Upload
midia-ellen
View
215
Download
0
Embed Size (px)
DESCRIPTION
- Unidade 4 - Lendo e Escrevendo a Construção de Processos Criativos
Citation preview
LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO
UNIDADE – 4 - LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
1
LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO
Autora:
Ana Santana Souza
LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO
UNIDADE – 4 - LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
2
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO
Lendo e escrevendo: a construção de
processos criativos
Unidade – 4
Professor Pesquisador/Conteudista
ANA SANTANA SOUZA
Coordenação da Produção de Material
Didático
ARTEMILSON LIMA
Design Instrucional
ILANE CAVALCANTE
Coordenação de Tecnologia
ELIZAMA LEMOS
Revisão Linguística
KALINA ALESSANDRA RODRIGUES DE PAIVA
Formatação Gráfica
MARCELO POLICARPO
Ilustrador
MARCELO POLICARPO
GOVERNO DO BRASIL
Presidente da República
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Ministro da Educação
FERNANDO HADADD
Secretário de Educação a Distância
CARLOS EDUARDO BIELSCHOWSKY
Reitor do IFRN
BELCHIOR DA SILVA ROCHA
Chefe da DETED/UAB
ERIVALDO CABRAL
Coordenadora da UAB/IFRN
ANA LÚCIA SARMENTO HENRIQUE
Coordenadora da Especialização
FRANCISCA ELISA DE LIMA
LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO
UNIDADE – 4 - LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
3
UNIDADE 04:
LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS
APRESENTANDO A UNIDADE
Bem-vindo(a) à Unidade 4!
Estamos chegando ao final da disciplina, não é mesmo? Chegamos até aqui tendo
estudado alguns conceitos, procurando aplicá-los à leitura de alguns gêneros textuais. Nesta
Unidade, vamos nos dedicar à produção de textos criativos. Poderíamos trabalhar com vários
gêneros, tais como a propaganda e o conto, mas privilegiamos um: o poema. Ao final deste
módulo, indicaremos referências onde você encontrará orientações para a construção de
narrativas. No momento, escolhemos apenas um gênero por falta de tempo e espaço. Seria
necessário um curso inteiro somente para a produção criativa. Aqui, nosso interesse é apenas
de introduzir o assunto. A escolha do poema se deu porque nos parece que ele é pouco
explorado na escola, devido a sua linguagem mais sugestiva do que explicativa, o que produz
uma maior insegurança no leitor e no produtor de texto.
Como dissemos antes, não temos a pretensão de formar poetas. Nosso desejo é
provocar, através de alguns recursos, a escrita criativa. Por essa razão, não é nosso objetivo
enveredar por aspectos técnicos e formais da produção poética. Queremos apenas ofertar ao
professor mecanismos didáticos para ajudá-lo a elaborar propostas de produção textual que
atraiam o aluno para o universo da literatura. Ofereceremos o pequeno trecho de um
caminho, pois esperamos que você o multiplique abrindo atalhos, novas veredas, inúmeras
travessias.
Vamos trabalhar?
LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO
UNIDADE – 4 - LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
4
Objetivos:
Ao final da unidade, esperamos que você possa:
identificar elementos constitutivos do gênero poema;
desenvolver a prática da escrita poética;
compreender mecanismos de produção poética aplicáveis ao ensino de leitura e de
literatura.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
1. Do universo poético
Para muitos, o universo poético é um mundo para poucos
privilegiados. “Escrever poesia é um dom”, ouvimos dizer com
frequência. Mas será mesmo? Todos que escrevem poeticamente,
o fazem porque receberam dos céus, desde o nascimento, esta
dádiva? Será que não podemos nos descobrir poetas em qualquer
tempo? E essa descoberta não estaria relacionada, mais do que a
um dom, ao nosso gosto pela leitura de poesia e pelo estudo de
técnicas?
Antes de procurarmos respostas para essas
questões, responda: você
já escreveu poesia?
