Upload
others
View
2
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIEcircNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE POacuteS-GRADUACcedilAtildeO EM HISTOacuteRIA
MESTRADO EM HISTOacuteRIA
LINHA DE PESQUISA NORTE-NORDESTE MUNDO ATLAcircNTICO
JEacuteSSICA ROCHA DE SOUSA
NAS ROTAS DOS SERTOtildeES COMEacuteRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE
AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E BAHIA (1759-1780)
Recife
2018
JEacuteSSICA ROCHA DE SOUSA
NAS ROTAS DOS SERTOtildeES COMEacuteRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE
AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E BAHIA (1759-1780)
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade
Federal de Pernambuco como requisito parcial
para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em
Histoacuteria
Linha de pesquisa Mundo Atlacircntico
Orientadoar Profordf Drordf Suely Creusa Cordeiro
de Almeida
Recife
2018
JEacuteSSICA ROCHA DE SOUSA
NAS ROTAS DOS SERTOtildeES COMEacuteRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE
AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E BAHIA (1759-1780)
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade
Federal de Pernambuco como requisito parcial
para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em
Histoacuteria
Aprovada em 28022018
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profordf Drordf Suely Creusa Cordeiro de Almeida (Orientadora)
Universidade Federal Rural de Pernambuco
_________________________________________
Profordm Dr Rocircmulo Luiz Xavier do Nascimento (Examinador Interno)
Universidade Federal de Pernambuco
_________________________________________
Profordf Drordf Jeannie da Silva Menezes (Examinador Externo)
Universidade Federal Rural de Pernambuco
AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer a meus pais Luacutecia e Risomar por terem sempre
escolhido investir na minha educaccedilatildeo apesar e acima de tudo Reconheccedilo e agradeccedilo
sinceramente o esforccedilo realizado por eles para que eu tivesse uma boa base educacional
Agradeccedilo ainda a eles e aiacute incluo tambeacutem minha irmatilde Amanda pelo apoio carinho e
incentivo ao longo desta jornada mesmo sem compreender muito bem as dinacircmicas do
universo acadecircmico eles sempre estiveram ao meu lado dispostos a ajudar no que fosse
possiacutevel
Ao meu namorado Flaacutevio meu principal entusiasta que esteve comigo e me apoiou
durante todo este processo Agradeccedilo por acreditar no meu projeto por vezes ateacute mais do
que eu por natildeo me deixar fraquejar e pelo constante incentivo para que eu me torne o melhor
que eu posso ser
Aos meus padrinhos Socorro e Carlos com os quais eu sempre pude contar
A minha querida orientadora Profordf Suely Almeida se nossos caminhos natildeo tivessem
se cruzado haacute alguns anos atraacutes natildeo sei se seria capaz de chegar ateacute aqui Suely tem sido meu
esteio acadecircmico sem ela tudo seria muito mais difiacutecil Meus sinceros agradecimentos pela
confianccedila construiacuteda ao longo desses anos de trabalho juntas e por ser essa figura humana
sempre preocupada com meu bem estar acima de qualquer prazo ou cobranccedila Pensar em
seguir a vida acadecircmica sem sua orientaccedilatildeo eacute uma ideia que ainda estou tentando digerir
Muito obrigada Su
A Josinaldo Sousa e Suzana Veiga meus companheiros de linha Ao primeiro meu
amigo da capitania anexa agradeccedilo pelo apoio dicas e apontamentos que contribuiacuteram e
muito para construccedilatildeo deste trabalho e por partilhar os aperreios e cobranccedilas tiacutepicos de
mestrandos Suzana menina da risada frouxa agradeccedilo por compartilhar sua experiecircncia e
dar suporte sempre que preciso Nossos momentos ldquotapioca com cafeacuterdquo poacutes-aula tornaram
todo o processo mais leve e tranquilo Sentirei saudades Aos meus colegas de orientaccedilatildeo
antigos e novos Raphael Luanna Mariely Jesanias e Marcelo eacute sempre bom trocar ideias
com vocecircs Aos demais colegas que o mundo atlacircntico me apresentou seja na UFPE ou na
UFRPE tambeacutem agradeccedilo
Agradeccedilo a professora Jeannie Meneses profissional e pessoa por quem nutro
profunda admiraccedilatildeo e carinho e que sempre esteve presente durante minha trajetoacuteria
acadecircmica se prontificando a ajudar no fosse necessaacuterio Obrigada pelas numerosas
contribuiccedilotildees feitas ao texto preliminar deste trabalho sobretudo as orientaccedilotildees quanto agraves
questotildees juriacutedicas
Ao professor Rocircmulo Xavier profissional que estimo e que tive o prazer de conhecer
no primeiro semestre do curso e que tambeacutem contribuiu com importantes recomendaccedilotildees
durante a qualificaccedilatildeo para construccedilatildeo deste texto final Aos demais professores do
PPGHUFPE com quem cursei disciplinas Marcus Carvalho George Cabral Joseacute Bento e
Cristiano Christillino tambeacutem agradeccedilo as contribuiccedilotildees diretas e indiretas
Aos meus amigos de graduaccedilatildeo que continuam me acompanhando e tornando menos
aacuterido o caminho Pedro Boguel Benvinda Ceci Polli Beto Sid e Deacutea obrigada pela
amizade e por entenderem minhas ausecircncias Agradeccedilo especialmente a Mirella e famiacutelia
Dona Maacutercia e Wagner por terem aberto seu lar para mim durante o periacuteodo que cursei as
disciplinas e pelo apoio e carinho que sempre recebi de todos eles
As minhas amigas de infacircncia Mariana Aretha Tuanny e Illyanna que hoje estatildeo
dispersas pelo mundo obrigada por se fazerem presentes mesmo na distacircncia
Agradeccedilo a Sandra e a Patriacutecia da secretaria do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Histoacuteria da UFPE pela competecircncia e disposiccedilatildeo em ajudar sempre que possiacutevel os alunos
Aos funcionaacuterios do arquivo do Instituo de Estudos Brasileiros - IEB da USP pela
solicitude com que me receberam e por me permitirem o acesso aos manuscritos originais
Ao Cnpq pela bolsa que tornou possiacutevel a realizaccedilatildeo deste trabalho
A todos que contribuiacuteram direta ou indiretamente na construccedilatildeo deste trabalho meu
muito obrigado
RESUMO
Nosso trabalho busca analisar o comeacutercio de mercadorias que se desenvolveu durante os anos
de 1759 a 1780 entre as capitanias de Bahia e Pernambuco Nosso marco cronoloacutegico inicia-
se em 1759 ano em que foi instalada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba detentora
do monopoacutelio comercial da regiatildeo A empresa criada na segunda metade do XVIII vinha
atender a uma nova ordem administrativa ligada agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila
que se buscou estabelecer em Portugal e que tinham por objetivo uma maior centralizaccedilatildeo do
poder real bem como um maior domiacutenio econocircmico sobre as conquistas e colocircnias O
monopoacutelio desenvolvido pela Companhia durante pouco mais de vinte anos veio alterar toda
uma loacutegica comercial que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco Nosso ponto de
anaacutelise parte da identificaccedilatildeo de que a partir da instalaccedilatildeo da Companhia Geral os locais iratildeo
buscar estrateacutegias de evasatildeo do controle reacutegio um desses meios de fuga seraacute o contrabando de
mercadorias realizado atraveacutes dos caminhos sertanejos que uniam Pernambuco e Bahia bem
como por meio da navegaccedilatildeo direta via Costa mariacutetima entre as capitanias vizinhas
Procederemos entatildeo a anaacutelise das rotas produtos casos e medidas repressivas empregadas
neste tipo de negoacutecio Antes da instalaccedilatildeo da Companhia as transaccedilotildees comerciais entre as
duas praccedilas jaacute existiam e estavam bem consolidadas no entanto a partir da criaccedilatildeo da
empresa esse comeacutercio acaba ganhando expressividade
Palavras-chave Contrabando Comeacutercio interno Rotas comerciais
ABSTRACT
Our work aims to analyze aspects of the trade in goods that were developed during the years
from 1759 to 1780 between the captaincies of Bahia and Pernambuco Our chronological
boundary begins in 1759 when the General Company of Pernambuco and Paraiacuteba was
installed holding the monopoly of the regionrsquos markets The company created in the second
half of the XVIII century was to attend to a new administrative order connected to more
pragmatic issues of governance sought to be established in Portugal which by its turn
aimed at a greater centralization of the royal power as well as a greater economic dominance
over the conquests and Colonies The monopoly developed by the Company for a little more
than twenty years changed a whole commercial logic which was already well established in
Pernambuco Our focus of analysis starts with the identification that since the creation of the
General Company the commercial sites would seek strategies to evade royal domain One of
these means of escape were the contraband of goods carried out mainly through the
hinterlands paths that linked Pernambuco and Bahia as well as through the direct navigation
via the marine coast shared by neighboring captaincies We will then proceed with an
analysis of the routes products cases and repressive measures employed in this type of trade
Before the creation of the Company commercial transactions between the two markets
already existed and were well established However since the creation of the company its
traded ends up gaining more expressiveness
Keywords Contraband Domestic trade Commercial routes
LISTA DE MAPAS
Mapa 1- Caminhos do Gado para Olinda e Recife 46
Mapa 2- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738) 47
Mapa 3- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738) 48
Mapa 4- Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 57
Mapa 5- Detalhe do roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 66
Mapa 6- Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766) 67
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau
Amarelo) 76
Tabela 2- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia
(Sirinhaeacutem) 77
Tabela 3- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una) 80
Tabela 4- Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas 84
Tabela 5- Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos
portos do Brasil 85
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AHU ndash Arquivo Histoacuterico Ultramarino
ANTT ndash Arquivo Nacional da Torre do Tombo
IEB-USP ndash Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros
Cx ndash Caixa
D ndash Documento
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO12
2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO32
21 Contexto e conceitos32
22 Os caminhos43
3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE
PRODUTOS75
31 As mercadorias75
32 Os casos86
33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas127
4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA131
41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas131
42ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de
autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos144
43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70153
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS164
REFEREcircNCIAS167
APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS174
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
Em fins do seacuteculo XVII e iniacutecio do XVIII iraacute ocorrer em vaacuterias partes da Europa um
processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real Em Portugal esse movimento tem iniacutecio a
partir do reinado de D Joatildeo V naquele momento as consultas colegiais marca do governo
polissinodal iratildeo ceder espaccedilo para uma nova forma de organizaccedilatildeo baseada na centralidade
das decisotildees Dessa forma figuras que orbitavam ao redor do rei ganham notoriedade poliacutetica
e poder de influecircncia em assuntos decisoacuterios em detrimento dos conselhos Este periacuteodo de
mudanccedilas seraacute entendido como um encaminhamento lento e gradual de abandono de um
modelo de Estado corporativo para uma forma distinta de se conceber a poliacutetica a partir do
vieacutes da ldquorazatildeo de Estadordquo 1
De acordo com Subtil o governo de D Joatildeo V pode ser encarado como um reinado de
transiccedilatildeo2 a grande transformaccedilatildeo do sistema poliacutetico portuguecircs iraacute se operar apenas na
segunda metade do seacuteculo a partir da nomeaccedilatildeo de Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Melo ndash
Conde de Oeiras o futuro marquecircs de pombal para o cargo de primeiro ministro do reino
durante o reinado de D Joseacute I O terremoto seguido dos incecircndios e da grande onda que
assolaram a capital lisboeta no ano de 1755 tiveram impacto sob a organizaccedilatildeo poliacutetica e
administrativa do reino tornando necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que assegurassem o
exerciacutecio da governaccedilatildeo real dentro de um quadro de caos3
Sob a influecircncia do iluminismo que se disseminava por toda a Europa o Estado
portuguecircs iraacute desenvolver um conjunto de reformas poliacuteticas e fiscais que buscavam combater
o atraso econocircmico do reino que passava por uma queda na produccedilatildeo do ouro brasileiro4middot
Dentro desse contexto foram postas em accedilatildeo poliacuteticas com o intuito de revitalizar o comeacutercio
portuguecircs Na capitania de Pernambuco importante polo econocircmico da conquista essas accedilotildees
seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois organismos reguladores da economia local
a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio criado no ano de 1752 e a Companhia
Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759
1 BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da
monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima
(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro
Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 353-334 2 SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa EDIUAL2007 p 17-21
3 Ibidem P 11-14
4 BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia das letras 2002 P
195
13
A ideia da criaccedilatildeo de companhias privilegiadas de comeacutercio que poderiam dar aliacutevio
as despesas do Estado servindo para ampliar os negoacutecios da Coroa por meio de uma poliacutetica
de maior arrecadaccedilatildeo fiscal 5 figurava nas ambiccedilotildees de Pombal muito antes do secretaacuterio
ganhar relevacircncia poliacutetica Em seu primeiro cargo como enviado extraordinaacuterio da Corte
portuguesa na Inglaterra Sebastiatildeo de Carvalho enviou em 1742 para o Cardeal Mota
proposta de criaccedilatildeo de uma Companhia Oriental para o comeacutercio da Iacutendia que teria por
objetivo ldquotirar proveito das possessotildees portuguesas da Iacutendia que tanto custavam manterrdquo 6
De acordo com o historiador Kenneth Maxwell o marquecircs buscou resgatar o ldquocontrole
nacional sobre todas as riquezas que fluiacuteam para Lisboardquo 7 se utilizando de foacutermulas que havia
tomado conhecimento sobretudo na Gratilde-Bretanha e na Aacuteustria Natildeo eacute de se espantar
portanto que tempos depois Pombal tenha posto em praacutetica no Brasil tal ideia durante o
governo de D Joseacute I quando o mesmo passou a exercer o papel de secretaacuterio de Estado e
negoacutecios do Reino
Dentre as companhias comerciais criadas pelo marquecircs ao longo desse periacuteodo
destacam-se A Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo no ano de 1755 a Companhia da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro em 1756 A Companhia Geral de Pernambuco e
Paraiacuteba no ano de 1759 e por fim a Companhia das Pescas Reais do Reino do Algarve em
1773 Estas Companhias compartilhavam entre si princiacutepios gerais similares em termos
juriacutedicos e administrativos apesar de cada uma delas conter suas peculiaridades
Vale destacar ainda que aleacutem das Companhias que de fato saiacuteram do papel existiram
vaacuterios outros planos de constituiccedilatildeo de empresas privilegiadas que por um ou outro motivo
natildeo caminharam pra frente Para Pernambuco desde o governo de D Joatildeo V existiam
pretensotildees de se fundar uma Companhia que atuasse exclusivamente no trato negreiro 8 Esta
empresa seria controlada pelos mercadores da terra deixando pouco espaccedilo para atuaccedilatildeo dos
homens de negoacutecio do Reino e tambeacutem dos comerciantes baianos natildeo existia a intenccedilatildeo de
integrar os homens de negoacutecio baianos a tal corporaccedilatildeo O projeto da Companhia tinha como
5JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de Pernambuco
e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 74 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo
da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e
sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-
camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013 P 1 6MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas de Joseacute Barreto
Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII 7 MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz e Terra 1996 P
95 8 JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 77
14
objetivo aumentar o comeacutercio que jaacute se praticava com as aacutereas africanas de Angola Benguela
Cabinda e Ajudaacute favorecendo dessa forma o aumento da entrada de escravos na capitania 9
Em conjunto a esta proposta os comerciantes de Pernambucano lanccedilaram outra ao
Reino a da criaccedilatildeo de uma Companhia destinada a explorar o comeacutercio de carnes secas e
couros do sertatildeo ou seja uma companhia voltada para o comeacutercio interno com finalidade de
aumentar a produccedilatildeo colonial Os colonos sabiam da boa disposiccedilatildeo do Reino na criaccedilatildeo de
companhias quando encaminham suas propostas o que lhes eacute omitido eacute que Pombal jaacute
pensara a criaccedilatildeo de uma companhia para a regiatildeo no entanto tratava-se de uma companhia
que privilegiasse os comerciantes reinoacuteis e natildeo o contraacuterio como pretendiam os comerciantes
de Pernambuco Motivo pelo qual nenhuma das duas propostas vingou 10
De acordo com Fernando Novais eacute durante o consulado pombalino que iraacute se
estruturar de maneira mais abrangente a economia mercantilista de Portugal A essecircncia
econocircmica por traacutes da criaccedilatildeo das Companhias exclusivistas baseava-se em uma foacutermula jaacute
bem conhecida na Europa moderna onde o Reino concedia privileacutegios ao capital particular
para que esse investisse e sustentasse o sistema de comeacutercio e navegaccedilatildeo dos complexos
imperiais ultramarinos restando claro uma parte dos lucros para a fazenda de Sua Majestade
11
Junto a esse processo de mudanccedilas econocircmicas inicia-se tambeacutem um periacuteodo de maior
preocupaccedilatildeo com a defesa do territoacuterio a partir da criaccedilatildeo de ldquolinhas de definiccedilatildeo territorial e
preservaccedilatildeo das fronteirasrdquo 12
Essa poliacutetica esteve relacionada tambeacutem com a tentativa do
Reino de minimizar a atuaccedilatildeo de mercadores estrangeiros nos mercados do conjunto imperial
portuguecircs A fundaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba aleacutem de atender a
loacutegica econocircmica do periacuteodo esteve ligada a necessidade de se coibir o comeacutercio da capitania
Pernambucana com os portos africanos da Costa da Mina O comeacutercio de resgate de escravos
na Costa da Mina constituiacutea-se em uma importante e lucrativa rota para os comerciantes de
Pernambuco e Bahia que dominavam e disputavam este setor mercantil para aquela regiatildeo
deixando pouca ou nenhuma brecha para a inserccedilatildeo da Coroa 13
9 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso
internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 7 10
Ibdem p 8 JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 80 11
NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo
Hucitec 1995 P 136 12
Idem 13
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre
Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 P35
15
Esta situaccedilatildeo eacute evidenciada atraveacutes de instruccedilatildeo enviada para o Marquecircs de Valenccedila
pelo secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro em 1779 Ela
esclarece sobre os ldquograviacutessimos inconvenientes ao Reinordquo 14
de abandonar inteiramente o
comeacutercio da ldquoCosta da Mina nas matildeos dos Americanosrdquo 15
e em particular ldquoaos habitantes da
Bahia e Pernambucordquo 16
que segundo a fonte navegavam com ampla liberdade comercial em
todos ldquoos portos daquele continenterdquo 17
Os comerciantes do Reino inclusive careciam de
ldquoprivileacutegios graccedilas ou isenccedilotildees para que na concorrecircncia com os Americanos na Aacutefricardquo 18
pudessem ter os lusos como se espera que a capital e seus habitantes tivessem a preferecircncia
nas transaccedilotildees em relaccedilatildeo a suas colocircnias19
A instruccedilatildeo demonstra o pouco controle do Reino sobre os negoacutecios entre Brasil e
Costa da Mina principalmente porque desde 1637 os holandeses aleacutem de outras aacutereas no
continente africano controladas por Portugal dominavam o Castelo de Satildeo Jorge da Mina
Um dos maiores problemas deste comeacutercio eram os produtos levados do Brasil e que se
empregavam nas compras de escravos daquela regiatildeo ouro e tabaco Na tentativa de superar
essa barreira e exercer maior controle sobre a regiatildeo o governo portuguecircs passou a promulgar
uma seacuterie de leis alvaraacutes e regimentos tentando coibir este comeacutercio tatildeo prejudicial ao Eraacuterio
Reacutegio 20
No entanto todas as medidas empreendidas natildeo se mostraram suficientes para conter o
grande e generalizado contrabando praticado na regiatildeo Excluiacutedos do processo e frustrados em
suas tentativas de coibiccedilatildeo da traficacircncia os portugueses buscaram novas formas de controle
que tinham como principal objetivo o redirecionamento do comeacutercio humano para os portos
de Angola que por ser tratar de uma conquista portuguesa contava com um maior nuacutemero de
funcionaacuterios e aparato fiscalizador 21
Nesse cenaacuterio eacute pensada a criaccedilatildeo de uma Companhia privilegiada para operar em
Pernambuco atuando de acordo com as prerrogativas reais o comeacutercio de escravos praticado
14
Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo General da
Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V XXXII1910 p 442 15
Idem 16
Idem 17
Idem 18
Idem 19
Idem 20
SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da Mina e a Capitania de
Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Histoacuteria Setor de Ciecircncias Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute 21
Ibidem P 86
16
por ela deveria priorizar as rotas com a Aacutefrica Centro-Ocidental 22
dessa forma acreditavam
as autoridades que metade do problema do contrabando estaria resolvido restando ainda
resolver a questatildeo na capitania baiana O capital inicial previsto para a empresa era de
3400000 cruzados e as accedilotildees poderiam ser pagas com dinheiro gecircneros ou navios
Diante das dificuldades encontradas para compor o capital da empresa que ateacute o ano
de 1774 contava com acionistas que ainda natildeo tinham integralizado o valor total de suas
accedilotildees a Coroa recorreu em auxiacutelio concedendo-lhe empreacutestimos a juros de 4 ao ano 23
A
Companhia foi fundada oficialmente atraveacutes de alvaraacute reacutegio do ano de 1759 mas a primeira
frota soacute sairia um ano mais tarde Com o objetivo de fazer prosperar a agricultura da regiatildeo de
Pernambuco fornecendo um suprimento regular de matildeo-de-obra escrava bem como atuando
na compra e exportaccedilatildeo dos produtos coloniais e transportando atraveacutes de frotas regulares as
mercadorias do Reino para a regiatildeo 24
O monopoacutelio sobre a compra e venda de produtos nas capitanias de Pernambuco e
Paraiacuteba e todos seus distritos teriam a duraccedilatildeo de vinte anos podendo apoacutes esse prazo ser
estendido por um periacuteodo de dez anos Os produtos transportados de laacute praacute caacute foram os
manufaturados envolvendo ferramentas variados tipos de utensiacutelios gecircneros alimentiacutecios
medicamentos e escravos De caacute praacute laacute accediluacutecar cacau madeiras algodatildeo corantes tabaco
couro e atanados e variadas especiarias As trocas se davam em Bissau Cacheacuteu Cabo Verde
Costa da Mina Angola Madeira Accedilores e alguns portos da Iacutendia e da Aacutesia 25
Quanto a sua gestatildeo a empresa era composta por uma junta administrativa sediada em
Lisboa e formada por provedor 10 deputados um secretaacuterio e trecircs conselheiros Possuiacutea duas
sedes subalternas uma em Pernambuco e outra na cidade do Porto contavam na direccedilatildeo cada
uma com um intendente e seis deputados Aleacutem das duas diretorias e da sede a Companhia
possuiacutea ainda administraccedilatildeo ou procuradoresrepresentantes na Paraiacuteba Rio de Janeiro Bahia
Fayal e Satildeo Miguel 26
22
A Companhia tambeacutem operou na rota PernambucoCosta Da Mina no entanto o maior fluxo da atividade
negreira durante o periacuteodo da sua operaccedilatildeo esteve direcionada para os portos Angolanos O comeacutercio com a
Costa da Mina natildeo chegou a desaparecer mas perdeu significativa relevacircncia neste periacuteodo Sobre isto ver
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de Op Cit 23
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 92 -93 24
DIAS Eacuterika Op Cit p 17 25
Idem 26
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro P 83-86
17
Como podemos observar o engajamento de Portugal com as Companhias privilegiadas
se daraacute de forma efetiva a partir do governo de D Joseacute I e da administraccedilatildeo pombalina 27
Estas empresas foram pensadas e criadas para atuarem junto a uma seacuterie de outras medidas
racionalizadoras da economia portuguesa Apesar das circunstacircncias peculiares que levaram a
criaccedilatildeo de cada uma das Companhias em todos os casos ela esteve relacionada com a
necessidade de regulaccedilatildeo do comeacutercio seja para inibir a atuaccedilatildeo do contrabando a
participaccedilatildeo de comerciantes estrangeiros ou simplesmente a fim de canalizar de maneira
mais eficaz os lucros do comeacutercio colonial para a metroacutepole
Para natildeo nos restringirmos apenas a exemplos da Ameacuterica Portuguesa e a tiacutetulo de
comparaccedilatildeo bibliograacutefica faremos um paralelo com a Companhia Guipuzcoana de Caracas
Os caminhos que levaram a criaccedilatildeo da Companhia Venezuela satildeo bastante similares ao caso
portuguecircs A Espanha assim como Portugal demorou a se lanccedilar no empreendimento das
Companhias privilegiadas apesar do Reino jaacute ter tomado ciecircncia que o sistema de frotas
adotado ateacute o XVII era incapaz de assegurar a hegemonia da Coroa sobre suas colocircnias e de
jaacute haver planos para constituiccedilatildeo de sociedades exclusivistas estas soacute tomaram corpo no
XVIII 28
Sofria entatildeo os domiacutenios ultramarinos com o comeacutercio de contrabando praticado por
diversos paiacuteses sobretudo por ingleses franceses e holandeses A guerra de sucessatildeo ao trono
espanhol acabou por maximizar a penetraccedilatildeo de naccedilotildees estrangeiras nos mercados espanhoacuteis
da Ameacuterica os franceses chegaram mesmo a monopolizar o comeacutercio de abastecimento em
algumas regiotildees Esse processo foi possiacutevel devido ao isolamento em que se encontrava a
metroacutepole de suas colocircnias dado o estado de guerra na Europa 29
Outra medida que iraacute refletir negativamente na economia reinol seraacute a praacutetica do
comeacutercio direto entre as colocircnias espanholas isto porque durante os longos periacuteodos em que
27
Apesar do Reino de ter criado outras Companhias ao longo do seacuteculo XVII estas natildeo obtiveram resultados
expressivos economicamente Esse tipo de estrutura bem como a adesatildeo definitiva de Portugal as Companhias
privilegiadas soacute iraacute se estabelecer no seacuteculo XVIII a partir do reinado de D Joseacute I junto a um grande esforccedilo
Portuguecircs para recuperaccedilatildeo da sua economia Vale salientar que neste momento outras naccedilotildees europeias jaacute
buscavam novas formas de dinamizar seus negoacutecios e findavam a atuaccedilatildeo de boa parte de suas Companhias
exclusivistas Na Inglaterra a revoluccedilatildeo industrial comeccedilava a dar seus primeiros passos o regime de
exclusivismo jaacute natildeo atendia mais as necessidades daquele tipo de economia que agora necessitava de novos
mercados consumidores Essa divergecircncia de tendecircncias econocircmicas iraacute gerar uma seacuterie de conflitos entre os
Estados europeus ao longo do XVIII Sobre isto ver NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do
antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo Hucitec 1995 28
Sobre isto ver MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la
defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los
reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones
Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P 9-52 2006 29
Idem
18
o Reino esteve envolto nas disputas beacutelicas europeias os colonos agindo por conta proacutepria
afastados da tutela da Coroa desenvolveram redes comerciais internas deixando a Espanha
fora dessas negociaccedilotildees De acordo com os dados trabalhados pelo historiador Ricardo
Cierbide Martinera ldquoentre 1706 y 1724 no salioacute para Venezuela barco algunordquo 30
vindo do
Reino
Com a ascensatildeo de Felipe V ao trono o Reino espanhol se encaminhou para um
processo de mudanccedilas que levou a uma maior centralizaccedilatildeo do poder real e uma maior
racionalizaccedilatildeo do estado e das financcedilas incluindo a ampliaccedilatildeo do domiacutenio econocircmico sobre
suas conquistas no Atlacircntico Sul Devido agrave debilidade de controle sobre o comeacutercio
americano a ideia de criaccedilatildeo de Companhias privilegiadas inspiradas nos modelos praticados
em Franccedila e Inglaterra surge como alternativa possiacutevel para retomada do poder sobre
determinadas aacutereas
Uma das grandes preocupaccedilotildees da Coroa dizia respeito ao vultoso contrabando
praticado em seus domiacutenios A escolha pela Venezuela se deu pelo fato da colocircnia jaacute ter uma
consideraacutevel experiecircncia no cultivo e comeacutercio do cacau o fruto como explicita o historiador
Carlor Manrique era um importante produto de consumo dos mercados europeus e a regiatildeo
de Caracas jaacute havia ganhado fama pelo seu insumo de boa qualidade Dessa forma ldquolos
monarcas espantildeoles teniacutean muy presente la necesidad de volver a ejercer control sobre esta
proviacutenciardquo 31
usufruindo dos lucros de tal setor
Nasce assim em 1728 a Companhia de Comeacutercio de Caracas conhecida tambeacutem como
Companhia Guipuzcoana de Caracas Entre seus principais objetivos estavam o de suprir a
demanda metropolitana de cacau produto no qual a Companhia exerceria monopoacutelio e
defender as costas da regiatildeo dos contrabandos e da presenccedila militar de outras naccedilotildees
europeias Aleacutem disso a empresa tambeacutem incentivava o cultivo de novas plantaccedilotildees a
criaccedilatildeo de gados o cultivo do tabaco de plantas tintoras entre outras coisas 32
Com a criaccedilatildeo da Companhia a proviacutencia se torna a mais rentaacutevel para a Coroa
ademais o problema com o contrabando diminuiu consideravelmente O ecircxito da empresa
animou tanto o Reino que fez com que este posteriormente fundasse outras companhias para
atuar em diferentes aacutereas de seu Impeacuterio Ultramarino Mas a empresa natildeo agradou a todos A
30
CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en Venezuela durante el
siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997 P 66 31
MANRIQUE Carlos Alberto MurgueitioOp Cit P 13 32
CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit P 70
19
monopolizaccedilatildeo do comeacutercio de cacau iraacute causar grande descontentamento nas populaccedilotildees
locais que jaacute estavam bem habituadas a praacutetica do livre comeacutercio 33
A supressatildeo do livre comeacutercio a partir da fundaccedilatildeo de Companhias exclusivistas de
maneira geral ocasionaraacute uma seacuterie de criacuteticas por parte das povoaccedilotildees locais no caso das
Companhias Pombalinas natildeo seraacute diferente As queixas representaccedilotildees e insurreiccedilotildees foram
uma maacutexima comum nas empresas monopolistas portuguesas deste periacuteodo os protestos
grosso modo questionavam tanto o exclusivo comercial praticado pelas empresas como a maacute
atuaccedilatildeo das administraccedilotildees locais como veremos adiante
Durante a atuaccedilatildeo da Companhia Venezuelana os motins e revoltas foram frequentes
Isto porque o modelo protecionista adotado pela Companhia acabou por beneficiar o mercado
metropolitano em detrimento do colonial que perdeu focirclego As baixas no preccedilo do cacau e
de outras mercadorias base da economia local aleacutem da forma como a Companhia conduzia
seus negoacutecios pagando aos fornecedores locais em produtos ndash relatados pelos locais como de
maacute qualidade - e natildeo em dinheiro acabaraacute por levar a ruiacutena muitos produtores 34
A situaccedilatildeo
para os comerciantes da Praccedila tambeacutem natildeo era muito satisfatoacuteria estes amargaram muitos
prejuiacutezos com a praacutetica monopolista
Em 1751 tem iniacutecio uma grande insurreiccedilatildeo popular lidera por Juan Francisco de
Leoacuten que convoca o povo a declarar guerra contra a Companhia O movimento que comeccedila
como um ato de contestaccedilatildeo contra o monopoacutelio da empresa acaba ganhando forccedila e se
transforma em um ato de insurreiccedilatildeo contra o poder metropolitano A pauta dos revoltosos
girava em torno da ldquoescasez constante de artiacuteculos como ropas frutos y efectos de Espantildea el
elevado precio de las mercanciacuteas la extraccioacuten sectorizada de ciertos productos como el
cacao y el tabaco y el rechazo frente a otros como el corambre ()rdquo 35
Durante o motim os
insurretos contaram com a ajuda da Holanda que interessada em reestabelecer antigas
relaccedilotildees comerciais forneceu armamentos e municcedilotildees em troca de cacau
A revolta seraacute suprimida no ano seguinte 1752 no entanto seus efeitos tiveram
impacto sob a Companhia que paulatinamente foi perdendo privileacutegios e benesses
anteriormente concedidas pela Monarquia Espanhola Devido agrave guerra que se desenrolava
entre as naccedilotildees europeias naquele momento a Coroa opta por natildeo entrar em conflito direto
33
Ver CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit 34
MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la defensa del comercio
Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V
Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad
Catoacutelica Andreacutes Bello P 19 35
Ibidem P 20
20
com suas colocircnias De acordo com Carlos Manrique a insurreiccedilatildeo colocou em cheque os
poderes absolutos do monarca ldquoAl no defender a la Compantildeiacutea y al dejar avanzar los reclamos
de los colonos cimentaba las bases del colapso de su iniciativa centralizadora dejando a
merced del contrabando al mercado venezolanordquo 36
Devido a uma seacuterie de mudanccedilas ocorridas na Europa apoacutes a Guerra dos Sete Anos e a
conquista da independecircncia das antigas colocircnias inglesas na Ameacuterica o Reino Espanhol com
a ascensatildeo de Carlos III tomou novas direccedilotildees poliacutetico-administrativas A estrateacutegia mudara a
poliacutetica protecionista jaacute natildeo se adequava ao novo contexto econocircmico europeu que
apresentava naquele momento uma Inglaterra fragilizada A Espanha sabiamente se aproveita
dessa brecha para criar laccedilos comerciais com as antigas colocircnias britacircnicas e fortalecer seu
Impeacuterio Assim em 1778 Carlos III expede o decreto de livre comeacutercio extensivo as colocircnias
do Ultramar Algum tempo depois em 1781 a Companhia Guipuzcoana encerra
definitivamente suas atividades 37
Os casos das Companhias atuantes na Ameacuterica portuguesa seguem contornos bem
similares aos da Ameacuterica Hispacircnica A criaccedilatildeo da Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo que
teve sua fundaccedilatildeo associada agrave tentativa da Coroa de otimizar a administraccedilatildeo e comeacutercio da
regiatildeo mais ao Norte da Ameacuterica 38
por exemplo iraacute motivar uma seacuterie de protestos no
Reino Estes protestos foram encabeccedilados pelos deputados da Mesa do Espiacuterito Santo dos
Homens de Negoacutecios de Lisboa que questionavam a nocividade da concessatildeo do monopoacutelio
por uma escala de tempo tatildeo grandiosa ndash vinte anos - a reaccedilatildeo de Pombal seraacute agressiva 39
A
crise iniciada pelos principais homens de negoacutecio de Lisboa foi encarada pelo Marquecircs como
um crime de lesa majestade e seus autores sofreram puniccedilotildees severas 40
No Caso da Companhia de vinhas do Alto Douro empresa criada em um momento de
crise enfrentada pelo setor e que tinha como principal objetivo atender ao desejo do Reino de
retirar tal ramo comercial das matildeos dos mercadores ingleses que ateacute entatildeo dominavam aquele
setor deixando pouca brecha para inserccedilatildeo dos comerciantes portugueses 41
as manifestaccedilatildeo
36
Ibidem P 21 37
Ibidem P 26-28 38
Sobre isto ver CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e
Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 39
Ibidem P 37 40
Boa parte dos envolvidos foi desterrada para domiacutenios ultramarinos do Reino por tempos distintos de acordo
com a sua parcela de participaccedilatildeo no evento 41
Sobre isto consultar CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do
Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 SOUSA Fernando de O Marquecircs
de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757)
21
contraacuterias ao empreendimento comeccedilaram antes mesmo de sua fundaccedilatildeo Ainda no ano de
1756 comerciantes ingleses e seus representantes buscaram sabotar de diversas formas a
criaccedilatildeo da Companhia Esses grandes homens de negoacutecio com seu poder de influecircncia
conseguiram angariar outros comerciantes e produtores para sua causa sendo assim em
agosto de 1756 eram apenas 14 o nuacutemero de comerciantes e lavradores interessados no
projeto Pombalino 42
Aleacutem dos jaacute citados outros profissionais que atuavam no setor se sentiram lesados
com a formaccedilatildeo da Companhia e tomaram parte nos motins contraacuterios a instituiccedilatildeo da
sociedade mercantil 43
Cabe ressaltar que ateacute mesmo parte da populaccedilatildeo endossou o corpo
dos motins uma vez que a empresa cessaria com a liberdade com que se praticava a escolha e
compra de vinhos para consumo pessoal Todo esse descontentamento iraacute levar aos famosos
motins do Porto no ano de 1757 44
Nesta situaccedilatildeo age tambeacutem Pombal com violecircncia poucos dias depois da revolta eacute
aberta uma devassa para investigar os culpados A cidade eacute tomada por tropas recaindo sobre
os habitantes locais o peso de sua sustentaccedilatildeo O cargo de procurador do povo eacute extinto e os
vereadores da Cacircmara satildeo retirados de seus postos o futuro marquecircs jaacute natildeo confiava nestes
homens As penas entre os considerados culpados cerca de 460 indiviacuteduos variaram entre
pena capital degredo accediloite galeacutes confiscaccedilatildeo de bens penas pecuniaacuterias e palmatoadas 45
A Companhia das Pescas Reais criada devido agrave intenccedilatildeo da Coroa em ampliar as
atividades baleeiras no litoral da Ameacuterica Portuguesa natildeo contou com nenhum movimento
local de contestaccedilatildeo de seu monopoacutelio durante sua gecircnese no entanto Marcelo Paz
demonstra que foram duas as ondas reivindicatoacuterias a questionar a forma de atuaccedilatildeo da
empresa ao longo de seu periacuteodo de atuaccedilatildeo 46
A primeira onda contraacuteria seraacute encabeccedilada por
dois mercadores que apesar de advogarem pela mesma causa agiram de forma isolada a
saber Domingos Lopes Loureiro e Tomeacute de Castro Correia de Saacute que iratildeo contraditar a
Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 SOUSA Fernando de A Companhia Geral da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1978) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 10 p 9-58 2003 42
SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura
das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 P 46 43
Entre eles tanoeiros taberneiros e marinheiros jaacute que a partir da formaccedilatildeo da empresa estes trabalhadores de
alguma forma tiveram sua liberdade de atuaccedilatildeo profissional cerceada 44
Sobre isto ver CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do Porto
de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 45
Ibidem P 18 46
PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil (1765-1801) a caccedila
ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias
Sociais Universidade de Lisboa Lisboa
22
legalidade do monopoacutelio 47
Pretendiam os dois comerciantes arrematar o contrato para o
complexo baleeiro meridional 48
Um segundo movimento iraacute se iniciar por volta de 1790 este sim teve poder de
influenciar a decisatildeo reacutegia que aboliu o monopoacutelio da Companhia Diferentemente da
primeira onda os liacutederes dessas queixas passam a contestar os procedimentos da praacutetica
comercial adotada no litoral do Brasil questionando sua eficaacutecia e sustentabilidade Um dos
liacutederes chega inclusive a redigir documento analisando profundamente a atividade baleeira
apontando as falhas na produccedilatildeo e a inviabilidade da praacutetica por um periacuteodo alongado de
tempo 49
Em Pernambuco os eventos natildeo foram distintos das demais estabelecer a Companhia
Geral natildeo foi tarefa faacutecil o governador Luiacutes Diogo da Silva empregaraacute inuacutemeros esforccedilos na
tentativa de convencer a elite colonial pernambucana a se tornar acionista na empreitada em
ofiacutecio do ano de 1761 o governador afirma que ldquonatildeo haacute motivos por mais fortes nem
evidecircncias de maior demonstraccedilatildeo que possam convencecirc-los a apostarem da sua vida os
poucos cabedais que logramrdquo 50
Deixando clara a resistecircncia em aderir ao projeto seja por
parte dos homens de negoacutecio ou pela nobreza da terra
O governador dizia ainda que o motivo pelo qual os grandes da capitania se
mostravam contraacuterios a ideia de integrar os quadros da Companhia se dava por ela ldquotecirc-los
separados dos antigos interesses que estavam habituados a fazer na forma e regularidade que
lhes pareciardquo 51
Ou seja apontava o descontentamento dos negociantes e produtores com a
supressatildeo da liberdade de comeacutercio que jaacute estava bem estabelecido naquela regiatildeo
Desde sua instalaccedilatildeo a sociedade seraacute alvo de queixas por parte da populaccedilatildeo muitas
seratildeo as representaccedilotildees e denuacutencias encaminhadas ao rei sobre sua maacute administraccedilatildeo e o
estado de decadecircncia em que se achava a Capitania de Pernambuco Natildeo raro as queixas
continham apelos que suplicavam a sua extinccedilatildeo Segundo Pereira da Costa
Queixas amargas representaccedilotildees constantes foram dirigidas ao governo da
metroacutepole pelos agricultores e comerciantes contra tatildeo odioso monopoacutelio
47
PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 206-215 48
Uniatildeo das armaccedilotildees Paulistas Catarinense e Fluminenses 49
PAZ Marcelo de Oliveira P 240- 249 50
AHU ndash PE Cx 94 D 7481 Recife 4 de fevereiro de 1761 51
Idem
23
tendente a aniquilar essas duas fontes produtoras da colocircnia e cujos danos
vinham muito diretamente recair em prejuiacutezo do povo 52
A oposiccedilatildeo instalada ao monopoacutelio seraacute liderada pelos senhores de engenho e
produtores Mesa de Inspeccedilatildeo do tabaco e do accediluacutecar governadores da capitania em especial
Joseacute Cesar de Menezes algumas cacircmaras ultramarinas53
e uns poucos homens de negoacutecio que
natildeo se tornaram acionistas da empresa O ano de 1770 seraacute marcado como a primeira grande
crise pela qual passaraacute a Companhia Para aleacutem dos conflitos de interesses o Estado
portuguecircs passava por uma forte refraccedilatildeo econocircmica medida pela acentuada queda de seus
rendimentos Diante dessa situaccedilatildeo o governo portuguecircs passou a empregar maior cuidado na
organizaccedilatildeo de suas alfacircndegas e proceder ao aumento de impostos 54
A segunda grave crise acontece sete ano apoacutes a primeira o impacto da crise de 70 natildeo
iraacute se dissipar tatildeo facilmente a morte do rei D Joseacute I e o afastamento do marquecircs de Pombal
do cargo de secretaacuterio do reino no ano de 1777 faratildeo ressurgir uma nova onda de queixas e
representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma 55
A Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e
Paraiacuteba seraacute extinta durante a vigecircncia do governo de Joseacute Ceacutesar de Meneses grande
denunciador de sua ingerecircncia A empresa que era objeto de desarmonia entre a Coroa e os
habitantes locais natildeo obteve os lucros planejados pelo Reino
Outros elementos perturbadores da poliacutetica monopolista exercida pelas Companhias
privilegiadas seratildeo o contrabando descaminhos e contravenccedilotildees praacuteticas recorrentes na
histoacuteria da colonizaccedilatildeo do Novo Mundo realizada por diversas naccedilotildees durante todo o periacuteodo
colonial Reservando as particularidades das empresas aqui abordadas a atividade do
contrabando se faraacute sentir em maior ou menor grau no cotidiano de tais sociedades
mercantis
No caso venezuelano os comerciantes e produtores enxergavam a empresa como uma
verdadeira barreira na praacutetica tanto dos negoacutecios legais quanto no contrabando que jaacute
estavam acostumados a praticar com as naccedilotildees estrangeiras Aleacutem disso estes mesmos
52
COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do Interior e Justiccedila 1951-
1966 v 6 P 185 53
Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos
procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU
ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009 54
JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 171 55
Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos
procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU
ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009
24
personagens queixavam-se que a Companhia havia desregulado o mercado do cacau
provocando segundo os mesmos ldquoel descenso en los precios del producto de manera constante
contribuyendo a la peacuterdida de patrimonios criollos y al debilitamiento de sus enviacuteos al
exteriorrdquo 56
Como forma de deter o contrabando generalizado na regiatildeo uma das prerrogativas da
empresa era atuar no seu combate para isso possuiacutea embarcaccedilotildees de corso proacuteprias Quando
da captura de naus estrangeiras a tripulaccedilatildeo era recompensada com parte do espoacutelio
arrecadado com a venda das mercadorias apreendidas medida que iraacute estimular a ldquocaccedilardquo ao
contrabando nos mares caribenhos Segundo as fontes exploradas por Ricardo Martinena
entre 1759 a 1763 a Companhia apreendeu 43 embarcaccedilotildees estrangeiras 57
um nuacutemero
bastante expressivo para um periacuteodo de apenas quatro anos
De acordo com Carreira a Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo sofria com os
contrabandos praticados por nacionais estrangeiros e ainda pelos agentes da proacutepria
Companhia Esse tipo de praacutetica vai ser mais bem estudada pelo autor nas feitorias africanas
de Cacheu e Cabo Verde onde a empresa deveria atuar com exclusividade No entanto as
condiccedilotildees das fortalezas daqueles portos eram lastimaacuteveis e ldquonem serviam para defender os
portos das investidas dos navios estrangeiros nem de nenhum modo intimidavam as
populaccedilotildees negrasrdquo 58
Assim sendo a invasatildeo de navios estrangeiros era rotineira
prejudicando o comeacutercio das embarcaccedilotildees reais
Na Companhia das Vinhas do Alto Douro as contravenccedilotildees tambeacutem foram
recorrentes Entre os anos de 1772 a 1774 instaurou-se na regiatildeo uma grande devassa que
tinha por objetivo combater e expor os culpados de vaacuterias transgressotildees que vinham
ocorrendo sob a aacuterea de atuaccedilatildeo da empresa Apesar da numerosa legislaccedilatildeo que buscava
evitar os diversos tipos de fraudes existentes naquele ramo comercial estas persistiram
principalmente a introduccedilatildeo ilegal de vinhos de ramo 59
na zona demarcada 60
Outra fraude
bastante comum era a mistura de vinhos de menor qualidade aos vinhos destinados a
56
MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit P 16 57
AIZPURUA Ramoacuten Aguirre ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la lancha San Fernando y
de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5
Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San Sebastiaacuten p 379-392 2006 P 382 58
CARREIRA Antonio Op Cit P 79 59
O vinho de ramo era um vinho de menor qualidade que deveria ser vendido apenas para o mercado interno 60
Com o estabelecimento da Companhia a regiatildeo Duriense passou a ser a primeira do mundo a ter uma
demarcaccedilatildeo proacutepria que estabelecia quais terras eram adequadas para produccedilatildeo de cada qualidade de vinho
25
exportaccedilatildeo ou ainda o acreacutescimo da baga do sabugueiro ao vinho para que ele adquirisse a
coloraccedilatildeo desejada 61
Neste caso tambeacutem apura a devassa que os proacuteprios agentes da Companhia estavam
envolvidos nas contravenccedilotildees incluindo homens que ocupavam altos postos dentro da
empresa como o de provedor e deputados De acordo com o historiador Fernando Sousa
ldquonumerosos oficiais daquela instituiccedilatildeo praticavam com o maior escacircndalo a introduccedilatildeo e
mistura do vinho de ramo com o vinho fino e legal nas suas proacuteprias adegasrdquo 62
Ainda
segundo o autor mesmo apoacutes a devassa este tipo de praacutetica foi um problema recorrente no dia
a dia da empresa
Na Companhia das Pescas Reais pode-se tambeacutem averiguar o envolvimento de seus
agentes em redes de contrabando ningueacutem menos que o administrador geral da empresa o
homem de negoacutecio portuguecircs Joatildeo Marcos Vieira era o principal suspeito de uma devassa
instaurada no ano de 1794 que tinha por objetivo investigar o crime de contrabando de
escravos para a regiatildeo de Montevideacuteu Apesar do contrabando neste caso natildeo estaacute
diretamente relacionado agraves mercadorias que estavam sob o monopoacutelio da empresa acredita-se
que Joatildeo Marcos Vieira estava envolvido haacute anos numa rede de contrabando com a regiatildeo do
Rio da Prata e que se utilizava de seu cargo para obter vantagens financeiras 63
Com a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba natildeo seraacute diferente a partir da
criaccedilatildeo desse organismo regulador os locais iratildeo buscar meios e estrateacutegias de evasatildeo do
controle reacutegio um desses meios de escape seraacute o contrabando de mercadorias realizados
atraveacutes das rotas que uniam Pernambuco e Bahia tanto atraveacutes dos sertotildees e dos caminhos de
cabotagem A investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias nos demonstra que o contrabando durante o
periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio exercido pela empresa seraacute praacutetica recorrente e
generalizada Os descaminhos envolviam ateacute mesmo autoridades reacutegias oficiais deputados e
acionistas da empresa sendo seu combate tema cativo nos ofiacutecios trocados entre a Coroa e as
autoridades locais Este comeacutercio descaminhado eacute tema central desta dissertaccedilatildeo
As anaacutelises sobre as praacuteticas mercantis desenvolvidas na Ameacuterica Portuguesa figuram
entre as contemporacircneas abordagens e questionamentos que marcam uma nova forma de
pensar a colocircnia Dentro dessa perspectiva alguns trabalhos centrados em entender as
questotildees relativas ao comeacutercio colonial tecircm apontando para a existecircncia de um fluxo ilegal de
61
Sobre isto ver SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro
(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002 62
Ibidem P 166 63
PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 225-239
26
negoacutecios em diversas capitanias Dentro deste universo eacute notaacutevel a dedicaccedilatildeo que a
historiografia tem dado ao estudo dos descaminhos de ouro e pedras preciosas na regiatildeo das
Minas e adjacecircncias Destaca-se nesse sentido o trabalho produzido por Paulo Cavalcante em
ldquoNegoacutecios de Trapaccedila caminhos e descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-1750)rdquo 64
onde o autor busca explanar qual o papel do contrabando no processo de colonizaccedilatildeo da
Ameacuterica Portuguesa se utilizando de farta documentaccedilatildeo e tendo como objeto a regiatildeo das
Gerais e suas zonas fronteiriccedilas
Apesar de natildeo se centrar exclusivamente no comeacutercio descaminhado o trabalho da
historiadora Isnara Pereira Ivo sobre circulaccedilatildeo econocircmica e cultural na regiatildeo das Minas
Gerais tambeacutem merece destaque Ivo reserva partes de seu livro ldquohomens de Caminho
tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica Portuguesa ndash seacuteculo XVIIIrdquo 65
para discutir a questatildeo dos vultosos descaminhos realizados naquelas plagas dando ecircnfase aos
caminhos e picadas utilizadas pelos contraventores bem como as tentativas da Coroa em
reprimir tal fluxo
Cabe menccedilatildeo tambeacutem aos estudos desenvolvidos contemporaneamente que tem por
objetivo estudar os faustosos contrabandos realizados no extremo Sul da Ameacuterica Portuguesa
em seus contatos com a regiatildeo platina Dentro dessa seara merece revelo os trabalhos
desenvolvidos por Rodrigo Ceballos e Faacutebio Kuumlhn O primeiro se dedicaraacute em recentes
artigos a estudar os negoacutecios de contrabando conduzidos por luso-brasileiros na Buenos
Aires do seacuteculo XVII demostrando como esses indiviacuteduos foram capazes de criar redes de
solidariedade que permitiram a realizaccedilatildeo de seus negoacutecios extralegais 66
Jaacute Faacutebio Kuumlhn tem se centrado em publicaccedilotildees atuais a analisar o comeacutercio
contrabandeado de escravos na regiatildeo da Colocircnia do Sacramento do seacuteculo XVIII O autor
demonstra como os luso-brasileiros sediados naquelas aacutereas associados a homens de negoacutecios
de duas outras importantes Praccedilas comerciais a saber Bahia e Rio de Janeiro conseguiram
64
CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-
1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 65
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica
Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 66
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires
colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 CEBALLOS
Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos
Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00
27
deter hegemonia dentro de tal negoacutecio desbancando comerciantes de outras naccedilotildees
interessados naquela mateacuteria como os ingleses 67
Outros estudos que debatem a temaacutetica do contrabando e que conversam com nosso
trabalho satildeo as pesquisas de Ernst Pijning para o Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII onde o autor
defende a praacutetica do contrabando como algo inerente ao sistema colonial prerrogativa que
concordamos 68
E ainda vale nota para as obras de Zacarias Moutoukias que estudando o
comeacutercio extralegal na regiatildeo de Buenos Aires do seacuteculo XVII aponta tambeacutem para o
entendimento do descaminho como algo indissociaacutevel da economia colonial 69
Nosso trabalho dialoga com os estudos acima descritos no entanto deixamos claro
que o comeacutercio de contrabandeado alvo desse estudo assume contornos distintos afinal de
contas entre 1759 e 1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia
Geral de Pernambuco e Paraiacuteba O descaminho nessa situaccedilatildeo natildeo causava prejuiacutezos apenas
ao eraacuterio reacutegio mas tambeacutem aos acionistas e agentes da empresa que possuiacutea uma jurisdiccedilatildeo
privativa encarregada de cuidar de todas as questotildees juriacutedicas que envolvessem a Companhia
Ressaltamos ainda que apesar da empresa natildeo possuir jurisdiccedilatildeo sobre os portos do
sertatildeo Alagoas e Rio Satildeo Francisco acabava a mesma amargando graves prejuiacutezos em
decorrecircncia do comeacutercio realizado naquelas paragens pois invariavelmente os produtos que
circulavam nos sertotildees entre as capitanias vizinhas vinham inundar a praccedila mercantil de
Pernambuco a preccedilos bem mais em conta do que os vendidos pela Companhia Por isso de
acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada por volta do ano de 1770 a empresa passa a combater
com vigor este tipo de negoacutecio demonstrando a forccedila que esse comeacutercio interiorano iraacute
adquirir durante o periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio comercial da empresa
As rotas comerciais que ligavam o litoral da capitania ao sertatildeo e que tinham como
veio principal o Rio de Satildeo Francisco regiatildeo de fronteira entre Bahia e Pernambuco tambeacutem
seratildeo alvos desse estudo Para adentrar no universo sertanejo e compreender as dinacircmicas
desenvolvidas naqueles ambientes nos apoiaremos nos claacutessicos como Capistrano Abreu 70
67
KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)
Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017 68
PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista
Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 69
MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el
siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 70
ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet
1960
28
Manoel Correia de Andrade 71
e Joseacute Antonio Gonsalves de Mello 72
que nos datildeo pistas de
como se empreendeu a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial a partir das duas capitanias alvo
desse estudo Bahia e Pernambuco
Utilizaremos tambeacutem produccedilotildees mais recentes como a revisatildeo dos relatos de viajantes
pelo interior feita por Tiago Bonato 73
e do trabalho de focirclego de Kalina Vanderlei 74
Sem
esquecer claro dos renovados estudos que apontam para a vitalidade e dinamismo comercial
que esses espaccedilos sertanejos iratildeo adquirir em suas conexotildees com o litoral e ateacute mesmo com o
Ultramar Onde destacamos os trabalhos de Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Bonifaacutecio 75
e da
proacutepria Isnara Pereira Ivo 76
jaacute citada
Ainda buscando discutir a questatildeo do espaccedilo sertanejo sua ocupaccedilatildeo funcionamento
e dinamismo recorreremos a autores que trazem discussotildees acerca da noccedilatildeo de
territorializaccedilatildeo desses espaccedilos na Ameacuterica Portuguesa a partir da accedilatildeo efetiva do Estado sob
essas aacutereas Para isso nos utilizaremos de nomes como Iacuteris Kantor 77
Mafalda Soares da
Cunha 78
e Paulo Henrique Marques de Queiroz Guedes 79
Continuando a discussatildeo do
mesmo tema poreacutem a partir de uma perspectiva geograacutefica nos apoiaremos em Manoel
Correa de Andrade 80
e Antonio Carlos Robert de Moraes 81
71
ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias
Humanas Ltda 1980 72
MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-
1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 73
BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash 1822)
Guarapuava Unicentro 2014 74
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas
vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 75
BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de
Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII
Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e
Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 76
IVO Isnara Pereira Op Cit 77
KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica (1750‑1850) Anais do
Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 KANTOR Iacuteris Soberania e
territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute
Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio
portuguecircs Curitiba UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 78
CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A
criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P
15 79
GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo
na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias
humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife 80
ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 81
MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2
jun 2001 MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003
29
O presente trabalho conteacutem trecircs capiacutetulos O primeiro intitulado ldquoNos caminhos do
contrabandordquo estaacute dividido em dois toacutepicos Iniciamos procedendo a uma breve revisatildeo
historiograacutefica acerca da evoluccedilatildeo dos estudos voltados para o mundo colonial destacando as
principais mudanccedilas do ponto de vista metodoloacutegico ocorridas nos uacuteltimos quarenta anos
Neste capiacutetulo tambeacutem iremos realizar a anaacutelise e discussatildeo do conceito de contrabando caro
a este estudo
Aleacutem disso tambeacutem procederemos a investigaccedilatildeo das rotas de comeacutercio que ligavam
o litoral da capitania pernambucana ao interior do territoacuterio dando destaque aos caminhos ldquodo
Capibariberdquo e ldquodo Ipojucardquo que conectavam a praccedila mercantil pernambucana com a regiatildeo do
Rio de Satildeo Francisco em sua fronteira com a capitania Baiana Utilizando do auxiacutelio de
mapas discutiremos ainda neste primeiro momento as hipoacuteteses acerca de como se
movimentavam os comerciantes alvos desta pesquisa ressaltando para aleacutem dos caminhos
interioranos a possibilidade de atuarem seguindo uma rota direta atraveacutes da costa mariacutetima
entre Pernambuco e Bahia
O segundo capiacutetulo se chama ldquoAspectos internos dos descaminhos casos e circulaccedilatildeo
de produtosrdquo nele iremos investigar as mercadorias que circulavam entre Bahia e
Pernambuco atraveacutes das redes de comeacutercio ilegal esclarecendo quais eram os produtos que
mais transitavam entre as duas praccedilas ressaltando a grande variedade destes produtos e a
grandiosidade daquele tipo de comeacutercio Tambeacutem trataremos neste capiacutetulo sobre os casos
mais peculiares arrolados no nosso acervo documental
A anaacutelise destas ocorrecircncias nos faz compreender melhor a dinacircmica daquele tipo de
atividade mercantil Esclarecendo como atuavam os comerciantes envolvidos naquele
mercado e quais as suas condutas Deixamos claro ainda que o contrabando no periacuteodo
estudado era uma praacutetica amplamente disseminada na capitania sendo efetuado por uma
grande quantidade de sujeitos em situaccedilotildees diversas
Identificamos dentro desse contexto trecircs grandes blocos de contrabando o primeiro
era o contrabando de grande porte realizado por redes de comerciantes bem organizadas e
que possuiacuteam toda uma estrutura que permitia a realizaccedilatildeo da praacutetica em grande volume O
segundo tipo seria o contrabando de pequena monta praticado por uma infinidade de
personagens desde oficiais da companhia a pessoas ldquocomunsrdquo que se aproveitavam de uma
oportunidade para obter lucros pessoais Por fim identificamos o contrabando realizado por
embarcaccedilotildees estrangeiras que geralmente vinham dar na Costa da capitania pernambucana se
utilizando do subterfugio do mal tempo ou da necessidade de ser fazer reparos na embarcaccedilatildeo
30
se aproveitando entatildeo para introduzir nas terras exclusivas da Companhia uma infinidade de
mercadorias europeias e levar daqui os produtos da terra
O terceiro capiacutetulo denominado ldquoContrabando combate e complexidade do esquemardquo
estaacute divido em trecircs toacutepicos O primeiro deles busca proceder a anaacutelise das medidas repressivas
tomadas em niacutevel local para que se evitasse e extinguisse a praacutetica do contrabando do
territoacuterio da capitania pernambucana Para tal feito nos utilizamos de uma seacuterie de ofiacutecios
expedidos pelos governadores pernambucanos que tratam sobre o tema aleacutem disso tambeacutem
contamos em nosso acervo documental com ofiacutecios da Junta Companhia Geral em Lisboa
que nos fornecem informaccedilotildees preciosas acerca das irregularidades cometidas pelos
administradores pernambucanos e as medidas coibitivas que deveriam ser tomadas para que
se cessassem os descaminhos
Na segunda parte tratamos sobre o envolvimento de agentes acionistas e deputados da
Companhia Geral bem como de algumas autoridades reacutegias nos circuitos de comeacutercio ilegal
Por fim o terceiro toacutepico versa sobre a grande insatisfaccedilatildeo dos representantes da populaccedilatildeo
das vilas de Pernambuco que durante todo o periacuteodo do monopoacutelio exercido pela empresa
iratildeo enviar ao reino uma seacuterie de queixas e denuacutencias e representaccedilotildees atestando a maacute gestatildeo
exercida pela direccedilatildeo subalterna de Pernambuco e a acusando de agir em benefiacutecio proacuteprio
Nosso principal fundo arquiviacutestico concentra-se nos manuscritos depositados no
Arquivo Histoacuterico Ultramarino (AHU) para as capitanias de Pernambuco Bahia a anexa
Paraiacuteba e Alagoas essa ainda comarca de Pernambuco material digitalizado pelo projeto
resgate Nele se encontram uma farta documentaccedilatildeo trocada entre os governadores
principalmente os pernambucanos e a Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar sobre a
questatildeo do contrabando A grande maioria desses arquivos eacute categorizada como ofiacutecios no
entanto em alguns deles eacute possiacutevel encontrar anexos referentes a outros tipos de
documentaccedilatildeo incluindo coacutepias de devassas tiradas acerca de contrabandos editais lanccedilados
pela Companhia Geral listas de cargas e mercadorias de embarcaccedilotildees apreendidas cartas
circulares lanccediladas por autoridades locais minutas reais dando parecer sobre a mateacuteria ou
casos especiacuteficos entre outras coisas O volume desses documentos e a diversidade de
informaccedilotildees contidas neles demonstram como o comeacutercio desencaminhado no periacuteodo foi
expressivo
Tambeacutem nos utilizamos na escrita deste trabalho de processos crimes depositados no
Arquivo Nacional da Torre do Tombo esses documentos de cunho juriacutedico-administrativo
pertencem ao fundo da Conservatoacuteria da Companhia em Lisboa oacutergatildeo responsaacutevel por julgar
31
todas as causas referentes aos assuntos da empresa jaacute que a mesma possuiacutea um regime
juriacutedico privativo 82
Neles eacute possiacutevel visualizar toda a praacutexis processual e rotina juriacutedica
adotada nos casos onde foram instauradas devassas para averiguaccedilatildeo do crime de
contrabando Esse fundo eacute fonte feacutertil para nossa pesquisa pois atraveacutes dos processos
conseguimos obter informaccedilotildees detalhadas sobre os casos como as inquiriccedilotildees feitas aos reacuteus
de defesa e de acusaccedilatildeo a lista de carga das embarcaccedilotildees os personagens envolvidos nos
descaminhos as defesas perpetradas pelos advogados representantes dos reacuteus as apelaccedilotildees e
sentenccedilas dadas a niacutevel local as sentenccedilas aplicadas etc
Complementando estes acervos tambeacutem fizemos uso de manuscritos existentes no
arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) estes documentos que estatildeo
disponiacuteveis apenas para consulta presencial foram de grande importacircncia para o
entendimento das rotas que no seacuteculo XVIII ligavam o litoral de Pernambuco ao sertatildeo e
acabavam por desembocar no Rio de Satildeo Francisco regiatildeo fronteiriccedila entre Pernambuco e
Bahia e local de comeacutercio abundante Utilizamo-nos tambeacutem neste trabalho de material
transcrito existente na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional (BN) e de livros coevos
digitalizados e disponiacuteveis para consulta online pertencentes ao setor de raridades da
Biblioteca puacuteblica Maacuterio de Andrade (BMA)
Por fim esse estudo parte do entendimento do comeacutercio como um elemento de
dinamizaccedilatildeo da capitania de Pernambuco tanto na perspectiva da economia local quanto no
contexto de ampliaccedilatildeo das dinacircmicas sociais Acreditamos que o comeacutercio potencialmente
descaminhado realizado atraveacutes dos sertotildees e da navegaccedilatildeo direta entre as capitanias de Bahia
e Pernambuco acabou contribuindo para o aumento da forccedila econocircmica das regiotildees
envolvidas naqueles circuitos
82
Este tema seraacute mais bem desenvolvido no segundo capiacutetulo deste trabalho
32
2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO
21 Contexto e conceitos
Desde meados da deacutecada de 80 do seacuteculo XX tem se operado uma ampla revisatildeo
criacutetica a respeito dos paradigmas ateacute entatildeo utilizados nos estudos acerca dos impeacuterios
modernos e seus domiacutenios ultramarinos Os trabalhos centrados na anaacutelise dos aspectos
poliacuteticos da Europa moderna sofreram grandes transformaccedilotildees Sintomaacutetica satildeo as pesquisas
desenvolvidas nesse periacuteodo a despeito do processo de formaccedilatildeo dos Estados modernos
europeus bem como de seus complexos imperiais Categorias amplamente difundidas que
eram base dos estudos desenvolvidos ateacute aquele momento como centralizaccedilatildeo poliacutetica e
administrativa e poder absoluto seratildeo substituiacutedas pela identificaccedilatildeo da existecircncia de poderes
concorrentes ao do monarca dentro do sistema poliacutetico europeu 83
Esta nova abordagem seraacute consolidada com o desenvolvimento de estudos sobre o
Impeacuterio portuguecircs no exterior Aqui cabe destacar as importantes contribuiccedilotildees da tradiccedilatildeo
historiograacutefica anglo-saxocircnica principalmente os apontamentos do historiador inglecircs Charles
Boxer responsaacutevel por modificar a forma como se entendia a atuaccedilatildeo das elites coloniais
dentro do exerciacutecio de governaccedilatildeo no ultramar 84
Outro nome que merece ser lembrado eacute o de
AJR Russell-Wood aleacutem de desenvolver estudos sobre as categorias de centro e periferia o
autor iraacute tambeacutem apontar para a existecircncia dentro do sistema colonial de uma porosidade que
permitiu aos governos e autoridades locais margem para negociaccedilatildeo com a metroacutepole 85
Tambeacutem merece destaque a produccedilatildeo dos historiadores norte-americanos
responsaacuteveis por desenvolver obras sobre variadas dimensotildees da sociedade e da economia
colonial brasileira Stuart Schwartz seraacute responsaacutevel por identificar em seu claacutessico
ldquoBurocracia e sociedade no Brasil colonialrdquo 86
a incorporaccedilatildeo da magistratura portuguesa aos
interesses e dinacircmicas locais Outro historiador americano que iraacute influenciar sobremaneira
83
Sobre isto ver LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime na
Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de
governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005 84
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c
1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e
negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 161 85
Sobre isto ver AJR Russel-Wood Centro e periferia no mundo luso-brasileiro 1500-1808 Revista
brasileira de histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 nordm 36 (1998) 86
SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das letras 2013
33
esse processo revisionista eacute Jack Green que deu nova leitura a relaccedilatildeo colonial destacando a
existecircncia e importacircncia das negociaccedilotildees em diversos niacuteveis como uma realidade do sistema
poliacutetico portuguecircs 87
Esses estudos tambeacutem seratildeo desenvolvidos em Portugal onde se destacam os
apontamentos feitos por Antonio Manoel Hespanha em seu ldquoAs veacutesperas do Leviatatilde
instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVIIrdquo 88
e em estudos posteriores O autor iraacute
discutir a tatildeo esquemaacutetica visatildeo do Estado moderno centralizado tendo como base uma vasta
documentaccedilatildeo O centro nervoso da tese de Hespanha discute a autonomia dos corpos sociais
constituintes do Estado Portuguecircs Nele a monarquia eacute entendida como cabeccedila de um grande
corpo social os poderes do centro satildeo outorgados a indiviacuteduos e instituiccedilotildees nas periferias do
Impeacuterio para atuarem em nome do rei Portanto natildeo se despreza a importacircncia dos poderes
inferiores dentro do jogo poliacutetico No entanto somente a monarquia era capaz de unir e criar
nexo a um grande escopo de jurisdiccedilotildees que a abarcavam dentro do Reino e nos seus
domiacutenios ultramarinos
Dessa forma Hespanha define o Estado portuguecircs como
corporativista 89
Hespanha aponta como caracteriacutesticas primordiais da monarquia corporativa a divisatildeo
de poder no espaccedilo poliacutetico entre a coroa e os poderes subalternos o corpo legal estava
baseado na doutrina juriacutedica comum europeia mas eram muitos os casos em que as praacuteticas
consuetudinaacuterias prevaleciam o entrelaccedilamento entre deveres poliacuteticos e morais e por fim a
certa autonomia que possuiacuteam as autoridades reacutegias e a efetiva proteccedilatildeo a que estavam
sujeitos os seus direitos e atribuiccedilotildees 90
Parece-nos que Hespanha demonstra a todo tempo
natildeo a ldquofragilizaccedilatildeo do Estado Portuguecircsrdquo mas sim a relaccedilatildeo de interdependecircncia que iraacute se
desenvolver entre o reino e suas possessotildees ultramarinas
Essas concepccedilotildees iratildeo ganhar focirclego no Brasil principalmente nos anos 90 do seacuteculo
XX quando as pesquisas sobre as relaccedilotildees de poder passam a ganhar forccedila gerando uma seacuterie
de trabalhos empenhados em estudar as formas de governar e o funcionamento das
87
GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional History University
Press of Virginia 2ordf ed 1994 88
HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVII Coimbra
Almedina 1994 89
HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do impeacuterio colonial
portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios
no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 HESPANHA AM A
constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos correntes In FRAGOSO Joatildeo
GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda (Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica
imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 90
HESPANHA AM Ibdem P 46
34
instituiccedilotildees dentro do conjunto imperial Junto a estas pesquisas tambeacutem foram feitas
investigaccedilotildees para outras aacutereas do Impeacuterio dessa forma nos uacuteltimos anos tem se buscado
compreender os nexos imperiais que davam forma ao Impeacuterio portuguecircs 91
Esse alargamento de anaacutelise eacute bastante significativo uma vez que rompe com a ideia
da ineficiecircncia do sistema poliacutetico-administrativo portuguecircs essa ldquoineficiecircnciardquo passa entatildeo a
ser compreendida como uma caracteriacutestica da administraccedilatildeo colonial portuguesa 92
Seguindo
o mesmo caminho o do entendimento do Estado portuguecircs como corporativo uma seacuterie de
novos estudos comeccedilam a apontar para a importacircncia dos viacutenculos estrateacutegicos estabelecidos
pelos grupos integrantes do Estado
Dessa forma o papel central desempenhado pelas redes no interior do conjunto
imperial tem ganhado destaque nas discussotildees historiograacuteficas recentes A categoria de
ldquoredesrdquo utilizada neste trabalho parte dos pressupostos apontados em estudos recentes que
atestam a importacircncia deste mecanismo de articulaccedilatildeo tambeacutem na esfera mercantil Dentro
desta seara de pesquisa destacam-se as produccedilotildees de Joatildeo Fragoso Antocircnio Carlos Jucaacute de
Sampaio e Roquinaldo Ferreira 93
De acordo com Maria Fernanda Bicalho eacute incontestaacutevel para a historiografia que ateacute o
seacuteculo XVII o Estado portuguecircs se desenvolveu sobre o prisma corporativista 94
Apesar do
aparente consenso vale salientar que o modelo coorporativo lanccedilado por Hespanha natildeo eacute
unanimidade prova disso eacute o debate acadecircmico existente entre o autor e a historiadora Laura
91
LARA Silvia Hunold Op Cit P 32 92
HESPANHA AM Op Cit P 51 93
FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto de
conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social costumeira (Rio de Janeiro
1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e
negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 SAMPAIO
Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo nos quadros do Impeacuterio
portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica
imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 FERREIRA
Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial ultramarino portuguecircs In
FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio
portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 Para aleacutem desses autores as
produccedilotildees das historiadoras Maria de Faacutetima Gouvecirca e Mafalda Soares merecem destaque dentro da temaacutetica de
redes 94
BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da
monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima
(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro
Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 345-352
35
de Mello e Souza a despeito da centralidade do Impeacuterio Souza centra sua criacutetica na ldquopouca
atenccedilatildeo dada agrave especificidade dos diferentes contextos imperiaisrdquo 95
nos estudos do autor
De qualquer forma essa ldquorealidade corporativardquo comeccedila a ser alterada jaacute em fins do
XVII e iniacutecio do XVIII neste momento comeccedila a se desenvolver por toda a Europa um
processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real No caso de Portugal esse processo iraacute se
solidificar no reinado de Dom Joseacute I personificado pela pessoa de Sebastiatildeo Salgado de
Melo o Marquecircs de Pombal Dentro desse contexto poliacuteticas com o intuito de revitalizar o
comeacutercio portuguecircs foram postas em accedilatildeo Na capitania de Pernambuco importante polo
econocircmico da conquista essas accedilotildees seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois
organismos reguladores da economia local a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio
no ano de 1752 96
e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759
Neste cenaacuterio eacute criada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759 que se
tornaraacute a detentora do ldquocomeacutercio exclusivo das duas capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com
todos os seus distritos e nos quais ningueacutem mais podia extrair ldquomercadorias gecircneros ou
frutosrdquo 97
A Companhia que manteve o monopoacutelio comercial na regiatildeo ateacute o ano de 1780 iraacute
causar um grande impacto na economia da capitania modificando toda uma loacutegica comercial
baseada no livre comeacutercio que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco
Nossa pesquisa tende a se alinhar com o estudo desenvolvido por Avanete Pereira
sobre o exerciacutecio da governanccedila na municipalidade em Salvador na segunda metade do XVIII
98 Fica claro para noacutes que a centralizaccedilatildeo poliacutetica desejada pela Coroa nem sempre seraacute
aplicada de forma plena nos territoacuterios do ultramar As poliacuteticas pensadas para o Brasil
precisaram ser adaptadas agraves realidades coloniais principalmente se tratando de mudanccedilas
potencialmente prejudiciais economicamente agraves elites locais que haacute muito dominavam a
dinacircmica de instituiccedilotildees e negoacutecios no ultramar
O contrabando e as ilicitudes eram dinacircmicas corriqueiras nas aacutereas de atuaccedilatildeo de
sociedades exclusivistas Muitas vezes elas envolviam ateacute mesmo os agentes destas
95
SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica portuguesa do seacuteculo
XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006 P 48 96
Sobre a histoacuteria da Mesa de Inspeccedilatildeo de Pernambuco consultar CONTI Paulo Fillipy de Souza A casa das
qualidades pesos e preccedilos a mesa da inspeccedilatildeo do tabaco e accediluacutecar de pernambuco (1752-1777) 2016 182 f
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Federal de
Pernambuco 97
CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba
Lisboa Presenccedila 1982 p 224 98
PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da cacircmara da Bahia
(seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de governar
ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005
36
companhias e as autoridades reacutegias nos descaminhos Isto porque como afirma Fernando
Novais o contrabando era uma praacutetica comum dentro da economia colonial desde os seus
primoacuterdios Ainda segundo o autor tal praacutetica natildeo ldquonegava o sistemardquo nem deve ser entendida
como uma fissura ou uma exceccedilatildeo muito pelo contraacuterio o contrabando assim como a
concorrecircncia e as disputas entre as potecircncias europeias era parte da estrutura econocircmica
daquele tipo de sociedade operando dessa forma ldquodentro do mesmo sistema baacutesicordquo 99
Salientamos ainda que esse tipo de praacutetica foi extensiva e naturalizada natildeo soacute na
Ameacuterica Portuguesa mas nas diversas partes do mundo onde se desenvolveu a economia
colonial Em artigo que discute a noccedilatildeo de centralidade administrativa do governo portuguecircs
metropolitano Russel-Wood chama atenccedilatildeo para algo que ele denomina como ldquocultura de
evasatildeordquo ou seja a capacidade dos colonos luso-brasileiros de escaparem do controle reacutegio
Segundo o autor essa cultura iraacute assumir diversas formas como ldquoa recusa em pagar impostos
e taxas escamoteamento dos pontos de fiscalizaccedilatildeo evasatildeo do serviccedilo militar burla quanto a
inclusatildeo nas listas municipais []rdquo 100
As transgressotildees na capitania pernambucana natildeo se restringiram ao contrabando de
mercadorias realizado junto a praccedila baiana O cenaacuterio poliacutetico administrativo tambeacutem era
local de subversatildeo das diretivas reais Em artigo que discute questotildees de justiccedila e
administraccedilatildeo na capitania Maria Filomena Coelho relata as contendas ocorridas na segunda
metade do XVIII entre o Bispo de Olinda e o Juiz de Fora da regiatildeo que se acusavam
mutuamente de cometer desvios monetaacuterios e se utilizar de seus cargos de prestiacutegio para obter
vantagens Bem conhecido e reproduzido no mesmo artigo eacute o caso do provedor Francisco do
Rego Barros acusado de descaminhar da fazenda real uma grande soma de dinheiro e de
envolver os funcionaacuterios a ele submetidos no esquema iliacutecito 101
No artigo supracitado a autora opta por trabalhar com as categorias de suborno e
corrupccedilatildeo Nossa anaacutelise das fontes primaacuterias em conjunto com a leitura da historigrafia nos
leva a crer natildeo serem estes vocaacutebulos os mais adequados para se trabalhar a questatildeo da
ldquocultura de evasatildeordquo na Ameacuterica Portuguesa Como veremos a seguir consideramos que para
evitar cair em anacronismos seja essencial desassociar as praacuteticas transgressivas de seus
significados contemporacircneos
99
NOVAIS Fernando A P 88-92 100
A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista brasileira de
Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197 101
NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco (seacuteculo XVIII)
Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003
37
Nesta pesquisa a forma de evasatildeo que nos interessa eacute o contrabando Os contrabandos
extravios e descaminhos se constituiacuteram em praacuteticas recorrentes durante todo o seacuteculo XVIII
nas capitanias brasileiras Resultados de uma tentativa de fuga a gerecircncia da Coroa lanccedilados
sobre a proacutespera economia colonial que neste seacuteculo jaacute possuiacutea mais vulto que a
metropolitana Desta forma se faz necessaacuterio discutir neste momento o conceito de
contrabando buscando uma definiccedilatildeo que se adeque ao nosso objeto
Estudando a ligaccedilatildeo entre o contrabando e as elites na Buenos Aires do seacuteculo XVII
Zacarias Moutoukias afirma ser o comeacutercio natildeo autorizado a atividade comercial mais
importante do porto de Buenos Aires Aleacutem disso o autor iraacute destacar a participaccedilatildeo de
oficiais reacutegios nos esquemas ilegais admitindo ainda que a Coroa se adaptou a esta situaccedilatildeo
Para Moutoukias ldquola corrupcioacuten fue el processo por el cual los representantes locales del
poder central civiles y militares se integraron a dicha elite associaacutendola asiacute a la funcioacuten
imperialrdquo 102
Concordando com a perspectiva de Moutoukias Ernest Pijning iraacute afirmar que o
contrabando era algo ldquoinerente a economia do mundo atlacircntico preacute-moderno atuante em todos
os aspectos da sociedade luso-brasileirardquo 103
De acordo com Koselleck ldquoas palavras que permaneceram as mesmas natildeo satildeo por si
soacute indiacutecio suficiente da permanecircncia do mesmo conteuacutedo ou significado por elas designadosrdquo
104 Nesse sentindo concordamos com Cavancante
105 e Moutoukias
106 quando afirmam natildeo
ser possiacutevel relacionar o contrabando com o termo corrupccedilatildeo como conhecemos hoje O
contrabando era uma praacutetica enraizada na sociedade colonial e como sugere Pijning
dependendo da situaccedilatildeo e dos personagens envolvidos esse tipo de comeacutercio era aceito e ateacute
mesmo incentivado pela Coroa 107
Segundo o dicionaacuterio portuguecircs e latino de Bluteau contrabando significa ldquofazenda e
trato de fazenda furtada aos direitos ou tirada por alto sendo defeza a sua introduccedilatildeordquo 108
Ou
seja a definiccedilatildeo de contrabando no dicionaacuterio estaacute relacionada diretamente ao ato de fraudar a
102
MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el
siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 P 243 103
PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista
Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 P 399 104
KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos histoacutericos Rio de Janeiro
Contraponto Ed Puc-Rio 2006 P 105 105
Sobre isto ver CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica
Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 106
Sobre isto ver MOUTOUKIAS Zacarias Op Cit 107
PIJINING Ernest Ibdem P 400-403 108
BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de
Jesus Ano de 1712 P 321
38
fazenda real desviando o fisco Para o nosso estudo percebemos que a definiccedilatildeo claacutessica de
Bluteau natildeo se adequa inteiramente pois apesar de natildeo possuir o monopoacutelio comercial para
regiatildeo dos sertotildees comumente as autoridades locais vatildeo tratar as mercadorias transacionadas
entre as praccedilas de Bahia e Pernambuco via sertatildeo como contrabando mesmo quando estes
produtos chegavam as praccedilas comerciais de Pernambuco selados com selos de outras
alfacircndegas do Impeacuterio ou seja em algum momento aquela mercadoria havia pagado os
direitos reais
Percebemos durante a investigaccedilatildeo as fontes que existia uma grande confusatildeo quanto a
este comeacutercio feito pelos interiores Havia uma dificuldade das autoridades em classificar o
que era passiacutevel de puniccedilatildeo e poderia ser enquadrado como crime de contrabando e os casos
em que aquele tipo de negociaccedilatildeo era acobertada e permitida pela legislaccedilatildeo De acordo com
nossa observaccedilatildeo na duacutevida as autoridades reacutegias e oficiais da Companhia preferiam pecar
pelo excesso e realizar os sequestros para posterior investigaccedilatildeo Assim contamos em nosso
conjunto documental como seraacute demonstrado em capiacutetulo posterior com casos em que apoacutes
se efetuar a apreensatildeo a investigaccedilatildeo acaba por absolver os reacuteus seja por falta de provas ou
pela constataccedilatildeo de que natildeo se procedeu em descaminhos
Essa situaccedilatildeo acontecia pois natildeo existia uma delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa que
esclarecesse minuciosamente quais os portos se incluiacuteam na categoria de ldquoportos livresrdquo bem
como uma legislaccedilatildeo especiacutefica que regulamentasse quais os produtos poderiam transitar
entre estas paragens sem ofender o monopoacutelio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba
109 Segundo Koselleck os conceitos satildeo polissecircmicos reunindo em si ldquodiferentes totalidades
de sentidordquo 110
os casos coletados na nossa documentaccedilatildeo demonstram aleacutem disso como o
entendimento a respeito do que era considerado comeacutercio iliacutecito era fluiacutedo e variava de acordo
com a interpretaccedilatildeo dada pelas autoridades locais
Para o nosso tema o que pudemos perceber atraveacutes da investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias
eacute que o contrabando se constituiu em praacutetica recorrente ao longo dos vinte e um anos de
monopoacutelio praticado pela Companhia Geral A atividade iliacutecita que envolvia as proacuteprias
autoridades reacutegias oficiais e acionistas da Companhia em Pernambuco causaraacute grandes
preocupaccedilotildees por parte da Coroa e da Junta da empresa sediada em Lisboa virando assunto
recorrente na documentaccedilatildeo travada entre o Reino e os agentes locais de Pernambuco
109
Pelo menos ateacute o momento natildeo conseguimos localizar nenhum tipo de documento oficial que se referisse a
estes pontos 110
KOSELLECK Reinhart Op Cit P109
39
principalmente os governadores da capitania que eram encarregados sobre a mateacuteria
Discutiremos melhor esta questatildeo no terceiro capiacutetulo deste trabalho
Aleacutem de ser realizado de maneira extensiva durante todo o periacuteodo do monopoacutelio o
comeacutercio iliacutecito era praticado por uma grande diversidade de pessoas Apesar da existecircncia de
redes mercantis mais complexas que atuavam de maneira melhor estruturada esse comeacutercio
tambeacutem era feito em pequenas quantidades por pessoas comuns A anaacutelise das fontes nos
atenta para o fato de que havendo oportunidade de lucros pessoais o contrabando era
praticado por todos e entendido como algo banal
Devido ao caraacuteter pulverizado desse tipo de atividade mercantil os casos encontrados
na documentaccedilatildeo iratildeo apontar para uma gama muito diversa de personagens lugares e
mercadorias envolvidos nesse tipo de praacutetica No entanto eacute possiacutevel atestar com clareza a
existecircncia de um vigoroso circuito de comercio iliacutecito envolvendo as capitanias de
Pernambuco e Bahia As relaccedilotildees entre as duas praccedilas eram estreitas o contrabando de
gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa iratildeo permear todo o
periacuteodo proposto para este estudo
Vale ressaltar que antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral o comeacutercio entre
Pernambuco e Bahia jaacute existia e estava bem consolidado principalmente o comeacutercio de
carnes feito nos sertotildees que interligavam as duas praccedilas e que margeavam o Rio de Satildeo
Francisco De acordo com a historiografia a regiatildeo circundante ao Rio de Satildeo Francisco
sempre contou com uma grande densidade populacional de povos indiacutegenas 111
O que denota
a importacircncia da aacuterea natildeo soacute em termos geograacuteficos mas tambeacutem salienta o seu importante
papel como lugar de encontro de uma seacuterie de gentes
Como eacute amplamente sabido o processo de interiorizaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro iraacute
acontecer de forma tardia jaacute que em princiacutepio a colonizaccedilatildeo portuguesa deteve-se a povoar a
faixa litoracircnea do territoacuterio brasileiro soacute criando um movimento de expansatildeo em direccedilatildeo ao
interior em meados do seacuteculo XVII 112
De acordo com Capistrano de Abreu em livro claacutessico
a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial teve iniacutecio junto agraves capitanias do Norte notadamente
Bahia e Pernambuco Segundo o autor o proacuteprio Donataacuterio de Pernambuco Duarte Coelho
ainda no seacuteculo XVI nutriu ambiccedilotildees de conquistar o territoacuterio ao largo do Rio de Satildeo
111
NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte
Editora UFMG 2011 P 30 112
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco
pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111
40
Francisco Sabia-se jaacute a eacutepoca do potencial do local 113
Outro autor claacutessico Manoel Correa
de Andrade defende a tese de que o sertatildeo do que hoje conhecemos como nordeste foi
integrado agrave colonizaccedilatildeo portuguesa partindo de dois eixos centrais sendo estes Bahia e
Pernambuco 114
O movimento de integraccedilatildeo dos interiores eacute comumente associado agrave expansatildeo
pecuaacuteria pois desde 1701 a Coroa portuguesa havia proibido a criaccedilatildeo de gado a menos de
dez leacuteguas da costa 115
dessa forma os currais foram cada vez mais adentrando o espaccedilo
sertanejo seguindo o curso dos rios que forneciam os substratos necessaacuterios agrave sustentaccedilatildeo das
rezes bovinas e caprinas Pedro Puntoni confirma essa caracteriacutestica da pecuaacuteria desenvolvida
nas capitanias do norte de acordo com o autor
As fazendas de gado grosso modo acompanhavam as margens dos rios
uma vez que na regiatildeo semi-aacuterida o fornecimento de aacutegua era fator essencial
para garantir a ocupaccedilatildeo e a criaccedilatildeo do gado Os rios Satildeo Francisco ao sul e
o Parnaiacuteba ao norte eram os principais eixos da ocupaccedilatildeo por serem rios
perenes os demais na maioria seus afluentes ainda abrigavam algumas das
fazendas 116
Apesar da pecuaacuteria ser entendida como fator decisivo para a conquista dos sertotildees do
norte natildeo podemos esquecer o contexto em que se deu essa expansatildeo Eacute importante lembrar
que apoacutes a expulsatildeo dos holandeses em 1654 a economia accedilucareira foi fortemente abalada
natildeo soacute por fatores internos como o clima e as intempeacuteries a que estatildeo sujeitas qualquer tipo de
cultura tropical como tambeacutem por fatores externos como a concorrecircncia com a produccedilatildeo de
accediluacutecar antilhano e a consequente baixa de preccedilos dessa mercadoria aleacutem eacute claro do aumento
do preccedilo dos escravos dado a grande procura desse tipo de matildeo de obra em Aacutefrica 117
Assim o fluxo em sentido ao interior tambeacutem vinha atender a uma demanda da Coroa
que procurava alternativas para se livrar da crise econocircmica por qual passava a principal
cultura da colocircnia brasileira Dessa forma as expediccedilotildees aos sertotildees passaram a ser
frequentemente encorajadas Para animar e incentivar os colonos a desbravarem estas aacutereas a
113
ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet
1960 P 34 114
ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias
Humanas Ltda 1980 P 167 115
WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a
colonizaccedilatildeo do sertatildeo nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004 P
22 116
PUNTONI Pedro Ibidem P 24 117
PUNTONI Pedro Ibidem P 25
41
Coroa iraacute a partir da segunda metade do seacuteculo XVII doar sesmarias a homens que tiveram
papel de destaque nas batalhas travadas contra os holandeses 118
De acordo com Kalina Wanderlei apoacutes implementar a poliacutetica de doaccedilatildeo de terras e
de financiar uma seacuterie de diligecircncias para abrir caminhos naquelas paragens o Impeacuterio
Portuguecircs relegou estas imensidotildees de terra aos interesses privados Segundo a autora
Assim foi que a conquista dos interiores das capitanias do norte no seacuteculo
XVII tornou-se tarefa dos senhores seguindo o modelo inicial do projeto de
colonizaccedilatildeo onde aos donataacuterios e seus colonos cabia a instalaccedilatildeo da
induacutestria produtora e a defesa do territoacuterio contra a concorrecircncia externa e a
resistecircncia interna 119
middot
Cabe ainda ressaltar que a partir do Reinado de D Joatildeo V uma seacuterie de medidas e
accedilotildees seratildeo tomadas para garantir aos portugueses o controle efetivo de seus domiacutenios no
Ultramar Isto porque na Europa se vivia um momento de grande concorrecircncia comercial e de
contestaccedilatildeo de antigos tratados territoriais e seus limites a partir da elaboraccedilatildeo de modernos
estudos geograacuteficos e cartograacuteficos sobre o Novo Mundo Dentro desse contexto de
vulnerabilidade perante outras potecircncias era necessaacuterio que os diplomatas portugueses
buscassem novas formas de defender e legitimar os direitos juriacutedicos do Rei sobre os
territoacuterios ultramarinos nas negociaccedilotildees internacionais No entanto para que estes
argumentos tivessem forccedila era preciso conhecer o espaccedilo da colocircnia 120
As grandes porccedilotildees de terra que compunham a conquista no Brasil possuiacuteam ainda no
seacuteculo XVIII vastas aacutereas despovoadas e desconhecidas pelo Reino De acordo com Iacuteris
Kantor depois da Paz de Utrecht em 1713 que praticamente invalidava o antigo tratado de
Tordesilhas Espanha e Portugal vatildeo iniciar um mapeamento sistemaacutetico de suas conquistas
no aleacutem-mar As coroas ibeacutericas iratildeo neste momento investir na formaccedilatildeo de pessoal
qualificado e no custeamento de expediccedilotildees para o interior afim de que se produzissem
trabalhos geograacuteficos mais precisos 121
O projeto de elaboraccedilatildeo do ldquoNovo Atlas da Ameacuterica
Portuguesardquo iniciado em 1729 por exemplo eacute um desses esforccedilos empreendidos pela Corte
118
WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 119
WANDERLEI Kalina Ibidem P 137 120
Sobre isto ver KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica
(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 121
Idem
42
no sentido de oficializar o interior do territoacuterio assegurando a posse do Reino principalmente
sobre os espaccedilos que estavam sob litiacutegio 122
Durante o diretoacuterio pombalino estas poliacuteticas de reafirmaccedilatildeo do poder real seratildeo
reforccediladas atraveacutes da expansatildeo da rede administrativa 123
nas esferas civis e eclesiaacutesticas a
locais onde o poder estatal ainda natildeo chegava era necessaacuterio ldquoterritorializarrdquo aqueles espaccedilos
De acordo com Paulo Guedes o conceito de territoacuterio pode ser entendido como um espaccedilo
definido por e a partir de relaccedilotildees poliacuteticas e de poder ainda segundo o autor para se pensar
em territoacuterio na Ameacuterica Portuguesa necessariamente deve-se levar em conta suas
ldquojurisdiccedilotildees (militar religiosa tributaacuteria e judicial) considerando suas incongruecircncias em
relaccedilatildeo aos territoacuterios circunscritos ao acircmbito das capitaniasrdquo 124
Apesar de pequenas
discordacircncias o entendimento de que o conceito de territoacuterio estaacute intimamente relacionado
com a ideia de domiacutenio ou gestatildeo de uma determinada aacuterea eacute amplamente reconhecido pelos
estudiosos do assunto 125
A partir desse entendimento eacute que o geografo Manoel Correa de
Andrade afirma por exemplo que nos primeiros anos de sua colonizaccedilatildeo o Brasil era um
grande espaccedilo natildeo transformado em territoacuterio 126
Para aleacutem das querelas europeias deve-se pontuar que a partir do descobrimento das
minas de ouro nas Gerais vai-se assistir a um grande adensamento populacional naquelas
regiotildees interioranas principalmente entre as primeiras deacutecadas do seacuteculo XVIII Fazia-se
pois indispensaacutevel criar naqueles novos centros todo um aparato administrativo sobretudo
fiscal para regular e garantir os direitos reacutegios sobre os recursos minerais ali encontrados 127
A historiografia sobre as Minas tem demonstrado como a ocupaccedilatildeo daqueles territoacuterios
acabou por conectar uma grande malha espacial atraveacutes dos seus circuitos de comeacutercio que
movimentavam sobretudo as regiotildees interioranas das capitanias do norte incluindo as
paragens sertanejas de Pernambuco e Bahia
122
Sobre isto ver CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do
territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v43 n1 p 100-120 2016 123
Kantor Iacuteris Op Cit CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na
Ameacuterica portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39p001-
030 jan-abr2016 124
GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo
na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias
humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife P 54 125
Sobre este tema ver tambeacutem MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil
GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001 KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia
Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de
Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba UFPR-
SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 126
ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 43 ndash 51 127
CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A
criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P 15
43
Em resumo a ocupaccedilatildeo dos sertotildees foi um processo lento desenvolvido de modo
gradativo e pouco organizado No entanto a bibliografia eacute unanime em asseverar que apesar
de pouco unificado o movimento de interiorizaccedilatildeo sempre teve como base as duas capitanias
mais destacadas do Norte Pernambuco e Bahia Logo apoacutes esse primeiro momento de
conquista as regiotildees dos sertotildees passaram a atuar como importantes locais de circulaccedilatildeo
comercial Pesquisas recentes com as quais esse estudo conversa apontam para o dinamismo
que as regiotildees interioranas iratildeo exercer principalmente a partir do seacuteculo XVIII quando se
tem iniacutecio de forma mais concreta uma demanda do Reino em conhecer e dominar tais
regiotildees Estas zonas passam entatildeo a deter grande importacircncia para os fluxos comerciais
coloniais tanto nos circuitos locais quanto atlacircnticos
Para o nosso caso acreditamos que o fluxo comercial clandestino desenvolvido entre
Pernambuco e Bahia durante o periacuteodo de exclusivo comercial da Companhia Geral acabou
por expandir e reforccedilar as redes comerciais entre as duas capitanias e seus complexos
sertanejos jaacute que a partir daquele momento comerciantes e produtores que antes atuavam
livremente despachando e vendendo suas mercadorias a partir das praccedilas comerciais de
Pernambuco passaratildeo a recorrer a capitania vizinha para realizar seus negoacutecios
22 Os caminhos
Antes de nos atermos aos sertotildees que nos interessam nesta pesquisa cabe aqui uma
sucinta explanaccedilatildeo quanto ao uso do termo e suas aplicaccedilotildees Destacamos que origem da
palavra sertatildeo eacute incerta natildeo existe entre os autores que tratam do tema uma unidade em
relaccedilatildeo ao termo De acordo com Bluteau sertatildeo diz respeito a uma ldquoregiatildeo apartada do mar e
por todas as partes metida entre terrasrdquo 128
A definiccedilatildeo dada pelo autor setecentista remete a
ideia de sertatildeo como um lugar afastado do litoral distante e ateacute mesmo inexplorado Segundo
Kalina Wanderlei o imaginaacuterio acerca desse ambiente sertanejo iraacute se construir jaacute no primeiro
seacuteculo de colonizaccedilatildeo da zona accedilucareira A autora afirma que
Foi se construindo uma oposiccedilatildeo entre as regiotildees colonizadas da Ameacuterica
portuguesa e aquelas natildeo inseridas na jurisdiccedilatildeo metropolitana As primeiras
associadas ao litoral devido agrave proacutepria natureza do empreendimento
128
BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de
Jesus Ano de 1712 Tomo II P 613
44
canavieiro Criou-se assim uma dicotomia entre o espaccedilo considerado
civilizado e aquele considerado selvagem 129
Essa visatildeo dicotocircmica em que as categorias de sertatildeo e litoral satildeo construiacutedas em
sentidos opostos seraacute reforccedilada por outros autores que se utilizaram do discurso e
depoimentos de cronistas e autores coevos para estabelecer um entendimento do termo
Concordando com a autora Tiago Bonato iraacute dizer que
O imaginaacuterio do sertatildeo construiacutedo e reconstruiacutedo por cronistas
missionaacuterios padres intelectuais e sobretudo viajantes passa a ter um
caraacutecter aleacutem de simples oposiccedilatildeo ao litoral de ldquocontraste com a ideia de
regiatildeo colonialrdquo De um lado estaacute a civilizaccedilatildeo que a colonizaccedilatildeo trouxe de
outro o sertatildeo 130
De acordo com o geografo Antocircnio Carlos Robert Moraes o sertatildeo natildeo deve ser
compreendido como um lugar mas sim como ldquouma condiccedilatildeo atribuiacuteda a variados e
diferenciados lugaresrdquo 131
Afirma ainda o estudioso que no geral o sertatildeo eacute idealizado como
um espaccedilo que serve aos impulsos expansionistas na busca de incorporar tais aacutereas remotas a
determinados ldquofluxos econocircmicos ou a uma oacuterbita de poder que lhe escapa naquele momentordquo
132 continua atestando que por essa caracteriacutestica ldquotal denominaccedilatildeo geralmente eacute utilizada na
caracterizaccedilatildeo de aacutereas de soberania incerta imprecisa ou meramente formalrdquo 133
Dessa
forma o uso do termo seraacute utilizado para classificar aacutereas que carecem ser dominadas e
submetidas politicamente e integradas ao restante do territoacuterio
Podemos entatildeo perceber atraveacutes da bibliografia e da pesquisa as fontes primaacuterias que o
conceito de sertatildeo extrapola qualquer delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa Em termos
documentais ele seraacute comumente utilizado para designar uma seacuterie de aacutereas que se
encontravam fora do eixo litoracircneo e que durante um bom tempo foram ilustres desconhecidas
da maior parte dos habitantes da colocircnia brasileira e dos ministros reais sendo usado para
referenciar tudo aquilo que fosse vago estranho e afastado dos centros Ou seja os sertotildees
podem se descritos como aacutereas que natildeo estavam totalmente submetidos administrativa e
juridicamente agrave monarquia portuguesa
129
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas
vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111 130
BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash
1822) Guarapuava Unicentro 2014 P 52 131
MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003 P 2 Consultado no
dia 10112017 Disponiacutevel em httpjournalsopeneditionorgterrabrasilis341 DOI 104000terrabrasilis341 132
Ibidem P 3 133
Idem
45
Falando sobre o sertatildeo alvo deste estudo ainda no XVII a regiatildeo da ribeira do Rio de
Satildeo Francisco iraacute se desenvolver como importante zona de criaccedilatildeo de rezes bovinas e
cavalares sendo o local responsaacutevel pela distribuiccedilatildeo de carnes e couros para as feiras da
Bahia e de Pernambuco Na segunda metade do seacuteculo XVIII a regiatildeo do Aracati no Siaraacute
Grande sertatildeo pernambucano iraacute despontar como porto fornecedor de carnes salgadas e de
couros Ao longo do rio Jaguaribe que banha a vila de Santa Cruz do Aracati se
estabeleceram diversas oficinas especializadas na salga das carnes e na retirada de couros para
revenda Este porto seraacute muito visitado por comerciantes recifenses e baianos nos ldquotempos de
carnesrdquo quando iam ateacute a regiatildeo fazer negoacutecios e vender rebanhos 134
O estudo dos caminhos que levavam do litoral ao sertatildeo da capitania de Pernambuco
natildeo satildeo novos no intuito principalmente de buscar compreender as rotas por onde se
efetuaram o comeacutercio de gados e couros destacados estudiosos desenvolveram pesquisas
centradas nesta temaacutetica De acordo com Capistrano de Abreu ldquoNa segunda metade do seacuteculo
XVIII natildeo se penetrava no Recife aleacutem de Bezerros a quinze leacuteguas para o interior o que
ficava aleacutem entendia-se com a Bahiardquo 135
Discordando de Capistrano Manoel Correa de
Andrade iraacute afirmar que em 1774 o governo de Pernambuco na tentativa de minimizar a
influecircncia baiana na regiatildeo do Satildeo Francisco faraacute abrir dois caminhos para alcanccedilar o dito rio
136
O primeiro caminho sairia de Recife passando por Limoeiro atraveacutes do rio Capibaribe
chegava ao Pajeuacute para depois seguir em direccedilatildeo a Serra Talhada Floresta e finalmente
desembocar em Cabroboacute O segundo roteiro subia o Vale do Ipojuca ateacute chegar agrave Serra de
Ororobaacute de onde descia na direccedilatildeo sul ateacute a cidade de Inajaacute passando ainda por Tacaratu
Jatinatilde e por fim chegar em Cabroboacute Como se pode ver na imagem abaixo
134
ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas na Vila
de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais do XXVI Simpoacutesio
Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011 P 1-9 135
ABREU Capistrano de Op Cit P 65 136
ANDRADE Manoel Correia de Op Cit P 168
46
Mapa 1 ndash Caminhos do Gado para Olinda e Recife
Fonte ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria
Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980 P 169
Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello tambeacutem indica e comprova atraveacutes de
documentaccedilatildeo que a prerrogativa de Capistrano era errocircnea De acordo com Mello jaacute
existiam no seacuteculo XVIII dois roteiros de penetraccedilatildeo para o interior do territoacuterio
pernambucano que acompanhavam os vales dos rios O primeiro caminho o do Capibaribe
ldquoperlongava-o ateacute as nascentes e cortando territoacuterio paraibano atingia a ribeira do Pajeuacuterdquo 137
137
MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-
1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 10
47
nos atuais muniacutecipios pernambucanos de Itapetim e Satildeo Joseacute do Egito por onde se ldquoseguia ateacute
o Brejo do Gama de onde cruzava em direccedilatildeo a Cabroboacute a margem do Satildeo Franciscordquo 138
como podemos ver abaixo
Mapa 2 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738)
Fonte MELLO Joseacute Antocircnio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio
Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 12
138
Idem
48
O segundo caminho o do Ipojuca ldquoacompanhava o vale do rio deste nome e alcanccedilava
em seguida o do Moxotoacuterdquo 139
de onde chegava ao Satildeo Francisco na Boa Vista Percebemos
que apesar de pequenas discordacircncias os dois autores versaram sobre os mesmos caminhos a
saber o ldquoCaminho do Capibariberdquo e o ldquoCaminho do Ipojucardquo Para Mello os dois roteiros
tinham no Cariranha no limite sudoeste da capitania e regiatildeo de fronteira entre Bahia
Pernambuco e Minas seu ponto final
Mapa 3 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738)
Fonte MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio
Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 16
Infelizmente natildeo conseguimos descobrir nos acervos consultados ateacute o momento o
documento utilizado por Manoel Correa de Andrade para embasar sua afirmaccedilatildeo e construir
139
Idem
49
seu mapa no entanto foi possiacutevel localizar os documentos usados por Joseacute Antocircnio
Gonsalves de Mello O primeiro deles data do ano de 1738 e estaacute localizado no Arquivo do
Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB na Universidade de Satildeo Paulo ndash USP 140
trata-se natildeo
de um mapa 141
mas sim dos roteiros tanto do ldquocaminho que segue para Ipojuca e passa pelo
Urubaacute 142
das leacuteguasrdquo 143
quanto do ldquoassento das leacuteguas que fazem daqui ao Rodelas pelo
caminho do Capibariberdquo 144
descrevendo as localidades por onde esses caminhos passavam e a
distacircncia em leacuteguas deles
Faz-se cioso relacionar todas as toponiacutemias dos dois roteiros pois este trabalho jaacute foi
feito por Gonsalves de Mello na obra aqui relacionada No entanto vale a pena apontar onde
tinham iniacutecio e fim as ditas rotas e alguns de seus principais pontos de passagem a tiacutetulo de
comparaccedilotildees futuras O caminho do Capibaribe tinha iniacutecio no Engenho de Satildeo Joatildeo este
engenho fundado por Luiacutes Ramires ainda no seacuteculo XVI 145
estava localizado na margem
direita do Rio Capibaribe na freguesia da Vaacuterzea 146
o caminho passava por localidades como
ldquoMissatildeo do Limoeirordquo 147
ldquoSerra Talhadardquo 148
ldquoAngicosrdquo 149
ldquoJuazeirordquo 150
entre outros
terminando apenas no Cariranha regiatildeo limiacutetrofe entre Bahia Pernambuco e Minas Gerais O
segundo caminho o do Ipojuca comeccedilava em Santo Antatildeo atual municiacutepio de Vitoacuteria do
140
Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo
Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 141
O trabalho de Mapas que aparece no livro eacute criaccedilatildeo do grupo de pesquisas da divisatildeo de histoacuteria do instituto
de ciecircncias do homem do qual Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello participava 142
Tambeacutem conhecido como de Ararobaacute ou Ororobaacute 143
Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo
Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 144
Idem 145
PEREIRA DA COSTA F A Anais Pernambucanos 1795-1817 2ordf Ediccedilatildeo FUNDARPE Gov de
Pernambuco Recife 1983 Vol 2 535 vol 3 79 vol 7 325 PEREIRA Levy S Iuatildeo (engenho de bois) In
BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel em
httplhsunbbrbiblioatlasS_IuC3A3o_(engenho_de_bois) Data de acesso05072017 146
Atualmente a Vaacuterzea eacute um bairro da cidade do Recife localizado proacuteximo a Universidade Federal de
Pernambuco-UFPE 147
Atualmente conhecido como Limoeiro um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260890ampsearch=pernambuco|limoeiro|inf
ograficos-historico Data de acesso 05072017 148
O atual muniacutecipio do sertatildeo de Pernambuco manteacutem a mesma toponiacutemia Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261390ampsearch=pernambuco|serra-
talhada Data de acesso 05072017 149
Atual muniacutecipio do sertatildeo do estado do Rio Grande do Norte Dados do Instituto Brasileiro de geografia e
estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=240080ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017 150
Atual municiacutepio do Estado da Bahia situado no vale do Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphpcodmun=291840 Data
de acesso 05072017
50
Santo Antatildeo em Pernambuco e seguia por pontos como ldquoTacaraturdquo 151
ldquoCabroboacuterdquo 152
ldquoPilatildeo
Arcadordquo 153
entre outros tendo como fim tambeacutem o rio do Cariranha
O segundo documento utilizado por Gonsalves de Mello trata-se de um ofiacutecio enviado
pelo Bispo Azeredo Coutinho a Corte no ano de 1802 apesar de fugir de nosso recorte
temporal vale a pena observa-lo a tiacutetulo comparativo Mello refuta a indicativa de Capistrano
que alega que o Bispo Azeredo Coutinho tenha mandado abrir durante o seu governo um
caminho ligando a Praccedila de Olinda aos sertotildees 154
De acordo com o autor esse caminho era
justamente o ldquoCaminho do Ipojucardquo De fato a leitura do ofiacutecio da Junta Governativa da
Capitania de Pernambuco datada de julho de 1802 pode levar ao entendimento que partira do
Bispo Coutinho a ideia de abrir um caminho que ligasse Olinda aos sertotildeesmiddot visto que nele se
afirma que ldquouma das causas de natildeo haver maior abundacircncia de gados nesta Praccedila era a falta
de estradas para os sertotildees do Satildeo Franciscordquo 155
e que esta informaccedilatildeo chegou ateacute Portugal
atraveacutes ldquodo sect 3ordm do reacutegio aviso de 19 de setembro de 1799 dirigido pelo Exmo Sr Dr
Rodrigo de Sousa Coutinho ao Exmo Bispo desta dioceserdquo 156
Poreacutem como eacute sabido este
caminho jaacute era rota conhecida e utilizada
Para aleacutem destes dois importantes documentos conseguimos localizar tambeacutem junto
ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB da Universidade de Satildeo Paulo ndash USP um
documento datado de 1730 enviado ao ouvidor geral de Pernambuco com a seguinte ementa
ldquoPara o senhor doutor ouvidor geral ver os caminhos que satildeo necessaacuterios (serem) abertos para
seguir pela estrada de Santo Antatildeo para o rio de Satildeo Franciscordquo 157
Este documento de
autoria natildeo identificada descreve com precisatildeo o caminho que se fazia preciso abrir para
interligar o litoral da capitania com seus sertotildees atraveacutes do vale do Ipojuca
151
Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu
Data de acesso 05072017 152
Distrito do muniacutecipio de Pesqueira no agreste Pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de geografia e
estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data
de acesso 05072017 153
Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017 154
AHU ndash PE Cx 235 D 15875 155
Idem 156
Idem 157
Informaccedilatildeo prestada ao ouvidor geral sobre a necessidade da abertura de caminhos na regiatildeo do rio Satildeo
Francisco Arquivo IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-005
51
Essa rota segundo sugere a carta deveria comeccedilar na freguesia de Santo Amaro de
Jaboatatildeo onde seria necessaacuterio ldquoabrir os caminhos e tanto de enxada como de foice e
machado ateacute o siacutetio chamado as queimadasrdquo 158
Naquele ponto comeccedilaria a freguesia de
Santo Antatildeo da Mata onde se fazia preciso abrir passagem ateacute o rio das Pedras de Ipojuca
local onde terminava a freguesia de Santo Antatildeo Atravessando o rio das Pedras para seu
outro lado se chegaria a freguesia do Ararobaacute que era ldquoa mais fechada estrada que se acha em
todo o sertatildeo por nunca ser aberta no tempo em que se comeccedilou a cultivar e hoje jaacute a deixam
muitos passageiros pela natildeo poderem seguir com os seus comboiosrdquo 159
adverte o autor que
ali deveria se abrir aleacutem de uma estrada para o Rio de Satildeo Francisco outra que levasse para a
ldquomissatildeordquo do Ararobaacute e dali para o Pajeuacute
Continua alertando que era preciso por poccedilas puacuteblicas ldquocom caminhos e cruz na
estradardquo jaacute que esta rota ficava afastada Prossegue afirmando que o principal trecho que se
deveria abrir era o da Lagoa da Pedra do Tacaete e todas as aguadas do Riacho Libaral
Pedra do Cachorro e Lagoinha ldquofazendo-lhes caminho para sair para a porteira do macacordquo
160 Diz ainda que se deviam pocircr cruzes por todo o riacho do Mororoacute A aacuterea proacutexima do
Mororoacute segundo a descriccedilatildeo feita era toda ldquocultivada de moradores e fazendasrdquo 161
aleacutem
disso a localidade contava com aldeias de gentio de naccedilatildeo Xucuru Paraguaio Parariconha e
Carnejo
Nosso autor desconhecido aconselha ainda que a estrada se construa em poucos dias e
que ali no siacutetio chamado Tacalico se findava a freguesia do Pajeuacute onde por sua vez tinha
iniacutecio a freguesia de Cabroboacute Daquele ponto era necessaacuterio que se abrisse do siacutetio Tacaratu
ateacute o Rio de Satildeo Francisco uma distacircncia de aproximadamente cinco leacuteguas Continua dando
detalhes sobre os caminhos daquele sertatildeo afirmando que ldquoseguindo para as minas se
caminha a vista do dito Rio (Satildeo Francisco) 35 leacuteguas largando o tal rio se passa o rio das
Velhas na barra donde se encontra com o de Satildeo Franciscordquo 162
o fim deste caminho eacute
apontado pelo autor como a regiatildeo do Cariranha que ficava afastada cerca de 200 leacuteguas das
minas de ouro
158
Idem 159
Idem 160
Idem 161
Idem 162
Idem
52
Por fim sugere que o caminho seja aberto no mecircs de outubro e novembro pois naquela
eacutepoca havia ldquoabundacircncia de aacuteguas para os trabalhadoresrdquo 163
Advertia poreacutem que nesta
estrada seria necessaacuterio caminhar dois dias por dentro de um rio chamado Moxotoacute e que em
determinadas ocasiotildees o mesmo ficava inundado impossibilitando que o trabalho de abertura
fosse feito Aleacutem disso aquele rio era frequentado anualmente pelos povos nativos das naccedilotildees
Paraguaio e Parariconha
Na tentativa de entendermos um pouco melhor o roteiro aqui descrito faremos uma
breve explanaccedilatildeo das principais freguesias descritas no documento Para isso utilizaremos
como base um documento riquiacutessimo enviado a corte pelo governador de Pernambuco a
eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses onde o mesmo faz uma descriccedilatildeo detalhada da capitania
pernambucana relacionando todas suas freguesias povoaccedilotildees respectivas economias
caracteriacutesticas ambientais entre outros traccedilos daquelas paragens 164
De acordo com o documento da segunda metade do XVIII a freguesia de Santo
Amaro de Jaboatatildeo 165
atual municiacutepio de Jaboatatildeo dos Guararapes em Pernambuco onde
teria iniacutecio o caminho sugerido ao Ouvidor Mor tinha dez leacuteguas de aacuterea fazendo fronteira
com as freguesias de Satildeo Lourenccedilo da Mata 166
ao Norte e a leste com a freguesia da Vargem
167 A freguesia contava com 14 engenhos destes oito moiacuteam com aacutegua e seis com cavalos
Possuiacutea duas ribeiras ldquoa do Jaboatatildeo que tem seu principio em uma matardquo 168
e o outro rio era
o do Gajauacute as margens do uacuteltimo estavam situados os engenhos de aacutegua A povoaccedilatildeo natildeo
passava de uma pequena aldeia e seus habitantes viviam majoritariamente de suas plantaccedilotildees
de accediluacutecar algodatildeo e mandioca
Dando seguimento ao percurso sugerido chegaria-se a freguesia de Santo Antatildeo da
Mata atual municiacutepio de Vitoacuteria de Santo Antatildeo este jaacute era considerado um local sertanejo
163
Idem 164
Este documento que pode ser encontrando na coleccedilatildeo especial para Pernambuco existente na Biblioteca
Nacional natildeo possui uma dataccedilatildeo especiacutefica apenas eacute indicado que os dados nele contido comeccedilaram a ser
levantados no ano de 1774 Acreditamos que o relatoacuterio feito pelo governador esteja relacionado agraves tentativas da
Coroa jaacute comentadas neste capiacutetulo sobretudo no periacuteodo Pombalino de buscar conhecer melhor seu territoacuterio
Referecircncia ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices)
ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 165
Atual municiacutepio do agreste pernambucano que assumiu o nome de Jaboatatildeo dos Guararapes 166
Atual municiacutepio da regiatildeo metropolitana do Recife Dados do Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica-
IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261370ampsearch=pernambuco|sao-
lourenco-da-mata Data de acesso 05072017 167
Atual bairro da Vaacuterzea localizado na cidade do Recife 168
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
53
A freguesia tinha ldquo5 leacuteguas donde parte com o curato de Satildeo Joseacute chamado dos Bezerros 169
extrema-se com a freguesia de S Antocircnio do Ururuba 170
dos iacutendiosrdquo 171
Segundo o mesmo
documento os sertotildees daquela freguesia eram secos e o rio mais destacado do lugar era o
Pajeacuteu ldquoo qual vai fazer barra no Rio de Satildeo Franciscordquo 172
Sobre a populaccedilatildeo e economia
local o documento afirma que eram poucos os engenhos dedicados ao fabrico de accediluacutecar no
lugar apenas trecircs apesar de haverem outros dedicados ao mel e as engenhocas de rapadura O
nuacutemero de habitantes era alto e viviam de vender ldquoseus gadinhosrdquo 173
e ldquoefeitos e panos de
algodatildeordquo 174
nas feiras locais Segundo o relato o comeacutercio de panos de algodatildeo no lugar
atraia ateacute mesmo comboios dos sertotildees de Minas O que confirma estar agrave localidade inserida
nos roteiros que ligavam aos sertotildees
Depois da freguesia de Santo Antatildeo da Mata o caminho indicava que se seguisse pelo
rio Ipojuca ateacute o siacutetio ldquoCaruarurdquo que a anaacutelise da rota nos leva a crer se tratar do atual
muniacutecipio do agreste Pernambuco de mesmo nome Depois desse momento se fazia
necessaacuterio seguir para a freguesia do Ararobaacute Em documento do ano de 1780 que pretendia
compilar as cidades e vilas da capitania de Pernambuco e suas respectivas freguesias a
seguinte menccedilatildeo eacute feita quanto tal localidade ldquodo Araroba Rodelas Rio Grande do Sul natildeo
chegaram as relaccedilotildees por serem partes muito distantesrdquo 175
Nesta mesma relaccedilatildeo estima-se
que a freguesia do Ararobaacute estava a 80 leacuteguas de distacircncia de Recife
No documento remetido por Joseacute Cesar de Meneses a dita freguesia estaacute inserida
dentro do chamado ldquosertatildeo dos Garanhusrdquo 176
Ela tinha iniacutecio em um local conhecido como
ldquoCapacaccedilardquo que era pouco povoado havendo ldquomuitas leacuteguas sem habitadoresrdquo 177
As vilas de
169
Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros Data de
acesso 05072017 170
Conhecida tambeacutem como Ararobaacute ou Ororobaacute 171
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 172
Idem 173
Idem 174
Idem 175
Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo IEB-USP Fundo
Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010 176
Atualmente a cidade de Garanhus eacute um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260600ampsearch=pernambuco|garanhuns Data
de acesso 05072017 177
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
54
Simbres dos Iacutendios 178
a de Aacuteguas Belas 179
a do Riacho do Navio180
Pipaacuteoacute 181
e Arapuaacute 182
faziam parte da freguesia Boa parte dessas localidades ainda hoje preservam as toponiacutemias
do XVIII estando situadas entre o agreste de Pernambuco e a regiatildeo do vale do Satildeo
Francisco Quanto a dinacircmica comercial local o manuscrito revela ser tal freguesia ldquomui
pobrerdquo 183
sua populaccedilatildeo vivia de plantar lavouras de milho roccedila canas de accediluacutecar feijotildees
fazer mel rapadura e tambeacutem dos negoacutecios das carnes criando boiadas curtindo e vendendo
couros e solas atravessando gados para Bahia e Pernambuco etc
Seguindo nosso roteiro do Ararobaacute era necessaacuterio se abrir caminho natildeo soacute da estrada
que levava ao Rio Satildeo Francisco mas tambeacutem da missatildeo de Araroba 184
ateacute o Pajeuacute O ldquosertatildeo
do Pajeuacuterdquo era extenso nele estavam inseridas quatro importantes freguesias sertanejas
Cabroboacute 185
Satildeo Joseacute dos Bezerros 186
Tacaratu 187
e por fim Pilatildeo Arcado 188
Apoacutes a
178
Atual distrito do municiacutepio de Pesqueira localizado no agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data de acesso 05072017 179
Atual municiacutepio de Aacuteguas Belas localizado no agreste de Pernambuco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260050ampsearch=pernambuco|C381gu
as-belas Data de acesso 05072017 180
O Riacho do navio eacute um curso fluvial que atravessa o sertatildeo de Pernambuco sendo um dos principais
afluentes do Rio de Satildeo Francisco O curso nasce no atual municiacutepio de Floresta em Pernambuco Dados do
Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=260570 Data de acesso 05072017 181
Infelizmente natildeo conseguimos identificar onde se encontra tal localidade atualmente 182
Acreditamos que o autor quis se referir as proximidades da ldquoSerra do Arapuaacuterdquo localizada atualmente no
distrito de Carnaubeira da Penha situado na regiatildeo do Satildeo Francisco e inscrito na bacia do Rio Pajeuacute 183
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 184
De acordo com a bibliografia consultada a missatildeo do Araroba ou Ararobaacute ficava localizada entre os atuais
municiacutepios de Aacuteguas Belas e Garanhus Referecircncia DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na
constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume
282 ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os acossamentos de
Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII) Rev Bras Hist [online] 2015
vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016 MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute
e Rio Grande catequese violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22 185
Atual municiacutepio do sertatildeo pernambucano que conserva o mesmo nome Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260300ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017 186
Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros 187
Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu
Data de acesso 05072017 188
Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017
55
chegada ao Pajeuacute o autor adverte que se deve abrir principalmente o caminho da Lagoa da
Pedra do Tacaete e as aguadas do Riacho Libaral Pedra do Cachorro e Lagoinha
Ateacute o momento natildeo conseguimos identificar onde estaria situada atualmente a ldquoLagoa
da Pedra do Tacaeterdquo Para as outras localidades foi possiacutevel localizar seus atuais logradouros
o Riacho Libaral estaacute situado no atual municiacutepio de Sanharoacute a Pedra do Cachorro um
afloramento rochoso que atualmente atrai turistas para praacutetica de esportes radicais fica em
Satildeo Caetano Por fim Lagoinha diz respeito ao municiacutepio de Alagoinhas todas estas cidades
compotildeem a zona agreste de Pernambuco e fazem parte da microrregiatildeo do vale do Ipojuca 189
Seguindo o caminho traccedilado no documento base era orientado que nos ldquocaldeiros do
riacho do Mororoacuterdquo 190
fossem postos cruzes o dito riacho estaacute localizado atualmente no
municiacutepio de Pedra no agreste de Pernambuco de acordo com nossa rota era uma freguesia
extensa com cerca de 70 leacuteguas de comprimento e seu fim era fronteiriccedilo com a freguesia de
Cabroboacute 191
Cabroboacute era um importante ponto de passagem dos caminhos interioranos
possuiacutea 60 fazendas de gado vacum e cavalar seu principal rio era o do Pajeuacute ldquodonde toma
nome este sertatildeordquo 192
Os povos locais viviam de criar gados e os negociavam tanta na Bahia
como em Pernambuco ao que consta nos manuscritos o cultivo no local era pequeno
dedicado apenas a subsistecircncia da populaccedilatildeo local
Dando prosseguimento no guia de Cabroboacute se fazia necessaacuterio abrir os caminhos ateacute o
ldquoSiacutetio Tacaraturdquo 193
Pouco se fala sobre a freguesia de Tacaratu no documento base que aqui
nos utilizamos explica-se apenas que possuiacutea cerca de 60 fazendas e que alguns recantos
daquela freguesia eram totalmente despovoados isto porque tais locais ldquonatildeo servem de criar
gados por falta de aacuteguasrdquo 194
Quanto a economia local afirma-se que sua populaccedilatildeo vivia de
criar seus gados outros de seus negoacutecios de passar boiadas para Bahia e da laacute traziam ldquovaacuterias
189
Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas - APAC Disponiacutevel em
httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=17 Data de acesso 05072017 190
191
Fizemos um caacutelculo estimado para verificar se a informaccedilatildeo era coerente Considerando que cada leacutegua
equivale a cerca de 48 km e que o cumprimento da freguesia de Pedra ateacute o Cabroboacute seria de 70 leacuteguas
Multiplicamos 70 x 48 chegando ao valor de 336km Utilizando o recurso do Google Maps traccedilamos uma rota
entre Cabroboacute e Pedra (rodoviaacuteria) satildeo trecircs os caminhos possiacuteveis apontados pelo programa suas
quilometragens satildeo respectivamente 293 km 342 km e 352 km Valores bem proacuteximos de nossa estimativa 192
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 193
Atualmente Tacaratu eacute um muniacutecipio pernambucano localizado na regiatildeo do Meacutedio Satildeo Francisco Dados do
Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu Data de
acesso 05072017 194
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
56
fazendas para seu comeacuterciordquo 195
A atual cidade de Tacaratu muniacutecipio do estado de
Pernambuco estaacute inserida na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco
De acordo com nossa rota a distacircncia entre Tacaratu e o Rio de Satildeo Francisco era de
aproximadamente cinco leacuteguas Dali o caminho seguiria em direccedilatildeo ao atual estado de Minas
Gerais passando-se do Rio de Satildeo Francisco para o Rio das Velhas A capitania
pernambucana se estremava com a mineira atraveacutes do Cariranha esta localidade seguindo os
dados de nosso guia ficava a aproximadamente 200 leacuteguas afastada da regiatildeo das minas de
ouro
Por fim a rota aqui descrita refere-se ao rio Moxotoacute afirmando que para se abrir tal
caminho era preciso caminhar por cerca de dois dias dentro de tal rio O rio que preserva o
mesmo nome da eacutepoca banha os estados de Pernambuco e Alagoas sua nascente se encontra
no atual muniacutecipio de Sertacircnia no sertatildeo pernambucano e o mesmo desagua no Rio de Satildeo
Francisco De acordo com dados da Agecircncia pernambucana de aacuteguas e climas ndash APAC 196
a
bacia do rio Moxotoacute possui uma aacuterea total de 974401 kmsup2 e abrange 12 municiacutepios
pernambucanos total ou parcialmente Sendo eles Inajaacute Sertacircnia Arcoverde Custoacutedia
Ibimirim Manari e Tacaratu Buiacuteque Floresta Jatobaacute Iguaraci e Tupanatinga todas estas
cidades estatildeo compreendidas na regiatildeo do sertatildeo do estado
Para visualizarmos melhor o caminho aqui descrito traccedilamos um caminho aproximado
da rota de 1730 Como podemos ver na imagem abaixo
195
Idem 196
Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas ndash APAC Disponiacutevel em
httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=18 Data do acesso 05072017
57
Mapa 4 ndash Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha (1730)
Fonte Jeacutessica Rocha de Sousa Ana Maria Cuentro Barros Imagem aproximada da Rota do Ipojuca para o
Rio de Satildeo Francisco (1730) Imagem criada com o auxiacutelio do programa Adobe Illustrator
Como eacute possiacutevel notar atraveacutes da anaacutelise da rota aqui feita o caminho sugerido se
aproxima bastante do ldquocaminho do Ipojucardquo descrito no roteiro de 1738 e mapeado por
Antocircnio Gonsalves de Melo Dessa forma podemos concluir que se este documento natildeo foi
exclusivamente o guia para abertura de tal roteiro pelo menos indicava uma demanda real que
de fato foi atendida em algum momento entre 1730 e 1738 pois a partir da uacuteltima data jaacute era
possiacutevel acessar o sertatildeo ateacute o Rio de Satildeo Francisco atraveacutes do Rio Ipojuca e seus afluentes
Demonstramos atraveacutes da documentaccedilatildeo aqui elencada que os sertotildees fronteiriccedilos a
Bahia e Pernambuco eram dinacircmicos Muitas eram as localidades sertanejas apontadas nos
manuscritos que comercializavam com as duas praccedilas A conexatildeo entre as duas capitanias
eram extensas e no periacuteodo aqui estudado jaacute estavam bem consolidadas De maneira geral o
estudo sobre as rotas de penetraccedilatildeo tendem a trataacute-las apenas como caminhos pelo qual se
58
passavam os gados no entanto deve-se atentar que outros negoacutecios tambeacutem ocorriam nestas
paragens isto eacute os caminhos natildeo serviam exclusivamente ao comeacutercio das carnes e couros
Estudos mais recentes tem se dedicado a demonstrar o dinamismo do comeacutercio
sertanejo em suas conexotildees com a economia colonial estes trabalhos tem sido essenciais no
sentido de renovar a perspectiva sobre os negoacutecios desenvolvidos nas regiotildees interioranas Ao
analisar as relaccedilotildees que uniam os sertotildees da Bahia a Minas Gerais Isnara Pereira Ivo iraacute
alertar para ldquoo papel econocircmico e comercial dos sertotildeesrdquo 197
que por muitas vezes era
ldquominimizado como meros fornecedores de carnerdquo 198
a autora iraacute afirmar que este papel
ldquoredimensiona-se quando percebido como parte de uma articulaccedilatildeo econocircmica cultural e
poliacutetica maior permeada de especificidades e dinamismosrdquo 199
Ou seja Ivo chama a atenccedilatildeo
para vitalidade inclusive comercial daquelas regiotildees que no seacuteculo XVIII jaacute possuiacuteam um
ritmo proacuteprio de desenvolvimento e se encontravam conectadas ao litoral e ao aleacutem-mar
sendo peccedila importante da economia colonial
Em dissertaccedilatildeo que trata sobre a participaccedilatildeo dos negociantes pernambucanos no
comeacutercio de abastecimento da regiatildeo mineradora no seacuteculo XVIII Hugo Demeacutetrio Nunes
Teixeira Bonifaacutecio tambeacutem iraacute defender a tese do intenso movimento comercial daquelas
paragens O autor afirmaraacute que ldquoo sertatildeo era uma regiatildeo economicamente dinacircmica capaz de
prover gecircneros dos quais necessitavam por exemplo a regiatildeo das Minasrdquo 200
Cabe aqui
ressaltar que os sertotildees a que se refere Bonifaacutecio satildeo os de Pernambuco e Bahia em suas
conexotildees com as Minas de ouro
Esse dinamismo nas regiotildees interioranas tambeacutem poderaacute ser observado nas relaccedilotildees
que uniam Pernambuco a Bahia A introduccedilatildeo das barcas de passagens que faziam o
transporte de pessoas e cargas entre as duas margens do Rio de Satildeo Francisco 201
por
exemplo eacute demonstrativa do grande tracircnsito comercial estabelecido naqueles sertotildees e
denotam a tentativa da Coroa de tentar de alguma forma regulamentar aquele comeacutercio que
fugia ao controle do fisco real Visto que as tais passagens passam a fazer parte do conjunto
dos contratos reais formas de arrecadaccedilatildeo tributaacuteria utilizadas em Portugal desde o seacuteculo
197
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica
Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 115 198
Idem 199
Idem 200
BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de
Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII
Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e
Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 201
NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte Editora
UFMG 2011 P 85 AHU ndash PE Cx 133 D 9987
59
XVI 202
Analisando a implementaccedilatildeo das barcas de passagem que conectavam os rios
sertanejos as minas de ouro Isnara Pereiro Ivo afirmaraacute que
Os arrendamentos das passagens dos rios faziam parte do sistema de
contratos e estavam relacionados ao descobrimento do ouro agraves formas de
controle e descaminho e agrave ampliaccedilatildeo das receitas reais Eram feitos por
leilatildeo no Conselho Ultramarino e no ato da assinatura do contrato o
contratador assumia a obrigaccedilatildeo de pagar 1 destinado as propinas
municcedilotildees e construccedilotildees de fortalezas no ultramar e de restituir a Coroa em
trecircs anos o restante do montante a ser pago Os contratos podiam ser
arrematados tanto por um soacute individuo quanto por um grupo 203
Aqui em Pernambuco o processo de arremataccedilatildeo das tais passagens parece ter ocorrido
de forma semelhante De acordo com ofiacutecio datado de 1779 as barcas iratildeo surgir no Satildeo
Francisco por iacutempeto de um morador da regiatildeo de Rodelas que observara o ldquoincomodo e
risco que corriam os passageiros e comboios na falta de barca que os passassemrdquo 204
por isso
resolveu por uma barca no Satildeo Francisco na regiatildeo de Juazeiro Fez isso o morador sem
ldquoprocurar licenccedila para o fazer nem contribuir para a real fazenda com parte do seu
rendimentordquo 205
Quando o governador de Pernambuco a eacutepoca Duarte Sodreacute descobriu tal
negoacutecio ordenou ao comandante do distrito por o rendimento daquela passagem para
arremataccedilatildeo em praccedila puacuteblica
O morador pioneiro ofereceu 300000 reis pelo triecircnio do contrato como era de
costume No entanto o governador por acreditar que tal contrato valesse mais o mandou
colocar em leilatildeo no Recife Natildeo houve entretanto quem quisesse pagar mais por ele A
desconfianccedila reacutegia acerca dos rendimentos gerados a partir das barcas de passagens na regiatildeo
do Satildeo Francisco natildeo seraacute exclusividade da sua gecircnese em diversos outros momentos o
Conselho Ultramarino iraacute exigir que se procedesse agrave investigaccedilatildeo sobre os rendimentos
daqueles contratos 206
A desconfianccedila dos agentes reacutegios era de que os mercadores
mancomunados faziam ofertas bem abaixo da meacutedia de geraccedilatildeo de lucros daquele
investimento Todo esse clima de suspeita eacute demonstrativo da falta de conhecimento concreto
da Coroa a respeito dos negoacutecios que se praticavam nos sertotildees resultado de uma poliacutetica
administrativa que soacute se preocupou tardiamente por aquelas aacutereas
202
IVO Isnara Pereira Op Cit P 159 203
Idem 204
AHU ndash PE Cx 133 D 9987 205
Idem 206
Idem AHU ndash PE Cx 151 D 9853AHU ndash PE Cx 88 D 7150
60
Natildeo sabemos o nome do dito morador mas sabemos que seu filho Joatildeo Moreira da
Costa e Silva em 1759 fez requerimento ao Rei solicitando ser provido com o direito a
propriedade das passagens do Rio de Satildeo Francisco Neste documento Joatildeo Moreira afirma
ter sido seu pai o descobridor da passagem do Juazeiro e das outras nove passagens que iratildeo
se instalar naquele rio Ele propotildee ao rei que lhe faccedila a mercecirc de lhe conceder a propriedade
das passagens durante toda sua vida ficando o suplicante na obrigaccedilatildeo de ldquofazer bons em cada
um ano para a real fazenda 200000 reacuteisrdquo 207
Temos o conhecimento de que eram dez as passagens do Rio de Satildeo Francisco
administradas pela capitania de Pernambuco No ano de 1756 cinco dessas passagens por
pedido do Ouvidor da Comarca de Jacobina na Bahia passaratildeo a ter seus rendimentos
gerenciados pela cacircmara da Vila da Barra de Satildeo Francisco das Chagas como meio de gerar
fundos para construccedilatildeo da cadeia da nova vila passado dez anos esses contratos deveriam ser
assimilados a Provedoria Mor da Bahia Essa resoluccedilatildeo natildeo iraacute agradar ao governo de
Pernambuco que anos mais tarde iraacute requerer a reincorporaccedilatildeo das tais passagens agrave capitania
de origem As cinco passagens submetidas agrave cacircmara da Vila da Barra de S Francisco das
Chagas se situavam em Bom Jardim Barra Rio Preto Cariranha e Rio Corrente As da parte
de Pernambuco ficavam em Juazeiro Pilatildeo Arcado Surubabeacute Petra e Currais dos Bois 208
Um documento do ano de 1778 esclarece quais as condiccedilotildees e deveres a que estavam
sujeitos os contratadores das passagens do Satildeo Francisco aqui em Pernambuco Os contratos
poderiam ser arrendados por um uacutenico indiviacuteduo ou por soacutecios ficava o contratador livre para
ldquocobrar-se tudo que pertence a Fazenda Realrdquo 209
O contrato deveria ser pago a Tesouraria
Geral e Deputado da Junta da Fazenda Real atraveacutes de parcelas a cada seis meses e em
dinheiro fiacutesico Tinham por obrigaccedilatildeo ainda o contratador e seus soacutecios pagarem propina de
1 para obras pias Em relaccedilatildeo agraves barcas cabia ao contratador escolher se compraria as
embarcaccedilotildees do uacuteltimo arrendataacuterio ou se mandaria construir novas sendo determinado pelo
regulamento que o contratador antecedente negociasse preccedilos justos pelas embarcaccedilotildees
De acordo com nossas fontes se cobravam os fretes pelos seguintes produtos Cabeccedilas
de gado vacum cabeccedilas de gado vacum que passam a nado cabeccedilas de gado cavalar mansos
cabeccedilas de gado serrilho cargas passageiros e escravos Cada barca tinha um piloto e cerca
de dois a quatro marinheiros que a servia 210
Os maiores ganhos foram observados na
207
AHU ndash PE Cx 88 D 7150 208
AHU ndash PE Cx 133 D 9987 209
AHU ndash PE Cx 131 D 9853 210
AHU ndash PE Cx 133 D 9987
61
passagem do Juazeiro regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias de Bahia e Pernambuco 211
A
categoria ldquocargasrdquo natildeo especiacutefica os produtos autorizados a circular naquelas embarcaccedilotildees
com certeza muitas mercadorias das chamadas ldquovedadasrdquo se fizeram passar por esses pontos
do rio inclusive o ouro proveniente da regiatildeo das minas 212
Outra questatildeo que vale destacar na discussatildeo sobre os sertotildees envolvidos nesta
pesquisa diz respeito a relaccedilatildeo que algumas freguesias iratildeo manter concomitantemente com
as capitanias de Bahia e Pernambuco A ldquoComarca da Manga que segue o Rio de Satildeo
Francisco acima Vila de Satildeo Francisco na Barra do Rio Grande do Sulrdquo por exemplo estava
sujeita em questotildees de justiccedila ao ouvidor da Jacobina Bahia mas pertencia o ldquogoverno das
almasrdquo ao bispo de Pernambuco 213
Como jaacute discutido as questotildees de limites e de
administraccedilatildeo nas aacutereas interioranas iratildeo se dar de maneira singular naquelas paragens o
cotidiano das povoaccedilotildees e as proximidades entre uma e outra capitania parecem ter dado o
ritmo agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila
Os sertotildees setecentistas possuiacuteam vitalidade e energia e satildeo descritos nos documentos
de eacutepoca como locais propiacutecios ao desenvolvimento de praacuteticas mercantis Neste trabalho
estas relaccedilotildees mercantis iratildeo assumir contornos especiais Afinal de contas entre 1759 e
1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia Geral de Pernambuco e
Paraiacuteba No nosso caso percebemos que paralelamente a um mercado legal e reconhecido se
fez surgir naqueles espaccedilos uma seacuterie de atividades extralegais As redes comerciais
estabelecidas entre as Praccedilas da Bahia e Pernambuco no periacuteodo estudado seratildeo comumente
tachadas pela documentaccedilatildeo como perpetradoras de comeacutercio clandestino O contrabando de
gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa foram uma constante na
documentaccedilatildeo
Estas regiotildees iratildeo desempenhar papel importante neste universo de descaminhos
Como jaacute destacamos ao longo dessas regiotildees encontravam-se diversos portos de pequeno
porte que por onde antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba jaacute se
realizavam transaccedilotildees mercantis Em ofiacutecio do ano de 1770 o governador de Pernambuco
Manoel da Cunha Meneses ao falar sobre os contrabandos estabelecidos entre Bahia e
211
Idem AHU ndash PE Cx 88 D 7150 212
Sobre isto ver BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e
Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no
Seacuteculo XVIII Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado em histoacuteria) - Centro de Filosofia e Ciecircncias
Humanas Universidade Federal de Pernambuco 213
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
62
Pernambuco nos daacute informaccedilotildees importantes acerca da dinacircmica comercial desenvolvida nos
vales do Rio Satildeo Francisco Segundo o governador ldquoO sertatildeo deste continente eacute um dos mais
povoadosrdquo 214
complementa afirmando que as margens do rio de Satildeo Francisco existem
diversas povoaccedilotildees e a respeito do comeacutercio na regiatildeo diz que ldquoeste rio divide esta capitania
da Bahia [] aleacutem das povoaccedilotildees jaacute ditas eacute muito vadiaacutevel de embarcaccedilotildees ligeirasrdquo 215
por
onde se transportam ldquotoda a conta de fazendas que estatildeo tatildeo abundantes estes sertotildees e neles
as introduzem os moradores de uma e outra parterdquo 216
Alguns anos mais tarde em 1779 o ouvidor da comarca das Alagoas iraacute relatar
detalhes sobre a organizaccedilatildeo deste ldquopernicioso comeacuterciordquo Segundo o mesmo ldquoPor todos estes
engenhos jaacute natildeo haacute uma soacute caixa (de accediluacutecar) que natildeo esteja vendida pelo exorbitante preccedilo de
treze tostotildees por arroba a diferentes e muitos fabricantes que vieram da Bahia a este
propoacutesitordquo 217
Segundo o ouvidor a estrateacutegia do grupo de contraventores consistia em
transportar para as praias da regiatildeo as caixas contrabandeadas durante a noite em ldquojangadas e
sumacas que existem atualmente na ilha de Santo Aleixo e em Una donde francamente tem
saiacutedo de proacuteximo cinco ou seisrdquo 218
Apesar das rotas sertanejas aqui descritas nos indicarem as possiacuteveis vias de acesso do
litoral ao interior do territoacuterio pernambucano mapear com exatidatildeo os caminhos percorridos
pelos comerciantes contraventores natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis pois aleacutem de natildeo existir
interesse de se documentar esse tipo de comeacutercio ao que nos parece de acordo com a anaacutelise
da documentaccedilatildeo esses caminhos eram dinacircmicos e muacuteltiplos e nos faltam instrumentos
cartograacuteficos mais precisos que sejam capazes de revelar a grandiosidade da costa
pernambucana ldquode donde por mar e terra se introduzem neste continenterdquo 219
produtos
contrabandeados
Uma coisa eacute certa a natureza pernambucana contribuiacutea na realizaccedilatildeo das ilicitudes a
ldquogrande dilataccedilatildeo que tem o continente da jurisdiccedilatildeo deste governordquo 220
que compreende em
suma ldquopor costa do Mar 82 leacuteguas com muitos rios barras enseadas e entradas por entre
arrecifes que por providecircncia divina cobre toda esta costardquo 221
permitiu que nunca se faltasse
214
AHU ndash PE Cx 108 D8371 215
Idem 216
Idem 217
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 218
Idem 219
AHU ndash PE Cx 127 D 9670 220
AHU ndash PE Cx 108 D 8371 221
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
63
o contrabando em Pernambuco natildeo soacute de escravos mas de outras mercadorias 222
Apesar da
tentativa de encobrir essas rotas por parte daqueles que delas se beneficiavam alguns pontos
acabaram documentados pela fiscalizaccedilatildeo
Nosso acervo documenal revela uma variedade significativa de portos indicados pelas
autoridades locais como aacutereas de desembarque de produtos contrabandeados Listamos abaixo
os portos ateacute o momento identificados
Quadro 1 - Lista de Portos em que Ocorreratildeo apreensotildees ou se fez saber da existecircncia de
Contrabandos
PORTOLOCALIDADE
BAHIA DA TRAICcedilAtildeO
CABO DE SANTO AGOSTINHO
CAMARAJIBE
CURURIPE
GOIANA
ILHA DE SANTO ALEIXO
ILHA DO NOGUEIRA
JARAGUAacute
PRAIA DA PENHA
PRAIA DE PAU AMARELO
PRAIA DA FORTALEZA DO BRUM
PORTO CALVO
PORTO DO RECIFE
SANTO ANTONIO DA BARRA GRANDE
SIARAacute GRANDE
SIRINHAEM
TAPAGIPE
TRAPICHE DE MACIEL ndash BAHIA
UNA
Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 132 D9955 AHU ndash PE Cx133 D 9966
AHU-PE Cx 133 D 10003 AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash PE
Cx 138 D 10248 AHU ndash BA Cx 181 D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx
107 D 8284 AHU ndash PE Cx 110 D 8493 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 133 D
222
CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-1850 Recife
2002 P 102
64
10017 AHU ndash PE Cx 137 D 10197 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos
Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2
Foi possiacutevel rastrear atualizando as toponiacutemias a maior parte dos locais citados nas
fontes Como uma maneira de buscar compreender melhor a relaccedilatildeo entre aacutereas de produccedilatildeo e
localidades apontadas nesta lista como aacutereas de embarque e desembarque de produtos
vedados nos utilizaremos de dados contidos em ofiacutecio do ano de 1761 enviado pelo entatildeo
governador de Pernambuco Luiacutes Diogo Lobo ao Reino onde se encontra uma relaccedilatildeo
contendo nome e nuacutemero de todos os engenhos moentes e de fogo morto existentes na
capitania pernambucana e suas anexas 223
As localidades de Coruripe Jaraguaacute Porto Calvo Santo Antocircnio da Barra Grande
fazem parte atualmente do estado de Alagoas Comarca anexa a Pernambuco agrave eacutepoca A
regiatildeo que aparece constantemente envolvida nos circuitos de contrabando principalmente de
accediluacutecar analisados neste trabalho possuiacutea uma grande quantidade de engenhos ativos Apenas
na freguesia de Porto Calvo existia a eacutepoca 14 engenhos em atividade e um em fogo morto
Adicionando a esta soma as faacutebricas de Alagoas do Sul Alagoas do Norte e da Freguesia de
Satildeo Miguel locais onde estavam inseridos os outros portos apontados em nossa lista
chegava-se ao total de 32 engenhos operantes na regiatildeo 224
De maneira geral os engenhos estabelecidos nas capitanias do Norte da Ameacuterica
Portuguesa se fixavam em aacutereas de vaacuterzea com faacutecil acesso a rios e ribeiras de modo a
facilitar o escoamento da produccedilatildeo canavieira para seus portos de destino nas terras
alagoanas a dinacircmica natildeo era diferente Lembramos tambeacutem que a Comarca se ligava ao
sertatildeo atraveacutes de rotas terrestres e de sua rede hidrograacutefica composta por importantes rios
como o Coruripe e o Moxotoacute
Ilha de Santo Aleixo Pau Amarelo Praia da fortaleza do Brum Praia da Penha
Camaragibe Cabo de Santo Agostinho Sirinhaeacutem e Goiana se encontram atualmente na
jurisdiccedilatildeo do Estado de Pernambuco Para agrave toponiacutemia denominada ldquoUnardquo a bibliografia
consultada afirma se tratar de freguesia proacutexima a Porto Calvo em municiacutepio hoje conhecido
como Barreiros localizado no estado de Pernambuco 225
Quanto a Ilha do Nogueira tambeacutem
223
AHU ndash PE Cx 95 D 7501 224
Idem 225
Dados coletados de Ideia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexas Coleccedilatildeo Pernambuco
(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de
Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel
em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017
65
conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia
Teimosa no Recife 226
De acordo com dados levantados por Luiacutes Diogo Lobo entre Olinda e Recife os
engenhos estavam divididos nas seguintes freguesias Muribeca Cabo Ipojuca Varge Santo
Amaro de Jaboatatildeo Satildeo Lourenccedilo da Mata Nossa Senhora da Luz e Santo Antatildeo Estas
freguesias somadas possuiacuteam 90 engenhos funcionais e 17 que jaacute natildeo operavam Quanto agrave
vila de Sirinhaeacutem e seus termos contava com 43 engenhos ativos destes 10 estavam situados
na freguesia de Una 227
Goiana estava inserida na Vila de Igarassu a freguesia dispunha de
23 engenhos em atividade e um inativo Estas freguesias em sua maioria estavam localizadas
em aacutereas de faacutecil acesso ao transporte fluvial que permitiam tambeacutem que se adentrasse ao
interior do territoacuterio
Bahia da Traiccedilatildeo faz parte do estado da Paraiacuteba A listagem do governador Luiacutes Diogo
Lobo atesta que a capitania da Paraiacuteba naquele tempo contava com 20 engenhos em operaccedilatildeo
e dois em estado de fogo morto Quanto a ldquoSiaraacute Granderdquo como o nome jaacute informa se
encontra no atual estado do Cearaacute O documento de 1761 assegura que naquela capitania
havia apenas dois engenhos moentes e um inativo 228
Para o local denominado Tapagipe
ainda natildeo foi possiacutevel identificar a localizaccedilatildeo atual Como eacute possiacutevel visualizar boa parte
das localidades apontadas pelas autoridades como locais de circulaccedilatildeo de mercadorias ilegais
estavam proacuteximas a aacutereas de produccedilatildeo canavieira Aleacutem disso estes portos naturais se
situavam em maioria na regiatildeo sul da antiga capitania e possuiacuteam conexotildees com os sertotildees
atraveacutes das abundantes malhas fluviais que circundam o nordeste
Para nos ajudar a pensar espacialmente esta regiatildeo iremos fazer uso de duas imagens
A primeira uma carta topograacutefica das ldquocapitanias de que se compotildee o presente governo de
Pernambucordquo foi oferecida ao secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier
de Mendonccedila Furtado em marccedilo do ano de 1766 A carta traz detalhes a respeito dos
povoados e recantos da costa e do interior da capitania pernambucana incluindo locais
envolvidos nos circuitos do contrabando
226
PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008 227
Ainda de acordo com o documento a freguesia de Porto Calvo que atualmente faz parte do estado de
Alagoas pertencia a Vila de Sirinhaeacutem e como jaacute dito possuiacutea 14 engenhos ativos e um classificado como fogo
morto AHU ndash PE Cx 95 D 7501 228
Idem
66
Mapa 5 ndash Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766)
Fonte LAPEH ndash Laboratoacuterio de Pesquisa histoacuterica ndash Departamento de Histoacuteria CFCH UFPE
Legenda 1ndash Bahia da Traiccedilatildeo 2- Paraiacuteba 3- Goiana 4- Itamaracaacute 5- Cidade de Olinda 6- Vila de
Santo Antocircnio do Recife 7- Cabo de Santo Agostinho 8ndash Ilha de Santo Aleixo 9- Porto Calvo 10-
Entrada das Alagoas 11- Rio de Satildeo Francisco 12- Bahia de Todos os Santos
A segunda imagem trata-se de um Mapa tipograacutefico dos portos e Costa da Bahia
Olinda e Pernambuco do ano de 1776 O mapa feito por Nicolao Martinho foi encomendado
por Manoel Jozeacute de Noronha e Meneses o Conde dos Arcos como um oferecimento a seu tio
o Marquecircs de Angeja Mais complexo que a carta exposta acima o mapa mostra em detalhes
toda a Costa de Pernambuco e Bahia passando pelos atuais estados de Alagoas e Sergipe
incluindo suas vilas os rios e ribeiras e seus cursos o que nos permite ter uma melhor ideia
do espaccedilo onde ocorriam as transaccedilotildees comerciais alvo deste estudo
67
Mapa 6 ndash Mapa Tipograacutefico dos Portos e Costa da Bahia de todos os Santos
Olinda e Pernambuco (1776)
68
69
Fonte MARTINHO Nicolao Mappa tipografico dos portos e costa da Bahia de todos os Santos
Olinda e Pernambuco [Sl sn] 1776 1 mapa ms col tinta ferrogaacutelica e nanguim 51 x 159
Disponiacutevel em httpobjdigitalbnbracervo_digitaldiv_cartografiacart309964cart309964jpggt
Acesso em 01 de janeiro de 2018
A anaacutelise da documentaccedilatildeo base utilizada nesta pesquisa junto agraves duas imagens acima
nos fornecem dados para pensar em algumas hipoacuteteses sobre a circulaccedilatildeo dessas mercadorias
Acreditamos que os produtos ldquocontrabandeadosrdquo atraveacutes dos sertotildees chegavam as populaccedilotildees
de Recife e Olinda seguindo dois caminhos distintos O primeiro seria seguindo o fluxo do
Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias (destacado pela seta
vermelha no mapa 7) utilizando os caminhos jaacute bem conhecidos do comeacutercio das carnes e
couros ou seja atraveacutes das rotas do ldquoIpojucardquo e do ldquoCapibariberdquo aqui jaacute estudadas
Chegando ao litoral estas mercadorias eram desembarcadas em pequenos portos situados
preferencialmente no litoral sul de Pernambuco onde natildeo existia a fiscalizaccedilatildeo da Companhia
70
Geral A fiscalizaccedilatildeo no geral se restringia ao porto do Recife De acordo com os dados de
Luanna Ventura a entrada do porto de Recife estava localizada ao norte do forte do Brum 229
(destacado pela seta branca no mapa 7)
A segunda rota que acreditamos ter se utilizado neste comeacutercio seria a da navegaccedilatildeo
direta via costa mariacutetima entre Bahia (destacada pela seta amarela no mapa 7) e Pernambuco
Como podemos perceber atraveacutes do mapa acima existiam entre as duas capitanias uma vasta
aacuterea de Costa natildeo protegida pela empresa e como jaacute apontado neste trabalho diversas praias
do litoral pernambucano ofereciam condiccedilotildees de desembarque Esse tipo de roteiro que jaacute
aparece bem descrito em um manual de pilotagem e navegaccedilatildeo do seacuteculo XVII 230
ficava
restrito as embarcaccedilotildees maiores dada as condiccedilotildees de navegabilidade da regiatildeo Segundo o
manual a distacircncia entre Bahia e Pernambuco era de cerca de 100 leacuteguas ldquocorre a costa ateacute o
Rio de Satildeo Francisco de Nordeste sudoeste e haacute na derrota 50 leacuteguas e do Rio de Satildeo
Francisco ao Cabo de Santo Agostinho haacute 50 leacuteguas e corre a costa nordeste sudoesterdquo
Advertia ainda aos pilotos que tomassem cuidado pois ao norte do Rio de Satildeo Francisco por
volta de 5 leacuteguas existia um arrecife perigoso conhecido como ldquoBaixio de Dom Rodrigordquo 231
O processo crime em que se envolveu o senhor Manoel Ferreira dos Santos reforccedila
nosso argumento 232
pois neste caso cinco balsas carregadas de couros e solas vindas do
sertatildeo foram apreendidas junto ao rio do Jiquiaacute em Recife 233
pela desconfianccedila que as
autoridades tiveram de que as mesmas aguardavam barco para transportar tais mercadorias agrave
capitania baiana Um dos pontos utilizados na defesa do reacuteu eacute que natildeo existia no momento da
apreensatildeo nenhum barco que estivesse carregando para Bahia e que era de conhecimento
229
OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e
tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash
Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 230
Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO Antonio de Mariz
Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo
Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por Manoel da Sylva 1655 Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq== Data de acesso
01082017 231
Os Baixios de Dom Rodrigo satildeo grandes bancos de areia que estatildeo localizados a cerca de cinco quilocircmetros
da Costa do Pontal de Coruripe (Alagoas) no meio do oceano Haacute vaacuterios casos de naufraacutegio registrados no local
Conseguimos mapear junto ao nosso acervo documental um naufraacutegio ocorrido no local no ano de 1774
tratava-se do Bergantim de nome ldquoNossa Senhora da Guia e Satildeo Francisco da Paulardquo que saindo da cidade do
Rio de Janeiro com destino a Corte acabou dando de encontro com os bancos o que na ocasiatildeo levou a oacutebito 8
das 22 pessoas embarcadas De acordo com o documento as pessoas que morreram foram ldquoBaltazar Pereira dos
Reis (soacutecio do barco) o capelatildeo o escrivatildeo sota-piloto dois marinheiros uma preta e uma mulatinhardquo Fonte
AHU ndash PE Cx 117 D 8954 232
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 233
O rio do Jiquiaacute estaacute localizado no atual bairro do ldquoCordeirordquo no municiacutepio de Recife
71
geral que aquelas balsas natildeo aguentariam uma viagem ldquopara o tempestuoso mar de barra em
forardquo 234
sem danificar suas mercadorias
Como dito anteriormente a praacutetica do contrabando na capitania pernambucana
durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial estabelecido pela Companhia Geral seraacute
abrangente e disseminada No entanto os circuitos comerciais ligando as capitanias vizinhas
teratildeo papel de destaque dentro deste comeacutercio descaminhado As rotas sertanejas haacute muito
utilizadas para o comeacutercio legal das carnes passaram a operar tambeacutem com transaccedilotildees natildeo
aprovadas e o comeacutercio direto entre os vaacuterios portos do litoral pernambucano em especial
aqueles que estavam nas proximidades de engenhos e a capitania da Bahia ganharatildeo vulto
durante este periacuteodo
Assim rios e pequenos portos tanto do litoral quanto das localidades interioranas
funcionavam como vias de escoamento de toda uma gama de iliacutecitos os contrabandistas faratildeo
entrar nas Praccedilas da Bahia e de Pernambuco atraveacutes das rotas aqui descritas uma grande
quantidade de mercadorias natildeo autorizadas Estes grupos estavam cientes dos poucos riscos
de se praticar aquele comeacutercio devido a parca fiscalizaccedilatildeo exercida pela Companhia Os
circuitos comerciais desenvolvidos nas paragens sertanejas seratildeo peccedila chave na rede de
abastecimento do mercado ilegal que se estabeleceu entre Bahia e Pernambuco na segunda
metade do XVIII
A fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral comumente restringia-se ao porto do Recife por
onde deveriam ser embarcadas e desembarcadas todas as mercadorias chegadas a capitania
pernambucana Ressalta-se aqui que o monopoacutelio da Companhia natildeo se estendia aos sertotildees
como nos revela o seu documento de instalaccedilatildeo no capiacutetulo 25 Onde se afirma que
[] Eacute Vossa Majestade servido conceder-lhe o comeacutercio exclusivo das duas
capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com todos os seus distritos []
exceptua-se poreacutem o comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba para os portos do
sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco do Sul o qual seraacute livre a todas e
quaisquer pessoas como ateacute agora o tem sido 235
Como podemos observar o documento atesta que a navegaccedilatildeo feita pelos portos do
sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco permaneceria livre no entanto alguns casos
analisados por noacutes apontam que mercadorias vindas destas regiotildees muitas vezes eram
234
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 235
Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762
Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e
Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 290
72
encaradas pelas autoridades como frutos de contrabando Esta questatildeo daraacute azo para uma seacuterie
de disputas envolvendo os comerciantes sertanejos e a Companhia Geral Isto porque ao que
indicam dois processos crimes utilizados nesta pesquisa 236
a direccedilatildeo da empresa ao longo de
seus primeiros oito ou nove anos de instalaccedilatildeo natildeo se preocupou em controlar tal comeacutercio o
fazendo apenas ldquodepois daquele tempo sem mostrar ordem reacutegia que declarasse ao arbiacutetrio da
proibiccedilatildeo o artigo 25 e reprovasse a inteligecircncia e praxe dos comerciantes em tempo tatildeo
dilatadordquo 237
A Companhia passa a tomar esse controle por forccedila de um edital lanccedilado
posteriormente 238
no entanto este edital natildeo tinha forccedila de lei uma vez que tal documento
natildeo era referendando por nenhuma ordem reacutegia Esta decisatildeo da direccedilatildeo pernambucana seraacute
contestada judicialmente nos dois casos aqui jaacute mencionados pois afirmavam as defesas dos
comerciantes que tal ldquoedital da direccedilatildeo natildeo eacute lei nem assento com forccedila de lei nem os
deputados tem jurisdiccedilatildeo alguma para arrogarem a si ambiciosa e arbitrariamente o que a
instituiccedilatildeo natildeo permitiurdquo 239
e tambeacutem ldquoque a direccedilatildeo natildeo pode ampliar nem limitar os
estatutos da companhia nem proibir o que eles natildeo proiacutebemrdquo 240
Contestavam tais defesas o poder que permitia a direccedilatildeo subalterna de Pernambuco
passar por cima dos estatutos da empresa em assunto tatildeo importante como o comeacutercio sem a
deliberaccedilatildeo de uma diretiva ou ordem real Afirmavam que este comeacutercio ateacute o ano de 1770
havia se conservado livre e que era inconcebiacutevel que a direccedilatildeo sem ordem reacutegia fizesse limitar
os estatutos contrariando a liberdade de comeacutercio que desde sempre se praticava por aquelas
bandas pois o papel de ldquolimitar e derrogar leis soacute compete ao soberano legislador e natildeo aos
inferiores seus vassalosrdquo 241
Pelo que fica claro a Companhia em Pernambuco soacute passa a se preocupar com o
comeacutercio realizado nas rotas sertanejas apoacutes um periacuteodo significativo de tempo de sua
instalaccedilatildeo Muito provavelmente apoacutes estes primeiros oito ou nove anos foi possiacutevel a direccedilatildeo
da empresa perceber como estas rotas sertanejas eram importantes para economia da capitania
236
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 237
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 15 238
Natildeo foi possiacutevel identificar a data exata de tal documento no entanto de acordo com os processos aqui
citados o edital provavelmente o edital foi expedido entre 1769 e 1770 239
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 85 240
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 241
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f
85-86
73
e quatildeo grande eram as perdas que se tinham ao natildeo controlar o comeacutercio do interior em suas
ligaccedilotildees com outras praccedilas coloniais sobretudo com Bahia e Rio de Janeiro
A atitude da empresa vem atestar que os circuitos sertanejos tinham expressividade
econocircmica a eacutepoca jaacute que natildeo se teria o trabalho de coibir um comeacutercio que fosse pouco
relevante financeiramente ou mesmo desvantajoso Eacute importante destacar tambeacutem que os
limites jurisdicionais de atuaccedilatildeo da empresa natildeo estavam bem definidos nos estatutos e que o
entendimento do que poderia ser considerado como aacuterea sertaneja era bastante subjetivo
Afinal de contas como jaacute vimos natildeo se tinha um consenso a respeito do conceito de sertatildeo
Entatildeo a histoacuteria dos contrabandos aqui contada se reparte em dois momentos o
momento preacute 1770 quando a Companhia ainda natildeo exercia um controle riacutegido sobre os
sertotildees e poacutes 1770 quando a direccedilatildeo em Pernambuco passa a exercer maior poder sobre os
negoacutecios desenvolvidos naquelas paragens Explicitamos neste momento que nossa escolha
metodoloacutegica se deu no sentido de preservar os termos originais utilizados pelas autoridades
ao tratar sobre a questatildeo deste comeacutercio feito no interior destacando sempre que possiacutevel as
variaccedilotildees interpretativas entre autoridades baianas e pernambucanas No geral a denominaccedilatildeo
ldquocontrabandordquo seraacute bastante utilizada pelas autoridades mas o termo ldquodescaminhordquo tambeacutem
seraacute usado para se referir ao comeacutercio extralegal
Dessa forma o conceito de contrabando neste estudo seraacute utilizado para abrigar uma
seacuterie de casos apontados pela documentaccedilatildeo base que agregam produtos comercializados
tanta no porto do Recife por onde teoricamente deveriam ser embarcadas e desembarcadas
todas as mercadorias chegadas a capitania pernambucana quanto mercadorias vindas do
sertatildeo que tinham como destino a Bahia ou ateacute mesmo outros portos do litoral de Pernambuco
que natildeo o porto do Recife Salientando que nem tudo que em um primeiro momento eacute
apontado como contrabando pelas autoridades de fato se enquadra nesta categoria
Ressaltamos ainda que a Companhia permitia o comeacutercio sertanejo se as mercadorias
vindas daqueles locais (sobretudo couros e solas) tivessem como destino final o porto do
Recife onde seriam negociadas com a empresa Tambeacutem eacute vaacutelido pontuar que o comeacutercio das
carnes estava excetuado deste controle e continuou livre como sempre o foi A exceccedilatildeo feita
aos negoacutecios das carnes seraacute motivo de contrariedade entre os comerciantes e a direccedilatildeo da
empresa Ainda nos dois casos aqui citados as respectivas defesas iratildeo contestar a razatildeo deste
comeacutercio que tambeacutem se dava no sertatildeo ser permitido em detrimento de outros gecircneros As
ditas defesas iratildeo alegar que ldquonenhuma razatildeo haacute para que seja livre o comeacutercio da carne e natildeo
74
seja igualmente o dos courosrdquo 242
e vatildeo aleacutem afirmando que se o comeacutercio de outros produtos
era proibido ldquose havia de ser tambeacutem proibido o trazer carnes do Sertatildeo e vende-las a Bahia e
Rio de Janeiro como se fazrdquo 243
O comeacutercio legal das carnes iraacute gerar outros problemas para Companhia pois se
aproveitando do expediente de ir comerciar as carnes no sertatildeo alguns comerciantes iratildeo se
valer desta liberdade para transportar produtos vedados Eacute o que afirma em ofiacutecio do ano de
1770 o entatildeo governador de Pernambuco Manuel da Cunha Meneses ao falar sobre as
ldquoperniciosas contravenccedilotildeesrdquo que se estabeleceram entre Pernambuco e Bahia atraveacutes das rotas
sertanejas O governador neste ofiacutecio afirma que ldquoos mesmos barcos dos portos livres que
vatildeo fazer as carnes ao sertatildeo [] introduzem tambeacutem fazendas pelo Siaraacute pela vizinhanccedila de
uma capitania com a outrardquo 244
Como podemos perceber atraveacutes do exposto ateacute o momento o contrabando foi uma
praacutetica recorrente e extensiva durante o periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial exercido
pela Companhia Geral Apesar do caraacuteter disperso desse tipo de praacutetica destacam-se neste
interim os circuitos desenvolvidos entre Pernambuco e Bahia Para o periacuteodo do nosso estudo
as ligaccedilotildees comerciais entre as duas praccedilas jaacute estavam solidificadas O comeacutercio entre as
capitanias vizinhas aconteciam de acordo com nossas fontes de duas formas por via direta
atraveacutes do mar e majoritariamente pelas rotas sertanejas que no seacuteculo XVIII eram pelo
menos duas ndash o ldquoCaminho do Ipojucardquo e o ldquoCaminho do Capibariberdquo - e conectavam as duas
capitanias Tendo isto em mente no proacuteximo capiacutetulo procederemos a anaacutelise dos casos
colhidos junto ao nosso conjunto documental
242
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 69 243
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 244
AHU ndash PE Cx 108 D8371
75
3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE
PRODUTOS
31 As mercadorias
Agora que jaacute vimos as possiacuteveis rotas percorridas pelos grupos de contraventores
podemos nos ater aos casos e mercadorias que nelas circulavam Como jaacute dito anteriormente
a fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral era restrita ao porto de Recife e lembramos ainda que
apesar da Companhia natildeo deter o monopoacutelio para o comeacutercio realizado nos sertotildees a partir do
ano de 1770 a empresa de maneira geral iraacute encarar todo o comeacutercio realizado fora do porto
do Recife como passiacutevel de ser enquadrado em crime de contrabando Dessa forma podemos
observar junto a nossa documentaccedilatildeo um aumento no volume de apreensotildees a mercadorias e
embarcaccedilotildees apoacutes 1770 bem como um maior empenho das autoridades locais na repressatildeo
de tal praacutetica
O que podemos afirmar atraveacutes da investigaccedilatildeo eacute que na verdade os chamados ldquoportos
livresrdquo tambeacutem seratildeo afetados pela poliacutetica monopolizadora da Companhia Geral pois na
verdade o problema maior natildeo se encontrava na realizaccedilatildeo do comeacutercio nestas regiotildees que
como jaacute vimos existia muito antes da fundaccedilatildeo da empresa Mas sim no destino que essas
mercadorias tomavam vindo invariavelmente inundar a praccedila mercantil de Pernambuco com
produtos bem mais em conta do que os vendidos pela empresa A preocupaccedilatildeo tambeacutem se
dava em sentido contraacuterio ou seja com os produtos que saiam de Pernambuco e iam
abastecer a Praccedila baiana sem passar pelas matildeos da Companhia ou mesmo se isentando de
pagar os direitos dos contratos reais
Os produtos que circulavam entre as duas praccedilas eram diversos Iam e vinham para os
portos de Pernambuco e Bahia uma grande sorte de mercadorias Satildeo aproximadamente 19 o
total de ocorrecircncias no nosso conjunto documental onde constam informaccedilotildees precisas sobre
o material apreendido nas embarcaccedilotildees capturadas pelas autoridades Alguns desses casos
possuem em seus anexos a lista de carga ou relaccedilotildees de carga onde ficam registrados todos os
produtos transportados por aqueles barcos bem como os locais de onde vieram estas
mercadorias Nelas tambeacutem eacute possiacutevel encontrar dados sobre valores unitaacuterios e totais e ainda
a respeito de quantidades
76
Eacute possiacutevel identificar a origem do produto atraveacutes do selo da alfacircndega que nele
consta natildeo era raro que o material potencialmente descaminhado chegasse sem selo algum o
que tambeacutem eacute reportado pelas autoridades quando expediam as tais listas de cargas Em nossa
documentaccedilatildeo contamos com seis relaccedilotildees de cargas que continham produtos que foram
apreendidos pelas autoridades pernambucanas por suspeita de contrabando com selos da
alfacircndega da Bahia Tomaremos como exemplo do tracircnsito de produtos entre Bahia e
Pernambuco trecircs casos deste total a fim de ilustrar a grandiosidade deste comeacutercio
A primeira lista diz respeito a uma sumaca que em 1779 foi apreendida na praia de
Pau Amarelo em Pernambuco onde estava trocando as suas fazendas de contrabando por
gecircneros da terra ldquocomo fosse tabaco sola e melrdquo 245
Boa parte da carregaccedilatildeo desta sumaca
estava sem selo ou seja eram mercadorias que aleacutem de adentrarem ilegalmente no territoacuterio
da Companhia Geral vinham sem pagar dinheiro algum a Fazenda Real Tambeacutem foram
encontrados produtos selados pela Alfacircndega de Lisboa Segue relaccedilatildeo dos produtos
confiscados que vinham com o selo da Alfacircndega da Bahia 246
Tabela 1 - Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau Amarelo)
QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO
UNITAacuteRIO
PRECcedilO
TOTAL
6
Peccedilas de Camas Listradas 800 reacuteis 48000 reacuteis
1
Peccedila de tafetaacute azul com 21 cocircvados
240 reacuteis 21840 reacuteis
1 Retalho de druguete pardo com 15
cocircvados
300 reacuteis 4500 reacuteis
22
Peccedilas de fitas matizes 1600 reacuteis 35200 reacuteis
Fonte AHU ndash PE CX 132 D 9955
A segunda ocorrecircncia versa sobre uma embarcaccedilatildeo apreendida no mesmo ano de
1779 em Sirinhaeacutem jurisdiccedilatildeo de Pernambuco Os documentos natildeo trazem muitos detalhes
sobre o caso sabemos apenas que o mestre da embarcaccedilatildeo se chamava Antocircnio Pereira mas a
lista de cargas revela a suntuosidade deste comeacutercio Consta nessa relaccedilatildeo anexa ao
245
AHU ndash PE CX 132 D 9955 246
Medidas-padratildeo comumente utilizadas nas tabelas que trabalharemos Braccedila - 184 centiacutemetros
Cocircvados - 66 centiacutemetros Palmo ndash 22 centiacutemetros Varas - 110 centiacutemetros
77
documento nada menos que 151 tipos de produtos diferentes a exemplo do caso anterior a
maior parte estava sem selo As mercadorias que tinham selo da Alfacircndega da Bahia
encontram-se na tabela abaixo
Tabela 2 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia (Sirinhaeacutem)
QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO
UNITAacuteRIO
PRECcedilO
TOTAL
4 Peccedilas de cadiaez
800 reacuteis 3200 reacuteis
6 Peccedilas de riscado de Dio
1280 reacuteis 7680 reacuteis
6 Peccedilas de riscado de Surrate
1280 reacuteis 7680 reacuteis
43 Varas de pano de linho ordinaacuterio
180 reacuteis 7740 reacuteis
4 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com
73 varas
180 reacuteis 13140 reacuteis
5 Peccedilas de tustatildeo
Natildeo consta 17500 reacuteis
9 Varas de esguiatildeo ordinaacuterio
Peccedilas de tustatildeo 3150 reacuteis
15 Lenccedilos brancos com listras azuis
ordinaacuterios
220 reacuteis 3300 reacuteis
8 Peccedilas de riscado de Dio
1280 reacuteis 10240 reacuteis
29 Peccedilas de riscado de Surrate
1280 reacuteis 37120 reacuteis
16 Peccedilas de riscado de Linho
1800 reacuteis 28800 reacuteis
1 Peccedilas de Chita da Iacutendia
Natildeo consta 6000 reacuteis
8 Peccedilas de Chita do Norte com 64
cocircvados
2000 reacuteis 4000 reacuteis
1 Retalho de Serafina Azul com 6 cocircvados
220 reacuteis 14080 reacuteis
78
1 Retalho de Durante branco com 4
cocircvados
160 reacuteis 960 reacuteis
1 Retalho de doruguete verde traccedilado 4
cocircvados
75 reacuteis 300 reacuteis
64 Peccedilas de Balagarte
100 reacuteis 400 reacuteis
1 Peccedilas de baeta verde com 54 cocircvados
800 reacuteis 51200 reacuteis
2 Peccedilas de fita de listra azul encarnado
380 reacuteis 21280 reacuteis
2 Retalho de pano de linho ordinaacuterio com
54 varas
300 reacuteis 600 reacuteis
48 Peccedilas de Cadiaez pequenas
180 reacuteis 7720 reacuteis
21 Pares de meias de linhas
800 reacuteis 38400 reacuteis
6 Peccedilas de lenccedilo ordinaacuterio com 60 lenccedilos
240 reacuteis 5040 reacuteis
1 Retalho de brim de flores com 40
cocircvados
160 reacuteis 9600 reacuteis
10 Chapeacuteus de baeta
100 reacuteis 4000 reacuteis
17 Lenccedilos azuis de tabaco
360 reacuteis 3600 reacuteis
1 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com
34 varas
160 reacuteis 2720 reacuteis
1 () 27 varas
180 reacuteis 1755 reacuteis
5 Peccedilas de Chita da Costa
180 reacuteis 4860 reacuteis
4 Peccedilas de cadiaez 3000 reacuteis
15000 reacuteis
1 Incetada de pano de linho ordinaacuterio com
72 varas
800 reacuteis 3200 reacuteis
79
1 Peccedilas de brim cru de 48 cocircvados 180 reacuteis
4320 reacuteis
1 Peccedilas de estufo de latilde encarnado 40
cocircvados
90 reacuteis 10000 reacuteis
1 Peccedilas de carro de ouro com 40 cocircvados
250 reacuteis 20000 reacuteis
16 Peccedilas de riscado Surrate
500 reacuteis 20480 reacuteis
13 Peccedilas de riscado de Dio
1280 reacuteis 16640 reacuteis
1 Peccedilas de Riscado de Linho
Natildeo consta 1800 reacuteis
33 Peccedilas de cadiaez
800 reacuteis 26400 reacuteis
2 Peccedilas de Chita
2000 reacuteis 4000 reacuteis
7 Peccedilas de Chita da Costa
3000 reacuteis 21000 reacuteis
1 Peccedilas de lenccedilos encarnados ordinaacuterios
de tabaco
160 reacuteis 1600 reacuteis
1 Peccedilas de boceta
Natildeo consta 900 reacuteis
1 Peccedilas de chita azul do norte com 22
cocircvados
220 reacuteis 4840 reacuteis
1 Retalhos de linho ordinaacuterio com 34
varas
180 reacuteis 6120 reacuteis
5 Chapeacuteus de baeta
300 reacuteis 1500 reacuteis
44 Peccedilas de pano de linho ordinaacuterio com
2052 varas
180 reacuteis 369360 reacuteis
46 Peccedilas de bertanha de Hamburgo
1200 reacuteis 55200 reacuteis
80
9 Peccedilas de Hamburgo ou aniagem
100 reacuteis 53700 reacuteis
6 Peccedilas de Riscado Patavar
2000 reacuteis 12000 reacuteis
3 Peccedilas de Riscado de Patavar
Natildeo consta Natildeo Consta
Fonte AHU ndash PE Cx133 D 9966
Por uacuteltimo trazemos o caso de uma sumaca que segundo consta vinha do porto de Una
carregada de caixas de accediluacutecar junto a duas jangadas De acordo com o governador de
Pernambuco a eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses relator do caso a Coroa ainda natildeo havia sido
possiacutevel identificar quem era o dono da dita embarcaccedilatildeo mas os produtos vinham em sua
maioria com selo da Alfacircndega da Bahia Satildeo eles
Tabela 3 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una)
QUANTIDADE LISTA DOS PRODUTOS PRECcedilO
UNITAacuteRIO
PRECcedilO
TOTAL
13 Peccedilas de Chitas da Iacutendia Ordinaacuterias
4000 52000
78
Panos da Costa 640 49920
5
Maccedilos de fitas de linho 2400 12000
1315
Duacutezia de facas flamengas 640 84160
555
Peccedilas de Linhas de Surrales 1300 721500
421
Peccedilas de Bertanhas de Hamburgo 1200 715700
56
Peccedilas de Paniclos 1200 67200
5 Duacutezias e 5 de peles de Marroquins
6400 34665
26
Peccedilas de Chitas de Surrates 1600 41600
129
Meias peccedilas de cadeas 1300 167700
81
5
Peccedilas de Linhas de Dio 2000 10000
13
Peccedilas de Procoloacutes 1300 16700
96
Covados de Chitas do Norte 320 30720
1
Peccedilas de Druguete Rei 6000 6000
1
Peccedilas de Berlanha de Holanda 2000 2000
8
Lenccedilos Vermelhos 320 2560
8
Peccedilas de camas lavradas 10000 80000
8
Varas de Esguiatildeo 480 4080
55
Covados delu felaacute 360 1980
8
Covados de Durante 240 1920
5
Covados de Sarja 320 1600
10
Varas de estamanha 400 4000
823
Covados de Camelatildeo 180 148140
1065
Varas de pano de linho da Ilha 180 192240
855
Covados de Serquilha da Ilha 120 10260
13435 Varas de pano de linho
300 403050
38
Peccedilas de Cadeaacutes 2400 91200
6
Covados de baeta com xeste 500 3000
22 Resmas de papel florete 1000 22000
82
4
Peccedilas de Linhas Patavares 2000 8000
582
Annas de Amburgo 160 93120
79
Covados de Serguilha de Franccedila 400 31600
15
Varas de Crez 100 1500
Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9245
Podemos perceber atraveacutes das listas aqui expostas a grande variedade de produtos que
circulavam entre Bahia e Pernambuco Outro dado relevante que conseguimos inferir atraveacutes
das tabelas eacute de que esse comeacutercio descaminhado estava conectado aos circuitos mercantis
atlacircnticos o que pode ser constatado pela grande variedade de gecircneros europeus constantes
nas cargas As fazendas europeias sobretudo os tecidos que aparecem em grande monta nas
listas de carga aqui transcritas eram necessaacuterios para a realizaccedilatildeo de trocas e vendas pelos
efeitos da terra Aleacutem das fazendas jaacute citadas caixas de accediluacutecar madeira tabaco escravos
mel sola e couro seratildeo uma constante na documentaccedilatildeo
A relaccedilatildeo aqui demonstrada natildeo daacute conta da grande diversidade de produtos que
transitavam entre as duas praccedilas enfatizamos apenas aqueles que aparecem em maior grau na
documentaccedilatildeo trabalhada 247
Devemos atentar tambeacutem que para efeitos praacuteticos soacute
colocamos em nossas listas de cargas produtos que vinham selados pela Alfacircndega da Bahia
mas muito provavelmente os produtos destas embarcaccedilotildees que vinham sem selo tambeacutem
fossem provenientes das paragens soteropolitanas e de seus interiores como acontece em
outros casos do nosso acervo documental 248
Em algumas ocorrecircncias junto a descriccedilatildeo das cargas constavam tambeacutem as marcas
de seus carregadores Era comum que comerciantes possuiacutessem uma espeacutecie de marca ou
247
Os documentos que fundamentam este tracircnsito satildeo numerosos e encontram-se disponiacuteveis no AHU PE AL
e BA e nos arquivos da ANTT 248
Muitos produtos de embarcaccedilotildees provenientes da Bahia chegavam ateacute Pernambuco sem selo algum Vale
ressaltar que durante boa parte do seacuteculo XVIII Salvador funcionou como um centro distribuidor dos panos
indianos produto essencial para a compra de escravos na regiatildeo da Aacutefrica Centro-Ocidental Essas fazendas
chegavam ateacute capitania baiana atraveacutes de uma rede de contrabando que ligava diretamente as possessotildees
portuguesas da Ameacuterica e da Aacutesia Sobre isto ver ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica
Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares
Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013
83
siacutembolo que eram inseridas em suas mercadorias para identificar seus produtos e facilitar as
transaccedilotildees junto a seus comissaacuterios e representantes Na nossa documentaccedilatildeo essas marcas
aparecem principalmente nas situaccedilotildees onde as investigaccedilotildees aconteceram de maneira mais
acurada Nesses casos aleacutem de relacionar as mercadorias colocava-se ao lado o siacutembolo ou
marca que nele aparecia e se possiacutevel o nome do dono Nem sempre as autoridades eram
capazes de identificar a quem pertencia determinada marca ou siacutembolo devido a
grandiosidade do mercado e de serem muitos os comerciantes atuantes na capitania
Figura 1 ndash Exemplo de marcas encontradas na documentaccedilatildeo (destacados)
Fonte AHU- PE Cx 137 D 10234
Infelizmente nem todos os relatos de contrabando trazem grande riqueza de detalhes
acerca dos eventos Isto porque nem sempre se faziam as devassas dessas embarcaccedilotildees
apreendidas e tambeacutem porque boa parte desses barcos citados pelos agentes reais natildeo
chegaram de fato a serem confiscados apenas tendo estes oficiais notiacutecias sobre os
descaminhos No entanto possuiacutemos alguns casos no nosso acervo que nos fornecem maiores
informaccedilotildees e que nos parecem ser importantes para a visualizaccedilatildeo de um panorama mais
abrangente da natureza dos descaminhos praticados nestas paragens Para efeitos praacuteticos os
organizaremos aqui sobre a forma de tabela
84
Tabela 4 ndash Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas
Legenda PO = Porto de Origem P A = Porto de Apreensatildeo P D = Porto de Destino Fonte AHU
ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 133 D 10003 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash BA Cx 181
D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 137 D 10197
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria
da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2
Eacute claro que esta tabela natildeo eacute capaz de expressar todo o volume do comeacutercio abordado
nesta pesquisa nela natildeo constam diversas outras ocorrecircncias que nos utilizamos ao longo da
redaccedilatildeo deste trabalho bem como natildeo demonstra as minuacutecias de cada caso mas ela nos serve
para pensar a ordenaccedilatildeo deste comeacutercio Como podemos observar boa parte das embarcaccedilotildees
NOME TIPO
MESTRE
PILOTOMARINHEIROS DONO P O P A P D
Galiatildeo Navio
Numeriano Gregorio
Joze da Sylva Navio Real Lisboa Recife LisboaO Senhor do Bom Jesus
das Portas Nossa
Senhora do Pilar -
Xibante Sumaca Manoel Francisco Manoel Vieira de Mello Jaguaribe Recife Bahia
Navio Novo Natildeo consta Natildeo consta
Diogo Francisco dos
Santos Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo constaNossa Senhora da
Conceiccedilatildeo Santo
Antonio e Almas Sumaca Joaquim Antonio Antonio Joze Roberto Bahia Goiana Natildeo consta
Aacuteguia do Doiro
Lancha
(pertencente a
corveta da
Companhia
Geral Aacuteguia
do Doiro) Antonio Gomes Viana Navio Real Porto - Portugal Praia da Fortaleza do Brum Natildeo consta
Jaguaribe Sumaca
Antonio Joze dos
Santos
Manoel Roiz
Lemanha e Francisco
de Passos Vianna Natildeo consta
Camarajibe - Distrito de Porto
Calvo Natildeo consta
Sagrada Famiacutelia Sumaca
Manoel Coelhos
Francisco Joze
Cardoso Manoel de
Souza e Henrique
Antonio Natildeo consta Natildeo consta Recife Bahia da TraiccedilatildeoSenhor do Bonfim Santo
Antonio e Almas Sumaca Manoel Pavatildeo Gouvea
Joatildeo Antonio
Rodrigues Natildeo consta Ilha de Santo Aleixo Bahia Nossa Senhora do
Rozaacuterio Flor de Satildeo
Miguel Sumaca Joseacute Gonccedilalves
Comerciante da
Bahia Natildeo consta Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta
Natildeo Consta Sumaca Antonio Dias Santiago
Jacomo Rumachi
Della Praccedila Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta
Natildeo Consta Sumaca
Ignacio Vicente
Fernandez
Joseacute ou Fulano de
Arauacutejo Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta
Natildeo Consta Balsas
Luiz de Franccedila
Cordeiro Manoel de
Jesus Ramos Joseacute
Rodrigues da Silva
Manoel Martins de
Almeida
Manoel Antonio dos
Santos sertatildeo Ilha do Nogueira Bahia
Escuta em Roma Natildeo consta Natildeo consta Joseacute de Aragatildeo Bahia Uma Bahia
85
que se empregavam neste ramo mercantil eram categorizadas como sumacas As sumacas
eram pequenos veleiros utilizados principalmente na navegaccedilatildeo de cabotagem
Em ofiacutecio do ano de 1775 em que o governador de Pernambuco comunica ao
secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar do Reino o envio de homens para a capitania do
Rio de Janeiro este iraacute afirmar que remeteu ldquoAo Marquecircs cento e oito marinheiros a saber
quarenta e oito por quatro sumacas em razatildeo de natildeo haver navio grande que os pudesse
transportar todosrdquo 249
Fazendo uma conta de divisatildeo baacutesica temos como resultado que a
capacidade destas embarcaccedilotildees girava em torno de 12 homens o que nos parece um resultado
bem razoaacutevel e coerente com os casos em que possuiacutemos o nuacutemero de marinheiros por
embarcaccedilatildeo
Neste mesmo documento Joseacute Cesar de Meneses remete mapa das embarcaccedilotildees
marinheiros e pescadores que possuem a capitania de Pernambuco a Corte Declara o
governador haver na ocasiatildeo sessenta e nove sumacas na capitania divididas da seguinte
forma
Tabela 5 - Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos portos do
Brasil
LOCAL QUANTIDADE
RECIFE
52
SIRINHAEM
3
IGARASSU
2
MEIRIM
1
SANTA LUZIA
4
GOIANAITAMARACAacute
2
RIO GRANDE
3
RUSSAS
1
249
AHU ndash PE Cx 120 D 9196
86
PARAIacuteBA
1
TOTAL
69 SUMACAS
Fonte AHU ndash PE Cx 120 D 9196
O documento eacute importante pois nos lanccedila pistas sobre o volume das sumacas
existentes na capitania aleacutem de nos informar que esta era o principal tipo de embarcaccedilatildeo
utilizada pelos comerciantes pernambucanos uma vez que no mesmo mapa na categoria de
ldquoclassesrdquo soacute constam mais dois tipos de barcos as corvetas que estatildeo em nuacutemero de seis e as
galeras com um uacutenico exemplar Ou seja praticamente todo o comeacutercio de navegaccedilatildeo seja
ele liacutecito ou natildeo feito em Pernambuco e suas anexas era realizado atraveacutes das sumacas que
como jaacute visto eram embarcaccedilotildees mais apropriadas para o comeacutercio de cabotagem
32 Os casos
Agora que jaacute sabemos quais produtos circulavam por estas rotas podemos nos deter
com mais detalhes na anaacutelise de alguns dos casos mais peculiares encontrados em nosso
acervo Devemos lembrar que a partir da segunda metade do seacuteculo XVIII a Coroa buscou
controlar de forma mais efetiva suas conquistas no Ultramar O comeacutercio nas colocircnias seraacute
alvo preferencial das poliacuteticas centralizadoras empreendidas neste contexto O ministro de D
Joseacute I iraacute demandar preciosa atenccedilatildeo agrave atividade comercial na tentativa de resgatar e reerguer o
comeacutercio com suas colocircnias o marquecircs buscaraacute se associar ao grupo mercantil que a eacutepoca jaacute
detinha vultosos cabedais passa entatildeo a conceder-lhes favores e privileacutegios antes reservados a
uma elite ligada a terra
O periacuteodo pombalino seraacute marcado pela alianccedila que iraacute unir a Monarquia ao grupo
mercantil 250
As mudanccedilas preconizadas por Pombal seratildeo fundamentais para a integraccedilatildeo
desses homens a chamada elite colonial Neste momento as capitanias mais destacadas do
Norte da Ameacuterica Portuguesa jaacute contavam com uma rede complexa de comeacutercio que se
estendia do Ultramar ao interior como assegura Russel-Woody ao afirmar que ldquoSalvador e
250
SAMPAIO Antonio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio e a coroa na construccedilatildeo das hierarquias sociais O
Rio de Janeiro na primeira metade do seacuteculo XVIII In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs)
Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 2010 P 462-463
87
Recife natildeo se apresentavam mais como meros portos de entrada para pessoas acometidas pela
febre do ouro expandindo igualmente seus alcances em relaccedilatildeo aos mercados internos para
produtos europeus e escravos africanosrdquo 251
Essa nova configuraccedilatildeo social que insere os homens de negoacutecio na elite traraacute junto a
si uma remodelagem nos equiliacutebrios sociais que foram construiacutedos ao longo da colonizaccedilatildeo
O que por ventura iraacute acarretar uma seacuterie de disputas entre os grupos que compunham esta
elite de um lado a nobreza da terra elite tradicional e histoacuterica do outro os homens de
negoacutecio elite mercantil indispensaacutevel para a execuccedilatildeo das reformas empreendidas pelo
governo pombalino O papel da Coroa nesse interim seraacute o de mediar os interesses e
apaziguar os conflitos agindo no sentido de garantir o funcionamento do sistema 252
A dinacircmica do comeacutercio em Pernambuco durante o periacuteodo estudado eacute complexa De
um lado temos um grupo mercantil jaacute bem estabelecido e detentor de amplo capital do outro
lado temos a implementaccedilatildeo na segunda metade do XVIII de dois organismos reguladores
do comeacutercio colonial a Mesa de Inspeccedilatildeo 253
e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba
Instituiccedilotildees criadas pela metroacutepole com o objetivo de assegurar maior controle sobre a
circulaccedilatildeo de riquezas dentro do Impeacuterio Portuguecircs canalizando-as para o Reino
Uma contradiccedilatildeo notoacuteria se estabelece entre os interesses reais e os interesses
coloniais Segundo a documentaccedilatildeo trabalhada e os recentes estudos sobre administraccedilatildeo
portuguesa no Ultramar percebemos que em Pernambuco tambeacutem se desenvolveu o processo
de aparelhaccedilatildeo das instituiccedilotildees administrativas ao atendimento dos interesses locais 254
Longos anos de autonomia das elites de Pernambuco de praacuteticas de direito oriundas de
questotildees especificas do cotidiano da Capitania de formas de realizar a riqueza no acircmbito do
local promoveram como era de se esperar muacuteltiplas reaccedilotildees
No bojo destas questotildees o contrabando como estrateacutegia de se esquivar do controle
imposto pela Coroa ganha forccedila Comecemos entatildeo a tratar sobre o contrabando de caixas de
accediluacutecar um dos produtos mais descaminhados do periacuteodo Muitos senhores de engenho se
251
WOOD-RUSSEL AJR Centros e periferias no Mundo Luso-Brasileiro1500-1808 Revista Brasileira de
Histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 n 361998 P 29 252
SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Op Cit P 462 253
A mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e Tabaco eacute criado em Pernambuco no ano de 1752 a instituiccedilatildeo reguladora
tinha como prerrogativa controlar a qualidade do accediluacutecar e do tabaco produzidos e comercializados na capitania
evitar fraudes e contrabandos agindo ainda na fiscalizaccedilatildeo e fixaccedilatildeo dos preccedilos bem como atuar no sentindo de
aumentar a cultura do accediluacutecar na capitania 254
SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do Recife agrave poliacutetica
pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime poderes e sociedades
Lisboa 2005 P 4
88
arriscaram em transaccedilotildees de venda direta de suas safras a comerciantes baianos Esses
produtores certamente se sentiam vexados em seus negoacutecios com a empresa jaacute que por
muitas vezes a direccedilatildeo da Companhia se negava a pagar o preccedilo estabelecido pela Mesa de
Inspeccedilatildeo bem como pagar os subsiacutedios sobre o produto que eram de sua responsabilidade O
contrabando com a Bahia aleacutem de dirimir os prejuiacutezos desse grupo tinha a vantagem de ser a
feito a dinheiro e natildeo a creacutedito fazendas ou letras como costumava fazer a Companhia
praacutetica que foi arduamente criticada pelos senhores de engenho ao longo do monopoacutelio
daquela empresa
Diversas satildeo as ocorrecircncias encontradas na documentaccedilatildeo que fundamentam nossa
afirmaccedilatildeo O contrabando de accediluacutecar era tatildeo notoacuterio e puacuteblico que no ano de 1780 o
contratador do subsiacutedio de accediluacutecar de Pernambuco pediu auxilio de tropas pagas ao
governador para que seus prejuiacutezos fossem dirimidos Segundo o contratador ele
experimentava muitos prejuiacutezos no dito contrato pois da Bahia vinham muitos barcos ldquoa esta
capitania carregar efeitos para aquela cidaderdquo 255
Afirmando o mesmo que jaacute haviam saiacutedo
naquele tempo de Pernambuco para Bahia ldquoquatro sumacas carregadas aleacutem de uma que
naufragourdquo 256
Ainda no mesmo ofiacutecio o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ter atendido ao
requerimento do contratador lhe concedendo ldquo24 soldados e um cabo os quais seguiram para
a vila das Alagoas a fim de evitar os extravios do accediluacutecarrdquo 257
Chegando a Ilha de Santo
Aleixo foram informados sobre duas sumacas que praticavam o pernicioso comeacutercio uma
das embarcaccedilotildees ldquocom muita prestezardquo conseguiu fugir soacute sendo possiacutevel capturar a outra
Esta outra embarcaccedilatildeo tinha por mestre Manoel Pavatildeo ldquoaquele celebre Pavatildeo que se tem feito
conhecido pelo exerciacutecio de extraviador de accediluacutecares desta capitania para Bahiardquo 258
que
aparece referenciado acima na tabela 1
De fato o nome do piloto Manoel Pavatildeo apareceraacute em outro ofiacutecio um ano antes
quando o Ouvidor das Alagoas Comarca anexa a Pernambuco iraacute relatar ao governador Joseacute
Cesar de Meneses sobre a audaacutecia praticada pelos mestres de embarcaccedilotildees e suas companhias
que se dedicavam ao comeacutercio descaminhado dando destaque naquela situaccedilatildeo para a figura
255
AHU ndash PE Cx 137 D 10197 256
Idem 257
Idem 258
Idem
89
de Pavatildeo O mestre acabou sendo preso naquela ocasiatildeo e condenado a pagar pena na cadeia
de Recife pelo crime de ldquoextraviador de efeitos para fora desta capitaniardquo 259
Segundo a devassa tirada pelas autoridades Pavatildeo era um sujeito de 44 anos casado
branco natural da Ilha de San Miguel e que ldquovivia de andar embarcado por mestre de
sumacasrdquo 260
Haacute dois anos se encontrava empregado no posto de mestre da sumaca
apreendida e durante este tempo fez nela seis viagens Sendo quatro viagens para as Alagoas
aportando em Jaraguaacute e duas viagens a Cururipe lugares do governo da capitania de
Pernambuco No processo tambeacutem consta que o mestre carregara durante essas seis viagens
90 caixas de accediluacutecar bem como madeiras que foram desembarcadas as primeiras levas no
Trapiche de Maciel (Bahia) e a uacuteltima a bordo de um navio no porto da Bahia estrateacutegia
utilizada pelo piloto para fugir da fiscalizaccedilatildeo que o governador baiano estava promovendo na
ocasiatildeo
Quando da ldquotomadia da sumacardquo em que era mestre a dita estava carregada com dez
caixas de accediluacutecar 261
que segundo Pavatildeo seriam levadas a Bahia mas antes ele pretendia fazer
uma parada no porto de Cururipe a fim de carregar madeiras O caso de Pavatildeo natildeo foi
exceccedilatildeo em nosso acervo contamos com outros documentos em que mestres ou marinheiros
destas sumacas acabam sendo detidos e se inicia processo investigativo para posterior
julgamento esse tipo de documento atesta como este ramo potencialmente ilegal do
mercadejar acabou se tornando meio de vida para uma parcela significativa de indiviacuteduos que
engendrados em suas teias faziam da ilicitude rotina Como no caso de Pavatildeo que como era
sabido pelas autoridades reais ldquohaacute anos se ocupardquo do exerciacutecio de extraviador
Muitos foram os ofiacutecios trocados entre as autoridades pernambucanas e a Corte a
respeito das medidas para tentar evitar o grande extravio de accediluacutecar durante o periacuteodo Em
ofiacutecio do ano de 1778 por exemplo o governador Joseacute Cesar de Meneses se queixaraacute da
ldquoescandalosa relaxaccedilatildeo com que nesta capitania se estatildeo fazendo os maiores contrabandos e
extravios de accediluacutecar e outros gecircnerosrdquo 262
que tinham como destino ldquoo porto da Bahia e outros
do continente da Ameacutericardquo 263
Para continuarmos no ano de 1778 em ofiacutecio enviado ao
Reino pelo ouvidor da Comarca das Alagoas este iraacute afirmar que na praia da Barra-Grande
haviam cerca de 100 caixas de accediluacutecar apreendidas a diversos comerciantes que a direccedilatildeo da
259
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 260
Idem 261
O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria
no momento da apreensatildeo 262
AHU ndash PE Cx 131 D 9892 263
Idem
90
Companhia deveria ldquomandar conduzir sem perda de tempo por seu proveitordquo 264
jaacute que as
mesmas estavam mal condicionadas e corriam o risco de se estragar
Em outro ofiacutecio em que trata do mesmo tema o ouvidor daacute detalhes sobre os
descaminhos de accediluacutecar realizados atraveacutes da Ilha de Santo Aleixo e da freguesia de Una
relatando a ousadia desses grupos que se utilizavam de diversas artimanhas para se verem
livres dos embaraccedilos causados no caso de apreensatildeo Afirma o oficial que os grupos
envolvidos naquele tipo de comeacutercio estavam ldquocada vez mais animados e atrevidos procuram
a saiacuteda dos efeitos por todos os modos e artes e forccedila pois jaacute se preparam armados e
associados para resistiremrdquo 265
A audaacutecia destes homens era tamanha que por vezes mesmo
apoacutes a apreensatildeo de seus barcos e caixas de accediluacutecar se empenhavam de todos os modos para
recuperar as mercadorias ou simplesmente fugir da tutela das autoridades como podemos
perceber em dois casos relatados pelo mesmo ouvidor da Comarca de Alagoas
O primeiro diz respeito a uma sumaca de invocaccedilatildeo Nossa Senhora do Rosaacuterio Flor de
Satildeo Miguel de quem era dono um comerciante na Bahia Ao entrar no porto de Barra Grande
a sumaca passou por fiscalizaccedilatildeo do meirinho geral da correiccedilatildeo que lhe apreendeu doze
caixas de accediluacutecar 266
bem como por medida de precauccedilatildeo e seguindo as ordens do ouvidor lhe
foi retirado o leme e colocado em poder de um morador da praia vizinha O ouvidor durante
este processo prontamente fez expedir ordem para o procurador da Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba por em arrecadaccedilatildeo as caixas de accediluacutecar apreendidas No entanto a
astuacutecia dos contrabandistas era tanta que ldquoem noite de 3 de abril precedente o mestre e a
maior parte de sua companhia vieram a terra e violentamente arrancaram o leme e
conduzindo-o a bordo levantaram acircncorardquo 267
de acordo com o ouvidor seguiram para a ldquoIlha
de Santo Aleixo porto livre e seguro destes levantadosrdquo 268
O segundo caso relatado eacute ainda de maior atrevimento Duas sumacas pertencentes a
comerciantes da Praccedila pernambucana ambas com despacho para Bahia deram fundo no porto
de Santo Antocircnio Grande Passando pela fiscalizaccedilatildeo se apreendeu junto a primeira sumaca
30 caixas de accediluacutecar jaacute a segunda ldquose achava em lastrordquo 269
ou seja estava naquele momento
sem mercadorias Na tentativa de se prevenir possiacuteveis fugas as autoridades retiraram os
264
AHU ndash AL Cx 3 D220 265
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 266
O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria
no momento da apreensatildeo 267
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 268
Idem 269
Idem
91
panos das velas das duas embarcaccedilotildees e mais uma vez foi comunicado a Companhia a
apreensatildeo das duas embarcaccedilotildees
O mestre da segunda embarcaccedilatildeo requereu diversas vezes autorizaccedilatildeo para carregar
em Pernambuco ldquoe por que se obrigou a dar fianccedila o procurador da Companhia nesta feacute lhe
baldeou para a sumaca as 30 caixas apreendidas na outrardquo 270
no entanto antes que se
concluiacutesse a carga o mestre e o restante dos marinheiros foram a terra e arrombaram a casa do
depoacutesito ldquodonde sacaram o pano que conduzido a bordo e acabado de carregar com caixas dos
contrabandistas deram a vela para a cidade da Bahiardquo 271
tudo isto ocorreu durante a noite
agindo o grupo sem ser percebido
Em ofiacutecio tambeacutem do ano de 1778 da Junta da Companhia em Portugal enviada ao
governo de Pernambuco eacute relatado caso de semelhante audaacutecia Afirma a Junta que estando
duas sumacas no Cabo de Agostinho em Pernambuco carregando caixas de accediluacutecar e outros
efeitos foi o Guarda Mor da praccedila ateacute elas fazer a apreensatildeo do dito material no entanto o
mestre da primeira sumaca em que entrou o Guarda ldquonatildeo soacute o resistiurdquo 272
a apreensatildeo como
tambeacutem apoacutes iccedilar a vela da embarcaccedilatildeo quis lanccedilar o Guarda Mor ao mar o que soacute natildeo fez
ldquopor compaixatildeordquo 273
o mandando lanccedilar em terra
Neste mesmo documento eacute relatada outra artimanha utilizada pelos contraventores
Nele eacute narrado que sendo apreendido um barco que tinha como porto de origem a Bahia
carregado com 37 caixas um feixe e um cunhete de accediluacutecar e mais 126 couros salgados na
embarcaccedilatildeo foram encontrados ldquodois despachos um de madeira para a dita cidade e outro
para o caso de ser apreendido dizer que trazia os ditos efeitos para Pernambucordquo 274
O mestre
desta embarcaccedilatildeo segundo as autoridades era um contrabandista experiente no mesmo ano
segundo consta no documento o tal mestre havia desembarcado perto da praia de Maria de
Farinha em Pernambuco ldquofazendas e escravosrdquo 275
Parece que a fuga da tripulaccedilatildeo apoacutes a apreensatildeo natildeo era coisa rara pois encontramos
em 1769 relato do governador de Pernambuco a eacutepoca o Conde de Povolide afirmando que
havia expedido ordens para que se apreendesse uma sumaca que estava no porto de
Camaragibe carregando caixas de accediluacutecar enviando para tal serviccedilo o Porta Bandeira
Francisco de Oliveira Chegando ao local o oficial fez o sequestro da embarcaccedilatildeo que no
270
Idem 271
Idem 272
AHU ndash PE Cx128 D 9737 273
Idem 274
Idem 275
Idem
92
momento da apreensatildeo estava carregada com 18 caixas e dois feixos de accediluacutecar 276
e prendeu
na mesma ocasiatildeo o mestre da embarcaccedilatildeo o senhor Joseacute dos Santos
No entanto por ldquodescuidordquo ou ldquomaliacuteciardquo dos sentinelas que faziam a guarda do preso
este conseguiu escapar indo ateacute sua sumaca e empreendendo fuga Poreacutem ldquoao sair da baiacutea
pela perturbaccedilatildeo que lhe causava a fuga deram em uns recifes de pedrasrdquo 277
Mesmo assim a
tripulaccedilatildeo conseguiu fugir utilizando as lanchas da embarcaccedilatildeo ldquotomando o caminho da
Bahia fugitivosrdquo 278
Os oficiais reacutegios envolvidos no caso tentaram ainda ir atraacutes da
tripulaccedilatildeo mas natildeo foi possiacutevel ldquopor irem jaacute mui avanccedilados na retiradardquo 279
ficando para traacutes
apenas um marinheiro ldquoque cansou no caminhordquo 280
e que foi levado para a cadeia da vila
Por vezes os contrabandos de accediluacutecar e de outros gecircneros entre as capitanias de Bahia
e Pernambuco iratildeo gerar certo conflito entre as autoridades das capitanias vizinhas que ao
que a documentaccedilatildeo tem nos mostrado usualmente discordavam sobre a questatildeo dos limites
territoriais e fiscais circunstacircncias e locais que caracterizavam o contrabando Devemos levar
em conta que as situaccedilotildees de mercado de Bahia e Pernambuco a eacutepoca eram bastante
distintas pois mesmo tendo sido capital da colocircnia ateacute o ano de 1763 e importante praccedila
comercial durante o XVIII a Bahia natildeo contava com uma companhia monopolizadora tendo
como instituiccedilatildeo fiscalizadora apenas uma Mesa de Inspeccedilatildeo 281
Dessa forma natildeo estava a
Bahia sujeita as regulamentaccedilotildees e restriccedilotildees comerciais impostas a Pernambuco e suas
anexas
Vejamos com maiores detalhes o caso da sumaca Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo Santo
Antocircnio e Almas conhecida com a ldquoescorregardquo que foi uma dessas ocorrecircncias envolvendo
controveacutersias entre as autoridades de Bahia e de Pernambuco arrolada por noacutes O imbroacuteglio
comeccedila com a apreensatildeo da embarcaccedilatildeo no dia dois de abril de 1780 quando o entatildeo
governador da capitania pernambucana Joseacute Cesar de Meneses apoacutes receber denuacutencia do
Intendente da Companhia Geral acerca de uma sumaca vinda da Bahia que estava ancorada
276
O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria
no momento da apreensatildeo 277
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 278
Idem 279
Idem 280
Idem 281
Sobre isto ver KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da
Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime
poderes e sociedades Lisboa 2005 P 1
93
no distrito de Goiana a carregar caixas de accediluacutecar envia um tenente e oito soldados de tropas
pagas ao local para fazer a apreensatildeo e tomar as providecircncias cabiacuteveis 282
Apoacutes a apreensatildeo a embarcaccedilatildeo que pertencia ao negociante baiano Antocircnio Joseacute
Roberto eacute enviada para a Vila de Recife onde Joseacute Cesar solicita que o juiz de fora do local
faccedila inventaacuterio de toda a carga confiscada Depois desse primeiro passo as caixas de accediluacutecar
encontradas na embarcaccedilatildeo satildeo avaliadas pelo presidente da Mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e
Tabaco e por fim a carga completa eacute enviada para os depoacutesitos da Companhia Geral que seria
depositaacuteria da mesma ateacute o momento da decisatildeo real No momento da apreensatildeo a sumaca
estava carregada com 81 caixas de accediluacutecar escravos cunhetes feixos de accediluacutecar e outras
miudezas como ldquoum barril de mel latas de tabaco duas peccedilas de cetim azul com flores
brancasrdquo 283
a lista de ldquomiudezasrdquo eacute grande assim como a confusatildeo gerada pelo caso
A carga retida era significativa o inventaacuterio expotildee que as mercadorias pertenciam a
carregadores diversos o que iraacute dificultar a identificaccedilatildeo destes homens aleacutem disso esta
tarefa se tornava mais complicada ldquopor costumar ser aqueles homens sertanejos que dela vem
de partes muito remotas a comprar fazendas para andarem mascateando pelos dilatados
sertotildees deste continenterdquo 284
As autoridades locais natildeo foram capazes de reconhecer todas as
marcas inseridas nos produtos e nem o dono da embarcaccedilatildeo se demonstrou interessado em
colaborar
Destacamos que a sumaca tambeacutem estava transportando passageiros que levavam
consigo cargas particulares este fato intricou ainda mais o processo pois se fez necessaacuterio
separar e inventariar estes volumes tambeacutem Os produtos e mercadorias transportados por
aquelas pessoas eram diversos A lista incluiacutea artigos como couros farinha manteiga armas
somas em dinheiro entre outros Alertamos tambeacutem para a presenccedila de carga humana o
capitatildeo Gabriel Alvarez Lima por exemplo levava ldquo17 escravos novos a saber 9 fecircmeas e 8
machosrdquo 285
outro viajente o Sr Antocircnio Pereira de Melo carregava ldquo7 escravos novos e um
ladinordquo 286
aleacutem destes dois exemplos no momento da apreensatildeo outros passageiros tambeacutem
transportavam na ldquoescorregardquo seus escravos particulares
Respondendo ao primeiro contato do governador pernambucano o Conselho
Ultramarino em 9 de julho de 1780 aprova suas accedilotildees e demandam que toda a carga fosse
282
AHU- PE Cx 136 D 10147 283
AHU- PE Cx 137 D10234 284
AHU- BA Cx 181 D 13481 285
AHU- PE Cx 136 D 10147 286
Idem
94
transferida para posse do desembargador intendente geral dos contrabandos ateacute que a devassa
iniciada na Bahia estive concluiacuteda Paralelamente a devassa baiana Joseacute Cesar lanccedila
instruccedilotildees para que o ouvidor da Paraiacuteba instaure na comarca tambeacutem uma devassa para
averiguar o caso Neste interim o dono da embarcaccedilatildeo o Sr Antocircnio Joseacute Roberto solicita
ao governador que a sumaca lhe fosse devolvida para que ele natildeo amargasse tantas perdas
com a embarcaccedilatildeo parada O pedido eacute atendido mediante pagamento da quantia de um conto e
vinte e cinco mil reis segurado por ldquofiadores idocircneosrdquo da praccedila Vale ressaltar que junto ao
valor da embarcaccedilatildeo se acresceu o valor de quatro escravos ldquoa ela pertencentesrdquo 287
Natildeo temos conhecimento a respeito da devassa iniciada pelo ouvidor da Paraiacuteba nem
mesmo se em algum momento ela chegou a se realizar 288
Jaacute sobre a devassa ocorrida na
Bahia possuiacutemos maiores detalhes A embarcaccedilatildeo que tinha como mestre no momento da
apreensatildeo Joaquim Antocircnio recebeu guia autorizando sua partida de Salvador em lastro isto
eacute sem mercadorias Durante o periacuteodo de averiguaccedilatildeo da situaccedilatildeo o dono da sumaca foi
preso no entanto antes que se fosse decidido sobre os rumos do processo o mesmo pagou
fianccedila e foi liberado 289
Durante o processo de devassa foi lavrado um libelo acusatoacuterio culpando o reacuteu pelo
crime de contrabando Os ministros que cuidaram do caso afirmavam neste documento que
Antocircnio Joseacute Roberto teria despachado a ldquoescorregardquo em lastro ldquopara vila de Goiana com o
pretexto de ir conduzir efeitos para esta cidaderdquo 290
por isso teria o acusado conseguido junto
agrave alfacircndega passaporte e os despachos necessaacuterios 291
middot No entanto durante a anaacutelise do caso
parece claro para os ministros que o dono da embarcaccedilatildeo havia agido ldquocom dolo manifestordquo
pois ldquofizera navegar por aquele mesmo tempo a dita sumaca carregada de escravos fazendas
caixas de accediluacutecar feixes cunhetes e outras miudezasrdquo 292
das quais natildeo possuiacutea as guias nem
os despachos necessaacuterios
Os ministros tambeacutem afirmam que o porto de Goiana fazia parte da aacuterea monopolizada
pela Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba logo ldquonatildeo podia o reacuteu nem devia fazer
conduzirrdquo 293
da Bahia para laacute as mercadorias encontradas a bordo da sumaca Este fato era de
287
AHU ndash PE Cx 137 D 10234 288
Ateacute o momento soacute foi possiacutevel localizar nos arquivos documentos que atestam a ordem dada pelo governador
Joseacute Cesar de Meneses ao Ouvidor da Paraiacuteba no entanto natildeo sabemos se esta foi atendida nem o que dela se
apurou 289
AHU- BA Cx 181 D 13481 290
Idem 291
Idem 292
Idem 293
Idem
95
conhecimento geral pois existiam ldquomuitas ordens expedidas sobre a mesma proibiccedilatildeordquo por
