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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
MARIANE SANTOS FRANÇOSO
AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS DE PRODUÇÃO DE
PETRÓLEO E GÁS: O RIO DE JANEIRO NO CONTEXTO DA
AMÉRICA DO SUL
Campinas 2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
MARIANE SANTOS FRANÇOSO
AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS DE PRODUÇÃO DE
PETRÓLEO E GÁS: O RIO DE JANEIRO NO CONTEXTO DA
AMÉRICA DO SUL
Prof. Dr. Célio Hiratuka – orientador
Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutora em Ciências Econômicas, na área de Teoria Econômica. ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA MARIANE SANTOS FRANÇOSO E ORIENTADA PELO PROF. DR. CÉLIO HIRATUKA.
Campinas 2019
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ECONOMIA
MARIANE SANTOS FRANÇOSO
AS CIDADES NAS REDES GLOBAIS DE PRODUÇÃO DE
PETRÓLEO E GÁS: O RIO DE JANEIRO NO CONTEXTO DA
AMÉRICA DO SUL
Prof. Dr. Célio Hiratuka – orientador
Defendida em 29/07/2019
COMISSÃO JULGADORA Prof. Dr. Célio Hiratuka - PRESIDENTE Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Prof.ª Dr.ª Ana Paula Vidal Bastos Universidade de Brasília (UnB) Prof. Dr. José Augusto Gaspar Ruas Faculdades de Campinas (FACAMP) Prof. Dr. Maurício Aguiar Serra Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) Prof. Dr. Renato de Castro Garcia Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
A Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.
Agradecimentos
O presente trabalho foi realizado com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa
do estado de São Paulo (FAPESP), através do processo n. 2016/06888-1.
Agradeço aos professores Maurício Serra, Ana Paula Bastos, Renato Garcia e José
Augusto Ruas pela participação na defesa e por terem contribuído com críticas e sugestões
que enriqueceram a versão final desta tese.
Agradeço ao professor Célio Hiratuka, por ter me orientado ao longo do
desenvolvimento desta tese, e ao professor Javier Revilla Diez por ter me recebido durante o
período que passei na Universität zu Köln. Agradeço aos colegas do projeto “Gateway cities
and their hinterland: global cities from the Global South as nodes in global commodity
chains”: Patrícia Alencar, Soren Scholvin, Maurício Aguiar e Ana Paula Bastos, pela
convivência e contribuições realizadas ao longo do desenvolvimento do projeto. Agradeço
especialmente ao colega Moritz Breul por ter cedido os dados das bases Zephyr e FDI
Markets, usados em parte da análise aqui desenvolvida. Todos vocês contribuíram muito para
a minha formação quanto pesquisadora.
Agradeço aos demais professores do IE pela enorme contribuição que deram a
minha formação e aos funcionários, por sempre se mostrarem tão prestativos e dedicados.
Agradeço às amigas de Assis, aos amigos da rep Coruja e, principalmente, à Flávia, sempre
tão querida e atenciosa.
Finalmente, mas não menos importantes, agradeço a três pessoas que foram
fundamentais ao longo desses anos de doutorado. Primeiramente, aos meus pais, que sempre
me mostraram o valor do conhecimento e sempre me incentivaram a estudar, que me
ampararam financeiramente (são tempos difíceis para a pesquisa), e também emocionalmente,
eu não tenho palavras para exprimir a minha gratidão por tudo que vocês fizeram e fazem por
mim. Agradeço também ao Lucas, meu companheiro, amigo, consultor de Excel, proof reader
e incentivador, a sua companhia faz toda a diferença.
RESUMO
A estrutura produtiva global vem passando por grandes mudanças. Ao longo das
décadas de 1980 e 1990, verificou-se uma intensa fragmentação e dispersão geográfica de
atividades. Apesar dessa dispersão, as atividades de maior valor agregado das redes
produtivas continuam concentradas em apenas algumas cidades, que desempenham diferentes
papeis em diferentes redes produtivas. A partir dessas considerações, a presente tese analisou
o papel das cidades como locais estratégicos para o acoplamento de países e regiões às redes
globais de produção, abordando o caso do Rio de Janeiro, no contexto das cidades da América
do Sul, evidenciando o papel que a cidade desempenha no acoplamento à rede de petróleo e
gás. Para isso, foram usadas diversas bases de dados, entrevistas e foi aplicada a metodologia
de redes. Os resultados obtidos evidenciam que a cidade do Rio de Janeiro se destaca entre as
cidades da América do Sul, desempenhando diversas funções, especialmente a de produção de
conhecimento, atividade de alto valor agregado e que possibilita maior captura de valor. Esse
papel de destaque, em relação às outras cidades da região, está fortemente ligado ao fato do
Rio de Janeiro sediar a Petrobras.
ABSTRACT
The global productive structure has undergone great changes. Throughout the
1980s and 1990s, there was an intense fragmentation and geographical dispersion of
production stages. Despite this dispersion, the higher value-added activities of the productive
networks remain concentrated in only a few cities, which play different roles in different
productive networks. Based on these considerations, this thesis analyzed the role of cities as
strategic locations for the coupling of countries and regions to global production networks,
addressing the case of Rio de Janeiro, in the context of the South American cities,
highlighting the role the city plays in the coupling to the oil and gas network. To do so, we
used several databases, interviews and applied the network methodology. The results show
that Rio de Janeiro stands out among the South American cities, performing several functions,
especially the knowledge generation, a high value-added activity, which allows greater value
capture. This prominent role, comparing to other cities in the region, is strongly linked to the
fact that Petrobras is headquartered in Rio de Janeiro.
ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 - Formas de acoplamento às redes globais de produção ............................................ 31
Gráfico 1 - Evolução das reservas provadas na América do Sul, de 2003 a 2016 (ton. Barris).
.................................................................................................................................................. 48
Figura 2 - Análise de cluster das cidades da América do Sul, a partir de variáveis
selecionadas, no período de 2007 – 2016 ................................................................................. 73
Figura 3- Rede de investimentos de petróleo e gás da América do Sul, no período 2007 - 2016
.................................................................................................................................................. 83
Figura 4 - Comunidades Louvain na rede de IDE e F&A em petróleo e gás na América do Sul,
no período 2007 - 2016 ............................................................................................................. 89
Figura 5 - Locais de administração das atividades das empresas operadoras nos poços de
petróleo e gás da América do Sul ............................................................................................. 98
Figura 6 - Locais de administração das atividades das empresas prestadoras de serviço nos
poços de petróleo e gás da América do Sul ............................................................................ 101
Figura 7 - Rede de conhecimento de petróleo offshore, a partir da localização de inventores
em patentes concedidas pelo USPTO, no período de 2007 – 2017 ........................................ 117
LISTA DE TABELAS
Quadro 1- A abordagem de cadeias globais de commodities e de valor versus a abordagem de
redes globais de produção......................................................................................................... 27
Tabela 1 – Petroleiras estatais na América do Sul.................................................................... 48
Tabela 2 - Resultado do primeiro leilão público organizado pela ANP ................................... 53
Tabela 3 – Principais tópicos abordados pela literatura sobre a função das cidades em um
contexto de globalização .......................................................................................................... 64
Tabela 4 – Variáveis empregadas na análise e suas respectivas proxies .................................. 68
Tabela 5 – Grau de centralidade das cidades da América do Sul, a partir dos fluxos de IDE e
F&A em petróleo e gás, no período 2007 - 2016 ..................................................................... 69
Tabela 6 – Papel de gateway das cidades da América do Sul, a partir dos fluxos de IDE e
F&A em petróleo e gás, no período 2007 - 2016 ..................................................................... 71
Tabela 7 – Funções das cidades da América do Sul, de acordo com a descrição de projetos de
IDE e F&A, no período 2007 – 2016 ....................................................................................... 72
Tabela 8 – Outdegree da rede de investimentos em petróleo e gás da América do Sul, no
período de 2007 – 2016 ............................................................................................................ 84
Tabela 9 - Principais empresas investidoras na cadeia de petróleo e gás da América do Sul, no
período 2007 – 2016 ................................................................................................................. 85
Tabela 10 – Resumo dos dados coletados na base A barrel full............................................... 96
Tabela 11 –Localização das empresas prestadoras de serviços especializados para petróleo e
gás presentes na América do Sul. ........................................................................................... 102
Tabela 12 - Lista de IPCs de tecnologias relacionadas à exploração de petróleo offshore ..... 113
Tabela 13 - Camadas mais internas do particionamento k-core da rede de conhecimento de
petróleo offshore, a partir da localização de inventores em patentes concedidas pelo USPTO,
no período de 2007 - 2017 ...................................................................................................... 118
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 12
CAPÍTULO 1 - Arcabouço teórico e caracterização do setor de petróleo ............................... 18
1.1. As redes globais de produção: antecedentes e discussões ......................................... 20
1.2. Cidades globais e gateway ......................................................................................... 33
1.3. A indústria do petróleo .............................................................................................. 42
1.4. A constituição da rede de petróleo e gás no Brasil .................................................... 49
1.4.1. A fundação da Petrobras e o período pré-liberalização ........................................... 49
1.4.2. A liberalização do setor ........................................................................................... 52
1.4.3. Pré-sal e o período recente ...................................................................................... 56
CAPÍTULO 2 - Conectando o hemisfério Sul às redes globais de produção: avaliando o papel
das cidades da América do Sul na rede de petróleo e gás ........................................................ 60
2.1. Introdução ...................................................................................................................... 60
2.2. As cidades nas redes globais de produção ..................................................................... 61
2.3. Metodologia ................................................................................................................... 65
2.3.1. Coleta e tratamento dos dados ................................................................................. 65
2.4. Resultados .................................................................................................................. 69
2.4.1 Análise descritiva ..................................................................................................... 69
2.4.2. Categorização das cidades ....................................................................................... 73
2.5. Considerações finais: ................................................................................................. 75
CAPÍTULO 3 - A organização espacial dos fluxos de IDE e F&A da cadeia de petróleo e gás
na América do Sul .................................................................................................................... 77
3.1. Introdução ...................................................................................................................... 77
3.2. Discussão teórica ........................................................................................................... 78
3.3. Metodologia ................................................................................................................... 80
3.4. Resultados e discussão ................................................................................................... 82
3.4.1. A rede sul-americana de investimentos em petróleo e gás...................................... 82
3.4.2. A centralidade do Rio de Janeiro ............................................................................ 84
3.4.3. Formação de Comunidades ..................................................................................... 88
3.5. Considerações finais: ..................................................................................................... 90
CAPÍTULO 4 - A geografia das atividades da etapa upstream na América do Sul ................. 92
4.1. Introdução ...................................................................................................................... 92
4.2. A organização das redes globais de produção ............................................................... 93
4.3. Metodologia ................................................................................................................... 94
4.4. Resultados e discussão ................................................................................................... 97
4.5.Considerações finais ..................................................................................................... 104
CAPÍTULO 5 - A inserção de locais ricos em recursos naturais do Sul Global em redes de
conhecimento: o Rio de Janeiro na rede de conhecimento de petróleo offshore .................... 106
5.1. Introdução ................................................................................................................ 106
5.2. A produção de conhecimento em um contexto de redes globais de produção ............ 107
5.3. A dinâmica de produção de conhecimento no setor de petróleo ................................. 110
5.4. Metodologia: ................................................................................................................ 112
5.5. Resultados e discussões ............................................................................................... 115
5.6. O Rio de Janeiro na rede de conhecimento de petróleo offshore ................................. 119
5.7. Considerações finais .................................................................................................... 122
CONCLUSÃO .................................................................................................................... 124
Referências Bibliográficas:..................................................................................................... 129
12
INTRODUÇÃO
A presente tese foi desenvolvida com apoio da FAPESP, processo n.
2016/06888-1, no âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities from
the Global South as nodes in global commodity chains”, desenvolvido com o financiamento
do consórcio FAPESP - DFG, em cooperação com pesquisadores brasileiros e alemães. O
projeto teve como objetivo mostrar como algumas cidades do Sul global funcionam como
intermediárias entre as suas respectivas regiões e a economia global, analisando o caso da
indústria de petróleo e gás na América do Sul, África subsaariana e sudeste asiático.
A estrutura produtiva global vem passando por grandes mudanças. Ao longo das
últimas décadas verificou-se uma intensa e crescente fragmentação e dispersão de atividades.
Esse processo foi marcado pela transferência internacional de etapas produtivas, de maneira a
aproveitar as possibilidades de redução de custos, acompanhada de ganhos de economias de
escala e escopo, viabilizados pela ampliação dos mercados e pela gestão coordenada de
atividades geograficamente dispersas. O processo de produção passou a ocorrer em uma
configuração de rede internacional, integrando diferentes locais e diferentes empresas
(HIRATUKA E SARTI, 2015).
A partir dessa nova configuração, a economia global recente pode ser definida
como uma série de complexas redes globais de produção, nas quais os fluxos materiais e
imateriais são controlados e coordenados por atores distribuídos em diversos locais (COE et
al, 2010). Nesse contexto, diversos atores (empresas, Estado, instituições financeiras e de
serviços) interagem, moldando as relações, a configuração das redes e a forma como os
diferentes locais estão inseridos nas redes. Essa inserção, por sua vez, condiciona as
possibilidades destes locais se desenvolverem economicamente (COE E YEUNG, 2015).
Embora essas atividades ocorram de forma globalizada e geograficamente
dispersa, os autores que abordam os aspectos espaciais de tal dispersão, afirmam que as
atividades de maior valor agregado, como as relativas ao controle e coordenação dessas redes
e à geração de conhecimento, ainda estão concentradas em poucas cidades, que, devido a esse
controle, concentram grande parte dos fluxos econômicos mundiais (SASSEN, 1991;
FRIEDMANN, 1986). Dessa forma, essas cidades aparecem como locais estratégicos para a
organização das redes globais de produção e também para a realização do acoplamento de
países e regiões às redes, já que essas cidades apresentam uma série de atributos que
possibilitam tal acoplamento.
13
O papel das cidades como locais estratégicos para o acoplamento de diferentes
locais às redes globais de produção foi discutido por Scholvin et al (2017a, b), que destacam
que a integração às redes ocorre através de cidades que possuem determinados atributos,
como um grande setor de serviços, infraestrutura e mão de obra especializada. Essas cidades
teriam um papel estratégico especialmente em locais do hemisfério Sul, onde predominam as
desigualdades espaciais e problemas de infraestrutura.
A partir dessas considerações, a presente tese tem como objetivo geral analisar o
papel das cidades no contexto de produção globalizada e geograficamente dispersa. A
investigação desenvolvida neste trabalho destaca o papel das cidades como locais estratégicos
para o acoplamento de países e regiões às redes globais de produção, abordando o caso do Rio
de Janeiro, no contexto das cidades da América do Sul, evidenciando o papel que a cidade
desempenha no acoplamento à rede de petróleo e gás.
A opção pelo setor de petróleo e gás se justifica pelo fato deste ser um setor com
grande importância econômica, já que produz combustíveis e insumos que são empregados
em diversas indústrias, além de ser um importante fator para o entendimento da geopolítica e
das relações econômicas e de poder existentes entre diferentes locais.
Essa cadeia é globalmente dispersa, pois produtores e consumidores não se
encontram necessariamente no mesmo local, o que contribui para a formação de uma estrutura
global (BRIDGE, 2008). Adicionalmente, é possível delimitar o início dessa cadeia nas
atividades relacionadas à extração, e, sendo os poços de petróleo e gás geograficamente fixos,
é possível demarcar uma localidade na qual as atividades da cadeia produtiva têm início.
Dessa forma, a partir dos poços, é possível identificar como as atividades subsequentes da
cadeia estão localizadas espacialmente e quais são as localidades importantes para o
funcionamento dessa rede.
No caso da indústria de petróleo, o olhar no nível da cidade é apropriado por dois
motivos. Primeiramente, deve-se considerar que essa indústria é fortemente influenciada pelo
contexto regulatório dos países produtores. Ligado a isso, tem-se uma indústria caracterizada
pela proeminência das empresas estatais de países produtores, que exercem diferentes níveis
de influência no setor petrolífero de seus respectivos países, de acordo com a regulação
vigente. Finalmente, mas não menos importante, esse setor possui uma base de conhecimento
do tipo sintética (ASHEIM et al, 2007), pautada pela interação entre clientes, fornecedores e
prestadores de serviços especializados que, muitas vezes, devem fornecer soluções
personalizadas a problemas específicos. Essa base de conhecimento incentiva a aglomeração
das empresas em determinadas cidades para facilitar as interações entre os diferentes agentes.
14
Essa aglomeração é ainda mais incentivada pelas características da indústria de petróleo, em
que as estatais são, ao mesmo tempo, importantes clientes e importantes atores políticos nas
indústrias locais. Assim, as empresas do setor petrolífero tendem a se concentrar na cidade
onde a sede da empresa estatal de petróleo do respectivo país está localizada.
Ao mesmo tempo, muitos países produtores não possuem uma estrutura completa
de produção domesticamente, e, muitas empresas estrangeiras estão localizadas nos países
produtores para cumprir requisitos condicionantes para a exploração e para facilitar as
negociações com os atores do setor, o que não necessariamente implica no desenvolvimento
de atividades de alto valor agregado nos países produtores (BREUL E REVILLA DIEZ,
2018). Assim, mesmo com a aglomeração de empresas em determinados locais, em muitos
casos, as empresas petroleiras e as prestadoras de serviços especializados continuam
recorrendo a fornecedores estrangeiros para produzir equipamentos e peças necessárias às
diferentes etapas produtivas, configurando uma estrutura de rede.
Além dos aspectos econômicos, geopolíticos e da estrutura industrial em si,
estudar a indústria de petróleo e gás no sul global, em um contexto de redes de produção, é
relevante também devido ao histórico de dependência e problemas associados a essa
atividade. O debate sobre os recursos naturais e o desenvolvimento econômico remontam aos
anos 1950, quando Prebisch (1950), Singer (1950) e Furtado (1957) abordaram algumas
questões relacionadas a um modelo de crescimento baseado em recursos naturais. Esses
trabalhos enfatizaram aspectos resultantes desse modelo, como a estrutura produtiva
heterogênea e especializada, a baixa elasticidade renda da demanda e a volatilidade dos
preços.
Em uma vertente semelhante, alguns autores também investigaram os efeitos das
exportações de recursos naturais na sobrevalorização da taxa de câmbio (CORDEN E
NEARY, 1982; GELD, 1988), cunhando o termo doença holandesa. Além desses aspectos, a
exploração desses recursos também evidenciaria a dependência econômica e tecnológica dos
países do sul global, em relação aos desenvolvidos do norte, e a influência dos últimos na
determinação de aspectos locais dos primeiros (CARDOSO E FALETTO, 1970). Para todos
esses trabalhos, os recursos naturais conduziam a um modelo de crescimento instável,
prejudicando a modernização e atualização dos países para atividades mais diversificadas e
intensivas em conhecimento.
No entanto, a literatura recente está mostrando uma perspectiva diferente sobre a
relação entre recursos naturais e desenvolvimento econômico. Alguns autores ressaltaram que
é possível mitigar a maldição dos recursos naturais e transformá-la em um presente se os
15
países detentores de recursos se engajarem em atividades de geração de conhecimento e
tecnologia, superando a posição de meros fornecedores de recursos naturais, e usando-os
como plataforma para o desenvolvimento de atividades de alto valor-agregado e fazendo o
upgrading nas redes de produção (TORVIK, 2009; MARIN et al, 2015; CRESPI et al, 2018).
Nesse processo, o Estado é um ator fundamental para criar as condições necessárias para que
isso ocorra.
Para desenvolver a análise proposta, o presente trabalho integra duas abordagens
teóricas: a de redes globais de produção e de cidades globais e gateway. Ambas as abordagens
serão discutidas a fundo no capítulo 1, destacando como esses conceitos foram sendo
desenvolvidos ao longo do tempo. Para a análise empírica sobre o papel das cidades, foram
coletados dados em diversas fontes e foram realizadas, também, algumas entrevistas no
âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities from the Global South
as nodes in global commodity chains”. Embora o trabalho se baseie em diferentes bases de
dados, todas elas têm em comum a dimensão relacional. Essa dimensão é fundamental para o
desenvolvimento de análises baseadas nos conceitos propostos, já que, de acordo com tais
conceitos, o entendimento atual da produção e do desenvolvimento econômico se dá,
fundamentalmente, a partir de uma lógica de interligação, em que os atores não estão isolados,
mas inseridos em lógicas regionais e globais. Pensando nisso, em todos os capítulos são
realizadas análises baseadas na metodologia de redes.
Esta tese consiste, além do capítulo teórico, em quatro capítulos de análise
empírica, em formato de artigo, que buscam discutir e entender o papel das cidades,
principalmente do Rio de Janeiro, nas redes globais de produção. Os capítulos 2 e 3 discutem
a posição das cidades da América do Sul nas redes de investimentos de petróleo e gás de
forma agregada, abrangendo as diversas etapas da cadeia, através de dados sobre IDE
(Investimento Direto Estrangeiro) e F&A (Fusões e Aquisições). No capítulo 2 é proposta
uma categorização das cidades, baseada na sua centralidade, no papel de intermediária que
elas exercem (pensado sob a ótica do conceito de cidade gateway) e nas funções que elas
desempenham. No capítulo 3 é proposta uma análise sobre o poder que as cidades centralizam
nas redes de produção, quais os fatores que explicam esse poder e como ele é exercido em
uma dimensão espacial. Através das duas análises desenvolvidas a partir dos fluxos de IDE e
F&A, é possível avaliar mais diretamente o papel das cidades nas redes globais de produção, e
visualizar como o Rio de Janeiro se destaca no contexto da América do Sul.
Os capítulos 4 e 5 trazem discussões focadas em atividades específicas da rede: as
atividades administrativas e as de geração de conhecimento. O capítulo 4 discute a
16
configuração espacial das atividades de coordenação da etapa upstream da rede de produção
de petróleo e gás, através da base “A barrel full”, mostrando como a política regulatória de
exploração nos países produtores influencia essa configuração. As análises desenvolvidas no
âmbito das redes globais de produção têm negligenciado o papel do Estado como um agente
crucial na organização dessas redes (HORNER, 2017). Na rede discutida, a de petróleo e gás,
o papel do Estado é ainda mais evidente, já que este detém os direitos sobre os recursos
naturais. Assim, uma discussão sobre essa rede deve necessariamente passar pela discussão de
como o Estado, em seu papel de regulador e de produtor, atua e como ele condiciona a
espacialidade dessa rede e, consequentemente, as possibilidades de acoplamento e criação de
valor.
O capítulo 5 trata especialmente do acoplamento às redes globais de produção
através da geração de conhecimento em um segmento específico dessa indústria: a exploração
offshore. Embora o setor de petróleo e gás seja considerado um setor maduro e de tecnologias
bem estabelecidas, esse segmento é intensivo em conhecimento, requerendo avanços
tecnológicos para a viabilização da exploração de novos poços de forma economicamente
eficiente e ambientalmente segura. A geração de conhecimento é uma atividade sofisticada e
de alto valor agregado, que possibilita não apenas a geração de valor, mas também a captura
deste. Dessa forma, estar inserido na rede como um local produtor de conhecimento é
fundamental para a captura de valor.
Essas quatro análises fornecem insights sobre como a configuração espacial dessa
rede produtiva e as atividades concentradas nas cidades analisadas podem incentivar ou minar
as possibilidades de desenvolvimento econômico local advindo do acoplamento às redes
globais de produção. Como esta tese é composta por quatro capítulos em formato de artigo,
que se baseiam em dados de diferentes fontes, cada capítulo apresentará uma breve discussão
teórica que norteia a análise a ser desenvolvida e uma explicação da metodologia específica a
cada análise.
A presente tese contribui para o entendimento da dinâmica das cidades de uma
região possuidora de recursos naturais (América do Sul), negligenciada pela literatura
(SURBORG, 2011), e o sistema global, identificando as cidades que contribuem para o
acoplamento dessa região às redes de petróleo e gás, que, por sua vez, também tem sido
negligenciado pela literatura sobre redes globais de produção (BREUL E REVILLA DIEZ,
2018). Essa identificação leva em consideração não apenas o papel das cidades como locais
concentradores de atividades administrativas e serviços, como ocorre com frequência na
17
literatura de cidades globais, mas também como locais estratégicos para a produção e a
geração de conhecimento.
Ademais, a presente tese também contribui ao trazer uma visão crítica sobre os
benefícios obtidos através do acoplamento às redes produtivas globais, mostrando, através do
diferente papel desempenhado pelo Rio de Janeiro, em comparação a outras cidades da
América do Sul, a importância do papel do Estado nesse processo e da implantação de
políticas que favoreçam o desenvolvimento de atividades de produção de conhecimento e
tecnologia para o upgrading na rede.
18
CAPÍTULO 1 - Arcabouço teórico e caracterização do setor de petróleo
Desde a década de 1970 ocorreram mudanças radicais na economia, que
culminaram com um novo padrão de organização espacial. Com a desregulação dos mercados
e do sistema de crédito global, desde o colapso de Bretton Woods em 1973, e o aumento da
globalização da produção e dos fluxos financeiros, não é mais possível os Estados se isolarem
da economia mundial (BRENNER, 1998). Assim, economias fechadas e centradas nos seus
respectivos mercados domésticos foram dando lugar a economias cada vez mais integradas e
organizadas sob uma nova forma de produção fragmentada, geograficamente dispersa e
internacionalizada.
Embora essa dispersão seja crescente, diversos autores verificaram que os fluxos
econômicos continuam concentrados em determinadas cidades, que concentram funções
administrativas e de coordenação de diferentes cadeias (FRIEDMANN, 1986; SASSEN,
1991). Para Brenner (1998), esse movimento de centralização dos fluxos em determinadas
cidades está relacionado com o surgimento de uma nova divisão internacional do trabalho,
dominada por empresas transnacionais, e com mudanças institucionais, que acompanharam
essa nova divisão.
No período pré-década de 1980, a divisão internacional do trabalho era baseada na
produção de matérias-primas pelos países periféricos e manufatura industrial nos países
centrais. Contudo, pós-década de 1980, com maior intensificação nas últimas décadas, houve
uma realocação de atividades, com a ida das indústrias para países periféricos, na busca por
mão de obra mais barata (BRENNER, 1998).
