francisco de Oliveira Chegando ao local o oficial fez o sequestro da embarcaccedilatildeo que no

270

Idem 271

Idem 272

AHU ndash PE Cx128 D 9737 273

Idem 274

Idem 275

Idem

92

momento da apreensatildeo estava carregada com 18 caixas e dois feixos de accediluacutecar 276

e prendeu

na mesma ocasiatildeo o mestre da embarcaccedilatildeo o senhor Joseacute dos Santos

No entanto por ldquodescuidordquo ou ldquomaliacuteciardquo dos sentinelas que faziam a guarda do preso

este conseguiu escapar indo ateacute sua sumaca e empreendendo fuga Poreacutem ldquoao sair da baiacutea

pela perturbaccedilatildeo que lhe causava a fuga deram em uns recifes de pedrasrdquo 277

Mesmo assim a

tripulaccedilatildeo conseguiu fugir utilizando as lanchas da embarcaccedilatildeo ldquotomando o caminho da

Bahia fugitivosrdquo 278

Os oficiais reacutegios envolvidos no caso tentaram ainda ir atraacutes da

tripulaccedilatildeo mas natildeo foi possiacutevel ldquopor irem jaacute mui avanccedilados na retiradardquo 279

ficando para traacutes

apenas um marinheiro ldquoque cansou no caminhordquo 280

e que foi levado para a cadeia da vila

Por vezes os contrabandos de accediluacutecar e de outros gecircneros entre as capitanias de Bahia

e Pernambuco iratildeo gerar certo conflito entre as autoridades das capitanias vizinhas que ao

que a documentaccedilatildeo tem nos mostrado usualmente discordavam sobre a questatildeo dos limites

territoriais e fiscais circunstacircncias e locais que caracterizavam o contrabando Devemos levar

em conta que as situaccedilotildees de mercado de Bahia e Pernambuco a eacutepoca eram bastante

distintas pois mesmo tendo sido capital da colocircnia ateacute o ano de 1763 e importante praccedila

comercial durante o XVIII a Bahia natildeo contava com uma companhia monopolizadora tendo

como instituiccedilatildeo fiscalizadora apenas uma Mesa de Inspeccedilatildeo 281

Dessa forma natildeo estava a

Bahia sujeita as regulamentaccedilotildees e restriccedilotildees comerciais impostas a Pernambuco e suas

anexas

Vejamos com maiores detalhes o caso da sumaca Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo Santo

Antocircnio e Almas conhecida com a ldquoescorregardquo que foi uma dessas ocorrecircncias envolvendo

controveacutersias entre as autoridades de Bahia e de Pernambuco arrolada por noacutes O imbroacuteglio

comeccedila com a apreensatildeo da embarcaccedilatildeo no dia dois de abril de 1780 quando o entatildeo

governador da capitania pernambucana Joseacute Cesar de Meneses apoacutes receber denuacutencia do

Intendente da Companhia Geral acerca de uma sumaca vinda da Bahia que estava ancorada

276

O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria

no momento da apreensatildeo 277

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 278

Idem 279

Idem 280

Idem 281

Sobre isto ver KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da

Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime

poderes e sociedades Lisboa 2005 P 1

93

no distrito de Goiana a carregar caixas de accediluacutecar envia um tenente e oito soldados de tropas

pagas ao local para fazer a apreensatildeo e tomar as providecircncias cabiacuteveis 282

Apoacutes a apreensatildeo a embarcaccedilatildeo que pertencia ao negociante baiano Antocircnio Joseacute

Roberto eacute enviada para a Vila de Recife onde Joseacute Cesar solicita que o juiz de fora do local

faccedila inventaacuterio de toda a carga confiscada Depois desse primeiro passo as caixas de accediluacutecar

encontradas na embarcaccedilatildeo satildeo avaliadas pelo presidente da Mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e

Tabaco e por fim a carga completa eacute enviada para os depoacutesitos da Companhia Geral que seria

depositaacuteria da mesma ateacute o momento da decisatildeo real No momento da apreensatildeo a sumaca

estava carregada com 81 caixas de accediluacutecar escravos cunhetes feixos de accediluacutecar e outras

miudezas como ldquoum barril de mel latas de tabaco duas peccedilas de cetim azul com flores

brancasrdquo 283

a lista de ldquomiudezasrdquo eacute grande assim como a confusatildeo gerada pelo caso

A carga retida era significativa o inventaacuterio expotildee que as mercadorias pertenciam a

carregadores diversos o que iraacute dificultar a identificaccedilatildeo destes homens aleacutem disso esta

tarefa se tornava mais complicada ldquopor costumar ser aqueles homens sertanejos que dela vem

de partes muito remotas a comprar fazendas para andarem mascateando pelos dilatados

sertotildees deste continenterdquo 284

As autoridades locais natildeo foram capazes de reconhecer todas as

marcas inseridas nos produtos e nem o dono da embarcaccedilatildeo se demonstrou interessado em

colaborar

Destacamos que a sumaca tambeacutem estava transportando passageiros que levavam

consigo cargas particulares este fato intricou ainda mais o processo pois se fez necessaacuterio

separar e inventariar estes volumes tambeacutem Os produtos e mercadorias transportados por

aquelas pessoas eram diversos A lista incluiacutea artigos como couros farinha manteiga armas

somas em dinheiro entre outros Alertamos tambeacutem para a presenccedila de carga humana o

capitatildeo Gabriel Alvarez Lima por exemplo levava ldquo17 escravos novos a saber 9 fecircmeas e 8

machosrdquo 285

outro viajente o Sr Antocircnio Pereira de Melo carregava ldquo7 escravos novos e um

ladinordquo 286

aleacutem destes dois exemplos no momento da apreensatildeo outros passageiros tambeacutem

transportavam na ldquoescorregardquo seus escravos particulares

Respondendo ao primeiro contato do governador pernambucano o Conselho

Ultramarino em 9 de julho de 1780 aprova suas accedilotildees e demandam que toda a carga fosse

282

AHU- PE Cx 136 D 10147 283

AHU- PE Cx 137 D10234 284

AHU- BA Cx 181 D 13481 285

AHU- PE Cx 136 D 10147 286

Idem

94

transferida para posse do desembargador intendente geral dos contrabandos ateacute que a devassa

iniciada na Bahia estive concluiacuteda Paralelamente a devassa baiana Joseacute Cesar lanccedila

instruccedilotildees para que o ouvidor da Paraiacuteba instaure na comarca tambeacutem uma devassa para

averiguar o caso Neste interim o dono da embarcaccedilatildeo o Sr Antocircnio Joseacute Roberto solicita

ao governador que a sumaca lhe fosse devolvida para que ele natildeo amargasse tantas perdas

com a embarcaccedilatildeo parada O pedido eacute atendido mediante pagamento da quantia de um conto e

vinte e cinco mil reis segurado por ldquofiadores idocircneosrdquo da praccedila Vale ressaltar que junto ao

valor da embarcaccedilatildeo se acresceu o valor de quatro escravos ldquoa ela pertencentesrdquo 287

Natildeo temos conhecimento a respeito da devassa iniciada pelo ouvidor da Paraiacuteba nem

mesmo se em algum momento ela chegou a se realizar 288

Jaacute sobre a devassa ocorrida na

Bahia possuiacutemos maiores detalhes A embarcaccedilatildeo que tinha como mestre no momento da

apreensatildeo Joaquim Antocircnio recebeu guia autorizando sua partida de Salvador em lastro isto

eacute sem mercadorias Durante o periacuteodo de averiguaccedilatildeo da situaccedilatildeo o dono da sumaca foi

preso no entanto antes que se fosse decidido sobre os rumos do processo o mesmo pagou

fianccedila e foi liberado 289

Durante o processo de devassa foi lavrado um libelo acusatoacuterio culpando o reacuteu pelo

crime de contrabando Os ministros que cuidaram do caso afirmavam neste documento que

Antocircnio Joseacute Roberto teria despachado a ldquoescorregardquo em lastro ldquopara vila de Goiana com o

pretexto de ir conduzir efeitos para esta cidaderdquo 290

por isso teria o acusado conseguido junto

agrave alfacircndega passaporte e os despachos necessaacuterios 291

middot No entanto durante a anaacutelise do caso

parece claro para os ministros que o dono da embarcaccedilatildeo havia agido ldquocom dolo manifestordquo

pois ldquofizera navegar por aquele mesmo tempo a dita sumaca carregada de escravos fazendas

caixas de accediluacutecar feixes cunhetes e outras miudezasrdquo 292

das quais natildeo possuiacutea as guias nem

os despachos necessaacuterios

Os ministros tambeacutem afirmam que o porto de Goiana fazia parte da aacuterea monopolizada

pela Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba logo ldquonatildeo podia o reacuteu nem devia fazer

conduzirrdquo 293

da Bahia para laacute as mercadorias encontradas a bordo da sumaca Este fato era de

287

AHU ndash PE Cx 137 D 10234 288

Ateacute o momento soacute foi possiacutevel localizar nos arquivos documentos que atestam a ordem dada pelo governador

Joseacute Cesar de Meneses ao Ouvidor da Paraiacuteba no entanto natildeo sabemos se esta foi atendida nem o que dela se

apurou 289

AHU- BA Cx 181 D 13481 290

Idem 291

Idem 292

Idem 293

Idem

95

conhecimento geral pois existiam ldquomuitas ordens expedidas sobre a mesma proibiccedilatildeordquo por

isso Antocircnio Joseacute Roberto estava ldquoincurso nas penas de perdimento (das mercadorias) e as

mais estabelecidas ao mesmo respeito pelo foral da alfacircndega enquanto aos ditos despachos e

direitos que se deveriam pagarrdquo 294

Fica evidente na documentaccedilatildeo que o comerciante baiano era um homem articulado e

que possuiacutea bons contatos dessa forma o mesmo recorre do libelo acusatoacuterio expedido a

princiacutepio Sua defesa se centrou em trecircs pontos O primeiro deles afirmava que era costume

amplamente praticado principalmente no caso de sumacas despacharem em lastro e depois

receberem mercadorias O reacuteu afirmou que as guias de tais produtos natildeo eram tiradas pois

ldquoera costume praticado por todos natildeo levarem guias das fazendas carregadas para os sertotildees e

lugares onde natildeo haacute alfacircndegasrdquo 295

e declarou ainda que ldquonatildeo haacute proibiccedilatildeo alguma de

carregar fazendas e outros efeitosrdquo 296

para os sertotildees jaacute que estes jaacute tinham pagado os

direitos fazendaacuterios nos seus portos de origem por isso ldquoa todos era permitida essa liberdaderdquo

297

Cabe destacar que no seu discurso de defesa o reacuteu insiste em frisar que o porto de

Goiana era um porto sertanejo logo natildeo sujeito ao monopoacutelio comercial praticado pela

Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto sabia que os limites de accedilatildeo

da empresa natildeo se estendiam as terras dos sertotildees No entanto eacute curioso observar que ainda

em sua defesa o acusado iraacute afirmar ter recebido notiacutecia de ldquopessoas fidedignas de

Pernambucordquo 298

que a Companhia estava extinta e que por isso se animou em carregar sua

embarcaccedilatildeo para a capitania de Pernambuco Tambeacutem declarou a seu favor que quando ficou

sabendo que a empresa ainda existia natildeo vendeu as mercadorias na capitania pernambucana

logo natildeo teria cometido o crime de contrabando

Ora os discursos se natildeo contraditoacuterios ao menos satildeo incongruentes em primeiro lugar

afirmou o negociante que aquele tipo de comeacutercio praticado nos ldquosertotildeesrdquo era livre a todos

depois declarou natildeo ter vendido suas mercadorias em Goiana para natildeo ofender o monopoacutelio

da Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto na tentativa de obter

294

Idem Sobre funcionamento administraccedilatildeo e regulamento da Alfacircndega de Pernambuco no seacuteculo XVIII

consultar OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e

tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash

Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 295

AHU - BA Cx 181 D 1348 296

Idem 297

Idem 298

Idem

96

absolviccedilatildeo a todo custo se utiliza das duas foacutermulas de forma que se a primeira falhasse

ainda ficava o reacuteu resguardado de natildeo ter praticado descaminhos da Real Fazenda

Outro ponto explorado pelos advogados do acusado em sua defesa diz respeito ao fato

de que o Procurador Geral da Companhia o senhor Manoel Joseacute de Carvalho natildeo reclamou

durante o processo de construccedilatildeo da devassa os direitos devidos da empresa no caso mesmo

que este pedido tenha sido feito pelos ministros que julgaram a situaccedilatildeo Natildeo sabemos se por

omissatildeo por conluio ou mesmo por natildeo acreditar ter se cometido no caso o crime de

contrabando o procurador nada declara a favor da empresa

No entanto eacute interessante analisarmos o comportamento do procurador tendo em

vista o principal e uacuteltimo argumento utilizado pelo reacuteu para se ver livre das acusaccedilotildees de

contrabando e descaminhos Afirmara Antocircnio Joseacute Roberto que ldquoa maior parte das caixas de

accediluacutecarrdquo 299

carregadas pela sumaca ldquoiam a entregar a Francisco Joseacute de Fonsecardquo 300

nada

mais nada menos que o proacuteprio tesoureiro da Companhia Geral e os demais efeitos seriam

entregues ldquoa diversas pessoas e negociantes todos moradores na Vila do Reciferdquo 301

De

acordo com o dono da embarcaccedilatildeo esta informaccedilatildeo estava contida nos cadernos que

transportava e posteriormente na relaccedilatildeo da carga feita pelo escrivatildeo da Conservatoacuteria da

Companhia onde era possiacutevel observar que ldquotoda a referida carga era pertencente a pessoas

daquele continenterdquo 302

A defesa do reacuteu parece ter surtido efeito jaacute que Antocircnio Joseacute Roberto foi condenando

apenas ldquono perdimento das fazendas achadas a bordo da sumacardquo 303

isto porque segundo os

ministros julgaram o costume de natildeo transportar guias das fazendas transportadas aos

pequenos portos que natildeo contavam com aparato alfandegaacuterio eram ldquoverdadeiramente abusos

e transgressotildees das reais ordensrdquo 304

Uma vez que era sabido que tirar as guias era necessaacuterio

natildeo soacute para legitimar as descargas dos produtos nos seus portos de destino mas tambeacutem para

que fosse possiacutevel identificar em qualquer parte que ldquotiveram despachos de entrada na

Alfacircndega e pagaram entatildeo os devidos direitosrdquo 305

Fora isso o reacuteu eacute absolvido de todas as acusaccedilotildees contidas no Libelo acusatoacuterio

inclusive do crime de contrabando Aleacutem da perda das fazendas ao acusado eacute ordenado o

299

Idem 300

Idem 301

Idem 302

Idem 303

Idem 304

Idem 305

Idem

97

pagamento das custas do processo 306

Pelo que podemos entender atraveacutes da leitura do

documento os escravos transportados no momento da apreensatildeo natildeo foram apreendidos pela

Real Fazenda provavelmente os ministros aceitaram a defesa do reacuteu sobre esta mateacuteria que

alegava baseado em carta reacutegia de 30 de junho de 1766 e Alvaraacute de 3 de marccedilo de 1770 que

ldquose natildeo devem direitos de saiacuteda de escravos levados para as lavouras e demais serviccedilos das

terras dos recocircncavos e sertotildeesrdquo 307

A sentenccedila inicial eacute contestada pelo reacuteu em sua defesa iraacute afirmar que as fazendas que

estavam sem as devidas guias foram todas compradas a ldquoManoel Duratildees Sampaio o qual a

despachara na alfacircndega e que se achavam seladasrdquo 308

Segundo o comerciante baiano esta

informaccedilatildeo foi omitida na relaccedilatildeo das fazendas feita no ato da apreensatildeo No entanto a

reconsideraccedilatildeo natildeo eacute aceita pelos ministros fica entatildeo decidido que ldquocumpra-se a sentenccedila

embargadardquo e que o reacuteu arque com as custas do processo 309

Pelo exposto ateacute o momento pode-se perceber como a devassa feita na Bahia acaba

por contrariar a apreensatildeo feita pelo governador Pernambucano e as demais autoridades

reacutegias da capitania que primeiro averiguaram o caso e ao que demonstra a documentaccedilatildeo

pareciam natildeo ter duacutevidas quanto agrave existecircncia da praacutetica do contrabando no caso da

ldquoescorregardquo uma vez que Goiana fazia parte do governo de Pernambuco onde a Companhia

Geral exercia seu monopoacutelio desde 1759

A contrariedade de opiniotildees das autoridades eacute notoacuteria Em ofiacutecio enviado ao Reino em

trecircs de outubro de 1780 onde trata sobre as providecircncias tomadas localmente a respeito do

caso Joseacute Cesar de Meneses afirma ter dado ordens ao ouvidor da Comarca da Paraiacuteba para

que se achem ldquoos culpados no contrabando da referida sumacardquo 310

Apoacutes a devassa realizada

na Bahia em 1781 sobre a situaccedilatildeo da ldquoescorregardquo iraacute o governador baiano o Marquecircs de

Valenccedila concluir que ldquopela sentenccedila proferida contra esse reacuteu (Antocircnio Joseacute Roberto) se

conhece bem a razatildeo porque natildeo tiveram descaminhos os reais direitosrdquo 311

Como jaacute dito anteriormente os conflitos entre as autoridades das duas capitanias natildeo

eram raros No ano de 1778 por exemplo o governador pernambucano se queixaraacute dos

306

De acordo com as ordenaccedilotildees Filipinas em Livro III Tiacutetulo LXVII quando proferida a sentenccedila final em

qualquer tipo de caso de todas as qualidades o juiz deveria condenar pelo menos no pagamento das custas do

processo o reacuteu nos casos onde o reacuteu era absolvido o autor do processo deveria arcar com esse custo 307

Idem 308

Idem 309

Idem 310

AHU - PE Cx 138 D 10248 311

AHU - BA Cx 138 D 10248

98

procedimentos adotados pelo administrador da Companhia Geral que por motivo

desconhecido se encontrava na Bahia Joseacute Cesar de Meneses faraacute seacuterias denuacutencias contra o

comportamento do administrador segundo o mesmo ldquoo administrador da Companhia Geral

que estaacute na Bahiardquo onde afirmava o governador natildeo possuir jurisdiccedilatildeo ldquonatildeo cumpre como

deve as suas obrigaccedilotildees nem cuida com verdadeiro zelo nos interesses da companhiardquo 312

O governador ainda afirmaraacute que ldquosoacute o administrador da Bahia eacute que pode com pouco

custo evitar a continuaccedilatildeo dos contrabandos e extravios dos gecircneros desta capitaniardquo 313

Joseacute

Cesar acusava o administrador de natildeo ter interesse em acabar com os contrabandos visto que

para ele a medida mais eficaz para seu combate era o de natildeo permitir a entrada na capitania

baiana dos barcos que saiam ilegalmente de Pernambuco accedilatildeo que segundo o governador natildeo

desempenhava o tal administrador 314

Em ofiacutecio do ano posterior a questatildeo da falta de jurisdiccedilatildeo na Bahia voltaraacute a tona

Segundo Joseacute Cesar o governo da Bahia andava em grande relaxaccedilatildeo no combate aos

contrabandos e ao inveacutes de conter as ilicitudes agia em sentido oposto ldquoautorizando-se a

introduccedilatildeo dos escravos que para ela se transportam da dita cidade (Recife)rdquo 315

Neste

documento como anexo encontra-se guia autorizada pelo governador da Bahia a eacutepoca

Manoel da Cunha Meneses permitindo que um comerciante baiano transportasse para

Pernambuco vinte seis escravos e quatorze escravas Accedilatildeo totalmente proibida pelos estatutos

da Companhia

Eacute patente o desinteresse das autoridades baianas em repreender tais atos O que natildeo

podemos afirmar com total certeza eacute se tal desinteresse estava relacionado aos ganhos

oriundos daquele tipo de comeacutercio para a capitania soteropolitana ou se realmente os agentes

reacutegios baianos acreditavam que aquelas negociaccedilotildees eram de fato legais Nosso palpite

baseado na pesquisa exaustiva aos documentos nos leva a crer que fosse um pouco das duas

coisas Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais nos contrabandos no proacuteximo

capiacutetulo

Retomando a anaacutelise do processo da ldquoescorregardquo conseguimos identificar dentro do

acervo dos avulsos do Arquivo Histoacuterico Ultramarino para Pernambuco uma carta do reacuteu

cerca de quatro meses apoacutes a finalizaccedilatildeo da devassa recorrendo de sua sentenccedila Vale

ressaltar que nesse momento ano de 1781 o monopoacutelio comercial da Companhia Geral havia

312

AHU- PE Cx 131 D 9892 313

Idem 314

Idem 315

AHU- PE Cx 132 D9955

99

sido extinto Neste documento Antocircnio Joseacute Roberto solicita que seja devolvida sua sumaca

com a respectiva carga que lhe foi ldquoinjustamente apreendida no porto de Goianardquo 316

e da

qual ele estava ldquoapartado haacute ano e meiordquo 317

O pedido feito pelo comerciante se respalda na sentenccedila positiva que o mesmo havia

conseguido junto aos ministros responsaacuteveis pela devassa na capitania da Bahia que julgaram

na ocasiatildeo ldquomal feita a tomadiardquo realizada pelo governador pernambucano A carta eacute extensa

e reuacutene coacutepias de outros documentos relativos ao caso o que torna um pouco confusa a

narrativa no entanto nos oferece informaccedilotildees preciosas como por exemplo a indicaccedilatildeo de

que Antocircnio Joseacute Roberto viajou ao Reino para recorrer da sentenccedila pois afirma o mesmo

que na Bahia jaacute havia obtido sentenccedila favoraacutevel e ldquono transporte a esta corte onde haacute dois

meses e meio (estou) como forasteiro diligenciando chegar a real presenccedila de V Majestaderdquo

318 continua afirmando se antepor a sua Majestade ldquopedindo somente justiccedilardquo

319

Recorria entatildeo o comerciante baiano por obter de volta suas caixas de accediluacutecares

couros e solas que estavam retidos nos armazeacutens da ldquoextinta Companhiardquo em virtude dos

muitos ldquoprejuiacutezos que tem sentindordquo 320

aleacutem da carga principal que estava em posse da

Companhia existia tambeacutem uma caixa carregada de fazendas sob os cuidados do

Superintendente Geral dos contrabandos Antocircnio Joseacute Roberto tambeacutem iraacute pleitear a

devoluccedilatildeo deste conteuacutedo Segundo o mesmo a caixa continha ldquouma insignificante porccedilatildeo de

fazendardquo 321

que os ministros haviam se esquecido de julgar e por isso a mercadoria

continuava apreendida a favor da Fazenda Real O argumento utilizado por Antocircnio Joseacute

Roberto na apelaccedilatildeo seraacute o mesmo aplicado durante o processo de devassa onde afirma natildeo

ser costumeiro levar guias de fazendas para ldquoportos onde natildeo haacute alfacircndegardquo 322

Sobre o conteuacutedo existente na caixa iraacute afirmar o comerciante que todas as

mercadorias contidas nela foram ldquodespachadas e seladas pela alfacircndega da Bahiardquo no entanto

a relaccedilatildeo que dela consta em dois documentos que tratam sobre o caso contestam essa

versatildeo Como podemos ver a seguir

316

AHU- PE Cx 0142 D 10475 317

Idem 318

Idem 319

Idem 320

Idem 321

Idem 322

Idem

100

Lista 1 ndash Fazendas encontradas na caixa

RELACcedilAtildeO DAS FAZENDAS CONTIDAS NA CAIXA

Duas peccedilas de cetim azul claro com flores brancas caixa da faacutebrica (real) ndash 101 cocircvados com

armas reais de tinta preta ndash sem selo

Duas peccedilas de camelotildees listrados ndash 80 cocircvados - com selo da alfacircndega da Bahia

Sete peccedilas de chitas encarnadas do norte ndash 170 fardas - seis peccedilas com selo da alfacircndega da

Bahia e uma sem selo

Sete peccedilas da costa - 147 jardas - com selo da alfacircndega da Bahia

Um retalho de riscado de linho - seis cocircvados - sem selo

Cinco pares de meias de algodatildeo velhas

Um lenccedilol de Hamburgo

Trecircs sacos

Duas camisas de estopa velhas

Uma toalha de Hamburgo velha

Um calccedilatildeo de ldquoduraquerdquo

Um atadouro

Duas guarniccedilotildees de camisa de caccedila

Uma caixa de papel

Trecircs navalhas de barba

Uma pedra de afiar

101

Um estojo de baeta

Uma garrafa vazia

Fonte AHU- PE Cx 0142 D 10475 AHU- PE Cx 137 D10234

Como podemos observar a tal caixa continha aleacutem de umas poucas fazendas produtos

para uso pessoal alguns jaacute bastante utilizados No entanto desses poucos tecidos nem todos

apresentavam os devidos selos reais muito provavelmente por este motivo a carga

permaneceu apreendida A apelaccedilatildeo enfaacutetica de Antocircnio Joseacute Roberto pela devoluccedilatildeo

daquele conteuacutedo que ele mesmo declara como ldquoinsignificante resto de fazendasrdquo 323

pode

nos parecer em um primeiro momento estranha mas devemos lembrar que durante todo o

desenrolar do caso o comerciante teve muitos prejuiacutezos jaacute que aleacutem de perder seus produtos

ainda teve que pagar as custas do processo

Aleacutem disso devemos ter em foco que a aquisiccedilatildeo e uso de produtos pessoais no seacuteculo

XVIII se dava de maneira bem distinta dos moldes contemporacircneos A vida uacutetil de peccedilas de

roupa por exemplo era bastante extensa portanto apesar de ldquovelhasrdquo as vestimentas

poderiam continuar a ser utilizadas ainda por um bom tempo Outros objetos como sacos

navalhas garrafa toalhas lenccediloacuteis etc tambeacutem possuiacuteam existecircncia longa sendo utilizados ao

longo de toda a vida Ateacute o momento natildeo conseguimos mapear junto ao nosso conjunto

documental a resposta do Reino a este pedido portanto natildeo temos certeza se ele foi atendido

Aleacutem de revelar aspectos da dinacircmica comercial entre Pernambuco e Bahia durante a

segunda metade do seacuteculo XVIII o caso da ldquoescorregardquo demonstra as disputas de poder

envolvendo as autoridades das capitanias vizinhas resultado de um quadro de sobreposiccedilatildeo de

jurisdiccedilotildees comum em toda a Ameacuterica Portuguesa De acordo com a documentaccedilatildeo a

capitania baiana parece ter saiacutedo ldquovencedorardquo nesta competiccedilatildeo de conflitos de interesses

uma vez que apesar dos esforccedilos empreendidos pelas autoridades pernambucanas no caso

que pareciam estar seguros sobre a existecircncia do crime de contrabando na ocorrecircncia e que

foram responsaacuteveis pela apreensatildeo catalogaccedilatildeo da carga informe sobre a situaccedilatildeo para a

Coroa e primeiras investigaccedilotildees a decisatildeo final ficou cingida aos ministros baianos Ministros

esses que ao julgarem posteriormente o caso acabaram por inocentar o reacuteu do crime de

contrabando

323

Idem

102

O contrabando de couros solas e outros gecircneros vindos do sertatildeo tambeacutem teraacute

destaque junto a documentaccedilatildeo coletada Em ofiacutecio do ano de 1778 o governador de

Pernambuco daacute conta ao Reino da apreensatildeo que fez de uma sumaca que vinda da Bahia foi

capturada no Rio Grande do Norte lugar do governo da capitania de Pernambuco A sumaca

que se chamava ldquoSagrada Famiacuteliardquo ao que consta vinha da Bahia carregada de contrabandos

que ldquoestava trocando nestes portos por diversos gecircneros como fosse tabaco e courosrdquo 324

segundo o documento depois de trocar tais produtos a sumaca iria para Bahia da Traiccedilatildeo

ldquocarregar pau-brasil para alguns dos portos estrangeirosrdquo 325

O governador toma ciecircncia do caso e envia uma tropa para apreender a embarcaccedilatildeo

