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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE BIOLOGIA
ETNOECOLOGIA DOS
PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
Liana Pereira Mendes
Salvador, maio de 2002
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
2
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA INSTITUTO DE BIOLOGIA
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS
DA VILA DE GARAPUÁ/BA
Liana Pereira Mendes
Monografia apresentada ao Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia, como parte integrante da disciplina Estágio Curricular Supervisionado (BIO 153), um dos requisitos para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas – Recursos Ambientais (Ecologia).
Orientador: Fábio Bandeira (Universidade Estadual de Feira de Santana/ UEFS) Coorientadora: Jussara Rêgo Dias ( Biologa contratada da Fundação OndAzul)
Salvador, Maio de 2002
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Quando a pescaria não quer a pessoa, não adianta correr atrás dela, que para aonde a gente vai, só faz apanhar. E quando a pescaria
quer a pessoa, qualquer trabalho tá favorecendo a gente, tudo só vem de encontro a gente. Quando não quer, a gente não consegue nada.
Às vezes no mesmo lugar, um pesca mais do que o outro”
(Seu Agenor, o melhor catador de caranguejo da Vila de Garapuá)
“A interação entre pescador e meio ambiente conduz o produtor à necessidade de interpretar o entorno natural (e social) com a finalidade de
criar condições ótimas que possibilitem o acesso, assim como a atuação, sobre o meio em que trabalha. Supõe-se, portanto, uma fase fundamental do
processo de adaptação. Um imperativo que gera conhecimento e cultura num intento de dar explicações às coisas e aos fatos”
(Diegues, 2000).
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
4
AGRADECIMENTOS
A Deus por me dar força para enfrentar todos os momentos difíceis da minha vida
acadêmica.
Ao professor Ronan Caíres de Brito, coordenador do Projeto Garapuá, por ter me dado a
chance de ingressar neste trabalho, contribuindo, juntamente com a Fundação OndAzul e
o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA), para a liberação de verba que possibilitou a
realização das viagens de campo.
A meus pais por terem sido compreensíveis e me dado todo carinho, incentivo e apoio para
a realização desta pesquisa, desde o início até a última folha impressa deste trabalho, com
muita paciência.
Em especial, a amiga e “coorientadora” Jussara Rêgo Dias que me apoiou e continua me
apoiando intensivamente, contribuindo para a minha vida profissional nesta linha de
pesquisa.
A Fábio Bandeira, meu orientador e professor da Universidade Estadual de Feira de
Santana (UEFS), pela orientação, credibilidade depositada no meu trabalho e incentivo que
tem dado a minha formação profissional.
A vila de Garapuá por ter me recebido com muito carinho e respeito, me ensinado a
conhecer melhor a natureza e a entender seus fenômenos de uma forma simples.
A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para o meu crescimento e
realização deste trabalho.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
5
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE BIOLOGIA
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS
DA VILA DE GARAPUÁ/BA
Liana Pereira Mendes
Orientador: Fábio Pedro S. F. Bandeira Coorientadora: Jussara Rêgo Dias
Salvador, maio de 2002
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
6
APRESENTAÇÃO
“O arquipélago que hoje constitui o município de Cairu, tem o seu território composto de
três ilhas maiores e povoadas: Ilha de Cairu, Ilha de Boipeba e Ilha de Tinharé. Em seu
conjunto, o total de 26 ilhas forma o arquipélago que está inserido na microrregião de
tabuleiros de Valença”1. Garapuá é uma pequena vila de pescadores pertencente a Ilha de
Tinharé, que atualmente é alvo de um projeto de pesquisa financiado pelo Fundo Nacional
do Meio ambiente: “Projeto de Gestão dos Recursos Ambientais do Município de
Cairu/BA - Projeto piloto na Vila de Garapuá”, coordenado pela UFBA (sob o comando do
Professor Ronan R. Caires de Brito - Instituto de Biologia/UFBA) e executado pela
Fundação OndAzul, em parceria com a BAHIAPESCA, CRA, Associação dos moradores
de Garapuá (AMAGA) e Prefeitura de Cairú. Este projeto tem o intuito de formular um
plano de manejo alternativo para a vila, fundamental para a preservação da biodiversidade,
tendo em vista a sobrepesca que vem caracterizando as atividades da referida comunidade.
Nesse Projeto Piloto foram realizados estudos sobre os recursos naturais mais explorados
economicamente da vila em paralelo a um serviço de educação ambiental e uma pesquisa
etnoecológica, sendo sta última o alvo deste trabalho monográfico. Segundo Rêgo, (1994),
“uma comunidade pesqueira é caracteristicamente exploradora do meio ambiente aquático
e faz desta atividade (percepção do ambiente) o seu sustento. O mesmo cria as condições
de possibilidade para a atividade exploratória e, portanto, para a sobrevivência da
comunidade”. Por isso se fez necessário compreender as práticas de manejo dos recursos
naturais de comunidades tradicionais como é a Vila de Garapuá, como base para o
desenvolvimento de um plano de manejo alternativo e sua avaliação.
1 http://www.apatinhareboipeba.hpg.ig.com.br/ciencia_e_educacao/6/index_int_2.html
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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RESUMO
A Vila de Garapuá, uma comunidade de pescadores, é alvo do “Projeto de Gestão dos
Recursos Ambientais do Município de Cairu-BA /Projeto Piloto na Vila de Garapuá”
(UFBA/Fundação OndAzul), financiado pelo FNMA, tendo como parceiros a Associação
dos Moradores e Amigos de Garapuá, Prefeitura Municipal de Cairu, CRA e
BAHIAPESCA. A finalidade dessa pesquisa é reconstruir a memória ambiental da
comunidade através do resgate do conhecimento e das práticas de manejo e as tecnologias
tradicionais da pesca em Garapuá, por meio de um estudo etnoecológico. O registro do
conhecimento foi alcançado através de observações, entrevistas semi-estruturadas,
construção de guias êmicos, registros, fotografias e “feedback” com fotografias e textos. A
aplicação desta metodologia comprovou que o conhecimento etnoecológico da população
local se entrelaça com suas práticas produtivas, e servir de base para um plano de manejo
culturalmente e ecologicamente adequado. Foram identificados e registrados diferentes
ambientes bastante referenciados e explorados pelos pescadores da vila de Garapuá. Em
cada ambiente diversos organismos são percebidos pela população local e pescados com
artefatos específicos, sendo seis desses organismos – lambreta, lagosta, caranguejo, polvo,
camarão e peixe – de extrema importância por sustentar financeiramente a vila. Por fim,
existe uma gama de variáveis – vento, temperatura, marés, correntes marítimas – que
interfere na pesca de forma particular para as diversas espécies. A essência da pesca em
Garapuá, portanto, é um conjunto de conhecimento do meio natural, dos fenômenos
atuantes, da identificação dos organismos e artefatos. Este conhecimento é transferido ao
longo das gerações, permitindo a manutenção e reprodução da comunidade.
Palavras-chave: Conhecimento tradicional; Pescadores artesanais; etnoecologia.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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ÍNDICE
01. INTRODUÇÃO............................................................................................................10
02. ETNOECOLOGIA/ETNOBIOLOGIA......................................................................11
03.META.............................................................................................................................11
04. OBJETIVOS.................................................................................................................15
4.1. GERAL.......................................................................................................................11
4.2. ESPECÍFICO............................................................................................................15
05. METODOLOGIA........................................................................................................15
06. CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE.............................................................19
07. OS AMBIENTES..........................................................................................................22
7.1. MANGUEZAL...........................................................................................................19
7.2. ARRECIFE................................................................................................................30
7.3. ENSEADA.................................................................................................................31
7.4. “LÁ FORA”..............................................................................................................28
08. OS PESCADOS...........................................................................................................33
8.1. LAMBRETA...............................................................................................................33
8.2. CARANGUEJO.........................................................................................................43
8.3. POLVO......................................................................................................................51
8.4. LAGOSTA..................................................................................................................52
8.5. CAMARÃO................................................................................................................61
8.6. PEIXE........................................................................................................................67
09. ARTES DE PESCA.....................................................................................................68
9.1. CALÃO......................................................................................................................68
9.2.ARRASTÃO.................................................................................................................68
6.3. REDE DE ESPERA...................................................................................................71
9.4 TARRAFA...................................................................................................................77
9.5 LINHA........................................................................................................................79
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
9
9.6 JIQUI..........................................................................................................................80
9.7. GROSEIRA................................................................................................................82
9.8. FACHO......................................................................................................................83
10. QUADRO SINTÉTICO DAS CATEGORIAS DE PESCA....................................80
11. CICLOS TEMPORAIS...............................................................................................81
12 CONCLUSÃO...............................................................................................................85
13. GLOSSÁRIO................................................................................................................87
14. REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.......................................................................94
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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01. INTRODUÇÃO A Etnoecologia estuda a forma de percepção do ambiente, isto é, o conhecimento popular
da dinâmica do meio natural. O conhecimento ecológico tradicional é importante por ser
responsável pela interpretação do ambiente pelo homem. A etnoecologia estuda
exatamente as percepções e os conhecimentos sobre a natureza buscando compreender as
práticas de manejo dos recursos naturais de comunidades tradicionais. Portanto, esse
estudo interpreta o conhecimento dos pescadores e a pesca local, servindo de base para o
desenvolvimento de um plano de manejo, dentro de uma proposta de Gestão Ambiental
local.
Este trabalho tem como objetivo a etnoecologia da vila de Garapuá, uma vila de
pescadores da ilha de Tinharé, pertencente ao município Insular de Cairú-BA, no sul do
estado. Garapuá está localizada numa enseada, entre o rio Taengo (ou rio Garapuá) e o
mar que banha a ilha., além de possuir nos extremos manguezais e arrecifes. Estes
ambientes são alvos principais da pesca artesanal que caracteriza a vila.
“A essência da pesca artesanal é o conjunto de conhecimento sobre meio-ambiente, as
condições da marés, a identificação dos pesqueiros, o manejo dos instrumentos de pesca.
Este conjunto de conhecimentos faz parte dos meios de produção dos pescadores
artesanais. Esse conjunto de conhecimentos é em geral transferido de pai para filho e
guardado ciosamente pelos pescadores, como provam vários estudos antropológicos e
sociológicos realizados no Brasil recentemente ( Mourão, F. 1971; Diegues, A. 1983;
Cordell, j. 1974; Maldonado, S. 1991). Esses conhecimentos, transmitidos oralmente,
fazem parte do acervo mental do “mestre” e constitui em elemento fundamental do êxito
das viagens de pesca” (Diegues, 1994).
Os estudos dos saberes das populações locais sobre a natureza são de suma importância
para a valorização do conhecimento etnoecológico das mesmas e para a administração dos
recursos naturais de forma adequada. Segundo Diegues (2001), “a administração ou
manejo dos recursos naturais objetiva a utilização adequada dos recursos naturais e dos
ecossistemas, de modo a respeitar sua capacidade de reprodução e de carga e sua utilização
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
11
de forma sustentável”, para a melhoria das condições de vida das comunidades tradicionais
e à conservação do patrimônio natural e cultural.
02. ETNOECOLOGIA / ETNOBIOLOGIA
“Nas últimas décadas desenvolveram-se bem mais pesquisas sobre os chamados “povos
tradicionais”, numa perspectiva interdisciplinar, construindo assim interfaces entre as
ciências sociais e as ciências da natureza. Mas recentemente, a partir dos anos 80, têm sido
valorizados os saberes sobre a natureza de grupos indígenas e comunidades tradicionais,
mas com uma orientação bem nítida, proveniente do debate sobre preservação de
ecossistemas e biodiversidade. Reconhecem-se esses saberes e as formas de manejo a eles
pertinentes como fundamentais na preservação da biodiversidade” (Castro, 2000).
Entre as ciências que mais tem contribuído para estudar o conhecimento das populações
“tradicionais” , está a etnobiologia e a etnoecologia que estudam o conhecimento das
populações humanas sobre os processos naturais, tentando descobrir a lógica do
conhecimento humano em relação ao mundo.
“A importância que o conhecimento tradicional tem ganhado nos últimos 15 anos no
cenário das discussões da etnobiologia e da filosofia da ciência e de muitas áreas da
ecologia aplicada (conservação e manejo), possibilita a constituição de programas de
pesquisa que objetivem o entendimento dessas formas distintas, não por isso menos
válidas, de conhecer, explicar e atuar no mundo” (Bandeira, 1999).
A etnobiologia tenta entender como os povos tradicionais compreendem e classificam seu
ambiente físico e cultural, lembrando que cada pessoa possui uma forma única de perceber
e ordenar os eventos naturais e o comportamento dos animais.
“No Brasil, no estudo do conhecimento tradicional sobre o mundo natural surgiu primeiro
um conjunto de trabalhos inspirados na ecologia cultural, na década de 50, como foi
descrito por Julian Stewart e outros e, posteriormente, a partir da década de 1970,
tornaram-se mais freqüentes os trabalhos de etnociência em suas diversas subdivisões,
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
12
como a etnobiologia, a etnobotânica, a atenofarmacologia, a etnomatemática, etc.”
(Diegues, 2000).
A Etnobiologia é reconhecida com o estudo de duas ciências que estão integradas: a
biologia e a antropologia. Estas duas ciências dividem, muitas vezes, os mesmos objetos de
estudo: o conhecimento, as crenças e as práticas de manejo da natureza por uma sociedade
tradicional.
Existe na literatura uma variedade de conceitos para a etnobiologia. Neste trabalho, porém
a definição formulada por Posey (1986) é utilizada, por permitir uma avaliação mais
precisa da abrangência e da importância dos estudos etnobiológicos e/ou etnoecológicos:
A etnobiologia é essencialmente o estudo do conhecimento e das conceituações desenvolvidas por qualquer sociedade a respeito da biologia. É o estudo do papel da natureza no sistema de crenças e de adaptação do homem a determinados ambientes,
enfatizando as categorias e conceitos cognitivos utilizados pelos povos em estudo. (Posey, 1986)
Begossi, Hanazaki & Silvano (2002), definem a etnobiologia de forma semelhante a
Diegues (2000), dizendo que “a etnobiologia busca entender os processos de interação das
populações humanas com os recursos naturais, com especial atenção à percepção,
conhecimento e usos (incluindo o manejo de recursos), contribuindo para esclarecer
diferenças culturais e analisar a diversidade ou heterogeneidade cultural”.
“Tais definições colocam como objeto de estudo da etnoecologia o conhecimento que os
produtores tradicionais possuem (corpus) e que fundamenta a sua prática produtiva
(práxis). Este corpus constitui um conhecimento ecológico de natureza empírica que
subsidia a forma de apropriação dos recursos naturais de uma comunidade de produtores
que, por ser de natureza empírica, foi construído e se aprofunda no cotidiano da própria
práxis.” (Rego, 1994)
Portanto, é interessante expor a utilidade dos estudos etnobiológicos e etnoecológicos para
destacar a necessidade de combinar as modernas tecnologias e conhecimento científico
com uma abordagem participativa que envolva a comunidade local e o conhecimento
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
13
ecológico tradicional como um utensílio de extrema importância para a tomada de
decisões, principalmente no que se refere às questões ambientais.
O fato é que tanto o conhecimento científico-moderno como o tradicional, constituem dois
domínios culturais diferentes, com reconhecimento social distinto. De um lado, está o
saber acumulado das populações, de outro lado está o conhecimento científico, oriundo das
ciências exatas que muitas vezes desconhece o conhecimento tradicionalmente acumulado
ou não oferecer a atenção merecida a este tipo de conhecimento. No entanto, cada um em
seu domínio busca objetivos semelhantes que é utilizar a natureza, seja para o próprio
consumo, como fazem as comunidades tradicionais , ou para a exploração e manipulação
como é o caso da ciência moderna.
Essa adaptação dos povos tradicionais a um meio ecológico realiza-se graças aos saberes
acumulados sobre os ciclos naturais, reprodução, migração da fauna, influência de
variantes naturais nas atividades de pesca. É justamente este conhecimento (corpus) e as
práticas produtivas (práxis) que asseguram a reprodução desta sociedade tradicional que é
passado ao longo das gerações, permitindo um manejo adequado dos recursos naturais,
visando à conservação.
Este conhecimento que estabelecer a base da prática produtiva dos pescadores artesanais,
também traz consigo informações necessárias a sustentabilidade ecológica e econômica.
Trata-se de um conhecimento relacionado à ecologia, comportamento e classificação das
etnoespécies marinhas, à confecção e uso dos artefatos de pesca, às variáveis ambientais
que interferem na pescaria e à localização exata dos pesqueiros.
“A valorização do conhecimento e das práticas de manejo dessas populações deveria
constituir uma das pilastras de um novo conservacionismo (...)” (Diegues, 2000). Para que
isso aconteça, é preciso criar um relacionamento novo – um envolvimento – entre os
cientistas e os povos tradicionais com seu conhecimento em relação às questões
ambientais, partindo de que os dois conhecimentos – o científico e o tradicional – são
igualmente importantes.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
14
O conhecimento tradicional, segundo Bandeira (1999), “pode ser tão valido em termos
epstemológicos quanto o conhecimento gerado através da ciência formal, na medida em
que ele também é capaz de produzir explicações testáveis de fenômenos observáveis
(relações ecológicas como: relações ecológicas solo/planta que afetam a distribuição das
espécies, etc.).”
É importante considerar é que o conhecimento científico-moderno é mais eficaz em
resolver vários problemas ambientais e físicos com rapidez e uma capacidade mais elevada
de teorizar seus resultados, embora muitas vezes fique sem explicações para alguns dos
fenômenos naturais, o que faz com que certos planos de manejo não tenham resultados
satisfatórios. Já os povos tradicionais possuem práticas de manejo adequadas devido às
suas crenças e ao respeito que possuem para com o meio ambiente.
A academia, portanto, procura desvendar os mistérios da natureza, dando explicações com
teorias complexas e a noção de capacidade de suporte baseada em informações científicas.
Já os povos tradicionais, recorrem a outras estratégias para explicar tais fenômenos, que
necessitam de interpretação rápida a fim de possibilitar a tomada de decisões objetivas para
um melhor manejo dos recursos naturais.
“O etnobiólogo poderia responder que a eficiência desse conhecimento é local, prática e de
caráter adaptativo – embora ela, às vezes, possa mesmo modificar e gerar novas hipóteses
sobre os fenômenos e processos naturais – portanto, pode mudar de acordo com as
mudanças e condições do entorno cultural e ambiental (ou seja, não é estático). Além
disso, esses conhecimentos, práticas e crenças são o que permite a produção e reprodução
dessas culturas e dessas sociedades através do tempo” (Bandeira, 1999).
Infelizmente, a Etnobiologia é uma disciplina que não existe na maioria dos currículos de
biólogos e antropólogos do Brasil. Isso deixa claro que estamos diante de uma questão
ética que é reconhecer que as comunidades tradicionais possuem um extraordinário saber a
respeito do ambiente em que vivem e retiram o seu sustento, porém não é dado o valor e a
atenção necessária a esse conhecimento.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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03. META
Reconstrução da memória ambiental da comunidade através do resgate do
conhecimento e das práticas de manejo e tecnologias tradicionais da pesca em Garapuá,
através de um estudo etnoecológico, com base para o desenvolvimento de um plano de
manejo e sua avaliação
04. OBJETIVOS
4.1. GERAL
O objetivo geral dessa pesquisa é reconstruir a memória ambiental da comunidade através
do conhecimento tradicional e práticas de manejo, por meio de um estudo etnoecológico,
que prevê o estudo da percepção, do conhecimento da natureza pelo homem, das práticas
produtivas e crenças como base para o desenvolvimento de um plano de manejo, dentro de
uma proposta de Gestão Ambiental local, e sua avaliação.
4.2. ESPECÍFICO Este trabalho específico visa a identificação e caracterização dos ambientes de pesca
incluindo a descrição dos pesqueiros, assim como, registrar o conhecimento, dos
pescadores e marisqueiras, a respeito dos organismos alvos da sobrepesca na vila e do
“Projeto de Gestão dos Recursos Ambientais do município de Cairu/BA”. Registrando
também, todos os tipos (ou “artes”) de pesca e artefatos necessários em cada arte, segundo
os saberes tradicionais dos especialistas locais entrevistados.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
16
05. METODOLOGIA O resgate do conhecimento foi realizado por meio de um estudo etnoecológico, como base
para o desenvolvimento de um plano de manejo e sua avaliação, conforme requerido pelo
Projeto de Gestão dos Recursos Ambientais do Município de Cairú/BA, na Vila de
Garapuá. Todo o trabalho em campo foi realizado com base em observações participante,
entrevistas semi-estruturadas, registro escrito e gravado, fotografias, “feedback” com
fotografias e guias êmicos.
