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5/26/2018 manuelbandeira(1).pdf-slidepdf.com http://slidepdf.com/reader/full/manuelbandeira-1pdf 1/35  POESIAS DE MANUEL BANDEIRA Org. Professor Manoel A leitura não-linear, rompendo a ordem cronológica da publicação dos livros, mostra temas recorrentes na poesia de Manuel Bandeira: a presença do cotidiano, a preocupação com a morte, e defesa da linguagem modernista, a sensualidade, o lirismo tradicional, o antilirismo, a impossibilidade existencial, reminiscências da infância, o humor, a experimentação com o significante, o apego a formas finisseculares parnasiano simbolista. A poesia de Manuel Bandeira caracterizou- se pela variedade criadora, desde o soneto parnasiano, pela prática do verso livre, até por experiências com a poesia concretista. Por outro lado, conservou e adaptou ao espírito moderno os ritmos e formas mais regulares, como os versos em redondilhas maiores. Em sua poesia, observa-se uma constante nota de ternura e paixão pela

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  • POESIAS DE MANUEL BANDEIRA Org. Professor Manoel

    A leitura no-linear, rompendo a ordem cronolgica da publicao dos livros, mostra temas recorrentes na poesia de Manuel Bandeira: a presena do cotidiano, a preocupao com a morte, e defesa da linguagem modernista, a sensualidade, o lirismo tradicional, o antilirismo, a impossibilidade existencial, reminiscncias da infncia, o humor, a experimentao com o significante, o apego a formas finisseculares parnasiano simbolista.

    A poesia de Manuel Bandeira caracterizou-se pela variedade criadora, desde o soneto parnasiano, pela prtica do verso livre, at por experincias com a poesia concretista. Por outro lado, conservou e adaptou ao esprito moderno os ritmos e formas mais regulares, como os versos em redondilhas maiores. Em sua poesia, observa-se uma constante nota de ternura e paixo pela

  • vida. Seu lirismo intimista registra o cotidiano com simplicidade, atribuindo-lhe um sentido de evento e espetculo.

    Nela, tambm, esto presentes a infncia, a terra natal, a cultura popular, a doena, a preocupao com a morte, a reflexo existencial, a infncia e o humor. Verificamos, em Manuel Bandeira, traos indicadores de uma sensibilidade romntica, sobretudo de uma profunda tristeza, aliada ao desencanto e melancolia. A confisso de seu estado de esprito, da presena do eu em poemas e da morte como motivo potico mais freqente conferiu-lhe uma aura romntica. A morte estava muito presente na vida de Bandeira, pois muito jovem descobriu a tuberculose. Como no pde seguir a vida como arquiteto, Bandeira comeou a se dedicar poesia para preencher o espao.

  • Esta temtica est presente desde o primeiro livro. A morte tambm determinou um estilo, mas sem o entusiasmo dos modernistas da poca. Os paulistas eram extremamente exaltados, como Oswald e Mrio de Andrade. Bandeira era um poeta da humildade, do tom mais baixo. Outra temtica dos poemas de Bandeira a sensualidade, tratada de maneira diferente, no tradicional. O objeto do desejo era principalmente as prostitutas. Em funo da prpria experincia de vida sexual dele, no convencional por causa da doena.

    Tambm a infncia, como retorno ao passado, ope-se a este presente de angstia e dor vivenciado pelo poeta. O folclore, suas quadras e canes populares e a famlia sempre apareceram ligados infncia. Foi o tempo feliz antes da doena. Depois o pai, a me e o irmo morreram, ento foi o tempo de comunho com os parentes.

    Ler a poesia de Manuel Bandeira significa estar em contato com um homem sensvel, observador, consciente da dor de

  • se existir e da maravilhosa experincia que viver. Com extrema destreza e competncia tcnica, Bandeira nos mostra um dom de lidar com a musicalidade, com a mtrica e com o ritmo do poema de modo incomparvel.