Como o piloto da mesma ldquoandava oculto nesta praccedila logo que soube do embarque da tropa

partiu a dar aviso a dita sumacardquo 326

assim que souberam da notiacutecia os tripulantes da

embarcaccedilatildeo iccedilaram as velas e tentaram fugir no entanto devido ao pouco vento que se fazia

no momento natildeo conseguiram seguir com a sumaca e a abandonaram no local Parte da

tripulaccedilatildeo conseguiu escapar atraveacutes das lanchas do barco e levaram consigo ldquoalgumas

canastrasrdquo que acreditava o governador serem restos das fazendas de contrabando

A sumaca foi apreendida e levada para o porto do Recife onde foi inventariada pelo

Juiz de Fora da Praccedila No momento da ldquotomadiardquo a embarcaccedilatildeo estava carregada com 1052

arrobas de tabaco 220 couros de boi em cabelo e 11 barris de mel Os cinco marinheiros que

natildeo conseguiram fugir foram levados para Recife e ficaram presos na cadeia da vila onde

responderam a inquiriccedilatildeo feita pelo mesmo Juiz de Fora nos fornecendo maiores detalhes

sobre o caso No mesmo documento tambeacutem constam algumas certidotildees importantes como a

lista de apetrechos do barco o auto de apreensatildeo termo de entrega do barco avaliaccedilatildeo da

carga entre outros

De maneira geral os marinheiros que eram todos portugueses e segundos seus

testemunhos novatos na tripulaccedilatildeo daquela embarcaccedilatildeo iratildeo ao longo das inquiriccedilotildees

apresentar a mesma versatildeo dos fatos com maiores ou menores detalhes Testemunhavam que

estando o barco aportado no Rio Grande do Norte chegou um homem ldquoque se dizia ser piloto

do dito barcordquo 327

informando ao dono da sumaca o senhor Luiz Pereira que o barco seria

apreendido e que eles buscassem fugir poreacutem por falta de vento natildeo foi possiacutevel escapar e

324

AHU ndash PE Cx 129 D 9771 325

Idem 326

Idem 327

Idem

103

logo ldquochegaram trecircs jangadas com soldados e os fizeram conduzir a este porto (do Recife)rdquo 328

onde foram presos

Afirmam tambeacutem que a sumaca apreendida estava naquelas paragens para carregar

ldquofumo e couros em pelordquo Satildeo unanimes tambeacutem os marinheiros em atestar que o barco

naquele tempo natildeo tinha mestre 329

e quem o conduzia era seu proacuteprio dono Luiz Pereira e

ainda que o mesmo natildeo havia declarado a sua tripulaccedilatildeo o porto para onde pretendia seguir

viagem aleacutem disso atestam os tripulantes que a carga encontrada a bordo pertencia somente

ao dono da embarcaccedilatildeo

Os marinheiros asseguram ainda que na mesma jangada na qual o piloto veio dar a

notiacutecia da apreensatildeo ldquofugiram para terrardquo o dono e o dito piloto ldquolevando consigo duas

frasqueiras vazias e uma canastra com um pouco de fazenda resto de negoacutecio que ele dizia

tinha sido comprado a Companhia Geralrdquo 330

Felizmente conseguimos localizar junto ao

nosso conjunto documental cerca de um mecircs apoacutes a apreensatildeo da ldquoSagrada Famiacuteliardquo

requerimento de seus donos pedindo que lhe fossem entregues os gecircneros ou produto deles

devolvendo a embarcaccedilatildeo e ressarcindo a ambos os danos e perdas que tiveram com a

apreensatildeo

Fica esclarecido pois que a sumaca pertencia natildeo soacute a Luiz Pereira mas tambeacutem a

Francisco Joseacute de Melo seu soacutecio Segundo o documento os dois tinham contraiacutedo sociedade

para ldquodos portos daquela capitania carregarem para a praccedila todos os gecircneros e efeitos

permitidosrdquo 331

Afirmam ainda que para isso conseguiram as licenccedilas junto ao governo para

que a tal sumaca pudesse navegar para ldquoqualquer dos mesmos portosrdquo No documento os

donos datildeo detalhes sobre o roteiro de viagem seguido pela embarcaccedilatildeo que primeiramente

navegou com efeitos para Una passando depois para Barra Grande onde ldquoo suplicante tinha

de fazer dar cumprimento as despesas [] contra os seus devedoresrdquo 332

Como natildeo encontraram em Barra Grande carga suficiente seguiram para Barra de

Catuama no Rio de Tejucupapo em Pernambuco ldquoonde aleacutem de alguma lenha farinha e mel

jaacute os suplicantes tinham feito embarcar 200 arrobas de tabaco em corda e 220 couros de boi

328

Idem 329

O marinheiro Manoel de Sousa afirma que quando entrou para tripulaccedilatildeo o mestre da sumaca era Alberto

Vieira morador na praccedila do Recife poreacutem pouco tempo depois o dito mestre foi servir em outra embarcaccedilatildeo

assumindo o dono da sumaca o senhor Luiz Pereira a funccedilatildeo do mestre 330

AHU ndash PE Cx 129 D 9771 331

AHU ndash PE Cx 129 D 9792 332

Idem

104

em cabelordquo 333

mercadorias estas que haviam sido compradas nos arrabaldes de Goiana

Segundo a versatildeo dada pelos donos da Sagrada Famiacutelia a apreensatildeo do barco foi motivada

por uma denuacutencia falsa planejada por seus devedores ldquoescandalizados da cauccedilatildeo que se lhe

faziardquo 334

junto com outros inimigos do suplicante a saber Manoel da Silva Xelas e Manoel

Joseacute da Costa que se ocuparam ldquoem lhe maquinar culpas por que o fizessem prender e

satisfazer assim sua vinganccedilardquo 335

Sobre a sua fuga e tambeacutem a do mestre da embarcaccedilatildeo Luiz Pereira afirma que apesar

de natildeo ter o que recear como ldquoo mal era certo e estava a vista cuidaram em evita-lordquo 336

fugindo dessa forma em outra jangada levando consigo apenas ldquoo triste socorro de duas

canastras com sua roupardquo 337

Continua afirmando que assim que a sumaca foi levada pelos

soldados a Pernambuco logo sua carga foi posta em arrecadaccedilatildeo mesmo que natildeo houvesse

confirmaccedilatildeo nenhuma sobre o contrabando denunciado Segundo o dono da embarcaccedilatildeo ficou

sabendo a apreensatildeo se deu devido a uma falsa denuacutencia de que eles ldquoestavam carregando

naquele porto de Goiana pau-brasil para o conduzirem para as Martinicasrdquo 338

poreacutem no

momento da apreensatildeo natildeo foram encontradas as tais madeiras na sumaca

Reclamam entatildeo os suplicantes que mesmo diante da incerteza da praacutetica de

contrabando e de suas suacuteplicas e contestaccedilotildees as autoridades reacutegias deram seguimento no

processo vendendo a carga do barco Afirmam ainda que enviaram ao governador as licenccedilas

que tinham para comerciar no porto da apreensatildeo 339

como tambeacutem os motivos pelos quais

havia o mestre e o dono do barco fugido na ocasiatildeo poreacutem natildeo foram capazes de ir ao

encontro marcado pelo governador pernambucano para esclarecimentos sobre o caso nem o

mestre nem o suplicante O primeiro porque tinha ido ldquoprocurar sua vida e natildeo lhe

importavam os requerimentos dos suplicantesrdquo 340

e o segundo porque ldquoestava na cidade da

Bahia para onde tinha feito viagem no seu ofiacutecio de pilotordquo 341

Continuam alegando ter sido a apreensatildeo e arremataccedilatildeo feita pelo governador injusta e

apelam agrave Rainha por justiccedila pois perdendo suas fazendas ldquosem culpasrdquo estavam os mesmos

333

Idem 334

Idem 335

Idem 336

Idem 337

Idem 338

Idem 339

Este e outros documentos referentes ao caso estatildeo anexados ao requerimento enviado a Rainha 340

AHU ndash PE Cx 129 D 9792 341

Idem

105

ldquona consternaccedilatildeo de abraccedilarem a miseacuteriardquo 342

uma vez que jaacute natildeo tinham meios de sustentar

suas famiacutelias muito menos de bancarem uma viagem ao Reino para implorarem ldquojusticcedila e a

maternal piedaderdquo 343

da soberana Ao longo do documento os suplicantes o tempo inteiro

reforccedilam a maacutexima de que o contrabando natildeo foi comprovado

Tambeacutem asseguram que a fuga se deu pois quem estava comandando a jangada que

foi fazer a apreensatildeo era Manoel da Silva Xelas inimigo que haacute pouco tempo ldquolhes tinha

segurado que lhe diligenciava a perdiccedilatildeordquo 344

Sustentam ainda que as canastras levadas

possuiacuteam apenas roupas Terminam pedindo que se faccedila justiccedila e lhe entreguem ldquotodos os

gecircneros e efeitos apreendidos ou o seu produtordquo aleacutem eacute claro de solicitarem que o governador

devolvesse a embarcaccedilatildeo Natildeo conseguimos encontrar ateacute o momento a resposta do Reino a

tal solicitaccedilatildeo portanto natildeo sabemos se em algum momento ela foi atendida O relato

demonstra mais uma vez como a definiccedilatildeo do que poderia ser considerado contrabando era

cambiante e dificultosa como podemos ver ao longo desse trabalho vaacuterios foram os casos

onde as autoridades pernambucanas fizeram apreensatildeo e posteriormente os reacuteus apelaram a

instacircncias superiores e conseguiram absolviccedilatildeo de suas penas

Conseguimos mapear mais dois casos relevantes sobre o comeacutercio de couros realizado

atraveacutes dos sertotildees que dividiam Pernambuco e Bahia que merecem ser detalhados pois

revelam detalhes preciosos sobre os circuitos de mercancia do interior 345

Tratam-se de dois

processos crimes dirigidos agrave Conservatoacuteria da Companhia Geral em Lisboa Antes de nos

atermos aos casos cabe uma ressalva para explicar brevemente como se tratavam as mateacuterias

judiciais na empresa Quanto a questotildees de justiccedila a Companhia possuiacutea um juiacutezo privativo

para resoluccedilatildeo de assuntos que lhe dissessem respeito 346

podendo atuar ldquocom jurisdiccedilatildeo

privativa e inibiccedilatildeo de todos os juiacutezes e tribunais [] em todas as causas contenciosas em

que forem autores os reacuteus o provedor deputados secretaacuterios e mais pessoas do serviccedilo da

Companhiardquo 347

A empresa mantinha um juiz conservador em Lisboa responsaacutevel por julgar estas

causas mas as direccedilotildees subalternas como a de Pernambuco tambeacutem possuiacuteam um juiz

342

Idem 343

Idem 344

Idem 345

Os dois processos aqui citados satildeo extensos e possuem etapas e procedimentos burocraacuteticos muacuteltiplos Cada

um conteacutem cerca de 200 laudas com vaacuterias passagens em latim e tracircmites juriacutedicos Por motivos praacuteticos

optamos por fazer pequenos compilados das ocorrecircncias deixando claro que temos ciecircncia sobre a

impossibilidade de qualquer resumo expressar com precisatildeo a complexidade destes casos 346

JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004P 87-88 347

Idem

106

conservador nomeado pela Junta da empresa em Lisboa que estava apto para julgar causas

que envolvessem o montante de ateacute 300$000 reis No entanto os reacuteus poderiam recorrer de

toda forma a conservatoacuteria de Lisboa Dessa forma na maioria dos casos a apelaccedilatildeo a

conservatoacuteria da empresa em Lisboa era o uacuteltimo recurso a que poderiam valer-se os reacuteus

acusados de cometer contrabando

Estas questotildees eram reguladas pelo artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa

nele afirma-se que a Companhia era independente de todos os tribunais maiores e menores

respondendo efetivamente apenas ao Rei Em nenhum caso era admitido que ministros ou

tribunais reais se intrometessem nesta mateacuteria Isto porque o capital formador da Companhia

provinha de pessoas que a princiacutepio natildeo tinham qualquer relaccedilatildeo com a Real Fazenda dessa

forma ficava a empresa livre para ldquodispor de seus proacuteprios bens como lhe parecer mais

convenienterdquo 348

Se algum tribunal ou ministro quisesse obter informaccedilotildees de algo

concernente a administraccedilatildeo da Companhia era necessaacuterio solicitar tais informaccedilotildees a sua

Junta ou as Direccedilotildees subalternas que poderiam ou natildeo deferir tal pedido 349

De acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a empresa possuiacutea uma independecircncia juriacutedica

relativa Jaacute que apesar de natildeo estar subordinada a nenhum outro tipo de tribunal respondia a

administraccedilatildeo da Companhia imediatamente ao Rei que era o responsaacutevel por confirmar as

nomeaccedilotildees feitas pela sua Junta Aleacutem disso segundo o autor os homens nomeados para

exercer a funccedilatildeo de juiacutezes conservadores eram em sua maioria sujeitos envolvidos na

administraccedilatildeo real ocupando cargos na casa de suplicaccedilatildeo ou mesmo no papel de juiz de fora

350

Voltando para os casos o primeiro tem como personagem principal o mestre sapateiro

e comerciante de couros e solas Manoel Antocircnio dos Santos que no ano de 1777 teve 1032

meios de sola apreendidos pelo guarda mor da direccedilatildeo da Companhia chamado Joatildeo Antocircnio

Batista As tais solas estavam distribuiacutedas em cinco balsas que se encontravam no momento

da apreensatildeo quatro na Ilha do Nogueira 351

e uma no rio do Jiquiaacute Durante a accedilatildeo do

confisco boa parte das solas foi molhada tornando-se mais uma pauta para reclamaccedilatildeo do reacuteu

348

Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor

do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Artigo 12 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil

Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 349

No caso de indeferimento cabia recurso ao Rei 350

JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit P 87-88 351

Tambeacutem conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia

Teimosa no Recife Sobre isto ver PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife

2008

107

a Conservatoacuteria lisboeta aleacutem de afirmar natildeo ter praticado contrabando solicitava a

restituiccedilatildeo monetaacuteria da mercadoria avariada pois natildeo restava duacutevida ldquoque aacutegua salgada na

sola faz um grande dano e daqui resulta ou perder-se inteiramente o valor ou ficar diminuiacutedo

em parte muito consideraacutevelrdquo 352

e ainda que ldquoeste contemplado prejuiacutezo causou ao reacuteu o

acelerado procedimento do guarda morrdquo 353

As cinco balsas foram apreendidas pois existia a suspeita de que as mesmas estavam

fora da barra do porto esperando um barco que iria a Bahia transportar as solas e couros no

entanto o barco acabou se atrasando e natildeo partiu na data combinada Sendo assim a versatildeo

das autoridades era de que ldquoas balsas estavam escondidas ao peacute do Recife esperando que

saiacutesse o dito barcordquo 354

segundo consta nos autos essa afirmaccedilatildeo teria sido feito pelos

jangadeiros que conduziam as balsas a vaacuterias testemunhas que foram inquiridas durante o

processo

Na verdade aleacutem dessas testemunhas que ldquoouviram dizerrdquo um uacutenico jangadeiro iraacute

testemunhar contra o reacuteu Era ele Manoel Martins de Almeida ldquohomem branco morador na

rua da praia solteiro que vive de pescador de idade que disse ser de 47 anosrdquo 355

Manoel iraacute

afirmar que voltando ele de uma pescaria tinha encontrado quatro jangadas juntas carregadas

de sola e que na ocasiatildeo dois homens brancos dos quais ele ignorava os nomes fretaram a sua

jangada para tambeacutem a carregar com as solas e ldquoesperar ali com as mais jangadas um barco

que no dia seguinte havia sair deste Porto que ia em direitura para o da Bahiardquo 356

afirma o

pescador que natildeo chegou a receber o dinheiro combinado pelo serviccedilo pois o guarda mor da

Companhia logo apareceu e fez a apreensatildeo conduzindo os barcos para o trapiche da empresa

Os outros jangadeiros serviram de testemunhas de defesa do reacuteu as versotildees dadas por

eles eram bastante parecidas utilizaremos aqui o testemunho de Manoel de Jesus Ramos

ldquohomem preto morador na rua da praia que vive de jangadeiro solteiro de idade de 25 anosrdquo

357 para exemplificar Afirmava Manoel que por ordem do reacuteu ele e ldquomais quatro jangadas da

rua da praia foram aos Afogados junto ao Tocolombo 358

receber-lhe a sola de que se trata e

por sua determinaccedilatildeo a vinham descarregar atraacutes do coleacutegiordquo 359

continua afirmando que ldquopor

352

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 5 353

Idem 354

Ibdem f 48 355

Ibdem f 45 356

Idem 357

Ibdem f 36 358

Atual ponte Motocolomboacute que liga os bairros de Afogados e Imbiribeira no Recife 359

Refere-se a praia do coleacutegio conhecida assim por estar nas imediaccedilotildees do antigo coleacutegio jesuiacuteta do Recife

nas proximidades do bairro de Santo Antocircnio Fonte BARBOSA Virgiacutenia Igreja do Divino Espiacuterito Santo

108

ser mareacute vazia e encalhar em jangadas e fazer vento rijo se acoitaram ao peacute da Ilha do

Nogueira da parte de dentro do Reciferdquo 360

neste momento as jangadas foram apreendidas pelo

Guarda Mor da Companhia e levadas para o trapiche da empresa

Nem todas estavam no mesmo local quando da ldquotomadiardquo pois algumas delas tinham

encalhado nas coroas de areia ldquopelo rio abaixo por dentro do Reciferdquo 361

Segundo Manoel o

destino ldquoque todas as jangadas traziam por ordem do reacuteu era descarregarem por de traacutes do

coleacutegiordquo 362

Diz ainda que natildeo tinham autorizaccedilatildeo de saiacuterem de Recife ldquonatildeo soacute por natildeo haver

para que mas pelo grande risco que haviardquo 363

Tambeacutem em seu testemunho vai afirmar que

conhecia o reacuteu haacute algum tempo e que nunca tinha ouvido dizer que ele fosse contrabandista

ldquoantes o tem por homem de muita verdade e eacute mestre do ofiacutecio de sapateirordquo 364

Como dito anteriormente quase todos os jangadeiros testemunharam a favor do reacuteu

salientando que o mesmo natildeo tinha enviado ordem para que eles saiacutessem de Recife e que o

sapateiro era um homem respeitaacutevel e correto Vale ressaltar que todos eles eram vizinhos

moradores na rua da praia se conheciam e foram contratados para o serviccedilo no mesmo tempo

Coincidecircncia ou natildeo o uacutenico depoimento contraacuterio viraacute exatamente do jangadeiro que foi

contratado para o serviccedilo posteriormente e que ao que o processo indica natildeo possuiacutea relaccedilotildees

de amizade com os demais

A defesa do reacuteu iraacute se centrar em alguns pontos destacaremos os mais importantes O

primeiro seraacute o entendimento de que existiam dois tipos de delito o ldquoefetivo e o afectivordquo O

primeiro tipo se daria quando de fato o ato iliacutecito fosse concretizado ou seja o delito tivesse

sido efetivado O segundo seria a intenccedilatildeo de cometer o ato sem que se chegasse a realiza-lo

O advogado do reacuteu iraacute se utilizar desta diferenciaccedilatildeo para sustentar sua defesa pois segundo o

mesmo ldquonenhuma lei humana tem proibido e mandado punir nem pode em qualquer delito

que seja proibir ou mandar punir ao simples ato interno ou a uacutenica interna deliberaccedilatildeo dos

homensrdquo 365

isto porque ldquoo pecado de pensamento que fica no mesmo e dele natildeo sabe

absolutamente em palavra ou obra soacute pertence a Deus proibi-lo e castiga-lordquo 366

ou seja

Recife PE Pesquisa Escolar Online Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Recife Disponiacutevel em

lthttpbasiliofundajgovbrpesquisaescolargt Data de acesso 03082017 360

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 36 361

Idem 362

Idem 363

Idem 364

Idem 365

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 50 366

Idem

109

afirmava o advogado que natildeo se poderia julgar a intenccedilatildeo de um crime que natildeo chegou a se

concluir

O segundo ponto da defesa iraacute se concentrar nas condiccedilotildees mariacutetimas que

supostamente enfrentaram as balsas durante o momento da apreensatildeo Afirmam entatildeo que natildeo

era criacutevel que as cinco balsas pudessem navegar no mar de fora rumo a Bahia ou mesmo

esperar embarcaccedilatildeo que de laacute viesse Asseguram que mesmo dentro da barra ldquodeste rio que se

estaacute vendo defendido dos arrecifes natildeo estavam seguras as balsas pois ventando rijo se altera

o mesmo rio e faz maretas tatildeo fortes como laacute forardquo 367

prossegue atestando que naquelas

condiccedilotildees estavam em perigo ldquooutras embarcaccedilotildees de maior seguranccedila como estamos vendo

frequentemente quanto mais balsas que natildeo tem firmeza alguma para resistir ao mar alterado

com o vento rijordquo 368

O terceiro toacutepico da defesa era simples consistia em afirmar que os depoimentos das

testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo eram relevantes e que natildeo demonstravam que o contrabando

houvesse sido praticado Outra questatildeo levantada pela defesa foi o fato das solas na ocasiatildeo

da apreensatildeo natildeo estarem marcadas sendo assim natildeo haveria o interesse da parte do reacuteu em

fazer conduzir nestas condiccedilotildees esta mercadoria para a Bahia ldquopois indo sem marca natildeo se

podia saber de quem era nem a quem ia entregar e eis aqui um contrabando e negoacutecio

extravagante e nunca vistordquo 369

Aleacutem disso afirmam ser o produto ldquosola da matardquo

conhecidas popularmente como vaquetas artigo de comercializaccedilatildeo permitida

O argumento mais forte da defesa centrava-se na liberdade permitida pelo artigo 25

dos estatutos da Companhia ao comeacutercio realizado nos sertotildees Como jaacute visto no capiacutetulo

anterior este comeacutercio soacute passa a ser reprimido apoacutes o ano de 1770 por forccedila de um edital

lanccedilado pela direccedilatildeo da empresa em Pernambuco que por natildeo ser referendado por ordem

reacutegia natildeo possuiacutea forccedila de lei Assim sendo o advogado garantia que ldquoainda na hipoacutetese

sempre negada que o reacuteu extraviasse efetivamente a sola natildeo cometia um delito algum nem

podia incorrer nas penas do artigo 34 370

rdquo Isto porque ldquousava da permissatildeo do artigo 25 e a

liberdade do comeacutercio do Sertatildeo de que fala o mesmo natildeo se deve entender para ir somente

buscar a sola e vender a direccedilatildeordquo

367

Ibidem f 51 368

Idem 369

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 7 370

Ibdem f 52

110

O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral citado no caso prevecirc as

puniccedilotildees passiacuteveis para aqueles que fizessem comeacutercio desautorizado na capitania de

Pernambuco e suas anexas Legislando da seguinte forma

Nenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute

mandar levar ou introduzir as sobreditas fazendas secas ou molhadas nas

ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da produccedilatildeo []Sob pena

de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto importar o

seu valor [] 371

O comeacutercio realizado nos sertotildees que tinham como destino o porto do Recife onde se

deveriam trocar as mercadorias com a Companhia monopolista era considerado legal 372

Tanto que o reacuteu deste caso haacute muitos anos fazia esse tipo de negociaccedilatildeo com a empresa 373

Segundo consta nos autos do processo teria comprado Manoel Antonio dos Santos a sola

ldquoparte a dinheiro e outra parte recebeu em pagamento de coiramas de Portugal gecircnero em que

haacute muitos anos negocia com a direccedilatildeo comprando-lhes partidas avultadas de carmeiras

cordovotildees marroquins e outros gecircnerosrdquo 374

que depois ldquopelo miuacutedo vendia as tais partidas

nesta Praccedila e para fora dela [] e recebia em satisfaccedilatildeo accediluacutecares solas e outros gecircneros da

terrardquo 375

A Companhia em dois momentos iraacute rebater a defasa do reacuteu fazendo diversas

acusaccedilotildees o processo eacute extenso e possuiacute vaacuterias apelaccedilotildees e contestaccedilotildees faremos aqui um

compilado dos principais pontos apresentados pela empresa na figura do seu procurador fiscal

em Pernambuco O primeiro ponto faz referecircncia as testemunhas de defesa afirmava a

Companhia que as ditas testemunhas ldquosatildeo todas falsas apaixonadas e por dinheiro

corrompiacuteveis e a maior parte delas satildeo os mesmos jangadeiros auxiliantes e outras satildeo do

ofiacutecio de sapateiro de que eacute o embargado juizrdquo 376

Como jaacute informado o reacuteu aleacutem de negociar

com solas e couros haacute vaacuterios anos era juiz do ofiacutecio de sapateiro na praccedila como muitas

371

Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762

Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e

Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 293 372

Assunto discutido no primeiro capiacutetulo deste trabalho 373

No processo constam anexadas vaacuterias contas apresentadas pelo reacuteu discriminando produtos e seus valores

negociados ao longo dos anos com a empresa como uma espeacutecie de contabilidade pessoal 374

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 375

Idem Vale pontuar que de acordo com o artigo 33 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral a venda

em miuacutedo era permitida aos comerciantes da terra Sendo entatildeo o comeacutercio de grosso trato reservado

exclusivamente a empesa Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de

Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de

livros sobre o Brasil Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 376

Ibdem f 61

111

testemunhas de defesa possuiacuteam o mesmo ofiacutecio o procurador fiscal da Companhia iraacute acusar

Manoel Antocircnio de se utilizar de seu lugar de poder dentro daquela corporaccedilatildeo para gerar

testemunhos positivos a seu respeito

A acusaccedilatildeo encabeccedilada pelo procurador fiscal tambeacutem iraacute chamar atenccedilatildeo para o fato

de que havendo mareacute de dia o reacuteu escolheu deixar para carregar de noite o que era entendido

como atitude suspeita Contestam tambeacutem a alegaccedilatildeo da defesa de que no maacuteximo haveria se

cometido ldquocontrabando afectivordquo pois ldquose fora soacute a efetiva vontade de extraviar natildeo havia o

extraviador ter as jangadas carregadas e escondidasrdquo 377

continua sustentando que ldquose fosse

para descarregarem na praia do coleacutegio natildeo haviam estar de manhatilde ancoradasrdquo 378

Consta

tambeacutem no documento que soacute natildeo chegou a ser efetivado o contrabando porque o barco que

iria para Bahia natildeo pode partir na data prevista devido agraves condiccedilotildees da mareacute

Outro ponto levantado pela empresa seraacute a localizaccedilatildeo geograacutefica das jangadas no

momento da apreensatildeo afirmando que natildeo fazia sentido que o desembarque da mercadoria

fosse feito na praia do coleacutegio visto que ficava aquele local ldquomuito para o norte do forte (das

cinco pontas)rdquo jaacute a Ilha do Nogueira ficava ao ldquoSul do mesmo forterdquo 379

Aleacutem disso havia na

ocasiatildeo condiccedilotildees de navegaccedilatildeo para desembarcarem na praia do coleacutegio por isso natildeo fazia

sentido estarem ancoradas A empresa iraacute ainda acusar o reacuteu alegando ser ele natildeo soacute

ldquoextraviador dos efeitos desta capitania para a cidade da Bahia se natildeo que da mesma cidade

costuma introduzir contrabandos nesta capitania como fosse um lote de escravos e vendeu

uma moleca ao seu grande amigo e falsa testemunha Joatildeo Francisco Guimaratildeesrdquo 380

aleacutem da

fazenda seca que jaacute carregava

A companhia tambeacutem iraacute replicar o fato dos jangadeiros terem afirmado que estavam

parados esperando uma jangada que havia ficado para traacutes por estar encalhada declarando

natildeo haver necessidade para tal jaacute que ldquocada uma vai ganhar o seu frete quanto mais depressa

chegasse o tinha ganhado e mais depressa se recolhia a sua casa para estar pronto para no

outro diardquo 381

Ademais tambeacutem iratildeo questionar o porquecirc dos jangadeiros terem fugido pois

ldquose as ditas jangadas carregadas de sola viessem para o Recife nenhuma necessidade havia

para que os jangadeiros fugissem desamparando as suas jangadasrdquo 382

continuam garantindo

377

Ibdem f 56 378

Idem 379

Idem 380

Joatildeo Francisco Guimaratildees seraacute testemunha de defesa do reacuteu durante o processo ANTT Feitos Findos

Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 61 381

Ibidem f 55 382

Idem

112

que ldquoa causa da fuga era por estarem compreendidos na extraviaccedilatildeo sendo os condutores e

auxiliantes do extraviordquo 383

Por fim o procurador fiscal da empresa alega que o advogado do reacuteu fez maacute

interpretaccedilatildeo do artigo 25 dos estatutos da empresa uma vez que ldquoo que determina o dito

artigo eacute que possam negociar para o sertatildeo e mais portos isso natildeo se entende para fora da

capitaniardquo 384

a sola estaria entatildeo compreendida ldquono artigo 34 da instituiccedilatildeo da Companhia

Geral e suposto pelo artigo 25 da mesma seja exclusivo para todos os gecircneros e frutos da terra

soacute se deve entender para o negoacutecio dentro das suas Capitanias e natildeo para fora delasrdquo 385

Solicitam entatildeo que o reacuteu seja condenado no perdimento das mercadorias e na pena de dobro

O processo eacute longo mas de maneira geral os fatos satildeo estes o grande trunfo da defesa

eacute afirmar que a sola foi apreendida dentro de Recife onde natildeo era proibido o seu comeacutercio

sendo assim natildeo havia meios de se provar a intenccedilatildeo de extraviar e que mesmo que houvesse

a intenccedilatildeo natildeo se poderia condenar o reacuteu por isso - ldquoextravio afectivordquo No fim das contas o

sapateiro e comerciante Manoel Antocircnio acaba sendo absolvido e os apelantes satildeo

condenados a pagar ldquoas custasrdquo do processo como de costume

Outra apelaccedilatildeo crime que merece destaque dentro do nosso conjunto documental eacute

um caso do ano de 1779 que diz respeito ao processo envolvendo o barco conhecido como o

ldquoXibanterdquo de quem era dono o capitatildeo Manoel Vieira de Melo A embarcaccedilatildeo apreendida por

soldados cumprindo ordens do governador da capitania vinha do sertatildeo do Aracati Ribeira

do Jaguaribe e estava carregada de couros e solas pertencentes a vaacuterios comerciantes A

sumaca despertou a atenccedilatildeo das autoridades pois chegando ao porto do Recife natildeo entrou

logo na barra o que alimentou a suspeita de que a mesma estivesse extraviando efeitos para

os portos do sul mais precisamente para a Bahia 386

No momento da apreensatildeo o mestre da

sumaca estava em terra

Junto com a embarcaccedilatildeo foram apreendidos tambeacutem cinco escravos pertencentes ao

dono do Xibante que trabalhavam como marinheiros O dono da embarcaccedilatildeo tratou logo de

fazer solicitaccedilatildeo para soltura de seus escravos afirmando que os mesmos ldquonatildeo satildeo barco nem

carga e sim marinheiros do barco que ganham soldo cada um para seu dono e a diferenccedila que

383

Ibidem f 61 384

Ibidem f 57 385

Idem 386

Para mais informaccedilotildees a respeito do Porto de Recife no seacuteculo XVIII consultar OLIVEIRA Luanna Maria

Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-

1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de

Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 ndash 26

113

tem que marinheiro brancos eacute lucrarem estes os soldos para seus senhoresrdquo 387

Este assunto

rapidamente se resolveu pois Manoel Vieira conseguiu recuperar sua escravaria pondo o

capitatildeo Francisco de Oliveira como fiador de tais escravos estando ele responsaacutevel ainda por

entregar em juiacutezo os homens todas as vezes que assim fosse requerido

Algo curioso neste processo eacute que a embarcaccedilatildeo ficaraacute apreendida junto com a carga

apesar de encontramos outros documentos que apontam situaccedilotildees semelhantes a defesa do

reacuteu a todo o momento contestaraacute tal decisatildeo afirmando que natildeo era costume da Companhia

agir daquela forma Devido a apreensatildeo feita na embarcaccedilatildeo nos autos da apelaccedilatildeo constam

os objetos que nela existiam como toneis barricas candeeiros entre outros objetos de uso

cotidiano Consta tambeacutem nos autos a avaliaccedilatildeo do valor do barco que foi feita pelo doutor

juiz conservador da Companhia junto a um ldquocorpo de mestranccedilardquo 388

a sumaca naquela

ocasiatildeo teve seu valor estimado em um conto e cem mil reis Como jaacute dito os advogados do

reacuteu iratildeo insistir na liberaccedilatildeo do barco iniciam a defesa afirmando que no decurso de 19 anos

foram ldquotantas e tantas apreensotildees tomadias de gecircneros e contrabandos introduzidos

transportados e ocultados em barcos lanchas botes canoas jangadas e casardquo 389

no entanto

ldquonatildeo consta que tambeacutem se apreendessem as casas jangadas canoas botes lanchas e barcos

como instrumentos das extraviaccedilotildees e contrabandosrdquo 390

Isto porque segundo a defesa natildeo se

encontrava nos estatutos da empresa ordens para apreensatildeo de embarcaccedilotildees apenas a sua

carga estaria sujeita as ldquotomadiasrdquo Como comentado em nosso conjunto documental

encontramos outros casos onde as embarcaccedilotildees satildeo apreendidas junto a suas mercadorias natildeo

parecendo para noacutes que esta praacutetica fosse anocircmala

Persistindo na mesma mateacuteria o jurista alegava que ldquoa tiacutetulo de contrabando soacute

mandam as ordens reacutegias apreender e tomar embarcaccedilotildees nos portos do Brasil quando satildeo de

estrangeiros que sem faculdade reacutegia vem a eles oculta e furtivamente fazer negocio e

transportar os gecircneros do paiacutesrdquo 391

Esta ordem tambeacutem se aplicava a embarcaccedilotildees piratas e

ldquoxavecos de mourosrdquo pois aqueles eram ldquodeclarados inimigos da coroa de Portugal e seus

vassalosrdquo 392

Pedia entatildeo o advogado que fosse exonerada a fianccedila feita pelo reacuteu para receber

seu barco de volta uma vez que o Xibante natildeo era ldquoclasse assinada das embarcaccedilotildees que as

387

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 10 388

Ibidem f 11 389

Ibidem f 13 390

Idem 391

Ibidem f 13 verso 392

Idem

114

ordens reacutegias mandam apreende-las e toma-las por se ele portuguecircs e habitador desta terra e

vassalo fiel de sua majestade e natildeo estrangeiro nem piratardquo 393

Seguindo a mesma linha de defesa do caso acima descrito tambeacutem iraacute se afirmar que a

apreensatildeo da sumaca teria se dado de maneira indevida jaacute que nenhuma extraviaccedilatildeo efetiva

havia sido comprovada pois na ocasiatildeo do seu sequestro o barco estava ldquobordejando ao norte

da barra e natildeo tinha passado para o sul nem o mesmo tinha ordem do reacuteu para o poder fazerrdquo

394 e ainda que ldquoos afetos e intenccedilotildees do animo [] soacute Deus conhece e os homens penetrar natildeo

podemrdquo 395

Ou seja seguindo a loacutegica da defesa mesmo que os indiacutecios apontassem que

haveria de se cometer crime de contrabando natildeo poderiam as autoridades atuar

preventivamente

Um dado interessante sobre o caso eacute que o Xibante no momento de sua apreensatildeo

trazia passageiros a bordo A defesa afirmaraacute a seu favor que estes viajantes tinham como

porto de destino Recife aleacutem disso iratildeo alegar que a sumaca vinha em meia carga por isso

natildeo seria vantajoso comercialmente falando o envio da embarcaccedilatildeo para Bahia Assegurando

ainda que o mestre natildeo entrou diretamente no porto do Recife pois foi a terra buscar ordens

do dono da sumaca para saber qual o destino deveria tomar neste meio tempo em que o

mestre estava em terra aconteceu o apresamento

Ainda de acordo com versatildeo dada pela defesa ldquoa gente da mareaccedilatildeo vinha toda

levantada com o mesmo (mestre) por bulhas que tiveram no Aracati e para fazerem mal ao

dito foram eles os que arguiram a ida do barco para a Bahiardquo 396

Afirmam ainda que se

realmente se tivesse a intenccedilatildeo de fazer contrabando o barco poderia ter seguido para Sul

sem ficar parado a vista de todos naquela barra e que o reacuteu natildeo tinha culpa da ignoracircncia de

seu mestre uma vez que natildeo havia expedido ordens que autorizassem a ida para Bahia

Ressaltamos que alguns passageiros do barco confirmaram a afirmaccedilatildeo do desentendimento

entre os marinheiros e o mestre da embarcaccedilatildeo sem explicar ao certo o porquecirc de tal rusga

Tambeacutem como no caso acima a defesa iraacute se utilizar do artigo 25 dos estatutos da

empresa para defender que aquele comeacutercio feito nos sertotildees era livre e que a Companhia soacute

passou a reprimi-lo posteriormente Denunciam ainda que mesmo apoacutes a dita proibiccedilatildeo era

notoacuterio e sabido por todos que os deputados da empresa ldquopara seus negoacutecios particulares tem

393

Idem 394

Idem 395

Ibidem f 14 396

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 14

115

sempre carregado solas e couros do sertatildeo para a Bahia e para o Riordquo 397

sendo assim se

julgassem justa a dita proibiccedilatildeo natildeo deveriam continuar a praticar aquele comeacutercio ldquopor serem

executores da instituiccedilatildeo ou obrigados a executa-la se entendessem ser justa e legalrdquo 398

Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais e oficiais e deputados da proacutepria

companhia no comeacutercio descaminhado mais profundamente no proacuteximo capiacutetulo

Todos os pontos alegados acima seratildeo sustentados pelas testemunhas de defesa

durante as inquiriccedilotildees destacando sempre que ldquoantes da Companhia sempre houve comeacutercio

dos gecircneros do sertatildeo que satildeo couros e solas para a Bahia e para o Rio de Janeirordquo 399

e que

apenas depois de nove ou dez anos dela jaacute estabelecida se passou a impedir aqueles negoacutecios

sertanejos Esta versatildeo dos fatos tambeacutem eacute confirmada por um dos passageiros que estava no

barco no momento do sequestro Durante o processo seratildeo coletados ainda os testemunhos de

homens que estavam trabalhando na construccedilatildeo de uma casa para o reacuteu em Igarassu 400

estes

iratildeo afirmar que apoacutes receber carta do mestre do barco Manoel Vieira natildeo havia autorizado a

ida do Xibante para Bahia

O processo eacute bastante detalhado e aleacutem de conter toda a relaccedilatildeo da carga e suas

respectivas marcas traz em anexo importantes documentos encontrados dentro da

embarcaccedilatildeo a saber cartas e comentaacuterios Estas cartas foram escritas pelo filho do dono do

barco Andreacute Vieira Melo 401

ao mestre da embarcaccedilatildeo e foram inseridas nos autos pois

apesar do conteuacutedo pessoal tratavam de maneira geral sobre negoacutecios e foram utilizadas como

provas contra o reacuteu jaacute que constavam nelas o destino seguinte da embarcaccedilatildeo e outras

informaccedilotildees pertinentes A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo dos assuntos tratados nestes documentos

traremos aqui uma das cartas de Andreacute Vieira ao mestre da embarcaccedilatildeo

O remetente pedia que chegando a embarcaccedilatildeo a cidade da Bahia havendo ldquoocasiatildeo de

navio para Benguela me faraacute mercecirc comprar um escravo de Benguela do tamanho do Leandro

ou maior pouco que seja mesmo Benguelardquo 402

continua instruindo que quem deveria tratar

397

Ibidem f 14 verso 398

Idem 399

Depoimento da testemunha Francisco Brito homem branco casado morador fora da porta da vila que vive de

andar embarcado de idade de 30 anos Ibidem f 25 verso 400

Satildeo eles Joseacute da Costa homem preto solteiro morador em Igarassu oficial de pedreiro de idade de 35 anos

e Antocircnio Rocha homem pardo casado morador em Igarassu oficial de carapina de idade de 33 anos ANTT

Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 23 ndash 25 401

Durante o processo eacute informado que Andreacute Vieira de Melo havia trabalhado como piloto da Companhia

Geral mas foi dispensado do serviccedilo pois nas trecircs viagens que fez pela empresa teve prejuiacutezos o que causou a

desconfianccedila de seus superiores por ser ldquocaso estranho em trecircs viagens e em trecircs diferentes embarcaccedilotildees se

contar semelhante homem soacute com perdasrdquo 402

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 34

frente e verso

116

dos negoacutecios era o senhor Antocircnio Joseacute e estando os escravos baratos deveria comprar ldquomais

um moleque mais grande que o Leandro que eacute para o barco seja bem feitordquo 403

pedia ainda

ldquouma pessoa da linhagem de Luandardquo 404

advertindo quanto ao preccedilo de tais homens

Prossegue pedindo ainda que se compre um calccedilatildeo e uma camisa a cada um dos escravos e

que lhe sirvam algum mel Por fim despede- se de maneira cordial

Os comentaacuterios seguiam um esquema bastante parecido entre si e eram um hibrido

entre recibo e contrato trocado entre o mestre da sumaca e os carregadores da mesma

Continham informaccedilotildees padratildeo informadas pelo mestre da embarcaccedilatildeo mais instruccedilotildees

relativas a carga Como no exemplo abaixo

Digo eu abaixo assinado Mestre que sou da sumaca por invocaccedilatildeo Nosso

senhor bom Jesus das Portas e Nossa senhora do Pilar 405

que ao presente

estaacute surta e ancorada neste porto de Jaguaribe para com o favor de Deus

seguir viagem ao da cidade da Bahia onde eacute minha direita descarga que eacute

verdade que recebi e tenho carregado na dita sumaca debaixo de coberta

enxuta e bem acondicionada de Manoel da Costa marcados com a marca a

margem que declarou fazer por sua conta e risco a entregar na mesma cidade

em nome dele carregador Antonio de Oliveira Leite ao que promete levando

a salvamento para que obrigo minha pessoa e bens e a dita sumaca pagando-

me de frete de cada praccedila nove vinteacutens E para clareza passei dois de um teor

somente por mim assinados que um cumprido outro natildeo valha digo natildeo

valeraacute Aracati 28 de marccedilo de 1779 Satildeo 79 meios de sola e 3 couros de boi

com a marca A+ Manoel Francisco Xelas 406

Os argumentos utilizados pela Companhia para enquadrar o caso do Xibante no crime

de contrabando seratildeo diversos primeiramente a empresa por meio de seu procurador fiscal

afirma ficar constatado que a embarcaccedilatildeo tinha como destino a capitania baiana e que o crime

soacute natildeo se efetivou por ter agido a fiscalizaccedilatildeo primeiro Eacute necessaacuterio atentar para o fato de

que a saiacuteda destes produtos em direitura para Bahia era considerada como contrabando pela

Companhia mesmo a empresa natildeo possuindo o monopoacutelio do comeacutercio realizado nos sertotildees

Isto porque a interpretaccedilatildeo do procurador fiscal da empresa para o artigo 25 dos estatutos da

Companhia que legislava sobre esta mateacuteria era de que esses negoacutecios eram livres para

serem feitos apenas internamente ou seja limitados aos sertotildees que estavam sob jurisdiccedilatildeo do

governo de Pernambuco

403

Idem 404

Idem 405

Nome oficial da sumaca que tinha por alcunha o ldquoXibanterdquo 406

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 38

verso

117

O procurador tambeacutem iraacute se utilizar dos testemunhos dos marinheiros do barco

mesmo daqueles que eram escravos pois mereciam os ditos escravos ldquocreacutedito por serem

marinheiros do mesmo barcordquo 407

e se por direito natildeo eram testemunhas vaacutelidas naquele caso

deveriam ser levados em consideraccedilatildeo uma vez que ldquoficam supridos os seus defeitos com os

depoimentos das outras testemunhasrdquo 408

Quanto a contestaccedilatildeo do reacuteu sobre as leis de

apreensatildeo de embarcaccedilotildees soacute serem vaacutelidas para navios estrangeiros afirmam que quando

ldquocompreendidas com extraviaccedilatildeo e contrabandos assim como aconteceu com o barco do reacuteurdquo

409 as embarcaccedilotildees portuguesas tambeacutem poderiam ser detidas

A defesa de Manoel Francisco iraacute recorrer novamente das acusaccedilotildees poreacutem a

argumentaccedilatildeo permanece praticamente a mesma enfatizando um ou outro ponto e

acrescentando poucas informaccedilotildees novas Daacute ecircnfase a questatildeo do ldquodelito afectivordquo afirmando

que ldquosoacute Deus conhece soacute a divina justiccedila pune os maus pensamentos os desordenados afetos

vis sinistros conatos e as maleacutevolas intenccedilotildees mas natildeo os homens nem a justiccedila humanardquo 410

isto porque ldquonatildeo haacute lei que a esta permita semelhante conhecimento e puniccedilatildeo da privativa

jurisdiccedilatildeo e regalia de Deusrdquo 411

A loacutegica do argumento eacute bastante simples afirma que natildeo se

pode punir um crime que natildeo aconteceu como tambeacutem alega ser impossiacutevel que a direccedilatildeo

posto que humana fosse capaz de conhecer as intenccedilotildees do mestre do barco jaacute que ldquoo

pensamento o afeto o conato e a intenccedilatildeo do reacuteu era impeacutervia e inacessiacutevel ao conhecimento

e puniccedilatildeo da Justiccedila humanardquo 412

Quanto a questatildeo dos testemunhos dos escravos a defesa do reacuteu iraacute recorrer alegando

que segundo as ordenaccedilotildees Filipinas os juramentos ldquodos pretos e servosrdquo natildeo deveriam ter

valor Jaacute que as ordenaccedilotildees postulam que ldquoos escravos natildeo podem ser testemunhas nem seraacute

perguntado geralmente em feito algum salvo os casos por direito especialmente

determinadosrdquo 413

De acordo com Adriana Campos 414

no Brasil a tradiccedilatildeo romana foi

responsaacutevel por emprestar os fundamentos baacutesicos da legislaccedilatildeo voltada para a questatildeo da

escravidatildeo Em linhas gerais segundo esta tradiccedilatildeo natildeo teriam entatildeo os escravos

407

Ibidem f 43 verso 408

Idem 409

Ibidem f 45 410

Ibidem f 55 411

Idem 412

Ibidem f 55 verso 413

Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI P647 Disponiacutevel em

httpwww1ciucptihtiprojfilipinasl3p647htm Data de acesso 02082017 Infelizmente natildeo conseguimos

identificar os casos especiais reportados pelas ordenaccedilotildees 414

CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito Santo do seacuteculo XIX

Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003

P 62 ndash 64

118

personalidade poliacutetica o que os impediria de se tornar parte de processos ciacuteveis Poreacutem essa

realidade segundo a autora era alterada no direito penal quando os escravos poderiam tornar-

se sujeitos e responder criminalmente 415

Apesar da Companhia possuir uma administraccedilatildeo

juriacutedica privativa acreditamos a mesma estava sujeita as legislaccedilotildees e aparato juriacutedico da

eacutepoca portanto deveriam obedecer de maneira geral as ordenaccedilotildees Filipinas e as tradiccedilotildees

do direito romano

A defesa tambeacutem iraacute contestar o uso das cartas do filho do reacuteu como prova

incriminatoacuteria argumentando que Andreacute Vieira natildeo era dono da embarcaccedilatildeo logo natildeo tinha

ele poder de determinar para onde seguiria a sumaca Sendo assim natildeo teriam as cartas forccedila

para atestar a efetividade da atividade iliacutecita Ainda no assunto das cartas e comentaacuterios a

defesa apresenta como anexos outros comentaacuterios onde o mestre da embarcaccedilatildeo atesta estar

se dirigindo para o porto do Recife Posteriormente a Companhia iraacute contestar esses

documentos afirmando serem falsos Diz a empresa atraveacutes de seus representantes que sobre

aqueles documentos natildeo se ldquopodia dar feacute e creacutedito tambeacutem pode ser que se passassem

naquele sertatildeo do Aracati em tempo que o destino do Mestre fosse seguir derrota para este

porto (do Recife)rdquo 416

Por fim a defesa do reacuteu destaca que os couros e solas encontrados na sumaca natildeo

eram mercadorias vedadas de serem trazidas do sertatildeo para o porto do Recife pelo contraacuterio

alegam que a empresa desejava ldquoque venham muitos para o seu negoacuteciordquo 417

Afirmam ainda

que mesmo que os gecircneros estivessem sendo levados para Bahia ldquonatildeo eacute terra de inimigos

aquela cidade nem os couros e solas satildeo coisas proibidasrdquo 418

Continuam sustentando que a

proibiccedilatildeo vigente legislava apenas quanto a extraviaccedilatildeo destes gecircneros e natildeo o comeacutercio dos

gecircneros em si Como maneira de atestar tal diferenciaccedilatildeo afirmam que ldquouma coisa eacute ser

proibida somente a extraviaccedilatildeo e outra coisa eacute serem tambeacutem proibidos os gecircneros por haver

miacutenima disparidade de um caso ao outrordquo 419

Dessa forma como o barco do reacuteu foi

apreendido em aacuteguas pernambucanas natildeo estaria incurso nas penas regidas pelo artigo 34 dos

estatutos da Companhia

O caso eacute longo e arrastado mas os fatos satildeo basicamente os expostos acima No fim

das contas mesmo tendo sido o reacuteu e seu filho acusados de praticarem contrabando natildeo soacute

415

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 27

verso 416

Ibidem f 67 417

Ibidem f 59 418

Ibidem f 60 419

Idem

119

neste caso como tambeacutem de terem levado no mesmo ano dois barcos com escravos para

Bahia e ainda expor o procurador fiscal da Companhia que o filho do acusado negociava

escravos em Igarassu e Tracunhaeacutem para depois ir vendecirc-los na Bahia foi Manoel Vieira apoacutes

3 anos de processo absolvido pela conservador da direccedilatildeo lisboeta

Como jaacute dito os contrabandos eram realizados natildeo soacute no grosso trato como nos casos

demonstrados acima mas tambeacutem no miuacutedo Vaacuterias seratildeo as referecircncias na documentaccedilatildeo

desse tipo de praacutetica que incluiacuteam os proacuteprios oficiais dos navios reais que tanto traziam de

Portugal fazendas europeias para venda na capitania pernambucana como levavam produtos

da terra para Europa Iremos tratar de dois casos colhidos dos fundos da conservatoacuteria da

Companhia em Lisboa que confirmam este movimento de comeacutercio de pequena monta

O primeiro deles ocorrido no ano de 1774 envolve o despenseiro do navio real Nossa

Senhora dos Prazeres o senhor Joatildeo Marques Cunha Que foi acusado de introduzir no navio

em que servia trecircs volumes com fazendas de contrabando A carga apreendida nestes trecircs

volumes era a seguinte 106 peccedilas de bertanha de Hamburgo 27 peccedilas de chita 6 peccedilas de

lenccedilos azuis 13 peccedilas ditas do Norte com cercadura 10 peccedilas de cangas azuis 5 ditas

lavradas e um garrafatildeo de aguardente As mercadorias foram avaliadas na ocasiatildeo em 600 reis

420

De acordo com o libelo acusatoacuterio lavrado contra o reacuteu o crime teria acontecido da

seguinte forma ainda em Lisboa eacute acusado Joatildeo Marques de introduzir no navio os volumes

de ldquofazendas secas das reprovadas e proibidasrdquo 421

chegando ao porto do Recife teria o

despenseiro feito conduzir as tais fazendas para a lancha de outro navio real a saber o navio

Luz Para tal feito acusava-se de tecirc-lo ajudado o guarda da Alfacircndega Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo

que foi preso junto com o despenseiro Pedia entatildeo a Companhia que o reacuteu respondesse de

acordo com as penas contidas no artigo 34 dos estatutos da empresa

Durante o processo seratildeo escutadas as testemunhas de defesa e de acusaccedilatildeo As

testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo de maneira geral referendar o exposto no libelo acusatoacuterio

Incluindo os capitatildees dos dois navios envolvidos no caso Diraacute o capitatildeo do navio Nossa

Senhora dos Prazeres que ldquoJoatildeo Marques despenseiro [] foi quem introduziu o contrabandordquo

422 e que para isso contou com a ajuda de Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo guarda da alfacircndega que foi

quem ldquolevou as fazendas e a tirou do navio Prazeres e as transportou no catraio do mesmo

420

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 7 421

Idem 422

Ibidem f 17 verso

120

navio para o navio Nossa Senhora da Luzrdquo 423

Joseacute Gomes Ribeiro capitatildeo do navio Luz

tambeacutem acusaraacute o despenseiro como autor do iliacutecito atestando que ouvira dizer por moccedilos

que serviam no seu navio que Joatildeo Marques era o responsaacutevel pelo contrabando que se

apreendeu na lancha do navio Luz 424

O depoimento padratildeo das testemunhas de acusaccedilatildeo afirmava basicamente que as

fazendas apreendidas teriam sido introduzidas no navio Luz pelo guarda da Alfacircndega Joatildeo

da Ressurreiccedilatildeo e que elas pertenciam ao despenseiro do navio Nossa Senhora dos Prazeres

Joatildeo Marques Complementam afirmando que para este transporte utilizaram a lancha que

leva a pedra de descarga do navio e quem as conduziu e tomou conta delas na lancha foi o

marinheiro ldquoTiatildeordquo sem a ciecircncia do patratildeo mor Algumas testemunhas tambeacutem iratildeo afirmar

que quando o escaler da ronda atracou na lancha para fazer a apreensatildeo o marinheiro Tiatildeo foi

ao encontro do guarda mor ldquorogando-lhe dissimulasse a passagem livre da dita fazendardquo 425

As testemunhas de defesa tambeacutem iratildeo depor de maneira parecida Em seus

testemunhos alegam que o reacuteu era despenseiro de navios reais haacute mais de 13 anos e que

nunca havia sido acusado de contrabando que soacute costumava trazer de Lisboa os gecircneros

liberados alguns companheiros de tripulaccedilatildeo iratildeo afirmar que natildeo viram o reacuteu introduzindo

fazendas proibidas em Lisboa etc Merece destaque nos depoimentos a menccedilatildeo de que o reacuteu

possuiacutea diversas inimizades na embarcaccedilatildeo isto porque administrava os recursos do barco

com zelo os tripulantes ldquomuitas vezes lhe pediam vaacuterias coisas e o reacuteu natildeo lhes dava pelo

que dele natildeo gostavamrdquo 426

Nestes testemunhos eacute lanccedilado no caso um novo suspeito Joseacute

Ribeiro marinheiro do navio Luz que segundo as testemunhas de defesa estava na lancha em

que as fazendas foram apreendidas e era o real autor do crime

As testemunhas iratildeo afirmar ainda que o despenseiro natildeo estava na lancha no

momento da apreensatildeo e que Joseacute Ribeiro o verdadeiro culpado chegou a oferecer dinheiro

ao sargento que fez a ldquotomadiardquo Aleacutem disso contra Joseacute Ribeiro pesava o fato de momentos

depois da apreensatildeo ter o mesmo voltado a um escaler do navio Luz e lanccedilado ao mar um

saco de pimentas 427

por medo que tinha que os soldados da guarda do trapiche dessem busca

no escaler este saco foi encontrado posteriormente em uma praia por ldquoum pretordquo Ainda

423

Idem 424

Idem 425

Depoimento de Joatildeo Fernandes homem branco solteiro natural da freguesia de satildeo Miguel de Carreiras do