Provavelmente, alguns de nós já escrevemos alguns versinhos.
Nossos alunos também. Alguns deles, principalmente os mais
sensíveis, gostam de produzir alguns poemas de amor. Se nós,
professores, aproveitássemos esse gosto e os orientássemos para a
produção desse tipo de gênero, será que eles não se
entusiasmariam e passariam a investir na escrita poética e, assim,
não se descobririam poetas ou, pelo menos, leitores de poesia?
Certamente, você concorda comigo, mas pode estar
questionando: “sim, mas como devo proceder
nessa orientação? O que preciso ensinar ao meu
aluno para que ele possa escrever poesia?”.
http://2.bp.blogspot.com/__4tnOT9SlLc/SScmw_ER
WrI/AAAAAAAAAj8/9LXXzJjsVIU/s320/poemas.gif
http://1.bp.blogspot.com/_KW3WbfoqFI4/SnYwWRd32lI/A
AAAAAAACO0/ZkdIGBqlJjU/s400/escrevendo+e+lendo.GIF
LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO
UNIDADE – 4 - LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
5
Antes de mais nada, precisamos compreender, como nos ensina Lucília Garcez (2008), que
muitos mitos cercam o ato de escrever. Para muitos, escrever: é um dom; é um ato
espontâneo que não exige esforço; depende de algumas dicas; independe da leitura; é
desnecessário no mundo moderno e é desvinculado das práticas sociais. Esses mitos também
envolvem a escrita poética. Seria bom abandoná-los e aceitar que poesia se aprende no
exercício da leitura e da escrita. Não há como escapar dessa máxima!
A poesia nos ensina como escrevê-la. Quando lemos, assimilamos o estilo, o modo
como os poetas escrevem, em outras palavras, internalizamos um fazer poético, através do
hábito de leitura de textos cuja escrita é criativa e, por isso mesmo, apresenta novas formas de
organizar e combinar palavras. Quanto mais plural nossa leitura, mais conhecemos estilos
diferentes, o que nos conecta a um mundo de possibilidades. Aprendemos a lição da
linguagem poética: criatividade e liberdade são correspondentes. Por outro lado, alguns
poemas são metalinguísticos, isto é, falam do próprio ato de fazer poesia. Veja este poema de
João Cabral de Melo Neto (1986):
Em duas estrofes, o poeta compara o ato de escrever com o ato de catar feijão. Tanto
em um como em outro, joga-se fora o que é oco, sem consistência. Entretanto, corre-se um
risco: o de que entre os grãos pesados escape uma pedra. No feijão, todos nós sabemos que
isto é algo indesejável, afinal quem gostaria de mastigar uma pedra? Já na poesia, “a pedra dá
CATAR FEIJÃO 1. Catar feijão se limita com escrever: joga-se os grãos na água do alguidar e as palavras na folha de papel; e depois, joga-se fora o que boiar. Certo, toda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois para catar esse feijão, soprar nele, e jogar fora o leve e oco, palha e eco. 2. Ora, nesse catar feijão entra um risco: o de que entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto, um grão imastigável, de quebrar dente. Certo não, quando ao catar palavras: a pedra dá à frase seu grão mais vivo: obstrui a leitura fluviante, flutual, açula a atenção, isca-a como o risco. (Disponível em:
http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livr
os/resumos_comentarios/c/catar_feijao Imagem disponível em:
http://3.bp.blogspot.com/_Ihnc4hwKAzE/SpS0WX_z_wI/AAAAAA
AAAPo/D11CmSRZL9g/s400/Catar+feij%C3%A3o+-
+Jo%C3%A3o+Cabral.JPG
LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO
UNIDADE – 4 - LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
6
a frase seu grão mais vivo: / obstrui a leitura fluviante, flutual”, isto é, aquela leitura em que há
pouca reflexão. A imagem da pedra, na segunda estrofe, revela que escrever poesia não é
apenas escolher palavras que consideramos poéticas. É ter consciência sobre seu efeito no
sentido do poema. O poeta destaca a necessidade de um grão imastigável, de uma palavra
inesperada que provoque o leitor, que o faça sair de si para ver as coisas com outros olhos.