    ANTOLOGIA

    Desencanto

    Eu fao versos como quem chora De desalento... de desencanto... Fecha o meu livro, se por agora No tens motivo nenhum de pranto.

    Meu verso sangue. Volpia ardente... Tristeza esparsa... remorso vo... Di-me nas veias. Amargo e quente, Cai, gota a gota, do corao.

    E nestes versos de angstia rouca, Assim dos lbios a vida corre,

  • Deixando um acre sabor na boca.

    Eu fao versos como quem morre.

    Cartas de meu av

    A tarde cai, por demais Erma, mida e silente... A chuva, em gotas glaciais, Chora monotonamente.

    E enquanto anoitece, vou Lendo, sossegado e s, As cartas que meu av Escrevia a minha av.

    Enternecido sorrio Do fervor desses carinhos: que os conheci velhinhos, Quando o fogo era j frio.

    Cartas de antes do noivado... Cartas de amor que comea, Inquieto, maravilhado, E sem saber o que pea.

    Temendo a cada momento

  • Ofend-la, desgost-la, Quer ler em seu pensamento E balbucia, no fala...

    A mo plida tremia Contando o seu grande bem. Mas, como o dele, batia Dela o corao tambm

    A paixo, medrosa dantes, Cresceu, dominou-o todo. E as confisses hesitantes Mudaram logo de modo.

    Depois o espinho do cime... A dor... a viso da morte... Mas, calmado o vento, o lume Brilhou, mais puro e mais forte. E eu bendigo, envergonhado, Esse amor, av do meu... Do meu - fruto sem cuidado Que inda verde apodreceu.

    O meu semblante est enxuto. Mas a alma, em gotas mansas, Chora, abismada no luto Das minhas desesperanas...

  • E a noite vem, por demais Erma, mida e silente... A chuva em pingos glaciais, Cai melancolicamente.

    E enquanto anoitece, vou Lendo, sossegado e s, As cartas que, meu av Escrevia a minha av.

    Os Sinos

    Sino de Belm, Sino da paixo... Sino de Belm, Sino da paixo... Sino do Bonfim!... Sino do Bonfim!...

    Sino de Belm, pelos que ainda vm! Sino de Belm, bate bem-bem-bem. Sino da paixo, pelos que ainda vo! Sino da paixo, bate bo-bo-bo.

    Sino do Bonfim, por que chora assim?...

  • Sino de Belm, que graa ele tem! Sino de Belm bate bem-bem-bem. Sino da paixo. - pela minha irm! Sino da paixo. - pela minha me!

    Sino do Bonfim, que vai ser de mim?...

    Sino de Belm, como soa bem! Sino de Belm bate bem-bem-bem. Sino da paixo... Por meu pai?...-No! No! Sino da paixo bate bo-bo-bo. Sino do Bonfim, baters por mim?...

    Sino de Belm, Sino da paixo... Sino da paixo, pelo meu irmo... Sino da paixo, Sino do Bonfim... Sino do Bonfim, ai de mim, por mim!

    Sino de Belm, que graa ele tem!

    Madrigal melanclico

  • O que eu adoro em ti No sua beleza A beleza em ns que existe A beleza um conceito E a beleza triste No triste em si Mas pelo que h nela De fragilidade e incerteza O que eu adoro em ti No a tua inteligncia Mas o esprito sutil To gil e to luminoso Ave solta no cu matinal da montanha Nem tua cincia Do corao dos homens e das coisas O que eu adoro em ti No a tua graa musical Sucessiva e renovada a cada momento Graa area como teu prprio momento Graa que perturba e que satisfaz

    O que eu adoro em ti No a me que j perdi E nem meu pai O que eu adoro em tua natureza No o profundo instinto matinal Em teu flanco aberto como uma ferida

