103
MÃE E MULHER PROMOTED: TO WIFE AND MOTHER Jéssica Hart Seleções especiais das mais lindas histórias de amor da Harlequin. Perdita James está radiante com seu novo emprego, até ser avaliada após um questionário como uma pessoa carente de atenção. Já seu chefe, Edward Merrick, foi definido como uma pantera: forte, decidido e só um pouquinho rude demais. A intuição de Perdita a aconselha a ignorar a atração que sente por ele e focar somente no trabalho para conseguir uma promoção. Mas toda a vez que está perto deste pai solteiro, ela sente algo que não é profissional... Seria paixão? Digitalização: Rosana Gomes

Mãe e mulher

  • Upload
    kayle

  • View
    224

  • Download
    0

Embed Size (px)

DESCRIPTION

 

Citation preview

Page 1: Mãe e mulher

MÃE E MULHERPROMOTED: TO WIFE AND MOTHER Jéssica Hart

Seleções especiais das mais lindas histórias de amor da Harlequin.

Perdita James está radiante com seu novo emprego, até ser avaliada após um questionário como uma pessoa carente de atenção. Já seu chefe, Edward Merrick, foi definido como uma pantera: forte, decidido e só um pouquinho rude demais. A intuição de Perdita a aconselha a ignorar a atração que sente por ele e focar somente no trabalho para conseguir uma promoção. Mas toda a vez que está perto deste pai solteiro, ela sente algo que não é profissional... Seria paixão?

Digitalização: Rosana GomesRevisão e disponibilização:

Page 2: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Tradução Deborah Mesquita Barros

PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l.Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a

transmissão, no todo ou em parte.Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas

ou mortas é mera coincidência.

Título original: SHEIKH IN THE CITYCopyright © 2010 by Jackie Braun Fridline

Originalmente publicado em 2010 por Mills & Boon Romance

Título original: PROMOTED: TO WIFE AND MOTHER Copyright © 2008 by Jessica Hart

Originalmente publicado em 2008 por Mills & Boon Romance

Arte-final de capa: nucleo-i designers associadosEditoração eletrônica: ABREU'S SYSTEM Tel.: (55 XX 21) 2220-3654 / 2524-8037

Impressão:RR DONNELLEY

Tel.: (55 XX 11)2148-3500www.rrdonnelley.com.br

Distribuição exclusiva para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil:Fernando Chinaglia Distribuidora S/A

Rua Teodoro da Silva, 907Grajaú, Rio de Janeiro, RJ — 20563-900

Para solicitar edições antigas, entre em contato com oDISK BANCAS: (55 XX 11)2195-3186/2195-3185/2195-3182

Editora HR Ltda.Rua Argentina, 171,4° andar

São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380Correspondência para:

Caixa Postal 8516Rio de Janeiro, RJ — 20220-971Aos cuidados de Virgínia Rivera

[email protected]

PROJETO REVISORAS 2

Page 3: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

CAPÍTULO UM

Perdita bateu os dedos nas mangas do casaco e tentou disfarçar o mal humor. Que perda de tempo estava sendo esse curso de desenvolvimento de liderança! Até agora, só o que havia feito era passar horas preenchendo um questionário na expectativa de se transformar em um animal como um golfinho... amigável, alegre e simpática... só para ser informada de que, apesar de responder a cada pergunta cuidadosamente como um golfinho, era na verdade, um pavão querendo se exibir.

Um pavão!E, para aumentar aquela situação humilhante, parecia que era o único. Os outros

tinham conseguido ser classificados como golfinhos alegres e sociáveis ou corujas meticulosas... não que Perdita quisesse ser uma coruja, pensou, enquanto ficava sozinha num canto.

Sabia que aquele curso era um erro. Não querendo parecer invejosa dos golfinhos, que estavam unidos e concordando mutuamente num outro canto, inspecionou suas unhas pintadas e se distraiu momentaneamente enquanto admirava a cor delas.

O esmalte chamava-se Megera. Nome forte para uma tonalidade. Mas percebeu que o vermelho vivo poderia revelar um segredo. Os golfinhos do sexo feminino usavam provavelmente rosa-claro, e quanto às corujas, estariam muito ocupadas checando suas planilhas eletrônicas até mesmo para pensar em pintar as unhas.

Perdita suspirou, afastou as mãos dos olhos e começou a bater o pé no chão.— Parece que somos os únicos aqui. Acha que é um sinal de que pertencemos um

ao outro?Ao se virar, deparou-se com um par de incríveis olhos acinzentados e se deu conta

de que o reconhecia superficialmente. Era o homem que chegara atrasado na noite anterior.

Ele perdera o jantar e as instruções iniciais, mas identificara sua presença mais tarde no bar, embora não entendesse por quê. Afinal, não era espetacular ou diferente de algum modo. Era só um homem... nem particularmente alto ou bonito, não era particularmente nada.

Não podia entender por que se lembrava dele.Fazia parte de um grupo que se divertia muito, mas não tentara se aproximar e se

juntar a eles. Em vez disso, conversara por um tempo com um agrupamento de pessoas mais calmas, provavelmente corujas, antes de desaparecer e irritar Perdita por sua falta de interesse.

Mas agora lá estava ele.Estudou-o atentamente. De perto, não era tão comum quanto parecia do outro lado

do bar. Os olhos eram muito penetrantes e criavam vincos como se desse um sorriso. O traço de humor causava um contraste intrigante com suas feições austeras e a boca firme e quase séria.

Hum. Não era maravilhoso, mas ela sentiu que seus hormônios eram despertados, os mesmos que hibernaram desde que Nick partira seu coração.

Confusa com a própria reação, ergueu o queixo.— Você não me pertence, a menos que seja um pavão — disse com os brilhantes

olhos castanhos fixados na calça preta e na blusa cinza dele. — Tenho de confessar que não parece um!

PROJETO REVISORAS 3

Page 4: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Ele sorriu.— Não, não sou um pavão. Aparentemente, sou uma pantera. — O brilho em seus

olhos fez Perdita se sentir... estranha.— Verdade? — perguntou, imaginando se era brincadeira. De acordo com a

papelada que tinham recebido naquela manhã, panteras eram homens fortes, decididos, ambiciosos e implacáveis, e ela não ficara feliz em descobrir que, não bastasse ser um pavão em busca de notoriedade, também tinha um forte ascendente em pantera. Terrível mistura.

— Não o classificaria assim — murmurou honestamente.— Meu ascendente em coruja deve tê-la confundido. Perdita riu.— Ah, então quando não está dominando o mundo, fica debruçado em suas

planilhas eletrônicas, rechecando cálculos?— Enquanto vocês, pavões, são cortejadas por admiradores no bar — concordou

suavemente.Olhou para ele. Mas era impossível dizer se a notara no bar na noite anterior ou se

apenas citara um exemplo do que os pavões eram capazes.— Gostaria de ser um golfinho — confessou, e ele arqueou uma sobrancelha.— Por quê?— Por quê? — repetiu incrédula. — E óbvio, não é? Todos adoram golfinhos. Na

verdade, não sei por que não sou um deles. Preenchi o formulário com muito cuidado. Estava certa de que seria. Quer dizer, sou amigável, não? Posso fazer todo aquele trabalho de equipe no qual são tão bons.

— Golfinhos são muito pacientes e calmos — apontou.— Eu sou calma! Mais calma do que qualquer um! E posso ser paciente.Como resposta, olhou para as botas de camurça dela. Uma batia no chão, e, quando

Perdita seguiu seu olhar, parou abruptamente.— Só estou entediada — disse com irritação. — Cansei de ficar aqui sozinha,

enquanto corujas e golfinhos se reúnem e se parabenizam por serem bons integrantes de uma equipe!

Ela olhou para o grupo de golfinhos num canto.— Veja, são todos felizes. A qualquer minuto, vão equilibrar bolas no nariz e bater as

nadadeiras.Seu companheiro riu.— Você definitivamente não é um golfinho. E um típico pavão!Perdita olhou irritada.— Como sabe tanto disso?— Sou observador.Sorriu enquanto a estudava, vendo seu corpo magro tremer de raiva. Se não tivesse

sido enviada para um canto sozinha, ficaria no meio da sala... de qualquer sala, decidiu.Embora não fosse extremamente bonita, vestia-se de forma impecável, mas não era

a aparência que o impressionava. Havia algo vibrante nela, uma personalidade forte, evidente na boca generosa, nos olhos escuros e profundos, nos gestos rápidos e no jeito como jogava a cabeça para trás e ria.

— Vi você no bar ontem à noite — disse ele. — Havia um grupo enorme ao seu redor, e fazia todos darem risadas. E hoje no café da manhã, ninguém conversava até que chegou e se sentou. Foi a pessoa que quebrou o gelo quando distribuíram os questionários.

— Aí está — disse Perdita sem saber se ficava satisfeita por ser notada ou furiosa pelo tom de voz levemente zombeteiro. — Isso prova que sou um golfinho, certo? Estava sendo divertida e amigável... São as características desses animais.

PROJETO REVISORAS 4

Page 5: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Sim, mas um golfinho só gosta de brincar com os de sua espécie. Por isso, estão todos ali. Mas se estivesse lá, não seria como os outros. Dominaria o grupo completamente, a dinâmica seria outra.

— Não faria isso! — Os olhos dela faiscaram de raiva. — Ah, sim. Todos iriam rir e se divertir, mas faria isso acontecer e se certificaria de

que a olhassem.Encarou-o com desgosto. Não queria admitir que havia certa veracidade no cenário

que acabara de descrever. Era desconfortável sentir que um estranho podia ver através dela tão facilmente.

— Como sabe tanto de mim? — quis saber. Ele desdenhou.— Tenho interesse nas pessoas.— Não é típico de uma pantera — observou, e ele deu um sorriso que o fez

rejuvenescer.— Tudo bem, eu me interesso em conseguir o máximo das pessoas que trabalham

para mim.— Isso combina mais com uma pantera — murmurou. Então acrescentou com

sarcasmo: — Parece muito bem informado. Já fez cursos como esse antes?— Alguns. E você?— Não, é meu primeiro.— Surpreendente. Hoje em dia, a maior parte das corporações leva o treinamento

da gerência muito a sério.— Meu ex-chefe não achava que valia a pena gastar dinheiro nesse tipo de coisa.

Foi cogitado um curso sobre assertividade alguns anos atrás, mas meus colegas ameaçaram fazer greve se tivesse permissão para freqüentá-lo. Diziam que se me tornasse mais assertiva do que sou, ficaria insuportável. Tudo bobagem, é claro — disse Perdita, que contara essa história em número de vezes suficiente para conseguir tratar aquilo como piada, da mesma forma que os outros.

Ou quase.O homem não riu.— Você teria achado o curso útil.— Duvido — retrucou. — Para ser honesta, não tenho disponibilidade para isso.

Acho que é perda de tempo. Tenho muito o que fazer para brincar dessa bobagem de pavões e panteras. Qual o propósito disso tudo?

— Trata-se de liderança — respondeu. — A idéia é que pode liderar uma equipe com mais eficiência se entender os diferentes tipos de personalidade e reconhecer as forças distintas que cada pessoa pode agregar em especial a uma tarefa. Um bom líder é aquele capaz de criar um ambiente no qual todos contribuam com suas respectivas habilidades. Não se trata de um ser melhor do que o outro. O ideal é contar com uma gama de personalidades na equipe... mas só se puder identificar as forças e fraquezas de cada funcionário e conseguir fazer todos trabalharem juntos.

— Você é obviamente um adepto dessa idéia — comentou séria.— E você não é?— Não acho que me descobrir um pavão ou qualquer outro animal faça alguma

diferença na forma como atuo. Trabalho bem. Digo ao staff o que devem fazer, e eles fazem. De qual líder precisam?

— E depois você se espanta por não ser um golfinho — murmurou ele. — E possível que tenha um ascendente em pantera?

Como adivinhara? Ela olhou com hostilidade. Não tinha de admitir nada.— E tudo besteira — disse, evitando uma resposta direta.— Então por que está aqui?— Não tive escolha. O quadro de diretores promoveu um novo chefe-executivo, um

sujeito pretensioso que quer impressionar a todos com seus pensamentos avançados. —

PROJETO REVISORAS 5

Page 6: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Arfou Perdita. — O famoso Edward Merrick ainda não tinha aparecido para conhecer seus funcionários, nem se incomodara com isso, mas já tinha decidido que todos os executivos se beneficiariam de um curso tolo de três dias em Lake District.

— Não parece muito impressionada com ele.— Bem, tenho de admitir que é famoso por fazer as empresas prosperarem —

admitiu, mal-humorada.— Então qual o problema?— Só acho que deveria procurar saber o que se passa na empresa antes de

começar a mudar tudo. Tudo bem, então o chefe executivo anterior perdeu a mão no fim, mas a companhia é forte de muitas maneiras, e, francamente, tenho coisas mais importantes a fazer do que cursos de liderança.

Ela ajeitou o cabelo atrás da orelha com ar de frustração.— Além do mais, é um momento muito inconveniente continuou. — Não que exista

algum instante em que não estejamos ocupados em operações. Penso em todo o trabalho se acumulando quando estou fora. Passo metade da noite lendo e respondendo a e-mails enquanto estou aqui.

Talvez "metade da noite" fosse exagero, pensou Perdita, mas tivera de ligar o laptop e trabalhar um pouco. Não podia encarar aqueles dias como férias alegres. Era profissional e achava bom que ele entendesse isso.

— Eu sou Perdita, a propósito. — Ofereceu a mão. — Perdita James, gerente de operações de Engenharia da Bell Browning.

Ele apertou sua mão e sorriu.— Ed Merrick.Por um momento, ficara atônita demais com a sensação daqueles dedos fortes

envolvendo os seus com firmeza para absorver o que dissera, mas quando reconheceu o nome, o sorriso profissional dela congelou.

— Ed? — repetiu, recolhendo a mão. — Ed... de Edward?— Ed, o sujeito pretensioso — concordou.Excelente. Reprimiu um suspiro. Começara com o pé esquerdo com seu novo chefe.Considerou as opções. Poderia usar a técnica de brincar para fugir do problema ou

poderia se desculpar.Estudando-o, ficou aliviada ao ver um brilho divertido em seus olhos. Graças a Deus,

parecia ter senso de humor! Humilhar-se não era muito seu estilo, de qualquer jeito.Então ela inclinou-se para frente de modo confiante.— Sempre acho que se vai ter um bom relacionamento, é melhor começar com um

insulto, e então as coisas só podem melhorar.— Bem, esse é um jeito de encarar a situação — murmurou Edward Merrick. — Ouvi

dizer que é famosa pela franqueza, mas não esperava uma demonstração tão rápida, devo admitir!

— Sabia quem eu era o tempo todo? — perguntou tensa.— Vi seu currículo com uma foto que não lhe faz justiça.— Devia ter me contado quem era! — Sem graça por não se comportar como uma

profissional, agiu na defensiva. — Não fazia idéia de que estaria aqui. Pensei que seríamos somente seis.

Olhou para os colegas que brincavam de ser corujas, exceto pelo gerente de Recursos Humanos, que era golfinho, é claro. Alguém sabia que o novo chefe estava entre eles?

— Disseram que não poderia vir — acrescentou, como se sua indiscrição em traçar o perfil do novo chefe fosse culpa dele.

— Não achei que conseguiria — replicou. — Houve uma mudança de planos repentina, então fiz minha reserva no último minuto.

— Sem nos informar?

PROJETO REVISORAS 6

Page 7: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Imaginei que já estivessem a caminho quando decidi vir — justificou Ed. — Entrei no carro e dirigi de Londres até aqui. Quer dizer que perdi o início do curso e não pude me apresentar a você durante o jantar ou nesta manhã. Não houve tempo livre.

— E não teria sido tão divertido quanto nos fazer de bobos — disse Perdita com amargura.

— Ainda não conheci seus colegas — murmurou Ed. — Na verdade, preferiria que fosse em seu local de trabalho, mas este curso foi altamente recomendado, e não haverá outro até o outono, então queria que todos fizessem agora, se possível. Também pareceu uma boa oportunidade para nos conhecermos, antes que me mude permanentemente para Ellsborough. Por isso, valeu a pena dirigir na última hora de Londres até aqui.

— Ah, estou tão feliz que tenha vindo! — Não se incomodou em disfarçar seu sarcasmo. — Era tudo o que queria... uma chance para me humilhar na frente de meu novo chefe!

Ele sorriu.— Teria descoberto o que você pensa de qualquer forma — apontou Ed. — Vocês,

pavões, não são bons em disfarçar os sentimentos.— Ainda assim, fui rude. — Cerrando os dentes, obrigou-se a se desculpar. — Sinto

muito, não queria chamá-lo de pretensioso.— Não se preocupe. — Ele deu de ombros. — Você não se torna uma pantera sem

desenvolver pele grossa! — Houve um súbito movimento do outro lado da sala. — Ah, ótimo. Parece que algo está acontecendo agora.

Os facilitadores do curso começavam a dividir todos em grupo, e Perdita viu-se separada de Edward Merrick.

Melhor assim, pensou, com um misto de alívio e tristeza. Não podia crer no que fizera em seu primeiro encontro com ele! Sempre se orgulhara de seu profissionalismo e sentia-se mortifícada com a idéia de não passar uma imagem profissional.

É claro, Ed Merrick diria provavelmente que ela era um pavão. Quanta bobagem!Determinada a provar que estava errado, resolveu ficar sentada quietinha no seu

grupo e deixar todos falarem desta vez. Se ele olhasse em sua direção, veria que não se exibia, misturando-se perfeitamente a corujas e golfinhos.

Infelizmente, não levara em conta como era desconfortável ficar sentada em silêncio. Todos no grupo receberam algumas tiras de papel, e houve uma pausa embaraçosa quando ficou claro que teriam de fazer a tarefa sozinhos.

Certo, podia fazer aquilo, pensou. Mostraria a Edward Merrick. Não seria a primeira a falar. Deixaria outra pessoa tomar a iniciativa.

Mas o silêncio era tão opressivo que não resistiu em fazer um comentário sobre o mediador para seu vizinho, que começou a rir, e, antes que percebesse, todos estavam animados conversando. Tiveram de ser lembrados de suas tarefas, e, esquecendo-se da promessa, foi a primeira a dar uma sugestão.

Logo depois, as idéias começaram a fluir.— Esperem, esperem! — gritou ela, gesticulando. — Devagar, pessoal! Precisamos

organizar tudo. Andy, por que não assume como presidente do grupo?Discutiam a melhor maneira de agir quando fixou a atenção na equipe ao lado, que

incluía Ed Merrick. Por acaso, os dois olharam para cima ao mesmo tempo. Os olhos dele observaram o grupo animado ao redor dela, e quando deu um sorriso, Perdita enrubesceu, sabendo exatamente no que pensava.

O que ele havia dito? Se estivesse naquele grupo... dominaria... certificando-se de que todos olhassem para você.

Erguendo o queixo, desviou o olhar. Queria apenas que as coisas acontecessem, ou nunca sairiam de lá. Tentou se concentrar na tarefa em suas mãos, mas seus olhos continuavam o tempo todo voltados para o grupo de Ed.

PROJETO REVISORAS 7

Page 8: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Uma pantera como ele não podia falar muito de dominação! Era fácil ver quem exercia a liderança daquele grupo, embora ela não entendesse bem como fazia aquilo. Não se exibia ou falava muito, contudo, não havia dúvida de que era o líder, tanto quanto ela era no seu.

Aquilo a intrigava. Estava muito ciente de sua roupa sofisticada, unhas pintadas e batom. As outras mulheres pareciam muito mais despojadas, mas não gostava de ser despojada... e nunca gostaria. Portanto, talvez fosse inevitável que se sobressaísse, mas Ed não tinha desculpa. Estava apenas sentado lá. Não era mais alto, bonito ou bem-vestido do que os outros, porém algo o destacava... Uma força silenciosa que se traduzia numa seriedade natural, qualidade que, apesar de inconfundível, era de difícil definição. Ed não precisava brigar por controle e possuía uma segurança invejável.

Pode ser que existisse algo de pantera nele, afinal de contas. Ainda bem que falara sobre seu traço de coruja, ou teria ficado impressionada. Agora, sempre que se lembrava da expressão divertida no rosto dele ao contar sobre seu ascendente em coruja, parte de Perdita queria rir, enquanto outra se contorcia ao lembrar do brilho divertido em seus olhos e daquele sorriso imprevisível.

Avisara aos colegas que o novo chefe estava no curso, o que significava que, pelo menos, tiveram uma boa impressão dele. Perdita o viu conversar com diversas pessoas, mas não com ela novamente. Talvez porque o acusara de ser pretensioso, mas não pôde evitar a mágoa pelo fato de já tê-la dispensado.

O hotel ficava numa área deserta de Lake District e, depois do jantar, não havia nada a fazer, exceto ir ao bar. Extrovertida por natureza, estava sempre radiante, mas Ed claramente não se impressionava com suas habilidades sociais, tratando-a com um distanciamento que fazia suas penas de pavão ficarem menos chamativas.

Algumas pessoas se sentiam intimidadas com a presença de Perdita, ela sabia, outras ficavam encantadas, mas nenhuma ficava indiferente à sua inteligência e humor rápidos. Mas não Edward Merrick, aparentemente. Não era rude ou a ignorava, mas parecia considerá-la um pouco tola e fútil.

Naturalmente, respondia ignorando-o ou se comportando de maneira ainda mais empolgada, e se isso fizesse com que a achasse ainda mais tola, paciência.

Quando o viu sair do bar naquela noite, deveria ter sido capaz de relaxar e se divertir mas, mas, em vez disso, a noite pareceu subitamente sem graça.

De qualquer forma, estava na hora de ligar para a mãe. Recusando os convites para tomar um último drinque, Perdita escapou do bar. Foi um alívio sair e parar de sorrir. Andou pelo corredor rumo a seu quarto.

O que estava acontecendo? Geralmente não era assim. Então Edward Merrick não lhe dava atenção? Não importava se gostava dela ou não, contanto que pudessem ter uma boa relação profissional. Certo, não fora o melhor dos começos quando o chamou de pretensioso, mas não pareceu tão irritado. Não havia por que não pudessem trabalhar bem juntos, e se Ed não queria ser seu amigo... já tinha muitos. Não se importava.

Muito.Jogando-se na cama, pegou o celular e ligou para a mãe. — Mãe? Sou eu. Como está?Como sempre, Helen James insistiu que estava ótima, mas não podia deixar de se

preocupar com ela, que parecia envelhecer e se tornar rabugenta rapidamente. Não era mais tão ativa, e a casa que costumava manter imaculadamente limpa começava a parecer descuidada, como se não se importasse mais com pó e sujeira.

Sugeriu contratar alguém para ajudar, mas a mãe recusara-se até mesmo a considerar essa possibilidade.

— Não quero estranhos se metendo nos meus assuntos! Suponho que, em seguida, vai querer me internar num asilo!

PROJETO REVISORAS 8

Page 9: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Ficou tão aborrecida que a filha desistira da idéia, indo à casa dela mais freqüentemente para ajudar de modo discreto na medida do possível.

— Millie apareceu para me dar um alô — contou a mãe. — Disse que estava passando aqui perto.

Perdita ficou aliviada em não ouvir desconfiança em sua voz. Pedira para sua melhor amiga dar uma olhada nela enquanto estava fora fazendo o curso, mas fora arriscado. Se desconfiasse da verdade, ficaria furiosa.

— Ah. Como ela está?— Engordou desde o divórcio — replicou sua mãe com desaprovação. — Precisa

tomar cuidado para não se descuidar.A amiga tinha coisas mais importantes com o que se preocupar do que seu peso,

refletiu, encerrando a ligação. O marido a abandonara com uma enorme hipoteca e com a gigantesca responsabilidade de cuidar de duas adolescentes. E houve vezes, nos últimos anos, em que o bom humor dela foi rigorosamente testado.

Acomodando-se mais confortavelmente aos travesseiros, Perdita ligou para a amiga a fim de agradecer.

— Foi divertido — respondeu. — Sempre gostei de sua mãe. Criei uma história para explicar minha visita, caso decidisse me interrogar... Sabe como pode ser assustadora... Mas não perguntou. Fiquei até desapontada!

— Como estava?— Pareceu bem — disse Millie. — Está um pouco mais idosa, é claro, e posso ver

que tem um gênio difícil mas, convenhamos, nunca foi a pessoa mais fácil do mundo, foi?— Não, isso é verdade. — suspirou. Amava a mãe, mas sempre fora irascível.— Pare de se preocupar e fale sobre o curso.— E ridículo — resmungou. — Eles nos dividiram em personalidades diferentes, e

fui classificada como pavão!A amiga caiu na gargalhada.— Eu poderia ter dito isso a eles!— Não acha que seria um bom golfinho?— Não, você é definitivamente um pavão. Seu novo chefe economizaria centenas de

libras para a companhia se me perguntasse, em vez de ministrar um curso.— Ah, falando do meu novo chefe... Ele está aqui! — disse, irritada de modo que

nem mesmo a amiga reconheceria os aspectos sociáveis de sua personalidade de golfinho.

— Não! — Estava intrigada pela notícia. — Como ele é?— Ele é... — Parou, percebendo que não sabia descrevê-lo.Lembrava dele fisicamente, podia ver as feições com clareza: aqueles olhos com um

brilho bem-humorado, que se vincavam com as linhas de um sorriso, os lábios bonitos, o cabelo castanho que começava a ficar grisalho nas têmporas... Mas não podia contar isso a Millie.

— Não é como esperava.— Hã? — murmurou. — Atraente?— Não... Bem, mais ou menos, suponho... não sei! — respondeu, confusa quando a

amiga começou a rir.— Parece maravilhoso!— Não é maravilhoso. E apenas um executivo sensato com cabelo grisalho que me

considera um pouco tola. — Contou à amiga sobre sua mancada, e ela achou engraçado também.

— Parece que encontrou seu par perfeito finalmente, Perdita. Ele está disponível? — Não usa aliança — respondeu, então ficou furiosa consigo mesma por admitir que

reparou nesse detalhe.

PROJETO REVISORAS 9

Page 10: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Hum... não quer dizer nada — disse. — Descubra mais amanhã e ligue para contar!

CAPÍTULO DOIS

— Esta manhã, serão divididos em pares e receberão uma série de tarefas. — Perdita entrou na sala de jantar enquanto o facilitador chefe dava as instruções durante o café da manhã. Sempre parecia levar o dobro de tempo para se arrumar num banheiro estranho e estava atrasada.

Segurando uma xícara, ficou em pé nos fundos da sala e se flagrou procurando Edward Merrick, enquanto fingia ouvir as instruções.

— Primeiro devem executar uma tarefa em dupla, mas, no decorrer do dia, irão se reunir com outros pares, e finalmente formarão quatro grandes grupos. E importante que chequem a lista na recepção para ver qual a primeira tarefa antes de saírem.

— Saírem? — Ela fez uma careta. Quando abriu as cortinas naquela manhã, sequer conseguia ver as montanhas ao redor, devido à neblina acinzentada. Do lado de fora, o topo das árvores balançava ao vento, e a chuva fustigava as janelas da sala de jantar.

Tivera esperança de que, ao verem as condições climáticas, os mediadores mudassem de idéia sobre a parte do curso ao ar livre. Não era a maior fã de atividades ao ar livre e não tinha nada adequado para vestir. O casaco que levara era apropriado para protegê-la de um chuvisco na cidade, mas seria inútil nesse temporal. Ficaria ensopada, e era tudo culpa de Ed Merrick.

Mal teve tempo de engolir o café antes que todos se dirigissem à recepção, aparentemente animados para começar o dia. Todos tinham levado casacos e botas para o andar de baixo, mas é claro que ela teve de subir para pegar os seus. Seria bem mais fácil se pudessem fazer as tarefas tolas do lado de dentro.

Com uma pashmina enrolada no pescoço para se aquecer, desceu relutante para encontrar seu par. Só havia uma pessoa na recepção e, sentindo ser inevitável, viu que era Edward Merrick.

— Parece que pertencemos um ao outro, afinal de contas. — Brincava, é claro, mas a mera idéia fez Perdita se sentir um pouco estranha.

— Qual a razão de nos unirmos? — perguntou, querendo mostrar curiosidade, em vez de uma ansiedade absurda com a perspectiva de ficar a sós com ele.

— Suspeito que eles pensem que eu seja o único que não vai conseguir dominar — disse Ed, dando uma olhada para o mediador, que sorriu em sinal de aprovação. — Vimos ontem como assumiu o comando de todas as tarefas. Hoje, os pobres golfinhos e corujas terão uma chance de desenvolver suas próprias habilidades de liderança.

— Ah, isso é ridículo! — exclamou Perdita, exasperada. — Na verdade, tentei não assumir o comando. Não fui presidente do grupo uma única vez.

— Não, mas quem decidiu que um presidente era necessário para começar? — questionou Ed. — Quem indicou um candidato todas as vezes e conseguiu que todos o aceitassem?

PROJETO REVISORAS 10

Page 11: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Bem... só porque perdiam tempo — disse ela na defensiva. — Só queria que o grupo fosse bem-sucedido. Não é o mesmo que ficar dando ordens!

— Talvez não, mas tem de confessar que é uma mulher difícil de resistir — murmurou, e, apesar de não sorrir, os cantos dos olhos se enrugaram. Ao encontrá-los, Perdita sentiu o coração disparar de modo avassalador.