Arcebispado de Braga moccedilo do serviccedilo do navio Luz de idade de 23 anos pouco mais ou menos Ibidem f 27

verso 426

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 13 427

Esta afirmaccedilatildeo aparece nos depoimentos de vaacuterias testemunhas Lembramos que as pimentas estavam

inseridas no rol de produtos vedados

121

segundo as testemunhas assim que ficou sabendo do iniacutecio do processo de devassa para se

apurar o caso de contrabando o tal marinheiro teria fugido para Bahia e desaparecido atitude

que segundo as testemunhas reforccedilava sua culpa

A defesa do reacuteu iraacute se utilizar de todos os pontos positivos trazidos pelos testemunhos

durante os inqueacuteritos reforccedilando o fato de que o reacuteu natildeo estava na lancha no momento da

ldquotomadiardquo estando ele ldquoa bordo do navio Prazeres e o maior sinal da sua inocecircncia foi natildeo se

retirar desta praccedila sendo-lhe noticiada a devassa e que a ele imputavam o mencionado

contrabandordquo 428

sublinhando que o reacuteu natildeo fugiu pois nada temia Punham entatildeo a culpa no

mencionado Joseacute Ribeiro que naquele momento estava ainda sumido

A defesa tambeacutem iraacute afirmar que os depoimentos das testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo

eram conclusivos e em nada prejudicavam o reacuteu pois para que o despenseiro fosse

condenando natildeo bastavam indiacutecios ou conjecturas para a condenaccedilatildeo se fazia necessaacuterio a

existecircncia de ldquouma prova plena legal contundente e mais clara do que a luz do meio diardquo 429

coisa que natildeo constava nos inqueacuteritos visto que muitas testemunhas iratildeo depor ldquode ouvidardquo

ou seja afirmavam saber do fato por ouvirem dizer a um terceiro o que acaba fazendo com

que estas declaraccedilotildees percam forccedila

Outro argumento interessante lanccedilado pela defesa eacute a afirmaccedilatildeo de que se as fazendas

de fato fossem do reacuteu teria ele agido de maneira mais inteligente para natildeo ser pego Isto

porque asseguravam que considerando que as fazendas fossem do despenseiro natildeo era criacutevel

que as mandasse para outro barco a outra pessoa pois esta accedilatildeo tornaria a situaccedilatildeo

potencialmente mais arriscada do que simplesmente enviar as mercadorias para terra Atestam

ainda que ldquoeacute certo que quando eacute costumado a praticar contrabandos todo o seu desiacutegnio eacute por

em salvo as fazendas com toda cautelardquo 430

isto ldquopara a natildeo perderem que eacute o menos para natildeo

pagarem o dobro para natildeo padecerem o rigor da prisatildeo em terra estranha e natildeo sofrerem as

avultadas despesas que trazem consigo os tais contrabandosrdquo 431

Tambeacutem alega que o caso teria sido orquestrado pelo mestre do navio Prazeres que

tinha ldquoconhecida inimizaderdquo pelo reacuteu pois queria o tal capitatildeo ldquogastar com excessiva largueza

os mantimentos da despensardquo 432

e o reacuteu zeloso do seu ofiacutecio tratava de administrar sem

estrago e excesso os mantimentos Entatildeo o capitatildeo do Prazeres teria em conluio com o capitatildeo

428

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 49

verso 429

Ibidem f 50 430

Ibidem f 51 431

Idem 432

Idem

122

do Luz armado contra o reacuteu Mesmo que a eacutepoca segundo relatos das testemunhas os dois

estivessem ldquodivorciadosrdquo o capitatildeo do Luz querendo se isentar da ldquomaacuteculardquo e maacute fama de ter

sido encontrado contrabando no seu navio topou se unir ao seu companheiro e ldquose viram em

beneficio proacuteprio e grave prejuiacutezo do reacuteurdquo 433

Apesar dos argumentos consistentes da defesa o processo contou com diversas

apelaccedilotildees ateacute a sentenccedila final Na uacuteltima apelaccedilatildeo iraacute a defesa declarar que ldquoo embargante eacute

um homem casado nesta Corte com filhos acha-se pobre e preso e ficaraacute inteiramente

destruidiacutessimo havendo-se dele o dobro que certamente natildeo deve porque natildeo eacute o cumplice

daquele contrabandordquo 434

Por fim em 29 de abril de 1775 Joatildeo Marques eacute absolvido pois

havia duacutevidas das autoridades quanto a autoria do crime e nesse caso natildeo deveria entatildeo ser o

despenseiro condenando No entanto ficou o mesmo encarregado do pagamento das custas do

processo como era de costume

O outro caso trata-se de uma apelaccedilatildeo crime onde era apelante a justiccedila e o procurador

fiscal da direccedilatildeo subalterna de Pernambuco contra o reacuteu Euseacutebio Alvarez da Costa O caso eacute o

seguinte o reacuteu que era alferes de auxiliares tinha em seu poder uma portaria passada pela

Companhia geral pois haacute alguns anos atraacutes tinha auxiliado aquela empresa a resgatar uns

escravos que haviam sido furtados Como sabia onde estes escravos estavam todos jaacute em

poder de terceiros cedeu a direccedilatildeo tal documento para que o alferes auxiliado por militares

fizesse o resgate dos tais escravos

O reacuteu entatildeo eacute acusado de continuar a se utilizar desta portaria em benefiacutecio proacuteprio

Isso porque fingindo ser agente da direccedilatildeo da Companhia Euseacutebio Alvarez prendia

comerciantes e mascates que vinham da Bahia trazendo contrabando e para solta-los exigia

pagamento tambeacutem em produtos vedados Diz o procurador fiscal da Companhia que o reacuteu

era acostumando a cometer ldquosimilares malefiacuteciosrdquo que eram puacuteblicos e notoacuterios nas freguesias

de Ipojuca Cabo e Sirinhaem e ainda ldquoque o reacuteu vive destas e de outras ladroeiras fazendo-se

agente da direccedilatildeo e intimidando com a portaria do senhor generalrdquo 435

O caso especiacutefico que eacute objeto desta apelaccedilatildeo envolve o mascate Joatildeo Manoel que

trazendo fazendas de contrabando da Bahia para Pernambuco foi apreendido pelo reacuteu que se

fez passar na ocasiatildeo por oficial da Companhia apresentando a portaria que possuiacutea O

mascate segundo a denuacutencia foi libertado pelo reacuteu mediante pagamento feito atraveacutes de ldquoduas

433

Idem 434

Ibidem f 92 verso 435

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1 f 9

123

peccedilas de riscado da Iacutendia e uma letra de 14 ou 16 mil que devia Joatildeo Paes filho de dona

Joanna moradora na lagoa do Cabordquo 436

Tendo o crime sucedido em julho ou agosto do ano

de 1776 Foi entatildeo Euseacutebio Alvarez preso para que se tirasse devassa do caso

Praticamente todas as testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo afirmar a mesma coisa

sustentando a versatildeo descrita acima afirmam que apresentando o reacuteu a portaria para o

mascate Joatildeo Manoel que trazia produtos vedados da Bahia soacute o autorizou a passar quando

este lhe deu duas peccedilas de riscado e umas letras Algumas testemunhas como Ignacio Correa

Teixeira 437

por exemplo iratildeo declarar que uma dessas peccedilas de riscado teria sido comprada

pelo reacuteu Versatildeo reforccedilada tambeacutem por Jeronimo Joseacute Cavalcanti que inclusive assegura ter

tentado comprar do mascate o mesmo tipo de peccedila de riscado que Euseacutebio Alvarez havia

adquirido pelo valor de sete patacas e meia 438

Os depoimentos das testemunhas de defesa iratildeo se encaminhar no sentido de informar

que o reacuteu era um homem iacutentegro respeitado e estimado por seus superiores e que jaacute havia

prestados serviccedilos a Companhia no caso do furto dos escravos e ainda que natildeo acreditavam

ser Euseacutebio Alvarez um contrabandista Vaacuterias testemunhas como Manoel Joseacute dos Santos

por exemplo alegam que o comandante da freguesia do Cabo era inimigo do reacuteu Algumas

testemunhas vatildeo aleacutem como eacute o caso de Joseacute Correia Faria e declaram ser aquele comandante

ldquocostumado a caluniar a todos e que o mesmo comandante auxilia e daacute passagem aos

contrabandistasrdquo 439

A defesa do reacuteu se inicia como uma afirmaccedilatildeo polecircmica e que vem corroborar o nosso

entendimento de que os contrabandos durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia Geral

foram uma praacutetica comum e amplamente disseminada tanto no grosso trato como no miuacutedo

aleacutem disso reforccedila tambeacutem nosso argumento que o litoral sul da capitania era

abundantemente frequentado pelos contrabandistas Declara a defesa que ldquose houvesse de

proceder o juiacutezo contra todas as pessoas que natildeo delatam o contrabandista e deixam passar

os contrabandos a maior parte delas de fora desta Praccedila ateacute a vila de Penedo deveriam ser

punidasrdquo 440

isto porque ainda segundo a defesa as pessoas natildeo ldquodelatam os contrabandistas e

deixam passar os contrabandosrdquo 441

436

Ibidem f 8 437

Ibidem f 24 verso 438

Ibidem f 23 verso 439

Ibidem f 29 verso 440

Ibidem f 37 441

Idem

124

Continua afirmando que todos na praccedila sabiam disso e que era impossiacutevel que o

procurador fiscal da Companhia desconhecesse tais fatos Atestam ainda ldquoque muito e muitos

contrabandos estatildeo entrando todos os dias nesta vila e hatildeo de entrar enquanto existir a

Companhia sem que ningueacutem delate os contrabandistasrdquo 442

E que o reacuteu soacute foi denunciado

pois possuiacutea inimigos Sustentavam a versatildeo de que tudo foi arquitetado pelo comandante da

freguesia do Cabo que era ldquodeclarado inimigo do reacuteurdquo e que induzira aos outros a

testemunhar contra o alferes Eram entatildeo as testemunhas compradas e seu juramento de

nenhum valor

Declaram aleacutem disso que o reacuteu soacute fez uso da portaria expedida pela Companhia no

caso da apreensatildeo dos escravos ldquoe natildeo cuidou nunca em fazendas de contrabandistas por natildeo

ter ordem para isso e menos os auxiliou porque eacute zeloso do serviccedilo da Direccedilatildeo e natildeo

adversaacuterio delardquo 443

Afirmam ainda que o Euseacutebio Alvarez nunca apreendeu contrabandista

nenhum nem fazendas de contrabando e que nem mesmo conhecia o mascate citado no caso e

que se o tivesse apreendido natildeo seria capaz de soltaacute-lo ldquopelo donativo de duas peccedilas de

riscado e 16 letrasrdquo 444

Outro ponto interessante da defesa versa sobre a condiccedilatildeo e a qualidade do reacuteu

Declaram entatildeo que o mesmo era alfares de auxiliares e que era notoacuterio a todos que ldquonasceu

nobre e abastado e sempre teve o que comer e natildeo precisava de furtar para issordquo prosseguem

afirmando que ldquoa sua conduta sempre se conformou a nobreza do seu nascimento e as leis

divinas e humanasrdquo 445

Com este argumento a defesa busca se utilizar da condiccedilatildeo do reacuteu

para contestar a denuacutencia deixando claro que aleacutem de natildeo precisar cometer contrabandos

esse tipo de atitude natildeo condizia com a honra esperada de sua ascendecircncia nobre

Apesar das denuacutencias do procurador fiscal da Companhia os argumentos da defesa

acabam vingando e o reacuteu eacute absolvido em maio de 1778 ficando ele responsaacutevel por pagar

apenas as custas do processo como era de costume Como podemos observar boa parte dos

casos detalhados ateacute o momento no grosso trato ou no miuacutedo acabaram por inocentar seus

reacuteus mesmo quando se sabia publicamente que aqueles homens eram reconhecidos

contrabandistas Isto porque as apreensotildees em sua maioria eram feitas preventivamente ou

seja antes do crime realizar-se Fato que usaratildeo os reacuteus a seu favor para afirmar natildeo serem as

provas conclusivas Para o comeacutercio feito nos ldquointerioresrdquo o artigo 25 dos estatutos seraacute

442

Idem 443

Ibidem f 11 444

Idem 445

Idem

125

amplamente utilizado nas defesas para isentar os comerciantes que negociavam naquelas

paragens

O desenrolar dos casos revelam aleacutem de interessantes e importantes detalhes da praacutetica

de comeacutercio iliacutecito ao longo do periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial da Companhia a

dificuldade de se reprimir e castigar aquele tipo de accedilatildeo Pois aleacutem da grande dificuldade de

se monitorar uma aacuterea tatildeo vasta e de se controlar um comeacutercio que acontecia por vaacuterios meios

e formas dificilmente a apreensatildeo configurava flagrante Desenvolveremos melhor este

toacutepico no proacuteximo capiacutetulo

Destacamos tambeacutem que dentro do conjunto de atividades comerciais iliacutecitas

desenvolvidas na capitania o comeacutercio com navios estrangeiros estaraacute presente de forma

abundante 446

Em 1770 por exemplo o governador de Pernambuco relata ao secretaacuterio de

Estado da Marinha e Ultramar ter apreendido papeacuteis em poder de Henrique Joseacute Colaccedilo

onde constava um grande volume de contrabandos e negoacutecios feitos por ele com navios

estrangeiros no Cearaacute O governador passa coacutepia neste ofiacutecio de todas as ldquocompras e vendas

que no Cearaacute Grande debaixo de pretexto de arribada forccedilada fizeramrdquo 447

os comerciantes

estrangeiros

Estes negoacutecios ainda segundo Joseacute Cesar foram feitos ldquoem prejuiacutezo dos negociantes

deste continente e Companhia Geral e Reais direitos de sua majestaderdquo 448

pois da capitania

do Cearaacute tinham levado ldquodinheiro ouro em pensas como tambeacutem quinze mil rolos de paus de

tintas e obra mais duzentos e cinco arrobas de papaconha sessenta e oito de resina e gomas e

quinhentos e noventa e quatro couros em cabelordquo 449

como se pode ver nos documentos

anexados Nestes papeacuteis constam tambeacutem as mercadorias em sua maioria importadas

introduzidas ilegalmente nas terras do Cearaacute como queijos fitas de algodatildeo facas tecidos

diversos enxofre poacutelvora entre outros

Atestam esse fluxo tambeacutem a preocupaccedilatildeo constante das autoridades locais com

embarcaccedilotildees estrangeiras que estando destinadas a outros portos do Estado do Brasil acabam

arribando em Pernambuco devido as maacutes condiccedilotildees do tempo ou pela necessidade de reparar

avarias Como ocorre por exemplo em 1761 quando trecircs naus inglesas da Companhia

Oriental datildeo fundo em Recife em virtude de problemas na embarcaccedilatildeo Para evitar os

446

Os documentos que comprovam este fluxo satildeo muitos e estatildeo disponiacuteveis nos avulsos do arquivo histoacuterico

ultramarino - AHU para a capitania de Pernambuco 447

AHU ndash PE Cx 110 D8493 448

Idem 449

Idem

126

descaminhos o governador publica bando em praccedila puacuteblica esclarecendo que era proibido a

pessoas de qualquer condiccedilatildeo ou qualidade fazer qualquer tipo de comeacutercio com aquela

embarcaccedilatildeo por ldquoser com elas inabilitadas toda compra ou negociaccedilatildeo mercantil puacuteblica ou

oculta grande ou pequena de gecircneros comerciaacuteveis estrangeirosrdquo 450

Ainda no mesmo documento afirma o governador que o contrabando era um dos

delitos mais ldquoperniciosos entre os que infectam o Estado dos que se fazem a sociedade civil

mais odiososrdquo 451

continua alegando que aquele tipo de praacutetica se fazia natildeo soacute contra o Eraacuterio

reacutegio mas tambeacutem em ruiacutena do comeacutercio local e prejuiacutezo do mesmo Pois os contrabandistas

vendem seus produtos com diminuiccedilatildeo de preccedilos jaacute os comerciantes legais ficavam com ldquosuas

fazendas empatadas [] sem ter quem as comprerdquo 452

Adverte entatildeo o governador que quem

fosse pego fazendo tais negociaccedilotildees iliacutecitas seria julgado em todas as penas cabiacuteveis e quem

fizesse denuacutencia receberia ldquoparte competenterdquo como premiaccedilatildeo

A preocupaccedilatildeo das autoridades para que natildeo houvesse contrabando com navios

estrangeiros na Costa da capitania era tatildeo grande que em alguns casos era tirada uma devassa

para se averiguar se os motivos alegados pela tripulaccedilatildeo para fazer parada em territoacuterio

pernambucano eram verdadeiros Esse eacute o caso do bergantim inglecircs denominado Sabina que

arribou no porto de Cabedelo na Paraiacuteba ldquopara se refazer de coisas necessaacuteriasrdquo 453

no ano de

1776 Logo o governador da Paraiacuteba passa ordens para que alguns soldados verifiquem a

embarcaccedilatildeo e a conduzam para fortaleza de Cabedelo onde ficaram ldquodebaixo de artilhariardquo e

posteriormente se procedeu uma devassa para verificar se a arribada era realmente necessaacuteria

Durante o tempo em que esteve naquele porto as mercadorias da embarcaccedilatildeo foram

transferidas para armazeacutens onde ficaram sob constante vigilacircncia para que natildeo ldquose

descaminhasse coisa algumardquo 454

Aleacutem do comeacutercio direto as fazendas estrangeiras tambeacutem chegavam a Pernambuco

atraveacutes de embarcaccedilotildees vindas da Bahia Isso eacute o que afirma Martinho de Melo e Castro

secretaacuterio da Marinha e Ultramar em ofiacutecio destinado ao governador de Pernambuco Joseacute

Cesar de Meneses Neste documento o secretaacuterio iraacute afirmar ser de conhecimento geral no

reino ldquoas escandalosas relaxaccedilotildees com que nesses portos (Pernambuco) se introduzem

450

AHU ndash PE Cx 95 D7497 451

Idem 452

Idem 453

AHU ndash PE Cx 122 Doc 9339 454

Idem

127

fazendas de Franccedila de Inglaterra e de Holandardquo 455

segue dizendo que as tais fazendas eram

extraiacutedas da Costa da Mina e chegavam a Pernambuco ldquointroduzidas pela Bahia e por navios

de comeacutercio que dessa capitania vatildeo aquela Costardquo 456

Como vimos o contrabando de mercadorias ou melhor o potencial comeacutercio de

produtos contrabandeados seraacute uma praacutetica extensiva durante todo o periacuteodo de existecircncia da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Vaacuterias eram as ldquomodalidadesrdquo desse tipo de

comeacutercio que podia ser realizado no grosso trato ou no miuacutedo praticado atraveacutes das rotas que

ligavam Pernambuco e Bahia pelo sertatildeo ou ainda pelo litoral esse comeacutercio era heterogecircneo

e envolvia diversos personagens Desde os grandes comerciantes passando pelos indiviacuteduos

comuns que viam nos descaminhos oportunidade de amealhar algum recurso chegando aos

estrangeiros de diversas naccedilotildees que frequentavam o litoral da capitania trazendo produtos

europeus e levando em contrapartida as mercadorias da terra

33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas

Agora que jaacute conhecemos as rotas os casos e as mercadorias que circulavam entre as

praccedilas de Bahia e Pernambuco nos resta tentar esclarecer como estes produtos ganhavam as

ruas e iam parar nas matildeos dos compradores finais Durante nossa pesquisa nas fontes

primaacuterias descobrimos que alguns destes comerciantes envolvidos nos circuitos iliacutecitos

estavam associados a falsificadores de selos reais como nos revelam dois documentos

coletados do nosso acervo

O primeiro caso eacute do ano de 1770 trata-se de uma carta anocircnima escrita no Recife

endereccedilada ao secretaacuterio de Estado do Reino e das Mercecircs o Conde de Oeiras O denunciador

aleacutem de falar sobre o comeacutercio ilegal praticado nos portos do sertatildeo afirma que ldquose introduz

aqui inumeraacuteveis fazendas sem despacho pelos mesmos navios da Companhiardquo 457

continua

explicando que ldquoo contrabando leva quantas meias sobras haacute nesta terra e ouro velho que

podem adquirir para a Bahia e o Rio de Janeiro vai o dinheiro provincial para se empregarem

em fazendas que se introduzem nesta praccedila por contrabandordquo 458

completa dizendo que as

455

Cf AHU ndash PE ndash Coacutedice 583 fls 202-203 apud DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os

locais uma anaacutelise da correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania

de Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei SOUZA

George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo atlacircntico Recife Editora

Universitaacuteria da UFPE 2012 P 225 456

Idem 457

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 458

Idem

128

ditas fazendas ldquochegam a ter selos falsos com que as selam por se natildeo fazer tatildeo manifesto o

contrabando a quem os compra e torna a venderrdquo 459

Em ofiacutecio escrito pela Junta da Companhia sediada em Lisboa no ano de 1778 um

caso correlato eacute denunciado Afirma-se neste documento a existecircncia em Recife de um

homem chamado Manoel Correa de Mendonccedila que foi preso no ano de 1772 por selar

fazendas contrabandeadas na sua casa 460

Podemos inferir atraveacutes dos dados como se

comportavam estas redes mercantis de contrabando que buscavam se agrupar a falsificadores

na intenccedilatildeo de fazer com que os produtos iliacutecitos circulassem livremente na praccedila mercantil

pernambucana e pudessem por exemplo ser vendidos sem maiores problemas nas lojas da

praccedila

Aleacutem da venda nas lojas quando feito em pequeno porte muito provavelmente estas

mercadorias ganhavam as ruas atraveacutes das bocetas das negras de ganho apesar da praacutetica ter

sido proibida por postura do ano de 1744 a venda desses produtos atraveacutes dessas

intermediaacuterias ainda constituiacutea-se em atitude cotidiana como nos esclarece carta dos oficiais

da cacircmara de Olinda escrita no ano de 1769 e endereccedilada a Corte

Nesta carta os oficiais apelam ao Rei pelo relaxamento da medida pois afirmam ser

aquele comeacutercio essencial para a sustentaccedilatildeo de famiacutelias por ser o ato de ldquocomprar e venderrdquo

o ldquouacutenico recurso que haacute no Brasilrdquo 461

O documento esclarece ainda que este tipo de comeacutercio

era um haacutebito da capitania como os proacuteprios camaraacuterios afirmam ldquoestilo da terrardquo antes da

pragmaacutetica as pretas cativas vendiam pelas ruas ldquotoda a qualidade de vendas de frutos

legumes docesrdquo 462

e com o decurso do tempo foram incrementados a este comeacutercio ldquofitas de

seda fazendas de algodatildeo da Iacutendia bertanha aniagemrdquo 463

Outro documento confirma essa dinacircmica mercantil em ofiacutecio do ano de 1778 da

Junta da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba ao governador de Pernambuco declara a

junta saber que ldquoos ricos e poderosos dessa terra (Pernambuco) trazem duas trecircs escravas a

vender pelas ruas em bocetasrdquo 464

continuam afirmando que ldquocada uma eacute uma loja os

melhores gecircneros e fazendas as quais recebem dos navios que vatildeo a este portordquo concluindo o

documento a Junta faz questatildeo de destacar que ldquopor ordem de sua majestade eacute proibido andar-

459

Idem 460

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 461

AHU ndash PE Cx 107 D 8312 462

Idem 463

Idem 464

AHU ndash PE Cx 128 D 9737

129

se vendendo desta forma pelas ruasrdquo 465

O apelo feito pela cacircmara bem como a denuacutencia da

Junta da Companhia Geral satildeo demonstrativos da persistecircncia desse comeacutercio que ligava os

principais homens de negoacutecio da praccedila pernambucana a estas intermediaacuterias de cor

Respondendo a este ofiacutecio tambeacutem no ano de 1778 o governador Joseacute Cesar de

Meneses confirma a afirmaccedilatildeo da Junta lisboeta Declara a autoridade que tal costume era

praticado na Praccedila e pelo que havia apurado natildeo era coisa moderna De acordo com os dados

colhidos por ele os governadores que o haviam precedido e os ministros que os auxiliavam

nunca haviam impugnado tal accedilatildeo afirma ainda que ldquoas cacircmaras concedem licenccedilas as

escravas que vendem dessa forma pelas ruasrdquo 466

Acreditava o governador que isso ocorria

pois ldquonem o artigo 18 da pragmaacutetica de 1749 que proiacutebe vender fazendas pelas ruas em

caixas ou trouxas nas cidades ou vilas desse Reino nem a declaraccedilatildeo feita ao mesmo inciso no

alvaraacute de 21 de abril de 1751rdquo 467

determinavam expressamente que tal proibiccedilatildeo se estendia

as conquistas A falta de uma legislaccedilatildeo especiacutefica para a colocircnia acabava neste caso criando

uma brecha para a continuidade daquele procedimento na capitania pernambucana

Tambeacutem encontramos relatos na historiografia que compravam o costume local de

mulheres de cor andarem pelas ruas a vender uma infinidade de produtos inclusive

contrabandos A historiadora Suely Almeida se dedica em artigo intitulado ldquoHistoacuterias de

gentes sem qualidade Mulheres de cor na Capitania de Pernambuco no seacuteculo XVIIIrdquo a

recompor as tramas comerciais que essas intermediaacuterias estavam envolvidas Sobre os

produtos que transitavam por entre cestos bocetas e tabuleiros nas ruas do Recife iraacute afirmar

a autora que

Tanto nos tabuleiros como nas tabernas vendia-se de tudo comida bebida

roupas poacutelvora armas ferramentas utensiacutelios domeacutesticos alguns artigos de

luxo como tecidos finos joias e coisas de toucador Essas vendas ou

tabernas se constituiacuteam em espaccedilos intermediaacuterios entre a legalidade e a

ilegalidade 468

Para o contrabando de escravos nossa hipoacutetese baseada na anaacutelise a documentaccedilatildeo eacute

que muito provavelmente antes de vir para a capitania boa parte da escravaria jaacute estava

encomendada e negociada dada a dificuldade de fazer entrar e se esconder uma grande

quantidade de pessoas na capitania sem ser notado Apesar de encontrarmos vaacuterios

465

Idem 466

AHU ndash PE Cx 130 D 9823 467

Idem 468

ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de Pernambuco no seacuteculo

XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria da escravidatildeo em Pernambuco Editora

UniversitaacuteriaUFPE 2012 P 52

130

documentos que fazem referecircncia ao comeacutercio descaminhado de escravos durante o periacuteodo

da nossa pesquisa natildeo achamos referecircncia alguma quanto a qualquer tipo de feira de venda de

escravos extralegal ou coisa parecida o que nos leva a crer que de fato aquele tipo de

negociaccedilatildeo era feita em sua maioria de forma antecipada

Quanto as caixas de accediluacutecar e outras mercadorias que saiam de Pernambuco e iam para

Bahia a documentaccedilatildeo natildeo oferece maiores detalhes Isto porque como jaacute dito aqui a praccedila

comercial da Bahia natildeo estava sujeita ao regime de exclusivo comercial dessa forma o

tracircnsito de produtos e negoacutecios era feito de maneira mais livre Aleacutem disso como tambeacutem jaacute

visto anteriormente as autoridades baianas de maneira geral pareciam natildeo se importar muito

com o tracircnsito comercial que ligava as duas capitanias autorizando a introduccedilatildeo das

mercadorias oriundas destes negoacutecios sem grandes problemas

131

4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA

41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas

O contrabando seraacute uma constante durante os vinte e um anos de existecircncia da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba causando graves prejuiacutezos aos comerciantes

lisboetas donos da maior parte de suas accedilotildees Essa praacutetica seraacute alvo de grande preocupaccedilatildeo

por parte da coroa e da Junta da Companhia sediada em Lisboa 469

sendo um assunto

recorrente na documentaccedilatildeo Conseguimos localizar junto ao nosso acervo uma seacuterie de

ofiacutecios e cartas trocadas entre as autoridades locais e o Reino ao longo de todo o periacuteodo de

monopoacutelio exercido pela empresa que tratam sobre o tema demonstrativos da importacircncia e

proporccedilatildeo que os contrabandos assumiram durante aquele periacuteodo

A preocupaccedilatildeo do Reino em evitar e conter os contrabandos na capitania

pernambucana se daraacute a partir dos primeiros anos de funcionamento da Companhia revelando

que a praacutetica clandestina se instalou contemporaneamente ao funcionamento da empresa

Alertamos que o teor dessa documentaccedilatildeo por vezes se tornaraacute repetitivo de qualquer forma

optamos por trabalhar com uma significativa variedade de documentos natildeo soacute para reforccedilar

nosso ponto como tambeacutem para demonstrar que os problemas envolvendo as transaccedilotildees

descaminhadas persistiram ao longo dos anos de existecircncia do monopoacutelio

De acordo com Antonio Manuel Hespanha devido a uma seacuterie de limitaccedilotildees

enfrentadas pelo Reino a aplicabilidade de penas dentro do sistema punitivo reacutegio portuguecircs

era reduzida Afirma o autor que o modelo de poder coercitivo exercido por Portugal evitava

ao maacuteximo a consumaccedilatildeo da puniccedilatildeo sendo a disciplina social garantida por ldquomecanismos

quotidianos de controlordquo tendo como fim a defesa da supremacia simboacutelica do Rei Dessa

forma a concessatildeo do perdatildeo real em alguns crimes acabava por se tornar estilo expediente

rotineiro Hespanha assegura que esta realidade soacute seraacute alterada de maneira efetiva em

