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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC-SP

    JULIANA LEITE KIRCHNER

    TEORIA DAS PROVAS E FATO JURDICO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTRIO

    MESTRADO EM DIREITO TRIBUTRIO

    SO PAULO 2012

  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC-SP

    JULIANA LEITE KIRCHNER

    TEORIA DAS PROVAS E FATO JURDICO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTRIO

    MESTRADO EM DIREITO TRIBUTRIO

    Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para a obteno do ttulo de MESTRE em Direito Tributrio, sob a orientao da Professora Doutora Fabiana Del Padre Tom.

    SO PAULO 2012

  • Banca Examinadora

    ___________________________

    ___________________________

    ___________________________

  • Dedicatria

    minha filha Rafaela, com todo o meu amor.

    Ao meu querido Joo, por seu amor, apoio e compreenso.

    Ao meu pai, Luiz, exemplo de vida, pelo suporte e pelo incentivo permanente.

    minha me, Ceclia, e minha av Maria Luiza (in memoriam), com muita saudade.

    professora Fabiana, pelo constante auxlio, compreenso e generosa disponibilidade.

  • TEORIA DAS PROVAS E FATO JURDICO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTRIO

    JULIANA LEITE KIRCHNER

    RESUMO: A proposta do trabalho, ora apresentado, investigar a relevncia das provas para a

    constituio do fato jurdico tributrio, sob o mbito da imposio tributria. Empreenderemos o

    exame acerca do relevante papel que as provas desempenham nas relaes entre o Estado e os

    contribuintes, atravs dos atos de lanamento, para a caracterizao do fato jurdico tributrio e,

    conseqentemente, constituio do crdito tributrio. O foco da abordagem que pretendemos

    realizar demonstrar que a prova se perfaz de extrema importncia no contexto da percusso

    tributria, de modo que pretendemos destacar a sua imprescindibilidade para a sustentao das

    normas individuais e concretas por parte da Administrao Pblica, e logo, do ato administrativo

    de lanamento tributrio, a partir de elementos colhidos em procedimentos fiscalizatrios. Ainda,

    temos o intuito de demonstrar a importncia das provas na percusso tributria, demonstrando a

    importncia de que os fatos jurdicos tributrios sejam constitudos somente se embasados em

    provas admitidas em direito, em sede de processo administrativo fiscal, com o intuito de

    preservar os direitos e as garantias fundamentais dos contribuintes. Pretendemos, assim, realizar

    um estudo acerca do fato jurdico tributrio e das provas, e, em especial, no processo

    administrativo tributrio, mediante a demonstrao da legislao pertinente, bem como de

    jurisprudncia administrativa e exemplos prticos.

    Palavras-chave: Fato Jurdico Tributrio. Provas. Processo Administrativo Tributrio.

    Lanamento Tributrio. Segurana Jurdica.

  • THEORY OF LEGAL EVIDENCEAND APPAREL

    ADMINISTRATIVE PROCEDURE IN TAX

    JULIANA LEITE KIRCHNER

    ABSTRACT: The purpose of this study, presented here, is to investigate the relevance of the

    evidence for the formation of tax legal fact, under the scope of the tax levy. We will undertake

    the review about the important role that events play in relations between the state and taxpayers,

    through the deeds of release, for the characterization of tax legal fact and, consequently, the

    formation of the tax credit. The focus of the approach we want to achieve is to demonstrate that

    the evidence makes it extremely important in the context of tax impact, so we aim to highlight

    their support for the indispensability of individual standards and concrete by the Public

    Administration and therefore the act tax administrative release from elements collected in

    fiscalizatrios procedures. Still, we aim to demonstrate the importance of evidence in tax

    percussion, demonstrating the importance of the legal facts tributaries consisting only if

    grounded in law admitted in evidence in the administrative headquarters of tax, in order to

    preserve the rights and fundamental guarantees of taxpayers. We intend therefore to conduct a

    study on the tax legal fact and evidence, and in particular, the administrative tax process, through

    the demonstration of relevant legislation and case law and administrative practice examples.

    Key-words: Tax Law. Evidence. Administrative Procedures Tax. Release Tax. Legal Security.

  • SUMRIO

    INTRODUO ...................................................................................................................... 12

    PRIMEIRA PARTE - COMPREENSO DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA O ESTUDO DA IMPORTNCIA DAS PROVAS PARA A CONSTITUIO DO FATO JURDICO TRIBUTRIO ....................................................................................... 19

    1. A RELAO ENTRE A LINGUAGEM, O CONHECIMENTO, A VERDADE E A PROVA JURDICA ............................................................................................................... 19 1.1 Giro Lingustico .............................................................................................................. 21 1.2 Linguagem e comunicao ................................................................................................. 25 1.3 Realidade, conhecimento e linguagem ............................................................................... 27 1.4 Direito Positivo como um subsistema comunicacional: sistema de linguagem prescritiva33

    1.4.1 Composio do sistema do Direito Positivo .............................................................. 42 1.5 A Verdade ........................................................................................................................... 44

    1.5.1 A Verdade e o Direito Positivo .................................................................................. 48 1.5.2 A Verdade e a Teoria das Provas no Direito Tributrio ............................................ 55

    2. A INCIDNCIA TRIBUTRIA ....................................................................................... 59 2.1 Evento, Fato e Fato Jurdico ............................................................................................... 59

    2.1.1 Distino entre evento e fato: o relato lingstico ..................................................... 60 2.1.2 Distino entre evento, fato e fato jurdico ................................................................ 62

    2.2 O fenmeno da incidncia da norma jurdica tributria ..................................................... 68 2.2.1 Incidncia jurdico-tributria ..................................................................................... 70

    3. A CARACTERIZAO DO FATO JURDICO TRIBUTRIO ................................. 79 3.1 A importncia da linguagem na constituio do fato jurdico tributrio ............................ 80 3.2 Ambiguidades acerca da expresso fato jurdico ............................................................ 81 3.3 Definio de Fato Jurdico Tributrio ................................................................................ 84 3.4 Constituio do Fato Jurdico Tributrio ............................................................................ 85

  • 8

    SEGUNDA PARTE TEORIA DAS PROVAS EM FACE DOS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTRIOS ............................................................................... 91

    4. NOES GERAIS SOBRE A PROVA ........................................................................... 91 4.1 A linguagem jurdica das provas ........................................................................................ 92 4.2 Definio do conceito de prova .......................................................................................... 94 4.3 A funo persuasiva das provas.......................................................................................... 97 4.4 Finalidade da prova ............................................................................................................ 99 4.5 Objeto da prova: um fato jurdico tributrio ..................................................................... 100 4.6 Espcies de meios de prova .............................................................................................. 102 4.6.1 Confisso ....................................................................................................................... 103 4.6.2 Documento .................................................................................................................... 105 4.6.3 Depoimento Testemunhal .............................................................................................. 106 4.6.4 Prova Pericial ................................................................................................................. 108 4.6.5 Prova Direta e Prova Indireta ........................................................................................ 109 4.6.6 Prova obtida por meio ilcito ......................................................................................... 113 4.7 nus da prova ................................................................................................................... 114

    5. ALGUNS PRINCPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTRIOS INFORMADORES DO TEMA ............................................................................................................................. 116 5.1 Breve Introduo .............................................................................................................. 116 5.2 Princpio da Estrita Legalidade Tributria........................................................................ 121 5.3 Princpio da Segurana Jurdica ....................................................................................... 124 5.4 Princpio da Tipicidade da Tributao.............................................................................. 125 5.5 Princpio do Devido Processo Legal, Contraditrio e Ampla Defesa .............................. 127 5.6 Princpio da Oficialidade (princpio do impulso oficial) .................................................. 130 5.7 Princpio da Verdade Material ...................................................................................... 131 5.8 Princpio da Proibio da Prova Ilcita ............................................................................. 133 5.9 Concluso Parcial ............................................................................................................. 134

  • 9

    TERCEIRA PARTE - BREVE PANORAMA SOBRE O PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTRIO ................................................................................. 135

    6. PROCEDIMENTO E PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTRIO ................ 135 6.1 Consideraes Introdutrias ............................................................................................. 135 6.2 Processo ou Procedimento? .............................................................................................. 137 6.3 O Procedimento Administrativo Tributrio ...................................................................... 138 6.4 O Processo Administrativo Tributrio .............................................................................. 140 6.5 Momento de produo probatria no processo administrativo tributrio......................... 143 6.6 O Contraditrio e a Ampla Defesa no Processo Administrativo Tributrio..................... 145 6.7 Defesa e Instruo Probatria no Processo Administrativo Tributrio ............................ 146 6.8 Revisibilidade dos Atos Administrativos ......................................................................... 147

    7. LANAMENTO TRIBUTRIO .................................................................................... 149 7.1 O papel da norma individual e concreta na formao do fato jurdico tributrio ............. 149 7.2 Lanamento Tributrio ..................................................................................................... 155

    7.2.1 Definio ................................................................................................................. 155 7.2.2 Vocbulo lanamento: plurivocidade .................................................................... 158 7.2.2.1 Ato ou Procedimento Administrativo: lanamento e a teoria dos atos administrativos.................................................................................................................. 159 7.2.3 Estrutura do ato administrativo ................................................................................ 163 7.2.4 Os sujeitos credenciados a emitir a norma individual e concreta que documenta a incidncia tributria .......................................................................................................... 165 7.2.5 O contedo do ato de lanamento ............................................................................ 166 7.2.6 Os atributos do ato jurdico administrativo de lanamento ..................................... 167 7.2.6.1 Presuno de legitimidade .................................................................................... 168 7.2.6.2 Exigibilidade ......................................................................................................... 169 7.2.7 Distino entre o lanamento e o auto de infrao .................................................. 169 7.2.8 Espcies de Lanamento Tributrio ........................................................................ 172 7.2.9 Presuno de legitimidade ou validade, presuno de veracidade ou presuno de legalidade do ato administrativo? ..................................................................................... 174 7.2.10 A presuno de legitimidade do lanamento tributrio ......................................... 175 7.2.10.1 A presuno de legitimidade do lanamento e o relato constante do antecedente da norma individual e concreta do lanamento tributrio ................................................ 178

  • 10

    7.2.11 As provas em face da presuno de legitimidade do lanamento tributrio ......... 182 7.2.12 A causa (motivo, motivao e o contedo) que enseja a existncia e a regular produo do ato administrativo e as provas...................................................................... 188