Ela apertou mais a pashmina no pescoço.— Não parece ter problemas em resistir a mim — apontou, para disfarçar o

embaraço repentino. — Talvez eu não consiga resistir a você — acrescentou e então se arrependeu. Havia muitos duplos sentidos naquela conversa, e isso a enervava. — Ninguém parece pensar que seria um problema, certo?

Ed a contemplou. O lenço colorido contrastava de forma bela com a pele bronzeada de Perdita. Parecia um pássaro zangado, com cabelo brilhante, rosto expressivo e aqueles olhos escuros. Aos 40 anos, estava longe das mulheres jovens do curso e, certamente, não era também a mais bonita, mas havia uma vivacidade nela que tornava difícil desviar a atenção para qualquer outra pessoa quando estava presente.

Não era, de modo algum, o que esperava. Ed ouvira relatórios sobre sua eficiência, e o currículo era esplêndido, mas nada disso o preparara para a realidade de conhecê-la. Imaginava uma profissional rigorosa, uma mulher séria, dedicada à carreira e não à família... E sim, talvez pensasse desse modo porque sabia que era solteira, mas Perdita não era nada disso.

Inteligente e engraçada, ao invés de séria. Extrovertida, ao invés de reservada. Considerando o currículo, era óbvio que tinha muita competência, mas ele não teria adivinhado a partir de sua observação silenciosa. Até agora. Provavelmente passava tanto tempo se arrumando quanto a filha adolescente, o que já era bastante, e estava sempre maquiada e bem vestida. No geral, parecia muito frívola para uma gerente operacional com 40 anos. E, embora fosse solteira e sem filhos, como indicava o currículo, imaginou que devia haver algum homem por perto. Era atraente demais para estar só, mas, mesmo que estivesse, não havia o menor traço de infelicidade em seu rosto. Parece que sempre ria e se divertia. E não havia nada de errado, Ed se flagrara pensando nisso com irritação no bar na noite anterior, mas não havia necessidade de ela demonstrar tanta animação.

Tinha de admitir que estava intrigado. E achava mais difícil resistir do que Perdita imaginava, embora decidisse manter isso em segredo.

— Acho que a idéia é aprendermos a trabalhar juntos sem necessidade de impor resistência um ao outro — disse ele.

— O que temos de fazer exatamente? — perguntou, e Ed abriu um mapa.— Temos de chegar até este ponto — respondeu, apontando o local.— E onde estamos agora? — indagou, espiando o desenho e desejando não reparar

naquelas mãos fortes e capazes.— Aqui.Os olhos dela seguiram um longo dedo.— Mas são quilômetros — exclamou, horrorizada.— Não acho que será tão ruim quanto parece, mas é melhor irmos. — Olhou

incrédulo para os pés de Perdita. — Estas são as únicas botas que tem?— Não sabia que o curso envolvia trilhas na montanha no meio da chuva — disse,

olhando para as botas. — Ficarão arruinadas.— Com certeza — concordou Ed sem compaixão. — Não leu as instruções que

tratavam de trajes adequados para estar ao ar livre?E claro, estava praticamente vestido com um casaco à prova d'água, botas e calça

impermeáveis. Olhou para ele desgostosa.— Esta é minha roupa para atividades externas. Não costumo praticá-las.— Agora pratica — disse ele. — Vamos.

PROJETO REVISORAS 11

Page 12: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Perdita cobriu a cabeça com o capuz do casaco enquanto o seguia através das portas.

— Ai, está horrível aqui fora! — reclamou. — Não sei por que lavei e sequei o cabelo esta manhã. Ficarei ensopada!

Fechando o zíper do abrigo o mais que podia, ergueu o rosto para a chuva.— Realmente não entendo por que não podemos fazer tudo lá dentro, como ontem

— continuou ela. — Sabe, se fosse um líder como dizem, teria conseguido que nos deixassem fazer exatamente dessa forma. Não é justo que ofereçam uma falsa sensação de segurança e depois nos obriguem a isso!

— Não acha que é interessante ver como as pessoas reagem a situações inesperadas?

— Não, não acho. — Continuou atrás dele, indo para fora do terreno do hotel, em direção a uma encosta coberta de ervas rasteiras. — Penso que seria um pouco mais interessante se estivéssemos do lado de dentro. E, ainda assim, tenho minhas dúvidas. O que acho realmente é que este curso é uma completa perda de tempo. Preferia estar no escritório. Ficaria seca e aquecida, atualizando meu trabalho, com uma xícara de café.

Ed deu-lhe um olhar divertido.— Reclama assim no trabalho?— Não, gosto do meu emprego.— Mesmo que seja tão qualificada para ele? Vi seu currículo — relembrou. — E

impressionante. — Costumava trabalhar em Londres, passou alguns anos em Nova York e um período em Paris.

Podia imaginá-la naquele lugar, pensou. Possuía um tipo forte de mulher da cidade e, mesmo com uma capa de chuva e botas inadequadas, conseguia parecer chique.

— Teria pensado que Ellsborough era um pouco sossegada para uma mulher como você — disse e recebeu em troca um olhar desafiador.

— O que quer dizer?— Ellsborough é muito bonita, mas nunca terá a agitação de uma metrópole, certo?

E parece alguém que gosta disso — tentou explicar, lembrando-se de Perdita no bar na noite anterior, o cabelo escuro balançando ao redor do rosto vivido, aquela risada alta e profunda.

Era o tipo de pessoa que, por si só, criava agitação, percebeu. Talvez não precisasse de uma cidade grande.

— E verdade, gosto de me divertir — disse ela. — Nova York era fabulosa, e amei Londres. Passaria o resto da vida lá.

— Então o que a fez desistir de tudo por Ellsborough? Enfiando as mãos nos bolsos, Perdita suspirou.— Meu pai morreu há dois anos, e minha mãe ficou sozinha... Quando um emprego

surgiu na Bell Browning, pareceu sensato me candidatar, de modo que pudesse voltar para casa. Estava apavorada com a idéia de que acabaria tendo de me mudar e não ter nada para fazer. Essa região não é exatamente perto de Londres, e não há muitos empregos lá que se encaixem no meu perfil.

E mudar-se para Ellsborough parecera uma boa oportunidade para deixar Nick e todas as lembranças tristes daquele tempo para trás, pensou, embora não dissesse isso a Ed. O interesse dele era puramente profissional. Não se importaria com seu coração partido.

— Então você é da região? Ela assentiu.— Sim. Não via a hora de trocar Ellsborough pelas luzes brilhantes da cidade grande

enquanto crescia, admito, mas não é tão ruim agora. A Bell Browning é uma boa companhia para trabalhar, e posso conseguir um padrão de vida muito melhor no norte do que em Londres. Tenho um apartamento adorável e bons amigos.

— Mas ainda sente falta de Londres?

PROJETO REVISORAS 12

Page 13: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— As vezes. — Ed não disse nada, mas havia um ar de descrença no silêncio dela. — Certo, mais do que algumas vezes — confessou ela. — Gosto muito do que faço em Bell Browning, mas, é claro, sinto falta da excitação da cidade. Não são apenas as lojas e restaurantes, ou o fato de haver muitas coisas para fazer em Londres. E o tipo de energia que envolve você dia e noite e que não existe em cidadezinhas provincianas como Ellsborough.

— Então não lamenta abrir mão de sua carreira ambiciosa?— E claro que lamento — respondeu. — Mas nem sempre temos escolha. Não

podemos fugir de nossas obrigações, por mais que desejemos.A mãe precisava dela, Nick não a quisera. Na época, não sentiu que tinha muitas

opções. Voltar a Ellsborough fora uma decisão correta, sim, mas não significava que não havia lamentado a forma como tudo ocorreu.

Ouvindo a amargura em sua voz, olhou-a com interesse renovado, vendo, pela primeira vez, uma pequena tristeza sob aquela superfície radiante. Talvez a vida de Perdita não fosse sempre tão divertida quanto parecia para um observador casual. Ed sabia tudo de responsabilidades e como era mostrar um rosto corajoso para o mundo. Talvez tivesse de rever sua opinião, pensou. Mais do que ninguém, sabia que as coisas nem sempre eram o que pareciam.

Perdita parou para recuperar o fôlego no topo de uma pequena colina e olhou para a chuva.

— Não consigo ver nada — disse. — Tem certeza de que estamos no caminho certo?

— Acho que sim. — Ed aproximou-se para proteger o mapa da chuva e virá-lo de modo que ela pudesse ver. — Imagino que estamos bem aqui — apontou.

— Ainda faltam alguns quilômetros então. — Desconfortável pela proximidade dele, recuou, apenas para tropeçar sobre um tufo de grama. Teria caído se Ed não a segurasse e aprumasse mais uma vez. O aperto era forte, e se sentiu pateticamente ofegante quando a soltou.

— Tudo bem?— Sim... estou.— Quer descansar?Ela meneou a cabeça. Quanto antes localizassem as outras pessoas, melhor.— Ficaremos ainda mais molhados e com mais frio se interrompermos a caminhada.Continuaram numa linha diagonal ao longo da encosta, indo em direção ao rio,

oculto pelo nevoeiro na base do vale... pelo menos de acordo com o mapa dele. Perdita estava muito consciente de andar ao lado de Ed. Nunca tropeçava ou escorregava como ela, mas movia-se com passos firmes e calculados.

Com a cabeça inclinada contra a chuva, não podia ver muito bem o rosto dele, mas se espiasse por baixo do capuz, veria um canto de sua boca carnuda, e, apesar do frio causado pela chuva, alguma coisa parecia aquecê-la por dentro.

Qualquer calor a mais era bem-vindo naquele clima, mas este, em particular, a deixava nervosa. Um casaco decente, luvas, meias grossas... era desse calor de que necessitava, não da sensação de derreter sempre que olhava para um homem que, para início de conversa, não era só seu novo chefe, mas também o responsável por estar lá.

Enrolando-se mais no casaco, Perdita prosseguiu e fez o possível para ignorar as sensações que ele causava, mas quando perguntou o que fazia quando não estava trabalhando, retrucou de modo rude:

— Por que o interrogatório?Ed arqueou uma sobrancelha.— Só pensei que seria uma boa oportunidade para nos conhecermos melhor. — Ele

ergueu as mãos num gesto de conciliação.— Já notei que não o conheço muito!

PROJETO REVISORAS 13

Page 14: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— O que quer saber?Perdita hesitou diante do convite para questioná-lo.E claro que queria saber se era casado, se tinha namorada, mas não podia

perguntar, podia? Não quando lera seu currículo e sabia que era solteira.— Por que está se mudando para Ellsborough? — indagou em vez disso. — Achou

estranho que eu tenha vindo parar aqui, mas não fui nem de perto tão ambiciosa quanto você.

— Sabemos que administra várias companhias em Londres, e a Bell Browning é um peixe muito pequeno frente a elas. — Olhou para ele desconfiada. — Não pretende reestruturar a empresa e depois vendê-la, não é?

— Não — replicou Ed. — É uma companhia sólida. Há muito por fazer, claro, mas não vejo razão para reestruturá-la... Pelo menos, não por enquanto.

Tranquilizou-se apenas parcialmente.— Ainda assim, o trabalho aqui não é um grande desafio para um alto executivo de

empresas tão famosas como as que dirige.— Não sei. Pode ser um desafio lidar com meu novo staf, se você for um exemplo

disso — provocou, mas com um sorriso tão brilhante que a fez desprezar a brincadeira para se lembrar do calor traiçoeiro que percorria seu corpo.

— Mas não sentirá falta de Londres? — perguntou, recompondo-se internamente.— Para ser honesto, por enquanto não ando com tempo de apreciar Londres. —

Suspirou. — Queria me mudar para um novo lugar, menos frenético, então, quando a oportunidade em Bell Browning surgiu, eu a agarrei. Uma companhia pequena, voltada para mercados específicos, será uma mudança interessante, e anseio por isso, mas não se trata realmente de mim. A família inteira precisa recomeçar.

Então tinha uma família, Droga.Ora, o que pensou? Refletiu alarmada por seu desapontamento. Quantos homens

atraentes na casa dos quarenta conhece que não tem esposa e filhos? E óbvio que Ed tem família!

— Hã? — Foi o melhor que ela conseguiu como resposta.— Minha esposa faleceu há cinco anos — contou, enquanto desciam um caminho

estreito. — Desde então, tento oferecer estabilidade às crianças — continuou. — No começo, parecia melhor mantê-las num ambiente familiar, mas... a verdade é que meu filho se meteu em encrencas ultimamente — admitiu. — Não é um mau garoto, mas se envolveu com as pessoas erradas.

Ed fez uma pausa e deu um sorriso irônico.— Sei que todos os pais dizem isso, mas Tom é realmente um bom menino.— Tenho certeza de que é — murmurou. — Sinto muito sobre sua esposa —

acrescentou, escolhendo as palavras com cuidado. — Não sabia que era viúvo. Deve ser muito difícil criar filhos sozinho.

— Principalmente quando começam a sair da linha — disse. — Tom sempre foi quieto e reservado... Muito menos alegre do que as garotas... Por isso não soube o que fazer quando as coisas deram errado. Todavia, espero que a mudança o ajude a recomeçar. Vai iniciar o terceiro ano do Ensino Médio em setembro, então a idéia é nos mudarmos para Ellsborough no fim do verão, de modo que todos possam começar um novo trimestre em suas escolas.

— Todos? — Perdita não sabia bem como se sentia agora. Seus sentimentos haviam passado de atração para desapontamento ao saber que tinha família, então se sentiu culpada ao descobrir sua tragédia pessoal. O sensato seria não sentir absolutamente nada por ele, mas essa não parecia uma opção no momento. Era melhor continuar com um interesse educado, decidiu. — Quantos filhos você tem?

— Três — respondeu. — Tom é o mais velho, depois vem Cassie, com 15 anos, e Lauren, de 14.

PROJETO REVISORAS 14

Page 15: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Perdita imaginou como duas adolescentes acostumadas à cidade grande se sentiriam em Ellsborough. A adaptação fora complicada para ela, que tinha voltado para um lugar que já conhecia.

— Como se sentiram por sair de Londres?— Reclamaram muito, é claro — disse. — Mas são muito mais sociáveis e

confiantes do que o irmão. Acho que vão se adaptar. Assim espero, porque é tarde demais agora. Comprei uma casa e assinei o contrato ontem, então, se tudo der certo, a mudança vai ocorrer no começo de setembro.

— Onde é?— Perto do centro, num bairro chamado Flaxton... conhece? Perdita assentiu.— E do outro lado do lugar onde moro — murmurou. — Na verdade, minha mãe vive

lá. — Um bairro conhecido por suas grandes casas em estilo eduardiano, mas teria esperado que Ed escolhesse algum local um pouco mais exclusivo. Deve ter juntado muito dinheiro em Londres. — Fico surpresa que não tenha escolhido um dos vilarejos ao redor de Ellsborough. Alguns são adoráveis.

— E muito fácil passar a noite como se fosse um chofer quando se tem três adolescentes em casa — replicou Ed. — Querem sair com os amigos e não ficar presos numa casa de campo comigo. E uma vez que os obriguei a deixar Londres, comprar uma casa perto do centro é um compromisso que tive que assumir.

Colocava os filhos em primeiro lugar, do jeito que Nick sempre fizera, pensou, e era como tinha de ser. No entanto, não evitou de se sentir deprimida enquanto percorriam o resto da trilha até o rio.

Não que tivesse motivos para se sentir deprimida. Ed não dera a menor indicação de que a via como se fosse mais do que uma colega de trabalho. Mas caso tivessem interesse pessoal recíproco, seria triste perceber que um relacionamento entre os dois nunca daria certo.

Já tivera um caso com um pai solteiro, e fora muito difícil. Não se colocaria em segundo lugar novamente, de modo que não daria uma chance a Ed, mesmo se ele quisesse.

Ah, e uma relação com seu chefe também não era uma boa idéia, lembrou. Não, Edward Merrick estava definitivamente fora de questão, e por bons motivos.

O fato de ele possuir uma boca que fazia seus joelhos tremerem não mudava nada.

— Não que seja tão atraente — disse a Millie ao chegar em casa no dia seguinte, submetida a um interrogatório sobre Edward Merrick e sua história. A amiga não se convenceu.

— Parece um desperdício. O pobre homem é viúvo há cinco anos. Esta mudança será um recomeço para ele também. Aposto que será capturado assim que chegar... e se jogar os filhos contra o pai, perderá sua chance, e só poderá se culpar.

— Não quero uma chance — argumentou. — Tudo o que quero com Ed Merrick é uma boa convivência profissional.

E, considerando que começara o relacionamento insultando-o, reclamando do curso para o qual fora enviara e exibindo-se no bar durante as noites, teria de trabalhar arduamente para conseguir isso. Não que Perdita tivesse a oportunidade de construir qualquer relação com ele por algum tempo. Junho se transformou em julho, e então veio uma onda de calor intenso em agosto, mas Edward Merrick fez somente viagens espaçadas para a Bell Browning nesse período. Perdita viu-o entrando num elevador com os diretores, e outra vez atravessar o estacionamento enquanto conversava com o gerente de Recursos Humanos, mas não o encontrou.

PROJETO REVISORAS 15

Page 16: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Não que quisesse vê-lo de novo em particular, mas não podia evitar um pequeno rancor. Não achava o departamento de Operações importante? O propósito daquele curso tolo não era unir mais os funcionários?

Por sorte, estava muito ocupada para pensar nele. Havia bastante trabalho a fazer, e sua mãe contraiu uma gripe no fim de julho, o que a deixou mais irascível do que o normal. Achou que ela estava mais confusa também, embora sua determinação continuasse mais forte do que nunca. Ainda resistia à idéia de qualquer ajuda externa, e Perdita ia lá todas as noites a fim de se certificar de que sua mãe comera e para arrumar e organizar as coisas um pouco.

Então, só de vez em quando se lembrava de Edward Merrick. E quando o fazia, ficava impressionada como podia se lembrar dele de forma tão vivida: os olhos, a boca bonita, o sorriso evasivo.

Uma noite no começo de setembro, Perdita entrou com o carro no pátio da casa onde crescera e a mãe ainda morava. Um caminhão estava parado no pátio da casa vizinha, notou aliviada. Parecia que alguém se mudara finalmente. A propriedade estava no mercado há anos, e Perdita não gostava de ver a mãe morando ao lado de um terreno baldio. Precisava de todos os vizinhos compreensivos que conseguisse.

Aparentemente, os homens da mudança já haviam terminado. Perdita desligou o motor e permaneceu sentada no carro por um minuto. Algo que fazia com freqüência ultimamente. Sabia que só estava adiando o momento de sair do automóvel e entrar, mas isso lhe dava uma chance para se preparar para eventuais alterações no comportamento de sua mãe.

Às vezes, havia só pequenos sinais de que ela estava perdendo o controle. Conhecia o seu nível de exigência, e vê-la com uma blusa encardida ou uma pilha de pratos sujos na pia era uma triste confirmação de que estava piorando. As vezes, todavia, mostrava-se tão radiante que Perdita tinha esperança de melhoras.

— Odeio você!Foi tirada de seus pensamentos ao ver uma adolescente muito bonita sair da casa

vizinha.— Gostaria que nunca tivéssemos vindo! Vou voltar para Londres! — gritou para

alguém do lado de dentro e, batendo a porta, passou pelos homens da mudança, que punham caixas vazias de novo no caminhão, e seguiu para a calçada.

Sorrindo, Perdita saiu do carro. Lembrava-se de andar aborrecida por aquela mesma rua quando era adolescente. Sua mãe nunca se incomodara em segui-la também.

A lembrança de como ela costumava ser a fez entrar em casa.— Mamãe, sou eu!Deparou-se com ela na cozinha, espiando a casa ao lado pela janela.— Tenho novos vizinhos — disse em tom irritado. — Espero que não sejam

barulhentos.Ela pensou na porta da rua sendo batida.— Tenho certeza de que não são. Não vai ouvi-los de qualquer forma. Posso

preparar o jantar? — perguntou alegremente, tentando distrair a atenção da mãe da janela. — Trouxe frango. Pensei em grelhá-lo do jeito que gosta.

— Ah, não é necessário, querida. Já fiz o jantar.— Hã? — Perdita olhou ao redor. Helen James fora uma cozinheira maravilhosa um

dia, mas suas tentativas recentes tinham sido desastrosas.— Um cozido. Está no forno.Mas quando abriu o fogão e viu que estava tudo frio e mal preparado, quis chorar.— Acho que deve ter se esquecido de ligar — disse o mais animada que pôde. —

Vai levar muito tempo para cozinhar agora. Em vez disso, vou preparar um frango.

PROJETO REVISORAS 16

Page 17: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Durante todo o jantar, sua mãe reclamou de ter novos vizinhos. Preocupava-se com o barulho e se as crianças correriam no jardim, e se repetiu tanto que Perdita já estava cerrando os dentes para se conter. Finalmente sugeriu apresentá-la.

— Direi que não os quer no jardim — murmurou, achando que seria uma boa idéia conhecê-los. Deixaria os números de telefone, caso houvesse um problema.

— Faria isso, querida?— Levarei uma garrafa de vinho como presente de boas-vindas.Acomodando a mãe diante da televisão após o jantar, arrumou a cozinha, então

desceu até a adega, na qual as bebidas do pai ainda eram mantidas. Tinha ótimos vinhos, e sentia-se triste ao pensar nas garrafas que nunca apreciou.

Escolheu um vinho, tirou a poeira e foi para a porta ao lado. A onda de calor de agosto parecia desaparecer, e, em seu lugar, caía um chuvisco, molhando-a enquanto atravessava o pátio.

Chegando à porta da frente, hesitou antes de tocar a campainha. Era certo fazer aquilo? Os pobres vizinhos deviam estar exaustos após a mudança, não querendo ser importunados por ninguém. Por outro lado, a idéia de que faria contato tranqüilizara sua mãe. Não ia se demorar de qualquer forma. Apenas se apresentaria e entregaria a garrafa.

Perdita tocou a campainha, e, após um longo tempo, a porta foi aberta pela mesma garota que vira furiosa na rua.

— Olá — murmurou com um sorriso. — Desculpe-me perturbá-los, mas eu vim da casa vizinha, e trouxe isto — disse, erguendo a garrafa. — Apenas para lhes dar as boas-vindas e perguntar se há algo que possa fazer.

— Pode conseguir com que papai nos leve de volta para Londres? — perguntou a garota, levando suas palavras ao pé da letra, e Perdita reprimiu um sorriso. Ali estava alguém que não se sentia feliz em Ellsborough.

— Pensava mais em emprestar uma xícara de açúcar, esse tipo de coisa.— Ah, certo. — A menina suspirou, então se virou e gritou em direção ao topo da

escada. — Papai! E a vizinha!Houve uma pausa, seguida por um grito abafado:— Estou indo! — Alguns momentos depois, ouviu o som de passos ecoando na

escada, e se virou com um sorriso de boas-vindas no rosto, apenas para que o sorriso congelasse em choque no instante em que viu quem tinha acabado de descer.

Ed Merrick.

CAPÍTULO TRÊS

O coração dela disparou violentamente com a visão de Ed. Seu corpo inteiro reagia ao reconhecê-lo. Parecia cansado e desalinhado de camiseta e jeans, mas tinha a mesma intensidade no olhar que lembrava. A mesma boca, o mesmo ar de competência, a mesma habilidade de perturbá-la apenas com sua presença.

— É você — disse ela.Parecia igualmente surpreso em vê-la, e por um terrível momento, ela pensou que

teria de relembrá-lo de quem era, mas então ele sorriu enquanto se aproximava.

PROJETO REVISORAS 17

Page 18: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Perdita... — Pela primeira vez, parecia ter perdido o auto-controle. — Desculpe, você era a última pessoa que esperava...

Na verdade, estava atônito por vê-la em seu hall, esguia e cheia de vida como sempre.

Lembrava-se dela tão claramente do curso em junho e estivera ansioso para reencontrá-la. Esperara encontrá-la numa de suas visitas à Bell Browning durante o verão, mas isso não acontecera. Perguntou sobre ela numa das vezes, sendo informado de que estava fora, e não quis perguntar novamente.

Haveria tempo para conhecê-la quando se mudasse definitivamente. Pessoas pensariam que estava interessado nela, o que não era verdade, não dessa maneira, pelo menos. Não era o seu tipo. Não que não fosse atraente à sua própria maneira, mas não era nada como Sue, por exemplo, que tinha sido dócil, calma e carinhosa. Não havia nada dócil em Perdita. E quando estava por perto, calma era a última coisa que sentia.

A performance dela no último dia do curso o exasperara e impressionara em igual medida. Apesar de todas as suas reclamações e da chuva, contribuíra mais do que qualquer um para o sucesso das tarefas e parecia se divertir também. Sua habilidade de motivar e neutralizar a tensão com humor era extraordinária. Então Ed se lembrava, sim, mas somente porque era impossível esquecer uma pessoa como ela. Não estava interessado.

Portanto, ficou perplexo pelo modo como cada célula do seu corpo pareceu pulsar de prazer ao vê-la.

Perdita não parecia muito encantada em encontrá-lo, e se conteve antes de cumprimentá-la com entusiasmo exagerado.

Houve um intervalo constrangedor.— O que faz aqui? — perguntou ele após um momento.A frase pareceu muito acusatória para ela, que enrubesceu.— Eu... Minha mãe mora na casa ao lado. Vimos o caminhão da transportadora e

achamos que tinham acabado de se mudar. Só vim dar as boas-vindas e trazer isto. — Ela ergueu o vinho.

— E muita gentileza sua — respondeu Ed, limpando as mãos no jeans. — Desculpe, estou sujo — explicou, pegando o presente que Perdita lhe estendia. Arqueou as sobrancelhas ao ler o rótulo. — Isto é mais do que uma garrafa de vinho! Vai ficar e compartilhar comigo?

— Ah, não, não devo — gaguejou, recuando. — Com certeza, está cansado da mudança...

— Por favor — insistiu Ed, então sorriu. — Tive um dia longo, e tudo o que queria era me sentar com alguém e tomar um copo de vinho. Não posso dividir com as crianças e não gosto de beber sozinho.

— Bem... — Agora seria rude recusar, decidiu Perdita. — Mas não posso ficar por muito tempo. Deixei minha mãe sozinha.

— Beba um copo, pelo menos. Está tudo um caos, mas vamos à cozinha, e tentarei achar um saca-rolha.

A filha de Ed olhou para eles com desconfiança.— Vocês se conhecem então?— Seu pai é meu chefe — respondeu.— E esta é minha filha, Cassie — disse Ed. A menina jogou o cabelo loiro no ombro.— E tão irritadiço no trabalho quanto em casa?— Provavelmente precisa perguntar para a secretária dele — respondeu, divertida.

— Ainda não tive muito contato com meu novo chefe.— Não adianta questionar as assistentes de meu pai. Sempre o acham maravilhoso,

mas não é bem assim — disse a menina. — Em casa, é um tirano! Tão cabeça-dura e irracional.

PROJETO REVISORAS 18

Page 19: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Verdade?— Não suportaria trabalhar com ele — declarou a filha. — Faria greve o tempo

inteiro!Ed não parecia abalado com aquilo, enquanto se dirigia à ampla cozinha nos fundos

da casa.— Sou tão irracional que, depois de um dia de mudança com três adolescentes

preguiçosos, preferi fazer algumas camas para que pudéssemos dormir esta noite a largar tudo e instalar o computador para que minha filha enviasse mensagens para as amigas imediatamente.

— Uma atitude muito tirânica — murmurou Perdita.— Viu? — Cassie jogou o cabelo para trás e mudou de assunto: — Posso tomar um

pouco de vinho?— Não — disse o pai.Deu um suspiro dramático.— Vou ligar para Índia e contar a ela como é chato aqui! — anunciou e saiu.— Sinto muito sobre isso. — Ed achou o saca-rolha em uma das caixas empilhadas

sobre o balcão. — Ela é a rainha do drama, como deve ter notado.— E muito bonita.— E sabe disso — afirmou. — Quando está bem-humorada, não existe ninguém

mais encantador... E ninguém mais desagradável, quando está aborrecida.— Minha melhor amiga tem duas adolescentes — contou Perdita, que passara horas

bebendo vinho com Millie e ouvindo suas últimas crises com Roz ou Emily. — Sei que podem ser terríveis. Parece que com meninos é mais fácil, mas certamente é porque minha amiga não tem um filho homem. Ed sorriu.

— Provavelmente. Tom pode ser muito difícil a seu próprio modo, assim como Lauren. Estão lá em cima, mas vou poupá-la das apresentações por enquanto. Foi um longo dia, e agora gostaria de me sentar e relaxar por alguns minutos.

Ele puxou uma cadeira da mesa da cozinha.— Está bem aqui? A sala de estar está ainda mais bagunçada.— Está ótimo.Ed serviu o vinho e cheirou a taça com reverência. Então levantou a cabeça e sorriu

do outro lado da mesa.— Este é maravilhoso. Sempre dá garrafas boas assim para seus vizinhos?— Não, foi apenas a primeira que achei na coleção de meu pai — replicou. — Para

ser franca, não entendo nada de vinhos. Mas tenho certeza de que meu pai ficaria satisfeito em saber que caiu nas mãos de alguém que os aprecia.

— Lembro que falou que ele morreu. — degustou e pôs a taça sobre a mesa. — Sua mãe mora sozinha?