A observação é um método bastante utilizado em todos os trabalhos de campo. Foram
observações a cerca do local, identificando os especialistas2, os ambientes e a relação dos
pescadores e marisqueiras com o meio natural. Observações a respeito da preocupação
com o meio natural também foram realizadas.Foi registrado, que os pescadores possuem
um enorme cuidado com o meio natural de onde eles retiram o seu sustento. Além disso, a
observação participante também foi utilizada para registrar melhor uma atividade local.
Entrevistas semi-estruturadas, com os cuidados metodológicos para não induzir respostas,
foram realizadas com pelo menos 10 especialistas locais, seguindo um protocolo
construído a partir de dados obtidos da análise das entrevistas anteriores. Este protocolo
utilizou categorias locais (obtidas através de guias êmicos) para a formulação de perguntas
imparciais, tais como: O quê? Como? Onde? Quando? “De um modo geral, quanto mais
aberta a pergunta, isto é, menos restritiva, maior é a liberdade deixada ao informante para
responder segundo sua própria lógica e conceitos. Melhor dito: quanto menos perguntas,
melhor é.” (Posey, 1986).
As entrevistas foram obtidas através do registro escrito e gravado, procurando retirar o
máximo de informações durante o tempo livre de que cada pescador tinha ou estabelecia
para as entrevistas. À medida que a confiança dos pescadores foi sendo alcançada, era
possível aumentar o tempo de cada entrevista, buscando-se chegar a entrevistas de cerca de
uma hora de duração. Foi realizado um número de entrevistas com cada especialista
2 Os pescadores e marisqueiras aqui referidos têm perfeito conhecimento do uso de seus nomes e imagem nos sub-projetos do “Projeto de Gestão dos Recursos Ambientais do Município de Cairú/BA – Projeto Piloto na Vila de Garapuá”. Os especialistas listados neste trabalho foram parceiros do Projeto (a grande maioria recebendo salário e outros prestando serviços) e trabalharam, juntamente com a equipe de estudantes e orientadores, para a realização deste Projeto. Deixando bem claro que, todos os dizeres dos especialistas entrevistados foram aqui conservados.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
17
tradicional que tornou possível aplicar a metodologia do consenso do informante na análise
de dados, de modo a incluir na análise apenas as informações que aparecem de maneira
reiterada nas entrevistas com cada pescador ou marisqueira e entre os pescadores e as
marisqueiras. Pois em uma comunidade, nem todos concordam com a mesma idéia ou
possuem os mesmos conhecimentos.
“O pesquisador deve tomar algumas medidas para que a sua interferência seja reduzida ao
máximo, de modo que as informações recolhidas por ele correspondam, na medida do
possível, à situação real da comunidade. Particularmente importantes são ao cuidados na
realização de entrevistas, em que as perguntas devem ser construídas de forma que elas não
induzam o entrevistador a favorecer uma determinada resposta”(Rego,1994). Segundo
Posey (1986), “o máximo de cuidado deve-se ter para que os relatos sejam aproximados
quanto possível da maneira como eles pensam, não permitindo distorções nas falas dos
especialistas locais. Assim sendo, deve-se envidar todo o esforço para formular perguntas
despidas o mais possível de conceitos etnocêtricos3”.
O registro gravado, de cada viagem, foi de grande importância para que nenhum detalhe se
perdesse a respeito da descrição local realizada pelos pescadores e marisqueiras,
resgatando desta forma o conhecimento dos pescados, dos artefatos e categorias ecológicas
de pesca, registrando a percepção local do ambiente de trabalho e laser.
“Para obter e completar dados, o pesquisador pode selecionar palavras empregadas pelo
informante, a partir das respostas iniciais” (Posey, 1986). A realização das primeiras
entrevistas, foi utilizado este método conhecido como método da “Bola de Neve” –
geradora de dados. “Quando se utiliza o método do questionamento, deve-se começar por
mostrar um objeto e dizer simplesmente: fale-me sobre isto. Formulada dessa maneira, a
pergunta evitava o uso de um nome para uma categoria de objetos (...)” (Posey, 1986). As
entrevistas, portanto, eram direcionadas de acordo com os interesses do momento e a
especialidade do pescador.
3 Bandeira (1999), diz que o etnocentrismo é uma ideologia (...) nas qual uma cultura, sociedade ou civilização particular defende sua superioridade (técnica, cognitiva, moral etc.) frente a outras”.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
18
Com base nas entrevistas, já registradas anteriormente, de forma escrita e gravada, foi
possível construir guias êmicos dos ambientes e das artes de pesca com base na descrição
local. A construção de guias êmicos é admissível utilizando uma pesquisa direcionada com
questionamentos construídos de acordo com as informações passadas pelo pesquisado, à
medida que as informações começavam a surgir e servindo de apoio, e/ou guia, para as
próximas entrevistas. “A construção diária de guias êmicos permitiu o redirecionamento
das entrevistas, adaptando-as aos resultados obtidos em cada dia da pesquisa de campo.
Todo questionamento tem um direcionamento cognitivo para a obtenção do conhecimento.
Não se deve é induzir o entrevistado a responder de acordo com as categorias dadas pelo
pesquisador; ou seja, de acordo com categorias que não lhe são próprias” (Rego,1994).
É importante lembrar que, no estudo de uma cultura, as informações aparentemente
absurdas, recolhidas durante as entrevistas, não devem ser, em momento algum,
desprezadas. Para a análise dos dados, as gravações foram transcritas, categorizadas e
agrupadas em blocos correspondentes, facilitando a interpretação das informações
recebidas.
Em paralelo com as entrevistas, foi realizado o registro fotográfico dos pescadores
trabalhando, dos pescados, dos tipos de pesca e dos artefatos, além dos ambientes
utilizados e descritos durante as entrevistas. “Feed-back” com fotografias e textos foram
outras formas de obtenção das informações que proporcionaram excelentes resultados.
Essa técnica foi utilizada e muito bem aceita pela população com o intuito de responder a
algumas dúvidas, completar informações registradas anteriormente e retificar erros da
mesma. No momento “feedback” as fotografias e os textos eram apresentados e discutidos
com os especialistas, em particular. Os pescadores e marisqueiras ao se verem nas
fotografias trabalhando ou escutando seus próprios relatos, sabendo que seus
conhecimentos foram importantes para uma pesquisa, eram estimulados a falar mais sobre
o ambiente, tipos de pesca, pescados relacionados e até passagens da sua vida particular –
Histórias de pescadores.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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06. CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE “Cairu foi uma das zonas de colonização mais antigas do litoral baiano, surgida ainda no
século XVI quando o então segundo donatário de capitania de Ilhéus ordena em 1565 a
criação das vilas de Cairu, Boipeba e Camamu. Entretanto, sua economia local baseada no
extrativismo da madeira, a pesca e a piaçava, além do isolamento como ilha, muito
contribuiu para a sua estagnação econômica. A Ilha de Tinharé, juntamente com Cairu e
Boipeba, durante os séculos XVII e XVIII, concentrava a maior produção de farinha de
mandioca que abastecia Salvador, sendo em 1673, proibido pelo Governador Afonso
Furtado, a exploração da cana nas ilhas para não prejudicar a produção de farinha. É no
atual século que a ilha é descoberta para o turismo, atraindo um número crescente de
turistas e veranistas. A população local, nas últimas décadas cresceu significativamente, e
hoje, vive da pesca, da prestação de serviços ao turismo e de alguma agricultura de
subsistência”4
Mapa da Ilha de Tinharé-Boipeba. fonte5
4 (http://www.apatinhareboipeba.hpg.ig.com.br/ciencia_e_educacao/6/index_int_2.html).
5 (http://www.apatinhareboipeba.hpg.ig.com.br/ciencia_e_educacao/6/index_int_2.html).
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
20
O atual arquipélago do município de Cairu, é composto de três conhecidas ilhas - Ilha de
Cairu, Ilha de Boipeba e Ilha de Tinharé – por suas belezas naturais que atraem turistas do
mundo inteiro. São vinte seis ilhas que constituem o arquipélago pertencente a
microrregião de tabuleiros de Valença. Garapuá situa-se em uma das quatorze ilhas – Ilha
de Tinharé - que compõem o arquipélago de Tinharé no estuário do rio Una, cerca de 50
km de Salvador, localizada entre o rio Taengo (ou rio Garapuá) e o mar que banha a ilha.
O município contém uma Área de Proteção Ambiental (APA Tinharé-Boipeba, decreto
estadual de 24 de junho de 1992), sob a coordenação do CRA- Centro de Recursos
Ambientais.
Manteve-se no entanto a comunicação via estuário, onde as embarcações de madeira
(saveiros) mantêm a região viva, transportando passageiros entre as vilas e entregando as
mercadorias (pescado, piaçava, côco e dendê) produzidas na região, à Valença, que se
tornou o centro de serviços e comércio, e à Salvador, que é praticamente abastecida por
uma espécie de bivalve comestível (Lucina pectinata), a popular "lambreta", muito comum
nos manguezais da Vila de Garapuá. O consumo desse bivalvo comestível nas pousadas,
restaurantes, principalmente em Salvador, tem se incrementado.
“As marisqueiras, são um sustentáculo importante na economia doméstica uma vez que as
suas atividades não são interrompidas durante os meses de inverno quando a maioria dos
pescadores não podem exercer as suas atividades devido ao mau tempo e barras precárias
para a entrada de embarcações”6.
Seu Clemilton, afirma que “Aqui em Garapuá a coisa não aperta não. Aqui todo mundo se faz”.
A praia de Garapuá, que possui a maior atividade extrativista dos recursos pesqueiros de
todo o arquipélago, é formada por uma enseada e nas duas extremidades encontra-se
manguezais e recifes rochosos e coralinos. Nesses ambientes nos deparamos com os
organismos que sustentam financeiramente a vila. Os organismos mais explorados para o
consumo são: polvos, lambreta, caranguejos, camarões, lagostas e peixes.
6 www.guarapuá.ufba.br
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
21
Através da comunicação pessoal, com os especialistas entrevistados, foi possível notar que
a cultura local está sendo alterada e as festas populares já se aliaram as músicas de Pagode,
Axé e outros rítimos modernos, modificando os hábitos da vila. Porém, mesmo com todas
as novidades da cidade chegando a vila, Garapuá ainda não possui uma infraestrutura
adequada para receber um número grande de turistas. Para manter viva a cultura local, os
moradores tiveram a iniciativa de fundar uma associação.
A comunidade da vila se organizou para fundar, em 1996, a Associação dos Moradores e
Amigos de Garapuá (AMAGA), que toma decisões de forma democrática, referentes a
assuntos que perturbem a tranqüilidade da vila ou ainda servindo para estabelecer
movimentos e festividades para os moradores, além disso, serviu de “ponte” de
comunicação entre a comunidade local e as ações do Projeto de Gestão dos Recursos
Ambientais do Município de Cairu-BA / Projeto Piloto na Vila de Garapuá.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
22
07. OS AMBIENTES
“A necessidade, do pescador, de conhecer a dinâmica desse espaço, supõe em última
instância uma prática de subsistência que serve tanto para aumentar a segurança física num
meio perigoso como para administrar os recursos que nele se encontram e que são
imprescindíveis para sua alimentação” (Allut, 2000).
A partir de descrições locais foi possível detectar diferentes ambientes na vila de Garapuá.
Cada tipo de pesca e pescado citado pelos especialistas locais durante as entrevistas, estão
associados a um ambiente específico, o qual encontra-se subdividido e recebe um nome
particular (Tabela01). “A exploração desses hábitats diversos exige não só um
conhecimento aprofundado dos recursos naturais, das épocas de reprodução das espécies,
mas a utilização de um calendário complexo dentro do qual se ajustam, com maior ou
menor integração, os diversos usos dos ecossistemas” (Diegues, 1994)
Tabela 01: Ambientes encontrados em Garapuá-BA, com seus pesqueiros e pescados.
AMBIENTE /LOCAL
PESQUEIROS PESCADO
Jiquiriça Peixe:Guaricema Chumberga)
O duro Peixe Ponta do Vaz Peixe, lagosta
“Lá pra fora” da
enseada
Os “35” “As “35”fica perto da berada” (S.Cantor)
Peixe (Badejo)
Vilisboa
Lagosta, caranguejo, lambreta
Camboa Velha (Manguezal mais longe) Caranguejo, lambreta Panã Caranguejo e lambreta
Manguezal
Enseadinha Caranguejo, lambreta
1.Canal das Pedras 2.Canal Atolento
Lambreta
Casa dos Paus Lambreta,caranguejo
Manguezal Pedarta
Canal Novo Lambreta Ilha Grande do Norte Polvo, lagosta
Ilha Grande do sul “Mangue redondo do sul” (S. Isaías)
Lagosta, Tainha
Arrecife
Ponta da Faca “A beradinha aqui, nesta
ponta aqui - 1º ponto.” (S. Dida) -Arrecife Norte-
Peixe
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
23
7.1. MANGUEZAL
Schaeffer-Novelli (1995), define manguezal como um ecossistema costeiro, de transição
entre os ambientes terrestre e marinho, característico de regiões tropicais e subtropicais,
sujeito ao regime das marés e constituído de espécies vegetais lenhosas típicas
(angiospermas), além de micro e macro algas (criptógamas), adaptadas à flutuação de
salinidade e caracterizados por colonizarem sedimentos predominantemente lodosos, com
baixo teor de oxigênio. Já Diegues (2001), manguezal como “um sistema ecológico
costeiro tropical dominado por espécies vegetais e animais adaptados a um solo
periodicamente inundado pelas marés, com grande variação de salinidade”. Os manguezais
são considerados áreas vitais no nosso planeta, porque são ambientes muito especiais de
grande importância ecológica e econômica, que ocorrem por todo litoral onde os rios
deságuam no mar, ocorrendo uma mistura de água salgada com água doce. Sabe-se, no
entanto, que os manguezais são ecossistemas produtivos e complexos que produzem bens e
serviços de grande valor econômico para a sociedade como um todo, e para as
comunidades litorâneas principalmente, que usam seus recursos naturais como base da
dieta alimentar. Esses bens e recursos são produzidos e dado “gratuitamente” a sociedade.
Essa noção de “gratuidade” refere-se ao fato dos manguezais serem áreas públicas, de
acesso aberto para atividades tais como: a pesca, a catação de caranguejo e de lambreta.
“Os manguezais do Brasil se estendem do extremo norte do Brasil (Amapá) até Santa
Catarina, ao sul do País. A maior concentração de manguezais se dá no litoral dos estados
do Amapá, Pará, Maranhão, mas há também ocorrências importantes nos estuários do
Nordeste, especialmente na Bahia” (Diegues, 2001). Em Garapuá, baixo sul do estado da
Bahia, população possui uma relação tradicional com os manguezais da região, de onde
retiram alimentos. É uma comunidade que depende da existência do manguezal e dos
ciclos biológicos para sua sobrevivência.
A dinâmica das marés promove a circulação dos nutrientes para todos as espécies de
animais que eventualmente circulam ou se estabelecem no manguezal, além de determinar
o tempo de pesca neste ambiente . “Como ambiente de trabalho, o manguezal é inóspito e
além disso o catador e a marisqueira não podem seguir os horários convencionais de
trabalho” (Reitermajer, 1996). A pesca em Garapuá depende predominantemente da maré,
pois, “as marés são o principal mecanismo de penetração das águas salinas nos
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
24
manguezais” (Schaeffer-Novelli, 1995). Essas inundações que se repetem em intervalos de
tempo regulares determinam o horário da pesca. Todo tipo de pesca da Vila gira em torno
do movimento da maré. Em Garapuá as marisqueiras e os catadores de caranguejo (Ucides
cordatus) só se deslocam até o manguezal quando a maré encontra-se baixa, como relata
seu Agenor, o melhor catador de caranguejo da vila: “Ficamos no mangue até o retorno da
maré. Então quando a maré vier enchendo nós vem embora”.
“O manguezal possui várias características que são únicas e que fazem dele um
ecossistema muito específico. Dentre elas alguns autores citam a fixação de solos instáveis,
contribuição para a manutenção da linha costeira, amenização do microclima através de
sua vegetação que diminui os índices de evaporação das águas superficiais, regulação da
qualidade da água devido à assimilação de nutrientes e deposição de partículas”
(Barros,1992).
“O manguezal nordestino é caracterizado também por uma faixa de solo salgado e de
pouca vegetação, o chamado “apicum”, que separa o manguezal da terra firme” (Por,
1994). Segundo os pescadores o apicum é a faixa de “onde bate a maré pra cima” (seu
Agenor), é o local, no manguezal, onde o caranguejo está presente.
“O guaimum é lá em cima e o caranguejo é lá no apicum” (seu Agenor).
A lambreta (Lucina pectinata) também se encontra no mesmo manguezal que o
caranguejo, porém “A lambreta dá mais de meio mangue pro arrecife e o caranguejo pelo
mangue todo” (seu Agenor), além de serem encontrados em locais estratégicos que
atendem as necessidades de sobrevivência destes animais. “As lambretas ficam mais na
lama e o caranguejo fica mais perto das quizangas, entre as quizangas” (dona Naninha),
que são raízes das árvores de mangue, além disso os caranguejos se afundam mais que as
lambretas. Assim podemos notar que existe uma estratificação do manguezal de acordo
com o organismo encontrado em cada substrato. Os pescadores ainda citam o siri, um
organismo freqüente no manguezal e que também é relatado durante as entrevistas que
mostram o seu “lugar”, sempre nas raízes de mangue – “parado ou espumando”.
“O siri não faz buraco. Fica no lamarãozinho. Quando o buraco é dele mesmo é fácil de
encontrar, ele começa a ficar lamento, ver aquela poça de água” (seu Agenor)
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
25
Nos manguezais de Garapuá existem, segundo seu Agenor, três “tipos” de caranguejos.
Tem a catita, o caranguejo boca grossa e o caranguejo boca igual. Todos os três tipos são
encontrados nos manguezais da vila e, como relatam os pescadores, os três convivem no
mesmo ambiente.
“O caranguejo tem 3 tipos e todos três dão nesses mangues todos” (seu Agenor)
O caranguejo e a lambreta são encontrados na mesma “faixa de mangue”, no mesmo local
dentro do manguezal. Porém esses organismos são encontrados em profundidades
diferentes diferindo assim a forma de coleta. Segundo pescadores e marisqueiras locais a
coleta do caranguejo é bem mais trabalhosa do que a coleta da lambreta, pois o caranguejo
não fica em buracos com pouca profundidade. Para coletar caranguejo é necessário colocar
todo o braço na lama, já na coleta da lambreta, só é preciso enfiar o braço até a altura do
cotovelo. Mais uma vez é possível notar que existe uma estratificação dos organismos nos
manguezais da vila de Garapuá. Assim podemos notar que existe não só uma estratificação
horizontal como foi relatado acima, mas também uma separação relacionada com a
profundidade e com os nichos ecológicos. Os organismos são distribuídos de forma
vertical nos manguezais, permitindo que se estabeleça uma grande variedade de espécies
num mesmo local (Tabela 01).
“Até meio braço você encontra lambreta, mas caranguejo você tem que atolar o braço todinho” (dona Naninha)
Tabela 01: Extratificação do manguezal de Garapuá-BA, segundo os pescadores.
MAR
PRAIA
MANGUE
APICUM
GARAMUGE
TERRA
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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É desses manguezais que quase toda a vila tira alimento, seja para o próprio consumo ou
até mesmo para o comércio. “Boa parte das proteínas da dieta alimentar dessas populações
provém dos manguezais. Tudo de uma forma bem artesanal” (Schaeffer-Novelli, 1995)
através da “pesca” de lambreta e caranguejo, organismos presentes nos manguezais e
freqüentemente comercializados pelos moradores da vila de Garapuá. Reitermajer (1996),
diz que “historicamente, a população brasileira explora o manguezal e seus recursos (...)
principalmente para a alimentação”. E acrescenta afirmando que “os índios são descritos
na literatura como as primeiras populações a utilizarem o manguezal como fonte de
alimento no Brasil como local estratégico de caça (...) além de local para a pesca de
marisco e peixes”. Atualmente, as comunidades tradicionais localizadas no litoral e em
regiões de estuário, exploram os recursos deste ambiente, além dos organismos visitantes,
para consumo próprio e principalmente para a comercialização.
