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Junho 2015/Vol.II/N.02 Universidade Pedagógica Delegação de Montepuez Departamento de Pesquisa, Extensão e Publicação Cabo-Delgado/Moçambique

Junho 2015/Vol.II/N - up.ac.mz · 2 Regulamento Geral da Pesca Marítima, I Série, no. 50, da Lei 3/1990, de 26 de Setembro, Lei das Pescas. pesca: arrasto para praia, emalhe de

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KULAMBELA―Revista Moçambicana de Ciências e Estudos da Educação. Vol.II.n°.02.JUNHO.2015

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Junho 2015/Vol.II/N.02

Universidade Pedagógica

Delegação de Montepuez

Departamento de Pesquisa, Extensão e Publicação

Cabo-Delgado/Moçambique

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EDITORIAL

Conselho Editorial Profa. Cat. Hildizina N. Dias Faculdade de Ciências da Linguagem Comunicação e Arte(UP-Sede) Prof.Doutor Lucas Mangrasse Universidade Pedagógica (Nampula) Profa. Doutora Emilia Z. Afonso Faculdade de Ciências Naturais e Matemática (UP-Sede) Prof.Doutor Cristiano Pires Faculdade de Ciências Naturais e Matemática (UP-Sede) Profa. Doutora Graziela R.Pereira Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC-Brasil) Prof.Doutor Geraldo Macalane Universidade Pedagógica (Niassa) Mestre Juvêncio Manuel Nota Universidade Pedagógica (Montepuez)

Comisão Editorial Mestre Juvêncio Manuel Nota (Editor) Mestre Jafar Silvestre Jafar Mestre Félix Nhambe Mestre Mouzinho M. Lopes Manhalo Dr.Óscar António Dr.Calawiya Salimo

Titulo Kulambela – Revista Moçambicana de Ciências e Estudos da Educação Publicação Trimestral (Março, Junho, Setembro, Dezembro) Propriedade Direcção de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão da Universidade Pedagógica-Montepuez./Cabo Delgado-

Moçambique.

Kulambela (que na língua shimakonde falada ao norte de Moçambique significa ″procurar″) é uma revista científica online, com revisão de pares, da Universidade Pedagógica-Delegação de Montepuez (UP-MTZ), editada pela Direcção da Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão, que tem por objectivo primário publicar resultados de pesquisas científicas desenvolvidas pelo corpo docente e estudantil da UP-MTZ nas várias áreas de conhecimento relacionadas aos cursos de graduação e pós-graduação nela ministrados, bem como estudos feitos por outros pesquisadores e estudantes não vinculados a UP-MTZ. Com a revista pretende-se abrir um espaço de debate e partilha do conhecimento científico entre os pesquisadores e académicos da UP-MTZ com outras comunidades universitárias, centros, núcleos e grupos de pesquisa sobre temas relativos à Educação, Saúde, Ambiente, Ciência e Tecnologia. A Kulambela só publica artigos depois de aprovados por dois pareceristas (especialistas) pelo método blind review.

O conteúdo dos artigos publicados nesta revista é da inteira responsabilidade de seus autores

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Sumário

I. DIVERSIDADE ESPECÍFICA DAS CAPTURAS DA PESCA ARTESANAL NO DISTRITO DE MEMBA

NO PERÍODO 2002-2008. ..................................................................................................................... 4

Leonildo dos Anjos VIAGEM

II. IMPACTO MULTIDIMENSIONAL DA DESCOBERTA E EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS

NATURAIS NA PROVÍNCIA DE CABO DELGADO ......................................................................... 14

Growene Will Queirós MUGAS

III. OBJECTIVOS DA GOVERNAÇÃO NUMA PERSPECTIVA ÉTICA POLÍTICA E GOVERNAÇÃO EM

ÁFRICA ...................................................................................................................................... 26

Mouzinho Mariano Lopes MANHALO

IV. ANÁLISE SÓCIO-HISTÓRICA SOBRE A GUERRA CIVIL EM MOÇAMBIQUE, 1976-1992 ............... 38

Jafar Silvestre JAFAR

V. REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS E IMAGENÉTICAS DE GÉNERO NOS LIVROS ESCOLARES DO

ENSINO PRIMÁRIO EM MOÇAMBIQUE NUMA PERSPECTIVA DAS DESIGULDADES SOCIAIS ....... 54

Juvêncio Manuel NOTA

VI. QUALIDADE DE EDUCAÇÃO EM MOCAMBIQUE ― UMA REFLEXÃO COM ENFOQUE PARA O

ENSINO BÁSICO ......................................................................................................................... 65

Perlo Miquidade António RABECA

VII. TEMPO E ASPECTO EM KIMWANI .............................................................................................. 73

Calawiya SALIMO

Helena A.P.MUANDO

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DIVERSIDADE ESPECÍFICA DAS CAPTURAS DA PESCA ARTESANAL NO DISTRITO DE MEMBA NO PERÍODO 2002-2008.

Leonildo dos Anjos VIAGEM1

Resumo: no distrito de Memba a pesca é a segunda maior actividade depois da agricultura, praticada, geralmente em moldes artesanais pelo sector familiar para a subsistência. Para além do mar, esta actividade, também é realizada em vários rios que atravessam o distrito. O presente artigo avalia a diversidade específica das capturas da pesca artesanal no distrito de Memba no período 2002-2008. Os dados usados, neste artigo, são provenientes do sistema de amostragem da pesca artesanal (Pescart) do Instituto de Investigação Pesqueira, no distrito de Memba. Foi usada a série temporal de 2002-2008 disponíveis na base de dados Pescart do IIP-Nampula, referente à arte de arrasto para praia. Analisaram-se 390 espécies, pertencentes a 86 famílias. Estimou-se a diversidade usando-se o índice de diversidade de Shannon-Wiener. Os resultados mostram que o distrito de Memba é muito diversificado em espécies, sendo Serissa que apresentou maior número de espécies e Baixo-Pinda, com menor número de espécies. As espécies abundantes no distrito de Memba foram Auxis thazard, seguida de Decapterus korroides. O distrito de Memba foi caracterizado por valores baixos do índice de diversidade de Shannon-Wiener em quase todo o período analisado com tendência de redução, sendo Serissa o estrato que apresentou maior diversidade e Baixo-Pinda com menores valores deste índice.

Palavras-chaves: diversidade, espécies marinhas, pesca artesanal, arrasto para praia.

1 Licenciado em Biologia Marinha pela Universidade Eduardo Mondlane. Docente no Departamento de Ciências Naturais e

Matematica na Universidade Pedagógica-Delegação de Montepuez. Moçambique. [email protected]

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INTRODUÇÃO.

A pesquisa tem por objectivo avaliar a diversidade específica das capturas da pesca artesanal em quatro estratos (Memba-Sede, Serissa, Simuco e Baixo Pinda) no distrito de Memba, na Província de Nampula em Moçambique. Esta diversidade tem vindo a reduzir à medida que o tempo passa devido à acção antropogénica. Para o alcançar deste objectivo, estimou-se a diversidade, usando-se, para o efeito, o índice de diversidade de Shannon-Wiener (1948). Este índice permite determinar a abundância das espécies existentes em cada estrato e identificar o estrato com maior e menor diversidade nas capturas. O trabalho não focaliza a estrutura e alterações nas comunidades de que derivam as capturas e factores que podem afectar a dinâmica das populações porque, segundo Martins et al (1990), os índices de diversidade dão todos esses detalhes referidos acima. O estudo por um lado contribui para o conhecimento da diversidade específica das capturas da pesca artesanal de arrasto para a praia no distrito de Memba e por outro, avalia o estado de exploração dos recursos pesqueiros e as estratégias de gestão sustentável dos mesmos. Mualeque et al. (2008) e Mualeque e Sulemane (2009) recomendaram monitoria contínua das pescarias artesanais na região para detectar alterações e sinais de sobre-pesca dos recursos.

A pesca no distrito de Memba é a segunda maior actividade, depois da agricultura, praticada em moldes artesanais pelo sector familiar para a subsistência. Além em águas marinhas, a pesca é realizada também em vários rios que atravessam o distrito. Os relatórios anuais de 2005, 2006 e 2007, produzidos pelo Instituto de Investigação Pesqueira (IIP) na província de Nampula, mostram que o distrito é bastante rico em diversidade de espécies, sendo a rede de arrasto para praia que mais contribui para as capturas no distrito. Esta diversidade, segundo Townsend (2003), pode ser influenciada pelos processos de perda e degradação de habitats naturais como consequência das perturbações

antropogênicas, contribuindo na redução das populações biológicas.

Devido a destruição que ocorre em diversos ecossistemas, há necessidade de conhecer a diversidade de espécies que se encontram neles para tentar evitar a perda de espécies e desenvolver uma forma de preservá-la para o futuro. O estudo da diversidade de espécies é importante porquanto determina o funcionamento e estabilidade dos ecossistemas e podem possuir propriedades de grande aplicabilidade na indústria farmacêutica (Townsend, 2003) e servem de fonte de alimentação para população, em geral, e do distrito de Memba, em particular. A diversidade inclui a classificação completa de espécies que se encontram na terra (Primack, 2002). De uma forma geral, a diversidade específica expressa o número total, a abundância relativa de diferentes espécies numa área ou região e a sua variabilidade genética (MADER, 2004)

Caracterização da Pesca de Arrasto Para Praia no Distrito de Memba.

Os diferentes tipos de artes de pesca foram desenvolvidos para capturar espécies aquáticas com diferente comportamento, a rede de arrasto para praia é geralmente usada para a captura de espécies pelágicas, que vivem em cardumes (FISCHER et al, 1990).

A rede de arrasto para praia é um tipo de arte de pesca em forma de saco, puxada a uma velocidade que permite que os peixes, crustáceos ou outro tipo de pescado, sejam retidos dentro da mesma. Estruturalmente, a arte é composta por um saco central e duas paredes longas cunhadas por asas, em cujas extremidades são amarradas cabos para alagem. A parte superior da rede é armada por um cabo com flutuadores. Na parte inferior, há chumbos ou pedras que a arrastam pelo fundo. Alguns tipos de rede podem não possuir um saco na parte central (FAO, 2007).

Em Memba, a arte é usada em pequenas embarcações designadas almadia, e as redes são, geralmente, feitas

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de materiais convencionais com linhas de multifilamentos e de monofilamentos. O comprimento da rede chega a atingir os 100 metros e os cabos 150 metros respectivamente. Em todos os casos as redes são lançadas das almadias, propulsionadas com remos e puxadas pela praia por grupos de pescadores que variam de 7 a 10. Caso a captura seja maior, são recrutados mais pescadores para puxar a rede em troca de um pouco de pescado. Em dias de boa captura os lances variam de três a quatro e o tamanho mínimo legal para a malha no saco é de 38 mm2 (MASQUINE et al, 2006).

Mualeque (2008), descrevendo este tipo de pescaria na região sul de Nampula, entende que a manobra desta arte é similar na das regiões onde ela é praticada diferindo apenas no número de pescadores por rede, característica relacionada com o tamanho da rede. A pescaria de arrasto para a praia é a mais importante no distrito de Memba em termos de volume dos desembarques representando 75% do total dos desembarques por todas as redes (Mualeque et al. 2008). Esta arte é praticada junto a costa, entre 100 e 250 metros, da praia ou um pouco mais, para alguns casos. Para os centros de pesca localizados em estuários, a pesca com esta arte é realizada a uma distância de 40 à 70 metros contados a partir da margem. A malha da rede usada varia de 24 à 48 mm para as asas e 38 mm para o saco, como foi referido anteriormente. Nos últimos anos há disseminação do uso de rede de mosquiteira ou sacos de ráfia destas redes, resultando na captura de larvas e juvenis (MUALEQUE et al. 2008)

Antecedentes da Pesquisa.

No distrito de Memba, a monitoria da pesca artesanal começou em Setembro de 2001, que resultou na recolha e análise de dados de esforço, captura, rendimento e composição específica para as artes de 2 Regulamento Geral da Pesca Marítima, I Série, no. 50,

da Lei 3/1990, de 26 de Setembro, Lei das Pescas.

pesca: arrasto para praia, emalhe de superfície e do fundo e linha-de-mão (Baloi, 2003), por serem as mais representativas, segundo o censo realizado pelo IDPPE, em 2002, e publicado em 2004. Os resultados dos relatórios produzidos pelo IIP, desde o início da monitoria, mostram que as capturas tendem a decrescer (Vide tabela 1). Apesar da pescaria de arrasto para a praia ser a mais destacada no distrito de Memba em termos de volume dos desembarques (Vide tabela 1), e embora nos últimos anos haja tendência decrescente desses desembarques, ainda não se conhece a riqueza específica das capturas desta arte, pois os relatórios anuais produzidos pelo IIP fazem uma abordagem sumária da composição específica das principais artes daquele distrito.

Tabela 1. Contribuição das capturas de arrasto para a praia na captura

total durante o período de estudo

Ano Captura

total (.103

Kg)

Captura de

arrasto para a

praia (.103 Kg)

% de arrasto

para a praia

2003 11.141,4 8.482 76,1

2004 2.033,4 1.436,9 70,7

2005 2334,8 1.700,7 72,8

2006 1202,3 719,2 59,8

2007 2280 1932 84,7

2008 1421 620 43,6

Total 20.412,9 14.890,8 72,9

(Fonte: Relatórios da pesca artesanal no distrito de

Memba nos anos mencionados na coluna 1 desta

tabela).

Quando os indivíduos de uma comunidade são sujeitos a morte por pesca, verifica-se, num dado momento, diminuição do número de indivíduos de todas as espécies-alvo, e como consequência, redução da espécie na abundância total. Como as comunidades são relativamente difíceis para o estudo, as alterações na sua estrutura são muitas vezes interpretadas pela variação das capturas (Jenning et al, 2001), tal tendência observa-se no distrito de Memba (Vide tabela 2)

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Tabela 2. Famílias mais capturadas por arrasto de praia durante o

período em análise por ordem decrescente

(Fonte: Relatórios anuais da pesca artesanal no distrito de

Memba nos anos indicados na coluna 1).

MÉTODO

Descrição da Área de Estudo

O distrito de Memba (fig. 1) localiza-se a nordeste da província de Nampula entre as coordenadas 14º15´37.59´´ S e 40º30´43.13´´ E, com uma superfície de 3,786 km2. É limitado, a Norte pelo distrito de Mecufi (província de Cabo Delgado), a Sul, pelo distrito de Nacala-a-Velha e a Oeste, pelos distritos de Nacaroa e Erati (província de Nampula). Este é banhado pelo oceano Índico (MAE, 2005).

Permegi (2004) refere que a população de Memba depende da produção e comercialização dos produtos da pesca artesanal, como meio fundamental de renda e alimentação. De acordo com o Censo realizado pelo IDPPE (Instituto de Desenvolvimento de Pesca de Pequena Escala) em 2002 e publicado em 2004, as principais artes de pesca no distrito são linha a mão, (48%), arrasto para praia (16%), emalhe do fundo (14%) e emalhe de superfície com 12% do total das artes existentes.

O distrito é caracterizado por apresentar habitats com substrato rochoso e irregulares, outros com tapetes de ervas marinhas e praias na sua maioria arenosas.

Existem muitas lagoas cobertas de mangais. Memba tem pouca influência de rios. A placa continental é estreita e com grandes profundidades. A sua costa é formada por uma enseada, fozes de rios e lagoas. Em direcção ao mar, existem rochas e corais que ficam expostas nas marés baixas. A costa marítima abriga uma variedade de ecossistemas que mantêm diversas espécies naturais (DE PERMEGI, 2004).

Apresenta clima do tipo subtropical húmido seco, influenciado pela localização litoral, a qual está sujeito a monções durante os meses de Novembro a Abril. A monção NE e nos meses de Maio a Outubro a monção de SW com uma precipitação anual que varia entre

800 mm a 1000 mm (MAE, 2005).

Figura 1. Localização do distrito de Memba (Fonte: De Permegi,

2004).

Processamento de Dados

Os dados usados, neste trabalho, são provenientes do sistema de amostragem da pesca artesanal (Pescart) do IIP (Volstad et al, 2004), de quatro estratos do distrito de Memba. Foi usada a série temporal de dados de 2002-2008 disponíveis na base de dados Pescart do IIP referente à arte de arrasto para praia. O Pescart fornece ao utilizador tabelas contendo dados das capturas e esforço de pesca e agrupa os centros de pesca em estratos geográficos pré-definidos, em que os centros de pesca vizinhos e com pescarias semelhantes são agrupados para formar um único estrato (Volstad et al, 2004, citado por Mualeque, 2008). Para este trabalho, os dados de 2002 a 2007, são provenientes

Ano Captura de arrasto

para a praia (.103

Kg)

Famílias mais capturadas

2003 8.482 Caesionidae, Carangidae, Lutjanidae, Lethrinidae.,

canthuridae, e Scaridae

2004 1.436,9 Carangidae, Caesionidae, Scombridae, Engraulidae e

Clupeidae

2005 1.700,7 Scombridae, Carangidae,

Clupeidae, Siganidae e Lethrinidae

2006 719,2 Scombridae, Clupeidae, Caesionidae, Mullidae e

Gempylidae

2007 1932 Carangidae, Clupeidae, Sphyraenidae, Trichiuridae e

Leiognathidae

2008 620 Carangidae, Engraulidae, Scaridae,

Loliginidae e Scombridae

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dos estratos geográficos e os de 2008 são de estratos ecossistêmicos que têm, como base, a semelhança de ecossistemas.

Na base de dados Pescart, o cálculo de estimativas de captura e esforço baseia-se na Unidade Primaria de Amostragem (do inglês: PSU, Primary Sampling Unity). Este cálculo é feito em várias etapas, sendo feitos separadamente para cada arte de pesca (Volstad et al. 2004, citado por Mualeque, 2008).

A primeira etapa do PSU consiste no cálculo das capturas por lances de uma unidade de pesca em cada dia. O cálculo da captura total é feito extrapolando a média das capturas observadas nos lances observados para total de lances efectuados pela unidade de pesca.

A segunda etapa é a parte da PSU que envolve o cálculo de esforço de pesca, igual ao número de unidades activas observadas e a captura total, obtida da multiplicação da média das capturas totais das unidades amostradas pelo número de unidades activas naquela PSU.

Para o estrato, o esforço total é obtido multiplicando-se a média do número de unidades de pesca activas por PSU amostradas pelo número máximo de PSUs. A captura total do estrato é obtida a partir do produto da captura média da PSU e o número máximo de PSUs.

Da combinação das estimativas do esforço e desembarques dentro de cada estrato obtêm-se as estimativas do distrito. O cálculo da CPUE por rede activa é obtido no sistema Pescart, em qualquer nível de amostragem, dividindo a captura desse nível pelo respectivo esforço de pesca. Para os dados da composição específica, Pescart, fornece ao utilizador como uma percentagem de desembarque total em Kg. Os dados contidos no sistema Pescart foram transferidos para folha de cálculo Microsoft excel e tratados usando tabelas dinâmicas (PivotTable). O tratamento desses dados consistiu, primeiro no cálculo da captura total, com finalidade de achar as capturas por espécies, sendo usado para o efeito a regra de três simples.

Para meses onde houve ausência de dados de captura, foi considerada como mês sem amostragem, tendo sido atribuído valor zero. Isto verificou-se em Baixo-Pinda nos meses de Maio e Junho de 2003; Agosto a Outubro de 2006; Janeiro a Junho de 2007 e Novembro de 2003 em Simuco. Para espaços com dois meses seguidos sem amostragem, foi calculada média móvel e média aritmética para um mês.

Descrição da Composição Especifica das Capturas

A descrição da composição específica consistiu na identificação das espécies abundantes em cada estrato. Foram consideradas espécies abundantes as que tiveram a média da captura percentual (PN%), em todo o período analisado igual ou superior a 2%. As que tiveram a PN% inferior a 2% foram agrupadas em outras. Para identificar as espécies abundantes em todo o distrito, durante o período analisado, foi feita a média das médias das PN% de cada estrato, dividido por quatro, o número de estrato existentes no distrito.

Estimativa da Diversidade Específica das Capturas

Para estimar a diversidade foi usado o índice de diversidade de Shannon-Wiener (1948) (equação 1). É um índice quantitativo que tem em conta a abundância relativa de diferentes espécies, e determina a espécie mais abundante numa comunidade que a outra. Foi escolhido este índice por ser apropriado para amostras aleatórias de espécies de uma comunidade (Townsend et al. 2003), visto que o processo de colheita dos dados pelo IIP usar o sistema de amostragem aleatória.

S

i

iiH1

ln'

(Equação 1) Onde:

'H : é a diversidade de Shannon-Wiener i : é a abundância relativa de cada espécie, é

calculado pela expressão seguinte: iN

ni, onde ni é

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o número de indivíduos da espécie e N é o número total de indivíduos na amostra. Para o presente trabalho, por falta de dados do número de indivíduo

foi usada a seguinte expressão: Wt

Wii

Wi : é o peso da espécie em cada ano Wt : é o peso total em cada ano O índice de Shannon-Wiener tem as seguintes propriedades: Mínimo, quando S-1 das espécies é representada por um único individuo. Neste caso, a probabilidade de captura de um membro da espécie dominante seria próximo de 1 e a probabilidade de captura de membro das outras espécies seria próxima

de 0.; máximo, quando S

j1

, isto é, quando todas

as espécies estão representadas por igual número de indivíduos ( SH logmax' ). Este índice foi calculado anualmente para cada estrato pesqueiro. Para valores superiores ou iguais a log S em um ano, foi considerado como ano de diversidade alta nesse estrato. Para valores inferiores a log S, onde S é o número de espécies presentes numa comunidade, foi considerado como ano de diversidade baixa no estrato.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Composição Específica

Foram analisadas cerca de 392 espécies, pertencentes a 86 famílias. Os resultados da composição específica são apresentados na tabela 3 e na figura 2. A tabela 2 apresenta os resultados cumulativos de todo o distrito. A figura 2 apresenta apenas espécies abundantes para cada estrato no período analisado.

As capturas do distrito de Memba foram dominadas por judeus (Auxis thazard) da família Scombridae com uma percentagem de 9,47%, seguido de carapau mauana (Decapterus korroides), da família Carangidae com cerca de 5,5%, entre outras. O grupo, denominadas outras é composto (tabela 3) por espécies com contribuição na captura total inferior a 0,51%

(vide tabela 3). Fischer et al. (1990) refere que Auxis thazard é uma espécie cosmopolita e de águas costeiras, onde é praticada a pesca com a rede de arrasto para praia. Este facto fez com que esta espécie fosse a mais abundante nas capturas em todo o período analisado. Decapterus korroides é uma espécie que ocorre em cardumes. Esta pode ser a razão da espécie ser a segunda mais abundante, e pelo facto da rede de arrasto para praia capturar espécies pelágicas, como os carapaus, o grupo onde esta espécie faz parte.

Quando a análise é feita por estrato, verifica-se que Judeu (Auxis thazard) foi capturada com a mesma percentagem (19%) em Baixo_Pinda e Memba_Sede (vide figura 2), e é a mais representativa para os dois estratos. O facto de esta espécie ter a mesma percentagem pode não significar uma ocorrência uniforme nos dois estratos, pois, a captura dos dois estratos pode ser diferente no período em análise. A segunda espécie mais representada depois de Auxis thazard em Baixo_Pinda foi o Patudo (Thunnus obesus) da família Scombridae com 14% e a menos capturada Espadarte (Xiphias gladius) da família Xiphiidae com 2%. Esta espécie foi a menos capturada porque como explica Fischer et al, (1990) ela ocorre em águas oceânicas, locais não preferido pela pesca de arrasto para a praia. A espécie menos representada em Memba-Sede foi o Carapau preto (Selar crumenophthalmus) (vide gráfico 2).

Simuco

Outras

60%

Stolephorus

commersonii

2%

Auxis thazard

9%

Decapterus

kurroides

5%

Thunnus obesus

3%

Scomber

japonicus

3%

Trichiurus

lepturus

2%

Caesio

varilineata

3%

Scomberoides

tol

3%Decapterus

russelli

2%

Sardinops

ocellatus

2%

Caesio

xanthonota

2%

Upeneus vittatus

2%

Spratelloides

gracilis

2%

Memba-sede

Scomberoides

tol

4%

Euthynnus

affinis

3%Encrasicholina

punctifer

4%

Stolephorus

commersonii

4%

Spratelloides

gracilis

4%

Sphyraena

putnamie

5%

Trichiurus

lepturus

7%

Auxis thazard

19%Outras

42%

Upeneus

vittatus

3%

Selar

crumenophthal

mus

2%

Amblygaster

sirm

3%

Serissa

Gerres acinaces

2%

Hemiramphus

far

2%

Caesio teres

2%

Outras

56%

Decapterus

kurroides

15%

Siganus sutor

5%

Leptoscarus

vaigiensis

3%

Leiognathus

berbis

3%

Upeneus

vittatus

3%

Lethrinus lentjan

3%

Loligo forbesi

3%

Sphyraena

barracuda

3%

Baixo-Pinda

Naso unicornis

5% Caranx

papuensis

3%

Monotaxis

grandoculis

3%

Lutjanus gibbus

5%Scomberoides

tol

7%

Xiphias gladius

2%

Caesio

varilineata

7%

Caesio

xanthonota

8%

Auxis thazard

19% Thunnus

obesus

14%

Outras

27%

Gráfico 2: Composição específica das capturas por estrato no

distrito de Memba no período entre 2002 e 2008

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. O Carapau mauana (Decapterus korroides), a segunda espécie mais capturada no distrito. Ao nível de estrato foi mais capturado em Serissa, com 15%, seguido de Simuco com 5%. Estes dois estratos possuem um substrato arenoso que favorece a prática da arte. Esta espécie é capturada por arrasto para a praia (Fischer et al. 1990). As capturas no estrato de Simuco foram dominadas pela espécie Sarda comum (Scomber japonicus) da família Scombridae com 14%, seguida da sardinha de banda azul (Herklotsichthys quadrimaculatus) e a sardinha manchada (Amblygaster sirm) ambas da família Clupeidae e Carapau barbatana curta (Decapterus macrosoma) da família Carangidae. Estas espécies são pelágicas de águas costeiras (Fischer et al, 1990), locais preferidos pelos pescadores de arrasto a praia.

Fazendo uma análise por categorias, a nível de todos os estratos do distrito de Memba, notou-se que os peixes apresentaram maiores capturas durante o período analisado (vide figura 3). Os cefalopodes ocorreram em quase todos os estratos do distrito, com excepção de Baixo-Pinda, no qual houve ocorrência de peixes (98%) e raias (2%), sendo neste estrato se observou maior captura de Raias. Os estratos de Serissa, Simuco e Memba-Sede, estratos que foram observadas capturas de cefalópodes (Lulas, Polvos e Choco), com 3% para Serissa e 1% para Simuco e Memba-Sede. Para além dos Cefalópodes os estratos de Serissa e Memba-Sede ocorreram Crustáceos (Caranguejo, Camarão e Lagosta), com 3% e 1%, respectivamente. Em Memba_Sede houve também ocorrência de raias e tubarões com uma percentagem de 1% (vide gráfico 3).

Estimativa da Diversidade Específica

O distrito de Memba foi caracterizado pela baixa diversidade em quase todo o período analisado, sendo as diversidades altas verificadas em 2002 e 2004 (vide gráfico 4). A baixa diversidade verificada a nível do distrito pode ser influenciada pela média baixa da

diversidade no Baixo-Pinda (vide gráfico 4) ou pela redução da diversidade de espécies que se verifica actualmente como resultado da perda e degradação de habitats naturais devido a acção antropogénica.

Grafico 4: Variação anual da diversidade específica das capturas no distrito de Memba entre 2002 e 2008.

Os resultados por estrato (vide gráfico 5) apresentam pequenas oscilações. Quando comparados os valores obtidos em cada um dos estratos com log S, pode-se verificar que em Serissa não houve variações significativas da diversidade, sendo alta para todo o período analisado, com excepção dos anos de 2005 a 2006, devido a ausência de dados e, em 2008, mercê da retirada dos dados da análise devido a diferença de metodologia de colheita dos mesmos. A variação da diversidade para esse estrato foi de 3,41 (em 2002) e 3,95 (em 2004). O índice elevado de diversidade para este estrato deveu-se ao aumento do número de espécies, ou seja, a riqueza de espécies no período analisado e para além disso houve maior distribuição das frequências dos indivíduos. O facto de este estrato ser banhado pelo rio Lúrio, confere-o características estuarinas, o que pode explicar a elevada diversidade neste estrato. O substrato do estrato de Serissa é arenoso, propício para a prática da arte de arrasto para praia comparativamente aos estratos mais a sul (Baixo-Pinda e Memba-Sede).