— Por enquanto. — Perdita deu um gole. — Foi um dos motivos de ter vindo para cá. Queria dar meus contatos para os novos vizinhos de minha mãe, caso um dia haja algum problema. Ela não anda muito bem ultimamente. Tento vir todos os dias, mas mamãe passa a noite sozinha e durante o horário em que trabalho. As vezes, parece bem, outras, não.

— Não poderia contratar alguém para ajudar? — perguntou Ed. — Quando minha mãe estava doente, tinha excelentes profissionais para cuidar dela. Havia alguém na casa vinte e quatro horas por dia.

— Sugeri isso, mas ela não aceita. — suspirou Perdita. — As vezes, acho que a única coisa que a mantém viva é sua determinação em não perder a privacidade. Eu entendo. Deve ser horrível se sentir dependente, mas é frustrante também. A vida de minha mãe... e a minha... seria tão mais fácil se aceitasse que alguém fosse cozinhar e limpar, pelo menos. Do jeito que está...

Parou, subitamente embaraçada.

PROJETO REVISORAS 19

Page 20: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Desse modo, você tem que fazer tudo — completou Ed. — Não há mais ninguém na família que possa ajudá-la ou é filha única?

— Não, tenho dois irmãos, mas um emigrou para a Nova Zelândia há alguns anos, e o outro mora em Devon, é casado e tem três filhos pequenos, então não pode ajudar, especialmente quando estou aqui, sem marido e família para considerar. Desnecessário dizer que sou eu quem tem de abrir mão da minha vida. Desculpe o desabafo, mas às vezes me sinto tão ressentida, e depois culpada. O fato é que não quero desistir do meu emprego para cuidar de minha mãe. Não sei como iria me virar financeiramente. Será que é apenas uma desculpa? Passou muitos anos cuidando de mim, afinal. Estou sendo egoísta em não vender meu apartamento e me mudar para cá, para cuidar dela em tempo integral?

— Acho que não. — Franziu o cenho, considerando a situação. — Parece terrível que toda a responsabilidade recaia sobre você. Seus irmãos não poderiam ao menos tentar convencê-la a aceitar ajuda?

— Mamãe não gosta de incomodar os homens com detalhes domésticos — murmurou. — Sempre diz que está tudo ótimo... e depois comenta comigo como foram amáveis em telefonar, apesar da vida agitada que levam!

Era um ouvinte maravilhoso. Maravilhoso demais, talvez. Mas tinha seus próprios problemas e, de todo modo, era seu chefe. Lembra-se disso, Perdita?

— Sinto muito — desculpou-se. — Não deveria estar assim. Amo minha mãe. Deveria me sentir grata por ainda tê-la ao meu lado, não devia reclamar das preocupações que me dá.

— E normal se sentir assim — disse. — Quando ama alguém, é difícil lidar com o fato de que não podem mais voltar a ser o que eram. Amei muito Sue — confessou. — E ainda sinto sua falta, mas houve vezes em que me zanguei por ela ficar doente, por morrer, por me abandonar e deixar as crianças sem mãe... Tive de tentar ser forte por ela e pelas crianças, e sim, ressentia-me do fato de que não havia ninguém para me ajudar.

Fez uma careta e continuou:— Detestei a mim mesmo por sentir raiva. E me sentia culpado também, assim

como você. Hoje percebo que fui muito duro comigo. Não enxerguei que a raiva, às vezes, pode ser um mecanismo para lidar com o medo.

— Sua esposa sabia como se sentia?— Acho que sim. Tentei esconder meus sentimentos, mas ela me conhecia muito

bem. E, é claro, também estava com medo. Tudo melhorou quando admitimos o medo, e então pudemos nos ajudar mutuamente.

Perdita engoliu em seco.— Sinto-me péssima reclamando de minha mãe quando você passou por sofrimento

muito pior — confessou, mas Ed meneou a cabeça.— Não é uma questão de "melhor" ou "pior". Não é possível comparar a sensação

de perder alguém que se ama. Não dá para dizer que é melhor perder um parceiro porque morreu ou se divorciou, ou que é mais fácil perder alguém em espírito do que fisicamente, que não se sofre tanto por uma mãe quanto por uma esposa... Qualquer que seja a situação, é preciso lidar com a dor de não ter mais a pessoa amada.

— Ainda assim... — murmurou sem estar convencida. — Como se virou? — perguntou após um momento.

— Depois que Sue morreu?— Sim. Deve ter se sentido... tão solitário, tão abandonado. Abandonado era uma boa palavra, pensou Ed.— Sim, foi terrível — disse, lembrando-se da mão fina de Sue na sua, o silêncio

ensurdecedor quando parou de respirar. A expressão no rosto de Tom quando lhe contou que sua mãe estava morta. Abraçar Lauren e sentir o pequeno corpo se sacudindo em

PROJETO REVISORAS 20

Page 21: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

soluços. A fúria no rosto de Cassie, que, até então, não acreditara que a mãe a deixaria. O vazio doloroso quando tentava imaginar um futuro sem a mulher ao seu lado.

Ed reprimiu as memórias tristes.— Por um tempo, você fica meio entorpecido. Mas não podia desmoronar. Precisava

apoiar as crianças, e não foi fácil.— Eram muito jovens para perder a mãe — comentou Perdita.— Lauren tinha apenas 8 anos.Oito. Perdita tinha 40, e a idéia da perda a enchia de horror.— Havia problemas práticos também — continuou Ed. — Minha irmã veio passar um

tempo quando Sue estava morrendo, mas tinha que cuidar da própria vida e não podia ficar para sempre. Quis contratar uma boa governanta, mas as crianças não aceitaram mais ninguém vivendo lá por um tempo... Um pouco como sua mãe, na verdade. Então mudamos para uma casa com apartamento em cima da garagem, onde uma babá poderia morar. Todavia, nenhuma foi muito bem-sucedida, e logo meus filhos não aceitaram mais nem isso. Eles se viravam bem em Londres, mas essa foi uma das razões por que quis me mudar para um lugar menor, onde espero que façam amigos que moram perto, em vez do outro lado de Londres. E poderei chegar com mais facilidade em casa e ter um emprego menos estressante. Embora saibam se cuidar de muitas maneiras, às vezes precisam de tanta atenção agora como quando eram bebês.

Ele olhou ao redor da cozinha.— Então, aqui estamos. As garotas estão reclamando sobre ter deixado os amigos

em Londres, e está tudo uma bagunça... Suponho que levará um tempo para as coisas se acomodarem.

— E a última coisa que precisa é de mim e de ouvir meus problemas — disse Perdita. — Parece que já tem uma cota suficiente.

— Isso não torna seus problemas menos importantes — apontou Ed, pensando em como era fácil conversar com ela. Não costumava falar sobre Sue com estranhos. Tinha sido tão agitada e cheia de vida no curso que ele nunca se imaginaria conversando com ela dessa maneira, mas, de súbito, parecia tão certo vê-la sentada à mesa de sua cozinha. Não aparentava menos vivacidade, mas os olhos escuros eram calorosos e solidários, e fitá-los fez o nó no peito de Ed se afrouxar pela primeira vez em anos. Ele se forçou a desviar o olhar.

— Minha mãe morreu alguns anos atrás, então sei como é. Um silêncio se seguiu. Perdita observava-o do outro lado da mesa... Os traços do rosto, o ângulo do maxilar, a linha dos lábios... Sentiu o sangue ferver e a própria boca secar, bebeu vinho para umedecê-la. Só ela sentia aquilo ou havia uma energia perigosa no ar?

Lutou para se recompor. Aquele era Edward Merrick, seu chefe, pensou.— Mais vinho? — Ofereceu, quebrando o silêncio e erguendo a garrafa.— Não... obrigada. — Pelo amor de Deus! Corava e estava gaguejando enquanto

bebia o resto do conteúdo do copo, com medo de que Ed percebesse sua atração física. — E melhor eu voltar.

— Tem certeza?— Sim. — Afastando a cadeira da mesa, levantou-se abruptamente. — Minha mãe

está esperando.Não era verdade, mas Ed não precisava saber que estava desesperada para

escapar antes que fizesse papel de tola. Escoltou-a até a porta.— Não queria deixar aqueles números?— Números?— Caso precisemos falar com você sobre sua mãe — disse. — Tenho seu telefone

do trabalho, é claro, mas talvez o celular seja melhor.— Ah... sim... é claro. — Sentindo-se tola, Perdita tirou do bolso o cartão da

empresa. — Escrevi meus contatos atrás.

PROJETO REVISORAS 21

Page 22: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Ele pegou o cartão. Era sua imaginação ou Ed estava sendo tão cuidadoso quanto ela para se certificar de que os dedos não se tocassem?

— Deixarei o cartão na cozinha e informarei às crianças sobre isso.— Obrigada. — Houve uma pausa desconcertante. Bem... Obrigada.— Obrigado pelo vinho. — Sorriu. — Eu a vejo no trabalho então — acrescentou,

terrivelmente consciente da tensão no ar. — Tenho o dia de amanhã e o fim de semana para organizar as coisas e começo em tempo integral na segunda-feira.

Trabalho. Sim, lembre-se disso, pensou Perdita. O lugar onde era chefe-executivo, e ela, gerente de operações, e não havia tempo para conversas particulares.

— E claro — murmurou ela.— Teremos de marcar uma reunião.— Certo — disse Perdita. Aquela situação era terrível. Era óbvio que tinham de se

separar, mas de alguma maneira, nenhum deles conseguia fazer isso. — Bem, é melhor eu ir. — Virou-se obstinada para a porta. — Adeus.

Sua saída digna foi arruinada quando tropeçou no degrau, mas a essa altura, sentia-se tão desajeitada que ia além do embaraço. Talvez fosse o vinho, pensou enquanto voltava para casa da mãe com as pernas bambas.

Sem dúvida, tinha sido o vinho, Perdita decidiu naquele fim de semana. Na segunda-feira à tarde, quando Ed convocou uma reunião na companhia, de modo que pudesse se apresentar, estava controlada e composta novamente. Tinha um discurso aberto e envolvente, e ficou claro que causara uma boa impressão em todos, desde os membros da diretoria até os faxineiros, que também foram incluídos na reunião. Só ela ficou um pouco desapontada.

Quando Ed avisou que fariam uma reunião no trabalho, ela pensou que seria apenas para os dois, mas fizera parte de um grande público, uma sensação que nunca apreciou. Teria a chance de lhe falar em particular na terça-feira?

Mas a terça passou, assim como a quarta, e Perdita começou a se irritar. Ele se importava com o departamento de Operações?

Na sexta-feira, a secretária de Perdita entrou na sala, anunciando que Ed queria vê-la assim que possível.

— Devo dizer à assistente dele que pode ir agora?— Não! — replicou instintivamente com uma ponta de pânico. Era típico! Arrumara-

se com tanto capricho nos últimos quatros dias na esperança de que a chamasse para uma reunião, e agora, quando menos esperava... quando não dera tanta importância ao traje... Ed a chamava. Estivera tão determinada a causar uma boa impressão. Por motivos profissionais, claro.

— Você não tem nenhum compromisso até meio-dia — apontou Valerie.— Bem, não... Mas quero terminar este orçamento primeiro — disse Perdita,

tentando parecer natural.Por que deveria correr para o escritório no momento em que Ed estalasse os dedos,

afinal? Esperara todo esse tempo para chamá-la. Que esperasse mais um pouco. A última coisa que queria era parecer muito ansiosa.

— Pergunte à assistente dele se pode me encaixar em algum horário esta tarde.Era ótimo não parecer assim, mas Perdita não pensou que passaria o resto da

manhã nervosa na expectativa de vê-lo novamente, sem conseguir se concentrar no orçamento ou em mais nada.

E agora que o encontraria, seu coração disparava, o que era tolice. Aos 40 anos, não tinha mais idade para ficar nervosa por um homem. Além disso, ia encontrar seu chefe, nada mais.

Qualquer um pensaria que estava interessada nele, o que não era verdade.

PROJETO REVISORAS 22

Page 23: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Primeiro, porque não acreditava em misturar relacionamentos pessoais com profissionais, e aquele era claramente profissional. Segundo, porque tinha três filhos, e Perdita nunca mais se envolveria com um pai solteiro. E terceiro, porque não sentia atração por Ed. Nem sequer fazia seu tipo. A estranha onda de desejo que experimentara na outra noite devera-se ao vinho e nada mais.

Todavia, viu-se no banheiro feminino antes da reunião que Valerie marcara para as duas horas, retocando o batom. Examinou seu reflexo cuidadosamente. Com olhos escuros, boca grande e cabelo sedoso caindo nos ombros, podia usar cores brilhantes e trajes ousados, mas o conjunto de hoje era clássico. Saia justa e um blazer chique sobre uma blusa de seda bonita, e Perdita decidiu que talvez fosse melhor assim... Uma aparência mais profissional do que se vestisse algo mais chamativo.

Ela pegou sua pasta, respirou fundo e foi ao escritório do chefe-executivo.Ed ficou de pé quando ela entrou, e, só de vê-lo, Perdita ficou ofegante. Hoje vestia

camisa e gravata, e o traje formal o fez parecer mais velho e distante do que a camiseta e o jeans.

Ela sentiu uma timidez não familiar.Ridículo.Era gerente de operações de uma companhia bem-sucedida, pensou. Uma mulher

inteligente e confiante, que nunca fora tímida.Ergueu o queixo, sorriu e disfarçou a inesperada reação. Podia se sentir estranha,

mas não tinha intenção de demonstrar seus sentimentos para Ed Merrick.— Obrigada por arrumar uma hora para me receber — disse, quando ele gesticulou

em direção a cadeiras confortáveis no canto da sala.— Não tem de quê — replicou Ed. — Fico satisfeito que tenha conseguido me

encaixar.Havia uma ponta de sarcasmo na voz dele? — pensou.— E uma época movimentada no departamento de Operações.— Imaginei — concordou com suavidade. — Por isso a deixei por último. Falei com

todos os outros gerentes, mas sabia que você seria capaz de continuar fazendo um bom trabalho sem minha interferência.

— Ah. — Perdita notou que estava sentada de modo nervoso na extremidade da cadeira e tentou relaxar. Recostando-se um pouco, cruzou as pernas, mas isso fez sua saia subir, expondo-as bastante, então as descruzou novamente. Agora, o que faria com elas? Talvez pudesse apoiar os tornozelos como um membro da realeza? Mas quando tentou, pareceu artificial também.

Se Ed percebeu seu desconforto, não demonstrou.— Mais uma vez obrigado pelo vinho que trouxe na outra noite — murmurou. — Foi

muita gentileza.— De nada. E fácil ser generosa com a adega dos outros! Houve uma pausa breve enquanto ele pensava em como começar. Uma empatia

inexplicavelmente perturbadora surgiu entre os dois aquela noite em sua cozinha, e tinha certeza de que Perdita também sentiu. E isso os deixava numa situação estranha agora. Não queria falar a respeito, mas não podia fingir que nada acontecera.

Era por isso que havia adiado até aquele momento uma reunião com ela. Esperava que a lembrança daquele sentimento desaparecesse... E até aí não obtivera sucesso... Ou que vê-la no trabalho mudaria as coisas novamente.

Olhando-a agora, percebeu que a tranqüilidade que Perdita apresentara na cozinha de sua casa desaparecera, e estava de volta ao seu estado nervoso e agitado. Por outro lado, agora que via que podia ser carinhosa, compassiva e honesta e que possuía suas próprias preocupações e culpas, era muito mais difícil pensar nela apenas como colega de trabalho. Embora obviamente fosse tudo o que queria ser.

PROJETO REVISORAS 23

Page 24: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Afinal, não poderia se interessar por um viúvo de meia idade, com três filhos adolescentes.

Poderia?

CAPÍTULO QUATRO

Ed pigarreou. Bem, não pensaria nisso.— Então, demorou muito para se recuperar do curso de desenvolvimento de

liderança? — perguntou ele, não sabendo bem por onde começar a reunião.— Não foi tão ruim — respondeu. — Levei algum tempo para pôr o trabalho em dia

depois e fiquei irritada por meus colegas se fingirem de pavões toda vez que eu aparecia. Mas tirando isso, foi bom.

Inclinou-se para frente, descansando os antebraços nos joelhos e unindo as mãos entre eles, enquanto os olhos acinzentados penetrantes a estudavam.

— O que achou do curso? — questionou Ed.— Honestamente? Achei a coisa dos animais meio tola, mas foi útil saber que

diferentes membros de minha equipe têm forças distintas. — E aprendi a fazer contatos, então não foi tão ruim!

O sorriso dele fez seu coração disparar.— Você não estava muito impressionada com o curso, mas fico satisfeito que tenha

tirado algum proveito.Ed parou, e sua expressão se tornou mais séria.— Tenho um retorno dos mediadores sobre você, mas antes que discutamos,

gostaria de saber como vê seu trabalho em Bell Browning.— Em que aspecto?— Está feliz como gerente de operações?— Sim — respondeu, desconfiada com o rumo que a conversa tomava. — Algum

problema com meu desempenho?— Pelo contrário — disse Ed, pegando um arquivo da cadeira ao lado e olhando

para o documento. — Seu departamento tem a reputação de fazer tudo dentro do prazo e com baixo orçamento. Parabéns. O quadro de diretores está muito satisfeito com o que fez desde que assumiu o cargo.

— Não somente eu — murmurou Perdita rapidamente. — Todos na equipe têm trabalhado duro... apesar de eu ser um pavão. — Não resistiu a fazer uma observação.

Os olhos acinzentados sorriram.— Seu estilo de liderança funciona claramente. O que disse mesmo? "Digo a meu

staff o que fazer, e eles fazem?" — A voz de Ed era de diversão.Perdita enrubesceu.— Quando posso, tento ser um pouco mais sutil.— E seu staff fala muito bem de você. — Fechou o arquivo e o colocou sobre a

mesa. Entre os dois. — A questão é se quer continuar como gerente de operações ou se gostaria de desenvolver mais seu papel na empresa.

— De que maneira?— Discuti mudanças com o quadro de diretores, vimos que há potencial para nos

expandirmos internacionalmente — disse. — Precisaremos de alguém com habilidade

PROJETO REVISORAS 24

Page 25: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

específica para lidar com clientes estrangeiros, e seu conhecimento de idiomas e experiência no exterior a tomam a candidata ideal. Ainda está em discussão, mas gostaria de saber se está interessada.

Ed surpreendeu-se ao vê-la iluminada de excitação. Mas logo a expressão radiante desapareceu.

— Em princípio, é claro que me interesso, mas depende da freqüência com que terei de viajar.

— Imagino que precisaria visitar países estrangeiros. Seria problema?— Provavelmente. — Esforçou-se para disfarçar o desapontamento. Não era justo!

O emprego dos seus sonhos sendo oferecido e tirado antes que pudesse tecer fantasias sobre ele. Mas tinha que ser realista. — Não acho que poderia viajar e deixar minha mãe sozinha.

— Mesmo que alguém cuide dela?— Não aceitaria nada do tipo, não agora. — Perdita meneou a cabeça com tristeza.

— Obrigada por pensar em mim, mas preciso ser honesta. Obviamente, adoraria o desafio de um emprego como esse, mas não acho que poderia assumi-lo neste momento.

— E uma pena — disse Ed com sinceridade. — Todavia, ainda estamos no estágio de planejamento, e talvez as coisas mudem. Não precisamos decidir imediatamente.

Houve uma breve pausa. Perdita sorria com dificuldade. Vinha se sentindo irrequieta ultimamente, e a perspectiva de um trabalho novo e interessante era tudo de que precisava para banir a sensação sufocante de estar presa em Ellsborough. Não seria justo culpar a mãe. Tinha sido ela quem escolhera voltar para casa, tentando tirar o melhor proveito enquanto trabalhava em Bell Browning. Sem Nick, a carreira era tudo o que lhe restava e, aparentemente, mesmo isso teria de vir depois das outras responsabilidades.

Suspirando, começou a se levantar.— Bem, se é tudo...Ed ergueu uma das mãos.— Não é — disse, e Perdita voltou a sentar. — Ainda precisamos discutir o retorno

do curso de desenvolvimento de liderança.— Ah. — Tinha a impressão de que não gostaria daquilo. Ed pegou uma folha de

papel em cima da mesa.— E uma leitura interessante! Não duvidamos de suas habilidades, mas sua

abordagem tanto com clientes quanto com colegas de trabalho pode ser... um pouco incisiva demais. Talvez deva conter teu temperamento forte em algumas ocasiões.

— Como assim?— Precisa perceber melhor como os outros reagem em certas situações — disse. —

Tem grande capacidade de motivar as pessoas e influenciá-las, mas, às vezes, especialmente quando lida com executivos mais velhos... São situações que requerem certa sensibilidade. Dizer simplesmente às pessoas o que fazer, esperando que façam, não funciona!

Perdita abriu a boca para protestar, mas se calou a tempo.— O que propõe exatamente?Ed recostou-se e estudou sua expressão indignada.— Bell Browning é uma empregadora importante em Ellsborough, mas, pelo que sei,

a companhia não mostrou muita noção de responsabilidade social. Quero que todos se envolvam mais na comunidade, e há diversos projetos com os quais poderíamos nos associar.

— Certo — disse, começando a ficar impaciente. Gostava de ir direto ao ponto, mas Ed obviamente não tinha pressa.

— Um desses projetos é um esquema de renovação urbana que está começando em um terreno baldio em Booker Street, há algumas quadras daqui.

PROJETO REVISORAS 25

Page 26: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Perdita quase consultou o relógio. O que tudo isso tinha a ver com o retorno do curso de liderança?

— Um aspecto importante do projeto é criar um ambiente que seja parte parque, parte jardim comunitário, onde se possa plantar verduras e frutas, ou apenas apreciar o espaço verde com árvores e flores — continuou. — A idéia é que seja um lugar para a comunidade se reunir, e esperamos que muita gente se comprometa em transformar aquele terreno abandonado em algo bonito. Em particular, será uma oportunidade para adolescentes que tiveram problemas com a polícia, que praticaram pequenos crimes ou delinqüência, contribuírem com algo para a comunidade.

— Fala de serviço comunitário?— De certa forma. A maioria provavelmente será condenada a dedicar algumas

horas ao jardim, mas, fazendo isso, terão oportunidade de aprender a trabalhar em equipe e ficarão satisfeitos por criar algo do nada.

Não podia imaginar nenhum dos adolescentes que conhecia encontrando prazer na jardinagem, mas reservou a opinião para si.

— Não ouvi falar desse projeto — disse, fingindo-se interessada.— Mas ouvirá — retrucou Ed. — E a concepção original da paisagista de

Ellsborough. — Eu a conheci alguns dias atrás. Grace é uma mulher estimulante. Deve ter pouco mais de 30 anos, mas o marido morreu tragicamente no ano passado, e decidiu desenvolver um projeto de jardinagem em sua memória. E apaixonada por plantas e pela necessidade de dar a algumas destas crianças problemáticas uma sensação de enraizamento na comunidade.

Pobre Grace, viúva tão cedo, pensou, embora não estivesse convencida da obsessão por jardinagem da mulher. Nunca se interessara por isso e não pretendia começar agora. Além do mais, não podia evitar a mágoa de ele ter passado um tempo com a "apaixonada" Grace em vez de ficar com sua gerente operacional de temperamento forte.

Apertou os lábios. Pelo "o que" ou "por quem" estava apaixonado?, perguntou-se. Então olhou para a boca dele e desejou saber o que lhe despertava paixão. Uma onda de calor a percorreu, fazendo-a se esforçar para desviar os olhos.

Basta. Seja lá o que lhe despertasse paixão, certamente não era ela.— O que tudo isso tem a ver comigo? — questionou Perdita, mais brusca do que

pretendia.— Quero que dedique algumas horas por semana para trabalhar com as crianças no

projeto do jardim.Olhou para ele atônita.— Eu? Mas não entendo nada de jardinagem! Ou de adolescentes!— Não estará lá para ensinar. Será uma experiência de aprendizagem para você

também.— Mas...— Sei que será um desafio, mas reage bem a isso. Eu vi como reuniu todos em

torno das tarefas naquele dia chuvoso. Será mais difícil, mas acho que há muito a aprender com essa experiência.

— Ah, você acha? E se disser que não tenho tempo para brincar num jardim com um bando de crianças delinqüentes?

Ed encarou com firmeza os zangados olhos castanhos.— Preciso que arranje tempo — disse. Perdita suspirou.— Detesto sujar as mãos. E não vejo como seu projeto fará diferença na forma

como trabalho. Ou você me acha capaz para o cargo ou não acha! Ken Fowler jamais obrigaria seu staff a fazer coisas que não querem.

PROJETO REVISORAS 26

Page 27: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Ken não é mais o chefe-executivo — apontou Ed, desta vez, em tom autoritário. — Sou eu. E quero funcionários abertos a novos desafios e experiências e que não reclamem ao serem convocados para algo diferente!

— Todos os golfinhos e corujas trabalharão no jardim também? — perguntou Perdita.

— Não, isso não será da alçada deles. Mas contribuirão com a comunidade de outras maneiras. O objetivo do curso é que aprendamos algo sobre nós mesmos, a crescer como indivíduos. Só seremos capazes disso com desafios, lidando com situações desconfortáveis.

— Panteras precisam ser desafiadas também ou estão acima disso?Por um momento, imaginou se tinha ido longe demais. Ed era seu chefe, afinal, e

não tinha de aceitar sarcasmo do staff, mas então ele sorriu.— Não, também serei desafiado. Preciso aprender a ser mais intuitivo e aberto

emocionalmente. Acredite — disse, levantando-se e sinalizando que a reunião terminara. — Será tão difícil para mim quanto trabalhar com adolescentes é para você!

— Não acredito que terei de trabalhar em algum jardim sujo — resmungou para sua amiga naquela noite. Os adolescentes de Millie tinham saído, e ela aproveitara a chance de encontrar Perdita para um drinque.

— Talvez não seja tão ruim — murmurou com a irritante tendência a ser otimista. — Algumas pessoas acham jardinagem uma atividade muito terapêutica.

— Esta não será! Ed não me enviaria para lá se tivesse alguma chance de eu me divertir. — Deu um gole no vinho. — Não, ele quer que seja o mais complicado possível para mim. Quer minar minhas forças — terminou dramaticamente.

— Duvido — disse a amiga com tranqüilidade. — Parece querer que adquira experiência em lidar com pessoas que não estão acostumadas a acatar suas ordens. E acho que conviver com adolescentes rebeldes é a melhor experiência que alguém poderia ter! Se puder lidar com eles, pode lidar com qualquer um!

— Bem, acho que é perda de tempo, como aquele curso estúpido — declarou, furiosa. — Quem Edward Merrick pensa que é?

— Pensa que é seu chefe — respondeu Millie. — E é, na verdade. Se tivesse um mínimo de bom senso, você o bajularia, não se recusando a fazer as coisas que ele pede.

— Não tenho intenção de bajular Edward Merrick — disse, ultrajada pela idéia. — Já lhe dei uma garrafa do melhor vinho de papai, e o que fez? Obrigou-me a rolar na lama uma vez por semana!

Millie olhou para a amiga, pensativa. — Achei que estava encantada.— Bem, não estou! — Como poderia se encantar por um homem que oferecia o

emprego perfeito e depois queria enviá-la a um terreno baldio para que se sujasse inteira só para que ele pudesse deixar sua consciência social mais leve? Se queria tanto salvar o mundo, que fizesse sozinho.

Secou o copo com um ar de desafio.— E meu chefe e mais nada. Nem sequer gosto dele.

Perdita olhou o terreno com um misto de incredulidade e desgosto. Um jardim? Ali? Certamente devia haver algum engano. Seria uma conspiração elaborada por Ed e Grace Dunn para tirá-la do escritório numa tarde úmida e fria e enchê-la de desespero diante da idéia de trabalhar naquela horrível pilha de lixo, lama e tijolos velhos?

PROJETO REVISORAS 27

Page 28: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Grace lhe enviara um e-mail mais cedo, sugerindo que chegasse às 15h30 para uma sessão introdutória e para usar suas roupas velhas, visto que provavelmente se sujaria. Já tendo sacrificado suas botas favoritas no curso promovido por Ed Merrick, Perdita não tinha intenção de arruinar mais nada. Irritada, comprara um casaco de lã barato e galochas de borracha e vestira seu jeans mais velho no banheiro do escritório.

Tinha superado a atração por Edward Merrick! Ele e Grace estavam provavelmente escondidos naquela cabana agora, cochichando sobre seu desespero, pensou, seguindo naquela direção por meio da lama.

Ela gostava de projetos com objetivos alcançáveis, mas a idéia de criar um jardim ali era claramente impossível. Não entendia o que Grace Dunn pensava. Devia ser tola ou viver num mundo de fantasias!

Mas não parecia tola quando deu as boas-vindas à Perdita dentro da cabana, que era maior e mais limpa por dentro do que parecera de fora. Era uma mulher muito bonita com olhos acinzentados luminosos e cabelo desalinhado, mas tinha um aperto de mão firme, e logo ficou claro que possuía inteligência e autoridade, apesar de jovem.

Nem sinal de Ed na cabana, o que era um alívio, embora o sentimento fosse logo substituído por pânico quando Perdita foi apresentada a um grupo de adolescentes carrancudos. O que fazia ali? Não sabia nada sobre eles, além do que aprendera de amigas como Millie, e isso era suficiente para convencê-la de que não tinham nada em comum.

