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12 | Salvador, terça-feira, 24 de janeiro 2017 Mais | 13Salvador, terça-feira, 24 de janeiro 2017
MaisBRASIL VIOLÊNCIA
Arco-íris de sangueNúmero demortes LGBTsbate recordehistórico em 2016
Jorge Gauthier
Itaberly Lozano era alegre,vaidoso e amava a família. Masele foi morto a facadas pelasmãos da própria mãe. Edival-do Silva de Oliveira, o Nino, eJeovan Bandeira eram amigose queridos pela população dacidade de Santa Luz, no inte-rior da Bahia. Mas foram mor-tos e tiveram os corpos carbo-nizados por assaltantes. A tra-vesti Sheila Santos, adoravasambar e era a felicidade naGamboa, em Salvador. Mas foiassassinada com um tiro nacabeça no meio da rua. Itaber-ly, Nino, Jeovan e Sheila com-põem uma triste estatísticaque mancha de sangue as co-res do arco-íris que são sím-bolo da população LGBT (lés-bicas, gays, bissexuais, tra-vestis e transexuais).
Dados divulgados ontempelo Grupo Gay da Bahia(GGB) mostram que o ano de2016 foi o mais violento desde1970 contra pessoas LGBTs.Foram registradas 343 mortes,entre janeiro e dezembro doano passado. Ou seja, a cada 25horas um LGBT foi assassina-do, o que faz do Brasil o cam-peão mundial de crimes con-tra as minorias sexuais. A Ba-hia ocupa a segunda posiçãodentreosestadoscom34mor-tes ficando atrás apenas de SãoPaulo (49 casos).
Segundo o antropólogo LuizMott, responsável pelo site
Quem a Homofobia MatouHoje - que faz a tabulação doscasos de violência que aconte-cemcontraosLGBTsdeacordocom matérias e recortes dejornais e sites do Brasil já quenão há estatística oficial sobreesse tipo de crime - nunca an-tes na história do Brasil regis-traram-se tantas mortes des-de 1970, quando o GGB come-çou a fazer as estatísticas.
“Matam-se mais homosse-xuais aqui do que nos 13 paísesdo Oriente e África onde hápena de morte contra osLGBTs. Tais números alar-mantes são apenas a ponta deum iceberg de violência e san-gue, pois não havendo estatís-ticas governamentais sobrecrimes de ódio, tais númerossão sempre subnotificados jáque nosso banco de dados sebaseia em notícias publicadasna mídia, internet e informa-ções pessoais”, explica Mott.
Dos 343 assassinatos regis-trados em 2016, 173 eram ho-mens gays (50%), 144 (42%)trans (travestis e transexuais),dez lésbicas (3%), quatro bis-sexuais (1%), incluindo na lis-ta também 12 heterossexuais,como os amantes de transe-xuais (“T-lovers”), além deparentes ou conhecidos deLGBT que foram assassinadospor algum envolvimento coma vítima como foi o caso dovendedor Luís Carlos Ruas, 54anos, que foi morto ao defen-der travestis no metrô de SãoPaulo.
VIOLÊNCIA E DORAno passado, os estados quetiveram o maior número deLGBTs assassinatos em termosabsolutos foram São Paulocom 49 homicídios, Bahia, 32,Rio de Janeiro, 30, e Amazo-
Impunidade aumenta crimesA evolução no número demortes de pessoas LGBTs nãosegue o mesmo ritmo das in-vestigações e punições dosacusados. De acordo com orelatório do Grupo Gay daBahia (GGB), somente em17% dos homicídios registra-dos em 2016 o criminoso foiidentificado (60 de 343), emenos de 10% das ocorrên-cias ocasionou a abertura deprocesso e punição dos assas-sinos. Dentre os autoresidentificados, muitos eramconhecidos das vítimas: ocompanheiro atual (27%),ex-amante (7%) e parentesda vítima (13%). Clientes,profissionais do sexo e desco-nhecidos em sexo casual fo-ram responsáveis por 47,5%desses crimes.
Como a pesquisa leva emconsideração apenas relatosque saíram na imprensa, éum consenso que há umasubnotificação dos casos. Oantropólogo Luiz Mott desta-ca que “99% desses ‘homocí-dios’ contra LGBTs têm comomotivo, seja a LGBTfobia in-dividual (quando o assassinotem mal resolvida sua própriasexualidade), seja a homo-transfobia cultural (que ex-pulsa as travestis para asmargens da sociedade onde aviolência é endêmica ou levaos LGBT ao suicídio), seja ahomofobia institucional(quando os governantes nãogarantem a segurança nos es-paços frequentados pela po-pulação LGBT nem aprovamleis que criminalizem aLGBTfobia)”, define.
