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1 Deleuze e Hegel: variações a respeito de necessidade da arte Luiz B. L. Orlandi (Unicamp/PUC-SP) Fiquei impressionadíssimo ao ler os títulos das setenta comunicações inscritas neste colóquio. Independentemente dos seus resultados estritamente acadêmicos, já estamos participando do estado de coisas de um valoroso acontecimento. Isto me leva a homenagear os partícipes deste encontro, seus organizadores e idealizadores. Sou grato, particularmente, a Sandro Kobol Formazari e a Cíntia Vieira da Silva pelo generoso convite que me fizeram para estar aqui neste momento. Aproveito esta rara oportunidade para, de público, prestar minha modesta homenagem a uma pessoa muito querida. Refiro-me a Marilena Chauí, a quem admiro há várias décadas. E a admiro não só pela excepcional qualidade e grandeza de sua multíplice contribuição às pesquisas e estudos filosóficos feitos no Brasil, mas também pelo seu excepcional nível de abertura aos problemas de nossa contemporaneidade, problemas que ela sempre soube enunciar com a competência teórica e a clareza retórica que tanto nos encantam. Para findar este prólogo, manifesto também uma quase certeza: a de que nós todos estamos aqui reunidos com o inocente e fecundo intuito de criar condições atuais e futuras para novas conversações que nos sejam mutuamente úteis em nossas pesquisas. Por que digo isso? Por causa de uma interessante idiossincrasia assumida por Deleuze: é que ele apreciava conversações. Exemplo disso é a coletânea denominada Pourparlers (justamente traduzida como Conversações pelo nosso amigo Peter Pál Pelbart). Porém, embora favorável a conversações, Deleuze manifestava fortes reservas a colóquios que primassem por discussões inúteis, mormente aquelas entre exibicionistas de suas próprias auto- afirmações, mesmo que amparadas em leituras até formalmente corretas.

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Deleuze e Hegel: variações a respeito de necessidade da arte

Luiz B. L. Orlandi (Unicamp/PUC-SP)

Fiquei impressionadíssimo ao ler os títulos das setenta

comunicações inscritas neste colóquio. Independentemente dos seus

resultados estritamente acadêmicos, já estamos participando do

estado de coisas de um valoroso acontecimento. Isto me leva a

homenagear os partícipes deste encontro, seus organizadores e

idealizadores. Sou grato, particularmente, a Sandro Kobol Formazari

e a Cíntia Vieira da Silva pelo generoso convite que me fizeram para

estar aqui neste momento. Aproveito esta rara oportunidade para, de

público, prestar minha modesta homenagem a uma pessoa muito

querida. Refiro-me a Marilena Chauí, a quem admiro há várias

décadas. E a admiro não só pela excepcional qualidade e grandeza de

sua multíplice contribuição às pesquisas e estudos filosóficos feitos no

Brasil, mas também pelo seu excepcional nível de abertura aos

problemas de nossa contemporaneidade, problemas que ela sempre

soube enunciar com a competência teórica e a clareza retórica que

tanto nos encantam.

Para findar este prólogo, manifesto também uma quase

certeza: a de que nós todos estamos aqui reunidos com o inocente e

fecundo intuito de criar condições atuais e futuras para novas

conversações que nos sejam mutuamente úteis em nossas pesquisas.

Por que digo isso? Por causa de uma interessante idiossincrasia

assumida por Deleuze: é que ele apreciava conversações. Exemplo

disso é a coletânea denominada Pourparlers (justamente traduzida

como Conversações pelo nosso amigo Peter Pál Pelbart). Porém,

embora favorável a conversações, Deleuze manifestava fortes

reservas a colóquios que primassem por discussões inúteis,

mormente aquelas entre exibicionistas de suas próprias auto-

afirmações, mesmo que amparadas em leituras até formalmente

corretas.

2    

Pois bem, essa posição sugere um quadro de cuidados a serem

tomados. Cuidados que estão implícitos na valorização, no valor de

uso das conversações, na sua utilidade a estudiosos, a pesquisadores

e mesmo a curiosos. O subproduto dessa valorização é uma espécie

de depreciação da entrega de si a discussões filosóficas. É claro que

uma discussão filosófica, detestável como espetáculo de egos

discutidores, pode mostrar-se útil a um pesquisador. Em tal caso, é a

própria extração de sua utilidade que a transforma imediatamente

numa conversação tripartite, multipartite, no espírito desse

pesquisador. A condição negativa é que ele não reduza tal utilidade a

uma posição dogmática posta a serviço de um dos discutidores,

embora lhe caiba, obviamente, privilegiar a via que se mostrar

circunstancialmente mais propícia ao desdobramento das questões ou

problemas que o apaixonam. É claro que uma discussão ao vivo pode

ser acalorada, nascer de paixões elevadas ou baixas, e mesmo

suscitá-las. Mas isso não autoriza alguém a limitar o desenvolvimento

do questionário que o apaixona.

Mas de onde vem a necessidade de tomar alguns cuidados? É

que o campo problemático, onde se cruzam tantos questionários, não

merece estar preso aos estados a que ele se reduz quando se acha

dualizado por polêmicas. Ele pede novos ares, mudanças de assunto,

sensibilidades que explorem sua fecundidade questionadora. Nas

conversações – que, por si, parecem mais promissoras como

diversidade paisagística de pontos de vista -- os principais tensores

que nos apaixonam são, justamente, variações de circuitos pulsantes

no campo problemático. Por isso, esse campo é irredutivel ao manto

de respostas impostas por discussões. Neste sentido, confiando na

força de sua abertura à multiplicidade de linhas do campo

problemático, as conversações talvez tenham condições para operar

como cuidadosas herdeiras de uma criativa atmosfera filosófica. Com

efeito, isso acontece até mesmo, e talvez principalmente, nas

3    

conversações solitárias de alguém com os livros que o acodem em

suas leituras especiais. Aquele risco grifando palavras ou enunciados,

aquelas anotações que ocupam as margens dos textos, tudo isso é

sinal de conversa, sem que esta caia, necessariamente, naquilo que

Heidegger chamaria de conversa fiada, esse tipo de conversa que,

entretanto, é por vezes muito mais interessante que uma discussão.

Sonoramente, elas também comportam os riscos e rabiscos das

intensas leituras feitas nos encontros solitários com os livros. São

sinais que herdam outras conversas e que dão testemunho das

solidões povoadas, como diria Deleuze: aquelas solidões criativas que

absorvem verdadeiros filósofos em suas contínuas ou despedaçadas

relações com outros filósofos, seja numa grandiosa história hegeliana

da filosofia ou numa ziguezagueante geofilosofia deleuze-guattariana.