“Hoje, é conhecido o papel exercido pelo mangue na manutenção de uma rica fauna de
peixes, crustáceos e moluscos. Algumas espécies como a tainha e o camarão passam aí
uma parte importante de seu ciclo reprodutivo” (Diegues, 2001). Embora exista uma fauna
habitual nos manguezais, muitas outras espécies procuram freqüentemente este ambiente
em busca de alimento, repouso ou local para reprodução, desova, crescimento e também
como proteção contra predadores. Os fatores principais que determinam tais utilidades, são
as águas tranqüilas e a grande quantidade de matéria orgânica existente nos manguezais.
Nos manguezais da vila de Garapuá, é freqüente a entrada de polvo, que ataca o siri, e
algumas espécies de peixes - caranha, robalo, baiacu (“come lambreta”), carapitanga,
caramuru (“se alimenta de caranguejo mole”), carapeba e tainha - que só entram no
manguezal a procura de alimento.
“Os peixes como a só entra no mangue para comer. A tainha só come lama do mangue”
(dona Naninha)
“Algumas comunidades ribeirinhas mantêm relação de grande dependência com os
recursos oferecidos pelos manguezais” (Schaeffer-Novelli, 1995), é o que ocorre nesta vila.
Os manguezais mais ricos e mais freqüentados pelas marisqueiras são, nesta ordem:
“Camboa Velha”, “Canal Novo” (“Pedarta”), “Panan”, “Vilisboa”, “Enseadinha” e “Casa
dos Paus”. Essa separação dos manguezais foi feita, segundo dona Naninha, pelos
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
27
pescadores mais velhos da vila. Hoje, usando as denominações que foram determinadas
antigamente, seu Agenor diz que existe diferença entre os manguezais - “Tem. Sempre tem
diferença. Porque digamos assim, o mangue aqui em Enseadinha é um mangue mais duro,
o mangue em Camboa Velha é um mangue mais longe, mais mole, mais ruim da gente
entrar”. Provavelmente, essa diferença da lama possa estar relacionada com o tipo de
substrato – lodoso ou arenoso – encontrado em cada manguezal citado pelos pescadores e
marisqueiras da vila. Cada parte destes manguezais recebe um nome, que fora dado de
acordo com as características ambientas. Por exemplo, Canal Atolento é um “pedaço” do
manguezal da Pedarta (Figura 02) que recebe este nome por ter um substrato lodoso, isto é,
muita lama, já o Canal das Pedras, que também faz parte do manguezal da Pedarta, recebe
este nome por possuir um substrato arenoso, quer dizer cheio de pedras.
“Quando o mangue é muito duro, o caranguejo não tem como cavar, fazer a morada.
Às vezes o tipo da lama, ele não gosta daquele tipo de lama” (seu Agenor)
Figura 02: Manguezal conhecido por Pedarta
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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As mulheres saem, durante a maré baixa, à procura de mariscos, os quais são vendidos
para completar a renda familiar, enquanto os homens saem para pescar. Entre os
manguezais mais freqüentados, seu Agenor diz que “O que dá caranguejo de tamanho de
qualidade boa para gente se alimentar para tudo é Pedarta e Camboa Velha”. De todos os
manguezais citados nas entrevistas os mais distantes são Panan e Camboa Velha. Camboa
Velha é o manguezal mais distante e de substrato lodoso, o que dificulta o acesso,
necessitando de um esforço físico para alcançar o melhor local de trabalho. Por isso é
conhecido pela população local como o manguezal mais rico em lambreta e caranguejo.
Dona Naninha acrescenta que o manguezal onde menos se trabalha é Canal Novo porque lá
“as lambretas são todas miudinhas”. Enseadinha é o manguezal mais duro, isto é, o
manguezal com o substrato mais arenoso, assim como Vilisboa (Figura 03) e Casa dos
Paus, que não mais são utilizados na pescaria como antigamente.
Figura 03: Manguezal conhecido por Vilisboa
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
29
O manguezal onde se encontra uma maior quantidade de caranguejo de bom tamanho e
qualidade para o consumo é, segundo marisqueiras locais, Pedarta e Camboa Velha.
Quando comparado com os outros manguezais, Vilisboa e Enseadinha são apontados pelos
pescadores e marisqueiras da vila de Garapuá como sendo os que possuem caranguejos
pequenos. Embora o Panan seja considerado por eles como o manguezal que dá sempre
menos caranguejo e de menor tamanho, devido a presença de grande quantidade de pedras,
embora tenha uma lama de excelente qualidade, como a lama de Camboa Velha.
“Agora de todos, de todos que mais dá é Camboa Velha, que é o mais difícil de ir. Numa semana não trabalha, mas na outra vai, leva 15 dias e retorna aquilo alí ”
(dona Naninha).
“Camboa Velha é um mangue mais longe e muito puxado, ruim da gente entrar. Vai ter que andar um pedaço de 50 metros de lamarão para entrar e 50 metros para sair”
(seu Agenor)
Os manguezais listados acima, são ecossistemas de grande importância para o sustento
dessa vila de pescadores. Porém, como pode ser observado, eles utilizam seus recursos
naturais de maneira predatória.
“Tem lugares que pescava muito, mas hoje tem tanta pedra que não dá pra pescar.
Dava tanta lambreta, mas as pedras tomaram conta de tudo.” (dona Naninha)
Assim, o trabalho de caracterização dos manguezais pelos pescadores e marisqueiras locais
se fez necessário por constituir um suporte técnico para a formulação de um plano de
manejo dos recursos deste ecossistema; servir de base para outros estudos que visem a
compreensão e o funcionamento deste ambiente; além de ser fundamental na preservação
da biodiversidade.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
30
7.2. “ARRECIFE”
A enseada de Garapuá possui em suas duas extremidades, além de manguezais, recifes de
corais. Estes dois recifes de corais são chamados pela população local de “arrecife” e só
“aparecem” quando a maré encontra-se baixa, eles recebem nomes oferecidos pela
população local de acordo com a sua localização - Ilha Grande do Norte e Ilha Grande do
Sul. A Ilha Grande do Sul localiza-se na ponta direita da vila e “termina num lugar num
lugar chamado de Rio das Maçãs” (seu Dida). A Ilha Grande do Norte (Figura 04), por sua
vez, fica na ponta esquerda da vila e, segundo Pescador 04, “esse arrecife termina em
Morro de São Paulo”.
Esses arrecifes são utilizados pela população local como fonte de alimento. É desses
arrecifes que os pescadores retiram grandes quantidades de lagosta-vermelha (Panulirus
echinatus), polvo-verdadeiro (Octopus vulgaris) e peixes de diversas espécies que se
aproximam da terra, como dizem, peixes da costa. Segundo seu Clemilton, o melhor
polvejador da Vila, todo o pescado encontrado nos arrecifes chega durante a noite, em
busca de alimento e uma morada.
Figura 04: Seu Clemilton retirando um polvo da toca, no “arrecife” conhecido por Ilha Grande do Norte.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
31
O polvo é capturado sempre pela manhã, durante a maré vazia, com auxilio de um
bicheiro, artefato de pesca, ou de mergulho. Já a lagosta, pode ser capturada tanto pela
manhã de rede cercando o arrecife, quanto à noite, porém sempre na maré vazia. A
pescaria da lagosta que acontece pela noite ocorre apenas durante as noites sem lua, isto é,
durante noites de lua nova ou minguante, é a chamada “pescaria-de-facho”. Os peixes dos
arrecifes são capturados de linha – pescaria de linha ou buraco – e de redes. São utilizadas
redes de espera, beirando o arrecife ou o manguezal, ou ainda uma rede conhecida como
tarrafa, jogada nas poças de água. Além desses organismos citados acima, que são alvos do
“Projeto Piloto na Vila de Garapuá”, existem várias formas de vida que habitam os buracos
e poças dos arrecifes Norte e Sul da vila. Um desses organismos, bastante conhecido pelos
pescadores, é o peixe conhecido vulgarmente como caramuru, que assusta os pescadores
atacando-os principalmente no escuro da noite. Esse peixe é bastante conhecido também,
em outras localidades, como moréia. Os pescadores afirmam que existem diversos “tipos”
de “caramuru” – “Pintado de listras” e “de bolinhas”, “boca de fogo”, “verde” e
“mulatinha”. A pesca do caramuru é realizada com uma armadilha de palha chamada de
“Jiqui”.
“No arrecife Norte é onde é melhor para polvo. Polvo grande de mergulho”
(seu Clemilton)
7.3. ENSEADA
A enseada se assemelha bastante ao ambiente descrito pelos pescadores de Garapuá como,
“Lá fora”. Na enseada encontram-se os mesmos “tipos” de peixes, isto é, as mesmas
espécies de peixes pescadas “lá fora”, porém as artes de pesca dos dois ambientes são
distintas e particulares. Na enseada, as águas são protegidas e durante o inverno são mais
calmas, por conta disso, a pesca na enseada acontece principalmente durante a época mais
chuvosa do ano. Na enseada, é comum encontrar pescadores colocando redes de espera.
Numa conversa com seu Raimundo, enquanto ele desmalhava7 sua rede de espera (Figura
05) - a cascudeira que pesca um peixe conhecido popularmente como cascuda ou sardinha
– ele me informou que com a “água suja”, isto é, quando a água encontra-se misturada com
7 Retirar os peixes presos na malha da rede
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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o sedimento do fundo, os peixes “correm” para terra e para os canais nas margens dos
manguezais - “[...] aí corta a beira do mangue com a rede, certo, deixa lá, quando a maré
seca, que ele vem, ele encontra a rede, aí ele fica preso na rede e não pode sai”. Na
enseada também acontece um tipo de pesca que utiliza uma rede de arrasto, é o calão, uma
arte de pesca - uma enorme rede - que é manejada por um grupo de homens na praia.
Figura 05: Seu Raimundo e seu filho desmalhando sua rede de espera - a cascudeira, na enseada da vila de Garapuá. Atividade comum neste ambiente.
7.4. “LÁ FORA”
Os pescadores da vila de Garapuá se referem ao ambiente “Lá fora” como sendo todo o
mar fora da enseada. “Lá fora” encontramos diversos pesqueiros, isto é, local onde mais se
pesca uma determinada espécie de peixe em grande quantidade. “Em muitos casos, os
pescadores se referem somente aos lugares onde foi realizada a maior captura, porque é
comum os maiores barcos da frota visitarem vários locais durante uma mesma pescaria”
(Petrere Jr., 1978). Cada pesqueiro recebe um nome específico de acordo com as suas
características e a quantidade de pescado capturado.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
33
Dentre os quarenta e sete pesqueiros já citados8 nas entrevistas, apenas quatro foram
descritos pelos pescadores, são eles: “Jiquiriçá”, “Duro”, “Ponta do Vaz”, “Canal do Góes”
e as “35”, e segundo seu Cantor, este último, “fica perto da berada”. S. Isaías, refere-se ao
“Jiquiriçá” dizendo que lá “no verão não há pescaria” e ao pesqueiro “duro” como: “é este
que vai no inverno” e que “no verão não há pescaria”. Este ainda afirma que o pesqueiro
conhecido como “As 35” “é um canal muito grande. Nesse mesmo canal tem 35, tem
Pedra do Mero, Pedra do Velho, tem vários pesqueiros nessa 35”. Seu Cantor também
ressalva que nas “35”, “o Badejo é muito difícil de pegar. E vez em quando pega. Se vai
pescar lá nas “35” é onde se pega mais. Pesca de grosseira”.
8. OS PESCADOS
8.1. LAMBRETA (Lucina pectinata)
A lambreta é o nome popular dado a um molusco bivalvo muito conhecido - Lucina
pectinata – é um bivalvo que representa a riqueza dos manguezais da Vila de Garapuá,
onde no passado era, popularmente, chamado de Sarnambi. Hoje em dia, a lambreta, assim
conhecida, é “pescada” pela maioria das mulheres destas vila, muito diferente do que
acontecia no passado, quando tanto homens quanto mulheres iam ao manguezal mariscar.
Esse trabalho de pesca da lambreta recebe a denominação, igualmente a pesca do
caranguejo, de “catar”. A lambreta se alimenta, segundo as marisqueiras, de lama e faz
parte do cardápio de um peixe chamado de “baiacú”, que freqüentemente entra no
manguezal para se alimentar, e um gastrópoda popularmente conhecido por “pé-de-cabra”.,
um “búzio”, como elas chamam.
“ (...) os homens não mariscam porque são preguiçosos”(dona Naninha)
8 Segundo citações de pescadores e marisqueiras da Vila de Garapuá, já foram registrados os seguintes pesqueiros, que ainda serão estudados: As “21”, Coroinha (lagosta), Coroa do Baiacu (polvo), Caraptanguí, Carapitanga, Canal do Tubarão, Canal do Useiro, Canal da Lixa, Canal da Guaraiúba, Canal do Panan, Canal Novo, Canal da Lixa, Canal de Vilisboa, Canal Estreitinho da Pedarta, Canal do Vaz (lagosta),Canal do Pirambú, Canal da Pedarta, Canal do Góes, Camboa Velha, Capim de fora (Fica na mata), Carapitanga, Chapada, Casa dos Paus, Enseadinha, Furninha (lagosta), Furna do Mero, Furnão do Norte, Furnão do Sul, Furnão de Vilisboa, Guaiuba Grande, Ilha Grande do sul (lagosta), Ilha Grande do Norte, Jiquiriça, O Duro, Pedra do Mero, Patão, Ponta do Furnão (peixe), Peixe Porco, Pinauna, Ponta de Caieira, Patão, Ponta da Faca, Poça da Panan, Rio do Meio, Subaio do Barco, Ufrade (lagosta), Zé dos Santos.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Alguns moradores mais antigos da vila, como a proprietária de um mercadinho, relatam
que foi a lambreta que fez Garapuá crescer à, mais ou menos, 35 anos atrás e, por isso,
nessa época não faltava dinheiro. Era a Lambreta que sustentava o comércio em Garapuá e
tanto os homens como as mulheres iam para o manguezal mariscar, isto é, catar lambreta.
Hoje, praticamente, quem trabalha nos manguezais, catando lambreta, são as mulheres,
poucos são os homens que enfrentam a dura vida de “mangue”, como eles dizem. Muitos
homens trabalham hoje em outras atividades, quase todos saem ao mar para pescar com as
mais diversas artes e artefatos conhecidos pela vila. Porém, como diz seu Nazir, pescador
e comerciante de lambreta da vila:
“(...) o certo mesmo de faturar a semana é a lambreta” (seu Nazir).
Seu Cantor, um pescador antigo da vila diz que “antigamente era 60/70 dúzias de lambreta
por maré”. Assim como seu Cantor, muitos moradores afirmam que a quantidade de
lambreta diminuiu bastante ao logo dos anos, outros dizem que a produção continua a
mesma, e que se a quantidade de marisqueiras aumenta, conseqüentemente teremos uma
maior quantidade deste marisco. Porém revelam que caso as marisqueiras parem de
trabalhar em um dos manguezais, não mais serão encontradas grandes quantidades de
lambretas e provavelmente o “mangue” ficará pobre em relação a quantidade desse
marisco, como já aconteceu em alguns nos locais de manguezais que eram bastante
freqüentados e que hoje não servem mais para o trabalho.
“A lambreta é um mineral” “(...) lambreta não falta, é o único pescado marisco hoje que não diminui, o que falta é
trabalhador. (...) quando o mangue descansa mais, dá mais” (seu Nazir)
Segundo as marisqueiras locais, existem “pontas de mangue”, isto é, ponta onde termina o
mangue, em que a lambreta é maior e “pontas de mangue” em que lambreta é menor, esta
última, por sua vez, não serve para a comercialização, uma vez que apenas as graúdas são
escolhidas e aceitas pelos comerciantes.
“(...) a miúda não passa, tem gente que tira lá mesmo e solta, enterra logo e não traz a lambreta, e tem gente que traz tudo, agora mesmo (31.03.01) o mangue tá com febre
de lambreta miúda”. (seu Cantor)
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
35
A localização exata dessas “pontas de mangue” ainda não foi confirmada. Os manguezais
mais ricos e mais freqüentados pelas marisqueiras são, nesta ordem: Camboa Velha, Canal
Novo (Pedarta), Panan e Vilisboa. São manguezais mais distantes da vila, e segundo elas, o
“mangue” mais longe, que é Camboa Velha, é o mais rico em lambreta e caranguejo.
Provavelmente, sejam os manguezais mais ricos em lambreta, por serem mais distantes e
de difícil acesso, necessitando de um esforço físico para alcançar o melhor local de
trabalho. Cada parte destes manguezais recebe um nome, que fora dado pelos moradores
mais velhos da vila, de acordo com as características ambientas. Por exemplo, Canal
Atolento é um “pedaço” do manguezal da Pedarta que recebe este nome por ter um
substrato lodoso, isto é, muita lama, já o Canal das Pedras, que também faz parte do
manguezal da Pedarta, recebe este nome por possuir um substrato arenoso, quer dizer cheio
de pedras.
“Em todos os mangues se encontra lambreta, mas Camboa Velha é o melhor.”
“Tem lugares que pescava muito, mas hoje tem tanta pedra que não dá pra pescar.
Dava tanta lambreta, mas as pedras tomaram conta de tudo.” (dona Naninha)
A “pesca” da lambreta, em Garapuá, possui algumas variáveis que interferem na “pesca”
desse molusco bivalvo. Dentre estas se encontram: a temperatura, a maré larga, e as
estações do ano. Cada variável atua de forma a controlar o tempo exato de pesca, isto é
tempo de permanência no manguezal e a quantidade de marisco pescado.
Os moradores afirmam que as marés influenciam da dinâmica da pesca da lambreta.
Existem dois tipos de marés que atuam indiretamente na pesca controlando o tempo que as
marisqueiras podem permanecer no manguezal durante essa atividade, são elas: maré nova,
maré grande (conhecida também por maré larga). Segundo dona Naninha, uma das mais
antigas da vila, a maré larga é melhor para a pescaria pois, o “mangue” demora mais para
encher e elas trabalham por mais tempo, conseqüentemente, elas encontram uma
quantidade maior desse marisco importante para a economia da vila de Garapuá. Assim,
quando a maré começa a encher, a subir, dificultando o trabalho, elas retornam para a vila.
“A maré grande é que dá pra sair daqui oito horas dá pra trabalhar até uma hora da tarde, e o pessoal tem tempo de trabalhar” (Zeca)
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Quanto ao tempo mais correto de catar a lambreta, segundo as marisqueiras, é durante todo
o ano. A informação quanto a época exata de se catar lambreta, foi a seguinte: Durante o
inverno encontra-se uma maior quantidade de lambreta, porém o tempo frio e chuvoso
dificulta o trabalho, causando um enorme desgaste físico das marisqueiras. Já no verão,
segundo elas, ocorre o inverso, a quantidade diminui mas o número de pessoas que
trabalham é maior e o tempo não atrapalha. Provavelmente, a quantidade de lambreta
diminui durante o verão devido à temperatura elevada da lama que provoca uma migração
vertical, fazendo com que as lambretas “afundem à procura de lama mais fria”, assim como
afirma dona Naninha, dificultando, dessa forma, o trabalho das marisqueiras. Já no
inverno, quando a lama encontra-se fria elas sobem facilitando o trabalho.
“Com a quentura da lama elas afundam e fica mais difícil de encontrar” (dona Naninha)
Pescadores afirmam que nem a lua nem o vento não interferem na pescaria da lambreta.
“Vento ruim aqui é o leste. Ele atrapalha tudo, Só não atrapalha no mangue” (seu Isaías).
Ao sair para catar lambreta no manguezal, dona Naninha passa óleo de barco (óleo diesel)
no corpo e leva consigo um samburá, um cesto de palha. O óleo funciona como repelente,
para espantar a grande quantidade de mosquitos. Zeca ainda amarar um pano na cabeça ou
uma blusa para não suja os cabelos com a lama (Figura 04).
“Quando o dia está quente tem muito mais mosquitos” (dona Naninha)
A pesca da lambreta acontece nos manguezais citados anteriormente, como Camboa Velha,
Canal Novo (Pedarta), Panan e Vilisboa. Além desses manguezais existem outros, porém
não são mangues lamosos e sim arenosos, “duros”, dificultando a penetração da mão em
busca desse molusco. Nesses manguezais arenosos, mangue de areia, as marisqueiras
catam lambreta de facão.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
37
Figura 06: Dona Naninha saindo para trabalhar no manguezal.
Elas ficam batendo o facão na areia até escutar um barulho característico, no momento em
que o facão toca a concha da lambreta. Quando isso acontece, elas “abrem” um pouco o
mangue com ajuda do facão , e enfiam a mão que escorrega por este e cai bem em cima do
molusco procurado. Este trabalho, de catar lambreta de facão, é realizado por uma minoria
de marisqueiras no “Mangue do Sul”. Normalmente o trabalho acontece nos manguezais
do norte, nos manguezais de lama, onde a maioria das mulheres participa. Dona Naninha
pega, em média 30 dúzias por dia, trabalhando de segunda a quinta e tira 100 dúzias, em
média, numa semana (figura 05 e 06). A maioria das marisqueira trabalha para si, sem
patrão, trabalhando o dia que quiser e quanto tempo precisar.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Figura 07: Dona Naninha catando lambreta no manguezal da Padarta.
