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Literatura e Ensino I Florianópolis - 2013 Tânia Regina Oliveira Ramos Gizelle Kaminski Corso Período

[Livro UFSC] Literatura e Ensino I

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Literatura e Ensino I

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Literatura e Ensino I

Florianópolis - 2013

Tânia Regina Oliveira RamosGizelle Kaminski Corso9º

Período

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Governo FederalPresidência da RepúblicaMinistério de EducaçãoSecretaria de Ensino a DistânciaCoordenação Nacional da Universidade Aberta do Brasil

Universidade Federal de Santa CatarinaReitora: Roselane NeckelVice-reitora: Lúcia Helena Martins PachecoSecretário de Educação a Distância: Cícero BarbosaPró-reitora de Ensino de Graduação: Roselane Fátima CamposPró-reitora de Pós-Graduação: Joana Maria PedroPró-reitor de Pesquisa: Jamil AssreuyPró-reitor de Extensão: Edison da RosaPró-reitora de Planejamento e Orçamento: Beatriz Augusto de Paiva Pró-reitor de Administração: Antônio Carlos Montezuma BritoPró-reitor de Assuntos Estudantis: Lauro Francisco Mattei Diretor do Centro de Comunicação e Expressão: Felício Wessling MargottiDiretor do Centro de Ciências da Educação: Wilson Schmidt

Curso de Licenciatura Letras-Português na Modalidade a DistânciaDiretor da Unidade de Ensino: Felício Wessling MarguttiChefe do Departamento: Rosana Cássia KamitaCoordenadora de Curso: Sandra QuarezeminCoordenador de Tutoria: Josias HackCoordenação Pedagógica: Cristiane Lazzarotto Volcão

Comissão EditorialTânia Regina Oliveira RamosSilvia Inês Coneglian Carrilho de VasconcelosCristiane Lazzarotto Volcão

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Equipe de Desenvolvimento de Materiais

Coordenação: Ane GirondiDesign Instrucional: Daiana AcordiDiagramação: Tamira Silva SpanholCapa: Tamira Silva SpanholTratamento de Imagem: Tamira Silva Spanhol

Copyright © 2011, Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSCNenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordena-ção Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras-Português na Modalidade a Distância.

Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da

Universidade Federal de Santa Catarina

Ficha Catalográfica

R175l Ramos, Tânia Regina Oliveira Literatura e ensino I : 9º período / Tânia Regina Oliveira Ramos, Gizelle Kaminski Corso. - Florianópolis : UFSC/CCE/LLV, 2013. 120 p. : il., grafs, tabs.

Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-61482-64-0

1. Literatura – Estudo e ensino. I. Santos, Izabel Cristina da Rosa Gomes dos. II. Título. CDU: 82:37

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Sumário

Unidade A ..........................................................................................111 A literatura em sina ......................................................................................13

2 As institucionalizações da literatura ......................................................19

Unidade B ...........................................................................................273 Relação literatura e ensino .......................................................................29

4 A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet) ...37

5 Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação

literária .............................................................................................................45

Unidade C ...........................................................................................556 A literatura infantojuvenil .........................................................................57

7 Ilustração: Palavras e imagens .................................................................67

8 As adaptações de textos clássicos .........................................................75

Unidade D .........................................................................................839 A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular .......85

10 O texto literário na escola: apontando caminhos .......................105

Referências ...................................................................................... 113

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Apresentação

Nossa disciplina objetiva principalmente pensar a futura prá-

tica como professoras e professores de Literatura. Por essa

razão ela é apresentada a partir da voz de uma professora. Sua

inquietação e seu questionamento motivaram a trajetória das nossas esco-

lhas e dos tópicos a serem aqui apresentados. Eis o que nos escreveu em

2008 a professora Fabiana Cardoso Fidelis: “Como sabem, pela primeira

vez estou ministrando aulas para o ensino médio. Tenho a disciplina de lín-

gua portuguesa (três períodos), na qual se inclui os conteúdos de literatura.

O currículo estabelecido segue mais ou menos o que está nos livros didáticos,

conforme as séries, dividido em gramática e períodos literários. O professor

faz o plano e organiza sua metodologia em cima do currículo (na prática,

no ensino médio federal, conduz sua aula como acha melhor). Assim sendo,

no que se refere à literatura, tenho tentado trabalhar com a leitura de algu-

mas obras ou trechos delas – numa perspectiva da tradição – e delas tirar as

características estéticas do período – quero que pelo menos os alunos conhe-

çam trechos das obras, se não a obra inteira. Bom, estamos reformulando

o currículo dos cursos técnicos na escola e fiquei me perguntando sobre o

fato de a literatura estar incluída na aula de língua portuguesa e o quanto

a literatura fica em segundo plano por isso. Sei que o ideal seria integrar as

duas disciplinas, de forma que se trabalhasse com análise de textos literá-

rios como algo que fizesse parte da língua, com suas especificidades, mas na

prática sabemos que não é bem isso que ocorre. O professor que tem sua for-

mação voltada para a língua portuguesa acaba trabalhando muito pouco a

literatura ou nem trabalha. Vimos isso na pesquisa que fizemos em escolas.

Os alunos não conheciam nem tinham lido nenhuma obra literária. Então

fiquei me perguntando se não seria melhor dedicar um período ao ensino de

literatura. Acho que o ideal mesmo seriam dois e dois, ou seja, dois períodos

(duas aulas) para o ensino de literatura e dois para o ensino de língua por-

tuguesa – estrutura e funcionamento da língua, mas acho difícil que o acei-

Fabiana Cardoso Fidelis é professora de ensino mé-dio no IFRS e é doutorada pelo Programa de Pós--Graduação em Literatura na UFSC, desenvolveu uma pesquisa sobre leitu-ra e ensino.

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tem, porque os pedagogos e professores de outras áreas têm a ideia de que

Português é importante, mas que a literatura tem muita “firula”. Parece-me

que seria positivo para a disciplina de literatura ser novamente reconhecida

como disciplina separada; por outro lado, acho que a integração dentro da

mesma disciplina, com o mesmo professor, também tem suas vantagens. Os

PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais, o Enem- Exame Nacional do

Ensino Médio, tudo se encaminha para colocar a literatura dentro da área

de códigos e linguagens, apenas como mais um gênero literário, no mesmo

status dos outros. Em um dos simulados do Enem em 2009, por exemplo, o

que há de literatura são apenas duas questões sobre Manoel de Barros, e são

questões interpretativas. O que vocês, que trabalham na sala de aula ou com

estágios, pensam a respeito? Como é nas escolas em que trabalham?”

O desabafo individual foi interpretado por nós como uma angústia coletiva.

Quem de nós já não vivenciou essas questões como professor ou como aluno?

É possível ensinar literatura? É possível aprender literatura? É possível con-

quistar um espaço disciplinar para a Literatura? Literatura se ensina?

Nossa disciplina procurará elaborar questões sobre a relação entre literatura

e ensino que distribuímos em quatro unidades, as quais perfazem o total

de dez tópicos. Selecionamos o que nos pareceu mais importante. Ao final

de cada um dos tópicos colocamos reflexões para serem feitas entre si ou

individualmente, paralelas às atividades do ambiente virtual. Alimentamos

também nossa webteca com excelentes textos sobre o tema da nossa disci-

plina. Cada tópico percorre um caminho de sugestões de leituras. Demos a

elas uma nomenclatura que metaforiza nossa trajetória cotidiana como es-

tudantes universitários e como futuros professores: preparatório, pré-requisi-

to..., troca de experiências, na margem, intervalo, passando a limpo, primeiras

leituras, pausa, depois da aula e lições, todos sugerindo uma fala. Giorgio

Agamben, fazendo uma leitura sobre o conceito de experiência, chama à

atenção ao dizer que hoje não basta só o homem que sabe (homo sapiens),

mas o homem que sabe e que pode falar (homo loquens). A fala de um pro-

Criado em 1998 e que tem por objetivo ava-liar o desempenho do

estudante ao fim da escolaridade básica. Po-

dem participar do exame alunos que estão con-

cluindo ou que já conclu-íram o ensino médio em anos anteriores. O Enem

também é utilizado como critério de seleção

para os estudantes que pretendem concorrer a

uma bolsa no Programa Universidade para Todos

(ProUni). Na prova do Enem 2013, mais de

60 instituições federais usarão o resultado do

exame como critério de seleção para o ingresso no ensino superior, seja

complementando ou substituindo o vestibular.

AGAMBEN, Giorgio. Infân-cia e história. Destruição da experiência e origem

da história. Belo Horizon-te: Editora da UFMG,

2005, p. 14.

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fessor vai depender, segundo ele, do homo sapiens, mas também do homo

loquens. Assim, a nossa experiência, a nossa fala ou o nosso conhecimento

facilitarão nosso trabalho como professores de Literatura.

Tânia e Gizelle

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Unidade AA literatura em questão

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Capítulo 01A literatura em sina

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1 A literatura em sina

Mas a nós, que não somos nem cavaleiros da fé nem super-homens, só

resta, por assim dizer, trapacear com a língua, trapacear a língua. Essa trapaça

salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do

poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem, eu a chamo,

quanto a mim: literatura.

(BARTHES, 1978, p. 16)

Por que a literatura em sina? A palavra “sina” pode tanto significar “sor-

te” quanto “destino” e a literatura pode passar a fazer parte da nossa história

de vida por acaso (sorte?), ou estar predestinada a ingressar nessa mesma

vida por uma via determinada pelo processo de escolarização ou por outra

via, que possivelmente passa pela inserção familiar, econômica, social (des-

tino?). A literatura destinada. A literatura na sorte. A literatura em questão.

A literatura em sina ou, de acordo com sua sonoridade, a literatura “ensina”.

A literatura em sina ensina, ou seja, a literatura, enquanto destino (ou

sorte?), projetada como leitura, ficção, ingressa formalmente na vida dos

estudantes desde as séries iniciais do ensino fundamental como mecanismo

de imaginação, viagem, deleite, prazer, aprendizagem, e atinge o ensino mé-

dio sustentada pela força disciplinar da leitura obrigatória para o vestibular.

Por que a relação da literatura e da leitura na escola sofre tal meta-

morfose? Por que passa de um estágio a outro sendo vista como apenas

um conteúdo a mais a ser digerido? Onde foi parar a leitura enquan-

to prazer e deleite? A leitura que possibilitaria a construção de sujeitos

mais críticos e criativos?

Em Epistula ad Pisones [Carta aos Pisões], conhecida como Arte

Poética, o poeta lírico, satírico e filósofo latino Horácio (65 a.C. - 8 a.C.)

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Literatura e Ensino I

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compreendia que um dos preceitos da arte era o de deleitar, mas o de,

também, ensinar (docere cum delectare – deleitar ensinando). Ao enfo-

car a assertiva de Horácio, deleitar e ensinar, deparamo-nos com outra

pergunta: é possível mesmo ensinar literatura?

Será o seu objetivo, como questionou a pesquisadora e professora

da Universidade Federal Fluminense, Cyana Leahy-Dios (2000, p. 15),

em Educação literária como metáfora social: desvios e rumos, o de “criar

consumidores, produtores de literatura, ou ambos?”. Complementa a

pesquisadora, ao detectar duas grandes contradições entre os progra-

mas de estudo de literatura:

A primeira é a discrepância entre os objetivos declarados para a educa-

ção literária, sempre situados ao redor do eixo de “satisfação pessoal,

social e cultural”, e os conteúdos, baseados na descrição cronológica e

acrítica de fatos sociais, econômicos, políticos e geográficos que de-

veriam justificar a produção literária de um dado período, em dada

região do país, por dadas razões – frequentemente apenas históricas.

(LEAHY-DIOS, 2000, p. 190).

Lançamos aqui algumas perguntas que ainda fazem parte de certas

práticas de avaliação do contexto cultural. Por que estudar literatura na

escola? Para ser uma pessoa melhor; para ter conhecimento de textos

consagrados; para obter domínio da linguagem escrita; para ter uma

outra visão de fatos históricos, políticos e sociais, locais e universais;

para se expressar melhor; para poder fazer comentários de livros; para

conhecer o cânone literário - as obras consagradas pela tradição?

Numa época em que os textos considerados clássicos são substitu-

ídos na maioria das vezes pelos produtos da indústria cultural, parece

fazer sentido a preocupação e a necessidade do professor norte-ameri-

cano Harold Bloom de resgatar escritores clássicos universais para leito-

res de todas as idades, corroborando a ideia de uma formação precoce

Cyana Leahy-Dios é es-critora, pesquisadora,

professora, tradutora e editora. Atua em várias

áreas de pesquisa, como literatura e en-sino, narrativas auto-

biográficas, semiótica e sociedade, literatura comparada e teoria da

tradução.

Cânone“O termo grego kanon (“espécie de vara de medir”) afirmou-se na cultura românica com sentido preciso de “nor-ma” ou “lei”. Porque é um processo de selec-ção e exclusão, a forma-ção de um cânone obe-dece inexoravelmente a uma afirmação de po-der.” (CEIA, 2004, p. 121)

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Capítulo 01A literatura em sina

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do leitor voltada para uma literatura com bons textos, sem adjetivação

excessiva, cortes e adaptações.

Harold Bloom é extremamente adepto ao incentivo da leitura dos

clássicos, e isso pode ser confirmado por intermédio de seus manifes-

tos, How to read and why (2000) e The Western Canon (1994), tradu-

zidos para a língua portuguesa respectivamente com os títulos Como

e por que ler e O cânone ocidental, nos quais apresenta uma espécie

de clamor à leitura dos autores e livros clássicos, oferecendo, no pri-

meiro, caminhos de leitura para determinadas obras, afirmando que

“Ler bem é um dos grandes prazeres da solidão [...]. Ler nos conduz à

alteridade, seja à nossa própria ou à de nossos amigos, presentes ou fu-

turos” (BLOOM, 2001a, p. 15). Já no segundo livro, estuda e interpreta

26 escritores, elegendo o escritor inglês William Shakespeare como

figura central do cânone universal e do cânone ocidental ao lado do

poeta italiano Dante Alighieri. Os autores que compõem a lista de câ-

nones foram escolhidos por Bloom tanto pela sublimidade da temática

quanto pela natureza representativa. Para ele, sem o processo da influ-

ência literária, não pode haver literatura forte, canônica, clássica. Um

antigo teste para o reconhecimento da literatura canônica, segundo

Harold Bloom, continua sendo a questão e a necessidade da releitura.

Salienta, porém, que ler o cânone não torna o ser humano melhor ou

pior, um cidadão mais útil ou nocivo à sociedade, a verdadeira utili-

dade de Shakespeare ou Cervantes, de Homero ou Dante, de Chaucer

ou Rabelais, “é aumentar nosso próprio eu crescente. [...] Tudo o que

o Cânone Ocidental pode nos trazer é o uso correto de nossa solidão,

essa solidão cuja forma final é nosso confronto com nossa mortalida-

de” (BLOOM, 2001a, p. 36-37).

Se o cânone, como afirma Bloom, não nos torna melhores nem pio-

res, mais úteis ou nocivos, por que (a boa) literatura? Literatura para

quê? Literatura para quem?

William Shakespeare(1564-1616) – poeta e dramaturgo inglês; au-tor das peças Romeu e Julieta, Hamlet, Rei Lear, entre inúmeras outras.

Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616) – romancista, drama-turgo e poeta espanhol; autor de Don Quijote de la Mancha.

Homero (séc. VIII a.C.) -poeta grego que se consagrou pelo gêne-ro épico; embora haja inúmeras contestações a respeito de sua exis-tência, é compreendido como autor das epo-peias Ilíada e Odisseia.

Chaucer (1343-1400) -filósofo, escritor e diplo-mata inglês; autor de Os Contos da Cantuária [The Canterbury Tales].

François Rabelais (1483-1553) - padre, médico e escritor do Renascimento; autor de Gargântua e Pantagruel.

Dante Alighieri (1265-1321) – poeta, escritor e político italiano; autor da Divina Commedia.

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Literatura e Ensino I

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O professor da USP e importante crítico literário Antonio Candido,

em palestra proferida no curso organizado pela Comissão de Justiça e Paz

da Arquidiocese de São Paulo em 1988, intitulada “O direito à literatura”,

palestra posteriormente publicada em livro, elabora uma síntese didática a

respeito da função da literatura. Ele afirma estar a literatura “ligada à com-

plexidade de sua natureza” (CANDIDO, 1995, p. 244). Diante dessa com-

plexidade, aponta três faces: (1) construção de objetos autônomos como

estrutura e significado; (2) forma de expressão; manifesta emoções e a vi-

são de mundo dos indivíduos e dos grupos e (3) forma de conhecimento.

A terceira face, de fato, é a aparentemente mais difundida – ao re-

duzirmos o estudo da literatura a conhecimento –, no entanto, o efeito

das produções literárias, corrobora Antonio Candido (1995, p. 245),

é devido à atuação simultânea dos três aspectos, embora costume-

mos pensar menos no primeiro, que corresponde à maneira pela qual

a mensagem é construída; mas esta maneira é o aspecto, senão mais

importante, com certeza crucial, porque é o que decide se uma comu-

nicação é literária ou não.

Seguindo com as reflexões de Antonio Candido, tendo em mente o

título de seu texto, todo o ser humano tem direito à literatura; não há ser

humano que consiga viver sem ela [a literatura], “sem a possibilidade

de entrar em contato com alguma espécie de fabulação” (CANDIDO,

1995, p. 242). Essa satisfação, via literatura, constitui-se direito e fator

indispensável de humanização.

Entre os limites com a filosofia e as ciências humanas, a literatura

é concebida como “pensamento e conhecimento do mundo psíquico e

social em que vivemos” (TODOROV, 2009, p. 77); faz viver experiências

singulares, solitárias, únicas, de condição humana, podendo “transfor-

mar a cada um de nós a partir de dentro” (TODOROV, 2009, p. 76).

Quem está em contato com ela [a literatura] não se torna um especialis-

ta em análise literária, mas um conhecedor do ser humano. Seria, então:

Antonio Candido, crítico literário estudioso da literatura brasileira e estrangeira.

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Capítulo 01A literatura em sina

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Reflita(m) e troque(m) ideias com seus

colegas, tutores e professores:

1. O que você(s) entende(m) por literatura canô-

nica? Que autores e obras seriam, por exemplo,

representativos da literatura brasileira canônica?

2. O professor português Carlos Ceia, em A litera-

tura ensina-se, lançou uma questão pertinente:

“será que o cânone português consegue dar aos Portugueses o sentido exac-

to da sua história nacional?” (CEIA, 2004, p. 32). E o cânone brasileiro, na sua

opinião, consegue dar aos Brasileiros o sentido exato de sua história nacional?

3. Até que ponto a literatura canônica responde as necessidades e os interes-

ses das novas gerações de leitores?

4. Você(s) acha(m) que na(s) sua(s) história(s) de vida você(s) teve(tiveram) di-

reito à literatura, como propôs Antonio Candido?

Leia mais!

Preparatório, pré-requisito...

Roland Barthes escreveu importantes textos sobre a questão do ensino e da leitura. Sugerimos que este tópico seja complementado com estas re-ferências:

A literatura como direito, não como dever.

A literatura que humaniza, verbaliza, realiza, dinamiza, pluraliza.

Sim, a literatura, seja ela em sina ou em cena, ensina.

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Literatura e Ensino I

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BARTHES, Roland. “Escritores, intelectuais, professores”. In: O rumor

da língua. Tradução de Mário Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988a,

p. 313-332.

______. “Da leitura”. In: O rumor da língua. Tradução de Mário Laran-

jeira. São Paulo: Brasiliense, 1988b, p. 43-52.

______. “Reflexões a respeito de um manual”. In: O rumor da língua.

Tradução de Mário Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988c, p. 53-59.

______. “Au séminaire”. In: O rumor da língua. Tradução de Mário

Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988d. p. 333-342.O tradutor Mário Laran-

jeira manteve o título original (em francês)

deste texto, mas inseriu a tradução em nota de

rodapé, que significa: “No ou ao seminário”

(1988, p. 333).

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Capítulo 02As institucionalizações da literatura

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2 As institucionalizações da literatura

A enciclopédia de arte que meu pai me deu. Estupenda, fica comigo,

transferida da categoria de livro/leitura para a de totem. Dela não há quem

me separe. Idem para os outros livros de arte, os catálogos dos museus e os

das grandes exposições.

(COLASANTI, 2007, p. 160)

“Será que a literatura pode ser para nós algo que não uma lembran-

ça de infância?” (BARTHES, 1988c, p. 57), questionou Roland Barthes, em

1969, em Conferência pronunciada no Colóquio O Ensino da Literatura,

intitulada “Reflexões a respeito de um manual”. Essa pergunta do ensaísta

francês vem em virtude de algumas observações que ele apresenta a res-

peito de um manual de história da literatura francesa. Embora definidas

pelo próprio autor como “improvisadas”, “simples” e até “simplistas”, suas

observações partem de um questionamento crucial: o que persiste depois

do colégio? Como sobrevive a literatura pós-ensino médio, pós-vestibular?

Roland Barthes enumera duas possíveis lembranças de infância

pelas quais a literatura supostamente sobreviveria pós-colégio.

A primeira seria a lembrança do que ele denomina monemas

da língua (lembranças de nomes esparsos de autores, escolas,

movimentos, gêneros e séculos); a segunda, a de que a História

da Literatura Francesa (e aqui não poderíamos excluir a(s) da Li-

teratura Brasileira – Sílvio Romero, José Veríssimo, Alfredo Bosi,

Afrânio Coutinho...), é feita de censuras que seriam: a ausência

de uma economia e de uma sociologia da literatura; sexualida-

de; literatura ( jamais definida enquanto conceito) e linguagem

(classicocentrismo). Para apenas não apontar problemas nesses

manuais, compêndios, florilégios, bosquejos, Roland Barthes

apresenta pontos de acertos provisórios, o que valeria dizer,

possíveis soluções para o que deveria, ou melhor, como deveria

ser feita a ideia de uma história da literatura: inverter o classi-

cocentrismo, ou seja, estudar a história da literatura de frente

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Literatura e Ensino I

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Pensando-se nessas questões e soluções, podemos perceber que, por

meio dessas reflexões, Roland Barthes coloca em xeque, de certa forma,

a institucionalização da literatura. O que seriam os manuais/histórias da

literatura se não imposições de determinadas escolhas? O que deveria ser

apre(e)ndido? Estudado? Que autores e obras deveriam ser lidos?

Sabemos que, grosso modo, as Histórias da Literatura, vistas e revis-

tas no Brasil desde o século XIX, aliadas ao conceito de nacionalismo,

no sentido de abarcar toda a produção literária da nação, e identidade

literária, surgiram como uma espécie de resgate para que não se perdes-

sem as produções literárias efetuadas até então. Assim, essas histórias

são elaboradas de acordo com determinados olhares, que incluem sele-

ção e exclusão de autores e obras.