Esse movimento foi intensificado com as empresas americanas ao longo da
década de 1980, como resultado das políticas monetárias adotadas pelo governo. Após
sucessivos déficits no balanço de pagamentos e crescente inflação, houve perda de confiança
do mercado em relação ao dólar. Para conter tal desconfiança foi lançado um programa para
frear a inflação, em 1978, que previa diminuição dos gastos públicos e aumento das taxas de
juros. Na sequência, em 1979, foi lançada uma drástica política monetária, que ficou
conhecida como Plano Volcker (HELLEINER, 1994; BASSENS e VAN MEETEREN,
2015). Essa política implicou em um aumento expressivo dos custos de empréstimos para as
empresas americanas. Isso, associado a um dólar valorizado, exerceu grande pressão nos
custos da manufatura americana, incentivando as empresas a aumentarem o outsourcing
internacional. Com o passar do tempo, essa forma de produção foi se espalhando, conforme as
19
empresas perceberam que esse movimento permitia maiores lucros, através da especialização
e dos ganhos com economias de escala e escopo (COE E YEUNG, 2015).
Essa reorganização, baseada na fragmentação, atingiu também as economias do
hemisfério sul. Com o novo formato produtivo e pressões crescentes para a abertura
econômica, países como China, Índia e Brasil foram integrados à economia global. Com isso,
as cadeias produtivas se internacionalizaram cada vez mais, concentrando algumas etapas
nestes novos players, que ofereciam vantagens como mão de obra barata, matéria-prima
abundante e grandes mercados domésticos (GEREFFI, 2013). Assim, novas cidades, inclusive
algumas do hemisfério sul, em áreas antes classificadas como periferia, passaram a ter
crescente importância nos fluxos de capital.
Além da reorganização espacial, Brenner (1998) afirma que também houve um
processo de desindustrialização de muitas cidades centrais, principalmente nos Estados
Unidos e na Europa, com aumento da presença dos serviços relacionados às atividades
administrativas nessas cidades. Dessa forma, as cidades do hemisfério norte, que antes
exerciam o seu poder na economia global principalmente como centros produtivos, passaram,
com a nova divisão internacional do trabalho e o novo formato produtivo, a participar da
economia global como centros administrativos, tornando-se centros de decisão, planejamento
financeiro e controle.
A partir dos novos formatos produtivo e de organização econômica que vêm se
delineando, algumas novas perspectivas de análise foram desenvolvidas, a fim de caracterizar
e discutir as implicações desse novo formato. Entre elas destacam-se as cadeias globais de
commodities, cadeias globais de valor e redes globais de produção. As duas primeiras
compartilham a mesma origem, já que a segunda é uma derivação direta da primeira. A
terceira, embora parta de pressupostos semelhantes aos das outras duas, diferencia-se mais
fortemente delas por incorporar ativamente aspectos institucionais. As três perspectivas têm
raiz na teoria de sistemas mundiais, sendo que as redes globais de produção também
incorporam aspectos relacionados à geografia econômica e à teoria de ator-rede, derivada de
estudos de sociologia do conhecimento científico (MCKINNON, 2012).
Outros conceitos também foram desenvolvidos com foco na organização espacial
e no papel que as cidades concentradoras de fluxos desempenham, tanto em uma perspectiva
global como em uma perspectiva de intermediação, mostrando como determinadas cidades
funcionam como canais entre as economias locais e o sistema global.
Essas vertentes teóricas vão orientar o desenvolvimento da análise proposta neste
trabalho. Portanto, faz-se necessário entender como esses conceitos foram desenvolvidos ao
20
longo do tempo e os debates que orientaram as agendas de pesquisa relacionadas a eles. Essa
discussão será desenvolvida nas duas próximas seções. Além do entendimento dos conceitos,
também é importante entender a dinâmica específica envolvida no setor de petróleo e gás,
suas características e estrutura. Isso será abordado na terceira seção deste capítulo.
1.1. As redes globais de produção: antecedentes e discussões
No contexto de produção fragmentada e globalmente dispersa, três principais
perspectivas analíticas nortearam as pesquisas sobre o tema: cadeias globais de commodities e
de valor e redes globais de produção. As cadeias globais de commodities surgiram como uma
alternativa a forma como o mainstream vinha tratando os fluxos econômicos de larga escala,
que se tornaram cada vez mais intensos. A análise tradicional, pautada na visão do comércio
internacional que ocorria a partir da dotação de fatores de cada nação, mostrou-se insuficiente
para a análise da nova configuração que vinha se formando. Com isso, novas formas de
análise, como as cadeias de commodities, foram surgindo na tentativa de mostrar de forma
mais clara como tais fluxos ocorriam (BROWN et al, 2010).
De acordo com Bair (2005), o termo “cadeia de commodities” foi cunhado
inicialmente em um artigo de Hopkins e Wallerstein, de 1977. Nele, os autores destacavam a
sua visão sobre uma possível agenda de pesquisa sobre o tema de sistemas mundiais, pautada
em uma visão não ortodoxa da globalização. De acordo com essa visão, o processo de
globalização estava refletido na formação de uma cadeia de commodities, tratada pelos
autores como uma sucessão de processos envolvidos na produção de um bem final.
Embora esse termo tenha nascido com Hopkins e Wallerstein (1977), foi com
Gereffi e Korzeniewicz (1994), que ele assumiu um caráter mais dinâmico e se popularizou.
Os últimos definiram as cadeias globais de commodities como um conjunto de redes
interorganizacionais agrupadas em torno de um produto, ligando vários atores entre si e com a
economia global. A análise de uma cadeia de commodities mostra como a produção,
distribuição e consumo são moldados pelas relações sociais que caracterizam os estágios
sequenciais de aquisição de insumos, manufatura, distribuição, marketing e consumo. Para
Gereffi e Korzeniewicz (1994), essa abordagem permite visualizar as desigualdades espaciais
da economia mundial, em termos de acesso aos mercados e recursos.
Na apresentação do conceito, Gereffi e Korzeniewicz (1994) traçam como plano
de fundo para o seu desenvolvimento o fato de que a industrialização em escala global tem
21
implicado em diversas mudanças, que têm sido vistas desde os anos 1970. Um dos resultados
dessas mudanças é a formação de uma estrutura produtiva global, na qual uma mercadoria é
produzida por muitos países, com cada nação desempenhando tarefas nas quais ela tem
vantagens de custos. O esquema produtivo que tem se configurado é baseado, assim, na
desagregação dos estágios produtivos e de consumo, extrapolando as fronteiras nacionais, sob
uma estrutura organizacional de rede.
Com o trabalho desses autores, o conceito de cadeias globais de commodities
passou a ser entendido não apenas como uma sucessão linear de etapas envolvendo a
transformação de matérias-primas em produtos, mas sim como um processo complexo que
conecta um conjunto de atividades produtivas. Além do entendimento sobre o funcionamento
da produção, os autores extrapolam o nível micro, mostrando também as consequências desse
formato, enfatizando como as cadeias reproduzem um sistema mundial hierárquico. Os
autores destacam, ainda, aspectos relacionados à criação de valor, sua distribuição e controle
dentro das redes transnacionais, que englobam desde a exploração da matéria-prima até
diferentes estágios de comércio e serviços (BAIR, 2005; DERUDDER E WITLOX, 2010).
Para Gereffi (1999), a abordagem da cadeia de commodity é especialmente
adequada para a análise do contexto de produção global, pois ela incorpora uma dimensão
internacional na análise, foca no poder exercido pela empresa líder em diferentes segmentos
da cadeia e ilustra como o poder muda ao longo do tempo. Essa abordagem vê a coordenação
da cadeia como uma fonte de vantagens competitivas, e olha para o aprendizado
organizacional como um dos mecanismos críticos pelos quais as empresas tentam melhorar ou
consolidar a sua posição dentro da cadeia.
Com essas considerações, uma das principais hipóteses dessa abordagem é que o
desenvolvimento econômico requer a conexão com as mais importantes empresas de um
setor. Essas empresas podem atuar em diferentes fases da produção, ou estar envolvidas no
fornecimento de componentes. O que vai efetivamente caracterizar as empresas líderes é o
fato de que estas controlam o acesso a importantes recursos produtivos, que geram os maiores
lucros em uma determinada indústria (GEREFFI, 1999).
Gereffi e Korzeniewicz (1994) identificaram quatro dimensões de análise das
cadeias globais de commodities:
1. Estrutura insumo-produto: uma cadeia de valor adicionado de produtos,
serviços, e recursos ligados em uma gama de indústrias relevantes;
2. Territorialidade: padrão da distribuição geográfica, que pode ser concentrada ou
dispersa;
22
3. Estrutura de governança: as relações de poder e autoridade entre as firmas, que
determinam como os recursos serão alocados na cadeia;
4. Aspecto institucional: identifica como as condições locais, nacionais e
internacionais moldam o processo de globalização em cada estágio da cadeia.
Ao longo do desenvolvimento de seu trabalho, Gereffi se mostrará especialmente
preocupado com o terceiro aspecto, como em Gereffi et al (2005) e Gereffi e Lee (2016),
deixando em segundo plano as outras dimensões levantadas. Com a concentração do foco na
estrutura de governança, os estudos das cadeias de commodities foram abrindo espaço para os
de cadeias globais de valor, como Sturgeon et al (2008), Fernanadez-Stark et al (2011),
Gereffi et al 2005, entre outros.
Com esse foco, a forma como a empresa líder desenvolve as suas relações com as
empresas subordinadas dentro da cadeia se torna especialmente importante, sendo que o
aspecto poder passa a ganhar mais destaque. Em relação a isso, Gereffi (2013) considera que
as investigações sobre as formas de governança são fundamentais para entender como o poder
corporativo molda a distribuição de riscos e lucros em uma indústria, e para identificar quem
são os atores que concentram o poder e como ele está distribuído.
O desenvolvimento das categorias de governança tem forte vínculo com a teoria
dos custos de transação, além de considerar também as possibilidades de ganhos de escala e
escopo a partir da especialização. Assim, são levantados dois pontos principais:
1. Quanto mais específico é um produto ou serviço, mais provável é que ele
envolva investimentos específicos, o que aumenta o risco de oportunismo, eliminando a
possibilidade de terceirização ou tornando-a mais cara, devido à necessidade de salvaguardas;
2. Mesmo sem oportunismo, os custos de transação aumentam quando as relações
interfirma requerem grande coordenação, por exemplo, insumos que não são padrão envolvem
transferências de informações mais complexas e, consequentemente, interações intensas além
das fronteiras da empresa.
Considerando tais aspectos, Sturgeon et al (2008) destacam que existem 3 tipos de
relações de fornecimento, baseadas no grau de padronização da produção, enfatizando a
complexidade da troca de informação entre firmas e o grau de especificidade na produção:
1. Fornecedor de commodity: fornece produtos padrão;
2. Fornecedor cativo: fabrica produtos não padronizados, usando maquinário
dedicado às necessidades dos compradores;
3. Fornecedor-chave: fabrica produtos customizados pelos compradores e usa
maquinário com capacidade para atender a diferentes tipos de clientes.
23
A partir das observações realizadas em estudos focados nessa área, como Gereffi
et al (2005), foram identificadas cinco formas de governança:
1. Mercado: as ligações do mercado não são necessariamente transitórias, elas
podem persistir com repetidas transações. O ponto essencial é que os custos de mudar para
novos parceiros são baixos para ambas as partes.
2. Cadeia de valor modular: os fornecedores nessas cadeias fabricam produtos de
acordo com as especificações dos clientes. Entretanto, quando fornecem serviços turn-key,
eles tomam toda a responsabilidade pelas competências envolvidas no processo tecnológico,
usando maquinário genérico que limita as transações de investimentos específicos.
3. Cadeia de valor relacional: ocorrem interações complexas entre compradores e
vendedores, que criam dependência mútua e altos níveis de especificidade de ativos. Muitos
autores destacam o papel da especificidade espacial no suporte dessas ligações. Contudo,
confiança e reputação podem funcionar para redes dispersas, em que as relações são
construídas ao longo do tempo.
4. Cadeias de valor cativas: pequenos fornecedores são dependentes de grandes
compradores, com alto grau de monitoramento e controle por parte das empresas líderes.
5. Hierárquica: essa forma de governança é caracterizada pela integração vertical,
com controle administrativo.
Algumas condições são especialmente importantes para a determinação de qual
forma de governança prevalecerá na cadeia, como a complexidade das transações, o nível de
codificação das informações requeridas para o desenvolvimento de determinada atividade, e
as capacitações dos fornecedores (GEREFFI et al, 2005).
Os autores envolvidos nessa abordagem afirmam que outros aspectos também são
relevantes no estudo das cadeias de valor, como a história, as instituições, os contextos
geográficos e sociais e as “regras do jogo”. Contudo, eles defendem que uma abordagem
simples pode ser útil para isolar variáveis-chave e fornecer uma visão sobre as forças
fundamentais que interagem moldando as relações que se desenvolvem ao longo da cadeia
(GEREFFI et al, 2005).
A análise das cadeias de valor enfatiza a expansão global das cadeias e como o
valor é criado e capturado nelas. Por analisar todas as atividades que empresas e trabalhadores
desempenham para produzir um determinado bem, da sua concepção ao uso final, a
abordagem de cadeias de valor fornece uma visão holística das indústrias globais, a partir de
duas perspectivas: top down e bottom up. O aspecto fundamental para a visão top down é a
governança das cadeias. Já para a perspectiva bottom up, o principal aspecto é o upgrading,
24
que foca nas estratégias usadas por países, regiões e outros agentes econômicos para manter
ou melhorar as suas respectivas posições na economia global (GEREFFI, 2013).
O upgrading é definido como o processo pelo qual agentes econômicos se movem
das atividades de baixo para as de alto valor adicionado dentro das cadeias de valor. O desafio
do upgrading econômico nas cadeias é identificar as condições sob as quais cada país e firma
podem melhorar o seu posicionamento na cadeia de valor (GEREFFI, 2013; SALIOLA E
ZANFEI, 2009).
A abordagem de cadeias globais de valor também incorpora a questão do
embeddedness, que será central para o desenvolvimento subsequente da abordagem de redes
globais de produção, relacionando-o à dependência de trajetória contida nos processos
econômicos. Nesse sentido, Sturgeon et al (2008) afirmam que a história da indústria, sua
organização social e o desenvolvimento das instituições locais importam, na medida em que
eles delineiam os limites e possibilidades de upgrading e de funcionamento da cadeia dentro
de determinadas estruturas. Dessa forma, a mudança em redes espacialmente embedded é
lenta e de trajetória dependente.
Emprestando conceitos como embeddedness e upgrading e, incluindo mais
ativamente aspectos institucionais e outros atores, negligenciados pelas abordagens de cadeia
de commodities e de valor, surge a abordagem de redes globais de produção. Essa abordagem
foi desenvolvida a fim de constituir uma estrutura analítica para análise da economia global e
de seus impactos no desenvolvimento regional, entendendo-se as regiões de forma plural,
podendo se tratar de estados, regiões subnacionais, supranacionais ou cidades (COE et al,
2014). Essa abordagem se destaca e diferencia em relação às outras ao dar forte peso à
territorialidade (DICKEN et al 2001), desenvolvendo a análise de forma multiescalar (COE E
YEUNG, 2015). Como nos conceitos de cadeias, a base para essa abordagem também é a
teoria de custos de transação (COE E HESS, 2006).
As redes globais de produção podem ser definidas como as funções e operações
interconectadas, organizadas globalmente por firmas e outras instituições para a produção e
distribuição de bens e serviços. Essas redes integram firmas em estruturas que extrapolam as
fronteiras organizacionais tradicionais, através do desenvolvimento de diversas relações, e
integram as economias de forma a impactar o seu desenvolvimento econômico. A natureza da
articulação das redes de produção centradas nas firmas é influenciada pelos contextos sócio-
políticos nos quais elas estão inseridas, sendo que esses contextos são territorialmente
específicos (COE et al, 2010; YEUNG, 2014).
25
Embora as três perspectivas analíticas estejam pautadas em uma abordagem
relacional, com o objetivo de entender a dinâmica do desenvolvimento capitalista
contemporâneo em contextos locais e globais (COE E HESS, 2006), elas apresentam algumas
diferenças. Apesar de a abordagem de redes globais de produção emprestar várias ideias das
abordagens de cadeias de commodities e de valor, ela muda o foco da análise ao traçar como
objetivo final o entendimento de como o acoplamento dos diferentes locais a essas redes
condiciona as possibilidades de desenvolvimento econômico. Ademais, pela sua estreita
relação com a geografia econômica, o conceito de redes globais de produção incorpora de
forma mais ativa a questão da territorialidade às análises dos processos econômicos.
Mahutga (2014) afirma que tanto a abordagem de cadeias de commodities e de
valor como a de redes globais de produção investigam o mesmo fenômeno: a crescente
globalização da produção e a extensão na qual a economia vem sendo organizada. Para
Mahutga (2014), as duas literaturas se apoiam na ideia de que os diferenciais de poder têm
implicações para o desenvolvimento econômico, na medida em que alguns atores têm maior
capacidade do que outros em definir os termos sob os quais outros atores poderão fazer parte
de uma determinada rede. Ele considera que o grande diferencial entre as abordagens está no
fato de que enquanto a abordagem de cadeias está mais preocupada com as relações
interfirma, a literatura de redes de produção está mais orientada ao impacto de forças
adicionais, como instituições nacionais, regionais e globais, aspectos que Gereffi et al (2005)
também consideravam importantes, mas que foram suprimidos da análise ou adicionados de
forma secundária.
Os autores que desenvolveram o conceito de redes globais de produção criticam o
fato de que os termos “commodity” e “cadeia” exprimem ideias que não estão de acordo com
o formato produtivo atual. A preferência pelo termo produção, em vez de commodity, deve-se
ao fato de que o último é entendido, muitas vezes, como um produto padronizado e com certa
rigidez na forma de produção. Essa é a realidade de muitas atividades produtivas, mas não da
totalidade das atividades industriais. De acordo com esses autores, o uso do termo
“produção” também denota uma ênfase analítica em processos sociais envolvidos na
produção, como a reprodução de conhecimento, e o poder do capital e do trabalho
(HENDERSON et al, 2002).
Já o termo “cadeia” é criticado por dar a noção de uma linearidade de processos,
em vez de uma ideia de fluxos de materiais, produtos intermediários, design, produção, e
serviços financeiros e de marketing, organizados de forma complexa para a obtenção de um
produto final (HENDERSON et al, 2002). Assim, uma importante diferença entre os
26
conceitos de cadeias e de redes de produção, de acordo com os autores da última vertente, é
que, no segundo, as diferentes etapas do processo produtivo vão acontecendo de forma
simultânea, com diversos agentes envolvidos (PEPPARD E RYLANDER, 2006).
Contudo, para autores relacionados à tradição de cadeias de commodities e cadeias
de valor, como Bair (2005), o processo descrito pela abordagem desenvolvida por Gereffi,
Korzeniewicz (1984) e outros não implica em tamanha linearidade e rigidez, mas sim se dá de
forma dinâmica e complexa. Logo, embora existam diferenças facilmente identificáveis
quanto à extensão de elementos incorporados a análise, a defesa de muitos autores da
abordagem de redes de produção de que as abordagens de cadeias não captam a dinâmica dos
processos por tratarem dele de forma linear, pode ser questionada.
Em resposta às críticas “semânticas” dos autores da abordagem de redes globais
de produção aos da abordagem de cadeias, Sturgeon et al (2008) defendem que a metáfora da
cadeia é propositalmente simplista, pois ela tem como objetivo direcionar o foco para a
localização do trabalho e para as ligações entre as diferentes etapas que circunscrevem a
produção de um produto ou serviço, desde o inicio até o final. Dessa forma, ela seria usada
para facilitar e como uma forma de conduzir o processo de pesquisa sistematicamente.
No mesmo trabalho, os autores explicitam mais uma vez a sua contrariedade às
críticas proferidas pelos autores da abordagem de redes de produção, afirmando que a
abordagem de cadeia de valor não assume um fluxo unidirecional de recursos, embora haja
um foco no poder do comprador, em detrimento de outros atores da cadeia. Esse foco, de
acordo com Sturgeon et al (2008), incentiva o estudo e o direcionamento de um olhar mais
atento às assimetrias de poder e às diferentes formas de governança que ela implica. Por fim,
a defesa dos autores ao usar o arcabouço analítico da abordagem de cadeias de valor se baseia
no fato de que essa abordagem fornece uma visão de nível meso, em que grandes estruturas
são visualizadas, ao mesmo tempo em que entidades e atores de menor escala, como
trabalhadores e empresas são considerados e incorporados à análise, o que pode ser visto em
Fernandez-Stark et al (2011), por exemplo.
Outra crítica dos autores da abordagem de redes de produção a abordagem de
cadeias é que a última se preocupa demasiadamente com o âmbito nacional, sem dar a devida
atenção ao fato de que os diferentes locais estão inseridos em várias redes de escopo regional
e global (COE et al, 2004). Esse entendimento é visto pelos autores da abordagem de redes de
produção como fundamental para o entendimento do desenvolvimento econômico, que tem
destaque dentro dos estudos que se apoiam nesse conceito.
27
As diferenças e os ganhos da análise sob a perspectiva das redes globais de
produção foram mais bem explorados no trabalho de Coe e Yeung (2015) – Global
Production Networks 2.0 – que enfatizam, mais objetivamente, como a incorporação de
questões institucionais, que vão além da produção em si, são cruciais para o entendimento das
diferentes formas de acoplamento dos diferentes locais às redes de produção, e como essas
diferentes formas de acoplamento resultam em desenvolvimento econômico desigual. As
diferenças entre as abordagens, tanto quanto ao seu background teórico e objeto de análise,
estão sumarizadas no quadro 1:
Quadro 1- A abordagem de cadeias globais de commodities e de valor versus a
abordagem de redes globais de produção
Cadeias de commodities/
cadeias de valor
Redes globais de
produção
Área teórica
Sociologia econômica;
estudos de
desenvolvimento; estudos
sobre a indústria
Geografia econômica;
economia política
internacional
Objeto de estudo Redes interfirma em
indústrias globais
Configuração das redes
globais e desenvolvimento
regional
Conceitos
orientadores
Cadeias de valor
adicionado; modelos de
governança; aprendizado
organizacional; upgrading
industrial
Criação de valor,
melhoramento e captura;
poder coletivo, institucional
e corporativo;
embeddedness social, de
rede e territorial;
acoplamento estratégico
Influências teóricas
Teoria dos sistemas
mundiais; business;
comércio internacional
Geografia econômica
relacional; GCC/GVC;
teoria ator-rede; variedades
do capitalismo
Fonte: Adaptado a partir de Coe (2009 apud COE E YEUNG, 2015).
28
McKinnon (2012) considera que três questões têm papel fundamental dentro da
análise de redes globais de produção: valor, poder e embeddedness. Dentro dessa abordagem,
entende-se que o valor pode ser criado através do controle de um produto ou processo em
particular, do desenvolvimento de capacitações organizacionais, e do aproveitamento de
relações interfirma, além de ativos mais intangíveis, como a marca. Devido à competição por
maiores fatias do mercado, é necessário também melhorar a forma pela qual se cria valor
dentro da rede, através de transferência de tecnologias e melhora nas capacitações produtivas.
Esses aspectos levantam a questão da captura de valor, pensando em quais atores e locais na
rede são capazes de se apropriar do valor gerado.
A forma como o valor é incorporado dependerá da estrutura e da atuação das
instituições, que pode se dar em três sentidos:
1. Criação de valor: através de esforços das instituições em atrair atividades de
alto valor agregado, promover a rede de fornecedores e encorajar atividades empreendedoras;
2. Melhoramento: envolve transferência de conhecimento e tecnologia e
upgrading industrial;
3. Captura de valor: relacionado diretamente às questões de poder e valor. O papel
das instituições na negociação dessas questões está ligado às suas políticas de
desenvolvimento, propriedade e governança corporativa (COE E YEUNG, 2015).
Henderson et al (2002) identifica três formas de poder dentro das redes de
produção: o poder corporativo, institucional e coletivo. O poder corporativo diz respeito ao
controle de uma empresa líder em uma rede sobre determinados recursos, informações,
conhecimento, capacitações e marca. O poder institucional é exercido pelos Estados e
instituições supranacionais, que podem desenhar um espaço institucional de acordo com as
políticas e práticas implantadas. Por fim, tem-se o poder coletivo, que se refere a agentes de
ampla representação, como sindicatos, organizações de trabalhadores e organizações não-
governamentais.
Hess (2004 apud MCKINNON, 2012) identifica três formas de embeddedness: o
social, que reflete como os atores estão inseridos nas perspectivas institucionais e regulatórias;
a da rede, que destaca as relações sociais e econômicas nas quais um ator ou firma participam;
e a territorial, referindo-se a fixação e mobilidade restrita de algumas redes em determinados
locais.
É possível adicionar, ainda, que todas essas questões são localmente específicas.
Logo, a territorialidade poderia ser incluída como uma quarta dimensão fundamental na
análise das redes globais de produção. Dicken et al (2001) afirmam que as redes têm uma
29
territorialidade e organização específicas, que podem ser entendidas como resultado das
atividades que estão sendo analisadas. Por exemplo, algumas redes de abrangência global são
controladas por atores espacialmente distantes de onde as atividades ocorrem, o que é o caso
quando são analisadas as relações entre o mercado financeiro e a indústria. Entretanto, quando
analisamos redes como a de petróleo e gás, a territorialidade desta será fortemente
influenciada pela localização das reservas, consumidores e histórico de políticas locais
(privatização e nacionalização do setor, regras para exploração), já que se trata de uma rede
que depende de dotações geológicas e com forte influência do Estado (MARTINUS E
TONTS, 2015; MARTINUS E SIGLER, 2017).
Coe e Yeung (2015) consideram que a configuração e a governança das redes
globais de produção são determinadas basicamente por três tipos de atores: firmas, atores
extrafirma e intermediários. As firmas são as empresas que participam diretamente da
produção, sendo que as redes são constituídas em torno de uma empresa líder, que exerce
funções de controle e de coordenação da rede, e por empresas que ocuparão um papel menor,
como fornecedoras da empresa líder, mas que estarão inseridas ativamente na rede, através da
sua relação com ela (COE E YEUNG, 2015).
As firmas são os elos centrais através dos quais o valor é criado, mas atores
extrafirma, como o Estado e organizações de trabalhadores, também podem contribuir para
essa criação. Sobre isso, Horner (2017) afirma que o envolvimento do Estado nesse processo
é fundamental, sendo que o grau de envolvimento deste varia significativamente.