O presidente do GGB, Mar-
celo Cerqueira, defende que aLGBTfobia seja consideradacrime. “ Ser travesti, lésbicaou gay já é um agravante depericulosidade dentro da in-tolerância machista domi-nante em nosso país! Exigi-mos a equiparação da homo-fobia ao crime de racismojá!”, argumenta.
EMPATIAA coordenadora do Centro deApoio Operacional dos Direi-tos Humanos (CAODH) do Mi-nistério Público da Bahia(MP-BA), Márcia Teixeira, si-naliza que o volume alto demortes de LGBTs reflete àsquestões de violência da pró-pria sociedade, mas isso não éo único motivo. “ Isso tambémpode sinalizar tempos difíceisde falta de amor. As pessoasvêm exercitando sua incapa-cidade de fazer empatia e pro-curando resolver seus proble-mas e frustações com violên-cia”.
A promotora ressalta aindaque “as políticas públicas nãoestão levando a sério a questãoda LGBTfobia. Precisamos queas secretarias e governos ga-rantam os direitos. Além dis-so,osprocessosnãoseguemosprazos estabelecidos pelo có-
digo penal”, afirma.O coordenador do Centro Mu-nicipal de Referência LGBT,vinculado à Secretaria Muni-cipal da Reparação (Semur) daprefeitura, destaca que os ca-sos de violência precisam seracompanhados para que elesreduzam.
“O preconceito é o principalfator que leva a aumentar oscasos de LGBTfobia. No Centrode Referência ( Rio Vermelho)damos apoio às vítimas deagressão e acompanhamos asfamílias em casos de homicí-dio, já que eles são investiga-dos pela polícia”, afirma.
NÚCLEOEm nota, a Secretaria da Segu-rança Pública da Bahia, atra-vés da Superintendência dePrevenção à Violência, afir-mou que está em processo deimplantação do Núcleo deAtendimento Qualificado àsVítimas de Preconceito Racial,Intolerância Religiosa e da Po-pulação LGBT, que funcionará“reforçando o suporte a essespúblicos desde o primeiroatendimento na delegacia atéo acolhimento na rede deapoio constituída por diversosórgãos estaduais”.
A SSP-BA, contudo, não in-formou quando o núcleo seráinstalado. “Além da análise nomelhor local para abrigar onúcleo, também são aguarda-das a chegada das viaturas ad-quiridas recentemente pelaPolícia Civil, assim como aposse de novos delegados, es-crivães e investigadores quevão compor o quadro da uni-dade”, disse a secretaria.
17dos casos tiveram
seus autoresidentificados
Parem dematar osnossos filhos.A LGBTfobia eo preconceitoprecisamacabarInês Silva,Coordenadora do coletivo nacional Famíliaspela Diversidade, que tem sede na Bahia
Matam-semaishomossexuaisaqui do que nos13 países doOriente eÁfricaLuiz MottAntropólogo responsável pela contabilizaçãodos casos de mortes de LGBTs no Brasil
nas, 28. “Meu irmão era umapessoa muito querida na cida-de onde vivia. Era respeitado eamado, mas foi morto com re-quintes de crueldade”, relataSival Lima, irmão de Jeovan,professor morto na cidade deSanta Luz, na Bahia, em junhode 2016.
O único estado do Brasil quenão registrou casos de mortepor LGBTfobia foi Roraima queem 2014 liderou a lista, com6,14 LGBTs assassinados paraum milhão de habitantes.“Essa é, aliás, uma caracterís-
tica desses crimes de ódio: suavariação e imprevisibilidade.No mesmo estado em um anopredominam mortes de tra-vestis, no outro de gays, noano seguinte, o contrário”,argumenta o analista de siste-mas, Eduardo Michels, res-ponsável pela atualização dobanco de dados.
CRIMES EM ALTAMichels projeta que, em 2017,a realidade não deve ser muitodiferente em função da evolu-ção histórica do levantamentode dados. Entre 1970 e 2016, oGGB contabilizou 6.882 mor-tes de LGBTs em todo Brasil.“Infelizmente, a única previ-são recorrente é que neste anoserão assassinados mais de300 LGBTs”, afirma.
A perspectiva entristece acoordenadora do coletivo Fa-mílias pela Diversidade, InêsSilva, que reúne famíliasLGBTs em vários estados doBrasil na luta pelo respeito àdiversidade. “Há uma cres-cente de morte em função domomento que vivemos de dis-seminação de ódio. A igno-rância que gera o preconceito,que gera os assassinatos. Porisso, pedimos a criminaliza-ção da LGBTfobia para que setenham estatísticas e políticaspúblicas de proteção”.