Em consonância com essa suposta instituição da literatura, via

listagem de autores e obras que traduziriam (um)a identidade literária

brasileira – com caráter de legitimação -, há os movimentos academi-

cistas que aconteceram, no Brasil, no século XIX – agremiações que

passaram a ser vistas como oficialidades da intelectualidade. A Acade-

mia Imperial de Belas Artes (1816) foi uma das precursoras desse tipo

de agremiação, mas foi com a criação da Academia Brasileira de Letras

(ABL), em 1896, que se estabeleceu uma autêntica expressão literária

academicista. Surgida em um momento de indecisões estéticas, que

incluía as vozes roucas da estética naturalista disputando espaço com

as inovações do simbolismo e o aparecimento lateral dos chamados

pré-modernistas, no início do século XX, a Academia Brasileira de Le-

tras instaurou-se como representante de um ideário estético. Segundo

Mauricio Silva (2007, p. 71),

Além da ABL, é impres-cindível citar que outras

instituições, na passa-gem do século XIX para o XX, contribuíram para

a consolidação de um cenário literário no Bra-

sil: imprensa, livrarias, centros acadêmicos

e entidades culturais diversas.

Roland Barthes, escritor e crítico literário francês.

para trás; substituir pelo texto o autor, a escola, o movimento, e

desenvolver a leitura polissêmica.

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Capítulo 02As institucionalizações da literatura

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a Academia tornou-se, na época de sua fundação, uma referência artísti-

ca incontestável. Foi objeto de desejo, ainda que não declarado, da maior

parte de nossos escritores, mesmo daqueles cuja obra estava, reconhe-

cidamente, distante dos cânones acadêmicos; deu prestígio aos eleitos

e causou despeito em muito autor cujos méritos iam além do reconhe-

cimento oficial. Do ponto de vista da expressão artística, mais do que de

uma perspectiva social, o movimento academicista foi segregacionista:

cooptou exclusivamente os autores que, de certo modo, enquadravam-

-se em seus padrões de fruição estética, alijando de suas lides os demais.

Isso permite visualizar a Academia Brasileira de Letras, pelo menos du-

rante o que se pode considerar o período áureo – suas primeiras duas

décadas –, como uma agremiação esteticamente homogênea.

Esse movimento artístico foi, também, responsável por fortale-

cer determinadas tendências artísticas em detrimento de outras. Eri-

gindo-se como ponto de referência cultural, a Academia Brasileira de

Letras passou a ser, por duas décadas, um dos representantes oficiais

da literatura brasileira. De acordo com as eleições da Academia, e

das compilações das diversas histórias da literatura efetuadas durante

anos, foi se configurando o ensino da literatura, que passou a ser insti-

tucionalizado também pela Escola e pela Universidade.

A Universidade, conjunto de faculdades ou escolas para a espe-

cialização profissional e científica que tem por objetivo promover e

divulgar conhecimentos, institucionaliza, escolhe, exclui e, de certa

forma, impõe o que é importante ser estudado/apre(e)ndido em ma-

téria de literatura. Além disso, é considerada um dos recintos e abrigo

dos intelectuais-professores (ou professores-intelectuais), que fazem

suas escolhas (autores, obras, teorias) de acordo com seus anseios,

pesquisas, inquietações, os quais são tornados públicos por meio de

livros, artigos, periódicos, conferências, discussões públicas, ensino

universitário; obviamente sujeitas ao mercado e a questões políticas. A

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Literatura e Ensino I

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Universidade - mais especificamente os seus cursos de Letras - é uma

das instituições responsáveis pela institucionalização da literatura, es-

pecialmente a canônica, que existe e resiste devido à sua dependência

dos departamentos que o exigem. Cânones universitários, segundo

o professor e pesquisador português Carlos Ceia (2004, p. 118), “são

muito mais liberais e variáveis de disciplina para disciplina, de profes-

sor para professor, de instituição para instituição.” Por outro lado, o

processo de canonização é sempre uma revolução crítica,

o poder central deve acreditar que existe a possibilidade de constituir

um grupo de canonizadores com competência científica publicamen-

te reconhecida para levar a cabo a tarefa da constituição ou revisão

de um documento por existir ou já existente. Para além da questão da

competência jurídica e científica dos formadores de cânones, acres-

cem as questões (quase sobrepostas) dos critérios de selecção e de

abertura, da resistência ao cânone e da própria fundamentação filosó-

fica do cânone. (CEIA, 2004, p. 117).

A consolidação do cânone na Universidade, efetuada por profissio-

nais reconhecidamente críticos e competentes, não resolve completa-

mente a problemática de ensino. Pelo contrário, gera constantes desen-

contros entre o cânone dos cursos universitários e o cânone do ensino

fundamental e médio nas escolas.

A Escola, por outro lado, cujo nascimento foi tão precário quanto

o da imprensa, segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1996), foi

(e ainda é) uma das instituições responsáveis por fazer com que os

estudantes tenham acesso ao livro e, consequentemente, cheguem à

literatura. É nela que vão atuar os professores, formados/instruídos

pela Universidade, e que se deparam com uma realidade distinta do

ambiente acadêmico. Ali [na escola], são recebidos de braços aber-

tos pelo livro didático e o adotam como fiel companheiro de carreira.

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Capítulo 02As institucionalizações da literatura

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Diante dessa situação, indefesos, os não mais acadêmicos, mas agora

professores, entram em constantes choques de o que/como trazer para

a sala de aula o que aprenderam na universidade. Um desses embates

está justamente na proposição de Carlos Ceia:

Uns defendem que a universidade deve ensinar aquilo que depois os

futuros professores terão que ensinar; outros contra-argumentam que

a universidade não é uma fábrica de programação de professores, pelo

que tal comunidade é sustentável. (CEIA, 2004, p. 118)

Entre os moldes aprendidos nos Cursos de Letras e os conteúdos

programados pelo livro didático, o ensino da literatura na escola por

muito tempo tem sido enfatizado pela história da literatura e sua divi-

são em escolas literárias – modelo que pouco contribui para a forma-

ção dos leitores que acabam decorando características soltas (e muitas

vezes impróprias) de determinadas escolas, títulos de obras e autores,

datas, sem ter lido livro algum. Herdamos a historiografia e, durante

anos, fizemos dela nossa maior aliada para que o ensino da literatu-

ra fosse levado adiante. Segundo a professora Cyana Leahy-Dios, a

contribuição oficial da educação literária no Brasil foi a de fornecer

uma combinação de compreensão e produção textual e documentação

histórica, afirmando que “os programas de literatura propostos para o

ingresso na maioria das universidades públicas estão fundamentados

na história da literatura brasileira e, apenas em circunstâncias excep-

cionais inclui-se o estudo de textos escritos por mulheres, ou de litera-

tura local.” (LEAHY-DIOS, 2000, p. 71-72).

Seguindo as reflexões efetuadas partindo de sua pesquisa, Cyana

Leahy-Dios afirma haver apenas um autor negro a ser estudado: Cruz e

Sousa, e fortalece suas indignações dizendo que:

há apenas um autor negro a ser estudado: Cruz e Sousa. Nem há

tampouco, na seletividade do cânone de educação literária, autores

Currículos e progra-mas de literatura não fazem referência (até 1994/1995, período da pesquisa de Cyana Leahy-Dios) a ques-tões de gênero, raça ou classe social.

Page 24: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

24

não-brancos que tratem da questão racial. O número elevado de es-

critores contemporâneos de prosa e poesia não encontra espaço na

educação literária, que igualmente ignora textos literários que tratem

da ditadura militar dos anos 60 a 80, com os contrastes e característi-

cas multiculturais do país, entre gêneros, classes sociais, etnias e suas

culturas. (LEAHY-DIOS, 2000, p. 194)

Apesar de essa afirmação ter sido feita há mais de 10 anos, o es-

tudo da literatura feita por mulheres, da literatura local e da literatura

africana, conclamada a fazer parte dos currículos obrigatórios, em 2008,

está ainda bastante incipiente no meio escolar. Durante anos o ensino

da literatura tem sido incluído na disciplina de língua portuguesa, que

deveria abarcar questões de “comunicação e expressão”, incluindo ensi-

no da gramática, produção de textos e literatura. Embora seja vista em

grande parte como pretexto para o ensino da gramática, a literatura, por

estar incluída no currículo escolar, transforma-se em disciplina e, com

sua inclusão no vestibular, garantindo-lhe nova institucionalização, pas-

sa a ser vista como um conteúdo a mais a ser absorvido pelos alunos.

Com o intuito de melhorar a qualidade da leitura e escrita dos

alunos que ingressavam no Ensino Superior, segundo Claudete Amália

Segalin de Andrade (2003), o professor de grego da Faculdade de Fi-

losofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Henrique Mu-

rachco, sugeriu que a Fundação Universitária para o Vestibular (FU-

VEST) lançasse, em 1989, a primeira lista de indicações de leitura para

ser aplicada em 1990. Na Universidade Federal de Santa Catarina, a

cobrança da leitura de literatura para as provas do vestibular entrou em

vigor em 1992 e, de lá para cá, pode-se dizer que a leitura de literatura

conquistou um lugar próprio nas provas dos vestibulares, deixando de

ficar obscurecida na disciplina de língua portuguesa. Essas listas, além

de garantirem uma institucionalização a mais para a literatura, tam-

bém reforçam sua sobrevivência entre os conteúdos do ensino médio.

Conforme Redação dada pela Lei nº 11.645, de

2008: “§ 2o Os conteú-dos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão minis-

trados no âmbito de todo o currículo escolar,

em especial nas áreas de educação artística e

de literatura e história brasileiras.”. Disponível em: <http://www.pla-

nalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/

Lei/L11645.htm#art1>. Acesso em: 12 jan. 2010.

Lei 5.692, de 1971, integração das esco-las primária e média,

consolidando a escolari-dade em 8 anos, ou seja, até os 14 anos de idade. Essa lei, também, agru-pou línguas e literatura

em um núcleo chamado “comunicação e expres-

são”. (LEAHY-DIOS, 2000)

Professora do Colégio de Aplicação da UFSC. De

sua tese de Doutoramen-to, defendida em 2001,

resultou o livro Dez livros e uma vaga: a leitura de literatura no vestibular,

publicado em 2003.

As listas do vestibular da UFSC passaram a ter

destaque não apenas por incluírem títulos

contemporâneos, mas também por inserirem

a literatura catarinense. Essa questão é apro-fundada no tópico “A

literatura no vestibular”.

Page 25: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 02As institucionalizações da literatura

25

Nesse processo de institucionalização da literatura, não se pode

perder de vista a Imprensa, com publicações de resenhas críticas, co-

mentários de livros, entrevistas, em jornais e revistas, a crítica especia-

lizada, e os meios de comunicação digital e eletrônica (em suas mais

diversas formas) que consagram a experiência literária e possibilitam

sua chegada ao público.

Tantas questões que aqui estamos colocando procuram fazer enten-

der a afirmação do filósofo búlgaro, radicado em Paris, Tzvetan Todorov,

de que a literatura é uma disciplina sem disciplina que se encontra em

perigo. Em seu recente e instigante livro A literatura em perigo (2009), To-

dorov explicita o perigo que corre a literatura: nos confins entre o ensino,

a crítica e a sua concepção, a disciplina pauta-se muito mais por seu estu-

do do que propriamente pelo do objeto, o que vale dizer que “na escola,

não aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os

críticos” (TODOROV, 2009, p. 27). É esse o perigo que o texto de Todorov

aponta: o perigo de a literatura ficar alicerçada a teorias.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e

professores:

1. O Prêmio Nobel de Literatura é um prêmio concedido anualmente a

um autor, de qualquer nacionalidade, que tenha produzido uma obra uni-

versalmente magnífica ou representativa. O Best-Seller, por outro lado, é

um livro extremamente popular, incluído na listagem dos mais vendidos.

Você(s) acha(m) que essas são formas de promover/divulgar a literatura?

Justifique(m).

2. Tzvetan Todorov, em A literatura em perigo (2009), afirma que a literatura pode

ter uma concepção redutora não apenas em salas de aula e cursos universitá-

rios, mas quando é apresentada por jornalistas que resenham livros, e mesmo

entre escritores. O que você(s) pensa(m) disso? Você(s) concorda(m) com ele?

Page 26: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

26

Leia mais!

Troca de experiências

É importante complementarmos as reflexões anteriores com leituras críticas a respeito do ensino da literatura na Universidade, mais especificamente nos Cursos de Letras. Os textos a seguir apresentam algumas ideias sobre a Teoria, a Crítica e a Historiografia.

JOBIM, José Luís. “Os estudos literários e a identidade da literatura”.

In: JOBIM, José Luís (Org.). Literatura e identidades. Rio de Janeiro:

Editora da UERJ, 1999, p. 191-206.

______. “A Crítica da teoria: uma análise institucional”. In: A Poética do

Fundamento. Niterói, RJ: EDUFF, 1992a, p. 55-66.

______. “História da Literatura”. In: A Poética do Fundamento. Nite-

rói, RJ: EDUFF, 1992b. p. 67-100.

Page 27: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Unidade BProfessores, alunos e literatura

Page 28: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I
Page 29: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 03Relação literatura e ensino

29

3 Relação literatura e ensino

Ensinar e aprender literatura é um processo permanentemente à beira de

mudanças radicais. (LEAHY-DIOS, 2000, p. 283)

O filósofo grego Aristóteles afirmou que a condição do conhecimen-

to (em filosofia) é produzida pelos “assombros”. É no sobressalto ou no

assombro, não importa qual seja o termo, que o conhecimento é adquiri-

do. Embora haja constantes inovações na arte, na tecnologia, na ciência,

questionamos: o que poderia assombrar os nossos alunos em sala de aula?

Como ensinar literatura (a arte da palavra...?!) tendo em vista os avanços

tecnológicos? Como lidar com a produção de conhecimentos múltiplos?

Conhecimentos que são produzidos por todo o tipo de telas, a todo o mo-

mento e em todos os lugares (im)possíveis?

Antes mesmo de pensarmos propriamente na questão de ensino,

precisamos ter em mente que ensinar literatura neste século não se

resume a apenas trabalhar com livros, levando em conta sua materia-

lidade. Professor em sala de aula não pode ignorar que cada um dos

leitores é um pouco espectador e um pouco internauta. Como define

Néstor Canclini - importante crítico da cultura, residente no México

- no seu livro Leitores, espectadores e internautas (2008), a noção de

espectador é a de que possui definida sua relação com campos especí-

ficos: o de cinema, de recitais de música, de teatro. Cada um formado

em uma lógica diferente. A noção de internauta, por outro lado, alude

a um agente multimídia, que combina materiais diversos (da leitura

e dos espetáculos), lê e ouve. “Essa integração de ações e linguagens

redefiniu o lugar onde se aprendiam as principais habilidades – a esco-

la – e a autonomia do campo educacional.” (CANCLINI, 2008, p. 22).

Significa, então, que a construção de conhecimentos não se dá mais

entre quatro paredes, formatos originais da sala de aula, mas em um am-

Page 30: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

30

biente virtual; sem fronteiras, sem limites, sem (de)limitações. O saber

não se constrói mais apenas em um ambiente específico e físico – escola,

universidade, biblioteca -, mas em qualquer tipo de campo, seja ele físico

ou virtual. E um exemplo claro disso é a possibilidade/realidade do Ensi-

no a Distância; do apre(e)nder conhecimentos sem sair de casa.

Para quem está em sala de aula, não se pode negar: a condição do

ensino mudou. Não há palmatórias, muito menos a necessidade de colo-

car os alunos de joelhos sobre grãos, ou a de batidas com régua nas mãos,

puxões de orelha, beliscões, como formas de castigo e punição física (um

dos temas bastante discutidos no século XXI é a necessidade – ou não

– de uma maior hierarquização institucional, sem violência). Esses pro-

cedimentos inadequados fortaleciam a ideia da figura do professor como

um ditador em sala de aula e pouco contribuíam para que os alunos se

tornassem mais interessados nos conteúdos trabalhados. A maneira de

ler mudou e, consequentemente, a de pensar a literatura na escola tam-

bém. Textos, imagens e sua digitalização não são mais ilhas isoladas, pois

leitura e espetáculo combinam-se no internauta que, a qualquer dúvida,

sente-se apto para consultar o famoso oráculo do Google, ou como afirma

Néstor Canclini (2008, p. 52), para Googlear.

Com o turbilhão tecnológico, as telas passaram a combinar conhe-

cimento e entretenimento; o livro (em sua materialidade) não é

mais o único detentor e ordenador dos saberes e é nesse contexto

que surge o que se poderia chamar, segundo Néstor Canclini, de

“leitores-espectadores-internautas”. Essa nova configuração dos

leitores preocupa professores, pois, já que não podemos ignorar as

tecnologias (termo empregado em sentido amplo), como passar

das conectividades (informações) ao pensamento crítico? Como

discernir o joio do trigo no universo virtual? Como estabelecer cri-

térios de avaliação\julgamento?

Page 31: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 03Relação literatura e ensino

31

Pelo meio – Escola – em que está inserida, a literatura passa a ter

caráter pedagógico, de ensino, disciplinar, mas que lugar ocupa nesse am-

biente? Componente curricular? Prática relaxante? Exercício para melho-

rar a escrita? Formação de leitores competentes?

No ensino fundamental, a literatura é trabalhada na língua portu-

guesa, sem restrições de normas, condutas, conteúdos, não sendo vista

ainda como disciplina à parte; por outro lado, sua presença é marcante

nas aulas de leitura, ponto em que a literatura entra em cena. Em con-

trapartida, no ensino médio, a literatura possui alguma autonomia de

disciplina. Neste momento de pensar o caráter da literatura (ou a lei-

tura) enquanto disciplina curricular é importante registrarmos a pro-

posta do Ministério da Educação (MEC) cuja discussão foi iniciada

em 2009, que pretende acabar com a divisão por disciplinas presente

no atual currículo do ensino médio, o antigo colegial – considerado

pelo governo como a etapa mais problemática do sistema educacional.

A intenção é criar quatro grupos mais amplos (línguas; matemática;

humanas; e exatas e biológicas). De acordo com a proposta, as esco-

las terão liberdade para organizar seus currículos e poderão decidir

a forma de distribuição dos conteúdos das disciplinas nos grupos e

também o foco do programa (trabalho, ciência, tecnologia ou cultura)

desde que sigam as diretrizes federais e uma base comum.

O Conselho Nacional de Educação (CNE) discutiu a proposta e

pretendia que em 2010 algumas redes adotassem o programa, de for-

ma experimental. No médio prazo, o Conselho espera que o programa

esteja implementado no país todo. A mudança ocorreria por meio de

incentivo financeiro e técnico do MEC aos Estados (responsáveis pela

etapa), pois a União não poderia impor o sistema. Segundo o MEC, o

currículo atual, fragmentado e sem aplicabilidade, reduz o interesse do

jovem pela escola e a qualidade do ensino. Está previsto também o au-

mento da carga horária (de 2.400 horas para 3.000 horas, acréscimo de

Nos Parâmetros Curricu-lares Nacionais (PCNs) a literatura é tratada como se fosse subárea da Lín-gua Portuguesa, ao dar seguimento no ensino sobre a linguagem.

Page 32: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

32

25%). A discussão dessa proposta, lançada em 2009, foi retomada recen-

temente e deve ser finalizada ainda neste ano para posterior discussão

no Conselho Nacional de Educação, mas optamos pelo seu registro, pois

para nós é importante a Literatura ter seu espaço institucional e não ser

diluída nos demais conteúdos programáticos. Acreditamos no processo

institucional como elemento de constituição do sujeito-leitor.

A formação do leitor no ensino fundamental (a partir de 2006

com duração de 9 anos), nas séries iniciais, fica a encargo de profis-

sionais graduados em Pedagogia. A partir do sexto ano, assumem esse

papel os profissionais de Letras, que acompanham os alunos até o en-

sino médio. Nos anos iniciais, do primeiro ao quinto (1ª a 4ª séries),

a literatura existe, porque é inerente ao processo de aprendizagem da

leitura, mas ainda não é conceituada na sua especificidade literária.

É apenas classificada: literatura infantil, literatura juvenil, literatura

infantojuvenil, literatura para crianças, literatura para jovens; é apre-

sentada enquanto leitura, deleite, prazer, imaginação, aventura, mis-

tério. Quando os alunos ingressam no sexto ano parece lugar comum

os professores declararem que o interesse pela leitura diminui, exa-

tamente porque aí ela começa a ser vista como cobrança, geralmente

acompanhada pelas ultrapassadas fichas (sim, elas ainda existem!) de

leitura e/ou solicitação de resumos - para que o professor tenha a com-

provação, confirmação de que o aluno leu. Nos dois anos seguintes, a

literatura ainda vem acoplada à ideia de leitura de livros, e o seu con-

ceito começa a fazer parte da vida dos estudantes. Conforme a forma-

ção escolar avança para o ingresso no ensino médio, a leitura vai sendo

vista como “tortura, chatice e aborrecimento” - como posteriormente

demonstraremos no tópico em que centraremos nossa abordagem na

literatura para o vestibular - e a literatura passa a ter caráter de mero

exercício escolar, portanto, uma matéria obrigatória para ser cobrada.

Segundo consta na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezem-bro de 1996, Artigo 32, o ensino fundamental

obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, inician-do-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cida-

dão, mediante redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/

l9394.htm>. Acesso em: 20 jan. 2010.

Quando da duração do ensino fundamental

de 8 anos, equivalia à 5ª série.

Page 33: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 03Relação literatura e ensino

33

Qual é a relação entre a literatura e o seu ensino? – continuamos

perguntando. Seria uma antinomia, como afirmou Barthes (1988c), a

literatura como ensino e a literatura como prática? O que se ensina, na

prática, são as formas de como o professor conseguiu elaborar determi-

nados conjuntos de significantes e significados no texto. Não se ensina

Machado de Assis, Camões, Cruz e Sousa, mas as condições pelas quais

nos é possível estudá-los, compreendê-los, lê-los. Como afirma Carlos

Ceia (2004, p. 54), “ensinamos literatura essencialmente porque inves-

timos o nosso olhar naquilo que faz essa literatura e não naquilo que a

define aprioristicamente”. Isso significa dizer que o ensino da literatura

é guiado pela visão do professor em sala de aula e de acordo com sua vi-

são a respeito dela [da literatura]. Para que o aprendizado das condições

de compreender, estudar, ler literatura ocorra de maneira proveitosa e

eficiente, é importante que o professor esteja aberto para ouvir seus alu-

nos; faça uma pesquisa sobre suas preferências, mas também leve textos

novos, não se colocando em uma torre de marfim e lá permanecendo

Mesmo acreditando na importância de a literatura ter seu espa-

ço disciplinar, esta não deve apenas cumprir o ensino de alguns

conteúdos, de acordo com determinada etapa da escolarização,

não importando a realidade sócio-econômico-cultural dos alunos.

Devido ao pouco tempo para as aulas, os professores acabam tra-

balhando apenas o que está pronto como necessário/importante

no livro didático – geralmente elaborado no eixo Rio-São Paulo.

Nesse caso, a cor local, as literaturas regionais – como a literatu-

ra catarinense, paranaense, mineira ou a literatura produzida, por

exemplo, em Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais – desapare-

cem, por ser importante, no pouco espaço dado para o ensino da

literatura na escola, apenas o conhecimento de autores consagra-

dos ou canônicos como vimos no início de nosso livro-texto. Se os

autores contemporâneos aparecem, são mencionados, na maioria,

os que moram ou produzem no eixo referido.