Figura 08: A Dona Naninha mostrando as lambretas do Manguezal da Pedarta.
Dona Naninha sai de casa às 7 ou 8 horas da manhã, e para chegar ao local de trabalho,
passa por dentro de uma fazenda de côco que tem ao lado da vila., e começa a trabalhar às
9 horas da manhã, segundo ela, não tem lugar certo no mangue que dê mais lambreta, pelo
contrário, pode acontecer de um dia não tem nenhuma, e no dia seguinte já tem muitas.
Para chegar até o local ideal e escolhido, ela anda sobre as “quizangas” com uma agilidade
e rapidez impressionante, isto é, sobre as raízes adventícias de uma espécie vegetal
característica de manguezal – a Rhizophora mangle – conhecido como mangue vermelho.
Dona Naninha recomenda ter bastante cuidado ao andar sobre as quizangas, pois elas ficam
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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bastante escorregadias e perigosa devido a presença da lama e de ostra e “garamus”, um
molusco gastrópode que fica preso aos troncos das árvores.
O número de marisqueiras que vão trabalhar no manguezal pode variar de vinte e a oito
pessoas que vão cada uma para um canal de mangue diferente. Muitas vezes elas deixam o
mangue “descansar”, como dizem, porém, às vezes pode acontecer de hoje, por exemplo,
trabalhar em um manguezal, e amanhã, no dia seguinte, trabalhar no mesmo local e retirar
uma quantidade bem maior que o dia anterior. Por conta desses acontecimentos, eles
chegam até a dizer que “a lambreta é um mineral”. As mulheres que vão trabalhar no
manguezal catando lambreta retiram diariamente, em torno de 10 a 50 dúzias por dia, como
é o caso de dona Naninha. que normalmente retira 30 ou 40 dúzias por dia (Tabela 03).
A quantidade total de lambreta (Lucina pectinata), em número, capturada por dia em
Garapuá, durante um ano, foi registrado por Carolina Poggio, estudante bolsista do projeto,
juntamente a sua facilitadora – dona Naninha (Tabela 03), assim como o número de dúzias
catado por dia por cada marisqueira da Vila e número de dias trabalhados por mês, durante
o período de estudo.
Tabela 02: Quantidade de lambreta - L. pectinata – extraída dos manguezais da baía de Garapuá .
Mês N° de indivíduos capturados N° dúzias/marisqueiras/dia N° de diasSetembro 30972 16,8 18 dias Outubro 29724 17,0 16 dias Novembro 31224 16,8 18 dias Dezembro 32976 19,0 20 dias Janeiro 26796 16,6 19 dias Fevereiro 29832 18,3 21 dias Março 38640 21,3 21 dias Abril 29172 18,3 21 dias Maio 43248 20,1 23 dias Junho 35496 18,3 20 dias Julho 37416 18,6 23 dias Agosto 67932 17,9 27 dias Setembro 73740 17,6 20 dias Outubro 78648 20,0 21 dias Novembro 103992 20,7 23 dias Dezembro 82140 20,5 17 dias Fonte: POGGIO, C. A.. Pesquisa Aplicada – Lambreta (Lucina pectinata). Relatório técnico. Projeto Garapuá. 2002 9.
9 De setembro de 2000 a jullho de 2001 há apenas o número de lambretas capturadas pelas marisqueiras que trabalham para seu Nazir, comerciante da vila.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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No início da tarde, por volta de um hora da tarde, as marisqueiras encerram o seu trabalho
e voltam para a vila para vender a sua produção, como elas dizem. Ao chegarem na vila,
toda a lambreta catada naquela manhã é vendida pelo preço de cinqüenta centavos
(R$0,50) para os dois comerciante de lambreta. Normalmente seu Nazir, um dos
comerciantes, compra durante a semana em torno de 500 a 700 dúzias de lambreta por dia.
Toda a lambreta comprada na mão das marisqueiras é armazenada em uma casa feita de
madeira (figura 09), e logo depois são transferidas para um cesto que fica preso em uns
pedaços de madeiras, na praia, na beira do mar. Esse cesto é chamado de samburá e nesta
situação ele passa a se chamar de morão (Figura 10 e 11). O morão tem a função de
conservar as lambretas que ficam por um bom tempo do dia dentro da água , evitando que
estas se abram e morram. Para conservar ainda mais estes animais, o comerciante coloca
sobre o morão palhas de coqueiro para evitar o calor excessivo que pode até matá-las. As
lambretas permanecem no morão durante uma semana até o dia certo em que o
comerciante vai à Salvador para vendê-las na rampa do mercado modelo. Seu Nazir, o
comerciante, costuma a fazer essa viagem até Salvador, uma vez por semana, geralmente
na quarta ou quinta-feira.
Figura 09: Casa das lambretas
O número de lambretas capturadas varia de acordo com o número de dias trabalhados no mês e o número de marisqueiras
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Figura 10: Morão na praia de garapuá
Figura 11: Morão com lambretas
“Um cesto daquele pega umas 400/500 dúzias”
(Marisqueira 02)
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Seu Nazir compra, no mínimo 500 dúzias de lambreta por semana para vender em
Salvador, além do outro comerciante, seu Antônio, que também comercializa, toda semana,
essa mesma média de quantidade de lambreta em Salvador. Lá ele já possui compradores
ou fregueses, como costuma dizer, certos. Segundo ele, caso tenha 1000 dúzias de lambreta
para vender, ele tem para quem entregar. A mercadoria que é comprada em Garapuá e no
Bainema, uma praia que fica situada ao sul da vila de Boipeba, mais precisamente depois
do Moreré, é distribuída por toda a Salvador desde a rampa do Mercado Modelo e bares da
redondeza, até Itapuã incluindo os bairros da Mouraria, Garcia e Barra. As lambretas
compradas à cinqüenta centavos (R$ 0,50) a dúzia são vendidas a preços que variam de
oitenta centavos (R$0,80) a hum real (R$1,00) e até hum real e vinte centavos (R$1,20) a
depender a quantidade que o freguês deseja. Seu Nazir cita um dos seus maiores freguêses,
além do mais exigente, que é o dono de um bar localizado no bairro de Piatã em Salvador –
“Lambreta do Papito”. As lambretas miúdas, muito pequenas, não são compradas por seu
Nazir, uma exigência dos fregueses de Salvador. Por conta disso, a maioria das
marisqueiras ao retirar lambretas muito pequenas da lama tornam a enterrá-las e leva para a
vila apenas as graúdas, as maiores.
“(...) tem freguês que pega 30, 40 dúzia e paga 1 real, tem aqueles que
pega 400, 500 dúzia já paga 80 centavos, a gente ganha dependendo lá da quantia (...)” (seu Nazir)
Durante o verão a produção cai, como diz seu Nazir, porém não é a quantidade de lambreta
que diminui e sim a quantidade de pessoas que trabalham “catando” lambreta nos
manguezais nesta época do ano é bem menor que durante o inverno, devido a quantidade
de trabalhos alternativos que aparecem, como pousada por exemplo. Durante o verão a
procura por este marisco aumenta, mas, segundo seu Nazir, ele vende menos. Por isso,
durante o verão ele não tem como “segurar” a freguesia e para não perder a confiança dos
compradores, ao chegar o inverno o freguês acaba comprando um pouco na mão de cada
vendedor para não perder o vínculo, pois tem muita gente vendendo. Só de Valença, saem
dois caminhões, duas vezes por semana, cheios de lambretas e caranguejos para ser
vendido em Salvador, que tem como maior freguês o bairro de Itapuã e as feiras livres.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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8.2. CARANGUEJO (Ucides cordatus)
O caranguejo-uçá (Ucides cordatus) destaca-se entre os crustáceos mais procurados nos
manguezais próximos a Vila de Garapuá., sendo alvo de pesquisa pelo Projeto de Gestão
dos Recursos Ambientais do Município de Cairú-Ba/ Projeto Piloto na Vila de Garapuá.
Este organismo possui todo uma dinâmica própria que é reconhecida e relatada pela
população local. “Trata-se de um crustáceo braquiúro semiterrestre, com hábito noturno e
que vive na região intertidal, onde escava galerias no sedimento do manguezal” (Pinheiro
& Fiscarelli, 2001).
Segundo seu Agenor, o maior catador de caranguejo da Vila, o trabalho no mangue é muito
pesado para ser feito todos os dias. Para “aliviar a rotina” ele alterna esta atividade com a
pescaria. Note-se que pescar é uma atividade distinta da coleta efetuada no manguezal, que
recebe simplesmente o nome de catar caranguejo:
“Quando eu não quero tirar caranguejo, eu vou pescar. Quando eu não quero trabalhar
com caranguejo, eu vou pescar” (seu Agenor) O catador de caranguejo experiente reconhece pela abertura da galeria quais são as tocas
que possuem animal em seu interior e até mesmo seu sexo. (...). “O catador introduz a mão
na galeria até sentir o animal, que é então capturado pela região dorsal. Para evitar que o
caranguejo utilize suas pinças, o catador, ao mesmo tempo que coloca a mão, pega um
pouco da lama da parede interna da galeria, colocando sobre o animal. Desse modo, o
animal é trazido à superfície. Envolvido nesse sedimento, ficando estático e mais dócil ao
manuseio (Figura11). Segundo seu Agenor, até o meio do braço é fácil de encontrar
lambreta, mas para o caranguejo, é necessário atolar todo o braço na lama, no buraco e
puxá-lo de lá. Ele afirma ainda que nos buracos pequenos encontram-se os caranguejos
menores e nos grandes buracos, os maiores, e diz que dificilmente ao ser tocado, o
caranguejo ofende uma pessoa, pois este se encontra no buraco, com as quelas fechadas,
protegendo a boca e os olhos.
“Conhece porque o caranguejo macho bota o dedo na lama e puxa e a catita só anda
triscando as pontas dos dedos, então o buraco dela fica cheio de linhazinhas (...) então é facilmente de qualquer pessoa conhecer um buraco da fêmea ou do macho, mas pode até
se enganar”.(seu Agenor)
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Figura 12: Seu Agenor catando caranguejo no Manguezal de Enseadinha
Normalmente ele dedica três dias da semana a esta atividade, onde utiliza 4 a 5 horas de
trabalho, que inicia às sete hora da manhã (7:00h) e pode ser concluída até às duas horas da
tarde (14:00h), incluindo o percurso entre a casa e o manguezal. Esse horário não é fixo,
pois varia de acordo com o movimento das marés, maior limitador dessa atividade, que
pode render até 22 dúzias de caranguejos/dia.
A quantidade total de caranguejo, em número e peso, capturada por dia em Garapuá,
durante um ano, foi registrado por Cristiane Carneiro, estudante bolsista do projeto,
juntamente o seu facilitador (Tabela 02), assim como o número de catadores da Vila e
número de dias trabalhados durante este período.
Tabela 03: Quantidade de caranguejo capturado em Garapuá, durante um ano
Dúzia/ dia/ Catador
Número de dias coletados
Número de dúzias
Número de catadores/ dia
Média 6,992857143 20,59952381 254,1733016 18,61822011 Somatório 97,9 302 3792 25,1
Fonte: CARNEIRO, C. Pesquisa Aplicada – Caranguejo (Ucides cordatus). Relatório Técnico. Projeto
Garapuá. 2002.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
45
O caranguejo-uça é descrito pela comunidade como um animal que vive no “mangue”
debaixo da lama, e que possui uma dinâmica que é reconhecida e registrada por ser
diferente dos outros habitantes do manguezal. Os machos são perfeitamente reconhecidos e
nominados de “caranguejo”, e as fêmeas de “catitas”. A determinação do sexo pela
abertura da toca é feita pelas marcas deixadas pelos pereiópodos10 na lama (rastros). “As
marcas deixadas pelos machos são mais profundas e “escovadas”, resultado do grande
número de cerdas que possuem nos pereiópodos, enquanto nas fêmeas eles são mais finos e
suaves” (Pinheiro & Fiscarelli, 2001). Os especialistas se referem também, ao caranguejo
fêmea, a catita, como sendo menor e mais fraca que os machos. “(...) ela é caranguejo com
menos fruto, as pernas delas são menores, mais finas. O peito delas não tem o “peixe”11
que tem o caranguejo macho, ela é menos explorada no período da andada”.
Ainda existem diferentes “tipos” de caranguejos, descritos pelos especialistas locais. “O
caranguejo tem 3 tipos: tem a catita, o caranguejo boca grossa e o caranguejo boca igual. E
todos três dão nesses mangues todos. Segundo seu Agenor, os três tipos de caranguejo
convivem no mesmo ambiente. Os três tipos diferem quanto ao tamanho da quela, isso
pode ser registrado quando se observa o caranguejo boca grossa que tem um “braço”, isto
é, uma quela mais grossa e maior que a outra. O caranguejo boca igual possui os dois
“braços”, quer dizer, as duas quelas iguais, do mesmo tamanho, caso um dos “braços”
esteja quebrado, os caranguejeiros conhecem e sabem em média a quanto tempo esta
quebra aconteceu, eles sabem que esta leva um período de dois a cinco anos para esta
crescer e chegar ao tamanho normal. Eles reconhecem este tempo relacionando-o com o
número de mudas da carapaça – “leva um período de 3 descascas”. Já o outro tipo citado
pelos pescadores é a “catita”, o caranguejo fêmea, a qual dificilmente é encontrada e
capturada, sendo fácil de encontrá-la apenas na época exata da andada, época do
acasalamento. Segundo os pescadores existe ainda “catita-boca-grossa” e a “catita-boca-
igual”, que possuem as mesmas diferenças existentes entre os dois tipos de caranguejo
(macho) descritos acima.
10 Segundo Pinheiro & Fiscarelli (2001), são pares de apêndices locomotores, conhecidos popularmente como pernas 11 Segundo os especialistas entrevistados, “o peixe” do caranguejo é o que se chama nas grandes cidades de carne – a carne do caranguejo.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
46
Durante a maré vazia, seca, estes organismos saem à procura de alimento e assim que este
alimento é encontrado, eles o levam até o seu buraco. A alimentação do caranguejo, tanto o
macho quanto a fêmea, segundo os especialistas locais, é basicamente de raízes, folhas e
frutos de mangue. E apenas o siri foi relatado como o vilão que devora os caranguejos nos
manguezais da Garapuá, sendo taxado de agressivo devido as suas “garras”.
Segundo os caranguejeiros, existem manguezais onde se encontra uma maior quantidade
de caranguejos e outros que encontra menos, a depender do tipo de lama.
“Eu pesco aqui no mangue de Lisboa, Enseadinha, Camboa Velha e Panan. Os quatro lugares”, “O trabalho é muito pesado, trabalho de mangue”
(seu Agenor).
È provável que a diferença entre os substratos lodoso e arenosos provoque a diminuição
destes organismos em certos manguezais, porém esta é uma hipótese que necessita ser
investigada. Existem ainda épocas, isto é, meses mais adequados para catar caranguejo.
“Da ponta (da enseada) até Enseadinha, a lama é vermelha e solta e os outros mangues é mais mole e mais preta” (seu Agenor).
Uma crença, do norte do país, diz que os caranguejos engordam nos meses em que não
entra a letra "R" (maio, junho, julho, agosto) emagrecendo nos demais. Dependendo da
época, os caranguejeiros sabem em que período do ciclo de vida /reprodutivo os
caranguejos se encontram. Eles registram este tempo com base nas estações do ano e
meses.
“A andada (ou carnaval) do caranguejo é a denominação que as comunidades litorâneas
conferem ao comportamento que o caranguejo-uçá apresenta em determinadas épocas do
ano, quando todos os machos e fêmeas saem das galerias e caminham sobre o sedimento
do manguezal com propósito reprodutivo” (Nascimento, 1993 citado por Pinheiro &
Fiscarelli, 2001). Na vila de Garapuá, os pescadores e marisqueiras conhecem a época
exata da andada e sabem qual é a finalidade deste comportamento, pois eles conhecem
muito bem toda a dinâmica destes animais. Segundo relatos dos especialistas entrevistados,
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
47
janeiro, fevereiro e março são os meses em que estes animais saem para acasalar, ocorre a
“andada”. A “andada” ocorre nos meses de maior fotoperíodo, temperatura e precipitação,
manifestando-se poucos dias após a mudança para a lua cheia ou nova. São quatro (4)
andadas que ocorrem “3 dias após a cabeça d’água” desses meses, isto é, três dias após a
maré de maior amplitude, que acontece, mais precisamente, três dias depois da lua cheia ou
lua nova. Logo depois começa a crescer as “sapupas”, que são as ovas dos caranguejos –
fêmeas, após algum tempo estas fêmeas, chamadas de “catitas”, entram nas tocas e se
tampam para se lavar. Segundo Pinheiro & Fiscarelli (2001), “existem também registro de
“andadas” específicas para as fêmeas ovígeras que, quando estão com seus ovos próximos
à eclosão, saem das galerias e rumam para a margem dos rios e córregos do manguezal,
liberando suas larvas (Góes et al.,2000)”. Porém, na visão dos pescadores da vila de
Garapuá, as “catitas” se lavam para retirar a pequena quantidade de filhotes que não
vingaram. Elas só saem do “buraco” quando os filhotes já estiverem relativamente grandes.
“O mês de abril é o mês que o sapupa está cheio de filhotes, ela se guarda para lavar os filhotes no buraco” “A última maré do mês de abril,
é o mês de andada só delas” (seu Agenor).
Durante o mês de maio, os buracos encontram-se fechados, pois é o tempo em que os
filhotes encontram-se em fase de crescimento. Nos meses de junho e julho, os caranguejo
já se encontram adultos, num tamanho normal. Já no mês de agosto, eles se escondem,
tanto machos como fêmeas “se entocam para crescer” e segundo moradores, “para
descansar”. É a época de crescimento, quando os caranguejos estão mudando a carapaça.
Para que o crescimento dos crustáceos ocorra é necessário que seu exoesqueleto rígido seja
trocado periodicamente. “O fenômeno de troca do exoesqueleto é denominado de muda
(ou ecdise), enquanto o exoesqueleto antigo descartado é popularmente conhecido como
“casca” (ou exúvia)” (Pinheiro & Fiscarelli, 2001). Seu Agenor relata que os caranguejos
“se escondem” durante cinco a oito dias para crescer. Por isso, agosto é o mês que menos
se encontra caranguejos nos manguezais de Garapuá, pois estes se entocam para crescer.
Os caranguejos deixam de se alimentar cerca de três dias antes de sofrerem a muda, além
de ficarem imóveis até o momento da liberação do exoesqueleto velho. “De modo geral, a
maior incidência de muda dos adultos dessa espécie ocorre nos meses de setembro e
outubro, coincidindo com a maior freqüência de tocas fechadas” (Pinheiro & Fiscarelli,
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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2001). A época de muda do exoesqueleto encontrada na literatura é confirmada, pelos
pescadores da vila, exatamente para os meses de setembro, outubro e novembro, quando
ocorrência desses organismos é bem maior nos manguezais mais freqüentados da região.
Os caranguejos continuam no período de crescimento, porém já se encontram sem a
carapaça e fora dos buracos à procura de um outro de maior tamanho, sendo chamado de
“caranguejo-de-leite”, ou “mole”. O caranguejo fica mole ou de leite, pela falta de uma
série de substâncias importantes para a formação da nova carapaça (exoesqueleto). “A
reduzida salinidade da água estuarina implica em baixa concentração dos íons, cálcio e
magnésio, necessários ao enrijecimento da nova carapaça. (...)” (Pinheiro & Fiscarelli,
2001). “Quando as concentrações de carbonatos não correspondem a seus requisitos
mínimos, (...) essa espécie tem a capacidade de extrair gradualmente tais substâncias do
exoesqueleto antigo antes de sofrer a muda, canalizando-as para seu sangue (hemolinfa).
Assim pouco antes da muda (pré-muda), a “casca” do caranguejo-uça apresenta coloração
ferruginosa ou marrom-escura, além de mostrar todos os órgãos internos com coloração
branca-leitosa, sendo denominados de “caranguejo-leite” pelos catadores. Em decorrência
do grande teor de carbonatos nas vísceras e carne, o caranguejo-leite é impróprio para
consumo humano. Além do sabor desagradável, a utilização desse alimento pode causar
efeitos colaterais como diarréia, dores abdominais e alterações no sistema nervoso, como
letargia e entorpecimento” (idem). E finalizando o ciclo de vida desses animais, no mês de
dezembro, os caranguejos são encontrados normalmente, de carapaças novas, nos
manguezais de Garapuá.