    QUARTA PARTE A RELEVNCIA DA TEORIA DAS PROVAS PARA O RECONHECIMENTO DO FATO JURDICO TRIBUTRIO, CONFORME O PRINCPIO DA SEGURANA JURDICA ..................................................................... 192

    8. A PROVA DO FATO JURDICO NO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTARIO ...................................................................................................................... 192 8.1 Teoria das Provas: o papel da linguagem competente no Direito .................................... 193

    8.1.1 Finalidade das provas no processo administrativo tributrio .................................. 202 8.1.2 Objeto da prova: um fato jurdico tributrio ............................................................ 204

    8.2 A expedio do lanamento tributrio e a constituio do fato jurdico tributrio em conformidade teoria das provas ........................................................................................... 205 8.3 A teoria das provas na constituio e no reconhecimento do fato jurdico tributrio ...... 223 8.4 Os deveres instrumentais como meio de constituio de prova de fatos jurdicos tributrios ................................................................................................................................................ 231 8.5 nus da prova em matria fiscal ...................................................................................... 232 8.6 A presuno de legitimidade e a legalidade do lanamento tributrio ............................. 235 8.7 Falta de provas para o embasamento do fato jurdico tributrio ...................................... 238 8.8 Provas e a Verdade Jurdica no Processo Administrativo Fiscal...................................... 245 8.9 Concluso Parcial: a importncia das provas no processo de aplicao do direito tributrio ................................................................................................................................................ 251 8.10 Segurana Jurdica na constituio do fato jurdico tributrio ....................................... 253

    8.10.1 Princpio da segurana jurdica.............................................................................. 253 8.10.2 Limitaes ao emprego de presunes e fices em matria tributria ................ 255 8.10.3 Segurana Jurdica na constituio do fato jurdico tributrio .............................. 261 8.10.4 A prova no procedimento administrativo tributrio e a segurana jurdica .......... 265

    QUINTA PARTE ANLISE DA LEGISLAO ESPECFICA ................................ 273

    9. LEGISLAO ACERCA DO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTRIO .. 273 9.1 Breve Introduo .............................................................................................................. 273

  • 11

    9.2 Decreto Federal n. 70.235/1972 ....................................................................................... 273 9.3 Lei n. 10.941/2001 ............................................................................................................ 275 9.4 Lei n. 2.315/2001 .............................................................................................................. 277 9.5 Lei Complementar n. 939/2003 ........................................................................................ 281

    CONCLUSES ..................................................................................................................... 283

    BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................. 289

  • 12

    INTRODUO

    O trabalho ora proposto objetiva analisar a relevncia das provas para a constituio

    do fato jurdico tributrio, em conformidade ao princpio da segurana jurdica, com o intuito

    de se evidenciar, de forma mais precisa, os contornos em torno da investigao acerca da

    prova da constituio do fato jurdico tributrio no processo administrativo tributrio.

    O tema que se aborda no presente trabalho, e ao qual no se prope resposta

    definitiva, a teoria das provas e o fato jurdico tributrio no processo administrativo

    tributrio. Ou seja, indaga-se como se d a constituio do fato jurdico no Direito? E a

    operatividade da incidncia jurdica? Qual a norma individual e concreta apta a embasar a

    obrigao tributria? As provas so passveis de demonstrar a verdade dos fatos? As provas

    tem o condo de convencer o julgador acerca da ocorrncia do fato? possvel Fazenda

    Pblica arrecadar os tributos sem provar a ocorrncia do fato jurdico gerador da obrigao

    tributria? Como fica o fato jurdico diante da escassez de provas contudentes? A

    Administrao fica impedida de exorar o crdito tributrio, em respeito aos direitos e

    garantias fundamentais do cidado contribuinte? A prova jurdica tem como objetivo conhecer

    as manifestaes sobre o fato?

    Para tanto, tratando-se de um estudo com pretenses cientficas, cabe ressaltarmos que

    o assunto ora proposto requer incurses tanto nos meandros de Direito Tributrio, Direito

    Constitucional, Direito Processual Civil e Direito Administrativo, bem como torna- se

    importante, tambm, incurses na Lgica Jurdica e na Teoria Geral do Direito.

    certo que, em conformidade teoria comunicacional do Direito, cotidianamente,

    diversos fatos que ocorrem no mundo concreto podem ser tanto relevantes quanto irrelevantes

    para o Direito. Mas, um determinado fato somente ser relevante ao Direito e ingressar no

  • 13

    mundo jurdico quando tal fato for relatado em linguagem prpria, competente ao Direito,

    mediante a ocorrncia da incidncia da regra jurdica sobre o suporte ftico.

    A incidncia se d quando o aplicador do Direito, ao tomar o conhecimento de um

    determinado fato que ocorreu no mundo emprico, o submeter aos critrios de identificao do

    fato jurdico correlato, que encontram-se previstos no antecedente de uma norma geral e

    abstrata, mediante a ocorrncia da subsuno, descrevendo o fato em linguagem jurdica

    competente.

    Tal descrio deve se dar em consonncia linguagem jurdica, e, ainda, estar em

    consonncia teoria das provas. Somente de tal modo que deve ser passvel de ocorrer a

    juridicizao, bem como permitir a incidncia da norma sobre o fato, tornando-o jurdico.

    nesse contexto que pretendemos analisar o tema ora proposto, de modo a considerar

    que o Direito, enquanto apresenta-se como um objeto cultural, criado pelo homem, encontra-

    se construdo em um universo de linguagem. Tudo o que no vertido em linguagem

    competente passa a ser irrelevante para o Direito.

    Desse modo, pretendemos demonstrar que o fato jurdico tributrio deve ser

    constitudo mediante as provas, enquanto que provas caracterizam-se como segmentos de

    linguagem aptos a se demonstrar a verdade dos fatos, atestar que um evento ocorreu, bem

    como permitir a construo do fato jurdico.

    Em vista de diferentes controvrsias em torno do assunto, para conseguirmos conferir

    coeso ao raciocnio que pretendemos implantar, fixaremos nossas atenes no exame pontual

    de determinados tpicos que consideramos relevantes sua compreenso, com o intuito de

    estabelecer premissas relevantes para tecermos concluses coerentes compreenso final do

    assunto.

    Para tanto, para a anlise do objeto de investigao do tema ora proposto, partimos de

    cinco premissas essenciais, quais sejam: (i) a realidade constituda por intermdio da

  • 14

    linguagem, (ii) os segmentos de linguagem indicados pelo Direito para a constituio do fato

    jurdico so as provas, (iii) a arrecadao do tributo somente deve ocorrer mediante a prova da

    ocorrncia do fato jurdico gerador da obrigao tributria, (iv) as provas assumem

    fundamental importncia sob tica da imposio tributria, notadamente para embasar as

    relaes entre o Estado e os contribuintes, no mbito dos atos de lanamento para a

    constituio do crdito tributrio e (v) a prova deve ser obtida mediante um procedimento

    administrativo em que h obedincia aos princpios constitucionais.

    Cabe ressaltarmos que o foco a ser mirado no presente trabalho a fase anterior

    litigiosa, ou seja, a fase em que o agente competente ir pesquisar elementos de linguagem

    aptos a embasar a concluso quanto ocorrncia do evento, atravs do procedimento

    tributrio, mediante a colheita de provas que venham a lhe convencer acerca da existncia do

    evento tributrio, com o fim de constituir o fato jurdico tributrio, bem como a fase em que o

    contribuinte possa verificar a atividade realizada pela autoridade administrativa, e, se

    querendo, elaborar uma nova linguagem sobre ela, mediante a observncia do contraditrio.

    Ento, iniciaremos na Primeira Parte do trabalho tecendo algumas consideraes

    acerca dos conceitos fundamentais inerentes ao assunto, examinando, no Captulo 1, a relao

    existente entre a linguagem, o conhecimento, a verdade e a prova jurdica, para, desse modo,

    fornecermos a base terica de nossos estudos, com o intuito de demonstrarmos o pressuposto

    de que por intermdio da linguagem, e logo, das provas, e em conformidade s regras

    existentes no sistema, que se possvel conhecer, construir, manter e atestar a veracidade dos

    enunciados declaratrios do fato jurdico, que traduz a manifestao do evento. Para tanto,

    teremos em mente que a linguagem que constitui a realidade do ser cognoscente.

    Ao partirmos desses pressupostos, examinaremos os contornos em torno da Verdade

    Lgica, enquanto a verdade que se busca no curso do processo de positivao do direito, de

  • 15

    modo que a anlise do referido ponto se perfaz de extrema importncia, pois a prova jurdica

    que visa demonstrar a verdade acerca da ocorrncia de um determinado fato jurdico.

    Ressaltamos, inicialmente, que a verdade a ser buscada no processo de positivao do

    direito a verdade lgica, ou tambm denominada verdade jurdica, como sendo quela

    alcanada mediante a constituio de fatos jurdicos em linguagem prpria, na forma como o

    Direito preceitua, sendo que, somente desse modo, um determinado fato dar-se- por

    juridicamente verificado, e, logo, ser considerado verdadeiro.

    Posteriormente, no Captulo 2, abordaremos a fenomenologia da incidncia tributria,

    partindo da diferenciao entre evento, fato e fato jurdico, para, em seguida, tratarmos, de

    forma mais especfica, do fenmeno de incidncia da norma jurdica tributria. Necessrio se

    faz informar que partimos da premissa de que na incidncia jurdico-tributria, h a

    linguagem do direito positivo projetando-se sobre o campo material das condutas

    intersubjetivas, caracterizando, assim, o carter constitutivo da linguagem jurdico-positiva, j

    que o fato jurdico, enquanto construo lingstica, no confunde-se com a ocorrncia

    fenomnica que lhe serve de fundamento (evento).

    No poderamos deixar de discorrer acerca da caracterizao do fato jurdico

    tributrio. Para tanto, no Captulo 3, examinaremos o modo de sua constituio, tecendo a

    premissa principal de que um evento ocorrido no mundo dos fenmenos, relatado em

    linguagem competente, por autoridade e na forma prescrita pelo sistema do direito positivo,

    que tem o condo de irradiar efeitos jurdicos, com eficcia em consonncia criao do

    tributo. Realizaremos, assim, com base nessas premissas, uma anlise acerca do fato jurdico

    tributrio e percorreremos o estudo da fenomenologia da incidncia da norma jurdica

    tributria.

