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202 r-------------t. l declaração l : (statement) : ... J a ) particular estado- de-coisas · R:!CHARD L. KIRKHAM Figura:4.1 é feita por é um membro de sentença descreve --. . cotsas Teoria da declaração verdadeira de Austin 5A TEORIA SEMÂNTICA DEL\.LFREDTARSKI 5.1 OS OBJETIVOS DE TARSKI Alfred Tarski, 1902-1983, um dos grandes lógico-matemá- ticos do século XX, escreveu artigos de grande importância para a ma- temática antes dos seus vinte e dois anos, e por volta dos seus vinte e oito, inventou a primeira semântica formal para a lógica dos predica- dos quantificados, a lógica de todos os raciocínios inatemáticoÍ>. 1 O co- ração dessa.granderealização é a sua teoria da verdade. Ela foi cha- madade teoria semântica da verdade, mas Tarskinunca usa esse rótu- lo, preferindo usar a expressão "concepção semântica da verdade", a fim denominar o que ele acredita. ser a concepção da verdade que é a essência da teoria .da correspondência (Tarski, 1933; J53; Tarski, 1969, 63). Assim, conforme su,a própria maneira de ver as coisas, ele é um teórico da correspondência, Devo discutir na seção 5,8 seTarski está correto.em pensar que sua teoria é wna teoria da correspondên- cia. Enquanto isso, .devo seguir a prática habitual e denominá-la de teoria semântica ·da verdade. Ele chama a de conceito semântico porque ela pode ser definida em termos de outros conceitos semânticos, especialinen_. te, do conceito desatisfação (a respeito do qual falaremos adiante). Conceitos semânticos, como satisfação, definição e designação, lidam com relações entre expressões e objetos (Tarski, 1944, 17). De fato, V.m dos principais objetivos de Tarski em analisar a verdade era tomar se- 1 Ver a nota do editor,Tarski, 1933, p. 277.

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202

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R:!CHARD L. KIRKHAM

Figura:4.1

é feita por

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sentença

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cotsas

Teoria da declaração verdadeira de Austin

5A TEORIA SEMÂNTICA DEL\.LFREDTARSKI

5.1 OS OBJETIVOS DE TARSKI

Alfred Tarski, 1902-1983, um dos grandes lógico-matemá­ticos do século XX, escreveu artigos de grande importância para a ma­temática antes dos seus vinte e dois anos, e por volta dos seus vinte e oito, inventou a primeira semântica formal para a lógica dos predica­dos quantificados, a lógica de todos os raciocínios inatemáticoÍ>.1 O co­ração dessa.granderealização é a sua teoria da verdade. Ela foi cha­madade teoria semântica da verdade, mas Tarskinunca usa esse rótu­lo, preferindo usar a expressão "concepção semântica da verdade", a fim dé denominar o que ele acredita. ser a concepção da verdade que é a essência da teoria .da correspondência (Tarski, 1933; J53; Tarski, 1969, 63). Assim, conforme su,a própria maneira de ver as coisas, ele é um teórico da correspondência, Devo discutir na seção 5,8 seTarski está correto.em pensar que sua teoria é wna teoria da correspondên­cia. Enquanto isso, .devo seguir a prática habitual e denominá-la de teoria semântica ·da verdade.

Ele chama a verd~cle de conceito semântico porque ela pode ser definida em termos de outros conceitos semânticos, especialinen_. te, do conceito desatisfação (a respeito do qual falaremos adiante). Conceitos semânticos, como satisfação, definição e designação, lidam com relações entre expressões e objetos (Tarski, 1944, 17). De fato, V.m dos principais objetivos de Tarski em analisar a verdade era tomar se-

1 Ver a nota lústóri~a do editor,Tarski, 1933, p. 277.

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204 RrCHARD L. KIRKHAM

guras as fundações do que ele chamava de "semântica científica" .2 Ele quis, em outras palavras, estabelecer o· estudo da sem~tica · como uma disciplina respeitável cientificàmente (Tarski, 1944, 36). Para al­cançar seu intento ele precisou, ou pelo menos imaginou precisar, for:­necer uma garantiade que a disciplina dâ semântica não pressupunha a: existência de nenhuma entidade abstrata cuja existência já não esti­vesse pressuposta pela ciência da física. A escola filosófica Positivis­mo Lógico, que estava em seu apogeu no período (final dos anos 1920), desqualificava a maioria das .entidades abstratas como sendo, no melhor dos casos, postulações inúteis, ou, no pior, objetos miste­riosos e "metafísicos", cuja crença é em nada. mais intelectualmente respeitávelque a crença em fantasmas e duendes. Sob a influência dessa escola, Tarski abraçou a doutrina dofisicalismo (1944, Secç. 21, passim; 1936, 4Q6). O fisicalismo pode ser definido de forma mais tosca como a crença de que todos os conceitos intelectJialmente respeitáveis podem s~i' definidos, no final das contas e exaustivamente, em termos dos conceitosda lógica, da matemática e dafísica. '(Dou uma explica­ção mais detalhada dofisicalismo nas seções 6.6 a 6.8.) Assim, para as~ segurar q~e a semântica conforme-se aos ditames do fisicalismo, Tars~ ki .precisou reduzir todos os conceitos. semânticos a conceitos físicos ou lógiço-matemáticos. Sua estratégia era definir todos os conceitos semânticos, exceto satisfação, em termos de verdade. A verdade era então definida em termos . de satisfação,' e/ finalmente, satisfação era definida somente em termos de conceitos físicos e lógico-matemáticos (Tarski; 1933, l53, 194). (Explico o conceito de satisfação na seção 5.4:) Essa estratégia, se bem-sucedida, também permite. o alcance de dois

· outros objetivos de Tarski. Nenhum tel1ll.O semântico precisa ser to­mado como primitivo (i. e.;não definido), e OS. termos. semânticos não precisam ser circularmente definidos, uns pelos outros.

Tarski também queria que sua teoria da verdade mostrasse como a estrutUra gramatical de uma sentença afeta seu valor de ver­dade. Leitores que têm familiaridade com a lógic-a proposicional vão

. .· . . . 2 Ver Tarski, 1944, 22c23, e Tarski, 1936, especialmente 406-407. Etchemendy (1988, 51-53) diz qu,e Tarski não estava interessado no programa de fundamentação da semântica, mas as passagens de Tarski aqui citadas, especialmente o título do se­. gundo desses artigos ("O Estabelecimento da Semântica Científica"), não deix;u:n muito .espaço para dúvidas. ·

1 ··• L

. A TEORIA SEMÂNTICA DE ALFRED TARSKI 205

se dar conta de que as tabelas de verdade são um tipo de definição gráfica ·(mcompleta) da verdade que realiza justamente essa tarefa com relação às sentenças compostas da lógica.3 Antes. de Tarski nin­guém tinha conseguido efetivamente fazer isso para a lógica dos pre­dicados quantificados, assim ele assumiu essa tarefa como um de seus objetivos. Esse programa lógico é chamado hoje em dia freqüente­mente de teoria dos modelos, e assim podemos dizer que o segundo programa de Tarski, além do fisicalismo, era criar uma teoria dos mo-delos para a lógica dos predicados quantificados. ·

Na seção 2.1, vimos um programa filosófico mais amplo que poderia ser beneficiado po-r uma resposta ao projeto metafísico. Trata-se do programa epistemológico de avaliação de teorias da justi­ficação concorrentes. Agora, àcabamos de ser introduzidos a dois ou­tros programas filosóficÓs a serviço dos quais Tarski deseja utilizar uma resposta ao projeto metafísicp (especificamente, como eu o inter­preto, ao projeto extensional): fiskalismo e teoria dos modelos. Cada um desses programas estabelece critérios especiais de adequação para as respostas ao projeto metafísico além da exigência geral de que qualquer resposta a esse projeto deve descrever de forma precisa a ex­tensão de "é verd,adeiro". Oprograma epistemológico, como vimos, exige que consideremos crenças como portadóres de verdade (émbo• ra não necessariamente como o único tipo de pottador de verdade). Co:ino veremos brevemente, o programa fisicalista efetivamente exige que a teoria da verdade faça .como que um desvio pelo conceito de sa­tisfação, e o programa da teoriâ dos modelos efetivamente exige o uso de uma técnica de definição chamada recursão (descrita na seção 5.3). Dessa forma, o que conta como uma resposta" correta" ao projeto ex­tensional dependerá do contexto filosófico. Uma teoria que serve per­feitamente bem para um progràma pode deixar de satisfazer o critério especial de adequação de outro programa. Deve-se ter em mente que não é necessário que qualquer resposta ao projeto extensional seja útil para todos esses programas. Em princípio, não deveria ser motivo de objeção seTarski"tivesse criado duas definições extensionais diferen­tes de verdade, uma para cada um dos seus programas mais amplos. É presumível que ele gostaria que essas duas definições fossem con-

3 As tabelas de verdade são uma definição incompleta porque elas não dão urna explicação da verdade para as sentenças atômicas.

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206 R!CHARD L. KJRKHAM

sistentes urna com a outra, mas corno as duas teorias-seriam extensio­nais, a consistência entre elas exigiria somente que ó que aparece no lado direito do sÍiílbolo "="em urna das definições fosse extensional­rnente equivalente ao que aparece no lado direito do sÍrtl.bolo "=" na outra. Na linguagem técnica, o definiens (literalmente~ a "parte defini­dora", a parte dolado direito do sÍiílbolo "=") de urna das duas defini­ções deve ser extensionalm.ente equivalente ao definiens da outra.

Tarski teve pelo menos dois outros objetivos para sua teo­ria. Ernyrimeiro lugàr, ele quis ql).e ela fosse Uriune a l.~ma refutação por melo do Paradoxo do :Mentiroso.· Esse paradoxo e o método pro­posto por Tarski para evitá-lo são discutidos nas seções 9.l e 9.3. Os detalhes da sua teoria :relevantes em primeiro lugar p~ra sua solução do parad~xo nã6 se~ão mencionados neste capítulo. Em segundo lu­gar, Tarski quer urna teoria que satisfaça o que ele Gham.a de condição de adequação material. Terei rnuitQ a dizer sobre essa condição mais adiante !).este caprtulo e na seção 6.l, mas urna breve caracterização dela é possível aqui. A condição assevera simplesmente que qualquer boa t~oriada verdade tem de implicar todas as sentenÇas doseguinte padrao: · ·. . · ·

"a parede é vermelha" é verdadeira= a parede é vermelha

"a neve é escorregadia" é verdadeira= a neve é escorrega­dia

"B~b correu pelo trajeto" é verdadeira = Bob correu pelo traJeto . . .

, a grama é vermelha" ê verdadeira = a grama _é vennelha ..

Para toda sentença da linguagem cuja verdade está sendo explicada, existe urna equivalência ·na qual a sentença é mencionada do lado esquerdo e utilizada do lado direito. É bastante fácil formular o padrão de todas 'essas equivalências, e Tarski o f,az com urna fórmu­la que tem sido chamada tanto de "forma T" corno de "esquema T" e "convenção T": · " .

X é verdadeira se, e somente se, p :_

A TEORIA S!iMÂNTICA. DE AI.FRED T ARSi<I 207

Devemos chamar qualquer equivalência desse tipo (com "p" podendo ser substituído porqualquer sentença dalin­. guagern à qual a palavra ''verdadeira" se refere, e "X" pü'" dertdo ser substituído pelo nome dessa sentença) Unia iÍ equivalência' da forma (1)". 4

. . Não é difícil ver por que Tarski pensou que úrna condição · J;lúnirna ·para. qualquer teoria adequada da verdade é que ela: tenha · ~orno conseqüência todas as sentenças-T (i.e.; sentenças que instanciam. · f1 co]:'lvençªÇ> T): as stmt<mÇê\S"'T são obvja,ll'l.!mtl:! vercléld..eiJ:as (l:le tiver;. mos em mente que a eqUivalência asseveradêi por urna s;entença-T é ex- · tensional e não intensional), assim qualquert~o:ria que seja incornpatí.-. vel com elas seria falsa~ (A esse respeito, note-se que se pode aceitar as . sentenças-T insisljndo.,se em que a sentença do lado direito do sÍrtl.bolo fi=" expresse um estado de coisas dependente da mente.) .Mas urna teo­ria da verdade pode ser bastante implausível e ainda assirnser co~pa­tj:velcom as sentenças.,. T (ver seção 6.1). Por causa disso, a condição de ·adequação material de Tarski (a partir daqui, CAM) exige que uina teo- · .ria dá verdade real.J.nente implique as sentenças-T. . Urna questão controversa da exegese de Tarski diz respei.,.

. to à sua atitude com relação a outras teorias (ou, corno ele diria, outras concepções) da verdade. Alguns intérpretes atribuíram a Tarski a po­sição bastante tolerante de que a sua é somente urna das muitas con­cepções sobre a verdade e de que outras concepções (p. ex., coerentis­ta, .pragrnatista) não estão necessariamertte erradas, são apenas dife­rentes. Outros pehsimun queTarski queria rejeitar outras concepções de verdade ~corno completamente equivocadas. Infelizmente/ a . e vi-. sJ.ência textual é ambígua. Ele nunca se pronuncia bem explicitamente a respeito da correção ou incorreção de outi·as; teorias. Há' :momentos · em que ele parece adotar urna atitude tolerante, corno ele o Úz na pas­.sagern bastante generosa em que ele adrhite que, se pudés;semos criar nomes diferentes para os conceitos definidos pelas diferentes concep-

4. Tarski, 1944, 16. A expressão modificadora "a quala palavra 'verdadeira' se ref~­re" não pertence, nas condições de instanciação, ao"p" do esquema. O ''p'~ pode de fato ser substituído por qualquer sentença da linguagem. Em outras apresenta­ções do esquema T, Tarski não comete este engano. Ver Tarski, 1933, 155-1.56, e Tarski, 1936,404. · . · ·

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208 RlCHARDL.~

ções, ele não se importaria que "verdadeiro" fosse atribUído a alguma · outra concepção e "ferdadeiro" fosse atribuído à sua (Tarski, 1944, •27.:.28). E houve um momento em que ele explicitamente negou que estivesse .. tentando apreender o sentido comum de. "verdadeiro" -(Tarski, 1933, 153). Mas ele se tornou mais audacioso com o passar dos anos e estava então preparado para fazer exatamente essa alegação e re)eitar as outras teorias por falharem ao tentar apreender o sentido 'ordinário da verdade.5 É digno de nota que além de considerar que a concepção semâÍltica fosse a melhor concepção para a lógica, a mate­mática, a semântica e o fisicalisino, Tarski também recoinendava sua teoria para os epistemólogos (1933, 267). É diJícil, assim, ver que valor remanescente ele poderia ter visto nas outras concepções.

5.2 A TEORIA DE TARSKI

' . ·- . : .

Tarski diz que "verdadeiro'' expressa uma propriedade ou nomeia uma dasse de sentenças, então, são sentenças que ele toma como portadores de verdade.6 O que precisamos é de uma fórmula da seguinte Íorma: ·

(s) (s é verdadeira=-· ._)

na qual\s refere-se·a todas as sentenças.V:ou começar o exam~- dateo- : ria de Tarski imaginando como ela se aplicaria a uma linguagemt:nui­to simples, com um número finito de sentenças. Digamos que · a lin.: guagem tem apenas as cinco sentençassegp~tes e que ela não fol'Ilece ~ nenhuma maneira de se produzir quaisquer novas sentenças: · ·

5 6

Tarski, 1969, 63-64. Comparar com Mates,l97 4, 386. Tarski, 1944, 14, 17. Na seção 2.3, eu fiz uma distinção entre tipos de sentenças e ocorrênciaS·,de sentenças. Tarski foi inconsistente com relação a tom,;~r_ocorrên­cias ou tipos de sentenças como portadores de verdade. Originalmente, ele consi- . derou os tipos -de sentenças como portadores de verdade (1933, 156 n. 1). Mas

. mais tarde ele rej~itou os tipos em favor das ocorrências cie sentenças (1969, 63, 6,8). . . . ..

A TEO~ SEMÂNTICA DE ALFRED TARSKI 209

A mesa é redonda. -

O tap~te é roxo.

John ama Mary.

Bob é um palerma.

Napoleão está vivo.

Então, queremos uma teoria que implique ~odas as senten­ças-T seguintes:

"A mesa é redonda" é verdadeira = a mesa é redonda

"O tapete é roxo" é verdadeira= o tapete é roxo

"John ama Mary" é verdadeira = John ama Mary

"Bob é m:t palerma" é verdadeira = Bob é um palerma

"Napoleão está vivo" é verdadeira= Napoleão está vivo

Uma teoria, se podemos chamá-la assim, que satisfizesse a . condição anterior é uma conjunção de todas as sent~ças-T. Tarski re­conhece esse fato ao dizer que _ cada tuna dessas sentenças-T é uma "definição parcial" de verdade,e uma· definição completa seria uma "conjunção lógica" ou um "produto lógico11 de todas elas (1944, 16; 1933, 187)~ Por "conjunção lógica" Tarski tem em mente algo logica­mente equivalente a uma conjunção das sentenças-T. A conjunção se­guinte é exatamente esse tipo de conjunção lógica:

. -~[~é v~rdadeira :;::ou (s = "A mesa é redonda" e a mesa é redonda) _ ·

ou (s = "O tapete é roxo" e o tapete é roxo) ou (s = "John ama Mary" e John ama Mary) ou (s = "Bob é uin palerma" e Bob é um palerma)

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210 RrcHARD L. KIRKHAM

ou (s ="Napoleão está vivo" e Napoleão está vivo)Y

A análise extensional anterior de "é verdadeiro" é comple­tamente satisfatória, do ponto de vista de Tarski (assumindo-se que termos como "palerma" e "vivo" possam ser reduzidos a termos físi­cos), para a linguagem simplificada em questão. Todos os outros ter­mos semânticos podem agora ser definidos em termos de verdade, e não há necessidade, para essa simples linguagem, de usarmos o con­ceito de satisfação.

5.3 RECURSÃO

Mas a definição só funciona porque a linguagem em ques­tão tem um número finito de sentenças. Se ela tivesse um número infi­nito, a definição de verdade teda de ser infinitéllilente longa,o que é impossível (Tarski, 1933,188). Assim, imaginemos agora uma lingua­gem com um número infinito de sentenças. Ela inclui todas as cinco sentenças da linguagem anterior, mas ela também tem os operadores.

fun - d. d d " - " I'/ -, 11 . , 11 . t-- ,, . . . - . de çoes e ver a e nao , e , ou e se .. : en ao , com os quaiS novas sentenças podem ser construídas a partir das antigas. Assim, a linguagem possui entre suas sen.-tenças as seguintes:

A mesa não é redonda.

Se o tapete é roxo, então Bobé um palerma.

Johrt ama Mary, e Napoleão está vivo.

· O tapete é roxo, ou John ama Mary e Napoleão está vivo.

John ama Mary; e o tapete é roxo, ou John ama Mary e Na­poleão está vivo.

7 Tarski, 1969, 65; Tarski, 1933,188.

A TEORIA SEMÂNTICA DE ALFRED TARSKI 211

Note-se que, na últitl:ta dessas sentenças, "John ama Mary" aparece como uma cláusula mais de uma vez, e o operador''e"'apare­cemais de uma vez. Não há limite para quàntas vezes uma dada sen­

.·tença atômica pode aparecer como uma cláusula de_uma:sentença ·.maior, e não há limite para quantas vezes um• dado operador pode ser aplicado para se construir uma sentença ainda maior. Por causa disso, a linguagem contém Um. número infinito de sentenças. Obviamente,

··então,_a.definiçãode verdade não pode-ter uma cláusula separada para cada sentença na linguagem.

Como então definimos verdade para uma linguagem como essa?Aresposta deTarski é que devemos utilizar uma técnica chamada<" definição recursiva"(1969, 68-69; 1933, 189}. A técnica é usada para criar uma análise extensional de termos cuja extensão (o conjurtto de coisas às quais o termo se aplica)é infinita. O conjunto no qual estamos interessados é o conjunto de todas·as sentenças verda­deiras da linguagem, mas primeiroVéllilOS praticar a técnica recursiva

. com os termos "segmento de trem" e "trem". Vou começar co:nl a se­·••guintedefiniçãorecursiva de segmento de trem:

(g) (g é umsegmeri.to de trem = g é uma locomotiva ou g é um carro-restaurante,

ou g é um vagão de carga ou g é um carro-dorri:útório, ou g é um vagão simples de passageiros, ou a e b sãO segmentos de trem

eg é â engatado a b)

A ptimeira coisa que se deve notar a respeito dessa defini­são é que ela é disjuntiva.Issoacontece porque os segmentos de trem são de diferentes tamànhos e são feitos de tipos diferentes de carros

· ferroviários. Mas note-seque não precisamos ter uma cláusula disjun­.. tiva separada na definição para cada segmento de trem que existiu ou · vai existir. Em vez disso, temos uma cláusula para cada um dos tipos

mais básicos dé segmentos de trem., aqueles que são constituídos ape­nas de um carro. Se existisse apenas um .tipo de carro ferroviário, pre­cisaríamos somente de Ulll.a cláusula básica dizendo "g é um carro fer­roviário". Mas como há diferentes tipos de segmentos de trem com um sÕ carro, precisaremos de uma cláusula disjuntiva para cada um. A última cláusula na definiÇão simplesmente diz que qualquer engate ,de segmentos de trem é também um segmento de trem. Assim, se a é

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212 R!CHARD L. KIRKHAM

um carro-dormitório e b é um carro-restaurante, então a engatado a b é .. um s~gmento de trem. E se c é um vagão de carga~ então c engatado ao ' segmento ab é .m:n segmento de trem com três carros.· Se de é um seg-

. mento de dois carros, então de engatado com abc é um segmento de ·.· .. , ·trem com cinco carros. Assim; a última cláusula da definição reún.e ao •·

conjunto de segmentos de trem todos o~ outros segmentos que existem além dos cinco tipos de segmentos básicos; A definição também asse­gura que somente um segmento de um ou mais carros ferroviários · contará .como um segmento de trem. Somo~ assegurados.disso por­que. Os~bolo "=" é traduzido como "se esomente ~e". Um outro ponto import~te da definição é que o termoque está sendo definido, "seg­mento de trem", recorre (i.e., aparece mais. de uma vez) na última cláu­sula da definição. A definição, contudo, não é Viciosamente circular .. . . . - - I porque as .cláusulas anteriores estabelecem a referência aos segmen-tos de trem que aparecem na última cláusula. Com isso, quero dizer que se poderia usar com sucesso a definição para se determinar, para qualquer objeto no mundo, se ele é ou não um segmento de trem. Se o objeto não ·se . constitui de partes engatadas, então.simplesmente se confere para ver se ele é um ou outro dos cinco tipos de carros ferro­viários: Se ele for de um desses tipos ele é um segmento de trem; se ele nãofo,r, então ele não é um segmento de trem. Suponhamos que o ob­jeto consista de duasou mais partes enga~adas. Então devemós divi-

.· di-lo mentalmente em duas seções a partir de.um'de seus engates. De­pois devemos examinar cada uma das seções seguindo a mesma recei" ta. Se alguma das seções for constituída por duas.ou mais partes enga­tadas, então devemos dividi-la mentalmente em duas subseções. Não importa quantas partes elementares tenha o objeto originalmente, po- • deremos subseqüentemente examinar cada parte elementar para ver ·• se ela é 0\.1 não um carro f~rroviário. Se. todas as partes elementares fo­rem ~.arros ferroviários, o objeto é um segmento de trem. Se. algtlffia delas não o for, o objeto não é um segmento de trem.8

, .• · • . •• . ·.

Agora, vamos·definir "trem'' recursivamente. Começamos com a fórmula·

8 , Há . uma maneira de transformar uma definição recursiva numa definição qu~ nem sequer dá a impressão· de circularidade, mas ela envolve técnicas formais possivelmente não familiares para a maioria do público a que se dirige este livro. · ·

A TEORIA SEMÂNTICA DE ALFRED TARSKI 213

(t) (téum trem= __ ). .

A parte. m.ais difícil é preencher a lacuna. A primeira cláu" sula. deve d:finir o tipo mais básico de trem, que é apenas uma loco~ motiva. Assrm, ·

(t) (t é um trem= t é uma locomotiva, ou_. __ ).

Todos os outros trens podem ser constrUídos engatando-se segmentos de trema:rás de locomotivas ou outros trens. Assim, preci­samos apenas de ma1s uma cláusula ein nossa definição.

(t) (t é um trem a t € uma locomotiva, ou a é um segmento de trem e b é um trem e t é a engatado atrás de b)

Mais uma vez chamo atenção para os aspectos característi­cos de uma definição recursiva: uma ou mais Cláusulas definem.não circularmente os membros mâis básicos do conjunto que está sendo definido, seguidas de uma ou mais cláusulas recursivas definindo como os outroos ~~mbros do conjunto são construídos a partir dos memb~os mais bas1cos. Em ambos os exemplos çiaqos~· havia apenas uma clausula. recursiva. Nem sempre é assim. Se houvêr mais de uma maneira de se construir membros não-básicos, terá de haver uma cláusula recursiva sepa;rada para cada método. Considere-se a se- . guinte definição, com suas três cláusulas recursivas:

(x) (x é da família de J ohn Doe = x é J ohn Doe, ou a é da família dê Doe ·

e x é casado com a ou a é da família de Doe

e x é nascido de a 0\.1 a é da família de Doe

ex foi adotado por a).

O métOdo recursivo funciona sempre que houver números finitos de tipos de membros básicos do conjunto em questão e soinen-

' .

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214 R!CHARD L. KIRKHAM

te um númerq finito de modos por meio dos quais membros não-bási­cos possam ser construídos ou adicionados.

Arltes de seguirmos adiante, encorajo o leitor a testar a sua compreensão. da técnica recursiva definindo o conjunto de galhos de árvores. Pista: os galhos básicos crescem diretamente do tronco da ár­vore, enquanto os outros galhos crescem dos galhos.

Retomando ao problema de se definir a verdade para uma linguagem com um número infinito de sentenças, chamo atenção pri­meiro para que há cinco sentenças atômicas e quatro maneiras para se construir sentenças a partir delas: negação, disjunção, conjunção e im­plicação. Devemos nos lembrar que "não p" é verdadeiro sempre que p for falso, que "p ou q" é verdadeiro se ou for verdadeiro que p ou for verdadeiro que q, que "p e q" é verdadeiro sempre queambos p e q fo­rem verdadeiros, e que "se p, então q" é verdadeiro se ou for falso que p ou for verdadeii:o que q. Dessa forma, a definição recursiva da ver-

. , dade é a seguinte:

(s}[s é verdadeiro= ou (s = "A mesa é redonda" . e a mesa é redonda)

ou (s = "O tapete é roxo" e o tapete é roxo)

ou (s = "John ama Mary" e Johh ama Mary)

ou (s = "Bob é um palerma" e Bol::i é um palerma)

ou (s:::: "Napoleão está vivo" e Napoleão está vivo)

ou(s ="não p" e não é verdadeiro que p)

ou (s = "p ou 1(' . e ou é verdadeiro que p ou é verdadeiro que

queq)]

il

A TEORIA SEMÂNTICA DE ALFRED TARSKI 215

Essa definição também atende à condição de adequação material, porque ela tem como conseqüência todas as sêritenças-T da linguagem. Considere-se, por exemplo, a sentença

(1) "Bob ama Mary', ou a mesa é redonda e atapete é roxo".