Outro grupo de atores que tem ganhado cada vez mais relevância são os
intermediários. Esses atores são, como o nome já diz, as empresas que auxiliam na mediação
dos diferentes processos envolvidos no funcionamento das redes. Entre esses intermediários é
possível destacar as instituições financeiras, empresas de logística e agências que estabelecem
normas e padrões (COE E YEUNG, 2015).
A importância das instituições financeiras vai além do papel destas como fontes
de financiamento para a atividade industrial. Com a massiva securitização dos ativos
corporativos e as mudanças na gestão financeira das firmas, a dimensão financeira tem sido
colocada no centro das redes de produção. As empresas líderes são geridas de forma
crescentemente motivada pelos interesses dos acionistas e agências de rating (COE E
YEUNG, 2015; LAZONICK E O’SULLIVAN, 2000). Em um contexto de produção com
atividades geograficamente fragmentadas entre diferentes firmas, as operações são
administradas considerando os diferenciais de taxas de juros, câmbio e sistemas tributários e
regulatórios, a fim de garantir que a geração, melhoramento e captura de valor sejam
30
realizados da forma mais eficiente possível. Assim, as empresas produtivas têm recorrido
cada vez mais a empresas prestadoras de serviços financeiros que auxiliam a lidar com os
riscos financeiros envolvidos no novo modelo produtivo (COE E YEUNG, 2015).
As empresas de logística também estão no centro dessa nova dinâmica dispersa
geograficamente, por serem atores fundamentais para garantir o funcionamento dessas redes.
Assim, locais com boa estrutura logística são estratégicos para o estabelecimento de
atividades econômicas. Essa é uma das justificativas para a aglomeração de determinadas
atividades em alguns locais (SCHOLVIN, 2017a; COE E YEUNG, 2015).
A articulação entre esses três atores - firmas, atores extrafirma e intermediários - é
balizada pelos aspectos levantados anteriormente, a saber: valor, poder e embeddedness. Essa
articulação é fundamental para a determinação de se e como os diferentes locais vão se
acoplar às redes globais de produção e quais serão as implicações desse acoplamento para o
seu desenvolvimento econômico.
Para Coe et al (2004), o desenvolvimento econômico depende de três condições
básicas:
1. A existência de economias de escala e escopo;
2. A possibilidade de economias de localização dentro das redes globais de
produção;
3. A configuração apropriada de instituições.
Para Coe e Yeung (2015), o processo de acoplamento estratégico, crucial para o
desenvolvimento econômico, tem três características básicas:
1. Ele é estratégico, pois resulta de ações deliberadas dos atores envolvidos;
2. É contingente em termos de tempo e espaço, pois envolve relações temporárias
e eventuais de atores que, não necessariamente, vão interagir permanentemente;
3. Supera as barreiras territoriais, juntando atores que operam em diferentes
escalas espaciais.
Logo, muitas das decisões fundamentais para o acoplamento de uma região é
tomada por agentes que se localizam fora dela. Esse é um ponto-chave na perspectiva das
redes de produção, pois ela considera que agentes com papeis em diferentes localidades e com
funções em diferentes níveis (nacional, regional, estatal) interagem para moldar as redes.
Nesse processo, o papel das instituições é garantir que o acoplamento ocorra,
moldando os ativos regionais para servirem às necessidades das empresas líderes nas redes
(MCKINNON, 2012). Esse acoplamento pode ocorrer, basicamente, de três formas: interno,
funcional e estrutural. No acoplamento interno, ocorre um movimento de dentro para fora, no
31
qual as redes locais, mais autônomas e capazes de capturar valor, participam das redes de
produção já existentes ou criam novas redes regionais. No acoplamento funcional, as
empresas locais se concentram em atender às necessidades de uma rede específica e já
estabelecida. Os graus de autonomia e captura de valor neste caso são menores do que no
primeiro. No terceiro caso, o acoplamento estrutural, ocorre um movimento de fora para
dentro, em que as redes de produção conectam uma região às redes já existentes, por causa de
seus ativos. O acoplamento estrutural tende a ser marcado por baixa autonomia e pouca
captura de valor local (COE E YEUNG, 2015). Os acoplamentos são ilustrados pela figura 1:
Figura 1 - Formas de acoplamento às redes globais de produção
Fonte: Adaptado a partir de Scholvin et al (2017a).
Ao tratar do acoplamento estratégico e das implicações de desenvolvimento
resultantes, essa vertente também se propõe a tratar o desenvolvimento sob uma perspectiva
diferente, afastando-se de uma análise centrada exclusivamente no Estado, e colocando as
empresas no centro da análise. Ao desenvolver tal análise olhando para a trajetória dos países
asiáticos, Yeung (2014) destaca as estratégias específicas das firmas para explicar as relações
firma-estado, e mostra o processo dinâmico pelo qual as firmas nacionais se dissociaram,
parcial ou completamente, das suas estruturas econômicas e políticas locais e se associaram a
empresas multinacionais líderes, nas redes globais de produção.
Ainda sobre isso, Yeung (2014) argumenta que, embora a ação do Estado tenha
sido muito importante no desenvolvimento da estrutura industrial asiática, foi a participação
em redes globais de produção que levou a mudanças na trajetória de desenvolvimento das
economias da região, a partir da década de 1990. Ele considera que o desenvolvimento
32
exitoso das indústrias asiáticas locais levou a uma maior integração das indústrias domésticas
aos mercados globais.
Coe e Yeung (2015) também olham para a Ásia ao afirmarem que algumas sub-
regiões, como Karnataka na Índia e as províncias costeiras da China têm estabelecido
políticas industriais altamente efetivas, que têm contribuído para a conexão dos seus
respectivos centros regionais (Bangalore e Shangai) a empresas líderes nas redes de produção.
Assim, a integração nas redes não é apenas resultado das iniciativas governamentais ou de
empresas locais, mas sim de ações empreendidas pelos dois atores (COE E YEUNG, 2015).
Essa visão afastada do Estado é fortemente criticada por alguns autores como o
Horner (2017) e Stephenson e Agnew (2015), que afirmam que, ao tratarmos de indústrias
extrativas, como a de petróleo, não é possível desvincular a rede do Estado, seja no seu papel
de regulador, produtor direto ou de agente responsável pela construção da infraestrutura
específica necessária para o funcionamento da indústria em suas diversas etapas.
Embora a abordagem de redes globais de produção incorpore vários outros
aspectos não contemplados pela abordagem de cadeias, a primeira também é criticada por
alguns autores por, apesar dos esforços, ainda negligenciar questões centrais para o
entendimento do funcionamento da economia global. Sobre isso, Mahutga (2014) afirma que,
embora a questão do poder esteja inserida na análise de forma significativa, como destaca
McKinnon (2012), os diferenciais de poder, fundamentais para o entendimento das relações
entre os diferentes atores, ainda não são tratados com a devida importância.
Ravenhill (2014) também apresenta uma crítica, tanto à abordagem de cadeias
como à de redes de produção, afirmando que muitos estudos desenvolvidos a partir dessas
perspectivas teóricas mostram que a fragmentação da produção gera ganhos para todas as
partes e que as empresas líderes costumam ter interesse em aumentar as capacitações dos seus
fornecedores, assim como de melhorar a qualidade e a eficiência dos custos das suas
operações. Contudo, o autor considera que esse modelo, ao contrário da visão otimista de
muitos estudos, baseia-se na reserva da empresa líder das partes da cadeia em que as barreiras
à entrada e o lucro são maiores, enquanto os fornecedores costumam operar com baixas
margens de lucro e em etapas mais expostas à competição de outras empresas, o que
evidencia a assimetria de poder existente entre os agentes, que, assim como a crítica feita por
Mahutga (2014), não é tratada tão amplamente pelos teóricos dessas abordagens.
Embora, assim como outros conceitos, o de redes globais de produção seja
passível de críticas, como as reportadas nos parágrafos anteriores, essa abordagem ainda se
mostra como a mais adequada para a análise que se pretende desenvolver nesta tese, pois
33
permite a inserção ativa na análise não apenas de empresas, mas também de organização
governamentais e instituições, o que é feito apenas de forma marginal na abordagem de
cadeias.
1.2. Cidades globais e gateway
Identificando o papel concentrador de determinadas cidades e a fim de discutir o
papel das cidades dentro do novo contexto de produção fragmentada e dispersa, foi
desenvolvido o conceito de redes de cidades globais, que tem como principais expoentes
Friedmann, Sassen e, mais recentemente, Taylor. Esse conceito foi a base para o
desenvolvimento de diversos trabalhos que tentaram discutir o papel das cidades nesse novo
contexto. Entretanto, o conceito de cidades globais apresenta algumas limitações no que diz
respeito à ênfase excessiva nos serviços e a capacidade de análise de cidades do Sul global.
Para Brenner (1998), a formação das cidades globais está ligada à globalização do
capital e às mudanças nas dinâmicas espaciais. As cidades globais estão situadas em um plano
organizacional mais amplo, pois elas estão vinculadas às instituições dos países em que se
localizam. Elas são locais estratégicos, promovidos pelos seus países como nós para o
investimento de capital transnacional.
Parnreiter (2014) afirma que a formação da cidade global se dá a partir de dois
importantes movimentos:
1. dos fluxos das firmas prestadoras de serviços produtivos nas cidades globais
para empresas localizadas nessas mesmas cidades, ou em outros locais, que operam ou
coordenam cadeias de commodities;
2. da formação de centros de negócios globais e regionais, que geram ligações que
transbordam a rede de cidades globais, conectando-as a várias outras localidades, nas quais
ocorre a produção para o mercado mundial.
Os ganhos analíticos proporcionados pelo estudo das cidades globais em um
contexto de produção funcionalmente fragmentada e geograficamente dispersa já foram
discutidos em um volume editado por Derudder e Witlox (2010). De acordo com os autores,
essa articulação tem a ver com o fato de que o conceito de cidade global e os novos modelos
produtivos partem de uma ideia em comum: a de que a dinâmica de desenvolvimento
econômico em uma localidade está relacionada com como essa localidade tem sido
transformada pela sua participação em redes de produção, conhecimento, capital, trabalho e
34
poder (DERUDDER E WITLOX, 2010). Essa participação, por sua vez, se dá através das
filiais e escritórios de corporações internacionais presentes nessas localidades e de todo o
aparato de serviços especializados que estas localidades dispõem para dar suporte à produção
globalizada.
As cidades globais aparecem como nós críticos para várias cadeias, pois elas
fornecem insumos essenciais para o funcionamento delas. De acordo com os estudiosos do
tema, toda cidade global é um nó de serviços para uma gama de cadeias, e são os produtores
de serviços que mantém as conexões entre as cidades. Desde o empréstimo de capital para
iniciar a produção, passando pelas empresas de serviços financeiros, de tecnologia da
informação, consultoria especializada, publicidade e serviços específicos a determinados
setores, o fornecimento de serviços nas cidades é fundamental para ligar espaços dispersos de
produção e consumo, sendo fundamentais para o sucesso das cadeias (BROWN et al, 2010).
De acordo com COE et al (2014), as empresas de serviços tendem a se aglomerar
em cidades globais com o objetivo de obter vantagens de economias de aglomeração,
localizando-se perto das sedes de empresas do setor produtivo. Dessa forma, as cidades
globais abrigam empresas transnacionais que organizam a produção global em grandes e
complexas escalas e abrigam também, as empresas de serviços que dão suporte a tal escala.
A ideia de uma economia mundial articulada através de cidades não é nova. Já em
1915, Geddes tratava dessa ideia e Hall (1966), seguindo a sua linha, definiu as cidades
mundiais como aquelas nas quais, proporcionalmente, uma grande parte das atividades
econômicas do mundo era conduzida. Contudo, a ideia de que algumas cidades tinham um
papel estratégico começou a ser desenvolvida posteriormente, ao longo dos anos 1970 e 1980
por autores que focaram no fato de que um número crescente de empresas multinacionais
estava se fixando em algumas cidades, o que implicava em importantes consequências para o
funcionamento da economia mundial. Inicialmente, o foco dos estudos que iam nessa linha
estava nas corporações multinacionais, e não no setor de serviços (SMITH, 2014).
Nesse sentido, os estudos seminais de Friedmann (1986) e Sassen (1991, 2001) e,
mais recentemente, os estudos de Taylor (2001, 2002, 2004 e 2009), são importantes
contribuições para o desenvolvimento e consolidação dessa linha de pesquisa, pois mostram
como os processos de globalização e dispersão da produção levaram à formação de uma nova
organização espacial, na qual os centros de negócios das cidades formam o coração da rede
urbana global, através de diferentes fluxos entre empresas.
Hymer e Cohen foram importantes precursores dos estudos nessa linha. Hymer
(1972) afirmava que os processos de tomada de decisão estavam centralizados em algumas
35
cidades-chave, sendo que estas cidades seriam, assim, importantes centros de planejamento
estratégico para as empresas multinacionais. Dessa forma, o autor visualizava uma latente
hierarquia urbana com a centralização de funções estratégicas em um seleto grupo de cidades
de países avançados. Para o autor, essa centralização de atividades traria implicações quanto
às possibilidades de desenvolvimento dos diferentes locais, pois, aqueles que conseguissem
atrair as atividades mais sofisticadas realizadas pelas multinacionais, teriam melhores
possibilidades de se desenvolver economicamente, devido à proeminência dessas empresas
(BAILEY E DRIFFIELD, 2002).
Para Cohen (1981), as cidades funcionavam como centros da economia mundial,
incorporando importantes agentes, como corporações, instituições financeiras e empresas
prestadoras de serviços corporativos. Para o autor, as cidades que concentravam esses agentes
eram centros do controle corporativo e coordenação para a nova divisão internacional do
trabalho, que tinha na empresa multinacional e na organização das suas funções o seu cerne.
O conceito de cidade global foi mais desenvolvido e adquiriu mais importância
com Sassen e Friedmann, mas as abordagens de ambos diferem em alguns pontos, embora
partam das mesmas noções de globalização. Para Friedmann (1986), uma cidade global era
caracterizada essencialmente pela sua capacidade de acumular capital. Já para Sassen (1991),
não era apenas essa capacidade que caracterizava uma cidade global, mas também a
capacidade desta de interagir, em um contexto de rede, com outras cidades globais, através de
empresas que fornecem serviços de suporte à produção (ACUTO, 2011).
Friedmann (1986) considera que, apenas na década de 1980, o estudo das cidades
passou a ser ligado à economia mundial. O autor considerava que essa nova forma de tratar as
cidades oferecia uma perspectiva espacial na qual as fronteiras nacionais eram crescentemente
esquecidas. A concepção de Friedmann sobre as cidades abriu um novo caminho sobre como
trabalhar com o tema, que situa a cidade no contexto de desenvolvimento globalizado do
capitalismo. Nessa nova visão, algumas cidades desempenham um papel importante na
articulação das economias regionais e nacionais com a economia global, sendo locais-chave
para a realização do novo modelo produtivo vigente (ALDERSON E BECKFIELD, 2004).
Sobre este papel, Friedmann (1986) destaca sete aspectos relevantes para
entendermos as implicações dessa organização econômica e espacial:
1. A forma e a extensão da integração de uma cidade na economia mundial, e a
funções desempenhadas por ela na nova divisão espacial do trabalho serão decisivas para a
ocorrência de mudanças estruturais na cidade.
36
2. Cidades-chave na economia são usadas pelo capital global como pontos de
comando e articulação da produção e dos mercados, sendo que as ligações entre estas cidades
permitem a identificação de uma complexa hierarquia espacial.
3. As funções de controle global das cidades são reflexo direto da sua estrutura e
dinâmica do setor produtivo. A expansão das cidades e sua ascensão como cidade global tem
ligação com determinados atributos dessas cidades, principalmente, em relação à estrutura de
transporte e comunicação e serviços de alto nível, como auditoria, seguros e serviços legais, e
finanças.
4. Cidades globais são locais de concentração e acumulação de capital
internacional.
5. As cidades globais são locais de grandes fluxos de imigração.
6. A formação das cidades globais traz a tona as principais contradições do
capitalismo, como a polarização de classes e espacial.
7. O crescimento da cidade global gera custos sociais que tendem a ser superiores
a capacidade fiscal do Estado.
Com esses pontos, Friedmann (1986) levanta não apenas os requisitos necessários
ao status de cidade global e ao pertencimento aos mais altos níveis hierárquicos urbanos, mas
também levanta as implicações sociais dessa posição. Para o autor, a função de cidade global
está baseada em uma estrutura urbana e econômica que torna determinadas cidades atraentes
ao capital transnacional. Em um contexto de rede, pode-se afirmar que as cidades globais são
como nós de ligação preferencial (BARABÁSI, 2009).
Sassen (1991) parte da ideia de que a dispersão espacial e a integração global
criaram um novo papel estratégico para as cidades. Para a autora, estas funcionam de quatro
maneiras:
1. Como locais de comando altamente concentrados da economia mundial;
2. Como locais-chave para o estabelecimento de serviços especializados e
financeiros, que têm substituído a manufatura na posição de setores líderes da economia;
3. Como locais de produção, incluindo a produção de inovações, nas principais
indústrias;
4. Como mercados para os produtos e inovações produzidos.
A autora afirma que as atividades econômicas vêm se concentrando em
determinadas cidades, o que têm relação direta com a existência de empresas prestadoras de
APS - Advanced Producer Services (SASSEN, 1991). Para a autora, o desenvolvimento da
corporação moderna e sua participação massiva em mercados internacionais fizeram com que
37
o planejamento, administração, desenvolvimento de produto e pesquisa se tornassem
crescentemente complexos. Isso fez com que ocorresse um crescimento da dependência da
corporação por serviços, que, em contrapartida, possibilitaram o crescimento e
desenvolvimento de capacidades de alto nível no setor de APS (SASSEN, 1991).
Isso ocorreria devido ao fato de que as firmas que operam nesses serviços
necessitam de um ambiente rico em informação para manter a liderança no seu segmento.
Com a demanda por esses serviços em diversas áreas do globo, essas empresas se instalaram
em todas as regiões do mundo (SASSEN, 1991).
Os APS podem ser vistos como parte da capacidade de fornecimento das
economias. Eles são parte de uma economia intermediária mais ampla, e os serviços prestados
podem ser internalizados pela firma ou comprados de outra. Fazem parte dos APS os serviços
financeiros, legais, consultoria, de inovação, desenvolvimento, design, administração,
tecnologia de produção, manutenção, transporte, comunicação, distribuição, publicidade,
segurança e armazenamento. Essas atividades dão suporte à produção, por isso o nome de
serviços produtivos (SASSEN, 1991).
Os trabalhos de Friedmann e Sassen orientaram os desenvolvimentos no âmbito
da abordagem das cidades globais por muito tempo. Contudo, Martinus e Tonts (2015)
afirmam que os autores categorizam as cidades de acordo com atributos específicos, o que
implica em uma limitação de seus respectivos trabalhos, pois este escopo analítico negligencia
a complexa e dinâmica rede de relações existentes entre as cidades. Assim, em resposta às
limitações dos tradicionais estudos baseados na hierarquia das cidades, e mais voltados ao
ranqueamento dos locais de acordo com os seus atributos e características consideradas
estratégicas, surge uma nova corrente de estudos baseados em redes, mas ainda focados nos
APS.
Para os autores surgidos nessa corrente, uma abordagem de rede seria mais
eficiente no que diz respeito à captura de aspectos históricos de concentração, captando
também componentes regionais e locais da rede, sendo, consequentemente, mais eficiente no
entendimento da dinâmica de poder e padrões contemporâneos de produção. Um dos
principais expoentes dessa linha de estudos, que incorpora a ferramenta analítica das redes, é
Taylor. Atuando em uma linha semelhante à de Friedmann e Sassen, Taylor contribuiu
intensamente para a aplicação empírica desse conceito e para a sofisticação metodológica da
pesquisa sobre cidades globais.
Taylor (2001, 2004) estabelece uma ligação entre as cidades globais e o conceito
de redes. O autor considera que as rede de cidades globais são diferentes de outras redes, pois,
38
enquanto a maioria das redes tem dois níveis, as de cidades globais têm três níveis: a
economia mundial, onde as ligações são estabelecidas; as cidades, que são os nós; e as
empresas de APS, que são os componentes que estabelecem as ligações entre os nós.
Para Taylor (2001), muitos centros financeiros e de negócios globais estão ligados
através de uma rede urbana, cuja intensidade das transações, especialmente em mercados
financeiros e transações em serviços avançados, tem aumentado desde a década de 1980. O
autor considera que as grandes cidades vêm consolidando a sua centralidade através das suas
conexões com outras grandes cidades no mundo. Consequentemente, as cidades vêm sendo
estudadas como nós em redes globais.
Embora Taylor incorpore certo dinamismo ao estudo das cidades globais, ele
ainda está focado nos APS. Diversos autores, como Jacobs et al (2011), Kratke (2014a),
Martinus e Tonts (2015), vêm criticando esse direcionamento da agenda de pesquisa dessa
área, afirmando que essa visão representa apenas uma faceta das cidades, não abrangendo a
complexidade das redes desenvolvidas nos diferentes setores, que podem incorporar cidades
que não apareceriam se apenas os APS fossem observados. Assim, diversos trabalhos de
escopo setorial vêm sendo desenvolvidos no âmbito das redes globais.
Jacobs et al (2011) trazem uma especialização setorial, embora ainda estejam
pautado nos APS. Os autores criticam a forma como a pesquisa na área vem sendo
desenvolvida e introduzem uma nova perspectiva a partir da consideração de que a
localização deve ser levada em consideração. De acordo com os autores, na pesquisa de
cidades globais muita atenção é dada aos APS, mas não é discutido se a especialização dos
APS pode influenciar a geografia das redes corporativas entre as cidades e quais fatores
explicam esse possível padrão geográfico.
Jacobs et al (2011) dão atenção às empresas que fornecem serviços para setores
específicos e consideram que o fato das empresas de APS oferecerem serviços a outras firmas,
que operam em uma gama de setores, pode gerar uma especialização de determinadas firmas
ou filiais na prestação de serviços para determinados setores. Esse argumento é um
contraponto a Sassen (1991), que afirma que essas firmas de APS fornecem commodities
organizacionais para dar sustentação às funções de comando e controle dos seus clientes
globais.
A especialização de APS e da existência de serviços específicos a determinados
setores, levantam a possibilidade de padrões de localização diferentes daqueles previstos pela
análise comum de cidades globais, se for admitido que esses serviços se aglomeram próximos
à indústria a qual eles são prestados. Assim, serviços especializados se concentrariam em
39
cidades que são centros de comando e controle dos setores para os quais estes serviços são
prestados, mas que, não necessariamente, são centros de comando e controle em uma análise
mais agregada (JACOBS et al, 2011).
Já Kratke (2014a) e Martinus e Tonts (2015) desenvolvem uma vertente setorial
sem vínculo com a abordagem de APS. Eles se baseiam na ideia de que a forma como as
cidades estão inseridas na rede de cidades globais não se dá de forma padronizada, porque há
múltiplas formas de globalização. Assim, o foco exclusivo nos APS não seria suficiente para
captar o papel que as cidades desempenham na economia global. Os autores consideram que
as cidades assumem diferentes perfis, já que são nós importantes para muitas cadeias de valor.
Portanto, um estudo focado em um setor industrial específico é capaz de englobar as
particularidades da forma como as cidades participam na economia global, o que não é
possível em uma análise agregada.
Kratke (2014a) desenvolve um estudo sobre as redes formadas a partir da
indústria farmacêutica e de biotecnologia. O autor partiu da ideia de que a indústria
manufatureira também contribui para a formação da rede de cidades globais e que muitos nós
relevantes nas cadeias globais estão localizados em cidades fora do grupo de mais alto nível
hierárquico, obtido através da análise exclusiva do setor de serviços. Logo, a formação de
uma rede de cidades globais deveria ser concebida, de acordo com o autor, como resultado de
“múltiplas globalizações”, nas quais empresas de uma variedade de setores contribuem para a
conexão entre as cidades. Os resultados obtidos pelo autor corroboraram tal premissa, pois
mostraram diferentes cidades nas posições de maior centralidade, sendo que muitas delas não
costumam aparecer nos estudos tradicionais baseados no setor de serviços, o que reitera a
necessidade de atenção às globalizações múltiplas nas redes de cidades globais (KRATKE
2014a).
Mais recentemente, Martinus e Tonts (2015) desenvolveram um estudo voltado ao
setor de energia, identificando cidades centrais para o funcionamento das redes produtivas
desse setor. Nesse estudo, os autores afirmam que as particularidades do setor de energia,
como o alto grau de integração vertical, a participação dos governos nacionais, tanto na
regulação da exploração dos recursos como na produção direta através das empresas estatais,
implicam em certas particularidades. No estudo, Martinus e Tonts (2015) incorporam um
aspecto regional, mostrando algumas regiões principais no que diz respeito ao funcionamento
da cadeia de energia, sendo que cada uma delas apresenta um grupo de cidades que
concentram o poder administrativo de tal cadeia, tendo influência sobre a região na qual elas
40
estão inseridas. Os autores consideram que tais cidades funcionam como intermediárias de
fluxos de capital e conhecimento, funcionando como pontes entre a esfera global e regional.
Captando essa relação de influência que algumas cidades exercem sobre as suas
respectivas regiões e o papel delas na integração da região à economia e às redes globais,
temos o conceito de “gateway cities”. Esse conceito parte de uma ideia considerada, porém
não explorada, nos estudos sobre cidades globais: o de que algumas cidades têm como
principal função a de conectar as suas respectivas vizinhanças globalmente. Essas cidades
gateway, além de serem importantes centros urbanos de negócios, são portas de entrada (e
saída) para uma determinada região ou país, atuando como agentes integradores da sua
própria região ou país, e destes com a economia global (BURGHARDT, 1971).
Quando o foco é no conceito de gateway, em vez de no de cidades globais,
desloca-se a atenção da questão de quais cidades dominam a economia mundial para como
essa dominância é exercida, ou seja, como as cidades gateway impactam as suas respectivas
regiões e país (SHORT et al, 2000).
Como os estudos mais tradicionais de cidades globais pautam-se na
hierarquização de cidades a partir dos APS, cidades como Nova York, Londres e Tóquio são
colocadas em um papel central. Entretanto, o processo de desindustrialização vivido por essas
cidades, fruto da nova divisão internacional do trabalho, não atingiu tão fortemente as cidades
de países em desenvolvimento, sendo que muitas delas ainda conservam a sua função de
centros de processamento industrial regional. Sendo assim, uma abordagem exclusivamente
baseada na análise da provisão de APS não é adequada para captar o papel e influência das
cidades do Sul global sobre as suas respectivas regiões e países e sobre como elas integram
tais regiões e países à economia global.
