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Literatura Brasileira II Florianópolis - 2012 Marco Antonio de Mello Castelli Período

[Livro UFSC] Literatura Brasileira 2

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Literatura Brasileira 2

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Literatura Brasileira II

Florianópolis - 2012

Marco Antonio de Mello Castelli5ºPeríodo

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Governo FederalPresidência da RepúblicaMinistério de EducaçãoSecretaria de Ensino a DistânciaCoordenação Nacional da Universidade Aberta do Brasil

Universidade Federal de Santa CatarinaReitor: Alvaro Toubes PrataVice-Reitor: Carlos Alberto Justo da SilvaSecretário de Educação a Distância: Cícero BarbosaPró-Reitora de Ensino de Graduação: Yara Maria Rauh MüllerPró-Reitora de Pesquisa e Extensão: Débora Peres MenezesPró-Reitor de Pós-Graduação: Maria Lúcia de Barros CamargoPró-Reitor de Desenvolvimento Humano e Social: Luiz Henrique Vieira da SilvaPró-Reitor de Infra-Estrutura: João Batista FurtuosoPró-Reitor de Assuntos Estudantis: Cláudio José AmanteCentro de Ciências da Educação: Wilson Schmidt

Curso de Licenciatura Letras-Português na Modalidade a DistânciaDiretor Unidade de Ensino: Felício Wessling MargottiChefe do Departamento: Izete Lehmkuhl CoelhoCoordenadoras de Curso: Roberta Pires de Oliveira e Sandra QuarezeminCoordenador de Tutoria: Renato Basso e Cristiane Lazzarotto-Volcão

Comissão EditorialCristiane Lazzarotto-VolcãoSilvia ConeglianTânia Regina de Oliveira Ramos

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Equipe de Desenvolvimento de Materiais

Produção Gráfica e HipermídiaDesign Gráfico e Editorial: Ana Clara Miranda Gern; Kelly Cristine SuzukiCoordenação: Thiago Rocha Oliveira, Laura Martins RodriguesAdaptação do Projeto Gráfico: Laura Martins Rodrigues, Thiago Rocha OliveiraDiagramação: Pedro Augusto Gamba & Raquel Darelli MichelonCapa: Raquel Darelli MichelonTratamento de Imagem: Pedro Augusto Gamba & Raquel Darelli Michelon

Design InstrucionalSupervisão do Design Instrucional: Ane GirondiDesigner gráficos: Pedro Augusto Gamba & Raquel Darelli MichelonDesigner Instrucional: Daiana da Rosa Acordi

Copyright © 2008, Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSCNenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordena-ção Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras-Português na Modalidade a Distância.

Ficha Catalográfica

C348l Castelli, Marco Antonio de Mello Literatura brasileira II / Marco Antonio de Mello Castelli. — Florianó-polis : LLV/CCE/UFSC, 2008. 93p. : 28cm ISBN 978-85-61482-08-4 1. Literatura brasileira. 2. Modernismo. 3. Ensino de literatura . I. Título CDU 869.0(81)

Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária daUniversidade Federal de Santa Catarina

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Sumário

Apresentação ...................................................................................... 7

Unidade A ..........................................................................................131 Primeiro Fragmento ....................................................................................15

2 Segundo Fragmento ...................................................................................21

2.1 Machado de Assis .............................................................................................21

2.2 João do Rio ..........................................................................................................26

3 Terceiro Fragmento .....................................................................................27

Conferindo Conceitos.............................................................................................28

4 Quarto Fragmento .......................................................................................31

4.1 Da Telenovela .....................................................................................................32

4.2 De Iracema ..........................................................................................................33

4.3 De Raízes do Brasil ............................................................................................34

4.4 Oswald de Andrade! ........................................................................................35

Unidade B ...........................................................................................455 Quinto Fragmento .......................................................................................47

5.1 Retomando 1928 ..............................................................................................47

6 Sexto Fragmento ..........................................................................................55

6.1 Uma Fatia de Poesia: Augusto dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade e Adélia Prado ...................................................55

6.2 Análise 1 ...............................................................................................................57

6.3 Análise 2 ...............................................................................................................66

6.4 Adélia Prado ........................................................................................................71

7 Sétimo Fragmento .......................................................................................75

7.1 Outra Fatia de Poesia .......................................................................................75

7.2 Romantismo – Parnasianismo – Simbolismo ..........................................76

8 Oitavo Fragmento ........................................................................................79

8.1 Um Dedo de Prosa ............................................................................................79

8.2 Afonso Henriques de Lima Barreto: A Cidade e os Homens .............80

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8.3 Conteúdo e Problemática da Nova Literatura ........................................82

8.4 O Posicionamento Crítico de Lima Barreto..............................................83

8.5 Euclides da Cunha: O Sertão Vai Virar Mar ...............................................84

8.6 Graciliano Ramos: O Sertão Não Sai do Lugar ........................................87

8.7 Guimarães Rosa: Ser-Tão Poesia nas Veredas de Matraga ..................88

9 Último Fragmento: o Corpo Inteiro ou o Mosaico que se Cumpre ...................................................................89

9.1 Sessão de Artes Plásticas ................................................................................89

Referências........................................................................................91

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Apresentação

Literatura Brasileira II, ou Fragmentos para um Mosaico

E ste livro-texto não se traça em linha reta. Seguir com ele – o con-

teúdo inerente à Literatura Brasileira II – é como um passeio através

de caminhos incertos. Como aqueles em que a gente sai pelas ruas

da cidade distraidamente procurando-olhando um não-se-sabe-o-quê; como

um dândi, à moda João do Rio, a borboletear seu pouso inconfessável sobre

cada passante. Assim: um livro livre em sua geometria difusa, sinuosa – apenas

aparentemente anti-lógica.

Distante de uma abordagem estruturalista, este livro-texto não se preocupa

com a ordem cronológica que convencionalmente caracteriza os livros didáti-

cos. Propõe-se, na verdade, a estabelecer elos entre as correntes de criação e

produção literárias brasileiras. Nesse sentido, enfocaremos parte da história

do pensamento brasileiro – a que se desenvolveu entre fins do século XIX e

meados do XX – alinhavando manifestações estético-literárias e escritores re-

fletindo acontecimentos e inquietações de seu tempo. Antes, cotejaremos au-

tores de períodos históricos e estéticos diferentes. Não nos parece fundamental

seguir a linha cronológica que insiste nos rompimentos entre o antes e o agora,

o velho e o novo. O importante é o laivo do permanente e sua transformação

caleidoscópica. Os vestígios de um tempo no outro, de uma obra dentro da

outra. Não se trata de continuísmo, mas sim de continuidade feita de novos

lances, novos dados que, todavia, jamais abolirão o acaso, bem lembrando,

assim, o poeta francês Stéphane Mallarmé por seu poema Um lance de dados

jamais abolirá o acaso.

Desta feita, ora estaremos nos anos dez do século passado, ora na contem-

poraneidade, com os olhos nos anos 60 e seus reflexos tecnológicos na boca

do presente século, ora nos anos 20 e 30. Noutro momento, retomaremos aos

meados do século XIX – tão romântico quanto revolucionário – e passaremos

ao cientificismo finissecular para, quem sabe, entendermos as contradições da

sociedade brasileira. A testemunha, claro, será sempre a obra literária.

Dividido em duas unidades – As Entradas e As Bandeiras, referência aos pri-

meiros sertanistas –, este livro busca, na verdade, os ladrilhos para que o aluno

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componha, aos poucos, o mosaico que forma a cultura brasileira. Daí viria

um título adequado para este programa de Literatura Brasileira II: Fragmentos

para Um Mosaico.

Por meio deste livro, identificaremos os fragmentos concernentes à Literatura

Brasileira II, objetivando um mural, um quadro, enfim, uma composição har-

moniosa ao termo do semestre. Nosso princípio pode ser tomado às rapsódias

da Odisséia, de Homero, que os alunos de Teoria da Literatura I tiveram a opor-

tunidade de conhecer através das tramas de Penélope. A mulher de Ulisses terá

sido a mais emblemática das personagens da literatura no que se refere à fatura

estética, porquanto tecia e destecia até que as aventuras do marido guerreiro se

completassem. Há que tomarmos, ainda, a rapsódia do próprio povo brasileiro

representado nas estripulias do protagonista homônimo de Macunaíma, a obra

de Mário de Andrade: uma colcha de retalhos da cultura brasileira.

No presente, Fragmentos Para Um Mosaico, você já sabe, no início, qual a

última tarefa a ser realizada, aquela que encerrará o Curso do semestre. Acom-

panhando o livro – diretriz da Disciplina –, você se colocará como um artis-

ta plástico que, pela palavra escrita, cumprirá a tarefa de ordenar a grande

quantidade de fragmentos escolhidos para este livro e para este Curso. Aí, en-

tão, caberá a você, aluno, a complementação do processo interativo que deve

nortear o ensino. No caso, mostrar o corpo da civilização brasileira, em toda a

sua expressão estética, moral, política, social.

Mas, para bem entender quais ferramentas são necessárias para compor o mo-

saico, há que se passar por muitos de nossos estudiosos – Alfredo Bosi, Antonio

Cândido, Cavalcanti Proença, Roberto Schwarz, Otto Maria Carpeaux, Silvi-

ano Santiago, Benedito Nunes, Affonso Ávila, J. Guinsburg. Ávila, por exem-

plo, oferece uma abordagem crítica bastante apropriada sobre a língua como

ferramenta maior para a formação da linguagem literária. Especialmente no

caso brasileiro, oriundos que somos de um longo processo de colonização e de

influências profundas de várias outras culturas, desde a marcha das imigrações

no século XIX, até os tempos atuais, com a forte presença da língua inglesa de

origem estadunidense.

Convenhamos: uma língua se deforma para se conformar. Assim está nas falas,

assim está nas escritas que as formam, ora em intenções lingüísticas como a

“estória” inventada pelo filólogo João Ribeiro, em 1944, ora pela licença poéti-

ca para a mesma palavra, trazida no linguajar inventivo de Guimarães Rosa,

também nos anos 40 do século passado.

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Como a nossa, a língua inglesa dos estadunidenses se deforma: é inconteste a

contribuição lingüística dos afro-descendentes dos EUA, sobretudo a partir

do movimento “rythm and poetry” (o rap) criado nos guetos do Harlem e do

Bronx novaiorquinos.

O fato é que, filologicamente, avançamos – americanos do Norte e do Sul –

amarras rompidas por nós mesmos, por nossa mistura estranha e instável,

pontilhada de uma diversidade imensa de sons e de culturas que incidem dire-

tamente na língua, na linguagem e em uma cultura. A língua de um povo é um

processo tão dinâmico quanto o próprio povo que dela se utiliza e que a tem

grafada nas páginas dos livros.

No caso do Brasil, desde que a família Imperial para cá se mudou, em 1808,

nada mais parou de mudar, e a literatura, se continua viva e palpável nas pá-

ginas livrescas, pôs-se navegadora por entre fibras óticas. Galharda, em língua

fugaz, em língua mutante...

Marco Antonio de Mello Castelli

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Literatura é o exercício da inteligência a serviço

da sensibilidade nostálgica ou revoltada.

(Albert Camus)

Através da arte, distanciamo-nos e

ao mesmo tempo aproximamo-nos da realidade.

(Goethe)

To be, or not to be: that is the question.

(Hamlet – Shakespeare)

Tupy, or not tupy that is the question.

(Oswald de Andrade)

Eu sou trezentos, trezentos e cinqüenta.

(Mário de Andrade)

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Unidade AAs Entradas

BRASIL

UFSC

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Capítulo 01Primeiro Fragmento

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Primeiro FragmentoDando início à busca de nossos ladrilhos, vamos aos títulos que compõem

a matéria-prima do programa, seguidos de um coquetel sobre a conformação

da língua a partir do Barroco até a era da tecnologia.

Então, é isso, pessoal. Vocês vão encarar essas obras aí citadas em seguida, o que, aliás, é pouco para que vocês se aprontem como pro-fessores de Português. Não adianta torcer o nariz, fazer bocas ou caras como artista de novela, nem xingar. Afinal, literatura é tudo o que há de mais importante na formação de um povo. Na verdade, de um ser humano, de um cidadão – se a gente pensar em termos amplos (globali-zantes, para usar uma expressão da hora).

Textos para leitura obrigatória:

1) José de Alencar: Iracema.

2) Machado de Assis: Dom Casmurro. Contos (Coleção Grandes Leituras. FTD).

3) Raul Pompéia: O Ateneu.

4) Aluísio Azevedo: O Cortiço.

5) Euclides da Cunha: Os Sertões – A terra (cap. I, IV, V) – O ho-mem (cap. II e III).

6) Lima Barreto: Triste Fim de Policarpo Quaresma. O Destino da Literatura.

7) João do Rio: O Homem da Cabeça de Papelão (ler na WEBTE-CA).

8) Mário de Andrade: Macunaíma.

9) Oswald de Andrade: Manifestos Pau-Brasil e Antropofágico. Me-mórias Sentimentais de João Miramar. O Rei da Vela.

10) Graciliano Ramos: Vidas Secas.

11) Guimarães Rosa: A Hora e a Vez de Augusto Matraga.

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Unidade A - As Entradas

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12) Sérgio Buarque de Holanda: Raízes do Brasil.

13) A poética romântica:

a) Gonçalves Dias: A Canção do Exílio (in: Primeiros Can-tos), Canção do Tamoio (in: Últimos Cantos).

b) Castro Alves: Vozes d’África (in: Os Escravos).

14) A poética parnasiana:

a) Alberto de Oliveira: Fantástica (in: Meridional: Poesias. 4. série. Francisco Alves, 1927).

b) Olavo Bilac: Profissão de Fé (in: Poesias 26. ed. Francisco Alves, 1956).

15) A poética simbolista:

a) Cruz e Sousa: Antífona (in: Broqueis: Poesia Completa. Ed. da UFSC, 1985), Da Senzala..., Dilema (in: O Livro Derra-deiro: Poesia Completa. Ed. da UFSC, 1985).

16) A poética modernista:

a) Manuel Bandeira: Os Sapos (in: Carnaval), Poética (in: Li-bertinagem).

b) Carlos Drummond de Andrade: Quadrilha (in: Alguma Poesia), Áporo, O Elefante, Morte do Leiteiro (in: A Rosa do Povo).

c) Jorge de Lima: Essa Negra Fulô (in: Novos Poemas).

d) Cecília Meirelles. Lamento do Oficial por seu Cavalo Mor-to (in: Mar Absoluto e outros poemas).

e) Vinícius de Moraes: A Rosa de Hiroshima (in: Antologia Poética. Companhia das Letras, 1992).

Pense só uma coisa (ah, é bom avisar: ao longo de nossa conversa, es-tarei sempre alternando o tratamento quanto ao número - você/vocês):

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Capítulo 01Primeiro Fragmento

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1. a língua é um conjunto de hábitos convencionais de mútua

compreensão que existem numa coletividade, produto e função

da vida de grupo que se resume em dicionário e gramática.

2. a linguística é ciência da linguagem, isto é, o estudo da língua

em si mesma e por si mesma.

3. a literatura é o conjunto das composições de uma língua, com

preocupação estética, mas é também o conjunto de trabalhos li-

terários de um país ou de uma época.

Estes conceitos são, na verdade, meras transcrições lexicais que você encontra em qualquer dicionário de língua portuguesa. Aliás, esse tema você já tirou de letra em História dos Estudos Lingüísticos, Estu-dos Gramaticais e Teoria da Literatura I.

Mas vamos à reflexão. A língua que a gente fala e usa para a comu-nicação entre nós — cidadãos brasileiros, aqui nascidos ou não — é a língua que tomamos aos portugueses. Essa “tomada” da língua aos portu-gueses configura-se literariamente e devemos entendê-la como um longo processo, que se estende desde os primeiros tempos da colonização. Esse processo, nós o acompanharemos através da abordagem apresentada por Affonso Ávila em Do Barroco ao Modernismo: o desenvolvimento cícli-co do projeto literário brasileiro (ÁVILA, 1975: 29-38), que você deve ler logo após passar pelos próximos itens, todos referentes à linguagem. Des-tes itens, os três primeiros foram retirados do texto de Ávila:

1) A “tomada” principia quando a colonização começara a se fir-mar quase ao fim do século XVII e primeira metade do século XVIII, tempo em que se dá o chamado período Barroco da his-tória literária brasileira. Naquele momento, a obra poética de Gregório de Matos oferecia elementos a uma análise formal, lingüística e ideológica como indicativos de um processo de apropriação da linguagem e apropriação da realidade.

2) Face à Independência do Brasil, a língua dos portugueses se transforma em coisa nossa, ao longo do século XIX. Ela ganha

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tinturas muitíssimo diferentes das originais, envolta pela exta-sia tropical e de uma mítica telúrica. Seria a língua brasileira como a pensava José de Alencar, com sua inolvidável metáfora da América através da personagem Iracema, a virgem dos lá-bios de mel. Como ele, seus tantos outros pares do Romantismo brasílico tomam, definitivamente, posse da língua portuguesa.