Em Simuco, o índice de diversidade de Shannon-Wiener variou entre 1,73 a 3,30. A diversidade baixa

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Baixo-Pinda Memba-sede Serissa Simuco

verificou-se em 2004 e 2007 e a alta em 2002, 2003, 2005 e 2006, respectivamente, sendo este último ano com diversidade mais alta de todos os anos neste estrato. No estrato de Memba-Sede o índice de diversidade de Shannon-Wiener variou entre 1,39 (em 2003) e 3,70 (em 2002). A baixa diversidade verificou-se nos anos 2003 e 2007: de 1,39 a 1,84, respectivamente. A diversidade alta foi registada em 2002, 2004, 2005, 2006 e 2008, sem variações significativas, em excepção de 2006 (2,88) e, para os restantes anos as variações foram entre 3,37 e 3,70 (gráfico 5). O índice de diversidade no estrato de Baixo-Pinda variou entre 0,10 (em 2007) e 3,09 (em 2008).

A baixa e alta diversidade poderá estar relacionada com o facto de, quando se usa um índice de equitabilidade, como é o caso de índice de diversidade de Shannon-Wiener, a comunidade de alta uniformidade e baixa dominância é considerada como a mais diversificada, quando compara uma comunidade com o mesmo número de espécies, mas com baixa uniformidade e alta dominância (JENNING et al. 2001).

Gráfico 5: Variação anual da diversidade específica das capturas por

estrato no distrito de Memba no período entre 2002 e 2008.

Variação Sazonal das Capturas

A captura média anual do distrito em todo o período analisado foi de 2.127,3.103 kg. Os estratos de Memba-Sede e Baixo-Pinda apresentaram capturas baixas ao longo de quase todo o período analisado,

com excepção de Março a Dezembro de 2002 para estrato de Baixo-Pinda, e Março a Maio de 2007 em Memba-sede, onde foram registados picos salientes e de rendimentos (vide gráfico 6). As fracas capturas em Baixo-Pinda, em particular tiveram reflexo na baixa diversidade das espécies (gráfico 2). Estes dois são caracterizados por possuírem substrato maioritariamente rochoso e ou coralino (MUALEQUE e SULEMANE, 2009), dificultando a prática da arte de arrasto e contribuindo na fraca captura e diversidade das espécies.

O estrato de Serissa apresenta um padrão considerado uniforme de distribuição das capturas e dos rendimentos ao longo do período em análise (vide grafico 6). Este comportamento pode significar pouca migração dos pescadores de arrasto para a praia ou a existência constante das espécies-alvo.

O estrato de Simuco, embora tenha picos salientes de captura e rendimento, houve irregularidade nítida ao longo do período em estudo. Estes dois estratos apresentam grandes áreas arrastáveis, de substrato arenoso o que pode justificar os elevados valores de captura e de rendimento.

De um modo geral, os picos de captura e rendimento (CPUE) foram registados no primeiro e quarto trimestres dos anos, com a excepção de 2004 e 2005 em Serissa, onde os picos foram registados na metade do ano. O primeiro e quarto trimestres do ano faz parte do período longo de chuvas e, geralmente, as águas das chuvas arrastam nutrientes do interior para a costa, aumentando a disponibilidade alimentar e a produtividade.

A maior captura também depende da disponibilidade dos recursos ou da espécie alvo, mesmo que a unidade populacional não mude no tamanho (HUGHES et al. 1999).

As capturas podem ser influenciadas pelo mau tempo que não permitem a circulação de barcos ou, pela própria amostragem, os tipos de mares podem também

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influenciar nas capturas, sendo mais, na maré enchente, e menores na vazante.

Gráfico 6: Variação mensal das capturas e do rendimento (CPUE)

por estrato no distrito de Memba entre os anos 2002 e 2008.

CONCLUSÃO

Com base nos resultados obtidos concluir-se o seguinte:

Há tendência decrescente da diversidade específica das capturas no distrito de Memba;

As estimativas de diversidade por estrato conjugadas com a análise da sazonalidade das capturas e CPUE indicam que o estrato de Serissa é o mais rico e Baixo-Pinda menos rico em diversidade específica;

As capturas e rendimento (CPUE) tiveram um padrão de variação sazonal similar, sendo elevadas no primeiro e quarto trimestres do ano, com excepção do estrato de Serissa que registou valores altos na metade do ano em 2004 e 2005;

As capturas e rendimentos (CPUE) mais elevados foram registados nos estratos de Serissa e Simuco;

As 2 espécies mais capturadas no distrito de Memba, no período em análise, foram Auxis thazard (Judeu) e Decapterus kurroides (Carapau mauana), das famílias Scombridae e Carangidae, respectivamente.

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IMPACTO MULTIDIMENSIONAL DA DESCOBERTA E EXPLORAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS NA PROVÍNCIA DE CABO DELGADO

Growene Will Queirós MUGAS3

Resumo: O processo de descoberta, prospeção e exploração dos recursos naturais na província de Cabo delgado já é uma realidade incontestável, aliado a isso são notórias as metamorfoses ecológicas, económicas e socioculturais que envolvem esta actividade, no quotidiano dos residentes. Os impactos desta prática são pela óptica do autor deste artigo, multidimensionais, tanto no seu decorrer como pela forma de serem exauridos pelos populares e pelas multinacionais que operam nestes locais. A desistência ao ensino formal, a desistência as práticas agrícolas, o desequilíbrio ecológico, o aumento de imigrantes ilegais, a circulação desregrada do capital económico a proliferação de doenças, em particular o HIV/SIDA, a multiplicidade dos casamentos prematuros, a desvalorização da crença e cultura local, a perca silenciosa de autoestima, são dentre os vários fenómenos que a província vive, os mais destacados neste trabalho por serem os que logo a prior se notabilizam nas comunidades por onde estes recurso são considerados existentes. A descrição destas implicações multidimensionais trazem a tona a questão de observância minuciosa e consciente de todo o processo de prospeção, descoberta e exploração dos recursos naturais, tendo em conta a irenovabilidade e a surpreendente e múltipla forma d ocorrência natural.

PALAVRAS-CHAVE: recursos naturais, impactos multidimensionais e descobertas

3 Licenciado em Ensino de Química pela Universidade Pedagógica; Docente no departamento de Química Ambiental da UP-

Delegacao de Montepuez-Mocambique. Email: [email protected]

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Introdução

O artigo pretende descrever o impacto multidimensional da descoberta e exploração dos recursos naturais na província de Cabo Delgado, sob ponto de vista ambiental, social, económico e cultural, tendo em conta a realidade contemporânea que se vive neste local, face a uma demanda qualitativa e altamente quantitativa da descrição existencial dos recursos naturais. Estas riquezas são geologicamente abundantes tanto pelos estudos formalmente feitos e divulgados PELA Direcção Provincial dos Recursos Minerais da Província de Cabo delgado, aos 11 de Junho de 2012, como pelas descobertas informais feitas pelos populares curiosos e apreensivos no assunto. O mesmo não se pode dizer acerca do cumprimento íntegro e pelo pé da letra, das regras da Organização Internacional para a Normalização (ISO), que é de “ promover o desenvolvimento da normalização mundial com o objectivo de facilitar o comércio internacional de bens e serviços e desenvolver a cooperação de actividades científicas, tecnológicas e económicas” MOREIRA(2006:4).

A necessidade de se ter um ecossistema que preveja uma sanidade ecológica tem que ser tida como uma premissa e uma finalidade de um todo processo de descoberta, prospeção e exploração dos recursos naturais isto porque “já são visíveis as consequências ecológicas, económicas e culturais da implementação desta prática”. O que adverte a província a ter o que COASE (1937) e WILLIAMSON (2000), chamaram de “economia política de desenvolvimento”, que para esses autores são “mecanismos de acção colectiva que cumprem o pepel de gerir conflitos”, quer dizer, moderar as “regras de jogo” , vito que toda exploração de recursos naturais seja de que natureza for, tem as suas implicações, ambientais, económicas ou mesmo culturais.

Pretende-se com este artigo desincentivar a prática da “racionalidade instrumental”, que segundo MARCUSE (1978 e 1996) “ é tendência que as sociedades têm de não priorizar aspectos socioambientais, mas sim os lucros”. Ganhos esses que são tidos como a causa da deterioração do equilíbrio ecológico. As implicações descritas neste “paper” recaem a questão do “capital”; Que segundo COSTANZA ( et all 1997) “o termo capital, em geral, designa estoques de materiais ou informações existentes num determinado período os quais geram fluxos serviços que podem ser usados para transformar outros materiais ou sua configuração espacial, contribuindo para a melhoria do bem-estar humano” . Esta descrição científica sobre o capital, deixa claro que há envolvimento de várias forças quer vivas ou inanimadas concorrentes ao desenvolvimento.

O Artigo 1 da Constituição da República de Moçambique diz “ a República de Moçambique é um Estado independente, soberano, democrático e de justiça social”, A necessidade de ter uma constituição que preveja Moçambique como um país de “justiça ambiental” que para BOHM (1989) “ A justiça ambiental é o estado de valoração jurídica do meio ambiente”, é importante e pertinente, visto que a província já vive no dilema de impactos multidimensionais da descoberta e exploração dos recursos naturais. Para SERES (1991) “a questão ambiental contemporânea é fundamentalmente uma questão de direito”, Face a isto, urge o autor despertar a consciência dos Moçambicanos que “Não restam dúvidas que os grandes projectos, trazem muitas oportunidades. Mas também não é menos verdade que trazem “megaproblemas” políticos, económicos, sociais, culturais e ecológicos” CARTA EPISCOPAL (Maputo 2012:16).

De salientar que a exploração de recursos naturais, precisa de ser um pouco mais rigorosa e leslada que o habitual, para não se correr o risco de ter uma

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exploração que futuramente criará efeitos colaterais de detioração do ecossistema, como o caso de demandas biológicas, químicas, que pode culminar em processos como a eutrofização ou mesmo poluição ambiental. As desistência as aulas formais em escolas, o abandono a prática agrícola, a propagação de casamentos prematuros, que em alguns casos culminam em infecções do HIV/SIDA, a detioração ecológica e psicoecológica, a desculturação social, são uns dos tantos acontecimentos que caracterizam hoje a província de Cabo Delgado, face a estas descobertas naturais que fazem desta, uma verdadeiro e apetitivo local de investimentos e trocas comerciais assim como de oportunidades de grandes transações monitárias.

A despreocupação com a questão das implicações que se vivem e viverão face as descobertas e exploração dos recursos naturais, está patente na rotina quotidiana dos residentes desta província, assim como pelo Ministério de Coordenação da acção ambiental ( MICOA), que se encontram desprovido do pensamento psicoecológico, fruto da alineação biopolítica da vida que se é notável nos residentes e investidores económicos desta província, que vivem do pensamento de SELEMANE (2010) “Dividir para reinar”, mesmo que disso, se logrem intentos pessoais.

Impacto das descobertas e Exploração dos Recursos Naturais na Província de Cabo Delgado

Os recursos são insumos para a produção de bens e de serviços, qualificadores de utilidades diárias para o bem estar e tranquilidade das sociedade. Nos nossos dias esta perpectiva não está distante dos residentes da província de Cabo Delgado, pala forma bombástica e surpreendente como estes estão a ser descobertos de canto à canto e de lado à lado. Para MENDES (2007) “Os recursos naturais são todos os recuros ambientais terrestres, aéreos, aquáticos que servem de suporte à

vida humana”, pese embora esta província se encontre em crise psicomesológica face ao sucedido.

A disponibilidade natural dos recursos nesta província, cresce numericamente e qualitativamente tanto pelas descobertas, como pela abundancia. Nisto crescem todos os fectores que acompanham esta perpectivas, desde a prospeção até a exploração propriamente dita e economicamente vivida. As informações disponibilizadas ao público, apontam que os recursos diariamente descobertos nesta província são não renováveis, isto quer dizer que são extraídos mais rapidamente que o seu reabastecimento por processos naturais. Esta indicação da tipologia de renovação destes recursos, leva-nos a uma atenção ecologicamente séria e estruturalmente responsável.

Moçambique é um país de justiça social e económica, esta prespectiva limitada de designar um complexo país, precisa de ser reajustada, visto que ele vive um momento historicamente marcado pelas descobertas dos recursos naturais, facto que tardiamente porá em causa a situação de sustentabilidade ecológica.

A necessidade económica sempre esteve no topo de todas as atenções sociais, mas esta província é chamada a comungar os ideais da sustentabilidade ecológica, não frustrando a ansiedade da sustentabilidade económica das sociedades que directas ou inderectamente se beneficiam dos ganhos destras descobertas. Descobrir um recurso natural deste tamanho e qualidade verificado nesta província é uma responsabilidade acrescida e proactiva de todas as forças vivas que fazem parte integral ou aparente do processo; Mas a quem diga que “descobrir petróleo numa região constitui uma franca maldição”; Este pensamento pode ser irreal, mas não pode ser desprezando, visto que as metamorfoses geográficas, económicas e socioculturais vividas nestes locais indicam claro cumprimento deste ideal.

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Filosoficamente é comum ouvir ou mesmo dizer que “a natureza é a mãe de todas as descobertas artificiais” e “tudo na vida tem um preço”, mas neste âmbito, o povo desta província foi encontrada de surpresa, sem nenhuma qualificação técnico-científica para assegurar a grande demanda destas descobertas. Face a isso, é oportuno dizer que infelizmente a juventude residente nestes locais levara a vide de “ião espectador”, sem dar um contributo significativo ou mesmo plausível a respeito das futuras explorações. Aliado a isso, viver-se-á, momentos de grandes desníveis económicos, tendo sociedades elitistas, altamente economizadas e aquelas que continuaram a viver abaixo do nível de vida normal desejado.

Panorama Actual das Descobertas dos Recursos Naturais

A província de Cabo Delgado hoje é uma das mais apetitivas de residir, desfrutar grandes transações económicas e partilhar os frutos da beleza da natural que se fazem sentir diariamente. A demanda das descobertas naturais nesta província ainda não foi determinada na sua totalidade, visto que é frequente e habitual ouvir frases como “já foi descoberto o recurso “x” na região “y”. Estas informações de base formal e maioritariamente publicadas de maneira informal, deixam os populares da província a viverem com o dilema de que somos pobres que vivem por cima de grandes riquezas por nós desconhecidas. Os distritos de Palma, Montepuez, Namuno, Ancuabe e Ibo são os expoentes máximos das novas descobertas de recursos naturais como o gás natural, o petróleo, as pedras preciosas e semi-preciosas, o ouro, o grafite e as reservas de carbonatos de cálcio. Estas designações fazem da província, o centro de atenção dos grandes investidores nacionais assim como internacionais.

Na bacia do Rovuma, apois a visita presidencial no âmbito da presidência aberta, no dia 24 de Julho de

2013 foi divulgado um relatório pelo governador da província de Cabo Delgado, Elizeu Machava, que segundo o qual, a mesma possui 150 triliões de pês cúbicos de gás, tornando-a a terceira maior bacia de gás do mundo. A divulgação feita pela empresa ANE e ROVUMA RESUCE (2013), revela que o distrito de Namuno detém a segunda maior reserva de grafite do mundo; O distrito de Montepuez fornece o minério de “ruby” da primeira linha qualitativa do mundo, as recentes descobertas da ANADARCO (2013), confirmam que o distrito de Ibo possui uma importante reserva de petróleo de África e o distrito de Ancuabe é detentor das maiores reservas de carbonatos da região Austral de África. Estas descrições sumárias levam-nos a um grande encontro com as maiores economias do mundo, como os Estados Unido, China, Japão, Alemanha, Rússia, os Emirates Árabes Unidos e a Inglaterra.

Estudos feitos levam-nos a um mar de especulações que segundo as quais existem outros valiosos recursos ainda por descobrir e divulgar noutras regiões desta província, facto que tornara as sociedades mais apreensivas ao reconhecimento e domínio de transações económicas, baseadas em recursos naturais. Esta oferta dos recursos naturais é fisicamente limitada ou restritamente ligada a escala dimensional dos solos e mares da província, assim como a escala temporal da durabilidade dos processos de exploração. O que de forma impar faz destes locais verdadeiros retiros de transações tecnológicas.

Os recursos existentes nesta província obedecem a Classificação Baseada na do US Bureau of Mines and US Geological Survey Bulletins 1450-A e 1450-B, 1976, que segundo Isabal Mendes (2007:10) são: Reservas Identificadas - são as aquelas cuja quantidade e qualidade já são conhecidas; que é o caso de alguns minérios explorados por aqui; Reservas Identificadas Confirmadas - uma parte foi quantificada com uma

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margem de erro = 20% ; Aqui temos um caso concreto do gás de palma que surpreende diariamente; Reservas Identificadas Inferidas -parte identificada com base em características geológicas dos depósitos; Aqui aprage ao autor exemplificar o grafite de Namuno;

Reservas Identificadas Confirmadas e Quantificadas- parte quantificada com uma margem de erro de 20%; Reservas Identificadas Confirmadas referenciadas- parte identificada com base em características geológicas dos depósitos”. Esta classificação que os residentes desta província pouco a conhecem e muito menos a aplicam, tem sido pela áptica do autor uma das causas da desvalorização da tamanha riqueza que de surpresa nos rodeia; Não por falta de objectividade face ao acontecimento, mas por um instinto gananciosamente económico e desprovido de noções ambientalmente futuristas face a mãe natureza que é a génese de tudo que se acreditar ser e estar ao serviço das sociedades; isto leva os residentes deste local a optarem pelo bem imediato, do hoje, já e do agora, não se importando com o futuro ecológico, muito menos pela sustentabilidade natural dos agentes concorrentes a este fenómeno.

Nesta perspectiva há que salvaguardar a questão dos “stoks dos recursos naturais” que são quantidades de recursos existentes num determinado período, tendo em conta o fluxo dos recursos naturais, que é a variação do stok num determinado intervalo de tempo, facto que na realidade desta província não se pode falar de um controle rígido e ordeiro.

As pedras semipreciosas extraídas e vendidas ilegalmente no distrito de Balama, nomeadamente o red-ganet, as turmalinas e as águas marinhas fazem com que o processo de contribuição fiscal do local seja insignificante em relação ao esperado normalmente. Fenómenos desta porte se repetem significativamente noutros pontos da província com o olhar impávido das

autoridades locais, que se acham alienados a esta prática quotidiana, fazendo do bem público, uma oportunidade de pilhagem de alheios. A atribuição de grandes conceções as multinacionais como a “ANADARCO e ANE” são tidas como a esperança de se ter Moçambicanos ligados directamente ligados aos processos de exploração sustentável e ecologicamente segura dos recursos naturais, tendo em conta as futuras gerações.

Implicações Capitais da Descoberta e Exploração dos Recursos Naturais

Na perspectiva do autor deste artigo, a descoberta dos recursos naturais nesta província tem mais implicações a três tipos de capitais, nomeadamente: o capital humano, capital natural e o capital económico. A filosofia do Gorgias, ensina que o “Homem é a medida de todas as coisas”, isso releva-nos ao pensamento egocentrista de ver e analisar as situações vigentes ao homem com base nele mesmo, o que naturalmente é limitativo e cientificamente não aconselhável numa análise totalista da descoberta e exploração do recursos naturais.

Implicações do Capital Humano na Descoberta e Exploração dos Recursos Naturais

O capital humano foi quem a prior determinou e divulgou que existem recursos naturais nesta província; Mas para melhor percepção destes desígnios é imperioso começar por decifrar o que é um capital humano. Para Costanza (2000) “ é o trabalho físico, humano e o conhecimento armazenado pela humanidade”; Este capital de forma inequívoca é o gerador de vários outros capitais que fazem da vida das sociedades uma verdadeira escola de conquistas e

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desafios quotidianos. A perspectiva do “capital social”4 não é questão do pano de fundo desta artigo, mas importa que o utente do mesmo tenha uma visão aceitável sobre este conceito. A naturalidade e simplicidade da busca de autoafirmação do homem é cada vez relevante como previa Victor Frankle, que a preocupação principal do homem não é obter prazer nem evitar a dor, mas, sim, ver significado na sua vida. O significado acima dito não se limita num só forma de achar e pensar os fenómenos, mas sim achar o significado da sua existência.

As implicações deste capital subdividem-se em várias áreas nomeadamente: A educação e cultura. Estas não representam a totalidade das implicações vividas e ocorridas mediante a exploração dos recursos naturais, mas a pesquisa optou por designa-los de forma objectiva e pragmática tendo em conta a realidade do artigo. Estas implicação se estendem para as áreas agrícolas que não é a génese deste artigo, pesembora isto seja notoriamente visível e vivido; A desistência massiva da prática da agricultura, devido a aderência ao garimpo ilegal é uma realidade inevitável nos locais ditos propensos a isso.

Implicações Educativas

A educação é um instrumento de formação segura da personalidade humana, em várias facetas da humanidade, mas nesta província “já não é prioridade”; Esta crença dinâmica das qualidades que a educação oferece têm que ser consideradas de forma sábia e objectiva por todos os residentes desta província que nos últimos dias foi bainhada de várias surpresas nas descobertas de recursos naturais. “A educação pode ser definida como uma metodologia: aprendizagem do aprenderaa”(FURTER, citado por Muller 2005:7)O

4 Capital social refere à teia de relações interpessoais, bem como às

regras, normas e arranjos institucionais criados pelo homem

(Costanza, 2000).

saudoso Presidente da Repúblida Popular de Moçambique, Samora Moisés Machel disse: “ Fazer da educação um instrumento para o povo tomar puder”; Só com isto dá para deduzir que educar um homem é fornece-lo ferramentas para atribuição segura de puder nele. Com as descobertas previamente vividas e vistas nota-se um abandono massivo dos alunos do sexo másculo, para enveredarem na escavação mineira e as alunas optam por casamentos prematuros e não menos provável por prostituição como forma de ganhar fácil e imediato a vida ou, os bens físicos.

A taxa de abandono escolar nas regiões de prática de garimpo ilegal ronda cerca de 47,3%, segundo dados publicados no ano de 2012; Facto que preocupa as comunidades competentes gestoras de educação nestes locais. Esta desistências indiscriminadas de alunos em ambientes escolares leva-nos a repensar sobres que extratégias tomar para a garantia de um futuro brioso e educativamente seguro para as furas gerações.

Os professores que leccionam nestas regiões são maioritariamente considerados como “homens famintos”, caraterizados por vida de baixa renda e sem exemplo pragmático a seguir o oferecer, o que colapsa a designação de que o “professor é o espelho da sociedade” “Que ideia poderia ser mais generosa do que a de ajudar todo o Homem, a pensar por si, qualquer que seja a sua situação, sua etnia, sua cor, ou sua educação prévia?O pressuposto é o de que o homem pode ajudar o seu próximo a tornar-se pensador e assim a tornar-se autónomo e autodeterminado(BRUNER, citado por MULER 2005:5) Esta sociedade alienada em resultados do “hoje e agora”, da vida fácil, do bem imediato, da renda repentina assim como de frutos do já para já ainda não percebem o quão grave é esta realidade emergente daquele local . O sector da educação nos locais onde claramente se diz haver riquezas naturais, enfrenta sérios problemas de

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educando e da postura do educador. Se hoje é o aluno que abandona as aulas e dirige-se ao garimpo, podemos levantar uma desafiadora hipótese de que um dia os professores optaram por fazer o mesmo, para não se sentirem excluídos da sociedade e acrescerem as suas rendas económicas sociais. Esta perspectiva não pode ser vista ou considerada distante de acontecer, pese embora seja contraditória aos objectivos do desenvolvimento do milênio, que é de erradicar o analfabetismo.

A educação formal é um dos pioneiros passos que normalmente o ser humano tinha que enveredar, para se autodeterminar como ser hábil a participativo no desenvolvimento das economias emergentes, que Moçambique hoje faz parte. Esta busca de economia através da exploração de recursos naturais quer zauríveis ou não, não constituiu algo novo para as comunidades; Para (Silva, 2003, p.34) “A economia dos recursos naturais é tida como aspectos da extração e exaustão dos recursos naturais ao longo do tempo emerge das análises neoclássicas a respeito da utilização das terras agrícolas, dos minerais, dos peixes, dos recursos florestais madeireiros etc”. Essa utilização que o autor acima se refere não distante do que acontece atualmente nem se distancia desta gananciosa busca incessante de valores económicos, vivida na província de Cabo Delgado.

Não se pode pensar em exploração sustentável e raciona dos recursos naturais, numa sociedade de pessoas não escolarizadas ou mesmo pouco alfabetizadas, porque pode se incorrer o risco de não se perceber o que se procura, com a facilidade de se encontrar o que economicamente não se conhece. Não se pretende com este artigo afirmar-se que a educação e única forma de aquisição do equilíbrio social e moral, se assim fosse seriam avesso aos ideais de Philp Abelson (1970) “A ciência e a tecnologia não pode ser aplicadas

com sucesso para a realização de todos os nossos desejos” . Mas claramente o posicionamento acima não quer afirma que a ciência seja tão inoperante nos processos de construção da personalidade, pelo contrário este posicionamento releva-nos as metamorfoses que a ciência protagoniza nos humano, sem se esquecer das suas limitações operacionais. O desenvolvimento de políticas claras que desensentive a prática ilegal de exploração dos recursos naturais, a criação de mecanismos de reencerção dos alunos desistentes em ambientes escolares, tem que ser vistas como a chave de salvaguarda das futuras gerações. Pedagogicamente, diz-se que a melhor educação é peloexemplo, nisto, as futuras gerações pode enveredar por actitudes educativamente pouco abonatórias que os seus antepassados optaram.

Implicações Culturais

A cultura é um instrumento de vital importância na vida de qualquer sociedade, visto que não há homem sem cultura; O Homaem é de forma nata um ser cultural, tanto pelas suas origens como pela sua actuação assim funcional. Partindo desta permissa, chega-se a mera conclusão de que as descobertas dos recursos naturais geram aglomeradas populacionais que facilitam o contacto entre várias culturas, distintas etnias, diferentes povos, que leva o autor a ariscar dizer que “já não há identidade cultural nos locais de exploração dos recursos naturais”. Este focto que a província vive do ponto de vista económico pode ser rentável, mas fragiliza os aspectos culturais menos consistentes e leva-nos a reflectir que “O desempenho da vida humana está inteiramente ligado ao pressuposto cultural” CARVALHO (101). A ser assim a inculturação dos povos é e será evidente, notar-se uma desvantagem em termos da essência da cultura Moçambicana, que se encontra sufocada pelo

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determinismo das metamorfoses locais das várias culturas que vivem e convivem neste local.

A descoberta de cada recurso nesta província tem se transformado numa oportunidade de se estabelecer correntes de racismo, tribalismo, localismo, separativismo, como forma de egocentricamente se apoderar de um bem publicamente nacional, dum “Moçambique uno e indivisível” CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLIDA DE MOÇAMBIQUE(2004: 3) . A claridade da indivisibilidade de Moçambique vai além das conquistas políticas, económicas, naturais ou mesmo culturais. Aconselha-se que estas descobertas sirvam de elo de ligação entras as distintas culturas, religiões, sociedades, civilizações com a finalidade de consolidar a soberania económica e cultual do país.

Implicações do Capital Naturais na Descoberta e Exploração dos Recursos Naturais

A natureza sempre foi e naturalmente é um lugar de preferência única de habitabilidade humana, tamto pelo seu acolhimento simbólico como pela forma ímpar de ser e estar perante os seres humanos e inanimados.Para o desenvolvimento desta descrição aprage ao autor definir o capital natural. É importante e necessário apresentar a tamanha diferença existente entre o capital natural e a natureza capital; Para Mendes, I(2007) “Capital natural é a totalide dos recursos naturais , como sendo um factor productivo genérico designado por terra e outros factores que com ele se tornam funcionais”. Esta frontalidade de designação tras uma outra forma de ser e estar perante a mae natureza que é a fonte deste todo capital.

A natureza esteve sempre ao serviço de todos os que nela se encontram habitando, razão pela quel, caísse no determinismo erro de se ver e perceber uma

reserva como um recuso, com o risco de temos recurso que deles não tiramos um uso proveitoso e racional. Para Silva (2003 pag 36) “A reserva mineral implica algum tipo de medição física que tenha sido feita sobre o teor e a quantidade de concentração mineral in situe, além disso, que sua extração seja viável do ponto de vista tecnológico”. Esta perspectiva do autor acima dá-nos a liberdade de afirmar que as reservas são esgotáveis, isto quer dizer que a reserva pode atingir um ponto insuportável sob ponto de vista de utilidade do homem. Esta saturação de reserva pode levar a fortes implicações ecológicas protagonizadas pela ausência, redução, abaixo do crítico ou mesmo excedendo o limite máximo de tolerância, que na visão da lei de tolerância de Sheford (1911) “ Os organismos tem um máximo e mínimo ecológico que representam o mínimo de tolerância com uma amplitude entre ambos”. A descrição de Shelford remete-nos a uma outra visão da limitabilidade das espécies independentemente das suas circunstâncias operacionais, esta limitação funcional que pode levar a depreciação ecológica do meio ambiente. Esta impossibilidade funcional dos organismos estão directamente ligadas a sua capacidade de povoar em ambientes diferentes, assim como a necessidade de suporte a grandes variações ambientais, o que vulgarmente é designado pro valência ecológica. Para tal a pesquisa aponta os problemas ambientais como uma das mais grandes implicações do capital natural face uma uma exploração de recursos naturais.