Quero dizer que não advém de mera discussão egocentrada o

gradativo ou repentino mapeamento de diferenças conceituais que

um filósofo é coagido a construir relativamente a outros filósofos. É

claro que também não se trata de um puro exercício racional posto a

conversar com outro puro exercício racional. Entre um subjetivismo

exacerbado e um puro exercício de imperturbável racionalidade, há

apaixonados e apaixonantes deslocamentos de problemas num

inexaurível campo de tensões. É uma complexa intersecção desses

deslocamentos, é um frêmito de dobras agitadas por dinamismos

espaciais e temporais, que arrasta as vidas e os esforços tanto dos

filósofos quanto dos estudiosos dedicados às suas obras. É do gosto

dessa atmosfera que nos separamos quando bebemos ou respiramos

a acidez das discussões. E guando são egocentricamente

contaminadas, as discussões obnubilam (para empregar uma palavra

que aprendi com Hegel) o que há de sutil abertura das conversações

ao ziguezague que torna ilimitável o apaixonado interesse pelas

filosofias todas, mesmo quando não se tenha condições de ocupar,

como especialista, mais do que um limitado ou limitadíssimo número

4    

delas. É neste caso que me sinto incluído ao atrever-me, aqui, a

relatar tão-somente o estado atual da minha pesquisa. Essa pesquisa

faz uma pergunta que muita gente sabe responder, menos eu. Ela

pergunta pelas variações a serem cartografadas entre Hegel e

Deleuze ou entre Deleuze e Hegel a respeito da necessidade da arte

ou de necessidade de arte.

Como não sou especialista em Hegel, a pesquisa ainda sofre um

evidente desnível. É que, enquanto leitura da estética de Hegel, o

encaminhamento da pesquisa fica numa espécie de admiração

cautelosa, mais colado ao pé da letra dos cursos dados por esse

imenso filósofo ao longo dos poucos anos que antecederam sua

morte, em 1831. E do ponto de vista das minhas leituras de obras de

Deleuze, a pesquisa sofre uma espécie de excessivo bem-estar, não

ao pé da letra deleuziana, precisamente, mas ao pé de um fogo que

nasce e renasce, desses que aquecem bons encontros. Em ambos os

casos, porém, a pesquisa não chega, e talvez nem queira chegar, a

um conjunto de interpretações já decididas. Às vezes, ela se atém a

um genérico bloco de anotações de estudo. Outras vezes, ela dá a

impressão de ser mesmo verdadeira a idéia de que a filosofia é

também uma questão de gosto. É que, em certos momentos, a

pesquisa sente no ar algo como uma emanação de alergia filosófica,

uma alergia que, embora aquém do conceito, distancia um sorridente

Deleuze, vestido com sua “jaqueta de camponês” 1, da universal

grandeza de Hegel, ou então, em outra modulação, a alergia que leva

certos hegelianos a se distanciarem da leveza deleuziana.

xxx

                                                                                                                         1  Gilles  Deleuze,    Pourparlers (1972-1990). Paris : Minuit, 1990, p. 13. Conversações (1972-1990), tr. br. de Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro : Ed. 34, 1992; São Paulo. 2ª ed., 2010, p. 13.  

5    

Pois bem, como Hegel configura o problema da necessidade da

arte em sua longa introdução aos seus “cursos de estética”? 2. Em

resumo, ele nos acostuma a pensar a arte sob a vigilância da

“ciência” que ele está elaborando, ou seja, de sua “filosofia da arte”,

por ele restringida a uma “filosofia da bela arte”, excluindo, assim, o

“belo natural”. Conceitualmente, essa exclusão implica a afirmação

da “superioridade do espírito e da sua beleza artística”. Porém, tal

superioridade não é afirmada apenas perante a natureza, pois isto

seria pensar o espírito ainda de modo relativo. A superioridade é

afirmada por força da intimidade do espírito com a verdade. Com

efeito, ele diz que “somente o espírito é o verdadeiro, que tudo

abrange em si mesmo, de modo que tudo o que é belo só é

verdadeiramente belo quando toma parte desta superioridade e é por

ela gerada” [14-15]. E na última página da introdução, lê-se o

seguinte: “portanto, segundo o conceito, o que as artes particulares

realizam em obras de arte singulares são apenas as Formas

universais da Idéia de beleza que a si se desenvolve” etc. [124].

Entre esses dois extremos da introdução, Hegel enfrenta duas

dificuldades que se opõem ao intento de mostrar que a “bela arte é

digna de tratamento científico”. Ele mostrará que ela é digna, porque

“as Formas [Form, distinta de Gestalt, que é forma determinada

                                                                                                                         2  HEGEL, George Wilhelme Friedrich (1770-1831), Vorlesungen über die Ästhetyk, Francoforte, Suhrkamp, 1986; textos presentes nos volumes 13, 14 e 15 reeeditados por Eva Moldenhauer e Karl Markus Michel com base na edição de 1842. Tr. br.: Cursos de Estética, São Paulo, Edusp, 4 volumes assim distribuídos: Vol. 1. Parte I. A Idéia do belo artístico ou o Ideal. Tr. br. de Marco Aurélio Werle: 1ª ed. 1999; 2ª ed. 2001. [302 pp.]. Vol. 1. Parte I. A Idéia do belo artístico ou o Ideal. Tr. br. de Marco Aurélio Werle: 1ª ed. 1999; 2ª ed. 2001. [302 pp.]. Vol. 2. Parte II. O desenvolvimento do Ideal nas formas particulares do belo artístico: Primeira Seção. A forma de arte simbólica; Segunda Seção. A forma de arte romântica. Tr. br. de M. A. Werle e Oliver Tolle, 2000. [351 pp]. Vol. 3. Parte III. O sistema das artes particulares: Primeira Seção. A Arquitetura; Segunda Seção. A Escultura; Terceira Seção. As artes românticas: Pintura; Música. Tr. bre. de M. A. Werle e O. Tolle, 2002. [345 pp.]. Vol. 4. Parte III [Final do Sistema das artes particulares]. A Poesi. Ter. br. de M. A. Werle e O. Tolle, 2002. [287 pp.]. A tradução preserva, entre colchetes, a paginação do original. É essa paginação que reterei, também entre colchetes, ao longo da minha exposição.  

6    

individual] não estão fora dos “fins últimos verdadeiros da vida”.

Deste modo, quando a arte “lança mão da ilusão para servir como

meio a outros fins, isto lhe é prejudicial, pois o “meio deve ser

adequado à dignidade da finalidade”. A seleção do mais adequado

impõe-se, porque a “ciência tem de refletir sobre os verdadeiros

interesses do espírito segundo o modo verdadeiro da efetividade e o

modo verdadeiro de sua representação” [16, 17]. Outra dificuldade a

ser enfrentada por Hegel é esta: embora “sirvam a reflexões

filosóficas”, seriam as artes “um objeto adequado para a

consideração científica autêntica”? [18] Por que haveria essa

dificuldade? E a resposta de Hegel, distribuída em vários níveis, é

admirável, graças à consciência que ele demonstra ter do quão

invasivo pode ser determinado exercício do pensamento.