    Adentrando na Segunda Parte do trabalho, analisaremos, de modo mais especfico, as

    provas em face dos princpios constitucionais tributrios. Assim, sendo um ponto relevante

  • 16

    para, posteriormente, adentrarmos no tema principal, a anlise das provas, enquanto

    linguagem jurdica que formaliza a incidncia tributria e atesta a ocorrncia e veracidade de

    um determinado fato jurdico tributrio. Para tanto, no Captulo 4, discorreremos acerca das

    noes gerais sobre a Teoria das Provas com o intuito de verificarmos um conceito de prova,

    o objeto da prova e sua classificao, os meios de prova admitidos pelo sistema jurdico

    brasileiro relevantes para o processo administrativo tributrio, entre outros tpicos inerentes

    ao assunto e essenciais compreenso do tema objeto.

    Destacamos que, tendo em vista a complexidade em torno da Teoria das Provas, o

    nosso objetivo no esgotar tal tema, mas sim trat-lo de modo a permitir a compreenso

    dentro do objeto de estudo do presente trabalho.

    Assim o faremos para, posteriormente, no Captulo 5, verificarmos alguns princpios

    constitucionais tributrios informadores do tema, tendo em vista que h princpios

    constitucionais que preservam os direitos ou garantias fundamentais do cidado contribuinte

    contra as arbitrariedades e mpetos do Fisco. Aqui, atentaremos para tratar especificamente

    dos contornos dos princpios em torno do tema objeto de investigao, de modo a no esgotar

    o assunto em torno dos princpios constitucionais.

    Tambm se faz de extrema importncia analisarmos as caractersticas do

    Lanamento Tributrio. na Terceira Parte do trabalho, ao demonstrarmos um breve

    panorama sobre o processo administrativo tributrio, mais especificamente no Captulo 6, que

    empreenderemos a tarefa de analisar as especificidades do ato administrativo de lanamento,

    enquanto ato privativo da autoridade administrativa, que detm como objetivo a verificao

    da ocorrncia do fato jurdico e a determinao da matria tributvel.

    Com o intuito de delimitar o tema, temos a pretenso de analisar a relevncia das

    provas para a constituio do fato jurdico tributrio em sede de procedimento e processo

    administrativo. Diante de tal delimitao, explicitaremos, no Captulo 7 os contornos em

  • 17

    torno do Processo Administrativo Tributrio, os procedimentos adotados pelo ente tributante,

    com base na anlise da legislao pertinente e suas recentes atualizaes.

    Finalmente, na Quarta Parte do trabalho, examinaremos a relevncia da teoria das

    provas para o reconhecimento do fato jurdico tributrio, conforme o princpio da segurana

    jurdica, momento no qual conjugaremos todos os elementos explicitados no desenvolvimento

    do trabalho, para, com suporte neles, examinar a necessidade (ou no) de que a constituio

    de um fato jurdico seja pautado em provas admitidas pelo direito.

    Em subitens especficos constantes no Captulo 8, trataremos de temas inerentes ao

    objeto de investigao proposto, com o intuito de demonstrarmos e afirmarmos a importncia

    das provas para a expedio do lanamento tributrio, e conseqente constituio do fato

    jurdico tributrio, com base nos princpios constitucionais, notadamente o princpio da

    segurana jurdica, especialmente no processo administrativo tributrio.

    Por fim, na Quinta Parte do trabalho, no Captulo 9, pretendemos demonstrar a

    aplicao prtica de toda a teoria analisada anteriormente, mediante a anlise de algumas

    legislaes especficas do Processo Administrativo Tributrio, tanto no mbito federal, quanto

    no mbito estadual e municipal. Faremos incurses a determinados artigos da legislao

    concernentes produo probatria, de modo a destacar as diferenas e as semelhanas entre

    tais legislaes acerca do tema ora objeto de estudo.

    Cabe ressaltarmos que, no decorrer do texto, demonstraremos a posio do Conselho

    Administrativo de Recursos Fiscais, antes denominado Conselho de Contribuintes, bem como

    do Tribunal Administrativo Tributrio e da Secretaria de Estado de Fazenda de Mato Grosso

    do Sul, mediante a exposio de diversas Consultas acerca do tema ora tratado, bem como,

    tambm, ao final do trabalho.

    Em sntese, nosso objetivo neste trabalho , baseando na teoria comunicacional do

    Direito e na Teoria Geral do Direito, focalizar a importncia de que os fatos jurdicos

  • 18

    tributrios sejam constitudos somente se embasados em provas admitidas em direito, em sede

    de processo administrativo fiscal, com o intuito de preservar os direitos e as garantias

    fundamentais dos contribuintes.

    Ainda, cumpre destacarmos que, no curso da exposio, no pretenderemos defender

    os interesses de uma ou de outra parte envolvida na tributao (ente tributante ou sujeito

    passivo), mas sim to somente demonstrar fundamentos para que seja ressaltada a necessidade

    em se legitimar o processo administrativo fiscal, mediante a prevalncia dos interesses

    garantidos pela Constituio Federal, notadamente a produo de provas como necessria

    busca da verdade e caracterizao do fato jurdico tributrio, indispensvel justa e

    constitucional tributao.

    o que faremos no curso deste trabalho, procurando que, de alguma forma, seja til

    aos estudos cientficos de to interessante tema.

  • 19

    PRIMEIRA PARTE - COMPREENSO DOS CONCEITOS FUNDAMENTAIS PARA

    O ESTUDO DA IMPORTNCIA DAS PROVAS PARA A CONSTITUIO DO

    FATO JURDICO TRIBUTRIO

    1. A RELAO ENTRE A LINGUAGEM, O CONHECIMENTO, A VERDADE E A

    PROVA JURDICA

    A sociedade caracteriza-se como um sistema comunicacional, pois, o entendimento

    entre dois ou mais indivduos se d atravs da transmisso de mensagem, por intermdio de

    uma linguagem comum, estando a comunicao presente quando houver contato entre

    indivduos.

    A comunicao caracteriza-se em qualquer situao interacional, ou seja, em atos de

    ao, omisso, fala, e at mesmo de silncio, pois, se comportamento implica comunicao,

    no possvel que um indivduo, numa situao interacional, consiga no se comunicar.

    Sempre que algum agir ou omitir, falar ou calar, esse algum estar-se- comunicando,

    ainda que no o faa intencionalmente. Isso faz do processo comunicativo uma constante no

    mundo social.1

    No entanto, a comunicao somente ocorre mediante a linguagem, sendo que a

    linguagem surgiu da necessidade de representar o que queria se comunicar, atravs da

    transmisso de mensagem.

    No longo processo o qual a linguagem passou, destaca-se a corrente do

    Neopositivismo Lgico, ou simplesmente, do Positivismo Lgico, que Andr Felipe Saide

    1 TOME, Fabiana Del Padre. A prova no direito tributrio. So Paulo: Noeses, 2005. p. 39. Convm ainda a

    autora que Se uma pessoa no se move ou fica calada, est-se comportando, pois a omisso tambm modo de comportamento, conforme se observa na situao referida pelos citados autores: O homem que num congestionado balco de lanchonete olha diretamente em frente ou o passageiro de avio que se senta de olhos fechados, esto ambos comunicando que no querem falar a ningum nem que falem com eles; e, usualmente, os seus vizinhos recebem a mensagem e respondem adequadamente, deixando-os sozinhos.

  • 20

    Martins, com base em Luiz Alberto Warat e Albano Marcos Bastos Ppe, define da seguinte

    forma:

    A criao do Neopositivismo Lgico atribuda a um grupo que surgiu na dcada de 20 do sculo XX, denominado Circulo de Viena. Esse movimento, do qual se destaca, principalmente, a participao de Schlick, Neurath, Nagel e Carnap, recebeu outras denominaes, como Empirismo Lgico, Filosofia Analtica, etc. Para os neopositivistas lgicos, uma orao s teria sentido quando se pudesse determinar a sua verdade, ou seja, quando as proposies tivessem correspondncias direta com os fatos que descrevessem. Assim, oraes no verificveis eram relegadas ao campo da metafsica e excludas da linguagem das cincias. Como bem exemplificam Luiz Alberto Warat e Albano Marcos Bastos Pepe, oraes como a outra face da lua de cor verde ou eu sei que vou te amar no teriam sentido porque nelas a verdade no pode ser constatada.2

    Essa corrente do pensamento humano denominada Neopositivismo Lgico, ou

    Positivismo Lgico, adquiriu nfase na segunda dcada do sculo XX, em Viena, que, entre

    outros pontos relevantes, atribua extrema importncia linguagem, que considerava como o

    instrumento por excelncia do saber cientfico. Ou seja, os integrantes da referida corrente de

    pensamento consideravam que, para a composio de um pensamento cientfico, os dados do

    mundo devem ser passveis de serem vertidos em uma linguagem rigorosa, de modo que,

    somente h cincia onde h a preciso lingstica.3

    Acerca da Linguagem e do Neopositivismo Lgico, destaca Aurora Tomazini De

    Carvalho:

    Na segunda dcada do sculo passado, adquiriu corpo e expressividade uma corrente de pensamento humano voltada natureza do conhecimento cientfico, denominada Neopositivismo Lgico tambm conhecinda como Filosofia Analtica ou Empirismo Lgico. (...) Os neopositivistas lgicos reduziram o estudo do conhecimento Epistemologia e esta anlise das condies para se produzirem proposies cientficas. Para esta corrente o discurso cientfico caracterizava-se por proporcionar uma viso rigorosa e sistemtica do mundo. E, neste sentido, a preocupao da Epistemologia dirigia-se identificao dos pressupostos para a construo de uma linguagem rgida e precisa, isto , uma linguagem ideal para as Cincias.4

    2 WARAT, L. A.; PPE, A. M. B. Filosofia do Direito: uma introduo crtica. So Paulo: Moderna, 1996. pp.

    34-35 apud MARTINS, Andr Felipe Saide. A prova do fato jurdico tributrio. 2007. 307 f. Tese (Doutorado em Direito) Direito, Direito do Estado, Direito Tributrio, Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2007. p. 6. 3 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributrio. Linguagem e Mtodo. So Paulo: Noeses, 2008. p. 21.