Mais intimidada do que gostaria de admitir, sentou-se na ponta do semicírculo de cadeiras. Não se sentia muito um pavão naquele ambiente, pensou, olhando os outros sob os cílios. Pareciam mal-humorados, cruéis e tão satisfeitos por estar lá quanto ela.

Grace assumiu o comando.— Provavelmente se perguntam o que fazem aqui, então vou lhes mostrar. —

Mostrou a planta de um parque e um jardim, com áreas separadas para plantação de árvores frutíferas e vegetais e para playgrounds. — Vocês estão aqui para fazer isto.

— De jeito nenhum! — exclamou um garoto ao lado de Perdita, e ela não pôde deixar de concordar. Talvez tivesse mais coisas em comum com adolescentes do que supunha. Pelo menos, aquele menino podia ver que o que propunham era impossível.

Mas Grace continuou confiante.— Nosso primeiro trabalho é limpar o solo e prepará-lo para plantar. Pode não

parecer muito excitante, mas esse estágio é um dos mais importantes do projeto.Talvez percebendo o ceticismo que a rodeava, não tentou convencê-los. Em vez

disso, entregou um rastelo e um par de luvas a cada um. Perdita se viu limpando uma área com um menino chamado Tom, que escondia o rosto atrás do cabelo desalinhado e, aparentemente, comunicava-se com grunhidos.

Grace indicara que sempre trabalhariam na mesma área no começo, de modo que fossem capazes de medir seu progresso com relação aos outros. O efeito que isso teve em Tom era duvidoso, mas o espírito de competitividade dela foi imediatamente despertado, e prometeu que aquela área ficaria mais limpa, e de modo mais rápido, do que a de todos os outros.

Já que estava lá, refletiu, deveria concluir a tarefa com sucesso.A verdade era que fazia parte de sua natureza realizar bem qualquer tarefa e, de

preferência, derrotar todos se houvesse competição.Olhou para o garoto ao lado.— Bem, vamos começar.Com expressão carrancuda, abaixou-se para pegar uma lata enferrujada, mas o

esforço pareceu fatigá-lo, e ficou parado, como se não entendesse como aquilo tinha ido parar em suas mãos.

— Ouça, levará séculos se tentarmos pegar todo este lixo peça por peça — disse Perdita, exasperada. O chão estava cheio de concreto quebrado, metal enferrujado,

PROJETO REVISORAS 28

Page 29: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

plásticos, cacos de garrafas... E olhou para aquilo com desgosto. — Vamos usar os rastelos para amontoá-los numa pilha e depois tentaremos nos livrar do lixo.

O trabalho era mais árduo do que Perdita tinha imaginado. Quanto mais lixo arrastava, mais aparecia. Como aquilo poderia abrandar seu temperamento forte?, pensou amargamente. Sentia-se cada vez mais irritada. Ed Merrick, sem dúvida, estava confortável em seu escritório aquecido, pensando em outras formas de torturar seu staff. Deveria começar um motim, pensou, arrastando o lixo com o rastelo.

Quase não vira Ed desde a reunião, o que provavelmente era melhor, pois não aceitaria o conselho de Millie e o bajularia. Já havia muita gente fazendo isso, a julgar pelas fofocas que circulavam no escritório. Provara-se notavelmente carismático.

A secretária de Perdita, Valerie, uma grande fonte de informações, deleitava-se ao falar o nome dele o tempo todo. Desejou que exigisse ser chamado de senhor Merrick. Seria muito mais fácil detestá-lo se fosse arrogante e autoritário, mas não! Todos o adoravam! Aparentemente, era a única com algumas reservas com relação a sua pessoa, e isso a entristecia. Por que não tentava conquistá-la, como fizera com os outros?

Fungou ao juntar uma coleção de latas enferrujadas. Fora chamada para uma reunião na sala da diretoria na terça-feira, e a expectativa de encontrá-lo lhe causava um friozinho no estômago enquanto subia, apenas para descobrir que ele pedira a seu vice para presidir a reunião, e nem mesmo estaria lá. E foi tomada por um desapontamento absurdo.

E claro, quando visitou a mãe, viu as luzes acesas na casa ao lado, mas não poderia bater lá sem uma boa desculpa.

De qualquer maneira, não queria vê-lo, lembrou-se ao desembaraçar com cara de nojo uma sacola rasgada de seu rastelo, estando satisfeita por usar luvas. Não dissera à amiga que nem mesmo gostava dele?

Certo, então isso não era totalmente verdade, admitiu, arrastando a ferramenta de maneira furiosa ao longo do solo. Se fosse honesta consigo mesma, a verdade é que resistia a Ed porque não queria achá-lo atraente, e não queria achá-lo atraente porque estava com medo de se envolver com um pai outra vez.

Amar Nick, ser magoada por ele, ensinou-lhe uma dura lição. Ainda podia sentir a dor do abandono depois de todo esse tempo. Então voltava a experimentar o sofrimento que fizera parte de sua vida durante tantos meses. Passara dois anos tentando se encaixar nas prioridades dele como pai, e, no fim, aquilo quase a destruiu. Não iria enfrentar a mesma situação de novo.

Ed era pai, portanto não estava interessada.E, aparentemente, ele também não estava interessado.E por que não se sentia melhor com isso?Depois que juntaram duas grandes pilhas de lixo, Perdita parou e endireitou o corpo,

apoiando uma das mãos nas costas. Teria sorte se conseguisse andar no dia seguinte.— Certo, está na hora de uma recompensa — disse para Tom. Enfiando a mão no

bolso, achou uma barra de chocolate que comprara no caminho para o almoço.Fora idéia de Perdita trabalhar em determinadas áreas de cada vez. Quando

tivessem concluído uma parte e reunido o lixo em pilhas, poderiam ganhar uma recompensa, sugerira. Meia barra de chocolate não era um prêmio muito grande frente a um banho de banheira com uma taça de champanhe, o que realmente queria no momento, mas era melhor do que nada.

E era chocolate, afinal de contas.— Aqui — disse, partindo a barra ao meio e oferecendo metade a Tom. — Sua

recompensa.— Obrigado — disse o garoto, pegando o doce. — Estou morrendo de fome.

PROJETO REVISORAS 29

Page 30: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— O que faz aqui? — perguntou, curiosa. Apesar dos ombros caídos e do cabelo bagunçado, falava bem quando se esquecia de grunhir e tinha bons modos. Também não parecia apresentar o tipo de comportamento delinqüente que levara a maioria ao jardim.

— Fui enviado para cá — replicou.— Por quê?Tom deu de ombros.— Mau comportamento. — Olhou para ela por baixo do cabelo. — E você?— O mesmo, suponho — disse Perdita, mastigando o chocolate, e o menino riu.— Você? Mau comportamento?— Aparentemente, tenho um gênio muito forte. Eles me enviaram do trabalho. —

Chupou o polegar lambuzado. Meu chefe é um tirano arrogante e pretensioso que acha que esta experiência será boa para mim.

— Meu pai pensa a mesma coisa — confessou Tom. Perdita bufou.— Notei que nenhum de nós está aqui se beneficiando da experiência de recolher

lixo na chuva, não é?— É — concordou ele. — Devemos sugerir que façam isso na semana que vem.— Não sei quanto a seu pai, mas não me vejo convencendo meu chefe a fazer isso.

— Ela suspirou quando percebeu que o chuvisco estava se transformando em chuva. — Quando este purgatório acaba?

— Meu pai vem me buscar às 17h.— Provavelmente terei de ficar até essa hora também. — Perdita esfregou as costas

doloridas. — E melhor começarmos em outra área...

CAPÍTULO CINCO

Assim que varreram a terceira área, chovia pesado, e estavam exaustos, ensopados e muito sujos de lama. O cabelo de Perdita se colava à cabeça, e parou para afastar a franja da testa com o dorso do braço, satisfeita ao notar que tinham conseguido ir além dos outros. Entretanto, o desafio de ser a melhor começava a perder a graça.

— Gostaria que seu pai aparecesse — disse para Tom. — Significaria que é hora de ir embora.

— Lá vem ele — murmurou o garoto, e ela olhou na direção em que apontava.Um homem cruzava o terreno baldio, e havia algo de familiar naquele modo de

andar, pensou Perdita. A postura dos ombros chamou sua atenção. Subitamente o coração disparou.

— Este é seu pai? — perguntou, e Tom a fitou surpreso. A expressão de Perdita fez o menino olhar, com súbita compreensão, para o pai e então de volta para ela.

— É seu chefe? — disse o menino, e, quando sorriu, Perdita pôde ver o pai dele. — Não se preocupe. — Baixou a voz de maneira cúmplice: — Não contarei! Oi, papai!

Ed estreitou os olhos para o filho, que parecia estranhamente alegre, cumprimentando o pai com uma das mãos. Então a viu parada ao lado do menino. Ao contrário de sua aparência sempre imaculada, estava suja e desmazelada, mas mostrava a mesma vivacidade de sempre. Parecia brilhar de energia em meio ao espaço

PROJETO REVISORAS 30

Page 31: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

horrivelmente precário. Até mesmo Tom parecia energizado por ela e imitava, inconscientemente, o jeito como segurava o rastelo, firme à frente do corpo.

— Vocês estão muito molhados. — sorriu Ed.— Sim, e de quem é a culpa? — disse ela.— Não tente me dizer que não se divertiu, Perdita — retrucou. — Grace falou que

trabalharam incansavelmente a tarde toda. Fizeram o dobro dos outros!Tom olhou para os colegas, que devolviam seus rastelos.— Não sabia que era uma competição — disse, e seu pai sorriu.— Aposto que foi para Perdita! Estou certo? — questionou Ed.Ela ergueu o queixo. Não gostava quando ria de sua figura e era muito sincera para

negar.— Provavelmente teria trabalhado menos com outro colega — admitiu para Tom,

mas ele deu de ombros.— Você é legal.Ed estudou o filho por um momento.— Ela também trabalha em Bell Browning — contou ao garoto, enquanto se dirigiam

à saída. — A mãe dela é nossa vizinha. Levou aquela garrafa de vinho que não desperdicei com você na primeira noite em que nos mudamos.

— Lembro. — Tom olhou para Perdita. — Não deixou a gente nem experimentar, dizendo que o vinho era bom demais para nós.

— Da próxima vez, levarei um vinho barato — respondeu rindo, e o menino sorriu de volta.

— Vai voltar a freqüentar nossa casa? — perguntou Tom.— Ah, não... só estava brincando — tentou explicar.— Gostaria que voltasse — disse Ed. — Na verdade, por que não janta conosco? O

que acha, filho?— Legal.Era isso que temia. Depois de seu comentário estúpido e da reação de Tom, ele se

sentia na obrigação de convidá-la, mas se realmente quisesse, convidaria antes.— Não honestamente — murmurou rindo para tentar cobrir o embaraço. — Com

"próxima vez", não quis eu mesma me convidar! Foi só um modo de dizer.— Eu sei, mas vá de qualquer forma — insistiu Ed, e o sorriso que deu foi de tirar o

fôlego. Não era justo que um único sorriso fizesse tanto efeito. — A verdade é que as crianças estão entediadas em ficar presas comigo...

— Estamos sim! — confirmou o filho. — E eu apreciaria uma companhia adulta, então ficaríamos todos contentes.

Perdita hesitou. O que poderia dizer?— Adoraria. — Decidiu enfim. Nenhuma data fora sugerida, de modo que Ed não se

sentiria obrigado a agendar o convite.— Que tal esta noite?— Esta? — Aquilo a pegou totalmente de surpresa.— Quinta-feira à noite não é quando visita sua mãe?— Sim, mas... — Como sabia disso?— Está sendo observada — respondeu à pergunta não vocalizada por ela com um

sorriso. — Lauren passa muito tempo no quarto, com vista para os pátios de acesso, então é nossa principal fonte de informações sobre seus movimentos.

— Papai — exclamou Tom, mortificado pela revelação do pai. — Você nos faz parecer como um bando esquisito de espiões!

— Não somos esquisitos — disse Ed. — Só não temos muita distração por enquanto, e as visitas de Perdita são a coisa mais excitante que nos acontece no momento!

PROJETO REVISORAS 31

Page 32: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

O rosto dele estava sério, mas os olhos brilhavam animados, fazendo-a se lembrar da primeira vez em que se conheceram.

Ela riu.— Bem, fico feliz em saber que minha vida é excitante para alguém!— Parece, então leve um pouco de excitação a nossas vidas também e aceite o

convite para jantar — insistiu Ed. — Não será nada chique.Tom bufou.— Papai não faz comida chique.Não, Ed não faria, pensou Perdita, estudando-o sob os cílios. Cozinharia do jeito que

fazia tudo: com firmeza, capacidade e rapidez.Faria amor assim também?O pensamento brotou do nada, assustando-a tanto que tropeçou. Recuperou-se

quase que imediatamente, mas estava trêmula, não tanto pela idéia, mas pela convicção instintiva que se seguira. Não, Ed não faria amor assim. Era só olhar para aquela boca e para aquelas mãos para saber que seria devagar, com sensualidade e...

Sua mente se agitou. O que estava pensando?Forçou um sorriso.— O que ele faz? — perguntou a Tom.— Salsicha e purê de batatas. Frango grelhado. Espaguete à bolonhesa.— Ei, posso fazer mais do que isso — protestou Ed. — Fiz um cozido de legumes

outro dia, lembra?— Estava horrível. Não vai fazer de novo.Perdita reprimiu um sorriso. Estava se sentindo mais controlada agora.— Adoro espaguete à bolonhesa.— Não gostaria se tivesse de comer duas vezes por semana — murmurou o garoto,

mas o pai já falava:— Excelente. Então será esse o prato... E tentarei arranjar um vinho que faça frente

ao que você levou da última vez.— Bem... Neste caso, adoraria ir — decidiu. — Terei de preparar alguma coisa para

minha mãe comer antes, mas estarei pronta por volta das oito horas.— Ótimo. — Sorriu Ed quando chegaram à cabana, onde Grace coletava os rastelos

e as luvas. — Veremos você mais tarde.A primeira coisa que Perdita fez ao chegar a seu apartamento foi tomar um

demorado banho de banheira, e suspirou com prazer ao deslizar sob as bolhas de sabão. Era com isso que sonhava enquanto raspava o lixo nojento, exceto pelo champanhe, é claro. Não queria beber nada antes de dirigir.

De qualquer forma, não precisava de um espumante. A perspectiva de um simples jantar na casa de Ed já a deixava num estado de pura excitação.

Não seja tola, pensou com firmeza. Não é um encontro amoroso, pelo amor de Deus! Não em companhia de três adolescentes. Ainda assim, abriu o guarda-roupa e escolheu o que vestir com cuidado. O que você usava quando seu chefe a convida para comer espaguete à bolonhesa com os filhos?

Normalmente, era muito segura de seu estilo, mas, por algum motivo, sentia-se hesitante para esta ocasião. Experimentou quatro roupas antes de finalmente se decidir por uma calça folgada com blusa de seda e estava desgostosa consigo por se importar tanto.

Apesar de estar determinada a tratar toda a situação com naturalidade, seu coração batia freneticamente contra o peito enquanto dirigia até a casa da mãe.

A última vez que a vira, Helen James sentia-se radiante, mas hoje estava resmungona e irritadiça. Mal provou o peixe que a filha serviu, deixando-o de lado no prato.

— Comerei no almoço de amanhã.

PROJETO REVISORAS 32

Page 33: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Perdita olhou a mãe com preocupação enquanto tirava a louça da mesa.— Não se sente bem?— Estou perfeitamente bem — replicou Helen. — Pelo amor de Deus, pare de fazer

drama!— Mas não faz uma boa refeição há séculos.— Não estou com fome.Suspirou, então puxou uma cadeira e sentou em sentido oposto à mãe.— Não acha que é hora de pensar em contratar alguém para ajudá-la? Não precisa

ser permanente. Apenas para cozinhar e limpar a casa até que melhore.— Eu melhorei e já tenho uma faxineira perfeitamente adequada. Sabe que a

senhora Clements vem duas vezes por semana.— Sei que gosta dela. — suspirou. A senhora Clements não fazia nada além de

beber café e reclamar que não se sentia bem toda vez que ia para lá, e o fato de a mãe não criticar a faxineira, que não limpava absolutamente nada, era um sinal de declínio mental.

Perdita pegou um pano e limpou os balcões sujos da cozinha.— Não devia vir hoje?— E veio.— O que limpou? Certamente não foi a cozinha!— Limpou onde sempre limpa — retrucou. — E não vai falar mais nada à senhora

Clements — avisou agitada, antes que a filha pudesse responder. — Ficou muito sentida da última vez.

Perdita contou até dez antes de responder.— Não estou sugerindo que pare de vir, apenas que outra pessoa esteja aqui por

volta do meio-dia para preparar seu almoço e...— Não quero estranhos na casa — interrompeu Helen. — Sou perfeitamente capaz

de me cuidar.Então por que a filha estava lá, cozinhando, lavando e limpando? Queria gritar para

a mãe, mas em vez disso continuou a esfregar a pia. A empolgação pelo jantar iminente na casa de Ed diminuíra desde que tinha chegado, deixando-a com um misto de frustração, culpa e ressentimento.

Quando acomodou a mãe em frente à televisão e terminou a faxina na cozinha, eram 20h10, e se sentia cansada, tensa e mal-humorada. A última coisa em que pensava era num encontro à noite. Bateria à porta de Ed e explicaria que precisava voltar para casa. Provavelmente não se importaria.

Ed abriu a porta, deu uma espiada em seu rosto e, antes que Perdita abrisse a boca para falar algo, puxou-a para dentro.

— Precisa de um copo de vinho — disse. — Vamos à cozinha. Estava muito cansada para discutir. Tinha sido um longo dia e, diante da resignação

calma dele, sabia que, se tentasse explicar sua frustração e culpa, começaria a chorar e não se permitiria isso.

Na cozinha, sentou à mesa enquanto era servida de uma taça de vinho.— Beba isso enquanto faço o jantar — murmurou ele. Obediente, pegou a taça.

Música clássica saía de um aparelho de CD sobre o balcão. Sorveu o vinho e viu ele se mover ao redor da cozinha, imensamente grata que não lhe pedira para falar. Com um pano de prato no ombro, trabalhava com calma e eficiência: lavava alface, cortava tomates, mexia o molho...

Fazia calor na cozinha, o cheiro do tempero era maravilhoso, e a música, tranqüilizante, mas foi a presença firme e calma dele que fez a tensão de Perdita se dissipar aos poucos.

— Obrigada — quebrou o silêncio com um suspiro. — Precisava disso.

PROJETO REVISORAS 33

Page 34: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Eu sei. — Ed deu a última mexida no molho à bolonhesa, antes de se virar para ela com um sorriso. — Tome mais um pouco de vinho.

Completou a taça de Perdita, depois se serviu também.— Lamento não ser uma convidada muito agradável — disse quando Ed se sentou

do outro lado.— Não precisa ser. Só tem que estar aqui.Na verdade, sentira-se um pouco culpado pela maneira como ele e o filho a

intimaram a aceitar o convite. Não parecia muito animada em fazer a visita, mas subitamente quis vê-la em sua cozinha novamente. O pensamento de se sentar com ela, conversar e compartilhar uma refeição parecia inexplicavelmente atraente, e, uma vez que Tom dera abertura, Ed agarrara a chance. Não mentiu ao dizer que gostaria de uma companhia adulta. As vezes, sentia-se muito sozinho, mesmo com três crianças na casa. A presença dela na outra noite fora calorosa e revitalizante, e queria experimentar aquilo mais uma vez.

Mas no momento em que abriu a porta, reparou na tensão em seu rosto e soube que não estava emocionalmente bem. Mas talvez pudesse fazer algo por ela, mesmo que apenas a deixasse sentada em silêncio.

— E muito compreensivo — murmurou, e Ed a olhou. Mesmo obviamente cansada e chateada, havia uma vivacidade nela que iluminava o cômodo inteiro.

— Sei como é — disse. — Depois que Sue morreu, as pessoas foram muito gentis, mas, às vezes, o que realmente queria era ficar sentado quieto, sem precisar fazer esforço. Os bons amigos foram aqueles que me deram um pouco de tempo para superar a tristeza.

— Os primeiros meses foram loucos. Era como se corresse sem sair do lugar, tentando trabalhar arduamente, certificando-me de estar presente com as crianças, tentando ajudá-las a suportar a dor e sabendo que não poderia aliviar seu sofrimento. Todos diziam que tinha de pensar em mim mesmo, mas não conseguia me desligar de modo tão fácil. Preocupava-me com o que aconteceria com as meninas sem a mãe, como Tom lidaria com isso... Eu era a menor de minhas preocupações.

— Parece que não teve chance de vivenciar seu luto — afirmou, suspeitando que dissera isso para que ele não precisasse admitir.

— Só consegui fazer isso um ano depois — concordou Ed. — As crianças e eu tínhamos entrado numa certa rotina, e consegui reprimir minhas emoções. Olhando para o passado, posso ver que estava rígido de tensão, e as pessoas provavelmente teriam dificuldade de conviver comigo, mas não percebi até que um de meus velhos amigos surgiu com a esposa numa sexta-feira. Anunciaram que Katie ficaria com as crianças, e Mike me levaria para uma caminhada nos vales. Sorriu irônico ao lembrar.

— Não queria ir, mas Mike não aceitaria uma recusa, e acabei percebendo que era exatamente daquilo que eu precisava. Andamos quilômetros em silêncio. Foi a primeira chance que tive de pensar em Sue e no quanto sentia sua falta... — Ele parou, lembrando de como a dor que reprimira durante tanto tempo irrompera sem avisar. — Em determinado momento, paramos para descansar e sentamos numa pedra. Fazia um dia lindo, e a vista era fantástica... E, de repente, comecei a chorar.

Havia um nó na garganta de Perdita. Era difícil homens como ele admitirem que choravam, mas o respeitava ainda mais por isso.

— Mike não disse para eu me recompor, ou que ficaria tudo bem. Apenas permaneceu ali e, quando terminei, deu-me um copo descartável com café e se desculpou por não ter nada mais forte para beber.

— Parece um bom amigo.— E excelente — concordou. — Fiquei melhor depois daquilo.— Eu lamento — murmurou. — Ainda dói muito? Ele meneou a cabeça.— Não, você se acostuma com a perda, é claro. Algumas são piores do que outras.

PROJETO REVISORAS 34

Page 35: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Perdita assentiu. Sabia como era. Levara um longo tempo para superar seus sentimentos por Nick. As vezes, passava um mês inteiro sem pensar nele, então o velho sofrimento voltava sem aviso, fazendo-a chorar e tirando seu sono. Mesmo agora, dois anos depois, a memória de como o ex a decepcionara quando mais precisava dele tinha o poder de fazê-la tremer nos momentos mais estranhos.

— Sinto mais falta de Sue quando algo ocorre com as crianças — disse Ed. — Se estou preocupado com uma delas, ou se há algo para celebrar, parece errado que não esteja presente. Sinto falta de estar casado também, de ter alguém com quem fazer planos, com quem conversar no fim do dia, para abraçar... Deus, olhe só para mim! — Fez uma careta. — Geralmente, não sou tão sentimental.

— Deve ser difícil — comentou, consciente de uma onda de ciúme. Mas como pode sentir isso de uma mulher morta?

— Sim, às vezes é. — Estendendo o braço, brindou, encostando seu cálice no de Perdita. — E quanto a você? Nunca quis se casar?

Ela balançou o vinho no copo, estudando o líquido.— Uma vez — admitiu, após uma longa pausa. — Mas não deu certo —

acrescentou sorrindo, enquanto erguia os olhos para Ed. — Foi provavelmente melhor assim.

— De que maneira?— Talvez se conhecesse o homem certo quando tinha 20 e poucos anos... —

Estava muito consciente dos olhos dele sobre si e baixou os seus para o vinho mais uma vez. — Talvez então, teria casado e gerado filhos... mas não aconteceu. Tive alguns relacionamentos, mas não havia ninguém com quem pudesse me imaginar acordando todas as manhãs.

Exceto Nick, é claro.— E agora estou sozinha há muito tempo — continuou. — Acostumada a ter meu

próprio espaço. Gosto de chegar em casa, fechar a porta e fazer o que e quando quero, sem consultar ninguém. Não me sinto solitária. Ganho um bom salário, tenho bons amigos, um apartamento confortável, condições de viajar... Por que iria querer abrir mão de tudo por um casamento?

— Por nada, a menos que pense em se casar como uma forma de compartilhar a felicidade em vez de abrir mão dela. — A voz de Ed era neutra.

— Compartilhar significa comprometer-se — argumentou Perdita. — Estou com 40 anos. Relacionamentos são mais complicados nessa idade. Temos muita bagagem, relações fracassadas, decepções, responsabilidades, e isso tudo tem de fazer parte do compromisso também. E preciso querer muito alguém para assumir uma relação de uma vida inteira.

— E você nunca quis?Com um suspiro, ela depositou a taça na mesa.— Sim, mas ele não me quis o bastante para se comprometer, e é preciso de dois

para formar um relacionamento.— É claro — concordou Ed, imaginando que tipo de homem uma mulher como

Perdita amaria. E que tipo de homem não a amaria o bastante para se comprometer, pelo menos um pouco.

— Então desisti de compromissos — disse ela com um sorriso brilhante. — Quando conheço um homem, não penso em nada, exceto em apreciar bons momentos e, quando deixa de ser divertido, tudo acaba.

— Se fica feliz assim, suponho que esta seja a melhor coisa a fazer — murmurou Ed após uma pequena pausa.

— Você obviamente não gosta de ficar sozinho. — Por alguma razão, arrependeu-se de se mostrar tão alegre com sua vida de solteira. — Já pensou em se casar de novo?

Foi a vez de Ed brincar com a taça.

PROJETO REVISORAS 35

Page 36: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Quando Sue soube que estava morrendo, ela me fez prometer que recomeçaria uma vida nova, que tentaria encontrar alguém, mas é mais fácil falar do que fazer. Por um longo tempo, não conseguia me imaginar com ninguém, exceto com ela e, mais tarde, pensei que poderia ser bom encontrar uma pessoa, mas entre as crianças e o trabalho, nunca houve muito espaço para isso. Agora Lauren está com 14 anos, ficando mais independente, o que significa que não preciso de uma babá se quiser sair à noite. Espero que a mudança faça diferença para todos nós.

— Já fez?— Ainda é cedo para dizer. Apesar das reclamações por perderem os amigos,

parece que Cassie e Lauren já fizeram novos. Para Tom, é mais difícil. Não é tão sociável quanto as meninas.

E você?, Perdita queria perguntar. Que tipo de mulher seria certa para você?— Tom foi um bom colega de limpeza esta tarde. — Ela optou por um tópico menos

pessoal. — Fiquei com pena por ser escalado com uma mulher chata, em vez de ficar com outro adolescente, mas foi muito educado e não reclamou.

— Espero que não — disse Ed. — Tom não é muito comunicativo, como deve ter percebido, mas duvido que a considere uma "mulher chata"! Gostou de você.

— Não pediu para Grace nos colocar juntos então?— É claro que não! Ao contrário do que meus filhos comentam, não sou um tirano

controlador! Mas admito que gostei do fato de ele ter feito par com você. Significa que trabalhou duro. E acho que Tom gostou mais da experiência do que esperava, graças a você.

Ela fez uma careta.— Não sei se gostar é a palavra certa!— Ora, Perdita, não foi tão ruim assim, foi?— Não foi tão ruim quanto eu esperava. — Era o máximo que podia admitir. Mas

não vejo como o projeto pode dar certo.— Grace não mostrou as plantas?— Sim, mas requer investimento, além de pessoas com rastelos — apontou ela. —

E uma área enorme... Só a jardinagem vai custar uma fortuna.Ed sorriu.— Eis a fala de uma mulher de negócios! Mas concordo. Será necessário um

investimento substancial. Grace espera conseguir patrocínio para todo o material e quer persuadir artesões a se alistarem como voluntários para ensinar crianças a cimentar tijolos, fazer cercas vivas e esse tipo de coisa.

— Tudo parece um pouco vago. Leva muito tempo para levantar fundos... Grace disse que está organizando tudo sozinha e tenta administrar a própria consultoria. Não será capaz de manter esse projeto indefinidamente.

— Não — concordou Ed, levantando para mexer o molho. — Por isso, me ofereci para pagar a contratação de alguém que aceite trabalhar meio-período no projeto, cuidando da parte administrativa e de potenciais patrocinadores. Grace achou a idéia brilhante.

Enquanto ele mexia o molho, bebeu o resto do vinho irritada. Ed e Grace pareciam muito unidos em torno daquele projeto. Bom para eles.

Era bem mais jovem que Ed, é claro, mas uma bela mulher, e, como viúva, teriam muito em comum. E por que esse pensamento era tão deprimente?

PROJETO REVISORAS 36

Page 37: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

CAPÍTULO SEIS

Algo naquele silêncio repentino fez Perdita erguer a cabeça e ver que Ed tinha se virado do fogão, esperando pela resposta de uma pergunta que, perdida em pensamentos, não ouvira.