Num primeiro nível, a dificuldade aparece porque “a beleza

artística se apresenta ao sentido” (sensação, intuição, imaginação),

isto é, a um “âmbito” que não é o do “pensamento científico”. Num

segundo nível, a dificuldade se recompõe, porque o que se frui na

beleza artística é a “imaginação criadora”, a “liberdade da produção e

das configurações” estéticas, de modo que, diz Hegel, ficam

suspensas “as amarras da regra e do que é regrado” tanto “na

produção quanto na contemplação de suas criações”. No terceiro

nível, quando Hegel exaspera a dificuldade, ficamos mais ou menos

sabendo qual é o modo de pensar aí chicoteado pela arte: “perante

esta plenitude incomensurável da fantasia e de seus produtos livres”,

diz ele, “o pensamento parece que tem de perder a coragem para

trazê-los em sua completude diante de si, para julgá-los e enquadrá-

los em suas fórmulas gerais”. Finalmente, o quarto nível distribui em

dois pontos de vista a dificuldade de a ciência pensar as artes: do

ponto de vista da Forma, o pensamento faz abstrações, exclui a

imaginação (que “é o órgão da atividade e fruição artísticas”) e leva o

conceito a uma “simplicidade destituída de efetividade e a uma

7    

abstração cheia de sombras”; e do ponto de vista do conteúdo, a

dificuldade se bifurca, por duas razões: de um lado, a ciência se

ocupa com “o que é em si mesmo necessário”; ora, como ela extrai

da “natureza” a “representação da necessidade e conformidade a

leis”, e como Hegel já eliminou de suas preocupações o belo natural,

então essa ciência ainda precária [por não ser dialética, entenda-se]

fica desarmada perante obras do espírito, dado que este, para essa

ciência precária, é o onde “reside o arbítrio e o desregramento”,

justamente o que impede a “fundamentação científica” visada por

Hegel. Como resumo desses quatro níveis da dificuldade, Hegel diz

que “a arte resiste em sua autonomia contra a atividade reguladora

do pensamento e não se mostra adequada à autêntica investigação

científica” [18, 19].

Então, cabe perguntar: como a filosofia hegeliana da arte põe

essa autonomia na direção de uma “esfera” determinada pela sua

própria filosofia geral? Primeiramente, ele elimina a “arte servil” para

ficar com a “arte livre”, que é livre em seus fins e em seus meios,

embora, como todo pensamento, ela possa ser empregada para “fins

finitos e meios casuais”. O que importa afirmar é que a “arte pode

libertar-se dessa servidão”. Sim, mas Hegel não se contenta com

esse pedaço da frase. Ele dá um destino a essa libertação: a arte

pode libertar-se “para elevar-se à verdade numa autonomia livre, na

qual ela se realiza independentemente, apenas com seus próprios

fins”. E o que acontece nessa trajetória de livre efetuação de si? Ao

fazer isso, a arte, diz Hegel, “leva a termo sua mais alta tarefa,

quando se situa na mesma esfera da religião e da filosofia”. E o que a

arte se torna ao cumprir livremente sua inclusão nessa esfera? E aí a

frase de Hegel escorrega num terrível apenas: “ela se torna apenas

um modo de trazer o divino à consciência e exprimi-lo”. Mas é um

grande apenas, pois, como Göttliche, em alemão, o divino fica mais

maravilho, dado que implica “os interesses mais profundos da

8    

humanidade, as verdades mais abrangentes do espírito”. E sabemos

qual é o modo peculiar pelo qual a arte ganha um lugar nessa esfera,

nessa linhagem da qual a religião participa e que a filosofia coroa.

Sua função aí é “expor sensivelmente o que é superior”. E ao fazer

isso, ela está aproximando o superior daquilo que tinha sido afastado,

mas que é agora recuperado; ela aproxima o superior da “maneira de

aparecer da natureza, dos sentidos e da sensação” [Empifindung].

Quer dizer que a necessidade da arte consistiria em evitar que

religiões e filosofias ficassem boiando em simples abstrações a

respeito da “profundidade de um mundo supra-sensível”? Sim e não.

Sim, porque a arte aparece como primeiro elo entre o puro pensar,

isto é, a liberdade infinita do pensamento conceitual e o meramente

exterior, sensível e passageiro, isto é, natureza e efetividade finita.

Não, porque, ao cumprir esse papel mediador, a arte está sendo

apenas o modo pelo qual o espírito cura a si próprio da ferida de

sentir-se cortado do “aquém, ou seja, da efetividade sensível e da

finitude”. E como o espírito cura a si próprio? Muito simples: “ele gera

a partir de si mesmo as obras da arte bela como primeiro elo” entre o

puro pensar e o meramente exterior. [20, 21, 22]. Quer dizer que a

necessidade da arte é derivada do livre auto-movimento do espírito,

auto-movimento que implica o poder de ligar essência e aparência. É

essa ligação que dá consistência à idéia hegeliana do verdadeiro, do

real, isto é, da “autêntica efetividade”, como diz Kervégan, e não se

perde na mera ilusão do “falsamente efetivo”. O que é esse

falsamente efetivo? É a ligação das sensações e dos objetos

exteriores; mais precisamente, é a ligação entre, de um lado, o

mundo interior sensível e dos sentidos e, de outro, o mundo exterior

dos fenômenos e sua materialidade imediata3. Cumprindo com

autenticidade seu papel, isto é, tomada pela boa necessidade, a arte,

                                                                                                                         3  Jean-­‐François  Kervégan,  “L’effectif  et  le  rationnel”,  em  François  Dagognet  e  Pierre  Osmo  (Ed.),  Autour  de  Hegel  –  Hommage  à  Bernard  Bourgeois,  Paris,  Vrin,  2000,  pp.  240  ss,  esp.,  p.  245.  

9    

com sua aparência, dá “efetividade ao que é verdadeiro em si

mesmo”. E quando, graças à arte, o verdadeiro em si mesmo penetra

a aparência, ele ganha o estatuto de “verdadeiramente efetivo”, do

que “é em-si-e-para-si” [Anund-fürsichseiende], ou seja, “o

substancial da natureza e do espírito”. Cumprindo sua mais elevada

necessidade, a arte vista por Hegel “ressalta e deixa aparecer

precisamente a dominação destes poderes universais”.

Contudo, a arte não basta para tanto. Por que? Porque esse

poder todo se concentra na verdade. Então, chegará um momento

em que, diz Hegel, “o caráter peculiar da produção artística e de suas

obras já não satisfaz nossa mais alta necessidade”. É que, para ele,

já “ultrapassamos o estágio no qual se podia venerar e adorar obras

de arte como divinas”, no qual a arte “proporcionava satisfação das

necessidades espirituais”, estágio, agora “irrecuperável” [22, 23]. A

“cultura [Bildung] da reflexão” anula a anterior necessidade espiritual

da arte, pois, nesta, “a universalidade não está presente como norma

e máxima”. Assim, embora a arte ainda proporcione “fruição

imediata”, ela perde “sua destinação suprema“, sua “autêntica

verdade e vitalidade”. A essa devastação filosófica, sucede uma

apropriação, também filosófica, do necessário. É que aquela anterior

necessidade encontra seu mais efetivo lugar na “ciência da arte”,

agora entendida como filosofia da arte, filosofia que é, diz Hegel,

“muito mais necessária do que em épocas nas quais a arte por si só

proporcionava plena satisfação, enquanto arte”. Por que a filosofia da

arte tornou-se muito mais necessária? Primeiro, porque a própria

filosofia tem a “tarefa” de “considerar um objeto segundo a

necessidade, que não pode ser [...] necessidade subjetiva ou estar

submetida a uma ordem e classificação exterior”. Como a

necessidade de um objeto é “sua própria natureza interior”, e como

essa natureza interior é “natureza lógico-metafísica” (evitando cair

nas “raias da contingência”), a filosofia hegeliana da arte se livra dos

10    

sustos que a arte pode causar, e se livra apenas perguntando pelo

“que é a arte”. Deste modo, sem perturbações de fora, essa filosofia

configura a necessidade da arte do ponto de vista logocêntrico do

“progresso interior do seu conteúdo e em seu meio de expressão”.