Quando um recurso é extraído do local naturalmente habitual por uma acção antropogénica é comum o surgimento de agentes que directa ou inderectamente poem em causa a sustentabilidade do ambiente, em alguns casos tornando-o impropio para a sobrevivência das espécies o que culminara com a extinção de algumas delas.

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A fragilidade no desenvolvimento de estudos de impacto ambiental, faz com que nesta província não hajam previsões claras de índices de qualidade ambiental no período ou mesmo apois a exploração dos recursos naturais. Estes factores de mudanças ambientais podem ser de caracter endógeno ou exógenos, dependendo do seu índice de pressão ambiental tendo em conta a natureza da exploração. É indiscutível que estas explorações criam visível crescimento económico que evolui de forma crescente com a degradação ambientaL, facto que descrito pela curva de Kuznets (1995), que procura estabelecer a relação entre a distribuição individual da renda e o crescimento. Esta análise leva-nos a por em causas o factor do “desenvolvimento sustentável” 5 das comunidades que vivem de perto destes surprendetes acontecimentos.

Implicações do Capital Económico na Descoberta e Exploração dos Recursos Naturais

A economia é tida como o estudo das distintas formas em que as pessoas e as comunidades optam por empregar os recursos productivos escassos na criação de bens e serviços, com intuito de redistribui-los de forma equitativa, eficaz e eficiente. O enredo deste artigo prima mais no estudo da natureza, a necessidade de sustentabilidade e preservação da mesma, estudo e investigação do caminho óptimo de extração dos

5 O conceito de desenvolvimento sustentável representou a harmonização dos interesses dos grupos antagônicos, dentro das discussões ambientais que adentraram a década de 80 (Nobre & Amazonas, 2002). Embora polêmica, a definição mais usual de desenvolvimento sustentável é dada pelo Relatório Brundtland, que o define como “aquele desenvolvimento que permite às gerações presentes satisfazerem suas necessidades sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias” (Brundtland, 1987: 24). A partir de sua publicação, houve um crescimento exponencial nos trabalhos que utilizaram o termo “desenvolvimento sustentável” referindo-se à reconciliação entre crescimento econômico e preservação ambiental, bem como um grande interesse na construção de índices de sustentabilidade ambiental. Para mais detalhes sobre o desenvolvimento sustentável e sua operacionalização, ver, principalmente, Costanza & Daly (1992) e Daly (1996).

recurso e as implicação destas prática contemporaneamente rentáveis.

O capital económica considera-se ser o expoente máximo da necessidade da exploração dos recursos naturais, o que deu origem a conceitos como economia dos recursos naturais que são baseados da prontidão qualitativa e quantitativa do trabalho, como a fonte indispensável na aquisição do capital. A valorização máxima do trabalho como a fonte de riqueza foi inicialmente abordada por Petty6 , mais tarde Adam Smith, o pai da escola económica deduziu que “O principal elemento da riqueza é o trabalho” Esta descrição contraria o pensamento dos fisiocratas e mercantilistas que para eles, “ a terra e os metais preciosos são a fonte da riqueza”. Naturalmente a terra explorada por indivíduos de fraco trabalho não renderia algo, muito menos se iria prever a questão da sustentabilidade da mesma. Esta visão do pai da escola económica faz com que as grandes multinacionais que investem nas áreas de exploração dos recursos naturais não se importem com os danos que advem neles.

Na óptica do autor deste paper, não é sustentável nem ambientalmente aconselhável que ocorram explorações de forma múltipla em todos os pontos onde estas descobertas foram confirmadas; Isto pode incorrer o risco de se explorar tudo hoje e agora deixando o futuro das gerações vindouras muito mais incerto que o normal, promovendo assim as ditas “economias expeculativas”; estas prática protagonizadas em quase todas as províncias medem a depreciação antecipada do capital natural que dará origem as futuras depreciações económicas das

6 “como Petty , colocou no trabalho a origem da riqueza,isto é, da formação do excedente, distinguindo o valor de uso de um bem de seu valor de troca. Pelo primeiro conceito, um bem tem valor por sua utilidade, á medida que satisfaz as necessidades humanas. Pelo segundo, na visão dos clássicos, o valor dos bens deriva das relações de mercado,sendo determinado pela quantidade de trabalho que eles incorporam”.

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gerações, tornado assim a depreciação do uso altíssima que a depreciação do tempo.

Atualmente a rende de vida dos exploradores dos recusos pode ser alta, mas a perspectiva futurista da renda das futuras gerações se encontra colapsada pelo determinismo e individualismo económico.

O outro factor que enferma a sociedade, é a questão da divisão da riqueza proveniente das explorações de recursos naturais, facto que a sociedade desta província não tem bases sólidas a respeito, optando por pensar que o estado, através dos exploradores dos recursos promoverá campanhas de distribuição de fundos munitários como forma de satisfazer os visados directo na questão.

A implantação de equipas de educação cívica monetária, a criação de núcleos de acompanhamento das explorações dos recursos, a criação de equipes de educação e gestão ambiental e a formação de jovens em matérias de sustentabilidade ecológica, ajudaria a sonâmbula percepção popular a respeito do destino dos fundos que advém da exploração, que cada dia que se descobre um recursos aumenta a ânsia de se perceber como se tem distribuído as rendas oriundas das explorações dos recursos naturais que são cada dia reportados. Para Souza (2000) “A relação da economia ambiental com os recursos naturais está apoiada no princípio da escassez, que classifica como “bem econômico” o recurso que estiver em situação de escassez, desconsiderando o que for abundante”. Esta tendência relevanos as percepções clássicas que segundos as quais, numa posição de escolhas entre os valores económicos e sustentabilidade ecológica, o Homem não isitará em optar pelo dinheiro, mesmo que isso lhe custe a detioração do habitactil por onde ele vive. Ao acontecer isso é muito importante e necessário se lembrar dos ditos de Barbosa (2001, pag 93) “a natureza contra-ataca”. Esta curta frase tem

puder de aperçoadir aos exploradores indiscriminados dos recursos naturais, que um dia esta natureza se revoltara de nos de forma calamitosa e drasticamente cruel; Como aconteceu com os desertos de quase todo o mundo, que algumas pesquisas relatam que no passado foram regiões ecologicamente equilibrados e ambientalmente constituídos por multiplicidades de espécies. Os economistas mais abalizados nas questões economicamente ambientais falam da sustentabilidade com base em limites previamente traçados sem tendência alguma de descredibilizar as tendências de aquisição de lucros micro ou macro monetários, mas sim com intuito de fazer um equilíbrio lógico entre a tendência económica e aquisição de bens monetários. A experiencia que os países mais abatidos na exploração de recursos naturais traduzem é a utilização do modelo bioeconómico no seu sistema de reaproveitamento dos recursos tendo em conta os padrões internacionais dos processos desta natureza. CONCLUSÃO A descoberta dos recursos naturais nesta província é uma responsabilidade ecológica, económica e natural jamais tida no passado desta jovem província, pese embora este fenómeno tenha encontrado os populares desprovidos e despreparados para fazer face a estes desígnios naturais, que cada dia se tornam fonte de renda imediata dos populares, mas em contra partida são uma oportunidade de deterioração ambientas, transformando a razão ecológica da biossocialização das pessoas em verdadeiro sacrilégio ecológico da mãe natureza; Onde já é evidente a desculturação dos populares, a desistência as aulas dadas em escolas formais, a criação e consolidação do tribalismo, localismo, regionalismo, separativismo, localismo assim como a clara alusão de que “o daqui é nosso e de mais ninguém” , facto que apoquenta as autoridades locais.

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As implicações do capital natural, económico e humano nesta senda de descoberta e exploração de recursos naturais “preço das descobertas”, na província de Cabo Delgado são claramente visíveis, ecologicamente notáveis e economicamente palpáveis; Face a isto a dezescolarização massiva dos residentes deste local, fruto da procura imediata de satisfação económica, faz com que estes populares não passem de meros assistentes deste grande senário contemporâneo, jamais visto nesta província. As clivagens culturais, os desníveis socioeconómicos, a proliferação de endemias, pandemias e patologias, a perca de consciência ecológica, o desrespeito a cultura de estado, a perca do sentido de pertença “ownership”, fazem o dia-a-dia dos populares desta província, mesmo quando a eles não cabe a voluntariedade para o efeito.

O texto acima já descreve o preço a ter com as descobertas e explorações massivas e conjuntas dos recursos naturais, que são a característica a viver nesta província; A vulnerabilidade biopolítica dos populares face aos exploradores dos recursos, a baixa escolarização, o fraco domínio do sentido da nação, a falta do conhecimento profundo da essência cultural, a ganancia económica, a falta de cultura ambiental, fragilizam a exploração consciente a altamente regrada dos recursos naturais, cabendo as entidades de direito e meritocracia estadual tomarem as medidas prévias e imediatas para trazerem o avesso deste acontecimento históricos.

O maior e pior preço das descobertas e explorações dos recursos naturais nesta província será a perca da consciência nacionalista, fruto dos encontros de povos de distintas nações, a proliferação de regiões altamente eutrofizadas e polidas assim como a frustração massiva dos nativos, protagonizada pela falta do gozo a apropriação das vantagens da exploração destes recursos naturais.

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OBJECTIVOS DA GOVERNAÇÃO NUMA PERSPECTIVA ÉTICA POLÍTICA E GOVERNAÇÃO EM ÁFRICA

Mouzinho Mariano Lopes Manhalo 7

Resumo: A África confrontasse a uma crise de governação, reflectida pela falta de legitimidade das instituições públicas aos olhos da população e pela pertinência e a eficácia demasiadas fracas de suas acções. No entanto, a África deve renunciar novas regras ou produzir planos de acção, baseados em análises pertinentes. A governação em África exige transformações muito mais profundas das atitudes e aptidões dos actores, com vista à elaboração de novas práticas em matéria de gestão pública, fundadas em valores, marcos e princípios conhecidos, reconhecidos e aceites por todos os actores. Neste contexto, o presente artigo pretende analisar, os objectivos da governação, numa perspectiva ética politica e governação em África. Neste âmbito, as lideranças africanas devem basear-se em princípios éticos, com uma política eficiente, transparente, sem prejudicar os interesses da maioria (os governados). Só assim é que vamos caminhar em direcção a uma maior satisfação, felicidade, colectividade e realização dos projectos e programas de governação, que são os objectivos da governação. Palavras-chaves: Ética, Política, Governação, África.

7 Mestre em Ciências Políticas e Estudos Africanos pela Universidade Pedagógica. Docente da Universidade Pedagógica de Moçambique- Delegação de Montepuez.

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Introdução

Toda sociedade necessita de regras fundamentais para governar a si própria. Essas normas surgem de costumes e convenções emanadas nas constituições. Os cidadãos fazem essas regras, enquanto mandantes para que o governo, enquanto mandatário (quem recebe mandatos), exerça o poder. São os povos que organizam os governos para proteger os seus direitos e, assim, tentar alcançar seus próprios objectivos em paz, tendo à felicidade como o fim último.

Neste contexto, pretendemos neste artigo, discutir a questão dos objectivos da governação, ou seja, as finalidades da governação numa perspectiva ética política tomando como escopo a África. Assim, procuramos responder a seguinte questão: porque governar?

As nossas provocações são levantadas a partir do pensamento de Adam Smith em sua “Teoria dos Sentimentos Morais” ao colocar a questão de que, se o homem não recompensa seu benfeitor, quando está em seu, poder faze-lo, sem dúvida, é culpado da mais negra ingratidão. Obrigá-lo o homem pela força a cumprir o que deveria cumprir pela gratidão seria se possível ainda mais impróprio do que sua negligência. Seu benfeitor ficaria desonrado se tentasse coagir à gratidão, e seria impertinente que um terceiro qualquer, que não fosse superior a nenhum dos dois (governantes e governados), intermediasse.

A questão do fundo, deste artigo é se a função prioritária dos governantes é a preservação das regras do jogo, baseadas em princípios éticos, deixando que

cada um cuide de seus interesses, com a obrigação de respeitar os resultados da boa conduta (e punir a má), mesmo que esses resultados não agradem sempre, ou se a função dos governantes é prioritariamente tentar satisfazer os múltiplos e variados interesses de todos (os próprios governantes e os governados).

Para analisar o tema, procuramos privilegiar uma abordagem eminentemente qualitativa, com recurso à pesquisa bibliográfica. E, para desenvolver o argumento central da análise, o artigo divide-se essencialmente em cinco partes: I – “Satisfação”; II – “Felicidade”; III – “Colectividade” IV - “Realização dos Projectos e Programas da Governação” e por fim trazemos as nossas contribuições em torno do debate. De salientar que não procuramos neste artigo desenvolver estes objectivos da governação (Satisfação, Felicidade, Colectividade e Realização dos Projectos e Programas de Governação) como um fim, mas sim, discutir os mecanismos adequados (os meios) para se chegar a este fim (objectivos da governação).

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1.Objectivos/Finalidades da Governação: Porque Governar?

Não constitui objecto do presente artigo discutir os vários conceitos de governação que têm sido usados em variadas áreas do saber como a História, a Ciência Política, a Economia e a Sociologia. Essa abordagem pode ser objecto de um trabalho autónomo. Tendo em conta que o presente estudo visa responder, como referimo-nos na nota introdutória, a questão porque governar? Faz sentido que seja apresentada uma noção de governação que o nosso ponto de vista, é tão abrangente.

Assim sendo, de acordo com as várias tentativas de definir a governação percebemos que ela se constitui num processo que tem em vista criar condições que garantem um Estado eficiente. Para lograr tais objectivos (satisfação, felicidade, colectividade e a realização de projectos e programas de governação), é preciso que haja a concorrência dos governantes (Estado) e dos cidadãos e de suas organizações (sociedade civil organizada): “para construir consensos que tornem possível formular políticas que permitam responder equilibradamente ao que a sociedade espera do governo”.

Na verdade, a governação procura aliar a exigência de participação e de inclusão pois, não há benefício sem participação; e não há participação sem benefício. “Tal equação decorre das seguintes premissas: o direito a determinar o benefício cabe a quem participa; a condição para uma tal autodeterminação é a autodeterminação da participação” (Chabal e Daloz, 1999, p.19).

Finalmente, a governação, segundo Bratton e Walle (1997, p.45), não é acção isolada da sociedade civil buscando maiores espaços de participação e influência. Ao contrário os autores consideram, que o conceito compreende a acção conjunta dos governantes e governados na busca de soluções e

resultados para problemas comuns (Ibid., p.46). É com base neste pressuposto que nos propomos desenvolver em seguida cada um dos objectivos da governação.

1.1.A Satisfação (realização de interesses

individuais e sociais) Para Aristóteles o homem é, por natureza, animal político (e então, também sociável). Quem, por natureza, não possui Estado, é superior ou inferior ao homem, quer dizer: Ou é Deus ou mesmo animal (Arendt, 1997, p.61). O homem sente exigência imprescindível de se encontrar em relação aos outros seres de sua própria espécie, e tem o sentimento particular de satisfação quando consegue realizar essa sua disposição. O que significa que ele se colocou sempre em condições de adquirir conhecimentos dos outros, de apreciar a sua presença, de reconhecer a importância e unir a eles. Daí que o homem é sociável e, por isso, tende a entrar em contacto com os seus semelhantes e a formar associações estáveis com vista à realização de interesses individuais e sociais.

Sendo um ser gregário, por excelência, o homem isolado é uma abstracção. A avaliar por este ponto de vista e de acordo com Kesselring (2003, p.54) os homens só podem conviver sem tensões, enquanto concordam com as regras e determinações colaterais de convivência.

A satisfação resulta também de uma política boa de administração territorial na qual as políticas de desenvolvimento visam sempre criar o bem-estar da população contrariamente àquilo que está a acontecer em Moçambique, em particular na Província de Tete em que, a par dos grandes níveis de desenvolvimento industrial, havia grandes espectativas em torno da redução do nível de custo de vida e, pelo contrário, esta subiu. Sendo assim, levantam-se algumas questões:

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onde estão os Governantes? Qual é o seu papel na defesa dos interesses dos seus povos?8

A satisfação não resultasomente da acção dos governantes, mas sim, de uma colaboração conjunta entre os governados e governantes. Para sustentar esta visão socorremo-nos da posição de Kesserling (2003, p.52), segundo a qual, cada indivíduo deve contribuir no âmbito de suas possibilidades para que as instituições sociais e políticas existentes, não só sejam eficientes, mas também funcionem de maneira justa.

Também, para que haja satisfação (embora admitindo que é impossível satisfazer a todos) é necessário, em primeiro lugar, que o Estado desenvolva certos valores, como por exemplo respeito pelos direitos individuais e colectivos dos cidadãos, valorização e aprimoramento das capacidades individuais (Arruda, 2010, p.45). Na mesma linha de pensamento, Kesselring (2003, p.55) partindo do princípio de que, para cidadãos que não exercem nenhuma função-chave no Estado, valem (ao lado de deveres jurídicos, específicos para determinadas funções) defende três funções específicas do Estado: (a) respeitar outras pessoas (não menosprezá-las), (b) não se esquivar de acções beneficiantes e, (c) não negligenciar o desenvolvimento de capacidades individuais.

Ora, o assunto em discussão encontra sustentação em OʼNeill (1986) que acrescenta: “Entre os deveres estritos relacionados com o agir

estatal ou institucional tendo em conta a satisfação9, principalmente dois são significativos: 1. não exercer nenhuma coacção (ilegítima) sobre terceiros; 2. não enganá-los. Enganar é o exemplo clássico para uma

8As tentativas de respostas a estas questões serão desenvolvidas na IV e última parte do artigo “Realização dos Projectos e Programas de Governação” porque do nosso ponto de vista, apesar do debate ser levantado aqui mas, melhor se enquadra na IV parte que trata especificamente do assunto em alusão. 9 O sublinhado não é original.

forma de comunicação que, ocorrendo com frequência, sufoca a confiança – condição decisiva para a comunicação. Quem propositadamente engana terceiros, desconsidera os pressupostos sem os quais ele não poderia entender-se com os seus semelhantes... a coacção se contrapõe a essa condição. Ela pode provocar resistência e luta, impedindo, dessa forma, ou dificultando uma convivência pacífica. Instituições que aludem os seus sócios em situações essenciais ou coagem a uma forma de vida com a qual não podem estar relacionalmente de acordo, são, por isso, auto contraditório. O uso da coacção só é legítimo, quando se pode apelar para razões universalmente aceitáveis 10 – por ex., quando com isso se pode impedir uma coacção ainda maior” (OʼNeill citada por Kesselring, 2003, p.54).

Nisto, podemos concluir que a satisfação numa visão geral, pode resultar em certos casos de padrões de articulação e cooperação entre actores sociais e políticos e arranjos institucionais, que coordenam e regulam transacções dentro e através das fronteiras do sistema político, económico e sociais. Inclui-se ai, não apenas os mecanismos tradicionais de agregação e articulação de interesses, tais como os partidos políticos e grupos de pressão, como também redes sociais informais (famílias), hierarquias e associações de diversos tipos. Correspondam aos anseios, as necessidades desde que sejam legítimos.

Incorpora, também, a realização de programas que satisfaçam as necessidades da colectividade como um todo e respondam as suas demandas e benefícios em relação a certos programas de desenvolvimento. O 10A concepção weberiana sobre a coacção legítima também partilha esse ponto de vista ao defender que a coacção legítima intervém não como um fim em si mesmo, mas como uma possibilidade cujo objectivo fundamental é garantir a execução das normas jurídicas em vigor num determinado território. O uso da coacção pelo Estado é um meio necessário, mas não suficiente para fazer vale as normas jurídicas podendo-se usar outros meios como é no caso da socialização.

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que significa que, na nossa realidade, as comunidades hospedeiras de um determinado programa de desenvolvimento, deveriam se beneficiar dele; deveriam ser verdadeiros actores na construção de um futuro melhor para eles e para as novas gerações porque na verdade, se a nossa missão é com o futuro, naturalmente, como refere Ngoenha (1992, p.8) é obvio que para esse futuro melhor se realize, cada um deve dar o melhor de si, no lugar onde se encontra e, a realização desse futuro, passa necessariamente, pela maneira como cada um de nós (governantes e governados)souber ocupar o próprio lugar. Isto pressupõe que cada um saiba qual seja o seu lugar, e qual seja a melhor maneira de o ocupar.

2. Felicidade (harmonia social ou ainda eudaimonia)

A felicidade é a máxima de todo o ser humano (Denucci, 2009, p.12) e, para se chegar a este objectivo o ser humano precisa contemplar as diversas fases da existência: o conhecer, o relacionar, a liberdade, o amor, o tempo e, enfim, chegar à realização da vida feliz que ocorre quando a alma, esta livre das prisões do mundo, é capaz de viver nele como lugar que a revela pelos objectos e pelas pessoas que participam deste relacionar-se (Ibid., p.13). Ser feliz não é uma utopia, mas sim, uma realidade que pode ser vivenciada. Diante desta possibilidade, Arendt (1997, p.67) considera que:

“A vida feliz não é rememorada como puro passado, que enquanto tal não a nada obriga a vida factual; ao contrário, ela é, enquanto passado rememorado, uma possibilidade do futuro (tal como, nos momentos de tristeza, nos recordamos da alegria a partir da experiência que se teve como um possível que pode ser reencontrado em momentos actuais de tristeza). Com o passar do tempo, a humanidade passou por grandes transformações, principalmente com o advento da tecnologia e das ciências. De certa forma, todos estes

avanços ocorridos ao longo da história, trouxeram, sim, muitas inovações, contribuíram de várias maneiras para o desenvolvimento do mundo, mas não podemos negar o facto de que nunca em toda a humanidade o ser humano se sentiu tão fortemente abalado como em nossa era contemporânea”.

Para Aristóteles, a felicidade, não se esgota no prazer, ou seja, na palavra grega eudaimonia. A felicidade é entendida como o maior bem do homem e identifica-se com o viver bem e o fazer o bem. A felicidade é um fim em si mesmo, que consiste numa acção virtuosa. Não é um estado, mas sim, uma actividade, a mais auto-suficiente de todas.

Mediante toda esta tentativa de conceitualizar a felicidade, propomo-nos discutir os seguintes pontos: como é que a felicidade é adquirida? Será adquirida pela aprendizagem, pelo hábito ou depende da sorte? Ou, ainda depende da acção dos governantes?

Aristóteles dedica parte do livro II da Ética a Nicómaco à discutir estas questões. Começa por discordar que a felicidade seja uma bênção dos deuses, optando por considerar que a aprendizagem pode ajudar a encontrar a felicidade. Contudo, tendo em conta que a felicidade exige uma vida completa, a pessoa pode ser impedida de a alcançar por motivo do azar. Tal é o caso, quando se sofre um desastre terrível, como a perda de um ente querido (Marques, 1985, p.3).

Aristóteles começa logo por afirmar que “nós não vivemos para mais nada senão para a alma. Então, ser feliz, quer dizer a felicidade, reside no facto de viver uma vida feliz e o facto de viver uma vida feliz reside no facto de viver de acordo com as virtudes. O fim é, então, tanto a felicidade como o supremo bem”.

À guisa de conclusão, entende que, “a felicidade é certa actividade da alma segundo perfeita virtude, deve-se investigar a virtude, pois assim, presumivelmente, teremos também uma melhor visão

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da felicidade. O verdadeiro estadista parece igualmente ocupar-se sobretudo dela, pois pretende tornar os cidadãos bons e obedientes às leis” (...) (Marques, 1985, p.4).

Entendemos que a felicidade, como finalidade da governação, depende também da acção dos governantes. Por um lado um governante que sempre promove guerra, governa despoticamente ou ainda envereda pela ditadura o seu povo nunca será feliz. Por outro lado, também é tarefa dos governados colaborarem neste processo. Mas, para falarmos sobre a acção dos governantes na promoção da felicidade, revisitamos Marco Arruda.

O articulista em seu artigo “As Nove Dimensões do FIB11” coloca a questão do padrão de vida, boa governação, valorização da diversidade cultural e validade comunitária como elementos indispensáveis à felicidade.

Padrão de vida tem a ver com todas as necessidades materiais e a economia real. Padrão de vida digno é aquele que permite a todos e cada um ter suas necessidades básicas satisfeitas.

A boa governação, segundo Banco Mundial (2000, p.12),é gestão sábia do poder económico e político, de modo a garantir que a sociedade crie e preserve as condições materiais, sociais, culturais e ecológicas de viver em harmonia, alegria, paz e felicidade. A boa governação tem a ver com gestão sábia de pessoas, de instituições, de territórios e de recursos (Rosenau, 2000, p.47). Portanto, boa governação não é publicar decretos ou leis cujas razões os governados (as massas) não compreendem.Mas sim, é orientar os governados em todas suas dimensões. O

11É um termo usado pelo autor para significar Felicidade Interna Bruta (FIB). O índice FIB é uma abordagem holística às necessidades humanas, porque sem atender às necessidades tanto materiais como espirituais das pessoas e da sociedade, não é possível tornar realidade uma “sociedade boa e decente” (Tiny, 2005, p.15).

assunto em discussão encontra sustentação em Valdés (2006), ao afirmar que:

Na perspectiva libertadora, toda boa governação é exercer o poder pelos vários níveis de poder de forma efectiva, honesta, equitativa, transparente e responsável, deve buscar promover e facilitar o empoderamento dos sujeitos sociais para que se tornem protagonistas do seu próprio desenvolvimento. A partilha do poder de decisões e de gestão da economia e do desenvolvimento é, pois, indispensável para a felicidade colectiva (op.cit, 2006, p.23).

Neste contexto, podemos concluir que a boa governação, sem querer ser saudosista como refere Ngoenha, se resume no discurso samoriano “não é aquilo que eu quero, que tu queres mas sim o que nós queremos, o que os governados (o povo) querem” só assim é que chegaremos a felicidade colectiva.

Em relação à valorização da diversidade cultural, partimos da visão de que maioria dos países do mundo contemporâneo possui grande e imensa diversidade cultural. Moçambique é um caso entre outros.

A diversidade cultural, vivida na perspectiva da cooperação e da solidariedade em Moçambique, seria, em nosso entender, fonte de riquezas materiais e de maiores saberes e afectos do que cada cultura isolada, como mostra algumas tendências actuais, em que certos grupos culturais se consideram superiores em relação aos outros. Isto pode, de certa forma, ofuscar o princípio da Unidade Nacional, engendrando o divisionismo.

Tendo em vista que o ser humano é um ser social, relacional, que existe, se identifica e se realiza na comunicação, seja interpessoal, seja com colectivos humanos, então, a vitalidade comunitária é uma dimensão indispensável da busca de Felicidade (Valdês, 2006, p.26).

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Para Angelim (2002, p.28) a vitalidade comunitária não só se traduz na vida social e comunitária – no trabalho, na convivência, na sociabilidade, no intercâmbio de saberes, na diversão, no desenvolvimento mental, psíquico e espiritual, como também exige condições que transcendem a existência meramente física da pessoa. No entanto, partindo deste pensamento, em Moçambique a condição de pobreza e exclusão social de grande parte da população impedem uma vitalidade comunitária saudável. A incidência da pobreza, da marginalidade, da falta de acesso aos recursos básicos para a sobrevivência física se traduz em violência moral dado que ela é uma expressão eloquente da carência de vitalidade comunitária, do carinho, do afecto e do amor, sem os quais o “Ser Humano” se desfigura, adoece, morre... Ou passa a matar (Dinucci, 2009, p.14).

Concluindo: é só com uma economia fundada nas instâncias da família e da comunidade, e informada pelos valores da cooperação, do altruísmo recíproco, da solidariedade consciente e do amor que dará fundamento a famílias e comunidades equilibradas e, acima de tudo felizes.

3. A Colectividade Entendemos que os governantes existem para

satisfazer os interesses da colectividade. Isto pressupõe que o processo de governação visa, não somente a satisfação dos interesses individuais (dos governantes) mas também, os interesses colectivos (dos governados). Em suma, pressupõe a satisfação dos interesses da colectividade (governantes e governados) como um todo.

Nos dias de hoje, sobretudo em África assistimos lideranças cuja ambição pessoal é o prevalecente, ou seja, assiste uns processos que, em Ciência Política, designamos por visão maximalista do

Estado que, por definição, dá primazia aos interesses da elite dirigente em detrimento dos interesses do cidadão.

Esta questão a título de exemplo, em Moçambique de acordo com Mazula atall (2006, p.27), foi alvo de duras críticas por parte dos cidadãos moçambicanos porque, em sua opinião, o incumprimento das promessas não está naquilo que o governo faz ou deixa fazer, mas sim naquilo que “é prioridade do governo que nem sempre é prioridade dos cidadãos”.

Neste contexto, os autores citados concluem que, com efeito, em muitos aspectos o Estado moçambicano se apresenta como maximalista porque dá primazia aos interesses das elites dirigentes em detrimento dos interesses dos cidadãos (Ibid., p.27).