    4 CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de Teoria Geral do Direito: o constructivismo lgico-semntico.

    So Paulo: Noeses, 2009. pp. 34-35.

  • 21

    Desse modo, coadunando com a respectiva corrente de pensamento, verificamos a

    importncia da linguagem para a constituio da realidade, e logo, do conhecimento e do

    direito, de modo que o estudo da linguagem, do conhecimento, da verdade e do direito,

    enquanto sistema comunicacional, encontram-se inter-relacionados, sendo necessrio o estudo

    de tais conceitos para se firmar determinadas premissas fundamentais e prosseguirmos com o

    estudo do tema principal.

    Nesse passo, na tentativa de conferirmos coeso ao raciocnio a ser empreendido

    adiante, abordaremos alguns conceitos fundamentais necessrios compreenso do estudo da

    importncia das provas para a constituio do fato jurdico tributrio, com base nos

    pressupostos do constructivismo lgico-semntico.

    1.1 Giro Lingustico

    O conhecimento, em conformidade Filosofia do Conhecimento, somente

    caracteriza-se quando h a linguagem atuando sobre a realidade, de modo que somente

    possvel conhecermos pores do meio-envolvente atravs da constituio do mundo externo

    e sensvel em proposies, enquanto enunciados lingsticos.

    No entanto, o entendimento acerca da teoria do conhecimento nem sempre foi este.

    Inicialmente, atravs do advento da filosofia da conscincia, a teoria do

    conhecimento centrava a sua anlise na relao existente entre o sujeito e o objeto, sendo a

    linguagem um mero instrumento secundrio ao conhecimento. O entendimento era de que o

    sujeito conectava-se ao objeto, por intermdio da linguagem. Partia-se, ento, da anlise do

    objeto (ontologia), do sujeito (gnosiologia) e tambm da relao existente entre objeto e

    sujeito (fenomenologia).

  • 22

    Nesse contexto, a linguagem era vista como um mero instrumento ou meio apto a

    realizar a ligao existente entre o sujeito e o objeto do conhecimento, entre o ser cognoscente

    e a realidade, de modo a se buscar a verdade mediante a correspondncia entre a proposio

    lingstica e o objeto referido. O conhecimento era visto como a relao existente entre o

    sujeito e o objeto.5

    Acerca da filosofia da conscincia, Aurora Tomazini de Carvalho bem ensina:

    Existia, nesta concepo, uma correspondncia entre as idias e as coisas que eram descritas pela linguagem, de modo que o sujeito mantinha uma relao com o mundo anterior a qualquer formao lingstica. O conhecimento era concebido como a reproduo intelectual do real, sendo a verdade resultado da correspondncia entre tal reproduo e o objeto referido. Uma proposio era considerada verdadeira quando demonstrava a essncia de algo, j que a linguagem no passava de reflexo, uma cpia do mundo. (...) Segundo esta tradio filosfica, existia um mundo em si refletido pelas palavras (filosofia do ser) ou conhecido mediante atos de conscincia e depois fixado e comunicado aos outros por meio da linguagem (filosofia da conscincia).6

    Desse modo, com base nesta concepo, a linguagem no era ainda considerada

    como condio para se obter o conhecimento, mas to somente era vista como um mero

    instrumento que detinha a funo de representar a realidade, tal como ela se apresentava e era

    conhecida pelo sujeito cognoscente.

    Posteriormente, mediante uma mudana na concepo da filosofia do conhecimento,

    a filosofia da conscincia deu advento filosofia da linguagem, que obteve o termo inicial

    com Ludwing Wittgenstein mediante sua obra Tractatus lgico-philosophicus, e o movimento

    filosfico denominado giro lingustico.

    De acordo com esse novo paradigma, ocorreu um rompimento da forma tradicional

    de se conceber a relao entre a linguagem e o conhecimento, sendo que a linguagem deixou

    de ser um mero instrumento de comunicao de um conhecimento que j havia sido realizado

    e passou a ser vista como algo que independe do mundo da experincia e at mesmo sobre ela

    5 TOM, F. D. P. A prova no direito tributrio.., 2005. p. 01.

    6 CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lgico-semntico..., 2009. p. 13.

  • 23

    se sobrepe pois tornou-se capaz de criar tanto o ser cognoscente quanto a realidade, visto que

    entendiam que a compreenso da realidade se daria mediante a preexistncia da linguagem.

    Acata-se, nesse ponto, a lio de Tcio Lacerda Gama, que, ao lecionar acerca do

    movimento filosfico denominado giro-lingustico, nos ensina:

    O giro-lingustico surge como proposta de superao da filosofia da conscincia. O argumento central para essa ruptura a mudana na forma de conceber a relao entre linguagem e conhecimento. Sob a vigncia da filosofia da conscincia, a linguagem era vista como simples instrumento entre o sujeito e o objeto do conhecimento. A escolha do mtodo de investigao seria determinada pelo tipo de objeto a ser estudado. J a verdade seria fruto da correspondncia entre a proposio lingstica e o objeto de estudos. Para os autores do giro lingustico, toda forma de compreenso se d na linguagem. Com efeito, a linguagem deixa de ser concebida como um mero instrumento que ligaria o sujeito ao objeto do conhecimento. Nas palavras de DADO SCAVINO, a linguagem seria um lxico capaz de criar tanto o sujeito como o objeto do conhecimento. Sem linguagem ou antes dela, no seria possvel compreender o que sujeito, tampouco o que vem a ser objeto. Por isso, tudo aquilo que se pode compreender linguagem.7

    Desse modo, a linguagem passou a caracterizar-se como uma condio de

    possibilidade para a constituio do conhecimento, em que, conforme afirma Dardo Scavino,

    a linguagem deixou de ser um meio, algo que estaria entre o sujeito e a realidade, para se

    converter num lxico capaz de criar tanto o sujeito como a realidade.8

    O interesse passou a centrar-se na linguagem, e, assim, passou a se pressupor que

    para a compreenso das coisas, deve-se haver a preexistncia de linguagem, sendo que ela

    pode at mesmo ser capaz de criar tanto o ser cognoscente quanto a realidade.

    Como bem assinala Fabiana Del Padre Tom, nessa concepo, o conhecimento

    no aparece como relao entre sujeito e objeto, mas como relao entre linguagem, entre

    significaes.9 A partir da, o interesse passou a centrar-se na anlise da linguagem.

    Reportamo-nos novamente s lies de Aurora Tomazini de Carvalho:

    7 GAMA, Tcio Lacerda. Contribuio de Interveno no domnio econmico. So Paulo: Quartier Latin, 2003.

    p. 31. 8 SCAVINO, Dardo. La filosofia actual: pensar sin certezas. Buenos Aires: Paidos Postales, 1999. p. 12.

    9 TOM, F. D. P. A prova no direito tributrio..., 2005. p. 01.

  • 24

    No existe mais um mundo em si, independente da linguagem, que seja copiado por ela, nem uma essncia nas coisas para ser descoberta. S temos o mundo e as coisas na linguagem; nunca em si. Assim, no h uma correspondncia entre a linguagem e o objeto, pois este criado por ela. A linguagem, nesta concepo, passa a ser o pressuposto por excelncia do conhecimento.10

    Esse interesse pela linguagem corresponde corrente filosfica denominada

    Filosofia Analtica ou Neopositivismo Lgico, que consiste na anlise da linguagem.

    Os neopositivistas lgicos consideravam que a construo de uma cincia depende

    da traduo dos acontecimentos do mundo em uma linguagem rigorosa. O objeto principal,

    ento, se perfazia na anlise da linguagem, pois era vista como necessria para a compreenso

    da realidade. Por isso, o professor Paulo de Barros Carvalho, ao discorrer acerca do tema,

    assevera que compor um discurso cientfico verter em linguagem rigorosa os dados do

    mundo, de tal sorte que ali onde no houver preciso lingstica no poder haver

    Cincia.11

    Sendo assim, na concepo do movimento filosfico giro-lingustico, o mundo

    resultante de uma construo em linguagem. A realidade, para tal corrente, se constitui a

    partir da expresso dos acontecimentos em linguagem. Tal afirmao vai de encontro ao

    proposto pelos integrantes do Crculo de Viena, visto que defendiam que ao ser cognoscente

    somente dado conhecer o mundo por intermdio da linguagem.

    Ludwing Wiitgenstein, em sua obra Tratactus Lgico-Philosophicus enquanto

    precursor do movimento filosfico giro lingustico, afirmava que a linguagem e o mundo

    so coextensivos, ou seja, os limites de um so os limites do outro, ao propor, na proposio

    5.6, que os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo.12 Nesse passo, o

    mundo exterior somente passa a existir para o sujeito cognoscente quando h uma linguagem

    que constitua, linguisticamente, em enunciados, tal mundo.

    10 CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lgico-semntico..., 2009. p. 13.

    11 CARVALHO, P. de B. Direito Tributrio. Linguagem e Mtodo..., 2008. p. 21.

    12 WIITGENSTEIN, Ludwig. apud ESTEVES, Maria do Rosrio. A prova do fato jurdico no processo

    administrativo tributrio. 2005. 234 F. Tese (Doutorado em Direito) Direito, Direito do Estado, Direito Tributrio. Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, So Paulo, 2005. p. 23.

  • 25

    , ento, na filosofia da linguagem que nos firmamos para a consecuo do presente

    trabalho, mais precisamente por aquilo que se convencionou chamar de giro lingstico,

    pois partiremos do entendimento, em conformidade a tal movimento filosfico ora analisado,

    de que o mundo somente passvel de ser compreendido, e logo, de ser conhecido, mediante a

    anlise da linguagem.

    1.2 Linguagem e comunicao

    Em conformidade ao defendido pelos integrantes do Crculo de Viena, e, a partir da

    proposio 5.6 elaborada por Ludwing Wiitgenstein, ao ser cognoscente somente dado

    conhecer o mundo por intermdio da linguagem. Quanto maior e mais ampla a linguagem que

    o ser cognoscente possui, um maior nmero de objeto so cognoscveis por ele.

    Nesse contexto, partimos do pressuposto de que a linguagem exerce uma funo

    constitutiva da realidade, ou seja, a realidade somente aparece ao ser cognoscente por

    intermdio da linguagem.