O conhecido caranguejo-uçá se assemelha bastante a um outro organismo conhecido na
vila como “guaiamu”, tanto na morfologia quanto na dinâmica do ciclo de vida. Assim
como o caranguejo, o “guaiamu” fêmea também recebe um nome específico e próprio da
vila, é a “pata-choca”. “Embora o formato da carapaça do guaiamú seja visivelmente
similar a do caranguejo-uçá, essas espécies podem ser diferenciadas pela morfologia das
quelas e pereiópodos, embora tais características não sejam suficientes para identificar os
estágios juvenis iniciais” (Pinheiro & Fiscarelli, 2001). O período de andada do guaimú e
da pata-choca acontece nos meses de janeiro, fevereiro, março e abril, assim como
acontece com o caranguejo (Ucides cordatus). Nesses meses o primeiro organismo a andar
é a pata-choca, logo após começa a andada do guaiamú e do caranguejo, que andam juntos
porém em ambientes diferentes. O guaiamú anda no apicum, local de onde bate a maré
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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para cima (terra firme) e o caranguejo anda na lama, isto é, no manguezal. Tanto o
guaiamú quanto o caranguejo andam três dias após o primeiro dia de lua cheia ou nova,
como foi relatado acima na descrição da dinâmica do caranguejo. Por fim acontece a
andada da catita, que também se dá na lama, no manguezal, diferindo da pata-choca que sai
do apicum para a praia neste período, durante a lua cheia, segundo seu Agenor. O
caranguejo (Ucides cordatus) e o guaiamú, portanto, mantém uma convivência pacífica
entre si e com os demais organismos que habitam o manguezal, obedecendo a
estratificação deste.
“Quatro meses ele vem tomar banho na praia. Ela é veranista” (seu Agenor) Tais organismos comportam-se de forma semelhante, ocorrendo apenas algumas diferenças
fenotípicas. O caranguejo e o guaiamú diferem apenas na coloração, pois o caranguejo
consumido de Garapuá é de coloração avermelhada enquanto que o guaiamú possui a
coloração azulada. Já a “catita” e a “pata-choca”, diferem dos machos apenas pelo abdome
mais largo, maior, adequado para guardar e proteger a sapupa no período da reprodução. E
a “pata-choca” difere do caranguejo por não possuír pêlos nas patas, assim como as catitas.
Essas são algumas diferenças visuais, notadas e relatadas pelos caranguejeiros e pelos
demais moradores da vila de Garapuá.
Existem fatores que interferem na atividade de catar caranguejo, isto é, fatores ambientais
que de alguma forma, positiva ou negativamente, intervêm nesta, determinando a época
mais adequada para esta atividade nos manguezais da Vila de Garapuá. Assim, este
processo de catar caranguejo, em Garapuá, possui diversas variáveis que interferem, são
elas: maré, lua, vento e chuva.
As condições meteorológicas influenciam bastante a atividade de catar caranguejo, pois
quando é a época de chuva, e cai um temporal, ventos frios são formados e o trabalho no
manguezal fica suspenso por horas, pois o trabalho humano fica impedido pelo vento frio e
pela chuva.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Segundo seu Agenor, no inverno a quantidade de caranguejo aumenta, porém fica mais
difícil de se trabalhar no manguezal durante esta época do ano, por isso são poucos os
caranguejeiros que enfrentam o manguezal nos meses mais frios, pois a condição humana é
totalmente afetada, perturbada. Portanto, o verão é o período mais adequado para a
realização de atividades no manguezal.
“No verão a gente trabalha mais despreocupado e no inverno o período chove, a gente não pode trabalhar, a gente está no mangue trabalhando, cai um temporal e não tem quem
agüente e a gente volta para casa” (seu Agenor).
“O vento esfria o corpo da gente” (Pipoca) A maré também é um fator condicionante do horário de trabalho no manguezal. Durante a
maré cheia o trabalho no manguezal fica dificultado, sendo a maré baixa (seca) mais
adequado para catar caranguejo. O horário de trabalho também é cronometrado pela maré,
pois, a medida que a maré vai enchendo e alagando o manguezal, os caranguejeiros voltam
para suas casa.
Como já foi dito anteriormente (na descrição do Manguezal), a pesca em Garapuá depende
predominantemente da maré. Os catadores de caranguejo só se deslocam até o manguezal
quando a maré encontra-se baixa, como relata Pipoca:
“A questão é a maré estando seca é o suficiente, tem haver com a maré, tem a maré nova, por exemplo, que a gente tem que ir cedo e voltar cedo, aí o tempo é pequeno pra
trabalhar, aí pesca menos, quando tem mais tempo aí pesca mais” (Pipoca)
A lua é outro fator ambiental que intervêm no trabalho de catar apenas o caranguejo fêmea,
a catita, durante o período de andada. Segundo os especialistas locais, a andada das catitas,
que acontece durante o verão nos meses de janeiro, fevereiro, março e abril, sempre ocorre
no período da lua cheia ou da lua nova.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
51
8.3. POLVO (Octopus vulgaris)
Nos arrecifes de Garapuá, é fácil de se encontrar o que os pescadores chamam de “polvo-
verdadeiro” (Octopus vulgaris), embora eles afirmem que existe um outro “tipo” de polvo
– o “polvo-de-areia” – que é muito difícil de se encontrar. A distinção entre machos e
fêmeas do “polvo-verdadeiro” é facilmente detectada pelos pescadores locais. Eles
percebem as diferenças existentes na anatomia do organismo. Segundo seu Clemilton, o
melhor polvejador da Vila, machos e fêmeas são diferentes devido ao tamanho de um
“raio” e do “capêlo” (“cabeça do polvo”). Ele afirma que o macho tem um “raio” maior
que a fêmea, além de possuir um capêlo fino, porém mais comprido. Já a fêmea tem um
“raio” mais curto e um capêlo menor e mais grosso. Ele acrescenta, dizendo que é bastante
difícil distinguir o sexo do polvo-de-areia, mas ele acredita que deve ser da mesma forma
que se diferencia o sexo do polvo-verdadeiro. Porém ele afirma que o polvo-de-areia é raro
e cresce mais que o polvo-verdadeiro, daí surge a dúvida sobre a diferença entre machos e
fêmeas no polvo de areia. Segundo os pescadores, o polvo-de-areia tem uma coloração
diferente, pois quando filhote tem uma coloração escura, marrom, já na fase adulta ele fica
mais avermelhado, com o corpo pequeno, o raio comprido e vive sempre enterrado na
areia. Ao contrário do polvo-verdadeiro que muda de coloração de acordo com o fundo do
sedimento em que se encontra, como uma forma de proteção contra os predadores, tem
uma coloração marrom e vive em um buraco no arrecife – numa furna – além de
encontrarmos várias pedrinhas na “porta de casa” desse tipo mais comum de polvo. A tinta,
conhecida popularmente como “saputuna”, que o polvo-de-areia solta também é diferente
do polvo verdadeiro. A saputuna que o polvo-de-areia solta é marrom e a do polvo-
verdadeiro é preta. Por fim os pescadores dizem que é muito difícil de encontra-lo, tanto no
inverno quanto no verão.
“É muito difícil de pegar o polvo de areia. Tem maré que a gente não encontra nenhum”
(seu Clemilton) A pesca do polvo, em Garapuá, acontece pela manhã, durante a maré seca, quando a
arrecife está descoberto permitindo que os pescadores circulem a procura destes
organismos. Porém o polvo só chega no arrecife durante a noite com a maré de enchente,
isto é, quando a maré vem alagando o arrecife, ele vem junto e entra na toca. O polvo
chega até a beirada do manguezal, local de muitas pedras, e ele pode ser encontrado tanto
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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no seco, sobre as pedras, ou dentro d’água. Muitos pescadores afirmam que é fácil pegar
polvo, que qualquer criança pega, podem deve ter muita atenção, pois esse organismo, para
se proteger dos predadores, se camufla, ficando da cor do sedimento. Sua cor pardacenta,
sofre contínuas modificações de tonalidades. Na realidade,um polvo é um verdadeiro
“camaleão-marinho”.
“Quando o polvo é de chegada, você bota o bicheiro e pega logo ele, porque ele vem logo vê. Quando o que tá em casa é maior do que você tá passando, ele já sai para pegar o
maior, ele sai você pega o bicheiro, ferra ele fora da casa, e quando o que tá em casa é menor do que você tá passando, ele sai com medo. E aí quando ele sai dali ele
já largou a saputuna pra você não vê”
“Quando a maré esta nova os polvos começam a vir chegando para o arrecife. Quando tempo tá manso ele vem se arastando”
“Você não volta puro do arrecife, é difícil”
(seu Antônio Caboquinho)
Quanto as crianças: “Um turno vai para a escola e no vai para o arrecife” (seu Clemilton)
A pesca acontece geralmente nos arrecifes situados nos dois extremos da praia de Garapuá
– Arrecife Norte e Sul. A pesca de arrecife pode ser de duas formas: de bicheiro ou de
vara. Além desses dois tipos, acontece também a pesca de mergulho, que ocorre com
freqüência durante o verão “nas bordas” dos Arrecifes Norte e Sul.
Na pesca de “bicheiro” (Figura 12), a pesca com um utensílio utilizado tanto para pegar
polvo como lagosta, que possui uma vara de ferro com uma ponta virada e um cabo de
madeira, o pescador anda pelo arrecife atentamente verificando, a olho nu, se existe polvo
nos buracos ou furnas, como costumam chamar. Ao avistar um polvo o pescador se
aproxima lentamente da furna e enfia o bicheiro, sacudindo-o a fim de prender o
organismo, e depois é só puxá-lo. Os organismos capturados são mortos muitas vezes pela
ponta do bicheiro e outros por uma pancada que o pescador dá no “capêlo do polvo”,
sempre fora ou em cima da água. Todos os organismos pescados são colocados num cesto
de palha que os pescadores chamam de “samburá”. Alguns utilizam o “embiricí”,
principalmente durante a pesca de mergulho. Embiricí é um utensílio de arame, um pedaço
de arame, onde os polvos são presos para serem levados para casa.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Na pescaria de vara, utiliza-se uma vara de pescar com a qual o pescador “cutuca” a furna,
isto é, enfia num buraco do arrecife, com um polvo amarrado na ponta (os buracos dos
arrecifes são popularmente conhecidos como furnas). Nesses buracos o pescador procura
um lugar reservado que, segundo ele, para que o polvo não o veja, se abaixa e depois pega
o animal. O polvo, então é amarrado vivo na ponta da vara, que como dizem os pescadores
é “para deixar ele pegando”. Caso na furna tenha um caramuru o polvo que se encontra
amarrado na vara recebe uma mordida de tirar o pedaço. Se na furna estiver um polvo
pequeno escondido, ele sai correndo com medo do polvo amarrado na vara que é bem
maior ele. O polvo pequeno, nessa situação se sente ameaçado, por isso sai desesperado da
furna. Já o polvo grande, também vai sai imediatamente da furna, em tal situação, a
procura de alimento. O polvo pequeno da vara - menor que encontrado - serve de alimento
para o maior, encontrado na furna, que apenas sai para se alimentar.
“Amarra o polvo vivo - para deixar ele pegando. Aí enfia ä vara na
furna e ele espirra lá do outro lado”
“Quando cutuca no lugar com a vara e vê que tirou um pedaço do polvo, aí a gente já sabe que naquele lugar tem caramuru”
(seu Antônio Caboquinho)
Durante a pescaria de vara, que também é chamada de pescaria de buraco, o pescador pode
pescar o peixe, a lagosta e o caramuru. Ele faz três pescarias em uma só. A maré boa para
esse tipo de pescaria, segundo alguns pescadores, é durante a maré grande, quando a maré
demora muito para encher e para esvaziar. Quando a maré começa a descobrir a pontinha
do arrecife, o caminho de volta a vila acontece pelo rio, por dentro do mangue, onde tem
uma estrada. Normalmente, os pescadores saem com o bicheiro na mão, e quando o
arrecife está ruim de polvo, eles passam numa poça e pegam um búzio para retirar a lesma
a qual serve de isca para o peixe e para o caramuru. Enfim, quando esses especialistas vão
ao arrecife, não só capturam o polvo e sim fazem qualquer tipo de pescaria possível, a
depender da oferta dos organismos e da disponibilidade física de cada pescador.
“A lagosta a gente pega cutucando com o polvo na vara, aí ele sai com medo do polvo, o
caramuru ele tira um pedaço do polvo, aí a gente tira” (seu Antônio Caboquinho)
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Quase todo polvo captura é vendido na própria Vila, embora alguns pescadores já tenham
compradores certos em Valença, na grande maioria, e em Morro de São Paulo. Porém há
um gasto grande com o transporte e o combustível que utilizam, e muitas vezes não há uma
boa recompensa financeira. O preço do polvo varia de acordo com a época do ano. No
inverno, os pescadores vendem o polvo a quatro(4) ou cinco(5) reais o quilo. Já no verão o
preço, muitas vezes, a depender da freguesia, sobe e pode chegar a custar até oito reais o
quilo e nessa época, segundo os pescadores, em média vinte (20) polvos registram um
quilo.
Durante a maré vazia, seca, este organismo sai à procura de alimento e assim que este
alimento é encontrado, ele o leva até a porta da sua “casa”, isso quando ele não dá a sorte
de algum marisco estar passando na frete da sua “casa”. Neste momento em que o polvo
sai da sua toca à procura de alimento, ele recebe o nome de “polvo-atar”, é o polvo fora de
casa. A alimentação do polvo, segundo os especialistas locais, é basicamente de siri, a
“lesma do búzio”, lagosta, “goió” e peixe morto. Segundo seu Clemilton, o polvo não gosta
de encontrar nada morto e sim de matar o seu alimento na hora da refeição.
Os peixes grandes e o “caramuru” (a moréia) e foram relatados como predadores dos
polvos nos arrecifes de Garapuá. Porém o polvo sabe se proteger muito bem desses
predadores. Quando atacado, em inferioridade de condições, expele, de uma bolsa
localizada na parte inferior do corpo, uma tinta preta (sépia) que se espalha rapidamente, e
lhe possibilita a fuga. Os pescadores costumam chamar essa tinta preta de “saputuna”, que
serve de proteção, uma forma de defesa, para se esconder mediante a alguma ameaça,
numa situação de perigo. Dessa forma, portanto, os predadores não conseguem vê-lo nem
pegá-lo.
O polvo, normalmente, se alimenta fora de “casa”, na porta. É muito habilidoso para caçar,
atraindo novas presas para perto de si, com os restos do alimento anterior na “porta de
casa”. Assim, é fácil encontrar, na porta da sua casa, casco de siri, pois ele suga toda a
parte comestível do siri e da lagosta todinha e só deixa o casco. A porta da casa, ele
costuma a deixar também, pedrinhas bem arrumadas, para nenhum outro polvo entrar na
sua casa. Essa armação na porta de casa é conhecida como Cisqueiro.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Segundo seu Clemilton, a casa de um polvo é sempre limpa, isto é, ele nunca deixa resto de
comida dentro e sim fora do seu alojamento, na porta.
“O polvo está ATAR, quando ele sai da casa, ele sai pra mariscar e naquela saída, você
vai e pega. E quando ele lhe vê, ele solta aquela tinta e impretece tudo, que você não consegue enxergar ele, e aí ele largou aquela tinta preta, ele já vai saindo”
“O polvo, ele come o siri, então o que ele faz., que ele chupa o siri todo, ele deixa o
casco” (seu Antônio Caboquinho)
“Você vai aqui pelo arrecife, aí encontra o siri aqui comido, você já sabe. Ele mariscou aqui por perto, aí você começa a rodear, aí você encontra ele.
E às vezes você o encontra comendo” (seu Clemilton)
Segundo os especialistas locais entrevistados, em cada toca só é encontrado um organismo,
e estas são bem distantes umas das outras. Apenas quando há casais é que eles ficam em
tocas próximas, porém distintas.
Os polvejadores têem conhecimento do período do ciclo de vida /reprodutivo em que os
polvos se encontram, dependendo da época do ano. Eles registram este tempo sempre
baseado nas estações do ano. No verão, do mês de janeiro a abril, estes organismos são
encontrados em grandes quantidades, a maioria de tamanho pequeno, embora na pesca de
mergulho, polvos maiores são encontrados, alguns chegam a pesar até (01) um quilo,
apenas um polvo. No verão, o polvo muitas vezes é capturado na beira do mar, onde a onda
quebra, de mergulho, devido às “águas claras” que facilitam a visão. Já no inverno, durante
os meses de maio a julho, o polvo, segundo os pescadores, desaparece por causa do
temporal, pois ele só aparece em águas limpas, claras. Porém os poucos organismos
encontrados durante o inverno são enormes, chegando a pesar 1Kg a 1,5Kg apenas um
polvo. De setembro a outubro é a época de desova e os polvos começam a chegar no
arrecife todos bem pequenos para “fazer morada”, como dizem os pescadores. Nesta época
eles chegam a pesar de 200 a 400 gramas. E nos meses de novembro e dezembro, os
polvos encontrados são de tamanho variado, pois é exatamente a época em que eles estão
ficando graúdos. Segundo seu Antônio Caboquinho, o polvejador mais antigo da Vila,
quando a água esquenta muito, o que normalmente acontece durante o verão, o polvo sai
de casa para mariscar, isto é, procurar alimento, e para procurara água fria. Já no inverno, o
polvo não sai de casa porque a água esfria e a “bagaceira”, a turbulência da água, não o
deixa mariscar.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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A pesca do polvo possui diversas variáveis que interferem determinando o melhor
momento, horário e mês para o trabalho, tudo isso de forma paralela com a dinâmica do
organismo. Segundo pescadores de Garapuá, a pesca do polvo depende primariamente da
maré, pois como já foi dito anteriormente, a pesca desse organismo só acontece pela manhã
e durante a “maré seca”, embora os polvos cheguem ao arrecife durante a noite, na “maré
de enchente”. Segundo seu Antônio Caboquinho, a melhor maré para esse tipo de pescaria
é na “maré nova”, quer dizer, a primeira maré de uma das fases da lua (seja da lua nova;
cheia; minguante; ou crescente), quando os polvos vêm chegando no arrecife e entrando
nas tocas desocupadas e limpas.
Seu Clemilton acrescenta que a temperatura também interfere na pesca do polvo, pois este
não gosta de água quente, ele afirma que quando o sol aquece a água, o polvo sai da sua
casa a procura de água fria.
“Se for numa hora como 11 horas, 12 horas, a água esquentou, aí eles entram. Fica lá dentro” (seu Antônio Caboquinho)
Os pescadores da Vila de Garapuá ainda ensinam a preparam uma boa moqueca de polvo.
Para isso ele dá a dica de como tratá-lo e diz que deve ser retirados o olho e o “dente”,
como ele diz, isto é, os dentes quitinosos que o polvo tem, depois ferventar por uns 5
minutos. Após a fervura, o raio do polvo é cortado em pedaços bem pequenos e em seguida
preparar normalmente a moqueca, com azeite, leite de côco e temperos. Seu Clemilton já
vende o polvo tratado, é só tirar os olhos,cozinhar e saborear.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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8.4. LAGOSTA (Panulirus echinatus)
No Brasil a lagosta é encontrada desde o norte até Santa Catarina, porém é em Pernambuco
e na Paraíba que se a pesca em larga escala. Na vila de Garapuá é comum encontrar
lagostas do tipo vermelha (Panulirus echinatus), bastante freqüente nos arrecifes Norte e
Sul, além de “lá fora”, isto é, fora da enseada. Porém, segundo relatos de pescadores da
vila, além da lagosta vermelha, existem em Garapuá mais cinco diferentes tipos de lagostas
conhecidas como: “lagosta pão”, “lagosta-azul”, “chan-chan”, “lagosta-sapateira” e
“pelucinha”. Elas deferem quanto à coloração, ao design da carapaça, a época mais
adequada de pesca e os locais onde são encontradas.