Esta situação é agravada ainda pela tendência que S. Eisenstadt, nos anos 1970, a designou neo-patrimonialista do Estado Moçambicano 12 para designar o sistema político dos países em vias de desenvolvimento. Segundo Forquilha (2008, p.6), o conceito neo-patrimonialismo tem sua origem na categoria weberiana de patrimonialismo, que descreve um modo de dominação tradicional exercido pelo príncipe em virtude de um direito pessoal absoluto.

O conceito neo-patrimonialismo pretende, assim, descrever um sistema político essencialmente estruturado à volta da pessoa de um príncipe, que tende a reproduzir modelo de dominação personalizado, essencialmente orientado para a protecção da elite no poder e que procura limitar no máximo o acesso da periferia aos recursos detidos pelo centro (Ibid., p.6). Sendo assim, o jogo desta elite consiste em assegurar o monopólio da representação e a controlar em seu proveito o processo da modernização económica.

Ademais, no caso específico moçambicano, o neo-patrimonialismo permite capturar o carácter

12O sublinhado não é original.

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híbrido da natureza e funcionamento do Estado, não só marcado pela confusão do público e do privado mas também, pelos elevados índices de corrupção, clientelismo, nepotismo, prebendalismo e amiguismo, situações estas que fazem com que todo aquele que acede ao poder se preocupe mais por si e não por aqueles que legitimaram o seu poder, contribuindo desta forma para a descredibilização dos governantes e até, certoponto, perda de legitimidade. O resultado desta descredibilidade é só olharmos pelos níveis de abstenção eleitoral, que em 2004, atingiram cerca de 64%, e aproximadamente 70%, em 2008.

Com este cenário, tudo indica que as raízes e os contornos do absentismo podem encontrar a sua devida explicação na “ausência de vontade e motivação” do eleitorado moçambicano (Mazula etall 2006, p.32), que se sente excluído, não só da participação nos processos de governação, mas também “escandalizada” pelo fosso maior entre os ricos (maioritariamente compostos pela elite no poder) e pobres.

Importa realçar ainda que a situação acima descrita decorre também do sistema de ajuda e da cooperação internacional que contrapõe, por um lado, os governantes e os doadores, por outro, o conjunto dos governados (população). Esta última praticamente não tem qualquer voz no que tange à política e às políticas públicas, e pode, não raro, como afirmam Mazula atall (2006, p.123), se sentir usada, não havendo quaisquer resultados das negociatas que são efectuadas presumivelmente a seu favor.

Este elemento, apesar de ser tão visível na nossa realidade, não poderia ser uma justificativa para os governantes se distanciarem da colectividade em detrimento dos interesses pessoais pois, se no processo de governação os governantes têm uma obrigatoriedade moral de FAZER O BEM E FAZER,

FAZER O BEM 13 BEM este que é comum e não individual, então, no acto de governação, os governantes tinham de ter em conta o princípio de “Eu” “Outro” como ponto de partida para a governação onde, ambos têm o mesmo ponto de partida14.

Sendo assim, devem pautar por um processo de socialização de ideias e partilha de opiniões, debates francos e abertos a vários níveis com os governados de forma que se crie um sistema mais justo, que paute por um equilíbrio colectivo dado que, de acordo com Kesselring, quanto mais justo é o sistema social, tanto menos premente é o exercício de deveres da colectividade (Kesselring, 2003).

Neste contexto, para finalizar esta parte, é preciso salientar que os governantes devem evitar os individualismos, devem preservar a noção de interesse colectivo como um guia fundamental do sustentáculo e desenvolvimento da sociedade. Por isso, terminamos afirmando: “queremos missionários (governantes) do BEM COMUM e não do BEM INDIVIDUAL!”.

4. Realização dos Projectos e Programas de

Governação A realização dos projectos e programas de

governação pressupõe o cumprimento integral dos planos, ou seja, das tarefas a que se propuseram os governantes a realizar durante um determinado período e de acordo com o panorama constitucional. Mas, estamos num processo de lideranças que como já

13Extracto da reflexão filosófica sobre a ética e política apresentada no curso de Mestrado em Ciências Politicas e Estudos Africanos. In: Miguel A. Moto. Haverá uma ética política ou uma política ética? Prospectus da ética poítica e governação. A governabilidade da Política. Maputo, 2011. 14De salientar que esse assunto foi muito discutido (apesar de ser a portas fechadas) na reunião dos quadros do Partido FRELIMO pois, a dado momento dentro do partido percebeu-se que os governantes que na sua maior parte ou senão todos saem do partido vencedor neste caso a FRELIMO quando chegam ao poder preocupam-se mais por “Eu” e não pelo “Outro” ou seja a colectividade. E faz sentido discutir seriamente este assunto pois, é ela que controla o Estado.

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tínhamos anteriormente afirmado, a ambição pessoal é o prevalecente. Ademais, os governantes estão mais preocupados com a situação do mercado em detrimento dos governados.

Assim, esta situação acaba afectando a realização dos projectos e programas de governação dado que, a grande preocupação dos governantes actuais é com o mercado financeiro e com as instituições financeiras mundiais no caso das IBW15. Desta feita, prestão contas a estas instituições e a realização dos projectos e programas de governação é feita em função dos interesses das instituições acima supracitadas e não em função dos interesses dos governados.

Esta situação faz com que se contrarie o sonho das independências africanas: a Liberdade dos povos decidirem sobre os seus próprios destinos, ou seja, desenharem o seu futuro mas, este sonho, associado a situação descrita no parágrafo anterior, transformou-se numa simples utopia. Sob este ponto de vista, Ngoenha (1992, p.152) defende que as nossas independências não significaram uma mudança de papel histórico, de objectos a sujeitos; mas uma mudança de hábitos, mantendo no entanto o mesmo lugar.

Para Ngoenha (1994, p.119) a independência, além de ser uma questão ética é também uma noção política. É necessário criar um espaço público de libertação da palavra e do exercício da liberdade. A Independência não se define primordialmente em relação à dependência (como aconteceu durante a resistência anticolonial e agora no sistema neo-colonial), mas em relação à capacidade ética de diálogo. O diálogo deve ser feito de forma constante,

15Instituições de BreattonsWoods (Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial).

sistemática e abrangente a todos os níveis e alargado a todas as camadas sociais. Daí que:

“Urge que nós retomemos o sonho real e sempre actual dos nossos povos: um projecto de existência, um novo horizonte de ser. Isto quer dizer que devemos repensar as nossas independências; devemos abandonar a esfera do sonho e de fuga tanto para trás como para frente, para mergulharmos numa reflexão lúcida sobre o nosso projecto de estar no mundo hoje. Então, a independência tornar-se-ia uma tarefa para o pensamento e um problema para a acção” (Ngoenha, 1994, p.117). E mais adiante, no mesmo livro, Ngoenha continuando com o seu fio de pensamento volta a precisar que:

“A nossa independência até mesmo a nossa sobrevivência futura dependerá, por um lado, da nossa capacidade de redar aos grupos e às comunidades concretas – durante muito tempo privadas da sua liberdade, a possibilidade de decidir sobre a própria vida e sobre o próprio futuro, e por outro, da capacidade dessas mesmas comunidades, de renunciar a certas prerrogativas que lhes são próprias, em favor de outras instâncias políticas, desde os Estados africanos, passando por instituições regionais, até à Unidade Africana” (Ngoenha, 1994, p.119).

Neste pensamento Ngoenhiano, algumas ilações são importantes sobretudo às que dizem respeito ao papel dos governantes na sua tarefa de realização dos projectos e programas de governação, partindo do princípio de que não o que “Eu” e a “Meu” belo prazer como governante, mas sim, o que “Nós” queremos como governantes e governados. Isto implica, que, façamos uma reflexão sobre o que significa ser governante em África no geral e em Moçambique em particular.

Olhando para nossa realidade, ser governante, hoje, não significa ser “um irmão mais velho”, um conselheiro, um pai e, acima de tudo um indivíduo que coloca as suas forças, as suas energias ao serviço do povo, mas sim, ser governante hoje, é uma profissão. Ou cargos políticos (hoje), são encarados como uma profissão, como uma forma de subir na vida e não

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como uma representação de milhares de moçambicanos, já que nem todos podemos governar ao mesmo tempo.

A título de exemplo, olhemos para o “figurino” de deputado! O que significa ser deputado hoje? Esta questão de acordo com Mazula atall (2006, p.124) surge na sequência de resultados questionáveis e pouco tangíveis para o povo, produzidos pelos deputados, muitas vezes vistos como gente que vem sentar na cidade capital Maputo, não fazendo mais do que discutir sem sentido e dormir na Assembleia para no fim receberem muito dinheiro por este “emprego”.

Esta situação é muito alimentada pela forma como são eleitos os deputados: não por cabeças, mas, pela via de listas partidárias. Esta situação, segundo Torres (2004, p.56) se traduz numa forte disciplina partidária que faz com que estes (deputados) prestem contas ao seu partido e não a aqueles que supostamente os elegeu (o povo).

Finalmente, torna-se necessário adiantar que a realização de projectos e programas de governação deve ser vista como meio e processo, capaz de produzir resultados eficazes isto porque o poder implica responsabilidades. Ela deve promover as transformações sociais, a participação popular, o contrato social, a justiça social, as relações de poder, e a coesão social.

5.Governar para que: uma contribuição para uma melhor forma de alcance dos objectivos da governação16

Ao longo do nosso debate, apresentamos vários problemas ligados aos objectivos da governação. Nesta secção, iremos dar o nosso parecer, em jeito de

16Título adoptado pelo autor para dar a sua contribuição crítica em torno do porque governar? Ciente de as ter dado ao longo do diálogo que aqui apresenta.

considerações finais, em torno dos problemas que levantamos embora reconheçamos que não é um debate acabado.

No que diz respeito aos problemas de clientelismo, nepotismo e sobretudo a corrupção, o nosso entendimento é de que deve existir em primeiro lugar, Códigos de Conduta na função pública. Associado também a isto, deve haver sistemas institucionalizados para se fazer a gestão de ética na função pública. É necessário que, não só se denunciem os corruptos já que existe esta abertura, mas também que se criem mecanismos concretos (leis) para a protecção de denunciantes e testemunhas. Isto poderia ser da responsabilidade do próprio Ministério da Justiça.

Uma boa legislação também é necessária para regulamentar as relações sócio-políticas dentro do Estado, moldando significativamente a forma como a classe política e os funcionários públicos fazem a gestão do bem público. Em países com legislação anti-corrupção precária, as oportunidades de manipulação do orçamento (alocação de recursos) dos poderes executivos, judiciais e legislativos para a acumulação de rendas são grandes. Uma boa legislação anti-corrupção é, em si, um elemento central de um Sistema de Integridade Nacional (SIN).

Torna-se necessário a criação de uma legislação que criminalize práticas como o tráfico de influências, o enriquecimento ilícito ou a corrupção no sector privado. A par do tráfico de influências na indigitação de qualquer cidadão para um cargo público deve se primar pela competência técnica e não pelo amiguismo ou clientelismo ou ainda servilismo. Esta situação ainda nos remete a uma outra reflexão sobre o nosso sistema de educação que já foi provado como o de fraca qualidade. Nisto, devemos adoptar currículos que reflictam a nossa realidade e, numa altura em que os valores sociais estão a se degradar,

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devemos pautar por uma educação multicultural partindo da(s) nossa(s) realidade(s).

Mais uma vez, sem querer ser saudosista, dizia Samora que a “escola deve formar homens capazes de dominar a ciência e a técnica para modificar o mundo – neste caso, Moçambique”. Este domínio não é feito pela venda de notas, pela troca de favores, mas sim, pelo conhecimento e sabedoria e, é só com base nisso que vamos construir um Moçambique melhor, aquele Moçambique que todos nós queremos e anseamos.

Em relação ao significado de ser governante hoje, a nossa contribuição parte do princípio de que dirigir e governar é ler os problemas dos governados, é estudar os problemas e procurar solucioná-los, é fazer com que “o secundário não asfixie o principal e nem o principal ignore o secundário”.É, em suma representar o sacrifício consentido pelas massas (os governados).

Neste ponto de vista, indo concretamente ao exemplo que procuramos dar, no caso concreto de “ser deputado hoje” pensamos nós que, a Assembleia da República deve ser composta por membros seleccionados e consentidos pelo povo, devendo ser pessoas capazes de discutir os reais problemas do povo com rigor, respeito e, sobretudo, com conhecimento de causa. A isto acresce-se a ideia de que deveriam ser ainda pessoas que pertençam às comunidades (circulo eleitoral) os quais representam, porque só são elas que conhecem os reais problemas da comunidade, “sentem na pele” estes problemas.

Defendemos ainda que o sistema de eleição dos deputados não deveria ser por listas, mas sim, “por cabeça”; ou seja, cada candidato à deputado fizesse a sua própria campanha e fosse eleito pelo povo. Acreditamos que só assim, é que deveríamos “disciplinar” a sua actuação e iriam desempenhar o seu verdadeiro papel - defesa dos interesses do povo - ao invés de se preocuparem em ganhar dinheiro e

conduzir negócios pessoais e privados 17 , com ostentação de riqueza que não se reflecte na vida dos moçambicanos.

Somos de opinião que, para além das eleições livres e democráticas, se deve abrir os verdadeiros espaços de participação, de debate e de tomada de decisões e, a avaliar por esta posição não resistimos em convidar mais uma vez Ngoenha (1994, p.121), quando refere que Dahrendorf ensinou coisa muito simples, mas, ao mesmo tempo, muito importante: democracia não significa ir votar todos os quatro ou cinco anos, mas ter um sistema que permita a todas as pessoas dar uma contribuição ao próprio país. Este é o novo tipo de sociedade que devemos criar em África de hoje, quiçá em Moçambique de hoje.

Ainda, estando numa fase da revisão constitucional, somos de opinião que, se somos fautores? Do nosso próprio destino, da construção do nosso próprio destino, se deve alargar o debate a todas as camadas sociais para que, cada um, dê o seu contributo para a edificação da sociedade que desejamos hoje e, sobretudo amanhã porque não é ético preparemos uma sociedade que ofusque os de amanhã. Os nossos filhos, netos, bisnetos têm o direito de nascer numa sociedade livre e não numa sociedade endividada.

17O exemplo que podemos dar é o envolvimento dos deputados em negócios de corte e venda de madeiras em que aproveitando-se da sua posição a da aparente imunidade que gozam, devastam as florestas e por um lado e, por outro lado e associado a situação anteriormente descrita vêm-se impossibilitados de fiscalizar a acção dos outros porque eles próprios praticam o que os outros fazem.

Conclusões: Em jeito de conclusão, temos que repensar na ideia de Estado no sentido de: os interesses dos governados, em primeiro, e, se calhar, os interesses individuais, em segundo, sem no entanto, prejudicar os interesses da maioria (os governados). Assim, vamos caminhar em direcção à satisfação, maior felicidade, colectividade e realização dos projectos e programas de governação. Para atingirmos os objectivos da governação, temos que construir uma comunidade com dignidade e respeito pelo povo.

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ANÁLISE SÓCIO-HISTÓRICA SOBRE A GUERRA CIVIL EM MOÇAMBIQUE, 1976-1992

Jafar Silvestre Jafar 18

Resumo: A Guerra Civil em Moçambique (1976-1992) foi um dos conflitos armados mais devastantes da parte sul da África Sub-Sahariana, que deixou o país destruído, paupérrimo, altamente endividado e mais dependente. Há muitas perguntas por responder. As que não forem respondidas passam a ser questões de reflexão: Por quê Guerra-Civil em Moçambique? Por quê é que Moçambique adoptou o sistema socialista e como o substituiu com o de mercado-livre? Por quê os apoios a guerra civil vinham de blocos de ideológicos antagónicos? Como se explica a concidência entre o fim da Guerra-Fria com o cessar fogo seguido do AGP? Será que os Romanos são génios mediadores de guerras civis? Não nos parece que conseguiram mediar o cessar fogo e a assinatura do AGP porque a principal incubadora da guerra tinha deixado de existir? Com esta série de perguntas pretendemos fazer deste artigo, um espaço de debate e reflexão orientado para atracção de possíveis respostas. A guerra dos 16 anos, foi resultado da fusão de factores externos e internos de Moçambique. Os externos:Regional - Regimes minoritários da RAS e da Rodésia do Sul. Estes, primeiro lançaram raids aéreos para desestabilizar a economia. Segundo, passaram a apoiar a Renamo em treinos, logística e financiamento e, simultaneamente, eram portas de entrada de apoios de anti-comunistas ocidentais. Enquanto países do bloco socialista apoiavam as forças governamentais da Frelimo. Tudo isto, esteve ligado com a conjuntura política e ideológica da ordem mundial, dominada pela Guerra-Fria. Esses factores externos foram fertilizaram as divergências internas. Ficou a ideia final de que com a desagregação da URSS e do Socialismo e por conseguinte o corte de ajuda aos países amigos como Moçambique; a aproximação diplomática das duas superpotências; a aproximação de Moçambique ao Ocidente e a mudança para a economia do mercado; e o fim da Guerra-Fria alteraram profundamente as relações internacionais entre países, incluindo as políticas económicas ao nível global. Indubitavelmente, a conjugação destes factores, fez com que as condições quer internas como externas eram conjunturalmentedesfavoráveis a continuação da guerra, por isso mesmo que o Governo e a Renamo acordaram o cessar-fogo e o AGP.

Palavras chaves: Moçambique, Guerra Civil, Guerra-Fria, Frelimo, Renamo

18Mestre em Ciências do Desenvolvimento e Cooperação Internacional pela Universidade dos Estudos de Roma (Università degli Studi di Roma, La Sapienza) Itália. Docente na Universidade Pedagógica – Montepuez. E-mails: [email protected], [email protected] .

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Introdução

Falar da Guerra Civil Moçambicana (1976-1992), é falar de um violento conflito armado, isto reflecte e responde ao nosso interesse de explorar a história pós-colonial de Moçambique. A guerra civil constituiu período histórico mais conturbado que Moçambique viveu, como Estado, no pós-independência. Este conflito não foi um acontecimento histórico e politicamente isolado. Ela revestiu-se de motivações externas e internas que fortemente influenciaram para o seu desencadeamento ao longo de pouco mais um decénio e meio.

Com presente artigo pretendemos, primeiro, reflectir sobre os factores externos e internos que influenciaram a ocorrência da guerra civil em Moçambique, discutir e partilhar ideias, pensamentos sobre possíveis factores que directamente revelam a conectividade entre a Guerra Fria e Guerra Civil, incluindo uma análise sobre o processo que conduziu as partes beligerantes ao Acordo Geral de Paz de Roma.

Segundo, tencionamos, abrir um debate académico, como espaço de partilha de ideias sobre esta matéria. A revisão bibliográfica foi o único mecanismo de recolha de fontes, através da qual foi produzido este artigo. Com o intuito de construir uma abordagem holística sobre a matéria em estudo, a análise dos factores económicos, sociais, políticos e militares constantes deste artigo, foi feita cuidadosamente, numa perspectiva metodológica, partindo do geral para o particular, confrontação de ideias de vários autores.

Aspectos gerais

O termo “guerra civil” ou “guerra interna” vem da palavra latina “bellum civile”, que se referia às guerras internas do Império Romano. Guerra civil é caracterizada pelo confronto armado entre grupos

organizados dentro do mesmo Estado-Nação. Duma forma geral, a guerra é luta armada entre estados ou entre classes sociais para a realização dos seus objectivos económicos e políticos, continuação da política por meios violentos. Guerra civil é a mais aguda forma armada da luta de classes pelo poder de Estado entre as classes e os grupos sociais no interior de um país19. A guerra civil, como um conflito interno, ocorre quando uma organização rebelde identificável desafia militarmente o Governo e a violência resultante provoca pelo menos 1000 mortes relacionados com o combate por ano, para se distinguir com massacre, ambas partes devem pelos menos 5% dessas fatalidades (Collier & Hoeffler, 2004: 565; Collier, Hoeffler & Söderbom, 2004: 257). A maioria dessas perdas devem ser infligidas à parte mais fraca. O Governo deve estar activamente envolvido na guerra (Collier, Hoeffler e Rohner, 2006: 6).

Quanto aos participantes e localização, distinguimos quatro tipos de conflitos violentos: Primeiro - conflitos extra-sistémicos: são guerras coloniais e imperialistas; Segundo – guerras interestatais: entre dois estados; Terceiro – guerras intraestatais, dentro do mesmo estado, quarto e por último, guerras interestatais internacionalizadas. Em relação ao nível de violência, os conflitos podem ser: menor, se provocam mais de 25 mortes em batalhas por ano; intermédio, se registam mais de 25 mortes em batalhas por ano e um total de 1000 mortes durante toda a história do conflito e guerras, que causam mais de 1000 mortes em batalhas por ano (Ibid, p.: 8).

Fearon (2006) define guerra civil como conflito violento entre grupos organizados dentro de um país, que lutam pelo controlo do governo. Por sua vez, (Bobbio, Metteuci e Pasquino, 1983: 572) dizem

19

Pequeno Dicionario Politico, Edições Progresso. Moscovo, 1983:

214, 215.

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que uma guerra pode ser internacional, quando é conduzida entre grupos sujeitos ao ordenamento jurídico internacional; civil ou interna, se conduzida entre de um mesmo grupo organizado (cidadãos do mesmo Estado); e colonial, se os grupos contendentes são povos de civilizações diferentes, uma das quais é considerada inferior à outra.

As causas de uma guerra subdividem-se em cinco categorias: ideológicas, económicas, políticas, psicológicas e jurídicas. Mas, quando a guerra funciona como instrumento político, estas categorias se enquadram em três níveis: individual, que reside nas decisões conscientes e inconscientes; o de grupo (Estado), tem a ver com os subsistemas governativo, burocrático, económico, legislativo, os grupos de pressão20., Assim, como a natureza do próprio Estado sob ponto de vista do carácter nacional e geográfico, e o sistema de grupos (sistema internacional) para o balance of power ( ibid, p.: 572).

Geralmente, as guerras civis (dependendo do contexto de cada caso) têm objectivo de tomar controlo do país; conquistar a independência de uma determinada região; mudar a política do governo; manifestar havidez pelo poder; combater injustiças. Segundo (Bobbio, Metteuci e Pasquino, 1983), sob ponto de vista histórico-qualitativo, as guerras podem ser: animal (em sentido psicológico); primitiva (em sentido sociológico); guerra entre grupos civilizados (em sentido jurídico); e guerra actual (em sentido tecnològico). Mas, é importante distinguir a guerra animal da guerra humana.

20Grupo de pressão - (ou grupo de interesse ou grupo de influência; em inglês: lobby, lobbies). Agrupamento de pessoas físicas ou morais em torno de um interesse específico comum e que se organizam para orientar as decisões dos poderes públicos num sentido favorável a esse interesse (Echaudemaison, 2001:185).

A primeira tem a ver com instintos que movem membros da mesma espécie. A segunda relaciona-se com o conflito entre os homens que lutam entre si. Enquanto (Progresso, 1983:215), diz que quanto aos tipos e formas de guerra civil podem ser: revolta de escravos, guerras camponesas, guerrilhas, luta armada do povo contra as classes exploradoras. A guerra civil não é o único e imprescidível meio de conquistar o poder. Porque, em certas condições, um grupo social ou um partido pode ascender ao poder por via pacífica. Collier e Hoeffler (2000:14), apontam que durante o período compreendido entre 1965 e 1999, o continente africano teve maior incidências de conflitos em relação a outras regiões em vias do desenvolvimento, devido as suas características económicas, divergências étnico-religiosas, associadas à sua complexa diversidade. As causas dos conflitos tem mais peso económico do que social.

Na teoria da guerra justa bellum justum, segundo Orend (2006), uma guerra (civil) tem três partes principais, respeitantes à questão dos Direitos Humanos e de legaldade: Primeira jus ad bellum, tem a ver com legalidade de fazer guerra, todas as justificações possíveis que definam a guerra como primeiro plano e, com justa causa, boa intenção. Uma autoridade que faz uma declaração de guerra, geralmente este acto deve ser previsto na Constituição, para efeitos de legitimidade da mesma. A guerra deve ser o último recurso, depois de esgotar todos meios pacíficos e diplomáticos disponíveis. A decisão pela guerra, deve ter em conta a probablidade de vitória, proporcionalidade dos recursos usados em função das potencialidades do inimigo.

Segunda, jus in bello, refere à justiça em período de guerra. Esta responsabilidades da guerra recai sobre os comandantes, oficiais e soldados como executores das políticas da guerra. O incuprimento

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dessas respnsabilidades levam aos violadores ao julgamento por crimes de guerra. Distingue-se jus in bello externo ou tradicional, que é o conjunto de normas que um Estado deve observar em relação às forças armadas inimigas, do jus in bello interno, relacionado com regras que um Estado deve obeceder em relaçao ao seu próprio povo.

Existem muitas regras relacionados com jus in bello que devem ser tidas em conta: A obediência de todas às leis internacionais e o uso de armas proíbidas (nucleares), químicas, biológicas. (Kalshoven e Zegveld, 2001: 155 et seg.), engrossam a lista de armas proíbidas ou de uso restrito com batecteriológicas, incendiárias, blinding laser weapons; Descriminar os alvos para garantir a imunidade dos não-combantentes (civis), áreas residenciais e industriais; proporcionalidade da força usada em relação aos objectivos pretendidos, nao podendo-se exagerar desnecessariamente. Garantia benevolente aos prisioneiros de guerra: estes não podem, como proíbe a Convenção de Genebra (1977), ser mortos, violados, torturados ou usados como cobaias para experiências médicas; Interdição de uso de armas e outros meios mala in se, ou seja, que afectam aos próprios soldados incluindo violações em massa, genocídio ou limpeza étnica (envenenamentos, uso de armas cujos efeitos não podem ser controlados); Interdição de represálias, que podem criar uma onda de matanças e destruições de forma indiscriminada.

Terceira, jus post bellum, este regula o período pós-guerra, ou seja, a transição da guerra para a paz. O Acordo de Paz deve prever aspectos relacionados com: proporcionalidade e notoriedade, direitos de defesa ou justificação; Distinção dos líderes em relação aos civis, salvaguardando as questões sócio-económicas. Os agressores e violadores de leis do país ou parte vencida (líderes e soldados), devem ser

processados, investigados e julgados por crimes de guerra. De forma proporcional e descriminada, os vencidos devem dar um compensação financeira, por forma a cobrir necessidades. No pós-guerra, devem ser reformadas as intituições, a desmilitarização, desarmamento, reciclagem das autoridades policiais e judiciais, educação sobre Direitos Humanos, uma transformação estrutural. No mínimo, uma sociedade justa deve ser governada por um governo legítimo. Mas, infelizmente, estas questões geralmente são as mais controversas no jus post bellum.

Breve background da Guerra-Fria (1947-1991)

Não há consenso na definição do conceito Guerra-Fria. Hobsbawm (1994: 225), diz que Guerra-Fria foi a constante confrontação político-ideológica das duas grandes superpotências emergidas da Segunda Guerra Mundial, que dominou a situação internacional até a queda da URSS. (Progresso, 1984: 125 et seg.) considera que Guerra-Fria foi uma política hostil, usada pelas potências imperialistas em relação a URSS e outros países socialistas, a qual respondeu aos interesses dos EUA, Gra-Bretanha e outros países do Ocidente. A guerra caracterizou-se basicamente por criação de blocos militares, ameaças de recorrer a força, tendências para o diktat21, tentativas de bloqueio económico e actividades subversivas contra os estados socialistas.

Em Outubro de 1917, triunfou a Grande Revolução Socialista22, em 1918, terminou a Primeira 21Diktat– ditar regras ou imposição de termos ao inimigo, decreto dogmático. Exigência absoluta imposta pelo mais forte, sem outra justificação que a força.

22Grande Revolução Socialista de Outubro, foi a primeira revolução proletária vitoriosa da História Universal, realizada pela classe operária da Rússia, aliada ao campesinato trabalhador sob a direcção do Partido Comunista chefiado por Lenine. A Grande Revolução Socialista de Outubro derrubou o poder da burguesia e dos latifundiários e instaurou a ditadura do proletariado sob a forma de República dos Sovietes (Progresso, 1984).

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Guerra Mundial, com a derrota da Alemanha e seus aliados. Mas, apesar do Woodrow Wilson declarar «Guerra sem vencedores» e apresentar os seus 14 pontos, persistiram os problemas entre os países envolvidos, particularmente os países derrotados,o que fez da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) a continuação da primeira. Depois dos Bolcheviques vencerem a guerra civil23 , em Dezembro de 1922, formou-se a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) sob presidência de Vladmir Lénine, como uma confederação constituída por 15 repúblicas socialistas soviéticas24.

Com essa união, a Rússia expandiu e consolidou o seu regime socialista, tornando-se numa verdadeira superpotência. Depois da morte do primeiro líder da União Soviética, Vladmir Lénine, em 1924, foi eleito Joseph Stalin que dirigiu a União Soviética de 1924 à 1953. Stalin foi o homem que promoveu a indústria pesada ao nível dos países da União Soviética, implementou planos quinquenais com base na economia centralizada e/ou planificada e suprimiu a oposição política através da abolição de partidos políticos e perseguição de seus opositores políticos. Depois de Joseph Stalin, em 1953, a URSS ficou sob direcção de Nikita Krutchev no período compreendido entre 1953 e 1964.