A definiÇão nos diz que essa sentença é verdadeira se e so­.menteseou

(2) "Bob ama Mary" é verdadeira,

ou

(3) "A mesa é redonda e o tapete é roxo" é verdadeira;

A definição ainda nos diz que (2) é verdadeira se e sqtnente se Bob ama Mary e que (3) é verdadeira se e somente se

(4) "A mesa éredonda" é verdadeira,

e ,

(5) "O tapete é roxo" é verdadeira.

E ( 4) é verdadeira se e somente se a mesa é redonda, e (5) é verdadeira se e somente se o tapete é roxo. Assim,

"Bob ama Mary, ou a mesa é redonda e o tapete é roxo" é verdadeira Bob ama Mary, ,ou a mesà é redonda e o tapete é roxo. ,

Essa, claro, é uma das senfenças-T.

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. 216 . RrCHARD L. K!RKHAM

5.4 SATISFAÇÃO

Mas Tarski quer definir a verdade para linguagens ainda mais complexas que a última. Especificamente, ele quer uma defini­ção de verdadepara a lógica de predicados quantificados, que·é a ló­gica de tqdos os raciocínios a respeito d~. números, conjuntos, ângu­los, vetores, matrizes e outros objetos e temas da matemática~ Além dos operadores de funções de verdade, essa linguagem tem quantifi- · cadores e variáveis. Já que essa linguagem tem um número infinito de sentenças, teremos de.usar novamente a técnica recursiva, mas, com relação a essa linguagem, há l.un pequeno truque extra que complica as coisas. Na última linguagem que examinamos, todas as sentenças ou eratn sen~~nças bá~icas ou eram construídas a partir das sentenças básicas, mas numa linguagem quantificada é possível construir novas sentenÇé\S. combinando duas expressões nenhu11Ja das ·quais é ela mesma uma sentença (1933, 189). Os dois tipos .de expressões são sentenças abettas'e quantificadores. Uma sentença aberta é uma expressão que é gramatica!mente completa exatam~nte cpmo uma ~entença, a nãq ser pelo fato de que tem uma variável em.um ou mais lugares nos quais se espera,ria encontrar um nome. Cada uma das seguintes sentenças é uma sentença aberta:

x é um palerma.

x é o pai de John.

x é o pai de y . .

x está entre Sam e Mary.

Bob éstá entre y e z.

x está entre y f! z.

x é preto, e ou z inclui y ou y é um tolo.

'o termo "sentença aberta" é enganoso ao implicar que uma sentença aberta é um tipo de sentença. Ela não é. Uma sentença

A TEORIA SEMÂNTICA DE ALFRED TARSKI 217

aberta não é uma sentença, porque ela re~ente não di4 nada. Uma expressão que não diz nada não diz, é claro, nada que seja verdadeiro

·ou falso. Assim, uma sentença abe.rta não é nem verdadeira e nem fal­sa. Podemos transformar uma sentença aberta numa sentença genuí­na ao fechá..; la. Há dois modos de se fazer isso;.,substituir as variáveis por nomes, ou ligar as variáveis a quantificadores. (A lógica exigida pela matemática pode ser satisfeita apenas com os quantificadores existenciais e Universais.) Ligar as variáveis numa sentença aberta, e assim criar uma sentença genuína, é simplesmente uma questão de quantificar cada variável na sentença aberta. Há somente um quantifi­cador por variável, mesmo se algumas variáveis aparecem mais de uma vez na sen:tença. Assim, as sentenças seguintes são todas genuí-nàs: ' ·

(x) (x é um palerma)

(x) (3y) (x é o pai de y)

(x) [x é preto e (y) (3z) (y está entre x e z ou z ama x)]

Note·se que se uma única variávet'riko for ligada a um quantificador na expressão,a expressão vai continuar sendo uma sen­tença (não genuína) aberta.

Há·um número irifinito de sentenças quantificadas. Isso, em si mesmo, pode não parecer um problema. Por que não tratá-las como as outras sentenças? Dar a cada sentença quantificada não-com­posta uma cláusula na definição de verdade, e definir recursivamente a verdade de sentenças quantificadas compostas. Não podemos fazer isso, entretanto, porque algumas sentenças quantificadas compostas não são construídas a partir de outras sentenças .genuínas. Sentenças quantificadas, repito, podem ser feitas associando-se quantificadores apropriados a alguma sentença aberta, um. quantificador para cada variável da sentença aberta. Mas há um número irifinito de sentenças abertas porque sentenças abertas podem ser compostas com os operadores funcionais de verdade assim como acontece com as sentenças genuínas. (Para um exemplo, ver o último membro da lista de sentenças abertas dada acima.) Assim, todas as sentenças seguintes são sentenças ge­nuínas.

I ·.

f ..

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t I.

218 RICHARD L. KJRKHAM

(3x) (3x é vermelho)

(x) (y) (x é vermelho e y é vermelho)

(3x) (3y) (3z) (se x é vermelho, então ou x é verinelho e z é vermelho ou z não é vermelho)

Assim, há um número infinito de sentenças quantificadas, cujas partes não são, nenhuma de:las, uma sentença. E os exemplos an­teriores mostram que isso é verdade mesmo para linguagens com so­mente um predicado e somente um tipo de quantificador. Já que as sentenças abertas que são as partes dessas sentenças quantificadas não têm valor de verdade, não podemos definir recursivamente a verdade de tàis sentenças em· ter:nos dos valores de verdade de suas partes. E, mais uma vez, já que há um número infinito de tais sentenças, não pode­mos dar a cada uma delas uma cláusula particular na definição de ver­dade. Nisso reside o dilema résolvidopor Tarski.9

O grande insight de Tarskifoio seguinte: como aproprie­dade da verdade hão é possuída pot sentenças abertas, devemos des­cobrir uma outra propriedade comas·seguintes·características:

• Ela pode ser possuída tanto por sentenças abertas quan­to por sentenças genuínas.

• Aposqe ou não dessa propriedade por uma dada senten-9a quántificada é determinada·· completamente pelos operadores de funções de verdade na sentença e pela posse ou não da propriedade pelas cláusulas abertas não­sompostas contidas dentro de toda a sentença.

• E possível definir a verdade em termos da posse ou não da propriedade pelas sentenças genuínas, de modo que a definição de verdade resultanteimplique todas as sen-tenças-T. .

" As duas primeiras características asseguram que podemos definir a pre>priedade em questão recursivamente e, assim, que pode­mos aplicar nossa definição a linguagens com um número infinito de

9 Tarski, 1933, 189; Tarski, 1944, 25. Comparar com McDowell, 1978, 112.

A TEORIA SEMÂNTICA DE ALFRED TARSKI 219

sentenças. Aterceira característica assegura que a definição de verda­de. vai atender à condição de adequação material (Tarski, 1933, 189).

"Satisfação" é d nome que Tarski dá à propriedade que ele descobríu ter todas as características exigidas. Um nome mais correto seria "satisfação.· por .uma seqüência· de. objetos". Devo •• definir essa propriedade em seguida, más, primeiro,vejamos quão simples se tor­na a definição resultante de verdade: "Uma sentença é verdadeira se ela é satisfeita por todos os objetos [seqü~cias de objetos], e, ao con­trário, .falsa" (Tarski, 1944, 25; comparar com Tarski, 1933, 195). Isso vai permanecer um pouco misterioso até que eu apresente a. explica­çãd queTarskidá do conceito de satisfação, mas prinleiro quero for­malizar o que conseguinlos até aqui:

(s) (sé verdadeira= sé satisfeita por todas as seqüências de objetos),

onde "s" está no lugar de sentenças. Agora, o que precisamos é de uma definição de satisfação que assegure que essa definição de'verda­de inlplique todas as sentenças-T. Satisfação é, diz Tarski, uma propri­edade relaciona!, uma relação entre uma seqüência de objetos por um lado e uma sentença ou sentença aberta por outro. (Já que a satisfação é uma relação entre expressões e partes do mundo, ela conta comd um conceito semântico.) Por enquanto, sinlplificarei a questão deixando de lado as seqüências e a& sentenças genuínas efalarei apenas do que significa.a um objeto individual satisfazer uma sentença aberta. Va­mos tomar a sentença aberta "x é roxo" e também o objeto que é minha mesa. Então, como é que a mesa satisfaz "x é roxo"? Sendo pmtada de roxo, claro, OU sendo Cdnstruída COin algum material de cor roxa. Assinl, um objeto satisfaz uma sentença aberta se e somente se ele pos­sui a propriedade expressa pelo predicado da sentença aberta(Tarski, 1933, 190). A essência da teoria de Tarski já está agora começando a aparecer: a mesa satisfaz "x é roxo" quando a mesa é roxa. Assinl, os Jatos materiais são inlportantes; a teoria de Tarski é pelo menos uma teoria quase realista. {Devo argumentar, na seção 6.5, que ela é mais bem·interpretada comouma teoria Realista.)

Não será mais surpresa agora aprendermos que a mesa sa­tisfaz "x é roxo e x é redondo" se e somente se ela satisfaz "x é. roxo" e ela satisfaz "x ê redondo". Assim, amesa satisfaz essa sentença aberta composta se e somente se ela é redonda e roxa. A mesa satisfaz "x é

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220 R!CHARD L. l<nu<HAM

roxo ou'x é redondo" se e somente se ela satisfaz "x é roxó" ou ela satis­faz "x é;redondo". Ela satisfaz "x não é roxo" se e somente se ela deixa de satisfazer "x é roxo". Finalmente, ela· satisfaz "s~ X é roxo, então X é redondo" se e somente se ou ela deixa de.satisfazer "x.é roxo" ou ela satisfaz "x é redondo";

· ' E quanto à sentença aberta "x amay"? Devemos dizer que a mesa satisfaz essa sentença quando ela ama a si mesma? Ou, ao cpn­trário, devemos dizer que somente um conjunto com dois objetos pode satisfazer uma sentença aberta com, duas variáveis? Ese manti­vermos essa última afirmação, sob que circunstâncias a mesa e a ca­deira vão satisfazer "x ama Y''· Devem ambas amar uma a outra1 ou é necessário apenas que uma delas ame' a outra, e, se for assim, qual deve amar qual? Foi esse tipo de questão que levou Tarskia recotrer a . seqüências d~ objetos {1933, 191). Uma seqüêrtcia de objetos é muito parecida com um conjunto de objetos exceto pelo fato de que, diferen­temente de com um conjunto, a ordem dos objetos é importante quan­do lidamos com seqüências. Os seguintes conjuntos são todos idênti­. cos uns aos outros; em outras palavras, o que temos a seguir não são conjunto~ diferentes, mas maneiras diferentes de se nomear o mesmo conjunto: :

{mesa, cadeira, democracia}

{democracia, mesa, cadeira}

{cadeira, mesa, democracia}

·-Mas as seqüências seguintes são todas diferentes:

(mesa, cadeira,• democracia!

(democracia, cadeira, mesa)

(cadeira; mesa, democracia) .

Quando mudamos a ordem dos objetos numa seqüência, mudamos a seqüência. Note-se que seqüências, assim como conjun­tos, podem ser infinitas em tamanho (p. ex., a seqüência dos números

A T EÓRIA S~CA DE ALFRED TARSKI 221

naturais) e podem ter objetos apstratos como elementos. Note-se tam­bém que um objeto pode aparecer mais de uma vez em uma seqüên'" cia. Assim, tambéin,podemos ter as seguintes seqüências: .

· (mesa, càdeira, democracia, mesa, Bulgária, ... )

(mesa, mes~, mesa, mesa, ... )

Quando Tarski fala de todas as seqüências infinitas, ele quer aí incluir essas sentenças de aparência engraçada também. Final­mente, não há limi~es para a ·ordem em que os objetos podem apare­cer. Assim, paraJodos os objetosnomundo, e cada possível ordena­mento deles, existe algtin:la seqüência que tem exatamente aquele or-

. denamento. Uma implicação . disso é que, para q11alquer ·objeto no mundo, exiSte alguma seqüência que tem exatamente aquele objeto na quarta posição, e existe uma seqüência que tem exatamente aquele objeto na décima sexta: posição, e existe uma seqüência que tem exata­mente aquele objeto tanto na quarta quanto na décima sexta posição . Uma outra implicação é que, para uma dada seqüência, digamos

(mesa, cadeira,. democracia, mesa, Bulgária, ... ),

existe uma outra seqüência que é exatamente como essa, exceto pelo fato de que tem a mesa na quinta posição. E existe uma outra exata­mente como essa, exceto pelo fato de que tem Downirig Street na quin­ta posição. Em geral, para qualquer objeto, existe uma seqüência exata­mente como ess~, · exceto pelo fato de que ela tem exatamente aquele objeto na quinta posição. (A mesma implicação vale, é claro, para to­das as outras posições da seqüência). O fato de que isso é assim será · altamente significante para a nossa definição recursiva da satisfação.

É necessário passarmos por uma outra complicação ant~s de entendermos como é satisfeita uma sentença aberta com mais de uma variável. Já que não há limite para o quão grande pode ser uma sentença aberta composta, também não há limite para o número de variáveis que ela pode ter. Assim, devemos substituir nossas variá­veis x, y e z pelas v.ariáveisx1, X2, X31 X4, •••• Agora, em vez de falartnos de um único objeto satisfazendo uma sentença aberta, falaremos de uma seqüêncii;l infinita-de objetos satisfazendo uma sentença aberta. A sen-

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222 R!CHARD L. KIRKHAM

tença aberta "x,é roxo" é satisfeita por uma seqüência hlfinita de obje­tos se e somente se o primeiro elemento da seqüência for roxo. Não importa como sejam os outrds elementos da seqüêntia; e não importa se esses outros objetos satisfazem "x, é roxo"; eles são irrelevantes. Já que ·a variável ria sentença aberta é a primeira variável, somente im­porta o primeiro elemento da seqüência. Umà seqüência infinita satis­faz "X2 é roxo" se e somente se o segundo membro da seqüência é roxo. Uma seqüência infinita satisfjlz "x; ama xt se e soment~ se o primeiro elemento da seqüência ama o segundo, mas a menb$ que o segundo também ame o jnimeiro, a seqüência não satisfará" x2 ama x/'.

Os operadores de funções de verdade continuarão a fun­cionar como antes. Assim, uma seqüência infinita vai satisfazer "se x13 é roxo, então X2 ama X735 ou X46 é redondo" se e someil.te se ou a seqüên­cia deixar de satisfazer "x,3 é roxo", ou ela satisfizer ''x2 ama x735 ou x46 é redondo". Ela irá satisfazer essa última se e somente se ela satisfizer "X2 ama x

73( ou ela satisfizer "X46 é redondo". Assim,a s~tenÇa aberta

original é satisfeita pela seqüência se e somente se ou o décimo tercei­ro objeto na seqüência não é roxo, ou o segundo objeto ama o objeto que está na posição 735, ou o qua'dragesimo sexto objeto é redondo. (A partir daqui, quando eu usar a palavra "seqüência", estarei me refe­rindo sempre a uma seqüência infinita.)

Isso nos basta quanto à satisfação aplicada às sentenças abertas. Como, então, uma seqü~ncia satisfaz uma sentença quantifi­cada? Sabemos que se uma defirliçãodeverdade deve implicar todas as sentenças-T, então uma sentehça Uri.iversalmente quçmtificada, di­gamos, "(x.) (x4 é redondo)", deve se te velar verdadeira quando e so­mente quando tudo no mune!, o for redhndo. }'arskiassegura isso ao es­tabelecer duas çcmdições que devem ser atendidas para que uma se­qüência, digamos, a seqüênciaS, satisfaça uma sentença. universal-mente quantificada como "(x4) (.í

4 é redondo)": · ·

l. s deve satisfazer a sentença aberta que seria c'riada ao se suprimir o quantiHcador. Assim, nesse caso, ela deve satis­fazer "X4 é redondo". (Assim, seja qual for .o objeto que S ti­ver na quarta posição, ele deve ser redondo.) 2. Essil mesma sentença aberta deve também ser satisfeita por toda seqüência que é exatamente. como S, exceto pelo fato de que tem um objeto diferente na quarta posição.

A TEORIA SEMÂNTICA DE ALFRED TARSKI 223

COII.lO foi dito adma; para cada objeto do mündo, exiSte al­guma seqüência exatamente como S, .exceto pelofato de. que. ela tem exatamente. aquele objeto na quarta posição. Assim, já que a condição . (2) nos diz que todas essas seqüências devem satisfazer" X4 é redondo" _a condição diz, com efeito, que tudo no mundo além .do objetó ,nà ·quarta p6siçãodeS deve ser redondo·. As condições (1) e (2) estão di-

. .·.zen do que todo objeto deve serredondo. Assim, "(x4) (x4 é redondo)" é • : satisfeita por uma seqüêricia ,S se e somente se tudo no mundoJor re­

dondo. E o que vale paraá seqüênciaS vale igualmente para qualquer• outra'seqi.iência. A sentença universalmente quantificada nã,o é satis:­

.. feita por nerihuma seqüência, a menos que tudo no mundo seja redon:-' do. E se el;;t é satisfeita por alguma seqüência, então tudo no mundo é redondo, Assim, no . que /diz respeito às sentenças universétlmente quantificadas, podemos ,também definir uma sentença verdadeira comq Ull1asentença que é satisfeita por alguma seqüência. Adefiníção ):esultánte . implicaria todas as sentençél.s-T correspondendo a cada sentença uruversalmente .qua.I\Hficada da linguagem. Ela .impliéaria, .· por exemplo, a sentenças~guinte': ' • .

.. "(x4) (x4 é redondo)" é verdadeira = tudo é redondo.

Veremos que essa conclusão se aplica também a sentenças -existencialmente quantificadas e a sentP.nças não quantificadas, como "Ralph é baixo". Já que adefinição de verdade como satisfação por. ai­

, .guma, seqüência funciona perfeitament~ bem, por que Tarski define a yerdade como satisfação por todas as seqüências? A resposta é que, em Jermos. práticos, as duas: definições·· nos conduzem exàtarrienté.ao.

·. mesmo ponto. Como foi nota dó àcima, a condição que dev~ ser aten-. ·dida para que S satisfaça"(x4) (x4 éredóndo)" é exatamente a mesma condiÇão que qualquer seqüência deve atender. para ·. satisfazer, essa sentença; a saber; que tudo seja:redondo. Assim, se a única condiÇão para que s satisfaça essa sentença for atendida, então eo ipso a única

, condição para a, satisfação dessa sentenÇa. por todas as outras seqüên-cias tambélll. se.Jiá atendida; Assim, se UIÍla seqüência satisfaz a senten­ça, todas satisfazem. Se alguma deixa de satisfazer a sentença,-isso sp pode ser porque nem tudo é redondo, é nesse caso nenhuma das ou­

' tras seqüências iria satisfazer a sentença (Tarski, 1933, 194r O mesmo . ponto, como veremos, se aplica atodas ,as outras sentenças genuú1as:

• ~er satisfeita por uma seqüência é ser satisfeita por todas elas. Assim,

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224 RlCHARD L. KlRKHAM

não importa se definimos a verdade como satisfação por alguma se­qüência ou como satisfação por todas as seqüências.

· .. Algumas questões técriicas antes de seguirmos adi~te. Em primeiro lugar, as condições (1) e (2) podem ser combinadas niuna condição única exigindo que a sentença aberta criada ao sé suprimir o q~antificador urtiversal seja satisfeita por todas as seqüências diferin­do deS no máximo na quarta posição. Em segundo lugar, podemos ge- . neralizar a nova condição combinada de. tal forma que não • importe qual seja a variável que apareça na sentença. Seja k qualquer número . inteiro.Assim, qualquer expressão da forma "(x~oHxk é redondo)" é sa­tisfeita pela seqüênciaS se e somente se a sentença aberta criada ao se suprimir o quantificadoruniversal é satisfeitá por todas as seqüências diferindo de S no máximo na posição k. Em terceiro lugar, podemos generalizar affida mais a condição de modo que ela se aplique a qual­quer sentença universalmente quantificada, não importando qual . · sentença aberta segue o quantificador. Seja ~. um símbolo para todas as sentenças abertas. Então, qualquer expressão da forma "(xk)~" é sa­tisfeita por .uma seqüência S se e somente se ·cj>·· for satisfeita por todas . as. seqüências diferindo de S no máximo na posição k. . . , · · . · · A sentença-T para uma sentença existencialment~ quanti-

ficada, tem a forma seguinte:10 .

Assim, se a definição de verdade deve implicar todas as sentenças-T, deve acontecer que "(3xk)cj>11sejaverdadeira quéll1doeso..: mente quando algo for cj>. E como "verdadeira" significa ap~assatis­feitaporalgu~a seqüência, deve acont~cer qu~ "{3xk)cj>" sej~· s'atisfeita p~r alguma ~eqüência. quando e somente quando algo for ~·· A c~ndi-ção seguinte asseguraque isso sejaassitp.:· · · · · · .· ' ·

Utna expressão da forma "(3xk)cj>~' · será satisfeita por uma seqüênciaS se e somente se alguma seqüência diferindo de .~ no máxi-mo na posição k satisfizer <jl. · · ·

10 · Isso nos dá a forma de uma sentença-T, mas não é por si mesmo uma :Sentença~ T, já que tem as variáveis "k" e "cp'' não ligadas. · · · •·

A TEORIA 5EMÂN!1CA DE ALFRED TARsKI 225

•• A • Mas como vimos acima, para cada objeto,,. há alguma se- · quenc1a exatru.nente como S, exceto pelo fato de que. ela tem. exata­mente aquele objeto na posição k, Assim, a condição será atendida quan~o e somente quando alguma coisa no mundo for~.Note-se aqui tambem que, se alguma seqüência satisfizer a alegação existencial, to-das o farão. . ··

A lingliagem para a qual definirei "satisfação" tem apenas dois ~~edicados: "évermelho" e "ama". SeguindoTarski, não devo perrmtirno~es ~~ objetos e~ ~ossa linguagem, pelo menos para co­

. ~eçar. Isso s1gniúc;~ c;tue. as urucas _sentenças ge~uínas, na linguagem . sa~ sentenças_ quantificadas. Tambem seguindo Tarski (1933, 168), te­rei apenas doiS operadores de funções d~ verdade: "não" e"' ou". Não ~á,:n~,tivo par~ s,; complicar a ~~agem com quaisquer outros, pois .e e se ... entao podem ser definidos em termos de "não" e "ou". A

linguagem tem também o conjunto infinito de variáveis descrito aci­ma. Na definição abaixo, os s~bolos "e", "'V", "cj>" todos se referem tanto a sentenças genuínas quanto a sentenças abertas, e "j", como

. }'~, r~fere-se a números · inteiros. O símbolo "-," significa "não" ou . n~o e o caso que ... ". Assim, a definição oficial de satisfação é a se- \

gumte: .

(e) [ é satisfeita por uma seqüência infinita S · (9 = "xk é vermelho" paraalgum k, e o objeto na posi-ção k de S é vermelho) . · ..

o~ se = ú xk ania xt para algum k e algum j, e o objeto na posxçao kde S ama o objeto na posição jde S)

ou (e = "-,cj>", e S não satisfaz cj>) ou {e ="'I' ou <jl", e ou S satisf~ 'I' ou S satisfaz cj>) ou {e = 11 (xk) ~", e toda seqiiência que difere de S no

máximo na posição k satisfaz ~) · ou (e = 11 (3xk) <!>", e alguma seqüência que difere de S

no máximo na posição ksatisfaz cj>)].11

11 Tarski, 1933, 193.A respeito do uso que eu faço das aspas em 'minha versão da sua definição, ver a nota 9. ,

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226 R!CHARD L. KIRKHAM

E a definição de verdade, uma vez mais, é a seguinte:

(s) (sé verdadeira= sé satisfeita por todas as seqüências [ou alguma]).

5.5 NOMES E LINGUAGENS NATURAIS

Uma característica marcante da concepção de Tarski é que a definição de satisfação deve ter uma cláusula separada para cada predicado na linguagem para a qual estamos definindo verdade; isto é, uma cláusula explica o que significa para uma seqüência satisfazer "é vermelho", e outra cláusula explica o que significa"para uma se­qüência satisfazer "ama", e assim por diante, para todo predicado na linguagem. A razão pela qual essas diversas cláusulas diferentes são exigidas é que as condições necessárias e suficientes para um objeto satisfazer uma dada sentença aberta são diferentes das condições ne­cessárias e suficientes para que esse objeto satisfaça qualquer outra sentença aberta._Como notei acima, para que a mesa satisfaça "x é ro­xo",é necessário e suficiente que a mesa seja de cor roxa, mas para a mesa satisfazer "x é redondo", é necessário e suficiente que a mesa sejaredonda.12 Assim, para Tarski, "satisfação de 's é roxo'" revela-se um conceito diferente de "satisfação de 'x é redondo"'. Esse fato foi parcialmente escondido na apresentação que Tarski deu de sua teoria porque ele usou como exemplo de linguagem a linguagem da teoria dos conjuntos, que tem somente o predicado" está incluído ein" (1933, 165-169). Os manuais de metalógica, teoria dos modelos e semântica formal também tendem a ocultar esse fato substituindo todas as cláu­sulas para os vários predicados pôr um único esquema como cláusula para todos os predicados. Tais esquemas normalmente usam uma va­riável como "P" que se refere aos predicados dc;1linguagem. Tal es-

12 Comparar com Davidson, 1967, 32 e Quine, 1970,41. Quineescreve: "Existe uma tal cláusula para cada predicado de um lugar no léxico. Da mesma forma, para cada predicado de dois lugares" (minha ênfase).

A TEORIA SEMÂNTICA DE ALFRED TARSI<I 227

quema (para uma linguagem cujos predicados são todos de um só lu­gar) pode parecer com o seguinte:

(z ="Pxt, para algum k, e o elemento na posiçãO k de Sé um elemento do conjunto denotado por "P")

. Mas um esquema é 11ma sentença aberta (nenhum quanti­ficador se liga a "P") e por isso não é gemiinamente uma cláusula . completai Estritamente falando, ele é sem sentido. Devemos lê-lo não ·como uma Cláusula real na definição, mas somente como um espaço a ser preenchido por uma série completa, possivelmente infinita,de . 'cláusulas; uma para cadapredicado da linguagem.