“A chan-chan só dá no inverno, de 1º de maio até agosto” (dona Sônia)
“No inverno aqui nas pedras dá a vermelha mesmo” (seu Isaías)
Pescadores afirmam que a “lagosta-pão” só se pega “lá fora”. A lagosta chan-chan é um
pouco esverdeada, com preto no fundo (mais escuro) e só aparece quando dá temporal - é
lagosta de “arribação” - bem valorizada no mercado internacional. A época da “lagosta-
azul” aparece quando a água está “limpa”, o que facilita pegá-la de mão (de luva porque
ela fura demais) durante o mergulho – “A lagosta-azul não tem maresia. É mais gostosa”
(Tadeu). Tanto a “lagosta-azul” quanto a lagosta chan-chan se pega menos de rede, porém,
em grande quantidade quando se pesca de mergulho. A “sapateira” se pega tanto de rede
quanto de facho, todavia, durante a pescaria de facho a quantidade desse organismo
pescado supera a atividade com rede. Já a pelucinha é semelhante à vermelha, porém com
pêlos por toda carapaça. Por fim a lagosta do tipo “vermelha” é a mais encontrada nos
arrecifes que rodeiam a vila de Garapuá. Segundo os pescadores, a “lagosta-vermelha” não
cresce muito e o ventre da carapaça possui uma coloração clara (branca) (Tabela 04).
“Lá fora encontra chan-chan de 700 ou 800g, duas lagostas, às vezes, dá 1kg” (Tadeu)
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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TABELA 04: Lagostas encontradas em Garapuá-BA.
Etnoespécies Espécies Característica Principal Lagosta vermelha Panulirus echinatus “De coloração vemelha. A
mais abundante.” Lagosta azul Panulirus argus “De coloração azul. A mais
gostosa.” Lagosta chan-chan Panulinus laevicadida “Grande e feia. Usada para
exportação.” Lagosta pão Sylarideos sp. “Parece a chan-chan, porém
é maior.” Lagosta sapateira Parribacus antarticus “Achatada parecendo um
sapato.” Lagosta pelucinha Sem identificação “Peluda”. As diferenças entre as lagostas fêmeas e machos do tipo “vermelha”, o tipo mais
encontrado nos arrecifes próximos a vila, é observada com base na “unha” e na coloração
da carapaça. Segundo os pescadores, as fêmeas têm a carapaça mais clara (branca) que a
do macho, além de possuírem três unhas no primeiro par de patas, diferindo dos machos
que possuem apenas duas unhas em todas as patas.
Esses animais possuem duas (2) “armas” de defesa contra os predadores. Uma está
relacionada aos espinhos espalhados por toda a carapaça, o que dificulta a sua captura,
além disso, as lagostas quando se sentam ameaçadas, soltam as suas antenas, que
normalmente são bem fixadas – duras, numa tentativa de fuga dos predadores. As lagostas
também emitem sons como uma forma de comunicação.
“Faz um zuadeiro quando você mergulha num lugar que tem lagosta” (Tadeu)
Existe ainda diferença visível e bem distinta entre as ovas das fêmeas, observadas
principalmente nos meses de junho, julho e agosto, quando acontece a desova da lagosta do
tipo vermelha. As ovas mais amarelas são novas e as mais escuras são velhas, porém caso
tenha “pontinhos” preto, significa que já está perto da época da desova.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Os pescadores atentam para todos esses detalhes que diferem as etapas reprodutivas que
são de extrema importância para a dinâmica desses organismos no meio ambiente.
“É na ova que está toda vitamina”
(Disse Tadeu comendo a ova da lagosta no barco voltando para a praia)
“A lagosta muito pequena com ovada é solta” (Zequinha)
As lagostas sofrem mudanças da carapaça para crescer; quando isso se processa o animal
torna-se bastante vulnerável para seus inimigos naturais. Ela, então, se esconde no meio
das rochas, nada comendo, e assim permanece até que se forme uma nova carapaça.
Depois disto a carapaça velha se fende dorsalmente e a lagosta, com novo revestimento,
vai aos poucos saindo do antigo envólucro. A forma nova é mole, mas logo adquire
consistência , impregnando-se de sais calcários até tomar seu aspecto definitivo. Nessa
época, devido ao jejum que se impôs, a lagosta abandona sua toca e procura o alimento ,
podendo então ser capturado pelo homem.
Em Garapuá, ocorrem quatro tipos diferentes de pescaria da lagosta vermelha (Panulirus
echinatus): de rede, de facho, de mergulho e de vara. Esses três tipos de pescaria são
relatados por vários pescadores entrevistados de forma detalhada.
Na pescaria de rede o pescador coloca a rede durante a maré seca beirando o arrecife, são
redes especiais que são colocadas “Lá fora” ou próximo aos arrecifes. Segundo Tadeu, o
melhor pescador de lagosta de Garapuá, uma “peça” de rede custa de 50 a 70 reais. Essas
redes têm um curto período de duração, o tempo médio de vida dura em torno de um ano.
Esse tempo médio de vida depende das condições do tempo, pois no inverno as peças se
acabam mais rapidamente, do que durante o verão. Para colocar a rede, os pescadores
utilizam uma canoa para se deslocar até o local mais adequado – que normalmente é o
arrecife sul -, a canoa usada na pesca é de madeira (de vinhático), e custa em média
seiscentos reais (R$ 600) num estaleiro da cidade de Valença. A rede não é colocada nas
“pedras” e sim ao redor dessas, já que as lagostas fazem morada nas fendas, isto é, nos
buracos dos arrecifes. A rede é deixada no local, um tempo médio de vinte e quatro horas,
porém podem ficar até quarenta e oito horas (48h) no mar. Após esse tempo a rede é
retirada também durante a maré seca e, segundo os pescadores, a rede é deixada vinte e
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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quatro horas (24h) no local porque as lagostas só vêm para o arrecife durante a maré de
enchente. Quando a maré vem alagando o arrecife elas vêm juntas para suas moradas, e
assim que as lagostas chegam ao arrecife, são barradas pela rede, e na próxima maré seca,
os pescadores as retiram da malha, ainda vivas.
“Uma rede com 50 metros sai mais de 100 reais” (Tadeu)
“O buraco a gente chama de FURNA” (seu Antônio Caboquinho)
Na pesca da lagosta, geralmente, quatro pescadores, em média, pegam duzentos quilos
(200 Kg) de lagosta por pescaria (Figura 13), cada um leva quatro (4) peças de rede e todo
o pescado é então, dividido, com exceção do barco que fica com 30% de toda a fatura.
Figura 13: Lagostas sendo divididas entre os pescadores,no barco, após uma pescaria de rede.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Para fachear é utilizado um utensílio conhecido localmente como facho (ou Caroucha), que
mais adiante, ainda neste trabalho, será descrito. O local mais utilizado para esta arte
(fachear) é na Ilha Grande do Norte
“Se pega mais lagosta vermelha” - no facho. “É difícil andar por cima dos arrecifes, tem que ter muito cuidado”
(Tadeu) Pode-se pescar a lagosta de mergulhos também, na “quebrança”, próximo ao arrecife, no
mesmo local onde se coloca a rede. Durante o mergulho alguns pescadores utilizam, pé de
pato, “snockee”, “bicheiro” e luva, porém outros utilizam apenas o “bicheiro” como
utensílio de pesca. Da superfície, com a cabeça em baixo d’água, eles observam e
localizam a lagosta, logo em seguida eles mergulham e retiram o animal do buraco com a
mão, quando possível, ou com a ajuda do “bicheiro”.
“Sapateira é difícil de se esconder nos buracos” (Tadeu)
Além desses três tipos de pescaria da lagosta, um mestre da pesca de arrecife, da vila de
Garapuá, relatou uma outra arte conhecida como a pescaria de vara que acontece durante o
dia. Na pescaria de vara da lagosta, o pescador amarra um polvo grande e vivo na linha que
se encontra presa na ponta da vara. Segundo seu Antônio Caboquinho, é necessário que o
animal esteja vivo, “visgando”. Enfia a vara na furna, em um buraco do arrecife, e a
lagosta, então, espirra mais adiante, do outro lado. Isso acontece, segundo os pescadores,
porque a lagosta tem “medo” do polvo grande, pois este a tem como o prato principal de
suas refeições. Porém, a lagosta só foge de polvo graúdo e se alimenta do polvo pequeno
que se aproxima, além dos peixes que também servem de alimento. Segundo os
pescadores, a lagosta é um animal voraz e caça toda espécie peixes e de crustáceos,
devorando até mesmo os da sua espécie, além de gostar muito dos caramujos de concha
calcária.
Assim que a lagosta sai da furna, isto é, do buraco, os pescadores a pegam de mão mais
adiante. Eles acrescentam que, caso o polvo seja pequeno, as lagostas não saem das furnas.
“Tem uma vara que tem uma cordinha e aí a gente amarra o polvo e cutuca no buraco
onde está a lagosta e aí sai com medo, e aí a gente vai e pega ela com a mão” (seu Antônio Caboquinho)
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Quando um pescador “cutuca” um lugar em que a lagosta se encontra, com a vara e um
polvo amarrado na ponta, e se percebe que um pedaço foi retirado, ele já sabem que
naquele lugar tem “caramuru”, um peixe muito temido. Nessa pescaria de buraco, os
pescadores pegam o peixe, eles vasculham as furnas – os buracos, tiram a lagosta, e tiram o
caramuru. Os pescadores fazem, portanto, três (3) tipos de pescaria em uma só manhã.
“Nesse buraco a gente procura um reservado que ela não veja a gente, aí a gente se abaixa e depois pega. Tem que se esconder, senão não pega”
(Tadeu) Existem locais mais adequados para a pesca da lagosta, onde, segundo pescadores, são os
locais onde mais se pega lagosta em Garapuá. Esses locais recebem a denominação de
pesqueiros, são eles: Vilisboa, Enseadinha, Furninha, Ilha Grande do Sul, Coroinha,
Camboa Velha, Furnão, Subaio do Barco, Poço da Panan, Canal do Mero e Eufrades. A
pesca nesses pesqueiros acontece de forma alternada, isto é, a cada dia os pescadores
trabalham em um local diferente.
“Por exemplo, tem uns pontos que é melhor pra lagosta. Você bota um dia em Vilisboa, no
outro você bota em Enseadinha. Cada dia tem um lugar” (Tadeu)
“Saímos daqui de noite e botamos a rede de noite e sai andando passa em Vilisboa, passa por Camboa Velha. Levamos um candeeiro. Agora essa pescaria é mais no inverno”
(seu Antônio Caboquinho)
A pesca da lagosta possui diversas variáveis que interferem na pesca determinando o
melhor momento, horário, mês e a melhor arte para o trabalho. Segundo pescadores de
Garapuá, a pesca da lagosta depende primariamente da lua, pois estes organismos possuem
fotossensores e se “sentem” desnorteados com luz incidente ficando paralisados, sendo
presas fáceis para os pescadores. Assim como os demais pescados descritos, a lagosta
também possui outras, diversas variáveis que interferem na pesca, além da luminosidade
lunar.
A “pescaria-de-facho” só pode ser realizada em “noite sem lua” e a de rede freqüentemente
acontece pela manhã, nos arrecifes norte e sul.
“Noite de lua não pesca” (Tadeu)
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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A pesca da lagosta a depender da arte utilizada pode acontecer nos arrecifes sul e norte,
sendo este último o mais povoado por estes organismos. Quando a pescaria acontece nos
arrecifes, o movimento das marés também influencia, já que, segundo relatos, “a lagosta
chega no arrecife durante a noite e com a maré de enchente”, porém a pesca só acontece
durante a maré seca, o que facilita o deslocamento do pescador sobre os arrecifes.
A dinâmica desse organismo é reconhecida pelos pescadores e está intimamente
relacionada com as estações do ano. Os especialistas afirmam que durante o verão, nos
meses de dezembro a fevereiro, a quantidade de “lagosta-vermelha” aumenta porque a
quantidade de redes que são colocadas no mar também aumenta. Durante o verão por força
do turismo, os pescadores colocam mais redes, pois é um marisco bastante procurado e
muito caro, em média quinze reais o quilo (R$ 15,00 o Kg) e ainda acrescentam que nesta
época o tamanho do organismo também é bem maior. Todas as lagostas pescadas em
Garapuá são vendidas em Morro de São Paulo ou ficam nas barracas de praia da própria
vila. Nos meses de março, abril e maio, já começam a aparecer organismos pequenos.
Durante o inverno, nos meses de junho, julho e agosto, acontece a desova. Nesse período,
segundo alguns pescadores, a lagosta some, dá bem pouca e maioria ovada. Isso contradiz
a lei do defeso, imposta pelo IBAMA, nos meses de janeiro a abril. Foi possível sugerir,
através do estudo etnoecológico, juntamente com a pesquisa aplicada desse organismo, que
o período mais apropriado para o defeso seria nos meses de setembro a novembro. Nesta
época o preço da lagosta-vermelha cai bruscamente de quinze reais para cinco reais o quilo
(R$ 5,00 o Kg), por ser facilmente encontrada nos arrecifes e “lá fora”, porém de tamanho
muito pequeno.
“O pessoal que pesca de linha, passa a pescar lagosta, por exemplo, de rede no verão. É o que dá mais. Dá mais lagosta e dá mais dinheiro”
“No inverno pega a lagosta por 3 reais. Chega agora em dezembro pega por 10 reais no
mínimo” (seu Cantor)
A quantidade total de “lagosta-vermelha”, em número e peso, capturada por dia em
Garapuá, durante um ano, foi registrado por Patrícia Aguiar, estudante bolsista do projeto,
juntamente o seu facilitador (Tabela 05), assim como o número de lagosteiros da Vila e
número de dias trabalhados durante este período.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Tabela 05: Quantidade de lagosta capturada em Garapuá, durante um ano
ANO Número Kg Média do Peso
Número de lagosteiros
Número de dias
Total 27.711 4.262,5 - 7,8 17,07 Média 1847,40 284,17 0,159 37 256
Fonte: AGUIAR, P.. Pesquisa Aplicada – Lagosta (Panulirus echinatus). Relatório Técnico.Projeto Garapuá.
2002.
A dinâmica da lagosta chan-chan é diferente da vermelha. Segundo os pescadores este tipo
de lagosta “desaparece” durante a maior parte do ano e só aparece nos meses de maio,
junho e julho, è um marisco caro, e por isso um produto de exportação, onde apenas a
“cauda” isto é o abdome, são utilizados, e o quilo desta lagosta custa em média 17 reais
(R$ 17,00 o Kg). Este tipo de lagosta só é encontrada “lá fora”, isto é, fora da enseada e
para a sua pesca é utilizada apenas redes com náilon de seda, mais resistente, para agüentar
o “temporal” que ocorre durante o inverno, e porque esse tipo de lagosta é enorme,
chegando a pesar até um quilo (1 Kg), um quilo e meio (1,5 Kg), cada lagosta.
“Essa de arribação é a chan-chan - de exportação, é das grandes, só dá lá fora” (seu Antônio Caboquinho)
Já a “lagosta-azul”, é capturada mais de mergulho, lá fora – “entre a pedra e a areia”, e
segundo relatos, ela não tem época exata, pois é encontrada durante todo o ano, igualmente
a lagosta do tipo vermelha.
“A época da lagosta Azul é quando a água está limpa. Pega de mão (de luva porque ela
fura demais), de mergulho” (seu Antônio Caboquinho)
Como crustáceo comestível a lagosta figura entre os melhores, pois sua carne é deliciosa.
Seu consumo entre as pessoas de nível sócio-econômico elevado é grande. Por isso esse
animal é considerado alimento de luxo e conseqüentemente são vendidos a altos preços no
mercado.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
65
É possível notar que cada tipo de lagosta possui uma dinâmica própria e que esta dinâmica
é reconhecida pela comunidade de pescadores, sendo distinguidas épocas de desova e
épocas em que aparecem maiores, e quando aparecem. Os pescadores, por exemplo, sabem
que a lagosta lá fora, só arriba (como eles dizem), isto é, só aparece, quando dá temporal.
À medida que a água vai ficando “mansa” - calma e clara, menos lagosta são encontradas
nas redes colocadas lá fora.
8.5. CAMARÃO
É um crustáceo, que possui dez pernas e abdome alongado, por isso chamado de decápode
macruro. A pesca do camarão em Garapuá é realizada utilizando uma arte de pesca bem
conhecida localmente por Arrastão. Os camarões pescados (Figura 14) são de três espécies
que os pescadores conhecem e distinguem muito bem. São os tipos Rosa (Penaeus
brasiliensis), Pistola (sem identificação) e Tanha - ou Sete Barbas (Xyphopenaeus krogeri),
a diferença entre eles é o tamanho e a coloração. Os pescadores descrevem o camarão
pistola como sendo o maior, o rosa de tamanho mediano e coloração avermelhada e o tanha
como sendo o de tamanho menor. Todos os três tipos descritos pelos pescadores são
encontrados num mesmo ambiente. Segundo a literatura12:
O “camarão-rosa” (Penaeus brasiliensis) trata-se de um crustáceo de côr vermelha-escura,
com pontuação de côr ainda mais carregada. Chega a alcançar 18cm de comprimento e é
também chamado de “camarão-branco” ou “vila-franca”.
Já o “camarão-sete-barbas” (Xyphopenaeus krogeri) mede 7 a 8 cm de comprimento. É
errôneamente, chamado de "sete barbas", pois tem apenas 6, sendo chamado na França
"sixbarbes". Encontrado em toda a costa atlântica norte, centro e sul-americana; concentra-
se, de preferência na orla litorânea. À medida que se afasta da costa, a espécie vai
escasseando e, depois de uma distância de 4 milhas ou mais, desaparece.
12 http://www.naturalsul.com.br/faunmar2.htm
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Figura 14: Camarão “pistola”, “rosa” e “tanha” pescados de arrastão na lama de Camboa Velha.
Esses organismos, assim como os demais organismos em estudo, possuem diversos
variáveis que interferem na pesca. Segundo os pescadores o camarão só aparece em grande
quantidade durante o inverno, pois como eles dizem, este organismo “gosta de água suja”,
isto é, de água “mexida” pelo temporal e pela ventania que mistura água com o substrato.
Segundo Dal e Gerinho, dois jovens pescadores de camarão, o arrastão acontece tanto em
lugares no mar com o fundo de lama, como em lugares no mar com o fundo de areia.
Normalmente eles arrastam na “lama de Camboa Velha”, que é a mais próxima da Vila de
Garapuá, porém acrescentam que tem diversas outras lamas, como a “lama de Morro de
São Paulo” e a “lama de Boipeba”, por exemplo. Eles afirmam ainda que no verão é difícil
de encontrar camarão. Porém as informações ainda são insuficientes para descrever esta
pesca tão complexa e polêmica devido a arte (a rede) que causa uma desordem no fundo do
mar, desequilibrando toda a cadeia alimentar do ambiente.
“Camarão é de água suja. Água tordada” (seu Raimundo)
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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8.6. PEIXE
Descrever a dinâmica da pesca dos peixes em Garapuá é uma tarefa bastante difícil que
necessita de um estudo mais aprofundado e específico, pois existe uma gama de variáveis
que interferem na pesca deste, porém de forma particular para as diversas espécies de peixe
(Figura 15), já que segundo os pescadores locais, há peixes, por exemplo, de inverno e de
verão, os quais são pescados de formas variadas e utilizam diferentes iscas de acordo com
a espécie que se deseja capturar.
Figura 15: Diversas espécies de peixes (que não foram identificados) pescados de calão na enseada da vila de Garapuá-BA.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
68
09. ARTES DE PESCA
Foi feito também o registro (Tabela 06) e a descrição dos aparelhos de pesca mais
utilizados pelos pescadores da vila de Garapuá, expondo suas características mais
importantes.
