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Trabalho de conclusão do curso de Políticas Públicas da UFRGS. 2015.
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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
GIORDANO BENITES TRONCO
LINHAS DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA: ANÁLISE CRÍTICA E
PROPOSTA DE ALTERNATIVA
Porto Alegre
2015
2
GIORDANO BENITES TRONCO
LINHAS DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA: ANÁLISE CRÍTICA E
PROPOSTA DE ALTERNATIVA
Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Políticas Públicas pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Orientador: Marília P. Ramos
Porto Alegre
2015
3
GIORDANO BENITES TRONCO
LINHAS DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA: ANÁLISE CRÍTICA E
PROPOSTA DE ALTERNATIVA
Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção de graduação do Curso de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Aprovada em:______de________________________de__________.
BANCA EXAMINADORA:
_________________________________________________________ Profª. Dra. Marília Patta Ramos
__________________________________________________________ Profª. Dra. Letícia Maria Schabbach
__________________________________________________________ Profª. Dra. ????????????
Porto Alegre
2015
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao CEGOV por ter me dado a oportunidade de trabalhar com
Políticas Públicas e por ter me proporcionado o primeiro contato com o tema da
minha monografia. Dentro da equipe, agradeço em especial: à Aline Hellmann,
por ter me ajudado prontamente com indicações de bibliografia sempre que eu
requisitei, e por ter sido uma ótima coordenadora nesses últimos dois anos e
meio; à Ana Júlia Possamai, por ter acreditado em mim e me dado a
oportunidade de trabalhar no CEGOV; e a Bruno Sivelli, companheiro de
discussões sobre os assuntos deste trabalho e de tantos outros assuntos mais.
5
O maior dos males e o pior dos crimes é a pobreza.
- George Bernard Shaw
6
RESUMO
O presente trabalho critica a metodologia de medição da pobreza
empregada pelo Governo Federal no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria. O
governo estabelece uma linha de R$ 77,00 per capita para definir famílias em
condição de extrema pobreza e outra de R$ 154,00 para definir famílias em
pobreza. Esses valores, inicialmente embasados na linha de extrema pobreza
internacional do Banco Mundial e na linha de operacionalização do Programa
Bolsa Família, não possuem critérios fixos de atualização e são invariáveis entre
as diferentes regiões brasileiras, zonas urbanas e rurais. A essa metodologia é
contraposta outra, da economista Sonia Rocha, que estabelece linhas de
pobreza regionalizadas e indexadas aos valores de cestas de consumo
observadas nas diferentes regiões do país. Os resultados das duas medições
são comparados, mostrando que as linhas do PBSM são incapazes de captar
13,7 milhões de brasileiros que vivem em situação de pobreza. É sugerida, para
o aperfeiçoamento da medição do governo, a regionalização das linhas e a sua
indexação ao preço de cestas de consumo regionais.
ABSTRACT
This paper criticizes the methodology of poverty measuring used by the
Brazilian Federal Government in Plano Brasil Sem Miséria. The government
establishes a line of R$ 77,00 per capita for the targeting of extremely poor
families and another one of R$ 154,00 per capita to target poor families. These
values, which originally were based in the World Bank’s international extreme
poverty line and Programa Bolsa Família’s operationalization line, have no fixed
rules for updating and are the same to all Brazilian regions, urban and rural
zones. We oppose this methodology with another one, developed by economist
Sonia Rocha, whom established regionalized poverty lines with values indexed
in regionally consumed baskets of goods. The results of both methodologies are
compared, showing that Brasil Sem Miséria’s lines are incapable of perceiving
13,7 million of Brazilians as poor. For the improvement of the government’s
poverty measuring methodology, we suggest the regionalization of its poverty
line’s values and the indexation with the price of regional baskets of goods.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 8
1. FOCALIZAÇÃO DE POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA .......................... 11
1.1. PROGRAMAS FOCALIZADOS VERSUS PROGRAMAS UNIVERSAIS ....... 11
1.2. MÉTODOS DE FOCALIZAÇÃO .................................................................... 18
1.3. LINHAS DE POBREZA NA FOCALIZAÇÃO E MONITORAMENTO DE
PROGRAMAS ......................................................................................................... 21
2. CONCEITOS SOBRE A MEDIÇÃO DA POBREZA ............................................ 24
2.1. DEFINIÇÃO DE POBREZA E ESTRATÉGIAS DE MEDIÇÃO ...................... 24
2.2. CALCULANDO A LINHA DE INDIGÊNCIA ................................................... 28
2.3. CALCULANDO A DESPESA NÃO-ALIMENTAR E A LINHA DE POBREZA 32
3. LINHAS DE MEDIÇÃO DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA ..... 36
3.1. O PLANO BRASIL SEM MISÉRIA ................................................................ 36
3.2. A LINHA DO PBMS E AS LINHAS REGIONALIZADAS DE ROCHA ............ 39
3.3. O BANCO MUNDIAL E O DOLLAR A DAY .................................................. 42
3.4. RELAÇÃO ENTRE AS LINHAS DO PBSM E O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA .................................................................................................................. 44
4. COMPARAÇÕES ENTRE AS MEDIÇÕES DE POBREZA DO MDS E DE ROCHA
50
CONCLUSÃO............................................................................................................. 60
ANEXOS .................................................................................................................... 68
ANEXO A: INDICADORES DE INDIGÊNCIA (ROCHA) / EXTREMA POBREZA
(GOVERNO FEDERAL) SEGUNDO REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO E
ESTRATOS DE RESIDÊNCIA – PNAD 2013 .......................................................... 68
ANEXO B: INDICADORES DE POBREZA (ROCHA/GOVERNO FEDERAL)
SEGUNDO REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO E ESTRATOS DE
RESIDÊNCIA – PNAD 2013 .................................................................................... 73
ANEXO C: TAXA DE URBANIZAÇÃO SEGUNDO UNIDADE FEDERATIVA .......... 78
ANEXO D: LINHAS DE INDIGÊNCIA E LINHAS DE POBREZA DE ROCHA PARA
OS ANOS DE 2011 E 2013 ..................................................................................... 80
8
INTRODUÇÃO
Em 2011 o Governo Federal lançou o Plano Brasil Sem Miséria (PBSM),
planejamento que articula vários programas já existentes e outros novos em
torno do objetivo de erradicar a extrema pobreza no Brasil. Para isso, fez-se
necessário estabelecer uma linha oficial para determinar quem era, de fato,
pobre. O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),
encarregado da tarefa, estabeleceu o ponto de corte de R$ 70,00 per capita para
definir famílias em situação de extrema pobreza e o dobro desse valor (R$
140,00) para a pobreza. Foi a primeira vez que o Governo Federal estabeleceu
uma linha oficial de pobreza no Brasil: anteriormente, cada programa trazia sua
própria linha de operacionalização, e mesmo em estudos técnicos os critérios
para definir o que era pobreza variavam de pesquisa para pesquisa.
Três características chamam atenção na escolha do MDS: uma é a
semelhança da linha de extrema pobreza com a linha de operacionalização do
Programa Bolsa Família (ambas têm o mesmo valor), já usada antes do PBSM.
O uso do mesmo valor facilita a instrumentalização do Bolsa Família aos
objetivos do plano, ou, de outro ponto de vista, a instrumentalização do plano
para funcionar de acordo com o programa já existente. Outra característica que
chama atenção é a ausência de dispositivos de correção do valor da linha do
PBSM ao longo dos anos. Não há correção anual baseada na inflação ou em
outros critérios; a atualização é condicionada à disponibilidade orçamentária e à
boa-vontade do governo. Em 2014, quase quatro anos após o início do PBSM,
as linhas de pobreza e extrema pobreza foram reajustadas pela primeira vez, em
10%.
Além da inflação anual, as linhas do PBSM não levam em conta as
diferenças regionais da pobreza no Brasil. Há apenas um valor, válido para todo
o território brasileiro, não importando as diferenças entre zonas rurais e urbanas,
regiões metropolitanas e não-metropolitanas. Outras metodologias, como a
desenvolvida pela economista Sonia Rocha, pesquisadora do Instituto de
Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), trabalham com a medição da pobreza
a partir das necessidades mínimas alimentares e não-alimentares dos indivíduos
e do seu atendimento pela via do mercado. Em outras palavras, linhas de
pobreza como as de Sonia Rocha são sensíveis às diferenças nos custos de
9
vida de região para região. Desse modo, são geradas várias linhas de pobreza,
compatíveis com as diferenças regionais no custo de vida dos brasileiros.
Neste trabalho, analisamos o funcionamento da linha de pobreza e de
extrema pobreza do PBSM e a sua utilidade para as políticas públicas brasileiras
de combate à miséria. Nosso objetivo é identificar fraquezas nessa metodologia,
partindo da hipótese de que uma linha única é menos eficaz na medição da
pobreza do que várias linhas regionalizadas e com critérios claros de
atualização, que preservem o seu poder de sintetizar a realidade social. Para
isso, compararemos os resultados da contagem de pobres e indigentes no Brasil
utilizando linhas regionalizadas e não-regionalizadas, de forma a evidenciar que
o uso de uma linha única resulta em contagens muito inferiores às de linhas
regionalizadas.
Linhas de pobreza têm dois usos principais: um deles é o monitoramento
de programas, de modo a verificar como os programas sociais impactam na
redução do número de pobres. O outro é a focalização do público-alvo de tais
iniciativas. O primeiro capítulo discute a importância da focalização em
programas sociais, bem como suas possíveis desvantagens ante a opção por
um atendimento universalista, que por vezes é mais bem-sucedido em atingir a
população vulnerável do que uma política especialmente voltada para esta. O
primeiro capítulo também aborda o uso de linhas de pobreza na formulação de
indicadores para o monitoramento de programas. No segundo capítulo,
explicamos passo a passo a construção de linhas de pobreza a partir do
consumo observado das famílias. Trata-se da técnica mais usada para a
construção de linhas de pobreza absoluta. Embora a linha do PBSM não utilize
diretamente essa metodologia, é importante explicar como ela funciona para que
comparações possam ser feitas entre este procedimento padrão e a metodologia
do MDS.
O terceiro capítulo adentra na história da formulação da linha de extrema
pobreza do PBSM e apresenta os argumentos do MDS para a escolha da
metodologia. Identificamos problemas em todos os pontos apresentados como
justificativa para a adoção do valor inicial de R$ 70,00 da linha, e apresentamos
nossos argumentos no espaço desse capítulo. O capítulo seguinte compara os
resultados da contagem de pobres no Brasil segundo as linhas do PBSM e as
de Sonia Rocha, que representam, nesta pesquisa, o contraponto da
10
metodologia clássica de medição da pobreza à metodologia do MDS. A
metodologia clássica aprofunda-se nas diferenças regionais da pobreza no país,
sendo, portanto, mais sensível, a ponto de captar, em sua contagem, famílias
que são invisíveis para o PBSM. De fato, os resultados entre as contagens são
díspares, mostrando que as linhas do MDS são incapazes de captar o mesmo
número de pobres e indigentes que uma metodologia regionalizada e baseada
no consumo mínimo observado numa sociedade.
Por fim, a conclusão expõe sugestões para o aperfeiçoamento da
metodologia do MDS e prevê implicações de uma possível alteração na medição
da população pobre sobre o orçamento dos programas de combate à pobreza.
As sugestões podem ser aplicadas num provável novo plano de combate à
miséria pós-PBSM, mas tem boas chances de encontrar resistência política em
tempos de corte de gastos públicos. Como sugestão para contornar esse
problema, é sugerido o cofinanciamento federativo de programas de
transferência de renda, de modo a dividir os custos entre União, estados e
municípios naquelas regiões onde a linha de pobreza for alta demais para a
intervenção do Governo Federal sozinho. Essa complementariedade já vem
acontecendo em alguns estados.
11
FOCALIZAÇÃO DE POLÍTICAS DE COMBATE À POBREZA
1.1. PROGRAMAS FOCALIZADOS VERSUS PROGRAMAS UNIVERSAIS
Ao desenharem políticas, programas e ações que visam combater a
pobreza e a desigualdade social, os formuladores de políticas públicas têm duas
opções: ou podem deixar o benefício aberto a toda a população, originando
políticas universais, ou podem restringi-lo a determinado público, o que é
conhecido na literatura internacional como targeting e chamado no presente
trabalho de “focalização”.
Segundo Coady et al. (2004, p.5), a focalização “é um meio de aumentar
a eficiência de um programa através do aumento de benefício que os pobres
podem receber dentro do orçamento do programa”1. Para Rocha (2013, p.7), “a
questão da mensuração é crucial, pois permite distinguir e dimensionar clientelas
potenciais, assim como vincular conceitos à formulação de programas sociais”.
Ao mensurar o público-alvo, estabelecendo quantos são os indivíduos pobres,
quem são e onde se encontram, o governo pode dimensionar as suas despesas
tendo em vista um número concreto de pessoas a serem atendidas. A iniciativa
se torna mais eficiente2, pois os recursos são empregados somente na
população que realmente necessita deles. O contrário de um programa
focalizado é um programa universal, onde não há critérios de seleção e todas as
pessoas podem requerer o benefício – o que, em teoria, aumenta os custos para
o governo e retira uma parcela dos recursos daqueles que mais necessitam para
dar àqueles que não necessitam de fato deles.
Peguemos o exemplo de um programa de transferência de renda3:
quando ele é universal, seus recursos são divididos entre beneficiários pobres e
não-pobres. O orçamento do programa, como o de qualquer outro, é limitado.
Com mais pessoas para dividir o bolo, as fatias são menores e podem não ser
suficientes para tirar os mais pobres da sua condição de pobreza. Já com a
1 Tradução livre. 2 Eficiência diz respeito à produção de resultados com o dispêndio mínimo de recursos e esforços; eficácia é relativo ao atingimento de resultados desejados de experimentos. (MARINHO e FAÇANHA, 2001, p. 2) 3 “Programas de transferência de renda são sistemas de proteção e assistência social que envolvem repasse de recursos monetários a famílias, indivíduos ou comunidades de recursos escassos, na forma de transferências governamentais. ” (CECHINNI apud NEME et al., 2013)
12
focalização, o mesmo montante de recursos é dividido entre menos
beneficiários. As fatias do bolo são maiores, de modo que mesmo os mais pobres
recebem uma quantidade suficiente de recursos para superar a sua situação,
resultando num número maior de pessoas que ultrapassam a linha da pobreza
a um custo total menor do que o de uma política universal.
A diferença na eficiência (relação custo-benefício) de programas de
transferência de renda universais e focalizados pode ser melhor explicada com
auxílio do seguinte gráfico:
Gráfico 1: Focalização de transferências de alívio à pobreza
Fonte: COADY et al., 2004
O eixo “x” do Gráfico 1 mostra os níveis de consumo de domicílios
individuais antes da aplicação de um programa de transferência de renda,
ordenados do pior (consumo zero) para o melhor. O eixo “y” mostra a renda final
após o programa. O consumo máximo e mínimo verificados são Ymax e Ymin,
respectivamente, e “z” é a linha de pobreza, que marca o ponto abaixo do qual
os domicílios são considerados pobres. Segundo Coady et al. (2004, p. 6), o
esquema de transferência ideal é aquele que atinge somente os domicílios
abaixo da linha “z”, transferindo montantes individuais de renda em tamanho
igual ao que resta para completar o intervalo entre o consumo domiciliar e a linha
de pobreza (intervalo “za”). O resultado de um programa assim é a elevação da
renda de todos os domicílios pobres, de forma que eles ultrapassem a linha de
Renda Final
Renda Original
13
pobreza, sem que a renda dos demais domicílios sofra modificações. O
orçamento mínimo necessário para eliminar a pobreza é determinado pela área
do triângulo zaYmin.
A linha “ce” representa a aplicação de um programa universal de
transferência de renda, onde todas as famílias, pobres ou não, recebem um
montante de recursos equivalente a “t”. Devido ao vazamento de benefícios a
domicílios que não necessitam de auxílio de renda, o orçamento do programa
não é mais suficiente para elevar todos os domicílios acima da linha “z”. Além
disso, alguns domicílios (localizados no intervalo “ba”) recebem transferências
maiores do que o necessário para saírem da pobreza, o que também contribui
para a ineficiência do programa. Essa ineficiência é medida pela área “bade”, e
a pobreza restante após o programa é a área “zcb”.