A implicação do fato de que a definição de satisfação deve ter uma cláusula separada para cada predicado na linguagem é que o método de Tarski só furiciona para linguagens com um número finito 'de predicados. (Comparar com Putnam, 1978, 10.) Isso não é prpble­ma para as linguagens da matemática, que são as linguagens que inte­ressam a-Tarski,mas as linguagens naturais têm um número infinito de predicados. Basta pensarmos nas séiies de predicados "é o primei­·ro da fila"," é o segundo da fila'',." é o terceiro da fila", etc. Claro, todas :as filas são finitas, mas isso significa apenas que eventualmente iría-mos encontrar predicados que não podem ser predicados verdadeira­mente de nadc;1. Isso não significaria que tais predicados não existem. Assim; sem modificação, a: técnica de Tarski para definir a satisfação e então a verdade não se aplica a linguagens naturais.13 Esse é um resul­tado especialmente desapontador para os epistemólogos. Eles que­rem definir a verdade furidamenta:Imente com relação a crenças~ e é importante que a definição se aplique a qualquer crença que alguém possa ter. Mas:para qua:Iquer predicado na linguagem, existe uma -ç:rença potenCial na qual esse predicado aparece. Alguém pode algum dia acreditar que Ralph é o primeiro dà fila, e a:Iguém pode acreditar que Ralph é o segundo da fila e assiín por diante, para todos os predi­'cados na série aludida acima. Por outro lado, descrições como "o pri­

. meiro da fila", "o 36° da fila", "o 1.557.823° da fila" etc. são construídas a partir de um estoque finito de palavras. Assim, se em princípio é pos-

13 Não é claro que Tarski sempre tenha reconhecido explicitamente o problema, embora ele possa tê-lo feito em 1933, 164 ou 214; 1944, 25; ou 1936, 402. '

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; . . ·

228 RlCHARD L. KIRI<HAM

sível, como acredita Donald Davidson, modificar (e complexificar) a · definição de satisfação de modo a podermos lidar com todas as for­mas adverbiais ou outras modificações predicativas, então é. possível, em princípio, criar uma definição de verdadepara as. linguagens na­turais mais ou menos semelhante à de Tarski. Essa questão será discu­tida em detalhes na seção 8.1. . ·

Tarski não tenta definir satisfação ouverdade para nenhu- ·· ma linguagem com nomes. Vejamos o que acontece se te:n.tarmos fazer . isso. Suponha que adicionemos à nossa linguagem um par de nomes, · digamos, "Ralph" e "Mary" e com is:;q també1l\ seis sentenças não quantificadas mas genuínas: "Ralph é.verme!holl, "Mary é vermelha", · · "Mary ama Mary", "Mary ama Ralph";''Ralph ama Mary" e '~Ralph amaRalph". Agora, precisamos modificar nossa definição para asse­gurar que ela implique as seguintes sentenças-T:

·"Ralph é vermelho" é verdadeira = Ralph é vermelho

"Mary é vermelha" é verdadeira = Mary é vermelha

"Mary ama Mary" é verdadeira = Mary ama Mary· : , __ ·.·

"Mary ama Ralph" é verdadeira = Mary ama Ralph

"Ralph ama Mary11é verdadeira= Ralph ama Mary

"Ralph ama ~alph" é verdadeira = Ralph ama Ralph

Para sermos bem-sucedidos, primeiro tomamos "n"' · e "n"" como variáveis referindo-se a nomes na linguagem; e então acrescentamos isso:

(z = "n' é vermeiho" paraalgumn', e o objeto denotado por"n"' é vermelho)

ou (z = "n' ama n"" para algum n' e algum n''., , e o objeto denotado por "n"' ama o objeto denotado

porl'n"")

A TEORIA SEMÂNTICA DE ALFRED TARSÍa 229

Essa tem sido anÜm~rra de se adicionar nomes a uma lin­guagem para a qual se esteja q,efinindo verdade, mas ela séria inacei­tável para Tarski tal cpmo está, porque ela define "satisfação" em par­te em termos do conceito semântico de denotação.14 Paramantermos o projeto de definir todos os . tein}os semânticos fundámentalmente a partir de termos não semânticos,· teríamos de suplementar a definição de 11 satisfação" com uma definição de 11 denotação" tendo uma cláusu­la separada para cada nome primitivo da linguagem:

(x) (y) [x denota y = (x ="Ralph" e y =Ralph ou x ="Mary" e y =Mary)].

Há muitas outras maneiras de se criar um conjunto de defi­nições, mais ou ménos parecido com o de Tarski, para uma linguagem com nomes, mas elas todas exigem que tenhamos pelo 'menos (ver a se­ção 8.3) uma cláusula para cada nome da linguagem . . Esse resultado é geral. Não apenas cada predicado primitivo e cada nome primitivo, mas também todo termo primitivo, de qualquer tipo, da linguagem, exige uma cláusula separada.

W. V. O. QU.ine sugere que podemos ter uma linguagem sem nomes e com todas as vantagens de uma linguagem que os tenha. Em vez de introduzirmos nomes como "Ralph" e "Mary", introduzi­mos os predicados "Ralphizar" e Maryizar". Em vez de "Ralph é ver­melho", a linguagem terá a sentença "(3x) (x Ralphiza ex é verme­lho)" (Quine, 1970, 25).Teremos de acrescentar à definiçãouma cláu- · sula para cada predicado, no mesmo padrão da clausula para "é ver­melho". É questionável se Tarski veria com bons olhos · essa solução. Ele insiste em que todos os termos que aparecem do lado direito dei signo de equivalência devem ser absolutamente claros em seus sig­nificados, e é questionável o quanto realmente entendemos o que "Ralphizar" significa; especialmente porque não podemos explicar seu significado em termos de denotação e ou de qualquer outro con­ceito semântico. ·

Tarski !lão acreditava ser possível definir a verdade para linguagens naturais, enquanto distintas das linguagens artificiais da

14 A maioria dos lÓgicos compartilharia .com Tarski apenas seu objeti';'O com rela­ção a uma teoria do~ modelos, e para eles, o gesto em questão seria não objetável.

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230 RICHARD L. KlRKHAM

lógica e da matemática (Tarski, 1969, 68). Ele deu várias razões para isso. V: ma delas é qúe não há um modo sistemático de determinar para uma linguagem natural quais de suas expre~sões contam ou não como sentenças gramaticalmente completas (Tarski, 1969; 65; Tarski, 1933, 164). Mas a razão mais importante é que as linguagens naturais são, c_onforme ele acredita, irremediavelmente paradoxais, porque elas sao o que ele chama de linguagens "universais" ou "semantica­n;tente fechadas". Uma linguagem semanticamente fechada é uma lin­guagem. que tem o poder de descrever as características semânticas de seus próprios elementos. Podemos dizer .em inglês, por exemplo, "aquele verbo não é çlaro", "o nome, no início, está no plural" e "aquela sentença é verqadeira". Podemos também dizer "esta senten­ça é falsa" ( e o "esta" pode referir-se exa tcunente à sentença na qual ele aparece.M~~ como veremos na seção 9.1,o fato mesmo de que existe uma sentença como essa irá, em._conjtiriçãocom·uma teoria da verda­de para lingúagem, implicar uma. contradição. Veremos, na seção 9.3, con:o Tarski assegura que as liit~i:igensartificiais para as quais ele defme a verdade sejam semanticamente abertas (1933, 164; 1944, 20-21; e 1969, 65-68). · ·

O fato de que ·cada predicado é listado separadamente na definição de satisfação significa que. linguagens com diferentes predi­cados terão diferentes definições de satisfação e, portanto, de verda­de. Assim~ no sistema de Tarski, não existe uma teoria da verdade, há uma teoria diferente para cada linguagem. (Tarski reÇonheçeuisso, mas pela razão errada. Ele afirmava que essa limitação era resultante do fato alegado de que uma ocorrência de sentença pode ser verdadei­ra em uma linguagem e falsa ousem sentido em outra [1933, 153; 1944, 14; 196?, 64]. Eu argumentei, na seção 2.6, que Tarski está enganado ao alegar 1sso; nenhuma ocorrência de sentença é verdadeira em uma lin­guagem ~:Jal~a ou sem sentido em outra.) Podemos, entretanto, tornar explícito na <:l.efinição de verdade o fato de que a definição se aplica somente a uma linguagem, explicitamente nomeando, na definição, a linguagem, vamos chamá-la de Li, para a qual a verdade está sendo definida: :

(s) (sé verdadeira em L1 sé satisfeita em L1 por todas as se­

qüências)

A TEORIA SEMÂNTICA PE. ALFRED TARSKI 231

Para uma linguagemdiferente,L2, a definição de verdade é a seguinte: · · · '' ·

(s) (s é verdadeira em L2 s é satisfeita em L2 por todas. as se­qüências).

Assiin,não há uma teoria da verdade. De fato, nem mesmo temos duas teorias da verdade aqui. O que temos é uma teoria. da "verdade-em-L/' e uma teoria da "verdade~em-Lz". Por fim, Tarski definiu não a verdade, mas a verdade-nesta-linguagem e a verda­d~naquela-linguagem; Aquestão de se essa característica constitui uma séria objeção ao trabalho de Tarski será examinada na seção 6.3.

5:6 PROGRAMAS E CONDIÇÕES ESPECIAIS DE ADEQUAÇÃO

Notei, na seção 5.1, que cada um dos diferentes progra­mas a serviço dos quais pedia ser dada uma resposta ao projeto meta­físico impunha restriÇões especiais . sobre o que contará como uma boa resposta ao projeto, e também notei que nenhuma resposta ao pro­jeto ·. precisa ser relevante a todo programa desse tipo e, assim> que ne­nhuma teoria da verdade precisa atender a todas essas restrições es,. pedais. Umepistemólogo deve :reconheçer.crenças como(~ tipo de) portadores de verdade:;:mas nem um .teórico do$ modelos enquanto tal~ nem urn teórico fisicalista enqu~.to tal, têm necessidade de admi­tir crenças como portadores de verdáde~ Nem um :epistemólogo, nem urn teórico dos modelos, enquanto tais, têm a necessidade de uma teo­ria que reduza a verdade a fenômeno~ físicos, e assim, para eles não há a necessidade de evitar que a definiÇão de verdade seja feita em ter­mos de outros-conceitos semânticos;15{Então, como se notou supra, manuais contemporâneos de metalógica ou de teoria dos .modelos

15 C~mpare com Prior: "Parteda meta de Tarski era impedir o uso de conéepções 'intensionais" como a de 'significado"; mas ... se não nos restringirmos dessa mesma maneira, e tomarmos nossa gramática de forma direta;· é possí';el definir 'verdadeiro" sem nenhum rodeio" (1962, 138). · · .

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232 R:ICHARD L. Klru<HAM

não evitam mais o uso do conceito semântico de denotação na defini- · -. ção de s~tisfação e, portanto, de verdade.) Não parece que um física­lista ·enquanto tal precise fazer uso de técnicas recursivas. Tais técni-. cas são necessárias para um epistemólogo? Por exemplo, as teorias da verdade não recursivas de Russell e de Austin seriam úteis ao progra­ma epistemológico de avaliação de . teorias da justificação ( deixan­do-se de lado as objeções feitas a cada um deles no último capítulo)? No caso de Austin, penso que a resposta é sim. Isso setor­na claro quando prestamos atenção a que, na fórmula da sua teoria,

(s) [sé verdadeira<=> (3x} (3r) (3t) (t é usada para fazer s) & (s se referê a. x) & (t desêtevet) & (x é do tipo t) & (x acontece)], .

5 refere-se a todas as afirmações e t refere-sé a todas as · sentenças, por mais compostas, complexas do ponto de vista quantificacional, e/ ou sintaticam.ente complexas que elas possam ser, e os estados de coisas_ (aos quaisx serefere)e assim os tipos de estados de coisas{r) podem ser tão complexos quanto se quiser. Isso é controverso. Como vimos na .seção 4.7, afirmou-se que não existem fatos . disjuntivos, fatos con­dicionais.ou fatos negativos. Eu defini uni fato como um estado de coisas . q~e. acontece. Nessa• perspectiva, .ou não . há.estados. de .. coisas . disjuntivos, condicionais ou negativos, ou hát$ estados de coisas mas eles nunca acontecem. De qualquedorma, a implicação é que na teoria de Austin da verdade, todas as afi.pnações disjuntivas e condi­cionais se revelarão falsas, e assim também asnegações. Mas essa . perspectiva não pareceu convincente por duas razões. Primeiro, não está de .todo claro por que não-pode haver fatos .desse tipo. Segundo, mesmo se não houver fatos desse tipo, não está claro que relevância isso tenha, precisamente porque não ocorre que as afirmações disjun-:­tivas, condicionais e negativas tenham de ser tomadas como fazendo referência a estados de coisas disjuntivos; condicionais ou negativos. Devemos admitir que os estados de coisas (e, se eles acontecelll., os fa., tos}devem refletir a estrutura das afirmações (sentenças) que usamos para referirmo-nos a eles (p_ara descrevê-los)? Defato, uma das coisas que Austin afirma é que as afirmações não são isomórficas aos estados de coisas.

Vimos, na seção 4.2, que a forni.ulação da teoria de Russell,

A TEORIA SEMÂNTICA DE ALFRED TARSKI

(c) [c é verdadeira<=> (3C) (3x) (3y) (3R) (C:= (C, x, R, y) & :xRy)],

somente dá contade .crenças comrelaçõesbiriárias, Mas astécilicas aludidas na nota 3 do capítulo 4 nos permitem estend_er a teoria de Russell, sem usar a técnica da reéursão,para crenças de qualquer grau de complexidade. ,Parece então, que nem a teoria da correspondên­cia-como-correlação e nem a teoria da correspondência-como-con­gruência precisam fazer uso da técnica recursiva para serem aplicá­veis a todas as afirmaÇões óu crenÇas. Desse' modo, as teorias de Rus­sell e de Austin podem ser usàdas no programa epistemológico de avaliãção de teôl'ias da justiflêãÇfiõ, ou pelo menos o fé\to de que elas não são recursivas não áéatretanenhtun problema especial com rela­ção a isso. Mâs hote•se que nenhuma delas poderia ser útil ao progra­ma dê Tarski de construir uma teoria dos modelos pari,\ a lógica dos predicados quantificados (ver a seção5.1), porque nenhuma delas nos deixa ver como o valor de verdade de uma afirmação (crença) é afeta­do pelos quantificadores nela contidos.

5.7 A ESSÊNCIA DA NOÇÃO DE VERDADE DE TARSKI

Tarski freqüentemente se queixava de que iseus críticos confundiam sua CAM, especificamente o seu esquema T,

X é verdadeiro se e somente se p, l • . . .

•. com sua definição de verdade. O esquema T não pode ser uma defini­ção de verdade, porque ele tem variáveis não ligadas e, portanto, é urna sentença aberta; Isso significa que ele de fato não implica nada, assim ele não implicaria as equivalências que satisfizessem sua pró­pria forma, e, assim, ele não satisfaria CAM: Além disso, ~implesmen­te ligar as variáveis do esquema não produziria urna definição de ver­dade consistente com as intenções de Tarski. Podemos ver por que isso é assim recordando-nos das condições de instanciação que Tàrski inseriu em seu textodepois de apreseÍüar o esquema:

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234 RICHARD L. J<IRKHAM

X é verdadeiro se, e som.e11te se, p'

Devemos chamar qualquer equivalência dessas (com "p" sendo substituído por alguma sentença da linguagem à quala palavra "verdadeiro" se refere;e"X" sendo substituí­do por-um nome para essa sentença) uma "equivalência da forma (T)" .16

A razão pela qual essa precaução é necessária é que CAM não teria credibilidade como Ulll critério de adequação para uma teo­ria da verdade a menos que se especificasse que a sentença da qual a verdade estaria sendo predicada é a mesma sentença que afirma que o estado de coi.sas p acontece. Assim, Tarski quer que sua teoria afirme que há um estado de coisas particular que, se acontece, toma verdadei­ra a sentença "a mesa é roxa". Que estado de coisas é esse? O estado de coisas da mesa ser roxa, claro. Então, para cada sentença verdadeira dada, o fato;que a toma verdadeira é o fato que ela expressa. Desse modo, as coÍldições de instanciação para o esquema T especificam o modo como X'e p devem ser coordenados. Mas se as sentenças-T se­riam irrisórias se X e p não estivessem coordenados desse modo, isso significa que a coordenação de p com X é uma condição necessária adicional para X ser verdadeiro (em adição à ocorrênciade p). Uma definição de. verdade consistindo apenas de uma versão quantificada do esquema T não expressaria a insistência de Tarski de que X ep devem estar co­ordenados dêssa maneira. O modo mais fácil de darmos conta desse ponto numa fórmula quantificada é tomando-0 explícito. Uma ma:­neira de fazer isso seria com a seguinte fórmula: ·

(X) {X é verdadeiro= (3p) [(X diz quep) ep]}

Aqueles que empalidecem diante da quantificação de va­riáveis proposicionais poderiam preferir essa outra fórmula:

16 Tarski, 1944, 16. Com relação a outras apresentações do-esquema Te suas condi­ções de instanciação, verTarski, 1933, 155-156;Tarski, 1936, 404; Platts, 1979, 16 e Black, 1948; 52.

A TEORIA SEMÂNTICA DE ALFRED TARSI<I 235

(X) {X é verdadeiro= (3y} [(X expressáy) ey acontece]},

ondeyse refere a estados de coisas. (O ~eitor atento deve estar tendo uma sensação de déjà-vu aqui. Essa teoria parece surpreendentemer1te similar em estrutura à fórmula da teoria de Russell e às formUlações mais simples da teoria de Austin. Isso não é uma coincidência, mas vou adiar uma maior discussão desse assunto para a seção 5.8.) Essa teoria, como quer queseja formulada, nãõ implica por si. mesma. as sentenças-r, mas em conjunção com certos fatos extensionais indiscu­tíveis ela ofaz.170s fatos extensionais são expressos pelas chamadas sentenças-M, exemplos das quais são as seguintes:

"A neve é branca" significa que a neve é branca.'

"Bob é um palerma" significa que Bob é um palerma.

"A mesa é roxa" significa que a mesa é roxa.

Em outras palavras, sentenças-M são quaisquer sentenças que instanciem o esquema seguinte:

X significa qur~ p,

onde p é substituída por uma sentença e X pelo nome dessa mesma sentença.

W.V. O; Quine,Donald D~vicison, À.N. Prior, Arthur Pap, D. J. O'Connor eKeithLêhret18

, tocios argumentaram que a coordena­ção do portador de verdade com o estado de coisas que acontece é uma condiçãp necessária para a verdade. Como diz Davicison: "O que a Convenção T e as sentenças triviais que ela declara serem verdadei­ras, como 111 a grama é verde" quand~ dita por um falante do inglês é verdadeira se e somente se a grama é verde',revelam é qué averdade de uma declaração depende apenas de duas coisas: o que as palavras

17 Também., precisaríamos de uma premissa ligando o conceito de significado ao conceito de dizer ou expressar.

18 , Quine, 1963b, 36; Prior, 1971, 22; Lehret, 1974, 31; e Pap, 1952.

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236 . R!CHARD L.I<IRI<i-rAM .

. ditas significam e como o mundo está organizado" (Davidson, 198~, 309). O'Connor coloca desse modo: "Suponhamos que P é a proposl­ção''Existem seis prótons no átomo de carbono'. O que é então exigido para que P seja verdadeira além de que existam de fato seis prótons no átomo de carbono?E se nada além disso é exigido, em que difere afir­m~r que Pé verdadeira de afirmar que P? ... Parece que mais uma coisa é exigida pàra a verdade de P, .a saber, que as palavras usadas para se dizer P devem ter o significado que elas têm em inglês e que a sintaxe do inglês seja tal que essas palavras, naquela ordem, . transmitam o conteúdo informativo de P/'19

· : -~ • .· • •· ·· ' . Mas Quine, Davidson, Prior, Pap, O'Connor e Lehrer não pretendem sugerir que as sentenças-T sejam falsas. Confonne foi afir­mado na seção 1.3, pode hav:er mais de uma análise extensiónal corre­ta de uma expressão, e além d]$so, por mais estranho que pareça; dis­so segue-se qúe uma condiÇão necessária para. a aplicação da expres· sâo nãó precisa apárééer étn todas as listas corretas de condiçõês ne· cessárias e suficientes para a aplicação da expressão. O que é sugerido pela observação de O'Coimor é que uma análise ext~nsio~al corr~ta de "'Há seis prótons no átomo de carbono' é verdaderro" e a segumte: . ' . . . . .

"Há seis prótons no átomo de carbono" é verdadeiro = "Há seis prótons no átomp de carbono" [There are six protons in the carbon atom.] significa em inglês que há seis prótons no átomo de carbono, e realmente há seis pró- · tons no átomo de carbono.

. Acontece que no mundo reàl"há seis prótons no átomo de carbono" [There are six protons in the carbon atom.] significa em in­glês que há seis prótons no átomo de carbono.20Mas esse fato; somado

19 . O'Connor; 1975, 23. A observação de O'Connor, entretanto, é um bom exemplo de como os vários projetos de verdadetêm sido confundidos. A questão a respei­to do que estamos declarando quando declaramos queP é verdadeira é diferente da questão sobre o que "é exigido para P ser verdadeira". Assim, O'Connorconfun-dê os projetos metafísico e assertivo. , . 20 E, como argumentei na seção 2.6, "existem seis prótons no átomo de carbo~o" [There are six protons in the carbon a tom.] não está nunca em nenhuma outra lin­guagemque não o inglês.

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ATEÔRIA SEMÂNTICA DE ALFRED TARSKI 237

à equivalência anterior, implica (pela lógica proposicional comum) que o seguinte também é verdadeiro:

"Há seis prótons no átomo de carbono" é verdadeiro s há ~eis prótons no átomo de carbono.

Isso, claro,' é apenas uma das sentenças-T. O mesmo argu­mento poderia ser feito para todas as ou tias sentenças-T. Assim, as sentenças-T são· verdadeiras, Novamente, isso é assim porque no mundo real, que é o único mundo íi!-O qual alegações de equivalência extensional dizem respeito, as sentenças do inglês têm o significado que elas têm. Então, acontece no mnndo real que "há seis prótons no átomo de carbono'; é verdadeiro sempre que há seis prótons no átomo de carbono. John Etchemendy expôs o mesmo ponto de unta forma bastante esclarecedora: ·

Há uma diferença substantiva entre as proposições expres­. sas, por exemplo, pelas duas sentenças seguintes:

(a) A neve é branca . (b) "A neve é branca" é verdadeira.

A primeira delas faz uma alegação que depende somente da cor, da neve; a segunda alegação~ por outro lado, depen­

. de tanto da cor da neve quanto do significado da sentença ·"a neve é branca". Por essa razãp, os estados de coisas des­critos podem variar independentemente: ua neve é bran-ca" poderia ser falsa embora a neve ainda fosse branca; se, por exemplo, ~'neve" sig:riificasse grama~ E, por outro lado, a neve poderia não ser branca e ua neve é branca" ser ainda verdadeira; digamos, se uneveu significasse sorvete de bau-

·. nilha (Etchemendy, 1988, 61).

Note-se à. expressão modal "poderia" na observação de Etchemendy. UI A nev:e é branca' poderia ser falsau é um outro modo de dizer que existe algum mundo possível no qual" a neve é branca" é fal­sa. Quando ele diz que O& dois estados de coisas podem variar inde­pendentemente, issp .signlficaque eles variam através de mundos possí-

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238 Rr<;HARD L. KIRI<HAM

veis. Ele não quer dizer que no mundo real ~'a neve é branca" pode ser falsa quando a neveé branca. 21

· . .

Encontramos, acima, uma teoria da verdade que exibe uma surpreendente similaridade estrutural com aJórinula para a teo­ria de Russell e _a formulação simples da teo~ia de Àustin:

(x) {x é verdadeiro= (3p) [(.X.clíz quep) ep]},

ou, numa versão tecnicam(;!nte menos controversa,

(x) {x é verdadeiro =i (3y) [(x expressay) e y acontece]}:

Pam facilidade de referência, chamarei es&a teoria de S. Tarski con,sidera brevemente duas teorias semelhantes a S. Suas ra­zões para não ~poi~ .. I<!.s são ipstrutlvas;

Falo de .umª- defin,ição que podemos expressar com as se-guintes palavras: ·

/

21 Comparar com Mates, 1974, 396. Eu não estou assumindo que Etchemendy apoiaria uma semântica de mundos possíveis para termos modais, mas isso é in­cidental com relação ao ponto qtie quero estabelecer aqui. . Num dado momento, Hamlyn párece argumentar contra· a alegação que eu de­fendi aqui: "SeSmith diz que o gato está no tapete, uma condição necessária para que o que elediz seja julgado verdadeiro é que ele queira fazer referência com a palavra 'gato'a um animal do tipo que éstá de fato no tapete, .. Uma outra condi­ção necessária é que exista mesmo um gato ... , mas a única condição necessária ge­ral para que éssa afirmação seja julgada verdadeira é que o gato esteja de fato no tapeté. Logo,o fato de o gato estar no tapete é a única condição geral necessária e suficiente pa~a a declaração ser julgada verdadeira" (1962, 193-205); Se Hamlyn quer afirmar nada mais do que a verdade das sentenças-T; não há reclamação a se fazer. Mas ele parece negar que "'o gato éstá no tapete' significa que o gato está no tapete" expresse uma. condição necessária para "o gato está rio tapete" ser ver­dadeira (acrescentada à condição de que o gato esteja no tapéte). Se for assim, en­tão seus próprios argumerüos não suportam sua conclusão. Como ele aponta no início da passagem citada, as palavras ein "o gato está not;~pete" devem ter um certo significado para que a sentêÍÍ.çaseja verdadeira. Note-se; incidentalmente, como o uso <;"le Hamlyn faz da palavra "julgada" funtle os projetos metafísico e da justificação • · · · ·

A TEORIA SEMÂNTICA DE ALFRED TARSKI 239

· (1) uma sentença verdadeira é umasentença que dizque·o estado • · de coisas é assim e assim, e o estado de coisas realmente' é assim e .assim.

· .. ,.:

... Definir melhor essa intenção, e dar a ela uma fórma cor­·reta,é precisamente a tarefa da definição semântica (Tars-ki, 1933, 155). .