Tabela 06: Registro das artes de pesca
TIPO DE PESCA ARTEFATO DE PESCA
UTENSÍLIOS PESCADO
Pesca com jiqui Jiqui Samburá, bicheiro Caramuru
Manual Bicheiro Samburá, bicheiro, embirici, luvas
Polvo e lagosta
Fachear Facho Luvas, bota, samburá e bicheiro
Lagosta
Tarrafa Rede Chumbo, Samburá Peixe De Linha
(de corso, de duro, de canal, de
buraco, de canal e lá fora)
Linha e anzol Samburá, forquilha, carretel, fio de nilon, chumbada, coroque
Peixe e polvo
Arrasto Rede Barra de ferro, bóia, cortiça
Camarão
Groseira Sicuabo (corda) e anzol
Samburá Peixe
Calão Rede Peixe Mergulho Peixe e lagosta
Rede de lagosta Rede de seda Rede de nilon
Canoa, samburá. Lagosta (“chan-chan”)
9.1. “CALÃO”
“Trata-se de uma arte de pesca que utiliza a rede para a captura de peixe, que é manejada
por um grupo de homens na praia, são vários pescadores (6 a 8 pescadores) na praia
puxando uma enorme rede. O calão tem um impacto reduzido sobre as populações juvenis
de peixes. O calão depende de força humana em contraste com o arrastão que exige a força
de um barco a motor” (RÊGO, 1994). A rede é colocada no mar com ajuda de uma canoa,
ficando uma das extremidades desta em terra – “Bota uma ponta de corda aqui na praia e
sai de canoa” (Zequinha). Os pescadores saem de canoa em direção a “lá fora” e colocam
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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a rede “com 180 braças de corda daqui pra fora” (seu Isaías). Depois de colocada a rede,
os pescadores ficam batendo na rede até chegar em terra, eles fazem isso para assustar o
peixe e este correr na direção da praia. Segundo eles: “A gente vê o peixe”. As redes do
calão tem altura semelhante a rede do arrastão, porém a malha do calão é mais graúda,
devendo medir em média 5mm e náilon 50, podendo capturar peixes de até cinco a seis
quilos (Figura 16 e 17). Assim ele acarreta um impacto ambiental reduzido se comparado
ao arrastão. Todo peixe capturado serve de isca para a groseira ou é vendido para servindo
de tira gosto nas barracas. A rede do calão traz os peixes para a terra assim como a rede do
arrastão, porém os peixes chegam ainda vivos, podendo, os menores, serem soltos ainda
com vida, o que não acontece na rede do arrastão, onde tudo chega sem vida ao barco,
devida a pressão sofrida no “fundo do saco” da rede. Durante o inverno, a única arte de
pesca que não utilizada, é o calão, porque, segundo os pescadores da vila de Garapuá “não
dá o peixe. Os peixes só vêm para terra com o tempo manso, água clara. Quando o mar
toma eles sai” (Zequinha). São peixes de estação mansa, calma, chamados de “peixes da
costa”, que vivem beirando a terra, fácil de pegar na beira da praia. Os peixes da costa mais
conhecidos são “boca-torta”, “barbuda”, “pescada-branca”, “cascuda”, entre outros. Eles
acrescentam que “o peixe não dorme aqui dentro (dentro da enseada), ele entra de manhã
e sai à tarde”. Por isso os pescadores nunca saem para a pescaria durante à noite e sim
durante o dia, principalmente pela manhã.
“Pela levada que o peixe dá, a gente já conhece” (Zequinha)
Figura 16: Chegada do Calão
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Figura 17: Separação do pescado resultante do Calão
9.2. “ARRASTÃO”
“Em contraste com o calão, exige a força motriz de um barco a motor” (RÊGO,1994), além
da força humana, em média, dois homens, porém, até mesmo uma pessoa pode arrastar. O
pescado é especificamente o camarão. No entanto ocorre a captura em grande quantidade
de pequenos peixes e alguns peixes mais graúdos, que são mortos pela força e pressão
dentro do sacador e pela malha bem pequena da rede, que não deixa passar nada. Os
pescadores dizem que no arrastão os peixes ficam “abafados”. Além de peixes muitos siris
são capturados, principalmente siri fêmea. A rede do arrastão parece ter um grande
impacto sobre as populações de camarão, se comparado com o poder de captura mais
limitado do calão.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
71
A rede possui uma malha fina, para não deixa passar nem os peixes pequenos, além de uma
“boca” que coleta tudo que encontra pela frente, que em seguida cai no saco, onde todos os
pescados são imprensados no fundo (Figura 18 e 19). A pressão no fundo do saco da rede,
é tão grande que todos os peixes, siris e outras formas de vida marinha morre, e nunca
conseguem sobreviver. Chegando no local adequado, sobre a lama, o barco fica dando
voltas. Normalmente os barcos chegam seis horas da manhã e só retiram o primeiro lance
de rede após três horas, isto é, por volta das nove horas da manhã. Depois “desengrena” o
motor como dizem os pescadores, isto é, desliga o motor e os homens lançam ao mar as
placas que devem pesar de 40 a 50 quilos cada uma. Quando as placas, tocam no
sedimento - no fundo do mar – é o sinal, entendido pelos pescadores, que as pontas da rede
se encontram entre 20 e 25 braças profundidade, medido anteriormente através da
chumbada. È hora então de arrastar.
Figura 18: Rede do Arrastão
A rede do arrastão é passada na lama “Lá fora”, mexendo nos sedimentos do fundo do mar,
geralmente por duas horas. Os locais mais freqüentados são percebidos pela presença de
um substrato lodoso, isto é, muita lama. As lamas mais visitadas são: Lama de Lá fora,
Lama de Dudinha, Lama de Camboa Velha, Paium, Lama do Morro, Lama de Boipeba e
Gameleira. A localização exata de cada lama é marcada por terra, pelos morros, depressões
na vegetação, pontas de igrejas, torres, entre outras marcações ou outeiros,como eles
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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dizem. As duas extremidades do pesqueiro (da lama) são marcadas pelos outeiros. A lama
de Camboa Velha, por exemplo é marcada na sua extremidade esquerda por uma depressão
na vegetação do manguezal e a sua extremidade direita, pela extremidade norte da vila de
Garapuá (quando começam a aparecer as casas). Alguns outeiros citados pelos pescadores
da vila foram Chapada, outeirinho e outeiros que ficam no farol de Morro de São Paulo e
Guaibim. É uma marcação bastante interessante que mostra o conhecimento sobre
orientação marítima dos pescadores.
Essa marcação dos pesqueiros mostra a percepção dos pescadores em relação ao
ecossistema marinho, entendendo o seu funcionamento e criando estratégias para uma
pescaria mais produtiva. Segundo Jussara Rego (1994), “o conhecer como percebem o
ecossistema marinho pode ser a chave para os biólogos marinhos entender o
funcionamento desse ecossistema e, para os cientistas sociais compreender algumas das
condutas em relação às estratégias de captura e de mercado”.
Figura 19: Esquema da pesca com arrastão, feito por um pescador - seu Dida.
REDE DE ARRASTO
SACO DA REDE DE ARRASTO BARCO
BARRA DE FERRO
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Após puxar o primeiro lance, e os pescadores registram que aquele local encontra-se rico
de camarão, eles puxam até seis vezes no mesmo local.“Cada lanço vai diminuindo a
quantidade,às vezes tem 20 barcos puxando só naquela lama”. Para puxar a rede de volta
ao barco, os pescadores começam pela corda e conseqüentemente puxam a boca da rede,
onde raramente um peixe se prende. Acabando de retirar a boca da rede de dentro do mar,
os pescadores puxam o saco, onde encontra-se todo o pescado. Segundo os pescadores:
“vem a bagaceira toda do fundo do mar”. A corda que prende o saco da rede é
popularmente conhecido como corda ritinida, bastante resistente, prende o saco da rede.
“Na altura do Morro tem lugares mareados. Quando chega em cima está tudo morto já, os camarões. O arrastão vai atrás do barco, ele vai cavando. Em Valença, o pessoal pesca
mais de arrastão e também em Boipeba. Lá em Boipeba tem muito arrastão” (Valtinho)
O lucro da pesca com arrastão é grande, porém o que fica na mão dos pescadores não é
muito. O dono do barco fica com 30% do lucro total, e o restante é divido entre os
pescadores que trabalharam, sendo que o dono da rede também ganha uma porcentagem
maior.
“E do camarão tem uma parte grande do arrastão, aí eles tiram e aí fica dividido” (Valtinho)
O arrastão é uma arte de pesca bastante utilizada durante o inverno, pois, segundo os
pescadores é nessa época que “dá mais” camarão “Lá Fora”. Eles afirmam que o camarão
não gosta de água limpa e sim “tornada”, quer dizer, água misturada ao sedimento, suja.
Porém às vezes eles arrastam na “estiada” como eles dizem, isto é, quando a chuva passa e
o sol aparece tímido no céu. O mesmo não ocorre durante o verão, já que a água fica clara,
limpa, e isso acaba espantando os camarões, que se escondem para se proteger dos
predadores. Nesta época os pescadores não deixam de arrastar, fazendo o trabalho durante
a noite, quando conseguem encontrar alguns poucos camarões. Além disso, eles procuram
outras artes de pesca que se adaptam melhor às condições ambientais do verão.
“Em março é a época que o pessoal pega camarão lá fora. No verão é melhor pegar
lambreta” (Valtinho)
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Alguns pescadores da vila de Garapuá sabem que o uso do arrastão prejudica a população
marinha, principalmente a bentônica, pois a barra de ferro passa pelo substrato acabando
com tudo, para levantar os camarões que vivem no substrato. A rede do arrastão é a maior
criminosa do mar, ela pega todos os tipos de vida presentes na área por onde ela passa
(Figura 20). Porém apenas os camarões graúdos e os peixes de maior porte interessam aos
pescadores. O restante é jogado fora, no mar, sem nenhum sinal de vida, pois a grande
maioria das vidas capturada não resiste a pressão sofrida dentro do sacador da rede.
Figura 20: Pescadores separando o camarão dos outros animais que são capturados pela
rede do arrastão.
Mas dizem os pescadores que caso deixem de utilizar o arrastão, “como vão sustentar suas
famílias?” Já que essa arte de pesca dá um bom lucro se comparado com outras artes. Os
pescadores compreendem também que se caso deixassem de passar a rede por um longo
tempo, o ambiente volta a se reconstituir e a vida volta a renascer, e o primeiro arrasto que
fizerem, logo após esse tempo de resguardo, será farta. Mas os pescadores vivem num
grande dilema, pois eles sabem que a rede do arrastão acaba com a vida no mar, só que eles
não têm outra opção de pesca que dê um lucro maior e que compense essa arte tão cruel.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Por outro lado, o impacto ambiental resultante do uso intensivo do arrastão pode ser
diminuído pela introdução, com o apoio das cooperativas, de técnicas não impactantes de
criação que atendam à demanda dos mercados, como por exemplo o cultivo de camarões
em gaiolas que se encontra em fase de implantação em Garapuá – um dos objetivos do
“Projeto de Gestão dos Recursos Ambientais do Município de Cairú/BA”.
“O maior criminoso é o arrastão. Por mim era o único material que não vivia no mar. Porque ele pega tudo, e só aproveita os graúdos. Os miúdos joga fora. E a maior
dificuldade que temos no mar. Com o arrastão, eles só aproveitam só os que querem e o resto eles jogam tudo na mar. Isso tudo pra pegar camarão”
“Se você levar um ano sem pescar nada aqui, no dia em que você bota a rede, você fica numa felicidade do mundo, porque vem cheia. Agora eu pergunto, se não botar a rede a
gente vai viver de quê? Aqui você tem que sair pra pescar, senão não tem como sobreviver, você só vai ver seu filho chorando de manhã cedo, pedindo comida, e aí? O
que vaia fazer?” (Valtinho)
9.3. “REDE DE ESPERA”
É uma arte de pesca que utiliza redes com malhas específicas para a captura de peixes e
lagosta. A malha utilizada na captura de lagosta, por exemplo, é 35 ou 40mm, para ser
colocada no arrecife. Caso a rede seja colocada “lá fora” do arrecife, para a captura de
lagosta, a malha será maior para evitar o rompimento, medido 50mm, devido a forte
atuação das correntes marítimas. Na enseada, a rede é colocada para pegar peixes
pequenos, chamados de peixes da costa, são peixes como “boca-torta”, “tainha”, “agulha”,
“barbuda”, “bicudo”, “pescada-branca” e “cascuda” , encontrados nesse local devido às
águas calmas. Esses peixes geralmente são utilizados como isca em outras artes de pesca.
Assim, existem malhas de diferentes tamanhos para os diferentes pescados e muitas braças
de comprimento por rede. Cada rede tem uma malha particular para cada tipo de peixe,
portanto, cada rede recebe um nome específico de acordo com o peixe que captura, como
por exemplo, existe a rede “cascudeira” (Figura 21), que pega um peixe conhecido
popularmente como cascuda; existe ainda a “agulheira” com náilon 25, que pega o “peixe-
agulha”; a tainheira, pega “tainha”; a “barbudeira” com a malha mais grossa, que pega o
“peixe-barbudo”. Na maioria das vezes o emprego desse artefato se dá pela manhã, com a
maré seca, quando várias redes são lançadas de uma canoa, por um ou dois pescadores. As
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
76
redes ficam suspensas com pedaços de isopor nas extremidades superiores e presas ao
fundo por chumbadas nas extremidades inferiores. Muitos pescadores, em Garapuá,
colocam também as redes em canais próximos aos manguezais. Quando colocadas “lá
fora”, as redes permanecem no local até o dia seguinte, também na maré seca, quando são
retiradas. Já na enseada, as redes geralmente são retiradas no mesmo dia. Embora não
sejam utilizados com freqüência, foram registrados mais dois tipo de pesca com rede de
espera, na vila de Garapuá. Segundo relatos, há uma arte conhecida por “bater subáio” e
outra por “bater coroa”. Nas duas artes, a rede de espera é utilizada da mesma forma, sendo
que na arte chamada de “bater subáio” a rede é colocada com a maré seca cercando o
arrecife, e já na arte chamada de “bater coroa”, é mais utilizada durante a noite, com a
maré cheia e cercando um barco de areia.
“Tira os peixes tudo vivo da rede”
“É melhor de noite porque o peixe fica mais à vontade, fica mais despreoculpado, não tem
bagaceira, barco, nem canoa para espantar ele” (Pipoca)
Figura 21: Pescadores desmalhando a “cascudeira” na Enseada.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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9.4 “TARRAFA”
É uma rede utilizada para a captura de peixe quando a maré está baixa. O pescador vê um
cardume passando, se aproxima e lança a rede, que se abre e cai sobre o cardume (Figura
22 e 23). As chumbadas nas extremidades da rede, levam a rede ao fundo (ao chão). Esta
rede é lançada em canais e poças em cima dos arrecifes. Para retirar a rede sem deixar o
peixe escapar, os pescadores apertam a cabeça e quebram o pescoço do peixe e assim eles
podem retirar a rede sem que este fuja. Esta arte é geralmente utilizada durante o verão, na
pesca de peixes da costa, isto é, peixes de pequeno porte como “tainha”, “sioba”, “dentão”,
“carapitanga”, por exemplo.
Figura 22: Seu Gileno estendendo uma tarrafa no chão.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Figura 23: Seu Gileno mostrando uma tarrafa e um “samburá”, que serve para carregar o pescado
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9.5 “LINHA” A pesca de linha utiliza como isca o camarão preso ao anzol, para pegar vários “tipos” de
peixes. Existem em Garapuá dois tipos de pesca com linha, os quais são colocados em
prática preferencialmente fora da enseada – “Lá fora”. A linha é utilizada com a
embarcação parada ou em movimento, com base nisso há três artes de pesca: “pescaria de
Corso” e “pescaria de duro” (ou ‘Fundiada”).
Quando a embarcação encontra-se em movimento – a chamada Pescaria de Corso que
segundo os pescadores é bem fácil, “você pega o “xixarro” amarra no meio e solta ela.
Quando anda um pouquinho, se tiver cavala ela pega na hora. Essa é a pescaria-de-
corso” (seu Cantor). Na pescaria de corso, usa como isca peixes como a “chaveia” e a
“cascuda” (“sardinha”) para pegar os seguintes peixes: “cavala”, “dourado”, “atum”,
“sororoca”. Este tipo de pesca acontece normalmente durante os meses de janeiro,
fevereiro e março, quando a água encontra-se clara.
Na “pescaria-de-duro” (ou “de Fundo” = “Fundiada”), com a embarcação parada, os
pescadores amarram o náilon no corrimão e esperam o peixe fisgar a isca, e ao puxá-la faz
um “barulho diferente”. O aviamento do fio de náilon varia de acordo com o horário da
pesca, pois de dia eles utilizam um aviamento mais fino do que à noite quando o mar
parece ficar mais “violento”, por isso os pescadores colocam uma isca maior e um
aviamento mais resistente. “De dia bota o náilon (um aviamento) de 70, 80 ou 90. De noite
você já vai com 100/120” (seu Isaías). Junto com o aviamento os pescadores utilizam uma
chumbada na ponta do nailon para a isca descer para o fundo do oceano. Segundo os
pescadores na vila é melhor pescar de linha durante o verão quando a maré encontra-se
calma. A isca é o camarão. Segundo os pescadores, é necessário “engodar” o lugar,
jogando cabeças de camarão na água, onde se está fundiando. Esta arte de pesca é bastante
utilizada durante o inverno para pescar “badejo”, “sioba”, “ariocó”, “garopa”,
“chumberga”.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Numa entrevista com seu Isaías (pescador e dono de um Kiosk Bar em Garapuá) e sua
esposa, que sai junto com ele para a pescaria – ,me descreveram como acontece a pesca de
linha, o momento que o peixe fisga a isca e a hora exata de retirar o peixe da água. Um
trecho desta entrevista segue logo abaixo:
“Você dá uma braça ou dois de nylon a ele, aí você pega. Ele vem todo molinho. Quando vai chegando perto dos pés que ele percebe que você vai tirar ele de dentro da
água , ai ele corre ai você folga se não ele estora na sua mão. Aí você solta o nylon e faz vontade a ele. Você tá dando tempo dele se cansar .Quando você puxa ele novamente aí
ele já vem fraco. Não reage mais na sua mão.” (seu Isaías)
Todas essas artes de pesca com linha pegam peixes diferentes, poucas vezes o pescado é o
mesmo, porque, como diz seu Cantor, “os peixes que dá no verão não são os mesmos que
dá no inverno, porque a arribação deles é no verão. São peixes de água clara”.
9.6 “JIQUI”
Mesmo não sendo uma arte de pesca utilizada para a captura dos organismos visados pelo
projeto Gestão dos Recursos Ambientais do Município de Cairu –Ba, o “jiqui”, uma
armadilha, é bastante interessante pois a sua fabricação e utilização fazem parte da cultura
popular da vila, misturando artesanato e técnica de pesca.
O “jiqui’ é uma armadilha, utilizada na pesca do caramuru, feita de palha de cana-brava,
trabalhada e estruturada para apreender o caramuru (Figura 24). Para iniciar a pesca é
preciso armar a armadilha, colocando a isca no interior do ‘jiqui”. Geralmente é usado
como isca os peixes preferidos do caramuru, os “peixes brancos”, isto é, sem nenhuma
coloração. Os peixes mais encontrados na “barriga” do caramuru são peixes como “boca-
torta”, “peixe-galo”, “cavala”, “carapitanga”, “moreatim”, “barbeiro” e “cambuba”.
A época mais adequada para colocar o jiqui no mar é durante o verão com a maré vaza,
pois é uma armadilha muito frágil para ser colocada durante o inverno e suportar a
“violência” do mar nesse período, devido a presença de ventos fortes. Os pescadores dizem
que “Quando tá manso bota bem por fora da quebrança. Quando bota por terra, que tá
mais explorando, dá menos” (Ouriço), pois, segundo eles, o caramuru raramente entra no
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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jiqui, caso este se encontre sobre os arrecifes – “Em cima da pedra o caramuru entra mas é
mais difícil” (seu Dida). O caramuru entra pela sangra da armadilha para comer a isca e
não consegue sair sozinho. “Sangra” é a “boca” do “jiqui”, uma armação das palhas que
deixa o caramuru entrar, porém não permite a sua saída. Por fim, os pescadores recolhem,
a armadilha e com a ajuda de um facão retiram o animal de dentro dela, batendo com o
mesmo na sua cabeça até que ele morra. Depois de morto, o animal é colocado no
“samburá” e levado para a Vila.
Figura 24: Valtinho e Ouriço, mostrando um “jiqui”.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
82
9.7. “GROSEIRA” (ou “Espinhel” ) É uma corda em que são colocados vários anzóis pequenos (nº8) de forma espaçada, em
torno de uma braça e meia de um anzol para o outro (Figura 25). Serve para a captura de
peixes grandes e pequenos, sendo que os menores chegam a pesar até meio quilo, inclusive
cação. No caso da pesca do cação, recomendado a utilização um tipo de aviamento e anzol
mais resistente, devido a força desse animal. A groseira é colocada “Lá fora”, com 28 a 30
braças de profundidade. Assim que é colocada no mar a corda vai direto para o fundo,
descendo anzol por anzol de forma ordenada. A corda desce até o fundo pela presença de
chumbadas amarradas a esta. Ela fica solta no fundo e pedaços de isopor na sua parte
superior, para servir de marcação. Os pescadores ainda colocam um galho de árvore do
manguezal ou uma bóia, chamada de baliza, para marcar o local onde a rede foi deixada
Esta arte é utilizada geralmente durante o verão, na pesca de peixes como “sioba”,
“dentão”, “cação”, “badejo” e “ariocó”.