Dois anos após a Segunda Guerra Mundial, iniciou a Guerra Fria (1947), opondo as duas grandes superpotências mundiais: Os Estados Unidos da

23A guerra Civil Russa (1918-1921), opunha o Partido dos Bolcheviques liderados pelo Lenine e o Movimento anti-comunista. A guerra civil tornou-se inevitável na Rússia depois da vitoria da Grande Revolução Socialista de Outubro, devido ao facto das classes exploradoras derrubadas (czaristas), que eram apoiadas pela intervenção militar directa dos países capitalistas (França, Inglaterra, Japão e EUA), terem entrado em luta contra o poder dos trabalhadores.

24A URSS era composta por 15 repúblicas, nomeadamente: 1- Rússia; 2 - Ucrânia; 3 - Bielorrússia; 4 - Uzbequistão; 5 - Cazaquistão; 6 - Geórgia; 7 - Azerbaijão; 8 - Lituânia; 9 - Moldávia; 10 - Letónia; 11- Quirguistão; 12 - Tajiquistão; 13 - Arménia; 14 -Turquemenistão; e 15 - Estónia.

América (EUA) e a URSS. Cada um desses protagonistas tinha uma corrente político-ideológica diferente: os EUA queriam expandir o capitalismo, controlar capitais e mercados através de conquista de zonas de influências. A URSS desejava expandir o regime socialista e conquistar zonas de influências e mercados.

Esse antagonismo ideológico e/ou de interesses político-económicos conduziu a bipolarização do mundo: a divisão do mundo em dois blocos: (capitalista, liderado pelos EUA e socialista, dominado pela URSS). Este conflito de ideologias influenciou fortemente à criação de divisões internas dentro de países, onde nacionais que no passado recente lutavam contra o inimigo comum do qual conseguiram se libertar, passam a divergir. Com a intenção de capitalizar a vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial e impedir a expansão do Socialismo da Europa do Leste para Ocidente, em 1948, os EUA lançaram o European Recovery Program (Plano Marshall). Este plano custou pouco de mais treze bilhões de dólares e durou sensivelmente cinco anos, de 1947 à 1953. Em resposta a isto, a URSS criou o Council for Mutual Economic Assistance (COMECON) para promover ajuda e cooperaçao económica entre os países socialistas.

Em 1949, os EUA e aliados fundaram a North Atlantic Treaty Organisation (NATO) e em 1955, como reacção da criação da OTAN, URSS cria o Pacto de Varsóvia. Ambas as organizações eram de matriz político-militar para defesa mutua entre membros integrantes. A criação da Central Intelligence Agency (CIA) pelo Hurry Truman em 1947, também fez com que as autoridades soviéticas fundassem a Komitet Gosudarstvennoy Bezopastinosti (KGB), em 1954, para fins de espionagem e segurança. Durante esse período, as duas superpotências e protagonistas da Guerra-Fria intensificaram a investigação científica, desenvolveram arsenais de armas e bombas nucleares, construiram

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máquinas de guerra, satélites e naves, estes dois últimos destinados para exploração espacial 25 . Essa investigação técnico-científica orientada para a demonstração do poder militar e/ou nuclear, aumentou também a tensão político-ideológica, sobretudo a desconfiança mutua entre os EUA e a URSS.

A Guerra-Fria influenciou na divisão de países e seus povos, precipitou o desencadeamento de guerras civis e outros conflitos, que constituíram palcos onde cada superpotência demonstrava o seu poder militar e de apoiar e influenciar os povos divididos ou em conflito. Eis alguns exemplos disso: a divisão da Alemanha através do Muro de Berlim (1961); a Guerra da Coreia (1950-53) que culminou com a divisão do país através do paralelo 38; a Guerra do Vietname (1950-1968); O conflito sobre o Canal do Suez (1956); Acrise dos mísseis de Cuba (1962); Conflito de Caxemira, envolvendo Índia e Paquistão nos anos 90; a Guerra das Malvinas (1982), na América do Sul; a Guerra do Afeganistão (1979-1988), golpes de Estados apoiados pelos EUA na América Latina, Guatemala (1954), Chile (1973), entre outros conflitos internos resultantes da influência da bipolarização político-ideológica entre os EUA e a URSS.

A partir dos anos 70, a URSS presidida por Leonid Brezhnev (1964-1982), começou a enfrentar problemas económicos (baixa de produção industrial e agrícola) e provocam conflitos políticos internos. E, o problemas foram se agravando durante as presidências de Yuri Andropov (1982-1984) e Constantine Chernenko (1984-1985). Quando o último bolchevique, Mikhael Gorbathev chega ao poder,

25Alguns exemplos da exploração espacial. Em 1957, a União Soviética lançou o primeiro satélite artificial Sputnik. Em 1961, foi o lançamento do primeiro homem no espaço, Yuri Gagarin a bordo do Vostok 1 pela URSS. Os EUA, por sua vez, lançaram o Apollo 11com astronautas Edwin Aldrin e Neil Armstrong que a 20 de Julho de 1969 pousaram no solo lunar pela primeira vez na História da Humanidade.

ciente dos problemas económicos, sociais e políticos que arrastavam a União Soviética ao colapso, e, na tentativa de recuperá-la; Mikhael Gorbathev promulga duas grandes reformas: perestroika e glasnot.

Todavia, o conjunto dessas reformas não resolveu os problemas internos, apesar de Gorbatchev ter criado um clima de aproximação entre a URSS e o Ocidente, ter dissolvido o Pacto de Varsóvia e outorgado a auto-determinação aos países, da união à luz da Doutrina Sinitra26. Pelo contrário, as reformas precipitaram a queda da própria União Soviética: a situação económica e política interna eram muito graves e profundas. Nos finais dos anos 80, assistiu-se um desalinhamento de muitos países orientais em relação a União Soviética 27 , lutando pelas suas independências auto-determinação. Em 9 de Novembro de 1989, caiu o Muro de Berlim, considerado o símbolo da Cortina de Ferro 28 e da própria Guerra-Fria. Portanto, a queda, não apenas da URSS, mas também do sistema socialista eram irreversível. Por isso, em 31 de Dezembro de 1991, foi oficialmente declarado o fim da URSS, e, em substituição criou-se a Comunidade dos Estados Independentes (CEI) na presidência de Boris Yelsin.

Com o fim da Guerra-Fria, testemunhou-se a rápida expansão da economia orientada para o 26

Doutrina Sinitra adoptada pelo Michael Gorbathev consistia em permitir que cada país da União Soviética seguisse o seu destino usando o princípio de auto-determinação dos povos. Esta ideia de auto-determinação e/ou auto-governação do líder reformista foi inspirada pela música my way (meu caminho em português) do cantor americano Frank Sinitra.

27 Desalinhamento de países orientais - Países como Hungria, Polónia, Bulgária, Tchecoslováquia, RDA, Roménia, Ucrânia e os países bálticos moveram revoltas pedindo o fim do regime socialista. Porém, a queda do Muro de Berlim em 1989, pós o fim da Cortina de Ferro que dividiam a parte capitalista da socialista na Europa. Portanto, era o fim da Guerra-Fria e da URSS.

28Cortina de Ferro– Termo usado pela primeira vez por Primeiro-ministro Britânico Winston Churchill, no Westminter College em Fuston, Missouri, nos Eua em 1946, para designar uma severa divisão político-ideológica entre os regimes comunistas da Europa do Leste, em relação aos sistemas liberais capitalistas da Europa Ocidental.

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mercado, baseiada na ideologia capitalista neoliberal, para quase todo o mundo. Fukuyama (1992) considerou que o fim da Guerra-Fria não foi mera passagem de uma fase de guerra para pós-guerra; mas o fim da história como tal, o fim do confronto ideológico e a universalização da democracia liberal como a forma final de governação humana. O término da Guerra-Fria, também criou condições para a formação e expansão do fenómeno de Turbo-capitalismo descrito pelo Luttwak (1999) como sendo o promotor de desníveis e conflitos sócio-económicos entre winners e losers na economia global.

É importante notar que, durante o decurso da Guerra-Fria, formou-se o bloco afro-asiático que se distanciou da guerra através da adopção das políticas de Não-alinhamento29 e Neutralismo30 em relação à Guerra-Fria. A este movimento chamou-se Países Não-Alinhados que países do Terceiro Mundo31. Os países do Terceiro Mundo, ao criarem o Movimento dos Não-Alinhados, pretendiam firmar o seu neutralismo, o anti-colonialismo (a sua principal bandeira), o nacionalismo, o anti-racismo e anti-imperialismo.

29Não-Alinhamento – rejeição da guerra fria e da política de blocos, nasce com a independência dos países asiáticos e africanos e ganha contornos mais definidos com a realização da Conferência de Chefes de Estado e de Governo em Belgrado, 1961 (Vigenani, 1994: 96).

30Neutralismo – posição politica internacional que surge no inicio do século XIX em alguns países europeus que queriam se manter afastados das disputas das maiores potencias e ao mesmo tempo queriam sentir-se garantidos contra agressões. Depois da Segunda Guerra Mundial, a ideia de neutralismo, surge sobretudo nos paises do sul da Ásia, com o sentido de garantir espaço internacional para posições de não-adesão aos blocos liderados pelos EUA e União Soviética e para garantir a emergência de uma posição própria e activa nas grandes questões internacionais (Ibid, loc. cit.).

31Terceiro Mundo – foi termo utilizado pela primeira vez pelos franceses Alfred Sauvy e Georges Balandier, como consequência da comparação da situação dos países pobres e despossuídos do mundo com a das classes que na França, antes da Revolução Burguesa Francesa de 1789, constituía o Terceiro Estado. Porém, Anouar Abdel-Malek (egípcio-francês), concebeu Terceiro Mundo como sendo espaço histórico, geográfico, político, social, económico não precisamente definido. Como analogia do termo Terceiro Estado poderia indicar, tratar-se de algo que está de facto fora do jogo das forcas reais.

O sentimento do não-alinhamento desmonta de 1947, quando o Premier indiano Jawaharlal Nehru fez conhecer as ideias-chave numa conferência havida em Nova Delhi, em Abril do mesmo ano. A Conferência de Bandung (Indonésia, 1955), deu forma e determinação a este movimento e consolida-se na Conferência de Chefes de Estado e de Governo em Belgrado, 1961. O movimento assumiu dez princípios: respeito da soberania e integridade territorial, igualdade entre povos e nações, não intervenção nos negócios internos dos Estados, não utilização de actos e ameaças de agressão, não emprego da força contra a integridade territorial e independência de outros países. Uma das grandes decisões dos Não-Alinhados era lutar contra todas as formas de exploração e dominação dos povos.

A guerra civil em Moçambique (1976-1992)

Desde a formação da Frente de Libertação de Moçambique 32 (Frelimo), preparação e desencadeamento da Luta Armada de Libertação Nacional (LALN) até aos sinais do colapso da URSS nos meados dos anos 80, o povo moçambicano dirigido pela Frelimo, teve apoio dos países do bloco socialista (De Renzio e Hanlon, 2007). Uma vez conquistada a independência política do país, através do Acordo de Lusaka (1974), assinado na Zâmbia, como fruto da LALN e da Revolução Portuguesa de 25 de Abril, que precipitou o que se apelidou da segunda

32FRELIMO - Frente de Libertação de Moçambique, foifundada sob presidência de Eduardo Mondlane em 1962 em Dar-Es-Salam (Tanzania). Eduardo Mondlane (1920-1969), nascido em Gaza (Moçambique), frquentou a educação missionária, depois estudou na Universidade Sul Africana de Witwatersrand e depois deportado para Moçambique por ser activo politicamente. Ganhou bolsa de estudo para Lisboa, onde conheceu Amílcar Cabral, Agostinho Neto (mais tarde fundadores e lideres do PAIGC em Guiné-Bissau/Cabo Verde e MPLA em Angola respectivamente) e outros revolucionários. Mondlane escapou para os EUA onde fez PhD em Sociologia na Universidade de Northwestern. Nos anos 60, volta a Moçambique sob protecção da ONU. Depois dixou a ONU e juntou-se a outros moçambicanos para fundar a Frelimo (Fearon e Laitin, 2005:11).

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descolonização de África (Belluci, 2006: 48). Provavelmente, uma parte dos membros e simultaneamente freedom fighters da Frelimo discordou com a linha ideológica que essa seguiu – O Socialismo, dentre outros aspectos não consensuais no seio dos militantes da frente. Outros integrantes da Renamo (os flechas) tinham sido recrutados e treinados pela Polícia de Defesa do Estado (PIDE) do Governo Colonial Português, que era para lutar internamente contra a Frelimo (Fearon, 2005). Existiam três grupos de dissidentes: dissidentes históricos da Frelimo, dissidentes produzidos após a independência e moçambicanos comprometidos com o regime colonial (Coelho, s/d).

O governo de Moçambique dirigido pela Frelimo, teve três razões que justificam a adopcção do sistema socialista e cooperou com a URSS porque: primeiro, acreditava-se que o Socialismo era caminho fácil de vencer o subdesenvolvimento. Segundo, alimentou-se a crença de que a ajuda soviética para países em vias do desenvolvimento tinha objectivo de criar e consolidar o poder político e promover a independência económica; e terceiro a URSS era contra o colonialismo, o racismo, o zionismo e outras formas de exploração e descriminação (Cau, 2011:31). Enquanto a ajuda capitalista do ocidente aumentaria a depedência económica. À semelhança de guerra civil em Angola, o conflito, em Moçambique, também foi fortemente influenciado pela lógica bipolar, e pela acção da potência regional da África Austral, a África do Sul. A diferença foi dos meio envolvidos nos confrontos, que foram menores em Moçambique e no menor interesse internacional que este pais despertava (Branco, 2003: 94).

Daí que, nove meses depois da proclamação da independência, eclodiu a guerra civil, entre a Frelimo e Resistência Nacional de Moçambique

(Renamo), fundado por um dissitende da Frelimo – André Matala Matsangaissa, em 1976, com apoio da Central Intelligence Organisation (CIO), uma organização de inteligência chefiada por Ken Flower, ao serviço da Rodésia do Sul (hoje Zimbabwe) de Ian Smith (Luís, 2010; Coelho, 2004). Até 1979 a Renamo não passava de uma unidade mercenária de um exército colonial branco (Newitt, 1997:482). Em 1980, Zimbabwe tomou sua independencia através do acordo de Lancaster House Agreement, seguido da eleição do Robert Mugabe, o que marcou o fim do regime de Ian Smith. A partir desse momento, a Renamo passaou a receber ajuda financeira e material da África do Sul. Newitt (Ibidem, loc. Cit; Coelho, s/d: ) acresceta que em 1980, a Renamo mudou com grande parte do seu equipamento para Africa do Sul (Operação mila) e recebeu instalações para treino e uma base militar no norte do Transval.

O apoio da Rodésia do Sul à Renamo centrava as suas atenções no corredor da Beira e nos locais onde se concentravam os nacionalistas zimbabweanos. A África de Sul fez um investimento de grande vulto de modo que a Renamo expandisse para todo o país e para que afirmasse progressivamente como movimento autónomo e com objectivos políticos próprios (Coelho, s/d: 13)

Os regimes minortários da África do Sul e da Rodésia do Sul moveram agressões militares contra infra-estruturas económicas moçambicanas como forma de desestabilizar a economia. Portugal, sob regime fascista de Salazar, estabeleceu relações político-diplomáticas com a Rodésia do Sul e deu apoio económico e militar (Luís, idem), Salazar almejava destruir o governo socialista de Moçambique para continuar com seus interesses económicos coloniais, e constituir um escudo de regimes minoritários brancos e racistas na subregião austral do continente,

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juntamente com África do Sul e Rodésia do Sul. Portanto, para além da África do Sul do Apartheid considerado o principal patrocinador, a Renamo tinha apoio de grupos anti-comunistas (da extrema direita e das igrejas) nos países como Portugal, República Federal Alemã e dos EUA (Hanlon e Smart, 2008:9). Para além destes apoios de grupos extremistas ocidentais, a Renamo contava igualmente com apoio do vizinho Malawi e do Kenya (Newitt, 1997:487). No contexto internacional da Guerra Fria e o endureciemento das posições americanas, sobretudo com a entrada de Ronald Reagan (Minter, 1994 citado por Coelho, s/d: 12), juntamente com Irão, Afeganistão e o Corno de África, a África Austral tornou-se, nesta altura, num cenário do confronto entre os dois blocos.

Durante a guerra civil, uma série de fatalidades caracterizou a vida dos moçambicanos, para além da agressão militar da RAS e da Rodésia do Sul, cujos raids aéreos tinham alvos de interesse económico, alegadamente porque as autoridades moçambicanas apoiavam e alojavam os militantes do African National Congress (ANC) e da Zimbabwe African National Union (ZANU). O país viveu momentos agónicos: sofreu o embate da crise de petróleo nos finais dos anos 70, queda de receitas ferro-portuárias devido ao encerramento temporário da Fronteira Moçambique-Zimbabwe; a produção agrícola-industrial baixou 50%; inflacção aumentou. O PIB caiu num profundo precipício, muitas infra-estruturas económicas e sociais ficaram destruídas (campos agrícolas, indústria, estradas, pontes, linhas-férreas, rede de telecomunicações, escolas, hospitais, lojas rurais etc.); abandono e/ou destruição das redes escolar e sanitária; a ligação campo-cidade tornou-se impossível, a deslocação de pessoas e bens parou profundamente. Acelerou-se o êxodo rural, o que agudizou a pobreza urbana nas cidades, a taxa de desemprego disparou; milhões de deslocados, milhões

de refugiados nos países vizinhos; milhares de crianças orfãs, mais de um milhão de mortes. As exportações e importações diminuíram drasticamente e outros indicadores macro-económicos se revelaram desfavoráveis para a vida económica nacional.

Castel-Branco (1994) citado por Coelho (s/d) afirma que à entrada de 1983 as exportações nacionais haviam caido para metade, as importações haviam baixado em um terço, sendo o valor das segundas cinco vezes mais que o das primeiras. Rosinha (2009: 94), tentou quantificar os efeitos da guerra que, a partir de 1980, a guerra civil se agravou e se alargou a quase todo o território, com consequências desastrosas para a população: Moçambique chegou a ter quase 40% dos seus habitantes em situação de deslocados de guerra) e para a economia (entre 1980 e 1986, o PIB decresceu mais de 30% e o crescimento económico foi negativo durante 5 anos seguidos) e devastação das infra-estruturas).

A dívida externa aumentou quase 500% e mais de 60% do Investimento Directo Estrangeiro foi cancelado ou nem sequer iniciados. O efectivo de gado bovino, cerca de um milhão e trezentas mil cabeças em 1980, ficou reduzido a cerca de 250 000 cabeças, em 1992, em grande parte devido à guerra. Os indicadores da área da saúde, na sequência da destruição de centros de saúde e assassínio de técnicos, sofreram um retrocesso de décadas. Vines citado por Newitt (1997: 486 et seg.) lamenta que as actividades da Renamo consistiam em técnicas de terror, homens, mulheres e crianças eram massacrados e mutilados, jovens eram raptados e obrigados a cometerem crimes terríveis para beberem a mentalidade criminosa dos bandos da Renamo. Mais de 100 mil pessoas foram mortas, 1/3 da população refugiou-se, o país passou a depender de ajudas externas em 70% do seu PNB.

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Esse terrível choque económico, se agudizou pela ocorrência de secas, no sul do país, nos meados dos anos 80 e a queda de apoios financeiros devido a decadência da URSS. O Governo não reunia condições para continuar a alimentar a guerra e a fazer sobreviver o povo faminto. Por isso, Moçambique viu-se forçado a aderir o Programa de Ajustamento Estrutural (PAE), The Structural Adjustment Programme (SAP). Rist (2008: 227) considera que no plano mundial o SAP enquadra-se no âmbito do The New International Economic Order (NIEO)33, política internacional lançada e ganhou grandes proporções nos inícios dos anos 70 (Kim, 1987: 54). Nesta época, o SAP funcionou como mensageiro da globalização, que funciona como simulação do desenvolvimento (Rist, 2008). Ao mesmo tempo, o fluxo das ajudas externas vindas do Ocidente, era um instrumento no âmbito das divisões político-ideolígicas da Guerra-Fria (Lancaster, 2006; Moyo, 2011).

A implemetação do SAP, que vulgarmente se chamou de Programa de Ajustamento Estrutural (PRE) foi possível através de apoio condicional das Instituições de Bretton Woods, (IBW’s) Bretton Wood Institutions (BWI’s): Grupo do Banco Mundial 34 e Fundo Monetário Internacional, assim como de outras instituições financeiras e países ocidentais. E a condição de Moçambique ser beneficiário dos fundos capitalistas foi de operar uma série de reformas

33 Nova Ordem Económica Internacional (NOEI) – foi um termo que se difundiu sobretudo depois da Conferência dos Não-Alinhados de Argel (1973) e sacramentado em 1974 e 1975 pela ONU, indicando o objectivo de construir novas relações mais justas entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, visando atenuar as diferenças de níveis económicos e sociais (Vigevani, 1994: 97). 34O Grupo do Banco Mundial, (The World Bank Group - WBG) foi criado em 1944, constituído por 4 instituições financeiras: The International Bank for Reconstruction and Development (IBRD); the International Development Association (IDA); the International Finance Cooperation (IFC); Multilateral Investment Guarantee Agency (MIGA); and, International Centre for Settlement Disputes (ICSID) (Bonaglia e De Luca, 2006).

políticas e económicas (Matshine, 2011: 35-7; Plank, 1993: 407,411).

A mudança do sistema Marxista-Leninista (caracterizada pela economia centralizada) e aderir a economia do mercado, subscrevendo às imposições neoliberais do Washington Consensus 35 , sair do sistema monopartidário para o multipartidarismo, passar a ser um Estado de Direito Democrático, que respeitasse as liberdades fundamentais dos cidadãos, adoptar o sufrágio universal (eleições regulares) como meio de eleger os seus dirigentes Moçambique, também devia aceitar ONG’s e investidores ocidentais. Nos meados dos anos 80, com o declíneo do bloco socialista, o Governo de Moçambique intensificou negociações com os EUA para ter apoio financeiro (De Renzio and Hanlon, 2007:5).

A depedência multidimensional de Moçambique em relação a ajuda externa (Castelo-Branco, 2008), fez com os EUA e outros, que alimentavam a Renamo contra o governo, se tornassem “amigos” e credores. Todavia, devido a situações muito adversas, os anos 80, foram mundialmente conhecidos como lost decade em termos do desenvolvimento (Lancaster, 2006 ; Moyo, 2011). Moçambique passou toda a década 80 em guerra, caracterizada por muita destruição, derrame de sangue, grave violação de Direitos Humanos, sobretudo muito empobrecimento. Portanto, foi o período mais delicado.

35Washington Consensus – é uma expressão usada pelo economista John Williamson, da International Institute of Economics de Washington, para designar uma série de reformas necessárias e orientadas para países Latino-americanos para que saissem da chamada “decada perdida” caracterizada pela estagnação económica, inflaçcão, recessão e de dívida externa e entrasse no caminho de recuperação económica. Mas, tais reformas foram feitas um pouco por todo mundo: Austeridade fiscal; Corte de gastos públicos (salários, etc.); Aumentar a competitividade comercial no mercado internacional; desregulação do mercado através do mercado livre para atrair o Investimento Directo Estrangeiro; Moderação de juros; Direito de propriedade; Privatização de empresas públicas; Reforma de Providência Social (Stiplitz,2004; e Kambur, 2008).

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Guerra-Fria nexus Guerra Civil Moçambicana

Gostariamos de começar esta parte com a seguinte pergunta: Houve alguma relação entre a Guerra-Fria e a Guerra Civil Moçambicana? A resposta seria: sim, sem dúvida nenhuma. Mas, esta resposta não nos deixaria qualquer suficientemente informado. Daí que, se vai, de forma pormenorizada, explicar os factores evidentes desta relação. Para se compreender a coorelação entre a Guerra-Fria e a Guerra Civil em Moçambique é necessário conhecer dois factores que constituiram uma ponte de ligação, e ao mesmo influenciaram de forma determinante para o desencadeamento da guerra. Estes factores são internos e externos. Na verdade, é difícil separar de forma nítida os elementos internos, porque a coorelação entre os factores ligados com o início e decurso da guerra civil estão historicamente entrelançados entre os países: Moçambique, Zimbabwe e Africa do Sul.

Primeiro: a conjugação dos factores interno e regional relacionam-se claramente com divisões e dissidências, que conduziram à aliança de um grupo de Moçambicanos com a PIDE e com aos regimes minoritários brancos e raciais da Rodésia do Sul e da Africa do Sul. Estes dois regimes estiveram contra Moçambique por duas razões: primeira, por este ter adoptado o regime socialista, segunda, pela ajuda que este país dava aos membros dos partidos que lutavam contra esses regimes: Zimbabwe African Nacional Union – Patriotic Front (ZANU-PF) contra o regime de Ian Smith na Rhodesia do Sul e a African Nacional Congress (ANC) contra o regime do Apartheid. Em 1980, Zimbabwe se torna independente seguida da eleição do Robert Gabriel Mugabe a cargo do presidente, e a Renamo transferiu seus equipamentos para África do Sul onde reinava o Apartheid, regime derrubado pela ANC, em 1992, seguido da eleição do primeiro presidente negro, Nelson Rolihlahla Mandela.

Segundo - Factores externos, a lógica bipolar fruto da Guerra-Fria influenciou marcadamente os contornos da guerra civil em Moçambique. Desde a formaçao da Frelimo e todos os arrangements para o desencadeamneto da Luta de Libertação Nacional, decidida pela Frelimo devido à irredutibilidade de Portugal fascista em conceder independência por via pacífica ou diplomática (Belucci, 2006). A Frelimo foi apoiada pelos países do bloco socialista, baseiando na sua filosofia política de apoiar os povos oprimidos a libertar-se dos exploradores. Por outro lado, como vimos anteriormente, a formação da Renamo teve forte ligação com os regimes minoritários da Rodésia do Sul e da África do Sul, pelos apoios prestados a este movimento para desistabilizar a economia de Moçambique. Mas também, países ocidentais igualmente apoiaram a Renamo como um instrumento para atingir os seus objectivos capitalistas e imperialistas.

Com a intensifição da guerra nos meados e finais dos anos 80, a Renamo passou a controlar quase 80% do território moçambicano. As secas severas que afectaram terrivelmente o sul do país, a recessão económica, a crescente decadência da União Sociética e o corte de ajudas obrigou ao governo de Moçambique a aceitar as imposições neoliberais, em troca de ajuda externa ocidental, abandonando, assim, o sistema económico socialista de economia planificada para o sistema capitalista caracterizado pela economia orientada para o mercado, propriedade privada, envolvimento activo do sector privado na economia. Em 1989, caiu o Muro de Berlim, seguida do desalinhamento dos países da União Soviética e dois anos mais tarde (1991) dissolveu-se a URSS. Ao nível regional, aconteceu que o Apartheid da Africa do Sul, que era a retaguarda segura da Renamo, desmoronou dando lugar ao ANC, em 1992.

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Informados e cientes das mudanças políticas operadas ao nível regional e mundial, que eram totalmente desfavoráveis para a continuação da guerra civil em ambas as partes beligerantes, o Governo de Moçambique e a Renamo entram em negociações sérias em Roma 36 desde Julho de 1990, depois de falharem as propostas para Portugal e Zimbabwe. Estiveram como mediadores, Membros do Governo Italiano e a Comunidade Religiosa de Santo Egídio com sede em Roma. Apesar de seguirem um percurso lento e complexo, as mediações baseadas na formula romana conduziram a assinatura do Acordo Geral da Paz (AGP).

O Acordo Geral de Paz (1992)

Em 1980, Zimbabwe, através da ZANU, tornou-se independente do Governo Colonial da Gra-Bretanha. Em 1992, os Sul Africanos, através do ANC, se libertaram das amarras do Apartheid. As vitórias da ZANU e do ANC (ambos partidos amigos e irmãos da FRELIMO), significou queda dos regimes minoritários brancos e, automaticamente, isolamento da Renamo no plano regional e enfraquecimento ao nível interno. Branco (2003: 95), sustenta que o início do processo de transição sul-africano e o consequente fim do apoio do regime do Apartheid à Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), favoreceu o início dos contactos entre as partes. O governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), carente de

36

O processo de negociação, liderado por quatro mediadores, Mario Raffaelli

em representação do governo italiano, D. Jaime Gonçalves, Bispo católico da

Beira, Andrea Ricciardi e Matteo Zuppi ambos da Comunidade de Sto. Egídio,

foi muito lento. Os principais obstáculos tiveram a ver com a

retirada das tropas zimbabweanas, que ocupavam os corredores da Beira e do Limpopo, do território moçambicano e com a criação do exército único. Durante as negociações, as partes moçambicanas decidiram convidar a ONU a participar na comissão responsável pela supervisão da implementação do acordo de paz. Esta intenção foi formalizada através da assinatura de uma declaração conjunta, a 7 de Agosto de 1992, por Chissano e Dhlakama (Branco, 2003:95).

importantes apoios internacionais e esgotado por uma guerra civil muito prolongada, também aceitou a via do diálogo.