As queixas aqui sobre indefiriição e incorreção na forma • são as únicas queixas explícitas de Tarski a respeito de (1 ). Ele não diz

que ela é uma · análise incorreta da verdade; De fato, ele afirm:a que sentençasdafonrta do esquema T estão "em completo acordo com" ela (1933,157). Mais do que isso, diferentemente daquelas versõe& da teoria da correspondênd.a cuja. imprecisão ele lamenta, (l}não é algo · :que lhe foi transmitido por outros fUósofos. É uma aflrmação sua a ~espeito da · essência de suas· intenções. Devemos tomar isso cç~mo uma surpreendente evidência de que ela capturaria a essência, s~ não todos os detalhes e a forma correta, da sua concepção da verdacie p~r se. (O "perse" será explicado a segu:ir.) . ;

· .' : :Embora ele não as explicite aqui, Tarski tem duas queixas centrais a:respeito daforma de (1). Primeiro, ela tem o lermo semânti-:­co "diz que" no definiens de "é verdadeiro". Segundo, ela rtão mostra como as estruturas gramaticais das sentenças afetam seus. vâlores de

. verdade.· Mas além das suas a:nibições fisicalistas e relacionadas à teo": · ria dos modelos,Tarski não tem outra razão genuína para não adotar (1). A outra teoria, parecida comS em estrutura, que Tarski consid~ra é: essa: "Para todo o x, x é uma sentença verdadeira sé e somente se, 'para um certo p, x éidênticoa p, e p" (19~3, 159). Ele a,rejeita porcailsa de certos problemas a respeito da interpri:!tação do sínibolo "'p"' ;A in,-' . terpretação.mais comumdas aspas simples é a de que elas formam o nome de alguma expressão que aparece entre elas. Assim, na intérpre-

.· tação usual, "'p"' é uma palavra, um nome; O"p" dentro de 111fJ"' não é . tlilla parte característica de "'p"' mais dO que a letra v é uma parte ça­racterística da palavra verdadeiro.Assim, b "p" que aparece entre as as"'

. pas simples na última citação não pode ser a variável "p" que aparece rio resto da fórmula. o que a fórmula está realmente dizendo, corno

· aponta Tarski (1933, 160), é que al~tra 'i,p" é a única sentença vercht­deira, ·o que é absurdo. Tarski em seguida considera que se poderia tratar as aspas como umaftmção de sentenças para nomes de senten-

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240 RrCHARD L. KlRKHAM

. ças. De acordo com tal interpretação, o "p" entre aspas simples na fór­mula é uma parte legítima da expressão '"p"', e é a mesma variável que o "p" que aparece no restante da fórmula. Embora Tarski não rejei­te decisivamente tal teoria, ele reclama que nomear é uma noção. se­mântica, e que então uma função de nomear como essa acabaria por introduzir um conceito semântico no definiens da teoria e assim estra-gar seus planos.22

Desse modo, parece que as maneiras pelas quais a teoria fi­nal de Tarski se desvia de uma teoria do tipoS são motivadas inteira­mente por suas ambições fisicalistas e relacionadas à teoria dos mode­los. Se eliminássemos essas características de sua teoria e a técnica re­levantesomente para esses programas, a teoria e a definição recursiva de satisfação ·nas quais ela está baseada se transformariam em. algo mais ou meno? como a versão formal de S. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que (1) apreende a essência da idéia de Tarski da verdade per se. · Tanto é que Tarski, como Russell e Austin, esconde a es- · sência da sua noção de verdade acrescentando a ela traços que são motivados apenas por ambições não estritamente necessárias. para a realização doprojeto metafísico enquantotal, embora estreitamente · relacionadas com ele. (O caso de Tarski não é paralelo ao de Russell e Austin em um aspecto. Em vez de acrescentar matéria doutrinai à teo­ria baseada no esquema (C) [ver a seção 4.5], ele simplesmente impõe restrições especiais à formulação da teoria: o 'R'do esquema (C) não deve ser uma relação semântica, e a teoria no seu todo deve mostrar como o·valor deverdade de uma sentença composta é .afetado pelos · valores de verdade de suas cláusulas.) ·

. Dois outros pontos precisam ser escla,recidos com relação à teoria S. Primeiro~ não é preciso relativizar a.yerdade a linguagens particulares. Isso acontece porque, diferente da teoria à qualTarski fi­nalmente chega, a teoria Snão precisa de uma dáusulaparticular para definirayerdade (oti algum. outro conceito, como satisfação) separa­dar.nente para cada sentença (ou predicado). Assim, a teoria $;'que ex .. · pressa a essência da noção de Tarski da verdade, apreende o conceito ·. translingüístico de verdade. Já que foi a sua adesão ao programafisi-

. .

22 Tarski, 1933, 161-162. Comparar com a interpretação deDavidson dessa pa~sa-gem, em Davidson, 1977b, 174. · · · · · · · · · · '

A TEORIA S~CA DE ALFRED TARSKI 241

calista - eliminando terino~ sen:?a!lticos em favor de termos lógi­co-matemáticos e físicos -que forçou Tarski a rejeitar a teoria S, é esse programa que exige dele uma · definição separada de verdade para cada linguagem. · . Em segurtdb lugar, a teoriaS não tem como conseqüência o princípio de bivalência. Este último mantém que cada sentença decla­rativa é ou verdadei.raoufalsa; nenhuma sentença podê deixar de ser ou uma ou outra coisa. A razão por que a teoriaS não tem como conse­qüência esse princípio é que ela mantém que existem duas condições necessárias para a verdade de uma dada sentença: a sentença deve ex­pressar um certo estado de coisas, e o estado de coisas deve ocorrer. Assim, de acordo com a teoria S, há duas maneiras de uina sentença deixar de ser verdadéira, duas maneiras em que ela pode não ser ver­dadeira. Ela pode expressar um estado de coisas que não aconteça, e nesse caso ~la é falsa(e, então, não verdadeira). Ou ela pode deixar de expressar qualquer estado de coisas, e em tal caso elanão diz nada, de modo que não diz qualquer coisa nem verdadeira e nem falsa, e não é nem verdadeira e nem falsa (e, então, ela não é verdadeira). Mas a de­finição de verdade à qual Tarski por fim chega parece, pelo menos, implicar o princípio da bivalência, pelo menos se o princípio for toma­do como sendo uma tese somente a respeito de sentenças deste mun­do, do mundo real, pois a definição de Tarski satisfaz CAM, e essa últi­ma ao menos parece pressupor que toda sentença declarativa no mundo real ou é verdadeira ou é falsa. Novamente, então, o compro­metimento de Tarski com o princípio da bivalência (tomado como di­zendo respeito apenas a sentenças · sobre o mundo real), se Tarski está comprometido com ele, é um efeito secundário dos seus objetivos ex­tras de seguir cert~s programas que o forçam a abandonar a teoria S . (Ver a seção 6.1 para uma discussão de se CAM, e portanto a teoria de Tarski, realmente implica o princípio da bivalência.)

5.8 É A TEORIA SEMÂNTICA UMA1'EORIA DA . CORRESPONDÊNCIA?

Ainda há discussão a respeito do que seria uma. interpreta-ção correta de Tarski nos seguintes pontos: .· ·.

J i

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I I 1

242 RICHARD L. KIRKHAM

1. se ele pretendia que sua teoria· fosse uma teoria da ver­dade como correspondência · 2.se, independentemente de suas intenções, sua teoria é uma teoria da correspondência ..

FL Mackie, Susan Haack e Herbert Keuth defendem res­postas negativas a essas questões23

, enquantoDonald Davidson24, Karl

Popper, Wilfred Sellars e Mark Platts as respondem afi.Imativamen­te. 25 Getald Vision dá uma resposta negativa a (2), enquanto Hartry Fi­eld e A. J. Ay~r a respondem com uni.sim.26

.

Eu me coloco ao lado dos que dizem sün.à questão (1), por­que as seguii\tes observações de Tarski não deixam margem para que se duvide de-que ele consid~rasua teoria como iuna teoria da corres­pondência: "Nós consideramos a verdad~ de uma sentença como sua 'correspondência coma realidade"' (1936, 404), Em outro lugar ele afirma que ele" quer apreender uma antiga noçã()" (1944, 13). Que an­tiga noção? '~pu me ocuparei exclusivamente em compreender as in­tenções que estão contidas na assim chamada concepção clássica da verdade ("verdadeiro - correspondente à realidade"), em contraste, por exemplo; com a concepção utilitária ("verdadeiro- útil em certo sentido")" {1933, 153). ·

Gostaríamos que nOssa definição fizes~e justiça a certas in­tuições que fazemparte da concepção aristotélica clássica de verdade - intuições que encontram expressão nas palavras bem conhecidas da Metafísica deArist<Steles:

23 Mackie, 1973, 28; Haack, 1978, 100, 110,112; e Ketith, 1978, 424. O último argu­. menta que a definição de Tarski é incompatível com a teoria da correspondência, mas seu argumento depende de que se considere as sentenças-T como sé fossem as definições de Tarski e assume que o"sse" dassenténças-T quer_ expressar sino­nímia, em vez de mera equivalência exténsioriat

24 o'avidson, Í986, 309; e Davidson, 1969, 37-40,48.Nas s~as declarações mais re­centes sobre o assunto, Davidson renuricia a sua dassificaçãoanterior de Tarski como um teórico da correspondênàa, mas aparenteme~te a única razão que Da­vidson-tem para Jazê-lo é que ele (Davidson) não mais acredita na teoria da cor-respondência. VerDavidson, 1990, 304>>. .

25 Popper 1962; Popper 1974; Sellars 1963a, 197-198; e Platts 1979, 34. 26 Vision, 1988, 44; Field, 1974,203 n.3;.eAYe_!:, 1959, a introdução do editor, 20-21.

; - _~ , :~ .. : . .

A TEORIA SEMÃNT!CA DE ALFRED TARSKI 243

Dizer do qu.:: é que. não é, ou do que não é que é, é falso,enqiulnto dizer do que é que 'é, ou do que não é que não é, é verd~déiro. .

·: .. Poderíamos talvez expressar· essa concep'ção pot mei() da fórmula familiar:

:A verdade de · uma sentença consiste em suit conformidade (ou correspondência) com a realidade.

(Para uma teoria da' verdade que· se baseia na ·última for- .· mulação sugeriu-se o termo "teoria da correspondênci~" :>j/ .•. Poderíamos possivelmente usar para o mesmo proposl-tó a frase seguinte: · ·

.·.. Uma sentença é verdadeira se designa um estado de coisas e:xis-' tente. (Os itálicos são deTarski.)27

- · ,' -· ·

.. · Mais tarde, ele confi.rffia qu~ a diferença entre as dUéis últi-mas fórmulas em itálico na citação anterior e sua teoria é simplesmen­

. te que elas são mais vagas que e não que elas dizem algo diferente. · Tudo isso confirma que Tarski ·via a si mesmo como oferecendo uma ·. teoria da correspondência mais precisa. Haack aeredita que Tar~ki

queria rejeitar a "noção antiga" como"' ambígua e mesm:o talvez m- .· 'coerente" (Haack,1978, 100, 112). Mas Tarski não faz nenhuma dessas

.·• acusações.28· ~amar umâteoria de iinp!ecisa não é a mesma ~o~~. a que

· acusá-la de coerência duVidosa (falta de -sentido) ou de amb1gmdade (mais detim significàdo);menós ainda significarejeitar•a teoria. De

. fato, pôr que Tarski expressaria o desejo de apr(!énder "o signifiCado · .. ·· ·.: real" de uma concepção que · ele aéreditasse ser sem sentido ou com

: sentidos múltiplos? Em uma passagem, Tarski adtriite que ele não . 'estáseguro de ter apreendido as intuiç~es por trás da teoria dacorres­: pondência; pr~cisamente porque ele não está seguro de que da pre-

27 28

Tarski, 1944, 14-16. Tarskirepete exatamente essa análise em 1969, 63. , .. _ · _ •... Tarski disse .que a palavra "verdadeiro" é ambígtia em parte por c~ usa das tru:t~s concepções de verdade (correspondência, utilitarismo etc.) ofereadas pelo~ filo­sofes; Mas ele não alegou que alguma dessas concepções (p. ex., a concepçao em termos de correspondência) fosse por si mesma ambígua (1944, 14).

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244 . RICHARD L. l<rRKHAM

.tenda · expressar a concepção aristotélica, que ele .está seguro de ter apreendido. Mas, mesmo aqui, Tarski parece pensar que é pelo menos provável que a última seja expressa, embora de forma vaga, porfor­mulações modernas da correspondência, e, assim, que a sua teoria seja uma teoria da correspondência (1944, 31-32). ' ' Haack também nota que Tarski diz não estar súfpreso de saber que a maioria dos não-filósofos, ao re_sponderem um questioná­rio, rejeitam a alegação de que a verdade é correspondência com a rea­lidade, embora muitos aceitem a alegação de que "está nevando" é verdadeiro s~ e somente se está nevando. Mas é claro que ele conside­ra esse resultado somente como mais uma evid~cia da imprecisão da formulação tradicional da correspondência, e não como uma evidên­cia relevante à questão de se as concepções semântica e da correspon­dência são as mesmàs concepções de verdade (Tarski, 1944, 32). ·

·Mas tarski poderia ter sido mal-sucedido em suas pró­prias intenções, e assim minha resposta afirmati':a à questão (1) não implica uma resposta afirmativa· à questão (2). E a teoria de Tarski uma teoria <ia correspondência? Como vimos na seção 4.5, a essência da teoria da correspondência é apreendida pelo esquema C:

(t) {t é verdadeiro sse (3x) [(tRx) e (x acontece)]} (C)

. . Dessa forma, uma teoria da correspondência é qualquer teôriaqu~ instancie o esquema (C), especificando a que tipo de porta­dor de verdade t se refere, substituindo o "sse" por: algum símbolo de equivalência apropriado ao projeto que estiver em questão, e s11bsti-. tuindo ~'R'' por alguma relação apropriada para conectar os portado­res de verdade com os tipos especificados de estados de coisas ..

•A teoria de Tarski instancia o e.sque.Ina (C)? Bemi a teoriaS (seção 5.7),que expressa a essência da noção deTarski da verdade per se, certamente o faz. Especificamente, ela faz de R a relação semântic. · de expressar ou dizer. Mas, claro, foi precisamente por essa razão qu·! Tar~ki se viu forçado a rejeitar S. A teoria à qual ele chegou realment~ . instanciao esquema (C)? Estritamente falando, ela não o faz; já que.a · definição tarskiana da verdade é relativa a uma linguagem particular enquanto o esquema (C) não o é. Ainda, pode-se pensar que não ~e de; veria deixar essa característica do trabalho de Tarski interferir na cate- · gpria g~érica em que se coloca a sua definiÇão (estritamente fal~do, ···as· suas definições). Deveríamos talvez.permitir que ·uma teoria conte

A TEORIA SEMÂNTICA DE ALFRED TARSKI 245

como uma b~oria da correspondência se ela instancia um:a versão .do esquema (C)' relativa; a uma linguagem: ; .

(t) {t é verdadeiro-em-L sse (3x} [(tRx) e (x acontece)]},

onde t é uma sentença; afirmação, declaração ou algum outro item lin­güístico parecido com uma sentença, e "R". está no lugar de alguma relação, relativa a alguma linguagem, apropriada para conectar o item lingüístico ao estado de cbisas. Mas penso que, ao final, é improvável que cheguemos a estabelecer que a definição de Tarski instancia mes­mp essa versão mais limitada do esquema, porque quando o portador de verdade é uma sent~ça, parece queR teria de ser algum tipo de re,­lação semântica, e isso éprecisamente o que Tarskinão pode permitir, dada sua ambição de eliminar conceitos semânticos do definiens da de­finição de verdade. Então, Tarski'tem de definir verdades de modo a não tomar explícita a relação entre uma sentença verdadeiia e um és-. tadode coisas que acontece. E isso, por sua vez, significa que ele deve, no caso de uma linguagem simples, sem quantificadores ou sentenças abertas, listar cada sentença da linguagem em questão separadamen­te e simplesmente designá-Ia a um estado de coisas. Claro, nós reco­nhecemos que, para Târski, cada sentença designa apenas o estado de coisas expresso pela sentença, mas isso não é explicitado na sua defini­ção. (Esse último ponto parecerá mais evidente na seção 6.3, na qual eu chamo aten<;ão para o fato de que se formos conftontadôs com uma definição de verdade pârecicj.a com a de Tarski para uma linguagem que não compreende1nos, não poderemos dizerque ela d~signa para cada sentença apenas q estado de coisas expresso pela sentença.) Para linguagens mais compiexas,com quantificadores e sentenças abertas, Tarski deve listar separadamente, na definição de satisfação para a linguagem, cada predicado da linguagem e designar a elé uma pro­priedade. Novamente; se s~ trata de tima linguagem que conhecemos, poderemos reconhecer que . ide atr~buiu a cada predicado apenas a propriedade nomeada pelo: predicado, mas essa relação semântica não é explicitada na definição. . .. · · .

Desse modo, a classificaÇão ou não da teoria d~ Tarski da · verdade como uma t~oria dacorrespondência vai depender de estar­mos falando de sua no<;ãodél, verdade per se, da teoriaS, ou de estar­mos falando da teoria à qual ele foi obrigado a recorrer, dadas suas ambições extras com reié!.çãci ao fisicalismo e à teoria dos modelos. A

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246 RICHARD L. KIRI<HAM

primeira é uma teoria da correspond.ência, mas a segunda.não. Mes­mo a teoría à qual ele chegou~~ntretanto~não é uma competidora da teoria da correspondência, no '$.e!ltid,ode queela entre em conflito com esta última. Elas são inteir(lJilêi\te compatíveis. Elas são diferen­tes simplesmente porque a teoriaS, ~ma teoria da correspondência, não é relafiya a linguagens particulares e é inadequada aos programas fisicalistas e aos programas relevantes para as teorias dos modelos.

... 5.9 RESUMO DO CAPÍTULO

:Para que se possa compreehder a teoria de Tarski, é neces­sário um Ê!ntendirriento dos programas mais ,amplos a serviço dos quais ele quer colocá-1a. Ele quer reduzirtodos os conc;eitos semânti­cos a concej.tos físicos e lógico-matemáticos e, aofázer isso, tomar a se­mântica ufua ciência. Esse objetivo obriga Tapiki a rejeitar qualquer definição :de verdade eil1 que apareça . um. termo semântico não-reduzido no definiens. Isso, por sua vez, exige efetivamente que ele defina a,verdade em texiuos Çie satisfação, que é ela mesma defini­da separadamente para cada predicado da linguagem para a quci.l se está definindo verdade. Então, deve existir uma definição separada da verdadépara cada lingtiàgem,e surge a pre'()cupação de que ele só possa definir verdade para linguagens artificiais 'éorri rm,t número fini­to de predicados. Tarski não estava incomodado com isso, mas isso é bastante desapontador para aqueles que colocariam o projeto metafí­sico a serviço da epistemologia. Pois nerihtima linguagem com apenas um número finito de predicados poderia expt~ssar todas as crenças que alguma pessoa ou outra poderiam vir a ter no futuro, e os episte­mólogos se preocupam fundamentalmente com a verdade das cren­ças. Um outro efeito colateral desse banimento dos, termos semânticos do definiens é que sua definição, para quci.lquer: linguagem dada, não pode explidtamente apreender a essência de suaprópria noção da ver­dade per se: Finalmente, vimos que a questão dése devemos considerar ou não a teoria de Tarski como ilma teoria da correspondência depende exatamentedaquilo a que estamos nos referindópormeio da expressão "teoria de Tarski": a téoria S ou a teoria à quci.l ele finalmente chega.

Tratarei agora de algumas cias maiores objeções que têm sido feitas à teoria de Tarski .

6 OBJEÇÕES À.TEORIA DE TARSKL

6.10BJEÇÕES À CONDIÇÃO DE ADEQUAÇÃO MATERIAL DE TARSKI .

, . Susan Ha:ack lamentou (19781 101-102) que CAM não exclui teoriá.sbizarras da verdade como

(p) (pé verdadeira:= pé asseverada pela Bíblia),

que é consü;tente com. todos os exemplos do esquema (T). Mas ela se esquece que CAM exige que uma teoria tenha como conseqüênCia, e não apenas seja compatível com, todas as sentenças-T, e a Bíblia por si mesma não as tem como conseqüência. : · .· . . . . . . . . ; .·•.·•

A' segunda objeção de Hâack diz respeito ao priric~pio de bivalência, que diz que toda sentenÇa declarativa significativ~ ;ou é verdadeira ou é falsa;e·que nerihumádeixa de Ser alguma dessascoi­sas. Esse princípio tetn 'sido·negado. Há aqueles que dizem que ci.lgu­mas sentenças são ''indeterininadas'í no seu vci.lor de verdade; e ou:. tros que dizem que algumas sentenças . simplesmente não têm vci.lor de verdade. Em ambos ós casos, as sehtenças em questão não são nem verdadeiras nem fci.lsa:s. Assim,de acordo com essas concepções,· exis_. tem pelo menos duas maneiras em qhe uma sentença pode deixar de ser verdadeira: ela pode ser falsa ou ela pode não ser nem fci.lsa e nem verdade'ira. A objeção de Haack é de que CAMpressupõe b princípio da bivci.lênda e, assi.in, muito depressa, exclui qualquer teoria da ver­dade que negue esSe princípio. Certartlente,parete que CAMtemesse efeito, já que ela exige que uma teoria da verdade para uma lingua­gem tenha como conseqüência, para toda sentença s da linguagem, uma sentença-Tdaforma

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RrCHARD L. KIRKHAM

s é verdadeira = p, ·

. onde p é o estado de coisas expresso por s. E, para qualquer estado de coisas expresso no lado direito de uma sentença-T, parece que ou ele acontece ou ele não acontece. Não parece ··haver nenhuma ·terceira poss~bilidade. Assim, parece que para qualquer sentenças menciona­da no lado esquerdo de uma sentença-T, ou ela é verdadeira ou ela é · falSa. Parece não haver nenhuma terceira possibilidade, nenhuma ou..: tra maneira de ela deixar de ser verdadeira, exceto sendo falsa.

No melhor dos casos, essa objeção é fraca. Por um motivp: as sentenças-T sãoasserções apenas de equivalência extensional, de modo que, se CAM pressupõe o princípio da bivalência, ela só o faz quando o princípio é interpretado como a alegação de que se trat~ de um Jato contingente que toda sentença seja ou:verdadeira ou falsa. Ela não pressupõe o princípio quando o último é entendido como sendo a alegaÇão de que é impossível para uma sentença não ser nem verdadei• . ra e nem falsa. Além disso, já que á negação do princípio é ela mesma bastante controversa, não é uma grande objeção apenas apontar para a Íl'icoínpatfbilidade dessa rtegáção com CAM. : Em qualquer caso, é discutível se CAM realínente pressu­põe o prípcípio dabivalêneia. Suponhamos que alguém afirme, como muitos o fazem, que há tais coisas como estados de coisas vagos, que eu defino como sendo estados de coisas tais que esteja indeterminado se eles ocorrem ou não. (Observe~se que ao chamar uni. estado de coi­sas de inciet~rminado, eu não quero dizer apenas que é impossíveldi:­zer se ele ocorre ou não. O que eu digo é que a sua própria condição ontológica éindeterminada.) Um exemplo de-:umestadode coisas . desse tipo pode ser o estado de coisas expresso por"John ainda não .é um adulto'', quando John nomeia algum adole!)cente (Walker,1989, ·32-33). Qualquer um que aceitasse uma perspectiva dessás e aceitasse .CAM seria obrigado a aceitar as sentenças-T para todas as sentenças da linguagem ém questão, incluindo ·

;"John ainda não é um adulto" é verdadeira = John ainda nãó é um adulto.

. . ·Seria essa uma posição consistente?-Gerald Vision argu­: menta que não. Se assumimos que o princípio dabivalência não vale, _.há um argumento que mostra que a sentença-T anterior é falsa. Se o

.'- ~: ···:

249

estado de coisas de Johririãoser amda um adulto é indeterminado, en­tão o lado direito da sentença:. T precedente e a sentença mertcionada no lado esquerdo não sãô riem verdadeiros e nem falsos, e assim não são verdadeiros. Mas, então, o léldo esquerdo da sentença no seu todo é falso, e assim oslados.esquerdo e direito têm valores çleverdade dife­rentes -logo a sentenÇà'-Tí10 seu todo é falsa (Vision,1988, 115). Mas essa conclusão é muito forte. A definição padrão de "=" diz que

"p = q" é {a) ·verdadeiro quando tanto "p" quanto "q" são verdadeiros ou quando ambos são falsos, e (b)falso quan­do um é verdadeiro e o outro é falso.

A definiçã.ti padrão não diz nada á respeito de casos em que ou "pi' ou "q" ouaí'nbos são indeterminados. Para tais bicondicio­nais, ela não define verdade e falsidade. Por isso, o bicondícional aci­ma não é falso, coí'no conclui Vision, mas nem falso e nem verdadeiro. Por outro lado, ém coritextos nos qtJâis o print:ípio da bivalênda está sendo negãdo, é cômum módüicar a definição usuâl de "'S." . de forma que ela dê conta de bitondiciona:is que têm ou um antecedente ou um conseqüente ou ambos çle valor indeterminado. V amos supor que Vi~ sion esteja considerando alguma dessas definições modifiCadas. Qual seria? Para concluir que "pÉ q" é falso quando "p" é falso é "q" é inde­terminado, parece que a segunda cláusula dessa definição modificada (correspondente à cláusula (b) na definição padrão) deve.ser:

(b") falso sempre que "p" e "q" tiverem diferentes valores de verdade (incluindo<> caso em que um seja falso e o ou­tro indeterminado).

Não sei como argumentar. contra alguém que considere essa:. definição intuitivamente satisfatória, mas devo notar que (até onde pude descobrirftodos os lógicos que desenvolveram lógicas de três valores, nas quais o "terceiro valor'' é "indeterminado~', "sem sen­tido'', '~paradox~" ou1'que não se sabe se é verdªdeiro oufalso'', con­sideràram (b") impla.usível. Para eles, é intuitivamente convincente que quando "p" é falso e" q" é indeterminado, "p = q" também é inde-

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250 RrCHARD L. K1RKHAM

terminado. (VerHaack, 1974,47-72, para uma discussão desse assun-to e referências à literatura relevante.) • .

Talvez, de qualquer forma, a conclusão mais fraca, de que o bicondicional não é nem verdadeiro e nem falso, seja tudo o que Vi­sion precisa para estabelecer seu ponto. Afinal, normalmente dizemos que alguém que adota uma teoria Testá comprometido com a verdade de todas as· conseqüências lógicas de T. Se essa. regra é válida nesse contexto, então alguém que negue a bivalência (por causa da existên­cia de estados de coisas indeterminados) não pode aceitar CAM, por­que isso tem como conseqüência algo que não é verdadeiro (ou falso). Eu não tenho intuições seguras a respeito de a regra normal ser aplicá­vel em cont~xtos nos quais está sendo assumido (pelo menos em fun­ção da argumentação desenvolvida) que a bivalência não vale, e assim não tenho uma posição conclusiva quanto ao argumento de Vision, mas não acho que sefa inconcebível que, quando a· bivalência não se aplica, alguém que adote T esteja comprometido somente com a não-falsidade das implicações de T, em vez de com sua verdade. Se essa regra mais fraca for apropriada em tais contextos; ehtão não é in­consistenteassumir CAM e negara bivalência.

6.2 A TEORIA SEMÂNTICA E O PROJETO DA JUSTIFICAÇÃO

Será útil aqui nos livrarmos da objeção, comum mas mal dirigida, à teoria de Tarski, baseada num. fracasso em ise distinguir teorias da verdade de teorias da ju$tificação. O'Connor expressa essa objeção de forma tão clara quanto qualquer outra pessoa já o fez, e ele está consciente da distinção que essa objeção passa por alto, mas não parece estar consciente do quão simmcante é .essa distinção:

Como sabemos que, por exemplo, aneve satisfaz" X é bran­C()"Sem já sabermos que a s~tença "a neve é branca" é , ~erdadeira[?] ... De fato, é óbvio que não podemos identifi­car as coisas individuais que satisfazem· uma sentença aberta sem conhecer os valores de ~erdade das sentenÇas fechadas resultantes de substituirmos, nas sentenças aber­tas, as variáveis não ligadas por nomes de coisas indivi-

ÜBJEÇÕES À TEORIA DE TARSKI 251

duais. Sendo assim, não é uma explicação da verdade e da falsidade em termos de satisfação claramente circular? A essa objeção, um defensor da teoria semânticadaverda~ de responderá que a teoria pretende apenas fornecer umà definição clara e precisa de verdade. Ela nãp pretende ofere­cer um método para determinar quais sentenças particula­res são verdadeiras e quais são falsas. A resposta é justifi­cada, mas aponta para uma característica da teoria queli­mita seriamente seu interesse filosófico. Pode-se pensar que é um tipo bem estranho .de definição uma definição que não nos ajuda a identificar os elementos da classe defi­nida (O'Connor, 1975, 107).