    Mas, o que linguagem? O conceito de linguagem foi reformulado a partir do

    movimento filosfico denominado giro-lingustico, que, na teoria do conhecimento, passou

    a ser vista no apenas como instrumento apto a realizar o elo entre o sujeito e o objeto de

    conhecimento, mas sim passou a ser entendida como necessria para se compreender o que

    seja o sujeito e o que seja objeto, possuindo uma funo mais ampla, pois permite a

    compreenso e toda e qualquer forma de entendimento.13

    A linguagem se perfaz de fundamental importncia pois ela o veculo que o

    homem utiliza para se comunicar, sendo a linguagem a capacidade do ser humano de se

    comunicar.

    13 GAMA, T. L. Contribuio de Interveno no domnio econmico..., 2003. p. 31.

  • 26

    Desse modo, observa-se a relao existente entre a linguagem e a comunicao. Ou

    seja, em uma conversao, mediante a presena dos elementos comunicacionais (receptor,

    emissor, mensagem, canal, cdigo e contexto), a comunicao, e logo, a transferncia de

    comunicao entre um emissor e um receptor se d por intermdio da linguagem, seja qual for

    a sua forma, ou seja, falada, escrita, por gestos, entre outras.

    Partindo da Semitica, tida como a cincia dos signos, podemos afirmar que a

    linguagem o mais importante sistema de signos, pois, tal como afirma Clarice von Oertzen

    de Araujo, a partir dele (sistema semitico) que outros sistemas de comunicao se

    constroem, uma vez que a linguagem verbal a nica que comporta a possibilidade de seu

    uso para falar de outros sistemas de signos.14

    A comunicao humana permitida mediante a unidade do sistema denominada

    signo, sendo este fundamental para a formao do conhecimento. O signo possui status

    lgico de relao em que, conforme classificao desenvolvida por Edmund Husserl, o

    tringulo bsico do modelo analtico de comunicao sgnica formado pelos seguintes

    componentes: suporte fsico, que associa-se a um significado e a uma significao.

    Nessa linha de raciocnio, acerca da importncia da linguagem, em um contexto de

    comunicao, Clarice von Oertzen de Araujo destaca:

    A linguagem inclui-se entre as instituies humanas resultantes da vida em sociedade. O direito apenas uma das formas sociais institucionais que se manifesta atravs da linguagem, a qual possibilita e proporciona a sua existncia. A linguagem o veculo do qual se utiliza o homem para comunicar-se.15

    Com efeito, partindo da linguagem que detm a funo constitutiva da realidade, pois

    ao ser cognoscente somente passvel conhecer o mundo por intermdio da linguagem,

    destacamos que determinadas pores da realidade, delimitadas no tempo e no espao,

    14 ARAUJO, Clarice von Oertzen. Semitica do Direito. So Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 17.

    15 Ibidem, p. 19.

  • 27

    somente sero conhecveis pelo sujeito cognoscente caso estejam caracterizadas com a

    presena lingstica, formando assim, os fatos (sociais, polticos, econmicos, jurdicos,

    dentre outros), e permitindo que haja a comunicao e a interao entre os indivduos.

    Portanto, atentamos para a relao existente entre a linguagem e a comunicao, pois,

    sendo a linguagem constitutiva da realidade, a linguagem o veculo que o homem utiliza

    para comunicar, mediante a emisso de proposies descritivas para referir-se a coisas e

    eventos, permitindo, assim, a interao e a comunicao por intermdio da linguagem.

    Somente por intermdio da linguagem se possibilita que se tenha comunicao, e logo, a

    existncia da sociedade pois o processo comunicativo essencial no mundo social, sendo que

    a linguagem permite que o entendimento entre homens, mediante a existncia de uma

    linguagem comum que permita a comunicao.16

    1.3 Realidade, conhecimento e linguagem

    Cumpre ressaltar, inicialmente, a premissa que adotamos de que a linguagem se

    perfaz de extrema relevncia ao conhecimento, j que o conhecimento encontra-se inserido

    dentro de um processo comunicacional, somente existindo no plano do enunciado, sendo, por

    natureza, lingstico.

    Ou seja, a realidade a expresso e a construo em linguagem dos acontecimentos,

    o que importa dizer que o conhecimento da realidade, e logo, do mundo exterior, somente

    possvel de ser comunicado atravs da linguagem e seus enunciados.

    16 Oportuno o ensinamento de Fabiana Del Padre Tom: Para que se tenha comunicao, uma das condies

    necessrias a existncia de linguagem, idiomtica ou no. Tal a indissociabilidade entre comunicao e linguagem que esta tem sido entendida no apenas como cdigo mediante o qual se realiza o ato comunicativo, mas tambm, em sentido lato, como a prpria comunicao. A presena inarredvel da linguagem no processo comunicativo e o fato de a comunicao ser elemento integrante do sistema social implicam a inexistncia de sociedade sem linguagem, confirmando nossa assertiva de que o fato social constitudo por relato lingstico, segundo as regras previstas pelo prprio sistema. (TOM, F. D. P. A prova no direito tributrio..., 2005. p. 40.)

  • 28

    Nesse sentido, Fabiana Del Padre Tome expe que s h realidade onde atua a

    linguagem, assim como somente possvel conhecer o real mediante enunciados

    lingsticos.17

    Desse modo, contrapondo-se filosofia da conscincia, e, em conformidade

    filosofia da linguagem, o conhecimento somente caracteriza-se quando qualquer poro do

    mundo exterior apreendida pelo ser humano e constitudo linguisticamente. De outro modo,

    no h que se falar na ocorrncia do conhecimento. Ressalta-se, assim, novamente, a

    essencialidade da linguagem para a constituio do conhecimento.

    Passemos, ento, a uma breve anlise do que seja o conhecimento.

    Em conformidade a Miguel Reale para que haja conhecimento, necessrio que o

    sujeito esteja em intencionalidade de conhecer, assim como necessrio que algo exista que

    possa ser apreendido pelo sujeito.18 Ou seja, o autor aduz que para a caracterizao do

    conhecimento, o sujeito deve possuir a inteno de conhecer alguma poro do mundo

    exterior.

    Por sua vez, Fabiana Del Padre Tom afirma que o conhecimento consiste em saber

    distinguir as proposies verdadeiras das falsas, proposies estas caracterizadas por

    descreverem estados de coisas.

    Prosseguindo, afirma, ainda, que se perfaz como objeto do conhecimento as

    proposies que descrevem as coisas, e no as coisas propriamente ditas, sendo que no so

    as coisas, portanto, verdadeiras ou falsas: os enunciados a elas referentes que se sujeitam a

    essa espcie de valorao.19

    17 TOM, F. D. P. A prova no direito tributrio..., 2005. p. 03.

    18 REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 20. ed. So Paulo: Saraiva, 2002. p. 115.

    19 TOM, F. D. P., op. cit., p. 02. Leciona tambm Aurora Tomazini de Carvalho: J no h mais verdades

    absolutas. Sabemos das coisas porque conhecemos a significao das palavras tal como elas existem numa lngua, ou seja, porque fazemos parte de uma cultura. Na verdade, o que conhecemos so construes lingsticas (interpretaes) que se reportam a outras construes lingsticas (interpretaes), todas elas condicionadas ao contexto sociocultural constitudo por uma lngua. Neste sentido, o objeto do conhecimento no so as coisas em si, mas as proposies que as descrevem, porque delas decorre a prpria existncia dos

  • 29

    Em conformidade autora, o conhecimento de algo se d mediante a possibilidade

    de enunciar determinadas proposies descritivas verdadeiras acerca de eventos ou pessoas, e

    no mediante o contato direto com as coisas propriamente ditas, sendo passvel de

    diferenciao as descries verdadeiras das falsas.

    Por sua vez, Maria do Rosrio Esteves, baseada nos ensinamentos do ilustre

    professor Alaor Caf Alves, aduz:

    Conhecer, segundo o mestre da USP, Alaor Caf Alves, a operao imanente pela qual um sujeito pensante representa um objeto. Ou, em outras palavras, o ato de tomar um objeto presente percepo, a imaginao ou inteligncia de algum. E o ato de perceber, imaginar ou pensar um objeto. Nesse sentido, o processo cognitivo est fundado, portanto, em trs elementos: a representao, o objeto representado e o sujeito que representa o referido objeto. Este, o objeto, no pode ser colocado como algo fsico ou material que est fora do nosso pensamento. No pode ser confundido com a coisa em si, esta sim, entendida como algo que est alm da conscincia, portanto, fora do sujeito.20

    Cabe citarmos tambm o ensinamento de Aurora Tomazini de Carvalho que, ao

    lecionar acerca do conhecimento, o caracteriza como forma da conscincia humana por meio

    da qual o homem atribui significado ao mundo (isto , o representa intelectualmente). Neste

    sentido, conhecer algo e ter conscincia sobre este algo, de modo que se perder a conscincia

    o ser humano nada mais conhece.21

    O conhecimento se d, ento, mediante a possibilidade de emitir proposies

    verdadeiras ou falsas para referir-se e descrever determinadas coisas e eventos do mundo real,

    tratando-se, assim, de um saber emitido atravs de proposies descritivas, e ainda, mediante

    a possibilidade de relacionar as proposies em forma de raciocnios, de forma coerente

    Sendo assim, o conhecimento proposicional, o que se d mediante a construo de juzos,

    por intermdio da linguagem.

    objetos. (CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lgico-semntico..., 2009. p. 14.) 20

    ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurdico no processo administrativo tributrio.., 2005. p. 25. 21

    CARVALHO, A. T. de. op. cit., p. 06.

  • 30

    Ressaltamos, ento, que no h conhecimento sem linguagem. Em conformidade

    perspectiva filosfica denominada filosofia da linguagem, um determinado objeto no

    passvel de ser conhecido tal como ele se apresenta fisicamente, mas sim faz-se necessrio

    considerar os discursos que os relatam e os constituem, interpretando-os. Por isso,

    concordamos que o mundo exterior no existe para o sujeito cognoscente sem uma linguagem

    que o constitua.

    E quem emite tais proposies o sujeito do conhecimento, ou seja, quele ser que

    se encontra inserido em uma comunidade que se comunica por intermdio da linguagem.