Page 34: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

34

distante e alheio a tudo e a todos. É imprescindível que o professor não

pense que sua função seja apenas a de ensinar, mas compreenda a im-

portância de também aprender com os alunos em sala de aula.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e

professores:

1. Se há leitores de sermões, poesia, discursos políticos, periódicos lidos em voz

alta, livros, revistas, anedotas, histórias em quadrinhos, anúncios luminosos e

publicitários, bulas de remédios, cartas enviadas pelo correio, manuais, infor-

mações da Internet, blogs, e-mails, faxes, mensagens no celular, como você(s)

responderia(m) a esta pergunta de Néstor Canclini (2008, p. 56): “por que as

campanhas de incentivo à leitura são feitas só com livros e tantas bibliotecas

incluem somente impressos em papel?”

2. O ensaísta francês Roland Barthes, em sua aula inaugural no Collège de Fran-

ce, estabeleceu a seguinte definição para a literatura: “Entendo por literatura

não um corpo ou uma sequência de obras, nem mesmo um setor de comércio

ou de ensino, mas o grafo complexo das pegadas de uma prática: a prática de

escrever” (BARTHES, 1978, p. 16-7). Você(s) concorda(m)? Debata(m) essa afir-

mação tendo em mente relações entre literatura e ensino.

3. Ao dizer que incluiria em suas aulas de literatura o estudo da carta, nada

fictícia, que Germaine Tillion escreveu na prisão de Fresnes, endereçada ao Tri-

bunal Militar Alemão, em 3 de janeiro de 1943, Todorov (2009, p. 92) assevera:

“Não “assassinamos a literatura” (retomando o título de um panfleto recente)

quando também estudamos na escola textos “não-literários”, mas quando fa-

zemos das obras simples ilustrações de uma visão formalista, ou niilista, ou

solipsista da literatura”. Como distinguir um texto literário de um não-literá-

rio? Procure(m) responder, mas essa questão ficará ainda mais clara quando

estudar(em) o conceito de “literariedade” na disciplina de Teoria Literária.

Page 35: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 03Relação literatura e ensino

35

4. Tendo por base a assertiva de Todorov (2009, p. 27), “na escola, não aprende-

mos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos”, você(s)

acredita(m) que o ensino da literatura está apenas alicerçado a teorias?

Leia mais!

Na margem

Sobre a questão da inclusão de textos marginalizados por uma espécie de censura, alguns professores fazem propostas bastante corajosas sobre a lei-tura das diferenças e da alteridade. O texto a seguir faz esta proposta.

SANTOS, Rick. “Subvertendo o cânone: literatura gay e lésbica no currí-

culo”. Revista Gragoatá. Número monográfico sobre O ensino da língua e

da literatura. 1o semestre, n. 2, Niterói, RJ: UFF, 1997, p. 181-189.

Page 36: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I
Page 37: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 04A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet)

37

4 A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet)

A linguagem na superfície estrelada de letras, sabe lá o que ela quer dizer?

(Carlos Drummond de Andrade. Aula de Português).

Chata, difícil, complicada, aborrecedora, detestável, são apenas al-

guns dos adjetivos que muitos dos jovens leitores atribuem à literatura

enquanto disciplina. Quem atura a literatura? Como fazer para que a

literatura deixe de ser uma tortura?

O que trazer para a sala de aula?

Os objetivos de se trabalhar literatura em sala, muitas vezes, aca-

bam se restringindo à leitura e posterior produção textual para que os

alunos melhorem a escrita e testem a capacidade de objetivamente in-

terpretarem textos. Qual seria o entendimento de literatura para o aluno

neste caso? O que compreenderia por literatura, quando esta fica subor-

dinada a resolver questões práticas da língua portuguesa?

Se somos herdeiros do ensino pautado pelas informações da histo-

riografia literária que, embora importante, não contribui por si para a for-

mação dos leitores, e se esse modelo continua em vigor na escola, pode-se

dizer que a educação literária em seu atual formato escolar se mostra mar-

cada mais profundamente por elementos didáticos do que propriamente

literários. Com o surgimento da Estética da Recepção, cujo fortalecimento

aconteceu por volta dos anos 70, um novo elemento passou a ter destaque

no cenário literário: o leitor. E, diante dessa assertiva, compreendemos

que o ensino da literatura atualmente (e já há algum tempo) vem sendo

feito por esse caminho. A leitura do leitor. O texto para o leitor. A leitura

efetuada tendo em vista o horizonte de expectativas. As lacunas, os vazios,

os espaços em branco preenchidos pelo leitor.

Os anos 60 foram assi-nalados pelo desenvol-vimento da Estética da Recepção, surgida num contexto marcado pelo questionamento do estruturalismo e pelo fim de uma hermenêutica in-gênua da análise literária; o interesse pela intenção impulsionou o interesse pela recepção. Por inter-médio de uma história das obras, intentava-se apresentar a ideia de individualidade nacional a caminho de si mesma. A diferença entre a Estética da Recepção, de Jauss, e a Teoria do Efeito, de Wolfgang Iser, dá-se em virtude de a primeira operar com métodos histórico-sociológicos, e a segunda, com métodos teorético-textuais.

Page 38: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

38

Pesquisador da ordem dos livros e da escrita, o historiador fran-

cês Roger Chartier não perdeu de vista a relação entre o texto e o leitor

na era da informática, especialmente em seu livro, Os desafios da escri-

ta (2002), traduzido para a língua portuguesa em 2002. Chartier, em

“Morte ou transfiguração do leitor?” atenta para a possível mutação que

pode ocorrer na substituição do códex impresso pelo livro eletrônico.

Nessa esteira, põe em questão a noção de livro e afirma que, “ao ler

na tela o leitor contemporâneo reencontra algo da postura do leitor da

Antiguidade, mas – e a diferença não é pequena – ele lê um rolo que em

geral se desenrola verticalmente e que é dotado de todos os pontos de re-

ferências próprios da forma do livro” (CHARTIER, 2002, p. 114). Esses

pontos de referência que o historiador

francês menciona seriam a paginação,

o índice, as tabelas. Os leitores pos-

suem novos anseios e não estão avessos

às evoluções; daí que vale à pena ter

em mente todas as formas e formatos

de produção de literatura atualmente.

Embora estudar literatura signifique

ler romances (o que seria voltar-se para

a narrativa, variada com leves toques

de novelas, contos), por que não trazer

para a sala de aula outras evidências

narrativas tais como crônicas, diários

(sem esquecer os blogs), memórias, car-

tas (romances epistolares), biografias

e fábulas – estas principalmente por

trazerem desdobramentos estruturais,

linguísticos e conteudísticos, na tríade

formada, por exemplo, por La Fontai-

ne-Monteiro Lobato-Millôr Fernan-

Roger Chartier.

Importante é mencionar o projeto de dissertação de Mes-

trado em Literatura, na UFSC, da Professora Bianca Cristina

Buse, intitulado A literatura no Ensino Médio: há lugar para a

crônica?, sob orientação da Professora Dra. Tânia Regina Oli-

veira Ramos. Procurando efetuar uma ponte entre o jovem

e a leitura da literatura, Bianca Buse sugere o trabalho com

o gênero textual crônica – como eixo de motivação para

inserção dos alunos no universo da literatura, e justifica:

A opção do gênero crônica, como sustentáculo de

desenvolvimento do processo de leitura, não foi por

mero acaso. Com o estudo do gênero é possível

averiguar que muitas de suas características atraem

o leitor (e também o jovem aluno) por apresenta-

rem brevidade, temas relacionados ao cotidiano,

efemeridade, simplicidade, despretensão entre ou-

tras. Entretanto, o que o leitor pode não perceber é

que, ao mesmo tempo em que a crônica se mostra

como um texto de leitura mais fácil, ela pressupõe

um leitor de competências de leitura mais apuradas,

detentor de um vasto conhecimento de mundo, tal

qual o autor, capaz de manusear, com propriedade,

temas diversos. (BUSE, 2009, p. 3).

Page 39: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 04A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet)

39

des? Ou, ainda, se quisermos, por que não retornar às origens gregas

com Esopo? E por que não a poesia, tão pouco lida em sala de aula?

A ausência do poema em sala é tão evidente que o Professor Hél-

der Pinheiro, da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba,

resolveu levar essa questão adiante, elaborando, de suas experiências de

poemas com alunos, o livro intitulado A poesia na sala de aula (2007).

Se, segundo o professor, existe receptividade dos alunos para o poema,

por que ele não está muito presente em sala de aula?

De todos os gêneros literários trabalhados na escola, a poesia é o

menos prestigiado. Some(m) às perguntas anteriores mais esta: quem

conclui o ensino médio levando na bagagem a leitura de livros de poesia?

Por que entre indicações de professores dificilmente entram no rol

os poemas? O problema é que muitas vezes professores das séries iniciais

dizem não ser capazes de trabalhar poesia e aí ficam presos às amarras

do livro didático, que traz em seu bojo as famosas interpretações de

texto. O que acontece, nesse caso, é um processo-dominó: o aluno não

lê poemas nas séries iniciais, nas séries seguintes menos ainda, e, muitas

vezes, lê o primeiro livro de poemas no ensino médio, isso se o livro

constar na lista do vestibular. Se o aluno não pretende prestar as provas

do vestibular, a leitura de poesia, quando houver, terá pouca apreciação

e esclarecimento. A respeito de trabalhar poesia na sala de aula, afirma

Hélder Pinheiro (2007, p. 20):

É evidente que vale a pena trabalhar a poesia na sala de aula. Mas não

qualquer poesia, nem de qualquer modo. Carecemos de critérios esté-

ticos na escolha das obras ou na confecção de antologias. Não pode-

mos cair no didatismo emburrecedor e no moralismo que sobrepõe à

qualidade estética, determinados valores. É necessário muito cuidado

com o material que chega ao aluno através do livro didático. Com rela-

ção a livros de primeiro grau menor, há uma tendência de privilegiar o

Page 40: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

40

jogo pelo jogo, deixando de lado o sentido. O jogo muitas vezes cai no

pueril, na pseudocriatividade. Cremos que o jogo sonoro deva ter um

suporte significativo – como vemos em excelentes poemas de Sidó-

nio Muralha, Cecília Meireles, entre outros. [...] Assonâncias, aliterações,

ecos, paranomásias, paralelismos são recursos sonoros/semânticos

que povoam muitos poemas infantis. Estar atento ao uso do recurso,

pois a simples recorrência não garante “literariedade”.

Hélder Pinheiro enumera algumas condições (in)dispensáveis para

o trabalho com poesia, que poderiam ser estendidas para o trabalho

com literatura em geral. Portanto, é (in)dispensável que:

Essas condições não se criam de um dia para outro. Precisam ser

elaboradas, renovadas, questionadas. Criar condições de leitura não de-

pende apenas da boa vontade dos professores. É preciso uma força-tare-

fa maior que envolva alunos, pais, bibliotecários, pedagogos, diretoria.

Uma sugestão para trabalhar a poesia em sala de aula é pensar na pro-

1ª) o professor seja realmente um leitor, que tenha experiência sig-

nificativa de leitura. Trata-se de leitura proveitosa;

2ª) haja sempre uma pesquisa sobre os interesses de nossos alunos,

que não dispensa levar textos novos; mas que não se fique apenas

preso às preferências dos alunos;

3ª) se crie o ambiente em que se vai trabalhar a poesia. “Ir ao pá-

tio da escola para ler uma pequena antologia, pôr uma música de

fundo enquanto se lê, são procedimentos que ajudam na conquista

do leitor.” (PINHEIRO, 2007, p. 28). Abrir espaço para a poesia com

painéis, murais dentro e fora da sala de aula;

4ª) se use a biblioteca. Escolha livre do livro que quiser ler, descobrir

autores... “Se faz indispensável que a biblioteca seja um lugar agra-

dável, ventilada, espaçosa.” (PINHEIRO, 2007, p. 29).

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Capítulo 04A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet)

41

posta, sugerida por Hélder Pinheiro, de núcleos temáticos. Seleciona-

-se como eixo central um assunto (núcleo) que pode ser: solidão, amor,

guerra, violência, medo, amizade, corpo, velhice, juventude, infância,

morte..., e se traz para a sala poemas que tratem dessas temáticas. Em-

bora seja profícua e interessante, é importante que o professor não insis-

ta apenas nessa proposta. Toda a repetição, quando excessiva, torna-se

cansativa e nefasta. “Há um lugar na experiência literária mensurável.

Portanto, querer dirigir e amarrar demais as atividades pode ser fator

de distanciamento do texto literário. E é aqui que entra o procedimento

didático que deveria ser sempre privilegiado: o debate.” (PINHEIRO,

2007, p. 78). O debate é uma forma democrática e crucial que permite

discussões para levantar prós e contras, não apenas do texto literário,

mas de como este pode ser trabalhado, explorado, vivenciado.

Se a educação (literária) for vista de forma ampla, o professor reco-

nhecerá em outro gênero fonte importante a ser explorada: o dramático,

por meio do qual o aluno pode ter livre expressão, além de, possivel-

mente, desenvolver espírito de observação, de equipe, imaginação, equi-

líbrio, e serem trabalhados aspectos como desinibição e desembaraço.

Por outro lado, afirma Raul Henriques Maimoni, então professor de Te-

oria da Literatura da UNESP/Assis, em “O teatro e a escola”, publicado

no segundo número do tabloide Proleitura:

se a educação escolar for entendida como sendo unicamente um sis-

tema de transmissão de conhecimentos, o teatro com certeza terá um

espaço mínimo no contexto da escola: será somente um componente

conteudístico nas aulas de literatura do segundo grau [atualmente ensi-

no médio], ou atividade específica para algumas comemorações cívicas

e festas escolares. (MAIMONI, 1992, p. 6).

Para utilizar atividades teatrais no processo de aprendizagem, não

é necessário que o professor seja um especialista em dramaturgia e di-

reção teatral. Os conhecimentos sobre o gênero dramático – que todo

Jornal de publicação bimestral do Departa-mento de Literatura da Faculdade de Ciências e Letras de Assis/UNESP, Grupo Acadêmico “Leitura e Literatura na Escola”. Em circulação de junho de 1992 a fevereiro de 2000.

Page 42: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

42

licenciado em Letras possui – e experiências de vida são suficientes

para um bom começo de conversa e ação.

Cyana Leahy-Dios compreende que o estudo da literatura na es-

cola deveria ultrapassar a visão da disciplina como expressão de arte

contemplativa e distante, mas ser situada “em uma interseção inter-

disciplinar, se apoiar em um triângulo multidisciplinar, lidando com

formas, meios e objetos variados” (LEAHY-DIOS, 2000, p. 41). Mas

é preciso ter cuidado com essa questão. A respeito da interdiscipli-

naridade, envolvendo a literatura na escola, alerta a professora Eliane

Andrea Bender (2007, p. 33-34):

Interdisciplinaridade e trabalhos com projetos são práticas pedagógi-

cas importantes nas escolas, desde que não privem nenhum compo-

nente de trabalhar com os alunos seus conteúdos específicos. Se em

uma determinada escola o tema gerador é algo relacionado com a

água, não há nada mais desanimador para um professor de Literatura

do que ouvir de um coordenador pedagógico: “Com que obra você vai

trabalhar que fale sobre a água?” ou, pior, “Li um poema que fala sobre

água, mas não tinha nexo, vamos procurar alguns que tragam uma

mensagem de conscientização”. É necessário cautela para não cair

nessas armadilhas, reduzindo as obras literárias a temas de projetos.

(BENDER, 2007, p. 33-34)

Talvez o desafio resida justamente neste ponto: como trabalhar a

literatura envolvendo interdisciplinaridade?

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e

professores:

1. Você(s) acredita(m) que a crise dos estudos literários esteja pautada pela

ideia de utilitarismo e vínculo a conhecimentos que requerem resultados téc-

nicos e práticos?

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Capítulo 04A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet)

43

2. Discuta(m) e troque(m) ideias a respeito da seguinte afirmação do profes-

sor português Carlos Ceia: “A rigor, não se ensina literatura enquanto arte, mas

antes os factos objetivos que instituem e disciplinam essa arte. Enquanto ex-

pressão artística, a literatura é uma abstracção conceptual, ao passo que os

factos que nos permitem identificar objectivamente tal expressão e indiciá-

-la como fenómeno artístico é que constituem o lado ensinável da literatura.”

(CEIA, 2004, p. 53-54).

3. Qual foi a sua experiência – ou suas experiências – de leitura de poesia na

escola?

Leia mais!

Intervalo

Neste tópico levantamos algumas questões bem contemporâneas. Estes dois textos são importantes como leituras complementares, seja para se pensar a literatura em si, seja para se pensar na atuação desta em sala de aula.

BARBOSA, João Alexandre. “Leituras: o intervalo da literatura”. Revista

Linha d´água, n. 5. Ensino de Língua e Literatura em Debate. São Pau-

lo: USP, Revista da APLL, julho de 1988, p. 22-32.

MELO, Cristina. “Ensino de Literatura: perspectivas atuais”. In: RÖ-

SING, Tânia Marisa (Org.). Formando uma sociedade leitora. Passo

Fundo: EDIUPF, 1999, p. 273-281.

Page 44: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I
Page 45: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 05Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária

45

5 Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de(in)formação literária

Só no quarto ano trocamos os livros ilustrados por um volume mais gros-

so, sem enfeites: era a antologia de Olavo Bilac e Manuel Bonfim.

(Paulo Mendes Campos. Primeiras Leituras).

O livro didático é, segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman

(1996), uma das modalidades mais antigas sobre expressão escrita para

o funcionamento da escola. Supostamente antecedido pela Poética, de

Aristóteles, e pela Institutio oratoria, de Marcus Fabius Quintiliano, o

livro didático fez história, sobrevivendo por muitos anos como parceiro

fiel de grande parte dos professores.

Desde 1930 o livro didático vem passando por decretos e medi-

das, com as primeiras iniciativas desenvolvidas pelo Estado Novo, em

1937, que consistiram em distribuição e divulgação de obras de inte-

resse educacional. Em 1968, foi criada a Fundação Nacional do Mate-

rial Escolar (FENAME), com o Programa Nacional do Livro Didático,

alterado em 1976 e, em 1985, a criação do Plano Nacional do Livro

Didático, regulamentado pelo decreto n° 91 54/85 que implementou o

Programa Nacional do Livro Didático, o qual, em seu artigo 2º, esta-

belece a avaliação rotineira dos materiais.

Antes de continuarmos nossas reflexões sobre o livro didático, gosta-

ríamos de trazer algumas questões pertinentes a respeito da realidade bra-

sileira com a qual professores se deparam: salas de aulas lotadas, falta de

recursos e (des)interesse dos alunos. Além disso, não podemos deixar de

mencionar que professores do ensino fundamental e médio, em sua signi-

ficativa maioria, não possuem estímulos salariais (baixa remuneração), e,

para sobreviver, têm cargas horárias que podem atingir os três turnos de

Ano de mudança política, que traz de volta a ideia de tratar da instrução através de uma agência espe-cífica, o Ministério da Educação, na ocasião acoplado ao da Saú-de, de onde vieram novas medidas. A vida escolar se organizou e o livro didático, precisando responder a novas questões, deu outra forma ao ensino, sobretudo da leitura e da literatura.

Page 46: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

46

trabalho, o que os impede de ter tempo livre para preparar aulas, adquirir

livros (especialmente exemplares de literatura contemporânea, textos crí-

ticos e teóricos) e de participar de eventos, seminários, congressos, onde

são discutidas questões teórico-práticas.

Diante dessas circunstâncias, os livros didáticos tornam-se fortes alia-

dos dos professores por serem facilitadores da rotina docente, cujos con-

teúdos, organizados em unidades menores, ajudam a controlar o horário

e evitar desperdício de conhecimento a ser dominado. Assim, professores

precisam aliar o tempo para o aprendizado na escola aos extensos progra-

mas de ensino. Além disso, os livros didáticos, em seu formato como os co-

nhecemos, permitem que os alunos tenham sempre todo o conteúdo orga-

nizado. Extremamente visuais, trazem seleção de textos, exercícios prontos,

que otimizam a vida dos professores, por disporem de pouco tempo para

preparar suas aulas, e a dos alunos, que não precisam copiar os conteúdos

do quadro. O livro didático mostra o caminho a ser percorrido. Com ele, os

professores (e alunos) sabem perfeitamente onde vão chegar.

É possível formar leitores com fragmentos literários? É mais profí-

cua a leitura de fragmentos de um número x de livros ou a leitura inte-

gral e contextualizada de menos da metade deles?

Propondo-se facilitar o trabalho do professor, o livro didático limita sua

criatividade e o domínio do conhecimento teórico, embora diminua a

A preocupação com a leitura na escola, não apenas a leitura literária,

é sempre primordial, mas os métodos/meios utilizados por profes-

sores estão longe de desenvolver a leitura propriamente dita quan-

do se detêm somente em fragmentos, trechos, pedaços de textos,

o que distancia a possibilidade de fazer com que os alunos leiam

textos integrais. O conhecimento de literatura constrói-se por meio

de fragmentos e retalhos de informação literária.

Page 47: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 05Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária

47

dependência discente da palavra do professor para obter sucesso aca-

dêmico. Entretanto, como fonte única de informação factual e de saber

literário, enfraquece os interesses e os limites investigativos, bloqueando

a curiosidade intelectual. Apesar de nem sempre os alunos observados

terem sido silenciados por estratégias autoritárias explícitas, foi possível

perceber a pressão apassivadora causada pelos limites de tempo, pelo

programa positivista, pela forte expectativa sociocultural de passar nos

exames. (LEAHY-DIOS, 2000, p. 106)

Bom ou ruim, adequado ou inade-

quado, o livro didático é ainda um dos

contribuintes e patrocinadores (ou um dos

responsáveis) pela formação do leitor bra-

sileiro no ensino fundamental e médio.

Em livro organizado e publicado

sob a responsabilidade da professora

Maria da Graça Costa Val, intitulado Al-

fabetização e Língua Portuguesa: Livros

didáticos e práticas pedagógicas (2009), os

professores Delaine Cafieiro e Hércules

Tolêdo Correa, em seu texto “Abordagem

de textos literários em livros didáticos de

língua portuguesa de 5ª a 8ª séries”, ela-

boram considerações importantes sobre

a presença da literatura nos livros didá-

ticos. A literatura, segundo consta nesse

texto, até meados dos anos 70, tinha sta-

tus privilegiado na escola porque os tex-

tos que circulavam nos livros didáticos,

bem como os selecionados por professo-

res, eram os de caráter literário. Todavia,

A título de curiosidade, citamos critérios da ficha de ava-

liação do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), de

2008, mencionados por Delaine Cafieiro e Hércules To-

lêdo Correa (2009, p. 159).

Inclui-se uma seção específica sobre a abordagem do

texto literário, com 7 questões:

a) Formação do leitor de literatura;

b) Observação das convenções e dos modos constituti-

vos do jogo literário na leitura desses textos;

c) Situação do texto em relação à obra da qual faz parte;

d) Estímulo à leitura da obra completa e/ou de outras

obras relacionadas ao texto;

e) Presença de atividades que possibilitem ao aluno

apreender a singularidade discursiva, linguística e cultu-

ral dos textos literários selecionados;

f) Presença de atividades que levem o aluno a observar

a organização particular do texto e a sua relevância para

a construção dos sentidos possíveis;

g) Presença de atividades que favoreçam a aproxima-

ção adequada do aluno ao padrão linguístico do texto

(quando necessário).