A partir dessas considerações, Scholvin et al (2017a) exploram aspectos que vão
além da tradicional discussão baseada em serviços, que predomina nos estudos voltados às
cidades globais. Ademais, os autores estabelecem uma nova abordagem para tratar as cidades
globais e gateway dos países em desenvolvimento. De acordo com Scholvin et al (2017a), as
cidades gateway atuam como intermediárias, sendo importantes centros para as suas
respectivas regiões e atuando como pontos de articulação das redes produtivas em cinco
aspectos principais: logística e transporte, processamento industrial, controle corporativo,
provisão de serviços e geração de conhecimento.
Transporte e logística são pontos fundamentais de articulação dentro das redes
globais de produção, sendo que cada rede tem necessidades específicas (transporte rodoviário,
ferroviário, marítimo ou aéreo), de acordo com os produtos transportados e com a estrutura da
41
rede. Além de permitir fluxos de materiais e produtos, os serviços de transporte e logística
também são cruciais para a geração de vantagens competitivas, já que são capazes de atenuar
os custos relacionados à distância e tornar a cadeia de fornecimento mais eficiente. Dessa
forma, locais que não oferecem uma boa estrutura de transporte e logística podem ser
excluídos de determinadas redes produtivas (SCHOLVIN et al, 2017a).
As cidades gateway não desempenham apenas funções relacionadas ao setor de
serviços. Em muitos casos, elas são centros de processamento industrial. Dessa foram, elas
aparecem como centros de processamento de insumos das suas respectivas regiões e países,
onde empresas estrangeiras e nacionais se instalam para produzir para os mercados nacionais
e regionais (SCHOLVIN et al, 2017a).
As empresas transnacionais estão dispersas internacionalmente, com o objetivo de
obter vantagens a partir da execução de diferentes atividades em diferentes localidades, que
oferecem baixos custos, recursos e capacitações. Embora tal dispersão seja global, estudos
como o de Rugman e Verbeke (2005), mostraram que a organização das transnacionais se dá
através de escritórios regionais, que mantém relações próximas com as subsidiárias das
regiões e a sede da empresa, atuando como intermediários entre a organização regional e
global da empresa. Esses escritórios regionais concentram-se em algumas cidades que, de
acordo com Sigler (2013), tem a importante característica de incorporarem uma série de
atributos, como mão de obra especializada, boa estrutura de serviços e de transporte, entre
outras. Assim, devido a essa concentração, acabam desempenhando um importante papel
administrativo dentro das regiões cujas atividades são operadas a partir de tais escritórios
(SCHOLVIN et al, 2017a).
As empresas prestadoras de serviços, tão exploradas por Sassen (1991) e Taylor
em inúmeros trabalhos, também têm importante papel dentro das funções exercidas pelas
cidades gateway. Como explorado por Rabach e Kim (1994), as dispersão internacional
dessas empresas ocorreu, principalmente, com o objetivo de acompanhar as empresas que
contratavam os seus serviços e captar especificidades locais, como especificações de produto,
arcabouço institucional e regulatório, cultura e aspectos políticos. Elas se concentraram em
algumas cidades estratégicas, com frequência onde também estão as empresas para as quais
elas prestam serviços. Assim, as cidades gateway acabam desempenhando o importante papel
de centros de prestação de serviços (SCHOLVIN et al, 2017a).
A geração de conhecimento é o aspecto mais sofisticado das cidades gateway.
Dentro dessas cidades, as redes estabelecidas entre diferentes atores, como universidades,
instituições de pesquisa, empresas transnacionais e nacionais, favorecem o desenvolvimento e
42
a transferência de conhecimento. Esses processos são de extrema importância, pois
possibilitam a adaptação de tecnologias já existentes às especificidades locais, o
desenvolvimento de tecnologias locais, além de favorecer o aprendizado, aspecto crucial no
processo inovativo como um todo (SCHOLVIN et al 2017a).
O conceito de cidades gateway é especialmente importante para a análise que será
realizada nesta tese, pois as cidades aqui analisadas integram áreas remotas na região, onde a
produção do petróleo tem inicio, à cadeia global de petróleo e gás. Entretanto, o conceito de
cidades gateway vem sendo empregado de forma marginal na literatura.
Embora Taylor (2002) considere que algumas cidades globais podem ser
classificadas como “regional command centres” e descritas como um ponto de articulação, ou
seja, um gateway entre as suas respectivas regiões e outras cidades globais, essa função não é
devidamente explorada no trabalho do autor que, ao contrário, tem mantido o foco nas
ligações existentes entre as diferentes cidades globais, negligenciando como essas ligações
transbordam essa rede e ocorrem também entre as cidades globais e os locais onde a produção
das diferentes cadeias ocorre e que, muitas vezes, estão fora da rede de cidades globais.
Até mesmo trabalhos focados na função gateway de determinadas cidades,
como Grant e Nijman (2002) e Parnreiter (2013) têm enfatizado a conexão que essas cidades
estabelecem com o sistema global, em detrimento da análise da sua conectividade em nível
regional.
Além disso, os estudos nessa área focam em um pequeno número de cidades,
principalmente na Europa ocidental e na América do Norte, havendo crescente interesse
também no leste e no sudeste da Ásia. Contudo, áreas como a América do Sul, entre outras,
não têm tido tanto destaque (SURBORG, 2011), havendo poucos trabalhos dedicados a elas,
como Rossi e Taylor (2005) e Rossi, Beaverstock e Taylor (2007). Adicionalmente, também
há um grande foco da análise em atividades voltadas ao setor financeiro (MARINGATI, 2011
apud SURBORG, 2011), ainda dentro do escopo dos APS.
1.3. A indústria do petróleo
A cadeia de petróleo e gás pode ser caracterizada por um conjunto de atividades
que ligam a exploração e produção (etapa upstream) de poços de petróleo e gás; o transporte,
refino e distribuição (etapa midstream); e a transformação de seus derivados pela indústria
petroquímica (etapa downstream), com uma gama de empresas atuando em cada uma das
43
etapas (VALENTE, 2009; RUAS, 2012; OLIVEIRA, 2016). Embora diferente de cadeias e
redes produtivas tradicionais, como as de eletrônica e vestuário, Bridge (2008) considera que
a realização dessas etapas, que envolvem uma gama de empresas e locais em cada uma delas,
caracteriza a indústria de petróleo e gás como uma indústria na qual os projetos são realizados
em rede.
Essa indústria pode ser considerada como intensiva em capital, sendo composta
por grandes grupos que estão entre as maiores empresas do mundo. Essa indústria também é
caracterizada pela internacionalização das atividades, pois o fato de diferentes países
ocuparem as posições de grandes produtores e grandes consumidores estruturou o mercado
através de intensos fluxos de comércio internacional, com empresas atuando em várias partes
do mundo (RUAS, 2012).
O início da indústria de petróleo data da metade do século XIX, nos Estados
Unidos, e já no final do século, os derivados de petróleo eram importantes insumos, sendo
empregados em plantas industriais, substituindo o carvão nos navios, na forma de óleos
lubrificantes e, posteriormente, como alimento para o motor a combustão interna (LUSTOSA,
2002). A configuração geopolítica da indústria de petróleo foi sendo moldada ao longo do
tempo, refletindo a alternância de poderes entre os diferentes atores envolvidos no setor.
Desde o princípio, a indústria foi composta por grandes empresas,
internacionalizadas e verticalizadas, que dominavam o setor impondo controle de preços e de
produção, com destaque para a formação, já na década de 1930, do cartel internacional
conhecido como “sete irmãs”, formado pelas empresas Royal Dutch Shell, Anglo Persian Oil
Company (BP), Standard Oil of New Jersey (Esso), Standard Oil of New York
(Socony/Mobil), Standard Oil of California (Chevron), Texaco e Gulf Oil (LUSTOSA,
2002; RUAS, 2012).
No início da década de 1960, essas empresas, chamadas de IOCs (International
Oil Companies), chegaram a concentrar 90% da produção mundial. Essa dominância se
manteve até a década de 1980, quando elas controlavam aproximadamente 85% da produção
(MALECKI, 2013). Contudo, insatisfações com a forma de operação dessas companhias,
aliadas a mudanças geopolíticas e movimentos nacionalistas em importantes países ricos em
petróleo na África e no Oriente Médio, contribuíram para a formação da OPEP (Organização
dos Países Exportadores de Petróleo), em 1960, fundada por Irã, Iraque, Kwait, Arábia
Saudita e Venezuela, e com adesão posterior de outros países (LUSTOSA, 2002; MACHADO
E REIS, 2011).
44
Além da formação da OPEP, a visão nacionalista em relação ao petróleo também
se materializou em outros países, como México e Brasil, que nacionalizaram os seus campos
de petróleo e criaram empresas estatais para a exploração deles, as chamadas NOCs (National
Oil Companies). Assim, ocorreu uma fragmentação na indústria de petróleo, pois, embora as
IOCs continuassem a dominar o refino e a tecnologia empregada, as atividades iniciais da
cadeia passaram a contar também com a participação das NOCs. Esse movimento fez com
que as IOCs procurassem reservas em áreas geográficas ainda não totalmente exploradas e de
mais difícil acesso, como Mar do Norte, Canadá e Austrália. Isso contribuiu para a expansão
da fronteira geográfica de exploração e para o avanço tecnológico na indústria, já que, para
viabilizar a exploração dessas áreas, foram necessários investimentos em P&D (Pesquisa e
Desenvolvimento), inclusive para a exploração offshore (LUSTOSA, 2002).
A configuração atual da indústria reflete esse movimento de aparecimento das
NOCs e diminuição das reservas exploradas por IOCs. Hoje, as NOCs controlam cerca de
90% das reservas mundiais e 75% da produção mundial de petróleo e gás (YANG E DONG,
2016). Contudo, as NOCs não são homogêneas entre si e muitas delas estão
significativamente atrasadas tecnologicamente em relação às IOCs, sendo que a dominância
de muitas se deve mais às questões regulatórias domésticas do que à eficiência (MALECKI,
2013).
Além dos grandes grupos petrolíferos, essa cadeia também é composta por
empresas que desempenham atividades mais especializadas, focadas em determinados
segmentos, compondo a chamada indústria parapetrolífera. As empresas dessa indústria são
responsáveis pela oferta de equipamentos e serviços especializados de suporte às atividades
da indústria de petróleo (RUAS, 2012).
De acordo com Ruas (2012), as empresas que compõe o segmento parapetrolífero
são muito heterogêneas, havendo desde empresas integradas e internacionalizadas até
empresas especializadas de atuação regional. Os fornecedores dessa área estão ligados à oferta
de produtos e serviços para a exploração, desenvolvimento e produção, como equipamentos e
serviços de prospecção e avaliação de estruturas geológicas, perfuração, cimentação,
elevação e bombeio, controle de fluxo, prevenção de explosões, processamento primário,
geração de energia, embarcações de apoio offshore e engenharia; ou refino, como
serviços de engenharia e montagem, fabricação de diversos equipamentos e estruturas,
produtos químicos, geração de energia, tanques de armazenamento, dentre outros.
Durante os anos 1990, as flutuações do preço de petróleo impactaram muitos
grupos envolvidos nesse setor. Tal movimento contribuiu para uma reestruturação da
45
indústria, principalmente no que diz respeito às etapas upstream. Houve um intenso
movimento de fusões e aquisições, além de terceirização de determinadas atividades,
buscando economias de escala. Esse aumento na terceirização fez com que algumas empresas
parapetrolíferas ganhassem mais destaque no setor (BRIDGE, 2008).
As atividades da cadeia têm início com a identificação de locais com potencial
para a exploração. Como na maioria dos países o Estado tem jurisdição sobre o subsolo, ele
define os termos em que a exploração irá ocorrer e as empresas petroleiras devem adquirir os
direitos de exploração (BRIDGE, 2008; OLIVEIRA, 2016). A forma pela qual a atuação
dessas empresas vai ocorrer é definida de acordo com contratos, que podem ser, basicamente,
de quatro tipos: concessão, partilha, de serviços e joint ventures (MERCHÁN, 2015). A forma
de contrato vigente influencia fortemente a geografia desenvolvida pela cadeia de petróleo e
gás, já que, em muitos casos, a participação da NOC do país em que o campo de petróleo e
gás se encontra é obrigatória.
Na concessão, uma empresa adquire o direito de exploração e é proprietária
exclusiva do petróleo e gás produzidos, tendo que arcar com as taxas discriminadas no
contrato. Na partilha, embora as empresas adquiram o direito à exploração, as empresas
estatais do país em que o campo de petróleo e gás se encontra têm uma participação mínima
obrigatória no consórcio. No contrato de serviços, a NOC tem o direito exclusivo de explorar
os campos e pode contratar empresas, que receberão um pagamento pré-determinado. Nas
joint ventures, são formadas empresas mistas para a exploração dos campos. Os últimos dois
tipos de contrato são pouco comuns, sendo praticados em apenas alguns países (MERCHÁN,
2015).
Depois da aquisição dos direitos de exploração, serão realizadas pesquisas
sísmicas e perfuração. Após esta etapa, será construída a infraestrutura para possibilitar a
produção (OLIVEIRA, 2016). Ao longo do processo, as empresas operadoras contratarão
empresas prestadoras de serviços especializados, do segmento para petrolífero, que auxiliarão
em determinadas atividades.
Nas etapas de perfuração e completação ocorre uma parcela significativa dos
dispêndios necessários a um projeto de E&P (Exploração e Produção). Essas atividades da
cadeia são fortemente concentradas, com poucas empresas, como Schlumberger, Halliburton,
Baker Hughes e Weatherford (BLOOMBERG, 2017) respondendo por uma grande fatia do
mercado. Essas empresas se destacam pelo alto investimento em P&D (Pesquisa e
Desenvolvimento), o que constitui uma forte barreira à entrada nesse segmento (OLIVEIRA,
2016).
46
Na perfuração, os requerimentos de capital necessário para a aquisição de
equipamentos também se colocam como barreiras à entrada. Os equipamentos utilizados nesta
etapa são construídos por fornecedores especializados e estaleiros, no caso da exploração
offshore (OLIVEIRA, 2016).
Na etapa de refino, os componentes mais leves são separados dos mais pesados,
produzindo uma ampla gama de combustíveis (gasolina, diesel, óleo combustível) e
matérias-primas (querosene, Nafta, asfalto, enxofre), que serão empregadas na indústria
química. Como existem diferentes tipos de petróleo, cada refinaria será construída de acordo
com o tipo de petróleo a ser processado e o mercado a ser atendido (VALENTE, 2009).
Na sequência, os combustíveis são transportados para os locais de
comercialização, o que requer uma complexa infraestrutura de logística e transporte. De
acordo com Stephenson e Agnew (2015), cada uma dessas etapas (upstream, midstream,
downstream) constitui uma rede diferente, nas quais atores específicos estão interagindo e o
Estado exerce diferentes papeis, seja como regulador, produtor ou agente responsável pela
infraestrutura necessária.
Considerando essas diferentes etapas, podemos exemplificar o funcionamento da
rede produtiva de petróleo e gás da seguinte forma: os projetos de E&P (Exploração e
Produção) são comandados por petroleiras (IOCs e NOCs), que, muitas vezes, se associam em
consórcios para dividir os riscos financeiros e geológicos. Além delas, também estão incluídas
algumas empresas parapetrolíferas, para as quais a perfuração costuma ser terceirizada.
Nesses projetos também estão envolvidas empresas fornecedoras de equipamentos, que
também podem fornecer serviços de manutenção, análise e processamento de dados
geológicos dos poços. Ademais, também são necessários serviços de suporte, de mais baixo
valor agregado, como serviços de pintura, manutenção e alimentação. Enquanto as
fornecedoras de equipamentos e as empresas terceirizadas de perfuração operam em nível
global, as empresas contratadas para atividades de suporte costumam ser empresas locais de
menor porte (BRIDGE, 2008).
Como já mencionado, a indústria de petróleo é fortemente influenciada pela
regulação dos Estados produtores nacionais. Essa característica faz com que, embora a
indústria esteja configurada em nível global, muitas das grandes empresas tenham unidades
operacionais em diversos países, concentradas, principalmente, nas cidades em que a sede da
respectiva NOC está localizada. Entretanto, autores que investigaram a organização
geográfica da indústria concluíram que essa presença, em muitos casos, se deve mais às
questões políticas do que à formação de redes de produção completas em nível nacional.
47
Breul e Revilla Diez (2018) entrevistaram empresas atuantes nos diferentes ramos
da cadeia de petróleo e gás no sudeste asiático e descobriram que, embora elas possuíssem
unidades de operação nos países ricos em petróleo e gás, como Malásia e Indonésia, muitas
atividades administrativas de controle regional e de maior valor agregado, como refino e
P&D, eram realizadas em Cingapura, e a presença dessas empresas nos países produtores
estava fortemente ligada a motivos políticos.
Assim, podemos visualizar uma configuração de rede produtiva global na
indústria de petróleo e gás. Primeiramente, devido ao intenso comércio, seja de petróleo cru
ou derivados, que ocorre entre diferentes países, sendo influenciado por diferentes regulações
e contextos sócio-econômicos. Segundo, devido ao fato de que as diferentes etapas descritas
nos parágrafos anteriores estão fragmentadas entre diferentes empresas, muitas delas
localizadas em todo o mundo (BRIDGE, 2008). Terceiro, porque essas atividades ocorrem em
diferentes locais, por exemplo, o refino e a P&D são realizadas, em muitos casos, em locais
diversos de onde a exploração do poço ocorre; muitos fornecedores também estão localizados
em locais diversos, como é o caso dos fornecedores sul-coreanos e chineses, que se destacam
no ramo de plataformas offshore, e exportam materiais para a construção de instalações no
mundo todo, inclusive para o Brasil (OLIVEIRA, 2016).
A América do Sul tem se destacado mais recentemente como uma importante região
em termos de reservas. Como mostrado no gráfico 1, a região experimentou um intenso
aumento das reservas provadas ao longo dos anos 2000, passando a ser a segunda região do
mundo em números absolutos e apresentando crescimento médio anual das suas reservas no
período 2005-2015 de 12%, com o melhor desempenho no mundo (BP, 2016).
48
Gráfico 1 - Evolução das reservas provadas na América do Sul, de 2003 a 2016 (ton.
Barris).
Fonte: British Petroleum, 2016.
O grande impulso de 2007 a 2010, que pode ser visto no gráfico 1, deve-se
majoritariamente à descoberta de novas reservas na Venezuela, e, em menor intensidade, às
descobertas do pré-sal no Brasil. Juntos, os dois países concentram 96% das reservas da
região, sendo que a Venezuela é o país com a maior reserva provada do mundo, concentrando,
sozinha, 92% das reservas da região.
O setor de petróleo e gás na América do Sul é marcado pela forte presença de
empresas estatais e de capital misto. A tabela 1 mostra todas as estatais do setor nos países da
região com a respectiva composição de capital.
Tabela 1 – Petroleiras estatais na América do Sul
Empresa País Capital
privado
PDVSA Venezuela 0
YPFB Bolívia 0
Petroecuador;
Petroamazonas Equador 0
Ecopetrol Colômbia 10%
YPF Argentina 49%
Petrobras Brasil 44,30%
Petroperu Peru -
Fonte: adaptado a partir de Grupo Faro, 2016.
-
50,0
100,0
150,0
200,0
250,0
300,0
350,0
20
03
20
04
20
05
20
06
20
07
20
08
20
09
20
10
20
11
20
12
20
13
20
14
20
15
20
16
América do Sul (total)
Brasil
Venezuela
49
1.4.A constituição da rede de petróleo e gás no Brasil
1.4.1. A fundação da Petrobras e o período pré-liberalização
O início da exploração de petróleo no Brasil data do século XIX, quando foram
feitas as primeiras concessões para explorar campos petrolíferos na Bahia. Desde então,
muitas ações foram adotadas pelos governos brasileiros para melhorar o desempenho do país
neste setor e integrá-lo às redes produtivas globais. Essas ações permitiram a criação e
acumulação de capacidades internas, em particular na exploração offshore.
Entre outras importantes ações, está a criação da Petrobras. A empresa foi
fundada em 1953, no contexto dos movimentos nacionalistas, que influenciaram diversos
países e o setor como um todo, como discutido na seção anterior, e a partir da noção de que a
independência energética era algo fundamental para o crescimento econômico.
A fundação da empresa foi uma tentativa de dar inicio à indústria nacional,
formando uma rede produtiva internamente. A companhia foi criada com o claro objetivo de
atuar no Brasil e garantir que os ganhos da exploração de petróleo seriam capturados pelo
país. A lei de fundação da Petrobras, enviada ao Congresso por Getúlio Vargas, estabelecia a
criação de uma empresa de capital-misto, na qual 51% de participações seriam de propriedade
do governo e os outros 49% seriam comercializados entre investidores estrangeiros (ANP,
2015).
Inicialmente, a lei não previa que a Petrobras deteria o monopólio sobre as
diversas atividades da cadeia. Porém, devido a pressões de setores no governo e na sociedade,
e sob o lema “O petróleo é nosso”, foi iniciada uma campanha exitosa que garantiu o
monopólio da Petrobras sobre a exploração, produção, refino e transporte e a não
comercialização de participações na empresa. Apenas a distribuição e o setor petroquímico
ficaram de fora do monopólio da estatal (ANP, 2015). As outras etapas da cadeia, embora em
graus diferentes ao longo do tempo, foram mantidas sob o controle da Petrobras até a
liberalização do setor, em 1990.
Com a fundação da Petrobras e o monopólio estatal, foi garantido que, caso o
Brasil viesse a se tornar um país produtor de petróleo e começasse a gerar valor com essa
atividade, as rendas e lucros originados pelo setor seriam apropriados nacionalmente.
Entretanto, questões relacionadas às capacitações e outros ativos necessários para a execução
de projetos de E&P e geração de valor na área ainda estavam em aberto, já que a participação
50
de empresas estrangeiras, que dominavam o conhecimento e a tecnologia na indústria, era
proibida.
Durante os anos 1970, as pressões na balança comercial causadas pela expansão
industrial ocorrida no âmbito do II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), associadas ao
aumento do preço de petróleo, devido ao choque de 1973, e ao fracasso na procura por
petróleo onshore, impulsionaram a Petrobras a iniciar buscas offshore. Essa decisão também
foi motivada pelo relatório de um consultor internacional, que afirmou não haver reservas
onshore comercialmente viáveis no Brasil (OLIVEIRA, 2012).
As buscas resultaram na descoberta da Bacia de Campos, em 1974. Entretanto,
sem tecnologia para atender aos desafios impostos pela exploração offshore, o setor de
petróleo brasileiro teve que reorientar a sua estratégia e as IOCs foram autorizadas a participar
dos projetos de E&P, embora de forma extremamente controlada, sob contratos de serviços
(OLIVEIRA, 2012). De acordo com esses contratos, se fosse encontrado petróleo, as
empresas IOCs teriam acesso aos ganhos pré-estabelecidos contratualmente, ou seja, as IOCs
atuariam como empresas contratadas com um pagamento previamente acordado. Se o petróleo
não fosse encontrado, as IOCs não ganhariam nada. Apesar dessas condições, 243 blocos
foram licenciados para 35 IOCs (OLIVEIRA, 2012), entre elas as gigantes Shell, Exxon, Elf
Total, Conoco e Texaco (LUCCHESI, 1998). Essa foi uma importante estratégia não apenas
para viabilizar a produção offshore, mas também para criar valor na área.
A fim de acelerar o desenvolvimento dos campos da Bacia de Campos, a
Petrobras começou a investir pesadamente em P&D, desenvolvida pelo Cenpes (Centro de
Pesquisa da Petrobras) e em parceria com diversas empresas e instituições internacionais do
setor. Essas parcerias deram origem ao PROCAP (Programa de Capacitação Tecnológica e
Desenvolvimento em Sistemas de Produção em Águas Profundas) 1000 e 2000. Esses
programas marcaram de forma definitiva o setor nacional e a atuação da Petrobras, pois eles
contribuíram para que a empresa fizesse o catch up com IOCs que lideravam a exploração
offshore e que, posteriormente, criasse as suas próprias tecnologias, delineando uma curva de
aprendizado de sucesso (OLIVEIRA, 2012; FREITAS E FURTADO, 2004).
Com essa iniciativa, as empresas multinacionais prestadoras de serviços
especializados com fortes capacitações na perfuração em águas profundas entraram mais
intensivamente no país, participando ativamente de projetos tanto de E&P como de P&D com
a Petrobras. Logo, essa iniciativa garantiu o melhoramento da geração de valor e o avanço da
Petrobras para a execução de atividades mais sofisticadas e de maior valor agregado dentro da
exploração de petróleo offshore, permitindo que fosse capturado valor nesse segmento.
51
O PROCAP 1000 visava a perfuração a 1000m de profundidade e foi
desenvolvido pela Petrobras no período de 1986 a 1992, com o objetivo principal de adaptar
tecnologias já existentes, realizando o catch up com os principais atores internacionais. Em
1993 foi lançado o PROCAP 2000, agora também com o objetivo de produzir novas
tecnologias para a exploração a 2000m de profundidade (FREITAS E FURTADO, 2004).
De acordo com Freitas e Furtado (2006), comparando os dois programas, é
possível identificar uma mudança importante. Enquanto no PROCAP 1000, o foco principal
foi a absorção do conhecimento e a adaptação das tecnologias existentes que já estavam
disponíveis, já que algumas IOCs, como a Shell, as aplicavam no Golfo do México; no
PROCAP 2000, a Petrobras também se preocupou com a produção de novas tecnologias, com
base em pesquisas internas e cooperativas, já que o desafio da profundidade era ainda maior.
Ao longo desse tempo, as parcerias envolvendo empresas parapetrolíferas, como a Weir
Pump, Tronic, Pirelli, FMC Technologies, Foramer, Cameron, Siemens, universidades e
institutos de pesquisa, foram consolidadas (PRIEST, 2016; FURTADO E FREITAS, 2000).