    , ento, tanto o conhecimento quanto o seu objeto (proposies s quais se atribui

    valores verdade e falsidade) uma construo intelectual, em que a sua existncia se d

    mediante a linguagem. Somente quando h a constituio da realidade em enunciados

    lingsticos, que se possvel conhec-la. Nesse contexto, cabe, novamente, lembrarmos da

    afirmao de Ludwig Wittgenstein, para quem os limites da minha linguagem significam o

    limite do meu mundo.22

    Caso contrrio, se a realidade no for constituda pela linguagem, caracterizar to

    somente como meras sensaes, de modo que no ensejar o conhecimento em sua forma

    plena. Conseqentemente, tais proposies objetos do conhecimento podem ser consideradas

    verdadeiras ou falsas, de modo que, caso se queira refutar uma determinada proposio, deve-

    se emitir outros enunciados.

    Desse modo, entendemos que conhecer algo demonstra que uma determinada

    realidade foi construda intelectualmente, mediante a constituio em linguagem para o

    sujeito cognoscente, e no mediante a simples apreenso mental da realidade.

    Nesse contexto, tendo em vista que o conhecimento da realidade somente possvel

    mediante a expresso e constituio dos acontecimentos em linguagem, atravs da emisso de

    22 WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus lgico-philosophicus. p. 111 apud CARVALHO, A. T. de. Curso de

    teoria geral do direito: o constructivismo lgico-semntico..., 2009. p. 11.

  • 31

    proposies descritivas referente s coisas, acontecimentos ou eventos, observamos que o

    conhecimento ocorre em um processo comunicacional, e, por isso, caracteriza-se como sendo

    eminentemente lingstico. Somente por intermdio da linguagem que se possvel afirmar a

    existncia de algo, j que por intermdio dela que se e possvel fixar e transmitir idias.

    O Emrito Professor Paulo de Barros Carvalho assim ensina sobre o tema:

    O mundo da vida, com as alteraes ocorridas no campo das experincias tangveis e submetido a nossa intuio sensvel, naquele caos de sensaes a que se referiu Kant. O que sucede neste domnio e no recolhido pela linguagem social no ingressa no plano por nos chamado de realidade, e, ao mesmo tempo, tudo que dele faz parte encontra sua forma de expresso nas organizaes lingsticas com que nos comunicamos; exatamente porque todo o conhecimento redutor de dificuldade, reduzir as complexidades do objeto da experincia e uma necessidade inafastvel para se obter o prprio conhecimento.23

    O conhecimento somente possvel por intermdio da linguagem, e, desse modo,

    pressupe a existncia da linguagem, j que a linguagem que o constitui, bem como ela

    que o destri. certo afirmar, ento, que algo somente pode ser conhecido pois o homem o

    constri e se comunica por intermdio de sua linguagem, inserido em um contexto

    comunicacional.

    Nesse sentido, o que expe Susy Gomes Hoffmann, ao expor a relao existente

    entre conhecimento e linguagem:

    Com muita propriedade explica Susy Gomes Hoffmann que o conhecimento surge de uma relao (a relao do objeto com o sujeito), sendo que, para essa relao ser fomentada, deve haver comunicao. Havendo comunicao, pressupe-se a existncia da linguagem que o sujeito aplica sobre determinado objeto e, assim, transmite a sua percepo a outro sujeito e assim sucessivamente.24

    Nesse passo, ao ser humano somente possvel conhecer o mundo quando o

    constitui linguisticamente em seu intelecto. Mas, observa-se que a linguagem do sujeito do

    23 CARVALHO, P. de B. Direito Tributrio: linguagem e mtodo..., 2008. p. 07.

    24 HOFFMANN, Susy Gomes. Prova no direito tributrio. Campinas: Copola, 1999. p. 44 apud MARTINS, A.

    F. S. A prova do fato jurdico tributrio..., 2007. pp. 18-19.

  • 32

    conhecimento no reflete, exatamente, a realidade, mas sim ela somente poder ser construda

    mediante a interpretao do sujeito cognoscente. Nas basta to somente a simples apreenso

    mental de um objeto que possui existncia concreta, pois o intelecto do homem quem

    produz os objetos que conhecemos, mediante a interpretao.

    Paulo de Barros Carvalho afirma que (...) a interpretao tema fundamental e,

    sem ela, no teremos acesso ao conhecimento do direito.25

    Seguindo o entendimento de Nicola Abbagnano, tal interpretao, e

    conseqentemente o conhecimento, encontra-se condicionado ao contexto em que encontra-se

    inserido, ou seja, influenciado pelo meio social, pelo tempo histrico, e bem como pela

    experincia de vida do sujeito cognoscente, sendo que os elementos que compem tal

    contexto condicionam e influenciam a significao de um enunciado.26

    Sendo, ento, o conhecimento passvel de ser constitudo somente atravs de

    construo lingstica, deve-se atentar que a linguagem no apenas reflete as coisas tal como

    elas so, sem qualquer influncia cultural, mas sim encontra-se sujeito atividade

    interpretativa. Desse modo, a significao de um vocbulo que expressa uma determinada

    coisa da realidade deve depender do vnculo que se estabelece com outras palavras.

    Nesse passo, o conhecimento fruto de construes lingsticas encontra-se sujeito

    refutao por outras proposies. Ou seja, as proposies que constituem a realidade devem

    ser consideradas verdadeiras ou falsas mediante a emisso de outros enunciados, atravs

    da elaborao de outras interpretaes e outros discursos, e no somente remetendo-se a

    outros fatos tal como so.27

    Vejamos a preciosa lio de Fabiana Del Padre Tome acerca do assunto:

    25 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributrio. 21. ed. So Paulo: Saraiva, 2009. p. 96.

    26 ABBAGNANO, Nicola. Dicionrio de Filosofia.Traduo de Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti. 4. ed.

    So Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 199. 27

    ESTEVES, Maria do Rosario. Os meios de prova no processo administrativo tributrio in SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Segurana Jurdica na Tributao e estado de direito. So Paulo: Noeses, 2005. pp. 23-24.

  • 33

    A significao de um vocbulo no depende da relao com a coisa, mas do vnculo que estabelece com outras palavras. Nessa concepo, a palavra precede os objetos, criando-os, constituindo-os para o ser cognoscente. Como anota Dardo Scavino, no existem fatos, s interpretaes, e toda interpretao interpreta outra interpretao. Da a concluso de que se a coisa no precede a interpretao, s aparecendo como tal depois de ter sido interpretada, ento a prpria atividade interpretativa que a cria. Exemplificando: se uma rvore cai e forma obstculo passagem por determinada rua, mas ningum toma conhecimento desse evento, no h, no mundo social, o fato correspondente. A partir do momento em que a comunidade fica sabendo da ocorrncia de tal fenmeno, tem-se constitudo o fato social, por ter sido interpretado por algum e vertido na linguagem da comunicao social. Assim que, no obstante a rvore possa ter cado naturalmente, por estar muito velha, o fato social, decorrente da interpretao humana, pode consistir em a rvore foi derrubada por algum ou a rvore caiu em virtude de um temporal ou, ainda, a rvore foi derrubada por foras do alm etc. Em suma, o fato inexiste antes da interpretao. o ser humano que, interpretando eventos ou at mesmo empregando recursos imaginativos, cria o fato, fazendo-o por meio da linguagem, entendida como o uso intersubjetivo de sinais que tornam possvel a comunicao.28

    Neste sentido, o conhecimento somente possvel por intermdio da linguagem,

    pois, somente atravs dela que possvel compreender as coisas existentes no mundo e criar

    a existncia da realidade do ser cognoscente, Logo, a linguagem cria ou constitui a

    realidade.29

    E, ainda, a linguagem no demonstra, exatamente, a realidade tal como ela , mas

    sim a realidade somente ser construda a partir da interpretao que realizada pelo sujeito

    cognoscente.

    1.4 Direito Positivo como um subsistema comunicacional: sistema de linguagem

    prescritiva

    O Direito, enquanto sistema de normas que tem como objetivo regulamentar as

    condutas humanas em sociedade, apresenta-se, invariavelmente, como um fenmeno de

    28 TOM, F. D. P. A prova no direito tributrio..., 2005. pp. 03-04.

    29 Ibidem., p. 06.

  • 34

    linguagem, de modo que expressa-se por intermdio de linguagem. Deve, ento, o Direito ser

    analisado em conformidade Teoria Comunicacional do Direito.30

    Assim, podemos verificar que a linguagem participa da constituio do Direito, de

    modo que no possvel cogitar a sua manifestao sem uma linguagem que lhe sirva de

    veculo de expresso.31

    Nesse sentido, leciona Christiano Jos de Andrade, ao afirmar que o direito s se

    exterioriza atravs da linguagem. Da a dimenso lingstica do direito, de modo que o

    elemento lingstico possa servir como instrumento de interpretao.32

    O Direito, para Clarice von Oertzen de Araujo, um sistema de linguagem

    artificialmente elaborado. Pode, assim, ser considerado como um cdigo artificial, pois

    objetiva comunicar determinados padres de comportamento (obrigatrios, permitidos ou

    proibidos), atribuindo-lhes valores. Ato contnuo, afirma ainda:

    O Direito como sistema comunica aos seus destinatrios/usurios padres de conduta social. Tais pautas de comportamento utilizam a linguagem escrita de uma forma hegemnica. (...) Trabalhando com a linguagem escrita, no implica grande dificuldade considerar o direito como um cdigo artificial, assim considerados todos os cdigos que se utilizam de uma lngua(gem) natural (usada aqui como sinnimo de um idioma) como ferramenta ou pressuposto de constituio. As linguagens formalizadas so consideradas cdigos artificiais pela teoria da comunicao. 33

    30 Acerca da Teoria Comunicacional do Direito, Maria do Rosrio Esteves expe: Essa teoria reconhece o

    direito como um sistema de comunicao, cujo objetivo organizar a convivncia humana mediante a regulao das aes. Desse modo, todos os elementos que compem o direito so verbalizados e a linguagem a forma de expresso do direito. O direito linguagem e, dessa perspectiva, o direito texto. Porm, todo texto est inserido em um contexto. No h texto sem contexto, por isso, o direito texto e contexto. (ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurdico no processo administrativo tributrio..., 2005. p. 27) 31

    Ressalta-se a lio de Fabiana Del Padre Tom, ao acentuar: A concepo da teoria comunicacional do direito tem como premissa que o direito positivo se apresenta na forma de um sistema de comunicao. Direito linguagem, pois a linguagem que constitui as normas jurdicas. Essas normas jurdicas, por sua vez, nada mais so que resultados de actos de fala, expressos por palavras e inseridos no ordenamento por veculos introdutores, apresentado as trs dimenses sgnicas: suporte fsico, significado e significao. (TOM, F. D. P. A prova no direito tributrio..., 2005. p. 40). 32

    ANDRADE, Christiano Jos de. O problema dos mtodos da interpretao jurdica. So Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 103. 33

    ARAUJO, C. v. O. Semitica do Direito..., 2005. pp. 17-18.