— Perdão?— Perguntei se conhece, por acaso, alguém que queira um emprego de meio

expediente.— Talvez — replicou, pensando em Millie, que vivia com o orçamento apertado

desde o divórcio. — O horário seria flexível?— Não vejo por que não, mas depende de Grace. Diga para entrar em contato com

ela se tiver interesse.Ed secou as mãos no pano de prato ainda sobre o ombro e abriu uma gaveta para

pegar os talheres.— O jantar está quase pronto. Só vou pôr a mesa.— Deixe-me fazer isso. — Perdita se levantou. — Estou sentada aqui sem fazer

nada...— Você é convidada — replicou, mas deixou que contornasse a mesa para pegar os

talheres de suas mãos.Ao fazer isso, roçou suas mãos nele, e o contato deixou as costas dela arrepiadas.

Temendo que pudesse ver sua reação, não o fitou, mas viu o pescoço dele, exposto pelo colarinho aberto da camisa. Podia ver o sangue pulsando ali e sentiu uma vontade repentina de beijá-lo naquele ponto.

Horrorizada com a própria reação, girou com os talheres nas mãos, sentindo-se ofegante.

Ed evidentemente nem registrara aquele contato das mãos. Achara alguns jogos americanos e os distribuía ao redor da mesa.

— Geralmente insisto para que uma das crianças ponha a mesa — disse, enquanto Perdita concentrava-se em colocar os talheres nos lugares certos. — Mas como isso sempre leva a uma discussão sobre de quem é a vez e por que trato eles como escravos, pensei em poupá-la do aborrecimento hoje.

Apesar de manter a cabeça baixa, podia ver as mãos dele pondo tudo sobre a mesa. Mãos fortes e capazes que a faziam imaginar... Deus, precisava se recompor!

— Esta música é adorável — comentou ela, odiando o tremor em sua voz. — O que é? Bach?

— Isso mesmo. — Reparou que a olhava. — Gosta de música clássica?— Gosto, mas não entendo nada. Meu pai costumava dizer que não tinha a menor

cultura musical.— Isso é o que digo de Cassie, então talvez ainda haja esperança.— Há muitos concertos em Ellsborough, e sempre digo que irei, mas é claro que

acabo desistindo. — Perdita voltou a sentar e pegou o vinho. — Mas estou apreciando muito agora.

— Bem, aproveite, porque o som provavelmente será desligado quando as crianças descerem. — Ed foi para a porta e gritou em direção à escada. — O jantar está pronto!

— Estou surpresa — comentou. — Sempre imaginei você como o tipo de homem que ouvia o que queria em sua própria casa.

PROJETO REVISORAS 37

Page 38: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Era antes de me deparar com a determinação de um adolescente. — Sorriu. — Poderia insistir, mas acontecem tantas brigas com adolescentes na casa que termino dando prioridade às discussões que considero realmente importantes.

Como esperado, a primeira coisa que Cassie fez ao entrar na cozinha foi ir ao aparelho de som.

— Ah, papai, não está ouvindo essa coisa chata de novo — disse ela, ejetando o CD. — É tão triste!

— Perdita gosta — apontou Ed, mas a filha meneou a cabeça.— É provável que só tenha dito isso para ser educada. Posso pôr música de

verdade?— Não — respondeu o pai, escorrendo o espaguete. — É Bach ou nada.Com uma careta, a menina sentou ao lado dela quando Tom entrou no cômodo,

seguido de Lauren, que era uma versão menor e mais quieta da irmã mais velha.— Não consigo fazer minha lição de francês — reclamou, sentando numa cadeira

depois de ser apresentada a Perdita. — Odeio minha professora. Todos odeiam.— Seja boazinha com Perdita, e talvez eu a ajude depois — murmurou Ed. — Ela

fala francês.Os três adolescentes a olharam como se fosse de outro planeta.— Passei um ano trabalhando em Paris — explicou. Cassie pareceu impressionada

e contou divertida sobre uma viagem escolar que fizera a Paris no ano anterior.— Queria que papai nos levasse à França neste verão, mas ele não quer — disse

para Perdita.— Levei-os à França alguns anos atrás, e reclamaram o tempo todo — apontou Ed,

enquanto servia o espaguete.— Isso porque alugou uma casa ridícula no meio do campo e nos fez andar para

todo lado, e Lauren vomitava em nosso quarto.— Só vomitei uma vez — protestou a garota.— Pelo menos, três vezes!— Mentira!— Precisamos ter essa discussão enquanto comemos? — lembrou Ed e mudou de

assunto, querendo saber sobre a época de Perdita na França.— Bem, certa vez, tive uma intoxicação alimentar por lá — disse. E as meninas

riram enquanto o pai fingia estar furioso.— Não quero ouvir mais nada sobre vômitos esta noite, obrigado!Aquela era exatamente a noite que ela precisava e se surpreendeu com a rapidez

como se sentiu em casa com os filhos de Ed. Tom era mais calado que as meninas, porém educado e agradável. Cassie era claramente a personalidade dominante, mas quando esquecia a pose de adolescente rebelde, podia ser muito engraçada. Ela e Lauren conversavam animadamente sobre a escola que alegavam detestar, apesar de parecerem se adaptar com notável facilidade. Já difamavam os pobres professores como se os conhecessem há anos.

Perdita contou algumas histórias de sua época de escola em Ellsborough, e logo as meninas comparavam suas experiências com pais rígidos, sempre querendo saber onde estavam, o que e com quem andavam.

— Era como viver com o FBI — recordou Perdita, e, sentindo que conquistara uma aliada, Cassie olhou o pai.

— Sei exatamente o que quer dizer.— Sabe, você deveria ficar do meu lado — resmungou ele com um sorriso para

Perdita. — Só a convidei porque pensei que fosse um adulto responsável!Quando o jantar terminou, sentia-se mais feliz e relaxada do que lembrava em muito

tempo. Toda a tensão que sentira ao deixar a casa da mãe desaparecera. O jantar fora

PROJETO REVISORAS 38

Page 39: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

simples, mas saboroso, e havia algo de muito aconchegante em comer espaguete numa mesa de cozinha.

Cassie e Tom foram convocados a arrumar as coisas enquanto Lauren pegava sua lição de francês. Ed observou, resignado, como Perdita fez tudo para a filha. A menina ficou absolutamente encantada ao descobrir que ela não pretendia explicar tudo, mas só escrever as respostas para que copiasse.

— Achei que a idéia era ensiná-los — corrigiu, mas Perdita fez uma careta.— Esse trabalho é do professor. Sei que Lauren gostou mais de eu ter feito por ela.A garota assentiu vigorosamente.— E agora que acabei a lição de casa, posso assistir à tevê! — Pode vir aqui sempre que eu estiver fazendo minha lição de francês? —

perguntou Cassie, ressentida quando a irmã recolheu os livros e saiu alegremente. — Não é justo! Lauren não precisou fazer nada!

— Desculpe — disse ela para Ed depois que Cassie subiu até seu quarto. — Causei problemas?

Ele riu.— Minha filha só está com ciúme. Cassie detesta não ser o centro das atenções.— Hum... — Pôs um dedo no rosto e fingiu que refletia. — E possível que seja um

pavão?— Ah, sem dúvida!— Pobrezinho, como se não bastasse trabalhar com um pavão, mora com outro —

provocou, e Ed sorriu.— E certamente um desafio... mas sempre vale o esforço. Foi naquele ponto que ela

cometeu o erro... o grande erro... de fitar seus olhos, e a brincadeira leve foi substituída por uma pausa carregada de tensão sexual.

Tom também se recolhera, e os dois estavam sozinhos. De repente, todas as sensações físicas que Ed lhe despertava voltaram intensas. Ela desviou os olhos e os fixou caoticamente ao redor da cozinha.

— Meu Deus, olha a hora! — exclamou Perdita, levantando-se com um senso de desespero. — Preciso ir.

Aquilo não daria certo, pensou, lutando pelo autocontrole. Não podia permitir nenhum envolvimento com ele. Seria estupidez. Passara por aquilo tantas vezes. Lembre-se de como foi com Nick, pensou. De como se machucou. Que jurou nunca mais viver uma situação como aquela.

Todavia, lá estava, a garganta fechada de desejo diante do mero pensamento de tocá-lo, da idéia de como seria inclinar-se sobre aquela força sólida e descansar o rosto em seu peito largo. Precisava tirar isso da cabeça. Agora.

Sim, agora.Respirou devagar enquanto Ed a escoltava até o carro. Podia fazer isso. A mente

controlava tudo. E lhe dizia que se apaixonar mesmo que só um pouquinho por ele estava fora de questão.

Poderia ser sua amiga e de seus filhos. Porém, poderia ser algo mais? Não, não e não.

— Obrigada — disse. — Eu me diverti muito.— Foi um prazer — respondeu. — Eu é que agradeço por ter vindo. Ainda não

conhecemos ninguém aqui, e é bom para as crianças terem companhia além do velho pai chato.

— Por que não almoça em meu apartamento no domingo? convidou impulsiva. — Vou chamar alguns amigos, fazer uma espécie de reunião — acrescentou, para que não pensasse num encontro romântico. — Leve as crianças também. Minha melhor amiga tem filhos adolescentes, e podem se conhecer.

Sorriu satisfeito.

PROJETO REVISORAS 39

Page 40: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Parece ótimo. Obrigado.— Bem... boa noite. — Hesitou, manuseando as chaves do carro. O natural seria

beijá-lo no rosto, como teria feito com qualquer outro amigo. Mas Ed não era um amigo qualquer, e a situação, de repente, pareceu carregada de constrangimento.

Mas o que faria? Oferecer um aperto de mão não era adequado, uma vez que não era um encontro profissional, e entrar no carro sem um gesto de despedida parecia errado.

Houve uma pausa e, no momento em que arriscou dar um beijo breve em uma de suas faces, ele se inclinou para frente ao mesmo tempo. Não haveria problema se um deles mantivesse a cabeça imóvel, mas se atrapalharam completamente, e seus lábios se tocaram. Afastaram-se instantaneamente, como se o contato os queimasse.

— Desculpe!— Desculpe... a culpa foi minha.Por um momento, Perdita não sabia o que dizer, ciente apenas de que sua boca

tocara a dele. O corpo inteiro parecia pulsar. Era tolice ficar tão abalada por algo que nem sequer fora um beijo. Tinha sido um acidente, nada mais.

— Os franceses são muito melhores nesse tipo de coisa — disse ela, tentando brincar. — Sempre sabem quantos beijos vão ganhar e de que lado o cumprimento começa.

Ed sorriu.— Não posso me transformar num francês, mas vamos tentar de novo. — Dando um

passo à frente, baixou a cabeça, e Perdita manteve a sua imóvel enquanto a beijava no rosto, muito perto do canto da boca.

— Boa noite, Perdita.De alguma maneira, ela conseguiu entrar no carro, ligar o motor e afivelar o cinto.

Então saiu do pátio de acesso, ergueu uma das mãos e acenou. Dirigiu até o fim da rua, onde teve de parar e esperar que as mãos deixassem de tremer, antes de continuar a dirigir.

Ed esperou até que desaparecesse de seu campo de visão, mas já poderia ter entrado naquela casa aconchegante, fechado a porta e... a deixado do lado de fora.

Era tolice se sentir excluída, querer ter permanecido lá. Tolice invejar Ed e sua família quando nunca quisera filhos. O que era ótimo, uma vez que contava agora 40 anos.

Desde que fora rejeitada por Nick, aceitava que provavelmente iria envelhecer sozinha, pensando que existiam destinos muito piores... Ficar num casamento infeliz por medo de acabar sozinha, por exemplo... E, no geral, concentrava-se nas vantagens de ser solteira e independente.

Então não havia motivo para começar a se sentir solitária só porque disse que precisava ir embora, e Ed Merrick deixara.

Mas ele a beijara, pensou. Não tinha sido um beijo de verdade, é claro, apenas um breve roçar de lábios.

Lábios quentes, firmes e deliciosos. Teria a beijado tão perto de sua boca deliberadamente? Se ela virasse a cabeça mais um pouquinho, os lábios teriam se encontrado.

Qual seria a sensação de beijá-lo? De deslizar os braços ao redor das costas dele e sentir sua força? Ser abraçada contra aquele corpo másculo?

Suspirou enquanto parava o carro do lado de fora de seu apartamento com vista para o rio.

Não tinha muita certeza do tipo de sinais que Ed lhe enviava. Sim, indicara que estava pronto para seguir em frente depois da morte da esposa e, sim, parecia gostar

PROJETO REVISORAS 40

Page 41: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

dela, e aquele beijo parecera proposital, mas podia ser apenas um gesto afetuoso com alguém que considerava sua amiga.

E era assim que deveria ser o relacionamento. De amizade. Trabalhavam juntos, afinal de contas. Seria muito melhor para Ed conhecer alguém de fora do escritório.

Alguém que ainda não descobrisse que se apaixonar por um pai significava não ser a maior das prioridades.

Seria sua amiga e nada mais, decidiu novamente e, apenas para provar, convidaria Millie para conhecê-lo. Era provável que se entendessem. A amiga tinha filhos adolescentes e sabia das dificuldades de criá-los sem um parceiro. Era solidária, carinhosa e maternal, o extremo oposto de Perdita, com seu "gênio forte".

Sim, apresentaria Millie e convidaria Grace também. Ed obviamente gostava de Grace, que não tinha filhos, mas era viúva, assim se identificavam. Millie e Grace seriam parceiras ideais para ele, então, ao convidá-las, Perdita deixaria claro que não estava interessada nele. E, para não parecer "casamenteira", convidaria outro casal também com filhos adolescentes, e Rick, que era gay e uma excelente companhia. Pelo menos assim, Ed não se sentiria oprimido pelas mulheres.

Não que pudesse imaginá-lo oprimido por algo. Era muito autoconfiante para isso.No final, havia quinze pessoas para o almoço. O apartamento de Perdita ficaria um

pouco apertado, mas ela juntou duas mesas e as cobriu com uma enorme toalha. A sala estava linda com o sol do começo de outubro infiltrando-se pelas portas abertas que davam para o terraço.

Fazia três semanas desde a noite do espaguete à bolonhesa, e tivera cuidado para não parecer ansiosa em vê-lo novamente. Porque seriam apenas amigos, certo?

Um dia, encontrou-o quando acabara de chegar à casa da mãe, e ele estava saindo do carro. Ed sugeriu que poderia ser uma boa oportunidade para apresentá-lo à mãe dela, e Perdita assim o fizera, o que tinha sido muito bom. Tirando isso, relacionavam-se apenas no trabalho.

Enquanto ela não conseguia esquecer o beijo de despedida depois do jantar na casa dele, Ed não dera nenhuma indicação de que pensara mais um minuto nisso, o que a fazia se sentir ridícula. Pusera um bilhete embaixo da porta dele com o convite para o almoço, pensando que, se quisesse, encontraria facilmente uma desculpa para recusar, mas lhe telefonara para dizer que eles adorariam ir.

O som da voz dele em sua cozinha fez Perdita se sentir muito estranha. Não esperava pelo telefonema, e sua própria reação a tirara de controle. Estava acostumada a se preparar no trabalho ou na casa da mãe, onde sempre havia uma chance de encontrá-lo, mas não ali no próprio apartamento.

E agora iria vê-lo novamente. Estava consciente de que o friozinho na barriga era puro nervosismo. E não deveria ficar tensa por ver um amigo. Nunca ficava assim quando Millie ou Rick apareciam, então por que seria diferente com Ed? Não decidiu que eram só amigos?

Como se tivesse recebido uma instrução, Millie chegou mais cedo para ajudar no dia do almoço. As filhas Roz e Emily chegariam mais tarde.

— Estou honrada por terem me encaixado em sua agenda social lotada — disse Perdita, entregando tomates para Millie fatiar.

— Ah, sempre farão um esforço por você. — A amiga pegou uma faca. — Ainda não tive a chance de agradecer apropriadamente por me colocar em contato com Grace. Estou tão empolgada com o emprego!

— Está tudo certo então? Millie assentiu.— Começarei trabalhando três dias por semana no escritório, e veremos o que

acontece. — Ela sorriu. — Não imagina como sou grata por ter me arranjado isso, Perdita. Já tem preocupações demais no momento, sem que precise se preocupar com as minhas!

PROJETO REVISORAS 41

Page 42: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Bem, sempre detestei ver seus talentos desperdiçados — murmurou. — Sei que é brilhante.

— Estou tão grata pela chance de adquirir alguma experiência. E difícil conseguir um emprego quando tem mais de 40 anos, não trabalha num escritório há mais de quinze e nunca teve qualificações muito impressionantes, para começar!

Perdita olhava a geladeira por dentro, ouvindo enquanto tentava lembrar o que mais faltava para preparar o almoço.

— Acho que Grace está mais interessada no tipo de pessoa que é do que em suas qualificações.

— E adorável, não? Estou feliz que venha hoje. — Millie observou-a parada diante da geladeira. — Parece um pouco distraída. Está nervosa? — perguntou, dando-lhe um susto ao remover uma travessa com pimentões.

— E claro que não. — Impediu que a travessa caísse no chão bem a tempo. — Por que estaria?

— Talvez por que seu lindo Ed vem para o almoço?— Não é meu — disse Perdita com firmeza. — E não é lindo. A amiga começou a

fatiar os tomates.— Então por que o almoço é em homenagem a ele?— Estou apenas sendo gentil. É uma chance para que conheça novas pessoas,

nada mais.— Da última vez que o mencionou, tive a impressão que estava muito entusiasmada

— disse Millie.— Nem um pouco — negou. — Na verdade, convidei você e Grace

deliberadamente, porque acho que se dariam bem com Ed, e tenho certeza de que ele gostaria das duas. Você e Grace podem brigar.

Com um sorriso, a amiga a viu descascar pimentões.— Bem, ótimo — exclamou ela alegremente. — Se não quer, ficarei com ele! Acho

que Ed deve ser incrível.Os lábios de Perdita se contraíram.— Ele é.— Bom saber que não está interessada nele — continuou Millie entusiasmada. —

Mas devia ter avisado antes. Poderia ter escolhido algo mais sexy!Estudando a amiga com as pálpebras baixas, notou que Perdita estava

decididamente irritada. Podia alegar que não se importava com Ed, mas Millie a conhecia muito bem.

— Não vejo a hora de conhecê-lo — provocou, mas Perdita não pareceu achar graça.

— Por favor, não o embarace sendo óbvia demais. Não quero que pense que sou "casamenteira".

— Ah, não se preocupe. Serei sutil. Mas tudo bem se flertar um pouquinho com ele, certo?

Não entendia por que sua melhor amiga achava aquilo tão divertido. Geralmente não era muito irritante, e começava a desejar que nunca tivesse mencionado Ed. Se Millie continuasse com aquilo, ele iria considerá-la tola demais.

Na verdade, começava a se arrepender de ter oferecido aquele almoço. Não conseguia se concentrar em nada, e cada vez que a campainha tocava, o coração saltava loucamente, apenas para murchar quando via Rick ou Peter e Jane. Então, quando estava certa de que Ed chegara, era somente Grace. No momento em que ele chegou, seus nervos estavam à flor da pele.

Respirando fundo, abriu a porta. Os Merrick tinham encontrado Roz e Emily na entrada, então havia seis deles do lado de fora, mas Perdita só via Ed, e a visão foi como

PROJETO REVISORAS 42

Page 43: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

um golpe, roubando o ar de seus pulmões e fazendo com que agarrasse a maçaneta da porta para se apoiar.

— Oi — cumprimentou ela com fraqueza.Todos entraram, e nos cinco minutos seguintes, Perdita se ocupou das

apresentações e serviu os drinques. Então precisou cuidar dos últimos detalhes do almoço, de modo que mal teve tempo de conversar. Não que sentissem sua falta no outro cômodo. Podia ouvi-los conversando e rindo, e toda vez que colocava alguma coisa na mesa, Ed parecia muito relaxado.

Millie certamente não perdera tempo em jogar charme, notou, enquanto circulava, enchendo copos. Os dois estavam muito próximos no terraço, e teve de sorrir para fingir que não se importava.

Não que não estivesse satisfeita que se entendessem tão bem, pensou, mas Ed poderia, pelo menos, dar alguma atenção a Grace. O fato de a outra amiga parecer se divertir com Rick e o casal ao lado não fazia diferença.

Ela levou a garrafa para o terraço e completou os copos dos dois.— Está tudo bem por aqui?— Ótimo. Obrigada. — Millie sorriu e arqueou as sobrancelhas de um jeito que ela

preferiu ignorar.— Admiro seu apartamento — disse Ed. — É um lugar maravilhoso, com vista para

o rio. A iluminação é fantástica.— Eu gosto muito — murmurou, observando-o. Vestia calça e camisa azul-clara de

mangas curtas, e podia ver os pelos dos antebraços brilhando ao sol. Os olhos acinzentados estavam enrugados contra a luz, e parecia relaxado.

E maravilhoso. Para um amigo.— Adoro vir aqui — comentou Millie. — O lugar é calmo e cheio de estilo como uma

enseada. Minha casa é uma bagunça... Se seus adolescentes são normais, a sua provavelmente também é.

Ed sorriu.— Não vejo o tapete há um bom tempo, tenho de admitir. Ah, bem, se iam ficar comparando histórias de filhos, era melhor sair, pensou,

esquecendo que era precisamente por causa de experiências similares que imaginara que Ed e a amiga se dariam bem.

— Vou checar o arroz.— Posso fazer algo para ajudar? — ofereceu Millie.Se ela dissesse sim, Ed se juntaria aos outros, mas, por outro lado, a amiga sabia o

motivo por que pedira ajuda. Era muito orgulhosa para permitir que Millie pensasse que estava com ciúme.

— Não, fique aqui e o entretenha — replicou, mas foi difícil manter o sorriso no rosto ao se virar para entrar.

Millie observou os olhos de Ed seguindo-a e sorriu.— O almoço será delicioso — falou para Ed. — Ela é uma excelente cozinheira.Ele voltou a atenção para Millie.— Tenho a impressão de que é boa em muitas coisas.— Isso eu não sei — disse, considerando a questão. — Não é nada boa em

esportes ou atividades ao ar livre e, embora seja eficiente, não é muito prática... E impaciente. Mas o que Perdita faz, faz com estilo — concluiu com um sorriso afetuoso.

— Sim, posso imaginar — murmurou. — Você obviamente a conhece muito bem.— Estudamos juntas e somos amigas desde então. E a melhor pessoa que conheço.

Pode ser um pouco irritadiça, às vezes, mas não encontrará amiga mais verdadeira. Nunca teria sobrevivido a meu divórcio sem ela. Meus filhos também sempre a adoraram. Nunca levaram uma bronca dela, mesmo quando eram pequenos, e, é claro, pode ser muito engraçada, o que eles amam.

PROJETO REVISORAS 43

Page 44: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Notei isso — concordou Ed com um sorriso. — Meus filhos também gostaram dela.

— Sempre dá a impressão de que está radiante, mas a vida não é tão fácil para ela. A mãe é uma preocupação real agora, e os irmãos são completamente inúteis, deixando tudo em suas costas. — Millie parou de falar. — Já lhe contou sobre Nick?

— Não. — Os olhos dele brilharam com interesse.— Ah — disse Millie simplesmente.

CAPÍTULO SETE

Ed a viu entrar e sair da cozinha. Seu cabelo escuro estava solto, os olhos castanhos brilhavam, e o sorriso amplo iluminava o cômodo. Usava jeans e blusa branca, em vez das roupas coloridas de hábito, mas ainda era a pessoa mais vivaz ali. Todos pareciam desbotados em comparação.

Era diferente de Sue, cuja beleza fora tão doce e natural. Não era vaidosa, lembrou afetuosamente. Dava mais atenção aos filhos do que a ela mesma e jamais teria gastado o dinheiro que Perdita claramente consumia em roupas, ou perderia tempo se arrumando.

Sempre imaginara que era seu modelo de mulher perfeita. Em raras ocasiões, quando pensava em conhecer uma nova pessoa, presumia que seria alguém como ela. Todavia, era tudo que Sue não fora...

Gostava dela. Aquele apartamento era a cara de Perdita, pensou, olhando ao redor. Tinha estilo, era aconchegante e charmoso... como ela.

Ed se sentia melhor apenas estando lá.E claro, deixara muito evidente que não estava interessada num relacionamento

sério. Dissera que só queria se divertir, e era pouco provável que procurasse um viúvo de meia-idade para isso.

Por outro lado... As vezes, havia uma eletricidade no ar entre os dois. Ainda lembrava-se do breve beijo que tinham trocado perto do carro dela. Sentira-se tão tentado a beijar seus lábios, provar seu gosto, descobrir se a boca de Perdita era tão quente e generosa quanto parecia, mas, no último instante, perdera a coragem, em vez disso encostando em seu rosto com os lábios. Desejava beijá-la como pretendia. Mas talvez fosse melhor assim. Se cedesse ao impulso, não estaria lá agora, na primeira reunião social desde que chegara a Ellsborough.

Não eram só as crianças que tinham deixado amigos em Londres e achavam difícil se adaptar. Ed também estava com dificuldades. Não que todos na região fossem desagradáveis, mas quando se tem 47 anos, alguns adolescentes e um novo emprego para preocupá-lo, é difícil arrumar tempo para fazer novos amigos.

Por enquanto, decidiu que tentaria esquecer o desejo que ela lhe despertava e se concentraria em pensar nela como amiga. Talvez fosse o bastante.

Talvez.Aquela era uma das festas mais bem-sucedidas que Perdita já dera. Todos tinham

apreciado o almoço, e o ambiente estava alegre e descontraído. As oito crianças tinham feito amizade instantaneamente, e Millie, Peter, Jane e Rick deram as boas-vidas a Ed e

PROJETO REVISORAS 44

Page 45: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Grace nos seus meios sociais. Tudo saíra exatamente como planejado. Todos se divertiam.

A exceção de Perdita, que levou algum tempo para perceber a verdade. Lá estava, cercada de bons amigos, todos rindo de uma das histórias mais divertidas de Rick. Normalmente, ficaria alegre e se exibindo, admitiu com honestidade... Mas hoje sentia-se um pouco mal-humorada. Não pôde evitar o pensamento de que estaria se divertindo mais se fossem apenas Ed e ela apreciando um tranqüilo almoço no terraço.

Podiam se sentar perto um do outro, perto o bastante para se tocarem?, com um cálice de vinho gelado e admirando o rio. E quando Ed abrisse um sorriso, seria para ela, não para Millie ou Grace. Não ficaria mal-humorada então. Ficaria... feliz, e...

— Volte ao planeta Terra, Perdita! — Millie fez um aceno na frente do rosto dela, assustando-a.

— O quê? Perdão?— Estava a quilômetros de distância! — disse a amiga, olhando-a com curiosidade.

E com uma expressão estranha. — No que pensava?Temendo que Millie pudesse apreender a verdade, desviou os olhos de sua amiga e

se viu capturada pelos de Ed. Parecia capaz de enxergar através dela.Ela se forçou a desviar o olhar.— Ah, nada de importante. — Deu a resposta mais vaga possível.— Ouça, sua mãe está bem — disse Millie, aparentemente confundindo o motivo da

sua distração.Era melhor que pensassem que estava preocupada com a mãe, em vez de

sonhando com um homem que já decidira que não era para ela.— Eu sei, deveria parar de me preocupar. — Perdita olhou ao redor da mesa com

um sorriso apologético. — Desculpem.— Falávamos sobre o projeto de jardinagem — Millie a informou. — Meu papel já

está consolidado — acrescentou com o ar zombeteiro de alguém que se acha importante.— Mas ainda nem começou a trabalhar!— Eu sei, mas Ed e Grace acham que deveria tentar levantar fundos. Já persuadi

Peter a prometer um patrocínio, certo, Peter?— Bem, não sei se persuasão é a palavra certa, quando você me dá uma chave de

braço.Ela riu. Era hora de parar de sonhar e entrar na conversa.— Se soubesse que queria se transformar numa profissional implacável, jamais teria

lhe apresentado a Grace! — falou para Millie com um sorriso.— Fico muito contente que tenha feito isso — comentou Grace. — Sua amiga é

exatamente o que precisamos.— Para ela, será bom — Perdita fingiu resmungar. — Millie vai ficar sentada num

escritório elegante, enquanto Tom e eu fazemos o trabalho pesado com as pás!— Você adora aquilo, Perdita — brincou Ed. — Você e meu filho parecem sempre

se divertir muito por lá.— É o que penso — Millie deu um palpite e, antes que ela pudesse protestar, mudou

de assunto: — Por falar em diversão, por que não fazemos uma festa para inaugurar o projeto? — sugeriu, atirando-se em seu novo papel com notável gosto.

— Convidaremos todos os conhecidos para que as pessoas falem sobre o projeto e atrairemos o Ellsborough Press e comerciantes locais.

— E uma idéia brilhante, mas festas custam dinheiro — questionou Grace.— Eu sei, mas certamente uma companhia com senso de responsabilidade social

como Bell Browning gostaria de patrocinar a festa... não é, Ed?Rendido, ele riu e ergueu as mãos.— E melhor dizer sim, ou acabarei como Peter, com um braço doendo a semana

inteira!

PROJETO REVISORAS 45

Page 46: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Obrigada! — Ganhou sorrisos deslumbrantes de Grace e Millie, e ela se perguntou qual delas Ed tentara agradar.

Nunca ficara tão feliz em ver seus convidados irem embora. No momento em que o último saiu, seu maxilar doía tamanho o esforço em sorrir. Ed tinha se oferecido para ficar e ajudar na limpeza, mas insistira que podia se virar sozinha.