  • Nem a tua pureza. Nem a tua impureza O que adoro em ti lastima-me e consola-me O que eu adoro em ti A VIDA !!! O que eu adoro em ti No sua beleza A beleza em ns que existe A beleza um conceito E a beleza triste No triste em si Mas pelo que h nela De fragilidade e incerteza O que eu adoro em ti No a tua inteligncia Mas o esprito sutil To gil e to luminoso Ave solta no cu matinal da montanha Nem tua cincia Do corao dos homens e das coisas O que eu adoro em ti No a tua graa musical Sucessiva e renovada a cada momento Graa area como teu prprio momento Graa que perturba e que satisfaz

    O que eu adoro em ti No a me que j perdi

  • E nem meu pai O que eu adoro em tua natureza No o profundo instinto matinal Em teu flanco aberto como uma ferida Nem a tua pureza. Nem a tua impureza O que adoro em ti lastima-me e consola-me O que eu adoro em ti A VIDA !!!

    No sei danar

    Uns tomam ter, outros cocana. Eu j tomei tristeza, hoje tomo alegria. Tenho todos os motivos menos um de ser triste. Mas o clculo das probabilidades uma pilhria... Abaixo Amiel! E nunca lerei o dirio de Maria Bashkirtseff. Sim, j perdi pai, me, irmos. Perdi a sade tambm. por isso que sinto como ningum o ritmo do jazz band. Uns tomam ter, outros cocana.

  • Eu tomo alegria! Eis a por que vim assistir a este baile de tera-feira gorda. Mistura muito excelente de chs... Esta foi aafata... - No, foi arrumadeira. E est danando com o ex-prefeito municipal: To Brasil! De fato este salo de sangues misturados parece o Brasil... H at a frao incipiente amarela Na figura de um japons. O japons tambm dana maxixe: Acugel banzai! A filha do usineiro de Campos Olha com repugnncia Para a crioula imoral, No entanto o que faz a indecncia da outra dengue nos olhos maravilhosos da moa. E aquele cair de ombros... Mas ela no sabe... To Brasil! Ningum se lembra de poltica... Nem dos oito mil quilmetros de costa... O algodo do Serid o melhor do

  • mundo?... Que me importa? No h malria nem molstia de Chagas nem ancilstomos. A sereia sibila e o ganz do jazz-band batuca. Eu tomo alegria!

    Testamento

    O que no tenho e desejo que melhor me enriquece. Tive uns dinheiros - perdi-os... Tive amores - esqueci-os. Mas no maior desespero Rezei: ganhei essa prece. Vi terras da minha terra. Por outras terras andei. Mas o que ficou marcado No meu olhar fatigado, Foram terras que inventei. Gosto muito de crianas: No tive um filho de meu. Um filho!... No foi de jeito... Mas trago dentro do peito Meu filho que no nasceu. Criou-me, desde eu menino Para arquiteto meu pai.

  • Foi-se-me um dia a sade... Fiz-me arquiteto? No pude! Sou poeta menor, perdoai! No fao versos de guerra. No fao porque no sei. Mas num torpedo-suicida Darei de bom grado a vida Na luta em que no lutei!

    Belo Belo

    Belo belo minha bela Tenho tudo que no quero No tenho nada que quero No quero culos nem tosse Nem obrigao de voto Quero quero Quero a solido dos pncaros A gua da fonte escondida A rosa que floresceu Sobre a escarpa inacessvel A luz da primeira estrela Piscando no lusco-fusco Quero quero Quero dar a volta ao mundo S num navio de vela Quero rever Pernambuco

  • Quero ver Bagd e Cusco Quero quero Quero o moreno de Estela Quero a brancura de Elisa Quero a saliva de Bela Quero as sardas de Adalgisa Quero quero tanta coisa Belo belo Mas basta de lero-lero Vida noves fora zero.

    Os sapos

    Enfunando os papos, Saem da penumbra, Aos pulos, os sapos. A luz os deslumbra.

    Em ronco que aterra, Berra o sapo-boi: "Meu pai foi guerra!" "No foi!" "Foi!" "No foi!".

