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LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO UNIDADE 4 - LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO 1 LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO Autora: Ana Santana Souza

Leitura e Produção Do Texto Criativo 4

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- Unidade 4 - Lendo e Escrevendo a Construção de Processos Criativos

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LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO

UNIDADE – 4 - LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS

ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO

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LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO

Autora:

Ana Santana Souza

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ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO

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ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO

LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO

Lendo e escrevendo: a construção de

processos criativos

Unidade – 4

Professor Pesquisador/Conteudista

ANA SANTANA SOUZA

Coordenação da Produção de Material

Didático

ARTEMILSON LIMA

Design Instrucional

ILANE CAVALCANTE

Coordenação de Tecnologia

ELIZAMA LEMOS

Revisão Linguística

KALINA ALESSANDRA RODRIGUES DE PAIVA

Formatação Gráfica

MARCELO POLICARPO

Ilustrador

MARCELO POLICARPO

GOVERNO DO BRASIL

Presidente da República

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Ministro da Educação

FERNANDO HADADD

Secretário de Educação a Distância

CARLOS EDUARDO BIELSCHOWSKY

Reitor do IFRN

BELCHIOR DA SILVA ROCHA

Chefe da DETED/UAB

ERIVALDO CABRAL

Coordenadora da UAB/IFRN

ANA LÚCIA SARMENTO HENRIQUE

Coordenadora da Especialização

FRANCISCA ELISA DE LIMA

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UNIDADE 04:

LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS

APRESENTANDO A UNIDADE

Bem-vindo(a) à Unidade 4!

Estamos chegando ao final da disciplina, não é mesmo? Chegamos até aqui tendo

estudado alguns conceitos, procurando aplicá-los à leitura de alguns gêneros textuais. Nesta

Unidade, vamos nos dedicar à produção de textos criativos. Poderíamos trabalhar com vários

gêneros, tais como a propaganda e o conto, mas privilegiamos um: o poema. Ao final deste

módulo, indicaremos referências onde você encontrará orientações para a construção de

narrativas. No momento, escolhemos apenas um gênero por falta de tempo e espaço. Seria

necessário um curso inteiro somente para a produção criativa. Aqui, nosso interesse é apenas

de introduzir o assunto. A escolha do poema se deu porque nos parece que ele é pouco

explorado na escola, devido a sua linguagem mais sugestiva do que explicativa, o que produz

uma maior insegurança no leitor e no produtor de texto.

Como dissemos antes, não temos a pretensão de formar poetas. Nosso desejo é

provocar, através de alguns recursos, a escrita criativa. Por essa razão, não é nosso objetivo

enveredar por aspectos técnicos e formais da produção poética. Queremos apenas ofertar ao

professor mecanismos didáticos para ajudá-lo a elaborar propostas de produção textual que

atraiam o aluno para o universo da literatura. Ofereceremos o pequeno trecho de um

caminho, pois esperamos que você o multiplique abrindo atalhos, novas veredas, inúmeras

travessias.

Vamos trabalhar?

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Objetivos:

Ao final da unidade, esperamos que você possa:

identificar elementos constitutivos do gênero poema;

desenvolver a prática da escrita poética;

compreender mecanismos de produção poética aplicáveis ao ensino de leitura e de

literatura.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

1. Do universo poético

Para muitos, o universo poético é um mundo para poucos

privilegiados. “Escrever poesia é um dom”, ouvimos dizer com

frequência. Mas será mesmo? Todos que escrevem poeticamente,

o fazem porque receberam dos céus, desde o nascimento, esta

dádiva? Será que não podemos nos descobrir poetas em qualquer

tempo? E essa descoberta não estaria relacionada, mais do que a

um dom, ao nosso gosto pela leitura de poesia e pelo estudo de

técnicas?

Antes de procurarmos respostas para essas

questões, responda: você

já escreveu poesia?

Provavelmente, alguns de nós já escrevemos alguns versinhos.

Nossos alunos também. Alguns deles, principalmente os mais

sensíveis, gostam de produzir alguns poemas de amor. Se nós,

professores, aproveitássemos esse gosto e os orientássemos para a

produção desse tipo de gênero, será que eles não se

entusiasmariam e passariam a investir na escrita poética e, assim,

não se descobririam poetas ou, pelo menos, leitores de poesia?