3) Por fim, a língua passa ao processo de reflexão crítica via li-teratura de experimentação formal, de linguagem inventiva e comumente voltada para uma concepção crítica do real. É o Modernismo de Oswald e Mário de Andrade, que, desde os primeiros tempos do século XX, reinventa a linguagem brasi-leira, embora sem atingir a fulguração absoluta que ficaria ao encargo de Guimarães Rosa, abrindo o tempo a que chama-riam Pós-Modernismo.

4) A esses três tópicos processadores da formação de uma lingua-gem literária brasileira, eu acrescentaria um quarto momento. Trata-se de um processo em curso, a que poderíamos chamar “linguagem transubstanciada”. Isso se deve ao nosso caráter ti-picamente aberto a toda e qualquer influência estrangeira, que afeta predominantemente nossa cultura e, por conseguinte, a língua. Entretanto, elemento vazado, ela se consubstancia, amalgamando várias outras fontes lingüísticas, fazendo brotar palavras e expressões absolutamente novas. Sua fonte maior – parte de um fenômeno que atinge todas as culturas do planeta – é notadamente o avanço das ciências tecnológicas.

Ligeiros, vocês diriam:

– Mas isso tudo vem da língua inglesa, não é mesmo? Principal-mente da casa do Tio Sam.

Bom. Vocês têm certa razão. Afinal, é a mídia dos EUA que se impõe de maneira incisiva em nossas vidas. Entenda isso como a produção de um lixo cultural que entra na casa de todo mundo por diversas vias. De fato, a própria inteligentzia estadunidense não deixa por menos em duras autocríticas, seja por meio de artigos na imprensa, seja por meio de sua melhor expressão artística, como em seu melhor cinema ou teatro.

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Capítulo 01Primeiro Fragmento

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Mas o que eu percebo é que o inglês não é fator de influência abso-luta. Antes, vêm desta língua expressões que se conformam em uma lin-guagem própria e específica. Em verdade, trata-se de expressões oriun-das das fibras óticas que, por sua vez, abrem-se em páginas de um livro de ninguém: o computador.

Este fenômeno lingüístico define o que chamamos de período Pós-Utópico, o qual, por sua vez, englobaria as demais terminologias utiliza-das até aqui. Trata-se de termos como pós-modernismo, pós-colonialis-mo, pós-industrialismo – termos usados e gastos com a rapidez de um chip ligando nosso computador.

Pois é isso: tal fenômeno lingüístico estabeleceu um novo processo literário de linguagem inventiva (como pensava Oswald de Andrade), porém exacerbado em seu incontrolável desenvolvimento. Tempos de “hiper”: hipertexto, hiper-linguagem, hiper-realismo.

A língua do agora traz múltiplas linguagens nela embutidas para determinar o pensamento moderno e as atitudes éticas e estéticas da metade do século XX para cá. Que o digam as mais recentes gerações de escritores e artistas. Eles têm na mídia a matéria-prima mais urgente de sua fatura estética ou de sua performance artística. A tevê, a fotografia, o cinema, o outdoor, a imagem, enfim, formam a grade dos elementos para a composição estética. Quanto ao conteúdo, este não raro se assen-ta na referência ao já visto, ao já dito, ao já pensado em obras anteriores e em outros tempos. Os temas abordados são marcadamente urbanos, primam pela fragmentação semelhante aos clipes das mais variadas cor-rentes do rock’n roll.

Olha aí, minha gente, isso é assunto que não acaba mais e nos leva à busca da geração dita 90 e 00 (1990 e 2000), e daí em diante. Isto é, os escritores que vieram na esteira dessa transubstanciação lingüística, cujos fenômenos eclodiram com a geração baby boom, ou seja, os nas-cidos ao tempo da explosão atômica em Hiroshima e Nagasaki; com a geração “easy-rider”, desdenhosa do sistema “american way of life”, que teve em Jack Kerouak seu mais expressivo representante; com a geração rock´n roll de Elvis Presley e Os Beatles; com a geração hippie e beatnik da liberação sexual dos anos 70; a nova ordem econômica instaurada

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Unidade A - As Entradas

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nos anos 80 e embasada no neo-liberalismo inglês de Margareth Ta-tcher e referendada pelo ex-ator hollywoodiano Ronald Reagan, então presidente dos EUA; com, enfim, a queda do muro de Berlim em 1989, curiosamente há exatos 200 anos após a queda da Bastilha, exaurindo o período iluminista calcado na tríade “liberté-egalité-fraternité”, que tanto ajudou a fundar os movimentos libertários do século XIX, como a abolição dos escravos e a proclamação da república onde grassava o sistema monarquista.

Hoje, pois, fim das utopias. Não existe aquele país, aquela socieda-de em que tudo está organizado de modo a haver graça e felicidade nas relações humanas. Hoje, há o reinado da hipermídia e da lei de merca-do. Era da tecnologia exacerbada. E ponto.

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Capítulo 02Segundo Fragmento

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2 Segundo FragmentoVamos a duas abordagens de reflexão em torno de questões científico-

tecnológicas para percebermos a modernidade em dois autores marcantes de

nossa literatura. Contemporâneos entre si, porém de fases e estilos diferentes,

Machado de Assis e João do Rio são os pilares do presente fragmento.

Bem. Não dá para pôr um ponto final no assunto do Fragmento anterior, assim, sem mais nem menos. É claro que a tecnociência é um assunto do hoje, do agora, e que vai, no mínimo, atravessar esse XXI. Mas não é possível falar do hoje sem que nos reportemos ao passado. No caso, voltemos cem anos (fins do XIX – início do XX) quando, então, toda uma era científica se esgotava. Começava o tempo dos grandes inventos tec-nológicos: o automóvel chegava pela primeira vez em solo brasileiro (S. Paulo) em 1893, Santos Dumont (1873-1932) inaugurava a era da avia-ção, o cinematógrafo dos irmãos Lumière estreava em 1896, Karl Marx (1818-1883) já era texto sagrado do socialismo-comunismo que sacudia a Europa e Sigmund Freud (1856-1939) teorizava sobre as neuroses hu-manas, enquanto Machado de Assis (1839-1908) já havia posto muita gente em seu divã de analista (basta lembrar o velho Simão Bacamarte, o Alienista, que botou uma cidade inteira no manicômio da Casa Verde).

2.1 Machado de Assis

E por falar em Machado de Assis, vamos trazê-lo já para o nosso Curso. Vamos com ele abordar um de seus temas mais preciosos, ou seja, os deslizes psíquicos do ser humano. Por meio desta abordagem, Machado se coloca como dos mais avançados escritores de seu tempo. Como dissemos acima, ele se antecipa a Freud: enquanto este pesquisa a mente e o comportamento humanos, o brasileiro vai direto ao ponto, porquanto transfere para o plano estético-literário o drama das desor-dens mentais. Só que com refinada ironia.

Vamos ao texto – longo conto – O Alienista, que é, sem dúvida, uma jóia da literatura médica. Médica? Isso mesmo, porém sem compromis-so com a ciência, mesmo porque o texto é, na verdade, peça de crítica ao excesso de cientificismo que marcou o fim do XIX. Entretanto, é parte de Machado de Assis

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uma das preocupações mais profundas de Machado, pois a epilepsia, doen-ça nervosa que o acometera, nele se manifestava na forma de convulsões.

Moderno é esse conto que, de certa maneira, inaugura matéria ca-racterística da pós-modernidade: a exposição de dramas psicopatológi-cos vividos por seus personagens, manipulados pelo psiquiatra Simão Bacamarte em sua busca obsessiva dos limites entre a razão e a loucura. Da pena irônica machadiana não escapa o cruel retrato dos manicô-mios brasileiros semelhantes aos nossos atuais presídios. Outro ingre-diente importante é o fato de refletir a ordem político-social brasileira por meio do micro universo representado pela provinciana cidade de Itaguaí. Publicado pela primeira vez em 1881, O Alienista entrou para a galeria dos cânones na qualidade de obra fonte da literatura brasileira.

Agora, vamos trazer à baila outro conto “cabeça” (duplo sentido: mexe com o tema cabeça e mexe com a cabeça do leitor). Trata-se de O Homem da Cabeça de Papelão, do antenado João do Rio, autor que, embora sem o mesmo refinamento literário de Machado, soube fazer o retrato do Rio de Janeiro de seu tempo sem nunca perder de vista as mazelas e contradições humanas.

Antes, porém, para que você tenha certa noção da modernidade de João do Rio e compreenda como pode um texto significar igualmente dois tempos tão distantes (os anos dez do século XX e do XXI), ocupe-se com as Abordagens Reflexivas I e II:

2.1.1 Abordagem I

Para entendermos a modernidade de João do Rio e sua “cabeça de papelão”, passemos à reflexão assomada aí abaixo, que espicha aquela do quadro logo acima. Esta vem na forma de paráfrase, quando não com palavras tomadas integralmente a Adauto Novaes (O Estado de São Paulo, D6, 19/8/07), intelectual que se aprimorou em juntar cabeças pensantes do Brasil em conferências que discutem temas de capital im-portância para esse nosso tempo de “mutações”. Uma dessas conferên-cias é justamente a que trata do “Silêncio dos Intelectuais”, como se eles houvessem sido tomados por uma paralisia ante as situações de risco, porque não dizer ante as barbáries de uma sociedade perplexa face à quebra dos tradicionais conceitos sobre política, crenças e pensamen-to. Mais do que crise, estes fenômenos poderiam ser entendidos como

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Capítulo 02Segundo Fragmento

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um processo de mutação que germina no nada da revolução técnico científica dos últimos tempos e aponta para a igualdade entre cérebro humano e artificial, aquele dos computadores.

Esse assunto não tem ponto final, como pretendi acima. Entretanto, não vamos muito além. Apenas um pouquinho mais de reflexão sobre o tema a que chamamos “Pós-Utopias”, no qual linguagens, conceitos e crenças entram em crise. Crise não seria o termo adequado, melhor falar em “mutação”.

Em tempos de avançadíssima tecnologia, em que os biotecnólo-gos prevêem, ainda para meados deste século XXI, a equivalência total da inteligência artificial (a de computadores) à inteligência humana, a mutação é o processo marcante. Não se trata do conceito em seu sen-tido tradicional, em que a mutação era precedida de grandes sistemas filosóficos, políticos, culturais, artísticos. A “mutação” que vivemos atu-almente é feita no vazio do pensamento, na esteira da grande revolução técnico-científica das décadas recentes. A tecnociência tem autonomia face às ciências humanas que têm precedentes na história do pensamen-to. Como a tecnociência não tem em que se apoiar, o resultado é que precisamos inventar muita coisa.

Vivemos em uma época crítica, em que concepções políticas, cren-ças e idéias, que antes pareciam dar sentido, agora perdem valor. O fato é que estamos passando por uma grande mutação que, embora consiga-mos identificar, não conseguimos definir.

Fala-se muito em uma grande revolução da informação, mas como trabalhar com informações provisórias é que se tornou uma grande questão. A informação é apenas a mostra do imediato pânico, do fato em si, puro e simples. Ela é a imagem do caos e, como tal, é apenas o caos. Portanto, haveríamos de nos ocupar com a revisão dos fatos, o que não conseguimos fazer no calor da hora. Assim é que não administra-mos a política dos fatos e nos deixamos levar por esse caos assustador em que se desvaloriza a idéia do tempo histórico. Ou seja, vivemos em um tempo que é definido pelo aqui e agora, destroçando-se, com isso, as duas maiores invenções da humanidade, que são o passado e o futuro. É como se a gente pensasse: “já que somos mortais e, por certo, desapare-ceremos, que se dane o futuro, e o passado já era!”

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Unidade A - As Entradas

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Estampa-se no presente o mal pensado da morte da civilização. Qual seria, então, outra perspectiva (se houver)?

Hoje as coisas não podem ser pensadas isoladamente e está mui-to claro que há uma interdependência entre os mais variados assuntos. Convergem os temas entre si: a nanotecnologia com a biotecnologia, a infotecnologia com as ciências cognitivas. Está cada vez mais evidente que o pensamento não existe isoladamente. Assim pensam intelectu-ais como Sérgio Paulo Rouanet, para quem o homem tem a necessidade de voltar a ser o sujeito do processo de geração e aplicação do conheci-mento, com a capacidade plena de ter uma visão de conjunto das ativi-dades científicas e tecnológicas contemporâneas.

Um Gancho Para Que Se Pense Na Educação

Nesse sentido, pensando na educação, área da qual todos nós fa-

zemos parte, não parece evidente a prática da interdisciplinari-dade? Mais que isso, a transdisciplinaridade? Que se comece

desde já (e o “já” já se faz tarde!) a preparar nossos alunos para a

concepção de um mundo em que os pensamentos são, de fato, in-

terdependentes. Afinal, urge essa necessidade de sermos sujeitos

do processo e não objetos cênicos e reificados de um poder abso-

luto que se esconde por detrás das vozes gravadas na telefonia das

grandes empresas.

Atenção: voltaremos ao tema em uma atividade de Prática de

Ensino.

2.1.2 Abordagem II

Você assistiu ao filme de Ridley Scott, O Caçador de Andróides, ou Blade Runner (1982), seu título em inglês? Pois bem, um filme que é um espanto. Quanto mais o vemos, mais descobrimos ângulos a serem ana-lisados. Nele, o ator Harrison Ford faz um detetive durão que sai à caça de pobres andróides, seres criados em laboratório de biotecnologia, que eram enviados para terríveis guerras interplanetárias e que, pior, tinham um tempo de vida delimitado. Alguns desses trans-humanos lograram

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Capítulo 02Segundo Fragmento

25

fugir da guerra e vêm para uma Los Angeles caótica em busca do “Pai”, ou seja, daquele que os criara para tão desgraçada finalidade. Sobretudo, eles não queriam morrer!

A ficção se adianta à realidade. Sempre foi assim: o artista criador, muito tempo antes da realidade, prevê em traços, letras, formas um fu-turo distante a ser realizado pela ciência. Assim se deu, através das histó-rias em quadrinhos, a criação de Flash Gordon, a prenunciar as viagens espaciais; o Superman, dublê de homem e máquina. Porém, antes deles, a literatura genial de Júlio Verne, com seus personagens em viagens ex-traordinárias ao fundo do mar e ao centro da terra; e, antes de todos, o Frankstein de Mary Shelley, estranha criatura urdida nas névoas densas, toda sombras do ultra gótico romântico, expressão mesma da iminente decadência de uma Europa cansada de sua própria civilização.

Frankstein se saiu um monstro. Os robôs de hoje trazem múlti-plos disfarces, inclusive para esconderem candidamente o assassino que neles poderá existir. Foi o caso de outra peça de ficção anterior a Bla-de Runner. É Hall 2000, personagem robótico/computador inteligente, que protagoniza uma das cenas antológicas do melhor cinema de ficção científica. Em 2001, uma Odisséia no Espaço, Stanley Kubrick, baseado no romance homônimo de Arthur C. Clark (1918-2008), mostra-nos a agonia e morte do robô. Trata-se de Hall, nas cenas em que é desligado pelo único tripulante que sobreviveu à série de assassinatos tecnologica-mente praticados pelo próprio robô.

Anos 60. Ainda assistia-se à supremacia do homem sobre a máqui-na. Será assim em 2045, tempo para o qual está prevista a ocorrência daquilo a que os biotecnólogos chamam de Singularidade Tecnológica, ou seja, o momento exato em que a inteligência artificial (a de computa-dores) se igualará à dos humanos?

Enfim, chegou o tempo daquilo tudo que era urdidura, trama, in-venção ficcional tornar-se realidade. Assustadora em meio a um noti-ciário de pânico, complexa diante de uma sociedade que só faz pensar narcisicamente no presente como se não houvesse a morte que virá, sem querer lembrar o passado que poderia ter sido.

Que fazer, enquanto são tantos os homens – e pior, homens com investidura política – que têm cabeça de papelão?

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Unidade A - As Entradas

26

(Você pensou em algum político, em algum cartola ou em algum seu vizinho-amigo-colega espertalhão, sempre pronto para levar vantagem em tudo? Então, você pensou certo!)

2.2 João do Rio

Pois agora chega de blá e vamos ao nosso personagem – o Antenor – inventado pelo extravagante João do Rio. Ou Godofredo de Alencar, ou José Antonio José, ou Joe, ou Claude, ou João Paulo Emílio (Cristó-vão) Coelho Barreto, seu verdadeiro nome, dado pelos pais – um gaúcho e uma mulata – desde seu nascimento em 05/08/1881, no Rio de Janeiro, onde morreu em 23/06/1921. Foi redator de jornais importantes, como O País e Gazeta de Notícias, fundando depois um diário que dirigiu até o dia de sua morte, A Pátria. Contista, romancista, autor teatral (condição em que exerceu a presidência da Sociedade Brasileira de Autores Tea-trais), tradutor de Oscar Wilde, foi membro da Academia Brasileira de Letras, eleito na vaga de Guimarães Passos. Entre outros livros, deixou Dentro da Noite, A Mulher e os Espelhos, Crônicas e Frases de Godofredo de Alencar, A Alma Encantadora das Ruas, Vida Vertiginosa, Os Dias Passam, As religiões no Rio e Rosário da Ilusão, que contém como pri-meiro conto a admirável sátira O homem da cabeça de papelão.