Page 48: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

48

a necessidade da presença de gêneros diversos na escola – e aqui nos

referimos aos gêneros do discurso –, aclamada pela chegada dos Parâ-

metros Curriculares Nacionais, tirou um pouco do espaço da literatu-

ra na sala de aula. Sérios problemas começaram a se instaurar: “livros

didáticos e professores, passando a se dedicar mais a outros gêneros,

acabaram por dar um tratamento uniforme aos textos provenientes de

diferentes esferas sociais, como a jornalística, a publicitária, a política

e, também, a literária.” (CAFIEIRO; TOLÊDO, 2009, p. 157). Daí que

a questão reside justamente em saber lidar com essas esferas diferen-

tes porque textos jornalísticos, publicitários, políticos e literários, por

exemplo, não podem ser lidos da mesma forma. É preciso conhecê-los

e aprender a lidar – ler – com cada um deles, respeitando as peculiari-

dades de cada um. A literatura tem um modo particular de produção e

leitura e, portanto, necessita de tratamento e envolvimento à parte.

Com relação à presença de textos integrais nas recentes publica-

ções de livros didáticos, afirmam os professores-autores que aqueles

ainda são raros, prejudicando o contato do aluno com o texto e sua

circulação na sociedade. Experiências de leitura limitadas à dinâmica

do fragmento podem acarretar “a falsa concepção de que texto de esco-

la, texto de aula de português, é sempre “pedaço” de texto” (CAFIEI-

RO; TOLÊDO, 2009, p. 164).

Encontrado em todas as etapas da escolarização de um indivíduo,

o livro didático “é cartilha, quando da alfabetização; seleta, quando da

aprendizagem da tradição literária; manual, quando do conhecimento

das ciências ou da profissionalização adulta, na universidade” (LAJO-

LO; ZILBERMAN, 1996, p. 121).

É imprescindível, também, citar que os livros didáticos são ainda os

mais vendidos e disseminados entre professores, que os utilizam, geral-

mente, como única referência de ensino.

Page 49: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 05Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária

49

Apesar do berço ilustre, contudo, o livro didático é o primo-pobre da

literatura, texto para ler e botar fora, descartável porque anacrônico: ou

ele fica superado dados os progressos da ciência a que se refere ou o

estudante o abandona, por avançar em sua educação. Sua história é das

mais esquecidas e minimizadas, talvez porque os livros didáticos não

são conservados, suplantado seu “prazo de validade”. (LAJOLO; ZILBER-

MAN, 1996, p. 120).

No entanto, o livro didático é o primo-rico das editoras porque sua

vendabilidade é certa; conta com o apoio do sistema de ensino e o abri-

go do Estado, e é aceito por pais e educadores. Apenas a literatura infan-

til oferece-lhe concorrência: mercado cativo e sempre crescente.

Por outro lado, professores geralmente alegam que alunos não gos-

tam de ler, mas, na maioria das vezes, aqueles acabam lendo menos do

que os próprios alunos. Como formar leitores sem ser um leitor? Muitas

vezes, os professores, por falta de tempo, detêm-se apenas nos resumos de

obras para terem uma ideia do seu “conteúdo”. Se a literatura depende do

modo como é ensinada/transmitida pelos professores, e a leitura literária

é geralmente trabalhada em fragmentos, trechos, pedaços de textos, como

formar leitores de literatura sem ser via dinâmica do fragmento?

Os fragmentos (ou retalhos) possuem sua carga de relevância textual,

mas não podem ser levados em conta como única saída de ensino. Disso

podem resultar atividades descontextualizadas, dispersas e fragmentadas

que dificilmente chamam a atenção ou despertam interesse dos alunos.

Assim, próprios para instruir, os livros didáticos deveriam ser vis-

tos como uma alternativa a mais na vida de qualquer professor de cada

disciplina, e não como única fonte de pesquisa e ensino. O professor

português Carlos Ceia, em A literatura ensina-se? (2004), expõe a situ-

ação em que se encontram os professores do ensino básico em Portugal

(correspondente ao ensino fundamental no Brasil):

Page 50: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

50

No ensino básico, os estudos literários estão nas mãos de professores

que não se sentiram preparados para essa função pelas instituições

que os formaram, pelo que gradualmente adoptam um modus facien-

di cada vez mais padronizado, consistindo na repetição de exercícios

de receituário publicados de forma a normalizar todas as leituras pos-

síveis de um texto literário constante do programa oficial; a rigor, não

há qualquer descoberta da escrita e da leitura criativas; neste nível, o

profissional de literatura é um profissional que não faz literatura, que

está convencido que é incapaz de fazer crítica literária pelas suas pró-

prias mãos e cabeça e, pior do que tudo isto, defende com fervor que

não tem a obrigação de ir mais além das sugestões de leitura dos ma-

nuais, ou seja, a função do profissional de literatura passa a ser unica-

mente a de assegurar que um dado manual e um dado conjunto de

leituras programadas não sejam desvirtuados. (CEIA, 2004, p. 27)

A afirmação de Carlos Ceia acima faz referência ao profissional das

Letras que sai da Universidade sentindo-se despreparado para atuar em

sala de aula e incapaz de produzir literatura e crítica literária. É claro que

isso não pode ser visto de maneira generalizada, mas é algo evidente. É

muito mais cômodo ler uma análise de outrem de alguma obra (ou mes-

mo a do livro didático), apropriar-se de determinados pontos, dissemi-

ná-los em sala de aula, do que produzir uma leitura crítica. Isso ocorre

especialmente com textos contemporâneos, cuja produção de leituras

críticas é bastante incipiente. Na dúvida de saber se sua leitura está corre-

ta (se é que isso realmente existe), muitos professores acabam deixando

de lado obras que ainda não possuem uma considerável fortuna crítica

por receio de caírem em armadilhas, por medo de desvendarem o novo

e por se sentirem inseguros para efetuar uma possível leitura.

Em entrevista concedida a Rony Farto Pereira no já mencionado

jornal Proleitura, Egon de Oliveira Rangel, professor e coordenador em

processos de Avaliação do Livro Didático por vários anos, fez a seguinte

Page 51: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 05Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária

51

afirmação a respeito do que seria a qualidade de um livro didático (LD):

“a qualidade de um LD é definida, sempre, por referência a um corpo

de princípios, valores e critérios, explícitos ou não, que sintetizam o que

uma determinada época pensa e espera do ensino de língua materna”

(RANGEL, 1998, p. 1). E aqui vale acrescentar: o livro didático é defini-

do de acordo com o que determinados elaboradores, dos quais boa par-

cela não atua na escola, concebem o como e o que deve ser apre(e)ndido

pelos estudantes. Por outro lado, o LD é utilizado pelos alunos, mas, de fato,

dirige-se ao professor, que nem sempre acaba sendo um bom mediador.

Se muitos livros didáticos nem sempre são completamente adequa-

dos para o ensino em sala de aula, por trazerem conceitos e informações

equivocadas, deficiência metodológica e insuficiência teórica, a melhor

saída seria, então, dispensá-los das aulas?

Para dispensar o LD é preciso ter coisa melhor a oferecer. Se o LD de

má qualidade for o parâmetro, é muito mais fácil, para um grupo de

educadores reunidos numa escola minimamente decente, selecionar

e mesmo elaborar, com vantagens, materiais alternativos. Mas acredi-

to que, mesmo no caso de boa parte dos livros que o Guia classifica

como recomendados com ressalvas, não é fácil dispor de coisa melhor.

Se a alternativa é selecionar outros materiais didáticos, o universo não

será muito diferente do que se apresenta no LD. (RANGEL, 1998, p. 4)

Em meio a constantes controvérsias, Ceia (2004, p. 52) arrisca uma

proposta do que seria o melhor manual aos alunos de literatura:

O melhor manual que se pode recomendar aos alunos de literatura é o

pior manual que se pode dar ao professor de hoje: um manual sem textos

de apoio, sem notas, sem linhas de leitura, sem propostas de actividades,

isto é, apenas com os textos literários em estado puro e sem a presença de

críticas ou propostas redutoras. (CEIA, 2004, p. 52, grifo nosso).

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Literatura e Ensino I

52

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e

professores:

1. “Não quero aqui culpar o livro didático pela dominação e dependência

cultural e intelectiva dos professores; na verdade, eles apenas representam

o estado de pobreza intelectual dos professores e, consequentemente, dos

alunos de literatura” (LEAHY-DIOS, 2000, p. 206). O que você(s) pensa(m) a

respeito dessa afirmação da professora Cyana Leahy-Dios? Seriam os livros

didáticos a representação do estado de pobreza intelectual dos professores

e dos alunos de literatura?

2. Separação de língua e literatura, uso exclusivo do livro didático, falta de pro-

fessores leitores e metodologia de ensino sistematizada, seriam esses fatores

pertinentes do fracasso do ensino de literatura na escola?

3. Alguns pesquisadores afirmam que muitos livros didáticos limitam-se a

cobrar o que não ensinam. Você(s) concorda(m)? Faça(m) uma pesquisa em

diferentes livros didáticos, converse(m) com professores, tutores, colegas, e

justifique(m) sua(s) resposta(s).

4. Traga(m) para seus pólos livros didáticos que usou(usaram) no seu ensino

fundamental ou ensino médio ou se professores estejam usando com seus

alunos. Procure(m) pensar sobre a seguinte questão: Embora haja preocupa-

ção de algumas editoras e coleções em explorar o texto literário no livro didá-

tico, em sua(s) pesquisa(s), você(s) encontrou(encontraram) maior tratamento

aos textos literários ou aos não literários?

Leia mais!

Passando a limpo

Dois livros são aqui sugeridos como boas reflexões sobre a leitura e a litera-tura e suas relações com a educação literária. Fica aqui a sugestão. Leia(m) os livros, mesmo que a leitura seja feita após a nossa disciplina, para ver(em)

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Capítulo 05Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária

53

como eles se sustentam em uma consistente pesquisa de campo com pro-fessores e alunos.

LEHAY-DIOS, Cyana. Educação literária como metáfora social. Des-

vios e Rumos. Niterói: EDUFF, 2000.

MORAIS LEITE, Lígia Chiappini. Invasão da catedral. Literatura e en-

sino em debate. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.

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Unidade CA leitura na escola

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Capítulo 06A literatura infantojuvenil

57

6 A literatura infantojuvenilOs leitores-crianças não são assim tão diferentes dos adultos embora sua

sintonia seja outra, em função de uma emocionalidade mais intensa e espontâ-

nea; de um registro de vida, ao mesmo tempo, absoluto e fugaz.

(MARTINS, 1988, p. 87)

A literatura infantojuvenil, tal qual a literatura feita por mulheres,

a africana, a popular (oral e de cordel), foi por muito tempo compreen-

dida como um gênero literário marginal, menor, cujos produtos eram

de categoria inferior, desinteressantes, sendo a qualidade e a especifici-

dade postas em questão pela crítica. Em relação à literatura infantoju-

venil há quem compreenda não haver limitações, e muito menos obras

específicas para determinados leitores. É o caso do já citado professor

norte-americano Harold Bloom, em sua introdução ao volume 1 da

antologia Contos e poemas para crianças extremamente inteligentes de

todas as idades (2003), em que discorda do fato de a literatura infantil

ser vista como uma categoria isolada, de existir uma literatura própria

para crianças e uma para adultos, asseverando que,

Qualquer pessoa, de qualquer idade, ao ler esta seleção, perceberá

logo que não concordo com a categoria “literatura para criança”, ou

“literatura infantil”, que teve alguma utilidade e algum mérito no sécu-

lo passado, mas que agora é, muitas vezes, a máscara de um embur-

recimento que está destruindo nossa cultura literária. A maior parte

do que se oferece nas livrarias como literatura para criança seria um

cardápio inadequado para qualquer leitor de qualquer idade em qual-

quer época. (BLOOM, 2003, p. 12).

Para Bloom, o leitor é capaz de descobrir sozinho o que lhe é apro-

priado à leitura, não havendo um poema ou história especial para de-

Harold Bloom

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Literatura e Ensino I

58

terminada idade. Isso significa dizer que textos infantis também podem

ser lidos por adultos, sem restrições, da mesma forma que textos exten-

sos, não propriamente voltados ao público juvenil, podem ser lidos por

crianças e adolescentes.

Embora na atualidade ainda se observem questionamentos e críticas

que consideram a literatura infantojuvenil um gênero “marginal”, houve

diversas transformações históricas para se chegar a uma literatura que se

voltasse para os leitores mais jovens. Na Idade Média, a criança era consi-

derada um adulto em escala reduzida, não se distinguia deste, participan-

do ativamente de sua vida social, e, consequentemente, da sua literatura.

O predomínio da burguesia, no século XVIII, alterou um pouco esse

quadro, transformando as relações sociais ao separar a infância da idade

adulta. A aprendizagem institucionalizou-se, emergindo, assim, um novo

mercado de consumo e uma literatura específica para a criança.

Segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman (2004), o francês Char-

les Perrault, no século XVII, compilou contos de fadas adaptando nar-

rativas populares, revestindo-as de valores da burguesia. Mais tarde, no

século XVIII, acentuou-se a função didática e moralizante dos contos

de fadas, e na Alemanha, no século XIX, os famosos irmãos Grimm (Ja-

cob e Wilhelm), com a finalidade de valorizar o folclore alemão, adap-

taram os contos populares alemães. No mesmo século, na Dinamarca,

Hans Christian Andersen surgiu com um diferencial, sendo o primeiro

a compor contos de fadas sem se basear diretamente na oralidade.

Esses contos apresentavam, em sua estrutura temática, narrativas em

sua maioria maniqueístas (bem e mal, belo e feio, verdade e mentira, certo

e errado), a fim de serem tomadas como exemplos para a moralidade, o

bom comportamento e a demonstração do castigo, da pena a ser cumpri-

da, quando da desobediência. Assim, as narrativas infantis (hoje clássicas)

tiveram a fonte popular e o folclore como elementos importantes para

sua constituição. No entanto, o mesmo não aconteceu no Brasil, por não

haver a tradição de um repertório popular.

Embora Charles Per-rault seja visto como

o grande iniciador da chamada “literatura

infantojuvenil” mundial, não se pode perder de

vista a existência prévia do italiano Giambattista Basile (1566-1632), cuja obra Lo cunto de li cunti

ou Il Pentamerone serviu de fonte para o escritor francês. Basile, natural-

mente, para compor a obra mencionada,

baseou-se em Giovanni Boccaccio (1313-1375), mais precisamente, em

Decamerone.

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Capítulo 06A literatura infantojuvenil

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O início da literatura infantojuvenil brasileira é

marcado por inúmeras traduções e adaptações dos con-

tos de Perrault, Grimm e Andersen. Figueiredo Pimentel

e Carlos Jansen são vistos como os primeiros tradutores/

adaptadores de obras clássicas europeias. São do primei-

ro os Contos da Carochinha (1886), os quais apontavam

para a moralidade e o sentido educativo, e do segundo

as adaptações de As viagens de Gulliver (1888), Robinson

Crusoe (1885), D. Quixote de la Mancha (1901), entre ou-

tras. Outros tradutores que se destacaram foram Caeta-

no Lopes de Moura, Justiniano José da Rocha, Francisco

de Paula Brito e, inclusive, o poeta parnasiano Olavo

Bilac, o qual traduziu para a Editora Laemmert inúme-

ras obras sob o pseudônimo de Fantásio. De um lado,

essas traduções-adaptações eram uma maneira de estar

em contato com o texto clássico, mesmo que traduzido;

por outro lado, por serem baseadas em obras europeias,

portanto, em culturas alheias, distavam grandemente da

realidade das crianças brasileiras.

Na primeira década do século XX, sucederam às traduções-adapta-

ções obras nacionais de Olavo Bilac, em parceria ora com Coelho Neto,

ora com Manoel Bonfim. Júlia Lopes de Almeida e Tales de Andrade

também compuseram obras ao leitor jovem, mas ainda inspiradas em

textos europeus. Havia preocupação moralista, exaltação do trabalho,

disciplina, obediência e a intencionalidade de cantar as belezas da nação.

Tratada apenas como literatura dos bancos escolares, intimamen-

te ligada à pedagogia, com o transcorrer do tempo, a literatura infantil

foi adquirindo outros afinamentos. Ao tentar se desligar da influência

do texto estrangeiro, principalmente do manancial europeu, as décadas

de 20 e 30 foram muito marcadas pelo Modernismo e sua preocupa-

ção com a nacionalidade. Os manifestos Pau-Brasil e Antropófago, de

Um dos primeiros livros a tratar de uma

História da Literatura Infantil é o escrito por

Nazira Salem, cuja primeira edição data a

publicação de 1959 sob o título Literatura

Infantil. É apenas na segunda edição da

obra, publicada 11 anos mais tarde (1970),

ampliada e reformulada, que o livro passa

a intitular-se História da Literatura Infantil.

O livro preencheu um vazio bibliográfico,

o que valeria dizer, abriu as portas para as

discussões acerca de tal temática. O com-

pêndio é dividido em 5 partes das quais

Nazira Salem dedica dois capítulos às adap-

tações literárias intitulados: “Livros Célebres

adaptados à infância” e “Clássicos Universais

adaptados à infância”, ou seja, a autora dá

considerável enfoque (40% da obra) à ex-

ploração das adaptações literárias.

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Literatura e Ensino I

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Oswald de Andrade, tentaram uma interpretação de um atraso cultural

do Brasil. A antropofagia foi utilizada como resposta à cultura europeia

dominante dos anos de 1920. Essa viravolta operada no Modernismo

foi profunda, Oswald propunha uma nova postura cultural, na qual não

havia sentimento de inferioridade, por meio do ato de deglutir o outro.

A cópia era aceita, mas deveria ser regeneradora.

Apesar de ser considerado antimodernista, por criticar Anita Mal-

fatti em “Paranóia ou Mistificação” (1917), o escritor e editor Monteiro

Lobato inseriu o pensamento modernista em textos para crianças. O

tom coloquial, o uso de onomatopeias e os neologismos ocuparam o

“espaço” do caráter didático e moralizante, instituindo-se, assim, uma

produção mais autêntica. Sua criação mais famosa é o Sítio do Pica-pau

Amarelo, que teve seu início com A Menina do Nariz Arrebitado (1921)

e só depois, com o acréscimo de outros episódios, denominou-se Reina-

ções de Narizinho (1931). As Caçadas de Pedrinho (1933) também não

nasceu com esse nome; foi primeiramente A Caçada da Onça, narrativa

publicada em 1924. Mais tarde é que Lobato acrescentou histórias e o

livro aumentou de tamanho e mudou de título. Seu último livro escrito

é Os Doze Trabalhos de Hércules (1944).

Monteiro Lobato também inovou ao mesclar realidade e ficção, in-

troduzindo questões de guerra, problemas ecológicos, sociais, mergu-

lhando no folclore e no imaginário, até então não mencionados na litera-

tura infantil. Deu atenção tanto ao regional quanto ao particular, fazendo

exercícios de intertextualidade com outros textos (contos de fadas, princi-

palmente) e personagens (Cinderela, Branca de Neve, O Pequeno Polegar,

O Gato de Botas, Chapeuzinho Vermelho e outros), misturados a per-

sonagens mitológicos, heróis maravilhosos, figuras extraídas do cinema,

que surgiam das histórias em quadrinhos, do cenário político.

Lobato criou em seus livros um universo para as crianças, sem a

dicotomia bem versus mal, bom versus mau, tão característica desse tipo

Monteiro Lobato (1882 – 1948), editor, tradutor e escritor brasileiro, um dos maiores nomes da literatura infantoju-venil nacional.

Oswald de Andrade (1890-1954), poeta, romancista e dramaturgo brasileiro, um dos principais no-mes do movimento modernista brasileiro e organizador da Sema-na de Arte Moderna de 1922.

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Capítulo 06A literatura infantojuvenil

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de literatura, substituindo e, ao mesmo tempo, desmistificando a moral

tradicional pela verdade individual.

A partir dele, no Brasil, a Literatura Infantil perde uma de suas principais

características, a de ser um instrumento de dominação do adulto e de

uma classe, modelo de estruturas que devem ser reproduzidas. Passa a

ser fonte de reflexão, questionamento e crítica. (SANDRONI, 1987, p. 60).

Para Lobato, as crianças, até um dado momento, haviam sido sub-

metidas a apenas “traduções galegais” de textos clássicos, e, na tentativa

de libertá-las de tal “mal”, adaptou obras clássicas como Dom Quixote

para crianças, Aventuras de Hans Staden, Peter Pan, Pinóquio, Robinson

Crusoe, Alice no País das Maravilhas, entre tantos outros títulos, na ten-

tativa de aproximar ainda mais o leitor infantojuvenil desses textos, por

meio de linguagem mais simples que a do original.

Monteiro Lobato foi o grande responsável no “empreendimento” da

literatura infantojuvenil e um dos seus maiores divulgadores, desenvol-

vendo a viabilização da circulação do livro no país e a expansão edito-

rial. Menotti del Picchia (João Peralta, 1933), José Lins do Rego (Histórias

da Velha Totônia, 1936), Érico Veríssimo (Aventuras de Tibicuera, 1937),

Viriato Correa (Cazuza, 1938), Graciliano Ramos (A terra dos meninos

pelados, 1939 e Histórias de Alexandre, 1944), entre outros, também se

dedicaram à produção infantil, mas não seguiram a linha de Lobato.

Já em fins dos anos 60, a literatura destinada a esse público começou

a desenvolver-se com mais afinco, surgindo, em 1966, a Fundação do Li-

vro Escolar e, em 1968, a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil

(FNLIJ). Mas foi apenas na década de 70 que se deu o chamado boom na

literatura infantil, quando a produção para esse público teve uma explo-

são de criatividade, enfatizada por criações originais (uma realidade em

processo até hoje). Em 1973, surgiu o centro de Estudo da Literatura In-

fantil e Juvenil e, em 1979, foi fundada a Academia Brasileira de Literatura

Embora as adapta-ções tenham caído em descrédito por volta dos anos 1970 em virtude de exigências de inovações na literatura infantoju-venil, as editoras não as perderam de vista. Um exemplo desse período é a publicação da “Coleção Calouro”, um projeto editorial da Ediouro (no momento assinando como Tecnoprint) que começa a circular na década de 1970, seguida pela “Coleção Elefan-te” e pela atualização gráfica das duas séries anteriores intitulada: “Clássicos para o jovem leitor”, realizada pela mesma editora, a partir da década de 1990. Em 1984, a Scipione ingres-saria na elaboração e venda de adaptações, mas até a década de 1990, a liderança nesse mercado, nos quesitos profissionalismo e quali-dade, pertenceria ainda à Tecnoprint/Ediouro.

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Literatura e Ensino I

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Infantil e Juvenil. Também, nessa década, o Instituto Nacional do Livro

(fundado em 1937) começou a coeditar várias obras infantis e juvenis.