Parece claro, pela demonstração do Gráfico 1, que um programa
focalizado tem melhores resultados do que um universal. Pesquisas empíricas,
porém, mostram que nem sempre é assim. Em estudo realizado por Coady et al.
(2004), verificou-se que programas focalizados alocavam aproximadamente
25% mais recursos à população pobre do que programas de alocação aleatória;
entretanto, para cada três casos de sucesso analisados, havia um cuja
focalização resultou num resultado regressivo, inferior ao de uma alocação
aleatória de benefícios. Nesses casos, a focalização teve um efeito menos
eficiente do que uma implementação universal teria. Isso acontece quando há
vieses na focalização, ou seja, quando ocorrem complicações na seleção do
público-alvo e o resultado não reflete a população que de fato é a mais
fragilizada, seja por não incluí-la na sua totalidade ou por incluir pessoas que
não necessitariam do programa.
Por que esses vieses acontecem? Mkandawire, um defensor das políticas
universais, sustenta que a focalização, especialmente em países em
desenvolvimento, baseia-se em dados nem sempre confiáveis, o que pode
originar dois problemas: I) a subestimação do número de pobres e II) o
vazamento de benefícios a quem não deveria estar entre o público-alvo.
Segundo o autor,
Muitos estudos mostram claramente que realizar a identificação de pobres com a precisão sugerida pelos modelos teóricos envolve custos administrativos
14
extremamente altos e uma sofisticação e capacidade administrativa que podem simplesmente inexistir em países em desenvolvimento. […] em muitos países, o desmembramento do aparato do Estado o deixou incapaz, sozinho, de fazer uma focalização efetiva no setor social.4 (MKANDAWIRE, 2005, p. 16)
O vazamento de benefícios é chamado de “leakage” na literatura
internacional. Sua consequência é a perda de eficiência do programa, pois os
recursos são gastos com indivíduos não-prioritários, reduzindo o potencial de
atendimento do público-alvo. Já o déficit de cobertura é chamado de
“undercoverage” e faz com que uma parcela da população com o perfil do
programa permaneça sem atendimento. Ambos os problemas têm origem em
falhas de informação no processo de focalização, como o uso de estatísticas
incorretas ou a inclusão de beneficiários fora do perfil do programa por algum
agente de má-fé (como um ator responsável pela focalização que inclui parentes
e amigos entre os beneficiários).
No geral, medidas tomadas para diminuir um desses vieses costumam
aumentar o outro. Endurecer as regras de ingresso ao programa, de modo a
diminuir o vazamento, torna o ingresso mais difícil para pessoas que não
precisam do benefício, mas pode torná-lo também para a população-alvo. Ao
mesmo tempo, aumentar a tolerância da linha de corte do programa para
assegurar uma cobertura maior pode provocar mais vazamentos. Cabe ao
formulador do programa decidir o quanto de cada um desses vieses é tolerável
(COADY et al., 2004, p. 11).
Além da falta de informação, há outros problemas associados à
focalização:
Custos administrativos: Mkandawire lembra que a focalização é uma
atividade cara, representando, em média, 9% dos custos totais dos programas,
podendo chegar até 29% (GROSH, 1994, e GWATKIN, 2000, apud
MKANDAWIRE, 2005, p. 11). Altos custos operacionais com pesquisas, gestão
de cadastros e verificação de critérios de elegibilidade encarecem o processo e
fazem com que a focalização perca um pouco de sua vantagem econômica sobre
o universalismo, ainda mais em países onde a população pobre é escassa, o
4 Tradução livre.
15
que gera o paradoxo “países que precisam de focalização (dado seus recursos
fiscais limitados) não podem implementá-la e países que podem (dada sua
riqueza) não precisam fazê-lo”5 (MKANDAWIRE, 2005, p. 11).
Coady et al. (2004) rebatem a crítica argumentando que o gasto maior é
compensado pela economia no volume de público atendido. Por exemplo:
imaginemos um programa de transferência de renda onde o gasto com coleta de
informação para focalização é de R$ 1 por domicílio, o gasto com custos
administrativos para entrega do benefício é de R$ 5 por domicílio e o valor do
benefício é de R$ 100. Se o programa atender 1 milhão de domicílios, o seu
custo total será de R$ 106 milhões, sendo um pouco menos de 6% destinado às
despesas administrativas. Agora vamos imaginar que a focalização foi refinada,
de modo que a população de domicílios beneficiários foi reduzida para 250 mil e
os gastos com focalização subiram para R$ 5 por domicílio. Nesse caso, o gasto
total com o programa será de R$ 27,5 milhões. Os custos administrativos
subiram para cerca de 10% do gasto total, mas a economia de recursos foi muito
maior do que esse aumento. Com uma população-alvo menor, podemos até
mesmo dobrar o valor do benefício de R$ 100 para R$ 200, e mesmo assim o
gasto será inferior aos R$ 106 milhões anteriores. É claro que essa é uma
simplificação da realidade, mas serve para pensarmos na relação tamanho da
população-alvo versus custo administrativo.
Custos de incentivo (indiretos): beneficiários podem mudar seus
comportamentos para se incluírem como elegíveis a um programa, como no caso
de trabalhadores que se mantêm propositalmente desempregados para receber
recursos da seguridade social. A mudança às vezes é desejável e é parte do
objetivo do programa, como quando as condicionalidades de saúde e educação
de um programa obrigam os participantes a adotarem comportamentos de
interesse do governo. Coady et al. (2004, p. 9) ressaltam que os incentivos
indesejáveis (desemprego voluntário, por exemplo) são pouco relevantes em
programas de renda mínima, onde o benefício é demasiadamente pequeno para
incentivar a manutenção do público na condição de pobreza.
5 Tradução livre.
16
Custo social (estigmatização): a focalização rotula determinados extratos
da população como “pobres”, o que pode levar ao constrangimento e até mesmo
à abdicação do benefício por parte da população apta a recebê-lo.
Custo político: excluir a classe média da elegibilidade ao benefício pode
tornar o programa insustentável politicamente. Por outro lado, a focalização pode
garantir o apoio de parcelas da população que percebam benefícios indiretos na
redução da pobreza (diminuição da criminalidade, sensação de justiça social,
etc.) e, é claro, o apoio da população beneficiária.
Apesar de modelos que comprovam matematicamente as vantagens da
focalização, como o representado no Gráfico 1, Mkandawire (2005) defende que
a escolha pela focalização é uma decisão mais ideológica do que de custo-
benefício. A posição neoliberal adotada por diversos governos a partir dos anos
70 criou um sentimento de restrição orçamentária e uma corrida por eficiência, o
que incentivou o Estado a diminuir gastos e usar o orçamento, agora reduzido,
para atender somente à população pobre. Porém, a restrição orçamentária nem
sempre é um fator exógeno, mas sim um resultado de esforços para limitar a
ação do Estado, “com base na suposição de que é possível atacar a pobreza
com menos dinheiro” (MKANDAWIRE, 2005, p. 2-3).
Para o autor, uma política de transferência de renda universalista
combinada com uma política de taxação progressiva pode gerar uma distribuição
de renda real, pois, ainda que todos os indivíduos recebam o mesmo montante
de recursos, aqueles com maior renda pagarão mais impostos, o que faz com
que a diferença final entre a renda dos extratos econômicos da população caia.
O quadro abaixo exemplifica o efeito de uma política de transferência de renda
universalista, combinada com uma política de taxação de 40% sobre a renda
total de cada extrato econômico:
17
Tabela 1: efeitos de um welfare state redistributivo
Grupo
Renda média
Taxação (40%)
Transferências
Renda após taxação e
transferências
A (20%) 1000 400 240 840 B (20%) 800 320 240 720 C (20%) 600 240 240 600 D (20%) 400 160 240 480 E (20%) 200 80 240 360
Razão entre grupos A e E
5/1 (=1200) (=1200) 2.33/1
Fonte: ROTHSTEIN apud MKANDAWIRE (2005)
No exemplo acima, a sociedade é dividida em cinco extratos de acordo
com a renda média. A todos é disponibilizada a transferência mensal de um
mesmo montante de recursos e uma taxação de 40% em cima da renda média
total. O balanço final após esse processo é a queda da desigualdade de renda
entre os grupos: se antes a renda média do grupo A era cinco vezes maior que
a do grupo E, após as transferências e taxações ela é apenas 2,3 vezes maior.
Ao contrário de uma abordagem focalizada, nessa abordagem universalista não
há o risco de exclusão de beneficiários por undercoverage, pois toda a população
está incluída no programa. A política não incorre no risco de deixar beneficiários
de fora por conta de uma focalização deficiente.
Ainda assim, a solução universalista de Mkandawire exige mais do que
aceitação ideológica para ser implementada. Ela demanda outras coisas
também, como: uma pesada movimentação de recursos, combinada com um
processo de operacionalização maior e mais complexo do que seria necessário
para atender somente à parcela pobre da população; uma adequação do sistema
tributário; e uma economia majoritariamente formal, consequentemente
tributável. Não é o caso da maioria dos países que necessitam de programas
amplos de combate à pobreza. O ponto a ser feito aqui é que, enquanto
programas focalizados têm problemas sérios, como vazamentos e deficiências
de cobertura, a implementação de transferências universalistas pode ser tão ou
mais problemática, pois ela requer uma institucionalização maior da economia
do que a encontrada, por exemplo, no Brasil, onde há um mercado de trabalho
e de produção em grande parte informal e um sistema de taxação regressivo.
18
Sem um sistema de tributação adequado e uma economia majoritariamente
formal, as vantagens do modelo redistributivo universalista se perdem.
1.2. MÉTODOS DE FOCALIZAÇÃO
Fatores como informalidade da economia e reforma tributária fogem do
escopo de poder do formulador de políticas públicas. Já a escolha do método de
focalização é uma variável sob seu controle. Existem várias abordagens
diferentes para o targeting de programas, cada uma com suas vantagens,
desvantagens e contextos de uso. É possível contornar deficiências da
focalização por meio da escolha e combinação adequada dessas abordagens.
Abaixo apresentamos as mais populares:
Avaliação individual (Individual/Household assessment): é um método
onde “um oficial (normalmente um funcionário do governo) acessa diretamente,
domicílio por domicílio ou indivíduo por indivíduo, se o candidato é elegível para
o programa”6 (COADY et al., 2004, p. 13). O procedimento padrão ocorre em
dois passos: primeiro, há a coleta de informações sobre a renda domiciliar dos
candidatos, normalmente por entrevista; depois, essa informação passa por uma
verificação (verified means test) através do cruzamento com fontes de dados
independentes, como registros de impostos sobre propriedade e notas fiscais
(COADY et al., 2004, p. 13). Se as informações baterem com os dados da coleta,
o domicílio está apto a participar do programa.
Obviamente, essa prática não pode existir se não existirem tais registros,
o que coloca em cheque a sua utilização em economias majoritariamente
informais e onde a população possui meios extra-mercado de provisão de bens
(e que não deixam registros). No caso brasileiro, o IBGE realiza pesquisas que
coletam informações sobre a renda domiciliar, como a PNAD e o Censo
Demográfico, e a Receita Federal possui informações sobre os rendimentos
privados, mas a cobertura das informações da Receita sobre a população pobre
é limitada. Na falta de dados de comprovação da renda, outras técnicas podem
ser usadas, como o simple means test (onde a verificação se resume a uma
6 Tradução livre.
19
visita de um assistente social ao domicílio do candidato ao benefício, a fim de
verificar qualitativamente se as suas condições de vida se adequam ao que é
esperado para o público-alvo), verificação por variáveis proxy ou seleção
comunitária.
Verificação por variáveis proxy (proxy means test): constata a
elegibilidade do candidato por meio de indicadores que sejam próximos à
pobreza, como, por exemplo, a conexão do domicílio com a rede elétrica e de
esgoto. As pesquisas para a coleta dessas informações são caras demais para
serem aplicadas a todos os participantes de programas de grande escala, o que
faz com que esse método seja relativamente raro. A solução é trabalhar com
informações autodeclaradas do beneficiário, que depois são parcialmente
verificadas por meio da visita domiciliar de um funcionário do programa ao
domicílio (COADY et al., 2004, p. 14).
Focalização comunitária (community-based targeting): é um meio de
driblar a falta de informações, deixando para lideranças de comunidades locais
a tarefa de selecionar beneficiários. Esse tipo de focalização é usado quando o
governo não dispõe de dados suficientes para localizar, por si só, o público
prioritário em meio à população. A focalização comunitária parte do princípio que
as lideranças comunitárias são capazes de conduzir a seleção por conhecerem
a comunidade “por dentro”. O governo central perde controle sobre o processo
seletivo, mas permanece definindo o quanto de recursos irá para cada
localidade.
Deaton (2004) identifica dois problemas no uso desse método: primeiro,
ela não é aplicável em espaços maiores do que comunidades pequenas, ou seja,
não funciona para a focalização numa cidade de porte médio ou maior, muito
menos num país. O segundo problema se refere ao vazamento proposital de
benefícios. Se os benefícios do programa são grandes, eles se tornam atrativos
para toda a população e há um
[...] incentivo para as pessoas identificarem seus amigos e parentes (ou elas mesmas) como pobres. Similarmente, algumas ONGs descobriram que, se usarem a identificação de pobreza para matricularem indivíduos em programas de
20
emprego ou treinamento, então depois de algumas visitas todo mundo vai ser declarado como “pobre”.7 (DEATON, 2004, p. 2)
Essa observação vai de encontro com a preocupação de Ravallion (2003,
p. 22) sobre a captura do processo de focalização comunitária por elites locais,
que escolhem como classificar a população de acordo com critérios políticos e
não critérios de pobreza. Desse modo, a vantagem informacional obtida com o
uso do conhecimento comunitário local é contrabalanceada com uma perda de
accountability, pois o governo perde o controle sobre os critérios que estão sendo
usados na seleção – ou se eles são manipulados para fins clientelistas.
Comprovações empíricas da funcionalidade da focalização comunitária ainda
são escassas.
Autofocalização (self-targeting): a participação no programa é aberta a
toda a sociedade, mas o programa é desenhado de modo que apenas a
população pobre sinta-se disposta a participar. A autofocalização requer que o
custo percebido de participação seja menor para o pobre do que para o não-
pobre, mas, de qualquer modo, o pobre ainda sofre algum tipo de prejuízo caso
faça a adesão. Exemplos de iniciativas de autofocalização são programas de
promoção de emprego que oferecem vagas de trabalho com remunerações
pouco atrativas, o que faz com que pessoas já empregadas não vejam vantagem
em trocar seus empregos e investir seu tempo nessa iniciativa. Os ganhos dos
participantes pobres nesses programas ficam aquém do desejado, pois se o
programa prover benefícios muito atrativos ele automaticamente atrairá a
parcela não-pobre da população.
Para Mkandawire, políticas com autofocalização promovem a
estigmatização do público atendido, que pode se sentir desconfortável em
participar de tais iniciativas. “[…] como resultado, há altos níveis de não-
participação, com o que indivíduos elegíveis para um benefício ou serviço não o
recebem, ou o recebem parcialmente”8 (MKANDAWIRE, 2005, p. 10).
7 Tradução livre. 8 Idem.
21
Focalização categórica (categorical targeting): o público-alvo é definido
como a população pertencente a uma determinada categoria (de idade, sexo,
região geográfica, etnia, etc.). O objetivo é vincular a elegibilidade ao benefício
a características que sejam “fáceis de observar, difíceis de falsificar e
correlacionadas com pobreza”9 (COADY et al., 2004, p. 14). Como são critérios
muito amplos, a focalização categórica funciona melhor quando combinada com
outras abordagens mais refinadas. A focalização geográfica é uma opção de
combinação comum com outros métodos.