A obra literária deste contemporâneo de Machado de Assis não se encaixa facilmente no Realismo finissecular, nem na estética modernis-ta já em andamento, quando, em 1922, se vê confirmada na Semana de Arte Moderna, em São Paulo.

João do Rio se situa naquele entre-tempo, entre-caminho a que se convencionou chamar de Pré-Modernismo, em companhia de Euclides da Cunha, Afonso Henriques de Lima Barreto, Monteiro Lobato, para citar alguns dos mais importantes nomes que já apontavam para as grandes pre-ocupações nacionais e literárias das três primeiras décadas do século XX.

Dedique-se agora à leitura de O Homem da Cabeça de Papelão.

João do Rio

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Capítulo 03Terceiro Fragmento

27

3 Terceiro Fragmento

Tema recorrente do programa, a literatura é a nossa discussão. E para

que você veja que existe interdisciplinaridade, remetemos à Disciplina “Estu-

dos Gramaticais” para melhor acentuarmos alguns conceitos de literatura.

O estudo da língua se faz através da Lingüística enquanto ciência. E isso se dá com múltiplas variações, pois esta ciência se divide em vários segmentos ou disciplinas como, por exemplo, Estudos Gramaticais, que você acabou de ver no semestre anterior.

Você haverá de se lembrar da primeira lição dessa Disciplina, não é mesmo? Logo no princípio da “Unidade A”, aparece um quadro conten-do a imagem de um elefante com dois homens que seriam cegos. Ime-diatamente ao lado desse quadro, há um texto encimado pela pergunta “Que é lingüística?” Lembrou?

Pois bem. Para dar conta de uma resposta a tal pergunta, o autor, o professor Ataliba Castilho, faz uso de uma fábula.

E o que é uma fábula?

– Fábula é uma das formas do gênero literário em prosa que apre-senta uma narração alegórica, cujos personagens são geralmente ani-mais, e que tem o propósito de passar uma lição moral. É, portanto, uma história inventada que se presta a fazer com que melhor se veja a realidade. É literatura.

– Pois, agora?! (Expressão típica da fala regional da ilha de Santa Catarina, usada quando a pessoa entendeu, mas não entendeu).

– Pois agora é que estou tentando dizer que uma língua só é quando ela está documentada.

– Uai! (Exclamação tipicamente mineira para expressar um espan-to face à obviedade de uma resposta a uma pergunta).

– O fato é que, por exemplo, a língua portuguesa passou a existir como língua a partir do momento em que foi encontrado o texto A Can-tiga da Ribeirinha, de Paio Soares de Taveirós, no ano de 1198. Certo?

GÖRSKI, Edair; ROST, Cláu-dia. Introdução aos estudos gramaticais. Florianópolis: LLV/CCE/UFSC, 2008.

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Unidade A - As Entradas

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– Bah, tchê! (Lá vem o gaúcho admirado de confirmação).

– Pois é isso. Veio a fala. A gente se comunicou. Desde a mais remo-ta antigüidade que se contam histórias que encerram as mais variadas experiências vividas, como anotou Walter Benjamin para pensar a nar-rativa, no livro Magia e Técnica, Arte e Política (BENJAMIN: 1987, 197-221). Mas o que era literatura oral e não foi grafado perdeu-se. Assim como há muitas línguas que desaparecerão porque não têm literatura. Não têm a memória documentada, grafada, escrita.

– Orra, meu! (O paulistano macarrônico, bem depois do jeito que Antônio de Alcântara Machado flagrou a fala da italianada no formidá-vel Brás, Bexiga e Barra Funda).

Claro que vocês, curiosas e curiosos, movidos pelo espírito de pesquisa de que todo professor deve se imbuir, haverão de buscar confirmação para o assunto em livros como Presença da Literatura Portuguesa – das origens ao Realismo, de Antonio Soares Amora e Segismundo Spina, pela Editora Bertrand. Portanto, uma língua só é desde que tenha literatura. Afinal, o texto documenta um momento histórico e até mesmo os aspectos sócio-lingüísticos de uma gente, de uma sociedade, de uma nação. Correria o risco de desaparecimento toda riqueza da memória de um povo, por sua literatura oral, caso não fosse grafada. Eis aí a função da literatura.

– E aí? (Pergunta todo o Brasil como quem quer saber “o que é que eu faço com isso?”).

– Bom, se para entender o que é Lingüística, conforme o professor Castilho, tem que ficar pegando em elefante, digo que para entender de literatura (um pouco) tem que pegar em livros – na forma e no conteú-do. Vamos lá!

Conferindo Conceitos

Literatura: o que é e quais alguns conceitos que poderão deixar clara sua importância para uma sociedade como a brasileira, que, aliás, não lê, malgrado o alerta feito por Monteiro Lobato (aquele do Sítio do Pica-pau Amarelo?):

Um país se faz com homens e livros.

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Capítulo 03Terceiro Fragmento

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1. LITERATURA é uma forma “especial” de linguagem, em contraste

com a linguagem comum que usamos habitualmente. Para Roman

Jakobson, fundador da Escola Lingüística de Praga (celeiro da cor-

rente formalista nos anos 20), a literatura representa uma “violência

organizada contra a fala comum”. A literatura transforma e intensifi-

ca a linguagem comum, afastando-se sistematicamente da fala co-

tidiana (EAGLETON: 1994).

2. Paul de Man, da corrente desconstrutivista estadunidense, obser-

va que “toda linguagem é inevitavelmente metafórica, operando

por tropos e figuras; é um engano acreditar que qualquer lingua-

gem é literalmente literal. Mesmo a filosofia, o direito, a teoria polí-

tica funcionam por metáforas” (EAGLETON: 1994).

3. Agora vejamos o conceito de Literatura emitido por um de nossos

mais importantes intelectuais, o prof. Antonio Candido, no ensaio A

Personagem de Ficção: “quando nos referimos à literatura, pensa-

mos no que tradicionalmente se costuma chamar ‘belas letras’. [...]

Na acepção lata, literatura é tudo o que aparece fixado por meio de

letras – obras científicas, reportagens, notícias, textos de propagan-

da, livros didáticos, receitas de cozinha, etc. [...] As belas letras re-

presentam um setor restrito.” Contudo, seu caráter mais distinto é

de ordem ficcional ou imaginária, aliado a um alto nível estético, diz

Antonio Candido em outras palavras.

4. Para Ernst Cassirer, citado por Candido no mesmo estudo, a li-

teratura, como a obra de arte em geral, por seu caráter estético e

supostamente ficcional, traz toda uma riqueza encerrada em seu

contexto. Ao afastar o leitor de sua realidade e elevá-lo a um mundo

do simbólico, ao voltar à realidade, este aprende melhor a riqueza e

profundidade.

5. Goethe, o escritor símbolo maior da cultura germânica, dizia que

“através da arte, distanciamo-nos e ao mesmo tempo aproximamo-

-nos da realidade” (CANDIDO: 1968).

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Capítulo 04Quarto Fragmento

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4 Quarto Fragmento

Colhendo este quarto fragmento, você terá uma idéia sobre as raízes

culturais brasileiras, principalmente a partir das reflexões modernistas. Tais

reflexões aparecem aqui por meio de um recurso que bem poderia ser entendi-

do como um diálogo entre Sérgio Buarque de Holanda, Oswald de Andrade e

Mário de Andrade. Entretanto, para açodar o assunto, havemos de nos remeter

ao indianismo de José de Alencar e à malandragem brasílica, esta correndo

solta pelas novelas de tevê.

– Onde começa o Brasil?

Essa é uma boa pergunta. Porém, antes de mais nada, dê uma olha-dinha no esplêndido quadro A Primeira Missa do Brasil, pintado em 1861 pelo catarinense Vitor Meireles.

A Primeira Missa do Brasil, Vitor Meireles

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Unidade A - As Entradas

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Então, se você logo se puser a ler Raízes do Brasil, de Sérgio Buar-que de Holanda, vai descobrir de cara a ponta do novelo para entender quem somos nós, os brasileiros. Vai descobrir de onde veio toda essa preguiça, o desleixo com a coisa pública, o anseio por buscar o meio mais fácil para atingir um fim, o levar vantagem em tudo, as relações de favo-res, a facilitação às práticas corruptas, o gostoso sentimento da saudade.

Se você pensou no colonizador português, acertou em cheio. In-sisto: leia Raízes do Brasil e o assunto lhe parecerá muito claro. Outra obra de grande importância para entender a nossa nação é Retratos do Brasil, cujo autor, Paulo Prado, trouxe-o a lume no efervescente ano de 1928, o mesmo ano do Macunaíma de Mário de Andrade e do definitivo Manifesto Antropófago, do agitador cultural Oswald de Andrade.

Quer saber de uma coisa? Pegue uma folha de papel almaço pauta-da (ops! coisa mais antiga!), abra o Word e já vá escrevendo sua primeira redação sobre o assunto – “O Brasil: o que era e no que deu” – para que já faça um arquivo para consulta posterior sobre o aproveitamento que você tirou dessas paradas.

Agora vamos encarar a cozinha brasileira, preparando uma comi-dinha cultural.

Pegue os seguintes ingredientes:

1) um suco bem concentrado de Raízes do Brasil;

2) uma porção bem escolhida de Iracema;.

3) uma medida esperta de Paraíso Tropical (ou qualquer outra te-lenovela equivalente).

4.1 Da Telenovela

Lembra daquela telenovela do ano passado na Globo, em que a sa-fadeza, a bandidagem e o mau-caratismo corriam soltos? Era a tal Paraí-so Tropical, em que personagens com aquelas “qualidades” aqui citadas faziam a catarse da nação brasileira. Era o Olavo (personagem vivido por Wagner Moura) e a Bebel (vivida por Camila Pitanga). Êta, dupla de cafajestes! Mas cafajeste era o que não faltava naquela novelinha, não é

Este assunto será retoma-do logo à frente.

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Capítulo 04Quarto Fragmento

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mesmo? (Aliás, mau caráter é o que não pode faltar em novela alguma, caso contrário, não dá ibope.)

Despreze aqueles personagens xaropes feitos de caras e bocas, ba-lançando a cabeçorra tal aqueles bichinhos de R$ 1,99 que muitos mo-toristas gostam de pôr no painel do automóvel só pra ver aquelas coisi-nhas balançarem ao movimento do carro. Estou falando de personagens clichês como a Lúcia, feita pela atriz Renée de Vilemond: só ela não en-xerga que o marido a trai e é toda bondade! Depois da grande desilusão em saber-se enganada, descobre, toda pudores, o grande amor de sua vida. Trata-se de um jovem com idade para ser seu filho e com quem, para delírio dos telespectadores, adota uma criança. Mais politicamen-te corretos impossível. Telenovela é isso: o abuso da inverossimilhança. Dane-se. A audiência a-do-ra!

A propósito, se você não viu Paraíso Tropical, serve qualquer outra, pois ingrediente de novela é sempre o mesmo. E, pelo jeito, será sempre assim.

Mas vale aqui indicar as origens da malandragem brasílica que debandou, lamentavelmente, em cafajestice generalizada. Refiro-me à necessária leitura de Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, que focalizou os costumes fluminenses dentro do momento histórico de um Rio de Janeiro transformado em sede do im-pério português, com D. João VI. Para se aprofundar no tema, você deve mergulhar no precioso ensaio de Antonio Candido, intitulado “Dialéti-ca da Malandragem” (1993).

4.2 De Iracema

A Iracema do Alencar era aquela índia bonita, toda bondade e toda entregue ao português desbravador, com o intuito ideológico de mos-trar a miscigenação das raças índia e branca para a boa formação do caráter nacional. Mas só que, você bem observou, o danado do bravo português pegou o filhinho dele feito com a pobre índia que, coitada, morreu, e levou pra criar e educar em Portugal. Direitinho como faziam as famílias de grandes recursos em relação aos seus rebentos, seus filhos, que voltariam de Coimbra diplomados em Direito para continuar a ge-

Lembretinho chato: se ainda não leu, corra!

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Unidade A - As Entradas

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rir os bens da família. Suas terras, suas plantações, seus escravos. Sem-pre de dentro da máquina do poder, fosse o Brasil monarquista, fosse o Brasil republicano.

Iracema

4.3 De Raízes do Brasil

Desta obra, você vai retirar os elementos-chaves. São observações e explicações que Sérgio Buarque oferece e desenvolve preciosamente para se pensar o Brasil.

Aliás, Raízes do Brasil, cuja primeira publicação ocorreu em 1936, veio na esteira daquele estimulante ano de 1928, quando os modernistas (pelo menos aqueles imbuídos de um espírito de rebeldia) puseram a mão na massa. Isto é, mãos à obra, no tocante ao grande projeto de se passar da fase do barulho – a Semana de Arte Moderna, em 1922 – à fase da reflexão crítica propriamente dita.

Pai de Chico Buarque de Holanda, você sabia?

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Capítulo 04Quarto Fragmento

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Bom mesmo para entrar nesse assunto e entendê-lo com segurança e qualidade é dar uma boa lida (isto quer dizer: fazer uma leitura crite-riosa) nas poucas páginas (apenas dez) em que Affonso Ávila apresenta o projeto literário brasileiro entre o Barroco e o Modernismo. O texto se encontra em O Modernismo, editado pela Perspectiva, que contém vários ensaios sobre o tema, assinados por Benedito Nunes, Silviano Santiago, Affonso Romano de Santanna, entre outros, e foi o próprio Affonso Ávila quem coordenou e organizou essa importante edição em comemoração aos 50 anos da Semana de Arte Moderna. Bom, sobre o texto de Affonso Ávila, apontarei algumas dicas mais adiante.

O negócio é o seguinte: 1928 foi o ano da publicação, nada mais nada menos, de três títulos de fulcral importância para o entendimento do Brasil. Vejam só:

1) Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade.

2) Macunaíma, de Mário de Andrade.

3) Retratos do Brasil, de Paulo Prado.

É mole? Então vamos voltar quatro anos, 1924, para bem entender o espírito da coisa. Quer dizer, do Modernismo. E comecemos pelo seu grande mestre de cerimônias. Como em um picadeiro, assim diríamos: – Senhoras e senhores, com vocês, para animar a festa:

4.4 Oswald de Andrade!

Para bem compreender o Modernismo do Brasil, cumpre sejam feitas algumas leituras. Os Manifestos de Oswald de Andrade – Pau-Brasil, de 1924, e Antropófago, de 1928 – são bandeiras apontando para um novo pensamento que abraça a um só tempo as artes, a política e a sociedade.

Importantíssima foi a obra de Oswald. Seus dois romances, Memó-rias Sentimentais de João Miramar (1924) e Serafim Ponte Grande (1933), sua poesia inscrita do Primeiro caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade (1927), bem como sua peça teatral O Rei da Vela, escrita em 1933, publicada em 1936 e levada ao palco apenas em 1963 na ence-nação fundadora do Tropicalismo, criada por José Celso Martinez no Oswald de Andrade

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Unidade A - As Entradas

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Teatro Oficina de São Paulo, radicalizam as conquistas da liberdade de criação artística propugnadas pelo Modernismo.

Vamos pegar a seguir alguns versos comentados desse “aluno” mes-tre que, no dizer de Décio Pignatari (bem ao final do documentário da TV Cultura), “mais do que vanguarda de seu tempo, Oswald foi moder-no, mais que moderno, eterno”.

4.4.1 Pau-Brasil

No livro Pau-Brasil, Oswald de Andrade põe em prática as propos-tas do Manifesto de mesmo nome. Na primeira parte do livro, História do Brasil, ele recupera documentos da nossa literatura de informação, dando-lhes um vigor poético surpreendente. Na segunda, Poemas da colonização, revê alguns momentos de nossa época colonial.

A descrição da paisagem brasileira, as cenas do cotidiano e o uso de metalinguagem são constâncias entre os poemas de Pau-Brasil, marca-dos, ainda, pelo verso livre, pelo tom de prosa, pela simplicidade da lin-guagem e pela extrema condensação. Pau-Brasil sugere a idéia da poesia como ingenuidade, surpresa e também imaginação, invenção, magia, liberdade. Associado ao universo infantil, o livro rompe as fronteiras entre sonho e realidade, propondo uma poética de renovação estética que aponta para a redescoberta da poesia.