Convém aqui mencionar que a prosa infantil dos anos 70 e 80,

no Brasil, foi marcada por narrativas de intriga fantástica e estilo oní-

rico, de reportagem e autobiográficas. Com o passar do tempo, temas

até então não tratados como morte, separação dos pais, adolescência e

sexualidade passaram a constar nos livros, descristalizando a suposta

“ingenuidade” da criança ao se voltarem para temas mais polêmicos

e relativos ao cotidiano. Desse período, merecem destaque: Ziraldo

(Flicts, 1969 e O Menino Maluquinho, 1980), Clarice Lispector (A vida

íntima de Laura, 1974), Lygia Bojunga Nunes (Angélica, 1975 e A bol-

sa amarela, 1976), Ana Maria Machado (História meio ao contrário,

1978), Ruth Rocha (O Reizinho Mandão, 1978), Werner Zotz (Apenas

um Curumim, 1979) e Pedro Bandeira (O fantástico mistério de feiu-

rinha, 1985). E na poesia, Henriqueta Lisboa (O menino poeta, 1929),

Cecília Meireles (Ou isto ou aquilo, 1964), Roseana Murray (Fardo de

carinho, 1986), José Paulo Paes (Poemas para brincar, 1990, Lê com crê,

1993), Sérgio Capparelli (Poesia Visual, 2000), e tantos outros.

Grandes resultados começaram a florescer na literatura infanto-

juvenil brasileira, e diversos escritores foram reconhecidos, tais como

Ruth Rocha e Ziraldo, premiados por seus talentos. Em 1981, Ana Ma-

ria Machado recebeu, por sua obra De olho nas penas (1981), o prêmio

“Casa de las Américas” (Cuba) e, em 1982, Lygia Bojunga Nunes, a “Me-

dalha Hans Christian Andersen”, concedida pelo International Board on

Books for Young People (IBBY), pela primeira vez, a um autor da Améri-

ca do Sul. Em 2000, o mesmo prêmio, ao “melhor” autor do mundo da

literatura infantil, foi concedido a outra brasileira, Ana Maria Machado.

A partir dos anos 90, e aí reside um dos desafios desse texto - o de

procurar definir alguns traços e características dessas duas décadas de

produção contemporânea para o público jovem, a literatura infantoju-

Ana Maria Machado, jornalista e escri-tora brasileira ganhadora do Prêmio Hans Christian Andersen, o mais importante da literatura infantil.

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Capítulo 06A literatura infantojuvenil

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venil continuou com seu enfoque dado à diversidade de temas, com re-

visitação de estilos anteriores (por meio da paródia e do pastiche), mas

com destaque para a homossexualidade, questões raciais, voz ao índio,

e boas evidências da cultura oriental. Diante disso, estabeleceram-se

novas relações sociais entre personagens, leitor e leitura. A poesia teve

considerável fortalecimento e a ilustração ganhou qualidade via múlti-

plas tendências, conferindo um novo status à literatura.

Autores como Ana Maria Machado, Roseana Murray, Ruth Ro-

cha, Ziraldo, Angela-Lago, entre outros, continuaram suas produções,

e aqui valeria um destaque para Ana Maria Machado que, recentemen-

te publicou um livro de poemas, o primeiro de sua carreira, intitulado

Sinais do Mar (2009). Mas por que não pensar nos novos autores, nas

novas roupagens, nas novas ideias de produzir literatura para leitores

jovens? Dentre inúmeros bons textos, autores e ilustradores (conside-

rando que há ilustradores-autores e vice-versa) nessa vasta produção

literária infantojuvenil brasileira contemporânea, precisamos lançar

alguns nomes: O menino que brincava de ser (1999) de Georgina Mar-

tins, ilustrações de Victor Tavares; Bichos que existem e bichos que não

existem (2002) de Arthur Nestrovski, ilustrações de Maria Eugênia;

Planeta Caiqueria (2003) de Hermes Bernardi Jr., ilustrações de An-

dré Neves; A Caligrafia da Dona Sofia (2006), de André Neves; Beatriz

em Trânsito (2005), de Eloí Elisabete Bocheco; Lampião e Lancelote

(2006), de Fernando Vilela; O guarda-chuva do vovô (2007), de Ca-

rolina Moreyra, ilustrações de Odilon Moraes; Cacoete (2005) e Felpo

Filva (2006), de Eva Furnari; Transpoemas (2008), de Ricardo Silves-

trin; ilustrações de Apo Fousek. Bili com limão verde na mão (2008),

de Décio Pignatari, ilustrações de Daniel Bueno; Galo Barnabé vai ao

balé (2009), de Jonas Ribeiro, ilustrações de Ana Terra; Histórias de

bobos, bocós, burraldos e paspalhões (2001) e O sábio ao contrário: a

história do homem que estudava puns (2009), de Ricardo Azevedo; A

primeira máscara (2009) de Maté, Carvoeirinhos (2009), livro-imagem

Ruth Rocha, escritora brasileira de livros infantis e membro da Academia

Brasileira de Letras.

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Literatura e Ensino I

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de Roger Mello; O lobo (2010) de Graziela Bozano Hetzel, ilustrações

de Elizabeth Teixeira; Selvagem, livro-imagem de Roger Mello (2010);

Mururu no Amazonas (2010), de Flávia Lins e Silva, ilustrações de Ma-

ria Inês Martins e Silvia Negreiros; A lua dentro do coco (2010), de

Sérgio Capparelli, ilustrações de Guazzelli; Palhaço, macaco, passari-

nho (2011), de Eucanaã Ferraz, ilustrações de Jaguar; O alvo (2011), de

Ilan Brenman, ilustrações de Renato Moriconi; A morena da estação

(2011), de Ignácio de Loyola Brandão; A bicicleta que tinha bigodes:

estórias sem luz elétrica (2012), de Ondjaki; Visita à baleia (2012), de

Paulo Venturelli, ilustrações de Nelson Cruz; Tom (2012), de André

Neves; O jornal (2013), de Patrícia Auerbach; e inúmeros outros.

Como é possível notar no parágrafo acima, citamos autores con-

temporâneos de livros infantojuvenis, tornando evidente quem são os

ilustradores dos livros para mostrar e demonstrar que a ilustração tam-

bém tem sua parcela (muito relevante, por sinal) tanto de contribuição

quanto de autonomia nos livros para esse público. Se, conforme men-

cionamos, a ilustração dos textos infantojuvenis ganhou força e vigor

nestas duas últimas décadas, no tópico seguinte serão discutidas e ex-

postas algumas considerações a respeito.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e

professores:

1. Escritora de livros infantis e juvenis há muitos anos, tradutora e ensaísta, Ana

Maria Machado, em palestra proferida no seminário “O Trânsito da Memória”,

na Universidade de Maryland, EUA, em 1998, posteriormente incluída no livro

Contracorrente (1999), dispensa o uso do adjetivo “infantojuvenil” para categori-

zar a literatura para leitores jovens e afirma o seguinte:

Começo então falando do que normalmente se chama de literatura

infantil e é, em geral, onde me situam, já que muitos dos meus livros

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Capítulo 06A literatura infantojuvenil

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podem ser lidos também por crianças. Para mim, não importa. O que

interessa é o substantivo, não o adjetivo. A literatura. E como os colegas

que escrevem para adultos e velhos exclusivamente (se é que isso exis-

te) não costumam se preocupar com a idade dos leitores nem rotulam o

que fazem de literatura madura ou senil, esta explicação, de tão eviden-

te, deveria ser desnecessária. (MACHADO, 1999, p. 12).

Você(s) concorda(m) com a escritora e ensaísta Ana Maria Machado? Você(s)

acredita(m) que se trata de uma Literatura sem a necessidade do adjetivo in-

fantojuvenil? O que isso implica?

2. Crítica literária, professora e ensaísta, Nelly Novaes Coelho, em Literatura

infantil: teoria, análise, didática (1993), elabora as seguintes classificações para

o leitor: o “pré-leitor” (15 meses aos 5 anos); o “leitor iniciante” (6/7 anos); o

“leitor em processo” (8/9 anos); o “leitor fluente” (10/11 anos); o “leitor crítico”

(12/13 anos) – divisões que são adotadas também por diversas editoras. Na

sua opinião, essas categorizações devem ser levadas à risca? Como lidar com

essas classificações na escola? Conteste(m).

3. Por que é importante, ao profissional de Letras, estudar, ler e conhecer a

literatura infantojuvenil?

4. Qual(is) o(s) livro(s) que marcou (marcaram) sua infância e juventude?

Comente(m) e justifique(m) o porquê.

5. Na sua opinião, como vai a literatura infantojuvenil brasileira? O que os lei-

tores e leitoras da sua comunidade estão lendo na escola? Quais são os livros

mais lidos, disputados e comentados por eles?

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Literatura e Ensino I

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Leia mais!

Primeiras leituras

Formulamos uma série de questões para serem debatidas, pensadas, co-mentadas. O maior número de questões se deve ao importante tema re-lacionado à literatura para o público leitor formado por crianças e jovens. Sugerimos para os futuros professores e professoras estes três ensaios que aprofundam as questões:

LAJOLO, Marisa. “Leitura-literatura: mais do que uma rima, menos do

que uma solução”. In: ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Teodoro.

Leitura. Perspectivas Interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1999, p. 87-99.

LANNA FIGUEIREDO, Maria do Carmo. “Um percurso pedagógico no

espaço literário”. In: “O ensino da Língua e da Literatura”. Revista Grago-

atá, 1º semestre, n. 2. Niterói, RJ: UFF, 1997, p. 199-208.

SILVA, Ezequiel Teodoro da. “Uma leitura da leitura crítica”. In: Critici-

dade e leitura. Campinas: Mercado de Letras, 1998, p. 19-63.

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Capítulo 07Ilustração: Palavras e imagens

67

7 Ilustração: Palavras e imagensPalavra e imagem ressoam entre si em uma trepidação: para cada leitor

essa fusão é particular, instante único, mas provocada, por exemplo, tanto

pela realização do escritor como do ilustrador, aqui devemos destacar que a

ilustração também fala, também agita.

(RIBEIRO, 2009, p. 126).

Considerando que os livros infantojuvenis são evidenciados tam-

bém pelo seu caráter de livros ilustrados – algo que não pode ser igno-

rado – e, elaborados, portanto, com ilustradores, trazemos aqui breves

apontamentos sobre a ilustração, técnicas e características, que venham

a contribuir para o trabalho com a leitura/literatura na escola, sem per-

der de vista que, nos livros para esse público – infantojuvenil –, imagem

e texto dialogam, completam-se, questionam-se constantemente. Ciça

Fittipaldi, em “O que é uma imagem narrativa?”, aborda essas relações

entre texto escrito e imagem, e afirma que:

Toda imagem tem alguma história para contar. Essa é a natureza narra-

tiva da imagem. Suas figurações e até mesmo formas abstratas abrem

espaço para o pensamento elaborar, fabular e fantasiar. A menor pre-

sença formal num determinado espaço já é capaz de produzir fabulação

e, portanto, narração. (FITTIPALDI, 2009, p. 103).

Segundo a ilustradora, as imagens visuais não impedem a fabrica-

ção de imagens mentais, muito menos restringem o imaginário do leitor,

mas “detêm uma enorme capacidade de abrir espaços no imaginário,

de criar experiências sensíveis, formais, afetivas e intelectuais que ali-

mentam o imaginário” (FITTIPALDI, 2009, p. 107). Apesar de também

ser compreendida como uma imagem que acompanha um texto escrito,

dando-lhe sustentação – muitas vezes maldosamente confundida com

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Literatura e Ensino I

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ornamento, adereço, enfeite às palavras, a ilustração é um tipo de texto

que pode atuar por si só, dispensando completamente o texto escrito,

construindo outro texto apenas por meio da visualização. A esse tipo de

texto dá-se o nome de livro-imagem. A ideia que se tem de ilustração é

muito variada. Segundo o ilustrador Luís Camargo (1998, p. 30),

Pensamos que um mapa explica, melhor do que um texto, o percurso

de um rio; pensamos que desenhos tornam um livro mais atraente, prin-

cipalmente aos olhos infantis. Daí a idéia de que o papel da ilustração

seja informar e enfeitar. Mas serão apenas essas as funções da ilustração?

Não. As funções da ilustração, segundo Camargo, não são apenas es-

sas, e ele corrobora sua negação apresentando oito funções para a ilustra-

ção: 1. [de] Pontuação (a ilustração pontua o texto, destacando aspectos

e demarcando início e término); 2. Descritiva (descreve objetos, animais,

personagens, cenários...); 3. Narrativa (mostra uma ação, conta uma his-

tória); 4. Simbólica (representa uma ideia, um símbolo); 5. Expressiva/

ética (expressa emoções através da postura, gestos dos personagens e dos

elementos plásticos, como cor, espaço, linha..., pode conter valores pesso-

ais e morais do ilustrador); 6. Estética (a linguagem visual chama à aten-

ção); 7. Lúdica (na imagem representada e na maneira de representá-la);

8. Metalinguística (linguagem que fala sobre a própria linguagem).

Além de possuírem essas funções, as ilustrações são elaboradas

por meio de diferentes técnicas, das quais é importante que o professor

tenha um prévio conhecimento, a citar algumas: aquarela, apropria-

ção, fotografia, colagem, montagem, lápis de cor, giz-de-cera, gravu-

ra, guache, xilogravura, iluminuras, pinturas a óleo, a carvão, e entre

tantas outras possíveis. Não se exige que o professor seja um perito na

análise de imagens, mas que tenha, pelo menos, uma ideia dos aspec-

tos utilizados nas imagens que dialogam (ou não) com o texto escrito.

Em texto publicado no livro organizado por Ieda Oliveira, intitulado

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Capítulo 07Ilustração: Palavras e imagens

69

O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a pala-

vra o ilustrador (2009), a ilustradora Cristina Biazetto apresenta tópi-

cos interessantes em “As cores na ilustração do livro infantil e juvenil”.

Segundo Biazetto (2009), perceber é sinônimo de compreender, mas,

para que isso aconteça, é imprescindível ter conhecimento de atribu-

tos intrínsecos e extrínsecos a uma imagem:

Atributos intrínsecos a uma imagem

Atributos extrínsecos a uma imagem Elementos visuais

- Intensidade;

- Tamanho;

- Contraste;

- Novidade;

- Repetição;

- Movimento.

- Atenção;

- Expectativa;

- Experiência;

- Memória.

- Linha – indicadora da direção que o nos-so olhar deve seguir. Pode ser um simples contorno, dar ideia de volume e representar sombra;

- Superfície – altura e largura;

- Volume – perspectiva, cores, luz e sombra;

- Luz – contraste claro-escuro;

- Cor – elemento visual com o maior grau de sensualidade e emoção do processo visual.

FONTE: adaptado de Biazetto (2009, p. 75-91)

Com relação às cores, a ilustradora Cristina Biazetto, com proprieda-

de e conhecimento de causa, faz os seguintes apontamentos (2009, p. 90):

Ӳ Cores quentes: vermelhos, amarelos, laranjas. (Ideia de fogo e

calor, densidade);

Ӳ Cores frias: azuis e verdes azulados; mais azul que amarelo na

composição. (Ideia de água, gelo, céu e vidros, sensação de le-

veza e distanciamento);

Ӳ Cores complementares: azul complementar é o laranja (amare-

lo + vermelho); vermelho complementar é o verde (azul + ama-

relo) e amarelo complementar é o violeta (azul + vermelho);

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Literatura e Ensino I

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Ӳ Cores dessaturadas: baixa a intensidade da cor, misturando

cinza, branco ou preto;

Ӳ Cores saturadas: cores puras, sem adição de cinza, branco ou

preto;

Ӳ Cores primárias: vermelho, azul e amarelo (artes plásticas);

magenta, ciano e amarelo (artes gráficas);

Ӳ Cores secundárias: mistura das primárias, verde, laranja e vio-

leta.

As crianças tendem a aprender com a cor, e é na cor que elas

contemplam a liberdade. Walter Benjamin, em seu ensaio “Livros in-

fantis antigos e esquecidos”, publicado no livro Magia e Técnica, Arte

e Política (1994), partindo suas reflexões da coleção de livros infantis

de Karl Hobrecker, divulgada ao público em 1924, faz considerações

importantes sobre as ilustrações nos livros infantis sem perder de vista

o seu caráter histórico. As imagens, segundo Benjamin, estimulam nas

crianças a palavra pelo ato de decifrar, de ler, de criar um sentido para

o que veem/decrifram/leem dentro de si. “A imagem colorida faz a

fantasia infantil mergulhar, sonhadoramente, em si mesma. A gravura

em branco e preto, a reprodução sóbria e prosaica, levam-na a sair de

si.” (BENJAMIN, 1994, p. 241).

A ausência do colorido nos livros, ou seja, uso exclusivo do preto e

branco nas ilustrações, pressupõe maturidade do leitor. Diante disso, dei-

xaria o leitor de sonhar, segundo afirma Walter Benjamin (1994, p. 242),

ao dizer que “no reino das imagens incolores, a criança acorda; no reino

das imagens coloridas, ela sonha seus sonhos até o fim”? A questão reside

no fato de fazer com que o leitor-criança aprenda a absorver as imagens,

seja por meio de cores, traços, contornos etc., para que se torne um adulto

sensível e sensato não apenas à dimensão das palavras, que projetam ima-

gens, mas à projeção das imagens, que dimensionam palavras.

Walter BenjaminWalter Benjamin (1892 - 1940) foi um ensaísta, crítico literário, tradu-tor, filósofo e sociólogo judeu alemão.

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Capítulo 07Ilustração: Palavras e imagens

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Os apontamentos citados em parágrafos acima, mas explicados com rigor

por quem faz ilustração, quis propor a seguinte reflexão: Agora que você(s)

viu(viram) alguns dos atributos das imagens, que tal retomar(em) alguns li-

vros infantojuvenis para ler e observar atentamente as ilustrações, as capas?

Procure(m), como futuro(s) professor(es), a partir de nossa disciplina, identifi-

car técnicas, cores e tons utilizados, bem como que tipo de relações estabe-

lecem as ilustrações com o texto escrito.

Convém, também, aqui registrar a importância de se pensar cada vez

mais – e sempre – a importância das histórias em quadrinhos e tirinhas,

tão marginalizados. O professor Rafael Soares Duarte, em sua dissertação

de mestrado Watchmen: vazios, tragédia e poesia visual moderna, expôs

com muita clareza a importância das Histórias em Quadrinhos (HQs):

A relação da história em quadrinhos (também chamadas de HQ) com

a sociedade é perpassada por polarizações antagônicas. É reconhe-

cida como diversão popular de alcance imenso e, ao mesmo tempo,

execrada como infantilidade. É vista como meio artístico válido e meio

de consumo descartável. Deixando-se de lado o campo do senso co-

mum, é possível verificar um posicionamento relativamente diferente

entre as instâncias que possibilitam a legitimação de uma forma artís-

tica. Se um certo reconhecimento intelectual já pode ser verificado há

algum tempo, com uma obra entrando para a lista de “Cem melhores

livros do século XX” da Time Magazine, através de prêmios como Hugo

e Pulitzer, ou de livros que analisam sua estrutura formal, um outro

lugar de legitimação, a produção acadêmica acerca das histórias em

quadrinhos, merece um olhar mais atento. (DUARTE, 2009, p. 14)

As palavras do professor e pesquisador de histórias em quadrinhos

tornam evidente que as HQs conquistaram seu espaço como arte, co-

municação e, principalmente, literatura, embora tenham ficado à mar-

DUARTE, Rafael Soares. Watchmen: quadri-nhos, vazios e poesia visual. Dissertação (Mestrado em Lite-ratura, Programa de Pós-Graduação em Literatura. Florianó-polis: UFSC, dez. 2009. Orientadora: Profa. Dra. Tânia Regina Oli-veira Ramos.

Os dois primeiros casos são relativos à obra Watchmen. O Pulitzer de 1992 foi vencido pela obra Maus de Art Spiegelman.

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Literatura e Ensino I

72

gem por muitos anos, vistas como diversão popular e consumo descar-

tável. As produções em quadrinhos, sejam elas adaptações de clássicos,

sejam clássicos dos quadrinhos (Superman, Watchmen, Tarzan, Popeye,

X-men, Dick Tracy, Capitão Marvel, Capitão América etc.) ou mesmo os

mais contemporâneos (Mafalda, Charlie Brown, Pato Donald, Zé Cario-

ca, Turma da Mônica etc.), não podem ser excluídas do meio escolar,

pois [nelas] é onde, também, as imagens estabelecem relações com o

texto escrito. Embora a leitura dos quadrinhos seja limitada à ordem

dos balões, legendas e imagens, os significados, os sentidos que o leitor

pode extrair dessa leitura não o são.

Seja pelas ilustrações dos livros, pelas HQs, não podemos nos esque-

cer do poder sedutor das imagens. Muitas vezes são elas, as ilustrações, as

cores, as capas que conquistam leitores antes que eles passem a conviver,

como disse o pequeno leitor, apenas “com livros só de palavras”.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus

colegas, tutores e professores:

1. Em “A linguagem visual no livro sem texto”, Ma-

rilda Castanha alegou que, corforme a criança é

alfabetizada, os livros de imagens vão ficando em

segundo plano. Diante de situações como esta,

elaborou a seguinte conclusão: “é como se, aos

poucos, durante a trajetória de uma pessoa na vida escolar, ela se “desalfabeti-

zasse” das imagens. Não é por acaso que muitos adultos não se sentem estimu-

lados a visitar museus, galerias de arte ou bienais” (CASTANHA, 2009, p. 145). O

que você(s) pensa(m) a respeito dessa afirmação?

2. A ilustradora Márcia Széliga, em depoimento, disse que “Ilustrar é despertar

um questionamento, é instigar a curiosidade para desvendar os mistérios in-

crustados nas entrelinhas das palavras, na ambientação das formas e cores que

acionam os sentidos do leitor, para que ele possa se sentir, em seu íntimo, um

Questão a ser tratada no tópico seguinte: As adaptações de textos

clássicos.

Page 73: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 07Ilustração: Palavras e imagens

73

co-autor silencioso” (SZÉLIGA, 2009, p. 181). Na sua opinião, qual é o papel (ou

quais são os papéis) da ilustração no livro infantojuvenil?

Leia mais!

Pausa

Sugerimos agora, pensada a questão dos livros e suas ilustrações, a leitura de dois textos importantes para se aprofundar cada vez mais a leitura literá-ria e a história dos livros dedicados a jovens e crianças.

BENJAMIN, Walter. “Livros infantis antigos e esquecidos”. In: Magia

e Técnica. Arte e Política. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo:

Brasiliense, 1994, p. 235-243.

ZILBERMAN, Regina. “Leitura literária e outras leituras”. Revista Gra-

goatá. Curso de Pós-Graduação em Letras. Número monográfico sobre

O ensino da Língua e da Literatura. 1º semestre, n. 2. Niterói: UFF,

1997, p. 143-157.

Page 74: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I
Page 75: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 08As adaptações de textos clássicos

75

8 As adaptações de textos clássicos

Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar. Não

ler e jogar fora, mas, sim, morar, assim como morei no Robinson [Crusoe]...

(Monteiro Lobato. Correspondência).

As palavras de Monteiro Lobato, que compõem a epígrafe deste ca-

pítulo, enfatizam o poder de sedução, envolvimento, experiência, vivên-

cia, quando da “boa” literatura – especialmente ao fazer referência a um

texto clássico da literatura universal, Robinson Crusoe, de Daniel Defoe.