469

A Junta da Companhia Geral estava sediada em Lisboa e representava dentro da estrutura administrativa da

empresa a escala maacutexima de poder era o centro decisoacuterio da Companhia e possuiacutea competecircncia deliberativa A

Junta era composta por um provedor dez deputados e trecircs conselheiros eleitos entre os principais acionistas da

empresa para mandatos a priori de trecircs anos A Companhia possuiacutea ainda duas outras administraccedilotildees uma na

cidade do Porto e outra em Recife conhecidas como ldquodireccedilotildeesrdquo cada uma delas possuiacutea um intendente e seis

deputados Estas direccedilotildees eram subordinadas a Junta administrativa de Lisboa Sobre isto ver JUacuteNIOR Joseacute

Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 CARREIRA Antonio

As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982

132

meados do XVIII com a ascensatildeo do despotismo iluminado periacuteodo que compreende o marco

cronoloacutegico desta pesquisa 470

Apesar da Companhia possuir um juiacutezo privativo e de alguns casos como

demonstrado no capiacutetulo anterior acabarem por apoacutes as investigaccedilotildees inocentarem os reacuteus eacute

notoacuteria a atenccedilatildeo que o Reino iraacute demandar aos casos de contrabando ocorridos durante o seu

funcionamento A comunicaccedilatildeo oficial estabelecida entre os governadores da capitania e o

ministro do Estado da Marinha e Ultramar nos demonstra como a metroacutepole buscou instruir

seus agentes locais para atuarem na coibiccedilatildeo e puniccedilatildeo dos diversos personagens envolvidos

nos esquemas iliacutecitos

Jaacute em 1763 encontramos ofiacutecio enviado a Corte pelo governador Luiacutes Diogo Lobo da

Silva onde o oficial reacutegio comunica ao Conselho Ultramarino as medidas que vinha tomando

para reprimir a ldquoprejudicial transgressatildeordquo 471

que segundo o mesmo havia causado ldquoquase

uma total extraccedilatildeo do dinheiro provincialrdquo Afirma o governador ter mandando o procurador

fiscal da Companhia bem como o juiz da alfacircndega daquela Praccedila darem buscas nas lojas

suspeitas a fim de que se cumprisse o que determina o artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo

da Companhia Geral 472

No mesmo ofiacutecio Luiacutes Diogo Lobo busca esclarecer junto ao Reino qual o

procedimento adotar em caso de apreensatildeo de mercadorias fruto de denuacutencias que se

encontravam sem selo ou seja produtos que ainda natildeo haviam pagado os reais direitos em

nenhum porto A duacutevida do governador era se mesmo nestes casos deveriam os denunciantes

receber a parte que lhes era devida seguindo o que estabelecia o artigo 34 do documento de

instituiccedilatildeo da Companhia 473

Destacamos que a duacutevida das autoridades em relaccedilatildeo ao que

fazer com os frutos das apreensotildees seraacute corriqueira Isto porque o documento de instituiccedilatildeo da

470

HESPANHA Antonio Manoel O direito penal da monarquia corporativa In _____ Caleidoscoacutepio do

Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda 2012 P 129-164 471

AHU-PE ndash Cx 99 D 7757 472

Idem 473

O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba determinava que

ldquoNenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute mandar levar ou introduzir as sobreditas

fazendas secas ou molhadas nas ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da sua produccedilatildeo a menos

que natildeo seja na forma acima referida sob pena de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto

importar o seu valor Sendo tudo aplicado a favor dos denunciantes que poderatildeo dar suas denuacutencias em

segredo ou em puacuteblico Neste Reino diante dos juiacutezes conservadores de Lisboa e do Porto e em Pernambuco

diante do Juiz Conservador da mesma Companhia os quais todos faratildeo notificar as denunciaccedilotildees aos

procuradores da Companhia para serem partes nelas tudo de baixo das penas acima declaradasrdquo (Grifo nosso)

Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor do

Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel

em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 05052017

133

Companhia que balizava tais questotildees natildeo contemplava a diversidade de situaccedilotildees

encontradas pelos oficiais reacutegios no cotidiano 474

De acordo com o artigo 34 nenhuma pessoa poderia introduzir nas terras exclusivas

da Companhia nem enviar dela para outras localidades nenhum tipo de gecircnero exceto nos

casos dos comerciantes que negociavam no ldquomiuacutedordquo como autorizava o artigo 33 475

sob

pena de perdimento das fazendas ou de seu valor como jaacute explicitamos anteriormente Quem

estivesse disposto a denunciar tais contrabandos o que poderia ser feito em segredo ou

publicamente levaria a terccedila parte dos rendimentos feitos com aquela apreensatildeo O precircmio

era uma forma de incentivar as denuacutencias na capitania jaacute que sem elas o trabalho dos oficiais

reacutegios ficava bastante dificultado No entanto fazer estas denuacutencias requeria coragem pois

invariavelmente violecircncias e represaacutelias eram sofridas pelos denunciantes 476

A praacutetica de reservar quotas sobre o espoacutelio do contrabando aos que contribuiacutessem

para sua apreensatildeo era comum natildeo soacute na colocircnia brasileira como na Ameacuterica hispacircnica Ao

tratar sobre os descaminhos do ouro e diamantes na regiatildeo das Minas setecentistas Isnara

Pereiro Ivo iraacute afirmar que uma das estrateacutegias adotadas pela Coroa ao decorrer do seacuteculo

XVIII para tentar conter os contrabandos na regiatildeo era a de destinar a terccedila parte do material

apreendido ao funcionaacuterio reacutegio que fizesse a tomadia 477

Falando sobre os contrabandos

474

Em diversos documentos oficiais trabalhados ao longo deste texto solicitam as autoridades coloniais ao

Reino que se mandem instruccedilotildees do que fazer com as mercadorias apreendidas Ao que tudo indica quando os

confiscos aconteciam independentemente de denuacutencias os gecircneros apreendidos eram levados aos armazeacutens da

Companhia Poreacutem nem sempre os oficiais tinham certeza do que fazer com os frutos das apreensotildees como por

exemplo eacute o caso de uma carga de couros e tabaco apreendida por Joseacute Cesar de Meneses em 1778 tirado de

uma sumaca que fazia contrabandos com a Costa da Bahia Apesar de ter remetido os tabacos e os couros para os

armazeacutens da Companhia o governador solicita lhe seja esclarecido pela Corte se aquela direccedilatildeo deveria pagar

pelos ditos gecircneros ao Eraacuterio Reacutegio pois parecia ao governador ldquopertencer este sequestro mais a S Majestade do

que a direccedilatildeordquo Fonte AHU ndash PE Cx 129 D 9771 475

Como jaacute visto no segundo capiacutetulo deste trabalho de acordo como artigo 33 do documento de instituiccedilatildeo da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba a empresa autoriza que os comerciantes da terra continuassem a

fazer seus negoacutecios no ldquomiuacutedordquo ficando reservado a Companhia o comeacutercio de grosso trato que em Pernambuco

comeccedilava no valor de cem mil reis Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa -

Officina de Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA -

Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 476

Em ofiacutecio do ano de 1780 o governador Joseacute Cesar de Meneses ao falar sobre caso ocorrido no mesmo ano

na capitania afirma ter sido assassinado o soldado Ignaacutecio Tavares do Regimento do Recife e na mesma ocasiatildeo

foi espancado violentamente o soldado Francisco Antocircnio Ribeiro do mesmo Regimento ao irem agrave praia da

Penha (Recife) examinar uma jangada vinda da Bahia cheia de contrabandos Atesta ainda o governador que

durante estas diligecircncias era comum que houvesse certa resistecircncia por parte dos contrabandistas Declara

tambeacutem neste documento ter feito pagar recentemente a soldados que haviam denunciado novo crime de

contrabando a terccedila parte do fruto da apreensatildeo no valor de 270259 mil reis a fim de ldquoanimar a tropa e

cuidarem em fazer melhores diligecircnciasrdquo Fonte AHU-PE Cx 138 D10250 477

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica

Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 288

134

realizados no porto de Buenos Aires do seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos tambeacutem iraacute atestar que

se tinha o costume naquela localidade de recompensar o denunciador de ldquotratos realizados

sem permissatildeo realrdquo 478

com ao menos um terccedilo do valor apreendido

Voltando a nossa narrativa em 1769 o entatildeo governador de Pernambucano Conde de

Povolide anuncia ao Reino a grande ldquoousadia com que se estavam praticando tatildeo escandalosas

negociaccedilotildees quase a minha face e de todos os ministros desta capitaniardquo 479

De acordo com o

Conde devido agrave falta de denuacutencias se introduziam na aacuterea exclusiva da Companhia ldquofazendas

secas por negociantes da Bahia em alguns portos desta capitaniardquo ainda segundo o governador

os mesmos negociantes extraiam gecircneros da terra para a capitania vizinha em ldquoprejuiacutezo grave

dos direitos reaisrdquo 480

Neste mesmo ofiacutecio o oficial reacutegio relata como atuavam aqueles

grupos empenhados no trato iliacutecito e os cuidados que vinha empregando na contenccedilatildeo de tais

praacuteticas assegurando ter recomendado aos capitatildees mores e regentes de distrito a maior

vigilacircncia ldquopara evitar a travessia de semelhantes negociaccedilotildeesrdquo 481

Neste mesmo ano eacute enviada resposta ao governador em Pernambuco em forma de

minuta do Rei D Joseacute I Ordenava-se que para se evitar os ldquoprejudicialiacutessimos empates que

tem experimentado a Companhiardquo 482

se executasse na capitania pela figura do Juiz

conservador da Companhia Geral todas as leis e ordens referentes a repressatildeo do

contrabando Pedindo que se desse especial observacircncia ao alvaraacute reacutegio expedido no dia 14 de

novembro de 1757 483

onde se ampliavam os paraacutegrafos que tratavam sobre o tema nas

Comarcas do Reino e em seus domiacutenios ultramarinos

Em 1770 era a vez de Manoel da Cunha Meneses relatar o insucesso na repressatildeo

contra os descaminhos que naquelas paragens se estabeleciam Segundo o governador natildeo

havia meios ldquopara que estes contrabandos se possam evitarrdquo 484

Prosseguindo seu relato o

capitatildeo general afirma que o motivo das fazendas da Companhia estarem ldquoempatadasrdquo nos

armazeacutens era que nos sertotildees daquela capitania havia uma ldquogrande multiplicidaderdquo 485

das

mesmas fazendas que adentravam via contrabando o territoacuterio monopolizado atraveacutes do Rio

de Satildeo Francisco Explica ainda a dificuldade em se mandar fiscalizar aquelas ldquoremontadas

478

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires

colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 479

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 480

Idem 481

Idem 482

AHU ndash PE Cx 107 D 8276 483

Natildeo foi possiacutevel identificar tal alvaraacute junto ao nosso acervo documental 484

AHU ndash PE Cx 108 D 8371 485

Idem

135

paragensrdquo de acordo com o governador ldquonatildeo haacute sujeitos que bastem para em tatildeo longas

distacircncias fazerem a sua obrigaccedilatildeo de impedir as ditas passagensrdquo 486

e mesmo que

houvessem ldquoseria necessaacuterio uma importante soma de ordenados da real fazenda para lhe

satisfazer as despesas precisas nas dilatas viagensrdquo 487

Percebemos que as dificuldades encontradas pelos governadores pernambucanos e os

ministros do Conselho Ultramarino nos combates aos contrabandos em muito se aproximam

dos desafios enfrentados pela Coroa e pelos oficiais reacutegios envolvidos na administraccedilatildeo das

Minas de ouro Isto eacute que o nos sugere os atuais trabalhos dedicados a explorar os circuitos

mercantis desenvolvidos nas regiotildees mineiras que apontam para os grandes descaminhos de

minerais realizados naquelas plagas Desde cedo a Coroa buscou montar todo um aparato

fiscalizador com o intuito de conter a sangria que ofendia a Real Fazenda De acordo com a

historiadora Isnara Pereira Ivo a regiatildeo do Satildeo Francisco e suas anexas foram as principais

vias alvo de controle Os contrabandos naquela regiatildeo se davam tanto atraveacutes dos caminhos e

picadas de terra abertas ilegalmente ao longo das margens dos rios ldquocomo no curso de

pequenos afluentes e nos grandiosos braccedilos drsquoaacutegua que alimentavam secularmente os leitos da

margem direita do Velho Chicordquo 488

No entanto por maior que fosse o zelo do Reino no que diz respeito agrave tatildeo importante

demanda nenhuma medida adotada se mostrou completamente eficaz isto porque os

caminhos eram muitos e extensos ainda de acordo com Ivo ldquoos dilatados sertotildees abrigavam

veredas que as proacuteprias autoridades desconheciam e talvez por isso mesmo tentavam ampliar

medidas de combate a evasatildeo fiscalrdquo 489

Existia uma grande preocupaccedilatildeo por parte da Coroa

com a abertura de caminhos natildeo autorizados o que pode ser medido entre outras coisas pela

recorrecircncia de ordens reacutegias que buscavam regular tal mateacuteria

Nota-se que tanto no caso das Minas quanto em Pernambuco que a grande extensatildeo

do territoacuterio e a falta de conhecimento sobre as vastas aacutereas que estavam fora do eixo

litoracircneo iratildeo dificultar sobremaneira o trabalho repressivo por parte das autoridades reais

Por maiores que fossem os esforccedilos empregados a contenccedilatildeo dos descaminhos nas condiccedilotildees

apontadas era tarefa praticamente impossiacutevel Natildeo havia nenhum tipo de estrutura que

permitisse o monitoramento total de aacutereas tatildeo vastas A questatildeo da extensatildeo territorial da

486

Idem 487

Idem 488

IVO Isnara Pereira Op Cit P 289 489

Idem

136

Capitania pernambucana apareceraacute em vaacuterios documentos como um dos elementos mais

impeditivos para efetividade da fiscalizaccedilatildeo

Nosso conjunto documental nos sugere um aumento do volume de contrabandos a

partir de meados da deacutecada de 70 490

o que consequentemente iraacute gerar uma maior

preocupaccedilatildeo por parte do Reino e das autoridades locais em tomar medidas repressivas para

cessar tal fluxo Durante esta fase esteve agrave frente do governo de Pernambuco Joseacute Cesar de

Meneses Filho do conde de Sabugosa 491

o governador de Pernambuco nasceu na Bahia

onde permaneceu durante a vigecircncia do governo de seu pai como Vice-Rei do Brasil entre os

anos de 1720 a 1734

Ingressou na carreira militar e serviu em Portugal durante alguns anos depois desse

periacuteodo seguiu para as Iacutendias onde fixou residecircncia Foi nomeado como governador da

capitania de Pernambuco em 27 de julho de 1774 permanecendo no cargo ateacute o ano de 1787

492 Seu governo foi conturbado enfrentando uma epidemia de bexigas e uma grave seca em

1776 que levou a uma fome generalizada Em obra tradicional onde traccedila biografias

panegiricas Pereira da Costa afirma

Joseacute Cesar de Meneses pelo seu caraacuteter eneacutergico pelas suas qualidades e

pela simpatia geral que angariou pelos atos de justiccedila do seu governo

correto e honesto foi alvo de diferentes manifestaccedilotildees populares [] 493

Ao longo do seu governo Joseacute Cesar teve de lidar com inuacutemeros problemas relativos

agraves atividades da Companhia Geral em Pernambuco e suas anexas Estando a frente da

capitania durante a segunda crise por qual passava a Companhia e permanecendo ateacute o fim de

seu monopoacutelio 494

o governador foi um aacutevido denunciador da maacute administraccedilatildeo da empresa

em Pernambuco Devido a isto a relaccedilatildeo do oficial com a diretoria pernambucana natildeo era das

490

Para mais detalhes sobre este fluxo consultar o primeiro capiacutetulo deste trabalho 491

Joseacute Cesar de Meneses natildeo era filho legitimo de Vasco Fernandes Cesar de Meneses o Conde de Sabugosa

Nascido de um relacionamento do Conde com Luzia Rosa de Andrade portuguesa que residia na Bahia o o

governador foi batizado como filho de pai incoacutegnito apesar de Vasco Fernandes afirmar em cartas e conversas

que o mesmo era seu filho Sobre isto ver COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos

Recife Secretaria do interior e justiccedila 1951-1966 V 6 492

Apesar de comumente os governadores de capitania na Ameacuterica Portuguesa serem nomeados para ocupar tais

cargos por um periacuteodo de apenas quatro anos Joseacute Cesar de Meneses permaneceu durante treze anos a frente do

governo de Pernambuco Fato que indica uma possiacutevel habilidade pessoal do oficial em mediar os interesses

locais e metropolitanos Sobre este tema ver JUNIOR Joseacute Inaldo Chaves Biografia e micro-histoacuteria diaacutelogos

possiacuteveis para uma histoacuteria da governanccedila no Impeacuterio Portuguecircs (Capitania da Parayba c1764-1797) Revista

Cantareira Rio de Janeiro 15ordm ediccedilatildeo jul-dez 2011 493

COSTA Francisco Augusto Pereira da Op Cit V 6 P 349 494

A segunda crise enfrentada pela empresa ocorrida entre 17781780 tem iniacutecio poacutes-morte do Rei D Joseacute I e

do quase imediato afastamento de Pombal do centro decisoacuterio do Reino Neste momento uma seacuterie de peticcedilotildees

passam a ser enviadas a Rainha D Maria I tanto na colocircnia quanto no Reino pedindo a extinccedilatildeo dos privileacutegios

da Companhia Geral e a volta do comeacutercio livre

137

melhores 495

com bastante constacircncia o governador relatava ao Reino os desmandos dos

agentes locais da empresa destacando ainda o mal que tal empreendimento havia causado de

acordo com sua avaliaccedilatildeo as atividades comerciais na regiatildeo 496

Durante o periacuteodo do seu governo a questatildeo do contrabando ocuparaacute lugar cativo na

pauta das documentaccedilotildees trocadas entre o governador e o secretaacuterio de Estado da Marinha e

Ultramar do Reino Martinho de Melo e Castro Apesar de ser da opiniatildeo que a Companhia

prejudicava o comeacutercio local o governador seguindo as recomendaccedilotildees de seu cargo buscou

auxiliar sempre que possiacutevel e necessaacuterio a empresa principalmente no que se refere ao

combate dos descaminhos 497

Devemos lembrar como jaacute apontado previamente que de

acordo com as recomendaccedilotildees do artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa a

administraccedilatildeo da Companhia respondia diretamente ao Rei e era independente de todos os

tribunais maiores ou menores natildeo podendo em nenhum caso se intrometer ministro ou

tribunal algum em seus assuntos 498

Devido ao caraacuteter privativo da empresa no tocante as suas questotildees judiciais ficavam

os governadores e demais autoridades locais impedidos de agir com maior liberdade nas

ocorrecircncias de contrabando Eacute o que atesta Joseacute Cesar de Meneses respondendo a cobranccedila

feita pela Junta da empresa para que o oficial passasse a regular de maneira mais contundente

as ingerecircncias que cometiam os deputados da Direccedilatildeo da Companhia em Pernambuco e os

contrabandos na regiatildeo O governador na ocasiatildeo aponta para o artigo acima de forma a

atestar sua falta de jurisdiccedilatildeo para atuar em certos casos

495

Alguns ofiacutecios confirmam a existecircncia de certa animosidade entre o oficial reacutegio e a direccedilatildeo pernambucana

que se queixaraacute da falta de assistecircncia dada pelo governador aos negoacutecios da Companhia Acusaccedilatildeo que busca

repetidamente o governador se defender afirmando e reafirmando em diversos documentos os auxiacutelios que tem

prestado aquela direccedilatildeo Um ofiacutecio enviado pelo governador ao Reino no ano de 1775 ilustra bem esta questatildeo

Nele o oficial reacutegio busca esclarecer junto a Corte as acusaccedilotildees feitas pelo Intendente da Companhia o senhor

Antocircnio Joseacute Souto sobre sua conduta Afirmando em tal ocasiatildeo que o tal intendente despoacutetico e de se utilizar

de seu cargo na direccedilatildeo daquela instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9218 496

O governador enviaraacute a Corte uma seacuterie de correspondecircncias ao longo de seu governo relatando o estado em

que se encontrava a capitania chegando ateacute mesmo a fazer comparaccedilotildees numeacutericas do volume do comeacutercio

antes e depois do monopoacutelio instaurado pela Companhia Geral Exemplo disto eacute o ofiacutecio do ano de 1778 onde o

oficial envia ao Reino extenso documento onde relata natildeo soacute seu ponto de vista a respeito da instituiccedilatildeo e do que

vinha obrando para acudir a Companhia durante seu governo como tambeacutem traz em anexo diversos documentos

com os nuacutemeros referentes ao comeacutercio dos diversos gecircneros que se fazia na capitania antes e depois da criaccedilatildeo

da Companhia Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 497

AHU ndash PE Cx 130 D 9823 498

Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor

do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel

em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217

138

Em ofiacutecio do ano de 1777 onde relata a situaccedilatildeo dos contrabandos na capitania Joseacute

Cesar aponta alternativa que acreditava ser suficiente para extinguir os contrabandos

Segundo o mesmo deveria a Companhia remeter para a capitania ldquoos mesmos gecircneros que

trazem os contrabandistas e vendecirc-los pelo mesmo preccedilo que os contrabandistas os vendemrdquo

499 De acordo com o governador se a Companhia assim fizesse ningueacutem ldquose incomodaria com

tanto trabalho e risco a introduzi-las nem jamais se continuariam tais contrabandosrdquo 500

Ainda neste mesmo ofiacutecio o oficial eacute enfaacutetico ao afirmar que ldquoa introduccedilatildeo dos

contrabandos nasce porque por preccedilos mais racionaacuteveis e diminutos se compram as mesmas

fazendas de contrabandos o que natildeo se consegue da direccedilatildeordquo 501

destaca ainda o funcionaacuterio

real que as mercadorias comercializadas pela Companhia eram vendidas a preccedilos maiores do

que em todas outras Praccedilas comerciais do Brasil que natildeo contavam com uma empresa

monopolizadora

Outra medida eficaz para fazer cessar os contrabandos naquelas paragens apontada

pelo governador seria a direccedilatildeo da Companhia comeccedilar a assistir aos lavradores da terra em

dinheiro fiacutesico 502

Para Joseacute Cesar a questatildeo era simples bastava passar a empresa a praticar

seu comeacutercio de forma justa cobrando valores mais competitivos por seus gecircneros europeus e

fazer os pagamentos dos efeitos da terra em dinheiro agindo a empresa desta forma natildeo

necessitariam os fabricantes locais recorrerem a outras maneiras de obter o metal e

conseguirem melhores lucros

A questatildeo da falta de moeda corrente seraacute uma reclamaccedilatildeo constante dos moradores

da terra contra a Companhia Os estatutos da empresa estabeleciam que a regulaccedilatildeo dos

financiamentos junto aos produtores ocorreria da seguinte forma a Companhia adiantava ao

produtor de couros ou accediluacutecar a terccedila parte relativa a produccedilatildeo anual de cada um esse

adiantamento poderia ser feito em dinheiro mercadorias ou instrumentos de trabalho No

entanto de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a Companhia buscava evitar fazer seus

pagamentos em dinheiro sobretudo para evitar que os produtores comprassem gecircneros

vedados atraveacutes do contrabando 503

Em outro ofiacutecio jaacute no ano posterior o governador trata com maior detalhe a questatildeo

dos preccedilos praticados pela Companhia e pelos contrabandistas O capitatildeo general afirma que o

499

AHU ndash PE Cx 127 D 9670 500

Idem 501

Idem 502

AHU ndash PE Cx 130 D 9823 503

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit P 111

139

motivo dos contrabandistas venderem os seus produtos a preccedilos menores que o da Companhia

natildeo estava relacionado agrave falta de pagamento de direitos ou fretes mas simplesmente porque

os negociantes envolvidos naquele trato se empenhavam em comprar seus gecircneros por preccedilos

mais moacutedicos Razatildeo pela qual mesmo correndo os riscos de transportarem os seus produtos

ldquoem jangadas quase debaixo drsquoaacutegua sujeitas a mil avarias e sobretudo o maior e mais

formidaacutevel de todos os riscos o do confiscordquo 504

conseguiam tais comerciantes vender seus

gecircneros por valores inferiores aos praticados pela Companhia Geral

Em relaccedilatildeo ao comeacutercio de escravos segundo o governador agia a Companhia da

mesma forma prejudicial Em documento em que detalha o nuacutemero de cativos e embarcaccedilotildees

que entraram no porto do Recife entre os anos de 1742 a 1777 Joseacute Ceacutesar versaraacute sobre a

questatildeo do comeacutercio atlacircntico para Pernambuco em paralelo com as praccedilas de Bahia e Rio de

Janeiro Segundo o governador era notoacuterio que em Angola e na Costa da Mina se reservava ldquoa

flor dos escravos para os negociantes da Bahia e do Rio de Janeirordquo 505

pois estes pagavam

aos seus comissaacuterios africanos a dinheiro e melhores efeitos Dessa forma ficava relegada a

Companhia Geral apenas o ldquorefugordquo da escravaria que era composta por negros de ldquoruim

qualidade e carestiardquo 506

Diz o governador natildeo saber com a empresa procedia em suas compras na Costa da

Aacutefrica no entanto como a experiecircncia mostrava era possiacutevel se comprar escravos

contrabandeados ldquopor uma quinta parte menosrdquo 507

dos que os vendidos pela Companhia

Geral Aleacutem disso como se vivia em Pernambuco uma crise de moeda fiacutesica a Companhia

costumeiramente mandava vender alguns de seus escravos no Rio de Janeiro ldquopor muito

menos do que nesta praccedilardquo 508

ainda segundo Joseacute Cesar os negros que se iam vender na

praccedila carioca eram ldquosempre os melhores e mais escolhidosrdquo 509

Dessa forma concluiacutea o governador que os escravos que permaneciam na capitania

eram sempre os de ldquopior qualidaderdquo o que acabava por provocar um ldquomaior desembolso a

que o lavrador fica sujeito tanto no maior nuacutemero que deveria comprar quanto na qualidaderdquo

510 Segundo o funcionaacuterio real os lavradores residentes na capitania eram forccedilados a

substituir o plantel constantemente pois logo ldquomorrem pela sua ruim qualidade e moleacutestias

504

Idem 505

Idem 506

Idem 507

Idem 508

Idem 509

Idem 510

Idem

140

com quem jaacute vecircm contaminadosrdquo 511

sendo vendidos aqui cinco vezes mais caros ldquodo que se

costuma pagar os melhores da Bahia e Rio de Janeiro []rdquo 512

Outra inteligente sugestatildeo a ser empregada na repressatildeo dos contrabandos naquela

regiatildeo eacute dada pelo Ouvidor da Comarca de Alagoas no ano de 1778 Seguindo ordens do

governador Joseacute Cesar de Meneses o oficial que fazia vaacuterias correiccedilotildees na aacuterea limiacutetrofe entre