Mas a definição de Tarski da ve;dade é de tanta ajuda para se identificar elementos da classe que ela define como o é qualquer ou­tra definição de qualquer outro conceito. Para identificar os elementos da classe dos cavalos, precisa-se primeiro de uma definição dé "cava-

.. lo" estabelecendo as condições necessárias e. suficientes para' algo ser um cavalo. Mas será preciso,. então, sairmos e examinannos os vários objetos do mundo para vermos se, para cada objeto dado, ele atende ou não a essas condiçÕes. A definição ajuda ao nos dizer o que deve­mos proçurar. Da mesma forma, para determinar se mna sentença é verdadeira ou não, precisamos de duas coisas: uma definição de ver­dade nos dizendo o que procurar e um método de observação ou justi­ficação por meio do qual possamos fazer a procura. Deve-se notar que, sem uma definição de verdade; nãoteríamos idéia de se devería­mos ir examinar a neve' e determinar sua cor, de se deveríamos procu­rar ver se a sentença "a nf:Ve é brancà" é coerente com outras senten­ças que expressam nossas crenças, ou de se deveríamos tentar deter­minar o que todos com suiicientes experiências relevantes iriam even- . tualmente aceitar com relação à cor da neve. A prova de que a teoria de Tarski fornece toda a ajuda que qualquer outra definição de qual­quer outro conceito fornece. é que sua teoria nos diz qual dessas coisas devemos fazer (a primeira). A prova de que ela não nos fomecemais ajuda do que qualquer outra definição é que, se estamos reaimente na dúvida a respeito do valor deverdade de "a neve é branca", ainda te­remos de ir examinar a neve e determinar sua cor.

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252 RlCHARD L. KIRKHAM

6.3 A OBJEÇÃO DE RELATIVIDADE

Vimos, na seção 5.5, que Tarski não tanto define a verdade quanto define a verdade-em-Lj, a verdade:.em-'-L2 etc. Muitos conside­ram isso um defeito sério. Conforme Simon Blackburn expressa a ob­jeção, o trabalho de Tarski não revela mais a natureza da verdade do que definições de séries de conceitos veredicto-legal-próprio-para­quarta-feira, veredicto-legal-próprio-para-quinta-feira - etc. revela­riam a· natureza de um veredicto legal próprio (Blackbum, 1984, 266-267): Para simplificar minha discussão d~ssa objeção, vou retor­nar à linguagem mais simples descrita na seção 5.2, que não tem ope­radores de funções de verdade como "não", "e", "ou", ou "se ... en­tão"; não tem quantificadores; não tem variáveis; e, portanto, não tem sentenças abertas. (O ponto que desenvolverei éigualmente bem-su­cedido com· relação a tipos de linguagens ~ais complexos.} Sejam L; e .

· L2 duas linguagens tais que L; corisistaapenas das sentenças "a mesa é redonda";':o tapete é roxo" e "John _amaMary";e L~ consista apenas das sentenças ''Bob é um palerma" e "Napoleão estávivo".Asdefini­ções de yerdadeiro~em..;L1 e verdadeiro-em:..L2 parecidas com á defini­ção de }atski seriam, respectivamente, as segtiintes:

(s) (s é verdadeira-'em-L1

= (s = "a mesa é redonda" e a mesa é redonda) ou (s ,;. "o tapete é roxo" e o tapete é roxo) ... ou (s = "John ama Mary" e John ama Mary)]

(s) [sé verdadeira-"em-L2 ·

= (s = "Bob é um palerma" e Bob é um palerma) ou (s ="Napoleão está vivo" e Na.poleão está

Agora, poderia parecer que podemos discernir um· ele­mento comum nas definições de verdadeiro-em::L1 e'verdad~iro-em­L2, e, por extensão, numa definição, para''qualquer linguagem, q~e

1 Tarski, 1969, 65; e 1933, 188.

ÜB)Ei;:õES À TEORlA DE TARSKI 253

seja semelhante à de Tarski. Se, por exemplo, a sentença('Kendall é al­to" fosse adicionada. a L1, não teríamos dificuldade em discernir quç a maneira adequada.de corrigir a definição acima de verdadeiro-em-L

1 é acrescent~do a seguinte cláusu~a:

ou (s = "Kendall é alto" e Kendall é alto).

De modo similar, com relação a uma linguagem L3 consis­tindo somente das sentenças "Emory é loiro" e "Collin é querido", p-o­deríamos facilmente discernir um padrão nas duas definições acima para compreendermos que a definição correta, nos termos de Tarski, de verdadeiro-em-L~ é

(s) [s é ·verdadeira-em-L3 = (s = "Emory é loiro" e Emory é loiro) ·

Óu (s = "Collin é querido" e Collin é querido)].

O elemento comum que pareéemos discerrth é que uma sentença em qualquetlinguagem é verdadeira se e somente se urn certo · estado de coisas ocorre; 'especificamente, o · estado de coisas expresso pela senten~a. Por isso; somos tentados a pensar que, pelo menos im­plicitamente, Tarskii ª-final, nos deu a essência da verdade translin-güística. · ·

Mas nossasinhiiçõesaqui nos iludem. Para entendermos por que, suponhamos uma linguagem L4, consistindo apenas das sen­tenças" E D~" e "0 O 1-".Esuponhamos que eu, que compreendo essa linguagem, defina "verdadeiro-em-L/' assim:

(.5) [s é verdadeira-em-L4 =_(s = E O D." e a neve é branca) ou (s = ''00 1-" e í:l neve é verde)]

. . ' Agora, se eu :informasse a vocês que foi descoberta uma

nova sentença nessa linguagem misteriosa, "I= . ·. -,", e se eu pedisse a vocês que estendesseiP,adefinição de forma. a dar conta da nova sen­tença, vocês estariart.t co~pletamente incapacitados de fazê-lo. De modo similar, vocês. seriam incapazes de criar uma definição para "verdadeiro-em:-L5", ,se L5 é uma linguagem consistindo apenas das sentenças 'T v n"e 11

1\ 1=". Vocês nãopodem fazer nenhuma dessas

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254 RICHARD L. ~IRKHAM •

coisas porque vo~ês não entendem nem a linguagem L4

e nem a lin­guagem L51 vocês não sabem o que essas sentenças significam.

Ou suponhamos que eu crie o termo"rotdeeplEi" para no­mear uma certa propriedade que tenho emmente,e que eu assim defi­na "rotdeeple".para uma linguagem L6 consistindo apenas das senten-ças "a neve é branca" e "a neve é verde": · ·

(s) [$ é rotdeeple-em-L6 = (s ="a neve é branca" e a neve fbranca) ou (s ="a neve é verde" ea neve éyerde)]

No~~mente, se fosse destobert9 que aJmguagem L6

tem uma terceira septença, "azul é o céu", vocês não seriam capazes de es­tender a definiÇão de "rotdeeple-em-L/' a fim de .dar conta da :novÇI. sentl;!nça, poJ:'qYe voe&$ :nãq §ªhem º q1..1c é !i!?CPJ:'~t;sQ p~lo conc.:eHç "rotdeeple". Umíl possibi.Ud,ade é que ele seja tm,t sinônuno pa,ra "ver­dadeiro", e em .tal caso a cláusula, adicional adequada seria

OY (s = "azul é o céu" e azul é o céu). ~ - ;

Mas "rotdeeple" pode nãb ser um sinônimo de "verdadei­ro". Pelo que vocês sabem, poderiaser um sinônimo. para "contém uma palavra q~e nomeia a cor daneve", e nesse caso a cláusula adi-cional adequada seria · ·

Ou (s = "azul é o céy" e a neve é azul). 2 .. •

Porr~zões similares, vocês não podem cf:iar uma definição de "rotdeeple" .para nenhuma outra linguagem, incluindo o inglês.

O que tudo isso implica é que nossa habilidade para esten­der a definição de verdadeiro-em-L1 e para criar uma definição de ver­dadeiro-em-L3 d,epende de algo maisdo que apena_snossa familiari­dade com as defínições de verdadeiro-em-L1 e verdadeiro-erri-Lr Nos­sa habilidade também depende (1) do fato 9e que entendemos L

1, L

2, e

2 Eu simplifiquéi exageradamente as coisas aqui. A Cláusula adequad~diria o se­guinte: "ou (s=: "azul é o céu" e ou a neve é azul, oli a neve' é é, ou a neve é o, ou a neveécéu)"

OBJEÇÕES À TEORIA DE TARSKI 255

• ;L3, conhecemos osignificadode.suas sentenças; e (2) do nosso conhe:..< . cimento de o que as propriedades . "verdadeiro•em*L/' I ~'verdadei:. ro-em-L( e "verdadeiro'-em-.L/' nomeiam, isto é, do nosso conheCi­mento de que se pretende que elas tenham uma certa coriforinidade: com a nossa noção pré"' teórica de verdade; (Comparar cotriDavidson; ,, · :1977a, 217, e Davidson,l990, 286-287.) Se não tivéssemosésseú1timo<

.. conhecimento, então, por tudo o que saberíamos, 'fverdadeiro-e±n:..Lt' · · • ·poderia significar ''verdadeiro em Li e não assevera que Keridalfé alto ou falso em L1 e assevera que Kendall é alto", e nesse caso a exferisãô ·.

· a,dequada da definição não exigiria, como pensamos, a cláusul~ ' ·

ou (s = "Kendall é alto" e Kenc\all é alto).

Antes disso,~la exigiria

· .. ou (s = "I<endallA alto" e Kendall não ~ alto).

Desse modo, quando detectamos, nas ddinições de,ver­dadeiro~e,:n-Lt e "verdadeiro-em-I.(, o padrão que. nos permite es­tender a definição de "verdadeiro-em-Li" e criar definições si.Inilàtes .Pará outras linguagens(as quàisen:tendemos), o que estamos :de.tec-' {ando, em. primeiro lugar, é que as duás definições estão de àçordo: c:·om o princípio de. CJ.ue uma sentença é verdadeira exatame:tlte qtrari'-'

·· 'do ela diz que p e p acontece; isto é, elas estão de acordo com aq1.1ilo ·•. que chamei de teoriaS na seção 5.7. E em segundo lugar;estéllll.osde"': •·

. tectando que elas conseguem fazer isso sem usar o termO semântico •· "diz que"~ mas antes ofazemnomeandó cada sentença da linguagem ~· as colocando lado a lado com o estado de coisas que, independente:.· inente; reconhecemos como sendo exatahi.ente o estado de co:iias 'êx:.' presso pela sentença; Se nã.o estivéssemôs a par dos objetivos déT<ri-s·0 1Q., poderíamosficarintrigadospôr que Uma técnica tão estrânhàéuti~{.· 1~ada; mas o ponto aqui é que uma,defiAição de verdade-em'-L sem€"'' lhante . à de . Tarski, para qualquer L, não expressa (mesmo implicita'- · mente) nossa noção pré-teórica, translíngüística de verdade; ela a

·pressupõe. (Comparar com Bealer, 1982, 200-202.) . Por outro ladb1 não devemos deixar que a objeção de rela-

. tividade nos leve à conclusão de Putnam de que as propriedades tars­kianas de verdade-em-LI' yerdade,.em-Li, verdade-na-linguagem-da­têoria-dos-conjuntbs etc. nada têm que ver com nossa noção translin-

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256 R!CHARD L. Klru<HAM

güística. de verdade (Putnam, 1985, 64). Tal conclusão não leva em conta a importância do fato de que, com relação a linguagens que en­tendemos, podemos reconhecer que definições como as P,e Tarski. es­tão de acordo com a teorias, e, assim, que elas captur<Ím. álgo denossa noção translingüística, Especificamente, cada definição-dessas captu:.. ra parte da extensão da verdade translingüística. Além. disso, cada uma delasfaz isso sem usar uma terminologia semântica. E,para lin­guagens com. operadores de funções .de verdade e quantificadores, as cláusulas recursivas numa definição de satisfação para alinguagem, como a de Tarski, dizem-nos como a presença de. tais termos numa sentença afeta o valor de verdade da sentença . . Resumindo, definições como as de Tarski fazem exatamente aquilo que .Tarski desejava que elas fizessem.

Assim, a força da objeção de relatividade só pode ser medi­da a partir da 'perspectiva de algum objetivo. Se o que se procura é umaéxpressão da essência de nossa noção translingüística de verda­de, então a objeção mostra que definições como as de Tarski não serão boas. Para alcançarmos esse objetivo, devemos nos voltar para algo como ateoria S. Mas, se o objetivo for mostrar como descrever a exten­são do predicado verdade sem usar termos semânticos, então a obje-­ção é irrelevante. Essas coisas não devem. causar surpresa: . como vi­mos na seção 5.7, a teoriaS não precisa ser~relatívizadaa linguagens. Mas embora a teoriaS expresse a essência da noção de Tarski da ver­dadeper se, Tarski teve de rejeitá-la porque. ela contém um termo se­mântico no definierts. Assim, é ·o programa fisicalista de Tarski que o força a relativizar suas definições a linguagens particulares. Mais cor-

. retamen~e, é o seu desejo de eliminar termos semânticos que produz esse efeifo; .o fato de o vocabulário não-semântico particular que ele

'~st4~sc,ando ser. constituído por termos físicos (e lógico-matemáti­cos) PQf simesmo não exige que ele abandqne a teoria S. (A su~ solu­ção para o Paradoxo. do Mentiroso. também:.exige .que ele tome .aver­daderelativa a linguagens, mas não no sentido de ."relativa-à.,lirlgua- '· g~m" que se discute nesta seção. Ver a seção 9.3.)

.. ; - -~·· .. . ;·,, QBJEÇQES À TEORIA DE TARSKI 257 . -~:~ -.

6.4 A OBJEÇÃO DE VACUIDADE

Talvez a objeção mais devastadora à teoria de Tarski, se for procedente, éa de que él teoria é vazia no sentido de que não contradiz nenhuma das suas competidoras. Há tpna linha de raciocínio legítima que leva a uma versãÓ moderada dessa conclusão, mas os que a sus­tentam freqüentemente expressam a conclusão de forma exagerada, e muitas vezes complementam (ou confundem) a linha de raciocínio le­gítima com argumentos baseados em um, ou outro, ou uma combina­ção dos seguintes eqüívocos:

1. Uma tendência a confundir uma análise de "é verda­. deiro" que faz uso do símbolo "=" ou do mais ambíguo ·"se e somente se" (ou de sua abreviação "sse")' com uma análise de"=" ou de "se e somente se'\

2. Uma te~dência a esquecer que CAM exige que uma teo­ria da v:erdade tenha como conseqüência todasas sen­tenças-T, e não apenas sejacompatível com elas.

3. Um fracasso na distinção dos vários projetos descritos no capítulo 1. · .

4. Uma tendência a equiparar a teoria de Tarski com a teo~ .. ria da redundância de Ramsey.

5. · Um desejo de concluir, a partir de tiltla evidência fraca, . que Tarski pretende que sua teoria seja óntologicamente neutra,isto é, que ele pretende que ela seja,·compatível tanto cóm o realismo ontológico quanto c()m todas as

. forma~ de não-realismo ontológico~ (Ver a seção 3.1.)

Vamos considerar · rapidamente esses equívocos e então examinar a objeção ein seu argumento legítimo, para ver exatamente o,quão fortéé a conclusão a,ssim defendida. (Note--se que alguns da­queles que levantam 9 que estou chamando de objeção de: vacuidade, particularmente muitos dos que cometem o equívoco ( 4), pen~am que é um ponto a favor de Taiski, não uma objeção, que ele é vaz1o nesse sentido. Adiarei umamaíor discussão disso até o capítulo 10.)

Embora o tenha visto escrito somente uma vez (Keuth, 1978, 425), tenho ouvido o equívoco (1) em tantas discussões que 'fi­quei convencido de que devo mencioná-lo aqui. O argumento é o se-

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258 R!CHARD L. KIRKHAM

guinte: algu~m que defenda uma teoria ]nstrumentalista da verdade poderia aceit'ar o esquema T de Tarski (e assim todas as sentenças-T), bastando pafa isso considerar que a crença representada pela expres­são no lado esquerdo do operador "sse", '"a neve é branca' é verda~ deira", é, pará alguém que nela acredita, tão útil quanto a crença repre­sentada pela,' expressão no lado direito, "a nevé ,é_branca". O instru~ mentalista, em outra5 palavras, pode, dar uma frterpretação instru­mentalista do operador "sse". Ele pode traduzi-I() como"é tão útil de acreditar quanto". De modo siiÍtilar, um teóriCo di!' coerência está livre para afirmar que a expressãono lado esquerdo é:coerente ou deixa de ser coerente ~xatamente no mesmo grau qué a expressão no lado di­reito. O teórko da coerência pode assim tomar <:r"sse" como signifi­cando "tem ome~mo grau de coerênciaque". Desse modo, se Tarski estivesse tentpndo analisar o operador "sse", e4~ão sua análise seria vazjÇt. Mas ele n~o ~~tave1 t~ntando fazerisso. 'l'ar~"ici estava tomando o operador "ssé" como um termo primitivo (1944,28-29), enquanto ele interpretava o predicado "é verdadeiro".' _·

Vimos, na seção 6.1, que se CAMexigisse que uma teoria da verdade fosse apenas logicamente compaiível com as sentenças-T, ela não descartaria nem mesmo teorias exóticas como' a teoria da verdade daBíbli~: · · · ·

: ' . .

(p}(p é verdadeiro= p está asse~erado_ naBíblia) . ·_·. .··: ':' . . ,·, . . -·., · -: :·

Mas, novamente, já que CAM exige qp.e a teoria tenha como conseqüência tpdas as sentenças-T, e!a.:' 4escarta a ·teoria da Bíblia. A tendência de esquecer o que CAM re~i:Q1énte exige parece ser pelo me­

. nos parte da motivação em função dé:l qi.taJ Wilfr~d Sellars e Max Black apóiam a obj«:l9ãode vacuidade: · · ,, · . :· · .·

3 Com efeito, aqueles que caem no engano (1) estão confundindo as sentenças-T rnetalingüís,t!Cas de Tarski com sentenças metametalingiHsticas do seguinte pa-drão: · · · ·

"'A neve é pranca' é verdadeirà" tem o rnesrn~ vâlor dê verdade que "a neve é branca"; ·· · ··.

Corno esta última sentença fornece uma análise não circular da verdade e é acei­tável para quase todas as pessoas, não importando qual~eja à teoria da verdade que elas defendem, a confusão dessas sentenças com as sentenças-T produz a conclusão iHcita de que as sentenças-T também são aceítáveis para: todos.

ÜBJEÇÕESÀTEORIA DE TAR5Kl 259

Como foi muitas vezes notado, a fórmula ··

"a neve é branca" (em nossa linguagem) é verdadeira= a neve é bian:ca

· é vista com-a maiür equanimidade tanto por pragmatistas quanto por coerentistas (Sellars~ 1963a, 197).

·Defensores das "teorias" da verdade coerentista, pragma­tista . ou da correspondência vão todos,, indiferentementei ·aceitar o esquemaS [a versão de Black para o esquema T]. Todos eles estarão-preparados para concordar que

"e$tá ne'Vand'o hoje" é verdad.eira sse está nevando,

"Londres é uma cidade" é verdadeira sse Lond.res é ~a •cidade, ' ·

· E assim pór diante. . . . .

E, na medida em que a definição semântica de verdade t~m conseqüências como essas e nenhuma outra, a discussão fi­-losófica não se resolve. Os adversários filosóficos estão preoçupados com· 6 que em geral nos dá o direito de di­zer-, está nevando" ou "Londres é uma cidade" e assim por diante (Black, 1948,60~61).

. -. Mas,;iepetindo; mesmo se for yerdadeiro que os defenso­

. ~es de outras teorias podem ver as sentenças'-T "com a maior equalii­IÚidade" e "indiferentemente aceitar" o esquema T, isso é irrelevante; , pois CAM exige mais do que isso. É digno de nota, entretanto,como Urna alusão à natUreza 'do argumento legítimo para a objeção de vacui"' dade, que, se Ul1l instrumentalista com relação à 'Verdade também !n.antiver uma ontologià instrumentalista, isto é, uma teoria instru-' mentaliSta de o que significa para um estado de coisas ocorrer (como é o caso de James, por exemplo; ver a seção 3.3), então a combinação, da sua ontologia e da sua teoria da verdade vai ter como conseqüência as

. 'sentenças-T. Coin isso quero dizer que a conjunção de .

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260 RlCHARD L. KIRI<HAM

(1) ("a neve é branca" é verdadeira sse é útil acreditar que a neve é branca

e

(2) (a neve é br.anca sse é útil acreditar que a neve é branca

implica

11 a neve é branca" é verdadeira sse a ne~e .é branca.

Desse modo, a conjunção de 11ffiateoria da verdade que te­nha corno conseqüência todas as sentenças do padrão (1) <:!uma teoria ·. ontológica que tenha como conseqüência . todas as · sentenças do pa­drão (2) teria como conseqüência todas as sentenças~T. Um exemplo similar poderia ser dado em termos da teoria coerentista da verdade e . de uma teoria coerentista a respeito de o que significa para um estado · de coisas ocorrer. Com relação a essas questões, suponho que alguém . poderia manter q~e a existência de um fato, isto é, a ocorrência de~ estado.de coisas depende apenas de que ela seja asseverada pela Bt-blia. Qu ~eja,

·· aneve é branca sse"aneve ébranca" é asseverada pela Bí­blia.

Isso também, em conjunção com a teoria . da verdade da Bí­blia, implicaria todas as sentenças~ T, Terei mais a dizer sobre.a signifi­cância dessas coisas a seguir, mas<;> ponto aqui é que nem uma teoria instrumentalista da verdade por si mesma (inciependente de qualquer doutrina ontológica) e nem uma teoria C()erentista da verdade por si mesma vão implicar as sentenças-T, e, por isso, nenhuma delas.satisfaz CAM;4 . .

. ·.Defensores de teori~s dajtistificação ~tanto instrgmentalis- :. ta~ quanto coerentistas ~, enquanto distintas. de teorias da verdade, P?- •· dem aceitar uma teoria da verdade çomo a de.Tar?ki comindiferença, .

4 · A resposta deDonald Davidson·a Sellarsparece ser essencialmente como essa. Ver Davidson, 1969,50-51.

,_-: ÜBJEÇÕES A TEORIA DE TARSKI 261

mas, se eles o fazêrn, isso apenas significa que eles estão aceitando uma teoria da verdade como a de Tarski; isto é, eles estão dizendo que a relação de uma sentença com outras sentenças (ou sua utilidade) é uma evidência indicando que ela provavelmente expre$sa um fato. Assim, um fracasso em distinguir os dois tipos de projetos poderia le­var alguém a pensar que defensores de teorias da verdade instrumen­talistas ou coerentistas também podem aceitar a teoria de Tarski com indiferença. Que esse equívoco é parte dos motivos pelos quais Black abraça a objeção devaci.lidade é indicado pela última sentença da cita,. ção que fizemos dele, .pois discussões a respeito de o que nos permite d~zer que está nevando são discussões a respeito de o que nos justifica a pensar que é provave4Uente verdaçleiro que esteja nevando. Não são discussões a respeite) de o que sejam as condições necessárias e sufi-cientespara uma sentença ser verdadeira. . . . . A tendênc:ia comum rn.as apressada de identifica.r a teoria de Tarski com a teorfada ri:!dundância de F. ·P. Ramsey també'm pro­porciona unia credibilidade imerecida à objeção de vacúidade. Essa última teoria. vale para afegações do padrão

"a neve é bianc~" é vei~adeira =,,. a neve é branca,

que são Ú~du~ida; ou ~o mo "dizer que 'a neve é branca' é verdadeira é dizer que é:\ neve é branca" ou como""' a nev~ é branca" é verdadeira' é sinônirrí.o.de 'a neveé brancail'. Se alguén{ apressada­mente assumir que o "Se ê. ~omerite se" no esquema T e nàs senten­ças-T deve ser identificado ~om o"=,;.;, das teorias do projeto asserti­vo, e esquecer que ateoriad,e Tarskinão é a mesma coisa que o esque­ma T (que é usado por~atski para expressaruma condição de adequação para teorias da verdadê), então não conseguirá ver nenhuma diferen­ça entre a teoria de Tarski e a teoria de Ramsey. Em outras palavras, chegará à conclusão de que Tarski está oferecendo uma teoria a res­peito do que estamos dizendo em nossas atribuições de verdade, e as­sim, é claro, a teoria de Tarski parecerá inteiramente compatível com as teorias coerentistaé instrumentalista, que são elas mesma~ a respei­to do que a verdade é, Mas por razões fornecidas na seção 1.8 e no ca­pítuloS, é praticamente certo que Tarski não quer expressar sinonúnia com seu "se é somente se" ou fornecer teorias sobre declarações de atrib'l]ição de verdadé.~ETarski ele mesmo dá razões por que sua teo­ria não pode ser considerada uma teoria da redundância (Tarski, 1944,

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262 RicHAR.o'f; ... KIRKHAM

30-31 ). Ali) da assim, urna confusão da teoria de Tarski com a teoria de Ramsey parece ser pelo menos urna das razõ.es porqúe a objeção de vacuidade é apoiada por W. V. O. Quine (1.960, 24),Hilary Putnam (1981, 128-129) e Arthur Pap (1949, 350).5

Embora não mencione Ramsey pelo nome, Sellars parece cometer exatamente o mesmo erro na observação seguinte: "É desne­cessário dizer, o pragmatista e o coerentista têm tido de pagar um pre­ço por es~a aparente trivialização do seu urna vez digno oponente. Pois eleshão pqdem mais alegar, se é que alguma vez o fizeram, que 'verdade'o significa bom funcionamento ou que 'verdade' significa coe­rência ... Mas que conforto pode o teórico da correspondência [leia-se 'semântico'] ter numa vitória que ... reduz a sua alegação a uma fór­mula que; .. não tem, de acordo com seus antagonistas de outrora, nada a ver com o problema filosófico da verdade" (Sellars, 1963a, 197~198). Assim, Sellars reconhece pelo menos dois projetos. O pri­meiro pm~urª o s~gnifieado <ie !'verdadeiro", e ele pensa que a teoria semântica é quem nos dá uma resposta correta. com relação a isso. Mas esse projeto é trivial, de acordo com SeUars. O segundo projeto, aquele que ele acredita ser importante, pretende resolver (I o problema filosó­fico da verdade". Tarski já havia tratado de objeções como essa e la­mentou QJ.Ie nenhum dos seus opositbres tenha sido alguma vez ca­paz de explicar o que é" o problema filosófico da verdade" (1944, 34). Não seriasurpreendente para Tarski,'então, ver queSellars também não explica o que ele concebe ser o problema. De fato, a frase "o pro­blema filosófico da verdade" é vaga o suficiente para dizer respeito a qualquer 'llm dos projetos. Mas não devemos,:nesta seção, nos envol­ver com a.questão a respeito de qual era o projeto de Tarski e de se esse projeto é'importanté.. O ponto vital aqui é o c;le que, mesmo à luz das considerações de Sellars, a teoria semântica pode ser aceita com equa­nimidade por pragmatistas e coerentistas somente porque eles estão

5 No caso de Quine, a confusão de Tarski com Ramsey é. um pouco mais compre­ensível, já que ele nega que haja uma distihção acentuada entre equivalência in­tensional e ·equivalência extensional, e então também negaria ·uma· distinção acentuada entre os projetos extensional e assertivo. Mas ele. deve admitir que há alguma distinção, pois de outro modo ele não poderia, como freqüentemente o faz, dar exemplos daquilo que ele chama de contextos opacos (leia-se '"intensio­nais")e distingui-los dos contextos extensionais. ·

OBJEÇÕES À TEORIA DE T ARSKI 263

trabalhando em projetos diferentes.6 Mas isso não toma a teoria se­mântica mais trivial do que o nominalismo é tomado trhria}, enquanto teoria ontológica, por ser compatível com qualquer te~ria da moral. Uma teoria não é trivial porque ela pode ser ace.ita portodos que estão seguindo um projeto diferente·do que.aquele a que ateo~ia.s,e.re!ere. Elasóé trivial ou vazia se seus competidores(outras teor1as segumdo o mesmo projeto) são todos compatíveis com ela. ., ..