Por meio da leitura de bons livros é que as crianças podem passar a mo-

rar neles, vivenciar experiências únicas, fazer uso correto de suas solidões,

como já demonstramos na afirmação do norte-americano Harold Bloom

no início de nosso livro.

Mas, como fazer com que os leitores tenham alguma forma de aces-

so à “boa” literatura enquanto jovens? Indicar sem pestanejar, para um

leitor mirim, um texto integral do acervo literário ou optar por outras

possibilidades quando o alvo de leitura é justamente um texto clássico?

Que possibilidades seriam essas?

Conforme exposto em tópico anterior, o início da literatura in-

fantojuvenil brasileira é marcado por traduções e adaptações de textos

clássicos. Desde o final do século XIX, no Brasil, havia preocupação

de se fazer com que os leitores tivessem acesso e, possivelmente, maior

entusiasmo com a leitura desses textos. Além disso, era possível per-

ceber que o Brasil carecia de uma literatura própria para leitores ainda

em fase de escolarização, pois até então circulavam aqui apenas tra-

duções de livros europeus. Era, então, necessário repensar essa ques-

tão e procurar alguma alternativa para fazer com que esses leitores

ingressassem na leitura de clássicos por outra via que não apenas a

O professor Diógenes Buenos Aires de Carvalho (2006) ressalta, em levan-tamento feito de obras adaptadas entre 1882 e 2004, que os títulos mais adaptados no Brasil são Robinson Crusoe, de Da-niel Defoe, com 39 (trinta e nove) publicações, e As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, com 36 (trinta e seis).

Sempre que men-cionado, o termo ‘adaptação’ refere-se às releituras de obras clássicas para o leitor infantojuvenil.

Daniel Defoe(1660-1731) – escritor e jornalista inglês.

Page 76: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

76

da tradução do texto integral; daí uma das razões para que se viabi-

lizasse o aparecimento das adaptações. Embora apelativas à morali-

dade, galegais, desliteraturizadas, como afirmava Lobato, as primeiras

adaptações-traduções de Carlos Jansen e Figueiredo Pimentel foram o

pontapé inicial para que os leitores jovens brasileiros do final do século

XIX começassem a desfrutar da leitura desse tipo de textos.

Monteiro Lobato foi um obstinado partidário das adaptações; pro-

curou recriar e reescrever uma série de textos que marcaram sua infância

– Dom Quixote, Peter Pan, Pinóquio, Robinson Crusoe, Alice no País das

Maravilhas, para citar alguns –, pois considerava o conhecimento deles

[dos textos] essencial para as novas gerações. Era preciso que a leitura flu-

ísse, que os códigos estéticos fossem renovados e que as narrativas fossem

desprovidas de enfeites literários. As adaptações, para Lobato, deveriam

ser diferentes, sem termos do “tempo da onça”, como demonstra em um

trecho do livro Reinações de Narizinho – Volume 2, relatando ao leitor a

maneira de Dona Benta ler (recontar) as histórias para os netos:

A moda de Dona Benta ler era boa. Lia “diferente” dos livros. Como quase

todos os livros para crianças que há no Brasil são muito sem graça, cheios

de termos do tempo da onça ou só usados em Portugal, a boa velha lia

traduzindo aquele português de defunto em língua do Brasil de hoje.

Onde estava, por exemplo, “lume”, lia “fogo”; onde estava “lareira” lia “va-

randa”. E sempre que dava com um “botou-o” ou “comeu-o”, lia “botou ele”,

“comeu ele” – e ficava o dobro mais interessante. (LOBATO, 2007, p.36)

Dona Benta, a avó do Sítio do Pica-Pau Amarelo, é uma exemplar

mediadora dos textos clássicos para os netos. Além de atuar como uma

assídua contadora de histórias, a avó de Pedrinho e Narizinho (Lúcia),

desempenha um papel de adaptador hic et nunc, que reescreve e recria

as histórias no momento em que são narradas à plateia do sítio, que é

geralmente composta pelos netos, boneca Emília, sabugo Visconde e

Page 77: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 08As adaptações de textos clássicos

77

preta Nastácia. Segundo Regina Zilberman (2003, p. 86), “Dona Benta

é a narradora adulta que, após a leitura do livro, refaz à sua moda os

principais episódios do original”. E é refazendo à sua moda os epi-

sódios que dona Benta parece desafiar a gramática, ignorando, como

exemplifica o narrador, regra de uso dos pronomes. É claro que a boa

senhora conhece o uso e as devidas normas, mas os corrompe para

imprimir tom de oralidade quando de suas narrações, ou seja, para

que a narrativa fique “em língua do Brasil de hoje”.

Se, para Italo Calvino (2001), o primeiro encontro com os clás-

sicos durante a juventude, muitas vezes, não é tão prazeroso devido à

impaciência e distração de leitura, bem como inexperiência de vida,

as adaptações de textos clássicos podem ser uma maneira de apro-

ximar o leitor das obras consagradas e tentar uma democratização e

uma recepção mais adequada ao leitor infantojuvenil. Há excelentes

adaptações circulando no mercado; segundo Mário Feijó Borges Mon-

teiro, em dissertação de Mestrado intitulada Adaptações de clássicos

brasileiros: paráfrases para o jovem leitor (2002), a boa adaptação tenta

aumentar ao máximo o número de leitores de determinada obra e,

por tais funções, compreende-as como paráfrases ou metáfrases, por

serem narrativas que recontam textos clássicos por meio das próprias

palavras dos adaptadores. Monteiro assevera que essas paráfrases ou

metáfrases – as adaptações –, quando bem realizadas, apresentam

fidelidade ao enredo, possível encantamento ao leitor e emprego de

linguagem apropriada. A maioria das adaptações de textos clássicos

para a literatura infantojuvenil é transformada em narrativa, o que de

antemão já pressupõe, também, a alteração do gênero literário.

As adaptações de textos clássicos são boa opção para o leitor inte-

ressar-se pelo texto-fonte? Escritor e autor de diversas adaptações que

circulam no mercado, o experiente escritor Carlos Heitor Cony (2006),

em “As adaptações dos clássicos e a voz do Senhor”, é otimista em rela- Carlos Heitor Cony, escritor e jornalista brasileiro, membro da Academia Brasi-

leira de Letras.

Page 78: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

78

ção às adaptações, afirmando não ser uma prática condenável, e muito

menos plagiosa e/ou pasticheira, mas, muitas vezes, de caráter honesto,

funcionando como um caminho para que se conheça o original, espe-

cialmente para aqueles que não têm vontade e muito menos tempo de

se arriscar na leitura dos famosos “tijolões”. Cony, historiando o assunto,

menciona que os irmãos Lamb fizeram adaptações em prosa das peças

de William Shakespeare, que servem como primeiro contato para os

estudantes de fala inglesa com os textos do escritor inglês. Essas adap-

tações em prosa, como ressalta Cony, em nada prejudicaram os origi-

nais, mas sim, valorizaram-nos ainda mais, além de familiarizarem o

estudante desde cedo ao conhecimento de obras importantes. Também

aponta a importância de Monteiro Lobato, o precursor das adaptações

no Brasil, cujos textos são reeditados ainda hoje.

Adepta da recriação de textos clássicos (inclusive os de literatura

brasileira), é, também, a professora, escritora e ensaísta Nelly Novaes

Coelho, em texto publicado no Jornal do alfabetizador, em 1996, inti-

tulado “O processo de adaptação literária como forma de produção de

literatura infantil”. Segundo Coelho

(1996, p. 11), “a adaptação é ainda um

bom filão a ser redescoberto e explo-

rado pelos novos escritores” e acres-

centa que, além dos mitos gregos (e

latinos), indígenas, feitos históricos,

romances geniais, “por que não certos

textos ou livros de literatura brasilei-

ra contemporânea?” E como resposta

exemplifica com a obra de Guimarães

Rosa que, em discurso narrativo ino-

vador, apresenta situações, aventuras

ou experiências humanas que podem

ser de grande interesse para os leito-

Relevante mencionar aqui o projeto Latim na Escola, da

Universidade Federal de Santa Catarina, elaborado em co-

autoria da Profa. Dra. Zilma Gesser Nunes e do Prof. Dr. José

Ernesto de Vargas. Esse projeto, em andamento desde ja-

neiro de 2000, visa o resgate da Língua Latina, à recupera-

ção da sua história e cultura, ao desenvolvimento do racio-

cínio lógico, bem como contribuir para o processo ensino/

aprendizagem da língua portuguesa. Dentre seus objetivos

está, também, a elaboração de material didático e lúdico

e de adaptações de textos clássicos latinos de autores

como Virgílio, Ovídio, Fedro, Plauto, que são efetuadas

pelos alunos do curso de graduação em Letras-Portu-

guês. (grifo nosso). Disponível em: <http://www.sepex.ufsc.

br/anais_6/trabalhos/1235.html>. Acesso em: 25 jan. 2010.

Page 79: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 08As adaptações de textos clássicos

79

res. Apesar de entusiasmada com as adaptações, a professora ressalta

que esse processo deve ser desenvolvido com rigor, o que exige do

adaptador um trabalho vigoroso em três níveis, a citar: nível da com-

posição, da estrutura narrativa; nível da personagem e nível do discur-

so. Abarcando esses três níveis, o processo de adaptação atingirá uma

recriação simplificadora da linguagem narrativa, suscetível de agradar

ou estimular os jovens leitores.

Embora defendida pelo escritor Carlos Heitor Cony e pela profes-

sora e ensaísta Nelly Novaes Coelho, a adaptação de textos brasileiros

do século XIX e XX é uma prática ainda bastante questionável, pois os

leitores, na maioria das vezes, preferem o texto adaptado e dispensam o

original, escrito em sua língua materna, por ser uma leitura facilitada e

o texto ser reduzido. Nesse sentido, o texto original, aquele escrito por

Machado de Assis, José de Alencar, Manuel Antonio de Almeida, por

exemplo, é substituído pela adaptação do romance brasileiro. Não se

nega a eficiência dessas adaptações, mas os séculos XIX e XX não estão

muito distantes da realidade dos estudantes juvenis brasileiros para que

se viabilize sempre a preferência pela adaptação. Os leitores juvenis po-

dem ler as adaptações, mas sem deixar de lado o conhecimento e a leitu-

ra das obras originais. Além disso, há obras brasileiras que são acessíveis

à leitura e, portanto, “dispensam” o recurso da adaptação.

Por outro lado, já se tornaram corriqueiras, pode-se dizer há algum

tempo, adaptações de textos clássicos para os quadrinhos, aliando texto

e imagem de maneira bastante interessante. Tendo em vista que são re-

conhecidas como forma de arte e comunicação e, possivelmente, atraem

maior número de leitores jovens, as adaptações de clássicos em quadri-

nhos são uma boa alternativa para efetuar trabalhos em sala de aula,

mas sem perder de vista o texto original. As editoras acrescentaram um

item a mais no seu catálogo: os quadrinhos, e estão investindo cada vez

mais nesse “formato”. A título de ilustração, citamos quatro adaptações

(opções) do conto brasileiro O Alienista, de Machado de Assis:

A editora Scipione in-veste em adaptações de textos clássicos desde 1984, cujos títulos con-tinuam em circulação até hoje, e já possui em seu catálogo inúmeros títulos de clássicos das literaturas brasileira e portuguesa na Série Re-encontro. Mas não para por aí: de outra coleção, Série Reencontro Infan-til, indicada a partir dos 9 anos, que também consiste em adaptações de textos clássicos, localizamos dois títulos de textos nacionais adaptados para crian-ças: O Guarani, de José de Alencar, adaptação de Edy Lima, e Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, adap-tação de José Louzeiro. Disponível em: <http://www.scipione.com.br/lista_paradida-tico.asp?pagina=5&inicial=5&nivel=&bt=2&id_olecao=12&avancada=1>. Acesso em: 20 jan. 2010.

Page 80: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

80

Ӳ O Alienista, adaptação, roteiro e desenho de Lailson de Holan-

da Cavalcanti (Companhia Editora Nacional, 2008);

Ӳ Alienista, adaptação de Luiz Antonio Aguiar e ilustrações de

Cesar Lobo (Ed. Ática, 2008);

Ӳ O Alienista, adaptação de Fábio Moon e Gabriel Bá (Ed. Agir,

2007);

Ӳ O Alienista, adaptação, roteiro e desenhos de Francisco S. Vi-

lachã; cores de Fernando A. A. Rodrigues (Ed. Escala Educa-

cional, 2006).

O que se pode perceber é que, em um intervalo de três anos, qua-

tro editoras diferentes abraçaram a ideia da adaptação em quadrinhos

do conto de Machado de Assis. Se fizermos um levantamento de todos

os títulos clássicos de romances, contos, biografias, peças, poemas etc.

(não necessariamente literatura brasileira, mas incluindo-se a literatura

estrangeira) adaptados para os quadrinhos, a lista será imensa.

Embora a noção de adaptação possa ter compreensões depreciati-

vas, sendo associada aos conceitos de condensação, facilitação, em-

pobrecimento e prejuízos em relação ao original, é preciso avaliar

seu alcance. Esse recurso não deve sofrer generalizações pejorativas,

pois não é o “adaptar” em si que pode comprometer a recepção de

uma obra, mas a “forma” pela qual esse processo é elaborado – e

aqui entraria novamente a questão do rigor quando da composi-

ção de uma adaptação nos três níveis elaborados por Nelly Novaes

Coelho. É nesse momento que o professor deve entrar em cena, o

que vale dizer, deve procurar ter conhecimento de algumas adap-

tações para fazer questionamentos críticos e contrapontos com os

originais. Há inúmeras adaptações de um mesmo texto, conforme

demonstramos acima através de O Alienista, de Machado de Assis, e

cabe aos professores auxiliarem seus alunos nas escolhas e orientá-

Page 81: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 08As adaptações de textos clássicos

81

Com esse capítulo, pretendemos enfatizar que as adaptações, quan-

do elaboradas com rigor e seriedade, são importantes e necessárias no

processo de formação da leitura. Importantes por colocarem em circula-

ção obras clássicas distanciadas dos leitores tanto em matéria de tempo

quanto de convenções linguísticas e estéticas. Necessárias por contribuí-

rem na formação de leitores também de textos clássicos. Importantes por

defenderem/promoverem a circulação desses textos e, assim, manterem/

preservarem certas referências culturais. Necessárias por servirem como

um convite a uma leitura/mergulho do/no original – que muitas vezes

pode ser a tradução. Importantes, principalmente, por tornarem a leitura

diferente, menos densa, mais prazerosa, e, retomando as ideias de Lobato

expressadas no início desse texto, sem “termos do tempo da onça” e “por-

tuguês de defunto”, mas uma leitura o dobro mais interessante.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e

professores:

1. Ana Maria Machado, escritora e ensaísta já mencionada, em seu livro Como e

por que ler os clássicos universais desde cedo (2002), afirmou, “a tradição clássica

está desaparecendo a uma velocidade galopante — e todos nós vamos nos

empobrecendo com isso” (MACHADO, 2002, p. 142). Por que essa tradição clás-

sica está desaparecendo? De que forma empobreceremos – o que deixaremos

de conhecer, de ler, de apre(e)nder – se a tradição clássica desaparecer?

2. Em que medida as adaptações proporcionam o contato de leitores e leitoras

jovens com a literatura clássica? Responda(m) essa questão tendo em mente

essas palavras de Ana Maria Machado: “como o contato das crianças com os

-los para que percebam tratar-se de uma releitura da obra em ques-

tão, ou seja, há um mediador – o adaptador. (Sim, o professor deve

ser um constante e obstinado leitor...)

Page 82: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e Ensino I

82

contos populares hoje em dia se faz basicamente pelos desenhos animados e

toda a parafernália Disney deles derivadas, as histórias que não foram adapta-

das por esse canal ficam em segundo plano” (MACHADO, 2002, p. 143).

3. Qual a importância de ler textos clássicos desde cedo? Por quê?

Leia mais!

Depois da aula

Ao falar de adaptações estamos sempre pensando na adaptação dos clássi-cos. Como futuros professores de literatura, as indicações a seguir deverão fazer parte de seus repertórios de leituras. Estes três livros devem fazer parte da(s) sua(s) bibliotecas ou de sua(s) escola(s):

BLOOM, Harold. “Prólogo” e “Prefácio”. Como e Por Que Ler. Tradu-

ção José Roberto O´Shea. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 15-25.

CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos? Tradução de Nilson Moulin.

São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais

desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

Page 83: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Unidade D A literatura na escola

Page 84: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I
Page 85: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

85

9 A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

Se, por não sei que excesso do socialismo ou de barbárie, todas as nossas

disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina literária

que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento

literário. (Barthes, 1978, p. 18)

Ao enfatizarmos as questões anteriores para estabelecer a complexa

relação Literatura e Ensino, passamos agora a escutar a voz dos alunos

do ensino médio, através de uma pesquisa sobre a leitura obrigatória de

textos canônicos.

Este ensaio está inte-gralmente publicado no livro “Experiência e Prática de Reda-ção”, publicado pela EDUFSC em 2008, e teve a coautoria de Tânia Regina Oliveira Ramos e Cristina de Souza Prim. Optamos por incluí-lo no livro destinado à disciplina porque ele é resultado de uma pesquisa de campo e nos permite pensar na leitura dos cânones da literatura brasileira por alunos do ensino médio.

O professor da UNESP (Campus de Assis), Benedito Antunes, em

“Para ler os clássicos” (2004), levanta alguns títulos que são comu-

mente compreendidos como clássicos da literatura brasileira:

Hit parade nacional. Tomando-se de forma aleatória algumas das

enquetes que se fazem para eleger os livros fundamentais da litera-

tura brasileira, é possível imaginar uma lista de obras que são fre-

quentemente citadas. Inicialmente, se destacariam os romances de

Machado de Assis, especialmente Dom Casmurro, Quincas Borba e Memórias Póstumas de Brás Cubas. É muito lembrado também o

romance Grande sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, vindo em se-

guida Macunaíma, de Mário de Andrade, e Os sertões, de Euclides

da Cunha. Completariam a lista das mais lembradas, Vidas secas, de

Graciliano Ramos, Fogo morto, de José Lins do Rego, Iracema, de

José de Alencar e Memórias de um sargento de milícias, de Manuel

Antônio de Almeida. Da produção poética, costuma-se citar como

fundamentais Primeiros cantos, de Gonçalves Dias, Libertinagem,

de Manuel Bandeira, e A rosa do povo, de Carlos Drummond de An-

drade (ANTUNES, 2004, p. 79).

Page 86: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e ensino I

86

Como pensar a literatura com(o) disciplina? Alfredo Bosi, em “O

Tempo e os Tempos”, um dos ensaios da coletânea Tempo e História, afir-

ma que datas são pontas de icebergs, ou seja, funcionariam como piná-

culos flutuantes, como demarcações de massas congeladas em blocos de

formatos imprevisíveis e erráticos, passíveis de dissolução. Ao falar sobre

o ensino da literatura no século XXI, desejamos mostrar que, além da

superfície visível, há nas datas uma dimensão outra que as sustenta. As-

sim, obras e autores, discursos críticos, iniciativas contemporâneas, como

os periódicos especializados e as múltiplas antologias e coletâneas de en-

saios, que vêm sendo bastante publicadas, quando observados sob o ân-

gulo de sua inserção na vida literária de certo período ou instituição, tam-

bém podem ser vistos como pontas de icebergs, especialmente porque são

feitos de muitos nomes e outras falas, de figuras ainda não expressivas no

contexto de uma relação canônica de uma determinada literatura. Este

universo contemporâneo é mais errante, mais frágil, mais abstrato do que

certos caminhos já percorridos. Para compreender essa certa condição de

isolamento necessitamos de alguns mergulhos que nos mostrem a gran-

de massa sedimentar que pode sustentar estas leituras. Comecemos, por

exemplo, por ver o ensino de literatura como um instrumento de legiti-

mação, quer dizer, de afirmação do lugar a partir de onde o texto fala. E

“este entendimento se dá pela aceitação de que a professora ou o professor

de literatura é aquele capaz de organizar, classificar, delimitar e apontar

junto a seus alunos procedimentos de leitura.” (FOUCAULT, 1996).

Entramos no século XXI, com manifestações evidentes, até mesmo

claras, de uma necessidade de se retirar da História e da Literatura a

pecha de anacronismo. Mesmo não se podendo, em princípio, elaborar

sistematicamente uma outra história da literatura, estamos debruçados

sobre tantas textualidades contemporâneas, e convencidas da importân-

cia da reavaliação da tradição e da utilização de fontes bibliográficas

literárias, e os seus espaços nos cursos de graduação, de pós-graduação,

nas instituições de ensino superior do país, nas escolas de ensino mé-

BOSI, Alfredo. “O Tempo e os Tempos”. In: NO-VAES, Adauto (Org.).

Tempo e História. São Paulo: Companhia das

Letras, 1993, p. 19.

Referimo-nos aqui ao ensaio de Tânia Regina

Oliveira Ramos, “Den-tro deste (a)pós: muito

abalo, novos nomes, outras falas. Cadernos do Centro de Pesquisas

Literárias da PUCRS. Porto Alegre, 2000. v. 6,

n. 1, p. 73-79.

Page 87: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

87

dio. Há outros caminhos que possam ser traçados para além da relação

Literatura e História, Literatura e Memória Cultural, Literatura e Vida

Literária, Literatura e Contexto?

Reconhecida a importância das revisões e revitalizações de estudos

historiográficos para o ensino de literatura, a leitura de uma produção

crítica, mais ensaística, publicada nos últimos trinta anos, leva-nos a

adiantar que um número significativo destes textos críticos volta-se para

a contemporaneidade. Assim, ao lado dos estudos mais sistematizados e

localizados na historiografia literária, conforme um levantamento pre-

liminar de nossos programas de ensino, há por força das circunstân-

cias uma tentativa de pensar a literatura e sua relação com o ensino que

persiste ainda dentro de uma tradição. Qual seria a razão de se desejar

novos rumos para os estudos literários? A imagem que para nós melhor

explica esta imediaticidade é a crítica literária, que prolifera nas temáti-

cas dos eventos nacionais e internacionais e a leitura de textos teóricos,

poéticos e narrativos, dispersos em livros e antologias. A literatura pare-

ce sempre conclamar à atualização. Assim será antes preciso perguntar o

que é que significa e o que é que nos instiga a não abandonar os cânones

mesmo lançando um outro olhar sobre a criação literária contemporâ-

nea, sobre outras formas de manifestações culturais (cinema, perfor-

mance, telenovelas, revistas, sites, saraus...)?

Poderíamos dizer que a crítica literária ajuda a intervir entre a obra

e o leitor, para dar algumas informações sobre o livro na contempora-

neidade dele, compromissado com o acúmulo crítico que o antecede. O

professor precisaria sempre amparar suas leituras em uma fortuna crítica

institucionalizada. Quantos e quem, entre os pesquisadores da área, estão

dispostos e preparados para assumir a tarefa de se voltar mais e mais para

a releitura de obras ou textos do passado, que guardariam atualidade?