Passemos a alguns dos poemas de Pau-Brasil, pincelando pequenos comentários:

Pronominais

Dê-me um cigarro

Diz a gramática

Do professor e do aluno

E do mulato sabido

Mas o bom negro e o bom branco

Da nação brasileira

Dizem todos os dias

Deixa disso camarada

Me dá um cigarro

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Capítulo 04Quarto Fragmento

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Os versos apontam para uma poética da coloquialidade e da na-cionalidade. Da miscigenação racial – negros e brancos –, forma-se o mulato, ou seja, uma outra cor, uma nova raça. Esta raça, por sua vez, altera a cultura do colonizador e faz valer sua própria invenção lingüís-tica. Em processo, pois, a miscigenação cultural. O poema remete a um dos baluartes da formação cultural brasileira. Trata-se de Gregório de Matos, que, juntamente com Machado de Assis e Euclides da Cunha, forma o que Oswald chamava de base literária do Brasil.

O Capoeira

– Qué apanhá sordado?

– O quê?

– Qué apanhá?

Pernas e cabeças na calçada

A idéia de luta é sugerida apenas por um diálogo-relâmpago, ti-picamente popular (note que o texto escrito copia a oralidade) e pela metonímia (pernas e cabeças na calçada – a parte pelo todo), que ilustra o estilo telegráfico, extremamente sintético, de Oswald de Andrade. Se-gundo Antonio Candido, Oswald foi o inaugurador, em nossa literatura, da transposição de técnicas de cinema – “montagem” de cenas, tentativa de descontinuidade para causar a impressão de “imagens simultâneas” – para o texto literário.

Relicário

No baile da corte

Foi o conde d’Eu quem disse

Pra Dona Benvinda

Que farinha de Suruí

Pinga de Parati

Fumo de Baependi

É comê bebê pitá e caí

Este poema é representativo da proposta Pau-Brasil de poesia de exportação. Trata-se de recontar momentos significativos da história da colonização do Brasil de maneira irônica, crítica, como na cena de Relicário. Nela, um personagem histórico, o Conde d’Eu, no baile da

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Unidade A - As Entradas

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Corte, conversa com Dona Benvinda uma “conversa de cozinha”: rít-mica, folclórica, engraçada, surpreendente para o contexto do baile da Corte. Note que o relicário significa recinto ou lugar especial, próprio para guardar objetos de estimação. Veja-se, pois, a impropriedade con-tida no poema – ele mesmo um relicário para essas coisas tão prosaicas e pândegas do Brasil monarquista. Poema marcadamente oswaldiano: a conversa, a ironia, a piada.

Canção de Regresso à Pátria

Minha terra tem palmares

Onde gorjeia o mar

Os passarinhos daqui

Não cantam como os de lá

Minha terra tem mais rosas

E quase que mais amores

Minha terra tem mais ouro

Minha terra tem mais terra

Ouro terra amor e rosas

Eu quero tudo de lá

Não permita Deus que eu morra

Sem que eu volte para lá

Não permita Deus que eu morra

Sem que eu volte para São Paulo

Sem que eu veja a rua 15

E o progresso de São Paulo

Esta é a primeira paródia modernista da Canção do Exílio de Gon-çalves Dias, poeta romântico. Hino à nacionalidade, o poema original apresenta uma visão ufanista, idealizadora da pátria. Em sua paródia, Oswald de Andrade troca palmeiras por palmares, mostrando, assim, o nacionalismo crítico dos modernistas: minha terra tem opressão, escra-vidão, dominação e também lutas pela libertação. Palmares é o nome do mais famoso quilombo para onde fugiam os escravos.

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Capítulo 04Quarto Fragmento

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Há, também, uma referência clara ao progresso de São Paulo – sím-bolo do desenvolvimento econômico do país –, que se opõe à valoriza-ção da natureza presente no poema de Gonçalves Dias.

Ao dizer que os passarinhos daqui, isto é, do estrangeiro, não can-tam como os de lá – os do Brasil –, Oswald relativiza a idéia da superio-ridade de nossa fauna e de nossa flora em relação à Europa, afirmando a diferença em oposição ao que se encontra em Gonçalves Dias. O ver-so “E quase que mais amores” acentua a relativização do patriotismo romântico a que nos referimos. Finalmente, a ausência de pontuação, especialmente em “Ouro terra amor e rosas”, acaba de configurar a mo-dernidade da Canção de Regresso à Pátria. Trata-se, pois, de um poema paródico que, aparentemente imitando o texto a partir do qual foi escri-to, faz, na verdade, é inverter seus sentidos através da sátira.

Leitura:

Manifesto da Poesia Pau-Brasil

A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da

Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos.

O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. Pau-Brasil. Wagner

submerge ante os cordões de Botafogo. Bárbaro e nosso. A formação étni-

ca rica. Riqueza vegetal. O minério. A cozinha. O vatapá, o ouro e a dança.

Toda a história bandeirante e a história comercial do Brasil. O lado doutor,

o lado citações, o lado autores conhecidos. Comovente. Rui Barbosa: uma

cartola na Senegâmbia. Tudo revertendo em riqueza. A riqueza dos bailes

e das frases feitas. Negras de Jockey. Odaliscas no Catumbi. Falar difícil.

O lado doutor. Fatalidade do primeiro branco aportado e dominando

politicamente as selvas selvagens. O bacharel. Não podemos deixar de

ser doutos. Doutores. País de dores anônimas, de doutores anônimos. O

Império foi assim. Eruditamos tudo. Esquecemos o gavião de penacho.

A nunca exportação de poesia. A poesia anda oculta nos cipós malicio-

sos da sabedoria. Nas lianas da saudade universitária.

Mas houve um estouro nos aprendimentos. Os homens que sabiam

tudo se deformaram como borrachas sopradas. Rebentaram.

A volta à especialização. Filósofos fazendo filosofia, críticos, critica, donas

de casa tratando de cozinha.

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Unidade A - As Entradas

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A Poesia para os poetas. Alegria dos que não sabem e descobrem.

Tinha havido a inversão de tudo, a invasão de tudo : o teatro de tese e a

luta no palco entre morais e imorais. A tese deve ser decidida em guerra

de sociólogos, de homens de lei, gordos e dourados como Corpus Juris.

Ágil o teatro, filho do saltimbanco. Ágil e ilógico. Ágil o romance, nascido

da invenção. Ágil a poesia..

A Poesia Pau-Brasil. Ágil e cândida. Como uma criança.

Uma sugestão de Blaise Cendrars : - Tendes as locomotivas cheias, ides

partir. Um negro gira a manivela do desvio rotativo em que estais. O me-

nor descuido vos fará partir na direção oposta ao vosso destino.

Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. Engenheiros em vez de

jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia das idéias.

A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribui-

ção milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.

Não há luta na terra de vocações acadêmicas. Há só fardas. Os futuristas

e os outros.

Uma única luta - a luta pelo caminho. Dividamos: Poesia de importação.

E a Poesia Pau-Brasil, de exportação.

Houve um fenômeno de democratização estética nas cinco partes sá-

bias do mundo. Instituíra-se o naturalismo. Copiar. Quadros de carneiros

que não fosse lã mesmo, não prestava. A interpretação no dicionário

oral das Escolas de Belas Artes queria dizer reproduzir igualzinho... Veio

a pirogravura. As meninas de todos os lares ficaram artistas. Apareceu a

máquina fotográfica.

E com todas as prerrogativas do cabelo grande, da caspa e da misteriosa

genialidade de olho virado - o artista fotógrafo.

Na música, o piano invadiu as saletas nuas, de folhinha na parede. Todas

as meninas ficaram pianistas. Surgiu o piano de manivela, o piano de

patas. A pleyela. E a ironia eslava compôs para a pleyela. Stravinski.

A estatuária andou atrás. As procissões saíram novinhas das fábricas.

Só não se inventou uma máquina de fazer versos - já havia o poeta

parnasiano.

Ora, a revolução indicou apenas que a arte voltava para as elites. E as

elites começaram desmanchando. Duas fases: 1ª) a deformação através

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Capítulo 04Quarto Fragmento

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do impressionismo, a fragmentação, o caos voluntário. De Cézanne e

Malarmé, Rodin e Debussy até agora; 2ª) o lirismo, a apresentação no

templo, os materiais, a inocência construtiva.

O Brasil profiteur. O Brasil doutor. E a coincidência da primeira constru-

ção brasileira no movimento de reconstrução geral. Poesia Pau-Brasil.

Como a época é miraculosa, as leis nasceram do próprio rotamento di-

nâmico dos fatores destrutivos.

A síntese

O equilíbrio

O acabamento de carrosserie

A invenção

Uma nova perspectiva

Uma nova escala.

Qualquer esforço natural nesse sentido será bom. Poesia Pau-Brasil

O trabalho contra o detalhe naturalista - pela síntese; contra a morbidez

romântica - pelo equilíbrio geômetra e pelo acabamento técnico; con-

tra a cópia, pela invenção e pela surpresa.

Uma nova perspectiva:

A outra, a de Paolo Ucello criou o naturalismo de apogeu. Era uma ilu-

são ética. Os objetos distantes não diminuíam. Era uma lei de aparência.

Ora, o momento é de reação à aparência. Reação à cópia. Substituir a

perspectiva visual e naturalista por uma perspectiva de outra ordem:

sentimental, intelectual, irônica, ingênua.

Uma nova escala.

A outra, a de um mundo proporcionado e catalogado com letras nos li-

vros, crianças nos colos. O redame produzindo letras maiores que torres.

E as novas formas da indústria, da viação, da aviação. Postes. Gasômetros

Rails. Laboratórios e oficinas técnicas. Vozes e tiques de fios e ondas e

fulgurações. Estrelas familiarizadas com negativos fotográficos. O corres-

pondente da surpresa física em arte.

A reação contra o assunto invasor, diverso da finalidade. A peça de tese

era um arranjo monstruoso. O romance de idéias, uma mistura. O quadro

histórico, uma aberração. A escultura eloquente, um pavor sem sentido.

Nossa época anuncia a volta ao sentido puro.

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Unidade A - As Entradas

42

Um quadro são linhas e cores. A estatuária são volumes sob a luz.

A Poesia Pau-Brasil é uma sala de jantar domingueira, com passarinhos

cantando na mata resumida das gaiolas, um sujeito magro compondo

uma valsa para flauta e a Maricota lendo o jornal. No jornal anda todo o

presente.

Nenhuma fórmula para a contemporânea expressão do mundo. Ver

com olhos livres.

Temos a base dupla e presente - a floresta e a escola. A raça crédula e

dualista e a geometria, a algebra e a química logo depois da mamadeira

e do chá de erva-doce. Um misto de “dorme nenê que o bicho vem

pegá” e de equações.

Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas elétricas;

nas usinas produtoras, nas questões cambiais, sem perder de vista o Mu-

seu Nacional. Pau-Brasil.

Obuses de elevadores, cubos de arranha-céus e a sábia preguiça solar.

A reza. O Carnaval. A energia íntima. O sabiá. A hospitalidade um pouco

sensual, amorosa. A saudade dos pajés e os campos de aviação militar.

Pau-Brasil.

O trabalho da geração futurista foi ciclópico. Acertar o relógio império

da literatura nacional.

Realizada essa etapa, o problema é outro. Ser regional e puro em sua

época.

O estado de inocência substituindo o estada de graça que pode ser

uma atitude do espírito.

O contrapeso da originalidade nativa para inutilizar a adesão

acadêmica.

A reação contra todas as indigestões de sabedoria. O melhor de nossa

tradição lírica. O melhor de nossa demonstração moderna.

Apenas brasileiros de nossa época. O necessário de química, de mecâ-

nica, de economia e de balística. Tudo digerido. Sem meeting cultural.

Práticos.

Experimentais. Poetas. Sem reminiscências livrescas. Sem comparações

de apoio. Sem pesquisa etimológica. Sem ontologia.

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Capítulo 04Quarto Fragmento

43

Bárbaros, crédulos, pitorescos e meigos. Leitores de jornais. Pau-Brasil. A

floresta e a escola. O Museu Nacional. A cozinha, o minério e a dança. A

vegetação. Pau-Brasil.

OSWALD DE ANDRADE

Correio da manhã, 18 de março de 1924.

(In: Revista do Livro. Rio de Janeiro: INL, nº 16, dezembro, 1959. APUD: Gilberto Mendonça Teles. Vanguarda Européia e Modernismo

Brasileiro. Petrópolis: Vozes, 1978, p. 266-271.)

Agora que você fez este ligeiro contato com a poética do mais ino-vador dos modernistas, passemos ao texto que contém todas as cha-ves para o entendimento do pensamento moderno brasileiro. Oswald o publicou no jornal paulistano Correio da Manhã, na edição de 18 de Março de 1924. Leia o Manifesto Pau-Brasil e os poemas de Oswald de Andrade. Boa leitura!

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Unidade BAs Bandeiras

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Capítulo 05Quinto Fragmento

47

Quinto FragmentoEste fragmento tem a propriedade de acentuar o grande tema das preo-

cupações estéticas e políticas do Modernismo entre nós. Por isso ele remete a

dois textos tidos como bandeiras que avançam no âmbito das discussões para a

compreensão da cultura brasileira.

5.1 Retomando 1928

Macunaíma, do outro Andrade, o Mário, apresenta uma nova pers-pectiva da nação brasileira, porquanto alude à formação de um caráter nacional que se revela indefinido. Tal observação aponta para o herói sem nenhum caráter como personagem universal, e não exclusivamente brasileiro. No entanto, é possível pesar os fatos do nascimento e cres-cimento do herói: Macunaíma nasce no fundo do mato-virgem e vive num mocambo – numa clara referência à sua origem indígena –, “era preto retinto e filho do medo da noite” (ANDRADE, 1993, p. 9). No Ca-pítulo IV, toma banho numa água encantada, tornando-se “[...] branco louro e de olhos azuizinhos” (ANDRADE, 1993, p.30). Assim, Mário nos apresenta o herói, resultado da fusão de três raças, sendo todas elas ao mesmo tempo e, portanto, tipicamente brasileiro.

Quanto a Retratos do Brasil, Paulo Prado o escreveu em 1928, tra-zendo como subtítulo Ensaio Sobre a Tristeza Brasileira. A tristeza, o romantismo, a luxúria e o vício da imitação eram apontados como os maiores problemas da nacionalidade. Naquela época, mais precisamen-te em 1931, dois outros livros, O País do Carnaval, de Jorge Amado, e Maquiavel e o Brasil, de Otávio de Farias, expressavam o clima intelec-tual da época, marcado pela idéia de crise e incerteza.

Leitura:

Manifesto Antropófago

Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente.

Filosoficamente.

Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de

todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.

5

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Unidade B - As Bandeiras

48

Tupy, or not tupy that is the question.

Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.

Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.

Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em

drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da

psicologia impressa.

O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo

interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema

americano informará.

Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com

toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos

touristes. No país da cobra grande.

Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais.

E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continen-

tal. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.

Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.

Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência pal-

pável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.

Queremos a Revolução Caraiba. Maior que a Revolução Francesa. A unifi-

cação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem n6s a Eu-

ropa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.

A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as

girls.

Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Ori Villegaignon print terre.

Montaig-ne. O homem natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao

Romantismo, à Revolução Bolchevista, à Revolução Surrealista e ao bár-

baro tecnizado de Keyserling. Caminhamos..

Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo.

Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.

Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós. Contra o Padre

Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O

rei-analfabeto dissera-lhe : ponha isso no papel mas sem muita lábia.

Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o di-

nheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.

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Capítulo 05Quinto Fragmento

49

O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomor-

fismo. Necessidade da vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as

religiões de meridiano. E as inquisições exteriores.

Só podemos atender ao mundo orecular.

Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da

Magia. Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem.

Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop

do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vitima do sistema. Fonte

das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das

conquistas interiores.

Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.

O instinto Caraíba.

Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma

Cosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.

Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo.

Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de se-

nador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar

cheio de bons sentimentos portugueses.

Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de

ouro.

Catiti Catiti

Imara Notiá

Notiá Imara

Ipeju

A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos,

dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a

morte com o auxílio de algumas formas gramaticais.

Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era

a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli

Mathias. Comia.

Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com

isso?

Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mun-

do não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César.

“Lua nova, ó Lua Nova, assopra em Fulano lem-branças de mim”.

In: O Selvagem, de Couto Magalhães.

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Unidade B - As Bandeiras

50

A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão.

Só a maquinaria. E os transfusores de sangue.

Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.

Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um

antropófago, o Visconde de Cairu: – É mentira muitas vezes repetida.

Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civiliza-

ção que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o

Jabuti.

Se Deus é a consciênda do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viven-

tes. Jaci é a mãe dos vegetais.

Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política

que é a ciência da distribuição. E um sistema social-planetário.

As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urba-

nas. Contra os Conservatórios e o tédio especulativo.

De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem.

Antropofagia.

O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das

coisas + falta de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole

curiosa.

É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idéia de Deus.

Mas a caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci.

O objetivo criado reage com os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga.

Que temos nós com isso?

Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto

a felicidade.

Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina

de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.

A alegria é a prova dos nove.

No matriarcado de Pindorama.

Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.

Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente

nas praças públicas. Suprimamos as idéias e as outras paralisias. Pelos

roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.

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Capítulo 05Quinto Fragmento

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Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI.

A alegria é a prova dos nove.

A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela

contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e

o modus vivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro.

Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade.

Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que

traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identifica-

dos por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma sublimação do

instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De

carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo,

a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa

antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura,

a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianiza-

dos, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.

Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Irace-

ma, – o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo.

A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João

VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventu-

reiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragan-

tino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.

Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a

realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem peni-

tenciárias do matriarcado de Pindorama.

OSWALD DE ANDRADE

Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha.

(Revista de Antropologia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.)

Passemos agora à apreciação do Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade.

Este Manifesto constitui-se numa síntese de alguns pensamentos do autor sobre o Modernismo Brasileiro. Inspirava-se explicitamente em Marx, em Freud, Breton, Montaigne e Rousseau e atacava explici-tamente a missionação, a herança portuguesa e o padre Antonio Vieira. Antes “de os portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto

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Unidade B - As Bandeiras

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a felicidade; Contra Goethe” (que simboliza a cultura clássica européia). Neste sentido, assina o Manifesto como tendo sido escrito em Piratinin-ga (nome indígena para a planície de onde viria a surgir a cidade de São Paulo), datando-o esclarecedoramente como “ano 374, da Deglutição do Bispo Sardinha”, o que denota uma recusa radical, simbólica e humo-rística, do calendário gregoriano vigente.

Há várias idéias implícitas neste Manifesto, sendo de lamentar que o seu autor não tivesse o espírito sistemático e mais profundo do seu amigo Mário de Andrade para as ter explanado de uma maneira mais substantiva. Uma é conhecida da antropologia e tem a ver com o papel simbólico do canibalismo nas sociedades tribais/tradicionais. O canibal nunca come um ser humano por nutrição, mas sempre para incluir em si as qualidades do inimigo ou de alguém. Assim o canibalismo é inter-pretado como uma forma de veneração ao inimigo. Se o inimigo tem valor então há interesse em comê-lo, porque assim o canibal torna-se mais forte. Oswald atualiza este conceito, no fundo expressando que a cultura brasileira é mais forte; é colonizada pelo europeu, mas digere o europeu e assim torna-se superior a ele: “Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da pos-sibilidade. Esse homem chamava-se Galli Matias. Comi-o”.

Outra idéia avançada é a de que a maior revolução de todas vai se realizar no Brasil: “Queremos a revolução Caraíba”.

Outra idéia é a de que o Brasil, simbolizado pelo índio, absorve o estrangeiro, o elemento estranho a si, e torna-o carne da sua carne, canibaliza-o. Oswald recusa as “religiões do meridiano”, que são aquelas de origem oriental e semita, que deram origem ao cristianismo, sendo a favor das religiões indígenas, com sua relação direta com as forças cósmicas.

O Manifesto insiste muito nas idéias de Totem e Tabu, expressas em um trabalho de Freud de 1912. Segundo Freud, o pai da tribo teria sido morto e comido pelos filhos e posteriormente divinizado. Tornado Totem, e por isso mesmo sagrado, conseqüentemente criaram-se inter-dições à sua volta.

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Capítulo 05Quinto Fragmento

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Citando o Manifesto: “Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem”. A antropofagia, segundo Oswald, é uma inversão do mito do bom selvagem de Rousseau, que era puro, inocente, edêni-co. O índio passa a ser mau e esperto, porque canibaliza o estrangeiro, digere-o, torna-o parte da sua carne. Assim o Brasil seria um país cani-bal. O que é um ponto de vista interessante, porque subverte a relação colonizador/(ativo)/colonizado(passivo). O colonizado digere o coloni-zador. Ou seja, não é a cultura ocidental, portuguesa, européia, branca que ocupa o Brasil, mas é o índio que digere tudo o que chega até ele. E ao digerir e absorver as qualidades dos estrangeiros fica melhor, mais forte, e torna-se brasileiro.

Assim, o Manifesto Antropófago, embora seja nacionalista, não é xenófobo, antes pelo contrário é xenofágico: “Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”.

(Adaptado de: <pt.wikipedia.org/wiki/Oswald de Andrade>. Acesso em 27 de jun. 2008)

Para completar o assunto, observe o quanto Oswald de Andrade já foi retratado como personagem nos vários meios de comunicação.

Por Cole Santana, no filme Tabu (1982); Flávio Galvão e Ítala Nan-di, no filme O Homem do Pau-Brasil (1982); por Antonio Fagundes, no filme Eternamente Pagu (1987); por José Rubens Chachá, nas minissé-ries Um Só Coração (2004) e JK (2006). Há também o documentário Miramar de Andrade, produzido no ano 2000 pela Tevê Cultura de São Paulo, disponível em DVD neste Curso.

As idéias de Oswald de Andrade influenciaram também diversas áreas da criação artística: o tropicalismo, na música, o movimento dos concretistas e o teatro. Grupos como o Oficina e Cia. Antropofágica tem sua trajetória ligada ao poeta.

Vamos, uma vez mais, à prática interdisciplinar.

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Unidade B - As Bandeiras

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Lembrando de Literatura I

“Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós. Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ga-nhar comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.”

Qual a relação que este trecho do Manifesto Antropófago tem com os sermões de Vieira e com o texto “Vieira ou a cruz da desigualdade”, de Alfredo Bosi, que você leu na Disciplina de LBI (LLV9002)?

Resposta:

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Capítulo 06Sexto Fragmento

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Sexto FragmentoCom este Fragmento, passamos ao estudo de um de nossos maiores

poetas, Carlos Drummond de Andrade, cotejando-o, porém, com outras

linguagens poéticas. Além de dois ensaios esclarecedores sobre a obra do poeta

mineiro, o Fragmento remete à prática da interdisciplinaridade, referindo-se a

um dos cantos de Os Lusíadas, matéria da Disciplina Literatura Portuguesa I.

6.1 Uma Fatia de Poesia: Augusto dos Anjos, Carlos Drummond de Andrade e Adélia Prado

Para a presente aula, você vai encarar três tempos literários dife-rentes por meio de três poetas com alguns pontos em comum. Você comprovará algumas coisas importantes:

1) que a gente pode ensinar e estudar literatura agrupando épocas bem distintas e autores diferentes entre si.

2) que nós, professores, não precisamos (e nem devemos) progra-mar o ensino seguindo uma linha horizontal, como nos im-põem os livros didáticos tradicionais.

3) que escritores e artistas de diferentes tempos cumprem estéti-cas diferentes, porém se alinham em torno de temas comuns de maneira grandiosa.

4) que fases literárias diferentes são muito relativas, pois não se joga fora o passado de um momento a outro.

Os três tempos são:

a) Simbolismo, Decadentismo, Impressionismo, cujo perío-do ficaria definido entre as últimas décadas do século XIX e a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. O processo literário se dá nos anos 80 e 90 daquele século, quando o ne-gro catarinense, João da Cruz e Sousa, surge com uma poética que se afasta pouco a pouco da dos parnasianos, indo na dire-ção de uma mais profunda, tal qual a dos franceses Baudelaire,

6

Page 56: [Livro UFSC] Literatura Brasileira 2

Unidade B - As Bandeiras

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Verlaine, Rimbaud e Mallarmé. Ao lado de Cruz e Sousa, há outro simbolista marcante, o mineiro Alphonsus Guimarães, e os contemporâneos ditos decadentistas, Augusto dos Anjos, paraibano, mais o baiano Pedro Kilkerry.

b) Modernismo, cometido em gerações ou momentos distintos: o da Semana de 22, liderado pelos paulistas Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia e Mário de Andrade, que trouxera à baila o mineiro Carlos Drummond de Andrade e tantos outros poetas que puseram o Parnasianismo literário no museu; a segunda geração, dos anos 30, com enfoque no social e com caráter re-gionalista, donde destacamos o alagoano Jorge de Lima.

c) Pós-Modernismo ou contemporânea, com múltiplas variantes estéticas, desde a poesia exata do pernambucano João Cabral de Melo Neto, até a lírica espiritualista da fluminense Cecília Meireles, passando pelo Concretismo do paulista Décio Pig-natari, pela Catequese Poética do catarinense Lindolf Bell ou pelos versos politizados do maranhense Ferreira Gullar; pelo feminino-religioso da mineira Adélia Prado, até a “Geração 90-00” (1990 e 2000), muito voltada para o hiper-realismo.

Vejamos estes três nomes:

1) AUGUSTO DOS ANJOS, paraibano, nasceu em 1884 e morreu em 1914.

2) CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, mineiro, nasceu em 1902 e morreu em 1987.

3) ADÉLIA PRADO vive desde 1935 em sua terra de origem, Di-vinópolis, interior pacato de Minas Gerais.

Leitura Básica

Faça agora a leitura dos poemas A Máquina do Mundo, de Drummond de Andrade, e As cismas do destino, de Augusto dos Anjos.

Boas Leituras!

Page 57: [Livro UFSC] Literatura Brasileira 2

Capítulo 06Sexto Fragmento

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6.2 Análise 1

Para o bom entendimento destas duas obras da literatura brasileira, escolhemos a análise em termos comparativos feita pelo escritor, jorna-lista, compositor paraibano Bráulio Tavares.

A Máquina do Mundo / As Cismas do Destino Uma Análise Comparativa entre Drummond e dos Anjos

Bráulio Tavares

Quero comparar dois poemas famosos de nossa literatura: “As Cismas do

Destino”, de Augusto dos Anjos (1908), e “A Máquina do Mundo”, de Carlos

Drummond de Andrade (em Claro Enigma, 1948-1951). São tantas as se-

melhanças entre os dois poemas (em tema, em linguagem, em estrutura)

que não há dúvida de que o segundo é uma citação deliberada do pri-

meiro. Penso que a intenção de Drummond foi de recompor em termos

próprios a experiência da ‘visão cósmica’, registrada no texto de Augus-

to. Podemos dizer, com alguma liberdade poética, que ambos os poetas

funcionaram como stuntminds, como mentes de aluguel que correram

o risco de receber o Clarão emitido pela Verdade Oculta do Universo (ou

coisa equivalente) para transmitir em palavras o seu pálido reflexo.

São numerosos os relatos de indivíduos que declaram haver experi-

mentado em algum momento um vislumbre visionário em que o mun-

do inteiro parecia estar presente diante de si, e em que todas a coisas

pareciam embebidas de significação. Ao emergir de uma experiência

desse tipo, as pessoas de índole religiosa a consideram uma iluminação

mística, um sinal da presença da Divindade. Freud chamou a isso “ex-

periências oceânicas”, Jung “experiências numinosas”, Abraham Maslow

“experiências culminantes” (peak experiences). As interpretações variam,

mas parece claro que estão todos se referindo à mesma coisa.

Os poemas “As Cismas do Destino” (Augusto) e “A Máquina do Mundo”

(Drummond) descrevem experiências desse tipo. Em ambos, o poeta

faz a sós uma caminhada, e começa a ser dominado pela sensação cada

vez mais intensa da presença (quase que da aproximação) do Mundo.

Ele tem a impressão de que o mundo se personifica, o mundo lhe dirige

a palavra; segue-se uma torrente de imagens que procuram, de modo

fragmentário, exprimir esse “recado do Mundo”. A visão é fugaz e logo se

desvanece; o poeta constata a impossibilidade de apreender o Mundo,

cuja complexidade transcende o intelecto e os sentidos.

Ele pode ser lido mais amiúde nos sites: www.jornaldaparíba.globo.com e também na revista ele-trônica Cronópios – www.cronópios.com.br

Page 58: [Livro UFSC] Literatura Brasileira 2

Unidade B - As Bandeiras

58

“As Cismas do Destino” é um poema longo: 105 quadras em decassíla-

bos (420 versos). “A Máquina do Mundo” se compõe de 32 tercetos em

decassílabos (96 versos). Para efeito desta análise, também é bom con-

siderar o poema “Relógio do Rosário” ( 22 dísticos em decassílabos, num

total de 42 versos), que o próprio Drummond considerou complemen-

tar ao outro -- os dois juntos compõem a Parte VI (intitulada “A máquina

do mundo”) do Claro Enigma.

“As Cismas do Destino” é puro Augusto dos Anjos: uma catadupa de

imagens desconexas e inesquecíveis (o poema abre com as famosas li-

nhas: Recife. Ponte Buarque de Macedo. / Eu, indo em direção à casa do

Agra, / assombrado com a minha sombra magra, / pensava no Destino,

e tinha medo!). Augusto era um poeta obsessivo, que gostava de vivisse-

cionar uma imagem no papel até livrar-se dela. Em “As Cismas do Desti-

no”, essa reiteração dos próprios lugares comuns acaba desequilibrando

o poema, ao “inchar” em demasia suas duas primeiras partes e retardar

o momento da Visão: Augusto dedica 40 linhas à imagem do escarro

(quadras 19 a 28 ), 64 linhas às formas de vida rudimentares (quadras 35

a 50), 28 linhas à prostituição (quadras 51 a 57). É visível nesses trechos

(como de resto ao longo de toda sua obra) que ele não escrevia para

produzir emoções no leitor, e sim para drená-las de si próprio.

Surge a Revelação, que é menos visual que auditiva. Augusto ouve uma

“impressionadora voz interna / o eco particular do meu Destino”. Essa voz

o interpela diretamente (“Homem!”); zomba da sua ambição de entender

os cosmos, e faz depois uma extensa enumeração de todas as coisas “que

o terráqueo abismo encerra”. Esta enumeração caótica se desenrola ao

longo de quase cem versos (quadras 70 a 83), e é característica de Augus-

to: ele sempre dá a impressão de que poderia prolongá-la indefinidamen-

te, sem nunca se dar por satisfeito. Concluída (ou melhor: interrompida)

a enumeração, a Voz ainda joga umas derradeiras pás-de-cal no poeta, e

cala-se. O texto se interrompe logo à frente, como se o poeta tivesse de

repente largado a pena e se erguido da mesa, dizendo: “Chega”.

Comparado ao poema de Augusto dos Anjos, “A Máquina do Mundo” é

um texto de notável frieza. O texto de Augusto é pontilhado de excla-

mações e de exageros; o de Drummond é todo nostalgia e voz baixa,

como um entomólogo relatando a um colega de laboratório uma ex-

periência levada a efeito tempos atrás, e não muito bem sucedida. Em

ambos os poemas, entretanto, estão presentes os mesmos elementos:

a Caminhada; a contemplação da Paisagem; a brusca Revelação; o Re-

cado do Mundo.

Page 59: [Livro UFSC] Literatura Brasileira 2

Capítulo 06Sexto Fragmento

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A revelação colhida por Drummond é lúcida, apolínea: é a revelação

dada aos olhos de um homem maduro, por volta dos 50, e difere da

que é recebida pelo rapaz neurótico de 24 que escreveu “As Cismas do

Destino”. O Mundo, para Drummond, é uma máquina – ou é algo cuja

natureza tem parentesco com a natureza das máquinas. A máquina se

desvela, “majestosa e circunspecta”; o poeta reconhece que o fez sem

“voz alguma / ou sopro ou eco ou simples percussão”, mas recebe a re-

velação como uma mensagem pessoal, e não hesita em abrir aspas para

a máquina e atribuir-lhe palavras.

A máquina de Drummond é também menos loquaz do que a voz ou-

vida por Augusto: fala-lhe durante treze linhas (a de Augusto precisou

de 140); cala-se logo, e a enumeração caótica é dada ao leitor através

dos olhos do próprio poeta. Encerrada a visão, o poeta não precisa da

zombaria cósmica para saber que a verdade lhe é vedada: ele rejeita a

oferta como se antevisse nela uma armadilha, e se dispensa de solver o

mistério. Não é mais o Cosmos que repele a pergunta humana sobre o

seu significado, como em Augusto: é o Homem, agnóstico, que declina

de formular essa pergunta ao Cosmos.

Todo mês, em algum lugar do mundo, um sujeito de olhos injetados e

barba por fazer desembarca num hospício, esperneando às mãos dos

enfermeiros e gritando: “Larguem-me, seus idiotas! Estou lhes dizendo

que decifrei o Segredo do Universo!” Por outro lado, muitos indivíduos

tiveram “revelações” desse tipo, mas foram discretos o bastante para

guardá-las consigo, ou então encontraram uma maneira inteligível de

transmiti-la: Kepler intuiu uma harmonia básica na mecânica celeste,

Descartes vislumbrou a natureza fundamentalmente matemática do

mundo material, Edgar Poe (no Eureka) antecipou em quase um sécu-

lo algumas idéias da cosmologia contemporânea. Experiências seme-

lhantes foram relatadas por Jung, Aldous Huxley, Philip K. Dick e muitos

outros autores.