isso Antocircnio Joseacute Roberto estava ldquoincurso nas penas de perdimento (das mercadorias) e as
mais estabelecidas ao mesmo respeito pelo foral da alfacircndega enquanto aos ditos despachos e
direitos que se deveriam pagarrdquo 294
Fica evidente na documentaccedilatildeo que o comerciante baiano era um homem articulado e
que possuiacutea bons contatos dessa forma o mesmo recorre do libelo acusatoacuterio expedido a
princiacutepio Sua defesa se centrou em trecircs pontos O primeiro deles afirmava que era costume
amplamente praticado principalmente no caso de sumacas despacharem em lastro e depois
receberem mercadorias O reacuteu afirmou que as guias de tais produtos natildeo eram tiradas pois
ldquoera costume praticado por todos natildeo levarem guias das fazendas carregadas para os sertotildees e
lugares onde natildeo haacute alfacircndegasrdquo 295
e declarou ainda que ldquonatildeo haacute proibiccedilatildeo alguma de
carregar fazendas e outros efeitosrdquo 296
para os sertotildees jaacute que estes jaacute tinham pagado os
direitos fazendaacuterios nos seus portos de origem por isso ldquoa todos era permitida essa liberdaderdquo
297
Cabe destacar que no seu discurso de defesa o reacuteu insiste em frisar que o porto de
Goiana era um porto sertanejo logo natildeo sujeito ao monopoacutelio comercial praticado pela
Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto sabia que os limites de accedilatildeo
da empresa natildeo se estendiam as terras dos sertotildees No entanto eacute curioso observar que ainda
em sua defesa o acusado iraacute afirmar ter recebido notiacutecia de ldquopessoas fidedignas de
Pernambucordquo 298
que a Companhia estava extinta e que por isso se animou em carregar sua
embarcaccedilatildeo para a capitania de Pernambuco Tambeacutem declarou a seu favor que quando ficou
sabendo que a empresa ainda existia natildeo vendeu as mercadorias na capitania pernambucana
logo natildeo teria cometido o crime de contrabando
Ora os discursos se natildeo contraditoacuterios ao menos satildeo incongruentes em primeiro lugar
afirmou o negociante que aquele tipo de comeacutercio praticado nos ldquosertotildeesrdquo era livre a todos
depois declarou natildeo ter vendido suas mercadorias em Goiana para natildeo ofender o monopoacutelio
da Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto na tentativa de obter
294
Idem Sobre funcionamento administraccedilatildeo e regulamento da Alfacircndega de Pernambuco no seacuteculo XVIII
consultar OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e
tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash
Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 295
AHU - BA Cx 181 D 1348 296
Idem 297
Idem 298
Idem
96
absolviccedilatildeo a todo custo se utiliza das duas foacutermulas de forma que se a primeira falhasse
ainda ficava o reacuteu resguardado de natildeo ter praticado descaminhos da Real Fazenda
Outro ponto explorado pelos advogados do acusado em sua defesa diz respeito ao fato
de que o Procurador Geral da Companhia o senhor Manoel Joseacute de Carvalho natildeo reclamou
durante o processo de construccedilatildeo da devassa os direitos devidos da empresa no caso mesmo
que este pedido tenha sido feito pelos ministros que julgaram a situaccedilatildeo Natildeo sabemos se por
omissatildeo por conluio ou mesmo por natildeo acreditar ter se cometido no caso o crime de
contrabando o procurador nada declara a favor da empresa
No entanto eacute interessante analisarmos o comportamento do procurador tendo em
vista o principal e uacuteltimo argumento utilizado pelo reacuteu para se ver livre das acusaccedilotildees de
contrabando e descaminhos Afirmara Antocircnio Joseacute Roberto que ldquoa maior parte das caixas de
accediluacutecarrdquo 299
carregadas pela sumaca ldquoiam a entregar a Francisco Joseacute de Fonsecardquo 300
nada
mais nada menos que o proacuteprio tesoureiro da Companhia Geral e os demais efeitos seriam
entregues ldquoa diversas pessoas e negociantes todos moradores na Vila do Reciferdquo 301
De
acordo com o dono da embarcaccedilatildeo esta informaccedilatildeo estava contida nos cadernos que
transportava e posteriormente na relaccedilatildeo da carga feita pelo escrivatildeo da Conservatoacuteria da
Companhia onde era possiacutevel observar que ldquotoda a referida carga era pertencente a pessoas
daquele continenterdquo 302
A defesa do reacuteu parece ter surtido efeito jaacute que Antocircnio Joseacute Roberto foi condenando
apenas ldquono perdimento das fazendas achadas a bordo da sumacardquo 303
isto porque segundo os
ministros julgaram o costume de natildeo transportar guias das fazendas transportadas aos
pequenos portos que natildeo contavam com aparato alfandegaacuterio eram ldquoverdadeiramente abusos
e transgressotildees das reais ordensrdquo 304
Uma vez que era sabido que tirar as guias era necessaacuterio
natildeo soacute para legitimar as descargas dos produtos nos seus portos de destino mas tambeacutem para
que fosse possiacutevel identificar em qualquer parte que ldquotiveram despachos de entrada na
Alfacircndega e pagaram entatildeo os devidos direitosrdquo 305
Fora isso o reacuteu eacute absolvido de todas as acusaccedilotildees contidas no Libelo acusatoacuterio
inclusive do crime de contrabando Aleacutem da perda das fazendas ao acusado eacute ordenado o
299
Idem 300
Idem 301
Idem 302
Idem 303
Idem 304
Idem 305
Idem
97
pagamento das custas do processo 306
Pelo que podemos entender atraveacutes da leitura do
documento os escravos transportados no momento da apreensatildeo natildeo foram apreendidos pela
Real Fazenda provavelmente os ministros aceitaram a defesa do reacuteu sobre esta mateacuteria que
alegava baseado em carta reacutegia de 30 de junho de 1766 e Alvaraacute de 3 de marccedilo de 1770 que
ldquose natildeo devem direitos de saiacuteda de escravos levados para as lavouras e demais serviccedilos das
terras dos recocircncavos e sertotildeesrdquo 307
A sentenccedila inicial eacute contestada pelo reacuteu em sua defesa iraacute afirmar que as fazendas que
estavam sem as devidas guias foram todas compradas a ldquoManoel Duratildees Sampaio o qual a
despachara na alfacircndega e que se achavam seladasrdquo 308
Segundo o comerciante baiano esta
informaccedilatildeo foi omitida na relaccedilatildeo das fazendas feita no ato da apreensatildeo No entanto a
reconsideraccedilatildeo natildeo eacute aceita pelos ministros fica entatildeo decidido que ldquocumpra-se a sentenccedila
embargadardquo e que o reacuteu arque com as custas do processo 309
Pelo exposto ateacute o momento pode-se perceber como a devassa feita na Bahia acaba
por contrariar a apreensatildeo feita pelo governador Pernambucano e as demais autoridades
reacutegias da capitania que primeiro averiguaram o caso e ao que demonstra a documentaccedilatildeo
pareciam natildeo ter duacutevidas quanto agrave existecircncia da praacutetica do contrabando no caso da
ldquoescorregardquo uma vez que Goiana fazia parte do governo de Pernambuco onde a Companhia
Geral exercia seu monopoacutelio desde 1759
A contrariedade de opiniotildees das autoridades eacute notoacuteria Em ofiacutecio enviado ao Reino em
trecircs de outubro de 1780 onde trata sobre as providecircncias tomadas localmente a respeito do
caso Joseacute Cesar de Meneses afirma ter dado ordens ao ouvidor da Comarca da Paraiacuteba para
que se achem ldquoos culpados no contrabando da referida sumacardquo 310
Apoacutes a devassa realizada
na Bahia em 1781 sobre a situaccedilatildeo da ldquoescorregardquo iraacute o governador baiano o Marquecircs de
Valenccedila concluir que ldquopela sentenccedila proferida contra esse reacuteu (Antocircnio Joseacute Roberto) se
conhece bem a razatildeo porque natildeo tiveram descaminhos os reais direitosrdquo 311
Como jaacute dito anteriormente os conflitos entre as autoridades das duas capitanias natildeo
eram raros No ano de 1778 por exemplo o governador pernambucano se queixaraacute dos
306
De acordo com as ordenaccedilotildees Filipinas em Livro III Tiacutetulo LXVII quando proferida a sentenccedila final em
qualquer tipo de caso de todas as qualidades o juiz deveria condenar pelo menos no pagamento das custas do
processo o reacuteu nos casos onde o reacuteu era absolvido o autor do processo deveria arcar com esse custo 307
Idem 308
Idem 309
Idem 310
AHU - PE Cx 138 D 10248 311
AHU - BA Cx 138 D 10248
98
procedimentos adotados pelo administrador da Companhia Geral que por motivo
desconhecido se encontrava na Bahia Joseacute Cesar de Meneses faraacute seacuterias denuacutencias contra o
comportamento do administrador segundo o mesmo ldquoo administrador da Companhia Geral
que estaacute na Bahiardquo onde afirmava o governador natildeo possuir jurisdiccedilatildeo ldquonatildeo cumpre como
deve as suas obrigaccedilotildees nem cuida com verdadeiro zelo nos interesses da companhiardquo 312
O governador ainda afirmaraacute que ldquosoacute o administrador da Bahia eacute que pode com pouco
custo evitar a continuaccedilatildeo dos contrabandos e extravios dos gecircneros desta capitaniardquo 313
Joseacute
Cesar acusava o administrador de natildeo ter interesse em acabar com os contrabandos visto que
para ele a medida mais eficaz para seu combate era o de natildeo permitir a entrada na capitania
baiana dos barcos que saiam ilegalmente de Pernambuco accedilatildeo que segundo o governador natildeo
desempenhava o tal administrador 314
Em ofiacutecio do ano posterior a questatildeo da falta de jurisdiccedilatildeo na Bahia voltaraacute a tona
Segundo Joseacute Cesar o governo da Bahia andava em grande relaxaccedilatildeo no combate aos
contrabandos e ao inveacutes de conter as ilicitudes agia em sentido oposto ldquoautorizando-se a
introduccedilatildeo dos escravos que para ela se transportam da dita cidade (Recife)rdquo 315
Neste
documento como anexo encontra-se guia autorizada pelo governador da Bahia a eacutepoca
Manoel da Cunha Meneses permitindo que um comerciante baiano transportasse para
Pernambuco vinte seis escravos e quatorze escravas Accedilatildeo totalmente proibida pelos estatutos
da Companhia
Eacute patente o desinteresse das autoridades baianas em repreender tais atos O que natildeo
podemos afirmar com total certeza eacute se tal desinteresse estava relacionado aos ganhos
oriundos daquele tipo de comeacutercio para a capitania soteropolitana ou se realmente os agentes
reacutegios baianos acreditavam que aquelas negociaccedilotildees eram de fato legais Nosso palpite
baseado na pesquisa exaustiva aos documentos nos leva a crer que fosse um pouco das duas
coisas Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais nos contrabandos no proacuteximo
capiacutetulo
Retomando a anaacutelise do processo da ldquoescorregardquo conseguimos identificar dentro do
acervo dos avulsos do Arquivo Histoacuterico Ultramarino para Pernambuco uma carta do reacuteu
cerca de quatro meses apoacutes a finalizaccedilatildeo da devassa recorrendo de sua sentenccedila Vale
ressaltar que nesse momento ano de 1781 o monopoacutelio comercial da Companhia Geral havia
312
AHU- PE Cx 131 D 9892 313
Idem 314
Idem 315
AHU- PE Cx 132 D9955
99
sido extinto Neste documento Antocircnio Joseacute Roberto solicita que seja devolvida sua sumaca
com a respectiva carga que lhe foi ldquoinjustamente apreendida no porto de Goianardquo 316
e da
qual ele estava ldquoapartado haacute ano e meiordquo 317
O pedido feito pelo comerciante se respalda na sentenccedila positiva que o mesmo havia
conseguido junto aos ministros responsaacuteveis pela devassa na capitania da Bahia que julgaram
na ocasiatildeo ldquomal feita a tomadiardquo realizada pelo governador pernambucano A carta eacute extensa
e reuacutene coacutepias de outros documentos relativos ao caso o que torna um pouco confusa a
narrativa no entanto nos oferece informaccedilotildees preciosas como por exemplo a indicaccedilatildeo de
que Antocircnio Joseacute Roberto viajou ao Reino para recorrer da sentenccedila pois afirma o mesmo
que na Bahia jaacute havia obtido sentenccedila favoraacutevel e ldquono transporte a esta corte onde haacute dois
meses e meio (estou) como forasteiro diligenciando chegar a real presenccedila de V Majestaderdquo
318 continua afirmando se antepor a sua Majestade ldquopedindo somente justiccedilardquo
319
Recorria entatildeo o comerciante baiano por obter de volta suas caixas de accediluacutecares
couros e solas que estavam retidos nos armazeacutens da ldquoextinta Companhiardquo em virtude dos
muitos ldquoprejuiacutezos que tem sentindordquo 320
aleacutem da carga principal que estava em posse da
Companhia existia tambeacutem uma caixa carregada de fazendas sob os cuidados do
Superintendente Geral dos contrabandos Antocircnio Joseacute Roberto tambeacutem iraacute pleitear a
devoluccedilatildeo deste conteuacutedo Segundo o mesmo a caixa continha ldquouma insignificante porccedilatildeo de
fazendardquo 321
que os ministros haviam se esquecido de julgar e por isso a mercadoria
continuava apreendida a favor da Fazenda Real O argumento utilizado por Antocircnio Joseacute
Roberto na apelaccedilatildeo seraacute o mesmo aplicado durante o processo de devassa onde afirma natildeo
ser costumeiro levar guias de fazendas para ldquoportos onde natildeo haacute alfacircndegardquo 322
Sobre o conteuacutedo existente na caixa iraacute afirmar o comerciante que todas as
mercadorias contidas nela foram ldquodespachadas e seladas pela alfacircndega da Bahiardquo no entanto
a relaccedilatildeo que dela consta em dois documentos que tratam sobre o caso contestam essa
versatildeo Como podemos ver a seguir
316
AHU- PE Cx 0142 D 10475 317
Idem 318
Idem 319
Idem 320
Idem 321
Idem 322
Idem
100
Lista 1 ndash Fazendas encontradas na caixa
RELACcedilAtildeO DAS FAZENDAS CONTIDAS NA CAIXA
Duas peccedilas de cetim azul claro com flores brancas caixa da faacutebrica (real) ndash 101 cocircvados com
armas reais de tinta preta ndash sem selo
Duas peccedilas de camelotildees listrados ndash 80 cocircvados - com selo da alfacircndega da Bahia
Sete peccedilas de chitas encarnadas do norte ndash 170 fardas - seis peccedilas com selo da alfacircndega da
Bahia e uma sem selo
Sete peccedilas da costa - 147 jardas - com selo da alfacircndega da Bahia
Um retalho de riscado de linho - seis cocircvados - sem selo
Cinco pares de meias de algodatildeo velhas
Um lenccedilol de Hamburgo
Trecircs sacos
Duas camisas de estopa velhas
Uma toalha de Hamburgo velha
Um calccedilatildeo de ldquoduraquerdquo
Um atadouro
Duas guarniccedilotildees de camisa de caccedila
Uma caixa de papel
Trecircs navalhas de barba
Uma pedra de afiar
101
Um estojo de baeta
Uma garrafa vazia
Fonte AHU- PE Cx 0142 D 10475 AHU- PE Cx 137 D10234
Como podemos observar a tal caixa continha aleacutem de umas poucas fazendas produtos
para uso pessoal alguns jaacute bastante utilizados No entanto desses poucos tecidos nem todos
apresentavam os devidos selos reais muito provavelmente por este motivo a carga
permaneceu apreendida A apelaccedilatildeo enfaacutetica de Antocircnio Joseacute Roberto pela devoluccedilatildeo
daquele conteuacutedo que ele mesmo declara como ldquoinsignificante resto de fazendasrdquo 323
pode
nos parecer em um primeiro momento estranha mas devemos lembrar que durante todo o
desenrolar do caso o comerciante teve muitos prejuiacutezos jaacute que aleacutem de perder seus produtos
ainda teve que pagar as custas do processo
Aleacutem disso devemos ter em foco que a aquisiccedilatildeo e uso de produtos pessoais no seacuteculo
XVIII se dava de maneira bem distinta dos moldes contemporacircneos A vida uacutetil de peccedilas de
roupa por exemplo era bastante extensa portanto apesar de ldquovelhasrdquo as vestimentas
poderiam continuar a ser utilizadas ainda por um bom tempo Outros objetos como sacos
navalhas garrafa toalhas lenccediloacuteis etc tambeacutem possuiacuteam existecircncia longa sendo utilizados ao
longo de toda a vida Ateacute o momento natildeo conseguimos mapear junto ao nosso conjunto
documental a resposta do Reino a este pedido portanto natildeo temos certeza se ele foi atendido
Aleacutem de revelar aspectos da dinacircmica comercial entre Pernambuco e Bahia durante a
segunda metade do seacuteculo XVIII o caso da ldquoescorregardquo demonstra as disputas de poder
envolvendo as autoridades das capitanias vizinhas resultado de um quadro de sobreposiccedilatildeo de
jurisdiccedilotildees comum em toda a Ameacuterica Portuguesa De acordo com a documentaccedilatildeo a
capitania baiana parece ter saiacutedo ldquovencedorardquo nesta competiccedilatildeo de conflitos de interesses
uma vez que apesar dos esforccedilos empreendidos pelas autoridades pernambucanas no caso
que pareciam estar seguros sobre a existecircncia do crime de contrabando na ocorrecircncia e que
foram responsaacuteveis pela apreensatildeo catalogaccedilatildeo da carga informe sobre a situaccedilatildeo para a
Coroa e primeiras investigaccedilotildees a decisatildeo final ficou cingida aos ministros baianos Ministros
esses que ao julgarem posteriormente o caso acabaram por inocentar o reacuteu do crime de
contrabando
323
Idem
102
O contrabando de couros solas e outros gecircneros vindos do sertatildeo tambeacutem teraacute
destaque junto a documentaccedilatildeo coletada Em ofiacutecio do ano de 1778 o governador de
Pernambuco daacute conta ao Reino da apreensatildeo que fez de uma sumaca que vinda da Bahia foi
capturada no Rio Grande do Norte lugar do governo da capitania de Pernambuco A sumaca
que se chamava ldquoSagrada Famiacuteliardquo ao que consta vinha da Bahia carregada de contrabandos
que ldquoestava trocando nestes portos por diversos gecircneros como fosse tabaco e courosrdquo 324
segundo o documento depois de trocar tais produtos a sumaca iria para Bahia da Traiccedilatildeo
ldquocarregar pau-brasil para alguns dos portos estrangeirosrdquo 325
O governador toma ciecircncia do caso e envia uma tropa para apreender a embarcaccedilatildeo
Como o piloto da mesma ldquoandava oculto nesta praccedila logo que soube do embarque da tropa
partiu a dar aviso a dita sumacardquo 326
assim que souberam da notiacutecia os tripulantes da
embarcaccedilatildeo iccedilaram as velas e tentaram fugir no entanto devido ao pouco vento que se fazia
no momento natildeo conseguiram seguir com a sumaca e a abandonaram no local Parte da
tripulaccedilatildeo conseguiu escapar atraveacutes das lanchas do barco e levaram consigo ldquoalgumas
canastrasrdquo que acreditava o governador serem restos das fazendas de contrabando
A sumaca foi apreendida e levada para o porto do Recife onde foi inventariada pelo
Juiz de Fora da Praccedila No momento da ldquotomadiardquo a embarcaccedilatildeo estava carregada com 1052
arrobas de tabaco 220 couros de boi em cabelo e 11 barris de mel Os cinco marinheiros que
natildeo conseguiram fugir foram levados para Recife e ficaram presos na cadeia da vila onde
responderam a inquiriccedilatildeo feita pelo mesmo Juiz de Fora nos fornecendo maiores detalhes
sobre o caso No mesmo documento tambeacutem constam algumas certidotildees importantes como a
lista de apetrechos do barco o auto de apreensatildeo termo de entrega do barco avaliaccedilatildeo da
carga entre outros
De maneira geral os marinheiros que eram todos portugueses e segundos seus
testemunhos novatos na tripulaccedilatildeo daquela embarcaccedilatildeo iratildeo ao longo das inquiriccedilotildees
apresentar a mesma versatildeo dos fatos com maiores ou menores detalhes Testemunhavam que
estando o barco aportado no Rio Grande do Norte chegou um homem ldquoque se dizia ser piloto
do dito barcordquo 327
informando ao dono da sumaca o senhor Luiz Pereira que o barco seria
apreendido e que eles buscassem fugir poreacutem por falta de vento natildeo foi possiacutevel escapar e
324
AHU ndash PE Cx 129 D 9771 325
Idem 326
Idem 327
Idem
103
logo ldquochegaram trecircs jangadas com soldados e os fizeram conduzir a este porto (do Recife)rdquo 328
onde foram presos
Afirmam tambeacutem que a sumaca apreendida estava naquelas paragens para carregar
ldquofumo e couros em pelordquo Satildeo unanimes tambeacutem os marinheiros em atestar que o barco
naquele tempo natildeo tinha mestre 329
e quem o conduzia era seu proacuteprio dono Luiz Pereira e
ainda que o mesmo natildeo havia declarado a sua tripulaccedilatildeo o porto para onde pretendia seguir
viagem aleacutem disso atestam os tripulantes que a carga encontrada a bordo pertencia somente
ao dono da embarcaccedilatildeo
Os marinheiros asseguram ainda que na mesma jangada na qual o piloto veio dar a
notiacutecia da apreensatildeo ldquofugiram para terrardquo o dono e o dito piloto ldquolevando consigo duas
frasqueiras vazias e uma canastra com um pouco de fazenda resto de negoacutecio que ele dizia
tinha sido comprado a Companhia Geralrdquo 330
Felizmente conseguimos localizar junto ao
nosso conjunto documental cerca de um mecircs apoacutes a apreensatildeo da ldquoSagrada Famiacuteliardquo
requerimento de seus donos pedindo que lhe fossem entregues os gecircneros ou produto deles
devolvendo a embarcaccedilatildeo e ressarcindo a ambos os danos e perdas que tiveram com a
apreensatildeo
Fica esclarecido pois que a sumaca pertencia natildeo soacute a Luiz Pereira mas tambeacutem a
Francisco Joseacute de Melo seu soacutecio Segundo o documento os dois tinham contraiacutedo sociedade
para ldquodos portos daquela capitania carregarem para a praccedila todos os gecircneros e efeitos
permitidosrdquo 331
Afirmam ainda que para isso conseguiram as licenccedilas junto ao governo para
que a tal sumaca pudesse navegar para ldquoqualquer dos mesmos portosrdquo No documento os
donos datildeo detalhes sobre o roteiro de viagem seguido pela embarcaccedilatildeo que primeiramente
navegou com efeitos para Una passando depois para Barra Grande onde ldquoo suplicante tinha
de fazer dar cumprimento as despesas [] contra os seus devedoresrdquo 332
Como natildeo encontraram em Barra Grande carga suficiente seguiram para Barra de
Catuama no Rio de Tejucupapo em Pernambuco ldquoonde aleacutem de alguma lenha farinha e mel
jaacute os suplicantes tinham feito embarcar 200 arrobas de tabaco em corda e 220 couros de boi
328
Idem 329
O marinheiro Manoel de Sousa afirma que quando entrou para tripulaccedilatildeo o mestre da sumaca era Alberto
Vieira morador na praccedila do Recife poreacutem pouco tempo depois o dito mestre foi servir em outra embarcaccedilatildeo
assumindo o dono da sumaca o senhor Luiz Pereira a funccedilatildeo do mestre 330
AHU ndash PE Cx 129 D 9771 331
AHU ndash PE Cx 129 D 9792 332
Idem
104
em cabelordquo 333
mercadorias estas que haviam sido compradas nos arrabaldes de Goiana
Segundo a versatildeo dada pelos donos da Sagrada Famiacutelia a apreensatildeo do barco foi motivada
por uma denuacutencia falsa planejada por seus devedores ldquoescandalizados da cauccedilatildeo que se lhe
faziardquo 334
junto com outros inimigos do suplicante a saber Manoel da Silva Xelas e Manoel
Joseacute da Costa que se ocuparam ldquoem lhe maquinar culpas por que o fizessem prender e
satisfazer assim sua vinganccedilardquo 335
Sobre a sua fuga e tambeacutem a do mestre da embarcaccedilatildeo Luiz Pereira afirma que apesar
de natildeo ter o que recear como ldquoo mal era certo e estava a vista cuidaram em evita-lordquo 336
fugindo dessa forma em outra jangada levando consigo apenas ldquoo triste socorro de duas
canastras com sua roupardquo 337
Continua afirmando que assim que a sumaca foi levada pelos
soldados a Pernambuco logo sua carga foi posta em arrecadaccedilatildeo mesmo que natildeo houvesse
confirmaccedilatildeo nenhuma sobre o contrabando denunciado Segundo o dono da embarcaccedilatildeo ficou
sabendo a apreensatildeo se deu devido a uma falsa denuacutencia de que eles ldquoestavam carregando
naquele porto de Goiana pau-brasil para o conduzirem para as Martinicasrdquo 338
poreacutem no
momento da apreensatildeo natildeo foram encontradas as tais madeiras na sumaca
Reclamam entatildeo os suplicantes que mesmo diante da incerteza da praacutetica de
contrabando e de suas suacuteplicas e contestaccedilotildees as autoridades reacutegias deram seguimento no
processo vendendo a carga do barco Afirmam ainda que enviaram ao governador as licenccedilas
que tinham para comerciar no porto da apreensatildeo 339
como tambeacutem os motivos pelos quais
havia o mestre e o dono do barco fugido na ocasiatildeo poreacutem natildeo foram capazes de ir ao
encontro marcado pelo governador pernambucano para esclarecimentos sobre o caso nem o
mestre nem o suplicante O primeiro porque tinha ido ldquoprocurar sua vida e natildeo lhe
importavam os requerimentos dos suplicantesrdquo 340
e o segundo porque ldquoestava na cidade da
Bahia para onde tinha feito viagem no seu ofiacutecio de pilotordquo 341
Continuam alegando ter sido a apreensatildeo e arremataccedilatildeo feita pelo governador injusta e
apelam agrave Rainha por justiccedila pois perdendo suas fazendas ldquosem culpasrdquo estavam os mesmos
333
Idem 334
Idem 335
Idem 336
Idem 337
Idem 338
Idem 339
Este e outros documentos referentes ao caso estatildeo anexados ao requerimento enviado a Rainha 340
AHU ndash PE Cx 129 D 9792 341
Idem
105
ldquona consternaccedilatildeo de abraccedilarem a miseacuteriardquo 342
uma vez que jaacute natildeo tinham meios de sustentar
suas famiacutelias muito menos de bancarem uma viagem ao Reino para implorarem ldquojusticcedila e a
maternal piedaderdquo 343
da soberana Ao longo do documento os suplicantes o tempo inteiro
reforccedilam a maacutexima de que o contrabando natildeo foi comprovado
Tambeacutem asseguram que a fuga se deu pois quem estava comandando a jangada que
foi fazer a apreensatildeo era Manoel da Silva Xelas inimigo que haacute pouco tempo ldquolhes tinha
segurado que lhe diligenciava a perdiccedilatildeordquo 344
Sustentam ainda que as canastras levadas
possuiacuteam apenas roupas Terminam pedindo que se faccedila justiccedila e lhe entreguem ldquotodos os
gecircneros e efeitos apreendidos ou o seu produtordquo aleacutem eacute claro de solicitarem que o governador
devolvesse a embarcaccedilatildeo Natildeo conseguimos encontrar ateacute o momento a resposta do Reino a
tal solicitaccedilatildeo portanto natildeo sabemos se em algum momento ela foi atendida O relato
demonstra mais uma vez como a definiccedilatildeo do que poderia ser considerado contrabando era
cambiante e dificultosa como podemos ver ao longo desse trabalho vaacuterios foram os casos
onde as autoridades pernambucanas fizeram apreensatildeo e posteriormente os reacuteus apelaram a
instacircncias superiores e conseguiram absolviccedilatildeo de suas penas
Conseguimos mapear mais dois casos relevantes sobre o comeacutercio de couros realizado
atraveacutes dos sertotildees que dividiam Pernambuco e Bahia que merecem ser detalhados pois
revelam detalhes preciosos sobre os circuitos de mercancia do interior 345
Tratam-se de dois
processos crimes dirigidos agrave Conservatoacuteria da Companhia Geral em Lisboa Antes de nos
atermos aos casos cabe uma ressalva para explicar brevemente como se tratavam as mateacuterias
judiciais na empresa Quanto a questotildees de justiccedila a Companhia possuiacutea um juiacutezo privativo
para resoluccedilatildeo de assuntos que lhe dissessem respeito 346
podendo atuar ldquocom jurisdiccedilatildeo
privativa e inibiccedilatildeo de todos os juiacutezes e tribunais [] em todas as causas contenciosas em
que forem autores os reacuteus o provedor deputados secretaacuterios e mais pessoas do serviccedilo da
Companhiardquo 347
A empresa mantinha um juiz conservador em Lisboa responsaacutevel por julgar estas
causas mas as direccedilotildees subalternas como a de Pernambuco tambeacutem possuiacuteam um juiz
342
Idem 343
Idem 344
Idem 345
Os dois processos aqui citados satildeo extensos e possuem etapas e procedimentos burocraacuteticos muacuteltiplos Cada
um conteacutem cerca de 200 laudas com vaacuterias passagens em latim e tracircmites juriacutedicos Por motivos praacuteticos
optamos por fazer pequenos compilados das ocorrecircncias deixando claro que temos ciecircncia sobre a
impossibilidade de qualquer resumo expressar com precisatildeo a complexidade destes casos 346
JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004P 87-88 347
Idem
106
conservador nomeado pela Junta da empresa em Lisboa que estava apto para julgar causas
que envolvessem o montante de ateacute 300$000 reis No entanto os reacuteus poderiam recorrer de
toda forma a conservatoacuteria de Lisboa Dessa forma na maioria dos casos a apelaccedilatildeo a
conservatoacuteria da empresa em Lisboa era o uacuteltimo recurso a que poderiam valer-se os reacuteus
acusados de cometer contrabando
Estas questotildees eram reguladas pelo artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa
nele afirma-se que a Companhia era independente de todos os tribunais maiores e menores
respondendo efetivamente apenas ao Rei Em nenhum caso era admitido que ministros ou
tribunais reais se intrometessem nesta mateacuteria Isto porque o capital formador da Companhia
provinha de pessoas que a princiacutepio natildeo tinham qualquer relaccedilatildeo com a Real Fazenda dessa
forma ficava a empresa livre para ldquodispor de seus proacuteprios bens como lhe parecer mais
convenienterdquo 348
Se algum tribunal ou ministro quisesse obter informaccedilotildees de algo
concernente a administraccedilatildeo da Companhia era necessaacuterio solicitar tais informaccedilotildees a sua
Junta ou as Direccedilotildees subalternas que poderiam ou natildeo deferir tal pedido 349
De acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a empresa possuiacutea uma independecircncia juriacutedica
relativa Jaacute que apesar de natildeo estar subordinada a nenhum outro tipo de tribunal respondia a
administraccedilatildeo da Companhia imediatamente ao Rei que era o responsaacutevel por confirmar as
nomeaccedilotildees feitas pela sua Junta Aleacutem disso segundo o autor os homens nomeados para
exercer a funccedilatildeo de juiacutezes conservadores eram em sua maioria sujeitos envolvidos na
administraccedilatildeo real ocupando cargos na casa de suplicaccedilatildeo ou mesmo no papel de juiz de fora
350
Voltando para os casos o primeiro tem como personagem principal o mestre sapateiro
e comerciante de couros e solas Manoel Antocircnio dos Santos que no ano de 1777 teve 1032
meios de sola apreendidos pelo guarda mor da direccedilatildeo da Companhia chamado Joatildeo Antocircnio
Batista As tais solas estavam distribuiacutedas em cinco balsas que se encontravam no momento
da apreensatildeo quatro na Ilha do Nogueira 351
e uma no rio do Jiquiaacute Durante a accedilatildeo do
confisco boa parte das solas foi molhada tornando-se mais uma pauta para reclamaccedilatildeo do reacuteu
348
Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor
do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Artigo 12 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil
Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 349
No caso de indeferimento cabia recurso ao Rei 350
JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit P 87-88 351
Tambeacutem conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia
Teimosa no Recife Sobre isto ver PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife
2008
107
a Conservatoacuteria lisboeta aleacutem de afirmar natildeo ter praticado contrabando solicitava a
restituiccedilatildeo monetaacuteria da mercadoria avariada pois natildeo restava duacutevida ldquoque aacutegua salgada na
sola faz um grande dano e daqui resulta ou perder-se inteiramente o valor ou ficar diminuiacutedo
em parte muito consideraacutevelrdquo 352
e ainda que ldquoeste contemplado prejuiacutezo causou ao reacuteu o
acelerado procedimento do guarda morrdquo 353
As cinco balsas foram apreendidas pois existia a suspeita de que as mesmas estavam
fora da barra do porto esperando um barco que iria a Bahia transportar as solas e couros no
entanto o barco acabou se atrasando e natildeo partiu na data combinada Sendo assim a versatildeo
das autoridades era de que ldquoas balsas estavam escondidas ao peacute do Recife esperando que
saiacutesse o dito barcordquo 354
segundo consta nos autos essa afirmaccedilatildeo teria sido feito pelos
jangadeiros que conduziam as balsas a vaacuterias testemunhas que foram inquiridas durante o
processo
Na verdade aleacutem dessas testemunhas que ldquoouviram dizerrdquo um uacutenico jangadeiro iraacute
testemunhar contra o reacuteu Era ele Manoel Martins de Almeida ldquohomem branco morador na
rua da praia solteiro que vive de pescador de idade que disse ser de 47 anosrdquo 355
Manoel iraacute
afirmar que voltando ele de uma pescaria tinha encontrado quatro jangadas juntas carregadas
de sola e que na ocasiatildeo dois homens brancos dos quais ele ignorava os nomes fretaram a sua
jangada para tambeacutem a carregar com as solas e ldquoesperar ali com as mais jangadas um barco
que no dia seguinte havia sair deste Porto que ia em direitura para o da Bahiardquo 356
afirma o
pescador que natildeo chegou a receber o dinheiro combinado pelo serviccedilo pois o guarda mor da
Companhia logo apareceu e fez a apreensatildeo conduzindo os barcos para o trapiche da empresa
Os outros jangadeiros serviram de testemunhas de defesa do reacuteu as versotildees dadas por
eles eram bastante parecidas utilizaremos aqui o testemunho de Manoel de Jesus Ramos
ldquohomem preto morador na rua da praia que vive de jangadeiro solteiro de idade de 25 anosrdquo
357 para exemplificar Afirmava Manoel que por ordem do reacuteu ele e ldquomais quatro jangadas da
rua da praia foram aos Afogados junto ao Tocolombo 358
receber-lhe a sola de que se trata e
por sua determinaccedilatildeo a vinham descarregar atraacutes do coleacutegiordquo 359
continua afirmando que ldquopor
352
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 5 353
Idem 354
Ibdem f 48 355
Ibdem f 45 356
Idem 357
Ibdem f 36 358
Atual ponte Motocolomboacute que liga os bairros de Afogados e Imbiribeira no Recife 359
Refere-se a praia do coleacutegio conhecida assim por estar nas imediaccedilotildees do antigo coleacutegio jesuiacuteta do Recife
nas proximidades do bairro de Santo Antocircnio Fonte BARBOSA Virgiacutenia Igreja do Divino Espiacuterito Santo
108
ser mareacute vazia e encalhar em jangadas e fazer vento rijo se acoitaram ao peacute da Ilha do
Nogueira da parte de dentro do Reciferdquo 360
neste momento as jangadas foram apreendidas pelo
Guarda Mor da Companhia e levadas para o trapiche da empresa
Nem todas estavam no mesmo local quando da ldquotomadiardquo pois algumas delas tinham
encalhado nas coroas de areia ldquopelo rio abaixo por dentro do Reciferdquo 361
Segundo Manoel o
destino ldquoque todas as jangadas traziam por ordem do reacuteu era descarregarem por de traacutes do
coleacutegiordquo 362
Diz ainda que natildeo tinham autorizaccedilatildeo de saiacuterem de Recife ldquonatildeo soacute por natildeo haver
para que mas pelo grande risco que haviardquo 363
Tambeacutem em seu testemunho vai afirmar que
conhecia o reacuteu haacute algum tempo e que nunca tinha ouvido dizer que ele fosse contrabandista
ldquoantes o tem por homem de muita verdade e eacute mestre do ofiacutecio de sapateirordquo 364
Como dito anteriormente quase todos os jangadeiros testemunharam a favor do reacuteu
salientando que o mesmo natildeo tinha enviado ordem para que eles saiacutessem de Recife e que o
sapateiro era um homem respeitaacutevel e correto Vale ressaltar que todos eles eram vizinhos
moradores na rua da praia se conheciam e foram contratados para o serviccedilo no mesmo tempo
Coincidecircncia ou natildeo o uacutenico depoimento contraacuterio viraacute exatamente do jangadeiro que foi
contratado para o serviccedilo posteriormente e que ao que o processo indica natildeo possuiacutea relaccedilotildees
de amizade com os demais
A defesa do reacuteu iraacute se centrar em alguns pontos destacaremos os mais importantes O
primeiro seraacute o entendimento de que existiam dois tipos de delito o ldquoefetivo e o afectivordquo O
primeiro tipo se daria quando de fato o ato iliacutecito fosse concretizado ou seja o delito tivesse
sido efetivado O segundo seria a intenccedilatildeo de cometer o ato sem que se chegasse a realiza-lo
O advogado do reacuteu iraacute se utilizar desta diferenciaccedilatildeo para sustentar sua defesa pois segundo o
mesmo ldquonenhuma lei humana tem proibido e mandado punir nem pode em qualquer delito
que seja proibir ou mandar punir ao simples ato interno ou a uacutenica interna deliberaccedilatildeo dos
homensrdquo 365
isto porque ldquoo pecado de pensamento que fica no mesmo e dele natildeo sabe
absolutamente em palavra ou obra soacute pertence a Deus proibi-lo e castiga-lordquo 366
ou seja
Recife PE Pesquisa Escolar Online Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Recife Disponiacutevel em
lthttpbasiliofundajgovbrpesquisaescolargt Data de acesso 03082017 360
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 36 361
Idem 362
Idem 363
Idem 364
Idem 365
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 50 366
Idem
109
afirmava o advogado que natildeo se poderia julgar a intenccedilatildeo de um crime que natildeo chegou a se
concluir
O segundo ponto da defesa iraacute se concentrar nas condiccedilotildees mariacutetimas que
supostamente enfrentaram as balsas durante o momento da apreensatildeo Afirmam entatildeo que natildeo
era criacutevel que as cinco balsas pudessem navegar no mar de fora rumo a Bahia ou mesmo
esperar embarcaccedilatildeo que de laacute viesse Asseguram que mesmo dentro da barra ldquodeste rio que se
estaacute vendo defendido dos arrecifes natildeo estavam seguras as balsas pois ventando rijo se altera
o mesmo rio e faz maretas tatildeo fortes como laacute forardquo 367
prossegue atestando que naquelas
condiccedilotildees estavam em perigo ldquooutras embarcaccedilotildees de maior seguranccedila como estamos vendo
frequentemente quanto mais balsas que natildeo tem firmeza alguma para resistir ao mar alterado
com o vento rijordquo 368
O terceiro toacutepico da defesa era simples consistia em afirmar que os depoimentos das
testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo eram relevantes e que natildeo demonstravam que o contrabando
houvesse sido praticado Outra questatildeo levantada pela defesa foi o fato das solas na ocasiatildeo
da apreensatildeo natildeo estarem marcadas sendo assim natildeo haveria o interesse da parte do reacuteu em
fazer conduzir nestas condiccedilotildees esta mercadoria para a Bahia ldquopois indo sem marca natildeo se
podia saber de quem era nem a quem ia entregar e eis aqui um contrabando e negoacutecio
extravagante e nunca vistordquo 369
Aleacutem disso afirmam ser o produto ldquosola da matardquo
conhecidas popularmente como vaquetas artigo de comercializaccedilatildeo permitida
O argumento mais forte da defesa centrava-se na liberdade permitida pelo artigo 25
dos estatutos da Companhia ao comeacutercio realizado nos sertotildees Como jaacute visto no capiacutetulo
anterior este comeacutercio soacute passa a ser reprimido apoacutes o ano de 1770 por forccedila de um edital
lanccedilado pela direccedilatildeo da empresa em Pernambuco que por natildeo ser referendado por ordem
reacutegia natildeo possuiacutea forccedila de lei Assim sendo o advogado garantia que ldquoainda na hipoacutetese
sempre negada que o reacuteu extraviasse efetivamente a sola natildeo cometia um delito algum nem
podia incorrer nas penas do artigo 34 370
rdquo Isto porque ldquousava da permissatildeo do artigo 25 e a
liberdade do comeacutercio do Sertatildeo de que fala o mesmo natildeo se deve entender para ir somente
buscar a sola e vender a direccedilatildeordquo
367
Ibidem f 51 368
Idem 369
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 7 370
Ibdem f 52
110
O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral citado no caso prevecirc as
puniccedilotildees passiacuteveis para aqueles que fizessem comeacutercio desautorizado na capitania de
Pernambuco e suas anexas Legislando da seguinte forma
Nenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute
mandar levar ou introduzir as sobreditas fazendas secas ou molhadas nas
ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da produccedilatildeo []Sob pena
de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto importar o
seu valor [] 371
O comeacutercio realizado nos sertotildees que tinham como destino o porto do Recife onde se
deveriam trocar as mercadorias com a Companhia monopolista era considerado legal 372
Tanto que o reacuteu deste caso haacute muitos anos fazia esse tipo de negociaccedilatildeo com a empresa 373
Segundo consta nos autos do processo teria comprado Manoel Antonio dos Santos a sola
ldquoparte a dinheiro e outra parte recebeu em pagamento de coiramas de Portugal gecircnero em que
haacute muitos anos negocia com a direccedilatildeo comprando-lhes partidas avultadas de carmeiras
cordovotildees marroquins e outros gecircnerosrdquo 374
que depois ldquopelo miuacutedo vendia as tais partidas
nesta Praccedila e para fora dela [] e recebia em satisfaccedilatildeo accediluacutecares solas e outros gecircneros da
terrardquo 375
A Companhia em dois momentos iraacute rebater a defasa do reacuteu fazendo diversas
acusaccedilotildees o processo eacute extenso e possuiacute vaacuterias apelaccedilotildees e contestaccedilotildees faremos aqui um
compilado dos principais pontos apresentados pela empresa na figura do seu procurador fiscal
em Pernambuco O primeiro ponto faz referecircncia as testemunhas de defesa afirmava a
Companhia que as ditas testemunhas ldquosatildeo todas falsas apaixonadas e por dinheiro
corrompiacuteveis e a maior parte delas satildeo os mesmos jangadeiros auxiliantes e outras satildeo do
ofiacutecio de sapateiro de que eacute o embargado juizrdquo 376
Como jaacute informado o reacuteu aleacutem de negociar
com solas e couros haacute vaacuterios anos era juiz do ofiacutecio de sapateiro na praccedila como muitas
371
Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762
Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e
Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 293 372
Assunto discutido no primeiro capiacutetulo deste trabalho 373
No processo constam anexadas vaacuterias contas apresentadas pelo reacuteu discriminando produtos e seus valores
negociados ao longo dos anos com a empresa como uma espeacutecie de contabilidade pessoal 374
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 375
Idem Vale pontuar que de acordo com o artigo 33 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral a venda
em miuacutedo era permitida aos comerciantes da terra Sendo entatildeo o comeacutercio de grosso trato reservado
exclusivamente a empesa Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de
Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de
livros sobre o Brasil Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 376
Ibdem f 61
111
testemunhas de defesa possuiacuteam o mesmo ofiacutecio o procurador fiscal da Companhia iraacute acusar
Manoel Antocircnio de se utilizar de seu lugar de poder dentro daquela corporaccedilatildeo para gerar
testemunhos positivos a seu respeito
A acusaccedilatildeo encabeccedilada pelo procurador fiscal tambeacutem iraacute chamar atenccedilatildeo para o fato
de que havendo mareacute de dia o reacuteu escolheu deixar para carregar de noite o que era entendido
como atitude suspeita Contestam tambeacutem a alegaccedilatildeo da defesa de que no maacuteximo haveria se
cometido ldquocontrabando afectivordquo pois ldquose fora soacute a efetiva vontade de extraviar natildeo havia o
extraviador ter as jangadas carregadas e escondidasrdquo 377
continua sustentando que ldquose fosse
para descarregarem na praia do coleacutegio natildeo haviam estar de manhatilde ancoradasrdquo 378
Consta
tambeacutem no documento que soacute natildeo chegou a ser efetivado o contrabando porque o barco que
iria para Bahia natildeo pode partir na data prevista devido agraves condiccedilotildees da mareacute
Outro ponto levantado pela empresa seraacute a localizaccedilatildeo geograacutefica das jangadas no
momento da apreensatildeo afirmando que natildeo fazia sentido que o desembarque da mercadoria
fosse feito na praia do coleacutegio visto que ficava aquele local ldquomuito para o norte do forte (das
cinco pontas)rdquo jaacute a Ilha do Nogueira ficava ao ldquoSul do mesmo forterdquo 379
Aleacutem disso havia na
ocasiatildeo condiccedilotildees de navegaccedilatildeo para desembarcarem na praia do coleacutegio por isso natildeo fazia
sentido estarem ancoradas A empresa iraacute ainda acusar o reacuteu alegando ser ele natildeo soacute
ldquoextraviador dos efeitos desta capitania para a cidade da Bahia se natildeo que da mesma cidade
costuma introduzir contrabandos nesta capitania como fosse um lote de escravos e vendeu
uma moleca ao seu grande amigo e falsa testemunha Joatildeo Francisco Guimaratildeesrdquo 380
aleacutem da
fazenda seca que jaacute carregava
A companhia tambeacutem iraacute replicar o fato dos jangadeiros terem afirmado que estavam
parados esperando uma jangada que havia ficado para traacutes por estar encalhada declarando
natildeo haver necessidade para tal jaacute que ldquocada uma vai ganhar o seu frete quanto mais depressa
chegasse o tinha ganhado e mais depressa se recolhia a sua casa para estar pronto para no
outro diardquo 381
Ademais tambeacutem iratildeo questionar o porquecirc dos jangadeiros terem fugido pois
ldquose as ditas jangadas carregadas de sola viessem para o Recife nenhuma necessidade havia
para que os jangadeiros fugissem desamparando as suas jangadasrdquo 382
continuam garantindo
377
Ibdem f 56 378
Idem 379
Idem 380
Joatildeo Francisco Guimaratildees seraacute testemunha de defesa do reacuteu durante o processo ANTT Feitos Findos
Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 61 381
Ibidem f 55 382
Idem
112
que ldquoa causa da fuga era por estarem compreendidos na extraviaccedilatildeo sendo os condutores e
auxiliantes do extraviordquo 383
Por fim o procurador fiscal da empresa alega que o advogado do reacuteu fez maacute
interpretaccedilatildeo do artigo 25 dos estatutos da empresa uma vez que ldquoo que determina o dito
artigo eacute que possam negociar para o sertatildeo e mais portos isso natildeo se entende para fora da
capitaniardquo 384
a sola estaria entatildeo compreendida ldquono artigo 34 da instituiccedilatildeo da Companhia
Geral e suposto pelo artigo 25 da mesma seja exclusivo para todos os gecircneros e frutos da terra
soacute se deve entender para o negoacutecio dentro das suas Capitanias e natildeo para fora delasrdquo 385
Solicitam entatildeo que o reacuteu seja condenado no perdimento das mercadorias e na pena de dobro
O processo eacute longo mas de maneira geral os fatos satildeo estes o grande trunfo da defesa
eacute afirmar que a sola foi apreendida dentro de Recife onde natildeo era proibido o seu comeacutercio
sendo assim natildeo havia meios de se provar a intenccedilatildeo de extraviar e que mesmo que houvesse
a intenccedilatildeo natildeo se poderia condenar o reacuteu por isso - ldquoextravio afectivordquo No fim das contas o
sapateiro e comerciante Manoel Antocircnio acaba sendo absolvido e os apelantes satildeo
condenados a pagar ldquoas custasrdquo do processo como de costume
Outra apelaccedilatildeo crime que merece destaque dentro do nosso conjunto documental eacute
um caso do ano de 1779 que diz respeito ao processo envolvendo o barco conhecido como o
ldquoXibanterdquo de quem era dono o capitatildeo Manoel Vieira de Melo A embarcaccedilatildeo apreendida por
soldados cumprindo ordens do governador da capitania vinha do sertatildeo do Aracati Ribeira
do Jaguaribe e estava carregada de couros e solas pertencentes a vaacuterios comerciantes A
sumaca despertou a atenccedilatildeo das autoridades pois chegando ao porto do Recife natildeo entrou
logo na barra o que alimentou a suspeita de que a mesma estivesse extraviando efeitos para
os portos do sul mais precisamente para a Bahia 386
No momento da apreensatildeo o mestre da
sumaca estava em terra
Junto com a embarcaccedilatildeo foram apreendidos tambeacutem cinco escravos pertencentes ao
dono do Xibante que trabalhavam como marinheiros O dono da embarcaccedilatildeo tratou logo de
fazer solicitaccedilatildeo para soltura de seus escravos afirmando que os mesmos ldquonatildeo satildeo barco nem
carga e sim marinheiros do barco que ganham soldo cada um para seu dono e a diferenccedila que
383
Ibidem f 61 384
Ibidem f 57 385
Idem 386
Para mais informaccedilotildees a respeito do Porto de Recife no seacuteculo XVIII consultar OLIVEIRA Luanna Maria
Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-
1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de
Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 ndash 26
113
tem que marinheiro brancos eacute lucrarem estes os soldos para seus senhoresrdquo 387
Este assunto
rapidamente se resolveu pois Manoel Vieira conseguiu recuperar sua escravaria pondo o
capitatildeo Francisco de Oliveira como fiador de tais escravos estando ele responsaacutevel ainda por
entregar em juiacutezo os homens todas as vezes que assim fosse requerido
Algo curioso neste processo eacute que a embarcaccedilatildeo ficaraacute apreendida junto com a carga
apesar de encontramos outros documentos que apontam situaccedilotildees semelhantes a defesa do
reacuteu a todo o momento contestaraacute tal decisatildeo afirmando que natildeo era costume da Companhia
agir daquela forma Devido a apreensatildeo feita na embarcaccedilatildeo nos autos da apelaccedilatildeo constam
os objetos que nela existiam como toneis barricas candeeiros entre outros objetos de uso
cotidiano Consta tambeacutem nos autos a avaliaccedilatildeo do valor do barco que foi feita pelo doutor
juiz conservador da Companhia junto a um ldquocorpo de mestranccedilardquo 388
a sumaca naquela
ocasiatildeo teve seu valor estimado em um conto e cem mil reis Como jaacute dito os advogados do
reacuteu iratildeo insistir na liberaccedilatildeo do barco iniciam a defesa afirmando que no decurso de 19 anos
foram ldquotantas e tantas apreensotildees tomadias de gecircneros e contrabandos introduzidos
transportados e ocultados em barcos lanchas botes canoas jangadas e casardquo 389
no entanto
ldquonatildeo consta que tambeacutem se apreendessem as casas jangadas canoas botes lanchas e barcos
como instrumentos das extraviaccedilotildees e contrabandosrdquo 390
Isto porque segundo a defesa natildeo se
encontrava nos estatutos da empresa ordens para apreensatildeo de embarcaccedilotildees apenas a sua
carga estaria sujeita as ldquotomadiasrdquo Como comentado em nosso conjunto documental
encontramos outros casos onde as embarcaccedilotildees satildeo apreendidas junto a suas mercadorias natildeo
parecendo para noacutes que esta praacutetica fosse anocircmala
Persistindo na mesma mateacuteria o jurista alegava que ldquoa tiacutetulo de contrabando soacute
mandam as ordens reacutegias apreender e tomar embarcaccedilotildees nos portos do Brasil quando satildeo de
estrangeiros que sem faculdade reacutegia vem a eles oculta e furtivamente fazer negocio e
transportar os gecircneros do paiacutesrdquo 391
Esta ordem tambeacutem se aplicava a embarcaccedilotildees piratas e
ldquoxavecos de mourosrdquo pois aqueles eram ldquodeclarados inimigos da coroa de Portugal e seus
vassalosrdquo 392
Pedia entatildeo o advogado que fosse exonerada a fianccedila feita pelo reacuteu para receber
seu barco de volta uma vez que o Xibante natildeo era ldquoclasse assinada das embarcaccedilotildees que as
387
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 10 388
Ibidem f 11 389
Ibidem f 13 390
Idem 391
Ibidem f 13 verso 392
Idem
114
ordens reacutegias mandam apreende-las e toma-las por se ele portuguecircs e habitador desta terra e
vassalo fiel de sua majestade e natildeo estrangeiro nem piratardquo 393
Seguindo a mesma linha de defesa do caso acima descrito tambeacutem iraacute se afirmar que a
apreensatildeo da sumaca teria se dado de maneira indevida jaacute que nenhuma extraviaccedilatildeo efetiva
havia sido comprovada pois na ocasiatildeo do seu sequestro o barco estava ldquobordejando ao norte
da barra e natildeo tinha passado para o sul nem o mesmo tinha ordem do reacuteu para o poder fazerrdquo
394 e ainda que ldquoos afetos e intenccedilotildees do animo [] soacute Deus conhece e os homens penetrar natildeo
podemrdquo 395
Ou seja seguindo a loacutegica da defesa mesmo que os indiacutecios apontassem que
haveria de se cometer crime de contrabando natildeo poderiam as autoridades atuar
preventivamente
Um dado interessante sobre o caso eacute que o Xibante no momento de sua apreensatildeo
trazia passageiros a bordo A defesa afirmaraacute a seu favor que estes viajantes tinham como
porto de destino Recife aleacutem disso iratildeo alegar que a sumaca vinha em meia carga por isso
natildeo seria vantajoso comercialmente falando o envio da embarcaccedilatildeo para Bahia Assegurando
ainda que o mestre natildeo entrou diretamente no porto do Recife pois foi a terra buscar ordens
do dono da sumaca para saber qual o destino deveria tomar neste meio tempo em que o
mestre estava em terra aconteceu o apresamento
Ainda de acordo com versatildeo dada pela defesa ldquoa gente da mareaccedilatildeo vinha toda
levantada com o mesmo (mestre) por bulhas que tiveram no Aracati e para fazerem mal ao
dito foram eles os que arguiram a ida do barco para a Bahiardquo 396
Afirmam ainda que se
realmente se tivesse a intenccedilatildeo de fazer contrabando o barco poderia ter seguido para Sul
sem ficar parado a vista de todos naquela barra e que o reacuteu natildeo tinha culpa da ignoracircncia de
seu mestre uma vez que natildeo havia expedido ordens que autorizassem a ida para Bahia
Ressaltamos que alguns passageiros do barco confirmaram a afirmaccedilatildeo do desentendimento
entre os marinheiros e o mestre da embarcaccedilatildeo sem explicar ao certo o porquecirc de tal rusga
Tambeacutem como no caso acima a defesa iraacute se utilizar do artigo 25 dos estatutos da
empresa para defender que aquele comeacutercio feito nos sertotildees era livre e que a Companhia soacute
passou a reprimi-lo posteriormente Denunciam ainda que mesmo apoacutes a dita proibiccedilatildeo era
notoacuterio e sabido por todos que os deputados da empresa ldquopara seus negoacutecios particulares tem
393
Idem 394
Idem 395
Ibidem f 14 396
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 14
115
sempre carregado solas e couros do sertatildeo para a Bahia e para o Riordquo 397
sendo assim se
julgassem justa a dita proibiccedilatildeo natildeo deveriam continuar a praticar aquele comeacutercio ldquopor serem
executores da instituiccedilatildeo ou obrigados a executa-la se entendessem ser justa e legalrdquo 398
Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais e oficiais e deputados da proacutepria
companhia no comeacutercio descaminhado mais profundamente no proacuteximo capiacutetulo
Todos os pontos alegados acima seratildeo sustentados pelas testemunhas de defesa
durante as inquiriccedilotildees destacando sempre que ldquoantes da Companhia sempre houve comeacutercio
dos gecircneros do sertatildeo que satildeo couros e solas para a Bahia e para o Rio de Janeirordquo 399
e que
apenas depois de nove ou dez anos dela jaacute estabelecida se passou a impedir aqueles negoacutecios
sertanejos Esta versatildeo dos fatos tambeacutem eacute confirmada por um dos passageiros que estava no
barco no momento do sequestro Durante o processo seratildeo coletados ainda os testemunhos de
homens que estavam trabalhando na construccedilatildeo de uma casa para o reacuteu em Igarassu 400
estes
iratildeo afirmar que apoacutes receber carta do mestre do barco Manoel Vieira natildeo havia autorizado a
ida do Xibante para Bahia
O processo eacute bastante detalhado e aleacutem de conter toda a relaccedilatildeo da carga e suas
respectivas marcas traz em anexo importantes documentos encontrados dentro da
embarcaccedilatildeo a saber cartas e comentaacuterios Estas cartas foram escritas pelo filho do dono do
barco Andreacute Vieira Melo 401
ao mestre da embarcaccedilatildeo e foram inseridas nos autos pois
apesar do conteuacutedo pessoal tratavam de maneira geral sobre negoacutecios e foram utilizadas como
provas contra o reacuteu jaacute que constavam nelas o destino seguinte da embarcaccedilatildeo e outras
informaccedilotildees pertinentes A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo dos assuntos tratados nestes documentos
traremos aqui uma das cartas de Andreacute Vieira ao mestre da embarcaccedilatildeo
O remetente pedia que chegando a embarcaccedilatildeo a cidade da Bahia havendo ldquoocasiatildeo de
navio para Benguela me faraacute mercecirc comprar um escravo de Benguela do tamanho do Leandro
ou maior pouco que seja mesmo Benguelardquo 402
continua instruindo que quem deveria tratar
397
Ibidem f 14 verso 398
Idem 399
Depoimento da testemunha Francisco Brito homem branco casado morador fora da porta da vila que vive de
andar embarcado de idade de 30 anos Ibidem f 25 verso 400
Satildeo eles Joseacute da Costa homem preto solteiro morador em Igarassu oficial de pedreiro de idade de 35 anos
e Antocircnio Rocha homem pardo casado morador em Igarassu oficial de carapina de idade de 33 anos ANTT
Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 23 ndash 25 401
Durante o processo eacute informado que Andreacute Vieira de Melo havia trabalhado como piloto da Companhia
Geral mas foi dispensado do serviccedilo pois nas trecircs viagens que fez pela empresa teve prejuiacutezos o que causou a
desconfianccedila de seus superiores por ser ldquocaso estranho em trecircs viagens e em trecircs diferentes embarcaccedilotildees se
contar semelhante homem soacute com perdasrdquo 402
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 34
frente e verso
116
dos negoacutecios era o senhor Antocircnio Joseacute e estando os escravos baratos deveria comprar ldquomais
um moleque mais grande que o Leandro que eacute para o barco seja bem feitordquo 403
pedia ainda
ldquouma pessoa da linhagem de Luandardquo 404
advertindo quanto ao preccedilo de tais homens
Prossegue pedindo ainda que se compre um calccedilatildeo e uma camisa a cada um dos escravos e
que lhe sirvam algum mel Por fim despede- se de maneira cordial
Os comentaacuterios seguiam um esquema bastante parecido entre si e eram um hibrido
entre recibo e contrato trocado entre o mestre da sumaca e os carregadores da mesma
Continham informaccedilotildees padratildeo informadas pelo mestre da embarcaccedilatildeo mais instruccedilotildees
relativas a carga Como no exemplo abaixo
Digo eu abaixo assinado Mestre que sou da sumaca por invocaccedilatildeo Nosso
senhor bom Jesus das Portas e Nossa senhora do Pilar 405
que ao presente
estaacute surta e ancorada neste porto de Jaguaribe para com o favor de Deus
seguir viagem ao da cidade da Bahia onde eacute minha direita descarga que eacute
verdade que recebi e tenho carregado na dita sumaca debaixo de coberta
enxuta e bem acondicionada de Manoel da Costa marcados com a marca a
margem que declarou fazer por sua conta e risco a entregar na mesma cidade
em nome dele carregador Antonio de Oliveira Leite ao que promete levando
a salvamento para que obrigo minha pessoa e bens e a dita sumaca pagando-
me de frete de cada praccedila nove vinteacutens E para clareza passei dois de um teor
somente por mim assinados que um cumprido outro natildeo valha digo natildeo
valeraacute Aracati 28 de marccedilo de 1779 Satildeo 79 meios de sola e 3 couros de boi
com a marca A+ Manoel Francisco Xelas 406
Os argumentos utilizados pela Companhia para enquadrar o caso do Xibante no crime
de contrabando seratildeo diversos primeiramente a empresa por meio de seu procurador fiscal
afirma ficar constatado que a embarcaccedilatildeo tinha como destino a capitania baiana e que o crime
soacute natildeo se efetivou por ter agido a fiscalizaccedilatildeo primeiro Eacute necessaacuterio atentar para o fato de
que a saiacuteda destes produtos em direitura para Bahia era considerada como contrabando pela
Companhia mesmo a empresa natildeo possuindo o monopoacutelio do comeacutercio realizado nos sertotildees
Isto porque a interpretaccedilatildeo do procurador fiscal da empresa para o artigo 25 dos estatutos da
Companhia que legislava sobre esta mateacuteria era de que esses negoacutecios eram livres para
serem feitos apenas internamente ou seja limitados aos sertotildees que estavam sob jurisdiccedilatildeo do
governo de Pernambuco
403
Idem 404
Idem 405
Nome oficial da sumaca que tinha por alcunha o ldquoXibanterdquo 406
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 38
verso
117
O procurador tambeacutem iraacute se utilizar dos testemunhos dos marinheiros do barco
mesmo daqueles que eram escravos pois mereciam os ditos escravos ldquocreacutedito por serem
marinheiros do mesmo barcordquo 407
e se por direito natildeo eram testemunhas vaacutelidas naquele caso
deveriam ser levados em consideraccedilatildeo uma vez que ldquoficam supridos os seus defeitos com os
depoimentos das outras testemunhasrdquo 408
Quanto a contestaccedilatildeo do reacuteu sobre as leis de
apreensatildeo de embarcaccedilotildees soacute serem vaacutelidas para navios estrangeiros afirmam que quando
ldquocompreendidas com extraviaccedilatildeo e contrabandos assim como aconteceu com o barco do reacuteurdquo
409 as embarcaccedilotildees portuguesas tambeacutem poderiam ser detidas
A defesa de Manoel Francisco iraacute recorrer novamente das acusaccedilotildees poreacutem a
argumentaccedilatildeo permanece praticamente a mesma enfatizando um ou outro ponto e
acrescentando poucas informaccedilotildees novas Daacute ecircnfase a questatildeo do ldquodelito afectivordquo afirmando
que ldquosoacute Deus conhece soacute a divina justiccedila pune os maus pensamentos os desordenados afetos
vis sinistros conatos e as maleacutevolas intenccedilotildees mas natildeo os homens nem a justiccedila humanardquo 410
isto porque ldquonatildeo haacute lei que a esta permita semelhante conhecimento e puniccedilatildeo da privativa
jurisdiccedilatildeo e regalia de Deusrdquo 411
A loacutegica do argumento eacute bastante simples afirma que natildeo se
pode punir um crime que natildeo aconteceu como tambeacutem alega ser impossiacutevel que a direccedilatildeo
posto que humana fosse capaz de conhecer as intenccedilotildees do mestre do barco jaacute que ldquoo
pensamento o afeto o conato e a intenccedilatildeo do reacuteu era impeacutervia e inacessiacutevel ao conhecimento
e puniccedilatildeo da Justiccedila humanardquo 412
Quanto a questatildeo dos testemunhos dos escravos a defesa do reacuteu iraacute recorrer alegando
que segundo as ordenaccedilotildees Filipinas os juramentos ldquodos pretos e servosrdquo natildeo deveriam ter
valor Jaacute que as ordenaccedilotildees postulam que ldquoos escravos natildeo podem ser testemunhas nem seraacute
perguntado geralmente em feito algum salvo os casos por direito especialmente
determinadosrdquo 413
De acordo com Adriana Campos 414
no Brasil a tradiccedilatildeo romana foi
responsaacutevel por emprestar os fundamentos baacutesicos da legislaccedilatildeo voltada para a questatildeo da
escravidatildeo Em linhas gerais segundo esta tradiccedilatildeo natildeo teriam entatildeo os escravos
407
Ibidem f 43 verso 408
Idem 409
Ibidem f 45 410
Ibidem f 55 411
Idem 412
Ibidem f 55 verso 413
Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI P647 Disponiacutevel em
httpwww1ciucptihtiprojfilipinasl3p647htm Data de acesso 02082017 Infelizmente natildeo conseguimos
identificar os casos especiais reportados pelas ordenaccedilotildees 414
CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito Santo do seacuteculo XIX
Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003
P 62 ndash 64
118
personalidade poliacutetica o que os impediria de se tornar parte de processos ciacuteveis Poreacutem essa
realidade segundo a autora era alterada no direito penal quando os escravos poderiam tornar-
se sujeitos e responder criminalmente 415
Apesar da Companhia possuir uma administraccedilatildeo
juriacutedica privativa acreditamos a mesma estava sujeita as legislaccedilotildees e aparato juriacutedico da
eacutepoca portanto deveriam obedecer de maneira geral as ordenaccedilotildees Filipinas e as tradiccedilotildees
do direito romano
A defesa tambeacutem iraacute contestar o uso das cartas do filho do reacuteu como prova
incriminatoacuteria argumentando que Andreacute Vieira natildeo era dono da embarcaccedilatildeo logo natildeo tinha
ele poder de determinar para onde seguiria a sumaca Sendo assim natildeo teriam as cartas forccedila
para atestar a efetividade da atividade iliacutecita Ainda no assunto das cartas e comentaacuterios a
defesa apresenta como anexos outros comentaacuterios onde o mestre da embarcaccedilatildeo atesta estar
se dirigindo para o porto do Recife Posteriormente a Companhia iraacute contestar esses
documentos afirmando serem falsos Diz a empresa atraveacutes de seus representantes que sobre
aqueles documentos natildeo se ldquopodia dar feacute e creacutedito tambeacutem pode ser que se passassem
naquele sertatildeo do Aracati em tempo que o destino do Mestre fosse seguir derrota para este
porto (do Recife)rdquo 416
Por fim a defesa do reacuteu destaca que os couros e solas encontrados na sumaca natildeo
eram mercadorias vedadas de serem trazidas do sertatildeo para o porto do Recife pelo contraacuterio
alegam que a empresa desejava ldquoque venham muitos para o seu negoacuteciordquo 417
Afirmam ainda
que mesmo que os gecircneros estivessem sendo levados para Bahia ldquonatildeo eacute terra de inimigos
aquela cidade nem os couros e solas satildeo coisas proibidasrdquo 418
Continuam sustentando que a
proibiccedilatildeo vigente legislava apenas quanto a extraviaccedilatildeo destes gecircneros e natildeo o comeacutercio dos
gecircneros em si Como maneira de atestar tal diferenciaccedilatildeo afirmam que ldquouma coisa eacute ser
proibida somente a extraviaccedilatildeo e outra coisa eacute serem tambeacutem proibidos os gecircneros por haver
miacutenima disparidade de um caso ao outrordquo 419
Dessa forma como o barco do reacuteu foi
apreendido em aacuteguas pernambucanas natildeo estaria incurso nas penas regidas pelo artigo 34 dos
estatutos da Companhia
O caso eacute longo e arrastado mas os fatos satildeo basicamente os expostos acima No fim
das contas mesmo tendo sido o reacuteu e seu filho acusados de praticarem contrabando natildeo soacute
415
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 27
verso 416
Ibidem f 67 417
Ibidem f 59 418
Ibidem f 60 419
Idem
119
neste caso como tambeacutem de terem levado no mesmo ano dois barcos com escravos para
Bahia e ainda expor o procurador fiscal da Companhia que o filho do acusado negociava
escravos em Igarassu e Tracunhaeacutem para depois ir vendecirc-los na Bahia foi Manoel Vieira apoacutes
3 anos de processo absolvido pela conservador da direccedilatildeo lisboeta
Como jaacute dito os contrabandos eram realizados natildeo soacute no grosso trato como nos casos
demonstrados acima mas tambeacutem no miuacutedo Vaacuterias seratildeo as referecircncias na documentaccedilatildeo
desse tipo de praacutetica que incluiacuteam os proacuteprios oficiais dos navios reais que tanto traziam de
Portugal fazendas europeias para venda na capitania pernambucana como levavam produtos
da terra para Europa Iremos tratar de dois casos colhidos dos fundos da conservatoacuteria da
Companhia em Lisboa que confirmam este movimento de comeacutercio de pequena monta
O primeiro deles ocorrido no ano de 1774 envolve o despenseiro do navio real Nossa
Senhora dos Prazeres o senhor Joatildeo Marques Cunha Que foi acusado de introduzir no navio
em que servia trecircs volumes com fazendas de contrabando A carga apreendida nestes trecircs
volumes era a seguinte 106 peccedilas de bertanha de Hamburgo 27 peccedilas de chita 6 peccedilas de
lenccedilos azuis 13 peccedilas ditas do Norte com cercadura 10 peccedilas de cangas azuis 5 ditas
lavradas e um garrafatildeo de aguardente As mercadorias foram avaliadas na ocasiatildeo em 600 reis
420
De acordo com o libelo acusatoacuterio lavrado contra o reacuteu o crime teria acontecido da
seguinte forma ainda em Lisboa eacute acusado Joatildeo Marques de introduzir no navio os volumes
de ldquofazendas secas das reprovadas e proibidasrdquo 421
chegando ao porto do Recife teria o
despenseiro feito conduzir as tais fazendas para a lancha de outro navio real a saber o navio
Luz Para tal feito acusava-se de tecirc-lo ajudado o guarda da Alfacircndega Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo
que foi preso junto com o despenseiro Pedia entatildeo a Companhia que o reacuteu respondesse de
acordo com as penas contidas no artigo 34 dos estatutos da empresa
Durante o processo seratildeo escutadas as testemunhas de defesa e de acusaccedilatildeo As
testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo de maneira geral referendar o exposto no libelo acusatoacuterio
Incluindo os capitatildees dos dois navios envolvidos no caso Diraacute o capitatildeo do navio Nossa
Senhora dos Prazeres que ldquoJoatildeo Marques despenseiro [] foi quem introduziu o contrabandordquo
422 e que para isso contou com a ajuda de Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo guarda da alfacircndega que foi
quem ldquolevou as fazendas e a tirou do navio Prazeres e as transportou no catraio do mesmo
420
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 7 421
Idem 422
Ibidem f 17 verso
120
navio para o navio Nossa Senhora da Luzrdquo 423
Joseacute Gomes Ribeiro capitatildeo do navio Luz
tambeacutem acusaraacute o despenseiro como autor do iliacutecito atestando que ouvira dizer por moccedilos
que serviam no seu navio que Joatildeo Marques era o responsaacutevel pelo contrabando que se
apreendeu na lancha do navio Luz 424
O depoimento padratildeo das testemunhas de acusaccedilatildeo afirmava basicamente que as
fazendas apreendidas teriam sido introduzidas no navio Luz pelo guarda da Alfacircndega Joatildeo
da Ressurreiccedilatildeo e que elas pertenciam ao despenseiro do navio Nossa Senhora dos Prazeres
Joatildeo Marques Complementam afirmando que para este transporte utilizaram a lancha que
leva a pedra de descarga do navio e quem as conduziu e tomou conta delas na lancha foi o
marinheiro ldquoTiatildeordquo sem a ciecircncia do patratildeo mor Algumas testemunhas tambeacutem iratildeo afirmar
que quando o escaler da ronda atracou na lancha para fazer a apreensatildeo o marinheiro Tiatildeo foi
ao encontro do guarda mor ldquorogando-lhe dissimulasse a passagem livre da dita fazendardquo 425
As testemunhas de defesa tambeacutem iratildeo depor de maneira parecida Em seus
testemunhos alegam que o reacuteu era despenseiro de navios reais haacute mais de 13 anos e que
nunca havia sido acusado de contrabando que soacute costumava trazer de Lisboa os gecircneros
liberados alguns companheiros de tripulaccedilatildeo iratildeo afirmar que natildeo viram o reacuteu introduzindo
fazendas proibidas em Lisboa etc Merece destaque nos depoimentos a menccedilatildeo de que o reacuteu
possuiacutea diversas inimizades na embarcaccedilatildeo isto porque administrava os recursos do barco
com zelo os tripulantes ldquomuitas vezes lhe pediam vaacuterias coisas e o reacuteu natildeo lhes dava pelo
que dele natildeo gostavamrdquo 426
Nestes testemunhos eacute lanccedilado no caso um novo suspeito Joseacute
Ribeiro marinheiro do navio Luz que segundo as testemunhas de defesa estava na lancha em
que as fazendas foram apreendidas e era o real autor do crime
As testemunhas iratildeo afirmar ainda que o despenseiro natildeo estava na lancha no
momento da apreensatildeo e que Joseacute Ribeiro o verdadeiro culpado chegou a oferecer dinheiro
ao sargento que fez a ldquotomadiardquo Aleacutem disso contra Joseacute Ribeiro pesava o fato de momentos
depois da apreensatildeo ter o mesmo voltado a um escaler do navio Luz e lanccedilado ao mar um
saco de pimentas 427
por medo que tinha que os soldados da guarda do trapiche dessem busca
no escaler este saco foi encontrado posteriormente em uma praia por ldquoum pretordquo Ainda
423
Idem 424
Idem 425
Depoimento de Joatildeo Fernandes homem branco solteiro natural da freguesia de satildeo Miguel de Carreiras do
Arcebispado de Braga moccedilo do serviccedilo do navio Luz de idade de 23 anos pouco mais ou menos Ibidem f 27
verso 426
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 13 427
Esta afirmaccedilatildeo aparece nos depoimentos de vaacuterias testemunhas Lembramos que as pimentas estavam
inseridas no rol de produtos vedados
121
segundo as testemunhas assim que ficou sabendo do iniacutecio do processo de devassa para se
apurar o caso de contrabando o tal marinheiro teria fugido para Bahia e desaparecido atitude
que segundo as testemunhas reforccedilava sua culpa
A defesa do reacuteu iraacute se utilizar de todos os pontos positivos trazidos pelos testemunhos
durante os inqueacuteritos reforccedilando o fato de que o reacuteu natildeo estava na lancha no momento da
ldquotomadiardquo estando ele ldquoa bordo do navio Prazeres e o maior sinal da sua inocecircncia foi natildeo se
retirar desta praccedila sendo-lhe noticiada a devassa e que a ele imputavam o mencionado
contrabandordquo 428
sublinhando que o reacuteu natildeo fugiu pois nada temia Punham entatildeo a culpa no
mencionado Joseacute Ribeiro que naquele momento estava ainda sumido
A defesa tambeacutem iraacute afirmar que os depoimentos das testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo
eram conclusivos e em nada prejudicavam o reacuteu pois para que o despenseiro fosse
condenando natildeo bastavam indiacutecios ou conjecturas para a condenaccedilatildeo se fazia necessaacuterio a
existecircncia de ldquouma prova plena legal contundente e mais clara do que a luz do meio diardquo 429
coisa que natildeo constava nos inqueacuteritos visto que muitas testemunhas iratildeo depor ldquode ouvidardquo
ou seja afirmavam saber do fato por ouvirem dizer a um terceiro o que acaba fazendo com
que estas declaraccedilotildees percam forccedila
Outro argumento interessante lanccedilado pela defesa eacute a afirmaccedilatildeo de que se as fazendas
de fato fossem do reacuteu teria ele agido de maneira mais inteligente para natildeo ser pego Isto
porque asseguravam que considerando que as fazendas fossem do despenseiro natildeo era criacutevel
que as mandasse para outro barco a outra pessoa pois esta accedilatildeo tornaria a situaccedilatildeo
potencialmente mais arriscada do que simplesmente enviar as mercadorias para terra Atestam
ainda que ldquoeacute certo que quando eacute costumado a praticar contrabandos todo o seu desiacutegnio eacute por
em salvo as fazendas com toda cautelardquo 430
isto ldquopara a natildeo perderem que eacute o menos para natildeo
pagarem o dobro para natildeo padecerem o rigor da prisatildeo em terra estranha e natildeo sofrerem as
avultadas despesas que trazem consigo os tais contrabandosrdquo 431
Tambeacutem alega que o caso teria sido orquestrado pelo mestre do navio Prazeres que
tinha ldquoconhecida inimizaderdquo pelo reacuteu pois queria o tal capitatildeo ldquogastar com excessiva largueza
os mantimentos da despensardquo 432
e o reacuteu zeloso do seu ofiacutecio tratava de administrar sem
estrago e excesso os mantimentos Entatildeo o capitatildeo do Prazeres teria em conluio com o capitatildeo
428
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 49
verso 429
Ibidem f 50 430
Ibidem f 51 431
Idem 432
Idem
122
do Luz armado contra o reacuteu Mesmo que a eacutepoca segundo relatos das testemunhas os dois
estivessem ldquodivorciadosrdquo o capitatildeo do Luz querendo se isentar da ldquomaacuteculardquo e maacute fama de ter
sido encontrado contrabando no seu navio topou se unir ao seu companheiro e ldquose viram em
beneficio proacuteprio e grave prejuiacutezo do reacuteurdquo 433
Apesar dos argumentos consistentes da defesa o processo contou com diversas
apelaccedilotildees ateacute a sentenccedila final Na uacuteltima apelaccedilatildeo iraacute a defesa declarar que ldquoo embargante eacute
um homem casado nesta Corte com filhos acha-se pobre e preso e ficaraacute inteiramente
destruidiacutessimo havendo-se dele o dobro que certamente natildeo deve porque natildeo eacute o cumplice
daquele contrabandordquo 434
Por fim em 29 de abril de 1775 Joatildeo Marques eacute absolvido pois
havia duacutevidas das autoridades quanto a autoria do crime e nesse caso natildeo deveria entatildeo ser o
despenseiro condenando No entanto ficou o mesmo encarregado do pagamento das custas do
processo como era de costume
O outro caso trata-se de uma apelaccedilatildeo crime onde era apelante a justiccedila e o procurador
fiscal da direccedilatildeo subalterna de Pernambuco contra o reacuteu Euseacutebio Alvarez da Costa O caso eacute o
seguinte o reacuteu que era alferes de auxiliares tinha em seu poder uma portaria passada pela
Companhia geral pois haacute alguns anos atraacutes tinha auxiliado aquela empresa a resgatar uns
escravos que haviam sido furtados Como sabia onde estes escravos estavam todos jaacute em
poder de terceiros cedeu a direccedilatildeo tal documento para que o alferes auxiliado por militares
fizesse o resgate dos tais escravos
O reacuteu entatildeo eacute acusado de continuar a se utilizar desta portaria em benefiacutecio proacuteprio
Isso porque fingindo ser agente da direccedilatildeo da Companhia Euseacutebio Alvarez prendia
comerciantes e mascates que vinham da Bahia trazendo contrabando e para solta-los exigia
pagamento tambeacutem em produtos vedados Diz o procurador fiscal da Companhia que o reacuteu
era acostumando a cometer ldquosimilares malefiacuteciosrdquo que eram puacuteblicos e notoacuterios nas freguesias
de Ipojuca Cabo e Sirinhaem e ainda ldquoque o reacuteu vive destas e de outras ladroeiras fazendo-se
agente da direccedilatildeo e intimidando com a portaria do senhor generalrdquo 435
O caso especiacutefico que eacute objeto desta apelaccedilatildeo envolve o mascate Joatildeo Manoel que
trazendo fazendas de contrabando da Bahia para Pernambuco foi apreendido pelo reacuteu que se
fez passar na ocasiatildeo por oficial da Companhia apresentando a portaria que possuiacutea O
mascate segundo a denuacutencia foi libertado pelo reacuteu mediante pagamento feito atraveacutes de ldquoduas
433
Idem 434
Ibidem f 92 verso 435
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1 f 9
123
peccedilas de riscado da Iacutendia e uma letra de 14 ou 16 mil que devia Joatildeo Paes filho de dona
Joanna moradora na lagoa do Cabordquo 436
Tendo o crime sucedido em julho ou agosto do ano
de 1776 Foi entatildeo Euseacutebio Alvarez preso para que se tirasse devassa do caso
Praticamente todas as testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo afirmar a mesma coisa
sustentando a versatildeo descrita acima afirmam que apresentando o reacuteu a portaria para o
mascate Joatildeo Manoel que trazia produtos vedados da Bahia soacute o autorizou a passar quando
este lhe deu duas peccedilas de riscado e umas letras Algumas testemunhas como Ignacio Correa
Teixeira 437
por exemplo iratildeo declarar que uma dessas peccedilas de riscado teria sido comprada
pelo reacuteu Versatildeo reforccedilada tambeacutem por Jeronimo Joseacute Cavalcanti que inclusive assegura ter
tentado comprar do mascate o mesmo tipo de peccedila de riscado que Euseacutebio Alvarez havia
adquirido pelo valor de sete patacas e meia 438
Os depoimentos das testemunhas de defesa iratildeo se encaminhar no sentido de informar
que o reacuteu era um homem iacutentegro respeitado e estimado por seus superiores e que jaacute havia
prestados serviccedilos a Companhia no caso do furto dos escravos e ainda que natildeo acreditavam
ser Euseacutebio Alvarez um contrabandista Vaacuterias testemunhas como Manoel Joseacute dos Santos
por exemplo alegam que o comandante da freguesia do Cabo era inimigo do reacuteu Algumas
testemunhas vatildeo aleacutem como eacute o caso de Joseacute Correia Faria e declaram ser aquele comandante
ldquocostumado a caluniar a todos e que o mesmo comandante auxilia e daacute passagem aos
contrabandistasrdquo 439
A defesa do reacuteu se inicia como uma afirmaccedilatildeo polecircmica e que vem corroborar o nosso
entendimento de que os contrabandos durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia Geral
foram uma praacutetica comum e amplamente disseminada tanto no grosso trato como no miuacutedo
aleacutem disso reforccedila tambeacutem nosso argumento que o litoral sul da capitania era
abundantemente frequentado pelos contrabandistas Declara a defesa que ldquose houvesse de
proceder o juiacutezo contra todas as pessoas que natildeo delatam o contrabandista e deixam passar
os contrabandos a maior parte delas de fora desta Praccedila ateacute a vila de Penedo deveriam ser
punidasrdquo 440
isto porque ainda segundo a defesa as pessoas natildeo ldquodelatam os contrabandistas e
deixam passar os contrabandosrdquo 441
436
Ibidem f 8 437
Ibidem f 24 verso 438
Ibidem f 23 verso 439
Ibidem f 29 verso 440
Ibidem f 37 441
Idem
124
Continua afirmando que todos na praccedila sabiam disso e que era impossiacutevel que o
procurador fiscal da Companhia desconhecesse tais fatos Atestam ainda ldquoque muito e muitos
contrabandos estatildeo entrando todos os dias nesta vila e hatildeo de entrar enquanto existir a
Companhia sem que ningueacutem delate os contrabandistasrdquo 442
E que o reacuteu soacute foi denunciado
pois possuiacutea inimigos Sustentavam a versatildeo de que tudo foi arquitetado pelo comandante da
freguesia do Cabo que era ldquodeclarado inimigo do reacuteurdquo e que induzira aos outros a
testemunhar contra o alferes Eram entatildeo as testemunhas compradas e seu juramento de
nenhum valor
Declaram aleacutem disso que o reacuteu soacute fez uso da portaria expedida pela Companhia no
caso da apreensatildeo dos escravos ldquoe natildeo cuidou nunca em fazendas de contrabandistas por natildeo
ter ordem para isso e menos os auxiliou porque eacute zeloso do serviccedilo da Direccedilatildeo e natildeo
adversaacuterio delardquo 443
Afirmam ainda que o Euseacutebio Alvarez nunca apreendeu contrabandista
nenhum nem fazendas de contrabando e que nem mesmo conhecia o mascate citado no caso e
que se o tivesse apreendido natildeo seria capaz de soltaacute-lo ldquopelo donativo de duas peccedilas de
riscado e 16 letrasrdquo 444
Outro ponto interessante da defesa versa sobre a condiccedilatildeo e a qualidade do reacuteu
Declaram entatildeo que o mesmo era alfares de auxiliares e que era notoacuterio a todos que ldquonasceu
nobre e abastado e sempre teve o que comer e natildeo precisava de furtar para issordquo prosseguem
afirmando que ldquoa sua conduta sempre se conformou a nobreza do seu nascimento e as leis
divinas e humanasrdquo 445
Com este argumento a defesa busca se utilizar da condiccedilatildeo do reacuteu
para contestar a denuacutencia deixando claro que aleacutem de natildeo precisar cometer contrabandos
esse tipo de atitude natildeo condizia com a honra esperada de sua ascendecircncia nobre
Apesar das denuacutencias do procurador fiscal da Companhia os argumentos da defesa
acabam vingando e o reacuteu eacute absolvido em maio de 1778 ficando ele responsaacutevel por pagar
apenas as custas do processo como era de costume Como podemos observar boa parte dos
casos detalhados ateacute o momento no grosso trato ou no miuacutedo acabaram por inocentar seus
reacuteus mesmo quando se sabia publicamente que aqueles homens eram reconhecidos
contrabandistas Isto porque as apreensotildees em sua maioria eram feitas preventivamente ou
seja antes do crime realizar-se Fato que usaratildeo os reacuteus a seu favor para afirmar natildeo serem as
provas conclusivas Para o comeacutercio feito nos ldquointerioresrdquo o artigo 25 dos estatutos seraacute
442
Idem 443
Ibidem f 11 444
Idem 445
Idem
125
amplamente utilizado nas defesas para isentar os comerciantes que negociavam naquelas
paragens
O desenrolar dos casos revelam aleacutem de interessantes e importantes detalhes da praacutetica
de comeacutercio iliacutecito ao longo do periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial da Companhia a
dificuldade de se reprimir e castigar aquele tipo de accedilatildeo Pois aleacutem da grande dificuldade de
se monitorar uma aacuterea tatildeo vasta e de se controlar um comeacutercio que acontecia por vaacuterios meios
e formas dificilmente a apreensatildeo configurava flagrante Desenvolveremos melhor este
toacutepico no proacuteximo capiacutetulo
Destacamos tambeacutem que dentro do conjunto de atividades comerciais iliacutecitas
desenvolvidas na capitania o comeacutercio com navios estrangeiros estaraacute presente de forma
abundante 446
Em 1770 por exemplo o governador de Pernambuco relata ao secretaacuterio de
Estado da Marinha e Ultramar ter apreendido papeacuteis em poder de Henrique Joseacute Colaccedilo
onde constava um grande volume de contrabandos e negoacutecios feitos por ele com navios
estrangeiros no Cearaacute O governador passa coacutepia neste ofiacutecio de todas as ldquocompras e vendas
que no Cearaacute Grande debaixo de pretexto de arribada forccedilada fizeramrdquo 447
os comerciantes
estrangeiros
Estes negoacutecios ainda segundo Joseacute Cesar foram feitos ldquoem prejuiacutezo dos negociantes
deste continente e Companhia Geral e Reais direitos de sua majestaderdquo 448
pois da capitania
do Cearaacute tinham levado ldquodinheiro ouro em pensas como tambeacutem quinze mil rolos de paus de
tintas e obra mais duzentos e cinco arrobas de papaconha sessenta e oito de resina e gomas e
quinhentos e noventa e quatro couros em cabelordquo 449
como se pode ver nos documentos
anexados Nestes papeacuteis constam tambeacutem as mercadorias em sua maioria importadas
introduzidas ilegalmente nas terras do Cearaacute como queijos fitas de algodatildeo facas tecidos
diversos enxofre poacutelvora entre outros
Atestam esse fluxo tambeacutem a preocupaccedilatildeo constante das autoridades locais com
embarcaccedilotildees estrangeiras que estando destinadas a outros portos do Estado do Brasil acabam
arribando em Pernambuco devido as maacutes condiccedilotildees do tempo ou pela necessidade de reparar
avarias Como ocorre por exemplo em 1761 quando trecircs naus inglesas da Companhia
Oriental datildeo fundo em Recife em virtude de problemas na embarcaccedilatildeo Para evitar os
446
Os documentos que comprovam este fluxo satildeo muitos e estatildeo disponiacuteveis nos avulsos do arquivo histoacuterico
ultramarino - AHU para a capitania de Pernambuco 447
AHU ndash PE Cx 110 D8493 448
Idem 449
Idem
126
descaminhos o governador publica bando em praccedila puacuteblica esclarecendo que era proibido a
pessoas de qualquer condiccedilatildeo ou qualidade fazer qualquer tipo de comeacutercio com aquela
embarcaccedilatildeo por ldquoser com elas inabilitadas toda compra ou negociaccedilatildeo mercantil puacuteblica ou
oculta grande ou pequena de gecircneros comerciaacuteveis estrangeirosrdquo 450
Ainda no mesmo documento afirma o governador que o contrabando era um dos
delitos mais ldquoperniciosos entre os que infectam o Estado dos que se fazem a sociedade civil
mais odiososrdquo 451
continua alegando que aquele tipo de praacutetica se fazia natildeo soacute contra o Eraacuterio
reacutegio mas tambeacutem em ruiacutena do comeacutercio local e prejuiacutezo do mesmo Pois os contrabandistas
vendem seus produtos com diminuiccedilatildeo de preccedilos jaacute os comerciantes legais ficavam com ldquosuas
fazendas empatadas [] sem ter quem as comprerdquo 452
Adverte entatildeo o governador que quem
fosse pego fazendo tais negociaccedilotildees iliacutecitas seria julgado em todas as penas cabiacuteveis e quem
fizesse denuacutencia receberia ldquoparte competenterdquo como premiaccedilatildeo
A preocupaccedilatildeo das autoridades para que natildeo houvesse contrabando com navios
estrangeiros na Costa da capitania era tatildeo grande que em alguns casos era tirada uma devassa
para se averiguar se os motivos alegados pela tripulaccedilatildeo para fazer parada em territoacuterio
pernambucano eram verdadeiros Esse eacute o caso do bergantim inglecircs denominado Sabina que
arribou no porto de Cabedelo na Paraiacuteba ldquopara se refazer de coisas necessaacuteriasrdquo 453
no ano de
1776 Logo o governador da Paraiacuteba passa ordens para que alguns soldados verifiquem a
embarcaccedilatildeo e a conduzam para fortaleza de Cabedelo onde ficaram ldquodebaixo de artilhariardquo e
posteriormente se procedeu uma devassa para verificar se a arribada era realmente necessaacuteria
Durante o tempo em que esteve naquele porto as mercadorias da embarcaccedilatildeo foram
transferidas para armazeacutens onde ficaram sob constante vigilacircncia para que natildeo ldquose
descaminhasse coisa algumardquo 454
Aleacutem do comeacutercio direto as fazendas estrangeiras tambeacutem chegavam a Pernambuco
atraveacutes de embarcaccedilotildees vindas da Bahia Isso eacute o que afirma Martinho de Melo e Castro
secretaacuterio da Marinha e Ultramar em ofiacutecio destinado ao governador de Pernambuco Joseacute
Cesar de Meneses Neste documento o secretaacuterio iraacute afirmar ser de conhecimento geral no
reino ldquoas escandalosas relaxaccedilotildees com que nesses portos (Pernambuco) se introduzem
450
AHU ndash PE Cx 95 D7497 451
Idem 452
Idem 453
AHU ndash PE Cx 122 Doc 9339 454
Idem
127
fazendas de Franccedila de Inglaterra e de Holandardquo 455
segue dizendo que as tais fazendas eram
extraiacutedas da Costa da Mina e chegavam a Pernambuco ldquointroduzidas pela Bahia e por navios
de comeacutercio que dessa capitania vatildeo aquela Costardquo 456
Como vimos o contrabando de mercadorias ou melhor o potencial comeacutercio de
produtos contrabandeados seraacute uma praacutetica extensiva durante todo o periacuteodo de existecircncia da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Vaacuterias eram as ldquomodalidadesrdquo desse tipo de
comeacutercio que podia ser realizado no grosso trato ou no miuacutedo praticado atraveacutes das rotas que
ligavam Pernambuco e Bahia pelo sertatildeo ou ainda pelo litoral esse comeacutercio era heterogecircneo
e envolvia diversos personagens Desde os grandes comerciantes passando pelos indiviacuteduos
comuns que viam nos descaminhos oportunidade de amealhar algum recurso chegando aos
estrangeiros de diversas naccedilotildees que frequentavam o litoral da capitania trazendo produtos
europeus e levando em contrapartida as mercadorias da terra
33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas
Agora que jaacute conhecemos as rotas os casos e as mercadorias que circulavam entre as
praccedilas de Bahia e Pernambuco nos resta tentar esclarecer como estes produtos ganhavam as
ruas e iam parar nas matildeos dos compradores finais Durante nossa pesquisa nas fontes
primaacuterias descobrimos que alguns destes comerciantes envolvidos nos circuitos iliacutecitos
estavam associados a falsificadores de selos reais como nos revelam dois documentos
coletados do nosso acervo
O primeiro caso eacute do ano de 1770 trata-se de uma carta anocircnima escrita no Recife
endereccedilada ao secretaacuterio de Estado do Reino e das Mercecircs o Conde de Oeiras O denunciador
aleacutem de falar sobre o comeacutercio ilegal praticado nos portos do sertatildeo afirma que ldquose introduz
aqui inumeraacuteveis fazendas sem despacho pelos mesmos navios da Companhiardquo 457
continua
explicando que ldquoo contrabando leva quantas meias sobras haacute nesta terra e ouro velho que
podem adquirir para a Bahia e o Rio de Janeiro vai o dinheiro provincial para se empregarem
em fazendas que se introduzem nesta praccedila por contrabandordquo 458
completa dizendo que as
455
Cf AHU ndash PE ndash Coacutedice 583 fls 202-203 apud DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os
locais uma anaacutelise da correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania
de Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei SOUZA
George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo atlacircntico Recife Editora
Universitaacuteria da UFPE 2012 P 225 456
Idem 457
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 458
Idem
128
ditas fazendas ldquochegam a ter selos falsos com que as selam por se natildeo fazer tatildeo manifesto o
contrabando a quem os compra e torna a venderrdquo 459
Em ofiacutecio escrito pela Junta da Companhia sediada em Lisboa no ano de 1778 um
caso correlato eacute denunciado Afirma-se neste documento a existecircncia em Recife de um
homem chamado Manoel Correa de Mendonccedila que foi preso no ano de 1772 por selar
fazendas contrabandeadas na sua casa 460
Podemos inferir atraveacutes dos dados como se
comportavam estas redes mercantis de contrabando que buscavam se agrupar a falsificadores
na intenccedilatildeo de fazer com que os produtos iliacutecitos circulassem livremente na praccedila mercantil
pernambucana e pudessem por exemplo ser vendidos sem maiores problemas nas lojas da
praccedila
Aleacutem da venda nas lojas quando feito em pequeno porte muito provavelmente estas
mercadorias ganhavam as ruas atraveacutes das bocetas das negras de ganho apesar da praacutetica ter
sido proibida por postura do ano de 1744 a venda desses produtos atraveacutes dessas
intermediaacuterias ainda constituiacutea-se em atitude cotidiana como nos esclarece carta dos oficiais
da cacircmara de Olinda escrita no ano de 1769 e endereccedilada a Corte
Nesta carta os oficiais apelam ao Rei pelo relaxamento da medida pois afirmam ser
aquele comeacutercio essencial para a sustentaccedilatildeo de famiacutelias por ser o ato de ldquocomprar e venderrdquo
o ldquouacutenico recurso que haacute no Brasilrdquo 461
O documento esclarece ainda que este tipo de comeacutercio
era um haacutebito da capitania como os proacuteprios camaraacuterios afirmam ldquoestilo da terrardquo antes da
pragmaacutetica as pretas cativas vendiam pelas ruas ldquotoda a qualidade de vendas de frutos
legumes docesrdquo 462
e com o decurso do tempo foram incrementados a este comeacutercio ldquofitas de
seda fazendas de algodatildeo da Iacutendia bertanha aniagemrdquo 463
Outro documento confirma essa dinacircmica mercantil em ofiacutecio do ano de 1778 da
Junta da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba ao governador de Pernambuco declara a
junta saber que ldquoos ricos e poderosos dessa terra (Pernambuco) trazem duas trecircs escravas a
vender pelas ruas em bocetasrdquo 464
continuam afirmando que ldquocada uma eacute uma loja os
melhores gecircneros e fazendas as quais recebem dos navios que vatildeo a este portordquo concluindo o
documento a Junta faz questatildeo de destacar que ldquopor ordem de sua majestade eacute proibido andar-
459
Idem 460
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 461
AHU ndash PE Cx 107 D 8312 462
Idem 463
Idem 464
AHU ndash PE Cx 128 D 9737
129
se vendendo desta forma pelas ruasrdquo 465
O apelo feito pela cacircmara bem como a denuacutencia da
Junta da Companhia Geral satildeo demonstrativos da persistecircncia desse comeacutercio que ligava os
principais homens de negoacutecio da praccedila pernambucana a estas intermediaacuterias de cor
Respondendo a este ofiacutecio tambeacutem no ano de 1778 o governador Joseacute Cesar de
Meneses confirma a afirmaccedilatildeo da Junta lisboeta Declara a autoridade que tal costume era
praticado na Praccedila e pelo que havia apurado natildeo era coisa moderna De acordo com os dados
colhidos por ele os governadores que o haviam precedido e os ministros que os auxiliavam
nunca haviam impugnado tal accedilatildeo afirma ainda que ldquoas cacircmaras concedem licenccedilas as
escravas que vendem dessa forma pelas ruasrdquo 466
Acreditava o governador que isso ocorria
pois ldquonem o artigo 18 da pragmaacutetica de 1749 que proiacutebe vender fazendas pelas ruas em
caixas ou trouxas nas cidades ou vilas desse Reino nem a declaraccedilatildeo feita ao mesmo inciso no
alvaraacute de 21 de abril de 1751rdquo 467
determinavam expressamente que tal proibiccedilatildeo se estendia
as conquistas A falta de uma legislaccedilatildeo especiacutefica para a colocircnia acabava neste caso criando
uma brecha para a continuidade daquele procedimento na capitania pernambucana
Tambeacutem encontramos relatos na historiografia que compravam o costume local de
mulheres de cor andarem pelas ruas a vender uma infinidade de produtos inclusive
contrabandos A historiadora Suely Almeida se dedica em artigo intitulado ldquoHistoacuterias de
gentes sem qualidade Mulheres de cor na Capitania de Pernambuco no seacuteculo XVIIIrdquo a
recompor as tramas comerciais que essas intermediaacuterias estavam envolvidas Sobre os
produtos que transitavam por entre cestos bocetas e tabuleiros nas ruas do Recife iraacute afirmar
a autora que
Tanto nos tabuleiros como nas tabernas vendia-se de tudo comida bebida
roupas poacutelvora armas ferramentas utensiacutelios domeacutesticos alguns artigos de
luxo como tecidos finos joias e coisas de toucador Essas vendas ou
tabernas se constituiacuteam em espaccedilos intermediaacuterios entre a legalidade e a
ilegalidade 468
Para o contrabando de escravos nossa hipoacutetese baseada na anaacutelise a documentaccedilatildeo eacute
que muito provavelmente antes de vir para a capitania boa parte da escravaria jaacute estava
encomendada e negociada dada a dificuldade de fazer entrar e se esconder uma grande
quantidade de pessoas na capitania sem ser notado Apesar de encontrarmos vaacuterios
465
Idem 466
AHU ndash PE Cx 130 D 9823 467
Idem 468
ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de Pernambuco no seacuteculo
XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria da escravidatildeo em Pernambuco Editora
UniversitaacuteriaUFPE 2012 P 52
130
documentos que fazem referecircncia ao comeacutercio descaminhado de escravos durante o periacuteodo
da nossa pesquisa natildeo achamos referecircncia alguma quanto a qualquer tipo de feira de venda de
escravos extralegal ou coisa parecida o que nos leva a crer que de fato aquele tipo de
negociaccedilatildeo era feita em sua maioria de forma antecipada
Quanto as caixas de accediluacutecar e outras mercadorias que saiam de Pernambuco e iam para
Bahia a documentaccedilatildeo natildeo oferece maiores detalhes Isto porque como jaacute dito aqui a praccedila
comercial da Bahia natildeo estava sujeita ao regime de exclusivo comercial dessa forma o
tracircnsito de produtos e negoacutecios era feito de maneira mais livre Aleacutem disso como tambeacutem jaacute
visto anteriormente as autoridades baianas de maneira geral pareciam natildeo se importar muito
com o tracircnsito comercial que ligava as duas capitanias autorizando a introduccedilatildeo das
mercadorias oriundas destes negoacutecios sem grandes problemas
131
4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA
41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas
O contrabando seraacute uma constante durante os vinte e um anos de existecircncia da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba causando graves prejuiacutezos aos comerciantes
lisboetas donos da maior parte de suas accedilotildees Essa praacutetica seraacute alvo de grande preocupaccedilatildeo
por parte da coroa e da Junta da Companhia sediada em Lisboa 469
sendo um assunto
recorrente na documentaccedilatildeo Conseguimos localizar junto ao nosso acervo uma seacuterie de
ofiacutecios e cartas trocadas entre as autoridades locais e o Reino ao longo de todo o periacuteodo de
monopoacutelio exercido pela empresa que tratam sobre o tema demonstrativos da importacircncia e
proporccedilatildeo que os contrabandos assumiram durante aquele periacuteodo
A preocupaccedilatildeo do Reino em evitar e conter os contrabandos na capitania
pernambucana se daraacute a partir dos primeiros anos de funcionamento da Companhia revelando
que a praacutetica clandestina se instalou contemporaneamente ao funcionamento da empresa
Alertamos que o teor dessa documentaccedilatildeo por vezes se tornaraacute repetitivo de qualquer forma
optamos por trabalhar com uma significativa variedade de documentos natildeo soacute para reforccedilar
nosso ponto como tambeacutem para demonstrar que os problemas envolvendo as transaccedilotildees
descaminhadas persistiram ao longo dos anos de existecircncia do monopoacutelio
De acordo com Antonio Manuel Hespanha devido a uma seacuterie de limitaccedilotildees
enfrentadas pelo Reino a aplicabilidade de penas dentro do sistema punitivo reacutegio portuguecircs
era reduzida Afirma o autor que o modelo de poder coercitivo exercido por Portugal evitava
ao maacuteximo a consumaccedilatildeo da puniccedilatildeo sendo a disciplina social garantida por ldquomecanismos
quotidianos de controlordquo tendo como fim a defesa da supremacia simboacutelica do Rei Dessa
forma a concessatildeo do perdatildeo real em alguns crimes acabava por se tornar estilo expediente
rotineiro Hespanha assegura que esta realidade soacute seraacute alterada de maneira efetiva em
469
A Junta da Companhia Geral estava sediada em Lisboa e representava dentro da estrutura administrativa da
empresa a escala maacutexima de poder era o centro decisoacuterio da Companhia e possuiacutea competecircncia deliberativa A
Junta era composta por um provedor dez deputados e trecircs conselheiros eleitos entre os principais acionistas da
empresa para mandatos a priori de trecircs anos A Companhia possuiacutea ainda duas outras administraccedilotildees uma na
cidade do Porto e outra em Recife conhecidas como ldquodireccedilotildeesrdquo cada uma delas possuiacutea um intendente e seis
deputados Estas direccedilotildees eram subordinadas a Junta administrativa de Lisboa Sobre isto ver JUacuteNIOR Joseacute
Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 CARREIRA Antonio
As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982
132
meados do XVIII com a ascensatildeo do despotismo iluminado periacuteodo que compreende o marco
cronoloacutegico desta pesquisa 470
Apesar da Companhia possuir um juiacutezo privativo e de alguns casos como
demonstrado no capiacutetulo anterior acabarem por apoacutes as investigaccedilotildees inocentarem os reacuteus eacute
notoacuteria a atenccedilatildeo que o Reino iraacute demandar aos casos de contrabando ocorridos durante o seu
funcionamento A comunicaccedilatildeo oficial estabelecida entre os governadores da capitania e o
ministro do Estado da Marinha e Ultramar nos demonstra como a metroacutepole buscou instruir
seus agentes locais para atuarem na coibiccedilatildeo e puniccedilatildeo dos diversos personagens envolvidos
nos esquemas iliacutecitos
Jaacute em 1763 encontramos ofiacutecio enviado a Corte pelo governador Luiacutes Diogo Lobo da
Silva onde o oficial reacutegio comunica ao Conselho Ultramarino as medidas que vinha tomando
para reprimir a ldquoprejudicial transgressatildeordquo 471
que segundo o mesmo havia causado ldquoquase
uma total extraccedilatildeo do dinheiro provincialrdquo Afirma o governador ter mandando o procurador
fiscal da Companhia bem como o juiz da alfacircndega daquela Praccedila darem buscas nas lojas
suspeitas a fim de que se cumprisse o que determina o artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo
da Companhia Geral 472
No mesmo ofiacutecio Luiacutes Diogo Lobo busca esclarecer junto ao Reino qual o
procedimento adotar em caso de apreensatildeo de mercadorias fruto de denuacutencias que se
encontravam sem selo ou seja produtos que ainda natildeo haviam pagado os reais direitos em
nenhum porto A duacutevida do governador era se mesmo nestes casos deveriam os denunciantes
receber a parte que lhes era devida seguindo o que estabelecia o artigo 34 do documento de
instituiccedilatildeo da Companhia 473
Destacamos que a duacutevida das autoridades em relaccedilatildeo ao que
fazer com os frutos das apreensotildees seraacute corriqueira Isto porque o documento de instituiccedilatildeo da
470
HESPANHA Antonio Manoel O direito penal da monarquia corporativa In _____ Caleidoscoacutepio do
Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda 2012 P 129-164 471
AHU-PE ndash Cx 99 D 7757 472
Idem 473
O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba determinava que
ldquoNenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute mandar levar ou introduzir as sobreditas
fazendas secas ou molhadas nas ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da sua produccedilatildeo a menos
que natildeo seja na forma acima referida sob pena de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto
importar o seu valor Sendo tudo aplicado a favor dos denunciantes que poderatildeo dar suas denuacutencias em
segredo ou em puacuteblico Neste Reino diante dos juiacutezes conservadores de Lisboa e do Porto e em Pernambuco
diante do Juiz Conservador da mesma Companhia os quais todos faratildeo notificar as denunciaccedilotildees aos
procuradores da Companhia para serem partes nelas tudo de baixo das penas acima declaradasrdquo (Grifo nosso)
Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor do
Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel
em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 05052017
133
Companhia que balizava tais questotildees natildeo contemplava a diversidade de situaccedilotildees
encontradas pelos oficiais reacutegios no cotidiano 474
De acordo com o artigo 34 nenhuma pessoa poderia introduzir nas terras exclusivas
da Companhia nem enviar dela para outras localidades nenhum tipo de gecircnero exceto nos
casos dos comerciantes que negociavam no ldquomiuacutedordquo como autorizava o artigo 33 475
sob
pena de perdimento das fazendas ou de seu valor como jaacute explicitamos anteriormente Quem
estivesse disposto a denunciar tais contrabandos o que poderia ser feito em segredo ou
publicamente levaria a terccedila parte dos rendimentos feitos com aquela apreensatildeo O precircmio
era uma forma de incentivar as denuacutencias na capitania jaacute que sem elas o trabalho dos oficiais
reacutegios ficava bastante dificultado No entanto fazer estas denuacutencias requeria coragem pois
invariavelmente violecircncias e represaacutelias eram sofridas pelos denunciantes 476
A praacutetica de reservar quotas sobre o espoacutelio do contrabando aos que contribuiacutessem
para sua apreensatildeo era comum natildeo soacute na colocircnia brasileira como na Ameacuterica hispacircnica Ao
tratar sobre os descaminhos do ouro e diamantes na regiatildeo das Minas setecentistas Isnara
Pereiro Ivo iraacute afirmar que uma das estrateacutegias adotadas pela Coroa ao decorrer do seacuteculo
XVIII para tentar conter os contrabandos na regiatildeo era a de destinar a terccedila parte do material
apreendido ao funcionaacuterio reacutegio que fizesse a tomadia 477
Falando sobre os contrabandos
474
Em diversos documentos oficiais trabalhados ao longo deste texto solicitam as autoridades coloniais ao
Reino que se mandem instruccedilotildees do que fazer com as mercadorias apreendidas Ao que tudo indica quando os
confiscos aconteciam independentemente de denuacutencias os gecircneros apreendidos eram levados aos armazeacutens da
Companhia Poreacutem nem sempre os oficiais tinham certeza do que fazer com os frutos das apreensotildees como por
exemplo eacute o caso de uma carga de couros e tabaco apreendida por Joseacute Cesar de Meneses em 1778 tirado de
uma sumaca que fazia contrabandos com a Costa da Bahia Apesar de ter remetido os tabacos e os couros para os
armazeacutens da Companhia o governador solicita lhe seja esclarecido pela Corte se aquela direccedilatildeo deveria pagar
pelos ditos gecircneros ao Eraacuterio Reacutegio pois parecia ao governador ldquopertencer este sequestro mais a S Majestade do
que a direccedilatildeordquo Fonte AHU ndash PE Cx 129 D 9771 475
Como jaacute visto no segundo capiacutetulo deste trabalho de acordo como artigo 33 do documento de instituiccedilatildeo da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba a empresa autoriza que os comerciantes da terra continuassem a
fazer seus negoacutecios no ldquomiuacutedordquo ficando reservado a Companhia o comeacutercio de grosso trato que em Pernambuco
comeccedilava no valor de cem mil reis Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa -
Officina de Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA -
Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 476
Em ofiacutecio do ano de 1780 o governador Joseacute Cesar de Meneses ao falar sobre caso ocorrido no mesmo ano
na capitania afirma ter sido assassinado o soldado Ignaacutecio Tavares do Regimento do Recife e na mesma ocasiatildeo
foi espancado violentamente o soldado Francisco Antocircnio Ribeiro do mesmo Regimento ao irem agrave praia da
Penha (Recife) examinar uma jangada vinda da Bahia cheia de contrabandos Atesta ainda o governador que
durante estas diligecircncias era comum que houvesse certa resistecircncia por parte dos contrabandistas Declara
tambeacutem neste documento ter feito pagar recentemente a soldados que haviam denunciado novo crime de
contrabando a terccedila parte do fruto da apreensatildeo no valor de 270259 mil reis a fim de ldquoanimar a tropa e
cuidarem em fazer melhores diligecircnciasrdquo Fonte AHU-PE Cx 138 D10250 477
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica
Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 288
134
realizados no porto de Buenos Aires do seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos tambeacutem iraacute atestar que
se tinha o costume naquela localidade de recompensar o denunciador de ldquotratos realizados
sem permissatildeo realrdquo 478
com ao menos um terccedilo do valor apreendido
Voltando a nossa narrativa em 1769 o entatildeo governador de Pernambucano Conde de
Povolide anuncia ao Reino a grande ldquoousadia com que se estavam praticando tatildeo escandalosas
negociaccedilotildees quase a minha face e de todos os ministros desta capitaniardquo 479
De acordo com o
Conde devido agrave falta de denuacutencias se introduziam na aacuterea exclusiva da Companhia ldquofazendas
secas por negociantes da Bahia em alguns portos desta capitaniardquo ainda segundo o governador
os mesmos negociantes extraiam gecircneros da terra para a capitania vizinha em ldquoprejuiacutezo grave
dos direitos reaisrdquo 480
Neste mesmo ofiacutecio o oficial reacutegio relata como atuavam aqueles
grupos empenhados no trato iliacutecito e os cuidados que vinha empregando na contenccedilatildeo de tais
praacuteticas assegurando ter recomendado aos capitatildees mores e regentes de distrito a maior
vigilacircncia ldquopara evitar a travessia de semelhantes negociaccedilotildeesrdquo 481
Neste mesmo ano eacute enviada resposta ao governador em Pernambuco em forma de
minuta do Rei D Joseacute I Ordenava-se que para se evitar os ldquoprejudicialiacutessimos empates que
tem experimentado a Companhiardquo 482
se executasse na capitania pela figura do Juiz
conservador da Companhia Geral todas as leis e ordens referentes a repressatildeo do
contrabando Pedindo que se desse especial observacircncia ao alvaraacute reacutegio expedido no dia 14 de
novembro de 1757 483
onde se ampliavam os paraacutegrafos que tratavam sobre o tema nas
Comarcas do Reino e em seus domiacutenios ultramarinos
Em 1770 era a vez de Manoel da Cunha Meneses relatar o insucesso na repressatildeo
contra os descaminhos que naquelas paragens se estabeleciam Segundo o governador natildeo
havia meios ldquopara que estes contrabandos se possam evitarrdquo 484
Prosseguindo seu relato o
capitatildeo general afirma que o motivo das fazendas da Companhia estarem ldquoempatadasrdquo nos
armazeacutens era que nos sertotildees daquela capitania havia uma ldquogrande multiplicidaderdquo 485
das
mesmas fazendas que adentravam via contrabando o territoacuterio monopolizado atraveacutes do Rio
de Satildeo Francisco Explica ainda a dificuldade em se mandar fiscalizar aquelas ldquoremontadas
478
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires
colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 479
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 480
Idem 481
Idem 482
AHU ndash PE Cx 107 D 8276 483
Natildeo foi possiacutevel identificar tal alvaraacute junto ao nosso acervo documental 484
AHU ndash PE Cx 108 D 8371 485
Idem
135
paragensrdquo de acordo com o governador ldquonatildeo haacute sujeitos que bastem para em tatildeo longas
distacircncias fazerem a sua obrigaccedilatildeo de impedir as ditas passagensrdquo 486
e mesmo que
houvessem ldquoseria necessaacuterio uma importante soma de ordenados da real fazenda para lhe
satisfazer as despesas precisas nas dilatas viagensrdquo 487
Percebemos que as dificuldades encontradas pelos governadores pernambucanos e os
ministros do Conselho Ultramarino nos combates aos contrabandos em muito se aproximam
dos desafios enfrentados pela Coroa e pelos oficiais reacutegios envolvidos na administraccedilatildeo das
Minas de ouro Isto eacute que o nos sugere os atuais trabalhos dedicados a explorar os circuitos
mercantis desenvolvidos nas regiotildees mineiras que apontam para os grandes descaminhos de
minerais realizados naquelas plagas Desde cedo a Coroa buscou montar todo um aparato
fiscalizador com o intuito de conter a sangria que ofendia a Real Fazenda De acordo com a
historiadora Isnara Pereira Ivo a regiatildeo do Satildeo Francisco e suas anexas foram as principais
vias alvo de controle Os contrabandos naquela regiatildeo se davam tanto atraveacutes dos caminhos e
picadas de terra abertas ilegalmente ao longo das margens dos rios ldquocomo no curso de
pequenos afluentes e nos grandiosos braccedilos drsquoaacutegua que alimentavam secularmente os leitos da
margem direita do Velho Chicordquo 488
No entanto por maior que fosse o zelo do Reino no que diz respeito agrave tatildeo importante
demanda nenhuma medida adotada se mostrou completamente eficaz isto porque os
caminhos eram muitos e extensos ainda de acordo com Ivo ldquoos dilatados sertotildees abrigavam
veredas que as proacuteprias autoridades desconheciam e talvez por isso mesmo tentavam ampliar
medidas de combate a evasatildeo fiscalrdquo 489
Existia uma grande preocupaccedilatildeo por parte da Coroa
com a abertura de caminhos natildeo autorizados o que pode ser medido entre outras coisas pela
recorrecircncia de ordens reacutegias que buscavam regular tal mateacuteria
Nota-se que tanto no caso das Minas quanto em Pernambuco que a grande extensatildeo
do territoacuterio e a falta de conhecimento sobre as vastas aacutereas que estavam fora do eixo
litoracircneo iratildeo dificultar sobremaneira o trabalho repressivo por parte das autoridades reais
Por maiores que fossem os esforccedilos empregados a contenccedilatildeo dos descaminhos nas condiccedilotildees
apontadas era tarefa praticamente impossiacutevel Natildeo havia nenhum tipo de estrutura que
permitisse o monitoramento total de aacutereas tatildeo vastas A questatildeo da extensatildeo territorial da
486
Idem 487
Idem 488
IVO Isnara Pereira Op Cit P 289 489
Idem
136
Capitania pernambucana apareceraacute em vaacuterios documentos como um dos elementos mais
impeditivos para efetividade da fiscalizaccedilatildeo
Nosso conjunto documental nos sugere um aumento do volume de contrabandos a
partir de meados da deacutecada de 70 490
o que consequentemente iraacute gerar uma maior
preocupaccedilatildeo por parte do Reino e das autoridades locais em tomar medidas repressivas para
cessar tal fluxo Durante esta fase esteve agrave frente do governo de Pernambuco Joseacute Cesar de
Meneses Filho do conde de Sabugosa 491
o governador de Pernambuco nasceu na Bahia
onde permaneceu durante a vigecircncia do governo de seu pai como Vice-Rei do Brasil entre os
anos de 1720 a 1734
Ingressou na carreira militar e serviu em Portugal durante alguns anos depois desse
periacuteodo seguiu para as Iacutendias onde fixou residecircncia Foi nomeado como governador da
capitania de Pernambuco em 27 de julho de 1774 permanecendo no cargo ateacute o ano de 1787
492 Seu governo foi conturbado enfrentando uma epidemia de bexigas e uma grave seca em
1776 que levou a uma fome generalizada Em obra tradicional onde traccedila biografias
panegiricas Pereira da Costa afirma
Joseacute Cesar de Meneses pelo seu caraacuteter eneacutergico pelas suas qualidades e
pela simpatia geral que angariou pelos atos de justiccedila do seu governo
correto e honesto foi alvo de diferentes manifestaccedilotildees populares [] 493
Ao longo do seu governo Joseacute Cesar teve de lidar com inuacutemeros problemas relativos
agraves atividades da Companhia Geral em Pernambuco e suas anexas Estando a frente da
capitania durante a segunda crise por qual passava a Companhia e permanecendo ateacute o fim de
seu monopoacutelio 494
o governador foi um aacutevido denunciador da maacute administraccedilatildeo da empresa
em Pernambuco Devido a isto a relaccedilatildeo do oficial com a diretoria pernambucana natildeo era das
490
Para mais detalhes sobre este fluxo consultar o primeiro capiacutetulo deste trabalho 491
Joseacute Cesar de Meneses natildeo era filho legitimo de Vasco Fernandes Cesar de Meneses o Conde de Sabugosa
Nascido de um relacionamento do Conde com Luzia Rosa de Andrade portuguesa que residia na Bahia o o
governador foi batizado como filho de pai incoacutegnito apesar de Vasco Fernandes afirmar em cartas e conversas
que o mesmo era seu filho Sobre isto ver COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos
Recife Secretaria do interior e justiccedila 1951-1966 V 6 492
Apesar de comumente os governadores de capitania na Ameacuterica Portuguesa serem nomeados para ocupar tais
cargos por um periacuteodo de apenas quatro anos Joseacute Cesar de Meneses permaneceu durante treze anos a frente do
governo de Pernambuco Fato que indica uma possiacutevel habilidade pessoal do oficial em mediar os interesses
locais e metropolitanos Sobre este tema ver JUNIOR Joseacute Inaldo Chaves Biografia e micro-histoacuteria diaacutelogos
possiacuteveis para uma histoacuteria da governanccedila no Impeacuterio Portuguecircs (Capitania da Parayba c1764-1797) Revista
Cantareira Rio de Janeiro 15ordm ediccedilatildeo jul-dez 2011 493
COSTA Francisco Augusto Pereira da Op Cit V 6 P 349 494
A segunda crise enfrentada pela empresa ocorrida entre 17781780 tem iniacutecio poacutes-morte do Rei D Joseacute I e
do quase imediato afastamento de Pombal do centro decisoacuterio do Reino Neste momento uma seacuterie de peticcedilotildees
passam a ser enviadas a Rainha D Maria I tanto na colocircnia quanto no Reino pedindo a extinccedilatildeo dos privileacutegios
da Companhia Geral e a volta do comeacutercio livre
137
melhores 495
com bastante constacircncia o governador relatava ao Reino os desmandos dos
agentes locais da empresa destacando ainda o mal que tal empreendimento havia causado de
acordo com sua avaliaccedilatildeo as atividades comerciais na regiatildeo 496
Durante o periacuteodo do seu governo a questatildeo do contrabando ocuparaacute lugar cativo na
pauta das documentaccedilotildees trocadas entre o governador e o secretaacuterio de Estado da Marinha e
Ultramar do Reino Martinho de Melo e Castro Apesar de ser da opiniatildeo que a Companhia
prejudicava o comeacutercio local o governador seguindo as recomendaccedilotildees de seu cargo buscou
auxiliar sempre que possiacutevel e necessaacuterio a empresa principalmente no que se refere ao
combate dos descaminhos 497
Devemos lembrar como jaacute apontado previamente que de
acordo com as recomendaccedilotildees do artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa a
administraccedilatildeo da Companhia respondia diretamente ao Rei e era independente de todos os
tribunais maiores ou menores natildeo podendo em nenhum caso se intrometer ministro ou
tribunal algum em seus assuntos 498
Devido ao caraacuteter privativo da empresa no tocante as suas questotildees judiciais ficavam
os governadores e demais autoridades locais impedidos de agir com maior liberdade nas
ocorrecircncias de contrabando Eacute o que atesta Joseacute Cesar de Meneses respondendo a cobranccedila
feita pela Junta da empresa para que o oficial passasse a regular de maneira mais contundente
as ingerecircncias que cometiam os deputados da Direccedilatildeo da Companhia em Pernambuco e os
contrabandos na regiatildeo O governador na ocasiatildeo aponta para o artigo acima de forma a
atestar sua falta de jurisdiccedilatildeo para atuar em certos casos
495
Alguns ofiacutecios confirmam a existecircncia de certa animosidade entre o oficial reacutegio e a direccedilatildeo pernambucana
que se queixaraacute da falta de assistecircncia dada pelo governador aos negoacutecios da Companhia Acusaccedilatildeo que busca
repetidamente o governador se defender afirmando e reafirmando em diversos documentos os auxiacutelios que tem
prestado aquela direccedilatildeo Um ofiacutecio enviado pelo governador ao Reino no ano de 1775 ilustra bem esta questatildeo
Nele o oficial reacutegio busca esclarecer junto a Corte as acusaccedilotildees feitas pelo Intendente da Companhia o senhor
Antocircnio Joseacute Souto sobre sua conduta Afirmando em tal ocasiatildeo que o tal intendente despoacutetico e de se utilizar
de seu cargo na direccedilatildeo daquela instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9218 496
O governador enviaraacute a Corte uma seacuterie de correspondecircncias ao longo de seu governo relatando o estado em
que se encontrava a capitania chegando ateacute mesmo a fazer comparaccedilotildees numeacutericas do volume do comeacutercio
antes e depois do monopoacutelio instaurado pela Companhia Geral Exemplo disto eacute o ofiacutecio do ano de 1778 onde o
oficial envia ao Reino extenso documento onde relata natildeo soacute seu ponto de vista a respeito da instituiccedilatildeo e do que
vinha obrando para acudir a Companhia durante seu governo como tambeacutem traz em anexo diversos documentos
com os nuacutemeros referentes ao comeacutercio dos diversos gecircneros que se fazia na capitania antes e depois da criaccedilatildeo
da Companhia Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 497
AHU ndash PE Cx 130 D 9823 498
Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor
do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel
em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217
138
Em ofiacutecio do ano de 1777 onde relata a situaccedilatildeo dos contrabandos na capitania Joseacute
Cesar aponta alternativa que acreditava ser suficiente para extinguir os contrabandos
Segundo o mesmo deveria a Companhia remeter para a capitania ldquoos mesmos gecircneros que
trazem os contrabandistas e vendecirc-los pelo mesmo preccedilo que os contrabandistas os vendemrdquo
499 De acordo com o governador se a Companhia assim fizesse ningueacutem ldquose incomodaria com
tanto trabalho e risco a introduzi-las nem jamais se continuariam tais contrabandosrdquo 500
Ainda neste mesmo ofiacutecio o oficial eacute enfaacutetico ao afirmar que ldquoa introduccedilatildeo dos
contrabandos nasce porque por preccedilos mais racionaacuteveis e diminutos se compram as mesmas
fazendas de contrabandos o que natildeo se consegue da direccedilatildeordquo 501
destaca ainda o funcionaacuterio
real que as mercadorias comercializadas pela Companhia eram vendidas a preccedilos maiores do
que em todas outras Praccedilas comerciais do Brasil que natildeo contavam com uma empresa
monopolizadora
Outra medida eficaz para fazer cessar os contrabandos naquelas paragens apontada
pelo governador seria a direccedilatildeo da Companhia comeccedilar a assistir aos lavradores da terra em
dinheiro fiacutesico 502
Para Joseacute Cesar a questatildeo era simples bastava passar a empresa a praticar
seu comeacutercio de forma justa cobrando valores mais competitivos por seus gecircneros europeus e
fazer os pagamentos dos efeitos da terra em dinheiro agindo a empresa desta forma natildeo
necessitariam os fabricantes locais recorrerem a outras maneiras de obter o metal e
conseguirem melhores lucros
A questatildeo da falta de moeda corrente seraacute uma reclamaccedilatildeo constante dos moradores
da terra contra a Companhia Os estatutos da empresa estabeleciam que a regulaccedilatildeo dos
financiamentos junto aos produtores ocorreria da seguinte forma a Companhia adiantava ao
produtor de couros ou accediluacutecar a terccedila parte relativa a produccedilatildeo anual de cada um esse
adiantamento poderia ser feito em dinheiro mercadorias ou instrumentos de trabalho No
entanto de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a Companhia buscava evitar fazer seus
pagamentos em dinheiro sobretudo para evitar que os produtores comprassem gecircneros
vedados atraveacutes do contrabando 503
Em outro ofiacutecio jaacute no ano posterior o governador trata com maior detalhe a questatildeo
dos preccedilos praticados pela Companhia e pelos contrabandistas O capitatildeo general afirma que o
499
AHU ndash PE Cx 127 D 9670 500
Idem 501
Idem 502
AHU ndash PE Cx 130 D 9823 503
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit P 111
139
motivo dos contrabandistas venderem os seus produtos a preccedilos menores que o da Companhia
natildeo estava relacionado agrave falta de pagamento de direitos ou fretes mas simplesmente porque
os negociantes envolvidos naquele trato se empenhavam em comprar seus gecircneros por preccedilos
mais moacutedicos Razatildeo pela qual mesmo correndo os riscos de transportarem os seus produtos
ldquoem jangadas quase debaixo drsquoaacutegua sujeitas a mil avarias e sobretudo o maior e mais
formidaacutevel de todos os riscos o do confiscordquo 504
conseguiam tais comerciantes vender seus
gecircneros por valores inferiores aos praticados pela Companhia Geral
Em relaccedilatildeo ao comeacutercio de escravos segundo o governador agia a Companhia da
mesma forma prejudicial Em documento em que detalha o nuacutemero de cativos e embarcaccedilotildees
que entraram no porto do Recife entre os anos de 1742 a 1777 Joseacute Ceacutesar versaraacute sobre a
questatildeo do comeacutercio atlacircntico para Pernambuco em paralelo com as praccedilas de Bahia e Rio de
Janeiro Segundo o governador era notoacuterio que em Angola e na Costa da Mina se reservava ldquoa
flor dos escravos para os negociantes da Bahia e do Rio de Janeirordquo 505
pois estes pagavam
aos seus comissaacuterios africanos a dinheiro e melhores efeitos Dessa forma ficava relegada a
Companhia Geral apenas o ldquorefugordquo da escravaria que era composta por negros de ldquoruim
qualidade e carestiardquo 506
Diz o governador natildeo saber com a empresa procedia em suas compras na Costa da
Aacutefrica no entanto como a experiecircncia mostrava era possiacutevel se comprar escravos
contrabandeados ldquopor uma quinta parte menosrdquo 507
dos que os vendidos pela Companhia
Geral Aleacutem disso como se vivia em Pernambuco uma crise de moeda fiacutesica a Companhia
costumeiramente mandava vender alguns de seus escravos no Rio de Janeiro ldquopor muito
menos do que nesta praccedilardquo 508
ainda segundo Joseacute Cesar os negros que se iam vender na
praccedila carioca eram ldquosempre os melhores e mais escolhidosrdquo 509
Dessa forma concluiacutea o governador que os escravos que permaneciam na capitania
eram sempre os de ldquopior qualidaderdquo o que acabava por provocar um ldquomaior desembolso a
que o lavrador fica sujeito tanto no maior nuacutemero que deveria comprar quanto na qualidaderdquo
510 Segundo o funcionaacuterio real os lavradores residentes na capitania eram forccedilados a
substituir o plantel constantemente pois logo ldquomorrem pela sua ruim qualidade e moleacutestias
504
Idem 505
Idem 506
Idem 507
Idem 508
Idem 509
Idem 510
Idem
140
com quem jaacute vecircm contaminadosrdquo 511
sendo vendidos aqui cinco vezes mais caros ldquodo que se
costuma pagar os melhores da Bahia e Rio de Janeiro []rdquo 512
Outra inteligente sugestatildeo a ser empregada na repressatildeo dos contrabandos naquela
regiatildeo eacute dada pelo Ouvidor da Comarca de Alagoas no ano de 1778 Seguindo ordens do
governador Joseacute Cesar de Meneses o oficial que fazia vaacuterias correiccedilotildees na aacuterea limiacutetrofe entre
Pernambuco e Bahia iraacute declarar ao seu superior pernambucano que o combate ao
contrabando era impossiacutevel pois para isto ldquoseria preciso lanccedilar um cordatildeo de tropa por toda a
praia na sua extensatildeo de sessenta leacuteguasrdquo 513
Para o Ouvidor a situaccedilatildeo natildeo mudaria ateacute que
se tomassem ldquonovas providecircncias e uma nova legislaccedilatildeo que contenha os senhores de
engenho na facilidade com que vendem suas safras inteiras conhecidamente a
contrabandistasrdquo 514
ou seja de acordo com o oficial seria mais faacutecil se coibir a praacutetica
regulando a produccedilatildeo dos engenhos ldquoera melhor que este grande e inuacutetil trabalho que se tem
em guardar sessenta leacuteguas de praia se tivesse em pedir contas aos senhores de engenho das
suas respectivas safrasrdquo 515
Este conselho eacute enviado pelo governador ao Reino poreacutem ateacute o momento natildeo
conseguimos encontrar nenhum documento que ateste que o mesmo tenha sido colocado em
praacutetica Joseacute Cesar demonstrava grande preocupaccedilatildeo em relatar ao Reino sempre que
possiacutevel o trabalho que vinha executando em relaccedilatildeo ao combate dos contrabandos no
periacuteodo do seu governo Como jaacute explicitado e declarado pelo proacuteprio o contrabando era ldquoum
dos principais objetosrdquo 516
da ldquomaior vigilacircncia e cuidadordquo 517
do governador que haacute muito
tempo segundo o mesmo natildeo cessava ldquode aplicar todos os meios de lhe cortar o passordquo 518
como vinha apresentando regularmente ao Reino atraveacutes de diversos documentos
Em ofiacutecio encaminhado a Junta da empresa em Lisboa em 1778 afirma novamente o
governador estar ldquodando providecircncias sobre providecircncias para evitar os contrabandosrdquo 519
alegando ainda ter recomendando ordens a este respeito a pessoas ldquode maior satisfaccedilatildeo e
511
Idem 512
Idem Sobre o comeacutercio de escravos em Pernambuco durante o governo de Joseacute Cesar de Meneses consultar
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre
Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 513
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 514
Idem 515
Idem 516
AHU ndash PE Cx 134 D 10074 517
Idem 518
Idem 519
AHU ndash PE Cx 130 D 9823
141
confidecircnciardquo 520
e ateacute mesmo estar prestando repetidos auxiacutelios de tropas pagas No entanto o
combate aos contrabandos natildeo era tarefa das mais faacuteceis mesmo se utilizando do auxiacutelio de
tropas pagas como atesta ter feito Joseacute Cesar de Meneses e o fizerem diversos governadores
durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia 521
vigiar tatildeo vasto territoacuterio era impossiacutevel
No ano de 1779 o capitatildeo general iraacute remeter ao secretaacuterio de Estado da Marinha e
Ultramar ofiacutecio onde apresenta uma seacuterie de certidotildees passadas pela direccedilatildeo da Companhia
em Pernambuco atestando o auxiacutelio e providecircncias dadas pelo governador em diversas
diligecircncias com objetivo de dirimir os descaminhos ao longo dos uacuteltimos anos Neste
documento encontra-se tambeacutem coacutepia anexa de carta circular que o governador fez correr ldquoa
todos os ministros da minha jurisdiccedilatildeo que se achavam em ato de correiccedilatildeordquo 522
Nela consta
com detalhe o procedimento que todos os Capitatildees Mores comandantes e regentes de distrito
deveriam tomar para impedir os contrabandos em seus locais de atuaccedilatildeo
Eram quatro os passos que deveriam ser seguidos por estes oficiais reacutegios Em
primeiro lugar deveriam eles inspecionar todas as lojas e casas onde houvesse suspeita da
praacutetica de contrabando caso a suspeita se revelasse verdadeira o fruto da apreensatildeo deveria
ser remetido ao juiz conservador que para melhor averiguaccedilatildeo do caso deveria chamar ldquoos
ventenarios do seu distritordquo 523
e os obrigar a declarar em segredo ldquose pelas suas venterias
existem ou grassam alguns contrabandistas ou comissaacuterios volantes de fazendasrdquo havendo
denuacutencia deveria se proceder contra os mesmos de acordo com as leis de sua Majestade
Em segundo lugar era responsabilidade do comandante do distrito visitar pessoalmente
ldquotodos os barcos e qualquer outra embarcaccedilatildeo que dos portos da sua jurisdiccedilatildeo derem entrada
fazendo desta visita auto no livro competenterdquo 524
Especial atenccedilatildeo deveria ser dada aos
barcos que costumavam transportar madeira para Bahia nestes casos o despacho soacute deveria
ser entregue ao mestre da embarcaccedilatildeo proacuteximo a data de saiacuteda daquele porto Aleacutem disso
sempre que houvesse a miacutenima suspeita de introduccedilatildeo de algum iliacutecito deveria o comandante
do distrito enviar guardas a bordo para verificaccedilatildeo da carga
A terceira medida consistia em fazer chamar todos os jangadeiros das costas e praias
da jurisdiccedilatildeo por ele comandada fazendo-os ldquoassinar termo em que se obriguem a natildeo
520
Idem 521
A contrataccedilatildeo de tropas pagas para atuar na repressatildeo aos contrabandos se fez necessaacuteria em diversas
ocasiotildees devido ao volume daquele comeacutercio descaminhado e a grandiosidade territorial da capitania de
Pernambuco e de suas anexas 522
AHU ndash PE Cx 132 D 9955 523
Idem 524
Idem
142
transportar efeitos a bordo do barco que natildeo esteja franco a recebecirc-los para Pernambucordquo 525
e
ainda deveriam orientar a estes que natildeo respondessem ldquoaos sinais que costumam fazer as
embarcaccedilotildees ao largo chamando jangadas para se receberem e baldearem em terra os
contrabandosrdquo 526
O jangadeiro que desobedece tal ordem deveria ser preso autuado e
remetido agrave presenccedila do governador para que cumprisse as penas destinadas aos
contrabandistas
Por fim deveriam os comandantes de distrito nomear em todos os ldquoportos barras
baias e entradas dos mares da sua jurisdiccedilatildeordquo pessoa ldquocuja probidade capacidade e honra
vossa mercecirc tenha mais conceitordquo Esta pessoa seria responsaacutevel por avisar ao comandante
assim que qualquer embarcaccedilatildeo entrasse no distrito para que o mesmo pudesse em pessoa
fazer a inspeccedilatildeo necessaacuteria Caso o comandante estivesse ausente e houvesse necessidade
estes ldquoajudantesrdquo nomeados poderiam apreender lemes e velas de embarcaccedilotildees suspeitas bem
como fazer apreensatildeo de alguns fardos e fazendas ateacute a volta da autoridade distrital A carta
circular termina de forma intimidadora o governador deixa claro que a ldquomenor omissatildeordquo a
respeito desta mateacuteria natildeo seria tolerada sendo punido asperamente o oficial reacutegio que a
descumprisse ldquonatildeo soacute por erro e falta do seu ofiacutecio mas como fator e auxiliador do vil crime
de contrabandistardquo 527
O tom ameaccedilador do governador aos seus oficiais subordinados eacute
explicado pelo conjunto documental
Antes de darmos iniacutecio a um novo toacutepico vale a pena ressaltar como a questatildeo dos
contrabandos e extravios seratildeo uma constante na histoacuteria da colonizaccedilatildeo europeia na Ameacuterica
Dependendo do momento e da localidade os Centros iratildeo lidar com a mateacuteria de formas
distintas Tomemos como exemplo o jaacute famoso caso envolvendo os descaminhos na regiatildeo
fronteiriccedila do extremo Sul do Brasil Os contemporacircneos trabalhos que tratam sobre o
comeacutercio na regiatildeo do Prata iratildeo apontar os portugueses ou melhor os luso-brasileiros como
responsaacuteveis por no seacuteculo XVII e XVIII fomentar uma grande rede de contrabandos na
regiatildeo
Falando a respeito dos negoacutecios desenvolvidos por estes homens na Buenos Aires do
seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos iraacute demonstrar como estes comerciantes iratildeo se engendrar e
desenvolver redes clientelares na regiatildeo que contavam inclusive com o apoio de funcionaacuterios
espanhoacuteis de modo a permitir que eles mantivessem seus negoacutecios extralegais apesar das
525
Idem 526
Idem 527
Idem
143
diversas medidas restritivas lanccediladas pelo Reino Espanhol a fim de conter tais extravios 528
O autor ainda chama atenccedilatildeo para o fato de que a Corte na Espanha natildeo estava de todo alheia
aos acontecimentos em torno da conquista buenairense tendo ela mesma se aproveitado da
situaccedilatildeo em alguns casos 529
Como os novos estudos acerca dos Impeacuterios Europeus tecircm demonstrado as relaccedilotildees
criadas em seus domiacutenios ultramarinos iratildeo se desenvolver de maneira distinta atendendo a
uma dinacircmica proacutepria e as estrateacutegias poliacuteticas locais feitas muitas vezes a revelia das
disposiccedilotildees reacutegias Atraveacutes desse vieacutes de entendimento eacute possiacutevel compreender como mesmo
apoacutes a restauraccedilatildeo da soberania portuguesa e das intensas disputas entre as Coroas ibeacutericas
pelo domiacutenio da regiatildeo platina ainda era possiacutevel que luso-brasileiros e colonos espanhoacuteis
incluindo uma gama de autoridades reais mantivessem entre si relaccedilotildees comerciais que
permitiram a continuaccedilatildeo de um faustoso comeacutercio extralegal no porto de Buenos Aires
Continuando a tratar sobre o comeacutercio de contrabando na regiatildeo platina vale destacar
o estudo feito pelo historiador Faacutebio Kuhn a respeito dos descaminhos de escravos para regiatildeo
na primeira metade do seacuteculo XVIII Em recente artigo o autor busca demonstrar como os
comerciantes luso-brasileiros sediados na Colocircnia do Sacramento passaram a deter hegemonia
sobre aquele negoacutecio Estes comerciantes segundo o autor estavam associados a homens de
negoacutecio de duas importantes Praccedilas da Ameacuterica lusa Rio de Janeiro e Salvador eram estes
comissaacuterios os responsaacuteveis por remeter para o Sul as remessas de negros chegadas ao litoral
das respectivas capitanias 530
Quando em princiacutepios do XVIII como consequecircncia de ajustes diplomaacuteticos a Coroa
Espanhola concede o asiento de negros para os britacircnicos que fundam a fim de explorar tal
contrato a South Sea Company os comerciantes portugueses ignorando as proibiccedilotildees sobre
aquela mateacuteria passam a rivalizar com os ingleses nas vendas de escravos para regiatildeo A
situaccedilatildeo chegou a tal estaacutegio que a Companhia inglesa nos seus uacuteltimos anos de
funcionamento passou a diminuir drasticamente o contingente de negros enviados aquela
localidade pois eles jaacute natildeo tinham saiacuteda dada a grande oferta de escravos que os
contrabandistas portugueses faziam entrar no territoacuterio da South Sea Company
528
Sobre isto ver CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a
administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00 529
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires
colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 242 530
KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)
Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017
144
Percebemos como toda a questatildeo relativa ao comeacutercio de contrabando neste caso
guardada as devidas proporccedilotildees iratildeo se desenrolar de maneira semelhante a que encontramos
para o nosso objeto de anaacutelise Aleacutem de ter uma Companhia de comeacutercio exclusivista
envolvida e das vaacuterias medidas tomadas pela Coroa espanhola para inutilmente tentar conter
tais extravios no caso trabalhado por Kuhn tambeacutem haacute indiacutecios de que os proacuteprios oficiais
castelhanos facilitavam e auxiliavam os descaminhos
Aleacutem disso o autor demonstra como os traficantes portugueses situados na Colocircnia do
Sacramento e seus agentes e comissaacuterios eram homens bem articulados que desfrutavam de
prestiacutegio tendo alguns deles ocupado inclusive cargos na administraccedilatildeo colonial Isso mesmo
quando desde 1751 a Coroa portuguesa ciente da desordem causada pelo comeacutercio ilegal de
escravos na regiatildeo passou ordens para que se extinguisse aquele negoacutecio castigando quem
fosse apreendido em tal crime com ldquomulta no triplo do seu valor para os reacuteus aleacutem do
degredo para Angola por dez anos dos contrabandistas envolvidosrdquo 531
Apesar da aparente incongruecircncia a participaccedilatildeo de oficiais agentes e autoridades
reacutegias no comeacutercio descaminhado foi uma realidade durante o periacuteodo colonial em distintas
localidades e eacutepocas Eacute sobre o envolvimento destes homens nos contrabandos que iremos
tratar no toacutepico a seguir
42 ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de
autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos
Apesar do empenho sobretudo dos governadores em reprimir as atividades iliacutecitas o
contrabando era uma praacutetica quase impossiacutevel de ser controlada fazendo com que os esforccedilos
e medidas tomadas por estes oficiais se mostrassem pouco eficazes dada a grandiosidade do
esquema que incluiacutea autoridades reacutegias oficiais e deputados da proacutepria Companhia nos
circuitos de descaminho O envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e proacuteprios deputados
da Companhia nos descaminhos era um problema que desde os primoacuterdios do
estabelecimento da empresa se buscava combater
Jaacute em 1763 relata o governador Luiacutes Diogo Lobo da Silvia ser necessaacuterio enviar para
os sertotildees a fim de averiguar as ldquodesordensrdquo causadas pelos contrabandistas ldquooficiais de mais
confianccedila e menos amizadesrdquo 532
Sobre este respeito escreve o Conde de Povolide ao Reino
531
Ibidem P 103 532
AHU ndash PE Cx 99 D 7757
145
em 1769 alertando que ldquotoda esta capitania da parte do Sul desta capital ateacute ao Rio de Satildeo
Francisco me consta com evidecircncia se acha contaminada de contrabandos e com tatildeo pouca ou
nenhuma atividade nos ministros para devassar delesrdquo 533
Neste mesmo documento o Conde
declara ao Reino sua insatisfaccedilatildeo com o Sargento Mor do distrito de Porto Calvo que natildeo
havia segundo o governador ldquoobservado boa condutardquo 534
na execuccedilatildeo de ordem passada para
se averiguar crime de contrabando na regiatildeo
Escrevendo ao Conselho Ultramarino em 1770 Manoel da Cunha Meneses
governador de Pernambuco que acabava de assumir o cargo seria mais enfaacutetico ao denunciar
ao Reino o envolvimento de funcionaacuterios reacutegios estabelecidos nos sertotildees da Capitania na
introduccedilatildeo de contrabandos Afirmava o governador ser o sertatildeo daquela capitania um dos
mais povoados relatando que em cada povoado e freguesia existiam capitatildees mores regentes
e diretores poreacutem acusava Manuel da Cunha serem estes oficiais ldquomesmos culpados ou
proacuteprios contrabandistas pois se sujeitam a viver no agreste dos matos a fim de
enriqueceremrdquo 535
Continua seu relato afirmando que tais ldquoqualidades de oficiaisrdquo 536
executavam suas
ordens da forma que bem lhe aprouvessem pois ldquose fiam no seguro dos longes em que se
acham para natildeo recearem castigordquo 537
Dessa forma conclui o governador ser o combate ao
contrabando tarefa das mais difiacuteceis jaacute que natildeo havia ali ldquopessoas de que se faccedila confianccedila a
embaraccedilar a passagem das fazendasrdquo 538
Aleacutem disso o capitatildeo general atestava que a
grandiosidade da Costa pernambucana dificultava ainda mais o trabalho repressivo 539
Como se pode observar existia certa conivecircncia e em alguns casos participaccedilatildeo ativa
de funcionaacuterios reais no comeacutercio iliacutecito Estas autoridades locais natildeo atuavam de maneira
isolada diversos documentos atestam a participaccedilatildeo de oficiais da Companhia Geral tanto
aqueles que trabalhavam embarcados quanto os que estavam a disposiccedilatildeo da direccedilatildeo em
Pernambuco e mesmo de seus deputados nas redes de contrabando Em 1769 o jaacute
mencionado Conde de Povolide acusa em ofiacutecio endereccedilado ao Reino os oficiais e acionistas
da empresa Na ocasiatildeo afirma o governador que ldquouma das causas do grande contrabando
existente nos portos do sertatildeo pernambucano era a negligecircncia com que operava o juiz
533
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 534
Idem 535
AHU ndash PE Cx 108 D 8371 536
Idem 537
Idem 538
Idem 539
Idem
146
conservador da companhiardquo 540
que ldquotem ocasionado a relaxaccedilatildeo em que se acha esta
negociaccedilatildeo de travessiardquo 541
Neste mesmo ofiacutecio o Conde relata a Corte o caso especiacutefico de uma sumaca
apreendida em Camaragibe distrito de Porto Calvo que estava carregando caixas de accediluacutecar
para seguir para Bahia O governador acreditava que naquele episoacutedio oficiais da Companhia
haviam agido de forma a facilitar a introduccedilatildeo das contravenccedilotildees isto porque um dos
negociantes preso pelo envolvimento no contrabando possuiacutea ldquotrecircs irmatildeos nesta praccedila dois
ocupados na Companhia Geral e outro escrivatildeo da mesma Conservatoacuteriardquo Como os termos
judiciais da apreensatildeo deveriam acontecer no cartoacuterio onde trabalhava o irmatildeo escrivatildeo
alertava o Conde a necessidade de se ldquousar de alguma precauccedilatildeo para este casordquo 542
O envolvimento dos oficiais da Companhia nessa situaccedilatildeo era tatildeo previsiacutevel que o
governador acreditava natildeo ser suficiente apenas tomar cuidado com o desenrolar do processo
chegando mesmo a afirmar que ldquose a experiecircncia mostrar que natildeo bastam (as precauccedilotildees)
como assim me persuado determino mandar suspender o processordquo 543
que ficaria parado ateacute
ldquodar conta a vossa excelecircncia para obter uma eficaz providecircncia em ministro tal em que possa
confiar retidatildeo que natildeo for flexiacutevel as logrativas em penhor que considero haveratildeo neste casordquo
544
A atuaccedilatildeo nos descaminhos dos oficiais que prestavam serviccedilos dentro dos navios
reais tambeacutem seraacute destacada dentro do nosso conjunto documental A participaccedilatildeo destas
equipagens era tatildeo notoacuteria que jaacute se faziam saber no proacuteprio Reino Como nos revela ofiacutecio
enviado por Joseacute Cesar de Meneses no ano de 1778 ao secretaacuterio de Estado da Marinha e
Ultramar Segundo o governador ldquose fez preciso informar-me que os oficiais das ditas
embarcaccedilotildees reacutegias se tem deslizado nos excessos de trazerem nas ditas embarcaccedilotildees toda a
sorte de contrabando que podemrdquo 545
os produtos transacionados por eles iam de fazendas a
comestiacuteveis e ainda de acordo com Joseacute Cesar tinham aqueles homens ldquoarte de as meterem a
bordo antes de sair desse porto sem que se possa perceberrdquo 546
540
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 541
Idem 542
Idem 543
Idem 544
Idem 545
AHU ndash PE Cx 130 D 9815 546
Idem Vale ressaltar que naquele mesmo ano o governador em ofiacutecio dirigido a Junta lisboeta afirma que
segundo seu entendimento natildeo se devesse considerar contrabando todos os gecircneros levados a Portugal pelos
oficiais reais que os trocavam na capitania pelos mantimentos trazidos da Europa Isto porque Pernambuco
como se sabia passava por uma crise monetaacuteria logo os gecircneros da terra eram as uacutenicas coisas que poderiam
147
No mesmo ano o governador revela a Corte como a marinhagem do navio real
conhecido como o ldquoPenquerdquo tinha tido ldquoo atrevido descaramento de iludir e zombarrdquo 547
das
ordens passadas por ele passadas Jaacute que desobedecendo as diretivas de Joseacute Cesar fizeram
os marinheiros daquele navio descarregar nas terras exclusivas da Companhia diversos
gecircneros europeus as escondidas Aleacutem disso os mesmos oficiais retardaram propositalmente a
partida da embarcaccedilatildeo a fim de carregarem nela gecircneros da terra Apesar das buscas dadas
pelo governador com o auxiacutelio do Patratildeo Mor da capitania natildeo foi possiacutevel evitar todo o
contrabando naquele caso isto porque de acordo com o governador ldquoas mesmas lanchas da
Ribeira das Naus que vatildeo a bordo a tiacutetulo de amarrarem os navios de sua majestade satildeo as que
servem de transportar os gecircneros proibidos como a larga e amiudada experiecircncia dos meus
embarques me tem mostradordquo 548
Permanecendo no ano de 1778 outro ofiacutecio encontrado em nosso conjunto
documental acaba reafirmando a efetiva participaccedilatildeo destes oficiais dos navios reais no
comeacutercio descaminhado Neste documento a direccedilatildeo da Junta da Companhia Geral
dialogando com o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ldquonatildeo nos causar admiraccedilatildeo que
nesta capitania se vendam fazendas por contrabando por preccedilos inferiores aos da companhiardquo
549 completam dizendo que isto soacute era possiacutevel pois algumas dessas fazendas chegavam a
Pernambucano pelas matildeos dos proacuteprios oficiais da empresa que as traziam nos navios reais
sem pagar frete ou qualquer tipo de direitos 550
Se em um primeiro momento o envolvimento dos oficiais da Companhia e de seus
proacuteprios deputados e acionistas nas redes de comeacutercio iliacutecito nos causa estranhamento eacute
necessaacuterio lembrar que os principais negociantes da praccedila mercantil pernambucana se
tornaratildeo acionistas da empresa e que se estes de iniacutecio resistiram agrave ideia da fundaccedilatildeo de uma
companhia monopolista logo perceberam que para continuar a usufruir dos privileacutegios que
tinham na eacutepoca em que o comeacutercio era livre fazia-se necessaacuterio se engendrar na
administraccedilatildeo da empresa
ofertar as populaccedilotildees locais nas suas permutas com os agentes dos navios reacutegios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D
9823 547
AHU ndash PE Cx 131 D 9865 548
Idem 549
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 550
Em ofiacutecio do ano de 1778 em resposta a este da Junta Lisboeta Joseacute Ceacutesar de Meneses discorda daquele
conselho afirmando que em comparaccedilatildeo aos contrabandos vindos dos outros portos do Brasil o trazido pelos
oficiais dos navios reais tinha parca relevacircncia Aleacutem disso atesta o governador que o menor valor cobrado pelos
produtos de contrabandos nada tinham a ver com a questatildeo do natildeo pagamento de fretes e direitos como jaacute
explicitado neste capiacutetulo segundo o governador a uacutenica vantagem que tinham aqueles oficiais reais em natildeo
pagarem tais taxas era o de obterem maiores lucros nos seus negoacutecios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823
148
O que queremos dizer aqui eacute que os homens de negoacutecio de Pernambuco natildeo eram
ingecircnuos cientes da criaccedilatildeo da Companhia apesar de suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis se
tornaram acionistas e diretores da mesma pois sabiam que fazer parte da governaccedilatildeo era ldquoum
poderoso elemento constituidor de conexotildees e de fluxos de troca gerados a partir da proacutepria
instacircncia administrativardquo 551
e dessa forma puderam instrumentalizar a instituiccedilatildeo para o
atendimento de seus interesses pessoais fossem eles liacutecitos ou natildeo
Aleacutem disso como jaacute descrito ao longo deste trabalho a participaccedilatildeo de oficiais reais
nos descaminhos praticados nos domiacutenios ultramarinos era uma praacutetica jaacute haacute muito enraizada
Em seu estudo sobre o comeacutercio descaminhado desenvolvido na Ameacuterica Lusa na primeira
metade do XVIII Paulo Cavalcante demonstra como guardas auditores e ouvidores reacutegios
envolvidos na administraccedilatildeo das Minas coloniais se mancomunavam com os extraviadores de
ouro e diamantes a fim de tirarem vantagens pessoais auxiliando aqueles contrabandistas
Situaccedilatildeo que como atesta o autor a Coroa tinha ciecircncia e buscava a todo tempo reprimir sem
no entanto lograr ecircxito 552
A historiadora Nauk Maria de Jesus ao escrever sobre episoacutedio jaacute bem conhecido da
historiografia brasileira onde se procedeu na troca de ouro por chumbo nos caixotes de
quinto destinados ao Rei no ano de 1722 tambeacutem revela o envolvimento de importantes
autoridades coloniais nas redes de comeacutercio iliacutecito De acordo com a autora haacute evidecircncias da
existecircncia no comeccedilo do seacuteculo XVIII de uma grande rede de descaminho de ouro
envolvendo membros da elite imperial portuguesa Esta rede estaria conectada a diversas
naccedilotildees e era constituiacuteda por oficiais reacutegios e seus associados que concomitantemente ao
exerciacutecio de seus cargos reacutegios realizavam negoacutecios atlacircnticos privados fossem eles liacutecitos ou
natildeo 553
Retomando nossa narrativa a Junta lisboeta da empresa sabia da conivecircncia dos
administradores pernambucanos com os contrabandistas como nos esclarecem dois ofiacutecios do
ano de 1778 e um posterior do ano de 1780 enviados pela instituiccedilatildeo para o governo de
Pernambuco Os ofiacutecios do ano de 1778 satildeo resultado da troca de mensagens entre aquela
551
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c
1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e
negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 180-181 552
Sobre isto consultar CAVALCANTE PAULO Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica
Portuguesa - 1700-1750 Satildeo Paulo Hucitec 2006 553
Sobre isto ver JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de
ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na
trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 2010 P 525-548
149
administraccedilatildeo superior e o governador Joseacute Cesar de Meneses este uacuteltimo ao longo do seu
governo encaminhou por vaacuterias vezes ofiacutecios para a Junta informando o estado em que se
encontravam os negoacutecios locais e as condutas da diretoria pernambucana que eram motivo de
criacuteticas tanto pela parte do governador quanto da direccedilatildeo lisboeta
O conteuacutedo de tais ofiacutecios apresentam duras criacuteticas a forma como procedia a
administraccedilatildeo pernambucana nos interesses da empresa chegam os ministros portugueses a
afirmar que se a Companhia se encontrava apartada de seus objetivos iniciais a culpa residia
nos administradores pernambucanos que ldquoa desfiguraram e natildeo cumpriram as determinaccedilotildees
da juntardquo 554
Os documentos ainda acusam a direccedilatildeo subalterna de natildeo prestar contas quanto
ao verdadeiro estado em que se achavam as capitanias e agir em total desrespeito as reais
ordens 555
Aleacutem disso fica evidente que a administraccedilatildeo lisboeta sabia que os deputados em
Pernambuco usavam a instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio participando de uma seacuterie de
atividades iliacutecitas e natildeo recomendadas A Junta chega a afirmar que os proacuteprios deputados da
empresa eram seus principais devedores revelando ser aquele fato um dos que mais
ocasionavam espanto aos oficiais lisboetas pois estes estavam cientes do ldquogrande cabedal que
se acham devendo os moradores e negociantes desta praccedila e as pessoas que ocuparam e
ocupam os lugares desta direccedilatildeo seus parentes e outros empregados no serviccedilo da
Companhiardquo 556
Atestam tambeacutem que mesmo depois de receberem os lucros respectivos a sua
porcentagem societaacuteria natildeo constava que estes acionistas tivessem feito sequer um
pagamento a Companhia 557
Na lista de acusaccedilotildees feitas pela Junta a administraccedilatildeo de Pernambuco consta tambeacutem
serem aqueles deputados os culpados pela grande falta de creacutedito que se experimentava na
Praccedila de que os habitantes locais tanto reclamavam Afirma a Junta que o objetivo primaacuterio
da Companhia Geral era o de fazer florescer o comeacutercio em Pernambuco e Paraiacuteba com o
554
AHU ndash PE Cx 128 D 9736 555
Em resposta a este ofiacutecio no mesmo ano o governador Joseacute Cesar de Meneses afirmaraacute natildeo compreender
como a Junta durante todo esse tempo fosse ldquosempre enganadardquo Sobre a falta de informaccedilatildeo que alega a Junta
lisboeta o governador afirma que aquele conselho natildeo desconhecia todos os fatos ocorridos na capitania jaacute que
era sabido que diversos acontecimentos chegavam a seu conhecimento mesmo antes do seu governo Declara
ainda que em mateacuteria tatildeo importante natildeo se fazia necessaacuterio provas concretas para que a Junta passasse a tomar
providecircncias mas apenas ldquoleves indiacuteciosrdquo para pocircr em praacutetica as precauccedilotildees devidas Alerta ainda o capitatildeo
general que a Junta descumprido o regulado no artigo 6 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia que
determinava que os deputados e intendente eleitos cumprissem mandatos de apenas dois anos acabava por
contribuir com a relaxaccedilatildeo com que procedia aquela direccedilatildeo pernambucana sendo certo que se fossem
removidos de seus postos em tempo correto natildeo chegariam a desfigurar a Companhia 556
Idem 557
Idem
150
aumento da agricultura e faacutebricas e natildeo fazer ldquoenriquecer aacute custa do seu cabedal mercadores
e negociantes que metessem em si os fundos da Companhiardquo 558
O que o documento explicita
eacute a praacutetica comum de diretores e acionistas da diretoria pernambucana de contraiacuterem
empreacutestimos para si e seus associados junto agrave mesma para fazer comeacutercio pessoal e depois
natildeo restituir tais deacutebitos a Companhia
Quanto a questatildeo do contrabando e dos altos preccedilos cobrados pela empresa nos
gecircneros que negociava na terra a Direccedilatildeo portuguesa se defende afirmando que por menor
que fosse o lucro da empresa sobre as transaccedilotildees comerciais os preccedilos praticados pela mesma
jamais seriam capazes de ldquoconcorrer com aqueles que natildeo pagam direitos nem fretesrdquo559
ou
ainda com aqueles que ldquonatildeo fazem intenccedilatildeo de paga-los a quem lhes confiou e por todo o
preccedilo lhes faz conta vende-lasrdquo 560
afirmando que tirava a Companhia lucros menores do que
mercadores particulares em condiccedilotildees normais Contestam tambeacutem a pouca atividade da
Direccedilatildeo pernambucana em reprimir tais desordens afirmando que os contrabandos aleacutem de
natildeo serem castigados natildeo eram relatados a Junta assim natildeo ficava aquela administraccedilatildeo
sabendo quem eram as pessoas envolvidas naquele tipo de crime nem quais mercadorias
estariam sendo negociadas
Quanto as opressotildees que se queixavam natildeo soacute os habitantes da capitania quanto o
governador Joseacute Cesar de Meneses atestam os oficiais portugueses serem todas elas
precedentes ldquoda ambiccedilatildeo e maacute feacute dos membros de sua direccedilatildeordquo 561
Poreacutem para aquela Junta
parecia estranho e inconcebiacutevel considerar o povo daquelas plagas como ldquooprimido e aflitordquo
isto porque a soma do cabedal enviado para Pernambuco chegava naquele tempo haacute quantia
de trecircs milhotildees e meio quantia que considerava o conselho lisboeta suficiente para
manutenccedilatildeo e bom funcionamento do comeacutercio na regiatildeo isto eacute se fosse tal recurso bem
gerido condiccedilatildeo que estava claro para a Junta que natildeo ocorria Pois ainda a despeito das
queixas dos locais afirmam os ministros lisboetas ter total ciecircncia que ldquoentre os mercadores e
negociantes desta praccedila e a direccedilatildeo (da Companhia Geral) haacute ocultas e escandalosas
negociaccedilotildees que servem de vexar os povosrdquo 562
558
Idem 559
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 560
Idem 561
Idem 562
Idem Em ofiacutecio do ano de 1778 em que responde ao documento supracitado da Companhia o governador
Joseacute Cesar de Meneses contesta novamente a posiccedilatildeo adotada pela Junta que afirmando ter ldquopleno
conhecimento daquelas ocultas e escandalosas negociaccedilotildeesrdquo e de vaacuterias outras violecircncias e opressotildees cometidas
pela direccedilatildeo pernambucana natildeo tenha tomado nenhuma providecircncia mais incisiva pelo contraacuterio permitiu
151
Devido as vaacuterias queixas feitas pelos habitantes da terra atraveacutes das cacircmaras locais e
das constantes denuacutencias encaminhadas pelo governador sobre o mau procedimento da
direccedilatildeo subalterna a Junta passa a partir de 1778 a cobrar com maior vigor os deputados e
intendente em Pernambuco Ordenando por exemplo que passassem eles a cobrar todos os
devedores da empresa sem perda de tempo Aqueles que natildeo fossem cobrados se deveria
explicar o porquecirc da accedilatildeo Junto agraves cobranccedilas ficou ordenado tambeacutem que se remetesse ao
Reino os nomes daqueles personagens que na capitania se sabiam envolvidos nas praacuteticas
iliacutecitas Tudo isto obrou a Junta por considerar ldquomuito estranhaacutevel que esteja padecendo o
creacutedito da Companhiardquo 563
Todas as exigecircncias tomadas pela sede da Companhia em Lisboa
satildeo demonstrativas da desconfianccedila que a mesma passaraacute a nutrir pela direccedilatildeo pernambucana
e atestam nossa afirmativa de que os deputados e diretores da capitania Duartina destruiacuteram o
creacutedito da empresa dentro do seu proacuteprio seio
Permanecendo no mesmo tema e ano em ofiacutecio enviado pelo secretaacuterio de Estado da
Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro ao governador Joseacute Cesar de Meneses o
oficial portuguecircs faraacute uma longa redaccedilatildeo apontando ldquoos excessos e prevaricaccedilotildees cometidas
pelos deputados da Companhia de Pernambucordquo 564
que aquela altura havia ldquochegado a tal
excesso que jaacute natildeo pode haver sofrimento que os possa tolerarrdquo 565
Afirma o secretaacuterio que
desde 1768 eram enviadas ordens do Reino para tentar conter os abusos daquela direccedilatildeo
subalterna no entanto as referidas natildeo eram atendidas obrando os deputados em sentido
oposto agraves diretivas reais
O secretaacuterio acusa os diretores e intendente daquela direccedilatildeo de se apropriarem de
todos os gecircneros remetidos do Reino e ainda de ldquoos repartirem a creacuteditos pelos seus parentes
amigos e associados e de os tomarem eles mesmos de baixo de nomes alheiosrdquo 566
apropriavam-se tais deputados do cabedal alheio em benefiacutecio de seus proacuteprios negoacutecios e
agindo dessa forma aumentavam ainda mais a grande diacutevida dos habitantes locais com a
Companhia diacutevida esta que os mesmos natildeo buscavam satisfazer de ldquomodo algumrdquo 567
Neste mesmo ofiacutecio versaraacute o secretaacuterio tambeacutem sobre a questatildeo do contrabando
afirmando natildeo ser ldquomenos escandalosa a relaxaccedilatildeo com que nessa capitania se estatildeo fazendo
aquela Junta em desacordo com artigo 6 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral que os membros
daquela direccedilatildeo se conservassem no poder por repetidos anos Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 563
AHU ndash PE Cx 128 D 9736 564
AHU ndash PE Cx 130 D 9832 565
Idem 566
Idem 567
Idem
152
com todo descaramento e liberdade os maiores contrabandos e extravios de accediluacutecar e de outros
gecircneros para o porto da Bahia e de outros do continente da Ameacutericardquo 568
atividade que
fraudava os direitos e deveres reais dado o caraacuteter totalmente pernicioso de tal accedilatildeo para a
fazenda real esperava o ministro do rei que agisse a administraccedilatildeo em Pernambuco com
maior vigor no combate e natildeo que agisse em sentido contraacuterio como se sabia estava
ocorrendo
Reclama tambeacutem Martinho de Melo e Castro que as carregaccedilotildees que saiam de
Pernambuco com destino ao Reino estavam desde o princiacutepio daquele ano indo com uma
quantidade muito maior de gecircneros remetidos por particulares do que produtos enviados pela
Companhia Este fato apesar de ser permitido pelos estatutos da empresa 569
causava espanto
no secretaacuterio pois havia naquele momento na capitania cerca de duas mil pessoas entre
ldquohomens de negoacutecio senhores de engenho capitalistas vendedores e outras diferentes classes
de habitantesrdquo 570
que estavam devendo ldquoconsideraacuteveis somasrdquo a empresa e estranhamente
nenhuma destas pessoas enviavam remessas de coisa alguma ao Reino
Diz o oficial reacutegio que por esta ldquomanifesta dissimulaccedilatildeordquo via-se ldquopassar a Pernambuco
seiscentos a setecentos mil cruzados do produto dos gecircneros pertencentes a esses habitantesrdquo
571 isto sem contar ldquoas somas dos gecircneros que remetem em contrabando pelo porto da Bahia e
que natildeo possa ver um real dos seus devedoresrdquo 572
na verdade agia a administraccedilatildeo de
Pernambuco natildeo no sentido de buscar reverter tal quadro mas opostamente buscavam ainda
por cima nas palavras do secretaacuterio ldquopersuadir com palpaacutevel falsidade que essa capitania se
acha reduzida a maior pobreza e miseacuteriardquo 573
Atestava entatildeo o secretaacuterio real que natildeo era da intenccedilatildeo de Sua Majestade permitir
que aqueles deputados responsaacuteveis por ldquozelar os interesses das viuacutevas oacuterfatildeos conventos
568
Idem 569
O documento de instituiccedilatildeo da Companhia em seu artigo 31 autorizava fabricantes e lavradores a enviarem
por sua conta e risco seus gecircneros para a Europa dentro dos navios da empresa Poreacutem esse tipo de operaccedilatildeo
natildeo poderia contar com nenhum tipo de intermediaacuterio Se por acaso fosse descoberto que algueacutem procedeu em
ldquocompras simuladas para carregarem nos seus nomes os gecircneros alheiosrdquo a accedilatildeo seria enquadrada no crime de
contrabando sujeita a pena de perda de carregaccedilatildeo e trestobro Se houvesse denunciante a terccedila parte do espoacutelio
seria reservada ao mesmo Apesar de ser uma praacutetica legal a Junta da empresa buscava desencorajar esse tipo de
negoacutecio Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel
Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros
sobre o Brasil Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 570
AHU ndash PE Cx 130 D 9832 571
Idem 572
Idem 573
Idem
153
religiosos capelas lugares pios deste Reino e outros diferentes classes de uacuteteis e inocentes
vassalosrdquo que haviam contribuiacutedo com seus proacuteprios recursos para formar o capital da
Companhia locupletassem a incriacutevel soma de 392384849 reis que deviam aos fundos
daquela empresa Por fim Martinho de Melo e Castro recomenda a Joseacute Cesar que
empregasse toda atenccedilatildeo naquele assunto buscando prevenir ldquoas fraudes os abusos os
contrabandos e as prevaricaccedilotildees que em toda parte do mundo sempre foram a ruiacutena dos
Estadosrdquo 574
43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70
Muitas seratildeo as denuacutencias encaminhadas ao reino pelos habitantes da capitania contra
a maacute gerecircncia da Companhia e os abusos em que ocorriam os deputados da empresa Em
1770 tem iniacutecio a primeira crise enfrentada pela instituiccedilatildeo uma seacuterie de representaccedilatildeo seratildeo
enviadas pelas cacircmaras locais a Corte expondo os problemas enfrentados pela populaccedilatildeo
local no trato com a empresa queixando-se da grande decadecircncia do comeacutercio na regiatildeo da
pobreza a que foram acometidos os habitantes e dos procedimentos irregulares da diretoria em
Pernambuco A seca que assolou a capitania entre os uacuteltimos meses de 1769 e os primeiros
meses de 1770 causando uma grande baixa nas safras de accediluacutecar parece ter contribuiacutedo
sobremaneira para o desencadeamento da crise
Isto porque a direccedilatildeo pernambucana se recusou a pagar o acreacutescimo de duzentos reis
por arroba de accediluacutecar determinado pela Mesa de Inspeccedilatildeo da Praccedila que seguia ordens de
edital previsto para estes casos A administraccedilatildeo da Companhia natildeo aceitaraacute de bom grado
esta situaccedilatildeo e em resposta a decisatildeo da Mesa lanccedila edital afirmando que ldquopor natildeo ter
obrigaccedilatildeo recusaraacute receber os ditos accediluacutecares por preccedilos que natildeo fazem conta ao comeacutercio que
administrardquo 575
completa dizendo que os lavradores e senhores descontentes poderiam enviar
ao reino seus produtos ldquopor sua contardquo em conformidade do regimento da instituiccedilatildeo 576
Ao
que tudo indica os produtores seguiram a ldquorecomendaccedilatildeordquo daquela direccedilatildeo pois no mesmo
ano o governador Manoel da Cunha Meneses envia ofiacutecio ao Reino explicando os motivos
dos produtores da capitania estarem retendo em seus armazeacutens a produccedilatildeo canavieira Solicita
574
Idem 575
AHU ndash PE Cx 109 D 8428 576
Idem
154
entatildeo o governador que o Rei apontasse soluccedilatildeo a tal empate que vinha causando notoacuterios
prejuiacutezos a todos
Os camaraacuterios de Igarassu enviam carta neste mesmo ano ao Rei atestando ldquoa grande
e inexplicaacutevel consternaccedilatildeo em que se vecirc esta capitania no presente tempo e a total ruiacutena e
decadecircncia que para o futuro vai ameaccedilando o comeacuterciordquo 577
Eles reclamavam da falta de
dinheiro que se experimentava nas terras exclusivas uma vez que a Companhia ldquonatildeo compra
gecircneros de efeito nenhum a dinheiro [] e soacute os paga com fazendas cariacutessimas e escravos de
refugordquo 578
O senado de Igarassu expotildee tambeacutem os abusos cometidos pela direccedilatildeo
pernambucana que agindo por interesses proacuteprios quando do desembarque dos navios
chegados de Angola e Costa da Mina carregados com escravos ldquoescolhem os melhores [] e
os marcam com uma fita de nastro no pescoccedilordquo 579
estes escravos marcados eram remetidos
para a Praccedila do Rio de Janeiro deixando aos produtores da capitania o refugo da escravaria A
carta continua relatando uma seacuterie de denuacutencias sobre a maacute administraccedilatildeo da Companhia
como por exemplo sua alianccedila com algumas casas de comeacutercio em prejuiacutezo dos demais
comerciantes e agricultores bem como da populaccedilatildeo em geral
Os habitantes da capitania de Itamaracaacute sobretudo os produtores de accediluacutecar e tabaco
tambeacutem enviam em 1770 representaccedilatildeo ao Reino alertando para ldquoa consternaccedilatildeo e vexame a
que se veem reduzidos pelos lamentaacuteveis danos e inexplicaacuteveis prejuiacutezosrdquo 580
causados pela
instalaccedilatildeo da Companhia na regiatildeo Pontuam aspectos bastante semelhantes aos expostos
pelos camaraacuterios de Igarassu fazendo comparaccedilotildees sobre o volume do comeacutercio na capitania
antes e depois da instituiccedilatildeo da empresa A representaccedilatildeo que possuiacute um abaixo assinado com
cerca de treze paacuteginas apenas de assinaturas daqueles homens que se sentiam prejudicados
pela Companhia termina suplicando a aboliccedilatildeo da empresa e a restituiccedilatildeo dos danos para
aqueles produtores
Aleacutem das diversas representaccedilotildees contraacuterias 581
enviadas pelos representantes locais a
Corte na capitania o clima era de agitaccedilatildeo Como nos demonstra ofiacutecio enviado pelo
secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar ao governador Manoel da Cunha Meneses
denunciando papeacuteis anocircnimos que tinham sido fixados na capitania satirizando um edital
577
AHU ndash PE Cx 108 D 8380 578
Idem 579
Idem 580
AHU ndash PE Cx 108 D 8393 581
Vaacuterios outros documentos a este respeito foram emitidos entre os anos de 1770 a 1771 pelos habitantes
locais e seus oacutergatildeos representativos incluindo cartas pessoais e algumas ateacute mesmo anocircnimas AHU ndash PE Cx
109 D 8421 AHU ndash PE Cx 109 D8444 AHU ndash PE Cx 110 D8507 AHU ndashPE Cx 110 D 8515 AHU-
PE Cx 111 D 8541
155
lanccedilado pela direccedilatildeo da Companhia Neste edital a administraccedilatildeo da empresa a fim de
supostamente fazer encerrar os buchichos que corriam entre a populaccedilatildeo sobre a sua maacute
gerecircncia convocava a todos que tivessem denuacutencias do mau procedimento dos membros
daquela direccedilatildeo empregados em todos os cargos fizessem representaccedilatildeo para que fossem
aplicadas as devidas providecircncias
O texto anocircnimo que criticava o edital atacava diretamente os deputados Destacando
que se as denuacutencias natildeo existiam natildeo era pela falta de delitos a denunciar mas sim pelo receio
que tinham os habitantes locais de sofrerem represaacutelias Afirma o panfleto que
Pelo edital de 13 de agosto conheceu todo o povo a ignoracircncia de toda a
mesa da direccedilatildeo da Companhia e de seu escrivatildeo fazendo-se os deputados
reacuteus e querendo serem juiacutezes de seus proacuteprios delitos Nomeiem os
deputados ministro independente que receba as queixas e as remeta a Sua
Majestade que natildeo faltaraacute quem vaacute depor contra os mesmos deputados que
tatildeo inocentes se mostram mas este conselho lhe natildeo haacute de agradar e podem
estar certos que quando vier sindicante deporemos sobre as fabulosas e falsas
articulaccedilotildees da qual o edital tambeacutem se faraacute dos pecados que pedem que o
povo os acuse e muito mais temos que dizer 582
A Companhia atraveacutes de sua direccedilatildeo na capitania iraacute se defender contra tais acusaccedilotildees
afirmando serem injuriosas e promovidas por um pequeno grupo de indiviacuteduos que nunca
aceitaram a instalaccedilatildeo da empresa Em carta enviada por Antocircnio Joseacute Souto intendente da
direccedilatildeo pernambucana em 1771 a respeito daquelas denuacutencias que segundo o mesmo estavam
centradas em queixas contra as ldquoomissotildees ou falta de pureza na direccedilatildeordquo 583
o mesmo iraacute
declarar que a paixatildeo dos moradores daquela capitania ldquolhes tinha cegado o conhecimentordquo
584 dessa forma natildeo conseguiam ver como a empresa lhes era beneacutefica No entanto o impacto
da crise de 70 natildeo iraacute se dissipar tatildeo facilmente A morte do rei D Joseacute I seguida do
afastamento do marquecircs de Pombal do cargo de primeiro ministro do Reino no ano de 1777
faratildeo ressurgir uma onda de queixas e representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma
As denuacutencias desta segunda fase de crise continuam a apontar basicamente os mesmos
pontos das primeiras Em resumo as representaccedilotildees se queixam do deploraacutevel estado em que
se encontravam as lavouras tanto de accediluacutecar quanto de tabaco afirmando estarem destruiacutedas
as faacutebricas de curtume e atanados e reclamando da quase inexistecircncia do comeacutercio livre com
os sertotildees e com a Costa da Mina Aleacutem disso se queixam dos procedimentos adotados pela
empresa que lhes obrigavam a vender suas manufaturas e efeitos por preccedilos diminutos e a
582
AHU ndash PE Cx 109 D 8458 583
AHU ndash PE Cx 100 D 8509 584
Idem
156
receber por eles fazendas desnecessaacuterias e de baixa qualidade sem jamais serem pagos a
dinheiro fiacutesico Afirmam tambeacutem que a Companhia natildeo disponibilizava escravos suficientes
e que vendia aos moradores apenas os doentes indo os melhores serem vendidos no Rio de
Janeiro Relatam tambeacutem o alto grau de endividamento daqueles que negociavam com a
empresa pela forma que os negoacutecios eram feitos na capitania Fora isso denunciavam a
forma arbitraacuteria e duvidosa com que agiam os seus deputados e intendente
Em carta de 1777 a cacircmara de Olinda queixa-se ao Reino de problemas semelhantes
aos relatados pelos oficiais de Igarassu sete anos antes Neste documento o Senado da cacircmara
apela pela extinccedilatildeo da Companhia suplicando ao monarca que os libertassem de ldquotatildeo
insuportaacutevel tiraniardquo 585
Ainda nesta carta reclamam tambeacutem os camaraacuterios da escassez de
moeda que grassava em Pernambuco afirmando que a ldquofalta de dinheiro presentemente
irremediaacutevel tem aniquilado os fabricantes e os reduzido a uacuteltima consternaccedilatildeordquo 586
isto
porque a Companhia continuava a pagar pelos efeitos da terra em fazendas e natildeo a dinheiro
que era gecircnero necessaacuterio para o sustento e manutenccedilatildeo das faacutebricas e dos fabricantes
Fica confirmado tambeacutem no relato a manutenccedilatildeo do costume dos deputados da
empresa em reservar para si e seus ldquoparceirosrdquo comerciais os escravos mais sadios e melhor
escolhidos Vendendo para populaccedilatildeo os menos saudaacuteveis e a preccedilos exorbitantes no que
resultavam segundo a cacircmara em ldquograndes mortandadesrdquo nos engenhos e lavouras que
acabavam se conservando sempre com um nuacutemero reduzido de escravaria Por fim os oficiais
protestam sobre o procedimento adotado pela empresa de vender os gecircneros de maior
necessidade apenas a dinheiro quando era ela mesma a responsaacutevel pela crise monetaacuteria
instalada na regiatildeo
No mesmo ano de 1777 a cacircmara de Olinda envia nova carta relatando com maiores
detalhes o estado do comeacutercio na capitania e apelando junto ao Reino para a supressatildeo dos
privileacutegios da Companhia Geral Os camaraacuterios apelam a real clemecircncia testemunhando que
eram tratados por aquela instituiccedilatildeo com ldquodespoacutetica autoridade e matildeo violentardquo alegam ainda
serem dominados e vexados como ldquose fossemos de alguma naccedilatildeo inimiga ou infieacuteis e rebeldes
ao proacuteprio soberanordquo 587
Neste documento tambeacutem se reforccedila a questatildeo das vantagens
pessoais que os deputados logravam no comeacutercio de escravos segundo os oficiais da cacircmara
ldquoa florrdquo da escravaria era reservada para estes negociantes ficando apenas o ldquorefugordquo para os
585
AHU ndash PE Cx 126 D 9577 586
Idem 587
AHU ndash PE Cx108 D 8330
157
moradores da terra Acusam ainda os oficiais da cacircmara de agirem os homens daquela
direccedilatildeo da mesma forma com os gecircneros da Europa
A falta de dinheiro mais uma vez eacute denunciada como o ldquomais sensiacutevel e fatalrdquo mal
que fazia a Companhia ao povo de Pernambuco Como o dinheiro era como afirmam os
camaraacuterios ldquopreciso para expediccedilatildeo dos seus negoacutecios e estabelecimentos de suas famiacuteliasrdquo e
estando aquela terra ldquoexausta de moeda correnterdquo 588
muitos fabricantes e lavradores
acabavam recorrendo ao contrabando nos portos livres para obter dinheiro fiacutesico De acordo
com a Cacircmara olindense essa situaccedilatildeo era de total responsabilidade da Companhia isto
porque a empresa havia reduzido os habitantes daquelas plagas a extrema pobreza sem ter
estes homens meios de sustentar suas famiacutelias Dessa forma acabavam recorrendo agrave compra
de fazendas em outros portos mesmo que sujeito aos confiscos As queixas evidenciam a
relaccedilatildeo entre a refraccedilatildeo pela qual passava o comeacutercio legal e o aumento dos negoacutecios
descaminhados enquanto o comeacutercio legal passava por um periacuteodo de queda os descaminhos
de produtos ganhavam focirclego
Ainda sobre o comeacutercio de contrabando assegura o senado de Olinda que as fazendas
vindas dos portos livres se vendiam por menor preccedilo do que os praticados pela Companhia o
que segundo tais oficiais era inconcebiacutevel pois os contrabandistas compravam tais gecircneros de
mercadores dos portos livres ldquojaacute com avanccedilosrdquo 589
e ainda eram responsaacuteveis pelas ldquodespesas
do transporterdquo 590
Os escravos vindos do comeacutercio descaminhado tambeacutem eram mais baratos
de acordo com o documento alguns moradores que mandavam comprar negros nos portos
livres ldquoos compram com tatildeo notaacutevel cocircmodo a respeito do preccedilo porque que vende a
Companhia na terra que chegam a comprar dois pretos com o valorrdquo 591
Tambeacutem reivindicam a forma como a empresa procedia na avaliaccedilatildeo e compra dos
gecircneros da terra Declara a cacircmara que os produtos da Companhia eram vendidos por preccedilos
que eram determinados pela proacutepria direccedilatildeo e que natildeo se davam os devidos descontos a peccedilas
avariadas No entanto o contraacuterio natildeo se fazia verdade os oficiais alegam que qualquer avaria
era descontada no valor final dos efeitos da terra ainda atestam que os preccedilos eram fixados
pelos avaliadores da Companhia natildeo seguiam a nenhum tipo de criteacuterio preacute-estabelecidos
588
Idem 589
Idem 590
Idem 591
Idem
158
dando tais avaliadores o preccedilo que lhe achassem conveniente Questionavam entatildeo os
camaraacuterios ldquoque justiccedila e que lei do comeacutercio pode permitir semelhante deferecircnciardquo 592
Em 1778 seraacute a vez da Cacircmara de Goiana enviar suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis a
Companhia ao Reino As objeccedilotildees satildeo parecidas com as de suas congecircneres Afirmam aqueles
oficiais que a Companhia ldquoestabelecida em 1760 tem de todo arruinado os fabricantes de
todos os gecircnerosrdquo 593
Reforccedilam a questatildeo de como procedia a direccedilatildeo pernambucana na
venda de escravos que aleacutem de os venderem por ldquoexcessiviacutessimo preccedilordquo destinavam as
populaccedilatildeo apenas os negros de ldquorefugordquo que vinham jaacute contaminados de moleacutestias Tendo
inclusive sido acometida a capitania duas vezes por epidemias que dizimaram muitos
habitantes provenientes daqueles escravos doentes jaacute que a ldquoflorrdquo da escravaria era remetida
pelos deputados pernambucanos ao Rio de Janeiro
Ao longo da carta os camaristas queixam-se de outras diversas accedilotildees da empresa
Dando destaque ao alto grau de endividamento dos agricultores obrigados a empenhar seus
bens os altos juros cobrados aos homens de negoacutecio bem como contestam os preccedilos
praticados pela empresa em seu comeacutercio Em denuacutencia as condutas questionaacuteveis da direccedilatildeo
em Pernambuco atestam que os melhores gecircneros da Europa aqueles que possuiacuteam maior
saiacuteda quase todos ldquose encaminhavam as lojas particulares de algum dos mesmos deputados
donde entatildeo os iam comprar os pobres dos mercadoresrdquo 594
Por fim apelavam a sua majestade
para livrar aquele ldquopovo deste penoso cativeirordquo 595
Um ano depois em 1779 era a vez da Cacircmara de Recife enviar carta ao reino
solicitando o fim das concessotildees exclusivas dadas a Companhia Os oficiais da Cacircmara
recifense se apoiavam na recente decisatildeo do Reino em abolir os privileacutegios concedidos a
Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo ao solicitarem para capitania de Pernambuco a
mesma graccedila Alegavam os camaraacuterios ser a Companhia Geral a culpada pelo ldquomiseraacutevel
estado a que se acha reduzida toda esta capitaniardquo 596
Os camaristas aproveitam para lembrar
junto a este pedido os grandes esforccedilos empregados pelos habitantes daquelas plagas em
ldquoconservar o domiacutenio desta porccedilatildeo do Brasilrdquo 597
quando do ataque do inimigo holandecircs o
que havia lhes custado ao longo dos anos como fazem questatildeo de sublinhar suas vidas e
fazendas
592
Idem 593
AHU ndash PE Cx 130 D 9830 594
Idem 595
Idem 596
AHU ndash PE Cx 133 D 10009 597
Idem
159
Junto com a extinccedilatildeo da Companhia demandam tambeacutem trecircs providecircncias que
acreditavam deveriam acompanhar tal graccedila A primeira solicitaccedilatildeo era de que a Companhia
Geral voltasse a pagar o subsiacutedio dos accediluacutecares que ldquovoluntariamente e contra as ordens
reacutegiasrdquo 598
havia parado de pagar aos fabricantes haacute doze anos A segunda demanda requeria
que natildeo se cobrassem altos juros nos deacutebitos que haviam contraiacutedo os habitantes daquela terra
com a empresa isto porque segundo os camaristas os gecircneros que geravam os
endividamentos jaacute haviam sido comprados por preccedilos ldquosobrecarregadosrdquo Por fim pedem os
oficiais da Cacircmara que a empresa natildeo cobre de uma uacutenica vez os grandes deacutebitos dos
habitantes pois se isto acontecesse causaria a ruiacutena daquela capitania
Em resposta a estas trecircs representaccedilotildees a Junta da Companhia em Lisboa remete
ofiacutecio ao Reino no ano de 1780 defendendo-se das acusaccedilotildees e apontando a direccedilatildeo em
Pernambucano como a verdadeira responsaacutevel das queixas populares Chegando a afirmar que
se a empresa fosse ldquodirigida por homens inteligentes e zelosos do serviccedilo de Vossa Majestade
e do bem puacuteblico natildeo soacute teria produzido muitas maiores vantagens a favor do Estado mas ateacute
seria pedida a sua conservaccedilatildeo pelos mesmos povos daquelas capitaniasrdquo 599
Neste ofiacutecio o
conselho lisboeta descreve com detalhes todas as artimanhas e estrateacutegias utilizadas pelo
intendente e deputados da direccedilatildeo pernambucana a fim de tirarem benefiacutecios pessoais de seus
postos
Assim admitem que no comeacutercio das fazendas aqueles diretores se associavam a
caixeiros e parceiros e tiravam das carregaccedilotildees da Companhia para suas lojas particulares
todas as fazendas ldquomelhores em qualidade sortimento e em preccedilosrdquo antes mesmo destas peccedilas
serem colocadas a venda pela empresa Dessa forma os demais mercadores que ldquonatildeo
entravam neste conluio quando iam aos armazeacutens da Companhia soacute encontravam as que os
outros tinham refugadordquo Esta situaccedilatildeo acabava por gerar o monopoacutelio das melhores fazendas
nas matildeos destes deputados e seus associados que se aproveitando da situaccedilatildeo passavam a
revender tais gecircneros cerca de 30 a 40 mais caro nas fazendas de menor procura e nas de
melhor saiacuteda chegava-se a acrescer mais ldquode 100 importando-lhes ainda sobre este avanccedilo o
juro da leirdquo 600
Sobre a forma como procedia aos pagamentos de lavradores e fabricantes natildeo a
dinheiro e sim em fazendas atesta a Junta que procedia a direccedilatildeo pernambucana de forma
598
Idem 599
AHU ndash PE Cx 136 D 10156 600
Idem
160
abusiva e ruinosa pois se recusavam a comprar as fazendas em dinheiro alegando a falta de
moeda Atitude que acabava por obrigar que os produtores locais fossem vender seus gecircneros
a mercadores particulares por preccedilo natildeo fixado ficando a cargo do comprador estabelecer o
valor que lhe aprouvesse a segunda e natildeo menos desvantajosa alternativa para estes
fabricantes locais seria irem vender seus produtos ldquoa dinheiro com grande perda as pessoas
por quem os mesmos diretores lhes mandam comprarrdquo 601
Quanto a questatildeo da falta de moeda fiacutesica atesta a direccedilatildeo lisboeta ser real a limitaccedilatildeo
de dinheiro naquela Praccedila No entanto acusam novamente a direccedilatildeo pernambucana como a
responsaacutevel pelo problema Segundo a Junta o primeiro motivo da falta de dinheiro no caixa
da Companhia estava relacionado com a grande soma que diretores ldquoem seus nomes no de
seus parentes nos de mercadores seus associados e em outros supostosrdquo 602
que formavam
uma lista de 73 pessoas deviam a empresa e na demora que estes faziam em seu pagamento
Dessa forma ficava a Companhia em Pernambuco sem cabedal suficiente para socorrer aos
produtores locais
O segundo motivo alegado pelo conselho portuguecircs seria de que os diretores em
Pernambuco haviam feito pagamentos dos quarteacuteis vencidos de contratos reais
monopolizados por eles mesmos indevidamente com o dinheiro do caixa da Companhia A
terceira causa da falta de dinheiro era o de agirem os deputados pernambucanos no comeacutercio
de escravos da mesma forma como operavam no comeacutercio de fazendas Expunha a Junta que
assim que os negreiros davam entrada na capitania alguns membros da direccedilatildeo iam ainda de
madrugada ldquoescolher e esconder os melhores fazendo os assentos das vendas em nomes
diversos e supostos e por preccedilos mais inferiores que aqueles por que vendem os de refugo
que expotildeem em puacuteblico para a vendardquo 603
aleacutem disso reservavam estas melhores ldquopeccedilasrdquo
para irem vender em outras praccedilas da Ameacuterica
Encerrando este tema os oficiais lisboetas afirmam que o valor das diacutevidas relativas a
assistecircncia prestada pela empresa a produtores locais de accediluacutecar e tabaco era menor do que os
causados pelos abusos que faziam os diretores da praccedila que confiavam os cabedais da
empresa ldquoa pessoas sem estabelecimento e sem creacutedito servindo-se dos mesmos cabedais
para suas ocultas e reprovadas negociaccedilotildeesrdquo 604
Aleacutem disso declara o conselho portuguecircs
que muitas eram as dificuldades apontadas pela direccedilatildeo na colocircnia em cobrar tais deacutebitos o
601
Idem 602
Idem 603
Idem 604
Idem
161
que para a Junta fazia parecer que os deputados pernambucanos pareciam mais ldquouns homens
levantados para destruir a Companhia do que homens que os interessados elegeramrdquo 605
Esta
afirmaccedilatildeo da Junta acaba por reforccedilar nosso entendimento de que a Companhia foi arruinada
de ldquofora para dentrordquo pois de acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada seus proacuteprios agentes
laboraram contra os interesses econocircmicos da instituiccedilatildeo agindo em benefiacutecio proacuteprio
Quanto a mateacuteria do contrabando diraacute a Junta saber que ldquoa maior parte dos membros
daquela direccedilatildeo e dos indiviacuteduos empregados nos seus serviccedilos satildeo os que fazem e protegem
os mais escandalosos contrabandosrdquo 606
tanto ldquona introduccedilatildeo de fazendas dos portos deste
reino e dos da Bahia como na exportaccedilatildeo e extravio dos gecircneros das capitanias de
Pernambucordquo 607
Acusam ainda serem aqueles diretores os culpados de incitar as cacircmaras de
Pernambuco a levarem a real presenccedila suas queixas contra Companhia faziam isto pois
pretendiam nunca pagar as suas avultadas diacutevidas a Companhia ou pagarem em parcelas ao
longo dos anos sem juros
Ainda neste documento manifesta aquela direccedilatildeo superior o seu descontentamento
com os oficiais reacutegios locais que mesmo tirando devassas dos casos de descaminhos nunca
chegam a apontar um culpado mesmo sendo ldquotatildeo puacuteblicas e escandalosas as violecircncias e
contrabandosrdquo 608
que estavam cometendo os diretores pernambucanos No entanto afirmam
os ministros lisboetas terem ciecircncia da dificuldade em se achar testemunhas dispostas a
deporem contra aqueles diretores ldquoem cujo nuacutemero os mais delinquentes satildeo os mais
poderosos pelos cabedais pelas amizades e pelos importantes empregos que ocupamrdquo 609
ficando assim os fabricantes e lavradores da capitania receosos de lhe fazerem denuacutencias pois
como a Junta atesta ldquoos mais oprimidos satildeo sempre os mais dependentesrdquo 610
Por fim o
conselho portuguecircs conclui que as queixas dos habitantes da capitania se endereccedilavam as
ldquoviolecircnciasrdquo cometidas pelos deputados em Pernambuco e natildeo a instituiccedilatildeo da Companhia em
si
A onda de ataques iniciada em 1777 acabou culminando na supressatildeo dos privileacutegios
comerciais da Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba a partir de abril de 1780
Alvo de oposiccedilatildeo de interesses entre os locais e os metropolitanos a mesma natildeo chegou a
alcanccedilar os lucros esperados pela Coroa portuguesa causando notoacuterios prejuiacutezos agrave economia
605
Idem 606
Idem 607
Idem 608
Idem 609
Idem 610
Idem
162
local em particular a elite pernambucana 611
O processo de liquidaccedilatildeo da empresa se estendeu
por muitos e muitos anos de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior no ano de 1907 a junta
liquidataacuteria da empresa envia solicitaccedilatildeo ao representante portuguecircs no Brasil no sentido de
reaver diacutevidas ainda existentes em Pernambuco 612
A segunda metade do seacuteculo XVIII seraacute marcada como um periacuteodo de importantes
mudanccedilas governamentais no Impeacuterio Portuguecircs a ascensatildeo do Marquecircs de Pombal ao cargo
de secretaacuterio do Reino e das mercecircs viraacute acompanhada de um conjunto de medidas de caraacuteter
revitalizador que teraacute como expoente o comeacutercio de Portugal com suas conquistas e colocircnias
As medidas implantadas pelo governo portuguecircs em Pernambucano tinham por objetivo deter
maior controle sobre a produccedilatildeo de uma das mais destacadas capitanias do Norte do Estado
do Brasil
As criaccedilotildees dos organismos da mesa de Inspeccedilatildeo e da Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba vinham atender ao pensamento iluminista da eacutepoca e buscavam
canalizar os lucros da colocircnia para a Corte No entanto o que o marquecircs natildeo previu foi que
apoacutes um primeiro momento de estranhamento por parte dos locais as instituiccedilotildees seriam
absorvidas e aparelhadas aos interesses da elite local que infiltradas em suas respectivas
administraccedilotildees iriam utilizar desses lugares funcionais privilegiados na defesa de ganhos
proacuteprios Aleacutem disso os habitantes locais tambeacutem passam a criar mecanismos para a fuga
desse controle metropolitano dentre esses mecanismos destaca-se o contrabando de gecircneros
O conjunto documental analisado eacute revelador da vitalidade dos sertotildees pernambucanos
e baianos que durante o seacuteculo XVIII iratildeo assumir papel de destaque dentro do mercado
interno estando conectado a uma grande malha comercial que se estendia ateacute a regiatildeo das
Minas Gerais Os rios caminhos e picadas interioranas cumpriram um destacado papel na
conexatildeo entre diversas localidades sertanejas e as cidades litoracircneas Seguindo os caminhos
de terra e das aacuteguas mercadores comerciantes fazendeiros e profissionais liberais fizeram
surgir nas lonjuras dos sertotildees um espaccedilo de dinamismo e intensa atividade comercial
A grandiosidade da costa pernambucana que permitia natildeo soacute a navegaccedilatildeo direta entre
Bahia e Pernambuco como tambeacutem fornecia condiccedilotildees naturais para ancoragem em diversas
praias do litoral junto ao envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e deputados da empresa
611
Sobre isto ver DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In
Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel
em httpcvcinstituto camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de
2017 612
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 P
188-202
163
nos contrabandos somada a ineficaz e insuficiente forccedila militar empregada no seu combate e o
desejo de senhores de engenhos produtores e comerciantes de fugir das malhas do comeacutercio
monopolista faratildeo com que a praacutetica se torne uma constante na segunda metade do XVIII No
bojo dessas questotildees o comeacutercio iliacutecito com a vizinha capitania Bahia que contava apenas
com uma Mesa de Inspeccedilatildeo e natildeo com uma companhia comercial monopolizadora ganharaacute
forccedila
164
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao longo da narrativa deste trabalho jaacute esclarecemos as principais conclusotildees tiradas
sobre o nosso objeto de estudo No entanto a tiacutetulo de compilaccedilatildeo e arremate iremos pontuar
as consideraccedilotildees mais significativas para o entendimento do comeacutercio de contrabando
realizado durante os vinte e um anos de vigecircncia do exclusivo comercial praticado pela
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba
Vimos que a Companhia Geral criada no ano de 1759 no contexto de mudanccedilas no
sistema poliacutetico portuguecircs foi fundada para atuar junto a uma seacuterie de outras medidas que
vinham atender o esforccedilo portuguecircs de racionalizaccedilatildeo administrativa e econocircmica de seus
espaccedilos ultramarinos A empresa instalada durante o consulado Pombalino iraacute modificar
sobremaneira o modo de se fazer negoacutecios na capitania de Pernambuco e suas anexas
modificando toda a loacutegica mercantil da regiatildeo que haacute muito estava instituiacuteda e consolidada
Com a fundaccedilatildeo da empresa as populaccedilotildees locais passaram a buscar estrateacutegias de
fuga do controle metropolitano dessa forma comerciantes e produtores da Praccedila
pernambucana jaacute bem habituados ao livre comeacutercio comeccedilaram a realizar transaccedilotildees
comerciais iliacutecitas junto agrave vizinha capitania da Bahia O comeacutercio de mercadorias estabelecido
entre as duas mais destacadas capitanias do Norte se realizava tanto atraveacutes dos sertotildees que
tinham no Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes a peccedila chave desse circuito de comeacutercio
iliacutecito sertanejo bem como de forma direta atraveacutes da Costa mariacutetima que ligava Bahia a
Pernambuco
Lembramos que o artigo 25 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral
determinava que a empresa natildeo possuiacutea o monopoacutelio do comeacutercio para os portos do sertatildeo
Alagoas e Rio de Satildeo Francisco No entanto a poliacutetica monopolista da Companhia iraacute afetar
tambeacutem os chamados ldquoportos livresrdquo Isto porque por volta da deacutecada de 70 a direccedilatildeo
pernambucana por forccedila de um edital passa a encarar as transaccedilotildees mercantis efetuadas a
partir daqueles espaccedilos como contrabando Medida repressiva que salienta a importacircncia
econocircmica do comeacutercio realizado a partir das rotas sertanejas Afinal de contas natildeo se
empregaria esforccedilos e recursos no controle de tais negoacutecios se eles natildeo tivessem relevacircncia
As mercadorias que circulavam neste comeacutercio descaminhado eram muitas da
capitania pernambucana saiam principalmente os efeitos da terra dos quais destacamos o
accediluacutecar e seus derivados couros e tabacos Vindos das terras soteropolitanas os principais
165
produtos eram gecircneros europeus com realce para a grande variedade de tecircxteis Vimos
tambeacutem que entre as duas Praccedilas realizava-se o comeacutercio humano os escravos comprados por
menores preccedilos na Bahia vinham abastecer as lavouras e faacutebricas pernambucanas As trocas
mercantis realizadas por vias ilegais mesmo que potencialmente perigosas dado o risco de
apreensatildeo e demais penalidades seratildeo amplamente desenvolvidas por fabricantes produtores
e comerciantes pernambucanos que buscavam melhores preccedilos e vendas a dinheiro fiacutesico
Destacamos que o contrabando foi uma praacutetica recorrente durante toda histoacuteria
colonial do Novo Mundo Na Ameacuterica Portuguesa pesquisas mais recentes atestam para
recorrecircncia do comeacutercio extralegal em diversas capitanias Esta historiografia com a qual
concordamos tem demonstrado como os descaminhos eram processos inerentes ao trato
comercial colonial Presente nas mais variadas atividades mercantis e locais os contrabandos
e descaminhos natildeo devem ser encarados como uma ldquofalhardquo ou ldquodeficiecircnciardquo do sistema mas
sim como parte integrante do mesmo
O comeacutercio iliacutecito praticado durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba foi um negoacutecio amplamente praticado De acordo
com a documentaccedilatildeo trabalhada este tipo de mercadejar acontecia tanto no grosso trato
envolvendo uma rede de indiviacuteduos empenhados em criar estrateacutegias que possibilitassem o
funcionamento da praacutetica iliacutecita Como no miuacutedo onde sujeitos comuns aproveitavam as
oportunidades que surgiam para ganhos extras Destacamos ainda o contrabando feito
diretamente com navios estrangeiros que aportando na capitania sobre pretextos diversos
procediam ocultamente nas trocas comerciais com os habitantes locais
A grande preocupaccedilatildeo do Reino em reprimir tais negoacutecios iliacutecitos revela a
grandiosidade da praacutetica durante o periacuteodo do exclusivo comercial da Companhia Diversos
satildeo os documentos travados entre as autoridades locais e o governo metropolitano para tratar
da mateacuteria Apesar do empenho dos oficiais reacutegios locais sobretudo os governadores de
Pernambuco os contrabandos persistiram durante toda a existecircncia da Companhia Isto
porque natildeo existia estrutura local para que o combate as ilicitudes fossem feitas de maneira
efetiva dada a grandiosidade da capitania de Pernambuco aleacutem disso o comeacutercio
descaminhado era uma praacutetica ostensiva que envolvia variados personagens situaccedilotildees e
circunstacircncias
Dentre os personagens envolvidos nas redes de comeacutercio extralegal salientamos a
participaccedilatildeo de autoridades reacutegias oficiais e agentes da proacutepria Companhia Estes homens
iratildeo utilizar de seus postos privilegiados para obter vantagens pessoais Vimos que a
166
participaccedilatildeo de autoridades reais em circuitos iliacutecitos natildeo era uma prerrogativa exclusiva do
nosso objeto de anaacutelise tendo ocorrido em diversos outros locais da Ameacuterica Lusa e ateacute
mesmo da Ameacuterica Hispacircnica Como os atuais estudos tecircm demonstrado o envolvimento em
praacuteticas iliacutecitas natildeo era necessariamente oposto ao exerciacutecio de ofiacutecios reacutegios
Destacamos tambeacutem as inuacutemeras queixas e representaccedilotildees encaminhadas pelas
populaccedilotildees locais sobretudo pelas cacircmaras ultramarinas ao governo da metroacutepole alertando
para o estado de decadecircncia do comeacutercio nas praccedilas de Pernambuco e das inuacutemeras atividades
iliacutecitas e maacute gestatildeo conduzida pela direccedilatildeo da empresa na capitania A documentaccedilatildeo
evidencia como os proacuteprios deputados e acionistas da empresa foram responsaacuteveis pela
liquidaccedilatildeo da mesma destruindo seu capital ao agirem em benefiacutecio proacuteprio a fim de
obterem vantagens financeiras
Criado no contexto das reformas pombalinas a Companhia natildeo conseguiraacute renovar
seu contrato de exclusivo comercial sendo este extinguindo no ano de 1780 Naquele
momento a metroacutepole jaacute estava sob o comando de uma nova soberana Dona Maria I e
Pombal jaacute estava afastado do centro decisoacuterio Inicia-se entatildeo um novo movimento poliacutetico-
administrativo em Portugal conhecido na historiografia como ldquoa viradeirardquo Nesta nova
conjuntura jaacute natildeo havia espaccedilo para a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba que natildeo
chegou a alcanccedilar os nuacutemeros esperados pelo Reino e foi durante toda sua existecircncia alvo de
criacuteticas das populaccedilotildees locais Voltava entatildeo o comeacutercio na capitania a ser livre fazendo
dessa forma minorar o grande fluxo extralegal alvo deste estudo
167
REFEREcircNCIAS
ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria
Briguiet1960
AIZPURUA AGUIRRE Ramoacuten ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la
lancha San Fernando y de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista
de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5 Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San
Sebastiaacuten p 379-392 2006
A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista
brasileira de Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197
ALENCASTRO Luiz Felipe de O trato dos viventes formaccedilatildeo do Brasil no Atlacircntico
Sul Satildeo Paulo Companhia das Letras 2000
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas -
As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p
34-53 janjul 2013
ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de
Pernambuco no seacuteculo XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria
da escravidatildeo em Pernambuco Editora UniversitaacuteriaU-FPE 2012
ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os
acossamentos de Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII)
Rev Bras Hist [online] 2015 vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016
ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria
Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980
ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec
2004
BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na
administraccedilatildeo da monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO
Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no
impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo
Brasileiro (1783 ndash 1822) Guarapuava Unicentro 2014
168
BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores
e Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da
Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII Recife 2012 Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de
Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas da Universidade
Federal de Pernambuco
BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia
das letras 2002
CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito
Santo do seacuteculo XIX Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de
Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003
CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do
Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996
CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e
Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982
CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-
1850 Recife Editora da UFPE 2002
CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica
Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006
CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a
administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016
vol15 n2
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa
na Buenos Aires colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248
janjun 2009
CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en
Venezuela durante el siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997
CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do
territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v 43 n1 p 100-120 2016
COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do
Interior e Justiccedila 1951-1966 v 6
169
CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica
portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n
39 p001-030 jan-abr 2016
DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas
Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume 282
DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In
Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-
camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013
DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os locais uma anaacutelise da
correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania de
Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei
SOUZA George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo
atlacircntico Recife Editora Universitaacuteria da UFPE 2012
DIAS Manuel Nunes Fomento Ultramarino e Mercantilismo a companhia geral do Gratildeo-
Paraacute e Maranhatildeo (1755-1778) (XIII) Revista de Histoacuteria Brasil v 41 n 83 p 73-94 apr
2017
FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto
de conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social
costumeira (Rio de Janeiro 1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima
(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-
XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
FERREIRA Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial
ultramarino portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama
das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro
Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico
cultura e transgressatildeo na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado
em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias humanas Universidade Federal de Pernambuco
Recife
GINZBURG Carlo Relaccedilotildees de forccedila Histoacuteria retoacuterica prova Satildeo Paulo Companhia
das letras 2002
GINZBURG Carlos Sinais raiacutezes de um paradigma indiciaacuterio In___ Mitos emblemas e
sinais - Morfologia e Histoacuteria Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989 P 143-180
170
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo
portuguecircs c 1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na
trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de
Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Poder Poliacutetico e administraccedilatildeo na formaccedilatildeo do complexo
atlacircntico portuguecircs (1645-1808)In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) O
Antigo Regime nos troacutepicos ndash A dinacircmica Imperial Portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio
de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional
History University Press of Virginia 2ordf ed 1994
HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash
Seacutec XVII Coimbra Almedina 1994
HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do
impeacuterio colonial portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na
trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de
Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
HESPANHA AM A constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos
correntes In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda
(Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash
XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
HESPANHA Antonio Manoel Caleidoscoacutepio do Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda
2012
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos
sertotildees da Ameacuterica Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012
JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de
ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de
Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos
XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo
Hucitec 1976
JUacuteNIOR Miguel Dieacutegues As Companhias Privilegiadas no comeacutercio colonial Revista de
Histoacuteria Brasil v 1 n 3 p 309-336 sep 1950
171
KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica
(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez
2009
KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e
a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida
(Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba
UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009
KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da
Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de
Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005
KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos
histoacutericos Rio de Janeiro Contraponto Ed Puc-Rio 2006
KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da
Prata 1730-1752) Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017
LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime
na Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral
(Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX
Satildeo Paulo Alameda 2005
MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute e Rio Grande catequese
violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22
MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la
defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia
hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten
Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P
9-52 2006
MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz
e Terra 1996
MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio
Pernambucano (1738-1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966
MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas
de Joseacute Barreto Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII
172
MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil
GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001
MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003
MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites
Buenos Aires em el siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988
NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco
(seacuteculo XVIII) Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003
NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo
Horizonte Editora UFMG 2011
NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)
Satildeo Paulo Hucitec 1995
OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria
conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria
Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de
Histoacuteria Recife 2016
PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil
(1765-1801) a caccedila ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos
Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias Sociais Universidade de Lisboa Lisboa
PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da
cacircmara da Bahia (seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia
Amaral (Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash
seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005
PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008
PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo
XVIII Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001
PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a colonizaccedilatildeo do sertatildeo
nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004
RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias
do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel
em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017
173
ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas
na Vila de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais
do XXVI Simpoacutesio Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011
SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo
nos quadros do Impeacuterio portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O
Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio
de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001
SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da
Mina e a Capitania de Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P
Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Setor de Ciecircncias
Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute
SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das
letras 2013
SCHWARTZ Stuart B Segredos Internos ndash Engenhos e escravos na sociedade colonial
Satildeo Paulo Companhia das Letras 1988
SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral
da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P
42-53 JanJun 2003
SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro
(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002
SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do
Recife agrave poliacutetica pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de
Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005
SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica
portuguesa do seacuteculo XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006
SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa
EDIUAL2007
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de
Pernambuco pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010
174
APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS
Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos de Pernambuco
AHU ndash PE Cx 88 D 7150
AHU ndash PE Cx 95 D7497
AHU ndash PE Cx 95 D 7501
AHU ndash PE Cx 107 D 8312
AHU ndash PE Cx 127 D 9670
AHU ndash PE Cx128 D 9737
AHU ndash PE Cx 138 D 10248
AHU ndash PE Cx 107 D 8284
AHU ndash PE Cx 108 D 8371
AHU ndash PE Cx 110 D 8493
AHU ndash PE Cx 117 D 8954
AHU ndash PE Cx 120 D 9196
AHU ndash PE Cx 121 D 9245
AHU ndash PE Cx 122 D 9339
AHU ndash PE Cx 127 D 9656
AHU ndash PE Cx 129 D 9771
AHU ndash PE Cx 129 D 9792
AHU ndash PE Cx 130 D 9815
AHU ndash PE Cx 130 D 9815
AHU ndash PE Cx 130 D 9823
AHU - PE Cx 130 D 9823
AHU ndash PE Cx 130 D 9830
AHU - PE Cx 130 D 9966
AHU ndash PE Cx 131 D 9853
AHU ndash PE Cx 131 D 9892
AHU ndash PE Cx 132 D 9955
AHU ndash PE Cx133 D 9966
AHU - PE Cx 133 D 10003
AHU ndash PE Cx 133 D 10009
AHU ndash PE Cx 133 D 10012
175
AHU ndash PE Cx 133 D 10012
AHU ndash PE Cx 133 D 10017
AHU - PE Cx 136 D 10147
AHU ndash PE Cx 137 D 10197
AHU - PE Cx 137 D 10234
AHU ndash PE Cx 138 D 10250
AHU - PE Cx 142 D 10475
AHU ndash PE Cx 151 D 9853
Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Bahia
AHU - BA Cx 138 D 10248
AHU ndash BA Cx 181 D 13481
Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Alagoas
AHU ndash AL Cx 3 D 221
AHU ndash AL Cx 3 D 220
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2
nordm 3 cx 2
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2
nordm 6 cx 2
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm
4 cx 1 f 7
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1
Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros
Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo
IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010
Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo
IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060
Acervo especial para Pernambuco da Biblioteca Nacional
176
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco
(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
Fontes impressas
BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da
Companhia de Jesus Ano de 1712
Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO
Antonio de Mariz Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil
Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por
Manoel da Sylva 1655
Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo
General da Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V
XXXII1910 p 442
Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI
JEacuteSSICA ROCHA DE SOUSA
NAS ROTAS DOS SERTOtildeES COMEacuteRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE
AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E BAHIA (1759-1780)
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade
Federal de Pernambuco como requisito parcial
para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em
Histoacuteria
Linha de pesquisa Mundo Atlacircntico
Orientadoar Profordf Drordf Suely Creusa Cordeiro
de Almeida
Recife
2018
JEacuteSSICA ROCHA DE SOUSA
NAS ROTAS DOS SERTOtildeES COMEacuteRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE
AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E BAHIA (1759-1780)
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade
Federal de Pernambuco como requisito parcial
para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em
Histoacuteria
Aprovada em 28022018