O Acordo Geral de Paz (AGP) foi assinado em Roma a 4 de Outubro de 1992, sob auspícios do governo Italiano e da Comunidade religiosa Santo Egídio, através da formula romana (Della Roca, 2012). Sem subestimar as incansáveis deligências e técnicas usadas estrategicamente pelos mediadores, mas não significou necessariamente, que estes romanos são génios e especialistas em mediar peocessos de negociações para terminar guerras civis e reconciliar povos divididos, mas porque a Guerra-Fria, que era o principal reagente do conflito, ficara para história. Portanto, não havendo um catalizador, não era possível a Renamo e o Governo de Moçambique per se continuar com a guerra. Apesar do reconhecido esforço dos mediadores, ficou claro que o AGP foi produto da conjuntura, como também a guerra civil o foi em relação à época. Apenas uma dezena de dias depois da assinatura do AGP, a Assembleia da República de Moçambique o aprovou através da Lei 13/92, de 14 de Outubro37.

Com a queda do Muro de Berlim (1989) o prelúdio do fim da guerra Fria, os sinais do colapso da URSS e do fim Apartheid na África do Sul, tudo indicava que as condições, quer internas quer

37 ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA – Lei n 13/92, de 14 de Outubro. Com vista a tornar executório o Acordo Geral de Paz assinado em Roma, entre o Governo da República de Moçambique e a Renamo, usando da competências estabelecidas no n° 1 do Artigo 135 da Constituição, deternima: Artigo 1 - É aprovado o Acordo Geral de Paz a 4 de Outubro de 1992, entre o Governo da República de Moçambique e a Renamo, que é publicado e que faz parte integrante da presente lei. Artigo 2 - Consideram-se criados para todos efeitos legais, todos os organismos legais no Acordo Geral de Paz com as funções e disposições neste estipuladas, sem prejuízo de regulamentação necessária. Artigo 3 - A legislação decorrente do Acordo Geral de Paz, incluirá, para cada caso, o conteúdo estipulado no mencionado artigo. Artigo 4 – A presente lei entra imediatamente em vigor. Aprovada pela Assembleia da República. O Presidente da Assembleia da República, Marcelino dos Santos. Promulgada aos 14 de Outubro de 1992. O Presidente da República de Moçambique: ALBERTO JOAQUIM CHISSANO.

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externas, não eram praticamente favoráveis para a continuidade da guerra civil em Moçambique. Daí que, os que anteriormente apoiavam da guerra, passaram a encorajar as partes ao caminho das negociações. Newitt (1997:488), refere que a Frelimo estava em condições de instaurar a paz e os seus auxiliadores ultramarinos exigiam que entrasse em negociações formais com a Renamo.

Portanto, o cenário político-ideológico mundial e regional era totalmente desfavorável para alimentação da guerra interna. A vontade das partes (Governo e RENAMO), em chegar à uma paz duradoura e efectiva era mutuamente forte. Ao contrário de Angola, os actores moçambicanos não tinham nem os meios, nem as intenções e nem os apoios, para um eventual regresso à guerra (Branco, 2003: 98). Depois da assinatura do AGP, à luz da Resolução n° 797 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, foi constituída e enviada a UN Operations in Mozambique (ONUMOZ) 38 , basicamente para cobrir o processo do peacekeeping, garantir segurança ao povo e velar pelo cumprimento integral do AGP até um pouco depois das Primeiras Eleições (Branco, 2003:73). Eleições que deram vitória ao Joaquim Alberto Chissano (com 53% votos válidos) e Frelimo, seu partido ganhou 129 dos 250 assentos na Assembleia da República, contra 33% do Afonso M. M. Dlakhama, seu adversário político, Renamo ficou com os restantes 121 assentos parlamentares (Fearon e Laitin, 2005:15). Por cumprir cegamente todas as imposições dos doadores, Moçambique é considerado um dos países modelo e aluno modelo e mais querido

38 O mandato da ONUMOZ durou 2 anos (de Dezembro de 1992 à Dezembro de 1994) e compreendia 4 atribuições principais: Política - ajudar as partes a implementar o acordo assinado; Militar - controlar o cessar fogo, a desmobilização e a retirada de tropas estrangeiras no território Moçambicano; Fornecer segurança em apoio ao processo de paz, com principal incidência nos corredores de desenvolvimento de Nacala, Beira e Maputo; Eleitoral – apoiar e monitorar o processo eleitoral; e Humanitária – coordenar e monitorar as operações de assistência humanitária (Branco, 2003: 96).

na sub-região da África Subsahariana (Hanlon & Smart, 2008; Quartapelle, 2011).

Conclusão

Guerra civil é um conflito armado e violento que geralmente opõem duas partes dentro do mesmo Estado. A guerra civil em Moçambique (1976-1992), teve causas políticas caracterizadas por clivagens e dissidências internas dentro da Frelimo. Nisto, um grupo de Moçambicanos desejosos de lutar contra o Governo, saiu para fora do país e encontrou apoio para o efeito.

A Renamo foi criada nos finais dos anos 70, com apoio de regime de Ian Smith como instrumento desasbilizador da economia moçambicana, ao serviço do bloco de regimes minoritários brancos da região e do Ocidente. Não apenas ficou claro que os regimes do Apartheid na África do Sul e do Ian Smith na Rodésia do Sul, associadas e as ambições coloniais de Portugal fascista, influenciaram fortemente no conflito, mas também ficou evidente que a Guerra Fria foi a principal incubadora da Guerra Civil em Moçambique, porque os socialistas apoiavam a Frelimo, enquanto que os capitalistas a Renamo.

Nos meados dos anos 80, Moçambique foi aceite como devedor dos IBW’s e adoptou o capitalismo em troca. Nos finais da mesma decada, assistiu-se a desagregação da União Soviética. Em 1989, caiu o Muro de Berlim e em Dezembro de 1991, declarou-se oficialmente o colapso da URSS. Portanto, terminou a Guerra Fria e os EUA ficaram a única superpotência dominante e ditador de regras ao nível do mundo. Em 1992, o ANC derrubou o regime do Apartheid, 12 anos depois do Zimbabwe tomar independência, ambos os

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países vizinhos constituíam o back up da Renamo na região.

Face às mudanças político-ideológicas na região e no mundo, a nosso ver, as partes beligerantes não teriam melhor saída, se não assumisse o espírito de paz e pautassem pelo acordo de Paz. Em virtude disso, em 1992, foi assinado o Acordo Geral de Paz (AGP), assinado em Roma a 4 de Outubro de 1992. O AGP foi seguido por primeiras eleições gerais e legislativas, realizadas em 1994, sob supervisão da ONUMOZ. Portanto, analisados todos estes elementos concluímos que a guerra civil em Moçambique foi resultado directo da Guerra Fria. Como vimos, esta não apenas dividiu o mundo em dois pólos, mas também bipolirizou o conflito interno. O antagonismo político-ideológico entre os EUA e a URSS, reflectiu-se directa e fortemente sobre as diferenças de matriz político-ideológica nos níveis interno e regional. Por isso, com o fim da Guerra Fria, o Governo e a Renamo chegam ao AGP, pondo termo a Guerra Civil em Moçambique.

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REPRESENTAÇÕES DISCURSIVAS E IMAGENÉTICAS DE GÉNERO NOS LIVROS ESCOLARES DO ENSINO PRIMÁRIO EM MOÇAMBIQUE NUMA PERSPECTIVA DAS DESIGULDADES SOCIAIS

Juvêncio Manuel NOTA 39

Resumo: Com este artigo pretende-se analisar as representações de género nos livros escolares das classes de transição (3ª, 5ª e 7ª classe) do ensino primário em Moçambique, editados no triênio 2003-2006. Na essencia objectiva-se incentivar a promoção da igualdade de género nas escolas moçambicanas, analisando para tal: i) a forma como o masculino e feminino são representados por meio de imagens/gravuras; ii) o discursivo linguístico (textual) engendrado em torno dessas imagens e aos papéis de homens e mulheres nos livros escolares. A análise qualitativa das imagens/gravuras demonstra que a representação das mulheres no que diz respeito ao papel profissional, econômico e às relações afetivas ainda é bastante preconceituosa e estereotipada. Os discursos inscritos nas imagens, subtilmente, normalizam os estereótipos de género vigentes em nossa, pois que embora de forma esporádica, o discurso didáctico consubstanciado nos textos e outras actividades procure acomodar o “feminino” e o “masculino” (numa suposta relação de equilíbrio), a discriminação de papéis sociais sexistas ganha maior visibilidade. Os manuais escolares veiculam dois mundos distintos: um tradicionalmente doméstico, do cuidado com o lar, dos filhos, da ida a machamba, no lavar da roupa associado á figura feminina; e um técnico-profissional mais liberal reservado ao masculino, ao homem enquanto ganhador de pão, provedor e chefe da familía, que é apresentado como polícia, carpinteiro, canalizador, electricista. Os livros pouco ou quase nada apresentam sobre a imagem e papel da mulher emancipada, eles reproduzem os estereótipos de género vigentes nas sociedades tradicionais africanas, mantendo a mulher, a rapariga numa posição de subserviência masculina ainda que no contexto da tão almejada igualdade de genero, se defenda uma desconstrução desta relação histórica e transcendental de dominação da mulher. No final, conclui-se que nos livros escolares há uma reprodução explícita da masculinidade hegemónica.

PALAVRAS-CHAVE: Género. Masculinidades. Feminilidades. Representações imagenéticas. Livros escolares, Ensino primário. Semiótica.

39 Mestre em Educação/Ensino de Biologia. Pesquisador e coordenador do Núcleo de Estudos de Género, Sexualidade e Educação

Sexual no Centro de Estudo de Políticas Educativas (CEPE). Docente no Departamento de Ciências Naturais e Matemática, na UP-Delegação de Montepuez. [email protected]

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Introdução

Com este artigo pretende-se analisar as representações discursivas e imagenéticas de género nos livros escolares, aprovados pelo Ministério da Educação e utilizados no Ensino Primário em Moçambique, uma vez que a escola sendo local de socialização secundária das crinaças, adolescentes e jovens, por meio de seus conteúdos, normas e práticas está implicada na construção das masculinidades e femilidades (LOURO, 2004).

Porém, é crítico observar que quando se fala em género na educação em Moçambique, há uma tendência generalizada de produção de um discurso estatístico sobre a presença da rapariga na escola, as taxas de escolarização, de desistência, de gravidez precoce e por ai em diante, sempre naquela tónica numerológica (PNUD, 2001; PEEC, 2006-2010/11), protelando-se a autocrítica, isto é, análise cuidadosa das implicações dos materiais, conteúdos/conhecimentos e práticas pedagógicas eleitas na abordagem do tema ´´género e igualdade´´, que por sinal é transversal no ensino primário (INDE/MINED, 2003, 2007, 2012). De facto, se os discursos politico educativos na actualidade apontam para a necessidade de desenvolver uma educação que atenda as necessidades, por exemplo, da rapariga e sua respectiva emancipação, isso implica igualmente uma análise cuidadosa e profunda de como o próprio sistema escolar se imbrica ao complexo sistemade de acentuação ou reprodução social das desigualdades e inequidades de género, ao mesmo tempo em que as elege como um de seus estandartes de batalha. É bem verdade que o nosso país tem registado ganhos assinaláveis do domínio das questões relativas ao género, na definição de bases legais de luta contra a descriminação e violencia baseadas no género, a exemplo da aprovação da lei da familia, da lei contra violencia

domestica. Ademais, as politicas públicas e macrossociais passaram a priozirar, por exemplo, a noção de paridade e equidade de género na disponibilização de vagas/cargos públicos (MOÇAMBIQUE, 2009). Como extensão a esse movimento reformista no sector público o Ministério da Educação procedeu à inclusão de conteúdos relativos ao género e sexualidade nos curricula do ensino básico obedecendo ao princípio da transversalidade (NOTA, 2006, 2010).

No entanto e ao que nos parece pouca atenção foi e tem sido dada aos discursos (linguagem sexista) e imagens veiculadas nos vários livros escolares actualmente em uso no ensino primário, os quais são utilizados no processo da construção escolar das masculinidades e feminilidades, na representação dos alunos sobre o que é ser homem ou mulher na sociedade moçambicana. Assim, ao estudar as representações de genero nos livros escolares busca-se averiguar sua relação com a dominação e o poder. Género: conceitualização e operacionalização

Existe o habito corriqueiro, apesar de erróneo, em nosso meio social de se utilizar o conceito género como sinónimo do feminino, de falar das mulheres, o que tem conduzido a uma feminização pública do conceito. Esse hábito incialmente concebido pelos homens infelizmente acabou sendo passivamente internalizado pelas próprias mulheres que, ainda assim, parece não vislumbrarem nisso uma tendência discriminatória e eminentemente sexista — ´´vamos falar delas e de seus problemas´´.

Da célebre frase de Simone de Beauvoir ´´ninguém nasce mulher:torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a

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forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino (Beauvoir, 1967:9) entende-se claramente a perspectiva construcionista das diferenças sociais entre homens e mulheres. Deste modo, de forma simples, género refere-se aos papéis do homem e da mulher e às responsabilidades que socialmente lhes são determinadas. Trata-se da condição segundo a qual a sociedade percepciona a pessoa e o que espera das suas atitudes e capacidade de acção, de acordo com os padrões pelos quais a sociedade se organiza (WHO, 2008 apud Minzu et al., 2011).

Por isso, falar do género é falar das relações entre o homem e a mulher, não se trata de analisar sua constituição física ou relação biológica, mas sim a sua relação social (Joana et al in:Téles & Brás, 2009) as quais ajudam a compreender os papéis sociais que cada um deles desempenha e a entender a posição da mulher na sociedade.

Segundo Joana et al. (in: Téles & Brás, 2009) em África, constata-se que o poder é fundamentalmente masculino, pois, os homens, entanto que líderes políticos e religiosos, asseguram a defesa da linhagem masculina, preservam a sua unidade e mantêm a ordem social a seu favor, enquanto que para as mulheres, é-lhes reservada a actividade doméstica, ou seja, a organização da vida familiar e de todo um conjunto de actividades que conduzam à reprodução da unidade doméstica, actividades consideradas de nível secundário, enquanto aos homens cabe o controlo dos meios de produção (terra, recursos, força de trabalho, domínio da ciência e circulação de pessoas e bens), o que lhes garante o papel de dominantes.

Esta situação, segundo os mesmos autores, discrimina as mulheres, pois não lhes permite, por exemplo, o livre exercício da sexualidade e reprodução; da mesma forma que as representações

sociais de género patentes na nossa sociedade contribuem, sobremaneira, para impedir a igualdade de género. Por isso mesmo Joana et al. (in: Téles& Brás, 2009) acrescentam que,

a posição subalterna que as mulheres ocupam nas sociedades africanas cria condições para a diferença de direitos entre homens e mulheres, o que significa que as mulheres, independentemente da sua idade, classe social, raça ou tribo, se encontram sensivelmente mais expostas a serem vítimas de actos atentatórios aos seus direitos humanos, levados a cabo pelos homens, que consideram isso um direito adquirido ´´naturalmente´´ (p.54) ´´.

Por outro lado, Freitag (2004:28) concebe género como ´´(...) um empreendimento realizado pela sociedade para transformar o ser, macho ou fêmea, em homem ou mulher. A partir da constatação de seu sexo biológico, delineiam-se as formas de criação, uma vez que, no interior das relações sociais, homens e mulheres desempenham papéis diferenciados, comumente levando as mulheres a uma posição inferior´´.

Disso resulta que independentemente do que nos tornamos em virtude de nossa instrução escolar, os valores sociais e culturais relativos ao género incorporados primariamente no habitus familiar tendem a sobrepujar-se áquela visão descontrutivista desses mesmos valores veiculados por uma abordagem emancipatória tida como tendencialmente eurocentrista, que vem colocar em causa a masculinidade hegemónica do ´´homem africano´´ sob o adevento da tão almejada e propalada igualdade de género. O currículo e as representações imagenéticas e discursivas de género Para empreender a análise de género nos manuais escolares toma-se como embasamento a teoria de

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reprodução social e cultural aplicada á educação, em seu sentido restrito (MORROW& TORRES, 1997). Neste sentido parte-se da assunção de que a escola por meio de seus sabares, materiais e práticas instituidas constitui-se num dos mecanismos sociais e culturais que explicita ou subtilmente institue, acentua e reproduz as desigualdades de género vigentes na sociedade mais ampla (MORROW& TORRES,1997; SACRISTAN, 2000; APPLE, 2002).

Dai que segundo Pires (2004 apud Santos, 2012:5) os livros didáticos são artefatos culturais pela carga de significados que eles possuem, carregando marcas de classe, de etnia, de religião, de gênero, de sexualidade e de geração e, sobretudo, porque estão presentes no dia-a-dia escolar, ora manifestando ora silenciando vozes, constituindo e legitimando, assim, determinadas representações e identidades.

Neste sentido, analisar as representações discursivas e imagenéticas reflectidas nos livros escolares, concebidos como artefatos culturais, possibilita uma compreensão mais profunda de alguns elementos que contribuem para fomentar determinadas representações, em especial as de gênero (SANTOS, 2012). Na verdade, a implicação da educação na reprodução das desiguladade nãoé assim tão nova, desde a génese dos movimentos feministas, do criticalismo ao pós-estruturalismo, vários autores têm implicado a escola, enquanto aparelho ideológico e ao serviço do poder, na (re)produção das desigualdades entre os diferentes grupos sociais (APPLE, 2002, SACRISTAN, 2000).

Ainda assim, penso que se pode redimensionar o papel social da escola envolvendo-a num processo activa de desconstrução dos paradigmas sociais de relações de dominação entre os géneros que impliquem a discriminação dos sujeitos em função de suas características (sexo, orientação sexual, etnia, etc).

As preocupações com a reprodução social e cultural das desigualdades de género no campo educacional em Moçambique são bem recentes até porque a temática de género so a pouco tempo passou a integrar formalmente os curricula e livros escolares (do Ensino básico) e os curricula de formação incial de professores como tema transversal (NOTA, 2009).

O termo currículo é aqui utilizado como sendo ´´ uma prática social, discursiva e não-discursiva, como uma linguagem, que está enredado na construção de discursos que normatizam os géneros e as sexualidades´´ (BRÍCIO, 2008:1). Assim, entende-se, a partir desta definição, que o currículo não representa apenas um conjunto de experiências de conhecimento proporcionadas aos estudantes, mas se coloca como uma construção social e cultural daquilo que somos, naquilo que nos tornamos, na nossa identidade e na nossa subjectividade. No que se refere à concepção de “representação” adoptamos o conceito de Woodward (2000 apud Santos, 2012: 5-6):

A representação inclui práticas de significação e os sistemas simbólicos por meio dos quais significados são produzidos, posicionando-nos como sujeitos. É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos. Podemos inclusive sugerir que esses sistemas simbólicos tornam possível aquilo que somos e aquilo no qual podemos nos tornar.

Neste texto interessa-nos reflectir sobre as representações discursivas e visuais do masculino e feminino nos livros escolares e os discursos engendrados, uma vez que estes reflectem e reproduzem as representações sociais do masculino e feminino vigente na sociedade; pois que segundo Santos (2012) os livros escolares não somente fornecem “imagens”, mas eles são também um reflexo do mundo que o cerca, trazendo elementos que correspondem à dinâmica social, comportamental e de poder.

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De acordo com os resultados de uma consultoria desenvolvida para o Ministério da Educação de Moçambique (MINED) ficou patentente que na produção do livro escolar do aluno e do professor do EB em Moçambique, para a questão de genero a grande preocupação dos gestores da educação foi apenas de verificar se as ilustrações contidas nos livros apresentavam um equilibrio entre mulher e homem e/ou rapaz e rapariga, bem como se nas actividades económicas e profissionais a representação demonstra homens/rapazes e mulheres/raparigas a fazer qualquer actividade independentemente de seu sexo de modo que ficasse claro que ambos devem ter na socidade os mesmos direitos e oportunidades (MINED, 2012), protelando-se a anlise da natureza e/ou tendencias do discurso engendrado em torno dessas imagens e gravuras.

Para Santanela (1999 apud Siqueira, 2010) o universo imagenético pode dividido em dois dominios: o primeiro corresponde às imagens como representações visuais, ou seja, objetos materiais que representam nosso ambiente visual (desenho, pintura, gravura, fotografia). Já o segundo diz respeito ao domínio imaterial, onde as imagens aparecem como visões, fantasias, modelos, ou seja, representações mentais.

A imagem seja por meio de pinturas, fotografias, gravuras, etc. foi desde sempre uma forma de representação de emoções, acções, de comunicação entre os homens desde a era pré-histórica (Siqueira, 2010); que mesmo com o surgimento da linguagem escrita e falada (articulada) a representação por imagens continua sendo a forma simbólica de nos comunicarmos, de atribuirmos significações e representações.

A noção de discurso aqui adoptado, é aquela que o concebe como texto, como linguagem escrita (BUCHOLTZ in. Meyerhoff, 2003) e dispositivo de poder (FOCAULT, 2010). Conforme assegura Bordieu

(apud Sacristán, 2000) o currículo não é um elemento neutro, mas transmite um conjunto de visões sociais particulares, que quando adoptadas actuam como um instrumento de diferenciação e exclusão para alguns sujeitos, dadas as relações de poder envolvidas e ou reflectidas no currículo com vista à criação e manutenção das identidades sexuais e de género hegemónicas.

A esse repeito Louro (2004:58) vai mais longe e denuncia que ´´é por meio deste processo que a escola servindo-se de símbolos e códigos afirma o que cada um pode (ou não pode fazer), separa e institui, informa o lugar (…) dos meninos e meninas”.

Método

Para empreender a análise dos manuais escolares no dominio das desigualdades de género utilizou-se o método qualitativo baseado na análise de conteúdo tendo-se como critério o roteiro de Michel (2006 apud CEPESC, 2009) para avaliação de livros e materiais didáticos quanto às desigualdades de gênero e outros trabalhos análogos.

Neste sentido, teve-se como parâmetros de análise os seguintes: as actividades/ocupações nas quais são mencionadas (meninas, meninos, mulheres, homens); o número de ilustrações apresentadas em relação a cada sexo (meninas/mulheres, meninos/homens); o tipo de linguagem utilizada no texto (sexista ou não sexista) para se referir aos homens e aos meninos e às mulheres e às meninas.

A totalidade dos manuais analisados foi constituída por 10 livros das disciplinas de Português, Inglês, Moral cívica, Ciências Naturais e Ciências Sociais da 3ª, 5ª e 7ª classes publicados entre 2003 a 2006 por duas editoras em Maputo.

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Resultados e discussão

Na totalidade dos livros analisados verificamos que são apresentadas (n= 492) imagens dos quais 190 (38.6%) são do género masculino, 85 (17.2%) do género feminino e 217 (44.1%) de ambos os géneros em simultâneo.

Tabela 1. Representação imagenética dos géneros em livros do ensino básico

Imagens apresentada

Géneros Nº %

Masculino 190 38.62%

Feminino 85 17.28%

Masculino e feminino 217 44.11%

Total 492 100.00%

Os manuais do Ensino Básico são profundamente sexistas, onde as imagens da mulher são apresentadas a desempenhar actividades domésticas e aos cuidados dos filhos ao passo que as imagens dos homens são apresentadas a desempenhar a função técnica, “cabe-lhe as técnicas”. Verificámos que, embora de forma esporádica, o discurso didáctico consubstanciado nos textos e outras actividades procure acomodar o “feminino” e o “masculino” (numa suposta relação de equilíbrio), a discriminação de papéis sociais sexistas ganham maior visibilidade, como se pode notar nos seguintes exemplos, extraídos dos manuais em referência,

FOTO 1. Representações dos papeis de genero no livro de Portugues 3ª classe (Dhorsan & Monteiro, 2003)

Nos exemplos acima dados, parece clara a

discriminação entre o masculino e o feminino que o currículo, por meio dos livros, isto é, do discurso didáctico. Estas práticas não são casuais, mas resultado da interiorização dos papéis sociais pelos actores envolvidos na construção do currículo (neste caso, dos autores dos livros) já que a escola se tem preocupado mais com o desenvolvimento da (in)formação intelectual dos alunos do que com a sua formação social, especialmente na questão dos estereótipos associados à divisão social do trabalho baseada no sexo. Do ponto de vista do papel sócio-profissional de género é reservada a figura masculina um papel mais liberal, mais tecnicista, e ás mulheres um mundo mais doméstico ou profissional que implica o cuidado de criança, exemplo professora (vide tabela 2).

Tabela 2 . Imagens associadas aos papéis sócio-profisionais de género predominantes nos manuais do ensino básico

Profissões Predominância das Profissões

G. Masculino G. Feminino

Nº % Nº %

Pedreiro(a) 9 28.13% 1 2.33%

Professor(a) 8 25.00% 10 23.26%

Enfermeiro(a) 2 6.25% 7 16.28%

Medico(a) 6 18.75% 0 0.00%

Domestico(a) 6 18.75% 17 39.53%

Educador(a) de Crianças

1 3.13% 8 18.60%

Totais 32 100.% 43 100.%

Fonte: elaboração própria

Neste ponto é-nos forçoso reconhecer que

tal como o aluno, os autores do livro por sinal, também, professores, são membros de uma comunidade, de um grupo social que têm suas crenças e valores particulares sobre o ´´ser homem´´

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e ´´ser mulher´´ na sociedade, os quais reflectem-se e interferem em suas práticas, como demonstraremos ainda neste texto.

Apesar de na concepção inicial dos manuais escolares no dominio de género ter existido uma preocupação em reservar a igualdade apenas á dimensão imaginética ainda assim quer parecer que isso não surtiu o efeito desejado uma vez que há livros aprovados pelo ministério da educação que explicitamente veiculam , instituem e reproduzem estereótipos e preconceitos de género. Ademais, parece-nos que não houve o devido cuidado quanto aos discursos ´´didácticos´´ presentes nos livros escolares, os quais são tendencialmente sexistas, normativos e discriminatórios pelo menos no que tange a mulher.

Por isso, ao colocar-se um texto com discursos do tipo ´´meninas ajudam as mães a preparar alimentos´´ (in:Fenhane, 2004) está-se na verdade inserindo os alunos em um sistema linguístico mais amplo que contribui para reforçar a negatividade atribuída à identidade feminina (Silva, 2000) o que não deixa de ser, pelo menos ao nivel discursivo, uma flagrante contraposição aos pressupostos defendidos pelo MINED (2003:8), segundo os quais “a educação tem de ter em conta a diversidade dos indivíduos e dos grupos sociais, para que se torne num factor de, por excelência, coesão social e não de exclusão.

Assim, quanto ao discurso de género veiculado nos manuais escolares Tomaz Tadeu da Silva assevera que ´´(...) aquilo que dizemos faz parte de uma rede mais ampla de atos lingüísticos que, em seu conjunto, contribui para definir ou reforçar a identidade que supostamente apenas estamos descrevendo (SILVA, 2000:7)´´. Neste caso, os manuais reforçam a imagem feminina associada a um papel tradicionalmente doméstico ao mesmo tempo em que exaltam a masculinidade hegemónica.

Ao que parece, trata-se na verdade de uma atitude consciente, tendencialmente descriminatória, sexista, institucionalizada, consentida e ensinada em nossas escolas a qual é necessária para dividir, normalizar/naturalizar, hierarquizar os géneros (LOURO, 2000, 2004, 2010; SILVA, 2000).

Enfim, apesar da propaganda enganosa em torno da promoção da igualdade de género na educação quer nos parecer que a representação ideológica 40 , subtil, de género veiculada pelas imagens e pelos discursos predominantes nos livros escolares, em nosso sistema educativo é aquela que objectiva a “fabricação” do feminino, de mulheres que se assumam como exímias ´´pilotos´´ de fogão, boas cosinheiras, donas de casa, domésticas, para bem servir ao seu homem que é, por assim dizer, o provedor da família, o ganha-pão, o senhor e patrão.

Na verdade a representação do feminino patetente nos livros escolares revela-se numa forma flagrante de exercicio do biopoder e de sexismo os quais objectivam normativizar e naturalizar os papéis tradicionais de género, tratando-os como dimensões estáticas e acabadas (aqui na nossa cultura a mulher é isso...é assim... , o seu lugar é esse, os seus papéis são aqueles) com intuito de educar a menina levando-a a transformar-se, quando adulta, numa ´´mulher normal´´,uma mulher que saiba lavar a roupa de seus filhos e marido, uma mulher que saiba cozinhar para seu marido, enfim uma mulher cuidadora do lar, voltada para a vida doméstica e para satisfação dos desejos de seus senhor (o homem/marido). Tudo isso, penso, são formas ardilosas e superiores de legitimação e naturalização das desiguladades e inequidades de género, são formas de exclusão da mulher da vida pública reservando-a a um mundo mais doméstico e

40 Essas representações ideológicas são colocadas nos textos escolares e por isso demandam uma análise critica, uma vez que elas encorajam a aceitação de arranjos desiguais de poder como algo natural e inevitável, reflexo do sexo de cada sujeito. Por isso, o discurso engendrado nos livros escolares não tem um efeito meramente simbólico, mas também material na vida dos alunos.