Esses vislumbres podem levar à perplexidade, à beatitude, a revoluções

científicas ou à camisa-de-força; mas a sua universalidade nos permite

acreditar que correspondem a uma possibilidade de funcionamento de

nosso cérebro. É possível provocá-los deliberadamente através de estí-

mulos físicos: jejum, fadiga, exercícios, técnicas de concentração, drogas

alucinóginas. Muitas vezes, no entanto, eles se manifestam de modo es-

pontâneo e inesperado. Mesmo quando essas visões são atipicamente

longas (o poeta Robert Graves dizia ter experimentado uma que durou

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Unidade B - As Bandeiras

60

um dia inteiro), persiste a impressão de que houve uma “compressão”

temporal, de um ano em um só dia, um dia em um só minuto. Num livro

intitulado The Timeless Moment, Warner Allen refere-se a uma visão que

teve, durante uma execução da 7ª Sinfonia de Beethoven: “Primeiro, o

misterioso evento em si mesmo, que ocorreu numa fração infinitesimal

de um segundo ( ... ); depois, a Revelação, um fluxo sem palavras de

sentimentos complexos ( ... ); finalmente, a Luz, a tranqüila lembrança de

toda a complexidade da Experiência, como que preservada em palavras

e formas de pensamento.” Allen registra que tudo isto “deve ter ocorrido

no intervalo entre duas fusas”.

É bom lembrar que tais experiências nem sempre são de caráter jubilo-

so ou deslumbrante. Muitos indivíduos, quando arrebatados por visões

dessa natureza, vêem-se projetados num mundo onde tudo carece de

sentido, onde tudo é ameaçador ou repugnante, ou simplesmente vazio.

Nesses momentos, ele tem acesso ao que parece ser o universo habitual

dos esquizofrênicos, dos usuários de droga que entram numa bad-trip.

Sartre relata experiências similares em A Náusea, que em grande parte

se baseou em suas “viagens” com a mescalina. E podemos conjeturar

que indivíduos como Kafka, Strindberg ou Samuel Beckett eram sujeitos

a mergulhos randômicos, involuntários, em situações desse tipo.

“As Cismas do Destino” e “A Máquina do Mundo” verbalizam uma experiên-

cia de iluminação pessoal (e do ponto de vista literário não interessa

se os poetas experimentaram de fato uma “iluminação” ou se apenas a

imaginaram), mas são iluminações frustradas, onde o “sentido último”

do universo se entremostra e logo a seguir se evade. São experiências

místicas abortadas, nas quais teve início a fusão do Poeta com alguma

realidade superior, transcendente, mas o processo desandou a meio.

Drummond era um agnóstico convicto, sem propensão para a “visão

mística” pura. Quanto a Augusto, é lícito supor que, depois de doses ma-

ciças de Pencer, Schopenhauer e Haeckel, sua fé cristã conhecia limites.

Seu método era de um visionário, e o prazer com que descreve imagens

monstruosas lembra Lovecraft, Brueghel ou Lautréamont. Suas leituras

científicas (nem sempre bem assimiladas) deram-lhe informação e vo-

cabulário, mas seu temperamento foi sempre o de um alucinado, um

vidente. Talvez tivesse (como sugere com benevolência seu biógrafo

Raimundo Magalhães Jr.) “uma telha fora do lugar”; textos como “Poema

negro” e “Tristezas de um quarto minguante” são certamente retratos

fiéis das madrugadas insones em que metrificava seus delírios. Não é de

admirar que declarasse sentir, no momento de criar seus versos, “uma

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Capítulo 06Sexto Fragmento

61

série indescritível de fenômenos nervosos, acompanhados muitas vezes

de uma vontade de chorar”. Em seu hoje clássico estudo sobre o poeta,

Ferreira Gullar observa com propriedade que “Augusto, em que pese a

aparência cientificista e racionalizante de seus poemas, é sobretudo um

criador de ‘atmosferas’, nisso residindo talvez a força principal de sua lin-

guagem ‘gótica’ e teatral”.

Mesmo assim, que outro poeta, em pleno parnasianismo bilaqueano,

ousou falar em “Raio X”, “universo radioativo”, “íons”, “energia intra-atômi-

ca”, “hidrogênio incandescente”, “análise espectral”? Talvez por isso, em

sua visão, a Voz ironize sua “ciência louca” e reitere que o mundo é in-

cognoscível, inalcançável ao intelecto humano. Mesmo a dor, realidade

última que “veio e vai desde os tempos mais transatos / para outros tem-

pos que hão de vir ainda”, é inabarcável à consciência individual, e para

compreendê-la seria necessário ser “a própria humanidade sofredora”,

porque “seu todo não reside no quociente isolado da parcela”.

O mundo de Carlos Drummond é menos gótico. É um mundo crepus-

cular, uma estrada pedregosa de Minas. As pupilas continuam “gastas”,

a mente “exausta de mentar”. O mundo se desdobra, oferecendo-lhe

uma sabedoria capaz de seduzir qualquer Prometeu, qualquer Fausto:

uma “ciência sublime e formidável, mas hermética”, a “total explicação

da vida”, o “nexo primeiro e singular” das coisas. O poeta, no entanto,

não se deixa seduzir por essa visão, a qual lembra uma utopia de ficção

científica que inclui “as mais soberbas pontes e edifícios” e “os recursos

da terra dominados”. Drummond, como se já tivesse presenciado a visão

do poeta paraibano, declina desse “reino augusto”, dessa “ordem geo-

métrica que se abria gratuita a meu engenho”. Ele também opta pela

“dor individual”, “dor primeira e geral”, “dor de tudo e de todos”, “dor da

coisa indistinta e universal” – e o complemento dessa dor, o amor, o “alvo

divino”, “motor de tudo e nossa única fonte de luz” (ecos do Paraíso de

Dante). O poeta recusa as revelações da ciência, e escolhe aquilo que a

Augusto dos Anjos tinha sido imposto como castigo: o destino indivi-

dual, sem comunhão mística com um Deus, sem fusão panteística com

o Cosmos. Escolhe o indissolúvel par dor/amor de simplesmente existir,

pois “nada é de natureza assim tão casta / que não macule ou perca sua

essência / ao contato furioso da existência”.

Seria interessante mapear na literatura brasileira outras páginas que te-

nham afinidade com estas, páginas que também sugiram o vislumbre

cósmico, o breve descerrar dos véus que encobrem a Realidade mais

profunda... Talvez o episódio do hipopótamo no Brás Cubas, de Macha-

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Unidade B - As Bandeiras

62

do de Assis; talvez a viagem mental-interplanetária do narrador de Há

Dez Mil Séculos, de Enéas Lintz (1926), o qual passeia pelo interior do

átomo e através do Sistema Solar; talvez a barata que funciona como

Aleph e Zahir para a narradora de A Paixão Segundo G. H., de Clarice Lis-

pector (1964). Nossa literatura tem sido extremamente competente em

recriar o Brasil e os brasileiros, mas nada nos impede de fazer o mesmo

com o Universo e a humanidade.

Braulio Tavares ([email protected]) é poeta e escritor, autor de O que é ficção científica (Brasiliense) e A Máquina

Voadora (Rocco). Copyright © 1998 Jornal da Tarde, 28.11.1998

Máquina do Mundo com Camões, Augusto dos Anjos e Carlos Drummond de Andrade

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Capítulo 06Sexto Fragmento

63

Agora, a respeito do tema, observe, a seguir, um ligeiro aponta-mento de uma das fontes mais importantes de literatura de língua por-tuguesa. Trata-se de A Máquina do Mundo, parte final do Canto X, úl-timo canto de Os Lusíadas, a epopéia escrita em 1556 por Luiz Vaz de Camões.

Após as muitas aventuras e desventuras pelos mares nunca dantes navegados, Vasco da Gama e sua tripulação são recebidos com honras e deleites pelas ninfas da Ilha dos Amores. Terminado o festim de recep-ção de esplêndido banquete, Tétis, a ninfa maior, convida Gama para o espetáculo da Máquina do Mundo: o espetáculo único das esferas ce-lestes de Ptolomeu (estrofes 77 a 144). Aqui vemos que, ao gênio e aos conhecimentos de Camões sobre geografia, história, mitologia, religião, guerra, comportamento humano e navegação, junta-se a astronomia – a do século XVI, naturalmente.

Incluídas neste episódio, temos ainda mais “profecias” sobre os por-tugueses. Trata-se da história dos milagres de São Tomé, evangelizador da Índia (estrofes 108 a 118), com uma breve, mas arriscada crítica aos Jesuítas na estrofe 119; depois, na estrofe 128, uma referência ao naufrá-gio de Camões, do qual se salvou a nado com Os Lusíadas; por fim, uma curiosa previsão de que a sua “Lira sonorosa Será mais afamada que ditosa” (a sua obra seria mais famosa do que a sua vida afortunada).

Depois disto, vem o Epílogo, quando os portugueses desembarcam novamente e chegam sem mais problemas a Lisboa, onde recebem as glórias que lhes são devidas.

A partir deste momento, atentem para mais este poema de Drummond:

O Elefante

Fabrico um elefante

de meus poucos recursos.

Um tanto de madeira

tirado a velhos móveis

talvez lhe dê apoio.

E o encho de algodão,

de paina, de doçura.

Assunto abordado pela Disciplina Literatura Portu-guesa I, com a profª Salma Ferraz.

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Unidade B - As Bandeiras

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A cola vai fixar

suas orelhas pensas.

A tromba se enovela,

é a parte mais feliz

de sua arquitetura.

Mas há também as presas,

dessa matéria pura

que não sei figurar.

Tão alva essa riqueza

a espojar-se nos circos

sem perda ou corrupção.

E há por fim os olhos,

onde se deposita

a parte do elefante

mais fluida e permanente,

alheia a toda fraude.

Eis o meu pobre elefante

pronto para sair

à procura de amigos

num mundo enfastiado

que já não crê em bichos

e duvida das coisas.

Ei-lo, massa imponente

e frágil, que se abana

e move lentamente

a pele costurada

onde há flores de pano

e nuvens, alusões

a um mundo mais poético

onde o amor reagrupa

as formas naturais.

Vai o meu elefante

pela rua povoada,

mas não o querem ver

nem mesmo para rir

da cauda que ameaça

deixá-lo ir sozinho.

É todo graça, embora

as pernas não ajudem

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Capítulo 06Sexto Fragmento

65

e seu ventre balofo

se arrisque a desabar

ao mais leve empurrão.

Mostra com elegância

sua mínima vida,

e não há cidade

alma que se disponha

a recolher em si

desse corpo sensível

a fugitiva imagem,

o passo desastrado

mas faminto e tocante.

Mas faminto de seres

e situações patéticas,

de encontros ao luar

no mais profundo oceano,

sob a raiz das árvores

ou no seio das conchas,

de luzes que não cegam

e brilham através

dos troncos mais espessos.

Esse passo que vai

sem esmagar as plantas

no campo de batalha,

à procura de sítios,

segredos, episódios

não contados em livro,

de que apenas o vento,

as folhas, a formiga

reconhecem o talhe,

mas que os homens ignoram,

pois só ousam mostrar-se

sob a paz das cortinas

à pálpebra cerrada.

E já tarde da noite

volta meu elefante,

mas volta fatigado,

as patas vacilantes

se desmancham no pó.

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Unidade B - As Bandeiras

66

Ele não encontrou

o de que carecia,

o de que carecemos,

eu e meu elefante,

em que amo disfarçar-me.

Exausto de pesquisa,

caiu-lhe o vasto engenho

como simples papel.

A cola se dissolve

e todo o seu conteúdo

de perdão, de carícia,

de pluma, de algodão,

jorra sobre o tapete,

qual mito desmontado.

Amanhã recomeço.

6.3 Análise 2

A propósito de O Elefante, observe este curto ensaio que fiz publi-car no número 2 da Revista Travessia, do Curso de Pós-Graduação em Literatura Brasileira da UFSC:

A Remontagem do Mundo

A socialidade primária feita de coisas simples e arranjadas, de vizi-nhança e solidariedade está perdida no tempo. Nessa socialidade o ser humano não tem medida, ele é visto pela criatura que verdadeiramente é, na sua essência. Na sociedade de homens inteiros as sofisticações não existem. Não deve haver complexidades. O homem trabalha e divide o trabalho, ele sustenta e divide o sustento. Não há que armazenar porque sente segurança ao lado de seu semelhante. Esta sociedade, infelizmen-te, está num passado remoto (se é que alguma vez existiu). Porém, ela não se perdeu na memória do poeta.

É então que o poeta procura por esse homem e o conclama a uma sociedade em que o amor e o belo se sacralizam. A sacralização da for-ma ingênua de viver e de pensar. O poeta fala do seu tempo, do hoje, abraçando o lirismo das coisas para representá-las através da “memória rica da linguagem” quebrando o senso comum, aquilo que está sob o

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Capítulo 06Sexto Fragmento

67

domínio do ideologizado, contrapondo-se ao que é pré-moldado e sub-vertendo a ordem dos valores estabelecidos de

Um mundo enfastiado

Que já não crê nos bichos...

(e na poesia) para reavivar a memória empedernida na tentativa incansável de sacralizar os valores mais profundos da vida humana:

onde há flores de pano

e nuvens, alusões

há um mundo mais poético

onde o amor reagrupa

as formas naturais.

Lucidez e espírito crítico perpassam a obra de Drummond. Lucidez e espírito crítico, mostrando a carga de perplexidade ante uma socieda-de tecida de fraudes e vazio, através da singeleza e, ao mesmo tempo, prosaísmo, em “O Elefante”.

Tão alva riqueza

A espojar-se nos circos

Sem perda ou corrupção.

E há por fim os olhos,

Onde se deposita

A parte do elefante

Mais fluida e permanente,

Alheia a toda fraude.

O sentimento de amor que emana d´O Elefante é o sentimento com o tempo do poeta procurando recompor, reavivar através do próprio poema, chamando a atenção do leitor para os verdadeiros valores da vida. O elefante é o seu símbolo de coisas que são simples, mas como a própria tentativa de recomposição, ao mesmo tempo complexas. O ele-fante é o seu símbolo de luta. O poeta recria os objetos e o clima em que esses objetos se realizam, dando-lhe o verdadeiro caráter, valor e função, contudo sem idealizá-los, pois eles existem porque existe a linguagem poética, a única arma imune aos efeitos da coerção social. É justamente essa linguagem poética um dos seus “poucos recursos” para fabricar o seu elefante, o seu personagem-brinquedo que o transporta à memória da infância, ao mundo da recriação.

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Unidade B - As Bandeiras

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Um tanto de madeira

tirado a velhos móveis

talvez lhe dê apoio.

E o encho de algodão,

de paina, de doçura.

A cola vai fixar

suas orelhas pensas.

A tromba se enovela,

é a parte mais feliz

de sua arquitetura.

Mas há também as presas,

dessa matéria pura

que não sei figurar

A montagem do elefante é feita dos pedaços tomados aqui e ali na memória do poeta. É feita de elementos simples que se movimentam além da concepção fraudulenta do mundo de hoje que é, em contrapar-tida, um mundo morto, sem graça, sem felicidade, feito de coisas vãs. Um mundo cuja complexidade tenta soterrar os valores humanos mais profundos.

É nesse passo que vemos a consciência crítica do homem e do poe-ta Drummond que busca a recomposição árdua do universo mágico que os novos tempos renegam:

Mas faminto de seres

e situações patéticas,

de encontros ao luar

no fundo do oceano,

sob a raiz das árvores

ou no seio das conchas,

de luzes que não cegam

e brilham através

dos troncos mais espessos.

Esse passo que vai

sem esmagar as plantas

nos campos de batalha,

à procura de sítios,

segredos, episódios

não contados em livro,

de que apenas o vento,

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Capítulo 06Sexto Fragmento

69

a folha ou a formiga

recolhem o talhe.

Drummond tenta recolher as verdadeiras formas naturais, mos-trando que são os elementos mais simples que recompõem a verdade; assim, na construção do objeto do poema, os pedaços mais primitivos da memória, ao mesmo tempo a própria linguagem poética, representa-dos pelos velhos móveis (madeira), algodão, paina, cola, pano estampa-do de flores, pluma, etc.

Vê-se, portanto, que ao montar seu elefante o poeta retira da me-mória um processo da infância – reinventa no brinquedo sua forma de amor: o poema e, ao reinventá-la, “regrupa as formas naturais”. Então costura o poema com um lirismo mítico cheio de encantamento, o que faz exatamente supor o seu desencantamento com o mundo reificado, justa forma de condenar a sociedade de seu tempo. É a respeito disso o argumento de Alfredo Bosi: “A resposta ao ingrato presente é, na poesia mítica, a ressacralização da memória mais profunda da comunidade. A poesia trabalhará, então, a linguagem da infância recalcada...”.

Drummond traz implícito ao poema o mito da infância, que só se aclara e se insurge como tempo imorredouro no momento presente-maduro e inquisitivo. Embora o seu Elefante seja tão presente, o poema é, na verdade, uma representação do passado: o tempo da criança que junta os pedaços de sua intimidade e constrói o seu mundo cheio de dis-farces, justamente para resguardar a invenção. Assim como a criança ao passar o seu eu para o brinquedo-verdade, dando-lhe existência cheia de simplificação, eis o poeta passando o seu eu para o bicho-persona-gem no mesmo processo. Justifica-se dessa forma sua postura diante de Criança e Brinquedo: “Não lhe dêem brinquedo caro, porque logo o desmonta para brincar com um pedaço qualquer. Dir-se-ia instinto de destruição comum à espécie. Inclino-me a crer que seja instinto de sim-plificação e prazer de recriar em novas bases a realidade imposta.”(OC: 801) Justifica-se ainda pelo verso: “em que amo disfarçar-me”.