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profordf Drordf Suely Creusa Cordeiro de Almeida (Orientadora)
Universidade Federal Rural de Pernambuco
_________________________________________
Profordm Dr Rocircmulo Luiz Xavier do Nascimento (Examinador Interno)
Universidade Federal de Pernambuco
_________________________________________
Profordf Drordf Jeannie da Silva Menezes (Examinador Externo)
Universidade Federal Rural de Pernambuco
AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer a meus pais Luacutecia e Risomar por terem sempre
escolhido investir na minha educaccedilatildeo apesar e acima de tudo Reconheccedilo e agradeccedilo
sinceramente o esforccedilo realizado por eles para que eu tivesse uma boa base educacional
Agradeccedilo ainda a eles e aiacute incluo tambeacutem minha irmatilde Amanda pelo apoio carinho e
incentivo ao longo desta jornada mesmo sem compreender muito bem as dinacircmicas do
universo acadecircmico eles sempre estiveram ao meu lado dispostos a ajudar no que fosse
possiacutevel
Ao meu namorado Flaacutevio meu principal entusiasta que esteve comigo e me apoiou
durante todo este processo Agradeccedilo por acreditar no meu projeto por vezes ateacute mais do
que eu por natildeo me deixar fraquejar e pelo constante incentivo para que eu me torne o melhor
que eu posso ser
Aos meus padrinhos Socorro e Carlos com os quais eu sempre pude contar
A minha querida orientadora Profordf Suely Almeida se nossos caminhos natildeo tivessem
se cruzado haacute alguns anos atraacutes natildeo sei se seria capaz de chegar ateacute aqui Suely tem sido meu
esteio acadecircmico sem ela tudo seria muito mais difiacutecil Meus sinceros agradecimentos pela
confianccedila construiacuteda ao longo desses anos de trabalho juntas e por ser essa figura humana
sempre preocupada com meu bem estar acima de qualquer prazo ou cobranccedila Pensar em
seguir a vida acadecircmica sem sua orientaccedilatildeo eacute uma ideia que ainda estou tentando digerir
Muito obrigada Su
A Josinaldo Sousa e Suzana Veiga meus companheiros de linha Ao primeiro meu
amigo da capitania anexa agradeccedilo pelo apoio dicas e apontamentos que contribuiacuteram e
muito para construccedilatildeo deste trabalho e por partilhar os aperreios e cobranccedilas tiacutepicos de
mestrandos Suzana menina da risada frouxa agradeccedilo por compartilhar sua experiecircncia e
dar suporte sempre que preciso Nossos momentos ldquotapioca com cafeacuterdquo poacutes-aula tornaram
todo o processo mais leve e tranquilo Sentirei saudades Aos meus colegas de orientaccedilatildeo
antigos e novos Raphael Luanna Mariely Jesanias e Marcelo eacute sempre bom trocar ideias
com vocecircs Aos demais colegas que o mundo atlacircntico me apresentou seja na UFPE ou na
UFRPE tambeacutem agradeccedilo
Agradeccedilo a professora Jeannie Meneses profissional e pessoa por quem nutro
profunda admiraccedilatildeo e carinho e que sempre esteve presente durante minha trajetoacuteria
acadecircmica se prontificando a ajudar no fosse necessaacuterio Obrigada pelas numerosas
contribuiccedilotildees feitas ao texto preliminar deste trabalho sobretudo as orientaccedilotildees quanto agraves
questotildees juriacutedicas
Ao professor Rocircmulo Xavier profissional que estimo e que tive o prazer de conhecer
no primeiro semestre do curso e que tambeacutem contribuiu com importantes recomendaccedilotildees
durante a qualificaccedilatildeo para construccedilatildeo deste texto final Aos demais professores do
PPGHUFPE com quem cursei disciplinas Marcus Carvalho George Cabral Joseacute Bento e
Cristiano Christillino tambeacutem agradeccedilo as contribuiccedilotildees diretas e indiretas
Aos meus amigos de graduaccedilatildeo que continuam me acompanhando e tornando menos
aacuterido o caminho Pedro Boguel Benvinda Ceci Polli Beto Sid e Deacutea obrigada pela
amizade e por entenderem minhas ausecircncias Agradeccedilo especialmente a Mirella e famiacutelia
Dona Maacutercia e Wagner por terem aberto seu lar para mim durante o periacuteodo que cursei as
disciplinas e pelo apoio e carinho que sempre recebi de todos eles
As minhas amigas de infacircncia Mariana Aretha Tuanny e Illyanna que hoje estatildeo
dispersas pelo mundo obrigada por se fazerem presentes mesmo na distacircncia
Agradeccedilo a Sandra e a Patriacutecia da secretaria do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Histoacuteria da UFPE pela competecircncia e disposiccedilatildeo em ajudar sempre que possiacutevel os alunos
Aos funcionaacuterios do arquivo do Instituo de Estudos Brasileiros - IEB da USP pela
solicitude com que me receberam e por me permitirem o acesso aos manuscritos originais
Ao Cnpq pela bolsa que tornou possiacutevel a realizaccedilatildeo deste trabalho
A todos que contribuiacuteram direta ou indiretamente na construccedilatildeo deste trabalho meu
muito obrigado
RESUMO
Nosso trabalho busca analisar o comeacutercio de mercadorias que se desenvolveu durante os anos
de 1759 a 1780 entre as capitanias de Bahia e Pernambuco Nosso marco cronoloacutegico inicia-
se em 1759 ano em que foi instalada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba detentora
do monopoacutelio comercial da regiatildeo A empresa criada na segunda metade do XVIII vinha
atender a uma nova ordem administrativa ligada agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila
que se buscou estabelecer em Portugal e que tinham por objetivo uma maior centralizaccedilatildeo do
poder real bem como um maior domiacutenio econocircmico sobre as conquistas e colocircnias O
monopoacutelio desenvolvido pela Companhia durante pouco mais de vinte anos veio alterar toda
uma loacutegica comercial que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco Nosso ponto de
anaacutelise parte da identificaccedilatildeo de que a partir da instalaccedilatildeo da Companhia Geral os locais iratildeo
buscar estrateacutegias de evasatildeo do controle reacutegio um desses meios de fuga seraacute o contrabando de
mercadorias realizado atraveacutes dos caminhos sertanejos que uniam Pernambuco e Bahia bem
como por meio da navegaccedilatildeo direta via Costa mariacutetima entre as capitanias vizinhas
Procederemos entatildeo a anaacutelise das rotas produtos casos e medidas repressivas empregadas
neste tipo de negoacutecio Antes da instalaccedilatildeo da Companhia as transaccedilotildees comerciais entre as
duas praccedilas jaacute existiam e estavam bem consolidadas no entanto a partir da criaccedilatildeo da
empresa esse comeacutercio acaba ganhando expressividade
Palavras-chave Contrabando Comeacutercio interno Rotas comerciais
ABSTRACT
Our work aims to analyze aspects of the trade in goods that were developed during the years
from 1759 to 1780 between the captaincies of Bahia and Pernambuco Our chronological
boundary begins in 1759 when the General Company of Pernambuco and Paraiacuteba was
installed holding the monopoly of the regionrsquos markets The company created in the second
half of the XVIII century was to attend to a new administrative order connected to more
pragmatic issues of governance sought to be established in Portugal which by its turn
aimed at a greater centralization of the royal power as well as a greater economic dominance
over the conquests and Colonies The monopoly developed by the Company for a little more
than twenty years changed a whole commercial logic which was already well established in
Pernambuco Our focus of analysis starts with the identification that since the creation of the
General Company the commercial sites would seek strategies to evade royal domain One of
these means of escape were the contraband of goods carried out mainly through the
hinterlands paths that linked Pernambuco and Bahia as well as through the direct navigation
via the marine coast shared by neighboring captaincies We will then proceed with an
analysis of the routes products cases and repressive measures employed in this type of trade
Before the creation of the Company commercial transactions between the two markets
already existed and were well established However since the creation of the company its
traded ends up gaining more expressiveness
Keywords Contraband Domestic trade Commercial routes
LISTA DE MAPAS
Mapa 1- Caminhos do Gado para Olinda e Recife 46
Mapa 2- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738) 47
Mapa 3- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738) 48
Mapa 4- Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 57
Mapa 5- Detalhe do roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 66
Mapa 6- Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766) 67
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau
Amarelo) 76
Tabela 2- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia
(Sirinhaeacutem) 77
Tabela 3- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una) 80
Tabela 4- Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas 84
Tabela 5- Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos
portos do Brasil 85
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AHU ndash Arquivo Histoacuterico Ultramarino
ANTT ndash Arquivo Nacional da Torre do Tombo
IEB-USP ndash Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros
Cx ndash Caixa
D ndash Documento
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO12
2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO32
21 Contexto e conceitos32
22 Os caminhos43
3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE
PRODUTOS75
31 As mercadorias75
32 Os casos86
33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas127
4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA131
41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas131
42ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de
autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos144
43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70153
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS164
REFEREcircNCIAS167
APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS174
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
Em fins do seacuteculo XVII e iniacutecio do XVIII iraacute ocorrer em vaacuterias partes da Europa um
processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real Em Portugal esse movimento tem iniacutecio a
partir do reinado de D Joatildeo V naquele momento as consultas colegiais marca do governo
polissinodal iratildeo ceder espaccedilo para uma nova forma de organizaccedilatildeo baseada na centralidade
das decisotildees Dessa forma figuras que orbitavam ao redor do rei ganham notoriedade poliacutetica
e poder de influecircncia em assuntos decisoacuterios em detrimento dos conselhos Este periacuteodo de
mudanccedilas seraacute entendido como um encaminhamento lento e gradual de abandono de um
modelo de Estado corporativo para uma forma distinta de se conceber a poliacutetica a partir do
vieacutes da ldquorazatildeo de Estadordquo 1
De acordo com Subtil o governo de D Joatildeo V pode ser encarado como um reinado de
transiccedilatildeo2 a grande transformaccedilatildeo do sistema poliacutetico portuguecircs iraacute se operar apenas na
segunda metade do seacuteculo a partir da nomeaccedilatildeo de Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Melo ndash
Conde de Oeiras o futuro marquecircs de pombal para o cargo de primeiro ministro do reino
durante o reinado de D Joseacute I O terremoto seguido dos incecircndios e da grande onda que
assolaram a capital lisboeta no ano de 1755 tiveram impacto sob a organizaccedilatildeo poliacutetica e
administrativa do reino tornando necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que assegurassem o
exerciacutecio da governaccedilatildeo real dentro de um quadro de caos3
Sob a influecircncia do iluminismo que se disseminava por toda a Europa o Estado
portuguecircs iraacute desenvolver um conjunto de reformas poliacuteticas e fiscais que buscavam combater
o atraso econocircmico do reino que passava por uma queda na produccedilatildeo do ouro brasileiro4middot
Dentro desse contexto foram postas em accedilatildeo poliacuteticas com o intuito de revitalizar o comeacutercio
portuguecircs Na capitania de Pernambuco importante polo econocircmico da conquista essas accedilotildees
seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois organismos reguladores da economia local
a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio criado no ano de 1752 e a Companhia
Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759
1 BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da
monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima
(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro
Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 353-334 2 SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa EDIUAL2007 p 17-21
3 Ibidem P 11-14
4 BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia das letras 2002 P
195
13
A ideia da criaccedilatildeo de companhias privilegiadas de comeacutercio que poderiam dar aliacutevio
as despesas do Estado servindo para ampliar os negoacutecios da Coroa por meio de uma poliacutetica
de maior arrecadaccedilatildeo fiscal 5 figurava nas ambiccedilotildees de Pombal muito antes do secretaacuterio
ganhar relevacircncia poliacutetica Em seu primeiro cargo como enviado extraordinaacuterio da Corte
portuguesa na Inglaterra Sebastiatildeo de Carvalho enviou em 1742 para o Cardeal Mota
proposta de criaccedilatildeo de uma Companhia Oriental para o comeacutercio da Iacutendia que teria por
objetivo ldquotirar proveito das possessotildees portuguesas da Iacutendia que tanto custavam manterrdquo 6
De acordo com o historiador Kenneth Maxwell o marquecircs buscou resgatar o ldquocontrole
nacional sobre todas as riquezas que fluiacuteam para Lisboardquo 7 se utilizando de foacutermulas que havia
tomado conhecimento sobretudo na Gratilde-Bretanha e na Aacuteustria Natildeo eacute de se espantar
portanto que tempos depois Pombal tenha posto em praacutetica no Brasil tal ideia durante o
governo de D Joseacute I quando o mesmo passou a exercer o papel de secretaacuterio de Estado e
negoacutecios do Reino
Dentre as companhias comerciais criadas pelo marquecircs ao longo desse periacuteodo
destacam-se A Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo no ano de 1755 a Companhia da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro em 1756 A Companhia Geral de Pernambuco e
Paraiacuteba no ano de 1759 e por fim a Companhia das Pescas Reais do Reino do Algarve em
1773 Estas Companhias compartilhavam entre si princiacutepios gerais similares em termos
juriacutedicos e administrativos apesar de cada uma delas conter suas peculiaridades
Vale destacar ainda que aleacutem das Companhias que de fato saiacuteram do papel existiram
vaacuterios outros planos de constituiccedilatildeo de empresas privilegiadas que por um ou outro motivo
natildeo caminharam pra frente Para Pernambuco desde o governo de D Joatildeo V existiam
pretensotildees de se fundar uma Companhia que atuasse exclusivamente no trato negreiro 8 Esta
empresa seria controlada pelos mercadores da terra deixando pouco espaccedilo para atuaccedilatildeo dos
homens de negoacutecio do Reino e tambeacutem dos comerciantes baianos natildeo existia a intenccedilatildeo de
integrar os homens de negoacutecio baianos a tal corporaccedilatildeo O projeto da Companhia tinha como
5JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de Pernambuco
e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 74 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo
da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e
sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-
camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013 P 1 6MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas de Joseacute Barreto
Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII 7 MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz e Terra 1996 P
95 8 JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 77
14
objetivo aumentar o comeacutercio que jaacute se praticava com as aacutereas africanas de Angola Benguela
Cabinda e Ajudaacute favorecendo dessa forma o aumento da entrada de escravos na capitania 9
Em conjunto a esta proposta os comerciantes de Pernambucano lanccedilaram outra ao
Reino a da criaccedilatildeo de uma Companhia destinada a explorar o comeacutercio de carnes secas e
couros do sertatildeo ou seja uma companhia voltada para o comeacutercio interno com finalidade de
aumentar a produccedilatildeo colonial Os colonos sabiam da boa disposiccedilatildeo do Reino na criaccedilatildeo de
companhias quando encaminham suas propostas o que lhes eacute omitido eacute que Pombal jaacute
pensara a criaccedilatildeo de uma companhia para a regiatildeo no entanto tratava-se de uma companhia
que privilegiasse os comerciantes reinoacuteis e natildeo o contraacuterio como pretendiam os comerciantes
de Pernambuco Motivo pelo qual nenhuma das duas propostas vingou 10
De acordo com Fernando Novais eacute durante o consulado pombalino que iraacute se
estruturar de maneira mais abrangente a economia mercantilista de Portugal A essecircncia
econocircmica por traacutes da criaccedilatildeo das Companhias exclusivistas baseava-se em uma foacutermula jaacute
bem conhecida na Europa moderna onde o Reino concedia privileacutegios ao capital particular
para que esse investisse e sustentasse o sistema de comeacutercio e navegaccedilatildeo dos complexos
imperiais ultramarinos restando claro uma parte dos lucros para a fazenda de Sua Majestade
11
Junto a esse processo de mudanccedilas econocircmicas inicia-se tambeacutem um periacuteodo de maior
preocupaccedilatildeo com a defesa do territoacuterio a partir da criaccedilatildeo de ldquolinhas de definiccedilatildeo territorial e
preservaccedilatildeo das fronteirasrdquo 12
Essa poliacutetica esteve relacionada tambeacutem com a tentativa do
Reino de minimizar a atuaccedilatildeo de mercadores estrangeiros nos mercados do conjunto imperial
portuguecircs A fundaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba aleacutem de atender a
loacutegica econocircmica do periacuteodo esteve ligada a necessidade de se coibir o comeacutercio da capitania
Pernambucana com os portos africanos da Costa da Mina O comeacutercio de resgate de escravos
na Costa da Mina constituiacutea-se em uma importante e lucrativa rota para os comerciantes de
Pernambuco e Bahia que dominavam e disputavam este setor mercantil para aquela regiatildeo
deixando pouca ou nenhuma brecha para a inserccedilatildeo da Coroa 13
9 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso
internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 7 10
Ibdem p 8 JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 80 11
NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo
Hucitec 1995 P 136 12
Idem 13
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre
Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 P35
15
Esta situaccedilatildeo eacute evidenciada atraveacutes de instruccedilatildeo enviada para o Marquecircs de Valenccedila
pelo secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro em 1779 Ela
esclarece sobre os ldquograviacutessimos inconvenientes ao Reinordquo 14
de abandonar inteiramente o
comeacutercio da ldquoCosta da Mina nas matildeos dos Americanosrdquo 15
e em particular ldquoaos habitantes da
Bahia e Pernambucordquo 16
que segundo a fonte navegavam com ampla liberdade comercial em
todos ldquoos portos daquele continenterdquo 17
Os comerciantes do Reino inclusive careciam de
ldquoprivileacutegios graccedilas ou isenccedilotildees para que na concorrecircncia com os Americanos na Aacutefricardquo 18
pudessem ter os lusos como se espera que a capital e seus habitantes tivessem a preferecircncia
nas transaccedilotildees em relaccedilatildeo a suas colocircnias19
A instruccedilatildeo demonstra o pouco controle do Reino sobre os negoacutecios entre Brasil e
Costa da Mina principalmente porque desde 1637 os holandeses aleacutem de outras aacutereas no
continente africano controladas por Portugal dominavam o Castelo de Satildeo Jorge da Mina
Um dos maiores problemas deste comeacutercio eram os produtos levados do Brasil e que se
empregavam nas compras de escravos daquela regiatildeo ouro e tabaco Na tentativa de superar
essa barreira e exercer maior controle sobre a regiatildeo o governo portuguecircs passou a promulgar
uma seacuterie de leis alvaraacutes e regimentos tentando coibir este comeacutercio tatildeo prejudicial ao Eraacuterio
Reacutegio 20
No entanto todas as medidas empreendidas natildeo se mostraram suficientes para conter o
grande e generalizado contrabando praticado na regiatildeo Excluiacutedos do processo e frustrados em
suas tentativas de coibiccedilatildeo da traficacircncia os portugueses buscaram novas formas de controle
que tinham como principal objetivo o redirecionamento do comeacutercio humano para os portos
de Angola que por ser tratar de uma conquista portuguesa contava com um maior nuacutemero de
funcionaacuterios e aparato fiscalizador 21
Nesse cenaacuterio eacute pensada a criaccedilatildeo de uma Companhia privilegiada para operar em
Pernambuco atuando de acordo com as prerrogativas reais o comeacutercio de escravos praticado
14
Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo General da
Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V XXXII1910 p 442 15
Idem 16
Idem 17
Idem 18
Idem 19
Idem 20
SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da Mina e a Capitania de
Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Histoacuteria Setor de Ciecircncias Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute 21
Ibidem P 86
16
por ela deveria priorizar as rotas com a Aacutefrica Centro-Ocidental 22
dessa forma acreditavam
as autoridades que metade do problema do contrabando estaria resolvido restando ainda
resolver a questatildeo na capitania baiana O capital inicial previsto para a empresa era de
3400000 cruzados e as accedilotildees poderiam ser pagas com dinheiro gecircneros ou navios
Diante das dificuldades encontradas para compor o capital da empresa que ateacute o ano
de 1774 contava com acionistas que ainda natildeo tinham integralizado o valor total de suas
accedilotildees a Coroa recorreu em auxiacutelio concedendo-lhe empreacutestimos a juros de 4 ao ano 23
A
Companhia foi fundada oficialmente atraveacutes de alvaraacute reacutegio do ano de 1759 mas a primeira
frota soacute sairia um ano mais tarde Com o objetivo de fazer prosperar a agricultura da regiatildeo de
Pernambuco fornecendo um suprimento regular de matildeo-de-obra escrava bem como atuando
na compra e exportaccedilatildeo dos produtos coloniais e transportando atraveacutes de frotas regulares as
mercadorias do Reino para a regiatildeo 24
O monopoacutelio sobre a compra e venda de produtos nas capitanias de Pernambuco e
Paraiacuteba e todos seus distritos teriam a duraccedilatildeo de vinte anos podendo apoacutes esse prazo ser
estendido por um periacuteodo de dez anos Os produtos transportados de laacute praacute caacute foram os
manufaturados envolvendo ferramentas variados tipos de utensiacutelios gecircneros alimentiacutecios
medicamentos e escravos De caacute praacute laacute accediluacutecar cacau madeiras algodatildeo corantes tabaco
couro e atanados e variadas especiarias As trocas se davam em Bissau Cacheacuteu Cabo Verde
Costa da Mina Angola Madeira Accedilores e alguns portos da Iacutendia e da Aacutesia 25
Quanto a sua gestatildeo a empresa era composta por uma junta administrativa sediada em
Lisboa e formada por provedor 10 deputados um secretaacuterio e trecircs conselheiros Possuiacutea duas
sedes subalternas uma em Pernambuco e outra na cidade do Porto contavam na direccedilatildeo cada
uma com um intendente e seis deputados Aleacutem das duas diretorias e da sede a Companhia
possuiacutea ainda administraccedilatildeo ou procuradoresrepresentantes na Paraiacuteba Rio de Janeiro Bahia
Fayal e Satildeo Miguel 26
22
A Companhia tambeacutem operou na rota PernambucoCosta Da Mina no entanto o maior fluxo da atividade
negreira durante o periacuteodo da sua operaccedilatildeo esteve direcionada para os portos Angolanos O comeacutercio com a
Costa da Mina natildeo chegou a desaparecer mas perdeu significativa relevacircncia neste periacuteodo Sobre isto ver
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de Op Cit 23
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 92 -93 24
DIAS Eacuterika Op Cit p 17 25
Idem 26
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro P 83-86
17
Como podemos observar o engajamento de Portugal com as Companhias privilegiadas
se daraacute de forma efetiva a partir do governo de D Joseacute I e da administraccedilatildeo pombalina 27
Estas empresas foram pensadas e criadas para atuarem junto a uma seacuterie de outras medidas
racionalizadoras da economia portuguesa Apesar das circunstacircncias peculiares que levaram a
criaccedilatildeo de cada uma das Companhias em todos os casos ela esteve relacionada com a
necessidade de regulaccedilatildeo do comeacutercio seja para inibir a atuaccedilatildeo do contrabando a
participaccedilatildeo de comerciantes estrangeiros ou simplesmente a fim de canalizar de maneira
mais eficaz os lucros do comeacutercio colonial para a metroacutepole
Para natildeo nos restringirmos apenas a exemplos da Ameacuterica Portuguesa e a tiacutetulo de
comparaccedilatildeo bibliograacutefica faremos um paralelo com a Companhia Guipuzcoana de Caracas
Os caminhos que levaram a criaccedilatildeo da Companhia Venezuela satildeo bastante similares ao caso
portuguecircs A Espanha assim como Portugal demorou a se lanccedilar no empreendimento das
Companhias privilegiadas apesar do Reino jaacute ter tomado ciecircncia que o sistema de frotas
adotado ateacute o XVII era incapaz de assegurar a hegemonia da Coroa sobre suas colocircnias e de
jaacute haver planos para constituiccedilatildeo de sociedades exclusivistas estas soacute tomaram corpo no
XVIII 28
Sofria entatildeo os domiacutenios ultramarinos com o comeacutercio de contrabando praticado por
diversos paiacuteses sobretudo por ingleses franceses e holandeses A guerra de sucessatildeo ao trono
espanhol acabou por maximizar a penetraccedilatildeo de naccedilotildees estrangeiras nos mercados espanhoacuteis
da Ameacuterica os franceses chegaram mesmo a monopolizar o comeacutercio de abastecimento em
algumas regiotildees Esse processo foi possiacutevel devido ao isolamento em que se encontrava a
metroacutepole de suas colocircnias dado o estado de guerra na Europa 29
Outra medida que iraacute refletir negativamente na economia reinol seraacute a praacutetica do
comeacutercio direto entre as colocircnias espanholas isto porque durante os longos periacuteodos em que
27
Apesar do Reino de ter criado outras Companhias ao longo do seacuteculo XVII estas natildeo obtiveram resultados
expressivos economicamente Esse tipo de estrutura bem como a adesatildeo definitiva de Portugal as Companhias
privilegiadas soacute iraacute se estabelecer no seacuteculo XVIII a partir do reinado de D Joseacute I junto a um grande esforccedilo
Portuguecircs para recuperaccedilatildeo da sua economia Vale salientar que neste momento outras naccedilotildees europeias jaacute
buscavam novas formas de dinamizar seus negoacutecios e findavam a atuaccedilatildeo de boa parte de suas Companhias
exclusivistas Na Inglaterra a revoluccedilatildeo industrial comeccedilava a dar seus primeiros passos o regime de
exclusivismo jaacute natildeo atendia mais as necessidades daquele tipo de economia que agora necessitava de novos
mercados consumidores Essa divergecircncia de tendecircncias econocircmicas iraacute gerar uma seacuterie de conflitos entre os
Estados europeus ao longo do XVIII Sobre isto ver NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do
antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo Hucitec 1995 28
Sobre isto ver MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la
defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los
reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones
Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P 9-52 2006 29
Idem
18
o Reino esteve envolto nas disputas beacutelicas europeias os colonos agindo por conta proacutepria
afastados da tutela da Coroa desenvolveram redes comerciais internas deixando a Espanha
fora dessas negociaccedilotildees De acordo com os dados trabalhados pelo historiador Ricardo
Cierbide Martinera ldquoentre 1706 y 1724 no salioacute para Venezuela barco algunordquo 30
vindo do
Reino
Com a ascensatildeo de Felipe V ao trono o Reino espanhol se encaminhou para um
processo de mudanccedilas que levou a uma maior centralizaccedilatildeo do poder real e uma maior
racionalizaccedilatildeo do estado e das financcedilas incluindo a ampliaccedilatildeo do domiacutenio econocircmico sobre
suas conquistas no Atlacircntico Sul Devido agrave debilidade de controle sobre o comeacutercio
americano a ideia de criaccedilatildeo de Companhias privilegiadas inspiradas nos modelos praticados
em Franccedila e Inglaterra surge como alternativa possiacutevel para retomada do poder sobre
determinadas aacutereas
Uma das grandes preocupaccedilotildees da Coroa dizia respeito ao vultoso contrabando
praticado em seus domiacutenios A escolha pela Venezuela se deu pelo fato da colocircnia jaacute ter uma
consideraacutevel experiecircncia no cultivo e comeacutercio do cacau o fruto como explicita o historiador
Carlor Manrique era um importante produto de consumo dos mercados europeus e a regiatildeo
de Caracas jaacute havia ganhado fama pelo seu insumo de boa qualidade Dessa forma ldquolos
monarcas espantildeoles teniacutean muy presente la necesidad de volver a ejercer control sobre esta
proviacutenciardquo 31
usufruindo dos lucros de tal setor
Nasce assim em 1728 a Companhia de Comeacutercio de Caracas conhecida tambeacutem como
Companhia Guipuzcoana de Caracas Entre seus principais objetivos estavam o de suprir a
demanda metropolitana de cacau produto no qual a Companhia exerceria monopoacutelio e
defender as costas da regiatildeo dos contrabandos e da presenccedila militar de outras naccedilotildees
europeias Aleacutem disso a empresa tambeacutem incentivava o cultivo de novas plantaccedilotildees a
criaccedilatildeo de gados o cultivo do tabaco de plantas tintoras entre outras coisas 32
Com a criaccedilatildeo da Companhia a proviacutencia se torna a mais rentaacutevel para a Coroa
ademais o problema com o contrabando diminuiu consideravelmente O ecircxito da empresa
animou tanto o Reino que fez com que este posteriormente fundasse outras companhias para
atuar em diferentes aacutereas de seu Impeacuterio Ultramarino Mas a empresa natildeo agradou a todos A
30
CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en Venezuela durante el
siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997 P 66 31
MANRIQUE Carlos Alberto MurgueitioOp Cit P 13 32
CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit P 70
19
monopolizaccedilatildeo do comeacutercio de cacau iraacute causar grande descontentamento nas populaccedilotildees
locais que jaacute estavam bem habituadas a praacutetica do livre comeacutercio 33
A supressatildeo do livre comeacutercio a partir da fundaccedilatildeo de Companhias exclusivistas de
maneira geral ocasionaraacute uma seacuterie de criacuteticas por parte das povoaccedilotildees locais no caso das
Companhias Pombalinas natildeo seraacute diferente As queixas representaccedilotildees e insurreiccedilotildees foram
uma maacutexima comum nas empresas monopolistas portuguesas deste periacuteodo os protestos
grosso modo questionavam tanto o exclusivo comercial praticado pelas empresas como a maacute
atuaccedilatildeo das administraccedilotildees locais como veremos adiante
Durante a atuaccedilatildeo da Companhia Venezuelana os motins e revoltas foram frequentes
Isto porque o modelo protecionista adotado pela Companhia acabou por beneficiar o mercado
metropolitano em detrimento do colonial que perdeu focirclego As baixas no preccedilo do cacau e
de outras mercadorias base da economia local aleacutem da forma como a Companhia conduzia
seus negoacutecios pagando aos fornecedores locais em produtos ndash relatados pelos locais como de
maacute qualidade - e natildeo em dinheiro acabaraacute por levar a ruiacutena muitos produtores 34
A situaccedilatildeo
para os comerciantes da Praccedila tambeacutem natildeo era muito satisfatoacuteria estes amargaram muitos
prejuiacutezos com a praacutetica monopolista
Em 1751 tem iniacutecio uma grande insurreiccedilatildeo popular lidera por Juan Francisco de
Leoacuten que convoca o povo a declarar guerra contra a Companhia O movimento que comeccedila
como um ato de contestaccedilatildeo contra o monopoacutelio da empresa acaba ganhando forccedila e se
transforma em um ato de insurreiccedilatildeo contra o poder metropolitano A pauta dos revoltosos
girava em torno da ldquoescasez constante de artiacuteculos como ropas frutos y efectos de Espantildea el
elevado precio de las mercanciacuteas la extraccioacuten sectorizada de ciertos productos como el
cacao y el tabaco y el rechazo frente a otros como el corambre ()rdquo 35
Durante o motim os
insurretos contaram com a ajuda da Holanda que interessada em reestabelecer antigas
relaccedilotildees comerciais forneceu armamentos e municcedilotildees em troca de cacau
A revolta seraacute suprimida no ano seguinte 1752 no entanto seus efeitos tiveram
impacto sob a Companhia que paulatinamente foi perdendo privileacutegios e benesses
anteriormente concedidas pela Monarquia Espanhola Devido agrave guerra que se desenrolava
entre as naccedilotildees europeias naquele momento a Coroa opta por natildeo entrar em conflito direto
33
Ver CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit 34
MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la defensa del comercio
Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V
Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad
Catoacutelica Andreacutes Bello P 19 35
Ibidem P 20
20
com suas colocircnias De acordo com Carlos Manrique a insurreiccedilatildeo colocou em cheque os
poderes absolutos do monarca ldquoAl no defender a la Compantildeiacutea y al dejar avanzar los reclamos
de los colonos cimentaba las bases del colapso de su iniciativa centralizadora dejando a
merced del contrabando al mercado venezolanordquo 36
Devido a uma seacuterie de mudanccedilas ocorridas na Europa apoacutes a Guerra dos Sete Anos e a
conquista da independecircncia das antigas colocircnias inglesas na Ameacuterica o Reino Espanhol com
a ascensatildeo de Carlos III tomou novas direccedilotildees poliacutetico-administrativas A estrateacutegia mudara a
poliacutetica protecionista jaacute natildeo se adequava ao novo contexto econocircmico europeu que
apresentava naquele momento uma Inglaterra fragilizada A Espanha sabiamente se aproveita
dessa brecha para criar laccedilos comerciais com as antigas colocircnias britacircnicas e fortalecer seu
Impeacuterio Assim em 1778 Carlos III expede o decreto de livre comeacutercio extensivo as colocircnias
do Ultramar Algum tempo depois em 1781 a Companhia Guipuzcoana encerra
definitivamente suas atividades 37
Os casos das Companhias atuantes na Ameacuterica portuguesa seguem contornos bem
similares aos da Ameacuterica Hispacircnica A criaccedilatildeo da Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo que
teve sua fundaccedilatildeo associada agrave tentativa da Coroa de otimizar a administraccedilatildeo e comeacutercio da
regiatildeo mais ao Norte da Ameacuterica 38
por exemplo iraacute motivar uma seacuterie de protestos no
Reino Estes protestos foram encabeccedilados pelos deputados da Mesa do Espiacuterito Santo dos
Homens de Negoacutecios de Lisboa que questionavam a nocividade da concessatildeo do monopoacutelio
por uma escala de tempo tatildeo grandiosa ndash vinte anos - a reaccedilatildeo de Pombal seraacute agressiva 39
A
crise iniciada pelos principais homens de negoacutecio de Lisboa foi encarada pelo Marquecircs como
um crime de lesa majestade e seus autores sofreram puniccedilotildees severas 40
No Caso da Companhia de vinhas do Alto Douro empresa criada em um momento de
crise enfrentada pelo setor e que tinha como principal objetivo atender ao desejo do Reino de
retirar tal ramo comercial das matildeos dos mercadores ingleses que ateacute entatildeo dominavam aquele
setor deixando pouca brecha para inserccedilatildeo dos comerciantes portugueses 41
as manifestaccedilatildeo
36
Ibidem P 21 37
Ibidem P 26-28 38
Sobre isto ver CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e
Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 39
Ibidem P 37 40
Boa parte dos envolvidos foi desterrada para domiacutenios ultramarinos do Reino por tempos distintos de acordo
com a sua parcela de participaccedilatildeo no evento 41
Sobre isto consultar CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do
Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 SOUSA Fernando de O Marquecircs
de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757)
21
contraacuterias ao empreendimento comeccedilaram antes mesmo de sua fundaccedilatildeo Ainda no ano de
1756 comerciantes ingleses e seus representantes buscaram sabotar de diversas formas a
criaccedilatildeo da Companhia Esses grandes homens de negoacutecio com seu poder de influecircncia
conseguiram angariar outros comerciantes e produtores para sua causa sendo assim em
agosto de 1756 eram apenas 14 o nuacutemero de comerciantes e lavradores interessados no
projeto Pombalino 42
Aleacutem dos jaacute citados outros profissionais que atuavam no setor se sentiram lesados
com a formaccedilatildeo da Companhia e tomaram parte nos motins contraacuterios a instituiccedilatildeo da
sociedade mercantil 43
Cabe ressaltar que ateacute mesmo parte da populaccedilatildeo endossou o corpo
dos motins uma vez que a empresa cessaria com a liberdade com que se praticava a escolha e
compra de vinhos para consumo pessoal Todo esse descontentamento iraacute levar aos famosos
motins do Porto no ano de 1757 44
Nesta situaccedilatildeo age tambeacutem Pombal com violecircncia poucos dias depois da revolta eacute
aberta uma devassa para investigar os culpados A cidade eacute tomada por tropas recaindo sobre
os habitantes locais o peso de sua sustentaccedilatildeo O cargo de procurador do povo eacute extinto e os
vereadores da Cacircmara satildeo retirados de seus postos o futuro marquecircs jaacute natildeo confiava nestes
homens As penas entre os considerados culpados cerca de 460 indiviacuteduos variaram entre
pena capital degredo accediloite galeacutes confiscaccedilatildeo de bens penas pecuniaacuterias e palmatoadas 45
A Companhia das Pescas Reais criada devido agrave intenccedilatildeo da Coroa em ampliar as
atividades baleeiras no litoral da Ameacuterica Portuguesa natildeo contou com nenhum movimento
local de contestaccedilatildeo de seu monopoacutelio durante sua gecircnese no entanto Marcelo Paz
demonstra que foram duas as ondas reivindicatoacuterias a questionar a forma de atuaccedilatildeo da
empresa ao longo de seu periacuteodo de atuaccedilatildeo 46
A primeira onda contraacuteria seraacute encabeccedilada por
dois mercadores que apesar de advogarem pela mesma causa agiram de forma isolada a
saber Domingos Lopes Loureiro e Tomeacute de Castro Correia de Saacute que iratildeo contraditar a
Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 SOUSA Fernando de A Companhia Geral da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1978) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 10 p 9-58 2003 42
SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura
das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 P 46 43
Entre eles tanoeiros taberneiros e marinheiros jaacute que a partir da formaccedilatildeo da empresa estes trabalhadores de
alguma forma tiveram sua liberdade de atuaccedilatildeo profissional cerceada 44
Sobre isto ver CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do Porto
de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 45
Ibidem P 18 46
PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil (1765-1801) a caccedila
ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias
Sociais Universidade de Lisboa Lisboa
22
legalidade do monopoacutelio 47
Pretendiam os dois comerciantes arrematar o contrato para o
complexo baleeiro meridional 48
Um segundo movimento iraacute se iniciar por volta de 1790 este sim teve poder de
influenciar a decisatildeo reacutegia que aboliu o monopoacutelio da Companhia Diferentemente da
primeira onda os liacutederes dessas queixas passam a contestar os procedimentos da praacutetica
comercial adotada no litoral do Brasil questionando sua eficaacutecia e sustentabilidade Um dos
liacutederes chega inclusive a redigir documento analisando profundamente a atividade baleeira
apontando as falhas na produccedilatildeo e a inviabilidade da praacutetica por um periacuteodo alongado de
tempo 49
Em Pernambuco os eventos natildeo foram distintos das demais estabelecer a Companhia
Geral natildeo foi tarefa faacutecil o governador Luiacutes Diogo da Silva empregaraacute inuacutemeros esforccedilos na
tentativa de convencer a elite colonial pernambucana a se tornar acionista na empreitada em
ofiacutecio do ano de 1761 o governador afirma que ldquonatildeo haacute motivos por mais fortes nem
evidecircncias de maior demonstraccedilatildeo que possam convencecirc-los a apostarem da sua vida os
poucos cabedais que logramrdquo 50
Deixando clara a resistecircncia em aderir ao projeto seja por
parte dos homens de negoacutecio ou pela nobreza da terra
O governador dizia ainda que o motivo pelo qual os grandes da capitania se
mostravam contraacuterios a ideia de integrar os quadros da Companhia se dava por ela ldquotecirc-los
separados dos antigos interesses que estavam habituados a fazer na forma e regularidade que
lhes pareciardquo 51
Ou seja apontava o descontentamento dos negociantes e produtores com a
supressatildeo da liberdade de comeacutercio que jaacute estava bem estabelecido naquela regiatildeo
Desde sua instalaccedilatildeo a sociedade seraacute alvo de queixas por parte da populaccedilatildeo muitas
seratildeo as representaccedilotildees e denuacutencias encaminhadas ao rei sobre sua maacute administraccedilatildeo e o
estado de decadecircncia em que se achava a Capitania de Pernambuco Natildeo raro as queixas
continham apelos que suplicavam a sua extinccedilatildeo Segundo Pereira da Costa
Queixas amargas representaccedilotildees constantes foram dirigidas ao governo da
metroacutepole pelos agricultores e comerciantes contra tatildeo odioso monopoacutelio
47
PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 206-215 48
Uniatildeo das armaccedilotildees Paulistas Catarinense e Fluminenses 49
PAZ Marcelo de Oliveira P 240- 249 50
AHU ndash PE Cx 94 D 7481 Recife 4 de fevereiro de 1761 51
Idem
23
tendente a aniquilar essas duas fontes produtoras da colocircnia e cujos danos
vinham muito diretamente recair em prejuiacutezo do povo 52
A oposiccedilatildeo instalada ao monopoacutelio seraacute liderada pelos senhores de engenho e
produtores Mesa de Inspeccedilatildeo do tabaco e do accediluacutecar governadores da capitania em especial
Joseacute Cesar de Menezes algumas cacircmaras ultramarinas53
e uns poucos homens de negoacutecio que
natildeo se tornaram acionistas da empresa O ano de 1770 seraacute marcado como a primeira grande
crise pela qual passaraacute a Companhia Para aleacutem dos conflitos de interesses o Estado
portuguecircs passava por uma forte refraccedilatildeo econocircmica medida pela acentuada queda de seus
rendimentos Diante dessa situaccedilatildeo o governo portuguecircs passou a empregar maior cuidado na
organizaccedilatildeo de suas alfacircndegas e proceder ao aumento de impostos 54
A segunda grave crise acontece sete ano apoacutes a primeira o impacto da crise de 70 natildeo
iraacute se dissipar tatildeo facilmente a morte do rei D Joseacute I e o afastamento do marquecircs de Pombal
do cargo de secretaacuterio do reino no ano de 1777 faratildeo ressurgir uma nova onda de queixas e
representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma 55
A Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e
Paraiacuteba seraacute extinta durante a vigecircncia do governo de Joseacute Ceacutesar de Meneses grande
denunciador de sua ingerecircncia A empresa que era objeto de desarmonia entre a Coroa e os
habitantes locais natildeo obteve os lucros planejados pelo Reino
Outros elementos perturbadores da poliacutetica monopolista exercida pelas Companhias
privilegiadas seratildeo o contrabando descaminhos e contravenccedilotildees praacuteticas recorrentes na
histoacuteria da colonizaccedilatildeo do Novo Mundo realizada por diversas naccedilotildees durante todo o periacuteodo
colonial Reservando as particularidades das empresas aqui abordadas a atividade do
contrabando se faraacute sentir em maior ou menor grau no cotidiano de tais sociedades
mercantis
No caso venezuelano os comerciantes e produtores enxergavam a empresa como uma
verdadeira barreira na praacutetica tanto dos negoacutecios legais quanto no contrabando que jaacute
estavam acostumados a praticar com as naccedilotildees estrangeiras Aleacutem disso estes mesmos
52
COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do Interior e Justiccedila 1951-
1966 v 6 P 185 53
Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos
procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU
ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009 54
JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 171 55
Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos
procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU
ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009
24
personagens queixavam-se que a Companhia havia desregulado o mercado do cacau
provocando segundo os mesmos ldquoel descenso en los precios del producto de manera constante
contribuyendo a la peacuterdida de patrimonios criollos y al debilitamiento de sus enviacuteos al
exteriorrdquo 56
Como forma de deter o contrabando generalizado na regiatildeo uma das prerrogativas da
empresa era atuar no seu combate para isso possuiacutea embarcaccedilotildees de corso proacuteprias Quando
da captura de naus estrangeiras a tripulaccedilatildeo era recompensada com parte do espoacutelio
arrecadado com a venda das mercadorias apreendidas medida que iraacute estimular a ldquocaccedilardquo ao
contrabando nos mares caribenhos Segundo as fontes exploradas por Ricardo Martinena
entre 1759 a 1763 a Companhia apreendeu 43 embarcaccedilotildees estrangeiras 57
um nuacutemero
bastante expressivo para um periacuteodo de apenas quatro anos
De acordo com Carreira a Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo sofria com os
contrabandos praticados por nacionais estrangeiros e ainda pelos agentes da proacutepria
Companhia Esse tipo de praacutetica vai ser mais bem estudada pelo autor nas feitorias africanas
de Cacheu e Cabo Verde onde a empresa deveria atuar com exclusividade No entanto as
condiccedilotildees das fortalezas daqueles portos eram lastimaacuteveis e ldquonem serviam para defender os
portos das investidas dos navios estrangeiros nem de nenhum modo intimidavam as
populaccedilotildees negrasrdquo 58
Assim sendo a invasatildeo de navios estrangeiros era rotineira
prejudicando o comeacutercio das embarcaccedilotildees reais
Na Companhia das Vinhas do Alto Douro as contravenccedilotildees tambeacutem foram
recorrentes Entre os anos de 1772 a 1774 instaurou-se na regiatildeo uma grande devassa que
tinha por objetivo combater e expor os culpados de vaacuterias transgressotildees que vinham
ocorrendo sob a aacuterea de atuaccedilatildeo da empresa Apesar da numerosa legislaccedilatildeo que buscava
evitar os diversos tipos de fraudes existentes naquele ramo comercial estas persistiram
principalmente a introduccedilatildeo ilegal de vinhos de ramo 59
na zona demarcada 60
Outra fraude
bastante comum era a mistura de vinhos de menor qualidade aos vinhos destinados a
56
MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit P 16 57
AIZPURUA Ramoacuten Aguirre ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la lancha San Fernando y
de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5
Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San Sebastiaacuten p 379-392 2006 P 382 58
CARREIRA Antonio Op Cit P 79 59
O vinho de ramo era um vinho de menor qualidade que deveria ser vendido apenas para o mercado interno 60
Com o estabelecimento da Companhia a regiatildeo Duriense passou a ser a primeira do mundo a ter uma
demarcaccedilatildeo proacutepria que estabelecia quais terras eram adequadas para produccedilatildeo de cada qualidade de vinho
25
exportaccedilatildeo ou ainda o acreacutescimo da baga do sabugueiro ao vinho para que ele adquirisse a
coloraccedilatildeo desejada 61
Neste caso tambeacutem apura a devassa que os proacuteprios agentes da Companhia estavam
envolvidos nas contravenccedilotildees incluindo homens que ocupavam altos postos dentro da
empresa como o de provedor e deputados De acordo com o historiador Fernando Sousa
ldquonumerosos oficiais daquela instituiccedilatildeo praticavam com o maior escacircndalo a introduccedilatildeo e
mistura do vinho de ramo com o vinho fino e legal nas suas proacuteprias adegasrdquo 62
Ainda
segundo o autor mesmo apoacutes a devassa este tipo de praacutetica foi um problema recorrente no dia
a dia da empresa
Na Companhia das Pescas Reais pode-se tambeacutem averiguar o envolvimento de seus
agentes em redes de contrabando ningueacutem menos que o administrador geral da empresa o
homem de negoacutecio portuguecircs Joatildeo Marcos Vieira era o principal suspeito de uma devassa
instaurada no ano de 1794 que tinha por objetivo investigar o crime de contrabando de
escravos para a regiatildeo de Montevideacuteu Apesar do contrabando neste caso natildeo estaacute
diretamente relacionado agraves mercadorias que estavam sob o monopoacutelio da empresa acredita-se
que Joatildeo Marcos Vieira estava envolvido haacute anos numa rede de contrabando com a regiatildeo do
Rio da Prata e que se utilizava de seu cargo para obter vantagens financeiras 63
Com a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba natildeo seraacute diferente a partir da
criaccedilatildeo desse organismo regulador os locais iratildeo buscar meios e estrateacutegias de evasatildeo do
controle reacutegio um desses meios de escape seraacute o contrabando de mercadorias realizados
atraveacutes das rotas que uniam Pernambuco e Bahia tanto atraveacutes dos sertotildees e dos caminhos de
cabotagem A investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias nos demonstra que o contrabando durante o
periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio exercido pela empresa seraacute praacutetica recorrente e
generalizada Os descaminhos envolviam ateacute mesmo autoridades reacutegias oficiais deputados e
acionistas da empresa sendo seu combate tema cativo nos ofiacutecios trocados entre a Coroa e as
autoridades locais Este comeacutercio descaminhado eacute tema central desta dissertaccedilatildeo
As anaacutelises sobre as praacuteticas mercantis desenvolvidas na Ameacuterica Portuguesa figuram
entre as contemporacircneas abordagens e questionamentos que marcam uma nova forma de
pensar a colocircnia Dentro dessa perspectiva alguns trabalhos centrados em entender as
questotildees relativas ao comeacutercio colonial tecircm apontando para a existecircncia de um fluxo ilegal de
61
Sobre isto ver SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro
(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002 62
Ibidem P 166 63
PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 225-239
26
negoacutecios em diversas capitanias Dentro deste universo eacute notaacutevel a dedicaccedilatildeo que a
historiografia tem dado ao estudo dos descaminhos de ouro e pedras preciosas na regiatildeo das
Minas e adjacecircncias Destaca-se nesse sentido o trabalho produzido por Paulo Cavalcante em
ldquoNegoacutecios de Trapaccedila caminhos e descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-1750)rdquo 64
onde o autor busca explanar qual o papel do contrabando no processo de colonizaccedilatildeo da
Ameacuterica Portuguesa se utilizando de farta documentaccedilatildeo e tendo como objeto a regiatildeo das
Gerais e suas zonas fronteiriccedilas
Apesar de natildeo se centrar exclusivamente no comeacutercio descaminhado o trabalho da
historiadora Isnara Pereira Ivo sobre circulaccedilatildeo econocircmica e cultural na regiatildeo das Minas
Gerais tambeacutem merece destaque Ivo reserva partes de seu livro ldquohomens de Caminho
tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica Portuguesa ndash seacuteculo XVIIIrdquo 65
para discutir a questatildeo dos vultosos descaminhos realizados naquelas plagas dando ecircnfase aos
caminhos e picadas utilizadas pelos contraventores bem como as tentativas da Coroa em
reprimir tal fluxo
Cabe menccedilatildeo tambeacutem aos estudos desenvolvidos contemporaneamente que tem por
objetivo estudar os faustosos contrabandos realizados no extremo Sul da Ameacuterica Portuguesa
em seus contatos com a regiatildeo platina Dentro dessa seara merece revelo os trabalhos
desenvolvidos por Rodrigo Ceballos e Faacutebio Kuumlhn O primeiro se dedicaraacute em recentes
artigos a estudar os negoacutecios de contrabando conduzidos por luso-brasileiros na Buenos
Aires do seacuteculo XVII demostrando como esses indiviacuteduos foram capazes de criar redes de
solidariedade que permitiram a realizaccedilatildeo de seus negoacutecios extralegais 66
Jaacute Faacutebio Kuumlhn tem se centrado em publicaccedilotildees atuais a analisar o comeacutercio
contrabandeado de escravos na regiatildeo da Colocircnia do Sacramento do seacuteculo XVIII O autor
demonstra como os luso-brasileiros sediados naquelas aacutereas associados a homens de negoacutecios
de duas outras importantes Praccedilas comerciais a saber Bahia e Rio de Janeiro conseguiram
64
CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-
1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 65
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica
Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 66
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires
colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 CEBALLOS
Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos
Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00
27
deter hegemonia dentro de tal negoacutecio desbancando comerciantes de outras naccedilotildees
interessados naquela mateacuteria como os ingleses 67
Outros estudos que debatem a temaacutetica do contrabando e que conversam com nosso
trabalho satildeo as pesquisas de Ernst Pijning para o Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII onde o autor
defende a praacutetica do contrabando como algo inerente ao sistema colonial prerrogativa que
concordamos 68
E ainda vale nota para as obras de Zacarias Moutoukias que estudando o
comeacutercio extralegal na regiatildeo de Buenos Aires do seacuteculo XVII aponta tambeacutem para o
entendimento do descaminho como algo indissociaacutevel da economia colonial 69
Nosso trabalho dialoga com os estudos acima descritos no entanto deixamos claro
que o comeacutercio de contrabandeado alvo desse estudo assume contornos distintos afinal de
contas entre 1759 e 1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia
Geral de Pernambuco e Paraiacuteba O descaminho nessa situaccedilatildeo natildeo causava prejuiacutezos apenas
ao eraacuterio reacutegio mas tambeacutem aos acionistas e agentes da empresa que possuiacutea uma jurisdiccedilatildeo
privativa encarregada de cuidar de todas as questotildees juriacutedicas que envolvessem a Companhia
Ressaltamos ainda que apesar da empresa natildeo possuir jurisdiccedilatildeo sobre os portos do
sertatildeo Alagoas e Rio Satildeo Francisco acabava a mesma amargando graves prejuiacutezos em
decorrecircncia do comeacutercio realizado naquelas paragens pois invariavelmente os produtos que
circulavam nos sertotildees entre as capitanias vizinhas vinham inundar a praccedila mercantil de
Pernambuco a preccedilos bem mais em conta do que os vendidos pela Companhia Por isso de
acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada por volta do ano de 1770 a empresa passa a combater
com vigor este tipo de negoacutecio demonstrando a forccedila que esse comeacutercio interiorano iraacute
adquirir durante o periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio comercial da empresa
As rotas comerciais que ligavam o litoral da capitania ao sertatildeo e que tinham como
veio principal o Rio de Satildeo Francisco regiatildeo de fronteira entre Bahia e Pernambuco tambeacutem
seratildeo alvos desse estudo Para adentrar no universo sertanejo e compreender as dinacircmicas
desenvolvidas naqueles ambientes nos apoiaremos nos claacutessicos como Capistrano Abreu 70
67
KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)
Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017 68
PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista
Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 69
MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el
siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 70
ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet
1960
28
Manoel Correia de Andrade 71
e Joseacute Antonio Gonsalves de Mello 72
que nos datildeo pistas de
como se empreendeu a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial a partir das duas capitanias alvo
desse estudo Bahia e Pernambuco
Utilizaremos tambeacutem produccedilotildees mais recentes como a revisatildeo dos relatos de viajantes
pelo interior feita por Tiago Bonato 73
e do trabalho de focirclego de Kalina Vanderlei 74
Sem
esquecer claro dos renovados estudos que apontam para a vitalidade e dinamismo comercial
que esses espaccedilos sertanejos iratildeo adquirir em suas conexotildees com o litoral e ateacute mesmo com o
Ultramar Onde destacamos os trabalhos de Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Bonifaacutecio 75
e da
proacutepria Isnara Pereira Ivo 76
jaacute citada
Ainda buscando discutir a questatildeo do espaccedilo sertanejo sua ocupaccedilatildeo funcionamento
e dinamismo recorreremos a autores que trazem discussotildees acerca da noccedilatildeo de
territorializaccedilatildeo desses espaccedilos na Ameacuterica Portuguesa a partir da accedilatildeo efetiva do Estado sob
essas aacutereas Para isso nos utilizaremos de nomes como Iacuteris Kantor 77
Mafalda Soares da
Cunha 78
e Paulo Henrique Marques de Queiroz Guedes 79
Continuando a discussatildeo do
mesmo tema poreacutem a partir de uma perspectiva geograacutefica nos apoiaremos em Manoel
Correa de Andrade 80
e Antonio Carlos Robert de Moraes 81
71
ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias
Humanas Ltda 1980 72
MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-
1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 73
BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash 1822)
Guarapuava Unicentro 2014 74
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas
vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 75
BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de
Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII
Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e
Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 76
IVO Isnara Pereira Op Cit 77
KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica (1750‑1850) Anais do
Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 KANTOR Iacuteris Soberania e
territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute
Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio
portuguecircs Curitiba UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 78
CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A
criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P
15 79
GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo
na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias
humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife 80
ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 81
MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2
jun 2001 MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003
29
O presente trabalho conteacutem trecircs capiacutetulos O primeiro intitulado ldquoNos caminhos do
contrabandordquo estaacute dividido em dois toacutepicos Iniciamos procedendo a uma breve revisatildeo
historiograacutefica acerca da evoluccedilatildeo dos estudos voltados para o mundo colonial destacando as
principais mudanccedilas do ponto de vista metodoloacutegico ocorridas nos uacuteltimos quarenta anos
Neste capiacutetulo tambeacutem iremos realizar a anaacutelise e discussatildeo do conceito de contrabando caro
a este estudo
Aleacutem disso tambeacutem procederemos a investigaccedilatildeo das rotas de comeacutercio que ligavam
o litoral da capitania pernambucana ao interior do territoacuterio dando destaque aos caminhos ldquodo
Capibariberdquo e ldquodo Ipojucardquo que conectavam a praccedila mercantil pernambucana com a regiatildeo do
Rio de Satildeo Francisco em sua fronteira com a capitania Baiana Utilizando do auxiacutelio de
mapas discutiremos ainda neste primeiro momento as hipoacuteteses acerca de como se
movimentavam os comerciantes alvos desta pesquisa ressaltando para aleacutem dos caminhos
interioranos a possibilidade de atuarem seguindo uma rota direta atraveacutes da costa mariacutetima
entre Pernambuco e Bahia
O segundo capiacutetulo se chama ldquoAspectos internos dos descaminhos casos e circulaccedilatildeo
de produtosrdquo nele iremos investigar as mercadorias que circulavam entre Bahia e
Pernambuco atraveacutes das redes de comeacutercio ilegal esclarecendo quais eram os produtos que
mais transitavam entre as duas praccedilas ressaltando a grande variedade destes produtos e a
grandiosidade daquele tipo de comeacutercio Tambeacutem trataremos neste capiacutetulo sobre os casos
mais peculiares arrolados no nosso acervo documental
A anaacutelise destas ocorrecircncias nos faz compreender melhor a dinacircmica daquele tipo de
atividade mercantil Esclarecendo como atuavam os comerciantes envolvidos naquele
mercado e quais as suas condutas Deixamos claro ainda que o contrabando no periacuteodo
estudado era uma praacutetica amplamente disseminada na capitania sendo efetuado por uma
grande quantidade de sujeitos em situaccedilotildees diversas
Identificamos dentro desse contexto trecircs grandes blocos de contrabando o primeiro
era o contrabando de grande porte realizado por redes de comerciantes bem organizadas e
que possuiacuteam toda uma estrutura que permitia a realizaccedilatildeo da praacutetica em grande volume O
segundo tipo seria o contrabando de pequena monta praticado por uma infinidade de
personagens desde oficiais da companhia a pessoas ldquocomunsrdquo que se aproveitavam de uma
oportunidade para obter lucros pessoais Por fim identificamos o contrabando realizado por
embarcaccedilotildees estrangeiras que geralmente vinham dar na Costa da capitania pernambucana se
utilizando do subterfugio do mal tempo ou da necessidade de ser fazer reparos na embarcaccedilatildeo
30
se aproveitando entatildeo para introduzir nas terras exclusivas da Companhia uma infinidade de
mercadorias europeias e levar daqui os produtos da terra
O terceiro capiacutetulo denominado ldquoContrabando combate e complexidade do esquemardquo
estaacute divido em trecircs toacutepicos O primeiro deles busca proceder a anaacutelise das medidas repressivas
tomadas em niacutevel local para que se evitasse e extinguisse a praacutetica do contrabando do
territoacuterio da capitania pernambucana Para tal feito nos utilizamos de uma seacuterie de ofiacutecios
expedidos pelos governadores pernambucanos que tratam sobre o tema aleacutem disso tambeacutem
contamos em nosso acervo documental com ofiacutecios da Junta Companhia Geral em Lisboa
que nos fornecem informaccedilotildees preciosas acerca das irregularidades cometidas pelos
administradores pernambucanos e as medidas coibitivas que deveriam ser tomadas para que
se cessassem os descaminhos
Na segunda parte tratamos sobre o envolvimento de agentes acionistas e deputados da
Companhia Geral bem como de algumas autoridades reacutegias nos circuitos de comeacutercio ilegal
Por fim o terceiro toacutepico versa sobre a grande insatisfaccedilatildeo dos representantes da populaccedilatildeo
das vilas de Pernambuco que durante todo o periacuteodo do monopoacutelio exercido pela empresa
iratildeo enviar ao reino uma seacuterie de queixas e denuacutencias e representaccedilotildees atestando a maacute gestatildeo
exercida pela direccedilatildeo subalterna de Pernambuco e a acusando de agir em benefiacutecio proacuteprio
Nosso principal fundo arquiviacutestico concentra-se nos manuscritos depositados no
Arquivo Histoacuterico Ultramarino (AHU) para as capitanias de Pernambuco Bahia a anexa
Paraiacuteba e Alagoas essa ainda comarca de Pernambuco material digitalizado pelo projeto
resgate Nele se encontram uma farta documentaccedilatildeo trocada entre os governadores
principalmente os pernambucanos e a Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar sobre a
questatildeo do contrabando A grande maioria desses arquivos eacute categorizada como ofiacutecios no
entanto em alguns deles eacute possiacutevel encontrar anexos referentes a outros tipos de
documentaccedilatildeo incluindo coacutepias de devassas tiradas acerca de contrabandos editais lanccedilados
pela Companhia Geral listas de cargas e mercadorias de embarcaccedilotildees apreendidas cartas
circulares lanccediladas por autoridades locais minutas reais dando parecer sobre a mateacuteria ou
casos especiacuteficos entre outras coisas O volume desses documentos e a diversidade de
informaccedilotildees contidas neles demonstram como o comeacutercio desencaminhado no periacuteodo foi
expressivo
Tambeacutem nos utilizamos na escrita deste trabalho de processos crimes depositados no
Arquivo Nacional da Torre do Tombo esses documentos de cunho juriacutedico-administrativo
pertencem ao fundo da Conservatoacuteria da Companhia em Lisboa oacutergatildeo responsaacutevel por julgar
31
todas as causas referentes aos assuntos da empresa jaacute que a mesma possuiacutea um regime
juriacutedico privativo 82
Neles eacute possiacutevel visualizar toda a praacutexis processual e rotina juriacutedica
adotada nos casos onde foram instauradas devassas para averiguaccedilatildeo do crime de
contrabando Esse fundo eacute fonte feacutertil para nossa pesquisa pois atraveacutes dos processos
conseguimos obter informaccedilotildees detalhadas sobre os casos como as inquiriccedilotildees feitas aos reacuteus
de defesa e de acusaccedilatildeo a lista de carga das embarcaccedilotildees os personagens envolvidos nos
descaminhos as defesas perpetradas pelos advogados representantes dos reacuteus as apelaccedilotildees e
sentenccedilas dadas a niacutevel local as sentenccedilas aplicadas etc
Complementando estes acervos tambeacutem fizemos uso de manuscritos existentes no
arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) estes documentos que estatildeo
disponiacuteveis apenas para consulta presencial foram de grande importacircncia para o
entendimento das rotas que no seacuteculo XVIII ligavam o litoral de Pernambuco ao sertatildeo e
acabavam por desembocar no Rio de Satildeo Francisco regiatildeo fronteiriccedila entre Pernambuco e
Bahia e local de comeacutercio abundante Utilizamo-nos tambeacutem neste trabalho de material
transcrito existente na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional (BN) e de livros coevos
digitalizados e disponiacuteveis para consulta online pertencentes ao setor de raridades da
Biblioteca puacuteblica Maacuterio de Andrade (BMA)
Por fim esse estudo parte do entendimento do comeacutercio como um elemento de
dinamizaccedilatildeo da capitania de Pernambuco tanto na perspectiva da economia local quanto no
contexto de ampliaccedilatildeo das dinacircmicas sociais Acreditamos que o comeacutercio potencialmente
descaminhado realizado atraveacutes dos sertotildees e da navegaccedilatildeo direta entre as capitanias de Bahia
e Pernambuco acabou contribuindo para o aumento da forccedila econocircmica das regiotildees
envolvidas naqueles circuitos
82
Este tema seraacute mais bem desenvolvido no segundo capiacutetulo deste trabalho
32
2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO
21 Contexto e conceitos
Desde meados da deacutecada de 80 do seacuteculo XX tem se operado uma ampla revisatildeo
criacutetica a respeito dos paradigmas ateacute entatildeo utilizados nos estudos acerca dos impeacuterios
modernos e seus domiacutenios ultramarinos Os trabalhos centrados na anaacutelise dos aspectos
poliacuteticos da Europa moderna sofreram grandes transformaccedilotildees Sintomaacutetica satildeo as pesquisas
desenvolvidas nesse periacuteodo a despeito do processo de formaccedilatildeo dos Estados modernos
europeus bem como de seus complexos imperiais Categorias amplamente difundidas que
eram base dos estudos desenvolvidos ateacute aquele momento como centralizaccedilatildeo poliacutetica e
administrativa e poder absoluto seratildeo substituiacutedas pela identificaccedilatildeo da existecircncia de poderes
concorrentes ao do monarca dentro do sistema poliacutetico europeu 83
Esta nova abordagem seraacute consolidada com o desenvolvimento de estudos sobre o
Impeacuterio portuguecircs no exterior Aqui cabe destacar as importantes contribuiccedilotildees da tradiccedilatildeo
historiograacutefica anglo-saxocircnica principalmente os apontamentos do historiador inglecircs Charles
Boxer responsaacutevel por modificar a forma como se entendia a atuaccedilatildeo das elites coloniais
dentro do exerciacutecio de governaccedilatildeo no ultramar 84
Outro nome que merece ser lembrado eacute o de
AJR Russell-Wood aleacutem de desenvolver estudos sobre as categorias de centro e periferia o
autor iraacute tambeacutem apontar para a existecircncia dentro do sistema colonial de uma porosidade que
permitiu aos governos e autoridades locais margem para negociaccedilatildeo com a metroacutepole 85
Tambeacutem merece destaque a produccedilatildeo dos historiadores norte-americanos
responsaacuteveis por desenvolver obras sobre variadas dimensotildees da sociedade e da economia
colonial brasileira Stuart Schwartz seraacute responsaacutevel por identificar em seu claacutessico
ldquoBurocracia e sociedade no Brasil colonialrdquo 86
a incorporaccedilatildeo da magistratura portuguesa aos
interesses e dinacircmicas locais Outro historiador americano que iraacute influenciar sobremaneira
83
Sobre isto ver LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime na
Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de
governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005 84
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c
1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e
negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 161 85
Sobre isto ver AJR Russel-Wood Centro e periferia no mundo luso-brasileiro 1500-1808 Revista
brasileira de histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 nordm 36 (1998) 86
SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das letras 2013
33
esse processo revisionista eacute Jack Green que deu nova leitura a relaccedilatildeo colonial destacando a
existecircncia e importacircncia das negociaccedilotildees em diversos niacuteveis como uma realidade do sistema
poliacutetico portuguecircs 87
Esses estudos tambeacutem seratildeo desenvolvidos em Portugal onde se destacam os
apontamentos feitos por Antonio Manoel Hespanha em seu ldquoAs veacutesperas do Leviatatilde
instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVIIrdquo 88
e em estudos posteriores O autor iraacute
discutir a tatildeo esquemaacutetica visatildeo do Estado moderno centralizado tendo como base uma vasta
documentaccedilatildeo O centro nervoso da tese de Hespanha discute a autonomia dos corpos sociais
constituintes do Estado Portuguecircs Nele a monarquia eacute entendida como cabeccedila de um grande
corpo social os poderes do centro satildeo outorgados a indiviacuteduos e instituiccedilotildees nas periferias do
Impeacuterio para atuarem em nome do rei Portanto natildeo se despreza a importacircncia dos poderes
inferiores dentro do jogo poliacutetico No entanto somente a monarquia era capaz de unir e criar
nexo a um grande escopo de jurisdiccedilotildees que a abarcavam dentro do Reino e nos seus
domiacutenios ultramarinos
Dessa forma Hespanha define o Estado portuguecircs como
corporativista 89
Hespanha aponta como caracteriacutesticas primordiais da monarquia corporativa a divisatildeo
de poder no espaccedilo poliacutetico entre a coroa e os poderes subalternos o corpo legal estava
baseado na doutrina juriacutedica comum europeia mas eram muitos os casos em que as praacuteticas
consuetudinaacuterias prevaleciam o entrelaccedilamento entre deveres poliacuteticos e morais e por fim a
certa autonomia que possuiacuteam as autoridades reacutegias e a efetiva proteccedilatildeo a que estavam
sujeitos os seus direitos e atribuiccedilotildees 90
Parece-nos que Hespanha demonstra a todo tempo
natildeo a ldquofragilizaccedilatildeo do Estado Portuguecircsrdquo mas sim a relaccedilatildeo de interdependecircncia que iraacute se
desenvolver entre o reino e suas possessotildees ultramarinas
Essas concepccedilotildees iratildeo ganhar focirclego no Brasil principalmente nos anos 90 do seacuteculo
XX quando as pesquisas sobre as relaccedilotildees de poder passam a ganhar forccedila gerando uma seacuterie
de trabalhos empenhados em estudar as formas de governar e o funcionamento das
87
GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional History University
Press of Virginia 2ordf ed 1994 88
HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVII Coimbra
Almedina 1994 89
HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do impeacuterio colonial
portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios
no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 HESPANHA AM A
constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos correntes In FRAGOSO Joatildeo
GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda (Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica
imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 90
HESPANHA AM Ibdem P 46
34
instituiccedilotildees dentro do conjunto imperial Junto a estas pesquisas tambeacutem foram feitas
investigaccedilotildees para outras aacutereas do Impeacuterio dessa forma nos uacuteltimos anos tem se buscado
compreender os nexos imperiais que davam forma ao Impeacuterio portuguecircs 91
Esse alargamento de anaacutelise eacute bastante significativo uma vez que rompe com a ideia
da ineficiecircncia do sistema poliacutetico-administrativo portuguecircs essa ldquoineficiecircnciardquo passa entatildeo a
ser compreendida como uma caracteriacutestica da administraccedilatildeo colonial portuguesa 92
Seguindo
o mesmo caminho o do entendimento do Estado portuguecircs como corporativo uma seacuterie de
novos estudos comeccedilam a apontar para a importacircncia dos viacutenculos estrateacutegicos estabelecidos
pelos grupos integrantes do Estado
Dessa forma o papel central desempenhado pelas redes no interior do conjunto
imperial tem ganhado destaque nas discussotildees historiograacuteficas recentes A categoria de
ldquoredesrdquo utilizada neste trabalho parte dos pressupostos apontados em estudos recentes que
atestam a importacircncia deste mecanismo de articulaccedilatildeo tambeacutem na esfera mercantil Dentro
desta seara de pesquisa destacam-se as produccedilotildees de Joatildeo Fragoso Antocircnio Carlos Jucaacute de
Sampaio e Roquinaldo Ferreira 93
De acordo com Maria Fernanda Bicalho eacute incontestaacutevel para a historiografia que ateacute o
seacuteculo XVII o Estado portuguecircs se desenvolveu sobre o prisma corporativista 94
Apesar do
aparente consenso vale salientar que o modelo coorporativo lanccedilado por Hespanha natildeo eacute
unanimidade prova disso eacute o debate acadecircmico existente entre o autor e a historiadora Laura
91
LARA Silvia Hunold Op Cit P 32 92
HESPANHA AM Op Cit P 51 93
FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto de
conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social costumeira (Rio de Janeiro
1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e
negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 SAMPAIO
Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo nos quadros do Impeacuterio
portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica
imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 FERREIRA
Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial ultramarino portuguecircs In
FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio
portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 Para aleacutem desses autores as
produccedilotildees das historiadoras Maria de Faacutetima Gouvecirca e Mafalda Soares merecem destaque dentro da temaacutetica de
redes 94
BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da
monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima
(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro
Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 345-352
35
de Mello e Souza a despeito da centralidade do Impeacuterio Souza centra sua criacutetica na ldquopouca
atenccedilatildeo dada agrave especificidade dos diferentes contextos imperiaisrdquo 95
nos estudos do autor
De qualquer forma essa ldquorealidade corporativardquo comeccedila a ser alterada jaacute em fins do
XVII e iniacutecio do XVIII neste momento comeccedila a se desenvolver por toda a Europa um
processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real No caso de Portugal esse processo iraacute se
solidificar no reinado de Dom Joseacute I personificado pela pessoa de Sebastiatildeo Salgado de
Melo o Marquecircs de Pombal Dentro desse contexto poliacuteticas com o intuito de revitalizar o
comeacutercio portuguecircs foram postas em accedilatildeo Na capitania de Pernambuco importante polo
econocircmico da conquista essas accedilotildees seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois
organismos reguladores da economia local a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio
no ano de 1752 96
e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759
Neste cenaacuterio eacute criada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759 que se
tornaraacute a detentora do ldquocomeacutercio exclusivo das duas capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com
todos os seus distritos e nos quais ningueacutem mais podia extrair ldquomercadorias gecircneros ou
frutosrdquo 97
A Companhia que manteve o monopoacutelio comercial na regiatildeo ateacute o ano de 1780 iraacute
causar um grande impacto na economia da capitania modificando toda uma loacutegica comercial
baseada no livre comeacutercio que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco
Nossa pesquisa tende a se alinhar com o estudo desenvolvido por Avanete Pereira
sobre o exerciacutecio da governanccedila na municipalidade em Salvador na segunda metade do XVIII
98 Fica claro para noacutes que a centralizaccedilatildeo poliacutetica desejada pela Coroa nem sempre seraacute
aplicada de forma plena nos territoacuterios do ultramar As poliacuteticas pensadas para o Brasil
precisaram ser adaptadas agraves realidades coloniais principalmente se tratando de mudanccedilas
potencialmente prejudiciais economicamente agraves elites locais que haacute muito dominavam a
dinacircmica de instituiccedilotildees e negoacutecios no ultramar
O contrabando e as ilicitudes eram dinacircmicas corriqueiras nas aacutereas de atuaccedilatildeo de
sociedades exclusivistas Muitas vezes elas envolviam ateacute mesmo os agentes destas
95
SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica portuguesa do seacuteculo
XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006 P 48 96
Sobre a histoacuteria da Mesa de Inspeccedilatildeo de Pernambuco consultar CONTI Paulo Fillipy de Souza A casa das
qualidades pesos e preccedilos a mesa da inspeccedilatildeo do tabaco e accediluacutecar de pernambuco (1752-1777) 2016 182 f
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Federal de
Pernambuco 97
CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba
Lisboa Presenccedila 1982 p 224 98
PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da cacircmara da Bahia
(seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de governar
ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005
36
companhias e as autoridades reacutegias nos descaminhos Isto porque como afirma Fernando
Novais o contrabando era uma praacutetica comum dentro da economia colonial desde os seus
primoacuterdios Ainda segundo o autor tal praacutetica natildeo ldquonegava o sistemardquo nem deve ser entendida
como uma fissura ou uma exceccedilatildeo muito pelo contraacuterio o contrabando assim como a
concorrecircncia e as disputas entre as potecircncias europeias era parte da estrutura econocircmica
daquele tipo de sociedade operando dessa forma ldquodentro do mesmo sistema baacutesicordquo 99
Salientamos ainda que esse tipo de praacutetica foi extensiva e naturalizada natildeo soacute na
Ameacuterica Portuguesa mas nas diversas partes do mundo onde se desenvolveu a economia
colonial Em artigo que discute a noccedilatildeo de centralidade administrativa do governo portuguecircs
metropolitano Russel-Wood chama atenccedilatildeo para algo que ele denomina como ldquocultura de
evasatildeordquo ou seja a capacidade dos colonos luso-brasileiros de escaparem do controle reacutegio
Segundo o autor essa cultura iraacute assumir diversas formas como ldquoa recusa em pagar impostos
e taxas escamoteamento dos pontos de fiscalizaccedilatildeo evasatildeo do serviccedilo militar burla quanto a
inclusatildeo nas listas municipais []rdquo 100
As transgressotildees na capitania pernambucana natildeo se restringiram ao contrabando de
mercadorias realizado junto a praccedila baiana O cenaacuterio poliacutetico administrativo tambeacutem era
local de subversatildeo das diretivas reais Em artigo que discute questotildees de justiccedila e
administraccedilatildeo na capitania Maria Filomena Coelho relata as contendas ocorridas na segunda
metade do XVIII entre o Bispo de Olinda e o Juiz de Fora da regiatildeo que se acusavam
mutuamente de cometer desvios monetaacuterios e se utilizar de seus cargos de prestiacutegio para obter
vantagens Bem conhecido e reproduzido no mesmo artigo eacute o caso do provedor Francisco do
Rego Barros acusado de descaminhar da fazenda real uma grande soma de dinheiro e de
envolver os funcionaacuterios a ele submetidos no esquema iliacutecito 101
No artigo supracitado a autora opta por trabalhar com as categorias de suborno e
corrupccedilatildeo Nossa anaacutelise das fontes primaacuterias em conjunto com a leitura da historigrafia nos
leva a crer natildeo serem estes vocaacutebulos os mais adequados para se trabalhar a questatildeo da
ldquocultura de evasatildeordquo na Ameacuterica Portuguesa Como veremos a seguir consideramos que para
evitar cair em anacronismos seja essencial desassociar as praacuteticas transgressivas de seus
significados contemporacircneos
99
NOVAIS Fernando A P 88-92 100
A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista brasileira de
Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197 101
NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco (seacuteculo XVIII)
Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003
37
Nesta pesquisa a forma de evasatildeo que nos interessa eacute o contrabando Os contrabandos
extravios e descaminhos se constituiacuteram em praacuteticas recorrentes durante todo o seacuteculo XVIII
nas capitanias brasileiras Resultados de uma tentativa de fuga a gerecircncia da Coroa lanccedilados
sobre a proacutespera economia colonial que neste seacuteculo jaacute possuiacutea mais vulto que a
metropolitana Desta forma se faz necessaacuterio discutir neste momento o conceito de
contrabando buscando uma definiccedilatildeo que se adeque ao nosso objeto
Estudando a ligaccedilatildeo entre o contrabando e as elites na Buenos Aires do seacuteculo XVII
Zacarias Moutoukias afirma ser o comeacutercio natildeo autorizado a atividade comercial mais
importante do porto de Buenos Aires Aleacutem disso o autor iraacute destacar a participaccedilatildeo de
oficiais reacutegios nos esquemas ilegais admitindo ainda que a Coroa se adaptou a esta situaccedilatildeo
Para Moutoukias ldquola corrupcioacuten fue el processo por el cual los representantes locales del
poder central civiles y militares se integraron a dicha elite associaacutendola asiacute a la funcioacuten
imperialrdquo 102
Concordando com a perspectiva de Moutoukias Ernest Pijning iraacute afirmar que o
contrabando era algo ldquoinerente a economia do mundo atlacircntico preacute-moderno atuante em todos
os aspectos da sociedade luso-brasileirardquo 103
De acordo com Koselleck ldquoas palavras que permaneceram as mesmas natildeo satildeo por si
soacute indiacutecio suficiente da permanecircncia do mesmo conteuacutedo ou significado por elas designadosrdquo
104 Nesse sentindo concordamos com Cavancante
105 e Moutoukias
106 quando afirmam natildeo
ser possiacutevel relacionar o contrabando com o termo corrupccedilatildeo como conhecemos hoje O
contrabando era uma praacutetica enraizada na sociedade colonial e como sugere Pijning
dependendo da situaccedilatildeo e dos personagens envolvidos esse tipo de comeacutercio era aceito e ateacute
mesmo incentivado pela Coroa 107
Segundo o dicionaacuterio portuguecircs e latino de Bluteau contrabando significa ldquofazenda e
trato de fazenda furtada aos direitos ou tirada por alto sendo defeza a sua introduccedilatildeordquo 108
Ou
seja a definiccedilatildeo de contrabando no dicionaacuterio estaacute relacionada diretamente ao ato de fraudar a
102
MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el
siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 P 243 103
PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista
Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 P 399 104
KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos histoacutericos Rio de Janeiro
Contraponto Ed Puc-Rio 2006 P 105 105
Sobre isto ver CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica
Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 106
Sobre isto ver MOUTOUKIAS Zacarias Op Cit 107
PIJINING Ernest Ibdem P 400-403 108
BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de
Jesus Ano de 1712 P 321
38
fazenda real desviando o fisco Para o nosso estudo percebemos que a definiccedilatildeo claacutessica de
Bluteau natildeo se adequa inteiramente pois apesar de natildeo possuir o monopoacutelio comercial para
regiatildeo dos sertotildees comumente as autoridades locais vatildeo tratar as mercadorias transacionadas
entre as praccedilas de Bahia e Pernambuco via sertatildeo como contrabando mesmo quando estes
produtos chegavam as praccedilas comerciais de Pernambuco selados com selos de outras
alfacircndegas do Impeacuterio ou seja em algum momento aquela mercadoria havia pagado os
direitos reais
Percebemos durante a investigaccedilatildeo as fontes que existia uma grande confusatildeo quanto a
este comeacutercio feito pelos interiores Havia uma dificuldade das autoridades em classificar o
que era passiacutevel de puniccedilatildeo e poderia ser enquadrado como crime de contrabando e os casos
em que aquele tipo de negociaccedilatildeo era acobertada e permitida pela legislaccedilatildeo De acordo com
nossa observaccedilatildeo na duacutevida as autoridades reacutegias e oficiais da Companhia preferiam pecar
pelo excesso e realizar os sequestros para posterior investigaccedilatildeo Assim contamos em nosso
conjunto documental como seraacute demonstrado em capiacutetulo posterior com casos em que apoacutes
se efetuar a apreensatildeo a investigaccedilatildeo acaba por absolver os reacuteus seja por falta de provas ou
pela constataccedilatildeo de que natildeo se procedeu em descaminhos
Essa situaccedilatildeo acontecia pois natildeo existia uma delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa que
esclarecesse minuciosamente quais os portos se incluiacuteam na categoria de ldquoportos livresrdquo bem
como uma legislaccedilatildeo especiacutefica que regulamentasse quais os produtos poderiam transitar
entre estas paragens sem ofender o monopoacutelio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba
109 Segundo Koselleck os conceitos satildeo polissecircmicos reunindo em si ldquodiferentes totalidades
de sentidordquo 110
os casos coletados na nossa documentaccedilatildeo demonstram aleacutem disso como o
entendimento a respeito do que era considerado comeacutercio iliacutecito era fluiacutedo e variava de acordo
com a interpretaccedilatildeo dada pelas autoridades locais
Para o nosso tema o que pudemos perceber atraveacutes da investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias
eacute que o contrabando se constituiu em praacutetica recorrente ao longo dos vinte e um anos de
monopoacutelio praticado pela Companhia Geral A atividade iliacutecita que envolvia as proacuteprias
autoridades reacutegias oficiais e acionistas da Companhia em Pernambuco causaraacute grandes
preocupaccedilotildees por parte da Coroa e da Junta da empresa sediada em Lisboa virando assunto
recorrente na documentaccedilatildeo travada entre o Reino e os agentes locais de Pernambuco
109
Pelo menos ateacute o momento natildeo conseguimos localizar nenhum tipo de documento oficial que se referisse a
estes pontos 110
KOSELLECK Reinhart Op Cit P109
39
principalmente os governadores da capitania que eram encarregados sobre a mateacuteria
Discutiremos melhor esta questatildeo no terceiro capiacutetulo deste trabalho
Aleacutem de ser realizado de maneira extensiva durante todo o periacuteodo do monopoacutelio o
comeacutercio iliacutecito era praticado por uma grande diversidade de pessoas Apesar da existecircncia de
redes mercantis mais complexas que atuavam de maneira melhor estruturada esse comeacutercio
tambeacutem era feito em pequenas quantidades por pessoas comuns A anaacutelise das fontes nos
atenta para o fato de que havendo oportunidade de lucros pessoais o contrabando era
praticado por todos e entendido como algo banal
Devido ao caraacuteter pulverizado desse tipo de atividade mercantil os casos encontrados
na documentaccedilatildeo iratildeo apontar para uma gama muito diversa de personagens lugares e
mercadorias envolvidos nesse tipo de praacutetica No entanto eacute possiacutevel atestar com clareza a
existecircncia de um vigoroso circuito de comercio iliacutecito envolvendo as capitanias de
Pernambuco e Bahia As relaccedilotildees entre as duas praccedilas eram estreitas o contrabando de
gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa iratildeo permear todo o
periacuteodo proposto para este estudo
Vale ressaltar que antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral o comeacutercio entre
Pernambuco e Bahia jaacute existia e estava bem consolidado principalmente o comeacutercio de
carnes feito nos sertotildees que interligavam as duas praccedilas e que margeavam o Rio de Satildeo
Francisco De acordo com a historiografia a regiatildeo circundante ao Rio de Satildeo Francisco
sempre contou com uma grande densidade populacional de povos indiacutegenas 111
O que denota
a importacircncia da aacuterea natildeo soacute em termos geograacuteficos mas tambeacutem salienta o seu importante
papel como lugar de encontro de uma seacuterie de gentes
Como eacute amplamente sabido o processo de interiorizaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro iraacute
acontecer de forma tardia jaacute que em princiacutepio a colonizaccedilatildeo portuguesa deteve-se a povoar a
faixa litoracircnea do territoacuterio brasileiro soacute criando um movimento de expansatildeo em direccedilatildeo ao
interior em meados do seacuteculo XVII 112
De acordo com Capistrano de Abreu em livro claacutessico
a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial teve iniacutecio junto agraves capitanias do Norte notadamente
Bahia e Pernambuco Segundo o autor o proacuteprio Donataacuterio de Pernambuco Duarte Coelho
ainda no seacuteculo XVI nutriu ambiccedilotildees de conquistar o territoacuterio ao largo do Rio de Satildeo
111
NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte
Editora UFMG 2011 P 30 112
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco
pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111
40
Francisco Sabia-se jaacute a eacutepoca do potencial do local 113
Outro autor claacutessico Manoel Correa
de Andrade defende a tese de que o sertatildeo do que hoje conhecemos como nordeste foi
integrado agrave colonizaccedilatildeo portuguesa partindo de dois eixos centrais sendo estes Bahia e
Pernambuco 114
O movimento de integraccedilatildeo dos interiores eacute comumente associado agrave expansatildeo
pecuaacuteria pois desde 1701 a Coroa portuguesa havia proibido a criaccedilatildeo de gado a menos de
dez leacuteguas da costa 115
dessa forma os currais foram cada vez mais adentrando o espaccedilo
sertanejo seguindo o curso dos rios que forneciam os substratos necessaacuterios agrave sustentaccedilatildeo das
rezes bovinas e caprinas Pedro Puntoni confirma essa caracteriacutestica da pecuaacuteria desenvolvida
nas capitanias do norte de acordo com o autor
As fazendas de gado grosso modo acompanhavam as margens dos rios
uma vez que na regiatildeo semi-aacuterida o fornecimento de aacutegua era fator essencial
para garantir a ocupaccedilatildeo e a criaccedilatildeo do gado Os rios Satildeo Francisco ao sul e
o Parnaiacuteba ao norte eram os principais eixos da ocupaccedilatildeo por serem rios
perenes os demais na maioria seus afluentes ainda abrigavam algumas das
fazendas 116
Apesar da pecuaacuteria ser entendida como fator decisivo para a conquista dos sertotildees do
norte natildeo podemos esquecer o contexto em que se deu essa expansatildeo Eacute importante lembrar
que apoacutes a expulsatildeo dos holandeses em 1654 a economia accedilucareira foi fortemente abalada
natildeo soacute por fatores internos como o clima e as intempeacuteries a que estatildeo sujeitas qualquer tipo de
cultura tropical como tambeacutem por fatores externos como a concorrecircncia com a produccedilatildeo de
accediluacutecar antilhano e a consequente baixa de preccedilos dessa mercadoria aleacutem eacute claro do aumento
do preccedilo dos escravos dado a grande procura desse tipo de matildeo de obra em Aacutefrica 117
Assim o fluxo em sentido ao interior tambeacutem vinha atender a uma demanda da Coroa
que procurava alternativas para se livrar da crise econocircmica por qual passava a principal
cultura da colocircnia brasileira Dessa forma as expediccedilotildees aos sertotildees passaram a ser
frequentemente encorajadas Para animar e incentivar os colonos a desbravarem estas aacutereas a
113
ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet
1960 P 34 114
ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias
Humanas Ltda 1980 P 167 115
WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a
colonizaccedilatildeo do sertatildeo nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004 P
22 116
PUNTONI Pedro Ibidem P 24 117
PUNTONI Pedro Ibidem P 25
41
Coroa iraacute a partir da segunda metade do seacuteculo XVII doar sesmarias a homens que tiveram
papel de destaque nas batalhas travadas contra os holandeses 118
De acordo com Kalina Wanderlei apoacutes implementar a poliacutetica de doaccedilatildeo de terras e
de financiar uma seacuterie de diligecircncias para abrir caminhos naquelas paragens o Impeacuterio
Portuguecircs relegou estas imensidotildees de terra aos interesses privados Segundo a autora
Assim foi que a conquista dos interiores das capitanias do norte no seacuteculo
XVII tornou-se tarefa dos senhores seguindo o modelo inicial do projeto de
colonizaccedilatildeo onde aos donataacuterios e seus colonos cabia a instalaccedilatildeo da
induacutestria produtora e a defesa do territoacuterio contra a concorrecircncia externa e a
resistecircncia interna 119
middot
Cabe ainda ressaltar que a partir do Reinado de D Joatildeo V uma seacuterie de medidas e
accedilotildees seratildeo tomadas para garantir aos portugueses o controle efetivo de seus domiacutenios no
Ultramar Isto porque na Europa se vivia um momento de grande concorrecircncia comercial e de
contestaccedilatildeo de antigos tratados territoriais e seus limites a partir da elaboraccedilatildeo de modernos
estudos geograacuteficos e cartograacuteficos sobre o Novo Mundo Dentro desse contexto de
vulnerabilidade perante outras potecircncias era necessaacuterio que os diplomatas portugueses
buscassem novas formas de defender e legitimar os direitos juriacutedicos do Rei sobre os
territoacuterios ultramarinos nas negociaccedilotildees internacionais No entanto para que estes
argumentos tivessem forccedila era preciso conhecer o espaccedilo da colocircnia 120
As grandes porccedilotildees de terra que compunham a conquista no Brasil possuiacuteam ainda no
seacuteculo XVIII vastas aacutereas despovoadas e desconhecidas pelo Reino De acordo com Iacuteris
Kantor depois da Paz de Utrecht em 1713 que praticamente invalidava o antigo tratado de
Tordesilhas Espanha e Portugal vatildeo iniciar um mapeamento sistemaacutetico de suas conquistas
no aleacutem-mar As coroas ibeacutericas iratildeo neste momento investir na formaccedilatildeo de pessoal
qualificado e no custeamento de expediccedilotildees para o interior afim de que se produzissem
trabalhos geograacuteficos mais precisos 121
O projeto de elaboraccedilatildeo do ldquoNovo Atlas da Ameacuterica
Portuguesardquo iniciado em 1729 por exemplo eacute um desses esforccedilos empreendidos pela Corte
118
WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 119
WANDERLEI Kalina Ibidem P 137 120
Sobre isto ver KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica
(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 121
Idem
42
no sentido de oficializar o interior do territoacuterio assegurando a posse do Reino principalmente
sobre os espaccedilos que estavam sob litiacutegio 122
Durante o diretoacuterio pombalino estas poliacuteticas de reafirmaccedilatildeo do poder real seratildeo
reforccediladas atraveacutes da expansatildeo da rede administrativa 123
nas esferas civis e eclesiaacutesticas a
locais onde o poder estatal ainda natildeo chegava era necessaacuterio ldquoterritorializarrdquo aqueles espaccedilos
De acordo com Paulo Guedes o conceito de territoacuterio pode ser entendido como um espaccedilo
definido por e a partir de relaccedilotildees poliacuteticas e de poder ainda segundo o autor para se pensar
em territoacuterio na Ameacuterica Portuguesa necessariamente deve-se levar em conta suas
ldquojurisdiccedilotildees (militar religiosa tributaacuteria e judicial) considerando suas incongruecircncias em
relaccedilatildeo aos territoacuterios circunscritos ao acircmbito das capitaniasrdquo 124
Apesar de pequenas
discordacircncias o entendimento de que o conceito de territoacuterio estaacute intimamente relacionado
com a ideia de domiacutenio ou gestatildeo de uma determinada aacuterea eacute amplamente reconhecido pelos
estudiosos do assunto 125
A partir desse entendimento eacute que o geografo Manoel Correa de
Andrade afirma por exemplo que nos primeiros anos de sua colonizaccedilatildeo o Brasil era um
grande espaccedilo natildeo transformado em territoacuterio 126
Para aleacutem das querelas europeias deve-se pontuar que a partir do descobrimento das
minas de ouro nas Gerais vai-se assistir a um grande adensamento populacional naquelas
regiotildees interioranas principalmente entre as primeiras deacutecadas do seacuteculo XVIII Fazia-se
pois indispensaacutevel criar naqueles novos centros todo um aparato administrativo sobretudo
fiscal para regular e garantir os direitos reacutegios sobre os recursos minerais ali encontrados 127
A historiografia sobre as Minas tem demonstrado como a ocupaccedilatildeo daqueles territoacuterios
acabou por conectar uma grande malha espacial atraveacutes dos seus circuitos de comeacutercio que
movimentavam sobretudo as regiotildees interioranas das capitanias do norte incluindo as
paragens sertanejas de Pernambuco e Bahia
122
Sobre isto ver CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do
territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v43 n1 p 100-120 2016 123
Kantor Iacuteris Op Cit CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na
Ameacuterica portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39p001-
030 jan-abr2016 124
GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo
na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias
humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife P 54 125
Sobre este tema ver tambeacutem MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil
GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001 KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia
Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de
Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba UFPR-
SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 126
ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 43 ndash 51 127
CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A
criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P 15
43
Em resumo a ocupaccedilatildeo dos sertotildees foi um processo lento desenvolvido de modo
gradativo e pouco organizado No entanto a bibliografia eacute unanime em asseverar que apesar
de pouco unificado o movimento de interiorizaccedilatildeo sempre teve como base as duas capitanias
mais destacadas do Norte Pernambuco e Bahia Logo apoacutes esse primeiro momento de
conquista as regiotildees dos sertotildees passaram a atuar como importantes locais de circulaccedilatildeo
comercial Pesquisas recentes com as quais esse estudo conversa apontam para o dinamismo
que as regiotildees interioranas iratildeo exercer principalmente a partir do seacuteculo XVIII quando se
tem iniacutecio de forma mais concreta uma demanda do Reino em conhecer e dominar tais
regiotildees Estas zonas passam entatildeo a deter grande importacircncia para os fluxos comerciais
coloniais tanto nos circuitos locais quanto atlacircnticos
Para o nosso caso acreditamos que o fluxo comercial clandestino desenvolvido entre
Pernambuco e Bahia durante o periacuteodo de exclusivo comercial da Companhia Geral acabou
por expandir e reforccedilar as redes comerciais entre as duas capitanias e seus complexos
sertanejos jaacute que a partir daquele momento comerciantes e produtores que antes atuavam
livremente despachando e vendendo suas mercadorias a partir das praccedilas comerciais de
Pernambuco passaratildeo a recorrer a capitania vizinha para realizar seus negoacutecios
22 Os caminhos
Antes de nos atermos aos sertotildees que nos interessam nesta pesquisa cabe aqui uma
sucinta explanaccedilatildeo quanto ao uso do termo e suas aplicaccedilotildees Destacamos que origem da
palavra sertatildeo eacute incerta natildeo existe entre os autores que tratam do tema uma unidade em
relaccedilatildeo ao termo De acordo com Bluteau sertatildeo diz respeito a uma ldquoregiatildeo apartada do mar e
por todas as partes metida entre terrasrdquo 128
A definiccedilatildeo dada pelo autor setecentista remete a
ideia de sertatildeo como um lugar afastado do litoral distante e ateacute mesmo inexplorado Segundo
Kalina Wanderlei o imaginaacuterio acerca desse ambiente sertanejo iraacute se construir jaacute no primeiro
seacuteculo de colonizaccedilatildeo da zona accedilucareira A autora afirma que
Foi se construindo uma oposiccedilatildeo entre as regiotildees colonizadas da Ameacuterica
portuguesa e aquelas natildeo inseridas na jurisdiccedilatildeo metropolitana As primeiras
associadas ao litoral devido agrave proacutepria natureza do empreendimento
128
BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de
Jesus Ano de 1712 Tomo II P 613
44
canavieiro Criou-se assim uma dicotomia entre o espaccedilo considerado
civilizado e aquele considerado selvagem 129
Essa visatildeo dicotocircmica em que as categorias de sertatildeo e litoral satildeo construiacutedas em
sentidos opostos seraacute reforccedilada por outros autores que se utilizaram do discurso e
depoimentos de cronistas e autores coevos para estabelecer um entendimento do termo
Concordando com a autora Tiago Bonato iraacute dizer que
O imaginaacuterio do sertatildeo construiacutedo e reconstruiacutedo por cronistas
missionaacuterios padres intelectuais e sobretudo viajantes passa a ter um
caraacutecter aleacutem de simples oposiccedilatildeo ao litoral de ldquocontraste com a ideia de
regiatildeo colonialrdquo De um lado estaacute a civilizaccedilatildeo que a colonizaccedilatildeo trouxe de
outro o sertatildeo 130
De acordo com o geografo Antocircnio Carlos Robert Moraes o sertatildeo natildeo deve ser
compreendido como um lugar mas sim como ldquouma condiccedilatildeo atribuiacuteda a variados e
diferenciados lugaresrdquo 131
Afirma ainda o estudioso que no geral o sertatildeo eacute idealizado como
um espaccedilo que serve aos impulsos expansionistas na busca de incorporar tais aacutereas remotas a
determinados ldquofluxos econocircmicos ou a uma oacuterbita de poder que lhe escapa naquele momentordquo
132 continua atestando que por essa caracteriacutestica ldquotal denominaccedilatildeo geralmente eacute utilizada na
caracterizaccedilatildeo de aacutereas de soberania incerta imprecisa ou meramente formalrdquo 133
Dessa
forma o uso do termo seraacute utilizado para classificar aacutereas que carecem ser dominadas e
submetidas politicamente e integradas ao restante do territoacuterio
Podemos entatildeo perceber atraveacutes da bibliografia e da pesquisa as fontes primaacuterias que o
conceito de sertatildeo extrapola qualquer delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa Em termos
documentais ele seraacute comumente utilizado para designar uma seacuterie de aacutereas que se
encontravam fora do eixo litoracircneo e que durante um bom tempo foram ilustres desconhecidas
da maior parte dos habitantes da colocircnia brasileira e dos ministros reais sendo usado para
referenciar tudo aquilo que fosse vago estranho e afastado dos centros Ou seja os sertotildees
podem se descritos como aacutereas que natildeo estavam totalmente submetidos administrativa e
juridicamente agrave monarquia portuguesa
129
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas
vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111 130
BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash
1822) Guarapuava Unicentro 2014 P 52 131
MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003 P 2 Consultado no
dia 10112017 Disponiacutevel em httpjournalsopeneditionorgterrabrasilis341 DOI 104000terrabrasilis341 132
Ibidem P 3 133
Idem
45
Falando sobre o sertatildeo alvo deste estudo ainda no XVII a regiatildeo da ribeira do Rio de
Satildeo Francisco iraacute se desenvolver como importante zona de criaccedilatildeo de rezes bovinas e
cavalares sendo o local responsaacutevel pela distribuiccedilatildeo de carnes e couros para as feiras da
Bahia e de Pernambuco Na segunda metade do seacuteculo XVIII a regiatildeo do Aracati no Siaraacute
Grande sertatildeo pernambucano iraacute despontar como porto fornecedor de carnes salgadas e de
couros Ao longo do rio Jaguaribe que banha a vila de Santa Cruz do Aracati se
estabeleceram diversas oficinas especializadas na salga das carnes e na retirada de couros para
revenda Este porto seraacute muito visitado por comerciantes recifenses e baianos nos ldquotempos de
carnesrdquo quando iam ateacute a regiatildeo fazer negoacutecios e vender rebanhos 134
O estudo dos caminhos que levavam do litoral ao sertatildeo da capitania de Pernambuco
natildeo satildeo novos no intuito principalmente de buscar compreender as rotas por onde se
efetuaram o comeacutercio de gados e couros destacados estudiosos desenvolveram pesquisas
centradas nesta temaacutetica De acordo com Capistrano de Abreu ldquoNa segunda metade do seacuteculo
XVIII natildeo se penetrava no Recife aleacutem de Bezerros a quinze leacuteguas para o interior o que
ficava aleacutem entendia-se com a Bahiardquo 135
Discordando de Capistrano Manoel Correa de
Andrade iraacute afirmar que em 1774 o governo de Pernambuco na tentativa de minimizar a
influecircncia baiana na regiatildeo do Satildeo Francisco faraacute abrir dois caminhos para alcanccedilar o dito rio
136
O primeiro caminho sairia de Recife passando por Limoeiro atraveacutes do rio Capibaribe
chegava ao Pajeuacute para depois seguir em direccedilatildeo a Serra Talhada Floresta e finalmente
desembocar em Cabroboacute O segundo roteiro subia o Vale do Ipojuca ateacute chegar agrave Serra de
Ororobaacute de onde descia na direccedilatildeo sul ateacute a cidade de Inajaacute passando ainda por Tacaratu
Jatinatilde e por fim chegar em Cabroboacute Como se pode ver na imagem abaixo
134
ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas na Vila
de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais do XXVI Simpoacutesio
Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011 P 1-9 135
ABREU Capistrano de Op Cit P 65 136
ANDRADE Manoel Correia de Op Cit P 168
46
Mapa 1 ndash Caminhos do Gado para Olinda e Recife
Fonte ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria
Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980 P 169
Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello tambeacutem indica e comprova atraveacutes de
documentaccedilatildeo que a prerrogativa de Capistrano era errocircnea De acordo com Mello jaacute
existiam no seacuteculo XVIII dois roteiros de penetraccedilatildeo para o interior do territoacuterio
pernambucano que acompanhavam os vales dos rios O primeiro caminho o do Capibaribe
ldquoperlongava-o ateacute as nascentes e cortando territoacuterio paraibano atingia a ribeira do Pajeuacuterdquo 137
137
MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-
1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 10
47
nos atuais muniacutecipios pernambucanos de Itapetim e Satildeo Joseacute do Egito por onde se ldquoseguia ateacute
o Brejo do Gama de onde cruzava em direccedilatildeo a Cabroboacute a margem do Satildeo Franciscordquo 138
como podemos ver abaixo
Mapa 2 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738)
Fonte MELLO Joseacute Antocircnio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio
Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 12
138
Idem
48
O segundo caminho o do Ipojuca ldquoacompanhava o vale do rio deste nome e alcanccedilava
em seguida o do Moxotoacuterdquo 139
de onde chegava ao Satildeo Francisco na Boa Vista Percebemos
que apesar de pequenas discordacircncias os dois autores versaram sobre os mesmos caminhos a
saber o ldquoCaminho do Capibariberdquo e o ldquoCaminho do Ipojucardquo Para Mello os dois roteiros
tinham no Cariranha no limite sudoeste da capitania e regiatildeo de fronteira entre Bahia
Pernambuco e Minas seu ponto final
Mapa 3 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738)
Fonte MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio
Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 16
Infelizmente natildeo conseguimos descobrir nos acervos consultados ateacute o momento o
documento utilizado por Manoel Correa de Andrade para embasar sua afirmaccedilatildeo e construir
139
Idem
49
seu mapa no entanto foi possiacutevel localizar os documentos usados por Joseacute Antocircnio
Gonsalves de Mello O primeiro deles data do ano de 1738 e estaacute localizado no Arquivo do
Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB na Universidade de Satildeo Paulo ndash USP 140
trata-se natildeo
de um mapa 141
mas sim dos roteiros tanto do ldquocaminho que segue para Ipojuca e passa pelo
Urubaacute 142
das leacuteguasrdquo 143
quanto do ldquoassento das leacuteguas que fazem daqui ao Rodelas pelo
caminho do Capibariberdquo 144
descrevendo as localidades por onde esses caminhos passavam e a
distacircncia em leacuteguas deles
Faz-se cioso relacionar todas as toponiacutemias dos dois roteiros pois este trabalho jaacute foi
feito por Gonsalves de Mello na obra aqui relacionada No entanto vale a pena apontar onde
tinham iniacutecio e fim as ditas rotas e alguns de seus principais pontos de passagem a tiacutetulo de
comparaccedilotildees futuras O caminho do Capibaribe tinha iniacutecio no Engenho de Satildeo Joatildeo este
engenho fundado por Luiacutes Ramires ainda no seacuteculo XVI 145
estava localizado na margem
direita do Rio Capibaribe na freguesia da Vaacuterzea 146
o caminho passava por localidades como
ldquoMissatildeo do Limoeirordquo 147
ldquoSerra Talhadardquo 148
ldquoAngicosrdquo 149
ldquoJuazeirordquo 150
entre outros
terminando apenas no Cariranha regiatildeo limiacutetrofe entre Bahia Pernambuco e Minas Gerais O
segundo caminho o do Ipojuca comeccedilava em Santo Antatildeo atual municiacutepio de Vitoacuteria do
140
Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo
Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 141
O trabalho de Mapas que aparece no livro eacute criaccedilatildeo do grupo de pesquisas da divisatildeo de histoacuteria do instituto
de ciecircncias do homem do qual Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello participava 142
Tambeacutem conhecido como de Ararobaacute ou Ororobaacute 143
Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo
Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 144
Idem 145
PEREIRA DA COSTA F A Anais Pernambucanos 1795-1817 2ordf Ediccedilatildeo FUNDARPE Gov de
Pernambuco Recife 1983 Vol 2 535 vol 3 79 vol 7 325 PEREIRA Levy S Iuatildeo (engenho de bois) In
BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel em
httplhsunbbrbiblioatlasS_IuC3A3o_(engenho_de_bois) Data de acesso05072017 146
Atualmente a Vaacuterzea eacute um bairro da cidade do Recife localizado proacuteximo a Universidade Federal de
Pernambuco-UFPE 147
Atualmente conhecido como Limoeiro um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260890ampsearch=pernambuco|limoeiro|inf
ograficos-historico Data de acesso 05072017 148
O atual muniacutecipio do sertatildeo de Pernambuco manteacutem a mesma toponiacutemia Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261390ampsearch=pernambuco|serra-
talhada Data de acesso 05072017 149
Atual muniacutecipio do sertatildeo do estado do Rio Grande do Norte Dados do Instituto Brasileiro de geografia e
estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=240080ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017 150
Atual municiacutepio do Estado da Bahia situado no vale do Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphpcodmun=291840 Data
de acesso 05072017
50
Santo Antatildeo em Pernambuco e seguia por pontos como ldquoTacaraturdquo 151
ldquoCabroboacuterdquo 152
ldquoPilatildeo
Arcadordquo 153
entre outros tendo como fim tambeacutem o rio do Cariranha
O segundo documento utilizado por Gonsalves de Mello trata-se de um ofiacutecio enviado
pelo Bispo Azeredo Coutinho a Corte no ano de 1802 apesar de fugir de nosso recorte
temporal vale a pena observa-lo a tiacutetulo comparativo Mello refuta a indicativa de Capistrano
que alega que o Bispo Azeredo Coutinho tenha mandado abrir durante o seu governo um
caminho ligando a Praccedila de Olinda aos sertotildees 154
De acordo com o autor esse caminho era
justamente o ldquoCaminho do Ipojucardquo De fato a leitura do ofiacutecio da Junta Governativa da
Capitania de Pernambuco datada de julho de 1802 pode levar ao entendimento que partira do
Bispo Coutinho a ideia de abrir um caminho que ligasse Olinda aos sertotildeesmiddot visto que nele se
afirma que ldquouma das causas de natildeo haver maior abundacircncia de gados nesta Praccedila era a falta
de estradas para os sertotildees do Satildeo Franciscordquo 155
e que esta informaccedilatildeo chegou ateacute Portugal
atraveacutes ldquodo sect 3ordm do reacutegio aviso de 19 de setembro de 1799 dirigido pelo Exmo Sr Dr
Rodrigo de Sousa Coutinho ao Exmo Bispo desta dioceserdquo 156
Poreacutem como eacute sabido este
caminho jaacute era rota conhecida e utilizada
Para aleacutem destes dois importantes documentos conseguimos localizar tambeacutem junto
ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB da Universidade de Satildeo Paulo ndash USP um
documento datado de 1730 enviado ao ouvidor geral de Pernambuco com a seguinte ementa
ldquoPara o senhor doutor ouvidor geral ver os caminhos que satildeo necessaacuterios (serem) abertos para
seguir pela estrada de Santo Antatildeo para o rio de Satildeo Franciscordquo 157
Este documento de
autoria natildeo identificada descreve com precisatildeo o caminho que se fazia preciso abrir para
interligar o litoral da capitania com seus sertotildees atraveacutes do vale do Ipojuca
151
Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu
Data de acesso 05072017 152
Distrito do muniacutecipio de Pesqueira no agreste Pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de geografia e
estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data
de acesso 05072017 153
Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017 154
AHU ndash PE Cx 235 D 15875 155
Idem 156
Idem 157
Informaccedilatildeo prestada ao ouvidor geral sobre a necessidade da abertura de caminhos na regiatildeo do rio Satildeo
Francisco Arquivo IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-005
51
Essa rota segundo sugere a carta deveria comeccedilar na freguesia de Santo Amaro de
Jaboatatildeo onde seria necessaacuterio ldquoabrir os caminhos e tanto de enxada como de foice e
machado ateacute o siacutetio chamado as queimadasrdquo 158
Naquele ponto comeccedilaria a freguesia de
Santo Antatildeo da Mata onde se fazia preciso abrir passagem ateacute o rio das Pedras de Ipojuca
local onde terminava a freguesia de Santo Antatildeo Atravessando o rio das Pedras para seu
outro lado se chegaria a freguesia do Ararobaacute que era ldquoa mais fechada estrada que se acha em
todo o sertatildeo por nunca ser aberta no tempo em que se comeccedilou a cultivar e hoje jaacute a deixam
muitos passageiros pela natildeo poderem seguir com os seus comboiosrdquo 159
adverte o autor que
ali deveria se abrir aleacutem de uma estrada para o Rio de Satildeo Francisco outra que levasse para a
ldquomissatildeordquo do Ararobaacute e dali para o Pajeuacute
Continua alertando que era preciso por poccedilas puacuteblicas ldquocom caminhos e cruz na
estradardquo jaacute que esta rota ficava afastada Prossegue afirmando que o principal trecho que se
deveria abrir era o da Lagoa da Pedra do Tacaete e todas as aguadas do Riacho Libaral
Pedra do Cachorro e Lagoinha ldquofazendo-lhes caminho para sair para a porteira do macacordquo
160 Diz ainda que se deviam pocircr cruzes por todo o riacho do Mororoacute A aacuterea proacutexima do
Mororoacute segundo a descriccedilatildeo feita era toda ldquocultivada de moradores e fazendasrdquo 161
aleacutem
disso a localidade contava com aldeias de gentio de naccedilatildeo Xucuru Paraguaio Parariconha e
Carnejo
Nosso autor desconhecido aconselha ainda que a estrada se construa em poucos dias e
que ali no siacutetio chamado Tacalico se findava a freguesia do Pajeuacute onde por sua vez tinha
iniacutecio a freguesia de Cabroboacute Daquele ponto era necessaacuterio que se abrisse do siacutetio Tacaratu
ateacute o Rio de Satildeo Francisco uma distacircncia de aproximadamente cinco leacuteguas Continua dando
detalhes sobre os caminhos daquele sertatildeo afirmando que ldquoseguindo para as minas se
caminha a vista do dito Rio (Satildeo Francisco) 35 leacuteguas largando o tal rio se passa o rio das
Velhas na barra donde se encontra com o de Satildeo Franciscordquo 162
o fim deste caminho eacute
apontado pelo autor como a regiatildeo do Cariranha que ficava afastada cerca de 200 leacuteguas das
minas de ouro
158
Idem 159
Idem 160
Idem 161
Idem 162
Idem
52
Por fim sugere que o caminho seja aberto no mecircs de outubro e novembro pois naquela
eacutepoca havia ldquoabundacircncia de aacuteguas para os trabalhadoresrdquo 163
Advertia poreacutem que nesta
estrada seria necessaacuterio caminhar dois dias por dentro de um rio chamado Moxotoacute e que em
determinadas ocasiotildees o mesmo ficava inundado impossibilitando que o trabalho de abertura
fosse feito Aleacutem disso aquele rio era frequentado anualmente pelos povos nativos das naccedilotildees
Paraguaio e Parariconha
Na tentativa de entendermos um pouco melhor o roteiro aqui descrito faremos uma
breve explanaccedilatildeo das principais freguesias descritas no documento Para isso utilizaremos
como base um documento riquiacutessimo enviado a corte pelo governador de Pernambuco a
eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses onde o mesmo faz uma descriccedilatildeo detalhada da capitania
pernambucana relacionando todas suas freguesias povoaccedilotildees respectivas economias
caracteriacutesticas ambientais entre outros traccedilos daquelas paragens 164
De acordo com o documento da segunda metade do XVIII a freguesia de Santo
Amaro de Jaboatatildeo 165
atual municiacutepio de Jaboatatildeo dos Guararapes em Pernambuco onde
teria iniacutecio o caminho sugerido ao Ouvidor Mor tinha dez leacuteguas de aacuterea fazendo fronteira
com as freguesias de Satildeo Lourenccedilo da Mata 166
ao Norte e a leste com a freguesia da Vargem
167 A freguesia contava com 14 engenhos destes oito moiacuteam com aacutegua e seis com cavalos
Possuiacutea duas ribeiras ldquoa do Jaboatatildeo que tem seu principio em uma matardquo 168
e o outro rio era
o do Gajauacute as margens do uacuteltimo estavam situados os engenhos de aacutegua A povoaccedilatildeo natildeo
passava de uma pequena aldeia e seus habitantes viviam majoritariamente de suas plantaccedilotildees
de accediluacutecar algodatildeo e mandioca
Dando seguimento ao percurso sugerido chegaria-se a freguesia de Santo Antatildeo da
Mata atual municiacutepio de Vitoacuteria de Santo Antatildeo este jaacute era considerado um local sertanejo
163
Idem 164
Este documento que pode ser encontrando na coleccedilatildeo especial para Pernambuco existente na Biblioteca
Nacional natildeo possui uma dataccedilatildeo especiacutefica apenas eacute indicado que os dados nele contido comeccedilaram a ser
levantados no ano de 1774 Acreditamos que o relatoacuterio feito pelo governador esteja relacionado agraves tentativas da
Coroa jaacute comentadas neste capiacutetulo sobretudo no periacuteodo Pombalino de buscar conhecer melhor seu territoacuterio
Referecircncia ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices)
ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 165
Atual municiacutepio do agreste pernambucano que assumiu o nome de Jaboatatildeo dos Guararapes 166
Atual municiacutepio da regiatildeo metropolitana do Recife Dados do Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica-
IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261370ampsearch=pernambuco|sao-
lourenco-da-mata Data de acesso 05072017 167
Atual bairro da Vaacuterzea localizado na cidade do Recife 168
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
53
A freguesia tinha ldquo5 leacuteguas donde parte com o curato de Satildeo Joseacute chamado dos Bezerros 169
extrema-se com a freguesia de S Antocircnio do Ururuba 170
dos iacutendiosrdquo 171
Segundo o mesmo
documento os sertotildees daquela freguesia eram secos e o rio mais destacado do lugar era o
Pajeacuteu ldquoo qual vai fazer barra no Rio de Satildeo Franciscordquo 172
Sobre a populaccedilatildeo e economia
local o documento afirma que eram poucos os engenhos dedicados ao fabrico de accediluacutecar no
lugar apenas trecircs apesar de haverem outros dedicados ao mel e as engenhocas de rapadura O
nuacutemero de habitantes era alto e viviam de vender ldquoseus gadinhosrdquo 173
e ldquoefeitos e panos de
algodatildeordquo 174
nas feiras locais Segundo o relato o comeacutercio de panos de algodatildeo no lugar
atraia ateacute mesmo comboios dos sertotildees de Minas O que confirma estar agrave localidade inserida
nos roteiros que ligavam aos sertotildees
Depois da freguesia de Santo Antatildeo da Mata o caminho indicava que se seguisse pelo
rio Ipojuca ateacute o siacutetio ldquoCaruarurdquo que a anaacutelise da rota nos leva a crer se tratar do atual
muniacutecipio do agreste Pernambuco de mesmo nome Depois desse momento se fazia
necessaacuterio seguir para a freguesia do Ararobaacute Em documento do ano de 1780 que pretendia
compilar as cidades e vilas da capitania de Pernambuco e suas respectivas freguesias a
seguinte menccedilatildeo eacute feita quanto tal localidade ldquodo Araroba Rodelas Rio Grande do Sul natildeo
chegaram as relaccedilotildees por serem partes muito distantesrdquo 175
Nesta mesma relaccedilatildeo estima-se
que a freguesia do Ararobaacute estava a 80 leacuteguas de distacircncia de Recife
No documento remetido por Joseacute Cesar de Meneses a dita freguesia estaacute inserida
dentro do chamado ldquosertatildeo dos Garanhusrdquo 176
Ela tinha iniacutecio em um local conhecido como
ldquoCapacaccedilardquo que era pouco povoado havendo ldquomuitas leacuteguas sem habitadoresrdquo 177
As vilas de
169
Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros Data de
acesso 05072017 170
Conhecida tambeacutem como Ararobaacute ou Ororobaacute 171
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 172
Idem 173
Idem 174
Idem 175
Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo IEB-USP Fundo
Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010 176
Atualmente a cidade de Garanhus eacute um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260600ampsearch=pernambuco|garanhuns Data
de acesso 05072017 177
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
54
Simbres dos Iacutendios 178
a de Aacuteguas Belas 179
a do Riacho do Navio180
Pipaacuteoacute 181
e Arapuaacute 182
faziam parte da freguesia Boa parte dessas localidades ainda hoje preservam as toponiacutemias
do XVIII estando situadas entre o agreste de Pernambuco e a regiatildeo do vale do Satildeo
Francisco Quanto a dinacircmica comercial local o manuscrito revela ser tal freguesia ldquomui
pobrerdquo 183
sua populaccedilatildeo vivia de plantar lavouras de milho roccedila canas de accediluacutecar feijotildees
fazer mel rapadura e tambeacutem dos negoacutecios das carnes criando boiadas curtindo e vendendo
couros e solas atravessando gados para Bahia e Pernambuco etc
Seguindo nosso roteiro do Ararobaacute era necessaacuterio se abrir caminho natildeo soacute da estrada
que levava ao Rio Satildeo Francisco mas tambeacutem da missatildeo de Araroba 184
ateacute o Pajeuacute O ldquosertatildeo
do Pajeuacuterdquo era extenso nele estavam inseridas quatro importantes freguesias sertanejas
Cabroboacute 185
Satildeo Joseacute dos Bezerros 186
Tacaratu 187
e por fim Pilatildeo Arcado 188
Apoacutes a
178
Atual distrito do municiacutepio de Pesqueira localizado no agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data de acesso 05072017 179
Atual municiacutepio de Aacuteguas Belas localizado no agreste de Pernambuco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260050ampsearch=pernambuco|C381gu
as-belas Data de acesso 05072017 180
O Riacho do navio eacute um curso fluvial que atravessa o sertatildeo de Pernambuco sendo um dos principais
afluentes do Rio de Satildeo Francisco O curso nasce no atual municiacutepio de Floresta em Pernambuco Dados do
Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=260570 Data de acesso 05072017 181
Infelizmente natildeo conseguimos identificar onde se encontra tal localidade atualmente 182
Acreditamos que o autor quis se referir as proximidades da ldquoSerra do Arapuaacuterdquo localizada atualmente no
distrito de Carnaubeira da Penha situado na regiatildeo do Satildeo Francisco e inscrito na bacia do Rio Pajeuacute 183
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 184
De acordo com a bibliografia consultada a missatildeo do Araroba ou Ararobaacute ficava localizada entre os atuais
municiacutepios de Aacuteguas Belas e Garanhus Referecircncia DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na
constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume
282 ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os acossamentos de
Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII) Rev Bras Hist [online] 2015
vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016 MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute
e Rio Grande catequese violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22 185
Atual municiacutepio do sertatildeo pernambucano que conserva o mesmo nome Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260300ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017 186
Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros 187
Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu
Data de acesso 05072017 188
Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017
55
chegada ao Pajeuacute o autor adverte que se deve abrir principalmente o caminho da Lagoa da
Pedra do Tacaete e as aguadas do Riacho Libaral Pedra do Cachorro e Lagoinha
Ateacute o momento natildeo conseguimos identificar onde estaria situada atualmente a ldquoLagoa
da Pedra do Tacaeterdquo Para as outras localidades foi possiacutevel localizar seus atuais logradouros
o Riacho Libaral estaacute situado no atual municiacutepio de Sanharoacute a Pedra do Cachorro um
afloramento rochoso que atualmente atrai turistas para praacutetica de esportes radicais fica em
Satildeo Caetano Por fim Lagoinha diz respeito ao municiacutepio de Alagoinhas todas estas cidades
compotildeem a zona agreste de Pernambuco e fazem parte da microrregiatildeo do vale do Ipojuca 189
Seguindo o caminho traccedilado no documento base era orientado que nos ldquocaldeiros do
riacho do Mororoacuterdquo 190
fossem postos cruzes o dito riacho estaacute localizado atualmente no
municiacutepio de Pedra no agreste de Pernambuco de acordo com nossa rota era uma freguesia
extensa com cerca de 70 leacuteguas de comprimento e seu fim era fronteiriccedilo com a freguesia de
Cabroboacute 191
Cabroboacute era um importante ponto de passagem dos caminhos interioranos
possuiacutea 60 fazendas de gado vacum e cavalar seu principal rio era o do Pajeuacute ldquodonde toma
nome este sertatildeordquo 192
Os povos locais viviam de criar gados e os negociavam tanta na Bahia
como em Pernambuco ao que consta nos manuscritos o cultivo no local era pequeno
dedicado apenas a subsistecircncia da populaccedilatildeo local
Dando prosseguimento no guia de Cabroboacute se fazia necessaacuterio abrir os caminhos ateacute o
ldquoSiacutetio Tacaraturdquo 193
Pouco se fala sobre a freguesia de Tacaratu no documento base que aqui
nos utilizamos explica-se apenas que possuiacutea cerca de 60 fazendas e que alguns recantos
daquela freguesia eram totalmente despovoados isto porque tais locais ldquonatildeo servem de criar
gados por falta de aacuteguasrdquo 194
Quanto a economia local afirma-se que sua populaccedilatildeo vivia de
criar seus gados outros de seus negoacutecios de passar boiadas para Bahia e da laacute traziam ldquovaacuterias
189
Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas - APAC Disponiacutevel em
httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=17 Data de acesso 05072017 190
191
Fizemos um caacutelculo estimado para verificar se a informaccedilatildeo era coerente Considerando que cada leacutegua
equivale a cerca de 48 km e que o cumprimento da freguesia de Pedra ateacute o Cabroboacute seria de 70 leacuteguas
Multiplicamos 70 x 48 chegando ao valor de 336km Utilizando o recurso do Google Maps traccedilamos uma rota
entre Cabroboacute e Pedra (rodoviaacuteria) satildeo trecircs os caminhos possiacuteveis apontados pelo programa suas
quilometragens satildeo respectivamente 293 km 342 km e 352 km Valores bem proacuteximos de nossa estimativa 192
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 193
Atualmente Tacaratu eacute um muniacutecipio pernambucano localizado na regiatildeo do Meacutedio Satildeo Francisco Dados do
Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu Data de
acesso 05072017 194
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
56
fazendas para seu comeacuterciordquo 195
A atual cidade de Tacaratu muniacutecipio do estado de
Pernambuco estaacute inserida na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco
De acordo com nossa rota a distacircncia entre Tacaratu e o Rio de Satildeo Francisco era de
aproximadamente cinco leacuteguas Dali o caminho seguiria em direccedilatildeo ao atual estado de Minas
Gerais passando-se do Rio de Satildeo Francisco para o Rio das Velhas A capitania
pernambucana se estremava com a mineira atraveacutes do Cariranha esta localidade seguindo os
dados de nosso guia ficava a aproximadamente 200 leacuteguas afastada da regiatildeo das minas de
ouro
Por fim a rota aqui descrita refere-se ao rio Moxotoacute afirmando que para se abrir tal
caminho era preciso caminhar por cerca de dois dias dentro de tal rio O rio que preserva o
mesmo nome da eacutepoca banha os estados de Pernambuco e Alagoas sua nascente se encontra
no atual muniacutecipio de Sertacircnia no sertatildeo pernambucano e o mesmo desagua no Rio de Satildeo
Francisco De acordo com dados da Agecircncia pernambucana de aacuteguas e climas ndash APAC 196
a
bacia do rio Moxotoacute possui uma aacuterea total de 974401 kmsup2 e abrange 12 municiacutepios
pernambucanos total ou parcialmente Sendo eles Inajaacute Sertacircnia Arcoverde Custoacutedia
Ibimirim Manari e Tacaratu Buiacuteque Floresta Jatobaacute Iguaraci e Tupanatinga todas estas
cidades estatildeo compreendidas na regiatildeo do sertatildeo do estado
Para visualizarmos melhor o caminho aqui descrito traccedilamos um caminho aproximado
da rota de 1730 Como podemos ver na imagem abaixo
195
Idem 196
Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas ndash APAC Disponiacutevel em
httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=18 Data do acesso 05072017
57
Mapa 4 ndash Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha (1730)
Fonte Jeacutessica Rocha de Sousa Ana Maria Cuentro Barros Imagem aproximada da Rota do Ipojuca para o
Rio de Satildeo Francisco (1730) Imagem criada com o auxiacutelio do programa Adobe Illustrator
Como eacute possiacutevel notar atraveacutes da anaacutelise da rota aqui feita o caminho sugerido se
aproxima bastante do ldquocaminho do Ipojucardquo descrito no roteiro de 1738 e mapeado por
Antocircnio Gonsalves de Melo Dessa forma podemos concluir que se este documento natildeo foi
exclusivamente o guia para abertura de tal roteiro pelo menos indicava uma demanda real que
de fato foi atendida em algum momento entre 1730 e 1738 pois a partir da uacuteltima data jaacute era
possiacutevel acessar o sertatildeo ateacute o Rio de Satildeo Francisco atraveacutes do Rio Ipojuca e seus afluentes
Demonstramos atraveacutes da documentaccedilatildeo aqui elencada que os sertotildees fronteiriccedilos a
Bahia e Pernambuco eram dinacircmicos Muitas eram as localidades sertanejas apontadas nos
manuscritos que comercializavam com as duas praccedilas A conexatildeo entre as duas capitanias
eram extensas e no periacuteodo aqui estudado jaacute estavam bem consolidadas De maneira geral o
estudo sobre as rotas de penetraccedilatildeo tendem a trataacute-las apenas como caminhos pelo qual se
58
passavam os gados no entanto deve-se atentar que outros negoacutecios tambeacutem ocorriam nestas
paragens isto eacute os caminhos natildeo serviam exclusivamente ao comeacutercio das carnes e couros
Estudos mais recentes tem se dedicado a demonstrar o dinamismo do comeacutercio
sertanejo em suas conexotildees com a economia colonial estes trabalhos tem sido essenciais no
sentido de renovar a perspectiva sobre os negoacutecios desenvolvidos nas regiotildees interioranas Ao
analisar as relaccedilotildees que uniam os sertotildees da Bahia a Minas Gerais Isnara Pereira Ivo iraacute
alertar para ldquoo papel econocircmico e comercial dos sertotildeesrdquo 197
que por muitas vezes era
ldquominimizado como meros fornecedores de carnerdquo 198
a autora iraacute afirmar que este papel
ldquoredimensiona-se quando percebido como parte de uma articulaccedilatildeo econocircmica cultural e
poliacutetica maior permeada de especificidades e dinamismosrdquo 199
Ou seja Ivo chama a atenccedilatildeo
para vitalidade inclusive comercial daquelas regiotildees que no seacuteculo XVIII jaacute possuiacuteam um
ritmo proacuteprio de desenvolvimento e se encontravam conectadas ao litoral e ao aleacutem-mar
sendo peccedila importante da economia colonial
Em dissertaccedilatildeo que trata sobre a participaccedilatildeo dos negociantes pernambucanos no
comeacutercio de abastecimento da regiatildeo mineradora no seacuteculo XVIII Hugo Demeacutetrio Nunes
Teixeira Bonifaacutecio tambeacutem iraacute defender a tese do intenso movimento comercial daquelas
paragens O autor afirmaraacute que ldquoo sertatildeo era uma regiatildeo economicamente dinacircmica capaz de
prover gecircneros dos quais necessitavam por exemplo a regiatildeo das Minasrdquo 200
Cabe aqui
ressaltar que os sertotildees a que se refere Bonifaacutecio satildeo os de Pernambuco e Bahia em suas
conexotildees com as Minas de ouro
Esse dinamismo nas regiotildees interioranas tambeacutem poderaacute ser observado nas relaccedilotildees
que uniam Pernambuco a Bahia A introduccedilatildeo das barcas de passagens que faziam o
transporte de pessoas e cargas entre as duas margens do Rio de Satildeo Francisco 201
por
exemplo eacute demonstrativa do grande tracircnsito comercial estabelecido naqueles sertotildees e
denotam a tentativa da Coroa de tentar de alguma forma regulamentar aquele comeacutercio que
fugia ao controle do fisco real Visto que as tais passagens passam a fazer parte do conjunto
dos contratos reais formas de arrecadaccedilatildeo tributaacuteria utilizadas em Portugal desde o seacuteculo
197
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica
Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 115 198
Idem 199
Idem 200
BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de
Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII
Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e
Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 201
NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte Editora
UFMG 2011 P 85 AHU ndash PE Cx 133 D 9987
59
XVI 202
Analisando a implementaccedilatildeo das barcas de passagem que conectavam os rios
sertanejos as minas de ouro Isnara Pereiro Ivo afirmaraacute que
Os arrendamentos das passagens dos rios faziam parte do sistema de
contratos e estavam relacionados ao descobrimento do ouro agraves formas de
controle e descaminho e agrave ampliaccedilatildeo das receitas reais Eram feitos por
leilatildeo no Conselho Ultramarino e no ato da assinatura do contrato o
contratador assumia a obrigaccedilatildeo de pagar 1 destinado as propinas
municcedilotildees e construccedilotildees de fortalezas no ultramar e de restituir a Coroa em
trecircs anos o restante do montante a ser pago Os contratos podiam ser
arrematados tanto por um soacute individuo quanto por um grupo 203
Aqui em Pernambuco o processo de arremataccedilatildeo das tais passagens parece ter ocorrido
de forma semelhante De acordo com ofiacutecio datado de 1779 as barcas iratildeo surgir no Satildeo
Francisco por iacutempeto de um morador da regiatildeo de Rodelas que observara o ldquoincomodo e
risco que corriam os passageiros e comboios na falta de barca que os passassemrdquo 204
por isso
resolveu por uma barca no Satildeo Francisco na regiatildeo de Juazeiro Fez isso o morador sem
ldquoprocurar licenccedila para o fazer nem contribuir para a real fazenda com parte do seu
rendimentordquo 205
Quando o governador de Pernambuco a eacutepoca Duarte Sodreacute descobriu tal
negoacutecio ordenou ao comandante do distrito por o rendimento daquela passagem para
arremataccedilatildeo em praccedila puacuteblica
O morador pioneiro ofereceu 300000 reis pelo triecircnio do contrato como era de
costume No entanto o governador por acreditar que tal contrato valesse mais o mandou
colocar em leilatildeo no Recife Natildeo houve entretanto quem quisesse pagar mais por ele A
desconfianccedila reacutegia acerca dos rendimentos gerados a partir das barcas de passagens na regiatildeo
do Satildeo Francisco natildeo seraacute exclusividade da sua gecircnese em diversos outros momentos o
Conselho Ultramarino iraacute exigir que se procedesse agrave investigaccedilatildeo sobre os rendimentos
daqueles contratos 206
A desconfianccedila dos agentes reacutegios era de que os mercadores
mancomunados faziam ofertas bem abaixo da meacutedia de geraccedilatildeo de lucros daquele
investimento Todo esse clima de suspeita eacute demonstrativo da falta de conhecimento concreto
da Coroa a respeito dos negoacutecios que se praticavam nos sertotildees resultado de uma poliacutetica
administrativa que soacute se preocupou tardiamente por aquelas aacutereas
202
IVO Isnara Pereira Op Cit P 159 203
Idem 204
AHU ndash PE Cx 133 D 9987 205
Idem 206
Idem AHU ndash PE Cx 151 D 9853AHU ndash PE Cx 88 D 7150
60
Natildeo sabemos o nome do dito morador mas sabemos que seu filho Joatildeo Moreira da
Costa e Silva em 1759 fez requerimento ao Rei solicitando ser provido com o direito a
propriedade das passagens do Rio de Satildeo Francisco Neste documento Joatildeo Moreira afirma
ter sido seu pai o descobridor da passagem do Juazeiro e das outras nove passagens que iratildeo
se instalar naquele rio Ele propotildee ao rei que lhe faccedila a mercecirc de lhe conceder a propriedade
das passagens durante toda sua vida ficando o suplicante na obrigaccedilatildeo de ldquofazer bons em cada
um ano para a real fazenda 200000 reacuteisrdquo 207
Temos o conhecimento de que eram dez as passagens do Rio de Satildeo Francisco
administradas pela capitania de Pernambuco No ano de 1756 cinco dessas passagens por
pedido do Ouvidor da Comarca de Jacobina na Bahia passaratildeo a ter seus rendimentos
gerenciados pela cacircmara da Vila da Barra de Satildeo Francisco das Chagas como meio de gerar
fundos para construccedilatildeo da cadeia da nova vila passado dez anos esses contratos deveriam ser
assimilados a Provedoria Mor da Bahia Essa resoluccedilatildeo natildeo iraacute agradar ao governo de
Pernambuco que anos mais tarde iraacute requerer a reincorporaccedilatildeo das tais passagens agrave capitania
de origem As cinco passagens submetidas agrave cacircmara da Vila da Barra de S Francisco das
Chagas se situavam em Bom Jardim Barra Rio Preto Cariranha e Rio Corrente As da parte
de Pernambuco ficavam em Juazeiro Pilatildeo Arcado Surubabeacute Petra e Currais dos Bois 208
Um documento do ano de 1778 esclarece quais as condiccedilotildees e deveres a que estavam
sujeitos os contratadores das passagens do Satildeo Francisco aqui em Pernambuco Os contratos
poderiam ser arrendados por um uacutenico indiviacuteduo ou por soacutecios ficava o contratador livre para
ldquocobrar-se tudo que pertence a Fazenda Realrdquo 209
O contrato deveria ser pago a Tesouraria
Geral e Deputado da Junta da Fazenda Real atraveacutes de parcelas a cada seis meses e em
dinheiro fiacutesico Tinham por obrigaccedilatildeo ainda o contratador e seus soacutecios pagarem propina de
1 para obras pias Em relaccedilatildeo agraves barcas cabia ao contratador escolher se compraria as
embarcaccedilotildees do uacuteltimo arrendataacuterio ou se mandaria construir novas sendo determinado pelo
regulamento que o contratador antecedente negociasse preccedilos justos pelas embarcaccedilotildees
De acordo com nossas fontes se cobravam os fretes pelos seguintes produtos Cabeccedilas
de gado vacum cabeccedilas de gado vacum que passam a nado cabeccedilas de gado cavalar mansos
cabeccedilas de gado serrilho cargas passageiros e escravos Cada barca tinha um piloto e cerca
de dois a quatro marinheiros que a servia 210
Os maiores ganhos foram observados na
207
AHU ndash PE Cx 88 D 7150 208
AHU ndash PE Cx 133 D 9987 209
AHU ndash PE Cx 131 D 9853 210
AHU ndash PE Cx 133 D 9987
61
passagem do Juazeiro regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias de Bahia e Pernambuco 211
A
categoria ldquocargasrdquo natildeo especiacutefica os produtos autorizados a circular naquelas embarcaccedilotildees
com certeza muitas mercadorias das chamadas ldquovedadasrdquo se fizeram passar por esses pontos
do rio inclusive o ouro proveniente da regiatildeo das minas 212
Outra questatildeo que vale destacar na discussatildeo sobre os sertotildees envolvidos nesta
pesquisa diz respeito a relaccedilatildeo que algumas freguesias iratildeo manter concomitantemente com
as capitanias de Bahia e Pernambuco A ldquoComarca da Manga que segue o Rio de Satildeo
Francisco acima Vila de Satildeo Francisco na Barra do Rio Grande do Sulrdquo por exemplo estava
sujeita em questotildees de justiccedila ao ouvidor da Jacobina Bahia mas pertencia o ldquogoverno das
almasrdquo ao bispo de Pernambuco 213
Como jaacute discutido as questotildees de limites e de
administraccedilatildeo nas aacutereas interioranas iratildeo se dar de maneira singular naquelas paragens o
cotidiano das povoaccedilotildees e as proximidades entre uma e outra capitania parecem ter dado o
ritmo agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila
Os sertotildees setecentistas possuiacuteam vitalidade e energia e satildeo descritos nos documentos
de eacutepoca como locais propiacutecios ao desenvolvimento de praacuteticas mercantis Neste trabalho
estas relaccedilotildees mercantis iratildeo assumir contornos especiais Afinal de contas entre 1759 e
1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia Geral de Pernambuco e
Paraiacuteba No nosso caso percebemos que paralelamente a um mercado legal e reconhecido se
fez surgir naqueles espaccedilos uma seacuterie de atividades extralegais As redes comerciais
estabelecidas entre as Praccedilas da Bahia e Pernambuco no periacuteodo estudado seratildeo comumente
tachadas pela documentaccedilatildeo como perpetradoras de comeacutercio clandestino O contrabando de
gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa foram uma constante na
documentaccedilatildeo
Estas regiotildees iratildeo desempenhar papel importante neste universo de descaminhos
Como jaacute destacamos ao longo dessas regiotildees encontravam-se diversos portos de pequeno
porte que por onde antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba jaacute se
realizavam transaccedilotildees mercantis Em ofiacutecio do ano de 1770 o governador de Pernambuco
Manoel da Cunha Meneses ao falar sobre os contrabandos estabelecidos entre Bahia e
211
Idem AHU ndash PE Cx 88 D 7150 212
Sobre isto ver BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e
Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no
Seacuteculo XVIII Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado em histoacuteria) - Centro de Filosofia e Ciecircncias
Humanas Universidade Federal de Pernambuco 213
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
62
Pernambuco nos daacute informaccedilotildees importantes acerca da dinacircmica comercial desenvolvida nos
vales do Rio Satildeo Francisco Segundo o governador ldquoO sertatildeo deste continente eacute um dos mais
povoadosrdquo 214
complementa afirmando que as margens do rio de Satildeo Francisco existem
diversas povoaccedilotildees e a respeito do comeacutercio na regiatildeo diz que ldquoeste rio divide esta capitania
da Bahia [] aleacutem das povoaccedilotildees jaacute ditas eacute muito vadiaacutevel de embarcaccedilotildees ligeirasrdquo 215
por
onde se transportam ldquotoda a conta de fazendas que estatildeo tatildeo abundantes estes sertotildees e neles
as introduzem os moradores de uma e outra parterdquo 216
Alguns anos mais tarde em 1779 o ouvidor da comarca das Alagoas iraacute relatar
detalhes sobre a organizaccedilatildeo deste ldquopernicioso comeacuterciordquo Segundo o mesmo ldquoPor todos estes
engenhos jaacute natildeo haacute uma soacute caixa (de accediluacutecar) que natildeo esteja vendida pelo exorbitante preccedilo de
treze tostotildees por arroba a diferentes e muitos fabricantes que vieram da Bahia a este
propoacutesitordquo 217
Segundo o ouvidor a estrateacutegia do grupo de contraventores consistia em
transportar para as praias da regiatildeo as caixas contrabandeadas durante a noite em ldquojangadas e
sumacas que existem atualmente na ilha de Santo Aleixo e em Una donde francamente tem
saiacutedo de proacuteximo cinco ou seisrdquo 218
Apesar das rotas sertanejas aqui descritas nos indicarem as possiacuteveis vias de acesso do
litoral ao interior do territoacuterio pernambucano mapear com exatidatildeo os caminhos percorridos
pelos comerciantes contraventores natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis pois aleacutem de natildeo existir
interesse de se documentar esse tipo de comeacutercio ao que nos parece de acordo com a anaacutelise
da documentaccedilatildeo esses caminhos eram dinacircmicos e muacuteltiplos e nos faltam instrumentos
cartograacuteficos mais precisos que sejam capazes de revelar a grandiosidade da costa
pernambucana ldquode donde por mar e terra se introduzem neste continenterdquo 219
produtos
contrabandeados
Uma coisa eacute certa a natureza pernambucana contribuiacutea na realizaccedilatildeo das ilicitudes a
ldquogrande dilataccedilatildeo que tem o continente da jurisdiccedilatildeo deste governordquo 220
que compreende em
suma ldquopor costa do Mar 82 leacuteguas com muitos rios barras enseadas e entradas por entre
arrecifes que por providecircncia divina cobre toda esta costardquo 221
permitiu que nunca se faltasse
214
AHU ndash PE Cx 108 D8371 215
Idem 216
Idem 217
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 218
Idem 219
AHU ndash PE Cx 127 D 9670 220
AHU ndash PE Cx 108 D 8371 221
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
63
o contrabando em Pernambuco natildeo soacute de escravos mas de outras mercadorias 222
Apesar da
tentativa de encobrir essas rotas por parte daqueles que delas se beneficiavam alguns pontos
acabaram documentados pela fiscalizaccedilatildeo
Nosso acervo documenal revela uma variedade significativa de portos indicados pelas
autoridades locais como aacutereas de desembarque de produtos contrabandeados Listamos abaixo
os portos ateacute o momento identificados
Quadro 1 - Lista de Portos em que Ocorreratildeo apreensotildees ou se fez saber da existecircncia de
Contrabandos
PORTOLOCALIDADE
BAHIA DA TRAICcedilAtildeO
CABO DE SANTO AGOSTINHO
CAMARAJIBE
CURURIPE
GOIANA
ILHA DE SANTO ALEIXO
ILHA DO NOGUEIRA
JARAGUAacute
PRAIA DA PENHA
PRAIA DE PAU AMARELO
PRAIA DA FORTALEZA DO BRUM
PORTO CALVO
PORTO DO RECIFE
SANTO ANTONIO DA BARRA GRANDE
SIARAacute GRANDE
SIRINHAEM
TAPAGIPE
TRAPICHE DE MACIEL ndash BAHIA
UNA
Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 132 D9955 AHU ndash PE Cx133 D 9966
AHU-PE Cx 133 D 10003 AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash PE
Cx 138 D 10248 AHU ndash BA Cx 181 D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx
107 D 8284 AHU ndash PE Cx 110 D 8493 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 133 D
222
CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-1850 Recife
2002 P 102
64
10017 AHU ndash PE Cx 137 D 10197 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos
Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2
Foi possiacutevel rastrear atualizando as toponiacutemias a maior parte dos locais citados nas
fontes Como uma maneira de buscar compreender melhor a relaccedilatildeo entre aacutereas de produccedilatildeo e
localidades apontadas nesta lista como aacutereas de embarque e desembarque de produtos
vedados nos utilizaremos de dados contidos em ofiacutecio do ano de 1761 enviado pelo entatildeo
governador de Pernambuco Luiacutes Diogo Lobo ao Reino onde se encontra uma relaccedilatildeo
contendo nome e nuacutemero de todos os engenhos moentes e de fogo morto existentes na
capitania pernambucana e suas anexas 223
As localidades de Coruripe Jaraguaacute Porto Calvo Santo Antocircnio da Barra Grande
fazem parte atualmente do estado de Alagoas Comarca anexa a Pernambuco agrave eacutepoca A
regiatildeo que aparece constantemente envolvida nos circuitos de contrabando principalmente de
accediluacutecar analisados neste trabalho possuiacutea uma grande quantidade de engenhos ativos Apenas
na freguesia de Porto Calvo existia a eacutepoca 14 engenhos em atividade e um em fogo morto
Adicionando a esta soma as faacutebricas de Alagoas do Sul Alagoas do Norte e da Freguesia de
Satildeo Miguel locais onde estavam inseridos os outros portos apontados em nossa lista
chegava-se ao total de 32 engenhos operantes na regiatildeo 224
De maneira geral os engenhos estabelecidos nas capitanias do Norte da Ameacuterica
Portuguesa se fixavam em aacutereas de vaacuterzea com faacutecil acesso a rios e ribeiras de modo a
facilitar o escoamento da produccedilatildeo canavieira para seus portos de destino nas terras
alagoanas a dinacircmica natildeo era diferente Lembramos tambeacutem que a Comarca se ligava ao
sertatildeo atraveacutes de rotas terrestres e de sua rede hidrograacutefica composta por importantes rios
como o Coruripe e o Moxotoacute
Ilha de Santo Aleixo Pau Amarelo Praia da fortaleza do Brum Praia da Penha
Camaragibe Cabo de Santo Agostinho Sirinhaeacutem e Goiana se encontram atualmente na
jurisdiccedilatildeo do Estado de Pernambuco Para agrave toponiacutemia denominada ldquoUnardquo a bibliografia
consultada afirma se tratar de freguesia proacutexima a Porto Calvo em municiacutepio hoje conhecido
como Barreiros localizado no estado de Pernambuco 225
Quanto a Ilha do Nogueira tambeacutem
223
AHU ndash PE Cx 95 D 7501 224
Idem 225
Dados coletados de Ideia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexas Coleccedilatildeo Pernambuco
(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de
Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel
em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017
65
conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia
Teimosa no Recife 226
De acordo com dados levantados por Luiacutes Diogo Lobo entre Olinda e Recife os
engenhos estavam divididos nas seguintes freguesias Muribeca Cabo Ipojuca Varge Santo
Amaro de Jaboatatildeo Satildeo Lourenccedilo da Mata Nossa Senhora da Luz e Santo Antatildeo Estas
freguesias somadas possuiacuteam 90 engenhos funcionais e 17 que jaacute natildeo operavam Quanto agrave
vila de Sirinhaeacutem e seus termos contava com 43 engenhos ativos destes 10 estavam situados
na freguesia de Una 227
Goiana estava inserida na Vila de Igarassu a freguesia dispunha de
23 engenhos em atividade e um inativo Estas freguesias em sua maioria estavam localizadas
em aacutereas de faacutecil acesso ao transporte fluvial que permitiam tambeacutem que se adentrasse ao
interior do territoacuterio
Bahia da Traiccedilatildeo faz parte do estado da Paraiacuteba A listagem do governador Luiacutes Diogo
Lobo atesta que a capitania da Paraiacuteba naquele tempo contava com 20 engenhos em operaccedilatildeo
e dois em estado de fogo morto Quanto a ldquoSiaraacute Granderdquo como o nome jaacute informa se
encontra no atual estado do Cearaacute O documento de 1761 assegura que naquela capitania
havia apenas dois engenhos moentes e um inativo 228
Para o local denominado Tapagipe
ainda natildeo foi possiacutevel identificar a localizaccedilatildeo atual Como eacute possiacutevel visualizar boa parte
das localidades apontadas pelas autoridades como locais de circulaccedilatildeo de mercadorias ilegais
estavam proacuteximas a aacutereas de produccedilatildeo canavieira Aleacutem disso estes portos naturais se
situavam em maioria na regiatildeo sul da antiga capitania e possuiacuteam conexotildees com os sertotildees
atraveacutes das abundantes malhas fluviais que circundam o nordeste
Para nos ajudar a pensar espacialmente esta regiatildeo iremos fazer uso de duas imagens
A primeira uma carta topograacutefica das ldquocapitanias de que se compotildee o presente governo de
Pernambucordquo foi oferecida ao secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier
de Mendonccedila Furtado em marccedilo do ano de 1766 A carta traz detalhes a respeito dos
povoados e recantos da costa e do interior da capitania pernambucana incluindo locais
envolvidos nos circuitos do contrabando
226
PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008 227
Ainda de acordo com o documento a freguesia de Porto Calvo que atualmente faz parte do estado de
Alagoas pertencia a Vila de Sirinhaeacutem e como jaacute dito possuiacutea 14 engenhos ativos e um classificado como fogo
morto AHU ndash PE Cx 95 D 7501 228
Idem
66
Mapa 5 ndash Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766)
Fonte LAPEH ndash Laboratoacuterio de Pesquisa histoacuterica ndash Departamento de Histoacuteria CFCH UFPE
Legenda 1ndash Bahia da Traiccedilatildeo 2- Paraiacuteba 3- Goiana 4- Itamaracaacute 5- Cidade de Olinda 6- Vila de
Santo Antocircnio do Recife 7- Cabo de Santo Agostinho 8ndash Ilha de Santo Aleixo 9- Porto Calvo 10-
Entrada das Alagoas 11- Rio de Satildeo Francisco 12- Bahia de Todos os Santos
A segunda imagem trata-se de um Mapa tipograacutefico dos portos e Costa da Bahia
Olinda e Pernambuco do ano de 1776 O mapa feito por Nicolao Martinho foi encomendado
por Manoel Jozeacute de Noronha e Meneses o Conde dos Arcos como um oferecimento a seu tio
o Marquecircs de Angeja Mais complexo que a carta exposta acima o mapa mostra em detalhes
toda a Costa de Pernambuco e Bahia passando pelos atuais estados de Alagoas e Sergipe
incluindo suas vilas os rios e ribeiras e seus cursos o que nos permite ter uma melhor ideia
do espaccedilo onde ocorriam as transaccedilotildees comerciais alvo deste estudo
67
Mapa 6 ndash Mapa Tipograacutefico dos Portos e Costa da Bahia de todos os Santos
Olinda e Pernambuco (1776)
68
69
Fonte MARTINHO Nicolao Mappa tipografico dos portos e costa da Bahia de todos os Santos
Olinda e Pernambuco [Sl sn] 1776 1 mapa ms col tinta ferrogaacutelica e nanguim 51 x 159
Disponiacutevel em httpobjdigitalbnbracervo_digitaldiv_cartografiacart309964cart309964jpggt
Acesso em 01 de janeiro de 2018
A anaacutelise da documentaccedilatildeo base utilizada nesta pesquisa junto agraves duas imagens acima
nos fornecem dados para pensar em algumas hipoacuteteses sobre a circulaccedilatildeo dessas mercadorias
Acreditamos que os produtos ldquocontrabandeadosrdquo atraveacutes dos sertotildees chegavam as populaccedilotildees
de Recife e Olinda seguindo dois caminhos distintos O primeiro seria seguindo o fluxo do
Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias (destacado pela seta
vermelha no mapa 7) utilizando os caminhos jaacute bem conhecidos do comeacutercio das carnes e
couros ou seja atraveacutes das rotas do ldquoIpojucardquo e do ldquoCapibariberdquo aqui jaacute estudadas
Chegando ao litoral estas mercadorias eram desembarcadas em pequenos portos situados
preferencialmente no litoral sul de Pernambuco onde natildeo existia a fiscalizaccedilatildeo da Companhia
70
Geral A fiscalizaccedilatildeo no geral se restringia ao porto do Recife De acordo com os dados de
Luanna Ventura a entrada do porto de Recife estava localizada ao norte do forte do Brum 229
(destacado pela seta branca no mapa 7)
A segunda rota que acreditamos ter se utilizado neste comeacutercio seria a da navegaccedilatildeo
direta via costa mariacutetima entre Bahia (destacada pela seta amarela no mapa 7) e Pernambuco
Como podemos perceber atraveacutes do mapa acima existiam entre as duas capitanias uma vasta
aacuterea de Costa natildeo protegida pela empresa e como jaacute apontado neste trabalho diversas praias
do litoral pernambucano ofereciam condiccedilotildees de desembarque Esse tipo de roteiro que jaacute
aparece bem descrito em um manual de pilotagem e navegaccedilatildeo do seacuteculo XVII 230
ficava
restrito as embarcaccedilotildees maiores dada as condiccedilotildees de navegabilidade da regiatildeo Segundo o
manual a distacircncia entre Bahia e Pernambuco era de cerca de 100 leacuteguas ldquocorre a costa ateacute o
Rio de Satildeo Francisco de Nordeste sudoeste e haacute na derrota 50 leacuteguas e do Rio de Satildeo
Francisco ao Cabo de Santo Agostinho haacute 50 leacuteguas e corre a costa nordeste sudoesterdquo
Advertia ainda aos pilotos que tomassem cuidado pois ao norte do Rio de Satildeo Francisco por
volta de 5 leacuteguas existia um arrecife perigoso conhecido como ldquoBaixio de Dom Rodrigordquo 231
O processo crime em que se envolveu o senhor Manoel Ferreira dos Santos reforccedila
nosso argumento 232
pois neste caso cinco balsas carregadas de couros e solas vindas do
sertatildeo foram apreendidas junto ao rio do Jiquiaacute em Recife 233
pela desconfianccedila que as
autoridades tiveram de que as mesmas aguardavam barco para transportar tais mercadorias agrave
capitania baiana Um dos pontos utilizados na defesa do reacuteu eacute que natildeo existia no momento da
apreensatildeo nenhum barco que estivesse carregando para Bahia e que era de conhecimento
229
OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e
tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash
Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 230
Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO Antonio de Mariz
Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo
Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por Manoel da Sylva 1655 Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq== Data de acesso
01082017 231
Os Baixios de Dom Rodrigo satildeo grandes bancos de areia que estatildeo localizados a cerca de cinco quilocircmetros
da Costa do Pontal de Coruripe (Alagoas) no meio do oceano Haacute vaacuterios casos de naufraacutegio registrados no local
Conseguimos mapear junto ao nosso acervo documental um naufraacutegio ocorrido no local no ano de 1774
tratava-se do Bergantim de nome ldquoNossa Senhora da Guia e Satildeo Francisco da Paulardquo que saindo da cidade do
Rio de Janeiro com destino a Corte acabou dando de encontro com os bancos o que na ocasiatildeo levou a oacutebito 8
das 22 pessoas embarcadas De acordo com o documento as pessoas que morreram foram ldquoBaltazar Pereira dos
Reis (soacutecio do barco) o capelatildeo o escrivatildeo sota-piloto dois marinheiros uma preta e uma mulatinhardquo Fonte
AHU ndash PE Cx 117 D 8954 232
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 233
O rio do Jiquiaacute estaacute localizado no atual bairro do ldquoCordeirordquo no municiacutepio de Recife
71
geral que aquelas balsas natildeo aguentariam uma viagem ldquopara o tempestuoso mar de barra em
forardquo 234
sem danificar suas mercadorias
Como dito anteriormente a praacutetica do contrabando na capitania pernambucana
durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial estabelecido pela Companhia Geral seraacute
abrangente e disseminada No entanto os circuitos comerciais ligando as capitanias vizinhas
teratildeo papel de destaque dentro deste comeacutercio descaminhado As rotas sertanejas haacute muito
utilizadas para o comeacutercio legal das carnes passaram a operar tambeacutem com transaccedilotildees natildeo
aprovadas e o comeacutercio direto entre os vaacuterios portos do litoral pernambucano em especial
aqueles que estavam nas proximidades de engenhos e a capitania da Bahia ganharatildeo vulto
durante este periacuteodo
Assim rios e pequenos portos tanto do litoral quanto das localidades interioranas
funcionavam como vias de escoamento de toda uma gama de iliacutecitos os contrabandistas faratildeo
entrar nas Praccedilas da Bahia e de Pernambuco atraveacutes das rotas aqui descritas uma grande
quantidade de mercadorias natildeo autorizadas Estes grupos estavam cientes dos poucos riscos
de se praticar aquele comeacutercio devido a parca fiscalizaccedilatildeo exercida pela Companhia Os
circuitos comerciais desenvolvidos nas paragens sertanejas seratildeo peccedila chave na rede de
abastecimento do mercado ilegal que se estabeleceu entre Bahia e Pernambuco na segunda
metade do XVIII
A fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral comumente restringia-se ao porto do Recife por
onde deveriam ser embarcadas e desembarcadas todas as mercadorias chegadas a capitania
pernambucana Ressalta-se aqui que o monopoacutelio da Companhia natildeo se estendia aos sertotildees
como nos revela o seu documento de instalaccedilatildeo no capiacutetulo 25 Onde se afirma que
[] Eacute Vossa Majestade servido conceder-lhe o comeacutercio exclusivo das duas
capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com todos os seus distritos []
exceptua-se poreacutem o comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba para os portos do
sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco do Sul o qual seraacute livre a todas e
quaisquer pessoas como ateacute agora o tem sido 235
Como podemos observar o documento atesta que a navegaccedilatildeo feita pelos portos do
sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco permaneceria livre no entanto alguns casos
analisados por noacutes apontam que mercadorias vindas destas regiotildees muitas vezes eram
234
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 235
Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762
Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e
Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 290
72
encaradas pelas autoridades como frutos de contrabando Esta questatildeo daraacute azo para uma seacuterie
de disputas envolvendo os comerciantes sertanejos e a Companhia Geral Isto porque ao que
indicam dois processos crimes utilizados nesta pesquisa 236
a direccedilatildeo da empresa ao longo de
seus primeiros oito ou nove anos de instalaccedilatildeo natildeo se preocupou em controlar tal comeacutercio o
fazendo apenas ldquodepois daquele tempo sem mostrar ordem reacutegia que declarasse ao arbiacutetrio da
proibiccedilatildeo o artigo 25 e reprovasse a inteligecircncia e praxe dos comerciantes em tempo tatildeo
dilatadordquo 237
A Companhia passa a tomar esse controle por forccedila de um edital lanccedilado
posteriormente 238
no entanto este edital natildeo tinha forccedila de lei uma vez que tal documento
natildeo era referendando por nenhuma ordem reacutegia Esta decisatildeo da direccedilatildeo pernambucana seraacute
contestada judicialmente nos dois casos aqui jaacute mencionados pois afirmavam as defesas dos
comerciantes que tal ldquoedital da direccedilatildeo natildeo eacute lei nem assento com forccedila de lei nem os
deputados tem jurisdiccedilatildeo alguma para arrogarem a si ambiciosa e arbitrariamente o que a
instituiccedilatildeo natildeo permitiurdquo 239
e tambeacutem ldquoque a direccedilatildeo natildeo pode ampliar nem limitar os
estatutos da companhia nem proibir o que eles natildeo proiacutebemrdquo 240
Contestavam tais defesas o poder que permitia a direccedilatildeo subalterna de Pernambuco
passar por cima dos estatutos da empresa em assunto tatildeo importante como o comeacutercio sem a
deliberaccedilatildeo de uma diretiva ou ordem real Afirmavam que este comeacutercio ateacute o ano de 1770
havia se conservado livre e que era inconcebiacutevel que a direccedilatildeo sem ordem reacutegia fizesse limitar
os estatutos contrariando a liberdade de comeacutercio que desde sempre se praticava por aquelas
bandas pois o papel de ldquolimitar e derrogar leis soacute compete ao soberano legislador e natildeo aos
inferiores seus vassalosrdquo 241
Pelo que fica claro a Companhia em Pernambuco soacute passa a se preocupar com o
comeacutercio realizado nas rotas sertanejas apoacutes um periacuteodo significativo de tempo de sua
instalaccedilatildeo Muito provavelmente apoacutes estes primeiros oito ou nove anos foi possiacutevel a direccedilatildeo
da empresa perceber como estas rotas sertanejas eram importantes para economia da capitania
236
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 237
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 15 238
Natildeo foi possiacutevel identificar a data exata de tal documento no entanto de acordo com os processos aqui
citados o edital provavelmente o edital foi expedido entre 1769 e 1770 239
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 85 240
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 241
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f
85-86
73
e quatildeo grande eram as perdas que se tinham ao natildeo controlar o comeacutercio do interior em suas
ligaccedilotildees com outras praccedilas coloniais sobretudo com Bahia e Rio de Janeiro
A atitude da empresa vem atestar que os circuitos sertanejos tinham expressividade
econocircmica a eacutepoca jaacute que natildeo se teria o trabalho de coibir um comeacutercio que fosse pouco
relevante financeiramente ou mesmo desvantajoso Eacute importante destacar tambeacutem que os
limites jurisdicionais de atuaccedilatildeo da empresa natildeo estavam bem definidos nos estatutos e que o
entendimento do que poderia ser considerado como aacuterea sertaneja era bastante subjetivo
Afinal de contas como jaacute vimos natildeo se tinha um consenso a respeito do conceito de sertatildeo
Entatildeo a histoacuteria dos contrabandos aqui contada se reparte em dois momentos o
momento preacute 1770 quando a Companhia ainda natildeo exercia um controle riacutegido sobre os
sertotildees e poacutes 1770 quando a direccedilatildeo em Pernambuco passa a exercer maior poder sobre os
negoacutecios desenvolvidos naquelas paragens Explicitamos neste momento que nossa escolha
metodoloacutegica se deu no sentido de preservar os termos originais utilizados pelas autoridades
ao tratar sobre a questatildeo deste comeacutercio feito no interior destacando sempre que possiacutevel as
variaccedilotildees interpretativas entre autoridades baianas e pernambucanas No geral a denominaccedilatildeo
ldquocontrabandordquo seraacute bastante utilizada pelas autoridades mas o termo ldquodescaminhordquo tambeacutem
seraacute usado para se referir ao comeacutercio extralegal
Dessa forma o conceito de contrabando neste estudo seraacute utilizado para abrigar uma
seacuterie de casos apontados pela documentaccedilatildeo base que agregam produtos comercializados
tanta no porto do Recife por onde teoricamente deveriam ser embarcadas e desembarcadas
todas as mercadorias chegadas a capitania pernambucana quanto mercadorias vindas do
sertatildeo que tinham como destino a Bahia ou ateacute mesmo outros portos do litoral de Pernambuco
que natildeo o porto do Recife Salientando que nem tudo que em um primeiro momento eacute
apontado como contrabando pelas autoridades de fato se enquadra nesta categoria
Ressaltamos ainda que a Companhia permitia o comeacutercio sertanejo se as mercadorias
vindas daqueles locais (sobretudo couros e solas) tivessem como destino final o porto do
Recife onde seriam negociadas com a empresa Tambeacutem eacute vaacutelido pontuar que o comeacutercio das
carnes estava excetuado deste controle e continuou livre como sempre o foi A exceccedilatildeo feita
aos negoacutecios das carnes seraacute motivo de contrariedade entre os comerciantes e a direccedilatildeo da
empresa Ainda nos dois casos aqui citados as respectivas defesas iratildeo contestar a razatildeo deste
comeacutercio que tambeacutem se dava no sertatildeo ser permitido em detrimento de outros gecircneros As
ditas defesas iratildeo alegar que ldquonenhuma razatildeo haacute para que seja livre o comeacutercio da carne e natildeo
74
seja igualmente o dos courosrdquo 242
e vatildeo aleacutem afirmando que se o comeacutercio de outros produtos
era proibido ldquose havia de ser tambeacutem proibido o trazer carnes do Sertatildeo e vende-las a Bahia e
Rio de Janeiro como se fazrdquo 243
O comeacutercio legal das carnes iraacute gerar outros problemas para Companhia pois se
aproveitando do expediente de ir comerciar as carnes no sertatildeo alguns comerciantes iratildeo se
valer desta liberdade para transportar produtos vedados Eacute o que afirma em ofiacutecio do ano de
1770 o entatildeo governador de Pernambuco Manuel da Cunha Meneses ao falar sobre as
ldquoperniciosas contravenccedilotildeesrdquo que se estabeleceram entre Pernambuco e Bahia atraveacutes das rotas
sertanejas O governador neste ofiacutecio afirma que ldquoos mesmos barcos dos portos livres que
vatildeo fazer as carnes ao sertatildeo [] introduzem tambeacutem fazendas pelo Siaraacute pela vizinhanccedila de
uma capitania com a outrardquo 244
Como podemos perceber atraveacutes do exposto ateacute o momento o contrabando foi uma
praacutetica recorrente e extensiva durante o periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial exercido
pela Companhia Geral Apesar do caraacuteter disperso desse tipo de praacutetica destacam-se neste
interim os circuitos desenvolvidos entre Pernambuco e Bahia Para o periacuteodo do nosso estudo
as ligaccedilotildees comerciais entre as duas praccedilas jaacute estavam solidificadas O comeacutercio entre as
capitanias vizinhas aconteciam de acordo com nossas fontes de duas formas por via direta
atraveacutes do mar e majoritariamente pelas rotas sertanejas que no seacuteculo XVIII eram pelo
menos duas ndash o ldquoCaminho do Ipojucardquo e o ldquoCaminho do Capibariberdquo - e conectavam as duas
capitanias Tendo isto em mente no proacuteximo capiacutetulo procederemos a anaacutelise dos casos
colhidos junto ao nosso conjunto documental
242
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 69 243
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 244
AHU ndash PE Cx 108 D8371
75
3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE
PRODUTOS
31 As mercadorias
Agora que jaacute vimos as possiacuteveis rotas percorridas pelos grupos de contraventores
podemos nos ater aos casos e mercadorias que nelas circulavam Como jaacute dito anteriormente
a fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral era restrita ao porto de Recife e lembramos ainda que
apesar da Companhia natildeo deter o monopoacutelio para o comeacutercio realizado nos sertotildees a partir do
ano de 1770 a empresa de maneira geral iraacute encarar todo o comeacutercio realizado fora do porto
do Recife como passiacutevel de ser enquadrado em crime de contrabando Dessa forma podemos
observar junto a nossa documentaccedilatildeo um aumento no volume de apreensotildees a mercadorias e
embarcaccedilotildees apoacutes 1770 bem como um maior empenho das autoridades locais na repressatildeo
de tal praacutetica
O que podemos afirmar atraveacutes da investigaccedilatildeo eacute que na verdade os chamados ldquoportos
livresrdquo tambeacutem seratildeo afetados pela poliacutetica monopolizadora da Companhia Geral pois na
verdade o problema maior natildeo se encontrava na realizaccedilatildeo do comeacutercio nestas regiotildees que
como jaacute vimos existia muito antes da fundaccedilatildeo da empresa Mas sim no destino que essas
mercadorias tomavam vindo invariavelmente inundar a praccedila mercantil de Pernambuco com
produtos bem mais em conta do que os vendidos pela empresa A preocupaccedilatildeo tambeacutem se
dava em sentido contraacuterio ou seja com os produtos que saiam de Pernambuco e iam
abastecer a Praccedila baiana sem passar pelas matildeos da Companhia ou mesmo se isentando de
pagar os direitos dos contratos reais
Os produtos que circulavam entre as duas praccedilas eram diversos Iam e vinham para os
portos de Pernambuco e Bahia uma grande sorte de mercadorias Satildeo aproximadamente 19 o
total de ocorrecircncias no nosso conjunto documental onde constam informaccedilotildees precisas sobre
o material apreendido nas embarcaccedilotildees capturadas pelas autoridades Alguns desses casos
possuem em seus anexos a lista de carga ou relaccedilotildees de carga onde ficam registrados todos os
produtos transportados por aqueles barcos bem como os locais de onde vieram estas
mercadorias Nelas tambeacutem eacute possiacutevel encontrar dados sobre valores unitaacuterios e totais e ainda
a respeito de quantidades
76
Eacute possiacutevel identificar a origem do produto atraveacutes do selo da alfacircndega que nele
consta natildeo era raro que o material potencialmente descaminhado chegasse sem selo algum o
que tambeacutem eacute reportado pelas autoridades quando expediam as tais listas de cargas Em nossa
documentaccedilatildeo contamos com seis relaccedilotildees de cargas que continham produtos que foram
apreendidos pelas autoridades pernambucanas por suspeita de contrabando com selos da
alfacircndega da Bahia Tomaremos como exemplo do tracircnsito de produtos entre Bahia e
Pernambuco trecircs casos deste total a fim de ilustrar a grandiosidade deste comeacutercio
A primeira lista diz respeito a uma sumaca que em 1779 foi apreendida na praia de
Pau Amarelo em Pernambuco onde estava trocando as suas fazendas de contrabando por
gecircneros da terra ldquocomo fosse tabaco sola e melrdquo 245
Boa parte da carregaccedilatildeo desta sumaca
estava sem selo ou seja eram mercadorias que aleacutem de adentrarem ilegalmente no territoacuterio
da Companhia Geral vinham sem pagar dinheiro algum a Fazenda Real Tambeacutem foram
encontrados produtos selados pela Alfacircndega de Lisboa Segue relaccedilatildeo dos produtos
confiscados que vinham com o selo da Alfacircndega da Bahia 246
Tabela 1 - Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau Amarelo)
QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO
UNITAacuteRIO
PRECcedilO
TOTAL
6
Peccedilas de Camas Listradas 800 reacuteis 48000 reacuteis
1
Peccedila de tafetaacute azul com 21 cocircvados
240 reacuteis 21840 reacuteis
1 Retalho de druguete pardo com 15
cocircvados
300 reacuteis 4500 reacuteis
22
Peccedilas de fitas matizes 1600 reacuteis 35200 reacuteis
Fonte AHU ndash PE CX 132 D 9955
A segunda ocorrecircncia versa sobre uma embarcaccedilatildeo apreendida no mesmo ano de
1779 em Sirinhaeacutem jurisdiccedilatildeo de Pernambuco Os documentos natildeo trazem muitos detalhes
sobre o caso sabemos apenas que o mestre da embarcaccedilatildeo se chamava Antocircnio Pereira mas a
lista de cargas revela a suntuosidade deste comeacutercio Consta nessa relaccedilatildeo anexa ao
245
AHU ndash PE CX 132 D 9955 246
Medidas-padratildeo comumente utilizadas nas tabelas que trabalharemos Braccedila - 184 centiacutemetros
Cocircvados - 66 centiacutemetros Palmo ndash 22 centiacutemetros Varas - 110 centiacutemetros
77
documento nada menos que 151 tipos de produtos diferentes a exemplo do caso anterior a
maior parte estava sem selo As mercadorias que tinham selo da Alfacircndega da Bahia
encontram-se na tabela abaixo
Tabela 2 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia (Sirinhaeacutem)
QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO
UNITAacuteRIO
PRECcedilO
TOTAL
4 Peccedilas de cadiaez
800 reacuteis 3200 reacuteis
6 Peccedilas de riscado de Dio
1280 reacuteis 7680 reacuteis
6 Peccedilas de riscado de Surrate
1280 reacuteis 7680 reacuteis
43 Varas de pano de linho ordinaacuterio
180 reacuteis 7740 reacuteis
4 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com
73 varas
180 reacuteis 13140 reacuteis
5 Peccedilas de tustatildeo
Natildeo consta 17500 reacuteis
9 Varas de esguiatildeo ordinaacuterio
Peccedilas de tustatildeo 3150 reacuteis
15 Lenccedilos brancos com listras azuis
ordinaacuterios
220 reacuteis 3300 reacuteis
8 Peccedilas de riscado de Dio
1280 reacuteis 10240 reacuteis
29 Peccedilas de riscado de Surrate
1280 reacuteis 37120 reacuteis
16 Peccedilas de riscado de Linho
1800 reacuteis 28800 reacuteis
1 Peccedilas de Chita da Iacutendia
Natildeo consta 6000 reacuteis
8 Peccedilas de Chita do Norte com 64
cocircvados
2000 reacuteis 4000 reacuteis
1 Retalho de Serafina Azul com 6 cocircvados
220 reacuteis 14080 reacuteis
78
1 Retalho de Durante branco com 4
cocircvados
160 reacuteis 960 reacuteis
1 Retalho de doruguete verde traccedilado 4
cocircvados
75 reacuteis 300 reacuteis
64 Peccedilas de Balagarte
100 reacuteis 400 reacuteis
1 Peccedilas de baeta verde com 54 cocircvados
800 reacuteis 51200 reacuteis
2 Peccedilas de fita de listra azul encarnado
380 reacuteis 21280 reacuteis
2 Retalho de pano de linho ordinaacuterio com
54 varas
300 reacuteis 600 reacuteis
48 Peccedilas de Cadiaez pequenas
180 reacuteis 7720 reacuteis
21 Pares de meias de linhas
800 reacuteis 38400 reacuteis
6 Peccedilas de lenccedilo ordinaacuterio com 60 lenccedilos
240 reacuteis 5040 reacuteis
1 Retalho de brim de flores com 40
cocircvados
160 reacuteis 9600 reacuteis
10 Chapeacuteus de baeta
100 reacuteis 4000 reacuteis
17 Lenccedilos azuis de tabaco
360 reacuteis 3600 reacuteis
1 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com
34 varas
160 reacuteis 2720 reacuteis
1 () 27 varas
180 reacuteis 1755 reacuteis
5 Peccedilas de Chita da Costa
180 reacuteis 4860 reacuteis
4 Peccedilas de cadiaez 3000 reacuteis
15000 reacuteis
1 Incetada de pano de linho ordinaacuterio com
72 varas
800 reacuteis 3200 reacuteis
79
1 Peccedilas de brim cru de 48 cocircvados 180 reacuteis
4320 reacuteis
1 Peccedilas de estufo de latilde encarnado 40
cocircvados
90 reacuteis 10000 reacuteis
1 Peccedilas de carro de ouro com 40 cocircvados
250 reacuteis 20000 reacuteis
16 Peccedilas de riscado Surrate
500 reacuteis 20480 reacuteis
13 Peccedilas de riscado de Dio
1280 reacuteis 16640 reacuteis
1 Peccedilas de Riscado de Linho
Natildeo consta 1800 reacuteis
33 Peccedilas de cadiaez
800 reacuteis 26400 reacuteis
2 Peccedilas de Chita
2000 reacuteis 4000 reacuteis
7 Peccedilas de Chita da Costa
3000 reacuteis 21000 reacuteis
1 Peccedilas de lenccedilos encarnados ordinaacuterios
de tabaco
160 reacuteis 1600 reacuteis
1 Peccedilas de boceta
Natildeo consta 900 reacuteis
1 Peccedilas de chita azul do norte com 22
cocircvados
220 reacuteis 4840 reacuteis
1 Retalhos de linho ordinaacuterio com 34
varas
180 reacuteis 6120 reacuteis
5 Chapeacuteus de baeta
300 reacuteis 1500 reacuteis
44 Peccedilas de pano de linho ordinaacuterio com
2052 varas
180 reacuteis 369360 reacuteis
46 Peccedilas de bertanha de Hamburgo
1200 reacuteis 55200 reacuteis
80
9 Peccedilas de Hamburgo ou aniagem
100 reacuteis 53700 reacuteis
6 Peccedilas de Riscado Patavar
2000 reacuteis 12000 reacuteis
3 Peccedilas de Riscado de Patavar
Natildeo consta Natildeo Consta
Fonte AHU ndash PE Cx133 D 9966
Por uacuteltimo trazemos o caso de uma sumaca que segundo consta vinha do porto de Una
carregada de caixas de accediluacutecar junto a duas jangadas De acordo com o governador de
Pernambuco a eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses relator do caso a Coroa ainda natildeo havia sido
possiacutevel identificar quem era o dono da dita embarcaccedilatildeo mas os produtos vinham em sua
maioria com selo da Alfacircndega da Bahia Satildeo eles
Tabela 3 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una)
QUANTIDADE LISTA DOS PRODUTOS PRECcedilO
UNITAacuteRIO
PRECcedilO
TOTAL
13 Peccedilas de Chitas da Iacutendia Ordinaacuterias
4000 52000
78
Panos da Costa 640 49920
5
Maccedilos de fitas de linho 2400 12000
1315
Duacutezia de facas flamengas 640 84160
555
Peccedilas de Linhas de Surrales 1300 721500
421
Peccedilas de Bertanhas de Hamburgo 1200 715700
56
Peccedilas de Paniclos 1200 67200
5 Duacutezias e 5 de peles de Marroquins
6400 34665
26
Peccedilas de Chitas de Surrates 1600 41600
129
Meias peccedilas de cadeas 1300 167700
81
5
Peccedilas de Linhas de Dio 2000 10000
13
Peccedilas de Procoloacutes 1300 16700
96
Covados de Chitas do Norte 320 30720
1
Peccedilas de Druguete Rei 6000 6000
1
Peccedilas de Berlanha de Holanda 2000 2000
8
Lenccedilos Vermelhos 320 2560
8
Peccedilas de camas lavradas 10000 80000
8
Varas de Esguiatildeo 480 4080
55
Covados delu felaacute 360 1980
8
Covados de Durante 240 1920
5
Covados de Sarja 320 1600
10
Varas de estamanha 400 4000
823
Covados de Camelatildeo 180 148140
1065
Varas de pano de linho da Ilha 180 192240
855
Covados de Serquilha da Ilha 120 10260
13435 Varas de pano de linho
300 403050
38
Peccedilas de Cadeaacutes 2400 91200
6
Covados de baeta com xeste 500 3000
22 Resmas de papel florete 1000 22000
82
4
Peccedilas de Linhas Patavares 2000 8000
582
Annas de Amburgo 160 93120
79
Covados de Serguilha de Franccedila 400 31600
15
Varas de Crez 100 1500
Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9245
Podemos perceber atraveacutes das listas aqui expostas a grande variedade de produtos que
circulavam entre Bahia e Pernambuco Outro dado relevante que conseguimos inferir atraveacutes
das tabelas eacute de que esse comeacutercio descaminhado estava conectado aos circuitos mercantis
atlacircnticos o que pode ser constatado pela grande variedade de gecircneros europeus constantes
nas cargas As fazendas europeias sobretudo os tecidos que aparecem em grande monta nas
listas de carga aqui transcritas eram necessaacuterios para a realizaccedilatildeo de trocas e vendas pelos
efeitos da terra Aleacutem das fazendas jaacute citadas caixas de accediluacutecar madeira tabaco escravos
mel sola e couro seratildeo uma constante na documentaccedilatildeo
A relaccedilatildeo aqui demonstrada natildeo daacute conta da grande diversidade de produtos que
transitavam entre as duas praccedilas enfatizamos apenas aqueles que aparecem em maior grau na
documentaccedilatildeo trabalhada 247
Devemos atentar tambeacutem que para efeitos praacuteticos soacute
colocamos em nossas listas de cargas produtos que vinham selados pela Alfacircndega da Bahia
mas muito provavelmente os produtos destas embarcaccedilotildees que vinham sem selo tambeacutem
fossem provenientes das paragens soteropolitanas e de seus interiores como acontece em
outros casos do nosso acervo documental 248
Em algumas ocorrecircncias junto a descriccedilatildeo das cargas constavam tambeacutem as marcas
de seus carregadores Era comum que comerciantes possuiacutessem uma espeacutecie de marca ou
247
Os documentos que fundamentam este tracircnsito satildeo numerosos e encontram-se disponiacuteveis no AHU PE AL
e BA e nos arquivos da ANTT 248
Muitos produtos de embarcaccedilotildees provenientes da Bahia chegavam ateacute Pernambuco sem selo algum Vale
ressaltar que durante boa parte do seacuteculo XVIII Salvador funcionou como um centro distribuidor dos panos
indianos produto essencial para a compra de escravos na regiatildeo da Aacutefrica Centro-Ocidental Essas fazendas
chegavam ateacute capitania baiana atraveacutes de uma rede de contrabando que ligava diretamente as possessotildees
portuguesas da Ameacuterica e da Aacutesia Sobre isto ver ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica
Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares
Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013
83
siacutembolo que eram inseridas em suas mercadorias para identificar seus produtos e facilitar as
transaccedilotildees junto a seus comissaacuterios e representantes Na nossa documentaccedilatildeo essas marcas
aparecem principalmente nas situaccedilotildees onde as investigaccedilotildees aconteceram de maneira mais
acurada Nesses casos aleacutem de relacionar as mercadorias colocava-se ao lado o siacutembolo ou
marca que nele aparecia e se possiacutevel o nome do dono Nem sempre as autoridades eram
capazes de identificar a quem pertencia determinada marca ou siacutembolo devido a
grandiosidade do mercado e de serem muitos os comerciantes atuantes na capitania
Figura 1 ndash Exemplo de marcas encontradas na documentaccedilatildeo (destacados)
Fonte AHU- PE Cx 137 D 10234
Infelizmente nem todos os relatos de contrabando trazem grande riqueza de detalhes
acerca dos eventos Isto porque nem sempre se faziam as devassas dessas embarcaccedilotildees
apreendidas e tambeacutem porque boa parte desses barcos citados pelos agentes reais natildeo
chegaram de fato a serem confiscados apenas tendo estes oficiais notiacutecias sobre os
descaminhos No entanto possuiacutemos alguns casos no nosso acervo que nos fornecem maiores
informaccedilotildees e que nos parecem ser importantes para a visualizaccedilatildeo de um panorama mais
abrangente da natureza dos descaminhos praticados nestas paragens Para efeitos praacuteticos os
organizaremos aqui sobre a forma de tabela
84
Tabela 4 ndash Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas
Legenda PO = Porto de Origem P A = Porto de Apreensatildeo P D = Porto de Destino Fonte AHU
ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 133 D 10003 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash BA Cx 181
D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 137 D 10197
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria
da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2
Eacute claro que esta tabela natildeo eacute capaz de expressar todo o volume do comeacutercio abordado
nesta pesquisa nela natildeo constam diversas outras ocorrecircncias que nos utilizamos ao longo da
redaccedilatildeo deste trabalho bem como natildeo demonstra as minuacutecias de cada caso mas ela nos serve
para pensar a ordenaccedilatildeo deste comeacutercio Como podemos observar boa parte das embarcaccedilotildees
NOME TIPO
MESTRE
PILOTOMARINHEIROS DONO P O P A P D
Galiatildeo Navio
Numeriano Gregorio
Joze da Sylva Navio Real Lisboa Recife LisboaO Senhor do Bom Jesus
das Portas Nossa
Senhora do Pilar -
Xibante Sumaca Manoel Francisco Manoel Vieira de Mello Jaguaribe Recife Bahia
Navio Novo Natildeo consta Natildeo consta
Diogo Francisco dos
Santos Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo constaNossa Senhora da
Conceiccedilatildeo Santo
Antonio e Almas Sumaca Joaquim Antonio Antonio Joze Roberto Bahia Goiana Natildeo consta
Aacuteguia do Doiro
Lancha
(pertencente a
corveta da
Companhia
Geral Aacuteguia
do Doiro) Antonio Gomes Viana Navio Real Porto - Portugal Praia da Fortaleza do Brum Natildeo consta
Jaguaribe Sumaca
Antonio Joze dos
Santos
Manoel Roiz
Lemanha e Francisco
de Passos Vianna Natildeo consta
Camarajibe - Distrito de Porto
Calvo Natildeo consta
Sagrada Famiacutelia Sumaca
Manoel Coelhos
Francisco Joze
Cardoso Manoel de
Souza e Henrique
Antonio Natildeo consta Natildeo consta Recife Bahia da TraiccedilatildeoSenhor do Bonfim Santo
Antonio e Almas Sumaca Manoel Pavatildeo Gouvea
Joatildeo Antonio
Rodrigues Natildeo consta Ilha de Santo Aleixo Bahia Nossa Senhora do
Rozaacuterio Flor de Satildeo
Miguel Sumaca Joseacute Gonccedilalves
Comerciante da
Bahia Natildeo consta Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta
Natildeo Consta Sumaca Antonio Dias Santiago
Jacomo Rumachi
Della Praccedila Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta
Natildeo Consta Sumaca
Ignacio Vicente
Fernandez
Joseacute ou Fulano de
Arauacutejo Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta
Natildeo Consta Balsas
Luiz de Franccedila
Cordeiro Manoel de
Jesus Ramos Joseacute
Rodrigues da Silva
Manoel Martins de
Almeida
Manoel Antonio dos
Santos sertatildeo Ilha do Nogueira Bahia
Escuta em Roma Natildeo consta Natildeo consta Joseacute de Aragatildeo Bahia Uma Bahia
85
que se empregavam neste ramo mercantil eram categorizadas como sumacas As sumacas
eram pequenos veleiros utilizados principalmente na navegaccedilatildeo de cabotagem
Em ofiacutecio do ano de 1775 em que o governador de Pernambuco comunica ao
secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar do Reino o envio de homens para a capitania do
Rio de Janeiro este iraacute afirmar que remeteu ldquoAo Marquecircs cento e oito marinheiros a saber
quarenta e oito por quatro sumacas em razatildeo de natildeo haver navio grande que os pudesse
transportar todosrdquo 249
Fazendo uma conta de divisatildeo baacutesica temos como resultado que a
capacidade destas embarcaccedilotildees girava em torno de 12 homens o que nos parece um resultado
bem razoaacutevel e coerente com os casos em que possuiacutemos o nuacutemero de marinheiros por
embarcaccedilatildeo
Neste mesmo documento Joseacute Cesar de Meneses remete mapa das embarcaccedilotildees
marinheiros e pescadores que possuem a capitania de Pernambuco a Corte Declara o
governador haver na ocasiatildeo sessenta e nove sumacas na capitania divididas da seguinte
forma
Tabela 5 - Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos portos do
Brasil
LOCAL QUANTIDADE
RECIFE
52
SIRINHAEM
3
IGARASSU
2
MEIRIM
1
SANTA LUZIA
4
GOIANAITAMARACAacute
2
RIO GRANDE
3
RUSSAS
1
249
AHU ndash PE Cx 120 D 9196
86
PARAIacuteBA
1
TOTAL
69 SUMACAS
Fonte AHU ndash PE Cx 120 D 9196
O documento eacute importante pois nos lanccedila pistas sobre o volume das sumacas
existentes na capitania aleacutem de nos informar que esta era o principal tipo de embarcaccedilatildeo
utilizada pelos comerciantes pernambucanos uma vez que no mesmo mapa na categoria de
ldquoclassesrdquo soacute constam mais dois tipos de barcos as corvetas que estatildeo em nuacutemero de seis e as
galeras com um uacutenico exemplar Ou seja praticamente todo o comeacutercio de navegaccedilatildeo seja
ele liacutecito ou natildeo feito em Pernambuco e suas anexas era realizado atraveacutes das sumacas que
como jaacute visto eram embarcaccedilotildees mais apropriadas para o comeacutercio de cabotagem
32 Os casos
Agora que jaacute sabemos quais produtos circulavam por estas rotas podemos nos deter
com mais detalhes na anaacutelise de alguns dos casos mais peculiares encontrados em nosso
acervo Devemos lembrar que a partir da segunda metade do seacuteculo XVIII a Coroa buscou
controlar de forma mais efetiva suas conquistas no Ultramar O comeacutercio nas colocircnias seraacute
alvo preferencial das poliacuteticas centralizadoras empreendidas neste contexto O ministro de D
Joseacute I iraacute demandar preciosa atenccedilatildeo agrave atividade comercial na tentativa de resgatar e reerguer o
comeacutercio com suas colocircnias o marquecircs buscaraacute se associar ao grupo mercantil que a eacutepoca jaacute
detinha vultosos cabedais passa entatildeo a conceder-lhes favores e privileacutegios antes reservados a
uma elite ligada a terra
O periacuteodo pombalino seraacute marcado pela alianccedila que iraacute unir a Monarquia ao grupo
mercantil 250
As mudanccedilas preconizadas por Pombal seratildeo fundamentais para a integraccedilatildeo
desses homens a chamada elite colonial Neste momento as capitanias mais destacadas do
Norte da Ameacuterica Portuguesa jaacute contavam com uma rede complexa de comeacutercio que se
estendia do Ultramar ao interior como assegura Russel-Woody ao afirmar que ldquoSalvador e
250
SAMPAIO Antonio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio e a coroa na construccedilatildeo das hierarquias sociais O
Rio de Janeiro na primeira metade do seacuteculo XVIII In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs)
Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 2010 P 462-463
87
Recife natildeo se apresentavam mais como meros portos de entrada para pessoas acometidas pela
febre do ouro expandindo igualmente seus alcances em relaccedilatildeo aos mercados internos para
produtos europeus e escravos africanosrdquo 251
Essa nova configuraccedilatildeo social que insere os homens de negoacutecio na elite traraacute junto a
si uma remodelagem nos equiliacutebrios sociais que foram construiacutedos ao longo da colonizaccedilatildeo
O que por ventura iraacute acarretar uma seacuterie de disputas entre os grupos que compunham esta
elite de um lado a nobreza da terra elite tradicional e histoacuterica do outro os homens de
negoacutecio elite mercantil indispensaacutevel para a execuccedilatildeo das reformas empreendidas pelo
governo pombalino O papel da Coroa nesse interim seraacute o de mediar os interesses e
apaziguar os conflitos agindo no sentido de garantir o funcionamento do sistema 252
A dinacircmica do comeacutercio em Pernambuco durante o periacuteodo estudado eacute complexa De
um lado temos um grupo mercantil jaacute bem estabelecido e detentor de amplo capital do outro
lado temos a implementaccedilatildeo na segunda metade do XVIII de dois organismos reguladores
do comeacutercio colonial a Mesa de Inspeccedilatildeo 253
e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba
Instituiccedilotildees criadas pela metroacutepole com o objetivo de assegurar maior controle sobre a
circulaccedilatildeo de riquezas dentro do Impeacuterio Portuguecircs canalizando-as para o Reino
Uma contradiccedilatildeo notoacuteria se estabelece entre os interesses reais e os interesses
coloniais Segundo a documentaccedilatildeo trabalhada e os recentes estudos sobre administraccedilatildeo
portuguesa no Ultramar percebemos que em Pernambuco tambeacutem se desenvolveu o processo
de aparelhaccedilatildeo das instituiccedilotildees administrativas ao atendimento dos interesses locais 254
Longos anos de autonomia das elites de Pernambuco de praacuteticas de direito oriundas de
questotildees especificas do cotidiano da Capitania de formas de realizar a riqueza no acircmbito do
local promoveram como era de se esperar muacuteltiplas reaccedilotildees
No bojo destas questotildees o contrabando como estrateacutegia de se esquivar do controle
imposto pela Coroa ganha forccedila Comecemos entatildeo a tratar sobre o contrabando de caixas de
accediluacutecar um dos produtos mais descaminhados do periacuteodo Muitos senhores de engenho se
251
WOOD-RUSSEL AJR Centros e periferias no Mundo Luso-Brasileiro1500-1808 Revista Brasileira de
Histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 n 361998 P 29 252
SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Op Cit P 462 253
A mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e Tabaco eacute criado em Pernambuco no ano de 1752 a instituiccedilatildeo reguladora
tinha como prerrogativa controlar a qualidade do accediluacutecar e do tabaco produzidos e comercializados na capitania
evitar fraudes e contrabandos agindo ainda na fiscalizaccedilatildeo e fixaccedilatildeo dos preccedilos bem como atuar no sentindo de
aumentar a cultura do accediluacutecar na capitania 254
SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do Recife agrave poliacutetica
pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime poderes e sociedades
Lisboa 2005 P 4
88
arriscaram em transaccedilotildees de venda direta de suas safras a comerciantes baianos Esses
produtores certamente se sentiam vexados em seus negoacutecios com a empresa jaacute que por
muitas vezes a direccedilatildeo da Companhia se negava a pagar o preccedilo estabelecido pela Mesa de
Inspeccedilatildeo bem como pagar os subsiacutedios sobre o produto que eram de sua responsabilidade O
contrabando com a Bahia aleacutem de dirimir os prejuiacutezos desse grupo tinha a vantagem de ser a
feito a dinheiro e natildeo a creacutedito fazendas ou letras como costumava fazer a Companhia
praacutetica que foi arduamente criticada pelos senhores de engenho ao longo do monopoacutelio
daquela empresa
Diversas satildeo as ocorrecircncias encontradas na documentaccedilatildeo que fundamentam nossa
afirmaccedilatildeo O contrabando de accediluacutecar era tatildeo notoacuterio e puacuteblico que no ano de 1780 o
contratador do subsiacutedio de accediluacutecar de Pernambuco pediu auxilio de tropas pagas ao
governador para que seus prejuiacutezos fossem dirimidos Segundo o contratador ele
experimentava muitos prejuiacutezos no dito contrato pois da Bahia vinham muitos barcos ldquoa esta
capitania carregar efeitos para aquela cidaderdquo 255
Afirmando o mesmo que jaacute haviam saiacutedo
naquele tempo de Pernambuco para Bahia ldquoquatro sumacas carregadas aleacutem de uma que
naufragourdquo 256
Ainda no mesmo ofiacutecio o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ter atendido ao
requerimento do contratador lhe concedendo ldquo24 soldados e um cabo os quais seguiram para
a vila das Alagoas a fim de evitar os extravios do accediluacutecarrdquo 257
Chegando a Ilha de Santo
Aleixo foram informados sobre duas sumacas que praticavam o pernicioso comeacutercio uma
das embarcaccedilotildees ldquocom muita prestezardquo conseguiu fugir soacute sendo possiacutevel capturar a outra
Esta outra embarcaccedilatildeo tinha por mestre Manoel Pavatildeo ldquoaquele celebre Pavatildeo que se tem feito
conhecido pelo exerciacutecio de extraviador de accediluacutecares desta capitania para Bahiardquo 258
que
aparece referenciado acima na tabela 1
De fato o nome do piloto Manoel Pavatildeo apareceraacute em outro ofiacutecio um ano antes
quando o Ouvidor das Alagoas Comarca anexa a Pernambuco iraacute relatar ao governador Joseacute
Cesar de Meneses sobre a audaacutecia praticada pelos mestres de embarcaccedilotildees e suas companhias
que se dedicavam ao comeacutercio descaminhado dando destaque naquela situaccedilatildeo para a figura
255
AHU ndash PE Cx 137 D 10197 256
Idem 257
Idem 258
Idem
89
de Pavatildeo O mestre acabou sendo preso naquela ocasiatildeo e condenado a pagar pena na cadeia
de Recife pelo crime de ldquoextraviador de efeitos para fora desta capitaniardquo 259
Segundo a devassa tirada pelas autoridades Pavatildeo era um sujeito de 44 anos casado
branco natural da Ilha de San Miguel e que ldquovivia de andar embarcado por mestre de
sumacasrdquo 260
Haacute dois anos se encontrava empregado no posto de mestre da sumaca
apreendida e durante este tempo fez nela seis viagens Sendo quatro viagens para as Alagoas
aportando em Jaraguaacute e duas viagens a Cururipe lugares do governo da capitania de
Pernambuco No processo tambeacutem consta que o mestre carregara durante essas seis viagens
90 caixas de accediluacutecar bem como madeiras que foram desembarcadas as primeiras levas no
Trapiche de Maciel (Bahia) e a uacuteltima a bordo de um navio no porto da Bahia estrateacutegia
utilizada pelo piloto para fugir da fiscalizaccedilatildeo que o governador baiano estava promovendo na
ocasiatildeo
Quando da ldquotomadia da sumacardquo em que era mestre a dita estava carregada com dez
caixas de accediluacutecar 261
que segundo Pavatildeo seriam levadas a Bahia mas antes ele pretendia fazer
uma parada no porto de Cururipe a fim de carregar madeiras O caso de Pavatildeo natildeo foi
exceccedilatildeo em nosso acervo contamos com outros documentos em que mestres ou marinheiros
destas sumacas acabam sendo detidos e se inicia processo investigativo para posterior
julgamento esse tipo de documento atesta como este ramo potencialmente ilegal do
mercadejar acabou se tornando meio de vida para uma parcela significativa de indiviacuteduos que
engendrados em suas teias faziam da ilicitude rotina Como no caso de Pavatildeo que como era
sabido pelas autoridades reais ldquohaacute anos se ocupardquo do exerciacutecio de extraviador
Muitos foram os ofiacutecios trocados entre as autoridades pernambucanas e a Corte a
respeito das medidas para tentar evitar o grande extravio de accediluacutecar durante o periacuteodo Em
ofiacutecio do ano de 1778 por exemplo o governador Joseacute Cesar de Meneses se queixaraacute da
ldquoescandalosa relaxaccedilatildeo com que nesta capitania se estatildeo fazendo os maiores contrabandos e
extravios de accediluacutecar e outros gecircnerosrdquo 262
que tinham como destino ldquoo porto da Bahia e outros
do continente da Ameacutericardquo 263
Para continuarmos no ano de 1778 em ofiacutecio enviado ao
Reino pelo ouvidor da Comarca das Alagoas este iraacute afirmar que na praia da Barra-Grande
haviam cerca de 100 caixas de accediluacutecar apreendidas a diversos comerciantes que a direccedilatildeo da
259
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 260
Idem 261
O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria
no momento da apreensatildeo 262
AHU ndash PE Cx 131 D 9892 263
Idem
90
Companhia deveria ldquomandar conduzir sem perda de tempo por seu proveitordquo 264
jaacute que as
mesmas estavam mal condicionadas e corriam o risco de se estragar
Em outro ofiacutecio em que trata do mesmo tema o ouvidor daacute detalhes sobre os
descaminhos de accediluacutecar realizados atraveacutes da Ilha de Santo Aleixo e da freguesia de Una
relatando a ousadia desses grupos que se utilizavam de diversas artimanhas para se verem
livres dos embaraccedilos causados no caso de apreensatildeo Afirma o oficial que os grupos
envolvidos naquele tipo de comeacutercio estavam ldquocada vez mais animados e atrevidos procuram
a saiacuteda dos efeitos por todos os modos e artes e forccedila pois jaacute se preparam armados e
associados para resistiremrdquo 265
A audaacutecia destes homens era tamanha que por vezes mesmo
apoacutes a apreensatildeo de seus barcos e caixas de accediluacutecar se empenhavam de todos os modos para
recuperar as mercadorias ou simplesmente fugir da tutela das autoridades como podemos
perceber em dois casos relatados pelo mesmo ouvidor da Comarca de Alagoas
O primeiro diz respeito a uma sumaca de invocaccedilatildeo Nossa Senhora do Rosaacuterio Flor de
Satildeo Miguel de quem era dono um comerciante na Bahia Ao entrar no porto de Barra Grande
a sumaca passou por fiscalizaccedilatildeo do meirinho geral da correiccedilatildeo que lhe apreendeu doze
caixas de accediluacutecar 266
bem como por medida de precauccedilatildeo e seguindo as ordens do ouvidor lhe
foi retirado o leme e colocado em poder de um morador da praia vizinha O ouvidor durante
este processo prontamente fez expedir ordem para o procurador da Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba por em arrecadaccedilatildeo as caixas de accediluacutecar apreendidas No entanto a
astuacutecia dos contrabandistas era tanta que ldquoem noite de 3 de abril precedente o mestre e a
maior parte de sua companhia vieram a terra e violentamente arrancaram o leme e
conduzindo-o a bordo levantaram acircncorardquo 267
de acordo com o ouvidor seguiram para a ldquoIlha
de Santo Aleixo porto livre e seguro destes levantadosrdquo 268
O segundo caso relatado eacute ainda de maior atrevimento Duas sumacas pertencentes a
comerciantes da Praccedila pernambucana ambas com despacho para Bahia deram fundo no porto
de Santo Antocircnio Grande Passando pela fiscalizaccedilatildeo se apreendeu junto a primeira sumaca
30 caixas de accediluacutecar jaacute a segunda ldquose achava em lastrordquo 269
ou seja estava naquele momento
sem mercadorias Na tentativa de se prevenir possiacuteveis fugas as autoridades retiraram os
264
AHU ndash AL Cx 3 D220 265
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 266
O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria
no momento da apreensatildeo 267
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 268
Idem 269
Idem
91
panos das velas das duas embarcaccedilotildees e mais uma vez foi comunicado a Companhia a
apreensatildeo das duas embarcaccedilotildees
O mestre da segunda embarcaccedilatildeo requereu diversas vezes autorizaccedilatildeo para carregar
em Pernambuco ldquoe por que se obrigou a dar fianccedila o procurador da Companhia nesta feacute lhe
baldeou para a sumaca as 30 caixas apreendidas na outrardquo 270
no entanto antes que se
concluiacutesse a carga o mestre e o restante dos marinheiros foram a terra e arrombaram a casa do
depoacutesito ldquodonde sacaram o pano que conduzido a bordo e acabado de carregar com caixas dos
contrabandistas deram a vela para a cidade da Bahiardquo 271
tudo isto ocorreu durante a noite
agindo o grupo sem ser percebido
Em ofiacutecio tambeacutem do ano de 1778 da Junta da Companhia em Portugal enviada ao
governo de Pernambuco eacute relatado caso de semelhante audaacutecia Afirma a Junta que estando
duas sumacas no Cabo de Agostinho em Pernambuco carregando caixas de accediluacutecar e outros
efeitos foi o Guarda Mor da praccedila ateacute elas fazer a apreensatildeo do dito material no entanto o
mestre da primeira sumaca em que entrou o Guarda ldquonatildeo soacute o resistiurdquo 272
a apreensatildeo como
tambeacutem apoacutes iccedilar a vela da embarcaccedilatildeo quis lanccedilar o Guarda Mor ao mar o que soacute natildeo fez
ldquopor compaixatildeordquo 273
o mandando lanccedilar em terra
Neste mesmo documento eacute relatada outra artimanha utilizada pelos contraventores
Nele eacute narrado que sendo apreendido um barco que tinha como porto de origem a Bahia
carregado com 37 caixas um feixe e um cunhete de accediluacutecar e mais 126 couros salgados na
embarcaccedilatildeo foram encontrados ldquodois despachos um de madeira para a dita cidade e outro
para o caso de ser apreendido dizer que trazia os ditos efeitos para Pernambucordquo 274
O mestre
desta embarcaccedilatildeo segundo as autoridades era um contrabandista experiente no mesmo ano
segundo consta no documento o tal mestre havia desembarcado perto da praia de Maria de
Farinha em Pernambuco ldquofazendas e escravosrdquo 275
Parece que a fuga da tripulaccedilatildeo apoacutes a apreensatildeo natildeo era coisa rara pois encontramos
em 1769 relato do governador de Pernambuco a eacutepoca o Conde de Povolide afirmando que
havia expedido ordens para que se apreendesse uma sumaca que estava no porto de
Camaragibe carregando caixas de accediluacutecar enviando para tal serviccedilo o Porta Bandeira
Francisco de Oliveira Chegando ao local o oficial fez o sequestro da embarcaccedilatildeo que no
270
Idem 271
Idem 272
AHU ndash PE Cx128 D 9737 273
Idem 274
Idem 275
Idem
92
momento da apreensatildeo estava carregada com 18 caixas e dois feixos de accediluacutecar 276
e prendeu
na mesma ocasiatildeo o mestre da embarcaccedilatildeo o senhor Joseacute dos Santos
No entanto por ldquodescuidordquo ou ldquomaliacuteciardquo dos sentinelas que faziam a guarda do preso
este conseguiu escapar indo ateacute sua sumaca e empreendendo fuga Poreacutem ldquoao sair da baiacutea
pela perturbaccedilatildeo que lhe causava a fuga deram em uns recifes de pedrasrdquo 277
Mesmo assim a
tripulaccedilatildeo conseguiu fugir utilizando as lanchas da embarcaccedilatildeo ldquotomando o caminho da
Bahia fugitivosrdquo 278
Os oficiais reacutegios envolvidos no caso tentaram ainda ir atraacutes da
tripulaccedilatildeo mas natildeo foi possiacutevel ldquopor irem jaacute mui avanccedilados na retiradardquo 279
ficando para traacutes
apenas um marinheiro ldquoque cansou no caminhordquo 280
e que foi levado para a cadeia da vila
Por vezes os contrabandos de accediluacutecar e de outros gecircneros entre as capitanias de Bahia
e Pernambuco iratildeo gerar certo conflito entre as autoridades das capitanias vizinhas que ao
que a documentaccedilatildeo tem nos mostrado usualmente discordavam sobre a questatildeo dos limites
territoriais e fiscais circunstacircncias e locais que caracterizavam o contrabando Devemos levar
em conta que as situaccedilotildees de mercado de Bahia e Pernambuco a eacutepoca eram bastante
distintas pois mesmo tendo sido capital da colocircnia ateacute o ano de 1763 e importante praccedila
comercial durante o XVIII a Bahia natildeo contava com uma companhia monopolizadora tendo
como instituiccedilatildeo fiscalizadora apenas uma Mesa de Inspeccedilatildeo 281
Dessa forma natildeo estava a
Bahia sujeita as regulamentaccedilotildees e restriccedilotildees comerciais impostas a Pernambuco e suas
anexas
Vejamos com maiores detalhes o caso da sumaca Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo Santo
Antocircnio e Almas conhecida com a ldquoescorregardquo que foi uma dessas ocorrecircncias envolvendo
controveacutersias entre as autoridades de Bahia e de Pernambuco arrolada por noacutes O imbroacuteglio
comeccedila com a apreensatildeo da embarcaccedilatildeo no dia dois de abril de 1780 quando o entatildeo
governador da capitania pernambucana Joseacute Cesar de Meneses apoacutes receber denuacutencia do
Intendente da Companhia Geral acerca de uma sumaca vinda da Bahia que estava ancorada
276
O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria
no momento da apreensatildeo 277
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 278
Idem 279
Idem 280
Idem 281
Sobre isto ver KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da
Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime
poderes e sociedades Lisboa 2005 P 1
93
no distrito de Goiana a carregar caixas de accediluacutecar envia um tenente e oito soldados de tropas
pagas ao local para fazer a apreensatildeo e tomar as providecircncias cabiacuteveis 282
Apoacutes a apreensatildeo a embarcaccedilatildeo que pertencia ao negociante baiano Antocircnio Joseacute
Roberto eacute enviada para a Vila de Recife onde Joseacute Cesar solicita que o juiz de fora do local
faccedila inventaacuterio de toda a carga confiscada Depois desse primeiro passo as caixas de accediluacutecar
encontradas na embarcaccedilatildeo satildeo avaliadas pelo presidente da Mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e
Tabaco e por fim a carga completa eacute enviada para os depoacutesitos da Companhia Geral que seria
depositaacuteria da mesma ateacute o momento da decisatildeo real No momento da apreensatildeo a sumaca
estava carregada com 81 caixas de accediluacutecar escravos cunhetes feixos de accediluacutecar e outras
miudezas como ldquoum barril de mel latas de tabaco duas peccedilas de cetim azul com flores
brancasrdquo 283
a lista de ldquomiudezasrdquo eacute grande assim como a confusatildeo gerada pelo caso
A carga retida era significativa o inventaacuterio expotildee que as mercadorias pertenciam a
carregadores diversos o que iraacute dificultar a identificaccedilatildeo destes homens aleacutem disso esta
tarefa se tornava mais complicada ldquopor costumar ser aqueles homens sertanejos que dela vem
de partes muito remotas a comprar fazendas para andarem mascateando pelos dilatados
sertotildees deste continenterdquo 284
As autoridades locais natildeo foram capazes de reconhecer todas as
marcas inseridas nos produtos e nem o dono da embarcaccedilatildeo se demonstrou interessado em
colaborar
Destacamos que a sumaca tambeacutem estava transportando passageiros que levavam
consigo cargas particulares este fato intricou ainda mais o processo pois se fez necessaacuterio
separar e inventariar estes volumes tambeacutem Os produtos e mercadorias transportados por
aquelas pessoas eram diversos A lista incluiacutea artigos como couros farinha manteiga armas
somas em dinheiro entre outros Alertamos tambeacutem para a presenccedila de carga humana o
capitatildeo Gabriel Alvarez Lima por exemplo levava ldquo17 escravos novos a saber 9 fecircmeas e 8
machosrdquo 285
outro viajente o Sr Antocircnio Pereira de Melo carregava ldquo7 escravos novos e um
ladinordquo 286
aleacutem destes dois exemplos no momento da apreensatildeo outros passageiros tambeacutem
transportavam na ldquoescorregardquo seus escravos particulares
Respondendo ao primeiro contato do governador pernambucano o Conselho
Ultramarino em 9 de julho de 1780 aprova suas accedilotildees e demandam que toda a carga fosse
282
AHU- PE Cx 136 D 10147 283
AHU- PE Cx 137 D10234 284
AHU- BA Cx 181 D 13481 285
AHU- PE Cx 136 D 10147 286
Idem
94
transferida para posse do desembargador intendente geral dos contrabandos ateacute que a devassa
iniciada na Bahia estive concluiacuteda Paralelamente a devassa baiana Joseacute Cesar lanccedila
instruccedilotildees para que o ouvidor da Paraiacuteba instaure na comarca tambeacutem uma devassa para
averiguar o caso Neste interim o dono da embarcaccedilatildeo o Sr Antocircnio Joseacute Roberto solicita
ao governador que a sumaca lhe fosse devolvida para que ele natildeo amargasse tantas perdas
com a embarcaccedilatildeo parada O pedido eacute atendido mediante pagamento da quantia de um conto e
vinte e cinco mil reis segurado por ldquofiadores idocircneosrdquo da praccedila Vale ressaltar que junto ao
valor da embarcaccedilatildeo se acresceu o valor de quatro escravos ldquoa ela pertencentesrdquo 287
Natildeo temos conhecimento a respeito da devassa iniciada pelo ouvidor da Paraiacuteba nem
mesmo se em algum momento ela chegou a se realizar 288
Jaacute sobre a devassa ocorrida na
Bahia possuiacutemos maiores detalhes A embarcaccedilatildeo que tinha como mestre no momento da
apreensatildeo Joaquim Antocircnio recebeu guia autorizando sua partida de Salvador em lastro isto
eacute sem mercadorias Durante o periacuteodo de averiguaccedilatildeo da situaccedilatildeo o dono da sumaca foi
preso no entanto antes que se fosse decidido sobre os rumos do processo o mesmo pagou
fianccedila e foi liberado 289
Durante o processo de devassa foi lavrado um libelo acusatoacuterio culpando o reacuteu pelo
crime de contrabando Os ministros que cuidaram do caso afirmavam neste documento que
Antocircnio Joseacute Roberto teria despachado a ldquoescorregardquo em lastro ldquopara vila de Goiana com o
pretexto de ir conduzir efeitos para esta cidaderdquo 290
por isso teria o acusado conseguido junto
agrave alfacircndega passaporte e os despachos necessaacuterios 291
middot No entanto durante a anaacutelise do caso
parece claro para os ministros que o dono da embarcaccedilatildeo havia agido ldquocom dolo manifestordquo
pois ldquofizera navegar por aquele mesmo tempo a dita sumaca carregada de escravos fazendas
caixas de accediluacutecar feixes cunhetes e outras miudezasrdquo 292
das quais natildeo possuiacutea as guias nem
os despachos necessaacuterios
Os ministros tambeacutem afirmam que o porto de Goiana fazia parte da aacuterea monopolizada
pela Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba logo ldquonatildeo podia o reacuteu nem devia fazer
conduzirrdquo 293
da Bahia para laacute as mercadorias encontradas a bordo da sumaca Este fato era de
287
AHU ndash PE Cx 137 D 10234 288
Ateacute o momento soacute foi possiacutevel localizar nos arquivos documentos que atestam a ordem dada pelo governador
Joseacute Cesar de Meneses ao Ouvidor da Paraiacuteba no entanto natildeo sabemos se esta foi atendida nem o que dela se
apurou 289
AHU- BA Cx 181 D 13481 290
Idem 291
Idem 292
Idem 293
Idem
95
conhecimento geral pois existiam ldquomuitas ordens expedidas sobre a mesma proibiccedilatildeordquo por
isso Antocircnio Joseacute Roberto estava ldquoincurso nas penas de perdimento (das mercadorias) e as
mais estabelecidas ao mesmo respeito pelo foral da alfacircndega enquanto aos ditos despachos e
direitos que se deveriam pagarrdquo 294
Fica evidente na documentaccedilatildeo que o comerciante baiano era um homem articulado e
que possuiacutea bons contatos dessa forma o mesmo recorre do libelo acusatoacuterio expedido a
princiacutepio Sua defesa se centrou em trecircs pontos O primeiro deles afirmava que era costume
amplamente praticado principalmente no caso de sumacas despacharem em lastro e depois
receberem mercadorias O reacuteu afirmou que as guias de tais produtos natildeo eram tiradas pois
ldquoera costume praticado por todos natildeo levarem guias das fazendas carregadas para os sertotildees e
lugares onde natildeo haacute alfacircndegasrdquo 295
e declarou ainda que ldquonatildeo haacute proibiccedilatildeo alguma de
carregar fazendas e outros efeitosrdquo 296
para os sertotildees jaacute que estes jaacute tinham pagado os
direitos fazendaacuterios nos seus portos de origem por isso ldquoa todos era permitida essa liberdaderdquo
297
Cabe destacar que no seu discurso de defesa o reacuteu insiste em frisar que o porto de
Goiana era um porto sertanejo logo natildeo sujeito ao monopoacutelio comercial praticado pela
Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto sabia que os limites de accedilatildeo
da empresa natildeo se estendiam as terras dos sertotildees No entanto eacute curioso observar que ainda
em sua defesa o acusado iraacute afirmar ter recebido notiacutecia de ldquopessoas fidedignas de
Pernambucordquo 298
que a Companhia estava extinta e que por isso se animou em carregar sua
embarcaccedilatildeo para a capitania de Pernambuco Tambeacutem declarou a seu favor que quando ficou
sabendo que a empresa ainda existia natildeo vendeu as mercadorias na capitania pernambucana
logo natildeo teria cometido o crime de contrabando
Ora os discursos se natildeo contraditoacuterios ao menos satildeo incongruentes em primeiro lugar
afirmou o negociante que aquele tipo de comeacutercio praticado nos ldquosertotildeesrdquo era livre a todos
depois declarou natildeo ter vendido suas mercadorias em Goiana para natildeo ofender o monopoacutelio
da Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto na tentativa de obter
294
Idem Sobre funcionamento administraccedilatildeo e regulamento da Alfacircndega de Pernambuco no seacuteculo XVIII
consultar OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e
tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash
Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 295
AHU - BA Cx 181 D 1348 296
Idem 297
Idem 298
Idem
96
absolviccedilatildeo a todo custo se utiliza das duas foacutermulas de forma que se a primeira falhasse
ainda ficava o reacuteu resguardado de natildeo ter praticado descaminhos da Real Fazenda
Outro ponto explorado pelos advogados do acusado em sua defesa diz respeito ao fato
de que o Procurador Geral da Companhia o senhor Manoel Joseacute de Carvalho natildeo reclamou
durante o processo de construccedilatildeo da devassa os direitos devidos da empresa no caso mesmo
que este pedido tenha sido feito pelos ministros que julgaram a situaccedilatildeo Natildeo sabemos se por
omissatildeo por conluio ou mesmo por natildeo acreditar ter se cometido no caso o crime de
contrabando o procurador nada declara a favor da empresa
No entanto eacute interessante analisarmos o comportamento do procurador tendo em
vista o principal e uacuteltimo argumento utilizado pelo reacuteu para se ver livre das acusaccedilotildees de
contrabando e descaminhos Afirmara Antocircnio Joseacute Roberto que ldquoa maior parte das caixas de
accediluacutecarrdquo 299
carregadas pela sumaca ldquoiam a entregar a Francisco Joseacute de Fonsecardquo 300
nada
mais nada menos que o proacuteprio tesoureiro da Companhia Geral e os demais efeitos seriam
entregues ldquoa diversas pessoas e negociantes todos moradores na Vila do Reciferdquo 301
De
acordo com o dono da embarcaccedilatildeo esta informaccedilatildeo estava contida nos cadernos que
transportava e posteriormente na relaccedilatildeo da carga feita pelo escrivatildeo da Conservatoacuteria da
Companhia onde era possiacutevel observar que ldquotoda a referida carga era pertencente a pessoas
daquele continenterdquo 302
A defesa do reacuteu parece ter surtido efeito jaacute que Antocircnio Joseacute Roberto foi condenando
apenas ldquono perdimento das fazendas achadas a bordo da sumacardquo 303
isto porque segundo os
ministros julgaram o costume de natildeo transportar guias das fazendas transportadas aos
pequenos portos que natildeo contavam com aparato alfandegaacuterio eram ldquoverdadeiramente abusos
e transgressotildees das reais ordensrdquo 304
Uma vez que era sabido que tirar as guias era necessaacuterio
natildeo soacute para legitimar as descargas dos produtos nos seus portos de destino mas tambeacutem para
que fosse possiacutevel identificar em qualquer parte que ldquotiveram despachos de entrada na
Alfacircndega e pagaram entatildeo os devidos direitosrdquo 305
Fora isso o reacuteu eacute absolvido de todas as acusaccedilotildees contidas no Libelo acusatoacuterio
inclusive do crime de contrabando Aleacutem da perda das fazendas ao acusado eacute ordenado o
299
Idem 300
Idem 301
Idem 302
Idem 303
Idem 304
Idem 305
Idem
97
pagamento das custas do processo 306
Pelo que podemos entender atraveacutes da leitura do
documento os escravos transportados no momento da apreensatildeo natildeo foram apreendidos pela
Real Fazenda provavelmente os ministros aceitaram a defesa do reacuteu sobre esta mateacuteria que
alegava baseado em carta reacutegia de 30 de junho de 1766 e Alvaraacute de 3 de marccedilo de 1770 que
ldquose natildeo devem direitos de saiacuteda de escravos levados para as lavouras e demais serviccedilos das
terras dos recocircncavos e sertotildeesrdquo 307
A sentenccedila inicial eacute contestada pelo reacuteu em sua defesa iraacute afirmar que as fazendas que
estavam sem as devidas guias foram todas compradas a ldquoManoel Duratildees Sampaio o qual a
despachara na alfacircndega e que se achavam seladasrdquo 308
Segundo o comerciante baiano esta
informaccedilatildeo foi omitida na relaccedilatildeo das fazendas feita no ato da apreensatildeo No entanto a
reconsideraccedilatildeo natildeo eacute aceita pelos ministros fica entatildeo decidido que ldquocumpra-se a sentenccedila
embargadardquo e que o reacuteu arque com as custas do processo 309
Pelo exposto ateacute o momento pode-se perceber como a devassa feita na Bahia acaba
por contrariar a apreensatildeo feita pelo governador Pernambucano e as demais autoridades
reacutegias da capitania que primeiro averiguaram o caso e ao que demonstra a documentaccedilatildeo
pareciam natildeo ter duacutevidas quanto agrave existecircncia da praacutetica do contrabando no caso da
ldquoescorregardquo uma vez que Goiana fazia parte do governo de Pernambuco onde a Companhia
Geral exercia seu monopoacutelio desde 1759
A contrariedade de opiniotildees das autoridades eacute notoacuteria Em ofiacutecio enviado ao Reino em
trecircs de outubro de 1780 onde trata sobre as providecircncias tomadas localmente a respeito do
caso Joseacute Cesar de Meneses afirma ter dado ordens ao ouvidor da Comarca da Paraiacuteba para
que se achem ldquoos culpados no contrabando da referida sumacardquo 310
Apoacutes a devassa realizada
na Bahia em 1781 sobre a situaccedilatildeo da ldquoescorregardquo iraacute o governador baiano o Marquecircs de
Valenccedila concluir que ldquopela sentenccedila proferida contra esse reacuteu (Antocircnio Joseacute Roberto) se
conhece bem a razatildeo porque natildeo tiveram descaminhos os reais direitosrdquo 311
Como jaacute dito anteriormente os conflitos entre as autoridades das duas capitanias natildeo
eram raros No ano de 1778 por exemplo o governador pernambucano se queixaraacute dos
306
De acordo com as ordenaccedilotildees Filipinas em Livro III Tiacutetulo LXVII quando proferida a sentenccedila final em
qualquer tipo de caso de todas as qualidades o juiz deveria condenar pelo menos no pagamento das custas do
processo o reacuteu nos casos onde o reacuteu era absolvido o autor do processo deveria arcar com esse custo 307
Idem 308
Idem 309
Idem 310
AHU - PE Cx 138 D 10248 311
AHU - BA Cx 138 D 10248
98
procedimentos adotados pelo administrador da Companhia Geral que por motivo
desconhecido se encontrava na Bahia Joseacute Cesar de Meneses faraacute seacuterias denuacutencias contra o
comportamento do administrador segundo o mesmo ldquoo administrador da Companhia Geral
que estaacute na Bahiardquo onde afirmava o governador natildeo possuir jurisdiccedilatildeo ldquonatildeo cumpre como
deve as suas obrigaccedilotildees nem cuida com verdadeiro zelo nos interesses da companhiardquo 312
O governador ainda afirmaraacute que ldquosoacute o administrador da Bahia eacute que pode com pouco
custo evitar a continuaccedilatildeo dos contrabandos e extravios dos gecircneros desta capitaniardquo 313
Joseacute
Cesar acusava o administrador de natildeo ter interesse em acabar com os contrabandos visto que
para ele a medida mais eficaz para seu combate era o de natildeo permitir a entrada na capitania
baiana dos barcos que saiam ilegalmente de Pernambuco accedilatildeo que segundo o governador natildeo
desempenhava o tal administrador 314
Em ofiacutecio do ano posterior a questatildeo da falta de jurisdiccedilatildeo na Bahia voltaraacute a tona
Segundo Joseacute Cesar o governo da Bahia andava em grande relaxaccedilatildeo no combate aos
contrabandos e ao inveacutes de conter as ilicitudes agia em sentido oposto ldquoautorizando-se a
introduccedilatildeo dos escravos que para ela se transportam da dita cidade (Recife)rdquo 315
Neste
documento como anexo encontra-se guia autorizada pelo governador da Bahia a eacutepoca
Manoel da Cunha Meneses permitindo que um comerciante baiano transportasse para
Pernambuco vinte seis escravos e quatorze escravas Accedilatildeo totalmente proibida pelos estatutos
da Companhia
Eacute patente o desinteresse das autoridades baianas em repreender tais atos O que natildeo
podemos afirmar com total certeza eacute se tal desinteresse estava relacionado aos ganhos
oriundos daquele tipo de comeacutercio para a capitania soteropolitana ou se realmente os agentes
reacutegios baianos acreditavam que aquelas negociaccedilotildees eram de fato legais Nosso palpite
baseado na pesquisa exaustiva aos documentos nos leva a crer que fosse um pouco das duas
coisas Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais nos contrabandos no proacuteximo
capiacutetulo
Retomando a anaacutelise do processo da ldquoescorregardquo conseguimos identificar dentro do
acervo dos avulsos do Arquivo Histoacuterico Ultramarino para Pernambuco uma carta do reacuteu
cerca de quatro meses apoacutes a finalizaccedilatildeo da devassa recorrendo de sua sentenccedila Vale
ressaltar que nesse momento ano de 1781 o monopoacutelio comercial da Companhia Geral havia
312
AHU- PE Cx 131 D 9892 313
Idem 314
Idem 315
AHU- PE Cx 132 D9955
99
sido extinto Neste documento Antocircnio Joseacute Roberto solicita que seja devolvida sua sumaca
com a respectiva carga que lhe foi ldquoinjustamente apreendida no porto de Goianardquo 316
e da
qual ele estava ldquoapartado haacute ano e meiordquo 317
O pedido feito pelo comerciante se respalda na sentenccedila positiva que o mesmo havia
conseguido junto aos ministros responsaacuteveis pela devassa na capitania da Bahia que julgaram
na ocasiatildeo ldquomal feita a tomadiardquo realizada pelo governador pernambucano A carta eacute extensa
e reuacutene coacutepias de outros documentos relativos ao caso o que torna um pouco confusa a
narrativa no entanto nos oferece informaccedilotildees preciosas como por exemplo a indicaccedilatildeo de
que Antocircnio Joseacute Roberto viajou ao Reino para recorrer da sentenccedila pois afirma o mesmo
que na Bahia jaacute havia obtido sentenccedila favoraacutevel e ldquono transporte a esta corte onde haacute dois
meses e meio (estou) como forasteiro diligenciando chegar a real presenccedila de V Majestaderdquo
318 continua afirmando se antepor a sua Majestade ldquopedindo somente justiccedilardquo
319
Recorria entatildeo o comerciante baiano por obter de volta suas caixas de accediluacutecares
couros e solas que estavam retidos nos armazeacutens da ldquoextinta Companhiardquo em virtude dos
muitos ldquoprejuiacutezos que tem sentindordquo 320
aleacutem da carga principal que estava em posse da
Companhia existia tambeacutem uma caixa carregada de fazendas sob os cuidados do
Superintendente Geral dos contrabandos Antocircnio Joseacute Roberto tambeacutem iraacute pleitear a
devoluccedilatildeo deste conteuacutedo Segundo o mesmo a caixa continha ldquouma insignificante porccedilatildeo de
fazendardquo 321
que os ministros haviam se esquecido de julgar e por isso a mercadoria
continuava apreendida a favor da Fazenda Real O argumento utilizado por Antocircnio Joseacute
Roberto na apelaccedilatildeo seraacute o mesmo aplicado durante o processo de devassa onde afirma natildeo
ser costumeiro levar guias de fazendas para ldquoportos onde natildeo haacute alfacircndegardquo 322
Sobre o conteuacutedo existente na caixa iraacute afirmar o comerciante que todas as
mercadorias contidas nela foram ldquodespachadas e seladas pela alfacircndega da Bahiardquo no entanto
a relaccedilatildeo que dela consta em dois documentos que tratam sobre o caso contestam essa
versatildeo Como podemos ver a seguir
316
AHU- PE Cx 0142 D 10475 317
Idem 318
Idem 319
Idem 320
Idem 321
Idem 322
Idem
100
Lista 1 ndash Fazendas encontradas na caixa
RELACcedilAtildeO DAS FAZENDAS CONTIDAS NA CAIXA
Duas peccedilas de cetim azul claro com flores brancas caixa da faacutebrica (real) ndash 101 cocircvados com
armas reais de tinta preta ndash sem selo
Duas peccedilas de camelotildees listrados ndash 80 cocircvados - com selo da alfacircndega da Bahia
Sete peccedilas de chitas encarnadas do norte ndash 170 fardas - seis peccedilas com selo da alfacircndega da
Bahia e uma sem selo
Sete peccedilas da costa - 147 jardas - com selo da alfacircndega da Bahia
Um retalho de riscado de linho - seis cocircvados - sem selo
Cinco pares de meias de algodatildeo velhas
Um lenccedilol de Hamburgo
Trecircs sacos
Duas camisas de estopa velhas
Uma toalha de Hamburgo velha
Um calccedilatildeo de ldquoduraquerdquo
Um atadouro
Duas guarniccedilotildees de camisa de caccedila
Uma caixa de papel
Trecircs navalhas de barba
Uma pedra de afiar
101
Um estojo de baeta
Uma garrafa vazia
Fonte AHU- PE Cx 0142 D 10475 AHU- PE Cx 137 D10234
Como podemos observar a tal caixa continha aleacutem de umas poucas fazendas produtos
para uso pessoal alguns jaacute bastante utilizados No entanto desses poucos tecidos nem todos
apresentavam os devidos selos reais muito provavelmente por este motivo a carga
permaneceu apreendida A apelaccedilatildeo enfaacutetica de Antocircnio Joseacute Roberto pela devoluccedilatildeo
daquele conteuacutedo que ele mesmo declara como ldquoinsignificante resto de fazendasrdquo 323
pode
nos parecer em um primeiro momento estranha mas devemos lembrar que durante todo o
desenrolar do caso o comerciante teve muitos prejuiacutezos jaacute que aleacutem de perder seus produtos
ainda teve que pagar as custas do processo
Aleacutem disso devemos ter em foco que a aquisiccedilatildeo e uso de produtos pessoais no seacuteculo
XVIII se dava de maneira bem distinta dos moldes contemporacircneos A vida uacutetil de peccedilas de
roupa por exemplo era bastante extensa portanto apesar de ldquovelhasrdquo as vestimentas
poderiam continuar a ser utilizadas ainda por um bom tempo Outros objetos como sacos
navalhas garrafa toalhas lenccediloacuteis etc tambeacutem possuiacuteam existecircncia longa sendo utilizados ao
longo de toda a vida Ateacute o momento natildeo conseguimos mapear junto ao nosso conjunto
documental a resposta do Reino a este pedido portanto natildeo temos certeza se ele foi atendido
Aleacutem de revelar aspectos da dinacircmica comercial entre Pernambuco e Bahia durante a
segunda metade do seacuteculo XVIII o caso da ldquoescorregardquo demonstra as disputas de poder
envolvendo as autoridades das capitanias vizinhas resultado de um quadro de sobreposiccedilatildeo de
jurisdiccedilotildees comum em toda a Ameacuterica Portuguesa De acordo com a documentaccedilatildeo a
capitania baiana parece ter saiacutedo ldquovencedorardquo nesta competiccedilatildeo de conflitos de interesses
uma vez que apesar dos esforccedilos empreendidos pelas autoridades pernambucanas no caso
que pareciam estar seguros sobre a existecircncia do crime de contrabando na ocorrecircncia e que
foram responsaacuteveis pela apreensatildeo catalogaccedilatildeo da carga informe sobre a situaccedilatildeo para a
Coroa e primeiras investigaccedilotildees a decisatildeo final ficou cingida aos ministros baianos Ministros
esses que ao julgarem posteriormente o caso acabaram por inocentar o reacuteu do crime de
contrabando
323
Idem
102
O contrabando de couros solas e outros gecircneros vindos do sertatildeo tambeacutem teraacute
destaque junto a documentaccedilatildeo coletada Em ofiacutecio do ano de 1778 o governador de
Pernambuco daacute conta ao Reino da apreensatildeo que fez de uma sumaca que vinda da Bahia foi
capturada no Rio Grande do Norte lugar do governo da capitania de Pernambuco A sumaca
que se chamava ldquoSagrada Famiacuteliardquo ao que consta vinha da Bahia carregada de contrabandos
que ldquoestava trocando nestes portos por diversos gecircneros como fosse tabaco e courosrdquo 324
segundo o documento depois de trocar tais produtos a sumaca iria para Bahia da Traiccedilatildeo
ldquocarregar pau-brasil para alguns dos portos estrangeirosrdquo 325
O governador toma ciecircncia do caso e envia uma tropa para apreender a embarcaccedilatildeo
Como o piloto da mesma ldquoandava oculto nesta praccedila logo que soube do embarque da tropa
partiu a dar aviso a dita sumacardquo 326
assim que souberam da notiacutecia os tripulantes da
embarcaccedilatildeo iccedilaram as velas e tentaram fugir no entanto devido ao pouco vento que se fazia
no momento natildeo conseguiram seguir com a sumaca e a abandonaram no local Parte da
tripulaccedilatildeo conseguiu escapar atraveacutes das lanchas do barco e levaram consigo ldquoalgumas
canastrasrdquo que acreditava o governador serem restos das fazendas de contrabando
A sumaca foi apreendida e levada para o porto do Recife onde foi inventariada pelo
Juiz de Fora da Praccedila No momento da ldquotomadiardquo a embarcaccedilatildeo estava carregada com 1052
arrobas de tabaco 220 couros de boi em cabelo e 11 barris de mel Os cinco marinheiros que
natildeo conseguiram fugir foram levados para Recife e ficaram presos na cadeia da vila onde
responderam a inquiriccedilatildeo feita pelo mesmo Juiz de Fora nos fornecendo maiores detalhes
sobre o caso No mesmo documento tambeacutem constam algumas certidotildees importantes como a
lista de apetrechos do barco o auto de apreensatildeo termo de entrega do barco avaliaccedilatildeo da
carga entre outros
De maneira geral os marinheiros que eram todos portugueses e segundos seus
testemunhos novatos na tripulaccedilatildeo daquela embarcaccedilatildeo iratildeo ao longo das inquiriccedilotildees
apresentar a mesma versatildeo dos fatos com maiores ou menores detalhes Testemunhavam que
estando o barco aportado no Rio Grande do Norte chegou um homem ldquoque se dizia ser piloto
do dito barcordquo 327
informando ao dono da sumaca o senhor Luiz Pereira que o barco seria
apreendido e que eles buscassem fugir poreacutem por falta de vento natildeo foi possiacutevel escapar e
324
AHU ndash PE Cx 129 D 9771 325
Idem 326
Idem 327
Idem
103
logo ldquochegaram trecircs jangadas com soldados e os fizeram conduzir a este porto (do Recife)rdquo 328
onde foram presos
Afirmam tambeacutem que a sumaca apreendida estava naquelas paragens para carregar
ldquofumo e couros em pelordquo Satildeo unanimes tambeacutem os marinheiros em atestar que o barco
naquele tempo natildeo tinha mestre 329
e quem o conduzia era seu proacuteprio dono Luiz Pereira e
ainda que o mesmo natildeo havia declarado a sua tripulaccedilatildeo o porto para onde pretendia seguir
viagem aleacutem disso atestam os tripulantes que a carga encontrada a bordo pertencia somente
ao dono da embarcaccedilatildeo
Os marinheiros asseguram ainda que na mesma jangada na qual o piloto veio dar a
notiacutecia da apreensatildeo ldquofugiram para terrardquo o dono e o dito piloto ldquolevando consigo duas
frasqueiras vazias e uma canastra com um pouco de fazenda resto de negoacutecio que ele dizia
tinha sido comprado a Companhia Geralrdquo 330
Felizmente conseguimos localizar junto ao
nosso conjunto documental cerca de um mecircs apoacutes a apreensatildeo da ldquoSagrada Famiacuteliardquo
requerimento de seus donos pedindo que lhe fossem entregues os gecircneros ou produto deles
devolvendo a embarcaccedilatildeo e ressarcindo a ambos os danos e perdas que tiveram com a
apreensatildeo
Fica esclarecido pois que a sumaca pertencia natildeo soacute a Luiz Pereira mas tambeacutem a
Francisco Joseacute de Melo seu soacutecio Segundo o documento os dois tinham contraiacutedo sociedade
para ldquodos portos daquela capitania carregarem para a praccedila todos os gecircneros e efeitos
permitidosrdquo 331
Afirmam ainda que para isso conseguiram as licenccedilas junto ao governo para
que a tal sumaca pudesse navegar para ldquoqualquer dos mesmos portosrdquo No documento os
donos datildeo detalhes sobre o roteiro de viagem seguido pela embarcaccedilatildeo que primeiramente
navegou com efeitos para Una passando depois para Barra Grande onde ldquoo suplicante tinha
de fazer dar cumprimento as despesas [] contra os seus devedoresrdquo 332
Como natildeo encontraram em Barra Grande carga suficiente seguiram para Barra de
Catuama no Rio de Tejucupapo em Pernambuco ldquoonde aleacutem de alguma lenha farinha e mel
jaacute os suplicantes tinham feito embarcar 200 arrobas de tabaco em corda e 220 couros de boi
328
Idem 329
O marinheiro Manoel de Sousa afirma que quando entrou para tripulaccedilatildeo o mestre da sumaca era Alberto
Vieira morador na praccedila do Recife poreacutem pouco tempo depois o dito mestre foi servir em outra embarcaccedilatildeo
assumindo o dono da sumaca o senhor Luiz Pereira a funccedilatildeo do mestre 330
AHU ndash PE Cx 129 D 9771 331
AHU ndash PE Cx 129 D 9792 332
Idem
104
em cabelordquo 333
mercadorias estas que haviam sido compradas nos arrabaldes de Goiana
Segundo a versatildeo dada pelos donos da Sagrada Famiacutelia a apreensatildeo do barco foi motivada
por uma denuacutencia falsa planejada por seus devedores ldquoescandalizados da cauccedilatildeo que se lhe
faziardquo 334
junto com outros inimigos do suplicante a saber Manoel da Silva Xelas e Manoel
Joseacute da Costa que se ocuparam ldquoem lhe maquinar culpas por que o fizessem prender e
satisfazer assim sua vinganccedilardquo 335
Sobre a sua fuga e tambeacutem a do mestre da embarcaccedilatildeo Luiz Pereira afirma que apesar
de natildeo ter o que recear como ldquoo mal era certo e estava a vista cuidaram em evita-lordquo 336
fugindo dessa forma em outra jangada levando consigo apenas ldquoo triste socorro de duas
canastras com sua roupardquo 337
Continua afirmando que assim que a sumaca foi levada pelos
soldados a Pernambuco logo sua carga foi posta em arrecadaccedilatildeo mesmo que natildeo houvesse
confirmaccedilatildeo nenhuma sobre o contrabando denunciado Segundo o dono da embarcaccedilatildeo ficou
sabendo a apreensatildeo se deu devido a uma falsa denuacutencia de que eles ldquoestavam carregando
naquele porto de Goiana pau-brasil para o conduzirem para as Martinicasrdquo 338
poreacutem no
momento da apreensatildeo natildeo foram encontradas as tais madeiras na sumaca
Reclamam entatildeo os suplicantes que mesmo diante da incerteza da praacutetica de
contrabando e de suas suacuteplicas e contestaccedilotildees as autoridades reacutegias deram seguimento no
processo vendendo a carga do barco Afirmam ainda que enviaram ao governador as licenccedilas
que tinham para comerciar no porto da apreensatildeo 339
como tambeacutem os motivos pelos quais
havia o mestre e o dono do barco fugido na ocasiatildeo poreacutem natildeo foram capazes de ir ao
encontro marcado pelo governador pernambucano para esclarecimentos sobre o caso nem o
mestre nem o suplicante O primeiro porque tinha ido ldquoprocurar sua vida e natildeo lhe
importavam os requerimentos dos suplicantesrdquo 340
e o segundo porque ldquoestava na cidade da
Bahia para onde tinha feito viagem no seu ofiacutecio de pilotordquo 341
Continuam alegando ter sido a apreensatildeo e arremataccedilatildeo feita pelo governador injusta e
apelam agrave Rainha por justiccedila pois perdendo suas fazendas ldquosem culpasrdquo estavam os mesmos
333
Idem 334
Idem 335
Idem 336
Idem 337
Idem 338
Idem 339
Este e outros documentos referentes ao caso estatildeo anexados ao requerimento enviado a Rainha 340
AHU ndash PE Cx 129 D 9792 341
Idem
105
ldquona consternaccedilatildeo de abraccedilarem a miseacuteriardquo 342
uma vez que jaacute natildeo tinham meios de sustentar
suas famiacutelias muito menos de bancarem uma viagem ao Reino para implorarem ldquojusticcedila e a
maternal piedaderdquo 343
da soberana Ao longo do documento os suplicantes o tempo inteiro
reforccedilam a maacutexima de que o contrabando natildeo foi comprovado
Tambeacutem asseguram que a fuga se deu pois quem estava comandando a jangada que
foi fazer a apreensatildeo era Manoel da Silva Xelas inimigo que haacute pouco tempo ldquolhes tinha
segurado que lhe diligenciava a perdiccedilatildeordquo 344
Sustentam ainda que as canastras levadas
possuiacuteam apenas roupas Terminam pedindo que se faccedila justiccedila e lhe entreguem ldquotodos os
gecircneros e efeitos apreendidos ou o seu produtordquo aleacutem eacute claro de solicitarem que o governador
devolvesse a embarcaccedilatildeo Natildeo conseguimos encontrar ateacute o momento a resposta do Reino a
tal solicitaccedilatildeo portanto natildeo sabemos se em algum momento ela foi atendida O relato
demonstra mais uma vez como a definiccedilatildeo do que poderia ser considerado contrabando era
cambiante e dificultosa como podemos ver ao longo desse trabalho vaacuterios foram os casos
onde as autoridades pernambucanas fizeram apreensatildeo e posteriormente os reacuteus apelaram a
instacircncias superiores e conseguiram absolviccedilatildeo de suas penas
Conseguimos mapear mais dois casos relevantes sobre o comeacutercio de couros realizado
atraveacutes dos sertotildees que dividiam Pernambuco e Bahia que merecem ser detalhados pois
revelam detalhes preciosos sobre os circuitos de mercancia do interior 345
Tratam-se de dois
processos crimes dirigidos agrave Conservatoacuteria da Companhia Geral em Lisboa Antes de nos
atermos aos casos cabe uma ressalva para explicar brevemente como se tratavam as mateacuterias
judiciais na empresa Quanto a questotildees de justiccedila a Companhia possuiacutea um juiacutezo privativo
para resoluccedilatildeo de assuntos que lhe dissessem respeito 346
podendo atuar ldquocom jurisdiccedilatildeo
privativa e inibiccedilatildeo de todos os juiacutezes e tribunais [] em todas as causas contenciosas em
que forem autores os reacuteus o provedor deputados secretaacuterios e mais pessoas do serviccedilo da
Companhiardquo 347
A empresa mantinha um juiz conservador em Lisboa responsaacutevel por julgar estas
causas mas as direccedilotildees subalternas como a de Pernambuco tambeacutem possuiacuteam um juiz
342
Idem 343
Idem 344
Idem 345
Os dois processos aqui citados satildeo extensos e possuem etapas e procedimentos burocraacuteticos muacuteltiplos Cada
um conteacutem cerca de 200 laudas com vaacuterias passagens em latim e tracircmites juriacutedicos Por motivos praacuteticos
optamos por fazer pequenos compilados das ocorrecircncias deixando claro que temos ciecircncia sobre a
impossibilidade de qualquer resumo expressar com precisatildeo a complexidade destes casos 346
JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004P 87-88 347
Idem
106
conservador nomeado pela Junta da empresa em Lisboa que estava apto para julgar causas
que envolvessem o montante de ateacute 300$000 reis No entanto os reacuteus poderiam recorrer de
toda forma a conservatoacuteria de Lisboa Dessa forma na maioria dos casos a apelaccedilatildeo a
conservatoacuteria da empresa em Lisboa era o uacuteltimo recurso a que poderiam valer-se os reacuteus
acusados de cometer contrabando
Estas questotildees eram reguladas pelo artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa
nele afirma-se que a Companhia era independente de todos os tribunais maiores e menores
respondendo efetivamente apenas ao Rei Em nenhum caso era admitido que ministros ou
tribunais reais se intrometessem nesta mateacuteria Isto porque o capital formador da Companhia
provinha de pessoas que a princiacutepio natildeo tinham qualquer relaccedilatildeo com a Real Fazenda dessa
forma ficava a empresa livre para ldquodispor de seus proacuteprios bens como lhe parecer mais
convenienterdquo 348
Se algum tribunal ou ministro quisesse obter informaccedilotildees de algo
concernente a administraccedilatildeo da Companhia era necessaacuterio solicitar tais informaccedilotildees a sua
Junta ou as Direccedilotildees subalternas que poderiam ou natildeo deferir tal pedido 349
De acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a empresa possuiacutea uma independecircncia juriacutedica
relativa Jaacute que apesar de natildeo estar subordinada a nenhum outro tipo de tribunal respondia a
administraccedilatildeo da Companhia imediatamente ao Rei que era o responsaacutevel por confirmar as
nomeaccedilotildees feitas pela sua Junta Aleacutem disso segundo o autor os homens nomeados para
exercer a funccedilatildeo de juiacutezes conservadores eram em sua maioria sujeitos envolvidos na
administraccedilatildeo real ocupando cargos na casa de suplicaccedilatildeo ou mesmo no papel de juiz de fora
350
Voltando para os casos o primeiro tem como personagem principal o mestre sapateiro
e comerciante de couros e solas Manoel Antocircnio dos Santos que no ano de 1777 teve 1032
meios de sola apreendidos pelo guarda mor da direccedilatildeo da Companhia chamado Joatildeo Antocircnio
Batista As tais solas estavam distribuiacutedas em cinco balsas que se encontravam no momento
da apreensatildeo quatro na Ilha do Nogueira 351
e uma no rio do Jiquiaacute Durante a accedilatildeo do
confisco boa parte das solas foi molhada tornando-se mais uma pauta para reclamaccedilatildeo do reacuteu
348
Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor
do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Artigo 12 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil
Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 349
No caso de indeferimento cabia recurso ao Rei 350
JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit P 87-88 351
Tambeacutem conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia
Teimosa no Recife Sobre isto ver PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife
2008
107
a Conservatoacuteria lisboeta aleacutem de afirmar natildeo ter praticado contrabando solicitava a
restituiccedilatildeo monetaacuteria da mercadoria avariada pois natildeo restava duacutevida ldquoque aacutegua salgada na
sola faz um grande dano e daqui resulta ou perder-se inteiramente o valor ou ficar diminuiacutedo
em parte muito consideraacutevelrdquo 352
e ainda que ldquoeste contemplado prejuiacutezo causou ao reacuteu o
acelerado procedimento do guarda morrdquo 353
As cinco balsas foram apreendidas pois existia a suspeita de que as mesmas estavam
fora da barra do porto esperando um barco que iria a Bahia transportar as solas e couros no
entanto o barco acabou se atrasando e natildeo partiu na data combinada Sendo assim a versatildeo
das autoridades era de que ldquoas balsas estavam escondidas ao peacute do Recife esperando que
saiacutesse o dito barcordquo 354
segundo consta nos autos essa afirmaccedilatildeo teria sido feito pelos
jangadeiros que conduziam as balsas a vaacuterias testemunhas que foram inquiridas durante o
processo
Na verdade aleacutem dessas testemunhas que ldquoouviram dizerrdquo um uacutenico jangadeiro iraacute
testemunhar contra o reacuteu Era ele Manoel Martins de Almeida ldquohomem branco morador na
rua da praia solteiro que vive de pescador de idade que disse ser de 47 anosrdquo 355
Manoel iraacute
afirmar que voltando ele de uma pescaria tinha encontrado quatro jangadas juntas carregadas
de sola e que na ocasiatildeo dois homens brancos dos quais ele ignorava os nomes fretaram a sua
jangada para tambeacutem a carregar com as solas e ldquoesperar ali com as mais jangadas um barco
que no dia seguinte havia sair deste Porto que ia em direitura para o da Bahiardquo 356
afirma o
pescador que natildeo chegou a receber o dinheiro combinado pelo serviccedilo pois o guarda mor da
Companhia logo apareceu e fez a apreensatildeo conduzindo os barcos para o trapiche da empresa
Os outros jangadeiros serviram de testemunhas de defesa do reacuteu as versotildees dadas por
eles eram bastante parecidas utilizaremos aqui o testemunho de Manoel de Jesus Ramos
ldquohomem preto morador na rua da praia que vive de jangadeiro solteiro de idade de 25 anosrdquo
357 para exemplificar Afirmava Manoel que por ordem do reacuteu ele e ldquomais quatro jangadas da
rua da praia foram aos Afogados junto ao Tocolombo 358
receber-lhe a sola de que se trata e
por sua determinaccedilatildeo a vinham descarregar atraacutes do coleacutegiordquo 359
continua afirmando que ldquopor
352
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 5 353
Idem 354
Ibdem f 48 355
Ibdem f 45 356
Idem 357
Ibdem f 36 358
Atual ponte Motocolomboacute que liga os bairros de Afogados e Imbiribeira no Recife 359
Refere-se a praia do coleacutegio conhecida assim por estar nas imediaccedilotildees do antigo coleacutegio jesuiacuteta do Recife
nas proximidades do bairro de Santo Antocircnio Fonte BARBOSA Virgiacutenia Igreja do Divino Espiacuterito Santo
108
ser mareacute vazia e encalhar em jangadas e fazer vento rijo se acoitaram ao peacute da Ilha do
Nogueira da parte de dentro do Reciferdquo 360
neste momento as jangadas foram apreendidas pelo
Guarda Mor da Companhia e levadas para o trapiche da empresa
Nem todas estavam no mesmo local quando da ldquotomadiardquo pois algumas delas tinham
encalhado nas coroas de areia ldquopelo rio abaixo por dentro do Reciferdquo 361
Segundo Manoel o
destino ldquoque todas as jangadas traziam por ordem do reacuteu era descarregarem por de traacutes do
coleacutegiordquo 362
Diz ainda que natildeo tinham autorizaccedilatildeo de saiacuterem de Recife ldquonatildeo soacute por natildeo haver
para que mas pelo grande risco que haviardquo 363
Tambeacutem em seu testemunho vai afirmar que
conhecia o reacuteu haacute algum tempo e que nunca tinha ouvido dizer que ele fosse contrabandista
ldquoantes o tem por homem de muita verdade e eacute mestre do ofiacutecio de sapateirordquo 364
Como dito anteriormente quase todos os jangadeiros testemunharam a favor do reacuteu
salientando que o mesmo natildeo tinha enviado ordem para que eles saiacutessem de Recife e que o
sapateiro era um homem respeitaacutevel e correto Vale ressaltar que todos eles eram vizinhos
moradores na rua da praia se conheciam e foram contratados para o serviccedilo no mesmo tempo
Coincidecircncia ou natildeo o uacutenico depoimento contraacuterio viraacute exatamente do jangadeiro que foi
contratado para o serviccedilo posteriormente e que ao que o processo indica natildeo possuiacutea relaccedilotildees
de amizade com os demais
A defesa do reacuteu iraacute se centrar em alguns pontos destacaremos os mais importantes O
primeiro seraacute o entendimento de que existiam dois tipos de delito o ldquoefetivo e o afectivordquo O
primeiro tipo se daria quando de fato o ato iliacutecito fosse concretizado ou seja o delito tivesse
sido efetivado O segundo seria a intenccedilatildeo de cometer o ato sem que se chegasse a realiza-lo
O advogado do reacuteu iraacute se utilizar desta diferenciaccedilatildeo para sustentar sua defesa pois segundo o
mesmo ldquonenhuma lei humana tem proibido e mandado punir nem pode em qualquer delito
que seja proibir ou mandar punir ao simples ato interno ou a uacutenica interna deliberaccedilatildeo dos
homensrdquo 365
isto porque ldquoo pecado de pensamento que fica no mesmo e dele natildeo sabe
absolutamente em palavra ou obra soacute pertence a Deus proibi-lo e castiga-lordquo 366
ou seja
Recife PE Pesquisa Escolar Online Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Recife Disponiacutevel em
lthttpbasiliofundajgovbrpesquisaescolargt Data de acesso 03082017 360
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 36 361
Idem 362
Idem 363
Idem 364
Idem 365
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 50 366
Idem
109
afirmava o advogado que natildeo se poderia julgar a intenccedilatildeo de um crime que natildeo chegou a se
concluir
O segundo ponto da defesa iraacute se concentrar nas condiccedilotildees mariacutetimas que
supostamente enfrentaram as balsas durante o momento da apreensatildeo Afirmam entatildeo que natildeo
era criacutevel que as cinco balsas pudessem navegar no mar de fora rumo a Bahia ou mesmo
esperar embarcaccedilatildeo que de laacute viesse Asseguram que mesmo dentro da barra ldquodeste rio que se
estaacute vendo defendido dos arrecifes natildeo estavam seguras as balsas pois ventando rijo se altera
o mesmo rio e faz maretas tatildeo fortes como laacute forardquo 367
prossegue atestando que naquelas
condiccedilotildees estavam em perigo ldquooutras embarcaccedilotildees de maior seguranccedila como estamos vendo
frequentemente quanto mais balsas que natildeo tem firmeza alguma para resistir ao mar alterado
com o vento rijordquo 368
O terceiro toacutepico da defesa era simples consistia em afirmar que os depoimentos das
testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo eram relevantes e que natildeo demonstravam que o contrabando
houvesse sido praticado Outra questatildeo levantada pela defesa foi o fato das solas na ocasiatildeo
da apreensatildeo natildeo estarem marcadas sendo assim natildeo haveria o interesse da parte do reacuteu em
fazer conduzir nestas condiccedilotildees esta mercadoria para a Bahia ldquopois indo sem marca natildeo se
podia saber de quem era nem a quem ia entregar e eis aqui um contrabando e negoacutecio
extravagante e nunca vistordquo 369
Aleacutem disso afirmam ser o produto ldquosola da matardquo
conhecidas popularmente como vaquetas artigo de comercializaccedilatildeo permitida
O argumento mais forte da defesa centrava-se na liberdade permitida pelo artigo 25
dos estatutos da Companhia ao comeacutercio realizado nos sertotildees Como jaacute visto no capiacutetulo
anterior este comeacutercio soacute passa a ser reprimido apoacutes o ano de 1770 por forccedila de um edital
lanccedilado pela direccedilatildeo da empresa em Pernambuco que por natildeo ser referendado por ordem
reacutegia natildeo possuiacutea forccedila de lei Assim sendo o advogado garantia que ldquoainda na hipoacutetese
sempre negada que o reacuteu extraviasse efetivamente a sola natildeo cometia um delito algum nem
podia incorrer nas penas do artigo 34 370
rdquo Isto porque ldquousava da permissatildeo do artigo 25 e a
liberdade do comeacutercio do Sertatildeo de que fala o mesmo natildeo se deve entender para ir somente
buscar a sola e vender a direccedilatildeordquo
367
Ibidem f 51 368
Idem 369
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 7 370
Ibdem f 52
110
O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral citado no caso prevecirc as
puniccedilotildees passiacuteveis para aqueles que fizessem comeacutercio desautorizado na capitania de
Pernambuco e suas anexas Legislando da seguinte forma
Nenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute
mandar levar ou introduzir as sobreditas fazendas secas ou molhadas nas
ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da produccedilatildeo []Sob pena
de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto importar o
seu valor [] 371
O comeacutercio realizado nos sertotildees que tinham como destino o porto do Recife onde se
deveriam trocar as mercadorias com a Companhia monopolista era considerado legal 372
Tanto que o reacuteu deste caso haacute muitos anos fazia esse tipo de negociaccedilatildeo com a empresa 373
Segundo consta nos autos do processo teria comprado Manoel Antonio dos Santos a sola
ldquoparte a dinheiro e outra parte recebeu em pagamento de coiramas de Portugal gecircnero em que
haacute muitos anos negocia com a direccedilatildeo comprando-lhes partidas avultadas de carmeiras
cordovotildees marroquins e outros gecircnerosrdquo 374
que depois ldquopelo miuacutedo vendia as tais partidas
nesta Praccedila e para fora dela [] e recebia em satisfaccedilatildeo accediluacutecares solas e outros gecircneros da
terrardquo 375
A Companhia em dois momentos iraacute rebater a defasa do reacuteu fazendo diversas
acusaccedilotildees o processo eacute extenso e possuiacute vaacuterias apelaccedilotildees e contestaccedilotildees faremos aqui um
compilado dos principais pontos apresentados pela empresa na figura do seu procurador fiscal
em Pernambuco O primeiro ponto faz referecircncia as testemunhas de defesa afirmava a
Companhia que as ditas testemunhas ldquosatildeo todas falsas apaixonadas e por dinheiro
corrompiacuteveis e a maior parte delas satildeo os mesmos jangadeiros auxiliantes e outras satildeo do
ofiacutecio de sapateiro de que eacute o embargado juizrdquo 376
Como jaacute informado o reacuteu aleacutem de negociar
com solas e couros haacute vaacuterios anos era juiz do ofiacutecio de sapateiro na praccedila como muitas
371
Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762
Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e
Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 293 372
Assunto discutido no primeiro capiacutetulo deste trabalho 373
No processo constam anexadas vaacuterias contas apresentadas pelo reacuteu discriminando produtos e seus valores
negociados ao longo dos anos com a empresa como uma espeacutecie de contabilidade pessoal 374
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 375
Idem Vale pontuar que de acordo com o artigo 33 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral a venda
em miuacutedo era permitida aos comerciantes da terra Sendo entatildeo o comeacutercio de grosso trato reservado
exclusivamente a empesa Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de
Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de
livros sobre o Brasil Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 376
Ibdem f 61
111
testemunhas de defesa possuiacuteam o mesmo ofiacutecio o procurador fiscal da Companhia iraacute acusar
Manoel Antocircnio de se utilizar de seu lugar de poder dentro daquela corporaccedilatildeo para gerar
testemunhos positivos a seu respeito
A acusaccedilatildeo encabeccedilada pelo procurador fiscal tambeacutem iraacute chamar atenccedilatildeo para o fato
de que havendo mareacute de dia o reacuteu escolheu deixar para carregar de noite o que era entendido
como atitude suspeita Contestam tambeacutem a alegaccedilatildeo da defesa de que no maacuteximo haveria se
cometido ldquocontrabando afectivordquo pois ldquose fora soacute a efetiva vontade de extraviar natildeo havia o
extraviador ter as jangadas carregadas e escondidasrdquo 377
continua sustentando que ldquose fosse
para descarregarem na praia do coleacutegio natildeo haviam estar de manhatilde ancoradasrdquo 378
Consta
tambeacutem no documento que soacute natildeo chegou a ser efetivado o contrabando porque o barco que
iria para Bahia natildeo pode partir na data prevista devido agraves condiccedilotildees da mareacute
Outro ponto levantado pela empresa seraacute a localizaccedilatildeo geograacutefica das jangadas no
momento da apreensatildeo afirmando que natildeo fazia sentido que o desembarque da mercadoria
fosse feito na praia do coleacutegio visto que ficava aquele local ldquomuito para o norte do forte (das
cinco pontas)rdquo jaacute a Ilha do Nogueira ficava ao ldquoSul do mesmo forterdquo 379
Aleacutem disso havia na
ocasiatildeo condiccedilotildees de navegaccedilatildeo para desembarcarem na praia do coleacutegio por isso natildeo fazia
sentido estarem ancoradas A empresa iraacute ainda acusar o reacuteu alegando ser ele natildeo soacute
ldquoextraviador dos efeitos desta capitania para a cidade da Bahia se natildeo que da mesma cidade
costuma introduzir contrabandos nesta capitania como fosse um lote de escravos e vendeu
uma moleca ao seu grande amigo e falsa testemunha Joatildeo Francisco Guimaratildeesrdquo 380
aleacutem da
fazenda seca que jaacute carregava
A companhia tambeacutem iraacute replicar o fato dos jangadeiros terem afirmado que estavam
parados esperando uma jangada que havia ficado para traacutes por estar encalhada declarando
natildeo haver necessidade para tal jaacute que ldquocada uma vai ganhar o seu frete quanto mais depressa
chegasse o tinha ganhado e mais depressa se recolhia a sua casa para estar pronto para no
outro diardquo 381
Ademais tambeacutem iratildeo questionar o porquecirc dos jangadeiros terem fugido pois
ldquose as ditas jangadas carregadas de sola viessem para o Recife nenhuma necessidade havia
para que os jangadeiros fugissem desamparando as suas jangadasrdquo 382
continuam garantindo
377
Ibdem f 56 378
Idem 379
Idem 380
Joatildeo Francisco Guimaratildees seraacute testemunha de defesa do reacuteu durante o processo ANTT Feitos Findos
Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 61 381
Ibidem f 55 382
Idem
112
que ldquoa causa da fuga era por estarem compreendidos na extraviaccedilatildeo sendo os condutores e
auxiliantes do extraviordquo 383
Por fim o procurador fiscal da empresa alega que o advogado do reacuteu fez maacute
interpretaccedilatildeo do artigo 25 dos estatutos da empresa uma vez que ldquoo que determina o dito
artigo eacute que possam negociar para o sertatildeo e mais portos isso natildeo se entende para fora da
capitaniardquo 384
a sola estaria entatildeo compreendida ldquono artigo 34 da instituiccedilatildeo da Companhia
Geral e suposto pelo artigo 25 da mesma seja exclusivo para todos os gecircneros e frutos da terra
soacute se deve entender para o negoacutecio dentro das suas Capitanias e natildeo para fora delasrdquo 385
Solicitam entatildeo que o reacuteu seja condenado no perdimento das mercadorias e na pena de dobro
O processo eacute longo mas de maneira geral os fatos satildeo estes o grande trunfo da defesa
eacute afirmar que a sola foi apreendida dentro de Recife onde natildeo era proibido o seu comeacutercio
sendo assim natildeo havia meios de se provar a intenccedilatildeo de extraviar e que mesmo que houvesse
a intenccedilatildeo natildeo se poderia condenar o reacuteu por isso - ldquoextravio afectivordquo No fim das contas o
sapateiro e comerciante Manoel Antocircnio acaba sendo absolvido e os apelantes satildeo
condenados a pagar ldquoas custasrdquo do processo como de costume
Outra apelaccedilatildeo crime que merece destaque dentro do nosso conjunto documental eacute
um caso do ano de 1779 que diz respeito ao processo envolvendo o barco conhecido como o
ldquoXibanterdquo de quem era dono o capitatildeo Manoel Vieira de Melo A embarcaccedilatildeo apreendida por
soldados cumprindo ordens do governador da capitania vinha do sertatildeo do Aracati Ribeira
do Jaguaribe e estava carregada de couros e solas pertencentes a vaacuterios comerciantes A
sumaca despertou a atenccedilatildeo das autoridades pois chegando ao porto do Recife natildeo entrou
logo na barra o que alimentou a suspeita de que a mesma estivesse extraviando efeitos para
os portos do sul mais precisamente para a Bahia 386
No momento da apreensatildeo o mestre da
sumaca estava em terra
Junto com a embarcaccedilatildeo foram apreendidos tambeacutem cinco escravos pertencentes ao
dono do Xibante que trabalhavam como marinheiros O dono da embarcaccedilatildeo tratou logo de
fazer solicitaccedilatildeo para soltura de seus escravos afirmando que os mesmos ldquonatildeo satildeo barco nem
carga e sim marinheiros do barco que ganham soldo cada um para seu dono e a diferenccedila que
383
Ibidem f 61 384
Ibidem f 57 385
Idem 386
Para mais informaccedilotildees a respeito do Porto de Recife no seacuteculo XVIII consultar OLIVEIRA Luanna Maria
Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-
1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de
Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 ndash 26
113
tem que marinheiro brancos eacute lucrarem estes os soldos para seus senhoresrdquo 387
Este assunto
rapidamente se resolveu pois Manoel Vieira conseguiu recuperar sua escravaria pondo o
capitatildeo Francisco de Oliveira como fiador de tais escravos estando ele responsaacutevel ainda por
entregar em juiacutezo os homens todas as vezes que assim fosse requerido
Algo curioso neste processo eacute que a embarcaccedilatildeo ficaraacute apreendida junto com a carga
apesar de encontramos outros documentos que apontam situaccedilotildees semelhantes a defesa do
reacuteu a todo o momento contestaraacute tal decisatildeo afirmando que natildeo era costume da Companhia
agir daquela forma Devido a apreensatildeo feita na embarcaccedilatildeo nos autos da apelaccedilatildeo constam
os objetos que nela existiam como toneis barricas candeeiros entre outros objetos de uso
cotidiano Consta tambeacutem nos autos a avaliaccedilatildeo do valor do barco que foi feita pelo doutor
juiz conservador da Companhia junto a um ldquocorpo de mestranccedilardquo 388
a sumaca naquela
ocasiatildeo teve seu valor estimado em um conto e cem mil reis Como jaacute dito os advogados do
reacuteu iratildeo insistir na liberaccedilatildeo do barco iniciam a defesa afirmando que no decurso de 19 anos
foram ldquotantas e tantas apreensotildees tomadias de gecircneros e contrabandos introduzidos
transportados e ocultados em barcos lanchas botes canoas jangadas e casardquo 389
no entanto
ldquonatildeo consta que tambeacutem se apreendessem as casas jangadas canoas botes lanchas e barcos
como instrumentos das extraviaccedilotildees e contrabandosrdquo 390
Isto porque segundo a defesa natildeo se
encontrava nos estatutos da empresa ordens para apreensatildeo de embarcaccedilotildees apenas a sua
carga estaria sujeita as ldquotomadiasrdquo Como comentado em nosso conjunto documental
encontramos outros casos onde as embarcaccedilotildees satildeo apreendidas junto a suas mercadorias natildeo
parecendo para noacutes que esta praacutetica fosse anocircmala
Persistindo na mesma mateacuteria o jurista alegava que ldquoa tiacutetulo de contrabando soacute
mandam as ordens reacutegias apreender e tomar embarcaccedilotildees nos portos do Brasil quando satildeo de
estrangeiros que sem faculdade reacutegia vem a eles oculta e furtivamente fazer negocio e
transportar os gecircneros do paiacutesrdquo 391
Esta ordem tambeacutem se aplicava a embarcaccedilotildees piratas e
ldquoxavecos de mourosrdquo pois aqueles eram ldquodeclarados inimigos da coroa de Portugal e seus
vassalosrdquo 392
Pedia entatildeo o advogado que fosse exonerada a fianccedila feita pelo reacuteu para receber
seu barco de volta uma vez que o Xibante natildeo era ldquoclasse assinada das embarcaccedilotildees que as
387
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 10 388
Ibidem f 11 389
Ibidem f 13 390
Idem 391
Ibidem f 13 verso 392
Idem
114
ordens reacutegias mandam apreende-las e toma-las por se ele portuguecircs e habitador desta terra e
vassalo fiel de sua majestade e natildeo estrangeiro nem piratardquo 393
Seguindo a mesma linha de defesa do caso acima descrito tambeacutem iraacute se afirmar que a
apreensatildeo da sumaca teria se dado de maneira indevida jaacute que nenhuma extraviaccedilatildeo efetiva
havia sido comprovada pois na ocasiatildeo do seu sequestro o barco estava ldquobordejando ao norte
da barra e natildeo tinha passado para o sul nem o mesmo tinha ordem do reacuteu para o poder fazerrdquo
394 e ainda que ldquoos afetos e intenccedilotildees do animo [] soacute Deus conhece e os homens penetrar natildeo
podemrdquo 395
Ou seja seguindo a loacutegica da defesa mesmo que os indiacutecios apontassem que
haveria de se cometer crime de contrabando natildeo poderiam as autoridades atuar
preventivamente
Um dado interessante sobre o caso eacute que o Xibante no momento de sua apreensatildeo
trazia passageiros a bordo A defesa afirmaraacute a seu favor que estes viajantes tinham como
porto de destino Recife aleacutem disso iratildeo alegar que a sumaca vinha em meia carga por isso
natildeo seria vantajoso comercialmente falando o envio da embarcaccedilatildeo para Bahia Assegurando
ainda que o mestre natildeo entrou diretamente no porto do Recife pois foi a terra buscar ordens
do dono da sumaca para saber qual o destino deveria tomar neste meio tempo em que o
mestre estava em terra aconteceu o apresamento
Ainda de acordo com versatildeo dada pela defesa ldquoa gente da mareaccedilatildeo vinha toda
levantada com o mesmo (mestre) por bulhas que tiveram no Aracati e para fazerem mal ao
dito foram eles os que arguiram a ida do barco para a Bahiardquo 396
Afirmam ainda que se
realmente se tivesse a intenccedilatildeo de fazer contrabando o barco poderia ter seguido para Sul
sem ficar parado a vista de todos naquela barra e que o reacuteu natildeo tinha culpa da ignoracircncia de
seu mestre uma vez que natildeo havia expedido ordens que autorizassem a ida para Bahia
Ressaltamos que alguns passageiros do barco confirmaram a afirmaccedilatildeo do desentendimento
entre os marinheiros e o mestre da embarcaccedilatildeo sem explicar ao certo o porquecirc de tal rusga
Tambeacutem como no caso acima a defesa iraacute se utilizar do artigo 25 dos estatutos da
empresa para defender que aquele comeacutercio feito nos sertotildees era livre e que a Companhia soacute
passou a reprimi-lo posteriormente Denunciam ainda que mesmo apoacutes a dita proibiccedilatildeo era
notoacuterio e sabido por todos que os deputados da empresa ldquopara seus negoacutecios particulares tem
393
Idem 394
Idem 395
Ibidem f 14 396
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 14
115
sempre carregado solas e couros do sertatildeo para a Bahia e para o Riordquo 397
sendo assim se
julgassem justa a dita proibiccedilatildeo natildeo deveriam continuar a praticar aquele comeacutercio ldquopor serem
executores da instituiccedilatildeo ou obrigados a executa-la se entendessem ser justa e legalrdquo 398
Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais e oficiais e deputados da proacutepria
companhia no comeacutercio descaminhado mais profundamente no proacuteximo capiacutetulo
Todos os pontos alegados acima seratildeo sustentados pelas testemunhas de defesa
durante as inquiriccedilotildees destacando sempre que ldquoantes da Companhia sempre houve comeacutercio
dos gecircneros do sertatildeo que satildeo couros e solas para a Bahia e para o Rio de Janeirordquo 399
e que
apenas depois de nove ou dez anos dela jaacute estabelecida se passou a impedir aqueles negoacutecios
sertanejos Esta versatildeo dos fatos tambeacutem eacute confirmada por um dos passageiros que estava no
barco no momento do sequestro Durante o processo seratildeo coletados ainda os testemunhos de
homens que estavam trabalhando na construccedilatildeo de uma casa para o reacuteu em Igarassu 400
estes
iratildeo afirmar que apoacutes receber carta do mestre do barco Manoel Vieira natildeo havia autorizado a
ida do Xibante para Bahia
O processo eacute bastante detalhado e aleacutem de conter toda a relaccedilatildeo da carga e suas
respectivas marcas traz em anexo importantes documentos encontrados dentro da
embarcaccedilatildeo a saber cartas e comentaacuterios Estas cartas foram escritas pelo filho do dono do
barco Andreacute Vieira Melo 401
ao mestre da embarcaccedilatildeo e foram inseridas nos autos pois
apesar do conteuacutedo pessoal tratavam de maneira geral sobre negoacutecios e foram utilizadas como
provas contra o reacuteu jaacute que constavam nelas o destino seguinte da embarcaccedilatildeo e outras
informaccedilotildees pertinentes A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo dos assuntos tratados nestes documentos
traremos aqui uma das cartas de Andreacute Vieira ao mestre da embarcaccedilatildeo
O remetente pedia que chegando a embarcaccedilatildeo a cidade da Bahia havendo ldquoocasiatildeo de
navio para Benguela me faraacute mercecirc comprar um escravo de Benguela do tamanho do Leandro
ou maior pouco que seja mesmo Benguelardquo 402
continua instruindo que quem deveria tratar
397
Ibidem f 14 verso 398
Idem 399
Depoimento da testemunha Francisco Brito homem branco casado morador fora da porta da vila que vive de
andar embarcado de idade de 30 anos Ibidem f 25 verso 400
Satildeo eles Joseacute da Costa homem preto solteiro morador em Igarassu oficial de pedreiro de idade de 35 anos
e Antocircnio Rocha homem pardo casado morador em Igarassu oficial de carapina de idade de 33 anos ANTT
Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 23 ndash 25 401
Durante o processo eacute informado que Andreacute Vieira de Melo havia trabalhado como piloto da Companhia
Geral mas foi dispensado do serviccedilo pois nas trecircs viagens que fez pela empresa teve prejuiacutezos o que causou a
desconfianccedila de seus superiores por ser ldquocaso estranho em trecircs viagens e em trecircs diferentes embarcaccedilotildees se
contar semelhante homem soacute com perdasrdquo 402
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 34
frente e verso
116
dos negoacutecios era o senhor Antocircnio Joseacute e estando os escravos baratos deveria comprar ldquomais
um moleque mais grande que o Leandro que eacute para o barco seja bem feitordquo 403
pedia ainda
ldquouma pessoa da linhagem de Luandardquo 404
advertindo quanto ao preccedilo de tais homens
Prossegue pedindo ainda que se compre um calccedilatildeo e uma camisa a cada um dos escravos e
que lhe sirvam algum mel Por fim despede- se de maneira cordial
Os comentaacuterios seguiam um esquema bastante parecido entre si e eram um hibrido
entre recibo e contrato trocado entre o mestre da sumaca e os carregadores da mesma
Continham informaccedilotildees padratildeo informadas pelo mestre da embarcaccedilatildeo mais instruccedilotildees
relativas a carga Como no exemplo abaixo
Digo eu abaixo assinado Mestre que sou da sumaca por invocaccedilatildeo Nosso
senhor bom Jesus das Portas e Nossa senhora do Pilar 405
que ao presente
estaacute surta e ancorada neste porto de Jaguaribe para com o favor de Deus
seguir viagem ao da cidade da Bahia onde eacute minha direita descarga que eacute
verdade que recebi e tenho carregado na dita sumaca debaixo de coberta
enxuta e bem acondicionada de Manoel da Costa marcados com a marca a
margem que declarou fazer por sua conta e risco a entregar na mesma cidade
em nome dele carregador Antonio de Oliveira Leite ao que promete levando
a salvamento para que obrigo minha pessoa e bens e a dita sumaca pagando-
me de frete de cada praccedila nove vinteacutens E para clareza passei dois de um teor
somente por mim assinados que um cumprido outro natildeo valha digo natildeo
valeraacute Aracati 28 de marccedilo de 1779 Satildeo 79 meios de sola e 3 couros de boi
com a marca A+ Manoel Francisco Xelas 406
Os argumentos utilizados pela Companhia para enquadrar o caso do Xibante no crime
de contrabando seratildeo diversos primeiramente a empresa por meio de seu procurador fiscal
afirma ficar constatado que a embarcaccedilatildeo tinha como destino a capitania baiana e que o crime
soacute natildeo se efetivou por ter agido a fiscalizaccedilatildeo primeiro Eacute necessaacuterio atentar para o fato de
que a saiacuteda destes produtos em direitura para Bahia era considerada como contrabando pela
Companhia mesmo a empresa natildeo possuindo o monopoacutelio do comeacutercio realizado nos sertotildees
Isto porque a interpretaccedilatildeo do procurador fiscal da empresa para o artigo 25 dos estatutos da
Companhia que legislava sobre esta mateacuteria era de que esses negoacutecios eram livres para
serem feitos apenas internamente ou seja limitados aos sertotildees que estavam sob jurisdiccedilatildeo do
governo de Pernambuco
403
Idem 404
Idem 405
Nome oficial da sumaca que tinha por alcunha o ldquoXibanterdquo 406
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 38
verso
117
O procurador tambeacutem iraacute se utilizar dos testemunhos dos marinheiros do barco
mesmo daqueles que eram escravos pois mereciam os ditos escravos ldquocreacutedito por serem
marinheiros do mesmo barcordquo 407
e se por direito natildeo eram testemunhas vaacutelidas naquele caso
deveriam ser levados em consideraccedilatildeo uma vez que ldquoficam supridos os seus defeitos com os
depoimentos das outras testemunhasrdquo 408
Quanto a contestaccedilatildeo do reacuteu sobre as leis de
apreensatildeo de embarcaccedilotildees soacute serem vaacutelidas para navios estrangeiros afirmam que quando
ldquocompreendidas com extraviaccedilatildeo e contrabandos assim como aconteceu com o barco do reacuteurdquo
409 as embarcaccedilotildees portuguesas tambeacutem poderiam ser detidas
A defesa de Manoel Francisco iraacute recorrer novamente das acusaccedilotildees poreacutem a
argumentaccedilatildeo permanece praticamente a mesma enfatizando um ou outro ponto e
acrescentando poucas informaccedilotildees novas Daacute ecircnfase a questatildeo do ldquodelito afectivordquo afirmando
que ldquosoacute Deus conhece soacute a divina justiccedila pune os maus pensamentos os desordenados afetos
vis sinistros conatos e as maleacutevolas intenccedilotildees mas natildeo os homens nem a justiccedila humanardquo 410
isto porque ldquonatildeo haacute lei que a esta permita semelhante conhecimento e puniccedilatildeo da privativa
jurisdiccedilatildeo e regalia de Deusrdquo 411
A loacutegica do argumento eacute bastante simples afirma que natildeo se
pode punir um crime que natildeo aconteceu como tambeacutem alega ser impossiacutevel que a direccedilatildeo
posto que humana fosse capaz de conhecer as intenccedilotildees do mestre do barco jaacute que ldquoo
pensamento o afeto o conato e a intenccedilatildeo do reacuteu era impeacutervia e inacessiacutevel ao conhecimento
e puniccedilatildeo da Justiccedila humanardquo 412
Quanto a questatildeo dos testemunhos dos escravos a defesa do reacuteu iraacute recorrer alegando
que segundo as ordenaccedilotildees Filipinas os juramentos ldquodos pretos e servosrdquo natildeo deveriam ter
valor Jaacute que as ordenaccedilotildees postulam que ldquoos escravos natildeo podem ser testemunhas nem seraacute
perguntado geralmente em feito algum salvo os casos por direito especialmente
determinadosrdquo 413
De acordo com Adriana Campos 414
no Brasil a tradiccedilatildeo romana foi
responsaacutevel por emprestar os fundamentos baacutesicos da legislaccedilatildeo voltada para a questatildeo da
escravidatildeo Em linhas gerais segundo esta tradiccedilatildeo natildeo teriam entatildeo os escravos
407
Ibidem f 43 verso 408
Idem 409
Ibidem f 45 410
Ibidem f 55 411
Idem 412
Ibidem f 55 verso 413
Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI P647 Disponiacutevel em
httpwww1ciucptihtiprojfilipinasl3p647htm Data de acesso 02082017 Infelizmente natildeo conseguimos
identificar os casos especiais reportados pelas ordenaccedilotildees 414
CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito Santo do seacuteculo XIX
Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003
P 62 ndash 64
118
personalidade poliacutetica o que os impediria de se tornar parte de processos ciacuteveis Poreacutem essa
realidade segundo a autora era alterada no direito penal quando os escravos poderiam tornar-
se sujeitos e responder criminalmente 415
Apesar da Companhia possuir uma administraccedilatildeo
juriacutedica privativa acreditamos a mesma estava sujeita as legislaccedilotildees e aparato juriacutedico da
eacutepoca portanto deveriam obedecer de maneira geral as ordenaccedilotildees Filipinas e as tradiccedilotildees
do direito romano
A defesa tambeacutem iraacute contestar o uso das cartas do filho do reacuteu como prova
incriminatoacuteria argumentando que Andreacute Vieira natildeo era dono da embarcaccedilatildeo logo natildeo tinha
ele poder de determinar para onde seguiria a sumaca Sendo assim natildeo teriam as cartas forccedila
para atestar a efetividade da atividade iliacutecita Ainda no assunto das cartas e comentaacuterios a
defesa apresenta como anexos outros comentaacuterios onde o mestre da embarcaccedilatildeo atesta estar
se dirigindo para o porto do Recife Posteriormente a Companhia iraacute contestar esses
documentos afirmando serem falsos Diz a empresa atraveacutes de seus representantes que sobre
aqueles documentos natildeo se ldquopodia dar feacute e creacutedito tambeacutem pode ser que se passassem
naquele sertatildeo do Aracati em tempo que o destino do Mestre fosse seguir derrota para este
porto (do Recife)rdquo 416
Por fim a defesa do reacuteu destaca que os couros e solas encontrados na sumaca natildeo
eram mercadorias vedadas de serem trazidas do sertatildeo para o porto do Recife pelo contraacuterio
alegam que a empresa desejava ldquoque venham muitos para o seu negoacuteciordquo 417
Afirmam ainda
que mesmo que os gecircneros estivessem sendo levados para Bahia ldquonatildeo eacute terra de inimigos
aquela cidade nem os couros e solas satildeo coisas proibidasrdquo 418
Continuam sustentando que a
proibiccedilatildeo vigente legislava apenas quanto a extraviaccedilatildeo destes gecircneros e natildeo o comeacutercio dos
gecircneros em si Como maneira de atestar tal diferenciaccedilatildeo afirmam que ldquouma coisa eacute ser
proibida somente a extraviaccedilatildeo e outra coisa eacute serem tambeacutem proibidos os gecircneros por haver
miacutenima disparidade de um caso ao outrordquo 419
Dessa forma como o barco do reacuteu foi
apreendido em aacuteguas pernambucanas natildeo estaria incurso nas penas regidas pelo artigo 34 dos
estatutos da Companhia
O caso eacute longo e arrastado mas os fatos satildeo basicamente os expostos acima No fim
das contas mesmo tendo sido o reacuteu e seu filho acusados de praticarem contrabando natildeo soacute
415
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 27
verso 416
Ibidem f 67 417
Ibidem f 59 418
Ibidem f 60 419
Idem
119
neste caso como tambeacutem de terem levado no mesmo ano dois barcos com escravos para
Bahia e ainda expor o procurador fiscal da Companhia que o filho do acusado negociava
escravos em Igarassu e Tracunhaeacutem para depois ir vendecirc-los na Bahia foi Manoel Vieira apoacutes
3 anos de processo absolvido pela conservador da direccedilatildeo lisboeta
Como jaacute dito os contrabandos eram realizados natildeo soacute no grosso trato como nos casos
demonstrados acima mas tambeacutem no miuacutedo Vaacuterias seratildeo as referecircncias na documentaccedilatildeo
desse tipo de praacutetica que incluiacuteam os proacuteprios oficiais dos navios reais que tanto traziam de
Portugal fazendas europeias para venda na capitania pernambucana como levavam produtos
da terra para Europa Iremos tratar de dois casos colhidos dos fundos da conservatoacuteria da
Companhia em Lisboa que confirmam este movimento de comeacutercio de pequena monta
O primeiro deles ocorrido no ano de 1774 envolve o despenseiro do navio real Nossa
Senhora dos Prazeres o senhor Joatildeo Marques Cunha Que foi acusado de introduzir no navio
em que servia trecircs volumes com fazendas de contrabando A carga apreendida nestes trecircs
volumes era a seguinte 106 peccedilas de bertanha de Hamburgo 27 peccedilas de chita 6 peccedilas de
lenccedilos azuis 13 peccedilas ditas do Norte com cercadura 10 peccedilas de cangas azuis 5 ditas
lavradas e um garrafatildeo de aguardente As mercadorias foram avaliadas na ocasiatildeo em 600 reis
420
De acordo com o libelo acusatoacuterio lavrado contra o reacuteu o crime teria acontecido da
seguinte forma ainda em Lisboa eacute acusado Joatildeo Marques de introduzir no navio os volumes
de ldquofazendas secas das reprovadas e proibidasrdquo 421
chegando ao porto do Recife teria o
despenseiro feito conduzir as tais fazendas para a lancha de outro navio real a saber o navio
Luz Para tal feito acusava-se de tecirc-lo ajudado o guarda da Alfacircndega Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo
que foi preso junto com o despenseiro Pedia entatildeo a Companhia que o reacuteu respondesse de
acordo com as penas contidas no artigo 34 dos estatutos da empresa
Durante o processo seratildeo escutadas as testemunhas de defesa e de acusaccedilatildeo As
testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo de maneira geral referendar o exposto no libelo acusatoacuterio
Incluindo os capitatildees dos dois navios envolvidos no caso Diraacute o capitatildeo do navio Nossa
Senhora dos Prazeres que ldquoJoatildeo Marques despenseiro [] foi quem introduziu o contrabandordquo
422 e que para isso contou com a ajuda de Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo guarda da alfacircndega que foi
quem ldquolevou as fazendas e a tirou do navio Prazeres e as transportou no catraio do mesmo
420
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 7 421
Idem 422
Ibidem f 17 verso
120
navio para o navio Nossa Senhora da Luzrdquo 423
Joseacute Gomes Ribeiro capitatildeo do navio Luz
tambeacutem acusaraacute o despenseiro como autor do iliacutecito atestando que ouvira dizer por moccedilos
que serviam no seu navio que Joatildeo Marques era o responsaacutevel pelo contrabando que se
apreendeu na lancha do navio Luz 424
O depoimento padratildeo das testemunhas de acusaccedilatildeo afirmava basicamente que as
fazendas apreendidas teriam sido introduzidas no navio Luz pelo guarda da Alfacircndega Joatildeo
da Ressurreiccedilatildeo e que elas pertenciam ao despenseiro do navio Nossa Senhora dos Prazeres
Joatildeo Marques Complementam afirmando que para este transporte utilizaram a lancha que
leva a pedra de descarga do navio e quem as conduziu e tomou conta delas na lancha foi o
marinheiro ldquoTiatildeordquo sem a ciecircncia do patratildeo mor Algumas testemunhas tambeacutem iratildeo afirmar
que quando o escaler da ronda atracou na lancha para fazer a apreensatildeo o marinheiro Tiatildeo foi
ao encontro do guarda mor ldquorogando-lhe dissimulasse a passagem livre da dita fazendardquo 425
As testemunhas de defesa tambeacutem iratildeo depor de maneira parecida Em seus
testemunhos alegam que o reacuteu era despenseiro de navios reais haacute mais de 13 anos e que
nunca havia sido acusado de contrabando que soacute costumava trazer de Lisboa os gecircneros
liberados alguns companheiros de tripulaccedilatildeo iratildeo afirmar que natildeo viram o reacuteu introduzindo
fazendas proibidas em Lisboa etc Merece destaque nos depoimentos a menccedilatildeo de que o reacuteu
possuiacutea diversas inimizades na embarcaccedilatildeo isto porque administrava os recursos do barco
com zelo os tripulantes ldquomuitas vezes lhe pediam vaacuterias coisas e o reacuteu natildeo lhes dava pelo
que dele natildeo gostavamrdquo 426
Nestes testemunhos eacute lanccedilado no caso um novo suspeito Joseacute
Ribeiro marinheiro do navio Luz que segundo as testemunhas de defesa estava na lancha em
que as fazendas foram apreendidas e era o real autor do crime
As testemunhas iratildeo afirmar ainda que o despenseiro natildeo estava na lancha no
momento da apreensatildeo e que Joseacute Ribeiro o verdadeiro culpado chegou a oferecer dinheiro
ao sargento que fez a ldquotomadiardquo Aleacutem disso contra Joseacute Ribeiro pesava o fato de momentos
depois da apreensatildeo ter o mesmo voltado a um escaler do navio Luz e lanccedilado ao mar um
saco de pimentas 427
por medo que tinha que os soldados da guarda do trapiche dessem busca
no escaler este saco foi encontrado posteriormente em uma praia por ldquoum pretordquo Ainda
423
Idem 424
Idem 425
Depoimento de Joatildeo Fernandes homem branco solteiro natural da freguesia de satildeo Miguel de Carreiras do
Arcebispado de Braga moccedilo do serviccedilo do navio Luz de idade de 23 anos pouco mais ou menos Ibidem f 27
verso 426
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 13 427
Esta afirmaccedilatildeo aparece nos depoimentos de vaacuterias testemunhas Lembramos que as pimentas estavam
inseridas no rol de produtos vedados
121
segundo as testemunhas assim que ficou sabendo do iniacutecio do processo de devassa para se
apurar o caso de contrabando o tal marinheiro teria fugido para Bahia e desaparecido atitude
que segundo as testemunhas reforccedilava sua culpa
A defesa do reacuteu iraacute se utilizar de todos os pontos positivos trazidos pelos testemunhos
durante os inqueacuteritos reforccedilando o fato de que o reacuteu natildeo estava na lancha no momento da
ldquotomadiardquo estando ele ldquoa bordo do navio Prazeres e o maior sinal da sua inocecircncia foi natildeo se
retirar desta praccedila sendo-lhe noticiada a devassa e que a ele imputavam o mencionado
contrabandordquo 428
sublinhando que o reacuteu natildeo fugiu pois nada temia Punham entatildeo a culpa no
mencionado Joseacute Ribeiro que naquele momento estava ainda sumido
A defesa tambeacutem iraacute afirmar que os depoimentos das testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo
eram conclusivos e em nada prejudicavam o reacuteu pois para que o despenseiro fosse
condenando natildeo bastavam indiacutecios ou conjecturas para a condenaccedilatildeo se fazia necessaacuterio a
existecircncia de ldquouma prova plena legal contundente e mais clara do que a luz do meio diardquo 429
coisa que natildeo constava nos inqueacuteritos visto que muitas testemunhas iratildeo depor ldquode ouvidardquo
ou seja afirmavam saber do fato por ouvirem dizer a um terceiro o que acaba fazendo com
que estas declaraccedilotildees percam forccedila
Outro argumento interessante lanccedilado pela defesa eacute a afirmaccedilatildeo de que se as fazendas
de fato fossem do reacuteu teria ele agido de maneira mais inteligente para natildeo ser pego Isto
porque asseguravam que considerando que as fazendas fossem do despenseiro natildeo era criacutevel
que as mandasse para outro barco a outra pessoa pois esta accedilatildeo tornaria a situaccedilatildeo
potencialmente mais arriscada do que simplesmente enviar as mercadorias para terra Atestam
ainda que ldquoeacute certo que quando eacute costumado a praticar contrabandos todo o seu desiacutegnio eacute por
em salvo as fazendas com toda cautelardquo 430
isto ldquopara a natildeo perderem que eacute o menos para natildeo
pagarem o dobro para natildeo padecerem o rigor da prisatildeo em terra estranha e natildeo sofrerem as
avultadas despesas que trazem consigo os tais contrabandosrdquo 431
Tambeacutem alega que o caso teria sido orquestrado pelo mestre do navio Prazeres que
tinha ldquoconhecida inimizaderdquo pelo reacuteu pois queria o tal capitatildeo ldquogastar com excessiva largueza
os mantimentos da despensardquo 432
e o reacuteu zeloso do seu ofiacutecio tratava de administrar sem
estrago e excesso os mantimentos Entatildeo o capitatildeo do Prazeres teria em conluio com o capitatildeo
428
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 49
verso 429
Ibidem f 50 430
Ibidem f 51 431
Idem 432
Idem
122
do Luz armado contra o reacuteu Mesmo que a eacutepoca segundo relatos das testemunhas os dois
estivessem ldquodivorciadosrdquo o capitatildeo do Luz querendo se isentar da ldquomaacuteculardquo e maacute fama de ter
sido encontrado contrabando no seu navio topou se unir ao seu companheiro e ldquose viram em
beneficio proacuteprio e grave prejuiacutezo do reacuteurdquo 433
Apesar dos argumentos consistentes da defesa o processo contou com diversas
apelaccedilotildees ateacute a sentenccedila final Na uacuteltima apelaccedilatildeo iraacute a defesa declarar que ldquoo embargante eacute
um homem casado nesta Corte com filhos acha-se pobre e preso e ficaraacute inteiramente
destruidiacutessimo havendo-se dele o dobro que certamente natildeo deve porque natildeo eacute o cumplice
daquele contrabandordquo 434
Por fim em 29 de abril de 1775 Joatildeo Marques eacute absolvido pois
havia duacutevidas das autoridades quanto a autoria do crime e nesse caso natildeo deveria entatildeo ser o
despenseiro condenando No entanto ficou o mesmo encarregado do pagamento das custas do
processo como era de costume
O outro caso trata-se de uma apelaccedilatildeo crime onde era apelante a justiccedila e o procurador
fiscal da direccedilatildeo subalterna de Pernambuco contra o reacuteu Euseacutebio Alvarez da Costa O caso eacute o
seguinte o reacuteu que era alferes de auxiliares tinha em seu poder uma portaria passada pela
Companhia geral pois haacute alguns anos atraacutes tinha auxiliado aquela empresa a resgatar uns
escravos que haviam sido furtados Como sabia onde estes escravos estavam todos jaacute em
poder de terceiros cedeu a direccedilatildeo tal documento para que o alferes auxiliado por militares
fizesse o resgate dos tais escravos
O reacuteu entatildeo eacute acusado de continuar a se utilizar desta portaria em benefiacutecio proacuteprio
Isso porque fingindo ser agente da direccedilatildeo da Companhia Euseacutebio Alvarez prendia
comerciantes e mascates que vinham da Bahia trazendo contrabando e para solta-los exigia
pagamento tambeacutem em produtos vedados Diz o procurador fiscal da Companhia que o reacuteu
era acostumando a cometer ldquosimilares malefiacuteciosrdquo que eram puacuteblicos e notoacuterios nas freguesias
de Ipojuca Cabo e Sirinhaem e ainda ldquoque o reacuteu vive destas e de outras ladroeiras fazendo-se
agente da direccedilatildeo e intimidando com a portaria do senhor generalrdquo 435
O caso especiacutefico que eacute objeto desta apelaccedilatildeo envolve o mascate Joatildeo Manoel que
trazendo fazendas de contrabando da Bahia para Pernambuco foi apreendido pelo reacuteu que se
fez passar na ocasiatildeo por oficial da Companhia apresentando a portaria que possuiacutea O
mascate segundo a denuacutencia foi libertado pelo reacuteu mediante pagamento feito atraveacutes de ldquoduas
433
Idem 434
Ibidem f 92 verso 435
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1 f 9
123
peccedilas de riscado da Iacutendia e uma letra de 14 ou 16 mil que devia Joatildeo Paes filho de dona
Joanna moradora na lagoa do Cabordquo 436
Tendo o crime sucedido em julho ou agosto do ano
de 1776 Foi entatildeo Euseacutebio Alvarez preso para que se tirasse devassa do caso
Praticamente todas as testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo afirmar a mesma coisa
sustentando a versatildeo descrita acima afirmam que apresentando o reacuteu a portaria para o
mascate Joatildeo Manoel que trazia produtos vedados da Bahia soacute o autorizou a passar quando
este lhe deu duas peccedilas de riscado e umas letras Algumas testemunhas como Ignacio Correa
Teixeira 437
por exemplo iratildeo declarar que uma dessas peccedilas de riscado teria sido comprada
pelo reacuteu Versatildeo reforccedilada tambeacutem por Jeronimo Joseacute Cavalcanti que inclusive assegura ter
tentado comprar do mascate o mesmo tipo de peccedila de riscado que Euseacutebio Alvarez havia
adquirido pelo valor de sete patacas e meia 438
Os depoimentos das testemunhas de defesa iratildeo se encaminhar no sentido de informar
que o reacuteu era um homem iacutentegro respeitado e estimado por seus superiores e que jaacute havia
prestados serviccedilos a Companhia no caso do furto dos escravos e ainda que natildeo acreditavam
ser Euseacutebio Alvarez um contrabandista Vaacuterias testemunhas como Manoel Joseacute dos Santos
por exemplo alegam que o comandante da freguesia do Cabo era inimigo do reacuteu Algumas
testemunhas vatildeo aleacutem como eacute o caso de Joseacute Correia Faria e declaram ser aquele comandante
ldquocostumado a caluniar a todos e que o mesmo comandante auxilia e daacute passagem aos
contrabandistasrdquo 439
A defesa do reacuteu se inicia como uma afirmaccedilatildeo polecircmica e que vem corroborar o nosso
entendimento de que os contrabandos durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia Geral
foram uma praacutetica comum e amplamente disseminada tanto no grosso trato como no miuacutedo
aleacutem disso reforccedila tambeacutem nosso argumento que o litoral sul da capitania era
abundantemente frequentado pelos contrabandistas Declara a defesa que ldquose houvesse de
proceder o juiacutezo contra todas as pessoas que natildeo delatam o contrabandista e deixam passar
os contrabandos a maior parte delas de fora desta Praccedila ateacute a vila de Penedo deveriam ser
punidasrdquo 440
isto porque ainda segundo a defesa as pessoas natildeo ldquodelatam os contrabandistas e
deixam passar os contrabandosrdquo 441
436
Ibidem f 8 437
Ibidem f 24 verso 438
Ibidem f 23 verso 439
Ibidem f 29 verso 440
Ibidem f 37 441
Idem
124
Continua afirmando que todos na praccedila sabiam disso e que era impossiacutevel que o
procurador fiscal da Companhia desconhecesse tais fatos Atestam ainda ldquoque muito e muitos
contrabandos estatildeo entrando todos os dias nesta vila e hatildeo de entrar enquanto existir a
Companhia sem que ningueacutem delate os contrabandistasrdquo 442
E que o reacuteu soacute foi denunciado
pois possuiacutea inimigos Sustentavam a versatildeo de que tudo foi arquitetado pelo comandante da
freguesia do Cabo que era ldquodeclarado inimigo do reacuteurdquo e que induzira aos outros a
testemunhar contra o alferes Eram entatildeo as testemunhas compradas e seu juramento de
nenhum valor
Declaram aleacutem disso que o reacuteu soacute fez uso da portaria expedida pela Companhia no
caso da apreensatildeo dos escravos ldquoe natildeo cuidou nunca em fazendas de contrabandistas por natildeo
ter ordem para isso e menos os auxiliou porque eacute zeloso do serviccedilo da Direccedilatildeo e natildeo
adversaacuterio delardquo 443
Afirmam ainda que o Euseacutebio Alvarez nunca apreendeu contrabandista
nenhum nem fazendas de contrabando e que nem mesmo conhecia o mascate citado no caso e
que se o tivesse apreendido natildeo seria capaz de soltaacute-lo ldquopelo donativo de duas peccedilas de
riscado e 16 letrasrdquo 444
Outro ponto interessante da defesa versa sobre a condiccedilatildeo e a qualidade do reacuteu
Declaram entatildeo que o mesmo era alfares de auxiliares e que era notoacuterio a todos que ldquonasceu
nobre e abastado e sempre teve o que comer e natildeo precisava de furtar para issordquo prosseguem
afirmando que ldquoa sua conduta sempre se conformou a nobreza do seu nascimento e as leis
divinas e humanasrdquo 445
Com este argumento a defesa busca se utilizar da condiccedilatildeo do reacuteu
para contestar a denuacutencia deixando claro que aleacutem de natildeo precisar cometer contrabandos
esse tipo de atitude natildeo condizia com a honra esperada de sua ascendecircncia nobre
Apesar das denuacutencias do procurador fiscal da Companhia os argumentos da defesa
acabam vingando e o reacuteu eacute absolvido em maio de 1778 ficando ele responsaacutevel por pagar
apenas as custas do processo como era de costume Como podemos observar boa parte dos
casos detalhados ateacute o momento no grosso trato ou no miuacutedo acabaram por inocentar seus
reacuteus mesmo quando se sabia publicamente que aqueles homens eram reconhecidos
contrabandistas Isto porque as apreensotildees em sua maioria eram feitas preventivamente ou
seja antes do crime realizar-se Fato que usaratildeo os reacuteus a seu favor para afirmar natildeo serem as
provas conclusivas Para o comeacutercio feito nos ldquointerioresrdquo o artigo 25 dos estatutos seraacute
442
Idem 443
Ibidem f 11 444
Idem 445
Idem
125
amplamente utilizado nas defesas para isentar os comerciantes que negociavam naquelas
paragens
O desenrolar dos casos revelam aleacutem de interessantes e importantes detalhes da praacutetica
de comeacutercio iliacutecito ao longo do periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial da Companhia a
dificuldade de se reprimir e castigar aquele tipo de accedilatildeo Pois aleacutem da grande dificuldade de
se monitorar uma aacuterea tatildeo vasta e de se controlar um comeacutercio que acontecia por vaacuterios meios
e formas dificilmente a apreensatildeo configurava flagrante Desenvolveremos melhor este
toacutepico no proacuteximo capiacutetulo
Destacamos tambeacutem que dentro do conjunto de atividades comerciais iliacutecitas
desenvolvidas na capitania o comeacutercio com navios estrangeiros estaraacute presente de forma
abundante 446
Em 1770 por exemplo o governador de Pernambuco relata ao secretaacuterio de
Estado da Marinha e Ultramar ter apreendido papeacuteis em poder de Henrique Joseacute Colaccedilo
onde constava um grande volume de contrabandos e negoacutecios feitos por ele com navios
estrangeiros no Cearaacute O governador passa coacutepia neste ofiacutecio de todas as ldquocompras e vendas
que no Cearaacute Grande debaixo de pretexto de arribada forccedilada fizeramrdquo 447
os comerciantes
estrangeiros
Estes negoacutecios ainda segundo Joseacute Cesar foram feitos ldquoem prejuiacutezo dos negociantes
deste continente e Companhia Geral e Reais direitos de sua majestaderdquo 448
pois da capitania
do Cearaacute tinham levado ldquodinheiro ouro em pensas como tambeacutem quinze mil rolos de paus de
tintas e obra mais duzentos e cinco arrobas de papaconha sessenta e oito de resina e gomas e
quinhentos e noventa e quatro couros em cabelordquo 449
como se pode ver nos documentos
anexados Nestes papeacuteis constam tambeacutem as mercadorias em sua maioria importadas
introduzidas ilegalmente nas terras do Cearaacute como queijos fitas de algodatildeo facas tecidos
diversos enxofre poacutelvora entre outros
Atestam esse fluxo tambeacutem a preocupaccedilatildeo constante das autoridades locais com
embarcaccedilotildees estrangeiras que estando destinadas a outros portos do Estado do Brasil acabam
arribando em Pernambuco devido as maacutes condiccedilotildees do tempo ou pela necessidade de reparar
avarias Como ocorre por exemplo em 1761 quando trecircs naus inglesas da Companhia
Oriental datildeo fundo em Recife em virtude de problemas na embarcaccedilatildeo Para evitar os
446
Os documentos que comprovam este fluxo satildeo muitos e estatildeo disponiacuteveis nos avulsos do arquivo histoacuterico
ultramarino - AHU para a capitania de Pernambuco 447
AHU ndash PE Cx 110 D8493 448
Idem 449
Idem
126
descaminhos o governador publica bando em praccedila puacuteblica esclarecendo que era proibido a
pessoas de qualquer condiccedilatildeo ou qualidade fazer qualquer tipo de comeacutercio com aquela
embarcaccedilatildeo por ldquoser com elas inabilitadas toda compra ou negociaccedilatildeo mercantil puacuteblica ou
oculta grande ou pequena de gecircneros comerciaacuteveis estrangeirosrdquo 450
Ainda no mesmo documento afirma o governador que o contrabando era um dos
delitos mais ldquoperniciosos entre os que infectam o Estado dos que se fazem a sociedade civil
mais odiososrdquo 451
continua alegando que aquele tipo de praacutetica se fazia natildeo soacute contra o Eraacuterio
reacutegio mas tambeacutem em ruiacutena do comeacutercio local e prejuiacutezo do mesmo Pois os contrabandistas
vendem seus produtos com diminuiccedilatildeo de preccedilos jaacute os comerciantes legais ficavam com ldquosuas
fazendas empatadas [] sem ter quem as comprerdquo 452
Adverte entatildeo o governador que quem
fosse pego fazendo tais negociaccedilotildees iliacutecitas seria julgado em todas as penas cabiacuteveis e quem
fizesse denuacutencia receberia ldquoparte competenterdquo como premiaccedilatildeo
A preocupaccedilatildeo das autoridades para que natildeo houvesse contrabando com navios
estrangeiros na Costa da capitania era tatildeo grande que em alguns casos era tirada uma devassa
para se averiguar se os motivos alegados pela tripulaccedilatildeo para fazer parada em territoacuterio
pernambucano eram verdadeiros Esse eacute o caso do bergantim inglecircs denominado Sabina que
arribou no porto de Cabedelo na Paraiacuteba ldquopara se refazer de coisas necessaacuteriasrdquo 453
no ano de
1776 Logo o governador da Paraiacuteba passa ordens para que alguns soldados verifiquem a
embarcaccedilatildeo e a conduzam para fortaleza de Cabedelo onde ficaram ldquodebaixo de artilhariardquo e
posteriormente se procedeu uma devassa para verificar se a arribada era realmente necessaacuteria
Durante o tempo em que esteve naquele porto as mercadorias da embarcaccedilatildeo foram
transferidas para armazeacutens onde ficaram sob constante vigilacircncia para que natildeo ldquose
descaminhasse coisa algumardquo 454
Aleacutem do comeacutercio direto as fazendas estrangeiras tambeacutem chegavam a Pernambuco
atraveacutes de embarcaccedilotildees vindas da Bahia Isso eacute o que afirma Martinho de Melo e Castro
secretaacuterio da Marinha e Ultramar em ofiacutecio destinado ao governador de Pernambuco Joseacute
Cesar de Meneses Neste documento o secretaacuterio iraacute afirmar ser de conhecimento geral no
reino ldquoas escandalosas relaxaccedilotildees com que nesses portos (Pernambuco) se introduzem
450
AHU ndash PE Cx 95 D7497 451
Idem 452
Idem 453
AHU ndash PE Cx 122 Doc 9339 454
Idem
127
fazendas de Franccedila de Inglaterra e de Holandardquo 455
segue dizendo que as tais fazendas eram
extraiacutedas da Costa da Mina e chegavam a Pernambuco ldquointroduzidas pela Bahia e por navios
de comeacutercio que dessa capitania vatildeo aquela Costardquo 456
Como vimos o contrabando de mercadorias ou melhor o potencial comeacutercio de
produtos contrabandeados seraacute uma praacutetica extensiva durante todo o periacuteodo de existecircncia da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Vaacuterias eram as ldquomodalidadesrdquo desse tipo de
comeacutercio que podia ser realizado no grosso trato ou no miuacutedo praticado atraveacutes das rotas que
ligavam Pernambuco e Bahia pelo sertatildeo ou ainda pelo litoral esse comeacutercio era heterogecircneo
e envolvia diversos personagens Desde os grandes comerciantes passando pelos indiviacuteduos
comuns que viam nos descaminhos oportunidade de amealhar algum recurso chegando aos
estrangeiros de diversas naccedilotildees que frequentavam o litoral da capitania trazendo produtos
europeus e levando em contrapartida as mercadorias da terra
33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas
Agora que jaacute conhecemos as rotas os casos e as mercadorias que circulavam entre as
praccedilas de Bahia e Pernambuco nos resta tentar esclarecer como estes produtos ganhavam as
ruas e iam parar nas matildeos dos compradores finais Durante nossa pesquisa nas fontes
primaacuterias descobrimos que alguns destes comerciantes envolvidos nos circuitos iliacutecitos
estavam associados a falsificadores de selos reais como nos revelam dois documentos
coletados do nosso acervo
O primeiro caso eacute do ano de 1770 trata-se de uma carta anocircnima escrita no Recife
endereccedilada ao secretaacuterio de Estado do Reino e das Mercecircs o Conde de Oeiras O denunciador
aleacutem de falar sobre o comeacutercio ilegal praticado nos portos do sertatildeo afirma que ldquose introduz
aqui inumeraacuteveis fazendas sem despacho pelos mesmos navios da Companhiardquo 457
continua
explicando que ldquoo contrabando leva quantas meias sobras haacute nesta terra e ouro velho que
podem adquirir para a Bahia e o Rio de Janeiro vai o dinheiro provincial para se empregarem
em fazendas que se introduzem nesta praccedila por contrabandordquo 458
completa dizendo que as
455
Cf AHU ndash PE ndash Coacutedice 583 fls 202-203 apud DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os
locais uma anaacutelise da correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania
de Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei SOUZA
George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo atlacircntico Recife Editora
Universitaacuteria da UFPE 2012 P 225 456
Idem 457
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 458
Idem
128
ditas fazendas ldquochegam a ter selos falsos com que as selam por se natildeo fazer tatildeo manifesto o
contrabando a quem os compra e torna a venderrdquo 459
Em ofiacutecio escrito pela Junta da Companhia sediada em Lisboa no ano de 1778 um
caso correlato eacute denunciado Afirma-se neste documento a existecircncia em Recife de um
homem chamado Manoel Correa de Mendonccedila que foi preso no ano de 1772 por selar
fazendas contrabandeadas na sua casa 460
Podemos inferir atraveacutes dos dados como se
comportavam estas redes mercantis de contrabando que buscavam se agrupar a falsificadores
na intenccedilatildeo de fazer com que os produtos iliacutecitos circulassem livremente na praccedila mercantil
pernambucana e pudessem por exemplo ser vendidos sem maiores problemas nas lojas da
praccedila
Aleacutem da venda nas lojas quando feito em pequeno porte muito provavelmente estas
mercadorias ganhavam as ruas atraveacutes das bocetas das negras de ganho apesar da praacutetica ter
sido proibida por postura do ano de 1744 a venda desses produtos atraveacutes dessas
intermediaacuterias ainda constituiacutea-se em atitude cotidiana como nos esclarece carta dos oficiais
da cacircmara de Olinda escrita no ano de 1769 e endereccedilada a Corte
Nesta carta os oficiais apelam ao Rei pelo relaxamento da medida pois afirmam ser
aquele comeacutercio essencial para a sustentaccedilatildeo de famiacutelias por ser o ato de ldquocomprar e venderrdquo
o ldquouacutenico recurso que haacute no Brasilrdquo 461
O documento esclarece ainda que este tipo de comeacutercio
era um haacutebito da capitania como os proacuteprios camaraacuterios afirmam ldquoestilo da terrardquo antes da
pragmaacutetica as pretas cativas vendiam pelas ruas ldquotoda a qualidade de vendas de frutos
legumes docesrdquo 462
e com o decurso do tempo foram incrementados a este comeacutercio ldquofitas de
seda fazendas de algodatildeo da Iacutendia bertanha aniagemrdquo 463
Outro documento confirma essa dinacircmica mercantil em ofiacutecio do ano de 1778 da
Junta da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba ao governador de Pernambuco declara a
junta saber que ldquoos ricos e poderosos dessa terra (Pernambuco) trazem duas trecircs escravas a
vender pelas ruas em bocetasrdquo 464
continuam afirmando que ldquocada uma eacute uma loja os
melhores gecircneros e fazendas as quais recebem dos navios que vatildeo a este portordquo concluindo o
documento a Junta faz questatildeo de destacar que ldquopor ordem de sua majestade eacute proibido andar-
459
Idem 460
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 461
AHU ndash PE Cx 107 D 8312 462
Idem 463
Idem 464
AHU ndash PE Cx 128 D 9737
129
se vendendo desta forma pelas ruasrdquo 465
O apelo feito pela cacircmara bem como a denuacutencia da
Junta da Companhia Geral satildeo demonstrativos da persistecircncia desse comeacutercio que ligava os
principais homens de negoacutecio da praccedila pernambucana a estas intermediaacuterias de cor
Respondendo a este ofiacutecio tambeacutem no ano de 1778 o governador Joseacute Cesar de
Meneses confirma a afirmaccedilatildeo da Junta lisboeta Declara a autoridade que tal costume era
praticado na Praccedila e pelo que havia apurado natildeo era coisa moderna De acordo com os dados
colhidos por ele os governadores que o haviam precedido e os ministros que os auxiliavam
nunca haviam impugnado tal accedilatildeo afirma ainda que ldquoas cacircmaras concedem licenccedilas as
escravas que vendem dessa forma pelas ruasrdquo 466
Acreditava o governador que isso ocorria
pois ldquonem o artigo 18 da pragmaacutetica de 1749 que proiacutebe vender fazendas pelas ruas em
caixas ou trouxas nas cidades ou vilas desse Reino nem a declaraccedilatildeo feita ao mesmo inciso no
alvaraacute de 21 de abril de 1751rdquo 467
determinavam expressamente que tal proibiccedilatildeo se estendia
as conquistas A falta de uma legislaccedilatildeo especiacutefica para a colocircnia acabava neste caso criando
uma brecha para a continuidade daquele procedimento na capitania pernambucana
Tambeacutem encontramos relatos na historiografia que compravam o costume local de
mulheres de cor andarem pelas ruas a vender uma infinidade de produtos inclusive
contrabandos A historiadora Suely Almeida se dedica em artigo intitulado ldquoHistoacuterias de
gentes sem qualidade Mulheres de cor na Capitania de Pernambuco no seacuteculo XVIIIrdquo a
recompor as tramas comerciais que essas intermediaacuterias estavam envolvidas Sobre os
produtos que transitavam por entre cestos bocetas e tabuleiros nas ruas do Recife iraacute afirmar
a autora que
Tanto nos tabuleiros como nas tabernas vendia-se de tudo comida bebida
roupas poacutelvora armas ferramentas utensiacutelios domeacutesticos alguns artigos de
luxo como tecidos finos joias e coisas de toucador Essas vendas ou
tabernas se constituiacuteam em espaccedilos intermediaacuterios entre a legalidade e a
ilegalidade 468
Para o contrabando de escravos nossa hipoacutetese baseada na anaacutelise a documentaccedilatildeo eacute
que muito provavelmente antes de vir para a capitania boa parte da escravaria jaacute estava
encomendada e negociada dada a dificuldade de fazer entrar e se esconder uma grande
quantidade de pessoas na capitania sem ser notado Apesar de encontrarmos vaacuterios
465
Idem 466
AHU ndash PE Cx 130 D 9823 467
Idem 468
ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de Pernambuco no seacuteculo
XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria da escravidatildeo em Pernambuco Editora
UniversitaacuteriaUFPE 2012 P 52
130
documentos que fazem referecircncia ao comeacutercio descaminhado de escravos durante o periacuteodo
da nossa pesquisa natildeo achamos referecircncia alguma quanto a qualquer tipo de feira de venda de
escravos extralegal ou coisa parecida o que nos leva a crer que de fato aquele tipo de
negociaccedilatildeo era feita em sua maioria de forma antecipada
Quanto as caixas de accediluacutecar e outras mercadorias que saiam de Pernambuco e iam para
Bahia a documentaccedilatildeo natildeo oferece maiores detalhes Isto porque como jaacute dito aqui a praccedila
comercial da Bahia natildeo estava sujeita ao regime de exclusivo comercial dessa forma o
tracircnsito de produtos e negoacutecios era feito de maneira mais livre Aleacutem disso como tambeacutem jaacute
visto anteriormente as autoridades baianas de maneira geral pareciam natildeo se importar muito
com o tracircnsito comercial que ligava as duas capitanias autorizando a introduccedilatildeo das
mercadorias oriundas destes negoacutecios sem grandes problemas
131
4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA
41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas
O contrabando seraacute uma constante durante os vinte e um anos de existecircncia da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba causando graves prejuiacutezos aos comerciantes
lisboetas donos da maior parte de suas accedilotildees Essa praacutetica seraacute alvo de grande preocupaccedilatildeo
por parte da coroa e da Junta da Companhia sediada em Lisboa 469
sendo um assunto
recorrente na documentaccedilatildeo Conseguimos localizar junto ao nosso acervo uma seacuterie de
ofiacutecios e cartas trocadas entre as autoridades locais e o Reino ao longo de todo o periacuteodo de
monopoacutelio exercido pela empresa que tratam sobre o tema demonstrativos da importacircncia e
proporccedilatildeo que os contrabandos assumiram durante aquele periacuteodo
A preocupaccedilatildeo do Reino em evitar e conter os contrabandos na capitania
pernambucana se daraacute a partir dos primeiros anos de funcionamento da Companhia revelando
que a praacutetica clandestina se instalou contemporaneamente ao funcionamento da empresa
Alertamos que o teor dessa documentaccedilatildeo por vezes se tornaraacute repetitivo de qualquer forma
optamos por trabalhar com uma significativa variedade de documentos natildeo soacute para reforccedilar
nosso ponto como tambeacutem para demonstrar que os problemas envolvendo as transaccedilotildees
descaminhadas persistiram ao longo dos anos de existecircncia do monopoacutelio
De acordo com Antonio Manuel Hespanha devido a uma seacuterie de limitaccedilotildees
enfrentadas pelo Reino a aplicabilidade de penas dentro do sistema punitivo reacutegio portuguecircs
era reduzida Afirma o autor que o modelo de poder coercitivo exercido por Portugal evitava
ao maacuteximo a consumaccedilatildeo da puniccedilatildeo sendo a disciplina social garantida por ldquomecanismos
quotidianos de controlordquo tendo como fim a defesa da supremacia simboacutelica do Rei Dessa
forma a concessatildeo do perdatildeo real em alguns crimes acabava por se tornar estilo expediente
rotineiro Hespanha assegura que esta realidade soacute seraacute alterada de maneira efetiva em
469
A Junta da Companhia Geral estava sediada em Lisboa e representava dentro da estrutura administrativa da
empresa a escala maacutexima de poder era o centro decisoacuterio da Companhia e possuiacutea competecircncia deliberativa A
Junta era composta por um provedor dez deputados e trecircs conselheiros eleitos entre os principais acionistas da
empresa para mandatos a priori de trecircs anos A Companhia possuiacutea ainda duas outras administraccedilotildees uma na
cidade do Porto e outra em Recife conhecidas como ldquodireccedilotildeesrdquo cada uma delas possuiacutea um intendente e seis
deputados Estas direccedilotildees eram subordinadas a Junta administrativa de Lisboa Sobre isto ver JUacuteNIOR Joseacute
Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 CARREIRA Antonio
As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982
132
meados do XVIII com a ascensatildeo do despotismo iluminado periacuteodo que compreende o marco
cronoloacutegico desta pesquisa 470
Apesar da Companhia possuir um juiacutezo privativo e de alguns casos como
demonstrado no capiacutetulo anterior acabarem por apoacutes as investigaccedilotildees inocentarem os reacuteus eacute
notoacuteria a atenccedilatildeo que o Reino iraacute demandar aos casos de contrabando ocorridos durante o seu
funcionamento A comunicaccedilatildeo oficial estabelecida entre os governadores da capitania e o
ministro do Estado da Marinha e Ultramar nos demonstra como a metroacutepole buscou instruir
seus agentes locais para atuarem na coibiccedilatildeo e puniccedilatildeo dos diversos personagens envolvidos
nos esquemas iliacutecitos
Jaacute em 1763 encontramos ofiacutecio enviado a Corte pelo governador Luiacutes Diogo Lobo da
Silva onde o oficial reacutegio comunica ao Conselho Ultramarino as medidas que vinha tomando
para reprimir a ldquoprejudicial transgressatildeordquo 471
que segundo o mesmo havia causado ldquoquase
uma total extraccedilatildeo do dinheiro provincialrdquo Afirma o governador ter mandando o procurador
fiscal da Companhia bem como o juiz da alfacircndega daquela Praccedila darem buscas nas lojas
suspeitas a fim de que se cumprisse o que determina o artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo
da Companhia Geral 472
No mesmo ofiacutecio Luiacutes Diogo Lobo busca esclarecer junto ao Reino qual o
procedimento adotar em caso de apreensatildeo de mercadorias fruto de denuacutencias que se
encontravam sem selo ou seja produtos que ainda natildeo haviam pagado os reais direitos em
nenhum porto A duacutevida do governador era se mesmo nestes casos deveriam os denunciantes
receber a parte que lhes era devida seguindo o que estabelecia o artigo 34 do documento de
instituiccedilatildeo da Companhia 473
Destacamos que a duacutevida das autoridades em relaccedilatildeo ao que
fazer com os frutos das apreensotildees seraacute corriqueira Isto porque o documento de instituiccedilatildeo da
470
HESPANHA Antonio Manoel O direito penal da monarquia corporativa In _____ Caleidoscoacutepio do
Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda 2012 P 129-164 471
AHU-PE ndash Cx 99 D 7757 472
Idem 473
O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba determinava que
ldquoNenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute mandar levar ou introduzir as sobreditas
fazendas secas ou molhadas nas ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da sua produccedilatildeo a menos
que natildeo seja na forma acima referida sob pena de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto
importar o seu valor Sendo tudo aplicado a favor dos denunciantes que poderatildeo dar suas denuacutencias em
segredo ou em puacuteblico Neste Reino diante dos juiacutezes conservadores de Lisboa e do Porto e em Pernambuco
diante do Juiz Conservador da mesma Companhia os quais todos faratildeo notificar as denunciaccedilotildees aos
procuradores da Companhia para serem partes nelas tudo de baixo das penas acima declaradasrdquo (Grifo nosso)
Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor do
Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel
em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 05052017
133
Companhia que balizava tais questotildees natildeo contemplava a diversidade de situaccedilotildees
encontradas pelos oficiais reacutegios no cotidiano 474
De acordo com o artigo 34 nenhuma pessoa poderia introduzir nas terras exclusivas
da Companhia nem enviar dela para outras localidades nenhum tipo de gecircnero exceto nos
casos dos comerciantes que negociavam no ldquomiuacutedordquo como autorizava o artigo 33 475
sob
pena de perdimento das fazendas ou de seu valor como jaacute explicitamos anteriormente Quem
estivesse disposto a denunciar tais contrabandos o que poderia ser feito em segredo ou
publicamente levaria a terccedila parte dos rendimentos feitos com aquela apreensatildeo O precircmio
era uma forma de incentivar as denuacutencias na capitania jaacute que sem elas o trabalho dos oficiais
reacutegios ficava bastante dificultado No entanto fazer estas denuacutencias requeria coragem pois
invariavelmente violecircncias e represaacutelias eram sofridas pelos denunciantes 476
A praacutetica de reservar quotas sobre o espoacutelio do contrabando aos que contribuiacutessem
para sua apreensatildeo era comum natildeo soacute na colocircnia brasileira como na Ameacuterica hispacircnica Ao
tratar sobre os descaminhos do ouro e diamantes na regiatildeo das Minas setecentistas Isnara
Pereiro Ivo iraacute afirmar que uma das estrateacutegias adotadas pela Coroa ao decorrer do seacuteculo
XVIII para tentar conter os contrabandos na regiatildeo era a de destinar a terccedila parte do material
apreendido ao funcionaacuterio reacutegio que fizesse a tomadia 477
Falando sobre os contrabandos
474
Em diversos documentos oficiais trabalhados ao longo deste texto solicitam as autoridades coloniais ao
Reino que se mandem instruccedilotildees do que fazer com as mercadorias apreendidas Ao que tudo indica quando os
confiscos aconteciam independentemente de denuacutencias os gecircneros apreendidos eram levados aos armazeacutens da
Companhia Poreacutem nem sempre os oficiais tinham certeza do que fazer com os frutos das apreensotildees como por
exemplo eacute o caso de uma carga de couros e tabaco apreendida por Joseacute Cesar de Meneses em 1778 tirado de
uma sumaca que fazia contrabandos com a Costa da Bahia Apesar de ter remetido os tabacos e os couros para os
armazeacutens da Companhia o governador solicita lhe seja esclarecido pela Corte se aquela direccedilatildeo deveria pagar
pelos ditos gecircneros ao Eraacuterio Reacutegio pois parecia ao governador ldquopertencer este sequestro mais a S Majestade do
que a direccedilatildeordquo Fonte AHU ndash PE Cx 129 D 9771 475
Como jaacute visto no segundo capiacutetulo deste trabalho de acordo como artigo 33 do documento de instituiccedilatildeo da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba a empresa autoriza que os comerciantes da terra continuassem a
fazer seus negoacutecios no ldquomiuacutedordquo ficando reservado a Companhia o comeacutercio de grosso trato que em Pernambuco
comeccedilava no valor de cem mil reis Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa -
Officina de Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA -
Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 476
Em ofiacutecio do ano de 1780 o governador Joseacute Cesar de Meneses ao falar sobre caso ocorrido no mesmo ano
na capitania afirma ter sido assassinado o soldado Ignaacutecio Tavares do Regimento do Recife e na mesma ocasiatildeo
foi espancado violentamente o soldado Francisco Antocircnio Ribeiro do mesmo Regimento ao irem agrave praia da
Penha (Recife) examinar uma jangada vinda da Bahia cheia de contrabandos Atesta ainda o governador que
durante estas diligecircncias era comum que houvesse certa resistecircncia por parte dos contrabandistas Declara
tambeacutem neste documento ter feito pagar recentemente a soldados que haviam denunciado novo crime de
contrabando a terccedila parte do fruto da apreensatildeo no valor de 270259 mil reis a fim de ldquoanimar a tropa e
cuidarem em fazer melhores diligecircnciasrdquo Fonte AHU-PE Cx 138 D10250 477
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica
Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 288
134
realizados no porto de Buenos Aires do seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos tambeacutem iraacute atestar que
se tinha o costume naquela localidade de recompensar o denunciador de ldquotratos realizados
sem permissatildeo realrdquo 478
com ao menos um terccedilo do valor apreendido
Voltando a nossa narrativa em 1769 o entatildeo governador de Pernambucano Conde de
Povolide anuncia ao Reino a grande ldquoousadia com que se estavam praticando tatildeo escandalosas
negociaccedilotildees quase a minha face e de todos os ministros desta capitaniardquo 479
De acordo com o
Conde devido agrave falta de denuacutencias se introduziam na aacuterea exclusiva da Companhia ldquofazendas
secas por negociantes da Bahia em alguns portos desta capitaniardquo ainda segundo o governador
os mesmos negociantes extraiam gecircneros da terra para a capitania vizinha em ldquoprejuiacutezo grave
dos direitos reaisrdquo 480
Neste mesmo ofiacutecio o oficial reacutegio relata como atuavam aqueles
grupos empenhados no trato iliacutecito e os cuidados que vinha empregando na contenccedilatildeo de tais
praacuteticas assegurando ter recomendado aos capitatildees mores e regentes de distrito a maior
vigilacircncia ldquopara evitar a travessia de semelhantes negociaccedilotildeesrdquo 481
Neste mesmo ano eacute enviada resposta ao governador em Pernambuco em forma de
minuta do Rei D Joseacute I Ordenava-se que para se evitar os ldquoprejudicialiacutessimos empates que
tem experimentado a Companhiardquo 482
se executasse na capitania pela figura do Juiz
conservador da Companhia Geral todas as leis e ordens referentes a repressatildeo do
contrabando Pedindo que se desse especial observacircncia ao alvaraacute reacutegio expedido no dia 14 de
novembro de 1757 483
onde se ampliavam os paraacutegrafos que tratavam sobre o tema nas
Comarcas do Reino e em seus domiacutenios ultramarinos
Em 1770 era a vez de Manoel da Cunha Meneses relatar o insucesso na repressatildeo
contra os descaminhos que naquelas paragens se estabeleciam Segundo o governador natildeo
havia meios ldquopara que estes contrabandos se possam evitarrdquo 484
Prosseguindo seu relato o
capitatildeo general afirma que o motivo das fazendas da Companhia estarem ldquoempatadasrdquo nos
armazeacutens era que nos sertotildees daquela capitania havia uma ldquogrande multiplicidaderdquo 485
das
mesmas fazendas que adentravam via contrabando o territoacuterio monopolizado atraveacutes do Rio
de Satildeo Francisco Explica ainda a dificuldade em se mandar fiscalizar aquelas ldquoremontadas
478
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires
colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 479
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 480
Idem 481
Idem 482
AHU ndash PE Cx 107 D 8276 483
Natildeo foi possiacutevel identificar tal alvaraacute junto ao nosso acervo documental 484
AHU ndash PE Cx 108 D 8371 485
Idem
135
paragensrdquo de acordo com o governador ldquonatildeo haacute sujeitos que bastem para em tatildeo longas
distacircncias fazerem a sua obrigaccedilatildeo de impedir as ditas passagensrdquo 486
e mesmo que
houvessem ldquoseria necessaacuterio uma importante soma de ordenados da real fazenda para lhe
satisfazer as despesas precisas nas dilatas viagensrdquo 487
Percebemos que as dificuldades encontradas pelos governadores pernambucanos e os
ministros do Conselho Ultramarino nos combates aos contrabandos em muito se aproximam
dos desafios enfrentados pela Coroa e pelos oficiais reacutegios envolvidos na administraccedilatildeo das
Minas de ouro Isto eacute que o nos sugere os atuais trabalhos dedicados a explorar os circuitos
mercantis desenvolvidos nas regiotildees mineiras que apontam para os grandes descaminhos de
minerais realizados naquelas plagas Desde cedo a Coroa buscou montar todo um aparato
fiscalizador com o intuito de conter a sangria que ofendia a Real Fazenda De acordo com a
historiadora Isnara Pereira Ivo a regiatildeo do Satildeo Francisco e suas anexas foram as principais
vias alvo de controle Os contrabandos naquela regiatildeo se davam tanto atraveacutes dos caminhos e
picadas de terra abertas ilegalmente ao longo das margens dos rios ldquocomo no curso de
pequenos afluentes e nos grandiosos braccedilos drsquoaacutegua que alimentavam secularmente os leitos da
margem direita do Velho Chicordquo 488
No entanto por maior que fosse o zelo do Reino no que diz respeito agrave tatildeo importante
demanda nenhuma medida adotada se mostrou completamente eficaz isto porque os
caminhos eram muitos e extensos ainda de acordo com Ivo ldquoos dilatados sertotildees abrigavam
veredas que as proacuteprias autoridades desconheciam e talvez por isso mesmo tentavam ampliar
medidas de combate a evasatildeo fiscalrdquo 489
Existia uma grande preocupaccedilatildeo por parte da Coroa
com a abertura de caminhos natildeo autorizados o que pode ser medido entre outras coisas pela
recorrecircncia de ordens reacutegias que buscavam regular tal mateacuteria
Nota-se que tanto no caso das Minas quanto em Pernambuco que a grande extensatildeo
do territoacuterio e a falta de conhecimento sobre as vastas aacutereas que estavam fora do eixo
litoracircneo iratildeo dificultar sobremaneira o trabalho repressivo por parte das autoridades reais
Por maiores que fossem os esforccedilos empregados a contenccedilatildeo dos descaminhos nas condiccedilotildees
apontadas era tarefa praticamente impossiacutevel Natildeo havia nenhum tipo de estrutura que
permitisse o monitoramento total de aacutereas tatildeo vastas A questatildeo da extensatildeo territorial da
486
Idem 487
Idem 488
IVO Isnara Pereira Op Cit P 289 489
Idem
136
Capitania pernambucana apareceraacute em vaacuterios documentos como um dos elementos mais
impeditivos para efetividade da fiscalizaccedilatildeo
Nosso conjunto documental nos sugere um aumento do volume de contrabandos a
partir de meados da deacutecada de 70 490
o que consequentemente iraacute gerar uma maior
preocupaccedilatildeo por parte do Reino e das autoridades locais em tomar medidas repressivas para
cessar tal fluxo Durante esta fase esteve agrave frente do governo de Pernambuco Joseacute Cesar de
Meneses Filho do conde de Sabugosa 491
o governador de Pernambuco nasceu na Bahia
onde permaneceu durante a vigecircncia do governo de seu pai como Vice-Rei do Brasil entre os
anos de 1720 a 1734
Ingressou na carreira militar e serviu em Portugal durante alguns anos depois desse
periacuteodo seguiu para as Iacutendias onde fixou residecircncia Foi nomeado como governador da
capitania de Pernambuco em 27 de julho de 1774 permanecendo no cargo ateacute o ano de 1787
492 Seu governo foi conturbado enfrentando uma epidemia de bexigas e uma grave seca em
1776 que levou a uma fome generalizada Em obra tradicional onde traccedila biografias
panegiricas Pereira da Costa afirma
Joseacute Cesar de Meneses pelo seu caraacuteter eneacutergico pelas suas qualidades e
pela simpatia geral que angariou pelos atos de justiccedila do seu governo
correto e honesto foi alvo de diferentes manifestaccedilotildees populares [] 493
Ao longo do seu governo Joseacute Cesar teve de lidar com inuacutemeros problemas relativos
agraves atividades da Companhia Geral em Pernambuco e suas anexas Estando a frente da
capitania durante a segunda crise por qual passava a Companhia e permanecendo ateacute o fim de
seu monopoacutelio 494
o governador foi um aacutevido denunciador da maacute administraccedilatildeo da empresa
em Pernambuco Devido a isto a relaccedilatildeo do oficial com a diretoria pernambucana natildeo era das
490
Para mais detalhes sobre este fluxo consultar o primeiro capiacutetulo deste trabalho 491
Joseacute Cesar de Meneses natildeo era filho legitimo de Vasco Fernandes Cesar de Meneses o Conde de Sabugosa
Nascido de um relacionamento do Conde com Luzia Rosa de Andrade portuguesa que residia na Bahia o o
governador foi batizado como filho de pai incoacutegnito apesar de Vasco Fernandes afirmar em cartas e conversas
que o mesmo era seu filho Sobre isto ver COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos
Recife Secretaria do interior e justiccedila 1951-1966 V 6 492
Apesar de comumente os governadores de capitania na Ameacuterica Portuguesa serem nomeados para ocupar tais
cargos por um periacuteodo de apenas quatro anos Joseacute Cesar de Meneses permaneceu durante treze anos a frente do
governo de Pernambuco Fato que indica uma possiacutevel habilidade pessoal do oficial em mediar os interesses
locais e metropolitanos Sobre este tema ver JUNIOR Joseacute Inaldo Chaves Biografia e micro-histoacuteria diaacutelogos
possiacuteveis para uma histoacuteria da governanccedila no Impeacuterio Portuguecircs (Capitania da Parayba c1764-1797) Revista
Cantareira Rio de Janeiro 15ordm ediccedilatildeo jul-dez 2011 493
COSTA Francisco Augusto Pereira da Op Cit V 6 P 349 494
A segunda crise enfrentada pela empresa ocorrida entre 17781780 tem iniacutecio poacutes-morte do Rei D Joseacute I e
do quase imediato afastamento de Pombal do centro decisoacuterio do Reino Neste momento uma seacuterie de peticcedilotildees
passam a ser enviadas a Rainha D Maria I tanto na colocircnia quanto no Reino pedindo a extinccedilatildeo dos privileacutegios
da Companhia Geral e a volta do comeacutercio livre
137
melhores 495
com bastante constacircncia o governador relatava ao Reino os desmandos dos
agentes locais da empresa destacando ainda o mal que tal empreendimento havia causado de
acordo com sua avaliaccedilatildeo as atividades comerciais na regiatildeo 496
Durante o periacuteodo do seu governo a questatildeo do contrabando ocuparaacute lugar cativo na
pauta das documentaccedilotildees trocadas entre o governador e o secretaacuterio de Estado da Marinha e
Ultramar do Reino Martinho de Melo e Castro Apesar de ser da opiniatildeo que a Companhia
prejudicava o comeacutercio local o governador seguindo as recomendaccedilotildees de seu cargo buscou
auxiliar sempre que possiacutevel e necessaacuterio a empresa principalmente no que se refere ao
combate dos descaminhos 497
Devemos lembrar como jaacute apontado previamente que de
acordo com as recomendaccedilotildees do artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa a
administraccedilatildeo da Companhia respondia diretamente ao Rei e era independente de todos os
tribunais maiores ou menores natildeo podendo em nenhum caso se intrometer ministro ou
tribunal algum em seus assuntos 498
Devido ao caraacuteter privativo da empresa no tocante as suas questotildees judiciais ficavam
os governadores e demais autoridades locais impedidos de agir com maior liberdade nas
ocorrecircncias de contrabando Eacute o que atesta Joseacute Cesar de Meneses respondendo a cobranccedila
feita pela Junta da empresa para que o oficial passasse a regular de maneira mais contundente
as ingerecircncias que cometiam os deputados da Direccedilatildeo da Companhia em Pernambuco e os
contrabandos na regiatildeo O governador na ocasiatildeo aponta para o artigo acima de forma a
atestar sua falta de jurisdiccedilatildeo para atuar em certos casos
495
Alguns ofiacutecios confirmam a existecircncia de certa animosidade entre o oficial reacutegio e a direccedilatildeo pernambucana
que se queixaraacute da falta de assistecircncia dada pelo governador aos negoacutecios da Companhia Acusaccedilatildeo que busca
repetidamente o governador se defender afirmando e reafirmando em diversos documentos os auxiacutelios que tem
prestado aquela direccedilatildeo Um ofiacutecio enviado pelo governador ao Reino no ano de 1775 ilustra bem esta questatildeo
Nele o oficial reacutegio busca esclarecer junto a Corte as acusaccedilotildees feitas pelo Intendente da Companhia o senhor
Antocircnio Joseacute Souto sobre sua conduta Afirmando em tal ocasiatildeo que o tal intendente despoacutetico e de se utilizar
de seu cargo na direccedilatildeo daquela instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9218 496
O governador enviaraacute a Corte uma seacuterie de correspondecircncias ao longo de seu governo relatando o estado em
que se encontrava a capitania chegando ateacute mesmo a fazer comparaccedilotildees numeacutericas do volume do comeacutercio
antes e depois do monopoacutelio instaurado pela Companhia Geral Exemplo disto eacute o ofiacutecio do ano de 1778 onde o
oficial envia ao Reino extenso documento onde relata natildeo soacute seu ponto de vista a respeito da instituiccedilatildeo e do que
vinha obrando para acudir a Companhia durante seu governo como tambeacutem traz em anexo diversos documentos
com os nuacutemeros referentes ao comeacutercio dos diversos gecircneros que se fazia na capitania antes e depois da criaccedilatildeo
da Companhia Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 497
AHU ndash PE Cx 130 D 9823 498
Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor
do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel
em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217
138
Em ofiacutecio do ano de 1777 onde relata a situaccedilatildeo dos contrabandos na capitania Joseacute
Cesar aponta alternativa que acreditava ser suficiente para extinguir os contrabandos
Segundo o mesmo deveria a Companhia remeter para a capitania ldquoos mesmos gecircneros que
trazem os contrabandistas e vendecirc-los pelo mesmo preccedilo que os contrabandistas os vendemrdquo
499 De acordo com o governador se a Companhia assim fizesse ningueacutem ldquose incomodaria com
tanto trabalho e risco a introduzi-las nem jamais se continuariam tais contrabandosrdquo 500
Ainda neste mesmo ofiacutecio o oficial eacute enfaacutetico ao afirmar que ldquoa introduccedilatildeo dos
contrabandos nasce porque por preccedilos mais racionaacuteveis e diminutos se compram as mesmas
fazendas de contrabandos o que natildeo se consegue da direccedilatildeordquo 501
destaca ainda o funcionaacuterio
real que as mercadorias comercializadas pela Companhia eram vendidas a preccedilos maiores do
que em todas outras Praccedilas comerciais do Brasil que natildeo contavam com uma empresa
monopolizadora
Outra medida eficaz para fazer cessar os contrabandos naquelas paragens apontada
pelo governador seria a direccedilatildeo da Companhia comeccedilar a assistir aos lavradores da terra em
dinheiro fiacutesico 502
Para Joseacute Cesar a questatildeo era simples bastava passar a empresa a praticar
seu comeacutercio de forma justa cobrando valores mais competitivos por seus gecircneros europeus e
fazer os pagamentos dos efeitos da terra em dinheiro agindo a empresa desta forma natildeo
necessitariam os fabricantes locais recorrerem a outras maneiras de obter o metal e
conseguirem melhores lucros
A questatildeo da falta de moeda corrente seraacute uma reclamaccedilatildeo constante dos moradores
da terra contra a Companhia Os estatutos da empresa estabeleciam que a regulaccedilatildeo dos
financiamentos junto aos produtores ocorreria da seguinte forma a Companhia adiantava ao
produtor de couros ou accediluacutecar a terccedila parte relativa a produccedilatildeo anual de cada um esse
adiantamento poderia ser feito em dinheiro mercadorias ou instrumentos de trabalho No
entanto de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a Companhia buscava evitar fazer seus
pagamentos em dinheiro sobretudo para evitar que os produtores comprassem gecircneros
vedados atraveacutes do contrabando 503
Em outro ofiacutecio jaacute no ano posterior o governador trata com maior detalhe a questatildeo
dos preccedilos praticados pela Companhia e pelos contrabandistas O capitatildeo general afirma que o
499
AHU ndash PE Cx 127 D 9670 500
Idem 501
Idem 502
AHU ndash PE Cx 130 D 9823 503
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit P 111
139
motivo dos contrabandistas venderem os seus produtos a preccedilos menores que o da Companhia
natildeo estava relacionado agrave falta de pagamento de direitos ou fretes mas simplesmente porque
os negociantes envolvidos naquele trato se empenhavam em comprar seus gecircneros por preccedilos
mais moacutedicos Razatildeo pela qual mesmo correndo os riscos de transportarem os seus produtos
ldquoem jangadas quase debaixo drsquoaacutegua sujeitas a mil avarias e sobretudo o maior e mais
formidaacutevel de todos os riscos o do confiscordquo 504
conseguiam tais comerciantes vender seus
gecircneros por valores inferiores aos praticados pela Companhia Geral
Em relaccedilatildeo ao comeacutercio de escravos segundo o governador agia a Companhia da
mesma forma prejudicial Em documento em que detalha o nuacutemero de cativos e embarcaccedilotildees
que entraram no porto do Recife entre os anos de 1742 a 1777 Joseacute Ceacutesar versaraacute sobre a
questatildeo do comeacutercio atlacircntico para Pernambuco em paralelo com as praccedilas de Bahia e Rio de
Janeiro Segundo o governador era notoacuterio que em Angola e na Costa da Mina se reservava ldquoa
flor dos escravos para os negociantes da Bahia e do Rio de Janeirordquo 505
pois estes pagavam
aos seus comissaacuterios africanos a dinheiro e melhores efeitos Dessa forma ficava relegada a
Companhia Geral apenas o ldquorefugordquo da escravaria que era composta por negros de ldquoruim
qualidade e carestiardquo 506
Diz o governador natildeo saber com a empresa procedia em suas compras na Costa da
Aacutefrica no entanto como a experiecircncia mostrava era possiacutevel se comprar escravos
contrabandeados ldquopor uma quinta parte menosrdquo 507
dos que os vendidos pela Companhia
Geral Aleacutem disso como se vivia em Pernambuco uma crise de moeda fiacutesica a Companhia
costumeiramente mandava vender alguns de seus escravos no Rio de Janeiro ldquopor muito
menos do que nesta praccedilardquo 508
ainda segundo Joseacute Cesar os negros que se iam vender na
praccedila carioca eram ldquosempre os melhores e mais escolhidosrdquo 509
Dessa forma concluiacutea o governador que os escravos que permaneciam na capitania
eram sempre os de ldquopior qualidaderdquo o que acabava por provocar um ldquomaior desembolso a
que o lavrador fica sujeito tanto no maior nuacutemero que deveria comprar quanto na qualidaderdquo
510 Segundo o funcionaacuterio real os lavradores residentes na capitania eram forccedilados a
substituir o plantel constantemente pois logo ldquomorrem pela sua ruim qualidade e moleacutestias
504
Idem 505
Idem 506
Idem 507
Idem 508
Idem 509
Idem 510
Idem
140
com quem jaacute vecircm contaminadosrdquo 511
sendo vendidos aqui cinco vezes mais caros ldquodo que se
costuma pagar os melhores da Bahia e Rio de Janeiro []rdquo 512
Outra inteligente sugestatildeo a ser empregada na repressatildeo dos contrabandos naquela
regiatildeo eacute dada pelo Ouvidor da Comarca de Alagoas no ano de 1778 Seguindo ordens do
governador Joseacute Cesar de Meneses o oficial que fazia vaacuterias correiccedilotildees na aacuterea limiacutetrofe entre
Pernambuco e Bahia iraacute declarar ao seu superior pernambucano que o combate ao
contrabando era impossiacutevel pois para isto ldquoseria preciso lanccedilar um cordatildeo de tropa por toda a
praia na sua extensatildeo de sessenta leacuteguasrdquo 513
Para o Ouvidor a situaccedilatildeo natildeo mudaria ateacute que
se tomassem ldquonovas providecircncias e uma nova legislaccedilatildeo que contenha os senhores de
engenho na facilidade com que vendem suas safras inteiras conhecidamente a
contrabandistasrdquo 514
ou seja de acordo com o oficial seria mais faacutecil se coibir a praacutetica
regulando a produccedilatildeo dos engenhos ldquoera melhor que este grande e inuacutetil trabalho que se tem
em guardar sessenta leacuteguas de praia se tivesse em pedir contas aos senhores de engenho das
suas respectivas safrasrdquo 515
Este conselho eacute enviado pelo governador ao Reino poreacutem ateacute o momento natildeo
conseguimos encontrar nenhum documento que ateste que o mesmo tenha sido colocado em
praacutetica Joseacute Cesar demonstrava grande preocupaccedilatildeo em relatar ao Reino sempre que
possiacutevel o trabalho que vinha executando em relaccedilatildeo ao combate dos contrabandos no
periacuteodo do seu governo Como jaacute explicitado e declarado pelo proacuteprio o contrabando era ldquoum
dos principais objetosrdquo 516
da ldquomaior vigilacircncia e cuidadordquo 517
do governador que haacute muito
tempo segundo o mesmo natildeo cessava ldquode aplicar todos os meios de lhe cortar o passordquo 518
como vinha apresentando regularmente ao Reino atraveacutes de diversos documentos
Em ofiacutecio encaminhado a Junta da empresa em Lisboa em 1778 afirma novamente o
governador estar ldquodando providecircncias sobre providecircncias para evitar os contrabandosrdquo 519
alegando ainda ter recomendando ordens a este respeito a pessoas ldquode maior satisfaccedilatildeo e
511
Idem 512
Idem Sobre o comeacutercio de escravos em Pernambuco durante o governo de Joseacute Cesar de Meneses consultar
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre
Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 513
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 514
Idem 515
Idem 516
AHU ndash PE Cx 134 D 10074 517
Idem 518
Idem 519
AHU ndash PE Cx 130 D 9823
141
confidecircnciardquo 520
e ateacute mesmo estar prestando repetidos auxiacutelios de tropas pagas No entanto o
combate aos contrabandos natildeo era tarefa das mais faacuteceis mesmo se utilizando do auxiacutelio de
tropas pagas como atesta ter feito Joseacute Cesar de Meneses e o fizerem diversos governadores
durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia 521
vigiar tatildeo vasto territoacuterio era impossiacutevel
No ano de 1779 o capitatildeo general iraacute remeter ao secretaacuterio de Estado da Marinha e
Ultramar ofiacutecio onde apresenta uma seacuterie de certidotildees passadas pela direccedilatildeo da Companhia
em Pernambuco atestando o auxiacutelio e providecircncias dadas pelo governador em diversas
diligecircncias com objetivo de dirimir os descaminhos ao longo dos uacuteltimos anos Neste
documento encontra-se tambeacutem coacutepia anexa de carta circular que o governador fez correr ldquoa
todos os ministros da minha jurisdiccedilatildeo que se achavam em ato de correiccedilatildeordquo 522
Nela consta
com detalhe o procedimento que todos os Capitatildees Mores comandantes e regentes de distrito
deveriam tomar para impedir os contrabandos em seus locais de atuaccedilatildeo
Eram quatro os passos que deveriam ser seguidos por estes oficiais reacutegios Em
primeiro lugar deveriam eles inspecionar todas as lojas e casas onde houvesse suspeita da
praacutetica de contrabando caso a suspeita se revelasse verdadeira o fruto da apreensatildeo deveria
ser remetido ao juiz conservador que para melhor averiguaccedilatildeo do caso deveria chamar ldquoos
ventenarios do seu distritordquo 523
e os obrigar a declarar em segredo ldquose pelas suas venterias
existem ou grassam alguns contrabandistas ou comissaacuterios volantes de fazendasrdquo havendo
denuacutencia deveria se proceder contra os mesmos de acordo com as leis de sua Majestade
Em segundo lugar era responsabilidade do comandante do distrito visitar pessoalmente
ldquotodos os barcos e qualquer outra embarcaccedilatildeo que dos portos da sua jurisdiccedilatildeo derem entrada
fazendo desta visita auto no livro competenterdquo 524
Especial atenccedilatildeo deveria ser dada aos
barcos que costumavam transportar madeira para Bahia nestes casos o despacho soacute deveria
ser entregue ao mestre da embarcaccedilatildeo proacuteximo a data de saiacuteda daquele porto Aleacutem disso
sempre que houvesse a miacutenima suspeita de introduccedilatildeo de algum iliacutecito deveria o comandante
do distrito enviar guardas a bordo para verificaccedilatildeo da carga
A terceira medida consistia em fazer chamar todos os jangadeiros das costas e praias
da jurisdiccedilatildeo por ele comandada fazendo-os ldquoassinar termo em que se obriguem a natildeo
520
Idem 521
A contrataccedilatildeo de tropas pagas para atuar na repressatildeo aos contrabandos se fez necessaacuteria em diversas
ocasiotildees devido ao volume daquele comeacutercio descaminhado e a grandiosidade territorial da capitania de
Pernambuco e de suas anexas 522
AHU ndash PE Cx 132 D 9955 523
Idem 524
Idem
142
transportar efeitos a bordo do barco que natildeo esteja franco a recebecirc-los para Pernambucordquo 525
e
ainda deveriam orientar a estes que natildeo respondessem ldquoaos sinais que costumam fazer as
embarcaccedilotildees ao largo chamando jangadas para se receberem e baldearem em terra os
contrabandosrdquo 526
O jangadeiro que desobedece tal ordem deveria ser preso autuado e
remetido agrave presenccedila do governador para que cumprisse as penas destinadas aos
contrabandistas
Por fim deveriam os comandantes de distrito nomear em todos os ldquoportos barras
baias e entradas dos mares da sua jurisdiccedilatildeordquo pessoa ldquocuja probidade capacidade e honra
vossa mercecirc tenha mais conceitordquo Esta pessoa seria responsaacutevel por avisar ao comandante
assim que qualquer embarcaccedilatildeo entrasse no distrito para que o mesmo pudesse em pessoa
fazer a inspeccedilatildeo necessaacuteria Caso o comandante estivesse ausente e houvesse necessidade
estes ldquoajudantesrdquo nomeados poderiam apreender lemes e velas de embarcaccedilotildees suspeitas bem
como fazer apreensatildeo de alguns fardos e fazendas ateacute a volta da autoridade distrital A carta
circular termina de forma intimidadora o governador deixa claro que a ldquomenor omissatildeordquo a
respeito desta mateacuteria natildeo seria tolerada sendo punido asperamente o oficial reacutegio que a
descumprisse ldquonatildeo soacute por erro e falta do seu ofiacutecio mas como fator e auxiliador do vil crime
de contrabandistardquo 527
O tom ameaccedilador do governador aos seus oficiais subordinados eacute
explicado pelo conjunto documental
Antes de darmos iniacutecio a um novo toacutepico vale a pena ressaltar como a questatildeo dos
contrabandos e extravios seratildeo uma constante na histoacuteria da colonizaccedilatildeo europeia na Ameacuterica
Dependendo do momento e da localidade os Centros iratildeo lidar com a mateacuteria de formas
distintas Tomemos como exemplo o jaacute famoso caso envolvendo os descaminhos na regiatildeo
fronteiriccedila do extremo Sul do Brasil Os contemporacircneos trabalhos que tratam sobre o
comeacutercio na regiatildeo do Prata iratildeo apontar os portugueses ou melhor os luso-brasileiros como
responsaacuteveis por no seacuteculo XVII e XVIII fomentar uma grande rede de contrabandos na
regiatildeo
Falando a respeito dos negoacutecios desenvolvidos por estes homens na Buenos Aires do
seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos iraacute demonstrar como estes comerciantes iratildeo se engendrar e
desenvolver redes clientelares na regiatildeo que contavam inclusive com o apoio de funcionaacuterios
espanhoacuteis de modo a permitir que eles mantivessem seus negoacutecios extralegais apesar das
525
Idem 526
Idem 527
Idem
143
diversas medidas restritivas lanccediladas pelo Reino Espanhol a fim de conter tais extravios 528
O autor ainda chama atenccedilatildeo para o fato de que a Corte na Espanha natildeo estava de todo alheia
aos acontecimentos em torno da conquista buenairense tendo ela mesma se aproveitado da
situaccedilatildeo em alguns casos 529
Como os novos estudos acerca dos Impeacuterios Europeus tecircm demonstrado as relaccedilotildees
criadas em seus domiacutenios ultramarinos iratildeo se desenvolver de maneira distinta atendendo a
uma dinacircmica proacutepria e as estrateacutegias poliacuteticas locais feitas muitas vezes a revelia das
disposiccedilotildees reacutegias Atraveacutes desse vieacutes de entendimento eacute possiacutevel compreender como mesmo
apoacutes a restauraccedilatildeo da soberania portuguesa e das intensas disputas entre as Coroas ibeacutericas
pelo domiacutenio da regiatildeo platina ainda era possiacutevel que luso-brasileiros e colonos espanhoacuteis
incluindo uma gama de autoridades reais mantivessem entre si relaccedilotildees comerciais que
permitiram a continuaccedilatildeo de um faustoso comeacutercio extralegal no porto de Buenos Aires
Continuando a tratar sobre o comeacutercio de contrabando na regiatildeo platina vale destacar
o estudo feito pelo historiador Faacutebio Kuhn a respeito dos descaminhos de escravos para regiatildeo
na primeira metade do seacuteculo XVIII Em recente artigo o autor busca demonstrar como os
comerciantes luso-brasileiros sediados na Colocircnia do Sacramento passaram a deter hegemonia
sobre aquele negoacutecio Estes comerciantes segundo o autor estavam associados a homens de
negoacutecio de duas importantes Praccedilas da Ameacuterica lusa Rio de Janeiro e Salvador eram estes
comissaacuterios os responsaacuteveis por remeter para o Sul as remessas de negros chegadas ao litoral
das respectivas capitanias 530
Quando em princiacutepios do XVIII como consequecircncia de ajustes diplomaacuteticos a Coroa
Espanhola concede o asiento de negros para os britacircnicos que fundam a fim de explorar tal
contrato a South Sea Company os comerciantes portugueses ignorando as proibiccedilotildees sobre
aquela mateacuteria passam a rivalizar com os ingleses nas vendas de escravos para regiatildeo A
situaccedilatildeo chegou a tal estaacutegio que a Companhia inglesa nos seus uacuteltimos anos de
funcionamento passou a diminuir drasticamente o contingente de negros enviados aquela
localidade pois eles jaacute natildeo tinham saiacuteda dada a grande oferta de escravos que os
contrabandistas portugueses faziam entrar no territoacuterio da South Sea Company
528
Sobre isto ver CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a
administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00 529
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires
colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 242 530
KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)
Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017
144
Percebemos como toda a questatildeo relativa ao comeacutercio de contrabando neste caso
guardada as devidas proporccedilotildees iratildeo se desenrolar de maneira semelhante a que encontramos
para o nosso objeto de anaacutelise Aleacutem de ter uma Companhia de comeacutercio exclusivista
envolvida e das vaacuterias medidas tomadas pela Coroa espanhola para inutilmente tentar conter
tais extravios no caso trabalhado por Kuhn tambeacutem haacute indiacutecios de que os proacuteprios oficiais
castelhanos facilitavam e auxiliavam os descaminhos
Aleacutem disso o autor demonstra como os traficantes portugueses situados na Colocircnia do
Sacramento e seus agentes e comissaacuterios eram homens bem articulados que desfrutavam de
prestiacutegio tendo alguns deles ocupado inclusive cargos na administraccedilatildeo colonial Isso mesmo
quando desde 1751 a Coroa portuguesa ciente da desordem causada pelo comeacutercio ilegal de
escravos na regiatildeo passou ordens para que se extinguisse aquele negoacutecio castigando quem
fosse apreendido em tal crime com ldquomulta no triplo do seu valor para os reacuteus aleacutem do
degredo para Angola por dez anos dos contrabandistas envolvidosrdquo 531
Apesar da aparente incongruecircncia a participaccedilatildeo de oficiais agentes e autoridades
reacutegias no comeacutercio descaminhado foi uma realidade durante o periacuteodo colonial em distintas
localidades e eacutepocas Eacute sobre o envolvimento destes homens nos contrabandos que iremos
tratar no toacutepico a seguir
42 ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de
autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos
Apesar do empenho sobretudo dos governadores em reprimir as atividades iliacutecitas o
contrabando era uma praacutetica quase impossiacutevel de ser controlada fazendo com que os esforccedilos
e medidas tomadas por estes oficiais se mostrassem pouco eficazes dada a grandiosidade do
esquema que incluiacutea autoridades reacutegias oficiais e deputados da proacutepria Companhia nos
circuitos de descaminho O envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e proacuteprios deputados
da Companhia nos descaminhos era um problema que desde os primoacuterdios do
estabelecimento da empresa se buscava combater
Jaacute em 1763 relata o governador Luiacutes Diogo Lobo da Silvia ser necessaacuterio enviar para
os sertotildees a fim de averiguar as ldquodesordensrdquo causadas pelos contrabandistas ldquooficiais de mais
confianccedila e menos amizadesrdquo 532
Sobre este respeito escreve o Conde de Povolide ao Reino
531
Ibidem P 103 532
AHU ndash PE Cx 99 D 7757
145
em 1769 alertando que ldquotoda esta capitania da parte do Sul desta capital ateacute ao Rio de Satildeo
Francisco me consta com evidecircncia se acha contaminada de contrabandos e com tatildeo pouca ou
nenhuma atividade nos ministros para devassar delesrdquo 533
Neste mesmo documento o Conde
declara ao Reino sua insatisfaccedilatildeo com o Sargento Mor do distrito de Porto Calvo que natildeo
havia segundo o governador ldquoobservado boa condutardquo 534
na execuccedilatildeo de ordem passada para
se averiguar crime de contrabando na regiatildeo
Escrevendo ao Conselho Ultramarino em 1770 Manoel da Cunha Meneses
governador de Pernambuco que acabava de assumir o cargo seria mais enfaacutetico ao denunciar
ao Reino o envolvimento de funcionaacuterios reacutegios estabelecidos nos sertotildees da Capitania na
introduccedilatildeo de contrabandos Afirmava o governador ser o sertatildeo daquela capitania um dos
mais povoados relatando que em cada povoado e freguesia existiam capitatildees mores regentes
e diretores poreacutem acusava Manuel da Cunha serem estes oficiais ldquomesmos culpados ou
proacuteprios contrabandistas pois se sujeitam a viver no agreste dos matos a fim de
enriqueceremrdquo 535
Continua seu relato afirmando que tais ldquoqualidades de oficiaisrdquo 536
executavam suas
ordens da forma que bem lhe aprouvessem pois ldquose fiam no seguro dos longes em que se
acham para natildeo recearem castigordquo 537
Dessa forma conclui o governador ser o combate ao
contrabando tarefa das mais difiacuteceis jaacute que natildeo havia ali ldquopessoas de que se faccedila confianccedila a
embaraccedilar a passagem das fazendasrdquo 538
Aleacutem disso o capitatildeo general atestava que a
grandiosidade da Costa pernambucana dificultava ainda mais o trabalho repressivo 539
Como se pode observar existia certa conivecircncia e em alguns casos participaccedilatildeo ativa
de funcionaacuterios reais no comeacutercio iliacutecito Estas autoridades locais natildeo atuavam de maneira
isolada diversos documentos atestam a participaccedilatildeo de oficiais da Companhia Geral tanto
aqueles que trabalhavam embarcados quanto os que estavam a disposiccedilatildeo da direccedilatildeo em
Pernambuco e mesmo de seus deputados nas redes de contrabando Em 1769 o jaacute
mencionado Conde de Povolide acusa em ofiacutecio endereccedilado ao Reino os oficiais e acionistas
da empresa Na ocasiatildeo afirma o governador que ldquouma das causas do grande contrabando
existente nos portos do sertatildeo pernambucano era a negligecircncia com que operava o juiz
533
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 534
Idem 535
AHU ndash PE Cx 108 D 8371 536
Idem 537
Idem 538
Idem 539
Idem
146
conservador da companhiardquo 540
que ldquotem ocasionado a relaxaccedilatildeo em que se acha esta
negociaccedilatildeo de travessiardquo 541
Neste mesmo ofiacutecio o Conde relata a Corte o caso especiacutefico de uma sumaca
apreendida em Camaragibe distrito de Porto Calvo que estava carregando caixas de accediluacutecar
para seguir para Bahia O governador acreditava que naquele episoacutedio oficiais da Companhia
haviam agido de forma a facilitar a introduccedilatildeo das contravenccedilotildees isto porque um dos
negociantes preso pelo envolvimento no contrabando possuiacutea ldquotrecircs irmatildeos nesta praccedila dois
ocupados na Companhia Geral e outro escrivatildeo da mesma Conservatoacuteriardquo Como os termos
judiciais da apreensatildeo deveriam acontecer no cartoacuterio onde trabalhava o irmatildeo escrivatildeo
alertava o Conde a necessidade de se ldquousar de alguma precauccedilatildeo para este casordquo 542
O envolvimento dos oficiais da Companhia nessa situaccedilatildeo era tatildeo previsiacutevel que o
governador acreditava natildeo ser suficiente apenas tomar cuidado com o desenrolar do processo
chegando mesmo a afirmar que ldquose a experiecircncia mostrar que natildeo bastam (as precauccedilotildees)
como assim me persuado determino mandar suspender o processordquo 543
que ficaria parado ateacute
ldquodar conta a vossa excelecircncia para obter uma eficaz providecircncia em ministro tal em que possa
confiar retidatildeo que natildeo for flexiacutevel as logrativas em penhor que considero haveratildeo neste casordquo
544
A atuaccedilatildeo nos descaminhos dos oficiais que prestavam serviccedilos dentro dos navios
reais tambeacutem seraacute destacada dentro do nosso conjunto documental A participaccedilatildeo destas
equipagens era tatildeo notoacuteria que jaacute se faziam saber no proacuteprio Reino Como nos revela ofiacutecio
enviado por Joseacute Cesar de Meneses no ano de 1778 ao secretaacuterio de Estado da Marinha e
Ultramar Segundo o governador ldquose fez preciso informar-me que os oficiais das ditas
embarcaccedilotildees reacutegias se tem deslizado nos excessos de trazerem nas ditas embarcaccedilotildees toda a
sorte de contrabando que podemrdquo 545
os produtos transacionados por eles iam de fazendas a
comestiacuteveis e ainda de acordo com Joseacute Cesar tinham aqueles homens ldquoarte de as meterem a
bordo antes de sair desse porto sem que se possa perceberrdquo 546
540
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 541
Idem 542
Idem 543
Idem 544
Idem 545
AHU ndash PE Cx 130 D 9815 546
Idem Vale ressaltar que naquele mesmo ano o governador em ofiacutecio dirigido a Junta lisboeta afirma que
segundo seu entendimento natildeo se devesse considerar contrabando todos os gecircneros levados a Portugal pelos
oficiais reais que os trocavam na capitania pelos mantimentos trazidos da Europa Isto porque Pernambuco
como se sabia passava por uma crise monetaacuteria logo os gecircneros da terra eram as uacutenicas coisas que poderiam
147
No mesmo ano o governador revela a Corte como a marinhagem do navio real
conhecido como o ldquoPenquerdquo tinha tido ldquoo atrevido descaramento de iludir e zombarrdquo 547
das
ordens passadas por ele passadas Jaacute que desobedecendo as diretivas de Joseacute Cesar fizeram
os marinheiros daquele navio descarregar nas terras exclusivas da Companhia diversos
gecircneros europeus as escondidas Aleacutem disso os mesmos oficiais retardaram propositalmente a
partida da embarcaccedilatildeo a fim de carregarem nela gecircneros da terra Apesar das buscas dadas
pelo governador com o auxiacutelio do Patratildeo Mor da capitania natildeo foi possiacutevel evitar todo o
contrabando naquele caso isto porque de acordo com o governador ldquoas mesmas lanchas da
Ribeira das Naus que vatildeo a bordo a tiacutetulo de amarrarem os navios de sua majestade satildeo as que
servem de transportar os gecircneros proibidos como a larga e amiudada experiecircncia dos meus
embarques me tem mostradordquo 548
Permanecendo no ano de 1778 outro ofiacutecio encontrado em nosso conjunto
documental acaba reafirmando a efetiva participaccedilatildeo destes oficiais dos navios reais no
comeacutercio descaminhado Neste documento a direccedilatildeo da Junta da Companhia Geral
dialogando com o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ldquonatildeo nos causar admiraccedilatildeo que
nesta capitania se vendam fazendas por contrabando por preccedilos inferiores aos da companhiardquo
549 completam dizendo que isto soacute era possiacutevel pois algumas dessas fazendas chegavam a
Pernambucano pelas matildeos dos proacuteprios oficiais da empresa que as traziam nos navios reais
sem pagar frete ou qualquer tipo de direitos 550
Se em um primeiro momento o envolvimento dos oficiais da Companhia e de seus
proacuteprios deputados e acionistas nas redes de comeacutercio iliacutecito nos causa estranhamento eacute
necessaacuterio lembrar que os principais negociantes da praccedila mercantil pernambucana se
tornaratildeo acionistas da empresa e que se estes de iniacutecio resistiram agrave ideia da fundaccedilatildeo de uma
companhia monopolista logo perceberam que para continuar a usufruir dos privileacutegios que
tinham na eacutepoca em que o comeacutercio era livre fazia-se necessaacuterio se engendrar na
administraccedilatildeo da empresa
ofertar as populaccedilotildees locais nas suas permutas com os agentes dos navios reacutegios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D
9823 547
AHU ndash PE Cx 131 D 9865 548
Idem 549
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 550
Em ofiacutecio do ano de 1778 em resposta a este da Junta Lisboeta Joseacute Ceacutesar de Meneses discorda daquele
conselho afirmando que em comparaccedilatildeo aos contrabandos vindos dos outros portos do Brasil o trazido pelos
oficiais dos navios reais tinha parca relevacircncia Aleacutem disso atesta o governador que o menor valor cobrado pelos
produtos de contrabandos nada tinham a ver com a questatildeo do natildeo pagamento de fretes e direitos como jaacute
explicitado neste capiacutetulo segundo o governador a uacutenica vantagem que tinham aqueles oficiais reais em natildeo
pagarem tais taxas era o de obterem maiores lucros nos seus negoacutecios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823
148
O que queremos dizer aqui eacute que os homens de negoacutecio de Pernambuco natildeo eram
ingecircnuos cientes da criaccedilatildeo da Companhia apesar de suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis se
tornaram acionistas e diretores da mesma pois sabiam que fazer parte da governaccedilatildeo era ldquoum
poderoso elemento constituidor de conexotildees e de fluxos de troca gerados a partir da proacutepria
instacircncia administrativardquo 551
e dessa forma puderam instrumentalizar a instituiccedilatildeo para o
atendimento de seus interesses pessoais fossem eles liacutecitos ou natildeo
Aleacutem disso como jaacute descrito ao longo deste trabalho a participaccedilatildeo de oficiais reais
nos descaminhos praticados nos domiacutenios ultramarinos era uma praacutetica jaacute haacute muito enraizada
Em seu estudo sobre o comeacutercio descaminhado desenvolvido na Ameacuterica Lusa na primeira
metade do XVIII Paulo Cavalcante demonstra como guardas auditores e ouvidores reacutegios
envolvidos na administraccedilatildeo das Minas coloniais se mancomunavam com os extraviadores de
ouro e diamantes a fim de tirarem vantagens pessoais auxiliando aqueles contrabandistas
Situaccedilatildeo que como atesta o autor a Coroa tinha ciecircncia e buscava a todo tempo reprimir sem
no entanto lograr ecircxito 552
A historiadora Nauk Maria de Jesus ao escrever sobre episoacutedio jaacute bem conhecido da
historiografia brasileira onde se procedeu na troca de ouro por chumbo nos caixotes de
quinto destinados ao Rei no ano de 1722 tambeacutem revela o envolvimento de importantes
autoridades coloniais nas redes de comeacutercio iliacutecito De acordo com a autora haacute evidecircncias da
existecircncia no comeccedilo do seacuteculo XVIII de uma grande rede de descaminho de ouro
envolvendo membros da elite imperial portuguesa Esta rede estaria conectada a diversas
naccedilotildees e era constituiacuteda por oficiais reacutegios e seus associados que concomitantemente ao
exerciacutecio de seus cargos reacutegios realizavam negoacutecios atlacircnticos privados fossem eles liacutecitos ou
natildeo 553
Retomando nossa narrativa a Junta lisboeta da empresa sabia da conivecircncia dos
administradores pernambucanos com os contrabandistas como nos esclarecem dois ofiacutecios do
ano de 1778 e um posterior do ano de 1780 enviados pela instituiccedilatildeo para o governo de
Pernambuco Os ofiacutecios do ano de 1778 satildeo resultado da troca de mensagens entre aquela
551
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c
1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e
negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 180-181 552
Sobre isto consultar CAVALCANTE PAULO Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica
Portuguesa - 1700-1750 Satildeo Paulo Hucitec 2006 553
Sobre isto ver JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de
ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na
trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 2010 P 525-548
149
administraccedilatildeo superior e o governador Joseacute Cesar de Meneses este uacuteltimo ao longo do seu
governo encaminhou por vaacuterias vezes ofiacutecios para a Junta informando o estado em que se
encontravam os negoacutecios locais e as condutas da diretoria pernambucana que eram motivo de
criacuteticas tanto pela parte do governador quanto da direccedilatildeo lisboeta
O conteuacutedo de tais ofiacutecios apresentam duras criacuteticas a forma como procedia a
administraccedilatildeo pernambucana nos interesses da empresa chegam os ministros portugueses a
afirmar que se a Companhia se encontrava apartada de seus objetivos iniciais a culpa residia
nos administradores pernambucanos que ldquoa desfiguraram e natildeo cumpriram as determinaccedilotildees
da juntardquo 554
Os documentos ainda acusam a direccedilatildeo subalterna de natildeo prestar contas quanto
ao verdadeiro estado em que se achavam as capitanias e agir em total desrespeito as reais
ordens 555
Aleacutem disso fica evidente que a administraccedilatildeo lisboeta sabia que os deputados em
Pernambuco usavam a instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio participando de uma seacuterie de
atividades iliacutecitas e natildeo recomendadas A Junta chega a afirmar que os proacuteprios deputados da
empresa eram seus principais devedores revelando ser aquele fato um dos que mais
ocasionavam espanto aos oficiais lisboetas pois estes estavam cientes do ldquogrande cabedal que
se acham devendo os moradores e negociantes desta praccedila e as pessoas que ocuparam e
ocupam os lugares desta direccedilatildeo seus parentes e outros empregados no serviccedilo da
Companhiardquo 556
Atestam tambeacutem que mesmo depois de receberem os lucros respectivos a sua
porcentagem societaacuteria natildeo constava que estes acionistas tivessem feito sequer um
pagamento a Companhia 557
Na lista de acusaccedilotildees feitas pela Junta a administraccedilatildeo de Pernambuco consta tambeacutem
serem aqueles deputados os culpados pela grande falta de creacutedito que se experimentava na
Praccedila de que os habitantes locais tanto reclamavam Afirma a Junta que o objetivo primaacuterio
da Companhia Geral era o de fazer florescer o comeacutercio em Pernambuco e Paraiacuteba com o
554
AHU ndash PE Cx 128 D 9736 555
Em resposta a este ofiacutecio no mesmo ano o governador Joseacute Cesar de Meneses afirmaraacute natildeo compreender
como a Junta durante todo esse tempo fosse ldquosempre enganadardquo Sobre a falta de informaccedilatildeo que alega a Junta
lisboeta o governador afirma que aquele conselho natildeo desconhecia todos os fatos ocorridos na capitania jaacute que
era sabido que diversos acontecimentos chegavam a seu conhecimento mesmo antes do seu governo Declara
ainda que em mateacuteria tatildeo importante natildeo se fazia necessaacuterio provas concretas para que a Junta passasse a tomar
providecircncias mas apenas ldquoleves indiacuteciosrdquo para pocircr em praacutetica as precauccedilotildees devidas Alerta ainda o capitatildeo
general que a Junta descumprido o regulado no artigo 6 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia que
determinava que os deputados e intendente eleitos cumprissem mandatos de apenas dois anos acabava por
contribuir com a relaxaccedilatildeo com que procedia aquela direccedilatildeo pernambucana sendo certo que se fossem
removidos de seus postos em tempo correto natildeo chegariam a desfigurar a Companhia 556
Idem 557
Idem
150
aumento da agricultura e faacutebricas e natildeo fazer ldquoenriquecer aacute custa do seu cabedal mercadores
e negociantes que metessem em si os fundos da Companhiardquo 558
O que o documento explicita
eacute a praacutetica comum de diretores e acionistas da diretoria pernambucana de contraiacuterem
empreacutestimos para si e seus associados junto agrave mesma para fazer comeacutercio pessoal e depois
natildeo restituir tais deacutebitos a Companhia
Quanto a questatildeo do contrabando e dos altos preccedilos cobrados pela empresa nos
gecircneros que negociava na terra a Direccedilatildeo portuguesa se defende afirmando que por menor
que fosse o lucro da empresa sobre as transaccedilotildees comerciais os preccedilos praticados pela mesma
jamais seriam capazes de ldquoconcorrer com aqueles que natildeo pagam direitos nem fretesrdquo559
ou
ainda com aqueles que ldquonatildeo fazem intenccedilatildeo de paga-los a quem lhes confiou e por todo o
preccedilo lhes faz conta vende-lasrdquo 560
afirmando que tirava a Companhia lucros menores do que
mercadores particulares em condiccedilotildees normais Contestam tambeacutem a pouca atividade da
Direccedilatildeo pernambucana em reprimir tais desordens afirmando que os contrabandos aleacutem de
natildeo serem castigados natildeo eram relatados a Junta assim natildeo ficava aquela administraccedilatildeo
sabendo quem eram as pessoas envolvidas naquele tipo de crime nem quais mercadorias
estariam sendo negociadas
Quanto as opressotildees que se queixavam natildeo soacute os habitantes da capitania quanto o
governador Joseacute Cesar de Meneses atestam os oficiais portugueses serem todas elas
precedentes ldquoda ambiccedilatildeo e maacute feacute dos membros de sua direccedilatildeordquo 561
Poreacutem para aquela Junta
parecia estranho e inconcebiacutevel considerar o povo daquelas plagas como ldquooprimido e aflitordquo
isto porque a soma do cabedal enviado para Pernambuco chegava naquele tempo haacute quantia
de trecircs milhotildees e meio quantia que considerava o conselho lisboeta suficiente para
manutenccedilatildeo e bom funcionamento do comeacutercio na regiatildeo isto eacute se fosse tal recurso bem
gerido condiccedilatildeo que estava claro para a Junta que natildeo ocorria Pois ainda a despeito das
queixas dos locais afirmam os ministros lisboetas ter total ciecircncia que ldquoentre os mercadores e
negociantes desta praccedila e a direccedilatildeo (da Companhia Geral) haacute ocultas e escandalosas
negociaccedilotildees que servem de vexar os povosrdquo 562
558
Idem 559
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 560
Idem 561
Idem 562
Idem Em ofiacutecio do ano de 1778 em que responde ao documento supracitado da Companhia o governador
Joseacute Cesar de Meneses contesta novamente a posiccedilatildeo adotada pela Junta que afirmando ter ldquopleno
conhecimento daquelas ocultas e escandalosas negociaccedilotildeesrdquo e de vaacuterias outras violecircncias e opressotildees cometidas
pela direccedilatildeo pernambucana natildeo tenha tomado nenhuma providecircncia mais incisiva pelo contraacuterio permitiu
151
Devido as vaacuterias queixas feitas pelos habitantes da terra atraveacutes das cacircmaras locais e
das constantes denuacutencias encaminhadas pelo governador sobre o mau procedimento da
direccedilatildeo subalterna a Junta passa a partir de 1778 a cobrar com maior vigor os deputados e
intendente em Pernambuco Ordenando por exemplo que passassem eles a cobrar todos os
devedores da empresa sem perda de tempo Aqueles que natildeo fossem cobrados se deveria
explicar o porquecirc da accedilatildeo Junto agraves cobranccedilas ficou ordenado tambeacutem que se remetesse ao
Reino os nomes daqueles personagens que na capitania se sabiam envolvidos nas praacuteticas
iliacutecitas Tudo isto obrou a Junta por considerar ldquomuito estranhaacutevel que esteja padecendo o
creacutedito da Companhiardquo 563
Todas as exigecircncias tomadas pela sede da Companhia em Lisboa
satildeo demonstrativas da desconfianccedila que a mesma passaraacute a nutrir pela direccedilatildeo pernambucana
e atestam nossa afirmativa de que os deputados e diretores da capitania Duartina destruiacuteram o
creacutedito da empresa dentro do seu proacuteprio seio
Permanecendo no mesmo tema e ano em ofiacutecio enviado pelo secretaacuterio de Estado da
Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro ao governador Joseacute Cesar de Meneses o
oficial portuguecircs faraacute uma longa redaccedilatildeo apontando ldquoos excessos e prevaricaccedilotildees cometidas
pelos deputados da Companhia de Pernambucordquo 564
que aquela altura havia ldquochegado a tal
excesso que jaacute natildeo pode haver sofrimento que os possa tolerarrdquo 565
Afirma o secretaacuterio que
desde 1768 eram enviadas ordens do Reino para tentar conter os abusos daquela direccedilatildeo
subalterna no entanto as referidas natildeo eram atendidas obrando os deputados em sentido
oposto agraves diretivas reais
O secretaacuterio acusa os diretores e intendente daquela direccedilatildeo de se apropriarem de
todos os gecircneros remetidos do Reino e ainda de ldquoos repartirem a creacuteditos pelos seus parentes
amigos e associados e de os tomarem eles mesmos de baixo de nomes alheiosrdquo 566
apropriavam-se tais deputados do cabedal alheio em benefiacutecio de seus proacuteprios negoacutecios e
agindo dessa forma aumentavam ainda mais a grande diacutevida dos habitantes locais com a
Companhia diacutevida esta que os mesmos natildeo buscavam satisfazer de ldquomodo algumrdquo 567
Neste mesmo ofiacutecio versaraacute o secretaacuterio tambeacutem sobre a questatildeo do contrabando
afirmando natildeo ser ldquomenos escandalosa a relaxaccedilatildeo com que nessa capitania se estatildeo fazendo
aquela Junta em desacordo com artigo 6 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral que os membros
daquela direccedilatildeo se conservassem no poder por repetidos anos Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 563
AHU ndash PE Cx 128 D 9736 564
AHU ndash PE Cx 130 D 9832 565
Idem 566
Idem 567
Idem
152
com todo descaramento e liberdade os maiores contrabandos e extravios de accediluacutecar e de outros
gecircneros para o porto da Bahia e de outros do continente da Ameacutericardquo 568
atividade que
fraudava os direitos e deveres reais dado o caraacuteter totalmente pernicioso de tal accedilatildeo para a
fazenda real esperava o ministro do rei que agisse a administraccedilatildeo em Pernambuco com
maior vigor no combate e natildeo que agisse em sentido contraacuterio como se sabia estava
ocorrendo
Reclama tambeacutem Martinho de Melo e Castro que as carregaccedilotildees que saiam de
Pernambuco com destino ao Reino estavam desde o princiacutepio daquele ano indo com uma
quantidade muito maior de gecircneros remetidos por particulares do que produtos enviados pela
Companhia Este fato apesar de ser permitido pelos estatutos da empresa 569
causava espanto
no secretaacuterio pois havia naquele momento na capitania cerca de duas mil pessoas entre
ldquohomens de negoacutecio senhores de engenho capitalistas vendedores e outras diferentes classes
de habitantesrdquo 570
que estavam devendo ldquoconsideraacuteveis somasrdquo a empresa e estranhamente
nenhuma destas pessoas enviavam remessas de coisa alguma ao Reino
Diz o oficial reacutegio que por esta ldquomanifesta dissimulaccedilatildeordquo via-se ldquopassar a Pernambuco
seiscentos a setecentos mil cruzados do produto dos gecircneros pertencentes a esses habitantesrdquo
571 isto sem contar ldquoas somas dos gecircneros que remetem em contrabando pelo porto da Bahia e
que natildeo possa ver um real dos seus devedoresrdquo 572
na verdade agia a administraccedilatildeo de
Pernambuco natildeo no sentido de buscar reverter tal quadro mas opostamente buscavam ainda
por cima nas palavras do secretaacuterio ldquopersuadir com palpaacutevel falsidade que essa capitania se
acha reduzida a maior pobreza e miseacuteriardquo 573
Atestava entatildeo o secretaacuterio real que natildeo era da intenccedilatildeo de Sua Majestade permitir
que aqueles deputados responsaacuteveis por ldquozelar os interesses das viuacutevas oacuterfatildeos conventos
568
Idem 569
O documento de instituiccedilatildeo da Companhia em seu artigo 31 autorizava fabricantes e lavradores a enviarem
por sua conta e risco seus gecircneros para a Europa dentro dos navios da empresa Poreacutem esse tipo de operaccedilatildeo
natildeo poderia contar com nenhum tipo de intermediaacuterio Se por acaso fosse descoberto que algueacutem procedeu em
ldquocompras simuladas para carregarem nos seus nomes os gecircneros alheiosrdquo a accedilatildeo seria enquadrada no crime de
contrabando sujeita a pena de perda de carregaccedilatildeo e trestobro Se houvesse denunciante a terccedila parte do espoacutelio
seria reservada ao mesmo Apesar de ser uma praacutetica legal a Junta da empresa buscava desencorajar esse tipo de
negoacutecio Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel
Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros
sobre o Brasil Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 570
AHU ndash PE Cx 130 D 9832 571
Idem 572
Idem 573
Idem
153
religiosos capelas lugares pios deste Reino e outros diferentes classes de uacuteteis e inocentes
vassalosrdquo que haviam contribuiacutedo com seus proacuteprios recursos para formar o capital da
Companhia locupletassem a incriacutevel soma de 392384849 reis que deviam aos fundos
daquela empresa Por fim Martinho de Melo e Castro recomenda a Joseacute Cesar que
empregasse toda atenccedilatildeo naquele assunto buscando prevenir ldquoas fraudes os abusos os
contrabandos e as prevaricaccedilotildees que em toda parte do mundo sempre foram a ruiacutena dos
Estadosrdquo 574
43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70
Muitas seratildeo as denuacutencias encaminhadas ao reino pelos habitantes da capitania contra
a maacute gerecircncia da Companhia e os abusos em que ocorriam os deputados da empresa Em
1770 tem iniacutecio a primeira crise enfrentada pela instituiccedilatildeo uma seacuterie de representaccedilatildeo seratildeo
enviadas pelas cacircmaras locais a Corte expondo os problemas enfrentados pela populaccedilatildeo
local no trato com a empresa queixando-se da grande decadecircncia do comeacutercio na regiatildeo da
pobreza a que foram acometidos os habitantes e dos procedimentos irregulares da diretoria em
Pernambuco A seca que assolou a capitania entre os uacuteltimos meses de 1769 e os primeiros
meses de 1770 causando uma grande baixa nas safras de accediluacutecar parece ter contribuiacutedo
sobremaneira para o desencadeamento da crise
Isto porque a direccedilatildeo pernambucana se recusou a pagar o acreacutescimo de duzentos reis
por arroba de accediluacutecar determinado pela Mesa de Inspeccedilatildeo da Praccedila que seguia ordens de
edital previsto para estes casos A administraccedilatildeo da Companhia natildeo aceitaraacute de bom grado
esta situaccedilatildeo e em resposta a decisatildeo da Mesa lanccedila edital afirmando que ldquopor natildeo ter
obrigaccedilatildeo recusaraacute receber os ditos accediluacutecares por preccedilos que natildeo fazem conta ao comeacutercio que
administrardquo 575
completa dizendo que os lavradores e senhores descontentes poderiam enviar
ao reino seus produtos ldquopor sua contardquo em conformidade do regimento da instituiccedilatildeo 576
Ao
que tudo indica os produtores seguiram a ldquorecomendaccedilatildeordquo daquela direccedilatildeo pois no mesmo
ano o governador Manoel da Cunha Meneses envia ofiacutecio ao Reino explicando os motivos
dos produtores da capitania estarem retendo em seus armazeacutens a produccedilatildeo canavieira Solicita
574
Idem 575
AHU ndash PE Cx 109 D 8428 576
Idem
154
entatildeo o governador que o Rei apontasse soluccedilatildeo a tal empate que vinha causando notoacuterios
prejuiacutezos a todos
Os camaraacuterios de Igarassu enviam carta neste mesmo ano ao Rei atestando ldquoa grande
e inexplicaacutevel consternaccedilatildeo em que se vecirc esta capitania no presente tempo e a total ruiacutena e
decadecircncia que para o futuro vai ameaccedilando o comeacuterciordquo 577
Eles reclamavam da falta de
dinheiro que se experimentava nas terras exclusivas uma vez que a Companhia ldquonatildeo compra
gecircneros de efeito nenhum a dinheiro [] e soacute os paga com fazendas cariacutessimas e escravos de
refugordquo 578
O senado de Igarassu expotildee tambeacutem os abusos cometidos pela direccedilatildeo
pernambucana que agindo por interesses proacuteprios quando do desembarque dos navios
chegados de Angola e Costa da Mina carregados com escravos ldquoescolhem os melhores [] e
os marcam com uma fita de nastro no pescoccedilordquo 579
estes escravos marcados eram remetidos
para a Praccedila do Rio de Janeiro deixando aos produtores da capitania o refugo da escravaria A
carta continua relatando uma seacuterie de denuacutencias sobre a maacute administraccedilatildeo da Companhia
como por exemplo sua alianccedila com algumas casas de comeacutercio em prejuiacutezo dos demais
comerciantes e agricultores bem como da populaccedilatildeo em geral
Os habitantes da capitania de Itamaracaacute sobretudo os produtores de accediluacutecar e tabaco
tambeacutem enviam em 1770 representaccedilatildeo ao Reino alertando para ldquoa consternaccedilatildeo e vexame a
que se veem reduzidos pelos lamentaacuteveis danos e inexplicaacuteveis prejuiacutezosrdquo 580
causados pela
instalaccedilatildeo da Companhia na regiatildeo Pontuam aspectos bastante semelhantes aos expostos
pelos camaraacuterios de Igarassu fazendo comparaccedilotildees sobre o volume do comeacutercio na capitania
antes e depois da instituiccedilatildeo da empresa A representaccedilatildeo que possuiacute um abaixo assinado com
cerca de treze paacuteginas apenas de assinaturas daqueles homens que se sentiam prejudicados
pela Companhia termina suplicando a aboliccedilatildeo da empresa e a restituiccedilatildeo dos danos para
aqueles produtores
Aleacutem das diversas representaccedilotildees contraacuterias 581
enviadas pelos representantes locais a
Corte na capitania o clima era de agitaccedilatildeo Como nos demonstra ofiacutecio enviado pelo
secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar ao governador Manoel da Cunha Meneses
denunciando papeacuteis anocircnimos que tinham sido fixados na capitania satirizando um edital
577
AHU ndash PE Cx 108 D 8380 578
Idem 579
Idem 580
AHU ndash PE Cx 108 D 8393 581
Vaacuterios outros documentos a este respeito foram emitidos entre os anos de 1770 a 1771 pelos habitantes
locais e seus oacutergatildeos representativos incluindo cartas pessoais e algumas ateacute mesmo anocircnimas AHU ndash PE Cx
109 D 8421 AHU ndash PE Cx 109 D8444 AHU ndash PE Cx 110 D8507 AHU ndashPE Cx 110 D 8515 AHU-
PE Cx 111 D 8541
155
lanccedilado pela direccedilatildeo da Companhia Neste edital a administraccedilatildeo da empresa a fim de
supostamente fazer encerrar os buchichos que corriam entre a populaccedilatildeo sobre a sua maacute
gerecircncia convocava a todos que tivessem denuacutencias do mau procedimento dos membros
daquela direccedilatildeo empregados em todos os cargos fizessem representaccedilatildeo para que fossem
aplicadas as devidas providecircncias
O texto anocircnimo que criticava o edital atacava diretamente os deputados Destacando
que se as denuacutencias natildeo existiam natildeo era pela falta de delitos a denunciar mas sim pelo receio
que tinham os habitantes locais de sofrerem represaacutelias Afirma o panfleto que
Pelo edital de 13 de agosto conheceu todo o povo a ignoracircncia de toda a
mesa da direccedilatildeo da Companhia e de seu escrivatildeo fazendo-se os deputados
reacuteus e querendo serem juiacutezes de seus proacuteprios delitos Nomeiem os
deputados ministro independente que receba as queixas e as remeta a Sua
Majestade que natildeo faltaraacute quem vaacute depor contra os mesmos deputados que
tatildeo inocentes se mostram mas este conselho lhe natildeo haacute de agradar e podem
estar certos que quando vier sindicante deporemos sobre as fabulosas e falsas
articulaccedilotildees da qual o edital tambeacutem se faraacute dos pecados que pedem que o
povo os acuse e muito mais temos que dizer 582
A Companhia atraveacutes de sua direccedilatildeo na capitania iraacute se defender contra tais acusaccedilotildees
afirmando serem injuriosas e promovidas por um pequeno grupo de indiviacuteduos que nunca
aceitaram a instalaccedilatildeo da empresa Em carta enviada por Antocircnio Joseacute Souto intendente da
direccedilatildeo pernambucana em 1771 a respeito daquelas denuacutencias que segundo o mesmo estavam
centradas em queixas contra as ldquoomissotildees ou falta de pureza na direccedilatildeordquo 583
o mesmo iraacute
declarar que a paixatildeo dos moradores daquela capitania ldquolhes tinha cegado o conhecimentordquo
584 dessa forma natildeo conseguiam ver como a empresa lhes era beneacutefica No entanto o impacto
da crise de 70 natildeo iraacute se dissipar tatildeo facilmente A morte do rei D Joseacute I seguida do
afastamento do marquecircs de Pombal do cargo de primeiro ministro do Reino no ano de 1777
faratildeo ressurgir uma onda de queixas e representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma
As denuacutencias desta segunda fase de crise continuam a apontar basicamente os mesmos
pontos das primeiras Em resumo as representaccedilotildees se queixam do deploraacutevel estado em que
se encontravam as lavouras tanto de accediluacutecar quanto de tabaco afirmando estarem destruiacutedas
as faacutebricas de curtume e atanados e reclamando da quase inexistecircncia do comeacutercio livre com
os sertotildees e com a Costa da Mina Aleacutem disso se queixam dos procedimentos adotados pela
empresa que lhes obrigavam a vender suas manufaturas e efeitos por preccedilos diminutos e a
582
AHU ndash PE Cx 109 D 8458 583
AHU ndash PE Cx 100 D 8509 584
Idem
156
receber por eles fazendas desnecessaacuterias e de baixa qualidade sem jamais serem pagos a
dinheiro fiacutesico Afirmam tambeacutem que a Companhia natildeo disponibilizava escravos suficientes
e que vendia aos moradores apenas os doentes indo os melhores serem vendidos no Rio de
Janeiro Relatam tambeacutem o alto grau de endividamento daqueles que negociavam com a
empresa pela forma que os negoacutecios eram feitos na capitania Fora isso denunciavam a
forma arbitraacuteria e duvidosa com que agiam os seus deputados e intendente
Em carta de 1777 a cacircmara de Olinda queixa-se ao Reino de problemas semelhantes
aos relatados pelos oficiais de Igarassu sete anos antes Neste documento o Senado da cacircmara
apela pela extinccedilatildeo da Companhia suplicando ao monarca que os libertassem de ldquotatildeo
insuportaacutevel tiraniardquo 585
Ainda nesta carta reclamam tambeacutem os camaraacuterios da escassez de
moeda que grassava em Pernambuco afirmando que a ldquofalta de dinheiro presentemente
irremediaacutevel tem aniquilado os fabricantes e os reduzido a uacuteltima consternaccedilatildeordquo 586
isto
porque a Companhia continuava a pagar pelos efeitos da terra em fazendas e natildeo a dinheiro
que era gecircnero necessaacuterio para o sustento e manutenccedilatildeo das faacutebricas e dos fabricantes
Fica confirmado tambeacutem no relato a manutenccedilatildeo do costume dos deputados da
empresa em reservar para si e seus ldquoparceirosrdquo comerciais os escravos mais sadios e melhor
escolhidos Vendendo para populaccedilatildeo os menos saudaacuteveis e a preccedilos exorbitantes no que
resultavam segundo a cacircmara em ldquograndes mortandadesrdquo nos engenhos e lavouras que
acabavam se conservando sempre com um nuacutemero reduzido de escravaria Por fim os oficiais
protestam sobre o procedimento adotado pela empresa de vender os gecircneros de maior
necessidade apenas a dinheiro quando era ela mesma a responsaacutevel pela crise monetaacuteria
instalada na regiatildeo
No mesmo ano de 1777 a cacircmara de Olinda envia nova carta relatando com maiores
detalhes o estado do comeacutercio na capitania e apelando junto ao Reino para a supressatildeo dos
privileacutegios da Companhia Geral Os camaraacuterios apelam a real clemecircncia testemunhando que
eram tratados por aquela instituiccedilatildeo com ldquodespoacutetica autoridade e matildeo violentardquo alegam ainda
serem dominados e vexados como ldquose fossemos de alguma naccedilatildeo inimiga ou infieacuteis e rebeldes
ao proacuteprio soberanordquo 587
Neste documento tambeacutem se reforccedila a questatildeo das vantagens
pessoais que os deputados logravam no comeacutercio de escravos segundo os oficiais da cacircmara
ldquoa florrdquo da escravaria era reservada para estes negociantes ficando apenas o ldquorefugordquo para os
585
AHU ndash PE Cx 126 D 9577 586
Idem 587
AHU ndash PE Cx108 D 8330
157
moradores da terra Acusam ainda os oficiais da cacircmara de agirem os homens daquela
direccedilatildeo da mesma forma com os gecircneros da Europa
A falta de dinheiro mais uma vez eacute denunciada como o ldquomais sensiacutevel e fatalrdquo mal
que fazia a Companhia ao povo de Pernambuco Como o dinheiro era como afirmam os
camaraacuterios ldquopreciso para expediccedilatildeo dos seus negoacutecios e estabelecimentos de suas famiacuteliasrdquo e
estando aquela terra ldquoexausta de moeda correnterdquo 588
muitos fabricantes e lavradores
acabavam recorrendo ao contrabando nos portos livres para obter dinheiro fiacutesico De acordo
com a Cacircmara olindense essa situaccedilatildeo era de total responsabilidade da Companhia isto
porque a empresa havia reduzido os habitantes daquelas plagas a extrema pobreza sem ter
estes homens meios de sustentar suas famiacutelias Dessa forma acabavam recorrendo agrave compra
de fazendas em outros portos mesmo que sujeito aos confiscos As queixas evidenciam a
relaccedilatildeo entre a refraccedilatildeo pela qual passava o comeacutercio legal e o aumento dos negoacutecios
descaminhados enquanto o comeacutercio legal passava por um periacuteodo de queda os descaminhos
de produtos ganhavam focirclego
Ainda sobre o comeacutercio de contrabando assegura o senado de Olinda que as fazendas
vindas dos portos livres se vendiam por menor preccedilo do que os praticados pela Companhia o
que segundo tais oficiais era inconcebiacutevel pois os contrabandistas compravam tais gecircneros de
mercadores dos portos livres ldquojaacute com avanccedilosrdquo 589
e ainda eram responsaacuteveis pelas ldquodespesas
do transporterdquo 590
Os escravos vindos do comeacutercio descaminhado tambeacutem eram mais baratos
de acordo com o documento alguns moradores que mandavam comprar negros nos portos
livres ldquoos compram com tatildeo notaacutevel cocircmodo a respeito do preccedilo porque que vende a
Companhia na terra que chegam a comprar dois pretos com o valorrdquo 591
Tambeacutem reivindicam a forma como a empresa procedia na avaliaccedilatildeo e compra dos
gecircneros da terra Declara a cacircmara que os produtos da Companhia eram vendidos por preccedilos
que eram determinados pela proacutepria direccedilatildeo e que natildeo se davam os devidos descontos a peccedilas
avariadas No entanto o contraacuterio natildeo se fazia verdade os oficiais alegam que qualquer avaria
era descontada no valor final dos efeitos da terra ainda atestam que os preccedilos eram fixados
pelos avaliadores da Companhia natildeo seguiam a nenhum tipo de criteacuterio preacute-estabelecidos
588
Idem 589
Idem 590
Idem 591
Idem
158
dando tais avaliadores o preccedilo que lhe achassem conveniente Questionavam entatildeo os
camaraacuterios ldquoque justiccedila e que lei do comeacutercio pode permitir semelhante deferecircnciardquo 592
Em 1778 seraacute a vez da Cacircmara de Goiana enviar suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis a
Companhia ao Reino As objeccedilotildees satildeo parecidas com as de suas congecircneres Afirmam aqueles
oficiais que a Companhia ldquoestabelecida em 1760 tem de todo arruinado os fabricantes de
todos os gecircnerosrdquo 593
Reforccedilam a questatildeo de como procedia a direccedilatildeo pernambucana na
venda de escravos que aleacutem de os venderem por ldquoexcessiviacutessimo preccedilordquo destinavam as
populaccedilatildeo apenas os negros de ldquorefugordquo que vinham jaacute contaminados de moleacutestias Tendo
inclusive sido acometida a capitania duas vezes por epidemias que dizimaram muitos
habitantes provenientes daqueles escravos doentes jaacute que a ldquoflorrdquo da escravaria era remetida
pelos deputados pernambucanos ao Rio de Janeiro
Ao longo da carta os camaristas queixam-se de outras diversas accedilotildees da empresa
Dando destaque ao alto grau de endividamento dos agricultores obrigados a empenhar seus
bens os altos juros cobrados aos homens de negoacutecio bem como contestam os preccedilos
praticados pela empresa em seu comeacutercio Em denuacutencia as condutas questionaacuteveis da direccedilatildeo
em Pernambuco atestam que os melhores gecircneros da Europa aqueles que possuiacuteam maior
saiacuteda quase todos ldquose encaminhavam as lojas particulares de algum dos mesmos deputados
donde entatildeo os iam comprar os pobres dos mercadoresrdquo 594
Por fim apelavam a sua majestade
para livrar aquele ldquopovo deste penoso cativeirordquo 595
Um ano depois em 1779 era a vez da Cacircmara de Recife enviar carta ao reino
solicitando o fim das concessotildees exclusivas dadas a Companhia Os oficiais da Cacircmara
recifense se apoiavam na recente decisatildeo do Reino em abolir os privileacutegios concedidos a
Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo ao solicitarem para capitania de Pernambuco a
mesma graccedila Alegavam os camaraacuterios ser a Companhia Geral a culpada pelo ldquomiseraacutevel
estado a que se acha reduzida toda esta capitaniardquo 596
Os camaristas aproveitam para lembrar
junto a este pedido os grandes esforccedilos empregados pelos habitantes daquelas plagas em
ldquoconservar o domiacutenio desta porccedilatildeo do Brasilrdquo 597
quando do ataque do inimigo holandecircs o
que havia lhes custado ao longo dos anos como fazem questatildeo de sublinhar suas vidas e
fazendas
592
Idem 593
AHU ndash PE Cx 130 D 9830 594
Idem 595
Idem 596
AHU ndash PE Cx 133 D 10009 597
Idem
159
Junto com a extinccedilatildeo da Companhia demandam tambeacutem trecircs providecircncias que
acreditavam deveriam acompanhar tal graccedila A primeira solicitaccedilatildeo era de que a Companhia
Geral voltasse a pagar o subsiacutedio dos accediluacutecares que ldquovoluntariamente e contra as ordens
reacutegiasrdquo 598
havia parado de pagar aos fabricantes haacute doze anos A segunda demanda requeria
que natildeo se cobrassem altos juros nos deacutebitos que haviam contraiacutedo os habitantes daquela terra
com a empresa isto porque segundo os camaristas os gecircneros que geravam os
endividamentos jaacute haviam sido comprados por preccedilos ldquosobrecarregadosrdquo Por fim pedem os
oficiais da Cacircmara que a empresa natildeo cobre de uma uacutenica vez os grandes deacutebitos dos
habitantes pois se isto acontecesse causaria a ruiacutena daquela capitania
Em resposta a estas trecircs representaccedilotildees a Junta da Companhia em Lisboa remete
ofiacutecio ao Reino no ano de 1780 defendendo-se das acusaccedilotildees e apontando a direccedilatildeo em
Pernambucano como a verdadeira responsaacutevel das queixas populares Chegando a afirmar que
se a empresa fosse ldquodirigida por homens inteligentes e zelosos do serviccedilo de Vossa Majestade
e do bem puacuteblico natildeo soacute teria produzido muitas maiores vantagens a favor do Estado mas ateacute
seria pedida a sua conservaccedilatildeo pelos mesmos povos daquelas capitaniasrdquo 599
Neste ofiacutecio o
conselho lisboeta descreve com detalhes todas as artimanhas e estrateacutegias utilizadas pelo
intendente e deputados da direccedilatildeo pernambucana a fim de tirarem benefiacutecios pessoais de seus
postos
Assim admitem que no comeacutercio das fazendas aqueles diretores se associavam a
caixeiros e parceiros e tiravam das carregaccedilotildees da Companhia para suas lojas particulares
todas as fazendas ldquomelhores em qualidade sortimento e em preccedilosrdquo antes mesmo destas peccedilas
serem colocadas a venda pela empresa Dessa forma os demais mercadores que ldquonatildeo
entravam neste conluio quando iam aos armazeacutens da Companhia soacute encontravam as que os
outros tinham refugadordquo Esta situaccedilatildeo acabava por gerar o monopoacutelio das melhores fazendas
nas matildeos destes deputados e seus associados que se aproveitando da situaccedilatildeo passavam a
revender tais gecircneros cerca de 30 a 40 mais caro nas fazendas de menor procura e nas de
melhor saiacuteda chegava-se a acrescer mais ldquode 100 importando-lhes ainda sobre este avanccedilo o
juro da leirdquo 600
Sobre a forma como procedia aos pagamentos de lavradores e fabricantes natildeo a
dinheiro e sim em fazendas atesta a Junta que procedia a direccedilatildeo pernambucana de forma
598
Idem 599
AHU ndash PE Cx 136 D 10156 600
Idem
160
abusiva e ruinosa pois se recusavam a comprar as fazendas em dinheiro alegando a falta de
moeda Atitude que acabava por obrigar que os produtores locais fossem vender seus gecircneros
a mercadores particulares por preccedilo natildeo fixado ficando a cargo do comprador estabelecer o
valor que lhe aprouvesse a segunda e natildeo menos desvantajosa alternativa para estes
fabricantes locais seria irem vender seus produtos ldquoa dinheiro com grande perda as pessoas
por quem os mesmos diretores lhes mandam comprarrdquo 601
Quanto a questatildeo da falta de moeda fiacutesica atesta a direccedilatildeo lisboeta ser real a limitaccedilatildeo
de dinheiro naquela Praccedila No entanto acusam novamente a direccedilatildeo pernambucana como a
responsaacutevel pelo problema Segundo a Junta o primeiro motivo da falta de dinheiro no caixa
da Companhia estava relacionado com a grande soma que diretores ldquoem seus nomes no de
seus parentes nos de mercadores seus associados e em outros supostosrdquo 602
que formavam
uma lista de 73 pessoas deviam a empresa e na demora que estes faziam em seu pagamento
Dessa forma ficava a Companhia em Pernambuco sem cabedal suficiente para socorrer aos
produtores locais
O segundo motivo alegado pelo conselho portuguecircs seria de que os diretores em
Pernambuco haviam feito pagamentos dos quarteacuteis vencidos de contratos reais
monopolizados por eles mesmos indevidamente com o dinheiro do caixa da Companhia A
terceira causa da falta de dinheiro era o de agirem os deputados pernambucanos no comeacutercio
de escravos da mesma forma como operavam no comeacutercio de fazendas Expunha a Junta que
assim que os negreiros davam entrada na capitania alguns membros da direccedilatildeo iam ainda de
madrugada ldquoescolher e esconder os melhores fazendo os assentos das vendas em nomes
diversos e supostos e por preccedilos mais inferiores que aqueles por que vendem os de refugo
que expotildeem em puacuteblico para a vendardquo 603
aleacutem disso reservavam estas melhores ldquopeccedilasrdquo
para irem vender em outras praccedilas da Ameacuterica
Encerrando este tema os oficiais lisboetas afirmam que o valor das diacutevidas relativas a
assistecircncia prestada pela empresa a produtores locais de accediluacutecar e tabaco era menor do que os
causados pelos abusos que faziam os diretores da praccedila que confiavam os cabedais da
empresa ldquoa pessoas sem estabelecimento e sem creacutedito servindo-se dos mesmos cabedais
para suas ocultas e reprovadas negociaccedilotildeesrdquo 604
Aleacutem disso declara o conselho portuguecircs
que muitas eram as dificuldades apontadas pela direccedilatildeo na colocircnia em cobrar tais deacutebitos o
601
Idem 602
Idem 603
Idem 604
Idem
161
que para a Junta fazia parecer que os deputados pernambucanos pareciam mais ldquouns homens
levantados para destruir a Companhia do que homens que os interessados elegeramrdquo 605
Esta
afirmaccedilatildeo da Junta acaba por reforccedilar nosso entendimento de que a Companhia foi arruinada
de ldquofora para dentrordquo pois de acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada seus proacuteprios agentes
laboraram contra os interesses econocircmicos da instituiccedilatildeo agindo em benefiacutecio proacuteprio
Quanto a mateacuteria do contrabando diraacute a Junta saber que ldquoa maior parte dos membros
daquela direccedilatildeo e dos indiviacuteduos empregados nos seus serviccedilos satildeo os que fazem e protegem
os mais escandalosos contrabandosrdquo 606
tanto ldquona introduccedilatildeo de fazendas dos portos deste
reino e dos da Bahia como na exportaccedilatildeo e extravio dos gecircneros das capitanias de
Pernambucordquo 607
Acusam ainda serem aqueles diretores os culpados de incitar as cacircmaras de
Pernambuco a levarem a real presenccedila suas queixas contra Companhia faziam isto pois
pretendiam nunca pagar as suas avultadas diacutevidas a Companhia ou pagarem em parcelas ao
longo dos anos sem juros
Ainda neste documento manifesta aquela direccedilatildeo superior o seu descontentamento
com os oficiais reacutegios locais que mesmo tirando devassas dos casos de descaminhos nunca
chegam a apontar um culpado mesmo sendo ldquotatildeo puacuteblicas e escandalosas as violecircncias e
contrabandosrdquo 608
que estavam cometendo os diretores pernambucanos No entanto afirmam
os ministros lisboetas terem ciecircncia da dificuldade em se achar testemunhas dispostas a
deporem contra aqueles diretores ldquoem cujo nuacutemero os mais delinquentes satildeo os mais
poderosos pelos cabedais pelas amizades e pelos importantes empregos que ocupamrdquo 609
ficando assim os fabricantes e lavradores da capitania receosos de lhe fazerem denuacutencias pois
como a Junta atesta ldquoos mais oprimidos satildeo sempre os mais dependentesrdquo 610
Por fim o
conselho portuguecircs conclui que as queixas dos habitantes da capitania se endereccedilavam as
ldquoviolecircnciasrdquo cometidas pelos deputados em Pernambuco e natildeo a instituiccedilatildeo da Companhia em
si
A onda de ataques iniciada em 1777 acabou culminando na supressatildeo dos privileacutegios
comerciais da Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba a partir de abril de 1780
Alvo de oposiccedilatildeo de interesses entre os locais e os metropolitanos a mesma natildeo chegou a
alcanccedilar os lucros esperados pela Coroa portuguesa causando notoacuterios prejuiacutezos agrave economia
605
Idem 606
Idem 607
Idem 608
Idem 609
Idem 610
Idem
162
local em particular a elite pernambucana 611
O processo de liquidaccedilatildeo da empresa se estendeu
por muitos e muitos anos de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior no ano de 1907 a junta
liquidataacuteria da empresa envia solicitaccedilatildeo ao representante portuguecircs no Brasil no sentido de
reaver diacutevidas ainda existentes em Pernambuco 612
A segunda metade do seacuteculo XVIII seraacute marcada como um periacuteodo de importantes
mudanccedilas governamentais no Impeacuterio Portuguecircs a ascensatildeo do Marquecircs de Pombal ao cargo
de secretaacuterio do Reino e das mercecircs viraacute acompanhada de um conjunto de medidas de caraacuteter
revitalizador que teraacute como expoente o comeacutercio de Portugal com suas conquistas e colocircnias
As medidas implantadas pelo governo portuguecircs em Pernambucano tinham por objetivo deter
maior controle sobre a produccedilatildeo de uma das mais destacadas capitanias do Norte do Estado
do Brasil
As criaccedilotildees dos organismos da mesa de Inspeccedilatildeo e da Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba vinham atender ao pensamento iluminista da eacutepoca e buscavam
canalizar os lucros da colocircnia para a Corte No entanto o que o marquecircs natildeo previu foi que
apoacutes um primeiro momento de estranhamento por parte dos locais as instituiccedilotildees seriam
absorvidas e aparelhadas aos interesses da elite local que infiltradas em suas respectivas
administraccedilotildees iriam utilizar desses lugares funcionais privilegiados na defesa de ganhos
proacuteprios Aleacutem disso os habitantes locais tambeacutem passam a criar mecanismos para a fuga
desse controle metropolitano dentre esses mecanismos destaca-se o contrabando de gecircneros
O conjunto documental analisado eacute revelador da vitalidade dos sertotildees pernambucanos
e baianos que durante o seacuteculo XVIII iratildeo assumir papel de destaque dentro do mercado
interno estando conectado a uma grande malha comercial que se estendia ateacute a regiatildeo das
Minas Gerais Os rios caminhos e picadas interioranas cumpriram um destacado papel na
conexatildeo entre diversas localidades sertanejas e as cidades litoracircneas Seguindo os caminhos
de terra e das aacuteguas mercadores comerciantes fazendeiros e profissionais liberais fizeram
surgir nas lonjuras dos sertotildees um espaccedilo de dinamismo e intensa atividade comercial
A grandiosidade da costa pernambucana que permitia natildeo soacute a navegaccedilatildeo direta entre
Bahia e Pernambuco como tambeacutem fornecia condiccedilotildees naturais para ancoragem em diversas
praias do litoral junto ao envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e deputados da empresa
611
Sobre isto ver DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In
Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel
em httpcvcinstituto camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de
2017 612
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 P
188-202
163
nos contrabandos somada a ineficaz e insuficiente forccedila militar empregada no seu combate e o
desejo de senhores de engenhos produtores e comerciantes de fugir das malhas do comeacutercio
monopolista faratildeo com que a praacutetica se torne uma constante na segunda metade do XVIII No
bojo dessas questotildees o comeacutercio iliacutecito com a vizinha capitania Bahia que contava apenas
com uma Mesa de Inspeccedilatildeo e natildeo com uma companhia comercial monopolizadora ganharaacute
forccedila
164
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao longo da narrativa deste trabalho jaacute esclarecemos as principais conclusotildees tiradas
sobre o nosso objeto de estudo No entanto a tiacutetulo de compilaccedilatildeo e arremate iremos pontuar
as consideraccedilotildees mais significativas para o entendimento do comeacutercio de contrabando
realizado durante os vinte e um anos de vigecircncia do exclusivo comercial praticado pela
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba
Vimos que a Companhia Geral criada no ano de 1759 no contexto de mudanccedilas no
sistema poliacutetico portuguecircs foi fundada para atuar junto a uma seacuterie de outras medidas que
vinham atender o esforccedilo portuguecircs de racionalizaccedilatildeo administrativa e econocircmica de seus
espaccedilos ultramarinos A empresa instalada durante o consulado Pombalino iraacute modificar
sobremaneira o modo de se fazer negoacutecios na capitania de Pernambuco e suas anexas
modificando toda a loacutegica mercantil da regiatildeo que haacute muito estava instituiacuteda e consolidada
Com a fundaccedilatildeo da empresa as populaccedilotildees locais passaram a buscar estrateacutegias de
fuga do controle metropolitano dessa forma comerciantes e produtores da Praccedila
pernambucana jaacute bem habituados ao livre comeacutercio comeccedilaram a realizar transaccedilotildees
comerciais iliacutecitas junto agrave vizinha capitania da Bahia O comeacutercio de mercadorias estabelecido
entre as duas mais destacadas capitanias do Norte se realizava tanto atraveacutes dos sertotildees que
tinham no Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes a peccedila chave desse circuito de comeacutercio
iliacutecito sertanejo bem como de forma direta atraveacutes da Costa mariacutetima que ligava Bahia a
Pernambuco
Lembramos que o artigo 25 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral
determinava que a empresa natildeo possuiacutea o monopoacutelio do comeacutercio para os portos do sertatildeo
Alagoas e Rio de Satildeo Francisco No entanto a poliacutetica monopolista da Companhia iraacute afetar
tambeacutem os chamados ldquoportos livresrdquo Isto porque por volta da deacutecada de 70 a direccedilatildeo
pernambucana por forccedila de um edital passa a encarar as transaccedilotildees mercantis efetuadas a
partir daqueles espaccedilos como contrabando Medida repressiva que salienta a importacircncia
econocircmica do comeacutercio realizado a partir das rotas sertanejas Afinal de contas natildeo se
empregaria esforccedilos e recursos no controle de tais negoacutecios se eles natildeo tivessem relevacircncia
As mercadorias que circulavam neste comeacutercio descaminhado eram muitas da
capitania pernambucana saiam principalmente os efeitos da terra dos quais destacamos o
accediluacutecar e seus derivados couros e tabacos Vindos das terras soteropolitanas os principais
165
produtos eram gecircneros europeus com realce para a grande variedade de tecircxteis Vimos
tambeacutem que entre as duas Praccedilas realizava-se o comeacutercio humano os escravos comprados por
menores preccedilos na Bahia vinham abastecer as lavouras e faacutebricas pernambucanas As trocas
mercantis realizadas por vias ilegais mesmo que potencialmente perigosas dado o risco de
apreensatildeo e demais penalidades seratildeo amplamente desenvolvidas por fabricantes produtores
e comerciantes pernambucanos que buscavam melhores preccedilos e vendas a dinheiro fiacutesico
Destacamos que o contrabando foi uma praacutetica recorrente durante toda histoacuteria
colonial do Novo Mundo Na Ameacuterica Portuguesa pesquisas mais recentes atestam para
recorrecircncia do comeacutercio extralegal em diversas capitanias Esta historiografia com a qual
concordamos tem demonstrado como os descaminhos eram processos inerentes ao trato
comercial colonial Presente nas mais variadas atividades mercantis e locais os contrabandos
e descaminhos natildeo devem ser encarados como uma ldquofalhardquo ou ldquodeficiecircnciardquo do sistema mas
sim como parte integrante do mesmo
O comeacutercio iliacutecito praticado durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba foi um negoacutecio amplamente praticado De acordo
com a documentaccedilatildeo trabalhada este tipo de mercadejar acontecia tanto no grosso trato
envolvendo uma rede de indiviacuteduos empenhados em criar estrateacutegias que possibilitassem o
funcionamento da praacutetica iliacutecita Como no miuacutedo onde sujeitos comuns aproveitavam as
oportunidades que surgiam para ganhos extras Destacamos ainda o contrabando feito
diretamente com navios estrangeiros que aportando na capitania sobre pretextos diversos
procediam ocultamente nas trocas comerciais com os habitantes locais
A grande preocupaccedilatildeo do Reino em reprimir tais negoacutecios iliacutecitos revela a
grandiosidade da praacutetica durante o periacuteodo do exclusivo comercial da Companhia Diversos
satildeo os documentos travados entre as autoridades locais e o governo metropolitano para tratar
da mateacuteria Apesar do empenho dos oficiais reacutegios locais sobretudo os governadores de
Pernambuco os contrabandos persistiram durante toda a existecircncia da Companhia Isto
porque natildeo existia estrutura local para que o combate as ilicitudes fossem feitas de maneira
efetiva dada a grandiosidade da capitania de Pernambuco aleacutem disso o comeacutercio
descaminhado era uma praacutetica ostensiva que envolvia variados personagens situaccedilotildees e
circunstacircncias
Dentre os personagens envolvidos nas redes de comeacutercio extralegal salientamos a
participaccedilatildeo de autoridades reacutegias oficiais e agentes da proacutepria Companhia Estes homens
iratildeo utilizar de seus postos privilegiados para obter vantagens pessoais Vimos que a
166
participaccedilatildeo de autoridades reais em circuitos iliacutecitos natildeo era uma prerrogativa exclusiva do
nosso objeto de anaacutelise tendo ocorrido em diversos outros locais da Ameacuterica Lusa e ateacute
mesmo da Ameacuterica Hispacircnica Como os atuais estudos tecircm demonstrado o envolvimento em
praacuteticas iliacutecitas natildeo era necessariamente oposto ao exerciacutecio de ofiacutecios reacutegios
Destacamos tambeacutem as inuacutemeras queixas e representaccedilotildees encaminhadas pelas
populaccedilotildees locais sobretudo pelas cacircmaras ultramarinas ao governo da metroacutepole alertando
para o estado de decadecircncia do comeacutercio nas praccedilas de Pernambuco e das inuacutemeras atividades
iliacutecitas e maacute gestatildeo conduzida pela direccedilatildeo da empresa na capitania A documentaccedilatildeo
evidencia como os proacuteprios deputados e acionistas da empresa foram responsaacuteveis pela
liquidaccedilatildeo da mesma destruindo seu capital ao agirem em benefiacutecio proacuteprio a fim de
obterem vantagens financeiras
Criado no contexto das reformas pombalinas a Companhia natildeo conseguiraacute renovar
seu contrato de exclusivo comercial sendo este extinguindo no ano de 1780 Naquele
momento a metroacutepole jaacute estava sob o comando de uma nova soberana Dona Maria I e
Pombal jaacute estava afastado do centro decisoacuterio Inicia-se entatildeo um novo movimento poliacutetico-
administrativo em Portugal conhecido na historiografia como ldquoa viradeirardquo Nesta nova
conjuntura jaacute natildeo havia espaccedilo para a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba que natildeo
chegou a alcanccedilar os nuacutemeros esperados pelo Reino e foi durante toda sua existecircncia alvo de
criacuteticas das populaccedilotildees locais Voltava entatildeo o comeacutercio na capitania a ser livre fazendo
dessa forma minorar o grande fluxo extralegal alvo deste estudo
167
REFEREcircNCIAS
ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria
Briguiet1960
AIZPURUA AGUIRRE Ramoacuten ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la
lancha San Fernando y de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista
de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5 Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San
Sebastiaacuten p 379-392 2006
A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista
brasileira de Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197
ALENCASTRO Luiz Felipe de O trato dos viventes formaccedilatildeo do Brasil no Atlacircntico
Sul Satildeo Paulo Companhia das Letras 2000
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas -
As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p
34-53 janjul 2013
ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de
Pernambuco no seacuteculo XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria
da escravidatildeo em Pernambuco Editora UniversitaacuteriaU-FPE 2012
ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os
acossamentos de Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII)
Rev Bras Hist [online] 2015 vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016
ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria
Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980
ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec
2004
BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na
administraccedilatildeo da monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO
Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no
impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo
Brasileiro (1783 ndash 1822) Guarapuava Unicentro 2014
168
BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores
e Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da
Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII Recife 2012 Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de
Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas da Universidade
Federal de Pernambuco
BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia
das letras 2002
CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito
Santo do seacuteculo XIX Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de
Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003
CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do
Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996
CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e
Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982
CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-
1850 Recife Editora da UFPE 2002
CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica
Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006
CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a
administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016
vol15 n2
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa
na Buenos Aires colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248
janjun 2009
CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en
Venezuela durante el siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997
CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do
territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v 43 n1 p 100-120 2016
COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do
Interior e Justiccedila 1951-1966 v 6
169
CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica
portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n
39 p001-030 jan-abr 2016
DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas
Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume 282
DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In
Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-
camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013
DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os locais uma anaacutelise da
correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania de
Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei
SOUZA George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo
atlacircntico Recife Editora Universitaacuteria da UFPE 2012
DIAS Manuel Nunes Fomento Ultramarino e Mercantilismo a companhia geral do Gratildeo-
Paraacute e Maranhatildeo (1755-1778) (XIII) Revista de Histoacuteria Brasil v 41 n 83 p 73-94 apr
2017
FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto
de conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social
costumeira (Rio de Janeiro 1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima
(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-
XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
FERREIRA Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial
ultramarino portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama
das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro
Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico
cultura e transgressatildeo na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado
em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias humanas Universidade Federal de Pernambuco
Recife
GINZBURG Carlo Relaccedilotildees de forccedila Histoacuteria retoacuterica prova Satildeo Paulo Companhia
das letras 2002
GINZBURG Carlos Sinais raiacutezes de um paradigma indiciaacuterio In___ Mitos emblemas e
sinais - Morfologia e Histoacuteria Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989 P 143-180
170
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo
portuguecircs c 1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na
trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de
Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Poder Poliacutetico e administraccedilatildeo na formaccedilatildeo do complexo
atlacircntico portuguecircs (1645-1808)In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) O
Antigo Regime nos troacutepicos ndash A dinacircmica Imperial Portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio
de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional
History University Press of Virginia 2ordf ed 1994
HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash
Seacutec XVII Coimbra Almedina 1994
HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do
impeacuterio colonial portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na
trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de
Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
HESPANHA AM A constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos
correntes In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda
(Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash
XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
HESPANHA Antonio Manoel Caleidoscoacutepio do Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda
2012
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos
sertotildees da Ameacuterica Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012
JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de
ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de
Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos
XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo
Hucitec 1976
JUacuteNIOR Miguel Dieacutegues As Companhias Privilegiadas no comeacutercio colonial Revista de
Histoacuteria Brasil v 1 n 3 p 309-336 sep 1950
171
KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica
(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez
2009
KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e
a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida
(Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba
UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009
KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da
Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de
Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005
KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos
histoacutericos Rio de Janeiro Contraponto Ed Puc-Rio 2006
KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da
Prata 1730-1752) Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017
LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime
na Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral
(Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX
Satildeo Paulo Alameda 2005
MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute e Rio Grande catequese
violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22
MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la
defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia
hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten
Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P
9-52 2006
MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz
e Terra 1996
MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio
Pernambucano (1738-1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966
MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas
de Joseacute Barreto Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII
172
MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil
GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001
MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003
MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites
Buenos Aires em el siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988
NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco
(seacuteculo XVIII) Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003
NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo
Horizonte Editora UFMG 2011
NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)
Satildeo Paulo Hucitec 1995
OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria
conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria
Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de
Histoacuteria Recife 2016
PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil
(1765-1801) a caccedila ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos
Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias Sociais Universidade de Lisboa Lisboa
PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da
cacircmara da Bahia (seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia
Amaral (Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash
seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005
PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008
PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo
XVIII Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001
PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a colonizaccedilatildeo do sertatildeo
nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004
RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias
do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel
em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017
173
ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas
na Vila de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais
do XXVI Simpoacutesio Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011
SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo
nos quadros do Impeacuterio portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O
Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio
de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001
SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da
Mina e a Capitania de Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P
Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Setor de Ciecircncias
Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute
SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das
letras 2013
SCHWARTZ Stuart B Segredos Internos ndash Engenhos e escravos na sociedade colonial
Satildeo Paulo Companhia das Letras 1988
SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral
da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P
42-53 JanJun 2003
SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro
(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002
SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do
Recife agrave poliacutetica pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de
Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005
SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica
portuguesa do seacuteculo XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006
SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa
EDIUAL2007
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de
Pernambuco pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010
174
APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS
Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos de Pernambuco
AHU ndash PE Cx 88 D 7150
AHU ndash PE Cx 95 D7497
AHU ndash PE Cx 95 D 7501
AHU ndash PE Cx 107 D 8312
AHU ndash PE Cx 127 D 9670
AHU ndash PE Cx128 D 9737
AHU ndash PE Cx 138 D 10248
AHU ndash PE Cx 107 D 8284
AHU ndash PE Cx 108 D 8371
AHU ndash PE Cx 110 D 8493
AHU ndash PE Cx 117 D 8954
AHU ndash PE Cx 120 D 9196
AHU ndash PE Cx 121 D 9245
AHU ndash PE Cx 122 D 9339
AHU ndash PE Cx 127 D 9656
AHU ndash PE Cx 129 D 9771
AHU ndash PE Cx 129 D 9792
AHU ndash PE Cx 130 D 9815
AHU ndash PE Cx 130 D 9815
AHU ndash PE Cx 130 D 9823
AHU - PE Cx 130 D 9823
AHU ndash PE Cx 130 D 9830
AHU - PE Cx 130 D 9966
AHU ndash PE Cx 131 D 9853
AHU ndash PE Cx 131 D 9892
AHU ndash PE Cx 132 D 9955
AHU ndash PE Cx133 D 9966
AHU - PE Cx 133 D 10003
AHU ndash PE Cx 133 D 10009
AHU ndash PE Cx 133 D 10012
175
AHU ndash PE Cx 133 D 10012
AHU ndash PE Cx 133 D 10017
AHU - PE Cx 136 D 10147
AHU ndash PE Cx 137 D 10197
AHU - PE Cx 137 D 10234
AHU ndash PE Cx 138 D 10250
AHU - PE Cx 142 D 10475
AHU ndash PE Cx 151 D 9853
Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Bahia
AHU - BA Cx 138 D 10248
AHU ndash BA Cx 181 D 13481
Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Alagoas
AHU ndash AL Cx 3 D 221
AHU ndash AL Cx 3 D 220
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2
nordm 3 cx 2
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2
nordm 6 cx 2
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm
4 cx 1 f 7
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1
Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros
Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo
IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010
Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo
IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060
Acervo especial para Pernambuco da Biblioteca Nacional
176
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco
(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
Fontes impressas
BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da
Companhia de Jesus Ano de 1712
Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO
Antonio de Mariz Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil
Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por
Manoel da Sylva 1655
Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo
General da Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V
XXXII1910 p 442
Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI
JEacuteSSICA ROCHA DE SOUSA
NAS ROTAS DOS SERTOtildeES COMEacuteRCIO INTERNO E CONTRABANDO ENTRE
AS CAPITANIAS DE PERNAMBUCO E BAHIA (1759-1780)
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-
Graduaccedilatildeo em Histoacuteria da Universidade
Federal de Pernambuco como requisito parcial
para a obtenccedilatildeo do tiacutetulo de Mestre em
Histoacuteria
Aprovada em 28022018
BANCA EXAMINADORA
________________________________________
Profordf Drordf Suely Creusa Cordeiro de Almeida (Orientadora)
Universidade Federal Rural de Pernambuco
_________________________________________
Profordm Dr Rocircmulo Luiz Xavier do Nascimento (Examinador Interno)
Universidade Federal de Pernambuco
_________________________________________
Profordf Drordf Jeannie da Silva Menezes (Examinador Externo)
Universidade Federal Rural de Pernambuco
AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer a meus pais Luacutecia e Risomar por terem sempre
escolhido investir na minha educaccedilatildeo apesar e acima de tudo Reconheccedilo e agradeccedilo
sinceramente o esforccedilo realizado por eles para que eu tivesse uma boa base educacional
Agradeccedilo ainda a eles e aiacute incluo tambeacutem minha irmatilde Amanda pelo apoio carinho e
incentivo ao longo desta jornada mesmo sem compreender muito bem as dinacircmicas do
universo acadecircmico eles sempre estiveram ao meu lado dispostos a ajudar no que fosse
possiacutevel
Ao meu namorado Flaacutevio meu principal entusiasta que esteve comigo e me apoiou
durante todo este processo Agradeccedilo por acreditar no meu projeto por vezes ateacute mais do
que eu por natildeo me deixar fraquejar e pelo constante incentivo para que eu me torne o melhor
que eu posso ser
Aos meus padrinhos Socorro e Carlos com os quais eu sempre pude contar
A minha querida orientadora Profordf Suely Almeida se nossos caminhos natildeo tivessem
se cruzado haacute alguns anos atraacutes natildeo sei se seria capaz de chegar ateacute aqui Suely tem sido meu
esteio acadecircmico sem ela tudo seria muito mais difiacutecil Meus sinceros agradecimentos pela
confianccedila construiacuteda ao longo desses anos de trabalho juntas e por ser essa figura humana