  • 35

    Cabe destacarmos que, cada linguagem se presta a constituir a sua realidade

    mediante um subsistema prprio. Sendo o sistema social uma rede de comunicaes, o Direito

    um subsistema, com uma comunicao diferenciada, que faz parte do sistema maior de

    comunicao, ou seja, o sistema social. Do mesmo modo, faz parte desse sistema maior de

    comunicao a linguagem natural, que constitui a realidade social, a linguagem tcnico-

    econmica, que constitui a realidade econmica, entre outras.

    Aplicando tais noes linguagem tcnico-jurdica que constitui a realidade no

    Direito Positivo, possvel notarmos que o subsistema jurdico encontra-se no interior do

    macrosistema da sociedade, assim como demais outros subsistemas sociais, sendo que, cada

    qual apresenta o seu cdigo prprio.34

    Atentamos assim que, o plano do Direito Positivo distingue-se do plano da realidade

    social, em conformidade ao constructivismo lgico-semntico.

    Nesse contexto, o subsistema comunicacional do Direito Positivo diferencia-se dos

    demais pois, ao se manifestar atravs da linguagem, apresenta um tipo particular de

    comunicao, que distingue-se da linguagem da realidade social, ou seja, mediante a adoo

    do cdigo lcito/ilcito (contrapondo-se ao cdigo comunicao/no-comunicao utilizado

    pelo sistema social), destina-se a regular os comportamentos intersubjetivos, mediante a

    utilizao de normas jurdicas, sendo que, sem ele, seria impossvel a vida em sociedade.

    Assim, somente ingressa no sistema do Direito Positivo queles fatos sociais que puderem ser

    descritos no seu cdigo (lcito/ilcito), mediante o relato em linguagem competente, que a

    34 Sobre o assunto, manifestou-se Gustavo Sampaio Valverde: Esclarece Gustavo Sampaio Valverde que, no

    obstante a sociedade se apresente como um grande sistema, compreendendo todas as formas possveis de comunicao, na modernidade encontra-se dividida em subsistemas parciais, dos quais so exemplos os sistemas poltico, jurdico, econmico e cientfico. Esses sistemas possuem cdigos de comunicao prprios e especficas operaes de reproduo de elementos, que lhes conferem um fechamento operativo e tambm uma forma peculiar de abertura cognitiva do ambiente. (VALVERDE, Gustavo Sampaio. Coisa julgada m matria tributria. So Paulo: Quartier Latin, 2004 apud TOM, F. D. P. A prova no direito tributrio..., 2005. p. 41)

  • 36

    forma de manifestao do Direito Positivo, enquanto conjunto de normas jurdicas vlidas em

    um territrio em um determinado momento.35

    A despeito do tema, Lourival Vilanova atesta que somente a linguagem das normas

    detm o condo de alterar as condutas humanas, afirmando que (...) altera-se o mundo fsico

    mediante o trabalho e a tecnologia, que o potencia em resultados. E altera-se o mundo social

    mediante a linguagem das normas, uma classe da qual a linguagem das normas do

    Direito.36

    Assim, o Direito expressa-se mediante o uso de palavras e linguagem,

    caracterizando-se como uma linguagem prescritiva de condutas. Exemplificando, no contexto

    do Direito Tributrio, bem como no contexto do objeto de investigao do trabalho ora

    proposto, o agente administrativo, ao realizar o lanamento tributrio, faz por intermdio do

    uso de palavras. So as palavras, e logo, a linguagem, o modo de expresso do Direito.

    A linguagem prescritiva do Direito Positivo, enquanto um complexo de normas

    jurdicas vlidas em um pas, emite ordens e comandos ao projetar-se sobre as condutas

    humanas nas relaes intersubjetivas, visando organiz-las e orient-las em direo aos

    valores que a sociedade pretende implantar, estipulando como tais condutas devem ser, com o

    carter coercitivo que lhe prprio. Para tanto, a linguagem prescritiva de condutas objeto

    da Lgica Dentica, e expressa-se mediante os modais denticos: P/permitido;

    V/proibido e O/obrigatrio.

    Essa a lio do professor Paulo de Barros Carvalho:

    35 Nesse sentido, vejamos a lio de Celso Fernandes Campilongo: (...) na rede de comunicaes da sociedade,

    o direito se especializa na produo de um tipo particular de comunicao que procura garantir expectativas de comportamentos assentadas em normas jurdicas. (CAMPILONGO, Celso Fernandes. O direito na sociedade complexa. So Paulo: Max Limonad, 2000. p. 162). Leciona ainda Fabiana Del Padre Tom que A concepo da teoria comunicacional do direito tem como premissa que o direito positivo se apresenta na forma de um sistema de comunicao. Direito linguagem, pois a linguagem que constitui as normas jurdicas. Essas normas jurdicas, por sua vez, nada mais so que resultados de atos de fala, expressos por palavras e inseridos no ordenamento por veculos introdutores, apresentando as trs dimenses sgnicas: suporte fsico, significado e significao. (TOM, F. D. P. A prova no direito tributrio..., 2005. p. 40) 36

    VILANOVA, Lourival. As estruturas lgicas e o Sistema de direito positivo. 4. Ed. So Paulo: Noeses, 2006. p. 42.

  • 37

    O direito positivo est vertido numa linguagem, que seu modo de expresso. E essa camada de linguagem, como construo do homem, se volta para a disciplina do comportamento humano, no quadro de suas relaes de intersubjetividade. As regras do direito existem para organizar a conduta das pessoas, umas com relao s outras. (...) Seja como for, a disciplina do comportamento humano, no convvio social, se estabelece numa frmula lingstica, e o direito positivo aparece como um plexo de proposies que se destinam a regular a conduta das pessoas, nas relaes de inter-humanidade.37

    Considerando que o conhecimento somente passvel atravs da linguagem, que

    tambm permite a sua transmisso, o Direito, ao ordenar condutas, deve ser expresso por meio

    de linguagem, mediante um conjunto de proposies formadas por normas jurdicas vlidas.

    o Direito a linguagem que constitui as normas jurdicas, enquanto que norma jurdica a

    significao que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo.38Assim, o

    conjunto de normas jurdicas vlidas encontram-se postas em um corpo de linguagem

    prescritiva.39

    Reproduzindo as brilhantes palavras do professor Paulo de Barros Carvalho acerca

    do tema, que aduz:

    (...) ali onde houver direito haver sempre normas jurdicas, e onde houver normas jurdicas haver, certamente, uma linguagem que lhes sirva de veculo de expresso. Pois bem, para que haja o fato jurdico e a relao entre sujeitos de direito que dele, fato, se irradia, necessria se faz tambm a existncia de uma

    37 CARVALHO, P. de B. Curso de Direito Tributrio..., 2009.p. 02. Ressalta ainda o autor: Firmemos a

    premissa de que o direito positivo um corpo de linguagem, de cunho prescritivo, organizado para disciplinar o comportamento dos seres humanos no convvio social. um plexo de proposies normativas destinado a regular a conduta das pessoas, nas suas relaes de inter-humanidade (Ibidem., p. 95). 38

    Ibidem., p. 08. Afirma o professor acerca das normas jurdicas: Trata-se (a norma jurdica) de algo que se produz m nossa mente, como resultado da percepo do mundo exterior, captado pelos sentidos. Vejo os smbolos lingsticos marcados no papel, bem como ouo a mensagem sonora que me dirigida pelo emissor da ordem. Esse ato de apreenso sensorial propicia outro, no qual associo idias ou noes para formar um juzo, que se apresenta, finalmente, como proposio. (...) A norma jurdica exatamente o juzo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso esprito. Basta isso para nos advertir que um nico texto pode originar significaes diferentes, consoante as diversas noes que o sujeito cognoscente tenha dos termos empregados pelo legislador. Continuando, ressalta ainda: Por analogia aos smbolos lingsticos quaisquer, podemos dizer que o texto escrito est para a norma jurdica tal qual o vocbulo est para sua significao. Nas duas situaes encontraremos o suporte fsico que se refere a algum objeto do mundo (significado) e do qual extratamos um conceito ou juzo (significao). 39

    Afirma, ainda, o Eminente Professor Paulo de Barros Carvalho: o plexo de normas jurdicas vlidas est posto num corpo de linguagem prescritiva, que fala do comportamento do homem na comunidade social. Essa rede de construes lingsticas o que chamamos de sistema emprico do direito positivo, justamente porque est voltado para uma especfica regio material: certa sociedade, historicamente determinada no espao e no tempo. (Ibidem., p. 11)

  • 38

    linguagem: linguagem que relate o evento acontecido no mundo da experincia e linguagem que relate o vnculo jurdico que se instala entre duas ou mais pessoas. E o corolrio de admitirmos esses pressupostos de suma gravidade, porquanto, se ocorrerem alteraes na circunstncia social, descritas no antecedente de regra jurdica como ensejadora de efeitos de direito, mas que por qualquer razo no vierem a encontrar a forma prpria de linguagem, no sero consideradas fatos jurdicos e, por conseguinte, no propagaro direitos e deveres correlatos. 40

    Com efeito, ento, a realidade social , assim, por ento dizer, constituda pela

    linguagem.41 E, sobre essa linguagem, incide a linguagem prescritiva do Direito Positivo, que

    incorre em juridicizao dos fatos e condutas, produzindo a linguagem da facticidade

    jurdica.42

    A linguagem prescritiva do Direito aquela que, contrapondo-se linguagem

    descritiva, visa a expedio de ordens e comandos dirigidos ao comportamento humano.