Pernambuco e Bahia iraacute declarar ao seu superior pernambucano que o combate ao

contrabando era impossiacutevel pois para isto ldquoseria preciso lanccedilar um cordatildeo de tropa por toda a

praia na sua extensatildeo de sessenta leacuteguasrdquo 513

Para o Ouvidor a situaccedilatildeo natildeo mudaria ateacute que

se tomassem ldquonovas providecircncias e uma nova legislaccedilatildeo que contenha os senhores de

engenho na facilidade com que vendem suas safras inteiras conhecidamente a

contrabandistasrdquo 514

ou seja de acordo com o oficial seria mais faacutecil se coibir a praacutetica

regulando a produccedilatildeo dos engenhos ldquoera melhor que este grande e inuacutetil trabalho que se tem

em guardar sessenta leacuteguas de praia se tivesse em pedir contas aos senhores de engenho das

suas respectivas safrasrdquo 515

Este conselho eacute enviado pelo governador ao Reino poreacutem ateacute o momento natildeo

conseguimos encontrar nenhum documento que ateste que o mesmo tenha sido colocado em

praacutetica Joseacute Cesar demonstrava grande preocupaccedilatildeo em relatar ao Reino sempre que

possiacutevel o trabalho que vinha executando em relaccedilatildeo ao combate dos contrabandos no

periacuteodo do seu governo Como jaacute explicitado e declarado pelo proacuteprio o contrabando era ldquoum

dos principais objetosrdquo 516

da ldquomaior vigilacircncia e cuidadordquo 517

do governador que haacute muito

tempo segundo o mesmo natildeo cessava ldquode aplicar todos os meios de lhe cortar o passordquo 518

como vinha apresentando regularmente ao Reino atraveacutes de diversos documentos

Em ofiacutecio encaminhado a Junta da empresa em Lisboa em 1778 afirma novamente o

governador estar ldquodando providecircncias sobre providecircncias para evitar os contrabandosrdquo 519

alegando ainda ter recomendando ordens a este respeito a pessoas ldquode maior satisfaccedilatildeo e

511

Idem 512

Idem Sobre o comeacutercio de escravos em Pernambuco durante o governo de Joseacute Cesar de Meneses consultar

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre

Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 513

AHU ndash PE Cx 133 D 10012 514

Idem 515

Idem 516

AHU ndash PE Cx 134 D 10074 517

Idem 518

Idem 519

AHU ndash PE Cx 130 D 9823

141

confidecircnciardquo 520

e ateacute mesmo estar prestando repetidos auxiacutelios de tropas pagas No entanto o

combate aos contrabandos natildeo era tarefa das mais faacuteceis mesmo se utilizando do auxiacutelio de

tropas pagas como atesta ter feito Joseacute Cesar de Meneses e o fizerem diversos governadores

durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia 521

vigiar tatildeo vasto territoacuterio era impossiacutevel

No ano de 1779 o capitatildeo general iraacute remeter ao secretaacuterio de Estado da Marinha e

Ultramar ofiacutecio onde apresenta uma seacuterie de certidotildees passadas pela direccedilatildeo da Companhia

em Pernambuco atestando o auxiacutelio e providecircncias dadas pelo governador em diversas

diligecircncias com objetivo de dirimir os descaminhos ao longo dos uacuteltimos anos Neste

documento encontra-se tambeacutem coacutepia anexa de carta circular que o governador fez correr ldquoa

todos os ministros da minha jurisdiccedilatildeo que se achavam em ato de correiccedilatildeordquo 522

Nela consta

com detalhe o procedimento que todos os Capitatildees Mores comandantes e regentes de distrito

deveriam tomar para impedir os contrabandos em seus locais de atuaccedilatildeo

Eram quatro os passos que deveriam ser seguidos por estes oficiais reacutegios Em

primeiro lugar deveriam eles inspecionar todas as lojas e casas onde houvesse suspeita da

praacutetica de contrabando caso a suspeita se revelasse verdadeira o fruto da apreensatildeo deveria

ser remetido ao juiz conservador que para melhor averiguaccedilatildeo do caso deveria chamar ldquoos

ventenarios do seu distritordquo 523

e os obrigar a declarar em segredo ldquose pelas suas venterias

existem ou grassam alguns contrabandistas ou comissaacuterios volantes de fazendasrdquo havendo

denuacutencia deveria se proceder contra os mesmos de acordo com as leis de sua Majestade

Em segundo lugar era responsabilidade do comandante do distrito visitar pessoalmente

ldquotodos os barcos e qualquer outra embarcaccedilatildeo que dos portos da sua jurisdiccedilatildeo derem entrada

fazendo desta visita auto no livro competenterdquo 524

Especial atenccedilatildeo deveria ser dada aos

barcos que costumavam transportar madeira para Bahia nestes casos o despacho soacute deveria

ser entregue ao mestre da embarcaccedilatildeo proacuteximo a data de saiacuteda daquele porto Aleacutem disso

sempre que houvesse a miacutenima suspeita de introduccedilatildeo de algum iliacutecito deveria o comandante

do distrito enviar guardas a bordo para verificaccedilatildeo da carga

A terceira medida consistia em fazer chamar todos os jangadeiros das costas e praias

da jurisdiccedilatildeo por ele comandada fazendo-os ldquoassinar termo em que se obriguem a natildeo

520

Idem 521

A contrataccedilatildeo de tropas pagas para atuar na repressatildeo aos contrabandos se fez necessaacuteria em diversas

ocasiotildees devido ao volume daquele comeacutercio descaminhado e a grandiosidade territorial da capitania de

Pernambuco e de suas anexas 522

AHU ndash PE Cx 132 D 9955 523

Idem 524

Idem

142

transportar efeitos a bordo do barco que natildeo esteja franco a recebecirc-los para Pernambucordquo 525

e

ainda deveriam orientar a estes que natildeo respondessem ldquoaos sinais que costumam fazer as

embarcaccedilotildees ao largo chamando jangadas para se receberem e baldearem em terra os

contrabandosrdquo 526

O jangadeiro que desobedece tal ordem deveria ser preso autuado e

remetido agrave presenccedila do governador para que cumprisse as penas destinadas aos

contrabandistas

Por fim deveriam os comandantes de distrito nomear em todos os ldquoportos barras

baias e entradas dos mares da sua jurisdiccedilatildeordquo pessoa ldquocuja probidade capacidade e honra

vossa mercecirc tenha mais conceitordquo Esta pessoa seria responsaacutevel por avisar ao comandante

assim que qualquer embarcaccedilatildeo entrasse no distrito para que o mesmo pudesse em pessoa

fazer a inspeccedilatildeo necessaacuteria Caso o comandante estivesse ausente e houvesse necessidade

estes ldquoajudantesrdquo nomeados poderiam apreender lemes e velas de embarcaccedilotildees suspeitas bem

como fazer apreensatildeo de alguns fardos e fazendas ateacute a volta da autoridade distrital A carta

circular termina de forma intimidadora o governador deixa claro que a ldquomenor omissatildeordquo a

respeito desta mateacuteria natildeo seria tolerada sendo punido asperamente o oficial reacutegio que a

descumprisse ldquonatildeo soacute por erro e falta do seu ofiacutecio mas como fator e auxiliador do vil crime

de contrabandistardquo 527

O tom ameaccedilador do governador aos seus oficiais subordinados eacute

explicado pelo conjunto documental

Antes de darmos iniacutecio a um novo toacutepico vale a pena ressaltar como a questatildeo dos

contrabandos e extravios seratildeo uma constante na histoacuteria da colonizaccedilatildeo europeia na Ameacuterica

Dependendo do momento e da localidade os Centros iratildeo lidar com a mateacuteria de formas

distintas Tomemos como exemplo o jaacute famoso caso envolvendo os descaminhos na regiatildeo

fronteiriccedila do extremo Sul do Brasil Os contemporacircneos trabalhos que tratam sobre o

comeacutercio na regiatildeo do Prata iratildeo apontar os portugueses ou melhor os luso-brasileiros como

responsaacuteveis por no seacuteculo XVII e XVIII fomentar uma grande rede de contrabandos na

regiatildeo

Falando a respeito dos negoacutecios desenvolvidos por estes homens na Buenos Aires do

seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos iraacute demonstrar como estes comerciantes iratildeo se engendrar e

desenvolver redes clientelares na regiatildeo que contavam inclusive com o apoio de funcionaacuterios

espanhoacuteis de modo a permitir que eles mantivessem seus negoacutecios extralegais apesar das

525

Idem 526

Idem 527

Idem

143

diversas medidas restritivas lanccediladas pelo Reino Espanhol a fim de conter tais extravios 528

O autor ainda chama atenccedilatildeo para o fato de que a Corte na Espanha natildeo estava de todo alheia

aos acontecimentos em torno da conquista buenairense tendo ela mesma se aproveitado da

situaccedilatildeo em alguns casos 529

Como os novos estudos acerca dos Impeacuterios Europeus tecircm demonstrado as relaccedilotildees

criadas em seus domiacutenios ultramarinos iratildeo se desenvolver de maneira distinta atendendo a

uma dinacircmica proacutepria e as estrateacutegias poliacuteticas locais feitas muitas vezes a revelia das

disposiccedilotildees reacutegias Atraveacutes desse vieacutes de entendimento eacute possiacutevel compreender como mesmo

apoacutes a restauraccedilatildeo da soberania portuguesa e das intensas disputas entre as Coroas ibeacutericas

pelo domiacutenio da regiatildeo platina ainda era possiacutevel que luso-brasileiros e colonos espanhoacuteis

incluindo uma gama de autoridades reais mantivessem entre si relaccedilotildees comerciais que

permitiram a continuaccedilatildeo de um faustoso comeacutercio extralegal no porto de Buenos Aires

Continuando a tratar sobre o comeacutercio de contrabando na regiatildeo platina vale destacar

o estudo feito pelo historiador Faacutebio Kuhn a respeito dos descaminhos de escravos para regiatildeo

na primeira metade do seacuteculo XVIII Em recente artigo o autor busca demonstrar como os

comerciantes luso-brasileiros sediados na Colocircnia do Sacramento passaram a deter hegemonia

sobre aquele negoacutecio Estes comerciantes segundo o autor estavam associados a homens de

negoacutecio de duas importantes Praccedilas da Ameacuterica lusa Rio de Janeiro e Salvador eram estes

comissaacuterios os responsaacuteveis por remeter para o Sul as remessas de negros chegadas ao litoral

das respectivas capitanias 530

Quando em princiacutepios do XVIII como consequecircncia de ajustes diplomaacuteticos a Coroa

Espanhola concede o asiento de negros para os britacircnicos que fundam a fim de explorar tal

contrato a South Sea Company os comerciantes portugueses ignorando as proibiccedilotildees sobre

aquela mateacuteria passam a rivalizar com os ingleses nas vendas de escravos para regiatildeo A

situaccedilatildeo chegou a tal estaacutegio que a Companhia inglesa nos seus uacuteltimos anos de

funcionamento passou a diminuir drasticamente o contingente de negros enviados aquela

localidade pois eles jaacute natildeo tinham saiacuteda dada a grande oferta de escravos que os

contrabandistas portugueses faziam entrar no territoacuterio da South Sea Company

528

Sobre isto ver CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a

administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00 529

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires

colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 242 530

KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)

Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017

144

Percebemos como toda a questatildeo relativa ao comeacutercio de contrabando neste caso

guardada as devidas proporccedilotildees iratildeo se desenrolar de maneira semelhante a que encontramos

para o nosso objeto de anaacutelise Aleacutem de ter uma Companhia de comeacutercio exclusivista

envolvida e das vaacuterias medidas tomadas pela Coroa espanhola para inutilmente tentar conter

tais extravios no caso trabalhado por Kuhn tambeacutem haacute indiacutecios de que os proacuteprios oficiais

castelhanos facilitavam e auxiliavam os descaminhos

Aleacutem disso o autor demonstra como os traficantes portugueses situados na Colocircnia do

Sacramento e seus agentes e comissaacuterios eram homens bem articulados que desfrutavam de

prestiacutegio tendo alguns deles ocupado inclusive cargos na administraccedilatildeo colonial Isso mesmo

quando desde 1751 a Coroa portuguesa ciente da desordem causada pelo comeacutercio ilegal de

escravos na regiatildeo passou ordens para que se extinguisse aquele negoacutecio castigando quem

fosse apreendido em tal crime com ldquomulta no triplo do seu valor para os reacuteus aleacutem do

degredo para Angola por dez anos dos contrabandistas envolvidosrdquo 531

Apesar da aparente incongruecircncia a participaccedilatildeo de oficiais agentes e autoridades

reacutegias no comeacutercio descaminhado foi uma realidade durante o periacuteodo colonial em distintas

localidades e eacutepocas Eacute sobre o envolvimento destes homens nos contrabandos que iremos

tratar no toacutepico a seguir

42 ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de

autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos

Apesar do empenho sobretudo dos governadores em reprimir as atividades iliacutecitas o

contrabando era uma praacutetica quase impossiacutevel de ser controlada fazendo com que os esforccedilos

e medidas tomadas por estes oficiais se mostrassem pouco eficazes dada a grandiosidade do

esquema que incluiacutea autoridades reacutegias oficiais e deputados da proacutepria Companhia nos

circuitos de descaminho O envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e proacuteprios deputados

da Companhia nos descaminhos era um problema que desde os primoacuterdios do

estabelecimento da empresa se buscava combater

Jaacute em 1763 relata o governador Luiacutes Diogo Lobo da Silvia ser necessaacuterio enviar para

os sertotildees a fim de averiguar as ldquodesordensrdquo causadas pelos contrabandistas ldquooficiais de mais

confianccedila e menos amizadesrdquo 532

Sobre este respeito escreve o Conde de Povolide ao Reino

531

Ibidem P 103 532

AHU ndash PE Cx 99 D 7757

145

em 1769 alertando que ldquotoda esta capitania da parte do Sul desta capital ateacute ao Rio de Satildeo

Francisco me consta com evidecircncia se acha contaminada de contrabandos e com tatildeo pouca ou

nenhuma atividade nos ministros para devassar delesrdquo 533

Neste mesmo documento o Conde

declara ao Reino sua insatisfaccedilatildeo com o Sargento Mor do distrito de Porto Calvo que natildeo

havia segundo o governador ldquoobservado boa condutardquo 534

na execuccedilatildeo de ordem passada para

se averiguar crime de contrabando na regiatildeo

Escrevendo ao Conselho Ultramarino em 1770 Manoel da Cunha Meneses

governador de Pernambuco que acabava de assumir o cargo seria mais enfaacutetico ao denunciar

ao Reino o envolvimento de funcionaacuterios reacutegios estabelecidos nos sertotildees da Capitania na

introduccedilatildeo de contrabandos Afirmava o governador ser o sertatildeo daquela capitania um dos

mais povoados relatando que em cada povoado e freguesia existiam capitatildees mores regentes

e diretores poreacutem acusava Manuel da Cunha serem estes oficiais ldquomesmos culpados ou

proacuteprios contrabandistas pois se sujeitam a viver no agreste dos matos a fim de

enriqueceremrdquo 535

Continua seu relato afirmando que tais ldquoqualidades de oficiaisrdquo 536

executavam suas

ordens da forma que bem lhe aprouvessem pois ldquose fiam no seguro dos longes em que se

acham para natildeo recearem castigordquo 537

Dessa forma conclui o governador ser o combate ao

contrabando tarefa das mais difiacuteceis jaacute que natildeo havia ali ldquopessoas de que se faccedila confianccedila a

embaraccedilar a passagem das fazendasrdquo 538

Aleacutem disso o capitatildeo general atestava que a

grandiosidade da Costa pernambucana dificultava ainda mais o trabalho repressivo 539

Como se pode observar existia certa conivecircncia e em alguns casos participaccedilatildeo ativa

de funcionaacuterios reais no comeacutercio iliacutecito Estas autoridades locais natildeo atuavam de maneira

isolada diversos documentos atestam a participaccedilatildeo de oficiais da Companhia Geral tanto

aqueles que trabalhavam embarcados quanto os que estavam a disposiccedilatildeo da direccedilatildeo em

Pernambuco e mesmo de seus deputados nas redes de contrabando Em 1769 o jaacute

mencionado Conde de Povolide acusa em ofiacutecio endereccedilado ao Reino os oficiais e acionistas

da empresa Na ocasiatildeo afirma o governador que ldquouma das causas do grande contrabando

existente nos portos do sertatildeo pernambucano era a negligecircncia com que operava o juiz

533

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 534

Idem 535

AHU ndash PE Cx 108 D 8371 536

Idem 537

Idem 538

Idem 539

Idem

146

conservador da companhiardquo 540

que ldquotem ocasionado a relaxaccedilatildeo em que se acha esta

negociaccedilatildeo de travessiardquo 541

Neste mesmo ofiacutecio o Conde relata a Corte o caso especiacutefico de uma sumaca

apreendida em Camaragibe distrito de Porto Calvo que estava carregando caixas de accediluacutecar

para seguir para Bahia O governador acreditava que naquele episoacutedio oficiais da Companhia

haviam agido de forma a facilitar a introduccedilatildeo das contravenccedilotildees isto porque um dos

negociantes preso pelo envolvimento no contrabando possuiacutea ldquotrecircs irmatildeos nesta praccedila dois

ocupados na Companhia Geral e outro escrivatildeo da mesma Conservatoacuteriardquo Como os termos

judiciais da apreensatildeo deveriam acontecer no cartoacuterio onde trabalhava o irmatildeo escrivatildeo

alertava o Conde a necessidade de se ldquousar de alguma precauccedilatildeo para este casordquo 542

O envolvimento dos oficiais da Companhia nessa situaccedilatildeo era tatildeo previsiacutevel que o

governador acreditava natildeo ser suficiente apenas tomar cuidado com o desenrolar do processo

chegando mesmo a afirmar que ldquose a experiecircncia mostrar que natildeo bastam (as precauccedilotildees)

como assim me persuado determino mandar suspender o processordquo 543

que ficaria parado ateacute

ldquodar conta a vossa excelecircncia para obter uma eficaz providecircncia em ministro tal em que possa

confiar retidatildeo que natildeo for flexiacutevel as logrativas em penhor que considero haveratildeo neste casordquo

544

A atuaccedilatildeo nos descaminhos dos oficiais que prestavam serviccedilos dentro dos navios

reais tambeacutem seraacute destacada dentro do nosso conjunto documental A participaccedilatildeo destas

equipagens era tatildeo notoacuteria que jaacute se faziam saber no proacuteprio Reino Como nos revela ofiacutecio

enviado por Joseacute Cesar de Meneses no ano de 1778 ao secretaacuterio de Estado da Marinha e

Ultramar Segundo o governador ldquose fez preciso informar-me que os oficiais das ditas

embarcaccedilotildees reacutegias se tem deslizado nos excessos de trazerem nas ditas embarcaccedilotildees toda a

sorte de contrabando que podemrdquo 545

os produtos transacionados por eles iam de fazendas a

comestiacuteveis e ainda de acordo com Joseacute Cesar tinham aqueles homens ldquoarte de as meterem a

bordo antes de sair desse porto sem que se possa perceberrdquo 546

540

AHU ndash PE Cx 107 D 8284 541

Idem 542

Idem 543

Idem 544

Idem 545

AHU ndash PE Cx 130 D 9815 546

Idem Vale ressaltar que naquele mesmo ano o governador em ofiacutecio dirigido a Junta lisboeta afirma que

segundo seu entendimento natildeo se devesse considerar contrabando todos os gecircneros levados a Portugal pelos

oficiais reais que os trocavam na capitania pelos mantimentos trazidos da Europa Isto porque Pernambuco

como se sabia passava por uma crise monetaacuteria logo os gecircneros da terra eram as uacutenicas coisas que poderiam

147

No mesmo ano o governador revela a Corte como a marinhagem do navio real

conhecido como o ldquoPenquerdquo tinha tido ldquoo atrevido descaramento de iludir e zombarrdquo 547

das

ordens passadas por ele passadas Jaacute que desobedecendo as diretivas de Joseacute Cesar fizeram

os marinheiros daquele navio descarregar nas terras exclusivas da Companhia diversos

gecircneros europeus as escondidas Aleacutem disso os mesmos oficiais retardaram propositalmente a

partida da embarcaccedilatildeo a fim de carregarem nela gecircneros da terra Apesar das buscas dadas

pelo governador com o auxiacutelio do Patratildeo Mor da capitania natildeo foi possiacutevel evitar todo o

contrabando naquele caso isto porque de acordo com o governador ldquoas mesmas lanchas da

Ribeira das Naus que vatildeo a bordo a tiacutetulo de amarrarem os navios de sua majestade satildeo as que

servem de transportar os gecircneros proibidos como a larga e amiudada experiecircncia dos meus

embarques me tem mostradordquo 548

Permanecendo no ano de 1778 outro ofiacutecio encontrado em nosso conjunto

documental acaba reafirmando a efetiva participaccedilatildeo destes oficiais dos navios reais no

comeacutercio descaminhado Neste documento a direccedilatildeo da Junta da Companhia Geral

dialogando com o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ldquonatildeo nos causar admiraccedilatildeo que

nesta capitania se vendam fazendas por contrabando por preccedilos inferiores aos da companhiardquo

549 completam dizendo que isto soacute era possiacutevel pois algumas dessas fazendas chegavam a

Pernambucano pelas matildeos dos proacuteprios oficiais da empresa que as traziam nos navios reais

sem pagar frete ou qualquer tipo de direitos 550

Se em um primeiro momento o envolvimento dos oficiais da Companhia e de seus

proacuteprios deputados e acionistas nas redes de comeacutercio iliacutecito nos causa estranhamento eacute

necessaacuterio lembrar que os principais negociantes da praccedila mercantil pernambucana se

tornaratildeo acionistas da empresa e que se estes de iniacutecio resistiram agrave ideia da fundaccedilatildeo de uma

companhia monopolista logo perceberam que para continuar a usufruir dos privileacutegios que

tinham na eacutepoca em que o comeacutercio era livre fazia-se necessaacuterio se engendrar na

administraccedilatildeo da empresa

ofertar as populaccedilotildees locais nas suas permutas com os agentes dos navios reacutegios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D

9823 547

AHU ndash PE Cx 131 D 9865 548

Idem 549

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 550

Em ofiacutecio do ano de 1778 em resposta a este da Junta Lisboeta Joseacute Ceacutesar de Meneses discorda daquele

conselho afirmando que em comparaccedilatildeo aos contrabandos vindos dos outros portos do Brasil o trazido pelos

oficiais dos navios reais tinha parca relevacircncia Aleacutem disso atesta o governador que o menor valor cobrado pelos

produtos de contrabandos nada tinham a ver com a questatildeo do natildeo pagamento de fretes e direitos como jaacute

explicitado neste capiacutetulo segundo o governador a uacutenica vantagem que tinham aqueles oficiais reais em natildeo

pagarem tais taxas era o de obterem maiores lucros nos seus negoacutecios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823

148

O que queremos dizer aqui eacute que os homens de negoacutecio de Pernambuco natildeo eram

ingecircnuos cientes da criaccedilatildeo da Companhia apesar de suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis se

tornaram acionistas e diretores da mesma pois sabiam que fazer parte da governaccedilatildeo era ldquoum

poderoso elemento constituidor de conexotildees e de fluxos de troca gerados a partir da proacutepria

instacircncia administrativardquo 551

e dessa forma puderam instrumentalizar a instituiccedilatildeo para o

atendimento de seus interesses pessoais fossem eles liacutecitos ou natildeo

Aleacutem disso como jaacute descrito ao longo deste trabalho a participaccedilatildeo de oficiais reais

nos descaminhos praticados nos domiacutenios ultramarinos era uma praacutetica jaacute haacute muito enraizada

Em seu estudo sobre o comeacutercio descaminhado desenvolvido na Ameacuterica Lusa na primeira

metade do XVIII Paulo Cavalcante demonstra como guardas auditores e ouvidores reacutegios

envolvidos na administraccedilatildeo das Minas coloniais se mancomunavam com os extraviadores de

ouro e diamantes a fim de tirarem vantagens pessoais auxiliando aqueles contrabandistas

Situaccedilatildeo que como atesta o autor a Coroa tinha ciecircncia e buscava a todo tempo reprimir sem

no entanto lograr ecircxito 552

A historiadora Nauk Maria de Jesus ao escrever sobre episoacutedio jaacute bem conhecido da

historiografia brasileira onde se procedeu na troca de ouro por chumbo nos caixotes de

quinto destinados ao Rei no ano de 1722 tambeacutem revela o envolvimento de importantes

autoridades coloniais nas redes de comeacutercio iliacutecito De acordo com a autora haacute evidecircncias da

existecircncia no comeccedilo do seacuteculo XVIII de uma grande rede de descaminho de ouro

envolvendo membros da elite imperial portuguesa Esta rede estaria conectada a diversas

naccedilotildees e era constituiacuteda por oficiais reacutegios e seus associados que concomitantemente ao

exerciacutecio de seus cargos reacutegios realizavam negoacutecios atlacircnticos privados fossem eles liacutecitos ou

natildeo 553

Retomando nossa narrativa a Junta lisboeta da empresa sabia da conivecircncia dos

administradores pernambucanos com os contrabandistas como nos esclarecem dois ofiacutecios do

ano de 1778 e um posterior do ano de 1780 enviados pela instituiccedilatildeo para o governo de

Pernambuco Os ofiacutecios do ano de 1778 satildeo resultado da troca de mensagens entre aquela

551

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c

1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e

negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 180-181 552

Sobre isto consultar CAVALCANTE PAULO Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica

Portuguesa - 1700-1750 Satildeo Paulo Hucitec 2006 553

Sobre isto ver JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de

ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na

trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo

Brasileira 2010 P 525-548

149

administraccedilatildeo superior e o governador Joseacute Cesar de Meneses este uacuteltimo ao longo do seu

governo encaminhou por vaacuterias vezes ofiacutecios para a Junta informando o estado em que se

encontravam os negoacutecios locais e as condutas da diretoria pernambucana que eram motivo de

criacuteticas tanto pela parte do governador quanto da direccedilatildeo lisboeta

O conteuacutedo de tais ofiacutecios apresentam duras criacuteticas a forma como procedia a

administraccedilatildeo pernambucana nos interesses da empresa chegam os ministros portugueses a

afirmar que se a Companhia se encontrava apartada de seus objetivos iniciais a culpa residia

nos administradores pernambucanos que ldquoa desfiguraram e natildeo cumpriram as determinaccedilotildees

da juntardquo 554

Os documentos ainda acusam a direccedilatildeo subalterna de natildeo prestar contas quanto

ao verdadeiro estado em que se achavam as capitanias e agir em total desrespeito as reais

ordens 555

Aleacutem disso fica evidente que a administraccedilatildeo lisboeta sabia que os deputados em

Pernambuco usavam a instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio participando de uma seacuterie de

atividades iliacutecitas e natildeo recomendadas A Junta chega a afirmar que os proacuteprios deputados da

empresa eram seus principais devedores revelando ser aquele fato um dos que mais

ocasionavam espanto aos oficiais lisboetas pois estes estavam cientes do ldquogrande cabedal que

se acham devendo os moradores e negociantes desta praccedila e as pessoas que ocuparam e

ocupam os lugares desta direccedilatildeo seus parentes e outros empregados no serviccedilo da

Companhiardquo 556

Atestam tambeacutem que mesmo depois de receberem os lucros respectivos a sua

porcentagem societaacuteria natildeo constava que estes acionistas tivessem feito sequer um

pagamento a Companhia 557

Na lista de acusaccedilotildees feitas pela Junta a administraccedilatildeo de Pernambuco consta tambeacutem

serem aqueles deputados os culpados pela grande falta de creacutedito que se experimentava na

Praccedila de que os habitantes locais tanto reclamavam Afirma a Junta que o objetivo primaacuterio

da Companhia Geral era o de fazer florescer o comeacutercio em Pernambuco e Paraiacuteba com o

554

AHU ndash PE Cx 128 D 9736 555

Em resposta a este ofiacutecio no mesmo ano o governador Joseacute Cesar de Meneses afirmaraacute natildeo compreender

como a Junta durante todo esse tempo fosse ldquosempre enganadardquo Sobre a falta de informaccedilatildeo que alega a Junta

lisboeta o governador afirma que aquele conselho natildeo desconhecia todos os fatos ocorridos na capitania jaacute que

era sabido que diversos acontecimentos chegavam a seu conhecimento mesmo antes do seu governo Declara

ainda que em mateacuteria tatildeo importante natildeo se fazia necessaacuterio provas concretas para que a Junta passasse a tomar

providecircncias mas apenas ldquoleves indiacuteciosrdquo para pocircr em praacutetica as precauccedilotildees devidas Alerta ainda o capitatildeo

general que a Junta descumprido o regulado no artigo 6 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia que

determinava que os deputados e intendente eleitos cumprissem mandatos de apenas dois anos acabava por

contribuir com a relaxaccedilatildeo com que procedia aquela direccedilatildeo pernambucana sendo certo que se fossem

removidos de seus postos em tempo correto natildeo chegariam a desfigurar a Companhia 556