sempre preocupada com meu bem estar acima de qualquer prazo ou cobranccedila Pensar em
seguir a vida acadecircmica sem sua orientaccedilatildeo eacute uma ideia que ainda estou tentando digerir
Muito obrigada Su
A Josinaldo Sousa e Suzana Veiga meus companheiros de linha Ao primeiro meu
amigo da capitania anexa agradeccedilo pelo apoio dicas e apontamentos que contribuiacuteram e
muito para construccedilatildeo deste trabalho e por partilhar os aperreios e cobranccedilas tiacutepicos de
mestrandos Suzana menina da risada frouxa agradeccedilo por compartilhar sua experiecircncia e
dar suporte sempre que preciso Nossos momentos ldquotapioca com cafeacuterdquo poacutes-aula tornaram
todo o processo mais leve e tranquilo Sentirei saudades Aos meus colegas de orientaccedilatildeo
antigos e novos Raphael Luanna Mariely Jesanias e Marcelo eacute sempre bom trocar ideias
com vocecircs Aos demais colegas que o mundo atlacircntico me apresentou seja na UFPE ou na
UFRPE tambeacutem agradeccedilo
Agradeccedilo a professora Jeannie Meneses profissional e pessoa por quem nutro
profunda admiraccedilatildeo e carinho e que sempre esteve presente durante minha trajetoacuteria
acadecircmica se prontificando a ajudar no fosse necessaacuterio Obrigada pelas numerosas
contribuiccedilotildees feitas ao texto preliminar deste trabalho sobretudo as orientaccedilotildees quanto agraves
questotildees juriacutedicas
Ao professor Rocircmulo Xavier profissional que estimo e que tive o prazer de conhecer
no primeiro semestre do curso e que tambeacutem contribuiu com importantes recomendaccedilotildees
durante a qualificaccedilatildeo para construccedilatildeo deste texto final Aos demais professores do
PPGHUFPE com quem cursei disciplinas Marcus Carvalho George Cabral Joseacute Bento e
Cristiano Christillino tambeacutem agradeccedilo as contribuiccedilotildees diretas e indiretas
Aos meus amigos de graduaccedilatildeo que continuam me acompanhando e tornando menos
aacuterido o caminho Pedro Boguel Benvinda Ceci Polli Beto Sid e Deacutea obrigada pela
amizade e por entenderem minhas ausecircncias Agradeccedilo especialmente a Mirella e famiacutelia
Dona Maacutercia e Wagner por terem aberto seu lar para mim durante o periacuteodo que cursei as
disciplinas e pelo apoio e carinho que sempre recebi de todos eles
As minhas amigas de infacircncia Mariana Aretha Tuanny e Illyanna que hoje estatildeo
dispersas pelo mundo obrigada por se fazerem presentes mesmo na distacircncia
Agradeccedilo a Sandra e a Patriacutecia da secretaria do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Histoacuteria da UFPE pela competecircncia e disposiccedilatildeo em ajudar sempre que possiacutevel os alunos
Aos funcionaacuterios do arquivo do Instituo de Estudos Brasileiros - IEB da USP pela
solicitude com que me receberam e por me permitirem o acesso aos manuscritos originais
Ao Cnpq pela bolsa que tornou possiacutevel a realizaccedilatildeo deste trabalho
A todos que contribuiacuteram direta ou indiretamente na construccedilatildeo deste trabalho meu
muito obrigado
RESUMO
Nosso trabalho busca analisar o comeacutercio de mercadorias que se desenvolveu durante os anos
de 1759 a 1780 entre as capitanias de Bahia e Pernambuco Nosso marco cronoloacutegico inicia-
se em 1759 ano em que foi instalada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba detentora
do monopoacutelio comercial da regiatildeo A empresa criada na segunda metade do XVIII vinha
atender a uma nova ordem administrativa ligada agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila
que se buscou estabelecer em Portugal e que tinham por objetivo uma maior centralizaccedilatildeo do
poder real bem como um maior domiacutenio econocircmico sobre as conquistas e colocircnias O
monopoacutelio desenvolvido pela Companhia durante pouco mais de vinte anos veio alterar toda
uma loacutegica comercial que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco Nosso ponto de
anaacutelise parte da identificaccedilatildeo de que a partir da instalaccedilatildeo da Companhia Geral os locais iratildeo
buscar estrateacutegias de evasatildeo do controle reacutegio um desses meios de fuga seraacute o contrabando de
mercadorias realizado atraveacutes dos caminhos sertanejos que uniam Pernambuco e Bahia bem
como por meio da navegaccedilatildeo direta via Costa mariacutetima entre as capitanias vizinhas
Procederemos entatildeo a anaacutelise das rotas produtos casos e medidas repressivas empregadas
neste tipo de negoacutecio Antes da instalaccedilatildeo da Companhia as transaccedilotildees comerciais entre as
duas praccedilas jaacute existiam e estavam bem consolidadas no entanto a partir da criaccedilatildeo da
empresa esse comeacutercio acaba ganhando expressividade
Palavras-chave Contrabando Comeacutercio interno Rotas comerciais
ABSTRACT
Our work aims to analyze aspects of the trade in goods that were developed during the years
from 1759 to 1780 between the captaincies of Bahia and Pernambuco Our chronological
boundary begins in 1759 when the General Company of Pernambuco and Paraiacuteba was
installed holding the monopoly of the regionrsquos markets The company created in the second
half of the XVIII century was to attend to a new administrative order connected to more
pragmatic issues of governance sought to be established in Portugal which by its turn
aimed at a greater centralization of the royal power as well as a greater economic dominance
over the conquests and Colonies The monopoly developed by the Company for a little more
than twenty years changed a whole commercial logic which was already well established in
Pernambuco Our focus of analysis starts with the identification that since the creation of the
General Company the commercial sites would seek strategies to evade royal domain One of
these means of escape were the contraband of goods carried out mainly through the
hinterlands paths that linked Pernambuco and Bahia as well as through the direct navigation
via the marine coast shared by neighboring captaincies We will then proceed with an
analysis of the routes products cases and repressive measures employed in this type of trade
Before the creation of the Company commercial transactions between the two markets
already existed and were well established However since the creation of the company its
traded ends up gaining more expressiveness
Keywords Contraband Domestic trade Commercial routes
LISTA DE MAPAS
Mapa 1- Caminhos do Gado para Olinda e Recife 46
Mapa 2- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738) 47
Mapa 3- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738) 48
Mapa 4- Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 57
Mapa 5- Detalhe do roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 66
Mapa 6- Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766) 67
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau
Amarelo) 76
Tabela 2- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia
(Sirinhaeacutem) 77
Tabela 3- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una) 80
Tabela 4- Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas 84
Tabela 5- Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos
portos do Brasil 85
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AHU ndash Arquivo Histoacuterico Ultramarino
ANTT ndash Arquivo Nacional da Torre do Tombo
IEB-USP ndash Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros
Cx ndash Caixa
D ndash Documento
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO12
2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO32
21 Contexto e conceitos32
22 Os caminhos43
3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE
PRODUTOS75
31 As mercadorias75
32 Os casos86
33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas127
4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA131
41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas131
42ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de
autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos144
43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70153
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS164
REFEREcircNCIAS167
APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS174
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
Em fins do seacuteculo XVII e iniacutecio do XVIII iraacute ocorrer em vaacuterias partes da Europa um
processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real Em Portugal esse movimento tem iniacutecio a
partir do reinado de D Joatildeo V naquele momento as consultas colegiais marca do governo
polissinodal iratildeo ceder espaccedilo para uma nova forma de organizaccedilatildeo baseada na centralidade
das decisotildees Dessa forma figuras que orbitavam ao redor do rei ganham notoriedade poliacutetica
e poder de influecircncia em assuntos decisoacuterios em detrimento dos conselhos Este periacuteodo de
mudanccedilas seraacute entendido como um encaminhamento lento e gradual de abandono de um
modelo de Estado corporativo para uma forma distinta de se conceber a poliacutetica a partir do
vieacutes da ldquorazatildeo de Estadordquo 1
De acordo com Subtil o governo de D Joatildeo V pode ser encarado como um reinado de
transiccedilatildeo2 a grande transformaccedilatildeo do sistema poliacutetico portuguecircs iraacute se operar apenas na
segunda metade do seacuteculo a partir da nomeaccedilatildeo de Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Melo ndash
Conde de Oeiras o futuro marquecircs de pombal para o cargo de primeiro ministro do reino
durante o reinado de D Joseacute I O terremoto seguido dos incecircndios e da grande onda que
assolaram a capital lisboeta no ano de 1755 tiveram impacto sob a organizaccedilatildeo poliacutetica e
administrativa do reino tornando necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que assegurassem o
exerciacutecio da governaccedilatildeo real dentro de um quadro de caos3
Sob a influecircncia do iluminismo que se disseminava por toda a Europa o Estado
portuguecircs iraacute desenvolver um conjunto de reformas poliacuteticas e fiscais que buscavam combater
o atraso econocircmico do reino que passava por uma queda na produccedilatildeo do ouro brasileiro4middot
Dentro desse contexto foram postas em accedilatildeo poliacuteticas com o intuito de revitalizar o comeacutercio
portuguecircs Na capitania de Pernambuco importante polo econocircmico da conquista essas accedilotildees
seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois organismos reguladores da economia local
a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio criado no ano de 1752 e a Companhia
Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759
1 BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da
monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima
(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro
Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 353-334 2 SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa EDIUAL2007 p 17-21
3 Ibidem P 11-14
4 BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia das letras 2002 P
195
13
A ideia da criaccedilatildeo de companhias privilegiadas de comeacutercio que poderiam dar aliacutevio
as despesas do Estado servindo para ampliar os negoacutecios da Coroa por meio de uma poliacutetica
de maior arrecadaccedilatildeo fiscal 5 figurava nas ambiccedilotildees de Pombal muito antes do secretaacuterio
ganhar relevacircncia poliacutetica Em seu primeiro cargo como enviado extraordinaacuterio da Corte
portuguesa na Inglaterra Sebastiatildeo de Carvalho enviou em 1742 para o Cardeal Mota
proposta de criaccedilatildeo de uma Companhia Oriental para o comeacutercio da Iacutendia que teria por
objetivo ldquotirar proveito das possessotildees portuguesas da Iacutendia que tanto custavam manterrdquo 6
De acordo com o historiador Kenneth Maxwell o marquecircs buscou resgatar o ldquocontrole
nacional sobre todas as riquezas que fluiacuteam para Lisboardquo 7 se utilizando de foacutermulas que havia
tomado conhecimento sobretudo na Gratilde-Bretanha e na Aacuteustria Natildeo eacute de se espantar
portanto que tempos depois Pombal tenha posto em praacutetica no Brasil tal ideia durante o
governo de D Joseacute I quando o mesmo passou a exercer o papel de secretaacuterio de Estado e
negoacutecios do Reino
Dentre as companhias comerciais criadas pelo marquecircs ao longo desse periacuteodo
destacam-se A Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo no ano de 1755 a Companhia da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro em 1756 A Companhia Geral de Pernambuco e
Paraiacuteba no ano de 1759 e por fim a Companhia das Pescas Reais do Reino do Algarve em
1773 Estas Companhias compartilhavam entre si princiacutepios gerais similares em termos
juriacutedicos e administrativos apesar de cada uma delas conter suas peculiaridades
Vale destacar ainda que aleacutem das Companhias que de fato saiacuteram do papel existiram
vaacuterios outros planos de constituiccedilatildeo de empresas privilegiadas que por um ou outro motivo
natildeo caminharam pra frente Para Pernambuco desde o governo de D Joatildeo V existiam
pretensotildees de se fundar uma Companhia que atuasse exclusivamente no trato negreiro 8 Esta
empresa seria controlada pelos mercadores da terra deixando pouco espaccedilo para atuaccedilatildeo dos
homens de negoacutecio do Reino e tambeacutem dos comerciantes baianos natildeo existia a intenccedilatildeo de
integrar os homens de negoacutecio baianos a tal corporaccedilatildeo O projeto da Companhia tinha como
5JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de Pernambuco
e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 74 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo
da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e
sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-
camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013 P 1 6MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas de Joseacute Barreto
Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII 7 MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz e Terra 1996 P
95 8 JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 77
14
objetivo aumentar o comeacutercio que jaacute se praticava com as aacutereas africanas de Angola Benguela
Cabinda e Ajudaacute favorecendo dessa forma o aumento da entrada de escravos na capitania 9
Em conjunto a esta proposta os comerciantes de Pernambucano lanccedilaram outra ao
Reino a da criaccedilatildeo de uma Companhia destinada a explorar o comeacutercio de carnes secas e
couros do sertatildeo ou seja uma companhia voltada para o comeacutercio interno com finalidade de
aumentar a produccedilatildeo colonial Os colonos sabiam da boa disposiccedilatildeo do Reino na criaccedilatildeo de
companhias quando encaminham suas propostas o que lhes eacute omitido eacute que Pombal jaacute
pensara a criaccedilatildeo de uma companhia para a regiatildeo no entanto tratava-se de uma companhia
que privilegiasse os comerciantes reinoacuteis e natildeo o contraacuterio como pretendiam os comerciantes
de Pernambuco Motivo pelo qual nenhuma das duas propostas vingou 10
De acordo com Fernando Novais eacute durante o consulado pombalino que iraacute se
estruturar de maneira mais abrangente a economia mercantilista de Portugal A essecircncia
econocircmica por traacutes da criaccedilatildeo das Companhias exclusivistas baseava-se em uma foacutermula jaacute
bem conhecida na Europa moderna onde o Reino concedia privileacutegios ao capital particular
para que esse investisse e sustentasse o sistema de comeacutercio e navegaccedilatildeo dos complexos
imperiais ultramarinos restando claro uma parte dos lucros para a fazenda de Sua Majestade
11
Junto a esse processo de mudanccedilas econocircmicas inicia-se tambeacutem um periacuteodo de maior
preocupaccedilatildeo com a defesa do territoacuterio a partir da criaccedilatildeo de ldquolinhas de definiccedilatildeo territorial e
preservaccedilatildeo das fronteirasrdquo 12
Essa poliacutetica esteve relacionada tambeacutem com a tentativa do
Reino de minimizar a atuaccedilatildeo de mercadores estrangeiros nos mercados do conjunto imperial
portuguecircs A fundaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba aleacutem de atender a
loacutegica econocircmica do periacuteodo esteve ligada a necessidade de se coibir o comeacutercio da capitania
Pernambucana com os portos africanos da Costa da Mina O comeacutercio de resgate de escravos
na Costa da Mina constituiacutea-se em uma importante e lucrativa rota para os comerciantes de
Pernambuco e Bahia que dominavam e disputavam este setor mercantil para aquela regiatildeo
deixando pouca ou nenhuma brecha para a inserccedilatildeo da Coroa 13
9 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso
internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 7 10
Ibdem p 8 JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 80 11
NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo
Hucitec 1995 P 136 12
Idem 13
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre
Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 P35
15
Esta situaccedilatildeo eacute evidenciada atraveacutes de instruccedilatildeo enviada para o Marquecircs de Valenccedila
pelo secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro em 1779 Ela
esclarece sobre os ldquograviacutessimos inconvenientes ao Reinordquo 14
de abandonar inteiramente o
comeacutercio da ldquoCosta da Mina nas matildeos dos Americanosrdquo 15
e em particular ldquoaos habitantes da
Bahia e Pernambucordquo 16
que segundo a fonte navegavam com ampla liberdade comercial em
todos ldquoos portos daquele continenterdquo 17
Os comerciantes do Reino inclusive careciam de
ldquoprivileacutegios graccedilas ou isenccedilotildees para que na concorrecircncia com os Americanos na Aacutefricardquo 18
pudessem ter os lusos como se espera que a capital e seus habitantes tivessem a preferecircncia
nas transaccedilotildees em relaccedilatildeo a suas colocircnias19
A instruccedilatildeo demonstra o pouco controle do Reino sobre os negoacutecios entre Brasil e
Costa da Mina principalmente porque desde 1637 os holandeses aleacutem de outras aacutereas no
continente africano controladas por Portugal dominavam o Castelo de Satildeo Jorge da Mina
Um dos maiores problemas deste comeacutercio eram os produtos levados do Brasil e que se
empregavam nas compras de escravos daquela regiatildeo ouro e tabaco Na tentativa de superar
essa barreira e exercer maior controle sobre a regiatildeo o governo portuguecircs passou a promulgar
uma seacuterie de leis alvaraacutes e regimentos tentando coibir este comeacutercio tatildeo prejudicial ao Eraacuterio
Reacutegio 20
No entanto todas as medidas empreendidas natildeo se mostraram suficientes para conter o
grande e generalizado contrabando praticado na regiatildeo Excluiacutedos do processo e frustrados em
suas tentativas de coibiccedilatildeo da traficacircncia os portugueses buscaram novas formas de controle
que tinham como principal objetivo o redirecionamento do comeacutercio humano para os portos
de Angola que por ser tratar de uma conquista portuguesa contava com um maior nuacutemero de
funcionaacuterios e aparato fiscalizador 21
Nesse cenaacuterio eacute pensada a criaccedilatildeo de uma Companhia privilegiada para operar em
Pernambuco atuando de acordo com as prerrogativas reais o comeacutercio de escravos praticado
14
Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo General da
Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V XXXII1910 p 442 15
Idem 16
Idem 17
Idem 18
Idem 19
Idem 20
SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da Mina e a Capitania de
Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Histoacuteria Setor de Ciecircncias Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute 21
Ibidem P 86
16
por ela deveria priorizar as rotas com a Aacutefrica Centro-Ocidental 22
dessa forma acreditavam
as autoridades que metade do problema do contrabando estaria resolvido restando ainda
resolver a questatildeo na capitania baiana O capital inicial previsto para a empresa era de
3400000 cruzados e as accedilotildees poderiam ser pagas com dinheiro gecircneros ou navios
Diante das dificuldades encontradas para compor o capital da empresa que ateacute o ano
de 1774 contava com acionistas que ainda natildeo tinham integralizado o valor total de suas
accedilotildees a Coroa recorreu em auxiacutelio concedendo-lhe empreacutestimos a juros de 4 ao ano 23
A
Companhia foi fundada oficialmente atraveacutes de alvaraacute reacutegio do ano de 1759 mas a primeira
frota soacute sairia um ano mais tarde Com o objetivo de fazer prosperar a agricultura da regiatildeo de
Pernambuco fornecendo um suprimento regular de matildeo-de-obra escrava bem como atuando
na compra e exportaccedilatildeo dos produtos coloniais e transportando atraveacutes de frotas regulares as
mercadorias do Reino para a regiatildeo 24
O monopoacutelio sobre a compra e venda de produtos nas capitanias de Pernambuco e
Paraiacuteba e todos seus distritos teriam a duraccedilatildeo de vinte anos podendo apoacutes esse prazo ser
estendido por um periacuteodo de dez anos Os produtos transportados de laacute praacute caacute foram os
manufaturados envolvendo ferramentas variados tipos de utensiacutelios gecircneros alimentiacutecios
medicamentos e escravos De caacute praacute laacute accediluacutecar cacau madeiras algodatildeo corantes tabaco
couro e atanados e variadas especiarias As trocas se davam em Bissau Cacheacuteu Cabo Verde
Costa da Mina Angola Madeira Accedilores e alguns portos da Iacutendia e da Aacutesia 25
Quanto a sua gestatildeo a empresa era composta por uma junta administrativa sediada em
Lisboa e formada por provedor 10 deputados um secretaacuterio e trecircs conselheiros Possuiacutea duas
sedes subalternas uma em Pernambuco e outra na cidade do Porto contavam na direccedilatildeo cada
uma com um intendente e seis deputados Aleacutem das duas diretorias e da sede a Companhia
possuiacutea ainda administraccedilatildeo ou procuradoresrepresentantes na Paraiacuteba Rio de Janeiro Bahia
Fayal e Satildeo Miguel 26
22
A Companhia tambeacutem operou na rota PernambucoCosta Da Mina no entanto o maior fluxo da atividade
negreira durante o periacuteodo da sua operaccedilatildeo esteve direcionada para os portos Angolanos O comeacutercio com a
Costa da Mina natildeo chegou a desaparecer mas perdeu significativa relevacircncia neste periacuteodo Sobre isto ver
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de Op Cit 23
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 92 -93 24
DIAS Eacuterika Op Cit p 17 25
Idem 26
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro P 83-86
17
Como podemos observar o engajamento de Portugal com as Companhias privilegiadas
se daraacute de forma efetiva a partir do governo de D Joseacute I e da administraccedilatildeo pombalina 27
Estas empresas foram pensadas e criadas para atuarem junto a uma seacuterie de outras medidas
racionalizadoras da economia portuguesa Apesar das circunstacircncias peculiares que levaram a
criaccedilatildeo de cada uma das Companhias em todos os casos ela esteve relacionada com a
necessidade de regulaccedilatildeo do comeacutercio seja para inibir a atuaccedilatildeo do contrabando a
participaccedilatildeo de comerciantes estrangeiros ou simplesmente a fim de canalizar de maneira
mais eficaz os lucros do comeacutercio colonial para a metroacutepole
Para natildeo nos restringirmos apenas a exemplos da Ameacuterica Portuguesa e a tiacutetulo de
comparaccedilatildeo bibliograacutefica faremos um paralelo com a Companhia Guipuzcoana de Caracas
Os caminhos que levaram a criaccedilatildeo da Companhia Venezuela satildeo bastante similares ao caso
portuguecircs A Espanha assim como Portugal demorou a se lanccedilar no empreendimento das
Companhias privilegiadas apesar do Reino jaacute ter tomado ciecircncia que o sistema de frotas
adotado ateacute o XVII era incapaz de assegurar a hegemonia da Coroa sobre suas colocircnias e de
jaacute haver planos para constituiccedilatildeo de sociedades exclusivistas estas soacute tomaram corpo no
XVIII 28
Sofria entatildeo os domiacutenios ultramarinos com o comeacutercio de contrabando praticado por
diversos paiacuteses sobretudo por ingleses franceses e holandeses A guerra de sucessatildeo ao trono
espanhol acabou por maximizar a penetraccedilatildeo de naccedilotildees estrangeiras nos mercados espanhoacuteis
da Ameacuterica os franceses chegaram mesmo a monopolizar o comeacutercio de abastecimento em
algumas regiotildees Esse processo foi possiacutevel devido ao isolamento em que se encontrava a
metroacutepole de suas colocircnias dado o estado de guerra na Europa 29
Outra medida que iraacute refletir negativamente na economia reinol seraacute a praacutetica do
comeacutercio direto entre as colocircnias espanholas isto porque durante os longos periacuteodos em que
27
Apesar do Reino de ter criado outras Companhias ao longo do seacuteculo XVII estas natildeo obtiveram resultados
expressivos economicamente Esse tipo de estrutura bem como a adesatildeo definitiva de Portugal as Companhias
privilegiadas soacute iraacute se estabelecer no seacuteculo XVIII a partir do reinado de D Joseacute I junto a um grande esforccedilo
Portuguecircs para recuperaccedilatildeo da sua economia Vale salientar que neste momento outras naccedilotildees europeias jaacute
buscavam novas formas de dinamizar seus negoacutecios e findavam a atuaccedilatildeo de boa parte de suas Companhias
exclusivistas Na Inglaterra a revoluccedilatildeo industrial comeccedilava a dar seus primeiros passos o regime de
exclusivismo jaacute natildeo atendia mais as necessidades daquele tipo de economia que agora necessitava de novos
mercados consumidores Essa divergecircncia de tendecircncias econocircmicas iraacute gerar uma seacuterie de conflitos entre os
Estados europeus ao longo do XVIII Sobre isto ver NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do
antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo Hucitec 1995 28
Sobre isto ver MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la
defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los
reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones
Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P 9-52 2006 29
Idem
18
o Reino esteve envolto nas disputas beacutelicas europeias os colonos agindo por conta proacutepria
afastados da tutela da Coroa desenvolveram redes comerciais internas deixando a Espanha
fora dessas negociaccedilotildees De acordo com os dados trabalhados pelo historiador Ricardo
Cierbide Martinera ldquoentre 1706 y 1724 no salioacute para Venezuela barco algunordquo 30
vindo do
Reino
Com a ascensatildeo de Felipe V ao trono o Reino espanhol se encaminhou para um
processo de mudanccedilas que levou a uma maior centralizaccedilatildeo do poder real e uma maior
racionalizaccedilatildeo do estado e das financcedilas incluindo a ampliaccedilatildeo do domiacutenio econocircmico sobre
suas conquistas no Atlacircntico Sul Devido agrave debilidade de controle sobre o comeacutercio
americano a ideia de criaccedilatildeo de Companhias privilegiadas inspiradas nos modelos praticados
em Franccedila e Inglaterra surge como alternativa possiacutevel para retomada do poder sobre
determinadas aacutereas
Uma das grandes preocupaccedilotildees da Coroa dizia respeito ao vultoso contrabando
praticado em seus domiacutenios A escolha pela Venezuela se deu pelo fato da colocircnia jaacute ter uma
consideraacutevel experiecircncia no cultivo e comeacutercio do cacau o fruto como explicita o historiador
Carlor Manrique era um importante produto de consumo dos mercados europeus e a regiatildeo
de Caracas jaacute havia ganhado fama pelo seu insumo de boa qualidade Dessa forma ldquolos
monarcas espantildeoles teniacutean muy presente la necesidad de volver a ejercer control sobre esta
proviacutenciardquo 31
usufruindo dos lucros de tal setor
Nasce assim em 1728 a Companhia de Comeacutercio de Caracas conhecida tambeacutem como
Companhia Guipuzcoana de Caracas Entre seus principais objetivos estavam o de suprir a
demanda metropolitana de cacau produto no qual a Companhia exerceria monopoacutelio e
defender as costas da regiatildeo dos contrabandos e da presenccedila militar de outras naccedilotildees
europeias Aleacutem disso a empresa tambeacutem incentivava o cultivo de novas plantaccedilotildees a
criaccedilatildeo de gados o cultivo do tabaco de plantas tintoras entre outras coisas 32
Com a criaccedilatildeo da Companhia a proviacutencia se torna a mais rentaacutevel para a Coroa
ademais o problema com o contrabando diminuiu consideravelmente O ecircxito da empresa
animou tanto o Reino que fez com que este posteriormente fundasse outras companhias para
atuar em diferentes aacutereas de seu Impeacuterio Ultramarino Mas a empresa natildeo agradou a todos A
30
CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en Venezuela durante el
siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997 P 66 31
MANRIQUE Carlos Alberto MurgueitioOp Cit P 13 32
CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit P 70
19
monopolizaccedilatildeo do comeacutercio de cacau iraacute causar grande descontentamento nas populaccedilotildees
locais que jaacute estavam bem habituadas a praacutetica do livre comeacutercio 33
A supressatildeo do livre comeacutercio a partir da fundaccedilatildeo de Companhias exclusivistas de
maneira geral ocasionaraacute uma seacuterie de criacuteticas por parte das povoaccedilotildees locais no caso das
Companhias Pombalinas natildeo seraacute diferente As queixas representaccedilotildees e insurreiccedilotildees foram
uma maacutexima comum nas empresas monopolistas portuguesas deste periacuteodo os protestos
grosso modo questionavam tanto o exclusivo comercial praticado pelas empresas como a maacute
atuaccedilatildeo das administraccedilotildees locais como veremos adiante
Durante a atuaccedilatildeo da Companhia Venezuelana os motins e revoltas foram frequentes
Isto porque o modelo protecionista adotado pela Companhia acabou por beneficiar o mercado
metropolitano em detrimento do colonial que perdeu focirclego As baixas no preccedilo do cacau e
de outras mercadorias base da economia local aleacutem da forma como a Companhia conduzia
seus negoacutecios pagando aos fornecedores locais em produtos ndash relatados pelos locais como de
maacute qualidade - e natildeo em dinheiro acabaraacute por levar a ruiacutena muitos produtores 34
A situaccedilatildeo
para os comerciantes da Praccedila tambeacutem natildeo era muito satisfatoacuteria estes amargaram muitos
prejuiacutezos com a praacutetica monopolista
Em 1751 tem iniacutecio uma grande insurreiccedilatildeo popular lidera por Juan Francisco de
Leoacuten que convoca o povo a declarar guerra contra a Companhia O movimento que comeccedila
como um ato de contestaccedilatildeo contra o monopoacutelio da empresa acaba ganhando forccedila e se
transforma em um ato de insurreiccedilatildeo contra o poder metropolitano A pauta dos revoltosos
girava em torno da ldquoescasez constante de artiacuteculos como ropas frutos y efectos de Espantildea el
elevado precio de las mercanciacuteas la extraccioacuten sectorizada de ciertos productos como el
cacao y el tabaco y el rechazo frente a otros como el corambre ()rdquo 35
Durante o motim os
insurretos contaram com a ajuda da Holanda que interessada em reestabelecer antigas
relaccedilotildees comerciais forneceu armamentos e municcedilotildees em troca de cacau
A revolta seraacute suprimida no ano seguinte 1752 no entanto seus efeitos tiveram
impacto sob a Companhia que paulatinamente foi perdendo privileacutegios e benesses
anteriormente concedidas pela Monarquia Espanhola Devido agrave guerra que se desenrolava
entre as naccedilotildees europeias naquele momento a Coroa opta por natildeo entrar em conflito direto
33
Ver CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit 34
MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la defensa del comercio
Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V
Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad
Catoacutelica Andreacutes Bello P 19 35
Ibidem P 20
20
com suas colocircnias De acordo com Carlos Manrique a insurreiccedilatildeo colocou em cheque os
poderes absolutos do monarca ldquoAl no defender a la Compantildeiacutea y al dejar avanzar los reclamos
de los colonos cimentaba las bases del colapso de su iniciativa centralizadora dejando a
merced del contrabando al mercado venezolanordquo 36
Devido a uma seacuterie de mudanccedilas ocorridas na Europa apoacutes a Guerra dos Sete Anos e a
conquista da independecircncia das antigas colocircnias inglesas na Ameacuterica o Reino Espanhol com
a ascensatildeo de Carlos III tomou novas direccedilotildees poliacutetico-administrativas A estrateacutegia mudara a
poliacutetica protecionista jaacute natildeo se adequava ao novo contexto econocircmico europeu que
apresentava naquele momento uma Inglaterra fragilizada A Espanha sabiamente se aproveita
dessa brecha para criar laccedilos comerciais com as antigas colocircnias britacircnicas e fortalecer seu
Impeacuterio Assim em 1778 Carlos III expede o decreto de livre comeacutercio extensivo as colocircnias
do Ultramar Algum tempo depois em 1781 a Companhia Guipuzcoana encerra
definitivamente suas atividades 37
Os casos das Companhias atuantes na Ameacuterica portuguesa seguem contornos bem
similares aos da Ameacuterica Hispacircnica A criaccedilatildeo da Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo que
teve sua fundaccedilatildeo associada agrave tentativa da Coroa de otimizar a administraccedilatildeo e comeacutercio da
regiatildeo mais ao Norte da Ameacuterica 38
por exemplo iraacute motivar uma seacuterie de protestos no
Reino Estes protestos foram encabeccedilados pelos deputados da Mesa do Espiacuterito Santo dos
Homens de Negoacutecios de Lisboa que questionavam a nocividade da concessatildeo do monopoacutelio
por uma escala de tempo tatildeo grandiosa ndash vinte anos - a reaccedilatildeo de Pombal seraacute agressiva 39
A
crise iniciada pelos principais homens de negoacutecio de Lisboa foi encarada pelo Marquecircs como
um crime de lesa majestade e seus autores sofreram puniccedilotildees severas 40
No Caso da Companhia de vinhas do Alto Douro empresa criada em um momento de
crise enfrentada pelo setor e que tinha como principal objetivo atender ao desejo do Reino de
retirar tal ramo comercial das matildeos dos mercadores ingleses que ateacute entatildeo dominavam aquele
setor deixando pouca brecha para inserccedilatildeo dos comerciantes portugueses 41
as manifestaccedilatildeo
36
Ibidem P 21 37
Ibidem P 26-28 38
Sobre isto ver CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e
Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 39
Ibidem P 37 40
Boa parte dos envolvidos foi desterrada para domiacutenios ultramarinos do Reino por tempos distintos de acordo
com a sua parcela de participaccedilatildeo no evento 41
Sobre isto consultar CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do
Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 SOUSA Fernando de O Marquecircs
de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757)
21
contraacuterias ao empreendimento comeccedilaram antes mesmo de sua fundaccedilatildeo Ainda no ano de
1756 comerciantes ingleses e seus representantes buscaram sabotar de diversas formas a
criaccedilatildeo da Companhia Esses grandes homens de negoacutecio com seu poder de influecircncia
conseguiram angariar outros comerciantes e produtores para sua causa sendo assim em
agosto de 1756 eram apenas 14 o nuacutemero de comerciantes e lavradores interessados no
projeto Pombalino 42
Aleacutem dos jaacute citados outros profissionais que atuavam no setor se sentiram lesados
com a formaccedilatildeo da Companhia e tomaram parte nos motins contraacuterios a instituiccedilatildeo da
sociedade mercantil 43
Cabe ressaltar que ateacute mesmo parte da populaccedilatildeo endossou o corpo
dos motins uma vez que a empresa cessaria com a liberdade com que se praticava a escolha e
compra de vinhos para consumo pessoal Todo esse descontentamento iraacute levar aos famosos
motins do Porto no ano de 1757 44
Nesta situaccedilatildeo age tambeacutem Pombal com violecircncia poucos dias depois da revolta eacute
aberta uma devassa para investigar os culpados A cidade eacute tomada por tropas recaindo sobre
os habitantes locais o peso de sua sustentaccedilatildeo O cargo de procurador do povo eacute extinto e os
vereadores da Cacircmara satildeo retirados de seus postos o futuro marquecircs jaacute natildeo confiava nestes
homens As penas entre os considerados culpados cerca de 460 indiviacuteduos variaram entre
pena capital degredo accediloite galeacutes confiscaccedilatildeo de bens penas pecuniaacuterias e palmatoadas 45
A Companhia das Pescas Reais criada devido agrave intenccedilatildeo da Coroa em ampliar as
atividades baleeiras no litoral da Ameacuterica Portuguesa natildeo contou com nenhum movimento
local de contestaccedilatildeo de seu monopoacutelio durante sua gecircnese no entanto Marcelo Paz
demonstra que foram duas as ondas reivindicatoacuterias a questionar a forma de atuaccedilatildeo da
empresa ao longo de seu periacuteodo de atuaccedilatildeo 46
A primeira onda contraacuteria seraacute encabeccedilada por
dois mercadores que apesar de advogarem pela mesma causa agiram de forma isolada a
saber Domingos Lopes Loureiro e Tomeacute de Castro Correia de Saacute que iratildeo contraditar a
Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 SOUSA Fernando de A Companhia Geral da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1978) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 10 p 9-58 2003 42
SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura
das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 P 46 43
Entre eles tanoeiros taberneiros e marinheiros jaacute que a partir da formaccedilatildeo da empresa estes trabalhadores de
alguma forma tiveram sua liberdade de atuaccedilatildeo profissional cerceada 44
Sobre isto ver CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do Porto
de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 45
Ibidem P 18 46
PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil (1765-1801) a caccedila
ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias
Sociais Universidade de Lisboa Lisboa
22
legalidade do monopoacutelio 47
Pretendiam os dois comerciantes arrematar o contrato para o
complexo baleeiro meridional 48
Um segundo movimento iraacute se iniciar por volta de 1790 este sim teve poder de
influenciar a decisatildeo reacutegia que aboliu o monopoacutelio da Companhia Diferentemente da
primeira onda os liacutederes dessas queixas passam a contestar os procedimentos da praacutetica
comercial adotada no litoral do Brasil questionando sua eficaacutecia e sustentabilidade Um dos
liacutederes chega inclusive a redigir documento analisando profundamente a atividade baleeira
apontando as falhas na produccedilatildeo e a inviabilidade da praacutetica por um periacuteodo alongado de
tempo 49
Em Pernambuco os eventos natildeo foram distintos das demais estabelecer a Companhia
Geral natildeo foi tarefa faacutecil o governador Luiacutes Diogo da Silva empregaraacute inuacutemeros esforccedilos na
tentativa de convencer a elite colonial pernambucana a se tornar acionista na empreitada em
ofiacutecio do ano de 1761 o governador afirma que ldquonatildeo haacute motivos por mais fortes nem
evidecircncias de maior demonstraccedilatildeo que possam convencecirc-los a apostarem da sua vida os
poucos cabedais que logramrdquo 50
Deixando clara a resistecircncia em aderir ao projeto seja por
parte dos homens de negoacutecio ou pela nobreza da terra
O governador dizia ainda que o motivo pelo qual os grandes da capitania se
mostravam contraacuterios a ideia de integrar os quadros da Companhia se dava por ela ldquotecirc-los
separados dos antigos interesses que estavam habituados a fazer na forma e regularidade que
lhes pareciardquo 51
Ou seja apontava o descontentamento dos negociantes e produtores com a
supressatildeo da liberdade de comeacutercio que jaacute estava bem estabelecido naquela regiatildeo
Desde sua instalaccedilatildeo a sociedade seraacute alvo de queixas por parte da populaccedilatildeo muitas
seratildeo as representaccedilotildees e denuacutencias encaminhadas ao rei sobre sua maacute administraccedilatildeo e o
estado de decadecircncia em que se achava a Capitania de Pernambuco Natildeo raro as queixas
continham apelos que suplicavam a sua extinccedilatildeo Segundo Pereira da Costa
Queixas amargas representaccedilotildees constantes foram dirigidas ao governo da
metroacutepole pelos agricultores e comerciantes contra tatildeo odioso monopoacutelio
47
PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 206-215 48
Uniatildeo das armaccedilotildees Paulistas Catarinense e Fluminenses 49
PAZ Marcelo de Oliveira P 240- 249 50
AHU ndash PE Cx 94 D 7481 Recife 4 de fevereiro de 1761 51
Idem
23
tendente a aniquilar essas duas fontes produtoras da colocircnia e cujos danos
vinham muito diretamente recair em prejuiacutezo do povo 52
A oposiccedilatildeo instalada ao monopoacutelio seraacute liderada pelos senhores de engenho e
produtores Mesa de Inspeccedilatildeo do tabaco e do accediluacutecar governadores da capitania em especial
Joseacute Cesar de Menezes algumas cacircmaras ultramarinas53
e uns poucos homens de negoacutecio que
natildeo se tornaram acionistas da empresa O ano de 1770 seraacute marcado como a primeira grande
crise pela qual passaraacute a Companhia Para aleacutem dos conflitos de interesses o Estado
portuguecircs passava por uma forte refraccedilatildeo econocircmica medida pela acentuada queda de seus
rendimentos Diante dessa situaccedilatildeo o governo portuguecircs passou a empregar maior cuidado na
organizaccedilatildeo de suas alfacircndegas e proceder ao aumento de impostos 54
A segunda grave crise acontece sete ano apoacutes a primeira o impacto da crise de 70 natildeo
iraacute se dissipar tatildeo facilmente a morte do rei D Joseacute I e o afastamento do marquecircs de Pombal
do cargo de secretaacuterio do reino no ano de 1777 faratildeo ressurgir uma nova onda de queixas e
representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma 55
A Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e
Paraiacuteba seraacute extinta durante a vigecircncia do governo de Joseacute Ceacutesar de Meneses grande
denunciador de sua ingerecircncia A empresa que era objeto de desarmonia entre a Coroa e os
habitantes locais natildeo obteve os lucros planejados pelo Reino
Outros elementos perturbadores da poliacutetica monopolista exercida pelas Companhias
privilegiadas seratildeo o contrabando descaminhos e contravenccedilotildees praacuteticas recorrentes na
histoacuteria da colonizaccedilatildeo do Novo Mundo realizada por diversas naccedilotildees durante todo o periacuteodo
colonial Reservando as particularidades das empresas aqui abordadas a atividade do
contrabando se faraacute sentir em maior ou menor grau no cotidiano de tais sociedades
mercantis
No caso venezuelano os comerciantes e produtores enxergavam a empresa como uma
verdadeira barreira na praacutetica tanto dos negoacutecios legais quanto no contrabando que jaacute
estavam acostumados a praticar com as naccedilotildees estrangeiras Aleacutem disso estes mesmos
52
COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do Interior e Justiccedila 1951-
1966 v 6 P 185 53
Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos
procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU
ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009 54
JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 171 55
Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos
procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU
ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009
24
personagens queixavam-se que a Companhia havia desregulado o mercado do cacau
provocando segundo os mesmos ldquoel descenso en los precios del producto de manera constante
contribuyendo a la peacuterdida de patrimonios criollos y al debilitamiento de sus enviacuteos al
exteriorrdquo 56
Como forma de deter o contrabando generalizado na regiatildeo uma das prerrogativas da
empresa era atuar no seu combate para isso possuiacutea embarcaccedilotildees de corso proacuteprias Quando
da captura de naus estrangeiras a tripulaccedilatildeo era recompensada com parte do espoacutelio
arrecadado com a venda das mercadorias apreendidas medida que iraacute estimular a ldquocaccedilardquo ao
contrabando nos mares caribenhos Segundo as fontes exploradas por Ricardo Martinena
entre 1759 a 1763 a Companhia apreendeu 43 embarcaccedilotildees estrangeiras 57
um nuacutemero
bastante expressivo para um periacuteodo de apenas quatro anos
De acordo com Carreira a Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo sofria com os
contrabandos praticados por nacionais estrangeiros e ainda pelos agentes da proacutepria
Companhia Esse tipo de praacutetica vai ser mais bem estudada pelo autor nas feitorias africanas
de Cacheu e Cabo Verde onde a empresa deveria atuar com exclusividade No entanto as
condiccedilotildees das fortalezas daqueles portos eram lastimaacuteveis e ldquonem serviam para defender os
portos das investidas dos navios estrangeiros nem de nenhum modo intimidavam as
populaccedilotildees negrasrdquo 58
Assim sendo a invasatildeo de navios estrangeiros era rotineira
prejudicando o comeacutercio das embarcaccedilotildees reais
Na Companhia das Vinhas do Alto Douro as contravenccedilotildees tambeacutem foram
recorrentes Entre os anos de 1772 a 1774 instaurou-se na regiatildeo uma grande devassa que
tinha por objetivo combater e expor os culpados de vaacuterias transgressotildees que vinham
ocorrendo sob a aacuterea de atuaccedilatildeo da empresa Apesar da numerosa legislaccedilatildeo que buscava
evitar os diversos tipos de fraudes existentes naquele ramo comercial estas persistiram
principalmente a introduccedilatildeo ilegal de vinhos de ramo 59
na zona demarcada 60
Outra fraude
bastante comum era a mistura de vinhos de menor qualidade aos vinhos destinados a
56
MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit P 16 57
AIZPURUA Ramoacuten Aguirre ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la lancha San Fernando y
de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5
Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San Sebastiaacuten p 379-392 2006 P 382 58
CARREIRA Antonio Op Cit P 79 59
O vinho de ramo era um vinho de menor qualidade que deveria ser vendido apenas para o mercado interno 60
Com o estabelecimento da Companhia a regiatildeo Duriense passou a ser a primeira do mundo a ter uma
demarcaccedilatildeo proacutepria que estabelecia quais terras eram adequadas para produccedilatildeo de cada qualidade de vinho
25
exportaccedilatildeo ou ainda o acreacutescimo da baga do sabugueiro ao vinho para que ele adquirisse a
coloraccedilatildeo desejada 61
Neste caso tambeacutem apura a devassa que os proacuteprios agentes da Companhia estavam
envolvidos nas contravenccedilotildees incluindo homens que ocupavam altos postos dentro da
empresa como o de provedor e deputados De acordo com o historiador Fernando Sousa
ldquonumerosos oficiais daquela instituiccedilatildeo praticavam com o maior escacircndalo a introduccedilatildeo e
mistura do vinho de ramo com o vinho fino e legal nas suas proacuteprias adegasrdquo 62
Ainda
segundo o autor mesmo apoacutes a devassa este tipo de praacutetica foi um problema recorrente no dia
a dia da empresa
Na Companhia das Pescas Reais pode-se tambeacutem averiguar o envolvimento de seus
agentes em redes de contrabando ningueacutem menos que o administrador geral da empresa o
homem de negoacutecio portuguecircs Joatildeo Marcos Vieira era o principal suspeito de uma devassa
instaurada no ano de 1794 que tinha por objetivo investigar o crime de contrabando de
escravos para a regiatildeo de Montevideacuteu Apesar do contrabando neste caso natildeo estaacute
diretamente relacionado agraves mercadorias que estavam sob o monopoacutelio da empresa acredita-se
que Joatildeo Marcos Vieira estava envolvido haacute anos numa rede de contrabando com a regiatildeo do
Rio da Prata e que se utilizava de seu cargo para obter vantagens financeiras 63
Com a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba natildeo seraacute diferente a partir da
criaccedilatildeo desse organismo regulador os locais iratildeo buscar meios e estrateacutegias de evasatildeo do
controle reacutegio um desses meios de escape seraacute o contrabando de mercadorias realizados
atraveacutes das rotas que uniam Pernambuco e Bahia tanto atraveacutes dos sertotildees e dos caminhos de
cabotagem A investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias nos demonstra que o contrabando durante o
periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio exercido pela empresa seraacute praacutetica recorrente e
generalizada Os descaminhos envolviam ateacute mesmo autoridades reacutegias oficiais deputados e
acionistas da empresa sendo seu combate tema cativo nos ofiacutecios trocados entre a Coroa e as
autoridades locais Este comeacutercio descaminhado eacute tema central desta dissertaccedilatildeo
As anaacutelises sobre as praacuteticas mercantis desenvolvidas na Ameacuterica Portuguesa figuram
entre as contemporacircneas abordagens e questionamentos que marcam uma nova forma de
pensar a colocircnia Dentro dessa perspectiva alguns trabalhos centrados em entender as
questotildees relativas ao comeacutercio colonial tecircm apontando para a existecircncia de um fluxo ilegal de
61
Sobre isto ver SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro
(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002 62
Ibidem P 166 63
PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 225-239
26
negoacutecios em diversas capitanias Dentro deste universo eacute notaacutevel a dedicaccedilatildeo que a
historiografia tem dado ao estudo dos descaminhos de ouro e pedras preciosas na regiatildeo das
Minas e adjacecircncias Destaca-se nesse sentido o trabalho produzido por Paulo Cavalcante em
ldquoNegoacutecios de Trapaccedila caminhos e descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-1750)rdquo 64
onde o autor busca explanar qual o papel do contrabando no processo de colonizaccedilatildeo da
Ameacuterica Portuguesa se utilizando de farta documentaccedilatildeo e tendo como objeto a regiatildeo das
Gerais e suas zonas fronteiriccedilas
Apesar de natildeo se centrar exclusivamente no comeacutercio descaminhado o trabalho da
historiadora Isnara Pereira Ivo sobre circulaccedilatildeo econocircmica e cultural na regiatildeo das Minas
Gerais tambeacutem merece destaque Ivo reserva partes de seu livro ldquohomens de Caminho
tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica Portuguesa ndash seacuteculo XVIIIrdquo 65
para discutir a questatildeo dos vultosos descaminhos realizados naquelas plagas dando ecircnfase aos
caminhos e picadas utilizadas pelos contraventores bem como as tentativas da Coroa em
reprimir tal fluxo
Cabe menccedilatildeo tambeacutem aos estudos desenvolvidos contemporaneamente que tem por
objetivo estudar os faustosos contrabandos realizados no extremo Sul da Ameacuterica Portuguesa
em seus contatos com a regiatildeo platina Dentro dessa seara merece revelo os trabalhos
desenvolvidos por Rodrigo Ceballos e Faacutebio Kuumlhn O primeiro se dedicaraacute em recentes
artigos a estudar os negoacutecios de contrabando conduzidos por luso-brasileiros na Buenos
Aires do seacuteculo XVII demostrando como esses indiviacuteduos foram capazes de criar redes de
solidariedade que permitiram a realizaccedilatildeo de seus negoacutecios extralegais 66
Jaacute Faacutebio Kuumlhn tem se centrado em publicaccedilotildees atuais a analisar o comeacutercio
contrabandeado de escravos na regiatildeo da Colocircnia do Sacramento do seacuteculo XVIII O autor
demonstra como os luso-brasileiros sediados naquelas aacutereas associados a homens de negoacutecios
de duas outras importantes Praccedilas comerciais a saber Bahia e Rio de Janeiro conseguiram
64
CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-
1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 65
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica
Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 66
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires
colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 CEBALLOS
Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos
Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00
27
deter hegemonia dentro de tal negoacutecio desbancando comerciantes de outras naccedilotildees
interessados naquela mateacuteria como os ingleses 67
Outros estudos que debatem a temaacutetica do contrabando e que conversam com nosso
trabalho satildeo as pesquisas de Ernst Pijning para o Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII onde o autor
defende a praacutetica do contrabando como algo inerente ao sistema colonial prerrogativa que
concordamos 68
E ainda vale nota para as obras de Zacarias Moutoukias que estudando o
comeacutercio extralegal na regiatildeo de Buenos Aires do seacuteculo XVII aponta tambeacutem para o
entendimento do descaminho como algo indissociaacutevel da economia colonial 69
Nosso trabalho dialoga com os estudos acima descritos no entanto deixamos claro
que o comeacutercio de contrabandeado alvo desse estudo assume contornos distintos afinal de
contas entre 1759 e 1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia
Geral de Pernambuco e Paraiacuteba O descaminho nessa situaccedilatildeo natildeo causava prejuiacutezos apenas
ao eraacuterio reacutegio mas tambeacutem aos acionistas e agentes da empresa que possuiacutea uma jurisdiccedilatildeo
privativa encarregada de cuidar de todas as questotildees juriacutedicas que envolvessem a Companhia
Ressaltamos ainda que apesar da empresa natildeo possuir jurisdiccedilatildeo sobre os portos do
sertatildeo Alagoas e Rio Satildeo Francisco acabava a mesma amargando graves prejuiacutezos em
decorrecircncia do comeacutercio realizado naquelas paragens pois invariavelmente os produtos que
circulavam nos sertotildees entre as capitanias vizinhas vinham inundar a praccedila mercantil de
Pernambuco a preccedilos bem mais em conta do que os vendidos pela Companhia Por isso de
acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada por volta do ano de 1770 a empresa passa a combater
com vigor este tipo de negoacutecio demonstrando a forccedila que esse comeacutercio interiorano iraacute
adquirir durante o periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio comercial da empresa
As rotas comerciais que ligavam o litoral da capitania ao sertatildeo e que tinham como
veio principal o Rio de Satildeo Francisco regiatildeo de fronteira entre Bahia e Pernambuco tambeacutem
seratildeo alvos desse estudo Para adentrar no universo sertanejo e compreender as dinacircmicas
desenvolvidas naqueles ambientes nos apoiaremos nos claacutessicos como Capistrano Abreu 70
67
KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)
Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017 68
PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista
Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 69
MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el
siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 70
ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet
1960
28
Manoel Correia de Andrade 71
e Joseacute Antonio Gonsalves de Mello 72
que nos datildeo pistas de
como se empreendeu a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial a partir das duas capitanias alvo
desse estudo Bahia e Pernambuco
Utilizaremos tambeacutem produccedilotildees mais recentes como a revisatildeo dos relatos de viajantes
pelo interior feita por Tiago Bonato 73
e do trabalho de focirclego de Kalina Vanderlei 74
Sem
esquecer claro dos renovados estudos que apontam para a vitalidade e dinamismo comercial
que esses espaccedilos sertanejos iratildeo adquirir em suas conexotildees com o litoral e ateacute mesmo com o
Ultramar Onde destacamos os trabalhos de Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Bonifaacutecio 75
e da
proacutepria Isnara Pereira Ivo 76
jaacute citada
Ainda buscando discutir a questatildeo do espaccedilo sertanejo sua ocupaccedilatildeo funcionamento
e dinamismo recorreremos a autores que trazem discussotildees acerca da noccedilatildeo de
territorializaccedilatildeo desses espaccedilos na Ameacuterica Portuguesa a partir da accedilatildeo efetiva do Estado sob
essas aacutereas Para isso nos utilizaremos de nomes como Iacuteris Kantor 77
Mafalda Soares da
Cunha 78
e Paulo Henrique Marques de Queiroz Guedes 79
Continuando a discussatildeo do
mesmo tema poreacutem a partir de uma perspectiva geograacutefica nos apoiaremos em Manoel
Correa de Andrade 80
e Antonio Carlos Robert de Moraes 81
71
ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias
Humanas Ltda 1980 72
MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-
1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 73
BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash 1822)
Guarapuava Unicentro 2014 74
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas
vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 75
BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de
Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII
Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e
Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 76
IVO Isnara Pereira Op Cit 77
KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica (1750‑1850) Anais do
Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 KANTOR Iacuteris Soberania e
territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute
Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio
portuguecircs Curitiba UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 78
CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A
criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P
15 79
GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo
na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias
humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife 80
ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 81
MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2
jun 2001 MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003
29
O presente trabalho conteacutem trecircs capiacutetulos O primeiro intitulado ldquoNos caminhos do
contrabandordquo estaacute dividido em dois toacutepicos Iniciamos procedendo a uma breve revisatildeo
historiograacutefica acerca da evoluccedilatildeo dos estudos voltados para o mundo colonial destacando as
principais mudanccedilas do ponto de vista metodoloacutegico ocorridas nos uacuteltimos quarenta anos
Neste capiacutetulo tambeacutem iremos realizar a anaacutelise e discussatildeo do conceito de contrabando caro
a este estudo
Aleacutem disso tambeacutem procederemos a investigaccedilatildeo das rotas de comeacutercio que ligavam
o litoral da capitania pernambucana ao interior do territoacuterio dando destaque aos caminhos ldquodo
Capibariberdquo e ldquodo Ipojucardquo que conectavam a praccedila mercantil pernambucana com a regiatildeo do
Rio de Satildeo Francisco em sua fronteira com a capitania Baiana Utilizando do auxiacutelio de
mapas discutiremos ainda neste primeiro momento as hipoacuteteses acerca de como se
movimentavam os comerciantes alvos desta pesquisa ressaltando para aleacutem dos caminhos
interioranos a possibilidade de atuarem seguindo uma rota direta atraveacutes da costa mariacutetima
entre Pernambuco e Bahia
O segundo capiacutetulo se chama ldquoAspectos internos dos descaminhos casos e circulaccedilatildeo
de produtosrdquo nele iremos investigar as mercadorias que circulavam entre Bahia e
Pernambuco atraveacutes das redes de comeacutercio ilegal esclarecendo quais eram os produtos que
mais transitavam entre as duas praccedilas ressaltando a grande variedade destes produtos e a
grandiosidade daquele tipo de comeacutercio Tambeacutem trataremos neste capiacutetulo sobre os casos
mais peculiares arrolados no nosso acervo documental
A anaacutelise destas ocorrecircncias nos faz compreender melhor a dinacircmica daquele tipo de
atividade mercantil Esclarecendo como atuavam os comerciantes envolvidos naquele
mercado e quais as suas condutas Deixamos claro ainda que o contrabando no periacuteodo
estudado era uma praacutetica amplamente disseminada na capitania sendo efetuado por uma
grande quantidade de sujeitos em situaccedilotildees diversas
Identificamos dentro desse contexto trecircs grandes blocos de contrabando o primeiro
era o contrabando de grande porte realizado por redes de comerciantes bem organizadas e
que possuiacuteam toda uma estrutura que permitia a realizaccedilatildeo da praacutetica em grande volume O
segundo tipo seria o contrabando de pequena monta praticado por uma infinidade de
personagens desde oficiais da companhia a pessoas ldquocomunsrdquo que se aproveitavam de uma
oportunidade para obter lucros pessoais Por fim identificamos o contrabando realizado por
embarcaccedilotildees estrangeiras que geralmente vinham dar na Costa da capitania pernambucana se
utilizando do subterfugio do mal tempo ou da necessidade de ser fazer reparos na embarcaccedilatildeo
30
se aproveitando entatildeo para introduzir nas terras exclusivas da Companhia uma infinidade de
mercadorias europeias e levar daqui os produtos da terra
O terceiro capiacutetulo denominado ldquoContrabando combate e complexidade do esquemardquo
estaacute divido em trecircs toacutepicos O primeiro deles busca proceder a anaacutelise das medidas repressivas
tomadas em niacutevel local para que se evitasse e extinguisse a praacutetica do contrabando do
territoacuterio da capitania pernambucana Para tal feito nos utilizamos de uma seacuterie de ofiacutecios
expedidos pelos governadores pernambucanos que tratam sobre o tema aleacutem disso tambeacutem
contamos em nosso acervo documental com ofiacutecios da Junta Companhia Geral em Lisboa
que nos fornecem informaccedilotildees preciosas acerca das irregularidades cometidas pelos
administradores pernambucanos e as medidas coibitivas que deveriam ser tomadas para que
se cessassem os descaminhos
Na segunda parte tratamos sobre o envolvimento de agentes acionistas e deputados da
Companhia Geral bem como de algumas autoridades reacutegias nos circuitos de comeacutercio ilegal
Por fim o terceiro toacutepico versa sobre a grande insatisfaccedilatildeo dos representantes da populaccedilatildeo
das vilas de Pernambuco que durante todo o periacuteodo do monopoacutelio exercido pela empresa
iratildeo enviar ao reino uma seacuterie de queixas e denuacutencias e representaccedilotildees atestando a maacute gestatildeo
exercida pela direccedilatildeo subalterna de Pernambuco e a acusando de agir em benefiacutecio proacuteprio
Nosso principal fundo arquiviacutestico concentra-se nos manuscritos depositados no
Arquivo Histoacuterico Ultramarino (AHU) para as capitanias de Pernambuco Bahia a anexa
Paraiacuteba e Alagoas essa ainda comarca de Pernambuco material digitalizado pelo projeto
resgate Nele se encontram uma farta documentaccedilatildeo trocada entre os governadores
principalmente os pernambucanos e a Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar sobre a
questatildeo do contrabando A grande maioria desses arquivos eacute categorizada como ofiacutecios no
entanto em alguns deles eacute possiacutevel encontrar anexos referentes a outros tipos de
documentaccedilatildeo incluindo coacutepias de devassas tiradas acerca de contrabandos editais lanccedilados
pela Companhia Geral listas de cargas e mercadorias de embarcaccedilotildees apreendidas cartas
circulares lanccediladas por autoridades locais minutas reais dando parecer sobre a mateacuteria ou
casos especiacuteficos entre outras coisas O volume desses documentos e a diversidade de
informaccedilotildees contidas neles demonstram como o comeacutercio desencaminhado no periacuteodo foi
expressivo
Tambeacutem nos utilizamos na escrita deste trabalho de processos crimes depositados no
Arquivo Nacional da Torre do Tombo esses documentos de cunho juriacutedico-administrativo
pertencem ao fundo da Conservatoacuteria da Companhia em Lisboa oacutergatildeo responsaacutevel por julgar
31
todas as causas referentes aos assuntos da empresa jaacute que a mesma possuiacutea um regime
juriacutedico privativo 82
Neles eacute possiacutevel visualizar toda a praacutexis processual e rotina juriacutedica
adotada nos casos onde foram instauradas devassas para averiguaccedilatildeo do crime de
contrabando Esse fundo eacute fonte feacutertil para nossa pesquisa pois atraveacutes dos processos
conseguimos obter informaccedilotildees detalhadas sobre os casos como as inquiriccedilotildees feitas aos reacuteus
de defesa e de acusaccedilatildeo a lista de carga das embarcaccedilotildees os personagens envolvidos nos
descaminhos as defesas perpetradas pelos advogados representantes dos reacuteus as apelaccedilotildees e
sentenccedilas dadas a niacutevel local as sentenccedilas aplicadas etc
Complementando estes acervos tambeacutem fizemos uso de manuscritos existentes no
arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) estes documentos que estatildeo
disponiacuteveis apenas para consulta presencial foram de grande importacircncia para o
entendimento das rotas que no seacuteculo XVIII ligavam o litoral de Pernambuco ao sertatildeo e
acabavam por desembocar no Rio de Satildeo Francisco regiatildeo fronteiriccedila entre Pernambuco e
Bahia e local de comeacutercio abundante Utilizamo-nos tambeacutem neste trabalho de material
transcrito existente na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional (BN) e de livros coevos
digitalizados e disponiacuteveis para consulta online pertencentes ao setor de raridades da
Biblioteca puacuteblica Maacuterio de Andrade (BMA)
Por fim esse estudo parte do entendimento do comeacutercio como um elemento de
dinamizaccedilatildeo da capitania de Pernambuco tanto na perspectiva da economia local quanto no
contexto de ampliaccedilatildeo das dinacircmicas sociais Acreditamos que o comeacutercio potencialmente
descaminhado realizado atraveacutes dos sertotildees e da navegaccedilatildeo direta entre as capitanias de Bahia
e Pernambuco acabou contribuindo para o aumento da forccedila econocircmica das regiotildees
envolvidas naqueles circuitos
82
Este tema seraacute mais bem desenvolvido no segundo capiacutetulo deste trabalho
32
2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO
21 Contexto e conceitos
Desde meados da deacutecada de 80 do seacuteculo XX tem se operado uma ampla revisatildeo
criacutetica a respeito dos paradigmas ateacute entatildeo utilizados nos estudos acerca dos impeacuterios
modernos e seus domiacutenios ultramarinos Os trabalhos centrados na anaacutelise dos aspectos
poliacuteticos da Europa moderna sofreram grandes transformaccedilotildees Sintomaacutetica satildeo as pesquisas
desenvolvidas nesse periacuteodo a despeito do processo de formaccedilatildeo dos Estados modernos
europeus bem como de seus complexos imperiais Categorias amplamente difundidas que
eram base dos estudos desenvolvidos ateacute aquele momento como centralizaccedilatildeo poliacutetica e
administrativa e poder absoluto seratildeo substituiacutedas pela identificaccedilatildeo da existecircncia de poderes
concorrentes ao do monarca dentro do sistema poliacutetico europeu 83
Esta nova abordagem seraacute consolidada com o desenvolvimento de estudos sobre o
Impeacuterio portuguecircs no exterior Aqui cabe destacar as importantes contribuiccedilotildees da tradiccedilatildeo
historiograacutefica anglo-saxocircnica principalmente os apontamentos do historiador inglecircs Charles
Boxer responsaacutevel por modificar a forma como se entendia a atuaccedilatildeo das elites coloniais
dentro do exerciacutecio de governaccedilatildeo no ultramar 84
Outro nome que merece ser lembrado eacute o de
AJR Russell-Wood aleacutem de desenvolver estudos sobre as categorias de centro e periferia o
autor iraacute tambeacutem apontar para a existecircncia dentro do sistema colonial de uma porosidade que
permitiu aos governos e autoridades locais margem para negociaccedilatildeo com a metroacutepole 85
Tambeacutem merece destaque a produccedilatildeo dos historiadores norte-americanos
responsaacuteveis por desenvolver obras sobre variadas dimensotildees da sociedade e da economia
colonial brasileira Stuart Schwartz seraacute responsaacutevel por identificar em seu claacutessico
ldquoBurocracia e sociedade no Brasil colonialrdquo 86
a incorporaccedilatildeo da magistratura portuguesa aos
interesses e dinacircmicas locais Outro historiador americano que iraacute influenciar sobremaneira
83
Sobre isto ver LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime na
Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de
governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005 84
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c
1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e
negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 161 85
Sobre isto ver AJR Russel-Wood Centro e periferia no mundo luso-brasileiro 1500-1808 Revista
brasileira de histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 nordm 36 (1998) 86
SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das letras 2013
33
esse processo revisionista eacute Jack Green que deu nova leitura a relaccedilatildeo colonial destacando a
existecircncia e importacircncia das negociaccedilotildees em diversos niacuteveis como uma realidade do sistema
poliacutetico portuguecircs 87
Esses estudos tambeacutem seratildeo desenvolvidos em Portugal onde se destacam os
apontamentos feitos por Antonio Manoel Hespanha em seu ldquoAs veacutesperas do Leviatatilde
instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVIIrdquo 88
e em estudos posteriores O autor iraacute
discutir a tatildeo esquemaacutetica visatildeo do Estado moderno centralizado tendo como base uma vasta
documentaccedilatildeo O centro nervoso da tese de Hespanha discute a autonomia dos corpos sociais
constituintes do Estado Portuguecircs Nele a monarquia eacute entendida como cabeccedila de um grande
corpo social os poderes do centro satildeo outorgados a indiviacuteduos e instituiccedilotildees nas periferias do
Impeacuterio para atuarem em nome do rei Portanto natildeo se despreza a importacircncia dos poderes
inferiores dentro do jogo poliacutetico No entanto somente a monarquia era capaz de unir e criar
nexo a um grande escopo de jurisdiccedilotildees que a abarcavam dentro do Reino e nos seus
domiacutenios ultramarinos
Dessa forma Hespanha define o Estado portuguecircs como
corporativista 89
Hespanha aponta como caracteriacutesticas primordiais da monarquia corporativa a divisatildeo
de poder no espaccedilo poliacutetico entre a coroa e os poderes subalternos o corpo legal estava
baseado na doutrina juriacutedica comum europeia mas eram muitos os casos em que as praacuteticas
consuetudinaacuterias prevaleciam o entrelaccedilamento entre deveres poliacuteticos e morais e por fim a
certa autonomia que possuiacuteam as autoridades reacutegias e a efetiva proteccedilatildeo a que estavam
sujeitos os seus direitos e atribuiccedilotildees 90
Parece-nos que Hespanha demonstra a todo tempo
natildeo a ldquofragilizaccedilatildeo do Estado Portuguecircsrdquo mas sim a relaccedilatildeo de interdependecircncia que iraacute se
desenvolver entre o reino e suas possessotildees ultramarinas
Essas concepccedilotildees iratildeo ganhar focirclego no Brasil principalmente nos anos 90 do seacuteculo
XX quando as pesquisas sobre as relaccedilotildees de poder passam a ganhar forccedila gerando uma seacuterie
de trabalhos empenhados em estudar as formas de governar e o funcionamento das
87
GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional History University
Press of Virginia 2ordf ed 1994 88
HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVII Coimbra
Almedina 1994 89
HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do impeacuterio colonial
portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios
no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 HESPANHA AM A
constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos correntes In FRAGOSO Joatildeo
GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda (Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica
imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 90
HESPANHA AM Ibdem P 46
34
instituiccedilotildees dentro do conjunto imperial Junto a estas pesquisas tambeacutem foram feitas
investigaccedilotildees para outras aacutereas do Impeacuterio dessa forma nos uacuteltimos anos tem se buscado
compreender os nexos imperiais que davam forma ao Impeacuterio portuguecircs 91
Esse alargamento de anaacutelise eacute bastante significativo uma vez que rompe com a ideia
da ineficiecircncia do sistema poliacutetico-administrativo portuguecircs essa ldquoineficiecircnciardquo passa entatildeo a
ser compreendida como uma caracteriacutestica da administraccedilatildeo colonial portuguesa 92
Seguindo
o mesmo caminho o do entendimento do Estado portuguecircs como corporativo uma seacuterie de
novos estudos comeccedilam a apontar para a importacircncia dos viacutenculos estrateacutegicos estabelecidos
pelos grupos integrantes do Estado
Dessa forma o papel central desempenhado pelas redes no interior do conjunto
imperial tem ganhado destaque nas discussotildees historiograacuteficas recentes A categoria de
ldquoredesrdquo utilizada neste trabalho parte dos pressupostos apontados em estudos recentes que
atestam a importacircncia deste mecanismo de articulaccedilatildeo tambeacutem na esfera mercantil Dentro
desta seara de pesquisa destacam-se as produccedilotildees de Joatildeo Fragoso Antocircnio Carlos Jucaacute de
Sampaio e Roquinaldo Ferreira 93
De acordo com Maria Fernanda Bicalho eacute incontestaacutevel para a historiografia que ateacute o
seacuteculo XVII o Estado portuguecircs se desenvolveu sobre o prisma corporativista 94
Apesar do
aparente consenso vale salientar que o modelo coorporativo lanccedilado por Hespanha natildeo eacute
unanimidade prova disso eacute o debate acadecircmico existente entre o autor e a historiadora Laura
91
LARA Silvia Hunold Op Cit P 32 92
HESPANHA AM Op Cit P 51 93
FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto de
conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social costumeira (Rio de Janeiro
1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e
negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 SAMPAIO
Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo nos quadros do Impeacuterio
portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica
imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 FERREIRA
Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial ultramarino portuguecircs In
FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio
portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 Para aleacutem desses autores as
produccedilotildees das historiadoras Maria de Faacutetima Gouvecirca e Mafalda Soares merecem destaque dentro da temaacutetica de
redes 94
BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da
monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima
(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro
Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 345-352
35
de Mello e Souza a despeito da centralidade do Impeacuterio Souza centra sua criacutetica na ldquopouca
atenccedilatildeo dada agrave especificidade dos diferentes contextos imperiaisrdquo 95
nos estudos do autor
De qualquer forma essa ldquorealidade corporativardquo comeccedila a ser alterada jaacute em fins do
XVII e iniacutecio do XVIII neste momento comeccedila a se desenvolver por toda a Europa um
processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real No caso de Portugal esse processo iraacute se
solidificar no reinado de Dom Joseacute I personificado pela pessoa de Sebastiatildeo Salgado de
Melo o Marquecircs de Pombal Dentro desse contexto poliacuteticas com o intuito de revitalizar o
comeacutercio portuguecircs foram postas em accedilatildeo Na capitania de Pernambuco importante polo
econocircmico da conquista essas accedilotildees seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois
organismos reguladores da economia local a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio
no ano de 1752 96
e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759
Neste cenaacuterio eacute criada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759 que se
tornaraacute a detentora do ldquocomeacutercio exclusivo das duas capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com
todos os seus distritos e nos quais ningueacutem mais podia extrair ldquomercadorias gecircneros ou
frutosrdquo 97
A Companhia que manteve o monopoacutelio comercial na regiatildeo ateacute o ano de 1780 iraacute
causar um grande impacto na economia da capitania modificando toda uma loacutegica comercial
baseada no livre comeacutercio que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco
Nossa pesquisa tende a se alinhar com o estudo desenvolvido por Avanete Pereira
sobre o exerciacutecio da governanccedila na municipalidade em Salvador na segunda metade do XVIII
98 Fica claro para noacutes que a centralizaccedilatildeo poliacutetica desejada pela Coroa nem sempre seraacute
aplicada de forma plena nos territoacuterios do ultramar As poliacuteticas pensadas para o Brasil
precisaram ser adaptadas agraves realidades coloniais principalmente se tratando de mudanccedilas
potencialmente prejudiciais economicamente agraves elites locais que haacute muito dominavam a
dinacircmica de instituiccedilotildees e negoacutecios no ultramar
O contrabando e as ilicitudes eram dinacircmicas corriqueiras nas aacutereas de atuaccedilatildeo de
sociedades exclusivistas Muitas vezes elas envolviam ateacute mesmo os agentes destas
95
SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica portuguesa do seacuteculo
XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006 P 48 96
Sobre a histoacuteria da Mesa de Inspeccedilatildeo de Pernambuco consultar CONTI Paulo Fillipy de Souza A casa das
qualidades pesos e preccedilos a mesa da inspeccedilatildeo do tabaco e accediluacutecar de pernambuco (1752-1777) 2016 182 f
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Federal de
Pernambuco 97
CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba
Lisboa Presenccedila 1982 p 224 98
PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da cacircmara da Bahia
(seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de governar
ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005
36
companhias e as autoridades reacutegias nos descaminhos Isto porque como afirma Fernando
Novais o contrabando era uma praacutetica comum dentro da economia colonial desde os seus
primoacuterdios Ainda segundo o autor tal praacutetica natildeo ldquonegava o sistemardquo nem deve ser entendida
como uma fissura ou uma exceccedilatildeo muito pelo contraacuterio o contrabando assim como a
concorrecircncia e as disputas entre as potecircncias europeias era parte da estrutura econocircmica
daquele tipo de sociedade operando dessa forma ldquodentro do mesmo sistema baacutesicordquo 99
Salientamos ainda que esse tipo de praacutetica foi extensiva e naturalizada natildeo soacute na
Ameacuterica Portuguesa mas nas diversas partes do mundo onde se desenvolveu a economia
colonial Em artigo que discute a noccedilatildeo de centralidade administrativa do governo portuguecircs
metropolitano Russel-Wood chama atenccedilatildeo para algo que ele denomina como ldquocultura de
evasatildeordquo ou seja a capacidade dos colonos luso-brasileiros de escaparem do controle reacutegio
Segundo o autor essa cultura iraacute assumir diversas formas como ldquoa recusa em pagar impostos
e taxas escamoteamento dos pontos de fiscalizaccedilatildeo evasatildeo do serviccedilo militar burla quanto a
inclusatildeo nas listas municipais []rdquo 100
As transgressotildees na capitania pernambucana natildeo se restringiram ao contrabando de
mercadorias realizado junto a praccedila baiana O cenaacuterio poliacutetico administrativo tambeacutem era
local de subversatildeo das diretivas reais Em artigo que discute questotildees de justiccedila e
administraccedilatildeo na capitania Maria Filomena Coelho relata as contendas ocorridas na segunda
metade do XVIII entre o Bispo de Olinda e o Juiz de Fora da regiatildeo que se acusavam
mutuamente de cometer desvios monetaacuterios e se utilizar de seus cargos de prestiacutegio para obter
vantagens Bem conhecido e reproduzido no mesmo artigo eacute o caso do provedor Francisco do
Rego Barros acusado de descaminhar da fazenda real uma grande soma de dinheiro e de
envolver os funcionaacuterios a ele submetidos no esquema iliacutecito 101
No artigo supracitado a autora opta por trabalhar com as categorias de suborno e
corrupccedilatildeo Nossa anaacutelise das fontes primaacuterias em conjunto com a leitura da historigrafia nos
leva a crer natildeo serem estes vocaacutebulos os mais adequados para se trabalhar a questatildeo da
ldquocultura de evasatildeordquo na Ameacuterica Portuguesa Como veremos a seguir consideramos que para
evitar cair em anacronismos seja essencial desassociar as praacuteticas transgressivas de seus
significados contemporacircneos
99
NOVAIS Fernando A P 88-92 100
A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista brasileira de
Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197 101
NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco (seacuteculo XVIII)
Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003
37
Nesta pesquisa a forma de evasatildeo que nos interessa eacute o contrabando Os contrabandos
extravios e descaminhos se constituiacuteram em praacuteticas recorrentes durante todo o seacuteculo XVIII
nas capitanias brasileiras Resultados de uma tentativa de fuga a gerecircncia da Coroa lanccedilados
sobre a proacutespera economia colonial que neste seacuteculo jaacute possuiacutea mais vulto que a
metropolitana Desta forma se faz necessaacuterio discutir neste momento o conceito de
contrabando buscando uma definiccedilatildeo que se adeque ao nosso objeto
Estudando a ligaccedilatildeo entre o contrabando e as elites na Buenos Aires do seacuteculo XVII
Zacarias Moutoukias afirma ser o comeacutercio natildeo autorizado a atividade comercial mais
importante do porto de Buenos Aires Aleacutem disso o autor iraacute destacar a participaccedilatildeo de
oficiais reacutegios nos esquemas ilegais admitindo ainda que a Coroa se adaptou a esta situaccedilatildeo
Para Moutoukias ldquola corrupcioacuten fue el processo por el cual los representantes locales del
poder central civiles y militares se integraron a dicha elite associaacutendola asiacute a la funcioacuten
imperialrdquo 102
Concordando com a perspectiva de Moutoukias Ernest Pijning iraacute afirmar que o
contrabando era algo ldquoinerente a economia do mundo atlacircntico preacute-moderno atuante em todos
os aspectos da sociedade luso-brasileirardquo 103
De acordo com Koselleck ldquoas palavras que permaneceram as mesmas natildeo satildeo por si
soacute indiacutecio suficiente da permanecircncia do mesmo conteuacutedo ou significado por elas designadosrdquo
104 Nesse sentindo concordamos com Cavancante
105 e Moutoukias
106 quando afirmam natildeo
ser possiacutevel relacionar o contrabando com o termo corrupccedilatildeo como conhecemos hoje O
contrabando era uma praacutetica enraizada na sociedade colonial e como sugere Pijning
dependendo da situaccedilatildeo e dos personagens envolvidos esse tipo de comeacutercio era aceito e ateacute
mesmo incentivado pela Coroa 107
Segundo o dicionaacuterio portuguecircs e latino de Bluteau contrabando significa ldquofazenda e
trato de fazenda furtada aos direitos ou tirada por alto sendo defeza a sua introduccedilatildeordquo 108
Ou
seja a definiccedilatildeo de contrabando no dicionaacuterio estaacute relacionada diretamente ao ato de fraudar a
102
MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el
siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 P 243 103
PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista
Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 P 399 104
KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos histoacutericos Rio de Janeiro
Contraponto Ed Puc-Rio 2006 P 105 105
Sobre isto ver CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica
Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 106
Sobre isto ver MOUTOUKIAS Zacarias Op Cit 107
PIJINING Ernest Ibdem P 400-403 108
BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de
Jesus Ano de 1712 P 321
38
fazenda real desviando o fisco Para o nosso estudo percebemos que a definiccedilatildeo claacutessica de
Bluteau natildeo se adequa inteiramente pois apesar de natildeo possuir o monopoacutelio comercial para
regiatildeo dos sertotildees comumente as autoridades locais vatildeo tratar as mercadorias transacionadas
entre as praccedilas de Bahia e Pernambuco via sertatildeo como contrabando mesmo quando estes
produtos chegavam as praccedilas comerciais de Pernambuco selados com selos de outras
alfacircndegas do Impeacuterio ou seja em algum momento aquela mercadoria havia pagado os
direitos reais
Percebemos durante a investigaccedilatildeo as fontes que existia uma grande confusatildeo quanto a
este comeacutercio feito pelos interiores Havia uma dificuldade das autoridades em classificar o
que era passiacutevel de puniccedilatildeo e poderia ser enquadrado como crime de contrabando e os casos
em que aquele tipo de negociaccedilatildeo era acobertada e permitida pela legislaccedilatildeo De acordo com
nossa observaccedilatildeo na duacutevida as autoridades reacutegias e oficiais da Companhia preferiam pecar
pelo excesso e realizar os sequestros para posterior investigaccedilatildeo Assim contamos em nosso
conjunto documental como seraacute demonstrado em capiacutetulo posterior com casos em que apoacutes
se efetuar a apreensatildeo a investigaccedilatildeo acaba por absolver os reacuteus seja por falta de provas ou
pela constataccedilatildeo de que natildeo se procedeu em descaminhos
Essa situaccedilatildeo acontecia pois natildeo existia uma delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa que
esclarecesse minuciosamente quais os portos se incluiacuteam na categoria de ldquoportos livresrdquo bem
como uma legislaccedilatildeo especiacutefica que regulamentasse quais os produtos poderiam transitar
entre estas paragens sem ofender o monopoacutelio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba
109 Segundo Koselleck os conceitos satildeo polissecircmicos reunindo em si ldquodiferentes totalidades
de sentidordquo 110
os casos coletados na nossa documentaccedilatildeo demonstram aleacutem disso como o
entendimento a respeito do que era considerado comeacutercio iliacutecito era fluiacutedo e variava de acordo
com a interpretaccedilatildeo dada pelas autoridades locais
Para o nosso tema o que pudemos perceber atraveacutes da investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias
eacute que o contrabando se constituiu em praacutetica recorrente ao longo dos vinte e um anos de
monopoacutelio praticado pela Companhia Geral A atividade iliacutecita que envolvia as proacuteprias
autoridades reacutegias oficiais e acionistas da Companhia em Pernambuco causaraacute grandes
preocupaccedilotildees por parte da Coroa e da Junta da empresa sediada em Lisboa virando assunto
recorrente na documentaccedilatildeo travada entre o Reino e os agentes locais de Pernambuco
109
Pelo menos ateacute o momento natildeo conseguimos localizar nenhum tipo de documento oficial que se referisse a
estes pontos 110
KOSELLECK Reinhart Op Cit P109
39
principalmente os governadores da capitania que eram encarregados sobre a mateacuteria
Discutiremos melhor esta questatildeo no terceiro capiacutetulo deste trabalho
Aleacutem de ser realizado de maneira extensiva durante todo o periacuteodo do monopoacutelio o
comeacutercio iliacutecito era praticado por uma grande diversidade de pessoas Apesar da existecircncia de
redes mercantis mais complexas que atuavam de maneira melhor estruturada esse comeacutercio
tambeacutem era feito em pequenas quantidades por pessoas comuns A anaacutelise das fontes nos
atenta para o fato de que havendo oportunidade de lucros pessoais o contrabando era
praticado por todos e entendido como algo banal
Devido ao caraacuteter pulverizado desse tipo de atividade mercantil os casos encontrados
na documentaccedilatildeo iratildeo apontar para uma gama muito diversa de personagens lugares e
mercadorias envolvidos nesse tipo de praacutetica No entanto eacute possiacutevel atestar com clareza a
existecircncia de um vigoroso circuito de comercio iliacutecito envolvendo as capitanias de
Pernambuco e Bahia As relaccedilotildees entre as duas praccedilas eram estreitas o contrabando de
gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa iratildeo permear todo o
periacuteodo proposto para este estudo
Vale ressaltar que antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral o comeacutercio entre
Pernambuco e Bahia jaacute existia e estava bem consolidado principalmente o comeacutercio de
carnes feito nos sertotildees que interligavam as duas praccedilas e que margeavam o Rio de Satildeo
Francisco De acordo com a historiografia a regiatildeo circundante ao Rio de Satildeo Francisco
sempre contou com uma grande densidade populacional de povos indiacutegenas 111
O que denota
a importacircncia da aacuterea natildeo soacute em termos geograacuteficos mas tambeacutem salienta o seu importante
papel como lugar de encontro de uma seacuterie de gentes
Como eacute amplamente sabido o processo de interiorizaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro iraacute
acontecer de forma tardia jaacute que em princiacutepio a colonizaccedilatildeo portuguesa deteve-se a povoar a
faixa litoracircnea do territoacuterio brasileiro soacute criando um movimento de expansatildeo em direccedilatildeo ao
interior em meados do seacuteculo XVII 112
De acordo com Capistrano de Abreu em livro claacutessico
a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial teve iniacutecio junto agraves capitanias do Norte notadamente
Bahia e Pernambuco Segundo o autor o proacuteprio Donataacuterio de Pernambuco Duarte Coelho
ainda no seacuteculo XVI nutriu ambiccedilotildees de conquistar o territoacuterio ao largo do Rio de Satildeo
111
NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte
Editora UFMG 2011 P 30 112
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco
pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111
40
Francisco Sabia-se jaacute a eacutepoca do potencial do local 113
Outro autor claacutessico Manoel Correa
de Andrade defende a tese de que o sertatildeo do que hoje conhecemos como nordeste foi
integrado agrave colonizaccedilatildeo portuguesa partindo de dois eixos centrais sendo estes Bahia e
Pernambuco 114
O movimento de integraccedilatildeo dos interiores eacute comumente associado agrave expansatildeo
pecuaacuteria pois desde 1701 a Coroa portuguesa havia proibido a criaccedilatildeo de gado a menos de
dez leacuteguas da costa 115
dessa forma os currais foram cada vez mais adentrando o espaccedilo
sertanejo seguindo o curso dos rios que forneciam os substratos necessaacuterios agrave sustentaccedilatildeo das
rezes bovinas e caprinas Pedro Puntoni confirma essa caracteriacutestica da pecuaacuteria desenvolvida
nas capitanias do norte de acordo com o autor
As fazendas de gado grosso modo acompanhavam as margens dos rios
uma vez que na regiatildeo semi-aacuterida o fornecimento de aacutegua era fator essencial
para garantir a ocupaccedilatildeo e a criaccedilatildeo do gado Os rios Satildeo Francisco ao sul e
o Parnaiacuteba ao norte eram os principais eixos da ocupaccedilatildeo por serem rios
perenes os demais na maioria seus afluentes ainda abrigavam algumas das
fazendas 116
Apesar da pecuaacuteria ser entendida como fator decisivo para a conquista dos sertotildees do
norte natildeo podemos esquecer o contexto em que se deu essa expansatildeo Eacute importante lembrar
que apoacutes a expulsatildeo dos holandeses em 1654 a economia accedilucareira foi fortemente abalada
natildeo soacute por fatores internos como o clima e as intempeacuteries a que estatildeo sujeitas qualquer tipo de
cultura tropical como tambeacutem por fatores externos como a concorrecircncia com a produccedilatildeo de
accediluacutecar antilhano e a consequente baixa de preccedilos dessa mercadoria aleacutem eacute claro do aumento
do preccedilo dos escravos dado a grande procura desse tipo de matildeo de obra em Aacutefrica 117
Assim o fluxo em sentido ao interior tambeacutem vinha atender a uma demanda da Coroa
que procurava alternativas para se livrar da crise econocircmica por qual passava a principal
cultura da colocircnia brasileira Dessa forma as expediccedilotildees aos sertotildees passaram a ser
frequentemente encorajadas Para animar e incentivar os colonos a desbravarem estas aacutereas a
113
ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet
1960 P 34 114
ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias
Humanas Ltda 1980 P 167 115
WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a
colonizaccedilatildeo do sertatildeo nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004 P
22 116
PUNTONI Pedro Ibidem P 24 117
PUNTONI Pedro Ibidem P 25
41
Coroa iraacute a partir da segunda metade do seacuteculo XVII doar sesmarias a homens que tiveram
papel de destaque nas batalhas travadas contra os holandeses 118
De acordo com Kalina Wanderlei apoacutes implementar a poliacutetica de doaccedilatildeo de terras e
de financiar uma seacuterie de diligecircncias para abrir caminhos naquelas paragens o Impeacuterio
Portuguecircs relegou estas imensidotildees de terra aos interesses privados Segundo a autora
Assim foi que a conquista dos interiores das capitanias do norte no seacuteculo
XVII tornou-se tarefa dos senhores seguindo o modelo inicial do projeto de
colonizaccedilatildeo onde aos donataacuterios e seus colonos cabia a instalaccedilatildeo da
induacutestria produtora e a defesa do territoacuterio contra a concorrecircncia externa e a
resistecircncia interna 119
middot
Cabe ainda ressaltar que a partir do Reinado de D Joatildeo V uma seacuterie de medidas e
accedilotildees seratildeo tomadas para garantir aos portugueses o controle efetivo de seus domiacutenios no
Ultramar Isto porque na Europa se vivia um momento de grande concorrecircncia comercial e de
contestaccedilatildeo de antigos tratados territoriais e seus limites a partir da elaboraccedilatildeo de modernos
estudos geograacuteficos e cartograacuteficos sobre o Novo Mundo Dentro desse contexto de
vulnerabilidade perante outras potecircncias era necessaacuterio que os diplomatas portugueses
buscassem novas formas de defender e legitimar os direitos juriacutedicos do Rei sobre os
territoacuterios ultramarinos nas negociaccedilotildees internacionais No entanto para que estes
argumentos tivessem forccedila era preciso conhecer o espaccedilo da colocircnia 120
As grandes porccedilotildees de terra que compunham a conquista no Brasil possuiacuteam ainda no
seacuteculo XVIII vastas aacutereas despovoadas e desconhecidas pelo Reino De acordo com Iacuteris
Kantor depois da Paz de Utrecht em 1713 que praticamente invalidava o antigo tratado de
Tordesilhas Espanha e Portugal vatildeo iniciar um mapeamento sistemaacutetico de suas conquistas
no aleacutem-mar As coroas ibeacutericas iratildeo neste momento investir na formaccedilatildeo de pessoal
qualificado e no custeamento de expediccedilotildees para o interior afim de que se produzissem
trabalhos geograacuteficos mais precisos 121
O projeto de elaboraccedilatildeo do ldquoNovo Atlas da Ameacuterica
Portuguesardquo iniciado em 1729 por exemplo eacute um desses esforccedilos empreendidos pela Corte
118
WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 119
WANDERLEI Kalina Ibidem P 137 120
Sobre isto ver KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica
(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 121
Idem
42
no sentido de oficializar o interior do territoacuterio assegurando a posse do Reino principalmente
sobre os espaccedilos que estavam sob litiacutegio 122
Durante o diretoacuterio pombalino estas poliacuteticas de reafirmaccedilatildeo do poder real seratildeo
reforccediladas atraveacutes da expansatildeo da rede administrativa 123
nas esferas civis e eclesiaacutesticas a
locais onde o poder estatal ainda natildeo chegava era necessaacuterio ldquoterritorializarrdquo aqueles espaccedilos
De acordo com Paulo Guedes o conceito de territoacuterio pode ser entendido como um espaccedilo
definido por e a partir de relaccedilotildees poliacuteticas e de poder ainda segundo o autor para se pensar
em territoacuterio na Ameacuterica Portuguesa necessariamente deve-se levar em conta suas
ldquojurisdiccedilotildees (militar religiosa tributaacuteria e judicial) considerando suas incongruecircncias em
relaccedilatildeo aos territoacuterios circunscritos ao acircmbito das capitaniasrdquo 124
Apesar de pequenas
discordacircncias o entendimento de que o conceito de territoacuterio estaacute intimamente relacionado
com a ideia de domiacutenio ou gestatildeo de uma determinada aacuterea eacute amplamente reconhecido pelos
estudiosos do assunto 125
A partir desse entendimento eacute que o geografo Manoel Correa de
Andrade afirma por exemplo que nos primeiros anos de sua colonizaccedilatildeo o Brasil era um
grande espaccedilo natildeo transformado em territoacuterio 126
Para aleacutem das querelas europeias deve-se pontuar que a partir do descobrimento das
minas de ouro nas Gerais vai-se assistir a um grande adensamento populacional naquelas
regiotildees interioranas principalmente entre as primeiras deacutecadas do seacuteculo XVIII Fazia-se
pois indispensaacutevel criar naqueles novos centros todo um aparato administrativo sobretudo
fiscal para regular e garantir os direitos reacutegios sobre os recursos minerais ali encontrados 127
A historiografia sobre as Minas tem demonstrado como a ocupaccedilatildeo daqueles territoacuterios
acabou por conectar uma grande malha espacial atraveacutes dos seus circuitos de comeacutercio que
movimentavam sobretudo as regiotildees interioranas das capitanias do norte incluindo as
paragens sertanejas de Pernambuco e Bahia
122
Sobre isto ver CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do
territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v43 n1 p 100-120 2016 123
Kantor Iacuteris Op Cit CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na
Ameacuterica portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39p001-
030 jan-abr2016 124
GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo
na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias
humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife P 54 125
Sobre este tema ver tambeacutem MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil
GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001 KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia
Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de
Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba UFPR-
SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 126
ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 43 ndash 51 127
CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A
criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P 15
43
Em resumo a ocupaccedilatildeo dos sertotildees foi um processo lento desenvolvido de modo
gradativo e pouco organizado No entanto a bibliografia eacute unanime em asseverar que apesar
de pouco unificado o movimento de interiorizaccedilatildeo sempre teve como base as duas capitanias
mais destacadas do Norte Pernambuco e Bahia Logo apoacutes esse primeiro momento de
conquista as regiotildees dos sertotildees passaram a atuar como importantes locais de circulaccedilatildeo
comercial Pesquisas recentes com as quais esse estudo conversa apontam para o dinamismo
que as regiotildees interioranas iratildeo exercer principalmente a partir do seacuteculo XVIII quando se
tem iniacutecio de forma mais concreta uma demanda do Reino em conhecer e dominar tais
regiotildees Estas zonas passam entatildeo a deter grande importacircncia para os fluxos comerciais
coloniais tanto nos circuitos locais quanto atlacircnticos
Para o nosso caso acreditamos que o fluxo comercial clandestino desenvolvido entre
Pernambuco e Bahia durante o periacuteodo de exclusivo comercial da Companhia Geral acabou
por expandir e reforccedilar as redes comerciais entre as duas capitanias e seus complexos
sertanejos jaacute que a partir daquele momento comerciantes e produtores que antes atuavam
livremente despachando e vendendo suas mercadorias a partir das praccedilas comerciais de
Pernambuco passaratildeo a recorrer a capitania vizinha para realizar seus negoacutecios
22 Os caminhos
Antes de nos atermos aos sertotildees que nos interessam nesta pesquisa cabe aqui uma
sucinta explanaccedilatildeo quanto ao uso do termo e suas aplicaccedilotildees Destacamos que origem da
palavra sertatildeo eacute incerta natildeo existe entre os autores que tratam do tema uma unidade em
relaccedilatildeo ao termo De acordo com Bluteau sertatildeo diz respeito a uma ldquoregiatildeo apartada do mar e
por todas as partes metida entre terrasrdquo 128
A definiccedilatildeo dada pelo autor setecentista remete a
ideia de sertatildeo como um lugar afastado do litoral distante e ateacute mesmo inexplorado Segundo
Kalina Wanderlei o imaginaacuterio acerca desse ambiente sertanejo iraacute se construir jaacute no primeiro
seacuteculo de colonizaccedilatildeo da zona accedilucareira A autora afirma que
Foi se construindo uma oposiccedilatildeo entre as regiotildees colonizadas da Ameacuterica
portuguesa e aquelas natildeo inseridas na jurisdiccedilatildeo metropolitana As primeiras
associadas ao litoral devido agrave proacutepria natureza do empreendimento
128
BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de
Jesus Ano de 1712 Tomo II P 613
44
canavieiro Criou-se assim uma dicotomia entre o espaccedilo considerado
civilizado e aquele considerado selvagem 129
Essa visatildeo dicotocircmica em que as categorias de sertatildeo e litoral satildeo construiacutedas em
sentidos opostos seraacute reforccedilada por outros autores que se utilizaram do discurso e
depoimentos de cronistas e autores coevos para estabelecer um entendimento do termo
Concordando com a autora Tiago Bonato iraacute dizer que
O imaginaacuterio do sertatildeo construiacutedo e reconstruiacutedo por cronistas
missionaacuterios padres intelectuais e sobretudo viajantes passa a ter um
caraacutecter aleacutem de simples oposiccedilatildeo ao litoral de ldquocontraste com a ideia de
regiatildeo colonialrdquo De um lado estaacute a civilizaccedilatildeo que a colonizaccedilatildeo trouxe de
outro o sertatildeo 130
De acordo com o geografo Antocircnio Carlos Robert Moraes o sertatildeo natildeo deve ser
compreendido como um lugar mas sim como ldquouma condiccedilatildeo atribuiacuteda a variados e
diferenciados lugaresrdquo 131
Afirma ainda o estudioso que no geral o sertatildeo eacute idealizado como
um espaccedilo que serve aos impulsos expansionistas na busca de incorporar tais aacutereas remotas a
determinados ldquofluxos econocircmicos ou a uma oacuterbita de poder que lhe escapa naquele momentordquo
132 continua atestando que por essa caracteriacutestica ldquotal denominaccedilatildeo geralmente eacute utilizada na
caracterizaccedilatildeo de aacutereas de soberania incerta imprecisa ou meramente formalrdquo 133
Dessa
forma o uso do termo seraacute utilizado para classificar aacutereas que carecem ser dominadas e
submetidas politicamente e integradas ao restante do territoacuterio
Podemos entatildeo perceber atraveacutes da bibliografia e da pesquisa as fontes primaacuterias que o
conceito de sertatildeo extrapola qualquer delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa Em termos
documentais ele seraacute comumente utilizado para designar uma seacuterie de aacutereas que se
encontravam fora do eixo litoracircneo e que durante um bom tempo foram ilustres desconhecidas
da maior parte dos habitantes da colocircnia brasileira e dos ministros reais sendo usado para
referenciar tudo aquilo que fosse vago estranho e afastado dos centros Ou seja os sertotildees
podem se descritos como aacutereas que natildeo estavam totalmente submetidos administrativa e
juridicamente agrave monarquia portuguesa
129
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas
vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111 130
BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash
1822) Guarapuava Unicentro 2014 P 52 131
MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003 P 2 Consultado no
dia 10112017 Disponiacutevel em httpjournalsopeneditionorgterrabrasilis341 DOI 104000terrabrasilis341 132
Ibidem P 3 133
Idem
45
Falando sobre o sertatildeo alvo deste estudo ainda no XVII a regiatildeo da ribeira do Rio de
Satildeo Francisco iraacute se desenvolver como importante zona de criaccedilatildeo de rezes bovinas e
cavalares sendo o local responsaacutevel pela distribuiccedilatildeo de carnes e couros para as feiras da
Bahia e de Pernambuco Na segunda metade do seacuteculo XVIII a regiatildeo do Aracati no Siaraacute
Grande sertatildeo pernambucano iraacute despontar como porto fornecedor de carnes salgadas e de
couros Ao longo do rio Jaguaribe que banha a vila de Santa Cruz do Aracati se
estabeleceram diversas oficinas especializadas na salga das carnes e na retirada de couros para
revenda Este porto seraacute muito visitado por comerciantes recifenses e baianos nos ldquotempos de
carnesrdquo quando iam ateacute a regiatildeo fazer negoacutecios e vender rebanhos 134
O estudo dos caminhos que levavam do litoral ao sertatildeo da capitania de Pernambuco
natildeo satildeo novos no intuito principalmente de buscar compreender as rotas por onde se
efetuaram o comeacutercio de gados e couros destacados estudiosos desenvolveram pesquisas
centradas nesta temaacutetica De acordo com Capistrano de Abreu ldquoNa segunda metade do seacuteculo
XVIII natildeo se penetrava no Recife aleacutem de Bezerros a quinze leacuteguas para o interior o que
ficava aleacutem entendia-se com a Bahiardquo 135
Discordando de Capistrano Manoel Correa de
Andrade iraacute afirmar que em 1774 o governo de Pernambuco na tentativa de minimizar a
influecircncia baiana na regiatildeo do Satildeo Francisco faraacute abrir dois caminhos para alcanccedilar o dito rio
136
O primeiro caminho sairia de Recife passando por Limoeiro atraveacutes do rio Capibaribe
chegava ao Pajeuacute para depois seguir em direccedilatildeo a Serra Talhada Floresta e finalmente
desembocar em Cabroboacute O segundo roteiro subia o Vale do Ipojuca ateacute chegar agrave Serra de
Ororobaacute de onde descia na direccedilatildeo sul ateacute a cidade de Inajaacute passando ainda por Tacaratu
Jatinatilde e por fim chegar em Cabroboacute Como se pode ver na imagem abaixo
134
ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas na Vila
de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais do XXVI Simpoacutesio
Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011 P 1-9 135
ABREU Capistrano de Op Cit P 65 136
ANDRADE Manoel Correia de Op Cit P 168
46
Mapa 1 ndash Caminhos do Gado para Olinda e Recife
Fonte ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria
Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980 P 169
Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello tambeacutem indica e comprova atraveacutes de
documentaccedilatildeo que a prerrogativa de Capistrano era errocircnea De acordo com Mello jaacute
existiam no seacuteculo XVIII dois roteiros de penetraccedilatildeo para o interior do territoacuterio
pernambucano que acompanhavam os vales dos rios O primeiro caminho o do Capibaribe
ldquoperlongava-o ateacute as nascentes e cortando territoacuterio paraibano atingia a ribeira do Pajeuacuterdquo 137
137
MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-
1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 10
47
nos atuais muniacutecipios pernambucanos de Itapetim e Satildeo Joseacute do Egito por onde se ldquoseguia ateacute
o Brejo do Gama de onde cruzava em direccedilatildeo a Cabroboacute a margem do Satildeo Franciscordquo 138
como podemos ver abaixo
Mapa 2 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738)
Fonte MELLO Joseacute Antocircnio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio
Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 12
138
Idem
48
O segundo caminho o do Ipojuca ldquoacompanhava o vale do rio deste nome e alcanccedilava
em seguida o do Moxotoacuterdquo 139
de onde chegava ao Satildeo Francisco na Boa Vista Percebemos
que apesar de pequenas discordacircncias os dois autores versaram sobre os mesmos caminhos a
saber o ldquoCaminho do Capibariberdquo e o ldquoCaminho do Ipojucardquo Para Mello os dois roteiros
tinham no Cariranha no limite sudoeste da capitania e regiatildeo de fronteira entre Bahia
Pernambuco e Minas seu ponto final
Mapa 3 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738)
Fonte MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio
Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 16
Infelizmente natildeo conseguimos descobrir nos acervos consultados ateacute o momento o
documento utilizado por Manoel Correa de Andrade para embasar sua afirmaccedilatildeo e construir
139
Idem
49
seu mapa no entanto foi possiacutevel localizar os documentos usados por Joseacute Antocircnio
Gonsalves de Mello O primeiro deles data do ano de 1738 e estaacute localizado no Arquivo do
Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB na Universidade de Satildeo Paulo ndash USP 140
trata-se natildeo
de um mapa 141
mas sim dos roteiros tanto do ldquocaminho que segue para Ipojuca e passa pelo
Urubaacute 142
das leacuteguasrdquo 143
quanto do ldquoassento das leacuteguas que fazem daqui ao Rodelas pelo
caminho do Capibariberdquo 144
descrevendo as localidades por onde esses caminhos passavam e a
distacircncia em leacuteguas deles
Faz-se cioso relacionar todas as toponiacutemias dos dois roteiros pois este trabalho jaacute foi
feito por Gonsalves de Mello na obra aqui relacionada No entanto vale a pena apontar onde
tinham iniacutecio e fim as ditas rotas e alguns de seus principais pontos de passagem a tiacutetulo de
comparaccedilotildees futuras O caminho do Capibaribe tinha iniacutecio no Engenho de Satildeo Joatildeo este
engenho fundado por Luiacutes Ramires ainda no seacuteculo XVI 145
estava localizado na margem
direita do Rio Capibaribe na freguesia da Vaacuterzea 146
o caminho passava por localidades como
ldquoMissatildeo do Limoeirordquo 147
ldquoSerra Talhadardquo 148
ldquoAngicosrdquo 149
ldquoJuazeirordquo 150
entre outros
terminando apenas no Cariranha regiatildeo limiacutetrofe entre Bahia Pernambuco e Minas Gerais O
segundo caminho o do Ipojuca comeccedilava em Santo Antatildeo atual municiacutepio de Vitoacuteria do
140
Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo
Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 141
O trabalho de Mapas que aparece no livro eacute criaccedilatildeo do grupo de pesquisas da divisatildeo de histoacuteria do instituto
de ciecircncias do homem do qual Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello participava 142
Tambeacutem conhecido como de Ararobaacute ou Ororobaacute 143
Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo
Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 144
Idem 145
PEREIRA DA COSTA F A Anais Pernambucanos 1795-1817 2ordf Ediccedilatildeo FUNDARPE Gov de
Pernambuco Recife 1983 Vol 2 535 vol 3 79 vol 7 325 PEREIRA Levy S Iuatildeo (engenho de bois) In
BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel em
httplhsunbbrbiblioatlasS_IuC3A3o_(engenho_de_bois) Data de acesso05072017 146
Atualmente a Vaacuterzea eacute um bairro da cidade do Recife localizado proacuteximo a Universidade Federal de
Pernambuco-UFPE 147
Atualmente conhecido como Limoeiro um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260890ampsearch=pernambuco|limoeiro|inf
ograficos-historico Data de acesso 05072017 148
O atual muniacutecipio do sertatildeo de Pernambuco manteacutem a mesma toponiacutemia Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261390ampsearch=pernambuco|serra-
talhada Data de acesso 05072017 149
Atual muniacutecipio do sertatildeo do estado do Rio Grande do Norte Dados do Instituto Brasileiro de geografia e
estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=240080ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017 150
Atual municiacutepio do Estado da Bahia situado no vale do Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphpcodmun=291840 Data
de acesso 05072017
50
Santo Antatildeo em Pernambuco e seguia por pontos como ldquoTacaraturdquo 151
ldquoCabroboacuterdquo 152
ldquoPilatildeo
Arcadordquo 153
entre outros tendo como fim tambeacutem o rio do Cariranha
O segundo documento utilizado por Gonsalves de Mello trata-se de um ofiacutecio enviado
pelo Bispo Azeredo Coutinho a Corte no ano de 1802 apesar de fugir de nosso recorte
temporal vale a pena observa-lo a tiacutetulo comparativo Mello refuta a indicativa de Capistrano
que alega que o Bispo Azeredo Coutinho tenha mandado abrir durante o seu governo um
caminho ligando a Praccedila de Olinda aos sertotildees 154
De acordo com o autor esse caminho era
justamente o ldquoCaminho do Ipojucardquo De fato a leitura do ofiacutecio da Junta Governativa da
Capitania de Pernambuco datada de julho de 1802 pode levar ao entendimento que partira do
Bispo Coutinho a ideia de abrir um caminho que ligasse Olinda aos sertotildeesmiddot visto que nele se
afirma que ldquouma das causas de natildeo haver maior abundacircncia de gados nesta Praccedila era a falta
de estradas para os sertotildees do Satildeo Franciscordquo 155
e que esta informaccedilatildeo chegou ateacute Portugal
atraveacutes ldquodo sect 3ordm do reacutegio aviso de 19 de setembro de 1799 dirigido pelo Exmo Sr Dr
Rodrigo de Sousa Coutinho ao Exmo Bispo desta dioceserdquo 156
Poreacutem como eacute sabido este
caminho jaacute era rota conhecida e utilizada
Para aleacutem destes dois importantes documentos conseguimos localizar tambeacutem junto
ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB da Universidade de Satildeo Paulo ndash USP um
documento datado de 1730 enviado ao ouvidor geral de Pernambuco com a seguinte ementa
ldquoPara o senhor doutor ouvidor geral ver os caminhos que satildeo necessaacuterios (serem) abertos para
seguir pela estrada de Santo Antatildeo para o rio de Satildeo Franciscordquo 157
Este documento de
autoria natildeo identificada descreve com precisatildeo o caminho que se fazia preciso abrir para
interligar o litoral da capitania com seus sertotildees atraveacutes do vale do Ipojuca
151
Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu
Data de acesso 05072017 152
Distrito do muniacutecipio de Pesqueira no agreste Pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de geografia e
estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data
de acesso 05072017 153
Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017 154
AHU ndash PE Cx 235 D 15875 155
Idem 156
Idem 157
Informaccedilatildeo prestada ao ouvidor geral sobre a necessidade da abertura de caminhos na regiatildeo do rio Satildeo
Francisco Arquivo IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-005
51
Essa rota segundo sugere a carta deveria comeccedilar na freguesia de Santo Amaro de
Jaboatatildeo onde seria necessaacuterio ldquoabrir os caminhos e tanto de enxada como de foice e
machado ateacute o siacutetio chamado as queimadasrdquo 158
Naquele ponto comeccedilaria a freguesia de
Santo Antatildeo da Mata onde se fazia preciso abrir passagem ateacute o rio das Pedras de Ipojuca
local onde terminava a freguesia de Santo Antatildeo Atravessando o rio das Pedras para seu
outro lado se chegaria a freguesia do Ararobaacute que era ldquoa mais fechada estrada que se acha em
todo o sertatildeo por nunca ser aberta no tempo em que se comeccedilou a cultivar e hoje jaacute a deixam
muitos passageiros pela natildeo poderem seguir com os seus comboiosrdquo 159
adverte o autor que
ali deveria se abrir aleacutem de uma estrada para o Rio de Satildeo Francisco outra que levasse para a
ldquomissatildeordquo do Ararobaacute e dali para o Pajeuacute
Continua alertando que era preciso por poccedilas puacuteblicas ldquocom caminhos e cruz na
estradardquo jaacute que esta rota ficava afastada Prossegue afirmando que o principal trecho que se
deveria abrir era o da Lagoa da Pedra do Tacaete e todas as aguadas do Riacho Libaral
Pedra do Cachorro e Lagoinha ldquofazendo-lhes caminho para sair para a porteira do macacordquo
160 Diz ainda que se deviam pocircr cruzes por todo o riacho do Mororoacute A aacuterea proacutexima do
Mororoacute segundo a descriccedilatildeo feita era toda ldquocultivada de moradores e fazendasrdquo 161
aleacutem
disso a localidade contava com aldeias de gentio de naccedilatildeo Xucuru Paraguaio Parariconha e
Carnejo
Nosso autor desconhecido aconselha ainda que a estrada se construa em poucos dias e
que ali no siacutetio chamado Tacalico se findava a freguesia do Pajeuacute onde por sua vez tinha
iniacutecio a freguesia de Cabroboacute Daquele ponto era necessaacuterio que se abrisse do siacutetio Tacaratu
ateacute o Rio de Satildeo Francisco uma distacircncia de aproximadamente cinco leacuteguas Continua dando
detalhes sobre os caminhos daquele sertatildeo afirmando que ldquoseguindo para as minas se
caminha a vista do dito Rio (Satildeo Francisco) 35 leacuteguas largando o tal rio se passa o rio das
Velhas na barra donde se encontra com o de Satildeo Franciscordquo 162
o fim deste caminho eacute
apontado pelo autor como a regiatildeo do Cariranha que ficava afastada cerca de 200 leacuteguas das
minas de ouro
158
Idem 159
Idem 160
Idem 161
Idem 162
Idem
52
Por fim sugere que o caminho seja aberto no mecircs de outubro e novembro pois naquela
eacutepoca havia ldquoabundacircncia de aacuteguas para os trabalhadoresrdquo 163
Advertia poreacutem que nesta
estrada seria necessaacuterio caminhar dois dias por dentro de um rio chamado Moxotoacute e que em
determinadas ocasiotildees o mesmo ficava inundado impossibilitando que o trabalho de abertura
fosse feito Aleacutem disso aquele rio era frequentado anualmente pelos povos nativos das naccedilotildees
Paraguaio e Parariconha
Na tentativa de entendermos um pouco melhor o roteiro aqui descrito faremos uma
breve explanaccedilatildeo das principais freguesias descritas no documento Para isso utilizaremos
como base um documento riquiacutessimo enviado a corte pelo governador de Pernambuco a
eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses onde o mesmo faz uma descriccedilatildeo detalhada da capitania
pernambucana relacionando todas suas freguesias povoaccedilotildees respectivas economias
caracteriacutesticas ambientais entre outros traccedilos daquelas paragens 164
De acordo com o documento da segunda metade do XVIII a freguesia de Santo
Amaro de Jaboatatildeo 165
atual municiacutepio de Jaboatatildeo dos Guararapes em Pernambuco onde
teria iniacutecio o caminho sugerido ao Ouvidor Mor tinha dez leacuteguas de aacuterea fazendo fronteira
com as freguesias de Satildeo Lourenccedilo da Mata 166
ao Norte e a leste com a freguesia da Vargem
167 A freguesia contava com 14 engenhos destes oito moiacuteam com aacutegua e seis com cavalos
Possuiacutea duas ribeiras ldquoa do Jaboatatildeo que tem seu principio em uma matardquo 168
e o outro rio era
o do Gajauacute as margens do uacuteltimo estavam situados os engenhos de aacutegua A povoaccedilatildeo natildeo
passava de uma pequena aldeia e seus habitantes viviam majoritariamente de suas plantaccedilotildees
de accediluacutecar algodatildeo e mandioca
Dando seguimento ao percurso sugerido chegaria-se a freguesia de Santo Antatildeo da
Mata atual municiacutepio de Vitoacuteria de Santo Antatildeo este jaacute era considerado um local sertanejo
163
Idem 164
Este documento que pode ser encontrando na coleccedilatildeo especial para Pernambuco existente na Biblioteca
Nacional natildeo possui uma dataccedilatildeo especiacutefica apenas eacute indicado que os dados nele contido comeccedilaram a ser
levantados no ano de 1774 Acreditamos que o relatoacuterio feito pelo governador esteja relacionado agraves tentativas da
Coroa jaacute comentadas neste capiacutetulo sobretudo no periacuteodo Pombalino de buscar conhecer melhor seu territoacuterio
Referecircncia ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices)
ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 165
Atual municiacutepio do agreste pernambucano que assumiu o nome de Jaboatatildeo dos Guararapes 166
Atual municiacutepio da regiatildeo metropolitana do Recife Dados do Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica-
IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261370ampsearch=pernambuco|sao-
lourenco-da-mata Data de acesso 05072017 167
Atual bairro da Vaacuterzea localizado na cidade do Recife 168
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
53
A freguesia tinha ldquo5 leacuteguas donde parte com o curato de Satildeo Joseacute chamado dos Bezerros 169
extrema-se com a freguesia de S Antocircnio do Ururuba 170
dos iacutendiosrdquo 171
Segundo o mesmo
documento os sertotildees daquela freguesia eram secos e o rio mais destacado do lugar era o
Pajeacuteu ldquoo qual vai fazer barra no Rio de Satildeo Franciscordquo 172
Sobre a populaccedilatildeo e economia
local o documento afirma que eram poucos os engenhos dedicados ao fabrico de accediluacutecar no
lugar apenas trecircs apesar de haverem outros dedicados ao mel e as engenhocas de rapadura O
nuacutemero de habitantes era alto e viviam de vender ldquoseus gadinhosrdquo 173
e ldquoefeitos e panos de
algodatildeordquo 174
nas feiras locais Segundo o relato o comeacutercio de panos de algodatildeo no lugar
atraia ateacute mesmo comboios dos sertotildees de Minas O que confirma estar agrave localidade inserida
nos roteiros que ligavam aos sertotildees
Depois da freguesia de Santo Antatildeo da Mata o caminho indicava que se seguisse pelo
rio Ipojuca ateacute o siacutetio ldquoCaruarurdquo que a anaacutelise da rota nos leva a crer se tratar do atual
muniacutecipio do agreste Pernambuco de mesmo nome Depois desse momento se fazia
necessaacuterio seguir para a freguesia do Ararobaacute Em documento do ano de 1780 que pretendia
compilar as cidades e vilas da capitania de Pernambuco e suas respectivas freguesias a
seguinte menccedilatildeo eacute feita quanto tal localidade ldquodo Araroba Rodelas Rio Grande do Sul natildeo
chegaram as relaccedilotildees por serem partes muito distantesrdquo 175
Nesta mesma relaccedilatildeo estima-se
que a freguesia do Ararobaacute estava a 80 leacuteguas de distacircncia de Recife
No documento remetido por Joseacute Cesar de Meneses a dita freguesia estaacute inserida
dentro do chamado ldquosertatildeo dos Garanhusrdquo 176
Ela tinha iniacutecio em um local conhecido como
ldquoCapacaccedilardquo que era pouco povoado havendo ldquomuitas leacuteguas sem habitadoresrdquo 177
As vilas de
169
Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros Data de
acesso 05072017 170
Conhecida tambeacutem como Ararobaacute ou Ororobaacute 171
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 172
Idem 173
Idem 174
Idem 175
Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo IEB-USP Fundo
Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010 176
Atualmente a cidade de Garanhus eacute um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260600ampsearch=pernambuco|garanhuns Data
de acesso 05072017 177
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
54
Simbres dos Iacutendios 178
a de Aacuteguas Belas 179
a do Riacho do Navio180
Pipaacuteoacute 181
e Arapuaacute 182
faziam parte da freguesia Boa parte dessas localidades ainda hoje preservam as toponiacutemias
do XVIII estando situadas entre o agreste de Pernambuco e a regiatildeo do vale do Satildeo
Francisco Quanto a dinacircmica comercial local o manuscrito revela ser tal freguesia ldquomui
pobrerdquo 183
sua populaccedilatildeo vivia de plantar lavouras de milho roccedila canas de accediluacutecar feijotildees
fazer mel rapadura e tambeacutem dos negoacutecios das carnes criando boiadas curtindo e vendendo
couros e solas atravessando gados para Bahia e Pernambuco etc
Seguindo nosso roteiro do Ararobaacute era necessaacuterio se abrir caminho natildeo soacute da estrada
que levava ao Rio Satildeo Francisco mas tambeacutem da missatildeo de Araroba 184
ateacute o Pajeuacute O ldquosertatildeo
do Pajeuacuterdquo era extenso nele estavam inseridas quatro importantes freguesias sertanejas
Cabroboacute 185
Satildeo Joseacute dos Bezerros 186
Tacaratu 187
e por fim Pilatildeo Arcado 188
Apoacutes a
178
Atual distrito do municiacutepio de Pesqueira localizado no agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data de acesso 05072017 179
Atual municiacutepio de Aacuteguas Belas localizado no agreste de Pernambuco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260050ampsearch=pernambuco|C381gu
as-belas Data de acesso 05072017 180
O Riacho do navio eacute um curso fluvial que atravessa o sertatildeo de Pernambuco sendo um dos principais
afluentes do Rio de Satildeo Francisco O curso nasce no atual municiacutepio de Floresta em Pernambuco Dados do
Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=260570 Data de acesso 05072017 181
Infelizmente natildeo conseguimos identificar onde se encontra tal localidade atualmente 182
Acreditamos que o autor quis se referir as proximidades da ldquoSerra do Arapuaacuterdquo localizada atualmente no
distrito de Carnaubeira da Penha situado na regiatildeo do Satildeo Francisco e inscrito na bacia do Rio Pajeuacute 183
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 184
De acordo com a bibliografia consultada a missatildeo do Araroba ou Ararobaacute ficava localizada entre os atuais
municiacutepios de Aacuteguas Belas e Garanhus Referecircncia DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na
constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume
282 ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os acossamentos de
Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII) Rev Bras Hist [online] 2015
vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016 MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute
e Rio Grande catequese violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22 185
Atual municiacutepio do sertatildeo pernambucano que conserva o mesmo nome Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260300ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017 186
Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros 187
Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu
Data de acesso 05072017 188
Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017
55
chegada ao Pajeuacute o autor adverte que se deve abrir principalmente o caminho da Lagoa da
Pedra do Tacaete e as aguadas do Riacho Libaral Pedra do Cachorro e Lagoinha
Ateacute o momento natildeo conseguimos identificar onde estaria situada atualmente a ldquoLagoa
da Pedra do Tacaeterdquo Para as outras localidades foi possiacutevel localizar seus atuais logradouros
o Riacho Libaral estaacute situado no atual municiacutepio de Sanharoacute a Pedra do Cachorro um
afloramento rochoso que atualmente atrai turistas para praacutetica de esportes radicais fica em
Satildeo Caetano Por fim Lagoinha diz respeito ao municiacutepio de Alagoinhas todas estas cidades
compotildeem a zona agreste de Pernambuco e fazem parte da microrregiatildeo do vale do Ipojuca 189
Seguindo o caminho traccedilado no documento base era orientado que nos ldquocaldeiros do
riacho do Mororoacuterdquo 190
fossem postos cruzes o dito riacho estaacute localizado atualmente no
municiacutepio de Pedra no agreste de Pernambuco de acordo com nossa rota era uma freguesia
extensa com cerca de 70 leacuteguas de comprimento e seu fim era fronteiriccedilo com a freguesia de
Cabroboacute 191
Cabroboacute era um importante ponto de passagem dos caminhos interioranos
possuiacutea 60 fazendas de gado vacum e cavalar seu principal rio era o do Pajeuacute ldquodonde toma
nome este sertatildeordquo 192
Os povos locais viviam de criar gados e os negociavam tanta na Bahia
como em Pernambuco ao que consta nos manuscritos o cultivo no local era pequeno
dedicado apenas a subsistecircncia da populaccedilatildeo local
Dando prosseguimento no guia de Cabroboacute se fazia necessaacuterio abrir os caminhos ateacute o
ldquoSiacutetio Tacaraturdquo 193
Pouco se fala sobre a freguesia de Tacaratu no documento base que aqui
nos utilizamos explica-se apenas que possuiacutea cerca de 60 fazendas e que alguns recantos
daquela freguesia eram totalmente despovoados isto porque tais locais ldquonatildeo servem de criar
gados por falta de aacuteguasrdquo 194
Quanto a economia local afirma-se que sua populaccedilatildeo vivia de
criar seus gados outros de seus negoacutecios de passar boiadas para Bahia e da laacute traziam ldquovaacuterias
189
Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas - APAC Disponiacutevel em
httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=17 Data de acesso 05072017 190
191
Fizemos um caacutelculo estimado para verificar se a informaccedilatildeo era coerente Considerando que cada leacutegua
equivale a cerca de 48 km e que o cumprimento da freguesia de Pedra ateacute o Cabroboacute seria de 70 leacuteguas
Multiplicamos 70 x 48 chegando ao valor de 336km Utilizando o recurso do Google Maps traccedilamos uma rota
entre Cabroboacute e Pedra (rodoviaacuteria) satildeo trecircs os caminhos possiacuteveis apontados pelo programa suas
quilometragens satildeo respectivamente 293 km 342 km e 352 km Valores bem proacuteximos de nossa estimativa 192
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 193
Atualmente Tacaratu eacute um muniacutecipio pernambucano localizado na regiatildeo do Meacutedio Satildeo Francisco Dados do
Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu Data de
acesso 05072017 194
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
56
fazendas para seu comeacuterciordquo 195
A atual cidade de Tacaratu muniacutecipio do estado de
Pernambuco estaacute inserida na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco
De acordo com nossa rota a distacircncia entre Tacaratu e o Rio de Satildeo Francisco era de
aproximadamente cinco leacuteguas Dali o caminho seguiria em direccedilatildeo ao atual estado de Minas
Gerais passando-se do Rio de Satildeo Francisco para o Rio das Velhas A capitania
pernambucana se estremava com a mineira atraveacutes do Cariranha esta localidade seguindo os
dados de nosso guia ficava a aproximadamente 200 leacuteguas afastada da regiatildeo das minas de
ouro
Por fim a rota aqui descrita refere-se ao rio Moxotoacute afirmando que para se abrir tal
caminho era preciso caminhar por cerca de dois dias dentro de tal rio O rio que preserva o
mesmo nome da eacutepoca banha os estados de Pernambuco e Alagoas sua nascente se encontra
no atual muniacutecipio de Sertacircnia no sertatildeo pernambucano e o mesmo desagua no Rio de Satildeo
Francisco De acordo com dados da Agecircncia pernambucana de aacuteguas e climas ndash APAC 196
a
bacia do rio Moxotoacute possui uma aacuterea total de 974401 kmsup2 e abrange 12 municiacutepios
pernambucanos total ou parcialmente Sendo eles Inajaacute Sertacircnia Arcoverde Custoacutedia
Ibimirim Manari e Tacaratu Buiacuteque Floresta Jatobaacute Iguaraci e Tupanatinga todas estas
cidades estatildeo compreendidas na regiatildeo do sertatildeo do estado
Para visualizarmos melhor o caminho aqui descrito traccedilamos um caminho aproximado
da rota de 1730 Como podemos ver na imagem abaixo
195
Idem 196
Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas ndash APAC Disponiacutevel em
httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=18 Data do acesso 05072017
57
Mapa 4 ndash Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha (1730)
Fonte Jeacutessica Rocha de Sousa Ana Maria Cuentro Barros Imagem aproximada da Rota do Ipojuca para o
Rio de Satildeo Francisco (1730) Imagem criada com o auxiacutelio do programa Adobe Illustrator
Como eacute possiacutevel notar atraveacutes da anaacutelise da rota aqui feita o caminho sugerido se
aproxima bastante do ldquocaminho do Ipojucardquo descrito no roteiro de 1738 e mapeado por
Antocircnio Gonsalves de Melo Dessa forma podemos concluir que se este documento natildeo foi
exclusivamente o guia para abertura de tal roteiro pelo menos indicava uma demanda real que
de fato foi atendida em algum momento entre 1730 e 1738 pois a partir da uacuteltima data jaacute era
possiacutevel acessar o sertatildeo ateacute o Rio de Satildeo Francisco atraveacutes do Rio Ipojuca e seus afluentes
Demonstramos atraveacutes da documentaccedilatildeo aqui elencada que os sertotildees fronteiriccedilos a
Bahia e Pernambuco eram dinacircmicos Muitas eram as localidades sertanejas apontadas nos
manuscritos que comercializavam com as duas praccedilas A conexatildeo entre as duas capitanias
eram extensas e no periacuteodo aqui estudado jaacute estavam bem consolidadas De maneira geral o
estudo sobre as rotas de penetraccedilatildeo tendem a trataacute-las apenas como caminhos pelo qual se
58
passavam os gados no entanto deve-se atentar que outros negoacutecios tambeacutem ocorriam nestas
paragens isto eacute os caminhos natildeo serviam exclusivamente ao comeacutercio das carnes e couros
Estudos mais recentes tem se dedicado a demonstrar o dinamismo do comeacutercio
sertanejo em suas conexotildees com a economia colonial estes trabalhos tem sido essenciais no
sentido de renovar a perspectiva sobre os negoacutecios desenvolvidos nas regiotildees interioranas Ao
analisar as relaccedilotildees que uniam os sertotildees da Bahia a Minas Gerais Isnara Pereira Ivo iraacute
alertar para ldquoo papel econocircmico e comercial dos sertotildeesrdquo 197
que por muitas vezes era
ldquominimizado como meros fornecedores de carnerdquo 198
a autora iraacute afirmar que este papel
ldquoredimensiona-se quando percebido como parte de uma articulaccedilatildeo econocircmica cultural e
poliacutetica maior permeada de especificidades e dinamismosrdquo 199
Ou seja Ivo chama a atenccedilatildeo
para vitalidade inclusive comercial daquelas regiotildees que no seacuteculo XVIII jaacute possuiacuteam um
ritmo proacuteprio de desenvolvimento e se encontravam conectadas ao litoral e ao aleacutem-mar
sendo peccedila importante da economia colonial
Em dissertaccedilatildeo que trata sobre a participaccedilatildeo dos negociantes pernambucanos no
comeacutercio de abastecimento da regiatildeo mineradora no seacuteculo XVIII Hugo Demeacutetrio Nunes
Teixeira Bonifaacutecio tambeacutem iraacute defender a tese do intenso movimento comercial daquelas
paragens O autor afirmaraacute que ldquoo sertatildeo era uma regiatildeo economicamente dinacircmica capaz de
prover gecircneros dos quais necessitavam por exemplo a regiatildeo das Minasrdquo 200
Cabe aqui
ressaltar que os sertotildees a que se refere Bonifaacutecio satildeo os de Pernambuco e Bahia em suas
conexotildees com as Minas de ouro
Esse dinamismo nas regiotildees interioranas tambeacutem poderaacute ser observado nas relaccedilotildees
que uniam Pernambuco a Bahia A introduccedilatildeo das barcas de passagens que faziam o
transporte de pessoas e cargas entre as duas margens do Rio de Satildeo Francisco 201
por
exemplo eacute demonstrativa do grande tracircnsito comercial estabelecido naqueles sertotildees e
denotam a tentativa da Coroa de tentar de alguma forma regulamentar aquele comeacutercio que
fugia ao controle do fisco real Visto que as tais passagens passam a fazer parte do conjunto
dos contratos reais formas de arrecadaccedilatildeo tributaacuteria utilizadas em Portugal desde o seacuteculo
197
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica
Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 115 198
Idem 199
Idem 200
BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de
Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII
Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e
Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 201
NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte Editora
UFMG 2011 P 85 AHU ndash PE Cx 133 D 9987
59
XVI 202
Analisando a implementaccedilatildeo das barcas de passagem que conectavam os rios
sertanejos as minas de ouro Isnara Pereiro Ivo afirmaraacute que
Os arrendamentos das passagens dos rios faziam parte do sistema de
contratos e estavam relacionados ao descobrimento do ouro agraves formas de
controle e descaminho e agrave ampliaccedilatildeo das receitas reais Eram feitos por
leilatildeo no Conselho Ultramarino e no ato da assinatura do contrato o
contratador assumia a obrigaccedilatildeo de pagar 1 destinado as propinas
municcedilotildees e construccedilotildees de fortalezas no ultramar e de restituir a Coroa em
trecircs anos o restante do montante a ser pago Os contratos podiam ser
arrematados tanto por um soacute individuo quanto por um grupo 203
Aqui em Pernambuco o processo de arremataccedilatildeo das tais passagens parece ter ocorrido
de forma semelhante De acordo com ofiacutecio datado de 1779 as barcas iratildeo surgir no Satildeo
Francisco por iacutempeto de um morador da regiatildeo de Rodelas que observara o ldquoincomodo e
risco que corriam os passageiros e comboios na falta de barca que os passassemrdquo 204
por isso
resolveu por uma barca no Satildeo Francisco na regiatildeo de Juazeiro Fez isso o morador sem
ldquoprocurar licenccedila para o fazer nem contribuir para a real fazenda com parte do seu
rendimentordquo 205
Quando o governador de Pernambuco a eacutepoca Duarte Sodreacute descobriu tal
negoacutecio ordenou ao comandante do distrito por o rendimento daquela passagem para
arremataccedilatildeo em praccedila puacuteblica
O morador pioneiro ofereceu 300000 reis pelo triecircnio do contrato como era de
costume No entanto o governador por acreditar que tal contrato valesse mais o mandou
colocar em leilatildeo no Recife Natildeo houve entretanto quem quisesse pagar mais por ele A
desconfianccedila reacutegia acerca dos rendimentos gerados a partir das barcas de passagens na regiatildeo
do Satildeo Francisco natildeo seraacute exclusividade da sua gecircnese em diversos outros momentos o
Conselho Ultramarino iraacute exigir que se procedesse agrave investigaccedilatildeo sobre os rendimentos
daqueles contratos 206
A desconfianccedila dos agentes reacutegios era de que os mercadores
mancomunados faziam ofertas bem abaixo da meacutedia de geraccedilatildeo de lucros daquele
investimento Todo esse clima de suspeita eacute demonstrativo da falta de conhecimento concreto
da Coroa a respeito dos negoacutecios que se praticavam nos sertotildees resultado de uma poliacutetica
administrativa que soacute se preocupou tardiamente por aquelas aacutereas
202
IVO Isnara Pereira Op Cit P 159 203
Idem 204
AHU ndash PE Cx 133 D 9987 205
Idem 206
Idem AHU ndash PE Cx 151 D 9853AHU ndash PE Cx 88 D 7150
60
Natildeo sabemos o nome do dito morador mas sabemos que seu filho Joatildeo Moreira da
Costa e Silva em 1759 fez requerimento ao Rei solicitando ser provido com o direito a
propriedade das passagens do Rio de Satildeo Francisco Neste documento Joatildeo Moreira afirma
ter sido seu pai o descobridor da passagem do Juazeiro e das outras nove passagens que iratildeo
se instalar naquele rio Ele propotildee ao rei que lhe faccedila a mercecirc de lhe conceder a propriedade
das passagens durante toda sua vida ficando o suplicante na obrigaccedilatildeo de ldquofazer bons em cada
um ano para a real fazenda 200000 reacuteisrdquo 207
Temos o conhecimento de que eram dez as passagens do Rio de Satildeo Francisco
administradas pela capitania de Pernambuco No ano de 1756 cinco dessas passagens por
pedido do Ouvidor da Comarca de Jacobina na Bahia passaratildeo a ter seus rendimentos
gerenciados pela cacircmara da Vila da Barra de Satildeo Francisco das Chagas como meio de gerar
fundos para construccedilatildeo da cadeia da nova vila passado dez anos esses contratos deveriam ser
assimilados a Provedoria Mor da Bahia Essa resoluccedilatildeo natildeo iraacute agradar ao governo de
Pernambuco que anos mais tarde iraacute requerer a reincorporaccedilatildeo das tais passagens agrave capitania
de origem As cinco passagens submetidas agrave cacircmara da Vila da Barra de S Francisco das
Chagas se situavam em Bom Jardim Barra Rio Preto Cariranha e Rio Corrente As da parte
de Pernambuco ficavam em Juazeiro Pilatildeo Arcado Surubabeacute Petra e Currais dos Bois 208
Um documento do ano de 1778 esclarece quais as condiccedilotildees e deveres a que estavam
sujeitos os contratadores das passagens do Satildeo Francisco aqui em Pernambuco Os contratos
poderiam ser arrendados por um uacutenico indiviacuteduo ou por soacutecios ficava o contratador livre para
ldquocobrar-se tudo que pertence a Fazenda Realrdquo 209
O contrato deveria ser pago a Tesouraria
Geral e Deputado da Junta da Fazenda Real atraveacutes de parcelas a cada seis meses e em
dinheiro fiacutesico Tinham por obrigaccedilatildeo ainda o contratador e seus soacutecios pagarem propina de
1 para obras pias Em relaccedilatildeo agraves barcas cabia ao contratador escolher se compraria as
embarcaccedilotildees do uacuteltimo arrendataacuterio ou se mandaria construir novas sendo determinado pelo
regulamento que o contratador antecedente negociasse preccedilos justos pelas embarcaccedilotildees
De acordo com nossas fontes se cobravam os fretes pelos seguintes produtos Cabeccedilas
de gado vacum cabeccedilas de gado vacum que passam a nado cabeccedilas de gado cavalar mansos
cabeccedilas de gado serrilho cargas passageiros e escravos Cada barca tinha um piloto e cerca
de dois a quatro marinheiros que a servia 210
Os maiores ganhos foram observados na
207
AHU ndash PE Cx 88 D 7150 208
AHU ndash PE Cx 133 D 9987 209
AHU ndash PE Cx 131 D 9853 210
AHU ndash PE Cx 133 D 9987
61
passagem do Juazeiro regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias de Bahia e Pernambuco 211
A
categoria ldquocargasrdquo natildeo especiacutefica os produtos autorizados a circular naquelas embarcaccedilotildees
com certeza muitas mercadorias das chamadas ldquovedadasrdquo se fizeram passar por esses pontos
do rio inclusive o ouro proveniente da regiatildeo das minas 212
Outra questatildeo que vale destacar na discussatildeo sobre os sertotildees envolvidos nesta
pesquisa diz respeito a relaccedilatildeo que algumas freguesias iratildeo manter concomitantemente com
as capitanias de Bahia e Pernambuco A ldquoComarca da Manga que segue o Rio de Satildeo
Francisco acima Vila de Satildeo Francisco na Barra do Rio Grande do Sulrdquo por exemplo estava
sujeita em questotildees de justiccedila ao ouvidor da Jacobina Bahia mas pertencia o ldquogoverno das
almasrdquo ao bispo de Pernambuco 213
Como jaacute discutido as questotildees de limites e de
administraccedilatildeo nas aacutereas interioranas iratildeo se dar de maneira singular naquelas paragens o
cotidiano das povoaccedilotildees e as proximidades entre uma e outra capitania parecem ter dado o
ritmo agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila
Os sertotildees setecentistas possuiacuteam vitalidade e energia e satildeo descritos nos documentos
de eacutepoca como locais propiacutecios ao desenvolvimento de praacuteticas mercantis Neste trabalho
estas relaccedilotildees mercantis iratildeo assumir contornos especiais Afinal de contas entre 1759 e
1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia Geral de Pernambuco e
Paraiacuteba No nosso caso percebemos que paralelamente a um mercado legal e reconhecido se
fez surgir naqueles espaccedilos uma seacuterie de atividades extralegais As redes comerciais
estabelecidas entre as Praccedilas da Bahia e Pernambuco no periacuteodo estudado seratildeo comumente
tachadas pela documentaccedilatildeo como perpetradoras de comeacutercio clandestino O contrabando de
gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa foram uma constante na
documentaccedilatildeo
Estas regiotildees iratildeo desempenhar papel importante neste universo de descaminhos
Como jaacute destacamos ao longo dessas regiotildees encontravam-se diversos portos de pequeno
porte que por onde antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba jaacute se
realizavam transaccedilotildees mercantis Em ofiacutecio do ano de 1770 o governador de Pernambuco
Manoel da Cunha Meneses ao falar sobre os contrabandos estabelecidos entre Bahia e
211
Idem AHU ndash PE Cx 88 D 7150 212
Sobre isto ver BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e
Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no
Seacuteculo XVIII Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado em histoacuteria) - Centro de Filosofia e Ciecircncias
Humanas Universidade Federal de Pernambuco 213
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
62
Pernambuco nos daacute informaccedilotildees importantes acerca da dinacircmica comercial desenvolvida nos
vales do Rio Satildeo Francisco Segundo o governador ldquoO sertatildeo deste continente eacute um dos mais
povoadosrdquo 214
complementa afirmando que as margens do rio de Satildeo Francisco existem
diversas povoaccedilotildees e a respeito do comeacutercio na regiatildeo diz que ldquoeste rio divide esta capitania
da Bahia [] aleacutem das povoaccedilotildees jaacute ditas eacute muito vadiaacutevel de embarcaccedilotildees ligeirasrdquo 215
por
onde se transportam ldquotoda a conta de fazendas que estatildeo tatildeo abundantes estes sertotildees e neles
as introduzem os moradores de uma e outra parterdquo 216
Alguns anos mais tarde em 1779 o ouvidor da comarca das Alagoas iraacute relatar
detalhes sobre a organizaccedilatildeo deste ldquopernicioso comeacuterciordquo Segundo o mesmo ldquoPor todos estes
engenhos jaacute natildeo haacute uma soacute caixa (de accediluacutecar) que natildeo esteja vendida pelo exorbitante preccedilo de
treze tostotildees por arroba a diferentes e muitos fabricantes que vieram da Bahia a este
propoacutesitordquo 217
Segundo o ouvidor a estrateacutegia do grupo de contraventores consistia em
transportar para as praias da regiatildeo as caixas contrabandeadas durante a noite em ldquojangadas e
sumacas que existem atualmente na ilha de Santo Aleixo e em Una donde francamente tem
saiacutedo de proacuteximo cinco ou seisrdquo 218
Apesar das rotas sertanejas aqui descritas nos indicarem as possiacuteveis vias de acesso do
litoral ao interior do territoacuterio pernambucano mapear com exatidatildeo os caminhos percorridos
pelos comerciantes contraventores natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis pois aleacutem de natildeo existir
interesse de se documentar esse tipo de comeacutercio ao que nos parece de acordo com a anaacutelise
da documentaccedilatildeo esses caminhos eram dinacircmicos e muacuteltiplos e nos faltam instrumentos
cartograacuteficos mais precisos que sejam capazes de revelar a grandiosidade da costa
pernambucana ldquode donde por mar e terra se introduzem neste continenterdquo 219
produtos
contrabandeados
Uma coisa eacute certa a natureza pernambucana contribuiacutea na realizaccedilatildeo das ilicitudes a
ldquogrande dilataccedilatildeo que tem o continente da jurisdiccedilatildeo deste governordquo 220
que compreende em
suma ldquopor costa do Mar 82 leacuteguas com muitos rios barras enseadas e entradas por entre
arrecifes que por providecircncia divina cobre toda esta costardquo 221
permitiu que nunca se faltasse
214
AHU ndash PE Cx 108 D8371 215
Idem 216
Idem 217
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 218
Idem 219
AHU ndash PE Cx 127 D 9670 220
AHU ndash PE Cx 108 D 8371 221
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
63
o contrabando em Pernambuco natildeo soacute de escravos mas de outras mercadorias 222
Apesar da
tentativa de encobrir essas rotas por parte daqueles que delas se beneficiavam alguns pontos
acabaram documentados pela fiscalizaccedilatildeo
Nosso acervo documenal revela uma variedade significativa de portos indicados pelas
autoridades locais como aacutereas de desembarque de produtos contrabandeados Listamos abaixo
os portos ateacute o momento identificados
Quadro 1 - Lista de Portos em que Ocorreratildeo apreensotildees ou se fez saber da existecircncia de
Contrabandos
PORTOLOCALIDADE
BAHIA DA TRAICcedilAtildeO
CABO DE SANTO AGOSTINHO
CAMARAJIBE
CURURIPE
GOIANA
ILHA DE SANTO ALEIXO
ILHA DO NOGUEIRA
JARAGUAacute
PRAIA DA PENHA
PRAIA DE PAU AMARELO
PRAIA DA FORTALEZA DO BRUM
PORTO CALVO
PORTO DO RECIFE
SANTO ANTONIO DA BARRA GRANDE
SIARAacute GRANDE
SIRINHAEM
TAPAGIPE
TRAPICHE DE MACIEL ndash BAHIA
UNA
Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 132 D9955 AHU ndash PE Cx133 D 9966
AHU-PE Cx 133 D 10003 AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash PE
Cx 138 D 10248 AHU ndash BA Cx 181 D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx
107 D 8284 AHU ndash PE Cx 110 D 8493 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 133 D
222
CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-1850 Recife
2002 P 102
64
10017 AHU ndash PE Cx 137 D 10197 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos
Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2
Foi possiacutevel rastrear atualizando as toponiacutemias a maior parte dos locais citados nas
fontes Como uma maneira de buscar compreender melhor a relaccedilatildeo entre aacutereas de produccedilatildeo e
localidades apontadas nesta lista como aacutereas de embarque e desembarque de produtos
vedados nos utilizaremos de dados contidos em ofiacutecio do ano de 1761 enviado pelo entatildeo
governador de Pernambuco Luiacutes Diogo Lobo ao Reino onde se encontra uma relaccedilatildeo
contendo nome e nuacutemero de todos os engenhos moentes e de fogo morto existentes na
capitania pernambucana e suas anexas 223
As localidades de Coruripe Jaraguaacute Porto Calvo Santo Antocircnio da Barra Grande
fazem parte atualmente do estado de Alagoas Comarca anexa a Pernambuco agrave eacutepoca A
regiatildeo que aparece constantemente envolvida nos circuitos de contrabando principalmente de
accediluacutecar analisados neste trabalho possuiacutea uma grande quantidade de engenhos ativos Apenas
na freguesia de Porto Calvo existia a eacutepoca 14 engenhos em atividade e um em fogo morto
Adicionando a esta soma as faacutebricas de Alagoas do Sul Alagoas do Norte e da Freguesia de
Satildeo Miguel locais onde estavam inseridos os outros portos apontados em nossa lista
chegava-se ao total de 32 engenhos operantes na regiatildeo 224
De maneira geral os engenhos estabelecidos nas capitanias do Norte da Ameacuterica
Portuguesa se fixavam em aacutereas de vaacuterzea com faacutecil acesso a rios e ribeiras de modo a
facilitar o escoamento da produccedilatildeo canavieira para seus portos de destino nas terras
alagoanas a dinacircmica natildeo era diferente Lembramos tambeacutem que a Comarca se ligava ao
sertatildeo atraveacutes de rotas terrestres e de sua rede hidrograacutefica composta por importantes rios
como o Coruripe e o Moxotoacute
Ilha de Santo Aleixo Pau Amarelo Praia da fortaleza do Brum Praia da Penha
Camaragibe Cabo de Santo Agostinho Sirinhaeacutem e Goiana se encontram atualmente na
jurisdiccedilatildeo do Estado de Pernambuco Para agrave toponiacutemia denominada ldquoUnardquo a bibliografia
consultada afirma se tratar de freguesia proacutexima a Porto Calvo em municiacutepio hoje conhecido
como Barreiros localizado no estado de Pernambuco 225
Quanto a Ilha do Nogueira tambeacutem
223
AHU ndash PE Cx 95 D 7501 224
Idem 225
Dados coletados de Ideia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexas Coleccedilatildeo Pernambuco
(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de
Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel
em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017
65
conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia
Teimosa no Recife 226
De acordo com dados levantados por Luiacutes Diogo Lobo entre Olinda e Recife os
engenhos estavam divididos nas seguintes freguesias Muribeca Cabo Ipojuca Varge Santo
Amaro de Jaboatatildeo Satildeo Lourenccedilo da Mata Nossa Senhora da Luz e Santo Antatildeo Estas
freguesias somadas possuiacuteam 90 engenhos funcionais e 17 que jaacute natildeo operavam Quanto agrave
vila de Sirinhaeacutem e seus termos contava com 43 engenhos ativos destes 10 estavam situados
na freguesia de Una 227
Goiana estava inserida na Vila de Igarassu a freguesia dispunha de
23 engenhos em atividade e um inativo Estas freguesias em sua maioria estavam localizadas
em aacutereas de faacutecil acesso ao transporte fluvial que permitiam tambeacutem que se adentrasse ao
interior do territoacuterio
Bahia da Traiccedilatildeo faz parte do estado da Paraiacuteba A listagem do governador Luiacutes Diogo
Lobo atesta que a capitania da Paraiacuteba naquele tempo contava com 20 engenhos em operaccedilatildeo
e dois em estado de fogo morto Quanto a ldquoSiaraacute Granderdquo como o nome jaacute informa se
encontra no atual estado do Cearaacute O documento de 1761 assegura que naquela capitania
havia apenas dois engenhos moentes e um inativo 228
Para o local denominado Tapagipe
ainda natildeo foi possiacutevel identificar a localizaccedilatildeo atual Como eacute possiacutevel visualizar boa parte
das localidades apontadas pelas autoridades como locais de circulaccedilatildeo de mercadorias ilegais
estavam proacuteximas a aacutereas de produccedilatildeo canavieira Aleacutem disso estes portos naturais se
situavam em maioria na regiatildeo sul da antiga capitania e possuiacuteam conexotildees com os sertotildees
atraveacutes das abundantes malhas fluviais que circundam o nordeste
Para nos ajudar a pensar espacialmente esta regiatildeo iremos fazer uso de duas imagens
A primeira uma carta topograacutefica das ldquocapitanias de que se compotildee o presente governo de
Pernambucordquo foi oferecida ao secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier
de Mendonccedila Furtado em marccedilo do ano de 1766 A carta traz detalhes a respeito dos
povoados e recantos da costa e do interior da capitania pernambucana incluindo locais
envolvidos nos circuitos do contrabando
226
PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008 227
Ainda de acordo com o documento a freguesia de Porto Calvo que atualmente faz parte do estado de
Alagoas pertencia a Vila de Sirinhaeacutem e como jaacute dito possuiacutea 14 engenhos ativos e um classificado como fogo
morto AHU ndash PE Cx 95 D 7501 228
Idem
66
Mapa 5 ndash Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766)
Fonte LAPEH ndash Laboratoacuterio de Pesquisa histoacuterica ndash Departamento de Histoacuteria CFCH UFPE
Legenda 1ndash Bahia da Traiccedilatildeo 2- Paraiacuteba 3- Goiana 4- Itamaracaacute 5- Cidade de Olinda 6- Vila de
Santo Antocircnio do Recife 7- Cabo de Santo Agostinho 8ndash Ilha de Santo Aleixo 9- Porto Calvo 10-
Entrada das Alagoas 11- Rio de Satildeo Francisco 12- Bahia de Todos os Santos
A segunda imagem trata-se de um Mapa tipograacutefico dos portos e Costa da Bahia
Olinda e Pernambuco do ano de 1776 O mapa feito por Nicolao Martinho foi encomendado
por Manoel Jozeacute de Noronha e Meneses o Conde dos Arcos como um oferecimento a seu tio
o Marquecircs de Angeja Mais complexo que a carta exposta acima o mapa mostra em detalhes
toda a Costa de Pernambuco e Bahia passando pelos atuais estados de Alagoas e Sergipe
incluindo suas vilas os rios e ribeiras e seus cursos o que nos permite ter uma melhor ideia
do espaccedilo onde ocorriam as transaccedilotildees comerciais alvo deste estudo
67
Mapa 6 ndash Mapa Tipograacutefico dos Portos e Costa da Bahia de todos os Santos
Olinda e Pernambuco (1776)
68
69
Fonte MARTINHO Nicolao Mappa tipografico dos portos e costa da Bahia de todos os Santos
Olinda e Pernambuco [Sl sn] 1776 1 mapa ms col tinta ferrogaacutelica e nanguim 51 x 159
Disponiacutevel em httpobjdigitalbnbracervo_digitaldiv_cartografiacart309964cart309964jpggt
Acesso em 01 de janeiro de 2018
A anaacutelise da documentaccedilatildeo base utilizada nesta pesquisa junto agraves duas imagens acima
nos fornecem dados para pensar em algumas hipoacuteteses sobre a circulaccedilatildeo dessas mercadorias
Acreditamos que os produtos ldquocontrabandeadosrdquo atraveacutes dos sertotildees chegavam as populaccedilotildees
de Recife e Olinda seguindo dois caminhos distintos O primeiro seria seguindo o fluxo do
Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias (destacado pela seta
vermelha no mapa 7) utilizando os caminhos jaacute bem conhecidos do comeacutercio das carnes e
couros ou seja atraveacutes das rotas do ldquoIpojucardquo e do ldquoCapibariberdquo aqui jaacute estudadas
Chegando ao litoral estas mercadorias eram desembarcadas em pequenos portos situados
preferencialmente no litoral sul de Pernambuco onde natildeo existia a fiscalizaccedilatildeo da Companhia
70
Geral A fiscalizaccedilatildeo no geral se restringia ao porto do Recife De acordo com os dados de
Luanna Ventura a entrada do porto de Recife estava localizada ao norte do forte do Brum 229
(destacado pela seta branca no mapa 7)
A segunda rota que acreditamos ter se utilizado neste comeacutercio seria a da navegaccedilatildeo
direta via costa mariacutetima entre Bahia (destacada pela seta amarela no mapa 7) e Pernambuco
Como podemos perceber atraveacutes do mapa acima existiam entre as duas capitanias uma vasta
aacuterea de Costa natildeo protegida pela empresa e como jaacute apontado neste trabalho diversas praias
do litoral pernambucano ofereciam condiccedilotildees de desembarque Esse tipo de roteiro que jaacute
aparece bem descrito em um manual de pilotagem e navegaccedilatildeo do seacuteculo XVII 230
ficava
restrito as embarcaccedilotildees maiores dada as condiccedilotildees de navegabilidade da regiatildeo Segundo o
manual a distacircncia entre Bahia e Pernambuco era de cerca de 100 leacuteguas ldquocorre a costa ateacute o
Rio de Satildeo Francisco de Nordeste sudoeste e haacute na derrota 50 leacuteguas e do Rio de Satildeo
Francisco ao Cabo de Santo Agostinho haacute 50 leacuteguas e corre a costa nordeste sudoesterdquo
Advertia ainda aos pilotos que tomassem cuidado pois ao norte do Rio de Satildeo Francisco por
volta de 5 leacuteguas existia um arrecife perigoso conhecido como ldquoBaixio de Dom Rodrigordquo 231
O processo crime em que se envolveu o senhor Manoel Ferreira dos Santos reforccedila
nosso argumento 232
pois neste caso cinco balsas carregadas de couros e solas vindas do
sertatildeo foram apreendidas junto ao rio do Jiquiaacute em Recife 233
pela desconfianccedila que as
autoridades tiveram de que as mesmas aguardavam barco para transportar tais mercadorias agrave
capitania baiana Um dos pontos utilizados na defesa do reacuteu eacute que natildeo existia no momento da
apreensatildeo nenhum barco que estivesse carregando para Bahia e que era de conhecimento
229
OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e
tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash
Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 230
Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO Antonio de Mariz
Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo
Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por Manoel da Sylva 1655 Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq== Data de acesso
01082017 231
Os Baixios de Dom Rodrigo satildeo grandes bancos de areia que estatildeo localizados a cerca de cinco quilocircmetros
da Costa do Pontal de Coruripe (Alagoas) no meio do oceano Haacute vaacuterios casos de naufraacutegio registrados no local
Conseguimos mapear junto ao nosso acervo documental um naufraacutegio ocorrido no local no ano de 1774
tratava-se do Bergantim de nome ldquoNossa Senhora da Guia e Satildeo Francisco da Paulardquo que saindo da cidade do
Rio de Janeiro com destino a Corte acabou dando de encontro com os bancos o que na ocasiatildeo levou a oacutebito 8
das 22 pessoas embarcadas De acordo com o documento as pessoas que morreram foram ldquoBaltazar Pereira dos
Reis (soacutecio do barco) o capelatildeo o escrivatildeo sota-piloto dois marinheiros uma preta e uma mulatinhardquo Fonte
AHU ndash PE Cx 117 D 8954 232
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 233
O rio do Jiquiaacute estaacute localizado no atual bairro do ldquoCordeirordquo no municiacutepio de Recife
71
geral que aquelas balsas natildeo aguentariam uma viagem ldquopara o tempestuoso mar de barra em
forardquo 234
sem danificar suas mercadorias
Como dito anteriormente a praacutetica do contrabando na capitania pernambucana
durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial estabelecido pela Companhia Geral seraacute
abrangente e disseminada No entanto os circuitos comerciais ligando as capitanias vizinhas
teratildeo papel de destaque dentro deste comeacutercio descaminhado As rotas sertanejas haacute muito
utilizadas para o comeacutercio legal das carnes passaram a operar tambeacutem com transaccedilotildees natildeo
aprovadas e o comeacutercio direto entre os vaacuterios portos do litoral pernambucano em especial
aqueles que estavam nas proximidades de engenhos e a capitania da Bahia ganharatildeo vulto
durante este periacuteodo
Assim rios e pequenos portos tanto do litoral quanto das localidades interioranas
funcionavam como vias de escoamento de toda uma gama de iliacutecitos os contrabandistas faratildeo
entrar nas Praccedilas da Bahia e de Pernambuco atraveacutes das rotas aqui descritas uma grande
quantidade de mercadorias natildeo autorizadas Estes grupos estavam cientes dos poucos riscos
de se praticar aquele comeacutercio devido a parca fiscalizaccedilatildeo exercida pela Companhia Os
circuitos comerciais desenvolvidos nas paragens sertanejas seratildeo peccedila chave na rede de
abastecimento do mercado ilegal que se estabeleceu entre Bahia e Pernambuco na segunda
metade do XVIII
A fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral comumente restringia-se ao porto do Recife por
onde deveriam ser embarcadas e desembarcadas todas as mercadorias chegadas a capitania
pernambucana Ressalta-se aqui que o monopoacutelio da Companhia natildeo se estendia aos sertotildees
como nos revela o seu documento de instalaccedilatildeo no capiacutetulo 25 Onde se afirma que
[] Eacute Vossa Majestade servido conceder-lhe o comeacutercio exclusivo das duas
capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com todos os seus distritos []
exceptua-se poreacutem o comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba para os portos do
sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco do Sul o qual seraacute livre a todas e
quaisquer pessoas como ateacute agora o tem sido 235
Como podemos observar o documento atesta que a navegaccedilatildeo feita pelos portos do
sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco permaneceria livre no entanto alguns casos
analisados por noacutes apontam que mercadorias vindas destas regiotildees muitas vezes eram
234
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 235
Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762
Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e
Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 290
72
encaradas pelas autoridades como frutos de contrabando Esta questatildeo daraacute azo para uma seacuterie
de disputas envolvendo os comerciantes sertanejos e a Companhia Geral Isto porque ao que
indicam dois processos crimes utilizados nesta pesquisa 236
a direccedilatildeo da empresa ao longo de
seus primeiros oito ou nove anos de instalaccedilatildeo natildeo se preocupou em controlar tal comeacutercio o
fazendo apenas ldquodepois daquele tempo sem mostrar ordem reacutegia que declarasse ao arbiacutetrio da
proibiccedilatildeo o artigo 25 e reprovasse a inteligecircncia e praxe dos comerciantes em tempo tatildeo
dilatadordquo 237
A Companhia passa a tomar esse controle por forccedila de um edital lanccedilado
posteriormente 238
no entanto este edital natildeo tinha forccedila de lei uma vez que tal documento
natildeo era referendando por nenhuma ordem reacutegia Esta decisatildeo da direccedilatildeo pernambucana seraacute
contestada judicialmente nos dois casos aqui jaacute mencionados pois afirmavam as defesas dos
comerciantes que tal ldquoedital da direccedilatildeo natildeo eacute lei nem assento com forccedila de lei nem os
deputados tem jurisdiccedilatildeo alguma para arrogarem a si ambiciosa e arbitrariamente o que a
instituiccedilatildeo natildeo permitiurdquo 239
e tambeacutem ldquoque a direccedilatildeo natildeo pode ampliar nem limitar os
estatutos da companhia nem proibir o que eles natildeo proiacutebemrdquo 240
Contestavam tais defesas o poder que permitia a direccedilatildeo subalterna de Pernambuco
passar por cima dos estatutos da empresa em assunto tatildeo importante como o comeacutercio sem a
deliberaccedilatildeo de uma diretiva ou ordem real Afirmavam que este comeacutercio ateacute o ano de 1770
havia se conservado livre e que era inconcebiacutevel que a direccedilatildeo sem ordem reacutegia fizesse limitar
os estatutos contrariando a liberdade de comeacutercio que desde sempre se praticava por aquelas
bandas pois o papel de ldquolimitar e derrogar leis soacute compete ao soberano legislador e natildeo aos
inferiores seus vassalosrdquo 241
Pelo que fica claro a Companhia em Pernambuco soacute passa a se preocupar com o
comeacutercio realizado nas rotas sertanejas apoacutes um periacuteodo significativo de tempo de sua
instalaccedilatildeo Muito provavelmente apoacutes estes primeiros oito ou nove anos foi possiacutevel a direccedilatildeo
da empresa perceber como estas rotas sertanejas eram importantes para economia da capitania
236
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 237
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 15 238
Natildeo foi possiacutevel identificar a data exata de tal documento no entanto de acordo com os processos aqui
citados o edital provavelmente o edital foi expedido entre 1769 e 1770 239
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 85 240
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 241
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f
85-86
73
e quatildeo grande eram as perdas que se tinham ao natildeo controlar o comeacutercio do interior em suas
ligaccedilotildees com outras praccedilas coloniais sobretudo com Bahia e Rio de Janeiro
A atitude da empresa vem atestar que os circuitos sertanejos tinham expressividade
econocircmica a eacutepoca jaacute que natildeo se teria o trabalho de coibir um comeacutercio que fosse pouco
relevante financeiramente ou mesmo desvantajoso Eacute importante destacar tambeacutem que os
limites jurisdicionais de atuaccedilatildeo da empresa natildeo estavam bem definidos nos estatutos e que o
entendimento do que poderia ser considerado como aacuterea sertaneja era bastante subjetivo
Afinal de contas como jaacute vimos natildeo se tinha um consenso a respeito do conceito de sertatildeo
Entatildeo a histoacuteria dos contrabandos aqui contada se reparte em dois momentos o
momento preacute 1770 quando a Companhia ainda natildeo exercia um controle riacutegido sobre os
sertotildees e poacutes 1770 quando a direccedilatildeo em Pernambuco passa a exercer maior poder sobre os
negoacutecios desenvolvidos naquelas paragens Explicitamos neste momento que nossa escolha
metodoloacutegica se deu no sentido de preservar os termos originais utilizados pelas autoridades
ao tratar sobre a questatildeo deste comeacutercio feito no interior destacando sempre que possiacutevel as
variaccedilotildees interpretativas entre autoridades baianas e pernambucanas No geral a denominaccedilatildeo
ldquocontrabandordquo seraacute bastante utilizada pelas autoridades mas o termo ldquodescaminhordquo tambeacutem
seraacute usado para se referir ao comeacutercio extralegal
Dessa forma o conceito de contrabando neste estudo seraacute utilizado para abrigar uma
seacuterie de casos apontados pela documentaccedilatildeo base que agregam produtos comercializados
tanta no porto do Recife por onde teoricamente deveriam ser embarcadas e desembarcadas
todas as mercadorias chegadas a capitania pernambucana quanto mercadorias vindas do
sertatildeo que tinham como destino a Bahia ou ateacute mesmo outros portos do litoral de Pernambuco
que natildeo o porto do Recife Salientando que nem tudo que em um primeiro momento eacute
apontado como contrabando pelas autoridades de fato se enquadra nesta categoria
Ressaltamos ainda que a Companhia permitia o comeacutercio sertanejo se as mercadorias
vindas daqueles locais (sobretudo couros e solas) tivessem como destino final o porto do
Recife onde seriam negociadas com a empresa Tambeacutem eacute vaacutelido pontuar que o comeacutercio das
carnes estava excetuado deste controle e continuou livre como sempre o foi A exceccedilatildeo feita
aos negoacutecios das carnes seraacute motivo de contrariedade entre os comerciantes e a direccedilatildeo da
empresa Ainda nos dois casos aqui citados as respectivas defesas iratildeo contestar a razatildeo deste
comeacutercio que tambeacutem se dava no sertatildeo ser permitido em detrimento de outros gecircneros As
ditas defesas iratildeo alegar que ldquonenhuma razatildeo haacute para que seja livre o comeacutercio da carne e natildeo
74
seja igualmente o dos courosrdquo 242
e vatildeo aleacutem afirmando que se o comeacutercio de outros produtos
era proibido ldquose havia de ser tambeacutem proibido o trazer carnes do Sertatildeo e vende-las a Bahia e
Rio de Janeiro como se fazrdquo 243
O comeacutercio legal das carnes iraacute gerar outros problemas para Companhia pois se
aproveitando do expediente de ir comerciar as carnes no sertatildeo alguns comerciantes iratildeo se
valer desta liberdade para transportar produtos vedados Eacute o que afirma em ofiacutecio do ano de
1770 o entatildeo governador de Pernambuco Manuel da Cunha Meneses ao falar sobre as
ldquoperniciosas contravenccedilotildeesrdquo que se estabeleceram entre Pernambuco e Bahia atraveacutes das rotas
sertanejas O governador neste ofiacutecio afirma que ldquoos mesmos barcos dos portos livres que
vatildeo fazer as carnes ao sertatildeo [] introduzem tambeacutem fazendas pelo Siaraacute pela vizinhanccedila de
uma capitania com a outrardquo 244
Como podemos perceber atraveacutes do exposto ateacute o momento o contrabando foi uma
praacutetica recorrente e extensiva durante o periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial exercido
pela Companhia Geral Apesar do caraacuteter disperso desse tipo de praacutetica destacam-se neste
interim os circuitos desenvolvidos entre Pernambuco e Bahia Para o periacuteodo do nosso estudo
as ligaccedilotildees comerciais entre as duas praccedilas jaacute estavam solidificadas O comeacutercio entre as
capitanias vizinhas aconteciam de acordo com nossas fontes de duas formas por via direta
atraveacutes do mar e majoritariamente pelas rotas sertanejas que no seacuteculo XVIII eram pelo
menos duas ndash o ldquoCaminho do Ipojucardquo e o ldquoCaminho do Capibariberdquo - e conectavam as duas
capitanias Tendo isto em mente no proacuteximo capiacutetulo procederemos a anaacutelise dos casos
colhidos junto ao nosso conjunto documental
242
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 69 243
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 244
AHU ndash PE Cx 108 D8371
75
3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE
PRODUTOS
31 As mercadorias
Agora que jaacute vimos as possiacuteveis rotas percorridas pelos grupos de contraventores
podemos nos ater aos casos e mercadorias que nelas circulavam Como jaacute dito anteriormente
a fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral era restrita ao porto de Recife e lembramos ainda que
apesar da Companhia natildeo deter o monopoacutelio para o comeacutercio realizado nos sertotildees a partir do
ano de 1770 a empresa de maneira geral iraacute encarar todo o comeacutercio realizado fora do porto
do Recife como passiacutevel de ser enquadrado em crime de contrabando Dessa forma podemos
observar junto a nossa documentaccedilatildeo um aumento no volume de apreensotildees a mercadorias e
embarcaccedilotildees apoacutes 1770 bem como um maior empenho das autoridades locais na repressatildeo
de tal praacutetica
O que podemos afirmar atraveacutes da investigaccedilatildeo eacute que na verdade os chamados ldquoportos
livresrdquo tambeacutem seratildeo afetados pela poliacutetica monopolizadora da Companhia Geral pois na
verdade o problema maior natildeo se encontrava na realizaccedilatildeo do comeacutercio nestas regiotildees que
como jaacute vimos existia muito antes da fundaccedilatildeo da empresa Mas sim no destino que essas
mercadorias tomavam vindo invariavelmente inundar a praccedila mercantil de Pernambuco com
produtos bem mais em conta do que os vendidos pela empresa A preocupaccedilatildeo tambeacutem se
dava em sentido contraacuterio ou seja com os produtos que saiam de Pernambuco e iam
abastecer a Praccedila baiana sem passar pelas matildeos da Companhia ou mesmo se isentando de
pagar os direitos dos contratos reais
Os produtos que circulavam entre as duas praccedilas eram diversos Iam e vinham para os
portos de Pernambuco e Bahia uma grande sorte de mercadorias Satildeo aproximadamente 19 o
total de ocorrecircncias no nosso conjunto documental onde constam informaccedilotildees precisas sobre
o material apreendido nas embarcaccedilotildees capturadas pelas autoridades Alguns desses casos
possuem em seus anexos a lista de carga ou relaccedilotildees de carga onde ficam registrados todos os
produtos transportados por aqueles barcos bem como os locais de onde vieram estas
mercadorias Nelas tambeacutem eacute possiacutevel encontrar dados sobre valores unitaacuterios e totais e ainda
a respeito de quantidades
76
Eacute possiacutevel identificar a origem do produto atraveacutes do selo da alfacircndega que nele
consta natildeo era raro que o material potencialmente descaminhado chegasse sem selo algum o
que tambeacutem eacute reportado pelas autoridades quando expediam as tais listas de cargas Em nossa
documentaccedilatildeo contamos com seis relaccedilotildees de cargas que continham produtos que foram
apreendidos pelas autoridades pernambucanas por suspeita de contrabando com selos da
alfacircndega da Bahia Tomaremos como exemplo do tracircnsito de produtos entre Bahia e
Pernambuco trecircs casos deste total a fim de ilustrar a grandiosidade deste comeacutercio
A primeira lista diz respeito a uma sumaca que em 1779 foi apreendida na praia de
Pau Amarelo em Pernambuco onde estava trocando as suas fazendas de contrabando por
gecircneros da terra ldquocomo fosse tabaco sola e melrdquo 245
Boa parte da carregaccedilatildeo desta sumaca
estava sem selo ou seja eram mercadorias que aleacutem de adentrarem ilegalmente no territoacuterio
da Companhia Geral vinham sem pagar dinheiro algum a Fazenda Real Tambeacutem foram
encontrados produtos selados pela Alfacircndega de Lisboa Segue relaccedilatildeo dos produtos
confiscados que vinham com o selo da Alfacircndega da Bahia 246
Tabela 1 - Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau Amarelo)
QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO
UNITAacuteRIO
PRECcedilO
TOTAL
6
Peccedilas de Camas Listradas 800 reacuteis 48000 reacuteis
1
Peccedila de tafetaacute azul com 21 cocircvados
240 reacuteis 21840 reacuteis
1 Retalho de druguete pardo com 15
cocircvados
300 reacuteis 4500 reacuteis
22
Peccedilas de fitas matizes 1600 reacuteis 35200 reacuteis
Fonte AHU ndash PE CX 132 D 9955
A segunda ocorrecircncia versa sobre uma embarcaccedilatildeo apreendida no mesmo ano de
1779 em Sirinhaeacutem jurisdiccedilatildeo de Pernambuco Os documentos natildeo trazem muitos detalhes
sobre o caso sabemos apenas que o mestre da embarcaccedilatildeo se chamava Antocircnio Pereira mas a
lista de cargas revela a suntuosidade deste comeacutercio Consta nessa relaccedilatildeo anexa ao
245
AHU ndash PE CX 132 D 9955 246
Medidas-padratildeo comumente utilizadas nas tabelas que trabalharemos Braccedila - 184 centiacutemetros
Cocircvados - 66 centiacutemetros Palmo ndash 22 centiacutemetros Varas - 110 centiacutemetros
77
documento nada menos que 151 tipos de produtos diferentes a exemplo do caso anterior a
maior parte estava sem selo As mercadorias que tinham selo da Alfacircndega da Bahia
encontram-se na tabela abaixo
Tabela 2 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia (Sirinhaeacutem)
QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO
UNITAacuteRIO
PRECcedilO
TOTAL
4 Peccedilas de cadiaez
800 reacuteis 3200 reacuteis
6 Peccedilas de riscado de Dio
1280 reacuteis 7680 reacuteis
6 Peccedilas de riscado de Surrate
1280 reacuteis 7680 reacuteis
43 Varas de pano de linho ordinaacuterio
180 reacuteis 7740 reacuteis
4 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com
73 varas
180 reacuteis 13140 reacuteis
5 Peccedilas de tustatildeo
Natildeo consta 17500 reacuteis
9 Varas de esguiatildeo ordinaacuterio
Peccedilas de tustatildeo 3150 reacuteis
15 Lenccedilos brancos com listras azuis
ordinaacuterios
220 reacuteis 3300 reacuteis
8 Peccedilas de riscado de Dio
1280 reacuteis 10240 reacuteis
29 Peccedilas de riscado de Surrate
1280 reacuteis 37120 reacuteis
16 Peccedilas de riscado de Linho
1800 reacuteis 28800 reacuteis
1 Peccedilas de Chita da Iacutendia
Natildeo consta 6000 reacuteis
8 Peccedilas de Chita do Norte com 64
cocircvados
2000 reacuteis 4000 reacuteis
1 Retalho de Serafina Azul com 6 cocircvados
220 reacuteis 14080 reacuteis
78
1 Retalho de Durante branco com 4
cocircvados
160 reacuteis 960 reacuteis
1 Retalho de doruguete verde traccedilado 4
cocircvados
75 reacuteis 300 reacuteis
64 Peccedilas de Balagarte
100 reacuteis 400 reacuteis
1 Peccedilas de baeta verde com 54 cocircvados
800 reacuteis 51200 reacuteis
2 Peccedilas de fita de listra azul encarnado
380 reacuteis 21280 reacuteis
2 Retalho de pano de linho ordinaacuterio com
54 varas
300 reacuteis 600 reacuteis
48 Peccedilas de Cadiaez pequenas
180 reacuteis 7720 reacuteis
21 Pares de meias de linhas
800 reacuteis 38400 reacuteis
6 Peccedilas de lenccedilo ordinaacuterio com 60 lenccedilos
240 reacuteis 5040 reacuteis
1 Retalho de brim de flores com 40
cocircvados
160 reacuteis 9600 reacuteis
10 Chapeacuteus de baeta
100 reacuteis 4000 reacuteis
17 Lenccedilos azuis de tabaco
360 reacuteis 3600 reacuteis
1 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com
34 varas
160 reacuteis 2720 reacuteis
1 () 27 varas
180 reacuteis 1755 reacuteis
5 Peccedilas de Chita da Costa
180 reacuteis 4860 reacuteis
4 Peccedilas de cadiaez 3000 reacuteis
15000 reacuteis
1 Incetada de pano de linho ordinaacuterio com
72 varas
800 reacuteis 3200 reacuteis
79
1 Peccedilas de brim cru de 48 cocircvados 180 reacuteis
4320 reacuteis
1 Peccedilas de estufo de latilde encarnado 40
cocircvados
90 reacuteis 10000 reacuteis
1 Peccedilas de carro de ouro com 40 cocircvados
250 reacuteis 20000 reacuteis
16 Peccedilas de riscado Surrate
500 reacuteis 20480 reacuteis
13 Peccedilas de riscado de Dio
1280 reacuteis 16640 reacuteis
1 Peccedilas de Riscado de Linho
Natildeo consta 1800 reacuteis
33 Peccedilas de cadiaez
800 reacuteis 26400 reacuteis
2 Peccedilas de Chita
2000 reacuteis 4000 reacuteis
7 Peccedilas de Chita da Costa
3000 reacuteis 21000 reacuteis
1 Peccedilas de lenccedilos encarnados ordinaacuterios
de tabaco
160 reacuteis 1600 reacuteis
1 Peccedilas de boceta
Natildeo consta 900 reacuteis
1 Peccedilas de chita azul do norte com 22
cocircvados
220 reacuteis 4840 reacuteis
1 Retalhos de linho ordinaacuterio com 34
varas
180 reacuteis 6120 reacuteis
5 Chapeacuteus de baeta
300 reacuteis 1500 reacuteis
44 Peccedilas de pano de linho ordinaacuterio com
2052 varas
180 reacuteis 369360 reacuteis
46 Peccedilas de bertanha de Hamburgo
1200 reacuteis 55200 reacuteis
80
9 Peccedilas de Hamburgo ou aniagem
100 reacuteis 53700 reacuteis
6 Peccedilas de Riscado Patavar
2000 reacuteis 12000 reacuteis
3 Peccedilas de Riscado de Patavar
Natildeo consta Natildeo Consta
Fonte AHU ndash PE Cx133 D 9966
Por uacuteltimo trazemos o caso de uma sumaca que segundo consta vinha do porto de Una
carregada de caixas de accediluacutecar junto a duas jangadas De acordo com o governador de
Pernambuco a eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses relator do caso a Coroa ainda natildeo havia sido
possiacutevel identificar quem era o dono da dita embarcaccedilatildeo mas os produtos vinham em sua
maioria com selo da Alfacircndega da Bahia Satildeo eles
Tabela 3 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una)
QUANTIDADE LISTA DOS PRODUTOS PRECcedilO
UNITAacuteRIO
PRECcedilO
TOTAL
13 Peccedilas de Chitas da Iacutendia Ordinaacuterias
4000 52000
78
Panos da Costa 640 49920
5
Maccedilos de fitas de linho 2400 12000
1315
Duacutezia de facas flamengas 640 84160
555
Peccedilas de Linhas de Surrales 1300 721500
421
Peccedilas de Bertanhas de Hamburgo 1200 715700
56
Peccedilas de Paniclos 1200 67200
5 Duacutezias e 5 de peles de Marroquins
6400 34665
26
Peccedilas de Chitas de Surrates 1600 41600
129
Meias peccedilas de cadeas 1300 167700
81
5
Peccedilas de Linhas de Dio 2000 10000
13
Peccedilas de Procoloacutes 1300 16700
96
Covados de Chitas do Norte 320 30720
1
Peccedilas de Druguete Rei 6000 6000
1
Peccedilas de Berlanha de Holanda 2000 2000
8
Lenccedilos Vermelhos 320 2560
8
Peccedilas de camas lavradas 10000 80000
8
Varas de Esguiatildeo 480 4080
55
Covados delu felaacute 360 1980
8
Covados de Durante 240 1920
5
Covados de Sarja 320 1600
10
Varas de estamanha 400 4000
823
Covados de Camelatildeo 180 148140
1065
Varas de pano de linho da Ilha 180 192240
855
Covados de Serquilha da Ilha 120 10260
13435 Varas de pano de linho
300 403050
38
Peccedilas de Cadeaacutes 2400 91200
6
Covados de baeta com xeste 500 3000
22 Resmas de papel florete 1000 22000
82
4
Peccedilas de Linhas Patavares 2000 8000
582
Annas de Amburgo 160 93120
79
Covados de Serguilha de Franccedila 400 31600
15
Varas de Crez 100 1500
Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9245
Podemos perceber atraveacutes das listas aqui expostas a grande variedade de produtos que
circulavam entre Bahia e Pernambuco Outro dado relevante que conseguimos inferir atraveacutes
das tabelas eacute de que esse comeacutercio descaminhado estava conectado aos circuitos mercantis
atlacircnticos o que pode ser constatado pela grande variedade de gecircneros europeus constantes
nas cargas As fazendas europeias sobretudo os tecidos que aparecem em grande monta nas
listas de carga aqui transcritas eram necessaacuterios para a realizaccedilatildeo de trocas e vendas pelos
efeitos da terra Aleacutem das fazendas jaacute citadas caixas de accediluacutecar madeira tabaco escravos
mel sola e couro seratildeo uma constante na documentaccedilatildeo
A relaccedilatildeo aqui demonstrada natildeo daacute conta da grande diversidade de produtos que
transitavam entre as duas praccedilas enfatizamos apenas aqueles que aparecem em maior grau na
documentaccedilatildeo trabalhada 247
Devemos atentar tambeacutem que para efeitos praacuteticos soacute
colocamos em nossas listas de cargas produtos que vinham selados pela Alfacircndega da Bahia
mas muito provavelmente os produtos destas embarcaccedilotildees que vinham sem selo tambeacutem
fossem provenientes das paragens soteropolitanas e de seus interiores como acontece em
outros casos do nosso acervo documental 248
Em algumas ocorrecircncias junto a descriccedilatildeo das cargas constavam tambeacutem as marcas
de seus carregadores Era comum que comerciantes possuiacutessem uma espeacutecie de marca ou
247
Os documentos que fundamentam este tracircnsito satildeo numerosos e encontram-se disponiacuteveis no AHU PE AL
e BA e nos arquivos da ANTT 248
Muitos produtos de embarcaccedilotildees provenientes da Bahia chegavam ateacute Pernambuco sem selo algum Vale
ressaltar que durante boa parte do seacuteculo XVIII Salvador funcionou como um centro distribuidor dos panos
indianos produto essencial para a compra de escravos na regiatildeo da Aacutefrica Centro-Ocidental Essas fazendas
chegavam ateacute capitania baiana atraveacutes de uma rede de contrabando que ligava diretamente as possessotildees
portuguesas da Ameacuterica e da Aacutesia Sobre isto ver ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica
Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares
Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013
83
siacutembolo que eram inseridas em suas mercadorias para identificar seus produtos e facilitar as
transaccedilotildees junto a seus comissaacuterios e representantes Na nossa documentaccedilatildeo essas marcas
aparecem principalmente nas situaccedilotildees onde as investigaccedilotildees aconteceram de maneira mais
acurada Nesses casos aleacutem de relacionar as mercadorias colocava-se ao lado o siacutembolo ou
marca que nele aparecia e se possiacutevel o nome do dono Nem sempre as autoridades eram
capazes de identificar a quem pertencia determinada marca ou siacutembolo devido a
grandiosidade do mercado e de serem muitos os comerciantes atuantes na capitania
Figura 1 ndash Exemplo de marcas encontradas na documentaccedilatildeo (destacados)
Fonte AHU- PE Cx 137 D 10234
Infelizmente nem todos os relatos de contrabando trazem grande riqueza de detalhes
acerca dos eventos Isto porque nem sempre se faziam as devassas dessas embarcaccedilotildees
apreendidas e tambeacutem porque boa parte desses barcos citados pelos agentes reais natildeo
chegaram de fato a serem confiscados apenas tendo estes oficiais notiacutecias sobre os
descaminhos No entanto possuiacutemos alguns casos no nosso acervo que nos fornecem maiores
informaccedilotildees e que nos parecem ser importantes para a visualizaccedilatildeo de um panorama mais
abrangente da natureza dos descaminhos praticados nestas paragens Para efeitos praacuteticos os
organizaremos aqui sobre a forma de tabela
84
Tabela 4 ndash Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas
Legenda PO = Porto de Origem P A = Porto de Apreensatildeo P D = Porto de Destino Fonte AHU
ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 133 D 10003 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash BA Cx 181
D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 137 D 10197
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria
da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2
Eacute claro que esta tabela natildeo eacute capaz de expressar todo o volume do comeacutercio abordado
nesta pesquisa nela natildeo constam diversas outras ocorrecircncias que nos utilizamos ao longo da
redaccedilatildeo deste trabalho bem como natildeo demonstra as minuacutecias de cada caso mas ela nos serve
para pensar a ordenaccedilatildeo deste comeacutercio Como podemos observar boa parte das embarcaccedilotildees
NOME TIPO
MESTRE
PILOTOMARINHEIROS DONO P O P A P D
Galiatildeo Navio
Numeriano Gregorio
Joze da Sylva Navio Real Lisboa Recife LisboaO Senhor do Bom Jesus
das Portas Nossa
Senhora do Pilar -
Xibante Sumaca Manoel Francisco Manoel Vieira de Mello Jaguaribe Recife Bahia
Navio Novo Natildeo consta Natildeo consta
Diogo Francisco dos
Santos Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo constaNossa Senhora da
Conceiccedilatildeo Santo
Antonio e Almas Sumaca Joaquim Antonio Antonio Joze Roberto Bahia Goiana Natildeo consta
Aacuteguia do Doiro
Lancha
(pertencente a
corveta da
Companhia
Geral Aacuteguia
do Doiro) Antonio Gomes Viana Navio Real Porto - Portugal Praia da Fortaleza do Brum Natildeo consta
Jaguaribe Sumaca
Antonio Joze dos
Santos
Manoel Roiz
Lemanha e Francisco
de Passos Vianna Natildeo consta
Camarajibe - Distrito de Porto
Calvo Natildeo consta
Sagrada Famiacutelia Sumaca
Manoel Coelhos
Francisco Joze
Cardoso Manoel de
Souza e Henrique
Antonio Natildeo consta Natildeo consta Recife Bahia da TraiccedilatildeoSenhor do Bonfim Santo
Antonio e Almas Sumaca Manoel Pavatildeo Gouvea
Joatildeo Antonio
Rodrigues Natildeo consta Ilha de Santo Aleixo Bahia Nossa Senhora do
Rozaacuterio Flor de Satildeo
Miguel Sumaca Joseacute Gonccedilalves
Comerciante da
Bahia Natildeo consta Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta
Natildeo Consta Sumaca Antonio Dias Santiago
Jacomo Rumachi
Della Praccedila Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta
Natildeo Consta Sumaca
Ignacio Vicente
Fernandez
Joseacute ou Fulano de
Arauacutejo Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta
Natildeo Consta Balsas
Luiz de Franccedila
Cordeiro Manoel de
Jesus Ramos Joseacute
Rodrigues da Silva
Manoel Martins de
Almeida
Manoel Antonio dos
Santos sertatildeo Ilha do Nogueira Bahia
Escuta em Roma Natildeo consta Natildeo consta Joseacute de Aragatildeo Bahia Uma Bahia
85
que se empregavam neste ramo mercantil eram categorizadas como sumacas As sumacas
eram pequenos veleiros utilizados principalmente na navegaccedilatildeo de cabotagem
Em ofiacutecio do ano de 1775 em que o governador de Pernambuco comunica ao
secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar do Reino o envio de homens para a capitania do
Rio de Janeiro este iraacute afirmar que remeteu ldquoAo Marquecircs cento e oito marinheiros a saber
quarenta e oito por quatro sumacas em razatildeo de natildeo haver navio grande que os pudesse
transportar todosrdquo 249
Fazendo uma conta de divisatildeo baacutesica temos como resultado que a
capacidade destas embarcaccedilotildees girava em torno de 12 homens o que nos parece um resultado
bem razoaacutevel e coerente com os casos em que possuiacutemos o nuacutemero de marinheiros por
embarcaccedilatildeo
Neste mesmo documento Joseacute Cesar de Meneses remete mapa das embarcaccedilotildees
marinheiros e pescadores que possuem a capitania de Pernambuco a Corte Declara o
governador haver na ocasiatildeo sessenta e nove sumacas na capitania divididas da seguinte
forma
Tabela 5 - Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos portos do
Brasil
LOCAL QUANTIDADE
RECIFE
52
SIRINHAEM
3
IGARASSU
2
MEIRIM
1
SANTA LUZIA
4
GOIANAITAMARACAacute
2
RIO GRANDE
3
RUSSAS
1
249
AHU ndash PE Cx 120 D 9196
86
PARAIacuteBA
1
TOTAL
69 SUMACAS
Fonte AHU ndash PE Cx 120 D 9196
O documento eacute importante pois nos lanccedila pistas sobre o volume das sumacas
existentes na capitania aleacutem de nos informar que esta era o principal tipo de embarcaccedilatildeo
utilizada pelos comerciantes pernambucanos uma vez que no mesmo mapa na categoria de
ldquoclassesrdquo soacute constam mais dois tipos de barcos as corvetas que estatildeo em nuacutemero de seis e as
galeras com um uacutenico exemplar Ou seja praticamente todo o comeacutercio de navegaccedilatildeo seja
ele liacutecito ou natildeo feito em Pernambuco e suas anexas era realizado atraveacutes das sumacas que
como jaacute visto eram embarcaccedilotildees mais apropriadas para o comeacutercio de cabotagem
32 Os casos
Agora que jaacute sabemos quais produtos circulavam por estas rotas podemos nos deter
com mais detalhes na anaacutelise de alguns dos casos mais peculiares encontrados em nosso
acervo Devemos lembrar que a partir da segunda metade do seacuteculo XVIII a Coroa buscou
controlar de forma mais efetiva suas conquistas no Ultramar O comeacutercio nas colocircnias seraacute
alvo preferencial das poliacuteticas centralizadoras empreendidas neste contexto O ministro de D
Joseacute I iraacute demandar preciosa atenccedilatildeo agrave atividade comercial na tentativa de resgatar e reerguer o
comeacutercio com suas colocircnias o marquecircs buscaraacute se associar ao grupo mercantil que a eacutepoca jaacute
detinha vultosos cabedais passa entatildeo a conceder-lhes favores e privileacutegios antes reservados a
uma elite ligada a terra
O periacuteodo pombalino seraacute marcado pela alianccedila que iraacute unir a Monarquia ao grupo
mercantil 250
As mudanccedilas preconizadas por Pombal seratildeo fundamentais para a integraccedilatildeo
desses homens a chamada elite colonial Neste momento as capitanias mais destacadas do
Norte da Ameacuterica Portuguesa jaacute contavam com uma rede complexa de comeacutercio que se
estendia do Ultramar ao interior como assegura Russel-Woody ao afirmar que ldquoSalvador e
250
SAMPAIO Antonio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio e a coroa na construccedilatildeo das hierarquias sociais O
Rio de Janeiro na primeira metade do seacuteculo XVIII In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs)
Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 2010 P 462-463
87
Recife natildeo se apresentavam mais como meros portos de entrada para pessoas acometidas pela
febre do ouro expandindo igualmente seus alcances em relaccedilatildeo aos mercados internos para
produtos europeus e escravos africanosrdquo 251
Essa nova configuraccedilatildeo social que insere os homens de negoacutecio na elite traraacute junto a
si uma remodelagem nos equiliacutebrios sociais que foram construiacutedos ao longo da colonizaccedilatildeo
O que por ventura iraacute acarretar uma seacuterie de disputas entre os grupos que compunham esta
elite de um lado a nobreza da terra elite tradicional e histoacuterica do outro os homens de
negoacutecio elite mercantil indispensaacutevel para a execuccedilatildeo das reformas empreendidas pelo
governo pombalino O papel da Coroa nesse interim seraacute o de mediar os interesses e
apaziguar os conflitos agindo no sentido de garantir o funcionamento do sistema 252
A dinacircmica do comeacutercio em Pernambuco durante o periacuteodo estudado eacute complexa De
um lado temos um grupo mercantil jaacute bem estabelecido e detentor de amplo capital do outro
lado temos a implementaccedilatildeo na segunda metade do XVIII de dois organismos reguladores
do comeacutercio colonial a Mesa de Inspeccedilatildeo 253
e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba
Instituiccedilotildees criadas pela metroacutepole com o objetivo de assegurar maior controle sobre a
circulaccedilatildeo de riquezas dentro do Impeacuterio Portuguecircs canalizando-as para o Reino
Uma contradiccedilatildeo notoacuteria se estabelece entre os interesses reais e os interesses
coloniais Segundo a documentaccedilatildeo trabalhada e os recentes estudos sobre administraccedilatildeo
portuguesa no Ultramar percebemos que em Pernambuco tambeacutem se desenvolveu o processo
de aparelhaccedilatildeo das instituiccedilotildees administrativas ao atendimento dos interesses locais 254
Longos anos de autonomia das elites de Pernambuco de praacuteticas de direito oriundas de
questotildees especificas do cotidiano da Capitania de formas de realizar a riqueza no acircmbito do
local promoveram como era de se esperar muacuteltiplas reaccedilotildees
No bojo destas questotildees o contrabando como estrateacutegia de se esquivar do controle
imposto pela Coroa ganha forccedila Comecemos entatildeo a tratar sobre o contrabando de caixas de
accediluacutecar um dos produtos mais descaminhados do periacuteodo Muitos senhores de engenho se
251
WOOD-RUSSEL AJR Centros e periferias no Mundo Luso-Brasileiro1500-1808 Revista Brasileira de
Histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 n 361998 P 29 252
SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Op Cit P 462 253
A mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e Tabaco eacute criado em Pernambuco no ano de 1752 a instituiccedilatildeo reguladora
tinha como prerrogativa controlar a qualidade do accediluacutecar e do tabaco produzidos e comercializados na capitania
evitar fraudes e contrabandos agindo ainda na fiscalizaccedilatildeo e fixaccedilatildeo dos preccedilos bem como atuar no sentindo de
aumentar a cultura do accediluacutecar na capitania 254
SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do Recife agrave poliacutetica
pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime poderes e sociedades
Lisboa 2005 P 4
88
arriscaram em transaccedilotildees de venda direta de suas safras a comerciantes baianos Esses
produtores certamente se sentiam vexados em seus negoacutecios com a empresa jaacute que por
muitas vezes a direccedilatildeo da Companhia se negava a pagar o preccedilo estabelecido pela Mesa de
Inspeccedilatildeo bem como pagar os subsiacutedios sobre o produto que eram de sua responsabilidade O
contrabando com a Bahia aleacutem de dirimir os prejuiacutezos desse grupo tinha a vantagem de ser a
feito a dinheiro e natildeo a creacutedito fazendas ou letras como costumava fazer a Companhia
praacutetica que foi arduamente criticada pelos senhores de engenho ao longo do monopoacutelio
daquela empresa
Diversas satildeo as ocorrecircncias encontradas na documentaccedilatildeo que fundamentam nossa
afirmaccedilatildeo O contrabando de accediluacutecar era tatildeo notoacuterio e puacuteblico que no ano de 1780 o
contratador do subsiacutedio de accediluacutecar de Pernambuco pediu auxilio de tropas pagas ao
governador para que seus prejuiacutezos fossem dirimidos Segundo o contratador ele
experimentava muitos prejuiacutezos no dito contrato pois da Bahia vinham muitos barcos ldquoa esta
capitania carregar efeitos para aquela cidaderdquo 255
Afirmando o mesmo que jaacute haviam saiacutedo
naquele tempo de Pernambuco para Bahia ldquoquatro sumacas carregadas aleacutem de uma que
naufragourdquo 256
Ainda no mesmo ofiacutecio o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ter atendido ao
requerimento do contratador lhe concedendo ldquo24 soldados e um cabo os quais seguiram para
a vila das Alagoas a fim de evitar os extravios do accediluacutecarrdquo 257
Chegando a Ilha de Santo
Aleixo foram informados sobre duas sumacas que praticavam o pernicioso comeacutercio uma
das embarcaccedilotildees ldquocom muita prestezardquo conseguiu fugir soacute sendo possiacutevel capturar a outra
Esta outra embarcaccedilatildeo tinha por mestre Manoel Pavatildeo ldquoaquele celebre Pavatildeo que se tem feito
conhecido pelo exerciacutecio de extraviador de accediluacutecares desta capitania para Bahiardquo 258
que
aparece referenciado acima na tabela 1
De fato o nome do piloto Manoel Pavatildeo apareceraacute em outro ofiacutecio um ano antes
quando o Ouvidor das Alagoas Comarca anexa a Pernambuco iraacute relatar ao governador Joseacute
Cesar de Meneses sobre a audaacutecia praticada pelos mestres de embarcaccedilotildees e suas companhias
que se dedicavam ao comeacutercio descaminhado dando destaque naquela situaccedilatildeo para a figura
255
AHU ndash PE Cx 137 D 10197 256
Idem 257
Idem 258
Idem
89
de Pavatildeo O mestre acabou sendo preso naquela ocasiatildeo e condenado a pagar pena na cadeia
de Recife pelo crime de ldquoextraviador de efeitos para fora desta capitaniardquo 259
Segundo a devassa tirada pelas autoridades Pavatildeo era um sujeito de 44 anos casado
branco natural da Ilha de San Miguel e que ldquovivia de andar embarcado por mestre de
sumacasrdquo 260
Haacute dois anos se encontrava empregado no posto de mestre da sumaca
apreendida e durante este tempo fez nela seis viagens Sendo quatro viagens para as Alagoas
aportando em Jaraguaacute e duas viagens a Cururipe lugares do governo da capitania de
Pernambuco No processo tambeacutem consta que o mestre carregara durante essas seis viagens
90 caixas de accediluacutecar bem como madeiras que foram desembarcadas as primeiras levas no
Trapiche de Maciel (Bahia) e a uacuteltima a bordo de um navio no porto da Bahia estrateacutegia
utilizada pelo piloto para fugir da fiscalizaccedilatildeo que o governador baiano estava promovendo na
ocasiatildeo
Quando da ldquotomadia da sumacardquo em que era mestre a dita estava carregada com dez
caixas de accediluacutecar 261
que segundo Pavatildeo seriam levadas a Bahia mas antes ele pretendia fazer
uma parada no porto de Cururipe a fim de carregar madeiras O caso de Pavatildeo natildeo foi
exceccedilatildeo em nosso acervo contamos com outros documentos em que mestres ou marinheiros
destas sumacas acabam sendo detidos e se inicia processo investigativo para posterior
julgamento esse tipo de documento atesta como este ramo potencialmente ilegal do
mercadejar acabou se tornando meio de vida para uma parcela significativa de indiviacuteduos que
engendrados em suas teias faziam da ilicitude rotina Como no caso de Pavatildeo que como era
sabido pelas autoridades reais ldquohaacute anos se ocupardquo do exerciacutecio de extraviador
Muitos foram os ofiacutecios trocados entre as autoridades pernambucanas e a Corte a
respeito das medidas para tentar evitar o grande extravio de accediluacutecar durante o periacuteodo Em
ofiacutecio do ano de 1778 por exemplo o governador Joseacute Cesar de Meneses se queixaraacute da
ldquoescandalosa relaxaccedilatildeo com que nesta capitania se estatildeo fazendo os maiores contrabandos e
extravios de accediluacutecar e outros gecircnerosrdquo 262
que tinham como destino ldquoo porto da Bahia e outros
do continente da Ameacutericardquo 263
Para continuarmos no ano de 1778 em ofiacutecio enviado ao
Reino pelo ouvidor da Comarca das Alagoas este iraacute afirmar que na praia da Barra-Grande
haviam cerca de 100 caixas de accediluacutecar apreendidas a diversos comerciantes que a direccedilatildeo da
259
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 260
Idem 261
O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria
no momento da apreensatildeo 262
AHU ndash PE Cx 131 D 9892 263
Idem
90
Companhia deveria ldquomandar conduzir sem perda de tempo por seu proveitordquo 264
jaacute que as
mesmas estavam mal condicionadas e corriam o risco de se estragar
Em outro ofiacutecio em que trata do mesmo tema o ouvidor daacute detalhes sobre os
descaminhos de accediluacutecar realizados atraveacutes da Ilha de Santo Aleixo e da freguesia de Una
relatando a ousadia desses grupos que se utilizavam de diversas artimanhas para se verem
livres dos embaraccedilos causados no caso de apreensatildeo Afirma o oficial que os grupos
envolvidos naquele tipo de comeacutercio estavam ldquocada vez mais animados e atrevidos procuram
a saiacuteda dos efeitos por todos os modos e artes e forccedila pois jaacute se preparam armados e
associados para resistiremrdquo 265
A audaacutecia destes homens era tamanha que por vezes mesmo
apoacutes a apreensatildeo de seus barcos e caixas de accediluacutecar se empenhavam de todos os modos para
recuperar as mercadorias ou simplesmente fugir da tutela das autoridades como podemos
perceber em dois casos relatados pelo mesmo ouvidor da Comarca de Alagoas
O primeiro diz respeito a uma sumaca de invocaccedilatildeo Nossa Senhora do Rosaacuterio Flor de
Satildeo Miguel de quem era dono um comerciante na Bahia Ao entrar no porto de Barra Grande
a sumaca passou por fiscalizaccedilatildeo do meirinho geral da correiccedilatildeo que lhe apreendeu doze
caixas de accediluacutecar 266
bem como por medida de precauccedilatildeo e seguindo as ordens do ouvidor lhe
foi retirado o leme e colocado em poder de um morador da praia vizinha O ouvidor durante
este processo prontamente fez expedir ordem para o procurador da Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba por em arrecadaccedilatildeo as caixas de accediluacutecar apreendidas No entanto a
astuacutecia dos contrabandistas era tanta que ldquoem noite de 3 de abril precedente o mestre e a
maior parte de sua companhia vieram a terra e violentamente arrancaram o leme e
conduzindo-o a bordo levantaram acircncorardquo 267
de acordo com o ouvidor seguiram para a ldquoIlha
de Santo Aleixo porto livre e seguro destes levantadosrdquo 268
O segundo caso relatado eacute ainda de maior atrevimento Duas sumacas pertencentes a
comerciantes da Praccedila pernambucana ambas com despacho para Bahia deram fundo no porto
de Santo Antocircnio Grande Passando pela fiscalizaccedilatildeo se apreendeu junto a primeira sumaca
30 caixas de accediluacutecar jaacute a segunda ldquose achava em lastrordquo 269
ou seja estava naquele momento
sem mercadorias Na tentativa de se prevenir possiacuteveis fugas as autoridades retiraram os
264
AHU ndash AL Cx 3 D220 265
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 266
O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria
no momento da apreensatildeo 267
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 268
Idem 269
Idem
91
panos das velas das duas embarcaccedilotildees e mais uma vez foi comunicado a Companhia a
apreensatildeo das duas embarcaccedilotildees
O mestre da segunda embarcaccedilatildeo requereu diversas vezes autorizaccedilatildeo para carregar
em Pernambuco ldquoe por que se obrigou a dar fianccedila o procurador da Companhia nesta feacute lhe
baldeou para a sumaca as 30 caixas apreendidas na outrardquo 270
no entanto antes que se
concluiacutesse a carga o mestre e o restante dos marinheiros foram a terra e arrombaram a casa do
depoacutesito ldquodonde sacaram o pano que conduzido a bordo e acabado de carregar com caixas dos
contrabandistas deram a vela para a cidade da Bahiardquo 271
tudo isto ocorreu durante a noite
agindo o grupo sem ser percebido
Em ofiacutecio tambeacutem do ano de 1778 da Junta da Companhia em Portugal enviada ao
governo de Pernambuco eacute relatado caso de semelhante audaacutecia Afirma a Junta que estando
duas sumacas no Cabo de Agostinho em Pernambuco carregando caixas de accediluacutecar e outros
efeitos foi o Guarda Mor da praccedila ateacute elas fazer a apreensatildeo do dito material no entanto o
mestre da primeira sumaca em que entrou o Guarda ldquonatildeo soacute o resistiurdquo 272
a apreensatildeo como
tambeacutem apoacutes iccedilar a vela da embarcaccedilatildeo quis lanccedilar o Guarda Mor ao mar o que soacute natildeo fez
ldquopor compaixatildeordquo 273
o mandando lanccedilar em terra
Neste mesmo documento eacute relatada outra artimanha utilizada pelos contraventores
Nele eacute narrado que sendo apreendido um barco que tinha como porto de origem a Bahia
carregado com 37 caixas um feixe e um cunhete de accediluacutecar e mais 126 couros salgados na
embarcaccedilatildeo foram encontrados ldquodois despachos um de madeira para a dita cidade e outro
para o caso de ser apreendido dizer que trazia os ditos efeitos para Pernambucordquo 274
O mestre
desta embarcaccedilatildeo segundo as autoridades era um contrabandista experiente no mesmo ano
segundo consta no documento o tal mestre havia desembarcado perto da praia de Maria de
Farinha em Pernambuco ldquofazendas e escravosrdquo 275
Parece que a fuga da tripulaccedilatildeo apoacutes a apreensatildeo natildeo era coisa rara pois encontramos
em 1769 relato do governador de Pernambuco a eacutepoca o Conde de Povolide afirmando que
havia expedido ordens para que se apreendesse uma sumaca que estava no porto de
Camaragibe carregando caixas de accediluacutecar enviando para tal serviccedilo o Porta Bandeira
Francisco de Oliveira Chegando ao local o oficial fez o sequestro da embarcaccedilatildeo que no
270
Idem 271
Idem 272
AHU ndash PE Cx128 D 9737 273
Idem 274
Idem 275
Idem
92
momento da apreensatildeo estava carregada com 18 caixas e dois feixos de accediluacutecar 276
e prendeu
na mesma ocasiatildeo o mestre da embarcaccedilatildeo o senhor Joseacute dos Santos
No entanto por ldquodescuidordquo ou ldquomaliacuteciardquo dos sentinelas que faziam a guarda do preso
este conseguiu escapar indo ateacute sua sumaca e empreendendo fuga Poreacutem ldquoao sair da baiacutea
pela perturbaccedilatildeo que lhe causava a fuga deram em uns recifes de pedrasrdquo 277
Mesmo assim a
tripulaccedilatildeo conseguiu fugir utilizando as lanchas da embarcaccedilatildeo ldquotomando o caminho da
Bahia fugitivosrdquo 278
Os oficiais reacutegios envolvidos no caso tentaram ainda ir atraacutes da
tripulaccedilatildeo mas natildeo foi possiacutevel ldquopor irem jaacute mui avanccedilados na retiradardquo 279
ficando para traacutes
apenas um marinheiro ldquoque cansou no caminhordquo 280
e que foi levado para a cadeia da vila
Por vezes os contrabandos de accediluacutecar e de outros gecircneros entre as capitanias de Bahia
e Pernambuco iratildeo gerar certo conflito entre as autoridades das capitanias vizinhas que ao
que a documentaccedilatildeo tem nos mostrado usualmente discordavam sobre a questatildeo dos limites
territoriais e fiscais circunstacircncias e locais que caracterizavam o contrabando Devemos levar
em conta que as situaccedilotildees de mercado de Bahia e Pernambuco a eacutepoca eram bastante
distintas pois mesmo tendo sido capital da colocircnia ateacute o ano de 1763 e importante praccedila
comercial durante o XVIII a Bahia natildeo contava com uma companhia monopolizadora tendo
como instituiccedilatildeo fiscalizadora apenas uma Mesa de Inspeccedilatildeo 281
Dessa forma natildeo estava a
Bahia sujeita as regulamentaccedilotildees e restriccedilotildees comerciais impostas a Pernambuco e suas
anexas
Vejamos com maiores detalhes o caso da sumaca Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo Santo
Antocircnio e Almas conhecida com a ldquoescorregardquo que foi uma dessas ocorrecircncias envolvendo
controveacutersias entre as autoridades de Bahia e de Pernambuco arrolada por noacutes O imbroacuteglio
comeccedila com a apreensatildeo da embarcaccedilatildeo no dia dois de abril de 1780 quando o entatildeo
governador da capitania pernambucana Joseacute Cesar de Meneses apoacutes receber denuacutencia do
Intendente da Companhia Geral acerca de uma sumaca vinda da Bahia que estava ancorada
276
O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria
no momento da apreensatildeo 277
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 278
Idem 279
Idem 280
Idem 281
Sobre isto ver KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da
Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime
poderes e sociedades Lisboa 2005 P 1
93
no distrito de Goiana a carregar caixas de accediluacutecar envia um tenente e oito soldados de tropas
pagas ao local para fazer a apreensatildeo e tomar as providecircncias cabiacuteveis 282
Apoacutes a apreensatildeo a embarcaccedilatildeo que pertencia ao negociante baiano Antocircnio Joseacute
Roberto eacute enviada para a Vila de Recife onde Joseacute Cesar solicita que o juiz de fora do local
faccedila inventaacuterio de toda a carga confiscada Depois desse primeiro passo as caixas de accediluacutecar
encontradas na embarcaccedilatildeo satildeo avaliadas pelo presidente da Mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e
Tabaco e por fim a carga completa eacute enviada para os depoacutesitos da Companhia Geral que seria
depositaacuteria da mesma ateacute o momento da decisatildeo real No momento da apreensatildeo a sumaca
estava carregada com 81 caixas de accediluacutecar escravos cunhetes feixos de accediluacutecar e outras
miudezas como ldquoum barril de mel latas de tabaco duas peccedilas de cetim azul com flores
brancasrdquo 283
a lista de ldquomiudezasrdquo eacute grande assim como a confusatildeo gerada pelo caso
A carga retida era significativa o inventaacuterio expotildee que as mercadorias pertenciam a
carregadores diversos o que iraacute dificultar a identificaccedilatildeo destes homens aleacutem disso esta
tarefa se tornava mais complicada ldquopor costumar ser aqueles homens sertanejos que dela vem
de partes muito remotas a comprar fazendas para andarem mascateando pelos dilatados
sertotildees deste continenterdquo 284
As autoridades locais natildeo foram capazes de reconhecer todas as
marcas inseridas nos produtos e nem o dono da embarcaccedilatildeo se demonstrou interessado em
colaborar
Destacamos que a sumaca tambeacutem estava transportando passageiros que levavam
consigo cargas particulares este fato intricou ainda mais o processo pois se fez necessaacuterio
separar e inventariar estes volumes tambeacutem Os produtos e mercadorias transportados por
aquelas pessoas eram diversos A lista incluiacutea artigos como couros farinha manteiga armas
somas em dinheiro entre outros Alertamos tambeacutem para a presenccedila de carga humana o
capitatildeo Gabriel Alvarez Lima por exemplo levava ldquo17 escravos novos a saber 9 fecircmeas e 8
machosrdquo 285
outro viajente o Sr Antocircnio Pereira de Melo carregava ldquo7 escravos novos e um
ladinordquo 286
aleacutem destes dois exemplos no momento da apreensatildeo outros passageiros tambeacutem
transportavam na ldquoescorregardquo seus escravos particulares
Respondendo ao primeiro contato do governador pernambucano o Conselho
Ultramarino em 9 de julho de 1780 aprova suas accedilotildees e demandam que toda a carga fosse
282
AHU- PE Cx 136 D 10147 283
AHU- PE Cx 137 D10234 284
AHU- BA Cx 181 D 13481 285
AHU- PE Cx 136 D 10147 286
Idem
94
transferida para posse do desembargador intendente geral dos contrabandos ateacute que a devassa
iniciada na Bahia estive concluiacuteda Paralelamente a devassa baiana Joseacute Cesar lanccedila
instruccedilotildees para que o ouvidor da Paraiacuteba instaure na comarca tambeacutem uma devassa para
averiguar o caso Neste interim o dono da embarcaccedilatildeo o Sr Antocircnio Joseacute Roberto solicita
ao governador que a sumaca lhe fosse devolvida para que ele natildeo amargasse tantas perdas
com a embarcaccedilatildeo parada O pedido eacute atendido mediante pagamento da quantia de um conto e
vinte e cinco mil reis segurado por ldquofiadores idocircneosrdquo da praccedila Vale ressaltar que junto ao
valor da embarcaccedilatildeo se acresceu o valor de quatro escravos ldquoa ela pertencentesrdquo 287
Natildeo temos conhecimento a respeito da devassa iniciada pelo ouvidor da Paraiacuteba nem
mesmo se em algum momento ela chegou a se realizar 288
Jaacute sobre a devassa ocorrida na
Bahia possuiacutemos maiores detalhes A embarcaccedilatildeo que tinha como mestre no momento da
apreensatildeo Joaquim Antocircnio recebeu guia autorizando sua partida de Salvador em lastro isto
eacute sem mercadorias Durante o periacuteodo de averiguaccedilatildeo da situaccedilatildeo o dono da sumaca foi
preso no entanto antes que se fosse decidido sobre os rumos do processo o mesmo pagou
fianccedila e foi liberado 289
Durante o processo de devassa foi lavrado um libelo acusatoacuterio culpando o reacuteu pelo
crime de contrabando Os ministros que cuidaram do caso afirmavam neste documento que
Antocircnio Joseacute Roberto teria despachado a ldquoescorregardquo em lastro ldquopara vila de Goiana com o
pretexto de ir conduzir efeitos para esta cidaderdquo 290
por isso teria o acusado conseguido junto
agrave alfacircndega passaporte e os despachos necessaacuterios 291
middot No entanto durante a anaacutelise do caso
parece claro para os ministros que o dono da embarcaccedilatildeo havia agido ldquocom dolo manifestordquo
pois ldquofizera navegar por aquele mesmo tempo a dita sumaca carregada de escravos fazendas
caixas de accediluacutecar feixes cunhetes e outras miudezasrdquo 292
das quais natildeo possuiacutea as guias nem
os despachos necessaacuterios
Os ministros tambeacutem afirmam que o porto de Goiana fazia parte da aacuterea monopolizada
pela Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba logo ldquonatildeo podia o reacuteu nem devia fazer
conduzirrdquo 293
da Bahia para laacute as mercadorias encontradas a bordo da sumaca Este fato era de
287
AHU ndash PE Cx 137 D 10234 288
Ateacute o momento soacute foi possiacutevel localizar nos arquivos documentos que atestam a ordem dada pelo governador
Joseacute Cesar de Meneses ao Ouvidor da Paraiacuteba no entanto natildeo sabemos se esta foi atendida nem o que dela se
apurou 289
AHU- BA Cx 181 D 13481 290
Idem 291
Idem 292
Idem 293
Idem
95
conhecimento geral pois existiam ldquomuitas ordens expedidas sobre a mesma proibiccedilatildeordquo por
isso Antocircnio Joseacute Roberto estava ldquoincurso nas penas de perdimento (das mercadorias) e as
mais estabelecidas ao mesmo respeito pelo foral da alfacircndega enquanto aos ditos despachos e
direitos que se deveriam pagarrdquo 294
Fica evidente na documentaccedilatildeo que o comerciante baiano era um homem articulado e
que possuiacutea bons contatos dessa forma o mesmo recorre do libelo acusatoacuterio expedido a
princiacutepio Sua defesa se centrou em trecircs pontos O primeiro deles afirmava que era costume
amplamente praticado principalmente no caso de sumacas despacharem em lastro e depois
receberem mercadorias O reacuteu afirmou que as guias de tais produtos natildeo eram tiradas pois
ldquoera costume praticado por todos natildeo levarem guias das fazendas carregadas para os sertotildees e
lugares onde natildeo haacute alfacircndegasrdquo 295
e declarou ainda que ldquonatildeo haacute proibiccedilatildeo alguma de
carregar fazendas e outros efeitosrdquo 296
para os sertotildees jaacute que estes jaacute tinham pagado os
direitos fazendaacuterios nos seus portos de origem por isso ldquoa todos era permitida essa liberdaderdquo
297
Cabe destacar que no seu discurso de defesa o reacuteu insiste em frisar que o porto de
Goiana era um porto sertanejo logo natildeo sujeito ao monopoacutelio comercial praticado pela
Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto sabia que os limites de accedilatildeo
da empresa natildeo se estendiam as terras dos sertotildees No entanto eacute curioso observar que ainda
em sua defesa o acusado iraacute afirmar ter recebido notiacutecia de ldquopessoas fidedignas de
Pernambucordquo 298
que a Companhia estava extinta e que por isso se animou em carregar sua
embarcaccedilatildeo para a capitania de Pernambuco Tambeacutem declarou a seu favor que quando ficou
sabendo que a empresa ainda existia natildeo vendeu as mercadorias na capitania pernambucana
logo natildeo teria cometido o crime de contrabando
Ora os discursos se natildeo contraditoacuterios ao menos satildeo incongruentes em primeiro lugar
afirmou o negociante que aquele tipo de comeacutercio praticado nos ldquosertotildeesrdquo era livre a todos
depois declarou natildeo ter vendido suas mercadorias em Goiana para natildeo ofender o monopoacutelio
da Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto na tentativa de obter
294
Idem Sobre funcionamento administraccedilatildeo e regulamento da Alfacircndega de Pernambuco no seacuteculo XVIII
consultar OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e
tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash
Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 295
AHU - BA Cx 181 D 1348 296
Idem 297
Idem 298
Idem
96
absolviccedilatildeo a todo custo se utiliza das duas foacutermulas de forma que se a primeira falhasse
ainda ficava o reacuteu resguardado de natildeo ter praticado descaminhos da Real Fazenda
Outro ponto explorado pelos advogados do acusado em sua defesa diz respeito ao fato
de que o Procurador Geral da Companhia o senhor Manoel Joseacute de Carvalho natildeo reclamou
durante o processo de construccedilatildeo da devassa os direitos devidos da empresa no caso mesmo