Ao lermos suas palavras sobre o que seja infância – “Nossa infân-cia, em geral, constitui-se de bem mofinos episódios, que só para nós se identificam com a mais louca fantasia: há, é certo, um meio de trans-mitir essa herança personalíssima: a via poética.” (OC: 637) – podemos

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Unidade B - As Bandeiras

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concordar que O Elefante é o brinquedo de montagem, através do qual o poeta-menino faz a busca desse mito que se organiza pela memória. Isso tudo se faz por um discurso simples, despojado e, por isso mesmo, rico a nível lexical e sintático. Diz o próprio Drummond que suas palavras vivem em “estado de dicionário” (OC: 139).

Acima de tudo, notamos que essas palavras, reagrupando as formas naturais, formam a ponta de lança, “meus poucos recursos”, a sua arma de luta que quer ferir, acordar essa sociedade de homens que

só ousam mostrar-se

sob a paz das cortinas

à pálpebra cerrada.

Homens que não se expõem, que criam à sua volta a própria arma-dilha – o seu medo, medo que é sua coberta. Impedem-se a si mesmos de verem-se ao espelho – esse bicho-criança, a alma, o ser, o humano.

Carlos é o gauche. É o elefante: desengonçado, desproporcional, pesado, patético, de olhos distantes e cansados. É o poeta, ser inquieto rompendo sua individuação, transferindo a inquietação para o poema. Carlos é o poema, e este se forma dos elementos recolhidos na memória, não com a pretensão única de fazer voltar o passado, mas de restaurar o presente. Drummond faz do poema a sua denúncia, da qual, no entanto, ele desconfia como elemento de força efetiva:

Exausto de pesquisa,

caiu-lhe o vasto engenho

como simples papel.

A cola se dissolve,

e todo seu conteúdo

de perdão, de carícia,

de pluma, de algodão,

jorra sobre o tapete,

qual mito desmontado.

Porém, sua proposta continuará, sua pesquisa é imorredoura, por-que tanto a linguagem, quanto a infância sobreviverão. O seu poema é flor que se abre a cada manhã:

Amanhã recomeço.

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Capítulo 06Sexto Fragmento

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Esta a proposta maior que justifica o seu trabalho cheio de inquie-tações em A Rosa do Povo. É, sobretudo, a arma mais poderosa do poeta que sabe o quanto um poema é frágil no mundo de hoje. Consciente desse fato, o poeta mostra-nos a dualidade dos tempos e, dividido e in-feliz, marca sua poesia com o tom da ambigüidade.

No caso de O Elefante, pode-se depreender a busca do longínquo mundo da infância, ou, conforme indicado na própria estrutura do texto, a montagem do elefante é a montagem do poema. De qualquer modo, as duas idéias se acham implícitas.

Enfim, O Elefante mostra o propósito de restaurar os calores mais primitivos do homem, ao evocar a imagem desse bicho “todo graça”, semelhante ao mundo da criança – remontagem de um tempo que per-siste na alma do poeta e que resiste a toda espécie de coerção social.

Marco Antonio de Mello Castelli

6.4 Adélia Prado

Compare agora os dois poemas a seguir. A matriz drummondiana e uma de suas muitas descendências poéticas, no caso, a também minei-ra Adélia Prado.

Antes, saiba um pouco sobre Adélia Prado:

Adélia costuma dizer que o cotidiano é a própria condição da li-teratura. Mora na pequena Divinópolis, cidade com aproximadamente 200.000 habitantes. Estão em sua prosa e em sua poesia temas recorren-tes da vida de província, a moça que arruma a cozinha, a missa, certo cheiro do mato, vizinhos, a gente de lá. Porém, sua poética traz duas marcas bem definidas: o feminino e a fé católica. Além disso, não es-conde as influências em sua literatura por parte de Guimarães Rosa e, sobretudo, Carlos Drummond de Andrade.

Adélia publica desde 1976, quando aparece com Bagagem, através de seu poderoso padrinho, o próprio Drummond. Depois ganhou o Prêmio Jabuti de literatura de 1978, com o livro O Coração Disparado. Tornou-se famosa com a representação de Dona Doida por Fernanda

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Unidade B - As Bandeiras

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Montenegro; viajou o mundo apresentando sua poesia e é publicada em inglês e espanhol.

Vamos a Drummond e Adélia:

POEMA DE SETE FACES

Carlos Drummond de Andrade

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens

que correm atrás de mulheres.

A tarde talvez fosse azul

se não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos

Não perguntam nada.

O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.

Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos

o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo

mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer

mas essa lua

mas esse conhaque

botam a gente comovido como o diabo.

(Carlos Drummond de Andrade. Alguma Poesia. Ed. José Olympio, 1ªedição: 1930)

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Capítulo 06Sexto Fragmento

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COM LICENÇA POÉTICA

Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,

desses que tocam trombeta, anunciou:

vai carregar bandeira.

Cargo muito pesado pra mulher,

esta espécie ainda envergonhada.

Aceito os subterfúgios que me cabem,

sem precisar mentir.

Não sou tão feia que não possa casar,

acho o Rio de Janeiro uma beleza e

ora sim, ora não, creio em parto sem dor.

Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.

Inauguro linhagens, fundo reinos

- dor não é amargura.

Minha tristeza não tem pedigree,

já a minha vontade de alegria,

sua raiz vai ao meu mil avô.

Vai ser coxo na vida é maldição prá homem.

Mulher é desdobrável. Eu sou.

(Adélia Prado. Bagagem. Record, 2006, p. 9)

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Capítulo 07Sétimo Fragmento

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Sétimo FragmentoO objetivo agora é marcar bem as diferenças entre as poéticas do

século XIX. Ao pegar no “Banco de Textos” os poemas Vozes d’África,

de Castro Alves, Antífona, de Cruz e Sousa, e Fantástica, de Alberto de

Oliveira, o aluno terá a justa medida da fatura estética daquela época

para entender com clareza o registro poético de autores do século XX,

como, por exemplo, Manuel Bandeira, Jorge de Lima e Cecília Meireles.

7.1 Outra Fatia de Poesia

Vamos sair do século XX e girar a máquina do tempo, retroagindo ao século XIX. Extraordinário tempo aquele, feito de não menos extra-ordinárias mudanças históricas, políticas, econômicas, sociais e estéti-cas. A literatura, a música, as artes plásticas distanciam-se do classicis-mo vindo desde o Renascimento italiano, passando pelo Barroco, até seus derradeiros suspiros árcades desenhando bucolicamente a nature-za para cantar amores melancólicos.

Graças à Revolução Social Francesa, em 1789, graças à Revolução Industrial, iniciada pela Inglaterra, em 1836, o mundo europeu e, por conseguinte, o mundo colonial, muda de rumo. O Romantismo inaugu-ra uma nova estética que você já estudou na Disciplina Teoria da Litera-tura I, quando leu o famoso Prefácio de Cromwel, assinado pelo Victor Hugo de O Corcunda de Notre Dame e de Os Miseráveis.

A literatura brasileira irrompe copiosa e copiadora. Nossas fontes são o Romantismo alemão e o inglês, origens do movimento estético. Mas a francesa será a outra fonte na qual os românticos brasileiros be-berão. E virão da França, ainda, as mais fortes influências nas correntes realistas e Naturalistas, Simbolistas e Decadentistas sobre os poetas bra-sileiros.

Libertado o Brasil das amarras políticas portuguesas, urgia a busca de temas e personagens que definissem melhor o rompimento com a ex-metrópole. O canto da liberdade e amor à pátria nutriu os poetas da nova onda – o Romantismo, marcado em 1836, a partir de uma revista

7

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Unidade B - As Bandeiras

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de apenas duas edições feitas em Paris, a Niterói - Revista Brasiliense, sob a direção do jovem Gonçalves de Magalhães, que, no mesmo ano, publica Suspiros Poéticos e Saudades. Já no Rio de Janeiro, forma-se, com Magalhães, um grupo de primeiro momento romântico, que terá no ín-dio e na pátria dois ícones que demonstram a dimensão da liberdade como objeto forte da literatura, agora verdadeiramente brasileira. Este grupo tem, entre outros nomes, o de Gonçalves Dias.

O Romantismo atravessará todo o século XIX com grande diver-sidade literária. Além do sentimento nacionalista pautado na figura do índio e tendo a floresta como elemento pulsante, em contrapartida ao bucolismo passivo registrado pelos árcades mineiros, outras correntes correm soltas. É o caso do enfoque sobre a sociedade urbana; dos temas históricos; do projeto social pró-abolicionista e, ainda, já quase esgota-do, de um romantismo eivado de figurações medievais, sombras dramá-ticas que perpassam concupiscentes e eróticas paixões impossíveis.

Entretanto, um cientificismo exacerbado, marcado pelas descober-tas de Charles Darwin, pelas propostas positivistas de Auguste Comte, pela teoria racista do conde Arthur de Gobineau, entra em choque com os interesses mercantis embasados no liberalismo econômico, que traz a reboque avanços sociais como os movimentos anti-escravismo e pró-republicanismo. Se a literatura romântica já fazia voz, o Realismo e o Naturalismo refletiam, de um lado, o movimentos de massas aglome-radas nas urbes e, de outro, um gosto estético – basicamente na poesia – de inspiração elitista e com temas bordados de gosto pelo exótico e pelo distanciamento dos problemas. No mesmo tempo, Simbolismo e Decadentismo se insinuam, desfazendo as formas e apontando para a sutileza das coisas indefinidas.

7.2 Romantismo – Parnasianismo – Simbolismo

Vejamos, através de um “Quadro de Comparativismo Literário”, as nuances de cada uma das três marcantes correntes poéticas havidas du-rante o século XIX:

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Capítulo 07Sétimo Fragmento

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Romantismo Parnasianismo Simbolismo

Estética da aventura. Estética da ordem. Estética do indefinido.

Setor integral do intimismo (emoção, sentimento).

Setor integral do forâneo (tudo o que está dissociado do ser).

Setor integral de uma composi-ção: a metáfora + o inconsciente + a evocação impressiva = va-gueza.

Realização de uma consciência valorativa da introspecção do ar-tista para trazer à tona a dimen-são dos campos afetivos.

Realização através de uma ca-pacidade descritiva, capacida-de de ver nas coisas e nos seres (retratos) o jogo ou a ronda das formas.

Realização através de uma ca-pacidade evocativa. Mallarmé propõe que as coisas, diante do artista, devem desprender su-tilezas, aspectos, visões, lances imaginários.

Forma livre. Forma contida e disciplinada. Forma poli-rítmica.

Leitura Básica

Agora chegou o momento de ler Cavalgada Ambígua e No Coração do Silêncio, de Antonio Candido. Boa leitura!

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Capítulo 08Oitavo Fragmento

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Oitavo Fragmento

Agora vamos à prosa. Um pouco, que seja, mas o suficiente para

termos uma idéia da força da literatura em três fases diferentes,

ao longo das primeiras quatro décadas do século XX. Em uma

forte guinada com relação à literatura ordeira com que se compraziam

os parnasianos, Euclides da Cunha e Lima Barreto trazem uma

proposta de uma literatura que cumpra o papel de denúncia.

Segue-se a eles uma literatura de tensão crítica sob a ótica social

de Graciliano Ramos, passada a primeira fase modernista.

Anos quarenta, e Guimarães Rosa põe o homem em conflito,

revolucionando a ordem lingüística para um projeto estético que prima

pela tensão transfigurada. Passemos, pois, ao item que se segue.

8.1 Um Dedo de Prosa

Na verdade, muito mais do isso. Vamos fechar o Curso com três escritores da pesada: Euclides da Cunha (1866 – 1909), Lima Barreto (1881 – 1922) e Graciliano Ramos (1892 – 1953). Três autores, três es-tilos diferentes, duas fases literárias distintas, um mesmo propósito: a literatura como denúncia.

Embora todos nascidos no mesmo século XIX, Graciliano Ramos era o mais jovem e, quando Euclides morreu, assassinado pelo amante de sua mulher, Graciliano contava apenas 17 anos e, quando morreu Lima, em conseqüência do alcoolismo, já estava com 30 anos, porém desconhecido, vivendo ainda em Palmeira dos Índios (Alagoas) como jornalista e fazendo política. Somente em meados dos anos 30 é que se tornaria figura marcante da moderna literatura brasileira, por conta de São Bernardo (1934), Angústia (1936) e Vidas Secas (1939). A propósito, não deixe de assistir Vidas Secas, na versão cinematográfica de Nelson Pereira dos Santos; seguramente, um dos mais bem-sucedidos filmes brasileiros feitos a partir de uma obra literária.

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8.2 Afonso Henriques de Lima Barreto: A Cidade e os Homens

Mas, por falar em literatura como denúncia, comecemos pelo autor de um texto feito especialmente para uma palestra a ser dada na cida-de de São José dos Campos, que só não aconteceu porque Lima tom-bou bêbado numa sarjeta, sem jamais chegar ao local em que deveria apresentá-la. Mas ficou o escrito, posteriormente publicado no livro Im-pressões de Leitura, editado em 1956 pela Editora Brasiliense. Trata-se de O Destino da Literatura, que aponta para o conceito de “literatura militante” como um sacerdócio em defesa da solidariedade humana, do entendimento superior e da justiça humana, conforme você pode ler nos trechos transcritos a seguir:

(...) A arte, incluindo nela a literatura, continua Guyau, “é a expressão da vida

refletida e consciente, e evoca em nós, ao mesmo tempo, a consciência

mais profunda da existência, os sentimentos mais elevados, os pensamen-

tos mais sublimes. Ela ergue o homem de sua vida pessoal à vida universal,

não só pela sua participação nas idéias e crenças gerais, mas também ain-

da pelos sentimentos profundamente humanos que exprime”.

Quer dizer: que o homem, por intermédio da Arte, não fica adstrito aos

preceitos e preconceitos de seu tempo, de seu nascimento, de sua pá-

tria, de sua raça; ele vai além disso, mais longe que pode, para alcançar a

vida total do Universo e incorporar a sua vida no mundo.

(...) Os homens só dominam os outros animais e conseguem em seu

proveito ir captando as forças naturais porque são inteligente. A sua

verdadeira força é a inteligência; e o progresso e o desenvolvimento

desta decorrem do fato de sermos nós animais sociáveis, dispondo de

um meio quase perfeito de comunicação, que é a linguagem, com a

qual nos é permitido somar e multiplicar a força de pensamento do in-

divíduo, da família, das nações e das raças e, até mesmo, das gerações

passadas, graças à escrita e à tradição oral que guardam as cogitações e

conquistas mentais e as ligam às subseqüentes.

(...) Atualmente, nesta hora de tristes apreensões para o mundo inteiro,

não devemos deixar de pregar, seja como for, o ideal de fraternidade e

de justiça entre os homens e um sincero entendimento entre eles.

O destino da Literatura é tornar sensível, assimilável, vulgar esse grande

ideal de poucos a todos, para que ela cumpra ainda uma vez a sua mis-

são quase divina.

Lima Barreto

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Conquanto não se saiba quando ele será vencedor; conquanto a opi-

nião internada no contrário cubra-nos de ridículo, de chufas e baldões,

o heroísmo dos homens de letras tendo diante dos olhos o exemplo

de seus antecessores pede que todos os que manejam uma pena não

esmoreçam no propósito de pregar esse ideal. A literatura é um sacer-

dócio, dizia Carlyle.

Revista Souza Cruz, Rio, nºs. 58-59, outubro e novembro de 1921.

Não é por menos que encontramos ao longo de suas obras, especial-mente em seus romances, estes dois temas centrais, observação aponta-da por Alfredo Bosi em sua História Concisa da Literatura Brasileira:

1) piedade pelos injustiçados, por todos que não puderam reali-zar em si mesmos seu natural destino humano.

2) idealismo – o desejo de uma organização ética da cidade dos homens. Com Lima observa-se o embate “barbárie versus civi-lização”, pois, para Lima, a sociedade ainda é bárbara.

8.2.1 A Linguagem em Lima Barreto

As cenas de rua ou os encontros e desencontros domésticos são nar-rados de forma simples e discreta. As frases não brilham por si mesmas, isoladas ou insólitas, como ocorria com a linguagem parnasiana. Ao con-trário, a linguagem limiana deixa transparecer naturalmente a paisagem, os objetos, as figuras humanas. O resultado é um estilo realista e intencio-nal, mas permeado de uma elaboração afetiva e polêmica do narrador.

No romance de Lima, há muito de crônica: ambientes, cenas coti-dianas, tipos de café, de jornais, da vida burocrática, em uma linguagem fluente e sem a ambição atribuída ao gênero. Na linguagem de Lima Barreto, há uma “descida de tom” que permite à realidade entrar sem máscaras no texto literário. E isto é prenúncio de modernidade.