Certamente, você concorda comigo, mas pode estar

questionando: “sim, mas como devo proceder

nessa orientação? O que preciso ensinar ao meu

aluno para que ele possa escrever poesia?”.

http://2.bp.blogspot.com/__4tnOT9SlLc/SScmw_ER

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http://1.bp.blogspot.com/_KW3WbfoqFI4/SnYwWRd32lI/A

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Antes de mais nada, precisamos compreender, como nos ensina Lucília Garcez (2008), que

muitos mitos cercam o ato de escrever. Para muitos, escrever: é um dom; é um ato

espontâneo que não exige esforço; depende de algumas dicas; independe da leitura; é

desnecessário no mundo moderno e é desvinculado das práticas sociais. Esses mitos também

envolvem a escrita poética. Seria bom abandoná-los e aceitar que poesia se aprende no

exercício da leitura e da escrita. Não há como escapar dessa máxima!

A poesia nos ensina como escrevê-la. Quando lemos, assimilamos o estilo, o modo

como os poetas escrevem, em outras palavras, internalizamos um fazer poético, através do

hábito de leitura de textos cuja escrita é criativa e, por isso mesmo, apresenta novas formas de

organizar e combinar palavras. Quanto mais plural nossa leitura, mais conhecemos estilos

diferentes, o que nos conecta a um mundo de possibilidades. Aprendemos a lição da

linguagem poética: criatividade e liberdade são correspondentes. Por outro lado, alguns

poemas são metalinguísticos, isto é, falam do próprio ato de fazer poesia. Veja este poema de

João Cabral de Melo Neto (1986):

Em duas estrofes, o poeta compara o ato de escrever com o ato de catar feijão. Tanto

em um como em outro, joga-se fora o que é oco, sem consistência. Entretanto, corre-se um

risco: o de que entre os grãos pesados escape uma pedra. No feijão, todos nós sabemos que

isto é algo indesejável, afinal quem gostaria de mastigar uma pedra? Já na poesia, “a pedra dá

CATAR FEIJÃO 1. Catar feijão se limita com escrever: joga-se os grãos na água do alguidar e as palavras na folha de papel; e depois, joga-se fora o que boiar. Certo, toda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois para catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco. 2. Ora, nesse catar feijão entra um risco: o de que entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto, um grão imastigável, de quebrar dente. Certo não, quando ao catar palavras: a pedra dá à frase seu grão mais vivo: obstrui a leitura fluviante, flutual, açula a atenção, isca-a como o risco. (Disponível em:

http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livr

os/resumos_comentarios/c/catar_feijao Imagem disponível em:

http://3.bp.blogspot.com/_Ihnc4hwKAzE/SpS0WX_z_wI/AAAAAA

AAAPo/D11CmSRZL9g/s400/Catar+feij%C3%A3o+-

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a frase seu grão mais vivo: / obstrui a leitura fluviante, flutual”, isto é, aquela leitura em que há

pouca reflexão. A imagem da pedra, na segunda estrofe, revela que escrever poesia não é

apenas escolher palavras que consideramos poéticas. É ter consciência sobre seu efeito no

sentido do poema. O poeta destaca a necessidade de um grão imastigável, de uma palavra

inesperada que provoque o leitor, que o faça sair de si para ver as coisas com outros olhos.

Veja que, no poema, João Cabral expressou suas idéias usando imagens. Na poesia, a

construção de imagens é um recurso importante. Exatamente por isso, vamos falar um pouco

mais a respeito desse assunto. Antes, porém, faça o seguinte exercício: compare pedra e

educação. Você vê alguma semelhança? Após o exercício proposto, leia o poema A educação

pela pedra, de João Cabral de Melo Neto, disponível em

http://www.sibila.com.br/index.php/poemas/283-a-educacao-pela-pedra.

1.1 A imagem poética

Comumente, a palavra

imagem designa a representação de

algo real, assim como uma

fotografia ou uma pintura, por

exemplo, ou ainda os produtos da

nossa imaginação são imagens. De

acordo com Gancho (1989, p. 23),

todas as figuras de linguagem

podem ser consideradas imagens.

Estas guardariam em si uma relação

dupla: “com a realidade que

representa e com a visão do autor

sobre esta realidade”. Assim, a imagem poética

não é apenas uma reprodução do mundo real,

mas o modo como o autor concebe o mundo. O

poeta, no seu exercício de liberdade, pode captar

o mundo através das imagens mais inusitadas. No

poema Despalavra, o poeta Manoel de Barros

afirma que todas as coisas se correspondem no

universo poético. Por exemplo, pedras podem ter

qualidade de sapos, os poetas e os pássaros

podem ser comparados a árvores. A isso, dá-se o

nome de analogia que, de acordo com Paz (1984,

p. 93), “é o reino da palavra como, essa ponte

verbal que, sem suprimir, reconcilia as diferenças

e as oposições”.