que este pedido tenha sido feito pelos ministros que julgaram a situaccedilatildeo Natildeo sabemos se por
omissatildeo por conluio ou mesmo por natildeo acreditar ter se cometido no caso o crime de
contrabando o procurador nada declara a favor da empresa
No entanto eacute interessante analisarmos o comportamento do procurador tendo em
vista o principal e uacuteltimo argumento utilizado pelo reacuteu para se ver livre das acusaccedilotildees de
contrabando e descaminhos Afirmara Antocircnio Joseacute Roberto que ldquoa maior parte das caixas de
accediluacutecarrdquo 299
carregadas pela sumaca ldquoiam a entregar a Francisco Joseacute de Fonsecardquo 300
nada
mais nada menos que o proacuteprio tesoureiro da Companhia Geral e os demais efeitos seriam
entregues ldquoa diversas pessoas e negociantes todos moradores na Vila do Reciferdquo 301
De
acordo com o dono da embarcaccedilatildeo esta informaccedilatildeo estava contida nos cadernos que
transportava e posteriormente na relaccedilatildeo da carga feita pelo escrivatildeo da Conservatoacuteria da
Companhia onde era possiacutevel observar que ldquotoda a referida carga era pertencente a pessoas
daquele continenterdquo 302
A defesa do reacuteu parece ter surtido efeito jaacute que Antocircnio Joseacute Roberto foi condenando
apenas ldquono perdimento das fazendas achadas a bordo da sumacardquo 303
isto porque segundo os
ministros julgaram o costume de natildeo transportar guias das fazendas transportadas aos
pequenos portos que natildeo contavam com aparato alfandegaacuterio eram ldquoverdadeiramente abusos
e transgressotildees das reais ordensrdquo 304
Uma vez que era sabido que tirar as guias era necessaacuterio
natildeo soacute para legitimar as descargas dos produtos nos seus portos de destino mas tambeacutem para
que fosse possiacutevel identificar em qualquer parte que ldquotiveram despachos de entrada na
Alfacircndega e pagaram entatildeo os devidos direitosrdquo 305
Fora isso o reacuteu eacute absolvido de todas as acusaccedilotildees contidas no Libelo acusatoacuterio
inclusive do crime de contrabando Aleacutem da perda das fazendas ao acusado eacute ordenado o
299
Idem 300
Idem 301
Idem 302
Idem 303
Idem 304
Idem 305
Idem
97
pagamento das custas do processo 306
Pelo que podemos entender atraveacutes da leitura do
documento os escravos transportados no momento da apreensatildeo natildeo foram apreendidos pela
Real Fazenda provavelmente os ministros aceitaram a defesa do reacuteu sobre esta mateacuteria que
alegava baseado em carta reacutegia de 30 de junho de 1766 e Alvaraacute de 3 de marccedilo de 1770 que
ldquose natildeo devem direitos de saiacuteda de escravos levados para as lavouras e demais serviccedilos das
terras dos recocircncavos e sertotildeesrdquo 307
A sentenccedila inicial eacute contestada pelo reacuteu em sua defesa iraacute afirmar que as fazendas que
estavam sem as devidas guias foram todas compradas a ldquoManoel Duratildees Sampaio o qual a
despachara na alfacircndega e que se achavam seladasrdquo 308
Segundo o comerciante baiano esta
informaccedilatildeo foi omitida na relaccedilatildeo das fazendas feita no ato da apreensatildeo No entanto a
reconsideraccedilatildeo natildeo eacute aceita pelos ministros fica entatildeo decidido que ldquocumpra-se a sentenccedila
embargadardquo e que o reacuteu arque com as custas do processo 309
Pelo exposto ateacute o momento pode-se perceber como a devassa feita na Bahia acaba
por contrariar a apreensatildeo feita pelo governador Pernambucano e as demais autoridades
reacutegias da capitania que primeiro averiguaram o caso e ao que demonstra a documentaccedilatildeo
pareciam natildeo ter duacutevidas quanto agrave existecircncia da praacutetica do contrabando no caso da
ldquoescorregardquo uma vez que Goiana fazia parte do governo de Pernambuco onde a Companhia
Geral exercia seu monopoacutelio desde 1759
A contrariedade de opiniotildees das autoridades eacute notoacuteria Em ofiacutecio enviado ao Reino em
trecircs de outubro de 1780 onde trata sobre as providecircncias tomadas localmente a respeito do
caso Joseacute Cesar de Meneses afirma ter dado ordens ao ouvidor da Comarca da Paraiacuteba para
que se achem ldquoos culpados no contrabando da referida sumacardquo 310
Apoacutes a devassa realizada
na Bahia em 1781 sobre a situaccedilatildeo da ldquoescorregardquo iraacute o governador baiano o Marquecircs de
Valenccedila concluir que ldquopela sentenccedila proferida contra esse reacuteu (Antocircnio Joseacute Roberto) se
conhece bem a razatildeo porque natildeo tiveram descaminhos os reais direitosrdquo 311
Como jaacute dito anteriormente os conflitos entre as autoridades das duas capitanias natildeo
eram raros No ano de 1778 por exemplo o governador pernambucano se queixaraacute dos
306
De acordo com as ordenaccedilotildees Filipinas em Livro III Tiacutetulo LXVII quando proferida a sentenccedila final em
qualquer tipo de caso de todas as qualidades o juiz deveria condenar pelo menos no pagamento das custas do
processo o reacuteu nos casos onde o reacuteu era absolvido o autor do processo deveria arcar com esse custo 307
Idem 308
Idem 309
Idem 310
AHU - PE Cx 138 D 10248 311
AHU - BA Cx 138 D 10248
98
procedimentos adotados pelo administrador da Companhia Geral que por motivo
desconhecido se encontrava na Bahia Joseacute Cesar de Meneses faraacute seacuterias denuacutencias contra o
comportamento do administrador segundo o mesmo ldquoo administrador da Companhia Geral
que estaacute na Bahiardquo onde afirmava o governador natildeo possuir jurisdiccedilatildeo ldquonatildeo cumpre como
deve as suas obrigaccedilotildees nem cuida com verdadeiro zelo nos interesses da companhiardquo 312
O governador ainda afirmaraacute que ldquosoacute o administrador da Bahia eacute que pode com pouco
custo evitar a continuaccedilatildeo dos contrabandos e extravios dos gecircneros desta capitaniardquo 313
Joseacute
Cesar acusava o administrador de natildeo ter interesse em acabar com os contrabandos visto que
para ele a medida mais eficaz para seu combate era o de natildeo permitir a entrada na capitania
baiana dos barcos que saiam ilegalmente de Pernambuco accedilatildeo que segundo o governador natildeo
desempenhava o tal administrador 314
Em ofiacutecio do ano posterior a questatildeo da falta de jurisdiccedilatildeo na Bahia voltaraacute a tona
Segundo Joseacute Cesar o governo da Bahia andava em grande relaxaccedilatildeo no combate aos
contrabandos e ao inveacutes de conter as ilicitudes agia em sentido oposto ldquoautorizando-se a
introduccedilatildeo dos escravos que para ela se transportam da dita cidade (Recife)rdquo 315
Neste
documento como anexo encontra-se guia autorizada pelo governador da Bahia a eacutepoca
Manoel da Cunha Meneses permitindo que um comerciante baiano transportasse para
Pernambuco vinte seis escravos e quatorze escravas Accedilatildeo totalmente proibida pelos estatutos
da Companhia
Eacute patente o desinteresse das autoridades baianas em repreender tais atos O que natildeo
podemos afirmar com total certeza eacute se tal desinteresse estava relacionado aos ganhos
oriundos daquele tipo de comeacutercio para a capitania soteropolitana ou se realmente os agentes
reacutegios baianos acreditavam que aquelas negociaccedilotildees eram de fato legais Nosso palpite
baseado na pesquisa exaustiva aos documentos nos leva a crer que fosse um pouco das duas
coisas Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais nos contrabandos no proacuteximo
capiacutetulo
Retomando a anaacutelise do processo da ldquoescorregardquo conseguimos identificar dentro do
acervo dos avulsos do Arquivo Histoacuterico Ultramarino para Pernambuco uma carta do reacuteu
cerca de quatro meses apoacutes a finalizaccedilatildeo da devassa recorrendo de sua sentenccedila Vale
ressaltar que nesse momento ano de 1781 o monopoacutelio comercial da Companhia Geral havia
312
AHU- PE Cx 131 D 9892 313
Idem 314
Idem 315
AHU- PE Cx 132 D9955
99
sido extinto Neste documento Antocircnio Joseacute Roberto solicita que seja devolvida sua sumaca
com a respectiva carga que lhe foi ldquoinjustamente apreendida no porto de Goianardquo 316
e da
qual ele estava ldquoapartado haacute ano e meiordquo 317
O pedido feito pelo comerciante se respalda na sentenccedila positiva que o mesmo havia
conseguido junto aos ministros responsaacuteveis pela devassa na capitania da Bahia que julgaram
na ocasiatildeo ldquomal feita a tomadiardquo realizada pelo governador pernambucano A carta eacute extensa
e reuacutene coacutepias de outros documentos relativos ao caso o que torna um pouco confusa a
narrativa no entanto nos oferece informaccedilotildees preciosas como por exemplo a indicaccedilatildeo de
que Antocircnio Joseacute Roberto viajou ao Reino para recorrer da sentenccedila pois afirma o mesmo
que na Bahia jaacute havia obtido sentenccedila favoraacutevel e ldquono transporte a esta corte onde haacute dois
meses e meio (estou) como forasteiro diligenciando chegar a real presenccedila de V Majestaderdquo
318 continua afirmando se antepor a sua Majestade ldquopedindo somente justiccedilardquo
319
Recorria entatildeo o comerciante baiano por obter de volta suas caixas de accediluacutecares
couros e solas que estavam retidos nos armazeacutens da ldquoextinta Companhiardquo em virtude dos
muitos ldquoprejuiacutezos que tem sentindordquo 320
aleacutem da carga principal que estava em posse da
Companhia existia tambeacutem uma caixa carregada de fazendas sob os cuidados do
Superintendente Geral dos contrabandos Antocircnio Joseacute Roberto tambeacutem iraacute pleitear a
devoluccedilatildeo deste conteuacutedo Segundo o mesmo a caixa continha ldquouma insignificante porccedilatildeo de
fazendardquo 321
que os ministros haviam se esquecido de julgar e por isso a mercadoria
continuava apreendida a favor da Fazenda Real O argumento utilizado por Antocircnio Joseacute
Roberto na apelaccedilatildeo seraacute o mesmo aplicado durante o processo de devassa onde afirma natildeo
ser costumeiro levar guias de fazendas para ldquoportos onde natildeo haacute alfacircndegardquo 322
Sobre o conteuacutedo existente na caixa iraacute afirmar o comerciante que todas as
mercadorias contidas nela foram ldquodespachadas e seladas pela alfacircndega da Bahiardquo no entanto
a relaccedilatildeo que dela consta em dois documentos que tratam sobre o caso contestam essa
versatildeo Como podemos ver a seguir
316
AHU- PE Cx 0142 D 10475 317
Idem 318
Idem 319
Idem 320
Idem 321
Idem 322
Idem
100
Lista 1 ndash Fazendas encontradas na caixa
RELACcedilAtildeO DAS FAZENDAS CONTIDAS NA CAIXA
Duas peccedilas de cetim azul claro com flores brancas caixa da faacutebrica (real) ndash 101 cocircvados com
armas reais de tinta preta ndash sem selo
Duas peccedilas de camelotildees listrados ndash 80 cocircvados - com selo da alfacircndega da Bahia
Sete peccedilas de chitas encarnadas do norte ndash 170 fardas - seis peccedilas com selo da alfacircndega da
Bahia e uma sem selo
Sete peccedilas da costa - 147 jardas - com selo da alfacircndega da Bahia
Um retalho de riscado de linho - seis cocircvados - sem selo
Cinco pares de meias de algodatildeo velhas
Um lenccedilol de Hamburgo
Trecircs sacos
Duas camisas de estopa velhas
Uma toalha de Hamburgo velha
Um calccedilatildeo de ldquoduraquerdquo
Um atadouro
Duas guarniccedilotildees de camisa de caccedila
Uma caixa de papel
Trecircs navalhas de barba
Uma pedra de afiar
101
Um estojo de baeta
Uma garrafa vazia
Fonte AHU- PE Cx 0142 D 10475 AHU- PE Cx 137 D10234
Como podemos observar a tal caixa continha aleacutem de umas poucas fazendas produtos
para uso pessoal alguns jaacute bastante utilizados No entanto desses poucos tecidos nem todos
apresentavam os devidos selos reais muito provavelmente por este motivo a carga
permaneceu apreendida A apelaccedilatildeo enfaacutetica de Antocircnio Joseacute Roberto pela devoluccedilatildeo
daquele conteuacutedo que ele mesmo declara como ldquoinsignificante resto de fazendasrdquo 323
pode
nos parecer em um primeiro momento estranha mas devemos lembrar que durante todo o
desenrolar do caso o comerciante teve muitos prejuiacutezos jaacute que aleacutem de perder seus produtos
ainda teve que pagar as custas do processo
Aleacutem disso devemos ter em foco que a aquisiccedilatildeo e uso de produtos pessoais no seacuteculo
XVIII se dava de maneira bem distinta dos moldes contemporacircneos A vida uacutetil de peccedilas de
roupa por exemplo era bastante extensa portanto apesar de ldquovelhasrdquo as vestimentas
poderiam continuar a ser utilizadas ainda por um bom tempo Outros objetos como sacos
navalhas garrafa toalhas lenccediloacuteis etc tambeacutem possuiacuteam existecircncia longa sendo utilizados ao
longo de toda a vida Ateacute o momento natildeo conseguimos mapear junto ao nosso conjunto
documental a resposta do Reino a este pedido portanto natildeo temos certeza se ele foi atendido
Aleacutem de revelar aspectos da dinacircmica comercial entre Pernambuco e Bahia durante a
segunda metade do seacuteculo XVIII o caso da ldquoescorregardquo demonstra as disputas de poder
envolvendo as autoridades das capitanias vizinhas resultado de um quadro de sobreposiccedilatildeo de
jurisdiccedilotildees comum em toda a Ameacuterica Portuguesa De acordo com a documentaccedilatildeo a
capitania baiana parece ter saiacutedo ldquovencedorardquo nesta competiccedilatildeo de conflitos de interesses
uma vez que apesar dos esforccedilos empreendidos pelas autoridades pernambucanas no caso
que pareciam estar seguros sobre a existecircncia do crime de contrabando na ocorrecircncia e que
foram responsaacuteveis pela apreensatildeo catalogaccedilatildeo da carga informe sobre a situaccedilatildeo para a
Coroa e primeiras investigaccedilotildees a decisatildeo final ficou cingida aos ministros baianos Ministros
esses que ao julgarem posteriormente o caso acabaram por inocentar o reacuteu do crime de
contrabando
323
Idem
102
O contrabando de couros solas e outros gecircneros vindos do sertatildeo tambeacutem teraacute
destaque junto a documentaccedilatildeo coletada Em ofiacutecio do ano de 1778 o governador de
Pernambuco daacute conta ao Reino da apreensatildeo que fez de uma sumaca que vinda da Bahia foi
capturada no Rio Grande do Norte lugar do governo da capitania de Pernambuco A sumaca
que se chamava ldquoSagrada Famiacuteliardquo ao que consta vinha da Bahia carregada de contrabandos
que ldquoestava trocando nestes portos por diversos gecircneros como fosse tabaco e courosrdquo 324
segundo o documento depois de trocar tais produtos a sumaca iria para Bahia da Traiccedilatildeo
ldquocarregar pau-brasil para alguns dos portos estrangeirosrdquo 325
O governador toma ciecircncia do caso e envia uma tropa para apreender a embarcaccedilatildeo
Como o piloto da mesma ldquoandava oculto nesta praccedila logo que soube do embarque da tropa
partiu a dar aviso a dita sumacardquo 326
assim que souberam da notiacutecia os tripulantes da
embarcaccedilatildeo iccedilaram as velas e tentaram fugir no entanto devido ao pouco vento que se fazia
no momento natildeo conseguiram seguir com a sumaca e a abandonaram no local Parte da
tripulaccedilatildeo conseguiu escapar atraveacutes das lanchas do barco e levaram consigo ldquoalgumas
canastrasrdquo que acreditava o governador serem restos das fazendas de contrabando
A sumaca foi apreendida e levada para o porto do Recife onde foi inventariada pelo
Juiz de Fora da Praccedila No momento da ldquotomadiardquo a embarcaccedilatildeo estava carregada com 1052
arrobas de tabaco 220 couros de boi em cabelo e 11 barris de mel Os cinco marinheiros que
natildeo conseguiram fugir foram levados para Recife e ficaram presos na cadeia da vila onde
responderam a inquiriccedilatildeo feita pelo mesmo Juiz de Fora nos fornecendo maiores detalhes
sobre o caso No mesmo documento tambeacutem constam algumas certidotildees importantes como a
lista de apetrechos do barco o auto de apreensatildeo termo de entrega do barco avaliaccedilatildeo da
carga entre outros
De maneira geral os marinheiros que eram todos portugueses e segundos seus
testemunhos novatos na tripulaccedilatildeo daquela embarcaccedilatildeo iratildeo ao longo das inquiriccedilotildees
apresentar a mesma versatildeo dos fatos com maiores ou menores detalhes Testemunhavam que
estando o barco aportado no Rio Grande do Norte chegou um homem ldquoque se dizia ser piloto
do dito barcordquo 327
informando ao dono da sumaca o senhor Luiz Pereira que o barco seria
apreendido e que eles buscassem fugir poreacutem por falta de vento natildeo foi possiacutevel escapar e
324
AHU ndash PE Cx 129 D 9771 325
Idem 326
Idem 327
Idem
103
logo ldquochegaram trecircs jangadas com soldados e os fizeram conduzir a este porto (do Recife)rdquo 328
onde foram presos
Afirmam tambeacutem que a sumaca apreendida estava naquelas paragens para carregar
ldquofumo e couros em pelordquo Satildeo unanimes tambeacutem os marinheiros em atestar que o barco
naquele tempo natildeo tinha mestre 329
e quem o conduzia era seu proacuteprio dono Luiz Pereira e
ainda que o mesmo natildeo havia declarado a sua tripulaccedilatildeo o porto para onde pretendia seguir
viagem aleacutem disso atestam os tripulantes que a carga encontrada a bordo pertencia somente
ao dono da embarcaccedilatildeo
Os marinheiros asseguram ainda que na mesma jangada na qual o piloto veio dar a
notiacutecia da apreensatildeo ldquofugiram para terrardquo o dono e o dito piloto ldquolevando consigo duas
frasqueiras vazias e uma canastra com um pouco de fazenda resto de negoacutecio que ele dizia
tinha sido comprado a Companhia Geralrdquo 330
Felizmente conseguimos localizar junto ao
nosso conjunto documental cerca de um mecircs apoacutes a apreensatildeo da ldquoSagrada Famiacuteliardquo
requerimento de seus donos pedindo que lhe fossem entregues os gecircneros ou produto deles
devolvendo a embarcaccedilatildeo e ressarcindo a ambos os danos e perdas que tiveram com a
apreensatildeo
Fica esclarecido pois que a sumaca pertencia natildeo soacute a Luiz Pereira mas tambeacutem a
Francisco Joseacute de Melo seu soacutecio Segundo o documento os dois tinham contraiacutedo sociedade
para ldquodos portos daquela capitania carregarem para a praccedila todos os gecircneros e efeitos
permitidosrdquo 331
Afirmam ainda que para isso conseguiram as licenccedilas junto ao governo para
que a tal sumaca pudesse navegar para ldquoqualquer dos mesmos portosrdquo No documento os
donos datildeo detalhes sobre o roteiro de viagem seguido pela embarcaccedilatildeo que primeiramente
navegou com efeitos para Una passando depois para Barra Grande onde ldquoo suplicante tinha
de fazer dar cumprimento as despesas [] contra os seus devedoresrdquo 332
Como natildeo encontraram em Barra Grande carga suficiente seguiram para Barra de
Catuama no Rio de Tejucupapo em Pernambuco ldquoonde aleacutem de alguma lenha farinha e mel
jaacute os suplicantes tinham feito embarcar 200 arrobas de tabaco em corda e 220 couros de boi
328
Idem 329
O marinheiro Manoel de Sousa afirma que quando entrou para tripulaccedilatildeo o mestre da sumaca era Alberto
Vieira morador na praccedila do Recife poreacutem pouco tempo depois o dito mestre foi servir em outra embarcaccedilatildeo
assumindo o dono da sumaca o senhor Luiz Pereira a funccedilatildeo do mestre 330
AHU ndash PE Cx 129 D 9771 331
AHU ndash PE Cx 129 D 9792 332
Idem
104
em cabelordquo 333
mercadorias estas que haviam sido compradas nos arrabaldes de Goiana
Segundo a versatildeo dada pelos donos da Sagrada Famiacutelia a apreensatildeo do barco foi motivada
por uma denuacutencia falsa planejada por seus devedores ldquoescandalizados da cauccedilatildeo que se lhe
faziardquo 334
junto com outros inimigos do suplicante a saber Manoel da Silva Xelas e Manoel
Joseacute da Costa que se ocuparam ldquoem lhe maquinar culpas por que o fizessem prender e
satisfazer assim sua vinganccedilardquo 335
Sobre a sua fuga e tambeacutem a do mestre da embarcaccedilatildeo Luiz Pereira afirma que apesar
de natildeo ter o que recear como ldquoo mal era certo e estava a vista cuidaram em evita-lordquo 336
fugindo dessa forma em outra jangada levando consigo apenas ldquoo triste socorro de duas
canastras com sua roupardquo 337
Continua afirmando que assim que a sumaca foi levada pelos
soldados a Pernambuco logo sua carga foi posta em arrecadaccedilatildeo mesmo que natildeo houvesse
confirmaccedilatildeo nenhuma sobre o contrabando denunciado Segundo o dono da embarcaccedilatildeo ficou
sabendo a apreensatildeo se deu devido a uma falsa denuacutencia de que eles ldquoestavam carregando
naquele porto de Goiana pau-brasil para o conduzirem para as Martinicasrdquo 338
poreacutem no
momento da apreensatildeo natildeo foram encontradas as tais madeiras na sumaca
Reclamam entatildeo os suplicantes que mesmo diante da incerteza da praacutetica de
contrabando e de suas suacuteplicas e contestaccedilotildees as autoridades reacutegias deram seguimento no
processo vendendo a carga do barco Afirmam ainda que enviaram ao governador as licenccedilas
que tinham para comerciar no porto da apreensatildeo 339
como tambeacutem os motivos pelos quais
havia o mestre e o dono do barco fugido na ocasiatildeo poreacutem natildeo foram capazes de ir ao
encontro marcado pelo governador pernambucano para esclarecimentos sobre o caso nem o
mestre nem o suplicante O primeiro porque tinha ido ldquoprocurar sua vida e natildeo lhe
importavam os requerimentos dos suplicantesrdquo 340
e o segundo porque ldquoestava na cidade da
Bahia para onde tinha feito viagem no seu ofiacutecio de pilotordquo 341
Continuam alegando ter sido a apreensatildeo e arremataccedilatildeo feita pelo governador injusta e
apelam agrave Rainha por justiccedila pois perdendo suas fazendas ldquosem culpasrdquo estavam os mesmos
333
Idem 334
Idem 335
Idem 336
Idem 337
Idem 338
Idem 339
Este e outros documentos referentes ao caso estatildeo anexados ao requerimento enviado a Rainha 340
AHU ndash PE Cx 129 D 9792 341
Idem
105
ldquona consternaccedilatildeo de abraccedilarem a miseacuteriardquo 342
uma vez que jaacute natildeo tinham meios de sustentar
suas famiacutelias muito menos de bancarem uma viagem ao Reino para implorarem ldquojusticcedila e a
maternal piedaderdquo 343
da soberana Ao longo do documento os suplicantes o tempo inteiro
reforccedilam a maacutexima de que o contrabando natildeo foi comprovado
Tambeacutem asseguram que a fuga se deu pois quem estava comandando a jangada que
foi fazer a apreensatildeo era Manoel da Silva Xelas inimigo que haacute pouco tempo ldquolhes tinha
segurado que lhe diligenciava a perdiccedilatildeordquo 344
Sustentam ainda que as canastras levadas
possuiacuteam apenas roupas Terminam pedindo que se faccedila justiccedila e lhe entreguem ldquotodos os
gecircneros e efeitos apreendidos ou o seu produtordquo aleacutem eacute claro de solicitarem que o governador
devolvesse a embarcaccedilatildeo Natildeo conseguimos encontrar ateacute o momento a resposta do Reino a
tal solicitaccedilatildeo portanto natildeo sabemos se em algum momento ela foi atendida O relato
demonstra mais uma vez como a definiccedilatildeo do que poderia ser considerado contrabando era
cambiante e dificultosa como podemos ver ao longo desse trabalho vaacuterios foram os casos
onde as autoridades pernambucanas fizeram apreensatildeo e posteriormente os reacuteus apelaram a
instacircncias superiores e conseguiram absolviccedilatildeo de suas penas
Conseguimos mapear mais dois casos relevantes sobre o comeacutercio de couros realizado
atraveacutes dos sertotildees que dividiam Pernambuco e Bahia que merecem ser detalhados pois
revelam detalhes preciosos sobre os circuitos de mercancia do interior 345
Tratam-se de dois
processos crimes dirigidos agrave Conservatoacuteria da Companhia Geral em Lisboa Antes de nos
atermos aos casos cabe uma ressalva para explicar brevemente como se tratavam as mateacuterias
judiciais na empresa Quanto a questotildees de justiccedila a Companhia possuiacutea um juiacutezo privativo
para resoluccedilatildeo de assuntos que lhe dissessem respeito 346
podendo atuar ldquocom jurisdiccedilatildeo
privativa e inibiccedilatildeo de todos os juiacutezes e tribunais [] em todas as causas contenciosas em
que forem autores os reacuteus o provedor deputados secretaacuterios e mais pessoas do serviccedilo da
Companhiardquo 347
A empresa mantinha um juiz conservador em Lisboa responsaacutevel por julgar estas
causas mas as direccedilotildees subalternas como a de Pernambuco tambeacutem possuiacuteam um juiz
342
Idem 343
Idem 344
Idem 345
Os dois processos aqui citados satildeo extensos e possuem etapas e procedimentos burocraacuteticos muacuteltiplos Cada
um conteacutem cerca de 200 laudas com vaacuterias passagens em latim e tracircmites juriacutedicos Por motivos praacuteticos
optamos por fazer pequenos compilados das ocorrecircncias deixando claro que temos ciecircncia sobre a
impossibilidade de qualquer resumo expressar com precisatildeo a complexidade destes casos 346
JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004P 87-88 347
Idem
106
conservador nomeado pela Junta da empresa em Lisboa que estava apto para julgar causas
que envolvessem o montante de ateacute 300$000 reis No entanto os reacuteus poderiam recorrer de
toda forma a conservatoacuteria de Lisboa Dessa forma na maioria dos casos a apelaccedilatildeo a
conservatoacuteria da empresa em Lisboa era o uacuteltimo recurso a que poderiam valer-se os reacuteus
acusados de cometer contrabando
Estas questotildees eram reguladas pelo artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa
nele afirma-se que a Companhia era independente de todos os tribunais maiores e menores
respondendo efetivamente apenas ao Rei Em nenhum caso era admitido que ministros ou
tribunais reais se intrometessem nesta mateacuteria Isto porque o capital formador da Companhia
provinha de pessoas que a princiacutepio natildeo tinham qualquer relaccedilatildeo com a Real Fazenda dessa
forma ficava a empresa livre para ldquodispor de seus proacuteprios bens como lhe parecer mais
convenienterdquo 348
Se algum tribunal ou ministro quisesse obter informaccedilotildees de algo
concernente a administraccedilatildeo da Companhia era necessaacuterio solicitar tais informaccedilotildees a sua
Junta ou as Direccedilotildees subalternas que poderiam ou natildeo deferir tal pedido 349
De acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a empresa possuiacutea uma independecircncia juriacutedica
relativa Jaacute que apesar de natildeo estar subordinada a nenhum outro tipo de tribunal respondia a
administraccedilatildeo da Companhia imediatamente ao Rei que era o responsaacutevel por confirmar as
nomeaccedilotildees feitas pela sua Junta Aleacutem disso segundo o autor os homens nomeados para
exercer a funccedilatildeo de juiacutezes conservadores eram em sua maioria sujeitos envolvidos na
administraccedilatildeo real ocupando cargos na casa de suplicaccedilatildeo ou mesmo no papel de juiz de fora
350
Voltando para os casos o primeiro tem como personagem principal o mestre sapateiro
e comerciante de couros e solas Manoel Antocircnio dos Santos que no ano de 1777 teve 1032
meios de sola apreendidos pelo guarda mor da direccedilatildeo da Companhia chamado Joatildeo Antocircnio
Batista As tais solas estavam distribuiacutedas em cinco balsas que se encontravam no momento
da apreensatildeo quatro na Ilha do Nogueira 351
e uma no rio do Jiquiaacute Durante a accedilatildeo do
confisco boa parte das solas foi molhada tornando-se mais uma pauta para reclamaccedilatildeo do reacuteu
348
Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor
do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Artigo 12 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil
Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 349
No caso de indeferimento cabia recurso ao Rei 350
JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit P 87-88 351
Tambeacutem conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia
Teimosa no Recife Sobre isto ver PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife
2008
107
a Conservatoacuteria lisboeta aleacutem de afirmar natildeo ter praticado contrabando solicitava a
restituiccedilatildeo monetaacuteria da mercadoria avariada pois natildeo restava duacutevida ldquoque aacutegua salgada na
sola faz um grande dano e daqui resulta ou perder-se inteiramente o valor ou ficar diminuiacutedo
em parte muito consideraacutevelrdquo 352
e ainda que ldquoeste contemplado prejuiacutezo causou ao reacuteu o
acelerado procedimento do guarda morrdquo 353
As cinco balsas foram apreendidas pois existia a suspeita de que as mesmas estavam
fora da barra do porto esperando um barco que iria a Bahia transportar as solas e couros no
entanto o barco acabou se atrasando e natildeo partiu na data combinada Sendo assim a versatildeo
das autoridades era de que ldquoas balsas estavam escondidas ao peacute do Recife esperando que
saiacutesse o dito barcordquo 354
segundo consta nos autos essa afirmaccedilatildeo teria sido feito pelos
jangadeiros que conduziam as balsas a vaacuterias testemunhas que foram inquiridas durante o
processo
Na verdade aleacutem dessas testemunhas que ldquoouviram dizerrdquo um uacutenico jangadeiro iraacute
testemunhar contra o reacuteu Era ele Manoel Martins de Almeida ldquohomem branco morador na
rua da praia solteiro que vive de pescador de idade que disse ser de 47 anosrdquo 355
Manoel iraacute
afirmar que voltando ele de uma pescaria tinha encontrado quatro jangadas juntas carregadas
de sola e que na ocasiatildeo dois homens brancos dos quais ele ignorava os nomes fretaram a sua
jangada para tambeacutem a carregar com as solas e ldquoesperar ali com as mais jangadas um barco
que no dia seguinte havia sair deste Porto que ia em direitura para o da Bahiardquo 356
afirma o
pescador que natildeo chegou a receber o dinheiro combinado pelo serviccedilo pois o guarda mor da
Companhia logo apareceu e fez a apreensatildeo conduzindo os barcos para o trapiche da empresa
Os outros jangadeiros serviram de testemunhas de defesa do reacuteu as versotildees dadas por
eles eram bastante parecidas utilizaremos aqui o testemunho de Manoel de Jesus Ramos
ldquohomem preto morador na rua da praia que vive de jangadeiro solteiro de idade de 25 anosrdquo
357 para exemplificar Afirmava Manoel que por ordem do reacuteu ele e ldquomais quatro jangadas da
rua da praia foram aos Afogados junto ao Tocolombo 358
receber-lhe a sola de que se trata e
por sua determinaccedilatildeo a vinham descarregar atraacutes do coleacutegiordquo 359
continua afirmando que ldquopor
352
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 5 353
Idem 354
Ibdem f 48 355
Ibdem f 45 356
Idem 357
Ibdem f 36 358
Atual ponte Motocolomboacute que liga os bairros de Afogados e Imbiribeira no Recife 359
Refere-se a praia do coleacutegio conhecida assim por estar nas imediaccedilotildees do antigo coleacutegio jesuiacuteta do Recife
nas proximidades do bairro de Santo Antocircnio Fonte BARBOSA Virgiacutenia Igreja do Divino Espiacuterito Santo
108
ser mareacute vazia e encalhar em jangadas e fazer vento rijo se acoitaram ao peacute da Ilha do
Nogueira da parte de dentro do Reciferdquo 360
neste momento as jangadas foram apreendidas pelo
Guarda Mor da Companhia e levadas para o trapiche da empresa
Nem todas estavam no mesmo local quando da ldquotomadiardquo pois algumas delas tinham
encalhado nas coroas de areia ldquopelo rio abaixo por dentro do Reciferdquo 361
Segundo Manoel o
destino ldquoque todas as jangadas traziam por ordem do reacuteu era descarregarem por de traacutes do
coleacutegiordquo 362
Diz ainda que natildeo tinham autorizaccedilatildeo de saiacuterem de Recife ldquonatildeo soacute por natildeo haver
para que mas pelo grande risco que haviardquo 363
Tambeacutem em seu testemunho vai afirmar que
conhecia o reacuteu haacute algum tempo e que nunca tinha ouvido dizer que ele fosse contrabandista
ldquoantes o tem por homem de muita verdade e eacute mestre do ofiacutecio de sapateirordquo 364
Como dito anteriormente quase todos os jangadeiros testemunharam a favor do reacuteu
salientando que o mesmo natildeo tinha enviado ordem para que eles saiacutessem de Recife e que o
sapateiro era um homem respeitaacutevel e correto Vale ressaltar que todos eles eram vizinhos
moradores na rua da praia se conheciam e foram contratados para o serviccedilo no mesmo tempo
Coincidecircncia ou natildeo o uacutenico depoimento contraacuterio viraacute exatamente do jangadeiro que foi
contratado para o serviccedilo posteriormente e que ao que o processo indica natildeo possuiacutea relaccedilotildees
de amizade com os demais
A defesa do reacuteu iraacute se centrar em alguns pontos destacaremos os mais importantes O
primeiro seraacute o entendimento de que existiam dois tipos de delito o ldquoefetivo e o afectivordquo O
primeiro tipo se daria quando de fato o ato iliacutecito fosse concretizado ou seja o delito tivesse
sido efetivado O segundo seria a intenccedilatildeo de cometer o ato sem que se chegasse a realiza-lo
O advogado do reacuteu iraacute se utilizar desta diferenciaccedilatildeo para sustentar sua defesa pois segundo o
mesmo ldquonenhuma lei humana tem proibido e mandado punir nem pode em qualquer delito
que seja proibir ou mandar punir ao simples ato interno ou a uacutenica interna deliberaccedilatildeo dos
homensrdquo 365
isto porque ldquoo pecado de pensamento que fica no mesmo e dele natildeo sabe
absolutamente em palavra ou obra soacute pertence a Deus proibi-lo e castiga-lordquo 366
ou seja
Recife PE Pesquisa Escolar Online Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Recife Disponiacutevel em
lthttpbasiliofundajgovbrpesquisaescolargt Data de acesso 03082017 360
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 36 361
Idem 362
Idem 363
Idem 364
Idem 365
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 50 366
Idem
109
afirmava o advogado que natildeo se poderia julgar a intenccedilatildeo de um crime que natildeo chegou a se
concluir
O segundo ponto da defesa iraacute se concentrar nas condiccedilotildees mariacutetimas que
supostamente enfrentaram as balsas durante o momento da apreensatildeo Afirmam entatildeo que natildeo
era criacutevel que as cinco balsas pudessem navegar no mar de fora rumo a Bahia ou mesmo
esperar embarcaccedilatildeo que de laacute viesse Asseguram que mesmo dentro da barra ldquodeste rio que se
estaacute vendo defendido dos arrecifes natildeo estavam seguras as balsas pois ventando rijo se altera
o mesmo rio e faz maretas tatildeo fortes como laacute forardquo 367
prossegue atestando que naquelas
condiccedilotildees estavam em perigo ldquooutras embarcaccedilotildees de maior seguranccedila como estamos vendo
frequentemente quanto mais balsas que natildeo tem firmeza alguma para resistir ao mar alterado
com o vento rijordquo 368
O terceiro toacutepico da defesa era simples consistia em afirmar que os depoimentos das
testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo eram relevantes e que natildeo demonstravam que o contrabando
houvesse sido praticado Outra questatildeo levantada pela defesa foi o fato das solas na ocasiatildeo
da apreensatildeo natildeo estarem marcadas sendo assim natildeo haveria o interesse da parte do reacuteu em
fazer conduzir nestas condiccedilotildees esta mercadoria para a Bahia ldquopois indo sem marca natildeo se
podia saber de quem era nem a quem ia entregar e eis aqui um contrabando e negoacutecio
extravagante e nunca vistordquo 369
Aleacutem disso afirmam ser o produto ldquosola da matardquo
conhecidas popularmente como vaquetas artigo de comercializaccedilatildeo permitida
O argumento mais forte da defesa centrava-se na liberdade permitida pelo artigo 25
dos estatutos da Companhia ao comeacutercio realizado nos sertotildees Como jaacute visto no capiacutetulo
anterior este comeacutercio soacute passa a ser reprimido apoacutes o ano de 1770 por forccedila de um edital
lanccedilado pela direccedilatildeo da empresa em Pernambuco que por natildeo ser referendado por ordem
reacutegia natildeo possuiacutea forccedila de lei Assim sendo o advogado garantia que ldquoainda na hipoacutetese
sempre negada que o reacuteu extraviasse efetivamente a sola natildeo cometia um delito algum nem
podia incorrer nas penas do artigo 34 370
rdquo Isto porque ldquousava da permissatildeo do artigo 25 e a
liberdade do comeacutercio do Sertatildeo de que fala o mesmo natildeo se deve entender para ir somente
buscar a sola e vender a direccedilatildeordquo
367
Ibidem f 51 368
Idem 369
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 7 370
Ibdem f 52
110
O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral citado no caso prevecirc as
puniccedilotildees passiacuteveis para aqueles que fizessem comeacutercio desautorizado na capitania de
Pernambuco e suas anexas Legislando da seguinte forma
Nenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute
mandar levar ou introduzir as sobreditas fazendas secas ou molhadas nas
ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da produccedilatildeo []Sob pena
de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto importar o
seu valor [] 371
O comeacutercio realizado nos sertotildees que tinham como destino o porto do Recife onde se
deveriam trocar as mercadorias com a Companhia monopolista era considerado legal 372
Tanto que o reacuteu deste caso haacute muitos anos fazia esse tipo de negociaccedilatildeo com a empresa 373
Segundo consta nos autos do processo teria comprado Manoel Antonio dos Santos a sola
ldquoparte a dinheiro e outra parte recebeu em pagamento de coiramas de Portugal gecircnero em que
haacute muitos anos negocia com a direccedilatildeo comprando-lhes partidas avultadas de carmeiras
cordovotildees marroquins e outros gecircnerosrdquo 374
que depois ldquopelo miuacutedo vendia as tais partidas
nesta Praccedila e para fora dela [] e recebia em satisfaccedilatildeo accediluacutecares solas e outros gecircneros da
terrardquo 375
A Companhia em dois momentos iraacute rebater a defasa do reacuteu fazendo diversas
acusaccedilotildees o processo eacute extenso e possuiacute vaacuterias apelaccedilotildees e contestaccedilotildees faremos aqui um
compilado dos principais pontos apresentados pela empresa na figura do seu procurador fiscal
em Pernambuco O primeiro ponto faz referecircncia as testemunhas de defesa afirmava a
Companhia que as ditas testemunhas ldquosatildeo todas falsas apaixonadas e por dinheiro
corrompiacuteveis e a maior parte delas satildeo os mesmos jangadeiros auxiliantes e outras satildeo do
ofiacutecio de sapateiro de que eacute o embargado juizrdquo 376
Como jaacute informado o reacuteu aleacutem de negociar
com solas e couros haacute vaacuterios anos era juiz do ofiacutecio de sapateiro na praccedila como muitas
371
Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762
Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e
Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 293 372
Assunto discutido no primeiro capiacutetulo deste trabalho 373
No processo constam anexadas vaacuterias contas apresentadas pelo reacuteu discriminando produtos e seus valores
negociados ao longo dos anos com a empresa como uma espeacutecie de contabilidade pessoal 374
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 375
Idem Vale pontuar que de acordo com o artigo 33 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral a venda
em miuacutedo era permitida aos comerciantes da terra Sendo entatildeo o comeacutercio de grosso trato reservado
exclusivamente a empesa Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de
Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de
livros sobre o Brasil Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 376
Ibdem f 61
111
testemunhas de defesa possuiacuteam o mesmo ofiacutecio o procurador fiscal da Companhia iraacute acusar
Manoel Antocircnio de se utilizar de seu lugar de poder dentro daquela corporaccedilatildeo para gerar
testemunhos positivos a seu respeito
A acusaccedilatildeo encabeccedilada pelo procurador fiscal tambeacutem iraacute chamar atenccedilatildeo para o fato
de que havendo mareacute de dia o reacuteu escolheu deixar para carregar de noite o que era entendido
como atitude suspeita Contestam tambeacutem a alegaccedilatildeo da defesa de que no maacuteximo haveria se
cometido ldquocontrabando afectivordquo pois ldquose fora soacute a efetiva vontade de extraviar natildeo havia o
extraviador ter as jangadas carregadas e escondidasrdquo 377
continua sustentando que ldquose fosse
para descarregarem na praia do coleacutegio natildeo haviam estar de manhatilde ancoradasrdquo 378
Consta
tambeacutem no documento que soacute natildeo chegou a ser efetivado o contrabando porque o barco que
iria para Bahia natildeo pode partir na data prevista devido agraves condiccedilotildees da mareacute
Outro ponto levantado pela empresa seraacute a localizaccedilatildeo geograacutefica das jangadas no
momento da apreensatildeo afirmando que natildeo fazia sentido que o desembarque da mercadoria
fosse feito na praia do coleacutegio visto que ficava aquele local ldquomuito para o norte do forte (das
cinco pontas)rdquo jaacute a Ilha do Nogueira ficava ao ldquoSul do mesmo forterdquo 379
Aleacutem disso havia na
ocasiatildeo condiccedilotildees de navegaccedilatildeo para desembarcarem na praia do coleacutegio por isso natildeo fazia
sentido estarem ancoradas A empresa iraacute ainda acusar o reacuteu alegando ser ele natildeo soacute
ldquoextraviador dos efeitos desta capitania para a cidade da Bahia se natildeo que da mesma cidade
costuma introduzir contrabandos nesta capitania como fosse um lote de escravos e vendeu
uma moleca ao seu grande amigo e falsa testemunha Joatildeo Francisco Guimaratildeesrdquo 380
aleacutem da
fazenda seca que jaacute carregava
A companhia tambeacutem iraacute replicar o fato dos jangadeiros terem afirmado que estavam
parados esperando uma jangada que havia ficado para traacutes por estar encalhada declarando
natildeo haver necessidade para tal jaacute que ldquocada uma vai ganhar o seu frete quanto mais depressa
chegasse o tinha ganhado e mais depressa se recolhia a sua casa para estar pronto para no
outro diardquo 381
Ademais tambeacutem iratildeo questionar o porquecirc dos jangadeiros terem fugido pois
ldquose as ditas jangadas carregadas de sola viessem para o Recife nenhuma necessidade havia
para que os jangadeiros fugissem desamparando as suas jangadasrdquo 382
continuam garantindo
377
Ibdem f 56 378
Idem 379
Idem 380
Joatildeo Francisco Guimaratildees seraacute testemunha de defesa do reacuteu durante o processo ANTT Feitos Findos
Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 61 381
Ibidem f 55 382
Idem
112
que ldquoa causa da fuga era por estarem compreendidos na extraviaccedilatildeo sendo os condutores e
auxiliantes do extraviordquo 383
Por fim o procurador fiscal da empresa alega que o advogado do reacuteu fez maacute
interpretaccedilatildeo do artigo 25 dos estatutos da empresa uma vez que ldquoo que determina o dito
artigo eacute que possam negociar para o sertatildeo e mais portos isso natildeo se entende para fora da
capitaniardquo 384
a sola estaria entatildeo compreendida ldquono artigo 34 da instituiccedilatildeo da Companhia
Geral e suposto pelo artigo 25 da mesma seja exclusivo para todos os gecircneros e frutos da terra
soacute se deve entender para o negoacutecio dentro das suas Capitanias e natildeo para fora delasrdquo 385
Solicitam entatildeo que o reacuteu seja condenado no perdimento das mercadorias e na pena de dobro
O processo eacute longo mas de maneira geral os fatos satildeo estes o grande trunfo da defesa
eacute afirmar que a sola foi apreendida dentro de Recife onde natildeo era proibido o seu comeacutercio
sendo assim natildeo havia meios de se provar a intenccedilatildeo de extraviar e que mesmo que houvesse
a intenccedilatildeo natildeo se poderia condenar o reacuteu por isso - ldquoextravio afectivordquo No fim das contas o
sapateiro e comerciante Manoel Antocircnio acaba sendo absolvido e os apelantes satildeo
condenados a pagar ldquoas custasrdquo do processo como de costume
Outra apelaccedilatildeo crime que merece destaque dentro do nosso conjunto documental eacute
um caso do ano de 1779 que diz respeito ao processo envolvendo o barco conhecido como o
ldquoXibanterdquo de quem era dono o capitatildeo Manoel Vieira de Melo A embarcaccedilatildeo apreendida por
soldados cumprindo ordens do governador da capitania vinha do sertatildeo do Aracati Ribeira
do Jaguaribe e estava carregada de couros e solas pertencentes a vaacuterios comerciantes A
sumaca despertou a atenccedilatildeo das autoridades pois chegando ao porto do Recife natildeo entrou
logo na barra o que alimentou a suspeita de que a mesma estivesse extraviando efeitos para
os portos do sul mais precisamente para a Bahia 386
No momento da apreensatildeo o mestre da
sumaca estava em terra
Junto com a embarcaccedilatildeo foram apreendidos tambeacutem cinco escravos pertencentes ao
dono do Xibante que trabalhavam como marinheiros O dono da embarcaccedilatildeo tratou logo de
fazer solicitaccedilatildeo para soltura de seus escravos afirmando que os mesmos ldquonatildeo satildeo barco nem
carga e sim marinheiros do barco que ganham soldo cada um para seu dono e a diferenccedila que
383
Ibidem f 61 384
Ibidem f 57 385
Idem 386
Para mais informaccedilotildees a respeito do Porto de Recife no seacuteculo XVIII consultar OLIVEIRA Luanna Maria
Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-
1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de
Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 ndash 26
113
tem que marinheiro brancos eacute lucrarem estes os soldos para seus senhoresrdquo 387
Este assunto
rapidamente se resolveu pois Manoel Vieira conseguiu recuperar sua escravaria pondo o
capitatildeo Francisco de Oliveira como fiador de tais escravos estando ele responsaacutevel ainda por
entregar em juiacutezo os homens todas as vezes que assim fosse requerido
Algo curioso neste processo eacute que a embarcaccedilatildeo ficaraacute apreendida junto com a carga
apesar de encontramos outros documentos que apontam situaccedilotildees semelhantes a defesa do
reacuteu a todo o momento contestaraacute tal decisatildeo afirmando que natildeo era costume da Companhia
agir daquela forma Devido a apreensatildeo feita na embarcaccedilatildeo nos autos da apelaccedilatildeo constam
os objetos que nela existiam como toneis barricas candeeiros entre outros objetos de uso
cotidiano Consta tambeacutem nos autos a avaliaccedilatildeo do valor do barco que foi feita pelo doutor
juiz conservador da Companhia junto a um ldquocorpo de mestranccedilardquo 388
a sumaca naquela
ocasiatildeo teve seu valor estimado em um conto e cem mil reis Como jaacute dito os advogados do
reacuteu iratildeo insistir na liberaccedilatildeo do barco iniciam a defesa afirmando que no decurso de 19 anos
foram ldquotantas e tantas apreensotildees tomadias de gecircneros e contrabandos introduzidos
transportados e ocultados em barcos lanchas botes canoas jangadas e casardquo 389
no entanto
ldquonatildeo consta que tambeacutem se apreendessem as casas jangadas canoas botes lanchas e barcos
como instrumentos das extraviaccedilotildees e contrabandosrdquo 390
Isto porque segundo a defesa natildeo se
encontrava nos estatutos da empresa ordens para apreensatildeo de embarcaccedilotildees apenas a sua
carga estaria sujeita as ldquotomadiasrdquo Como comentado em nosso conjunto documental
encontramos outros casos onde as embarcaccedilotildees satildeo apreendidas junto a suas mercadorias natildeo
parecendo para noacutes que esta praacutetica fosse anocircmala
Persistindo na mesma mateacuteria o jurista alegava que ldquoa tiacutetulo de contrabando soacute
mandam as ordens reacutegias apreender e tomar embarcaccedilotildees nos portos do Brasil quando satildeo de
estrangeiros que sem faculdade reacutegia vem a eles oculta e furtivamente fazer negocio e
transportar os gecircneros do paiacutesrdquo 391
Esta ordem tambeacutem se aplicava a embarcaccedilotildees piratas e
ldquoxavecos de mourosrdquo pois aqueles eram ldquodeclarados inimigos da coroa de Portugal e seus
vassalosrdquo 392
Pedia entatildeo o advogado que fosse exonerada a fianccedila feita pelo reacuteu para receber
seu barco de volta uma vez que o Xibante natildeo era ldquoclasse assinada das embarcaccedilotildees que as
387
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 10 388
Ibidem f 11 389
Ibidem f 13 390
Idem 391
Ibidem f 13 verso 392
Idem
114
ordens reacutegias mandam apreende-las e toma-las por se ele portuguecircs e habitador desta terra e
vassalo fiel de sua majestade e natildeo estrangeiro nem piratardquo 393
Seguindo a mesma linha de defesa do caso acima descrito tambeacutem iraacute se afirmar que a
apreensatildeo da sumaca teria se dado de maneira indevida jaacute que nenhuma extraviaccedilatildeo efetiva
havia sido comprovada pois na ocasiatildeo do seu sequestro o barco estava ldquobordejando ao norte
da barra e natildeo tinha passado para o sul nem o mesmo tinha ordem do reacuteu para o poder fazerrdquo
394 e ainda que ldquoos afetos e intenccedilotildees do animo [] soacute Deus conhece e os homens penetrar natildeo
podemrdquo 395
Ou seja seguindo a loacutegica da defesa mesmo que os indiacutecios apontassem que
haveria de se cometer crime de contrabando natildeo poderiam as autoridades atuar
preventivamente
Um dado interessante sobre o caso eacute que o Xibante no momento de sua apreensatildeo
trazia passageiros a bordo A defesa afirmaraacute a seu favor que estes viajantes tinham como
porto de destino Recife aleacutem disso iratildeo alegar que a sumaca vinha em meia carga por isso
natildeo seria vantajoso comercialmente falando o envio da embarcaccedilatildeo para Bahia Assegurando
ainda que o mestre natildeo entrou diretamente no porto do Recife pois foi a terra buscar ordens
do dono da sumaca para saber qual o destino deveria tomar neste meio tempo em que o
mestre estava em terra aconteceu o apresamento
Ainda de acordo com versatildeo dada pela defesa ldquoa gente da mareaccedilatildeo vinha toda
levantada com o mesmo (mestre) por bulhas que tiveram no Aracati e para fazerem mal ao
dito foram eles os que arguiram a ida do barco para a Bahiardquo 396
Afirmam ainda que se
realmente se tivesse a intenccedilatildeo de fazer contrabando o barco poderia ter seguido para Sul
sem ficar parado a vista de todos naquela barra e que o reacuteu natildeo tinha culpa da ignoracircncia de
seu mestre uma vez que natildeo havia expedido ordens que autorizassem a ida para Bahia
Ressaltamos que alguns passageiros do barco confirmaram a afirmaccedilatildeo do desentendimento
entre os marinheiros e o mestre da embarcaccedilatildeo sem explicar ao certo o porquecirc de tal rusga
Tambeacutem como no caso acima a defesa iraacute se utilizar do artigo 25 dos estatutos da
empresa para defender que aquele comeacutercio feito nos sertotildees era livre e que a Companhia soacute
passou a reprimi-lo posteriormente Denunciam ainda que mesmo apoacutes a dita proibiccedilatildeo era
notoacuterio e sabido por todos que os deputados da empresa ldquopara seus negoacutecios particulares tem
393
Idem 394
Idem 395
Ibidem f 14 396
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 14
115
sempre carregado solas e couros do sertatildeo para a Bahia e para o Riordquo 397
sendo assim se
julgassem justa a dita proibiccedilatildeo natildeo deveriam continuar a praticar aquele comeacutercio ldquopor serem
executores da instituiccedilatildeo ou obrigados a executa-la se entendessem ser justa e legalrdquo 398
Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais e oficiais e deputados da proacutepria
companhia no comeacutercio descaminhado mais profundamente no proacuteximo capiacutetulo
Todos os pontos alegados acima seratildeo sustentados pelas testemunhas de defesa
durante as inquiriccedilotildees destacando sempre que ldquoantes da Companhia sempre houve comeacutercio
dos gecircneros do sertatildeo que satildeo couros e solas para a Bahia e para o Rio de Janeirordquo 399
e que
apenas depois de nove ou dez anos dela jaacute estabelecida se passou a impedir aqueles negoacutecios
sertanejos Esta versatildeo dos fatos tambeacutem eacute confirmada por um dos passageiros que estava no
barco no momento do sequestro Durante o processo seratildeo coletados ainda os testemunhos de
homens que estavam trabalhando na construccedilatildeo de uma casa para o reacuteu em Igarassu 400
estes
iratildeo afirmar que apoacutes receber carta do mestre do barco Manoel Vieira natildeo havia autorizado a
ida do Xibante para Bahia
O processo eacute bastante detalhado e aleacutem de conter toda a relaccedilatildeo da carga e suas
respectivas marcas traz em anexo importantes documentos encontrados dentro da
embarcaccedilatildeo a saber cartas e comentaacuterios Estas cartas foram escritas pelo filho do dono do
barco Andreacute Vieira Melo 401
ao mestre da embarcaccedilatildeo e foram inseridas nos autos pois
apesar do conteuacutedo pessoal tratavam de maneira geral sobre negoacutecios e foram utilizadas como
provas contra o reacuteu jaacute que constavam nelas o destino seguinte da embarcaccedilatildeo e outras
informaccedilotildees pertinentes A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo dos assuntos tratados nestes documentos
traremos aqui uma das cartas de Andreacute Vieira ao mestre da embarcaccedilatildeo
O remetente pedia que chegando a embarcaccedilatildeo a cidade da Bahia havendo ldquoocasiatildeo de
navio para Benguela me faraacute mercecirc comprar um escravo de Benguela do tamanho do Leandro
ou maior pouco que seja mesmo Benguelardquo 402
continua instruindo que quem deveria tratar
397
Ibidem f 14 verso 398
Idem 399
Depoimento da testemunha Francisco Brito homem branco casado morador fora da porta da vila que vive de
andar embarcado de idade de 30 anos Ibidem f 25 verso 400
Satildeo eles Joseacute da Costa homem preto solteiro morador em Igarassu oficial de pedreiro de idade de 35 anos
e Antocircnio Rocha homem pardo casado morador em Igarassu oficial de carapina de idade de 33 anos ANTT
Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 23 ndash 25 401
Durante o processo eacute informado que Andreacute Vieira de Melo havia trabalhado como piloto da Companhia
Geral mas foi dispensado do serviccedilo pois nas trecircs viagens que fez pela empresa teve prejuiacutezos o que causou a
desconfianccedila de seus superiores por ser ldquocaso estranho em trecircs viagens e em trecircs diferentes embarcaccedilotildees se
contar semelhante homem soacute com perdasrdquo 402
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 34
frente e verso
116
dos negoacutecios era o senhor Antocircnio Joseacute e estando os escravos baratos deveria comprar ldquomais
um moleque mais grande que o Leandro que eacute para o barco seja bem feitordquo 403
pedia ainda
ldquouma pessoa da linhagem de Luandardquo 404
advertindo quanto ao preccedilo de tais homens
Prossegue pedindo ainda que se compre um calccedilatildeo e uma camisa a cada um dos escravos e
que lhe sirvam algum mel Por fim despede- se de maneira cordial
Os comentaacuterios seguiam um esquema bastante parecido entre si e eram um hibrido
entre recibo e contrato trocado entre o mestre da sumaca e os carregadores da mesma
Continham informaccedilotildees padratildeo informadas pelo mestre da embarcaccedilatildeo mais instruccedilotildees
relativas a carga Como no exemplo abaixo
Digo eu abaixo assinado Mestre que sou da sumaca por invocaccedilatildeo Nosso
senhor bom Jesus das Portas e Nossa senhora do Pilar 405
que ao presente
estaacute surta e ancorada neste porto de Jaguaribe para com o favor de Deus
seguir viagem ao da cidade da Bahia onde eacute minha direita descarga que eacute
verdade que recebi e tenho carregado na dita sumaca debaixo de coberta
enxuta e bem acondicionada de Manoel da Costa marcados com a marca a
margem que declarou fazer por sua conta e risco a entregar na mesma cidade
em nome dele carregador Antonio de Oliveira Leite ao que promete levando
a salvamento para que obrigo minha pessoa e bens e a dita sumaca pagando-
me de frete de cada praccedila nove vinteacutens E para clareza passei dois de um teor
somente por mim assinados que um cumprido outro natildeo valha digo natildeo
valeraacute Aracati 28 de marccedilo de 1779 Satildeo 79 meios de sola e 3 couros de boi
com a marca A+ Manoel Francisco Xelas 406
Os argumentos utilizados pela Companhia para enquadrar o caso do Xibante no crime
de contrabando seratildeo diversos primeiramente a empresa por meio de seu procurador fiscal
afirma ficar constatado que a embarcaccedilatildeo tinha como destino a capitania baiana e que o crime
soacute natildeo se efetivou por ter agido a fiscalizaccedilatildeo primeiro Eacute necessaacuterio atentar para o fato de
que a saiacuteda destes produtos em direitura para Bahia era considerada como contrabando pela
Companhia mesmo a empresa natildeo possuindo o monopoacutelio do comeacutercio realizado nos sertotildees
Isto porque a interpretaccedilatildeo do procurador fiscal da empresa para o artigo 25 dos estatutos da
Companhia que legislava sobre esta mateacuteria era de que esses negoacutecios eram livres para
serem feitos apenas internamente ou seja limitados aos sertotildees que estavam sob jurisdiccedilatildeo do
governo de Pernambuco
403
Idem 404
Idem 405
Nome oficial da sumaca que tinha por alcunha o ldquoXibanterdquo 406
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 38
verso
117
O procurador tambeacutem iraacute se utilizar dos testemunhos dos marinheiros do barco
mesmo daqueles que eram escravos pois mereciam os ditos escravos ldquocreacutedito por serem
marinheiros do mesmo barcordquo 407
e se por direito natildeo eram testemunhas vaacutelidas naquele caso
deveriam ser levados em consideraccedilatildeo uma vez que ldquoficam supridos os seus defeitos com os
depoimentos das outras testemunhasrdquo 408
Quanto a contestaccedilatildeo do reacuteu sobre as leis de
apreensatildeo de embarcaccedilotildees soacute serem vaacutelidas para navios estrangeiros afirmam que quando
ldquocompreendidas com extraviaccedilatildeo e contrabandos assim como aconteceu com o barco do reacuteurdquo
409 as embarcaccedilotildees portuguesas tambeacutem poderiam ser detidas
A defesa de Manoel Francisco iraacute recorrer novamente das acusaccedilotildees poreacutem a
argumentaccedilatildeo permanece praticamente a mesma enfatizando um ou outro ponto e
acrescentando poucas informaccedilotildees novas Daacute ecircnfase a questatildeo do ldquodelito afectivordquo afirmando
que ldquosoacute Deus conhece soacute a divina justiccedila pune os maus pensamentos os desordenados afetos
vis sinistros conatos e as maleacutevolas intenccedilotildees mas natildeo os homens nem a justiccedila humanardquo 410
isto porque ldquonatildeo haacute lei que a esta permita semelhante conhecimento e puniccedilatildeo da privativa
jurisdiccedilatildeo e regalia de Deusrdquo 411
A loacutegica do argumento eacute bastante simples afirma que natildeo se
pode punir um crime que natildeo aconteceu como tambeacutem alega ser impossiacutevel que a direccedilatildeo
posto que humana fosse capaz de conhecer as intenccedilotildees do mestre do barco jaacute que ldquoo
pensamento o afeto o conato e a intenccedilatildeo do reacuteu era impeacutervia e inacessiacutevel ao conhecimento
e puniccedilatildeo da Justiccedila humanardquo 412
Quanto a questatildeo dos testemunhos dos escravos a defesa do reacuteu iraacute recorrer alegando
que segundo as ordenaccedilotildees Filipinas os juramentos ldquodos pretos e servosrdquo natildeo deveriam ter
valor Jaacute que as ordenaccedilotildees postulam que ldquoos escravos natildeo podem ser testemunhas nem seraacute
perguntado geralmente em feito algum salvo os casos por direito especialmente
determinadosrdquo 413
De acordo com Adriana Campos 414
no Brasil a tradiccedilatildeo romana foi
responsaacutevel por emprestar os fundamentos baacutesicos da legislaccedilatildeo voltada para a questatildeo da
escravidatildeo Em linhas gerais segundo esta tradiccedilatildeo natildeo teriam entatildeo os escravos
407
Ibidem f 43 verso 408
Idem 409
Ibidem f 45 410
Ibidem f 55 411
Idem 412
Ibidem f 55 verso 413
Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI P647 Disponiacutevel em
httpwww1ciucptihtiprojfilipinasl3p647htm Data de acesso 02082017 Infelizmente natildeo conseguimos
identificar os casos especiais reportados pelas ordenaccedilotildees 414
CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito Santo do seacuteculo XIX
Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003
P 62 ndash 64
118
personalidade poliacutetica o que os impediria de se tornar parte de processos ciacuteveis Poreacutem essa
realidade segundo a autora era alterada no direito penal quando os escravos poderiam tornar-
se sujeitos e responder criminalmente 415
Apesar da Companhia possuir uma administraccedilatildeo
juriacutedica privativa acreditamos a mesma estava sujeita as legislaccedilotildees e aparato juriacutedico da
eacutepoca portanto deveriam obedecer de maneira geral as ordenaccedilotildees Filipinas e as tradiccedilotildees
do direito romano
A defesa tambeacutem iraacute contestar o uso das cartas do filho do reacuteu como prova
incriminatoacuteria argumentando que Andreacute Vieira natildeo era dono da embarcaccedilatildeo logo natildeo tinha
ele poder de determinar para onde seguiria a sumaca Sendo assim natildeo teriam as cartas forccedila
para atestar a efetividade da atividade iliacutecita Ainda no assunto das cartas e comentaacuterios a
defesa apresenta como anexos outros comentaacuterios onde o mestre da embarcaccedilatildeo atesta estar
se dirigindo para o porto do Recife Posteriormente a Companhia iraacute contestar esses
documentos afirmando serem falsos Diz a empresa atraveacutes de seus representantes que sobre
aqueles documentos natildeo se ldquopodia dar feacute e creacutedito tambeacutem pode ser que se passassem
naquele sertatildeo do Aracati em tempo que o destino do Mestre fosse seguir derrota para este
porto (do Recife)rdquo 416
Por fim a defesa do reacuteu destaca que os couros e solas encontrados na sumaca natildeo
eram mercadorias vedadas de serem trazidas do sertatildeo para o porto do Recife pelo contraacuterio
alegam que a empresa desejava ldquoque venham muitos para o seu negoacuteciordquo 417
Afirmam ainda
que mesmo que os gecircneros estivessem sendo levados para Bahia ldquonatildeo eacute terra de inimigos
aquela cidade nem os couros e solas satildeo coisas proibidasrdquo 418
Continuam sustentando que a
proibiccedilatildeo vigente legislava apenas quanto a extraviaccedilatildeo destes gecircneros e natildeo o comeacutercio dos
gecircneros em si Como maneira de atestar tal diferenciaccedilatildeo afirmam que ldquouma coisa eacute ser
proibida somente a extraviaccedilatildeo e outra coisa eacute serem tambeacutem proibidos os gecircneros por haver
miacutenima disparidade de um caso ao outrordquo 419
Dessa forma como o barco do reacuteu foi
apreendido em aacuteguas pernambucanas natildeo estaria incurso nas penas regidas pelo artigo 34 dos
estatutos da Companhia
O caso eacute longo e arrastado mas os fatos satildeo basicamente os expostos acima No fim
das contas mesmo tendo sido o reacuteu e seu filho acusados de praticarem contrabando natildeo soacute
415
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 27
verso 416
Ibidem f 67 417
Ibidem f 59 418
Ibidem f 60 419
Idem
119
neste caso como tambeacutem de terem levado no mesmo ano dois barcos com escravos para
Bahia e ainda expor o procurador fiscal da Companhia que o filho do acusado negociava
escravos em Igarassu e Tracunhaeacutem para depois ir vendecirc-los na Bahia foi Manoel Vieira apoacutes
3 anos de processo absolvido pela conservador da direccedilatildeo lisboeta
Como jaacute dito os contrabandos eram realizados natildeo soacute no grosso trato como nos casos
demonstrados acima mas tambeacutem no miuacutedo Vaacuterias seratildeo as referecircncias na documentaccedilatildeo
desse tipo de praacutetica que incluiacuteam os proacuteprios oficiais dos navios reais que tanto traziam de
Portugal fazendas europeias para venda na capitania pernambucana como levavam produtos
da terra para Europa Iremos tratar de dois casos colhidos dos fundos da conservatoacuteria da
Companhia em Lisboa que confirmam este movimento de comeacutercio de pequena monta
O primeiro deles ocorrido no ano de 1774 envolve o despenseiro do navio real Nossa
Senhora dos Prazeres o senhor Joatildeo Marques Cunha Que foi acusado de introduzir no navio
em que servia trecircs volumes com fazendas de contrabando A carga apreendida nestes trecircs
volumes era a seguinte 106 peccedilas de bertanha de Hamburgo 27 peccedilas de chita 6 peccedilas de
lenccedilos azuis 13 peccedilas ditas do Norte com cercadura 10 peccedilas de cangas azuis 5 ditas
lavradas e um garrafatildeo de aguardente As mercadorias foram avaliadas na ocasiatildeo em 600 reis
420
De acordo com o libelo acusatoacuterio lavrado contra o reacuteu o crime teria acontecido da
seguinte forma ainda em Lisboa eacute acusado Joatildeo Marques de introduzir no navio os volumes
de ldquofazendas secas das reprovadas e proibidasrdquo 421
chegando ao porto do Recife teria o
despenseiro feito conduzir as tais fazendas para a lancha de outro navio real a saber o navio
Luz Para tal feito acusava-se de tecirc-lo ajudado o guarda da Alfacircndega Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo
que foi preso junto com o despenseiro Pedia entatildeo a Companhia que o reacuteu respondesse de
acordo com as penas contidas no artigo 34 dos estatutos da empresa
Durante o processo seratildeo escutadas as testemunhas de defesa e de acusaccedilatildeo As
testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo de maneira geral referendar o exposto no libelo acusatoacuterio
Incluindo os capitatildees dos dois navios envolvidos no caso Diraacute o capitatildeo do navio Nossa
Senhora dos Prazeres que ldquoJoatildeo Marques despenseiro [] foi quem introduziu o contrabandordquo
422 e que para isso contou com a ajuda de Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo guarda da alfacircndega que foi
quem ldquolevou as fazendas e a tirou do navio Prazeres e as transportou no catraio do mesmo
420
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 7 421
Idem 422
Ibidem f 17 verso
120
navio para o navio Nossa Senhora da Luzrdquo 423
Joseacute Gomes Ribeiro capitatildeo do navio Luz
tambeacutem acusaraacute o despenseiro como autor do iliacutecito atestando que ouvira dizer por moccedilos
que serviam no seu navio que Joatildeo Marques era o responsaacutevel pelo contrabando que se
apreendeu na lancha do navio Luz 424
O depoimento padratildeo das testemunhas de acusaccedilatildeo afirmava basicamente que as
fazendas apreendidas teriam sido introduzidas no navio Luz pelo guarda da Alfacircndega Joatildeo
da Ressurreiccedilatildeo e que elas pertenciam ao despenseiro do navio Nossa Senhora dos Prazeres
Joatildeo Marques Complementam afirmando que para este transporte utilizaram a lancha que
leva a pedra de descarga do navio e quem as conduziu e tomou conta delas na lancha foi o
marinheiro ldquoTiatildeordquo sem a ciecircncia do patratildeo mor Algumas testemunhas tambeacutem iratildeo afirmar
que quando o escaler da ronda atracou na lancha para fazer a apreensatildeo o marinheiro Tiatildeo foi
ao encontro do guarda mor ldquorogando-lhe dissimulasse a passagem livre da dita fazendardquo 425
As testemunhas de defesa tambeacutem iratildeo depor de maneira parecida Em seus
testemunhos alegam que o reacuteu era despenseiro de navios reais haacute mais de 13 anos e que
nunca havia sido acusado de contrabando que soacute costumava trazer de Lisboa os gecircneros
liberados alguns companheiros de tripulaccedilatildeo iratildeo afirmar que natildeo viram o reacuteu introduzindo
fazendas proibidas em Lisboa etc Merece destaque nos depoimentos a menccedilatildeo de que o reacuteu
possuiacutea diversas inimizades na embarcaccedilatildeo isto porque administrava os recursos do barco
com zelo os tripulantes ldquomuitas vezes lhe pediam vaacuterias coisas e o reacuteu natildeo lhes dava pelo
que dele natildeo gostavamrdquo 426
Nestes testemunhos eacute lanccedilado no caso um novo suspeito Joseacute
Ribeiro marinheiro do navio Luz que segundo as testemunhas de defesa estava na lancha em
que as fazendas foram apreendidas e era o real autor do crime
As testemunhas iratildeo afirmar ainda que o despenseiro natildeo estava na lancha no
momento da apreensatildeo e que Joseacute Ribeiro o verdadeiro culpado chegou a oferecer dinheiro
ao sargento que fez a ldquotomadiardquo Aleacutem disso contra Joseacute Ribeiro pesava o fato de momentos
depois da apreensatildeo ter o mesmo voltado a um escaler do navio Luz e lanccedilado ao mar um
saco de pimentas 427
por medo que tinha que os soldados da guarda do trapiche dessem busca
no escaler este saco foi encontrado posteriormente em uma praia por ldquoum pretordquo Ainda
423
Idem 424
Idem 425
Depoimento de Joatildeo Fernandes homem branco solteiro natural da freguesia de satildeo Miguel de Carreiras do
Arcebispado de Braga moccedilo do serviccedilo do navio Luz de idade de 23 anos pouco mais ou menos Ibidem f 27
verso 426
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 13 427
Esta afirmaccedilatildeo aparece nos depoimentos de vaacuterias testemunhas Lembramos que as pimentas estavam
inseridas no rol de produtos vedados
121
segundo as testemunhas assim que ficou sabendo do iniacutecio do processo de devassa para se
apurar o caso de contrabando o tal marinheiro teria fugido para Bahia e desaparecido atitude
que segundo as testemunhas reforccedilava sua culpa
A defesa do reacuteu iraacute se utilizar de todos os pontos positivos trazidos pelos testemunhos
durante os inqueacuteritos reforccedilando o fato de que o reacuteu natildeo estava na lancha no momento da
ldquotomadiardquo estando ele ldquoa bordo do navio Prazeres e o maior sinal da sua inocecircncia foi natildeo se
retirar desta praccedila sendo-lhe noticiada a devassa e que a ele imputavam o mencionado
contrabandordquo 428
sublinhando que o reacuteu natildeo fugiu pois nada temia Punham entatildeo a culpa no
mencionado Joseacute Ribeiro que naquele momento estava ainda sumido
A defesa tambeacutem iraacute afirmar que os depoimentos das testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo
eram conclusivos e em nada prejudicavam o reacuteu pois para que o despenseiro fosse
condenando natildeo bastavam indiacutecios ou conjecturas para a condenaccedilatildeo se fazia necessaacuterio a
existecircncia de ldquouma prova plena legal contundente e mais clara do que a luz do meio diardquo 429
coisa que natildeo constava nos inqueacuteritos visto que muitas testemunhas iratildeo depor ldquode ouvidardquo
ou seja afirmavam saber do fato por ouvirem dizer a um terceiro o que acaba fazendo com
que estas declaraccedilotildees percam forccedila
Outro argumento interessante lanccedilado pela defesa eacute a afirmaccedilatildeo de que se as fazendas
de fato fossem do reacuteu teria ele agido de maneira mais inteligente para natildeo ser pego Isto
porque asseguravam que considerando que as fazendas fossem do despenseiro natildeo era criacutevel
que as mandasse para outro barco a outra pessoa pois esta accedilatildeo tornaria a situaccedilatildeo
potencialmente mais arriscada do que simplesmente enviar as mercadorias para terra Atestam
ainda que ldquoeacute certo que quando eacute costumado a praticar contrabandos todo o seu desiacutegnio eacute por
em salvo as fazendas com toda cautelardquo 430
isto ldquopara a natildeo perderem que eacute o menos para natildeo
pagarem o dobro para natildeo padecerem o rigor da prisatildeo em terra estranha e natildeo sofrerem as
avultadas despesas que trazem consigo os tais contrabandosrdquo 431
Tambeacutem alega que o caso teria sido orquestrado pelo mestre do navio Prazeres que
tinha ldquoconhecida inimizaderdquo pelo reacuteu pois queria o tal capitatildeo ldquogastar com excessiva largueza
os mantimentos da despensardquo 432
e o reacuteu zeloso do seu ofiacutecio tratava de administrar sem
estrago e excesso os mantimentos Entatildeo o capitatildeo do Prazeres teria em conluio com o capitatildeo
428
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 49
verso 429
Ibidem f 50 430
Ibidem f 51 431
Idem 432
Idem
122
do Luz armado contra o reacuteu Mesmo que a eacutepoca segundo relatos das testemunhas os dois
estivessem ldquodivorciadosrdquo o capitatildeo do Luz querendo se isentar da ldquomaacuteculardquo e maacute fama de ter
sido encontrado contrabando no seu navio topou se unir ao seu companheiro e ldquose viram em
beneficio proacuteprio e grave prejuiacutezo do reacuteurdquo 433
Apesar dos argumentos consistentes da defesa o processo contou com diversas
apelaccedilotildees ateacute a sentenccedila final Na uacuteltima apelaccedilatildeo iraacute a defesa declarar que ldquoo embargante eacute
um homem casado nesta Corte com filhos acha-se pobre e preso e ficaraacute inteiramente
destruidiacutessimo havendo-se dele o dobro que certamente natildeo deve porque natildeo eacute o cumplice
daquele contrabandordquo 434
Por fim em 29 de abril de 1775 Joatildeo Marques eacute absolvido pois
havia duacutevidas das autoridades quanto a autoria do crime e nesse caso natildeo deveria entatildeo ser o
despenseiro condenando No entanto ficou o mesmo encarregado do pagamento das custas do
processo como era de costume
O outro caso trata-se de uma apelaccedilatildeo crime onde era apelante a justiccedila e o procurador
fiscal da direccedilatildeo subalterna de Pernambuco contra o reacuteu Euseacutebio Alvarez da Costa O caso eacute o
seguinte o reacuteu que era alferes de auxiliares tinha em seu poder uma portaria passada pela
Companhia geral pois haacute alguns anos atraacutes tinha auxiliado aquela empresa a resgatar uns
escravos que haviam sido furtados Como sabia onde estes escravos estavam todos jaacute em
poder de terceiros cedeu a direccedilatildeo tal documento para que o alferes auxiliado por militares
fizesse o resgate dos tais escravos
O reacuteu entatildeo eacute acusado de continuar a se utilizar desta portaria em benefiacutecio proacuteprio
Isso porque fingindo ser agente da direccedilatildeo da Companhia Euseacutebio Alvarez prendia
comerciantes e mascates que vinham da Bahia trazendo contrabando e para solta-los exigia
pagamento tambeacutem em produtos vedados Diz o procurador fiscal da Companhia que o reacuteu
era acostumando a cometer ldquosimilares malefiacuteciosrdquo que eram puacuteblicos e notoacuterios nas freguesias
de Ipojuca Cabo e Sirinhaem e ainda ldquoque o reacuteu vive destas e de outras ladroeiras fazendo-se
agente da direccedilatildeo e intimidando com a portaria do senhor generalrdquo 435
O caso especiacutefico que eacute objeto desta apelaccedilatildeo envolve o mascate Joatildeo Manoel que
trazendo fazendas de contrabando da Bahia para Pernambuco foi apreendido pelo reacuteu que se
fez passar na ocasiatildeo por oficial da Companhia apresentando a portaria que possuiacutea O
mascate segundo a denuacutencia foi libertado pelo reacuteu mediante pagamento feito atraveacutes de ldquoduas
433
Idem 434
Ibidem f 92 verso 435
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1 f 9
123
peccedilas de riscado da Iacutendia e uma letra de 14 ou 16 mil que devia Joatildeo Paes filho de dona
Joanna moradora na lagoa do Cabordquo 436
Tendo o crime sucedido em julho ou agosto do ano
de 1776 Foi entatildeo Euseacutebio Alvarez preso para que se tirasse devassa do caso
Praticamente todas as testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo afirmar a mesma coisa
sustentando a versatildeo descrita acima afirmam que apresentando o reacuteu a portaria para o
mascate Joatildeo Manoel que trazia produtos vedados da Bahia soacute o autorizou a passar quando
este lhe deu duas peccedilas de riscado e umas letras Algumas testemunhas como Ignacio Correa
Teixeira 437
por exemplo iratildeo declarar que uma dessas peccedilas de riscado teria sido comprada
pelo reacuteu Versatildeo reforccedilada tambeacutem por Jeronimo Joseacute Cavalcanti que inclusive assegura ter
tentado comprar do mascate o mesmo tipo de peccedila de riscado que Euseacutebio Alvarez havia
adquirido pelo valor de sete patacas e meia 438
Os depoimentos das testemunhas de defesa iratildeo se encaminhar no sentido de informar
que o reacuteu era um homem iacutentegro respeitado e estimado por seus superiores e que jaacute havia
prestados serviccedilos a Companhia no caso do furto dos escravos e ainda que natildeo acreditavam
ser Euseacutebio Alvarez um contrabandista Vaacuterias testemunhas como Manoel Joseacute dos Santos
por exemplo alegam que o comandante da freguesia do Cabo era inimigo do reacuteu Algumas
testemunhas vatildeo aleacutem como eacute o caso de Joseacute Correia Faria e declaram ser aquele comandante
ldquocostumado a caluniar a todos e que o mesmo comandante auxilia e daacute passagem aos
contrabandistasrdquo 439
A defesa do reacuteu se inicia como uma afirmaccedilatildeo polecircmica e que vem corroborar o nosso
entendimento de que os contrabandos durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia Geral
foram uma praacutetica comum e amplamente disseminada tanto no grosso trato como no miuacutedo
aleacutem disso reforccedila tambeacutem nosso argumento que o litoral sul da capitania era
abundantemente frequentado pelos contrabandistas Declara a defesa que ldquose houvesse de
proceder o juiacutezo contra todas as pessoas que natildeo delatam o contrabandista e deixam passar
os contrabandos a maior parte delas de fora desta Praccedila ateacute a vila de Penedo deveriam ser
punidasrdquo 440
isto porque ainda segundo a defesa as pessoas natildeo ldquodelatam os contrabandistas e
deixam passar os contrabandosrdquo 441
436
Ibidem f 8 437
Ibidem f 24 verso 438
Ibidem f 23 verso 439
Ibidem f 29 verso 440
Ibidem f 37 441
Idem
124
Continua afirmando que todos na praccedila sabiam disso e que era impossiacutevel que o
procurador fiscal da Companhia desconhecesse tais fatos Atestam ainda ldquoque muito e muitos
contrabandos estatildeo entrando todos os dias nesta vila e hatildeo de entrar enquanto existir a
Companhia sem que ningueacutem delate os contrabandistasrdquo 442
E que o reacuteu soacute foi denunciado
pois possuiacutea inimigos Sustentavam a versatildeo de que tudo foi arquitetado pelo comandante da
freguesia do Cabo que era ldquodeclarado inimigo do reacuteurdquo e que induzira aos outros a
testemunhar contra o alferes Eram entatildeo as testemunhas compradas e seu juramento de
nenhum valor
Declaram aleacutem disso que o reacuteu soacute fez uso da portaria expedida pela Companhia no
caso da apreensatildeo dos escravos ldquoe natildeo cuidou nunca em fazendas de contrabandistas por natildeo
ter ordem para isso e menos os auxiliou porque eacute zeloso do serviccedilo da Direccedilatildeo e natildeo
adversaacuterio delardquo 443
Afirmam ainda que o Euseacutebio Alvarez nunca apreendeu contrabandista
nenhum nem fazendas de contrabando e que nem mesmo conhecia o mascate citado no caso e
que se o tivesse apreendido natildeo seria capaz de soltaacute-lo ldquopelo donativo de duas peccedilas de
riscado e 16 letrasrdquo 444
Outro ponto interessante da defesa versa sobre a condiccedilatildeo e a qualidade do reacuteu
Declaram entatildeo que o mesmo era alfares de auxiliares e que era notoacuterio a todos que ldquonasceu
nobre e abastado e sempre teve o que comer e natildeo precisava de furtar para issordquo prosseguem
afirmando que ldquoa sua conduta sempre se conformou a nobreza do seu nascimento e as leis
divinas e humanasrdquo 445
Com este argumento a defesa busca se utilizar da condiccedilatildeo do reacuteu
para contestar a denuacutencia deixando claro que aleacutem de natildeo precisar cometer contrabandos
esse tipo de atitude natildeo condizia com a honra esperada de sua ascendecircncia nobre
Apesar das denuacutencias do procurador fiscal da Companhia os argumentos da defesa
acabam vingando e o reacuteu eacute absolvido em maio de 1778 ficando ele responsaacutevel por pagar
apenas as custas do processo como era de costume Como podemos observar boa parte dos
casos detalhados ateacute o momento no grosso trato ou no miuacutedo acabaram por inocentar seus
reacuteus mesmo quando se sabia publicamente que aqueles homens eram reconhecidos
contrabandistas Isto porque as apreensotildees em sua maioria eram feitas preventivamente ou
seja antes do crime realizar-se Fato que usaratildeo os reacuteus a seu favor para afirmar natildeo serem as
provas conclusivas Para o comeacutercio feito nos ldquointerioresrdquo o artigo 25 dos estatutos seraacute
442
Idem 443
Ibidem f 11 444
Idem 445
Idem
125
amplamente utilizado nas defesas para isentar os comerciantes que negociavam naquelas
paragens
O desenrolar dos casos revelam aleacutem de interessantes e importantes detalhes da praacutetica
de comeacutercio iliacutecito ao longo do periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial da Companhia a
dificuldade de se reprimir e castigar aquele tipo de accedilatildeo Pois aleacutem da grande dificuldade de
se monitorar uma aacuterea tatildeo vasta e de se controlar um comeacutercio que acontecia por vaacuterios meios
e formas dificilmente a apreensatildeo configurava flagrante Desenvolveremos melhor este
toacutepico no proacuteximo capiacutetulo
Destacamos tambeacutem que dentro do conjunto de atividades comerciais iliacutecitas
desenvolvidas na capitania o comeacutercio com navios estrangeiros estaraacute presente de forma
abundante 446
Em 1770 por exemplo o governador de Pernambuco relata ao secretaacuterio de
Estado da Marinha e Ultramar ter apreendido papeacuteis em poder de Henrique Joseacute Colaccedilo
onde constava um grande volume de contrabandos e negoacutecios feitos por ele com navios
estrangeiros no Cearaacute O governador passa coacutepia neste ofiacutecio de todas as ldquocompras e vendas
que no Cearaacute Grande debaixo de pretexto de arribada forccedilada fizeramrdquo 447
os comerciantes
estrangeiros
Estes negoacutecios ainda segundo Joseacute Cesar foram feitos ldquoem prejuiacutezo dos negociantes
deste continente e Companhia Geral e Reais direitos de sua majestaderdquo 448
pois da capitania
do Cearaacute tinham levado ldquodinheiro ouro em pensas como tambeacutem quinze mil rolos de paus de
tintas e obra mais duzentos e cinco arrobas de papaconha sessenta e oito de resina e gomas e
quinhentos e noventa e quatro couros em cabelordquo 449
como se pode ver nos documentos
anexados Nestes papeacuteis constam tambeacutem as mercadorias em sua maioria importadas
introduzidas ilegalmente nas terras do Cearaacute como queijos fitas de algodatildeo facas tecidos
diversos enxofre poacutelvora entre outros
Atestam esse fluxo tambeacutem a preocupaccedilatildeo constante das autoridades locais com
embarcaccedilotildees estrangeiras que estando destinadas a outros portos do Estado do Brasil acabam
arribando em Pernambuco devido as maacutes condiccedilotildees do tempo ou pela necessidade de reparar
avarias Como ocorre por exemplo em 1761 quando trecircs naus inglesas da Companhia
Oriental datildeo fundo em Recife em virtude de problemas na embarcaccedilatildeo Para evitar os
446
Os documentos que comprovam este fluxo satildeo muitos e estatildeo disponiacuteveis nos avulsos do arquivo histoacuterico
ultramarino - AHU para a capitania de Pernambuco 447
AHU ndash PE Cx 110 D8493 448
Idem 449
Idem
126
descaminhos o governador publica bando em praccedila puacuteblica esclarecendo que era proibido a
pessoas de qualquer condiccedilatildeo ou qualidade fazer qualquer tipo de comeacutercio com aquela
embarcaccedilatildeo por ldquoser com elas inabilitadas toda compra ou negociaccedilatildeo mercantil puacuteblica ou
oculta grande ou pequena de gecircneros comerciaacuteveis estrangeirosrdquo 450
Ainda no mesmo documento afirma o governador que o contrabando era um dos
delitos mais ldquoperniciosos entre os que infectam o Estado dos que se fazem a sociedade civil
mais odiososrdquo 451
continua alegando que aquele tipo de praacutetica se fazia natildeo soacute contra o Eraacuterio
reacutegio mas tambeacutem em ruiacutena do comeacutercio local e prejuiacutezo do mesmo Pois os contrabandistas
vendem seus produtos com diminuiccedilatildeo de preccedilos jaacute os comerciantes legais ficavam com ldquosuas
fazendas empatadas [] sem ter quem as comprerdquo 452
Adverte entatildeo o governador que quem
fosse pego fazendo tais negociaccedilotildees iliacutecitas seria julgado em todas as penas cabiacuteveis e quem
fizesse denuacutencia receberia ldquoparte competenterdquo como premiaccedilatildeo
A preocupaccedilatildeo das autoridades para que natildeo houvesse contrabando com navios
estrangeiros na Costa da capitania era tatildeo grande que em alguns casos era tirada uma devassa
para se averiguar se os motivos alegados pela tripulaccedilatildeo para fazer parada em territoacuterio
pernambucano eram verdadeiros Esse eacute o caso do bergantim inglecircs denominado Sabina que
arribou no porto de Cabedelo na Paraiacuteba ldquopara se refazer de coisas necessaacuteriasrdquo 453
no ano de
1776 Logo o governador da Paraiacuteba passa ordens para que alguns soldados verifiquem a
embarcaccedilatildeo e a conduzam para fortaleza de Cabedelo onde ficaram ldquodebaixo de artilhariardquo e
posteriormente se procedeu uma devassa para verificar se a arribada era realmente necessaacuteria
Durante o tempo em que esteve naquele porto as mercadorias da embarcaccedilatildeo foram
transferidas para armazeacutens onde ficaram sob constante vigilacircncia para que natildeo ldquose
descaminhasse coisa algumardquo 454
Aleacutem do comeacutercio direto as fazendas estrangeiras tambeacutem chegavam a Pernambuco
atraveacutes de embarcaccedilotildees vindas da Bahia Isso eacute o que afirma Martinho de Melo e Castro
secretaacuterio da Marinha e Ultramar em ofiacutecio destinado ao governador de Pernambuco Joseacute
Cesar de Meneses Neste documento o secretaacuterio iraacute afirmar ser de conhecimento geral no
reino ldquoas escandalosas relaxaccedilotildees com que nesses portos (Pernambuco) se introduzem
450
AHU ndash PE Cx 95 D7497 451
Idem 452
Idem 453
AHU ndash PE Cx 122 Doc 9339 454
Idem
127
fazendas de Franccedila de Inglaterra e de Holandardquo 455
segue dizendo que as tais fazendas eram
extraiacutedas da Costa da Mina e chegavam a Pernambuco ldquointroduzidas pela Bahia e por navios
de comeacutercio que dessa capitania vatildeo aquela Costardquo 456
Como vimos o contrabando de mercadorias ou melhor o potencial comeacutercio de
produtos contrabandeados seraacute uma praacutetica extensiva durante todo o periacuteodo de existecircncia da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Vaacuterias eram as ldquomodalidadesrdquo desse tipo de
comeacutercio que podia ser realizado no grosso trato ou no miuacutedo praticado atraveacutes das rotas que
ligavam Pernambuco e Bahia pelo sertatildeo ou ainda pelo litoral esse comeacutercio era heterogecircneo
e envolvia diversos personagens Desde os grandes comerciantes passando pelos indiviacuteduos
comuns que viam nos descaminhos oportunidade de amealhar algum recurso chegando aos
estrangeiros de diversas naccedilotildees que frequentavam o litoral da capitania trazendo produtos
europeus e levando em contrapartida as mercadorias da terra
33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas
Agora que jaacute conhecemos as rotas os casos e as mercadorias que circulavam entre as
praccedilas de Bahia e Pernambuco nos resta tentar esclarecer como estes produtos ganhavam as
ruas e iam parar nas matildeos dos compradores finais Durante nossa pesquisa nas fontes
primaacuterias descobrimos que alguns destes comerciantes envolvidos nos circuitos iliacutecitos
estavam associados a falsificadores de selos reais como nos revelam dois documentos
coletados do nosso acervo
O primeiro caso eacute do ano de 1770 trata-se de uma carta anocircnima escrita no Recife
endereccedilada ao secretaacuterio de Estado do Reino e das Mercecircs o Conde de Oeiras O denunciador
aleacutem de falar sobre o comeacutercio ilegal praticado nos portos do sertatildeo afirma que ldquose introduz
aqui inumeraacuteveis fazendas sem despacho pelos mesmos navios da Companhiardquo 457
continua
explicando que ldquoo contrabando leva quantas meias sobras haacute nesta terra e ouro velho que
podem adquirir para a Bahia e o Rio de Janeiro vai o dinheiro provincial para se empregarem
em fazendas que se introduzem nesta praccedila por contrabandordquo 458
completa dizendo que as
455
Cf AHU ndash PE ndash Coacutedice 583 fls 202-203 apud DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os
locais uma anaacutelise da correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania
de Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei SOUZA
George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo atlacircntico Recife Editora
Universitaacuteria da UFPE 2012 P 225 456
Idem 457
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 458
Idem
128
ditas fazendas ldquochegam a ter selos falsos com que as selam por se natildeo fazer tatildeo manifesto o
contrabando a quem os compra e torna a venderrdquo 459
Em ofiacutecio escrito pela Junta da Companhia sediada em Lisboa no ano de 1778 um
caso correlato eacute denunciado Afirma-se neste documento a existecircncia em Recife de um
homem chamado Manoel Correa de Mendonccedila que foi preso no ano de 1772 por selar
fazendas contrabandeadas na sua casa 460
Podemos inferir atraveacutes dos dados como se
comportavam estas redes mercantis de contrabando que buscavam se agrupar a falsificadores
na intenccedilatildeo de fazer com que os produtos iliacutecitos circulassem livremente na praccedila mercantil
pernambucana e pudessem por exemplo ser vendidos sem maiores problemas nas lojas da
praccedila
Aleacutem da venda nas lojas quando feito em pequeno porte muito provavelmente estas
mercadorias ganhavam as ruas atraveacutes das bocetas das negras de ganho apesar da praacutetica ter
sido proibida por postura do ano de 1744 a venda desses produtos atraveacutes dessas
intermediaacuterias ainda constituiacutea-se em atitude cotidiana como nos esclarece carta dos oficiais
da cacircmara de Olinda escrita no ano de 1769 e endereccedilada a Corte
Nesta carta os oficiais apelam ao Rei pelo relaxamento da medida pois afirmam ser
aquele comeacutercio essencial para a sustentaccedilatildeo de famiacutelias por ser o ato de ldquocomprar e venderrdquo
o ldquouacutenico recurso que haacute no Brasilrdquo 461
O documento esclarece ainda que este tipo de comeacutercio
era um haacutebito da capitania como os proacuteprios camaraacuterios afirmam ldquoestilo da terrardquo antes da
pragmaacutetica as pretas cativas vendiam pelas ruas ldquotoda a qualidade de vendas de frutos
legumes docesrdquo 462
e com o decurso do tempo foram incrementados a este comeacutercio ldquofitas de
seda fazendas de algodatildeo da Iacutendia bertanha aniagemrdquo 463
Outro documento confirma essa dinacircmica mercantil em ofiacutecio do ano de 1778 da
Junta da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba ao governador de Pernambuco declara a
junta saber que ldquoos ricos e poderosos dessa terra (Pernambuco) trazem duas trecircs escravas a
vender pelas ruas em bocetasrdquo 464
continuam afirmando que ldquocada uma eacute uma loja os
melhores gecircneros e fazendas as quais recebem dos navios que vatildeo a este portordquo concluindo o
documento a Junta faz questatildeo de destacar que ldquopor ordem de sua majestade eacute proibido andar-
459
Idem 460
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 461
AHU ndash PE Cx 107 D 8312 462
Idem 463
Idem 464
AHU ndash PE Cx 128 D 9737
129
se vendendo desta forma pelas ruasrdquo 465
O apelo feito pela cacircmara bem como a denuacutencia da
Junta da Companhia Geral satildeo demonstrativos da persistecircncia desse comeacutercio que ligava os
principais homens de negoacutecio da praccedila pernambucana a estas intermediaacuterias de cor
Respondendo a este ofiacutecio tambeacutem no ano de 1778 o governador Joseacute Cesar de
Meneses confirma a afirmaccedilatildeo da Junta lisboeta Declara a autoridade que tal costume era
praticado na Praccedila e pelo que havia apurado natildeo era coisa moderna De acordo com os dados
colhidos por ele os governadores que o haviam precedido e os ministros que os auxiliavam
nunca haviam impugnado tal accedilatildeo afirma ainda que ldquoas cacircmaras concedem licenccedilas as
escravas que vendem dessa forma pelas ruasrdquo 466
Acreditava o governador que isso ocorria
pois ldquonem o artigo 18 da pragmaacutetica de 1749 que proiacutebe vender fazendas pelas ruas em
caixas ou trouxas nas cidades ou vilas desse Reino nem a declaraccedilatildeo feita ao mesmo inciso no
alvaraacute de 21 de abril de 1751rdquo 467
determinavam expressamente que tal proibiccedilatildeo se estendia
as conquistas A falta de uma legislaccedilatildeo especiacutefica para a colocircnia acabava neste caso criando
uma brecha para a continuidade daquele procedimento na capitania pernambucana
Tambeacutem encontramos relatos na historiografia que compravam o costume local de
mulheres de cor andarem pelas ruas a vender uma infinidade de produtos inclusive
contrabandos A historiadora Suely Almeida se dedica em artigo intitulado ldquoHistoacuterias de
gentes sem qualidade Mulheres de cor na Capitania de Pernambuco no seacuteculo XVIIIrdquo a
recompor as tramas comerciais que essas intermediaacuterias estavam envolvidas Sobre os
produtos que transitavam por entre cestos bocetas e tabuleiros nas ruas do Recife iraacute afirmar
a autora que
Tanto nos tabuleiros como nas tabernas vendia-se de tudo comida bebida
roupas poacutelvora armas ferramentas utensiacutelios domeacutesticos alguns artigos de
luxo como tecidos finos joias e coisas de toucador Essas vendas ou
tabernas se constituiacuteam em espaccedilos intermediaacuterios entre a legalidade e a
ilegalidade 468
Para o contrabando de escravos nossa hipoacutetese baseada na anaacutelise a documentaccedilatildeo eacute
que muito provavelmente antes de vir para a capitania boa parte da escravaria jaacute estava
encomendada e negociada dada a dificuldade de fazer entrar e se esconder uma grande
quantidade de pessoas na capitania sem ser notado Apesar de encontrarmos vaacuterios
465
Idem 466
AHU ndash PE Cx 130 D 9823 467
Idem 468
ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de Pernambuco no seacuteculo
XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria da escravidatildeo em Pernambuco Editora
UniversitaacuteriaUFPE 2012 P 52
130
documentos que fazem referecircncia ao comeacutercio descaminhado de escravos durante o periacuteodo
da nossa pesquisa natildeo achamos referecircncia alguma quanto a qualquer tipo de feira de venda de
escravos extralegal ou coisa parecida o que nos leva a crer que de fato aquele tipo de
negociaccedilatildeo era feita em sua maioria de forma antecipada
Quanto as caixas de accediluacutecar e outras mercadorias que saiam de Pernambuco e iam para
Bahia a documentaccedilatildeo natildeo oferece maiores detalhes Isto porque como jaacute dito aqui a praccedila
comercial da Bahia natildeo estava sujeita ao regime de exclusivo comercial dessa forma o
tracircnsito de produtos e negoacutecios era feito de maneira mais livre Aleacutem disso como tambeacutem jaacute
visto anteriormente as autoridades baianas de maneira geral pareciam natildeo se importar muito
com o tracircnsito comercial que ligava as duas capitanias autorizando a introduccedilatildeo das
mercadorias oriundas destes negoacutecios sem grandes problemas
131
4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA
41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas
O contrabando seraacute uma constante durante os vinte e um anos de existecircncia da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba causando graves prejuiacutezos aos comerciantes
lisboetas donos da maior parte de suas accedilotildees Essa praacutetica seraacute alvo de grande preocupaccedilatildeo
por parte da coroa e da Junta da Companhia sediada em Lisboa 469
sendo um assunto
recorrente na documentaccedilatildeo Conseguimos localizar junto ao nosso acervo uma seacuterie de
ofiacutecios e cartas trocadas entre as autoridades locais e o Reino ao longo de todo o periacuteodo de
monopoacutelio exercido pela empresa que tratam sobre o tema demonstrativos da importacircncia e
proporccedilatildeo que os contrabandos assumiram durante aquele periacuteodo
A preocupaccedilatildeo do Reino em evitar e conter os contrabandos na capitania
pernambucana se daraacute a partir dos primeiros anos de funcionamento da Companhia revelando
que a praacutetica clandestina se instalou contemporaneamente ao funcionamento da empresa
Alertamos que o teor dessa documentaccedilatildeo por vezes se tornaraacute repetitivo de qualquer forma
optamos por trabalhar com uma significativa variedade de documentos natildeo soacute para reforccedilar
nosso ponto como tambeacutem para demonstrar que os problemas envolvendo as transaccedilotildees
descaminhadas persistiram ao longo dos anos de existecircncia do monopoacutelio
De acordo com Antonio Manuel Hespanha devido a uma seacuterie de limitaccedilotildees
enfrentadas pelo Reino a aplicabilidade de penas dentro do sistema punitivo reacutegio portuguecircs
era reduzida Afirma o autor que o modelo de poder coercitivo exercido por Portugal evitava
ao maacuteximo a consumaccedilatildeo da puniccedilatildeo sendo a disciplina social garantida por ldquomecanismos
quotidianos de controlordquo tendo como fim a defesa da supremacia simboacutelica do Rei Dessa
forma a concessatildeo do perdatildeo real em alguns crimes acabava por se tornar estilo expediente
rotineiro Hespanha assegura que esta realidade soacute seraacute alterada de maneira efetiva em
469
A Junta da Companhia Geral estava sediada em Lisboa e representava dentro da estrutura administrativa da
empresa a escala maacutexima de poder era o centro decisoacuterio da Companhia e possuiacutea competecircncia deliberativa A
Junta era composta por um provedor dez deputados e trecircs conselheiros eleitos entre os principais acionistas da
empresa para mandatos a priori de trecircs anos A Companhia possuiacutea ainda duas outras administraccedilotildees uma na
cidade do Porto e outra em Recife conhecidas como ldquodireccedilotildeesrdquo cada uma delas possuiacutea um intendente e seis
deputados Estas direccedilotildees eram subordinadas a Junta administrativa de Lisboa Sobre isto ver JUacuteNIOR Joseacute
Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 CARREIRA Antonio
As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982
132
meados do XVIII com a ascensatildeo do despotismo iluminado periacuteodo que compreende o marco
cronoloacutegico desta pesquisa 470
Apesar da Companhia possuir um juiacutezo privativo e de alguns casos como
demonstrado no capiacutetulo anterior acabarem por apoacutes as investigaccedilotildees inocentarem os reacuteus eacute
notoacuteria a atenccedilatildeo que o Reino iraacute demandar aos casos de contrabando ocorridos durante o seu
funcionamento A comunicaccedilatildeo oficial estabelecida entre os governadores da capitania e o
ministro do Estado da Marinha e Ultramar nos demonstra como a metroacutepole buscou instruir
seus agentes locais para atuarem na coibiccedilatildeo e puniccedilatildeo dos diversos personagens envolvidos
nos esquemas iliacutecitos
Jaacute em 1763 encontramos ofiacutecio enviado a Corte pelo governador Luiacutes Diogo Lobo da
Silva onde o oficial reacutegio comunica ao Conselho Ultramarino as medidas que vinha tomando
para reprimir a ldquoprejudicial transgressatildeordquo 471
que segundo o mesmo havia causado ldquoquase
uma total extraccedilatildeo do dinheiro provincialrdquo Afirma o governador ter mandando o procurador
fiscal da Companhia bem como o juiz da alfacircndega daquela Praccedila darem buscas nas lojas
suspeitas a fim de que se cumprisse o que determina o artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo
da Companhia Geral 472
No mesmo ofiacutecio Luiacutes Diogo Lobo busca esclarecer junto ao Reino qual o
procedimento adotar em caso de apreensatildeo de mercadorias fruto de denuacutencias que se
encontravam sem selo ou seja produtos que ainda natildeo haviam pagado os reais direitos em
nenhum porto A duacutevida do governador era se mesmo nestes casos deveriam os denunciantes
receber a parte que lhes era devida seguindo o que estabelecia o artigo 34 do documento de
instituiccedilatildeo da Companhia 473
Destacamos que a duacutevida das autoridades em relaccedilatildeo ao que
fazer com os frutos das apreensotildees seraacute corriqueira Isto porque o documento de instituiccedilatildeo da
470
HESPANHA Antonio Manoel O direito penal da monarquia corporativa In _____ Caleidoscoacutepio do
Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda 2012 P 129-164 471
AHU-PE ndash Cx 99 D 7757 472
Idem 473
O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba determinava que
ldquoNenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute mandar levar ou introduzir as sobreditas
fazendas secas ou molhadas nas ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da sua produccedilatildeo a menos
que natildeo seja na forma acima referida sob pena de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto
importar o seu valor Sendo tudo aplicado a favor dos denunciantes que poderatildeo dar suas denuacutencias em
segredo ou em puacuteblico Neste Reino diante dos juiacutezes conservadores de Lisboa e do Porto e em Pernambuco
diante do Juiz Conservador da mesma Companhia os quais todos faratildeo notificar as denunciaccedilotildees aos
procuradores da Companhia para serem partes nelas tudo de baixo das penas acima declaradasrdquo (Grifo nosso)
Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor do
Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel
em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 05052017
133
Companhia que balizava tais questotildees natildeo contemplava a diversidade de situaccedilotildees
encontradas pelos oficiais reacutegios no cotidiano 474
De acordo com o artigo 34 nenhuma pessoa poderia introduzir nas terras exclusivas
da Companhia nem enviar dela para outras localidades nenhum tipo de gecircnero exceto nos
casos dos comerciantes que negociavam no ldquomiuacutedordquo como autorizava o artigo 33 475
sob
pena de perdimento das fazendas ou de seu valor como jaacute explicitamos anteriormente Quem
estivesse disposto a denunciar tais contrabandos o que poderia ser feito em segredo ou
publicamente levaria a terccedila parte dos rendimentos feitos com aquela apreensatildeo O precircmio
era uma forma de incentivar as denuacutencias na capitania jaacute que sem elas o trabalho dos oficiais
reacutegios ficava bastante dificultado No entanto fazer estas denuacutencias requeria coragem pois
invariavelmente violecircncias e represaacutelias eram sofridas pelos denunciantes 476
A praacutetica de reservar quotas sobre o espoacutelio do contrabando aos que contribuiacutessem
para sua apreensatildeo era comum natildeo soacute na colocircnia brasileira como na Ameacuterica hispacircnica Ao
tratar sobre os descaminhos do ouro e diamantes na regiatildeo das Minas setecentistas Isnara
Pereiro Ivo iraacute afirmar que uma das estrateacutegias adotadas pela Coroa ao decorrer do seacuteculo
XVIII para tentar conter os contrabandos na regiatildeo era a de destinar a terccedila parte do material
apreendido ao funcionaacuterio reacutegio que fizesse a tomadia 477
Falando sobre os contrabandos
474
Em diversos documentos oficiais trabalhados ao longo deste texto solicitam as autoridades coloniais ao
Reino que se mandem instruccedilotildees do que fazer com as mercadorias apreendidas Ao que tudo indica quando os
confiscos aconteciam independentemente de denuacutencias os gecircneros apreendidos eram levados aos armazeacutens da
Companhia Poreacutem nem sempre os oficiais tinham certeza do que fazer com os frutos das apreensotildees como por
exemplo eacute o caso de uma carga de couros e tabaco apreendida por Joseacute Cesar de Meneses em 1778 tirado de
uma sumaca que fazia contrabandos com a Costa da Bahia Apesar de ter remetido os tabacos e os couros para os
armazeacutens da Companhia o governador solicita lhe seja esclarecido pela Corte se aquela direccedilatildeo deveria pagar
pelos ditos gecircneros ao Eraacuterio Reacutegio pois parecia ao governador ldquopertencer este sequestro mais a S Majestade do
que a direccedilatildeordquo Fonte AHU ndash PE Cx 129 D 9771 475
Como jaacute visto no segundo capiacutetulo deste trabalho de acordo como artigo 33 do documento de instituiccedilatildeo da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba a empresa autoriza que os comerciantes da terra continuassem a
fazer seus negoacutecios no ldquomiuacutedordquo ficando reservado a Companhia o comeacutercio de grosso trato que em Pernambuco
comeccedilava no valor de cem mil reis Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa -
Officina de Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA -
Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 476
Em ofiacutecio do ano de 1780 o governador Joseacute Cesar de Meneses ao falar sobre caso ocorrido no mesmo ano
na capitania afirma ter sido assassinado o soldado Ignaacutecio Tavares do Regimento do Recife e na mesma ocasiatildeo
foi espancado violentamente o soldado Francisco Antocircnio Ribeiro do mesmo Regimento ao irem agrave praia da
Penha (Recife) examinar uma jangada vinda da Bahia cheia de contrabandos Atesta ainda o governador que
durante estas diligecircncias era comum que houvesse certa resistecircncia por parte dos contrabandistas Declara
tambeacutem neste documento ter feito pagar recentemente a soldados que haviam denunciado novo crime de
contrabando a terccedila parte do fruto da apreensatildeo no valor de 270259 mil reis a fim de ldquoanimar a tropa e
cuidarem em fazer melhores diligecircnciasrdquo Fonte AHU-PE Cx 138 D10250 477
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica
Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 288
134
realizados no porto de Buenos Aires do seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos tambeacutem iraacute atestar que
se tinha o costume naquela localidade de recompensar o denunciador de ldquotratos realizados
sem permissatildeo realrdquo 478
com ao menos um terccedilo do valor apreendido
Voltando a nossa narrativa em 1769 o entatildeo governador de Pernambucano Conde de
Povolide anuncia ao Reino a grande ldquoousadia com que se estavam praticando tatildeo escandalosas
negociaccedilotildees quase a minha face e de todos os ministros desta capitaniardquo 479
De acordo com o
Conde devido agrave falta de denuacutencias se introduziam na aacuterea exclusiva da Companhia ldquofazendas
secas por negociantes da Bahia em alguns portos desta capitaniardquo ainda segundo o governador
os mesmos negociantes extraiam gecircneros da terra para a capitania vizinha em ldquoprejuiacutezo grave
dos direitos reaisrdquo 480
Neste mesmo ofiacutecio o oficial reacutegio relata como atuavam aqueles
grupos empenhados no trato iliacutecito e os cuidados que vinha empregando na contenccedilatildeo de tais
praacuteticas assegurando ter recomendado aos capitatildees mores e regentes de distrito a maior
vigilacircncia ldquopara evitar a travessia de semelhantes negociaccedilotildeesrdquo 481
Neste mesmo ano eacute enviada resposta ao governador em Pernambuco em forma de
minuta do Rei D Joseacute I Ordenava-se que para se evitar os ldquoprejudicialiacutessimos empates que
tem experimentado a Companhiardquo 482
se executasse na capitania pela figura do Juiz
conservador da Companhia Geral todas as leis e ordens referentes a repressatildeo do
contrabando Pedindo que se desse especial observacircncia ao alvaraacute reacutegio expedido no dia 14 de
novembro de 1757 483
onde se ampliavam os paraacutegrafos que tratavam sobre o tema nas
Comarcas do Reino e em seus domiacutenios ultramarinos
Em 1770 era a vez de Manoel da Cunha Meneses relatar o insucesso na repressatildeo
contra os descaminhos que naquelas paragens se estabeleciam Segundo o governador natildeo
havia meios ldquopara que estes contrabandos se possam evitarrdquo 484
Prosseguindo seu relato o
capitatildeo general afirma que o motivo das fazendas da Companhia estarem ldquoempatadasrdquo nos
armazeacutens era que nos sertotildees daquela capitania havia uma ldquogrande multiplicidaderdquo 485
das
mesmas fazendas que adentravam via contrabando o territoacuterio monopolizado atraveacutes do Rio
de Satildeo Francisco Explica ainda a dificuldade em se mandar fiscalizar aquelas ldquoremontadas
478
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires
colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 479
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 480
Idem 481
Idem 482
AHU ndash PE Cx 107 D 8276 483
Natildeo foi possiacutevel identificar tal alvaraacute junto ao nosso acervo documental 484
AHU ndash PE Cx 108 D 8371 485
Idem
135
paragensrdquo de acordo com o governador ldquonatildeo haacute sujeitos que bastem para em tatildeo longas
distacircncias fazerem a sua obrigaccedilatildeo de impedir as ditas passagensrdquo 486
e mesmo que
houvessem ldquoseria necessaacuterio uma importante soma de ordenados da real fazenda para lhe
satisfazer as despesas precisas nas dilatas viagensrdquo 487
Percebemos que as dificuldades encontradas pelos governadores pernambucanos e os
ministros do Conselho Ultramarino nos combates aos contrabandos em muito se aproximam
dos desafios enfrentados pela Coroa e pelos oficiais reacutegios envolvidos na administraccedilatildeo das
Minas de ouro Isto eacute que o nos sugere os atuais trabalhos dedicados a explorar os circuitos
mercantis desenvolvidos nas regiotildees mineiras que apontam para os grandes descaminhos de
minerais realizados naquelas plagas Desde cedo a Coroa buscou montar todo um aparato
fiscalizador com o intuito de conter a sangria que ofendia a Real Fazenda De acordo com a
historiadora Isnara Pereira Ivo a regiatildeo do Satildeo Francisco e suas anexas foram as principais
vias alvo de controle Os contrabandos naquela regiatildeo se davam tanto atraveacutes dos caminhos e
picadas de terra abertas ilegalmente ao longo das margens dos rios ldquocomo no curso de
pequenos afluentes e nos grandiosos braccedilos drsquoaacutegua que alimentavam secularmente os leitos da
margem direita do Velho Chicordquo 488
No entanto por maior que fosse o zelo do Reino no que diz respeito agrave tatildeo importante
demanda nenhuma medida adotada se mostrou completamente eficaz isto porque os
caminhos eram muitos e extensos ainda de acordo com Ivo ldquoos dilatados sertotildees abrigavam
veredas que as proacuteprias autoridades desconheciam e talvez por isso mesmo tentavam ampliar
medidas de combate a evasatildeo fiscalrdquo 489
Existia uma grande preocupaccedilatildeo por parte da Coroa
com a abertura de caminhos natildeo autorizados o que pode ser medido entre outras coisas pela
recorrecircncia de ordens reacutegias que buscavam regular tal mateacuteria
Nota-se que tanto no caso das Minas quanto em Pernambuco que a grande extensatildeo
do territoacuterio e a falta de conhecimento sobre as vastas aacutereas que estavam fora do eixo
litoracircneo iratildeo dificultar sobremaneira o trabalho repressivo por parte das autoridades reais
Por maiores que fossem os esforccedilos empregados a contenccedilatildeo dos descaminhos nas condiccedilotildees
apontadas era tarefa praticamente impossiacutevel Natildeo havia nenhum tipo de estrutura que
permitisse o monitoramento total de aacutereas tatildeo vastas A questatildeo da extensatildeo territorial da
486
Idem 487
Idem 488
IVO Isnara Pereira Op Cit P 289 489
Idem
136
Capitania pernambucana apareceraacute em vaacuterios documentos como um dos elementos mais
impeditivos para efetividade da fiscalizaccedilatildeo
Nosso conjunto documental nos sugere um aumento do volume de contrabandos a
partir de meados da deacutecada de 70 490
o que consequentemente iraacute gerar uma maior
preocupaccedilatildeo por parte do Reino e das autoridades locais em tomar medidas repressivas para
cessar tal fluxo Durante esta fase esteve agrave frente do governo de Pernambuco Joseacute Cesar de
Meneses Filho do conde de Sabugosa 491
o governador de Pernambuco nasceu na Bahia
onde permaneceu durante a vigecircncia do governo de seu pai como Vice-Rei do Brasil entre os
anos de 1720 a 1734
Ingressou na carreira militar e serviu em Portugal durante alguns anos depois desse
periacuteodo seguiu para as Iacutendias onde fixou residecircncia Foi nomeado como governador da
capitania de Pernambuco em 27 de julho de 1774 permanecendo no cargo ateacute o ano de 1787
492 Seu governo foi conturbado enfrentando uma epidemia de bexigas e uma grave seca em
1776 que levou a uma fome generalizada Em obra tradicional onde traccedila biografias
panegiricas Pereira da Costa afirma
Joseacute Cesar de Meneses pelo seu caraacuteter eneacutergico pelas suas qualidades e
pela simpatia geral que angariou pelos atos de justiccedila do seu governo
correto e honesto foi alvo de diferentes manifestaccedilotildees populares [] 493
Ao longo do seu governo Joseacute Cesar teve de lidar com inuacutemeros problemas relativos
agraves atividades da Companhia Geral em Pernambuco e suas anexas Estando a frente da
capitania durante a segunda crise por qual passava a Companhia e permanecendo ateacute o fim de
seu monopoacutelio 494
o governador foi um aacutevido denunciador da maacute administraccedilatildeo da empresa
em Pernambuco Devido a isto a relaccedilatildeo do oficial com a diretoria pernambucana natildeo era das
490
Para mais detalhes sobre este fluxo consultar o primeiro capiacutetulo deste trabalho 491
Joseacute Cesar de Meneses natildeo era filho legitimo de Vasco Fernandes Cesar de Meneses o Conde de Sabugosa
Nascido de um relacionamento do Conde com Luzia Rosa de Andrade portuguesa que residia na Bahia o o
governador foi batizado como filho de pai incoacutegnito apesar de Vasco Fernandes afirmar em cartas e conversas
que o mesmo era seu filho Sobre isto ver COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos
Recife Secretaria do interior e justiccedila 1951-1966 V 6 492
Apesar de comumente os governadores de capitania na Ameacuterica Portuguesa serem nomeados para ocupar tais
cargos por um periacuteodo de apenas quatro anos Joseacute Cesar de Meneses permaneceu durante treze anos a frente do
governo de Pernambuco Fato que indica uma possiacutevel habilidade pessoal do oficial em mediar os interesses
locais e metropolitanos Sobre este tema ver JUNIOR Joseacute Inaldo Chaves Biografia e micro-histoacuteria diaacutelogos
possiacuteveis para uma histoacuteria da governanccedila no Impeacuterio Portuguecircs (Capitania da Parayba c1764-1797) Revista
Cantareira Rio de Janeiro 15ordm ediccedilatildeo jul-dez 2011 493
COSTA Francisco Augusto Pereira da Op Cit V 6 P 349 494
A segunda crise enfrentada pela empresa ocorrida entre 17781780 tem iniacutecio poacutes-morte do Rei D Joseacute I e
do quase imediato afastamento de Pombal do centro decisoacuterio do Reino Neste momento uma seacuterie de peticcedilotildees
passam a ser enviadas a Rainha D Maria I tanto na colocircnia quanto no Reino pedindo a extinccedilatildeo dos privileacutegios
da Companhia Geral e a volta do comeacutercio livre
137
melhores 495
com bastante constacircncia o governador relatava ao Reino os desmandos dos
agentes locais da empresa destacando ainda o mal que tal empreendimento havia causado de
acordo com sua avaliaccedilatildeo as atividades comerciais na regiatildeo 496
Durante o periacuteodo do seu governo a questatildeo do contrabando ocuparaacute lugar cativo na
pauta das documentaccedilotildees trocadas entre o governador e o secretaacuterio de Estado da Marinha e
Ultramar do Reino Martinho de Melo e Castro Apesar de ser da opiniatildeo que a Companhia
prejudicava o comeacutercio local o governador seguindo as recomendaccedilotildees de seu cargo buscou
auxiliar sempre que possiacutevel e necessaacuterio a empresa principalmente no que se refere ao
combate dos descaminhos 497
Devemos lembrar como jaacute apontado previamente que de
acordo com as recomendaccedilotildees do artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa a
administraccedilatildeo da Companhia respondia diretamente ao Rei e era independente de todos os
tribunais maiores ou menores natildeo podendo em nenhum caso se intrometer ministro ou
tribunal algum em seus assuntos 498
Devido ao caraacuteter privativo da empresa no tocante as suas questotildees judiciais ficavam
os governadores e demais autoridades locais impedidos de agir com maior liberdade nas
ocorrecircncias de contrabando Eacute o que atesta Joseacute Cesar de Meneses respondendo a cobranccedila
feita pela Junta da empresa para que o oficial passasse a regular de maneira mais contundente
as ingerecircncias que cometiam os deputados da Direccedilatildeo da Companhia em Pernambuco e os
contrabandos na regiatildeo O governador na ocasiatildeo aponta para o artigo acima de forma a
atestar sua falta de jurisdiccedilatildeo para atuar em certos casos
495
Alguns ofiacutecios confirmam a existecircncia de certa animosidade entre o oficial reacutegio e a direccedilatildeo pernambucana
que se queixaraacute da falta de assistecircncia dada pelo governador aos negoacutecios da Companhia Acusaccedilatildeo que busca
repetidamente o governador se defender afirmando e reafirmando em diversos documentos os auxiacutelios que tem
prestado aquela direccedilatildeo Um ofiacutecio enviado pelo governador ao Reino no ano de 1775 ilustra bem esta questatildeo
Nele o oficial reacutegio busca esclarecer junto a Corte as acusaccedilotildees feitas pelo Intendente da Companhia o senhor
Antocircnio Joseacute Souto sobre sua conduta Afirmando em tal ocasiatildeo que o tal intendente despoacutetico e de se utilizar
de seu cargo na direccedilatildeo daquela instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9218 496
O governador enviaraacute a Corte uma seacuterie de correspondecircncias ao longo de seu governo relatando o estado em
que se encontrava a capitania chegando ateacute mesmo a fazer comparaccedilotildees numeacutericas do volume do comeacutercio
antes e depois do monopoacutelio instaurado pela Companhia Geral Exemplo disto eacute o ofiacutecio do ano de 1778 onde o
oficial envia ao Reino extenso documento onde relata natildeo soacute seu ponto de vista a respeito da instituiccedilatildeo e do que
vinha obrando para acudir a Companhia durante seu governo como tambeacutem traz em anexo diversos documentos
com os nuacutemeros referentes ao comeacutercio dos diversos gecircneros que se fazia na capitania antes e depois da criaccedilatildeo
da Companhia Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 497
AHU ndash PE Cx 130 D 9823 498
Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor
do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel
em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217
138
Em ofiacutecio do ano de 1777 onde relata a situaccedilatildeo dos contrabandos na capitania Joseacute
Cesar aponta alternativa que acreditava ser suficiente para extinguir os contrabandos
Segundo o mesmo deveria a Companhia remeter para a capitania ldquoos mesmos gecircneros que
trazem os contrabandistas e vendecirc-los pelo mesmo preccedilo que os contrabandistas os vendemrdquo
499 De acordo com o governador se a Companhia assim fizesse ningueacutem ldquose incomodaria com
tanto trabalho e risco a introduzi-las nem jamais se continuariam tais contrabandosrdquo 500
Ainda neste mesmo ofiacutecio o oficial eacute enfaacutetico ao afirmar que ldquoa introduccedilatildeo dos
contrabandos nasce porque por preccedilos mais racionaacuteveis e diminutos se compram as mesmas
fazendas de contrabandos o que natildeo se consegue da direccedilatildeordquo 501
destaca ainda o funcionaacuterio
real que as mercadorias comercializadas pela Companhia eram vendidas a preccedilos maiores do
que em todas outras Praccedilas comerciais do Brasil que natildeo contavam com uma empresa
monopolizadora
Outra medida eficaz para fazer cessar os contrabandos naquelas paragens apontada
pelo governador seria a direccedilatildeo da Companhia comeccedilar a assistir aos lavradores da terra em
dinheiro fiacutesico 502
Para Joseacute Cesar a questatildeo era simples bastava passar a empresa a praticar
seu comeacutercio de forma justa cobrando valores mais competitivos por seus gecircneros europeus e
fazer os pagamentos dos efeitos da terra em dinheiro agindo a empresa desta forma natildeo
necessitariam os fabricantes locais recorrerem a outras maneiras de obter o metal e
conseguirem melhores lucros
A questatildeo da falta de moeda corrente seraacute uma reclamaccedilatildeo constante dos moradores
da terra contra a Companhia Os estatutos da empresa estabeleciam que a regulaccedilatildeo dos
financiamentos junto aos produtores ocorreria da seguinte forma a Companhia adiantava ao
produtor de couros ou accediluacutecar a terccedila parte relativa a produccedilatildeo anual de cada um esse
adiantamento poderia ser feito em dinheiro mercadorias ou instrumentos de trabalho No
entanto de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a Companhia buscava evitar fazer seus
pagamentos em dinheiro sobretudo para evitar que os produtores comprassem gecircneros
vedados atraveacutes do contrabando 503
Em outro ofiacutecio jaacute no ano posterior o governador trata com maior detalhe a questatildeo
dos preccedilos praticados pela Companhia e pelos contrabandistas O capitatildeo general afirma que o
499
AHU ndash PE Cx 127 D 9670 500
Idem 501
Idem 502
AHU ndash PE Cx 130 D 9823 503
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit P 111
139
motivo dos contrabandistas venderem os seus produtos a preccedilos menores que o da Companhia
natildeo estava relacionado agrave falta de pagamento de direitos ou fretes mas simplesmente porque
os negociantes envolvidos naquele trato se empenhavam em comprar seus gecircneros por preccedilos
mais moacutedicos Razatildeo pela qual mesmo correndo os riscos de transportarem os seus produtos
ldquoem jangadas quase debaixo drsquoaacutegua sujeitas a mil avarias e sobretudo o maior e mais
formidaacutevel de todos os riscos o do confiscordquo 504
conseguiam tais comerciantes vender seus
gecircneros por valores inferiores aos praticados pela Companhia Geral
Em relaccedilatildeo ao comeacutercio de escravos segundo o governador agia a Companhia da
mesma forma prejudicial Em documento em que detalha o nuacutemero de cativos e embarcaccedilotildees
que entraram no porto do Recife entre os anos de 1742 a 1777 Joseacute Ceacutesar versaraacute sobre a
questatildeo do comeacutercio atlacircntico para Pernambuco em paralelo com as praccedilas de Bahia e Rio de
Janeiro Segundo o governador era notoacuterio que em Angola e na Costa da Mina se reservava ldquoa
flor dos escravos para os negociantes da Bahia e do Rio de Janeirordquo 505
pois estes pagavam
aos seus comissaacuterios africanos a dinheiro e melhores efeitos Dessa forma ficava relegada a
Companhia Geral apenas o ldquorefugordquo da escravaria que era composta por negros de ldquoruim
qualidade e carestiardquo 506
Diz o governador natildeo saber com a empresa procedia em suas compras na Costa da
Aacutefrica no entanto como a experiecircncia mostrava era possiacutevel se comprar escravos
contrabandeados ldquopor uma quinta parte menosrdquo 507
dos que os vendidos pela Companhia
Geral Aleacutem disso como se vivia em Pernambuco uma crise de moeda fiacutesica a Companhia
costumeiramente mandava vender alguns de seus escravos no Rio de Janeiro ldquopor muito
menos do que nesta praccedilardquo 508
ainda segundo Joseacute Cesar os negros que se iam vender na
praccedila carioca eram ldquosempre os melhores e mais escolhidosrdquo 509
Dessa forma concluiacutea o governador que os escravos que permaneciam na capitania
eram sempre os de ldquopior qualidaderdquo o que acabava por provocar um ldquomaior desembolso a
que o lavrador fica sujeito tanto no maior nuacutemero que deveria comprar quanto na qualidaderdquo
510 Segundo o funcionaacuterio real os lavradores residentes na capitania eram forccedilados a
substituir o plantel constantemente pois logo ldquomorrem pela sua ruim qualidade e moleacutestias
504
Idem 505
Idem 506
Idem 507
Idem 508
Idem 509
Idem 510
Idem
140
com quem jaacute vecircm contaminadosrdquo 511
sendo vendidos aqui cinco vezes mais caros ldquodo que se
costuma pagar os melhores da Bahia e Rio de Janeiro []rdquo 512
Outra inteligente sugestatildeo a ser empregada na repressatildeo dos contrabandos naquela
regiatildeo eacute dada pelo Ouvidor da Comarca de Alagoas no ano de 1778 Seguindo ordens do
governador Joseacute Cesar de Meneses o oficial que fazia vaacuterias correiccedilotildees na aacuterea limiacutetrofe entre
Pernambuco e Bahia iraacute declarar ao seu superior pernambucano que o combate ao
contrabando era impossiacutevel pois para isto ldquoseria preciso lanccedilar um cordatildeo de tropa por toda a
praia na sua extensatildeo de sessenta leacuteguasrdquo 513
Para o Ouvidor a situaccedilatildeo natildeo mudaria ateacute que
se tomassem ldquonovas providecircncias e uma nova legislaccedilatildeo que contenha os senhores de
engenho na facilidade com que vendem suas safras inteiras conhecidamente a
contrabandistasrdquo 514
ou seja de acordo com o oficial seria mais faacutecil se coibir a praacutetica
regulando a produccedilatildeo dos engenhos ldquoera melhor que este grande e inuacutetil trabalho que se tem
em guardar sessenta leacuteguas de praia se tivesse em pedir contas aos senhores de engenho das
suas respectivas safrasrdquo 515
Este conselho eacute enviado pelo governador ao Reino poreacutem ateacute o momento natildeo
conseguimos encontrar nenhum documento que ateste que o mesmo tenha sido colocado em
praacutetica Joseacute Cesar demonstrava grande preocupaccedilatildeo em relatar ao Reino sempre que
possiacutevel o trabalho que vinha executando em relaccedilatildeo ao combate dos contrabandos no
periacuteodo do seu governo Como jaacute explicitado e declarado pelo proacuteprio o contrabando era ldquoum
dos principais objetosrdquo 516
da ldquomaior vigilacircncia e cuidadordquo 517
do governador que haacute muito
tempo segundo o mesmo natildeo cessava ldquode aplicar todos os meios de lhe cortar o passordquo 518
como vinha apresentando regularmente ao Reino atraveacutes de diversos documentos
Em ofiacutecio encaminhado a Junta da empresa em Lisboa em 1778 afirma novamente o
governador estar ldquodando providecircncias sobre providecircncias para evitar os contrabandosrdquo 519
alegando ainda ter recomendando ordens a este respeito a pessoas ldquode maior satisfaccedilatildeo e
511
Idem 512
Idem Sobre o comeacutercio de escravos em Pernambuco durante o governo de Joseacute Cesar de Meneses consultar
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre
Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 513
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 514
Idem 515
Idem 516
AHU ndash PE Cx 134 D 10074 517
Idem 518
Idem 519
AHU ndash PE Cx 130 D 9823
141
confidecircnciardquo 520
e ateacute mesmo estar prestando repetidos auxiacutelios de tropas pagas No entanto o
combate aos contrabandos natildeo era tarefa das mais faacuteceis mesmo se utilizando do auxiacutelio de
tropas pagas como atesta ter feito Joseacute Cesar de Meneses e o fizerem diversos governadores
durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia 521
vigiar tatildeo vasto territoacuterio era impossiacutevel
No ano de 1779 o capitatildeo general iraacute remeter ao secretaacuterio de Estado da Marinha e
Ultramar ofiacutecio onde apresenta uma seacuterie de certidotildees passadas pela direccedilatildeo da Companhia
em Pernambuco atestando o auxiacutelio e providecircncias dadas pelo governador em diversas
diligecircncias com objetivo de dirimir os descaminhos ao longo dos uacuteltimos anos Neste
documento encontra-se tambeacutem coacutepia anexa de carta circular que o governador fez correr ldquoa
todos os ministros da minha jurisdiccedilatildeo que se achavam em ato de correiccedilatildeordquo 522
Nela consta
com detalhe o procedimento que todos os Capitatildees Mores comandantes e regentes de distrito
deveriam tomar para impedir os contrabandos em seus locais de atuaccedilatildeo
Eram quatro os passos que deveriam ser seguidos por estes oficiais reacutegios Em
primeiro lugar deveriam eles inspecionar todas as lojas e casas onde houvesse suspeita da
praacutetica de contrabando caso a suspeita se revelasse verdadeira o fruto da apreensatildeo deveria
ser remetido ao juiz conservador que para melhor averiguaccedilatildeo do caso deveria chamar ldquoos
ventenarios do seu distritordquo 523
e os obrigar a declarar em segredo ldquose pelas suas venterias
existem ou grassam alguns contrabandistas ou comissaacuterios volantes de fazendasrdquo havendo
denuacutencia deveria se proceder contra os mesmos de acordo com as leis de sua Majestade
Em segundo lugar era responsabilidade do comandante do distrito visitar pessoalmente
ldquotodos os barcos e qualquer outra embarcaccedilatildeo que dos portos da sua jurisdiccedilatildeo derem entrada
fazendo desta visita auto no livro competenterdquo 524
Especial atenccedilatildeo deveria ser dada aos
barcos que costumavam transportar madeira para Bahia nestes casos o despacho soacute deveria
ser entregue ao mestre da embarcaccedilatildeo proacuteximo a data de saiacuteda daquele porto Aleacutem disso
sempre que houvesse a miacutenima suspeita de introduccedilatildeo de algum iliacutecito deveria o comandante
do distrito enviar guardas a bordo para verificaccedilatildeo da carga
A terceira medida consistia em fazer chamar todos os jangadeiros das costas e praias
da jurisdiccedilatildeo por ele comandada fazendo-os ldquoassinar termo em que se obriguem a natildeo
520
Idem 521
A contrataccedilatildeo de tropas pagas para atuar na repressatildeo aos contrabandos se fez necessaacuteria em diversas
ocasiotildees devido ao volume daquele comeacutercio descaminhado e a grandiosidade territorial da capitania de
Pernambuco e de suas anexas 522
AHU ndash PE Cx 132 D 9955 523
Idem 524
Idem
142
transportar efeitos a bordo do barco que natildeo esteja franco a recebecirc-los para Pernambucordquo 525
e
ainda deveriam orientar a estes que natildeo respondessem ldquoaos sinais que costumam fazer as
embarcaccedilotildees ao largo chamando jangadas para se receberem e baldearem em terra os
contrabandosrdquo 526
O jangadeiro que desobedece tal ordem deveria ser preso autuado e
remetido agrave presenccedila do governador para que cumprisse as penas destinadas aos
contrabandistas
Por fim deveriam os comandantes de distrito nomear em todos os ldquoportos barras
baias e entradas dos mares da sua jurisdiccedilatildeordquo pessoa ldquocuja probidade capacidade e honra
vossa mercecirc tenha mais conceitordquo Esta pessoa seria responsaacutevel por avisar ao comandante
assim que qualquer embarcaccedilatildeo entrasse no distrito para que o mesmo pudesse em pessoa
fazer a inspeccedilatildeo necessaacuteria Caso o comandante estivesse ausente e houvesse necessidade
estes ldquoajudantesrdquo nomeados poderiam apreender lemes e velas de embarcaccedilotildees suspeitas bem
como fazer apreensatildeo de alguns fardos e fazendas ateacute a volta da autoridade distrital A carta
circular termina de forma intimidadora o governador deixa claro que a ldquomenor omissatildeordquo a
respeito desta mateacuteria natildeo seria tolerada sendo punido asperamente o oficial reacutegio que a
descumprisse ldquonatildeo soacute por erro e falta do seu ofiacutecio mas como fator e auxiliador do vil crime
de contrabandistardquo 527
O tom ameaccedilador do governador aos seus oficiais subordinados eacute
explicado pelo conjunto documental
Antes de darmos iniacutecio a um novo toacutepico vale a pena ressaltar como a questatildeo dos
contrabandos e extravios seratildeo uma constante na histoacuteria da colonizaccedilatildeo europeia na Ameacuterica
Dependendo do momento e da localidade os Centros iratildeo lidar com a mateacuteria de formas
distintas Tomemos como exemplo o jaacute famoso caso envolvendo os descaminhos na regiatildeo
fronteiriccedila do extremo Sul do Brasil Os contemporacircneos trabalhos que tratam sobre o
comeacutercio na regiatildeo do Prata iratildeo apontar os portugueses ou melhor os luso-brasileiros como
responsaacuteveis por no seacuteculo XVII e XVIII fomentar uma grande rede de contrabandos na
regiatildeo
Falando a respeito dos negoacutecios desenvolvidos por estes homens na Buenos Aires do
seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos iraacute demonstrar como estes comerciantes iratildeo se engendrar e
desenvolver redes clientelares na regiatildeo que contavam inclusive com o apoio de funcionaacuterios
espanhoacuteis de modo a permitir que eles mantivessem seus negoacutecios extralegais apesar das
525
Idem 526
Idem 527
Idem
143
diversas medidas restritivas lanccediladas pelo Reino Espanhol a fim de conter tais extravios 528
O autor ainda chama atenccedilatildeo para o fato de que a Corte na Espanha natildeo estava de todo alheia
aos acontecimentos em torno da conquista buenairense tendo ela mesma se aproveitado da
situaccedilatildeo em alguns casos 529
Como os novos estudos acerca dos Impeacuterios Europeus tecircm demonstrado as relaccedilotildees
criadas em seus domiacutenios ultramarinos iratildeo se desenvolver de maneira distinta atendendo a
uma dinacircmica proacutepria e as estrateacutegias poliacuteticas locais feitas muitas vezes a revelia das
disposiccedilotildees reacutegias Atraveacutes desse vieacutes de entendimento eacute possiacutevel compreender como mesmo
apoacutes a restauraccedilatildeo da soberania portuguesa e das intensas disputas entre as Coroas ibeacutericas
pelo domiacutenio da regiatildeo platina ainda era possiacutevel que luso-brasileiros e colonos espanhoacuteis
incluindo uma gama de autoridades reais mantivessem entre si relaccedilotildees comerciais que
permitiram a continuaccedilatildeo de um faustoso comeacutercio extralegal no porto de Buenos Aires
Continuando a tratar sobre o comeacutercio de contrabando na regiatildeo platina vale destacar
o estudo feito pelo historiador Faacutebio Kuhn a respeito dos descaminhos de escravos para regiatildeo
na primeira metade do seacuteculo XVIII Em recente artigo o autor busca demonstrar como os
comerciantes luso-brasileiros sediados na Colocircnia do Sacramento passaram a deter hegemonia
sobre aquele negoacutecio Estes comerciantes segundo o autor estavam associados a homens de
negoacutecio de duas importantes Praccedilas da Ameacuterica lusa Rio de Janeiro e Salvador eram estes
comissaacuterios os responsaacuteveis por remeter para o Sul as remessas de negros chegadas ao litoral
das respectivas capitanias 530
Quando em princiacutepios do XVIII como consequecircncia de ajustes diplomaacuteticos a Coroa
Espanhola concede o asiento de negros para os britacircnicos que fundam a fim de explorar tal
contrato a South Sea Company os comerciantes portugueses ignorando as proibiccedilotildees sobre
aquela mateacuteria passam a rivalizar com os ingleses nas vendas de escravos para regiatildeo A
situaccedilatildeo chegou a tal estaacutegio que a Companhia inglesa nos seus uacuteltimos anos de
funcionamento passou a diminuir drasticamente o contingente de negros enviados aquela
localidade pois eles jaacute natildeo tinham saiacuteda dada a grande oferta de escravos que os
contrabandistas portugueses faziam entrar no territoacuterio da South Sea Company
528
Sobre isto ver CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a
administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00 529
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires
colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 242 530
KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)
Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017
144
Percebemos como toda a questatildeo relativa ao comeacutercio de contrabando neste caso
guardada as devidas proporccedilotildees iratildeo se desenrolar de maneira semelhante a que encontramos
para o nosso objeto de anaacutelise Aleacutem de ter uma Companhia de comeacutercio exclusivista
envolvida e das vaacuterias medidas tomadas pela Coroa espanhola para inutilmente tentar conter
tais extravios no caso trabalhado por Kuhn tambeacutem haacute indiacutecios de que os proacuteprios oficiais
castelhanos facilitavam e auxiliavam os descaminhos
Aleacutem disso o autor demonstra como os traficantes portugueses situados na Colocircnia do
Sacramento e seus agentes e comissaacuterios eram homens bem articulados que desfrutavam de
prestiacutegio tendo alguns deles ocupado inclusive cargos na administraccedilatildeo colonial Isso mesmo
quando desde 1751 a Coroa portuguesa ciente da desordem causada pelo comeacutercio ilegal de
escravos na regiatildeo passou ordens para que se extinguisse aquele negoacutecio castigando quem
fosse apreendido em tal crime com ldquomulta no triplo do seu valor para os reacuteus aleacutem do
degredo para Angola por dez anos dos contrabandistas envolvidosrdquo 531
Apesar da aparente incongruecircncia a participaccedilatildeo de oficiais agentes e autoridades
reacutegias no comeacutercio descaminhado foi uma realidade durante o periacuteodo colonial em distintas
localidades e eacutepocas Eacute sobre o envolvimento destes homens nos contrabandos que iremos
tratar no toacutepico a seguir
42 ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de
autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos
Apesar do empenho sobretudo dos governadores em reprimir as atividades iliacutecitas o
contrabando era uma praacutetica quase impossiacutevel de ser controlada fazendo com que os esforccedilos
e medidas tomadas por estes oficiais se mostrassem pouco eficazes dada a grandiosidade do
esquema que incluiacutea autoridades reacutegias oficiais e deputados da proacutepria Companhia nos
circuitos de descaminho O envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e proacuteprios deputados
da Companhia nos descaminhos era um problema que desde os primoacuterdios do
estabelecimento da empresa se buscava combater
Jaacute em 1763 relata o governador Luiacutes Diogo Lobo da Silvia ser necessaacuterio enviar para
os sertotildees a fim de averiguar as ldquodesordensrdquo causadas pelos contrabandistas ldquooficiais de mais
confianccedila e menos amizadesrdquo 532
Sobre este respeito escreve o Conde de Povolide ao Reino
531
Ibidem P 103 532
AHU ndash PE Cx 99 D 7757
145
em 1769 alertando que ldquotoda esta capitania da parte do Sul desta capital ateacute ao Rio de Satildeo
Francisco me consta com evidecircncia se acha contaminada de contrabandos e com tatildeo pouca ou
nenhuma atividade nos ministros para devassar delesrdquo 533
Neste mesmo documento o Conde
declara ao Reino sua insatisfaccedilatildeo com o Sargento Mor do distrito de Porto Calvo que natildeo
havia segundo o governador ldquoobservado boa condutardquo 534
na execuccedilatildeo de ordem passada para
se averiguar crime de contrabando na regiatildeo
Escrevendo ao Conselho Ultramarino em 1770 Manoel da Cunha Meneses
governador de Pernambuco que acabava de assumir o cargo seria mais enfaacutetico ao denunciar
ao Reino o envolvimento de funcionaacuterios reacutegios estabelecidos nos sertotildees da Capitania na
introduccedilatildeo de contrabandos Afirmava o governador ser o sertatildeo daquela capitania um dos
mais povoados relatando que em cada povoado e freguesia existiam capitatildees mores regentes
e diretores poreacutem acusava Manuel da Cunha serem estes oficiais ldquomesmos culpados ou
proacuteprios contrabandistas pois se sujeitam a viver no agreste dos matos a fim de
enriqueceremrdquo 535
Continua seu relato afirmando que tais ldquoqualidades de oficiaisrdquo 536
executavam suas
ordens da forma que bem lhe aprouvessem pois ldquose fiam no seguro dos longes em que se
acham para natildeo recearem castigordquo 537
Dessa forma conclui o governador ser o combate ao
contrabando tarefa das mais difiacuteceis jaacute que natildeo havia ali ldquopessoas de que se faccedila confianccedila a
embaraccedilar a passagem das fazendasrdquo 538
Aleacutem disso o capitatildeo general atestava que a
grandiosidade da Costa pernambucana dificultava ainda mais o trabalho repressivo 539
Como se pode observar existia certa conivecircncia e em alguns casos participaccedilatildeo ativa
de funcionaacuterios reais no comeacutercio iliacutecito Estas autoridades locais natildeo atuavam de maneira
isolada diversos documentos atestam a participaccedilatildeo de oficiais da Companhia Geral tanto
aqueles que trabalhavam embarcados quanto os que estavam a disposiccedilatildeo da direccedilatildeo em
Pernambuco e mesmo de seus deputados nas redes de contrabando Em 1769 o jaacute
mencionado Conde de Povolide acusa em ofiacutecio endereccedilado ao Reino os oficiais e acionistas
da empresa Na ocasiatildeo afirma o governador que ldquouma das causas do grande contrabando
existente nos portos do sertatildeo pernambucano era a negligecircncia com que operava o juiz
533
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 534
Idem 535
AHU ndash PE Cx 108 D 8371 536
Idem 537
Idem 538
Idem 539
Idem
146
conservador da companhiardquo 540
que ldquotem ocasionado a relaxaccedilatildeo em que se acha esta
negociaccedilatildeo de travessiardquo 541
Neste mesmo ofiacutecio o Conde relata a Corte o caso especiacutefico de uma sumaca
apreendida em Camaragibe distrito de Porto Calvo que estava carregando caixas de accediluacutecar
para seguir para Bahia O governador acreditava que naquele episoacutedio oficiais da Companhia
haviam agido de forma a facilitar a introduccedilatildeo das contravenccedilotildees isto porque um dos
negociantes preso pelo envolvimento no contrabando possuiacutea ldquotrecircs irmatildeos nesta praccedila dois
ocupados na Companhia Geral e outro escrivatildeo da mesma Conservatoacuteriardquo Como os termos
judiciais da apreensatildeo deveriam acontecer no cartoacuterio onde trabalhava o irmatildeo escrivatildeo
alertava o Conde a necessidade de se ldquousar de alguma precauccedilatildeo para este casordquo 542
O envolvimento dos oficiais da Companhia nessa situaccedilatildeo era tatildeo previsiacutevel que o
governador acreditava natildeo ser suficiente apenas tomar cuidado com o desenrolar do processo
chegando mesmo a afirmar que ldquose a experiecircncia mostrar que natildeo bastam (as precauccedilotildees)
como assim me persuado determino mandar suspender o processordquo 543
que ficaria parado ateacute
ldquodar conta a vossa excelecircncia para obter uma eficaz providecircncia em ministro tal em que possa
confiar retidatildeo que natildeo for flexiacutevel as logrativas em penhor que considero haveratildeo neste casordquo
544
A atuaccedilatildeo nos descaminhos dos oficiais que prestavam serviccedilos dentro dos navios
reais tambeacutem seraacute destacada dentro do nosso conjunto documental A participaccedilatildeo destas
equipagens era tatildeo notoacuteria que jaacute se faziam saber no proacuteprio Reino Como nos revela ofiacutecio
enviado por Joseacute Cesar de Meneses no ano de 1778 ao secretaacuterio de Estado da Marinha e
Ultramar Segundo o governador ldquose fez preciso informar-me que os oficiais das ditas
embarcaccedilotildees reacutegias se tem deslizado nos excessos de trazerem nas ditas embarcaccedilotildees toda a
sorte de contrabando que podemrdquo 545
os produtos transacionados por eles iam de fazendas a
comestiacuteveis e ainda de acordo com Joseacute Cesar tinham aqueles homens ldquoarte de as meterem a
bordo antes de sair desse porto sem que se possa perceberrdquo 546
540
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 541
Idem 542
Idem 543
Idem 544
Idem 545
AHU ndash PE Cx 130 D 9815 546
Idem Vale ressaltar que naquele mesmo ano o governador em ofiacutecio dirigido a Junta lisboeta afirma que
segundo seu entendimento natildeo se devesse considerar contrabando todos os gecircneros levados a Portugal pelos
oficiais reais que os trocavam na capitania pelos mantimentos trazidos da Europa Isto porque Pernambuco
como se sabia passava por uma crise monetaacuteria logo os gecircneros da terra eram as uacutenicas coisas que poderiam
147
No mesmo ano o governador revela a Corte como a marinhagem do navio real
conhecido como o ldquoPenquerdquo tinha tido ldquoo atrevido descaramento de iludir e zombarrdquo 547
das
ordens passadas por ele passadas Jaacute que desobedecendo as diretivas de Joseacute Cesar fizeram
os marinheiros daquele navio descarregar nas terras exclusivas da Companhia diversos
gecircneros europeus as escondidas Aleacutem disso os mesmos oficiais retardaram propositalmente a
partida da embarcaccedilatildeo a fim de carregarem nela gecircneros da terra Apesar das buscas dadas
pelo governador com o auxiacutelio do Patratildeo Mor da capitania natildeo foi possiacutevel evitar todo o
contrabando naquele caso isto porque de acordo com o governador ldquoas mesmas lanchas da
Ribeira das Naus que vatildeo a bordo a tiacutetulo de amarrarem os navios de sua majestade satildeo as que
servem de transportar os gecircneros proibidos como a larga e amiudada experiecircncia dos meus
embarques me tem mostradordquo 548
Permanecendo no ano de 1778 outro ofiacutecio encontrado em nosso conjunto
documental acaba reafirmando a efetiva participaccedilatildeo destes oficiais dos navios reais no
comeacutercio descaminhado Neste documento a direccedilatildeo da Junta da Companhia Geral
dialogando com o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ldquonatildeo nos causar admiraccedilatildeo que
nesta capitania se vendam fazendas por contrabando por preccedilos inferiores aos da companhiardquo
549 completam dizendo que isto soacute era possiacutevel pois algumas dessas fazendas chegavam a
Pernambucano pelas matildeos dos proacuteprios oficiais da empresa que as traziam nos navios reais
sem pagar frete ou qualquer tipo de direitos 550
Se em um primeiro momento o envolvimento dos oficiais da Companhia e de seus
proacuteprios deputados e acionistas nas redes de comeacutercio iliacutecito nos causa estranhamento eacute
necessaacuterio lembrar que os principais negociantes da praccedila mercantil pernambucana se
tornaratildeo acionistas da empresa e que se estes de iniacutecio resistiram agrave ideia da fundaccedilatildeo de uma
companhia monopolista logo perceberam que para continuar a usufruir dos privileacutegios que
tinham na eacutepoca em que o comeacutercio era livre fazia-se necessaacuterio se engendrar na
administraccedilatildeo da empresa
ofertar as populaccedilotildees locais nas suas permutas com os agentes dos navios reacutegios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D
9823 547
AHU ndash PE Cx 131 D 9865 548
Idem 549
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 550
Em ofiacutecio do ano de 1778 em resposta a este da Junta Lisboeta Joseacute Ceacutesar de Meneses discorda daquele
conselho afirmando que em comparaccedilatildeo aos contrabandos vindos dos outros portos do Brasil o trazido pelos
oficiais dos navios reais tinha parca relevacircncia Aleacutem disso atesta o governador que o menor valor cobrado pelos
produtos de contrabandos nada tinham a ver com a questatildeo do natildeo pagamento de fretes e direitos como jaacute
explicitado neste capiacutetulo segundo o governador a uacutenica vantagem que tinham aqueles oficiais reais em natildeo
pagarem tais taxas era o de obterem maiores lucros nos seus negoacutecios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823
148
O que queremos dizer aqui eacute que os homens de negoacutecio de Pernambuco natildeo eram
ingecircnuos cientes da criaccedilatildeo da Companhia apesar de suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis se
tornaram acionistas e diretores da mesma pois sabiam que fazer parte da governaccedilatildeo era ldquoum
poderoso elemento constituidor de conexotildees e de fluxos de troca gerados a partir da proacutepria
instacircncia administrativardquo 551
e dessa forma puderam instrumentalizar a instituiccedilatildeo para o
atendimento de seus interesses pessoais fossem eles liacutecitos ou natildeo
Aleacutem disso como jaacute descrito ao longo deste trabalho a participaccedilatildeo de oficiais reais
nos descaminhos praticados nos domiacutenios ultramarinos era uma praacutetica jaacute haacute muito enraizada
Em seu estudo sobre o comeacutercio descaminhado desenvolvido na Ameacuterica Lusa na primeira
metade do XVIII Paulo Cavalcante demonstra como guardas auditores e ouvidores reacutegios
envolvidos na administraccedilatildeo das Minas coloniais se mancomunavam com os extraviadores de
ouro e diamantes a fim de tirarem vantagens pessoais auxiliando aqueles contrabandistas
Situaccedilatildeo que como atesta o autor a Coroa tinha ciecircncia e buscava a todo tempo reprimir sem
no entanto lograr ecircxito 552
A historiadora Nauk Maria de Jesus ao escrever sobre episoacutedio jaacute bem conhecido da
historiografia brasileira onde se procedeu na troca de ouro por chumbo nos caixotes de
quinto destinados ao Rei no ano de 1722 tambeacutem revela o envolvimento de importantes
autoridades coloniais nas redes de comeacutercio iliacutecito De acordo com a autora haacute evidecircncias da
existecircncia no comeccedilo do seacuteculo XVIII de uma grande rede de descaminho de ouro
envolvendo membros da elite imperial portuguesa Esta rede estaria conectada a diversas
naccedilotildees e era constituiacuteda por oficiais reacutegios e seus associados que concomitantemente ao
exerciacutecio de seus cargos reacutegios realizavam negoacutecios atlacircnticos privados fossem eles liacutecitos ou
natildeo 553
Retomando nossa narrativa a Junta lisboeta da empresa sabia da conivecircncia dos
administradores pernambucanos com os contrabandistas como nos esclarecem dois ofiacutecios do
ano de 1778 e um posterior do ano de 1780 enviados pela instituiccedilatildeo para o governo de
Pernambuco Os ofiacutecios do ano de 1778 satildeo resultado da troca de mensagens entre aquela
551
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c
1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e
negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 180-181 552
Sobre isto consultar CAVALCANTE PAULO Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica
Portuguesa - 1700-1750 Satildeo Paulo Hucitec 2006 553
Sobre isto ver JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de
ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na
trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 2010 P 525-548
149
administraccedilatildeo superior e o governador Joseacute Cesar de Meneses este uacuteltimo ao longo do seu
governo encaminhou por vaacuterias vezes ofiacutecios para a Junta informando o estado em que se
encontravam os negoacutecios locais e as condutas da diretoria pernambucana que eram motivo de
criacuteticas tanto pela parte do governador quanto da direccedilatildeo lisboeta
O conteuacutedo de tais ofiacutecios apresentam duras criacuteticas a forma como procedia a
administraccedilatildeo pernambucana nos interesses da empresa chegam os ministros portugueses a
afirmar que se a Companhia se encontrava apartada de seus objetivos iniciais a culpa residia
nos administradores pernambucanos que ldquoa desfiguraram e natildeo cumpriram as determinaccedilotildees
da juntardquo 554
Os documentos ainda acusam a direccedilatildeo subalterna de natildeo prestar contas quanto
ao verdadeiro estado em que se achavam as capitanias e agir em total desrespeito as reais
ordens 555
Aleacutem disso fica evidente que a administraccedilatildeo lisboeta sabia que os deputados em
Pernambuco usavam a instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio participando de uma seacuterie de
atividades iliacutecitas e natildeo recomendadas A Junta chega a afirmar que os proacuteprios deputados da
empresa eram seus principais devedores revelando ser aquele fato um dos que mais
ocasionavam espanto aos oficiais lisboetas pois estes estavam cientes do ldquogrande cabedal que
se acham devendo os moradores e negociantes desta praccedila e as pessoas que ocuparam e
ocupam os lugares desta direccedilatildeo seus parentes e outros empregados no serviccedilo da
Companhiardquo 556
Atestam tambeacutem que mesmo depois de receberem os lucros respectivos a sua
porcentagem societaacuteria natildeo constava que estes acionistas tivessem feito sequer um
pagamento a Companhia 557
Na lista de acusaccedilotildees feitas pela Junta a administraccedilatildeo de Pernambuco consta tambeacutem
serem aqueles deputados os culpados pela grande falta de creacutedito que se experimentava na
Praccedila de que os habitantes locais tanto reclamavam Afirma a Junta que o objetivo primaacuterio
da Companhia Geral era o de fazer florescer o comeacutercio em Pernambuco e Paraiacuteba com o
554
AHU ndash PE Cx 128 D 9736 555
Em resposta a este ofiacutecio no mesmo ano o governador Joseacute Cesar de Meneses afirmaraacute natildeo compreender
como a Junta durante todo esse tempo fosse ldquosempre enganadardquo Sobre a falta de informaccedilatildeo que alega a Junta
lisboeta o governador afirma que aquele conselho natildeo desconhecia todos os fatos ocorridos na capitania jaacute que
era sabido que diversos acontecimentos chegavam a seu conhecimento mesmo antes do seu governo Declara
ainda que em mateacuteria tatildeo importante natildeo se fazia necessaacuterio provas concretas para que a Junta passasse a tomar
providecircncias mas apenas ldquoleves indiacuteciosrdquo para pocircr em praacutetica as precauccedilotildees devidas Alerta ainda o capitatildeo
general que a Junta descumprido o regulado no artigo 6 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia que
determinava que os deputados e intendente eleitos cumprissem mandatos de apenas dois anos acabava por
contribuir com a relaxaccedilatildeo com que procedia aquela direccedilatildeo pernambucana sendo certo que se fossem
removidos de seus postos em tempo correto natildeo chegariam a desfigurar a Companhia 556
Idem 557
Idem
150
aumento da agricultura e faacutebricas e natildeo fazer ldquoenriquecer aacute custa do seu cabedal mercadores
e negociantes que metessem em si os fundos da Companhiardquo 558
O que o documento explicita
eacute a praacutetica comum de diretores e acionistas da diretoria pernambucana de contraiacuterem
empreacutestimos para si e seus associados junto agrave mesma para fazer comeacutercio pessoal e depois
natildeo restituir tais deacutebitos a Companhia
Quanto a questatildeo do contrabando e dos altos preccedilos cobrados pela empresa nos
gecircneros que negociava na terra a Direccedilatildeo portuguesa se defende afirmando que por menor
que fosse o lucro da empresa sobre as transaccedilotildees comerciais os preccedilos praticados pela mesma
jamais seriam capazes de ldquoconcorrer com aqueles que natildeo pagam direitos nem fretesrdquo559
ou
ainda com aqueles que ldquonatildeo fazem intenccedilatildeo de paga-los a quem lhes confiou e por todo o
preccedilo lhes faz conta vende-lasrdquo 560
afirmando que tirava a Companhia lucros menores do que
mercadores particulares em condiccedilotildees normais Contestam tambeacutem a pouca atividade da
Direccedilatildeo pernambucana em reprimir tais desordens afirmando que os contrabandos aleacutem de
natildeo serem castigados natildeo eram relatados a Junta assim natildeo ficava aquela administraccedilatildeo
sabendo quem eram as pessoas envolvidas naquele tipo de crime nem quais mercadorias
estariam sendo negociadas
Quanto as opressotildees que se queixavam natildeo soacute os habitantes da capitania quanto o
governador Joseacute Cesar de Meneses atestam os oficiais portugueses serem todas elas
precedentes ldquoda ambiccedilatildeo e maacute feacute dos membros de sua direccedilatildeordquo 561
Poreacutem para aquela Junta
parecia estranho e inconcebiacutevel considerar o povo daquelas plagas como ldquooprimido e aflitordquo
isto porque a soma do cabedal enviado para Pernambuco chegava naquele tempo haacute quantia
de trecircs milhotildees e meio quantia que considerava o conselho lisboeta suficiente para
manutenccedilatildeo e bom funcionamento do comeacutercio na regiatildeo isto eacute se fosse tal recurso bem
gerido condiccedilatildeo que estava claro para a Junta que natildeo ocorria Pois ainda a despeito das
queixas dos locais afirmam os ministros lisboetas ter total ciecircncia que ldquoentre os mercadores e
negociantes desta praccedila e a direccedilatildeo (da Companhia Geral) haacute ocultas e escandalosas
negociaccedilotildees que servem de vexar os povosrdquo 562
558
Idem 559
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 560
Idem 561
Idem 562
Idem Em ofiacutecio do ano de 1778 em que responde ao documento supracitado da Companhia o governador
Joseacute Cesar de Meneses contesta novamente a posiccedilatildeo adotada pela Junta que afirmando ter ldquopleno
conhecimento daquelas ocultas e escandalosas negociaccedilotildeesrdquo e de vaacuterias outras violecircncias e opressotildees cometidas
pela direccedilatildeo pernambucana natildeo tenha tomado nenhuma providecircncia mais incisiva pelo contraacuterio permitiu
151
Devido as vaacuterias queixas feitas pelos habitantes da terra atraveacutes das cacircmaras locais e
das constantes denuacutencias encaminhadas pelo governador sobre o mau procedimento da
direccedilatildeo subalterna a Junta passa a partir de 1778 a cobrar com maior vigor os deputados e
intendente em Pernambuco Ordenando por exemplo que passassem eles a cobrar todos os
devedores da empresa sem perda de tempo Aqueles que natildeo fossem cobrados se deveria
explicar o porquecirc da accedilatildeo Junto agraves cobranccedilas ficou ordenado tambeacutem que se remetesse ao
Reino os nomes daqueles personagens que na capitania se sabiam envolvidos nas praacuteticas
iliacutecitas Tudo isto obrou a Junta por considerar ldquomuito estranhaacutevel que esteja padecendo o
creacutedito da Companhiardquo 563
Todas as exigecircncias tomadas pela sede da Companhia em Lisboa
satildeo demonstrativas da desconfianccedila que a mesma passaraacute a nutrir pela direccedilatildeo pernambucana
e atestam nossa afirmativa de que os deputados e diretores da capitania Duartina destruiacuteram o
creacutedito da empresa dentro do seu proacuteprio seio
Permanecendo no mesmo tema e ano em ofiacutecio enviado pelo secretaacuterio de Estado da
Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro ao governador Joseacute Cesar de Meneses o
oficial portuguecircs faraacute uma longa redaccedilatildeo apontando ldquoos excessos e prevaricaccedilotildees cometidas
pelos deputados da Companhia de Pernambucordquo 564
que aquela altura havia ldquochegado a tal
excesso que jaacute natildeo pode haver sofrimento que os possa tolerarrdquo 565
Afirma o secretaacuterio que
desde 1768 eram enviadas ordens do Reino para tentar conter os abusos daquela direccedilatildeo
subalterna no entanto as referidas natildeo eram atendidas obrando os deputados em sentido
oposto agraves diretivas reais
O secretaacuterio acusa os diretores e intendente daquela direccedilatildeo de se apropriarem de
todos os gecircneros remetidos do Reino e ainda de ldquoos repartirem a creacuteditos pelos seus parentes
amigos e associados e de os tomarem eles mesmos de baixo de nomes alheiosrdquo 566
apropriavam-se tais deputados do cabedal alheio em benefiacutecio de seus proacuteprios negoacutecios e
agindo dessa forma aumentavam ainda mais a grande diacutevida dos habitantes locais com a
Companhia diacutevida esta que os mesmos natildeo buscavam satisfazer de ldquomodo algumrdquo 567
Neste mesmo ofiacutecio versaraacute o secretaacuterio tambeacutem sobre a questatildeo do contrabando
afirmando natildeo ser ldquomenos escandalosa a relaxaccedilatildeo com que nessa capitania se estatildeo fazendo
aquela Junta em desacordo com artigo 6 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral que os membros
daquela direccedilatildeo se conservassem no poder por repetidos anos Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 563
AHU ndash PE Cx 128 D 9736 564
AHU ndash PE Cx 130 D 9832 565
Idem 566
Idem 567
Idem
152
com todo descaramento e liberdade os maiores contrabandos e extravios de accediluacutecar e de outros
gecircneros para o porto da Bahia e de outros do continente da Ameacutericardquo 568
atividade que
fraudava os direitos e deveres reais dado o caraacuteter totalmente pernicioso de tal accedilatildeo para a
fazenda real esperava o ministro do rei que agisse a administraccedilatildeo em Pernambuco com
maior vigor no combate e natildeo que agisse em sentido contraacuterio como se sabia estava
ocorrendo
Reclama tambeacutem Martinho de Melo e Castro que as carregaccedilotildees que saiam de
Pernambuco com destino ao Reino estavam desde o princiacutepio daquele ano indo com uma
quantidade muito maior de gecircneros remetidos por particulares do que produtos enviados pela
Companhia Este fato apesar de ser permitido pelos estatutos da empresa 569
causava espanto
no secretaacuterio pois havia naquele momento na capitania cerca de duas mil pessoas entre
ldquohomens de negoacutecio senhores de engenho capitalistas vendedores e outras diferentes classes
de habitantesrdquo 570
que estavam devendo ldquoconsideraacuteveis somasrdquo a empresa e estranhamente
nenhuma destas pessoas enviavam remessas de coisa alguma ao Reino
Diz o oficial reacutegio que por esta ldquomanifesta dissimulaccedilatildeordquo via-se ldquopassar a Pernambuco
seiscentos a setecentos mil cruzados do produto dos gecircneros pertencentes a esses habitantesrdquo
571 isto sem contar ldquoas somas dos gecircneros que remetem em contrabando pelo porto da Bahia e
que natildeo possa ver um real dos seus devedoresrdquo 572
na verdade agia a administraccedilatildeo de
Pernambuco natildeo no sentido de buscar reverter tal quadro mas opostamente buscavam ainda
por cima nas palavras do secretaacuterio ldquopersuadir com palpaacutevel falsidade que essa capitania se
acha reduzida a maior pobreza e miseacuteriardquo 573
Atestava entatildeo o secretaacuterio real que natildeo era da intenccedilatildeo de Sua Majestade permitir
que aqueles deputados responsaacuteveis por ldquozelar os interesses das viuacutevas oacuterfatildeos conventos
568
Idem 569
O documento de instituiccedilatildeo da Companhia em seu artigo 31 autorizava fabricantes e lavradores a enviarem
por sua conta e risco seus gecircneros para a Europa dentro dos navios da empresa Poreacutem esse tipo de operaccedilatildeo
natildeo poderia contar com nenhum tipo de intermediaacuterio Se por acaso fosse descoberto que algueacutem procedeu em
ldquocompras simuladas para carregarem nos seus nomes os gecircneros alheiosrdquo a accedilatildeo seria enquadrada no crime de
contrabando sujeita a pena de perda de carregaccedilatildeo e trestobro Se houvesse denunciante a terccedila parte do espoacutelio
seria reservada ao mesmo Apesar de ser uma praacutetica legal a Junta da empresa buscava desencorajar esse tipo de
negoacutecio Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel
Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros
sobre o Brasil Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 570
AHU ndash PE Cx 130 D 9832 571
Idem 572
Idem 573
Idem
153
religiosos capelas lugares pios deste Reino e outros diferentes classes de uacuteteis e inocentes
vassalosrdquo que haviam contribuiacutedo com seus proacuteprios recursos para formar o capital da
Companhia locupletassem a incriacutevel soma de 392384849 reis que deviam aos fundos
daquela empresa Por fim Martinho de Melo e Castro recomenda a Joseacute Cesar que
empregasse toda atenccedilatildeo naquele assunto buscando prevenir ldquoas fraudes os abusos os
contrabandos e as prevaricaccedilotildees que em toda parte do mundo sempre foram a ruiacutena dos
Estadosrdquo 574
43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70
Muitas seratildeo as denuacutencias encaminhadas ao reino pelos habitantes da capitania contra
a maacute gerecircncia da Companhia e os abusos em que ocorriam os deputados da empresa Em
1770 tem iniacutecio a primeira crise enfrentada pela instituiccedilatildeo uma seacuterie de representaccedilatildeo seratildeo
enviadas pelas cacircmaras locais a Corte expondo os problemas enfrentados pela populaccedilatildeo
local no trato com a empresa queixando-se da grande decadecircncia do comeacutercio na regiatildeo da
pobreza a que foram acometidos os habitantes e dos procedimentos irregulares da diretoria em
Pernambuco A seca que assolou a capitania entre os uacuteltimos meses de 1769 e os primeiros
meses de 1770 causando uma grande baixa nas safras de accediluacutecar parece ter contribuiacutedo
sobremaneira para o desencadeamento da crise
Isto porque a direccedilatildeo pernambucana se recusou a pagar o acreacutescimo de duzentos reis
por arroba de accediluacutecar determinado pela Mesa de Inspeccedilatildeo da Praccedila que seguia ordens de
edital previsto para estes casos A administraccedilatildeo da Companhia natildeo aceitaraacute de bom grado
esta situaccedilatildeo e em resposta a decisatildeo da Mesa lanccedila edital afirmando que ldquopor natildeo ter
obrigaccedilatildeo recusaraacute receber os ditos accediluacutecares por preccedilos que natildeo fazem conta ao comeacutercio que
administrardquo 575
completa dizendo que os lavradores e senhores descontentes poderiam enviar
ao reino seus produtos ldquopor sua contardquo em conformidade do regimento da instituiccedilatildeo 576
Ao
que tudo indica os produtores seguiram a ldquorecomendaccedilatildeordquo daquela direccedilatildeo pois no mesmo
ano o governador Manoel da Cunha Meneses envia ofiacutecio ao Reino explicando os motivos
dos produtores da capitania estarem retendo em seus armazeacutens a produccedilatildeo canavieira Solicita
574
Idem 575
AHU ndash PE Cx 109 D 8428 576
Idem
154
entatildeo o governador que o Rei apontasse soluccedilatildeo a tal empate que vinha causando notoacuterios
prejuiacutezos a todos
Os camaraacuterios de Igarassu enviam carta neste mesmo ano ao Rei atestando ldquoa grande
e inexplicaacutevel consternaccedilatildeo em que se vecirc esta capitania no presente tempo e a total ruiacutena e
decadecircncia que para o futuro vai ameaccedilando o comeacuterciordquo 577
Eles reclamavam da falta de
dinheiro que se experimentava nas terras exclusivas uma vez que a Companhia ldquonatildeo compra
gecircneros de efeito nenhum a dinheiro [] e soacute os paga com fazendas cariacutessimas e escravos de
refugordquo 578
O senado de Igarassu expotildee tambeacutem os abusos cometidos pela direccedilatildeo
pernambucana que agindo por interesses proacuteprios quando do desembarque dos navios
chegados de Angola e Costa da Mina carregados com escravos ldquoescolhem os melhores [] e
os marcam com uma fita de nastro no pescoccedilordquo 579
estes escravos marcados eram remetidos
para a Praccedila do Rio de Janeiro deixando aos produtores da capitania o refugo da escravaria A
carta continua relatando uma seacuterie de denuacutencias sobre a maacute administraccedilatildeo da Companhia
como por exemplo sua alianccedila com algumas casas de comeacutercio em prejuiacutezo dos demais
comerciantes e agricultores bem como da populaccedilatildeo em geral
Os habitantes da capitania de Itamaracaacute sobretudo os produtores de accediluacutecar e tabaco
tambeacutem enviam em 1770 representaccedilatildeo ao Reino alertando para ldquoa consternaccedilatildeo e vexame a
que se veem reduzidos pelos lamentaacuteveis danos e inexplicaacuteveis prejuiacutezosrdquo 580
causados pela
instalaccedilatildeo da Companhia na regiatildeo Pontuam aspectos bastante semelhantes aos expostos
pelos camaraacuterios de Igarassu fazendo comparaccedilotildees sobre o volume do comeacutercio na capitania
antes e depois da instituiccedilatildeo da empresa A representaccedilatildeo que possuiacute um abaixo assinado com
cerca de treze paacuteginas apenas de assinaturas daqueles homens que se sentiam prejudicados
pela Companhia termina suplicando a aboliccedilatildeo da empresa e a restituiccedilatildeo dos danos para
aqueles produtores
Aleacutem das diversas representaccedilotildees contraacuterias 581
enviadas pelos representantes locais a
Corte na capitania o clima era de agitaccedilatildeo Como nos demonstra ofiacutecio enviado pelo
secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar ao governador Manoel da Cunha Meneses
denunciando papeacuteis anocircnimos que tinham sido fixados na capitania satirizando um edital
577
AHU ndash PE Cx 108 D 8380 578
Idem 579
Idem 580
AHU ndash PE Cx 108 D 8393 581
Vaacuterios outros documentos a este respeito foram emitidos entre os anos de 1770 a 1771 pelos habitantes
locais e seus oacutergatildeos representativos incluindo cartas pessoais e algumas ateacute mesmo anocircnimas AHU ndash PE Cx
109 D 8421 AHU ndash PE Cx 109 D8444 AHU ndash PE Cx 110 D8507 AHU ndashPE Cx 110 D 8515 AHU-
PE Cx 111 D 8541
155
lanccedilado pela direccedilatildeo da Companhia Neste edital a administraccedilatildeo da empresa a fim de
supostamente fazer encerrar os buchichos que corriam entre a populaccedilatildeo sobre a sua maacute
gerecircncia convocava a todos que tivessem denuacutencias do mau procedimento dos membros
daquela direccedilatildeo empregados em todos os cargos fizessem representaccedilatildeo para que fossem
aplicadas as devidas providecircncias
O texto anocircnimo que criticava o edital atacava diretamente os deputados Destacando
que se as denuacutencias natildeo existiam natildeo era pela falta de delitos a denunciar mas sim pelo receio
que tinham os habitantes locais de sofrerem represaacutelias Afirma o panfleto que
Pelo edital de 13 de agosto conheceu todo o povo a ignoracircncia de toda a
mesa da direccedilatildeo da Companhia e de seu escrivatildeo fazendo-se os deputados
reacuteus e querendo serem juiacutezes de seus proacuteprios delitos Nomeiem os
deputados ministro independente que receba as queixas e as remeta a Sua
Majestade que natildeo faltaraacute quem vaacute depor contra os mesmos deputados que
tatildeo inocentes se mostram mas este conselho lhe natildeo haacute de agradar e podem
estar certos que quando vier sindicante deporemos sobre as fabulosas e falsas
articulaccedilotildees da qual o edital tambeacutem se faraacute dos pecados que pedem que o
povo os acuse e muito mais temos que dizer 582
A Companhia atraveacutes de sua direccedilatildeo na capitania iraacute se defender contra tais acusaccedilotildees
afirmando serem injuriosas e promovidas por um pequeno grupo de indiviacuteduos que nunca
aceitaram a instalaccedilatildeo da empresa Em carta enviada por Antocircnio Joseacute Souto intendente da
direccedilatildeo pernambucana em 1771 a respeito daquelas denuacutencias que segundo o mesmo estavam
centradas em queixas contra as ldquoomissotildees ou falta de pureza na direccedilatildeordquo 583
o mesmo iraacute
declarar que a paixatildeo dos moradores daquela capitania ldquolhes tinha cegado o conhecimentordquo
584 dessa forma natildeo conseguiam ver como a empresa lhes era beneacutefica No entanto o impacto
da crise de 70 natildeo iraacute se dissipar tatildeo facilmente A morte do rei D Joseacute I seguida do
afastamento do marquecircs de Pombal do cargo de primeiro ministro do Reino no ano de 1777
faratildeo ressurgir uma onda de queixas e representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma
As denuacutencias desta segunda fase de crise continuam a apontar basicamente os mesmos
pontos das primeiras Em resumo as representaccedilotildees se queixam do deploraacutevel estado em que
se encontravam as lavouras tanto de accediluacutecar quanto de tabaco afirmando estarem destruiacutedas
as faacutebricas de curtume e atanados e reclamando da quase inexistecircncia do comeacutercio livre com
os sertotildees e com a Costa da Mina Aleacutem disso se queixam dos procedimentos adotados pela
empresa que lhes obrigavam a vender suas manufaturas e efeitos por preccedilos diminutos e a
582
AHU ndash PE Cx 109 D 8458 583
AHU ndash PE Cx 100 D 8509 584
Idem
156
receber por eles fazendas desnecessaacuterias e de baixa qualidade sem jamais serem pagos a
dinheiro fiacutesico Afirmam tambeacutem que a Companhia natildeo disponibilizava escravos suficientes
e que vendia aos moradores apenas os doentes indo os melhores serem vendidos no Rio de
Janeiro Relatam tambeacutem o alto grau de endividamento daqueles que negociavam com a
empresa pela forma que os negoacutecios eram feitos na capitania Fora isso denunciavam a
forma arbitraacuteria e duvidosa com que agiam os seus deputados e intendente
Em carta de 1777 a cacircmara de Olinda queixa-se ao Reino de problemas semelhantes
aos relatados pelos oficiais de Igarassu sete anos antes Neste documento o Senado da cacircmara
apela pela extinccedilatildeo da Companhia suplicando ao monarca que os libertassem de ldquotatildeo
insuportaacutevel tiraniardquo 585
Ainda nesta carta reclamam tambeacutem os camaraacuterios da escassez de
moeda que grassava em Pernambuco afirmando que a ldquofalta de dinheiro presentemente
irremediaacutevel tem aniquilado os fabricantes e os reduzido a uacuteltima consternaccedilatildeordquo 586
isto
porque a Companhia continuava a pagar pelos efeitos da terra em fazendas e natildeo a dinheiro
que era gecircnero necessaacuterio para o sustento e manutenccedilatildeo das faacutebricas e dos fabricantes
Fica confirmado tambeacutem no relato a manutenccedilatildeo do costume dos deputados da
empresa em reservar para si e seus ldquoparceirosrdquo comerciais os escravos mais sadios e melhor
escolhidos Vendendo para populaccedilatildeo os menos saudaacuteveis e a preccedilos exorbitantes no que
resultavam segundo a cacircmara em ldquograndes mortandadesrdquo nos engenhos e lavouras que
acabavam se conservando sempre com um nuacutemero reduzido de escravaria Por fim os oficiais
protestam sobre o procedimento adotado pela empresa de vender os gecircneros de maior
necessidade apenas a dinheiro quando era ela mesma a responsaacutevel pela crise monetaacuteria
instalada na regiatildeo
No mesmo ano de 1777 a cacircmara de Olinda envia nova carta relatando com maiores
detalhes o estado do comeacutercio na capitania e apelando junto ao Reino para a supressatildeo dos
privileacutegios da Companhia Geral Os camaraacuterios apelam a real clemecircncia testemunhando que
eram tratados por aquela instituiccedilatildeo com ldquodespoacutetica autoridade e matildeo violentardquo alegam ainda
serem dominados e vexados como ldquose fossemos de alguma naccedilatildeo inimiga ou infieacuteis e rebeldes
ao proacuteprio soberanordquo 587
Neste documento tambeacutem se reforccedila a questatildeo das vantagens
pessoais que os deputados logravam no comeacutercio de escravos segundo os oficiais da cacircmara
ldquoa florrdquo da escravaria era reservada para estes negociantes ficando apenas o ldquorefugordquo para os
585
AHU ndash PE Cx 126 D 9577 586
Idem 587
AHU ndash PE Cx108 D 8330
157
moradores da terra Acusam ainda os oficiais da cacircmara de agirem os homens daquela
direccedilatildeo da mesma forma com os gecircneros da Europa
A falta de dinheiro mais uma vez eacute denunciada como o ldquomais sensiacutevel e fatalrdquo mal
que fazia a Companhia ao povo de Pernambuco Como o dinheiro era como afirmam os
camaraacuterios ldquopreciso para expediccedilatildeo dos seus negoacutecios e estabelecimentos de suas famiacuteliasrdquo e
estando aquela terra ldquoexausta de moeda correnterdquo 588
muitos fabricantes e lavradores
acabavam recorrendo ao contrabando nos portos livres para obter dinheiro fiacutesico De acordo
com a Cacircmara olindense essa situaccedilatildeo era de total responsabilidade da Companhia isto
porque a empresa havia reduzido os habitantes daquelas plagas a extrema pobreza sem ter
estes homens meios de sustentar suas famiacutelias Dessa forma acabavam recorrendo agrave compra
de fazendas em outros portos mesmo que sujeito aos confiscos As queixas evidenciam a
relaccedilatildeo entre a refraccedilatildeo pela qual passava o comeacutercio legal e o aumento dos negoacutecios
descaminhados enquanto o comeacutercio legal passava por um periacuteodo de queda os descaminhos
de produtos ganhavam focirclego
Ainda sobre o comeacutercio de contrabando assegura o senado de Olinda que as fazendas
vindas dos portos livres se vendiam por menor preccedilo do que os praticados pela Companhia o
que segundo tais oficiais era inconcebiacutevel pois os contrabandistas compravam tais gecircneros de
mercadores dos portos livres ldquojaacute com avanccedilosrdquo 589
e ainda eram responsaacuteveis pelas ldquodespesas
do transporterdquo 590
Os escravos vindos do comeacutercio descaminhado tambeacutem eram mais baratos
de acordo com o documento alguns moradores que mandavam comprar negros nos portos
livres ldquoos compram com tatildeo notaacutevel cocircmodo a respeito do preccedilo porque que vende a
Companhia na terra que chegam a comprar dois pretos com o valorrdquo 591
Tambeacutem reivindicam a forma como a empresa procedia na avaliaccedilatildeo e compra dos
gecircneros da terra Declara a cacircmara que os produtos da Companhia eram vendidos por preccedilos
que eram determinados pela proacutepria direccedilatildeo e que natildeo se davam os devidos descontos a peccedilas
avariadas No entanto o contraacuterio natildeo se fazia verdade os oficiais alegam que qualquer avaria
era descontada no valor final dos efeitos da terra ainda atestam que os preccedilos eram fixados
pelos avaliadores da Companhia natildeo seguiam a nenhum tipo de criteacuterio preacute-estabelecidos
588
Idem 589
Idem 590
Idem 591
Idem
158
dando tais avaliadores o preccedilo que lhe achassem conveniente Questionavam entatildeo os
camaraacuterios ldquoque justiccedila e que lei do comeacutercio pode permitir semelhante deferecircnciardquo 592
Em 1778 seraacute a vez da Cacircmara de Goiana enviar suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis a
Companhia ao Reino As objeccedilotildees satildeo parecidas com as de suas congecircneres Afirmam aqueles
oficiais que a Companhia ldquoestabelecida em 1760 tem de todo arruinado os fabricantes de
todos os gecircnerosrdquo 593
Reforccedilam a questatildeo de como procedia a direccedilatildeo pernambucana na
venda de escravos que aleacutem de os venderem por ldquoexcessiviacutessimo preccedilordquo destinavam as
populaccedilatildeo apenas os negros de ldquorefugordquo que vinham jaacute contaminados de moleacutestias Tendo
inclusive sido acometida a capitania duas vezes por epidemias que dizimaram muitos
habitantes provenientes daqueles escravos doentes jaacute que a ldquoflorrdquo da escravaria era remetida
pelos deputados pernambucanos ao Rio de Janeiro
Ao longo da carta os camaristas queixam-se de outras diversas accedilotildees da empresa
Dando destaque ao alto grau de endividamento dos agricultores obrigados a empenhar seus
bens os altos juros cobrados aos homens de negoacutecio bem como contestam os preccedilos
praticados pela empresa em seu comeacutercio Em denuacutencia as condutas questionaacuteveis da direccedilatildeo
em Pernambuco atestam que os melhores gecircneros da Europa aqueles que possuiacuteam maior
saiacuteda quase todos ldquose encaminhavam as lojas particulares de algum dos mesmos deputados
donde entatildeo os iam comprar os pobres dos mercadoresrdquo 594
Por fim apelavam a sua majestade
para livrar aquele ldquopovo deste penoso cativeirordquo 595
Um ano depois em 1779 era a vez da Cacircmara de Recife enviar carta ao reino
solicitando o fim das concessotildees exclusivas dadas a Companhia Os oficiais da Cacircmara
recifense se apoiavam na recente decisatildeo do Reino em abolir os privileacutegios concedidos a
Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo ao solicitarem para capitania de Pernambuco a
mesma graccedila Alegavam os camaraacuterios ser a Companhia Geral a culpada pelo ldquomiseraacutevel
estado a que se acha reduzida toda esta capitaniardquo 596
Os camaristas aproveitam para lembrar
junto a este pedido os grandes esforccedilos empregados pelos habitantes daquelas plagas em
ldquoconservar o domiacutenio desta porccedilatildeo do Brasilrdquo 597
quando do ataque do inimigo holandecircs o
que havia lhes custado ao longo dos anos como fazem questatildeo de sublinhar suas vidas e
fazendas
592
Idem 593
AHU ndash PE Cx 130 D 9830 594
Idem 595
Idem 596
AHU ndash PE Cx 133 D 10009 597
Idem
159
Junto com a extinccedilatildeo da Companhia demandam tambeacutem trecircs providecircncias que
acreditavam deveriam acompanhar tal graccedila A primeira solicitaccedilatildeo era de que a Companhia
Geral voltasse a pagar o subsiacutedio dos accediluacutecares que ldquovoluntariamente e contra as ordens
reacutegiasrdquo 598
havia parado de pagar aos fabricantes haacute doze anos A segunda demanda requeria
que natildeo se cobrassem altos juros nos deacutebitos que haviam contraiacutedo os habitantes daquela terra
com a empresa isto porque segundo os camaristas os gecircneros que geravam os
endividamentos jaacute haviam sido comprados por preccedilos ldquosobrecarregadosrdquo Por fim pedem os
oficiais da Cacircmara que a empresa natildeo cobre de uma uacutenica vez os grandes deacutebitos dos
habitantes pois se isto acontecesse causaria a ruiacutena daquela capitania
Em resposta a estas trecircs representaccedilotildees a Junta da Companhia em Lisboa remete
ofiacutecio ao Reino no ano de 1780 defendendo-se das acusaccedilotildees e apontando a direccedilatildeo em
Pernambucano como a verdadeira responsaacutevel das queixas populares Chegando a afirmar que
se a empresa fosse ldquodirigida por homens inteligentes e zelosos do serviccedilo de Vossa Majestade
e do bem puacuteblico natildeo soacute teria produzido muitas maiores vantagens a favor do Estado mas ateacute
seria pedida a sua conservaccedilatildeo pelos mesmos povos daquelas capitaniasrdquo 599
Neste ofiacutecio o
conselho lisboeta descreve com detalhes todas as artimanhas e estrateacutegias utilizadas pelo
intendente e deputados da direccedilatildeo pernambucana a fim de tirarem benefiacutecios pessoais de seus
postos
Assim admitem que no comeacutercio das fazendas aqueles diretores se associavam a
caixeiros e parceiros e tiravam das carregaccedilotildees da Companhia para suas lojas particulares
todas as fazendas ldquomelhores em qualidade sortimento e em preccedilosrdquo antes mesmo destas peccedilas
serem colocadas a venda pela empresa Dessa forma os demais mercadores que ldquonatildeo
entravam neste conluio quando iam aos armazeacutens da Companhia soacute encontravam as que os
outros tinham refugadordquo Esta situaccedilatildeo acabava por gerar o monopoacutelio das melhores fazendas
nas matildeos destes deputados e seus associados que se aproveitando da situaccedilatildeo passavam a
revender tais gecircneros cerca de 30 a 40 mais caro nas fazendas de menor procura e nas de
melhor saiacuteda chegava-se a acrescer mais ldquode 100 importando-lhes ainda sobre este avanccedilo o
juro da leirdquo 600
Sobre a forma como procedia aos pagamentos de lavradores e fabricantes natildeo a
dinheiro e sim em fazendas atesta a Junta que procedia a direccedilatildeo pernambucana de forma
598
Idem 599
AHU ndash PE Cx 136 D 10156 600
Idem
160
abusiva e ruinosa pois se recusavam a comprar as fazendas em dinheiro alegando a falta de
moeda Atitude que acabava por obrigar que os produtores locais fossem vender seus gecircneros
a mercadores particulares por preccedilo natildeo fixado ficando a cargo do comprador estabelecer o
valor que lhe aprouvesse a segunda e natildeo menos desvantajosa alternativa para estes
fabricantes locais seria irem vender seus produtos ldquoa dinheiro com grande perda as pessoas
por quem os mesmos diretores lhes mandam comprarrdquo 601
Quanto a questatildeo da falta de moeda fiacutesica atesta a direccedilatildeo lisboeta ser real a limitaccedilatildeo
de dinheiro naquela Praccedila No entanto acusam novamente a direccedilatildeo pernambucana como a
responsaacutevel pelo problema Segundo a Junta o primeiro motivo da falta de dinheiro no caixa
da Companhia estava relacionado com a grande soma que diretores ldquoem seus nomes no de
seus parentes nos de mercadores seus associados e em outros supostosrdquo 602
que formavam
uma lista de 73 pessoas deviam a empresa e na demora que estes faziam em seu pagamento
Dessa forma ficava a Companhia em Pernambuco sem cabedal suficiente para socorrer aos
produtores locais
O segundo motivo alegado pelo conselho portuguecircs seria de que os diretores em
Pernambuco haviam feito pagamentos dos quarteacuteis vencidos de contratos reais
monopolizados por eles mesmos indevidamente com o dinheiro do caixa da Companhia A
terceira causa da falta de dinheiro era o de agirem os deputados pernambucanos no comeacutercio
de escravos da mesma forma como operavam no comeacutercio de fazendas Expunha a Junta que
assim que os negreiros davam entrada na capitania alguns membros da direccedilatildeo iam ainda de
madrugada ldquoescolher e esconder os melhores fazendo os assentos das vendas em nomes
diversos e supostos e por preccedilos mais inferiores que aqueles por que vendem os de refugo
que expotildeem em puacuteblico para a vendardquo 603
aleacutem disso reservavam estas melhores ldquopeccedilasrdquo
para irem vender em outras praccedilas da Ameacuterica
Encerrando este tema os oficiais lisboetas afirmam que o valor das diacutevidas relativas a
assistecircncia prestada pela empresa a produtores locais de accediluacutecar e tabaco era menor do que os
causados pelos abusos que faziam os diretores da praccedila que confiavam os cabedais da
empresa ldquoa pessoas sem estabelecimento e sem creacutedito servindo-se dos mesmos cabedais
para suas ocultas e reprovadas negociaccedilotildeesrdquo 604
Aleacutem disso declara o conselho portuguecircs
que muitas eram as dificuldades apontadas pela direccedilatildeo na colocircnia em cobrar tais deacutebitos o
601
Idem 602
Idem 603
Idem 604
Idem
161
que para a Junta fazia parecer que os deputados pernambucanos pareciam mais ldquouns homens
levantados para destruir a Companhia do que homens que os interessados elegeramrdquo 605
Esta
afirmaccedilatildeo da Junta acaba por reforccedilar nosso entendimento de que a Companhia foi arruinada
de ldquofora para dentrordquo pois de acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada seus proacuteprios agentes
laboraram contra os interesses econocircmicos da instituiccedilatildeo agindo em benefiacutecio proacuteprio
Quanto a mateacuteria do contrabando diraacute a Junta saber que ldquoa maior parte dos membros
daquela direccedilatildeo e dos indiviacuteduos empregados nos seus serviccedilos satildeo os que fazem e protegem
os mais escandalosos contrabandosrdquo 606
tanto ldquona introduccedilatildeo de fazendas dos portos deste
reino e dos da Bahia como na exportaccedilatildeo e extravio dos gecircneros das capitanias de
Pernambucordquo 607
Acusam ainda serem aqueles diretores os culpados de incitar as cacircmaras de
Pernambuco a levarem a real presenccedila suas queixas contra Companhia faziam isto pois
pretendiam nunca pagar as suas avultadas diacutevidas a Companhia ou pagarem em parcelas ao
longo dos anos sem juros
Ainda neste documento manifesta aquela direccedilatildeo superior o seu descontentamento
com os oficiais reacutegios locais que mesmo tirando devassas dos casos de descaminhos nunca
chegam a apontar um culpado mesmo sendo ldquotatildeo puacuteblicas e escandalosas as violecircncias e
contrabandosrdquo 608
que estavam cometendo os diretores pernambucanos No entanto afirmam
os ministros lisboetas terem ciecircncia da dificuldade em se achar testemunhas dispostas a
deporem contra aqueles diretores ldquoem cujo nuacutemero os mais delinquentes satildeo os mais
poderosos pelos cabedais pelas amizades e pelos importantes empregos que ocupamrdquo 609
ficando assim os fabricantes e lavradores da capitania receosos de lhe fazerem denuacutencias pois
como a Junta atesta ldquoos mais oprimidos satildeo sempre os mais dependentesrdquo 610
Por fim o
conselho portuguecircs conclui que as queixas dos habitantes da capitania se endereccedilavam as
ldquoviolecircnciasrdquo cometidas pelos deputados em Pernambuco e natildeo a instituiccedilatildeo da Companhia em
si
A onda de ataques iniciada em 1777 acabou culminando na supressatildeo dos privileacutegios
comerciais da Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba a partir de abril de 1780
Alvo de oposiccedilatildeo de interesses entre os locais e os metropolitanos a mesma natildeo chegou a
alcanccedilar os lucros esperados pela Coroa portuguesa causando notoacuterios prejuiacutezos agrave economia
605
Idem 606
Idem 607
Idem 608
Idem 609
Idem 610
Idem
162
local em particular a elite pernambucana 611
O processo de liquidaccedilatildeo da empresa se estendeu
por muitos e muitos anos de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior no ano de 1907 a junta
liquidataacuteria da empresa envia solicitaccedilatildeo ao representante portuguecircs no Brasil no sentido de
reaver diacutevidas ainda existentes em Pernambuco 612
A segunda metade do seacuteculo XVIII seraacute marcada como um periacuteodo de importantes
mudanccedilas governamentais no Impeacuterio Portuguecircs a ascensatildeo do Marquecircs de Pombal ao cargo
de secretaacuterio do Reino e das mercecircs viraacute acompanhada de um conjunto de medidas de caraacuteter
revitalizador que teraacute como expoente o comeacutercio de Portugal com suas conquistas e colocircnias
As medidas implantadas pelo governo portuguecircs em Pernambucano tinham por objetivo deter
maior controle sobre a produccedilatildeo de uma das mais destacadas capitanias do Norte do Estado
do Brasil
As criaccedilotildees dos organismos da mesa de Inspeccedilatildeo e da Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba vinham atender ao pensamento iluminista da eacutepoca e buscavam
canalizar os lucros da colocircnia para a Corte No entanto o que o marquecircs natildeo previu foi que
apoacutes um primeiro momento de estranhamento por parte dos locais as instituiccedilotildees seriam
absorvidas e aparelhadas aos interesses da elite local que infiltradas em suas respectivas
administraccedilotildees iriam utilizar desses lugares funcionais privilegiados na defesa de ganhos
proacuteprios Aleacutem disso os habitantes locais tambeacutem passam a criar mecanismos para a fuga
desse controle metropolitano dentre esses mecanismos destaca-se o contrabando de gecircneros
O conjunto documental analisado eacute revelador da vitalidade dos sertotildees pernambucanos
e baianos que durante o seacuteculo XVIII iratildeo assumir papel de destaque dentro do mercado
interno estando conectado a uma grande malha comercial que se estendia ateacute a regiatildeo das
Minas Gerais Os rios caminhos e picadas interioranas cumpriram um destacado papel na
conexatildeo entre diversas localidades sertanejas e as cidades litoracircneas Seguindo os caminhos
de terra e das aacuteguas mercadores comerciantes fazendeiros e profissionais liberais fizeram
surgir nas lonjuras dos sertotildees um espaccedilo de dinamismo e intensa atividade comercial
A grandiosidade da costa pernambucana que permitia natildeo soacute a navegaccedilatildeo direta entre
Bahia e Pernambuco como tambeacutem fornecia condiccedilotildees naturais para ancoragem em diversas
praias do litoral junto ao envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e deputados da empresa
611
Sobre isto ver DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In
Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel
em httpcvcinstituto camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de
2017 612
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 P
188-202
163
nos contrabandos somada a ineficaz e insuficiente forccedila militar empregada no seu combate e o
desejo de senhores de engenhos produtores e comerciantes de fugir das malhas do comeacutercio
monopolista faratildeo com que a praacutetica se torne uma constante na segunda metade do XVIII No
bojo dessas questotildees o comeacutercio iliacutecito com a vizinha capitania Bahia que contava apenas
com uma Mesa de Inspeccedilatildeo e natildeo com uma companhia comercial monopolizadora ganharaacute
forccedila
164
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao longo da narrativa deste trabalho jaacute esclarecemos as principais conclusotildees tiradas
sobre o nosso objeto de estudo No entanto a tiacutetulo de compilaccedilatildeo e arremate iremos pontuar
as consideraccedilotildees mais significativas para o entendimento do comeacutercio de contrabando
realizado durante os vinte e um anos de vigecircncia do exclusivo comercial praticado pela
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba
Vimos que a Companhia Geral criada no ano de 1759 no contexto de mudanccedilas no
sistema poliacutetico portuguecircs foi fundada para atuar junto a uma seacuterie de outras medidas que
vinham atender o esforccedilo portuguecircs de racionalizaccedilatildeo administrativa e econocircmica de seus
espaccedilos ultramarinos A empresa instalada durante o consulado Pombalino iraacute modificar
sobremaneira o modo de se fazer negoacutecios na capitania de Pernambuco e suas anexas
modificando toda a loacutegica mercantil da regiatildeo que haacute muito estava instituiacuteda e consolidada
Com a fundaccedilatildeo da empresa as populaccedilotildees locais passaram a buscar estrateacutegias de
fuga do controle metropolitano dessa forma comerciantes e produtores da Praccedila
pernambucana jaacute bem habituados ao livre comeacutercio comeccedilaram a realizar transaccedilotildees
comerciais iliacutecitas junto agrave vizinha capitania da Bahia O comeacutercio de mercadorias estabelecido
entre as duas mais destacadas capitanias do Norte se realizava tanto atraveacutes dos sertotildees que
tinham no Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes a peccedila chave desse circuito de comeacutercio
iliacutecito sertanejo bem como de forma direta atraveacutes da Costa mariacutetima que ligava Bahia a
Pernambuco
Lembramos que o artigo 25 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral
determinava que a empresa natildeo possuiacutea o monopoacutelio do comeacutercio para os portos do sertatildeo
Alagoas e Rio de Satildeo Francisco No entanto a poliacutetica monopolista da Companhia iraacute afetar
tambeacutem os chamados ldquoportos livresrdquo Isto porque por volta da deacutecada de 70 a direccedilatildeo
pernambucana por forccedila de um edital passa a encarar as transaccedilotildees mercantis efetuadas a
partir daqueles espaccedilos como contrabando Medida repressiva que salienta a importacircncia
econocircmica do comeacutercio realizado a partir das rotas sertanejas Afinal de contas natildeo se
empregaria esforccedilos e recursos no controle de tais negoacutecios se eles natildeo tivessem relevacircncia
As mercadorias que circulavam neste comeacutercio descaminhado eram muitas da
capitania pernambucana saiam principalmente os efeitos da terra dos quais destacamos o
accediluacutecar e seus derivados couros e tabacos Vindos das terras soteropolitanas os principais
165
produtos eram gecircneros europeus com realce para a grande variedade de tecircxteis Vimos
tambeacutem que entre as duas Praccedilas realizava-se o comeacutercio humano os escravos comprados por
menores preccedilos na Bahia vinham abastecer as lavouras e faacutebricas pernambucanas As trocas
mercantis realizadas por vias ilegais mesmo que potencialmente perigosas dado o risco de
apreensatildeo e demais penalidades seratildeo amplamente desenvolvidas por fabricantes produtores
e comerciantes pernambucanos que buscavam melhores preccedilos e vendas a dinheiro fiacutesico
Destacamos que o contrabando foi uma praacutetica recorrente durante toda histoacuteria
colonial do Novo Mundo Na Ameacuterica Portuguesa pesquisas mais recentes atestam para
recorrecircncia do comeacutercio extralegal em diversas capitanias Esta historiografia com a qual
concordamos tem demonstrado como os descaminhos eram processos inerentes ao trato
comercial colonial Presente nas mais variadas atividades mercantis e locais os contrabandos
e descaminhos natildeo devem ser encarados como uma ldquofalhardquo ou ldquodeficiecircnciardquo do sistema mas
sim como parte integrante do mesmo
O comeacutercio iliacutecito praticado durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba foi um negoacutecio amplamente praticado De acordo
com a documentaccedilatildeo trabalhada este tipo de mercadejar acontecia tanto no grosso trato
envolvendo uma rede de indiviacuteduos empenhados em criar estrateacutegias que possibilitassem o
funcionamento da praacutetica iliacutecita Como no miuacutedo onde sujeitos comuns aproveitavam as
oportunidades que surgiam para ganhos extras Destacamos ainda o contrabando feito
diretamente com navios estrangeiros que aportando na capitania sobre pretextos diversos
procediam ocultamente nas trocas comerciais com os habitantes locais
A grande preocupaccedilatildeo do Reino em reprimir tais negoacutecios iliacutecitos revela a
grandiosidade da praacutetica durante o periacuteodo do exclusivo comercial da Companhia Diversos
satildeo os documentos travados entre as autoridades locais e o governo metropolitano para tratar
da mateacuteria Apesar do empenho dos oficiais reacutegios locais sobretudo os governadores de
Pernambuco os contrabandos persistiram durante toda a existecircncia da Companhia Isto
porque natildeo existia estrutura local para que o combate as ilicitudes fossem feitas de maneira
efetiva dada a grandiosidade da capitania de Pernambuco aleacutem disso o comeacutercio
descaminhado era uma praacutetica ostensiva que envolvia variados personagens situaccedilotildees e
circunstacircncias
Dentre os personagens envolvidos nas redes de comeacutercio extralegal salientamos a
participaccedilatildeo de autoridades reacutegias oficiais e agentes da proacutepria Companhia Estes homens
iratildeo utilizar de seus postos privilegiados para obter vantagens pessoais Vimos que a
166
participaccedilatildeo de autoridades reais em circuitos iliacutecitos natildeo era uma prerrogativa exclusiva do
nosso objeto de anaacutelise tendo ocorrido em diversos outros locais da Ameacuterica Lusa e ateacute
mesmo da Ameacuterica Hispacircnica Como os atuais estudos tecircm demonstrado o envolvimento em
praacuteticas iliacutecitas natildeo era necessariamente oposto ao exerciacutecio de ofiacutecios reacutegios
Destacamos tambeacutem as inuacutemeras queixas e representaccedilotildees encaminhadas pelas
populaccedilotildees locais sobretudo pelas cacircmaras ultramarinas ao governo da metroacutepole alertando
para o estado de decadecircncia do comeacutercio nas praccedilas de Pernambuco e das inuacutemeras atividades
iliacutecitas e maacute gestatildeo conduzida pela direccedilatildeo da empresa na capitania A documentaccedilatildeo
evidencia como os proacuteprios deputados e acionistas da empresa foram responsaacuteveis pela
liquidaccedilatildeo da mesma destruindo seu capital ao agirem em benefiacutecio proacuteprio a fim de
obterem vantagens financeiras
Criado no contexto das reformas pombalinas a Companhia natildeo conseguiraacute renovar
seu contrato de exclusivo comercial sendo este extinguindo no ano de 1780 Naquele
momento a metroacutepole jaacute estava sob o comando de uma nova soberana Dona Maria I e
Pombal jaacute estava afastado do centro decisoacuterio Inicia-se entatildeo um novo movimento poliacutetico-
administrativo em Portugal conhecido na historiografia como ldquoa viradeirardquo Nesta nova
conjuntura jaacute natildeo havia espaccedilo para a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba que natildeo
chegou a alcanccedilar os nuacutemeros esperados pelo Reino e foi durante toda sua existecircncia alvo de
criacuteticas das populaccedilotildees locais Voltava entatildeo o comeacutercio na capitania a ser livre fazendo
dessa forma minorar o grande fluxo extralegal alvo deste estudo
167
REFEREcircNCIAS
ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria
Briguiet1960
AIZPURUA AGUIRRE Ramoacuten ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la
lancha San Fernando y de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista
de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5 Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San
Sebastiaacuten p 379-392 2006
A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista
brasileira de Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197
ALENCASTRO Luiz Felipe de O trato dos viventes formaccedilatildeo do Brasil no Atlacircntico
Sul Satildeo Paulo Companhia das Letras 2000
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas -
As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p
34-53 janjul 2013
ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de
Pernambuco no seacuteculo XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria
da escravidatildeo em Pernambuco Editora UniversitaacuteriaU-FPE 2012
ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os
acossamentos de Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII)
Rev Bras Hist [online] 2015 vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016
ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria
Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980
ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec
2004
BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na
administraccedilatildeo da monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO
Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no
impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo
Brasileiro (1783 ndash 1822) Guarapuava Unicentro 2014
168
BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores
e Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da
Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII Recife 2012 Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de
Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas da Universidade
Federal de Pernambuco
BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia
das letras 2002
CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito
Santo do seacuteculo XIX Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de
Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003
CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do
Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996
CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e
Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982
CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-
1850 Recife Editora da UFPE 2002
CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica
Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006
CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a
administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016
vol15 n2
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa
na Buenos Aires colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248
janjun 2009
CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en
Venezuela durante el siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997
CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do
territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v 43 n1 p 100-120 2016
COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do
Interior e Justiccedila 1951-1966 v 6
169
CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica
portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n
39 p001-030 jan-abr 2016
DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas
Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume 282
DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In
Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-
camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013
DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os locais uma anaacutelise da
correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania de
Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei
SOUZA George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo
atlacircntico Recife Editora Universitaacuteria da UFPE 2012
DIAS Manuel Nunes Fomento Ultramarino e Mercantilismo a companhia geral do Gratildeo-
Paraacute e Maranhatildeo (1755-1778) (XIII) Revista de Histoacuteria Brasil v 41 n 83 p 73-94 apr
2017
FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto
de conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social
costumeira (Rio de Janeiro 1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima
(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-
XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
FERREIRA Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial
ultramarino portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama
das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro
Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico
cultura e transgressatildeo na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado
em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias humanas Universidade Federal de Pernambuco
Recife
GINZBURG Carlo Relaccedilotildees de forccedila Histoacuteria retoacuterica prova Satildeo Paulo Companhia
das letras 2002
GINZBURG Carlos Sinais raiacutezes de um paradigma indiciaacuterio In___ Mitos emblemas e
sinais - Morfologia e Histoacuteria Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989 P 143-180
170
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo
portuguecircs c 1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na
trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de
Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Poder Poliacutetico e administraccedilatildeo na formaccedilatildeo do complexo
atlacircntico portuguecircs (1645-1808)In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) O
Antigo Regime nos troacutepicos ndash A dinacircmica Imperial Portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio
de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional
History University Press of Virginia 2ordf ed 1994
HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash
Seacutec XVII Coimbra Almedina 1994
HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do
impeacuterio colonial portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na
trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de
Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
HESPANHA AM A constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos
correntes In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda
(Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash
XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
HESPANHA Antonio Manoel Caleidoscoacutepio do Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda
2012
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos
sertotildees da Ameacuterica Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012
JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de
ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de
Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos
XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo
Hucitec 1976
JUacuteNIOR Miguel Dieacutegues As Companhias Privilegiadas no comeacutercio colonial Revista de
Histoacuteria Brasil v 1 n 3 p 309-336 sep 1950
171
KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica
(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez
2009
KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e
a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida
(Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba
UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009
KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da
Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de
Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005
KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos
histoacutericos Rio de Janeiro Contraponto Ed Puc-Rio 2006
KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da
Prata 1730-1752) Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017
LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime
na Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral
(Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX
Satildeo Paulo Alameda 2005
MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute e Rio Grande catequese
violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22
MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la
defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia
hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten
Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P
9-52 2006
MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz
e Terra 1996
MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio
Pernambucano (1738-1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966
MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas
de Joseacute Barreto Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII
172
MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil
GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001
MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003
MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites
Buenos Aires em el siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988
NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco
(seacuteculo XVIII) Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003
NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo
Horizonte Editora UFMG 2011
NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)
Satildeo Paulo Hucitec 1995
OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria
conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria
Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de
Histoacuteria Recife 2016
PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil
(1765-1801) a caccedila ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos
Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias Sociais Universidade de Lisboa Lisboa
PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da
cacircmara da Bahia (seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia
Amaral (Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash
seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005
PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008
PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo
XVIII Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001
PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a colonizaccedilatildeo do sertatildeo
nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004
RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias
do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel
em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017
173
ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas
na Vila de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais
do XXVI Simpoacutesio Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011
SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo
nos quadros do Impeacuterio portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O
Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio
de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001
SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da
Mina e a Capitania de Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P
Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Setor de Ciecircncias
Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute
SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das
letras 2013
SCHWARTZ Stuart B Segredos Internos ndash Engenhos e escravos na sociedade colonial
Satildeo Paulo Companhia das Letras 1988
SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral
da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P
42-53 JanJun 2003
SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro
(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002
SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do
Recife agrave poliacutetica pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de
Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005
SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica
portuguesa do seacuteculo XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006
SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa
EDIUAL2007
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de
Pernambuco pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010
174
APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS
Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos de Pernambuco
AHU ndash PE Cx 88 D 7150
AHU ndash PE Cx 95 D7497
AHU ndash PE Cx 95 D 7501
AHU ndash PE Cx 107 D 8312
AHU ndash PE Cx 127 D 9670
AHU ndash PE Cx128 D 9737
AHU ndash PE Cx 138 D 10248
AHU ndash PE Cx 107 D 8284
AHU ndash PE Cx 108 D 8371
AHU ndash PE Cx 110 D 8493
AHU ndash PE Cx 117 D 8954
AHU ndash PE Cx 120 D 9196
AHU ndash PE Cx 121 D 9245
AHU ndash PE Cx 122 D 9339
AHU ndash PE Cx 127 D 9656
AHU ndash PE Cx 129 D 9771
AHU ndash PE Cx 129 D 9792
AHU ndash PE Cx 130 D 9815
AHU ndash PE Cx 130 D 9815
AHU ndash PE Cx 130 D 9823
AHU - PE Cx 130 D 9823
AHU ndash PE Cx 130 D 9830
AHU - PE Cx 130 D 9966
AHU ndash PE Cx 131 D 9853
AHU ndash PE Cx 131 D 9892
AHU ndash PE Cx 132 D 9955
AHU ndash PE Cx133 D 9966
AHU - PE Cx 133 D 10003
AHU ndash PE Cx 133 D 10009
AHU ndash PE Cx 133 D 10012
175
AHU ndash PE Cx 133 D 10012
AHU ndash PE Cx 133 D 10017
AHU - PE Cx 136 D 10147
AHU ndash PE Cx 137 D 10197
AHU - PE Cx 137 D 10234
AHU ndash PE Cx 138 D 10250
AHU - PE Cx 142 D 10475
AHU ndash PE Cx 151 D 9853
Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Bahia
AHU - BA Cx 138 D 10248
AHU ndash BA Cx 181 D 13481
Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Alagoas
AHU ndash AL Cx 3 D 221
AHU ndash AL Cx 3 D 220
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2
nordm 3 cx 2
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2
nordm 6 cx 2
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm
4 cx 1 f 7
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1
Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros
Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo
IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010
Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo
IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060
Acervo especial para Pernambuco da Biblioteca Nacional
176
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco
(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
Fontes impressas
BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da
Companhia de Jesus Ano de 1712
Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO
Antonio de Mariz Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil
Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por
Manoel da Sylva 1655
Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo
General da Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V
XXXII1910 p 442
Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI
AGRADECIMENTOS
Primeiramente gostaria de agradecer a meus pais Luacutecia e Risomar por terem sempre
escolhido investir na minha educaccedilatildeo apesar e acima de tudo Reconheccedilo e agradeccedilo
sinceramente o esforccedilo realizado por eles para que eu tivesse uma boa base educacional
Agradeccedilo ainda a eles e aiacute incluo tambeacutem minha irmatilde Amanda pelo apoio carinho e
incentivo ao longo desta jornada mesmo sem compreender muito bem as dinacircmicas do
universo acadecircmico eles sempre estiveram ao meu lado dispostos a ajudar no que fosse
possiacutevel
Ao meu namorado Flaacutevio meu principal entusiasta que esteve comigo e me apoiou
durante todo este processo Agradeccedilo por acreditar no meu projeto por vezes ateacute mais do
que eu por natildeo me deixar fraquejar e pelo constante incentivo para que eu me torne o melhor
que eu posso ser
Aos meus padrinhos Socorro e Carlos com os quais eu sempre pude contar
A minha querida orientadora Profordf Suely Almeida se nossos caminhos natildeo tivessem
se cruzado haacute alguns anos atraacutes natildeo sei se seria capaz de chegar ateacute aqui Suely tem sido meu
esteio acadecircmico sem ela tudo seria muito mais difiacutecil Meus sinceros agradecimentos pela
confianccedila construiacuteda ao longo desses anos de trabalho juntas e por ser essa figura humana
sempre preocupada com meu bem estar acima de qualquer prazo ou cobranccedila Pensar em
seguir a vida acadecircmica sem sua orientaccedilatildeo eacute uma ideia que ainda estou tentando digerir
Muito obrigada Su
A Josinaldo Sousa e Suzana Veiga meus companheiros de linha Ao primeiro meu
amigo da capitania anexa agradeccedilo pelo apoio dicas e apontamentos que contribuiacuteram e
muito para construccedilatildeo deste trabalho e por partilhar os aperreios e cobranccedilas tiacutepicos de
mestrandos Suzana menina da risada frouxa agradeccedilo por compartilhar sua experiecircncia e
dar suporte sempre que preciso Nossos momentos ldquotapioca com cafeacuterdquo poacutes-aula tornaram
todo o processo mais leve e tranquilo Sentirei saudades Aos meus colegas de orientaccedilatildeo
antigos e novos Raphael Luanna Mariely Jesanias e Marcelo eacute sempre bom trocar ideias
com vocecircs Aos demais colegas que o mundo atlacircntico me apresentou seja na UFPE ou na
UFRPE tambeacutem agradeccedilo
Agradeccedilo a professora Jeannie Meneses profissional e pessoa por quem nutro
profunda admiraccedilatildeo e carinho e que sempre esteve presente durante minha trajetoacuteria
acadecircmica se prontificando a ajudar no fosse necessaacuterio Obrigada pelas numerosas
contribuiccedilotildees feitas ao texto preliminar deste trabalho sobretudo as orientaccedilotildees quanto agraves
questotildees juriacutedicas
Ao professor Rocircmulo Xavier profissional que estimo e que tive o prazer de conhecer
no primeiro semestre do curso e que tambeacutem contribuiu com importantes recomendaccedilotildees
durante a qualificaccedilatildeo para construccedilatildeo deste texto final Aos demais professores do
PPGHUFPE com quem cursei disciplinas Marcus Carvalho George Cabral Joseacute Bento e
Cristiano Christillino tambeacutem agradeccedilo as contribuiccedilotildees diretas e indiretas
Aos meus amigos de graduaccedilatildeo que continuam me acompanhando e tornando menos
aacuterido o caminho Pedro Boguel Benvinda Ceci Polli Beto Sid e Deacutea obrigada pela
amizade e por entenderem minhas ausecircncias Agradeccedilo especialmente a Mirella e famiacutelia
Dona Maacutercia e Wagner por terem aberto seu lar para mim durante o periacuteodo que cursei as
disciplinas e pelo apoio e carinho que sempre recebi de todos eles
As minhas amigas de infacircncia Mariana Aretha Tuanny e Illyanna que hoje estatildeo
dispersas pelo mundo obrigada por se fazerem presentes mesmo na distacircncia
Agradeccedilo a Sandra e a Patriacutecia da secretaria do Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em
Histoacuteria da UFPE pela competecircncia e disposiccedilatildeo em ajudar sempre que possiacutevel os alunos