8.2.2 Lima Barreto e sua Época

Dos anos 90 do século XIX aos anos 30 do século XX, os principais acontecimentos políticos e sociais que se sucederam matizam as caracte-rísticas literárias do que se convencionou chamar de “Pré-Modernismo”. Neste período literário e cultural, encontramos a obra e a vida de Afonso Henriques de Lima Barreto, mulato nascido aos 13 de Maio de 1881.

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Dentre os acontecimentos, acham-se a Abolição da Escravatura, a Proclamação da República, as guerras de Canudos no agreste nordes-tino e a do Contestado, no vale do Rio do Peixe, em Santa Catarina, o fenômeno do cangaço, a presença do padre Cícero e a histeria reli-giosa no sertão nordestino, a revolta no Rio de Janeiro contra a vacina de Oswaldo Cruz para combate à febre amarela, a ascensão e a queda da produção da borracha que representou, em 1913, 93% da produção mundial, a Revolta da Chibata, do almirante negro João Cândido, o ápi-ce, em 1917, das constantes greves operárias, entre os anos 14 e 18, na cidade de São Paulo e a Coluna Prestes contra a política vigente, nos anos de 1922, 1924 e 1925.

É época de debruçar-se sobre os problemas sociais e morais do país, quando vigia a chamada Primeira República, ou República Velha. Então, escritores como Euclides da Cunha, Graça Aranha, Monteiro Lobato e Lima Barreto injetavam algo de novo na literatura nacional, na medida em que se interessam pela “realidade brasileira”, rechaçando o exotismo europeizante e alienante presente nas formas parnasianas e simbolistas. Estes autores produzem o que poderíamos chamar de prelúdio do Mo-dernismo. Eles produzem, acima de tudo, uma literatura que funciona como denúncia da existência de dois Brasis: o da costa, especialmente a do sudeste, e o do interior ou centro.

8.3 Conteúdo e Problemática da Nova Literatura

As novas situações históricas passam a ser consideradas como questões que são objeto fundamental de enfoque:

1) a imigração alemã, conforme expõe Graça Aranha em sua obra mais importante: Canaã.

2) as alterações na paisagem e na vida social urbana, tal como a abordagem de Coelho Neto e Lima Barreto.

3) a miséria do caboclo nas zonas de decadência econômica, como nos contos de Monteiro Lobato.

4) a tragédia do sertanejo nordestino vista por Euclides da Cunha.

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5) as poesias de temas filosóficos e decadentistas, através da lin-guagem cientificista de Augusto dos Anjos.

8.4 O Posicionamento Crítico de Lima Barreto

Em Recordações do Escrivão Isaías Caminha, seu primeiro roman-ce, tem-se a marca da autobiografia, que se dilui à medida que a narrati-va progride, incorporando descrições de vários tipos. São, dentre tantos, o político, o jornalista e o funcionário público do Rio do começo do século XX. Nesta obra, o autor transmite sua dor pessoal sobre os pre-conceitos de cor e de classe, e as frustrações quanto à possibilidade de um mundo melhor.

Passando por sua obra mais representativa, Triste Fim de Policar-po Quaresma, percebe-se que o protagonista não é apenas a projeção de amarguras pessoais, como em Isaías. Quaresma é um Quixote, face ao patético, de um lado, e o cômico, de outro, que Lima consegue fazer ver. Nele há a alternância entre o riso (ver os ofícios às autoridades para in-troduzir o tupi como língua folclórica) e a melancolia (como na morte da personagem Ismênia, momento de grande lirismo da obra). Lima Barreto consegue, neste romance, fixar o desencontro entre o real e o ideal. Esse desencontro é a constante social e psíquica do romance: o Brasil deixa de ser a nação afetiva e promissora que se tinha no Romantismo.

O Lima romancista foi profícuo: Recordações do Escrivão Isaías Ca-minha (1909), Numa e Ninfa (1915), Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá (1919), Clara dos Anjos (1922). Em fevereiro, falece Lima Barreto de colapso cardíaco.

O Lima cronista é lido em Feiras e Mafuás, em Bagatelas, em Mar-ginália. Trata-se de crônicas em que ele não poupa críticas aos passadis-tas – paranasianos em especial –, aos falsos literatos, mormente aqueles com anel de “doutor”. Lima menosprezava os excessos de respeitabilida-de dirigidos aos que se nominavam doutores. Vergasta, em suas linhas, os que traziam idéias reacionárias em defesa de seus próprios privilégios e de interesses estranhos às necessidades do país. Lima surpreende em sua defesa sobre o significado da Revolução Russa de 1917, mas bate de

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frente com o ianquismo dos financistas e novos burgueses de um Brasil ainda prisioneiro da aristocracia rural.

8.5 Euclides da Cunha: O Sertão Vai Virar Mar

Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu aos 20/01/1866, em Cantaglo (RJ) e morreu assassinado em duelo pelo amante de sua mu-lher, em 15/08/1909. Escreveu vários artigos sobre os graves problemas brasileiros, reunidos em Contrastes e Confrontos; acompanhando o ma-rechal Rondon pela região amazônica, acaba por escrever o Relatório sobre o Alto Purus e também Peru versus Bolívia, sobre o problema de fronteiras entre aqueles dois países. Porém, é a obra Os Sertões que o marca como um dos mais vigorosos e importantes autores da literatura brasileira. Escrita em S. José do Rio Preto, onde Euclides, engenheiro civil, construía uma ponte, a obra é resultado de suas anotações como correspondente do jornal O Estado de São Paulo, entre agosto e outubro de 1897, na região de Canudos. Com a publicação em 1902, Os Sertões causa grande impacto por sua calorosa denúncia sobre a existência de dois Brasis. De um lado, o Brasil da costa, burocrático e com vistas para a Europa; do outro, o Brasil do agreste nordestino, ignorado e com seu povo abandonado à própria sorte.

A escrita de Euclides queima como ferro em brasa, e seu estilo, em-bora revesso e difícil, é sonoro e grandiloqüente. Houve já quem dissesse que Euclides escreveu sua obra máxima com cipó. Ficção que explora an-tropologia, sociologia, geografia política, economia, jornalismo, Os Ser-tões é feito de palavras cunhadas nas pedras duras do sertão da Bahia e de Pernambuco. A obra contém três partes: A Terra, O Homem, A Luta.

“O sertanejo é, antes de tudo, um forte” – é uma das frases mais marcantes e conhecidas da literatura brasileira. Euclides a escreveu na abertura do capítulo III da segunda parte do livro, intitulada “O Ho-mem”. A frase em si é considerada antológica, como também é extraor-dinária a comparação feita entre o sertanejo nordestino e o gaúcho do sul. Ambos vaqueiros, mas quanta diferença!

Observe, a seguir, dois trechos da obra que trazem a comparação en-tre o sertanejo (o jagunço) nordestino e o cavaleiro dos pampas do Sul:

Euclides da Cunha

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(A aparência do sertanejo) ao primeiro lance de vista, revela o contrá-

rio. Falta-lhe a plástica impecável, o desempeno, a estrutura corretíssima

das organizações atléticas.

É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no as-

pecto a fealdade típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo,

quase gingante e sinuoso, aparenta a translação de membros desarticu-

lados. Agrava-o a postura normalmente abatida, num manifestar de dis-

plicência que lhe dá um caráter de humildade deprimente. A pé, quan-

do parado, recosta-se invariavelmente ao primeiro umbral ou parede

que encontra; a cavalo, se sofreia o animal para trocar duas palavras com

um conhecido, cai logo sobre um dos estribos, descansando sobre a es-

penda da sela. Caminhando, mesmo a passo rápido, não traça trajetória

retilínea e firme. Avança celeremente, num bambolear característico, de

que parecem ser o traço geométrico os meandros das trilhas sertanejas.

E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar, para enrolar um cigar-

ro, bater o isqueiro, ou travar ligeira conversa com um amigo, cai logo,

-cai é o termo- de cócoras, atravessando largo tempo numa posição de

equilíbrio instável, em que todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos

grandes dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade

a um tempo ridícula e adorável.

É o homem permanentemente fatigado.

Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular perene, em tudo: na

palavra remorada, no gesto contrafeito, no andar desaprumado, na ca-

dência langorosa das modinhas, na tendência constante à imobilidade

e à quietude (...)

(Euclides da Cunha. O Sertanejo. Ed. Martin Claret, 2004, p.146-147.)

Vejamos agora o que diz Euclides da Cunha sobre o gaúcho do sul:

O gaúcho do sul, ao encontrá-lo nesse instante, sobreolhá-lo-ia

comiserado.

O vaqueiro do norte é a sua antítese. Na postura, no gesto, na palavra,

na índoles e nos hábitos não há equipará-los. O primeiro, filho dos plai-

nos sem fins, afeito às correrias fáceis nos pampas e adaptado a uma

natureza carinhosa que o encanta, tem, certo, feição mais cavalheirosa e

atraente. A luta pela vida não lhe assume o caráter selvagem da dos ser-

tões do norte. Não conhece os horrores da seca e os combates cruentos

com a terra árida e exsicada. Não o entristecem as cenas periódicas da

devastação e da miséria, o quadro assombrador da absoluta pobreza do

solo calcinado, exaurido pela adustãos dos sóis bravios do Equador.

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(...) As suas vestes são um traje de festa, ante a vestimenta rústica do

vaqueiro. As amplas bombachas, adrede talhadas para a movimenta-

ção fácil sobre os baguais, no galope fechado ou no corcovear raivoso,

não se estragam em espinhos dilacerados de caatingas. O seu poncho

vistoso jamais fica perdido, embaraçado nos esgalhos das árvores gar-

ranchentas. E, rompendo pelas coxilhas, arrebatadamente na marcha

do redomão desensofrido, calçando as largas botas russilhonas, em que

retinem as rosetas das esporas de prata; lenço de seda encarnado no

pescoço; coberto pelo sombreiro de enormes abas flexíveis, e tendo à

cinta, rebrilhando, presas pela guaiaca, a pistola e a faca – é um vitorioso

jovial e forte. (...)

(Euclides da Cunha. Tipos díspares: o jagunço e o gaúcho. Ed. Martin Claret, 2004, p.149-150.)

Em seguida, você lê alguns dos inúmeros personagens anotados pelo autor:

Antonio Conselheiro, místico que chefiava os jagunços rebeldes e guerreiros. Entre estes, os chefes-jagunços Volta-Grande, Pajeú, Pedrão, Tranca-Pés, Boca-Torta, Chico-Ema, João Abade, designados por alcu-nhas qualificantes; e mais outros que traziam apelidos que indicavam origem como Quinquim do Coiqui, Fabrício de Cocobocó. Na linha dos militares a mando do poder central estavam os coronéis Moreira César e Tamarindo; o general Machado Bittencourt e outros militares como Chagas Teles e Siqueira de Meneses.

A região de Canudos será o palco de grandes batalhas, em que os jagunços desmantelam cada uma das forças enviadas para o desmanche da miserável comunidade confundida pelo governo de Floriano Peixoto como foco de resistência à implantação da República recém proclama-da. A esse palco Euclides chamará de “desmedido anfiteatro” e depois de “monstruoso”. Como se fosse uma vasta tragédia grega, o autor assume a função de corifeu, o coro grego das eternas peças de Sófocles

(...) Lentamente, caminhando para Canudos, extensa procissão deriva

pelas serras. Os crentes substituíam os batalhadores e volviam para o ar-

raial, carregando aos ombros, em toscos pálios de jiraus de paus roliços,

amarrados com cipó, os cadáveres dos mártires de fé.

(...) Lá vai a tropa avançando: Foi um lance admirável. A princípio avan-

çou corretíssima. Uma linha luminosa de centenares de metros se esti-

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Capítulo 08Oitavo Fragmento

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cou fulgurando. Ondulou à base dos cerros. Abarcou-os e começou a

subir. Lá vai a boiada vagarosamente, à cadência daquele canto triste e

preguiçoso. E refere os animais de mais acentuada presença: e sobe a

voz do vaqueiro aboiando, toar merencório, ecoando saudoso nos des-

campados mudos. Só falta se apor em estrofes para que voltemos à

Grécia, pois o povo faz um canto coral de viva freqüência: a multidão

derivou, lenta, pela encosta clivosa entoando benditos.

(...) Eis o que temos da parte dos soldados republicanos: as fanfarras dos

corpos vibraram harmonicamente, até cair a noite. E depois entram em

contraponto: o povo do Conselheiro cantava e os canhões bramiam,

despertos por aquelas vozes tranqüilas. Cruzavam-se sobre o campa-

nário humilde as trajetórias das granadas. Estouravam-lhe por cima os

“schapells” mas, lento e lento, intervaladas de meio minuto, as vozes sua-

víssimas de espalhavam.

(Euclides da Cunha. A Luta. Ed.Martin Claret, 2004, Vários trechos.)

8.6 Graciliano Ramos: O Sertão Não Sai do Lugar

A linguagem original: a linguagem da seca. Mas teria ela a mesma sonoridade que experimentamos ao ler em voz alta Os Sertões de Eucli-des? A poética de Euclides se assemelha à de Vidas Secas, de Graciliano?

Homem das Alagoas, Graciliano Ramos nasceu em 1892 e morreu no Rio de Janeiro em 1953, onde começara a vida na área jornalística em 1914. Retorna a Alagoas, para a cidade de Palemeira dos Índios, onde foi prefeito e escreve seu primeiro romance, Caetés (1925). Mas suas melhores obras estavam por vir: São Bernardo (1934), Angústia (1936), Memórias do Cárcere (1953), entre tantas, como Vidas Secas que, es-crita em 1938, torna-se obra de referência de literatura brasileira, com uma versão cinematográfica de Nelson Pereira dos Santos, realizada em 1964, também marco no cinema nacional, que deve ser visto como parte do programa desta Disciplina.

Vidas Secas traduz o conflito do homem com a natureza inóspita da qual ele não consegue se livrar. Mas é também um retrato tenso e

Graciliano Ramos

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doloroso da exploração do homem pelo homem, retrato gravado em linguagem dura e dilacerante, como o sol das regiões ressequidas do nordeste brasileiro.

8.7 Guimarães Rosa: Ser-Tão Poesia nas Veredas de Matraga

O terreiro lá de casa

Não se varre com vassoura:

Varre com ponta de sabre

E tiro de metralhadora

(Sérgio Ricardo para a trilha sonora do

filme Deus e o Diabo na Terra do Sol,

de Glauber Rocha)

Com o mineiro João Guimarães Rosa (1908-1967), parafraseando Alfredo Bosi, a literatura brasileira ganha um novo código, que potencia a carga musical e semântica dos conteúdos sociais e psicológicos. Desde sua primeira publicação, em 1946, com Sagarana, Guimarães rompeu as fronteiras entre a narrativa e a lírica, revitalizando os recursos de ex-pressão poética. Vem à tona toda a riqueza da fala sertaneja, com frasea-do em que soam as cadências de uma oralidade que remonta ao medie-vo. Depois de Sagarana, vieram Corpo de Baile (1956); Grande Sertão Veredas (1956); Primeiras Estórias (1962); Tutaméia: Terceiras Estórias (1967); e o póstumo Estas Estórias (1969).

A Hora e a Vez de Augusto Matraga, onde se acha a epígrafe acima inscrita, é o último dos nove contos que compõem Sagarana. Este conto expressa a força e o espírito do sertão de Minas Gerais e conta a história da queda de um homem poderoso em busca de sua redenção: “P'ra o céu eu vou, nem que seja a porrete!” Embora regional, esta, como as demais obras de Guimarães, tem cunho universal, pois traz a dramática consciên-cia do ser diante de sua condição humana.

A Hora e a Vez de Augusto Matraga foi levada ao teatro pelo Grupo Macunaíma, de São Paulo, sob a direção de Antunes Filho, em 1986.

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Capítulo 09Último Fragmento: o Corpo Inteiro ou o Mosaico que se Cumpre

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Último Fragmento: o Corpo Inteiro ou o Mosaico que se Cumpre

Chegamos ao fim do livro, ao fim do Curso. Este é um capítulo

atípico, pois ele só pode ser construído por você, aluno leitor. Este capítulo

será, na verdade, o momento em que você fará a junção dos fragmentos

constituintes deste livro, compondo, enfim, o seu próprio mosaico da

cultura brasileira. Tudo o que você leu, pesquisou e viu até agora – poesia,

prosa, ensaios, filmes, teatro, artes plásticas – entrará no seu texto-mosaico,

fechando esta série de sessões e fechando o livro também.

9.1 Sessão de Artes Plásticas

Pegue o material abaixo relacionado e pense um texto-mosaico a partir da proposta: O que é a nação brasileira?

1) A Primeira Missa do Brasil, de Victor Meireles (Pintura).

2) A Primeira Missa do Brasil, de Cândido Portinari (Pintura).

3) Navio de Emigrantes, de Lasar Segall (Pintura).

4) Vozes D’África, de Castro Alves (Poesia).

5) Essa Negra Fulô, de Jorge de Lima (Poesia).

6) Macunaíma, de Mário de Andrade (Narrativa).

E acabou o programa!

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