Veja que, no poema, João Cabral expressou suas idéias usando imagens. Na poesia, a
construção de imagens é um recurso importante. Exatamente por isso, vamos falar um pouco
mais a respeito desse assunto. Antes, porém, faça o seguinte exercício: compare pedra e
educação. Você vê alguma semelhança? Após o exercício proposto, leia o poema A educação
pela pedra, de João Cabral de Melo Neto, disponível em
http://www.sibila.com.br/index.php/poemas/283-a-educacao-pela-pedra.
1.1 A imagem poética
Comumente, a palavra
imagem designa a representação de
algo real, assim como uma
fotografia ou uma pintura, por
exemplo, ou ainda os produtos da
nossa imaginação são imagens. De
acordo com Gancho (1989, p. 23),
todas as figuras de linguagem
podem ser consideradas imagens.
Estas guardariam em si uma relação
dupla: “com a realidade que
representa e com a visão do autor
sobre esta realidade”. Assim, a imagem poética
não é apenas uma reprodução do mundo real,
mas o modo como o autor concebe o mundo. O
poeta, no seu exercício de liberdade, pode captar
o mundo através das imagens mais inusitadas. No
poema Despalavra, o poeta Manoel de Barros
afirma que todas as coisas se correspondem no
universo poético. Por exemplo, pedras podem ter
qualidade de sapos, os poetas e os pássaros
podem ser comparados a árvores. A isso, dá-se o
nome de analogia que, de acordo com Paz (1984,
p. 93), “é o reino da palavra como, essa ponte
verbal que, sem suprimir, reconcilia as diferenças
e as oposições”.
DESPALAVRAS Hoje eu atingi o reino das imagens, o reino da despalavra. Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades humanas. Daqui vem que todas as coisas podem ter qualidades de pássaros. Daqui vem que todas as pedras podem ter qualidades de sapo. Daqui vem que todos os poetas podem ter qualidade de árvore. Daqui vem que todos os poetas podem arborizar os pássaros. Daqui vem que todos os poetas podem humanizar as águas. Daqui vem que os poetas devem aumentar o mundo com as suas metáforas. Que os poetas podem ser pré-coisas, pré-vermes, podem ser pré-musgos. Daqui vem que os poetas podem compreender o mundo sem conceitos. Que os poetas podem refazer o mundo por imagens, por eflúvios, por afeto.
Disponível em: http://www.scribd.com/doc/538877/Despalavra-Monoel-de-
Barros
Correspondências A Natureza é um templo onde vivos pilares Deixam às vezes sair confusas palavras; O Homem atravessa florestas de símbolos Que o observam com olhares familiares. Como longos ecos de longe se confundem Dentro de tenebrosa e profunda unidade Tão vasta como a noite e a claridade, Os perfumes, as cores, os sons se correspondem. Perfumes de frescor tal a carne de infantes, Suaves iguais oboés e verdes iguais os prados,
- E outros, corrompidos, ricos e triunfantes, Possuindo a expansão de coisas infindas, Tal qual âmbar, almíscar, benjoim, incenso, Que cantam o êxtase do espírito e dos sentidos. Disponível em: http://leoleituraescrita.blogspot.com/2010/05/correspondencias-charles-baudelaire.html
Leia mais sobre símbolo em:
http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/S/simbolo.htm
LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO
UNIDADE – 4 - LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
7
A analogia é não só um princípio poético como
também a ciência das correspondências. O poeta francês
Baudelaire (1821-1867) defendia que as coisas mais
diversas, como perfumes, cores e sons se correspondem.