Aos funcionaacuterios do arquivo do Instituo de Estudos Brasileiros - IEB da USP pela
solicitude com que me receberam e por me permitirem o acesso aos manuscritos originais
Ao Cnpq pela bolsa que tornou possiacutevel a realizaccedilatildeo deste trabalho
A todos que contribuiacuteram direta ou indiretamente na construccedilatildeo deste trabalho meu
muito obrigado
RESUMO
Nosso trabalho busca analisar o comeacutercio de mercadorias que se desenvolveu durante os anos
de 1759 a 1780 entre as capitanias de Bahia e Pernambuco Nosso marco cronoloacutegico inicia-
se em 1759 ano em que foi instalada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba detentora
do monopoacutelio comercial da regiatildeo A empresa criada na segunda metade do XVIII vinha
atender a uma nova ordem administrativa ligada agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila
que se buscou estabelecer em Portugal e que tinham por objetivo uma maior centralizaccedilatildeo do
poder real bem como um maior domiacutenio econocircmico sobre as conquistas e colocircnias O
monopoacutelio desenvolvido pela Companhia durante pouco mais de vinte anos veio alterar toda
uma loacutegica comercial que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco Nosso ponto de
anaacutelise parte da identificaccedilatildeo de que a partir da instalaccedilatildeo da Companhia Geral os locais iratildeo
buscar estrateacutegias de evasatildeo do controle reacutegio um desses meios de fuga seraacute o contrabando de
mercadorias realizado atraveacutes dos caminhos sertanejos que uniam Pernambuco e Bahia bem
como por meio da navegaccedilatildeo direta via Costa mariacutetima entre as capitanias vizinhas
Procederemos entatildeo a anaacutelise das rotas produtos casos e medidas repressivas empregadas
neste tipo de negoacutecio Antes da instalaccedilatildeo da Companhia as transaccedilotildees comerciais entre as
duas praccedilas jaacute existiam e estavam bem consolidadas no entanto a partir da criaccedilatildeo da
empresa esse comeacutercio acaba ganhando expressividade
Palavras-chave Contrabando Comeacutercio interno Rotas comerciais
ABSTRACT
Our work aims to analyze aspects of the trade in goods that were developed during the years
from 1759 to 1780 between the captaincies of Bahia and Pernambuco Our chronological
boundary begins in 1759 when the General Company of Pernambuco and Paraiacuteba was
installed holding the monopoly of the regionrsquos markets The company created in the second
half of the XVIII century was to attend to a new administrative order connected to more
pragmatic issues of governance sought to be established in Portugal which by its turn
aimed at a greater centralization of the royal power as well as a greater economic dominance
over the conquests and Colonies The monopoly developed by the Company for a little more
than twenty years changed a whole commercial logic which was already well established in
Pernambuco Our focus of analysis starts with the identification that since the creation of the
General Company the commercial sites would seek strategies to evade royal domain One of
these means of escape were the contraband of goods carried out mainly through the
hinterlands paths that linked Pernambuco and Bahia as well as through the direct navigation
via the marine coast shared by neighboring captaincies We will then proceed with an
analysis of the routes products cases and repressive measures employed in this type of trade
Before the creation of the Company commercial transactions between the two markets
already existed and were well established However since the creation of the company its
traded ends up gaining more expressiveness
Keywords Contraband Domestic trade Commercial routes
LISTA DE MAPAS
Mapa 1- Caminhos do Gado para Olinda e Recife 46
Mapa 2- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738) 47
Mapa 3- Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738) 48
Mapa 4- Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 57
Mapa 5- Detalhe do roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha 66
Mapa 6- Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766) 67
LISTA DE TABELAS
Tabela 1- Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau
Amarelo) 76
Tabela 2- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia
(Sirinhaeacutem) 77
Tabela 3- Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una) 80
Tabela 4- Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas 84
Tabela 5- Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos
portos do Brasil 85
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AHU ndash Arquivo Histoacuterico Ultramarino
ANTT ndash Arquivo Nacional da Torre do Tombo
IEB-USP ndash Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros
Cx ndash Caixa
D ndash Documento
SUMAacuteRIO
1 INTRODUCcedilAtildeO12
2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO32
21 Contexto e conceitos32
22 Os caminhos43
3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE
PRODUTOS75
31 As mercadorias75
32 Os casos86
33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas127
4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA131
41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas131
42ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de
autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos144
43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70153
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS164
REFEREcircNCIAS167
APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS174
12
1 INTRODUCcedilAtildeO
Em fins do seacuteculo XVII e iniacutecio do XVIII iraacute ocorrer em vaacuterias partes da Europa um
processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real Em Portugal esse movimento tem iniacutecio a
partir do reinado de D Joatildeo V naquele momento as consultas colegiais marca do governo
polissinodal iratildeo ceder espaccedilo para uma nova forma de organizaccedilatildeo baseada na centralidade
das decisotildees Dessa forma figuras que orbitavam ao redor do rei ganham notoriedade poliacutetica
e poder de influecircncia em assuntos decisoacuterios em detrimento dos conselhos Este periacuteodo de
mudanccedilas seraacute entendido como um encaminhamento lento e gradual de abandono de um
modelo de Estado corporativo para uma forma distinta de se conceber a poliacutetica a partir do
vieacutes da ldquorazatildeo de Estadordquo 1
De acordo com Subtil o governo de D Joatildeo V pode ser encarado como um reinado de
transiccedilatildeo2 a grande transformaccedilatildeo do sistema poliacutetico portuguecircs iraacute se operar apenas na
segunda metade do seacuteculo a partir da nomeaccedilatildeo de Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho e Melo ndash
Conde de Oeiras o futuro marquecircs de pombal para o cargo de primeiro ministro do reino
durante o reinado de D Joseacute I O terremoto seguido dos incecircndios e da grande onda que
assolaram a capital lisboeta no ano de 1755 tiveram impacto sob a organizaccedilatildeo poliacutetica e
administrativa do reino tornando necessaacuteria a criaccedilatildeo de mecanismos que assegurassem o
exerciacutecio da governaccedilatildeo real dentro de um quadro de caos3
Sob a influecircncia do iluminismo que se disseminava por toda a Europa o Estado
portuguecircs iraacute desenvolver um conjunto de reformas poliacuteticas e fiscais que buscavam combater
o atraso econocircmico do reino que passava por uma queda na produccedilatildeo do ouro brasileiro4middot
Dentro desse contexto foram postas em accedilatildeo poliacuteticas com o intuito de revitalizar o comeacutercio
portuguecircs Na capitania de Pernambuco importante polo econocircmico da conquista essas accedilotildees
seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois organismos reguladores da economia local
a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio criado no ano de 1752 e a Companhia
Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759
1 BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da
monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima
(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro
Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 353-334 2 SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa EDIUAL2007 p 17-21
3 Ibidem P 11-14
4 BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia das letras 2002 P
195
13
A ideia da criaccedilatildeo de companhias privilegiadas de comeacutercio que poderiam dar aliacutevio
as despesas do Estado servindo para ampliar os negoacutecios da Coroa por meio de uma poliacutetica
de maior arrecadaccedilatildeo fiscal 5 figurava nas ambiccedilotildees de Pombal muito antes do secretaacuterio
ganhar relevacircncia poliacutetica Em seu primeiro cargo como enviado extraordinaacuterio da Corte
portuguesa na Inglaterra Sebastiatildeo de Carvalho enviou em 1742 para o Cardeal Mota
proposta de criaccedilatildeo de uma Companhia Oriental para o comeacutercio da Iacutendia que teria por
objetivo ldquotirar proveito das possessotildees portuguesas da Iacutendia que tanto custavam manterrdquo 6
De acordo com o historiador Kenneth Maxwell o marquecircs buscou resgatar o ldquocontrole
nacional sobre todas as riquezas que fluiacuteam para Lisboardquo 7 se utilizando de foacutermulas que havia
tomado conhecimento sobretudo na Gratilde-Bretanha e na Aacuteustria Natildeo eacute de se espantar
portanto que tempos depois Pombal tenha posto em praacutetica no Brasil tal ideia durante o
governo de D Joseacute I quando o mesmo passou a exercer o papel de secretaacuterio de Estado e
negoacutecios do Reino
Dentre as companhias comerciais criadas pelo marquecircs ao longo desse periacuteodo
destacam-se A Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo no ano de 1755 a Companhia da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro em 1756 A Companhia Geral de Pernambuco e
Paraiacuteba no ano de 1759 e por fim a Companhia das Pescas Reais do Reino do Algarve em
1773 Estas Companhias compartilhavam entre si princiacutepios gerais similares em termos
juriacutedicos e administrativos apesar de cada uma delas conter suas peculiaridades
Vale destacar ainda que aleacutem das Companhias que de fato saiacuteram do papel existiram
vaacuterios outros planos de constituiccedilatildeo de empresas privilegiadas que por um ou outro motivo
natildeo caminharam pra frente Para Pernambuco desde o governo de D Joatildeo V existiam
pretensotildees de se fundar uma Companhia que atuasse exclusivamente no trato negreiro 8 Esta
empresa seria controlada pelos mercadores da terra deixando pouco espaccedilo para atuaccedilatildeo dos
homens de negoacutecio do Reino e tambeacutem dos comerciantes baianos natildeo existia a intenccedilatildeo de
integrar os homens de negoacutecio baianos a tal corporaccedilatildeo O projeto da Companhia tinha como
5JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de Pernambuco
e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 74 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo
da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e
sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-
camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013 P 1 6MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas de Joseacute Barreto
Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII 7 MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz e Terra 1996 P
95 8 JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 77
14
objetivo aumentar o comeacutercio que jaacute se praticava com as aacutereas africanas de Angola Benguela
Cabinda e Ajudaacute favorecendo dessa forma o aumento da entrada de escravos na capitania 9
Em conjunto a esta proposta os comerciantes de Pernambucano lanccedilaram outra ao
Reino a da criaccedilatildeo de uma Companhia destinada a explorar o comeacutercio de carnes secas e
couros do sertatildeo ou seja uma companhia voltada para o comeacutercio interno com finalidade de
aumentar a produccedilatildeo colonial Os colonos sabiam da boa disposiccedilatildeo do Reino na criaccedilatildeo de
companhias quando encaminham suas propostas o que lhes eacute omitido eacute que Pombal jaacute
pensara a criaccedilatildeo de uma companhia para a regiatildeo no entanto tratava-se de uma companhia
que privilegiasse os comerciantes reinoacuteis e natildeo o contraacuterio como pretendiam os comerciantes
de Pernambuco Motivo pelo qual nenhuma das duas propostas vingou 10
De acordo com Fernando Novais eacute durante o consulado pombalino que iraacute se
estruturar de maneira mais abrangente a economia mercantilista de Portugal A essecircncia
econocircmica por traacutes da criaccedilatildeo das Companhias exclusivistas baseava-se em uma foacutermula jaacute
bem conhecida na Europa moderna onde o Reino concedia privileacutegios ao capital particular
para que esse investisse e sustentasse o sistema de comeacutercio e navegaccedilatildeo dos complexos
imperiais ultramarinos restando claro uma parte dos lucros para a fazenda de Sua Majestade
11
Junto a esse processo de mudanccedilas econocircmicas inicia-se tambeacutem um periacuteodo de maior
preocupaccedilatildeo com a defesa do territoacuterio a partir da criaccedilatildeo de ldquolinhas de definiccedilatildeo territorial e
preservaccedilatildeo das fronteirasrdquo 12
Essa poliacutetica esteve relacionada tambeacutem com a tentativa do
Reino de minimizar a atuaccedilatildeo de mercadores estrangeiros nos mercados do conjunto imperial
portuguecircs A fundaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba aleacutem de atender a
loacutegica econocircmica do periacuteodo esteve ligada a necessidade de se coibir o comeacutercio da capitania
Pernambucana com os portos africanos da Costa da Mina O comeacutercio de resgate de escravos
na Costa da Mina constituiacutea-se em uma importante e lucrativa rota para os comerciantes de
Pernambuco e Bahia que dominavam e disputavam este setor mercantil para aquela regiatildeo
deixando pouca ou nenhuma brecha para a inserccedilatildeo da Coroa 13
9 DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In Congresso
internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 7 10
Ibdem p 8 JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 80 11
NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo
Hucitec 1995 P 136 12
Idem 13
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre
Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 P35
15
Esta situaccedilatildeo eacute evidenciada atraveacutes de instruccedilatildeo enviada para o Marquecircs de Valenccedila
pelo secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar Martinho de Mello e Castro em 1779 Ela
esclarece sobre os ldquograviacutessimos inconvenientes ao Reinordquo 14
de abandonar inteiramente o
comeacutercio da ldquoCosta da Mina nas matildeos dos Americanosrdquo 15
e em particular ldquoaos habitantes da
Bahia e Pernambucordquo 16
que segundo a fonte navegavam com ampla liberdade comercial em
todos ldquoos portos daquele continenterdquo 17
Os comerciantes do Reino inclusive careciam de
ldquoprivileacutegios graccedilas ou isenccedilotildees para que na concorrecircncia com os Americanos na Aacutefricardquo 18
pudessem ter os lusos como se espera que a capital e seus habitantes tivessem a preferecircncia
nas transaccedilotildees em relaccedilatildeo a suas colocircnias19
A instruccedilatildeo demonstra o pouco controle do Reino sobre os negoacutecios entre Brasil e
Costa da Mina principalmente porque desde 1637 os holandeses aleacutem de outras aacutereas no
continente africano controladas por Portugal dominavam o Castelo de Satildeo Jorge da Mina
Um dos maiores problemas deste comeacutercio eram os produtos levados do Brasil e que se
empregavam nas compras de escravos daquela regiatildeo ouro e tabaco Na tentativa de superar
essa barreira e exercer maior controle sobre a regiatildeo o governo portuguecircs passou a promulgar
uma seacuterie de leis alvaraacutes e regimentos tentando coibir este comeacutercio tatildeo prejudicial ao Eraacuterio
Reacutegio 20
No entanto todas as medidas empreendidas natildeo se mostraram suficientes para conter o
grande e generalizado contrabando praticado na regiatildeo Excluiacutedos do processo e frustrados em
suas tentativas de coibiccedilatildeo da traficacircncia os portugueses buscaram novas formas de controle
que tinham como principal objetivo o redirecionamento do comeacutercio humano para os portos
de Angola que por ser tratar de uma conquista portuguesa contava com um maior nuacutemero de
funcionaacuterios e aparato fiscalizador 21
Nesse cenaacuterio eacute pensada a criaccedilatildeo de uma Companhia privilegiada para operar em
Pernambuco atuando de acordo com as prerrogativas reais o comeacutercio de escravos praticado
14
Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo General da
Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V XXXII1910 p 442 15
Idem 16
Idem 17
Idem 18
Idem 19
Idem 20
SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da Mina e a Capitania de
Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo
em Histoacuteria Setor de Ciecircncias Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute 21
Ibidem P 86
16
por ela deveria priorizar as rotas com a Aacutefrica Centro-Ocidental 22
dessa forma acreditavam
as autoridades que metade do problema do contrabando estaria resolvido restando ainda
resolver a questatildeo na capitania baiana O capital inicial previsto para a empresa era de
3400000 cruzados e as accedilotildees poderiam ser pagas com dinheiro gecircneros ou navios
Diante das dificuldades encontradas para compor o capital da empresa que ateacute o ano
de 1774 contava com acionistas que ainda natildeo tinham integralizado o valor total de suas
accedilotildees a Coroa recorreu em auxiacutelio concedendo-lhe empreacutestimos a juros de 4 ao ano 23
A
Companhia foi fundada oficialmente atraveacutes de alvaraacute reacutegio do ano de 1759 mas a primeira
frota soacute sairia um ano mais tarde Com o objetivo de fazer prosperar a agricultura da regiatildeo de
Pernambuco fornecendo um suprimento regular de matildeo-de-obra escrava bem como atuando
na compra e exportaccedilatildeo dos produtos coloniais e transportando atraveacutes de frotas regulares as
mercadorias do Reino para a regiatildeo 24
O monopoacutelio sobre a compra e venda de produtos nas capitanias de Pernambuco e
Paraiacuteba e todos seus distritos teriam a duraccedilatildeo de vinte anos podendo apoacutes esse prazo ser
estendido por um periacuteodo de dez anos Os produtos transportados de laacute praacute caacute foram os
manufaturados envolvendo ferramentas variados tipos de utensiacutelios gecircneros alimentiacutecios
medicamentos e escravos De caacute praacute laacute accediluacutecar cacau madeiras algodatildeo corantes tabaco
couro e atanados e variadas especiarias As trocas se davam em Bissau Cacheacuteu Cabo Verde
Costa da Mina Angola Madeira Accedilores e alguns portos da Iacutendia e da Aacutesia 25
Quanto a sua gestatildeo a empresa era composta por uma junta administrativa sediada em
Lisboa e formada por provedor 10 deputados um secretaacuterio e trecircs conselheiros Possuiacutea duas
sedes subalternas uma em Pernambuco e outra na cidade do Porto contavam na direccedilatildeo cada
uma com um intendente e seis deputados Aleacutem das duas diretorias e da sede a Companhia
possuiacutea ainda administraccedilatildeo ou procuradoresrepresentantes na Paraiacuteba Rio de Janeiro Bahia
Fayal e Satildeo Miguel 26
22
A Companhia tambeacutem operou na rota PernambucoCosta Da Mina no entanto o maior fluxo da atividade
negreira durante o periacuteodo da sua operaccedilatildeo esteve direcionada para os portos Angolanos O comeacutercio com a
Costa da Mina natildeo chegou a desaparecer mas perdeu significativa relevacircncia neste periacuteodo Sobre isto ver
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de Op Cit 23
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit p 92 -93 24
DIAS Eacuterika Op Cit p 17 25
Idem 26
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro P 83-86
17
Como podemos observar o engajamento de Portugal com as Companhias privilegiadas
se daraacute de forma efetiva a partir do governo de D Joseacute I e da administraccedilatildeo pombalina 27
Estas empresas foram pensadas e criadas para atuarem junto a uma seacuterie de outras medidas
racionalizadoras da economia portuguesa Apesar das circunstacircncias peculiares que levaram a
criaccedilatildeo de cada uma das Companhias em todos os casos ela esteve relacionada com a
necessidade de regulaccedilatildeo do comeacutercio seja para inibir a atuaccedilatildeo do contrabando a
participaccedilatildeo de comerciantes estrangeiros ou simplesmente a fim de canalizar de maneira
mais eficaz os lucros do comeacutercio colonial para a metroacutepole
Para natildeo nos restringirmos apenas a exemplos da Ameacuterica Portuguesa e a tiacutetulo de
comparaccedilatildeo bibliograacutefica faremos um paralelo com a Companhia Guipuzcoana de Caracas
Os caminhos que levaram a criaccedilatildeo da Companhia Venezuela satildeo bastante similares ao caso
portuguecircs A Espanha assim como Portugal demorou a se lanccedilar no empreendimento das
Companhias privilegiadas apesar do Reino jaacute ter tomado ciecircncia que o sistema de frotas
adotado ateacute o XVII era incapaz de assegurar a hegemonia da Coroa sobre suas colocircnias e de
jaacute haver planos para constituiccedilatildeo de sociedades exclusivistas estas soacute tomaram corpo no
XVIII 28
Sofria entatildeo os domiacutenios ultramarinos com o comeacutercio de contrabando praticado por
diversos paiacuteses sobretudo por ingleses franceses e holandeses A guerra de sucessatildeo ao trono
espanhol acabou por maximizar a penetraccedilatildeo de naccedilotildees estrangeiras nos mercados espanhoacuteis
da Ameacuterica os franceses chegaram mesmo a monopolizar o comeacutercio de abastecimento em
algumas regiotildees Esse processo foi possiacutevel devido ao isolamento em que se encontrava a
metroacutepole de suas colocircnias dado o estado de guerra na Europa 29
Outra medida que iraacute refletir negativamente na economia reinol seraacute a praacutetica do
comeacutercio direto entre as colocircnias espanholas isto porque durante os longos periacuteodos em que
27
Apesar do Reino de ter criado outras Companhias ao longo do seacuteculo XVII estas natildeo obtiveram resultados
expressivos economicamente Esse tipo de estrutura bem como a adesatildeo definitiva de Portugal as Companhias
privilegiadas soacute iraacute se estabelecer no seacuteculo XVIII a partir do reinado de D Joseacute I junto a um grande esforccedilo
Portuguecircs para recuperaccedilatildeo da sua economia Vale salientar que neste momento outras naccedilotildees europeias jaacute
buscavam novas formas de dinamizar seus negoacutecios e findavam a atuaccedilatildeo de boa parte de suas Companhias
exclusivistas Na Inglaterra a revoluccedilatildeo industrial comeccedilava a dar seus primeiros passos o regime de
exclusivismo jaacute natildeo atendia mais as necessidades daquele tipo de economia que agora necessitava de novos
mercados consumidores Essa divergecircncia de tendecircncias econocircmicas iraacute gerar uma seacuterie de conflitos entre os
Estados europeus ao longo do XVIII Sobre isto ver NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do
antigo sistema colonial (1777-1808)Satildeo Paulo Hucitec 1995 28
Sobre isto ver MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la
defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los
reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones
Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P 9-52 2006 29
Idem
18
o Reino esteve envolto nas disputas beacutelicas europeias os colonos agindo por conta proacutepria
afastados da tutela da Coroa desenvolveram redes comerciais internas deixando a Espanha
fora dessas negociaccedilotildees De acordo com os dados trabalhados pelo historiador Ricardo
Cierbide Martinera ldquoentre 1706 y 1724 no salioacute para Venezuela barco algunordquo 30
vindo do
Reino
Com a ascensatildeo de Felipe V ao trono o Reino espanhol se encaminhou para um
processo de mudanccedilas que levou a uma maior centralizaccedilatildeo do poder real e uma maior
racionalizaccedilatildeo do estado e das financcedilas incluindo a ampliaccedilatildeo do domiacutenio econocircmico sobre
suas conquistas no Atlacircntico Sul Devido agrave debilidade de controle sobre o comeacutercio
americano a ideia de criaccedilatildeo de Companhias privilegiadas inspiradas nos modelos praticados
em Franccedila e Inglaterra surge como alternativa possiacutevel para retomada do poder sobre
determinadas aacutereas
Uma das grandes preocupaccedilotildees da Coroa dizia respeito ao vultoso contrabando
praticado em seus domiacutenios A escolha pela Venezuela se deu pelo fato da colocircnia jaacute ter uma
consideraacutevel experiecircncia no cultivo e comeacutercio do cacau o fruto como explicita o historiador
Carlor Manrique era um importante produto de consumo dos mercados europeus e a regiatildeo
de Caracas jaacute havia ganhado fama pelo seu insumo de boa qualidade Dessa forma ldquolos
monarcas espantildeoles teniacutean muy presente la necesidad de volver a ejercer control sobre esta
proviacutenciardquo 31
usufruindo dos lucros de tal setor
Nasce assim em 1728 a Companhia de Comeacutercio de Caracas conhecida tambeacutem como
Companhia Guipuzcoana de Caracas Entre seus principais objetivos estavam o de suprir a
demanda metropolitana de cacau produto no qual a Companhia exerceria monopoacutelio e
defender as costas da regiatildeo dos contrabandos e da presenccedila militar de outras naccedilotildees
europeias Aleacutem disso a empresa tambeacutem incentivava o cultivo de novas plantaccedilotildees a
criaccedilatildeo de gados o cultivo do tabaco de plantas tintoras entre outras coisas 32
Com a criaccedilatildeo da Companhia a proviacutencia se torna a mais rentaacutevel para a Coroa
ademais o problema com o contrabando diminuiu consideravelmente O ecircxito da empresa
animou tanto o Reino que fez com que este posteriormente fundasse outras companhias para
atuar em diferentes aacutereas de seu Impeacuterio Ultramarino Mas a empresa natildeo agradou a todos A
30
CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en Venezuela durante el
siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997 P 66 31
MANRIQUE Carlos Alberto MurgueitioOp Cit P 13 32
CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit P 70
19
monopolizaccedilatildeo do comeacutercio de cacau iraacute causar grande descontentamento nas populaccedilotildees
locais que jaacute estavam bem habituadas a praacutetica do livre comeacutercio 33
A supressatildeo do livre comeacutercio a partir da fundaccedilatildeo de Companhias exclusivistas de
maneira geral ocasionaraacute uma seacuterie de criacuteticas por parte das povoaccedilotildees locais no caso das
Companhias Pombalinas natildeo seraacute diferente As queixas representaccedilotildees e insurreiccedilotildees foram
uma maacutexima comum nas empresas monopolistas portuguesas deste periacuteodo os protestos
grosso modo questionavam tanto o exclusivo comercial praticado pelas empresas como a maacute
atuaccedilatildeo das administraccedilotildees locais como veremos adiante
Durante a atuaccedilatildeo da Companhia Venezuelana os motins e revoltas foram frequentes
Isto porque o modelo protecionista adotado pela Companhia acabou por beneficiar o mercado
metropolitano em detrimento do colonial que perdeu focirclego As baixas no preccedilo do cacau e
de outras mercadorias base da economia local aleacutem da forma como a Companhia conduzia
seus negoacutecios pagando aos fornecedores locais em produtos ndash relatados pelos locais como de
maacute qualidade - e natildeo em dinheiro acabaraacute por levar a ruiacutena muitos produtores 34
A situaccedilatildeo
para os comerciantes da Praccedila tambeacutem natildeo era muito satisfatoacuteria estes amargaram muitos
prejuiacutezos com a praacutetica monopolista
Em 1751 tem iniacutecio uma grande insurreiccedilatildeo popular lidera por Juan Francisco de
Leoacuten que convoca o povo a declarar guerra contra a Companhia O movimento que comeccedila
como um ato de contestaccedilatildeo contra o monopoacutelio da empresa acaba ganhando forccedila e se
transforma em um ato de insurreiccedilatildeo contra o poder metropolitano A pauta dos revoltosos
girava em torno da ldquoescasez constante de artiacuteculos como ropas frutos y efectos de Espantildea el
elevado precio de las mercanciacuteas la extraccioacuten sectorizada de ciertos productos como el
cacao y el tabaco y el rechazo frente a otros como el corambre ()rdquo 35
Durante o motim os
insurretos contaram com a ajuda da Holanda que interessada em reestabelecer antigas
relaccedilotildees comerciais forneceu armamentos e municcedilotildees em troca de cacau
A revolta seraacute suprimida no ano seguinte 1752 no entanto seus efeitos tiveram
impacto sob a Companhia que paulatinamente foi perdendo privileacutegios e benesses
anteriormente concedidas pela Monarquia Espanhola Devido agrave guerra que se desenrolava
entre as naccedilotildees europeias naquele momento a Coroa opta por natildeo entrar em conflito direto
33
Ver CIERBIDE Ricardo Martinena Op Cit MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit 34
MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la defensa del comercio
Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V
Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad
Catoacutelica Andreacutes Bello P 19 35
Ibidem P 20
20
com suas colocircnias De acordo com Carlos Manrique a insurreiccedilatildeo colocou em cheque os
poderes absolutos do monarca ldquoAl no defender a la Compantildeiacutea y al dejar avanzar los reclamos
de los colonos cimentaba las bases del colapso de su iniciativa centralizadora dejando a
merced del contrabando al mercado venezolanordquo 36
Devido a uma seacuterie de mudanccedilas ocorridas na Europa apoacutes a Guerra dos Sete Anos e a
conquista da independecircncia das antigas colocircnias inglesas na Ameacuterica o Reino Espanhol com
a ascensatildeo de Carlos III tomou novas direccedilotildees poliacutetico-administrativas A estrateacutegia mudara a
poliacutetica protecionista jaacute natildeo se adequava ao novo contexto econocircmico europeu que
apresentava naquele momento uma Inglaterra fragilizada A Espanha sabiamente se aproveita
dessa brecha para criar laccedilos comerciais com as antigas colocircnias britacircnicas e fortalecer seu
Impeacuterio Assim em 1778 Carlos III expede o decreto de livre comeacutercio extensivo as colocircnias
do Ultramar Algum tempo depois em 1781 a Companhia Guipuzcoana encerra
definitivamente suas atividades 37
Os casos das Companhias atuantes na Ameacuterica portuguesa seguem contornos bem
similares aos da Ameacuterica Hispacircnica A criaccedilatildeo da Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo que
teve sua fundaccedilatildeo associada agrave tentativa da Coroa de otimizar a administraccedilatildeo e comeacutercio da
regiatildeo mais ao Norte da Ameacuterica 38
por exemplo iraacute motivar uma seacuterie de protestos no
Reino Estes protestos foram encabeccedilados pelos deputados da Mesa do Espiacuterito Santo dos
Homens de Negoacutecios de Lisboa que questionavam a nocividade da concessatildeo do monopoacutelio
por uma escala de tempo tatildeo grandiosa ndash vinte anos - a reaccedilatildeo de Pombal seraacute agressiva 39
A
crise iniciada pelos principais homens de negoacutecio de Lisboa foi encarada pelo Marquecircs como
um crime de lesa majestade e seus autores sofreram puniccedilotildees severas 40
No Caso da Companhia de vinhas do Alto Douro empresa criada em um momento de
crise enfrentada pelo setor e que tinha como principal objetivo atender ao desejo do Reino de
retirar tal ramo comercial das matildeos dos mercadores ingleses que ateacute entatildeo dominavam aquele
setor deixando pouca brecha para inserccedilatildeo dos comerciantes portugueses 41
as manifestaccedilatildeo
36
Ibidem P 21 37
Ibidem P 26-28 38
Sobre isto ver CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e
Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 39
Ibidem P 37 40
Boa parte dos envolvidos foi desterrada para domiacutenios ultramarinos do Reino por tempos distintos de acordo
com a sua parcela de participaccedilatildeo no evento 41
Sobre isto consultar CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do
Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 SOUSA Fernando de O Marquecircs
de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757)
21
contraacuterias ao empreendimento comeccedilaram antes mesmo de sua fundaccedilatildeo Ainda no ano de
1756 comerciantes ingleses e seus representantes buscaram sabotar de diversas formas a
criaccedilatildeo da Companhia Esses grandes homens de negoacutecio com seu poder de influecircncia
conseguiram angariar outros comerciantes e produtores para sua causa sendo assim em
agosto de 1756 eram apenas 14 o nuacutemero de comerciantes e lavradores interessados no
projeto Pombalino 42
Aleacutem dos jaacute citados outros profissionais que atuavam no setor se sentiram lesados
com a formaccedilatildeo da Companhia e tomaram parte nos motins contraacuterios a instituiccedilatildeo da
sociedade mercantil 43
Cabe ressaltar que ateacute mesmo parte da populaccedilatildeo endossou o corpo
dos motins uma vez que a empresa cessaria com a liberdade com que se praticava a escolha e
compra de vinhos para consumo pessoal Todo esse descontentamento iraacute levar aos famosos
motins do Porto no ano de 1757 44
Nesta situaccedilatildeo age tambeacutem Pombal com violecircncia poucos dias depois da revolta eacute
aberta uma devassa para investigar os culpados A cidade eacute tomada por tropas recaindo sobre
os habitantes locais o peso de sua sustentaccedilatildeo O cargo de procurador do povo eacute extinto e os
vereadores da Cacircmara satildeo retirados de seus postos o futuro marquecircs jaacute natildeo confiava nestes
homens As penas entre os considerados culpados cerca de 460 indiviacuteduos variaram entre
pena capital degredo accediloite galeacutes confiscaccedilatildeo de bens penas pecuniaacuterias e palmatoadas 45
A Companhia das Pescas Reais criada devido agrave intenccedilatildeo da Coroa em ampliar as
atividades baleeiras no litoral da Ameacuterica Portuguesa natildeo contou com nenhum movimento
local de contestaccedilatildeo de seu monopoacutelio durante sua gecircnese no entanto Marcelo Paz
demonstra que foram duas as ondas reivindicatoacuterias a questionar a forma de atuaccedilatildeo da
empresa ao longo de seu periacuteodo de atuaccedilatildeo 46
A primeira onda contraacuteria seraacute encabeccedilada por
dois mercadores que apesar de advogarem pela mesma causa agiram de forma isolada a
saber Domingos Lopes Loureiro e Tomeacute de Castro Correia de Saacute que iratildeo contraditar a
Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 SOUSA Fernando de A Companhia Geral da
Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1978) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 10 p 9-58 2003 42
SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral da Agricultura
das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P 42-53 JanJun 2003 P 46 43
Entre eles tanoeiros taberneiros e marinheiros jaacute que a partir da formaccedilatildeo da empresa estes trabalhadores de
alguma forma tiveram sua liberdade de atuaccedilatildeo profissional cerceada 44
Sobre isto ver CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do Porto
de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996 45
Ibidem P 18 46
PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil (1765-1801) a caccedila
ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias
Sociais Universidade de Lisboa Lisboa
22
legalidade do monopoacutelio 47
Pretendiam os dois comerciantes arrematar o contrato para o
complexo baleeiro meridional 48
Um segundo movimento iraacute se iniciar por volta de 1790 este sim teve poder de
influenciar a decisatildeo reacutegia que aboliu o monopoacutelio da Companhia Diferentemente da
primeira onda os liacutederes dessas queixas passam a contestar os procedimentos da praacutetica
comercial adotada no litoral do Brasil questionando sua eficaacutecia e sustentabilidade Um dos
liacutederes chega inclusive a redigir documento analisando profundamente a atividade baleeira
apontando as falhas na produccedilatildeo e a inviabilidade da praacutetica por um periacuteodo alongado de
tempo 49
Em Pernambuco os eventos natildeo foram distintos das demais estabelecer a Companhia
Geral natildeo foi tarefa faacutecil o governador Luiacutes Diogo da Silva empregaraacute inuacutemeros esforccedilos na
tentativa de convencer a elite colonial pernambucana a se tornar acionista na empreitada em
ofiacutecio do ano de 1761 o governador afirma que ldquonatildeo haacute motivos por mais fortes nem
evidecircncias de maior demonstraccedilatildeo que possam convencecirc-los a apostarem da sua vida os
poucos cabedais que logramrdquo 50
Deixando clara a resistecircncia em aderir ao projeto seja por
parte dos homens de negoacutecio ou pela nobreza da terra
O governador dizia ainda que o motivo pelo qual os grandes da capitania se
mostravam contraacuterios a ideia de integrar os quadros da Companhia se dava por ela ldquotecirc-los
separados dos antigos interesses que estavam habituados a fazer na forma e regularidade que
lhes pareciardquo 51
Ou seja apontava o descontentamento dos negociantes e produtores com a
supressatildeo da liberdade de comeacutercio que jaacute estava bem estabelecido naquela regiatildeo
Desde sua instalaccedilatildeo a sociedade seraacute alvo de queixas por parte da populaccedilatildeo muitas
seratildeo as representaccedilotildees e denuacutencias encaminhadas ao rei sobre sua maacute administraccedilatildeo e o
estado de decadecircncia em que se achava a Capitania de Pernambuco Natildeo raro as queixas
continham apelos que suplicavam a sua extinccedilatildeo Segundo Pereira da Costa
Queixas amargas representaccedilotildees constantes foram dirigidas ao governo da
metroacutepole pelos agricultores e comerciantes contra tatildeo odioso monopoacutelio
47
PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 206-215 48
Uniatildeo das armaccedilotildees Paulistas Catarinense e Fluminenses 49
PAZ Marcelo de Oliveira P 240- 249 50
AHU ndash PE Cx 94 D 7481 Recife 4 de fevereiro de 1761 51
Idem
23
tendente a aniquilar essas duas fontes produtoras da colocircnia e cujos danos
vinham muito diretamente recair em prejuiacutezo do povo 52
A oposiccedilatildeo instalada ao monopoacutelio seraacute liderada pelos senhores de engenho e
produtores Mesa de Inspeccedilatildeo do tabaco e do accediluacutecar governadores da capitania em especial
Joseacute Cesar de Menezes algumas cacircmaras ultramarinas53
e uns poucos homens de negoacutecio que
natildeo se tornaram acionistas da empresa O ano de 1770 seraacute marcado como a primeira grande
crise pela qual passaraacute a Companhia Para aleacutem dos conflitos de interesses o Estado
portuguecircs passava por uma forte refraccedilatildeo econocircmica medida pela acentuada queda de seus
rendimentos Diante dessa situaccedilatildeo o governo portuguecircs passou a empregar maior cuidado na
organizaccedilatildeo de suas alfacircndegas e proceder ao aumento de impostos 54
A segunda grave crise acontece sete ano apoacutes a primeira o impacto da crise de 70 natildeo
iraacute se dissipar tatildeo facilmente a morte do rei D Joseacute I e o afastamento do marquecircs de Pombal
do cargo de secretaacuterio do reino no ano de 1777 faratildeo ressurgir uma nova onda de queixas e
representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma 55
A Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e
Paraiacuteba seraacute extinta durante a vigecircncia do governo de Joseacute Ceacutesar de Meneses grande
denunciador de sua ingerecircncia A empresa que era objeto de desarmonia entre a Coroa e os
habitantes locais natildeo obteve os lucros planejados pelo Reino
Outros elementos perturbadores da poliacutetica monopolista exercida pelas Companhias
privilegiadas seratildeo o contrabando descaminhos e contravenccedilotildees praacuteticas recorrentes na
histoacuteria da colonizaccedilatildeo do Novo Mundo realizada por diversas naccedilotildees durante todo o periacuteodo
colonial Reservando as particularidades das empresas aqui abordadas a atividade do
contrabando se faraacute sentir em maior ou menor grau no cotidiano de tais sociedades
mercantis
No caso venezuelano os comerciantes e produtores enxergavam a empresa como uma
verdadeira barreira na praacutetica tanto dos negoacutecios legais quanto no contrabando que jaacute
estavam acostumados a praticar com as naccedilotildees estrangeiras Aleacutem disso estes mesmos
52
COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do Interior e Justiccedila 1951-
1966 v 6 P 185 53
Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos
procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU
ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009 54
JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit p 171 55
Cartas das cacircmaras de Recife Goiana e Olinda endereccediladas a rainha D Maria I queixando-se dos
procedimentos da companhia geral de Pernambuco e Paraiacuteba e delatando o estado de miseacuteria da capitania AHU
ndash PE Cx 127 Doc 9656 AHU ndash PE Cx 130 Doc 9830 AHU- PE Cx 133 Doc 10009
24
personagens queixavam-se que a Companhia havia desregulado o mercado do cacau
provocando segundo os mesmos ldquoel descenso en los precios del producto de manera constante
contribuyendo a la peacuterdida de patrimonios criollos y al debilitamiento de sus enviacuteos al
exteriorrdquo 56
Como forma de deter o contrabando generalizado na regiatildeo uma das prerrogativas da
empresa era atuar no seu combate para isso possuiacutea embarcaccedilotildees de corso proacuteprias Quando
da captura de naus estrangeiras a tripulaccedilatildeo era recompensada com parte do espoacutelio
arrecadado com a venda das mercadorias apreendidas medida que iraacute estimular a ldquocaccedilardquo ao
contrabando nos mares caribenhos Segundo as fontes exploradas por Ricardo Martinena
entre 1759 a 1763 a Companhia apreendeu 43 embarcaccedilotildees estrangeiras 57
um nuacutemero
bastante expressivo para um periacuteodo de apenas quatro anos
De acordo com Carreira a Companhia do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo sofria com os
contrabandos praticados por nacionais estrangeiros e ainda pelos agentes da proacutepria
Companhia Esse tipo de praacutetica vai ser mais bem estudada pelo autor nas feitorias africanas
de Cacheu e Cabo Verde onde a empresa deveria atuar com exclusividade No entanto as
condiccedilotildees das fortalezas daqueles portos eram lastimaacuteveis e ldquonem serviam para defender os
portos das investidas dos navios estrangeiros nem de nenhum modo intimidavam as
populaccedilotildees negrasrdquo 58
Assim sendo a invasatildeo de navios estrangeiros era rotineira
prejudicando o comeacutercio das embarcaccedilotildees reais
Na Companhia das Vinhas do Alto Douro as contravenccedilotildees tambeacutem foram
recorrentes Entre os anos de 1772 a 1774 instaurou-se na regiatildeo uma grande devassa que
tinha por objetivo combater e expor os culpados de vaacuterias transgressotildees que vinham
ocorrendo sob a aacuterea de atuaccedilatildeo da empresa Apesar da numerosa legislaccedilatildeo que buscava
evitar os diversos tipos de fraudes existentes naquele ramo comercial estas persistiram
principalmente a introduccedilatildeo ilegal de vinhos de ramo 59
na zona demarcada 60
Outra fraude
bastante comum era a mistura de vinhos de menor qualidade aos vinhos destinados a
56
MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio Op Cit P 16 57
AIZPURUA Ramoacuten Aguirre ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la lancha San Fernando y
de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5
Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San Sebastiaacuten p 379-392 2006 P 382 58
CARREIRA Antonio Op Cit P 79 59
O vinho de ramo era um vinho de menor qualidade que deveria ser vendido apenas para o mercado interno 60
Com o estabelecimento da Companhia a regiatildeo Duriense passou a ser a primeira do mundo a ter uma
demarcaccedilatildeo proacutepria que estabelecia quais terras eram adequadas para produccedilatildeo de cada qualidade de vinho
25
exportaccedilatildeo ou ainda o acreacutescimo da baga do sabugueiro ao vinho para que ele adquirisse a
coloraccedilatildeo desejada 61
Neste caso tambeacutem apura a devassa que os proacuteprios agentes da Companhia estavam
envolvidos nas contravenccedilotildees incluindo homens que ocupavam altos postos dentro da
empresa como o de provedor e deputados De acordo com o historiador Fernando Sousa
ldquonumerosos oficiais daquela instituiccedilatildeo praticavam com o maior escacircndalo a introduccedilatildeo e
mistura do vinho de ramo com o vinho fino e legal nas suas proacuteprias adegasrdquo 62
Ainda
segundo o autor mesmo apoacutes a devassa este tipo de praacutetica foi um problema recorrente no dia
a dia da empresa
Na Companhia das Pescas Reais pode-se tambeacutem averiguar o envolvimento de seus
agentes em redes de contrabando ningueacutem menos que o administrador geral da empresa o
homem de negoacutecio portuguecircs Joatildeo Marcos Vieira era o principal suspeito de uma devassa
instaurada no ano de 1794 que tinha por objetivo investigar o crime de contrabando de
escravos para a regiatildeo de Montevideacuteu Apesar do contrabando neste caso natildeo estaacute
diretamente relacionado agraves mercadorias que estavam sob o monopoacutelio da empresa acredita-se
que Joatildeo Marcos Vieira estava envolvido haacute anos numa rede de contrabando com a regiatildeo do
Rio da Prata e que se utilizava de seu cargo para obter vantagens financeiras 63
Com a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba natildeo seraacute diferente a partir da
criaccedilatildeo desse organismo regulador os locais iratildeo buscar meios e estrateacutegias de evasatildeo do
controle reacutegio um desses meios de escape seraacute o contrabando de mercadorias realizados
atraveacutes das rotas que uniam Pernambuco e Bahia tanto atraveacutes dos sertotildees e dos caminhos de
cabotagem A investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias nos demonstra que o contrabando durante o
periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio exercido pela empresa seraacute praacutetica recorrente e
generalizada Os descaminhos envolviam ateacute mesmo autoridades reacutegias oficiais deputados e
acionistas da empresa sendo seu combate tema cativo nos ofiacutecios trocados entre a Coroa e as
autoridades locais Este comeacutercio descaminhado eacute tema central desta dissertaccedilatildeo
As anaacutelises sobre as praacuteticas mercantis desenvolvidas na Ameacuterica Portuguesa figuram
entre as contemporacircneas abordagens e questionamentos que marcam uma nova forma de
pensar a colocircnia Dentro dessa perspectiva alguns trabalhos centrados em entender as
questotildees relativas ao comeacutercio colonial tecircm apontando para a existecircncia de um fluxo ilegal de
61
Sobre isto ver SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro
(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002 62
Ibidem P 166 63
PAZ Marcelo de Oliveira Op Cit P 225-239
26
negoacutecios em diversas capitanias Dentro deste universo eacute notaacutevel a dedicaccedilatildeo que a
historiografia tem dado ao estudo dos descaminhos de ouro e pedras preciosas na regiatildeo das
Minas e adjacecircncias Destaca-se nesse sentido o trabalho produzido por Paulo Cavalcante em
ldquoNegoacutecios de Trapaccedila caminhos e descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-1750)rdquo 64
onde o autor busca explanar qual o papel do contrabando no processo de colonizaccedilatildeo da
Ameacuterica Portuguesa se utilizando de farta documentaccedilatildeo e tendo como objeto a regiatildeo das
Gerais e suas zonas fronteiriccedilas
Apesar de natildeo se centrar exclusivamente no comeacutercio descaminhado o trabalho da
historiadora Isnara Pereira Ivo sobre circulaccedilatildeo econocircmica e cultural na regiatildeo das Minas
Gerais tambeacutem merece destaque Ivo reserva partes de seu livro ldquohomens de Caminho
tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica Portuguesa ndash seacuteculo XVIIIrdquo 65
para discutir a questatildeo dos vultosos descaminhos realizados naquelas plagas dando ecircnfase aos
caminhos e picadas utilizadas pelos contraventores bem como as tentativas da Coroa em
reprimir tal fluxo
Cabe menccedilatildeo tambeacutem aos estudos desenvolvidos contemporaneamente que tem por
objetivo estudar os faustosos contrabandos realizados no extremo Sul da Ameacuterica Portuguesa
em seus contatos com a regiatildeo platina Dentro dessa seara merece revelo os trabalhos
desenvolvidos por Rodrigo Ceballos e Faacutebio Kuumlhn O primeiro se dedicaraacute em recentes
artigos a estudar os negoacutecios de contrabando conduzidos por luso-brasileiros na Buenos
Aires do seacuteculo XVII demostrando como esses indiviacuteduos foram capazes de criar redes de
solidariedade que permitiram a realizaccedilatildeo de seus negoacutecios extralegais 66
Jaacute Faacutebio Kuumlhn tem se centrado em publicaccedilotildees atuais a analisar o comeacutercio
contrabandeado de escravos na regiatildeo da Colocircnia do Sacramento do seacuteculo XVIII O autor
demonstra como os luso-brasileiros sediados naquelas aacutereas associados a homens de negoacutecios
de duas outras importantes Praccedilas comerciais a saber Bahia e Rio de Janeiro conseguiram
64
CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica Portuguesa (1700-
1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 65
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica
Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 66
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires
colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 CEBALLOS
Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos
Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00
27
deter hegemonia dentro de tal negoacutecio desbancando comerciantes de outras naccedilotildees
interessados naquela mateacuteria como os ingleses 67
Outros estudos que debatem a temaacutetica do contrabando e que conversam com nosso
trabalho satildeo as pesquisas de Ernst Pijning para o Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII onde o autor
defende a praacutetica do contrabando como algo inerente ao sistema colonial prerrogativa que
concordamos 68
E ainda vale nota para as obras de Zacarias Moutoukias que estudando o
comeacutercio extralegal na regiatildeo de Buenos Aires do seacuteculo XVII aponta tambeacutem para o
entendimento do descaminho como algo indissociaacutevel da economia colonial 69
Nosso trabalho dialoga com os estudos acima descritos no entanto deixamos claro
que o comeacutercio de contrabandeado alvo desse estudo assume contornos distintos afinal de
contas entre 1759 e 1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia
Geral de Pernambuco e Paraiacuteba O descaminho nessa situaccedilatildeo natildeo causava prejuiacutezos apenas
ao eraacuterio reacutegio mas tambeacutem aos acionistas e agentes da empresa que possuiacutea uma jurisdiccedilatildeo
privativa encarregada de cuidar de todas as questotildees juriacutedicas que envolvessem a Companhia
Ressaltamos ainda que apesar da empresa natildeo possuir jurisdiccedilatildeo sobre os portos do
sertatildeo Alagoas e Rio Satildeo Francisco acabava a mesma amargando graves prejuiacutezos em
decorrecircncia do comeacutercio realizado naquelas paragens pois invariavelmente os produtos que
circulavam nos sertotildees entre as capitanias vizinhas vinham inundar a praccedila mercantil de
Pernambuco a preccedilos bem mais em conta do que os vendidos pela Companhia Por isso de
acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada por volta do ano de 1770 a empresa passa a combater
com vigor este tipo de negoacutecio demonstrando a forccedila que esse comeacutercio interiorano iraacute
adquirir durante o periacuteodo de vigecircncia do monopoacutelio comercial da empresa
As rotas comerciais que ligavam o litoral da capitania ao sertatildeo e que tinham como
veio principal o Rio de Satildeo Francisco regiatildeo de fronteira entre Bahia e Pernambuco tambeacutem
seratildeo alvos desse estudo Para adentrar no universo sertanejo e compreender as dinacircmicas
desenvolvidas naqueles ambientes nos apoiaremos nos claacutessicos como Capistrano Abreu 70
67
KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)
Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017 68
PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista
Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 69
MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el
siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 70
ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet
1960
28
Manoel Correia de Andrade 71
e Joseacute Antonio Gonsalves de Mello 72
que nos datildeo pistas de
como se empreendeu a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial a partir das duas capitanias alvo
desse estudo Bahia e Pernambuco
Utilizaremos tambeacutem produccedilotildees mais recentes como a revisatildeo dos relatos de viajantes
pelo interior feita por Tiago Bonato 73
e do trabalho de focirclego de Kalina Vanderlei 74
Sem
esquecer claro dos renovados estudos que apontam para a vitalidade e dinamismo comercial
que esses espaccedilos sertanejos iratildeo adquirir em suas conexotildees com o litoral e ateacute mesmo com o
Ultramar Onde destacamos os trabalhos de Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Bonifaacutecio 75
e da
proacutepria Isnara Pereira Ivo 76
jaacute citada
Ainda buscando discutir a questatildeo do espaccedilo sertanejo sua ocupaccedilatildeo funcionamento
e dinamismo recorreremos a autores que trazem discussotildees acerca da noccedilatildeo de
territorializaccedilatildeo desses espaccedilos na Ameacuterica Portuguesa a partir da accedilatildeo efetiva do Estado sob
essas aacutereas Para isso nos utilizaremos de nomes como Iacuteris Kantor 77
Mafalda Soares da
Cunha 78
e Paulo Henrique Marques de Queiroz Guedes 79
Continuando a discussatildeo do
mesmo tema poreacutem a partir de uma perspectiva geograacutefica nos apoiaremos em Manoel
Correa de Andrade 80
e Antonio Carlos Robert de Moraes 81
71
ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias
Humanas Ltda 1980 72
MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-
1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 73
BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash 1822)
Guarapuava Unicentro 2014 74
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas
vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 75
BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de
Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII
Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e
Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 76
IVO Isnara Pereira Op Cit 77
KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica (1750‑1850) Anais do
Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 KANTOR Iacuteris Soberania e
territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute
Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio
portuguecircs Curitiba UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 78
CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A
criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P
15 79
GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo
na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias
humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife 80
ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 81
MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2
jun 2001 MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003
29
O presente trabalho conteacutem trecircs capiacutetulos O primeiro intitulado ldquoNos caminhos do
contrabandordquo estaacute dividido em dois toacutepicos Iniciamos procedendo a uma breve revisatildeo
historiograacutefica acerca da evoluccedilatildeo dos estudos voltados para o mundo colonial destacando as
principais mudanccedilas do ponto de vista metodoloacutegico ocorridas nos uacuteltimos quarenta anos
Neste capiacutetulo tambeacutem iremos realizar a anaacutelise e discussatildeo do conceito de contrabando caro
a este estudo
Aleacutem disso tambeacutem procederemos a investigaccedilatildeo das rotas de comeacutercio que ligavam
o litoral da capitania pernambucana ao interior do territoacuterio dando destaque aos caminhos ldquodo
Capibariberdquo e ldquodo Ipojucardquo que conectavam a praccedila mercantil pernambucana com a regiatildeo do
Rio de Satildeo Francisco em sua fronteira com a capitania Baiana Utilizando do auxiacutelio de
mapas discutiremos ainda neste primeiro momento as hipoacuteteses acerca de como se
movimentavam os comerciantes alvos desta pesquisa ressaltando para aleacutem dos caminhos
interioranos a possibilidade de atuarem seguindo uma rota direta atraveacutes da costa mariacutetima
entre Pernambuco e Bahia
O segundo capiacutetulo se chama ldquoAspectos internos dos descaminhos casos e circulaccedilatildeo
de produtosrdquo nele iremos investigar as mercadorias que circulavam entre Bahia e
Pernambuco atraveacutes das redes de comeacutercio ilegal esclarecendo quais eram os produtos que
mais transitavam entre as duas praccedilas ressaltando a grande variedade destes produtos e a
grandiosidade daquele tipo de comeacutercio Tambeacutem trataremos neste capiacutetulo sobre os casos
mais peculiares arrolados no nosso acervo documental
A anaacutelise destas ocorrecircncias nos faz compreender melhor a dinacircmica daquele tipo de
atividade mercantil Esclarecendo como atuavam os comerciantes envolvidos naquele
mercado e quais as suas condutas Deixamos claro ainda que o contrabando no periacuteodo
estudado era uma praacutetica amplamente disseminada na capitania sendo efetuado por uma
grande quantidade de sujeitos em situaccedilotildees diversas
Identificamos dentro desse contexto trecircs grandes blocos de contrabando o primeiro
era o contrabando de grande porte realizado por redes de comerciantes bem organizadas e
que possuiacuteam toda uma estrutura que permitia a realizaccedilatildeo da praacutetica em grande volume O
segundo tipo seria o contrabando de pequena monta praticado por uma infinidade de
personagens desde oficiais da companhia a pessoas ldquocomunsrdquo que se aproveitavam de uma
oportunidade para obter lucros pessoais Por fim identificamos o contrabando realizado por
embarcaccedilotildees estrangeiras que geralmente vinham dar na Costa da capitania pernambucana se
utilizando do subterfugio do mal tempo ou da necessidade de ser fazer reparos na embarcaccedilatildeo
30
se aproveitando entatildeo para introduzir nas terras exclusivas da Companhia uma infinidade de
mercadorias europeias e levar daqui os produtos da terra
O terceiro capiacutetulo denominado ldquoContrabando combate e complexidade do esquemardquo
estaacute divido em trecircs toacutepicos O primeiro deles busca proceder a anaacutelise das medidas repressivas
tomadas em niacutevel local para que se evitasse e extinguisse a praacutetica do contrabando do
territoacuterio da capitania pernambucana Para tal feito nos utilizamos de uma seacuterie de ofiacutecios
expedidos pelos governadores pernambucanos que tratam sobre o tema aleacutem disso tambeacutem
contamos em nosso acervo documental com ofiacutecios da Junta Companhia Geral em Lisboa
que nos fornecem informaccedilotildees preciosas acerca das irregularidades cometidas pelos
administradores pernambucanos e as medidas coibitivas que deveriam ser tomadas para que
se cessassem os descaminhos
Na segunda parte tratamos sobre o envolvimento de agentes acionistas e deputados da
Companhia Geral bem como de algumas autoridades reacutegias nos circuitos de comeacutercio ilegal
Por fim o terceiro toacutepico versa sobre a grande insatisfaccedilatildeo dos representantes da populaccedilatildeo
das vilas de Pernambuco que durante todo o periacuteodo do monopoacutelio exercido pela empresa
iratildeo enviar ao reino uma seacuterie de queixas e denuacutencias e representaccedilotildees atestando a maacute gestatildeo
exercida pela direccedilatildeo subalterna de Pernambuco e a acusando de agir em benefiacutecio proacuteprio
Nosso principal fundo arquiviacutestico concentra-se nos manuscritos depositados no
Arquivo Histoacuterico Ultramarino (AHU) para as capitanias de Pernambuco Bahia a anexa
Paraiacuteba e Alagoas essa ainda comarca de Pernambuco material digitalizado pelo projeto
resgate Nele se encontram uma farta documentaccedilatildeo trocada entre os governadores
principalmente os pernambucanos e a Secretaria de Estado da Marinha e Ultramar sobre a
questatildeo do contrabando A grande maioria desses arquivos eacute categorizada como ofiacutecios no
entanto em alguns deles eacute possiacutevel encontrar anexos referentes a outros tipos de
documentaccedilatildeo incluindo coacutepias de devassas tiradas acerca de contrabandos editais lanccedilados
pela Companhia Geral listas de cargas e mercadorias de embarcaccedilotildees apreendidas cartas
circulares lanccediladas por autoridades locais minutas reais dando parecer sobre a mateacuteria ou
casos especiacuteficos entre outras coisas O volume desses documentos e a diversidade de
informaccedilotildees contidas neles demonstram como o comeacutercio desencaminhado no periacuteodo foi
expressivo
Tambeacutem nos utilizamos na escrita deste trabalho de processos crimes depositados no
Arquivo Nacional da Torre do Tombo esses documentos de cunho juriacutedico-administrativo
pertencem ao fundo da Conservatoacuteria da Companhia em Lisboa oacutergatildeo responsaacutevel por julgar
31
todas as causas referentes aos assuntos da empresa jaacute que a mesma possuiacutea um regime
juriacutedico privativo 82
Neles eacute possiacutevel visualizar toda a praacutexis processual e rotina juriacutedica
adotada nos casos onde foram instauradas devassas para averiguaccedilatildeo do crime de
contrabando Esse fundo eacute fonte feacutertil para nossa pesquisa pois atraveacutes dos processos
conseguimos obter informaccedilotildees detalhadas sobre os casos como as inquiriccedilotildees feitas aos reacuteus
de defesa e de acusaccedilatildeo a lista de carga das embarcaccedilotildees os personagens envolvidos nos
descaminhos as defesas perpetradas pelos advogados representantes dos reacuteus as apelaccedilotildees e
sentenccedilas dadas a niacutevel local as sentenccedilas aplicadas etc
Complementando estes acervos tambeacutem fizemos uso de manuscritos existentes no
arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP) estes documentos que estatildeo
disponiacuteveis apenas para consulta presencial foram de grande importacircncia para o
entendimento das rotas que no seacuteculo XVIII ligavam o litoral de Pernambuco ao sertatildeo e
acabavam por desembocar no Rio de Satildeo Francisco regiatildeo fronteiriccedila entre Pernambuco e
Bahia e local de comeacutercio abundante Utilizamo-nos tambeacutem neste trabalho de material
transcrito existente na Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional (BN) e de livros coevos
digitalizados e disponiacuteveis para consulta online pertencentes ao setor de raridades da
Biblioteca puacuteblica Maacuterio de Andrade (BMA)
Por fim esse estudo parte do entendimento do comeacutercio como um elemento de
dinamizaccedilatildeo da capitania de Pernambuco tanto na perspectiva da economia local quanto no
contexto de ampliaccedilatildeo das dinacircmicas sociais Acreditamos que o comeacutercio potencialmente
descaminhado realizado atraveacutes dos sertotildees e da navegaccedilatildeo direta entre as capitanias de Bahia
e Pernambuco acabou contribuindo para o aumento da forccedila econocircmica das regiotildees
envolvidas naqueles circuitos
82
Este tema seraacute mais bem desenvolvido no segundo capiacutetulo deste trabalho
32
2 NOS CAMINHOS DO CONTRABANDO
21 Contexto e conceitos
Desde meados da deacutecada de 80 do seacuteculo XX tem se operado uma ampla revisatildeo
criacutetica a respeito dos paradigmas ateacute entatildeo utilizados nos estudos acerca dos impeacuterios
modernos e seus domiacutenios ultramarinos Os trabalhos centrados na anaacutelise dos aspectos
poliacuteticos da Europa moderna sofreram grandes transformaccedilotildees Sintomaacutetica satildeo as pesquisas
desenvolvidas nesse periacuteodo a despeito do processo de formaccedilatildeo dos Estados modernos
europeus bem como de seus complexos imperiais Categorias amplamente difundidas que
eram base dos estudos desenvolvidos ateacute aquele momento como centralizaccedilatildeo poliacutetica e
administrativa e poder absoluto seratildeo substituiacutedas pela identificaccedilatildeo da existecircncia de poderes
concorrentes ao do monarca dentro do sistema poliacutetico europeu 83
Esta nova abordagem seraacute consolidada com o desenvolvimento de estudos sobre o
Impeacuterio portuguecircs no exterior Aqui cabe destacar as importantes contribuiccedilotildees da tradiccedilatildeo
historiograacutefica anglo-saxocircnica principalmente os apontamentos do historiador inglecircs Charles
Boxer responsaacutevel por modificar a forma como se entendia a atuaccedilatildeo das elites coloniais
dentro do exerciacutecio de governaccedilatildeo no ultramar 84
Outro nome que merece ser lembrado eacute o de
AJR Russell-Wood aleacutem de desenvolver estudos sobre as categorias de centro e periferia o
autor iraacute tambeacutem apontar para a existecircncia dentro do sistema colonial de uma porosidade que
permitiu aos governos e autoridades locais margem para negociaccedilatildeo com a metroacutepole 85
Tambeacutem merece destaque a produccedilatildeo dos historiadores norte-americanos
responsaacuteveis por desenvolver obras sobre variadas dimensotildees da sociedade e da economia
colonial brasileira Stuart Schwartz seraacute responsaacutevel por identificar em seu claacutessico
ldquoBurocracia e sociedade no Brasil colonialrdquo 86
a incorporaccedilatildeo da magistratura portuguesa aos
interesses e dinacircmicas locais Outro historiador americano que iraacute influenciar sobremaneira
83
Sobre isto ver LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime na
Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de
governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005 84
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c
1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e
negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 161 85
Sobre isto ver AJR Russel-Wood Centro e periferia no mundo luso-brasileiro 1500-1808 Revista
brasileira de histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 nordm 36 (1998) 86
SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das letras 2013
33
esse processo revisionista eacute Jack Green que deu nova leitura a relaccedilatildeo colonial destacando a
existecircncia e importacircncia das negociaccedilotildees em diversos niacuteveis como uma realidade do sistema
poliacutetico portuguecircs 87
Esses estudos tambeacutem seratildeo desenvolvidos em Portugal onde se destacam os
apontamentos feitos por Antonio Manoel Hespanha em seu ldquoAs veacutesperas do Leviatatilde
instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVIIrdquo 88
e em estudos posteriores O autor iraacute
discutir a tatildeo esquemaacutetica visatildeo do Estado moderno centralizado tendo como base uma vasta
documentaccedilatildeo O centro nervoso da tese de Hespanha discute a autonomia dos corpos sociais
constituintes do Estado Portuguecircs Nele a monarquia eacute entendida como cabeccedila de um grande
corpo social os poderes do centro satildeo outorgados a indiviacuteduos e instituiccedilotildees nas periferias do
Impeacuterio para atuarem em nome do rei Portanto natildeo se despreza a importacircncia dos poderes
inferiores dentro do jogo poliacutetico No entanto somente a monarquia era capaz de unir e criar
nexo a um grande escopo de jurisdiccedilotildees que a abarcavam dentro do Reino e nos seus
domiacutenios ultramarinos
Dessa forma Hespanha define o Estado portuguecircs como
corporativista 89
Hespanha aponta como caracteriacutesticas primordiais da monarquia corporativa a divisatildeo
de poder no espaccedilo poliacutetico entre a coroa e os poderes subalternos o corpo legal estava
baseado na doutrina juriacutedica comum europeia mas eram muitos os casos em que as praacuteticas
consuetudinaacuterias prevaleciam o entrelaccedilamento entre deveres poliacuteticos e morais e por fim a
certa autonomia que possuiacuteam as autoridades reacutegias e a efetiva proteccedilatildeo a que estavam
sujeitos os seus direitos e atribuiccedilotildees 90
Parece-nos que Hespanha demonstra a todo tempo
natildeo a ldquofragilizaccedilatildeo do Estado Portuguecircsrdquo mas sim a relaccedilatildeo de interdependecircncia que iraacute se
desenvolver entre o reino e suas possessotildees ultramarinas
Essas concepccedilotildees iratildeo ganhar focirclego no Brasil principalmente nos anos 90 do seacuteculo
XX quando as pesquisas sobre as relaccedilotildees de poder passam a ganhar forccedila gerando uma seacuterie
de trabalhos empenhados em estudar as formas de governar e o funcionamento das
87
GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional History University
Press of Virginia 2ordf ed 1994 88
HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash Seacutec XVII Coimbra
Almedina 1994 89
HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do impeacuterio colonial
portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios
no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 HESPANHA AM A
constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos correntes In FRAGOSO Joatildeo
GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda (Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica
imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 90
HESPANHA AM Ibdem P 46
34
instituiccedilotildees dentro do conjunto imperial Junto a estas pesquisas tambeacutem foram feitas
investigaccedilotildees para outras aacutereas do Impeacuterio dessa forma nos uacuteltimos anos tem se buscado
compreender os nexos imperiais que davam forma ao Impeacuterio portuguecircs 91
Esse alargamento de anaacutelise eacute bastante significativo uma vez que rompe com a ideia
da ineficiecircncia do sistema poliacutetico-administrativo portuguecircs essa ldquoineficiecircnciardquo passa entatildeo a
ser compreendida como uma caracteriacutestica da administraccedilatildeo colonial portuguesa 92
Seguindo
o mesmo caminho o do entendimento do Estado portuguecircs como corporativo uma seacuterie de
novos estudos comeccedilam a apontar para a importacircncia dos viacutenculos estrateacutegicos estabelecidos
pelos grupos integrantes do Estado
Dessa forma o papel central desempenhado pelas redes no interior do conjunto
imperial tem ganhado destaque nas discussotildees historiograacuteficas recentes A categoria de
ldquoredesrdquo utilizada neste trabalho parte dos pressupostos apontados em estudos recentes que
atestam a importacircncia deste mecanismo de articulaccedilatildeo tambeacutem na esfera mercantil Dentro
desta seara de pesquisa destacam-se as produccedilotildees de Joatildeo Fragoso Antocircnio Carlos Jucaacute de
Sampaio e Roquinaldo Ferreira 93
De acordo com Maria Fernanda Bicalho eacute incontestaacutevel para a historiografia que ateacute o
seacuteculo XVII o Estado portuguecircs se desenvolveu sobre o prisma corporativista 94
Apesar do
aparente consenso vale salientar que o modelo coorporativo lanccedilado por Hespanha natildeo eacute
unanimidade prova disso eacute o debate acadecircmico existente entre o autor e a historiadora Laura
91
LARA Silvia Hunold Op Cit P 32 92
HESPANHA AM Op Cit P 51 93
FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto de
conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social costumeira (Rio de Janeiro
1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e
negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 SAMPAIO
Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo nos quadros do Impeacuterio
portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica
imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001 FERREIRA
Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial ultramarino portuguecircs In
FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio
portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 Para aleacutem desses autores as
produccedilotildees das historiadoras Maria de Faacutetima Gouvecirca e Mafalda Soares merecem destaque dentro da temaacutetica de
redes 94
BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na administraccedilatildeo da
monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima
(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro
Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 345-352
35
de Mello e Souza a despeito da centralidade do Impeacuterio Souza centra sua criacutetica na ldquopouca
atenccedilatildeo dada agrave especificidade dos diferentes contextos imperiaisrdquo 95
nos estudos do autor
De qualquer forma essa ldquorealidade corporativardquo comeccedila a ser alterada jaacute em fins do
XVII e iniacutecio do XVIII neste momento comeccedila a se desenvolver por toda a Europa um
processo de maior centralizaccedilatildeo do poder real No caso de Portugal esse processo iraacute se
solidificar no reinado de Dom Joseacute I personificado pela pessoa de Sebastiatildeo Salgado de
Melo o Marquecircs de Pombal Dentro desse contexto poliacuteticas com o intuito de revitalizar o
comeacutercio portuguecircs foram postas em accedilatildeo Na capitania de Pernambuco importante polo
econocircmico da conquista essas accedilotildees seratildeo colocadas em praacutetica com a criaccedilatildeo de dois
organismos reguladores da economia local a Mesa de Inspeccedilatildeo da Agricultura e do Comeacutercio
no ano de 1752 96
e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759
Neste cenaacuterio eacute criada a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba em 1759 que se
tornaraacute a detentora do ldquocomeacutercio exclusivo das duas capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com
todos os seus distritos e nos quais ningueacutem mais podia extrair ldquomercadorias gecircneros ou
frutosrdquo 97
A Companhia que manteve o monopoacutelio comercial na regiatildeo ateacute o ano de 1780 iraacute
causar um grande impacto na economia da capitania modificando toda uma loacutegica comercial
baseada no livre comeacutercio que jaacute estava bem estabelecida em Pernambuco
Nossa pesquisa tende a se alinhar com o estudo desenvolvido por Avanete Pereira
sobre o exerciacutecio da governanccedila na municipalidade em Salvador na segunda metade do XVIII
98 Fica claro para noacutes que a centralizaccedilatildeo poliacutetica desejada pela Coroa nem sempre seraacute
aplicada de forma plena nos territoacuterios do ultramar As poliacuteticas pensadas para o Brasil
precisaram ser adaptadas agraves realidades coloniais principalmente se tratando de mudanccedilas
potencialmente prejudiciais economicamente agraves elites locais que haacute muito dominavam a
dinacircmica de instituiccedilotildees e negoacutecios no ultramar
O contrabando e as ilicitudes eram dinacircmicas corriqueiras nas aacutereas de atuaccedilatildeo de
sociedades exclusivistas Muitas vezes elas envolviam ateacute mesmo os agentes destas
95
SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica portuguesa do seacuteculo
XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006 P 48 96
Sobre a histoacuteria da Mesa de Inspeccedilatildeo de Pernambuco consultar CONTI Paulo Fillipy de Souza A casa das
qualidades pesos e preccedilos a mesa da inspeccedilatildeo do tabaco e accediluacutecar de pernambuco (1752-1777) 2016 182 f
Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas Universidade Federal de
Pernambuco 97
CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba
Lisboa Presenccedila 1982 p 224 98
PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da cacircmara da Bahia
(seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral (Orgs) Modos de governar
ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005
36
companhias e as autoridades reacutegias nos descaminhos Isto porque como afirma Fernando
Novais o contrabando era uma praacutetica comum dentro da economia colonial desde os seus
primoacuterdios Ainda segundo o autor tal praacutetica natildeo ldquonegava o sistemardquo nem deve ser entendida
como uma fissura ou uma exceccedilatildeo muito pelo contraacuterio o contrabando assim como a
concorrecircncia e as disputas entre as potecircncias europeias era parte da estrutura econocircmica
daquele tipo de sociedade operando dessa forma ldquodentro do mesmo sistema baacutesicordquo 99
Salientamos ainda que esse tipo de praacutetica foi extensiva e naturalizada natildeo soacute na
Ameacuterica Portuguesa mas nas diversas partes do mundo onde se desenvolveu a economia
colonial Em artigo que discute a noccedilatildeo de centralidade administrativa do governo portuguecircs
metropolitano Russel-Wood chama atenccedilatildeo para algo que ele denomina como ldquocultura de
evasatildeordquo ou seja a capacidade dos colonos luso-brasileiros de escaparem do controle reacutegio
Segundo o autor essa cultura iraacute assumir diversas formas como ldquoa recusa em pagar impostos
e taxas escamoteamento dos pontos de fiscalizaccedilatildeo evasatildeo do serviccedilo militar burla quanto a
inclusatildeo nas listas municipais []rdquo 100
As transgressotildees na capitania pernambucana natildeo se restringiram ao contrabando de
mercadorias realizado junto a praccedila baiana O cenaacuterio poliacutetico administrativo tambeacutem era
local de subversatildeo das diretivas reais Em artigo que discute questotildees de justiccedila e
administraccedilatildeo na capitania Maria Filomena Coelho relata as contendas ocorridas na segunda
metade do XVIII entre o Bispo de Olinda e o Juiz de Fora da regiatildeo que se acusavam
mutuamente de cometer desvios monetaacuterios e se utilizar de seus cargos de prestiacutegio para obter
vantagens Bem conhecido e reproduzido no mesmo artigo eacute o caso do provedor Francisco do
Rego Barros acusado de descaminhar da fazenda real uma grande soma de dinheiro e de
envolver os funcionaacuterios a ele submetidos no esquema iliacutecito 101
No artigo supracitado a autora opta por trabalhar com as categorias de suborno e
corrupccedilatildeo Nossa anaacutelise das fontes primaacuterias em conjunto com a leitura da historigrafia nos
leva a crer natildeo serem estes vocaacutebulos os mais adequados para se trabalhar a questatildeo da
ldquocultura de evasatildeordquo na Ameacuterica Portuguesa Como veremos a seguir consideramos que para
evitar cair em anacronismos seja essencial desassociar as praacuteticas transgressivas de seus
significados contemporacircneos
99
NOVAIS Fernando A P 88-92 100
A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista brasileira de
Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197 101
NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco (seacuteculo XVIII)
Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003
37
Nesta pesquisa a forma de evasatildeo que nos interessa eacute o contrabando Os contrabandos
extravios e descaminhos se constituiacuteram em praacuteticas recorrentes durante todo o seacuteculo XVIII
nas capitanias brasileiras Resultados de uma tentativa de fuga a gerecircncia da Coroa lanccedilados
sobre a proacutespera economia colonial que neste seacuteculo jaacute possuiacutea mais vulto que a
metropolitana Desta forma se faz necessaacuterio discutir neste momento o conceito de
contrabando buscando uma definiccedilatildeo que se adeque ao nosso objeto
Estudando a ligaccedilatildeo entre o contrabando e as elites na Buenos Aires do seacuteculo XVII
Zacarias Moutoukias afirma ser o comeacutercio natildeo autorizado a atividade comercial mais
importante do porto de Buenos Aires Aleacutem disso o autor iraacute destacar a participaccedilatildeo de
oficiais reacutegios nos esquemas ilegais admitindo ainda que a Coroa se adaptou a esta situaccedilatildeo
Para Moutoukias ldquola corrupcioacuten fue el processo por el cual los representantes locales del
poder central civiles y militares se integraron a dicha elite associaacutendola asiacute a la funcioacuten
imperialrdquo 102
Concordando com a perspectiva de Moutoukias Ernest Pijning iraacute afirmar que o
contrabando era algo ldquoinerente a economia do mundo atlacircntico preacute-moderno atuante em todos
os aspectos da sociedade luso-brasileirardquo 103
De acordo com Koselleck ldquoas palavras que permaneceram as mesmas natildeo satildeo por si
soacute indiacutecio suficiente da permanecircncia do mesmo conteuacutedo ou significado por elas designadosrdquo
104 Nesse sentindo concordamos com Cavancante
105 e Moutoukias
106 quando afirmam natildeo
ser possiacutevel relacionar o contrabando com o termo corrupccedilatildeo como conhecemos hoje O
contrabando era uma praacutetica enraizada na sociedade colonial e como sugere Pijning
dependendo da situaccedilatildeo e dos personagens envolvidos esse tipo de comeacutercio era aceito e ateacute
mesmo incentivado pela Coroa 107
Segundo o dicionaacuterio portuguecircs e latino de Bluteau contrabando significa ldquofazenda e
trato de fazenda furtada aos direitos ou tirada por alto sendo defeza a sua introduccedilatildeordquo 108
Ou
seja a definiccedilatildeo de contrabando no dicionaacuterio estaacute relacionada diretamente ao ato de fraudar a
102
MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites Buenos Aires em el
siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988 P 243 103
PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo XVIII Revista
Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001 P 399 104
KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos histoacutericos Rio de Janeiro
Contraponto Ed Puc-Rio 2006 P 105 105
Sobre isto ver CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica
Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006 106
Sobre isto ver MOUTOUKIAS Zacarias Op Cit 107
PIJINING Ernest Ibdem P 400-403 108
BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de
Jesus Ano de 1712 P 321
38
fazenda real desviando o fisco Para o nosso estudo percebemos que a definiccedilatildeo claacutessica de
Bluteau natildeo se adequa inteiramente pois apesar de natildeo possuir o monopoacutelio comercial para
regiatildeo dos sertotildees comumente as autoridades locais vatildeo tratar as mercadorias transacionadas
entre as praccedilas de Bahia e Pernambuco via sertatildeo como contrabando mesmo quando estes
produtos chegavam as praccedilas comerciais de Pernambuco selados com selos de outras
alfacircndegas do Impeacuterio ou seja em algum momento aquela mercadoria havia pagado os
direitos reais
Percebemos durante a investigaccedilatildeo as fontes que existia uma grande confusatildeo quanto a
este comeacutercio feito pelos interiores Havia uma dificuldade das autoridades em classificar o
que era passiacutevel de puniccedilatildeo e poderia ser enquadrado como crime de contrabando e os casos
em que aquele tipo de negociaccedilatildeo era acobertada e permitida pela legislaccedilatildeo De acordo com
nossa observaccedilatildeo na duacutevida as autoridades reacutegias e oficiais da Companhia preferiam pecar
pelo excesso e realizar os sequestros para posterior investigaccedilatildeo Assim contamos em nosso
conjunto documental como seraacute demonstrado em capiacutetulo posterior com casos em que apoacutes
se efetuar a apreensatildeo a investigaccedilatildeo acaba por absolver os reacuteus seja por falta de provas ou
pela constataccedilatildeo de que natildeo se procedeu em descaminhos
Essa situaccedilatildeo acontecia pois natildeo existia uma delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa que
esclarecesse minuciosamente quais os portos se incluiacuteam na categoria de ldquoportos livresrdquo bem
como uma legislaccedilatildeo especiacutefica que regulamentasse quais os produtos poderiam transitar
entre estas paragens sem ofender o monopoacutelio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba
109 Segundo Koselleck os conceitos satildeo polissecircmicos reunindo em si ldquodiferentes totalidades
de sentidordquo 110
os casos coletados na nossa documentaccedilatildeo demonstram aleacutem disso como o
entendimento a respeito do que era considerado comeacutercio iliacutecito era fluiacutedo e variava de acordo
com a interpretaccedilatildeo dada pelas autoridades locais
Para o nosso tema o que pudemos perceber atraveacutes da investigaccedilatildeo as fontes primaacuterias
eacute que o contrabando se constituiu em praacutetica recorrente ao longo dos vinte e um anos de
monopoacutelio praticado pela Companhia Geral A atividade iliacutecita que envolvia as proacuteprias
autoridades reacutegias oficiais e acionistas da Companhia em Pernambuco causaraacute grandes
preocupaccedilotildees por parte da Coroa e da Junta da empresa sediada em Lisboa virando assunto
recorrente na documentaccedilatildeo travada entre o Reino e os agentes locais de Pernambuco
109
Pelo menos ateacute o momento natildeo conseguimos localizar nenhum tipo de documento oficial que se referisse a
estes pontos 110
KOSELLECK Reinhart Op Cit P109
39
principalmente os governadores da capitania que eram encarregados sobre a mateacuteria
Discutiremos melhor esta questatildeo no terceiro capiacutetulo deste trabalho
Aleacutem de ser realizado de maneira extensiva durante todo o periacuteodo do monopoacutelio o
comeacutercio iliacutecito era praticado por uma grande diversidade de pessoas Apesar da existecircncia de
redes mercantis mais complexas que atuavam de maneira melhor estruturada esse comeacutercio
tambeacutem era feito em pequenas quantidades por pessoas comuns A anaacutelise das fontes nos
atenta para o fato de que havendo oportunidade de lucros pessoais o contrabando era
praticado por todos e entendido como algo banal
Devido ao caraacuteter pulverizado desse tipo de atividade mercantil os casos encontrados
na documentaccedilatildeo iratildeo apontar para uma gama muito diversa de personagens lugares e
mercadorias envolvidos nesse tipo de praacutetica No entanto eacute possiacutevel atestar com clareza a
existecircncia de um vigoroso circuito de comercio iliacutecito envolvendo as capitanias de
Pernambuco e Bahia As relaccedilotildees entre as duas praccedilas eram estreitas o contrabando de
gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa iratildeo permear todo o
periacuteodo proposto para este estudo
Vale ressaltar que antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral o comeacutercio entre
Pernambuco e Bahia jaacute existia e estava bem consolidado principalmente o comeacutercio de
carnes feito nos sertotildees que interligavam as duas praccedilas e que margeavam o Rio de Satildeo
Francisco De acordo com a historiografia a regiatildeo circundante ao Rio de Satildeo Francisco
sempre contou com uma grande densidade populacional de povos indiacutegenas 111
O que denota
a importacircncia da aacuterea natildeo soacute em termos geograacuteficos mas tambeacutem salienta o seu importante
papel como lugar de encontro de uma seacuterie de gentes
Como eacute amplamente sabido o processo de interiorizaccedilatildeo do territoacuterio brasileiro iraacute
acontecer de forma tardia jaacute que em princiacutepio a colonizaccedilatildeo portuguesa deteve-se a povoar a
faixa litoracircnea do territoacuterio brasileiro soacute criando um movimento de expansatildeo em direccedilatildeo ao
interior em meados do seacuteculo XVII 112
De acordo com Capistrano de Abreu em livro claacutessico
a interiorizaccedilatildeo do territoacuterio colonial teve iniacutecio junto agraves capitanias do Norte notadamente
Bahia e Pernambuco Segundo o autor o proacuteprio Donataacuterio de Pernambuco Duarte Coelho
ainda no seacuteculo XVI nutriu ambiccedilotildees de conquistar o territoacuterio ao largo do Rio de Satildeo
111
NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte
Editora UFMG 2011 P 30 112
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco
pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111
40
Francisco Sabia-se jaacute a eacutepoca do potencial do local 113
Outro autor claacutessico Manoel Correa
de Andrade defende a tese de que o sertatildeo do que hoje conhecemos como nordeste foi
integrado agrave colonizaccedilatildeo portuguesa partindo de dois eixos centrais sendo estes Bahia e
Pernambuco 114
O movimento de integraccedilatildeo dos interiores eacute comumente associado agrave expansatildeo
pecuaacuteria pois desde 1701 a Coroa portuguesa havia proibido a criaccedilatildeo de gado a menos de
dez leacuteguas da costa 115
dessa forma os currais foram cada vez mais adentrando o espaccedilo
sertanejo seguindo o curso dos rios que forneciam os substratos necessaacuterios agrave sustentaccedilatildeo das
rezes bovinas e caprinas Pedro Puntoni confirma essa caracteriacutestica da pecuaacuteria desenvolvida
nas capitanias do norte de acordo com o autor
As fazendas de gado grosso modo acompanhavam as margens dos rios
uma vez que na regiatildeo semi-aacuterida o fornecimento de aacutegua era fator essencial
para garantir a ocupaccedilatildeo e a criaccedilatildeo do gado Os rios Satildeo Francisco ao sul e
o Parnaiacuteba ao norte eram os principais eixos da ocupaccedilatildeo por serem rios
perenes os demais na maioria seus afluentes ainda abrigavam algumas das
fazendas 116
Apesar da pecuaacuteria ser entendida como fator decisivo para a conquista dos sertotildees do
norte natildeo podemos esquecer o contexto em que se deu essa expansatildeo Eacute importante lembrar
que apoacutes a expulsatildeo dos holandeses em 1654 a economia accedilucareira foi fortemente abalada
natildeo soacute por fatores internos como o clima e as intempeacuteries a que estatildeo sujeitas qualquer tipo de
cultura tropical como tambeacutem por fatores externos como a concorrecircncia com a produccedilatildeo de
accediluacutecar antilhano e a consequente baixa de preccedilos dessa mercadoria aleacutem eacute claro do aumento
do preccedilo dos escravos dado a grande procura desse tipo de matildeo de obra em Aacutefrica 117
Assim o fluxo em sentido ao interior tambeacutem vinha atender a uma demanda da Coroa
que procurava alternativas para se livrar da crise econocircmica por qual passava a principal
cultura da colocircnia brasileira Dessa forma as expediccedilotildees aos sertotildees passaram a ser
frequentemente encorajadas Para animar e incentivar os colonos a desbravarem estas aacutereas a
113
ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria Briguiet
1960 P 34 114
ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria Editora Ciecircncias
Humanas Ltda 1980 P 167 115
WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a
colonizaccedilatildeo do sertatildeo nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004 P
22 116
PUNTONI Pedro Ibidem P 24 117
PUNTONI Pedro Ibidem P 25
41
Coroa iraacute a partir da segunda metade do seacuteculo XVII doar sesmarias a homens que tiveram
papel de destaque nas batalhas travadas contra os holandeses 118
De acordo com Kalina Wanderlei apoacutes implementar a poliacutetica de doaccedilatildeo de terras e
de financiar uma seacuterie de diligecircncias para abrir caminhos naquelas paragens o Impeacuterio
Portuguecircs relegou estas imensidotildees de terra aos interesses privados Segundo a autora
Assim foi que a conquista dos interiores das capitanias do norte no seacuteculo
XVII tornou-se tarefa dos senhores seguindo o modelo inicial do projeto de
colonizaccedilatildeo onde aos donataacuterios e seus colonos cabia a instalaccedilatildeo da
induacutestria produtora e a defesa do territoacuterio contra a concorrecircncia externa e a
resistecircncia interna 119
middot
Cabe ainda ressaltar que a partir do Reinado de D Joatildeo V uma seacuterie de medidas e
accedilotildees seratildeo tomadas para garantir aos portugueses o controle efetivo de seus domiacutenios no
Ultramar Isto porque na Europa se vivia um momento de grande concorrecircncia comercial e de
contestaccedilatildeo de antigos tratados territoriais e seus limites a partir da elaboraccedilatildeo de modernos
estudos geograacuteficos e cartograacuteficos sobre o Novo Mundo Dentro desse contexto de
vulnerabilidade perante outras potecircncias era necessaacuterio que os diplomatas portugueses
buscassem novas formas de defender e legitimar os direitos juriacutedicos do Rei sobre os
territoacuterios ultramarinos nas negociaccedilotildees internacionais No entanto para que estes
argumentos tivessem forccedila era preciso conhecer o espaccedilo da colocircnia 120
As grandes porccedilotildees de terra que compunham a conquista no Brasil possuiacuteam ainda no
seacuteculo XVIII vastas aacutereas despovoadas e desconhecidas pelo Reino De acordo com Iacuteris
Kantor depois da Paz de Utrecht em 1713 que praticamente invalidava o antigo tratado de
Tordesilhas Espanha e Portugal vatildeo iniciar um mapeamento sistemaacutetico de suas conquistas
no aleacutem-mar As coroas ibeacutericas iratildeo neste momento investir na formaccedilatildeo de pessoal
qualificado e no custeamento de expediccedilotildees para o interior afim de que se produzissem
trabalhos geograacuteficos mais precisos 121
O projeto de elaboraccedilatildeo do ldquoNovo Atlas da Ameacuterica
Portuguesardquo iniciado em 1729 por exemplo eacute um desses esforccedilos empreendidos pela Corte
118
WANDERLEI Kalina Op Cit P 136 119
WANDERLEI Kalina Ibidem P 137 120
Sobre isto ver KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica
(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez 2009 121
Idem
42
no sentido de oficializar o interior do territoacuterio assegurando a posse do Reino principalmente
sobre os espaccedilos que estavam sob litiacutegio 122
Durante o diretoacuterio pombalino estas poliacuteticas de reafirmaccedilatildeo do poder real seratildeo
reforccediladas atraveacutes da expansatildeo da rede administrativa 123
nas esferas civis e eclesiaacutesticas a
locais onde o poder estatal ainda natildeo chegava era necessaacuterio ldquoterritorializarrdquo aqueles espaccedilos
De acordo com Paulo Guedes o conceito de territoacuterio pode ser entendido como um espaccedilo
definido por e a partir de relaccedilotildees poliacuteticas e de poder ainda segundo o autor para se pensar
em territoacuterio na Ameacuterica Portuguesa necessariamente deve-se levar em conta suas
ldquojurisdiccedilotildees (militar religiosa tributaacuteria e judicial) considerando suas incongruecircncias em
relaccedilatildeo aos territoacuterios circunscritos ao acircmbito das capitaniasrdquo 124
Apesar de pequenas
discordacircncias o entendimento de que o conceito de territoacuterio estaacute intimamente relacionado
com a ideia de domiacutenio ou gestatildeo de uma determinada aacuterea eacute amplamente reconhecido pelos
estudiosos do assunto 125
A partir desse entendimento eacute que o geografo Manoel Correa de
Andrade afirma por exemplo que nos primeiros anos de sua colonizaccedilatildeo o Brasil era um
grande espaccedilo natildeo transformado em territoacuterio 126
Para aleacutem das querelas europeias deve-se pontuar que a partir do descobrimento das
minas de ouro nas Gerais vai-se assistir a um grande adensamento populacional naquelas
regiotildees interioranas principalmente entre as primeiras deacutecadas do seacuteculo XVIII Fazia-se
pois indispensaacutevel criar naqueles novos centros todo um aparato administrativo sobretudo
fiscal para regular e garantir os direitos reacutegios sobre os recursos minerais ali encontrados 127
A historiografia sobre as Minas tem demonstrado como a ocupaccedilatildeo daqueles territoacuterios
acabou por conectar uma grande malha espacial atraveacutes dos seus circuitos de comeacutercio que
movimentavam sobretudo as regiotildees interioranas das capitanias do norte incluindo as
paragens sertanejas de Pernambuco e Bahia
122
Sobre isto ver CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do
territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v43 n1 p 100-120 2016 123
Kantor Iacuteris Op Cit CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na
Ameacuterica portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39p001-
030 jan-abr2016 124
GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico cultura e transgressatildeo
na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias
humanas Universidade Federal de Pernambuco Recife P 54 125
Sobre este tema ver tambeacutem MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil
GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001 KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia
Real de Histoacuteria Portuguesa e a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de
Almeida (Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba UFPR-
SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009 126
ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec 2004 P 43 ndash 51 127
CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica portuguesa A
criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n 39 P001-030 jan-abr2016 P 15
43
Em resumo a ocupaccedilatildeo dos sertotildees foi um processo lento desenvolvido de modo
gradativo e pouco organizado No entanto a bibliografia eacute unanime em asseverar que apesar
de pouco unificado o movimento de interiorizaccedilatildeo sempre teve como base as duas capitanias
mais destacadas do Norte Pernambuco e Bahia Logo apoacutes esse primeiro momento de
conquista as regiotildees dos sertotildees passaram a atuar como importantes locais de circulaccedilatildeo
comercial Pesquisas recentes com as quais esse estudo conversa apontam para o dinamismo
que as regiotildees interioranas iratildeo exercer principalmente a partir do seacuteculo XVIII quando se
tem iniacutecio de forma mais concreta uma demanda do Reino em conhecer e dominar tais
regiotildees Estas zonas passam entatildeo a deter grande importacircncia para os fluxos comerciais
coloniais tanto nos circuitos locais quanto atlacircnticos
Para o nosso caso acreditamos que o fluxo comercial clandestino desenvolvido entre
Pernambuco e Bahia durante o periacuteodo de exclusivo comercial da Companhia Geral acabou
por expandir e reforccedilar as redes comerciais entre as duas capitanias e seus complexos
sertanejos jaacute que a partir daquele momento comerciantes e produtores que antes atuavam
livremente despachando e vendendo suas mercadorias a partir das praccedilas comerciais de
Pernambuco passaratildeo a recorrer a capitania vizinha para realizar seus negoacutecios
22 Os caminhos
Antes de nos atermos aos sertotildees que nos interessam nesta pesquisa cabe aqui uma
sucinta explanaccedilatildeo quanto ao uso do termo e suas aplicaccedilotildees Destacamos que origem da
palavra sertatildeo eacute incerta natildeo existe entre os autores que tratam do tema uma unidade em
relaccedilatildeo ao termo De acordo com Bluteau sertatildeo diz respeito a uma ldquoregiatildeo apartada do mar e
por todas as partes metida entre terrasrdquo 128
A definiccedilatildeo dada pelo autor setecentista remete a
ideia de sertatildeo como um lugar afastado do litoral distante e ateacute mesmo inexplorado Segundo
Kalina Wanderlei o imaginaacuterio acerca desse ambiente sertanejo iraacute se construir jaacute no primeiro
seacuteculo de colonizaccedilatildeo da zona accedilucareira A autora afirma que
Foi se construindo uma oposiccedilatildeo entre as regiotildees colonizadas da Ameacuterica
portuguesa e aquelas natildeo inseridas na jurisdiccedilatildeo metropolitana As primeiras
associadas ao litoral devido agrave proacutepria natureza do empreendimento
128
BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da Companhia de
Jesus Ano de 1712 Tomo II P 613
44
canavieiro Criou-se assim uma dicotomia entre o espaccedilo considerado
civilizado e aquele considerado selvagem 129
Essa visatildeo dicotocircmica em que as categorias de sertatildeo e litoral satildeo construiacutedas em
sentidos opostos seraacute reforccedilada por outros autores que se utilizaram do discurso e
depoimentos de cronistas e autores coevos para estabelecer um entendimento do termo
Concordando com a autora Tiago Bonato iraacute dizer que
O imaginaacuterio do sertatildeo construiacutedo e reconstruiacutedo por cronistas
missionaacuterios padres intelectuais e sobretudo viajantes passa a ter um
caraacutecter aleacutem de simples oposiccedilatildeo ao litoral de ldquocontraste com a ideia de
regiatildeo colonialrdquo De um lado estaacute a civilizaccedilatildeo que a colonizaccedilatildeo trouxe de
outro o sertatildeo 130
De acordo com o geografo Antocircnio Carlos Robert Moraes o sertatildeo natildeo deve ser
compreendido como um lugar mas sim como ldquouma condiccedilatildeo atribuiacuteda a variados e
diferenciados lugaresrdquo 131
Afirma ainda o estudioso que no geral o sertatildeo eacute idealizado como
um espaccedilo que serve aos impulsos expansionistas na busca de incorporar tais aacutereas remotas a
determinados ldquofluxos econocircmicos ou a uma oacuterbita de poder que lhe escapa naquele momentordquo
132 continua atestando que por essa caracteriacutestica ldquotal denominaccedilatildeo geralmente eacute utilizada na
caracterizaccedilatildeo de aacutereas de soberania incerta imprecisa ou meramente formalrdquo 133
Dessa
forma o uso do termo seraacute utilizado para classificar aacutereas que carecem ser dominadas e
submetidas politicamente e integradas ao restante do territoacuterio
Podemos entatildeo perceber atraveacutes da bibliografia e da pesquisa as fontes primaacuterias que o
conceito de sertatildeo extrapola qualquer delimitaccedilatildeo geograacutefica precisa Em termos
documentais ele seraacute comumente utilizado para designar uma seacuterie de aacutereas que se
encontravam fora do eixo litoracircneo e que durante um bom tempo foram ilustres desconhecidas
da maior parte dos habitantes da colocircnia brasileira e dos ministros reais sendo usado para
referenciar tudo aquilo que fosse vago estranho e afastado dos centros Ou seja os sertotildees
podem se descritos como aacutereas que natildeo estavam totalmente submetidos administrativa e
juridicamente agrave monarquia portuguesa
129
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de Pernambuco pelas
vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010 P 111 130
BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo Brasileiro (1783 ndash
1822) Guarapuava Unicentro 2014 P 52 131
MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003 P 2 Consultado no
dia 10112017 Disponiacutevel em httpjournalsopeneditionorgterrabrasilis341 DOI 104000terrabrasilis341 132
Ibidem P 3 133
Idem
45
Falando sobre o sertatildeo alvo deste estudo ainda no XVII a regiatildeo da ribeira do Rio de
Satildeo Francisco iraacute se desenvolver como importante zona de criaccedilatildeo de rezes bovinas e
cavalares sendo o local responsaacutevel pela distribuiccedilatildeo de carnes e couros para as feiras da
Bahia e de Pernambuco Na segunda metade do seacuteculo XVIII a regiatildeo do Aracati no Siaraacute
Grande sertatildeo pernambucano iraacute despontar como porto fornecedor de carnes salgadas e de
couros Ao longo do rio Jaguaribe que banha a vila de Santa Cruz do Aracati se
estabeleceram diversas oficinas especializadas na salga das carnes e na retirada de couros para
revenda Este porto seraacute muito visitado por comerciantes recifenses e baianos nos ldquotempos de
carnesrdquo quando iam ateacute a regiatildeo fazer negoacutecios e vender rebanhos 134
O estudo dos caminhos que levavam do litoral ao sertatildeo da capitania de Pernambuco
natildeo satildeo novos no intuito principalmente de buscar compreender as rotas por onde se
efetuaram o comeacutercio de gados e couros destacados estudiosos desenvolveram pesquisas
centradas nesta temaacutetica De acordo com Capistrano de Abreu ldquoNa segunda metade do seacuteculo
XVIII natildeo se penetrava no Recife aleacutem de Bezerros a quinze leacuteguas para o interior o que
ficava aleacutem entendia-se com a Bahiardquo 135
Discordando de Capistrano Manoel Correa de
Andrade iraacute afirmar que em 1774 o governo de Pernambuco na tentativa de minimizar a
influecircncia baiana na regiatildeo do Satildeo Francisco faraacute abrir dois caminhos para alcanccedilar o dito rio
136
O primeiro caminho sairia de Recife passando por Limoeiro atraveacutes do rio Capibaribe
chegava ao Pajeuacute para depois seguir em direccedilatildeo a Serra Talhada Floresta e finalmente
desembocar em Cabroboacute O segundo roteiro subia o Vale do Ipojuca ateacute chegar agrave Serra de
Ororobaacute de onde descia na direccedilatildeo sul ateacute a cidade de Inajaacute passando ainda por Tacaratu
Jatinatilde e por fim chegar em Cabroboacute Como se pode ver na imagem abaixo
134
ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas na Vila
de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais do XXVI Simpoacutesio
Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011 P 1-9 135
ABREU Capistrano de Op Cit P 65 136
ANDRADE Manoel Correia de Op Cit P 168
46
Mapa 1 ndash Caminhos do Gado para Olinda e Recife
Fonte ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria
Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980 P 169
Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello tambeacutem indica e comprova atraveacutes de
documentaccedilatildeo que a prerrogativa de Capistrano era errocircnea De acordo com Mello jaacute
existiam no seacuteculo XVIII dois roteiros de penetraccedilatildeo para o interior do territoacuterio
pernambucano que acompanhavam os vales dos rios O primeiro caminho o do Capibaribe
ldquoperlongava-o ateacute as nascentes e cortando territoacuterio paraibano atingia a ribeira do Pajeuacuterdquo 137
137
MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio Pernambucano (1738-
1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 10
47
nos atuais muniacutecipios pernambucanos de Itapetim e Satildeo Joseacute do Egito por onde se ldquoseguia ateacute
o Brejo do Gama de onde cruzava em direccedilatildeo a Cabroboacute a margem do Satildeo Franciscordquo 138
como podemos ver abaixo
Mapa 2 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Capibaribe (1738)
Fonte MELLO Joseacute Antocircnio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio
Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 12
138
Idem
48
O segundo caminho o do Ipojuca ldquoacompanhava o vale do rio deste nome e alcanccedilava
em seguida o do Moxotoacuterdquo 139
de onde chegava ao Satildeo Francisco na Boa Vista Percebemos
que apesar de pequenas discordacircncias os dois autores versaram sobre os mesmos caminhos a
saber o ldquoCaminho do Capibariberdquo e o ldquoCaminho do Ipojucardquo Para Mello os dois roteiros
tinham no Cariranha no limite sudoeste da capitania e regiatildeo de fronteira entre Bahia
Pernambuco e Minas seu ponto final
Mapa 3 - Roteiro de Viagem do Recife agrave Cariranha pelo Ipojuca (1738)
Fonte MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio
Pernambucano (1738 -1802) Recife Imprensa Universitaacuteria 1966 P 16
Infelizmente natildeo conseguimos descobrir nos acervos consultados ateacute o momento o
documento utilizado por Manoel Correa de Andrade para embasar sua afirmaccedilatildeo e construir
139
Idem
49
seu mapa no entanto foi possiacutevel localizar os documentos usados por Joseacute Antocircnio
Gonsalves de Mello O primeiro deles data do ano de 1738 e estaacute localizado no Arquivo do
Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB na Universidade de Satildeo Paulo ndash USP 140
trata-se natildeo
de um mapa 141
mas sim dos roteiros tanto do ldquocaminho que segue para Ipojuca e passa pelo
Urubaacute 142
das leacuteguasrdquo 143
quanto do ldquoassento das leacuteguas que fazem daqui ao Rodelas pelo
caminho do Capibariberdquo 144
descrevendo as localidades por onde esses caminhos passavam e a
distacircncia em leacuteguas deles
Faz-se cioso relacionar todas as toponiacutemias dos dois roteiros pois este trabalho jaacute foi
feito por Gonsalves de Mello na obra aqui relacionada No entanto vale a pena apontar onde
tinham iniacutecio e fim as ditas rotas e alguns de seus principais pontos de passagem a tiacutetulo de
comparaccedilotildees futuras O caminho do Capibaribe tinha iniacutecio no Engenho de Satildeo Joatildeo este
engenho fundado por Luiacutes Ramires ainda no seacuteculo XVI 145
estava localizado na margem
direita do Rio Capibaribe na freguesia da Vaacuterzea 146
o caminho passava por localidades como
ldquoMissatildeo do Limoeirordquo 147
ldquoSerra Talhadardquo 148
ldquoAngicosrdquo 149
ldquoJuazeirordquo 150
entre outros
terminando apenas no Cariranha regiatildeo limiacutetrofe entre Bahia Pernambuco e Minas Gerais O
segundo caminho o do Ipojuca comeccedilava em Santo Antatildeo atual municiacutepio de Vitoacuteria do
140
Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo
Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 141
O trabalho de Mapas que aparece no livro eacute criaccedilatildeo do grupo de pesquisas da divisatildeo de histoacuteria do instituto
de ciecircncias do homem do qual Joseacute Antocircnio Gonsalves de Mello participava 142
Tambeacutem conhecido como de Ararobaacute ou Ororobaacute 143
Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo IEB-USP Fundo
Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060 144
Idem 145
PEREIRA DA COSTA F A Anais Pernambucanos 1795-1817 2ordf Ediccedilatildeo FUNDARPE Gov de
Pernambuco Recife 1983 Vol 2 535 vol 3 79 vol 7 325 PEREIRA Levy S Iuatildeo (engenho de bois) In
BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel em
httplhsunbbrbiblioatlasS_IuC3A3o_(engenho_de_bois) Data de acesso05072017 146
Atualmente a Vaacuterzea eacute um bairro da cidade do Recife localizado proacuteximo a Universidade Federal de
Pernambuco-UFPE 147
Atualmente conhecido como Limoeiro um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260890ampsearch=pernambuco|limoeiro|inf
ograficos-historico Data de acesso 05072017 148
O atual muniacutecipio do sertatildeo de Pernambuco manteacutem a mesma toponiacutemia Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261390ampsearch=pernambuco|serra-
talhada Data de acesso 05072017 149
Atual muniacutecipio do sertatildeo do estado do Rio Grande do Norte Dados do Instituto Brasileiro de geografia e
estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=240080ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017 150
Atual municiacutepio do Estado da Bahia situado no vale do Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpcidadesibgegovbrxtrasperfilphpcodmun=291840 Data
de acesso 05072017
50
Santo Antatildeo em Pernambuco e seguia por pontos como ldquoTacaraturdquo 151
ldquoCabroboacuterdquo 152
ldquoPilatildeo
Arcadordquo 153
entre outros tendo como fim tambeacutem o rio do Cariranha
O segundo documento utilizado por Gonsalves de Mello trata-se de um ofiacutecio enviado
pelo Bispo Azeredo Coutinho a Corte no ano de 1802 apesar de fugir de nosso recorte
temporal vale a pena observa-lo a tiacutetulo comparativo Mello refuta a indicativa de Capistrano
que alega que o Bispo Azeredo Coutinho tenha mandado abrir durante o seu governo um
caminho ligando a Praccedila de Olinda aos sertotildees 154
De acordo com o autor esse caminho era
justamente o ldquoCaminho do Ipojucardquo De fato a leitura do ofiacutecio da Junta Governativa da
Capitania de Pernambuco datada de julho de 1802 pode levar ao entendimento que partira do
Bispo Coutinho a ideia de abrir um caminho que ligasse Olinda aos sertotildeesmiddot visto que nele se
afirma que ldquouma das causas de natildeo haver maior abundacircncia de gados nesta Praccedila era a falta
de estradas para os sertotildees do Satildeo Franciscordquo 155
e que esta informaccedilatildeo chegou ateacute Portugal
atraveacutes ldquodo sect 3ordm do reacutegio aviso de 19 de setembro de 1799 dirigido pelo Exmo Sr Dr
Rodrigo de Sousa Coutinho ao Exmo Bispo desta dioceserdquo 156
Poreacutem como eacute sabido este
caminho jaacute era rota conhecida e utilizada
Para aleacutem destes dois importantes documentos conseguimos localizar tambeacutem junto
ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros ndash IEB da Universidade de Satildeo Paulo ndash USP um
documento datado de 1730 enviado ao ouvidor geral de Pernambuco com a seguinte ementa
ldquoPara o senhor doutor ouvidor geral ver os caminhos que satildeo necessaacuterios (serem) abertos para
seguir pela estrada de Santo Antatildeo para o rio de Satildeo Franciscordquo 157
Este documento de
autoria natildeo identificada descreve com precisatildeo o caminho que se fazia preciso abrir para
interligar o litoral da capitania com seus sertotildees atraveacutes do vale do Ipojuca
151
Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu
Data de acesso 05072017 152
Distrito do muniacutecipio de Pesqueira no agreste Pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de geografia e
estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data
de acesso 05072017 153
Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017 154
AHU ndash PE Cx 235 D 15875 155
Idem 156
Idem 157
Informaccedilatildeo prestada ao ouvidor geral sobre a necessidade da abertura de caminhos na regiatildeo do rio Satildeo
Francisco Arquivo IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-005
51
Essa rota segundo sugere a carta deveria comeccedilar na freguesia de Santo Amaro de
Jaboatatildeo onde seria necessaacuterio ldquoabrir os caminhos e tanto de enxada como de foice e
machado ateacute o siacutetio chamado as queimadasrdquo 158
Naquele ponto comeccedilaria a freguesia de
Santo Antatildeo da Mata onde se fazia preciso abrir passagem ateacute o rio das Pedras de Ipojuca
local onde terminava a freguesia de Santo Antatildeo Atravessando o rio das Pedras para seu
outro lado se chegaria a freguesia do Ararobaacute que era ldquoa mais fechada estrada que se acha em
todo o sertatildeo por nunca ser aberta no tempo em que se comeccedilou a cultivar e hoje jaacute a deixam
muitos passageiros pela natildeo poderem seguir com os seus comboiosrdquo 159
adverte o autor que
ali deveria se abrir aleacutem de uma estrada para o Rio de Satildeo Francisco outra que levasse para a
ldquomissatildeordquo do Ararobaacute e dali para o Pajeuacute
Continua alertando que era preciso por poccedilas puacuteblicas ldquocom caminhos e cruz na
estradardquo jaacute que esta rota ficava afastada Prossegue afirmando que o principal trecho que se
deveria abrir era o da Lagoa da Pedra do Tacaete e todas as aguadas do Riacho Libaral
Pedra do Cachorro e Lagoinha ldquofazendo-lhes caminho para sair para a porteira do macacordquo
160 Diz ainda que se deviam pocircr cruzes por todo o riacho do Mororoacute A aacuterea proacutexima do
Mororoacute segundo a descriccedilatildeo feita era toda ldquocultivada de moradores e fazendasrdquo 161
aleacutem
disso a localidade contava com aldeias de gentio de naccedilatildeo Xucuru Paraguaio Parariconha e
Carnejo
Nosso autor desconhecido aconselha ainda que a estrada se construa em poucos dias e
que ali no siacutetio chamado Tacalico se findava a freguesia do Pajeuacute onde por sua vez tinha
iniacutecio a freguesia de Cabroboacute Daquele ponto era necessaacuterio que se abrisse do siacutetio Tacaratu
ateacute o Rio de Satildeo Francisco uma distacircncia de aproximadamente cinco leacuteguas Continua dando
detalhes sobre os caminhos daquele sertatildeo afirmando que ldquoseguindo para as minas se
caminha a vista do dito Rio (Satildeo Francisco) 35 leacuteguas largando o tal rio se passa o rio das
Velhas na barra donde se encontra com o de Satildeo Franciscordquo 162
o fim deste caminho eacute
apontado pelo autor como a regiatildeo do Cariranha que ficava afastada cerca de 200 leacuteguas das
minas de ouro
158
Idem 159
Idem 160
Idem 161
Idem 162
Idem
52
Por fim sugere que o caminho seja aberto no mecircs de outubro e novembro pois naquela
eacutepoca havia ldquoabundacircncia de aacuteguas para os trabalhadoresrdquo 163
Advertia poreacutem que nesta
estrada seria necessaacuterio caminhar dois dias por dentro de um rio chamado Moxotoacute e que em
determinadas ocasiotildees o mesmo ficava inundado impossibilitando que o trabalho de abertura
fosse feito Aleacutem disso aquele rio era frequentado anualmente pelos povos nativos das naccedilotildees
Paraguaio e Parariconha
Na tentativa de entendermos um pouco melhor o roteiro aqui descrito faremos uma
breve explanaccedilatildeo das principais freguesias descritas no documento Para isso utilizaremos
como base um documento riquiacutessimo enviado a corte pelo governador de Pernambuco a
eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses onde o mesmo faz uma descriccedilatildeo detalhada da capitania
pernambucana relacionando todas suas freguesias povoaccedilotildees respectivas economias
caracteriacutesticas ambientais entre outros traccedilos daquelas paragens 164
De acordo com o documento da segunda metade do XVIII a freguesia de Santo
Amaro de Jaboatatildeo 165
atual municiacutepio de Jaboatatildeo dos Guararapes em Pernambuco onde
teria iniacutecio o caminho sugerido ao Ouvidor Mor tinha dez leacuteguas de aacuterea fazendo fronteira
com as freguesias de Satildeo Lourenccedilo da Mata 166
ao Norte e a leste com a freguesia da Vargem
167 A freguesia contava com 14 engenhos destes oito moiacuteam com aacutegua e seis com cavalos
Possuiacutea duas ribeiras ldquoa do Jaboatatildeo que tem seu principio em uma matardquo 168
e o outro rio era
o do Gajauacute as margens do uacuteltimo estavam situados os engenhos de aacutegua A povoaccedilatildeo natildeo
passava de uma pequena aldeia e seus habitantes viviam majoritariamente de suas plantaccedilotildees
de accediluacutecar algodatildeo e mandioca
Dando seguimento ao percurso sugerido chegaria-se a freguesia de Santo Antatildeo da
Mata atual municiacutepio de Vitoacuteria de Santo Antatildeo este jaacute era considerado um local sertanejo
163
Idem 164
Este documento que pode ser encontrando na coleccedilatildeo especial para Pernambuco existente na Biblioteca
Nacional natildeo possui uma dataccedilatildeo especiacutefica apenas eacute indicado que os dados nele contido comeccedilaram a ser
levantados no ano de 1774 Acreditamos que o relatoacuterio feito pelo governador esteja relacionado agraves tentativas da
Coroa jaacute comentadas neste capiacutetulo sobretudo no periacuteodo Pombalino de buscar conhecer melhor seu territoacuterio
Referecircncia ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices)
ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 165
Atual municiacutepio do agreste pernambucano que assumiu o nome de Jaboatatildeo dos Guararapes 166
Atual municiacutepio da regiatildeo metropolitana do Recife Dados do Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica-
IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261370ampsearch=pernambuco|sao-
lourenco-da-mata Data de acesso 05072017 167
Atual bairro da Vaacuterzea localizado na cidade do Recife 168
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
53
A freguesia tinha ldquo5 leacuteguas donde parte com o curato de Satildeo Joseacute chamado dos Bezerros 169
extrema-se com a freguesia de S Antocircnio do Ururuba 170
dos iacutendiosrdquo 171
Segundo o mesmo
documento os sertotildees daquela freguesia eram secos e o rio mais destacado do lugar era o
Pajeacuteu ldquoo qual vai fazer barra no Rio de Satildeo Franciscordquo 172
Sobre a populaccedilatildeo e economia
local o documento afirma que eram poucos os engenhos dedicados ao fabrico de accediluacutecar no
lugar apenas trecircs apesar de haverem outros dedicados ao mel e as engenhocas de rapadura O
nuacutemero de habitantes era alto e viviam de vender ldquoseus gadinhosrdquo 173
e ldquoefeitos e panos de
algodatildeordquo 174
nas feiras locais Segundo o relato o comeacutercio de panos de algodatildeo no lugar
atraia ateacute mesmo comboios dos sertotildees de Minas O que confirma estar agrave localidade inserida
nos roteiros que ligavam aos sertotildees
Depois da freguesia de Santo Antatildeo da Mata o caminho indicava que se seguisse pelo
rio Ipojuca ateacute o siacutetio ldquoCaruarurdquo que a anaacutelise da rota nos leva a crer se tratar do atual
muniacutecipio do agreste Pernambuco de mesmo nome Depois desse momento se fazia
necessaacuterio seguir para a freguesia do Ararobaacute Em documento do ano de 1780 que pretendia
compilar as cidades e vilas da capitania de Pernambuco e suas respectivas freguesias a
seguinte menccedilatildeo eacute feita quanto tal localidade ldquodo Araroba Rodelas Rio Grande do Sul natildeo
chegaram as relaccedilotildees por serem partes muito distantesrdquo 175
Nesta mesma relaccedilatildeo estima-se
que a freguesia do Ararobaacute estava a 80 leacuteguas de distacircncia de Recife
No documento remetido por Joseacute Cesar de Meneses a dita freguesia estaacute inserida
dentro do chamado ldquosertatildeo dos Garanhusrdquo 176
Ela tinha iniacutecio em um local conhecido como
ldquoCapacaccedilardquo que era pouco povoado havendo ldquomuitas leacuteguas sem habitadoresrdquo 177
As vilas de
169
Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros Data de
acesso 05072017 170
Conhecida tambeacutem como Ararobaacute ou Ororobaacute 171
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 172
Idem 173
Idem 174
Idem 175
Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo IEB-USP Fundo
Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010 176
Atualmente a cidade de Garanhus eacute um municiacutepio do agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260600ampsearch=pernambuco|garanhuns Data
de acesso 05072017 177
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
54
Simbres dos Iacutendios 178
a de Aacuteguas Belas 179
a do Riacho do Navio180
Pipaacuteoacute 181
e Arapuaacute 182
faziam parte da freguesia Boa parte dessas localidades ainda hoje preservam as toponiacutemias
do XVIII estando situadas entre o agreste de Pernambuco e a regiatildeo do vale do Satildeo
Francisco Quanto a dinacircmica comercial local o manuscrito revela ser tal freguesia ldquomui
pobrerdquo 183
sua populaccedilatildeo vivia de plantar lavouras de milho roccedila canas de accediluacutecar feijotildees
fazer mel rapadura e tambeacutem dos negoacutecios das carnes criando boiadas curtindo e vendendo
couros e solas atravessando gados para Bahia e Pernambuco etc
Seguindo nosso roteiro do Ararobaacute era necessaacuterio se abrir caminho natildeo soacute da estrada
que levava ao Rio Satildeo Francisco mas tambeacutem da missatildeo de Araroba 184
ateacute o Pajeuacute O ldquosertatildeo
do Pajeuacuterdquo era extenso nele estavam inseridas quatro importantes freguesias sertanejas
Cabroboacute 185
Satildeo Joseacute dos Bezerros 186
Tacaratu 187
e por fim Pilatildeo Arcado 188
Apoacutes a
178
Atual distrito do municiacutepio de Pesqueira localizado no agreste pernambucano Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=261090 Data de acesso 05072017 179
Atual municiacutepio de Aacuteguas Belas localizado no agreste de Pernambuco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260050ampsearch=pernambuco|C381gu
as-belas Data de acesso 05072017 180
O Riacho do navio eacute um curso fluvial que atravessa o sertatildeo de Pernambuco sendo um dos principais
afluentes do Rio de Satildeo Francisco O curso nasce no atual municiacutepio de Floresta em Pernambuco Dados do
Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophpcodmun=260570 Data de acesso 05072017 181
Infelizmente natildeo conseguimos identificar onde se encontra tal localidade atualmente 182
Acreditamos que o autor quis se referir as proximidades da ldquoSerra do Arapuaacuterdquo localizada atualmente no
distrito de Carnaubeira da Penha situado na regiatildeo do Satildeo Francisco e inscrito na bacia do Rio Pajeuacute 183
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 184
De acordo com a bibliografia consultada a missatildeo do Araroba ou Ararobaacute ficava localizada entre os atuais
municiacutepios de Aacuteguas Belas e Garanhus Referecircncia DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na
constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume
282 ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os acossamentos de
Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII) Rev Bras Hist [online] 2015
vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016 MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute
e Rio Grande catequese violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22 185
Atual municiacutepio do sertatildeo pernambucano que conserva o mesmo nome Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260300ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017 186
Atual municiacutepio do Agreste pernambucano que preserva o nome de Bezerros Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=260190ampsearch=pernambuco|bezerros 187
Atual muniacutecipio de Pernambuco localizado na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro
de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpwwwcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu
Data de acesso 05072017 188
Atual municiacutepio do estado da Bahia localizado no vale de Satildeo Francisco Dados do Instituto Brasileiro de
geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=292440ampsearch=||infogrE1ficos-histF3rico
Data de acesso 05072017
55
chegada ao Pajeuacute o autor adverte que se deve abrir principalmente o caminho da Lagoa da
Pedra do Tacaete e as aguadas do Riacho Libaral Pedra do Cachorro e Lagoinha
Ateacute o momento natildeo conseguimos identificar onde estaria situada atualmente a ldquoLagoa
da Pedra do Tacaeterdquo Para as outras localidades foi possiacutevel localizar seus atuais logradouros
o Riacho Libaral estaacute situado no atual municiacutepio de Sanharoacute a Pedra do Cachorro um
afloramento rochoso que atualmente atrai turistas para praacutetica de esportes radicais fica em
Satildeo Caetano Por fim Lagoinha diz respeito ao municiacutepio de Alagoinhas todas estas cidades
compotildeem a zona agreste de Pernambuco e fazem parte da microrregiatildeo do vale do Ipojuca 189
Seguindo o caminho traccedilado no documento base era orientado que nos ldquocaldeiros do
riacho do Mororoacuterdquo 190
fossem postos cruzes o dito riacho estaacute localizado atualmente no
municiacutepio de Pedra no agreste de Pernambuco de acordo com nossa rota era uma freguesia
extensa com cerca de 70 leacuteguas de comprimento e seu fim era fronteiriccedilo com a freguesia de
Cabroboacute 191
Cabroboacute era um importante ponto de passagem dos caminhos interioranos
possuiacutea 60 fazendas de gado vacum e cavalar seu principal rio era o do Pajeuacute ldquodonde toma
nome este sertatildeordquo 192
Os povos locais viviam de criar gados e os negociavam tanta na Bahia
como em Pernambuco ao que consta nos manuscritos o cultivo no local era pequeno
dedicado apenas a subsistecircncia da populaccedilatildeo local
Dando prosseguimento no guia de Cabroboacute se fazia necessaacuterio abrir os caminhos ateacute o
ldquoSiacutetio Tacaraturdquo 193
Pouco se fala sobre a freguesia de Tacaratu no documento base que aqui
nos utilizamos explica-se apenas que possuiacutea cerca de 60 fazendas e que alguns recantos
daquela freguesia eram totalmente despovoados isto porque tais locais ldquonatildeo servem de criar
gados por falta de aacuteguasrdquo 194
Quanto a economia local afirma-se que sua populaccedilatildeo vivia de
criar seus gados outros de seus negoacutecios de passar boiadas para Bahia e da laacute traziam ldquovaacuterias
189
Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas - APAC Disponiacutevel em
httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=17 Data de acesso 05072017 190
191
Fizemos um caacutelculo estimado para verificar se a informaccedilatildeo era coerente Considerando que cada leacutegua
equivale a cerca de 48 km e que o cumprimento da freguesia de Pedra ateacute o Cabroboacute seria de 70 leacuteguas
Multiplicamos 70 x 48 chegando ao valor de 336km Utilizando o recurso do Google Maps traccedilamos uma rota
entre Cabroboacute e Pedra (rodoviaacuteria) satildeo trecircs os caminhos possiacuteveis apontados pelo programa suas
quilometragens satildeo respectivamente 293 km 342 km e 352 km Valores bem proacuteximos de nossa estimativa 192
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN 193
Atualmente Tacaratu eacute um muniacutecipio pernambucano localizado na regiatildeo do Meacutedio Satildeo Francisco Dados do
Instituto Brasileiro de geografia e estatiacutestica- IBGE Disponiacutevel em
httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=261480ampsearch=pernambuco|tacaratu Data de
acesso 05072017 194
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
56
fazendas para seu comeacuterciordquo 195
A atual cidade de Tacaratu muniacutecipio do estado de
Pernambuco estaacute inserida na regiatildeo do meacutedio Satildeo Francisco
De acordo com nossa rota a distacircncia entre Tacaratu e o Rio de Satildeo Francisco era de
aproximadamente cinco leacuteguas Dali o caminho seguiria em direccedilatildeo ao atual estado de Minas
Gerais passando-se do Rio de Satildeo Francisco para o Rio das Velhas A capitania
pernambucana se estremava com a mineira atraveacutes do Cariranha esta localidade seguindo os
dados de nosso guia ficava a aproximadamente 200 leacuteguas afastada da regiatildeo das minas de
ouro
Por fim a rota aqui descrita refere-se ao rio Moxotoacute afirmando que para se abrir tal
caminho era preciso caminhar por cerca de dois dias dentro de tal rio O rio que preserva o
mesmo nome da eacutepoca banha os estados de Pernambuco e Alagoas sua nascente se encontra
no atual muniacutecipio de Sertacircnia no sertatildeo pernambucano e o mesmo desagua no Rio de Satildeo
Francisco De acordo com dados da Agecircncia pernambucana de aacuteguas e climas ndash APAC 196
a
bacia do rio Moxotoacute possui uma aacuterea total de 974401 kmsup2 e abrange 12 municiacutepios
pernambucanos total ou parcialmente Sendo eles Inajaacute Sertacircnia Arcoverde Custoacutedia
Ibimirim Manari e Tacaratu Buiacuteque Floresta Jatobaacute Iguaraci e Tupanatinga todas estas
cidades estatildeo compreendidas na regiatildeo do sertatildeo do estado
Para visualizarmos melhor o caminho aqui descrito traccedilamos um caminho aproximado
da rota de 1730 Como podemos ver na imagem abaixo
195
Idem 196
Dados da Agecircncia Pernambucana de Aacuteguas e climas ndash APAC Disponiacutevel em
httpwwwapacpegovbrpaginaphppage_id=5ampsubpage_id=18 Data do acesso 05072017
57
Mapa 4 ndash Roteiro de Santo Amaro de Jaboatatildeo ateacute o Cariranha (1730)
Fonte Jeacutessica Rocha de Sousa Ana Maria Cuentro Barros Imagem aproximada da Rota do Ipojuca para o
Rio de Satildeo Francisco (1730) Imagem criada com o auxiacutelio do programa Adobe Illustrator
Como eacute possiacutevel notar atraveacutes da anaacutelise da rota aqui feita o caminho sugerido se
aproxima bastante do ldquocaminho do Ipojucardquo descrito no roteiro de 1738 e mapeado por
Antocircnio Gonsalves de Melo Dessa forma podemos concluir que se este documento natildeo foi
exclusivamente o guia para abertura de tal roteiro pelo menos indicava uma demanda real que
de fato foi atendida em algum momento entre 1730 e 1738 pois a partir da uacuteltima data jaacute era
possiacutevel acessar o sertatildeo ateacute o Rio de Satildeo Francisco atraveacutes do Rio Ipojuca e seus afluentes
Demonstramos atraveacutes da documentaccedilatildeo aqui elencada que os sertotildees fronteiriccedilos a
Bahia e Pernambuco eram dinacircmicos Muitas eram as localidades sertanejas apontadas nos
manuscritos que comercializavam com as duas praccedilas A conexatildeo entre as duas capitanias
eram extensas e no periacuteodo aqui estudado jaacute estavam bem consolidadas De maneira geral o
estudo sobre as rotas de penetraccedilatildeo tendem a trataacute-las apenas como caminhos pelo qual se
58
passavam os gados no entanto deve-se atentar que outros negoacutecios tambeacutem ocorriam nestas
paragens isto eacute os caminhos natildeo serviam exclusivamente ao comeacutercio das carnes e couros
Estudos mais recentes tem se dedicado a demonstrar o dinamismo do comeacutercio
sertanejo em suas conexotildees com a economia colonial estes trabalhos tem sido essenciais no
sentido de renovar a perspectiva sobre os negoacutecios desenvolvidos nas regiotildees interioranas Ao
analisar as relaccedilotildees que uniam os sertotildees da Bahia a Minas Gerais Isnara Pereira Ivo iraacute
alertar para ldquoo papel econocircmico e comercial dos sertotildeesrdquo 197
que por muitas vezes era
ldquominimizado como meros fornecedores de carnerdquo 198
a autora iraacute afirmar que este papel
ldquoredimensiona-se quando percebido como parte de uma articulaccedilatildeo econocircmica cultural e
poliacutetica maior permeada de especificidades e dinamismosrdquo 199
Ou seja Ivo chama a atenccedilatildeo
para vitalidade inclusive comercial daquelas regiotildees que no seacuteculo XVIII jaacute possuiacuteam um
ritmo proacuteprio de desenvolvimento e se encontravam conectadas ao litoral e ao aleacutem-mar
sendo peccedila importante da economia colonial
Em dissertaccedilatildeo que trata sobre a participaccedilatildeo dos negociantes pernambucanos no
comeacutercio de abastecimento da regiatildeo mineradora no seacuteculo XVIII Hugo Demeacutetrio Nunes
Teixeira Bonifaacutecio tambeacutem iraacute defender a tese do intenso movimento comercial daquelas
paragens O autor afirmaraacute que ldquoo sertatildeo era uma regiatildeo economicamente dinacircmica capaz de
prover gecircneros dos quais necessitavam por exemplo a regiatildeo das Minasrdquo 200
Cabe aqui
ressaltar que os sertotildees a que se refere Bonifaacutecio satildeo os de Pernambuco e Bahia em suas
conexotildees com as Minas de ouro
Esse dinamismo nas regiotildees interioranas tambeacutem poderaacute ser observado nas relaccedilotildees
que uniam Pernambuco a Bahia A introduccedilatildeo das barcas de passagens que faziam o
transporte de pessoas e cargas entre as duas margens do Rio de Satildeo Francisco 201
por
exemplo eacute demonstrativa do grande tracircnsito comercial estabelecido naqueles sertotildees e
denotam a tentativa da Coroa de tentar de alguma forma regulamentar aquele comeacutercio que
fugia ao controle do fisco real Visto que as tais passagens passam a fazer parte do conjunto
dos contratos reais formas de arrecadaccedilatildeo tributaacuteria utilizadas em Portugal desde o seacuteculo
197
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica
Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 115 198
Idem 199
Idem 200
BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e Homens de
Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII
Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e
Ciecircncias Humanas da Universidade Federal de Pernambuco 201
NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo Horizonte Editora
UFMG 2011 P 85 AHU ndash PE Cx 133 D 9987
59
XVI 202
Analisando a implementaccedilatildeo das barcas de passagem que conectavam os rios
sertanejos as minas de ouro Isnara Pereiro Ivo afirmaraacute que
Os arrendamentos das passagens dos rios faziam parte do sistema de
contratos e estavam relacionados ao descobrimento do ouro agraves formas de
controle e descaminho e agrave ampliaccedilatildeo das receitas reais Eram feitos por
leilatildeo no Conselho Ultramarino e no ato da assinatura do contrato o
contratador assumia a obrigaccedilatildeo de pagar 1 destinado as propinas
municcedilotildees e construccedilotildees de fortalezas no ultramar e de restituir a Coroa em
trecircs anos o restante do montante a ser pago Os contratos podiam ser
arrematados tanto por um soacute individuo quanto por um grupo 203
Aqui em Pernambuco o processo de arremataccedilatildeo das tais passagens parece ter ocorrido
de forma semelhante De acordo com ofiacutecio datado de 1779 as barcas iratildeo surgir no Satildeo
Francisco por iacutempeto de um morador da regiatildeo de Rodelas que observara o ldquoincomodo e
risco que corriam os passageiros e comboios na falta de barca que os passassemrdquo 204
por isso
resolveu por uma barca no Satildeo Francisco na regiatildeo de Juazeiro Fez isso o morador sem
ldquoprocurar licenccedila para o fazer nem contribuir para a real fazenda com parte do seu
rendimentordquo 205
Quando o governador de Pernambuco a eacutepoca Duarte Sodreacute descobriu tal
negoacutecio ordenou ao comandante do distrito por o rendimento daquela passagem para
arremataccedilatildeo em praccedila puacuteblica
O morador pioneiro ofereceu 300000 reis pelo triecircnio do contrato como era de
costume No entanto o governador por acreditar que tal contrato valesse mais o mandou
colocar em leilatildeo no Recife Natildeo houve entretanto quem quisesse pagar mais por ele A
desconfianccedila reacutegia acerca dos rendimentos gerados a partir das barcas de passagens na regiatildeo
do Satildeo Francisco natildeo seraacute exclusividade da sua gecircnese em diversos outros momentos o
Conselho Ultramarino iraacute exigir que se procedesse agrave investigaccedilatildeo sobre os rendimentos
daqueles contratos 206
A desconfianccedila dos agentes reacutegios era de que os mercadores
mancomunados faziam ofertas bem abaixo da meacutedia de geraccedilatildeo de lucros daquele
investimento Todo esse clima de suspeita eacute demonstrativo da falta de conhecimento concreto
da Coroa a respeito dos negoacutecios que se praticavam nos sertotildees resultado de uma poliacutetica
administrativa que soacute se preocupou tardiamente por aquelas aacutereas
202
IVO Isnara Pereira Op Cit P 159 203
Idem 204
AHU ndash PE Cx 133 D 9987 205
Idem 206
Idem AHU ndash PE Cx 151 D 9853AHU ndash PE Cx 88 D 7150
60
Natildeo sabemos o nome do dito morador mas sabemos que seu filho Joatildeo Moreira da
Costa e Silva em 1759 fez requerimento ao Rei solicitando ser provido com o direito a
propriedade das passagens do Rio de Satildeo Francisco Neste documento Joatildeo Moreira afirma
ter sido seu pai o descobridor da passagem do Juazeiro e das outras nove passagens que iratildeo
se instalar naquele rio Ele propotildee ao rei que lhe faccedila a mercecirc de lhe conceder a propriedade
das passagens durante toda sua vida ficando o suplicante na obrigaccedilatildeo de ldquofazer bons em cada
um ano para a real fazenda 200000 reacuteisrdquo 207
Temos o conhecimento de que eram dez as passagens do Rio de Satildeo Francisco
administradas pela capitania de Pernambuco No ano de 1756 cinco dessas passagens por
pedido do Ouvidor da Comarca de Jacobina na Bahia passaratildeo a ter seus rendimentos
gerenciados pela cacircmara da Vila da Barra de Satildeo Francisco das Chagas como meio de gerar
fundos para construccedilatildeo da cadeia da nova vila passado dez anos esses contratos deveriam ser
assimilados a Provedoria Mor da Bahia Essa resoluccedilatildeo natildeo iraacute agradar ao governo de
Pernambuco que anos mais tarde iraacute requerer a reincorporaccedilatildeo das tais passagens agrave capitania
de origem As cinco passagens submetidas agrave cacircmara da Vila da Barra de S Francisco das
Chagas se situavam em Bom Jardim Barra Rio Preto Cariranha e Rio Corrente As da parte
de Pernambuco ficavam em Juazeiro Pilatildeo Arcado Surubabeacute Petra e Currais dos Bois 208
Um documento do ano de 1778 esclarece quais as condiccedilotildees e deveres a que estavam
sujeitos os contratadores das passagens do Satildeo Francisco aqui em Pernambuco Os contratos
poderiam ser arrendados por um uacutenico indiviacuteduo ou por soacutecios ficava o contratador livre para
ldquocobrar-se tudo que pertence a Fazenda Realrdquo 209
O contrato deveria ser pago a Tesouraria
Geral e Deputado da Junta da Fazenda Real atraveacutes de parcelas a cada seis meses e em
dinheiro fiacutesico Tinham por obrigaccedilatildeo ainda o contratador e seus soacutecios pagarem propina de
1 para obras pias Em relaccedilatildeo agraves barcas cabia ao contratador escolher se compraria as
embarcaccedilotildees do uacuteltimo arrendataacuterio ou se mandaria construir novas sendo determinado pelo
regulamento que o contratador antecedente negociasse preccedilos justos pelas embarcaccedilotildees
De acordo com nossas fontes se cobravam os fretes pelos seguintes produtos Cabeccedilas
de gado vacum cabeccedilas de gado vacum que passam a nado cabeccedilas de gado cavalar mansos
cabeccedilas de gado serrilho cargas passageiros e escravos Cada barca tinha um piloto e cerca
de dois a quatro marinheiros que a servia 210
Os maiores ganhos foram observados na
207
AHU ndash PE Cx 88 D 7150 208
AHU ndash PE Cx 133 D 9987 209
AHU ndash PE Cx 131 D 9853 210
AHU ndash PE Cx 133 D 9987
61
passagem do Juazeiro regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias de Bahia e Pernambuco 211
A
categoria ldquocargasrdquo natildeo especiacutefica os produtos autorizados a circular naquelas embarcaccedilotildees
com certeza muitas mercadorias das chamadas ldquovedadasrdquo se fizeram passar por esses pontos
do rio inclusive o ouro proveniente da regiatildeo das minas 212
Outra questatildeo que vale destacar na discussatildeo sobre os sertotildees envolvidos nesta
pesquisa diz respeito a relaccedilatildeo que algumas freguesias iratildeo manter concomitantemente com
as capitanias de Bahia e Pernambuco A ldquoComarca da Manga que segue o Rio de Satildeo
Francisco acima Vila de Satildeo Francisco na Barra do Rio Grande do Sulrdquo por exemplo estava
sujeita em questotildees de justiccedila ao ouvidor da Jacobina Bahia mas pertencia o ldquogoverno das
almasrdquo ao bispo de Pernambuco 213
Como jaacute discutido as questotildees de limites e de
administraccedilatildeo nas aacutereas interioranas iratildeo se dar de maneira singular naquelas paragens o
cotidiano das povoaccedilotildees e as proximidades entre uma e outra capitania parecem ter dado o
ritmo agraves questotildees mais pragmaacuteticas de governanccedila
Os sertotildees setecentistas possuiacuteam vitalidade e energia e satildeo descritos nos documentos
de eacutepoca como locais propiacutecios ao desenvolvimento de praacuteticas mercantis Neste trabalho
estas relaccedilotildees mercantis iratildeo assumir contornos especiais Afinal de contas entre 1759 e
1780 o comeacutercio em Pernambuco era monopolizado pela Companhia Geral de Pernambuco e
Paraiacuteba No nosso caso percebemos que paralelamente a um mercado legal e reconhecido se
fez surgir naqueles espaccedilos uma seacuterie de atividades extralegais As redes comerciais
estabelecidas entre as Praccedilas da Bahia e Pernambuco no periacuteodo estudado seratildeo comumente
tachadas pela documentaccedilatildeo como perpetradoras de comeacutercio clandestino O contrabando de
gecircneros trazidos pelos portos da Bahia para Pernambuco e vice-versa foram uma constante na
documentaccedilatildeo
Estas regiotildees iratildeo desempenhar papel importante neste universo de descaminhos
Como jaacute destacamos ao longo dessas regiotildees encontravam-se diversos portos de pequeno
porte que por onde antes da instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba jaacute se
realizavam transaccedilotildees mercantis Em ofiacutecio do ano de 1770 o governador de Pernambuco
Manoel da Cunha Meneses ao falar sobre os contrabandos estabelecidos entre Bahia e
211
Idem AHU ndash PE Cx 88 D 7150 212
Sobre isto ver BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores e
Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da Regiatildeo Mineradora no
Seacuteculo XVIII Recife 2012 209 P Dissertaccedilatildeo (Mestrado em histoacuteria) - Centro de Filosofia e Ciecircncias
Humanas Universidade Federal de Pernambuco 213
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
62
Pernambuco nos daacute informaccedilotildees importantes acerca da dinacircmica comercial desenvolvida nos
vales do Rio Satildeo Francisco Segundo o governador ldquoO sertatildeo deste continente eacute um dos mais
povoadosrdquo 214
complementa afirmando que as margens do rio de Satildeo Francisco existem
diversas povoaccedilotildees e a respeito do comeacutercio na regiatildeo diz que ldquoeste rio divide esta capitania
da Bahia [] aleacutem das povoaccedilotildees jaacute ditas eacute muito vadiaacutevel de embarcaccedilotildees ligeirasrdquo 215
por
onde se transportam ldquotoda a conta de fazendas que estatildeo tatildeo abundantes estes sertotildees e neles
as introduzem os moradores de uma e outra parterdquo 216
Alguns anos mais tarde em 1779 o ouvidor da comarca das Alagoas iraacute relatar
detalhes sobre a organizaccedilatildeo deste ldquopernicioso comeacuterciordquo Segundo o mesmo ldquoPor todos estes
engenhos jaacute natildeo haacute uma soacute caixa (de accediluacutecar) que natildeo esteja vendida pelo exorbitante preccedilo de
treze tostotildees por arroba a diferentes e muitos fabricantes que vieram da Bahia a este
propoacutesitordquo 217
Segundo o ouvidor a estrateacutegia do grupo de contraventores consistia em
transportar para as praias da regiatildeo as caixas contrabandeadas durante a noite em ldquojangadas e
sumacas que existem atualmente na ilha de Santo Aleixo e em Una donde francamente tem
saiacutedo de proacuteximo cinco ou seisrdquo 218
Apesar das rotas sertanejas aqui descritas nos indicarem as possiacuteveis vias de acesso do
litoral ao interior do territoacuterio pernambucano mapear com exatidatildeo os caminhos percorridos
pelos comerciantes contraventores natildeo eacute tarefa das mais faacuteceis pois aleacutem de natildeo existir
interesse de se documentar esse tipo de comeacutercio ao que nos parece de acordo com a anaacutelise
da documentaccedilatildeo esses caminhos eram dinacircmicos e muacuteltiplos e nos faltam instrumentos
cartograacuteficos mais precisos que sejam capazes de revelar a grandiosidade da costa
pernambucana ldquode donde por mar e terra se introduzem neste continenterdquo 219
produtos
contrabandeados
Uma coisa eacute certa a natureza pernambucana contribuiacutea na realizaccedilatildeo das ilicitudes a
ldquogrande dilataccedilatildeo que tem o continente da jurisdiccedilatildeo deste governordquo 220
que compreende em
suma ldquopor costa do Mar 82 leacuteguas com muitos rios barras enseadas e entradas por entre
arrecifes que por providecircncia divina cobre toda esta costardquo 221
permitiu que nunca se faltasse
214
AHU ndash PE Cx 108 D8371 215
Idem 216
Idem 217
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 218
Idem 219
AHU ndash PE Cx 127 D 9670 220
AHU ndash PE Cx 108 D 8371 221
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco (Coacutedices) ndash
Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
63
o contrabando em Pernambuco natildeo soacute de escravos mas de outras mercadorias 222
Apesar da
tentativa de encobrir essas rotas por parte daqueles que delas se beneficiavam alguns pontos
acabaram documentados pela fiscalizaccedilatildeo
Nosso acervo documenal revela uma variedade significativa de portos indicados pelas
autoridades locais como aacutereas de desembarque de produtos contrabandeados Listamos abaixo
os portos ateacute o momento identificados
Quadro 1 - Lista de Portos em que Ocorreratildeo apreensotildees ou se fez saber da existecircncia de
Contrabandos
PORTOLOCALIDADE
BAHIA DA TRAICcedilAtildeO
CABO DE SANTO AGOSTINHO
CAMARAJIBE
CURURIPE
GOIANA
ILHA DE SANTO ALEIXO
ILHA DO NOGUEIRA
JARAGUAacute
PRAIA DA PENHA
PRAIA DE PAU AMARELO
PRAIA DA FORTALEZA DO BRUM
PORTO CALVO
PORTO DO RECIFE
SANTO ANTONIO DA BARRA GRANDE
SIARAacute GRANDE
SIRINHAEM
TAPAGIPE
TRAPICHE DE MACIEL ndash BAHIA
UNA
Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 132 D9955 AHU ndash PE Cx133 D 9966
AHU-PE Cx 133 D 10003 AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash PE
Cx 138 D 10248 AHU ndash BA Cx 181 D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx
107 D 8284 AHU ndash PE Cx 110 D 8493 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 133 D
222
CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-1850 Recife
2002 P 102
64
10017 AHU ndash PE Cx 137 D 10197 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos
Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2
Foi possiacutevel rastrear atualizando as toponiacutemias a maior parte dos locais citados nas
fontes Como uma maneira de buscar compreender melhor a relaccedilatildeo entre aacutereas de produccedilatildeo e
localidades apontadas nesta lista como aacutereas de embarque e desembarque de produtos
vedados nos utilizaremos de dados contidos em ofiacutecio do ano de 1761 enviado pelo entatildeo
governador de Pernambuco Luiacutes Diogo Lobo ao Reino onde se encontra uma relaccedilatildeo
contendo nome e nuacutemero de todos os engenhos moentes e de fogo morto existentes na
capitania pernambucana e suas anexas 223
As localidades de Coruripe Jaraguaacute Porto Calvo Santo Antocircnio da Barra Grande
fazem parte atualmente do estado de Alagoas Comarca anexa a Pernambuco agrave eacutepoca A
regiatildeo que aparece constantemente envolvida nos circuitos de contrabando principalmente de
accediluacutecar analisados neste trabalho possuiacutea uma grande quantidade de engenhos ativos Apenas
na freguesia de Porto Calvo existia a eacutepoca 14 engenhos em atividade e um em fogo morto
Adicionando a esta soma as faacutebricas de Alagoas do Sul Alagoas do Norte e da Freguesia de
Satildeo Miguel locais onde estavam inseridos os outros portos apontados em nossa lista
chegava-se ao total de 32 engenhos operantes na regiatildeo 224
De maneira geral os engenhos estabelecidos nas capitanias do Norte da Ameacuterica
Portuguesa se fixavam em aacutereas de vaacuterzea com faacutecil acesso a rios e ribeiras de modo a
facilitar o escoamento da produccedilatildeo canavieira para seus portos de destino nas terras
alagoanas a dinacircmica natildeo era diferente Lembramos tambeacutem que a Comarca se ligava ao
sertatildeo atraveacutes de rotas terrestres e de sua rede hidrograacutefica composta por importantes rios
como o Coruripe e o Moxotoacute
Ilha de Santo Aleixo Pau Amarelo Praia da fortaleza do Brum Praia da Penha
Camaragibe Cabo de Santo Agostinho Sirinhaeacutem e Goiana se encontram atualmente na
jurisdiccedilatildeo do Estado de Pernambuco Para agrave toponiacutemia denominada ldquoUnardquo a bibliografia
consultada afirma se tratar de freguesia proacutexima a Porto Calvo em municiacutepio hoje conhecido
como Barreiros localizado no estado de Pernambuco 225
Quanto a Ilha do Nogueira tambeacutem
223
AHU ndash PE Cx 95 D 7501 224
Idem 225
Dados coletados de Ideia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexas Coleccedilatildeo Pernambuco
(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de
Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel
em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017
65
conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia
Teimosa no Recife 226
De acordo com dados levantados por Luiacutes Diogo Lobo entre Olinda e Recife os
engenhos estavam divididos nas seguintes freguesias Muribeca Cabo Ipojuca Varge Santo
Amaro de Jaboatatildeo Satildeo Lourenccedilo da Mata Nossa Senhora da Luz e Santo Antatildeo Estas
freguesias somadas possuiacuteam 90 engenhos funcionais e 17 que jaacute natildeo operavam Quanto agrave
vila de Sirinhaeacutem e seus termos contava com 43 engenhos ativos destes 10 estavam situados
na freguesia de Una 227
Goiana estava inserida na Vila de Igarassu a freguesia dispunha de
23 engenhos em atividade e um inativo Estas freguesias em sua maioria estavam localizadas
em aacutereas de faacutecil acesso ao transporte fluvial que permitiam tambeacutem que se adentrasse ao
interior do territoacuterio
Bahia da Traiccedilatildeo faz parte do estado da Paraiacuteba A listagem do governador Luiacutes Diogo
Lobo atesta que a capitania da Paraiacuteba naquele tempo contava com 20 engenhos em operaccedilatildeo
e dois em estado de fogo morto Quanto a ldquoSiaraacute Granderdquo como o nome jaacute informa se
encontra no atual estado do Cearaacute O documento de 1761 assegura que naquela capitania
havia apenas dois engenhos moentes e um inativo 228
Para o local denominado Tapagipe
ainda natildeo foi possiacutevel identificar a localizaccedilatildeo atual Como eacute possiacutevel visualizar boa parte
das localidades apontadas pelas autoridades como locais de circulaccedilatildeo de mercadorias ilegais
estavam proacuteximas a aacutereas de produccedilatildeo canavieira Aleacutem disso estes portos naturais se
situavam em maioria na regiatildeo sul da antiga capitania e possuiacuteam conexotildees com os sertotildees
atraveacutes das abundantes malhas fluviais que circundam o nordeste
Para nos ajudar a pensar espacialmente esta regiatildeo iremos fazer uso de duas imagens
A primeira uma carta topograacutefica das ldquocapitanias de que se compotildee o presente governo de
Pernambucordquo foi oferecida ao secretaacuterio de estado da Marinha e Ultramar Francisco Xavier
de Mendonccedila Furtado em marccedilo do ano de 1766 A carta traz detalhes a respeito dos
povoados e recantos da costa e do interior da capitania pernambucana incluindo locais
envolvidos nos circuitos do contrabando
226
PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008 227
Ainda de acordo com o documento a freguesia de Porto Calvo que atualmente faz parte do estado de
Alagoas pertencia a Vila de Sirinhaeacutem e como jaacute dito possuiacutea 14 engenhos ativos e um classificado como fogo
morto AHU ndash PE Cx 95 D 7501 228
Idem
66
Mapa 5 ndash Carta topograacutefica do governo de Pernambuco (1766)
Fonte LAPEH ndash Laboratoacuterio de Pesquisa histoacuterica ndash Departamento de Histoacuteria CFCH UFPE
Legenda 1ndash Bahia da Traiccedilatildeo 2- Paraiacuteba 3- Goiana 4- Itamaracaacute 5- Cidade de Olinda 6- Vila de
Santo Antocircnio do Recife 7- Cabo de Santo Agostinho 8ndash Ilha de Santo Aleixo 9- Porto Calvo 10-
Entrada das Alagoas 11- Rio de Satildeo Francisco 12- Bahia de Todos os Santos
A segunda imagem trata-se de um Mapa tipograacutefico dos portos e Costa da Bahia
Olinda e Pernambuco do ano de 1776 O mapa feito por Nicolao Martinho foi encomendado
por Manoel Jozeacute de Noronha e Meneses o Conde dos Arcos como um oferecimento a seu tio
o Marquecircs de Angeja Mais complexo que a carta exposta acima o mapa mostra em detalhes
toda a Costa de Pernambuco e Bahia passando pelos atuais estados de Alagoas e Sergipe
incluindo suas vilas os rios e ribeiras e seus cursos o que nos permite ter uma melhor ideia
do espaccedilo onde ocorriam as transaccedilotildees comerciais alvo deste estudo
67
Mapa 6 ndash Mapa Tipograacutefico dos Portos e Costa da Bahia de todos os Santos
Olinda e Pernambuco (1776)
68
69
Fonte MARTINHO Nicolao Mappa tipografico dos portos e costa da Bahia de todos os Santos
Olinda e Pernambuco [Sl sn] 1776 1 mapa ms col tinta ferrogaacutelica e nanguim 51 x 159
Disponiacutevel em httpobjdigitalbnbracervo_digitaldiv_cartografiacart309964cart309964jpggt
Acesso em 01 de janeiro de 2018
A anaacutelise da documentaccedilatildeo base utilizada nesta pesquisa junto agraves duas imagens acima
nos fornecem dados para pensar em algumas hipoacuteteses sobre a circulaccedilatildeo dessas mercadorias
Acreditamos que os produtos ldquocontrabandeadosrdquo atraveacutes dos sertotildees chegavam as populaccedilotildees
de Recife e Olinda seguindo dois caminhos distintos O primeiro seria seguindo o fluxo do
Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes regiatildeo limiacutetrofe entre as capitanias (destacado pela seta
vermelha no mapa 7) utilizando os caminhos jaacute bem conhecidos do comeacutercio das carnes e
couros ou seja atraveacutes das rotas do ldquoIpojucardquo e do ldquoCapibariberdquo aqui jaacute estudadas
Chegando ao litoral estas mercadorias eram desembarcadas em pequenos portos situados
preferencialmente no litoral sul de Pernambuco onde natildeo existia a fiscalizaccedilatildeo da Companhia
70
Geral A fiscalizaccedilatildeo no geral se restringia ao porto do Recife De acordo com os dados de
Luanna Ventura a entrada do porto de Recife estava localizada ao norte do forte do Brum 229
(destacado pela seta branca no mapa 7)
A segunda rota que acreditamos ter se utilizado neste comeacutercio seria a da navegaccedilatildeo
direta via costa mariacutetima entre Bahia (destacada pela seta amarela no mapa 7) e Pernambuco
Como podemos perceber atraveacutes do mapa acima existiam entre as duas capitanias uma vasta
aacuterea de Costa natildeo protegida pela empresa e como jaacute apontado neste trabalho diversas praias
do litoral pernambucano ofereciam condiccedilotildees de desembarque Esse tipo de roteiro que jaacute
aparece bem descrito em um manual de pilotagem e navegaccedilatildeo do seacuteculo XVII 230
ficava
restrito as embarcaccedilotildees maiores dada as condiccedilotildees de navegabilidade da regiatildeo Segundo o
manual a distacircncia entre Bahia e Pernambuco era de cerca de 100 leacuteguas ldquocorre a costa ateacute o
Rio de Satildeo Francisco de Nordeste sudoeste e haacute na derrota 50 leacuteguas e do Rio de Satildeo
Francisco ao Cabo de Santo Agostinho haacute 50 leacuteguas e corre a costa nordeste sudoesterdquo
Advertia ainda aos pilotos que tomassem cuidado pois ao norte do Rio de Satildeo Francisco por
volta de 5 leacuteguas existia um arrecife perigoso conhecido como ldquoBaixio de Dom Rodrigordquo 231
O processo crime em que se envolveu o senhor Manoel Ferreira dos Santos reforccedila
nosso argumento 232
pois neste caso cinco balsas carregadas de couros e solas vindas do
sertatildeo foram apreendidas junto ao rio do Jiquiaacute em Recife 233
pela desconfianccedila que as
autoridades tiveram de que as mesmas aguardavam barco para transportar tais mercadorias agrave
capitania baiana Um dos pontos utilizados na defesa do reacuteu eacute que natildeo existia no momento da
apreensatildeo nenhum barco que estivesse carregando para Bahia e que era de conhecimento
229
OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e
tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash
Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 230
Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO Antonio de Mariz
Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo
Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por Manoel da Sylva 1655 Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq== Data de acesso
01082017 231
Os Baixios de Dom Rodrigo satildeo grandes bancos de areia que estatildeo localizados a cerca de cinco quilocircmetros
da Costa do Pontal de Coruripe (Alagoas) no meio do oceano Haacute vaacuterios casos de naufraacutegio registrados no local
Conseguimos mapear junto ao nosso acervo documental um naufraacutegio ocorrido no local no ano de 1774
tratava-se do Bergantim de nome ldquoNossa Senhora da Guia e Satildeo Francisco da Paulardquo que saindo da cidade do
Rio de Janeiro com destino a Corte acabou dando de encontro com os bancos o que na ocasiatildeo levou a oacutebito 8
das 22 pessoas embarcadas De acordo com o documento as pessoas que morreram foram ldquoBaltazar Pereira dos
Reis (soacutecio do barco) o capelatildeo o escrivatildeo sota-piloto dois marinheiros uma preta e uma mulatinhardquo Fonte
AHU ndash PE Cx 117 D 8954 232
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 233
O rio do Jiquiaacute estaacute localizado no atual bairro do ldquoCordeirordquo no municiacutepio de Recife
71
geral que aquelas balsas natildeo aguentariam uma viagem ldquopara o tempestuoso mar de barra em
forardquo 234
sem danificar suas mercadorias
Como dito anteriormente a praacutetica do contrabando na capitania pernambucana
durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial estabelecido pela Companhia Geral seraacute
abrangente e disseminada No entanto os circuitos comerciais ligando as capitanias vizinhas
teratildeo papel de destaque dentro deste comeacutercio descaminhado As rotas sertanejas haacute muito
utilizadas para o comeacutercio legal das carnes passaram a operar tambeacutem com transaccedilotildees natildeo
aprovadas e o comeacutercio direto entre os vaacuterios portos do litoral pernambucano em especial
aqueles que estavam nas proximidades de engenhos e a capitania da Bahia ganharatildeo vulto
durante este periacuteodo
Assim rios e pequenos portos tanto do litoral quanto das localidades interioranas
funcionavam como vias de escoamento de toda uma gama de iliacutecitos os contrabandistas faratildeo
entrar nas Praccedilas da Bahia e de Pernambuco atraveacutes das rotas aqui descritas uma grande
quantidade de mercadorias natildeo autorizadas Estes grupos estavam cientes dos poucos riscos
de se praticar aquele comeacutercio devido a parca fiscalizaccedilatildeo exercida pela Companhia Os
circuitos comerciais desenvolvidos nas paragens sertanejas seratildeo peccedila chave na rede de
abastecimento do mercado ilegal que se estabeleceu entre Bahia e Pernambuco na segunda
metade do XVIII
A fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral comumente restringia-se ao porto do Recife por
onde deveriam ser embarcadas e desembarcadas todas as mercadorias chegadas a capitania
pernambucana Ressalta-se aqui que o monopoacutelio da Companhia natildeo se estendia aos sertotildees
como nos revela o seu documento de instalaccedilatildeo no capiacutetulo 25 Onde se afirma que
[] Eacute Vossa Majestade servido conceder-lhe o comeacutercio exclusivo das duas
capitanias de Pernambuco e Paraiacuteba com todos os seus distritos []
exceptua-se poreacutem o comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba para os portos do
sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco do Sul o qual seraacute livre a todas e
quaisquer pessoas como ateacute agora o tem sido 235
Como podemos observar o documento atesta que a navegaccedilatildeo feita pelos portos do
sertatildeo Alagoas e Rio de Satildeo Francisco permaneceria livre no entanto alguns casos
analisados por noacutes apontam que mercadorias vindas destas regiotildees muitas vezes eram
234
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 235
Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762
Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e
Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 290
72
encaradas pelas autoridades como frutos de contrabando Esta questatildeo daraacute azo para uma seacuterie
de disputas envolvendo os comerciantes sertanejos e a Companhia Geral Isto porque ao que
indicam dois processos crimes utilizados nesta pesquisa 236
a direccedilatildeo da empresa ao longo de
seus primeiros oito ou nove anos de instalaccedilatildeo natildeo se preocupou em controlar tal comeacutercio o
fazendo apenas ldquodepois daquele tempo sem mostrar ordem reacutegia que declarasse ao arbiacutetrio da
proibiccedilatildeo o artigo 25 e reprovasse a inteligecircncia e praxe dos comerciantes em tempo tatildeo
dilatadordquo 237
A Companhia passa a tomar esse controle por forccedila de um edital lanccedilado
posteriormente 238
no entanto este edital natildeo tinha forccedila de lei uma vez que tal documento
natildeo era referendando por nenhuma ordem reacutegia Esta decisatildeo da direccedilatildeo pernambucana seraacute
contestada judicialmente nos dois casos aqui jaacute mencionados pois afirmavam as defesas dos
comerciantes que tal ldquoedital da direccedilatildeo natildeo eacute lei nem assento com forccedila de lei nem os
deputados tem jurisdiccedilatildeo alguma para arrogarem a si ambiciosa e arbitrariamente o que a
instituiccedilatildeo natildeo permitiurdquo 239
e tambeacutem ldquoque a direccedilatildeo natildeo pode ampliar nem limitar os
estatutos da companhia nem proibir o que eles natildeo proiacutebemrdquo 240
Contestavam tais defesas o poder que permitia a direccedilatildeo subalterna de Pernambuco
passar por cima dos estatutos da empresa em assunto tatildeo importante como o comeacutercio sem a
deliberaccedilatildeo de uma diretiva ou ordem real Afirmavam que este comeacutercio ateacute o ano de 1770
havia se conservado livre e que era inconcebiacutevel que a direccedilatildeo sem ordem reacutegia fizesse limitar
os estatutos contrariando a liberdade de comeacutercio que desde sempre se praticava por aquelas
bandas pois o papel de ldquolimitar e derrogar leis soacute compete ao soberano legislador e natildeo aos
inferiores seus vassalosrdquo 241
Pelo que fica claro a Companhia em Pernambuco soacute passa a se preocupar com o
comeacutercio realizado nas rotas sertanejas apoacutes um periacuteodo significativo de tempo de sua
instalaccedilatildeo Muito provavelmente apoacutes estes primeiros oito ou nove anos foi possiacutevel a direccedilatildeo
da empresa perceber como estas rotas sertanejas eram importantes para economia da capitania
236
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 237
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 15 238
Natildeo foi possiacutevel identificar a data exata de tal documento no entanto de acordo com os processos aqui
citados o edital provavelmente o edital foi expedido entre 1769 e 1770 239
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 85 240
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 241
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f
85-86
73
e quatildeo grande eram as perdas que se tinham ao natildeo controlar o comeacutercio do interior em suas
ligaccedilotildees com outras praccedilas coloniais sobretudo com Bahia e Rio de Janeiro
A atitude da empresa vem atestar que os circuitos sertanejos tinham expressividade
econocircmica a eacutepoca jaacute que natildeo se teria o trabalho de coibir um comeacutercio que fosse pouco
relevante financeiramente ou mesmo desvantajoso Eacute importante destacar tambeacutem que os
limites jurisdicionais de atuaccedilatildeo da empresa natildeo estavam bem definidos nos estatutos e que o
entendimento do que poderia ser considerado como aacuterea sertaneja era bastante subjetivo
Afinal de contas como jaacute vimos natildeo se tinha um consenso a respeito do conceito de sertatildeo
Entatildeo a histoacuteria dos contrabandos aqui contada se reparte em dois momentos o
momento preacute 1770 quando a Companhia ainda natildeo exercia um controle riacutegido sobre os
sertotildees e poacutes 1770 quando a direccedilatildeo em Pernambuco passa a exercer maior poder sobre os
negoacutecios desenvolvidos naquelas paragens Explicitamos neste momento que nossa escolha
metodoloacutegica se deu no sentido de preservar os termos originais utilizados pelas autoridades
ao tratar sobre a questatildeo deste comeacutercio feito no interior destacando sempre que possiacutevel as
variaccedilotildees interpretativas entre autoridades baianas e pernambucanas No geral a denominaccedilatildeo
ldquocontrabandordquo seraacute bastante utilizada pelas autoridades mas o termo ldquodescaminhordquo tambeacutem
seraacute usado para se referir ao comeacutercio extralegal
Dessa forma o conceito de contrabando neste estudo seraacute utilizado para abrigar uma
seacuterie de casos apontados pela documentaccedilatildeo base que agregam produtos comercializados
tanta no porto do Recife por onde teoricamente deveriam ser embarcadas e desembarcadas
todas as mercadorias chegadas a capitania pernambucana quanto mercadorias vindas do
sertatildeo que tinham como destino a Bahia ou ateacute mesmo outros portos do litoral de Pernambuco
que natildeo o porto do Recife Salientando que nem tudo que em um primeiro momento eacute
apontado como contrabando pelas autoridades de fato se enquadra nesta categoria
Ressaltamos ainda que a Companhia permitia o comeacutercio sertanejo se as mercadorias
vindas daqueles locais (sobretudo couros e solas) tivessem como destino final o porto do
Recife onde seriam negociadas com a empresa Tambeacutem eacute vaacutelido pontuar que o comeacutercio das
carnes estava excetuado deste controle e continuou livre como sempre o foi A exceccedilatildeo feita
aos negoacutecios das carnes seraacute motivo de contrariedade entre os comerciantes e a direccedilatildeo da
empresa Ainda nos dois casos aqui citados as respectivas defesas iratildeo contestar a razatildeo deste
comeacutercio que tambeacutem se dava no sertatildeo ser permitido em detrimento de outros gecircneros As
ditas defesas iratildeo alegar que ldquonenhuma razatildeo haacute para que seja livre o comeacutercio da carne e natildeo
74
seja igualmente o dos courosrdquo 242
e vatildeo aleacutem afirmando que se o comeacutercio de outros produtos
era proibido ldquose havia de ser tambeacutem proibido o trazer carnes do Sertatildeo e vende-las a Bahia e
Rio de Janeiro como se fazrdquo 243
O comeacutercio legal das carnes iraacute gerar outros problemas para Companhia pois se
aproveitando do expediente de ir comerciar as carnes no sertatildeo alguns comerciantes iratildeo se
valer desta liberdade para transportar produtos vedados Eacute o que afirma em ofiacutecio do ano de
1770 o entatildeo governador de Pernambuco Manuel da Cunha Meneses ao falar sobre as
ldquoperniciosas contravenccedilotildeesrdquo que se estabeleceram entre Pernambuco e Bahia atraveacutes das rotas
sertanejas O governador neste ofiacutecio afirma que ldquoos mesmos barcos dos portos livres que
vatildeo fazer as carnes ao sertatildeo [] introduzem tambeacutem fazendas pelo Siaraacute pela vizinhanccedila de
uma capitania com a outrardquo 244
Como podemos perceber atraveacutes do exposto ateacute o momento o contrabando foi uma
praacutetica recorrente e extensiva durante o periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial exercido
pela Companhia Geral Apesar do caraacuteter disperso desse tipo de praacutetica destacam-se neste
interim os circuitos desenvolvidos entre Pernambuco e Bahia Para o periacuteodo do nosso estudo
as ligaccedilotildees comerciais entre as duas praccedilas jaacute estavam solidificadas O comeacutercio entre as
capitanias vizinhas aconteciam de acordo com nossas fontes de duas formas por via direta
atraveacutes do mar e majoritariamente pelas rotas sertanejas que no seacuteculo XVIII eram pelo
menos duas ndash o ldquoCaminho do Ipojucardquo e o ldquoCaminho do Capibariberdquo - e conectavam as duas
capitanias Tendo isto em mente no proacuteximo capiacutetulo procederemos a anaacutelise dos casos
colhidos junto ao nosso conjunto documental
242
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 69 243
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 85 244
AHU ndash PE Cx 108 D8371
75
3 ASPECTOS INTERNOS DOS DESCAMINHOS CASOS E CIRCULACcedilAtildeO DE
PRODUTOS
31 As mercadorias
Agora que jaacute vimos as possiacuteveis rotas percorridas pelos grupos de contraventores
podemos nos ater aos casos e mercadorias que nelas circulavam Como jaacute dito anteriormente
a fiscalizaccedilatildeo da Companhia Geral era restrita ao porto de Recife e lembramos ainda que
apesar da Companhia natildeo deter o monopoacutelio para o comeacutercio realizado nos sertotildees a partir do
ano de 1770 a empresa de maneira geral iraacute encarar todo o comeacutercio realizado fora do porto
do Recife como passiacutevel de ser enquadrado em crime de contrabando Dessa forma podemos
observar junto a nossa documentaccedilatildeo um aumento no volume de apreensotildees a mercadorias e
embarcaccedilotildees apoacutes 1770 bem como um maior empenho das autoridades locais na repressatildeo
de tal praacutetica
O que podemos afirmar atraveacutes da investigaccedilatildeo eacute que na verdade os chamados ldquoportos
livresrdquo tambeacutem seratildeo afetados pela poliacutetica monopolizadora da Companhia Geral pois na
verdade o problema maior natildeo se encontrava na realizaccedilatildeo do comeacutercio nestas regiotildees que
como jaacute vimos existia muito antes da fundaccedilatildeo da empresa Mas sim no destino que essas
mercadorias tomavam vindo invariavelmente inundar a praccedila mercantil de Pernambuco com
produtos bem mais em conta do que os vendidos pela empresa A preocupaccedilatildeo tambeacutem se
dava em sentido contraacuterio ou seja com os produtos que saiam de Pernambuco e iam
abastecer a Praccedila baiana sem passar pelas matildeos da Companhia ou mesmo se isentando de
pagar os direitos dos contratos reais
Os produtos que circulavam entre as duas praccedilas eram diversos Iam e vinham para os
portos de Pernambuco e Bahia uma grande sorte de mercadorias Satildeo aproximadamente 19 o
total de ocorrecircncias no nosso conjunto documental onde constam informaccedilotildees precisas sobre
o material apreendido nas embarcaccedilotildees capturadas pelas autoridades Alguns desses casos
possuem em seus anexos a lista de carga ou relaccedilotildees de carga onde ficam registrados todos os
produtos transportados por aqueles barcos bem como os locais de onde vieram estas
mercadorias Nelas tambeacutem eacute possiacutevel encontrar dados sobre valores unitaacuterios e totais e ainda
a respeito de quantidades
76
Eacute possiacutevel identificar a origem do produto atraveacutes do selo da alfacircndega que nele
consta natildeo era raro que o material potencialmente descaminhado chegasse sem selo algum o
que tambeacutem eacute reportado pelas autoridades quando expediam as tais listas de cargas Em nossa
documentaccedilatildeo contamos com seis relaccedilotildees de cargas que continham produtos que foram
apreendidos pelas autoridades pernambucanas por suspeita de contrabando com selos da
alfacircndega da Bahia Tomaremos como exemplo do tracircnsito de produtos entre Bahia e
Pernambuco trecircs casos deste total a fim de ilustrar a grandiosidade deste comeacutercio
A primeira lista diz respeito a uma sumaca que em 1779 foi apreendida na praia de
Pau Amarelo em Pernambuco onde estava trocando as suas fazendas de contrabando por
gecircneros da terra ldquocomo fosse tabaco sola e melrdquo 245
Boa parte da carregaccedilatildeo desta sumaca
estava sem selo ou seja eram mercadorias que aleacutem de adentrarem ilegalmente no territoacuterio
da Companhia Geral vinham sem pagar dinheiro algum a Fazenda Real Tambeacutem foram
encontrados produtos selados pela Alfacircndega de Lisboa Segue relaccedilatildeo dos produtos
confiscados que vinham com o selo da Alfacircndega da Bahia 246
Tabela 1 - Relaccedilatildeo das Fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Pau Amarelo)
QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO
UNITAacuteRIO
PRECcedilO
TOTAL
6
Peccedilas de Camas Listradas 800 reacuteis 48000 reacuteis
1
Peccedila de tafetaacute azul com 21 cocircvados
240 reacuteis 21840 reacuteis
1 Retalho de druguete pardo com 15
cocircvados
300 reacuteis 4500 reacuteis
22
Peccedilas de fitas matizes 1600 reacuteis 35200 reacuteis
Fonte AHU ndash PE CX 132 D 9955
A segunda ocorrecircncia versa sobre uma embarcaccedilatildeo apreendida no mesmo ano de
1779 em Sirinhaeacutem jurisdiccedilatildeo de Pernambuco Os documentos natildeo trazem muitos detalhes
sobre o caso sabemos apenas que o mestre da embarcaccedilatildeo se chamava Antocircnio Pereira mas a
lista de cargas revela a suntuosidade deste comeacutercio Consta nessa relaccedilatildeo anexa ao
245
AHU ndash PE CX 132 D 9955 246
Medidas-padratildeo comumente utilizadas nas tabelas que trabalharemos Braccedila - 184 centiacutemetros
Cocircvados - 66 centiacutemetros Palmo ndash 22 centiacutemetros Varas - 110 centiacutemetros
77
documento nada menos que 151 tipos de produtos diferentes a exemplo do caso anterior a
maior parte estava sem selo As mercadorias que tinham selo da Alfacircndega da Bahia
encontram-se na tabela abaixo
Tabela 2 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela alfacircndega da Bahia (Sirinhaeacutem)
QUANTIDADE PRODUTO PRECcedilO
UNITAacuteRIO
PRECcedilO
TOTAL
4 Peccedilas de cadiaez
800 reacuteis 3200 reacuteis
6 Peccedilas de riscado de Dio
1280 reacuteis 7680 reacuteis
6 Peccedilas de riscado de Surrate
1280 reacuteis 7680 reacuteis
43 Varas de pano de linho ordinaacuterio
180 reacuteis 7740 reacuteis
4 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com
73 varas
180 reacuteis 13140 reacuteis
5 Peccedilas de tustatildeo
Natildeo consta 17500 reacuteis
9 Varas de esguiatildeo ordinaacuterio
Peccedilas de tustatildeo 3150 reacuteis
15 Lenccedilos brancos com listras azuis
ordinaacuterios
220 reacuteis 3300 reacuteis
8 Peccedilas de riscado de Dio
1280 reacuteis 10240 reacuteis
29 Peccedilas de riscado de Surrate
1280 reacuteis 37120 reacuteis
16 Peccedilas de riscado de Linho
1800 reacuteis 28800 reacuteis
1 Peccedilas de Chita da Iacutendia
Natildeo consta 6000 reacuteis
8 Peccedilas de Chita do Norte com 64
cocircvados
2000 reacuteis 4000 reacuteis
1 Retalho de Serafina Azul com 6 cocircvados
220 reacuteis 14080 reacuteis
78
1 Retalho de Durante branco com 4
cocircvados
160 reacuteis 960 reacuteis
1 Retalho de doruguete verde traccedilado 4
cocircvados
75 reacuteis 300 reacuteis
64 Peccedilas de Balagarte
100 reacuteis 400 reacuteis
1 Peccedilas de baeta verde com 54 cocircvados
800 reacuteis 51200 reacuteis
2 Peccedilas de fita de listra azul encarnado
380 reacuteis 21280 reacuteis
2 Retalho de pano de linho ordinaacuterio com
54 varas
300 reacuteis 600 reacuteis
48 Peccedilas de Cadiaez pequenas
180 reacuteis 7720 reacuteis
21 Pares de meias de linhas
800 reacuteis 38400 reacuteis
6 Peccedilas de lenccedilo ordinaacuterio com 60 lenccedilos
240 reacuteis 5040 reacuteis
1 Retalho de brim de flores com 40
cocircvados
160 reacuteis 9600 reacuteis
10 Chapeacuteus de baeta
100 reacuteis 4000 reacuteis
17 Lenccedilos azuis de tabaco
360 reacuteis 3600 reacuteis
1 Retalhos de pano de linho ordinaacuterio com
34 varas
160 reacuteis 2720 reacuteis
1 () 27 varas
180 reacuteis 1755 reacuteis
5 Peccedilas de Chita da Costa
180 reacuteis 4860 reacuteis
4 Peccedilas de cadiaez 3000 reacuteis
15000 reacuteis
1 Incetada de pano de linho ordinaacuterio com
72 varas
800 reacuteis 3200 reacuteis
79
1 Peccedilas de brim cru de 48 cocircvados 180 reacuteis
4320 reacuteis
1 Peccedilas de estufo de latilde encarnado 40
cocircvados
90 reacuteis 10000 reacuteis
1 Peccedilas de carro de ouro com 40 cocircvados
250 reacuteis 20000 reacuteis
16 Peccedilas de riscado Surrate
500 reacuteis 20480 reacuteis
13 Peccedilas de riscado de Dio
1280 reacuteis 16640 reacuteis
1 Peccedilas de Riscado de Linho
Natildeo consta 1800 reacuteis
33 Peccedilas de cadiaez
800 reacuteis 26400 reacuteis
2 Peccedilas de Chita
2000 reacuteis 4000 reacuteis
7 Peccedilas de Chita da Costa
3000 reacuteis 21000 reacuteis
1 Peccedilas de lenccedilos encarnados ordinaacuterios
de tabaco
160 reacuteis 1600 reacuteis
1 Peccedilas de boceta
Natildeo consta 900 reacuteis
1 Peccedilas de chita azul do norte com 22
cocircvados
220 reacuteis 4840 reacuteis
1 Retalhos de linho ordinaacuterio com 34
varas
180 reacuteis 6120 reacuteis
5 Chapeacuteus de baeta
300 reacuteis 1500 reacuteis
44 Peccedilas de pano de linho ordinaacuterio com
2052 varas
180 reacuteis 369360 reacuteis
46 Peccedilas de bertanha de Hamburgo
1200 reacuteis 55200 reacuteis
80
9 Peccedilas de Hamburgo ou aniagem
100 reacuteis 53700 reacuteis
6 Peccedilas de Riscado Patavar
2000 reacuteis 12000 reacuteis
3 Peccedilas de Riscado de Patavar
Natildeo consta Natildeo Consta
Fonte AHU ndash PE Cx133 D 9966
Por uacuteltimo trazemos o caso de uma sumaca que segundo consta vinha do porto de Una
carregada de caixas de accediluacutecar junto a duas jangadas De acordo com o governador de
Pernambuco a eacutepoca Joseacute Cesar de Meneses relator do caso a Coroa ainda natildeo havia sido
possiacutevel identificar quem era o dono da dita embarcaccedilatildeo mas os produtos vinham em sua
maioria com selo da Alfacircndega da Bahia Satildeo eles
Tabela 3 - Relaccedilatildeo das fazendas que vinham seladas pela Alfacircndega da Bahia (Una)
QUANTIDADE LISTA DOS PRODUTOS PRECcedilO
UNITAacuteRIO
PRECcedilO
TOTAL
13 Peccedilas de Chitas da Iacutendia Ordinaacuterias
4000 52000
78
Panos da Costa 640 49920
5
Maccedilos de fitas de linho 2400 12000
1315
Duacutezia de facas flamengas 640 84160
555
Peccedilas de Linhas de Surrales 1300 721500
421
Peccedilas de Bertanhas de Hamburgo 1200 715700
56
Peccedilas de Paniclos 1200 67200
5 Duacutezias e 5 de peles de Marroquins
6400 34665
26
Peccedilas de Chitas de Surrates 1600 41600
129
Meias peccedilas de cadeas 1300 167700
81
5
Peccedilas de Linhas de Dio 2000 10000
13
Peccedilas de Procoloacutes 1300 16700
96
Covados de Chitas do Norte 320 30720
1
Peccedilas de Druguete Rei 6000 6000
1
Peccedilas de Berlanha de Holanda 2000 2000
8
Lenccedilos Vermelhos 320 2560
8
Peccedilas de camas lavradas 10000 80000
8
Varas de Esguiatildeo 480 4080
55
Covados delu felaacute 360 1980
8
Covados de Durante 240 1920
5
Covados de Sarja 320 1600
10
Varas de estamanha 400 4000
823
Covados de Camelatildeo 180 148140
1065
Varas de pano de linho da Ilha 180 192240
855
Covados de Serquilha da Ilha 120 10260
13435 Varas de pano de linho
300 403050
38
Peccedilas de Cadeaacutes 2400 91200
6
Covados de baeta com xeste 500 3000
22 Resmas de papel florete 1000 22000
82
4
Peccedilas de Linhas Patavares 2000 8000
582
Annas de Amburgo 160 93120
79
Covados de Serguilha de Franccedila 400 31600
15
Varas de Crez 100 1500
Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9245
Podemos perceber atraveacutes das listas aqui expostas a grande variedade de produtos que
circulavam entre Bahia e Pernambuco Outro dado relevante que conseguimos inferir atraveacutes
das tabelas eacute de que esse comeacutercio descaminhado estava conectado aos circuitos mercantis
atlacircnticos o que pode ser constatado pela grande variedade de gecircneros europeus constantes
nas cargas As fazendas europeias sobretudo os tecidos que aparecem em grande monta nas
listas de carga aqui transcritas eram necessaacuterios para a realizaccedilatildeo de trocas e vendas pelos
efeitos da terra Aleacutem das fazendas jaacute citadas caixas de accediluacutecar madeira tabaco escravos
mel sola e couro seratildeo uma constante na documentaccedilatildeo
A relaccedilatildeo aqui demonstrada natildeo daacute conta da grande diversidade de produtos que
transitavam entre as duas praccedilas enfatizamos apenas aqueles que aparecem em maior grau na
documentaccedilatildeo trabalhada 247
Devemos atentar tambeacutem que para efeitos praacuteticos soacute
colocamos em nossas listas de cargas produtos que vinham selados pela Alfacircndega da Bahia
mas muito provavelmente os produtos destas embarcaccedilotildees que vinham sem selo tambeacutem
fossem provenientes das paragens soteropolitanas e de seus interiores como acontece em
outros casos do nosso acervo documental 248
Em algumas ocorrecircncias junto a descriccedilatildeo das cargas constavam tambeacutem as marcas
de seus carregadores Era comum que comerciantes possuiacutessem uma espeacutecie de marca ou
247
Os documentos que fundamentam este tracircnsito satildeo numerosos e encontram-se disponiacuteveis no AHU PE AL
e BA e nos arquivos da ANTT 248
Muitos produtos de embarcaccedilotildees provenientes da Bahia chegavam ateacute Pernambuco sem selo algum Vale
ressaltar que durante boa parte do seacuteculo XVIII Salvador funcionou como um centro distribuidor dos panos
indianos produto essencial para a compra de escravos na regiatildeo da Aacutefrica Centro-Ocidental Essas fazendas
chegavam ateacute capitania baiana atraveacutes de uma rede de contrabando que ligava diretamente as possessotildees
portuguesas da Ameacuterica e da Aacutesia Sobre isto ver ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica
Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares
Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013
83
siacutembolo que eram inseridas em suas mercadorias para identificar seus produtos e facilitar as
transaccedilotildees junto a seus comissaacuterios e representantes Na nossa documentaccedilatildeo essas marcas
aparecem principalmente nas situaccedilotildees onde as investigaccedilotildees aconteceram de maneira mais
acurada Nesses casos aleacutem de relacionar as mercadorias colocava-se ao lado o siacutembolo ou
marca que nele aparecia e se possiacutevel o nome do dono Nem sempre as autoridades eram
capazes de identificar a quem pertencia determinada marca ou siacutembolo devido a
grandiosidade do mercado e de serem muitos os comerciantes atuantes na capitania
Figura 1 ndash Exemplo de marcas encontradas na documentaccedilatildeo (destacados)
Fonte AHU- PE Cx 137 D 10234
Infelizmente nem todos os relatos de contrabando trazem grande riqueza de detalhes
acerca dos eventos Isto porque nem sempre se faziam as devassas dessas embarcaccedilotildees
apreendidas e tambeacutem porque boa parte desses barcos citados pelos agentes reais natildeo
chegaram de fato a serem confiscados apenas tendo estes oficiais notiacutecias sobre os
descaminhos No entanto possuiacutemos alguns casos no nosso acervo que nos fornecem maiores
informaccedilotildees e que nos parecem ser importantes para a visualizaccedilatildeo de um panorama mais
abrangente da natureza dos descaminhos praticados nestas paragens Para efeitos praacuteticos os
organizaremos aqui sobre a forma de tabela
84
Tabela 4 ndash Embarcaccedilotildees Apreendidas por Autoridades Pernambucanas
Legenda PO = Porto de Origem P A = Porto de Apreensatildeo P D = Porto de Destino Fonte AHU
ndash PE Cx 130 D 9815 AHU ndash PE Cx 133 D 10003 AHU ndash AL Cx 3 D 220 AHU ndash BA Cx 181
D 13481 AHU ndash PE Cx 138 D 10250 AHU ndash PE Cx 129 D 9771 AHU ndash PE Cx 137 D 10197
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 AHU ndash AL Cx 3 D 221 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria
da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2
Eacute claro que esta tabela natildeo eacute capaz de expressar todo o volume do comeacutercio abordado
nesta pesquisa nela natildeo constam diversas outras ocorrecircncias que nos utilizamos ao longo da
redaccedilatildeo deste trabalho bem como natildeo demonstra as minuacutecias de cada caso mas ela nos serve
para pensar a ordenaccedilatildeo deste comeacutercio Como podemos observar boa parte das embarcaccedilotildees
NOME TIPO
MESTRE
PILOTOMARINHEIROS DONO P O P A P D
Galiatildeo Navio
Numeriano Gregorio
Joze da Sylva Navio Real Lisboa Recife LisboaO Senhor do Bom Jesus
das Portas Nossa
Senhora do Pilar -
Xibante Sumaca Manoel Francisco Manoel Vieira de Mello Jaguaribe Recife Bahia
Navio Novo Natildeo consta Natildeo consta
Diogo Francisco dos
Santos Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo constaNossa Senhora da
Conceiccedilatildeo Santo
Antonio e Almas Sumaca Joaquim Antonio Antonio Joze Roberto Bahia Goiana Natildeo consta
Aacuteguia do Doiro
Lancha
(pertencente a
corveta da
Companhia
Geral Aacuteguia
do Doiro) Antonio Gomes Viana Navio Real Porto - Portugal Praia da Fortaleza do Brum Natildeo consta
Jaguaribe Sumaca
Antonio Joze dos
Santos
Manoel Roiz
Lemanha e Francisco
de Passos Vianna Natildeo consta
Camarajibe - Distrito de Porto
Calvo Natildeo consta
Sagrada Famiacutelia Sumaca
Manoel Coelhos
Francisco Joze
Cardoso Manoel de
Souza e Henrique
Antonio Natildeo consta Natildeo consta Recife Bahia da TraiccedilatildeoSenhor do Bonfim Santo
Antonio e Almas Sumaca Manoel Pavatildeo Gouvea
Joatildeo Antonio
Rodrigues Natildeo consta Ilha de Santo Aleixo Bahia Nossa Senhora do
Rozaacuterio Flor de Satildeo
Miguel Sumaca Joseacute Gonccedilalves
Comerciante da
Bahia Natildeo consta Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta
Natildeo Consta Sumaca Antonio Dias Santiago
Jacomo Rumachi
Della Praccedila Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta
Natildeo Consta Sumaca
Ignacio Vicente
Fernandez
Joseacute ou Fulano de
Arauacutejo Bahia Santo Antocircnio da Barra Grande Natildeo consta
Natildeo Consta Balsas
Luiz de Franccedila
Cordeiro Manoel de
Jesus Ramos Joseacute
Rodrigues da Silva
Manoel Martins de
Almeida
Manoel Antonio dos
Santos sertatildeo Ilha do Nogueira Bahia
Escuta em Roma Natildeo consta Natildeo consta Joseacute de Aragatildeo Bahia Uma Bahia
85
que se empregavam neste ramo mercantil eram categorizadas como sumacas As sumacas
eram pequenos veleiros utilizados principalmente na navegaccedilatildeo de cabotagem
Em ofiacutecio do ano de 1775 em que o governador de Pernambuco comunica ao
secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar do Reino o envio de homens para a capitania do
Rio de Janeiro este iraacute afirmar que remeteu ldquoAo Marquecircs cento e oito marinheiros a saber
quarenta e oito por quatro sumacas em razatildeo de natildeo haver navio grande que os pudesse
transportar todosrdquo 249
Fazendo uma conta de divisatildeo baacutesica temos como resultado que a
capacidade destas embarcaccedilotildees girava em torno de 12 homens o que nos parece um resultado
bem razoaacutevel e coerente com os casos em que possuiacutemos o nuacutemero de marinheiros por
embarcaccedilatildeo
Neste mesmo documento Joseacute Cesar de Meneses remete mapa das embarcaccedilotildees
marinheiros e pescadores que possuem a capitania de Pernambuco a Corte Declara o
governador haver na ocasiatildeo sessenta e nove sumacas na capitania divididas da seguinte
forma
Tabela 5 - Sumacas Existentes na Capitania de Pernambuco que fazem comeacutercio pelos portos do
Brasil
LOCAL QUANTIDADE
RECIFE
52
SIRINHAEM
3
IGARASSU
2
MEIRIM
1
SANTA LUZIA
4
GOIANAITAMARACAacute
2
RIO GRANDE
3
RUSSAS
1
249
AHU ndash PE Cx 120 D 9196
86
PARAIacuteBA
1
TOTAL
69 SUMACAS
Fonte AHU ndash PE Cx 120 D 9196
O documento eacute importante pois nos lanccedila pistas sobre o volume das sumacas
existentes na capitania aleacutem de nos informar que esta era o principal tipo de embarcaccedilatildeo
utilizada pelos comerciantes pernambucanos uma vez que no mesmo mapa na categoria de
ldquoclassesrdquo soacute constam mais dois tipos de barcos as corvetas que estatildeo em nuacutemero de seis e as
galeras com um uacutenico exemplar Ou seja praticamente todo o comeacutercio de navegaccedilatildeo seja
ele liacutecito ou natildeo feito em Pernambuco e suas anexas era realizado atraveacutes das sumacas que
como jaacute visto eram embarcaccedilotildees mais apropriadas para o comeacutercio de cabotagem
32 Os casos
Agora que jaacute sabemos quais produtos circulavam por estas rotas podemos nos deter
com mais detalhes na anaacutelise de alguns dos casos mais peculiares encontrados em nosso
acervo Devemos lembrar que a partir da segunda metade do seacuteculo XVIII a Coroa buscou
controlar de forma mais efetiva suas conquistas no Ultramar O comeacutercio nas colocircnias seraacute
alvo preferencial das poliacuteticas centralizadoras empreendidas neste contexto O ministro de D
Joseacute I iraacute demandar preciosa atenccedilatildeo agrave atividade comercial na tentativa de resgatar e reerguer o
comeacutercio com suas colocircnias o marquecircs buscaraacute se associar ao grupo mercantil que a eacutepoca jaacute
detinha vultosos cabedais passa entatildeo a conceder-lhes favores e privileacutegios antes reservados a
uma elite ligada a terra
O periacuteodo pombalino seraacute marcado pela alianccedila que iraacute unir a Monarquia ao grupo
mercantil 250
As mudanccedilas preconizadas por Pombal seratildeo fundamentais para a integraccedilatildeo
desses homens a chamada elite colonial Neste momento as capitanias mais destacadas do
Norte da Ameacuterica Portuguesa jaacute contavam com uma rede complexa de comeacutercio que se
estendia do Ultramar ao interior como assegura Russel-Woody ao afirmar que ldquoSalvador e
250
SAMPAIO Antonio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio e a coroa na construccedilatildeo das hierarquias sociais O
Rio de Janeiro na primeira metade do seacuteculo XVIII In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs)
Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 2010 P 462-463
87
Recife natildeo se apresentavam mais como meros portos de entrada para pessoas acometidas pela
febre do ouro expandindo igualmente seus alcances em relaccedilatildeo aos mercados internos para
produtos europeus e escravos africanosrdquo 251
Essa nova configuraccedilatildeo social que insere os homens de negoacutecio na elite traraacute junto a
si uma remodelagem nos equiliacutebrios sociais que foram construiacutedos ao longo da colonizaccedilatildeo
O que por ventura iraacute acarretar uma seacuterie de disputas entre os grupos que compunham esta
elite de um lado a nobreza da terra elite tradicional e histoacuterica do outro os homens de
negoacutecio elite mercantil indispensaacutevel para a execuccedilatildeo das reformas empreendidas pelo
governo pombalino O papel da Coroa nesse interim seraacute o de mediar os interesses e
apaziguar os conflitos agindo no sentido de garantir o funcionamento do sistema 252
A dinacircmica do comeacutercio em Pernambuco durante o periacuteodo estudado eacute complexa De
um lado temos um grupo mercantil jaacute bem estabelecido e detentor de amplo capital do outro
lado temos a implementaccedilatildeo na segunda metade do XVIII de dois organismos reguladores
do comeacutercio colonial a Mesa de Inspeccedilatildeo 253
e a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba
Instituiccedilotildees criadas pela metroacutepole com o objetivo de assegurar maior controle sobre a
circulaccedilatildeo de riquezas dentro do Impeacuterio Portuguecircs canalizando-as para o Reino
Uma contradiccedilatildeo notoacuteria se estabelece entre os interesses reais e os interesses
coloniais Segundo a documentaccedilatildeo trabalhada e os recentes estudos sobre administraccedilatildeo
portuguesa no Ultramar percebemos que em Pernambuco tambeacutem se desenvolveu o processo
de aparelhaccedilatildeo das instituiccedilotildees administrativas ao atendimento dos interesses locais 254
Longos anos de autonomia das elites de Pernambuco de praacuteticas de direito oriundas de
questotildees especificas do cotidiano da Capitania de formas de realizar a riqueza no acircmbito do
local promoveram como era de se esperar muacuteltiplas reaccedilotildees
No bojo destas questotildees o contrabando como estrateacutegia de se esquivar do controle
imposto pela Coroa ganha forccedila Comecemos entatildeo a tratar sobre o contrabando de caixas de
accediluacutecar um dos produtos mais descaminhados do periacuteodo Muitos senhores de engenho se
251
WOOD-RUSSEL AJR Centros e periferias no Mundo Luso-Brasileiro1500-1808 Revista Brasileira de
Histoacuteria Satildeo Paulo vol 18 n 361998 P 29 252
SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Op Cit P 462 253
A mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e Tabaco eacute criado em Pernambuco no ano de 1752 a instituiccedilatildeo reguladora
tinha como prerrogativa controlar a qualidade do accediluacutecar e do tabaco produzidos e comercializados na capitania
evitar fraudes e contrabandos agindo ainda na fiscalizaccedilatildeo e fixaccedilatildeo dos preccedilos bem como atuar no sentindo de
aumentar a cultura do accediluacutecar na capitania 254
SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do Recife agrave poliacutetica
pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime poderes e sociedades
Lisboa 2005 P 4
88
arriscaram em transaccedilotildees de venda direta de suas safras a comerciantes baianos Esses
produtores certamente se sentiam vexados em seus negoacutecios com a empresa jaacute que por
muitas vezes a direccedilatildeo da Companhia se negava a pagar o preccedilo estabelecido pela Mesa de
Inspeccedilatildeo bem como pagar os subsiacutedios sobre o produto que eram de sua responsabilidade O
contrabando com a Bahia aleacutem de dirimir os prejuiacutezos desse grupo tinha a vantagem de ser a
feito a dinheiro e natildeo a creacutedito fazendas ou letras como costumava fazer a Companhia
praacutetica que foi arduamente criticada pelos senhores de engenho ao longo do monopoacutelio
daquela empresa
Diversas satildeo as ocorrecircncias encontradas na documentaccedilatildeo que fundamentam nossa
afirmaccedilatildeo O contrabando de accediluacutecar era tatildeo notoacuterio e puacuteblico que no ano de 1780 o
contratador do subsiacutedio de accediluacutecar de Pernambuco pediu auxilio de tropas pagas ao
governador para que seus prejuiacutezos fossem dirimidos Segundo o contratador ele
experimentava muitos prejuiacutezos no dito contrato pois da Bahia vinham muitos barcos ldquoa esta
capitania carregar efeitos para aquela cidaderdquo 255
Afirmando o mesmo que jaacute haviam saiacutedo
naquele tempo de Pernambuco para Bahia ldquoquatro sumacas carregadas aleacutem de uma que
naufragourdquo 256
Ainda no mesmo ofiacutecio o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ter atendido ao
requerimento do contratador lhe concedendo ldquo24 soldados e um cabo os quais seguiram para
a vila das Alagoas a fim de evitar os extravios do accediluacutecarrdquo 257
Chegando a Ilha de Santo
Aleixo foram informados sobre duas sumacas que praticavam o pernicioso comeacutercio uma
das embarcaccedilotildees ldquocom muita prestezardquo conseguiu fugir soacute sendo possiacutevel capturar a outra
Esta outra embarcaccedilatildeo tinha por mestre Manoel Pavatildeo ldquoaquele celebre Pavatildeo que se tem feito
conhecido pelo exerciacutecio de extraviador de accediluacutecares desta capitania para Bahiardquo 258
que
aparece referenciado acima na tabela 1
De fato o nome do piloto Manoel Pavatildeo apareceraacute em outro ofiacutecio um ano antes
quando o Ouvidor das Alagoas Comarca anexa a Pernambuco iraacute relatar ao governador Joseacute
Cesar de Meneses sobre a audaacutecia praticada pelos mestres de embarcaccedilotildees e suas companhias
que se dedicavam ao comeacutercio descaminhado dando destaque naquela situaccedilatildeo para a figura
255
AHU ndash PE Cx 137 D 10197 256
Idem 257
Idem 258
Idem
89
de Pavatildeo O mestre acabou sendo preso naquela ocasiatildeo e condenado a pagar pena na cadeia
de Recife pelo crime de ldquoextraviador de efeitos para fora desta capitaniardquo 259
Segundo a devassa tirada pelas autoridades Pavatildeo era um sujeito de 44 anos casado
branco natural da Ilha de San Miguel e que ldquovivia de andar embarcado por mestre de
sumacasrdquo 260
Haacute dois anos se encontrava empregado no posto de mestre da sumaca
apreendida e durante este tempo fez nela seis viagens Sendo quatro viagens para as Alagoas
aportando em Jaraguaacute e duas viagens a Cururipe lugares do governo da capitania de
Pernambuco No processo tambeacutem consta que o mestre carregara durante essas seis viagens
90 caixas de accediluacutecar bem como madeiras que foram desembarcadas as primeiras levas no
Trapiche de Maciel (Bahia) e a uacuteltima a bordo de um navio no porto da Bahia estrateacutegia
utilizada pelo piloto para fugir da fiscalizaccedilatildeo que o governador baiano estava promovendo na
ocasiatildeo
Quando da ldquotomadia da sumacardquo em que era mestre a dita estava carregada com dez
caixas de accediluacutecar 261
que segundo Pavatildeo seriam levadas a Bahia mas antes ele pretendia fazer
uma parada no porto de Cururipe a fim de carregar madeiras O caso de Pavatildeo natildeo foi
exceccedilatildeo em nosso acervo contamos com outros documentos em que mestres ou marinheiros
destas sumacas acabam sendo detidos e se inicia processo investigativo para posterior
julgamento esse tipo de documento atesta como este ramo potencialmente ilegal do
mercadejar acabou se tornando meio de vida para uma parcela significativa de indiviacuteduos que
engendrados em suas teias faziam da ilicitude rotina Como no caso de Pavatildeo que como era
sabido pelas autoridades reais ldquohaacute anos se ocupardquo do exerciacutecio de extraviador
Muitos foram os ofiacutecios trocados entre as autoridades pernambucanas e a Corte a
respeito das medidas para tentar evitar o grande extravio de accediluacutecar durante o periacuteodo Em
ofiacutecio do ano de 1778 por exemplo o governador Joseacute Cesar de Meneses se queixaraacute da
ldquoescandalosa relaxaccedilatildeo com que nesta capitania se estatildeo fazendo os maiores contrabandos e
extravios de accediluacutecar e outros gecircnerosrdquo 262
que tinham como destino ldquoo porto da Bahia e outros
do continente da Ameacutericardquo 263
Para continuarmos no ano de 1778 em ofiacutecio enviado ao
Reino pelo ouvidor da Comarca das Alagoas este iraacute afirmar que na praia da Barra-Grande
haviam cerca de 100 caixas de accediluacutecar apreendidas a diversos comerciantes que a direccedilatildeo da
259
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 260
Idem 261
O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria
no momento da apreensatildeo 262
AHU ndash PE Cx 131 D 9892 263
Idem
90
Companhia deveria ldquomandar conduzir sem perda de tempo por seu proveitordquo 264
jaacute que as
mesmas estavam mal condicionadas e corriam o risco de se estragar
Em outro ofiacutecio em que trata do mesmo tema o ouvidor daacute detalhes sobre os
descaminhos de accediluacutecar realizados atraveacutes da Ilha de Santo Aleixo e da freguesia de Una
relatando a ousadia desses grupos que se utilizavam de diversas artimanhas para se verem
livres dos embaraccedilos causados no caso de apreensatildeo Afirma o oficial que os grupos
envolvidos naquele tipo de comeacutercio estavam ldquocada vez mais animados e atrevidos procuram
a saiacuteda dos efeitos por todos os modos e artes e forccedila pois jaacute se preparam armados e
associados para resistiremrdquo 265
A audaacutecia destes homens era tamanha que por vezes mesmo
apoacutes a apreensatildeo de seus barcos e caixas de accediluacutecar se empenhavam de todos os modos para
recuperar as mercadorias ou simplesmente fugir da tutela das autoridades como podemos
perceber em dois casos relatados pelo mesmo ouvidor da Comarca de Alagoas
O primeiro diz respeito a uma sumaca de invocaccedilatildeo Nossa Senhora do Rosaacuterio Flor de
Satildeo Miguel de quem era dono um comerciante na Bahia Ao entrar no porto de Barra Grande
a sumaca passou por fiscalizaccedilatildeo do meirinho geral da correiccedilatildeo que lhe apreendeu doze
caixas de accediluacutecar 266
bem como por medida de precauccedilatildeo e seguindo as ordens do ouvidor lhe
foi retirado o leme e colocado em poder de um morador da praia vizinha O ouvidor durante
este processo prontamente fez expedir ordem para o procurador da Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba por em arrecadaccedilatildeo as caixas de accediluacutecar apreendidas No entanto a
astuacutecia dos contrabandistas era tanta que ldquoem noite de 3 de abril precedente o mestre e a
maior parte de sua companhia vieram a terra e violentamente arrancaram o leme e
conduzindo-o a bordo levantaram acircncorardquo 267
de acordo com o ouvidor seguiram para a ldquoIlha
de Santo Aleixo porto livre e seguro destes levantadosrdquo 268
O segundo caso relatado eacute ainda de maior atrevimento Duas sumacas pertencentes a
comerciantes da Praccedila pernambucana ambas com despacho para Bahia deram fundo no porto
de Santo Antocircnio Grande Passando pela fiscalizaccedilatildeo se apreendeu junto a primeira sumaca
30 caixas de accediluacutecar jaacute a segunda ldquose achava em lastrordquo 269
ou seja estava naquele momento
sem mercadorias Na tentativa de se prevenir possiacuteveis fugas as autoridades retiraram os
264
AHU ndash AL Cx 3 D220 265
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 266
O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria
no momento da apreensatildeo 267
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 268
Idem 269
Idem
91
panos das velas das duas embarcaccedilotildees e mais uma vez foi comunicado a Companhia a
apreensatildeo das duas embarcaccedilotildees
O mestre da segunda embarcaccedilatildeo requereu diversas vezes autorizaccedilatildeo para carregar
em Pernambuco ldquoe por que se obrigou a dar fianccedila o procurador da Companhia nesta feacute lhe
baldeou para a sumaca as 30 caixas apreendidas na outrardquo 270
no entanto antes que se
concluiacutesse a carga o mestre e o restante dos marinheiros foram a terra e arrombaram a casa do
depoacutesito ldquodonde sacaram o pano que conduzido a bordo e acabado de carregar com caixas dos
contrabandistas deram a vela para a cidade da Bahiardquo 271
tudo isto ocorreu durante a noite
agindo o grupo sem ser percebido
Em ofiacutecio tambeacutem do ano de 1778 da Junta da Companhia em Portugal enviada ao
governo de Pernambuco eacute relatado caso de semelhante audaacutecia Afirma a Junta que estando
duas sumacas no Cabo de Agostinho em Pernambuco carregando caixas de accediluacutecar e outros
efeitos foi o Guarda Mor da praccedila ateacute elas fazer a apreensatildeo do dito material no entanto o
mestre da primeira sumaca em que entrou o Guarda ldquonatildeo soacute o resistiurdquo 272
a apreensatildeo como
tambeacutem apoacutes iccedilar a vela da embarcaccedilatildeo quis lanccedilar o Guarda Mor ao mar o que soacute natildeo fez
ldquopor compaixatildeordquo 273
o mandando lanccedilar em terra
Neste mesmo documento eacute relatada outra artimanha utilizada pelos contraventores
Nele eacute narrado que sendo apreendido um barco que tinha como porto de origem a Bahia
carregado com 37 caixas um feixe e um cunhete de accediluacutecar e mais 126 couros salgados na
embarcaccedilatildeo foram encontrados ldquodois despachos um de madeira para a dita cidade e outro
para o caso de ser apreendido dizer que trazia os ditos efeitos para Pernambucordquo 274
O mestre
desta embarcaccedilatildeo segundo as autoridades era um contrabandista experiente no mesmo ano
segundo consta no documento o tal mestre havia desembarcado perto da praia de Maria de
Farinha em Pernambuco ldquofazendas e escravosrdquo 275
Parece que a fuga da tripulaccedilatildeo apoacutes a apreensatildeo natildeo era coisa rara pois encontramos
em 1769 relato do governador de Pernambuco a eacutepoca o Conde de Povolide afirmando que
havia expedido ordens para que se apreendesse uma sumaca que estava no porto de
Camaragibe carregando caixas de accediluacutecar enviando para tal serviccedilo o Porta Bandeira
Francisco de Oliveira Chegando ao local o oficial fez o sequestro da embarcaccedilatildeo que no
270
Idem 271
Idem 272
AHU ndash PE Cx128 D 9737 273
Idem 274
Idem 275
Idem
92
momento da apreensatildeo estava carregada com 18 caixas e dois feixos de accediluacutecar 276
e prendeu
na mesma ocasiatildeo o mestre da embarcaccedilatildeo o senhor Joseacute dos Santos
No entanto por ldquodescuidordquo ou ldquomaliacuteciardquo dos sentinelas que faziam a guarda do preso
este conseguiu escapar indo ateacute sua sumaca e empreendendo fuga Poreacutem ldquoao sair da baiacutea
pela perturbaccedilatildeo que lhe causava a fuga deram em uns recifes de pedrasrdquo 277
Mesmo assim a
tripulaccedilatildeo conseguiu fugir utilizando as lanchas da embarcaccedilatildeo ldquotomando o caminho da
Bahia fugitivosrdquo 278
Os oficiais reacutegios envolvidos no caso tentaram ainda ir atraacutes da
tripulaccedilatildeo mas natildeo foi possiacutevel ldquopor irem jaacute mui avanccedilados na retiradardquo 279
ficando para traacutes
apenas um marinheiro ldquoque cansou no caminhordquo 280
e que foi levado para a cadeia da vila
Por vezes os contrabandos de accediluacutecar e de outros gecircneros entre as capitanias de Bahia
e Pernambuco iratildeo gerar certo conflito entre as autoridades das capitanias vizinhas que ao
que a documentaccedilatildeo tem nos mostrado usualmente discordavam sobre a questatildeo dos limites
territoriais e fiscais circunstacircncias e locais que caracterizavam o contrabando Devemos levar
em conta que as situaccedilotildees de mercado de Bahia e Pernambuco a eacutepoca eram bastante
distintas pois mesmo tendo sido capital da colocircnia ateacute o ano de 1763 e importante praccedila
comercial durante o XVIII a Bahia natildeo contava com uma companhia monopolizadora tendo
como instituiccedilatildeo fiscalizadora apenas uma Mesa de Inspeccedilatildeo 281
Dessa forma natildeo estava a
Bahia sujeita as regulamentaccedilotildees e restriccedilotildees comerciais impostas a Pernambuco e suas
anexas
Vejamos com maiores detalhes o caso da sumaca Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo Santo
Antocircnio e Almas conhecida com a ldquoescorregardquo que foi uma dessas ocorrecircncias envolvendo
controveacutersias entre as autoridades de Bahia e de Pernambuco arrolada por noacutes O imbroacuteglio
comeccedila com a apreensatildeo da embarcaccedilatildeo no dia dois de abril de 1780 quando o entatildeo
governador da capitania pernambucana Joseacute Cesar de Meneses apoacutes receber denuacutencia do
Intendente da Companhia Geral acerca de uma sumaca vinda da Bahia que estava ancorada
276
O nuacutemero baixo de caixas eacute explicado por ainda natildeo haver se completado o embarque de toda a mercadoria
no momento da apreensatildeo 277
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 278
Idem 279
Idem 280
Idem 281
Sobre isto ver KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da
Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de Antigo Regime
poderes e sociedades Lisboa 2005 P 1
93
no distrito de Goiana a carregar caixas de accediluacutecar envia um tenente e oito soldados de tropas
pagas ao local para fazer a apreensatildeo e tomar as providecircncias cabiacuteveis 282
Apoacutes a apreensatildeo a embarcaccedilatildeo que pertencia ao negociante baiano Antocircnio Joseacute
Roberto eacute enviada para a Vila de Recife onde Joseacute Cesar solicita que o juiz de fora do local
faccedila inventaacuterio de toda a carga confiscada Depois desse primeiro passo as caixas de accediluacutecar
encontradas na embarcaccedilatildeo satildeo avaliadas pelo presidente da Mesa de Inspeccedilatildeo do Accediluacutecar e
Tabaco e por fim a carga completa eacute enviada para os depoacutesitos da Companhia Geral que seria
depositaacuteria da mesma ateacute o momento da decisatildeo real No momento da apreensatildeo a sumaca
estava carregada com 81 caixas de accediluacutecar escravos cunhetes feixos de accediluacutecar e outras
miudezas como ldquoum barril de mel latas de tabaco duas peccedilas de cetim azul com flores
brancasrdquo 283
a lista de ldquomiudezasrdquo eacute grande assim como a confusatildeo gerada pelo caso
A carga retida era significativa o inventaacuterio expotildee que as mercadorias pertenciam a
carregadores diversos o que iraacute dificultar a identificaccedilatildeo destes homens aleacutem disso esta
tarefa se tornava mais complicada ldquopor costumar ser aqueles homens sertanejos que dela vem
de partes muito remotas a comprar fazendas para andarem mascateando pelos dilatados
sertotildees deste continenterdquo 284
As autoridades locais natildeo foram capazes de reconhecer todas as
marcas inseridas nos produtos e nem o dono da embarcaccedilatildeo se demonstrou interessado em
colaborar
Destacamos que a sumaca tambeacutem estava transportando passageiros que levavam
consigo cargas particulares este fato intricou ainda mais o processo pois se fez necessaacuterio
separar e inventariar estes volumes tambeacutem Os produtos e mercadorias transportados por
aquelas pessoas eram diversos A lista incluiacutea artigos como couros farinha manteiga armas
somas em dinheiro entre outros Alertamos tambeacutem para a presenccedila de carga humana o
capitatildeo Gabriel Alvarez Lima por exemplo levava ldquo17 escravos novos a saber 9 fecircmeas e 8
machosrdquo 285
outro viajente o Sr Antocircnio Pereira de Melo carregava ldquo7 escravos novos e um
ladinordquo 286
aleacutem destes dois exemplos no momento da apreensatildeo outros passageiros tambeacutem
transportavam na ldquoescorregardquo seus escravos particulares
Respondendo ao primeiro contato do governador pernambucano o Conselho
Ultramarino em 9 de julho de 1780 aprova suas accedilotildees e demandam que toda a carga fosse
282
AHU- PE Cx 136 D 10147 283
AHU- PE Cx 137 D10234 284
AHU- BA Cx 181 D 13481 285
AHU- PE Cx 136 D 10147 286
Idem
94
transferida para posse do desembargador intendente geral dos contrabandos ateacute que a devassa
iniciada na Bahia estive concluiacuteda Paralelamente a devassa baiana Joseacute Cesar lanccedila
instruccedilotildees para que o ouvidor da Paraiacuteba instaure na comarca tambeacutem uma devassa para
averiguar o caso Neste interim o dono da embarcaccedilatildeo o Sr Antocircnio Joseacute Roberto solicita
ao governador que a sumaca lhe fosse devolvida para que ele natildeo amargasse tantas perdas
com a embarcaccedilatildeo parada O pedido eacute atendido mediante pagamento da quantia de um conto e
vinte e cinco mil reis segurado por ldquofiadores idocircneosrdquo da praccedila Vale ressaltar que junto ao
valor da embarcaccedilatildeo se acresceu o valor de quatro escravos ldquoa ela pertencentesrdquo 287
Natildeo temos conhecimento a respeito da devassa iniciada pelo ouvidor da Paraiacuteba nem
mesmo se em algum momento ela chegou a se realizar 288
Jaacute sobre a devassa ocorrida na
Bahia possuiacutemos maiores detalhes A embarcaccedilatildeo que tinha como mestre no momento da
apreensatildeo Joaquim Antocircnio recebeu guia autorizando sua partida de Salvador em lastro isto
eacute sem mercadorias Durante o periacuteodo de averiguaccedilatildeo da situaccedilatildeo o dono da sumaca foi
preso no entanto antes que se fosse decidido sobre os rumos do processo o mesmo pagou
fianccedila e foi liberado 289
Durante o processo de devassa foi lavrado um libelo acusatoacuterio culpando o reacuteu pelo
crime de contrabando Os ministros que cuidaram do caso afirmavam neste documento que
Antocircnio Joseacute Roberto teria despachado a ldquoescorregardquo em lastro ldquopara vila de Goiana com o
pretexto de ir conduzir efeitos para esta cidaderdquo 290
por isso teria o acusado conseguido junto
agrave alfacircndega passaporte e os despachos necessaacuterios 291
middot No entanto durante a anaacutelise do caso
parece claro para os ministros que o dono da embarcaccedilatildeo havia agido ldquocom dolo manifestordquo
pois ldquofizera navegar por aquele mesmo tempo a dita sumaca carregada de escravos fazendas
caixas de accediluacutecar feixes cunhetes e outras miudezasrdquo 292
das quais natildeo possuiacutea as guias nem
os despachos necessaacuterios
Os ministros tambeacutem afirmam que o porto de Goiana fazia parte da aacuterea monopolizada
pela Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba logo ldquonatildeo podia o reacuteu nem devia fazer
conduzirrdquo 293
da Bahia para laacute as mercadorias encontradas a bordo da sumaca Este fato era de
287
AHU ndash PE Cx 137 D 10234 288
Ateacute o momento soacute foi possiacutevel localizar nos arquivos documentos que atestam a ordem dada pelo governador
Joseacute Cesar de Meneses ao Ouvidor da Paraiacuteba no entanto natildeo sabemos se esta foi atendida nem o que dela se
apurou 289
AHU- BA Cx 181 D 13481 290
Idem 291
Idem 292
Idem 293
Idem
95
conhecimento geral pois existiam ldquomuitas ordens expedidas sobre a mesma proibiccedilatildeordquo por
isso Antocircnio Joseacute Roberto estava ldquoincurso nas penas de perdimento (das mercadorias) e as
mais estabelecidas ao mesmo respeito pelo foral da alfacircndega enquanto aos ditos despachos e
direitos que se deveriam pagarrdquo 294
Fica evidente na documentaccedilatildeo que o comerciante baiano era um homem articulado e
que possuiacutea bons contatos dessa forma o mesmo recorre do libelo acusatoacuterio expedido a
princiacutepio Sua defesa se centrou em trecircs pontos O primeiro deles afirmava que era costume
amplamente praticado principalmente no caso de sumacas despacharem em lastro e depois
receberem mercadorias O reacuteu afirmou que as guias de tais produtos natildeo eram tiradas pois
ldquoera costume praticado por todos natildeo levarem guias das fazendas carregadas para os sertotildees e
lugares onde natildeo haacute alfacircndegasrdquo 295
e declarou ainda que ldquonatildeo haacute proibiccedilatildeo alguma de
carregar fazendas e outros efeitosrdquo 296
para os sertotildees jaacute que estes jaacute tinham pagado os
direitos fazendaacuterios nos seus portos de origem por isso ldquoa todos era permitida essa liberdaderdquo
297
Cabe destacar que no seu discurso de defesa o reacuteu insiste em frisar que o porto de
Goiana era um porto sertanejo logo natildeo sujeito ao monopoacutelio comercial praticado pela
Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto sabia que os limites de accedilatildeo
da empresa natildeo se estendiam as terras dos sertotildees No entanto eacute curioso observar que ainda
em sua defesa o acusado iraacute afirmar ter recebido notiacutecia de ldquopessoas fidedignas de
Pernambucordquo 298
que a Companhia estava extinta e que por isso se animou em carregar sua
embarcaccedilatildeo para a capitania de Pernambuco Tambeacutem declarou a seu favor que quando ficou
sabendo que a empresa ainda existia natildeo vendeu as mercadorias na capitania pernambucana
logo natildeo teria cometido o crime de contrabando
Ora os discursos se natildeo contraditoacuterios ao menos satildeo incongruentes em primeiro lugar
afirmou o negociante que aquele tipo de comeacutercio praticado nos ldquosertotildeesrdquo era livre a todos
depois declarou natildeo ter vendido suas mercadorias em Goiana para natildeo ofender o monopoacutelio
da Companhia Geral Muito provavelmente Antocircnio Joseacute Roberto na tentativa de obter
294
Idem Sobre funcionamento administraccedilatildeo e regulamento da Alfacircndega de Pernambuco no seacuteculo XVIII
consultar OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e
tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash
Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 295
AHU - BA Cx 181 D 1348 296
Idem 297
Idem 298
Idem
96
absolviccedilatildeo a todo custo se utiliza das duas foacutermulas de forma que se a primeira falhasse
ainda ficava o reacuteu resguardado de natildeo ter praticado descaminhos da Real Fazenda
Outro ponto explorado pelos advogados do acusado em sua defesa diz respeito ao fato
de que o Procurador Geral da Companhia o senhor Manoel Joseacute de Carvalho natildeo reclamou
durante o processo de construccedilatildeo da devassa os direitos devidos da empresa no caso mesmo
que este pedido tenha sido feito pelos ministros que julgaram a situaccedilatildeo Natildeo sabemos se por
omissatildeo por conluio ou mesmo por natildeo acreditar ter se cometido no caso o crime de
contrabando o procurador nada declara a favor da empresa
No entanto eacute interessante analisarmos o comportamento do procurador tendo em
vista o principal e uacuteltimo argumento utilizado pelo reacuteu para se ver livre das acusaccedilotildees de
contrabando e descaminhos Afirmara Antocircnio Joseacute Roberto que ldquoa maior parte das caixas de
accediluacutecarrdquo 299
carregadas pela sumaca ldquoiam a entregar a Francisco Joseacute de Fonsecardquo 300
nada
mais nada menos que o proacuteprio tesoureiro da Companhia Geral e os demais efeitos seriam
entregues ldquoa diversas pessoas e negociantes todos moradores na Vila do Reciferdquo 301
De
acordo com o dono da embarcaccedilatildeo esta informaccedilatildeo estava contida nos cadernos que
transportava e posteriormente na relaccedilatildeo da carga feita pelo escrivatildeo da Conservatoacuteria da
Companhia onde era possiacutevel observar que ldquotoda a referida carga era pertencente a pessoas