DESPALAVRAS Hoje eu atingi o reino das imagens, o reino da despalavra. Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades humanas. Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades de pássaros. Daqui vem que todas as pedras podem ter qualidades de sapo. Daqui vem que todos os poetas podem ter qualidade de árvore. Daqui vem que todos os poetas podem arborizar os pássaros. Daqui vem que todos os poetas podem humanizar as águas. Daqui vem que os poetas devem aumentar o mundo com as suas metáforas. Que os poetas podem ser pré-coisas, pré-vermes, podem ser pré-musgos. Daqui vem que os poetas podem compreender o mundo sem conceitos. Que os poetas podem refazer o mundo por imagens, por eflúvios, por afeto.

Disponível em: http://www.scribd.com/doc/538877/Despalavra-Monoel-de-

Barros

Correspondências A Natureza é um templo onde vivos pilares Deixam às vezes sair confusas palavras; O Homem atravessa florestas de símbolos Que o observam com olhares familiares. Como longos ecos de longe se confundem Dentro de tenebrosa e profunda unidade Tão vasta como a noite e a claridade, Os perfumes, as cores, os sons se correspondem. Perfumes de frescor tal a carne de infantes, Suaves iguais oboés e verdes iguais os prados,

- E outros, corrompidos, ricos e triunfantes, Possuindo a expansão de coisas infindas, Tal qual âmbar, almíscar, benjoim, incenso, Que cantam o êxtase do espírito e dos sentidos. Disponível em: http://leoleituraescrita.blogspot.com/2010/05/correspondencias-charles-baudelaire.html

Leia mais sobre símbolo em:

http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/S/simbolo.htm

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A analogia é não só um princípio poético como

também a ciência das correspondências. O poeta francês

Baudelaire (1821-1867) defendia que as coisas mais

diversas, como perfumes, cores e sons se correspondem.

No poema Correspondências, presente no livro As flores

do mal, publicado em 1857, o poeta, como podemos

observar na tradução ao lado, contempla a natureza a um

templo de vivos pilares por onde passam palavras

confusas. A floresta de símbolos que o homem observa

com olhares familiares nos convoca a pensar no caráter

simbólico da linguagem, isto é, nas possibilidades de significados que ela gera.

A linguagem simbólica é uma experiência da imaginação que não conhece limites e não

para de estabelecer relações. Às vezes, uma coisa fica melhor explicada quando a comparamos

com outra, não é mesmo? Veja como Chico Buarque, na canção Pedaço de mim (1978), define

saudade:

“[...] saudade é arrumar o quarto Do filho que já morreu”.

A analogia pode se realizar entre diferentes elementos, inclusive entre os sons das

palavras. O poeta procura uma correspondência para construir um sentido. Veja o poema de

Manuel Bandeira:

a onda

a onda anda

aonde anda

...........a onda?

a onda ainda

ainda onda

ainda anda

..........aonde?

aonde?

a onda a onda

O poeta associou onda, anda, ainda e distribuiu as palavras no texto de modo irregular para sugerir o movimento das ondas. Esta tendência a dar ao poema uma forma concreta é classificada como concretismo. Veja o poema pluvial / fluvial (1954-1960), de Augusto de Campos:

E você, como definiria saudade?

Procure uma imagem que pode

expressar o que você entende

por saudade. Depois veja a

letra e escute a música cantada

por Chico e Zizi Possi disponível

em:

http://letras.terra.com.br/chico

-buarque/86030/

http://3.bp.blogspot.com/_vqw3f40_vGw/RsC7KyQ9QGI/AAAAAAAAAJM/trdC8

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O poeta explora a direção das águas pluviais e fluviais e dispõe as palavras mimetizando a chuva e, ao mesmo tempo, o rio formado pela água da chuva. A relação entre a forma do poema e o seu conteúdo é bem evidente na poesia concreta. Essa modalidade pode ser tomada pelo professor como atividade de leitura e produção textual dos alunos para que explorem o aspecto visual do poema. Entretanto, é importante lembrar que a visualidade no poema é um efeito adquirido, comumente, pela correspondência entre as coisas. Veja como Pablo Neruda, no Soneto XXVII, descreve a mulher amada nua:

A forma do poema pode atender a criatividade do autor, como na poesia

concreta, ou seguir um modelo fixo, com versos metrificados e rimados, distribuídos em estrofes, como num soneto. A medida do verso, o número de estrofes e a rima conferem ritmo

O Concretismo começa a despontar no Brasil com a publicação da Revista Noigandres pelos três poetas: Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos. Porém, fixa-se no Brasil com a Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. As poesias concretas trazem novas formas de expressão: valorização da forma e da comunicação visual, sobrepondo ao conteúdo. Disponível em: http://www.brasilescola.com/literatura/concretismo-no-brasil.htm

http://www.geifco.org/actionart/actionart03/02-

signo/articulistas/padin/imagenes/poesia02.jpg

NUA és tão simples como uma de tuas mãos, lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente,

tens linhas de lua, caminhos de maçã, nua és magra como o trigo nu.

Nua és azul como a noite em Cuba, tens trepadeiras e estrelas no pêlo,

nua és enorme e amarela como o verão numa igreja de ouro.

Nua és pequena como uma de tuas unhas,

curva, sutil, rosada até que nasça o dia e te metes no subterrâneo do mundo

como num longo túnel de trajes e trabalhos: tua claridade se apaga, se veste, se desfolha

e outra vez volta a ser uma mão nua.

do livro: Cem Sonetos de Amor Disponível em:

http://teiadosamigos.com.br/neruda/sonetos/nerudaXXVII.html Amadeo Modigliani - La Belle Romaine

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ao poema, mas existem outros modos de ritmá-lo. O modo tradicional, você, certamente, já conhece. Quantos decassílabos e redondilhas não admiramos, não é mesmo? Quem não aprecia as trovas? Elas fazem parte da nossa cultura e podem render excelentes exercícios de prática poética. Entretanto, sobre ela e outros poemas de forma fixa, indicaremos alguns textos como leitura complementar. Aqui, trataremos de alguns recursos modernos de favorecimento da musicalidade do poema porque entendemos que eles despertam o maior interesse do aluno porque se adéquam ao estilo livre de composição dos jovens leitores.

1.2 O ritmo na poesia moderna

Vimos que a poesia concreta se preocupa com a visualidade da forma, rompendo com a horizontalidade do verso, o que impõe outro ritmo ao poema, completamente diferente do poema ancorado nas rimas e na métrica.

A imagem e o ritmo estão entre os principais elementos de uma poesia. Entretanto, é importante observar que toda enunciação linguística possui ritmo, variável de acordo com a língua ou com a região. Por exemplo, o ritmo do espanhol é diferente do português, a fala de um cearense é mais “cantada” que a de um paulistano. Na poesia, os sons são trabalhados de modo a produzir um sentido poético. Veja como no poema Relógio, de Oswald de Andrade, a distribuição dos versos, a alternância do vêm e vão repetem o movimento pendular de um relógio. O fluxo temporal empreendido pelo ritmo do poema é ágil, sugerindo a urgência da vida moderna. Compare-o com o poema Cidadezinha qualquer, de Drummond: Note-se que o poema de Drummond segue um ritmo lento, devagar, próprio das cidadezinhas aonde não chegou o tempo da modernidade. A segunda estrofe, somada à descrição de um cenário simples na primeira, sugere a monotonia dos lugares pequenos em que tudo está conjugado (veja a ausência de pontuação nos três primeiros versos). O poema alcança o efeito da lentidão através, principalmente, da repetição do advérbio “devagar”, cuja carga semântica é ampliada pelas reticências que criam uma pausa, fazendo parecer mais devagar ainda o olhar das janelas. Se estas são o que permitem o contato com o mundo exterior, isto é, com as novidades, então podemos dizer que haverá demora na chegada do progresso.

Relógio

As coisas vão

As coisas vêm

As coisas vão

As coisas

Vão e vêm

Não em vão

As horas

Vão e vêm

Não em vão

Disponível em:

http://antoniocicero.blogspot

.com/2007/10/oswald-de-

andrade-relgio.html

Cidadezinha qualquer

Casas entre bananeiras mulheres entre laranjeiras pomar amor cantar. Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. Um burro vai devagar. Devagar... as janelas olham. Eta vida besta, meu Deus.