    Enquanto a linguagem prescritiva de condutas intersubjetivas, que constitui o Direito

    Positivo, emite ordens e comandos dirigidos aos comportamentos intersubjetivos, ela

    contrape-se linguagem da Cincia do Direito, que, ao deter uma funo descritiva, enuncia

    o modo pelo qual as normas jurdicas, que so objetos dessa linguagem, devem apresentar-se,

    caracterizando-se como uma metalinguagem em relao aos enunciados prescritivos.

    Cabe destacarmos que os fatos so proposies que referem-se pores da

    realidade, delimitadas no tempo e no espao. Assim, atravs do fenmeno da incidncia

    40 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributrio: fundamentos jurdicos da incidncia. 5. ed. rev. e ampl.

    So Paulo: Saraiva, 2007. pp. 12-13. 41

    Reportamos-nos, novamente, aos ensinamentos de Aurora Tomazini de Carvalho: Temos para nos que a realidade no passa de uma interpretao, ou seja, de um sentido atribudo aos dados brutos que nos so sensorialmente perceptveis. No captamos a realidade, tal qual ela e, por meio da experincia sensorial (visas, tato, audio, paladar e olfato), mas a construmos atribuindo significado aos elementos sensoriais que se nos apresentam. O real e, assim, uma construo de sentido e como toda e qualquer construo de sentido da-se num universo lingstico. E neste contexto que trabalhamos com a afirmao segundo a qual a linguagem cria ou constri a realidade. (CARVALHO, A. T. de. Curso de teoria geral do direito: o constructivismo lgico-semntico.., 2009. p. 16.) 42

    Acerca do tema, cabe ressaltar a lio de Fabiana Del Padre Tom, ao citar Gregorio Robles: (...) o sistema jurdico mantm sua identidade em relao ao ambiente: o prprio texto cria as aes que podem ser qualificadas como jurdicas, e o fato de regular a ao no significa que a ao jurdica exista antes do texto, mas sim que o texto que a constitui. Por estranho que possa parecer, o homicdio como ao jurdica s existe depois que o texto jurdico prescreve o que que se deve entender por homicdio. S a tal ao ingressa no sistema do direito positivo. (TOM, F. D. P. A prova no direito tributrio..., 2005. p. 44)

  • 39

    jurdica em que o mero evento, ao adquirir expresso em linguagem competente, transforma-

    se em fato, e logo, a linguagem do Direito constitui a realidade jurdica.

    o que afirma Maria do Rosrio Esteves:

    O direito usa as palavras para expressar-se, por exemplo, o legislador promulga uma nova lei, e o faz com palavras; o juiz dita uma sentena e o faz com palavras; os contratantes celebram um contrato e o fazem com palavras; o agente administrativo realiza o lanamento tributrio e para isso utiliza-se de palavras. Assim, a teoria do direito deve ser concebida como a anlise da linguagem dos juristas ou Teoria Comunicacional do Direito. Esta teoria reconhece o direito como um sistema de comunicao cujo objetivo organizar a convivncia humana mediante a regulao das aes. Desse modo, todos os elementos que compem o direito so verbalizados e a linguagem a forma de expresso do direito. O direito linguagem e, dessa perspectiva, o direito texto. Porm, todo texto est inserido em um contexto. No h texto sem contexto, por isso, o direito texto e contexto.43

    Nesse contexto, o direito caracteriza-se como uma sobrelinguagem, ou linguagem de

    sobrenvel, tendo em vista que separa a realidade social mediante a juridicizao dos fatos,

    delimitando o territrio da facticidade jurdica. Diariamente, nos deparamos com

    acontecimentos e fatos, que podem ser tanto relevantes quanto irrelevantes para o Direito.

    O fenmeno da incidncia jurdica somente ir caracterizar-se quando o mero evento

    adquire expresso em linguagem competente transformando-se em fato. Somente o fato

    jurdico pertence ao mundo jurdico, de modo que isso ocorre mediante a incidncia da regra

    jurdica sobre o suporte ftico.

    Cabe destacarmos ainda, apesar de o referido assunto ser aprofundando no prximo

    captulo, que a incidncia no se d automtica e infalivelmente com o acontecimento do fato

    jurdico tributrio. O aplicador do Direito, ao tomar conhecimento do fato realizado no mundo

    emprico, o submete aos critrios para a identificao do fato jurdico correlato e que

    encontram-se previstos no antecedente de uma norma geral e abstrata, promovendo a

    subsuno. Posteriormente, havendo uma identidade entre o fato j ocorrido e o fato

    43 ESTEVES, M. do R. A prova do fato jurdico no processo administrativo tributrio..., 2005. p. 27.

  • 40

    hipottico previsto, o aplicador do Direito deve descrever o fato em linguagem jurdica com o

    intuito de promover a sua juridicizao, de modo que seja articulado em consonncia teoria

    das provas. Logo, mediante a incidncia da norma jurdica sobre o fato, ele passa a tornar-se

    jurdico.

    Somente o que vertido em linguagem competente que torna-se relevante ao Direito,

    de modo que, havendo Direito, deve haver sempre linguagem.

    Utilizemos-nos das palavras de Leonardo Furtado Loubet e Charles William

    Mcnaughton, que trazem os contornos do tema com propriedade:

    (...) salta evidncia que o direitos est permeado pela linguagem. Sendo o direito um conjunto de regras que tem por escopo organizar a vida das pessoas em sociedade, resta claro que esse objetivo s se torna possvel atravs da linguagem, pela comunicao, na medida em que a linguagem que pe em termos intersubjetivos as prescries do direito. Como o direito no se ocupa com experincia intra-subjetivas, mas somente com a exteriorizao de condutas em sociedades, a alteridade um trao marcante do direito. Por isso que direito linguagem. Direito no s linguagem, mas , necessariamente, linguagem. E linguagem a capacidade do ser-humano para comunicar-se por intermdio de signos eis a razo pela qual seu estudo imprescindvel, inarredvel para a compreenso do grande processo comunicacional que o direito, apesar de a linguagem ser tomada, aqui, como ndice temtico, e no como foco temtico (Edmund Husserl).44

    Para o Direito, a linguagem competente apta para a constituio do fato jurdico so as

    provas, pois, somente por intermdio das provas que se possvel chegar verdade dos fatos.

    Para o direito, basta que a linguagem certifique o evento para que incorra no reconhecimento

    jurdico. Se as provas indicarem que um determinado fato ocorreu, para o Direito tal estar

    constitudo.45

    E ilustra Andr Felipe Saide Martins:

    44 LOUBET, Leonardo Furtado; MCNAUGHTON, Charles William; SALOMO, Marcelo Viana (org.);

    PAULO JUNIOR, Aldo de (org.). A prova na percusso tributria. Processo Administrativo Tributrio. So Paulo: MP Editora, 2005. p. 270. 45

    CARVALHO, P. de B. Direito Tributrio: fundamentos jurdicos da incidncia..., 1998. p. 11.

  • 41

    Exemplificando: A comete homicdio contra B no deserto do Sahara. Esse homicdio, per se, um evento desprovido de qualquer juridicidade, ou seja, absolutamente desconhecido e inexistente para o direito. Mas, se for possvel report-lo em linguagem prpria, isto , em linguagem aceita pelo direito e descrev-lo conforme as provas legalmente admitidas, esse simples fato passa a ser capaz de desencadear efeitos jurdicos e de converter-se em fato jurdico. Obviamente, no processo de juridicizao, o fato dever ser subsumido norma penal correspondente prevendo que matar algum seria crime. (...) Ainda, com relao hiptese acima suscitada, bem possvel que o crime nem sequer tenha ocorrido. Mesmo assim, se as provas requeridas o indicarem, para o direito ele estar constitudo, porque para o reconhecimento jurdico basta que a linguagem certifique o evento. Percepes desse jaez nos permitem concluir que a linguagem essencial tanto para reportar o objeto da cincia jurdica (contedo de normas jurdicas vlidas) quanto para juridicizar um fato qualquer fazendo-o existir para o direito. Igualmente, interessante observar que por meio da linguagem se definem as significaes conceptuais e se comunica o conhecimento. 46

    Admitido que somente torna-se relevante ao Direito o que vertido em linguagem

    competente, sendo que, para o Direito, a linguagem competente apta para a constituio do

    fato jurdico so as provas, pois, somente por intermdio das provas que se possvel chegar

    verdade dos fatos, que vamos passar anlise da relao existente entre a verdade e o

    Direito, de modo a, posteriormente, construir a relao existente entre o Direito e a teoria das

    provas.

    Portanto, interessa-nos, para dar continuidade ao trabalho, que o Direito, enquanto um

    subsistema comunicacional, caracteriza-se mediante uma linguagem prescritiva de condutas

    intersubjetivas, prescrevendo como as coisas devem-ser, e no como as coisas so. Ou

    seja, para que determinada situao seja considerada real dentro da realidade do direito

    positivo, essa situao deve ser constituda em linguagem apropriada, ou seja, na linguagem

    do Direito Positivo.

    Tal anlise de perfaz de fundamental importncia na anlise do objeto de investigao

    ora proposto pois, analisando a operatividade do Direito, bem como a sua relao com a

    linguagem, permite compreender como se d a constituio de um determinado fato no

    interior do sistema tributrio, j que, somente as prescries do Direito Positivo que esto

    46 MARTINS, A. F. S. A prova do fato jurdico tributrio..., 2007. pp. 16-17.

  • 42

    aptas a determinar os fatos aptos a desencadear os efeitos correspondentes, ou seja, queles

    que encontram-se relatados mediante linguagem normativa, assim como queles que

    implicam a instaurao de vnculo obrigacional na esfera tributria.

    1.4.1 Composio do sistema do Direito Positivo

    O sistema do Direito Positivo caracteriza-se como um sistema lgico-dentico, e

    constitui-se mediante a linguagem prescritiva de condutas intersubjetivas. Nessa esteira, ele

    composto por unidades, que so as normas jurdicas.

    As normas jurdicas compem-se como juzos hipotticos condicionais em que, ao

    antecedente normativo, encontra-se relacionado o conseqente normativo. O antecedente

    normativo caracteriza-se como sendo o descritor da norma, enquanto que o conseqente

    normativo caracteriza-se como sendo o prescritor do direito. Tais elementos encontram-se

    vinculados mediante o dever-ser.

    Ou seja, as normas jurdicas compem-se por uma hiptese, que so representativas de

    uma determin