daquele continenterdquo 302
A defesa do reacuteu parece ter surtido efeito jaacute que Antocircnio Joseacute Roberto foi condenando
apenas ldquono perdimento das fazendas achadas a bordo da sumacardquo 303
isto porque segundo os
ministros julgaram o costume de natildeo transportar guias das fazendas transportadas aos
pequenos portos que natildeo contavam com aparato alfandegaacuterio eram ldquoverdadeiramente abusos
e transgressotildees das reais ordensrdquo 304
Uma vez que era sabido que tirar as guias era necessaacuterio
natildeo soacute para legitimar as descargas dos produtos nos seus portos de destino mas tambeacutem para
que fosse possiacutevel identificar em qualquer parte que ldquotiveram despachos de entrada na
Alfacircndega e pagaram entatildeo os devidos direitosrdquo 305
Fora isso o reacuteu eacute absolvido de todas as acusaccedilotildees contidas no Libelo acusatoacuterio
inclusive do crime de contrabando Aleacutem da perda das fazendas ao acusado eacute ordenado o
299
Idem 300
Idem 301
Idem 302
Idem 303
Idem 304
Idem 305
Idem
97
pagamento das custas do processo 306
Pelo que podemos entender atraveacutes da leitura do
documento os escravos transportados no momento da apreensatildeo natildeo foram apreendidos pela
Real Fazenda provavelmente os ministros aceitaram a defesa do reacuteu sobre esta mateacuteria que
alegava baseado em carta reacutegia de 30 de junho de 1766 e Alvaraacute de 3 de marccedilo de 1770 que
ldquose natildeo devem direitos de saiacuteda de escravos levados para as lavouras e demais serviccedilos das
terras dos recocircncavos e sertotildeesrdquo 307
A sentenccedila inicial eacute contestada pelo reacuteu em sua defesa iraacute afirmar que as fazendas que
estavam sem as devidas guias foram todas compradas a ldquoManoel Duratildees Sampaio o qual a
despachara na alfacircndega e que se achavam seladasrdquo 308
Segundo o comerciante baiano esta
informaccedilatildeo foi omitida na relaccedilatildeo das fazendas feita no ato da apreensatildeo No entanto a
reconsideraccedilatildeo natildeo eacute aceita pelos ministros fica entatildeo decidido que ldquocumpra-se a sentenccedila
embargadardquo e que o reacuteu arque com as custas do processo 309
Pelo exposto ateacute o momento pode-se perceber como a devassa feita na Bahia acaba
por contrariar a apreensatildeo feita pelo governador Pernambucano e as demais autoridades
reacutegias da capitania que primeiro averiguaram o caso e ao que demonstra a documentaccedilatildeo
pareciam natildeo ter duacutevidas quanto agrave existecircncia da praacutetica do contrabando no caso da
ldquoescorregardquo uma vez que Goiana fazia parte do governo de Pernambuco onde a Companhia
Geral exercia seu monopoacutelio desde 1759
A contrariedade de opiniotildees das autoridades eacute notoacuteria Em ofiacutecio enviado ao Reino em
trecircs de outubro de 1780 onde trata sobre as providecircncias tomadas localmente a respeito do
caso Joseacute Cesar de Meneses afirma ter dado ordens ao ouvidor da Comarca da Paraiacuteba para
que se achem ldquoos culpados no contrabando da referida sumacardquo 310
Apoacutes a devassa realizada
na Bahia em 1781 sobre a situaccedilatildeo da ldquoescorregardquo iraacute o governador baiano o Marquecircs de
Valenccedila concluir que ldquopela sentenccedila proferida contra esse reacuteu (Antocircnio Joseacute Roberto) se
conhece bem a razatildeo porque natildeo tiveram descaminhos os reais direitosrdquo 311
Como jaacute dito anteriormente os conflitos entre as autoridades das duas capitanias natildeo
eram raros No ano de 1778 por exemplo o governador pernambucano se queixaraacute dos
306
De acordo com as ordenaccedilotildees Filipinas em Livro III Tiacutetulo LXVII quando proferida a sentenccedila final em
qualquer tipo de caso de todas as qualidades o juiz deveria condenar pelo menos no pagamento das custas do
processo o reacuteu nos casos onde o reacuteu era absolvido o autor do processo deveria arcar com esse custo 307
Idem 308
Idem 309
Idem 310
AHU - PE Cx 138 D 10248 311
AHU - BA Cx 138 D 10248
98
procedimentos adotados pelo administrador da Companhia Geral que por motivo
desconhecido se encontrava na Bahia Joseacute Cesar de Meneses faraacute seacuterias denuacutencias contra o
comportamento do administrador segundo o mesmo ldquoo administrador da Companhia Geral
que estaacute na Bahiardquo onde afirmava o governador natildeo possuir jurisdiccedilatildeo ldquonatildeo cumpre como
deve as suas obrigaccedilotildees nem cuida com verdadeiro zelo nos interesses da companhiardquo 312
O governador ainda afirmaraacute que ldquosoacute o administrador da Bahia eacute que pode com pouco
custo evitar a continuaccedilatildeo dos contrabandos e extravios dos gecircneros desta capitaniardquo 313
Joseacute
Cesar acusava o administrador de natildeo ter interesse em acabar com os contrabandos visto que
para ele a medida mais eficaz para seu combate era o de natildeo permitir a entrada na capitania
baiana dos barcos que saiam ilegalmente de Pernambuco accedilatildeo que segundo o governador natildeo
desempenhava o tal administrador 314
Em ofiacutecio do ano posterior a questatildeo da falta de jurisdiccedilatildeo na Bahia voltaraacute a tona
Segundo Joseacute Cesar o governo da Bahia andava em grande relaxaccedilatildeo no combate aos
contrabandos e ao inveacutes de conter as ilicitudes agia em sentido oposto ldquoautorizando-se a
introduccedilatildeo dos escravos que para ela se transportam da dita cidade (Recife)rdquo 315
Neste
documento como anexo encontra-se guia autorizada pelo governador da Bahia a eacutepoca
Manoel da Cunha Meneses permitindo que um comerciante baiano transportasse para
Pernambuco vinte seis escravos e quatorze escravas Accedilatildeo totalmente proibida pelos estatutos
da Companhia
Eacute patente o desinteresse das autoridades baianas em repreender tais atos O que natildeo
podemos afirmar com total certeza eacute se tal desinteresse estava relacionado aos ganhos
oriundos daquele tipo de comeacutercio para a capitania soteropolitana ou se realmente os agentes
reacutegios baianos acreditavam que aquelas negociaccedilotildees eram de fato legais Nosso palpite
baseado na pesquisa exaustiva aos documentos nos leva a crer que fosse um pouco das duas
coisas Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais nos contrabandos no proacuteximo
capiacutetulo
Retomando a anaacutelise do processo da ldquoescorregardquo conseguimos identificar dentro do
acervo dos avulsos do Arquivo Histoacuterico Ultramarino para Pernambuco uma carta do reacuteu
cerca de quatro meses apoacutes a finalizaccedilatildeo da devassa recorrendo de sua sentenccedila Vale
ressaltar que nesse momento ano de 1781 o monopoacutelio comercial da Companhia Geral havia
312
AHU- PE Cx 131 D 9892 313
Idem 314
Idem 315
AHU- PE Cx 132 D9955
99
sido extinto Neste documento Antocircnio Joseacute Roberto solicita que seja devolvida sua sumaca
com a respectiva carga que lhe foi ldquoinjustamente apreendida no porto de Goianardquo 316
e da
qual ele estava ldquoapartado haacute ano e meiordquo 317
O pedido feito pelo comerciante se respalda na sentenccedila positiva que o mesmo havia
conseguido junto aos ministros responsaacuteveis pela devassa na capitania da Bahia que julgaram
na ocasiatildeo ldquomal feita a tomadiardquo realizada pelo governador pernambucano A carta eacute extensa
e reuacutene coacutepias de outros documentos relativos ao caso o que torna um pouco confusa a
narrativa no entanto nos oferece informaccedilotildees preciosas como por exemplo a indicaccedilatildeo de
que Antocircnio Joseacute Roberto viajou ao Reino para recorrer da sentenccedila pois afirma o mesmo
que na Bahia jaacute havia obtido sentenccedila favoraacutevel e ldquono transporte a esta corte onde haacute dois
meses e meio (estou) como forasteiro diligenciando chegar a real presenccedila de V Majestaderdquo
318 continua afirmando se antepor a sua Majestade ldquopedindo somente justiccedilardquo
319
Recorria entatildeo o comerciante baiano por obter de volta suas caixas de accediluacutecares
couros e solas que estavam retidos nos armazeacutens da ldquoextinta Companhiardquo em virtude dos
muitos ldquoprejuiacutezos que tem sentindordquo 320
aleacutem da carga principal que estava em posse da
Companhia existia tambeacutem uma caixa carregada de fazendas sob os cuidados do
Superintendente Geral dos contrabandos Antocircnio Joseacute Roberto tambeacutem iraacute pleitear a
devoluccedilatildeo deste conteuacutedo Segundo o mesmo a caixa continha ldquouma insignificante porccedilatildeo de
fazendardquo 321
que os ministros haviam se esquecido de julgar e por isso a mercadoria
continuava apreendida a favor da Fazenda Real O argumento utilizado por Antocircnio Joseacute
Roberto na apelaccedilatildeo seraacute o mesmo aplicado durante o processo de devassa onde afirma natildeo
ser costumeiro levar guias de fazendas para ldquoportos onde natildeo haacute alfacircndegardquo 322
Sobre o conteuacutedo existente na caixa iraacute afirmar o comerciante que todas as
mercadorias contidas nela foram ldquodespachadas e seladas pela alfacircndega da Bahiardquo no entanto
a relaccedilatildeo que dela consta em dois documentos que tratam sobre o caso contestam essa
versatildeo Como podemos ver a seguir
316
AHU- PE Cx 0142 D 10475 317
Idem 318
Idem 319
Idem 320
Idem 321
Idem 322
Idem
100
Lista 1 ndash Fazendas encontradas na caixa
RELACcedilAtildeO DAS FAZENDAS CONTIDAS NA CAIXA
Duas peccedilas de cetim azul claro com flores brancas caixa da faacutebrica (real) ndash 101 cocircvados com
armas reais de tinta preta ndash sem selo
Duas peccedilas de camelotildees listrados ndash 80 cocircvados - com selo da alfacircndega da Bahia
Sete peccedilas de chitas encarnadas do norte ndash 170 fardas - seis peccedilas com selo da alfacircndega da
Bahia e uma sem selo
Sete peccedilas da costa - 147 jardas - com selo da alfacircndega da Bahia
Um retalho de riscado de linho - seis cocircvados - sem selo
Cinco pares de meias de algodatildeo velhas
Um lenccedilol de Hamburgo
Trecircs sacos
Duas camisas de estopa velhas
Uma toalha de Hamburgo velha
Um calccedilatildeo de ldquoduraquerdquo
Um atadouro
Duas guarniccedilotildees de camisa de caccedila
Uma caixa de papel
Trecircs navalhas de barba
Uma pedra de afiar
101
Um estojo de baeta
Uma garrafa vazia
Fonte AHU- PE Cx 0142 D 10475 AHU- PE Cx 137 D10234
Como podemos observar a tal caixa continha aleacutem de umas poucas fazendas produtos
para uso pessoal alguns jaacute bastante utilizados No entanto desses poucos tecidos nem todos
apresentavam os devidos selos reais muito provavelmente por este motivo a carga
permaneceu apreendida A apelaccedilatildeo enfaacutetica de Antocircnio Joseacute Roberto pela devoluccedilatildeo
daquele conteuacutedo que ele mesmo declara como ldquoinsignificante resto de fazendasrdquo 323
pode
nos parecer em um primeiro momento estranha mas devemos lembrar que durante todo o
desenrolar do caso o comerciante teve muitos prejuiacutezos jaacute que aleacutem de perder seus produtos
ainda teve que pagar as custas do processo
Aleacutem disso devemos ter em foco que a aquisiccedilatildeo e uso de produtos pessoais no seacuteculo
XVIII se dava de maneira bem distinta dos moldes contemporacircneos A vida uacutetil de peccedilas de
roupa por exemplo era bastante extensa portanto apesar de ldquovelhasrdquo as vestimentas
poderiam continuar a ser utilizadas ainda por um bom tempo Outros objetos como sacos
navalhas garrafa toalhas lenccediloacuteis etc tambeacutem possuiacuteam existecircncia longa sendo utilizados ao
longo de toda a vida Ateacute o momento natildeo conseguimos mapear junto ao nosso conjunto
documental a resposta do Reino a este pedido portanto natildeo temos certeza se ele foi atendido
Aleacutem de revelar aspectos da dinacircmica comercial entre Pernambuco e Bahia durante a
segunda metade do seacuteculo XVIII o caso da ldquoescorregardquo demonstra as disputas de poder
envolvendo as autoridades das capitanias vizinhas resultado de um quadro de sobreposiccedilatildeo de
jurisdiccedilotildees comum em toda a Ameacuterica Portuguesa De acordo com a documentaccedilatildeo a
capitania baiana parece ter saiacutedo ldquovencedorardquo nesta competiccedilatildeo de conflitos de interesses
uma vez que apesar dos esforccedilos empreendidos pelas autoridades pernambucanas no caso
que pareciam estar seguros sobre a existecircncia do crime de contrabando na ocorrecircncia e que
foram responsaacuteveis pela apreensatildeo catalogaccedilatildeo da carga informe sobre a situaccedilatildeo para a
Coroa e primeiras investigaccedilotildees a decisatildeo final ficou cingida aos ministros baianos Ministros
esses que ao julgarem posteriormente o caso acabaram por inocentar o reacuteu do crime de
contrabando
323
Idem
102
O contrabando de couros solas e outros gecircneros vindos do sertatildeo tambeacutem teraacute
destaque junto a documentaccedilatildeo coletada Em ofiacutecio do ano de 1778 o governador de
Pernambuco daacute conta ao Reino da apreensatildeo que fez de uma sumaca que vinda da Bahia foi
capturada no Rio Grande do Norte lugar do governo da capitania de Pernambuco A sumaca
que se chamava ldquoSagrada Famiacuteliardquo ao que consta vinha da Bahia carregada de contrabandos
que ldquoestava trocando nestes portos por diversos gecircneros como fosse tabaco e courosrdquo 324
segundo o documento depois de trocar tais produtos a sumaca iria para Bahia da Traiccedilatildeo
ldquocarregar pau-brasil para alguns dos portos estrangeirosrdquo 325
O governador toma ciecircncia do caso e envia uma tropa para apreender a embarcaccedilatildeo
Como o piloto da mesma ldquoandava oculto nesta praccedila logo que soube do embarque da tropa
partiu a dar aviso a dita sumacardquo 326
assim que souberam da notiacutecia os tripulantes da
embarcaccedilatildeo iccedilaram as velas e tentaram fugir no entanto devido ao pouco vento que se fazia
no momento natildeo conseguiram seguir com a sumaca e a abandonaram no local Parte da
tripulaccedilatildeo conseguiu escapar atraveacutes das lanchas do barco e levaram consigo ldquoalgumas
canastrasrdquo que acreditava o governador serem restos das fazendas de contrabando
A sumaca foi apreendida e levada para o porto do Recife onde foi inventariada pelo
Juiz de Fora da Praccedila No momento da ldquotomadiardquo a embarcaccedilatildeo estava carregada com 1052
arrobas de tabaco 220 couros de boi em cabelo e 11 barris de mel Os cinco marinheiros que
natildeo conseguiram fugir foram levados para Recife e ficaram presos na cadeia da vila onde
responderam a inquiriccedilatildeo feita pelo mesmo Juiz de Fora nos fornecendo maiores detalhes
sobre o caso No mesmo documento tambeacutem constam algumas certidotildees importantes como a
lista de apetrechos do barco o auto de apreensatildeo termo de entrega do barco avaliaccedilatildeo da
carga entre outros
De maneira geral os marinheiros que eram todos portugueses e segundos seus
testemunhos novatos na tripulaccedilatildeo daquela embarcaccedilatildeo iratildeo ao longo das inquiriccedilotildees
apresentar a mesma versatildeo dos fatos com maiores ou menores detalhes Testemunhavam que
estando o barco aportado no Rio Grande do Norte chegou um homem ldquoque se dizia ser piloto
do dito barcordquo 327
informando ao dono da sumaca o senhor Luiz Pereira que o barco seria
apreendido e que eles buscassem fugir poreacutem por falta de vento natildeo foi possiacutevel escapar e
324
AHU ndash PE Cx 129 D 9771 325
Idem 326
Idem 327
Idem
103
logo ldquochegaram trecircs jangadas com soldados e os fizeram conduzir a este porto (do Recife)rdquo 328
onde foram presos
Afirmam tambeacutem que a sumaca apreendida estava naquelas paragens para carregar
ldquofumo e couros em pelordquo Satildeo unanimes tambeacutem os marinheiros em atestar que o barco
naquele tempo natildeo tinha mestre 329
e quem o conduzia era seu proacuteprio dono Luiz Pereira e
ainda que o mesmo natildeo havia declarado a sua tripulaccedilatildeo o porto para onde pretendia seguir
viagem aleacutem disso atestam os tripulantes que a carga encontrada a bordo pertencia somente
ao dono da embarcaccedilatildeo
Os marinheiros asseguram ainda que na mesma jangada na qual o piloto veio dar a
notiacutecia da apreensatildeo ldquofugiram para terrardquo o dono e o dito piloto ldquolevando consigo duas
frasqueiras vazias e uma canastra com um pouco de fazenda resto de negoacutecio que ele dizia
tinha sido comprado a Companhia Geralrdquo 330
Felizmente conseguimos localizar junto ao
nosso conjunto documental cerca de um mecircs apoacutes a apreensatildeo da ldquoSagrada Famiacuteliardquo
requerimento de seus donos pedindo que lhe fossem entregues os gecircneros ou produto deles
devolvendo a embarcaccedilatildeo e ressarcindo a ambos os danos e perdas que tiveram com a
apreensatildeo
Fica esclarecido pois que a sumaca pertencia natildeo soacute a Luiz Pereira mas tambeacutem a
Francisco Joseacute de Melo seu soacutecio Segundo o documento os dois tinham contraiacutedo sociedade
para ldquodos portos daquela capitania carregarem para a praccedila todos os gecircneros e efeitos
permitidosrdquo 331
Afirmam ainda que para isso conseguiram as licenccedilas junto ao governo para
que a tal sumaca pudesse navegar para ldquoqualquer dos mesmos portosrdquo No documento os
donos datildeo detalhes sobre o roteiro de viagem seguido pela embarcaccedilatildeo que primeiramente
navegou com efeitos para Una passando depois para Barra Grande onde ldquoo suplicante tinha
de fazer dar cumprimento as despesas [] contra os seus devedoresrdquo 332
Como natildeo encontraram em Barra Grande carga suficiente seguiram para Barra de
Catuama no Rio de Tejucupapo em Pernambuco ldquoonde aleacutem de alguma lenha farinha e mel
jaacute os suplicantes tinham feito embarcar 200 arrobas de tabaco em corda e 220 couros de boi
328
Idem 329
O marinheiro Manoel de Sousa afirma que quando entrou para tripulaccedilatildeo o mestre da sumaca era Alberto
Vieira morador na praccedila do Recife poreacutem pouco tempo depois o dito mestre foi servir em outra embarcaccedilatildeo
assumindo o dono da sumaca o senhor Luiz Pereira a funccedilatildeo do mestre 330
AHU ndash PE Cx 129 D 9771 331
AHU ndash PE Cx 129 D 9792 332
Idem
104
em cabelordquo 333
mercadorias estas que haviam sido compradas nos arrabaldes de Goiana
Segundo a versatildeo dada pelos donos da Sagrada Famiacutelia a apreensatildeo do barco foi motivada
por uma denuacutencia falsa planejada por seus devedores ldquoescandalizados da cauccedilatildeo que se lhe
faziardquo 334
junto com outros inimigos do suplicante a saber Manoel da Silva Xelas e Manoel
Joseacute da Costa que se ocuparam ldquoem lhe maquinar culpas por que o fizessem prender e
satisfazer assim sua vinganccedilardquo 335
Sobre a sua fuga e tambeacutem a do mestre da embarcaccedilatildeo Luiz Pereira afirma que apesar
de natildeo ter o que recear como ldquoo mal era certo e estava a vista cuidaram em evita-lordquo 336
fugindo dessa forma em outra jangada levando consigo apenas ldquoo triste socorro de duas
canastras com sua roupardquo 337
Continua afirmando que assim que a sumaca foi levada pelos
soldados a Pernambuco logo sua carga foi posta em arrecadaccedilatildeo mesmo que natildeo houvesse
confirmaccedilatildeo nenhuma sobre o contrabando denunciado Segundo o dono da embarcaccedilatildeo ficou
sabendo a apreensatildeo se deu devido a uma falsa denuacutencia de que eles ldquoestavam carregando
naquele porto de Goiana pau-brasil para o conduzirem para as Martinicasrdquo 338
poreacutem no
momento da apreensatildeo natildeo foram encontradas as tais madeiras na sumaca
Reclamam entatildeo os suplicantes que mesmo diante da incerteza da praacutetica de
contrabando e de suas suacuteplicas e contestaccedilotildees as autoridades reacutegias deram seguimento no
processo vendendo a carga do barco Afirmam ainda que enviaram ao governador as licenccedilas
que tinham para comerciar no porto da apreensatildeo 339
como tambeacutem os motivos pelos quais
havia o mestre e o dono do barco fugido na ocasiatildeo poreacutem natildeo foram capazes de ir ao
encontro marcado pelo governador pernambucano para esclarecimentos sobre o caso nem o
mestre nem o suplicante O primeiro porque tinha ido ldquoprocurar sua vida e natildeo lhe
importavam os requerimentos dos suplicantesrdquo 340
e o segundo porque ldquoestava na cidade da
Bahia para onde tinha feito viagem no seu ofiacutecio de pilotordquo 341
Continuam alegando ter sido a apreensatildeo e arremataccedilatildeo feita pelo governador injusta e
apelam agrave Rainha por justiccedila pois perdendo suas fazendas ldquosem culpasrdquo estavam os mesmos
333
Idem 334
Idem 335
Idem 336
Idem 337
Idem 338
Idem 339
Este e outros documentos referentes ao caso estatildeo anexados ao requerimento enviado a Rainha 340
AHU ndash PE Cx 129 D 9792 341
Idem
105
ldquona consternaccedilatildeo de abraccedilarem a miseacuteriardquo 342
uma vez que jaacute natildeo tinham meios de sustentar
suas famiacutelias muito menos de bancarem uma viagem ao Reino para implorarem ldquojusticcedila e a
maternal piedaderdquo 343
da soberana Ao longo do documento os suplicantes o tempo inteiro
reforccedilam a maacutexima de que o contrabando natildeo foi comprovado
Tambeacutem asseguram que a fuga se deu pois quem estava comandando a jangada que
foi fazer a apreensatildeo era Manoel da Silva Xelas inimigo que haacute pouco tempo ldquolhes tinha
segurado que lhe diligenciava a perdiccedilatildeordquo 344
Sustentam ainda que as canastras levadas
possuiacuteam apenas roupas Terminam pedindo que se faccedila justiccedila e lhe entreguem ldquotodos os
gecircneros e efeitos apreendidos ou o seu produtordquo aleacutem eacute claro de solicitarem que o governador
devolvesse a embarcaccedilatildeo Natildeo conseguimos encontrar ateacute o momento a resposta do Reino a
tal solicitaccedilatildeo portanto natildeo sabemos se em algum momento ela foi atendida O relato
demonstra mais uma vez como a definiccedilatildeo do que poderia ser considerado contrabando era
cambiante e dificultosa como podemos ver ao longo desse trabalho vaacuterios foram os casos
onde as autoridades pernambucanas fizeram apreensatildeo e posteriormente os reacuteus apelaram a
instacircncias superiores e conseguiram absolviccedilatildeo de suas penas
Conseguimos mapear mais dois casos relevantes sobre o comeacutercio de couros realizado
atraveacutes dos sertotildees que dividiam Pernambuco e Bahia que merecem ser detalhados pois
revelam detalhes preciosos sobre os circuitos de mercancia do interior 345
Tratam-se de dois
processos crimes dirigidos agrave Conservatoacuteria da Companhia Geral em Lisboa Antes de nos
atermos aos casos cabe uma ressalva para explicar brevemente como se tratavam as mateacuterias
judiciais na empresa Quanto a questotildees de justiccedila a Companhia possuiacutea um juiacutezo privativo
para resoluccedilatildeo de assuntos que lhe dissessem respeito 346
podendo atuar ldquocom jurisdiccedilatildeo
privativa e inibiccedilatildeo de todos os juiacutezes e tribunais [] em todas as causas contenciosas em
que forem autores os reacuteus o provedor deputados secretaacuterios e mais pessoas do serviccedilo da
Companhiardquo 347
A empresa mantinha um juiz conservador em Lisboa responsaacutevel por julgar estas
causas mas as direccedilotildees subalternas como a de Pernambuco tambeacutem possuiacuteam um juiz
342
Idem 343
Idem 344
Idem 345
Os dois processos aqui citados satildeo extensos e possuem etapas e procedimentos burocraacuteticos muacuteltiplos Cada
um conteacutem cerca de 200 laudas com vaacuterias passagens em latim e tracircmites juriacutedicos Por motivos praacuteticos
optamos por fazer pequenos compilados das ocorrecircncias deixando claro que temos ciecircncia sobre a
impossibilidade de qualquer resumo expressar com precisatildeo a complexidade destes casos 346
JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no nordeste brasileiro- A companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba (1759-1780) Satildeo Paulo Hucitec 2004P 87-88 347
Idem
106
conservador nomeado pela Junta da empresa em Lisboa que estava apto para julgar causas
que envolvessem o montante de ateacute 300$000 reis No entanto os reacuteus poderiam recorrer de
toda forma a conservatoacuteria de Lisboa Dessa forma na maioria dos casos a apelaccedilatildeo a
conservatoacuteria da empresa em Lisboa era o uacuteltimo recurso a que poderiam valer-se os reacuteus
acusados de cometer contrabando
Estas questotildees eram reguladas pelo artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa
nele afirma-se que a Companhia era independente de todos os tribunais maiores e menores
respondendo efetivamente apenas ao Rei Em nenhum caso era admitido que ministros ou
tribunais reais se intrometessem nesta mateacuteria Isto porque o capital formador da Companhia
provinha de pessoas que a princiacutepio natildeo tinham qualquer relaccedilatildeo com a Real Fazenda dessa
forma ficava a empresa livre para ldquodispor de seus proacuteprios bens como lhe parecer mais
convenienterdquo 348
Se algum tribunal ou ministro quisesse obter informaccedilotildees de algo
concernente a administraccedilatildeo da Companhia era necessaacuterio solicitar tais informaccedilotildees a sua
Junta ou as Direccedilotildees subalternas que poderiam ou natildeo deferir tal pedido 349
De acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a empresa possuiacutea uma independecircncia juriacutedica
relativa Jaacute que apesar de natildeo estar subordinada a nenhum outro tipo de tribunal respondia a
administraccedilatildeo da Companhia imediatamente ao Rei que era o responsaacutevel por confirmar as
nomeaccedilotildees feitas pela sua Junta Aleacutem disso segundo o autor os homens nomeados para
exercer a funccedilatildeo de juiacutezes conservadores eram em sua maioria sujeitos envolvidos na
administraccedilatildeo real ocupando cargos na casa de suplicaccedilatildeo ou mesmo no papel de juiz de fora
350
Voltando para os casos o primeiro tem como personagem principal o mestre sapateiro
e comerciante de couros e solas Manoel Antocircnio dos Santos que no ano de 1777 teve 1032
meios de sola apreendidos pelo guarda mor da direccedilatildeo da Companhia chamado Joatildeo Antocircnio
Batista As tais solas estavam distribuiacutedas em cinco balsas que se encontravam no momento
da apreensatildeo quatro na Ilha do Nogueira 351
e uma no rio do Jiquiaacute Durante a accedilatildeo do
confisco boa parte das solas foi molhada tornando-se mais uma pauta para reclamaccedilatildeo do reacuteu
348
Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor
do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Artigo 12 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil
Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 349
No caso de indeferimento cabia recurso ao Rei 350
JUacuteNIOR Ribeiro Joseacute Op Cit P 87-88 351
Tambeacutem conhecida como ilha da Barreta estaacute situada atualmente nas imediaccedilotildees do bairro de Brasiacutelia
Teimosa no Recife Sobre isto ver PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife
2008
107
a Conservatoacuteria lisboeta aleacutem de afirmar natildeo ter praticado contrabando solicitava a
restituiccedilatildeo monetaacuteria da mercadoria avariada pois natildeo restava duacutevida ldquoque aacutegua salgada na
sola faz um grande dano e daqui resulta ou perder-se inteiramente o valor ou ficar diminuiacutedo
em parte muito consideraacutevelrdquo 352
e ainda que ldquoeste contemplado prejuiacutezo causou ao reacuteu o
acelerado procedimento do guarda morrdquo 353
As cinco balsas foram apreendidas pois existia a suspeita de que as mesmas estavam
fora da barra do porto esperando um barco que iria a Bahia transportar as solas e couros no
entanto o barco acabou se atrasando e natildeo partiu na data combinada Sendo assim a versatildeo
das autoridades era de que ldquoas balsas estavam escondidas ao peacute do Recife esperando que
saiacutesse o dito barcordquo 354
segundo consta nos autos essa afirmaccedilatildeo teria sido feito pelos
jangadeiros que conduziam as balsas a vaacuterias testemunhas que foram inquiridas durante o
processo
Na verdade aleacutem dessas testemunhas que ldquoouviram dizerrdquo um uacutenico jangadeiro iraacute
testemunhar contra o reacuteu Era ele Manoel Martins de Almeida ldquohomem branco morador na
rua da praia solteiro que vive de pescador de idade que disse ser de 47 anosrdquo 355
Manoel iraacute
afirmar que voltando ele de uma pescaria tinha encontrado quatro jangadas juntas carregadas
de sola e que na ocasiatildeo dois homens brancos dos quais ele ignorava os nomes fretaram a sua
jangada para tambeacutem a carregar com as solas e ldquoesperar ali com as mais jangadas um barco
que no dia seguinte havia sair deste Porto que ia em direitura para o da Bahiardquo 356
afirma o
pescador que natildeo chegou a receber o dinheiro combinado pelo serviccedilo pois o guarda mor da
Companhia logo apareceu e fez a apreensatildeo conduzindo os barcos para o trapiche da empresa
Os outros jangadeiros serviram de testemunhas de defesa do reacuteu as versotildees dadas por
eles eram bastante parecidas utilizaremos aqui o testemunho de Manoel de Jesus Ramos
ldquohomem preto morador na rua da praia que vive de jangadeiro solteiro de idade de 25 anosrdquo
357 para exemplificar Afirmava Manoel que por ordem do reacuteu ele e ldquomais quatro jangadas da
rua da praia foram aos Afogados junto ao Tocolombo 358
receber-lhe a sola de que se trata e
por sua determinaccedilatildeo a vinham descarregar atraacutes do coleacutegiordquo 359
continua afirmando que ldquopor
352
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 5 353
Idem 354
Ibdem f 48 355
Ibdem f 45 356
Idem 357
Ibdem f 36 358
Atual ponte Motocolomboacute que liga os bairros de Afogados e Imbiribeira no Recife 359
Refere-se a praia do coleacutegio conhecida assim por estar nas imediaccedilotildees do antigo coleacutegio jesuiacuteta do Recife
nas proximidades do bairro de Santo Antocircnio Fonte BARBOSA Virgiacutenia Igreja do Divino Espiacuterito Santo
108
ser mareacute vazia e encalhar em jangadas e fazer vento rijo se acoitaram ao peacute da Ilha do
Nogueira da parte de dentro do Reciferdquo 360
neste momento as jangadas foram apreendidas pelo
Guarda Mor da Companhia e levadas para o trapiche da empresa
Nem todas estavam no mesmo local quando da ldquotomadiardquo pois algumas delas tinham
encalhado nas coroas de areia ldquopelo rio abaixo por dentro do Reciferdquo 361
Segundo Manoel o
destino ldquoque todas as jangadas traziam por ordem do reacuteu era descarregarem por de traacutes do
coleacutegiordquo 362
Diz ainda que natildeo tinham autorizaccedilatildeo de saiacuterem de Recife ldquonatildeo soacute por natildeo haver
para que mas pelo grande risco que haviardquo 363
Tambeacutem em seu testemunho vai afirmar que
conhecia o reacuteu haacute algum tempo e que nunca tinha ouvido dizer que ele fosse contrabandista
ldquoantes o tem por homem de muita verdade e eacute mestre do ofiacutecio de sapateirordquo 364
Como dito anteriormente quase todos os jangadeiros testemunharam a favor do reacuteu
salientando que o mesmo natildeo tinha enviado ordem para que eles saiacutessem de Recife e que o
sapateiro era um homem respeitaacutevel e correto Vale ressaltar que todos eles eram vizinhos
moradores na rua da praia se conheciam e foram contratados para o serviccedilo no mesmo tempo
Coincidecircncia ou natildeo o uacutenico depoimento contraacuterio viraacute exatamente do jangadeiro que foi
contratado para o serviccedilo posteriormente e que ao que o processo indica natildeo possuiacutea relaccedilotildees
de amizade com os demais
A defesa do reacuteu iraacute se centrar em alguns pontos destacaremos os mais importantes O
primeiro seraacute o entendimento de que existiam dois tipos de delito o ldquoefetivo e o afectivordquo O
primeiro tipo se daria quando de fato o ato iliacutecito fosse concretizado ou seja o delito tivesse
sido efetivado O segundo seria a intenccedilatildeo de cometer o ato sem que se chegasse a realiza-lo
O advogado do reacuteu iraacute se utilizar desta diferenciaccedilatildeo para sustentar sua defesa pois segundo o
mesmo ldquonenhuma lei humana tem proibido e mandado punir nem pode em qualquer delito
que seja proibir ou mandar punir ao simples ato interno ou a uacutenica interna deliberaccedilatildeo dos
homensrdquo 365
isto porque ldquoo pecado de pensamento que fica no mesmo e dele natildeo sabe
absolutamente em palavra ou obra soacute pertence a Deus proibi-lo e castiga-lordquo 366
ou seja
Recife PE Pesquisa Escolar Online Fundaccedilatildeo Joaquim Nabuco Recife Disponiacutevel em
lthttpbasiliofundajgovbrpesquisaescolargt Data de acesso 03082017 360
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 36 361
Idem 362
Idem 363
Idem 364
Idem 365
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 50 366
Idem
109
afirmava o advogado que natildeo se poderia julgar a intenccedilatildeo de um crime que natildeo chegou a se
concluir
O segundo ponto da defesa iraacute se concentrar nas condiccedilotildees mariacutetimas que
supostamente enfrentaram as balsas durante o momento da apreensatildeo Afirmam entatildeo que natildeo
era criacutevel que as cinco balsas pudessem navegar no mar de fora rumo a Bahia ou mesmo
esperar embarcaccedilatildeo que de laacute viesse Asseguram que mesmo dentro da barra ldquodeste rio que se
estaacute vendo defendido dos arrecifes natildeo estavam seguras as balsas pois ventando rijo se altera
o mesmo rio e faz maretas tatildeo fortes como laacute forardquo 367
prossegue atestando que naquelas
condiccedilotildees estavam em perigo ldquooutras embarcaccedilotildees de maior seguranccedila como estamos vendo
frequentemente quanto mais balsas que natildeo tem firmeza alguma para resistir ao mar alterado
com o vento rijordquo 368
O terceiro toacutepico da defesa era simples consistia em afirmar que os depoimentos das
testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo eram relevantes e que natildeo demonstravam que o contrabando
houvesse sido praticado Outra questatildeo levantada pela defesa foi o fato das solas na ocasiatildeo
da apreensatildeo natildeo estarem marcadas sendo assim natildeo haveria o interesse da parte do reacuteu em
fazer conduzir nestas condiccedilotildees esta mercadoria para a Bahia ldquopois indo sem marca natildeo se
podia saber de quem era nem a quem ia entregar e eis aqui um contrabando e negoacutecio
extravagante e nunca vistordquo 369
Aleacutem disso afirmam ser o produto ldquosola da matardquo
conhecidas popularmente como vaquetas artigo de comercializaccedilatildeo permitida
O argumento mais forte da defesa centrava-se na liberdade permitida pelo artigo 25
dos estatutos da Companhia ao comeacutercio realizado nos sertotildees Como jaacute visto no capiacutetulo
anterior este comeacutercio soacute passa a ser reprimido apoacutes o ano de 1770 por forccedila de um edital
lanccedilado pela direccedilatildeo da empresa em Pernambuco que por natildeo ser referendado por ordem
reacutegia natildeo possuiacutea forccedila de lei Assim sendo o advogado garantia que ldquoainda na hipoacutetese
sempre negada que o reacuteu extraviasse efetivamente a sola natildeo cometia um delito algum nem
podia incorrer nas penas do artigo 34 370
rdquo Isto porque ldquousava da permissatildeo do artigo 25 e a
liberdade do comeacutercio do Sertatildeo de que fala o mesmo natildeo se deve entender para ir somente
buscar a sola e vender a direccedilatildeordquo
367
Ibidem f 51 368
Idem 369
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 7 370
Ibdem f 52
110
O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral citado no caso prevecirc as
puniccedilotildees passiacuteveis para aqueles que fizessem comeacutercio desautorizado na capitania de
Pernambuco e suas anexas Legislando da seguinte forma
Nenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute
mandar levar ou introduzir as sobreditas fazendas secas ou molhadas nas
ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da produccedilatildeo []Sob pena
de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto importar o
seu valor [] 371
O comeacutercio realizado nos sertotildees que tinham como destino o porto do Recife onde se
deveriam trocar as mercadorias com a Companhia monopolista era considerado legal 372
Tanto que o reacuteu deste caso haacute muitos anos fazia esse tipo de negociaccedilatildeo com a empresa 373
Segundo consta nos autos do processo teria comprado Manoel Antonio dos Santos a sola
ldquoparte a dinheiro e outra parte recebeu em pagamento de coiramas de Portugal gecircnero em que
haacute muitos anos negocia com a direccedilatildeo comprando-lhes partidas avultadas de carmeiras
cordovotildees marroquins e outros gecircnerosrdquo 374
que depois ldquopelo miuacutedo vendia as tais partidas
nesta Praccedila e para fora dela [] e recebia em satisfaccedilatildeo accediluacutecares solas e outros gecircneros da
terrardquo 375
A Companhia em dois momentos iraacute rebater a defasa do reacuteu fazendo diversas
acusaccedilotildees o processo eacute extenso e possuiacute vaacuterias apelaccedilotildees e contestaccedilotildees faremos aqui um
compilado dos principais pontos apresentados pela empresa na figura do seu procurador fiscal
em Pernambuco O primeiro ponto faz referecircncia as testemunhas de defesa afirmava a
Companhia que as ditas testemunhas ldquosatildeo todas falsas apaixonadas e por dinheiro
corrompiacuteveis e a maior parte delas satildeo os mesmos jangadeiros auxiliantes e outras satildeo do
ofiacutecio de sapateiro de que eacute o embargado juizrdquo 376
Como jaacute informado o reacuteu aleacutem de negociar
com solas e couros haacute vaacuterios anos era juiz do ofiacutecio de sapateiro na praccedila como muitas
371
Instituiccedilatildeo da Companhia de Pernambuco e Paraiacuteba Coleccedilatildeo de Legislaccedilatildeo Portuguesa de 1750 a 1762
Tipografia Maigrense Lisboa 1830 apud Carreira Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e
Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982 P 293 372
Assunto discutido no primeiro capiacutetulo deste trabalho 373
No processo constam anexadas vaacuterias contas apresentadas pelo reacuteu discriminando produtos e seus valores
negociados ao longo dos anos com a empresa como uma espeacutecie de contabilidade pessoal 374
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 6 375
Idem Vale pontuar que de acordo com o artigo 33 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral a venda
em miuacutedo era permitida aos comerciantes da terra Sendo entatildeo o comeacutercio de grosso trato reservado
exclusivamente a empesa Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de
Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de
livros sobre o Brasil Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 376
Ibdem f 61
111
testemunhas de defesa possuiacuteam o mesmo ofiacutecio o procurador fiscal da Companhia iraacute acusar
Manoel Antocircnio de se utilizar de seu lugar de poder dentro daquela corporaccedilatildeo para gerar
testemunhos positivos a seu respeito
A acusaccedilatildeo encabeccedilada pelo procurador fiscal tambeacutem iraacute chamar atenccedilatildeo para o fato
de que havendo mareacute de dia o reacuteu escolheu deixar para carregar de noite o que era entendido
como atitude suspeita Contestam tambeacutem a alegaccedilatildeo da defesa de que no maacuteximo haveria se
cometido ldquocontrabando afectivordquo pois ldquose fora soacute a efetiva vontade de extraviar natildeo havia o
extraviador ter as jangadas carregadas e escondidasrdquo 377
continua sustentando que ldquose fosse
para descarregarem na praia do coleacutegio natildeo haviam estar de manhatilde ancoradasrdquo 378
Consta
tambeacutem no documento que soacute natildeo chegou a ser efetivado o contrabando porque o barco que
iria para Bahia natildeo pode partir na data prevista devido agraves condiccedilotildees da mareacute
Outro ponto levantado pela empresa seraacute a localizaccedilatildeo geograacutefica das jangadas no
momento da apreensatildeo afirmando que natildeo fazia sentido que o desembarque da mercadoria
fosse feito na praia do coleacutegio visto que ficava aquele local ldquomuito para o norte do forte (das
cinco pontas)rdquo jaacute a Ilha do Nogueira ficava ao ldquoSul do mesmo forterdquo 379
Aleacutem disso havia na
ocasiatildeo condiccedilotildees de navegaccedilatildeo para desembarcarem na praia do coleacutegio por isso natildeo fazia
sentido estarem ancoradas A empresa iraacute ainda acusar o reacuteu alegando ser ele natildeo soacute
ldquoextraviador dos efeitos desta capitania para a cidade da Bahia se natildeo que da mesma cidade
costuma introduzir contrabandos nesta capitania como fosse um lote de escravos e vendeu
uma moleca ao seu grande amigo e falsa testemunha Joatildeo Francisco Guimaratildeesrdquo 380
aleacutem da
fazenda seca que jaacute carregava
A companhia tambeacutem iraacute replicar o fato dos jangadeiros terem afirmado que estavam
parados esperando uma jangada que havia ficado para traacutes por estar encalhada declarando
natildeo haver necessidade para tal jaacute que ldquocada uma vai ganhar o seu frete quanto mais depressa
chegasse o tinha ganhado e mais depressa se recolhia a sua casa para estar pronto para no
outro diardquo 381
Ademais tambeacutem iratildeo questionar o porquecirc dos jangadeiros terem fugido pois
ldquose as ditas jangadas carregadas de sola viessem para o Recife nenhuma necessidade havia
para que os jangadeiros fugissem desamparando as suas jangadasrdquo 382
continuam garantindo
377
Ibdem f 56 378
Idem 379
Idem 380
Joatildeo Francisco Guimaratildees seraacute testemunha de defesa do reacuteu durante o processo ANTT Feitos Findos
Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 6 cx 2 f 61 381
Ibidem f 55 382
Idem
112
que ldquoa causa da fuga era por estarem compreendidos na extraviaccedilatildeo sendo os condutores e
auxiliantes do extraviordquo 383
Por fim o procurador fiscal da empresa alega que o advogado do reacuteu fez maacute
interpretaccedilatildeo do artigo 25 dos estatutos da empresa uma vez que ldquoo que determina o dito
artigo eacute que possam negociar para o sertatildeo e mais portos isso natildeo se entende para fora da
capitaniardquo 384
a sola estaria entatildeo compreendida ldquono artigo 34 da instituiccedilatildeo da Companhia
Geral e suposto pelo artigo 25 da mesma seja exclusivo para todos os gecircneros e frutos da terra
soacute se deve entender para o negoacutecio dentro das suas Capitanias e natildeo para fora delasrdquo 385
Solicitam entatildeo que o reacuteu seja condenado no perdimento das mercadorias e na pena de dobro
O processo eacute longo mas de maneira geral os fatos satildeo estes o grande trunfo da defesa
eacute afirmar que a sola foi apreendida dentro de Recife onde natildeo era proibido o seu comeacutercio
sendo assim natildeo havia meios de se provar a intenccedilatildeo de extraviar e que mesmo que houvesse
a intenccedilatildeo natildeo se poderia condenar o reacuteu por isso - ldquoextravio afectivordquo No fim das contas o
sapateiro e comerciante Manoel Antocircnio acaba sendo absolvido e os apelantes satildeo
condenados a pagar ldquoas custasrdquo do processo como de costume
Outra apelaccedilatildeo crime que merece destaque dentro do nosso conjunto documental eacute
um caso do ano de 1779 que diz respeito ao processo envolvendo o barco conhecido como o
ldquoXibanterdquo de quem era dono o capitatildeo Manoel Vieira de Melo A embarcaccedilatildeo apreendida por
soldados cumprindo ordens do governador da capitania vinha do sertatildeo do Aracati Ribeira
do Jaguaribe e estava carregada de couros e solas pertencentes a vaacuterios comerciantes A
sumaca despertou a atenccedilatildeo das autoridades pois chegando ao porto do Recife natildeo entrou
logo na barra o que alimentou a suspeita de que a mesma estivesse extraviando efeitos para
os portos do sul mais precisamente para a Bahia 386
No momento da apreensatildeo o mestre da
sumaca estava em terra
Junto com a embarcaccedilatildeo foram apreendidos tambeacutem cinco escravos pertencentes ao
dono do Xibante que trabalhavam como marinheiros O dono da embarcaccedilatildeo tratou logo de
fazer solicitaccedilatildeo para soltura de seus escravos afirmando que os mesmos ldquonatildeo satildeo barco nem
carga e sim marinheiros do barco que ganham soldo cada um para seu dono e a diferenccedila que
383
Ibidem f 61 384
Ibidem f 57 385
Idem 386
Para mais informaccedilotildees a respeito do Porto de Recife no seacuteculo XVIII consultar OLIVEIRA Luanna Maria
Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-
1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de
Pernambuco Departamento de Histoacuteria Recife 2016 P 23 ndash 26
113
tem que marinheiro brancos eacute lucrarem estes os soldos para seus senhoresrdquo 387
Este assunto
rapidamente se resolveu pois Manoel Vieira conseguiu recuperar sua escravaria pondo o
capitatildeo Francisco de Oliveira como fiador de tais escravos estando ele responsaacutevel ainda por
entregar em juiacutezo os homens todas as vezes que assim fosse requerido
Algo curioso neste processo eacute que a embarcaccedilatildeo ficaraacute apreendida junto com a carga
apesar de encontramos outros documentos que apontam situaccedilotildees semelhantes a defesa do
reacuteu a todo o momento contestaraacute tal decisatildeo afirmando que natildeo era costume da Companhia
agir daquela forma Devido a apreensatildeo feita na embarcaccedilatildeo nos autos da apelaccedilatildeo constam
os objetos que nela existiam como toneis barricas candeeiros entre outros objetos de uso
cotidiano Consta tambeacutem nos autos a avaliaccedilatildeo do valor do barco que foi feita pelo doutor
juiz conservador da Companhia junto a um ldquocorpo de mestranccedilardquo 388
a sumaca naquela
ocasiatildeo teve seu valor estimado em um conto e cem mil reis Como jaacute dito os advogados do
reacuteu iratildeo insistir na liberaccedilatildeo do barco iniciam a defesa afirmando que no decurso de 19 anos
foram ldquotantas e tantas apreensotildees tomadias de gecircneros e contrabandos introduzidos
transportados e ocultados em barcos lanchas botes canoas jangadas e casardquo 389
no entanto
ldquonatildeo consta que tambeacutem se apreendessem as casas jangadas canoas botes lanchas e barcos
como instrumentos das extraviaccedilotildees e contrabandosrdquo 390
Isto porque segundo a defesa natildeo se
encontrava nos estatutos da empresa ordens para apreensatildeo de embarcaccedilotildees apenas a sua
carga estaria sujeita as ldquotomadiasrdquo Como comentado em nosso conjunto documental
encontramos outros casos onde as embarcaccedilotildees satildeo apreendidas junto a suas mercadorias natildeo
parecendo para noacutes que esta praacutetica fosse anocircmala
Persistindo na mesma mateacuteria o jurista alegava que ldquoa tiacutetulo de contrabando soacute
mandam as ordens reacutegias apreender e tomar embarcaccedilotildees nos portos do Brasil quando satildeo de
estrangeiros que sem faculdade reacutegia vem a eles oculta e furtivamente fazer negocio e
transportar os gecircneros do paiacutesrdquo 391
Esta ordem tambeacutem se aplicava a embarcaccedilotildees piratas e
ldquoxavecos de mourosrdquo pois aqueles eram ldquodeclarados inimigos da coroa de Portugal e seus
vassalosrdquo 392
Pedia entatildeo o advogado que fosse exonerada a fianccedila feita pelo reacuteu para receber
seu barco de volta uma vez que o Xibante natildeo era ldquoclasse assinada das embarcaccedilotildees que as
387
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 10 388
Ibidem f 11 389
Ibidem f 13 390
Idem 391
Ibidem f 13 verso 392
Idem
114
ordens reacutegias mandam apreende-las e toma-las por se ele portuguecircs e habitador desta terra e
vassalo fiel de sua majestade e natildeo estrangeiro nem piratardquo 393
Seguindo a mesma linha de defesa do caso acima descrito tambeacutem iraacute se afirmar que a
apreensatildeo da sumaca teria se dado de maneira indevida jaacute que nenhuma extraviaccedilatildeo efetiva
havia sido comprovada pois na ocasiatildeo do seu sequestro o barco estava ldquobordejando ao norte
da barra e natildeo tinha passado para o sul nem o mesmo tinha ordem do reacuteu para o poder fazerrdquo
394 e ainda que ldquoos afetos e intenccedilotildees do animo [] soacute Deus conhece e os homens penetrar natildeo
podemrdquo 395
Ou seja seguindo a loacutegica da defesa mesmo que os indiacutecios apontassem que
haveria de se cometer crime de contrabando natildeo poderiam as autoridades atuar
preventivamente
Um dado interessante sobre o caso eacute que o Xibante no momento de sua apreensatildeo
trazia passageiros a bordo A defesa afirmaraacute a seu favor que estes viajantes tinham como
porto de destino Recife aleacutem disso iratildeo alegar que a sumaca vinha em meia carga por isso
natildeo seria vantajoso comercialmente falando o envio da embarcaccedilatildeo para Bahia Assegurando
ainda que o mestre natildeo entrou diretamente no porto do Recife pois foi a terra buscar ordens
do dono da sumaca para saber qual o destino deveria tomar neste meio tempo em que o
mestre estava em terra aconteceu o apresamento
Ainda de acordo com versatildeo dada pela defesa ldquoa gente da mareaccedilatildeo vinha toda
levantada com o mesmo (mestre) por bulhas que tiveram no Aracati e para fazerem mal ao
dito foram eles os que arguiram a ida do barco para a Bahiardquo 396
Afirmam ainda que se
realmente se tivesse a intenccedilatildeo de fazer contrabando o barco poderia ter seguido para Sul
sem ficar parado a vista de todos naquela barra e que o reacuteu natildeo tinha culpa da ignoracircncia de
seu mestre uma vez que natildeo havia expedido ordens que autorizassem a ida para Bahia
Ressaltamos que alguns passageiros do barco confirmaram a afirmaccedilatildeo do desentendimento
entre os marinheiros e o mestre da embarcaccedilatildeo sem explicar ao certo o porquecirc de tal rusga
Tambeacutem como no caso acima a defesa iraacute se utilizar do artigo 25 dos estatutos da
empresa para defender que aquele comeacutercio feito nos sertotildees era livre e que a Companhia soacute
passou a reprimi-lo posteriormente Denunciam ainda que mesmo apoacutes a dita proibiccedilatildeo era
notoacuterio e sabido por todos que os deputados da empresa ldquopara seus negoacutecios particulares tem
393
Idem 394
Idem 395
Ibidem f 14 396
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 14
115
sempre carregado solas e couros do sertatildeo para a Bahia e para o Riordquo 397
sendo assim se
julgassem justa a dita proibiccedilatildeo natildeo deveriam continuar a praticar aquele comeacutercio ldquopor serem
executores da instituiccedilatildeo ou obrigados a executa-la se entendessem ser justa e legalrdquo 398
Trataremos sobre o envolvimento de autoridades reais e oficiais e deputados da proacutepria
companhia no comeacutercio descaminhado mais profundamente no proacuteximo capiacutetulo
Todos os pontos alegados acima seratildeo sustentados pelas testemunhas de defesa
durante as inquiriccedilotildees destacando sempre que ldquoantes da Companhia sempre houve comeacutercio
dos gecircneros do sertatildeo que satildeo couros e solas para a Bahia e para o Rio de Janeirordquo 399
e que
apenas depois de nove ou dez anos dela jaacute estabelecida se passou a impedir aqueles negoacutecios
sertanejos Esta versatildeo dos fatos tambeacutem eacute confirmada por um dos passageiros que estava no
barco no momento do sequestro Durante o processo seratildeo coletados ainda os testemunhos de
homens que estavam trabalhando na construccedilatildeo de uma casa para o reacuteu em Igarassu 400
estes
iratildeo afirmar que apoacutes receber carta do mestre do barco Manoel Vieira natildeo havia autorizado a
ida do Xibante para Bahia
O processo eacute bastante detalhado e aleacutem de conter toda a relaccedilatildeo da carga e suas
respectivas marcas traz em anexo importantes documentos encontrados dentro da
embarcaccedilatildeo a saber cartas e comentaacuterios Estas cartas foram escritas pelo filho do dono do
barco Andreacute Vieira Melo 401
ao mestre da embarcaccedilatildeo e foram inseridas nos autos pois
apesar do conteuacutedo pessoal tratavam de maneira geral sobre negoacutecios e foram utilizadas como
provas contra o reacuteu jaacute que constavam nelas o destino seguinte da embarcaccedilatildeo e outras
informaccedilotildees pertinentes A tiacutetulo de exemplificaccedilatildeo dos assuntos tratados nestes documentos
traremos aqui uma das cartas de Andreacute Vieira ao mestre da embarcaccedilatildeo
O remetente pedia que chegando a embarcaccedilatildeo a cidade da Bahia havendo ldquoocasiatildeo de
navio para Benguela me faraacute mercecirc comprar um escravo de Benguela do tamanho do Leandro
ou maior pouco que seja mesmo Benguelardquo 402
continua instruindo que quem deveria tratar
397
Ibidem f 14 verso 398
Idem 399
Depoimento da testemunha Francisco Brito homem branco casado morador fora da porta da vila que vive de
andar embarcado de idade de 30 anos Ibidem f 25 verso 400
Satildeo eles Joseacute da Costa homem preto solteiro morador em Igarassu oficial de pedreiro de idade de 35 anos
e Antocircnio Rocha homem pardo casado morador em Igarassu oficial de carapina de idade de 33 anos ANTT
Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 23 ndash 25 401
Durante o processo eacute informado que Andreacute Vieira de Melo havia trabalhado como piloto da Companhia
Geral mas foi dispensado do serviccedilo pois nas trecircs viagens que fez pela empresa teve prejuiacutezos o que causou a
desconfianccedila de seus superiores por ser ldquocaso estranho em trecircs viagens e em trecircs diferentes embarcaccedilotildees se
contar semelhante homem soacute com perdasrdquo 402
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 34
frente e verso
116
dos negoacutecios era o senhor Antocircnio Joseacute e estando os escravos baratos deveria comprar ldquomais
um moleque mais grande que o Leandro que eacute para o barco seja bem feitordquo 403
pedia ainda
ldquouma pessoa da linhagem de Luandardquo 404
advertindo quanto ao preccedilo de tais homens
Prossegue pedindo ainda que se compre um calccedilatildeo e uma camisa a cada um dos escravos e
que lhe sirvam algum mel Por fim despede- se de maneira cordial
Os comentaacuterios seguiam um esquema bastante parecido entre si e eram um hibrido
entre recibo e contrato trocado entre o mestre da sumaca e os carregadores da mesma
Continham informaccedilotildees padratildeo informadas pelo mestre da embarcaccedilatildeo mais instruccedilotildees
relativas a carga Como no exemplo abaixo
Digo eu abaixo assinado Mestre que sou da sumaca por invocaccedilatildeo Nosso
senhor bom Jesus das Portas e Nossa senhora do Pilar 405
que ao presente
estaacute surta e ancorada neste porto de Jaguaribe para com o favor de Deus
seguir viagem ao da cidade da Bahia onde eacute minha direita descarga que eacute
verdade que recebi e tenho carregado na dita sumaca debaixo de coberta
enxuta e bem acondicionada de Manoel da Costa marcados com a marca a
margem que declarou fazer por sua conta e risco a entregar na mesma cidade
em nome dele carregador Antonio de Oliveira Leite ao que promete levando
a salvamento para que obrigo minha pessoa e bens e a dita sumaca pagando-
me de frete de cada praccedila nove vinteacutens E para clareza passei dois de um teor
somente por mim assinados que um cumprido outro natildeo valha digo natildeo
valeraacute Aracati 28 de marccedilo de 1779 Satildeo 79 meios de sola e 3 couros de boi
com a marca A+ Manoel Francisco Xelas 406
Os argumentos utilizados pela Companhia para enquadrar o caso do Xibante no crime
de contrabando seratildeo diversos primeiramente a empresa por meio de seu procurador fiscal
afirma ficar constatado que a embarcaccedilatildeo tinha como destino a capitania baiana e que o crime
soacute natildeo se efetivou por ter agido a fiscalizaccedilatildeo primeiro Eacute necessaacuterio atentar para o fato de
que a saiacuteda destes produtos em direitura para Bahia era considerada como contrabando pela
Companhia mesmo a empresa natildeo possuindo o monopoacutelio do comeacutercio realizado nos sertotildees
Isto porque a interpretaccedilatildeo do procurador fiscal da empresa para o artigo 25 dos estatutos da
Companhia que legislava sobre esta mateacuteria era de que esses negoacutecios eram livres para
serem feitos apenas internamente ou seja limitados aos sertotildees que estavam sob jurisdiccedilatildeo do
governo de Pernambuco
403
Idem 404
Idem 405
Nome oficial da sumaca que tinha por alcunha o ldquoXibanterdquo 406
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 38
verso
117
O procurador tambeacutem iraacute se utilizar dos testemunhos dos marinheiros do barco
mesmo daqueles que eram escravos pois mereciam os ditos escravos ldquocreacutedito por serem
marinheiros do mesmo barcordquo 407
e se por direito natildeo eram testemunhas vaacutelidas naquele caso
deveriam ser levados em consideraccedilatildeo uma vez que ldquoficam supridos os seus defeitos com os
depoimentos das outras testemunhasrdquo 408
Quanto a contestaccedilatildeo do reacuteu sobre as leis de
apreensatildeo de embarcaccedilotildees soacute serem vaacutelidas para navios estrangeiros afirmam que quando
ldquocompreendidas com extraviaccedilatildeo e contrabandos assim como aconteceu com o barco do reacuteurdquo
409 as embarcaccedilotildees portuguesas tambeacutem poderiam ser detidas
A defesa de Manoel Francisco iraacute recorrer novamente das acusaccedilotildees poreacutem a
argumentaccedilatildeo permanece praticamente a mesma enfatizando um ou outro ponto e
acrescentando poucas informaccedilotildees novas Daacute ecircnfase a questatildeo do ldquodelito afectivordquo afirmando
que ldquosoacute Deus conhece soacute a divina justiccedila pune os maus pensamentos os desordenados afetos
vis sinistros conatos e as maleacutevolas intenccedilotildees mas natildeo os homens nem a justiccedila humanardquo 410
isto porque ldquonatildeo haacute lei que a esta permita semelhante conhecimento e puniccedilatildeo da privativa
jurisdiccedilatildeo e regalia de Deusrdquo 411
A loacutegica do argumento eacute bastante simples afirma que natildeo se
pode punir um crime que natildeo aconteceu como tambeacutem alega ser impossiacutevel que a direccedilatildeo
posto que humana fosse capaz de conhecer as intenccedilotildees do mestre do barco jaacute que ldquoo
pensamento o afeto o conato e a intenccedilatildeo do reacuteu era impeacutervia e inacessiacutevel ao conhecimento
e puniccedilatildeo da Justiccedila humanardquo 412
Quanto a questatildeo dos testemunhos dos escravos a defesa do reacuteu iraacute recorrer alegando
que segundo as ordenaccedilotildees Filipinas os juramentos ldquodos pretos e servosrdquo natildeo deveriam ter
valor Jaacute que as ordenaccedilotildees postulam que ldquoos escravos natildeo podem ser testemunhas nem seraacute
perguntado geralmente em feito algum salvo os casos por direito especialmente
determinadosrdquo 413
De acordo com Adriana Campos 414
no Brasil a tradiccedilatildeo romana foi
responsaacutevel por emprestar os fundamentos baacutesicos da legislaccedilatildeo voltada para a questatildeo da
escravidatildeo Em linhas gerais segundo esta tradiccedilatildeo natildeo teriam entatildeo os escravos
407
Ibidem f 43 verso 408
Idem 409
Ibidem f 45 410
Ibidem f 55 411
Idem 412
Ibidem f 55 verso 413
Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI P647 Disponiacutevel em
httpwww1ciucptihtiprojfilipinasl3p647htm Data de acesso 02082017 Infelizmente natildeo conseguimos
identificar os casos especiais reportados pelas ordenaccedilotildees 414
CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito Santo do seacuteculo XIX
Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003
P 62 ndash 64
118
personalidade poliacutetica o que os impediria de se tornar parte de processos ciacuteveis Poreacutem essa
realidade segundo a autora era alterada no direito penal quando os escravos poderiam tornar-
se sujeitos e responder criminalmente 415
Apesar da Companhia possuir uma administraccedilatildeo
juriacutedica privativa acreditamos a mesma estava sujeita as legislaccedilotildees e aparato juriacutedico da
eacutepoca portanto deveriam obedecer de maneira geral as ordenaccedilotildees Filipinas e as tradiccedilotildees
do direito romano
A defesa tambeacutem iraacute contestar o uso das cartas do filho do reacuteu como prova
incriminatoacuteria argumentando que Andreacute Vieira natildeo era dono da embarcaccedilatildeo logo natildeo tinha
ele poder de determinar para onde seguiria a sumaca Sendo assim natildeo teriam as cartas forccedila
para atestar a efetividade da atividade iliacutecita Ainda no assunto das cartas e comentaacuterios a
defesa apresenta como anexos outros comentaacuterios onde o mestre da embarcaccedilatildeo atesta estar
se dirigindo para o porto do Recife Posteriormente a Companhia iraacute contestar esses
documentos afirmando serem falsos Diz a empresa atraveacutes de seus representantes que sobre
aqueles documentos natildeo se ldquopodia dar feacute e creacutedito tambeacutem pode ser que se passassem
naquele sertatildeo do Aracati em tempo que o destino do Mestre fosse seguir derrota para este
porto (do Recife)rdquo 416
Por fim a defesa do reacuteu destaca que os couros e solas encontrados na sumaca natildeo
eram mercadorias vedadas de serem trazidas do sertatildeo para o porto do Recife pelo contraacuterio
alegam que a empresa desejava ldquoque venham muitos para o seu negoacuteciordquo 417
Afirmam ainda
que mesmo que os gecircneros estivessem sendo levados para Bahia ldquonatildeo eacute terra de inimigos
aquela cidade nem os couros e solas satildeo coisas proibidasrdquo 418
Continuam sustentando que a
proibiccedilatildeo vigente legislava apenas quanto a extraviaccedilatildeo destes gecircneros e natildeo o comeacutercio dos
gecircneros em si Como maneira de atestar tal diferenciaccedilatildeo afirmam que ldquouma coisa eacute ser
proibida somente a extraviaccedilatildeo e outra coisa eacute serem tambeacutem proibidos os gecircneros por haver
miacutenima disparidade de um caso ao outrordquo 419
Dessa forma como o barco do reacuteu foi
apreendido em aacuteguas pernambucanas natildeo estaria incurso nas penas regidas pelo artigo 34 dos
estatutos da Companhia
O caso eacute longo e arrastado mas os fatos satildeo basicamente os expostos acima No fim
das contas mesmo tendo sido o reacuteu e seu filho acusados de praticarem contrabando natildeo soacute
415
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2 nordm 3 cx 2 f 27
verso 416
Ibidem f 67 417
Ibidem f 59 418
Ibidem f 60 419
Idem
119
neste caso como tambeacutem de terem levado no mesmo ano dois barcos com escravos para
Bahia e ainda expor o procurador fiscal da Companhia que o filho do acusado negociava
escravos em Igarassu e Tracunhaeacutem para depois ir vendecirc-los na Bahia foi Manoel Vieira apoacutes
3 anos de processo absolvido pela conservador da direccedilatildeo lisboeta
Como jaacute dito os contrabandos eram realizados natildeo soacute no grosso trato como nos casos
demonstrados acima mas tambeacutem no miuacutedo Vaacuterias seratildeo as referecircncias na documentaccedilatildeo
desse tipo de praacutetica que incluiacuteam os proacuteprios oficiais dos navios reais que tanto traziam de
Portugal fazendas europeias para venda na capitania pernambucana como levavam produtos
da terra para Europa Iremos tratar de dois casos colhidos dos fundos da conservatoacuteria da
Companhia em Lisboa que confirmam este movimento de comeacutercio de pequena monta
O primeiro deles ocorrido no ano de 1774 envolve o despenseiro do navio real Nossa
Senhora dos Prazeres o senhor Joatildeo Marques Cunha Que foi acusado de introduzir no navio
em que servia trecircs volumes com fazendas de contrabando A carga apreendida nestes trecircs
volumes era a seguinte 106 peccedilas de bertanha de Hamburgo 27 peccedilas de chita 6 peccedilas de
lenccedilos azuis 13 peccedilas ditas do Norte com cercadura 10 peccedilas de cangas azuis 5 ditas
lavradas e um garrafatildeo de aguardente As mercadorias foram avaliadas na ocasiatildeo em 600 reis
420
De acordo com o libelo acusatoacuterio lavrado contra o reacuteu o crime teria acontecido da
seguinte forma ainda em Lisboa eacute acusado Joatildeo Marques de introduzir no navio os volumes
de ldquofazendas secas das reprovadas e proibidasrdquo 421
chegando ao porto do Recife teria o
despenseiro feito conduzir as tais fazendas para a lancha de outro navio real a saber o navio
Luz Para tal feito acusava-se de tecirc-lo ajudado o guarda da Alfacircndega Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo
que foi preso junto com o despenseiro Pedia entatildeo a Companhia que o reacuteu respondesse de
acordo com as penas contidas no artigo 34 dos estatutos da empresa
Durante o processo seratildeo escutadas as testemunhas de defesa e de acusaccedilatildeo As
testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo de maneira geral referendar o exposto no libelo acusatoacuterio
Incluindo os capitatildees dos dois navios envolvidos no caso Diraacute o capitatildeo do navio Nossa
Senhora dos Prazeres que ldquoJoatildeo Marques despenseiro [] foi quem introduziu o contrabandordquo
422 e que para isso contou com a ajuda de Joatildeo da Ressurreiccedilatildeo guarda da alfacircndega que foi
quem ldquolevou as fazendas e a tirou do navio Prazeres e as transportou no catraio do mesmo
420
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 7 421
Idem 422
Ibidem f 17 verso
120
navio para o navio Nossa Senhora da Luzrdquo 423
Joseacute Gomes Ribeiro capitatildeo do navio Luz
tambeacutem acusaraacute o despenseiro como autor do iliacutecito atestando que ouvira dizer por moccedilos
que serviam no seu navio que Joatildeo Marques era o responsaacutevel pelo contrabando que se
apreendeu na lancha do navio Luz 424
O depoimento padratildeo das testemunhas de acusaccedilatildeo afirmava basicamente que as
fazendas apreendidas teriam sido introduzidas no navio Luz pelo guarda da Alfacircndega Joatildeo
da Ressurreiccedilatildeo e que elas pertenciam ao despenseiro do navio Nossa Senhora dos Prazeres
Joatildeo Marques Complementam afirmando que para este transporte utilizaram a lancha que
leva a pedra de descarga do navio e quem as conduziu e tomou conta delas na lancha foi o
marinheiro ldquoTiatildeordquo sem a ciecircncia do patratildeo mor Algumas testemunhas tambeacutem iratildeo afirmar
que quando o escaler da ronda atracou na lancha para fazer a apreensatildeo o marinheiro Tiatildeo foi
ao encontro do guarda mor ldquorogando-lhe dissimulasse a passagem livre da dita fazendardquo 425
As testemunhas de defesa tambeacutem iratildeo depor de maneira parecida Em seus
testemunhos alegam que o reacuteu era despenseiro de navios reais haacute mais de 13 anos e que
nunca havia sido acusado de contrabando que soacute costumava trazer de Lisboa os gecircneros
liberados alguns companheiros de tripulaccedilatildeo iratildeo afirmar que natildeo viram o reacuteu introduzindo
fazendas proibidas em Lisboa etc Merece destaque nos depoimentos a menccedilatildeo de que o reacuteu
possuiacutea diversas inimizades na embarcaccedilatildeo isto porque administrava os recursos do barco
com zelo os tripulantes ldquomuitas vezes lhe pediam vaacuterias coisas e o reacuteu natildeo lhes dava pelo
que dele natildeo gostavamrdquo 426
Nestes testemunhos eacute lanccedilado no caso um novo suspeito Joseacute
Ribeiro marinheiro do navio Luz que segundo as testemunhas de defesa estava na lancha em
que as fazendas foram apreendidas e era o real autor do crime
As testemunhas iratildeo afirmar ainda que o despenseiro natildeo estava na lancha no
momento da apreensatildeo e que Joseacute Ribeiro o verdadeiro culpado chegou a oferecer dinheiro
ao sargento que fez a ldquotomadiardquo Aleacutem disso contra Joseacute Ribeiro pesava o fato de momentos
depois da apreensatildeo ter o mesmo voltado a um escaler do navio Luz e lanccedilado ao mar um
saco de pimentas 427
por medo que tinha que os soldados da guarda do trapiche dessem busca
no escaler este saco foi encontrado posteriormente em uma praia por ldquoum pretordquo Ainda
423
Idem 424
Idem 425
Depoimento de Joatildeo Fernandes homem branco solteiro natural da freguesia de satildeo Miguel de Carreiras do
Arcebispado de Braga moccedilo do serviccedilo do navio Luz de idade de 23 anos pouco mais ou menos Ibidem f 27
verso 426
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 13 427
Esta afirmaccedilatildeo aparece nos depoimentos de vaacuterias testemunhas Lembramos que as pimentas estavam
inseridas no rol de produtos vedados
121
segundo as testemunhas assim que ficou sabendo do iniacutecio do processo de devassa para se
apurar o caso de contrabando o tal marinheiro teria fugido para Bahia e desaparecido atitude
que segundo as testemunhas reforccedilava sua culpa
A defesa do reacuteu iraacute se utilizar de todos os pontos positivos trazidos pelos testemunhos
durante os inqueacuteritos reforccedilando o fato de que o reacuteu natildeo estava na lancha no momento da
ldquotomadiardquo estando ele ldquoa bordo do navio Prazeres e o maior sinal da sua inocecircncia foi natildeo se
retirar desta praccedila sendo-lhe noticiada a devassa e que a ele imputavam o mencionado
contrabandordquo 428
sublinhando que o reacuteu natildeo fugiu pois nada temia Punham entatildeo a culpa no
mencionado Joseacute Ribeiro que naquele momento estava ainda sumido
A defesa tambeacutem iraacute afirmar que os depoimentos das testemunhas de acusaccedilatildeo natildeo
eram conclusivos e em nada prejudicavam o reacuteu pois para que o despenseiro fosse
condenando natildeo bastavam indiacutecios ou conjecturas para a condenaccedilatildeo se fazia necessaacuterio a
existecircncia de ldquouma prova plena legal contundente e mais clara do que a luz do meio diardquo 429
coisa que natildeo constava nos inqueacuteritos visto que muitas testemunhas iratildeo depor ldquode ouvidardquo
ou seja afirmavam saber do fato por ouvirem dizer a um terceiro o que acaba fazendo com
que estas declaraccedilotildees percam forccedila
Outro argumento interessante lanccedilado pela defesa eacute a afirmaccedilatildeo de que se as fazendas
de fato fossem do reacuteu teria ele agido de maneira mais inteligente para natildeo ser pego Isto
porque asseguravam que considerando que as fazendas fossem do despenseiro natildeo era criacutevel
que as mandasse para outro barco a outra pessoa pois esta accedilatildeo tornaria a situaccedilatildeo
potencialmente mais arriscada do que simplesmente enviar as mercadorias para terra Atestam
ainda que ldquoeacute certo que quando eacute costumado a praticar contrabandos todo o seu desiacutegnio eacute por
em salvo as fazendas com toda cautelardquo 430
isto ldquopara a natildeo perderem que eacute o menos para natildeo
pagarem o dobro para natildeo padecerem o rigor da prisatildeo em terra estranha e natildeo sofrerem as
avultadas despesas que trazem consigo os tais contrabandosrdquo 431
Tambeacutem alega que o caso teria sido orquestrado pelo mestre do navio Prazeres que
tinha ldquoconhecida inimizaderdquo pelo reacuteu pois queria o tal capitatildeo ldquogastar com excessiva largueza
os mantimentos da despensardquo 432
e o reacuteu zeloso do seu ofiacutecio tratava de administrar sem
estrago e excesso os mantimentos Entatildeo o capitatildeo do Prazeres teria em conluio com o capitatildeo
428
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 4 cx 1 f 49
verso 429
Ibidem f 50 430
Ibidem f 51 431
Idem 432
Idem
122
do Luz armado contra o reacuteu Mesmo que a eacutepoca segundo relatos das testemunhas os dois
estivessem ldquodivorciadosrdquo o capitatildeo do Luz querendo se isentar da ldquomaacuteculardquo e maacute fama de ter
sido encontrado contrabando no seu navio topou se unir ao seu companheiro e ldquose viram em
beneficio proacuteprio e grave prejuiacutezo do reacuteurdquo 433
Apesar dos argumentos consistentes da defesa o processo contou com diversas
apelaccedilotildees ateacute a sentenccedila final Na uacuteltima apelaccedilatildeo iraacute a defesa declarar que ldquoo embargante eacute
um homem casado nesta Corte com filhos acha-se pobre e preso e ficaraacute inteiramente
destruidiacutessimo havendo-se dele o dobro que certamente natildeo deve porque natildeo eacute o cumplice
daquele contrabandordquo 434
Por fim em 29 de abril de 1775 Joatildeo Marques eacute absolvido pois
havia duacutevidas das autoridades quanto a autoria do crime e nesse caso natildeo deveria entatildeo ser o
despenseiro condenando No entanto ficou o mesmo encarregado do pagamento das custas do
processo como era de costume
O outro caso trata-se de uma apelaccedilatildeo crime onde era apelante a justiccedila e o procurador
fiscal da direccedilatildeo subalterna de Pernambuco contra o reacuteu Euseacutebio Alvarez da Costa O caso eacute o
seguinte o reacuteu que era alferes de auxiliares tinha em seu poder uma portaria passada pela
Companhia geral pois haacute alguns anos atraacutes tinha auxiliado aquela empresa a resgatar uns
escravos que haviam sido furtados Como sabia onde estes escravos estavam todos jaacute em
poder de terceiros cedeu a direccedilatildeo tal documento para que o alferes auxiliado por militares
fizesse o resgate dos tais escravos
O reacuteu entatildeo eacute acusado de continuar a se utilizar desta portaria em benefiacutecio proacuteprio
Isso porque fingindo ser agente da direccedilatildeo da Companhia Euseacutebio Alvarez prendia
comerciantes e mascates que vinham da Bahia trazendo contrabando e para solta-los exigia
pagamento tambeacutem em produtos vedados Diz o procurador fiscal da Companhia que o reacuteu
era acostumando a cometer ldquosimilares malefiacuteciosrdquo que eram puacuteblicos e notoacuterios nas freguesias
de Ipojuca Cabo e Sirinhaem e ainda ldquoque o reacuteu vive destas e de outras ladroeiras fazendo-se
agente da direccedilatildeo e intimidando com a portaria do senhor generalrdquo 435
O caso especiacutefico que eacute objeto desta apelaccedilatildeo envolve o mascate Joatildeo Manoel que
trazendo fazendas de contrabando da Bahia para Pernambuco foi apreendido pelo reacuteu que se
fez passar na ocasiatildeo por oficial da Companhia apresentando a portaria que possuiacutea O
mascate segundo a denuacutencia foi libertado pelo reacuteu mediante pagamento feito atraveacutes de ldquoduas
433
Idem 434
Ibidem f 92 verso 435
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1 f 9
123
peccedilas de riscado da Iacutendia e uma letra de 14 ou 16 mil que devia Joatildeo Paes filho de dona
Joanna moradora na lagoa do Cabordquo 436
Tendo o crime sucedido em julho ou agosto do ano
de 1776 Foi entatildeo Euseacutebio Alvarez preso para que se tirasse devassa do caso
Praticamente todas as testemunhas de acusaccedilatildeo iratildeo afirmar a mesma coisa
sustentando a versatildeo descrita acima afirmam que apresentando o reacuteu a portaria para o
mascate Joatildeo Manoel que trazia produtos vedados da Bahia soacute o autorizou a passar quando
este lhe deu duas peccedilas de riscado e umas letras Algumas testemunhas como Ignacio Correa
Teixeira 437
por exemplo iratildeo declarar que uma dessas peccedilas de riscado teria sido comprada
pelo reacuteu Versatildeo reforccedilada tambeacutem por Jeronimo Joseacute Cavalcanti que inclusive assegura ter
tentado comprar do mascate o mesmo tipo de peccedila de riscado que Euseacutebio Alvarez havia
adquirido pelo valor de sete patacas e meia 438
Os depoimentos das testemunhas de defesa iratildeo se encaminhar no sentido de informar
que o reacuteu era um homem iacutentegro respeitado e estimado por seus superiores e que jaacute havia
prestados serviccedilos a Companhia no caso do furto dos escravos e ainda que natildeo acreditavam
ser Euseacutebio Alvarez um contrabandista Vaacuterias testemunhas como Manoel Joseacute dos Santos
por exemplo alegam que o comandante da freguesia do Cabo era inimigo do reacuteu Algumas
testemunhas vatildeo aleacutem como eacute o caso de Joseacute Correia Faria e declaram ser aquele comandante
ldquocostumado a caluniar a todos e que o mesmo comandante auxilia e daacute passagem aos
contrabandistasrdquo 439
A defesa do reacuteu se inicia como uma afirmaccedilatildeo polecircmica e que vem corroborar o nosso
entendimento de que os contrabandos durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia Geral
foram uma praacutetica comum e amplamente disseminada tanto no grosso trato como no miuacutedo
aleacutem disso reforccedila tambeacutem nosso argumento que o litoral sul da capitania era
abundantemente frequentado pelos contrabandistas Declara a defesa que ldquose houvesse de
proceder o juiacutezo contra todas as pessoas que natildeo delatam o contrabandista e deixam passar
os contrabandos a maior parte delas de fora desta Praccedila ateacute a vila de Penedo deveriam ser
punidasrdquo 440
isto porque ainda segundo a defesa as pessoas natildeo ldquodelatam os contrabandistas e
deixam passar os contrabandosrdquo 441
436
Ibidem f 8 437
Ibidem f 24 verso 438
Ibidem f 23 verso 439
Ibidem f 29 verso 440
Ibidem f 37 441
Idem
124
Continua afirmando que todos na praccedila sabiam disso e que era impossiacutevel que o
procurador fiscal da Companhia desconhecesse tais fatos Atestam ainda ldquoque muito e muitos
contrabandos estatildeo entrando todos os dias nesta vila e hatildeo de entrar enquanto existir a
Companhia sem que ningueacutem delate os contrabandistasrdquo 442
E que o reacuteu soacute foi denunciado
pois possuiacutea inimigos Sustentavam a versatildeo de que tudo foi arquitetado pelo comandante da
freguesia do Cabo que era ldquodeclarado inimigo do reacuteurdquo e que induzira aos outros a
testemunhar contra o alferes Eram entatildeo as testemunhas compradas e seu juramento de
nenhum valor
Declaram aleacutem disso que o reacuteu soacute fez uso da portaria expedida pela Companhia no
caso da apreensatildeo dos escravos ldquoe natildeo cuidou nunca em fazendas de contrabandistas por natildeo
ter ordem para isso e menos os auxiliou porque eacute zeloso do serviccedilo da Direccedilatildeo e natildeo
adversaacuterio delardquo 443
Afirmam ainda que o Euseacutebio Alvarez nunca apreendeu contrabandista
nenhum nem fazendas de contrabando e que nem mesmo conhecia o mascate citado no caso e
que se o tivesse apreendido natildeo seria capaz de soltaacute-lo ldquopelo donativo de duas peccedilas de
riscado e 16 letrasrdquo 444
Outro ponto interessante da defesa versa sobre a condiccedilatildeo e a qualidade do reacuteu
Declaram entatildeo que o mesmo era alfares de auxiliares e que era notoacuterio a todos que ldquonasceu
nobre e abastado e sempre teve o que comer e natildeo precisava de furtar para issordquo prosseguem
afirmando que ldquoa sua conduta sempre se conformou a nobreza do seu nascimento e as leis
divinas e humanasrdquo 445
Com este argumento a defesa busca se utilizar da condiccedilatildeo do reacuteu
para contestar a denuacutencia deixando claro que aleacutem de natildeo precisar cometer contrabandos
esse tipo de atitude natildeo condizia com a honra esperada de sua ascendecircncia nobre
Apesar das denuacutencias do procurador fiscal da Companhia os argumentos da defesa
acabam vingando e o reacuteu eacute absolvido em maio de 1778 ficando ele responsaacutevel por pagar
apenas as custas do processo como era de costume Como podemos observar boa parte dos
casos detalhados ateacute o momento no grosso trato ou no miuacutedo acabaram por inocentar seus
reacuteus mesmo quando se sabia publicamente que aqueles homens eram reconhecidos
contrabandistas Isto porque as apreensotildees em sua maioria eram feitas preventivamente ou
seja antes do crime realizar-se Fato que usaratildeo os reacuteus a seu favor para afirmar natildeo serem as
provas conclusivas Para o comeacutercio feito nos ldquointerioresrdquo o artigo 25 dos estatutos seraacute
442
Idem 443
Ibidem f 11 444
Idem 445
Idem
125
amplamente utilizado nas defesas para isentar os comerciantes que negociavam naquelas
paragens
O desenrolar dos casos revelam aleacutem de interessantes e importantes detalhes da praacutetica
de comeacutercio iliacutecito ao longo do periacuteodo de atuaccedilatildeo do exclusivo comercial da Companhia a
dificuldade de se reprimir e castigar aquele tipo de accedilatildeo Pois aleacutem da grande dificuldade de
se monitorar uma aacuterea tatildeo vasta e de se controlar um comeacutercio que acontecia por vaacuterios meios
e formas dificilmente a apreensatildeo configurava flagrante Desenvolveremos melhor este
toacutepico no proacuteximo capiacutetulo
Destacamos tambeacutem que dentro do conjunto de atividades comerciais iliacutecitas
desenvolvidas na capitania o comeacutercio com navios estrangeiros estaraacute presente de forma
abundante 446
Em 1770 por exemplo o governador de Pernambuco relata ao secretaacuterio de
Estado da Marinha e Ultramar ter apreendido papeacuteis em poder de Henrique Joseacute Colaccedilo
onde constava um grande volume de contrabandos e negoacutecios feitos por ele com navios
estrangeiros no Cearaacute O governador passa coacutepia neste ofiacutecio de todas as ldquocompras e vendas
que no Cearaacute Grande debaixo de pretexto de arribada forccedilada fizeramrdquo 447
os comerciantes
estrangeiros
Estes negoacutecios ainda segundo Joseacute Cesar foram feitos ldquoem prejuiacutezo dos negociantes
deste continente e Companhia Geral e Reais direitos de sua majestaderdquo 448
pois da capitania
do Cearaacute tinham levado ldquodinheiro ouro em pensas como tambeacutem quinze mil rolos de paus de
tintas e obra mais duzentos e cinco arrobas de papaconha sessenta e oito de resina e gomas e
quinhentos e noventa e quatro couros em cabelordquo 449
como se pode ver nos documentos
anexados Nestes papeacuteis constam tambeacutem as mercadorias em sua maioria importadas
introduzidas ilegalmente nas terras do Cearaacute como queijos fitas de algodatildeo facas tecidos
diversos enxofre poacutelvora entre outros
Atestam esse fluxo tambeacutem a preocupaccedilatildeo constante das autoridades locais com
embarcaccedilotildees estrangeiras que estando destinadas a outros portos do Estado do Brasil acabam
arribando em Pernambuco devido as maacutes condiccedilotildees do tempo ou pela necessidade de reparar
avarias Como ocorre por exemplo em 1761 quando trecircs naus inglesas da Companhia
Oriental datildeo fundo em Recife em virtude de problemas na embarcaccedilatildeo Para evitar os
446
Os documentos que comprovam este fluxo satildeo muitos e estatildeo disponiacuteveis nos avulsos do arquivo histoacuterico
ultramarino - AHU para a capitania de Pernambuco 447
AHU ndash PE Cx 110 D8493 448
Idem 449
Idem
126
descaminhos o governador publica bando em praccedila puacuteblica esclarecendo que era proibido a
pessoas de qualquer condiccedilatildeo ou qualidade fazer qualquer tipo de comeacutercio com aquela
embarcaccedilatildeo por ldquoser com elas inabilitadas toda compra ou negociaccedilatildeo mercantil puacuteblica ou
oculta grande ou pequena de gecircneros comerciaacuteveis estrangeirosrdquo 450
Ainda no mesmo documento afirma o governador que o contrabando era um dos
delitos mais ldquoperniciosos entre os que infectam o Estado dos que se fazem a sociedade civil
mais odiososrdquo 451
continua alegando que aquele tipo de praacutetica se fazia natildeo soacute contra o Eraacuterio
reacutegio mas tambeacutem em ruiacutena do comeacutercio local e prejuiacutezo do mesmo Pois os contrabandistas
vendem seus produtos com diminuiccedilatildeo de preccedilos jaacute os comerciantes legais ficavam com ldquosuas
fazendas empatadas [] sem ter quem as comprerdquo 452
Adverte entatildeo o governador que quem
fosse pego fazendo tais negociaccedilotildees iliacutecitas seria julgado em todas as penas cabiacuteveis e quem
fizesse denuacutencia receberia ldquoparte competenterdquo como premiaccedilatildeo
A preocupaccedilatildeo das autoridades para que natildeo houvesse contrabando com navios
estrangeiros na Costa da capitania era tatildeo grande que em alguns casos era tirada uma devassa
para se averiguar se os motivos alegados pela tripulaccedilatildeo para fazer parada em territoacuterio
pernambucano eram verdadeiros Esse eacute o caso do bergantim inglecircs denominado Sabina que
arribou no porto de Cabedelo na Paraiacuteba ldquopara se refazer de coisas necessaacuteriasrdquo 453
no ano de
1776 Logo o governador da Paraiacuteba passa ordens para que alguns soldados verifiquem a
embarcaccedilatildeo e a conduzam para fortaleza de Cabedelo onde ficaram ldquodebaixo de artilhariardquo e
posteriormente se procedeu uma devassa para verificar se a arribada era realmente necessaacuteria
Durante o tempo em que esteve naquele porto as mercadorias da embarcaccedilatildeo foram
transferidas para armazeacutens onde ficaram sob constante vigilacircncia para que natildeo ldquose
descaminhasse coisa algumardquo 454
Aleacutem do comeacutercio direto as fazendas estrangeiras tambeacutem chegavam a Pernambuco
atraveacutes de embarcaccedilotildees vindas da Bahia Isso eacute o que afirma Martinho de Melo e Castro
secretaacuterio da Marinha e Ultramar em ofiacutecio destinado ao governador de Pernambuco Joseacute
Cesar de Meneses Neste documento o secretaacuterio iraacute afirmar ser de conhecimento geral no
reino ldquoas escandalosas relaxaccedilotildees com que nesses portos (Pernambuco) se introduzem
450
AHU ndash PE Cx 95 D7497 451
Idem 452
Idem 453
AHU ndash PE Cx 122 Doc 9339 454
Idem
127
fazendas de Franccedila de Inglaterra e de Holandardquo 455
segue dizendo que as tais fazendas eram
extraiacutedas da Costa da Mina e chegavam a Pernambuco ldquointroduzidas pela Bahia e por navios
de comeacutercio que dessa capitania vatildeo aquela Costardquo 456
Como vimos o contrabando de mercadorias ou melhor o potencial comeacutercio de
produtos contrabandeados seraacute uma praacutetica extensiva durante todo o periacuteodo de existecircncia da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Vaacuterias eram as ldquomodalidadesrdquo desse tipo de
comeacutercio que podia ser realizado no grosso trato ou no miuacutedo praticado atraveacutes das rotas que
ligavam Pernambuco e Bahia pelo sertatildeo ou ainda pelo litoral esse comeacutercio era heterogecircneo
e envolvia diversos personagens Desde os grandes comerciantes passando pelos indiviacuteduos
comuns que viam nos descaminhos oportunidade de amealhar algum recurso chegando aos
estrangeiros de diversas naccedilotildees que frequentavam o litoral da capitania trazendo produtos
europeus e levando em contrapartida as mercadorias da terra
33 Fechando o ciclo o contrabando ganha as ruas
Agora que jaacute conhecemos as rotas os casos e as mercadorias que circulavam entre as
praccedilas de Bahia e Pernambuco nos resta tentar esclarecer como estes produtos ganhavam as
ruas e iam parar nas matildeos dos compradores finais Durante nossa pesquisa nas fontes
primaacuterias descobrimos que alguns destes comerciantes envolvidos nos circuitos iliacutecitos
estavam associados a falsificadores de selos reais como nos revelam dois documentos
coletados do nosso acervo
O primeiro caso eacute do ano de 1770 trata-se de uma carta anocircnima escrita no Recife
endereccedilada ao secretaacuterio de Estado do Reino e das Mercecircs o Conde de Oeiras O denunciador
aleacutem de falar sobre o comeacutercio ilegal praticado nos portos do sertatildeo afirma que ldquose introduz
aqui inumeraacuteveis fazendas sem despacho pelos mesmos navios da Companhiardquo 457
continua
explicando que ldquoo contrabando leva quantas meias sobras haacute nesta terra e ouro velho que
podem adquirir para a Bahia e o Rio de Janeiro vai o dinheiro provincial para se empregarem
em fazendas que se introduzem nesta praccedila por contrabandordquo 458
completa dizendo que as
455
Cf AHU ndash PE ndash Coacutedice 583 fls 202-203 apud DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os
locais uma anaacutelise da correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania
de Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei SOUZA
George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo atlacircntico Recife Editora
Universitaacuteria da UFPE 2012 P 225 456
Idem 457
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 458
Idem
128
ditas fazendas ldquochegam a ter selos falsos com que as selam por se natildeo fazer tatildeo manifesto o
contrabando a quem os compra e torna a venderrdquo 459
Em ofiacutecio escrito pela Junta da Companhia sediada em Lisboa no ano de 1778 um
caso correlato eacute denunciado Afirma-se neste documento a existecircncia em Recife de um
homem chamado Manoel Correa de Mendonccedila que foi preso no ano de 1772 por selar
fazendas contrabandeadas na sua casa 460
Podemos inferir atraveacutes dos dados como se
comportavam estas redes mercantis de contrabando que buscavam se agrupar a falsificadores
na intenccedilatildeo de fazer com que os produtos iliacutecitos circulassem livremente na praccedila mercantil
pernambucana e pudessem por exemplo ser vendidos sem maiores problemas nas lojas da
praccedila
Aleacutem da venda nas lojas quando feito em pequeno porte muito provavelmente estas
mercadorias ganhavam as ruas atraveacutes das bocetas das negras de ganho apesar da praacutetica ter
sido proibida por postura do ano de 1744 a venda desses produtos atraveacutes dessas
intermediaacuterias ainda constituiacutea-se em atitude cotidiana como nos esclarece carta dos oficiais
da cacircmara de Olinda escrita no ano de 1769 e endereccedilada a Corte
Nesta carta os oficiais apelam ao Rei pelo relaxamento da medida pois afirmam ser
aquele comeacutercio essencial para a sustentaccedilatildeo de famiacutelias por ser o ato de ldquocomprar e venderrdquo
o ldquouacutenico recurso que haacute no Brasilrdquo 461
O documento esclarece ainda que este tipo de comeacutercio
era um haacutebito da capitania como os proacuteprios camaraacuterios afirmam ldquoestilo da terrardquo antes da
pragmaacutetica as pretas cativas vendiam pelas ruas ldquotoda a qualidade de vendas de frutos
legumes docesrdquo 462
e com o decurso do tempo foram incrementados a este comeacutercio ldquofitas de
seda fazendas de algodatildeo da Iacutendia bertanha aniagemrdquo 463
Outro documento confirma essa dinacircmica mercantil em ofiacutecio do ano de 1778 da
Junta da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba ao governador de Pernambuco declara a
junta saber que ldquoos ricos e poderosos dessa terra (Pernambuco) trazem duas trecircs escravas a
vender pelas ruas em bocetasrdquo 464
continuam afirmando que ldquocada uma eacute uma loja os
melhores gecircneros e fazendas as quais recebem dos navios que vatildeo a este portordquo concluindo o
documento a Junta faz questatildeo de destacar que ldquopor ordem de sua majestade eacute proibido andar-
459
Idem 460
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 461
AHU ndash PE Cx 107 D 8312 462
Idem 463
Idem 464
AHU ndash PE Cx 128 D 9737
129
se vendendo desta forma pelas ruasrdquo 465
O apelo feito pela cacircmara bem como a denuacutencia da
Junta da Companhia Geral satildeo demonstrativos da persistecircncia desse comeacutercio que ligava os
principais homens de negoacutecio da praccedila pernambucana a estas intermediaacuterias de cor
Respondendo a este ofiacutecio tambeacutem no ano de 1778 o governador Joseacute Cesar de
Meneses confirma a afirmaccedilatildeo da Junta lisboeta Declara a autoridade que tal costume era
praticado na Praccedila e pelo que havia apurado natildeo era coisa moderna De acordo com os dados
colhidos por ele os governadores que o haviam precedido e os ministros que os auxiliavam
nunca haviam impugnado tal accedilatildeo afirma ainda que ldquoas cacircmaras concedem licenccedilas as
escravas que vendem dessa forma pelas ruasrdquo 466
Acreditava o governador que isso ocorria
pois ldquonem o artigo 18 da pragmaacutetica de 1749 que proiacutebe vender fazendas pelas ruas em
caixas ou trouxas nas cidades ou vilas desse Reino nem a declaraccedilatildeo feita ao mesmo inciso no
alvaraacute de 21 de abril de 1751rdquo 467
determinavam expressamente que tal proibiccedilatildeo se estendia
as conquistas A falta de uma legislaccedilatildeo especiacutefica para a colocircnia acabava neste caso criando
uma brecha para a continuidade daquele procedimento na capitania pernambucana
Tambeacutem encontramos relatos na historiografia que compravam o costume local de
mulheres de cor andarem pelas ruas a vender uma infinidade de produtos inclusive
contrabandos A historiadora Suely Almeida se dedica em artigo intitulado ldquoHistoacuterias de
gentes sem qualidade Mulheres de cor na Capitania de Pernambuco no seacuteculo XVIIIrdquo a
recompor as tramas comerciais que essas intermediaacuterias estavam envolvidas Sobre os
produtos que transitavam por entre cestos bocetas e tabuleiros nas ruas do Recife iraacute afirmar
a autora que
Tanto nos tabuleiros como nas tabernas vendia-se de tudo comida bebida
roupas poacutelvora armas ferramentas utensiacutelios domeacutesticos alguns artigos de
luxo como tecidos finos joias e coisas de toucador Essas vendas ou
tabernas se constituiacuteam em espaccedilos intermediaacuterios entre a legalidade e a
ilegalidade 468
Para o contrabando de escravos nossa hipoacutetese baseada na anaacutelise a documentaccedilatildeo eacute
que muito provavelmente antes de vir para a capitania boa parte da escravaria jaacute estava
encomendada e negociada dada a dificuldade de fazer entrar e se esconder uma grande
quantidade de pessoas na capitania sem ser notado Apesar de encontrarmos vaacuterios
465
Idem 466
AHU ndash PE Cx 130 D 9823 467
Idem 468
ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de Pernambuco no seacuteculo
XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria da escravidatildeo em Pernambuco Editora
UniversitaacuteriaUFPE 2012 P 52
130
documentos que fazem referecircncia ao comeacutercio descaminhado de escravos durante o periacuteodo
da nossa pesquisa natildeo achamos referecircncia alguma quanto a qualquer tipo de feira de venda de
escravos extralegal ou coisa parecida o que nos leva a crer que de fato aquele tipo de
negociaccedilatildeo era feita em sua maioria de forma antecipada
Quanto as caixas de accediluacutecar e outras mercadorias que saiam de Pernambuco e iam para
Bahia a documentaccedilatildeo natildeo oferece maiores detalhes Isto porque como jaacute dito aqui a praccedila
comercial da Bahia natildeo estava sujeita ao regime de exclusivo comercial dessa forma o
tracircnsito de produtos e negoacutecios era feito de maneira mais livre Aleacutem disso como tambeacutem jaacute
visto anteriormente as autoridades baianas de maneira geral pareciam natildeo se importar muito
com o tracircnsito comercial que ligava as duas capitanias autorizando a introduccedilatildeo das
mercadorias oriundas destes negoacutecios sem grandes problemas
131
4 CONTRABANDO COMBATE E COMPLEXIDADE DO ESQUEMA
41 O ldquopernicioso comeacuterciordquo accedilotildees e medidas repressivas
O contrabando seraacute uma constante durante os vinte e um anos de existecircncia da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba causando graves prejuiacutezos aos comerciantes
lisboetas donos da maior parte de suas accedilotildees Essa praacutetica seraacute alvo de grande preocupaccedilatildeo
por parte da coroa e da Junta da Companhia sediada em Lisboa 469
sendo um assunto
recorrente na documentaccedilatildeo Conseguimos localizar junto ao nosso acervo uma seacuterie de
ofiacutecios e cartas trocadas entre as autoridades locais e o Reino ao longo de todo o periacuteodo de
monopoacutelio exercido pela empresa que tratam sobre o tema demonstrativos da importacircncia e
proporccedilatildeo que os contrabandos assumiram durante aquele periacuteodo
A preocupaccedilatildeo do Reino em evitar e conter os contrabandos na capitania
pernambucana se daraacute a partir dos primeiros anos de funcionamento da Companhia revelando
que a praacutetica clandestina se instalou contemporaneamente ao funcionamento da empresa
Alertamos que o teor dessa documentaccedilatildeo por vezes se tornaraacute repetitivo de qualquer forma
optamos por trabalhar com uma significativa variedade de documentos natildeo soacute para reforccedilar
nosso ponto como tambeacutem para demonstrar que os problemas envolvendo as transaccedilotildees
descaminhadas persistiram ao longo dos anos de existecircncia do monopoacutelio
De acordo com Antonio Manuel Hespanha devido a uma seacuterie de limitaccedilotildees
enfrentadas pelo Reino a aplicabilidade de penas dentro do sistema punitivo reacutegio portuguecircs
era reduzida Afirma o autor que o modelo de poder coercitivo exercido por Portugal evitava
ao maacuteximo a consumaccedilatildeo da puniccedilatildeo sendo a disciplina social garantida por ldquomecanismos
quotidianos de controlordquo tendo como fim a defesa da supremacia simboacutelica do Rei Dessa
forma a concessatildeo do perdatildeo real em alguns crimes acabava por se tornar estilo expediente
rotineiro Hespanha assegura que esta realidade soacute seraacute alterada de maneira efetiva em
469
A Junta da Companhia Geral estava sediada em Lisboa e representava dentro da estrutura administrativa da
empresa a escala maacutexima de poder era o centro decisoacuterio da Companhia e possuiacutea competecircncia deliberativa A
Junta era composta por um provedor dez deputados e trecircs conselheiros eleitos entre os principais acionistas da
empresa para mandatos a priori de trecircs anos A Companhia possuiacutea ainda duas outras administraccedilotildees uma na
cidade do Porto e outra em Recife conhecidas como ldquodireccedilotildeesrdquo cada uma delas possuiacutea um intendente e seis
deputados Estas direccedilotildees eram subordinadas a Junta administrativa de Lisboa Sobre isto ver JUacuteNIOR Joseacute
Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 CARREIRA Antonio
As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982
132
meados do XVIII com a ascensatildeo do despotismo iluminado periacuteodo que compreende o marco
cronoloacutegico desta pesquisa 470
Apesar da Companhia possuir um juiacutezo privativo e de alguns casos como
demonstrado no capiacutetulo anterior acabarem por apoacutes as investigaccedilotildees inocentarem os reacuteus eacute
notoacuteria a atenccedilatildeo que o Reino iraacute demandar aos casos de contrabando ocorridos durante o seu
funcionamento A comunicaccedilatildeo oficial estabelecida entre os governadores da capitania e o
ministro do Estado da Marinha e Ultramar nos demonstra como a metroacutepole buscou instruir
seus agentes locais para atuarem na coibiccedilatildeo e puniccedilatildeo dos diversos personagens envolvidos
nos esquemas iliacutecitos
Jaacute em 1763 encontramos ofiacutecio enviado a Corte pelo governador Luiacutes Diogo Lobo da
Silva onde o oficial reacutegio comunica ao Conselho Ultramarino as medidas que vinha tomando
para reprimir a ldquoprejudicial transgressatildeordquo 471
que segundo o mesmo havia causado ldquoquase
uma total extraccedilatildeo do dinheiro provincialrdquo Afirma o governador ter mandando o procurador
fiscal da Companhia bem como o juiz da alfacircndega daquela Praccedila darem buscas nas lojas
suspeitas a fim de que se cumprisse o que determina o artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo
da Companhia Geral 472
No mesmo ofiacutecio Luiacutes Diogo Lobo busca esclarecer junto ao Reino qual o
procedimento adotar em caso de apreensatildeo de mercadorias fruto de denuacutencias que se
encontravam sem selo ou seja produtos que ainda natildeo haviam pagado os reais direitos em
nenhum porto A duacutevida do governador era se mesmo nestes casos deveriam os denunciantes
receber a parte que lhes era devida seguindo o que estabelecia o artigo 34 do documento de
instituiccedilatildeo da Companhia 473
Destacamos que a duacutevida das autoridades em relaccedilatildeo ao que
fazer com os frutos das apreensotildees seraacute corriqueira Isto porque o documento de instituiccedilatildeo da
470
HESPANHA Antonio Manoel O direito penal da monarquia corporativa In _____ Caleidoscoacutepio do
Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda 2012 P 129-164 471
AHU-PE ndash Cx 99 D 7757 472
Idem 473
O artigo 34 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba determinava que
ldquoNenhuma pessoa de qualquer qualidade ou condiccedilatildeo que seja poderaacute mandar levar ou introduzir as sobreditas
fazendas secas ou molhadas nas ditas capitanias nem tatildeo pouco extrair os gecircneros da sua produccedilatildeo a menos
que natildeo seja na forma acima referida sob pena de perdimento das fazendas e gecircneros e de outro tanto quanto
importar o seu valor Sendo tudo aplicado a favor dos denunciantes que poderatildeo dar suas denuacutencias em
segredo ou em puacuteblico Neste Reino diante dos juiacutezes conservadores de Lisboa e do Porto e em Pernambuco
diante do Juiz Conservador da mesma Companhia os quais todos faratildeo notificar as denunciaccedilotildees aos
procuradores da Companhia para serem partes nelas tudo de baixo das penas acima declaradasrdquo (Grifo nosso)
Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor do
Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel
em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 05052017
133
Companhia que balizava tais questotildees natildeo contemplava a diversidade de situaccedilotildees
encontradas pelos oficiais reacutegios no cotidiano 474
De acordo com o artigo 34 nenhuma pessoa poderia introduzir nas terras exclusivas
da Companhia nem enviar dela para outras localidades nenhum tipo de gecircnero exceto nos
casos dos comerciantes que negociavam no ldquomiuacutedordquo como autorizava o artigo 33 475
sob
pena de perdimento das fazendas ou de seu valor como jaacute explicitamos anteriormente Quem
estivesse disposto a denunciar tais contrabandos o que poderia ser feito em segredo ou
publicamente levaria a terccedila parte dos rendimentos feitos com aquela apreensatildeo O precircmio
era uma forma de incentivar as denuacutencias na capitania jaacute que sem elas o trabalho dos oficiais
reacutegios ficava bastante dificultado No entanto fazer estas denuacutencias requeria coragem pois
invariavelmente violecircncias e represaacutelias eram sofridas pelos denunciantes 476
A praacutetica de reservar quotas sobre o espoacutelio do contrabando aos que contribuiacutessem
para sua apreensatildeo era comum natildeo soacute na colocircnia brasileira como na Ameacuterica hispacircnica Ao
tratar sobre os descaminhos do ouro e diamantes na regiatildeo das Minas setecentistas Isnara
Pereiro Ivo iraacute afirmar que uma das estrateacutegias adotadas pela Coroa ao decorrer do seacuteculo
XVIII para tentar conter os contrabandos na regiatildeo era a de destinar a terccedila parte do material
apreendido ao funcionaacuterio reacutegio que fizesse a tomadia 477
Falando sobre os contrabandos
474
Em diversos documentos oficiais trabalhados ao longo deste texto solicitam as autoridades coloniais ao
Reino que se mandem instruccedilotildees do que fazer com as mercadorias apreendidas Ao que tudo indica quando os
confiscos aconteciam independentemente de denuacutencias os gecircneros apreendidos eram levados aos armazeacutens da
Companhia Poreacutem nem sempre os oficiais tinham certeza do que fazer com os frutos das apreensotildees como por
exemplo eacute o caso de uma carga de couros e tabaco apreendida por Joseacute Cesar de Meneses em 1778 tirado de
uma sumaca que fazia contrabandos com a Costa da Bahia Apesar de ter remetido os tabacos e os couros para os
armazeacutens da Companhia o governador solicita lhe seja esclarecido pela Corte se aquela direccedilatildeo deveria pagar
pelos ditos gecircneros ao Eraacuterio Reacutegio pois parecia ao governador ldquopertencer este sequestro mais a S Majestade do
que a direccedilatildeordquo Fonte AHU ndash PE Cx 129 D 9771 475
Como jaacute visto no segundo capiacutetulo deste trabalho de acordo como artigo 33 do documento de instituiccedilatildeo da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba a empresa autoriza que os comerciantes da terra continuassem a
fazer seus negoacutecios no ldquomiuacutedordquo ficando reservado a Companhia o comeacutercio de grosso trato que em Pernambuco
comeccedilava no valor de cem mil reis Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa -
Officina de Miguel Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA -
Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 476
Em ofiacutecio do ano de 1780 o governador Joseacute Cesar de Meneses ao falar sobre caso ocorrido no mesmo ano
na capitania afirma ter sido assassinado o soldado Ignaacutecio Tavares do Regimento do Recife e na mesma ocasiatildeo
foi espancado violentamente o soldado Francisco Antocircnio Ribeiro do mesmo Regimento ao irem agrave praia da
Penha (Recife) examinar uma jangada vinda da Bahia cheia de contrabandos Atesta ainda o governador que
durante estas diligecircncias era comum que houvesse certa resistecircncia por parte dos contrabandistas Declara
tambeacutem neste documento ter feito pagar recentemente a soldados que haviam denunciado novo crime de
contrabando a terccedila parte do fruto da apreensatildeo no valor de 270259 mil reis a fim de ldquoanimar a tropa e
cuidarem em fazer melhores diligecircnciasrdquo Fonte AHU-PE Cx 138 D10250 477
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos sertotildees da Ameacuterica
Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012 P 288
134
realizados no porto de Buenos Aires do seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos tambeacutem iraacute atestar que
se tinha o costume naquela localidade de recompensar o denunciador de ldquotratos realizados
sem permissatildeo realrdquo 478
com ao menos um terccedilo do valor apreendido
Voltando a nossa narrativa em 1769 o entatildeo governador de Pernambucano Conde de
Povolide anuncia ao Reino a grande ldquoousadia com que se estavam praticando tatildeo escandalosas
negociaccedilotildees quase a minha face e de todos os ministros desta capitaniardquo 479
De acordo com o
Conde devido agrave falta de denuacutencias se introduziam na aacuterea exclusiva da Companhia ldquofazendas
secas por negociantes da Bahia em alguns portos desta capitaniardquo ainda segundo o governador
os mesmos negociantes extraiam gecircneros da terra para a capitania vizinha em ldquoprejuiacutezo grave
dos direitos reaisrdquo 480
Neste mesmo ofiacutecio o oficial reacutegio relata como atuavam aqueles
grupos empenhados no trato iliacutecito e os cuidados que vinha empregando na contenccedilatildeo de tais
praacuteticas assegurando ter recomendado aos capitatildees mores e regentes de distrito a maior
vigilacircncia ldquopara evitar a travessia de semelhantes negociaccedilotildeesrdquo 481
Neste mesmo ano eacute enviada resposta ao governador em Pernambuco em forma de
minuta do Rei D Joseacute I Ordenava-se que para se evitar os ldquoprejudicialiacutessimos empates que
tem experimentado a Companhiardquo 482
se executasse na capitania pela figura do Juiz
conservador da Companhia Geral todas as leis e ordens referentes a repressatildeo do
contrabando Pedindo que se desse especial observacircncia ao alvaraacute reacutegio expedido no dia 14 de
novembro de 1757 483
onde se ampliavam os paraacutegrafos que tratavam sobre o tema nas
Comarcas do Reino e em seus domiacutenios ultramarinos
Em 1770 era a vez de Manoel da Cunha Meneses relatar o insucesso na repressatildeo
contra os descaminhos que naquelas paragens se estabeleciam Segundo o governador natildeo
havia meios ldquopara que estes contrabandos se possam evitarrdquo 484
Prosseguindo seu relato o
capitatildeo general afirma que o motivo das fazendas da Companhia estarem ldquoempatadasrdquo nos
armazeacutens era que nos sertotildees daquela capitania havia uma ldquogrande multiplicidaderdquo 485
das
mesmas fazendas que adentravam via contrabando o territoacuterio monopolizado atraveacutes do Rio
de Satildeo Francisco Explica ainda a dificuldade em se mandar fiscalizar aquelas ldquoremontadas
478
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires
colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 288 479
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 480
Idem 481
Idem 482
AHU ndash PE Cx 107 D 8276 483
Natildeo foi possiacutevel identificar tal alvaraacute junto ao nosso acervo documental 484
AHU ndash PE Cx 108 D 8371 485
Idem
135
paragensrdquo de acordo com o governador ldquonatildeo haacute sujeitos que bastem para em tatildeo longas
distacircncias fazerem a sua obrigaccedilatildeo de impedir as ditas passagensrdquo 486
e mesmo que
houvessem ldquoseria necessaacuterio uma importante soma de ordenados da real fazenda para lhe
satisfazer as despesas precisas nas dilatas viagensrdquo 487
Percebemos que as dificuldades encontradas pelos governadores pernambucanos e os
ministros do Conselho Ultramarino nos combates aos contrabandos em muito se aproximam
dos desafios enfrentados pela Coroa e pelos oficiais reacutegios envolvidos na administraccedilatildeo das
Minas de ouro Isto eacute que o nos sugere os atuais trabalhos dedicados a explorar os circuitos
mercantis desenvolvidos nas regiotildees mineiras que apontam para os grandes descaminhos de
minerais realizados naquelas plagas Desde cedo a Coroa buscou montar todo um aparato
fiscalizador com o intuito de conter a sangria que ofendia a Real Fazenda De acordo com a
historiadora Isnara Pereira Ivo a regiatildeo do Satildeo Francisco e suas anexas foram as principais
vias alvo de controle Os contrabandos naquela regiatildeo se davam tanto atraveacutes dos caminhos e
picadas de terra abertas ilegalmente ao longo das margens dos rios ldquocomo no curso de
pequenos afluentes e nos grandiosos braccedilos drsquoaacutegua que alimentavam secularmente os leitos da
margem direita do Velho Chicordquo 488
No entanto por maior que fosse o zelo do Reino no que diz respeito agrave tatildeo importante
demanda nenhuma medida adotada se mostrou completamente eficaz isto porque os
caminhos eram muitos e extensos ainda de acordo com Ivo ldquoos dilatados sertotildees abrigavam
veredas que as proacuteprias autoridades desconheciam e talvez por isso mesmo tentavam ampliar
medidas de combate a evasatildeo fiscalrdquo 489
Existia uma grande preocupaccedilatildeo por parte da Coroa
com a abertura de caminhos natildeo autorizados o que pode ser medido entre outras coisas pela
recorrecircncia de ordens reacutegias que buscavam regular tal mateacuteria
Nota-se que tanto no caso das Minas quanto em Pernambuco que a grande extensatildeo
do territoacuterio e a falta de conhecimento sobre as vastas aacutereas que estavam fora do eixo
litoracircneo iratildeo dificultar sobremaneira o trabalho repressivo por parte das autoridades reais
Por maiores que fossem os esforccedilos empregados a contenccedilatildeo dos descaminhos nas condiccedilotildees
apontadas era tarefa praticamente impossiacutevel Natildeo havia nenhum tipo de estrutura que
permitisse o monitoramento total de aacutereas tatildeo vastas A questatildeo da extensatildeo territorial da
486
Idem 487
Idem 488
IVO Isnara Pereira Op Cit P 289 489
Idem
136
Capitania pernambucana apareceraacute em vaacuterios documentos como um dos elementos mais
impeditivos para efetividade da fiscalizaccedilatildeo
Nosso conjunto documental nos sugere um aumento do volume de contrabandos a
partir de meados da deacutecada de 70 490
o que consequentemente iraacute gerar uma maior
preocupaccedilatildeo por parte do Reino e das autoridades locais em tomar medidas repressivas para
cessar tal fluxo Durante esta fase esteve agrave frente do governo de Pernambuco Joseacute Cesar de
Meneses Filho do conde de Sabugosa 491
o governador de Pernambuco nasceu na Bahia
onde permaneceu durante a vigecircncia do governo de seu pai como Vice-Rei do Brasil entre os
anos de 1720 a 1734
Ingressou na carreira militar e serviu em Portugal durante alguns anos depois desse
periacuteodo seguiu para as Iacutendias onde fixou residecircncia Foi nomeado como governador da
capitania de Pernambuco em 27 de julho de 1774 permanecendo no cargo ateacute o ano de 1787
492 Seu governo foi conturbado enfrentando uma epidemia de bexigas e uma grave seca em
1776 que levou a uma fome generalizada Em obra tradicional onde traccedila biografias
panegiricas Pereira da Costa afirma
Joseacute Cesar de Meneses pelo seu caraacuteter eneacutergico pelas suas qualidades e
pela simpatia geral que angariou pelos atos de justiccedila do seu governo
correto e honesto foi alvo de diferentes manifestaccedilotildees populares [] 493
Ao longo do seu governo Joseacute Cesar teve de lidar com inuacutemeros problemas relativos
agraves atividades da Companhia Geral em Pernambuco e suas anexas Estando a frente da
capitania durante a segunda crise por qual passava a Companhia e permanecendo ateacute o fim de
seu monopoacutelio 494
o governador foi um aacutevido denunciador da maacute administraccedilatildeo da empresa
em Pernambuco Devido a isto a relaccedilatildeo do oficial com a diretoria pernambucana natildeo era das
490
Para mais detalhes sobre este fluxo consultar o primeiro capiacutetulo deste trabalho 491
Joseacute Cesar de Meneses natildeo era filho legitimo de Vasco Fernandes Cesar de Meneses o Conde de Sabugosa
Nascido de um relacionamento do Conde com Luzia Rosa de Andrade portuguesa que residia na Bahia o o
governador foi batizado como filho de pai incoacutegnito apesar de Vasco Fernandes afirmar em cartas e conversas
que o mesmo era seu filho Sobre isto ver COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos
Recife Secretaria do interior e justiccedila 1951-1966 V 6 492
Apesar de comumente os governadores de capitania na Ameacuterica Portuguesa serem nomeados para ocupar tais
cargos por um periacuteodo de apenas quatro anos Joseacute Cesar de Meneses permaneceu durante treze anos a frente do
governo de Pernambuco Fato que indica uma possiacutevel habilidade pessoal do oficial em mediar os interesses
locais e metropolitanos Sobre este tema ver JUNIOR Joseacute Inaldo Chaves Biografia e micro-histoacuteria diaacutelogos
possiacuteveis para uma histoacuteria da governanccedila no Impeacuterio Portuguecircs (Capitania da Parayba c1764-1797) Revista
Cantareira Rio de Janeiro 15ordm ediccedilatildeo jul-dez 2011 493
COSTA Francisco Augusto Pereira da Op Cit V 6 P 349 494
A segunda crise enfrentada pela empresa ocorrida entre 17781780 tem iniacutecio poacutes-morte do Rei D Joseacute I e
do quase imediato afastamento de Pombal do centro decisoacuterio do Reino Neste momento uma seacuterie de peticcedilotildees
passam a ser enviadas a Rainha D Maria I tanto na colocircnia quanto no Reino pedindo a extinccedilatildeo dos privileacutegios
da Companhia Geral e a volta do comeacutercio livre
137
melhores 495
com bastante constacircncia o governador relatava ao Reino os desmandos dos
agentes locais da empresa destacando ainda o mal que tal empreendimento havia causado de
acordo com sua avaliaccedilatildeo as atividades comerciais na regiatildeo 496
Durante o periacuteodo do seu governo a questatildeo do contrabando ocuparaacute lugar cativo na
pauta das documentaccedilotildees trocadas entre o governador e o secretaacuterio de Estado da Marinha e
Ultramar do Reino Martinho de Melo e Castro Apesar de ser da opiniatildeo que a Companhia
prejudicava o comeacutercio local o governador seguindo as recomendaccedilotildees de seu cargo buscou
auxiliar sempre que possiacutevel e necessaacuterio a empresa principalmente no que se refere ao
combate dos descaminhos 497
Devemos lembrar como jaacute apontado previamente que de
acordo com as recomendaccedilotildees do artigo 12 do documento de instituiccedilatildeo da empresa a
administraccedilatildeo da Companhia respondia diretamente ao Rei e era independente de todos os
tribunais maiores ou menores natildeo podendo em nenhum caso se intrometer ministro ou
tribunal algum em seus assuntos 498
Devido ao caraacuteter privativo da empresa no tocante as suas questotildees judiciais ficavam
os governadores e demais autoridades locais impedidos de agir com maior liberdade nas
ocorrecircncias de contrabando Eacute o que atesta Joseacute Cesar de Meneses respondendo a cobranccedila
feita pela Junta da empresa para que o oficial passasse a regular de maneira mais contundente
as ingerecircncias que cometiam os deputados da Direccedilatildeo da Companhia em Pernambuco e os
contrabandos na regiatildeo O governador na ocasiatildeo aponta para o artigo acima de forma a
atestar sua falta de jurisdiccedilatildeo para atuar em certos casos
495
Alguns ofiacutecios confirmam a existecircncia de certa animosidade entre o oficial reacutegio e a direccedilatildeo pernambucana
que se queixaraacute da falta de assistecircncia dada pelo governador aos negoacutecios da Companhia Acusaccedilatildeo que busca
repetidamente o governador se defender afirmando e reafirmando em diversos documentos os auxiacutelios que tem
prestado aquela direccedilatildeo Um ofiacutecio enviado pelo governador ao Reino no ano de 1775 ilustra bem esta questatildeo
Nele o oficial reacutegio busca esclarecer junto a Corte as acusaccedilotildees feitas pelo Intendente da Companhia o senhor
Antocircnio Joseacute Souto sobre sua conduta Afirmando em tal ocasiatildeo que o tal intendente despoacutetico e de se utilizar
de seu cargo na direccedilatildeo daquela instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio Fonte AHU ndash PE Cx 121 D 9218 496
O governador enviaraacute a Corte uma seacuterie de correspondecircncias ao longo de seu governo relatando o estado em
que se encontrava a capitania chegando ateacute mesmo a fazer comparaccedilotildees numeacutericas do volume do comeacutercio
antes e depois do monopoacutelio instaurado pela Companhia Geral Exemplo disto eacute o ofiacutecio do ano de 1778 onde o
oficial envia ao Reino extenso documento onde relata natildeo soacute seu ponto de vista a respeito da instituiccedilatildeo e do que
vinha obrando para acudir a Companhia durante seu governo como tambeacutem traz em anexo diversos documentos
com os nuacutemeros referentes ao comeacutercio dos diversos gecircneros que se fazia na capitania antes e depois da criaccedilatildeo
da Companhia Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 497
AHU ndash PE Cx 130 D 9823 498
Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel Rodrigues impressor
do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros sobre o Brasil Disponiacutevel
em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217
138
Em ofiacutecio do ano de 1777 onde relata a situaccedilatildeo dos contrabandos na capitania Joseacute
Cesar aponta alternativa que acreditava ser suficiente para extinguir os contrabandos
Segundo o mesmo deveria a Companhia remeter para a capitania ldquoos mesmos gecircneros que
trazem os contrabandistas e vendecirc-los pelo mesmo preccedilo que os contrabandistas os vendemrdquo
499 De acordo com o governador se a Companhia assim fizesse ningueacutem ldquose incomodaria com
tanto trabalho e risco a introduzi-las nem jamais se continuariam tais contrabandosrdquo 500
Ainda neste mesmo ofiacutecio o oficial eacute enfaacutetico ao afirmar que ldquoa introduccedilatildeo dos
contrabandos nasce porque por preccedilos mais racionaacuteveis e diminutos se compram as mesmas
fazendas de contrabandos o que natildeo se consegue da direccedilatildeordquo 501
destaca ainda o funcionaacuterio
real que as mercadorias comercializadas pela Companhia eram vendidas a preccedilos maiores do
que em todas outras Praccedilas comerciais do Brasil que natildeo contavam com uma empresa
monopolizadora
Outra medida eficaz para fazer cessar os contrabandos naquelas paragens apontada
pelo governador seria a direccedilatildeo da Companhia comeccedilar a assistir aos lavradores da terra em
dinheiro fiacutesico 502
Para Joseacute Cesar a questatildeo era simples bastava passar a empresa a praticar
seu comeacutercio de forma justa cobrando valores mais competitivos por seus gecircneros europeus e
fazer os pagamentos dos efeitos da terra em dinheiro agindo a empresa desta forma natildeo
necessitariam os fabricantes locais recorrerem a outras maneiras de obter o metal e
conseguirem melhores lucros
A questatildeo da falta de moeda corrente seraacute uma reclamaccedilatildeo constante dos moradores
da terra contra a Companhia Os estatutos da empresa estabeleciam que a regulaccedilatildeo dos
financiamentos junto aos produtores ocorreria da seguinte forma a Companhia adiantava ao
produtor de couros ou accediluacutecar a terccedila parte relativa a produccedilatildeo anual de cada um esse
adiantamento poderia ser feito em dinheiro mercadorias ou instrumentos de trabalho No
entanto de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior a Companhia buscava evitar fazer seus
pagamentos em dinheiro sobretudo para evitar que os produtores comprassem gecircneros
vedados atraveacutes do contrabando 503
Em outro ofiacutecio jaacute no ano posterior o governador trata com maior detalhe a questatildeo
dos preccedilos praticados pela Companhia e pelos contrabandistas O capitatildeo general afirma que o
499
AHU ndash PE Cx 127 D 9670 500
Idem 501
Idem 502
AHU ndash PE Cx 130 D 9823 503
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Op Cit P 111
139
motivo dos contrabandistas venderem os seus produtos a preccedilos menores que o da Companhia
natildeo estava relacionado agrave falta de pagamento de direitos ou fretes mas simplesmente porque
os negociantes envolvidos naquele trato se empenhavam em comprar seus gecircneros por preccedilos
mais moacutedicos Razatildeo pela qual mesmo correndo os riscos de transportarem os seus produtos
ldquoem jangadas quase debaixo drsquoaacutegua sujeitas a mil avarias e sobretudo o maior e mais
formidaacutevel de todos os riscos o do confiscordquo 504
conseguiam tais comerciantes vender seus
gecircneros por valores inferiores aos praticados pela Companhia Geral
Em relaccedilatildeo ao comeacutercio de escravos segundo o governador agia a Companhia da
mesma forma prejudicial Em documento em que detalha o nuacutemero de cativos e embarcaccedilotildees
que entraram no porto do Recife entre os anos de 1742 a 1777 Joseacute Ceacutesar versaraacute sobre a
questatildeo do comeacutercio atlacircntico para Pernambuco em paralelo com as praccedilas de Bahia e Rio de
Janeiro Segundo o governador era notoacuterio que em Angola e na Costa da Mina se reservava ldquoa
flor dos escravos para os negociantes da Bahia e do Rio de Janeirordquo 505
pois estes pagavam
aos seus comissaacuterios africanos a dinheiro e melhores efeitos Dessa forma ficava relegada a
Companhia Geral apenas o ldquorefugordquo da escravaria que era composta por negros de ldquoruim
qualidade e carestiardquo 506
Diz o governador natildeo saber com a empresa procedia em suas compras na Costa da
Aacutefrica no entanto como a experiecircncia mostrava era possiacutevel se comprar escravos
contrabandeados ldquopor uma quinta parte menosrdquo 507
dos que os vendidos pela Companhia
Geral Aleacutem disso como se vivia em Pernambuco uma crise de moeda fiacutesica a Companhia
costumeiramente mandava vender alguns de seus escravos no Rio de Janeiro ldquopor muito
menos do que nesta praccedilardquo 508
ainda segundo Joseacute Cesar os negros que se iam vender na
praccedila carioca eram ldquosempre os melhores e mais escolhidosrdquo 509
Dessa forma concluiacutea o governador que os escravos que permaneciam na capitania
eram sempre os de ldquopior qualidaderdquo o que acabava por provocar um ldquomaior desembolso a
que o lavrador fica sujeito tanto no maior nuacutemero que deveria comprar quanto na qualidaderdquo
510 Segundo o funcionaacuterio real os lavradores residentes na capitania eram forccedilados a
substituir o plantel constantemente pois logo ldquomorrem pela sua ruim qualidade e moleacutestias
504
Idem 505
Idem 506
Idem 507
Idem 508
Idem 509
Idem 510
Idem
140
com quem jaacute vecircm contaminadosrdquo 511
sendo vendidos aqui cinco vezes mais caros ldquodo que se
costuma pagar os melhores da Bahia e Rio de Janeiro []rdquo 512
Outra inteligente sugestatildeo a ser empregada na repressatildeo dos contrabandos naquela
regiatildeo eacute dada pelo Ouvidor da Comarca de Alagoas no ano de 1778 Seguindo ordens do
governador Joseacute Cesar de Meneses o oficial que fazia vaacuterias correiccedilotildees na aacuterea limiacutetrofe entre
Pernambuco e Bahia iraacute declarar ao seu superior pernambucano que o combate ao
contrabando era impossiacutevel pois para isto ldquoseria preciso lanccedilar um cordatildeo de tropa por toda a
praia na sua extensatildeo de sessenta leacuteguasrdquo 513
Para o Ouvidor a situaccedilatildeo natildeo mudaria ateacute que
se tomassem ldquonovas providecircncias e uma nova legislaccedilatildeo que contenha os senhores de
engenho na facilidade com que vendem suas safras inteiras conhecidamente a
contrabandistasrdquo 514
ou seja de acordo com o oficial seria mais faacutecil se coibir a praacutetica
regulando a produccedilatildeo dos engenhos ldquoera melhor que este grande e inuacutetil trabalho que se tem
em guardar sessenta leacuteguas de praia se tivesse em pedir contas aos senhores de engenho das
suas respectivas safrasrdquo 515
Este conselho eacute enviado pelo governador ao Reino poreacutem ateacute o momento natildeo
conseguimos encontrar nenhum documento que ateste que o mesmo tenha sido colocado em
praacutetica Joseacute Cesar demonstrava grande preocupaccedilatildeo em relatar ao Reino sempre que
possiacutevel o trabalho que vinha executando em relaccedilatildeo ao combate dos contrabandos no
periacuteodo do seu governo Como jaacute explicitado e declarado pelo proacuteprio o contrabando era ldquoum
dos principais objetosrdquo 516
da ldquomaior vigilacircncia e cuidadordquo 517
do governador que haacute muito
tempo segundo o mesmo natildeo cessava ldquode aplicar todos os meios de lhe cortar o passordquo 518
como vinha apresentando regularmente ao Reino atraveacutes de diversos documentos
Em ofiacutecio encaminhado a Junta da empresa em Lisboa em 1778 afirma novamente o
governador estar ldquodando providecircncias sobre providecircncias para evitar os contrabandosrdquo 519
alegando ainda ter recomendando ordens a este respeito a pessoas ldquode maior satisfaccedilatildeo e
511
Idem 512
Idem Sobre o comeacutercio de escravos em Pernambuco durante o governo de Joseacute Cesar de Meneses consultar
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas - As rotas entre
Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p 34-53 janjul 2013 513
AHU ndash PE Cx 133 D 10012 514
Idem 515
Idem 516
AHU ndash PE Cx 134 D 10074 517
Idem 518
Idem 519
AHU ndash PE Cx 130 D 9823
141
confidecircnciardquo 520
e ateacute mesmo estar prestando repetidos auxiacutelios de tropas pagas No entanto o
combate aos contrabandos natildeo era tarefa das mais faacuteceis mesmo se utilizando do auxiacutelio de
tropas pagas como atesta ter feito Joseacute Cesar de Meneses e o fizerem diversos governadores
durante o periacuteodo de vigecircncia da Companhia 521
vigiar tatildeo vasto territoacuterio era impossiacutevel
No ano de 1779 o capitatildeo general iraacute remeter ao secretaacuterio de Estado da Marinha e
Ultramar ofiacutecio onde apresenta uma seacuterie de certidotildees passadas pela direccedilatildeo da Companhia
em Pernambuco atestando o auxiacutelio e providecircncias dadas pelo governador em diversas
diligecircncias com objetivo de dirimir os descaminhos ao longo dos uacuteltimos anos Neste
documento encontra-se tambeacutem coacutepia anexa de carta circular que o governador fez correr ldquoa
todos os ministros da minha jurisdiccedilatildeo que se achavam em ato de correiccedilatildeordquo 522
Nela consta
com detalhe o procedimento que todos os Capitatildees Mores comandantes e regentes de distrito
deveriam tomar para impedir os contrabandos em seus locais de atuaccedilatildeo
Eram quatro os passos que deveriam ser seguidos por estes oficiais reacutegios Em
primeiro lugar deveriam eles inspecionar todas as lojas e casas onde houvesse suspeita da
praacutetica de contrabando caso a suspeita se revelasse verdadeira o fruto da apreensatildeo deveria
ser remetido ao juiz conservador que para melhor averiguaccedilatildeo do caso deveria chamar ldquoos
ventenarios do seu distritordquo 523
e os obrigar a declarar em segredo ldquose pelas suas venterias
existem ou grassam alguns contrabandistas ou comissaacuterios volantes de fazendasrdquo havendo
denuacutencia deveria se proceder contra os mesmos de acordo com as leis de sua Majestade
Em segundo lugar era responsabilidade do comandante do distrito visitar pessoalmente
ldquotodos os barcos e qualquer outra embarcaccedilatildeo que dos portos da sua jurisdiccedilatildeo derem entrada
fazendo desta visita auto no livro competenterdquo 524
Especial atenccedilatildeo deveria ser dada aos
barcos que costumavam transportar madeira para Bahia nestes casos o despacho soacute deveria
ser entregue ao mestre da embarcaccedilatildeo proacuteximo a data de saiacuteda daquele porto Aleacutem disso
sempre que houvesse a miacutenima suspeita de introduccedilatildeo de algum iliacutecito deveria o comandante
do distrito enviar guardas a bordo para verificaccedilatildeo da carga
A terceira medida consistia em fazer chamar todos os jangadeiros das costas e praias
da jurisdiccedilatildeo por ele comandada fazendo-os ldquoassinar termo em que se obriguem a natildeo
520
Idem 521
A contrataccedilatildeo de tropas pagas para atuar na repressatildeo aos contrabandos se fez necessaacuteria em diversas
ocasiotildees devido ao volume daquele comeacutercio descaminhado e a grandiosidade territorial da capitania de
Pernambuco e de suas anexas 522
AHU ndash PE Cx 132 D 9955 523
Idem 524
Idem
142
transportar efeitos a bordo do barco que natildeo esteja franco a recebecirc-los para Pernambucordquo 525
e
ainda deveriam orientar a estes que natildeo respondessem ldquoaos sinais que costumam fazer as
embarcaccedilotildees ao largo chamando jangadas para se receberem e baldearem em terra os
contrabandosrdquo 526
O jangadeiro que desobedece tal ordem deveria ser preso autuado e
remetido agrave presenccedila do governador para que cumprisse as penas destinadas aos
contrabandistas
Por fim deveriam os comandantes de distrito nomear em todos os ldquoportos barras
baias e entradas dos mares da sua jurisdiccedilatildeordquo pessoa ldquocuja probidade capacidade e honra
vossa mercecirc tenha mais conceitordquo Esta pessoa seria responsaacutevel por avisar ao comandante
assim que qualquer embarcaccedilatildeo entrasse no distrito para que o mesmo pudesse em pessoa
fazer a inspeccedilatildeo necessaacuteria Caso o comandante estivesse ausente e houvesse necessidade
estes ldquoajudantesrdquo nomeados poderiam apreender lemes e velas de embarcaccedilotildees suspeitas bem
como fazer apreensatildeo de alguns fardos e fazendas ateacute a volta da autoridade distrital A carta
circular termina de forma intimidadora o governador deixa claro que a ldquomenor omissatildeordquo a
respeito desta mateacuteria natildeo seria tolerada sendo punido asperamente o oficial reacutegio que a
descumprisse ldquonatildeo soacute por erro e falta do seu ofiacutecio mas como fator e auxiliador do vil crime
de contrabandistardquo 527
O tom ameaccedilador do governador aos seus oficiais subordinados eacute
explicado pelo conjunto documental
Antes de darmos iniacutecio a um novo toacutepico vale a pena ressaltar como a questatildeo dos
contrabandos e extravios seratildeo uma constante na histoacuteria da colonizaccedilatildeo europeia na Ameacuterica
Dependendo do momento e da localidade os Centros iratildeo lidar com a mateacuteria de formas
distintas Tomemos como exemplo o jaacute famoso caso envolvendo os descaminhos na regiatildeo
fronteiriccedila do extremo Sul do Brasil Os contemporacircneos trabalhos que tratam sobre o
comeacutercio na regiatildeo do Prata iratildeo apontar os portugueses ou melhor os luso-brasileiros como
responsaacuteveis por no seacuteculo XVII e XVIII fomentar uma grande rede de contrabandos na
regiatildeo
Falando a respeito dos negoacutecios desenvolvidos por estes homens na Buenos Aires do
seacuteculo XVII Rodrigo Ceballos iraacute demonstrar como estes comerciantes iratildeo se engendrar e
desenvolver redes clientelares na regiatildeo que contavam inclusive com o apoio de funcionaacuterios
espanhoacuteis de modo a permitir que eles mantivessem seus negoacutecios extralegais apesar das
525
Idem 526
Idem 527
Idem
143
diversas medidas restritivas lanccediladas pelo Reino Espanhol a fim de conter tais extravios 528
O autor ainda chama atenccedilatildeo para o fato de que a Corte na Espanha natildeo estava de todo alheia
aos acontecimentos em torno da conquista buenairense tendo ela mesma se aproveitado da
situaccedilatildeo em alguns casos 529
Como os novos estudos acerca dos Impeacuterios Europeus tecircm demonstrado as relaccedilotildees
criadas em seus domiacutenios ultramarinos iratildeo se desenvolver de maneira distinta atendendo a
uma dinacircmica proacutepria e as estrateacutegias poliacuteticas locais feitas muitas vezes a revelia das
disposiccedilotildees reacutegias Atraveacutes desse vieacutes de entendimento eacute possiacutevel compreender como mesmo
apoacutes a restauraccedilatildeo da soberania portuguesa e das intensas disputas entre as Coroas ibeacutericas
pelo domiacutenio da regiatildeo platina ainda era possiacutevel que luso-brasileiros e colonos espanhoacuteis
incluindo uma gama de autoridades reais mantivessem entre si relaccedilotildees comerciais que
permitiram a continuaccedilatildeo de um faustoso comeacutercio extralegal no porto de Buenos Aires
Continuando a tratar sobre o comeacutercio de contrabando na regiatildeo platina vale destacar
o estudo feito pelo historiador Faacutebio Kuhn a respeito dos descaminhos de escravos para regiatildeo
na primeira metade do seacuteculo XVIII Em recente artigo o autor busca demonstrar como os
comerciantes luso-brasileiros sediados na Colocircnia do Sacramento passaram a deter hegemonia
sobre aquele negoacutecio Estes comerciantes segundo o autor estavam associados a homens de
negoacutecio de duas importantes Praccedilas da Ameacuterica lusa Rio de Janeiro e Salvador eram estes
comissaacuterios os responsaacuteveis por remeter para o Sul as remessas de negros chegadas ao litoral
das respectivas capitanias 530
Quando em princiacutepios do XVIII como consequecircncia de ajustes diplomaacuteticos a Coroa
Espanhola concede o asiento de negros para os britacircnicos que fundam a fim de explorar tal
contrato a South Sea Company os comerciantes portugueses ignorando as proibiccedilotildees sobre
aquela mateacuteria passam a rivalizar com os ingleses nas vendas de escravos para regiatildeo A
situaccedilatildeo chegou a tal estaacutegio que a Companhia inglesa nos seus uacuteltimos anos de
funcionamento passou a diminuir drasticamente o contingente de negros enviados aquela
localidade pois eles jaacute natildeo tinham saiacuteda dada a grande oferta de escravos que os
contrabandistas portugueses faziam entrar no territoacuterio da South Sea Company
528
Sobre isto ver CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a
administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016 vol15 n2 pp 00-00 529
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa na Buenos Aires
colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248 janjun 2009 P 242 530
KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da Prata 1730-1752)
Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017
144
Percebemos como toda a questatildeo relativa ao comeacutercio de contrabando neste caso
guardada as devidas proporccedilotildees iratildeo se desenrolar de maneira semelhante a que encontramos
para o nosso objeto de anaacutelise Aleacutem de ter uma Companhia de comeacutercio exclusivista
envolvida e das vaacuterias medidas tomadas pela Coroa espanhola para inutilmente tentar conter
tais extravios no caso trabalhado por Kuhn tambeacutem haacute indiacutecios de que os proacuteprios oficiais
castelhanos facilitavam e auxiliavam os descaminhos
Aleacutem disso o autor demonstra como os traficantes portugueses situados na Colocircnia do
Sacramento e seus agentes e comissaacuterios eram homens bem articulados que desfrutavam de
prestiacutegio tendo alguns deles ocupado inclusive cargos na administraccedilatildeo colonial Isso mesmo
quando desde 1751 a Coroa portuguesa ciente da desordem causada pelo comeacutercio ilegal de
escravos na regiatildeo passou ordens para que se extinguisse aquele negoacutecio castigando quem
fosse apreendido em tal crime com ldquomulta no triplo do seu valor para os reacuteus aleacutem do
degredo para Angola por dez anos dos contrabandistas envolvidosrdquo 531
Apesar da aparente incongruecircncia a participaccedilatildeo de oficiais agentes e autoridades
reacutegias no comeacutercio descaminhado foi uma realidade durante o periacuteodo colonial em distintas
localidades e eacutepocas Eacute sobre o envolvimento destes homens nos contrabandos que iremos
tratar no toacutepico a seguir
42 ldquoSatildeo os mesmos oficiais os proacuteprios culpadosrdquo participaccedilatildeo e envolvimento de
autoridades reacutegias oficiais e deputados da Companhia Geral nos descaminhos
Apesar do empenho sobretudo dos governadores em reprimir as atividades iliacutecitas o
contrabando era uma praacutetica quase impossiacutevel de ser controlada fazendo com que os esforccedilos
e medidas tomadas por estes oficiais se mostrassem pouco eficazes dada a grandiosidade do
esquema que incluiacutea autoridades reacutegias oficiais e deputados da proacutepria Companhia nos
circuitos de descaminho O envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e proacuteprios deputados
da Companhia nos descaminhos era um problema que desde os primoacuterdios do
estabelecimento da empresa se buscava combater
Jaacute em 1763 relata o governador Luiacutes Diogo Lobo da Silvia ser necessaacuterio enviar para
os sertotildees a fim de averiguar as ldquodesordensrdquo causadas pelos contrabandistas ldquooficiais de mais
confianccedila e menos amizadesrdquo 532
Sobre este respeito escreve o Conde de Povolide ao Reino
531
Ibidem P 103 532
AHU ndash PE Cx 99 D 7757
145
em 1769 alertando que ldquotoda esta capitania da parte do Sul desta capital ateacute ao Rio de Satildeo
Francisco me consta com evidecircncia se acha contaminada de contrabandos e com tatildeo pouca ou
nenhuma atividade nos ministros para devassar delesrdquo 533
Neste mesmo documento o Conde
declara ao Reino sua insatisfaccedilatildeo com o Sargento Mor do distrito de Porto Calvo que natildeo
havia segundo o governador ldquoobservado boa condutardquo 534
na execuccedilatildeo de ordem passada para
se averiguar crime de contrabando na regiatildeo
Escrevendo ao Conselho Ultramarino em 1770 Manoel da Cunha Meneses
governador de Pernambuco que acabava de assumir o cargo seria mais enfaacutetico ao denunciar
ao Reino o envolvimento de funcionaacuterios reacutegios estabelecidos nos sertotildees da Capitania na
introduccedilatildeo de contrabandos Afirmava o governador ser o sertatildeo daquela capitania um dos
mais povoados relatando que em cada povoado e freguesia existiam capitatildees mores regentes
e diretores poreacutem acusava Manuel da Cunha serem estes oficiais ldquomesmos culpados ou
proacuteprios contrabandistas pois se sujeitam a viver no agreste dos matos a fim de
enriqueceremrdquo 535
Continua seu relato afirmando que tais ldquoqualidades de oficiaisrdquo 536
executavam suas
ordens da forma que bem lhe aprouvessem pois ldquose fiam no seguro dos longes em que se
acham para natildeo recearem castigordquo 537
Dessa forma conclui o governador ser o combate ao
contrabando tarefa das mais difiacuteceis jaacute que natildeo havia ali ldquopessoas de que se faccedila confianccedila a
embaraccedilar a passagem das fazendasrdquo 538
Aleacutem disso o capitatildeo general atestava que a
grandiosidade da Costa pernambucana dificultava ainda mais o trabalho repressivo 539
Como se pode observar existia certa conivecircncia e em alguns casos participaccedilatildeo ativa
de funcionaacuterios reais no comeacutercio iliacutecito Estas autoridades locais natildeo atuavam de maneira
isolada diversos documentos atestam a participaccedilatildeo de oficiais da Companhia Geral tanto
aqueles que trabalhavam embarcados quanto os que estavam a disposiccedilatildeo da direccedilatildeo em
Pernambuco e mesmo de seus deputados nas redes de contrabando Em 1769 o jaacute
mencionado Conde de Povolide acusa em ofiacutecio endereccedilado ao Reino os oficiais e acionistas
da empresa Na ocasiatildeo afirma o governador que ldquouma das causas do grande contrabando
existente nos portos do sertatildeo pernambucano era a negligecircncia com que operava o juiz
533
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 534
Idem 535
AHU ndash PE Cx 108 D 8371 536
Idem 537
Idem 538
Idem 539
Idem
146
conservador da companhiardquo 540
que ldquotem ocasionado a relaxaccedilatildeo em que se acha esta
negociaccedilatildeo de travessiardquo 541
Neste mesmo ofiacutecio o Conde relata a Corte o caso especiacutefico de uma sumaca
apreendida em Camaragibe distrito de Porto Calvo que estava carregando caixas de accediluacutecar
para seguir para Bahia O governador acreditava que naquele episoacutedio oficiais da Companhia
haviam agido de forma a facilitar a introduccedilatildeo das contravenccedilotildees isto porque um dos
negociantes preso pelo envolvimento no contrabando possuiacutea ldquotrecircs irmatildeos nesta praccedila dois
ocupados na Companhia Geral e outro escrivatildeo da mesma Conservatoacuteriardquo Como os termos
judiciais da apreensatildeo deveriam acontecer no cartoacuterio onde trabalhava o irmatildeo escrivatildeo
alertava o Conde a necessidade de se ldquousar de alguma precauccedilatildeo para este casordquo 542
O envolvimento dos oficiais da Companhia nessa situaccedilatildeo era tatildeo previsiacutevel que o
governador acreditava natildeo ser suficiente apenas tomar cuidado com o desenrolar do processo
chegando mesmo a afirmar que ldquose a experiecircncia mostrar que natildeo bastam (as precauccedilotildees)
como assim me persuado determino mandar suspender o processordquo 543
que ficaria parado ateacute
ldquodar conta a vossa excelecircncia para obter uma eficaz providecircncia em ministro tal em que possa
confiar retidatildeo que natildeo for flexiacutevel as logrativas em penhor que considero haveratildeo neste casordquo
544
A atuaccedilatildeo nos descaminhos dos oficiais que prestavam serviccedilos dentro dos navios
reais tambeacutem seraacute destacada dentro do nosso conjunto documental A participaccedilatildeo destas
equipagens era tatildeo notoacuteria que jaacute se faziam saber no proacuteprio Reino Como nos revela ofiacutecio
enviado por Joseacute Cesar de Meneses no ano de 1778 ao secretaacuterio de Estado da Marinha e
Ultramar Segundo o governador ldquose fez preciso informar-me que os oficiais das ditas
embarcaccedilotildees reacutegias se tem deslizado nos excessos de trazerem nas ditas embarcaccedilotildees toda a
sorte de contrabando que podemrdquo 545
os produtos transacionados por eles iam de fazendas a
comestiacuteveis e ainda de acordo com Joseacute Cesar tinham aqueles homens ldquoarte de as meterem a
bordo antes de sair desse porto sem que se possa perceberrdquo 546
540
AHU ndash PE Cx 107 D 8284 541
Idem 542
Idem 543
Idem 544
Idem 545
AHU ndash PE Cx 130 D 9815 546
Idem Vale ressaltar que naquele mesmo ano o governador em ofiacutecio dirigido a Junta lisboeta afirma que
segundo seu entendimento natildeo se devesse considerar contrabando todos os gecircneros levados a Portugal pelos
oficiais reais que os trocavam na capitania pelos mantimentos trazidos da Europa Isto porque Pernambuco
como se sabia passava por uma crise monetaacuteria logo os gecircneros da terra eram as uacutenicas coisas que poderiam
147
No mesmo ano o governador revela a Corte como a marinhagem do navio real
conhecido como o ldquoPenquerdquo tinha tido ldquoo atrevido descaramento de iludir e zombarrdquo 547
das
ordens passadas por ele passadas Jaacute que desobedecendo as diretivas de Joseacute Cesar fizeram
os marinheiros daquele navio descarregar nas terras exclusivas da Companhia diversos
gecircneros europeus as escondidas Aleacutem disso os mesmos oficiais retardaram propositalmente a
partida da embarcaccedilatildeo a fim de carregarem nela gecircneros da terra Apesar das buscas dadas
pelo governador com o auxiacutelio do Patratildeo Mor da capitania natildeo foi possiacutevel evitar todo o
contrabando naquele caso isto porque de acordo com o governador ldquoas mesmas lanchas da
Ribeira das Naus que vatildeo a bordo a tiacutetulo de amarrarem os navios de sua majestade satildeo as que
servem de transportar os gecircneros proibidos como a larga e amiudada experiecircncia dos meus
embarques me tem mostradordquo 548
Permanecendo no ano de 1778 outro ofiacutecio encontrado em nosso conjunto
documental acaba reafirmando a efetiva participaccedilatildeo destes oficiais dos navios reais no
comeacutercio descaminhado Neste documento a direccedilatildeo da Junta da Companhia Geral
dialogando com o governador Joseacute Cesar de Meneses afirma ldquonatildeo nos causar admiraccedilatildeo que
nesta capitania se vendam fazendas por contrabando por preccedilos inferiores aos da companhiardquo
549 completam dizendo que isto soacute era possiacutevel pois algumas dessas fazendas chegavam a
Pernambucano pelas matildeos dos proacuteprios oficiais da empresa que as traziam nos navios reais
sem pagar frete ou qualquer tipo de direitos 550
Se em um primeiro momento o envolvimento dos oficiais da Companhia e de seus
proacuteprios deputados e acionistas nas redes de comeacutercio iliacutecito nos causa estranhamento eacute
necessaacuterio lembrar que os principais negociantes da praccedila mercantil pernambucana se
tornaratildeo acionistas da empresa e que se estes de iniacutecio resistiram agrave ideia da fundaccedilatildeo de uma
companhia monopolista logo perceberam que para continuar a usufruir dos privileacutegios que
tinham na eacutepoca em que o comeacutercio era livre fazia-se necessaacuterio se engendrar na
administraccedilatildeo da empresa
ofertar as populaccedilotildees locais nas suas permutas com os agentes dos navios reacutegios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D
9823 547
AHU ndash PE Cx 131 D 9865 548
Idem 549
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 550
Em ofiacutecio do ano de 1778 em resposta a este da Junta Lisboeta Joseacute Ceacutesar de Meneses discorda daquele
conselho afirmando que em comparaccedilatildeo aos contrabandos vindos dos outros portos do Brasil o trazido pelos
oficiais dos navios reais tinha parca relevacircncia Aleacutem disso atesta o governador que o menor valor cobrado pelos
produtos de contrabandos nada tinham a ver com a questatildeo do natildeo pagamento de fretes e direitos como jaacute
explicitado neste capiacutetulo segundo o governador a uacutenica vantagem que tinham aqueles oficiais reais em natildeo
pagarem tais taxas era o de obterem maiores lucros nos seus negoacutecios Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823
148
O que queremos dizer aqui eacute que os homens de negoacutecio de Pernambuco natildeo eram
ingecircnuos cientes da criaccedilatildeo da Companhia apesar de suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis se
tornaram acionistas e diretores da mesma pois sabiam que fazer parte da governaccedilatildeo era ldquoum
poderoso elemento constituidor de conexotildees e de fluxos de troca gerados a partir da proacutepria
instacircncia administrativardquo 551
e dessa forma puderam instrumentalizar a instituiccedilatildeo para o
atendimento de seus interesses pessoais fossem eles liacutecitos ou natildeo
Aleacutem disso como jaacute descrito ao longo deste trabalho a participaccedilatildeo de oficiais reais
nos descaminhos praticados nos domiacutenios ultramarinos era uma praacutetica jaacute haacute muito enraizada
Em seu estudo sobre o comeacutercio descaminhado desenvolvido na Ameacuterica Lusa na primeira
metade do XVIII Paulo Cavalcante demonstra como guardas auditores e ouvidores reacutegios
envolvidos na administraccedilatildeo das Minas coloniais se mancomunavam com os extraviadores de
ouro e diamantes a fim de tirarem vantagens pessoais auxiliando aqueles contrabandistas
Situaccedilatildeo que como atesta o autor a Coroa tinha ciecircncia e buscava a todo tempo reprimir sem
no entanto lograr ecircxito 552
A historiadora Nauk Maria de Jesus ao escrever sobre episoacutedio jaacute bem conhecido da
historiografia brasileira onde se procedeu na troca de ouro por chumbo nos caixotes de
quinto destinados ao Rei no ano de 1722 tambeacutem revela o envolvimento de importantes
autoridades coloniais nas redes de comeacutercio iliacutecito De acordo com a autora haacute evidecircncias da
existecircncia no comeccedilo do seacuteculo XVIII de uma grande rede de descaminho de ouro
envolvendo membros da elite imperial portuguesa Esta rede estaria conectada a diversas
naccedilotildees e era constituiacuteda por oficiais reacutegios e seus associados que concomitantemente ao
exerciacutecio de seus cargos reacutegios realizavam negoacutecios atlacircnticos privados fossem eles liacutecitos ou
natildeo 553
Retomando nossa narrativa a Junta lisboeta da empresa sabia da conivecircncia dos
administradores pernambucanos com os contrabandistas como nos esclarecem dois ofiacutecios do
ano de 1778 e um posterior do ano de 1780 enviados pela instituiccedilatildeo para o governo de
Pernambuco Os ofiacutecios do ano de 1778 satildeo resultado da troca de mensagens entre aquela
551
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo portuguecircs c
1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e
negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010 P 180-181 552
Sobre isto consultar CAVALCANTE PAULO Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica
Portuguesa - 1700-1750 Satildeo Paulo Hucitec 2006 553
Sobre isto ver JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de
ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na
trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo
Brasileira 2010 P 525-548
149
administraccedilatildeo superior e o governador Joseacute Cesar de Meneses este uacuteltimo ao longo do seu
governo encaminhou por vaacuterias vezes ofiacutecios para a Junta informando o estado em que se
encontravam os negoacutecios locais e as condutas da diretoria pernambucana que eram motivo de
criacuteticas tanto pela parte do governador quanto da direccedilatildeo lisboeta
O conteuacutedo de tais ofiacutecios apresentam duras criacuteticas a forma como procedia a
administraccedilatildeo pernambucana nos interesses da empresa chegam os ministros portugueses a
afirmar que se a Companhia se encontrava apartada de seus objetivos iniciais a culpa residia
nos administradores pernambucanos que ldquoa desfiguraram e natildeo cumpriram as determinaccedilotildees
da juntardquo 554
Os documentos ainda acusam a direccedilatildeo subalterna de natildeo prestar contas quanto
ao verdadeiro estado em que se achavam as capitanias e agir em total desrespeito as reais
ordens 555
Aleacutem disso fica evidente que a administraccedilatildeo lisboeta sabia que os deputados em
Pernambuco usavam a instituiccedilatildeo em benefiacutecio proacuteprio participando de uma seacuterie de
atividades iliacutecitas e natildeo recomendadas A Junta chega a afirmar que os proacuteprios deputados da
empresa eram seus principais devedores revelando ser aquele fato um dos que mais
ocasionavam espanto aos oficiais lisboetas pois estes estavam cientes do ldquogrande cabedal que
se acham devendo os moradores e negociantes desta praccedila e as pessoas que ocuparam e
ocupam os lugares desta direccedilatildeo seus parentes e outros empregados no serviccedilo da
Companhiardquo 556
Atestam tambeacutem que mesmo depois de receberem os lucros respectivos a sua
porcentagem societaacuteria natildeo constava que estes acionistas tivessem feito sequer um
pagamento a Companhia 557
Na lista de acusaccedilotildees feitas pela Junta a administraccedilatildeo de Pernambuco consta tambeacutem
serem aqueles deputados os culpados pela grande falta de creacutedito que se experimentava na
Praccedila de que os habitantes locais tanto reclamavam Afirma a Junta que o objetivo primaacuterio
da Companhia Geral era o de fazer florescer o comeacutercio em Pernambuco e Paraiacuteba com o
554
AHU ndash PE Cx 128 D 9736 555
Em resposta a este ofiacutecio no mesmo ano o governador Joseacute Cesar de Meneses afirmaraacute natildeo compreender
como a Junta durante todo esse tempo fosse ldquosempre enganadardquo Sobre a falta de informaccedilatildeo que alega a Junta
lisboeta o governador afirma que aquele conselho natildeo desconhecia todos os fatos ocorridos na capitania jaacute que
era sabido que diversos acontecimentos chegavam a seu conhecimento mesmo antes do seu governo Declara
ainda que em mateacuteria tatildeo importante natildeo se fazia necessaacuterio provas concretas para que a Junta passasse a tomar
providecircncias mas apenas ldquoleves indiacuteciosrdquo para pocircr em praacutetica as precauccedilotildees devidas Alerta ainda o capitatildeo
general que a Junta descumprido o regulado no artigo 6 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia que
determinava que os deputados e intendente eleitos cumprissem mandatos de apenas dois anos acabava por
contribuir com a relaxaccedilatildeo com que procedia aquela direccedilatildeo pernambucana sendo certo que se fossem
removidos de seus postos em tempo correto natildeo chegariam a desfigurar a Companhia 556
Idem 557
Idem
150
aumento da agricultura e faacutebricas e natildeo fazer ldquoenriquecer aacute custa do seu cabedal mercadores
e negociantes que metessem em si os fundos da Companhiardquo 558
O que o documento explicita
eacute a praacutetica comum de diretores e acionistas da diretoria pernambucana de contraiacuterem
empreacutestimos para si e seus associados junto agrave mesma para fazer comeacutercio pessoal e depois
natildeo restituir tais deacutebitos a Companhia
Quanto a questatildeo do contrabando e dos altos preccedilos cobrados pela empresa nos
gecircneros que negociava na terra a Direccedilatildeo portuguesa se defende afirmando que por menor
que fosse o lucro da empresa sobre as transaccedilotildees comerciais os preccedilos praticados pela mesma
jamais seriam capazes de ldquoconcorrer com aqueles que natildeo pagam direitos nem fretesrdquo559
ou
ainda com aqueles que ldquonatildeo fazem intenccedilatildeo de paga-los a quem lhes confiou e por todo o
preccedilo lhes faz conta vende-lasrdquo 560
afirmando que tirava a Companhia lucros menores do que
mercadores particulares em condiccedilotildees normais Contestam tambeacutem a pouca atividade da
Direccedilatildeo pernambucana em reprimir tais desordens afirmando que os contrabandos aleacutem de
natildeo serem castigados natildeo eram relatados a Junta assim natildeo ficava aquela administraccedilatildeo
sabendo quem eram as pessoas envolvidas naquele tipo de crime nem quais mercadorias
estariam sendo negociadas
Quanto as opressotildees que se queixavam natildeo soacute os habitantes da capitania quanto o
governador Joseacute Cesar de Meneses atestam os oficiais portugueses serem todas elas
precedentes ldquoda ambiccedilatildeo e maacute feacute dos membros de sua direccedilatildeordquo 561
Poreacutem para aquela Junta
parecia estranho e inconcebiacutevel considerar o povo daquelas plagas como ldquooprimido e aflitordquo
isto porque a soma do cabedal enviado para Pernambuco chegava naquele tempo haacute quantia
de trecircs milhotildees e meio quantia que considerava o conselho lisboeta suficiente para
manutenccedilatildeo e bom funcionamento do comeacutercio na regiatildeo isto eacute se fosse tal recurso bem
gerido condiccedilatildeo que estava claro para a Junta que natildeo ocorria Pois ainda a despeito das
queixas dos locais afirmam os ministros lisboetas ter total ciecircncia que ldquoentre os mercadores e
negociantes desta praccedila e a direccedilatildeo (da Companhia Geral) haacute ocultas e escandalosas
negociaccedilotildees que servem de vexar os povosrdquo 562
558
Idem 559
AHU ndash PE Cx 128 D 9737 560
Idem 561
Idem 562
Idem Em ofiacutecio do ano de 1778 em que responde ao documento supracitado da Companhia o governador
Joseacute Cesar de Meneses contesta novamente a posiccedilatildeo adotada pela Junta que afirmando ter ldquopleno
conhecimento daquelas ocultas e escandalosas negociaccedilotildeesrdquo e de vaacuterias outras violecircncias e opressotildees cometidas
pela direccedilatildeo pernambucana natildeo tenha tomado nenhuma providecircncia mais incisiva pelo contraacuterio permitiu
151
Devido as vaacuterias queixas feitas pelos habitantes da terra atraveacutes das cacircmaras locais e
das constantes denuacutencias encaminhadas pelo governador sobre o mau procedimento da
direccedilatildeo subalterna a Junta passa a partir de 1778 a cobrar com maior vigor os deputados e
intendente em Pernambuco Ordenando por exemplo que passassem eles a cobrar todos os
devedores da empresa sem perda de tempo Aqueles que natildeo fossem cobrados se deveria
explicar o porquecirc da accedilatildeo Junto agraves cobranccedilas ficou ordenado tambeacutem que se remetesse ao
Reino os nomes daqueles personagens que na capitania se sabiam envolvidos nas praacuteticas
iliacutecitas Tudo isto obrou a Junta por considerar ldquomuito estranhaacutevel que esteja padecendo o
creacutedito da Companhiardquo 563
Todas as exigecircncias tomadas pela sede da Companhia em Lisboa
satildeo demonstrativas da desconfianccedila que a mesma passaraacute a nutrir pela direccedilatildeo pernambucana
e atestam nossa afirmativa de que os deputados e diretores da capitania Duartina destruiacuteram o
creacutedito da empresa dentro do seu proacuteprio seio
Permanecendo no mesmo tema e ano em ofiacutecio enviado pelo secretaacuterio de Estado da
Marinha e Ultramar Martinho de Melo e Castro ao governador Joseacute Cesar de Meneses o
oficial portuguecircs faraacute uma longa redaccedilatildeo apontando ldquoos excessos e prevaricaccedilotildees cometidas
pelos deputados da Companhia de Pernambucordquo 564
que aquela altura havia ldquochegado a tal
excesso que jaacute natildeo pode haver sofrimento que os possa tolerarrdquo 565
Afirma o secretaacuterio que
desde 1768 eram enviadas ordens do Reino para tentar conter os abusos daquela direccedilatildeo
subalterna no entanto as referidas natildeo eram atendidas obrando os deputados em sentido
oposto agraves diretivas reais
O secretaacuterio acusa os diretores e intendente daquela direccedilatildeo de se apropriarem de
todos os gecircneros remetidos do Reino e ainda de ldquoos repartirem a creacuteditos pelos seus parentes
amigos e associados e de os tomarem eles mesmos de baixo de nomes alheiosrdquo 566
apropriavam-se tais deputados do cabedal alheio em benefiacutecio de seus proacuteprios negoacutecios e
agindo dessa forma aumentavam ainda mais a grande diacutevida dos habitantes locais com a
Companhia diacutevida esta que os mesmos natildeo buscavam satisfazer de ldquomodo algumrdquo 567
Neste mesmo ofiacutecio versaraacute o secretaacuterio tambeacutem sobre a questatildeo do contrabando
afirmando natildeo ser ldquomenos escandalosa a relaxaccedilatildeo com que nessa capitania se estatildeo fazendo
aquela Junta em desacordo com artigo 6 do documento de Instituiccedilatildeo da Companhia Geral que os membros
daquela direccedilatildeo se conservassem no poder por repetidos anos Fonte AHU ndash PE Cx 130 D 9823 563
AHU ndash PE Cx 128 D 9736 564
AHU ndash PE Cx 130 D 9832 565
Idem 566
Idem 567
Idem
152
com todo descaramento e liberdade os maiores contrabandos e extravios de accediluacutecar e de outros
gecircneros para o porto da Bahia e de outros do continente da Ameacutericardquo 568
atividade que
fraudava os direitos e deveres reais dado o caraacuteter totalmente pernicioso de tal accedilatildeo para a
fazenda real esperava o ministro do rei que agisse a administraccedilatildeo em Pernambuco com
maior vigor no combate e natildeo que agisse em sentido contraacuterio como se sabia estava
ocorrendo
Reclama tambeacutem Martinho de Melo e Castro que as carregaccedilotildees que saiam de
Pernambuco com destino ao Reino estavam desde o princiacutepio daquele ano indo com uma
quantidade muito maior de gecircneros remetidos por particulares do que produtos enviados pela
Companhia Este fato apesar de ser permitido pelos estatutos da empresa 569
causava espanto
no secretaacuterio pois havia naquele momento na capitania cerca de duas mil pessoas entre
ldquohomens de negoacutecio senhores de engenho capitalistas vendedores e outras diferentes classes
de habitantesrdquo 570
que estavam devendo ldquoconsideraacuteveis somasrdquo a empresa e estranhamente
nenhuma destas pessoas enviavam remessas de coisa alguma ao Reino
Diz o oficial reacutegio que por esta ldquomanifesta dissimulaccedilatildeordquo via-se ldquopassar a Pernambuco
seiscentos a setecentos mil cruzados do produto dos gecircneros pertencentes a esses habitantesrdquo
571 isto sem contar ldquoas somas dos gecircneros que remetem em contrabando pelo porto da Bahia e
que natildeo possa ver um real dos seus devedoresrdquo 572
na verdade agia a administraccedilatildeo de
Pernambuco natildeo no sentido de buscar reverter tal quadro mas opostamente buscavam ainda
por cima nas palavras do secretaacuterio ldquopersuadir com palpaacutevel falsidade que essa capitania se
acha reduzida a maior pobreza e miseacuteriardquo 573
Atestava entatildeo o secretaacuterio real que natildeo era da intenccedilatildeo de Sua Majestade permitir
que aqueles deputados responsaacuteveis por ldquozelar os interesses das viuacutevas oacuterfatildeos conventos
568
Idem 569
O documento de instituiccedilatildeo da Companhia em seu artigo 31 autorizava fabricantes e lavradores a enviarem
por sua conta e risco seus gecircneros para a Europa dentro dos navios da empresa Poreacutem esse tipo de operaccedilatildeo
natildeo poderia contar com nenhum tipo de intermediaacuterio Se por acaso fosse descoberto que algueacutem procedeu em
ldquocompras simuladas para carregarem nos seus nomes os gecircneros alheiosrdquo a accedilatildeo seria enquadrada no crime de
contrabando sujeita a pena de perda de carregaccedilatildeo e trestobro Se houvesse denunciante a terccedila parte do espoacutelio
seria reservada ao mesmo Apesar de ser uma praacutetica legal a Junta da empresa buscava desencorajar esse tipo de
negoacutecio Fonte Instituiccedilatildeo da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa - Officina de Miguel
Rodrigues impressor do Eminentissimo Cardial Patriarca 1759 Acervo BRASILIANA - Coleccedilatildeo de livros
sobre o Brasil Disponiacutevel em
httpdocvirtcomDocReaderNetDocReaderaspxbib=LIVROSMPampPasta=amppesq=rio20sao20francisco
Acessado em 0505217 570
AHU ndash PE Cx 130 D 9832 571
Idem 572
Idem 573
Idem
153
religiosos capelas lugares pios deste Reino e outros diferentes classes de uacuteteis e inocentes
vassalosrdquo que haviam contribuiacutedo com seus proacuteprios recursos para formar o capital da
Companhia locupletassem a incriacutevel soma de 392384849 reis que deviam aos fundos
daquela empresa Por fim Martinho de Melo e Castro recomenda a Joseacute Cesar que
empregasse toda atenccedilatildeo naquele assunto buscando prevenir ldquoas fraudes os abusos os
contrabandos e as prevaricaccedilotildees que em toda parte do mundo sempre foram a ruiacutena dos
Estadosrdquo 574
43 Manifestaccedilotildees dos povos locais representaccedilotildees e queixas contra a Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba na deacutecada de 70
Muitas seratildeo as denuacutencias encaminhadas ao reino pelos habitantes da capitania contra
a maacute gerecircncia da Companhia e os abusos em que ocorriam os deputados da empresa Em
1770 tem iniacutecio a primeira crise enfrentada pela instituiccedilatildeo uma seacuterie de representaccedilatildeo seratildeo
enviadas pelas cacircmaras locais a Corte expondo os problemas enfrentados pela populaccedilatildeo
local no trato com a empresa queixando-se da grande decadecircncia do comeacutercio na regiatildeo da
pobreza a que foram acometidos os habitantes e dos procedimentos irregulares da diretoria em
Pernambuco A seca que assolou a capitania entre os uacuteltimos meses de 1769 e os primeiros
meses de 1770 causando uma grande baixa nas safras de accediluacutecar parece ter contribuiacutedo
sobremaneira para o desencadeamento da crise
Isto porque a direccedilatildeo pernambucana se recusou a pagar o acreacutescimo de duzentos reis
por arroba de accediluacutecar determinado pela Mesa de Inspeccedilatildeo da Praccedila que seguia ordens de
edital previsto para estes casos A administraccedilatildeo da Companhia natildeo aceitaraacute de bom grado
esta situaccedilatildeo e em resposta a decisatildeo da Mesa lanccedila edital afirmando que ldquopor natildeo ter
obrigaccedilatildeo recusaraacute receber os ditos accediluacutecares por preccedilos que natildeo fazem conta ao comeacutercio que
administrardquo 575
completa dizendo que os lavradores e senhores descontentes poderiam enviar
ao reino seus produtos ldquopor sua contardquo em conformidade do regimento da instituiccedilatildeo 576
Ao
que tudo indica os produtores seguiram a ldquorecomendaccedilatildeordquo daquela direccedilatildeo pois no mesmo
ano o governador Manoel da Cunha Meneses envia ofiacutecio ao Reino explicando os motivos
dos produtores da capitania estarem retendo em seus armazeacutens a produccedilatildeo canavieira Solicita
574
Idem 575
AHU ndash PE Cx 109 D 8428 576
Idem
154
entatildeo o governador que o Rei apontasse soluccedilatildeo a tal empate que vinha causando notoacuterios
prejuiacutezos a todos
Os camaraacuterios de Igarassu enviam carta neste mesmo ano ao Rei atestando ldquoa grande
e inexplicaacutevel consternaccedilatildeo em que se vecirc esta capitania no presente tempo e a total ruiacutena e
decadecircncia que para o futuro vai ameaccedilando o comeacuterciordquo 577
Eles reclamavam da falta de
dinheiro que se experimentava nas terras exclusivas uma vez que a Companhia ldquonatildeo compra
gecircneros de efeito nenhum a dinheiro [] e soacute os paga com fazendas cariacutessimas e escravos de
refugordquo 578
O senado de Igarassu expotildee tambeacutem os abusos cometidos pela direccedilatildeo
pernambucana que agindo por interesses proacuteprios quando do desembarque dos navios
chegados de Angola e Costa da Mina carregados com escravos ldquoescolhem os melhores [] e
os marcam com uma fita de nastro no pescoccedilordquo 579
estes escravos marcados eram remetidos
para a Praccedila do Rio de Janeiro deixando aos produtores da capitania o refugo da escravaria A
carta continua relatando uma seacuterie de denuacutencias sobre a maacute administraccedilatildeo da Companhia
como por exemplo sua alianccedila com algumas casas de comeacutercio em prejuiacutezo dos demais
comerciantes e agricultores bem como da populaccedilatildeo em geral
Os habitantes da capitania de Itamaracaacute sobretudo os produtores de accediluacutecar e tabaco
tambeacutem enviam em 1770 representaccedilatildeo ao Reino alertando para ldquoa consternaccedilatildeo e vexame a
que se veem reduzidos pelos lamentaacuteveis danos e inexplicaacuteveis prejuiacutezosrdquo 580
causados pela
instalaccedilatildeo da Companhia na regiatildeo Pontuam aspectos bastante semelhantes aos expostos
pelos camaraacuterios de Igarassu fazendo comparaccedilotildees sobre o volume do comeacutercio na capitania
antes e depois da instituiccedilatildeo da empresa A representaccedilatildeo que possuiacute um abaixo assinado com
cerca de treze paacuteginas apenas de assinaturas daqueles homens que se sentiam prejudicados
pela Companhia termina suplicando a aboliccedilatildeo da empresa e a restituiccedilatildeo dos danos para
aqueles produtores
Aleacutem das diversas representaccedilotildees contraacuterias 581
enviadas pelos representantes locais a
Corte na capitania o clima era de agitaccedilatildeo Como nos demonstra ofiacutecio enviado pelo
secretaacuterio de Estado da Marinha e Ultramar ao governador Manoel da Cunha Meneses
denunciando papeacuteis anocircnimos que tinham sido fixados na capitania satirizando um edital
577
AHU ndash PE Cx 108 D 8380 578
Idem 579
Idem 580
AHU ndash PE Cx 108 D 8393 581
Vaacuterios outros documentos a este respeito foram emitidos entre os anos de 1770 a 1771 pelos habitantes
locais e seus oacutergatildeos representativos incluindo cartas pessoais e algumas ateacute mesmo anocircnimas AHU ndash PE Cx
109 D 8421 AHU ndash PE Cx 109 D8444 AHU ndash PE Cx 110 D8507 AHU ndashPE Cx 110 D 8515 AHU-
PE Cx 111 D 8541
155
lanccedilado pela direccedilatildeo da Companhia Neste edital a administraccedilatildeo da empresa a fim de
supostamente fazer encerrar os buchichos que corriam entre a populaccedilatildeo sobre a sua maacute
gerecircncia convocava a todos que tivessem denuacutencias do mau procedimento dos membros
daquela direccedilatildeo empregados em todos os cargos fizessem representaccedilatildeo para que fossem
aplicadas as devidas providecircncias
O texto anocircnimo que criticava o edital atacava diretamente os deputados Destacando
que se as denuacutencias natildeo existiam natildeo era pela falta de delitos a denunciar mas sim pelo receio
que tinham os habitantes locais de sofrerem represaacutelias Afirma o panfleto que
Pelo edital de 13 de agosto conheceu todo o povo a ignoracircncia de toda a
mesa da direccedilatildeo da Companhia e de seu escrivatildeo fazendo-se os deputados
reacuteus e querendo serem juiacutezes de seus proacuteprios delitos Nomeiem os
deputados ministro independente que receba as queixas e as remeta a Sua
Majestade que natildeo faltaraacute quem vaacute depor contra os mesmos deputados que
tatildeo inocentes se mostram mas este conselho lhe natildeo haacute de agradar e podem
estar certos que quando vier sindicante deporemos sobre as fabulosas e falsas
articulaccedilotildees da qual o edital tambeacutem se faraacute dos pecados que pedem que o
povo os acuse e muito mais temos que dizer 582
A Companhia atraveacutes de sua direccedilatildeo na capitania iraacute se defender contra tais acusaccedilotildees
afirmando serem injuriosas e promovidas por um pequeno grupo de indiviacuteduos que nunca
aceitaram a instalaccedilatildeo da empresa Em carta enviada por Antocircnio Joseacute Souto intendente da
direccedilatildeo pernambucana em 1771 a respeito daquelas denuacutencias que segundo o mesmo estavam
centradas em queixas contra as ldquoomissotildees ou falta de pureza na direccedilatildeordquo 583
o mesmo iraacute
declarar que a paixatildeo dos moradores daquela capitania ldquolhes tinha cegado o conhecimentordquo
584 dessa forma natildeo conseguiam ver como a empresa lhes era beneacutefica No entanto o impacto
da crise de 70 natildeo iraacute se dissipar tatildeo facilmente A morte do rei D Joseacute I seguida do
afastamento do marquecircs de Pombal do cargo de primeiro ministro do Reino no ano de 1777
faratildeo ressurgir uma onda de queixas e representaccedilotildees pedindo a extinccedilatildeo da mesma
As denuacutencias desta segunda fase de crise continuam a apontar basicamente os mesmos
pontos das primeiras Em resumo as representaccedilotildees se queixam do deploraacutevel estado em que
se encontravam as lavouras tanto de accediluacutecar quanto de tabaco afirmando estarem destruiacutedas
as faacutebricas de curtume e atanados e reclamando da quase inexistecircncia do comeacutercio livre com
os sertotildees e com a Costa da Mina Aleacutem disso se queixam dos procedimentos adotados pela
empresa que lhes obrigavam a vender suas manufaturas e efeitos por preccedilos diminutos e a
582
AHU ndash PE Cx 109 D 8458 583
AHU ndash PE Cx 100 D 8509 584
Idem
156
receber por eles fazendas desnecessaacuterias e de baixa qualidade sem jamais serem pagos a
dinheiro fiacutesico Afirmam tambeacutem que a Companhia natildeo disponibilizava escravos suficientes
e que vendia aos moradores apenas os doentes indo os melhores serem vendidos no Rio de
Janeiro Relatam tambeacutem o alto grau de endividamento daqueles que negociavam com a
empresa pela forma que os negoacutecios eram feitos na capitania Fora isso denunciavam a
forma arbitraacuteria e duvidosa com que agiam os seus deputados e intendente
Em carta de 1777 a cacircmara de Olinda queixa-se ao Reino de problemas semelhantes
aos relatados pelos oficiais de Igarassu sete anos antes Neste documento o Senado da cacircmara
apela pela extinccedilatildeo da Companhia suplicando ao monarca que os libertassem de ldquotatildeo
insuportaacutevel tiraniardquo 585
Ainda nesta carta reclamam tambeacutem os camaraacuterios da escassez de
moeda que grassava em Pernambuco afirmando que a ldquofalta de dinheiro presentemente
irremediaacutevel tem aniquilado os fabricantes e os reduzido a uacuteltima consternaccedilatildeordquo 586
isto
porque a Companhia continuava a pagar pelos efeitos da terra em fazendas e natildeo a dinheiro
que era gecircnero necessaacuterio para o sustento e manutenccedilatildeo das faacutebricas e dos fabricantes
Fica confirmado tambeacutem no relato a manutenccedilatildeo do costume dos deputados da
empresa em reservar para si e seus ldquoparceirosrdquo comerciais os escravos mais sadios e melhor
escolhidos Vendendo para populaccedilatildeo os menos saudaacuteveis e a preccedilos exorbitantes no que
resultavam segundo a cacircmara em ldquograndes mortandadesrdquo nos engenhos e lavouras que
acabavam se conservando sempre com um nuacutemero reduzido de escravaria Por fim os oficiais
protestam sobre o procedimento adotado pela empresa de vender os gecircneros de maior
necessidade apenas a dinheiro quando era ela mesma a responsaacutevel pela crise monetaacuteria
instalada na regiatildeo
No mesmo ano de 1777 a cacircmara de Olinda envia nova carta relatando com maiores
detalhes o estado do comeacutercio na capitania e apelando junto ao Reino para a supressatildeo dos
privileacutegios da Companhia Geral Os camaraacuterios apelam a real clemecircncia testemunhando que
eram tratados por aquela instituiccedilatildeo com ldquodespoacutetica autoridade e matildeo violentardquo alegam ainda
serem dominados e vexados como ldquose fossemos de alguma naccedilatildeo inimiga ou infieacuteis e rebeldes
ao proacuteprio soberanordquo 587
Neste documento tambeacutem se reforccedila a questatildeo das vantagens
pessoais que os deputados logravam no comeacutercio de escravos segundo os oficiais da cacircmara
ldquoa florrdquo da escravaria era reservada para estes negociantes ficando apenas o ldquorefugordquo para os
585
AHU ndash PE Cx 126 D 9577 586
Idem 587
AHU ndash PE Cx108 D 8330
157
moradores da terra Acusam ainda os oficiais da cacircmara de agirem os homens daquela
direccedilatildeo da mesma forma com os gecircneros da Europa
A falta de dinheiro mais uma vez eacute denunciada como o ldquomais sensiacutevel e fatalrdquo mal
que fazia a Companhia ao povo de Pernambuco Como o dinheiro era como afirmam os
camaraacuterios ldquopreciso para expediccedilatildeo dos seus negoacutecios e estabelecimentos de suas famiacuteliasrdquo e
estando aquela terra ldquoexausta de moeda correnterdquo 588
muitos fabricantes e lavradores
acabavam recorrendo ao contrabando nos portos livres para obter dinheiro fiacutesico De acordo
com a Cacircmara olindense essa situaccedilatildeo era de total responsabilidade da Companhia isto
porque a empresa havia reduzido os habitantes daquelas plagas a extrema pobreza sem ter
estes homens meios de sustentar suas famiacutelias Dessa forma acabavam recorrendo agrave compra
de fazendas em outros portos mesmo que sujeito aos confiscos As queixas evidenciam a
relaccedilatildeo entre a refraccedilatildeo pela qual passava o comeacutercio legal e o aumento dos negoacutecios
descaminhados enquanto o comeacutercio legal passava por um periacuteodo de queda os descaminhos
de produtos ganhavam focirclego
Ainda sobre o comeacutercio de contrabando assegura o senado de Olinda que as fazendas
vindas dos portos livres se vendiam por menor preccedilo do que os praticados pela Companhia o
que segundo tais oficiais era inconcebiacutevel pois os contrabandistas compravam tais gecircneros de
mercadores dos portos livres ldquojaacute com avanccedilosrdquo 589
e ainda eram responsaacuteveis pelas ldquodespesas
do transporterdquo 590
Os escravos vindos do comeacutercio descaminhado tambeacutem eram mais baratos
de acordo com o documento alguns moradores que mandavam comprar negros nos portos
livres ldquoos compram com tatildeo notaacutevel cocircmodo a respeito do preccedilo porque que vende a
Companhia na terra que chegam a comprar dois pretos com o valorrdquo 591
Tambeacutem reivindicam a forma como a empresa procedia na avaliaccedilatildeo e compra dos
gecircneros da terra Declara a cacircmara que os produtos da Companhia eram vendidos por preccedilos
que eram determinados pela proacutepria direccedilatildeo e que natildeo se davam os devidos descontos a peccedilas
avariadas No entanto o contraacuterio natildeo se fazia verdade os oficiais alegam que qualquer avaria
era descontada no valor final dos efeitos da terra ainda atestam que os preccedilos eram fixados
pelos avaliadores da Companhia natildeo seguiam a nenhum tipo de criteacuterio preacute-estabelecidos
588
Idem 589
Idem 590
Idem 591
Idem
158
dando tais avaliadores o preccedilo que lhe achassem conveniente Questionavam entatildeo os
camaraacuterios ldquoque justiccedila e que lei do comeacutercio pode permitir semelhante deferecircnciardquo 592
Em 1778 seraacute a vez da Cacircmara de Goiana enviar suas representaccedilotildees desfavoraacuteveis a
Companhia ao Reino As objeccedilotildees satildeo parecidas com as de suas congecircneres Afirmam aqueles
oficiais que a Companhia ldquoestabelecida em 1760 tem de todo arruinado os fabricantes de
todos os gecircnerosrdquo 593
Reforccedilam a questatildeo de como procedia a direccedilatildeo pernambucana na
venda de escravos que aleacutem de os venderem por ldquoexcessiviacutessimo preccedilordquo destinavam as
populaccedilatildeo apenas os negros de ldquorefugordquo que vinham jaacute contaminados de moleacutestias Tendo
inclusive sido acometida a capitania duas vezes por epidemias que dizimaram muitos
habitantes provenientes daqueles escravos doentes jaacute que a ldquoflorrdquo da escravaria era remetida
pelos deputados pernambucanos ao Rio de Janeiro
Ao longo da carta os camaristas queixam-se de outras diversas accedilotildees da empresa
Dando destaque ao alto grau de endividamento dos agricultores obrigados a empenhar seus
bens os altos juros cobrados aos homens de negoacutecio bem como contestam os preccedilos
praticados pela empresa em seu comeacutercio Em denuacutencia as condutas questionaacuteveis da direccedilatildeo
em Pernambuco atestam que os melhores gecircneros da Europa aqueles que possuiacuteam maior
saiacuteda quase todos ldquose encaminhavam as lojas particulares de algum dos mesmos deputados
donde entatildeo os iam comprar os pobres dos mercadoresrdquo 594
Por fim apelavam a sua majestade
para livrar aquele ldquopovo deste penoso cativeirordquo 595
Um ano depois em 1779 era a vez da Cacircmara de Recife enviar carta ao reino
solicitando o fim das concessotildees exclusivas dadas a Companhia Os oficiais da Cacircmara
recifense se apoiavam na recente decisatildeo do Reino em abolir os privileacutegios concedidos a
Companhia Geral do Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo ao solicitarem para capitania de Pernambuco a
mesma graccedila Alegavam os camaraacuterios ser a Companhia Geral a culpada pelo ldquomiseraacutevel
estado a que se acha reduzida toda esta capitaniardquo 596
Os camaristas aproveitam para lembrar
junto a este pedido os grandes esforccedilos empregados pelos habitantes daquelas plagas em
ldquoconservar o domiacutenio desta porccedilatildeo do Brasilrdquo 597
quando do ataque do inimigo holandecircs o
que havia lhes custado ao longo dos anos como fazem questatildeo de sublinhar suas vidas e
fazendas
592
Idem 593
AHU ndash PE Cx 130 D 9830 594
Idem 595
Idem 596
AHU ndash PE Cx 133 D 10009 597
Idem
159
Junto com a extinccedilatildeo da Companhia demandam tambeacutem trecircs providecircncias que
acreditavam deveriam acompanhar tal graccedila A primeira solicitaccedilatildeo era de que a Companhia
Geral voltasse a pagar o subsiacutedio dos accediluacutecares que ldquovoluntariamente e contra as ordens
reacutegiasrdquo 598
havia parado de pagar aos fabricantes haacute doze anos A segunda demanda requeria
que natildeo se cobrassem altos juros nos deacutebitos que haviam contraiacutedo os habitantes daquela terra
com a empresa isto porque segundo os camaristas os gecircneros que geravam os
endividamentos jaacute haviam sido comprados por preccedilos ldquosobrecarregadosrdquo Por fim pedem os
oficiais da Cacircmara que a empresa natildeo cobre de uma uacutenica vez os grandes deacutebitos dos
habitantes pois se isto acontecesse causaria a ruiacutena daquela capitania
Em resposta a estas trecircs representaccedilotildees a Junta da Companhia em Lisboa remete
ofiacutecio ao Reino no ano de 1780 defendendo-se das acusaccedilotildees e apontando a direccedilatildeo em
Pernambucano como a verdadeira responsaacutevel das queixas populares Chegando a afirmar que
se a empresa fosse ldquodirigida por homens inteligentes e zelosos do serviccedilo de Vossa Majestade
e do bem puacuteblico natildeo soacute teria produzido muitas maiores vantagens a favor do Estado mas ateacute
seria pedida a sua conservaccedilatildeo pelos mesmos povos daquelas capitaniasrdquo 599
Neste ofiacutecio o
conselho lisboeta descreve com detalhes todas as artimanhas e estrateacutegias utilizadas pelo
intendente e deputados da direccedilatildeo pernambucana a fim de tirarem benefiacutecios pessoais de seus
postos
Assim admitem que no comeacutercio das fazendas aqueles diretores se associavam a
caixeiros e parceiros e tiravam das carregaccedilotildees da Companhia para suas lojas particulares
todas as fazendas ldquomelhores em qualidade sortimento e em preccedilosrdquo antes mesmo destas peccedilas
serem colocadas a venda pela empresa Dessa forma os demais mercadores que ldquonatildeo
entravam neste conluio quando iam aos armazeacutens da Companhia soacute encontravam as que os
outros tinham refugadordquo Esta situaccedilatildeo acabava por gerar o monopoacutelio das melhores fazendas
nas matildeos destes deputados e seus associados que se aproveitando da situaccedilatildeo passavam a
revender tais gecircneros cerca de 30 a 40 mais caro nas fazendas de menor procura e nas de
melhor saiacuteda chegava-se a acrescer mais ldquode 100 importando-lhes ainda sobre este avanccedilo o
juro da leirdquo 600
Sobre a forma como procedia aos pagamentos de lavradores e fabricantes natildeo a
dinheiro e sim em fazendas atesta a Junta que procedia a direccedilatildeo pernambucana de forma
598
Idem 599
AHU ndash PE Cx 136 D 10156 600
Idem
160
abusiva e ruinosa pois se recusavam a comprar as fazendas em dinheiro alegando a falta de
moeda Atitude que acabava por obrigar que os produtores locais fossem vender seus gecircneros
a mercadores particulares por preccedilo natildeo fixado ficando a cargo do comprador estabelecer o
valor que lhe aprouvesse a segunda e natildeo menos desvantajosa alternativa para estes
fabricantes locais seria irem vender seus produtos ldquoa dinheiro com grande perda as pessoas
por quem os mesmos diretores lhes mandam comprarrdquo 601
Quanto a questatildeo da falta de moeda fiacutesica atesta a direccedilatildeo lisboeta ser real a limitaccedilatildeo
de dinheiro naquela Praccedila No entanto acusam novamente a direccedilatildeo pernambucana como a
responsaacutevel pelo problema Segundo a Junta o primeiro motivo da falta de dinheiro no caixa
da Companhia estava relacionado com a grande soma que diretores ldquoem seus nomes no de
seus parentes nos de mercadores seus associados e em outros supostosrdquo 602
que formavam
uma lista de 73 pessoas deviam a empresa e na demora que estes faziam em seu pagamento
Dessa forma ficava a Companhia em Pernambuco sem cabedal suficiente para socorrer aos
produtores locais
O segundo motivo alegado pelo conselho portuguecircs seria de que os diretores em
Pernambuco haviam feito pagamentos dos quarteacuteis vencidos de contratos reais
monopolizados por eles mesmos indevidamente com o dinheiro do caixa da Companhia A
terceira causa da falta de dinheiro era o de agirem os deputados pernambucanos no comeacutercio
de escravos da mesma forma como operavam no comeacutercio de fazendas Expunha a Junta que
assim que os negreiros davam entrada na capitania alguns membros da direccedilatildeo iam ainda de
madrugada ldquoescolher e esconder os melhores fazendo os assentos das vendas em nomes
diversos e supostos e por preccedilos mais inferiores que aqueles por que vendem os de refugo
que expotildeem em puacuteblico para a vendardquo 603
aleacutem disso reservavam estas melhores ldquopeccedilasrdquo
para irem vender em outras praccedilas da Ameacuterica
Encerrando este tema os oficiais lisboetas afirmam que o valor das diacutevidas relativas a
assistecircncia prestada pela empresa a produtores locais de accediluacutecar e tabaco era menor do que os
causados pelos abusos que faziam os diretores da praccedila que confiavam os cabedais da
empresa ldquoa pessoas sem estabelecimento e sem creacutedito servindo-se dos mesmos cabedais
para suas ocultas e reprovadas negociaccedilotildeesrdquo 604
Aleacutem disso declara o conselho portuguecircs
que muitas eram as dificuldades apontadas pela direccedilatildeo na colocircnia em cobrar tais deacutebitos o
601
Idem 602
Idem 603
Idem 604
Idem
161
que para a Junta fazia parecer que os deputados pernambucanos pareciam mais ldquouns homens
levantados para destruir a Companhia do que homens que os interessados elegeramrdquo 605
Esta
afirmaccedilatildeo da Junta acaba por reforccedilar nosso entendimento de que a Companhia foi arruinada
de ldquofora para dentrordquo pois de acordo com a documentaccedilatildeo trabalhada seus proacuteprios agentes
laboraram contra os interesses econocircmicos da instituiccedilatildeo agindo em benefiacutecio proacuteprio
Quanto a mateacuteria do contrabando diraacute a Junta saber que ldquoa maior parte dos membros
daquela direccedilatildeo e dos indiviacuteduos empregados nos seus serviccedilos satildeo os que fazem e protegem
os mais escandalosos contrabandosrdquo 606
tanto ldquona introduccedilatildeo de fazendas dos portos deste
reino e dos da Bahia como na exportaccedilatildeo e extravio dos gecircneros das capitanias de
Pernambucordquo 607
Acusam ainda serem aqueles diretores os culpados de incitar as cacircmaras de
Pernambuco a levarem a real presenccedila suas queixas contra Companhia faziam isto pois
pretendiam nunca pagar as suas avultadas diacutevidas a Companhia ou pagarem em parcelas ao
longo dos anos sem juros
Ainda neste documento manifesta aquela direccedilatildeo superior o seu descontentamento
com os oficiais reacutegios locais que mesmo tirando devassas dos casos de descaminhos nunca
chegam a apontar um culpado mesmo sendo ldquotatildeo puacuteblicas e escandalosas as violecircncias e
contrabandosrdquo 608
que estavam cometendo os diretores pernambucanos No entanto afirmam
os ministros lisboetas terem ciecircncia da dificuldade em se achar testemunhas dispostas a
deporem contra aqueles diretores ldquoem cujo nuacutemero os mais delinquentes satildeo os mais
poderosos pelos cabedais pelas amizades e pelos importantes empregos que ocupamrdquo 609
ficando assim os fabricantes e lavradores da capitania receosos de lhe fazerem denuacutencias pois
como a Junta atesta ldquoos mais oprimidos satildeo sempre os mais dependentesrdquo 610
Por fim o
conselho portuguecircs conclui que as queixas dos habitantes da capitania se endereccedilavam as
ldquoviolecircnciasrdquo cometidas pelos deputados em Pernambuco e natildeo a instituiccedilatildeo da Companhia em
si
A onda de ataques iniciada em 1777 acabou culminando na supressatildeo dos privileacutegios
comerciais da Companhia de Comeacutercio de Pernambuco e Paraiacuteba a partir de abril de 1780
Alvo de oposiccedilatildeo de interesses entre os locais e os metropolitanos a mesma natildeo chegou a
alcanccedilar os lucros esperados pela Coroa portuguesa causando notoacuterios prejuiacutezos agrave economia
605
Idem 606
Idem 607
Idem 608
Idem 609
Idem 610
Idem
162
local em particular a elite pernambucana 611
O processo de liquidaccedilatildeo da empresa se estendeu
por muitos e muitos anos de acordo com Joseacute Ribeiro Juacutenior no ano de 1907 a junta
liquidataacuteria da empresa envia solicitaccedilatildeo ao representante portuguecircs no Brasil no sentido de
reaver diacutevidas ainda existentes em Pernambuco 612
A segunda metade do seacuteculo XVIII seraacute marcada como um periacuteodo de importantes
mudanccedilas governamentais no Impeacuterio Portuguecircs a ascensatildeo do Marquecircs de Pombal ao cargo
de secretaacuterio do Reino e das mercecircs viraacute acompanhada de um conjunto de medidas de caraacuteter
revitalizador que teraacute como expoente o comeacutercio de Portugal com suas conquistas e colocircnias
As medidas implantadas pelo governo portuguecircs em Pernambucano tinham por objetivo deter
maior controle sobre a produccedilatildeo de uma das mais destacadas capitanias do Norte do Estado
do Brasil
As criaccedilotildees dos organismos da mesa de Inspeccedilatildeo e da Companhia Geral de
Pernambuco e Paraiacuteba vinham atender ao pensamento iluminista da eacutepoca e buscavam
canalizar os lucros da colocircnia para a Corte No entanto o que o marquecircs natildeo previu foi que
apoacutes um primeiro momento de estranhamento por parte dos locais as instituiccedilotildees seriam
absorvidas e aparelhadas aos interesses da elite local que infiltradas em suas respectivas
administraccedilotildees iriam utilizar desses lugares funcionais privilegiados na defesa de ganhos
proacuteprios Aleacutem disso os habitantes locais tambeacutem passam a criar mecanismos para a fuga
desse controle metropolitano dentre esses mecanismos destaca-se o contrabando de gecircneros
O conjunto documental analisado eacute revelador da vitalidade dos sertotildees pernambucanos
e baianos que durante o seacuteculo XVIII iratildeo assumir papel de destaque dentro do mercado
interno estando conectado a uma grande malha comercial que se estendia ateacute a regiatildeo das
Minas Gerais Os rios caminhos e picadas interioranas cumpriram um destacado papel na
conexatildeo entre diversas localidades sertanejas e as cidades litoracircneas Seguindo os caminhos
de terra e das aacuteguas mercadores comerciantes fazendeiros e profissionais liberais fizeram
surgir nas lonjuras dos sertotildees um espaccedilo de dinamismo e intensa atividade comercial
A grandiosidade da costa pernambucana que permitia natildeo soacute a navegaccedilatildeo direta entre
Bahia e Pernambuco como tambeacutem fornecia condiccedilotildees naturais para ancoragem em diversas
praias do litoral junto ao envolvimento de autoridades reacutegias oficiais e deputados da empresa
611
Sobre isto ver DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In
Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel
em httpcvcinstituto camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de
2017 612
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo Hucitec 1976 P
188-202
163
nos contrabandos somada a ineficaz e insuficiente forccedila militar empregada no seu combate e o
desejo de senhores de engenhos produtores e comerciantes de fugir das malhas do comeacutercio
monopolista faratildeo com que a praacutetica se torne uma constante na segunda metade do XVIII No
bojo dessas questotildees o comeacutercio iliacutecito com a vizinha capitania Bahia que contava apenas
com uma Mesa de Inspeccedilatildeo e natildeo com uma companhia comercial monopolizadora ganharaacute
forccedila
164
5 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao longo da narrativa deste trabalho jaacute esclarecemos as principais conclusotildees tiradas
sobre o nosso objeto de estudo No entanto a tiacutetulo de compilaccedilatildeo e arremate iremos pontuar
as consideraccedilotildees mais significativas para o entendimento do comeacutercio de contrabando
realizado durante os vinte e um anos de vigecircncia do exclusivo comercial praticado pela
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba
Vimos que a Companhia Geral criada no ano de 1759 no contexto de mudanccedilas no
sistema poliacutetico portuguecircs foi fundada para atuar junto a uma seacuterie de outras medidas que
vinham atender o esforccedilo portuguecircs de racionalizaccedilatildeo administrativa e econocircmica de seus
espaccedilos ultramarinos A empresa instalada durante o consulado Pombalino iraacute modificar
sobremaneira o modo de se fazer negoacutecios na capitania de Pernambuco e suas anexas
modificando toda a loacutegica mercantil da regiatildeo que haacute muito estava instituiacuteda e consolidada
Com a fundaccedilatildeo da empresa as populaccedilotildees locais passaram a buscar estrateacutegias de
fuga do controle metropolitano dessa forma comerciantes e produtores da Praccedila
pernambucana jaacute bem habituados ao livre comeacutercio comeccedilaram a realizar transaccedilotildees
comerciais iliacutecitas junto agrave vizinha capitania da Bahia O comeacutercio de mercadorias estabelecido
entre as duas mais destacadas capitanias do Norte se realizava tanto atraveacutes dos sertotildees que
tinham no Rio de Satildeo Francisco e seus afluentes a peccedila chave desse circuito de comeacutercio
iliacutecito sertanejo bem como de forma direta atraveacutes da Costa mariacutetima que ligava Bahia a
Pernambuco
Lembramos que o artigo 25 do documento de instituiccedilatildeo da Companhia Geral
determinava que a empresa natildeo possuiacutea o monopoacutelio do comeacutercio para os portos do sertatildeo
Alagoas e Rio de Satildeo Francisco No entanto a poliacutetica monopolista da Companhia iraacute afetar
tambeacutem os chamados ldquoportos livresrdquo Isto porque por volta da deacutecada de 70 a direccedilatildeo
pernambucana por forccedila de um edital passa a encarar as transaccedilotildees mercantis efetuadas a
partir daqueles espaccedilos como contrabando Medida repressiva que salienta a importacircncia
econocircmica do comeacutercio realizado a partir das rotas sertanejas Afinal de contas natildeo se
empregaria esforccedilos e recursos no controle de tais negoacutecios se eles natildeo tivessem relevacircncia
As mercadorias que circulavam neste comeacutercio descaminhado eram muitas da
capitania pernambucana saiam principalmente os efeitos da terra dos quais destacamos o
accediluacutecar e seus derivados couros e tabacos Vindos das terras soteropolitanas os principais
165
produtos eram gecircneros europeus com realce para a grande variedade de tecircxteis Vimos
tambeacutem que entre as duas Praccedilas realizava-se o comeacutercio humano os escravos comprados por
menores preccedilos na Bahia vinham abastecer as lavouras e faacutebricas pernambucanas As trocas
mercantis realizadas por vias ilegais mesmo que potencialmente perigosas dado o risco de
apreensatildeo e demais penalidades seratildeo amplamente desenvolvidas por fabricantes produtores
e comerciantes pernambucanos que buscavam melhores preccedilos e vendas a dinheiro fiacutesico
Destacamos que o contrabando foi uma praacutetica recorrente durante toda histoacuteria
colonial do Novo Mundo Na Ameacuterica Portuguesa pesquisas mais recentes atestam para
recorrecircncia do comeacutercio extralegal em diversas capitanias Esta historiografia com a qual
concordamos tem demonstrado como os descaminhos eram processos inerentes ao trato
comercial colonial Presente nas mais variadas atividades mercantis e locais os contrabandos
e descaminhos natildeo devem ser encarados como uma ldquofalhardquo ou ldquodeficiecircnciardquo do sistema mas
sim como parte integrante do mesmo
O comeacutercio iliacutecito praticado durante a vigecircncia do monopoacutelio comercial da
Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba foi um negoacutecio amplamente praticado De acordo
com a documentaccedilatildeo trabalhada este tipo de mercadejar acontecia tanto no grosso trato
envolvendo uma rede de indiviacuteduos empenhados em criar estrateacutegias que possibilitassem o
funcionamento da praacutetica iliacutecita Como no miuacutedo onde sujeitos comuns aproveitavam as
oportunidades que surgiam para ganhos extras Destacamos ainda o contrabando feito
diretamente com navios estrangeiros que aportando na capitania sobre pretextos diversos
procediam ocultamente nas trocas comerciais com os habitantes locais
A grande preocupaccedilatildeo do Reino em reprimir tais negoacutecios iliacutecitos revela a
grandiosidade da praacutetica durante o periacuteodo do exclusivo comercial da Companhia Diversos
satildeo os documentos travados entre as autoridades locais e o governo metropolitano para tratar
da mateacuteria Apesar do empenho dos oficiais reacutegios locais sobretudo os governadores de
Pernambuco os contrabandos persistiram durante toda a existecircncia da Companhia Isto
porque natildeo existia estrutura local para que o combate as ilicitudes fossem feitas de maneira
efetiva dada a grandiosidade da capitania de Pernambuco aleacutem disso o comeacutercio
descaminhado era uma praacutetica ostensiva que envolvia variados personagens situaccedilotildees e
circunstacircncias
Dentre os personagens envolvidos nas redes de comeacutercio extralegal salientamos a
participaccedilatildeo de autoridades reacutegias oficiais e agentes da proacutepria Companhia Estes homens
iratildeo utilizar de seus postos privilegiados para obter vantagens pessoais Vimos que a
166
participaccedilatildeo de autoridades reais em circuitos iliacutecitos natildeo era uma prerrogativa exclusiva do
nosso objeto de anaacutelise tendo ocorrido em diversos outros locais da Ameacuterica Lusa e ateacute
mesmo da Ameacuterica Hispacircnica Como os atuais estudos tecircm demonstrado o envolvimento em
praacuteticas iliacutecitas natildeo era necessariamente oposto ao exerciacutecio de ofiacutecios reacutegios
Destacamos tambeacutem as inuacutemeras queixas e representaccedilotildees encaminhadas pelas
populaccedilotildees locais sobretudo pelas cacircmaras ultramarinas ao governo da metroacutepole alertando
para o estado de decadecircncia do comeacutercio nas praccedilas de Pernambuco e das inuacutemeras atividades
iliacutecitas e maacute gestatildeo conduzida pela direccedilatildeo da empresa na capitania A documentaccedilatildeo
evidencia como os proacuteprios deputados e acionistas da empresa foram responsaacuteveis pela
liquidaccedilatildeo da mesma destruindo seu capital ao agirem em benefiacutecio proacuteprio a fim de
obterem vantagens financeiras
Criado no contexto das reformas pombalinas a Companhia natildeo conseguiraacute renovar
seu contrato de exclusivo comercial sendo este extinguindo no ano de 1780 Naquele
momento a metroacutepole jaacute estava sob o comando de uma nova soberana Dona Maria I e
Pombal jaacute estava afastado do centro decisoacuterio Inicia-se entatildeo um novo movimento poliacutetico-
administrativo em Portugal conhecido na historiografia como ldquoa viradeirardquo Nesta nova
conjuntura jaacute natildeo havia espaccedilo para a Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba que natildeo
chegou a alcanccedilar os nuacutemeros esperados pelo Reino e foi durante toda sua existecircncia alvo de
criacuteticas das populaccedilotildees locais Voltava entatildeo o comeacutercio na capitania a ser livre fazendo
dessa forma minorar o grande fluxo extralegal alvo deste estudo
167
REFEREcircNCIAS
ABREU Capistrano de Caminhos Antigos e Povoamento do Brasil Satildeo Paulo Livraria
Briguiet1960
AIZPURUA AGUIRRE Ramoacuten ldquoEl corso de la Compantildeiacutea Guipuzcoana los casos de la
lancha San Fernando y de la balandra Nuestra Sentildeora de Aranzazurdquo Itsas Memoria Revista
de Estudios Mariacutetimos del Paiacutes Vasco 5 Untzi Museoa-Museo Naval Donostia-San
Sebastiaacuten p 379-392 2006
A J R Russel-Wood Centros e periferias no mundo luso-brasileiro1500-1808 Revista
brasileira de Histoacuteria 1998 vol18 nordm 36 P 196-197
ALENCASTRO Luiz Felipe de O trato dos viventes formaccedilatildeo do Brasil no Atlacircntico
Sul Satildeo Paulo Companhia das Letras 2000
ALMEIDA Suely Creusa Cordeiro de SOUSA Jeacutessica Rocha de O Comeacutercio das Almas -
As rotas entre Pernambuco e costa da Aacutefrica-17741787 Ultramares Maceioacute v 1 n 3 p
34-53 janjul 2013
ALMEIDA Suely Histoacuterias de gente sem qualidade mulheres de cor na capitania de
Pernambuco no seacuteculo XVIII In CABRAL Flaacutevio Joseacute Gomes COSTA Robson Histoacuteria
da escravidatildeo em Pernambuco Editora UniversitaacuteriaU-FPE 2012
ALVEAL Carmen Margarida Oliveira De senhorio colonial a territoacuterio de mando os
acossamentos de Antocircnio Vieira de Melo no Sertatildeo do Ararobaacute (Pernambuco seacuteculo XVIII)
Rev Bras Hist [online] 2015 vol35 n70 pp41-64 Epub Jan 22 2016
ANDRADE Manoel Correia de A terra e o Homem no Nordeste Satildeo Paulo Livraria
Editora Ciecircncias Humanas Ltda 1980
ANDRADE Manoel Correia de A questatildeo do territoacuterio no Brasil Satildeo Paulo Hucitec
2004
BICALHO Maria Fernanda As tramas da poliacutetica conselhos secretaacuterios e juntas na
administraccedilatildeo da monarquia portuguesa e de seus domiacutenios ultramarino In FRAGOSO
Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no
impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
BONATO Tiago Viagens do Olhar Relatos de Viajantes e a Construccedilatildeo do Sertatildeo
Brasileiro (1783 ndash 1822) Guarapuava Unicentro 2014
168
BONIFAacuteCIO Hugo Demeacutetrio Nunes Teixeira Nas rotas que levam as Minas Mercadores
e Homens de Negoacutecio da Capitania de Pernambuco no Comeacutercio de Abastecimento da
Regiatildeo Mineradora no Seacuteculo XVIII Recife 2012 Dissertaccedilatildeo (Mestrado) ndash Programa de
Poacutes- graduaccedilatildeo em Histoacuteria Centro de Filosofia e Ciecircncias Humanas da Universidade
Federal de Pernambuco
BOXER Charles R O impeacuterio mariacutetimo portuguecircs 1415 -1825 Satildeo Paulo Companhia
das letras 2002
CAMPOS Adriana Pereira Nas barras dos tribunais Direito e escravidatildeo no Espirito
Santo do seacuteculo XIX Tese (Doutorado em Histoacuteria Social) ndash Universidade Federal do Rio de
Janeiro Departamento de Histoacuteria 2003
CARDOSO Antocircnio M de Barros O alvaraacute de Instituiccedilatildeo da Companhia e os motins do
Porto de 1757 Douro ndash Estudos e Documentos Douro vol I P 55-76 1996
CARREIRA Antonio As Companhias pombalinas de Gratildeo-Paraacute e Maranhatildeo e
Pernambuco e Paraiacuteba Lisboa Presenccedila 1982
CARVALHO Marcus J M Liberdade-Rotinas e Rupturas do escravismo no Recife 182-
1850 Recife Editora da UFPE 2002
CAVALCANTE Paulo Negoacutecios de trapaccedila Caminhos e Descaminhos na Ameacuterica
Portuguesa (1700-1750) Satildeo Paulo Hucitec 2006
CEBALLOS Rodrigo Da Uniatildeo agrave Restauraccedilatildeo consideraccedilotildees sobre o comeacutercio a
administraccedilatildeo e os lusitanos na Buenos Aires seiscentista Rev Esc Hist [online] 2016
vol15 n2
CEBALLOS Rodrigo Extralegalidade e autotransformaccedilatildeo no porto a presenccedila portuguesa
na Buenos Aires colonial (seacuteculo XVII) Fronteiras Dourados MS v 11 n 19 p 229-248
janjun 2009
CIERBIDE Ricardo Martinena La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas y los vascos en
Venezuela durante el siglo XVIII Rev int estud Vascos 42 1 p 63-75 1997
CORREA Jeacutessica Aparecida O Novo Atlas da Ameacuterica portuguesa e a oficializaccedilatildeo do
territoacuterio colonial (1730-1749) Boletim Gauacutecho de Geografia v 43 n1 p 100-120 2016
COSTA Francisco Augusto Pereira da Anais Pernambucanos Recife Secretaria do
Interior e Justiccedila 1951-1966 v 6
169
CUNHA Mafalda Soares da NUNES Antocircnio Castro Territorializaccedilatildeo e poder na Ameacuterica
portuguesa A criaccedilatildeo de comarcas seacuteculos XVI-XVIII Tempo (Niteroacutei online) | v 22 n
39 p001-030 jan-abr 2016
DANTAS Mariana Albuquerque Presenccedila indiacutegena na constituiccedilatildeo da cidade de aacuteguas belas
Pernambuco Revista CLIO ndash Revista de Pesquisa Histoacuterica Volume 282
DIAS Eacuterika A capitania de Pernambuco e a instalaccedilatildeo da Companhia Geral de Comeacutercio In
Congresso internacional O espaccedilo Atlacircntico de antigo regime poderes e sociedades Actas P 1 - 20 Disponiacutevel em httpcvcinstituto-
camoespteaarcoloquiocomunicacoeserika_diaspdf Acesso em 27 de fevereiro de 2013
DIAS Eacuterika Comunicaccedilatildeo entre os poderes do centro e os locais uma anaacutelise da
correspondecircncia trocada entre o secretaacuterio da Marinha e Ultramar e o governo da capitania de
Pernambuco In ALMEIDA Suely SILVA Gian Carlo de Melo SILVA Kalina Vanderlei
SOUZA George F Cabral (Orgs) Poliacuteticas e estrateacutegias administrativas no mundo
atlacircntico Recife Editora Universitaacuteria da UFPE 2012
DIAS Manuel Nunes Fomento Ultramarino e Mercantilismo a companhia geral do Gratildeo-
Paraacute e Maranhatildeo (1755-1778) (XIII) Revista de Histoacuteria Brasil v 41 n 83 p 73-94 apr
2017
FRAGOSO Joatildeo Capitatildeo Manuel Pimenta Sampaio senhor do engenho do Rio Grande neto
de conquistadores e compadre de Joatildeo Soares pardo notas sobre uma hierarquia social
costumeira (Rio de Janeiro 1700-1760) In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima
(Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-
XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
FERREIRA Roquinaldo ldquoA arte de furtarrdquo redes de comeacutercio ilegal no mercado imperial
ultramarino portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na trama
das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de Janeiro
Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
GUEDES Paulo Henrique Marques de Queiroz No iacutentimo do sertatildeo poder poliacutetico
cultura e transgressatildeo na capitania da Paraiacuteba (1750-1800) 2013318 f Tese (Doutorado
em Histoacuteria) ndash Centro de Filosofia e Ciecircncias humanas Universidade Federal de Pernambuco
Recife
GINZBURG Carlo Relaccedilotildees de forccedila Histoacuteria retoacuterica prova Satildeo Paulo Companhia
das letras 2002
GINZBURG Carlos Sinais raiacutezes de um paradigma indiciaacuterio In___ Mitos emblemas e
sinais - Morfologia e Histoacuteria Satildeo Paulo Companhia das Letras 1989 P 143-180
170
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Redes governativas portuguesas e centralidades reacutegias no mundo
portuguecircs c 1680-1730 In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na
trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de
Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
GOUVEcircA Maria de Faacutetima Poder Poliacutetico e administraccedilatildeo na formaccedilatildeo do complexo
atlacircntico portuguecircs (1645-1808)In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) O
Antigo Regime nos troacutepicos ndash A dinacircmica Imperial Portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio
de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
GRENE Jack P Negotiated Authorities Essays in Colonial Political and Constitutional
History University Press of Virginia 2ordf ed 1994
HESPANHA AM As veacutesperas do Leviatatilde instituiccedilotildees e poder poliacutetico em Portugal ndash
Seacutec XVII Coimbra Almedina 1994
HESPANHA AM Antigo regime nos troacutepicos Um debate sobre o modelo poliacutetico do
impeacuterio colonial portuguecircs In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima (Orgs) Na
trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos XVI-XVIII Rio de
Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
HESPANHA AM A constituiccedilatildeo do Impeacuterio Portuguecircs Revisatildeo de alguns enviesamentos
correntes In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de Faacutetima BICALHO Maria Fernanda
(Orgs) O Antigo Regime nos troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI ndash
XVIII) Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
HESPANHA Antonio Manoel Caleidoscoacutepio do Antigo Regime Satildeo Paulo Alameda
2012
IVO Isnara Pereira Homens de Caminho Tracircnsitos culturais comeacutercio e cores nos
sertotildees da Ameacuterica Portuguesa Seacuteculo XVIII Vitoacuteria da Conquista Ediccedilotildees UESB 2012
JESUS Nauk Maria de As versotildees do ouro em chumbo a elite imperial e o descaminho de
ouro na fronteira oeste da Ameacuterica portuguesa In FRAGOSO Joatildeo GOUVEcircA Maria de
Faacutetima (Orgs) Na trama das redes poliacuteticas e negoacutecios no impeacuterio portuguecircs seacuteculos
XVI-XVIII Rio de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2010
JUacuteNIOR Joseacute Ribeiro Colonizaccedilatildeo e Monopoacutelio no Nordeste Brasileiro Satildeo Paulo
Hucitec 1976
JUacuteNIOR Miguel Dieacutegues As Companhias Privilegiadas no comeacutercio colonial Revista de
Histoacuteria Brasil v 1 n 3 p 309-336 sep 1950
171
KANTOR Iacuteris Cartografia e diplomacia usos geopoliacuteticos da informaccedilatildeo toponiacutemica
(1750‑1850) Anais do Museu Paulista Satildeo Paulo N Seacuter v17 n 2 p 39-61 jul- dez
2009
KANTOR Iacuteris Soberania e territorialidade colonial Academia Real de Histoacuteria Portuguesa e
a Ameacuterica portuguesa (1720) In DOREacute Andreacutea SANTOS Antonio Cesar de Almeida
(Org) Temas setecentistas governos e populaccedilotildees no Impeacuterio portuguecircs Curitiba
UFPR-SCHLAFundaccedilatildeo Araucaacuteria 2009
KIRSCHNER Tereza Cristina A administraccedilatildeo portuguesa no espaccedilo atlacircntico a Mesa da
Inspeccedilatildeo da Bahia (1751-1808) Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de
Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005
KOSELLECK Reinhart Futuro Passado contribuiccedilatildeo agrave semacircntica dos tempos
histoacutericos Rio de Janeiro Contraponto Ed Puc-Rio 2006
KUHN Faacutebio Conexotildees negreiras contrabandistas de escravos no Atlacircntico sul (Rio da
Prata 1730-1752) Anos 90 Porto Alegre v 24 n 45 p 101-132 jul 2017
LARA Silvia Hunold Conectando historiografias a escravidatildeo africana e o Antigo Regime
na Ameacuterica Portuguesa In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia Amaral
(Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash seacuteculos XVI a XIX
Satildeo Paulo Alameda 2005
MAIA Liacutegio de Oliveira Aldeias e missotildees nas capitanias do Cearaacute e Rio Grande catequese
violecircncia e rivalidades Tempo [online] 2013 vol19 n35 pp7-22
MANRIQUE Carlos Alberto Murgueitio La Compantildeiacutea Guipuzcoana de Caracas en la
defensa del comercio Borboacutenico en el Caribe durante el Siglo XVIII ndash Parte de una estrategia
hemisfeacuterica Los reinados de Felipe V Fernando VI y Carlos III Revista Montalbaacuten
Caracas N 38 Centro de Investigaciones Histoacutericas-Universidad Catoacutelica Andreacutes Bello P
9-52 2006
MAXWELL Kenneth Marquecircs de Pombal paradoxo do iluminismo Rio de Janeiro Paz
e Terra 1996
MELLO Joseacute Antonio Gonsalves de Trecircs Roteiros de Penetraccedilatildeo do Territoacuterio
Pernambucano (1738-1802)Recife Imprensa Universitaacuteria 1966
MELO Sebastiatildeo Joseacute de Carvalho Escritos Econocircmicos de Londres (1741-1742) Notas
de Joseacute Barreto Lisboa Biblioteca Nacional 1986 p LIII
172
MORAES Antonio Carlos Robert de Bases da formaccedilatildeo territorial do Brasil
GEOGRAFARES Vitoacuteria n 2 jun 2001
MORAES Antonio Carlos Robert O Sertatildeo Terra Brasilis (Online) V 4 ndash 5 2003
MOUTOUKIAS Zacarias Burocracia contrabando y autotransformacion de las elites
Buenos Aires em el siglo XVII Anuario del IEHS III Tandil 1988
NASCIMENTO Maria Filomena Coelho Justiccedila Corrupccedilatildeo e Suborno em Pernambuco
(seacuteculo XVIII) Textos de Histoacuteria vol 11 nordm 12 2003
NEVES Zanoni Navegantes da Integraccedilatildeo Os Remeiros do Rio Satildeo Francisco Belo
Horizonte Editora UFMG 2011
NOVAIS Fernando A Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial (1777-1808)
Satildeo Paulo Hucitec 1995
OLIVEIRA Luanna Maria Ventura dos Santos A Alfacircndega de Pernambuco histoacuteria
conflitos e tributaccedilatildeo no Porto do Recife (1711-1738) Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria
Social da Cultura Regional) ndash Universidade Federal Rural de Pernambuco Departamento de
Histoacuteria Recife 2016
PAZ Marcelo de Oliveira Companhia da Pescaria das Baleias nas Costas do Brasil
(1765-1801) a caccedila ao Leviatatilde dos mares 2015 297 f Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Estudos
Brasileiros) ndash Instituto de Ciecircncias Sociais Universidade de Lisboa Lisboa
PEREIRA Avanete Poder local e autonomia camaraacuteria no Antigo Regime o senado da
cacircmara da Bahia (seacuteculo XVIII) In BICALHO Maria Fernanda FERLINI Vera Luacutecia
Amaral (Orgs) Modos de governar ideias e praacuteticas poliacuteticas no impeacuterio portuguecircs ndash
seacuteculos XVI a XIX Satildeo Paulo Alameda 2005
PEREIRA Oswaldo Histoacuterias do Pina Fundaccedilatildeo de Cultura do Recife 2008
PIJNING Ernest Contrabando ilegalidade e medidas poliacuteticas no Rio de Janeiro do seacuteculo
XVIII Revista Brasileira de Histoacuteria Satildeo Paulo Satildeo Paulo v 21 nordm42 p 397-414 2001
PUNTONI Pedro A guerra dos Baacuterbaros povos indiacutegenas e a colonizaccedilatildeo do sertatildeo
nordeste do Brasil 1650-1720 Satildeo Paulo Editora da Universidade de Satildeo Paulo 2004
RENDEIRO Manoel Satildeo Miguel de Barreiros In BiblioAtlas - Biblioteca de Referecircncias
do Atlas Digital da Ameacuterica Lusa Disponiacutevel
em httplhsunbbratlasSC3A3o_Miguel_de_Barreiros Data de acesso 05072017
173
ROLIM Leonardo Cacircndido Matar Salgar e Navegar Produccedilatildeo e Comeacutercio das Carnes Secas
na Vila de Santa Cruz do Aracati ndash Capitania do Siaraacute Grande - 1767-1793 Actas do Anais
do XXVI Simpoacutesio Nacional de Histoacuteria Satildeo Paulo 2011
SAMPAIO Antocircnio Carlos Jucaacute de Os homens de negoacutecio do Rio de Janeiro e sua atuaccedilatildeo
nos quadros do Impeacuterio portuguecircs (1701-1750) In J Fragoso F Bicalho e F Gouvecirca O
Antigo Regime nos Troacutepicos a dinacircmica imperial portuguesa (seacuteculos XVI-XVIII) Rio
de Janeiro Civilizaccedilatildeo Brasileira 2001
SATBEN Ana Emilia Negoacutecios de Escravos O comeacutercio de cativos entre a Costa da
Mina e a Capitania de Pernambuco (1701 ndash 1759) Curitiba UFPR 2008 118 P
Dissertaccedilatildeo (Mestrado) - Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo em Histoacuteria Setor de Ciecircncias
Humanas Letras e Artes da Universidade Federal do Paranaacute
SCHWARTZ Stuart Burocracia e sociedade no Brasil colonial Satildeo Paulo Companhia das
letras 2013
SCHWARTZ Stuart B Segredos Internos ndash Engenhos e escravos na sociedade colonial
Satildeo Paulo Companhia das Letras 1988
SOUSA Fernando de O Marquecircs de Pombal e as conturbadas origens da Companhia Geral
da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-1757) Revista Camotildees Lisboa nordm 1516 P
42-53 JanJun 2003
SOUSA Fernando de DIAS Joana VIEIRA Francisco Uma devassa terriacutevel ao Alto Douro
(1771-1775) Revista Populaccedilatildeo e Sociedade nordm 9 p 151-276 2002
SOUZA George F Cabral de O rosto e a maacutescara estrateacutegias de oposiccedilatildeo da Cacircmara do
Recife agrave poliacutetica pombalina Actas do Congresso Internacional Espaccedilo Atlacircntico de
Antigo Regime poderes e sociedades Lisboa 2005
SOUZA Laura de Mello e O sol e a sombra poliacutetica e administraccedilatildeo na Ameacuterica
portuguesa do seacuteculo XVIII Satildeo Paulo Companhia das letras 2006
SUBTIL Joseacute O terremoto poliacutetico (1755-1759) ndash memoacuteria e poder Lisboa
EDIUAL2007
WANDERLEI Kalina Nas solidotildees Vastas e Assustadoras A conquista do Sertatildeo de
Pernambuco pelas vilas accedilucareiras nos seacuteculos XVII e XVIII Recife CEPE 2010
174
APEcircNDICE A ndash FONTES UTILIZADAS
Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos de Pernambuco
AHU ndash PE Cx 88 D 7150
AHU ndash PE Cx 95 D7497
AHU ndash PE Cx 95 D 7501
AHU ndash PE Cx 107 D 8312
AHU ndash PE Cx 127 D 9670
AHU ndash PE Cx128 D 9737
AHU ndash PE Cx 138 D 10248
AHU ndash PE Cx 107 D 8284
AHU ndash PE Cx 108 D 8371
AHU ndash PE Cx 110 D 8493
AHU ndash PE Cx 117 D 8954
AHU ndash PE Cx 120 D 9196
AHU ndash PE Cx 121 D 9245
AHU ndash PE Cx 122 D 9339
AHU ndash PE Cx 127 D 9656
AHU ndash PE Cx 129 D 9771
AHU ndash PE Cx 129 D 9792
AHU ndash PE Cx 130 D 9815
AHU ndash PE Cx 130 D 9815
AHU ndash PE Cx 130 D 9823
AHU - PE Cx 130 D 9823
AHU ndash PE Cx 130 D 9830
AHU - PE Cx 130 D 9966
AHU ndash PE Cx 131 D 9853
AHU ndash PE Cx 131 D 9892
AHU ndash PE Cx 132 D 9955
AHU ndash PE Cx133 D 9966
AHU - PE Cx 133 D 10003
AHU ndash PE Cx 133 D 10009
AHU ndash PE Cx 133 D 10012
175
AHU ndash PE Cx 133 D 10012
AHU ndash PE Cx 133 D 10017
AHU - PE Cx 136 D 10147
AHU ndash PE Cx 137 D 10197
AHU - PE Cx 137 D 10234
AHU ndash PE Cx 138 D 10250
AHU - PE Cx 142 D 10475
AHU ndash PE Cx 151 D 9853
Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Bahia
AHU - BA Cx 138 D 10248
AHU ndash BA Cx 181 D 13481
Arquivo Histoacuterico Ultramarino ndash Avulsos para Alagoas
AHU ndash AL Cx 3 D 221
AHU ndash AL Cx 3 D 220
Arquivo Nacional da Torre do Tombo
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2
nordm 3 cx 2
ANTT Feitos Findos Conservatoacuteria da Companhia Geral de Pernambuco e Paraiacuteba mccedil 2
nordm 6 cx 2
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm
4 cx 1 f 7
ANTT Feitos Findos Conservatoacuterio da Companhia Geral de Pernanbuco e Paraiacuteba mccedil1 nordm 10 cx 1
Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros
Relaccedilatildeo nominal dos capitatildees e numeacuterica dos membros de diferentes companhias Arquivo
IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-050-010
Roteiro do caminho para Pojuca passando por Urubaacute capitania de Pernambuco Arquivo
IEB-USP Fundo Alberto Lamego Coacutedigo do documento AL-072-060
Acervo especial para Pernambuco da Biblioteca Nacional
176
ldquoIdeia da Populaccedilatildeo da Capitania de Pernambuco e de suas anexasrdquo Coleccedilatildeo Pernambuco
(Coacutedices) ndash Documentos do Acervo de Manuscritos 11 03006 BN
Fontes impressas
BLUTEAU Raphael Vocabulaacuterio portuguez e latino Coimbra no Collegio das Artes da
Companhia de Jesus Ano de 1712
Livro do acervo de raridades da Biblioteca Maacuterio de Andrade Referecircncia CARNEIRO
Antonio de Mariz Regimento de pilotos e roteiro da navegaccedilam e conquistas do Brasil
Angola S Tomeacute Cabo Verde Maranhatildeo Ilhas amp Indias Occidentais Lisboa por
Manoel da Sylva 1655
Martinho de Melo e Castro ldquoInstrucccedilatildeo para o Marquez de Valenccedila Governador e Capitatildeo
General da Capitania da Bahiardquo Anaes da biblioteca nacional do Rio de Janeiro BN V
XXXII1910 p 442
Ordenaccedilotildees Filipinas Livro III Tiacutetulo LVI