Mas Hegel tem consciência de que tal programa exige de sua filosofia

algo que será sempre posto em questão: um modo de criação

conceitual que não desfigure e nem mate “o factual em geral”, que

não mate “a vida da natureza e do espírito” [25-27].

xxx

Considerando brevemente o conjunto das obras de Deleuze e

Guattari, e sem entrar nos detalhes da pesquisa que venho fazendo,

a pergunta deve ser nuançada: relativamente a essas obras, como

poderia ser configurado o problema do liame entre arte e

necessidade? Mas, nesse caso, a pergunta metodológica inicial, e de

inspiração bergsoniana, é outra: com base nessas obras, trata-se de

um problema verdadeiro ou falso? Há testemunhos de que se trata de

um problema verdadeiro. E mais: trata-se de um problema que

ganha seu caráter verdadeiro com base numa questão que é tão

fundamental no estudo da filosofia hegeliana quanto na filosofia

deleuze-guattariana da diferença. A questão é esta: que significa

pensar? Ao longo das obras que a constituem, uma filosofia secreta

uma imagem do que, para ela, significa pensar. Sabe-se que Deleuze

tem um nome para isso: a imagem do pensamento, o plano de

imanência que é erigido à medida que os conceitos vão sendo criados

numa filosofia. Numa carta-prefácio a Jean-Clet Martin, Deleuze diz:

“creio que, além das multiplicidades, o mais importante para mim foi

a imagem do pensamento, tal como tentei analisá-la em Diferença e

repetição, depois em Proust e em toda parte” 4. Um breve

levantamento bibliográfico permite notar que há sugestivas                                                                                                                          4  G. Deleuze, “Lettre-préface” (1990) a MARTIN, Jean-Clet, Variations, Payot, Paris, 1993, p.8.  

11    

incidências dessa idéia em pelo menos dez obras ao longo de várias

décadas: Empirismo e subjetividade [1953], Nietzsche e a filosofia

[1962], Filosofia crítica de Kant [1963], Proust e os signos [1964],

Nietzsche [1965], Diferença e repetição [1968], Lógica do sentido

[1969], Mil platôs (com Guattari) [1980], Conversações [1990], Que

é a filosofia? (com Guattari) [1991]. O importante é que essas

incidências atestam o quão decisiva é essa idéia na inovação do

pensamento da diferença e o quanto ela opera na crítica ao

pensamento representativo, especialmente ao pensamento hegeliano.

Mas em quê a imagem deleuze-guattariana do que significa

pensar permite tratar como verdadeiro o problema do liame entre

arte e necessidade do ponto de vista dessa filosofia da diferença? Eis

uma resposta de Anne Sauvagnargues: “Deleuze finda sua primeira

versão de Proust e os signos com uma conclusão que se intitula A

imagem do pensamento, e que mostra o quanto a filosofia tem

necessidade da arte”, neste caso, “da literatura”. E a necessidade que

Anne destaca está ligada a uma longa e decisiva passagem do

romance. Nessa passagem do volume dedicado a O tempo

redescoberto, Proust contraria “as verdades que a inteligência

apreende direta e claramente no mundo da plena luz”, dizendo que

elas “são menos necessárias“ do ponto de vista da “vida” e que “seria

preciso interpretar as sensações como signos” a serem desvendados

etc. Eis como Deleuze pratica sua transcriação filosófica dessa

passagem: “o pensamento nada é sem algo que força a pensar” 5. Em

outro texto, é ainda Anne que destaca, e com razão, que os

encontros de Deleuze com as artes são marcados por constante

abertura à “experimentação” levada a cabo pelas “artes”, abertura

que percute também em sua própria “experimentação em filosofia” 6.

                                                                                                                         5  Ver  Anne  Sauvagnargues,  “La  table  ds  catégories  comme  table  de  montage  »,  em  François  Dosse  e  Jean-­‐Michel  Frodon  (Dir.),  Gilles  Deleuze  et  les  images,  Paris,  Cahiers  du  Cinéma  –  Essais,  2008,  p.  118.  A  frase  de  Deleuze  aparece  em  Proust  et  les  signes,  Paris,  PUF,  1976,  p.  117.  

6  A.  Sauvagnargues,  Deleuze  et  l’art,  Paris,  PUF,  2006,  p.  260.  

12    

É preciso salientar, entretanto, que, embora haja troca de efeitos

entre essas experimentações, isso não redunda, é claro, em invasão

pura e simples de uma linha sobre a outra. Esse pensar com, e não

sobre, é como uma posição de princípio não totalitário, desde que se

leve suficientemente em conta o seguinte: ao contrário do

enciclopedismo hegeliano, sempre propenso a se julgar onipotente

para pensar o todo, essa filosofia da diferença, esse empirismo

transcendental, eminentemente cioso do campo problemático, opera

ao ritmo de uma micro e nômade pedagogia do conceito, uma

experiência de filósofo aprendiz, que não pode estabelecer uma

hierarquia interna entre as grandes formas do pensar, esta atividade

sempre questionada pelo “caos” das “variabilidades”: as filosofias,

que pensam por conceitos (“cujos seres são variações”); as ciências,

que pensam por funções (“cujos seres são variáveis”); e as artes, que

pensam por sensações (“cujos seres são variedades”) 7.

Os textos dessa filosofia são muito ricos em passagens que

atestam a intenção de não impor seus conceitos a outras linhas de

pensamento. Mais do que isso, atestam sua necessidade de outras

linhas para que algum conceito chegue a ser criado em sua própria

linha. Por exemplo, eis uma idéia que circula tanto em Foucault

quanto em Blanchot, a idéia de um “pensamento do fora”, idéia que

não se dá bem com a interioridade. Trata-se, dizem Deleuze e

Guattari, de “colocar o pensamento em relação imediata com o fora,

com as forças do fora, em suma, fazer do pensamento uma máquina

de guerra”, como os “aforismos” de Nietzsche, “muito diferente da

máxima, pois uma máxima, na república das letras, é como um ato

                                                                                                                         7  G. Deleuze e Félix Guattari, Qu’est-ce que la philosophie?. Paris: Minuit, 1991. pp. 166, 186, 187. [O que é a filosofia?, tr. br.de Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992, ver pp. 227, 254].  

13    

orgânico de Estado ou um juízo soberano” 8. Em outro registro, ainda

a respeito de Foucault, a “lógica de um pensamento” é sentida por

Deleuze “como um vento que nos impele, uma série de rajadas e de

abalos”, e não como “um sistema racional em equilíbrio” 9. São

rajadas ou abalos imprescindíveis ao atletismo que liga pensar e

criar, ventos que engendram ´”pensar’ no pensamento”, como

Deleuze dizia em Diferença e repetição, e também com a ajuda de

Artaud 10. E o modo de tratar os encontros que fazem pensar exige

uma nova teoria das faculdades, atenta aos seus acordos

discordantes, exige, explicitamente, a “destruição da imagem de um

pensamento que pressupõe a si próprio”. Por quê? Porque, para

Deleuze, “os conceitos designam tão-somente possibilidades. Falta-

lhes uma garra, que seria a da necessidade absoluta, isto é, de uma

violência original feita ao pensamento, de uma estranheza, de uma

inimizade, a única a tirá-lo do seu estupor natural ou de sua eterna

possibilidade: tanto quanto só há pensamento involuntário, suscitado,

coagido no pensamento, com mais forte razão é absolutamente

necessário que ele nasça, por arrombamento, do fortuito no mundo.