Definir o melhor método de focalização é inútil sem antes conhecer a
realidade local da implementação do programa, o alcance e a qualidade dos
dados disponíveis e o montante de recursos disponível para arcar com os custos
do processo. Como lembra Ravallion:
Evidências recentes sobre a heterogeneidade da performance do mesmo programa em diferentes ambientes, e a falta de heterogeneidade na performance de diferentes programas no mesmo ambiente, apontam para a importância do contexto e a fraqueza das generalizações sobre o que funciona e o que não funciona.10 (RAVALLION, 2003, p. 16)
1.3. LINHAS DE POBREZA NA FOCALIZAÇÃO E MONITORAMENTO DE
PROGRAMAS
Afora a focalização comunitária e a autofocalização, todos os outros
métodos exigem que o governo use algum tipo de critério empírico para definir
quem é elegível ao programa e quem não é. A partir desse critério é feita a
focalização. Nos programas de transferência de renda do Brasil, assim como na
maior parte dos programas sociais daqui e de outros países, a focalização é feita
utilizando-se a variável renda: o governo estabelece um valor de rendimento
monetário abaixo do qual os indivíduos são considerados pobres. Esse valor é a
linha de pobreza.
Segundo o “Compêndio de melhores práticas para medição da pobreza”
do Rio Group, a linha de pobreza é
9 Tradução livre. 10 Idem.
22
[...] Talvez o método mais usado e aquele adotado nas primeiras tentativas de se obter dados quantitativos de pobreza. De acordo com essa aproximação, um domicílio – a unidade geralmente considerada – é classificado como pobre se a sua renda ou despesa é menor que o valor da linha de pobreza. A linha de pobreza é um conceito normativo, pois representa o valor agregado de todos os produtos e serviços considerados necessários para satisfazer as necessidades básicas da unidade.11 (RIO GROUP, 2006, p. 35)
Há uma diferença entre linhas de pobreza e linhas de operacionalização.
A primeira define a população pobre; a segunda é a linha usada como ponto de
corte para o ingresso de participantes num programa, e pode ou não ser igual à
linha de pobreza (ainda que seja derivada desta). No Brasil, a linha de pobreza
e a linha de operacionalização do Programa Bolsa Família têm o mesmo valor
de R$ 77,00.
Além de servir como base para a linha de operacionalização de programas
sociais, a linha de pobreza serve para mensurar o tamanho da população em
situação de pobreza e originar indicadores sociais de medição desse fenômeno
ao longo do tempo. Um indicador social, segundo Jannuzzi (2002), é
[...] uma medida em geral quantitativa, dotada de significado social substantivo, usado para substituir, quantificar ou operacionalizar um conceito social abstrato, de interesse teórico (para pesquisa acadêmica) ou programático (para a formulação de políticas públicas). (JANNUZZI, 2002, p. 55)
Exemplos de indicadores sociais relacionados com o conceito abstrato
“pobreza” são a “proporção de pobres na população total” (porcentagem de
pobres dentro de uma dada população) e “intensidade da pobreza” (diferença na
renda entre indivíduos pobres). Tais indicadores são usados no monitoramento
dos programas de combate à pobreza. Por meio da sua medição constante, é
possível constatar se o fenômeno “pobreza” está sendo mitigado ou não.
Números absolutos da população pobre, quando usados para fins de
monitoramento, também são indicadores.
Os processos de monitoramento e avaliação utilizam indicadores para
mensurar fenômenos sociais. Essas informações são insumos não somente para
a criação de novos programas, mas para o aperfeiçoamento das iniciativas já
11 Tradução livre.
23
existentes: avaliando-se os indicadores, pode-se chegar à conclusão de que, por
exemplo, o benefício de certo programa é insuficiente para retirar as famílias da
condição de pobreza. Com esse dado em mãos, o governo pode propor
mudanças no programa, como aumentar o benefício, mudar a metodologia de
focalização para priorizar o décimo mais vulnerável do público, ou aplicar outra
solução.
A linha de pobreza é, portanto, um recurso com dupla funcionalidade: é o
principal critério da focalização, ou ao menos um critério inicial, pois o público
pode passar por uma segunda “peneira” de seleção (como a verificação da
conexão do domicílio com a rede de luz elétrica ou de esgoto), e é o ponto de
partida para a confecção de instrumentos de monitoramento e avaliação de
programas. O valor da linha define o ponto de corte dos programas direcionados
à população pobre (focalização), ao mesmo tempo em que serve de referência
para a construção de indicadores usados na medição de características da
pobreza ao longo do tempo, usados no monitoramento e avaliação. Desse modo,
justifica-se a importância do seu estudo para a ciência das Políticas Públicas.
No presente trabalho entendemos a linha de pobreza não como um
indicador por si só, mas como um componente usado na formulação de
indicadores, como, por exemplo, o indicador “número de pessoas ou domicílios
em situação de pobreza”. Há situações em que a linha pode ser usada como
indicador, como, por exemplo, na medição da evolução do custo de vida mínimo
de uma sociedade ao longo do tempo. Não é este o uso que importa para a
nossa pesquisa; queremos investigar o uso e limitações da linha na
contabilização da população pobre e na focalização de beneficiários dos
programas sociais. É nessas aplicações da linha de pobreza que iremos nos
focar.
24
CONCEITOS SOBRE A MEDIÇÃO DA POBREZA
2.1. DEFINIÇÃO DE POBREZA E ESTRATÉGIAS DE MEDIÇÃO
A discussão sobre como medir a pobreza passa antes pela problemática
de definir o que é pobreza. De acordo com Rocha (2003), pobreza pode ser
definida genericamente como “a situação na qual as necessidades não são
atendidas de forma adequada” (p. 9). Essa afirmação nos dá um ponto de
partida, mas não especifica quais seriam tais necessidades. Seriam
necessidades alimentares? Necessidades de abrigo, roupas e saneamento
também estão incluídas? E necessidades como Educação, cuja falta de
atendimento não ameaça a vida de um indivíduo, também estão incluídas na
definição de pobreza?
Observando-se a experiência de diferentes países, nota-se que a
definição de “pobreza” é cultural. Segundo Rocha (2010, p. 11), a preocupação
com o tema nasceu, ironicamente, nos países ricos, para resolver problemas
internos de desigualdade durante o pós-guerra, pois algumas classes sociais se
sentiam menos privilegiadas que outras na distribuição de riquezas. A pobreza
nesses países tem a ver, portanto, com questões de igualdade e não de
sobrevivência. Um indivíduo pobre na Europa do pós-guerra pode não dispor de
meios para alcançar a condição de vida padrão daquela sociedade, mas não é
necessariamente alguém que passa fome ou carece de moradia. Em países
subdesenvolvidos, onde a maior parte da população passa por privações
desconhecidas mesmo pelos pobres dos países desenvolvidos, a definição de
pobreza como desigualdade não é suficiente. Daí se originaram duas noções
diferentes de pobreza: pobreza relativa e pobreza absoluta. “Pobreza relativa” é
aquela que leva em conta o nível de vida médio de uma população, e define
como pobre aquele indivíduo ou família cujo rendimento médio é
substancialmente inferior ao da média da população. A pobreza relativa não é
associada com a privação de necessidades básicas para a vida, mas sim com a
diferença na distribuição de renda dentro de uma dada população (a
desigualdade social). A “pobreza absoluta” trabalha com o não-atendimento de
requisitos básicos para a sobrevivência, especialmente a alimentação. Diferente
da pobreza relativa, a pobreza absoluta não é medida em relação à condição de
25
vida média de uma sociedade. De fato, em alguns países a pobreza absoluta é
a condição de vida média e, segundo Rocha (2003, p. 16), mesmo em países
como o Brasil, que possui renda média e economia majoritariamente urbana e
monetizada, mas onde “persiste importante contingente populacional
desprivilegiado”, essa abordagem se mantém relevante.
As diferenças entre a pobreza dos países ricos e pobres faz com que
algumas organizações internacionais, como o Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD), adotem duas metodologias diferentes para
medir a pobreza, uma para países ricos e outra para países em
desenvolvimento12. Mesmo dentro de uma nação, a definição do melhor jeito de
se medir a pobreza passa pelo diagnóstico do perfil de pobreza daquele país. O
governo precisa saber como a pobreza se manifesta no seu território para saber
qual a estratégia de medição desse fenômeno que faz mais sentido para a
articulação de políticas e programas sociais. Segundo Rocha:
[Definir o conceito de pobreza trata] de identifica os traços essenciais da pobreza em determinada sociedade. É generalizada, atingindo a maior parte da população, ou, ao contrário, é geograficamente localizada? Quais são seus determinantes? É um fenômeno crônico ou está associado a mudanças econômicas e tecnológicas? Quais são seus sintomas principais – subnutrição, baixa escolaridade, falta de acesso a serviços básicos, desemprego ou marginalidade? Quem são os pobres em termos de um conjunto de características básicas, ou em outras palavras, qual o perfil dos pobres? [...] A obtenção de bons resultados operacionais [de política social], mais adiante, depende em grande parte do bom senso inicial ao definir o que é pobreza, conceitual e estatisticamente. (ROCHA, 2003, p. 10)
Seja qual for a interpretação da pobreza, é consenso que o não-
atendimento das necessidades mínimas diárias de calorias e proteínas está
ligado à noção mais elementar dela. O fenômeno “pobreza” pode até englobar
12 O Índice de Pobreza Humana (IPH) do PNUD separa as nações em “países em vias de desenvolvimento” (IPH-1) e “países industrializados” (IPH-2). Cada índice é formado por um conjunto de indicadores diferente. O IPH-1 se constitui da “proporção de adultos alfabetizados”, do “percentual de pessoas com esperança de vida inferior a 40 anos” e da média simples entre “proporção da população sem acesso à água tratada” e “proporção de crianças menores de cinco anos com peso insuficiente”. Já o IPH-2 inclui indicadores sobre a esperança de vida e alfabetização, mais um indicador da proporção de pobres (pessoas cuja renda per capita se situe abaixo de 50% da renda mediana da população) e outro de exclusão social, calculado com base na taxa de desempregados há mais de 12 meses. (ROCHA, 2003, p. 26-27)
26
mais aspectos, dependendo da sua interpretação (acesso a renda, serviços
públicos, abrigo), mas, em qualquer sociedade, quem não possui meios de
garantir a própria alimentação diária mínima é considerado pobre. Portanto, a
medição da indigência (como é chamada a situação de não-atendimento das
necessidades básicas alimentares) é o primeiro passo de grande parte das
metodologias de medição da pobreza. “Linhas de indigência” são aquelas que
determinam o valor mínimo de moeda necessário para suprir as necessidades
alimentares de um indivíduo no período de um mês. Elas não são o mesmo que
linhas de pobrezas, que englobam também os gastos mínimos não-alimentares,
mas são o primeiro passo para a definição delas. A linha de pobreza é a soma
da linha de indigência com os demais custos mínimos para um indivíduo
sobreviver numa dada sociedade.
Quando falamos em linhas de pobreza e de indigência, estamos falando
em medição por meio da variável “renda”. A renda é consagrada como a variável
mais popular para esse uso, principalmente por conta de sua comparabilidade
internacional e por ser o meio hegemônico, em sociedades monetizadas, para a
obtenção de bens e produtos que proporcionam bem-estar. Ainda assim, ela não
é a única variável possível, e nem a mais recomendada no caso de sociedades
onde o
[...] nível de desenvolvimento social e produtivo é muito baixo [...], pois implica associar níveis de bem-estar ao grau de sucesso na integração das famílias à economia de mercado, desconsiderando autoprodução e outros consumos não-monetários que têm impacto relevante justamente sobre as condições de vida das camadas mais pobres. (ROCHA, 2003, p. 17)
Em substituição a uma variável como a renda, que mede o atendimento
das necessidades básicas de forma indireta, podemos usar variáveis
antropométricas (peso, altura) para medir o atendimento direto das
necessidades nutricionais. Informações que identifiquem baixo peso entre os
adultos e baixa estatura entre crianças (com relação à idade) evidenciam uma
alimentação deficiente e indicam situação de indigência. Essa abordagem é
interessante, pois verifica diretamente se as necessidades nutricionais estão
sendo atendidas ou não; assim, evita-se um viés comum à utilização da variável
27
renda em áreas rurais e de baixo desenvolvimento, que é o erro de estimação
de consumo causado pela autoprodução de alimentos nas famílias e pela
economia não-monetizada. É comum que em áreas rurais as famílias produzam
parte do seu alimento em plantações e criações de animais e troquem suas
produções com as de vizinhos, ou até mesmo fabriquem artesanalmente itens
como vestimentas e móveis. Nenhuma dessas ações envolve dinheiro, mas
todas promovem bem-estar de uma forma que não pode ser medida pela renda.
Desse modo, famílias que vivem abaixo da linha da indigência podem não ser,
de fato, indigentes. Com o uso de variáveis antropométricas, a probabilidade de
identificação correta da indigência nesses casos é maior.
Além de medições a partir de renda (linhas de pobreza) ou de variáveis
antropométricas, uma terceira via para examinar a pobreza é através de
indicadores do atendimento de necessidades básicas (basic needs). Segundo
Rocha (2003, p. 19), “Adotar a abordagem das necessidades básicas significa ir
além daquelas de alimentação para incorporar uma gama mais ampla de
necessidades humanas, tais como educação, saneamento, habitação etc.”. Os
defensores dessa abordagem argumentam que a pobreza é multidimensional,
por isso não pode ser definida somente como a falta de dinheiro ou de
alimentação: a privação de outros aspectos, alguns tão objetivos quanto o
acesso a postos de saúde e outros tão subjetivos quanto a religiosidade, também
determinam se um indivíduo é pobre ou não. A medição é feita com o uso de
índices, formados por um conjunto de indicadores que medem os diferentes
aspectos das necessidades sociais (educação, saneamento básico, saúde).
Esses índices popularizaram-se entre os organismos internacionais a partir da
década de 70, quando foram estabelecidas metas mundiais de atendimento de
necessidades básicas. O mais conhecido é o IDH, Índice de Desenvolvimento
Humano, que combina indicadores de produto interno bruto, educação e
longevidade para medir a qualidade de vida de uma população.
Embora interessante, os índices de basic needs são feitos para o
monitoramento e a comparação internacional de desempenho, não para a
focalização do público-alvo de políticas públicas em âmbito nacional. Índices e
indicadores monitoram a população como um todo, sem identificar onde estão
os públicos prioritários. Na realidade, o uso de médias (como ocorre na maioria
dos índices) mascara a ocorrência de situações extremas associadas à
28
desigualdade entre indivíduos, tornando as situações de pobreza extrema
invisíveis. Por isso, se o objetivo é focalizar programas sociais, a solução é
manter o uso das linhas de pobreza como ferramenta principal e utilizar as
medições de basic needs de forma complementar, para caracterizar uma
subpopulação dentre os pobres (ROCHA, 2003, p. 28).
2.2. CALCULANDO A LINHA DE INDIGÊNCIA
Em regiões cuja população tem amplo acesso ao mercado, a
autoprodução representa uma parcela pequena (em alguns casos, quase nula)
da produção de bem-estar. Essa já é a realidade da maior parte da população
brasileira, pois 84% dos brasileiros vivem em aglomerados urbanos onde a maior
parte dos domicílios adquire os produtos e serviços de que necessita por meio
das trocas monetárias. Nestes casos, o uso da linha de indigência (ou seja, da
variável renda) na verificação do atendimento das necessidades nutricionais é
justificado.
O valor da linha de indigência é igual ao valor mínimo necessário para se
obter, no mercado, uma cesta de alimentos que garanta o mínimo de calorias e
nutrientes necessário para a sobrevivência. Logo, os dois passos para se definir
a linha de indigência são: 1) determinar a necessidade calórica e proteica
mínimas e 2) determinar o preço mínimo da cesta alimentar que cobre essa
necessidade. Ambos os passos possuem desafios, como veremos a seguir.
1) Determinando a necessidade calórica e proteica mínimas: As
necessidades calóricas variam de pessoa para pessoa, de acordo com o sexo13,
idade e tipo de trabalho. A FAO, organização das Nações Unidas para a
Alimentação e Agricultura, estima que a necessidade calórica por indivíduo é de
cerca de 2 mil calorias por dia (DEATON, 2004, p. 4), mas trabalhos pesados,
como os de um trabalhador rural, exigem até o dobro de calorias diárias. Rocha
(2013) nota que, mesmo utilizando-se das mesmas recomendações da FAO,
pesquisadores podem chegar a estimativas diferentes para as necessidades
nutricionais de uma população. Isso decorre
13 Segundo Deaton, “mulheres aparentemente precisam de menos energia, embora esse tipo de distinção raramente seja feita hoje em dia”. (2004, p. 4, tradução livre)
29
[...] de formas distintas de classificar as atividades ocupacionais dos indivíduos como leves, moderadas ou pesadas, assim como de estabelecer o seu uso do tempo e a correspondente necessidade calórica em 24 horas. (ROCHA, 2003, p. 53)
Normalmente apenas as necessidades calóricas são contabilizadas, pois
supõe-se que as necessidades proteicas são cobertas automaticamente com a
ingestão de uma dieta calórica mínima. A soma das necessidades calóricas de
todos os indivíduos e sua divisão pelo mesmo número de pessoas nos dá a
média de ingestão calórica recomendada para a população, indicador
comumente utilizado na composição da linha de indigência.
2) Determinando o preço mínimo da cesta alimentar: O estabelecimento
da cesta alimentar pode ser feito de dois modos: pela seleção dos produtos de
menor custo que garantam o mínimo de calorias exigido; ou pelo consumo
observado na população. Especialistas em medição de pobreza são unânimes
na utilização do consumo observado, pois experiências de constituição da cesta
alimentar com base somente no preço e no valor calórico dos produtos
resultaram numa dieta “monótona e desinteressante, da qual ninguém se
alimentaria” (DEATON, 2004, p. 4). O consumo observado verifica, na
população, a dieta mais barata que é de fato consumida por um indivíduo ou
família e que atinge o mínimo de calorias estipulado. Para isso, é preciso dispor
de uma pesquisa de consumo abrangente, como a Pesquisa de Orçamentos
Familiares (POF) realizada pelo IBGE, que coleta dados sobre o perfil de
consumo das famílias brasileiras.
Para determinar a cesta que será usada como parâmetro, o primeiro
passo é observar a cesta alimentar de cada família e derivar o seu aporte calórico
per capita. Assim, é possível ordenar as famílias em ordem crescente em relação
ao seu consumo per capita de calorias.
No gráfico a seguir, baseado no trabalho da economista Sonia Rocha com
a formulação de linhas de indigência, as famílias foram ordenadas em décimos
de acordo com a sua despesa alimentar corrente em calorias. A última barra do
gráfico corresponde à média de calorias recomendada para a população, de
acordo com o cálculo das necessidades calóricas.
30
Gráfico 3: Ingestão energética média observada por décimo de distribuição de
despesa corrente
Fonte: adaptado de ROCHA (2003)
Fonte: adaptado de ROCHA (2003)
Localizado o décimo da população a partir do qual há uma ingestão
adequada de calorias, a quantidade de produtos da cesta é ajustada para que
ela contenha uma medida calórica exatamente igual à média recomendada. Por
exemplo: em sua metodologia, Rocha especifica uma cesta com pelo menos 100
produtos de consumo alimentar, ajustada ao consumo médio diário de alimentos
observado na classe a partir da qual há a ingestão calórica em quantidades
adequadas (ROCHA, 2013, p. 57). A soma do custo desses produtos na
quantidade especificada será o valor da linha de indigência.
No Gráfico 3, percebemos que as necessidades calóricas só são
atendidas satisfatoriamente a partir do quarto décimo populacional. Portanto,
podemos adotar o valor da cesta alimentar desse décimo como referência para
a linha de indigência. Como essa cesta excede um pouco a média recomendada,
deve-se ajustar proporcionalmente a quantidade de alimentos para corresponder
exatamente a 2.123 calorias, que é o valor da média recomendada de calorias.
Esse é apenas um meio de definir a cesta alimentar mínima a partir do
consumo observado. Existem outros: Thomas (1983, apud ROCHA, 2000, p. 5-
6) seleciona para a sua cesta apenas os principais produtos, em termos de
Décimos
(kca
l)
Média
recomendada
(2.123kcal)
31
aporte calórico, da cesta observada mais barata capaz de suprir a média
recomendada de calorias, e ajusta a quantidade desses alimentos de modo a
atingir 100% das calorias recomendadas. Desse modo, descartam-se os
produtos de menor aporte calórico e o custo da cesta fica menor. Ellwanger
(1992b, apud ROCHA, 2000, p. 6) utiliza uma cesta observada que supra apenas
as recomendações mínimas para a manutenção do funcionamento do
metabolismo basal (em torno de 1.750 kcal/dia) e ajusta as quantidades de
produtos para chegar ao total de calorias recomendado. Esses dois métodos
diferentes restringem a variedade de produtos da cesta, tornando-a mais barata,
o que por consequência reduz o valor da linha de indigência. Isso é útil quando
a linha de indigência obtida por outros métodos fica alta demais em relação à
renda da população. Uma linha muito alta, que inclua uma grande parte da
população na indigência, perde a sua utilidade na focalização de programas, pois
não consegue especificar um público prioritário dentro da população total.
Segundo Rocha:
O que se busca é a determinação de parâmetros de valor operacionais para fins de monitoramento da indigência e da pobreza. Todos são arbitrários na medida em que, introduzindo algum grau de normatização, se afastam do consumo observado. (ROCHA, 2000, p. 6)
É claro que a medição da indigência através dessas linhas pode incorrer
num sem-número de vieses, alguns deles incontornáveis. Primeiramente, o
estabelecimento de uma média das necessidades calóricas para uma população
é um cálculo perigoso, pois o resultado é sensível à interpretação do pesquisador
sobre a distribuição da força de trabalho e utilização da energia. Comparando as
estimativas de necessidades calóricas feitas por dois pesquisadores diferentes
para Brasília, a partir das mesmas recomendações calóricas da FAO, Rocha
(2003, p. 53) encontrou uma diferença de 9% entre elas, decorrida da diferença
de interpretação sobre a classificação de certas atividades ocupacionais como
leves, moderadas ou pesadas e sobre o uso do tempo e a correspondente
necessidade calórica para o período de 24 horas.
Outro problema é que a linha de indigência desconsidera os indivíduos
que têm uma necessidade calórica maior do que a média populacional e que,
portanto, passam fome mesmo consumindo a cesta de alimentos média. O ideal
32
é que a linha de indigência fosse ajustável para cada família, levando-se em
conta a necessidade calórica de cada um de seus integrantes, mas, para fins de
focalização de programas, isso é impossível.
Outro problema é que pesquisas de orçamento familiar são caras e
normalmente feitas por amostragem em regiões específicas, como metrópoles,
de modo que os dados das regiões interioranas não são computados. No caso
do Brasil, a única pesquisa de consumo familiar conduzida em todo o território
brasileiro foi o Estudo Nacional de Despesa Familiar (Endef) de 1974/75, e ela
nunca foi atualizada. Rocha, no cálculo de suas linhas de pobreza para regiões
não-metropolitanas, utiliza até hoje o consumo observado na população
brasileira dos anos 70. Certamente ocorreram alterações no consumo das
famílias interioranas desde então, o que gera um efeito sobre o valor da cesta
de alimentos não captado pelas linhas baseadas na Endef.
Um último problema se refere à dificuldade na estimação da produção
própria de alimentos no orçamento das famílias. Enquanto isso não se manifesta
como problema para a medição nas áreas urbanas, onde a capacidade de
autoprodução é limitada pela falta de espaço agriculturável, nas zonas rurais tal
viés representa um empecilho para a estimativa correta da indigência. Tal
dificuldade poderia ser sanada, em parte, com um novo Endef, mas não há
previsão para uma nova edição do estudo. Qualquer um dos fatores recém
expostos (viés do uso de médias calóricas, pesquisas de consumo defasadas e
invisibilidade da autoprodução) tem potencial para enviesar significativamente a
linha de indigência; uma combinação dos três poderia tornar irrelevantes os
valores computados hoje. Infelizmente, são limitações que temos que enfrentar
ao trabalharmos a estimativa de indigência puramente pelo lado da renda.
2.3. CALCULANDO A DESPESA NÃO-ALIMENTAR E A LINHA DE
POBREZA
Como já dissemos, a pobreza não se resume à indigência: há outras
necessidades vitais a serem saciadas além da fome. Por isso, a linha de pobreza
(entendida como o custo de vida mínimo de uma sociedade) é calculada
adicionando-se os gastos não-alimentares mínimos ao valor da cesta alimentar
mínima. Segundo Rocha (2003, p. 60), apesar da despesa extra-alimentar
33
representar mais da metade do orçamento das famílias, ela é calculada de
maneira bastante simplificada. Diferente do que acontece com a alimentação,
não há até hoje um cálculo adequado para definir o que seria um gasto mínimo
não-alimentar para um ser humano. É difícil até mesmo definir o que compõe a
despesa não-alimentar mínima, quanto mais quantificá-la.
A solução é observar como as famílias gerenciam os seus orçamentos no
mundo real, e extrair estimativas a partir dessa observação. Nos EUA, por
exemplo, pesquisas realizadas para determinar a composição do orçamento
familiar apontam que o gasto com alimentos corresponde a 1/3 do orçamento
mensal das famílias. Portanto, a linha de pobreza americana é estimada
multiplicando-se o custo da cesta alimentar mínima (ou seja, o valor da linha de
indigência) por três.
A razão despesa alimentar/despesa não-alimentar é chamada de
coeficiente de Engel. Trata-se do método mais popular para estimar as despesas
não-alimentares de maneira indireta: basta calcular qual a porcentagem do gasto
alimentar no orçamento das famílias e, a partir daí, multiplicar o valor da cesta
calórica mínima até atingir a proporção dos gastos não-alimentares. Desse
modo, a atualização da parte não-alimentar da linha de pobreza depende apenas
da atualização do valor da cesta calórica básica e da sua multiplicação pelo
coeficiente, considerado uma constante. Contra esse método simplista, Rocha
alerta que inexiste uma base teórica que “permita considerar o coeficiente de
Engel uma constante de médio prazo”, e que, no caso brasileiro, é improvável
que essa estabilidade tenha ocorrido, seja pelas alterações nos hábitos de
consumo ou pelas mudanças nos preços relativos, decorrentes da inflação
(ROCHA, 2003, p. 61).
No Brasil, a POF fornece informações suficientes para que a despesa não-
alimentar seja calculada a partir da observação direta do consumo das famílias.
Nas medições de Rocha, o consumo não-alimentar da classe de rendimentos
correspondente ao atendimento das necessidades calóricas básicas é
desagregado em seis categorias de produto: habitação, artigos de residência,
vestuário, transporte/comunicação, saúde e cuidados pessoais, despesas
pessoais e outros. A partir daí, a média do valor mensal gasto pelos indivíduos
nessas categorias é calculada com o auxílio de pesquisas sobre o índice de
preços ao consumidor. O quadro a seguir ilustra a metodologia:
34
Tabela 2: média do valor mensal (em R$) dos itens não-alimentares por
categorias, correspondentes ao intervalo de renda familiar selecionado
segundo regiões metropolitanas – outubro de 1987
Regiões metropolitanas
Habi-tação
Artigos
de resi-
dência
Vestu-ário
Trans-porte/
Comuni-cação
Saúde e cuidados pessoais
Despesas pessoais
Ou-trasa
Total
Belém 157 124 205 119 148 125 81 959 Fortaleza 145 144 213 134 104 162 182 1.084
Recife 169 180 316 237 162 172 220 1.456 Salvador 195 157 317 208 160 193 275 1.505
Belo Horizonte 228 159 199 190 162 190 283 1.411 Rio de Janeiro 223 164 270 223 170 207 219 1.476
São Paulo 368 239 259 308 217 194 229 1.814 Curitiba 219 234 218 153 169 125 253 1.371
Porto Alegre 206 60 113 138 96 95 93 801 Goiânia 302 225 397 218 215 214 300 1.871 Brasília 406 257 311 268 200 249 258 1.949
a Inclui itens investigados pela POF, mas não pela SNIPC, tais como: despesas com festas, mudanças, tratamento veterinário; despesas trabalhistas; transferências; aumento do ativo e diminuição do passivo.
Fonte: ROCHA, 1997
O gasto não-alimentar calculado desse modo é o gasto observado entre
os indivíduos que estão ligeiramente acima da linha da indigência e, portanto, é
entendido como o gasto mínimo tolerável numa dada sociedade. O valor da
despesa não-alimentar é então somado ao valor da linha de indigência para dar
origem à linha de pobreza.
Em seus estudos, Rocha (2003) identificou uma larga disparidade de
valores entre as linhas de diferentes localidades dentro do Brasil, mesmo entre
metrópoles. Por exemplo: em 1990, a linha de pobreza da metrópole de São
Paulo era 78% superior à de Porto Alegre, diferença explicada, segundo a
autora, pelo custo não-alimentar baixo da capital gaúcha (ROCHA, 2003, p. 65).
A variável determinante, segundo a autora, é a urbanização, que afeta “tanto as
despesas alimentares quanto as não-alimentares, a partir de um certo patamar
de tamanho demográfico” (ROCHA, 2003, p. 65). Para exemplificar, ela explica
que as maiores metrópoles brasileiras, Rio de Janeiro e São Paulo,
apresentavam características diversas da terceira metrópole em população, Belo
Horizonte, com menos da metade da população destas14. Essa observação
14 Em 1991 (ROCHA, 2003, p.65).
35
reforça a necessidade da utilização de linhas de pobreza regionais para a
focalização da população pobre no Brasil, pois linhas associadas a algum cálculo
de média do custo de vida nacional implicam no risco de, por um lado, vazar
benefícios para públicos não-prioritários em zonas de baixa urbanização e, por
outro, tornar invisíveis milhares de pobres nas grandes metrópoles do país.
36
LINHAS DE MEDIÇÃO DE POBREZA NO PLANO BRASIL SEM MISÉRIA
3.1. O PLANO BRASIL SEM MISÉRIA
Este capítulo investiga o funcionamento da linha de pobreza adotada pelo
Governo Federal Brasileiro para a operacionalização do Programa Bolsa Família
e o monitoramento de resultados no âmbito do Plano Brasil Sem Miséria. O
plano, que coordena mais de 70 programas, serviços e benefícios públicos e
envolve 11 ministérios, iniciou-se em 2011 com a previsão de duração de quatro
anos, mas na prática suas ações continuaram ao longo do ano de 2015.
Segundo Campello e Mello (2014, p. 36), calcula-se que 28 milhões de
brasileiros saíram da condição de pobreza entre 2003 e 2011, especialmente
através do binômio elevação do emprego e distribuição de renda. De um lado, a
estabilidade econômica e a valorização do salário mínimo aumentaram a renda
e as oportunidades de emprego daqueles alocados no mercado formal de
trabalho; de outro, as transferências de renda do Programa Bolsa Família
complementaram os rendimentos mesmo daquelas famílias sem vínculo de
trabalho formal. Ainda assim, em 2011 restava um núcleo duro da pobreza
intocado pelos programas federais de erradicação da miséria. O PBSM foi
desenhado para chegar até esse núcleo duro, os mais pobres dentre os pobres,
tendo como objetivo central a erradicação da miséria no Brasil. Dentre as
iniciativas presentes dentro do guarda-chuva do PBSM estão velhos e novos
programas, dentre eles o Bolsa Família.
Desde o início ficou claro que as ações do PBSM deveriam ser
focalizadas naquelas famílias em condições tão vulneráveis que elas próprias
não tinham condições de requisitar ajuda ao Estado. Por isso, o governo inverteu
a lógica então vigente: em vez de esperar que as famílias procurassem centros
de atendimento, o próprio Estado passou a buscá-las e incluí-las no Cadastro
Único de Programas Sociais (CADÚnico), um grande cadastro da população
brasileira de baixa renda, a partir do qual elas são inscritas em programas sociais
como o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e a Tarifa Social de Energia
Elétrica. Esse movimento foi chamado de Busca Ativa.
Que o público-alvo deveria ser o núcleo duro da pobreza, não restava
dúvidas. Restava, isso sim, estabelecer um critério para definir quem fazia parte
37
desse “núcleo duro”. Por isso, foi criada uma linha oficial para definir quais
pessoas se encontram em situação de miséria: a linha de extrema pobreza do
PBSM. Seu valor foi estabelecido inicialmente em R$ 70,00 mensais per capita.
O objetivo do Governo Federal era o de, dentro dos quatro anos de duração do
plano, fazer com que todas as famílias brasileiras atingissem rendimentos
mensais per capita superiores a R$ 70,00, erradicando, assim, a extrema
pobreza no país. A partir dessa linha foi definida também a linha de pobreza,
com o dobro do valor (R$ 140,00). Dado o período limitado de execução do
Plano, o decreto de criação do PBSM15 fixou as linhas sem trazer previsão de
reajuste para os seus valores; mesmo assim, eles foram corrigidos
espontaneamente para R$ 77,00 (extrema pobreza) e R$ 154,00 (pobreza) em
maio de 2014.
As linhas de pobreza e extrema pobreza do PBSM foram estabelecidas
pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o mesmo
responsável por operacionalizar o Programa Bolsa Família, programa de
transferência de renda a famílias de baixa renda que cumprem com
condicionalidades de Saúde e Educação. Segundo Falcão e Costa (2014), o
MDS tinha à sua frente uma escolha difícil, pois não havia um consenso entre os
especialistas sobre a melhor forma de abordar a medição da pobreza para fins
de operacionalização do Plano:
[...] as opções de abordagem para definição de pobreza são muitas. [...] Se a linha eleita for absoluta, o ideal é recorrer à abordagem tradicional das necessidades calóricas mínimas? Ou esse seria um método ultrapassado e inadequado a um país em que a fome deixou de ser um problema crônico, como apontado recentemente pela economista Sonia Rocha – uma das maiores autoridades nesse tipo de abordagem?16 [...] Se o enfoque adotado for multidimensional, a quantidade de decisões se multiplica. Quais são as dimensões relevantes para configurar a situação de pobreza? Dentro de cada uma dessas dimensões, quais indicadores de necessidades básicas devem ser incluídos? Qual o critério para definir se cada uma das necessidades foi ou não foi atendida? E qual a importância relativa de cada indicador na definição de quem é pobre? (FALCÃO e COSTA, 2014, p. 69-70)
15 Decreto nº 7.492, de 2 de junho de 2011. 16 A despeito do comentário do autor, a pesquisadora Sonia Rocha continua produzindo seus estudos sobre medição de pobreza no Brasil com base no cálculo de necessidades calóricas.
38
Segundo os autores, o MDS decidiu ser o mais pragmático possível:
descartou a ideia da criação de uma nova comissão técnica e adotou as linhas
já utilizadas na operacionalização do Programa Bolsa Família (R$ 70,00 e R$
140,00). Supostamente, as linhas seriam confiáveis para medir a pobreza pois
seus valores eram similares aos valores das linhas de pobreza de Rocha e do
Banco Mundial à época (FALCÃO e COSTA, 2014, p. 73). Baseados nos dados
do Censo Demográfico 2010 sobre os rendimentos da população brasileira, o
IBGE e o MDS identificaram uma população de 16,27 milhões de brasileiros
vivendo na extrema pobreza. Esse número seria monitorado ano a ano e
corrigido com as informações da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios
(PNAD, pesquisa amostral anual que atualiza algumas das informações do
Censo com base em informações coletadas nas regiões metropolitanas
brasileiras). Para Falcão e Costa, “o objetivo era que a meta colocada [pela linha]
para o Plano Brasil sem Miséria fosse ousada, porém factível, de modo a conferir
credibilidade à estratégia” (2014, p. 73).
Apesar da afirmação de Falcão e Costa de que as linhas do PBSM estão
em consonância com metodologias consagradas de medição da pobreza como
as de Rocha e do Banco Mundial, temos como hipótese que os valores
escolhidos como ponto de corte do público prioritário não são capazes de medir
adequadamente o fenômeno da pobreza no Brasil, posto que não dão conta das
heterogeneidades regionais (como a diferença nos valores das cestas de
consumo entre as regiões). Na realidade, sob uma análise mais atenta, constata-
se que os valores são bastante arbitrários.
Segundo Falcão e Costa, a linha de R$ 70,00 foi considerada adequada
pelo MDS porque:
1) É compatível com as linhas regionalizadas de Rocha para 2011,
que orbitavam os R$ 70,00 em 2011;
2) É compatível com a linha do Banco Mundial de US$ 1,00 per capita
diário, que em 2011 equivalia a R$ 67,00 mensais (usando a
conversão PPC);
3) É idêntica à linha de operacionalização do Programa Bolsa Família.
39
Mostraremos a seguir, ponto por ponto, por que esses argumentos
parecem ser inadequados para defender a força metodológica da linha do PBSM.
Explicaremos que a linha de extrema pobreza do PBSM atualmente não
apresenta compatibilidade com a metodologia de Rocha; que a linha do Banco
Mundial não é uma boa referência para os programas sociais no Brasil; e que o
seu elo com a linha de operacionalização do Programa Bolsa Família faz com
que o monitoramento da pobreza fique atrelado ao orçamento do programa e
não ao fenômeno empírico da pobreza.
3.2. A LINHA DO PBMS E AS LINHAS REGIONALIZADAS DE ROCHA
Uma das referências do MDS para o estabelecimento linha de extrema
pobreza, segundo Falcão e Costa (2014), foi o trabalho de medição da pobreza
desenvolvido por Sonia Rocha ao longo dos últimos 30 anos. Seu estudo é
referência na medição regionalizada da pobreza no Brasil. A pesquisadora
calcula anualmente linhas de indigência e pobreza urbanas e rurais para as
diferentes regiões e metrópoles brasileiras, totalizando 25 linhas de indigência e
mais 25 de pobreza.
A metodologia de construção das linhas é idêntica à apresentada no
capítulo 2 deste trabalho, mas vamos resumi-la aqui: primeiro calcula-se a linha
de indigência, a partir da média de necessidades calóricas da população e do
custo da cesta alimentar mínima observada em cada região. Para isso, são
usadas informações das pesquisas de orçamento familiar POF 1987/88 (regiões
metropolitanas) e Endef 1974/75 (regiões rurais e não-metropolitanas). Os itens
alimentares que representam uma ingestão inferior a 1 caloria por dia são
excluídos da cesta; a quantidade dos produtos restantes é então ajustada
proporcionalmente para corresponder à necessidade calórica mínima
recomendada. O valor das cestas é atualizado anualmente conforme o INPC-
alimentação. A linha de pobreza é calculada somando-se o valor da cesta
alimentar com o valor das despesas não-alimentares, calculadas também a partir
da observação do consumo das famílias. As despesas não-alimentares são
classificadas de acordo com os seis grupos de despesas do SNIPC (habitação,
artigos de residência, vestuário, transporte/comunicação, saúde e cuidados
pessoais, despesas pessoais) e mais uma categoria residual, “outras”. Os
40
valores são atualizados conforme o índice de preços específico de cada grupo
de despesa para cada região (ROCHA, 1997).
Apesar de consagrada, a metodologia de Rocha não é perfeita. Seu maior
viés é a desatualização das pesquisas de consumo usadas como referência.
Outro problema é que as linhas para regiões não-metropolitanas urbanas e rurais
abrangem regiões territorialmente vastas – por exemplo, uma mesma linha é
usada para medir a pobreza rural em todos os estados da região norte. Como os
preços “são afetados por um conjunto de determinantes locais (atividade
produtiva, acessibilidade, redes de comercialização, etc) [...], os resultados [...]
são médias que embutem uma ampla variabilidade de valores” (ROCHA, 1997,
p. 317).
Já expomos as fragilidades dessa metodologia no capítulo 2. Dito isso, as
50 linhas de Rocha são talvez o mais longe que se pode chegar na medição da
pobreza brasileira, tendo em vista os instrumentos disponíveis atualmente. Por
ser uma medição regionalizada, ela gera um mapa da pobreza17 mais específico
do que o utilizado no PBSM, que não tem linhas regionalizadas.
Apesar de Falcão e Costa alegarem sintonia entre as linhas do PBSM e
as de Rocha, a verdade é que elas não compartilham da mesma base
metodológica. Segundo Falcão e Costa (2014, p. 73), a linha do PBSM está em
sintonia com as linhas de Rocha porque essas últimas “orbitavam os R$ 70,00
por pessoa ao mês”. Mais correto seria dizer que algumas das linhas orbitavam
os R$ 70,00, ou que a média dos valores das linhas de indigência orbitavam os
R$ 70,00, conforme vemos a seguir.
17 O Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) cruza anualmente os dados de
rendimento das famílias coletados na PNAD com os valores das linhas de Rocha para atualizar os indicadores de pobreza brasileiros.
41
Gráfico 4: variação dos valores das linhas de indigência de ROCHA e da
linha de extrema pobreza do PBSM – 2011 a 2015
Fonte: elaboração própria
As linhas coloridas do Gráfico 418 representam as 25 linhas de indigência
de Rocha e as suas variações de valor entre os anos 2011 e 2013, enquanto a
linha preta representa a linha de extrema pobreza do PBSM entre os anos 2011-
-2015. Analisando as linhas de Rocha para o ano de 2011, vemos que, apesar
da maioria das linhas urbanas e rurais realmente terem valores próximos de R$
18 No gráfico estão representadas todas as 25 linhas de indigência de Rocha, mas apenas algumas estão nomeadas, para facilitar a visualização.
Belém
Norte Rural
Fortaleza
Recife
Salvador
Nordeste Urbano
Nordeste Rural
M.G./E.S. Urbano
M.G./E.S. Rural
Rio de Janeiro Metrópole
São Paulo Metrópole
São Paulo Urbano
Curitiba
Brasília
Centro-Oeste Urbano
Linha PBSM
R$ 47,00
R$ 57,00
R$ 67,00
R$ 77,00
R$ 87,00
R$ 97,00
R$ 107,00
R$ 117,00
2011 2012 2013 2014 2015
Val
or
das
lin
has
Ano
42
70,00, as linhas de todas as regiões metropolitanas eram superiores a esse
valor.
O mais interessante é notar que as linhas de Rocha são atualizadas
anualmente de acordo com a variação nos preços dos produtos, mantendo um
crescendo de valor constante ao longo do tempo; a linha do PBSM, por outro
lado, não possui mecanismos de atualização anual, o que faz com que o gap
entre o seu valor e os valores das linhas de Rocha fique maior a cada ano. Como
resultado, em 2013 apenas seis das 25 linhas de indigência continuavam com
valores menores ou iguais à linha do PBSM. Mesmo a correção tardia do valor
desta para R$ 77,00 em 2014, baseada sem muita precisão na inflação
(conforme veremos adiante), não foi o suficiente para cobrir a variação do
período 2011-2013 na maioria das linhas de Rocha.
Sem uma atualização anual, o elo entre o valor da linha do PBSM e o
fenômeno social que ele deveria representar – a pobreza – foi se erodindo com
o passar dos anos, tornando os atuais R$ 77,00 um valor arbitrário. A
subcobertura de público, observada nas regiões metropolitanas já em 2011,
passou a afetar quase todas as regiões do país em 2013 e (até onde pode ser
observado, pela tendência dos anos passados) 2014 e 2015.
3.3. O BANCO MUNDIAL E O DOLLAR A DAY
Segundo Falcão e Costa (2014, p, 73), a linha de extrema pobreza
mundial do BM, conhecida como dollar a day, foi levada em consideração na
definição do valor da linha de extrema pobreza do PBSM. Em 2011, seu valor
era US$ 1,25/dia e equivalia a R$ 67 per capita mensais. O dollar a day foi
adotado pelo Banco Mundial em 1990 para possibilitar a comparação dos
indicadores de pobreza entre as nações. Ele é uma média das linhas de pobreza
nacionais de diversos países. Em 1990, o valor da linha era realmente de US$
1/dia, resultado do cálculo da média das linhas de pobreza nacionais de 22
países em desenvolvimento, excluindo propositalmente nações desenvolvidas
com linhas de pobreza consideradas muito altas, de modo que a linha resultante
fosse mais sensível à captação da pobreza. O dollar a day foi usado pela ONU
para constituir o primeiro dos “Objetivos do Milênio”: reduzir a proporção de
pessoas que vivem com menos de US$ 1,00 por dia pela metade entre os anos
43
de 1990 e 2015. Em 2005, a metodologia foi revisada e o número de países
computados na média subiu de 22 para 115, fazendo com que a linha subisse
para US$ 1,25.
Como a linha internacional de US$1,25/dia está expressa em dólares, a
sua operacionalização em países como o Brasil depende da conversão do valor
para a moeda local. Para isso, não é adequado usar a taxa de câmbio comercial,
pois 1 dólar não compra, nos EUA, o mesmo que R$ 3,8719 no Brasil. Embora
no mercado de câmbio esses valores se equivalham, nos mercados domésticos
de Brasil e EUA a quantidade de bens que se pode comprar com US$ 1,00 e R$
3,87 é diferente, porque “alguns produtos, e especialmente serviços, são
reconhecidamente mais baratos em países pobres, em comparação com países
ricos” (Johnson et al., 2009, p. 2). Esse é o Efeito Balassa-Samuelson: países
com alta produtividade e salários têm preços de produtos mais elevados. Por
isso, a linha de pobreza do Banco Mundial não tem aplicabilidade sem um fator
de conversão que traduza o verdadeiro poder de compra de US$ 1,25/dia para
o valor de outras moedas.
O BM resolveu esse problema através do fator de conversão de “paridade
do poder de compra” (PPC). Desenvolvido pelo International Comparison
Program (ICP) através de pesquisas de preços em escala mundial, o fator PPC
é “a quantidade de moeda de um país necessária para comprar a mesma
quantidade de bens e serviços no mercado doméstico que dólares americanos
comprariam nos EUA. Este fator de conversão é para o [uso no cálculo do]
consumo privado (gastos com consumo das famílias)”20. O PPC é, portanto, uma
taxa de câmbio especial que converte o poder de compra das moedas, calculada
com base na comparação dos preços de uma cesta de itens comuns entre
diferentes nações. O PPC também é usado na comparação do PIB de países.
Em 2011, ano de início do Plano Brasil Sem Miséria, a taxa de conversão
PPC entre o real e o dólar era de 1,6621 (US$ PPC 1,00 = R$ 1,66), o que significa
que R$ 1,66 tinha à época o mesmo poder de compra no Brasil que 1 dólar
19 Cotação do dólar comercial em 11/set/2015, usada aqui para fins de ilustração. Fonte: Uol economia. Acesso em 11/set/2015. 20 Tradução livre do texto introdutório sobre o fator de conversão PPC na base de dados do BM, encontrado em http://bit.ly/1VSGBNu. Acesso em 11/set/2015. 21 Retirado de https://research.stlouisfed.org/fred2/series/XRNCUSBRA618NRUG. Acesso em 11/set/2015.
44
americano nos EUA em 2000. A linha US$ 1,25/dia correspondia, no Brasil, a R$
2,09/dia, ou R$ 62,62/mês para um mês de 30 dias.
Vimos, portanto, que a linha do BM é 10% menor que a linha de extrema
pobreza do PBSM. Mas a irregularidade de valores não é o ponto que queremos
frisar aqui. O ponto mais importante a ser destacado é que a linha do BM foi
construída para permitir a comparação de números entre países e a medição do
atingimento de metas internacionais, e não para o uso em políticas públicas
internas. Por isso, não se constitui num bom referencial para uma linha nacional
de pobreza. A comparabilidade internacional, apesar de reforçar “a consistência
espacial das ações locais com o pensar global” (NERI, 2013, p. 130), é uma faca
de dois gumes, pois um padrão internacional sempre será uma medida
generalista que demandará o sacrifício das especificidades internas. Diferente
das linhas de Rocha, a do BM não é regionalizável, nem ao menos é uma média
das medições brasileiras, mas sim de países que não necessariamente têm a
ver com o nosso perfil de pobreza. Desse modo, consideramos que uma linha
internacional não seja adequada para operacionalizar programas sociais que
lidam com um tema tão sensível à conjuntura local quanto a pobreza. Reforçando
esta opinião está o próprio Martin Ravallion, “pai” do dollar a day¸ que diz:
[...] o Banco Mundial nunca insistiu no uso de uma só linha; de fato, nos seus trabalhos com países em desenvolvimento específicos, o BM usa a linha de pobreza nacional considerada mais apropriada em cada país. (RAVALLION, 2010)
3.4. RELAÇÃO ENTRE AS LINHAS DO PBSM E O PROGRAMA BOLSA
FAMÍLIA
Dado que nem as linhas de Rocha, nem a linha do BM resultam num valor
exato de R$ 70,00, parece provável que a referência mais forte para a linha de
extrema pobreza do PBSM tenha sido a linha de operacionalização do Programa
Bolsa Família. De fato, os valores da linha do Bolsa Família, da linha de extrema
pobreza do PBSM e do benefício básico do Bolsa Família são idênticos, e a
atualização de 2014 manteve a paridade de valores, de forma que, na literatura
do PBSM, “linha de extrema pobreza” e “linha de operacionalização do Bolsa
45
Família” são usadas como sinônimos (mesmo a linha do PBSM tendo sido criada
depois).
Por isso, é importante saber a origem da linha de operacionalização do
Bolsa Família e quais os critérios que guiam a sua atualização. Primeiramente,
vamos apresentar o Programa Bolsa Família; após, vamos relacionar a sua linha
de operacionalização com o PBSM.
O Programa Bolsa Família é um programa federal de transferência de
renda não-contributivo direcionado a famílias em situação de pobreza e extrema
pobreza, com o objetivo de “contribuir para a inclusão social de milhões de
famílias brasileiras premidas pela miséria, com alívio imediato de sua situação
de pobreza e da fome” (CAMPELLO, 2013, p. 15). As transferências são voltadas
à população produtiva em idade ativa, com ênfase nas crianças (PAIVA et al.,
2013, p. 25). Além do benefício básico, existem benefícios adicionais caso haja,
na composição da família, gestantes, crianças na primeira infância e crianças e
adolescentes em idade escolar, até 15 anos. O repasse dos benefícios está
condicionado ao cumprimento de condicionalidades nas áreas de Educação
(garantir uma frequência escolar mínima das crianças em idade escolar da
família) e Saúde (manter a vacinação em dia, entre outras).
O programa é coordenado a nível federal pelo MDS, mas sua gestão é
descentralizada, sendo tarefa dos municípios cadastrar o público-alvo no
CADÚnico e encaminhar as famílias elegíveis ao programa. A transferência dos
repasses aos beneficiários é operacionalizada pela Caixa Econômica Federal.
A focalização acontece por meio da autodeclaração da renda do
candidato. A família, ao ser cadastrada no CADÚnico, informa sua renda mensal;
se ela estiver dentro do ponto de corte do programa, a família se torna elegível.
Não há teste de meios (verified means test) nem proxy means test para verificar
a renda. Paiva et al. (2013, p. 34) diz que a utilização do teste de meios nunca
chegou a ser “uma opção viável” porque “a incipiente rede de proteção social no
Brasil não teria capacidade de executar testes de meios de forma massificada,
o que condenaria ao fracasso qualquer programa que deles fizesse uso”. A
opção de utilizar proxies também foi descartada porque “faltaria transparência às
concessões de benefícios e clareza na comunicação com os beneficiários do
programa”. Já a renda autodeclarada, “com todos os seus riscos, tornaria fácil a
comunicação com beneficiários, daria transparência à concessão e manutenção
46
de benefícios e permitiria ações claras de controle, tanto do ponto de vista social
quanto governamental”. As dimensões federal e municipal do Bolsa Família
trabalham com estimativas do tamanho da população-alvo, que servem para
estabelecer o limite (ainda de flexível) para o número de beneficiários em cada
município (PAIVA et al., 2013, p. 34). Ou seja, o município deve se esforçar para
fazer o melhor targeting possível, pois o número de “bolsas” é limitado. Em 2013,
o número limite de famílias beneficiárias, a nível nacional, orbitava os 13 milhões.
Quando o programa atinge esse número, só podem entrar novos beneficiários
se alguém for desligado do programa. O Bolsa Família não tem, portanto,
capacidade de atender a todo os elegíveis ao benefício. Existem famílias
registradas no Cadastro Único que não têm acesso ao benefício e devem
esperar a sua vez.
Uma vez cadastrada no programa, a família beneficiária mantém o
benefício por dois anos, independente de variação na renda mensal, salvo no
caso de grandes variações positivas, tais como a conquista de um emprego
formal ou de benefício social no valor de pelo menos um salário mínimo
(SOARES, 2009, p. 10). Esse período longo no programa protege as famílias
dos efeitos da volatilidade de renda. Como se sabe, famílias de baixa renda
possuem rendimentos mensais incertos, diferentemente de profissionais com
carteira assinada, que sabem o quanto vão ganhar de salário no final do mês.
Pontualmente, essas famílias podem ter rendimentos acima da linha de pobreza,
mas isso não quer dizer que elas superaram essa condição, pois no próximo mês
seus rendimentos podem voltar a cair. O período de dois anos garante que as
famílias não saiam do Bolsa Família caso os seus rendimentos forem
ocasionalmente maiores do que o ponto de corte do programa.
O Bolsa Família não é o primeiro programa do seu tipo. Ele foi precedido
pelas ações de transferência de renda do Programa Fome Zero e, antes disso,
por diversos programas de transferência de renda criados durante o governo
FHC, como o Bolsa Escola e o Bolsa Alimentação. Esses últimos programas não
possuíam coordenação entre si, tinham transferências direcionadas para fins
específicos (como o auxílio para o custeio do gás nos domicílios) e eram focados
nas famílias de baixa renda com crianças em idade escolar. O Fome Zero,
conjunto de ações lançado no início de 2003 com o objetivo de combater a
pobreza, unificou os programas de transferências de renda e descartou a
47
composição familiar como critério de focalização, adotando a renda como critério
único. Tanto no Fome Zero quanto nos programas da Era FHC, a linha de
operacionalização usada era a de meio salário mínimo per capita, equivalente, à
época, a R$ 100 (ROCHA, 2005).
No final de 2003, houve uma reformulação das transferências de renda do
Fome Zero, de forma que se originou um novo programa, o Bolsa Família.
Diferente do Fome Zero e similar aos programas da Era FHC, o Programa Bolsa
Família novamente priorizou o atendimento às famílias com crianças em sua
composição. Foram criados dois parâmetros de renda, diferenciando dois
conjuntos de beneficiários: as famílias com rendimentos de até R$ 50,00
mensais per capita tinham direito a receber a transferência de R$ 50/mês mais
um benefício adicional de R$ 15,00 por criança de até 15 anos, até o máximo de
três crianças; já as famílias com rendimento per capita entre R$ 50 e R$ 100,00
mensais receberiam somente os benefícios adicionais, caso houvesse crianças
na sua composição.
Segundo Graziano et al. (2010, p. 45), a linha de operacionalização do
Fome Zero tomou emprestado o corte de um dólar por dia do Banco Mundial,
mas, em vez de convertê-lo em reais usando o dólar PPP, foi usada a cotação
média do dólar comercial de setembro de 1999, data de referência da PNAD
usada no planejamento do Fome Zero. Convenientemente, o valor da linha de
pobreza ficou próximo do valor do salário mínimo de 1999.
Com o surgimento do Bolsa Família, as linhas de operacionalização e
valores de benefícios do Fome Zero foram incorporadas ao novo programa, mas
desindexadas da linha do BM. Correções nos valores dos benefícios e do ponto
de corte dos participantes seriam atualizados pelo Governo Federal com base
nas suas disponibilidades orçamentárias. O mesmo valia para o número de
beneficiários, que seria estipulado pelo governo, não importando o real tamanho
da população pobre.
Nas palavras de Sergei e Sátyro (2009)
O Programa Bolsa Família não é um direito. Ao contrário, encontra-se explicitamente condicionado às possibilidades orçamentárias. A Lei no 10.836, de 09 de janeiro de 2004, que o cria, estabelece em seu artigo sexto, parágrafo único: “O Poder Executivo deverá compatibilizar a quantidade de beneficiários do Programa Bolsa Família com as dotações
48
orçamentárias existentes”. Ao contrário de uma aposentadoria, um seguro-desemprego ou o pagamento de um título da dívida pública, o Bolsa Família é um programa de orçamento definido. Uma vez esgotada a dotação orçamentária, ninguém mais pode passar a receber o benefício, pelo menos até que haja crédito suplementar. (SERGEI e SÁTYRO, 2009, p. 11)
Sendo assim, as atualizações nos valores dos benefícios e das linhas de
operacionalização do programa foram inconstantes, realizados por meio de leis
e decretos, como mostra a tabela a seguir:
Tabela 3: mudanças nos valores do benefício básico e das linhas de
operacionalização do Programa Bolsa Família ao longo dos anos
Data Jan. 2004 Abr. 2006 Jun. 2008 Abr. 2009 Jul. 2009 Abr. 2014 Benefício
básico R$ 50,00
R$ 50,00
R$58,00
R$ 58,00
R$ 68,00
R$ 77,00
Valor da linha 1
R$ 50,00 R$ 60,00 R$ 60,00 R$ 69,00 R$ 70,00 R$ 77,00
Valor da linha 2
R$ 50,00 a R$ 100,00
R$ 60,00 a R$ 120,00
R$ 60,00 a R$ 120,00
R$ 69,00 a R$ 137,00
R$ 70,00 a R$ 140,00
R$ 77,00 a R$154,00
Fonte: adaptado de HELLMANN, 2015
Nos dez anos do PBF, o hiato entre as correções no valor das linhas e
benefícios já foi de dois anos, três anos, alguns meses, e chegou a cinco anos
durante o período 2009-2014. Durante esse mesmo tempo, a inflação e o salário
mínimo foram atualizados anualmente, resultando num aumento do custo de
vida. Porém, as correções do Bolsa Família não acompanharam esse mesmo
ritmo.
Segundo Sergei e Sátyro (2009, p. 13), não há qualquer regra de
indexação formal para os benefícios do Programa Bolsa Família, mas, nas vezes
em que os valores foram corrigidos, eles o foram com base na inflação, calculada
pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE. Ao tentar
confirmar essa relação apontada pelos autores, a presente pesquisa constatou
que o INPC serviu, no máximo, como inspiração para a atualização, mas não foi
usado de forma nominal: segundo os dados do INPC, o benefício básico, que
49
era de R$ 50 em 2004, deveria valer R$ 87,05 em 2014, e não R$ 77,00.22 O
valor de R$ 77,00 não tem referência exata em nenhum indicador, sendo
arbitrário, possivelmente influenciado pela disponibilidade orçamentária do
governo.
Se os valores dos pontos de corte e dos benefícios foram influenciados
pela disponibilidade orçamentária do governo e não por pesquisas sobre custo
de vida e necessidades de consumo básicas, como a nossa observação leva a
crer, então o uso da linha do Bolsa Família como linha de extrema pobreza do
PBSM se mostra problemático. O problema não está em delimitar um ponto de
corte para o atendimento do Bolsa Família, mas sim em usar esse limite para
monitorar um fenômeno social complexo como a pobreza, que extrapola o âmbito
do programa. Mais correto seria fazer o contrário: com base numa medição
acurada do fenômeno, conduzida com rigor metodológico, é que deveria ser
traçado um plano de erradicação da miséria. Do modo como foi construído, o
objetivo do PBSM de erradicar a pobreza extrema com o atendimento de 16,2
milhões de brasileiros reflete a dimensão do público que o governo consegue
atender, e não no público que realmente existe. Como resultado, mesmo que
esses 16,2 milhões de brasileiros saiam da miséria, o fenômeno não terá sido
erradicado, ainda que, para o Governo Federal, isso tenha acontecido. Há toda
uma outra parte do núcleo duro da pobreza que permanecerá não contabilizada,
sem ser coberta pelo monitoramento feito por meio dos indicadores do governo.
Ou seja, a pobreza não estará erradicada após o cumprimento da meta do
PBSM.
22 Calculado com o uso da calculadora virtual presente em http://bit.ly/1NxnHJZ. Acesso em 06/nov/2015.
50
COMPARAÇÕES ENTRE AS MEDIÇÕES DE POBREZA DO MDS E DE
ROCHA
Neste capítulo compararemos os resultados das medições dos
indicadores de indigência, pobreza e extrema pobreza para o Brasil usando as
metodologias de Rocha e do Governo Federal. Usaremos como referência os
dados da PNAD 2013, posto que as linhas mais atualizadas de Rocha utilizam
informações dessa edição da pesquisa.
A contagem da população pobre e indigente de acordo com a metodologia
de Rocha foi retirada da planilha “PNAD 2013 – Indicadores de Pobreza e de
Indigência (Sonia Rocha)”, elaborada por Rocha em parceria com o Instituto de
Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS) e publicada em novembro de 2014.
Nesta planilha estão os indicadores de pobreza e indigência para Brasil, estados
e regiões, de acordo com as linhas regionais de pobreza para o ano de 2013.
Até o momento da presente pesquisa, tratava-se da medição mais atualizada
desses indicadores.
A contagem do Governo Federal para a população pobre e extremamente
pobre foi extraída da ferramenta PIC Social, disponível no site da Secretaria de
Avaliação e Gestão da Informação (SAGI) do Ministério do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome (MDS)23. Trata-se de uma aplicação virtual para a
visualização de painéis de monitoramento de indicadores da assistência social,
entre eles os indicadores “Quantidade de moradores de domicílios particulares
permanentes com renda domiciliar per capita de R$ 0,00 a 70,00” e “Quantidade
de moradores de domicílios particulares permanentes com renda domiciliar per
capita de R$ 70,01 a 140,00”, com resultados disponíveis para todos dos estados
do Brasil mais o Distrito Federal24. Estes indicadores foram utilizados no
presente trabalho para determinar os números de pobres25 e extremamente
pobres no Brasil e regiões segundo o MDS, com valores referentes a 2013.
23 Acesso em http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/portal/?grupo=72 24 Estão incluídos na contagem da SAGI a população residente em domicílios sem rendimento ou sem declaração de rendimentos que apresentam algum indicador proxy de pobreza (como ausência de banheiros ou de ligação domiciliar com algum sistema de abastecimento de água), conforme a metodologia de análise discriminante descrita no Estudo Técnico SAGI nº 15/2014. 25 No caso do cálculo de pobres, a contagem dos indicadores “Quantidade...de R$ 0,00 a 70,00” e “Quantidade [...] de R$ 70,01 a 140,00” foram somados.
51
Como os indicadores de Rocha e da SAGI utilizados nesta pesquisa são
ambos baseados na PNAD 2013, eles são perfeitamente comparáveis. Há
apenas dois problemas nessa comparação. O primeiro é conceitual: Rocha
mede a “indigência”, enquanto o PBSM mede a “extrema pobreza”, ou seja, não
falam da mesma coisa. Indigência, conforme apresentado no capítulo 2, tem a
ver com a incapacidade de meios para prover as necessidades básicas de
alimentação; em outras palavras, tem a ver com a fome. Já indivíduos em
extrema pobreza, no entendimento do PBSM, são aqueles que fazem parte do
“núcleo duro” da pobreza, o que não significa necessariamente indigência.
Provavelmente a decisão do governo de não relacionar diretamente
“extrema pobreza” com “indigência” esteja ligada à eliminação da fome como um
problema crônico no país, como observam Falcão e Costa (2014, p. 69)26; dessa
forma, os “mais pobres dentre os pobres” não são mais os famintos, como em
outros momentos da história brasileira. Superada a fome, a pobreza agora se
materializaria como insuficiência grave em outras necessidades. No entanto, os
indicadores de indigência baseados em Rocha vão na contramão dessas
conclusões, pois em 2011 ainda contabilizavam 8,7 milhões de indigentes.
Conclui-se, portanto, que os mais pobres dentre os pobres no Brasil continuam
sendo os indigentes. Dessa forma, concluímos que “indigência” e “extrema
pobreza” ainda podem ser contabilizadas como a mesma coisa ou que, ao
menos, indigência é um fenômeno que faz parte (talvez seja o definidor) da
extrema pobreza no Brasil. Por isso, acreditamos que as medidas de “indigência”
de Rocha e “extrema pobreza” do PBSM são comparáveis.
O outro porém é que a ferramenta da SAGI usada para extrair os dados
do PBSM não exibe resultados pormenorizados por situação do domicílio (rural,
urbano ou região metropolitana), diferentemente da planilha de Rocha. Isso não
impede a comparação dos resultados gerais, mas limita o universo de testes e
comparações que podem ser feitos – não podemos comparar, por exemplo, a
contagem de pobres em zonas rurais do Brasil entre as duas metodologias.
Uma última observação antes da comparação: entendemos, como Rocha,
que a indigência/extrema pobreza é uma parte do fenômeno maior da pobreza.
Portanto, sempre que forem demonstrados quantitativos da população “pobre”
26 De fato, em 2014 a FAO divulgou que o Brasil havia saído do Mapa da Fome, já que a
subalimentação é inferior a 5% da população (FALCÃO e COSTA, 2014, p. 69).
