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Universidade Federal do Tocantins Campus Universitário de Araguaína Disciplina: Literatura Portuguesa V: Modernidade Professora: Izabel Cristina dos Santos Acadêmica: Camila B. de Freitas 7º período de Letras Noturno Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago " Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso." (Saramago)

Literatura Portuguesa v-Ensaio Sobre a Cegueira

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Page 1: Literatura Portuguesa v-Ensaio Sobre a Cegueira

Universidade Federal do Tocantins

Campus Universitário de Araguaína

Disciplina: Literatura Portuguesa V: Modernidade

Professora: Izabel Cristina dos Santos

Acadêmica: Camila B. de Freitas

7º período de Letras Noturno

Ensaio Sobre a Cegueira de José Saramago

"Este é um livro francamente

terrível com o qual eu quero que o leitor

sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele

se descreve uma longa tortura. É um livro

brutal e violento e é simultaneamente uma

das experiências mais dolorosas da minha

vida. São 300 páginas de constante aflição.

Através da escrita, tentei dizer que não

somos bons e que é preciso que tenhamos

coragem para reconhecer isso." (Saramago)

Sobre o autor:

Filho e neto de camponeses, José Saramago nasceu na aldeia de Azinhaga,

província do Ribatejo, no dia 16 de Novembro de 1922, se bem que o registo oficial

mencione como data de nascimento o dia 18. Os seus pais migraram para Lisboa

quando ele não havia ainda completado dois anos. A maior parte da sua vida decorreu,

portanto, na capital, embora até aos primeiros anos da idade adulta fossem numerosas, e

por vezes prolongadas, as suas estadas na aldeia natal.

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Fez estudos secundários (liceais e técnicos) que, por dificuldades económicas,

não pôde prosseguir. O seu primeiro emprego foi como serralheiro mecânico, tendo

exercido depois diversas profissões: desenhador, funcionário da saúde e da previdência

social, tradutor, editor, jornalista. Publicou o seu primeiro livro, um romance,  Terra do

Pecado, em 1947, tendo estado depois largo tempo sem publicar (até 1966). Trabalhou

durante doze anos numa editora, onde exerceu funções de direcção literária e de

produção. Colaborou como crítico literário na revista  Seara Nova. Em 1972 e 1973 fez

parte da redacção do jornal Diário de Lisboa, onde foi comentador político, tendo

também coordenado, durante cerca de um ano, o suplemento cultural daquele

vespertino.

Pertenceu à primeira Direcção da Associação Portuguesa de Escritores e foi, de

1985 a 1994, presidente da Assembleia Geral da Sociedade Portuguesa de Autores.

Entre Abril e Novembro de 1975 foi director-adjunto do jornal  Diário de Notícias. A

partir de 1976 passou a viver exclusivamente do seu trabalho literário, primeiro como

tradutor, depois como autor. Casou com Pilar del Río em 1988 e em Fevereiro de 1993

decidiu repartir o seu tempo entre a sua residência habitual em Lisboa e a ilha de

Lanzarote, no arquipélago das Canárias (Espanha). Em 1998 foi-lhe atribuído o Prémio

Nobel de Literatura.

José Saramago faleceu a 18 de Junho de 2010.

Principais Obras:

José Saramago iniciou sua atividade literária em 1947, com o romance, Terra do

Pecado, só voltando a publicar (um livro de poemas) em 1966.

Atuou como crítico literário em revistas e trabalhou no Diário de Lisboa. Em

1975, tornou-se diretor-adjunto do jornal Diário de Notícias. Acusado pela ditadura de

Salazar, a partir de 1976 passou a viver de seus escritos, inicialmente como tradutor,

depois como autor.

Em 1980, alcança notoriedade com o livro Levantado do Chão, visto hoje como

seu primeiro grande romance. Memorial do Convento confirmaria esse sucesso dois

anos depois.

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Em 1991, publica O Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro censurado pelo

governo português - o que leva Saramago a exilar-se em Lanzarote, nas Ilhas Canárias

(Espanha), onde viveu até a morte. Foi ele o primeiro autor de língua portuguesa a

receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1998.

Entre seus outros livros estão os romances O Ano da Morte de Ricardo Reis

(1984), A Jangada de Pedra (1986), Ensaio sobre a Cegueira (1995), Todos os Nomes

(1997), e O Homem Duplicado (2002); a peça teatral In Nomine Dei (1993) e os dois

volumes de diários recolhidos nos Cadernos de Lanzarote (1994-7).

Contexto do Surgimento da Obra

O conflito em Ensaio sobre a cegueira pode ser interpretado da seguinte forma:

Indivíduo X Coletivo, ou ainda, Ser humano X Sociedade. Isso porque o texto todo

dialoga com a ideia de convivência social, ou seja, o ser humano e os seus modos de

sobreviver e de interagir com os outros seres humanos e com o seu meio. Dessa

maneira, o tema da obra é a sociedade humana, ou seja, o modelo da sociedade

ocidental do século XX – uma estrutura aparentemente organizada, desenvolvida, onde

há, por exemplo, abastecimento de água tratada, sistema de distribuição de luz elétrica,

meios de comunicação eficientes, entre outros elementos; assim, verifica-se na obra a

estruturação dessa sociedade, o conceito que dela se cria e a sua prática social. Os

principais motivos que podem estar vinculados a esse tema são: individualismo,

egoísmo, compaixão, apego excessivo aos bens materiais, oportunismo, autoridade,

tirania, crença, família, religiosidade, solidariedade, desconfiança, medo, moralidade,

hipocrisia, indiferença e morte.

A obra de Saramago, ao criar uma situação da formação de uma nova estrutura

social com a epidemia de uma cegueira branca, apresenta valores, por meio das ações e

dos discursos das personagens, que denunciam o comodismo e a adaptação humana ao

seu meio e, além disso, o modo como tais valores dos indivíduos são condicionados

socialmente, isto é, em linhas gerais, dependendo da estrutura sociocultural, o ser

humano age e pensa de maneira diferenciada. Com a instauração de uma sociedade de

cegos, os valores mudam, mas as pessoas, por vezes, demonstram estarem ainda

apegadas aos valores da sociedade capitalista do século XX.

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Resumo Crítico

Ensaio Sobre a Cegueira aborda uma sociedade que se viu assolada por uma

epidemia de cegueira branca inexplicável, sem cura, sem precedentes que acaba sendo

disseminada por toda a cidade. Primeiramente, manifesta-se em um homem no trânsito e

vai se alastrando por toda a população, poupando apenas uma mulher. À medida que os

infectados pela epidemia são colocados em quarentena num sanatório, as condições

desumanas vão se agravando. A falta de alimento causada pela superlotação faz

intensificar a degradação dos confinados.

A cegueira branca representa no romance não só a impossibilidade física de

enxergar, mas também a alienação em que a sociedade está mergulhada. Essa conotação

edifica na cegueira branca uma verdadeira metáfora. A alienação é a cegueira que não é

fisiológica, mas também impede de enxergar, ou “reparar” a realidade social, como

sugere a epígrafe. Essa cegueira desencadeia uma série de situações caóticas; da

podridão gerada pelo acúmulo de fezes e de lixo pelo chão, ao abuso sexual em troca de

comida. O alcance semântico que a obra almeja reflete a perda da essência humana na

modernidade, resultado do individualismo, em detrimento da capacidade de indignação

perante os desconfortos causados por um mundo violento e regido pela frágil figura

estatal.

Sobre a relação do título com o conteúdo da obra, podemos identificar, mais uma

vez, a perspicácia do Nobel de Literatura. Ensaio sobre a Cegueira tem o formato de

romance (texto ficcional em prosa com pluralidade e simultaneidade dramáticas), no

entanto, como o título anuncia, há, em suas entrelinhas, um verdadeiro ensaio (texto

crítico onde o autor expõe suas idéias e reflexões a cerca de um tema). A narrativa

ficcional dá forma artística aos elementos pertencentes à forma ensaística. À medida

que os fatos acontecem na narrativa, vão se desenhando as críticas de forte teor social.

A protagonista da história é a “mulher do médico”, pois é a única não atingida

pela cegueira branca. É como uma líder para o grupo, guiando-os para todos os lugares.

Mulher forte, sensível, preocupada com o bem-estar do grupo. Nela se centra o

sofrimento de enxergar, quando todos estão cegos. O sofrimento de poder ver a

degradação provocada pela epidemia de cegueira branca. A personagem supera o papel

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de submissão e silêncio imposto às mulheres há séculos, assumindo o poder de decisão

sobre o destino do grupo. Supera a crença de inferioridade que comumente é atribuída a

elas. A solidariedade, sensibilidade, compaixão, da figura feminina contrapõe-se a

agressividade, perversidade que há também na sociedade de cegos. Há, portanto, no

romance-ensaio de Saramago, uma crítica feroz à sociedade patriarcal.

Ainda como influência direta na obra, podemos notar alguns reflexos das ideias

políticas de Saramago. São os sutis traços marxistas que, em suma, traduzem que a

valorização do mundo das coisas aumenta, em proporção direta, a desvalorização do

mundo dos homens. Desse modo, a sociedade obcecada por valores materiais não

enxerga a sua própria essência.

O Ensaio sobre a Cegueira tece crítica à sociedade capitalista, não no tom

explícito da literatura engajada, mas sim na sutileza de uma prosa envolvente. A

situação caótica narrada no livro evidencia a duplicidade de atitudes estabelecidas pelo

indivíduo na atual estrutura social; o humano e o desumano, a solidariedade e a

perversão. O homem se vê desumanizado. “Cegos que, vendo, não vêem."

Inserção da obra no Pós - Moderno

A obra Ensaio sobre a cegueira (1995) retrata a temática da condição humana em

sociedade, demonstrando valores socioculturais criados e mantidos na estrutura

sociopolítica nas obras, além de traduzirem, nas narrativas, as contradições humanas

vivenciadas pelas personagens nas suas ações e seus pensamentos.

Para chegar a essas formas de questionamento, a escrita contemporânea lança

mão de uma nova estética, que traz um novo modelo. O pós-modernismo é contra os

modelos, e cria um modelo ‘contra modelo’, levando à ideia de obra aberta, como

proposta de um campo de possibilidades interpretativas, como configuração de

estímulos dotados de uma substancial indeterminação, de maneira a induzir o leitor a

uma série de leituras sempre variáveis.

Vemos que as questões de linguagem são as primeiras que se colocam e elas

chocam o leitor logo nas primeiras páginas. As palavras são postas na folha sem se

aterem ao formato normal, isto é, existem poucos pontos finais. A maioria da pontuação

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é feita por vírgulas, e há o uso, algumas vezes, de letra maiúscula mesmo sem que a

sentença seja iniciada por nomes próprios.

Fica claro que o autor não pretende seguir um padrão gramatical de pontuação, e

a ausência de padronização causa uma confusão no leitor que, em alguns momentos,

não sabe que caminho seguir. Essa construção aliada a outros fatores cria mais rotas de

interpretação, formulando um discurso aberto que é um chamado à responsabilidade, à

escolha individual, é um desafio e um estímulo para a imaginação e para a inteligência.

Por isso a arte contemporânea é sempre difícil e imprevisível, não quer agradar e

consolar quer colocar problemas, renovar nossa percepção e o nosso modo de

compreender as coisas, gerar uma sensação de desconforto frente ao mundo e exige um

esforço do leitor para conseguir o entendimento. Assim, o autor faz com que ele perceba

as dubiedades do texto.

Tema mais interessante

Um tema que me chamou muito atenção, dentre tantos outros nesse magnífico

livro, foi o fato de todos os personagens da narrativa não possuírem nome próprio.

Em Ensaio sobre a cegueira, Saramago opta pelo anonimato das personagens, como

uma maneira de universalizar a experiência, abrangendo todas as pessoas, todos os

nomes. Ao fazê-lo somos levados para o universo ficcional e experimentamos a cada

página a dolorosa trajetória das personagens do romance.

Ensaio Sobre a Cegueira, de José Saramago, é um livro que nos faz enxergar e,

muito mais do que isso, nos faz temer a própria humanidade frente a uma situação de

caos. A partir de uma súbita e inexplicável epidemia de cegueira, Saramago nos guia

para a desorganização e a superação dos valores mais básicos da sociedade,

transformando seus personagens em animais egoístas na sua luta pela sobrevivência.

O Ensaio sobre a cegueira é a fantasia de um autor que nos faz lembrar "a

responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam". José Saramago nos dá,

aqui, uma imagem aterradora e comovente de tempos sombrios, à beira de um novo

milênio, impondo-se à companhia dos maiores visionários modernos. Num ponto onde

se cruzam literatura e sabedoria, José Saramago nos obriga a parar, fechar os olhos e

ver. Recuperar a lucidez, resgatar o afeto: essas são as tarefas do escritor e de cada

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leitor, diante da pressão dos tempos e do que se perdeu: "uma coisa que não tem nome,

essa coisa é o que somos".

Referência Bibliográfica

SARAMAGO, José. Ensaio sobre a cegueira. 19 º. ed. São Paulo: Cia. das

Letras, 2001.

Disponível em:

<http://josesaramago.blogs.sapo.pt/95699.html> Acesso em: 20/11/2011 às

23:10:34

< http://caderno.josesaramago.org/ > Acesso em: 25/11/2011 às 11:05:56.

<http://educacao.uol.com.br/biografias/jose-saramago.jhtm> Acesso em:

27/11/2011 às 22:00:01.