O que é primeiro no pensamento é o arrombamento, a violência, é o

inimigo, e nada supõe a filosofia; tudo parte de uma misossofia. Não

contemos com o pensamento para assentar a necessidade relativa do

que ele pensa; contemos, ao contrário, com a contingência de um

encontro com aquilo que força a pensar, a fim de realçar e erigir a

                                                                                                                         8 G. Deleuze e Félix Guattari, Mille Plateaux (com Félix GUATTARI). Paris: Minuit, 1980, p. 467. Mil Platôs, vol. 5, Tr. br. de Peter Pál Pelbart e Janice Caiafa. São Paulo: Ed. 34, 1997, p. 46.

9 G. Deleuze, Pourparlers, op. cit., p. 129. Conversações, op. cit., p. 122.

10   G. Deleuze, Différence et répétition. Paris: PUF, 1968, p. 192. -Diferença e repetição, tr. br. de Luiz Orlandi e Roberto Machado. Rio de Janeiro, Graal, 1988, p. 243.  

14    

necessidade absoluta de um ato de pensar, de uma paixão de

pensar”11.

Há muitos outros exemplos de enunciações deleuze-

guattarianas como essas. Elas reafirmam a idéia de um pensar

filosófico que, para subsistir criando em sua própria linha, não tem

necessidade de dominar as outras grandes linhas a partir dos seus

conceitos, mas tem, isto sim, necessidade de aprender com o que ele

não é, mas que o afeta. Necessidade de aprender, sim, mas para

quê? Talvez a gente encontre um sinal de resposta na seguinte

passagem de Imagem tempo: “não há outra verdade senão a criação

do Novo: a criatividade, a emergência, o que Melville chamava

‘shape’, [configurar, modelar, plasmar, forjar?] em contraposição a

‘form’” [forma, molde] 12. Essa resposta parece dizer: trata-se de

aprender com o que nos faz pensar para que possamos participar da

criação do novo, seja em filosofia, seja em arte, seja em ciência...

Observemos que esse aprender não corresponde apenas à

necessidade subjetiva de um sujeito criativo, mas vai ao fundo do

que é necessário para que haja criação na linha que sorve o sujeito.

Estamos diante de uma complexa necessidade de dupla face. Com

efeito, para haver criação, seja em arte ou em filosofia, diz Deleuze,

“é preciso que haja uma necessidade” [nécessité], de modo que “um

criador” venha a fazer tão só “aquilo de que ele tem absoluta

necessidade” [besoin]. Ao supor a existência de tal “necessidade”

[nécessité], que “é uma coisa muito complexa”, Deleuze diz o

seguinte: ela “faz com que um filósofo [...] se proponha inventar,

                                                                                                                         11  G. Deleuze, Différence et répétition, op. cit., p. 181, 182. Diferença e repetição, op. cit., p. 230, 231.  

12  Cinéma 2. L’image-temps. Paris: Minuit, 1985, p. 191. Cinema 1. A imagem-tempo, tr. br. de Eloisa de Araujo Ribeiro. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 178.  

15    

criar conceitos, e não ocupar-se em refletir” sobre algo, mesmo que

seja “sobre o cinema” 13.

Para findar esta parte do relato da pesquisa, recupero uma

passagem que servirá de resumo ao que foi visto e que talvez ajude a

acrescentar algo mais a essa resposta. Vou ao cinema. Estou no

cinema. Ao ver um filme, devo permanecer receptivo para não perdê-

lo. Também o cérebro, que é o que, em mim, pensa, vai aprendendo

a pensar graças a um corpo que chamo de meu, embora eu não saiba

o que esse corpo pode, como nos ensina o amado Espinosa. Que está

ocorrendo nesses casos? Está ocorrendo a experiência de um pensar

não voluntário, até mesmo a experiência de uma impotência de

pensar. Só que se trata de uma impotência aberta à potência que, de

fora, me faz e fará pensar. Deleuze transcria com Artaud a idéia da

“crença que faz do impensado a potência própria do pensamento”.

Vale dizer que “a impotência para pensar”, diz Deleuze, “pertence ao

pensamento, de modo que devemos fazer dela nossa maneira de

pensar, sem pretender restaurar um pensamento todo-poderoso”. E

completando essa formulação de uma ardilosa impotência, Deleuze

cria uma política vital. Por quê? Porque, segundo ele, o que nos cabe

fazer é “nos servir dessa impotência para acreditar na vida, e

encontrar a identidade do pensamento e da vida” 14. Levando em

conta isso, pode-se nuançar um pouco mais a resposta à pergunta a

respeito do pensar forçado a aprender com o que o faz pensar. Trata-

se de um aprendizado que envolve o aprendiz na criação do novo; e

considerando que o pensar assim forçado pode aliar-se à vida, então

a criação do novo define-se como criação de saídas para a vida,

conforme, aliás, uma crença manifestada por Deleuze ao dizer: “não

                                                                                                                         13  G. Deleuze, “Qu’est-ce que l’acte de création?”. Texto nº 45 (1987, 1989, 1998), em G. Deleuze Deux régimes de fous ( textes et entretiens 1975-1995). Éd. préparée par David Lapoujade. Paris : Minuit, 2003, p. 291.  

14  Cinéma 2. L’image-temps, op. cit., p. 191. Cinema 1. A imagem-tempo, op. cit., p. 178.  

16    

há obra que não indique uma saída para a vida, que não trace um

caminho entre as pedras”15. E como a vida é inovação por si mesma,

então criar o novo, criar saídas para a vida, é recomeçar a inovação

criativa da e de vida. As linhas que pulsam em todos os circuitos

desse complexo aprendizado são interpotências de encontros

intensivos. Deleuze diz: «Do intensivo ao pensamento, é sempre por

uma intensidade que o pensamento nos advém” 16. E é por

intensidades que pensamento e vida se ligam, porque “as

intensidades”, afirma Deleuze, “dizem respeito a modos de vida e à

prudência prática experimental”, o que inclui as artes e tudo o que é

“vida não-orgânica” nesses circuitos, porque são as intensidades que

a “constituem”17

xxx

Apresentado esse panorama do problema do liame entre

necessidade e arte em Hegel e em Deleuze e Guattari, é claro que a

pesquisa não se dá por satisfeita por duas razões: primeiramente,

porque esse panorama carece de um detalhamento mais

convincente; em segundo lugar, porque há todo um cenário de

confrontos que ainda não foram indicados neste relato. A esse

respeito, um enorme acúmulo de dados impede o tratamento deste

segundo ponto aqui. O que segue, portanto, não será, também, mais

do que o resumo de alguns pontos e da explicitação da necessidade

de conversações e não de discussões.