Para o coordenador da co-missão de diversidade sexualda Ordem dos Advogados doBrasil - Seção do Estado da Ba-hia, Filipe Garbelotto, os nú-meros refletem uma carênciade políticas públicas que com-batam a discriminação e con-sequentemente reduzam opreconceito. “ A polícia aindadeixa a desejar na apuração decasos de discriminação e vio-lência contra os LGBTs”.
343 LGBTSMORTOSEM2016 NOBRASILA cada 25 horas, um LGBTémorto no Brasil GAYS
TRANS ETRAVESTIS
BRANCOS
NEGROS
LÉSBICAS
BISSEXUAIS
HETEROSSEXUAIS, TLOVERSE/OUPARENTESDE LGBTs
POR ESTADOS(NÚMEROSABSOLUTOS)
POR IDADE (EM%)
17%TEVE APENASA IDENTIFICAÇÃO
DOAUTOR
10%DOSCASOS FORAMTRANSFORMADOS
EMPROCESSO
4
10
12
173
144
36
64
49
32
30
SP BA RJ
ENTRE 19 E 30 ANOS
20,6
7
32
MENORDE 18 ANOS
TERCEIRA IDADE
343MORTESEM 2016
CORDASVÍTIMAS(EM%)
FonteGrupo Gay da Bahia
RELEMBRE CASOS DE CRIMES ENVOLVENDO LGBTS EM 2016
ò Crueldade O estudanteItaberlly Lozano, 17 anos, foimorto, em dezembro, comgolpes de facada no pescoço.A mãe dele foi presa pelocrime. Em depoimento,familiares disseram que elanão aceitava a homossexuali-dade do jovem.
ò Metrô O vendedor ambu-lante Luís Carlos Ruas, 54anos, foi morto em uma esta-ção do metrô de São Paulo nanoite de Natal quando de-fendia duas travestis, quehaviam sido atacadas. O casodele entra no relatório do GGB,mesmo ele não sendo gay, poiseles computam também quan-
do a pessoa morre em funçãode um LGBT.
ò Transformista O atortransformista FernandoBergen Monteiro, 46 anos, foimorto a tiros, em maio, nobairro de Tororó, em Salvador.Fernando era conhecido comosua personagem AndrezzaLamarck e interpretava umapersonagem inspirada emClara Nunes nos seus shows.Ele também era maquiador.
TRISTE RECORDEA violência contra lésbicas, gays, bissexuais,
travestis e transexuais fez 343 vítimas no ano de2016. Segundo o Grupo Gay da Bahia, o ano
passado teve mais registros de mortes contraLGBTs no Brasil desde 1970; Bahia ficou em 2º
ONDE BUSCAR AJUDA?O Centro de Referência LGBT de Salvador está localizado nobairro do Rio Vermelho e funciona de 8h às 17h, de segunda asexta-feira. O ambiente dispõe de recepção, refeitório eauditório, além das salas de atendimento, divididos entretérreo e primeiro andar. Mais informações pelo telefone: (71)3202-2750
MUNDOTrump assina decretopara remover EUA da
ParceriaTranspacífico
>> pág. 18
VIOLÊNCIADois PMs são
sequestrados emortos por
assaltantes de bancono interior>> pág. 14
EVOLUÇÃODASMORTESDE LGBTSNOBRASILApesar do alto número de homicídios,a LGBTfobia não é considerada crime
FonteGGB CORREIO GRÁFICOS
0
130 132126 125
158
135
112
142
187
199
260266
338
314320 319
343
2000
2001
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2012
2013
2014
2015
2016
ò Oeste A travesti SabrinaSouza, 32 anos, foi morta porespancamento na cidade deLuís Eduardo Magalhães, naBahia, em julho.
ò Gamboa A travesti SheilaSantos, 36 anos, foi assassi-nada com um tiro na cabeça,em junho, enquanto usavacrack na Gamboa de Baixo,em Salvador. Ela trabalhavacomo empregada doméstica.
ò Assalto O empresárioHenrique Assis das Neves, 30anos, foi morto durante as-salto na Praça da Piedade, emjaneiro. Ele também era atortransformista e interpretava apersonagem Lívia de Castro.
ò Santa Luz Os professoresEdivaldo de Oliveira e JeovanBandeira, foram mortos etiveram os corpos queimadosna Bahia, em junho.