Idem 557

Idem

150

aumento da agricultura e faacutebricas e natildeo fazer ldquoenriquecer aacute custa do seu cabedal mercadores

e negociantes que metessem em si os fundos da Companhiardquo 558

O que o documento explicita

eacute a praacutetica comum de diretores e acionistas da diretoria pernambucana de contraiacuterem

empreacutestimos para si e seus associados junto agrave mesma para fazer comeacutercio pessoal e depois

natildeo restituir tais deacutebitos a Companhia

Quanto a questatildeo do contrabando e dos altos preccedilos cobrados pela empresa nos

gecircneros que negociava na terra a Direccedilatildeo portuguesa se defende afirmando que por menor

que fosse o lucro da empresa sobre as transaccedilotildees comerciais os preccedilos praticados pela mesma

jamais seriam capazes de ldquoconcorrer com aqueles que natildeo pagam direitos nem fretesrdquo559

ou

ainda com aqueles que ldquonatildeo fazem intenccedilatildeo de paga-los a quem lhes confiou e por todo o

preccedilo lhes faz conta vende-lasrdquo 560

afirmando que tirava a Companhia lucros menores do que

mercadores particulares em condiccedilotildees normais Contestam tambeacutem a pouca atividade da

Direccedilatildeo pernambucana em reprimir tais desordens afirmando que os contrabandos aleacutem de

natildeo serem castigados natildeo eram relatados a Junta assim natildeo ficava aquela administraccedilatildeo

sabendo quem eram as pessoas envolvidas naquele tipo de crime nem quais mercadorias

estariam sendo negociadas

Quanto as opressotildees que se queixavam natildeo soacute os habitantes da capitania quanto o

governador Joseacute Cesar de Meneses atestam os oficiais portugueses serem todas elas

precedentes ldquoda ambiccedilatildeo e maacute feacute dos membros de sua direccedilatildeordquo 561

Poreacutem para aquela Junta

parecia estranho e inconcebiacutevel considerar o povo daquelas plagas como ldquooprimido e aflitordquo

isto porque a soma do cabedal enviado para Pernambuco chegava naquele tempo haacute quantia

de trecircs milhotildees e meio quantia que considerava o conselho lisboeta suficiente para

manutenccedilatildeo e bom funcionamento do comeacutercio na regiatildeo isto eacute se fosse tal recurso bem

gerido condiccedilatildeo que estava claro para a Junta que natildeo ocorria Pois ainda a despeito das

queixas dos locais afirmam os ministros lisboetas ter total ciecircncia que ldquoentre os mercadores e

negociantes desta praccedila e a direccedilatildeo (da Companhia Geral) haacute ocultas e escandalosas

negociaccedilotildees que servem de vexar os povosrdquo 562

558

Idem 559

AHU ndash PE Cx 128 D 9737 560

Idem 561

Idem 562

Idem Em ofiacutecio do ano de 1778 em que responde ao documento supracitado da Companhia o governador

Joseacute Cesar de Meneses contesta novamente a posiccedilatildeo adotada pela Junta que afirmando ter ldquopleno

conhecimento daquelas ocultas e escandalosas negociaccedilotildeesrdquo e de vaacuterias outras violecircncias e opressotildees cometidas

pela direccedilatildeo pernambucana natildeo tenha tomado nenhuma providecircncia mais incisiva pelo contraacuterio permitiu

151

Devido as vaacuterias queixas feitas pelos habitantes da terra atraveacutes das cacircmaras locais e

das constantes denuacutencias encaminhadas pelo governador sobre o mau procedimento da

direccedilatildeo subalterna a Junta passa a partir de 1778 a cobrar com maior vigor os deputados e

intendente em Pernambuco Ordenando por exemplo que passassem eles a cobrar todos os

devedores da empresa sem perda de tempo Aqueles que natildeo fossem cobrados se deveria

explicar o porquecirc da accedilatildeo Junto agraves cobranccedilas ficou ordenado tambeacutem que se remetesse ao

Reino os nomes daqueles personagens que na capitania se sabiam envolvidos nas praacuteticas

iliacutecitas Tudo isto obrou a Junta por considerar ldquomuito estranhaacutevel que esteja padecendo o

creacutedito da Companhiardquo 563

Todas as exigecircncias tomadas pela sede da Companhia em Lisboa

satildeo demonstrativas da desconfianccedila que a mesma passaraacute a nutrir pela direccedilatildeo pernambucana

e atestam nossa afirmativa de que os deputados e diretores da capitania Duartina destruiacuteram o

creacutedito da empresa dentro do seu proacuteprio seio

Permanecendo no mesmo tema e ano em ofiacutecio enviado pelo secretaacuterio de Estado da

Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro ao governador Joseacute Cesar de Meneses o

oficial portuguecircs faraacute uma longa redaccedilatildeo apontando ldquoos excessos e prevaricaccedilotildees cometidas

pelos deputados da Companhia de Pernambucordquo 564

que aquela altura havia ldquochegado a tal

excesso que jaacute natildeo pode haver sofrimento que os possa tolerarrdquo 565

Afirma o secretaacuterio que

desde 1768 eram enviadas ordens do Reino para tentar conter os abusos daquela direccedilatildeo

subalterna no entanto as referidas natildeo eram atendidas obrando os deputados em sentido

oposto agraves diretivas reais

O secretaacuterio acusa os diretores e intendente daquela direccedilatildeo de se apropriarem de

todos os gecircneros remetidos do Reino e ainda de ldquoos repartirem a creacuteditos pelos seus parentes

amigos e associados e de os tomarem eles mesmos de baixo de nomes alheiosrdquo 566

apropriavam-se tais deputados do cabedal alheio em benefiacutecio de seus proacuteprios negoacutecios e

agindo dessa forma aumentavam ainda mais a grande diacutevida dos habitantes locais com a

Companhia diacutevida esta que os mesmos natildeo buscavam satisfazer de ldquomodo algumrdquo 567

Neste mesmo ofiacutecio versaraacute o secretaacuterio tambeacutem sobre a questatildeo do contrabando

afirmando natildeo ser ldquomenos escandalosa a relaxaccedilatildeo com que nessa capitania se estatildeo fazendo

aquela Junta em desacordo com artigo 6 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral que os membros

daquela direccedilatildeo se conservassem no poder por repetidos anos Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 563

AHU ndash PE Cx 128 D 9736 564

AHU ndash PE Cx 130 D 9832 565

Idem 566

Idem 567

Idem

152

com todo descaramento e liberdade os maiores contrabandos e extravios de accediluacutecar e de outros

gecircneros para o porto da Bahia e de outros do continente da Ameacutericardquo 568

atividade que

fraudava os direitos e deveres reais dado o caraacuteter totalmente pernicioso de tal accedilatildeo para a

fazenda real esperava o ministro do rei que agisse a administraccedilatildeo em Pernambuco com

maior vigor no combate e natildeo que agisse em sentido contraacuterio como se sabia estava

ocorrendo

Reclama tambeacutem Martinho de Melo e Castro que as carregaccedilotildees que saiam de

Pernambuco com destino ao Reino estavam desde o princiacutepio daquele ano indo com uma

quantidade muito maior de gecircneros remetidos por particulares do que produtos enviados pela

Companhia Este fato apesar de ser permitido pelos estatutos da empresa 569

causava espanto

no secretaacuterio pois havia naquele momento na capitania cerca de duas mil pessoas entre

ldquohomens de negoacutecio senhores de engenho capitalistas vendedores e outras diferentes classes

de habitantesrdquo 570

que estavam devendo ldquoconsideraacuteveis somasrdquo a empresa e estranhamente

nenhuma destas pessoas enviavam remessas de coisa alguma ao Reino

Diz o oficial reacutegio que por esta ldquomanifesta dissimulaccedilatildeordquo via-se ldquopassar a Pernambuco

seiscentos a setecentos mil cruzados do produto dos gecircneros pertencentes a esses habitantesrdquo

571 isto sem contar ldquoas somas dos gecircneros que remetem em contrabando pelo porto da Bahia e

que natildeo possa ver um real dos seus devedoresrdquo 572

na verdade agia a administraccedilatildeo de

Pernambuco natildeo no sentido de buscar reverter tal quadro mas opostamente buscavam ainda

por cima nas palavras do secretaacuterio ldquopersuadir com palpaacutevel falsidade que essa capitania se

acha reduzida a maior pobreza e miseacuteriardquo 573

Atestava entatildeo o secretaacuterio real que natildeo era da intenccedilatildeo de Sua Majestade permitir

que aqueles deputados responsaacuteveis por ldquozelar os interesses das viuacutevas oacuterfatildeos conventos

568

Idem 569

O documento de instituiccedilatildeo da Companhia em seu artigo 31 autorizava fabricantes e lavradores a enviarem

por sua conta e risco seus gecircneros para a Europa dentro dos navios da empresa Poreacutem esse tipo de operaccedilatildeo

natildeo poderia contar com nenhum tipo de intermediaacuterio Se por acaso fosse descoberto que algueacutem procedeu em

ldquocompras simuladas para carregarem nos seus nomes os gecircneros alheiosrdquo a accedilatildeo seria enquadrada no crime de

contrabando sujeita a pena de perda de carregaccedilatildeo e trestobro Se houvesse denunciante a terccedila parte do espoacutelio

seria reservada ao mesmo Apesar de ser uma praacutetica legal a Junta da empresa buscava desencorajar esse tipo de

negoacutecio Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel

Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros

sobre o Brasil Disponiacutevel em

httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco

Acessado em 0505217 570

AHU ndash PE Cx 130 D 9832 571

Idem 572

Idem 573

Idem

153

religiosos capelas lugares pios deste Reino e outros diferentes classes de uacuteteis e inocentes

vassalosrdquo que haviam contribuiacutedo com seus proacuteprios recursos para formar o capital da

Companhia locupletassem a incriacutevel soma de 392384849 reis que deviam aos fundos

daquela empresa Por fim Martinho de Melo e Castro recomenda a Joseacute Cesar que

empregasse toda atenccedilatildeo naquele assunto buscando prevenir ldquoas fraudes os abusos os

contrabandos e as prevaricaccedilotildees que em toda parte do mundo sempre foram a ruiacutena dos

Estadosrdquo 574

43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70

Muitas seratildeo as denuacutencias encaminhadas ao reino pelos habitantes da capitania contra

a maacute gerecircncia da Companhia e os abusos em que ocorriam os deputados da empresa Em

1770 tem iniacutecio a primeira crise enfrentada pela instituiccedilatildeo uma seacuterie de representaccedilatildeo seratildeo

enviadas pelas cacircmaras locais a Corte expondo os problemas enfrentados pela populaccedilatildeo

local no trato com a empresa queixando-se da grande decadecircncia do comeacutercio na regiatildeo da

pobreza a que foram acometidos os habitantes e dos procedimentos irregulares da diretoria em

Pernambuco A seca que assolou a capitania entre os uacuteltimos meses de 1769 e os primeiros

meses de 1770 causando uma grande baixa nas safras de accediluacutecar parece ter contribuiacutedo

sobremaneira para o desencadeamento da crise

Isto porque a direccedilatildeo pernambucana se recusou a pagar o acreacutescimo de duzentos reis

por arroba de accediluacutecar determinado pela Mesa de Inspeccedilatildeo da Praccedila que seguia ordens de

edital previsto para estes casos A administraccedilatildeo da Companhia natildeo aceitaraacute de bom grado

esta situaccedilatildeo e em resposta a decisatildeo da Mesa lanccedila edital afirmando que ldquopor natildeo ter

obrigaccedilatildeo recusaraacute receber os ditos accediluacutecares por preccedilos que natildeo fazem conta ao comeacutercio que

administrardquo 575

completa dizendo que os lavradores e senhores descontentes poderiam enviar

ao reino seus produtos ldquopor sua contardquo em conformidade do regimento da instituiccedilatildeo 576

Ao

que tudo indica os produtores seguiram a ldquorecomendaccedilatildeordquo daquela direccedilatildeo pois no mesmo

ano o governador Manoel da Cunha Meneses envia ofiacutecio ao Reino explicando os motivos

dos produtores da capitania estarem retendo em seus armazeacutens a produccedilatildeo canavieira Solicita

574

Idem 575

AHU ndash PE Cx 109 D 8428 576

Idem

154

entatildeo o governador que o Rei apontasse soluccedilatildeo a tal empate que vinha causando notoacuterios

prejuiacutezos a todos

Os camaraacuterios de Igarassu enviam carta neste mesmo ano ao Rei atestando ldquoa grande

e inexplicaacutevel consternaccedilatildeo em que se vecirc esta capitania no presente tempo e a total ruiacutena e

decadecircncia que para o futuro vai ameaccedilando o comeacuterciordquo 577

Eles reclamavam da falta de

dinheiro que se experimentava nas terras exclusivas uma vez que a Companhia ldquonatildeo compra

gecircneros de efeito nenhum a dinheiro [] e soacute os paga com fazendas cariacutessimas e escravos de

refugordquo 578

O senado de Igarassu expotildee tambeacutem os abusos cometidos pela direccedilatildeo

pernambucana que agindo por interesses proacuteprios quando do desembarque dos navios

chegados de Angola e Costa da Mina carregados com escravos ldquoescolhem os melhores [] e

os marcam com uma fita de nastro no pescoccedilordquo 579

estes escravos marcados eram remetidos

para a Praccedila do Rio de Janeiro deixando aos produtores da capitania o refugo da escravaria A

carta continua relatando uma seacuterie de denuacutencias sobre a maacute administraccedilatildeo da Companhia

como por exemplo sua alianccedila com algumas casas de comeacutercio em prejuiacutezo dos demais

comerciantes e agricultores bem como da populaccedilatildeo em geral

Os habitantes da capitania de Itamaracaacute sobretudo os produtores de accediluacutecar e tabaco

tambeacutem enviam em 1770 representaccedilatildeo ao Reino alertando para ldquoa consternaccedilatildeo e vexame a

que se veem reduzidos pelos lamentaacuteveis danos e inexplicaacuteveis prejuiacutezosrdquo 580

causados pela

instalaccedilatildeo da Companhia na regiatildeo Pontuam aspectos bastante semelhantes aos expostos

pelos camaraacuterios de Igarassu fazendo comparaccedilotildees sobre o volume do comeacutercio na capitania

antes e depois da instituiccedilatildeo da empresa A representaccedilatildeo que possuiacute um abaixo assinado com

cerca de treze paacuteginas apenas de assinaturas daqueles homens que se sentiam prejudicados

pela Companhia termina suplicando a aboliccedilatildeo da empresa e a restituiccedilatildeo dos danos para

aqueles produtores

Aleacutem das diversas representaccedilotildees contraacuterias 581

enviadas pelos representantes locais a

Corte na capitania o clima era de agitaccedilatildeo Como nos demonstra ofiacutecio enviado pelo

secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar ao governador Manoel da Cunha Meneses

denunciando papeacuteis anocircnimos que tinham sido fixados na capitania satirizando um edital

577

AHU ndash PE Cx 108 D 8380 578

Idem 579

Idem 580

AHU ndash PE Cx 108 D 8393 581

Vaacuterios outros documentos a este respeito foram emitidos entre os anos de 1770 a 1771 pelos habitantes

locais e seus oacutergatildeos representativos incluindo cartas pessoais e algumas ateacute mesmo anocircnimas AHU ndash PE Cx

109 D 8421 AHU ndash PE Cx 109 D8444 AHU ndash PE Cx 110 D8507 AHU ndashPE Cx 110 D 8515 AHU-

PE Cx 111 D 8541

155

lanccedilado pela direccedilatildeo da Companhia Neste edital a administraccedilatildeo da empresa a fim de

supostamente fazer encerrar os buchichos que corriam entre a populaccedilatildeo sobre a sua maacute

gerecircncia convocava a todos que tivessem denuacutencias do mau procedimento dos membros

daquela direccedilatildeo empregados em todos os cargos fizessem representaccedilatildeo para que fossem

aplicadas as devidas providecircncias

O texto anocircnimo que criticava o edital atacava diretamente os deputados Destacando

que se as denuacutencias natildeo existiam natildeo era pela falta de delitos a denunciar mas sim pelo receio

que tinham os habitantes locais de sofrerem represaacutelias Afirma o panfleto que

Pelo edital de 13 de agosto conheceu todo o povo a ignoracircncia de toda a

mesa da direccedilatildeo da Companhia e de seu escrivatildeo fazendo-se os deputados

reacuteus e querendo serem juiacutezes de seus proacuteprios delitos Nomeiem os

deputados ministro independente que receba as queixas e as remeta a Sua

Majestade que natildeo faltaraacute quem vaacute depor contra os mesmos deputados que

tatildeo inocentes se mostram mas este conselho lhe natildeo haacute de agradar e podem

estar certos que quando vier sindicante deporemos sobre as fabulosas e falsas

articulaccedilotildees da qual o edital tambeacutem se faraacute dos pecados que pedem que o

povo os acuse e muito mais temos que dizer 582

A Companhia atraveacutes de sua direccedilatildeo na capitania iraacute se defender contra tais acusaccedilotildees

afirmando serem injuriosas e promovidas por um pequeno grupo de indiviacuteduos que nunca

aceitaram a instalaccedilatildeo da empresa Em carta enviada por Antocircnio Joseacute Souto intendente da

direccedilatildeo pernambucana em 1771 a respeito daquelas denuacutencias que segundo o mesmo estavam

centradas em queixas contra as ldquoomissotildees ou falta de pureza na direccedilatildeordquo 583

o mesmo iraacute

declarar que a paixatildeo dos moradores daquela capitania ldquolhes tinha cegado o conhecimentordquo

584 dessa forma natildeo conseguiam ver como a empresa lhes era beneacutefica No entanto o impacto

da crise de 70 natildeo iraacute se dissipar tatildeo facilmente A morte do rei D Joseacute I seguida do

afastamento do marquecircs de Pombal do cargo de primeiro ministro do Reino no ano de 1777

faratildeo ressurgir uma onda de queixas e representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma

As denuacutencias desta segunda fase de crise continuam a apontar basicamente os mesmos

pontos das primeiras Em resumo as representaccedilotildees se queixam do deploraacutevel estado em que

se encontravam as lavouras tanto de accediluacutecar quanto de tabaco afirmando estarem destruiacutedas

as faacutebricas de curtume e atanados e reclamando da quase inexistecircncia do comeacutercio livre com

os sertotildees e com a Costa da Mina Aleacutem disso se queixam dos procedimentos adotados pela

empresa que lhes obrigavam a vender suas manufaturas e efeitos por preccedilos diminutos e a

582

AHU ndash PE Cx 109 D 8458 583

AHU ndash PE Cx 100 D 8509 584

Idem

156

receber por eles fazendas desnecessaacuterias e de baixa qualidade sem jamais serem pagos a

dinheiro fiacutesico Afirmam tambeacutem que a Companhia natildeo disponibilizava escravos suficientes

e que vendia aos moradores apenas os doentes indo os melhores serem vendidos no Rio de

Janeiro Relatam tambeacutem o alto grau de endividamento daqueles que negociavam com a

empresa pela forma que os negoacutecios eram feitos na capitania Fora isso denunciavam a

forma arbitraacuteria e duvidosa com que agiam os seus deputados e intendente

Em carta de 1777 a cacircmara de Olinda queixa-se ao Reino de problemas semelhantes

aos relatados pelos oficiais de Igarassu sete anos antes Neste documento o Senado da cacircmara

apela pela extinccedilatildeo da Companhia suplicando ao monarca que os libertassem de ldquotatildeo

insuportaacutevel tiraniardquo 585

Ainda nesta carta reclamam tambeacutem os camaraacuterios da escassez de

moeda que grassava em Pernambuco afirmando que a ldquofalta de dinheiro presentemente

irremediaacutevel tem aniquilado os fabricantes e os reduzido a uacuteltima consternaccedilatildeordquo 586

isto

porque a Companhia continuava a pagar pelos efeitos da terra em fazendas e natildeo a dinheiro

que era gecircnero necessaacuterio para o sustento e manutenccedilatildeo das faacutebricas e dos fabricantes

Fica confirmado tambeacutem no relato a manutenccedilatildeo do costume dos deputados da

empresa em reservar para si e seus ldquoparceirosrdquo comerciais os escravos mais sadios e melhor

escolhidos Vendendo para populaccedilatildeo os menos saudaacuteveis e a preccedilos exorbitantes no que

resultavam segundo a cacircmara em ldquograndes mortandadesrdquo nos engenhos e lavouras que

acabavam se conservando sempre com um nuacutemero reduzido de escravaria Por fim os oficiais

protestam sobre o procedimento adotado pela empresa de vender os gecircneros de maior

necessidade apenas a dinheiro quando era ela mesma a responsaacutevel pela crise monetaacuteria

instalada na regiatildeo

No mesmo ano de 1777 a cacircmara de Olinda envia nova carta relatando com maiores

detalhes o estado do comeacutercio na capitania e apelando junto ao Reino para a supressatildeo dos

privileacutegios da Companhia Geral Os camaraacuterios apelam a real clemecircncia testemunhando que

eram tratados por aquela instituiccedilatildeo com ldquodespoacutetica autoridade e matildeo violentardquo alegam ainda

serem dominados e vexados como ldquose fossemos de alguma naccedilatildeo inimiga ou infieacuteis e rebeldes

ao proacuteprio soberanordquo 587

Neste documento tambeacutem se reforccedila a questatildeo das vantagens

pessoais que os deputados logravam no comeacutercio de escravos segundo os oficiais da cacircmara

ldquoa florrdquo da escravaria era reservada para estes negociantes ficando apenas o ldquorefugordquo para os

585

AHU ndash PE Cx 126 D 9577 586

Idem 587

AHU ndash PE Cx108 D 8330

157

moradores da terra Acusam ainda os oficiais da cacircmara de agirem os homens daquela

direccedilatildeo da mesma forma com os gecircneros da Europa

A falta de dinheiro mais uma vez eacute denunciada como o ldquomais sensiacutevel e fatalrdquo mal

que fazia a Companhia ao povo de Pernambuco Como o dinheiro era como afirmam os

camaraacuterios ldquopreciso para expediccedilatildeo dos seus negoacutecios e estabelecimentos de suas famiacuteliasrdquo e

estando aquela terra ldquoexausta de moeda correnterdquo 588

muitos fabricantes e lavradores

acabavam recorrendo ao contrabando nos portos livres para obter dinheiro fiacutesico De acordo

com a Cacircmara olindense essa situaccedilatildeo era de total responsabilidade da Companhia isto

porque a empresa havia reduzido os habitantes daquelas plagas a extrema pobreza sem ter

estes homens meios de sustentar suas famiacutelias Dessa forma acabavam recorrendo agrave compra

de fazendas em outros portos mesmo que sujeito aos confiscos As queixas evidenciam a

relaccedilatildeo entre a refraccedilatildeo pela qual passava o comeacutercio legal e o aumento dos negoacutecios

descaminhados enquanto o comeacutercio legal passava por um periacuteodo de queda os descaminhos

de produtos ganhavam focirclego

Ainda sobre o comeacutercio de contrabando assegura o senado de Olinda que as fazendas

vindas dos portos livres se vendiam por menor preccedilo do que os praticados pela Companhia o

que segundo tais oficiais era inconcebiacutevel pois os contrabandistas compravam tais gecircneros de

mercadores dos portos livres ldquojaacute com avanccedilosrdquo 589

e ainda eram responsaacuteveis pelas ldquodespesas

do transporterdquo 590

Os escravos vindos do comeacutercio descaminhado tambeacutem eram mais baratos

de acordo com o documento alguns moradores que mandavam comprar negros nos portos

livres ldquoos compram com tatildeo notaacutevel cocircmodo a respeito do preccedilo porque que vende a

Companhia na terra que chegam a comprar dois pretos com o valorrdquo 591

Tambeacutem reivindicam a forma como a empresa procedia na avaliaccedilatildeo e compra dos

gecircneros da terra Declara a cacircmara que os produtos da Companhia eram vendidos por preccedilos

que eram determinados pela proacutepria direccedilatildeo e que natildeo se davam os devidos descontos a peccedilas

avariadas No entanto o contraacuterio natildeo se fazia verdade os oficiais alegam que qualquer avaria

era descontada no valor final dos efeitos da terra ainda atestam que os preccedilos eram fixados

pelos avaliadores da Companhia natildeo seguiam a nenhum tipo de criteacuterio preacute-estabelecidos

588

Idem 589

Idem 590

Idem 591

Idem

158

dando tais avaliadores o preccedilo que lhe achassem conveniente Questionavam entatildeo os

camaraacuterios ldquoque justiccedila e que lei do comeacutercio pode permitir semelhante deferecircnciardquo 592

Em 1778 seraacute a vez da Cacircmara de Goiana enviar suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis a

Companhia ao Reino As objeccedilotildees satildeo parecidas com as de suas congecircneres Afirmam aqueles

oficiais que a Companhia ldquoestabelecida em 1760 tem de todo arruinado os fabricantes de

todos os gecircnerosrdquo 593

Reforccedilam a questatildeo de como procedia a direccedilatildeo pernambucana na

venda de escravos que aleacutem de os venderem por ldquoexcessiviacutessimo preccedilordquo destinavam as

populaccedilatildeo apenas os negros de ldquorefugordquo que vinham jaacute contaminados de moleacutestias Tendo

inclusive sido acometida a capitania duas vezes por epidemias que dizimaram muitos

habitantes provenientes daqueles escravos doentes jaacute que a ldquoflorrdquo da escravaria era remetida

pelos deputados pernambucanos ao Rio de Janeiro

Ao longo da carta os camaristas queixam-se de outras diversas accedilotildees da empresa

Dando destaque ao alto grau de endividamento dos agricultores obrigados a empenhar seus

bens os altos juros cobrados aos homens de negoacutecio bem como contestam os preccedilos

praticados pela empresa em seu comeacutercio Em denuacutencia as condutas questionaacuteveis da direccedilatildeo

em Pernambuco atestam que os melhores gecircneros da Europa aqueles que possuiacuteam maior

saiacuteda quase todos ldquose encaminhavam as lojas particulares de algum dos mesmos deputados

donde entatildeo os iam comprar os pobres dos mercadoresrdquo 594

Por fim apelavam a sua majestade

para livrar aquele ldquopovo deste penoso cativeirordquo 595

Um ano depois em 1779 era a vez da Cacircmara de Recife enviar carta ao reino

solicitando o fim das concessotildees exclusivas dadas a Companhia Os oficiais da Cacircmara

recifense se apoiavam na recente decisatildeo do Reino em abolir os privileacutegios concedidos a

Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo ao solicitarem para capitania de Pernambuco a

mesma graccedila Alegavam os camaraacuterios ser a Companhia Geral a culpada pelo ldquomiseraacutevel

estado a que se acha reduzida toda esta capitaniardquo 596

Os camaristas aproveitam para lembrar

junto a este pedido os grandes esforccedilos empregados pelos habitantes daquelas plagas em

ldquoconservar o domiacutenio desta porccedilatildeo do Brasilrdquo 597

quando do ataque do inimigo holandecircs o

que havia lhes custado ao longo dos anos como fazem questatildeo de sublinhar suas vidas e

fazendas

592

Idem 593

AHU ndash PE Cx 130 D 9830 594

Idem 595

Idem 596

AHU ndash PE Cx 133 D 10009 597

Idem

159

Junto com a extinccedilatildeo da Companhia demandam tambeacutem trecircs providecircncias que

acreditavam deveriam acompanhar tal graccedila A primeira solicitaccedilatildeo era de que a Companhia

Geral voltasse a pagar o subsiacutedio dos accediluacutecares que ldquovoluntariamente e contra as ordens

reacutegiasrdquo 598

havia parado de pagar aos fabricantes haacute doze anos A segunda demanda requeria

que natildeo se cobrassem altos juros nos deacutebitos que haviam contraiacutedo os habitantes daquela terra

com a empresa isto porque segundo os camaristas os gecircneros que geravam os

endividamentos jaacute haviam sido comprados por preccedilos ldquosobrecarregadosrdquo Por fim pedem os

oficiais da Cacircmara que a empresa natildeo cobre de uma uacutenica vez os grandes deacutebitos dos

habitantes pois se isto acontecesse causaria a ruiacutena daquela capitania

Em resposta a estas trecircs representaccedilotildees a Junta da Companhia em Lisboa remete

ofiacutecio ao Reino no ano de 1780 defendendo-se das acusaccedilotildees e apontando a direccedilatildeo em