Agora desejava que tivesse ficado. Após limpar tudo, sentou no sofá e sentiu uma solidão que normalmente não experimentava. O que deveria ser tranqüilidade se transformava numa sensação de vazio.

O pensamento a entristeceu, mas lutou contra as lágrimas. Não devia sentir pena de si mesma. Fora ela quem dera a Nick o ultimato, então só podia culpar-se quando escolheu a opção que não quisera. Levou tempo, mas acabou se convencendo de que independência e autoconfiança eram melhores do que lutar incessantemente pela atenção de Nick.

Mas isso tinha um preço. Estava apenas irrequieta porque a festa acabara e todos tinham partido, pensou, e se levantou para ir ao terraço e olhar o rio. Fazia um lindo fim de tarde de outubro, a água estava parada e tranqüila. Pessoas passeavam ao longo dos bancos, apreciando o sol de outono.

Era impressão ou todos pareciam formar um casal ou uma família? Todos tinham companhia para a noite.

Exceto ela.Suspirou. Sabia que só se sentia assim porque gostava mais de Ed do que queria

admitir e não apreciava vê-lo se dar tão bem com Millie ou Grace.Amava Millie e queria que sua amiga encontrasse alguém especial... Um homem

inteligente e gentil como ele. E Grace merecia outra chance de ser feliz também. Mas a verdade era que Perdita queria Ed, apesar de não desejar a dor e a angústia que certamente acompanhariam aquele relacionamento. E não arriscaria despedaçar seu coração mais uma vez.

Endireitou os ombros. Já era adulta. Entendia a situação e decidira. Era hora de parar com tanta infantilidade e aceitar as coisas como são. Bem, podia fazer isso, pensou resignada. Mas não precisava se sentir feliz, certo?

— Tem um minuto? — Ed a parou quando saía da sala de reuniões, onde tinha ocorrido a reunião mensal dos gerentes de departamento.

— E claro.Perdita estava em sua melhor forma hoje. Aquela era a primeira vez que o via desde

o almoço no domingo, e tivera três dias para se refazer e deixar de ser tola.Ou assim acreditava até que entrou na sala de reuniões e seu coração disparou.No entanto, era mais fácil fingir frieza quando falavam de orçamentos, e estava

vestida com seu melhor conjunto de saia e blazer clássicos.Apertou a pasta contra o peito numa tentativa de controlar as batidas do coração

enquanto acompanhava-o ao longo do corredor que saía para os elevadores.— Obrigado pelo domingo — disse Ed. — Nós adoramos. Conseguiu desenhar um sorriso tenso.— Que bom.Houve uma pequena pausa.— Lembra-se daquela música que ouviu e gostou quando jantou na minha casa?— Bach?— Exatamente. Descobri que haverá um concerto com composições dele em St

Margaret’s no sábado. Gostaria de ir?

PROJETO REVISORAS 46

Page 47: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Sentiu-se ridiculamente nervoso enquanto aguardava pela resposta dela. Parecera um convite tão simples quando ensaiara antes. O tipo de música de que ambos gostavam, um lugar bonito... Por que negaria?

Mas Perdita hesitou. Apertou o botão para chamar os elevadores e o fitou sem saber ao certo o que fazer.

— Comentou que gostaria de ir a concertos clássicos com mais freqüência — refrescou a mente dela.

— É verdade...— Tem planos para sábado à noite? — perguntou ele, detestando o leve tremor em

sua voz. Fazia tanto tempo que não convidava uma mulher para sair. Percebia seu nervosismo? E o quanto queria que ela aceitasse?

— Bem, não — teve de admitir.— Então vamos, por favor. — Jogou o orgulho ao vento e falou a verdade para

Perdita. — As garotas estão sempre me incentivando a "viver" mais, e este concerto é meu primeiro passo. Não quero voltar para casa e dizer a minhas filhas que fracassei na tentativa de convidar alguém para sair.

Quando colocava daquela maneira, era difícil negar. E qual o problema em ir a um concerto com Ed? Era exatamente o tipo de coisa que faria com um amigo. Não era para um jantar ou um drinque. Não era um encontro romântico.

Naturalmente, isso não a impediu de se sentir pateticamente ansiosa enquanto esperava que viesse buscá-la no sábado. O plano era que ele deixasse o carro em frente ao prédio dela, de modo que fossem a pé até o centro. E, realmente, quanta dificuldade aquilo podia ter? Uma igreja não era um ambiente íntimo. Sentariam lado a lado, ouviriam bela música, voltariam para casa e se despediriam... E estaria pronta para beijar seu rosto desta vez.

Como era típico, o tempo fechara no fim de semana, e nuvens escuras ameaçavam com temporal o dia inteiro, mas não chovera. A janela de seu quarto dava para a rua, e espiou para ver se Ed já havia chegado, é claro. Vestia saia e botas, com um suéter folgado e um casaco por cima.

Ele estava ainda mais preparado.— Trouxe um guarda-chuva — disse, erguendo-o. — Para o caso de chover na

volta.Perdita tentou agir com naturalidade e, no começo, conseguiu. Conversaram

casualmente enquanto andavam ao longo do rio, depois atravessaram a ponte e chegaram ao coração da cidade velha.

O concerto aconteceria em uma das igrejas medievais da região, dotada de uma acústica maravilhosa. Sentaram nos bancos, que não eram muito confortáveis, e ficaram ainda mais incomodados quando a igreja lotou e todos tiveram de se espremer.

Por um momento constrangedor, viu-se sendo pressionada contra o corpo sólido de Ed, antes que conseguissem se reacomodar.

Sentindo uma onda de calor trazida por aquele contato, movimentou-se com muito cuidado no banco. Ele ainda estava perto demais.

Olhou para os entalhes trabalhados dos pilares, para os arcos altivos, para o pescoço peludo de um homem à sua frente... Para qualquer lugar, exceto para Ed, sentado em silêncio ao lado.

Queria tanto tocá-lo. Seria tão fácil inclinar-se e descansar a cabeça em seu ombro. Tão fácil encostar na sua coxa grossa. Suas mãos formigavam de vontade de senti-lo, e teve de uni-las sobre o colo, temendo que ganhassem vida própria.

Seu corpo inteiro parecia pulsar de excitação, e, por mais maravilhosa que a música fosse, sabia que não era Bach que causava aquilo. Era Ed, sem nada fazer, nada dizer, apenas com sua presença poderosa.

PROJETO REVISORAS 47

Page 48: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Começou a se sentir tonta com o esforço de manter o controle, de encontrar motivos para permanecer concentrada na realidade. É seu chefe, lembra?

E pai solteiro, lembra?Você não está interessada em mais do que amizade, esqueceu?Mas era tão difícil lembrar quando estava a poucos centímetros de distância.Quando a orquestra fez um intervalo, ela se levantou antes que terminassem os

aplausos, incapaz de suportar por mais tempo.— Preciso esticar as pernas — disse Perdita abruptamente. — Estes bancos não

são projetados para traseiros modernos!Visto que não havia um bar perto e que o tempo não estava convidativo do lado de

fora, andaram ao redor da igreja, ela tagarelando feito uma louca, e então parando, porque não podia pensar em mais nada a dizer além de leve-me para casa e faça amor comigo.

Apavorada que pudesse ler seus pensamentos de alguma maneira, cruzou os braços e olhou para um monumento do século XVIII ferozmente atenta.

Houve um movimento quando a orquestra entrou de novo, e as pessoas voltaram a seus assentos. Ed pôs a mão nas costas dela a fim de guiá-la para o banco, fazendo-a perder o fôlego com o toque. Podia sentir o calor da mão dele sob as duas camadas de roupa, e cada sentido do seu corpo estava desperto. Queimava! Será que Ed podia ver sua reação?

Mas era impossível ler a expressão dele.Quase não ouviu a segunda parte do concerto, tamanha a excitação, e foi um alívio

gastar energia batendo palmas com entusiasmo, o que pelo menos lhe deu a chance de se refazer.

Mas esta foi desperdiçada no momento em que saíram, e ela percebeu que ainda chovia. Por um lado, era bom que Ed tivesse levado um guarda-chuva, pois não ficariam molhados. Por outro, teriam de andar bem próximos durante todo o caminho até seu apartamento, o que não era bom.

— Este guarda-chuva é grande o bastante para nós — disse Ed, abrindo e segurando sobre a cabeça dela.

Manteve-se rígida enquanto caminhavam pela cidade num silêncio carregado de tensão. As ruas estavam escorregadias, e, sendo sábado à noite, muitos jovens andavam em grupos, as garotas elegantes em seus saltos e roupas justas, apesar da chuva.

Ed balançou a cabeça.— Esta é uma cena de Cassie em alguns anos. Não vê a hora de ter idade suficiente

para freqüentar boates.— Diga que está perdida se não usar roupas da moda — comentou Perdita.Ele riu.— Já posso ouvir a resposta de minha filha.Sentia a presença dele sob o guarda-chuva. Com as mãos nos bolsos, andava com

a cabeça baixa e se concentrava em respirar devagar.Deveria convidá-lo para um café quando chegassem a seu apartamento? Seria rude

não convidar, mas como manteria as mãos longe dele se estivessem sozinhos num sofá confortável, com a iluminação suave de um abajur e a chuva contra as janelas?

Ela engoliu em seco. O que pensaria se o convidasse? Que sua intenção era fazer café, ou algo bem diferente? Talvez recusasse. Roubou um olhar do semblante de Ed. Ele já devia estar formulando uma desculpa educada para voltar para os filhos.

Mas e se entrasse? Sua boca secou com a perspectiva, e duvidou que conseguisse convidá-lo para um café.

Tinham atravessado a ponte e estavam andando ao longo da beira do rio. A trilha era popular para muitas pessoas deste lado da cidade, de modo que não estavam sozinhos, mas pareciam estar isolados de todos por um escudo invisível, fechados num

PROJETO REVISORAS 48

Page 49: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

universo próprio, onde havia apenas o barulho da chuva, dos passos no chão molhado e da pulsação acelerada dela.

Perdida em pensamentos, não percebeu que Ed a estudava. A pele dela brilhava sob a luz parca, e podia ver a curva da sua boca sensual e os cílios longos da face. Mesmo no escuro, era cheia de vida, mesmo no silêncio, emitia uma atração radiante, como se o corpo feminino não fosse grande o bastante para conter sua personalidade.

Reconhecera o entusiasmo e inteligência de Perdita desde o começo. Gostava da sua franqueza e generosidade. Considerava ela atraente e única. Mas fora somente naquela noite, sentado ao lado durante o interminável concerto, que percebera como era incrivelmente sexy, e agora não conseguia pensar em outra coisa.

Realmente decidira que a amizade entre os dois seria suficiente?Tolo, pensou. E claro que não era.Foi pega de surpresa quando Ed parou sob uma árvore, e tinha dado alguns passos

para fora do abrigo do guarda-chuva antes de perceber que ele não estava ao seu lado e retroceder.

— Algum problema?— Sim.— O que houve?— Não acho que posso continuar até que a beije. Perdeu o fôlego enquanto o fitava, o coração batendo freneticamente no peito.— Eu... não tenho certeza se é uma boa idéia — gaguejou Perdita.— Nem eu — concordou. — Mas vamos tentar e então saberemos.Puxou-a com uma das mãos, ainda segurando, com a outra, o guarda-chuva. Não

resistiu. Não poderia mais resistir àquela profunda atração, nem queria. Só um beijo, pensou ela... Não seria tão ruim, certo?

O toque dos lábios de Ed transmitiu-lhe uma estranha sensação de familiaridade. Era como se tivessem se beijado centenas de vezes, como se conhecesse aquela sensação de ser dele desde sempre, pensou, correspondendo ao beijo, capaz de tocá-lo e prová-lo finalmente, de abraçá-lo do jeito que desejara a noite toda.

Ele deixou o guarda-chuva cair no chão, de modo que pudesse usar as duas mãos e puxá-la para mais perto, pressionando-a contra seu corpo. Perdita beijava como tudo mais que fazia... apaixonada... Mas era mais doce e suave do que imaginara. O cabelo era como seda enquanto o acariciava, o perfume feminino fazia sua cabeça girar, e, conforme o beijo se intensificou e se tornou mais exigente, levantou a cabeça e respirou fundo, lutando por controle.

Ainda segurando-a nos braços, ele a olhou.— Bem, o que acha? Foi uma boa idéia ou não?— Provavelmente não — respondeu, mas sorria ao beijá-lo de novo, puxando-lhe a

cabeça para a sua, acariciando suas costas por baixo da jaqueta e soltando gemidos de prazer.

PROJETO REVISORAS 49

Page 50: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

CAPÍTULO OITO

Era tão bom abraçá-lo e ser abraçada por ele... Perdita entregou-se ao prazer de beijar e ser beijada e fechou a mente para tudo, menos para as incríveis sensações daquele momento. Não fazia idéia do tempo que ficaram ali, debaixo da árvore, a chuva pingando em suas cabeças por meio das folhas, e ela não se importou. Não se importava com nada, contanto que continuasse sendo beijada daquele jeito.

E então a consciência voltou relutante, fazendo-a tomar ciência de que Ed estava tenso e levantara a cabeça. Instintivamente, ela ensaiou um protesto, mas então ouviu o toque inconfundível de um celular.

— Sinto muito — falou Ed num tom de quase desespero enquanto enfiava uma das mãos no bolso da jaqueta. — Preciso ver se não é uma das crianças.

Entorpecida, abaixou os braços enquanto ele atendia ao celular.— O que foi, Cassie? — perguntou ao telefone.O sangue dela pulsava freneticamente nas veias, provocando tontura e tremor nas

pernas. O choque era muito grande. Em um momento, estivera segura e quente em seus braços e, no seguinte, estava se abraçando contra o frio e a umidade, ouvindo o que Ed dizia.

— Não... não, Cassie... Porque não conheço nenhuma dessas pessoas ainda... e porque você só tem 15 anos... Não me importo que as coisas sejam assim... Vá para casa... O que há de errado com suas pernas?... Bem, pegue um táxi. — Houve uma pausa mais longa, e ele suspirou, resignado. — Onde você está? — perguntou. — Tudo bem, espere aí. Irei buscá-la.

Desligando o telefone, voltou-se para ela, um músculo saliente em seu maxilar.— Sinto muito. — Passou uma das mãos sobre o cabelo num gesto de frustração. —

Tenho de partir. Cassie está com alguns amigos, e planejam ir a alguma festa num lugar que ela não conhece, e queria saber se podia ir também. Está sem dinheiro, sem casaco, e está chovendo, e não quero deixá-la a pé e sozinha...

Ele suspirou novamente.— Minha filha deveria ter ficado em casa com Tom e Lauren — disse Ed, abaixando-

se para pegar o guarda-chuva. — Lamento realmente. Não queria que esta noite acabasse assim.

Perdita já estava com um sorriso brilhante no rosto.— Não se preocupe — murmurou. — Eu entendo.E entendia, esse era o problema. Passara por aquilo tantas vezes com Nick. Os

filhos dele eram mais novos, mas vinham em primeiro lugar também.Lembrou-se de estar deitada com Nick na cama certa noite, o corpo tremendo de frio

devido à forma abrupta como terminavam os beijos. Repetidas vezes, levava em conta a preocupação dele com os filhos. Planos mudavam no último minuto, encontros eram interrompidos, férias canceladas conforme ele dançava a música da ex-esposa.

Pelo menos, Ed não tinha uma ex-esposa, mas a situação era a mesma. Ela sabia, por meio de Millie e outras amigas, como adolescentes podiam demandar tempo e atenção dos pais. E claro que ele largaria tudo para ir buscar a filha de 15 anos. E óbvio que seus filhos eram prioridade.

E claro que teria de aceitar aquilo. Teria de ser aquela que sempre dizia: Não se preocupe. Estou bem. Eu entendo.

PROJETO REVISORAS 50

Page 51: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Mas no fim da relação com Nick, Perdita não conseguira mais aceitar. Era esperar demais que, pelo menos de vez em quando, viesse em primeiro lugar? Que arranjasse tempo para ela, em vez de sempre contar que se encaixaria em seus planos com os filhos? Que a fizesse se sentir amada e desejada, e não apenas mais uma responsabilidade em sua vida?

Aparentemente, era esperar demais. Perto do limite, dera-lhe um ultimato. Dê a atenção que mereço ou está tudo acabado. E ele preferiu acabar com tudo.

Era melhor que o celular de Ed tocasse agora, pensou. Do contrário, teria sido tarde demais. Voltariam a seu apartamento, fariam amor, e, depois, seria impossível fingir que ele não significava nada. E isso seria um grande erro.

Não!, gritou frustrada. Teria valido a pena!Mas a mente dela era mais sábia.

Então, estava pronta quando a procurou em sua sala na segunda-feira. Ligara diversas vezes no domingo, mas ela não atendera, e saíra com Rick para fugir da tentação no domingo à noite.

— Sobre a outra noite — começou, mas Perdita o interrompeu:— Está tudo bem. Não precisa explicar. Entendo perfeitamente.Estava espantado com o jeito dela. Era difícil acreditar que era a mesma mulher que

fora tão suave, calorosa e receptiva no sábado à noite. Tinha sido tão maravilhoso beijá-la e tê-la nos braços, que seu corpo ainda doía de frustração.

Se Cassie não tivesse telefonado... Ed queria estrangular a filha quando a apanhou. Não fizera isso, é claro, mas ficara muito mal-humorado, e brigaram durante todo o trajeto para casa. Mais uma vez, não era desse jeito que ele esperava terminar a noite.

E depois, não conseguia parar de pensar em Perdita. A lembrança da sua doçura era como fogo em seu sangue, e ansiava em vê-la novamente. Tentara falar com ela no domingo, mas, sem sucesso, viu-se impaciente e nervoso como um adolescente diante da perspectiva de vê-la.

Conversar no escritório não era o ideal, mas não estariam agora íntimos o bastante para que isso importasse? Todavia, algo no sorriso de Perdita o deixava desconfortável.

— Pensei... que pudéssemos tentar de novo esta noite — murmurou, entrando na sala dela e fechando a porta. — Cassie tem ordens explícitas de ficar em casa hoje! Tem tempo para um drinque, pelo menos?

— Acho que não, Ed. — Perdita tinha levantado quando ele entrou e agora se inclinava sobre a mesa para organizar alguns papéis. O cabelo brilhante pendia à frente, escondendo seu rosto. — Pensei nisso ontem e acho melhor mantermos o relacionamento puramente profissional.

— Não acha que é um pouco tarde? — Quando Perdita levantou a cabeça, ele viu que estava corada.

— Tenho certeza de que seremos capazes de esquecer o sábado à noite — disse ela com dificuldade.

— Não acho que vou conseguir — replicou honestamente. Ela engoliu em seco e se abraçou do jeito que fazia quando estava nervosa, e Ed

pensou em como aquele gesto lhe soava familiar. — Não acho que misturar negócios com prazer seja uma boa idéia — disse e enfiou

as mãos nos bolsos, tentando não ficar furioso. Perdita estava escapando, e não parecia haver nada que pudesse fazer. — Pareceu uma idéia muito boa no sábado — relembrou Ed. — Ou vai fingir que não gostou?

A voz dele foi dura, e o rubor no rosto dela aumentou, mas o olhou nos olhos com firmeza.

PROJETO REVISORAS 51

Page 52: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Não, não vou fingir, mas me arrependi. Prefiro que sejamos só amigos.— Já tenho amigos suficientes — disse com amargura. — Não quero você como

amiga. Quero como... — Como o que, Ed?Não respondeu logo. Incapaz de ficar parado, moveu-se até a janela e ficou de

costas para ela, os ombros retesados.— É a primeira mulher que desejei desde que Sue morreu — confessou ainda de

costas. — Acho... pensei... que pudéssemos ter alguma coisa boa juntos.— Sinto muito — respondeu Perdita com calma. — Não acho que daria certo.

Nossas vidas são muito diferentes.— São?— Sabe que sim. Tem três filhos que exigem toda a sua atenção.— Não toda — protestou Ed.— Quase toda. Precisam da sua atenção assim como o trabalho também precisa.

Então, quanto tempo sobra para mim? O bastante para um relacionamento breve ou casual talvez — disse, respondendo à própria pergunta. — Já passei por isso e não quero passar de novo. Prometi a mim mesma que se tivesse outro relacionamento, seria de outra natureza. Mereço mais atenção do que ser encaixada de vez em quando entre outros compromissos da sua agenda.

— Entendo. — Virou-se da janela, com um amargo desapontamento. A relação parecia tão certa na outra noite que mal podia acreditar que o rejeitava.

Mas não tinha argumentos. Não iria pedi-la em casamento depois de um beijo, se era isso o que queria, pensou com raiva. Era mais fácil lidar com o ódio do que com a dor. Teria de conhecê-la muito melhor antes de se certificar de que seria a madrasta correta para seus filhos, mesmo que soubesse que Perdita era certa para ele.

— Bem, não há muito a dizer, não é? Exceto que lamento. Mas é claro que respeitarei sua decisão. Não precisa se preocupar quanto a eu insistir para que mude de idéia.

Deveria se sentir melhor com aquilo, não?, pensou. Então por que se sentia tão péssima?

— Espero que não seja difícil trabalharmos juntos — murmurou sem graça.Ed deu um pequeno sorriso.— E claro que não. Somos adultos, Perdita. Devemos ter capacidade de manter

nossas vidas pessoais e profissionais separadas.É fácil falar, pensou, conforme os dias passavam. Na prática, era outra coisa... Seria

muito difícil quando bastava uma simples menção ao nome de Ed numa reunião para que seu coração disparasse, quando o som da voz ou a visão dele andando no corredor era o bastante para deixá-la tonta de desejo.

E não era só no trabalho que deveria manter a guarda fechada. Havia sempre a chance de encontrá-lo quando visitava a mãe. Nunca acontecera, mas ficava sempre nervosa com a possibilidade.

Toda semana, ela ia ao projeto de jardinagem. Sentiu-se melhor ao descobrir que seus colegas também contribuíam para a comunidade de alguma maneira e, quando soube de alguns projetos nos quais os outros estavam envolvidos, não pôde deixar de pensar que se sentia melhor onde estava. Ela e Tom limpavam e cavavam, e, apesar de reclamar, não se importava com isso tanto quanto dizia. Quanto mais conhecia Grace, mais gostava da outra mulher, e era uma chance de conversar um pouco também com Millie, que se atirara no novo trabalho com gosto.

Havia algo surpreendentemente satisfatório naquela atividade física. Escavava o solo barrento até que as costas doessem, mas, de muitas maneiras, aquilo era um modo de não pensar nele ou de se preocupar com sua mãe.

PROJETO REVISORAS 52

Page 53: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Estar ao lado de Tom fazia com que lembrasse constantemente de Ed, mas era prazeroso trabalhar com o garoto, era quieto e, em muitos sentidos, seu oposto, mas formavam um bom time. Podia ser rebelde com o pai ou no colégio, mas nunca com Perdita, que gostava de seu senso de humor discreto e do autocontrole, obviamente herdado do pai. Se Tom ainda era acusado de ser "rebelde", não via evidências disso.

Depois da primeira vez em que Ed foi buscar o filho, Tom passou a ir sozinho para casa sempre que o projeto terminava. Como geralmente ela ia ver a mãe, dava-lhe uma carona. Nunca tinha certeza se desejava ou temia vê-lo, em tais ocasiões. Tom era taciturno sobre sua vida doméstica, apesar de comentar uma vez que o pai ficara com um mau humor insuportável "por semanas". Então parece que não era a única que sofria. Repetidamente, pensou que fizera a coisa certa, mas não conseguia parar de pensar no beijo perto do rio. Mesmo quando trabalhava, a lembrança flutuava em sua mente, pronta para vir à tona diante da menor provocação: o som da chuva, o cheiro do rio, a visão do nome dele num relatório.

— Gostaria de ser capaz de esquecer isso — falou para Millie uma noite, enquanto bebiam vinho. — Tudo o que queria era conseguir parar de pensar nele.

Devia ser mais cuidadosa com seus desejos, pensou alguns dias depois. Sua mãe contraiu uma infecção que se provou muito resistente a antibióticos, deixando-a com uma fraqueza preocupante. Pelos próximos quinze dias, enquanto lidava com médicos e levava Helen ao hospital, Perdita não teve tempo de pensar em Ed.

Logo ficou claro, até mesmo para a mãe dela, que não podia se virar sozinha, e foi quando finalmente conseguiu convencê-la a aceitar ajuda. Uma cuidadora a visitava três vezes por dia, durante meia hora, pelo que Perdita estava imensamente grata, mas ainda ia lá de manhã, a fim de ajudar a mãe a sair da cama e se vestir. Tentava persuadi-la a comer algo no café da manhã, então dirigia para a empresa, mas era difícil se concentrar no trabalho.

Depois do expediente, voltava à casa da mãe e passava a maior parte da noite com ela, antes de ir para seu apartamento. Sentia-se culpada porque não mudara de forma permanente para lá, mas não queria alugar ou vender seu apartamento. As vezes, Helen parecia melhorar, e ela agarrava-se à esperança de que voltaria a ter uma vida normal um dia.

Os exames se provaram inconclusivos, e, no fim, os médicos sugeriram que o combate à infecção levaria mais tempo, por já estar em uma idade mais avançada. Então começou a passar a noite na casa de sua mãe, dormindo no antigo quarto, e esses foram os momentos que achou mais difíceis.

Amava a mãe, mas detestava morar com ela. Suas personalidades não combinavam. Era muito impaciente para ser uma boa enfermeira; Helen James, muito velha e teimosa para continuar a ser uma boa mãe. Discutiam com freqüência, e Perdita acabava sempre se sentindo culpada.

Pelo menos, ainda tinha um emprego, lembrava-se constantemente, embora seu desempenho no trabalho já não fosse tão bom quanto deveria. Todavia, a situação poderia ser muito pior. Devia se sentir grata pelo que possuía.

Mas quando os dias se transformaram em uma semana, e uma semana em duas, ainda estava com a mãe, e foi mais difícil sentir-se grata em vez de exausta, frustrada e perigosamente perto do limite.

Chegou a este numa tarde fria e úmida de novembro, quando pôs algumas roupas da mãe na máquina de lavar e ajudou-a a ir para cama no andar de cima, apenas para, ao descer mais tarde, descobrir que havia água espalhada por todo o chão.

Quase às lágrimas pelo cansaço e nervosismo, Perdita deu alguns telefonemas, mas eram quase 22h, e ninguém poderia ir até o dia seguinte. O que significava outra manhã fora do trabalho, enquanto esperava a chegada do técnico. Ouvindo o desespero

PROJETO REVISORAS 53

Page 54: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

em sua voz, um deles sugeriu que arrastasse a máquina e verificasse se uma das mangueiras atrás se soltara.

— Se for isso, você mesma pode consertar, querida.Bem, sim, se tivesse força para arrastar a máquina. Escorregando ao redor da

piscina de água, esforçou-se para tirá-la do lugar, mas era muito pesada e desistiu. Talvez Tom pudesse lhe ajudar. Não era pedir demais, era?

Mas e se Ed atendesse a porta, em vez de uma das crianças? Ficou apavorada com a reação instintiva e descontrolada de seu corpo. Era como se cada sentido esquecesse que estava exausta e agora ganhasse vida.

— Perdita! — exclamou surpreso.Ainda magoado pela rejeição, evitava-a ao máximo, mas agora ficara chocado ao

vê-la. Quando sua própria onda de alegria instintiva diminuiu, viu que estava pálida, exaurida e tão frágil que parecia que iria se quebrar se a tocasse com um dedo.

— O que houve? — perguntou preocupado.Para seu horror, sentiu um nó na garganta e, por um momento, pensou que não

seria capaz de falar.— Estava pensando se Tom me ajudaria a empurrar a máquina de lavar da minha

mãe — conseguiu falar, mas a voz estava trêmula. — Está vazando muito.— Eu vou — disse Ed.Gritando em direção à escada para avisar aos filhos aonde iria, Ed a acompanhou, e

ficou imensamente grata por não fazer perguntas. Seria necessário tão pouco para cair aos prantos, e a presença tranquilizadora dele a deixava pior, não melhor. Seria bem mais fácil se ficasse irritado ou agisse de modo paternalista.

Mas não era assim. Arrastou o eletrodoméstico com facilidade, achou a mangueira que se soltara e a religou rapidamente. Com a máquina no lugar, virou-se para vê-la tentando enxugar o piso com um esfregão.

— Parece péssima — disse sem rodeios. — Comeu alguma coisa?— Ia comer quando encontrei essa bagunça — disse. — Não acho que posso

encarar algum prato agora.— Precisa comer ou vai ficar doente também — hesitou. — Por que não toma banho

enquanto dou uma espiada na geladeira?A idéia de um banho era tão convidativa que Perdita teve de fechar os olhos para

resistir.— Preciso secar o chão antes.— Farei isso. — Segurou o esfregão, e estava tão exausta que não teve forças para

pegar de volta. — Vá... mas não durma na banheira, ou terei de subir e tirá-la!— Não posso deixar que faça isso — murmurou.— Por que não?— Bem, e quanto a Lauren, Cassie e Tom?— Já comeram e sabem onde estou. Deveriam estar fazendo a lição de casa, mas

não tenho a menor dúvida de que, no minuto em que fui embora, os três desceram e devem estar assistindo a alguma porcaria na televisão.