No início da exploração offshore, durante a década de 1970 e no início da década
de 1980, a Petrobras comprava equipamentos de fornecedores internacionais, o que levou sua
taxa de compra interna (compras internas/compras totais) em 1980 para 52%. Isso ocorreu
porque as empresas locais não tinham experiência e capacitações para fornecer os
equipamentos necessários para os projetos de E&P em águas profundas. Entretanto, deve-se
lembrar que a fundação da Petrobras visava a criação de uma rede interna de petróleo e gás.
Logo, já em 1983, depois de transferir tecnologias para fornecedores domésticos, a taxa de
compra interna aumentou para 80% (SILVA E FURTADO, 2006). Com a política de compras
públicas da Petrobras e o aumento da taxa de compra interna, muitos fornecedores
internacionais estabeleceram filiais no Brasil ou fizeram parcerias com empresas brasileiras, a
fim de acessar o mercado brasileiro (ANP 1999 apud JESUS JUNIOR, 2015).
A trajetória seguida durante este período colocou o Brasil nas redes de pesquisas
globais de petróleo offshore e a estatal Petrobras tornou-se um importante ator na geração de
conhecimento em exploração de águas profundas. Além disso, o setor de petróleo brasileiro
começou a contar não apenas com as reservas como um ativo local na indústria do petróleo,
mas também com tecnologias de fronteira na exploração de águas profundas. O
desenvolvimento tecnológico obtido ao longo dos anos 1980 e 1990 permitiu não apenas a
criação e captura de valor local, mas também promoveu o melhoramento da geração de valor,
já que a empresa sofisticou seu processo de exploração e produção e se envolveu em projetos
avançados de pesquisa.
52
No período pré-liberalização, o setor nacional contava com uma rede local
formada por fornecedores nacionais e internacionais, prestadores de serviços especializados
internacionais, IOCs e a empresa-líder, Petrobras.
1.4.2. A liberalização do setor
A liberalização do setor de petróleo brasileiro, ocorrida em 1997, deve ser
entendida como circunscrita a uma onda de liberalização de economias em desenvolvimento,
que adotavam posturas protecionistas. A essa onda foi somada a restrição de capital
experimentada pelos países da América Latina durante os anos 19801, que, associada a outros
fatores que não estão no escopo deste trabalho, contribuíram para colocar diversas empresas
estatais em uma situação financeira insustentável. Com isso, foi gerada também uma onda de
privatizações.
Essa onda inicialmente incluía a Petrobras, entretanto, esse plano foi rechaçado
por setores do governo e da sociedade. Em vez disso, o que foi feito foi a venda de 49% das
ações da empresa para investidores privados, tanto domésticos como estrangeiros. O governo
federal manteve os 51% das ações com direito a voto2 (OLIVEIRA, 2012).
A grande mudança no setor de petróleo e gás nesse período seria o fim do
monopólio da Petrobras, de acordo com a Emenda Constitucional 9/1995, que permitiu que
empresas internacionais de petróleo começassem a operar no Brasil sob o regime de
concessão. Também de acordo com essa emenda, seria criada uma estrutura institucional para
regular o setor e gerenciar a concorrência. Essa nova lei só viria a ser promulgada em 1997.
Dois anos depois da Emenda Constitucional, foi emitida a nova "Lei do Petróleo"
para regulamentar o setor e garantir sua competitividade. Nessa nova agenda regulatória, os
subsídios, importações e controle de preços foram eliminados para atrair mais investimentos
estrangeiros e fomentar a concorrência pretendida na exploração, produção, refino e
distribuição de petróleo (TROJBICZ, 2017). Com essas mudanças, o governo brasileiro
buscava atrair investimentos de IOCs, a fim de explorar mais amplamente a capacidade de
produção dos campos de petróleo nacionais (PRIEST, 2016) e ampliar a geração de valor
nesse segmento. Com o objetivo de executar a nova lei, a ANP (Agência Nacional de
Petróleo) foi criada como órgão regulador (TROJBICZ, 2017).
1 Mais detalhes em Tavares, 1985.
2 O Estatuto da Petrobras indica o número de ações ordinárias com direito a voto e de ações preferenciais sem
direito de voto.
53
Com essa nova regulação, o licenciamento passou a ser realizado via leilões
públicos. No primeiro leilão realizado para a concessão dos direitos de exploração dos
campos de petróleo nacionais, em 1999, foram licenciados 14 blocos a 11 empresas de 6
países diferentes, como mostrado na tabela 2.
Tabela 2 - Resultado do primeiro leilão público organizado pela ANP
B
Bloco Empresa (%)
B
M-C-3 Petrobras (40)/ Agip(40)/ YPF(20)
B
M-C-4 Agip(55)/ YPF(45)
B
M-C-5 Texaco (100)
B
M-C-6 Petrobras (100)
B
M-
CAL-1
Petrobras (50)/ YPF(50)
B
M-ES-1 Esso (100)
B
M-ES-2 Unocal (40.5)/ Texaco (32)/ YPF (27.5)
B
M-
FZA-1
BP (30)/ Esso (25)/ Petrobras (20)/ Shell (12.5)/ British
Borneo (12.5)
B
M-
POT-1
Agip (100)
B
M-S-2 Texaco (100)
B
M-S-3 Amerada Hess (45)/ Kerr - McGee (30)/ Petrobras (25)
54
B
M-S-4 Agip (100)
B
M-S-8 Petrobras (50) / Shell (40) / Petrogal (10)
B
M-S-9 Petrobras (45) / BG (30) / YPF (25)
Fonte: ANP, 2017.
Como mostrado na tabela 2, o primeiro leilão foi marcado pela intensa presença
da Petrobras, apesar do fim do monopólio, em diversas parcerias com empresas estrangeiras.
Essas parcerias com a estatal ocorreram em todos os leilões subsequentes que foram
realizados pela ANP. De acordo com Oliveira (2012), embora as IOCs pudessem concorrer
sem a associação com a Petrobras, elas preferiam não fazê-lo, especialmente em projetos de
alto risco, pois a estatal detinha expertise na exploração offshore e estava familiarizada com o
sistema político brasileiro e com a geologia nacional, o que a tornava uma parceira estratégica
para a atuação no mercado brasileiro. Consequentemente, mesmo após a liberalização do
setor, a Petrobras continuou respondendo por aproximadamente 90% da produção de petróleo
brasileiro durante os anos 2000 (ARAGÃO, 2005; ANP, 2017).
Após a nova "Lei do Petróleo", a Petrobras manteve seu foco no segmento
upstream, embora a sua maneira de operar tenha sofrido mudanças. Antes, as atividades dos
projetos de E&P da empresa eram concentradas pela própria Petrobras, que se encarregava de
organizar, negociar e contratar prestadores de serviços especializados e fornecedores. Após a
liberalização, a empresa adotou uma nova lógica operacional, com base em contratos EPC
(Engenharia, Compras e Construção) (SILVA E FURTADO, 2006). De acordo com esses
contratos, a Petrobras contratava um empreiteiro principal, que seria responsável pelo projeto
E&P e por contratar outras empresas, negociar os preços e realizar o controle de qualidade.
Dessa forma, a Petrobras deixaria de centralizar todas as atividades administrativas
envolvidas nos projetos de E&P e poderia concentrar seus esforços em atividades mais
centrais e estratégicas como planejamento (SILVA E FURTADO, 2006). Como discutido na
seção anterior, esse foi um processo ocorrido na indústria como um todo durante os anos
1990.
Alonso (2004) afirma que não havia empresas brasileiras capazes de operar sob
contratos de EPC nesse período (mais recentemente, empresas como Camargo Correa e
55
Odebrecht3 entraram neste segmento). Desta forma, esses contratos foram estabelecidos com
empresas internacionais verticalmente integradas, como Hyundai, Marítima e Mitsubishi
(TEIXEIRA E GUERRA, 2003).
Como a Petrobras, mesmo após o fim do monopólio, se manteve como a principal
operadora no mercado brasileiro, o fato dela ter adotado contratos EPC como forma de
operação é crucial para entender todo o processo de desnacionalização da cadeia petrolífera
brasileira. De acordo com Teixeira e Guerra (2003), em muitos casos, as empresas de
contratação principal desenvolviam as unidades de produção offshore encomendadas em seus
próprios países, com a sua base de fornecedores, e apenas depois as enviavam para o Brasil,
não empregando fornecedores brasileiros para a sua fabricação. Essa nova possibilidade de
realocação espacial das atividades da cadeia de petróleo e gás implicou em um deslocamento
espacial de diversas atividades.
Nesse processo, os fornecedores domésticos acabaram tendo dificuldades em
sobreviver. A política de compras da Petrobras, embora visasse à estruturação de uma base de
fornecedores diversificada e moderna, não se preocupou em constituir uma estratégia na qual
as empresas instaladas localmente usassem o país como plataforma de exportação. Assim, a
segunda metade da década de 1990 testemunhou certo descolamento entre o crescimento da
atividade de exploração e a cadeia de fornecimento local, já que o Estado abandonou o seu
papel de comprador. Isso implicou em uma redução drástica da participação de fornecedores
locais em projetos de E&P (SILVA E FURTADO, 2006).
Silva e Furtado (2006) mostram a dimensão dessa mudança: em 1999, das 12
unidades de produção offshore encomendadas pela Petrobras, apenas uma foi construída no
Brasil. Isso também pode ser visto se analisarmos a participação de fornecedores nacionais
nos três leilões públicos iniciais, promovidos pela ANP. Na primeira rodada, a média da
participação dos fornecedores nacionais nos consórcios ganhadores foi de cerca de 25% na
exploração e 27% na produção. Na segunda rodada, esse número aumentou para 42% na
exploração e 48% na produção. Na terceira rodada, caiu novamente, para 28,4% e 32%,
respectivamente. Essa variação pode ser explicada pelo fato de que na primeira e terceira
rodadas a proporção de campos offshore a serem licenciadas foi maior do que na segunda
(TEIXEIRA E GUERRA, 2003). Comparando esses números com a média de 80% da taxa de
compra nacional da Petrobras alcançada durante a década de 1980, quando a política de
3 Essas empresas foram atores centrais nos escândalos de corrupção envolvendo a Petrobras, a partir de 2014.
56
compras nacionais da Petrobras ainda estava em vigor, esses números são significativamente
inferiores.
Portanto, ao mesmo tempo em que a Petrobras se manteve como um ator central
na rede nacional e passou a interagir fortemente com IOCs que entraram no mercado nacional,
alavancando a geração de valor, foram perdidos elos da cadeia que possibilitavam a geração e
captura de valor na cadeia em outros segmentos, além da operação. Contudo, o fim da política
de compras por parte da Petrobras permitiu que a empresa atuasse de forma mais eficiente.
Logo, se por um lado foram perdidos elos da cadeia, com o enfraquecimento e extinção de
muitas empresas fornecedoras, por outro, a Petrobras teve o seu papel de empresa líder
alavancado.
1.4.3. Pré-sal e o período recente
O reservatório de pré-sal, descoberto em 2007, marcou uma nova fase para o setor
de petróleo no Brasil. O desenvolvimento dos recursos dessa camada implicou em altos custos
e grandes obstáculos tecnológicos, uma vez que as operações estão a 3000 metros no mar
(OLIVEIRA, 2016). Então, fez-se necessário o desenvolvimento de novos materiais e
equipamentos, bem como novas unidades de produção, como plataformas adaptadas, tubos
mais resistentes e flexíveis e tecnologias de perfuração de camada de sal (VIEIRA FILHO E
FISHLOW, 2017).
Para atender aos desafios impostos pelo pré-sal, a reativação do PROCAP foi
fundamental. O objetivo para o PROCAP 3000 era possibilitar a exploração de campos
potenciais em águas ultra profundas de até 3.000m, com foco na redução dos custos das
plataformas e no melhoramento da produtividade. Também como no PROCAP 2000, o foco
dessa etapa era a geração de inovações. Assim como nos programas anteriores, o PROCAP
3000 também contou com parcerias nas atividades de P&D entre a Petrobras e importantes
empresas estrangeiras do setor (SILVESTRE, 2015).
Outro movimento para atender aos desafios tecnológicos impostos pelo pré-sal foi
a criação do Programa Tecnológico para o Desenvolvimento da Produção dos Reservatórios
do Pré-sal (PROSAL), que estava orientado à resolução de questões relacionadas aos altos
custos de perfuração dos poços e ao calcário microbial, rocha predominante no pré-sal e ainda
pouco estudada no âmbito da exploração de petróleo (MORAIS, 2013).
Com a continuidade do desenvolvimento de pesquisas em associação com
empresas estrangeiras, a trajetória de melhoramento de valor teve novo ânimo com a
57
descoberta do pré-sal, com a demanda por trabalho altamente qualificado na execução das
pesquisas e pela expansão dessa atividade de alto valor agregado internamente.
Esse período também foi marcado pelo grande número de investimentos da
Petrobras fora do Brasil, levando a um intenso processo de internacionalização. O principal
destino dos investimentos foi a América do Sul, mas também foram realizadas operações na
América do Norte e África. Posteriormente, alguns desses investimentos se mostraram
inviáveis, o que, somado a problemas financeiros, implicou em um plano de desinvestimento
por parte da empresa (PETROBRAS, 2015).
Além das pesquisas, outro traço marcante envolvendo o pré-sal é a política de
conteúdo local. Embora ela já constasse na “Lei do Petróleo” de 1997 como critério para a
concessão, ela ganhou força em 2003. Com a instituição dessa política, o Estado brasileiro,
que havia mudado a sua forma de atuação pós-liberalização, volta a assumir um papel forte na
regulação do setor.
Vale ressaltar que a adoção de políticas de conteúdo local na indústria de petróleo
e gás não é uma novidade. Esse tipo de política foi adotado inicialmente na década de 1970,
pela Noruega, na exploração de campos no Mar do Norte, e, além do Brasil, também há
políticas de cunho semelhante em outros países produtores, como Angola, Indonésia,
Cazaquistão, Malásia, entre outros (TORDO et al, 2013).
A política de conteúdo local no Brasil teve como principais objetivos o aumento
da participação da indústria nacional, o incentivo ao desenvolvimento de tecnologias
relacionadas à cadeia de petróleo e gás nacionalmente, o aumento das capacitações internas e
a criação de empregos. Os requerimentos de conteúdo nacional impostos pela ANP a partir de
2003 estão presentes em uma cláusula contratual, que define que “seja dada preferência à
contratação de fornecedores brasileiros sempre que suas ofertas apresentarem condições de
preço, prazo e qualidade equivalentes às de outros fornecedores convidados a apresentar
propostas” (site Promimp).
Contudo, com a definição dessa regra, muitas empresas estrangeiras instalaram-se
no Brasil, a fim de atender ao quesito “empresas brasileiras”, já que, de acordo com a
legislação, uma empresa é considerada brasileira se está instalada no Brasil. Essa motivação
foi confirmada por uma empresa multinacional do ramo naval em uma entrevista4. Assim, a
definição da lei de conteúdo local contribuiu para uma nova rodada de entrada de empresas
estrangeiras no país, alavancando, novamente, a geração de valor nesse segmento.
4 Entrevista realizada por Moritz Breul, no âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities
from the Global South as nodes in global commodity chains”.
58
Para a definição do conteúdo local foram considerados vários aspectos, como a
localização do campo explorado (onshore ou offshore), a etapa do processo (exploração ou
desenvolvimento), implicando em um mínimo sendo estabelecido para cada item da cadeia. A
política também foi pensada com certa flexibilidade, pois empresas que superassem o
conteúdo nacional requerido na fase de exploração poderiam repassar o excedente para a fase
seguinte, mediante autorização da ANP. Em caso de não cumprimento da meta definida,
multas eram aplicadas (TORDO et al, 2013). Com essa ação, o Estado volta a assumir uma
posição forte de regulador e, como a Petrobras é a principal operadora do setor, o papel de
comprador também volta, embora em menor grau, considerando a relativa flexibilidade da lei.
Com essa regulação, o Estado tentou alavancar a geração e captura de valor em
ramos nos quais a Petrobras não atua, e voltar a adensar a cadeia produtiva de petróleo
nacional, que perdeu elos após a liberalização do mercado, como discutido na seção anterior.
A fim de dar suporte à estrutura interna que se pretendia criar, a Petrobras,
juntamente com o governo federal, elaborou uma série de programas e incentivos para o
desenvolvimento de fornecedores locais nos diferentes segmentos da cadeia. Entre os
programas criados, destaca-se o Promimp (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de
Petróleo e Gás), criado em 2003, com o objetivo de estabelecer um diálogo entre diferentes
atores da cadeia, a fim de identificar gargalos, desafios e possíveis soluções para aumentar a
capacitação e a competitividade da indústria local (OLIVEIRA, 2016).
Além dos incentivos, o Promimp também contribuiu para a formalização da
política de conteúdo nacional, estabelecendo em 2004 uma Cartilha, que definia de forma
explícita a metodologia de cálculo do Conteúdo Local, consolidando-o no Índice de Conteúdo
Local. Na sequência, a fim de garantir a fiscalização e a medição desse índice, foi instituído
em 2007 o Sistema de Certificação de Conteúdo Local, que estabelecia os critérios para a
certificação e as regras para o credenciamento de entidades certificadoras junto à ANP. Essas
entidades tinham como função medir e informar à ANP o conteúdo local contratado pelas
empresas operadoras dos campos de petróleo, a partir das definições da Cartilha (site
Promimp). Uma das principais certificadoras é a ONIP (Organização Nacional da Indústria do
Petróleo).
Além de contribuir para a estruturação da política de conteúdo local em si, o
Promimp também atuava na cadeia de petróleo e gás fornecendo insumos para a formação de
fornecedores competitivos, atuando em três áreas prioritárias: qualificação, políticas
industriais e desempenho industrial. De acordo com dados divulgados pelo próprio Programa,
de 2006 a 2015 foram qualificados 99 mil profissionais, com investimento de
59
aproximadamente 304 milhões de reais (site Promimp). O programa envolveu diversas
instituições de ensino, compreendeu quase mil cursos e abrangeu 17 estados (TORDO et al,
2013). Essa iniciativa poderia contribuir para o melhoramento do valor, formando mão de
obra qualificada para desempenhar funções mais sofisticadas internamente.
Ainda no âmbito do Promimp, a Petrobras estabeleceu uma parceria com o Sebrae
(Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), em 2004, a fim de incluir
pequenas e médias empresas na cadeia, através do mapeamento de oportunidades de negócios
e treinamentos. Em 2008 e 2011 o projeto foi renovado. Quanto ao desempenho, o Promimp
realizou um estudo diagnóstico, a fim de antecipar demandas das concessionárias,
identificando gargalos na cadeia e traçando planos para o ataque dessas deficiências (TORDO
et al, 2013).
O Promimp também incentivou a realização de atividades de P&D internamente,
instituindo benefícios fiscais a projetos de P&D, além de benefícios de financiamento.
Adicionalmente, uma legislação de 2005 impôs o investimento de 1% da produção bruta de
poços altamente produtivos em P&D, sendo obrigatoriamente uma parte destinada a pesquisas
realizadas em instituições sem fins lucrativos, como universidades (OLIVEIRA, 2016;
TORDO et al, 2013).
No âmbito das ações de conteúdo local, a indústria naval foi um dos segmentos da
cadeia de petróleo e gás com maior destaque. O segmento, que é crucial para a exploração
offshore em águas profundas, viveu um significativo salto, ocorrido a partir dos investimentos
realizados pelo governo. De acordo com dados apresentados por Oliveira (2016), com os
incentivos fornecidos e a entrada de diversos grandes grupos nacionais, como Queiroz
Galvão, Camargo Correa e Odebrecht no setor, em menos de uma década a posição do Brasil
no ranking mundial de produtores da indústria naval subiu de 18, em 2004, para 4, em 2013.
Entretanto o mesmo salto não foi visto na produtividade da indústria, que permaneceu muito
aquém dos principais concorrentes asiáticos, sendo, em média, metade da chinesa e oito vezes
menor que a coreana (SILVA, 2014 apud OLIVEIRA, 2016). Isso implicou em diversos
problemas quanto ao cumprimento de prazos de entrega.
Mais recentemente, a percepção de que a política de conteúdo local no setor de
petróleo e gás estava impondo limites à exploração e desencorajando investimentos tem
levado a uma mudança nos requerimentos, especialmente no que tange a exploração da
camada pré-sal, fazendo-os menores e menos rígidos (SCHOLVIN et al, 2017b).
60
CAPÍTULO 2 - Conectando o hemisfério Sul às redes globais de produção: avaliando o
papel das cidades da América do Sul na rede de petróleo e gás
2.1. Introdução5
No contexto de globalização, a capacidade de acoplamento às redes de
produção globais e de interagir com outros atores, dispersos ao longo do globo, é crucial para
o desenvolvimento econômico. Desenvolvimento econômico é entendido aqui no âmbito das
redes globais de produção, ou seja, o desenvolvimento econômico mencionado implica em
progressão nas atividades desempenhadas por um local em direção a atividades mais
sofisticadas e de maior valor agregado (COE E YEUNG, 2015).
Uma vasta literatura sobre a concentração espacial das atividades econômicas e
a função estratégica de algumas cidades vem se desenvolvendo. Nessa literatura foram
destacados aspectos relacionados à hierarquia das cidades (TAYLOR, 2004; KRATKE,
2014), o papel de gateway desempenhado por algumas delas (DABLANC, 2014;
MARTINUS E TONTS, 2015; ROSSI et al, 2007; BREUL E REVILLA DIEZ, 2018;
SCHOLVIN et al, 2017; MUSLI, 2009; PARNREITER, 2014) e aspectos relacionados às
diferentes funções exercidas por elas (CRESCENZI et al 2016a). Contudo, esses estudos
desenvolveram análises focadas em um ou dois dos aspectos anteriormente mencionados
(hierarquia, papel gateway e funcionalidade), não abrangendo os três aspectos conjuntamente.
A partir dessas considerações, surgem as seguintes questões: em um contexto
de globalização e de redes globais de produção, quais são as principais cidades que conectam
a região supranacional da América do Sul ao sistema global? Como elas estabelecem essas
conexões e como o papel delas pode ser avaliado de forma ampla? Nesse contexto, esse
capítulo busca explorar o acoplamento de cidades da América do Sul à rede de produção de
petróleo e gás, identificando aquelas que contribuem, em alguma medida, a esse processo.
A fim de cumprir com tal objetivo, é proposta uma categorização das cidades,
baseada em uma análise quantitativa que abrange aspectos relativos à hierarquia, papel de
gateway e funcionalidade. Essa categorização permite a identificação de cidades que
conectam a região à rede de petróleo e gás de diferentes formas, e não apenas a partir de
serviços e arranjos administrativos, como já foi realizado em vários trabalhos da área, como
Martinus e Tonts (2015) e Kratke (2014).
5 Versão preliminar deste capítulo foi apresentada na RSA (Regional Studies Association) Annual Conference,
2018.
61
A fim de cumprir com tais objetivos, são usados dados referentes a investimentos
brownfield e greenfield – F&A e IDE, respectivamente – entre 2007 e 2016, analisados
através da metodologia de redes. Esses dados já foram empregados em outras análises, como
Crescenzi (2016a), Musli (2009) e Zhao e Zhang (2007).
2.2. As cidades nas redes globais de produção
O acoplamento às redes de produção globais pode ocorrer, basicamente, de duas
formas: de fora pra dentro, quando empresas já participantes das redes investem em um local;
e de dentro pra fora, quando empresas de um local estabelecem relações internacionais com
atores participantes das redes (COE E YEUNG, 2015). Crescenzi e Iammarino (2017)
sugerem que o grau de conectividade que as regiões e cidades têm, considerando-se tanto
fluxos de entrada como de saída, contribui para o acúmulo de capacitações locais. Dessa
forma, a capacidade de empresas, organizações e instituições interagirem e se envolverem no
espaço geográfico e nas redes é crucial para o acoplamento às redes globais de produção e
para o desenvolvimento econômico.
Nesse contexto globalizado, em que as redes globais de produção orientam o
modo como as relações econômicas ocorrem, pesquisas anteriores destacaram o papel de
liderança que algumas cidades desempenham, atuando como locais estratégicos no processo
de acoplamento. Esse entendimento do papel central que certas cidades desempenharam em
um contexto de economia globalmente dispersa e fragmentada foi continuamente estudado a
partir de então.
Essa análise tem sido cada vez mais desenvolvida em um contexto de rede, em
que o papel desempenhado por uma cidade tem uma importante dimensão relacional e é
determinado por sua capacidade de se conectar com outros lugares e pelas atividades que
contribuem para o estabelecimento de tal conexão. Pesquisas recentes têm abordado a relação
entre as cidades e a economia global de maneira bidirecional: algumas cidades são centrais
porque abrigam muitas empresas e, ao mesmo tempo, atraem muitas empresas por causa das
suas vantagens locacionais (CRESCENZI E IAMMARINO, 2017).
Taylor (2001, 2002, 2004 e 2009) e Taylor et al (2013) consideram que algumas
cidades funcionam como centros financeiros e empresariais globais, conectando-se entre si
em uma rede urbana. Para o autor, algumas cidades vêm consolidando sua centralidade por
meio de redes interligadas, que conectam cidades através das ligações realizadas pelas
62
empresas que elas sediam. Ele se concentra em empresas de serviços para estabelecer as
conexões entre as cidades, pois considera que estas empresas são cruciais para sustentar o
atual modelo de produção globalizado e fragmentado. Segundo Taylor, essas redes
representam o contexto urbano hierárquico em que a economia global é organizada. Próximos
à ideia de Taylor, Alderson e Beckfield (2004) exploram a hierarquias das cidades, mas
baseando sua análise nas redes desenvolvidas pelas 500 maiores multinacionais em 2000, e
não apenas nas empresas de serviços.
Também focado na hierarquia urbana, Kratke (2003, 2014) desenvolve um estudo
sobre redes formadas a partir de setores específicos: mídia e farmacêutico. O autor partiu da
ideia de que as cidades possuem perfis diferentes, o que implica que uma cidade que
concentra fluxos de um setor, não necessariamente terá o mesmo papel para outro setor.
Portanto, a formação de redes entre as cidades deve ser concebida como resultado de
‘múltiplas globalizações’, nas quais empresas de diversos setores contribuem para a conexão
entre as cidades.
Martinus e Tonts (2015) e Martinus et al (2015) também apresentam uma
abordagem setorial. Eles desenvolveram estudos sobre o setor energético, identificando
cidades centrais no funcionamento das redes de produção de energia. Este estudo traz um
aspecto regional, mostrando que cada região apresenta um conjunto de cidades que
concentram o poder administrativo da cadeia de energia, influenciando a região em que estão
inseridas.