Houve, inicialmente, menção a uma espécie de alergia

filosófica, que guarda algum parentesco com a idéia de gosto em

Hume. Essa alergia é uma das qualidades sensíveis da relação de

                                                                                                                         15  Pourparlers, op. cit., p.196; Conversações, op. cit., p. 179.

16  Différence et répétition, op. cit., p. 188. Diferença e repetição, op. cit. p. 239.  

17  G.  Deleuze,  «  Huit  ans  après  :  Entretien  80  ».  Texto  22  (1980),  em  Deux régimes de fous, op. cit., pp. 165-166.  

17    

Deleuze com Hegel, seja quando se trata de arte ou de outra coisa.

Ela faz com que a relação ganhe um ar de tormento, o tipo de

tormento que ataca o leitor de um romance em que um grandioso

personagem é sentido como traidor de um enredo possível, mas que

ele não deixa fluir. E atormenta, principalmente a quem admira há

muito tempo essas duas filosofias. Trata-se de uma relação

geralmente pintada pelos estudiosos como tempestuosa. Com mais

cautela, é possível dizer que essa relação sofre quase sempre o

assédio de posicionamentos que privilegiam um ângulo de ataque

excessivamente bloqueador. Bloqueador do quê? Esse ângulo de

ataque parece bloquear, não conciliações ou fusões impossíveis,

indesejáveis, mas um tipo de esforço menos estriado, mais liso. Um

esforço, por exemplo, destinado a cartografar detalhadamente os

efluentes e afluentes que pororocam entre Hegel e Deleuze. O que se

pode esperar de tal cartografia? Além de propiciar conversações entre

estudiosos, é quase provável que ela torne possível preencher menos

unilateralmente as linhas que tecem a distância entre esses dois

filósofos.

Essa distância é construída dos dois lados, elabora-se a partir

dos campos de ambas as filosofias. Do lado deleuziano, as críticas a

Hegel e ao pensamento representativo participam, no melhor dos

casos, da tentativa de marcar um território conceitual que

salvaguarde o pensamento deleuze-guattariano como pensamento

filosófico original em sentido pleno. Do lado de estudiosos das obras

de Hegel (já que este não pode -- pelo menos até agora -- responder

pessoalmente aos ataques), a tentativa é contestar as críticas

deleuzianas, mostrando, também no melhor dos casos, que os

ataques não atinam com a efetiva complexidade e alcance de

conceitos hegelianos. Porém, além da vertente aqui chamada de ‘no

melhor dos casos’, as críticas emitidas de um lado e de outro também

acionam asperezas que compõem momentos que se poderia chamar

18    

de ‘no pior dos casos’. Dado o estado atual desta pesquisa, não é

prudente apontar exemplos de incidências do melhor e do pior dos

casos, mesmo porque um único livro, como o de Hardt18 pode ser rico

em incidências de úteis esclarecimentos conceituais, assim como de

asperezas que se pode atribuir, principalmente, a uma ansiosa

bipolarização de escolhas. Aliás, é nesse mesmo livro que Hardt cita a

frase em que Judith Butler propicia um exemplo de incidência do que

há de “pior dos casos” na equipe hegeliana. Diz ela: “As referências a

um ‘rompimento’ com Hegel são quase sempre impossíveis, até

porque Hegel fez da própria noção de ‘ruptura’ um princípio central

da sua dialética”19.

É que, em ambos os lados, há rastros indicando que alguns dos

seus posicionamentos não levam suficientemente ao pé da letra certo

cuidado manifestado por Deleuze, quando jovem, em sua obra de

1953 a respeito de Hume. É sabido que a dedicou, como

“homenagem sincera e respeitosa”, a Jean Hyppolite, seu ex-

professor e diretor da dissertação da qual resultou essa obra. Sabe-se

também que Hyppolite traduziu para o francês a Fenomenologia do

Espírito 20, de Hegel. Pois bem, em seu Hume, Deleuze expressa um

cuidado a ser mantido à vista: inicialmente, ele se diz “surpreso” ao

“considerar o sentido geral das objeções constantemente feitas

contra Descartes, Kant, Hegel etc”. Por que surpreso? Porque são

objeções ditas filosóficas, mas que “só têm de filosófica o nome”. E

são filosóficas apenas nominalmente, porque, diz ele, “consistem em

                                                                                                                         18   Michael   Hardt,   Gilles   Deleuze   –   an   apprenticeship   in   philosophy,   Regents   of   the   University   of  Minnesota,   1993.   (Gilles   Deleuze   –   Um   aprendizado   em   filosofia,   tr.   br.   de   Sueli   Cavendish,   Rio   de  Janeiro,  Ed.  34,  1996,  p.  11).  

19   Judith  Butler,  Subjects  of  Desire,  Columbia  University  Press,  New  York,  1987,    A   frase  aparece  na  p.  184.     Por   outro   lado,   Hardt   destaca   a   obra   de  Michael   Roth,  Knowing   and  History:   Appropriations   of  Hegel   in   Twentieth-­‐Century   France   (Cornell   University   Press,   Ithaca,   N.   Y.,   1988)   como   exemplo   de  reconhecimento  de  “ruptura  bem-­‐sucedida  da  problemática  hegeliana  no  pensamento  francês  dos  anos  60”,  p.  12.    

20  Jean  Hyppolite,  Genèse  et  structure  de  la  Phénoménologie  de  l’Esprit  de  Hegel,  Paris,  Aubier-­‐Montaigne,  1946.  

19    

criticar uma teoria sem considerar a natureza do problema ao qual

ela responde, no qual ela encontra seu fundamento e sua teoria” 21.

Um ano depois, em 1954, esse cuidado se mantém, mas já numa

atmosfera de torção do modo como, na França, ocorria uma absorção

humanista do pensamento hegeliano. Com efeito, ao resenhar o livro

de Hyppolite, Logique et existence 22, Deleuze manifesta acordo com

um dos pontos decisivos. Esse ponto é o da afirmação da filosofia não

como antropologia (entendida esta como “discurso sobre o homem”),

mas como ontologia; e ontologia do sentido, não da essência,

justamente porque, diz ele, “o Ser, segundo Hyppolite, não é a

essência, mas o sentido”.

Porém, eis como Deleuze monta conceitualmente a dificuldade

que encontra no livro de Hyppolite; e aqui o cuidado permanece, mas

em prol de uma torção mais acentuada, que vai criando um desvio

entre ele e Hyppolite: “o que se tem no empírico e no absoluto”, diz

ele, “é o mesmo ser e é o mesmo pensamento; mas a diferença entre

o pensamento e o ser é ultrapassada no absoluto pela posição do Ser

idêntico à diferença, ser que, como tal, se pensa e se reflete no

homem. Esta identidade absoluta do ser e da diferença chama-se

sentido. Porém, em tudo isso há um ponto no qual Hyppolite mostra-

se completamente hegeliano: o Ser só pode ser idêntico à diferença à

medida que a diferença seja levada ao absoluto, ou seja, à

contradição. A diferença especulativa é o Ser que se contradiz. A

coisa se contradiz porque, distinguindo-se de tudo aquilo que não é,

ela encontra seu ser nessa própria diferença; ela só reflete refletindo-

se no outro, pois o outro é seu outro”. E, no final dessa pequena

resenha, Deleuze faz uma pergunta, contrariando a necessidade do

conceito hegeliano de contradição, buscando com isso o

                                                                                                                         21  EMPIRISME  ET  SUBJECTIVITÉ  (Essai  sur  la  nature  humaine  selon  Hume),  Paris,  PUF,  1953,  p.  118,  tr.  br.  p.  119.  