Embora o caráter provisório que possa ter tudo o que está sendo

dito, podemos assegurar que a maioria das leituras ensaísticas, sobre as

Page 88: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e ensino I

88

quais nos debruçamos cotidianamente para nos manter atualizadas, es-

tão agregadas a práticas teóricas contemporâneas. As discussões a pro-

pósito da contemporaneidade começaram com a questão da existência

ou não de uma ruptura com a historiografia e um repertório de textos

canônicos consagrados pela crítica.

Assim, motivadas agora, depois de várias reflexões relevantes nos

tópicos anteriores que acabamos de expor, lançamos agora nosso olhar

sobre a Literatura como “disciplina”, seja no sentido curricular, discipli-

nar mesmo, seja no sentido mais metafórico, no momento em que se

pensa a obrigatoriedade disciplinar da leitura.

Vamos dar a este capítulo uma sustentação de pesquisa de campo

feita com professores e alunos do ensino médio em cinco grandes co-

légios de Florianópolis, onde se situa a UFSC. Escolhemos os colégios

que revelavam uma demanda maior para o vestibular da UFSC. Foram

eles: Instituto Estadual de Educação, Escola Deyse Werner Sales, Escola

Getúlio Vargas, Colégio Catarinense e Colégio Energia. Talvez o avanço

maior tenha sido o de dar voz aos leitores, que se manifestaram durante

a pesquisa. Neste somatório de questões, veremos se a literatura é, como

diria Roland Barthes, tudo que se ensina, ou como estamos vendo: lite-

ratura com(o) disciplina.

Convém retomar nesta primeira parte da pesquisa a comparação

das respostas dadas pelos vestibulandos no que se refere ao seu uni-

verso de leituras, com as sugeridas pelos professores como lista ideal.

Os professores sugeriram à COPERVE, em 2004, depois de uma con-

sulta, 360 títulos. Este número é explicado porque alguns professores

sugeriram de 3 a 10 títulos. Só para ilustrar: enquanto os alunos diziam

que desejavam ler “livros atuais, livros interessantes, com enredos varia-

dos, que traziam curiosidades e novos autores”, “leituras menos difíceis

e complexas”, “autores do século XIX e XX que ainda não conheço”, os

professores sugerem, por questão de gosto ou de segurança, os mesmos

Atualmente, a UFSC possui campi nas cida-

des de Araranguá, Curi-tibanos e Joinville, além

de ter Polos em vários estados do Brasil na

modalidade a Distância

Este primeiro momento da pesquisa foi coorde-nado pelas Professoras

do Colégio de Aplica-ção da UFSC, Claudete

Segalin de Andrade e Ana Maria Sabino, com a importante participa-

ção da bolsista de Ini-ciação Científica Rosilei

Girardello.

Esta lista faz parte dos arquivos desta pesquisa

que podem ser solici-tados ao nuLIME, CCE,

UFSC.

Page 89: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

89

livros já canonizados pela crítica e pela historiografia. A título de exem-

plificação, 18 professores sugeriram O Cortiço, e 10 O Guarani. Mesmo

reconhecendo o mérito dos textos canônicos, e a necessidade de sua

leitura, surpreende-nos que uma produção mais contemporânea, espe-

cialmente a da segunda metade do século XX, não seja contemplada na

lista dos professores. Seria o professor um (não) leitor? Fizemos uma

tabulação dessas leituras, apontamos equívocos nas próprias indicações,

no que se refere, por exemplo, ao nome do autor, títulos, autorias etc.

Para ilustrar, o desejo de incluir um livro que marcaria diferença levou

uma professora a sugerir O quarto de desejo, de Carolina Maria de Jesus,

quando o certo seria Quarto de despejo. Ou o professor que sugere Luiz

de Camões - Poesia Lírica, de autoria de Benjamin Abdala Júnior.

Preocupadas com o pequeno referencial de leitura dos universitá-

rios, as universidades brasileiras introduziram como condição de in-

gresso à Universidade a leitura de obras representativas da produção

literária brasileira (no caso da UFSC, que é o nosso alvo, de oito a dez

títulos anuais), numa tentativa de que as questões propostas sobre e/ou

a partir de textos literários pudessem contribuir para a superação de

dificuldades relativas à formação de leitores e ao consumo de leitura e,

principalmente, à produção escrita. No tópico As institucionalizações

Não se pode perder de vista que a leitura é uma parte da discipli-

na de Língua Portuguesa (mesmo que algumas escolas reservem

algumas aulas especificamente para conteúdos de Literatura, di-

versificando em alguns casos o próprio professor) que vive sempre

uma situação problemática particularmente no ensino médio. Se-

guindo uma orientação historicista, em que mais se lia sobre lite-

ratura que as próprias obras, a atuação da escola mais afastava que

aproximava o aluno da leitura. Em consequência, formava-se um

leitor de referencial de leitura limitado.

Page 90: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e ensino I

90

da literatura fizemos referência à pesquisa da professora do Colégio de

Aplicação da UFSC, Claudete Segalin de Andrade. E é sobre a relação

do aluno desse nível de ensino com a leitura que esta pesquisa se vol-

tou, ou seja, pretendemos verificar como as indicações de leituras para

o vestibular são recebidas e consumidas pelo aluno; se esse tipo de obri-

gatoriedade interveio (ou não) na promoção da leitura, na formação do

próprio leitor e na qualidade do próprio texto escrito.

Passada esta fase das sugestões dos professores, continuamos a pes-

quisa de opinião com os alunos, porém por um caminho que parecia atin-

gi-los mais de perto. Não mais os questionários e as entrevistas formais

do primeiro momento, mas através de espaços on-line destinados a trocas

de mensagens e formação de comunidades (Messenger, e-mail e Orkut).

Uma pesquisa informal levou-nos a uma comunidade chamada “eu odeio

os livros do vestibular”, a uma com poucos membros chamada “Eu ter-

minei Os Sertões” e a uma outra chamada “eu li os livros da UFSC”. Foi

uma etapa bastante interessante na pesquisa. Descobrimos outras comu-

nidades, inclusive onde alunos declaravam que não tinham lido os livros,

que não gostavam de ler etc. Encontramos, ainda, tópicos relacionados

ao vestibular. Na comunidade “Eu odeio os livros que caem no vestiba”,

os alunos discutiam sobre a “chatice” de ler dessa forma condicionada

e ainda procuravam conjuntamente uma solução para isso. A solução a

que chegavam é a de que tendo “um ótimo professor de literatura em sala

de aula, não se faz necessária a leitura dos livros” (as explicações deles nos

bastam...). De que forma então um ótimo professor de literatura ajudaria

os alunos a melhorarem suas redações se a leitura a partir da indicação de

livros do vestibular poderia ser um dos motivadores da prática da leitura?

Caberia ao professor alertar sobre essa importância aos alunos. Citamos

Marisa Lajolo, lida por Claudete Segalin de Andrade:

O ato de ler foi de tal forma se afastando da prática individual que a

tarefa que hoje se solicita de profissionais da leitura, como professores,

LAJOLO, Marisa [1993], apud ANDRADE,

Claudete Segalin de. Dez livros e uma vaga: a leitura da literatura no

vestibular. Florianópolis: Editora da UFSC, 2003.

Page 91: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

91

bibliotecários e animadores culturais, é exorcizarem o risco da alienação,

muito embora eles possam acabar constituindo elo a mais na longa e

agora inevitável cadeia de mediadores que se interpõem entre o leitor e

o significado do texto.(LAJOLO, [1993], apud ANDRADE, 2003).

Alguns depoimentos encontrados nas comunidades virtuais mere-

cem aqui ser citados como formas de ilustração. Optamos por normati-

zar a forma, já que aqui nos interessa a ideia:

(Michel, 20 anos) 17/6/2005 19:04 (data de postagem).

Hehehe...Lhe garanto que com um ótimo professor de literatura, NÃO

precisa ler livro... porque sabendo a história... e todos os tópicos e tais...

é isso o que importa... olha só: sem ler nada disso mandei muito bee-

emmmm em literatura..... hehehe

ODEIO LIVRO QUE CAI EM VESTIBA (Comunidade)

Descrição da comunidade: Se você é uma pessoa normal que está pre-

tendendo prestar um vestibular para entrar em uma boa faculdade, po-

rém se sente rebaixado por ter de ler livros de décadas atrás quando

você ainda nem era um espermatozóide e nem teus avós eram ainda.....

Você odeia aquela linguagem épica, aquele assunto ultrapassado que

às vezes chega a ser fútil.... Você fica se perguntando o que levou uma

pessoa NORMAL a ler aquele livro sem necessidade nenhuma.... E se

você acha que já está mais que ultrapassado as universidades obriga-

rem que seus vestibulandos leiam essas obras insuportáveis da literatu-

ra , em vez de ler alguma coisa atual, pois nós vivemos o hoje não há 100

anos atrás..... Se você concorda com tudo isso essa comunidade foi feita

pra você....... Citem as obras mais torturantes da suas vidas.....

Já em outras comunidades, como uma em que homenageia a es-

critora “Clarice Lispector”, os alunos comentam a aparição de “Legião

Estrangeira” na lista dos livros do vestibular 2007 da UFSC: “Creio que

obrigar o aluno a enxergar em uma obra aquilo que o professor ou exa-

Comunidade: EU ODEIO OS LIVROS DO VESTIBA. Descrição da Comunidade: Comunidade para as pes-soas q odeiam ler akeles livros chatus q pedem no vestibular, principalmen-te akelas poesias q c lê mil vezes e não entende nada!!!Tudo bem q tem q ler, mas cada um inter-preta de uma forma neh não?! Rsrs

Page 92: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e ensino I

92

minador quer que ele enxergue faz muita gente detestar literatura. Au-

tores como a Clarice penetram em nossa alma com seus escritos e cada

alma recebe isso de forma distinta.”

Estes comentários são irreverentes, mas corajosos e demonstram

um significativo movimento de manifestações espontâneas relacionadas

à leitura obrigatória no espaço virtual. Existe ainda uma comunidade

virtual chamada “O Portal do Leitor”: O objetivo deste sítio é fornecer

informações sobre todos os livros catalogados no Brasil, além de permi-

tir a interação entre os próprios leitores através de outras comunidades

de leitura. Em 2006 havia 11 milhões de leitores no país com acesso à

internet e sete milhões de internautas que se diziam não leitores. De cer-

ta forma, a internet está fazendo com que as pessoas leiam e escrevam,

mesmo que algumas vezes usem uma escrita própria deste meio de co-

municação como ilustram algumas notas deste texto.

Nossa pesquisa, a partir das reflexões acima, passa a ser mais con-

clusiva, no momento em que a COPERVE dá voz a muitos vestibulan-

dos no Vestibular 2006, através desta proposta:

Disponível em: <www.portaldoleitor.com.br>.

Acesso em: 27 out. 2007.

Dados colhidos em 16 de agosto de 2006.

Estamos querendo demonstrar que a lista de autores e livros consa-

grados, sugerida para o processo de seleção nas universidades, têm

sido motivo de controvérsia. Não vamos entrar neste mérito, embo-

ra ele seja um motivador para uma ampla discussão, mas queremos

ressaltar é que o ideal é que se pudesse realizar nestas listas o desejo

de contemplar diferentes gêneros literários, de incluir textos e auto-

res representativos da diversidade de gênero, raça, etnia e regiões

da cultura de língua portuguesa e atender, dentro do possível, ao

horizonte de expectativa dos vestibulandos, o que significa permitir,

dentro do universo temático de interesse dos jovens, uma reflexão

diversificada sobre a experiência humana, visando pensar o ensino

de leitura, e não só o de literatura, como um exercício indissociável

do quadro de relações que constituem a realidade.

Page 93: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

93

Considerando a lista das obras literárias indicadas para este ves-

tibular, qual ou quais dos livros desta relação você indicaria para

leitura e qual ou quais você não aconselharia? Por quê?

Escreva uma redação expondo argumentos que justifiquem sua es-

colha.

As três propostas foram as descritas abaixo e a segunda delas tam-

bém levava à reflexão das leituras feitas, seja pelo livro de Franklin

Cascaes, seja pelo livro de Alcântara Machado, indicados na lista do

Vestibular 2006.

PROPOSTA 1

Considerando a lista das obras literárias indicadas para este vesti-

bular, qual ou quais dos livros desta relação você indicaria para leitura e

qual ou quais você não aconselharia? Por quê?

Escreva uma redação expondo argumentos que justifiquem sua es-

colha.

PROPOSTA 2

Em um percurso literário, sondando os quatro cantos da Ilha de

Santa Catarina, descobri algo mais que bruxas e andando pelos bairros

do Brás, Bexiga e Barra Funda, conheci a São Paulo que trocou a socie-

dade cafeeira pela industrial.

Escreva uma redação baseando-se nas ideias sugeridas pelo pará-

grafo acima.

PROPOSTA 3

A partir da leitura dos trechos de poemas transcritos abaixo, o que

você escreveria ao presidente da Organização das Nações Unidas (ONU)?

Page 94: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e ensino I

94

POEMA A:

“[...]

Mas oh não se esqueçam

Da rosa da rosa

Da rosa de Hiroxima

A rosa hereditária

A rosa radioativa

Estúpida e inválida

A rosa com cirrose

A anti-rosa atômica

Sem cor sem perfume

Sem rosa sem nada.”

(MORAES, Vinícius de. A Rosa de Hiroxima. In: Nova Antologia Poética.

São Paulo: Companhia das Letras, 2004).

POEMA B:

“Nós merecemos a morte,

porque somos humanos,

e a guerra é feita pelas nossas mãos,

pela nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,

por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens

que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.”

(MEIRELLES, Cecília. Lamento do Oficial por seu Cavalo Morto. In: Obra

Poética. 1 ed. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958).

POEMA C:

“Este é tempo de partido,

tempo de homens partidos.

[...]

O poeta

declina de toda responsabilidade

Page 95: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

95

na marcha do mundo capitalista

e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas

promete ajudar

a destruí-lo

como uma pedreira, uma floresta,

um verme.”

(DRUMMOND DE ANDRADE, C. Nosso Tempo. In: A Rosa do Povo. Rio

de Janeiro: Record, 2004).

Solicitamos à COPERVE e em agosto de 2006 o núcleo Literatura

e Memória (nuLIME) recebeu todas as redações do vestibular de 2006,

das quais selecionamos as que centravam a sua abordagem em torno da

proposta 1. Para nós foi fundamental sair do plano das entrevistas que

fizemos na primeira etapa da pesquisa para esta leitura de um texto mais

articulado em situação de “prova”. Os vestibulandos podiam se posicio-

nar, mas ao mesmo tempo estavam fazendo um texto para “agradar” aos

professores-avaliadores.

Que juízos os alunos emitiram nas redações do vestibular? Há

evidente apreensão da leitura nos textos? Como os alunos se posi-

cionaram diante de livros sugeridos como Os Sertões, de Euclides da

Cunha, Poemas Escolhidos, de Jorge de Lima, O Fantástico na Ilha de

Santa Catarina, de Franklin Cascaes, Apenas um Curumim, de Werner

Zotz, Amigo Velho, de Guido Wilmar Sassi, 200 crônicas escolhidas,

de Rubem Braga, Império Caboclo, de Donaldo Schüller, Brás, Bexi-

ga e Barra Funda de Alcântara Machado, A Rosa do povo, de Carlos

Drummmond de Andrade e Resumo de Ana, de Modesto Carone?

A leitura de alguns textos teóricos básicos para a pesquisa foi fun-

damental para o entendimento de vários dados que as redações nos ofe-

receram. Entre alguns desses suportes teóricos, contidos em nossa bi-

bliografia, está o livro Educação Literária como Metáfora Social. Desvios

O nuLIME é um núcleo de pesquisa do Depar-tamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC e se localiza na Sala 505, do prédio B, no Centro de Comunicação e Expressão. Ele congre-ga professores-pesqui-sadores, mestrandos, doutorandos e alunos de Iniciação Científica em torno dos seguintes temas: a história da li-teratura e a construção de cânones, a preserva-ção de parte do acervo literário do intelectual catarinense Harry Laus, a intervenção das nar-rativas de si na (des)construção da história literária, a investigação em torno das teorias fe-ministas e dos estudos de gênero, a produção feminina do século XIX e do século XX e a rela-ção literatura e ensino, através de memórias e registros de leitura.

Page 96: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e ensino I

96

e Rumos, publicado pela Editora da Universidade Federal Fluminense

em 2000 e de autoria da professora Cyana Leahy-Dios. Este livro analisa

os dilemas e as perplexidades encontrados pela pesquisadora na relação

de alunos de ensino médio com a leitura. Interessante observar que a

professora entrevistou alunos e professores na Inglaterra e no Brasil e

encontrou aproximações e distanciamentos na proposta pedagógica dos

dois países. Considerou que no Brasil ainda há uma perspectiva positi-

vista e histórica na abordagem literária, enquanto que na Inglaterra há

uma ênfase na leitura de obras canônicas ou em determinados autores

consagrados. Um aluno do ensino médio pode passar um semestre len-

do os poemas de T. S. Elliot ou uma obra de Shakespeare. No Brasil há

sempre uma perspectiva mais panorâmica.

Depois da leitura desse livro de Cyana Leahy-Dios, concluímos que

a leitura de livros sugeridos pela COPERVE permite que haja hoje, por

parte das aulas de Literatura, uma mudança de uma perspectiva basea-

da na historiografia para um modelo de leitura mais criativa, que pode

ver as aulas de literatura como “educação literária”. O que queremos de-

monstrar é que o exercício de ler os livros sugeridos pode também criar

uma outra sensibilidade em relação à leitura. Um conceito que queremos

usar é o de valor conforme usado pelo teórico francês Antoine Com-

pagnon, em seu livro O Demônio da Teoria: Literatura e Senso Comum,

publicado pela Editora da UFMG, em 2001. Neste ensaio, o teórico diz

que os leitores sempre esperam que alguém autorizado lhes diga quais

são os bons e os maus livros, mas que justifiquem suas preferências. É

este o papel do professor, mas deve ser muito mais, no caso de nossa

pesquisa, este o papel daqueles que fazem as listas do vestibular. Ainda

que implicitamente, os vestibulandos e os futuros universitários devem

entender por que aquele livro entrou na lista de leitura obrigatória. No

ensaio O Prazer do Texto (1996), Barthes afirma que nenhuma leitura

poderia ser idêntica a outra nem para o mesmo leitor. O prazer do texto

não estaria em tentar reter o significante ou conter os signos no mo-

Antoine Compagnon

Page 97: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

97

mento em que se faz a leitura, mas fazer com que os leitores se animem

através da fuga. Dessa forma, como entrariam as perguntas feitas nas

provas do vestibular? De que forma estaríamos incentivando a forma-

ção de novos leitores com perguntas que podem ser respondidas pelas

falas dos professores de literatura, como os próprios alunos concluíram?

A proposta da crítica, semelhante a do vestibular, não nos leva a habitar

no texto, mas a nos aprisionarmos aos signos. E Roland Barthes defende

a ideia de que habitar o texto é justamente perder o controle dos signos.

(BARTHES, 1988).

Apoiando-nos nestas leituras e no ensaio de Antonio Candido “O

Direito à Literatura”, fizemos pesquisa por amostragem de 500 redações.

Calculamos que a Proposta 1 de redação foi escolhida por cerca de 30%

dos alunos que prestaram vestibular em 2006.

Até que ponto os livros indicados para o vestibular da UFSC for-

mam um novo leitor ou solidificam uma outra prática de leitura? Algu-

mas redações mostraram que nem todos sabem (mas parecem querer

saber) do porquê de certas inserções ou indicações, como a de livros vo-

lumosos com linguagens complicadas ou mesmo questionando a inclusão

de livros ficcionais. Vamos a alguns exemplos:

Redação 33: “O mais chato – nome designado por alguns vestibu-

landos para definir Os Sertões – é o que eu não aconselho. São mais de

quinhentas páginas de puro sofrimento”, “no quesito veracidade históri-

ca, Império Caboclo deixa muito a desejar”.

Redação 48: “os livros de ficção não possuem informações úteis e

necessárias. Por ex: “O homem que sabia javanês” é interessante, porém

desnecessário”.

Redação 53: “não se tem muita idéia de como e porque de certos livros

serem escolhidos, mas tem a certeza que esses mesmos livros são ótimas

obras que foram muito discutidas já, e assim foram compor o vestibular”.

Optamos por numerar as redações e assim nos referimos a elas (todos os nomes ou qualquer referência de autoria foram retirados pela COPERVE).

Page 98: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e ensino I

98

Redação 117: “sempre tem um livro desconhecido que entra na

lista, como “Apenas um curumim”. Eu nunca tinha sequer ouvido esse

nome, mas tive que ler o livro, que por sinal gostei e me identifiquei com

alguns aspectos do livro”.

Redação 142: “São livros bem conceituados, de bons escritores,

mas que nem sempre agradam seus leitores. Às vezes pela dificuldade

da linguagem, do entendimento do livro, por razões de apresentar bas-

tantes palavras desconhecidas ou que foi escrito há tempos”.

Redação 200: “E Os Sertões? Não vai falar dos Sertões? Ah, Os Ser-

tões voltou para a estante que é de onde nunca deveria ter saído”.

Outros exemplos poderiam ser dados, mas o que pudemos perceber

foi que muitos alunos sabem o que querem ler e centram seu olhar so-

bre o prazer de ler textos mais contemporâneos. Muitos dizem que não

fazem questão da leitura dos clássicos, de livros do século XIX e enten-

dem que ler sem satisfação acarreta num desinteresse, numa leitura com

contagem regressiva e num possível abandono permanente dos livros.

Redação 52: “As leituras obrigatórias devem [...] ser cada vez mais

contemporâneas. O hábito de ler não realizado por prazer acarreta ao

desinteresse e ao possível abandono permanente dos livros.”

Redação 58: “Para mim os livros são bons quando prendem mi-

nha atenção, me secam a boca ou quando não consigo parar de lerlos

[sic] até o fim.

Redação 80: “Algumas vezes, o papel da escolha dos livros a serem

lidos primeiro fica a cargo da instituição de ensino e não do estudante, fa-

zendo-o perder a disposição ou o interesse para a leitura de algumas obras”.

Redação 139: “Falar de Os Sertões talvez já pareça chato, todos tem

horror ao livro, não querem saber de ler. [...] Talvez devêssemos deixar

de lado o fato de as leituras serem obrigatórias e pensar nas oportunida-

des de aprendizado que elas podem nos oferecer.”

Page 99: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

99

É importante destacar na amostragem da pesquisa que, entre os

oito livros, houve mais recomendações do que críticas: 260 recomenda-

ções e 119 não-recomendações. Algumas outras colocações merecem

destaque, como a da redação 85, em que o vestibulando fala da forma-

ção de leitores por obrigação (e com contagem regressiva) nas escolas, o

que desestimula o leitor; ou a da redação 107, em que diz que tudo que

você lê, até mesmo o que geralmente é considerado inutilidade, contri-

bui no reconhecimento de suas preferências; ou a colocação da redação

69, em que fala do poder dos livros como produtor de ideias, ou ainda,

a 140, em que diz: “Resumo de Ana é um ótimo livro para os fãs de Ka-

fka”. Isso mostra um amadurecimento do leitor ou um palpite que deu

certo... Uma das redações termina com a seguinte frase: “E se lêssemos

tudo o que fosse de nosso agrado, qual seria nosso conhecimento hoje?”