Disponível em:

http://www.horizonte.unam.

mx/brasil/drumm6.html Relógios - Salvador Dali

Disponível em: http://info-

dia.blog.pt/files/2009/10/relogiodali-300x243.jpg

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Por fim, o ritmo lento leva à constatação “Eta vida besta, meu Deus”. É importante perceber que esse verso, iniciado com uma interjeição “Eta” e com o “ê” fechado tônico em quatro palavras, induz à pronúncia em um tom preguiçoso, próximo de um bocejo. Não há um tom de desprezo pela realidade interiorana, o poeta vê aí um motivo para seu canto, seu poema.

A relação entre o som e o significado é tema de muitos estudos. Alfredo Bosi, em O ser e o tempo da poesia (2000), sem negar os limites de tal relação, demonstra como uma vogal como “u” pode integrar vocábulos que evoquem objetos fechados e escuros e, por analogia, sentimentos e experiências negativas como a tristeza, a doença e a morte. Entre as palavras listadas pelo autor encontram-se: noturno, recluso, amargura, casmurro, estupro, sujo, múmia, defunto, moribundo, etc.

A relação entre imagem, sonoridade e poesia é um tema bastante complexo, de modo que, aqui,

apenas introduzimos o assunto para que você possa explorá-lo em seus estudos e levá-lo para sua prática docente. Uma sugestão para conhecermos melhor os recursos imagéticos e sonoros é o estudo das figuras de linguagem que, estudadas em função da produção poética, fará mais sentido para o aluno do que simplesmente decorá-las sem que se perceba sua utilidade prática. Para escrever poesia é preciso saber fazer uso de metáforas, comparações, aliterações, onomatopéias, etc. Entretanto, lembremos que essas coisas são importantes apenas porque queremos, ao transmitir um conteúdo que consideramos relevante e digno de reflexão, produzir sentidos usando um processo criativo, o que só é possível pela prática da leitura e da escrita. Se você ainda não exercita a escrita poética, por que não aproveita para começar a praticá-la?

ATIVIDADE

Encerramos aqui a última unidade da disciplina Leitura e produção do texto criativo. Sugerimos para leitura e resumo os textos: O som no signo, de Alfredo Bosi e A imagem, de Octavio Paz. Concluídos os resumos, indicamos a leitura do texto Poesia e modernidade, de Cândida Vilares Gancho, que traz, no final, uma atividade com três questões. Respondê-las é um ótimo exercício de interpretação que o levará a pesquisar mais sobre o assunto.

Disponível em:

http://farm4.static.flickr.com/3034/2355

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REFERÊNCIAS

OBRAS CITADAS

BOSI, Alfredo. O som no signo. In: ____. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das

Letras, 2000. P. 48-76.

GANCHO, Cândida Vilares. Poesia e modernidade. In: ____. Introdução à poesia: teoria e prática. São Paulo: Atual, 1989. (Tópicos de linguagem). P. 53-63. Garcez, Lucília Helena do Carmo. Técnica de redação – o que é preciso saber para bem escrever. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2008. LAMAS, Berenice S.; HINTS, Marli M. Oficina de criação literária: um olhar de viés. 2 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.

LEITURAS COMPLEMENTARES

LAMAS, Berenice S.; HINTS, Marli M. Oficina de criação literária: um olhar de viés. 2 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.

Esse livro é resultante das oficinas de criação literária, ministradas por Assis Brasil na Pontífícia Universidade Católica -PUC do Rio Grande do Sul, e será útil para quem deseja enveredar pela escrita de contos, pois traz vários exercícios práticos para a construção de narrativas.

GANCHO, Cândida Vilares. Introdução à poesia: teoria e prática. São Paulo: Atual, 1989. (Tópicos de linguagem).

Especificamente, indicamos um capítulo deste livro. Mesmo assim, os outros tratarão de aspectos não discutidos na disciplina como métrica e rima que poderão, através dos exercícios propostos em cada capítulo, ajudar numa revisão destes conteúdos.

BOSI, Alfredo. Frase: música e silêncio. In: ____O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. P. 77 _ 129.

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Indicamos mais um capítulo do livro de Bosi. Neste, o autor irá discutir o silêncio, as pausas, como parte da sonoridade de um poema.

INDICAÇÃO DE VÍDEOS

O Carteiro e o poeta. Direção de Michael Radford. Ano de lançamento: 1994. Duração:

109 min.

Incentivo à leitura. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=ASdHSmNGUoU&feature=player_embedded#!