No poema Correspondências, presente no livro As flores
do mal, publicado em 1857, o poeta, como podemos
observar na tradução ao lado, contempla a natureza a um
templo de vivos pilares por onde passam palavras
confusas. A floresta de símbolos que o homem observa
com olhares familiares nos convoca a pensar no caráter
simbólico da linguagem, isto é, nas possibilidades de significados que ela gera.
A linguagem simbólica é uma experiência da imaginação que não conhece limites e não
para de estabelecer relações. Às vezes, uma coisa fica melhor explicada quando a comparamos
com outra, não é mesmo? Veja como Chico Buarque, na canção Pedaço de mim (1978), define
saudade:
“[...] saudade é arrumar o quarto Do filho que já morreu”.
A analogia pode se realizar entre diferentes elementos, inclusive entre os sons das
palavras. O poeta procura uma correspondência para construir um sentido. Veja o poema de
Manuel Bandeira:
a onda
a onda anda
aonde anda
...........a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
..........aonde?
aonde?
a onda a onda
O poeta associou onda, anda, ainda e distribuiu as palavras no texto de modo irregular para sugerir o movimento das ondas. Esta tendência a dar ao poema uma forma concreta é classificada como concretismo. Veja o poema pluvial / fluvial (1954-1960), de Augusto de Campos:
E você, como definiria saudade?
Procure uma imagem que pode
expressar o que você entende
por saudade. Depois veja a
letra e escute a música cantada
por Chico e Zizi Possi disponível
em:
http://letras.terra.com.br/chico
-buarque/86030/
http://3.bp.blogspot.com/_vqw3f40_vGw/RsC7KyQ9QGI/AAAAAAAAAJM/trdC8
2GqJ70/s400/a+onda_efeito.jpg
LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO
UNIDADE – 4 - LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
8
O poeta explora a direção das águas pluviais e fluviais e dispõe as palavras mimetizando a chuva e, ao mesmo tempo, o rio formado pela água da chuva. A relação entre a forma do poema e o seu conteúdo é bem evidente na poesia concreta. Essa modalidade pode ser tomada pelo professor como atividade de leitura e produção textual dos alunos para que explorem o aspecto visual do poema. Entretanto, é importante lembrar que a visualidade no poema é um efeito adquirido, comumente, pela correspondência entre as coisas. Veja como Pablo Neruda, no Soneto XXVII, descreve a mulher amada nua:
A forma do poema pode atender a criatividade do autor, como na poesia
concreta, ou seguir um modelo fixo, com versos metrificados e rimados, distribuídos em estrofes, como num soneto. A medida do verso, o número de estrofes e a rima conferem ritmo
O Concretismo começa a despontar no Brasil com a publicação da Revista Noigandres pelos três poetas: Décio Pignatari, Haroldo de Campos e Augusto de Campos. Porém, fixa-se no Brasil com a Exposição Nacional de Arte Concreta, em 1956, no Museu de Arte Moderna de São Paulo. As poesias concretas trazem novas formas de expressão: valorização da forma e da comunicação visual, sobrepondo ao conteúdo. Disponível em: http://www.brasilescola.com/literatura/concretismo-no-brasil.htm
http://www.geifco.org/actionart/actionart03/02-
signo/articulistas/padin/imagenes/poesia02.jpg
NUA és tão simples como uma de tuas mãos, lisa, terrestre, mínima, redonda, transparente,
tens linhas de lua, caminhos de maçã, nua és magra como o trigo nu.
Nua és azul como a noite em Cuba, tens trepadeiras e estrelas no pêlo,
nua és enorme e amarela como o verão numa igreja de ouro.