O papel que algumas cidades desempenham como pontes entre as esferas regional
e global também foi investigado por Parnreiter (2010; 2014), Musli (2009) e Zhao e Zhang
(2007). Parnreiter (2010; 2014) mostra o papel que a Cidade do México e Hamburgo têm
como pontes entre seus respectivos países e o sistema global, com base nos fluxos das
empresas de serviços, pois concentram empresas de contabilidade propaganda etc. no
primeiro caso, e por ser uma cidade portuária, no caso de Hamburgo. Musli (2009) discute,
através dos fluxos de IDE, como Viena funciona como uma ponte entre a Europa oriental e
ocidental, agindo como um gateway, devido à sua localização intermediária entre as duas
áreas. Zhao e Zhang (2007) também analisam fluxos de IDE e argumentam que algumas
cidades da China são gateways estratégicos entre os mercados doméstico e internacional, pois
oferecem boa infraestrutura física e local.
Esse papel de gateway é amplamente discutido por Scholvin et al (2017), que
afirmam que essa função é especialmente estratégica para a conexão de localizações do
hemisfério Sul às redes globais de produção e à economia global. Segundo os autores, essas
63
cidades do Sul global se destacam por serem locais de estabilidade e boa infraestrutura em
países ou regiões marcadas por dificuldades em fazer negócios. Em sua análise, em oposição
à abordagem de Taylor, a importância do gateway vem do fato de que algumas cidades
conectam-se tanto a outras cidades que são importantes centros de negócios quanto às cidades
periféricas dos seus respectivos países ou regiões.
Crescenzi et al (2016a) investigaram as funções específicas de algumas cidades.
Os autores analisaram a posição das cidades da União Europeia nas redes regionais formadas
a partir dos fluxos de IDE, destacando os diferentes perfis que as cidades têm em relação à
sua importância para determinados setores, seu papel como local receptor e/ou de origem para
investimentos e as diferentes funções das cidades. Em abordagens com foco mais específico, a
funcionalidade das cidades foi enfatizada também por Jacobs et al (2011) e Dablanc (2014),
que discutiram o papel das cidades como centros logísticos e de transporte.
A discussão da literatura desenvolvida nos parágrafos anteriores está resumida na
Tabela 3.
64
Tabela 3 – Principais tópicos abordados pela literatura sobre a função das cidades em
um contexto de globalização
Autor Principal aspecto
analisado Escopo da análise
Fluxos
analisados
Taylor (2001, 2002,
2004 and 2009);
Taylor et al (2013)
Hierarquia Empresas de serviço Fluxos
administrativos
Alderson and
Beckfield (2004) Hierarquia
500 maiores
multinacionais no
ano 2000
Fluxos
administrativos
Kratke (2003, 2014) Hierarquia Setorial Fluxos
administrativos
Martinus and Tonts
(2015); Martinus et
al (2015)
Hierarquia/ papel
de gateway Setorial
Fluxos
administrativos
Parnreiter (2010;
2015) Papel de gateway
Empresas
multinacionais de
serviços e empresas
locais
Fluxos
interfirma
Musli (2009) Hierarquia/ papel
de gateway Agregado Fluxos de IDE
Zhao and Zang
(2007) Papel de gateway Agregado Fluxos de IDE
Scholvin et al
(2017) Papel de gateway Setorial
Fluxos
administrativos
e interfirma
Crescenzi et al
(2016) Funcionalidade Agregado Fluxos de IDE
Jacobs et al (2011) Hierarquia/
funcionalidade
Empresas de serviços
portuários
Fluxos
administrativos
Dablanc (2014) Funcionalidade Logística Fluxos de
logística
Fonte: elaboração própria.
65
Esta breve revisão de literatura indica que um dos objetivos dos trabalhos que
discutem o papel das cidades como concentradoras de fluxos econômicos é mostrar quais
contribuem para o funcionamento da economia global. Embora focando em diferentes fluxos
(administrativos ou IDE) e com diferentes âmbitos de análise (setoriais ou agregados), a
literatura que trata do papel desempenhado pelas cidades em um contexto globalizado enfoca
basicamente a categorização das cidades quanto a um dos três aspectos: hierarquia, papel de
gateway e funcionalidade. Apesar desses três aspectos estarem sob os holofotes, pouco foi
feito no sentido de integrá-los e desenvolver uma análise mais ampla, que os aborde
conjuntamente.
Uma categorização baseada em uma análise ampla poderia ser um passo inicial
para a compreensão da organização espacial hierárquica da economia global e do
desenvolvimento econômico desigual, já que, como afirmam Hymer (1972) e Coe e Yeung
(2015), a capacidade relacional de um local e as atividades que são realizadas ali condicionam
sua participação na economia mundial e suas consequentes possibilidades de desenvolvimento
econômico. Dessa forma, uma categorização baseada em uma abordagem ampla fornece
insumos aos formuladores de políticas, permitindo-lhes traçar estratégias com base nos papéis
que as cidades possuem e em suas vantagens locacionais, mas também considerando as
características de seus vizinhos.
2.3. Metodologia
2.3.1. Coleta e tratamento dos dados
Neste capítulo, pretende-se categorizar as cidades de acordo com três
características principais: hierarquia, papel de gateway e funcionalidade. Entende-se que os
papéis das cidades derivam principalmente da capacidade destas de interagir com outros
locais e da forma como essa interação é realizada. Isso implica que a metodologia aplicada
deve possibilitar a análise dessa dimensão relacional. Por isso, será aplicada a metodologia de
redes, que visa essencialmente analisar dados relacionais. Essa metodologia já foi aplicada a
análises sobre a interação de cidades, como a desenvolvida em Alderson e Beckfield (2004),
Taylor (2001, 2002, 2004 e 2009), Martinus e Tonts (2015) e Martinus e Sigler (2017). Na
sequência, para separar as cidades em grupos, aplicamos uma análise de clusters, usando o
algoritmo k-means. “[…] A análise de cluster [...] permite agrupar observações de acordo
66
com a proximidade entre as variáveis das quais os clusters são derivados” (CAPELLO E
LENZI, 2013: 128).
Para analisar as três dimensões propostas, foram adotadas algumas medidas como
proxies. Elas foram calculadas com base na rede desenhada a partir dos projetos de IDE e
F&A, reunidos nas bases de dados FDI Markets e Zephyr. A base FDI Markets compreende
dados sobre IDE greenfield, ou seja, somente os fluxos internacionais estão presentes nesta
base. Já a base de dados Zephyr, inclui dados sobre F&A, isto é, investimentos brownfield.
Nesta base de dados, tanto os fluxos intra como os internacionais estão presentes, já que o seu
foco não é estritamente no IDE, como na base FDI Markets.
Para coletar os dados em ambas as bases, foi estabelecido o período de 2007 a
2016, e os fluxos foram interpretados como conexões permanentes entre os locais, conforme
feito em Graf (2010). Para estabelecer as conexões, primeiramente, foram selecionados os
projetos de investimento relacionados à indústria de petróleo e gás. Em seguida, usou-se a
cidade de origem e a cidade de destino, especificadas em cada projeto de investimento em
ambos os bancos de dados.
Nem todos os projetos tinham a especificação sobre a cidade de origem e destino
dos investimentos. Assim, a amostra utilizada compreende cerca de 60% de todos os projetos
de investimento em petróleo e gás na região ao longo de nove anos, o que significa 367
projetos. Os dados coletados envolveram todas as etapas de produção da rede de petróleo e
gás, ou seja, exploração e produção (fase upstream) de campos de petróleo e gás; transporte e
refino (fase midstream); distribuição e varejo (fase downstream) (BRIDGE, 2008).
Após a coleta de dados, a análise quantitativa foi realizada. As cidades foram
enquadradas em uma matriz de adjacência, para representar a rede. Nessa rede, as cidades são
os nós e o número de projetos são os fluxos (arcos) existentes entre os nós. A partir dessa
matriz, a primeira medida calculada foi o grau de centralidade de cada cidade. Levando em
conta o fato de que o papel das cidades é baseado, entre outros, em sua capacidade de
conectividade (CRESCENZI E IAMMARINO, 2017; COE E YEUNG, 2015) e tomando
trabalhos anteriores já desenvolvidos nesta área (KRATKE, 2014; MARTINUS E TONTS,
2015), usou-se o grau de centralidade como proxy para o aspecto da hierarquia.
A seguir, foi calculada a proxy para a função de gateway das cidades. Embora a
análise de rede tenha sido amplamente aplicada em estudos de cidades, e as medidas de rede
mais tradicionais, como centralidade, densidade, betweenness e prestígio, sejam capazes de
capturar as relações entre todo o sistema, essas medidas não são capazes de capturar as
relações existentes entre dois sistemas diferentes (regional e global). Assim, para calcular essa
67
função intermediária, foi empregado um índice desenvolvido por Graf (2010) para medir a
gatekeeperness.
Este índice é baseado no conceito de gatekeeper da análise de redes sociais. Os
gatekeepers são nós que intermediam a relação entre dois conjuntos diferentes de nós (GRAF,
2010). Como as cidades gateway funcionam como pontes entre o sistema local e o global, isto
é, entre dois conjuntos de nós, pode-se concluir que elas atuam de forma semelhante aos
gatekeepers discutidos por Graf (2010). O índice a ser calculado aqui é um índice de
intensidade, que é baseado na multiplicação do número de interações, aqui entendidas como
projetos de investimento, que uma cidade tem com outras cidades de dentro e de fora da sua
respectiva região supranacional.
A fim de calcular tal índice, a matriz de adjacência foi utilizada para contar o
número de interações que cada cidade estava fazendo, por meio de projetos de investimento,
com cidades da América do Sul e com cidades de fora da região, tanto como origem quanto
como destino. Esses dados resultaram em uma tabela, na qual cada cidade teve um número de
interações com outras cidades da mesma região e de fora da região. Essas interações capturam
a capacidade de acoplamento de uma cidade tanto de dentro para fora quanto de fora para
dentro.
A próxima etapa foi identificar as funções desempenhadas por cada cidade, para
medir a proxy de funcionalidade. Para tanto, foi analisada a descrição fornecida pelas bases de
dados sobre os projetos de IDE e F&A. Na sequência, estes foram enquadramos nas
categorias destacadas por Scholvin et al (2017): logística, manufatura, controle corporativo,
serviços e geração de conhecimento. Para identificar as funções, foram analisados apenas os
investimentos recebidos pelas cidades e não os que elas realizaram. Isso é explicado pelo fato
de que, segundo Meyer et al (2011), os investimentos que um local recebe refletem os
recursos que estão disponíveis naquele local, embutidos em empresas locais e disponíveis no
mercado local. Além disso, em um contexto redes globais de produção, os investimentos que
são destinados a um lugar refletem o papel que este lugar ocupa em uma estratégia
transnacional.
Após a identificação das diferentes funções, foram atribuídos pesos a essas
funções, pois, segundo Revilla Diez et al (2018) e Scholvin et al (2017), as diferentes funções
possuem diferentes graus de sofisticação e valor agregado. Desta forma, foi atribuído peso 3 à
geração de conhecimento; 2 ao controle e serviços corporativos; e 1 para manufatura e
logística. As variáveis e proxies empregadas na análise estão resumidas na tabela 4.
68
Tabela 4 – Variáveis empregadas na análise e suas respectivas proxies
Variável Proxy
Hierarquia Grau de
centralidade
Papel de
gateway
Índice de
gatekeeper
Funcionalidade
Número de
projetos por
area x peso
Fonte: elaboração própria
Após o cálculo das três proxies, foram cortadas as cidades que apresentam um
índice de gateway de 0, porque isso significa que a cidade não tem uma função de gateway.
Em seguida, verificou-se que os valores do índice de gateway eram muito maiores que os
relacionados à hierarquia e funcionalidade. Portanto, para evitar que o índice de gateway
tivesse um peso maior no particionamento do cluster do que as outras variáveis, todas as
medidas foram normalizadas. Finalmente, foi utilizado o algoritmo k-means para categorizar
as cidades. Esse algoritmo permite definir o número de clusters gerados. Optou-se por separar
as cidades em 3 grupos, a fim de classificar as cidades como principais, cidades
intermediárias e de pouca importância.
“O algoritmo implementado pela análise de cluster k-means atribui
um caso ao cluster para o qual sua distância da média é a menor. Uma
vez que o número ‘k’ de clusters esperados tenha sido especificado, o
algoritmo começa com um conjunto inicial de médias e classifica os
casos com base em suas distâncias das médias. Em seguida, ele
calcula as médias do cluster novamente, usando os casos atribuídos, e
reclassifica todos os casos de acordo com o novo conjunto de médias.
Essa etapa é repetida até que a média do cluster não mude muito entre
as etapas sucessivas. Finalmente, as médias dos clusters são
calculadas novamente, e os casos são atribuídos a seus clusters
permanentes ”(CAPELLO E LENZI, 2013: 140).
69
2.4. Resultados
2.4.1 Análise descritiva
Nesta seção é realizada uma descrição dos dados coletados nas bases de dados
FDI Markets e Zephyr. Os dados mostraram que existem 198 cidades que participam dos
fluxos de IDE e F&A em petróleo e gás da América do Sul. Embora 198 cidades componham
a rede, ela pode ser classificada como uma rede livre de escala (BARABÁSI, 2009), já que
nove cidades respondem por quase 48% de todos os fluxos, ou seja, um pequeno número de
nós responde por uma parte significativa dos fluxos da rede. Essa concentração é evidente
quando olhamos para o grau de centralidade, mostrado na tabela 5, que é usado como proxy
para a capacidade de conectividade.
Tabela 5 – Grau de centralidade das cidades da América do Sul, a partir dos fluxos de
IDE e F&A em petróleo e gás, no período 2007 - 2016
Rio de Janeiro 96
Buenos Aires 59
Bogota 53
Sao Paulo 51
Santiago 26
Lima 19
Belo Horizonte 17
Medellin 14
Camaçari 13
Caracas 11
La Paz 9
Montevideo 9
Porto Alegre 6
Barranquilla 5
Santiago de
Surco 4
Salvador 4
Miraflores 3
Fonte: elaboração própria, a partir de dados das bases FDI Markets e Zephyr.
70
A Tabela 5 evidencia o fato de que apenas algumas cidades concentram uma
grande quantidade de fluxos no setor de petróleo e gás, o que já foi discutido na revisão da
literatura. Algumas das cidades mostradas na tabela 5, como Belo Horizonte, Medellín e
Camaçari, não são classificadas em posições altas nos rankings tradicionais de cidades, como
o AT Kearney 20176 ou o GaWC 2016
7, que são baseados em serviços e fluxos
administrativos. No entanto, essas cidades detêm papéis importantes em relação ao
funcionamento da rede de petróleo e gás na América do Sul. Assim, pode-se concluir que uma
abordagem setorial fornece resultados diferentes de uma abordagem agregada, sendo
potencialmente mais adequada em termos de estratégias políticas específicas para a inserção
em redes globais.
Além de estabelecer as conexões entre as cidades, é importante olhar
especificamente para o papel que as cidades desempenham conectando seus respectivos países
e regiões ao sistema global. Esse papel de gateway é especialmente crítico quando são
analisados locais do Sul global, como é o caso deste trabalho, já que as cidades que
desempenham esse papel de gateway são locais de estabilidade e boa infraestrutura em países
ou regiões marcadas por desigualdades espaciais internas, problemas de infraestrutura, falta
de mão de obra qualificada e dificuldades para fazer negócios (SCHOLVIN et al, 2017a).
Assim, essas cidades que desempenham papel de gateway são lugares estratégicos para o
acoplamento de áreas do Sul Global às redes globais de produção.
Apesar de alguns trabalhos, como Wall (2018), já terem aplicado a tradicional
medida de betweenness como forma de medir o papel de gateway, entende-se que ela não é
adequada, pois leva todo o sistema em consideração. Considerando que o papel de gateway
está relacionado à capacidade de intermediação que algumas cidades possuem, é necessária
uma medida que capte o papel intermediário que essas cidades desempenham entre dois
sistemas específicos (regional e global). Essa medida é mostrada na tabela 6, com o índice de
gatekeeper.
6 Disponível em: : https://www.atkearney.com/documents/10192/12610750/Global+Cities+2017+-
+Leaders+in+a+World+of+Disruptive+Innovation.pdf/c00b71dd-18ab-4d6b-8ae6-526e380d6cc4
7 Disponível em: http://www.lboro.ac.uk/gawc/world2016t.html
71
Tabela 6 – Papel de gateway das cidades da América do Sul, a partir dos fluxos de IDE e
F&A em petróleo e gás, no período 2007 - 2016
Rio de Janeiro 2223
Buenos Aires 760
Bogotá 672
São Paulo 468
Belo Horizonte 168
Santiago 133
Lima 70
Medellin 33
Caracas 30
Montevideo 14
Camaçari 12
La Paz 8
Barranquilla 6
Porto Alegre 5
Santiago de
Surco 4
Salvador 3
Miraflores 2
Fonte: elaboração própria, a partir de dados das bases fDi Markets e Zephyr.
A Tabela 6 mostra que o ranking de cidades em relação ao papel de gateway é um
pouco diferente daquele relacionado à capacidade de conectividade. Embora as posições das
cidades mudem um pouco, é possível ver que a assimetria persiste, pois quatro cidades
possuem índices significativamente mais altos em comparação com as outras. As quatro
principais cidades em relação ao papel de gateway são as mesmas quatro principais cidades
em relação à conectividade. A importância dessas cidades também pode ser vista em termos
das atividades realizadas em cada uma delas, mostradas na tabela 7.
72
Tabela 7 – Funções das cidades da América do Sul, de acordo com a descrição de
projetos de IDE e F&A, no período 2007 – 2016
Geração de
conhecimento
Controle
corporativo Serviço
Processament
o industrial
Logístic
a
Barranquilla 0 0 0 1 2
Belo Horizonte 0 0 4 0 1
Bogota 0 0 21 3 8
Buenos Aires 0 0 22 2 12
Camacari 0 0 1 2 0
Caracas 0 0 1 3 0
La Paz 0 0 0 0 1
Lima 0 0 0 1 8
Medellin 0 0 1 0 1
Miraflores 0 0 1 0 0
Montevideo 0 0 3 0 0
Porto Alegre 0 0 0 0 1
Rio de Janeiro 4 0 29 6 3
Salvador 1 0 0 0 0
Santiago 0 0 3 2 6
Santiago de
Surco 0 0 0 0 1
Sao Paulo 1 0 2 11 3
Fonte: elaboração própria, a partir de dados das bases fDi Markets e Zephyr.
A revisão da literatura realizada na primeira seção deste capítulo indica que, no
contexto globalizado das redes de produção, a capacidade de conectividade e as atividades
realizadas em determinado local são importantes para viabilizar o desenvolvimento
econômico. Por isso, é crucial observar os diferentes tipos de atividades que as cidades estão
realizando. Essas informações são mostradas na tabela 7. De acordo com essa tabela, é
possível perceber que a maioria das cidades realiza apenas uma ou duas atividades,
principalmente as de baixa complexidade e apenas algumas cidades executam várias
atividades, incluindo as mais sofisticadas e de maior valor agregado.
73
Isso indica que, embora muitas cidades tenham papéis nas redes de produção de
petróleo e gás da América do Sul, é importante qualificar esse papel, já que a relação que as
cidades têm com outros lugares do mundo tem naturezas diferentes.
2.4.2. Categorização das cidades
Com base nas três variáveis - capacidade de conectividade, função de gateway e
funcionalidade -, foi elaborada uma categorização, que visa mostrar que as cidades estão
conectadas ao sistema global de maneiras diferentes, pois possuem perfis diferentes.
Investigando essas dinâmicas, é possível identificar as cidades que estão conectando a
América do Sul à rede global de produção de petróleo e gás e como essas cidades estão
fazendo isso. Aplicando uma análise de clusters com o algoritmo k-means, foram definidos
três grupos diferentes, que representam as cidades principais, cidades de alta importância e
cidades menores. Os resultados dessa categorização são exibidos na figura 2.
Figura 2 - Análise de cluster das cidades da América do Sul, a partir de
variáveis selecionadas, no período de 2007 – 2016
Fonte: Elaboração própria.
A figura 2 mostra uma característica evidente das cidades envolvidas nos fluxos
de IDE e F&A em petróleo e gás na América do Sul: a alta concentração. Como mostrado na
figura 6, embora muitas cidades participem desses fluxos, a maioria foi cortada por não
possuir a função de gateway. Das que continuaram na análise, a maioria foi agrupada no
74
terceiro cluster, e apenas quatro foram classificadas nos outros dois clusters, que representam
as principais cidades e as cidades de alta importância.
O principal cluster é formado por uma única cidade: o Rio de Janeiro. Esta cidade
apresenta a maior capacidade de conectividade e papel de gateway, estando
significativamente distante da segunda cidade classificada, Buenos Aires, em ambas as
medidas. A cidade, juntamente com São Paulo, é a que desempenha mais funções e é aquela
que recebe mais investimentos em geração de conhecimento, o papel mais sofisticado
desempenhado pelas cidades.
Esse papel desempenhado pelo Rio de Janeiro tem muito a ver com o fato de a
cidade sediar a Petrobras, uma das principais NOC da região, destacando-se por sua liderança
no desenvolvimento da exploração em águas profundas e ultra-profundas (COSTA E
PESSALI, 2009; PRIEST, 2016). O fato de a Petrobras estar sediada no Rio de Janeiro atrai
muitos fluxos para as cidades, já que muitas empresas do setor de petróleo e gás buscam
estabelecer parcerias e cooperações com a NOC, a fim de acessar o mercado brasileiro.
O cluster de alta importância é formado por três cidades: Buenos Aires, Bogotá e
São Paulo. Essas três cidades também apresentam alta conectividade, papel de gateway e
desempenham entre três e quatro funções, embora São Paulo seja a única que desempenhe o
papel de geração de conhecimento, de acordo com as bases de dados. Elas têm algumas
características em comum, como o fato de serem os centros econômicos mais importantes em
seus respectivos países, e também abrigarem NOCs. Buenos Aires sedia a YPF, Bogotá sedia
a Ecopetrol e São Paulo concentra o comando das atividades do segmento downstream da
Petrobras, sendo um dos principais centros da indústria petroquímica na América do Sul
(SCHOLVIN et al, 2017b).
As quatro cidades que compõem os dois principais clusters estão localizadas no
Brasil, Colômbia e Argentina. Esses países destacam-se por estar entre os principais
produtores regionais e por adotar o sistema de concessão e partilha de produção para os
direitos de exploração de petróleo e gás, sendo menos rigorosos quanto à participação
estrangeira no setor de petróleo e gás do que os demais países da região (MERCHÁN, 2015),
o que será explorado em mais detalhes no capítulo 4. Outros importantes produtores
regionais, como Venezuela, Bolívia e Equador, são mais rigorosos em relação à participação
de empresas estrangeiras, exigindo a participação obrigatória das NOCs locais, em diferentes
níveis, no processo de exploração. Essa evidência indica que a abertura e a estrutura de
75
regulação são aspectos críticos para promover ou prejudicar a conexão das cidades às redes
globais de produção.
O último cluster é o que engloba o maior número de cidades. Essas cidades
geralmente realizam uma ou duas funções, principalmente as de baixa sofisticação e baixo
valor agregado. Essas cidades também são marcadas por uma capacidade de conectividade e
papel de gateway médio ou baixo. Isso significa que, embora as cidades do cluster 3 façam
parte dos fluxos de petróleo e gás na região, elas têm papéis menos importantes na conexão
com as redes de produção, e essa conexão é baseada principalmente em manufatura e
logística. Assim, são lugares que funcionam mais como canais para possibilitar o
funcionamento da configuração geograficamente dispersa da rede do que como locais
estratégicos, como as cidades dos outros dois clusters.
2.5.Considerações finais:
Este capítulo explora os diferentes papéis e a extensão em que as cidades
contribuem para a conexão de seus respectivos países às redes globais de produção.
Procurando preencher uma lacuna na literatura relacionada às cidades, foi realizada uma
análise baseada na hierarquia, papel de gateway e funcionalidade, a fim de investigar em que
medida e de que forma as cidades da América do Sul contribuem para conectar a região à rede
de produção de petróleo e gás e integrar a região à economia global. Para desenvolver essa
análise, foi adotada uma estrutura de rede e realizada uma análise de cluster, com dados sobre
projetos de IDE e F&A de 2007 a 2016.
Os resultados indicam que, embora muitas cidades participem dos fluxos de
petróleo e gás na América do Sul, a maioria das cidades está alocada no cluster de "cidades
menores", e apenas quatro cidades estão alocadas nos clusters das "cidades principais" e das
"cidades de alta importância". Isso indica que, como foi discutido no capítulo 1, embora a
economia esteja organizada de maneira globalizada, expressa na configuração das redes
globais de produção, apenas alguns poucos locais concentram a maior parte dos fluxos
econômicos.
As quatro cidades que se destacam como locais importantes para a conexão da
América do Sul com a rede global de produção de petróleo e gás são: Rio de Janeiro, Buenos
Aires, São Paulo e Bogotá. Essas cidades têm em comum o fato de serem os principais
centros econômicos de seus respectivos países, embora não sejam necessariamente capitais,
76
como é o caso do Rio de Janeiro e São Paulo. A análise desenvolvida indica que essas cidades
desempenham pelo menos três funções diferentes na rede, dentre as cinco listadas. No
entanto, apenas as cidades brasileiras, notadamente o Rio de Janeiro, conseguiram participar
na geração de conhecimento, a dimensão mais sofisticada da participação de cidades nas redes
de produção. Isso coloca o Rio de Janeiro como única cidade no cluster principal. A análise
também indica que as quatro cidades apontadas nos dois principais clusters estão altamente
conectadas a outros lugares, tanto na América do Sul quanto fora da região. Assim, essas
quatro cidades apresentam alto desempenho em hierarquia, papel de gateway e
funcionalidade.
Rio de Janeiro, São Paulo, Bogotá e Buenos Aires sediam as atividades das NOCs
locais, e as quatro cidades estão localizadas em países que adotam uma regulação mais aberta
às operações estrangeiras, em comparação aos outros países da região. Isso indica que, em um
contexto de redes globais de produção, a abertura e a estrutura de regulação são aspectos
importantes para possibilitar o acoplamento às redes.