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de cuidados com a prole — uma autentica manifestação de machismo e violação de género41 nos livros escolares.

Ainda que com um discurso ´´didacticamente´´ mais elaborado, apesar normativo e ortodoxo, os livros escolares, penso, que em pouco contribuiem para a desconstrução da imagem tradicional da mulher em nossa socidade, visto que os discursos engendrados nesses livros vão de encontro ás visões tradicionais dos papéis de género― veiculam e reproduzem estereótipos de géneo. Ademais, a visão que vem reflectida em grande parte dos textos é tipicamente tradicional e conservadora do ponto de vista de papeis sociais da mulher, aliás, nota-se claramente a ausencia de um discurso novo, que seja emancipador/prolematizador , até porque o modelo familiar veiculados na maioria dos livros é tipicamente rural, é caso para se dizer mudam-se os curriculos e perpetuam-se as velhas práticas.

De acordo com Cameron (in. Holmes & Meyerhoff, 2003) esta representação de género e da linguagem são parte de um aparato social para manutenção das distinções gerais, as quais ajudam a naturalizar a noção dos sexos como ´´opostos´´, com diferentes aptidões e responsabiliddes sociais, que funciona como um mecanismo de naturalização das hierarquias de género. Em razão disso podemos implicar os nossos livros escolares (pelos seus discursos e imagens) na estigmatização da mulher enquanto fêmea, reprodutora, o que também não deixa de reflectir directamente a forma estereotipada pela qual a sociedade mais ampla sempre a encarou e ainda encara a mulher. Por essa, é premente a abordagem de género numa perspectiva problematizadora, emancipadora, em vez de profundamente normativa como sucede actualmente em nossas escolas. Este pensamento é igualmente 41 Aqui entedida como qualquer comportamento , acção ou circunstância que

submetem unidirecionalmente, física e/emocionalmente, visível e/ou

invisivelmente ás pessoas em função de seu género (Cf.Brauner, 2007:138).

defendido por Silva (2000), o qual defende que ´´a pedagogia e o currículo deveriam ser capazes de oferecer oportunidades para que as crianças e os/as jovens desenvolvessem capacidades de crítica e questionamento dos sistemas e das formas dominantes de representação da identidade e da diferença´´.(p.6).

Na verdade a maioria dos discursos contemporâneos sobre relações de género alerta para a constituição de um espaço verdadeiramente comum aos homens e às mulheres, um espaço em que a igualdade dos direitos e das oportunidades seja verdadeiramente respeitado (Minzu et al., 2011) apesar das diferenças somáticas e genitais entre os sujeitos ― isso é uma utopia necessária.

Porém, é factual que os livros escolares analisados contrapõem-se a esse entendimento ao veicularem dois mundos distintos: um tradicionalmente doméstico para a mulher e um técnico-profissional/liberal para o homem, reproduzindo, por via disso, os estereótipos relativos aos papéis de género.

Rampin & Freitas (in. Bruns &Sousa-Leite, 2012:56) vão mais fundo nesta questão e aquilatam que ´´ao homem coube a arte de guerra, da vida pública, da ciência, do desenvolvimento (...) à mulher coube a arte de procriação, da criação da prole, da manutenção do lar, do âmbito privado, particular, no qual ela ´fêmea´ reina´´.

E estranhamente, o discurso engendrado nos manuais escolares em torno das identidades e papéis de género baseia-se no modelo, patriarcal, de sociedade rural e tradicional comum em africa ( a mulher com uma troxa da cabeça, enxadas, cestos e com um bebé nas costas; o homem por sua vez com uma catana e rádio a escutar notícias/música). Quer-me parecer que a nossa escolarização (ou cultura?) ainda não nos está ajudar a desconstruir se não mesmo romper com aquelas relações de género que tradicionalmente colocam a mulher, os filhos numa

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posição inferior e de dependencia eterna ao homem, as quais funcionam como garantia da norma e da hegemonia masculina — convém que esse modelo relacional permaneça independentemente de se ser escolarizado ou não, uma vez que ´´somos africanos´´; o advento da igualdade de género da emancipação da mulher nada mais seria, no contexto cultural africano, do que a importação de modelos sociais ocidentais eventualmente abejetos a nossa cultura, aos nossos hábitos e costumes.

Quer parecer que a noção de igualdade de género veiculada nos livros escolares é na verdade um artifício para continuar a reproduzir e consolidar, subtilmente, a masculinidade hegemónica e assim asseverar as desigualdades e inequidades de género. Não é a toa que a ideia de igualdade de género ainda é por vezes interpretada como potencialmente subversiva e ameaçadora a ´´nossa cultura´´, ao habitus cultivado no interior de nossas famílias (africanas/moçambicanas) em que cada um aprende sobre seu locus social, sobre o ser homem e ser mulher.

Portanto, para além de serem responsáveis pela educação dos filhos, as mulheres são apresentadas como machambeiras, o seu papel é reduzido também à educação dos filhos. O mesmo se verifica no texto da página 15, intitulado O homem que comia cinza, do mesmo livro, onde é narrada a história de um homem que fingia comer cinza. Neste texto, diz-se literalmente que “o homem era apanhador de mel e a mulher era machambeira”.

Se por um lado pretende-se educar os aluno(as) numa perspectiva de igualdade de género, de respeito e valorização ´´do outro´´, os livros escolares por meio de suas imagens e discursos reproduzem o modelo social de uma masculinidade hegemónica, a qual tende a colocar a mulher na esteira, no chão e o homem sempre devidamente acomodado numa poltrona.Aliás, a imagem 4 reflecte bem o que se acabou de dizer.

Actualmente, diz-se que apesar das diferenças de sexos entre homens e mulheres, não existem diferenças no que diz respeito às capacidades, habilidades ou inteligência entre ambos.

Contudo, a mulher, continua a ser representada como aquela que exerce actividades domésticas, de índole informal, em alguns casos, aparece como o elo mais fraco (símbolo de fraqueza) cuja existência depende do homem. De facto, a imagem 4 traduz fielmente essa relação histórica e transcendental de dominação da mulher, que tradicionalmente se estabelece, na qual o ´´homem de verdade´´, o africano puro é quem manda em casa, e a mulher não deixa de ser uma propriedade sua, cujos direitos de posse são adquiridos por lobolo.

Todavia, é interessante analisar a disparidade na representação da muher nos mass

Foto 4. Relação de poder entre os géneros (veja-se que a mulher sentada numa esteira, no chão e o homem num banco de madeira).

Foto 3. A mulher na agricultura para sustento dos

filhos.

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media, na publicidade televisiva e na educação escolar. Se, por um lado, na televisão, no mundo de negócios, a imagem sensual da mulher é usada na publicidade, associando/equiparando-a com produtos comerciais, por outro, os manuais escolares aparecem, também, a insinuar e a apoiar esta forma de olhar sobre a mulher. A mulher é representada como algo que o homem pode “adquirir” e daí ela passar a ser pertença do homem; ou ainda, apenas vista como elemento decorativo ao lado de um objecto (produtos, máquinas ou serviços).

Por exemplo, quando se faz a definição do lobolo (dote que o homem paga pela mulher?), diz-se que “é uma forma de obter [sublinhado nosso] uma mulher entregando bens (ou dinheiro)” (Fenhane & Capece, 2008, p.118). Nesta definição, o termo obter deixa transparecer que a mulher lobolada é objecto adquirido mediante o pagamento de valores materiais, daí que passa a ser subordinada do homem que tenha pago o lobolo exigido.

No exame que elaboramos, julgamos que esta situação, para além de violar os Direitos Humanos ao considerar a mulher como “património” do homem, também pode sedimentar a ideia de que a mulher obtida por um homem através do pagamento de dinheiro (ou outro tipo de bens) passa, depois, a pertencer ao homem. E, por esse facto, a sua tarefa passará a ser a de cuidar do lar e dos filhos do marido. Portanto, entendemos que o discurso que se apresenta nos textos analisados, embora possa levar ao alcance dos objectivos cognitivos (linguísticos) preconizados, estamos contudo apreensivos quanto às implicações negativas na representação da imagem da rapariga e, consequentemente, a sua retenção na escola, perante um cenário de inferiorização da rapariga e de hegemonização do poder e tarefas do homem.

Nas figuras dos manuais escolares, a mulher aparece, na maior parte dos casos, comoa quela que realiza os trabalhos domésticos, fazendo com que haja tendência de masculinização de algumas

profissões formais; nos textos (ou imagens) onde se fala da família, a mulher aparece de pé rodeada de crianças e o homem sentado na cadeira. Noutra situação, só a mulher é que aparece a pilar e o homem sentado (p.8).

Quando se fala do papel do professor na escola, a imagem que aparece é masculina (pp.16 e 23). Noutro caso, a profissão desegurança/protecção só é representada através de imagens masculinas. Na capa do livro de Educação Moral e Cívica da 6ª Classe, a representação da autoridade policial é feita pela imagem de um homem (Cf. Fenhane & Capece, 2008; Grachane & Muller, 2005). Considerando (no livro) que as tarefas domésticas são feminizadas, cabe aos homens realizar as técnicas. Assim, no mesmo manual temos muitas figuras onde a mulher é que vai à fontenária carretar água (figura 1 da página16, figura 8 das páginas 19 e 22), cabendo ao homem fazer a manutenção das torneiras (figura 9 na página 20). Vide foto 6.

Foto 6. A mulher buscando água para casa (esquerda) e o homem reparando a fontenária para as mulheres retirarem água.

Foto 5. A tarefa de pilar é representada como excluisvamente feminina. Debaixo desta imagem pode-se ler: ´´meninas ajudam as mães a preparar alimentos´´.

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Uma situação semelhante é-nos apresentada em Blyth et al. (2003), onde todas as profissões (motorista, piloto, marinheiro e mecânico) são representadas por imagens masculinas (p. 48), o que parece ser uma forma de inferiorização/exclusão da mulher.

Se a mulher não é apresentada como doente ou co mo aquela que leva os filhos ao hospital, é a sua imagem que é utilizada para publicitar situações sociais e economicamente desvantajosas. Isto também é visível em Fenhane & Capece (2008), quando se procura representar o apoio da UNICEF na vacinação de crianças, em que a mãe é apresentada como uma doente grave, o filho sem roupa e com sinais de má nutrição.

Nos livros de ciências naturais do ensino primário, as imagens do homem são representadas a desempenhar actividade profissionais (eg. Veterinário agricultor, pastor, pescador, caçador, pedreiro, etc) enquanto as imagens da mulher são representadas a desempenhar actividades domésticas e agricultura. É curioso observar que até nos exemplos dados por autores do sexo feminino, a figura feminina é apresentada como o ´´sexo fraco´´ e a masculina como sinónimo de macheza, força , virilidade e poder cujos papéis se relacionam ao uso da força física, do corpo, portanto há também um sexismo internalizado pelas próprias mulheres, enquanto autoras de livros escolares.

Por exemplo, nos manuais de inglês, e moral e cívica, o género masculino è representado a desempenhar categorias profissionais ( eg. Professor, médico, pedreiro, jardineiro, dentista, padre, etc) e o género feminino a desempenhar funções domésticas , a educação dos filhos e outras categorias profissionais ( professora e enfermeira ). Portanto a ideia que fica explicita aqui é que a de acordo com a moral moçambicana a mulher deve ser doméstica, ficar em casa a cuidar dos filhos, da familia, preparar comida para seu esposo, etc., é uma moral marcadamente reprodutora, normativa e não

emancipadora, é uma educação moral contra a emancipação da mulher. É que neste mesmo livro se apresenta a imagem de Maria de Lurdes Mutola42 (ex-atleta moçambicana e recordista mundial dos 800 m) e a de mulheres nas Forças Armadas de Defesa de Moçambique, no entanto, o discurso associado a tais imagens não se referem à mulher, não a destacam como exemplos de emancipação, de que as mulheres são tão capazes quanto os homens de competirem com eles em pé de igualdade (não nos esqueçamos da participação da mulher nas frentes de combate durante Luta de Libertação Nacional de Moçambique na era colonial, que ainda assim era-lhes atribuido nomes de guerra tipicamente masculinos, de Maria para Mário, e por ai em diante).

Considerações finais

A questão de género, da igualdade entre homens e mulheres, nos livros escolares analisados, é um assunto velado, uma categoria negada, pois que os nossos livros escolares do ensino primário funcionam como instância que está limitada na reprodução dos arranjos tradicionais do poder entre os géneros, onde a mulher continua sendo o ´´elo mais fraco´´.

Apesar de o livro escolar desempenhar um papel fundamental na concretização das práticas educativas incluindo a representação do género, é necessário que os professores problematizem as representações imagenéticas de género, pois eles carregam em si uma forte componente axiológica.

As ilustrações dos livros escolares analisados apresentam imagens que legitimam/perpetuam a definição de tarefas/actividades em função do sexo, caracterização dos género num contexto familiar tendencialmente rural, tradicional.

42 Desde o pós-independencia, em Moçambique, não houve e nem há até agora mulher/homem mulher cujos feitos desportivos em prol do país se equipare aos de Maria de Lurdes Mutola no atletismo (campeão mundial e olimpica dos 800 m).

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Verificamos que existe uma insensibilidade aos assuntos de género nos manuais que vai ao encontro de uma visão tradicional e sexista sobre os papéis sociais do homem e da mulher.

Os livros carregam representações de gênero conservadoras, veiculando explicitamente estereótipos dicotomizados para o masculino e o feminino, ou seja, a partir de oposições entre espaço público e espaço privado, instrumentalidade e expressividade, papel do provedor e papel da mãe.

Verificámos que, embora de forma esporádica, o discurso didáctico consubstanciado nos textos e outras actividades procure acomodar o “feminino” e o “masculino” numa suposta relação de equilíbrio, os manuais escolares veiculam dois mundos distintos: um doméstico associado a mulher ao feminino e um técnico-profissional reservado ao masculino, ao homem.

Em todos os livros analisados eles não se referem a capacidade intelectual das mulheres, as suas conquistas, ao seu valor e importancia sócio-profissional ao lado do homem, a precoupação foi de apenas conseguir um equilibrio imagenético dos géneros por meio de fotos apresentadas.

A abordagem de género numa perspectiva emancipatória é uma utopia necessária nos livros escolares e nos curricula moçambicanos.

A grande conclusão que se chega é que existe uma dissonancia entre os discursos politico-educativos proferidos nos planos estratégicos da educação, os curricula e os livros escolares no domínio de género.

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QUALIDADE DE EDUCAÇÃO EM MOCAMBIQUE ― UMA REFLEXÃO COM ENFOQUE PARA O ENSINO BÁSICO

Perlo Miquidade António RABECA43

RESUMO: O presente Artigo aborda acerca da qualidade de educação em Moçambique com enfoque no Ensino Básico, tem como objectivo geral analisar as causa que contribuem para os maus resultados de aprendizagem que se verifica na actualidade no ensino básico, onde existem alunos que terminam um determinado ciclo sem desenvolverem as competências que lhes esperava. A motivação da escolha deste tema prende-se pelo facto de autor ser actor activo da prática de docência, sentiu a necessidade de descrever acerca desta problemática que a sociedade clama dia-a-dia procurando soluções para colmatar esta situação de alunos que chegam num determinado nivel sem saberem ler nem escrever. A reflexão gira em volta de que factores contribuem para a situação da baixa qualidade dos resultados escolares? A falta de motivação por parte dos professores pode contribuir na qualidade de ensino, a necessidade de avaliar-se o salario que é pago aos professores. Para a efectivação do trabalho usou-se como metodologia obras bibliográficas. Este trabalho permitiu reflectir sobre a qualidade de educação em Moçambique. PALAVRAS-CHAVES: Qualidade, Resultados de Aprendizagem, Prática de ensino ABSTRACT: This article discusses about the quality of education in Mozambique with a focus on basic education , has the overall objective to analyze the causes that contribute to the poor outcomes of learning that occurs at present in primary education , where there are students who complete a given cycle without develop skills that awaited them . The motivation for choosing this theme relates to the fact that the author is active actor in the practice of teaching, felt the need to describe on this problem that society cries out day-to - day looking for solutions to overcome this situation of students arriving in a given level without knowing how to read or write. The reflection revolves around what factors contribute to the situation of the poor quality of education outcomes? Lack of motivation among teachers can contribute to the quality of education, the need to assess whether the salary that is paid to teachers. In order to complete the work was used as methodology bibliographical works. This work led to reflect on the quality of education in Mozambique. KEYWORDS: Quality, Learning Outcomes, Teaching practice

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Licenciado em Psicologia Escolar pela Universidade Pedagógica (UP). Docente afecto no Departamento de

Ciências de Educação e Psicologia na UP-Montepuez. Mestrando em Desenhos de Sistemas Educativos na UP-Sede.

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema, " a qualidade de educação em Moçambique", e como objectivo principal reflectir acerca da qualidade da educação, isto porque, nos últimos momentos é frequente ouvir pessoas a falarem acerca da má qualidade dos resultados escolares.

Nas escolas é frequente encontrar alunos que terminam um determinado ciclo sem saberem ler e nem escreverem, isto levou ao autor deste trabalho a compreender o que esta por de detrás desta problemática.

O trabalho é de grande relevância uma vez que na actualidade falar das estratégias de superação da má qualidade de educação é o que interessa a sociedade, existe uma preocupação em encontrar formas de como superar esta realidade que se vive na actualidade.

O Ministério da educação tem desenhado políticas de como resolver este problema mas as políticas falham na sua implementação.

O autor avança algumas propostas de melhoria da qualidade de educação. A falta de motivação por parte dos professores dificulta a aquisição de competências básicas pelos alunos no Ensino Básico.

Para a efectivação deste trabalho usou-se como metodologia usada para deste trabalho foi a da consulta bibliográfica, que consistiu na análise das informações que debruçam sobre o tema. A estrutura do trabalho é a qualidade da educação em Moçambique, reflexão da estratégia do Banco mundial na qualidade de educação em Moçambique, reflexão sobre a qualidade da educação após a independência, o currículo desajustado as condições

reais das escolas, o papel da escola na melhoria da qualidade do ensino, a qualidade de ensino e o tamanho da classe, Reflexão sobre o tempo de permanência dos alunos na escola por fim acrescenta-se a sumula bibliografica.

1.Qualidade da Educação de em Moçambique: uma análise no ensino Básico

1.1. Conceptualização

Educação como o processo pelo qual a sociedade procura transmitir suas tradições, costumes e habilidades, isto é, sua cultura aos mais jovens. (Oliveira, 1998)

Para se avaliar a qualidade de educação deve existir uma visão sistémica do fenómeno da educação, isto porque, vários factores se interligam que por sua vez influenciam na sua análise da educação. No entanto não se pode apenas cingir num único factor. Na opinião do autor indicador da qualidade de educação no ensino básico abrangem sete dimensões: o ambiente do acto educativo que indica o clima psicológico na sala de aula, como e que os professores se relacionam com os alunos, práticas pedagógicas e avaliação estas dimensões indicam como e que os professores implementam os princípios pedagógicos no contexto do processo do ensino e aprendizagem, aprendizagem da leitura e escrita que consiste em métodos e técnicas que professor usa como forma de os alunos adquirem estas competências, gestão escolar que envolve a tarefa dos gestores da educação na elevação da qualidade de educação, isto, porque o director da escola não só tem a tarefa de gestão financeira e dos recursos humanos mas também tem a tarefa de gestão pedagógica procurando apoiar os professores

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que demonstram ter dificuldades, condições de trabalho dos profissionais da escola que constitui como motivação para o trabalho dos professores procurando elevar a qualidade de educação, ambiente físico da escola, o acesso e permanência dos alunos na escola.

A melhoria de aprendizagem do aluno resulta de um processo multidimensional e complexo virado para a qualidade da educação. O aumento de recursos financeiros, matérias e humanos onde a maioria das escolas são subfinanciadas, operando em condições precárias, com salas superlotadas, não equipadas com alto rácio de alunos por professor. Para além de aumento dos recursos financeiros, e crucial ter professores melhor preparados, motivados e apoiados para assegurar a aprendizagem dos alunos, isto implica investimento na melhoria da sua formação, um incentivo que motive um melhor desempenho (PLANO ESTRATEGICO DA EDUCACAO; 2012-2016:7)

A introdução do novo currículo no ensino básico trouxe enormes expectativas no seio da sociedade, pois, a sociedade estava convencida de que ela viria proporcionar competências básicas de leitura e escritas as crianças.

Passando algum tempo depois das suas implementação vozes sépticas levantam-se em volta da implementação deste currículo, devido principalmente a qualidade dos alunos que as escolas formam que não sabem ler nem escrever. Verifica-se que o aproveitamento pedagógico dos alunos não corresponde com a qualidade dos alunos que são formados.

Segundo Burbules & Torres (2004: 12) O sistema de educação opera sob a agide de um estado-nação que

controla, regula, coordena, comanda, financia, e certifica o processo de ensino e aprendizagem. Não é surpreendente que um dos principais propósitos de um sistema educacional projectado seja criar um cidadão leal e competente.

Segundo ALENCAR (2001) Alguns autores como PIAGET, fazem algumas recomendações para que os professores procurem forma de superação das dificuldades relacionadas com o cálculo matemático, esta recomendação discute-se em três princípios que são:

a) A compreensão real de uma noção ou de uma teoria implica na re-invenção desta teoria pelo sujeito. Para conseguir isto, o papel da professora deve ser o de organizar situações que provoquem curiosidade e busca de soluções por parte da criança, guiando sua descoberta através de contra exemplos que provoquem novas explorações quando surgem dificuldades no processo de descoberta.

b) Em todos níveis, a criança e sempre mais capaz de fazer compreender na acção do que de expressar verbalmente e conscientemente os princípios nos quais se baseiam suas acções. Discussões com a professora ou com outras crianças podem favorecer, afirma Piaget, a verbalização e a conscientização.

c) As representações ou modelos matemáticos utilizados deveriam corresponder a lógica natural da criança e a formalização deveria ser deixada para mais tarde como uma espécie de sistematização das noções já adquiridas.

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A qualidade de educação do primeiro grau em um país deve ser apreciada a partir do aprendizado de todas as suas crianças. Melhorar a qualidade de educação de primeiro grau implica, portanto, em garantir que um maior número de crianças complete o primeiro grau chegando a dominar aquilo que foi ensinado (Lockheed e Verpoor, 1991:XVI)

Na concepção filosófica pedagógica do processo educacional, a qualidade de ensino consiste o preparo de homens equilibrados para a vivência da mensagem cristã e da democracia e a educação para a honestidade, verdade e disciplina. Valorizamos uma vivência cristã a qual inclui uma existência e ação responsáveis em relação ao meio humano, biológico, físico, material, social, cultural e espiritual. Visamos educar nosso aluno para que seja responsável perante si mesmo e seu próximo e perante o meio em que está inserido.

O terceiro e provavelmente o mais importante desafio (além do acesso a equidade) é melhorar a qualidade de educação; esta é pobre em todas as esferas nos países de baixa e média renda. Os alunos dos países em desenvolvimento não conseguem adquirir as habilidades requeridas pelos currículos de seus próprios países nem se desempenhar no mesmo nível atingido pelos alunos dos países mais desenvolvidos (…) Melhorar a qualidade é tão importante como melhorar o acesso, ainda mais difícil de se conseguir (BM 1995:XII)

A qualidade educativa, na concepção do Banco Mundial seria o resultado de presença de determinados “insumos” que intervêm na escolaridade. Consideram-se nove factores como determinantes de um aprendizado efectivo, nesta ordem de prioridades segundo a percentagem de estudo que revelariam uma correlação e efeitos

positivos: biblioteca, tempo de instrução, tarefas de casa, livros didacticos, conhecimento do professor, experiência do professor, laboratórios, salario do professor, tamanho da classe. A qualidade de educação ocorre sobe o olhar passivo dos agentes da educação, professores, gestores das escolas e Ministério da educação, não se sabendo quais motivos que contribuem para que este fenómeno ocorra.

1.1.Reflexão sobre a Estratégia do Banco Mundial na Qualidade de Educação em Moçambique

O Banco Mundial não apresenta ideias isoladas mas uma proposta articulada uma ideologia e um pacote de medidas, para melhorar o acesso, a equidade e sistemas escolares, particularmente do ensino do primeiro grau, nos países em desenvolvimento.

O Banco Mundial no sector educativo ele vem trabalhando de forma directa neste sector há mais de trinta anos ampliando cada vez mais o seu raio de influencia e ação e abrangendo actualmente as actividades de pesquisa, assistência técnica, assessoria aos governos em matérias de politicas educativas, assim como prestando ajuda para a mobilização e coordenação de recursos externos para a educação.

Analisando esta estratégia do BM, é pertinente que haja apoio para a educação, nos países em desenvolvimento mas os países devem implementar a sua política de educação em função da realidade que se vive em cada um dos países, sem que sejam impostos o tipo de educação, como consequência disso verifica-se a existência de currículos que se distanciam da realidade, afectando a qualidade de ensino.

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Moçambique enquanto depender do pacote do BM, sempre terá um défice na qualidade de educação, uma vez que o currículo e as suas competências são desenhados pelos economistas que não conhecem a realidade das escolas moçambicanas, que carecem de melhorias das condições de funcionamento, sobretudo as escolas que se situam nas zonas suburbanas.

(...) As relações de correspondência entre as dinâmicas das escolas e do capitalismo foram considerados por todos a única forma de se compreender o que as escolas fizeram. Nos dissemos não, nos estamos em estados capitalistas democráticos são diferentes de estados capitalistas autoritários e as escolas também são diferentes” (Levin 2000,p.1982).

1.2.Reflexão sobre a Qualidade de Ensino após a Independência

Havia poucos professores formados, com qualidade para responderem a necessidade do país. No contexto socio-económico o país tinha grandes dificuldades, que de alguma forma contribuía para a qualidade de Educação naquela época. Como estratégias para superar as dificuldades que se viviam naquela altura. As reflexões tinham a educação como um desafio cultural na optica de (MACHEL, 1979:28) Os alunos formados naquela altura com a 4a Classe já sabiam ler e escrever, alguns eram professores outros dirigentes de algumas instituições, que é diferente do que verifica na actualidade onde encontra-se um aluno com a 7a Classe do SNE mas não desenvolveu ainda as competências básicas de leitura, escrita e calculo. É preciso buscar-se a experiência dos velhos tempos, como forma de culminar com esta problemática, que o País vive hoje, criança que atingem um determinado grau académico, mas não demonstra resultados esperados.

O Ensino primário é o eixo do sistema educativo, este caracter decorre do papel que o ensino primário joga no processo de socialização das crianças, na transmissão dos conhecimentos fundamentais como a leitura, a escrita e o cálculo, e de experiências e valores comummente aceites na nossa sociedade. (PNE;1995: 177)

A realidade das escolas na actualidade contradizem este argumento que constitui o eixo do sistema educativo, isto porque, e notório no nível básico encontrar um grande numero de alunos que dominam a leitura, a escrita e cálculo.

1.2.O Currículo Desajustado as Condições Reais das Escolas

No entanto, analisando o currículo concebido no ensino básico não tem em conta as condições das escolas moçambicanas de forma integral, no currículo escolar, devem serem inclusos diversos factores de vivência dos alunos, a cultura de desenvolvimento social, as necessidades, aptidões e habilidades. Para permitir que a escola desperte interesse na aprendizagem dos alunos. Também ao se conceber o currículo deve ter em conta a realidade economica do País. Neste aspecto analisando a situação da introdução das TICS no currículo escolar, que não corresponde com a realidade do País verifica-se ao nível do País escola sobretudo nas zonas suburbanas onde os alunos não têm acesso a internet, não fazendo sentido a implementação desta ferramenta ao nível destas escolas. Para Marx, a transformação educativa devia ocorrer paralelamente a revolução social. Para o desenvolvimento total do homem e a mudança das relações socias, a educação deveria acompanhar e acelerar esse movimento, mas não encarregar-se exclusivamente de desencadeá-la, nem faze-la triunfar. Neste caso, o Ministério antes de implementar tinha que fazer um estudo para apurar

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as necessidades das escolas como forma de não haver falha.