Nua és pequena como uma de tuas unhas,
curva, sutil, rosada até que nasça o dia e te metes no subterrâneo do mundo
como num longo túnel de trajes e trabalhos: tua claridade se apaga, se veste, se desfolha
e outra vez volta a ser uma mão nua.
do livro: Cem Sonetos de Amor Disponível em:
http://teiadosamigos.com.br/neruda/sonetos/nerudaXXVII.html Amadeo Modigliani - La Belle Romaine
LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO
UNIDADE – 4 - LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
9
ao poema, mas existem outros modos de ritmá-lo. O modo tradicional, você, certamente, já conhece. Quantos decassílabos e redondilhas não admiramos, não é mesmo? Quem não aprecia as trovas? Elas fazem parte da nossa cultura e podem render excelentes exercícios de prática poética. Entretanto, sobre ela e outros poemas de forma fixa, indicaremos alguns textos como leitura complementar. Aqui, trataremos de alguns recursos modernos de favorecimento da musicalidade do poema porque entendemos que eles despertam o maior interesse do aluno porque se adéquam ao estilo livre de composição dos jovens leitores.
1.2 O ritmo na poesia moderna
Vimos que a poesia concreta se preocupa com a visualidade da forma, rompendo com a horizontalidade do verso, o que impõe outro ritmo ao poema, completamente diferente do poema ancorado nas rimas e na métrica.
A imagem e o ritmo estão entre os principais elementos de uma poesia. Entretanto, é importante observar que toda enunciação linguística possui ritmo, variável de acordo com a língua ou com a região. Por exemplo, o ritmo do espanhol é diferente do português, a fala de um cearense é mais “cantada” que a de um paulistano. Na poesia, os sons são trabalhados de modo a produzir um sentido poético. Veja como no poema Relógio, de Oswald de Andrade, a distribuição dos versos, a alternância do vêm e vão repetem o movimento pendular de um relógio. O fluxo temporal empreendido pelo ritmo do poema é ágil, sugerindo a urgência da vida moderna. Compare-o com o poema Cidadezinha qualquer, de Drummond: Note-se que o poema de Drummond segue um ritmo lento, devagar, próprio das cidadezinhas aonde não chegou o tempo da modernidade. A segunda estrofe, somada à descrição de um cenário simples na primeira, sugere a monotonia dos lugares pequenos em que tudo está conjugado (veja a ausência de pontuação nos três primeiros versos). O poema alcança o efeito da lentidão através, principalmente, da repetição do advérbio “devagar”, cuja carga semântica é ampliada pelas reticências que criam uma pausa, fazendo parecer mais devagar ainda o olhar das janelas. Se estas são o que permitem o contato com o mundo exterior, isto é, com as novidades, então podemos dizer que haverá demora na chegada do progresso.
Relógio
As coisas vão
As coisas vêm
As coisas vão
As coisas
Vão e vêm
Não em vão
As horas
Vão e vêm
Não em vão
Disponível em:
http://antoniocicero.blogspot
.com/2007/10/oswald-de-
andrade-relgio.html
Cidadezinha qualquer
Casas entre bananeiras mulheres entre laranjeiras pomar amor cantar. Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. Um burro vai devagar. Devagar... as janelas olham. Eta vida besta, meu Deus.
Disponível em:
http://www.horizonte.unam.
mx/brasil/drumm6.html Relógios - Salvador Dali
Disponível em: http://info-
dia.blog.pt/files/2009/10/relogiodali-300x243.jpg
LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO
UNIDADE – 4 - LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
10
Por fim, o ritmo lento leva à constatação “Eta vida besta, meu Deus”. É importante perceber que esse verso, iniciado com uma interjeição “Eta” e com o “ê” fechado tônico em quatro palavras, induz à pronúncia em um tom preguiçoso, próximo de um bocejo. Não há um tom de desprezo pela realidade interiorana, o poeta vê aí um motivo para seu canto, seu poema.
A relação entre o som e o significado é tema de muitos estudos. Alfredo Bosi, em O ser e o tempo da poesia (2000), sem negar os limites de tal relação, demonstra como uma vogal como “u” pode integrar vocábulos que evoquem objetos fechados e escuros e, por analogia, sentimentos e experiências negativas como a tristeza, a doença e a morte. Entre as palavras listadas pelo autor encontram-se: noturno, recluso, amargura, casmurro, estupro, sujo, múmia, defunto, moribundo, etc.