Um argumento mâis legítimo para a objeção de vacuidade, corno reconhece Blackburl1, se concentra na ambigüidade das teorias quase realistas da verdade. Qual exatamente é o estado ontológico do fato asseverado no lado direito de urna sentença-T? Ele é independen­te da mente ou não?7 Se a teoria de Tarski é ontologiCamente neutra, isto é/compatível tanto com o realismo quanto com o não-realismo ontológico (ver a seção 3.1), então a porta está aberta para, digamos, um teórico dacoerênda ac:eitar as sentenças~T, desde que ele rejeite o

· realismO ontológico,• MichaelD~~tt deserwolveu esse pon,to com respeito a uma doutrina o1,1tológica çhamg,da de intuidonismomat~ m:ático.Nesse contexto, podemos to.rnar a última como a simples ale7 gação de que entidades .rnatemátiças í:!xisten:t quando e somente quando é prOvado que elas existem e que os ~stados de coisas da matemática ocOrrem. quando, apenas quando, e porque se prova que eles ocorrem (assim; afirmações matemáticas são verdàdeiras quando e somente quando elas são provadas). Dummett diz o seguinte:

6

7

[Para o intuicionismo] parece não haver obstáculo à ad­missão da correção do esquema (T). Claro, para tanto d~ vemos construir a afirmação que aparece no lado direito de qualquer exemplo do esquema de um modo intuicio­nista.

Há al~as evidências de que Sellars interpreta mal a teoria semânti,ca como wna tentdtiva de realizar aquilo que eu chamei de projeto essencialista ou, possi­

. vélmente1 mesmo o projeto assertivo, pois ele interpreta mal a relação nos exem­plos de equivalência do esquema T como uma "eq~ivalênci<t}ógic~"de ~pl~ca­. ção mútua, enquanto essa relação é, como temos vtsto, uma telaçao de unphca-· ção material mútua, isto é, uma equivalência extensional. Ver Sellars, 19é3a, 206. Blackbum, 1984, 272~273. Putnam (1981, 129) também parece estar sinalizando para essa linha mais legít:ma de raciocínio para a objeção de vacuidade.

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264 R!CHARD L. KlRKHAM

... "598017 + 246532 == 844549" é verdadeiro apenas no caso de que 598017 + 246532 == 844549. Podemos ... descobrir que · 598017 + 246532 realmente é igual a_ 844549:mas quer isso dizer que aequaçãojá era verdadeira antes de o cálculo ser efetuado, ou que ela seria verdadeira mesmo se o cálculo

. mincativesse sido efetuado? A definição de verdade deixa tais questões totalme,l:lte sem respostas (1975a, 233),

Mas é de fato a teoria semântica O,l:ltologicamente neutra? Mark Platts, usando o termo "realista" com um "r" minúsculo para expressar o que eu quis expressar com oterm<;> "quase realista", suge­re que poçle ser feita uma"leitura realista" da teoria semântica, impli­cando que "o que faz ser o caso de que 'a grama é verde' é verdadei• ra ... é a ocorrência do estado de coisas especificado pelo lado direito" (1979, l2).Plaits não diz tudo quando diz que pode ser dada à fórmula uma interpretação quase realista. De fato, Tarski deu exatam~nte essa interpretação a ela, embora ele rião teima, conforme normalmente se acredita, enfatizado o ponto ou o tomadoJ~o explícito quanto poderia ser feitojpois ele diz emdoislugares. que uma afirrrzação vaga mas não inconsistente da mesma concepção de . verdade que _ele. está tentando analisar seria "uma sentença é verdadeira .se ela designa um estado de coisas existente" (1944, 15, 32;1969, 63); (Leia-se, na citação de Tarski, · em vez de "existente'', "que ocorre".) Mas,comoBlackbum eDl.Jlll­mett rapidamente iriam apontar, essa observação deTarski não.resol­ve realmente o problema, pois: existe ainda a questão sobre o que sig­nifica para um estado de coisas ocorrer. Um teórico da coerência pode dizer, e mUitos deles diriam, que o existir é para o fato de que a: neve é · branca o mesmo que é para o Absoluto, ou Deus ou o Espírito do Mundo ter a idéia de que a .neve é branca. Alér,n disso, o Absoluto ter uma idéia_ é o mesmo que a idéia ser um membro de um sistema perfei­tamente coerente de idéias. Em outras palavras, o teórico da coerência · · está alegando que _"ser verdadeiro", "expressar ul:n estado de coisas • que ocorre", "expressar uma idéia do Absoluto" e "ser u!nmembro de um sistema perfeitamente coerente" são coisas, .extensio~aJ.mente equivalentes umas às outras. Logo, se a teoria de Tarskinão diz nada que pudesse entrar emconflito com qualquer uma dessas alegações de equivalência, então ela pode ser aceita com equanimidad~ porto-

.· dos esses tipos de teóricos da coerência. De modo similar, um instru­mentalista pode, como o faz James, abraçar uma concepção instru-

•' :osJEt;õES A TEORIADE T ARSI<l ··i

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m~ntalista sobre a re~lid~dé, sobre o que significa ser um-fato, sobre o que significa para mrt' êstadó de coisas ocorrer: é um fato que aneve é branca apenas quando é útil acreditar que a neve é branca~ Um tal ins­trumentalista pode aceitar a alegação de Tarski de que "ser verdadei­ro" e "expressar um estado de coisas que acontece" são extensional­mente equivalentes, porque ele insiste em que" expressar uma crença útil" é extensionalménte equivalente a ambos.

Isso significa que, assim como uma teoria da correspondên­cia Não.:. Realista é possível (ver a seção 4.6), também é pgssível uma teoria semântica Nã~Realista. Se Tarski não especificou se o estado de coisas expresso pelo lado direito das sentenças-T ocorre dependente ou independente da mente, sua teoria se abre na grande divisão entre res­postaS Realistas e Não-Realistas ao projeto metafísico. E mesmo se 'Tarski especificou que .os estados de coisas em questão devem ser enten­didos como ocorrendo independente da mente, seria pérfeitàmente possível oferecer umateoria como a de Tarskicoma única diferença de que ela especificasse que . os estados de coisas ocorrem dependendo de uma mente, ou que ela. evitasse dar qualquer caracterização ontológica deles. Assim, uma téoria semântica pode ser "realista" no sentido como Platts na citação mais acima usa esse termo, e ainda ru.;sim não ser "Realista" no sentido como eu defini o termo.8

·

8 É o ar~ento legíHiho precedente para a objeção de vacuidade que Israel Schef­fler passa por alto ~o âssuniir que Tarski é, em minha terminologia, · um teórico Realista. Ver Scheffler, 1982, 122. HerbertHochberg (num trabalho que está por vir) também passa .por alto o ar~ento legítimo (e conforme-sua exposição, também G. E. Moore). A mesma acusação poderia ter sido feita a Davidsqn num determinado momento: · . .. . . . _

O qe a convençãóT, e as sentenças triviais que ela declara serem verdadeiras, como "'a grama é v'i!rde':[grass is green], quando dita por UJl1 falante do in­glês, é verdadeira se e somente se a grama e verde" ,revelam é_que a verdade de wria declaraçao Çepende apenas de duas coisas: o que sigrtificam as pala­vras ditas' é como ofuundo está organizado. Não há nenhUJll relativismo extra a algum ésquema conceitual, a um modo de ver as coisas, a uma perspectiva.

... Penso que podemos inferir duas conclusões dessas reflexões ... Segundo, uma teoria do conhecimento que permita nosso acesso à verdade {)ão deve ser relati­vizada, n.~o deve ser-" uma forma de realismo interno (1986, 309). (Na última frase, Davidson está se referirido a uma teoria ontológica que Hilary Putnam chama de "realismo intemo",CJ.ue, a despeito do seu nome, é um tipo de ontologiaanti-realista.)Se Davidsonainda pensa que Tarski é um realista ontoló­gico, e assim um teórico Realista da vêrdade, não é certo; já que Davidson recen-

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Tenha-se presente, entretanto,que;ao contrário do que di­zem Black eSellars, o problema não é que a teori~ semântica seja per se compatível com teorias Não-RealistasQ.averçlade. De fato, como vi­mos na seção anterior, essas úlfimastéorias estão na mesma posição, em relação a CAM, em que está a teoria çlaverdacie da Bíblia: são com­patíveis comas teorias T mas nã,o astêlll como conseqüência e, assim, não satisfazem CAM. O problema,s~podemos chàmar isso de proble­ma, é que Uina teoria semânticaquenãofomece wna explicação sobre· o que :signifiqa para um estado de coisas existiré compatível com a combinação de uma teoria coerentisla da verdade.e uma teoria coeren­tista dafealidade, e é compatível com a combinação de uma teoria ins­trumentalistí:·rda verdade e uma teoria instrumentalista da realidade, o mesmo. valendo para outras teorias Não-Realistas/ ·

. Precisamente, o quanto é vazia uma teoria semântica que mantém um~ neutralidade ontológica~ Que talteoria seria comp<ttível com todas a~ teorias Realistas não está em discussão, e, assim, <1 per­guntasobre il. sua vacuidade transforma-se na pergunta a respeito de sua compatibilidade com as teorias Não-Realistas. Na retórica daque­les que Í(l.zen:t a objeção de vacuidade, ela é literalmente vazia porque ela é compatível com qualquer outra teoria da verdade. Mas o argu­mento legítimo para a objeção, o qual acabei cie repassar, não sustenta tal conclusão dramática. Certamente que um teôrico semântico que seja neutro com relação à ontologia concederia, no mínimo, que sua teoria é compatível com um grande número de teorias Não-Realistas que de fato têm sido oferecidas. Especificamente, ela é compatível com qualquer teoria Não-Realista, mas quase realista, incluindo as de Peirce, J ames e McTaggart, pois uma teoria semfu:ltica da verdade on­tologicamente neutra (pelo· menos quando despida de ambições ex­tras conectadas com a teoria dos modelos ou o fisicalismo) não nos leva a algo mais do que uma aprovação do quase realismo. Mas não está claro quétal teoria seria compatível com toda~as.teorias Não-Rea­listas, precisamente porque não está claro que to.das essas teorias se-jam quase realistas. · ·

temente rep.unciou ao realismo ontológico e sua interpretação de Tarski geral­mente muda conforme as últimas alterações das próprias teorias de Davidson. Ver Davi<.lson, 1990, 281, 298-299);

9 Michael Devitt argumenta o mesmo (1984, 39, 94).

OBJEÇÕES À TEORIA DE T ARSKI 267

Uma teoriada verdade interessante nesse contexto. é a teo-; ria de Samuel Alexancier, que, freqüentemente se diz, era uin realista

ontológico qt.le ainda assim apoiavauma teoria coerentista da verdade (Alexander, 1920, 247-272). As observações. de Alexander a respeito da verdade são tão confusas. que seria tolice atribuir a ele, cOn~cori­fiança,· qualquer teoria.: Entre outras coisas, ele representa .um: caso realmente extremo do fracasso em se distinguir os projetos metafísico e da justificação. Uma possíve,I interpretação que se pode fazer _dele é considerá.;,lo como aceitando a existência de um mundo. independente da mente e; ao mesmo tempo,negando que o que ocorre nesse mundo tenha algo a ver comquais proposições são verdadeiras: uma proposi­

. ção é verdadeira quando ela é coerente com outras proposições. De-. ve-se lembrar que o Realismo é uma combinação de um quase realis-mo a respeito da verdàde e um realismo ontológico a respeito da na tu­

·•· reza da realidade. Assim>mna teoria Não-Realista da verdade é uma :. :· teoria que rejeita ou ()quase realismo ou o realismo ontológico. Peirce, · James e McTaggart rejeitam o último. Blanshard rejeita o último'e pro­vavelmente também o primeiro (ver adiante). Alexander, sob à inter'­pretaçãopresente, rejeita somente o quase realismo. Desse modo, ele temumateoriaNão-Realistàque não é compatível nem mesmo com uma teoria semântica ontologicamente neutra. Vimos, no dtpítulo 3, que existem contra-exemplos convincentes de teorias que,cOinO ess~,

. , ·permitem que "a neve é branca" possa ser falsa mesmo s.e for um Jato independente da mente que a neve seja branca, e que a "neve é bran­ca" possa ser verdadeira :mesmo se for um fato independente damen­te que a neve não seja branca. Assim, se tivéssemos o objetivo de ser simpáticos com Alexanderemnossa interpretação, diríamos que ele,

. efetivamente, quer apoiar uma teoria Realista da verdade e ta.mbém ; uma teoriacoerentista da justificação, ou a tese de que conjuntos de · · crenças coerentes são epistemologicamentemais valiosos do· que con­

juntos de crenças que correspondem a um murido independente da mente.Mas nosso objetivo aqui é estabelecer que é bastante possívelter uma teoria Não-Realista da verdade que seja incompatível com uma teoria semântica ontologicamente neutra. e que, de fato, Alexander pode fornecer um caso real de tal teoria. . • . . .

Suponhamos, então, que aquele que faz a objeção de vacui­dade recue para a alegação de certa forma mais fraca (feita, por exem­

.. pio, por Field, 1986, 71) _de que a teoria de Tarski é compatível com · · • toda teoria da verdade real e possível não facilmente refutável por

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268 RICHÀRD L. KIRKHAM

meio de contra-exemplos. Isso está provavelmente correto, mas per­mitam.:.ine oferecer algumas reflexões bastante especulativas a fim de mostrar que não devemos confiar inteiramente nem mesmo nessa ale-gação mciis fraca. ·

Na seção 3.5, eu disse que não é claro exatamente que tipo de explicação da realidade Blanshard iria apoiar. Não está claro, em outras palavras, como ele iria preencher a seguinte lacuna:

o estado de coisas expresso por" a neve é branca" acontece sse __ .

Que ele rejeitarÚi 'uma análise ontologicamente realista está fora de discussão. A questão crucial é de sàber.se ele iriapreen­cher a lacuna ?-Cima com alguma coisa pelo menos extensionalmente equi- · valente ao que ele usaria para preencher a lacuna em

"a neve é branca" é verdadeira sse __ .

, Vàmos ~ssumir, a bem de poder argumentar, que Blans­hard não: o faria. Já:"que as duas coisas que preencheriam as lacunas não sãq extensionalmente equivalentes, o lado esquerdo dessas duas afirmações também não será extensionalmente equivalente. ·. Essa é uma outra maneira de dizer que algumassentenças-T contam como falsas na teoria d.e Blanshard ass!m interpretada.-I~ntão, sua teoria en.,­volveria ·uma rejeição ·do ·quase realismo e assim.seria ·incompatível com mesmo uma teoria semântica da verdade ontologicamente neu,. · tra .. Isso assegura que sua teoria, dada essa interpretação, sejà·facil­mente refutável por meio de contra-exemplos? Ele estaria com,prome.,. tido, certamente, com a alegação de que , a neye é branca" poderia ser

· falsa, mesmo se•é um fato que a neve é branca. Mas o fato em questão · · .. seria dependente da mente. Especificamente; ele iria dependerdealgu,. ma característica dá mente diferente da coerência de crenças com ou­tras crenças,· e essa outra característica damertte; seja. ela qual for, pode variar independentemente da coerência das crenças da mente. Suponhamos que à luz de alguma teoria existam relativamente pou­cos casOs nos quais alguma sentença é falsa mesmo se ela expressa um fato (e também poucos casosnos.qurus algumasentençaéverdadeira, embora o estado de coisas que ela expressa deixe de acontecer). E su­ponhamos, além disso, que esses poucos casos sejam explicados (ou

:, OBJEÇÕES À tEOIUA DE TARSKI 269

pelo meno~ teriham .red~ziâa sJ~ · ·~ignificârlcia) por referência ao modo como essa característica da, mente e a coerência das crenças da mente variam indep~nde:ntêmente. Então, poderia não parecer im­plausível, Ei, de fato,-pocreria parecer bastante natural, que o conjunto de sentenças verdadeiras e o conjunto de sentenças expressando fatos deveriam ser separados :em alguma medida. E, assim, a visão geral de Blanshard poderiaser plausível, a despeito.do fato de q\le ela contra­diz o quase;realismo. Clar(), aqueles que fazem a objeção de vacuida­de vão corrêtamente insistir em que precisamos de alguma explicação de o que é essa outra característica misteriosa da mente, antes de po~ dermos dizer que fómos bemsucedidos nas· especulações precedeu.: tes. Mas nossa ignorância aqui é uma faca de dois gumes: Antes de ser mostrado que tais especulações não podem;ser bem-sucedidas, deve­mos pelo menos hesitar um pouco em aceitar mesmo a versão mais fraca da obfeção de vacuidade.

Gostariãtie chamar atenção para uma outra implicação da minha discússão de Alexander e de McTaggárt na seção 4.6: o conjun­to dos realistas ontológicos nãoé idêntico ao conjunto dós teóricos da cOrrespondência ou o conjunto dOs Realistas com relação à verdade, e, assim, contrariamente à recente tendência que parece ter·se originado com Dummett (vera'seção 8.4 e a nota 5 do capítulo 3), uma discussão.. · sobre a verdade nãopoqe ser reduzida a uma discussão sobre ontolo­gia,nem é esse último tipo de discussão uma forma indiJ:eta de se ar­gumentar pela inelhor teoria da verdade. Walker, 198912-3,21-24, é um típico exemplo de ~orno a descrição enganOsa de Dummett é ago­ra freqüentemente tqmada como algo garantido. Já que W alker pensa que se trata apenas de uma discussão ontológica e que Tarski é neutro com relação à ontologia, ele termina concluindo que Tarski não tem uirta teoria da verdade (Walker, 1989,23-25). . ..

Assim, nossa conclusão deve ser a de que s·e a teoria de Tarski é ontologicamente neutra, então ela é compatível com muitas das teorias Nã[email protected] que têm sido de fato defendidas, mas mes­mo que ela seja ontOlogicamente neutra ela não é compatível com to­das as possíveis teorias Não-Realistas da verdade e pode nem mesmo ser compatíyel com todas as teorias Não-Realistas da verdade: todas as de fato propostas~ t odas as possivelmente plausíveis ou todas as efetivamente plausívejs. Isso ainda deixa sem resposta ·a questão a respeito de se a teoriá de Tarski é ontologicamente neutra e, caso ela o seja,se é pôssível cc>nstrufr uma teoria semântica como a de Tarski

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que seja indiscutivelmente Realista. Se isso for possível, então não ha­verá muito il;\teresse no fato de uma versão da' teoria semântica (de Tarski) ser vazia.

É de fato fácil conceber uma teoria da verdade como a de Tarski que sêja Realista. Seria possível, por exemplo, convencionar­mos ou estipularmos que o advérbio "independentemente da mente", usado comoum operador de sentenças (ou cláusulas), significa que a sentença por ele modificada declara um fato independente da mente. Assim, para~triar uma teoria da verdade comoà de Tarski que seja Realista, basta inserir "independentemente da mente" na segunda parte de cada umadas cláusulas básicas.da teoriadaverdade de Tars;. ~ . . .... ···.

(9 = "xk é vermelho" para algum k, ... . . .. · e índependentett,enteda mente o olpjeto na posição k de

S é vermelho) · C oU. (9 = "xkama x;" pC;lra algum k e alitun j, ;;'; e independentemente da mente o opjeto na, posição k de

S ~a o objeto na posição j de S) ·· ·

E CAM seria reescrita de forma a expr~ssar que uma teoria da verdade adequada deve ter como conseqüênc:ü1. todas as sentenças do seguinte padrão: · ·

\"a heve é branca" é verdadeira independentemente da menÚ a neve é branca. ·

~as não seria necessário nos vcilermos desse estratagema. Russell, afinal'de contas, não incluiu penht1tna decbuação explícita do s~u realismo <intológico em sua teoriÇl da v;erdade, mas ninguém du­VIda que ela é uma teoria Realista, no si:intido em que defini essa no­ç~o, porque Russell deixou claro,.e1n;51.1.asoutras.obras(daquele pe­nado), que ele. pensa que fatos sãgcois(.lsindepencientes damente. Pe­las mes~as razões, alguém que deixassedaroseutealisrnoontológico em alguma p<1fte de suas obras pode,riaabraçar a teoria de Tarski e sua CAM exatamente como elas estão, e a teoria: resulta,nte teria de contar como pmateoria Realista .• (Se alguém que ()bjetasse vacuidade se.ref':sasse ~aceitar isso, então seria seu P,ever ~xplica'r esse grande rruster10: por que, nestes 78, desde que foi esérita;ninguém acusou a

OBJEÇÕES À TEORIA DE. TARSKI 271

teoria de Russellde vacuidade?) De fato, me sinto inclinado a afirmar, · inclusive, que se alguém (incluindo Tarski) adotar a teoria deTarski e não renunciar explicitamente ao .realismo ontológico, então ele.estará adotando uma teoria Realista. Em outras palavras, deve-se optar por interpretar. qualquer·· filósofo que afirme uma cláusula declarativa · (como.a segunda parte das cláusulas básicas da definição de Tarski ou O lado direito das sentenças-T)•como se referindo aummundóinde­pendente da mente, a menos e até que nos sejam dadas razões convin­;qentes,parànão agirm:osassim.

. O fato de que pode existir uma teoria çla verdade como a (le Tarski Realista, e, assim, não vazia, tem uma significância conside­rável, pois a suposição contrária é uma bandeira de salvação para muitos movimentos filosóficos recentes. Em primeiro lugar, respostas Não-Realistas ao projeto met~físko têm gozado de uma renovada po­pularidade nos anos recentes, em parte por causa da idéia de que não há alternativa correta que não seja vazia. Outros têm alegado· que o projeto metafísico é em si mesmo, de alguma forma, mal concebido, porque não . há resposta para ele (nem mesmo uma resposta Não-Realista) que seja correta e que não seja vazia. I'utnam parece f:re-

. qüentemente afirmar isso (p. ex., 1981, cap. 6). Finalmente; à alegação çle que não.pode haver umateoria da v.erdade como a de Tarskique. não seja vazia é uma premissa-chave .do argumento. de,Rorty de que

. devemos abandonar a filosofia em favor de uma "cultura pós-filosófi,; ca" (Rorty, 1982, prefácio; especialmente xxüi-xxix).

6.SÉ A TEORIA DE TARSKIONTOLOGICAMENTE NEUTRA?

Todos os argumentos mencionados no último parágrafo . são arruinados pela mera possibilidade de uma teoria semântica Rea.: ~sta, eaquestão de se a primeira teoría semâittica, a de Tarski, era Rea­;llsta, que é o tópico desta seção,é apenas de interesse exegético e his­tórico. Será de interesse para historiadores da lógica e da. filosofia, :mas outrospodfempular esta seção. Não considero que nenhum dos argumentos seguintes seja decisivo, mas penso que eles são fortes o suficiente para colocar o ônus da prova na mão daqueles que inh,;rpre­tam Tarski como sendo neutro.do ponto de vista ontológico. .... '

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272 RrCHARD L. KIRKHAM

A única evidência textual que é sempre oferecida para sus­tentar a alegação de que Tarski pretende que sua tebria seja ontologi-

. . . I d camEmte neutra é a seguinte passagem freqüentemente citada: "Po e-mos coníiiluar sendo realistas mgênuos, realistas críticos ou idealis­tas, empiristas ou metafísicos- tudo o que éramos antes. A concepção semântica é completamente neutra com relação a todas essas ques.;. tões" (Tarski, 1944, 34). Mesmo esse pequeno.trecho de evidência se evapora quando consideramos a observaçãono seu todo,emque está claro que Tarski. usa esses termos para se referir a concepções epis_te­inológkas e não ontológicas: "Então, podemos aceitar a concepção se­mântica da verdadê sem abandonar qualquer postura ~pistemólógica que vínhamos sustentando, podemos continuar sendo [etc. conforme a citação anterior]" (grifo meu). Esse julgamento é reforçado quando se recorda que, no auge do Positivismo Lógico, quando Tarski estava escrevendo~ flrealismo·ingênuo'', "realismo crítico" e mesmo"idealis-· mo" serviam para nomear tanto teorias da percepção e da justificação quanto doutrinas ontológicas. Por exemplo, "realismo ingênuo" de-

. notava a visão de que os dados dos sentidos sãonumericamenteidên­ticos às superfícies dos objetos físicos, e "idealismo" rotulava avisão de.que os, dados dos sentidos são inteiramente construções de nossas . mentes~ ,Essa, por exemplo, é a forma como H. H. P:dce usou esses ter­mos no seu livro Perception (1932, especialni.entel-17, 26), escrito na­quele período. "Metafísico" deveria denotar, para Tarski, qualquer um que aceitasse métodos nãoempíricos em suas concepções de justi­ficação. Ele mesmo diz isso (1944, 35). Assim,Tarskiestá dizendo ape­nas que sua teoria não é uma teoria da justificação, que ela não preten-

. de dar uma resposta ao projeto da justificação.10 Isso se toma ainda zrais claro .quando examinamos a passagem inteira na qual aparece essa observação. Espero que meus leitores sejatp. condescendentes co­

. migo pela longa citação. Estou sendo bastante meticuloso, porque a evidência mais ~portante nessa tarefa de interpretar Tarski é a estru-tura e o conteúdo da sua citação. ·

' 10 Entre .étq~eles que interpretaram Tarski com expressando uma neutralidade on­tológica e111 vez de uma neutralidade epistemológica estão Horwich (1990,59. I\·. 2), Soames (1984, 412), Putnam (1978, 9), Romanos (1983, 157~159), e Grayling · (1982, 163-164). . . .

): ÜBJEÇÓES A TEORIA DE TARSK! 273

Foi alegado que - devido ao fato de que un\a sentença como "a n~ve é branca" é tomada como semanticamente verdadeir(se a neve é de fato branca (itálico do.crítico) - a lógica se êncontra envolvida ela mesma num réalismo dos menos críticos. . . . .. · . . .. Se houvesse uma oportunidade de discutir a objeção com o seü autor, eu deveria levantar dois pontos. Prinleiro, devo pedir-lhe que ele retire as palavras "de fato", que não apare­cem na formulação originai e. que nos predi_spõem ao ~nga­no; meSfn? se elas não afetatn ocõntéúdo. Pois essás pala­vras tra:ns~item à iinpressão de que a concepção semânti­ca da verdade pretende estabelecer as condi~ões sob as quais estamos assegurados a afirmar qualquer sentença dada, ei emparticular, qu~lquersentença empfri.ca. Entre­tanto, um momento de refl~xão nos mostra qU:e essa im­pressão é apenas ilusóna; e penso que o autor d,a objeção é vítima da própria ilusão que ele crióu, , De fato, adefinição semântica da verdade n~oimplica . na:da com relação'às condições sob as quais llli1a sentença como (1): · ·

(1) '{a neve é brànca ·.·

pode ser asseverada. Ela impllca somente que, ~~pie que asseveramos ou rêjeitamos uma sentença, devemos estar prontos para ass.everar ou rejeitar a sentença (2) a ela corre- . lacipnada: ·

(2) (a sentença Pa rteve é bra-fica" é verdadeira. . .