    O sapo-tanoeiro, Parnasiano aguado, Diz: "Meu cancioneiro

  • bem martelado.

    Vede como primo Em comer os hiatos! Que arte! E nunca rimo Os termos cognatos!

    O meu verso bom Frumento sem joio Fao rimas com Consoantes de apoio.

    Vai por cinqenta anos Que lhes dei a norma: Reduzi sem danos A formas a forma.

    Clame a saparia Em crticas cticas: No h mais poesia, Mas h artes poticas . . ."

    Urra o sapo-boi: "Meu pai foi rei" "Foi!" "No foi!" "Foi!" "No foi!"

    Brada em um assomo

  • O sapo-tanoeiro: "A grande arte como Lavor de joalheiro.

    Outros, sapos-pipas (Um mal em si cabe), Falam pelas tripas: "Sei!" "No sabe!" "Sabe!".

    Longe dessa grita, L onde mais densa A noite infinita Verte a sombra imensa;

    L, fugindo ao mundo, Sem glria, sem f, No perau profundo E solitrio,

    Que soluas tu, Transido de frio, Sapo-cururu Da beira do rio

    Pneumotrax

    Febre, hemoptise, dispnia e suores

  • noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que no foi. Tosse, tosse, tosse.

    Mandou chamar o mdico: Diga trinta e trs. Trinta e trs . . . trinta e trs . . . trinta e trs . . . Respire.

    .....................................................................

    ..........................................

    O senhor tem uma escavao no pulmo esquerdo e o pulmo direito infiltrado. Ento, doutor, no possvel tentar o pneumotrax? No. A nica coisa a fazer tocar um tango argentino. Profundamente

    Quando ontem adormeci Na noite de So Joo

  • Havia alegria e rumor Vozes cantigas e risos Ao p das fogueiras acesas. No meio da noite despertei No ouvi mais vozes nem risos Apenas bales Passavam errantes Silenciosamente Apenas de vez em quando O rudo de um bonde Cortava o silncio Como um tnel. Onde estavam os que h pouco Danavam Cantavam E riam Ao p das fogueiras acesas?

    Estavam todos dormindo Estavam todos deitados Dormindo Profundamente.

    Quando eu tinha seis anos No pude ver o fim da festa de So Joo

  • Porque adormeci.

    Hoje no ouo mais as vozes daquele tempo Minha av Meu av Totnio Rodrigues Tomsia Rosa Onde esto todos eles? Esto todos dormindo Esto todos deitados Dormindo Profundamente.

    Vou-me embora pra Pasrgada

    Vou-me embora pra Pasrgada L sou amigo do rei L tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasrgada

    Vou-me embora pra Pasrgada Aqui eu no sou feliz L a existncia uma aventura

  • De tal modo inconseqente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que eu nunca tive

    E como farei ginstica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a me-d'gua Pra me contar as histrias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasrgada

    Em Pasrgada tem tudo outra civilizao Tem um processo seguro De impedir a concepo Tem telefone automtico Tem alcalide vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar

  • E quando eu estiver mais triste Mas triste de no ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar L sou amigo do rei Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasrgada

    Auto-retrato

    Provinciano que nunca soube Escolher bem uma gravata; Pernambucano a quem repugna A faca do pernambucano; Poeta ruim que na arte da prosa Envelheceu na infncia da arte, E at mesmo escrevendo crnicas Ficou cronista de provncia; Arquiteto falhado, msico Falhado (engoliu um dia Um piano, mas o teclado Ficou de fora); sem famlia, Religio ou filosofia;

  • Mal tendo a inquietao de esprito Que vem do sobrenatural, E em matria de profisso Um tsico profissional.