Pernambucano como a verdadeira responsaacutevel das queixas populares Chegando a afirmar que

se a empresa fosse ldquodirigida por homens inteligentes e zelosos do serviccedilo de Vossa Majestade

e do bem puacuteblico natildeo soacute teria produzido muitas maiores vantagens a favor do Estado mas ateacute

seria pedida a sua conservaccedilatildeo pelos mesmos povos daquelas capitaniasrdquo 599

Neste ofiacutecio o

conselho lisboeta descreve com detalhes todas as artimanhas e estrateacutegias utilizadas pelo

intendente e deputados da direccedilatildeo pernambucana a fim de tirarem benefiacutecios pessoais de seus

postos

Assim admitem que no comeacutercio das fazendas aqueles diretores se associavam a

caixeiros e parceiros e tiravam das carregaccedilotildees da Companhia para suas lojas particulares

todas as fazendas ldquomelhores em qualidade sortimento e em preccedilosrdquo antes mesmo destas peccedilas

serem colocadas a venda pela empresa Dessa forma os demais mercadores que ldquonatildeo

entravam neste conluio quando iam aos armazeacutens da Companhia soacute encontravam as que os

outros tinham refugadordquo Esta situaccedilatildeo acabava por gerar o monopoacutelio das melhores fazendas

nas matildeos destes deputados e seus associados que se aproveitando da situaccedilatildeo passavam a

revender tais gecircneros cerca de 30 a 40 mais caro nas fazendas de menor procura e nas de

melhor saiacuteda chegava-se a acrescer mais ldquode 100 importando-lhes ainda sobre este avanccedilo o

juro da leirdquo 600

Sobre a forma como procedia aos pagamentos de lavradores e fabricantes natildeo a

dinheiro e sim em fazendas atesta a Junta que procedia a direccedilatildeo pernambucana de forma

598

Idem 599

AHU ndash PE Cx 136 D 10156 600

Idem

160

abusiva e ruinosa pois se recusavam a comprar as fazendas em dinheiro alegando a falta de

moeda Atitude que acabava por obrigar que os produtores locais fossem vender seus gecircneros

a mercadores particulares por preccedilo natildeo fixado ficando a cargo do comprador estabelecer o

valor que lhe aprouvesse a segunda e natildeo menos desvantajosa alternativa para estes

fabricantes locais seria irem vender seus produtos ldquoa dinheiro com grande perda as pessoas

por quem os mesmos diretores lhes mandam comprarrdquo 601

Quanto a questatildeo da falta de moeda fiacutesica atesta a direccedilatildeo lisboeta ser real a limitaccedilatildeo

de dinheiro naquela Praccedila No entanto acusam novamente a direccedilatildeo pernambucana como a

responsaacutevel pelo problema Segundo a Junta o primeiro motivo da falta de dinheiro no caixa

da Companhia estava relacionado com a grande soma que diretores ldquoem seus nomes no de

seus parentes nos de mercadores seus associados e em outros supostosrdquo 602

que formavam

uma lista de 73 pessoas deviam a empresa e na demora que estes faziam em seu pagamento

Dessa forma ficava a Companhia em Pernambuco sem cabedal suficiente para socorrer aos

produtores locais

O segundo motivo alegado pelo conselho portuguecircs seria de que os diretores em

Pernambuco haviam feito pagamentos dos quarteacuteis vencidos de contratos reais

monopolizados por eles mesmos indevidamente com o dinheiro do caixa da Companhia A

terceira causa da falta de dinheiro era o de agirem os deputados pernambucanos no comeacutercio

de escravos da mesma forma como operavam no comeacutercio de fazendas Expunha a Junta que

assim que os negreiros davam entrada na capitania alguns membros da direccedilatildeo iam ainda de

madrugada ldquoescolher e esconder os melhores fazendo os assentos das vendas em nomes

diversos e supostos e por preccedilos mais inferiores que aqueles por que vendem os de refugo

que expotildeem em puacuteblico para a vendardquo 603

aleacutem disso reservavam estas melhores ldquopeccedilasrdquo

para irem vender em outras praccedilas da Ameacuterica

Encerrando este tema os oficiais lisboetas afirmam que o valor das diacutevidas relativas a

assistecircncia prestada pela empresa a produtores locais de accediluacutecar e tabaco era menor do que os

causados pelos abusos que faziam os diretores da praccedila que confiavam os cabedais da

empresa ldquoa pessoas sem estabelecimento e sem creacutedito servindo-se dos mesmos cabedais

para suas ocultas e reprovadas negociaccedilotildeesrdquo 604

Aleacutem disso declara o conselho portuguecircs

que muitas eram as dificuldades apontadas pela direccedilatildeo na colocircnia em cobrar tais deacutebitos o

601

Idem 602

Idem 603

Idem 604

Idem

161

que para a Junta fazia parecer que os deputados pernambucanos pareciam mais ldquouns homens

levantados para destruir a Companhia do que homens que os interessados elegeramrdquo 605

Esta

afirmaccedilatildeo da Junta acaba por reforccedilar nosso entendimento de que a Companhia foi arruinada

de ldquofora para dentrordquo pois de acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada seus proacuteprios agentes

laboraram contra os interesses econocircmicos da instituiccedilatildeo agindo em benefiacutecio proacuteprio

Quanto a mateacuteria do contrabando diraacute a Junta saber que ldquoa maior parte dos membros

daquela direccedilatildeo e dos indiviacuteduos empregados nos seus serviccedilos satildeo os que fazem e protegem

os mais escandalosos contrabandosrdquo 606

tanto ldquona introduccedilatildeo de fazendas dos portos deste

reino e dos da Bahia como na exportaccedilatildeo e extravio dos gecircneros das capitanias de

Pernambucordquo 607

Acusam ainda serem aqueles diretores os culpados de incitar as cacircmaras de

Pernambuco a levarem a real presenccedila suas queixas contra Companhia faziam isto pois

pretendiam nunca pagar as suas avultadas diacutevidas a Companhia ou pagarem em parcelas ao

longo dos anos sem juros

Ainda neste documento manifesta aquela direccedilatildeo superior o seu descontentamento

com os oficiais reacutegios locais que mesmo tirando devassas dos casos de descaminhos nunca

chegam a apontar um culpado mesmo sendo ldquotatildeo puacuteblicas e escandalosas as violecircncias e

contrabandosrdquo 608

que estavam cometendo os diretores pernambucanos No entanto afirmam

os ministros lisboetas terem ciecircncia da dificuldade em se achar testemunhas dispostas a

deporem contra aqueles diretores ldquoem cujo nuacutemero os mais delinquentes satildeo os mais

poderosos pelos cabedais pelas amizades e pelos importantes empregos que ocupamrdquo 609

ficando assim os fabricantes e lavradores da capitania receosos de lhe fazerem denuacutencias pois

como a Junta atesta ldquoos mais oprimidos satildeo sempre os mais dependentesrdquo 610

Por fim o

conselho portuguecircs conclui que as queixas dos habitantes da capitania se endereccedilavam as

ldquoviolecircnciasrdquo cometidas pelos deputados em Pernambuco e natildeo a instituiccedilatildeo da Companhia em

si

A onda de ataques iniciada em 1777 acabou culminando na supressatildeo dos privileacutegios

comerciais da Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba a partir de abril de 1780

Alvo de oposiccedilatildeo de interesses entre os locais e os metropolitanos a mesma natildeo chegou a

alcanccedilar os lucros esperados pela Coroa portuguesa causando notoacuterios prejuiacutezos agrave economia

605

Idem 606

Idem 607

Idem 608

Idem 609

Idem 610

Idem

162

local em particular a elite pernambucana 611

O processo de liquidaccedilatildeo da empresa se estendeu

por muitos e muitos anos de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior no ano de 1907 a junta

liquidataacuteria da empresa envia solicitaccedilatildeo ao representante portuguecircs no Brasil no sentido de

reaver diacutevidas ainda existentes em Pernambuco 612

A segunda metade do seacuteculo XVIII seraacute marcada como um periacuteodo de importantes

mudanccedilas governamentais no Impeacuterio Portuguecircs a ascensatildeo do Marquecircs de Pombal ao cargo

de secretaacuterio do Reino e das mercecircs viraacute acompanhada de um conjunto de medidas de caraacuteter

revitalizador que teraacute como expoente o comeacutercio de Portugal com suas conquistas e colocircnias

As medidas implantadas pelo governo portuguecircs em Pernambucano tinham por objetivo deter

maior controle sobre a produccedilatildeo de uma das mais destacadas capitanias do Norte do Estado

do Brasil

As criaccedilotildees dos organismos da mesa de Inspeccedilatildeo e da Companhia Geral de

Pernambuco e Paraiacuteba vinham atender ao pensamento iluminista da eacutepoca e buscavam

canalizar os lucros da colocircnia para a Corte No entanto o que o marquecircs natildeo previu foi que

apoacutes um primeiro momento de estranhamento por parte dos locais as instituiccedilotildees seriam

absorvidas e aparelhadas aos interesses da elite local que infiltradas em suas respectivas

administraccedilotildees iriam utilizar desses lugares funcionais privilegiados na defesa de ganhos

proacuteprios Aleacutem disso os habitantes locais tambeacutem passam a criar mecanismos para a fuga

desse controle metropolitano dentre esses mecanismos destaca-se o contrabando de gecircneros

O conjunto documental analisado eacute revelador da vitalidade dos sertotildees pernambucanos

e baianos que durante o seacuteculo XVIII iratildeo assumir papel de destaque dentro do mercado

interno estando conectado a uma grande malha comercial que se estendia ateacute a regiatildeo das

Minas Gerais Os rios caminhos e picadas interioranas cumpriram um destacado papel na

conexatildeo entre diversas localidades sertanejas e as cidades litoracircneas Seguindo os caminhos

de terra e das aacuteguas mercadores comerciantes fazendeiros e profissionais liberais fizeram

surgir nas lonjuras dos sertotildees um espaccedilo de dinamismo e intensa atividade comercial

A grandiosidade da costa pernambucana que permitia natildeo soacute a navegaccedilatildeo direta entre

Bahia e Pernambuco como tambeacutem fornecia condiccedilotildees naturais para ancoragem em diversas

praias do litoral junto ao envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e deputados da empresa

611

Sobre isto ver DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In

Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel

em httpcvcinstituto camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de

2017 612

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 P

188-202

163

nos contrabandos somada a ineficaz e insuficiente forccedila militar empregada no seu combate e o

desejo de senhores de engenhos produtores e comerciantes de fugir das malhas do comeacutercio

monopolista faratildeo com que a praacutetica se torne uma constante na segunda metade do XVIII No

bojo dessas questotildees o comeacutercio iliacutecito com a vizinha capitania Bahia que contava apenas

com uma Mesa de Inspeccedilatildeo e natildeo com uma companhia comercial monopolizadora ganharaacute

forccedila

164

5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS

Ao longo da narrativa deste trabalho jaacute esclarecemos as principais conclusotildees tiradas

sobre o nosso objeto de estudo No entanto a tiacutetulo de compilaccedilatildeo e arremate iremos pontuar

as consideraccedilotildees mais significativas para o entendimento do comeacutercio de contrabando

realizado durante os vinte e um anos de vigecircncia do exclusivo comercial praticado pela

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba

Vimos que a Companhia Geral criada no ano de 1759 no contexto de mudanccedilas no

sistema poliacutetico portuguecircs foi fundada para atuar junto a uma seacuterie de outras medidas que

vinham atender o esforccedilo portuguecircs de racionalizaccedilatildeo administrativa e econocircmica de seus

espaccedilos ultramarinos A empresa instalada durante o consulado Pombalino iraacute modificar

sobremaneira o modo de se fazer negoacutecios na capitania de Pernambuco e suas anexas

modificando toda a loacutegica mercantil da regiatildeo que haacute muito estava instituiacuteda e consolidada

Com a fundaccedilatildeo da empresa as populaccedilotildees locais passaram a buscar estrateacutegias de

fuga do controle metropolitano dessa forma comerciantes e produtores da Praccedila

pernambucana jaacute bem habituados ao livre comeacutercio comeccedilaram a realizar transaccedilotildees

comerciais iliacutecitas junto agrave vizinha capitania da Bahia O comeacutercio de mercadorias estabelecido

entre as duas mais destacadas capitanias do Norte se realizava tanto atraveacutes dos sertotildees que

tinham no Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes a peccedila chave desse circuito de comeacutercio

iliacutecito sertanejo bem como de forma direta atraveacutes da Costa mariacutetima que ligava Bahia a

Pernambuco

Lembramos que o artigo 25 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral

determinava que a empresa natildeo possuiacutea o monopoacutelio do comeacutercio para os portos do sertatildeo

Alagoas e Rio de Satildeo Francisco No entanto a poliacutetica monopolista da Companhia iraacute afetar

tambeacutem os chamados ldquoportos livresrdquo Isto porque por volta da deacutecada de 70 a direccedilatildeo

pernambucana por forccedila de um edital passa a encarar as transaccedilotildees mercantis efetuadas a

partir daqueles espaccedilos como contrabando Medida repressiva que salienta a importacircncia

econocircmica do comeacutercio realizado a partir das rotas sertanejas Afinal de contas natildeo se

empregaria esforccedilos e recursos no controle de tais negoacutecios se eles natildeo tivessem relevacircncia

As mercadorias que circulavam neste comeacutercio descaminhado eram muitas da

capitania pernambucana saiam principalmente os efeitos da terra dos quais destacamos o

accediluacutecar e seus derivados couros e tabacos Vindos das terras soteropolitanas os principais

165

produtos eram gecircneros europeus com realce para a grande variedade de tecircxteis Vimos

tambeacutem que entre as duas Praccedilas realizava-se o comeacutercio humano os escravos comprados por

menores preccedilos na Bahia vinham abastecer as lavouras e faacutebricas pernambucanas As trocas

mercantis realizadas por vias ilegais mesmo que potencialmente perigosas dado o risco de

apreensatildeo e demais penalidades seratildeo amplamente desenvolvidas por fabricantes produtores

e comerciantes pernambucanos que buscavam melhores preccedilos e vendas a dinheiro fiacutesico

Destacamos que o contrabando foi uma praacutetica recorrente durante toda histoacuteria

colonial do Novo Mundo Na Ameacuterica Portuguesa pesquisas mais recentes atestam para

recorrecircncia do comeacutercio extralegal em diversas capitanias Esta historiografia com a qual

concordamos tem demonstrado como os descaminhos eram processos inerentes ao trato

comercial colonial Presente nas mais variadas atividades mercantis e locais os contrabandos

e descaminhos natildeo devem ser encarados como uma ldquofalhardquo ou ldquodeficiecircnciardquo do sistema mas

sim como parte integrante do mesmo

O comeacutercio iliacutecito praticado durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial da

Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba foi um negoacutecio amplamente praticado De acordo

com a documentaccedilatildeo trabalhada este tipo de mercadejar acontecia tanto no grosso trato

envolvendo uma rede de indiviacuteduos empenhados em criar estrateacutegias que possibilitassem o

funcionamento da praacutetica iliacutecita Como no miuacutedo onde sujeitos comuns aproveitavam as

oportunidades que surgiam para ganhos extras Destacamos ainda o contrabando feito

diretamente com navios estrangeiros que aportando na capitania sobre pretextos diversos

procediam ocultamente nas trocas comerciais com os habitantes locais

A grande preocupaccedilatildeo do Reino em reprimir tais negoacutecios iliacutecitos revela a

grandiosidade da praacutetica durante o periacuteodo do exclusivo comercial da Companhia Diversos

satildeo os documentos travados entre as autoridades locais e o governo metropolitano para tratar

da mateacuteria Apesar do empenho dos oficiais reacutegios locais sobretudo os governadores de

Pernambuco os contrabandos persistiram durante toda a existecircncia da Companhia Isto

porque natildeo existia estrutura local para que o combate as ilicitudes fossem feitas de maneira

efetiva dada a grandiosidade da capitania de Pernambuco aleacutem disso o comeacutercio

descaminhado era uma praacutetica ostensiva que envolvia variados personagens situaccedilotildees e

circunstacircncias

Dentre os personagens envolvidos nas redes de comeacutercio extralegal salientamos a

participaccedilatildeo de autoridades reacutegias oficiais e agentes da proacutepria Companhia Estes homens

iratildeo utilizar de seus postos privilegiados para obter vantagens pessoais Vimos que a

166

participaccedilatildeo de autoridades reais em circuitos iliacutecitos natildeo era uma prerrogativa exclusiva do

nosso objeto de anaacutelise tendo ocorrido em diversos outros locais da Ameacuterica Lusa e ateacute

mesmo da Ameacuterica Hispacircnica Como os atuais estudos tecircm demonstrado o envolvimento em

praacuteticas iliacutecitas natildeo era necessariamente oposto ao exerciacutecio de ofiacutecios reacutegios

Destacamos tambeacutem as inuacutemeras queixas e representaccedilotildees encaminhadas pelas

populaccedilotildees locais sobretudo pelas cacircmaras ultramarinas ao governo da metroacutepole alertando

para o estado de decadecircncia do comeacutercio nas praccedilas de Pernambuco e das inuacutemeras atividades

iliacutecitas e maacute gestatildeo conduzida pela direccedilatildeo da empresa na capitania A documentaccedilatildeo

evidencia como os proacuteprios deputados e acionistas da empresa foram responsaacuteveis pela

liquidaccedilatildeo da mesma destruindo seu capital ao agirem em benefiacutecio proacuteprio a fim de

obterem vantagens financeiras

Criado no contexto das reformas pombalinas a Companhia natildeo conseguiraacute renovar

seu contrato de exclusivo comercial sendo este extinguindo no ano de 1780 Naquele

momento a metroacutepole jaacute estava sob o comando de uma nova soberana Dona Maria I e

Pombal jaacute estava afastado do centro decisoacuterio Inicia-se entatildeo um novo movimento poliacutetico-

administrativo em Portugal conhecido na historiografia como ldquoa viradeirardquo Nesta nova

conjuntura jaacute natildeo havia espaccedilo para a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba que natildeo

chegou a alcanccedilar os nuacutemeros esperados pelo Reino e foi durante toda sua existecircncia alvo de

criacuteticas das populaccedilotildees locais Voltava entatildeo o comeacutercio na capitania a ser livre fazendo

dessa forma minorar o grande fluxo extralegal alvo deste estudo

167

REFEREcircNCIAS

ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria

Briguiet1960

AIZPURUA AGUIRRE Ramoacuten ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la

lancha San Fernando y de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista

de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5 Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San

Sebastiaacuten p 379-392 2006

A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista

brasileira de Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197

ALENCASTRO Luiz Felipe de O trato dos viventes formaccedilatildeo do Brasil no Atlacircntico

Sul Satildeo Paulo Companhia das Letras 2000

ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas -

As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p

34-53 janjul 2013

ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de

Pernambuco no seacuteculo XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria

da escravidatildeo em Pernambuco Editora UniversitaacuteriaU-FPE 2012

ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os

acossamentos de Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII)

Rev Bras Hist [online] 2015 vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016

ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria

Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980

ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec

2004

BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na

administraccedilatildeo da monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO

Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no

impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo

Brasileiro (1783 ndash 1822) Guarapuava Unicentro 2014

168

BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores

e Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da

Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII Recife 2012 Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de

Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas da Universidade

Federal de Pernambuco

BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia

das letras 2002

CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito

Santo do seacuteculo XIX Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de

Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003

CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do

Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996

CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e

Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982

CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-

1850 Recife Editora da UFPE 2002

CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica

Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006

CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a

administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016

vol15 n2

CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa

na Buenos Aires colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248

janjun 2009

CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en

Venezuela durante el siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997

CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do

territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v 43 n1 p 100-120 2016

COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do

Interior e Justiccedila 1951-1966 v 6

169

CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica

portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n

39 p001-030 jan-abr 2016

DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas

Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume 282

DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In

Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-

camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013

DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os locais uma anaacutelise da

correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania de

Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei

SOUZA George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo

atlacircntico Recife Editora Universitaacuteria da UFPE 2012

DIAS Manuel Nunes Fomento Ultramarino e Mercantilismo a companhia geral do Gratildeo-

Paraacute e Maranhatildeo (1755-1778) (XIII) Revista de Histoacuteria Brasil v 41 n 83 p 73-94 apr

2017

FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto

de conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social

costumeira (Rio de Janeiro 1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima

(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-

XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

FERREIRA Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial

ultramarino portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama

das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro

Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico

cultura e transgressatildeo na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado

em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias humanas Universidade Federal de Pernambuco

Recife

GINZBURG Carlo Relaccedilotildees de forccedila Histoacuteria retoacuterica prova Satildeo Paulo Companhia

das letras 2002

GINZBURG Carlos Sinais raiacutezes de um paradigma indiciaacuterio In___ Mitos emblemas e

sinais - Morfologia e Histoacuteria Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989 P 143-180

170

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo

portuguecircs c 1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na

trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de

Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

GOUVEcircA Maria de Faacutetima Poder Poliacutetico e administraccedilatildeo na formaccedilatildeo do complexo

atlacircntico portuguecircs (1645-1808)In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) O

Antigo Regime nos troacutepicos ndash A dinacircmica Imperial Portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio

de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional

History University Press of Virginia 2ordf ed 1994

HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash

Seacutec XVII Coimbra Almedina 1994

HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do

impeacuterio colonial portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na

trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de

Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

HESPANHA AM A constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos

correntes In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda

(Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash

XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

HESPANHA Antonio Manoel Caleidoscoacutepio do Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda

2012

IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos

sertotildees da Ameacuterica Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012

JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de

ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de

Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos

XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010

JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo

Hucitec 1976

JUacuteNIOR Miguel Dieacutegues As Companhias Privilegiadas no comeacutercio colonial Revista de

Histoacuteria Brasil v 1 n 3 p 309-336 sep 1950

171

KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica

(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez

2009

KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e

a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida

(Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba

UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009

KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da

Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de

Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005

KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos

histoacutericos Rio de Janeiro Contraponto Ed Puc-Rio 2006

KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da

Prata 1730-1752) Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017

LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime

na Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral

(Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX

Satildeo Paulo Alameda 2005

MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute e Rio Grande catequese

violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22

MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la

defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia

hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten

Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P

9-52 2006

MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz

e Terra 1996

MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio

Pernambucano (1738-1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966

MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas

de Joseacute Barreto Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII

172

MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil

GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001

MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003

MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites

Buenos Aires em el siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988

NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco

(seacuteculo XVIII) Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003

NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo

Horizonte Editora UFMG 2011

NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)

Satildeo Paulo Hucitec 1995

OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria

conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria

Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de

Histoacuteria Recife 2016

PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil

(1765-1801) a caccedila ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos

Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias Sociais Universidade de Lisboa Lisboa

PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da

cacircmara da Bahia (seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia

Amaral (Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash

seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005

PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008

PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo

XVIII Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001

PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a colonizaccedilatildeo do sertatildeo

nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004

RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias

do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel

em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017

173

ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas

na Vila de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais

do XXVI Simpoacutesio Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011

SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo

nos quadros do Impeacuterio portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O

Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio

de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001

SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da

Mina e a Capitania de Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P

Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Setor de Ciecircncias

Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute

SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das

letras 2013

SCHWARTZ Stuart B Segredos Internos ndash Engenhos e escravos na sociedade colonial

Satildeo Paulo Companhia das Letras 1988

SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral

da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P

42-53 JanJun 2003

SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro

(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002

SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do

Recife agrave poliacutetica pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de

Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005

SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica

portuguesa do seacuteculo XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006

SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa

EDIUAL2007

WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de

Pernambuco pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010

174

APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS

Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos de Pernambuco

AHU ndash PE Cx 88 D 7150

AHU ndash PE Cx 95 D7497

AHU ndash PE Cx 95 D 7501

AHU ndash PE Cx 107 D 8312

AHU ndash PE Cx 127 D 9670

AHU ndash PE Cx128 D 9737

AHU ndash PE Cx 138 D 10248

AHU ndash PE Cx 107 D 8284

AHU ndash PE Cx 108 D 8371

AHU ndash PE Cx 110 D 8493

AHU ndash PE Cx 117 D 8954

AHU ndash PE Cx 120 D 9196

AHU ndash PE Cx 121 D 9245

AHU ndash PE Cx 122 D 9339

AHU ndash PE Cx 127 D 9656

AHU ndash PE Cx 129 D 9771

AHU ndash PE Cx 129 D 9792

AHU ndash PE Cx 130 D 9815

AHU ndash PE Cx 130 D 9815

AHU ndash PE Cx 130 D 9823

AHU - PE Cx 130 D 9823

AHU ndash PE Cx 130 D 9830

AHU - PE Cx 130 D 9966

AHU ndash PE Cx 131 D 9853

AHU ndash PE Cx 131 D 9892

AHU ndash PE Cx 132 D 9955

AHU ndash PE Cx133 D 9966

AHU - PE Cx 133 D 10003

AHU ndash PE Cx 133 D 10009

AHU ndash PE Cx 133 D 10012

175

AHU ndash PE Cx 133 D 10012

AHU ndash PE Cx 133 D 10017

AHU - PE Cx 136 D 10147

AHU ndash PE Cx 137 D 10197

AHU - PE Cx 137 D 10234

AHU ndash PE Cx 138 D 10250

AHU - PE Cx 142 D 10475

AHU ndash PE Cx 151 D 9853

Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Bahia

AHU - BA Cx 138 D 10248

AHU ndash BA Cx 181 D 13481

Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Alagoas

AHU ndash AL Cx 3 D 221

AHU ndash AL Cx 3 D 220

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2

nordm 3 cx 2

ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2

nordm 6 cx 2

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm

4 cx 1 f 7

ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1

Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros

Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo

IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010

Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo

IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060

Acervo especial para Pernambuco da Biblioteca Nacional

176

ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco

(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN

Fontes impressas

BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da

Companhia de Jesus Ano de 1712

Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO

Antonio de Mariz Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil

Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por

Manoel da Sylva 1655

Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo

General da Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V

XXXII1910 p 442

Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI

Page 5: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 6: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 7: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 8: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 9: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 10: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 11: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 12: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 13: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 14: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 15: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 16: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 17: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 18: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 19: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 20: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 21: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 22: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 23: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 24: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 25: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 26: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 27: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 28: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 29: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 30: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 31: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 32: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 33: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 34: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 35: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 36: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 37: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 38: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 39: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 40: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 41: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 42: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 43: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 44: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 45: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 46: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 47: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 48: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 49: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 50: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 51: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 52: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 53: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 54: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 55: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 56: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 57: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 58: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 59: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 60: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 61: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 62: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 63: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 64: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 65: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 66: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 67: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 68: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 69: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 70: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 71: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 72: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 73: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 74: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 75: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 76: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 77: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 78: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 79: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 80: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 81: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 82: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 83: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 84: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 85: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 86: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 87: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 88: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 89: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 90: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 91: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 92: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 93: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 94: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 95: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 96: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 97: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 98: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 99: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 100: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 101: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 102: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 103: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 104: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 105: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 106: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 107: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 108: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 109: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 110: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 111: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 112: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 113: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 114: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 115: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 116: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 117: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 118: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 119: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 120: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 121: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 122: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 123: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 124: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 125: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 126: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 127: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 128: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 129: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 130: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 131: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 132: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 133: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 134: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 135: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 136: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 137: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 138: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 139: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 140: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 141: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 142: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 143: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 144: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 145: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 146: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 147: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 148: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 149: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 150: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 151: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 152: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 153: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 154: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 155: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 156: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 157: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 158: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 159: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 160: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 161: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 162: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 163: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 164: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 165: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 166: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 167: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 168: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 169: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 170: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 171: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 172: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 173: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 174: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 175: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO
Page 176: JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: … · 2019. 10. 26. · JÉSSICA ROCHA DE SOUSA NAS ROTAS DOS SERTÕES: COMÉRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO