Livro o Agente Comunitário de Saúde Educação Em Saúde Práticas educativas

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  • 8/12/2019 Livro o Agente Comunitrio de Sade Educao Em Sade Prticas educativas

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    Reitor

    FERNANDO FERREIRA COSTA

    Coordenador Gera l da Universidade

    EDGAR SALVADORI DE DECCA

    Conselho Editorial

    Presidente

    PAULO FRANCHETTI

    ALCIR PCORA - CHRISTIANO LYRA FILHO

    JOS A. R. GONTIJO - JOS ROBERTO ZAN

    MARCELO KNOBEL - MARCO ANTONIO ZAGO

    SEDI HIRANO - SILVIA HUNOLD LARA

    O R G A N I Z A O

    F I O L U I Z M I L H E

    o G E N T E C O M U N I T R I O D E S D E

    P R T IC S E D U C T l V S

    l e o I T O R A

    MiM MMMW J

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    S U M R I O

    A P R E S E N T A O

    F bi o l uiz Mia lhe .......... ..... ... .......... 9

    A S A DE D A F AM L IA N O B RA SI L E S E US A G E NT ES

    5am ue l Jorge M oyss

    . 13

    E D U C A O E M S A D E N O M UN DO C ON TE M PO R N EO : S E U D RA M A E S E U C EN R IO

    Ferna ndo leie vre e A n a M a ri a [ av al ca nti le tevre

    41

    E D U C A O E M S A D E E O T R AB AL H O D O S A G EN TE S C OM U N IT R IO S D E S A D E

    H ele na M aria 5c he rl ow sk i le al D avid

    . 51

    O S D IS C U RS OS D OS A G E N T E S C O M U N IT R IO S D E S A DE S O BR E S UA S P R TIC AS

    E D U C A T l V A S

    Fb io lu iz M ia lhe

    e

    H elena M aria 5cherlow ski lea l D avid

    . 83

    I N I N O E M S E R V i O P A R A O D E S EN V O LV IM E N TO D E P R T IC AS E D U C A T lV AS N O

    II ~ P E L O S A G E N T E S C O M U N IT R IO S D E S A D E

    1 l rllI Ro nd e lo D uarte

    ..................... .. 121

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    o A G E N T E O M U N IT A R IO D E S A D E

    balho dirio, vrias dificuldades para a realizao dessas atividades foram

    compartilhadas pelos agentes, tais como a falta de capacitao para exer-

    c-Ias, a resistncia de certos usurios em receb-I os e a pouca aderncia

    da populao s orientaes transmitidas. Evidenciou-se, a par tir dos

    discursos analisados, uma contradio importante entre as metas e os

    indicadores de sade, muitas vezes buscados pelos sistemas de sade, e

    os limites da vida das pessoas .

    Lcia Rondelo Duarte, no captulo 5, Ensino em servio para o

    desenvolvimento de prticas educativas no SUS pelos Agentes Comu-

    ni trios de Sade , aborda a importnc ia de se conceber programas de

    capacitao para o desenvolvimento de habilidades e potencialidades

    dos ACS, que sejam construdos com eles e no para eles , por meio

    de prticas educativas problematizadoras. A autora relata algumas ex-

    perincias de construo compartilhada de conhecimento junto aos ACS

    na busca de emancipao, empoderamento e autoestima deles. Nesse

    sentido, aponta e discute a importncia de processos de educao per-

    manente como possibilidade transformadora das prticas educativas dos

    profissionais de sade.

    Este l ivro procura contr ibuir, ass im, com contedos s ignificativos

    para asatividades de decncia e inves tigao em instituies de ens ino

    e pesquisa, bem como para o for talecimento de processos de educao

    permanente no mbito do SUS.

    necessrio registrar, por fim, o profundo agradecimento a todos

    os autores que acei taram comparti lhar relevantes conhecimentos e ex-

    perincias, essenciais para garantir qualquer mri to que se atribua a esta

    coletnea.

    Este captulo recupera a literatura cr tica recente, focada na anlise do

    contedo das prti cas de Sade da Faml ia no Brasil , como alice rce

    do sistema de servios de sade estruturado na ateno primria. A

    seguir, fei ta uma breve discusso sobre a composio rnultiprofissio-

    na l da ateno primria orientada para a fam lia , bem como dos agen-

    tes - no sentido de operadores ou praticantes - que deveriam

    representa r, por meio do Estado, os inte resses da sociedade por mais

    sade, com nfase no papel que pode ser representado pelo Agente

    Comunitrio de Sade (ACS). A lt ima seo apresenta uma conside-

    rao sobre possibilidades futuras de consolidao da Sade da Fam-

    lia, com base em condicionantes conjuntura is e deterrninantes est ru-

    turais da realidade brasileira.

    A S A D E D A F A M L I A N O B R A S i l E S E U S A G E N T E S

    S a m ue l Jo rge M o y s s

    I N T R O D U O

    F b io Lu i z M ia lh e

    1 1 : \

    um relativo consenso internacional, atualmente, de que todo sistema

    Ik

    servios de sade deve possuir duas metas principais (Starfield,

    2002).

    /\ primeira objetiva a melhoria da sade da populao por meio do

    ('1I1prego do estado mais avanado do conhecimento sobre o processo

    ..lId -doena, abordando determinantes sociais e causas biolgicas das

    A T EN O P R IM A R IA

    S A D E A P S E O S D E S AF IO S D A IM PL A N TA O D A

    E S T R A T G IA D E S A D E D A F AM L IA E S F N O S IS TE M A N IC O D E S A D E

    D O B R A SI L S U S

    12

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    o A GE NT E C O M U N I T RIO D E S A D E

    enfermidades, promoo e vigilncia da sade, preveno das doenas,

    manejo de fatores protet ivos e fatores de r isco, reduo de danos, assis-

    tncia clnica ampliada e monitoramento/avaliao da sade. A segun-

    da meta visa

    minimizao das iniquidades entre subgrupos popula-

    cionais, de modo que determinados grupos no estejam em desvantagem

    sistemtica em re lao ao acesso e uti lizao efet iva dos servios de

    sade e ao alcance de um t imo nvel de sade.

    Tais metas devem servir de guia para cinco grupos principais de p-

    blicos interessados:

    1 os profissionais de sade, que devem entender o que fazem e por que

    o fazem, com a advertncia de que, embora trabalhar com o processo

    sade-doena das pessoas consti tua seu meio de vida, o inte resse

    meramente pecunirio e a ins trumentalizao dos servios de sade

    para finalidades corporativas mercantis devem ser cabalmente rejei-

    tados;

    2

    os educadores/formadores de profissionais de sade, que desejam

    uma base tica e pedagogicamente libertadora para pensar a respei-

    to de suas abordagens para a aprendizagem;

    3) os pesquisadores , que podem encontrar problemas, conceitos e m-

    todos para direcionar seu trabalho, perseguindo o mrito cientf ico

    e a relevncia social;

    4) os formuladores de polti ca, que se beneficia ri am com uma melhor

    apreciao das dif iculdades e dos desafios da ateno sade e de sua

    importncia;

    5) os cidados-consumidores dos servios de sade, os quais podem

    achar til entender e interpretar suas prprias experincias, encon-

    trando respostas efetivas para seus problemas (Starfield, 2002) .

    Para o alcance dessas metas e sua congruncia com os respectivos

    grupos de interesse, h dcadas vem sendo constituda uma agenda pro-

    positiva em que se salienta o valor int rnseco e as fortalezas de sistemas

    de servios de sade estruturados sob o princpio da Ateno Primria

    Sade (APS). So marcos histricos referenciais para a defesa e cons-

    truo de tal agenda poltico-sanitria a Declarao deAlma-Ara (WHO,

    1978; Mahler, 1988; Tarimo eWebster, 1997; Montegut , 2007; Lawn er

    al., 2008) e a Carta de Lubliana (WHO, 1999).

    4

    A S A D E D A FA M fuA N O B R A S i l E S E U S A G E N T E S

    Em Alma-Ata, numa conferncia realizada entre 6 e 12de setembro

    de 1978, na Repblica do Casaquisto (ex-URSS), na cer imnia de aber-

    tura e diante de quase 3 mil delegados de 134 governos e 67 organizaes

    internacionais, o diretor geral da Organizao Mundial da Sade (OMS),

    Halfdan T. Mahler, desafiou os presentes com 8 perguntas contunden-

    tesque pediam ao imediata (WHO, 1978; Unicef, 1979; Opas, 2005).

    Duas perguntas, especialmente audaciosas, foram proferidas:

    1) Voc est pronto para introduzir, se necessrio, mudanas radicais

    no sistema de sade existente, de forma que ele venha dar adequado

    suporte aos cuidados primrios de sade como a prior idade maior?

    2) Voc est pronto para lutar as batalhas polticas e tcnicas exigidas

    para superar qualquer obstculo social e econmico e resistncia pro-

    f issional introduo universal dos cuidados primrios de sade?

    Trs ideias-chave fundamentaram a Declarao de Alma-Ata : o

    uso de tecnologia de sade adequada, a nfase na formao e prtica

    profissional geral para fazer frente ao excesso de especializao e o con-

    ceito de sade como instrumento para o desenvolvimento.

    Os quatro princpios bsicos decorrentes so:

    1 a estruturao dos sistemas de sade atravs da organizao dos cui-

    dados primrios;

    2 os cuidados primrios organizados em redes de APS, no interior de

    sistemas nacionais de sade, para possibili tar a construo da equi-

    dade em sade;

    3) o direito sade como uma conquis ta da cidadania e decorrente do

    controle social dos s is temas de sade;

    t

    a ao intersetorial e a par ticipao cidad como pr-requisiros per-

    manentes para assegurar o di reito sade.

    Cerca de um ano depois da publicao da Declarao de Alma-Ata ,

    1IIIIainterpretao diferente de APS surgiu. A Fundao Rockefeller,

    111

    forte apoio do Banco Mundial, patrocinou, em 1979, uma conte-

    lIeia intitulada Sade e Populao em Desenvolvimento, realizada em

    Ikll.lgio, na Itlia. O termo de refe rncia ut ili zado foi o art igo Cuida-

    tlo/. primrios seletivos de sade: uma estratgia interina para o controle

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    o A G EN T E C OM U NI T A R IO O E S A O O E

    de doenas em pases em desenvolvimento (Walsh e Warren, 1979). Os

    par ticipantes no cri ticaram a Declarao de Alma-Ata abertamente,

    mas apresentaram uma estratgia reducionista, pela qual poderiam ser

    desenvolvidos servios bsicos de sade. Isso s ignificou um pacote de

    intervenes tcnicas de baixo custo, para tentar resolver os principais

    problemas de sade materno-infanti l de pases pobres. As intervenes

    foram reduzidas a quatro e eram conhecidas pelo acrnimo Gobi - em

    lngua inglesa representando monitoramento do crescimento infantil,

    tcnica de reidratao oral, amamentao e imunizao . Pouco mais

    tarde, o acrnimo tornou-se Gobi-FFF (para contemplar a suplernenta-

    o alimentar , a escolar izao de mes e o planejamento familiar).

    Com o predomnio da APS seletiva, conforme consenso de Bellagio,

    o compromisso internacional firmado pelos governos nacionai s em

    Alma-Ata foi precariamente atendido, j que a grande meta da confe-

    rncia e os principais termos sociais e polt icos nela contidos no foram

    entendidos corretamente. Sade no foi compreendida em toda sua

    complexidade socioeconmica, faltando entender como outras reas,

    como educao e trabalho, serelacionam com ela. APStambm foi uma

    expresso subestimada, talvez por ser equivocadamente relacionada com

    ateno bsica rural, de baixa complexidade, sem especializao, quan-

    do, na verdade, ela d e alta complexidade (embora de baixa densidade

    em termos de tecnologias duras ) , voltando-se para o desafio de atender

    tambm s sociedades urbanas complexas (Starfield, 2001a; Caminal et

    al. , 2004; Gen-Badia et al., 2008; Lawn et al., 2008).

    Em contraponto a tal agenda em favor de uma APS abrangente, ou-

    tro movimento constitutivo da sade seconsolidou internacionalmente

    (Grodos e De Bethune, 1998; Mahler , 1988; Venediktov, 1998; Hall e

    Taylor, 2003; Maciocco e Stefanini, 2007) . Dessa forma, fortes interesses

    pol ticos, econmicos e profissiona is disputaram out ra agenda , que se

    afirmou hegemonicamente nas dcadas seguintes, com base em interes-

    ses e prt icas sanitr ias de mercado, em sociedades ricas ps-industria-

    lizadas e pases emergentes, (sub)investindo em umaAPS seletiva, focali-

    zadora de problemas atinentes s camadas mais pobres da populao

    (Cueto, 2004; Brown, Cueto e Fee, 2006).

    Quanto ao Brasil, atravessou quase todos os anos de 1970 a 1980 na

    contramo da histria democrtica, sob um duro regime militar que

    privilegiou a priv,a tizao do setor de sade. Nem sequer esteve presen-

    6

    A SA O O E D A FA M l u A N O B R A S i l E S EU S A G E N TE S

    te em Alma-Ata, apenas ratificando, em 1979, a meta de Sade para

    todos no ano 2000 , na 32' Assembleia da OMS, para no ficar de fora

    do conjunto de 134 pa ses que a subscreveram (Aleixo, 2002).

    Em quase todos ospases, asprofisses da rea de sade ficaram mais

    fragmentadas, com um crescente estreitamento especializado de inte-

    resses e competncias e um enfoque naturalizado e tecnificado sobre

    doenas especficas, sobrepondo-se ao enfoque desejvel da sade geral

    das pessoas e comunidades, centrado em trabalhadores da ateno pri-

    mria abrangente. A ateno especializada geralmente exige mais recu r-

    sos do que a ateno primria porque enfa tizado o desenvolvimento e

    o uso de tecnologia cara para manter viva a pessoa doente, em vez de

    dar nfase s intervenes de promoo da sade, preveno de en-

    fermidades ou reduo do desconforto causado pelas doenas mais

    comuns , que no ameaam a vida. Embora sejaposs vel que a tendncia

    especializao baseada no conhecimento mais atual oferea uma aten-

    o efetiva a doenas individuais, improvvel que produza uma ateno

    primria altamente efetiva, com impacto epidemiolgico posit ivo sobre

    a populao (Starfield, 2002).

    Vuori (1985) vislumbrou quatro formas de pr em foco a APS:

    1

    como um conjunto de atividades clnicas;

    2) como um nvel da ateno;

    3) como uma estratgia para organiza r a ateno sade ;

    4) como uma filosofia que permeia a ateno sade.

    Para Starfield (2002), a primeira delas incua, j que no existe um

    conjunto de tarefas ou atividades clnicas exclusivas, pois, virtualmente,

    todos os tipos de atividades clnicas (como diagnstico, preveno, exa-

    mes e vrias estratgias para o monitoramento clnico) so caractersti-

    cos de todos os nvei s de ateno. Em vez disso, aAPS uma abordagem

    que forma a base e determina o trabalho de todos os outros nveis dos

    sistemas de sade . Ela integra a ateno quando h mais de um proble-

    ma de sade e l ida com o contexto no qual a doena existe e influencia

    a respos ta das pessoas a seus problemas de sade. a ateno que orga-

    niza e racionaliza o uso de todos os recursos, tanto bsicos como espe-

    rializados, direcionados para a promoo, manuteno e melhora da

    snde

    o nvel de um sistema de servio de sade que oferece a entra-

    17

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    o A G E N T E C O M U N IT RIO D E S A D E

    da e ateno no sistema para todas as novas necessidades e problemas

    da pessoa, sua famlia e comunidade, no decorrer do tempo; fornece

    ateno para todas as condies, exceto as muito incomuns ou raras;

    coordena ou integra a ateno fornecida em algum outro lugar ou por

    terceiros. A APS tambm compartilha caractersticas com outros nveis

    dos s istemas de sade: responsabilidade pelo acesso, pela qualidade e

    pelos custos; ateno preveno, bem como ao tratamento e reabi-

    litao; trabalho em equipe (Starfield et al., 2005).

    Em alguns sistemas de sade, como no Brasil, vem acontecendo um

    processo de sinergia entre a estratgia APS e o enfoque de sade familiar

    (Gil, 2006; Conill, 2008). Percebe-se que o Sistema nico de Sade

    (SUS) segue alguns pontos acordados na Conferncia de Alma-Ata. Pri-

    meiramente, a Sade para todos u m dos princpios constitucionais

    norteadores do SUS, expresso jus tamente na universal idade no a tendi-

    mento. Isso assumido legalmente como polt ica de Estado, como des-

    creve a declarao, ao dizer quel os governos tm responsabilidade sobre

    a sade da populao . Quando ela diz que o povo tem o direi to e o

    dever de participar individual ou coletivamente no planejamento e na

    implementao da ateno sade , isso pode ser encarado como uma

    meno prtica do controle social, implementado por lei no Brasil

    desde 1990. Outro ponto da declarao, respeitado no Brasil, exata-

    mente colocar a APS c omo foco das aes para o setor.

    No caso brasileiro, a nfase estratgica foi posta nas aes do Pro-

    grama de Sade da Famlia (PSF), criado pelo Ministrio da Sade em

    1994. Sob a designao de programa , que sugeria uma interveno

    vertical do governo federal, essa uma abordagem que se consolida a

    parti r de 1998, na perspectiva de estratgia est ruturante de um modelo

    de ateno sade, com aes pautadas nos princpios: da territoriali-

    zao, da intersetorialidade, da descentralizao, da corresponsabilizao

    e da equidade, priorizando grupos populacionais com maior risco de

    adoecer ou morre r, ou seja, em consonncia com os princpios do Sis-

    tema nico de Sade - SUS (Brasil, 1994; Trad e Bastos, 1998; Brasil,

    1999,2000,2003,2006; Santana e Carmagnani, 2001; Aleixo, 2002; An-

    tana e Carmagnani, 2001; Andrade et al., 2006; Gil, 2006).

    A rigor , um antecedente importante foi a implantao do Programa

    de Agentes Comunitrios de Sade do Cear (1987), no mbito da pro-

    posta de abertura de frentes de trabalho para a populao vit imada

    8

    A S A D E D A FA M fu A N O B RA S i l E S EU S A G E N TE S

    pela seca. Na sequncia (1991), foi criado o Programa Nacional de Agen-

    tes Comunitrios de Sade (Pnacs), com o propsito de contribuir para

    a municipalizao e a implantao do SUS, com possibilidade de acesso

    universal

    ateno primria. Em 1992, o Pnacs perdeu o termo nacio-

    nal, chamando-se Pacs (Silva e Dalmaso, 2002). Subsequentemente, o

    PSF no Brasil foi implantado, minimamente composto por uma equipe

    de sade formada por um mdico, um enfermeiro, um auxiliar de en-

    fermagem e quat ro a sei s agentes comunitrios de sade (ACS).A partir

    do ano 2000, foram includas as equipes de sade bucal e, mais recen-

    temente ainda (2008), outras profisses passaram a compor os Ncleos

    de Apoio

    Sade da Famlia (Nasf).

    Avaliar, numa perspectiva abrangente, os caminhos da institucio-

    nalizao da APS/Sade da Famlia no Brasil no tarefa s imples, mas

    impe-se como necessria (Brasil, 2005a). Um conjunto de iniciativas

    oficiais, de parte do Ministrio da Sade , bem como pesquisas avaliati-

    vas independentes tm sido publicadas por diversos autores, visando a

    dar conta da tarefa de no s avaliar, mas recomendar ajustes e aperfei-

    oamentos quanto aos problemas detectados. O caminho escolhido para

    a reviso processada a seguir, neste texto, dar realce, principalmente,

    aos aspectos cr ticos relacionados com a fora de trabalho em APS/Sa-

    de da Famlia no Brasil contemporneo.

    R E V IS O C R IT IC N R R T IV D E L G U M S E X P E R I ~ NC IA S E P E S Q U I S S

    V L l T l V S

    Objetivando contr ibuir com essa discusso, uma das primeiras pesqui-

    sas patrocinadas pelo Ministrio da Sade (Brasil, 2006) forneceu uma

    anlise ecolgica descritiva do comportamento evolutivo de alguns indi-

    cadores importantes para o rnonitoramenro e a avaliao das aes de-

    scnvolvidas na APS/Sade da Famlia, no que se re fere sade da crian-

    ~'a,da mulher e do adulto. A menor unidade de an lise levou em conta

    municpios agrupados segundo a cobertura do PSF do ano de 2004. A

    .mn lise foi rea li zada para o Brasil e, tambm, particularizada por faixa

    de lndice de Desenvolvimento Humano (IDH) dos municpios. Nesse

    ('sludo identificou-se, para o conjunto de indicadores de sade analisa-

    I IS,

    a tendncia de evoluo favorvel para o Brasil entre 1998 e 2004.

    9

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    o A G E N TE C O M U N I T R IO D E S A D E

    Os indicadores relacionados morbimortalidade declinaram e os que

    refletem a cobertura dos servios cresceram significativamente. A magni-

    tude dessa variao most rou-se, em geral, mais intensa nos estratos de

    cobertura mais elevada do PSF. Na anl ise, por faixa de IDH, esse com-

    portamento foi evidenciado com mais frequncia no agrupamento de

    municpios com IDH baixo. Os resultados sugerem que a ampliao da

    cobertura de servios na ateno bsica, nas regies mais desfavorveis,

    a partir da expanso do PSF, est contribuindo posit ivamente para

    reduz ir os di ferencia is no acesso e na prestao dos servios de sade

    no Brasil.

    Out ro estudo (Brasil, 2004) , cujo recorte temporal de anlise (2001-

    2002) est contido no corte c ronolgico do estudo citado no pargrafo

    anter ior, buscou caracterizar o processo de implantao das equipes de

    sade da fam lia e sade bucal no Brasil , quanto infraest rutura das

    unidades, gesto e ao processo de trabalho das equipes luz dos prin-

    cpios e diretrizes do PSF no pas. Com uma srie de limitaes apon-

    tadas no seu rela trio tcnico, o estudo teve carter censitrio, sendo

    realizado em todas as unidades da federao com equipes cadastradas

    no Sistema de Informao da Ateno Bsica (Siab), no ms anterior

    coleta de dados. Foram visitadas 13.501 equipes de sade da fam li a e

    2.558 de sade bucal, em 3.778 (67,9%) municpios brasileiros. Foi ele-

    vado o nmero de equipes de sade da famlia e de sade bucal com

    menos de um ano de funcionamento, o que demonstra que o PSF, em

    muitos estados, se encontrava, no momento da pesquisa, em fase de

    implantao. A opo pe la realizao de um censo respondeu neces-

    sria funo de controle e regulao do sistema, servindo para a identi-

    ficao e desabilitao de uma srie de equipes que apresentavam graves

    irregular idades , como inexistncia de equipe cadas trada e recebendo

    recursos do SUS; equipes incompletas, que no atendiam composio

    mnima estabelecida pelo Min istrio da Sade ; equipes sem estrutura

    fs ica para realizao de suas atividades e sem o cumprimento da carga

    horr ia de 40 horas semanais pelos profissionais de sade.

    Por outro lado, em torno de 80% das equipes de sade da famlia

    estavam atuando de acordo com os parmetros de adscrio de clientela

    preconizados. A quase totalidade das equipes de sade da famlia e a

    maioria das equipes de sade bucal conheciam sua rea de abrangncia.

    A grande maioria dos membros das equipes participava de reunies

    2

    A S A D E D A F A M fU A N O B RA S IL E S E U S A G EN T ES

    internas para planejamento, embora, em relao a reunies com a co-

    munidade, a participao tenha ficado em torno de 40% a 50%. Obser-

    vou-se que todas ascategorias profissionais realizavam visita domiciliar,

    com percentuais superiores a 90% para mdicos, enfermeiros, auxiliares

    de enfermagem e ACS.A realizao de atividades educativas foi referida

    pelas equipes para todas ascategorias profissionais pesquisadas, varian-

    do entre os pro fissionais de 63% a 77%, demonstrando a incorporao

    dessas atividades, porm em patamares que ainda necessi tavam ser in-

    crementados, dada a importncia dessas aes na promoo da sade.

    Considerando que 100% das equipes deveriam ter realizado o treina-

    mento introdutrio, os percentuais observados foram muito aqum do

    esperado, especialmente na regio Norte. Para o treinamento do Siab,

    revelou-se maior insufic incia, o que compromete a utilizao dessa

    ferramenta para o monitoramento e a avaliao das aes de sade. Os

    resultados demonstraram que o apoio diagnstico e a referncia para

    ateno especializada ainda foram insuficientes para garantir a resolubi-

    l idade e a cont inuidade da ateno spopulaes assistidas. Em muitas

    das equipes, os equipamentos mais bsicos para o tr abalho no estavam

    disponveis (mais evidenciado em alguns estados das regies Norte e

    Nordeste ) ou tinham sua disponibilidade muito aqum da desejada, em

    face das expectativas de resolubilidade das equipes de sade da famlia.

    O pequeno tempo de permanncia dos profissionais nas equipes , espe-

    cialmente osmdicos , constitua fator l imitante para o trabalho, dificul-

    tando desde a qualificao dos profissionais at o desempenho das aes,

    tendo em vista a necess idade de adeso e incorporao de novos valores

    e o exerccio de novas prticas de sade. Ascargas horrias efetivamente

    cumpridas foram sistematicamente in feriores scontratadas, especial-

    mente para os mdicos e cirurgies-dentis tas, apesar de que muitos t i-

    nham vnculos trabalhistas precrios.

    Uma terceira pesquisa, sob responsabil idade do Ministrio da

    Sa

    de/Fiocruz, com recursos de doao do governo japons , administrados

    pelo Banco Internacional para Reconstruo e Desenvolvimento (Bird),

    roi publicada em 2005 (Brasil, 2005b). O objetivo central foi analisar

    htores facilitadores e imitantes da implementao da ESF em dez gran-

    des centros urbanos, no que concerne ao estabelecimento de vnculos

    entre a Equipe de Sade da Famlia (EqSF)e a comunidade , converso

    1 1

    modelo de ateno sade nas unidades bsicas e sua articulao

  • 8/12/2019 Livro o Agente Comunitrio de Sade Educao Em Sade Prticas educativas

    8/15

    o A G E N T E C OM U NI T R IO D E S A DE

    com a rede de servios de sade. Os centros urbanos foram agrupados,

    segundo o porte populacional, entre

    100

    e

    200

    mil habitantes - Cama-

    ragibe

    (PE)

    e Palmas

    (TO);

    entre

    200

    e

    500

    mil habitantes - Vitria da

    Conquista

    (BA),

    Vitria

    (ES)

    e Aracaju

    (SE);

    e acima de

    500

    mil habitan-

    tes - So Gonalo (RJ), Campinas (SP), Manaus

    (AM),

    Goinia

    (GO)

    e Braslia (DF). As principais concluses e recomendaes so destacadas

    a segUIr:

    1)

    h resistncias de importantes atores, especialmente nas experincias

    de substituio da rede bs ica estruturada, exigindo estratgias abran-

    gentes de ampliao da base de apoio, com sensibilizao de gestores,

    profissionais de sade, alm de mobil izao da populao para di-

    minuir resistncias e conquis tar legitimidade;

    2) osmeios de comunicao e mater iais de publicidade elaborados de-

    vem difundir a importncia das atividades realizadas pelos ACS e

    demais integrantes das Equipes de Sade da Famlia

    (EqSF),

    como

    forma de for talecer o vnculo e cria r, socialmente , uma imagem po-

    sitiva desses profissionais;

    3) a populao atendida pela ESF extremamente vulnervel e a estra-

    tgia promove expanso de cobertura para grupos desfavorecidos e,

    potencialmente, contribui para a incluso social;

    4) recomendvel est imular o funcionamento das unidades em horr io

    que possibili te o acesso dos trabalhadores;

    5) recomendvel criar e/ou for talecer mecanismos de integrao da

    rede municipa l de servios de sade , estabelecendo protocolos de

    ateno para evitar o uso desnecessrio de procedimentos mais com-

    plexos, e estimular os especialistas a realizar a contrarreferncia para

    as

    EqSF,

    ampliando a comunicao entre servios de referncia;

    6) a mudana no modelo assistencial, centrada em programao de

    atividades para grupos de risco e oferta organizada, confronta-se com

    as demandas individuais por assistncia. A adequao entre respos-

    tas s necessidades individuais e coletivas importante n crtico da

    ESF,

    que necessita ser equacionada. Estratgias de acolhimento po-

    dem propiciar a desejada articulao, reduzindo barreiras de acesso

    percebidas pelas famlias pesquisadas e contr ibuindo para o estabe-

    lec imento da Unidade de Sade da Famlia como porta de entrada/

    servio de primeiro contato regular ;

    22

    A S A D E D A F A M lu A N O B R AS IL E SE U S A G E N T E S

    7) recomendvel estimular a atuao intersetorial das EqSF. Ela

    faci lit ada quando gestores de outros setores, que no somente da

    sade, e Executivo municipal atuam na perspectiva de articular as

    intervenes para soluo de problemas. A ao intersetorial exige

    capacitao em relao aos condic ionantes do estado de sade da

    populao;

    8)

    a criao de incentivos salariais para as

    EqSF

    que atuem em reas de

    maior risco social e epidemiolgico possibilitaria maior permann-

    cia dos profissionais nessas reas. Considerar a possibilidade de in-

    centivos que apoiem a reduo da rotat ividade dos profiss ionais e

    fixem as

    EqSF

    implantadas, articulando, na capacitao permanente,

    aspectos tcnicos e cientficos mais gerais com a especif icidade dos

    condicionantes locais, alm de estratgias de humanizao do aten-

    dimento;

    9) incentivar a criao de Conselhos Locai s de Sade, visando a ampliar

    a par ticipao da populao e o estabelecimento de vnculos de cor-

    responsabilidade.

    Seguindo na linha das publicaes de carter institucional, o Minis-

    t rio da Sade do Brasil, em parceria com a Organizao Pari-Americana

    de Sade (Opas), publicou experincias resumidas de diversas partes do

    Brasil, consideradas de crucial valor, com base na ide ia de fortalecer as

    iniciat ivas de melhoria dos s is temas locais de sade das Amricas (Fer-

    nandes e Seclen-Palacin,

    2004).

    Foram destacadas, dentre out ras, as ex-

    perincias de Curitiba (PR), Vitria da Conquista (BA) e Sobral (CE),

    que consideraram sumamente destacveis os processos de gesto, finan-

    ciamento, organizao e proviso de servios baseados em aes de pro-

    moo de sade, preveno de doenas e manejo de doenas com resolu-

    tividade e qualidade que tm permi tido mudanas no nvel de sade da

    populao brasileira, ainda que existam desafios diversos prprios de

    um esforo em construo.

    Dessa forma, numa breve anlise, a Sade da Famlia, que surge em

    meados da dcada de 1990 como uma alternativa de a teno sade,

    ainda na perspect iva das respostas compensatrias de focalizao, des-

    ponta como alternativa estruturante, reorientadora, organizadora do

    sistema de sade brasileiro. Contudo, o debate acerca da Sade da Fa-

    23

  • 8/12/2019 Livro o Agente Comunitrio de Sade Educao Em Sade Prticas educativas

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    E D U C A O E M S A D E N O M U N D O C O N T E M PO R N E O

    S E U D R A M A E S E U C E N R I O

    F e r n a n d o leivre

    n a M a r ia a va lc an t i

    leivre

    I N T R O U O

    A tarefa maior de uma educao em sade moderna a de capacitar-nos

    a todos para entendermos os sentidos maiores da sade e da doena no

    mundo em que vve;-o-s e:;' pa rtir da , buscarmos, como indiv duos e

    coletividades, en frenta r os desafios concretos que se nosapresentam.

    No se trata, claro, de tarefa fcil -

    Embora complexo, o trabalho apresenta -se como imprescindvel.

    Por i sso este texto tem o objet ivo de apresenta r alguns instrumentos

    conceituais que possam ajudar a identificar claramente os desaf ios e os

    modos de enfrent-los.

    O ES L lZ M E N TO O EN P R O O E NT E

    Para comear, precisamos refletir e identificar claramente nosso objeto

    de estudo enquanto educadores: A sade ou a doena?

    Nessa linha, se quisermos, por exemplo, desenvolver uma atividade

    educativa diante da aids, dir amos que a sua causa um vrus (HIV) que

    entra em contato com uma pessoa suscept vel e a taca seu si stema imu-

    nolgico, dando lugar s doenas oportunistas.

    Mas e a causa do vrus HIV? H uma causa para e le?Pode-se enten -

    d- lo da mesma forma?

    Tudo indica que no. Segundo a representao social hegemnica

    atua l da sade e da doena, toda doena representa um evento apenas

    4

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    inteligvel quando tem como cenrio um corpo adoecido: doena um

    estado de deseluilbrio de um corpo resultante da interao com cau-

    sas ou fatores associados.

    Para a sociedade atual, no entanto, o que deve ser enfrentado e evi-

    tado, o que eticamente inadmissvel no a doena em si, mas o doen

    ou a doena-no-corpo-humano, que precisa ser tratada ou evitada

    para que o equilbrio desse corpo seja preservado da melhor maneira

    possvel.

    A doena, ao contrrio do doente, generalizadamente entendida

    como uma fatalidade, cuja presena perfeitamente normal, no pro-

    vocando qualquer desconforto tico.

    Por outro lado, h anormalidade percebida quando um indivduo

    fica doente ou est ameaado de ficar doente; nesse caso, a sociedade

    mobiliza o gigantesco aparato de cuidados que existe montado previa-

    mente para isso.

    assim que a sociedade metaboliza a doena. A doena repre-

    sentada como uma ameaa permanente; nesse sentido , no mundo

    atual, ressignificada como uma inexorabilidade, como a fome, o frio,

    o desamparo com que o ser humano vem ao mundo. Toda vez que

    essa ameaa surge e que o sistema de cuidados preventivos/curativos

    mobilizado, est sendo reproduzido esse mesmo modo de meta-

    bolizao.

    Esse sistema de cuidados tem, cada vez mais, a Cincia Tecnolo-

    gia (C&T) na sua base, contribuindo para que a doena no seja vista

    apenas como uma ameaa permanente, mas tambm como uma amea-

    a ardilosa. Por isso, para a produo e o consumo contnuo de novi-

    dades teraputicas geradas pela C&T, a doena oferece uma justifica-

    tiva ou um libi quase perfeito: o progresso constante no combate

    doena. Esse modo de metabolizao condiciona toda a doena, inclu-

    sive seu estudo, entendimento, pesquisa, sempre, em todos os momen-

    tos e circunstncias, como tratvel e evitvel. Assim, a doena inse-

    parvel de seus efei tos desequilibrantes nos corpos.

    Outro aspecto das sociedades atuais que refora sobremaneira esse

    entendimento o relacionado com o fato de a sociedade ser comple-

    tamente regida pelo consumo cada vez mais individualizado de merca-

    dorias e servios. Ora, como na maior parte do tempo um consumo

    pelo ou para o corpo, e cada vez mais para os corpos individualiza-

    ED U C A O E M S A D E N O M U N DO C O N T E M PO R N E O

    A G EN T E C O M U N I T A R IO DE S A DE

    dos, reproduz-se mais fortemente ainda a viso da doena como um

    evento corpreo, um desequi lbrio do corpo que mobiliza, via aparato

    de assistncia, o consumo de evitadores e/ou restabelecedores do equi-

    lbrio corpreo rompido pela doena.

    D O E N E M T E M P O E M E R G E N C I L

    Como a fome, as doenas representam, mormente quando aparecem

    visveis luz do dia, eventos sociais que indicam ameaas de curto pra-

    zo, emergenciais, impossveis de serem desconsiderados porque, obvia-

    mente, desconsider-Ios signi fica desconsiderar a iminncia da dor, da

    morte, do sofrimento.

    Por isso to dif cil deixar de ver a doena apenas sob esse prisma,

    ou seja, como ameaa de curto prazo irrecusvel. E recusar o tempo

    emergencial implica deixar de ver a doena como ameaa premente

    vida dos corpos individuais de consumidores de produtos e servios de

    sade, para passar a v-Ia e entend-Ia como signo de desequilbrios

    estruturais, de opes humanas equivocadas, o que implica, evidente-

    mente, uma temporalidade mui to mais dila tada e re flet ida.

    Ora, deixar de entend-Ia apenas sob esse prisma justamente a

    misso da Sade Coletiva, que precisa ser, assim, revistada e recupera-

    da por uma Promoo de Sade digna desse norne '.

    Retomando o exemplo inicial da aids, a misso consiste em deslocar

    a doena aids do doente aidtico, do tratamento medicamentoso da

    aids, do uso ou no uso da camisinha ou da seringa compartilhada e

    reinseri-la no cenrio da cidade ps-moderna, procurando investigar o

    que a aids nos revela sobre a sociedade em que ela surgiu. No caso de

    doena decorrente de acidente automobilstico, por exemplo, desloc-Ia

    do atendimento pelos super-hornens da emergncia para recoloc-Ia no

    contexto da sociedade doente, vtima da patologia (no mdica, mas

    social, econmica, cultural) do transporte individualizado, reflexo de

    1 Buscamos fundamentar tal proposta em nosso livro Promo o de s ade: a ne gao

    da n eg a o 200 4.

    42

    43

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    o A G EN TE C OM UN I T R I O D E S A D E

    uma civilizao baseada no consumo cada vez mais individualizado de

    bens e servios.

    D E S U M A N I Z A R A S A D E P A R A R E U M A N I Z L A

    Assim, por parte de todos aqueles que realmente desejam a sade da

    humanidade, h uma tarefa aparentemente paradoxal pela frente: desu-

    manizar a sade para

    reumaniz-la

    em outro patamar.

    Desumanizar para reumanizar significa deixar de pensar asdoenas

    e a sade apenas e fundamentalmente como o pathos de indivduos ou

    grupos de indivduos que de resto tendem a ser vistos cada vez menos

    como pessoas e cada vez mais como consumidores de mercadorias e ser-

    vios de proteo, alvio ou afastamento temporrio do sofrimento, para

    passar a v-Ias como emanaes necessrias de uma sociedade geradora

    de doenas.

    claro que tal proposta tem tudo para ser rechaada a curto prazo,

    num mundo, como o atual, em que a tendncia predominante justa-

    mente a inversa, ou seja, a de individualizar, internalizar, rnolecularizar

    cada vez mais o entendimento e o enfrentamento da doena.

    Tal mudana de objeto e de perspectiva diante da sade/doena s

    vai, ento, ser possvel quando a realidade dos fatos for mostrando s

    conscincias que impossvel ser individualmente saudvel numa so-

    ciedade estruturalmente doente, ou melhor, quando essa impossibili-

    dade real, objetiva, der lugar a um sentimento subjetivo de indignao

    diante da doena.

    o

    T E M PO T C N I C O E O T E M PO V I V E N C I A L D A S A D E E D A D O E N A

    Considerando o momento atual, podemos colocar que o campo da sa-

    de serevela internamente como um campo de conflitos, principalmente

    entre

    clnica e epidemiologia, ou seja, entre um enfoque individual da

    sade e da doena e um enfoque coletivo, tanto no que serefere ao

    conhecimento como prtica do cuidado;

    44

    E D UC A O E M S A DE N O M UN D O C ON TE MP OR NE O

    medicina aloptica e medicina homeoptica;

    medicina ocidental e medicina oriental;

    diferentes especialidades que disputam o mesmo paciente (psicolo-

    gia e psiquiatria, por exemplo);

    direo administrativa e direo clnica de uma unidade de sade;

    clnico geral e especialista;

    interesses privados e interesse pblico.

    Mas tais conflitos tendem a ser, pelo menos circunstancialmente,

    resolvidos pelo mtodo da diviso permanente e progressiva desse cam-

    po da sade e pela ideia correspondente de enfoques, vises e prticas

    especficas e complementares. Essa lgica da partio progressiva e per-

    manente, da hiperespecializao, produz, no entanto, efeitos tericos e

    prticos indesejveis, com possibilidade da perda da viso integrada do

    ser humano.

    Por outro lado, parece existir uma fora uniicadora desse campo,

    que consiste na sua inerente tecnicidade ou cientificidade: h um sem-

    nmero de tcnicos ou especialistas atuando no campo da sade e/ou

    da doena, mas todos eles sereconhecem e acabam sendo reconhecidos

    como tcnicos, por oposio aos leigos, devido aos especficos objetos

    de conhecimento/ao.

    Caso pudssemos traduzir esses conflitos, colocando o profissional

    de sade como sujeito, teramos um discurso que poderia ser mais ou

    menos assim:

    Eu, tcnico de sade/doena, com base em conhecimento tcnico e cient-

    fico, bem como com experincia profissional, tendo a autoridade que a socie-

    dade me confere para lidar com tudo o que diz respeito

    sade e doena, co-

    loco, afirmo, testemunho, registro que voc, indivduo ou coletividade huma-

    na, , est no estado ou situao X (num determinado ponto de um gradiente

    de sade e doena). Para permanecer, no ficar, ou deixar de ser ou estar no

    estado ou situao X (num determinado ponto de um gradiente de doena),

    voc (indivduo, coletividade, cidadania, comunidade, estado etc.) deve fazer

    Y = conduta saudvel). Tudo que fugir desse esquema considerado charlara-

    nice ou rebeldia.

    Para o profissional e tcnico de sade, essediscurso serve para sua

    auto e heteroidentificao e, tambm, de fundamento para justificar o

    45

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    o A G E N TE CO M UN I T R I O D E S A D E

    com nossos salrios, pblicos ou privados, a indstria da sade, do se-

    guro-sade e, dentro do chamado campo sanitrio, a tecer e entreter,

    eternamente, esse infinito bordado de Penlope da pretensa melhor

    forma de organizar, administrar, gerenciar e regular o seguro-contra-

    o-medo .

    A nica alternativa, portanto, para buscarmos e talvez encontrarmos

    a sade est em entendermos por que persistimos em adoecer quando

    isso, como nos assinala Marcuse, em Eros e civilizao (1968), talvez no

    seja mais necessrio.

    R E F E R N C I S B IB L IO G R F IC S

    BORDIEU, P. e PASSERON, J. C. La rep rod uc tion. Paris, Les ditions de Minuit,

    1970.

    FREIRE, P.

    Ex ten so ou com unicao.

    Rio de Janeiro, Paz e Terra , 1972.

    GUIDENS, A.

    As consequncias da modernidade .

    So Paulo, Ed. U nesp, 1991.

    LEFEVRE, F. e LEFEVRE, A. M. C.

    Promo o de sa de : a n eg a o d a n ega o.

    Rio de

    Janeiro, Vieira Lent, 2004.

    MARCUSE, H.

    Ero s e civilizao.

    Rio de Janeiro, Zahar, 1968.

    5

    E D U C O E M S D E E O T R B L H O D O S

    G E N T ES C O M U N I T R IO S D E S D E

    Hel en a M ar ia c he rl ow s ki L ea l a vid

    I N T R O D U O

    o campo da educao em sade no Brasil passou, nas duas ltimas d-

    cadas, por mudanas importantes, com mais visibilidade para aquelas

    que acompanharam o processo de concretizao do projeto de Reforma

    Sanitria. Essa reforma vem caminhando com as mudanas na confi-

    gurao social, articulando-se tanto com as lutas populares como com

    Dedicado a Victor Vincent Valia, o mestre que me ensinou o g ra nde segredo para

    vencer a inrcia e iniciar a escrita de um texto acadmico: Fazer ponta no lpis .

    Durante o perodo compreendido entre a re vi so editorial e os ltimos ajustes, a

    Educao Popular e S ade perdeu um de seus mais expressivos e importantes pen-

    sadores: Victor Vincenr Valia, aos 72 anos, deixou-nos em setembro de 2009. Fui

    sua orientanda de mes trado e doutorado, e certamente sua calma, mas com apaixo-

    nada concepo de humanidade e respeito aos saberes populares, foi deterrninante

    para que eu, apesar de j vir trabalhando com Agentes Comunitrios de Sade

    h alguns anos, pudesse ter sempre um olhar renovado sobre esse t rabalhador, o

    que procuro manter at hoje. Valia marcou p rofundamente o pensamento acad-

    mico na educao em sade, e ideias que hoje circulam de forma naturalizada -

    construo compartilhada do conhecimento, crise de compreenso por parte dos

    profissionais, importncia da religio popular no enf re nt arne nto d as situaes-

    limite, entre outras - originaram-se das inquietaes desse nosso mestre e compa-

    nheiro.

    del e, tambm, a f rase que introduz esta nota, que a res pos ta que recebi

    diante da dificuldade em escrever, encontrada antes de comear a sistematizar

    minha dissertao.

    uma frase que, alm de guiar meu modo de ser e agir at

    hoje, p rocuro compartilhar com alunos e orientandos.

    5

  • 8/12/2019 Livro o Agente Comunitrio de Sade Educao Em Sade Prticas educativas

    13/15

    o

    A GE NT E C OM UN IT R IO D E S A D E

    asmudanas ins ti tucionais e, a par tir do f inal da dcada de 1970e incio

    da de 1980, com a abertura poltica e a perspectiva da implantao de

    um projeto democrti co de sade para o pa s.

    A nova legi slao de sade de en to, desde o texto consti tucional,

    garante, explici tamente, a par ticipao da populao como ator nos pro-

    cessos decisrios em nvel local e geral , como pressuposto bsico. Ao

    mesmo tempo, no mbito da relao entre profissionais de sade e popu-

    lao, uma viso diferenciada, a par tir da incorporao de um concei to

    mais amplo de sade, veio tratando a questo da educao em sade sob

    uma nova perspec tiva , entendendo que a pessoa ou o grupo assistido

    possuem papel ativo no processo educativo.

    Mais do que uma tcnica, a educao em sade o campo de prtica

    e conhecimento do setor sade que tem se ocupado mais diretamente

    com a criao de vnculos entre a ao mdica e o pensar e o fazer coti-

    diano da populao (Vasconcelos , 1998) . Trata-se de uma interface, ou

    ainda de rea temtica, de entrelaamento em que esto presentes e dia-

    logam saberes , sobretudo, do campo do conhecimento das cincias so-

    ciais e das cincias da sade (Stotz, 1993) .

    Um dos aspectos mais centra is dessa mudana , dent ro do campo de

    atuao dos serv ios de sade, refe re-se fo rma como se d a relao

    pedaggica entre profiss ionais e populao usur ia do SUS. Os anos de

    implantao do SUS so tambm os anos em que , progressiva e lenta-

    mente, a viso sobre o que educar em sade e sobre o pape l da popu-

    lao nesse processo sevai modif icando, no sentido de tornar sujei tos

    ativos aqueles que, histo ricamente , eram atores passivos. O papel da

    pedagogia libertria de Paulo Freire exerce influncia decisiva nessa pro-

    pos ta, embora as leituras e apropriaes do seu pensamento sejam, com

    frequncia, superficiais, sem tocar na radical idade de sua proposta.

    A educao em sade passa a ser reconhecida no apenas como o

    campo das mudanas de hbitos e incorporao de concei tos, ideias e

    prticas consideradas saudveis, mas tambm como instrumento capaz

    de desencadear e fortalecer uma postura mais autnoma e politicamente

    mais efet iva por parte dos grupos populacionai s mais penalizados do

    ponto de vista econmico e social. Dessa forma, novas pr ti cas e pro-

    pos tas educativas surgem e passam a ser executadas sobretudo nos espa-

    os dos centros e postos de sade, locus privilegiado das aes de sade

    pblica a parti r da dcada de 1980.

    S

    E D U CA O E M S A DE E O T R A B A LH O D OS A G EN T E S C O M UN I T RI O S D E S A D E

    As anlises histricas sobre asprticas educativas em sade no Brasil,

    que si tuam os primrdios dessas aes no incio do sculo, tm docu-

    mentado todo o processo de domesticao das classes subalternas de-

    correntes da viso higienista e das polticas sanitrias desenvolvimentis-

    tas do perodo citado (Costa, 1985) .

    Mehry (1984) apresenta-nos a evoluo, na dcada de 1920, das pr-

    t icas educativas nos servios de sade pblica como fruto da inf luncia

    do pensamento liberal nor te-americano, que buscava transformar pes-

    soas ignorantes em indivduos sanitariamente inteligentes . No mesmo

    trabalho, questiona sea prtica educativa em sade ter ia t ido mudanas

    express ivas na (ento) atualidade, o ano de 1983.

    As experincias locais de educao popular , algumas oriundas dos

    trabalhos das Pas torais Catlicas Operria, da Sade e da Terra, coinci-

    diram, assim, com aspropostas baseadas nos princ pios da Medicina

    Comunitr ia, desenvolvida pelas instituies acadmicas de formao

    mdica atravs dos seus departamentos de medicina preventiva' . Nesses

    espaos, a pr tica educa tiva passou a ser vi sta como uma ferramenta

    importante para a construo de uma conscincia poltica crtica e de

    efetiva cidadania. A expresso conscincia sanitria ganhou um sentido

    mais ampliado que apenas conscincia quanto aos cuidados pessoais e

    inclui tambm o olhar cr tico sobre asdiversas formas de relaes entre

    populao e Estado para a reso luo dos problemas de sade, desde a

    relao mdico-paciente at a par ticipao em ins tncias de ges to dos

    servios (Berlinguer, 1983).

    Um marco nesse contexto de reorganizao das prticas sanitr ias

    foi a realizao da Conferncia Internacional sobre Cuidados Primrios

    de Sade, em Alma-Ata, 1978 (Unicef, 1979). Partindo do pressuposto de

    que as desigualdades sociais e sanitrias existentes entre os diversos po-

    interessantenotar a aproximaoentrea propostamdicade origemacadmica,

    baseadaempressupostostcnicose ideolgicos,damedicinageral comunitria,e

    asexperinciaseducativaslideradaspelaspastoraisdaIgrejacatlica.Muitos dos

    lderesmdicose/ou profissionaisde sade quederam impulso a essaproposta

    foram, anosantes, membros dos movimentos de juventude catlica, bero de

    movimentosde resistnciapoltica

    ditaduramilitar. Sobreessarelaoentre os

    projetosda Igrejacatlica,a sadecomunitria e oAgenteComunitrio de Sa-

    de na dcadade 1980,comentamos mais

    deralhadamente

    em um texto anterior

    (David,2001).

    S

  • 8/12/2019 Livro o Agente Comunitrio de Sade Educao Em Sade Prticas educativas

    14/15

    o

    AG E N TE C O M U N IT R I O D E S A D E

    vos do mundo exigiri am o desenvolv imento de estra tg ias capazes de

    dar conta da imensa diversidade na oferta de recursos e, ao mesmo tem-

    po, uma certa uniformidade conceitual e metodolgica no desenvolvi-

    mento das aes de sade pblica, a Declarao de Alma-Ata props

    a implantao, pelos Estados naciona is, de pol ticas pblicas de sade

    baseadas em tecnologias de baixo custo e alta efetividade, capazes de dar

    conta da maior parte dos problemas de sade que ascolet ividades apre-

    sentassem.

    A partir de Alma-Ata, ganharam impulso diversas experincias vol-

    tadas para o campo da sade comunit ria apontadas acima, quase todas

    inser idas no meio acadmico ou no da Igreja catlica.

    A Declarao de Alma-Ata reservou especial ateno para o papel

    da educao em sade na estra tgia de Cuidados Primr ios de Sade,

    assim como para a necessidade de garanti r a parti cipao popular na

    formulao das polticas locais de sade, conforme explic it ado em seu

    tpico VIII, nmero 5:

    Os Cuidados Primrios em Sade:

    [...].5 - requerem e promovem a mxima autoconfiana e participao

    comunitria e individua l no planejamento, organizao, operao e controle

    dos cuidados primrios dasade, fazendo o mais pleno uso possvel de recursos

    disponveis, locais, nacionais e outros, e para esse fim desenvolvem, atravs da

    educao apropriada, a capacidade de participao das comunidades (OMS/

    Unicef, Declarao de Alma-Ata ,

    1979).

    J em 1981, no Encon tro Nacional de Experincias de Educao em

    Sade, a proposta pedaggica baseada no dilogo e na incluso das pes-

    soas das classes populares como sujeitos no processo est explicitada nos

    Anais do refer ido Encontro (Ministr io da Sade, 1981), como subsdio

    conceitual e metodolgico para os trabalhos a serem desenvolvidos nos

    estados. A participao comunitria, tal como exposta nesse documen-

    to, pretende agregar a vi so popular acerca do que considera problema

    de sade, com o objetivo lt imo de atender ssuas necess idades , quase

    como uma forma de corrigir uma viso unilateral dos servios, que

    estaria deixando de lado o olhar da populao.

    A crtica, nesse Encontro, dirigia-se ao antigo modelo educa tivo,

    segundo a fala do ento dire tor da Divi so Nacional de Organizao de

    Servios de Sade:

    54

    E D U C A O E M S A D E E O T R A B A L H O D O S A G E N T E S C O M U N IT R I O S D E S A D E

    De educao sanitria, h

    10

    ou

    15

    anos atrs, quando visava mais

    trans-

    misso de conhecimentos relacionados com a sade, ou, especificamente, com

    a higiene pessoal, passoua ser educaopara a sade, com a finalidade de trans-

    mitir um contedo que levassea prticas capazesde mudar, realmente, a situa-

    o de sade das pessoas. Hoje, preferimos a denominao educao em sade,

    lembrando este inter-relacionarnenro amplo que existe entre a educao e a

    sade (Brasil,

    1981).

    Percebe-se a i nfluncia do pensamento pedaggico de Paulo Freire ,

    explici tada na necessidade de incluir um novo olhar sobre o processo

    educativo nas classes populares. Apesar de, nos textos de apoio, consta-

    rem referncias aos trabalhos de Paulo Fre ire , a questo do processo de

    apropriao pelo educando do contedo educativo - um grande n

    crtico apontado por Freire - no trabalhada ou aprofundada. O

    termo participao comunitria, uma vez explicitado nos documentos

    propositivos, parece carregar, por s is, a garantia de que est resolvida

    e revertida a antiga situao de autori tari smo das prticas educativas

    tradicionais.

    Com a reorganizao do sis tema de sade a par tir da Reforma Sani-

    tr ia da dcada de 1980, inaugurou-se uma fase de consolidao desses

    pressupostos conceitua is e metodolgicos que seintegraram aos pressu-

    pos tos do SUSe que faziam parte, at ento, dessas experincias educa-

    tivas isoladas , res tr itas , em sua maior ia, aos espaos acadmicos e reli-

    giosos. Expandiram-se asexperincias de educao em sade sob outra

    tica, inovadora, baseada, como j apontado, na proposio de Paulo

    2

    Segundo Darcy de Oliveira,no Relatrio do Seminrio deEducao promovido

    pelo Instituto

    Pichn-Rivire,

    SoPaulo, em

    1987,

    apesarde o ncleo central

    da obra de PauloFreireter sidoconstrudo nas dcadasde

    1960/1970,

    somente

    depois

    que no Brasilse generalizamas discussessobreeducaopopular e as

    novaspropostaspedaggicas.No campo da educaoem sade,especificamente,

    o pensamentode PauloFreirefezparte das propostaspedaggicasdosmovimen-

    tos populares conduzidos pela Igreja, sobretudo nas comunidades eclesiaisde

    base,j nos anos 1970. Somentena dcadade 1980 sentem-seessaspreocupaes

    metodolgicas no desenvolvimento de propostas de treinamento por parte de

    alguns setores do Ministrio da Sade. O modelo mais difundido foi o de ca-

    pacitao do tipo LargaEscala,voltado para temas especficosemsade, como

    hansenaseou sadeda mulher.

    55

  • 8/12/2019 Livro o Agente Comunitrio de Sade Educao Em Sade Prticas educativas

    15/15

    o A G E N T E C OM UN IT RIO D E S A DE

    Freire e outros pedagogos da educao como um processo de poss ibil i-

    dade de contr ibuir para a transformao social dos grupos subalternos.

    No nvel das relaes entre sociedade civil e instituies de sade e

    de formulao e execuo das pol ticas pblicas, a incluso de um espa-

    o para a populao como sujei to do processo dec isrio no nve l loca l

    passou a ser garantida atravs da obrigator iedade de composio e ma-

    nuteno de conselhos de sade por par te dos nveis municipal, estadual

    e federal, atravs da lei n

    1.142,

    de

    1990,

    que dispe sobre o controle

    social. A educao em sade ganhou um contorno ins trumental e polt i-

    co, permitindo ao profissional de sade, ideologicamente engajado com

    esses pressupostos de partic ipao, levar a populao, cada vez mais, a

    compreender e dominar o conhec imento sobre a pol tica local de sade

    de forma a participar ativamente do processo decisr io, atravs das suas

    representaes legais, na formulao de propostas capazes de dar resolu-

    bilidade aos problemas que enfrentava. A populao ser ia capaz de nos

    dize r ou aponta r para suas necessidades e para os problemas que sofre ,

    e a ns caber ia garantir a resoluo dos mesmos e respeitar a autonomia

    e o saber popular. Isso, pelo menos, era o que pensavam os profissionais

    de sade que militavam nos movimentos populares .

    Sobre essa relao entre a parti cipao da populao nos servios de

    sade e o processo de consolidao do SUS, vale mencionar , ainda que

    tangencialmente, alguns ns crticos e dificuldades. A simples garantia

    ins ti tucional da existncia dos espaos de participao, pelos Conselhos

    Municipais, Estaduais e Federal de Sade, e, em alguns municpios mais

    progressistas, pelos Conselhos Gestores de Unidades, no se tem refle-

    tido numa participao efetiva e consistente.

    A impresso que o profissional pode ter de que a populao no

    reconhece como espao de acolhida de suas necessidades nem o Conse-

    lho ou as Conferncias, nem o servio, nem mesmo o espao da relao

    individual entre o profiss ional e o cliente. Muitos profissionais alegam

    que a populao no possui informaes sobre oscanais de participao

    disponveis.

    Em contraposio, o mesmo profissional, desalentado diante desse

    quadro, pode ficar surpreso ao constatar que alguns dos seus clientes

    mantm uma relao de participao intensa e si stemt ica em out ros

    espaos comunitrios, como os de natureza rel igiosa, em que tambm

    so abordadas questes relacionadas sade dessas pessoas. Isso signi-

    E D U CA O E M S A DE E O T R A B A LH O D O S A G E N T E S C O M U N IT R IO S D E S A D E

    f ica que a populao se est movimentando e tecendo estratgias poss-

    veis de enfrentamento.

    queixa frequente entre profissionais membros das equipes da Es-

    tratgia de Sade da Famlia

    ESF

    que a comunidade busque o servio

    apenas na perspectiva de ver resolvidos problemas pontuais, ao melhor

    estilo de pronto-atendimento . Por outro lado, embora os princpios

    que or ientam a

    ES F

    contemplem propostas e dispositivos de ruptura em

    relao aos pressupostos do modelo biomdico tradicional , prec iso

    lembrar que os profissionais de sade tm uma formao tcnico-cien-

    tfica, que no cotidiano dos servios assume um carter for temente nor-

    mativo (Stotz et al.,

    2007),

    ainda que isso esteja de tal modo naturali-

    zado que no seja percebido no cot idiano das prt icas.

    Esse carter normat ivo assume outra conf igurao no trabalho

    do Agente Comuni trio de Sade (ACS) , por ser este, ao mesmo tem-

    po, membro da comunidade ass is tida e profiss ional vinculado ao ser-

    vio -

    ES F

    ou Unidade do Programa de Agentes Comuni t rios de

    Sade (PACS).

    Examinemos a posio singular e contraditria do trabalho do ACS

    na Ateno Bsica: por um lado, membro da comunidade-alvo e, como

    tal, tambm usurio dos servios pblicos de sade ; portanto, conhece

    e enfrenta, como membro da classe trabalhadora, asmesmas dificuldades

    de acesso e de resolubilidade que perpassam pelo sistema pblico de

    sade. Por outro, torna-se integrante, nem sempre legit imado, de uma

    equipe de sade, cujo processo de trabalho tende a reproduzir, de forma

    tambm con tradi tria, a diviso social do trabalho e as disputas em

    torno dos projetos teraputicos.

    Apesar de seu processo de profissionalizao, marcado pelo conflito

    e disputas ideolgicas e pol ticas, o ACS constitui hoje fora de trabalho

    expressiva, com mais de 200 mil profissionais atuando em todo o pas.

    Seus processos e condies de trabalho so ainda pouco conhecidos na

    sua multidimensionalidade e tendem a sofrer mudanas rpidas, em

    funo dos contextos polticos locais, das novas regras jurdico-adminis-

    trat ivas e da prpria dinmica das comunidades s quais esto vincula-

    dos. O trabalho do ACS,geralmente mulheres que vivem em comunida-

    des pobres, urbanas e rurais, dos pases perifricos, inclusive um campo

    privilegiado para secompreender a dinmica dos processos de trabalho

    em sade a par tir de interesses polt icos, nacionais e internacionais que

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