1.3.O Papel dos Professores na Melhoria da Qualidade de Ensino

O professor desempenha grande papel para melhoria da qualidade de ensino, espera-se que os professores sejam criativos adoptando estratégias de ensino que faciltem a aprendizagem, que tenham uma atitude positiva diante o PEA. Também os professores tem a tarefa de estimular os alunos para aprendizagem procurando incentivar aqueles que demonstram um bom desepenho, ajudar aqueles que necessitam do apoio do professor. Mas nota-se que em algumas escolas há professores que ainda adoptam o paradigma antigo, dificultando a assimilação activa dos conteúdos pelos alunos, não respondendo aquilo que constitui a missão da escola hoje que é de formar cidadãos activos capazes de responderem os problemas do País. O governo também tem um papel crucial, de forma a incentivar aos professores na procura de melhoria da qualidade de ensino que consiste em melhorar a vida os professores. Schilfelbein (1995:24-25) adverte que “ o aumento dos salários dos professores só vai melhorar a qualidade da educação a longo prazo porque as mesmas pessoas continuarão ensinando e ainda não apareceram sistemas bem-sucedidos de incentivos” em Moçambique nota-se mudanças constantes na modalidade de formação de professores, isto, pode de alguma forma contribuir na qualidade de educação exemplo disso é a formação de professores de 10a+ 1 que na optica do autor, formar o professor num período de um ano é um tempo insignificante, como tal pressupõe-se que este professor deve fazer muito esforço como forma de desenvolver as habilidades

didactico-pedagogicas para elevar a sua capacidade de leccionação.

1.4.A Qualidade do Ensino e o Rácio Professor-Aluno

As turmas superlotadas são uma situação que se verifica na actualidade, com muita incidência nas escolas que se localizam nas cidades, onde se verifica um enchente de alunos nas turmas, dificultando acompanhamento pedagógico dos alunos pelo professor. Este fenómeno tem sido a grande discussão na actulidade, o rácio professor-aluno neste caso tem havido reflexões sobre a reorganização das turmas numerosas. Na optica do autor esta situação será difícil ultrapassar uma vez que em cada ano que passa a rede escolar em Moçambique cresce. O país para o desenvolvimento da educação depende do Banco Mundial, o pensamento deste órgão tem uma grande influência sobre a problemática do rácio-professor aluno, uma vez este órgão não prioriza a questão das turmas superlotadas como um dos insumos na melhoria da qualidade de ensino.

As escolas nos países de baixa e média renda poderiam economizar custos e melhorar a aprendizagem aumentando o número de alunos por professor, utilizando deste modo menos professores e alocando recursos destinados aos professores a outros insumos que melhoram o rendimento, tais como livro didacticos e capacitação em serviço. (BM: 35)

Na opinião do autor, a questão das turmas superlotadas tinha que se solucionar porque contribui para o baixo aproveitamento pedagógico, isto porque, o professor não conhece as dificuldades que cada aluno apresenta, isto porque, os alunos são diferentes em todos aspectos desde o nível assimilação, isto serve de base para o professor ter

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em conta durante a medição do processo de ensino e aprendizagem.

1.5.Reflexão sobre o Tempo de Permanência dos Alunos na Escola O tempo de permanência dos alunos na escola também é um aspecto chave que deve ser analisado na questão da qualidade de ensino, isto porque, as escolas moçambicanas funcionam com três turnos, de manhã a tarde, e anoite. Os alunos que estudam no período de manhã no ensino básico entram as 7 horas e terminam as 11h: 45, os que estudam no período de tarde entram as 12: 30 e terminam aulas 17:45, os alunos da noite entram as 18 h:00 e largam as 21 horas, o que se verifica é que os alunos têm pouco tempo de permanência na escola.

Como forma de ocupar os alunos no ministério da Educação tem que adoptar para todos os subsistemas de ensino, um currículo em que os alunos que estudam de manhã no período de tarde tinham que ser ocupados em actividades práticas, para os alunos de período de tarde tenham que ter aulas práticas no periodo de manhã. Isto ajudaria na conciliação da teoria e a prática facilitando desta forma compreensão dos conteúdos pelos alunos, isto porque, é a partir da prática que os aluns podem descobrir novas teorias. Quando se relaciona a teoria e a prática, a aprendizagem torna-se significativa para os alunos, constituindo uma motivação para a aprendizagem.

Considerações Finais

A escola, deve ser um lugar onde o aluno vai desenvolver as experiencias que vivência no dia-a-dia, como forma de cultivar nele o espirito critico e

criativo. As entidades responsáveis pelo processo educativo devem privilegiar em primeiro lugar a qualidade de vida do professor como forma de melhorar os resultados de aprendizagem dos alunos. Moçambique deve apdotar as políticas de educação que correspondem com a realidade concreta do países, não buscando aquilo que são experiências dos países que em termos económico já estão mais avançados. Para a melhoria da qualidade de ensino a partir dos seus indicadores o país deve adoptar estratégias da sua implementação.

O tempo de permanência dos alunos na escola é um factor que o Ministério da educação deve analisar, isto porque, deve ocupar os alunos por muito tempo como forma de permitir que eles consigam assimilar algumas habilidade, a proposta seria existência de dois turnos em que 1o turno seria para ocupar os alunos em aulas teoricas e 2o turno seria de ocupar os alunos em aulas práticas. Para uma melhor assimilação dos conteúdos não basta “encher” os alunos nos aspetos teóricos, é preciso sair-se do abstrato para o concreto desta forma ajudaria os alunos na compreensão dos factos.

Antes de se pensar sobre a implementação de uma dada política educativa, é preciso criar condições previas que possam responder com as expectativas da politica a ser implementada, aliado a este factor a maior parte da população vive no campo onde as condições são iguais as zonas urbanas.

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TEMPO E ASPECTO EM KIMWANI

Calawiya SALIMO44

Helena A.P.MUANDO45

Resumo: O presente artigo subordina-se tempo e aspecto em Kimwani; tendo por objectivo identificar, descrever e analisar as marcas de tempo passado e aspecto nesta língua. Para a concretização dos objectivos preconizados, primeiro fez-se uma revisão bibliográfica sobre o tema e seguidamente apoiou-se em vários métodos e técnicas de recolha de dados, tais como: entrevistas e inquérito, e por último o conhecimento da língua pelos autores foi também crucial na análise e interpretação dos dados fornecidos pelos inqueridos. Os dados obtidos pela entrevista foram recolhidos usando tolk boock (micro gravador) e transcritos para o papel, através dum programa informático denominado speech anelyse. Analisados os dados permitem concluir que a estratégia de marcação do valor aspectual em línguas Bantu em geral, e em Kimwani em particular, seja complexa, porque requer a aplicação de estratégias de sufixação de morfemas, o recurso a léxicos auxiliares a forma verbal e o recurso ao tom gramatical.

Palavras-Chave: tempo, aspecto, passado, mwani.

44 Licenciado em Linguistica pela Universidade Eduardo Mondlane. Docente no Departamento de Ciências da Linguagem Comunuicação e Arte na UP-Montepuez. 45 Mestre em Linguística pela Universidade Eduardo Mondlane. Docente no Departamento de Ciências da Linguagem Comunuicação e Arte na UP-Montepuez. [email protected]

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Introdução

O presente artigo subordina-se tempo e aspecto em Kimwani; tendo por objectivo identificar, descrever e analisar as marcas de tempo passado e aspecto nesta língua.

Kimwani, ou simplesmente Mwani (G45 na classificação de Guthrie 1967-71), é uma língua bantu falada na maior parte da faixa litoral da Província de Cabo Delgado. De acordo com os dados do Censo de 2007, em Moçambique há 77.915 falantes de Kimwani de cinco ou mais anos de idade (INE, 2010).

O interesse particular deste artigo consiste na busca de melhor entendimento relativamente `a tipologia de mecanismos utilizados para a flexão do verbo no tempo passado e aspecto em kimwani, tendo em conta as seguintes generalizações: existem duas características quanto `a marcação de tempo e aspecto nas línguas bantu. Primeiro, há um grupo de línguas, tais como: Emakhuwa, Kiswahili, entre outras, nas quais as categorias tempo e aspecto são expressas morfologicamente, através de um afixo. Segundo, há línguas, incluindo Ciyao e Shimakonde, em que estas categorias gramaticais são realizadas por meio de elementos morfológicos e fonológicos simultaneamente.

Apesar do tempo e aspecto pertencerem categorias gramaticais distintas, em kimwani nalgumas vezes partilham os mesmos elementos morfológicos. Neste artigo, analisar-se-á de forma composicional. Para a localização do aspecto no tempo passado ira-se recorrer as classes aspectuais: culminação, a actividade, o processo culminado e o estado. O tempo localiza a ocorrência de uma situação relativamente ao momento da enunciação, e o aspecto é uma categoria que indica as diferentes formas de se conceber a constituição temporal interna dessa mesma situação. Entretanto, a realidade de muitas

línguas bantu, tal é o caso de kimwani, o tempo e aspecto como duas categorias gramaticais não há uma separação nítida uma da outra. Variante de referência Kimwani distingue quatro principais variantes dialectais (re) conhecidas (NELIMO, 1989): 1. Kimwani das ilhas (Ibo, Matemwe e Quirimba), também chamado Kimwani ilhéu ou Kiwibu; 2. Kimwani central continental (região de Quissanga); 3. Kimwani nortenho (Mocímboa da Praia); 4. Kimwani urbano (Cidade de Pemba), sendo a variante falada na Ilha de Ibo e no distrito de Quissanga tomada como sendo a de referência. Os seminários sobre a padronização da ortografia de línguas moçambicanas (NELIMO 1990, Sitoe e Ngunga 2000, Ngunga e Faquir 2011) sempre reconheceram Kiwibu como a variante de referência. Objecto de estudo no presente artigo. Estruturalmente, o artigo apresenta para além da introdução, a revisão de literatura, na qual se definem conceitos básicos que irão nortear o trabalho, seguidamente a metodologia, mais adiante a análise e interpretação de dados referentes ao tempo passado e aspecto, a conclusão e, por fim, a bibliografia.

1. Revisão de literatura Dos estudos feitos na língua Mwani, nomeadamente: NELIMO (1990), Sitoe e Ngunga (2000), Ngunga e Faquir (2011), Liphola (2008), nenhum deles aborda aspectos relativos à categoria aspecto, somente fazem referência à categoria tempo. O tempo é uma categoria deíctica, na medida em que localiza no tempo uma situação descrita por uma frase, apesar desta localização geralmente não ser precisa, uma vez que ela é relativa a um outro tempo. (ponto de referência ou de fala, isto é, o intervalo durante o qual uma frase é enunciada por um falante). É na base do falante que têm sido

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interpretados os tempos: presente, passado e futuro. Mas em frases complexas, de um modo geral, a interpretação é na base do ponto de referência. (Faria at al 1996). No entanto, apesar do tempo gramatical ser uma categoria deíctica, como acima referimos, as relações temporais podem também ser interpretadas de acordo com a forma como uma situação descrita é perspectivada, isto é, o aspecto. Comrie (1976:1-2), “refere que o tempo localiza o momento da ocorrência de uma situação relativamente ao momento do discurso” Na óptica de Ngunga (2004:165), o aspecto “indica a maneira como os factos referidos pelo verbo acontecem num determinado tempo, sejam quais forem as divisões de tempo que a língua tiver”. Uma vez que o aspecto caracteriza a forma como os acontecimentos se dão no interior de uma unidade de tempo em termos de perfectivo vs imperfectivo, acaba estabelecendo uma conexão com o tempo. Segundo Fumo (2009), in Ngunga (2009:96), o perfectivo diz respeito a um facto referido como global, não marcados para nuances da constituição temporal interna, e estabelece relação com os predicadores de evento como pontual, inceptivo, conclusivo e cessativo. E o imperfectivo indica um acto referido como marca da sua constituição temporal interna e estabelece relação com os predicadores de processo como habitual, progressivo, frequentativo e iterativo.

Para Borregana (2003: 177) “ o aspecto verbal exprime o ponto de vista sob o qual o locutor vê o realizar da acção expressa pelo verbo”. Por exemplo, se o locutor diz eu como a macã, ele considera a acção não concluída; mas se o mesmo diz eu comi a maçã, concebe a acção como já acabada. Daí resulta a divisão do aspecto em perfectivo vs imperfectivo.

Nas línguas bantu, Nurse (2003), Fumo (2009) e Ngunga (2009:96), afirmam que “o aspecto aparece como o mais básico do que o tempo e é marcado no verbo”. E ainda recomendam que um bom método de

identificação do especto é examinar a morfologia do segundo verbo. Em relação ao tempo, as diferentes línguas dividem a linha do tempo diferentemente, resultado em diferentes números de tempos, e muitas línguas Bantu são conhecidas pelas suas múltiplas divisões de tempo. Depois de revisão da literatura e apresentação dos conceitos julgados pertinentes para a compreensão do presente artigo, a seguir, tem-se a metodologia usada na realização do trabalho.

2. Metodologia O presente artigo, quanto aos objectivos é uma pesquisa descritiva e quanto aos procedimentos técnicos é bibliográfico paralelamente estudo de campo. Nesta descreve-se os mecanismos morfológicos sobre tempo e aspecto em kimwani. De acordo com REGINALDO (2006:13) “pesquisa descritiva tem como objectivo primordial a descrição das características de determinadas populações ou fenômenos.” Uma de suas características está na utilização de técnicas padronizadas de colecta de dados, tais como o questionário e a observação sistemática; bibliográfica por ter sido desenvolvida com recurso a material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. GIL (2002).

Para a colecta e recolha de dados para o presente artigo, não só se apoiou em vários métodos e técnicas tais como: entrevista e inquérito, mas também o conhecimento da língua de estudo pelos autores foi crucial na análise e interpretação dos dados. Estudo de campo por procurar aprofundamento de uma realidade específica. Basicamente, foi realizada entrevista com informantes para captar as explicações e interpretações. Os dados obtidos pela entrevista foram recolhidos usando tolk boock (micro gravador) e transcritos para o papel, através dum programa informático denominado speech anelyse.

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3. Tempo e Aspecto em Mwani

3.1 O Tempo As marcas de tempo nas línguas bantu variam de uma língua para outra, porque os falantes das diferentes línguas transportam consigo marcas culturais variáveis, de acordo com a sua maneira de ser e de estar no mundo. Na língua Mwani, por exemplo, as diferentes marcas de tempo são representadas tanto a nível dos segmentos, assim como ao nível prosódico, isto é, usa-se o toma descendente e o tom baixo para marcar o passado afirmativo e os segmentos –ire- para o passado negativo; e o tom alto para marcar o futuro, e o presente não leva nenhum sinal gráfico, como se pode ver nos dados abaixo.

1. Passado a) Afirmativo

i. Nî- tul -a ‘ eu tinha guardado’ MS/TP Rad VF Ni- fyom- a ‘ eu li’ MS/TP Rad VF ii. Ti- won -a ‘ assistimos’ MS/TP Rad VF b) Negativo iii. Si- tur -ir-e ‘não guardei’ MN/MS Rad MT iv. Si- fyom- ir-e ‘não li’ MN/MS Rad MT v. a- ti won -ir-e ‘ não assistimos’

MN MS Rad MT

Os dados acima apresentados evidenciam que na língua Mwani a marcação do passado varia de acordo com a forma da frase, isto é, na forma afirmativa, realiza-se de uma forma e, na negativa, de outra. Em 1 a), nos pontos (i,ii e iii), nota-se que para marcar o passado afirmativo recorre-se a elementos supra-segmentais, que segundo Ngunga (2004:82),”elementos suprassegmentais ou prosódicos são todas as unidades linguísticas da cadeia falada que se encontram ‘acima’ dos segmentos. Ou seja, aquelas unidades que fazem

parte da melodia, e que podem abarcar mais de um segmento”. Dentre muito, para além da sílaba, destaca-se o tom pela sua influência nos tempos verbais em Mwani.

Na forma afirmativa, a nível dos segmentos não aparece nenhum morfema e não se trata de casos de mofema (Ø) zero. Segundo Ngunga e Faquir (2011:25) “todos os verbos em Kimwani têm tom que marca as diferentes formas verbais. O tom marca-se graficamente por acentos”. Em 1 a.i,ii e iii) verifica-se na forma afirmativa o morfema marcador do pretérito-mais-perfeito e o perfeito apresenta-se sempre no 1º tom alto. Os exemplos apresentados em 1. b) mostram que na forma negativa, a marca do tempo passado é ir-e e ocorre no final absoluto da forma verbal.

2. Presente

c) Afirmativo vi. Ni- tul -a ‘ eu guardo’ MS/MT Rad VF vii. Ni- fyom- a ‘ eu leio’ MS/MT Rad VF viii. Ti- won -a ‘ assistimos/vimos’ MS/MT Rad VF d) Negativo Si- tul- a ‘não guardo’ MN/MS Rad VF Si- fyom- a ‘não leio’ MN/MS Rad VF a- ti won - a ‘ não assistimos’ MN MS Rad VF

O presente não apresenta subdivisões, pois, de acordo com Ngunga (2004:163), “diferente do passado e do futuro, que parecem tempos firmes e porque se baseiam no espaço finito, o presente é basicamente aspectual. Este tempo é caracterizado por descrever fenómenos gerais, que aconteceram ou são feitos acontecer como hábito, ou susceptível de acontecer a qualquer momento dada a experiência do passado”.

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Os exemplos de (c) e (d) revelam que a marcação do tempo é a mesma na forma afirmativa e negativa. A marca do presente não se realiza morfologicamente, isto é, o presente é reconhecido pela ausência do tom alto na 1ª sílaba absoluta da frase. Assim, um falante de Kimwani reconhece, em Tiwona, que se trata da 3ª pessoa do plural do tempo presente do verbo ver ou assistir.

3. Futuro

e) Afirmativo Ní- tul -a ‘ eu hei-de guardar’

MS/MT Rad VF Ní- fyom- a ‘ eu hei-de ler’

MS/MT Rad VF

Tí- won -a ‘havemos de assistir/ver’ MS/MT Rad VF

f) Negativo

Si- ja-ku- tul- a ‘não hei-de guardar’ MN/MS MT Rad VF

Si- ja-ku- fyom- a ‘não hei-de ler’ MN/MS MT Rad VF

a- ti- ja-ku- won - a ‘ não havemos de assistimos/ver’

MN MS MT Rad VF

Os exemplos apresentados em (e) e (f) revelam que `a semelhança do que acontece no passado, a marcação do tempo é diferente na forma afirmativa e negativa. Os exemplos em (e) mostram que o futuro é marcado por um tom alto (´) colocado na sílaba inicial absoluta da frase por ser o lugar onde ocorre o 1º tom alto da forma verbal. Na forma negativa, os exemplos revelam que o futuro é marcado por (-ja-) e (-ku-) e co-ocorrem imediatamente depois da marca de negação, que coincide com a marca de sujeito, e antes do radical da forma verbal.

Ainda em relação ao tempo passado, em termos de ocorrência em algumas línguas Bantu, tal é o caso de

Cinyanja, subdivide-se em passado recente, médio e remoto ( Ngunga 2004:163). Os dados abaixo são do kimwani.

g) Iye k`afyoma rero “ ele estudou hoje Iye k`aminika rero “ele conduziu hoje” Iye k`alowa rero “ ele pescou hoje” Iye k`afwa rero “ ele morreu hoje” h) Iye k`afyoma ijana “ ele estudou ontem” Iye k`aminika ijana “ele conduziu ontem” Iye k`alowa ijana “ ele pescou ontem” Iye k`afwa ijana “ ele morreu ontem” i) Iye k`afyoma pakiwa kisimana “ ele estudou quando era criança” Iye k`aminika pakiwa kisimana “ ele conduziu quando era criança” Iye k`alowa pakiwa kisimana “ ele pescou quando era criança” Iye k`afwa pakiwa kisimana “ ele morreu quando era criança” J) Iye kâfyoma pafikire wawaye “ ele tinha estudado quando o pai chegou” Iye kâminika pafikire wawaye “ ele tinha conduzido quando o pai chegou” Iye kâlowa pafikire wawaye “ ele tinha pescado quando o pai chegou” Iye kâfwa pafikire wawaye “ele tinha morrido quando o pai chegou”

Os exemplos acima mostram que as acções descritas em (g) tiveram lugar no passado recente em relação `aquelas que são descritas em (h). E, por sua vez, as descritas em (h) tiveram lugar num passado também menos distante relativamente `as descritas em (i), que se localizam no passado remoto, tendo em conta o momento de enunciação.

Observamos ainda que nos mesmos exemplos em (g e h, i), a distinção entre o passado recente e o passado remoto não é necessariamente marcada por morfemas, mas por outros elementos frásicos, associados ao verbo, tais como: rero, ijana, pakiwa kisimana,’(hoje, ontem, quando era criança) respectivamente.

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3.2. O aspecto em Kimwani

Referimo-nos anteriormente que o tempo ‘é uma categoria deíctica que inclui acções, eventos, processos e actividades e que mantém uma relação com o aspecto. Aliás, Macalane (1993) afirma que embora o tempo e aspecto sejam categorias gramaticais com propriedades distintas, as diferenças entre elas não devem levar-nos a considerá-las autónomas. Não obstante, o tempo relata uma situação tendo em conta o ponto ou intervalo entre muitos pontos dentro da mesma linha, e o aspecto descreve a situação tendo em conta a sua constituição temporal interna.

Verkuyi (1972,1989,1993) apud Macalane (2004: 2346) explica que

a característica fundamental da classificação das eventualidades é sua natureza composicional, razão por que se designa de CAT (composicional Aspectual Teory). Com efeito. Os Estados, Processos e Eventos resultam da interacção entre a informação semântica do verbo e a informação semântica expressa pelos seus argumentos (SNs).

3.2.1. O Aspecto perfectivo vs imperfectivo e estratégias de marcação

3.2.1.1. O Aspecto perfectivo

Descreve situações encaradas do ponto de vista

da sua constituição externa.

46 Algumas tendências de Variação Paramétrica do Aspecto no Português de Moçambique: sua relação com o Português Europeu e as Línguas Bantu. (Dissertação do Mestrado).

l). Nfalume k`a- lomb- a ijana

‘O chefe casou ontem’

MS/TP Rad VF

ii. Nfalume k`a low a ijuzi ‘ O Chefe pescou antes de ontem’

MS/TP Rad VF

iii. Nfalume k`a- n- tuwis- a mwanlimu rero ‘ O chefe expulsou o professor hoje.

MS/TP MO Rad VF

Os eventos dos exemplos em (l) mostram que o aspecto perfectivo é marcado pelo tom baixo, isto é, coincidi com a marca do tempo passado.

3.2.1.2. O perfectivo e suas nuances Valor Conclusivo/Cessativo

m). Iye k`esa kulowa “ele acabou de pescar” Iye k`esa kowa “ ele acabou de tomar banho” Iye k`asa kujenga “ ele deixou de construir Iye k`asa kunywa “ ele deixou de beber”

Valor Inceptivo

n). Iye k`anza kujenga “ ele começou a construir” Iye k`anza kunywa “ ele começou a beber”

Valor pontual

o). Iye k`afwa “ ele morreu” Iye k`apongola “ ele nasceu”

Como se pode notar, em Mwani o conclusivo(m) e o inceptivo (n) são marcados por expressões auxiliares ao verbo “kesa”,( acabar de), “kasa”(deixar de), “kanza” (começar a) e o pontual é marcado pela semântica do próprio verbo uma vez que a situação pontual se associa a uma visão imperfectiva, e exprime um processo por iteração. O Aspecto imperfectivo descreve um estado de coisas tendo como referência parte da sua

Em (j) as acções descritas em “Iye kâfyoma”( ele tinha estudado) descrevem acções que ocorrem num passado mais distante e o material que marca essa distinção é a presença do sinal (^) marcado na 1ª sílaba do verbo onde ocorre também o 1º tom alto. A seguir analisaremos a estruturação interna das situações que recebe a designação de Aspecto.

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constituição interna. E caracteriza-se pela descrição de situações que se estendem por um período extenso e ocorre em diferentes tempos (presente, passado e futuro). Neste estudo, faz-se referência somente ao passado, vejamos os exemplos em (p).

p) i. Iye a- ki – won- a ‘ele via’

MS MT/Masp/hab Rad VF

ii. Iye a- ki- vyal- a ‘ele semeava’

MS MT/ Masp/hab Rad VF

iii. Iye a- ki- swal- i ‘ele rezava’

MS MT/Masp/hab Rad VF

O imperfectivo em Mwani é marcado pelo morfema -ki- que ocorre entre a marca do sujeito e o radical, tal como mostra os exemplos em p.

3.2.1.2. Nuances do imperfectivo

q).Valor Habitual/Frequentativo Iye akifyomanga “ ele costumava estudar” Iye akiminikanga “ ele costumava a conduzir” Iye akilow ang a ‘ele costumava pescar” Iye akiswalingi “ele costumava rezar”

r) .Progressivo Narero a ki fyoma “ainda estava a estudar” Narero akirya “ainda estava a comer”

s) Iterativo Iye akitupatupa “ ele saltitava” Iye akisemasema “ele andava a informar”

Os exemplos em (q) permitem dizer que, em Mwani, o aspecto habitual/frequentativo é marcado por ( –ang-/ing-) A ocorrência da vogal inicial do morfema marcador do imperfectivo depende da

vogal final do radical. O progressivo (r) é

marcado pela expressão auxiliar ao verbo tal ‘e o caso de “narero” (ainda), e por último o iterativo (s) o aspecto é marcado por uma reduplicação total do radical.

4. Conclusão A estratégia de marcação do valor aspectual em línguas Bantu, em geral, e em Kimwani, em particular, requer a aplicação de estratégias de sufixação de morfemas, o recurso de léxicos auxiliares a forma verbal e recurso ao tom. O estudo, descreveu e identificou os elementos marcadores de tempo passado e aspecto. Concluindo, importa reter o seguinte:

Todos os verbos em Kimwani têm tom que marca as diferentes formas verbais. O tom marca-se graficamente por acentos. Na forma afirmativa o morfema marcador do pretérito mais-que-perfeito e o perfeito é o tom descendente (ˆ), e (`) tom baixo respectivamente e coincidi sempre com a marca do sujeito. E na forma negativa, a marca do tempo passado é ir-e e ocorre no final absoluto da forma verbal.

No presente, a marcação do tempo na forma afirmativa coincide com a da negativa. A marca do presente não se realiza materialmente, isto é, o presente é reconhecido pela ausência dos tons baixo e alto na 1ª sílaba absoluta da forma verbal.

A marca do futuro é o tom alto (´) colocado materialmente na sílaba inicial absoluta da frase. Na forma negativa, as marcas do futuro são os morfemas (-ja-) e (-ku-) e co-ocorrem imediatamente depois da marca de negação que coincide com a marca de sujeito e antes do radical da forma verbal.

O passado recente e o remoto em Mwani é expresso por expressões auxiliares ao verbo, tais como: rero, ijana, pakiwa kisimana, (hoje, ontem, quando era criança) respectivamente.

O perfectivo é marcado pelo tom baixo e coincidi com a marca do tempo passado.

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O conclusivo e o inceptivo são marcados por expressões auxiliares ao verbo “kesa”, (acabar de), “kasa” (deixar de), “kanza” (começar a) e o pontual é marcado pela semântica do próprio verbo uma vez que mesmo ocorrendo na forma imperfectiva indica uma acção pontual

O imperfectivo em Mwani é marcado pelo morfema –ki- que ocorre entre a marca do sujeito e o radical.

O aspecto habitual/frequentativo em Mwani é marcado por ( –ang-/ing-).

O progressivo é marcado do pela expressão auxiliar ao verbo tal ‘e o caso de “narero” (ainda), e o iterativo é marcado pela reduplicação total do radical.

5. Referências Borregana A. Gramatica elementar da

língua Portuguesa Lisboa. Escolar editor. 2003. Cunha, C e Cintra, LF.L. Nova Gramática do

Português Contemporâneo. Lisboa. Edições João Sá Costa. 1999.

Comrie. Aspect: an introduction to the study of verbal aspect and related problems. Cambridge University Press. 1985.

Faria at al. Introdução a Linguística Geral e Portuguesa. Caminho. Editorial Caminho. 2ª Edição. Lisboa, 1996.

Fumo,P. 2009. Tempo e aspecto em Xirhonga.( in Ngunga, A. 2009).

Macalane, G. Tempo e Aspecto em Cinyanja.

Instituto superior Pedagógico. Maputo. (Tese de Licenciatura) 1993.

__________,Algumas Tendências de Variação Paramétrica do Aspecto no Português de Moçambique: Sua Relação com o português Europeu e as línguas Bantu. Faculdade de Letras na Universidade do Porto, Porto. 2004.(dissertação do mestrado)

Mateus, M.H.M. Gramática da Língua Portuguesa. Lisboa.Caminho. 1994

Muando, H. P. Tempo e Aspecto em Cisthwa. Universidade Eduardo Mondlane. Maputo (Dissertação de Mestrado não Publicada). 2011.

NELIMO. I seminário de padronização da Ortografia de Línguas Moçambicanas. UEM-Maputo, 1986.

Ngunga, A. introdução `a Linguística Bantu. Imprensa Universitária. Universidade Eduardo Mondlane. Maputo2004.

Ngunga,A. Lexicografia e Descrição de línguas Bantu. CEA-UEM-Maputo, 2009.

Ngunga,A & Faquir,G.O. Padronização da Ortografia de Línguas Moçambicanas: relatório do III Seminário. CEA-UEM. Maputo, 2011.

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