Figura 25: Groseira (ou Espinhel)
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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9.8. FACHO Facho é uma técnica de pesca da lagosta, realizada nas “noite de escuro ou sem lua”,como
costumam dizer, isto é, nas noites em que a lua se encontra na fase nova ou minguante e
com a maré vazia. Para fachear é utilizado uma lata de tamanho razoável (lata de
alumínio), cheia de óleo de barco, com um furo na tampa e um chumaço de pano saindo
(parecendo um candeeiro - CAROUCHA), com um aparador, para proteção, e um cabo de
madeira (Figura 26). Tadeu, o melhor pescador de lagosta da vila de Garapuá, diz que
enche a lata de óleo antes de sair e leva uma garrafa de água mineral cheia de óleo de
reserva. Segundo ele, a lata cheia dura uma hora a depender da intensidade dos ventos. O
local mais utilizado para esta arte (fachear) é na Ilha Grande do Norte. Para facilitar o
facho, Tadeu leva com ele um samburá e um bicheiro (material pontiagudo de ferro com
um cabo de madeira, utilizado também na pesca do polvo e do “caramuru” – a moréia).
Esta arte geralmente acontece da Ilha Grande do Norte até a coroa de areia e, afirmam os
pescadores entrevistados, que durante a pesca de facho “Se pega mais lagosta vermelha”
(Tadeu). Para facilitar o deslocamento sobre o arrecife e para a sua proteção, ele usa
conturnos (botas); um par de luvas e casaco, por causa do frio que faz nos arrecifes durante
a noite. Para pegar lagostas durante o facho, é necessário caminhar até o local onde a maré
“bate” nos arrecifes. Durante o facho, no arrecife, é possível observar vários peixinhos
pulando, que segundo Tadeu, são “agulhões” e “filhotes de tainha”. Tadeu diz que o
fachear é uma arte muito perigosa, pois tem que andar sobre o arrecife com atenção para
não cair em um buraco, no meio da grande escuridão, além do medo de peixes conhecidos
popularmente por “caramuru” e “agulhão”, este último, certa vez, segundo ele, enfiou o
“bico” (a boca comprida, fina e cheia de dentes) na perna dele. Mas seu Tadeu confessa
que gosta muito de fachear, pois se sente livre e maravilhado escutando apenas o som do
mar, durante a noite, sobre os arrecifes.
Figura 26: Tadeu com um facho e um samburá – utensílios necessários para pegar lagosta em “noite de
escuro”.
“Se pega mais lagosta vermelha” - no facho. “É difícil andar por cima dos arrecifes, tem
que ter muito cuidado”(Tadeu)
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10. QUADRO SINTÉTICO DAS CATEGORIAS DE PESCA EM GARAPUÁ
Na Vila de Garapuá, cada tipo de pesca citado pelos pescadores e marisqueiras está associada a um local específico. Para facilitar o entendimento sobre esses tipos de pesca, foi realizada a seguinte categorização:
ÉPOCA
De inverno De verão
AMBIENTE
Lá fora (da enseada) Enseada Pesca de arrecife Pesca de mangue
ARTE
Jiqui Groseira Calão Arrasto Facho Tarrafa De linha - Corso e Duro Mergulho
PESQUEIRO
Pesca de buraco Canal
PESCADO
Pesca da lambreta Pesca do caranguejo Pesca do polvo Pesca da lagosta Pesca do peixe Pesca do camarão
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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11. CICLOS TEMPORAIS
Os pescadores artesanais vivem sob a freqüência dos ciclos naturais, que determinam os períodos de aparecimento de certas espécies
de pescado, bem como dependem muito fortemente das marés, e condições do mar. Daí, como em todos os países do mundo, a pesca artesanal
ser uma atividade cíclica com períodos de maior ou menor intensidade de trabalho, com horas de espera e horas de extenuante esforço físico (Diegues,1994).
Os pescadores da vila de Garapuá vivem sob a influência dos ciclos naturais ou ciclos do
tempo, que são definidores da pescaria local. Os ciclos dos fenômenos naturais que
definem a temporalidade da pescaria na vila de Garapuá são percebidos pela população por
determinarem horários de pesca e a disponibilidade de certos tipos de pescado, o que
constantemente modifica a rotina dos moradores da vila. Foram constatados quatro ciclos
atuando de forma entrelaçada e específica nos diferentes tipos de pesca e pescado: Sazonal,
Lunar, Diário (ou solar) e de Marés, apresentados em ordem decrescente de amplitude de
atuação. O ciclo sazonal engloba todos os demais e a atuação dos ciclos vai afunilando-se
até o ciclo de marés, que atua de forma mais direta e intensa na vida dos pescadores e das
marisqueiras da vila de Garapuá (Figura 27).
Figura 27: Os ciclos temporais.
SAZONAL
LUNAR
DIÁRIO
MARÉS
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“O movimento diário das marés, as fases da lua, a presença de mosquitos, o
comportamento de cada animal a ser capturado influenciam na estratégia e no tempo de
trabalho dessas pessoas” (Reitermajer, 1996).
A pesca em Garapuá depende predominantemente da maré, pois, “as marés são o principal
mecanismo de penetração das águas salinas nos manguezais’ (Schaeffer-Novelli, 1995).
Essas inundações que se repetem em intervalos de tempo regulares determinam o horário
da pesca. A dinâmica das marés promove a circulação dos nutrientes para todas as espécies
marinhas que eventualmente circulam ou se estabelecem no manguezal além de determinar
o tempo de pesca neste ambiente e, conseqüentemente, se há uma boa oferta de alimento, a
procura também será grande. Talvez seja por isso que, durante a maré de vazante, um
maior número de organismos sai à procura de alimento e de águas calmas, tornando-se
presas fáceis para predadores como o homem. As marés determinam o horário da pesca na
vila de Garapuá e, portanto, toda a atividade pesqueira da vila gira em torno do movimento
das marés. Pescadores e marisqueiras de Garapuá só se deslocam até o seu ambiente de
“trabalho” quando a maré se encontra baixa, como relata seu Agenor, o melhor catador de
caranguejo da vila: “Ficamos no mangue até o retorno da maré. Então quando a maré vier
enchendo nós vem embora”. Assim, “o espaço marítimo se apresenta não como simples
suporte passivo em que o pescador desenvolve sua atividade, mas como marco da ação
espacial-temporal, de resposta comportamentais aos problemas gerados pelo ambiente”
(Allut, 2000). Os pescadores percebem, entendem e acompanham as modificações que
ocorrem constantemente na vila em função dos ciclos naturais. “Conhecem a influência da
lua na maré e no comportamento, reprodução e alimentação dos animais, sustentabilidade e
equilíbrio dos manguezais” (Reitermajer, 1996) e dos demais ambientes estudados. Outro
exemplo da percepção dos ciclos pelos pescadores é em relação a pesca do caranguejo
quando eles dizem que:
“Ele anda 3 dias pós a cabeça d’água de janeiro, fevereiro, março e abril” (seu Agenor).
Os pescadores conhecem e entendem toda a dinâmica dos organismos importantes
economicamente para eles. Assim, o espaço marítimo se apresenta não como simples
suporte passivo em que o pescador desenvolve sua atividade, mas como marco da ação
espaço-temporal, de respostas comportamentais aos problemas gerados pelo ambiente.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
87
Dito de outra forma, “a necessidade, do pescador, de conhecer a dinâmica desse espaço,
supõe em última instância uma prática de subsistência que serve tanto para aumentar a
segurança física num meio perigoso como para administrar os recursos que nele se
encontram e que são imprescindíveis para sua alimentação” (Diegues, 2000). É incrível
como eles percebem a dinâmica de cada organismo e a relação íntima deste com o meio
natural, variáveis ambientais e as estações do ano. Os pescadores reconhecem a época de
cada etapa de vida do animal, principalmente a época de reprodução. Os pescadores, por
exemplo, sabem que a lagosta lá fora, só “arriba” (como eles dizem), isto é, só aparece,
quando dá temporal. À medida que a água vai ficando “mansa” - calma e clara, menos
lagosta são encontradas nas redes colocadas lá fora.
“A pesca artesanal não depende apenas da posse de condições materiais à sua realização. O
ato do saber-pescar envolve um conjunto de conhecimentos, experiências e códigos
culturais transmitidos de pai para filho, recriado individual ou socialmente, através dos
quais a parceria se realiza” (Cunha, 2000).
Existe ainda uma gama de variáveis que interferem na pesca de forma particular para os
diversos organismos em estudo. Estas variáveis podem atuar de forma favorável ou não na
pesca, no tipo arte a ser utilizada e na dinâmica dos organismos no meio natural. A pesca
só terá um sucesso na produção, quando realizada com respeito aos fenômenos naturais.
“Com uma atividade eminentemente irregular, o pescador tem sobre ela pouco controle,
estando em direta dependência da natureza, (...) fenômenos naturais (grifo meu) – ventos,
chuvas, marés – e do próprio ciclo de reprodução e migração dos peixes” (Cunha, 2000).
No momento em que ocorre o entendimento dos processos naturais, a vida dos moradores
da vila começa a gira em torno de fenômenos naturais que estabelecem regras para a rotina
local.
Assim, Diegues (1983) afirma que “a mobilidade dos recursos pesqueiros no ecossistema
marinho marcado pela complexidade dos fenômenos naturais é, em grande parte,
responsável pela imprevisibilidade de captura com reflexos imediatos na própria
organização da produção e do mercado”.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Um aspecto importante é existência de sistemas de manejo dos recursos naturais marcados
pelo respeito aos ciclos naturais, à sua exploração dentro da capacidade de recuperação das
espécies de animais que mais explorados pela população local. Esse sistema tradicional de
manejo é uma forma de exploração econômica dos recursos naturais. Lembrando sempre
que esse sistema de manejo é resultante de um complexo conhecimento e a crenças (mito e
símbolos), adquiridos e herdados dos moradores mais velhos (os mestres), que levam ao
uso sustentado dos ecossistemas naturais.
“No campo de saberes tradicionais, ainda que não seja possível a diferentes grupos explicar
uma série de fenômenos observados, a ações práticas respondem por um entendimento
formulado na experiência das relações com a natureza, informando o processo de
acumulação de conhecimento através das gerações” (Castro, 2000).
A essência da pesca em Garapuá é, portanto, um conjunto de conhecimentos do meio
natural e dos fenômenos atuantes. A etnoecologia, como já foi dito anteriormente, estuda
exatamente as percepções e os conhecimentos sobre a natureza buscando compreender as
práticas de manejo dos recursos naturais de comunidades tradicionais. Portanto, esse
estudo, interpreta o conhecimento dos pescadores locais e sua prática produtiva, ficando
registrado a diversidade cultural e servindo de base para plano de manejo ambiental.
“Nesse sentido, os ritmos temporais presentes na pesca artesanal implicam entender a
forma como os homens se inter-relacionam, entre si e, especificamente, com o ecossistema
marinho, como um ecossistema próprio” (Cunha, 2000). Portanto, os saberes sobre a
natureza das populações locais são de suma importância para a valorização do
conhecimento etnoecológico das mesmas e para a administração dos recursos naturais de
forma adequada.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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12. CONCLUSÃO
A comunidade de pescadores da vila de Garapuá apresenta um conhecimento sobre toda a
dinâmica dos diversos organismos encontrados nos arredores da vila, principalmente os
que sustentam financeiramente a vila. Além disso, eles reconhecem que a demanda desses
recursos está diminuindo, e como diz Albuquerque (1991), “A humanidade precisa
conscientizar-se cada vez mais da necessidade de preservação dos ambientes naturais,
como forma de garantir a sobrevivência das espécies vivas, inclusive a nossa”.
Nesta pesquisa, foi registrado o conhecimento dos especialistas locais sobre os ambientes,
os artefatos e os pescados. Eles elaboram práticas produtivas e planos de manejo
adequados. Além disso, foram registradas técnicas de manejo específico para cada
ambiente e organismo. Os especialistas locais conhecem e relatam os ciclos temporais,
determinados por fenômenos naturais que interferem na pesca e sobre os organismos alvos
do “Projeto de Gestão Ambiental – Garapuá/BA”. Ficou constatada, também, a ocorrência
de diversos impactos ambientais resultantes de determinadas artes de pesca e da grande
extração, principalmente na época da reprodução, dos organismos que sustentam
financeiramente a vila. Um dos impactos registrados é resultante do uso intensivo do
arrastão, o qual pode ser diminuído pela utilização de técnicas modernas que evitem o
desgaste ambiental. Porém uma nova técnica está sendo implantada na vila com o apoio da
“Associação de Moradores e Amigos de Garapuá – AMAGA”, que é o cultivo de
camarões em gaiolas, um dos objetivos do “Projeto de Gestão dos Recursos Ambientais do
Município de Cairú/BA”. Essa alternativa já foi implantada, via outro projeto, e que se
encontram em testes em outras duas vilas - Barra dos Carvalhos e Taperoá, que se
encontram no litoral sul da Bahia, próximo a Garapuá
Todos esses aspectos são utilizados para provar a importância das investigações
etnobiológicas e etnoecológicas, e para realçar a necessidade de combinar modernas
tecnologias, oriundas de estudos científicos, com uma abordagem participativa que envolva
a comunidade local e o conhecimento ecológico tradicional como uma ferramenta
essencial para a localizar e resolver problemas ambientais.
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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É importante ressaltar que a interação desse conhecimento tradicional com o conhecimento
acadêmico se apresentou como fundamental para o entendimento da dinâmica do meio
ambiente e do desgaste que os diferentes ecossistemas tem sofrido, devido à utilização
indiscriminada dos recursos naturais, bem como as alternativas possíveis ao referido
problema, considerando, em primeira instância a sobrevivência humana.
“Deste modo, a própria preservação do ambiente e da cultura local requer um diálogo entre
duas manifestações culturais distintas, uma resultante da cultura acadêmica e científica, e
outra referente a uma cultura tradicional sujeita a um processo crescente de degradação”
(Rêgo, 1994).
Assim, o estudo dos conhecimentos e práticas de manejo das populações locais é de suma
importância para a valorização dos saberes e para a administração dos recursos naturais de
forma culturalmente e ecologicamente adequada.
De acordo com o relato dos especialistas, com os quais foi trabalhado, constatou-se que o
conhecimento da pesca e dos ecossistemas aqui descritos, passado normalmente de pai
para filho, está diminuindo. Um exemplo disso é o conhecimento dos mestres de barco,
que, a cada dia, menos mestres tem aparecido com a habilidade e sabedoria para marcar os
pesqueiros. As crianças de Garapuá, inclusive os filhos dos mestres, não apresentam
interesse em aprender esse ofício. Assim reduzem as alternativas de pesqueiros, pois são os
mestres que sabem navegar “lá fora”, ficando os novos pescadores, portanto, “pescando em
terra”, como eles dizem, pescando apenas na enseada, nos arrecifes e manguezais da vila.
Assim, toda a informação e conhecimento dos pescadores e marisqueiras de Garapuá
devem ser registrados para o futuro, nunca deixando que essa cultura se perca diante das
modernas técnicas e informações científicas.
Este estudo abriu novas perspectivas de linhas de trabalho que podem ser realizadas com
apoio da cooperativa de pescadores e com a Associação de Moradores e Amigos de
Garapuá (AMAGA). Com base neste estudo é possível propor alguns trabalhos que são
interessantes economicamente para a vila, sem causar nenhuma desordem no meio
ambiente. Um exemplo é a criação de uma escola de artesanato, já que a vila possui alguns
especialistas e muita matéria prima para ser trabalhada. Dessa forma, o conhecimento
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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tradicional e suas crenças sobre os recursos naturais também vão sendo protegidos dos
avanços tecnológicos. Outra proposta de estudo, é aprofundar este estudo, nesta mesma
linha de pesquisa – Etnoecologia, porém registrando mais detalhadamente o conhecimento
dos especialistas, a respeito da atuação das variáveis ambientais na pesca local.
13. GLOSSÁRIO Abafado = manguezal
Amorda = (cede, amolece) largando um casco – de dois casco.
Andada = época em que os caranguejos-fêmea saem de suas “tocas”
Apicum = Parte mais alta do mangue, terra firme, onde fica o guaiamú/ Supralitoral.
Atolar = afundar
Badajó = Lama fina que fica por cima do arrecife.
Baliza = vara com folhas na ponta (galho) utilizado para marcar pesqueiro.
Barco de largo = quando o barco fica preso só de proa
Barco de vela de pena = ver barco peneiro
Barco peneiro = barco à vela, não motorizado
Barra = entrada da enseada que não possui “pedra” (arrecife)
Berada = fim da plataforma continental
Bicheiro = utensílio de pegar polvo e lagosta, com uma ponta de ferro e um cabo de
madeira.
Bitola = tamanho
Bugi = “manguezinho que não cresce”, árvore de mangue miúdo.
Buzano = poliqueta que fura o fundo dos barcos
Cabeça d’água = Maré de maior amplitude do mês. Primeiro dia após a lua cheia ou lua
nova.
Calão = Tipo de pesca
Camboa = armadilha do rio para camarão e peixe.
Capêlo = cabeça do polvo
Caramuru = moréia
Catita = fêmea do caranguejo
Catita boca grossa = tem uma garra grande e outra menor
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Catita boca igual = as duas garras são do mesmo tamanho
Coroa = banco de areia
Coroque = artefato de pesca utilizado para puxar o peixe grande para dentro do barco
Desmalhar = tirar o peixe da rede
Embirici = pedaço de arame comprido, onde os polvos são presos, para serem levados para
casa.
Escabriada = envergonhada, com vergonha.
Espinhel = Groseira.
Facho = candieiro à óleo
Furna = buraco no arrecife
Giqui = armadilha de pegar caramuru
Groseira = Tipo de pesca
Isquil = comprido
Lamarão = área do manguezal só com lama, sem vegetação
Lamarão = grande área de lama
Lambreta = parte comestível do molusco bivalvo Lucina pectinata
Levadiu = movimento sincrônico (vai-vem) do mar na praia.
Mague do Quadro = manguezal localizado ao sul da vila, próximo a uma fazenda chamada
de Quadro.
Mansuar = arte de pesca
Maré pro rio = maré calma
Maré de lançamento = maré crescendo
Maré igual = Quando a maré começa a “quebrar” e vai tornado-se morta
Maré morta = quando a maré não enche nem vaza muito. Quadratura.
Maresia = odor, cheiro, (engodo = muco)
Mariscar = tirar rede, catar (pescar) marisco
Medonho = grande
Miroró = “moréia” do rio, raramente dá no mar. Cor dourado, com umas barbatanas para
fora.
Moderno = Jovem
Morão = cesto que fica dentro do mar e conserva a lambreta que pega até umas 400/500
dúzias.
Ofender = atacar
ETNOECOLOGIA DOS PESCADORES E MARISQUEIRAS DA VILA DE GARAPUÁ/BA
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Panacum = cesto (Samburá)
Pata-choca = fêmea do guaiamú.
Pêia = instrumento de subir no coqueiro para tirar côco
Peixe = filé (parte comestível)
Pendão = semente das árvores de mangue.
Pernada = rio (ou canal) por onde entra para trabalhar no manguezal
Pichi = petróleo
Pico-pico = raízes respiratórias da Avicenia sp.(espécie vegetal comum nos manguezais)
Polvo atar = Polvo fora de “casa”. Saiu para comer
Preamar = Maré grande. Maré de Sigígia.
Puan = garra.
Quebrança = extremidade do arrecife onde a maré bate (quebra)
Quisuqui (ou vaca d’água) = lesma
Quizanga = raízes das árvores do mangue
Rasgadio = o mar entrando na enseada na forma de ondas
Safra = grande quantidade
Salambi = concha do molusco bivalvo Lucina pectinata (linguagem antiga da vila)
Samburá = Cesto de palha
Sangra = entrada (boca) do jiqui e do mansuá
Sapata = base de cimento, para a construção de casa
Sapupa = ova de caranguejo
Saputuna = tinta que o polvo libera
Sarará = caranguejo pequeno, de areia.
Siriíba = Nome do mangue que fica em “Canal Novo”, e que tem as pontas das raízes para
fora.
Sucuabo = corda de cima da groseira
Surrado = lugar onde os pescadores já colocaram muitas redes
Tarrafa = Tipo de pesca
Tati = corais fracos no meio do arrecife
Vaca d’água = ver quisuqui
Varal = cesto onde se coloca as lambretas conservando-as até o dia de vender – Morão
Veia da água = corrente marítima
Vento mareiro = vento calmo, que limpa a água.
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Vingar = dar resultado.
Viração atravessada = tipo de vento que vem do leste.
Vó do polvo = Ofiúro
Zuadeiro = barulho.
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* SITES CONSULTADOS:
www.apatinhareboipeba.hpg.ig.com.br/ciencia_e_educacao/6/index_int_2.html www.guarapuá.ufba.br