— Mesmo assim — hesitou.— Mesmo assim, o quê?— Não devia fazer isso por mim quando... Bem, você sabe...— Quando não quer mais me beijar e tem me evitado? Pelo menos, havia um pouco de cor no rosto dela.— Disse que não queria que fôssemos amigos — relembrou Perdita.Ed suspirou.— Estava furioso e desapontado e não agi como adulto — admitiu, então sorriu. — É

claro que somos amigos. E o que qualquer amigo faria agora é insistir para que tome um banho. Vá logo — ordenou Ed, e ela sucumbiu à maravilhosa tentação de obedecê-lo.

PROJETO REVISORAS 54

Page 55: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Quando desceu após o banho, o chão estava limpo e seco, a máquina de lavar trabalhava com suavidade, e a cozinha tinha um delicioso aroma de queijo derretido.

— Fiz macarrão com queijo — disse, vendo que ela apreciava o cheiro da comida. — Não é nada muito sofisticado, mas foi o que achei na geladeira. Também tomei a liberdade de pegar outro vinho de seu pai. Tenho certeza de que ele concordaria que você precisa de um copo agora.

Pegando a travessa de macarrão, puxou uma cadeira da mesa da cozinha e a ofereceu com um gesto floreado.

— Pode se sentar, madame?Sentou obediente. O nó em sua garganta a impedia de falar, mas conseguiu soltar

um tênue sorriso.Ed colocou um prato à frente e segurou a travessa.— Sirva-se.Mas não podia. De repente, lágrimas escorriam em sua face.— Ei, o que falei? — Pôs a travessa sobre a mesa e se deu ao luxo de tocar-lhe o

ombro.— Nada. Só estou sendo patética. — O orgulho a fez respirar fundo e secar com

fúria as lágrimas. — Só não estou habituada a ter alguém cuidando de mim — tentou explicar. — E só porque está sendo muito gentil — acrescentou quase em tom acusatório.

Os olhos acinzentados brilharam de humor.— Preferia que fosse estúpido com você?— Pelo menos, não choraria.Ed sorriu, puxou uma cadeira e sentou perto da cabeceira da mesa.— Está esgotada — constatou. — Tem direito a derramar algumas lágrimas. Agora,

coma seu macarrão antes que esfrie!Perdita segurou o garfo.— Parece delicioso.— O molho está um pouco grosso — desculpou-se. — As crianças sempre

reclamam.Estava realmente um pouco grosso, mas para ela, cansada, faminta e carente,

aquele era um dos melhores pratos que já comera.— Está fantástico — elogiou entre garfadas.—Tenho certeza de que está sendo gentil. Quando faço este prato, Cassie e Lauren

se ajoelham e imploram para que eu freqüente um curso de culinária e aprenda a preparar molhos decentes, aquelas atrevidas! — concluiu com um sorriso.

— Não precisa de um curso — murmurou. — Irei ensiná-lo a fazer um molho. Posso fazer as crianças aprenderem também... Não tem mistério!

Ed deu um sorriso iluminado.— Faria isso realmente?— É claro. É o que faria uma amiga — repetiu as palavras dele.Houve uma pausa breve.— Então, somos só amigos, Perdita? — perguntou após um momento.Ela largou o garfo e pegou seu copo.— Já lhe contei de Nick?Já me contou de Nick?, lembrou-se das palavras de Millie no almoço festivo.— Não — respondeu. — É um ex-namorado?— Foi mais do que um namorado — replicou. — Foi o centro do meu mundo por

dois anos. Eu o amei de um jeito como nunca amara ninguém. Teria feito qualquer coisa por ele.

— Pensei que não acreditasse em compromisso — disse, lembrando-se do que ela lhe, dissera assim que se conheceram. — Deve ter se perdido em algum ponto do caminho, se o relacionamento durou dois anos.

PROJETO REVISORAS 55

Page 56: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Sim — confirmou com expressão triste. — Contrariei tudo o que acreditava sobre mim. Pensei que fosse forte, independente e confiante, e, quando o conheci, foi um choque descobrir que estava disposta a jogar tudo pela janela, contanto que ficasse ao lado dele.

Ed franziu o cenho.— Ele a amava?— Dizia que sim, mas sempre tinha medo de se comprometer.— Mesmo depois de dois anos de relacionamento?Ela mordeu o lábio. Ainda era difícil pensar em como acreditara cegamente em Nick,

como fechara os olhos para o que não queria ver. Não era tudo culpa do ex-namorado.— Não estava separado da esposa há muito tempo quando o conheci — tentou

explicar. — Ainda se sentia culpado por separar a família e se preocupava muito com os dois filhos, apesar de terem se adaptado à nova realidade melhor do que os pais.

— Foi por sua causa que se separou da esposa? Perdita meneou a cabeça, e se sentiu aliviado.

— Não, não havia mais ninguém. O casamento deles simplesmente acabou... Mas as coisas se tornaram muito ruins durante o divórcio. Entendia por que era cauteloso com relação a um novo casamento, mas não me importava. Casar e ter filhos não eram minhas prioridades. Só queria estar com ele — murmurou. — E quando estávamos juntos, era maravilhoso.

Ed se serviu de um copo de vinho. Não estava gostando de ouvir o quanto amara o patife.

— Então qual foi o problema? — perguntou. Girando o copo entre os dedos, Perdita suspirou.

— Não quis morar comigo. Achou que seria difícil para seus filhos me aceitarem, então, no começo, fui apresentada como uma amiga que voltava para a própria casa no fim do dia.

— Os acordos de custódia permitiam que Nick visse os filhos um dia na semana e em fins de semana alternados, mas a ex-esposa estava constantemente querendo mudar o combinado. — Suspirou. — Ainda acho que ela tentava nos causar problemas. Fazia muita chantagem emocional, dizendo a Sasha e Robin que o pai não os amava o bastante e não queria vê-los, toda essa bobagem, e Nick caía nessa conversa todas as vezes.

Ela meneou a cabeça.— Eu o aconselhava a ignorá-la, mas ele tentava aplacar isso, porque acreditava

que aquilo tornaria a vida mais fácil para as crianças. Talvez estivesse certo, não sei. Tudo o que sei é que eu vinha sempre por último. Não imagina com que freqüência nossos planos de fim de semana eram alterados em cima da hora porque Nick combinava algum programa com os filhos.

Tentou imaginá-la aceitando docemente a contínua mudança de planos, mas não conseguiu. Era uma pessoa muito forte para isso... não era?

Mas mesmo as pessoas mais fortes podiam ser vulneráveis, e o amor tornava uma pessoa mais frágil do que qualquer coisa.

— Parece, para mim, que este Nick te enrolou — disse, e Perdita ergueu os ombros num gesto estranho de fracasso.

— Não fazia de propósito, mas sim, era isso que acontecia — confirmou. — E agüentei a situação.

PROJETO REVISORAS 56

Page 57: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

CAPÍTULO NOVE

— Por dois anos?Perdita tremeu diante da incredulidade na voz de Ed.— Este foi o resultado de se envolver com um pai sozinho — declarou. — Pensei

resignada que tinha de aceitar aquilo. Afinal, era certo que ele colocasse os filhos em primeiro lugar. Não queria me envolver com um homem que não levava a sério suas responsabilidades de pai. O problema era que tomavam tanta atenção dele que não me restava nada — continuou após uma pausa. — Não parecia haver um só momento, e comecei a ficar ressentida, porque Nick nunca fazia um esforço por mim.

— Contava que você era algo certo em sua vida, não?— Sim. Parece patético quando falo, mas precisa entender o quanto o amei. Não

podia imaginar minha vida sem ele, então tentei ser compreensiva e ajudar a tornar sua vida mais fácil.

Perdita corou, humilhada ainda pela lembrança de como fora desprezível.— Costumava cozinhar e limpar, na esperança de que Nick começasse a me

encarar como parte de sua vida, mas em vez de apreciar, acho que passou a esperar que eu sempre estivesse lá, fazendo o que era necessário. Devia achar que permitir que eu o amasse era tudo que precisava fazer... E deixei que as coisas continuassem assim por um longo tempo.

Estava atônito. Perdita parecia ter uma personalidade tão forte que era difícil imaginá-la diminuída por amor ao tal Nick, que obviamente era egoísta e complacente.

— Nunca me pareceu do tipo capacho — comentou.— Não estava sendo eu mesma. Tentava ser outra pessoa, alguém que pensei que

ele quisesse, mas só fiz papel de tola. Vivia esperando que as coisas se ajustassem, que ele se acomodasse no emprego, que a esposa dele fosse menos vingativa... mas, depois de dois anos, percebi que nada ia acontecer.

— Então decidiu dar um basta?— Meu pai faleceu subitamente alguns anos atrás — contou. — Foi um choque

horrível. Minha mãe sempre teve personalidade forte também, mas ficou arrasada, e meus irmãos levaram alguns dias para chegar.

— Então segurou toda a barra? — Sabia como era ser aquele que não podia extravasar sentimentos, em quem todos se apoiavam no momento da dor.

— Suponho que sim. Tinha de ser forte por minha mãe, mas realmente precisava do apoio de Nick. — Ela desviou os olhos magoados. — Pedi que fosse ao funeral, disse que precisava dele, mas...

— Abandonou-a naquele momento — concluiu Ed, e Perdita assentiu com tristeza.— A ex-esposa queria sair e pediu que ficasse com as crianças naquele dia, e não

foi capaz de negar.Ed engoliu as palavras furiosas que queria dizer. Como alguém podia negar apoio

num momento como aquele?— Deve ter ficado muito magoada.— Sim — concordou, ainda incapaz de olhá-lo. — Foi quando entendi que podia

ouvir que me amava, mas não era verdade. Ou pelo menos, não o bastante.— Por que agüentou tanto tempo? — questionou.— Porque gostava dele — respondeu, encarando-o finalmente. — Não podia

imaginar minha vida sem sua presença. Então me convencia de que Nick me amava, e,

PROJETO REVISORAS 57

Page 58: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

se tivesse paciência, tudo daria certo. Após a morte de meu pai, soube que não podia continuar com aquilo. Dei um ultimato. Se não estivesse disposto a me levar em consideração, eu o abandonaria.

— O que ele disse?— Disse que não era justo que o pressionasse e que estava muito estressado para

lidar com meus problemas, além dos que já tinha. — A expressão dela era de desolação, e Ed bufou, desgostoso.

— Em outras palavras, era tudo culpa sua?— Exatamente. Disse que se eu o estressasse, ficaria melhor sem mim. Então parti.

Mas foi a coisa mais difícil que já fiz — confessou, lembrando-se da angústia que sofrerá. — O ano que se seguiu foi o mais terrível da minha vida. Sei que parece dramático, mas achei que meu coração estivesse literalmente partido, pois doía tanto aqui dentro. — Pôs uma das mãos no peito. — Não sei o que teria feito se não fosse por Millie. Foi ela quem me ajudou a superar tudo.

— Foi por isso que voltou a Ellsborough?— Em parte — admitiu. — Estava preocupada com mamãe, mas esperava que a

mudança de cenário me ajudasse a esquecê-lo.— E ajudou?— Acho que foi mais fácil do que se ainda estivesse em Londres. Não havia

memórias dele em Ellsborough, nenhuma esperança, nada para me agarrar. Tinha apenas de começar tudo de novo.

Houve um silêncio. Ed bebeu seu vinho, pensando no que ouvia.— É por isso que não vai considerar um relacionamento comigo? — perguntou

finalmente. — Porque acha que sou como ele?Perdita meneou a cabeça.— Não Ed. Você não é nada como Nick. Mas tem filhos e precisa colocá-los em

primeiro lugar. Depois de tudo o que me aconteceu, decidi que nunca mais aceitaria esse tipo de posição. — Fez uma pausa, pensando em como fazê-lo entender. — Quero alguém que me coloque em primeiro lugar, para variar. Jamais pediria que priorizasse a mim em detrimento dos seus filhos. Não seria justo, e você não seria capaz.

— Então só está disposta a se envolver com um homem sem filhos? — A voz de Ed era inconscientemente dura.

— E não há muitos por aí quando chega aos 40 anos. — Ela conseguiu sorrir. — Mas posso envelhecer sozinha, se necessário. Não preciso de um homem para que minha vida valha a pena.

Perdita hesitou.— Não vou fingir que não me sinto atraída por você, Ed. Eu me sinto — confessou.

— Mas sei o que aconteceria se ficássemos juntos. Sairíamos, e Cassie precisaria de uma carona, ou Tom necessitaria de apoio, ou Lauren teria esquecido a chave... E começaria a me sentir ressentida, e seria terrível. Ou poderia me apaixonar por você, e meu coração não suportaria ser quebrado novamente. Não permitirei que aconteça. Eu... não posso mais ser sua amiga.

Ele assentiu lentamente. Não fazia sentido tentar argumentar e, de qualquer forma, como poderia pedir que corresse o risco? E estava certa. Algumas noites, sem dúvida, seriam interrompidas por seus filhos. Não achava que fosse esse o motivo para que o relacionamento não desse certo, mas entendia o que Perdita sofrerá e seu medo de tentar novamente.

— Amigos então — murmurou, forçando um sorriso. — Pelo menos, se formos amigos, verei você. Senti sua falta — confessou.

A garganta dela doía com lágrimas não derramadas, e engoliu em seco.— Também senti sua falta.Ed fez uma pausa, então mudou de assunto:

PROJETO REVISORAS 58

Page 59: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Millie e Grace me contaram que a festa de lançamento do projeto será dentro de duas semanas. Você vai?

— Se minha mãe estiver bem. — Millie já lhe contara todos os planos para a festa. — Parece que será uma noite incrível.

Uma festa parecia algo divertido, e, Deus sabia, ela precisava se divertir.Quase se resignara com o fato de que não poderia ir, mas, conforme os dias

passaram, a mãe recuperou o apetite e começou a parecer mais forte e disposta, e achou que talvez pudesse deixá-la sozinha às noites novamente.

— Vá! — ordenou Helen James, quando ela sugeriu voltar a seu apartamento naquela noite. — Faz com que me sinta velha não saindo mais daqui. Estou perfeitamente bem.

Não acreditava nisso, mas a mãe parecia contente em ficar sozinha à noite, e, sem dúvida, era maravilhoso voltar à solidão de seu apartamento de novo.

Na primeira ou segunda vez, realmente apreciou aquilo. Ficou no terraço, observando o rio, inalando o ar frio e úmido e apreciando o silêncio. Serviu-se de um gim-tônica e encheu a banheira. Depois deitou em seu sofá macio e confortável e permaneceu quieta. Sua mãe sempre deixava a televisão ligada, e o som constante a enlouquecia. Agora estava sozinha e podia ouvir o que quisesse.

Pura bênção.Exceto que, após um tempo, começou a se sentir... irrequieta. Indo para a cozinha

descalça, procurou algo para comer. Tudo o que achou foi uma lata de sopa, que abriu sem entusiasmo e despejou numa panela.

Tinha desejado ficar sozinha de novo, lembrou. Ansiava por voltar ao próprio apartamento. Não deveria se lembrar da noite anterior com saudade. Fora à casa de Ed depois que a mãe estava na cama, assistindo à tevê, e ensinara todos a fazer um molho de queijo.

Fora uma noite muito bem-sucedida. Apesar de algumas reclamações iniciais, as três crianças tinham aprendido e se divertido no processo.

— Gostaria que viesse para cá e cozinhasse todas as noites — disse Lauren, raspando o prato. — Não que cozinhe tão mal, papai — acrescentou com doçura. — Mas tem de admitir que comer sempre as mesmas coisas enjoa depois de um tempo. Seria mais interessante se Perdita estivesse aqui.

— Infelizmente para nós, ela tem sua própria vida — apontou Ed. — Tem coisas melhores a fazer do que cozinhar para nós.

Mas será que tinha mesmo?, pensou ela, esperando a sopa ferver. Pelo menos, a noite anterior fora divertida. Até mesmo Tom saíra da concha, e houve discussões animadas e muitos risos.

Sim, fora uma noite agradável, e Perdita lamentava ir embora e deixar todos na casa caótica e aconchegante.

Pelo menos, eram amigos novamente, pensou. Como se uma nuvem negra se dissipasse, sabendo que não precisava mais ser cuidadosa, que poderia ir lá sempre que quisesse. Não haveria mais mal-entendidos. Contara a Ed sobre Nick, e ele aceitara que amizade era tudo que poderiam ter.

A amizade era uma relação perfeita, decidiu Perdita.Então por que, enquanto despejava a sopa numa caneca, não sentia que era

perfeita?

Perdita o viu assim que entrou na festa. Estava num grupo com Grace, e, quando viu ele sorrir, sentiu aquele arrepio familiar de desejo percorrê-la.

Nunca imaginara que seria tão difícil ser amiga de Ed. Apesar de tudo ser dito e esclarecido, não conseguia convencer-se de que somente a amizade com ele era o

PROJETO REVISORAS 59

Page 60: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

bastante. Bastava olhá-la ou sorrir, e todas as células de seu corpo pulsavam de desejo. Por isso, andava tensa o tempo todo.

Tentar esconder os sentimentos cansava. Dividida entre a necessidade de vê-lo e de não desejar que soubesse o quanto, tornou-se irritadiça. Era tão cansativo ter que ser cuidadosa o tempo todo, que começava a se questionar se aquela amizade valia a pena, afinal de contas. Entre ficar tensa perto de Ed e se preocupar com a mãe, parecia incapaz de relaxar e considerou, até mesmo, a hipótese de não ir à festa de lançamento do projeto... Só que Milhe insistiu além do suportável.

— Disse que sua mãe está muito melhor, então nem pense nisso como uma desculpa! — disse a amiga. — Quanto tempo faz que não se produz e sai para se divertir? Ademais, preciso que converse com os potenciais patrocinadores e conte como o projeto é brilhante. — Olhou para ela. — Ele estará lá.

— Eu sei. — Para evitar maiores questionamentos, Perdita cedeu e prometeu ir à festa.

Então lá estava, parada na entrada, num vestido vermelho justo, calçando sandálias de salto alto.

— Está fantástica! — disse a amiga depois de um abraço. — Nenhum homem será capaz de tirar os olhos de você.

— Ora, Millie, tenho 40 anos. Sabe que somos invisíveis agora!— De modo algum, será invisível neste vestido — exclamou com franqueza. — Para

quem se vestiu?— Não sei o que quer dizer.— Ed?Perdita corou.— É claro que não! Já disse, somos apenas amigos. Mas por que estava parado tão

perto de Grace?— Ainda bem que falou. — A amiga inclinou-se para frente, de maneira confidencial.

— Queria perguntar se posso pôr meu plano de sedução em prática.— Que plano?— A sedução de Edward Merrick! Perdita franziu o cenho.— O quê?A amiga fingiu inocência.— Bem, falou que podia ficar com ele — relembrou. — Está sempre falando sobre a

amizade de vocês, então pensei em investir. — Estudou a reação de Perdita. — E claro, Grace provavelmente tem mais chance do que eu. É linda, não?

Ela era. Olhou para onde Grace estava ao lado de Ed. Ria, e seus olhos pareciam luminosos quando via o rosto dele. Uma mão fria se fechou ao redor do coração de Perdita.

Millie observou-a satisfeita. Não era preciso ser uma velha amiga para notar que não gostava nem um pouco do que via.

— É claro que não posso competir com Grace no quesito aparência, mas talvez ele prefira alguém com senso de humor. O que acha? — perguntou. — Tenho alguma chance? Já que são amigos, deve saber do que gosta.

— Não faço idéia — retrucou ela. — Vou buscar um drinque. — Saiu, inconsciente de que sua amiga sorria enquanto a observava.

Vendo uma garçonete passar com a bandeja, ela pegou um drinque e bebeu praticamente num gole só. A verdade era que detestava a idéia de Ed com Millie ou Grace.

Mas seria esta a solução? Certamente as coisas mudariam se soubesse que estava envolvido com outra pessoa? Talvez fosse isso que precisava para parar de pensar tanto nele.

PROJETO REVISORAS 60

Page 61: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Na verdade, pensou, terminando o drinque, o que realmente precisava era se envolver com outro homem. Sim, era isso! Servindo-se de outro copo, pôs seu melhor sorriso na boca e se misturou à multidão.

Apesar da idade e da sala estar repleta de mulheres mais jovens e bonitas, foi gratificante ver que aquecia os olhos de mais de um homem, descobrir que ainda podia paquerar e ser paquerada.

E foi ainda mais gratificante olhar em direção a Ed e ver que perdia sua famosa calma e começava a parecer furioso.

Quanto mais a expressão dele se fechava, mais Perdita flertava. Conversava com o diretor de uma construtora local quando olhou para trás e se deparou com os olhos acinzentados que reconheceria em qualquer lugar. E foi como ser despertada de um sonho e voltar à realidade.

O que estava fazendo? Olhou para seu companheiro, que era um homem atraente e amigável. Em outras circunstâncias, talvez tivesse gostado de conversar com ele, mas não era o que queria fazer agora. Tudo o que gostaria era de estar com Ed.

Encontrando o olhar dele mais de uma vez, Perdita teve a estranha sensação de que o mundo se ocultara atrás de uma barreira invisível. Pessoas falavam e riam, mas o som estava abafado, distante, e não havia nada real, exceto Ed e a expressão de seus olhos, que era muito intensa.

Então veio em sua direção.— Com licença — disse para o outro homem. — Preciso falar com Perdita lá fora.Pegando sua mão, praticamente a arrastou para a entrada, onde fumantes se

refugiavam e davam suas tragadas. Reclamou da multidão ali e a conduziu para a lateral do prédio. Quando estavam fora da visão deles, parou abruptamente e, sem uma palavra, encurralou-a contra a parede e a beijou.

Foi um beijo atroz. As mãos eram firmes, os lábios exigentes, mas Perdita correspondeu como se estivesse zangada pelo tempo que desperdiçaram. Não resistiu nem um segundo, em vez disso, deleitou-se por estar nos braços dele finalmente, por beijá-lo e abraçá-lo de novo.

Sussurrando seu nome, beijou-o ao longo do queixo quando se separaram para respirar, e Ed riu.

— Deus, o que fez comigo? Estou muito velho para perder o controle dessa forma! — Ele segurou-lhe o rosto nas mãos. — Está me enlouquecendo — falou entre beijos. Não posso mais ser apenas um amigo...

— Eu sei... eu sei — sussurrou, beijando-lhe o pescoço. Suspirou e encostou a testa na dela.

— O que vamos fazer? — perguntou desesperado. — Não posso me livrar dos meus filhos, mas também não consigo deixar de tocá-la... Não sei o que fazer da minha vida nestas duas últimas semanas, e esta noite... Millie foi a gota d'água.

— Millie? — afastou-se e olhou para ele intrigada.— Acho que fez aquilo de propósito — disse. — Toda vez que me virava, lá estava,

elogiando sua beleza esta noite, dizendo o quanto ficava feliz por mostrar interesse em homens novamente, depois de ter sido tão magoada por Nick, perguntando se notara como os homens a olhavam. — Riu sem vontade. — E claro que notei! Parecia ser o único que precisava tratá-la como amiga, e então você me olhou e não agüentei mais... Faz muito tempo que não arrasto uma mulher para fora de uma festa, a fim de beijá-la.

Perdita sorriu.— Minha amiga estava fazendo um jogo secreto. Disse que ia tentar seduzi-lo e,

sem dúvida, viu claramente que não gostei nem um pouco da idéia.— Ela não tentou me seduzir. Estava muito ocupada falando de você. — Ed a fitou

nos olhos com seriedade. — O que vamos fazer? Sei que não quer se envolver com um pai, mas existe mais do que amizade entre nós, você sabe.

PROJETO REVISORAS 61

Page 62: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Sim, eu sei.— Então?Ele respirou fundo.— Então acho que precisamos tirar isso de nossos corpos.— Tirar o que exatamente de nossos corpos? — perguntou ele.— A coisa física... sexo — esclareceu desafiadora. — Quero você. Quero muito

desde aquele beijo perto do rio, provavelmente antes, mas...— Ainda teme que eu seja como Nick? — concluiu por ela.— Tenho medo de que nossa relação seja como a que tive — corrigiu. — Mas talvez

possamos facilitar tudo ao tentar não manter um relacionamento convencional. Sem pensar em compromisso, ou em para sempre. Apenas apreciando a atração física que compartilhamos enquanto ela durar, sem expectativas.

Era impossível ler a expressão dele.— Então gostaria de ter um caso?— Acha que pode dar certo? Talvez se tirarmos o sexo do caminho, possamos ser

amigos — sugeriu Perdita com um sorriso de esperança.— Não sei se será tão fácil.— Podemos tentar — insistiu, envolvendo-lhe o pescoço com as mãos e fechando

os olhos, aliviada ao sentir os braços de Ed a rodearem.— E sua melhor oferta? Ela sorriu.— Por enquanto.— Neste caso, aceitarei. — beijou-a, e não houve mais conversa por um longo,

longo tempo.

Ter um caso provou ser muito mais difícil do que imaginaram. Ed tinha de levar Tom da festa para casa naquela noite; Perdita se sentia na obrigação de ver a mãe todas as noites; Lauren precisava de uma carona para ir jogar basquete; Cassie queria que uma amiga dormisse em sua casa...

— É impossível — disse ele. — Vamos viajar por um fim de semana, onde poderemos ficar a sós.

Mordiscou o lábio, seduzida, porém insegura.— Não acho que posso deixar mamãe todo esse tempo. Sei que tem cuidadores de

dia, mas de noite...— Não conseguiria alguém para ir lá? Serão apenas duas noites.— Acho que posso pedir a Betty. — Pensou na velha amiga de sua mãe, sempre

solícita.Ficou um pouco sem graça em pedir, mas Betty ficou encantada.— É hora de ter um descanso, Perdita. Do contrário, você não fará bem à sua mãe.— O problema foi resolvido — contou a Ed. — E quanto às crianças?— Pedirei que minha irmã venha e fique com elas no fim de semana.— Não vai querer saber por que vai viajar sem as crianças?— Se conheço Joanna, saberá o motivo antes de eu abrir a boca — retrucou. — Por

mais de um ano, vem insistindo para que recomece a minha vida. Então ficará satisfeita.Era frustrante ter de esperar até o fim de semana, mas Perdita pensou que era

assim que tinha de ser um caso... longe das responsabilidades normais.Aguardou ansiosa pela data, sentindo-se viva e cheia de excitação. Todavia,

preparou-se para receber um telefonema cancelando tudo na última hora, como recebera tantas vezes de Nick, mas buscou-a em seu apartamento no fim da tarde de sexta-feira como combinado e dirigiu para um hotel em Yorkshire Dales, onde reservara um quarto para duas noites. Não houve crise nem mensagem urgente dizendo que teriam de voltar.

PROJETO REVISORAS 62

Page 63: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Mal ousou acreditar que aquilo aconteceria até que ele entrou no estacionamento do hotel.

O King's Arms era uma bonita construção de pedra, e o pub, de mesmo nome, era famoso pela boa comida. O bar estava lotado quando entraram. Não que prestasse atenção em muita coisa. Tremia de ansiedade, e a garganta estava tão seca que quase não conseguiu agradecer à garota que os levou ao quarto reservado.

A primeira coisa que viu foi a cama. Grande e convidativa, onde finalmente dormiria com Ed.

— O restaurante está muito cheio esta noite — disse a funcionária. — Gostariam que reservasse uma mesa para mais tarde?

— Sim — respondeu sem tirar os olhos dela.— As 21h está bem?— Está ótimo.A garota se despediu e foi embora. O silêncio invadiu o quarto. Perdita pigarreou.— Que quarto adorável.Não queria olhar a cama... E não havia muito mais para ver ali... Foi à janela, com

vista para um rio raso e rochoso. A idéia de dormir com ele parecera tão fácil antes, mas agora que estavam lá, sozinhos, a ansiedade e a excitação se transformavam em puro nervosismo. Subitamente, lembrou que tinha 40 anos, e fazia muito tempo que não se despia na frente de um homem.

Ed veio para seu lado, e ambos olharam para a escuridão do lado de fora.— Faz muito tempo para mim também — murmurou, como se tivesse lido a mente

dela. — Quer esperar? Podemos descer, tomar um drinque e jantar, depois veja como se sente, se preferir.

Perdita deu uma última olhada para o rio, antes de se virar para encará-lo. Abrindo as mãos sobre o peito dele, sorriu e meneou a cabeça.

— Acho que já esperamos tempo demais — disse.

CAPÍTULO DEZ

Quando finalmente chegaram ao andar de baixo, tinham perdido a reserva, mas encontraram uma pequena mesa no canto do bar, onde se sentaram e compartilharam um prato de sanduíches, que era tudo o que a cozinha podia oferecer àquela altura.

Estava repleta de amor, sentindo-se totalmente relaxada e saciada. Seu corpo pulsava, como se as mãos de Ed ainda a acariciassem, como se sua boca sensual ainda a provocasse. Como se pudesse se sentir novamente possuída pelo corpo dele e pelo prazer alucinante que os envolvera.

— Isto é tão perfeito — disse quando acabaram de comer. Estava inclinada no ombro dele e descansava a mão na coxa musculosa, precisando tocá-lo e se certificar de que era real. — Não mereço.

Bastante carinhoso, afastou o cabelo de Perdita do rosto.