Enfão, podemos aceitar a concepção semântica da verdade sem abandonéll"fTlos qualquer postura epistemológica que vínhamos sl.lstel)~ândo; podemo§ continuar sen:do realis­tas ingênuôs, realistas críticos ou idealistas, empiristas ou

· metafísicos~ tudo <Ú}ue éramos antes. A concepção semân­tica> é comp~etamen.te neutra com relação a todas essas questões. · . .. ·. Em segundólugar, eu deveria tentar obter alguina infor­mação a respeito dá. concepção de verdade que (ria opinião

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: cto autor da objeção) não envolve a'Iógica niun realismo : dós mais ingênuos. Eu acabaria porinferir que essa con;. c~pção deve ser incompatívelcoma Çoncepção semântica. Assim, · deve haver.sentenças: que são verdadeiras muna dessas concepçõ.es sem ser verdadei;fas na outra. Van1os. a$sumir, p. ex., que a sentença (1) é qesse tipo. A verdade d(;lssa sentença na concepção semântica é determinada por ~!lla equivalência da forma (T): . .

. AsE!ntença "a neve é branca" é verdadeira se, e somente se; a :neve é branca.

· Assim, na nova concepção (levemo~ rejeitar essa equiva­lê!lcia, e cónseqüente:rnente elevemos assq.mir sua negação:

Asentença "a neve é branca" é 7,Jt:rdadeira se,.e somente se, a neve não é branca (outalvez: a neve, (lefato, 1Jâoé brànca).

Is~o ·parece um tanto paradoxal. Eu não considero essa conseqüência da riova concepção absl,lrda; mas tenho um ce~to receio de que alguém lfO futur~ possa acusar essa concepção de envolver_a lógica em uin "tipo dos mais so~ fisticados de · irreàlismó". De · qualqu~r forma, me parece i.rri'portante perceber que toda a-concepção de verdade que é incompatível co~ a bncepção seiÍ\.ântica· tra,z ,~onsigo conseqüências desse tipo (Tarski, 194>;1;33-34)~ . ,.·~ ,-;"- ' :,~ , . . ' . ' '-

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'Íarski inicia considerando uma objeç~o ontolc)gica de que a teoriasemântica envolveria Um realismo não cri;nco. Ma;;, em vez de lidar com essa objeção imediatamente, ele adia sua refutação para tra-' tar de um mêll-entendido com relação à teoria se.Illântica_ que parece estar latente I}a objeção. Sua discussão do mal-entendido inicia com a palavra "prin).eiro/1, na quinta linha. Sua resposta à objeção não começa antes das palavras "em seguridO.h.igar", Ilo quinto parágrafo. Assim,

.. o quarto parágrafo, parte do qual é tão freqüentemente Citada como . uma evidência da neutralidade ontológica de.Tar:5ki, é uma parte de sua tentativa de esclarecer um mal-entendido. O .mal-entendido é a crença em qu~ "a concepção s~mârlticà di\rerdade pretende estabele­cer as condiçqes sob as quais estam~~ a~.~egurad.&s ao asseverar qual-

-~- ~ · ·!· ' > :.-.. -- .. - . . ::~- . ;;' ~-- .,

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. ÜBJEÇÓES À TEORIA DE_ TARsi<l 275

. . . . . dada11 {linhas 7'-8). De fato, dizTarski, a teoriasemânti~ .···•· ·. · . ·. toma partido de questões:de garantia. E esse é o pontodoquar­.l:o páfágrafo.nQuando, no quinto parágrafo,Tro:ski p~p~rà;.se para

•· ·.lidar realriierite coma objeção, ele não nega que sua teoná en~Z.va oque.i ... seuscríticôschamàm de'~um _réalismo·dos mais ingênuos". Ein.·v~z iiisso,

· · :\ ele párece C:oncede~ que ela:ofaz e; ao mesmo tempo;:ins~tii'C!uêiqual-·.· •.. quedeoriaque não o faça iria· acarretar resultados duvidoso~, parado-; :xais:Assi.ril., _longe de. asseverar uma neutralidade ontológica> Tarski ' àbraçá ·um realismo orttológico ·ingênuo ou não erítico; me; claro, se ··

.· ., ~ebelá contra esses rótulos.Esse parece ser o ponto do sexto parágrafo, :_,!:'o qual ele sarcasticamente dá a entender que seus opo.nentes estão éntregandd-se à tarefa de aplicar rótulos. Ele não teria reagidodessa .

· ;forma se a visão em questão' não fosse sua, porque nesse caso ele não· · · .'jriase importar de ela ser caracteriZada co:rno "ingênua" ou 111\ã.o críti­.. • ·ca"; ele teria apenas negaó0 que se tratasse de sua visão. Se tivesse; al-; guma . vez/ desenvolvido suas concepções ·semânticas, .. Tarski ,teria · ·provavelmente descoberto que o realismo do senso comum; pelo me- . ·li os a respeito do mundo físico, e provavelmente ó realismo Científico· eram d.oU:trinas as quais ele realmente subscí:evia. .·.. . ., ' .

,; : Emsuma,•Tarski está, com efeito, dizendo a seus críticos: .'"Se por realismo 'ingênuo' ou 'não crí*o' vocês estão se referindo à . 'teoria dajustificação ou percepção conhecida por esse nome,vocês es­' 'tão ·enganados, . pois minha teoria ·. é ,neutra -com· relação. a · questõ.es . :~pistemológicas. Mas se, comesses termos, vocês estão.se;eferind.o a :.uma doutrina ontológica,' vocês estão corretos e:rn atrtbm-la a· mnn;

·' mas vocês estão apenas lançando mão de rótulos em vez de fazet:em .· .. · :üma objeção genuína". ·

; . .

11 Dizer que a teoria dé'farski não é uma resposta ao projeto da justificação.não é dizer que ela seja neutra com relação às teorias da justificação. Algumas-teorias da justificação serão má"is plausíveis diante da teoria da verdade de Tarski do

. que outras. Por exemplo, a "teoria" que aconselha a que você aceite sempre a au­toridade de sua Tia Minnie é implausível à luz da teoria da verdade de Tarski.

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276 RlcHARD L. KIRKHAM

6.6 HARTRY FIELD E O PROGRAMA FISICALISTA

Como vimos na seção 5.1, Uil1. dos programas mais amplos de Tarski, a serviço do qual ele pretendia colocar sua resposta ao pró:­jeto extensional, é o programa do fisiCalismo (Tarski, 1936, 406) . .0 fisi­calismo foi ali grosseiramente descrito como a tese de que todos os conceitos intelectualmente respeitáveis podem ser definidos funda- · mentalmente e . inteiramente em termos dos' conceitos da lógica,. da matemática e da· física. (Cómparar com Field,.1986, 109 n. 22). Quais­quer conceítos não definíveis desse modo são, como bruxas e unicór- · mos, seres mitológicos. Assim, de acordo com ofisicalismo, ofato na:­turalmente expresso pelas palavras "Quine acredita que está escre­vendo sobre T~ski'~ pode ser expresso,pelo menos em princípio, por ·· uma sentença que não contenha termos não-físicos (isto é, uma sen­tença sem a palavra "acredita'' e sem qualquer outro termo mental), ou, se ele não pode, então não é llin fato que Quine ac:redita que está escrevenõ.o a respeito de tarski, e nesse caso a afirmação é sem senti• do. (PresunlÍvelmente, se essa conclusãoJosse alcançada, ela .o seria por caus~ da deç:isão õ.o fisicalista de considerar crenças como irredu-. tivelmente não-físicas e, portanto, míticas~ Por ca1-1sa da força das.in:­tuições que todos nós temos de qlle e?<iste tal ç:oi!)a Colll.o uil:ta crença, OS fisicalistas cVãO lutar .• poderos~entê; e durante muitas geraçõe~ : para reduzir crença a conceitos físicos, antes de se entregarem e decla:­raremque ela é mítica [Field, 19Z4,93].).Neurathexpressou a visão de então: ~'Qfisicalisino é o métod<:td<t ciência unificada do nossotempo~ QUalque! outra coisa que se proponha éou 'sem sentido' ou apenas um meiÇ de se provocar a emoção, 'poesia', F'ara o fisicalismo, tal como ele é aqui representado em toc;lo o seu rigor, tudo que foi ofereci:-

• do como filosofia pelos escolásticos, os kantianos, os fenomenologis­tas é sem sentido, exceto o que emsua5 formulações pode ser traduzido

. em afirmações científicas, isto é, fisiáilistas" (193la, 56-57). Assim, para assegurar que a semântica estava coruorme àquilo que exigia o fisicalismo, Tarski precisava reduzir todos os conceitos semânticos a conceitos físicos e/ ou lógico-matemáticos. Ou~ dito de outro modo, Tarski precisava fazer da semântica uma ciência física.

Hartry Field (1972, 93) · compartillia das ambições de Tars­ki, mas aéredita que Tarski foi apenas parcialm,ente bem-sucedido em levar a cabo o programa fisicalista no que diz respeitoà semân*a' Ao

.277 • ~ I Õ.,

reduzir o conceito dé. verdade ao conceito de satisfação, Tarski, de acordo com Field, deu um primeiro passo valioso, e com as cláusulp.s recursivas da sua definição de satisfação ele deu um segundo passo valioso, já que assim conseguiu reduzir a satisfação para sentenças complexas à satisfaçãopara sentenças simples, Entr_eJanto,,Eeld alega (1972,82,94-95), as cláusulas básicas da definição de Tarski de satisfa,. ção não reduz?m, com<;> Tarski pensava que elas o fizessem.; o conceito semântico de satisfação para sentenças simples de uma maneira bem­sucedida, do ponto d~ vista do programa fisiealista. Essa parece ser uma acusação surpreendente, já que certamente não há quaisquer ter­mos que não sejam termos físicos ou lógico-matemáticos nas cláusu­las· básicas da definição de Tarski. Por exemplo, as Cláusulas básicas de uma definição tarskiana de satisfação para uma linguagem com (apenas) os predicados "é vermelho",; "é redondo" e "está incluído em" são as seguÍ!\tes: •.

(9 = "xk é vermelho" para algum k, e o objeto na posição k de S é vermelho) · ou (9 = "xk é redondo"para algum k, e o objetona posição k de S é redondo) ou(e = "x~está.incluído em X/' para algum ke 'algumj, ·

· e o objeto na posição k de S está incluído no objeto na posição j de S)11

· · ·

. Field não n~ga isso (p. 89), mas ele insiste que mna redução dos conceitos semântico~ a conceitos lógico-matemáticos eJísicos que seja aceitável para o fiSicalismoexige mais que a mera tradi!.ção deter­mos semântitos . em territos lógico~matemáticos e físicos. Tarski, ele diz, tomas as três condições seguintes como sendo conjuntamente su­ficientes bem tomo individualmente necessárias para uma definição de verdade aceitável paia o fisicalismo: . · · . .

12 Se a linguâ~em contive5se ·o ~redicado)arria", a cláusula básica a ele correspon­dente conteria esse conceito (uma expres,$ãO metalingüística dele): (8'= "x, ama x;", paraal~ke algum j, e o objeto na pos.iÇãl) k de S ama o objeto na posição j de S). Mas isso no máximo sigz:llficaria que aqüeles que querem reduzir termos referen­tes a emoções a termo$ fí*os falharartt até aqui; isso não iria contra a alegação de Tarski de ter reduzido d~ forma bem-sucedida a terminologia semântica.

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··.· 1. Na definição, digamos, (s)[sé verdadeiro sse __ ], a la­cuna é preenchida por uma expré'ssão bem formada (i.e., uma expressão gramaticalmente c()treta) na qual não apa-reçam termos semânticos. · · ·

: 2. O "sse" na definição representa ·\Íma equivalência exten­sional; isto é, ele é sinônimo de"="';

. \ 3. A definição é correta; isto é, ela 'tem como conseqüência todas as instanciações do esquemà/T}3

· Field concorda que (1), (2) ·e (3) expressam condições ne­cessárias de uma definição aceitável para o #skalismo, e, se expres­sassem condições conjuntamente suficientes~ então a definição de Tarski seria aceitável para ofisicalismo, já quéela certamente atende a todas as três. Entretanto, na visão de Field,(i)assim c:omo está não é tão exigerite: qttanto çiE)veria, P.~veria ~er exisido q1,te o "sse", Pl,tma defin~ção deverdad~, representasse ~a relaç~o de equivalência m{lis forte que a 'extensional. Reduzir um çon}tinto de çonceitos a outro exige ·mais do que uma definição apenas extensionâlmente correta. Por ou­. p-o lado, sgria ir longe demais exigi! .qt;te o "sse" representasse uma

.··. equivalêll.eiaintensianal, poisissó_significaria:que a definição não po­deria seraceitável para o fisicalfs111ó/a II\enC>s que o lado direito do "sse" expressasse condições quefQ$s~m~ emto~o múndopossível, neces­sárias e conjuntamente suficienh::sipara. averdade, rn.a.s há muitas · re­duções bem-sucedidas que nã6ª-t~lj;dem aulna norma tão exigente. Assim, o que precisamos, âiz'FiélÇt (p. 95); é _de uma relação de equi­valência t;i;!aisforte que a equival~i:ld.a extensianali mas:mais fraca que a equival~{lci~intensionaf. Field;estt\ spgeFin~o que uma redução ge­nuína_:de}erffios semânticos a termos lógico.,n!J.atemátiêos e físicos exi­ge uma -~efinição na qual"sse" reprê.senta, n~ terminologiadeste li­vro, urna equivalência natural e, assim, é.sinôiÚJ.I1o de'' B". (Ver a seção LS.) Poitàhto, na concepção de Field~;() lado ,i:lireitq C;lo ." sse", numa definição àe verdade aceitâv~l para o fisicaiismo, precisa mais do que conter apénas termos lógico;.matemátiêos e fÍ$icos; elêdeve também expressat;<::ondições que são necessárias e suficientes para a verdade em todo mundo possível com as mesmas leis da nat#reza que o nosso. A defi-

13 Field, 1972, 95, 108 n. 14.

ÜBJEÇÕES À TEORIA DE TARSKI 279

nição de Tarski de satisfação, e, con~eqüentemente, de verdade, não satisfaz esse critério. Existém vários mundos com as mesmás leis da natureza que o mundo real nos quais "xk é vermelho" sig:r\ifica que xk é quadrado, e i em tais mtindos,a cláusula, dada acima, definirido satisfa-ção para o predicado "é vermelho", seria·errônea. ·

Desse modo, o principal erro de Tarski, aos olhos de'Field, é ter escolhido o projeto errado para seu programa fisicalista; (Ver a se­ção 1.9.) Ele deveria ter escolhido o projeto naturalista, não o projeto extensional. (Ver a seÇão1.5.)

Apróxima tarefà deField é sustentar sua alegaçã~ (que até esse ponto ainda não foi defendida) de que uma redução fisicalista exige definições expressas por uma equivalência natural.Elefaz isso por meio de uma analogia com uma outta parte do programa fisicalis-

-,ta: a tarefa de reduzii o conceito químico de valência a conceitos físi-cos ~. lógico~matemátiçgs. ·

A valência de um' elemento químico é um número inteiro que está associado com esse elemento, o qual representa o tipo de combinações químicas das quais o elemento será parte; o qÚe eu quero dizercom: essà última frase é que é possível- de forma aproxilriada, pelo menos- caracterizar

. quais eleme~tossecombinarão com quai~lotttroseh~men'-tos, e em que proporção eles vão se combinar, mera-"'.nente em termos de sttas valências (Field, 1972, 95).

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Se o fisicalismo está correto,deve ser possível explicar esse _ · conceito em termos físicos- p. ex., deve ser possível encon­trar propriedades estruturais dos átomos de cada elt~men­to quedeterm1nam qual ;será a valência do .elemento (p.

. 96). . . . .

. Agora, Field nos pede para comparar duasdefimçõês,de vaiência.14 (O "E"refere-se à. elementos, e "n" refere-se a núrileros in­teiros.) Note-se a díferença nos símbolos de equivaiência dasdpas de-. finições.

14 Field não fornece e:J.:plicitamente nada que corresponda à minha (D2), mas ela está · · implicada naquilo que é dito nap. 97, emField, 1972 ..

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280 RlCHARD L. KIRKHAM

(E)(n)(E tem a valência n = E é potássio e n é 1, ou E é tungstênio e n é 6,

· ou [ eassimpor diante para todos os elementos en- . contrados no mundo real]). (Dl)

Para tomarmos . a segunda definição mais simples, . deve­mos fingir quehá apenas duas propriedac:l.es atômicas que são rele­vantes para a valência de um elemento, que cada.uma delassurg~ em graus que podem ser medidos com números inteiros, e que a valência de um elemento é o total dos graus das duas propriedades. . .

(E)(n)(E tem a valência n · B o grau da propriedade atômica P de E somado ao

grau dapropriedade atômica Q de E equivale a n) · · (D2)

O argumento. de Field,por analogia, procede assim: (Dl) é verdadeiro, porque o lado esquerdo é extensionalmente equivalente ao 1ado>gireito15

, e nenhum termo químico aparece do lado direito (aparente1llente, "potássio" · e "tu.:qgstênio" são termos físicos . e não termos,quúnicos,para Field). Mas (Dl)não éumª definição aceitável de valência do ponto de vista do programa reducionista do fisicalis­mo. Isso pode ser visto mais claramente se. compararmos (Dl) com (D2). A última é aceitável. Mas a definição de Tarski de satisfação, ou pelo menos. suas cláusulas que definem satisfação para sentenças atô­micas, é exatamente como (Dl). Elatambémé.extensionalmente cor­reta e nãotemtermos semânticos do lado direito. E, exatamente como (Dl ), simplesmente lista cada elemento e designa uma valência para cada um deles, também as 'Cláusulas básicasda definição de Tarski de satisfação simplesmente designam condições .de satisfação uma por

15 . Mas os dois lados não são naturalmente equivalentes. Há alguns mundos p~ssí­veis com as mesmas l~is da natureza que as nossas, mas que não contém,no.mO:. · · menta, nenhum elEimento com o número at\)mico abaixo de, digamos; 112, e en~

· tão eles não contêm nenhum dos elementos encontrados em nosso mundo real. Assim, todas as cláusulas no lado direito de (01) serão falsas. (Na próxima fração de segundo, alguris dos átomos em cada um: desses mundos vão decair para áto­mos de número atômico 103 ou mais baixo, e dessa forma se tornar átomos de elementos que encontramos no mundo reaL)

0BJEÇÓES À TEORIA DE TARSKI 281

uma para cada predicado da linguagem. Mas, se (Dl) ~inaceitável, então a definição deTarski deve ser igualmE!nte inaceitáyel.16

O <ugume,nto leva à alegação de Field de que {Dl) é inacei­tável. Ele nunca explícita inteiramente o que está errado com ela (p; 96), mas é claro o súficiente, a partir do contexto e de cedas observa.,­ções que ele faz em aitigos posteriores (p. ex., Field, 1986,55), que sua objeção a (Dl) é a de que ela não explana ou explica o que é valência, en­quanto (D2)·explica. Por analogia, então, a definição de Tarski de sa­tisfação nãoé aceitável porque ela nada explica sobre a satisfação.17

(Estritamente falando, Field pensa que as cláusulas recursivas na defi­nição expliqun o conceito qe satisfaç~o para sentenças cómplexas em t~rmos de si'!.tisfação::para sentenças atômicas abertas;as~irit, é o con­ceito de satipfação pa'ra.sentençasatômicas abertas que nãoé explica­do pela definição de 'fal:ski {p. 94-96].) Conforme escreve Field: "Tars­ki é bem-sucedido ao redUZir a noção de verdade a algumas outras noções semânticas; mas.;. ele, de nenhuma maneira, explica essas ou­tras noções,:assimu. seus resultados devem tomar a palavra 'vt::rda­deiro' aceitável som~nte para alguém que já considere essas outras noções sem~ticas como aceitáveiS.~' (p. 83; grifo meu). Assim, com'? Field o con<tebe, o prograiha de r~dução de conceitos semânticos a conceitos lógico-matê:rrtá:.ficose físiÇ9s não é um programá pUramente filosófico; ele é tambéJn .~a parte do empreendimento e)Çplicativo da

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16 Field apd'nta para oqu~ J;~m efeito, um outro argumento por analogia, quando ele obsetVa o seguiÍite: "Por padrões semelhantes de redução algúém poderia provàr que a bruxadêi'é compatível como fisicalismo, porquanto as bruxas làn­çam apenas um número finito de feitiços: pois, então, pode-se definir 'lançar um feitiço' sem se fazer-uso de nenhum dos termos da teoria da bruxaria, apenas lis­tando-se todos os p(lres de bruxas e vítimas" (Field, 1972, 101). ·

17 Field, 1972, 86 .. Mas.note-se também suas observações, na página 91 e 103, de que uma definição fisiciiliSta da verdade não pretende explicar o sign.ificado da pala­vra "verdadeiro". Na minha terminologia: o programa fisicalista não deve ser confundfâo com o]:itojeto assertivo. Comparar também com a s~guinte observa­ção de Field, de um artigo posterior: "Por uma teoria da correspondência da ver­dade, eu.Ímtendo ÚJ.Pa teoria que diz que a noção de ,verdade pQde ser explicada apelando-se à relaç~o por um lado entre as palavras e por o~tro l~do entre os ob­jetos a que eias se referem ... A característica central de uma teoria da correspon­dência é que ela eipTiea a verdade em termos de algumas relações de correspon­dência entre palavr:as e o mundo extralingüístico" (Field, 1974, 200; grifo meu).

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própriafísic_a teórica:'8 ·"fisicalismo: a doutrina de que fatos químicos, fatos biológicos, fatos psicológicos e fatos semâf:.ticos são todos expli­cáveis (em princípio) em termos de fatos físicos'~ : (p. 93, grifo meu).

· Pode ser esclarecedor contrastar o programa fisicalistatal como Fieldo vê, com um programa de um outro tipo de redução se­mântica, defendido por Robert Cwnmins. Referindo-se a qualquer das cláusulâs básicas da definição de Tarski de satisfação (p. ex., "9 = 'xk é vermell:w' para algum k, e o objeto n:a posiç~ok de Sé vermelho") como "uma afirmação das condições de satisfaÇão"; Cuinmins, como Field, lamen.taque "Tarski nos diz o que satisfaz o que, mas nos deixa sem nenhuma piSta a respeito de como o fato expresso numa afirma­ção de condições de satiSfação deveria ou p.9deria se:r explicado" (Cummins, 1979; 355; grifo meu). Mas, diferentemente dos fisicalistas, Cummins não propõe reduzir os conceitos semâ:Qticos a conceitos físi­cos. Em vez disso, ele argumenta que os conceit~.s semânticos podem ser reduzidqs, por meio de um ;processo de qua~o passos, a conceitos psicológicos . .rrimeiro, a verdade é reduzida à sa,fisfação.· Segundo, as condições d~, satisfação de umq dada declaraçãq.'são exp~icadas como sendo o que·_são por causa dosignificado'convenqional das palavras na declaração. Terceiro, o significado convencione# é explicado em ter­mos do significado do falante. (Dito de forma toscií; uma palavra W tem u.m significado convencionalM riuma comunidade lingüística, se os falantes na comunidade repetidamente usam W.para significar Me se comunicam de forma bem-sücedida.) Quarto, o significado do falante é explicado ém termos das noções psicológicas de crenças e intenções dos falantes e ouvintes (ou leitores). (Ditq~ de fonna tosca,um falante "usa W para significar M" se ele declara W com ~intenção de transmi­tir a idéiaM a seus ouvintes~ e elésacreditam, qu~. ele tem exatamerite . essa intenção;) · ··; •.. · >'::

. É'ímp.ortante ter em men;te qpeka.úriitapreocupação de Fi-eld é com a adequação, ou falta dé éld~qi.l~çã,o, dá. teoria de Tarski en­quanto uma contribuição para 'O fisí_élai~stno. Fiéld não oferece uma

teoria da ver?ade que seja stih. W~~~;~?fflia, e,ie,&ão peft~nce ao qua-

: :!}i; ~ -;~i ·. · .. · 18 Essa p~r~~ s~~ a interpre.taçã~ padr~d de Fiei<L Comp~rar, p. ex.; Fox, 1989, 173;

Stalriaké#t.19g 30; Leeds, 1978,121; McDov\f~Il, 1~?8; :111; e Soames, 1984,418. Pqroutrq il:ado; Robert Cummíns (1975; 33-37)parec~ ç()nfundlr ~· objeção de Fi-é!d~om.?;que eu chamei supra de objéção d~telativiq~de. ·

...

ÜBJEÇÕES À TEORIA DE TARSKI 283

· dro,de t~óricos da verda:de da: seção 1.8. Ele, entretantó,stigere uma estratégia para · construção _de uma definição ·. de verdade aceitável para ofisicaliSmo. Primeíro,deve-se definir verdade em terinos' de sa­tisfação; assim como o fez Tarski, e as cláusulas recursivas na: c:efini­ção de~Tarski de satisfação devem permanecer como estão~ IV!as deve­mos c!efinir satisfação para sentençás atômicas abertaS emtermos. do conceito semântico da aplicação de um predicado a um objeto (p. 86), combinando todas as Cláusulas básicas da definição deTarski numa clátisulaúnica que diZ·mais ou menos o seguinte:

· .• (e ="Pxt para algumke algum predicado F; e P se apli.::a todo o objeto na posição k em S)

Nós, então, reduzimos . ó conceito semântico de aplicação . por meio de uma teoria causal da referência como a de Kripke CP: 99).

-:: Field não acredita que essa última teoria esteja suficientemente bem ·•· · desenvolvida para tomar essa aplicação possívelno momentó, mas

pensa que há uma boarazãopara se pensar que ela possa serassim de­senvolvida, e, por isso, ele é otimista com relação às perspectivas de tima redução fisicalista da semântica.19

.

' • · ·. ·; • •· A questão dé se a versão de Field do fisicalismo é um proje­. : to irhportante e viável será tratada na seção 6.8. Na próxima seção, · vouconsiderar a questão mais imediata, de se asobservàções de Field .· estão bem colocadas enquanto uma crítica de Tarski. ··· · · ·

~.

6.7NEURATH, CARNAP E AS ORIGENS DO FISICALISMO . . MODEru\10

. Se Tarski pensou que ofisi~alismo moderno em sua aplica- · ção à semântica era um ramo da física teórica e que ele era um progra­ma explicativo, então penso que pôderil.os nos unir a Field e dizer que

19 Seguindo algumas pistas na~ notas de ro~apé de Tarski, Field (1972,84-86) tam­bém mostra como o programa reducionista visado pode ser estendido a defini­ções de verdade para linguagens com nomes e funções.