    Potica

    Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Do lirismo funcionrio pblico com livro de ponto expediente protocolo e manifestaes de apreo ao Sr. diretor. Estou farto do lirismo que pra e vai averiguar no dicionrio o cunho vernculo de um vocbulo. Abaixo os puristas Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construes sobretudo as sintaxes de exceo Todos os ritmos sobretudo os inumerveis Estou farto do lirismo namorador Poltico Raqutico Sifiltico

  • De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo De resto no lirismo Ser contabilidade tabela de co-senos secretrio do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar s mulheres, etc Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bbedos O lirismo difcil e pungente dos bbedos O lirismo dos clowns de Shakespeare

    No quero mais saber do lirismo que no libertao.

    Porquinho-da-ndia

    Quando eu tinha seis anos Ganhei um porquinho-da-ndia. Que dor de corao me dava Porque o bichinho s queria estar debaixo do fogo! Levava ele pr sala

  • Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos Ele no gostava: Queria era estar debaixo do fogo. No fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . .

    O meu porquinho-da-ndia foi minha primeira namorada.

    Trem de ferro

    Caf com po Caf com po Caf com po

    Virge Maria que foi isso maquinista?

    Agora sim Caf com po Agora sim Voa, fumaa Corre, cerca Ai seu foguista

  • Bota fogo Na fornalha Que eu preciso Muita fora Muita fora Muita fora (trem de ferro, trem de ferro)

    O... Foge, bicho Foge, povo Passa ponte Passa poste Passa pasto Passa boi Passa boiada Passa galho Da ingazeira Debruada No riacho Que vontade De cantar! O... (caf com po muito bom)

  • Quando me prendero No canavi Cada p de cana Era um ofici O... Menina bonita Do vestido verde Me d tua boca Pra matar minha sede O... Vou mimbora vou mimbora No gosto daqui Nasci no serto Sou de Ouricuri O...

    Vou depressa Vou correndo Vou na toda Que s levo Pouca gente Pouca gente Pouca gente... (trem de ferro, trem de ferro)

  • O ltimo poema

    Assim eu quereria o meu ltimo poema. Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais Que fosse ardente como um soluo sem lgrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais lmpidos A paixo dos suicidas que se matam sem explicao.

    Meninos carvoeiros

    Os meninos carvoeiros Passam a caminho da cidade. Eh, carvoero! E vo tocando os animais com um relho enorme.

    Os burros so magrinhos e velhos. Cada um leva seis sacos de carvo de lenha. A aniagem toda remendada.

  • Os carves caem.

    (Pela boca da noite vem uma velhinha que os recolhe, dobrando-se com um gemido.)

    Eh, carvoero! S mesmo estas crianas raquticas Vo bem com estes burrinhos descadeirados. A madrugada ingnua parece feita para eles . . . Pequenina, ingnua misria! Adorveis carvoeirinhos que trabalhais como se brincsseis!

    Eh, carvoero!

    Quando voltam, vm mordendo num po encarvoado, Encarapitados nas alimrias, Apostando corrida, Danando, bamboleando nas cangalhas como espantalhos desamparados.

    Arte de amar

    Se queres sentir a felicidade de amar,

  • esquece a tua alma. A alma que estraga o amor. S em Deus ela pode encontrar satisfao. No noutra alma. S em Deus ou fora do mundo. As almas so incomunicveis.

    Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo. Porque os corpos se entendem, mas as almas no.

    Andorinha

    Andorinha l fora est dizendo: "Passei o dia toa, toa!"

    Andorinha, andorinha, minha cantiga mais triste! Passei a vida toa, toa . . .

    Momento Num Caf

    Quando o enterro passou Os homens que se achavam no caf Tiraram o chapu maquinalmente Saudavam o morto distrados

  • Estavam todos voltados para a vida Absortos na vida Confiantes na vida. Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado Olhando o esquife longamente Este sabia que a vida uma agitao feroz e sem finalidade Que a vida traio E saudava a matria que passava Liberta para sempre da alma extinta

    Poemeto Ertico

    Teu corpo claro e perfeito, - Teu corpo de maravilha, Quero possu-lo no leito Estreito da redondilha...