Esta análise contribui para a pesquisa sobre as cidades tanto empírica quanto
metodologicamente. Empiricamente, através da análise da dinâmica envolvendo o papel das
cidades conectando seus respectivos países e regiões às redes globais de produção,
concentrando em uma região e um setor que têm sido continuamente negligenciados pela
literatura. Ademais, também foram feitas contribuições metodológicas: propondo um índice
para medir o papel de gateway das cidades e fornecendo uma análise quantitativa, que
engloba aspectos relacionados à hierarquia, papel de gateway e funcionalidade e que permite
abordar as diferentes formas pelas quais as cidades participam nas redes globais de produção.
Esta metodologia pode ser aplicada para investigar a dinâmica de outros setores e regiões.
A categorização proposta neste capítulo mostrou que a cidade do Rio de Janeiro
ocupa uma posição especial como centralizadora dos fluxos da indústria de petróleo e gás na
região e desempenhando todas as funções que as cidades têm na cadeia, inclusive as de maior
sofisticação e valor agregado. No próximo capítulo, será explorada a relação direta entre as
cidades investidoras e os locais que recebem tal investimento, buscando evidenciar as relações
de poder existentes entre os diferentes locais e a extensão espacial dessas relações.
77
CAPÍTULO 3 - A organização espacial dos fluxos de IDE e F&A da cadeia de petróleo e
gás na América do Sul
3.1. Introdução8
Apesar da dispersão espacial e do fato de a indústria ter se afastado das grandes
cidades, estas ainda concentram grande parte das atividades administrativas das redes de
produção (FRIEDMANN, 1986; SASSEN, 1991). Assim, surgem questões relativas a como a
organização dessas redes é realizada em nível espacial, ou seja, quais cidades são importantes
para cada rede, e qual o escopo espacial de tal importância (nacional, regional ou global).
Essas questões estão relacionadas a muitos fatores que envolvem as características das redes
estudadas.
Considerando essas questões, o presente capítulo busca identificar as cidades que
são as principais fontes de investimento para a rede de petróleo e gás na América do Sul;
entender por que elas ocupam tal posição, ou seja, quais são os atributos que as tornam a
principal origem dos investimentos em petróleo e gás na região; e a extensão espacial de tal
centralidade (regional ou nacional).
Vários estudos sobre a organização das redes de produção/cadeias de valor já
foram realizados. No entanto, grande parte deles (PEPPARD E RYLANDER, 2006;
FERNANDEZ-STARK et al, 2011; STURGEON et al., 2008; SOOSAY et al, 2012)
desenvolve análises baseadas em estudos de caso, focando nas relações entre as diferentes
empresas nas redes. Este capítulo procura contribuir incluindo mais fortemente a dimensão
espacial da organização das redes e as assimetrias de centralidade existentes entre os
diferentes locais.
Para isso, foram elaboradas redes a partir de dados sobre fluxos de IDE e F&A na
rede de petróleo e gás, de 2007 a 2016. Essas redes foram analisadas de acordo com o
outdegree dos nós e a partir da elaboração de comunidades Louvain. A aplicação das
comunidades representa uma contribuição metodológica significativa, uma vez que este
método tem sido amplamente utilizado em ciências naturais, mas não em ciências sociais
(HIDALGO, 2016; MARTINUS E SIGLER, 2017).
8 Uma versão deste capítulo foi aceita para publicação na revista Nova Economia.
78
3.2. Discussão teórica
Sassen (1991) considera que a forma com que as cidades desempenham o papel
de concentradoras de atividade econômica varia, uma vez que algumas desempenham tal
papel no nível global e outras nos níveis regional e nacional. Apesar de Sassen mencionar
essa diferença, ela não explora os papéis regionais e nacionais das cidades em seu trabalho.
Outros autores enfatizaram esse ponto, como Martinus et al. (2015), que afirmam que muitas
cidades desempenham um papel importante nas cadeias que são desenvolvidas regionalmente,
e que esse papel vem sendo negligenciado pela literatura.
Embora haja uma crescente dispersão geográfica e globalização das atividades
econômicas, uma vez que diferentes estágios de uma mesma cadeia produtiva ocorrem em
diferentes localidades em todo o mundo, Sassen (1991) afirma que há uma concentração
contínua de controle e propriedade econômica. Essa concentração está diretamente
relacionada à configuração assumida pelas redes de produção, pois, embora o processo
produtivo esteja sofrendo fragmentação, tanto geográfica como funcionalmente, as relações
desenvolvidas dentro das redes não são igualitárias, pois alguns agentes detêm mais poder que
outros. Qual empresa ocupa a posição de líder e como ela desenvolve suas relações com as
empresas subordinadas dentro da cadeia torna-se, então, especialmente importante. Nesse
contexto, o aspecto do poder ganha mais destaque. Sobre isso, em seus primeiros trabalhos,
Gereffi (1999) afirma que existem dois tipos de cadeias: as orientadas pelo produtor e as
orientadas pelo comprador.
As cadeias orientadas pelo produtor têm como característica principal o fato de
possuírem grandes produtores no papel central de coordenação da cadeia, sendo mais
frequentes em indústrias intensivas em capital, como automóveis, computadores e máquinas.
As cadeias orientadas pelos compradores são características de indústrias nas quais grandes
cadeias de varejo desempenham um papel importante no estabelecimento de uma produção
descentralizada em muitos países, tipicamente em países em desenvolvimento. Esse padrão de
industrialização liderado pelo comércio é comum em setores intensivos em mão de obra,
como calçados e brinquedos (GEREFFI, 1999).
Essa classificação tem orientado vários trabalhos na área. De acordo com Carballa
et al (2016) esses trabalhos podem ser sumarizados em três abordagens: 1. Como acontecem
as trocas entre empresas em diferentes etapas da produção; 2. Quais atores podem definir o
79
processo de coordenação; 3. Quais são as consequências dessa coordenação para os
participantes da rede, no que diz respeito à distribuição de riscos e lucros.
Essas três abordagens, contudo, não permitem a compreensão da configuração da
hierarquia espacial, resultante da distribuição das atividades e das assimetrias de poder entre
os participantes delas (MAHUTGA, 2014; RAVENHILL, 2014). No entanto, segundo Dicken
et al (2001), essas questões são centrais para a compreensão da economia global e das novas
dinâmicas interconectadas que foram desenvolvidas. A metodologia de redes permite essa
análise.
Vários autores, como Powell (1990) e Kirman (1997), já aplicaram a estrutura de
redes para investigar a dinâmica da economia global. A análise de redes parte da ideia de que
o desenho da rede reflete um conjunto de processos relacionais que produzem padrões
observáveis na economia. Portanto, o desenho das redes compreende a identificação de atores,
seus relacionamentos e os resultados estruturais dessas relações.
Para Dicken et al. (2001), o poder e a centralidade dentro das redes da economia
global não estão relacionados a ações específicas, mas principalmente ao controle de recursos
que alguns agentes possuem. Para os autores, o papel que um nó desempenha na rede é
derivado não apenas da posição que o nó ocupa, mas também do controle que ele tem sobre
recursos estratégicos, sejam eles físicos, políticos, econômicos ou tecnológicos. Os autores
também apontam que as redes possuem territorialidade e organização específicas, o que é
entendido como resultado das atividades que estão sendo analisadas (DICKEN et al, 2001).
Assim, a territorialidade das redes é moldada pelos agentes participantes da rede e
pelas relações desenvolvidas entre eles. Este ponto se relaciona com o trabalho de alguns
autores, que argumentam que a análise espacial, que envolve a identificação de cidades
importantes para os fluxos econômicos mundiais, deve ser realizada em abordagens setoriais,
já que muitas cidades são importantes para determinados setores, mas não para outros
(MARTINUS E TONTS, 2015; KRATKE, 2014a; WALL E VAN DER KNAAP, 2011).
Martinus e Sigler (2017) adotaram o método de redes e identificação de
comunidades em um trabalho que abordava a dinâmica específica de diferentes indústrias e
sua organização espacial. Os autores concluíram que esta é uma maneira importante de
contextualizar as cidades dentro da dinâmica econômica de certos setores. No entanto, esse
recurso metodológico ainda não foi amplamente explorado nas ciências sociais.
80
3.3. Metodologia
A fim de cumprir os objetivos propostos no presente capítulo, foram combinadas
diferentes medidas de rede com uma análise qualitativa das cidades identificadas como
proeminentes na rede. A ideia central que guia a estrutura metodológica deste capítulo é
baseada em Dicken et al. (2001), que afirma que a análise da economia global envolve: 1. A
compreensão de quem são os atores mais poderosos; 2. O entendimento sobre quais recursos
os tornam poderosos; e 3. Como eles exercem esse poder. Entende-se o poder aqui como ter a
maior centralidade na rede, e o exercício do poder é explicado aqui em um nível espacial.
Assim, a pesquisa foi conduzida em três etapas:
1. Desenho da rede e medição da centralidade dos nós, para identificar os nós com
maior outdegree na rede;
2. Análise qualitativa sobre os recursos que contribuem para a posição ocupada
pelos nós centrais, identificados na etapa 1;
3. Identificação da extensão espacial da centralidade dos nós, através da formação
de comunidades.
Para o desenho das redes analisadas no presente capítulo, foram coletados dados
das bases FDI Markets e Zephyr sobre os projetos de IDE e F&A de 2007 a 2016. Foi
realizado um corte temporal de longo prazo com o objetivo de eliminar o risco de viés
causado por um curto corte temporal, que pode envolver eventos extraordinários. Para a
composição da rede, foram usados todos os fluxos presentes nas bases de dados que foram
originados ou destinados a um local na América do Sul.
A opção de usar fluxos de IDE e F&A para analisar a centralidade de diferentes
localidades tem a ver com o fato de que, como afirmam Bathelt e Fei Li (2014), tais relações
de investimento são a base para a realização de diversos outros fluxos (material, capital
humano, conhecimento, tecnologia), estabelecendo relações intensas e de longo prazo entre
diversas localidades. Dessa forma, entende-se que as localidades com maior centralidade, ou
seja, aquelas que são a origem de maior número de investimentos, estabelecem mais canais
para fluxos com outras localidades, possuindo, assim, uma maior capacidade relacional.
Entende-se também que, o fato de um local ser a origem do investimento, o coloca em uma
posição de poder, pois ele tem controle sobre o projeto de investimento. Assim, foi adotada a
medida de outdegree como principal medida para identificar as cidades mais importantes.
81
A base FDI Markets compreende dados sobre IDE greenfield, e a base de dados
Zephyr, inclui dados sobre F&A, investimentos brownfield. Vale lembrar novamente que os
dados do FDI Markets compreendem apenas fluxos internacionais, e os dados do Zephyr
mostram fluxos intra e internacionais.
Como o objetivo deste trabalho é identificar as cidades com maior centralidade na
rede e, devido à insuficiência de informações no nível da cidade para todos os fluxos
existentes, foi decidido que a origem do investimento seria definida no nível da cidade e o
destino seria definido no nível do país. Assim, foi gerada uma rede two-mode. Essa prática
não afeta os objetivos analíticos do trabalho e favorece a análise, permitindo a inclusão de
100% dos casos disponíveis nas bases de dados, uma vez que muitos projetos de IDE e F&A
mostram a cidade de origem, mas não informam a cidade de destino. Isso acontece porque,
muitas vezes, o local de destino do investimento é o local de exploração de um campo de
petróleo e gás, que não necessariamente está localizado em uma cidade, mas sempre pertence
a um país. Logo, as informações do país de destino estão sempre disponíveis.
Para traçar as conexões, foi usado o número absoluto de projetos, como em
Crescenzi et al (2016:7), que afirma que usar o número de projetos, em vez do valor investido,
é mais adequado quando estamos olhando para aspectos relacionados à localização, já que a
escolha de investir em um determinado local é “amplamente independente do valor
investido”.
Após o desenho da rede, algumas análises serão realizadas com base nas medidas
de centralidade dessa rede, principalmente o outdegree. O outdegree, ou seja, o número de
arcos originados em um nó, é calculado da seguinte maneira:
𝑂𝐷(𝑖) = ∑ 𝑊(𝑗, 𝑖)𝑁𝑗=1
Onde ‘i’ e ‘j’ são nós da rede e ‘W(j, i)’ o peso da conexão entre ‘i’ e ‘j’ na matriz
de adjacência que forma a rede (MARGARIDO et al, 2008).
Na sequência, para entender a natureza da posição das cidades na rede, será
realizada uma análise qualitativa. Essa análise foi desenvolvida através de revisão
bibliográfica, quatro entrevistas9 com empresas de petróleo e gás e documentos oficiais
relacionados à cadeia de petróleo e gás.
Finalmente, foi investigada a extensão espacial da centralidade das cidades. Para
isso, foi aplicado o método de agrupamento de comunidades, proposto por Blondel et al
9 Entrevistas realizadas no âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities from the Global
South as nodes in global commodity chains”.
82
(2008), chamado método de Louvain. Essa abordagem também implica um avanço
metodológico do trabalho, uma vez que, até o momento, poucos estudos nas ciências sociais
aplicaram o particionamento de comunidades (MARTINUS E SIGLER, 2017).
Esse método é focado na maximização da modularidade, definida como:
𝑄 =1
2𝑀∑[𝐴𝑖,𝑗 −
𝑘𝑖𝑘𝑗
2𝑚𝐼,𝐽
] 𝛿(𝑐𝑖, 𝑐𝑗)
Onde ‘A’ é a soma dos pesos dos vértices ‘i’, ‘c’ é a comunidade onde ‘i’ é
inserido, a função ‘δ(u, v)’ é 1, se ‘u =v’ e 0 se ‘u ≠ v’, e ‘m = 1/2ΣA’ . A técnica usada para
identificar comunidades no método Louvain é baseada em dois estágios:
1. Cada nó é atribuído a uma comunidade para maximizar a modularidade Q da
rede. O ganho obtido na alocação de um nó ‘i’ a uma comunidade ‘c’ pode ser calculado
como:
∆𝑄 =∑ +𝑘𝑖
𝐶𝑐
2𝑚− (
∑ +𝑘𝑖𝐶
𝑐̇
2𝑚)
2
− [∑𝑐
2𝑚− (
∑𝑐̇
2𝑚)
2
− (𝑘𝑖
2𝑚)]
Onde Σc é a soma dos pesos dos arcos incidentes em ‘c’, ‘k’ é a soma dos pesos
incidentes no nó ‘i’, ‘kic’
é a soma dos pesos dos arcos que saem de ‘i’ para os nós em ‘c’, ‘m’
é a soma dos pesos de todos os nós na rede.
2. O segundo estágio é a elaboração de uma nova rede com os nós pertencentes a
cada comunidade. Em seguida, o processo se repete até que haja uma melhoria significativa
na modularidade da rede.
3.4. Resultados e discussão
3.4.1. A rede sul-americana de investimentos em petróleo e gás
A Figura 3 mostra a rede delineada a partir dos fluxos de IDE e F&A em petróleo
e gás na América do Sul. Os locais que aparecem em laranja estão na América do Sul,
enquanto os em verde são de fora da região.
83
Figura 3- Rede de investimentos em petróleo e gás da América do Sul, no período de 2007 – 2016
Fonte: elaboração própria.
84
A característica mais notável desta rede é a concentração de conexões em poucos
nós e a existência de muitos nós pequenos com participação limitada nos fluxos de
investimento. Isso caracteriza uma rede livre de escala, segundo Barabási (2009), o que
significa que a rede não possui um nó representativo, mas sim que existe uma hierarquia com
conectores grandes, conectores médios e nós com poucas conexões.
A análise visual da figura permite a verificação de que o Rio de Janeiro é a
principal origem dos investimentos na cadeia de petróleo e gás na América do Sul e que o
Brasil é o principal destino. Para mostrar mais detalhadamente o papel desempenhado por
algumas localidades, a tabela 8 mostra o outdegree dos nós da rede na figura 4.
Tabela 8 – Outdegree da rede de investimentos em petróleo e gás da América
do Sul, no período de 2007 – 2016
Rio de Janeiro 63
São Paulo 31
Bogota 26
Buenos Aires 26
Caracas 22
Calgary 20
Madrid 17
Medellin 13
Fonte: elaboração própria.
Os valores de outdegree mostrados na tabela 8 evidenciam que as cidades da
América do Sul desempenham um papel importante dentro da rede regional. Das 8 principais
cidades de origem dos investimentos na região, apenas duas são de fora da região: Calgary e
Madri. Outro aspecto importante é o domínio do Rio de Janeiro como a principal origem dos
investimentos. O Rio de Janeiro foi a fonte de 63 investimentos, duas vezes mais que São
Paulo, a segunda cidade mais bem colocada, seguida de perto por Bogotá.
3.4.2. A centralidade do Rio de Janeiro
A centralidade do Rio de Janeiro confere uma posição de poder à cidade dentro da
rede, uma vez que ela é a líder isolada na origem dos investimentos em petróleo e gás na
América do Sul. Dessa forma, o número de canais para outros fluxos estabelecidos entre esta
cidade e outros locais da rede é o mais alto. Assim, devido à sua grande conectividade, o Rio
85
de Janeiro é classificado como um forte conector dentro dessa rede (BARABÁSI, 2009). A
posição da cidade dentro da rede é explicada com base na perspectiva de Dicken et al (2001),
ou seja, são enfatizados os recursos que a cidade detém, e que contribuem para a sua
centralidade, tornando-a um conector forte.
Um dos fatores que explicam a centralidade do Rio de Janeiro é que esta cidade
sedia a Petrobras. A empresa é responsável pela exploração de grande parte dos campos de
petróleo do país e responde por quase 90% do petróleo produzido no Brasil (ANP, 2016). A
Petrobras é a maior companhia de petróleo da América do Sul, segundo ranking divulgado
pela consultoria Platts, que avalia critérios como valor de ativos, receita, lucro e retorno de
capital. A empresa ocupou essa posição desde 2002, quando foi criado o ranking (Revista
Exame, disponível em http://exame.abril.com.br/negocios/petrobras-perde-o- posto-de-maior-
da-américa-do-sul-veja-o-ranking/). O papel da Petrobras na rede de fluxos de investimentos
em petróleo e gás na América do Sul é visto na tabela 9, que mostra as principais empresas
investidoras da rede.
Tabela 9 - Principais empresas investidoras na cadeia de petróleo e gás da
América do Sul, no período 2007 – 2016
Empresa Número de
projetos Cidade sede
Principal atividade na
cadeia
Petrobras 38 Rio de
Janeiro E&P
PDVSA 25 Caracas E&P
Repsol 11 Madrid E&P
Ultrapar 10 São Paulo Distribuição/
especialidades químicas
Braskem 10 São Paulo Petroquímica
Fonte: FDI Markets e Zephyr.
A Tabela 9 mostra que, dentro dos fluxos de IDE e F&A na América do Sul, a
Petrobras é a empresa com a maior participação, com um número de projetos 50% maior que
a segunda colocada, a venezuelana PDVSA. Também é possível observar que as três
86
principais empresas da tabela são grandes petroleiras. Como já mencionado, a cadeia do
petróleo é do tipo orientada pelo produtor. Assim, grandes e integradas empresas petrolíferas
desempenham um papel central nessa rede.
A Petrobras atua em diversas partes do globo, incluindo África, América, Ásia e
Europa, em diferentes etapas da cadeia (COSTA E PESSALI, 2009). No entanto, sua atuação
internacional é mais intensa na América do Sul. Em 2015, quase 47% das reservas provadas
internacionais da Petrobras estavam localizadas na região. A empresa atua em diferentes áreas
em muitos países. No Chile, Paraguai e Uruguai, com comércio e distribuição, sendo líder no
setor. No Peru e na Bolívia tem negócios de exploração, produção e transporte por oleodutos.
Na Venezuela e na Colômbia, existem parcerias no setor de distribuição. Este segmento
também está presente no Chile, onde existem 279 postos; na Argentina, com 265 postos; no
Paraguai, com 180 postos; no Uruguai, com 87 postos. A participação de mercado da empresa
em cada um desses países é de 12,5%, 6,1%, 19,5% e 22,7%, respectivamente
(PETROBRAS, 2015). Entretanto, esse quadro vem passando por mudanças, com a nova
estratégia de desinvestimento adotada pela empresa.
Além da Petrobras, empresas privadas de petróleo também estão presentes no Rio
de Janeiro. De acordo com o relatório de 2016 da ANP (Agência Nacional do Petróleo), das
104 concessionárias de E&P que operavam nos poços de petróleo brasileiros, 65 delas
estavam sediadas no Rio de Janeiro, e várias dessas empresas eram multinacionais. Segundo
Costa e Pessali (2009), uma vez que o sistema de licitação para a concessão de blocos de
exploração foi instituído pela ANP, em 1999, a Petrobras tem participado ativamente, e as
empresas estrangeiras participam frequentemente em parceria com ela. Essa relação próxima
que muitas empresas estrangeiras desenvolveram com a Petrobras - desde a liberalização do
setor petrolífero nacional brasileiro - motivou a instalação dessas empresas no Rio de Janeiro,
para explorar vantagens oriundas da proximidade geográfica e institucional (BOSCHMA,
2005).
Vale destacar que o Rio de Janeiro não é a única cidade da América do Sul que
abriga escritórios de empresas multinacionais de petróleo e gás. Essas empresas estão
localizadas em várias cidades, refletindo a descentralização desse setor, que é fortemente
influenciado pelo marco regulatório e pela agenda nacional de segurança energética dos
países (MARTINUS E SIGLER, 2017), além das relações usuário-produtor, que motivam as
empresas parapetrolíferas a se instalarem próximas às empresas petroleiras. Essas empresas
parapetrolíferas também estão fortemente concentradas no Rio de Janeiro (ROCHA E
URRACA-RUIZ, 2011).
87
Além da concentração de empresas, o Rio de Janeiro também concentra esforços
significativos de pesquisa na área. Primeiro, há o Cenpes, centro de pesquisa da Petrobras.
Este centro - que é o principal, mas não o único da empresa - foi fundamental no
desenvolvimento de tecnologias de perfuração em águas profundas, o que garantiu a liderança
tecnológica nessa área à Petrobras (COSTA E PESSALI, 2009), o que foi discutido em mais
detalhes no capítulo 1.
Ademais, alguns centros de P&D de empresas transnacionais envolvidas na fase
de exploração de petróleo e gás também estão instalados no Rio de Janeiro. Dados
apresentados em Piquet et al (2016) mostram que, dos 18 novos centros de P&D de petróleo e
gás que foram instalados no Brasil nos últimos dez anos, 15 estão localizados na cidade,
sendo que a maioria desses centros está localizada numa área de propriedade da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de Janeiro). A instalação desses centros de P&D de empresas
transnacionais no Rio de Janeiro é motivada, entre outros fatores, pela descoberta do pré-sal
em 2007, proveniente das bacias sedimentares, que vão do litoral do Espírito Santo até São
Paulo (PEDROSA JR. E CORREA, 2016). A exploração da camada exige novas tecnologias,
adaptações às já existentes e soluções logísticas (PIQUET, 2012). Portanto, a demanda por
novas tecnologias e soluções adaptadas, além da importância do pré-sal como novo depósito
com grande potencial produtivo, estimularam o investimento estrangeiro em P&D na cidade
(BELLUZZO et al, 2014 apud PIQUET, 2016).
As atividades de P&D realizadas por empresas estrangeiras no Rio de Janeiro e no
Brasil também se devem à legislação do setor que, desde 2005, determina que 1% da
produção bruta total de campos altamente produtivos seja investido em P&D. Parte desse 1%
pode ser aplicado em centros próprios de P&D ou no Cenpes, e outra parte deve ser aplicada
em instituições sem fins lucrativos, como universidades e institutos públicos de pesquisa
(OLIVEIRA, 2016; TORDO et al, 2013).
Assim, o Rio de Janeiro é um centro do estágio upstream da rede de petróleo e
gás. Essa centralidade se materializa na concentração da origem dos fluxos de IDE e F&A da
rede sul-americana naquela cidade. Tal concentração é explicada em grande parte pela
presença da Petrobras, que detém um papel de liderança na região. O fato de o Rio de Janeiro
abrigar a sede da empresa motiva outras empresas, que buscam atuar em parceria com a
Petrobras, a se instalarem no Rio de Janeiro, informação confirmada em entrevistas10
.
10
Entrevistas realizadas no âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities from the Global
South as nodes in global commodity chains”.
88
3.4.3. Formação de Comunidades
Os dados apresentados sobre os fluxos de investimento em petróleo e gás mostram
a centralidade do Rio de Janeiro. No entanto, a Figura 3 não permite a visualização da
extensão espacial do papel da cidade. Apesar de o Rio de Janeiro se destacar como fonte de
investimentos na cadeia de petróleo e gás, essa centralidade se estende ao contexto regional
ou se concentra no nível nacional? Foi realizada uma análise de comunidades para responder
a essa questão. As comunidades mostram a extensão espacial do papel das cidades que
concentram os fluxos em petróleo e gás, através da formação das subredes. Essas subredes são
mostradas na figura 4.
89
Figura 4 - Comunidades Louvain na rede de IDE e F&A em petróleo e gás na América do Sul, no período 2007 – 2016
Fonte: elaboração própria
90
Inicialmente, é possível verificar que a comunidade do Brasil é a que possui o
maior número de cidades. Isso evidencia a importância que o país tem como pólo de atração
de investimentos na cadeia de petróleo e gás, pois é o país que estabelece fortes relações com
mais cidades, implicando que ele recebe investimentos de uma maior variedade de cidades.
Agrupando os nós mais conectados, a análise das comunidades permite ver o forte
escopo nacional dos fluxos de investimento na América do Sul. Em quase todas as
comunidades há um ou dois países da América do Sul e, na mesma comunidade a qual esses
países foram designados, há também um grande número de cidades do mesmo país.
Isso fica claro quando olhamos para a comunidade em que o Brasil está inserido.
São Paulo e Rio de Janeiro também estão nessa comunidade, além de várias outras cidades
brasileiras. Apenas uma pequena parte das cidades brasileiras está em comunidades
diferentes. Esse padrão é o mesmo se forem observadas as comunidades da Argentina,
Colômbia, e assim por diante.
Dessa forma, é possível concluir que a rede de investimentos da América do Sul
tem forte escopo nacional. Assim, embora seja uma cidade de destaque dentro da rede sul-
americana, os investimentos que se originam no Rio de Janeiro estão voltados
majoritariamente para o Brasil e pouco ecoam na região, como um todo. Esta é a tendência
geral dos fluxos nesta cadeia, uma vez que todas as comunidades têm padrões semelhantes.