A relação entre imagem, sonoridade e poesia é um tema bastante complexo, de modo que, aqui,
apenas introduzimos o assunto para que você possa explorá-lo em seus estudos e levá-lo para sua prática docente. Uma sugestão para conhecermos melhor os recursos imagéticos e sonoros é o estudo das figuras de linguagem que, estudadas em função da produção poética, fará mais sentido para o aluno do que simplesmente decorá-las sem que se perceba sua utilidade prática. Para escrever poesia é preciso saber fazer uso de metáforas, comparações, aliterações, onomatopéias, etc. Entretanto, lembremos que essas coisas são importantes apenas porque queremos, ao transmitir um conteúdo que consideramos relevante e digno de reflexão, produzir sentidos usando um processo criativo, o que só é possível pela prática da leitura e da escrita. Se você ainda não exercita a escrita poética, por que não aproveita para começar a praticá-la?
ATIVIDADE
Encerramos aqui a última unidade da disciplina Leitura e produção do texto criativo. Sugerimos para leitura e resumo os textos: O som no signo, de Alfredo Bosi e A imagem, de Octavio Paz. Concluídos os resumos, indicamos a leitura do texto Poesia e modernidade, de Cândida Vilares Gancho, que traz, no final, uma atividade com três questões. Respondê-las é um ótimo exercício de interpretação que o levará a pesquisar mais sobre o assunto.
Disponível em:
http://farm4.static.flickr.com/3034/2355
133124_69905b72ef.jpg
LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO
UNIDADE – 4 - LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
11
REFERÊNCIAS
OBRAS CITADAS
BOSI, Alfredo. O som no signo. In: ____. O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000. P. 48-76.
GANCHO, Cândida Vilares. Poesia e modernidade. In: ____. Introdução à poesia: teoria e prática. São Paulo: Atual, 1989. (Tópicos de linguagem). P. 53-63. Garcez, Lucília Helena do Carmo. Técnica de redação – o que é preciso saber para bem escrever. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2008. LAMAS, Berenice S.; HINTS, Marli M. Oficina de criação literária: um olhar de viés. 2 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
LEITURAS COMPLEMENTARES
LAMAS, Berenice S.; HINTS, Marli M. Oficina de criação literária: um olhar de viés. 2 ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2002.
Esse livro é resultante das oficinas de criação literária, ministradas por Assis Brasil na Pontífícia Universidade Católica -PUC do Rio Grande do Sul, e será útil para quem deseja enveredar pela escrita de contos, pois traz vários exercícios práticos para a construção de narrativas.
GANCHO, Cândida Vilares. Introdução à poesia: teoria e prática. São Paulo: Atual, 1989. (Tópicos de linguagem).
Especificamente, indicamos um capítulo deste livro. Mesmo assim, os outros tratarão de aspectos não discutidos na disciplina como métrica e rima que poderão, através dos exercícios propostos em cada capítulo, ajudar numa revisão destes conteúdos.
BOSI, Alfredo. Frase: música e silêncio. In: ____O ser e o tempo da poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. P. 77 _ 129.
LEITURA E PRODUÇÃO DO TEXTO CRIATIVO
UNIDADE – 4 - LENDO E ESCREVENDO: A CONSTRUÇÃO DE PROCESSOS CRIATIVOS
ESPECIALIZAÇÃO EM LITERATURA E ENSINO
12
Indicamos mais um capítulo do livro de Bosi. Neste, o autor irá discutir o silêncio, as pausas, como parte da sonoridade de um poema.
INDICAÇÃO DE VÍDEOS
O Carteiro e o poeta. Direção de Michael Radford. Ano de lançamento: 1994. Duração:
109 min.
Incentivo à leitura. Disponível em:
http://www.youtube.com/watch?v=ASdHSmNGUoU&feature=player_embedded#!