22  Jean  Hippolite,  Logique  et  existence,  Paris,  PUF,  1953  

20    

desdobramento de um outro modo de pensar a diferença, modo este

que já o vem atraindo em sua ligação com Bergson e também com

seu professor Jean Wahl. A pergunta já reitera, portanto, o intento de

enveredar por um programa de pesquisa que ele intensificará em

seus futuros estudos. Eis a pergunta: “não se poderia fazer uma

ontologia da diferença que não tivesse de ir até a contradição? A

contradição não é somente o aspecto fenomênico e antropológico da

diferença?” 23.

Em nota de David Lapoujade, apensa à p. 18 de L’île déserte [tr.,

p. 23], lê-se que essa resenha foi publicada, primeiramente, em

julho-setembro de 195424. E graças a um texto de Giuseppe Bianco25,

lê-se que, já no dia 12 de maio do mesmo ano, Deleuze fizera uma

conferência na Associação dos Amigos de Bergson, “da qual Hyppolite

era membro ativo”, conferência “intitulada A idéia de diferença na

filosofia de Bergson”. Convém observar que essa conferência já

continha uma dupla resposta à pergunta que ele fará depois, e que

foi anotada acima. De um lado, Deleuze já respondia, como diz

Bianco, “ao capítulo IV do livro de Hyppolite, Lógica e existência – no

qual Bergson era ‘condenado’ por sua concepção puramente empírica

da diferença”; por outro lado, ele também já respondia “à questão”

que ele próprio, Deleuze, “tinha levantado no final da sua resenha”.

Qual é essa resposta? É a seguinte: “A originalidade da concepção

bergsoniana está em mostrar que a diferença interna não vai e não

deve ir até a contradição, até a alteridade e até ao negativo, porque

                                                                                                                         23  G.  Deleuze,  «  Jean  Hyppolite,  Logique  et  existence  »  [1954].  Ver  G.  Deleuze L’île déserte et autres textes (textes et entretiens 1953-1974).Éd. préparée par David Lapoujade. Paris : Minuit, 2002. Texto nº 2, pp. 18-23; citações: pp. 18, 22 e 23. Tr. br. de Luiz B. L. Orlandi do texto 2, em G. Deleuze, A Ilha deserta e outros textos (textos e entrevistas 1953-1974). São Paulo: Iluminuras, 2006. Texto 2, pp. 23-27,. Citações: pp. 23, 26 e 27.  

24  Revue  philosophique  de  la  France  et  de  l’étranger,  vol.  CXLIV,  nº  7-­‐9,  julho-­‐setembro  de  1954,  pp.  457-­‐460.  

25  Giuseppe  Bianco,  «  Jean  Hyppolite  et  Ferdinand  Alquié  »,  em  Stéfan  Leclercq  (Dir.),  Aux  sources  de  la  pensée  de  Gilles  Deleuze  –  1,  Paris,  Sils  Maria,  2005,  p.  101.  

21    

essas três noções são de fato menos profundas que ela ou são visões

que incidem sobre ela apenas de fora” 26.

Não se trata, aqui, de discutir, o bergsonismo de Deleuze, mas

apenas de anotá-lo como sendo um dos passos do modo deleuziano

de evitar a absorção dialética da diferença. É claro que isso já se

prenunciava com o privilégio da conjunção e, com a idéia de

exterioridade das relações relativamente aos termos relacionados,

privilégio e idéia já atuantes em seu encontro com Hume. Evitar essa

absorção hegeliana é coisa que reaparece diferentemente (e grifo

diferentemente) a cada momento da obra individual de Deleuze e das

obras que marcaram seus fecundos encontros com Guattari e outros.

Porém, em face daquele cuidado que ele propunha tomar a propósito

das objeções filosóficas, a maneira como reaparece diferentemente

sua crítica à dialética hegeliana varia, também estilisticamente, entre

um jeito por assim dizer argumentativo (e, portanto, favorável a

conversações) e um jeito que se poderia chamar de nervoso, porta de

entrada para discussões mais inúteis do que úteis.

Tomo a liberdade de lembrar, rapidamente, a ocorrência desses

dois jeitos numa única obra, aquela dedicada a Nietzsche, de 1962,

cerca de oito ou nove anos depois de ter lançado a diferença interna

bergsoniana contra o Hegel de Hyppolite. Em Nietzsche e a filosofia, a

crítica do negativo é um dos vetores responsáveis pela contundência

anti-dialética da leitura deleuziana de Nietzsche. Logo no início do

primeiro capítulo, ao iniciar o § 4, justamente denominado “contra a

dialética”, encontramos a crítica do negativo como chave da leitura

deleuziana da idéia nietzschiana de força: “Nietzsche é ‘dialético’?

pergunta Deleuze, com ironia ou humor, isto é outro problema. E

prossegue: “Uma relação, mesmo que seja essencial, entre o um e o                                                                                                                          26  Ver  «La  conception  de  la  différence  chez  Bergson”  [1956].  Ver  G.  Deleuze, L’île déserte, op. cit. p. 53. Texto nº 5, pp. 43-72 ; citação p. 53. Tr. br. de  Lia  Guarino  e  Fernando  Fagundes  Ribeiro  do  texto  5  :  “  A  concepção  da  diferença  em  Bergson  »,  em  G.  Deleuze,  A  ilha  deserta,  op.  cit.,  pp.  47-­‐71;  citação  p.  55.    

22    

outro não basta para formar uma dialética: tudo depende do papel do

negativo nesta relação. Nietzsche diz que a força tem por objeto uma

outra força. Porém, precisamente, é com outras forças que a força

entra em relação. É com outra espécie de vida que a vida entra em

luta. O pluralismo tem às vezes aparências dialéticas; ele é seu

inimigo mais esquivo”27. E o último capítulo do livro -- “o super-

homem: contra a dialética” --, expõe de maneira detalhada e

convincente (do ponto de vista assumido por Deleuze) uma série de

lances desse embate. Porém, a esse jeito argumentativo, acrescenta-

se um jeito nervoso de dizer coisas, como no primeiro parágrafo da,

de resto, breve e excelente conclusão do livro. Jeito nervoso, até

briguento, justificável de certo modo, quando se leva em conta o

ambiente francês de polêmicas daquele momento, mas que acaba

motivando palavras de ordem quase que impensadas contra as

demais enunciações filosóficas emitidas então. “A filosofia moderna”,

diz Deleuze, “apresenta amálgamas que atestam seu vigor e sua

vivacidade, mas que comportam também perigos para o espírito.

Estranha mistura de ontologia e de antropologia, de ateísmo e de

teologia. Em proporções variáveis, um pouco de espiritualismo

cristão, um pouco de dialética hegeliana, um pouco de fenomenologia

como escolástica moderna, um pouco de fulguração nietzschiana

formam estranhas combinações” 28 . Etc.