    Teu corpo tudo o que cheira... Rosa...flor de laranjeira... Teu corpo, branco e macio, como um vu de noivado...

    Teu corpo pomo doirado... Rosal queimado do estio, Desfalecido em perfume...

  • Teu corpo a brasa do lume...

    Teu corpo chama e flameja Como tarde os horizontes puro como nas fontes A gua clara que serpeja,

    Que em cantigas se derrama... Volpia de gua e da chama...

    A todo momento o vejo... Teu corpo... a nica ilha No oceano do meu desejo...

    Teu corpo tudo o que brilha, Teu corpo tudo o que cheira... Rosa, flor de laranjeira...

    VULGVAGA

    No posso crer que se conceba Do amor seno o gozo fsico! O meu amante morreu bbado, E meu marido morreu tsico!

  • No sei entre que astutos dedos Deixei a rosa da inocncia. Antes da minha pubescncia Sabia todos os segredos...

    Fui de um... Fui de outro... Este era mdico... Um, poeta... Outro, nem sei mais! Tive em meu leito enciclopdico Todas as artes liberais.

    Aos velhos dou o meu engulho. Aos frvidos, o que os esfrie. A artistas, a coquetterie Que inspira... E aos tmidos o orgulho.

    Estes, cao-os e depeno-os: A canga fez-se para o boi... Meu claro ventre nunca foi De sonhadores e de ingnuos!

    E todavia se o primeiro Que encontro, fere toda a lira, Amanso. Tudo se me tira. Dou tudo. E mesmo... dou dinheiro...

    Se bate, ento como estremeo!

  • Oh, a volpia da pancada! Dar-me entre lgrimas, quebrada Do seu colrico arremesso...

    E o cio atroz se me no leva A valhacoutos de canalhas, porque temo pela treva O fio fino das navalhas...

    No posso crer que se conceba Do amor seno o gozo fsico! O meu amante morreu bbado, E meu marido morreu tsico!

    ANTOLOGIA POTICA DE MANUEL BANDEIRA INCLUSAS NA ESTRELA DA VIDA INTEIRA , de 1.966

    Org. pelo professor Manoel

    1.917 A CINZA DAS HORAS Epgrafe, Desencanto, Versos escritos ngua, Cartas de meu av, Poemeto ertico.

    1.919 CARNAVAL Bacanal, Os sapos, Vulgvaga, A rosa, Debussy, Eplogo.

    1.924 O RITMO DISSOLUTO Os sinos, Meninos carvoeiros, Berimbau, Balezinhos, Mar bravo.

  • 1.930 LIBERTINAGEM No sei danar, Pneumotrax, Potica, Porquinho-da-ndia, Teresa, Andorinha,

    Profundamente, Vou-me embora pra pasrgada, O ltimo poema.

    1.936 ESTRELA DA MANH Momento num caf, Trem de ferro, Poema do beco, Tragdia brasileira, Rond dos

    cavalinhos, Cantar de amor (cantiga medieval).

    1.940 LIRA DOS CINQUENTANOS Testamento, A estrela, Soneto em louvor de Augusto Frederico Schmidt, Belo Belo,

    ltima cano do beco, Velha chcara.

    1.948 BELO BELO Improviso, A Mrio de Andrade ausente, Belo Belo, neologismo, O bicho, Arte de

    amar.

    1.952 OPUS 10 Boi morto, Retrato, Os nomes, Consoada, Orao para aviadores.

    1.948-1.954 MAFU DO MALUNGO Poemas dedicados a familiares e amigos, Auto-retrato, Rond de efeito, Casa

    grande e senzala, Carta-poema a Guimares Rosa.

    1.960 ESTRELA DA TARDE Satlite, Passeio em So Paulo, Mascarada, Ariesphinx, Seio, Cano do suicida,

    Antologia, Rachel de Queiroz, Composies concretistas (vrios poemas), Programa para depois da minha morte.

    POEMAS TRADUZIDOS Poemas traduzidos de vrios autores.