PROJETO REVISORAS 63

Page 64: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Sim, você merece — declarou, e o calor daqueles olhos fez o coração dela disparar. — Merece tudo o que quiser.

Sorriu e deslizou a mão sobre a perna de Ed de maneira possessiva.— Neste caso, quero voltar para cama!Ela acordou cedo na manhã seguinte. Não havia descansado muito... Não estava

acostumada a dormir com um homem... Mas não se importava. Estava pressionada contra as costas largas dele, envolvendo-o com um braço, de modo que sentisse o movimento do peito forte, e seu coração pareceu inchar. Há quanto tempo não sentia aquela paz, aquela felicidade?

Do lado de fora, o vento fazia ruído contra a janela. Não tinham fechado as cortinas na noite anterior, e, levantando a cabeça com cuidado para não perturbá-lo, viu que chovia. Estranho, quando a sensação era a de que o quarto estava ensolarado...

Deitou a cabeça novamente e se aconchegou mais a Ed, beijando seu pescoço, até que acordou e se virou para fitá-la. A expressão dele era tão surpresa que imaginou, em vez disso, que estava desapontado em vê-la. Então reprimiu o pensamento. Aquele era um recomeço para ambos.

E agora ele sorria.— Bom dia — disse, puxando-a para um beijo.— Bom dia — respondeu. — Lamento, mas tenho más notícias.— O que houve?— Está chovendo. Não poderemos fazer aquela longa caminhada que planejamos.O sorriso dele se aprofundou.— Ah, o que faremos presos aqui o dia inteiro? — ironizou, e ela olhou com

inocência para o teto.— Nem imagino. Ficaremos entediados.Ele riu e rolou rapidamente para pressioná-la embaixo de si.— Uma coisa que nunca fico é entediado!Perdita também riu e envolveu-lhe o pescoço com os braços.— Tenho uma idéia do que podemos fazer...Depois disso, estavam preguiçosamente aninhados, próximos demais para se

desembaraçar, quando o telefone ao lado da cama tocou.Ed soltou um suspiro e se mexeu com relutância. — Aposto que querem saber se desceremos para o café da manhã — disse

enquanto se sentava, tateando em busca do espelho.— Estou faminta. — Espreguiçou-se e alisou as costas dele, por puro deleite. — Se

perguntarem o que queremos, aceito um café da manhã inglês completo e um barril de chá.

Ela nunca esqueceu o momento em que notou que havia alguma coisa errada. Após o "alô" inicial, Ed apenas ouviu. Observando-o, viu quando a coluna dele se retesou, e Perdita ficou tensa instantaneamente.

— Obrigado — disse e desligou o telefone. Então virou-se para ela. — Preciso ligar para casa.

A irmã dele tentara lhe telefonar, explicou, mas desligara o celular na noite anterior, de modo que ela, lembrando-se do nome do hotel, havia ligado para lá e deixara um recado.

Alarmada, vestiu uma camisola e esperou enquanto ele telefonava para casa. Por favor, faça com que não seja uma das crianças, rezou. Mas por que a irmã dele ligaria se não fosse uma emergência?

Não podia adivinhar o que era apenas ouvindo um lado da conversa.— Sim... Sim... Entendo... Não, está certa... Iremos logo para casa. — Não parecia

uma tragédia, mas seja lá o que fosse, estragara a felicidade dos dois, deixando o quarto triste, com a chuva fustigando a janela.

PROJETO REVISORAS 64

Page 65: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Bem, ela soubera que aquilo não podia durar, lembrou. Por isso tinham um caso, e não um relacionamento. Sempre haveria uma razão para não conseguirem passar um fim de semana inteiro sozinhos.

Ed desligou o telefone.— O que houve? — perguntou, subitamente assustada. — É uma das crianças?— Não — replicou. — É sua mãe.Levou uma das mãos à boca.— Mamãe?— Não é tão ruim quanto pensa — tentou tranquilizá-la. — Caiu ontem à noite e está

um pouco machucada, mas aparentemente não é nada sério. Betty chamou uma ambulância, mas se recusa a ir ao hospital. Parece muito confusa, e minha irmã estava preocupada. Quando não conseguiu localizá-la, entrou em contato com Joanna, que ligou para cá. Embora Betty esteja com sua mãe, acham que é a única pessoa que pode acalmá-la no momento.

— Sim — disse, parecendo tranqüila, apesar de pálida. — Sim, terei de voltar.Ed já se vestia.— Eu a levarei para casa.A viagem de volta a Ellsborough foi silenciosa. Olhava pela janela, sentindo-se

culpada, desapontada e muito triste. Era difícil acreditar que há algumas semanas tinha acordado e sentido como se um sol corresse em suas veias! Agora uma angústia horrível pesava sobre ela, fazendo com que o menor gesto se traduzisse num enorme esforço físico. Tudo fora tão perfeito... Deveria saber que a felicidade não duraria.

Não mereço. Não dissera isso na noite anterior?— Vai ficar tudo bem — murmurou, mas Perdita apenas meneou a cabeça.— Não, não vai. Nunca mais vai ficar tudo bem para minha mãe. Ah, pode até se

recuperar dos ferimentos, mas está velha e confusa. Não será mais a mesma. Como pode ficar tudo bem?

Ed a olhou, tomado pela própria tristeza. A mulher risonha, vibrante e carinhosa que o acordara com beijos naquela manhã desaparecera destruída por uma carga de culpa? Era assim que se sentia sobre a mãe? Veria a Perdita que amava novamente? E ele a amava, sabia disso agora.

— Não é culpa sua — tentou dizer, mas não se surpreendeu quando recusou-se a ser confortada.

— Deveria estar lá. Foi conveniente acreditar que mamãe estava melhor, mas, no fundo, sabia que não era verdade. Estava tão desesperada em fugir que fingi que ficaria tudo bem.

— Betty estava lá — apontou Ed. — Não deixou sua mãe sozinha.— Eu sei, mas precisou de mim ontem. Foi demais pedir que sua irmã lidasse com

um acidente.— Ela já caiu assim antes? — Não.— Então como iria saber que cairia justo na noite em que estava fora? —

argumentou. — Poderia ter caído quando estivesse lá.— Mas, pelo menos, a ajudaria. Nunca deveria voltar ao meu apartamento. Tinha

que aceitar que está velha demais para morar sozinha.— O médico falou que está melhor. Sei que sua mãe está se tornando meio

distraída, mas o choque da queda deve tê-la deixado confusa. Não poderia prever isso.—Todos os sinais estavam lá. Certifiquei-me disso pelo fato de não estar bem, mas

deveria ter percebido que era mais grave.— Você se certificou de deixar alguém cuidando dela durante sua ausência —

apontou Ed. — O que mais poderia fazer? Não acho que deva se culpar pelo que aconteceu.

PROJETO REVISORAS 65

Page 66: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Perdita virou-se no banco para encará-lo com raiva.— Ah, verdade? E o que faria se um de seus filhos tivesse se machucado ontem à

noite, perdido e confuso sem sua presença, e estivesse ausente em uma viagem e se divertindo?

Tentou permanecer calmo. Necessitava de alguém para dirigir sua culpa e sua raiva, e ele era um alvo óbvio.

— Certo. Provavelmente teria me culpado... E estaria me dizendo que não era culpa minha.

Houve um longo silêncio. Perdita voltou a olhar para a chuva que caía lá fora.— Não vai dar certo, vai, Ed? — perguntou após um tempo. Tirou os olhos da

estrada para fitá-la.— Do que fala?— Falo de nós. Podemos chamar nossos encontros de caso em vez de

relacionamento, mas isso não muda o fato de termos responsabilidades demais para que possamos nos dar a atenção que merecemos para sermos felizes.

Perdita lutou contra as lágrimas, mas estavam muito perto.— Pensei que se evitássemos falar sobre compromisso, tentando manter um

relacionamento físico, seria mais fácil. Contudo, sempre haverá algum obstáculo — concluiu, soando derrotada. — Desta vez, foi minha mãe, mas, na próxima, pode ser um de seus filhos. Não quero dizer que vão sofrer um acidente, mas haverá sempre alguma coisa. Precisarão de você por algum motivo, e terá de ir, como teve quando Cassie telefonou para você aquela noite no rio. Devemos parar de fingir que nossa relação pode dar certo.

— Então o que quer dizer? Que estamos condenados a ficar sozinhos pelo resto da vida?

— Não será para sempre — retrucou, virando o rosto para que ele não visse o desespero em seus olhos. — Seus filhos vão crescer e sair de casa. Minha mãe vai morrer — continuou, aceitando essa realidade pela primeira vez. — Mas não ainda. É o tempo errado para nós, Ed. Talvez encontremos outra pessoa quando tivermos menos responsabilidades. Assim espero. Mas... não agora.

— E quanto a ontem à noite? — questionou. — E quanto a esta manhã? Vai fingir que nunca aconteceu?

Havia um nó na garganta de Perdita, e estava muito perto das lágrimas. — Não — admitiu. — Este momento maravilhoso sempre ficará guardado em minha

memória. Foi como um sonho, fugir e esquecer os problemas, mas não se pode viver assim o tempo inteiro. Não é a vida real. Na realidade, precisa cuidar de sua família, e eu, de minha mãe.

Ela fez uma pausa, e, quando falou de novo, sua voz tremia:— Sinto muito, Ed.— Também sinto.Queria gritar, sacudi-la. Recusar-se a deixá-la fazer isso, mas não adiantava tentar

conversar com ela naquele instante. Estava muito consumida por preocupação e culpa para raciocinar com clareza.

E, afinal de contas, poderia ter razão?, pensou amargamente. Estava certa em imaginar que haveria muitos obstáculos para que encontrassem tempo para desfrutarem juntos? Desde a morte de Sue, Ed vinha se concentrando em seus filhos, tentando ser pai e mãe para eles, e isso exigia tempo. Qual a diferença agora?

Perdita era a diferença, pensou. Apaixonara-se, e agora ela escapava pelos seus dedos, e não havia nada que pudesse fazer. Não podia forçá-la a não se preocupar com a mãe e, por outro lado, não podia prometer que nunca daria tanta atenção a seus filhos.

Significava que tinha de aceitar perdê-la e, como ela, contentar-se com uma recordação maravilhosa?

PROJETO REVISORAS 66

Page 67: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Ela fincou a pá no solo e pôs uma das mãos nas costas doloridas enquanto endireitava o corpo e fazia uma breve pausa.

Faltavam quinze minutos para as 16h. Estava quase escuro. As tardes de dezembro já eram curtas normalmente, e mais ainda quando nuvens cinzentas cobriram o céu, anunciando chuva e tristeza. Olhou para cima. Num dia como aquele, era impossível acreditar que, acima das nuvens, o céu estaria claro e azul. Parecia que há muito tempo o sol não brilhava em Ellsborough.

Não brilhava desde que tinha planejado sua viagem de fim de semana com Ed. Talvez o tempo não estivesse perfeito lá também, mas se sentiria banhada, aquecida e iluminada.

Aquilo parecia ter ocorrido há séculos. A beira das lágrimas com a lembrança, Perdita agarrou a pá novamente e cavou, desejando esquecê-lo mais facilmente.

Passava o máximo de tempo possível no projeto do jardim, que começava a tomar forma, como Grace prometera. Depois que todo lixo foi removido, começaram a cultivar áreas de plantio, que precisavam ser cavadas para remoção de pedras e ervas daninhas.

Achava mais fácil cavar do que pensar e ia para lá com freqüência, como hoje. Para ser mais clara, só precisava passar algumas horas por semana, mas gostava quando não havia mais ninguém por perto e podia cavar, cavar e cavar, até que a fadiga bloqueasse tudo em sua mente. Nos momentos mais terríveis... e havia muitos... era a única coisa que a ajudava um pouco.

A mãe se recuperara dos ferimentos, mas o choque da queda pareceu ter um efeito mais duradouro. Estava muito mais confusa agora, e os dias bons, quando estava lúcida e quase normal, eram cada vez mais raros.

Ver a mãe percorrer a estrada da demência partia seu coração. Naquele dia terrível, em que chegara com Ed, agarrara-se a ela como se fosse sua única âncora num mundo aterrorizante e confuso... como se Perdita pudesse ser uma âncora. Os papéis estavam totalmente invertidos. Era a vez dela de oferecer cuidados e conforto, enquanto Helen se tornava cada vez mais incapacitada.

Tendo conseguido convencê-la a aceitar cuidadores na época em que contraiu a infecção, poderia arranjar cobertura médica vinte e quatro horas, mas colocara seu apartamento à venda, de qualquer forma. Em parte, era uma penitência por viajar quando a mãe mais precisava, mas também uma atitude prática. Ter cuidadores em casa por meio-período já era caro, e não teria condições de pagá-los por muito tempo, a menos que uma das propriedades fosse vendida. Sabia o quanto significava para a mãe ficar em sua própria casa. Se isso era tudo o que podia fazer agora, então que assim fosse, Perdita decidira. Não podia deixá-la, de modo que era melhor se mudar para lá.

O único problema era ficar muito perto de Ed. Já era difícil no trabalho, mesmo que facilitasse as coisas, convocando-a um mínimo possível de vezes para as reuniões.

Agora raramente o encontrava, e, quando acontecia, cada olhar era um suplício. As vezes, perguntava-se se deveria trocar de empresa, mas não podia lidar com uma mudança de trabalho naquele momento.

De qualquer forma, um novo emprego não ajudaria. Enquanto a mãe vivesse, seria vizinha de Ed, com todas as memórias dolorosas que envolviam esse fato. Só teria de se acostumar com os descompassos de seu coração quando via o carro dele no pátio ao lado. Teria de evitar olhar pela janela toda vez que ouvia a porta da casa dele se abrir. Teria de lutar contra a constante tentação de correr para lá e atirar-se nos seus braços, de modo que pudesse senti-lo novamente.

Era impossível ignorar o movimento na casa ao lado. Havia discussões freqüentes, quando os gritos de Cassie eram ouvidos, seguidos pela porta da frente batendo, e imaginou como ele lidava com tudo aquilo.

PROJETO REVISORAS 67

Page 68: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Iria se sentir tão solitário quanto ela? Sofreria ao pensar que perdera o que quase tinham construído, quando parecia possível viverem felizes juntos? Torturava-se ao lembrar cada segundo da noite que tinham passado, imaginando Como as coisas poderiam ter sido se o telefone não tocasse, se a mãe não tivesse caído.

Mas de que adiantava imaginar tudo aquilo?, pensou. Se não tivesse sido naquele dia, seria em qualquer outro. Nunca daria certo.

Ah, Deus, agora chorava de novo! Piscou furiosa para conter as lágrimas. Enterrou a pá no chão mais uma vez. Não pense em mais nada. Apenas cave.

Perdita tinha mais meia hora antes que precisasse estar em casa para liberar a cuidadora da tarde e conseguiria cavar aquela área se parasse de ser patética e trabalhasse duro.

Estava tão concentrada em cavar que não notou que alguém se aproximava, até que um par de botas enlameadas e uma pá surgiram diante de seus olhos, e levantou a cabeça, perplexa por encontrá-lo parado ali.

Ed. Ficou paralisada, seu coração batia com um misto de alegria e desespero. Desejara e temera estar assim tão perto dele novamente, e agora que o momento havia chegado, tudo o que podia fazer era olhar para ele e se sentir viva pela primeira vez em três semanas.

Vestia uma jaqueta desbotada. Havia gotas de chuva em seus cílios e cabelo, e parecia triste e cansado. Mas estava maravilhoso. Estava lá.

Muito lentamente, Perdita endireitou o corpo, agarrando-se à pá como se fosse a última esperança de sanidade. Todas as suas células lhe pediam para sorrir e se atirar nos braços dele, enquanto todos os neurônios do cérebro gritavam por cautela. Não se permita ter esperança de que tudo vai dar certo. Não se coloque nesta situação novamente.

— Ed — murmurou enfim. — O que faz aqui?— Procuro por você — respondeu com naturalidade. Millie me falou que a

encontraria no terreno. — Ele ergueu a pá com um sorriso irônico. — Ela até mesmo me deu isso, dizendo que poderia aproveitar e ser útil.

Enterrou a ferramenta no solo e começou a cavar ao lado dela.— O que vai plantar?— Liláceas, íris e tulipas, segundo Grace — murmurou suavemente. — É difícil

acreditar agora, mas, do jeito que minha amiga descreve o cenário, o jardim ficará lindo. Mas, antes disso, temos muito trabalho a fazer.

— Qualquer coisa que valha a pena merece a sua luta — disse Ed, olhando-a enquanto cavava. — Mesmo se o começo for difícil, com um pouco de esforço e dedicação se alcança um grande resultado no fim. Não concorda?

— Ainda fala de jardinagem? — perguntou após uma pausa, e ele riu.— Não, mas pensei que apreciaria minha metáfora. Sabe, um relacionamento é

como um jardim... Precisa plantar, fertilizar e cultivar, se quiser que floresça.— Acho que esta metáfora já foi usada — provocou, sarcástica. Ed sorriu, então

voltou a ficar sério.— Senti sua falta, Perdita.Não sabia o que dizer. Temia começar a chorar se confessasse o quanto sentira

também a falta dele. Em vez disso, recomeçou a cavar e se concentrou em engolir o nó da garganta.

Lado a lado, cavaram em silêncio.— Como está? — perguntou ele finalmente.— Bem — mentiu. — E você? Meneou a cabeça.— Não estou bem — admitiu. — Na verdade, estou péssimo.A desolação na voz de Ed a fez parar a escavação.— Sinto muito — sussurrou ela.

PROJETO REVISORAS 68

Page 69: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Não quero que se desculpe — disse. — Quero que mude de idéia.— Eu... não posso — murmurou, angustiada.— Por que não? — Enterrando a pá na terra em sinal de frustração, procurou as

palavras certas. — Tentei aceitar sua decisão, Perdita. Pensei sobre o que falou. Até me questionei se fazia sentido. Mas não faz — afirmou. — Disse que teríamos de ficar sozinhos enquanto tivermos responsabilidades, mas percebi que não quero ficar só. — Parou e meneou a cabeça. — Na verdade, não quero ficar sem você. Não quero uma pessoa sem um dos pais, um filho ou um emprego exigente para distraí-la, mesmo que essa pessoa exista. Só quero você.

— Ed...— Fui casado — interrompeu. — Sei como pode ser bom quando há alguém ao seu

lado, para chorar ou sorrir, para comemorar, sofrer... amar com você.Ele fez uma pausa.— Eu amei Sue — admitiu com calma. — Nada vai mudar isso, mas amo você

também e preciso e a quero ao meu lado para chorar, rir, amar e tudo mais. Quero que façamos estas coisas juntos.

— Ainda tem as crianças — relembrou. Tremia e segurava desesperada a pá, tentando se agarrar a todos os motivos para a relação não dar certo. Quais eram mesmo?

— Sim, ainda tenho as crianças — concordou Ed. — Mas não mudam a maneira como me sinto com relação a você.

Pegando a pá de Perdita, enterrou-a no solo ao lado da sua e, muito deliberadamente, removeu as luvas de jardinagem para segurar as mãos dela.

— Sei que Nick a magoou, mas esse não é o único modo de amar. — Seus dedos curvaram os dela, quentes e reconfortantes. — Não se pode classificar o amor. Não posso afirmar que amo mais Cassie do que Lauren, ou mais Lauren do que Tom, ou você mais ou menos do que Sue. Estão todos no meu coração. Apertou suas mãos nas dela. — A questão é, há espaço para nós em seu coração?

Os olhos escuros dela brilhavam de lágrimas não derramadas.— Sabe que sim — respondeu. — Amo você, Ed. Mais do que imaginei, e senti sua

falta a cada segundo desde que voltamos de Yorkshire Dales, mas merece muito mais do que posso lhe dar no momento.

— Mais do quê? — perguntou gentilmente.— Mais do que alguns momentos entre o trabalho e cuidar de minha mãe. — Perdita

engoliu o nó na garganta. Não posso abandonar mamãe ou colocá-la num retiro para idosos ou doentes mentais, mas como posso dar o que precisa quando estou cuidando dela?

Ele estudou seu rosto. Pingos de chuva brilhavam no cabelo, e os olhos enormes reluziam sob a luz do entardecer.

— Pode me dar o que preciso apenas estando lá — respondeu. — Sim, terá de largar tudo algumas vezes, se sua mãe precisar de você. Sim, teremos de interromper um jantar ou cancelar um encontro por causa de meus filhos, mas não será sempre assim. E quando for buscar Cassie em uma festa, vai me esperar até eu voltar, assim como vou esperar quando tiver momentos difíceis com sua mãe.

Ed a puxou para mais perto.— Está muito acostumada a presumir que tem de fazer tudo sozinha. Mas não é

bem assim. Podemos nos ajudar, porque Deus sabe que precisarei de ajuda com Cassie e Lauren nos próximos anos!

O coração de Perdita se enchia de esperança, e deu um sorriso hesitante.— Já ouvi algumas brigas.— Então sabe que não será fácil — disse com um sorriso, antes de ficar sério

novamente. — Lembra-se do hotel em Yorkshire Dales?— Quando falei que tudo era perfeito? Ele assentiu.

PROJETO REVISORAS 69

Page 70: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Não será perfeito. Será difícil. Não haverá soluções mágicas. Sua mãe não vai melhorar. As crianças não vão desistir de ir a festas. Assim como não vão desligar a tevê voluntariamente e fazer os deveres de casa sem pressão... E não vão me perdoar se não conseguir persuadi-la a se casar conosco.

Perdita riu.— Conosco? Eu me casaria com todos vocês?— Lamento, mas é assim. — Um sorriso que começou nos olhos de Ed se espalhou

por todo o seu rosto. — Casaria com o pacote completo: comigo, Tom, Cassie e Lauren, assim como me casaria com você e sua mãe.

Libertando enfim as mãos dela, segurou o rosto de Perdita.— Podemos dar um jeito de fazer as coisas juntos. Case e viva conosco. Venda o

apartamento e pague cuidadores para ficarem vinte quatro horas com sua mãe. É disso que precisa agora, o que não significa que não estará presente. Helen continuará sendo nossa vizinha, e poderá vê-la todos os dias. E se não puder por algum motivo, você e sua mãe terão uma família inteira para ajudar. Se viajar a trabalho, irei vê-la, e se estivermos fora, as crianças a visitarão. É para isso que servem as famílias. Somos capazes disso, desde que estejamos juntos.

Ele fazia tudo parecer tão fácil. Era muito confiante, e isso a fazia se sentir tão segura ao seu lado.

— Acha realmente que pode dar certo? — perguntou, querendo acreditar nele, mas não ousando.

— Não vamos descobrir sem tentar.— E como faremos isso?— Ficando juntos, nos amando. Apoiando um ao outro da melhor maneira possível.

— Deslizou as mãos nos ombros molhados dela e a puxou para mais perto. — Não devemos ter expectativas de que será perfeito. Viveremos um dia de cada vez, agradecidos por termos um ao outro.

Ed sorriu, mas ela podia ver a ansiedade em seus olhos.— O que acha?Sem se importar com a chuva, olhou-o intensamente enquanto a confiança e a

felicidade envolviam seu coração.— Acho — começou a dizer emocionada. — Que seria maravilhoso se pudéssemos

fazer isso.— Então vai tentar comigo?— Sim. — Sorriu entre lágrimas enquanto o abraçava. — Ah, sim!Ed a envolveu em seus braços.— E vai se casar comigo? — perguntou, inclinando o rosto no dela.— Só se ganhar o pacote inteiro. Se puder me casar com Tom, Cassie e Lauren

também — respondeu Perdita, e então ele a beijou finalmente.O chuvisco se transformou em chuva, enquanto se beijavam e continuavam se

beijando, mas nenhum dos dois percebeu, e quando perderam o fôlego, ainda se abraçavam, pensando no risco que correram de perder tudo aquilo.

Levou um tempo antes que Ed percebesse que a água escorria por seu pescoço, e ergueu uma das mãos, protegendo, os olhos da chuva.

— Estamos ficando ensopados. Vamos encontrar algum lugar mais seco, onde possa beijá-la.

Ela levou uma mão à boca quando voltou à realidade.— Que horas são? Disse que estaria de volta antes que a cuidadora de mamãe

saísse, às 16h30.— Então é melhor nos secarmos lá, não é? — disse Ed, consultando seu relógio.Guardando as pás, correram para se abrigar no carro dele. Perdita sorriu enquanto

ele ligava o motor.

PROJETO REVISORAS 70

Page 71: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

— Já começamos, não é? — disse, torcendo a água do cabelo. — A nos envolver um nas responsabilidades do outro?

Mas Ed apenas sorriu.— É assim que será — declarou. — Começamos uma vida nova, certo? Devemos

pensar também como iremos progredir.— Juntos? — perguntou Perdita, e se inclinou para beijá-la, um beijo tão

inacreditavelmente doce, intenso e cheio de promessas que o coração dela disparou.— Sim — respondeu. — Juntos.

Próximo Lançamento

UM LAR PARA AMARBARBARA MCMAHON

— Eu vou ajudá-la a encontrá-lo. — Ele falou com a voz segura. — Meu nome é Zack Morgan. Conte-me como foi que o perdeu?

— Eu não o perdi! Eu cheguei para apanhá-lo na escola e ele havia sumido!— Fique calma, nós o encontraremos. Uma criança dessa idade não pode ter ido

muito longe. — Zack tentou confortá-la.— A menos que alguém o tenha seqüestrado... — Susan comentou com a voz

trêmula.Ele tocou gentilmente o braço dela e assegurou:— Eu já caminhei mais de cinco quarteirões por essa rua e não vi nenhuma criança

dessa idade nas imediações. Vamos procurá-lo em outra direção.Susan aceitou o apoio que o homem lhe ofereceu e sentiu-se aliviada por ele se

dispor a dividir a preocupação com ela. Embora se tratasse de um completo estranho para ela, Zack lhe inspirava confiança. Talvez fosse pelo porte físico avantajado ou pela atitude segura. Ou por ambas.

Menos de cinco minutos depois, eles avistaram a sra. Savalack, professora de Daniel, caminhando na direção deles com o garoto seguro em uma de suas mãos.

Susan explodiu em lágrimas e correu para abraçar o filho.— Oh Danny! Você quase me matou de susto! Nunca mais faça isso outra vez! —

Ela exclamou enquanto o abraçava de maneira tão apertada que Danny resmungou alguma coisa. Susan se ergueu e segurou firme na mão do filho. — Você sabe que não deve sair do prédio enquanto eu não chegar!

— Eu achei que tinha visto o papai. — O pequeno argumentou com o olhar triste. — Depois eu vi que não era ele...

Susan ergueu o filho nos braços e com doçura tornou a explicar o que já lhe havia dito milhares de vezes:

— Seu pai morreu, Danny. Ele está morando no céu e não existe maneira de você encontrá-lo aqui na Terra. Ele amava você, querido. Mas agora, seu pai não pode mais estar com a gente.

— Não. Eu não acredito! — O garoto protestou. — Eu quero o meu pai!

PROJETO REVISORAS 71

Page 72: Mãe e mulher

Harlequin Special 63.2 – Mãe e mulher – Jéssica Hart

Susan o colocou de volta sobre os seus próprios pés e Zack aproveitou para abaixar o corpo até a altura do menino e falar com ele:

— Olá pequeno! Você sabia que a sua mãe ficou preocupada? Ela estava com medo de que você estivesse perdido ou machucado. Acha que isso está certo?

Daniel fez um beicinho de choro quando respondeu:— Eu pensei que tivesse visto o meu pai.Susan secou as lágrimas que ainda restavam com o canto das mãos e tentou

explicar para Zack.— Desde que meu marido morreu, Danny começou com essa fixação. Qualquer

homem que se pareça um pouco com Tom, ele sai correndo atrás. Espero que dessa vez ele tenha levado um susto e pare com isso. — E fitando os olhos castanhos e brilhantes de Zack, ela se desculpou: — Com toda essa atribulação, eu nem tive a oportunidade de me apresentar: Eu sou Susan Johnson e esse é o meu filho Danny. Eu o agradeço muito por sua preocupação.

Zack ergueu-se e fez uma breve reverência com a cabeça.— Não foi nada. Só espero que isso não aconteça mais. — Depois de lançar um

olhar significativo para Daniel, ele deu a meia-volta e seguiu pela calçada em direção à avenida mais próxima.

Zack procurou por uma lanchonete e decidiu tomar um refresco para aliviar a garganta ressecada pela emoção de ter conhecido seu filho. Ele pretendia apenas dar uma espiada de longe no playground da pré-escola que o detetive lhe oferecera o endereço e tentar reconhecer pela foto qual dos garotos era Daniel. Contudo, apesar do susto, o destino o fez conhecer não apenas o filho, mas também a mulher que o adotara. Zack pensara que ver o filho a distância e se assegurar de que ele estivesse bem fosse o suficiente. Mas, agora que o conhecera, ele não acreditava que poderia se afastar dele de maneira tão fácil. Zack precisava conhecê-lo melhor. Ele sabia que Daniel era uma criança dócil e de fácil convivência. Os olhos castanhos como os seus e os cabelos um pouco mais escuros. Pelo que ele pudera observar, o garoto estava sofrendo muito pela morte do pai, apesar de a mãe adotiva parecer uma pessoa responsável e devotada ao filho.

Será que Danny era um garoto feliz?

PROJETO REVISORAS 72