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284 RICHARD L. KlRKHAM

·.• \ Tarski fa1hou em dar uma resposta às suas próprias ambições fisicalis,. tas. (De fato, com respeito a e~sa suposição, veremos que Field foi ex­cessivamente indulgente com Tarski: Ver o último parágrafo desta se"" ção.) Então, podemos concordàr que~ tenha ele pretendidoisso ou não, a teoria da verdade de Tarski não satisfaz o programa fisicalista . tal como Fiêld o descreve, e essa é a questão mais importante. Existe, entretanto, pelo ·menos algum .interesse histórico na · questão de ·· se Tarski realmente concebeu o programa fisicalista da mesma maneira como Field o pensa e, conseqüentemente, de se o argumento de Field · ~quanto uma crítica de Tarski é convincente;

Assim, como Tarski entendeu o fisicalismo? Todo o nosso conhecimento de que ele eia um fisicalista provém de uma breve ob­servação, feita por ele uma vez, de que ele queria conduzir a semânti"" ca "a uma harmonia com os postUlados da unidade da ciência e do fi- · sicalismo" (Tarski, 1936,406). Em seus outros escritos, ele nunca men'­ciona.o fisicalismo. Embora ele fale repetidamente de .seu desejo de definir os termos semânticos com termos não semânticos; em nenhu:In outro lugar além de Tarski, 1936 ele especifica temios físicos cónio sendo o vocabulário alvo.20 Desse modo, descobrir a natureza da con- · cepção de Tarski do programa fisicalista: exige que iderttifiquemos.a · que escritt)s de outros autores ele está aludindo na citação precedente.

·Afortunadamente, essa não é uma tarefa difícil. Tarito o teimo '!fisica-· lismo". quanto o termo "unidade da ciência" foram .criados por Otto Neurath e defendidos por Rudolf Carnap no início dos anos 1930.Di-.· ficilffiente seria. coincidência qt.le Tarski; que tornou esse seuartigo público primeiro por meio de uma conferência enf 1935, usasse justa­mente essas palavras. Nem é plausível pensar que Tarski iriaconfun- ., •. dir sua audiência fazendo uma alusão com esses termos, se ele preten- ·· desse expressar com "fisicalismo" e "unidade da ciência" algo dife­rente do que era dito por Neurath e Carnapnaquela época. Portanto, . se formos capazes de .atribuir qualquer concepção de fisicalismo a .• Tarski, devemos identificar sua concepção com a concepção de Neu-. rath e/ ou Carnap, tal como essa última era defertdida na época e:rp. . queTarski estava escrevendo Tarski, 1936. (A única alternativa inte-

20 Field (1972, 88) parece não ter notado isso quando, p. ex., ele dta Tarski, 1973; "Não devo usar nenhum conceito semântico se não estiver apto previamente a reduzi-lo a outros conceitos" (grifo meu).

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OBJEÇÕES À TEORIA DE TARSKI 285

lectualmente respeit~vel seria evitar atribuir qualquer programa fisi­calista particrtlar a Tar$ki, e nesse caso o argumento de Field, enquanto · uma crítica de Tarski, perderia seu sentido.)

A chave para entendermos a idéia que Neurath faz do fisi­calismo é reconhecer que ele o promulgou, primeiramente, por razões epistemológicas: ·

"Fazer predições" é aquilo a que toda a ciência diz respeito. No início do processo, estão afirmações observacionais... . Com a ajuda de afirmações observacionais, formulam-se leis; de acordo com Schlick, essas leis não devem ser vistas com() afirmações.em sentido próprio, mas como diretrizes para se encontrar predições para cursos individuais de eventos; essas predições podem ser testadas p(>r mais afir­mações observacionais (Neurath, 19311, 53).

Uma prediÇão pode ser examinad~ (controlada) somente por afirmações observacionais ... o que impor!a é que to­das as aEirzhaçõesfazem referência à ordem espaçp-tempo­ral, à orde~,que conhecemos da física. Conseqü~htemen­tei essa concepção é chamada de "fisicalismo". A ciência Ul)ificada só contém formulações fisicalistas (p. 54). :- . -. -.- ,.

Mas. o· uso qti.e-N~urath ·. faz . da palavra "física!' · pode nos confundir, já !:Jue natura4nente o tomamos como o nome dadisciplina acadêmica qqe estudaafísica, em paralelo com os termos -"química", "biologia", "filosofia", ~'línguas clássicéts" e "semântica". Isso, por ou­tro lado, nos dá a impi'essaO de que t;Jeurath, como Field, pensa no fi­sicalismo coJÍ:to oprogra.n\ade+eduçãode todos os conceitos, incluin­do todos os Çonceitos de outras disciplinas acadêmicas, a conceitos julgados aceíi:~veis na [í~~ça te() rica Çontemporânea,isto é, a conceitos usadós pelos físicos profissi9nais ~conceitos como elétron, carg_a, íon e quantidade de moviittento.:Mas isso não é, e de fato não.podena ser, o que Neurath tem eJn 111en(e, pois os conceitos da física acadêmica, muitos deles mclusiveí s'ão iriobserváveis, e, assim, tão inúteis para se formular predições testáveis como são os tipos de con.ceitos (como empatia, Deus e correçãqmoral) que elé e seus colegas do ~ositivismo Lógico ridiculariZam çoJ.ho legado delim pensamento já superado (p. ex., Neurath, 1930). Assim, as próprias afirmações dafísica teórica,

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286 RICHARD L. KIRKHAM

tanto qUant()as afirmações de qualquer outra área, precisam ser redu­zidas a afir:rjlações referentes a objetos observáy~is e suis proprieda­des. Esse parece ser o sentido do resto da citaç~i& ariterior, que assim

. continua: "O destino da física em sentido estrito tofua-'se, assim o desti-. ' .. · .·· . I

no de todas i'lS ciências, até onde estiverem envolyidas as afirmações a respeito das ,menores partículas. Para o 'físicaH~mó' .• é essencial que um tipo de o!-"dem seja a fl,llldaÇão de todas as le~~. seja qual for a ciên­cia de que se estiver falando, geologia; qtr.imkaioll. sociologia" (grifo meu). Assim( o vocabulário almejado pela redução fisicalista é o voca­bulário do que é observável nó dia-:-a-dia'- a linguagem:'das pessoas comuns, qmpdo despida de termos "m~!a#sie:Ç~" como "empatia", "Deus" é "C:qrreção moral". Elé col)firmli;;issoieil) (1931.b): 11Em certo sentido, a co~cepção aqui defeJ.'l.did# ~~~~ de~urn,:a dada:condição da lingu~gem clü dia-a-dia, que em. su~:;9f!g~m;éifi!~icalista ~. só gradual­mente se mi~tura com a nietafís;t~~·~;;it,i\~~gtiagei:n do #sf~alismo não tem nada dE! ': novo em si nu~stn~; eta~:~/ª Hngu,ag~m familiar a certas crianças e pessoas 'ingênuas"' (p. (i6K< ·J:.: · • < ); ' "

J~tque Neurath não p~nsà q f~sicalis:tnocoll1~·almejando uma reduçãp;detodos os conceitósá'corú:êitos dàfísicàteórica o léi· tor não d,ev~~e ·~'llrpreender que nãp haj~~enh~fha sugestão, :m ne­nhwn: l,~gíl!t;:<;fosescritos de Neurath);de q~~ o fis\~alismó ténha algum tipo cle. )jlêtªJfxplic~tiva. Pelo contrál-io, ~~:idéiâ)'$egun4q· Neurath, é trilduzip;afir$:ações referindo-s~ a coisasilão óbserváveis'em afirma­·ções que. lhe~ sejam equivalentes ref~rinÇL'b-se~apknas ci cbisas obser­váveis; de fmma que o valor deverdáde :~ess~ ttltimas(e, pela equi• valênCia, o d~s primeiras tarnbé,in) poss( ser tes'(t!ido por observação . direta. Mas s~ria absurdo pensar qué as últimas e*Plicam as primeiras: fatos sobfe a·:yermelhidão do rosto de John e sl.lâ, pressão sangüínea não explicam por que John está bravo. Note-se, também, que para o pro­grama epistepológico de Neurath, é somente n~Çessário que as afir­mações def a.t,ósobserváveis sejam extensionáhr\~nte equivalentes às afirmações qjje elas traduzem e testam, pois a equivalênCia extensio­nal é suficiente para garantir a identidade dos vaibres de verdade.

Uil;l exame mais detido dos artigos relevantes de Neurathe de Camap . qJie estavam disponíveis a Tarski quando ele escreveu Tarski, 1936 (Neurath; 1930, 1931a~ 1931b, 1932-'1~33; e Camap, 1932, 1932-33) confirma que esse programa epistemolqgico é ó que eles en­tendem por "f.isicalismo{' e "linidade da ciência"~Çamap também de­fende um programá que é substancialmente q mes:moque o chamado

OBJEÇÕES A TEORIA DE TARSKI 287

<por Field·de fisicalismo; mas Cfunap toma tal projeto coniÓ sendd úm projeto diferente daquele que entende por "fisicalismo". (Leitores que não quiserem concordar comigo nas. duas últimas sentençasdéve:m• consultar: meu próXini.o ·livro, em andamento.) ·.Q argumentb;para ó_ que venho. dizendo é longo· e exige uma quantidade consideráv~l 'de.

· dtâções longas dos artigos antes mencionados, por lsso aCho inapro• priado incluí-lo nesse· trabalho, De qualquer forma; pelas. razões . da­das acima; o programa d,e.Field não é aquele a que Tarski está se refe­rindo; quando apóia "os postulac[os da unidade da ciênc;ia e dofisica­'lismo;,, e devemos, conseqüentemente, rejeitar a crítica que Fieldfaz de Tarski.21 . · . : .. ·· x · . · • ·· · .. · ·

. . . O que . Tarski estava . apoiando com sua observação era o .. ·, programade reduzir todas as afirmações .com referência a coisas:não · · pbserváveis a observações contendo somente referência a entidades e . . :propriedades observáveis no dia':'a-dia. E, corno vimos, esse programa ) xigeapenas uma equivalênçia extensionalentre as primeiras af~a~ 'Ções e _suas traduções, e nãoe dge que as últimas expliquem as primei­ras. Pareceria, então, CJUe, quaisquer que sejamos outros problemas. que possam ter, as de(inições de Tarskisão bem-sucedidas em fazer

;avançar esse. programa mais modesto. Field. considera brevemente o :.que substandalnlente é essa mesma interpretação de Tarski, e ele ~üe-

. :: pudiá.somente porque; para-alSUJ.'l.s ,ti pós de linguagens, côrrú) 'aque~ . ,las ÇOID n?mes ambÍgUOS,, não ~possível criar defuúções· ÇOlllO as de ''farskique definam n~m mesmo e.xtenszonalmente todos os conceitos

··' ;semân.tico's(Field,1972; 100-101). Mas1 mesmo se essa alegação ~yer­. ' . cladefra, ela não vale como uma r;lzãO para se rejeitar miÍilia intêrpre­. · Jação do fisicalismo de Tarski, porqueTarski deixou inteiramente da-

·· ro, como vimos na seção 5.5, que ele não tinha interesse nos tipos de :l,inguagerts sobre as quais Field está falando. (Ver a seção 8.3, para sa­;l?er pôr que termos ambíguos causam problemas~)

. . · , Por outro lado, se Tarski tivesse adotado a versão do física-: : ~J,ismoque Field lhe atribui, então Field poderia ser acusado de ter sido

'fnuito o generoso com Tarski; E(>sa é a queixa que fazem Scott Soames . '(1984,419-420) e RobertC.Stalnaker (1987,30-31), a respeito de Field~

:. $e, como ,sustenta Field, as cláusulas básicas da definição de Tarski fa-:

Fox (1989, 173) chega à mesma conclusão a respeito de Field e Tarski, embora ele o faça pór razões diferentes das minhas.

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288 RICHARD L. KIIU<HAM

. lham por não serem explicativas(· então · as cláusulas recursivas · da mesma definição devem ser falhas exatamente pelo mesmo motivo. Field alega que as cláusulas recursivas deTarski explicam a satisfação de sentenças complexas ou quantificadas em termo~ da satisfação das partes de tais sentenças. Mas Soamese Stalnaker apontam que as cláu­sulas rec.ursivas. são apenas uma "listagemll da satisfação tanto quan­to o são as cláusulas básicas: Enquanto as cláusulas básicas( com efei­to( defiÍ.\em a satisfação separadamente para cada predicado. da lin­guagem( as cláusulas recursivas( com efeito, listam cada função de verdade e cada quantificador da linguagem e definem satisfação para cada um deles, um por um:

(9 ="-,cjl'' e S não satisfaz~) Ou,(9 =·11

\jiOU ~~~e OU S satisfaz \jl OU S satisfaz~) ou (9 = "(xk) cj>" e toda seqüência que difere de S no máximo

na posição.k satisfaz cj>) · ' ou (e = "(3xk) cj>" e alguma seqüência que difere de S no má-

ximo na posição k satisfaz cj>). ·

Cláusulas corno essas não explicam melhor a satisfação do . que o fazem ás cláusulas básicas.' Como evidência disso, note~se que · se eu adicionar 1'#~' como um conectivo expressando alguma função . .de verdade para sentenças e"@" comoüm quantificador à linguagem· para a 'qual a satisfação está. sendo definida, e pedira uma pessoa que adicione à definição de satisfaçãó as cláusulas recursivas apropriadas a esses novos termos, ela não terá a menor idéia de . como fazê-lo~ (Comparar com a seção 6.3.)

6.8 OBJEÇÕES AO FISICALISMO . - .

· Além da controvérsia sobre a correção'da crítica q~e Field ~ ' :,_,: .·. faz de Tarski; existe a questão mais interessante de se o ·fisicalismo ta!"' · · ·

.· · como Field o concebe é um programa importante e viável. A literatUra . sobre o fisicalismo é imensa. Apenas a questão de se osconceitospsi­cológic~s são redutíveis a conceitos físicos enche vários volumes de.'

. •.

ÜB)EÇOES À TEORIA DE TARSKI 289

debates. Dessa formajlvou me limitar aqui a algumas objeÇões aoarti-go deField. .·. .

Field alegà'que o fisicalismo é uma parte 4ltrlnseca e "ex­tremamente .frutífera" da metodologia científica (Field~ 1972, 96). A ciência tem feito progresso tentando reduzir conceitos s()ciais a con­ceitos biológicos (e dispensando como mitológico qualquer conceito que não possa serassim reduzido), conceitos biológicos a conceitos quúnicos (e d,ispensaU,do etc.) e conceitos quúnicos a conceitos físicos (e dispensançlo etc.) . ./!i descoberta de como reduzir a valência aos con­ceitos físicos ,~a' estru:~a atômica é somente um exemplo desse pro­gresso. Mas essa é, no~elhor dos casos, uma descrição süpersimplifi­caâa da metódologiaé !ia história da ciência. No pior dos·.casos, ela é completamente falsa.O que conta como um conceito físi~o aos olhos dos teóricos da física muda de tempos em tempos. o contei te> aristoté­lico de substFato simples ·tuna vez contou como um conceito físico exatamente rio sentido.que:se.está exigir\do,mas ele não conta mais. Não porque bs físicos rnbdemos não acreditem que esse substrato exista, pois eles são totalirterite neutros com relação a essa questão. Na verdade, nem a afirin~ção;nem a negação' de que existe um tal tipo de coisa como um substràtp iria contar como uma declaração da física. O que deveria ~er airidan:iais çlesconcertqnte para os físicos(no sentido de Field) é q~e entidadé~ quf:! uma vez não contaram como.físicàs ago- · ra contam. Newton foi;lnju,ri,ado por postular a gravidade, em função de tal "força", misterios~ $er:metafísica !'! "oculta", em outras palavras, não respeitável cientifiqamente. Ao lorigo do século XIX, ela se 'torriou respeitável. Assim, p~t;!Ce que se um conceito tem valor explicativo suficiente, os físicos est~o tão dispostos a reclassificá-lo dei;ttro da físi­ca quanto a reduzi-lo.a algum estoque pré-existente de conceitos físi­cos. Field alega que se a valênda, que tem grande valor explicativo na quúnica, nãotivesse sido reduzida de forma bem~sucedida, os cientis­tas teriam tido que ab~doná-la ou abandonar o fisicalismc,> (1972~ 96). À luz da história do cqnceito de gravidade, parece mais provável que eles tivessem reclassificado a valência como um conceito físico.

Além de ~eramente reclassificar conceitos não-físicos, os físicos têm se mostrad,b perfeitamente dispostos apostularnovas enti­dades físicas sempre que .~ explicação parece exigir tal coisa. Antes de Einstein, os conceitoscl.e carga, massa e energia se tomaram aceitáveis e lugares-comuns par~ os físicos. Desde então, Einstein td:i:nou o con­ceito de espaço-tempo, na verdade, espaço-tempo que" se i:.urua", acei-

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290 R!CHARD L. KIRKHAM

tável. Ma~ n\esmo Einstein não aceitou 6 conceito de quark. Quarks · não são apenas aceitos hoje; acredita-se .que el~s; tenham certas pto'­priedades est,ranhas, dentre as quais estão aquel~s que os físicos cha­mam de "eri?anto", "rotação [spin]", "beleza"e.:;(ironicamente neste contexto) "v~rdade" .Mas, se esse tipo de ontologta exótica é tolerável ·· para um fisiç:alista, então comeÇamos a nos int~i.'Í'ogar que problema. conceitos nãq-físicos podem trazer para ele. Se ~s quanta (entidades·

· móveis que t,êm posição ou velocidade, mas nã'~ ambos) são aceitá-'. veis, porqu~ não seriam aceitáveis empatia, I~~us, correção moral; crenças, verg,ade e denotação? Karl Popperc;lesE!í'tvolvet(exatamente o mesmo poljto ao criticar Carn:ap; 1932-1933: "A,'maiori~dosconcei­tos com os q\iais ~ física trabalha, tais como forÇâ,s, campos e mesmo elétrons e outras partículas, são o que Berkeley (Iiór exemplo) chamou 'qualitiates ocç~!ltae' .... O fato é que não podemos. explic~ a força elo paste apenas pela sua estrutura (como sugeri1,1 Cam.ap }, mas somente pela sua estrutura jimtamente com leis que faiew amplo uso de 'for.,. ças ocultas' q~e Carnap, como Berlseley, cpndertÇI,111 como esotéricas" (Popper, 1965,266). · ·. •• . .. . . .•. ·.

Prpgramas reducion,istas envplvem: a alegação de que eventos, enti4:ades.e propriedades do tipo?l{p; e?<~, biológicos}, se não são nútico5,}?,odem ser comple~am~nte d~sci'itos;como eyentos, enti­dades e propj'iedades do tipo B. (p. ~x~,J~c9~), ~-Jambém a alegação de qu~ essasJtltimas descrições ~xp{i,S!t7!1~;ti4d6 'qu~poderi~'ser explica'-

. ,dopelo voca~ulário do tipo A. q~~:~~~R<??ta .c~c).~vez !ll'!is comum a tais program~s é aceitar a primei,t~:~~~g~Ç~p .erej~,itar a s~gunda. John

· McDowell d~exatamente esse tif?~a.e:r~~p:osta:à :yersão 'de Field do fi-.. · sicalismo. EI.~ q\ler conceder a ,Fiei(l: qufti"(irtqdos os &ventos são

eventos físic~s, i~to é; têm descriÇõé;Jísica~; [e]'(ii)sob s4as descrições física~, to,d9'~-9s ~yentos estão sujeito~ a e~plicaÇqes compl~tas, do tipo que af~íçã.4~ fóhna paradigmática'pernQ.~e, ein.fermos de leis físicas

· e . out:rc)~ . even~os descritos fisicamente" 'CN1cbowell, 197~, 128). Mas ~xplic<\çg~s ff~icas são apenas uirt tipo dê_f:xpliÇa~~o. Erp.qualquer ex­

. plicação científica, seja ela física, química/ ljíológíêa etc.; ÜJ:n evento ou ação~ mostr~do, como não surpreendentepor-Set:·o resultado inevitá­

. vel de leis n~rais. Em particular, umaécplicação física deixa claro que o evento)~ o resultado de leis físicas. Assim, ll'uma explicação físi­

. ca deumfenômeno semântico.-. um ato de compprtamento lingüísti­co, o evento / ,ação é mostrado como não surpreen1ente porque é mos-

OBJEÇÕES A TEORIA DETARSKI 291

.· .. ftadOcomoum exemplo" da forma como o mundo funciona", comO o +.-==::.uu••u~de1eis físicas (!).125). · . · · · i · . ··

Mas há outro tipo de explicação: "A explicação intencional uma ação não-surpreendente, não enquanto um exemplo do

.•u•v .... •v como o mundo funciona (embora, claro; dessa explicação não· siga que uma ação não seja isso), mas enquanto algo que p~de. ser

como tendo algum interesse para que o a~ente o pers1ga. explicação intencional de um evento não ... se oferece, por assim ·para preencher o mesmo espaço explicativo" (p.l26). A impor­disso para McDowell é que ' o fato de que se possa dar :a um fe­

·semâritico uma descrição física, sob a qual ele está "sujeito a \.una explicação [física] compléta" ~não é incompatível com a alegação ::de que se possa dar a ele uma descrição int~ncional e~ t~m;os qu~ são irredutíveis a tennos físicos, e de q11e soP sua descrl.Ça9 mt~ncHmal possa )h e ser dada uma explicação inten.cion.al, !" q\lal f?rnece um: tip_o

· diferente de entendimento dg que aquele que e forneodo pela expli­cação física. ''Se conceitos intencionais [dos quais os conceitos semân­. ticos são um subconjunto] são largamente constituídos pelo papel que · desempenham em um tipo especial de ~xplicação, o q':~ n~o:compete .

.. . . com 0 tipo que aJísica permite, mas of~rece UII1.a espe~1e diferente de .:· compreenSãO, então não é necessário. _esperar . que ~eJamOS , caraze~, :. mesmo aproximadamente, de reduzir aquele_:; conce1tos a conce1tos fi-

. - sicos. O ponto distintivo dos conceitos intencionais toma inteligível _)que deva existir um: tipo de incomensurabilidade entre eles e os con-. ceitbs físicos" (p. 26). . . . Os fisicalistas vão ·responder alegando que os tipos de

) questões que explicações intencionais respOndem somen~e ~anham · destaque quando, no nosso modo primitivo e obscuro, persistimos em pensar os fenômenos semânticos como fenômenos não físicos. Se pa .. rássemos de fâzer isso,as complicações que <'l.S explicações semântict\S amenizam sequer começariam a nos iricomodar. Assim, o fisicalismo, eles insistiriam, não envolve aperda de explicações intencioriais e~ por­tanto, de uma;" espécie de compreensão". Em vez disso, ele envolve a eliminação de certas pseudoquestões e da 11 compreensão" ilusó,ria que

. advém da explicação dessas questões. Continuar ainda esse: d~b~te ·; nos levaria muito longe dos temas principais deste livro. Deve ser su­: ficiente dizer aqui que, se McDowell está certo, então Field assumiu

ilicitamente que se todos os eventos, entidades e propriedades são no fundo eventos, entidades e propriedades físicos, então todos os con-

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292 R!ÓiARD L. Km!<HAM

ceitos não semânticos (se não são inteiramente míticos) são reduzíveis a, e explicáveis pela, física teórica.

6.9 RESUMO DO CAPÍTULO

. O levantamento,neste capítulo, das objeções à teoria de Tarski começou por uma consideração rápida de duas objeções a CAM feitas porHaack. A mais interessante delas era a sua alegação de que CAM pressupunha o princípio da bivalência. Vimos, entretanto,,que essa objeção ela mesma pressupunha algo: que não há tal coisa como um estado d~ coisas vago. Mesmo se essa última alegação for verda.., deira1 CAM somente pressupõe o princípiO da bivalência quando esse último é entendido como uma alegação a respeito dos valores de ver­dades de sentenças (significativas, declarativas) no mundo real, e, quandq assim interpretaelo, o princípio não é deforma alguma obvia ... mente falso. Vimos então, na seção 6.2~ como o .não-reconhecimento . de que.a teoriadeTarskinãopretende responder ao projeto da justifi- · cação Jevaa várias objeções tolas.

. . .. Mais forte que essas é a objeção de relatividade, a qual mantém que, ao definir a verdade separadamente para cada lingua­gem, Tarski falhou em apreender nossa noção translingüística de. ver- . dade. Vimos que essa objeção é essencialinente correta, embóra seja fácil nos iludirmos que · Tarski ·apreendeu implicitamente a noçãô ·de··· verdade translingüística, se lidamos com definiçÕes de verdade como as de Tarskiapenas para linguagens que compreendemos, Se issO. é re­levante Otl .nãó depende, entretanto, dos nossos objetivos. Tarski não estava tentandó apreender a essência da verdade tr~lingüística; Ele · queria apenas apreender a extensão da verdade para linguagens parti.., .· .. •.·· culares(sendo cada uma dessas extensões parte da extensãodaverda: d~ translingüística), e isso ele conseguju. ,

·.Também pareceu existir uma argumentação legÍtima para a versão .moderada da objeção de vaCuidade. Infelizmente, muitos ... dos que têm feito essa objeção têm complementado, ou apenas con.., · · fundido, o argumento legítimo com outros argumentos ilegítúnos; Além disso, a conclusão exagerada daqueles que objetam vacuidade, · de que a teoria de Tarski é completamente vazia porque é compatível

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.: ÜB)EÇÕES À TEORIA DE TARSI<I J ,' 293

com todas as outras t~orias da verdade, não é autorizada pela argu­mentação legítima dai: objeção. O máximo que podemos dizer é que uma teoria como a d~ Tarski ontologicamente neutra é ~ompatível com .todas as teorias quase realistas da verdade, uma classé que indui muitas das teorias Não-Realistas. Eu argumentei q'!le mesmo isso não chega a ser uma objeção,já que se poderia muito bem criar uma teoria como a de Tarski quenão fosse ontologicamente neutra. De fato, eu ar­gumentei, na seção 6;5, que alguém tinha criado justamen~e tal teoria: Tarski. ..

As três seções seguintes foram toma<;Iascom ul:na extensa discussão da alegação:. de Field de que Tarski não conseguiu fornecer uma redução de conc~~tos semânticos a conceitos físicos, aceitável do ponto de vista do fisicalismo. Eu concluí que, se Tarski _concebeu o programa fisicalista da mesma maneira emque Field o fez, então ele fracassou emsuas ambições fi~icalistas. (De fato, revelou-~e que Field foi até indulgente com.Tarski.) Mas como Tarski apenas alt:idiu ao fisi­calü;mo e nunca dissEf,o que pensava que o fískalismo fosse, fomós forçados a assl.lmir qll.'e:éle o entendia-da mesmamaneirà que Neu­rath, o seu cri<ldor mo9emoí eCamap, nos escritos desses aútores.que estavam disponíveis n~ época em queTarski apoiou o fisicalismo. Um exame desses· escritos}ir\dicou que, erriborá possa ser enéàntrado em Camap um ptograma;como o de Field, nem Camap nem 1\feuri:tth pa­recem ter equip~rado O fisica,lismo a tal programa. Pelo cqritrário, eles e~tenderam ofi$.icalisiP,o deotal maneira que se pode dizer que as defi­nições puramente extén_si(j11~$. de verdade de Tarski.fomecem uma redução fisic$-lista ade'q~acia~ Nossa :atençãofoi então dirigida para uma discussàb :- infe!Wné+ite mas nécéssariamente breve; e portanto incompleta-da impor.tânc~a e da vi<i.JJilidade da versão de Field do fi-sicalismo. · ·

VarrlOs trat~agbrado projeto da justificação, e .ver alguns exemplos do modo-com'o'te~postas ao projeto metafísico $ão usadas para av~ação de respostas ·~quele projeto. ·

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