Em face dessa nervosa expressividade, o leitor pode grifar o

segmento “estranhas combinações” e perguntar se Deleuze também

não as pratica. E encontrará muitas ocasiões em que isso ocorre

clandestinamente ou de maneira assumida. Nunca carta de 1973,

por exemplo, ao recordar a necessidade ou o gosto que o levava a

criticar o negativo hegeliano, ele diz o seguinte: “’fiz’ por muito                                                                                                                          27  G.  Deleuze,  Nietzsche et la philosophie. Paris: PUF, 1962, p. 9. Nietzsche e a filosofia, tr. br. de Ruth Joffily Dias e Edmundo Fernandes Dias. Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976, p. 7.  28  G.  Deleuze,  Nietzsche et la philosophie, op. cit., p. 223. Trad. br., op. cit., p. 162.  

23    

tempo história da filosofia, li livros sobre tal ou qual autor. Mas eu me

compensava de várias maneiras. Primeiro, gostando dos autores que

se opunham à tradição racionalista dessa história (e entre Lucrécio,

Hume, Espinosa, Nietzsche, há para mim um liame secreto

constituído pela crítica do negativo, pela cultura da alegria, pelo ódio

à interioridade, pela exterioridade das forças e das relações, pela

denúncia do poder... etc.)” 29.

Que diferença haveria entre esse assumido “liame secreto” e

aquelas “estranhas combinações”? É possível que para alguma

perspectiva de estudos hegelianos, essa diferença seja nula pelo fato

de se poder acusar Deleuze de não ter ido suficientemente longe na

apreciação conceitual da negatividade hegeliana; indo mais longe,

Deleuze, segundo Pierre Verstraeten, por exemplo, teria visto a

complexidade que reúne os componentes do conceito hegeliano de

contradição, complexidade concentrada na expressão “a diferença

essencial determinada”. A análise desse concentrado revela, primeiro,

“uma diferença pensada como oposição ou contradição”; segundo, a

diferença posta como “essencial” contra uma “adversidade precisa”;

terceiro, “a diferença essencial deve ser “determinada”, isto é, não

permanecer “numa oposição vaga ou abstrata da adversidade em

geral”, mas operar numa “situação específica e concreta”; vale dizer

que “a diferença essencial é determinada pelo que, explicitamente,

constitui problema no caso considerado” 30. Nesse pequeno texto,

Verstraeten apresenta de maneira concentrada vários argumentos

que Juliette Simont 31 desenvolveu, anteriormente, num longo livro,

merecedor de demorada pesquisa em prol de uma conversação

                                                                                                                         29  Gilles  Deleuze,    Pourparlers, op. cit., p. 14. Conversações, op. cit. p. 14.  30  Pierre  Verstraeten,  “La  question  du  négatif  chez  Deleuze  »,  em  Vários,  Gilles  Deleuze,  Paris,  Vrin,  1998,  p.  179-­‐180.  

31   Juliette Simont, Essai sur la quantité, la qualité, la relation chez Kant, Hegel, Deleuze. Les «fleurs noires » de la logique philosophique, Paris, Harmattan, 1977. [Sou agradecido a Veronica Damasceno pela indicação desse livro].

24    

menos agressiva. Aliás, o panorama dos atritos entre dialética e

filosofia da diferença dá sinais de abrir-se a um período de pesquisa

histórica mais nuançada, ou seja, menos atraída por bipolarizações

que podiam dar a impressão de pretenderem disciplinar o campo

problemático. São exemplos disso, parece-me, os livros de Jérôme

Lèbre e Frédéric Worms 32.

Só para findar este resumido relato do estado atual da

pesquisa, convém pelo menos indicar a questão que marcará seu

próximo passo. “Toda a questão”, diz Deleuze, “é saber em que

condições a disjunção é uma verdadeira síntese, e não um

procedimento de análise que se contenta em excluir os predicados

de uma coisa em virtude da identidade de seu conceito (uso

negativo, limitativo ou exclusivo da disjunção). A resposta é dada na

medida em que a divergência ou o descentramento determinados

pela disjunção tornam-se objetos de afirmação como tais" 33. Essa

questão é decisiva do ponto de vista do conceito deleuziano e

deleuze-guattariano de síntese disjuntiva. François Zourabichvili

aponta esse conceito como “operador principal” dessa filosofia 34.

Também Hegel, como herdeiro de Kant, ao recuperar o silogismo

disjuntivo, valorizou o que está em pauta nesse conceito, razão pela

qual Simont e Verstraeten tratam dessa questão. Todavia, é

engraçado notar o seguinte: enquanto o lado deleuze-guattariano

liga positivamente a síntese disjuntiva ao que se passa em duas

rebeldes manifestações literárias, o lado hegeliano parece não saber

muito bem o que fazer com elas. Trata-se da novela de Herman

Melville, Bartleby, the Scrivener, de 1853, com sua fórmula                                                                                                                          32   Jérôme  Lèbre,  Hegel  à   l’épreuve  de   la  philosophie  contemporaine  –  Deleuze,  Lyotard,  Derrida,  Paris,  Ellipses,   2002.     Frédéric  Worms,   La   philosophie   en   France   au   XXe   siècle   –  Moments,   Paris,   Gallimard,  2009.  [Sou  agradecido  a  Maurício  Rocha  pela  indicação  desses  dois  livros].  

33  Logique du sens. Paris: Minuit, 1969, p. 204. Lógica do sentido, tr. br. de Luiz Roberto Salinas Fortes. São Paulo, Perspectiva, 1982, p. 180.  34 François Zourabichvili, Le vocabulaire de Deleuze, Paris, Ellipses, 2003, p. 81. O vocabulário de Gilles Deleuze, tr. br. de André Telles, Rio de Janeiro, 2004, p. 106.

25    

enlouquecedora: “preferiria não”. Para Verstraeten, essa fórmula

peca por compor um “não-liame”35 , mas sabemos que é com ela

que Deleuze se diverte e expande o tema da “literalidade” 36. Trata-

se também do romance de Pierre Klossowski, Le Baphomet, que

opõe a um Deus, “senhor das exclusões e limitações na realidade

que dele deriva”, um “anticristo, príncipe das modificações que, ao

contrário, determina a passagem de um sujeito por todos os

predicados possíveis”. Para Deleuze e Guattari, trata-se de uma

“disjunção inclusiva que opera a síntese”, levando-a a derivar “entre

um termo e outro segundo a distância”37. Em contrapartida, Simont,

examinando as frases de Deleuze e de Deleuze e Guattari relativas

ao Baphomet, faz uma pergunta absorvente: como as frase lançam

a “‘disjunção inclusa’” contra a contradição e a síntese dialéticas, a

autora pergunta: “Mas estas seriam tão diferentes daquela?” 38.

Que fará a pesquisa com esses acordos e desacordos? Que

fará com as tonalidades de humor que deles exalam?

Agosto de 2010  

                                                                                                                         35  P.  Verstraeten,  op.  cit.,  p.  188.  

36  G. Deleuze, Critique et clinique. Paris: Minuit, 1993, pp. 89-114. Crítica e clínica, tr. br. de Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed. 34, 1997, pp. 80-103.  

37  G.  Deleuze  e  F.  Guattari,  L’Anti-­‐Oedipe,  Paris,  Minuit,  1972/1973,  p.  92.  O  Anti-­‐Édipo,  tr.  br.  de  Luiz  B.  L.  Orlandi,  p.  106.    

38  J.  Simont,  op.  cit.,  p.  266.