Poderíamos arriscar a dizer que se começassem a ler o que lhes fosse do

agrado, nunca parariam de ler.

Embora não tenha sido o nosso objetivo quantificar a análise op-

tamos por mostrar aos nossos leitores para pesquisas futuras o quadro

estatístico em relação às citações e indicações dos vestibulandos dos

livros indicados. Os números inferiores se referem àqueles livros que

foram indicados com exclusividade na redação (podendo haver não-

-recomendações). Os superiores, àqueles indicados juntamente a um ou

mais livros. A soma indica o total de recomendações.

Os motivos pelas indicações dos dois livros mais recorrentes são os

seguintes:

Page 100: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e ensino I

100

Apenas umCurumim

ImpérioCaboclo

AmigoVelho

Os Sertões 200Crônicas

Resumode Ana

Brás, Bexigae BarraFunda

NovosPoemas

A Rosa doPovo

OFantásticona Ilha de

SC

30

14

29

1 2 2 204

457

1511

15

21

10

2928

23

em meio a outras indicaçõesúnico

Recomendados

454035302520151050

a) Os Sertões: sobre importante fato histórico, traz cultura e infor-

mações sobre história e geografia para os amantes da guerra e

da complexidade; para quem tem mais conhecimento da Lín-

gua Portuguesa, é uma leitura inteligente; indica, apesar da lin-

guagem, aprendizado gramatical; é um livro canônico; permite

adquirir vocabulário e leva à reflexão.

b) Apenas um curumim: pela mensagem ecológica que nos traz;

pela linguagem; pela cultura indígena; pela natureza descri-

ta; pelo ensinamento de respeitar a terra; pela descontração,

por ser dinâmico e reflexivo; pelo autor ser catarinense; por

ser emocionante e levar à conscientização; por fazer o leitor se

prender à história.

Em relação aos não-recomendados, a disparidade foi muito mais

acentuada, como podemos ver no gráfico a seguir.

Page 101: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

101

0 0

5 33 5

27

17

110

10 10

4

33

3

2 2 5

5

205

15

20

25

30

35

40

45

em meio a outras indicaçõesúnico

Não-recomendados

Apenas umCurumim

ImpérioCaboclo

AmigoVelho

Os Sertões 200Crônicas

Resumode Ana

Brás, Bexigae BarraFunda

NovosPoemas

A Rosa doPovo

OFantásticona Ilha de

SC

Os motivos para essa acentuada não-recomendação são os seguin-

tes: Os Sertões possui linguagem complicada,tem excesso de detalhes,

exige conhecimento prévio sobre o assunto, é denso, longo, violento,

cansativo... Convém dar destaque de que Os Sertões de Euclides da

Cunha foi paradoxalmente dos mais indicados e dos menos indicados...

O certo é que os vestibulandos que escolheram falar de livros foram

vestibulandos leitores. Não sabemos quantos destes entraram na UFSC.

Desejamos que muitos o tenham conseguido. Como profissionais da área

de Letras acreditamos que ao escutar a voz deles, que ao assumi-los como

críticos literários, estejamos conseguindo atingir os objetivos da pesquisa

e que estamos conseguindo, de certa forma, responder à pergunta de Ro-

land Barthes, em seu ensaio Reflexões a respeito de um manual:

Será que a literatura pode ser para nós algo que não seja uma lembrança

de infância? Quero dizer: o que é que continua, o que persiste, o que é que

fala da literatura depois do colégio? (BARTHES, 1988c, p. 53, grifo nosso).

Motivo mais recorrente dentre as redações que fazem parte da amostra-gem.

Page 102: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e ensino I

102

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus

colegas, tutores e professores:

1. Conforme mencionado no tópico “As instituciona-

lizações da literatura”, a leitura da literatura foi inseri-

da nas provas dos vestibulares, em 1989, com o in-

tuito de melhorar a qualidade da leitura e da escrita

dos alunos. Considerando que nem todos os alunos

e alunas, que concluem o ensino médio, leem as indicações, você(s) acredita(m)

que a leitura da literatura no vestibular conquistou um lugar próprio? Por quê?

2. Maria Alice Faria, livre docente e titular em Literatura Brasileira pela UNESP,

em entrevista concedida a Benedito Antunes no jornal Proleitura, em abril de

1997, lançou uma provocação em uma de suas respostas a respeito de clássi-

cos literários. Afirmou a professora: “Depois que a Linguística excluiu a literatura

como modelo de língua padrão, considerar exclusivamente a literatura como

patrimônio é uma coisa que precisaria ser revista. No vestibular, por exemplo,

por que só há questões de literatura? Há perguntas de História, Geografia, mas

nunca sobre música, artes plásticas, arquitetura, cultura popular. Todo mundo

vive a cultura popular, que chega inclusive à classe média, à elite. Há uma mu-

mificação do conceito de clássico no vestibular.” (FARIA, 1997, p. 1). Tendo em

vista a proposta do MEC de 2009, que pretende acabar com a divisão por dis-

ciplinas, criando quatro grupos mais amplos (línguas; matemática; humanas; e

exatas e biológicas), conteste(m) a afirmação da professora Maria Alice Faria, em

consonância com a proposta do MEC, e exponha(m) seu(s) ponto(s) de vista.

3. Segundo a Professora Claudete Amália Segalin de Andrade (2003, p. 88), “a

presença de leitura no vestibular abre um hiato significativo entre o ensino

de literatura previsto nos programas de língua portuguesa do ensino médio

e aquele que se apresenta como necessário, em função das indicações”. Per-

cebendo atualmente que literatura no ensino médio é praticamente sinôni-

mo de literatura para o vestibular (ou vice-versa); como pensar a literatura

Page 103: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular

103

nessa etapa da escolarização para alunos e alunas que não pretendem pres-

tar vestibular? Como pensar a literatura no ensino médio fora do vestibular?

Que propostas podem ser feitas para promover a leitura?

4. Que livro você(s) indicaria(m) para compor a lista do vestibular da UFSC?

Por quê?

Leia mais!

Lições

Na contemporaneidade muito se tem falado de crise da leitura e crise da li-teratura. Por esse lado tem se falado na necessidade de se pensar a literatura e suas crises. Sugerimos estas leituras como complemento da reflexão sobre o ensino da literatura no ensino médio:

BASTOS, Hermenegildo. “Permanência da literatura. Direção da prá-

tica literária na era do multiculturalismo e da indústria cultural”. In:

LOBO, Luiza (Org.). Fronteiras da Literatura. Rio de Janeiro: Relume

Dumará, 1999, p. 45-50.

OLINTO, Heidrun Krieger. “Disciplina sem disciplina. Observações so-

bre estudos literários e culturais”. In: LOBO, Luiza (Org.). Globalização

e Literatura. Discursos Transculturais. Rio de Janeiro: Relume Dumará,

1999, p. 45-53.

PEREIRA, Helena B. C. “Literatura e Cultura hoje”. Educação e Lin-

guagem. Revista da Faculdade de Educação e Letras da Universidade

Metodista de São Paulo, 2000, p. 179-193.

RAMOS, Tânia Regina Oliveira Ramos. “Dentro deste (a)pós: muito

abalo, novos nomes, outras falas”. Cadernos do Centro de Pesquisas

Literárias da PUCRS, Porto Alegre, v. 6, n. 1, ago. 2000, p. 73-79.

SANTIAGO, Silviano.“A literatura e suas crises”. In: Vale quanto pesa.

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 127-133.

Page 104: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I
Page 105: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 10O texto literário na escola: apontando caminhos

105

10 O texto literário na escola: apontando caminhos

Os que somos dominados pela paixão da leitura e nos esforçamos para

incutir essa paixão em outros – crianças, jovens, adultos – andamos sempre

à procura de meios de “contaminação”: como transmitir o gosto e o prazer da

leitura.

(SOARES, 2007, p. 127)

Como profissionais da linguagem, alocados na área de Letras, sabe-

mos que o que se espera de nossos alunos, futuros professores do sexto

ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio, é uma prá-

tica de escrita e de leitura. O fracasso do sistema educacional, cuja causa

não é aqui objeto maior de nossa reflexão, resultou na chamada “crise

do ensino da língua portuguesa”, fazendo com que os professores não

encontrem condições necessárias para atualizar o seu saber, o que lhes

possibilitaria criar novos procedimentos metodológicos para o processo

ensino-aprendizagem. Assim, a cada concurso para o magistério, a cada

vestibular para o ingresso na universidade, a imprensa não poupa esfor-

ços em mostrar que os alunos, embora tenham frequentado uma escola

durante, no mínimo, onze anos, parecem saber, mas não sabem; pois o

professor parecia ter ensinado, mas não ensinou... E a crítica recai muito

mais sobre a formação profissional dos professores.

Particularmente, para nós, nesse livro e em nossa prática, inte-

ressa o papel da literatura na escola e como isto pode se processar.

Falamos aqui da literatura canônica, aquela que inevitavelmente será

cobrada nos exames vestibulares, em concursos públicos, mas muito

mais aquela que permite ao estudante um contato direto com a lingua-

gem escrita transformada em texto comprometido com a literarieda-

de, e não apenas com a literalidade. Para isso temos que considerar o

objetivo de nossas disciplinas de literatura nas faculdades de Letras e

A partir do ensaio: RAMOS, Tânia Regina Oliveira. “O texto literário

e a escola”. In: Palavra amordaçada. Passo Fundo, RS: Universidade de

Passo Fundo, 2001, p. 326-335.

Page 106: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e ensino I

106

sempre fornecer pistas para que os futuros professores tenham a com-

petência pedagógica (o fazer) a partir e além da própria metodologia

e do próprio conteúdo de ensino presente nos livros didáticos, susten-

táculo do ensino em nosso país.

Para ensinar literatura, o professor precisa saber o que é literatura,

quais são os textos que representam a literatura brasileira em seus mo(vi)

mentos mais importantes, como ela pode ser introduzida paulatinamente

na sala de aula e como os alunos vão se familiarizando com textos, nomes

e autores. A literatura, mais do que instruir ou dar respostas exatas, busca

mostrar que é um campo privilegiado de aprendizagem expressiva, pelo

que ela pode mostrar de significados, de possibilidades interpretativas, a

partir de infinitas combinações das poucas letras de nosso alfabeto.

Neste texto e, particularmente, neste reencontro com o ensino

fundamental e médio, através daqueles que se preparam para serem

seus futuros professores, é possível mostrar a todos que, quando uma

garota de 13 anos escreve em sua agenda, com cores e odores, meu

desaniversário está mostrando que é uma leitora em potencial de Gui-

marães Rosa... Que é possível construir caminhos para a formação do

leitor desde o primeiro livro de leitura; que escrever se aprende lendo

de forma sistematizada e disciplinada; que as melhores possibilidades

de leitura se dão na escola, desde que a escola defina o lugar que ocu-

pa a literatura no seu projeto pedagógico. Em uma crônica publicada

em 1999, na Folha de São Paulo, a jornalista Marilene Felinto chama-

-nos à atenção para os apelos, em períodos de novas matrículas, das

escolas particulares através de outdoors ou pela mídia: na escola X seu

filho aprenderá informática, caratê, inglês, balé... Ela pergunta: E os

livros? Quantos livros têm a biblioteca da escola de seu filho? Como

se processará o incentivo ao exercício da leitura? Os pais hoje levam

em consideração esta oferta para a escolha da escola de seus filhos?

(FELINTO, 1999).

Page 107: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Capítulo 10O texto literário na escola: apontando caminhos

107

Perguntamos como ponto de reflexão: pode-se impor a leitura de de-

terminados livros? Toda escola é escol(h)a, queiramos ou não... Mas per-

guntamos também: impõe-se preferência por determinado esporte, por

um tipo específico de música, por um tipo de filme, por um determinado

pintor? A imposição deve se dar a partir de um exercício de aprendiza-

gem, criado e desenvolvido paulatinamente, por isto o nosso papel nor-

teador capaz de indicar maneiras e momentos para mostrar alguns textos

como fonte de prazer, manancial de respostas, repertório de perguntas,

potencial de encontros consigo mesmo. O ato da leitura é solitário e soli-

dário. Para se efetuar, precisa de reciprocidade, de cumplicidade.

Cabe a nós orientar nossos alunos, dar pistas, depois libertá-los.

Não há por que todos lerem o mesmo livro, mas também não há por que

orientar sem impor algumas direções. O primeiro passo é deixar que

tragam livros mesmo sem os ter lido. Comentar as capas, os autores, os

títulos, o número de páginas, o enredo e os personagens daqueles que

se conhece... Depois cada um poderia ler uma página, trocar, comen-

tar. Deve-se até, num primeiro momento, respeitar a indiferença ou o

alheamento da atividade por alguns deles. A partir deste contato, dar

algumas atividades sistematizadas ainda que sejam com alguns clássicos

da literatura infantil e juvenil. É importante não perdermos de vista que

Diante dessas circunstâncias, poderíamos contentar-nos com a sempre

existente boa vontade dos professores de Português, mesmo diante

da falta de apoio da escola, e não deixar que a literatura desapareça.

Um dado importante nesta prática é sempre permitir que a literatura

ensinada possa muitas vezes ser avaliada sem nota, mas com elogios,

com incentivo, com debates, com trocas, com prêmios e recompensas

simbólicas. Não acreditamos na desescolarização da leitura (sobretu-

do da literatura, que é o nosso objeto específico). A escola é uma das

últimas oportunidades que tem a criança ou o jovem de entrar em

contato com a leitura e, mais especialmente, com a literatura.

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Literatura e ensino I

108

contar histórias é uma história muito antiga, e a prosa se aprende aí.

Alguns romances devem, mesmo no ensino médio, ser contados pelos

professores antes de serem analisados.

Posteriormente, é possível se começar a pensar que todo texto não

é só construído pelo escritor, mas muito mais pelo leitor. É isto que per-

mite múltiplas leituras de uma mesma obra, condicionada à vivência,

à cultura e à história de cada personagem. A obra não é aquilo que foi

escrito e colocado na estante. Todo texto, todo livro pode ser singular-

mente interpretado. Deles provém o saber literário, que deve ir muito

além das cronologias, das biografias, dos estilos de época. Deve dialogar

com as outras disciplinas e outras áreas do conhecimento.

Cientes dessas questões, é possível, por exemplo, a partir da crôni-

ca “Antigamente”, de Carlos Drummond de Andrade, apresentarmos

já nas primeiras séries do ensino fundamental uma leitura do final do

século XIX, lermos e reescrevermos o célebre “Apólogo” de Machado de

Assis, conhecermos a vida e a obra de Machado de Assis através de ví-

deo e de atividades complementares; representarmos algumas passagens

para, quando chegarmos ao ensino médio, termos a (a)ventura de fazer

uma leitura filosófica e cultural, enriquecida pelo lúdico de O Alienista,

complementada no ensino médio por alguns contos e pelos romances

mais significativos de nosso autor (por que não?) maior, Machado de

Assis. Estaremos a um passo dos próprios alunos sentirem a necessida-

de de ler com atenção os romances para analisá-los sem se satisfazerem

mais apenas com os resumos dos livros dados em fichas de leituras, em

páginas da Web, em cursos pré-vestibulares. Aliás, a cobrança da lite-

ratura no vestibular, como mostramos, pode ser bastante proveitosa e

deve estimular a ideia de que o texto literário é, antes de tudo, um per-

gaminho e deve ser tratado com o devido respeito e distanciamento.

Este exemplo da literatura no vestibular não é fortuito nem aleatório.

A inserção de questões relacionadas aos livros propostos em listas pelas

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Capítulo 10O texto literário na escola: apontando caminhos

109

comissões de vestibular deve ser considerada na exata dimensão de suas

consequências para o conceito de literatura e para o tratamento que as

universidades, em última instância, conferem ao saber.

Estaremos, assim, apresentando despretensiosamente os cânones

de nossa literatura e para que, aventura maior ainda, no oitavo, nono

ano, possamos começar já lendo os prefácios de Tutaméia (Nós, os Te-

mulentos, por exemplo) e um conto como “Esses Lopes”, de Guimarães

Rosa e obras como Infância e Vidas secas, de Graciliano Ramos. Lendo

livros, vendo filmes, estabelecendo o diálogo entre as duas linguagens.

Uma prática como esta é que nos permite ler a textura do mundo e en-

tender como o simples pode se tornar complexo em textos como os de

Graciliano Ramos e de Clarice Lispector e como podemos ir adiante

das edições didáticas. Tão espinhosa quanto a produção de um discur-

so próprio, a aprendizagem do trabalho com o texto literário é como o

desafio de qualquer experiência. Os contos, por exemplo, têm formas

simples, mas exigem que sejam dados nos primeiros anos do ensino

fundamental até a universidade, para que os alunos reconheçam as suas

estruturas de significação. Por exemplo, no segundo ano do ensino mé-

dio é possível analisar a estrutura de um conto e reescrever um outro a

partir do primeiro; no ensino médio, a partir de um corpus ampliado,

podem-se fazer análises comparadas.

Esse texto abre brechas para a perspectiva dos estudos culturais,

centra-se naquilo que tem sido a tônica de muitas das nossas atividades,

a exclusão e a censura, e procura ter três momentos. No primeiro deles,

deseja-se apontar para algumas reflexões críticas e teóricas sobre o en-

sino da leitura e da literatura; em um segundo momento, demonstrar

como, através da inserção indireta de um autor como Machado de Assis

desde o sexto ano, será mais fácil o estudo de textos literários no ensino

médio, quando a literatura passa a ser disciplina. O mesmo pode se fa-

zer com alguns textos de Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Graciliano

Page 110: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

Literatura e ensino I

110

Ramos, para nos determos nos autores mais clássicos e, posteriormen-

te, ir nos aproximando de tudo que se pode chamar de contemporâneo.

Assim, poderemos abrir espaço para as nossas inquietações e nossos

comentários do papel do ensino da literatura hoje e do que podemos

fazer para nos atualizar e inserir novos textos e novas ideias na nossa

prática pedagógica. Abrirmos, igualmente, um espaço para podermos

perguntar, por exemplo, qual o nosso papel quando temos que interferir

no desejo daquele aluno que deseja ler espontaneamente os livros de

Paulo Coelho e chamar Machado de Assis de Machato de Assis.

É preciso também não esquecer que a literatura faz parte de uma

outra etapa da escola: não mais da informação (que secciona o saber),

Embora tenhamos procurado dar algumas diretrizes, o que é impor-

tante é muitas vezes resistir à tentação de escolher e obrigar certas

leituras ou optarmos por tudo aquilo que é mais fácil ensinar, ou

apenas o que é de nosso gosto. Mas, sem obrigar, podemos conta-

giar pelo nosso entusiasmo. Mostrar que igualmente somos leitores

dos clássicos de nossa literatura e que eles podem nos ensinar mui-

to, não no sentido instrucional, pois a literatura não é instrumento

informativo. Por outro lado, nós não podemos parar de ler exata-

mente no ponto em que estamos ou estávamos quando termina-

mos nosso curso de graduação. É preciso que sejamos leitores e que

nos mantenhamos atualizados, frequentando livrarias, adquirindo

livros, lendo suplementos literários, consultando o ambiente virtu-

al e mantendo contato com os professores da universidade, que no

Curso de Letras buscam transformar o conhecimento literário. Eles

precisam ser reencontrados (e cobrados também) para que perce-

bam que (n)a prá tica é sempre outra coisa... Ler o contemporâneo é

uma boa forma de se entender como se processa a estética da recep-

ção e a própria dinâmica da história da literatura sem nos escravizar-

mos a ela, como o fazem os manuais e a maioria dos livros didáticos.

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Capítulo 10O texto literário na escola: apontando caminhos

111

mas da formação e da transformação. O bom leitor de literatura é aquele

que faz da leitura uma ação vertical capaz de ampliar as relações do tex-

to com a sociedade e com a cultura.

Interessa aqui mencionar as questões relacionadas com aquilo que

virá com o Enem e a preparação para o Enem. Do ponto de vista da

tradição escolar brasileira a leitura de romances, de crônicas, de contos

e de poesias foi fundamental nos currículos escolares no século XIX e

durante o século XX. As tentativas recentes de democratização do ensi-

no foram acompanhadas de novas propostas para o ensino médio. Mu-

daram os tempos como se reconhece até mesmo nos PCNs. A proposta

do Enem – correta, poderíamos dizer, em seu princípio – consiste em

apagar os limites estabelecidos entre as disciplinas. Textos literários po-

dem ser utilizados para testar conhecimentos de Geografia e História.

Embora exista uma preocupação em divisão por disciplinas nas provas

vestibulares, a proposta de não haver limites entre elas não está restrita

ao Enem. Nas provas do Vestibular 2010, da Universidade Federal de

Santa Catarina, é possível perceber certo apagamento das fronteiras es-

tabelecidas entre as disciplinas. Textos literários e conhecimentos que,

em uma primeira impressão, seriam dignos da Literatura são testados

em História e Geografia, por exemplo. Isso significa dizer que a univer-

sidade está em busca de um leitor plural, que consiga perceber as cone-

xões entre os diferentes tipos de textos e estabelecer inúmeras relações

desvinculando-os de disciplinas específicas.

Ao se pensar também a questão da leitura da literatura, no ensino

médio, ao se pensar os gêneros literários enquanto a concretude da obra

acessível aos alunos, ou em outras palavras, a literatura como compo-

nente curricular no ensino médio, constituindo ainda um conteúdo ca-

paz de conseguir o interesse pela leitura, não podemos perder de vista

a necessidade de levar os alunos, ou uma parcela deles, a experimentar

a experiência estética e a refletir criticamente sobre o real. Isso justifica-

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Literatura e ensino I

112

ria a necessidade da continuidade da leitura de literatura e da literatura

com(o) disciplina no ensino médio, como um dos caminhos possíveis

para o não empobrecimento do espírito crítico e da criatividade.

E pode existir maior privilégio do que sermos responsáveis por

instrumentalizarmos nossos alunos para analisar textos literários na

escola? Instrumentalizá-los para este exercício significa proporcionar

que eles enxerguem o que os outros apenas vislumbram e que sejam

capazes de exercer sua capacidade de leitura em um nível no qual sai-

bam trabalhar com a história, com a geografia, com a ciência, com a

cultura, com a sociedade, com o novo, com o diferente, na expressão

mais democrática e mais subversiva: a literatura enquanto prosa do

mundo. Essa talvez seja a resposta que se pode dar às inquietações da

professora que deu início ao nosso livro.

Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e

professores:

1. Após percorrermos uma trajetória de dez tópicos, que discutiram ques-

tões relacionadas à literatura e ao seu ensino, qual(quais) é(são) o(s) seu(s)

entendimento(s) da literatura com(o) disciplina na escola? Qual é a vantagem de

se estudar a literatura no século XXI? Há lugar e espaço para ela neste século?

2. Além dos gêneros literários levantados nos capítulos “O texto literário na es-

cola: apontando caminhos” e “A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e

a Internet)”, que outros gêneros literários poderiam ser usados em sala de aula?

Que proposta de trabalho de literatura você(s) desenvolveria(m) na escola?

3. Qual é a sua experiência – ou as suas experiências – de apre(e)nder e/ou

ensinar literatura?

Page 113: [Livro UFSC] Literatura e Ensino I

RefeRênCias

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