52
neste capítulo, eles também englobam os indivíduos classificados como
indigentes/extremamente pobres.27
Começaremos a comparação analisando os resultados da contagem das
duas metodologias para as diferentes regiões do Brasil. O gráfico abaixo
compara os resultados da medição de extrema pobreza do Governo Federal com
os da medição de indigência de Rocha. O gráfico 5 faz a comparação do
resultado do número de pobres entre as duas metodologias.
Gráfico 4 – número de indigentes (Rocha) e de extremamente pobres (Governo
Federal) por região do país
Fonte: elaboração própria
27 Por exemplo: quando dizemos que o número de pobres em 2013, segundo o Governo Federal, era de 15,2 milhões, também estão computados nesse número os 6,2 milhões classificados como extremamente pobres.
0
1000000
2000000
3000000
4000000
5000000
6000000
7000000
8000000
9000000
10000000
Nº
de
ind
ivíd
uo
s
Total da população em situação deindigência (Rocha)
Total da população em situação deextrema pobreza (gov. fed.)
53
Gráfico 5 – número de pobres (Rocha e Governo Federal) por região do país
Fonte: elaboração própria
Para o país como um todo, o resultado das duas medições é bem
diferente: enquanto o Governo Federal localiza 6,2 milhões de brasileiros
vivendo na extrema pobreza, o número de brasileiros indigentes, para Rocha, é
um terço maior: 9 milhões. A distorção entre os resultados aumenta quando o
que se mede é a pobreza: o resultado de Rocha é praticamente o dobro do
calculado pelo governo (29,2 milhões contra 15,5 milhões).
Quando analisamos os resultados por região, observa-se um interessante
fenômeno: nos dois gráficos, Rocha localizou uma população pobre maior do
que o Governo Federal em todas as regiões, mas a diferença nos resultados foi
maior nas regiões Centro-Oeste, Sul e, especialmente, no Sudeste. Já no cálculo
da indigência/extrema pobreza para o Nordeste, a diferença de resultado entre
as duas metodologias, se comparada com a das outras regiões, é menor. Temos,
portanto, uma diferença pequena nos resultados das duas medições para a
região Nordeste, uma diferença considerável para a região Norte e diferenças
grandes para as regiões Centro-Oeste, Sul e, especialmente, Sudeste.
As diferenças entre as estimativas de pobres na região Sudeste foi o que
mais pesou para a disparidade na contagem total de pobres do Brasil entre as
duas metodologias. O número encontrado por Rocha na região Sudeste é mais
de quatro vezes maior do que o do governo e representa quase metade dos 15
0
5000000
10000000
15000000
20000000
25000000
30000000
35000000
Total da população em situação depobreza (Rocha)
Total da população em situação depobreza (Gov. Fed)
54
milhões de indivíduos que foram identificados como “pobres” por Rocha, mas
que são invisíveis para o Governo Federal. Apenas no estado de São Paulo, a
diferença na contagem é de cinco milhões.
Gráfico 6 – número de indigentes/extremamente pobres e pobres no estado de
São Paulo, segundo Rocha e Governo Federal (Pnad 2013)
Fonte: elaboração própria
Comparativamente, nos estados do Nordeste a diferença entre a
contagem de indigentes (Rocha) e extremamente pobres (Governo Federal) é
baixa, como pode ser constatado no gráfico abaixo:
0
1000000
2000000
3000000
4000000
5000000
6000000
Nº deindigentes/extremamente
pobres
Nº de pobres
Metodol. Rocha
Metodol. Governo Federal
55
Gráfico 7 – número de indigentes (ROCHA) e extremamente pobres (Governo
Federal) nos estados do Nordeste (Pnad 2013)
Fonte: elaboração própria
Maranhão foi, inclusive, o único estado em que a contagem do Governo
Federal foi maior do que a de Rocha, o que pode ser explicado pela combinação
de dois fatores: o baixo custo da cesta de alimentos na zona rural do Nordeste,
resultando numa linha de indigência regional rural abaixo dos R$ 70,00 (R$
65,00, para ser mais exato); e o perfil majoritariamente rural da indigência no
Maranhão. Ele é o único estado brasileiro com mais indigentes vivendo na zona
rural do que na zona urbana (549 mil contra 325 mil, respectivamente).
O que faz com que os resultados das duas metodologias sejam díspares
na região Sudeste e mais aproximados na região Nordeste? O caso do
Maranhão nos provê uma pista: regiões com custos de vida menores possuem
linhas regionais de pobreza e indigência mais baixas, portanto mais próximas da
linha de R$ 70,00 do PBSM. Já nas regiões onde o custo de vida é maior, a linha
de indigência (e, consequentemente, a de pobreza) terá um valor elevado e,
portanto, mais distante dos R$ 70,00. Como o custo das cestas alimentar e não-
alimentar é menor nas regiões rurais e maior nas regiões urbanas, então uma
hipótese plausível é que a distorção entre a medição de Rocha e do MDS será
0 200000 400000 600000 800000 1000000 1200000
Maranhão
Piauí
Ceará
Rio Grande do Norte
Paraíba
Pernambuco
Alagoas
Sergipe
Bahia
Nº extremamente pobres Nº de indigentes
56
menor nas regiões rurais e maior nas regiões com pobreza predominantemente
urbana – pois nelas a linha de indigência tende a ser mais alta.
O gráfico a seguir28 mostra que a indigência rural é um fenômeno
marcante da região Nordeste, mas pouco representativo das regiões Sudeste,
Sul e Centro-Oeste, justamente aquelas onde foram encontradas as maiores
disparidades entre as medições de Rocha e do Governo Federal:
Gráfico 8 – número de indigentes por região do país, de acordo com a situação
de residência (Rocha)
Fonte: elaboração própria
O mesmo padrão se repete para a pobreza, conforme o gráfico a seguir:
28 Rocha trabalha a contagem da população indigente em três grupos: rural, urbano e metropolitano. Como as regiões metropolitanas são majoritariamente urbanas, esse grupo foi agregado ao urbano na montagem do gráfico.
0
500000
1000000
1500000
2000000
2500000
3000000
Urbano e Metropolitano
Rural
57
Gráfico 9 – número de pobres por região do país, de acordo com a situação de
residência (Rocha)
Fonte: elaboração própria
Para verificar a relação entre taxa de urbanização e distorção entre as
mensurações, colocamos lado a lado no gráfico a seguir as medições de pobreza
das duas metodologias para os cinco estados com a maior taxa de urbanização
do Brasil (incluindo o Distrito Federal) e os cinco estados com a menor taxa.
Observando os resultados, nota-se que a linha do PBSM não consegue captar
tão bem a pobreza nas regiões altamente urbanizadas quanto as linhas de
Rocha. Conforme o esperado, a distorção entre as duas medições é menor nos
estados com menor taxa de urbanização.
0
500000
1000000
1500000
2000000
2500000
3000000
Urbano e metropolitano
Rural
58
Gráfico 10 – comparação de medições de pobreza nos estados mais
urbanizados e menos urbanizados (PNAD 2013)
Fonte: elaboração própria
Podemos concluir que a medição feita por meio das linhas
governamentais de extrema pobreza e de pobreza têm efetividade limitada nos
estados e regiões brasileiras onde o custo de vida é maior, donde se inclui as
zonas mais urbanizadas. As linhas elaboradas por Rocha, por outro lado,
conseguem captar um número maior de pessoas vivendo sem o mínimo
suficiente para satisfazer as suas necessidades básicas, justamente porque elas
incorporam em suas metodologias as diferenças regionais no custo de vida. Ao
deixar de lado esse importante fator, o Governo Federal exclui de suas medições
uma parcela significativa da população pobre, especialmente nas regiões
Sudeste, Sul e Centro-Oeste. O resultado de uma deficiência na medição da
pobreza nessas regiões, que contêm estados populosos e altamente
urbanizados como Rio de Janeiro e São Paulo, resulta na exclusão de milhões
de brasileiros das estatísticas de pobreza e também de sua exclusão no acesso
0 1000000 2000000 3000000 4000000 5000000 6000000
Maranhão (58%)
Piauí (68%)
Pará (69%)
Acre (71%)
Alagoas (71,5%)
Amapá (90%)
Goiás (91,6%)
Distrito Federal (95%)
São Paulo (96%)
Rio de Janeiro (97%)
Nº de pobres (Rocha) Nº de pobres (gov. fed.)
59
a programas de transferência de renda, visto que a linha de extrema pobreza e
a linha de operacionalização de benefícios como o Bolsa Família são as
mesmas.
60
CONCLUSÃO
A proposta da linha de extrema pobreza do Plano Brasil Sem Miséria é
localizar o núcleo duro da pobreza no Brasil e chegar até os mais pobres dentre
os pobres. Para isso, estabeleceu-se inicialmente um valor de R$ 70,00, o
mesmo da linha de operacionalização do Programa Bolsa Família. Por sua vez,
a linha do Bolsa Família foi originalmente inspirada na linha do Fome Zero, que
foi inspirada na linha de extrema pobreza do Banco Mundial, que é computada
como a média das linhas de pobreza de diversos países e não dá conta das
particularidades da pobreza no Brasil. Em cada uma dessas ramificações foi
adotada uma metodologia diferente para a atualização do valor da linha, que era
hora indexada à linha do BM, hora desvinculada de qualquer fator senão a
disponibilidade orçamentária. Fruto de todas essas mudanças e derivações, a
linha do PBSM pode ser considerada um instrumento fiel de medição da
realidade social brasileira?
Neste trabalho, comparamos os resultados das medições da pobreza e
extrema pobreza com os resultados da medição de Sonia Rocha, cuja
metodologia é indexada às mudanças nos custos de vida regionais, de modo a
testar a validade dos instrumentos de medição da pobreza usados pelo Governo
Federal. Ainda que não seja perfeita, a metodologia de Rocha tem o cuidado de
atualizar anualmente as linhas de pobreza e de indigência, utilizando dados
retirados de pesquisas nacionais confiáveis, sendo, portanto, um termômetro
mais seguro para medir o fenômeno real da pobreza do que as linhas do PBSM,
que carecem de uma metodologia vinculada à realidade social. Como resultado
da comparação, descobrimos que a medição criada pelo MDS carece de
reconhecer ao menos 2,8 milhões de brasileiros como extremamente pobres, e
mais 10,9 milhões como pobres.
Não é incomum que os critérios de medição da pobreza sejam
simplificados conforme a capacidade estatal de encarar o combate à miséria. A
própria Sonia Rocha diz que linhas de pobreza que informam proporções de
pobres muito elevadas são impraticáveis para uso no diagnóstico e orientação
de políticas (ROCHA, 2003, p. 77-78). A escolha do Governo Federal por uma
metodologia que faz um recorte menor da população pobre poderia ser
justificada pela incapacidade do Estado de lidar com a pobreza em seus números
61
absolutos. Se o governo adotasse uma metodologia que informasse um público-
alvo muito grande, ela não serviria para focalizar os programas sociais.
Esse é um bom argumento, mas insuficiente para justificar a escolha do
MDS pela linha do PBSM. A população pobre, segundo Rocha, representa
15,3% da população brasileira (4,7% se levarmos em conta só a população
indigente). É um número grande, mas operacionalizável. Ainda que exija o
emprego de mais recursos, essa contagem não representa nenhum número
absurdo para utilização na execução de políticas públicas, o que seria diferente
se o resultado apontasse a população pobre como 30 ou 40% da população
brasileira.
Ainda assim, 15,3% é o dobro da contagem do Governo Federal. A grande
pergunta é: caso uma nova metodologia de focalização fosse adotada pelo
governo, uma metodologia que fosse regionalizada e indexada aos valores dos
custos de vida locais, de forma a identificar o público atualmente invisível, quem
pagaria a diferença? Mais pobres significam mais pessoas elegíveis para
benefícios sociais e maiores gastos governamentais. Isso é especialmente
verdade para as regiões metropolitanas, pois, como vimos, a maior deficiência
de medição do governo se localiza nessas áreas urbanas com custos de vida
altos e maior número absoluto de pessoas na pobreza. O Governo Federal teria
que alocar mais recursos no sistema de assistência social para dar conta do
atendimento de toda essa população. Teria ele condições de fazê-lo sozinho?
Outro problema é que, com a adoção de linhas regionalizadas, os
benefícios das transferências de renda podem se mostrar insuficientes para
eliminar mesmo a pobreza daqueles que recebem os benefícios. Por enquanto,
tanto a linha da extrema pobreza quanto o benefício básico do Bolsa Família têm
o valor de R$ 77,00, o que significa que, no caso de famílias formadas por um
só indivíduo, o recebimento do Bolsa Família já o retira automaticamente da
condição de extrema pobreza. Se as linhas passarem a ser regionalizadas, isso
não acontecerá tão facilmente. Em municípios como São Paulo, cuja linha de
indigência, segundo Rocha, é de R$ 117,77, o benefício do Bolsa Família é
insuficiente para retirar uma família da miséria. Quanto mais alto o custo de vida,
maior é a dificuldade das famílias de superarem a pobreza somente com as
transferências de renda do Governo Federal. Por isso, o poder do Bolsa Família
62
de combater a miséria enfraquece caso as linhas sejam regionalizadas sem que
os benefícios também o sejam.
A solução pode estar na atualização conjunta dos valores das linhas e dos
benefícios, com o benefício do Bolsa Família sendo complementado
regionalmente por estados e municípios. Estados e alguns municípios têm
condições de alocar recursos próprios nas transferências de renda,
complementando o valor transferido pelo Governo Federal e deixando-o mais
próximo do valor da linha regional de pobreza.
Transferências de renda locais não são nenhuma novidade: nos anos 90,
mesmo antes de programas federais como o Bolsa-Escola, alguns municípios já
tinham programas próprios com esse objetivo. O Bolsa Familiar para Educação,
de Brasília, foi criado em 1995 e transferia um salário mínimo mensal para
famílias pobres com crianças abaixo dos 15 anos. Seu modelo foi reproduzido
em outras cidades - não só em capitais como Belo Horizonte e Goiânia, mas
também em municípios de porte menor, especialmente os paulistas: Franca,
Guariba, Jundiaí, Jaboticabal, Ourinhos e outros (SOARES e SÁTYRO, 2009, p.
9), o que mostra algum grau de possibilidade orçamentária, em certos
municípios, de cofinanciar o Bolsa Família ou de criar programas
complementares. Nesse caso, as transferências de renda federais, estaduais e
municipais devem ser coordenadas e não sobrepostas: transferências locais
devem complementar as transferências já realizadas pelo Bolsa Família, e não
criar transferências novas, pois isso originaria dois sistemas diferentes para o
mesmo fim dentro de uma mesma localidade, repetindo o caos existente antes
da unificação dos programas de transferência de renda federal - quando existiam
quatro programas similares direcionados ao mesmo público, cada um com um
cadastro próprio e operacionalizado por um órgão do governo diferente.
No âmbito estadual, existem diversos estados, principalmente no Sul e
Sudeste, que já possuem programas de complementações de renda ao
Programa Bolsa Família. Cada um operacionaliza o seu programa de acordo
com objetivos locais. No Rio de Janeiro, temos o programa Renda Melhor,
estadual, e o Família Carioca, municipal, da Prefeitura do Rio de Janeiro. Há,
portanto, uma participação dos três níveis da federação no financiamento das
transferências de renda. Cada um tem o seu programa, com certas
particularidades, mas todos utilizam o mesmo Cadastro Único e beneficiam as
63
mesmas famílias. Esse benefício triplo faz com que as transferências de renda
recebidas pelas famílias cariocas sejam maiores do que as de outras partes do
país, o que é apropriado, pois a linha de pobreza do Rio de Janeiro calculada
por Rocha é uma das mais altas do Brasil.
O exemplo do Rio de Janeiro mostra que o Bolsa Família e as linhas de
pobreza regionais podem funcionar juntas se o financiamento dos benefícios for
dividido entre União, estado e grandes municípios. O benefício básico, federal,
pode inclusive manter um mesmo valor para todo o país (os R$ 77,00 de agora,
digamos), se forem somados a ele as complementações dos entes federados,
de modo que em cada região se atinja um valor de benefício que seja próximo
da linha regional de extrema pobreza. Em estados que não possuem condições
de participar do financiamento, o Governo Federal pode criar benefícios
especiais, como uma complementação especial para os estados do Nordeste,
por exemplo. Desse modo, os estados e municípios que podem complementar o
benefício do Bolsa Família o fazem, enquanto o Governo Federal amplia o valor
dos benefícios familiares naqueles estados que não possuem condições para
isso e cujas taxas de miséria são mais elevadas.
É imprescindível que, para manter a coerência com a realidade
mensurada, a linha de extrema pobreza e a linha de pobreza sejam atualizadas
de acordo com critérios empíricos, de preferência anualmente. A atualização não
pode se dar de forma espontânea, de acordo com critérios vagos de
disponibilidade orçamentária, pois isso deteriora a qualidade da focalização dos
programas e da contagem do público-alvo. A indexação à variação dos custos
de vida regionais, conforme a observação dos preços de cestas básicas
alimentares e não-alimentares, ainda parece ser a melhor solução.
As sugestões aqui apresentadas têm implicações diretas no orçamento
público, pois aumentam os custos de operacionalização dos programas sociais.
O ano de 2016 é, ao mesmo tempo, um momento propício e desfavorável para
mudanças: propício porque é o ano em que um novo plano de superação da
pobreza deve ser anunciado, posto que o Plano Brasil Sem Miséria chegou ao
fim de seu cronograma. Desfavorável, porque o Governo Federal passa por uma
situação financeira delicada, e a regra da casa é que os gastos públicos sejam
reduzidos e não expandidos. Uma mudança na forma de medição da pobreza
que acarrete num aumento do público-alvo e, consequentemente, num aumento
64
dos gastos, dificilmente seria aprovada. A indexação da linha de pobreza e de
benefícios sociais a indicadores anuais poderia criar um descontrole
orçamentário, visto que não há garantias de que o governo tenha condições de
reajustar benefícios caso a inflação ultrapasse a meta anual. Em outras palavras,
o cenário é de incerteza e tudo o que ele não pede é por indexar gastos a
indicadores permeados por incerteza. Ainda assim, se o Governo Federal encara
a eliminação da extrema pobreza como prioridade, ele deve ser tratado de forma
acurada, e isso implica na construção de um método adequado de medição da
pobreza, que seja aplicável em diversos cenários regionais e que se mantenha
gerando resultados confiável mesmo com o passar dos anos.
65
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PAIVA, L. H. et al. Do Bolsa Família ao Brasil Sem Miséria: um resumo do percurso brasileiro recente na busca da superação da pobreza extrema. In: CAMPELLO e NERI (Org.). Programa Bolsa Família: uma década de inclusão e cidadania. Brasília: Ipea, 2013, p. 25-47. RAVALLION, M. Poverty Comparisons: a Guide to Concepts and Methods. LSMS Working Paper Nº 88. Washington D.C.: Banco Mundial, 1992. RAVALLION, M. Targeted Transfers in Poor Countries: Revisiting the Trade-Offs and Policy Options. CPRC Working Paper Nº 26. Washington D. C.: Chronic Poverty Research Centre, 2003. RAVALLION, M. et. al. Dollar a day Revisited. In: The World Bank Economic Review, 23, 2, 2009, pp. 163-184. RAVALLION, M. World Bank’s $1.25/day poverty measure- countering the latest criticisms. Resposta ao artigo de Angus DEATON “Price Indexes, Inequality and the Measurement of World Poverty”. Site do Banco Mundial, 2010. Disponível em http://bit.ly/1O7Kz3w. Acesso: 12/set/2015 RIO GROUP. Compendium of best practices in poverty measurement. Rio de Janeiro: Rio Group, 2006. ROCHA, S. Renda e pobreza: os impactos do plano real. Rio de Janeiro: IPEA, 1996 (Texto para Discussão, n. 439). ROCHA, S. Do consumo observado à linha de pobreza. Pesquisa e planejamento econômico, v. 27, n. 2, 1997, p. 313-352. ROCHA, S. e HENRIQUES, R. Estimação de linhas de indigência e de pobreza: opções metodológicas no Brasil. In: Desigualdade e pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: IPEA, 2000, p. 685-718.
67
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68
ANEXOS
ANEXO A: INDICADORES DE INDIGÊNCIA (ROCHA) / EXTREMA POBREZA
(GOVERNO FEDERAL) SEGUNDO REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO E
ESTRATOS DE RESIDÊNCIA – PNAD 2013
As tabelas abaixo trazem os resultados da contagem de Rocha e do IETS
para a indigência no Brasil e, ao lado, a contagem do Governo Federal para a
população em extrema pobreza, ambas tendo como referência os dados da
PNAD 2013 e o ano de 2013.
Brasil Número de Indigentes (ROCHA)
População em extrema pobreza
(gov. fed.)
Norte 1.195.305 807.345
Nordeste 4.331.025 3.863.706
Sudeste 2.514.039 1.013.847
Sul 592.448 297.893
Centro-Oeste 410.420 237.682
BRASIL 9.043.237 6.220.473
Metropolitano 2.177.351
Urbano 4.523.629
Rural 2.342.257
Norte Número de Indigentes (ROCHA)
População em extrema pobreza
(gov. fed.)
Rondônia 67.177 42.596
Urbano 54.027
Rural 13.150
Acre 47.381 45.642
Urbano 24.737
Rural 22.644
Amazonas 363.779 226.057
Urbano 274.825
Rural 88.954
69
Roraima 29.815 14.381
Urbano 23.959
Rural 5.856
Pará 556.434 396.332
Belém 128.008
Urbano 226.810
Rural 201.616
Amapá 45.279 30.436
Urbano 37.862
Rural 7.417
Tocantins 85.440 51.901
Urbano 52.600
Rural 32.840
NORTE 1.195.305 807.345
Belém 128.008
Urbano 694.820
Rural 372.477
Nordeste Número de Indigentes (ROCHA)
População em extrema pobreza
(gov. fed.)
Maranhão 875.329 930.357
Urbano 325.777
Rural 549.552
Piauí 169.821 124.237
Urbano 118.532
Rural 51.289
Ceará 668.178 593.098
Fortaleza 176.489
Urbano 253.086
Rural 238.603
Rio Grande do Norte 181.522 127.463
Urbano 128.800
Rural 52.722
Paraíba 228.658 188.763
Urbano 147.580
70
Rural 81.078
Pernambuco 675.219 567.695
Recife 241.007
Urbano 263.574
Rural 170.638
Alagoas 317.204 299.648
Urbano 196.141
Rural 121.063
Sergipe 112.082 84.959
Urbano 78.096
Rural 33.986
Bahia 1.103.012 947.486
Salvador 201.395
Urbano 538.903
Rural 362.714
NORDESTE 4.331.025 3.863.706
Metropolitano 618.891
Urbano 2.050.489
Rural 1.661.645
Sudeste Número de Indigentes (ROCHA)
População em extrema pobreza
(gov. fed.)
Minas Gerais 615.163 343.285
Belo Horizonte 121.866
Urbano 372.647
Rural 120.650
Espírito Santo 138.836 60.564
Urbano 130.839
Rural 7.997
Rio de Janeiro 584.452 233.698
Metrópole 461.517
Urbano 105.809
Rural 17.126
São Paulo 1.175.588 376.300
Metrópole 591.592
Urbano 559.854
71
Rural 24.142
SUDESTE 2.514.039 1.013.847
Metropolitano 1.174.975
Urbano 1.169.149
Rural 169.915
Sul Número de Indigentes (ROCHA)
População em extrema pobreza
(gov. fed.)
Paraná 223.700 121.545
Curitiba 75.955
Urbano 133.037
Rural 14.708
Santa Catarina 104.374 45.119
Urbano 86.193
Rural 18.181
Rio Grande do Sul 264.374 131.229
Porto Alegre 116.087
Urbano 108.227
Rural 40.060
SUL 592.448 297.893
Metropolitano 192.042
Urbano 327.457
Rural 72.949
Centro-Oeste Número de Indigentes (ROCHA)
População em extrema pobreza
(gov. fed.)
Mato Grosso do Sul 72.192 42.658
Urbano 66.037
Rural 6.155
Mato Grosso 120.547 83.042
Urbano 78.135
Rural 42.412
Goiás 154.246 88.342
Urbano 137.542
Rural 16.704
72
Distrito Federal 63.435 23.640
CENTRO-OESTE 410.420 237.682
Metropolitano 63.435
Urbano 281.714
Rural 65.271
Fonte: elaboração própria com base na planilha “PNAD 2013 – Indicadores de Pobreza e de
Indigência (Sonia Rocha)” e na ferramenta PIC Social
73
ANEXO B: INDICADORES DE POBREZA (ROCHA/GOVERNO FEDERAL)
SEGUNDO REGIÕES, UNIDADES DA FEDERAÇÃO E ESTRATOS DE
RESIDÊNCIA – PNAD 2013
As tabelas abaixo trazem os resultados da contagem de Rocha e do IETS
para a pobreza no Brasil e, ao lado, a contagem do Governo Federal, ambas
tendo como referência os dados da PNAD 2013 e o ano de 2013.
Região
Número de pobres (ROCHA)
Número de pobres
(gov. fed.)
Norte 3.268.452 2.362.746
Nordeste 12.812.953 9.338.298
Sudeste 9.807.290 2.629.976
Sul 1.365.683 733.024
Centro-Oeste 1.980.025 520.214
BRASIL 29.234.403 15.584.208
Metropolitano 10.181.059
Urbano 13.960.928
Rural 5.092.416
Norte Número de pobres (ROCHA)
Número de pobres
(gov. fed.)
Rondônia 181.600 126.821
Urbano 149.697
Rural 31.903
Acre 152.941 131.335
Urbano 110.618
Rural 42.323
Amazonas 874.028 590.425
Urbano 711.974
Rural 162.054
Roraima 71.178 43.488
Urbano 61.058
Rural 10.120
74
Pará 1.625.684 1.228.673
Belém 463.651
Urbano 750.094
Rural 411.939
Amapá 145.552 89.533
Urbano 134.043
Rural 11.509
Tocantins 217.469 152.471
Urbano 169.476
Rural 47.993
NORTE 3.268.452 2.362.746
Belém 463.651
Urbano 2.086.960
Rural 717.841
Nordeste Número de pobres (ROCHA)
Número de pobres
(gov. fed.)
Maranhão 1.877.637 1.767.555
Urbano 905.443
Rural 972.194
Piauí 629.718 482.688
Urbano 425.701
Rural 204.017
Ceará 2.066.581 1.554.092
Fortaleza 736.358
Urbano 720.618
Rural 609.605
Rio Grande do Norte 582.640 399.084
Urbano 439.146
Rural 143.494
Paraíba 757.569 553.595
Urbano 567.541
Rural 190.028
Pernambuco 2.288.144 1.291.583
75
Recife 1.110.396
Urbano 813.965
Rural 363.783
Alagoas 846.899 674.966
Urbano 602.345
Rural 244.554
Sergipe 367.716 265.742
Urbano 297.948
Rural 69.768
Bahia 3.396.049 2.348.993
Salvador 834.055
Urbano 1.677.405
Rural 884.589
NORDESTE 12.812.953 9.338.298
Metropolitano 2.680.809
Urbano 6.450.112
Rural 3.682.032
Sudeste Número de pobres (ROCHA)
Número de pobres
(gov. fed.)
Minas Gerais 1.789.652 932.945
Belo Horizonte 581.638
Urbano 924.717
Rural 283.297
Espírito Santo 334.243 192.544
Urbano 310.820
Rural 23.423
Rio de Janeiro 2.400.407 540.247
Metrópole 2.004.700
Urbano 340.047
Rural 55.660
São Paulo 5.282.988 964.240
Metrópole 3.450.587
Urbano 1.754.231
Rural 78.170
MG/ES 2.123.895
76
Metropolitano 581.638
Urbano 1.235.537
Rural 306.720
SUDESTE 9.807.290 2.629.976
Metropolitano 6.036.925
Urbano 3.329.815
Rural 440.550
Sul Número de pobres (ROCHA)
Número de pobres
(gov. fed.)
Paraná 562.789 264.090
Curitiba 234.530
Urbano 286.144
Rural 42.115
Santa Catarina 216.826 117.844
Urbano 189.893
Rural 26.933
Rio Grande do Sul 586.068 351.090
Porto Alegre 264.886
Urbano 249.500
Rural 71.682
SUL 1.365.683 733.024
Metropolitano 499.416
Urbano 725.537
Rural 140.730
Centro-Oeste Número de pobres (ROCHA)
Número de pobres
(gov. fed.)
Mato Grosso do Sul 284.680 85.727
Urbano 270.732
Rural 13.948
Mato Grosso 378.179 147.779
Urbano 309.874
Rural 68.305
Goiás 816.908 221.493
Urbano 787.898
Rural 29.010
77
Distrito Federal 500.258 65.215
CENTRO-OESTE 1.980.025 520.214
Metropolitano 500.258
Urbano 1.368.504
Rural 111.263
Fonte: elaboração própria com base na planilha “PNAD 2013 – Indicadores de
Pobreza e de Indigência (Sonia Rocha)” e na ferramenta PIC Social
78
ANEXO C: TAXA DE URBANIZAÇÃO SEGUNDO UNIDADE FEDERATIVA
A taxa de urbanização é calculada pelo IBGE como a porcentagem da população
da área urbana em relação à população total.29
Região Taxa de urbanização
Norte 7461,00%
Nordeste 7334,00%
Sudeste 9316,00%
Sul 8554,00%
Centro-Oeste 9007,00%
BRASIL 8477,00%
Norte Rondônia 7351,00%
Acre 7117,00%
Amazonas 8317,00%
Roraima 8348,00%
Pará 6886,00%
Amapá 9000,00%
Tocantins 7593,00%
Nordeste Maranhão 5825,00%
Piauí 6840,00%
Ceará 7288,00%
Rio Grande do Norte 7863,00%
Paraíba 7962,00%
Pernambuco 8157,00%
Alagoas 7149,00%
Sergipe 7320,00%
Bahia 7390,00%
29 Conforme http://bit.ly/SoN4DQ. Acesso: 18 de novembro de 2015.
79
Sudeste Minas Gerais 8446,00%
Espírito Santo 8600,00%
Rio de Janeiro 9698,00%
São Paulo 9647,00%
Sul Paraná 8477,00%
Santa Catarina 8747,00%
Rio Grande do Sul 8489,00%
Centro-Oeste Mato Grosso do Sul 8968,00%
Mato Grosso 8253,00%
Goiás 9159,00%
Distrito Federal 9551,00%
Fonte: IBGE, PNAD 2013
80
ANEXO D: LINHAS DE INDIGÊNCIA E LINHAS DE POBREZA DE ROCHA
PARA OS ANOS DE 2011 E 2013
Regiões e Estados
Linha de indigência
(em R$) 2011
Linha de pobreza (em R$)
2011
Linha de indigência
(em R$) 2013
Linha de pobreza (em R$)
2013
Norte Belém 75,37 210,90 92,14 241,52 Urbano 74,18 183,84 90,69 210,53 Rural 48,96 92,23 60,81 105,61 Nordeste Fortaleza 70,52 198,03 87,95 229,25 Recife 90,72 292,27 110,45 336,09 Salvador 84,02 262,07 101,89 296,09 Urbano 61,66 176,96 75,49 202,61 Rural 53,56 106,74 65,58 122,21 M.G./E.S. Belo Horizonte 76,97 259,82 91,37 294,41 Urbano 66,34 174,68 78,76 197,93 Rural 53,22 103,41 63,18 117,17 Rio de Janeiro Metrópole 96,47 296,06 115,36 338,04 Urbano 70,03 184,21 83,74 210,33 Rural 55,31 134,47 66,14 153,54 São Paulo Metrópole 100,04 357,68 117,77 398,04 Urbano 81,65 228,56 96,11 254,35 Rural 64,21 143,79 75,58 160,01 Sul Curitiba 71,78 235,53 84,95 264,22 Porto Alegre 75,62 185,71 90,32 209,53 Urbano 66,69 158,18 79,30 177,89 Rural 52,60 106,64 62,54 119,93 Centro-Oeste Brasília 81,37 346,59 94,26 384,64 Goiânia 80,24 318,82 93,85 357,13 Urbano 69,83 242,75 81,67 271,92 Rural 52,57 139,42 61,48 156,17
Fonte: adaptado de ROCHA, 2013