Este resultado está de acordo com resultados obtidos em outros estudos que
também trataram do setor energético, e evidenciaram que as especificidades institucionais dos
diferentes países produtores contribuem para a descentralização dos fluxos da cadeia em nível
global e concentração em nível nacional. Martinus e Sigler (2017) mostraram a forte
descentralização da organização do setor energético em geral. Breul e Revilla Diez (2017)
também identificaram uma forte concentração no nível nacional da organização de empresas
de E&P no Sudeste Asiático.
3.5. Considerações finais:
Este capítulo teve como objetivo analisar a organização espacial da cadeia de
petróleo e gás na América do Sul, com base nos fluxos de IDE e F&A da região. Os fluxos
foram analisados combinando redes com uma abordagem qualitativa. Dessa forma, procurou-
se contribuir para a literatura, trazendo uma análise espacial com foco nas cidades, e uma
metodologia pouco aplicada nos estudos da área até o momento.
91
Com base na análise realizada, foi verificada a forte centralidade do Rio de
Janeiro nos fluxos de investimento da região. Essa centralidade coloca a cidade em uma
posição de poder na rede sul-americana e se deve, no sentido usado por Dicken et al (2001),
aos recursos que a cidade possui.
Um dos atributos centrais do Rio de Janeiro é o fato da cidade sediar a Petrobras.
Como essa cadeia é caracterizada como sendo orientada pelo produtor, as grandes empresas
de petróleo exercem controle sobre as atividades da cadeia. Além de ser a maior petroleira da
América do Sul, a Petrobras é um importante player no segmento de exploração offshore em
águas profundas, sendo uma das líderes tecnológicas mundiais nesse segmento. Além disso, a
empresa atua internacionalmente em várias etapas, desde a exploração até a distribuição.
Visando a proximidade com a Petrobras, muitas empresas petroleiras privadas, prestadoras de
serviços especializados e fornecedores também estão localizados no Rio de Janeiro.
Além de abrigar importantes empresas da etapa upstream, o Rio de Janeiro
também abriga vários centros de pesquisa de petróleo e gás. Além do Cenpes, da Petrobras,
algumas empresas privadas também possuem centros de P&D instalados na cidade. Portanto,
além de ser um importante centro de empresas do segmento, o Rio de Janeiro também se
caracteriza como um importante centro de produção de conhecimento e tecnologia. Em
relação a essa questão, o Estado desempenha um papel fundamental, uma vez que o marco
regulatório estimula a instalação de unidades de P&D.
Por meio do particionamento em comunidades, foi possível verificar que o escopo
dessa centralidade é principalmente nacional, embora a centralidade do Rio de Janeiro na rede
de investimentos da América do Sul seja notável. Esse resultado está de acordo com outros
estudos que já discutiram a forte centralização nacional da cadeia de petróleo e gás. Isso
ocorre, principalmente, pelo fato dessa cadeia ser fortemente influenciada pela política local e
pelo ambiente institucional, fatores que moldam os termos em que a produção do setor de
petróleo e gás será realizada.
Este capítulo e o capítulo 2 contribuíram para o entendimento da organização
espacial e hierárquica das diferentes cidades sul-americanas, destacando também as diferentes
posições que elas ocupam dentro da cadeia e a concentração nacional desses fluxos. Nos
capítulos 4 e 5 serão exploradas duas funções específicas desempenhadas pela cidade do Rio
de Janeiro, que foram identificadas nos capítulos 2 e 3: a função de coordenação na etapa
upstream e a função de geração de conhecimento.
92
CAPÍTULO 4 - A geografia das atividades da etapa upstream na América do Sul
4.1. Introdução11
Este capítulo tem como objetivo mapear a organização das atividades da cadeia de
petróleo e gás, na etapa upstream (a produção de petróleo e gás em si), na América do Sul,
evidenciando as cidades que detêm importantes papeis para a organização das atividades de
operação e prestação de serviços especializados. Também é destacado como as políticas locais
e o ambiente regulatório moldam a organização da rede na região, e como as estratégias
adotadas pelo Estado brasileiro impactaram a inserção da cidade do Rio de Janeiro, centro da
indústria petrolífera local, na rede.
Foi definido que a atenção desta análise estaria focada na etapa upstream e não na
cadeia como um todo. Primeiramente, pelo fato de que no capítulo anterior foi identificado
que o Rio de Janeiro tem um importante papel nessa etapa, no contexto da América do Sul.
Em segundo lugar, mas não menos importante, devido ao fato de que, de acordo com
Stephenson e Agnew (2015), a configuração da rede de petróleo e gás, que envolve a extração
em um determinado local, o transporte desse local para unidades de processamento ou
mercados em outro local, através de estruturas específicas (dutos, embarcações), implica em
uma geografia específica para cada etapa. Ainda, de acordo com esses mesmos autores, as
atividades upstream envolvem diversas firmas, como operadoras e prestadoras de serviços
especializados que atuarão na perfuração, completação e fabricação de plataformas, formando
uma rede por si só.
A fim de desenvolver a análise proposta foram coletados dados na base “A barrel
full”, que traz informações sobre campos de petróleo e gás no mundo todo e as empresas que
atuam na sua exploração; em sites de empresas, a fim de identificar a localização destas; e
foram realizadas entrevistas e pesquisas em reportagens e estudos já realizados na área. Para o
tratamento dos dados encontrados, foi empregada a análise de redes e calculadas medidas de
centralidade.
Com essa análise o presente capítulo busca contribuir para o entendimento da
dinâmica espacial da organização das redes produtivas e para o entendimento dos fatores
específicos locais que determinam tal organização, evidenciando o fato de que, embora as
11
Versões preliminares deste capítulo foram apresentadas no 57th ERSA (European Regional Science
Association) Congress e no XV Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos.
93
redes produtivas sejam globais, sua geografia é fortemente determinada por elementos
territoriais locais.
4.2. A organização das redes globais de produção
Dicken et al (2001) afirmam que as redes globais de produção têm uma
territorialidade e organização específicas. Esse forte vínculo com as condições territoriais
locais também foi identificada por Bridge (2008), ao analisar as redes de produção de
petróleo. O autor afirmou em seu trabalho que o Estado participa do processo produtivo da
rede em questão de várias formas: estabelecendo os termos sob os quais os recursos serão
acessados; operando diretamente poços através das empresas estatais; e através de regulações
ao longo de toda a cadeia, desde a segurança do trabalho e meio-ambiente até a taxação de
combustíveis. Devido a essas características, determinadas por governos e instituições locais,
a rede de petróleo seria um ótimo exemplo do aspecto territorial envolvido nas redes globais
de produção, de acordo com o autor.
No contexto da territorialidade específica das redes e dos fatores locais que
determinam as suas respectivas configurações, a forma como o Estado pode impactar a
geração, melhoramento e captura de valor tem sido estudada em alguns trabalhos. Nesse
sentido, Horner (2017) desenvolve uma tipologia de quatro papeis desempenhados pelo
Estado nas redes globais de produção. De acordo com o autor, o Estado pode atuar como
facilitador, regulador, produtor ou comprador.
O papel de facilitador está baseado no auxílio, por parte do Estado, às empresas
inseridas nas redes globais de produção, através de subsídios e incentivos fiscais, por
exemplo. O papel de regulador se refere ao aspecto regulatório, que condiciona a forma como
as empresas e locais podem participar das redes, o que envolve políticas de comércio, controle
de preços e restrições a investimentos estrangeiros. O papel de produtor está diretamente
relacionado à existência de empresas estatais, que costumam atuar, principalmente, em setores
estratégicos, como o de petróleo e gás. O papel de comprador tem a ver com políticas de
compra pública, que fazem com que haja uma demanda garantida para determinados
produtos, incentivando as empresas envolvidas na produção destes.
A forma espacial com a qual as redes produtivas globais estão organizadas vêm
sendo debatida desde a década de 1980. Friedmann (1986) e Friedmann e Wolff (1982)
afirmam que as atividades organizacionais das empresas multinacionais, ou seja, atividades
94
voltadas à administração da produção e não à produção em si, estão concentradas apenas em
algumas cidades, devido ao fato de que estas dispõem de uma série de recursos como mão de
obra especializada, setor de serviços desenvolvido, infraestrutura de transportes, entre outros.
Scholvin et al (2017a) afirmam que as cidades são pontos de articulação das redes de
produção, atuando como centros de logística e transporte, processamento industrial, controle
corporativo, prestação de serviços e geração de conhecimentos. Assim, apenas algumas
poucas cidades exercem um papel importante no que diz respeito à organização das redes
globais de produção.
O estudo sobre a organização espacial dessas redes vem sendo desenvolvido
recentemente com uma abordagem de escopo setorial. Os autores envolvidos nesses estudos
afirmam que as cidades têm diferentes perfis, ou seja, uma cidade que é importante para um
setor, não necessariamente terá a mesma importância para outro setor. Logo, é necessário um
estudo de escopo setorial para captar as especificidades espaciais da organização de cada setor
e identificar quais são os locais-chave para o funcionamento das diferentes redes produtivas
(KRATKE, 2014).
Martinus e Tonts (2015) desenvolvem um estudo nesse escopo, analisando a
cadeia de energia. Os autores consideram que, devido a forte influência do Estado e das
agendas locais de segurança energética, essa rede de produção deve ser entendida como
fortemente circunscrita às condições institucionais locais. Os autores mostraram que a
organização dessa rede pode ser entendida através do desenho de regiões, sendo que cada uma
delas apresenta um grupo de cidades que concentram o poder administrativo de tal cadeia,
tendo influência sobre a região na qual elas estão inseridas e atuando como um canal entre as
suas respectivas regiões e outros locais do mundo.
Os autores consideram que tais cidades atuam como intermediárias de fluxos de
capital e conhecimento, funcionando como pontes entre a esfera global e regional. Essa
função se deve ao fato dessas cidades sediarem diversos escritórios (sedes, sedes regionais e
nacionais, escritórios de vendas) de diferentes empresas envolvidas na cadeia de energia. De
acordo com os autores, o fato de as empresas se instalarem nessas cidades têm justificativas
históricas (relação histórica de Moscou com o leste europeu, por exemplo), logísticas (locais
de produção e mercados consumidores) e financeiras (cidades que são paraísos fiscais)
(MARTINUS E TONTS, 2015).
4.3. Metodologia
95
A metodologia empregada para o desenvolvimento deste capítulo foi realizada em
quatro etapas:
1. Coleta de dados na base “A barrel full”, a fim de identificar os poços de
petróleo e gás ativos na América do Sul e as empresas participantes na exploração destes;
2. Busca da localização de escritórios das empresas encontradas na etapa 1, a
partir de informações encontradas em seus respectivos websites.
3. Desenho de redes a partir das informações de localização coletadas e análise da
centralidade de diferentes cidades.
4. Entrevistas com alguns importantes players do setor e revisão de textos
acadêmicos e reportagens de jornais sobre o assunto.
A fim de obter dados sobre os poços de petróleo e gás da América do Sul, foi
utilizada a base de dados “A barrel full”. A base fornece dados sobre os diferentes poços de
petróleo e gás existentes no mundo, com informações relativas à localização deles, com dados
referentes ao país, cidade ou bacia (caso dos poços offshore) em que o poço se encontra.
Dessa forma, é possível ter a localização precisa do poço em questão. Além de dados relativos
à localização dos poços, a base também traz informações sobre as empresas que atuam em
cada poço, tanto as operadoras como as prestadoras de serviço contratadas. Essas prestadoras
fornecem serviços relacionados à engenharia, abastecimento, construção, instalação, entre
outros.
Com as informações sobre os poços de cada país da América do Sul, foi dado
início a segunda etapa da metodologia. Nela, foi realizada uma pesquisa nos respectivos
websites das empresas encontradas na etapa 1. Nessa pesquisa buscou-se informações sobre a
localização dos escritórios das empresas encontradas na etapa 1 em todo o mundo, inclusive
na América do Sul. Tal pesquisa sobre a localização de escritórios apresenta algumas
limitações, pois apenas algumas empresas fornecem informações sobre a natureza dos
escritórios, ou seja, se o escritório é uma sede regional, um escritório para vendas etc.
Contudo, na ausência de dados extras que auxiliassem na informação sobre a importância de
cada escritório, optou-se pela utilização de todas as localizações informadas.
Estas duas etapas foram realizadas durante o ano de 2016. Logo, o desenho da
rede reflete as condições de localização daquele ano.
Após a coleta das informações de localização dos escritórios, foram elaboradas
duas redes: a primeira foi feita a partir da localização das empresas operadoras; a segunda foi
feita a partir da localização das empresas prestadoras de serviços especializados.
96
Com a elaboração dessas duas redes é possível conectar o local de início da cadeia
de petróleo e gás, o poço em si, aos locais dos quais as atividades subsequentes que compõem
essa cadeia são administradas. Dessa forma, é possível captar a importância que determinadas
cidades sul-americanas têm para o funcionamento da sub-rede desenvolvida na região.
As conexões estabelecidas nas duas redes entre os poços de petróleo e gás e as
diferentes cidades foram realizadas a partir da metodologia proposta por Hennemann e
Derudder (2014) e replicada por Breul e Revilla Diez (2017), também na análise de atividades
upstream na indústria de petróleo e gás, mas com foco no sudeste asiático. De acordo com tal
metodologia, são identificadas as mais prováveis conexões entre dois nós dentro de uma rede,
de acordo com a proximidade e a posição hierárquica dos escritórios corporativos das
empresas atuantes na exploração dos poços.
Assim, as conexões seguiram o seguinte padrão: um poço é preferencialmente
conectado ao escritório do operador ou prestador de serviços existente no país em que este se
localiza, devido a questões de proximidade. Quando existe mais de um escritório no mesmo
país, optou-se por conectar o poço ao escritório hierarquicamente mais importante, de acordo
com as informações coletadas nos websites, por exemplo, uma sede nacional é
hierarquicamente mais importante que um escritório de vendas. No caso de não haver
escritórios no país, mas haver em outro local da América do Sul, a conexão foi feita entre o
poço e o escritório nessa localidade. Nos casos de não haver escritórios no país e nem em
outra localidade da América do Sul, a conexão foi realizada com a sua sede. A seguir, a tabela
10 mostra um resumo dos dados coletados e analisados.
Tabela 10 – Resumo dos dados coletados na base A barrel full
Países Poços
Brasil 27
Argentina 5
Bolívia 4
Colômbia 8
Equador 2
Peru 2
Venezuela 21
Fonte: A barrel full.
97
Após o desenho das redes foram calculadas medidas de centralidade (outdegree),
a fim de detectar as cidades com importante papel para a organização das atividades da cadeia
de petróleo e gás na sub-rede da América do Sul.
Na sequência, foram realizadas quatro entrevistas12
(no ano de 2017) com
gerentes e diretores de empresas do setor, e revisão de textos acadêmicos e reportagens em
jornais, a fim de entender os fatores que influenciam na geografia da organização das
atividades da cadeia, dando suporte às interpretações sobre os desenhos encontrados nas
redes.
4.4. Resultados e discussão
A análise desenvolvida nesta seção buscará evidenciar, a partir da metodologia
proposta na seção anterior, como as atividades da cadeia de petróleo e gás na América do Sul
estão espacialmente organizadas, quais cidades concentram tais atividades, quais fatores
justificam tal organização e qual o papel desempenhado pelo Estado.
Essa análise será realizada a partir da localização dos escritórios das empresas
que operam a exploração dos poços de petróleo e gás e das empresas contratadas que prestam
serviços especializados relacionados à etapa upstream nesses poços.
A figura 5 mostra a relação entre os poços de petróleo e gás e a sua ligação
com as cidades, a partir das empresas operadoras. Nessa figura, o tamanho dos nós centrais,
que representam as cidades, é determinado pelo outdegree, ou seja, a quantidade de conexões
que saem dessas cidades em direção aos poços.
Os nós que estão conectados às cidades representam os poços. As diferentes
cores com as quais eles são representados indicam o país no qual eles estão localizados, como
mostra a legenda.
12
Entrevistas realizadas no âmbito do projeto “Gateway cities and their hinterland: global cities from the Global
South as nodes in global commodity chains”.
98
Figura 5 - Locais de administração das atividades das empresas operadoras nos poços de
petróleo e gás da América do Sul
Fonte: elaboração própria a partir dos dados da base A Barrel Full e de informações de
localização de escritórios de empresas operadoras.
A figura 5 mostra que a atividade de operação é organizada essencialmente em
nível nacional, com uma cidade responsável pela concentração de escritórios de empresas que
atuam como operadoras no setor.
Casos em que cidades de fora da América do Sul operam poços de petróleo
ocorrem apenas em quatro poços venezuelanos, em que Moscou e Beijing aparecem como
centros de operação. Entretanto, em todos esses poços, também atuam operadores com
localização em Caracas.
Esse resultado não é surpreendente, já que, como discutido no capítulo 1, o setor
de petróleo e gás tem grande participação de empresas estatais. Essa forte participação,
associada à regulação dos países da região, está refletida no desenho da rede mostrada na
figura 5. Brasil, Argentina, Bolívia, Venezuela, Peru, Equador e Colômbia têm empresas
estatais no setor de petróleo e gás, embora a empresa peruana, a Petroperu, não se dedique às
atividades de exploração, concentrando a sua atuação na etapa midstream da cadeia.
Além da existência de empresas estatais, é importante ressaltar que a legislação
sob a qual estas empresas e também as empresas privadas atuam, é crucial para o
entendimento da concentração das atividades de operação em nível nacional verificada na
figura 5.
99
No Brasil, o regime de exploração é por concessão. Embora, o monopólio da
Petrobras tenha acabado legalmente em 1997, a empresa de capital misto ainda responde por
aproximadamente 90% da produção de petróleo no país (ANP, 2017). A empresa participa
ativamente dos leilões de concessão, formando, inclusive, consórcios com a participação de
empresas estrangeiras. A Petrobras também atua operando poços em outros países, inclusive
na América do Sul, sendo que em 2015, 47% das reservas estrangeiras provadas da Petrobras
estavam na América do Sul.
Na Argentina, os contratos de exploração também são estabelecidos via concessão
(MERCHÁN, 2015). A YPF, estatal do país, tem um importante desempenho nessa atividade,
respondendo por aproximadamente metade da produção nacional (EL CRONISTA, 2017),
mas empresas como a Petrobras e empresas privadas também operam poços e formam
consórcios com a estatal argentina para explorá-los.
Já na Bolívia, o regime de exploração é mais rígido, e 3 tipos de contratos podem
ser estabelecidos, sendo difícil classificá-los nas categorias discriminadas na seção 2.
Entretanto, em todos os casos, a produção é entregue à estatal YPFB, sendo que esta
necessariamente terá algum tipo de papel nas atividades de operação (MERCHÁN, 2015).
Na Colômbia, os contratos também são estabelecidos na forma de concessões e a
Ecopetrol é a empresa estatal do país (MERCHÁN, 2015). A empresa é uma das maiores sul-
americanas do setor (REVISTA EXAME, 2016.).
No Equador, terceira maior reserva da região, a legislação é rígida quanto à
presença de empresas estrangeiras na exploração. Estas são permitidas apenas em caráter
excepcional, caso as estatais Petroecuador e Petroamazonas não possam explorar os campos.
Nesse caso, contratos no formato de prestação de serviços serão estabelecidos (MERCHÁN,
2015).
A Venezuela, maior reserva da América do Sul, também é o país que detém a
legislação mais rígida quanto à participação de empresas estrangeiras. Os contratos firmados
são do tipo joint-venture, ou seja, é formada uma empresa mista para a realização da
exploração, na qual o governo venezuelano tem, ao menos, 51% de propriedade, sendo
representado pela estatal PDVSA (MERCHÁN, 2015).
Contudo, não são apenas as empresas estatais que atuam na exploração dos poços
da América do Sul. Muitas empresas privadas, como Chevron e Shell, também atuam nessa
atividade, e mesmo assim, as cidades que aparecem na rede são quase exclusivamente da
América do Sul. Isso se deve ao fato de que, como evidenciado por Scholvin et al (2017a) e
Breul e Revilla Diez (2018), e também destacado nas entrevistas realizadas, devido às
100
especificidades e ao contexto institucional de cada país, estar presente no país em que se atua
favorece o estabelecimento de relações com as autoridades públicas e com outras empresas,
principalmente as estatais, que podem ser potenciais parceiras. Ademais, no Brasil e na
Colômbia, onde os contratos de concessão são adotados e a participação das estatais não é
obrigatória, apenas empresas internacionais estabelecidas nos respectivos países são elegíveis
para participar dos leilões públicos (INTERNATIONAL COMPARATIVE LEGAL GUIDE,
2017).
A análise do contexto institucional e da existência de empresas estatais auxilia no
entendimento da estrutura desenvolvida pela rede da figura 5. Essa rede mostra que as cidades
da região desempenham papeis semelhantes, sendo importantes centros para a organização
das atividades de operação nos seus respectivos países.
Com as regras de direitos de exploração nos países da América do Sul, em que a
participação das empresas estatais é obrigatória em muitos países, os Estados tentam
assegurar a captura de valor nas atividades de operação. Assim, é possível inferir, baseado na
tipologia de Horner (2017), que o Estado atua tanto como produtor, através das empresas
estatais, quanto como regulador, já que o Estado define as condições sob as quais as empresas
(sejam elas privadas ou estatais) vão operar. Essa é uma evidência de que a organização
espacial da rede de operação é fortemente influenciada pelo Estado.
Dessa forma, essa rede produtiva é fortemente atrelada aos países produtores, já
que estes possuem os recursos a serem explorados, sediam empresas que, em alguns casos,
devem obrigatoriamente participar do processo de E&P ou então requerem que as empresas
que pretendem participar dos processos de leilão estejam localizadas no país onde a
exploração ocorrerá.
Enquanto a rede de operadores mostrou grande concentração em nível nacional,
com cidades do mesmo país em que os poços estavam localizados exercendo atividades de
operação, isso acontece de forma menos pronunciada quando analisamos as empresas
prestadoras de serviços especializados, que são contratadas pelas operadoras para a realização
de serviços técnicos específicos em cada um dos poços analisados.
A figura 6 mostra a rede formada pela localização das prestadoras de serviços
especializados, conectando as cidades em que estas empresas se localizam aos poços em que
elas atuam. Nessa rede, as dimensões dos nós seguem o mesmo padrão já descrito na figura 5.
101
Figura 6 - Locais de administração das atividades das empresas prestadoras de serviço
especializados nos poços de petróleo e gás da América do Sul
Fonte: elaboração própria a partir dos dados da base A Barrel Full e de
informações de localização de escritórios de empresas operadoras.
O que se pode notar inicialmente nessa rede é que há muitas novas cidades,
principalmente cidades de fora da América do Sul, como Milton Keynes e Houston. Essa
diferença pode ser atribuída ao fato de que as atividades de prestação de serviços, mostradas
na segunda rede, são controladas majoritariamente por empresas multinacionais, ao contrário
da dominância por estatais que permeia as atividades de operação mostradas na figura 5.
Empresas locais também atuam nesse segmento, contudo, o mercado ainda é fortemente
concentrado por poucas multinacionais (OLIVEIRA, 2016).
Nessa rede, as conexões entre cidades e poços de outro país são mais frequentes,
como o caso do Rio de Janeiro, que se conecta com poços no Brasil, Argentina e Venezuela;
Macaé que se conecta a poços argentinos, brasileiros e venezuelanos; Buenos Aires que se
conecta a um poço brasileiro e a poços argentinos e Santiago que se conecta a um poço
venezuelano.
102
Mesmo com a forte dominância das empresas multinacionais, a rede ainda
apresenta muitas cidades de dentro da região. Isso pode ser explicado pela já mencionada
facilidade encontrada pelas empresas em estabelecerem parcerias com as estatais locais
quando estão próximas delas, informação fornecida por uma empresa entrevistada.
O Rio de Janeiro se destaca na rede da figura 6, devido ao número de conexões
estabelecidas e por ser a cidade que estabeleceu conexões com poços de mais países. Para
entender melhor esse destaque do Rio de Janeiro, foi realizado um esforço de mapear a
localização dos escritórios de 45 empresas que prestam serviços especializados em petróleo e
gás na América do Sul. Através desse mapeamento foi possível visualizar que o Rio de
Janeiro é a cidade sul-americana que conta com o maior número de escritórios de companhias
prestadoras de serviços, apresentando números significativamente superiores aos das outras
cidades da região, como mostrado na tabela 11.
Tabela 11 – Localização das empresas prestadoras de serviços especializados para
petróleo e gás presentes na América do Sul
Cidade
Número de empresas
presentes
Rio de Janeiro (BRA) 18
Bogota (COL) 7
Lima (PER) 7
Caracas (VEN) 4
Santiago (CHI) 4
Macaé (BRA) 3
Buenos Aires (ARG) 2
São Paulo (BRA) 2
Santa Cruz de la Sierra
(BOL) 2
Fonte: websites das empresas.
103
A partir da constatação de que o Rio de Janeiro é a cidade que realiza mais
conexões com poços de outros países e que é a cidade com expressivamente o maior número
de escritórios, a seguinte questão pode surgir: considerando que o Brasil tem a segunda maior
reserva da região, por que o Rio de Janeiro é a cidade com a maior concentração de empresas
prestadoras de serviços?
A concentração dessas empresas no Rio de Janeiro pode ser atribuída a três
fatores: o tamanho do mercado brasileiro; a posição da estatal brasileira, a Petrobras, de líder
tecnológica no segmento offshore e de águas profundas; e à política de conteúdo local.
De acordo com Oliveira (2016), dados divulgados pelo IEA (International Energy
Agency) em 2013, mostraram que o Brasil detinha 21% das unidades de FPSO (floating,
production, storage and offloading) e 37% das árvores de natal molhadas do mundo. Esses
equipamentos são fundamentais para a exploração offshore, e esses números evidenciam que
o país é um dos principais mercados mundiais desses equipamentos.
A Petrobras é referência no desenvolvimento tecnológico de exploração de águas
profundas, tendo ganhado por três vezes o prêmio da OTC (Offshore Technology
Conference), por conta das tecnologias empregadas na exploração da camada do pré-sal. As
especificidades do pré-sal e o desenvolvimento tecnológico da Petrobras contribuíram para
que muitas grandes empresas prestadoras de serviços especializados, como Baker Hughes e
FMC Corporation, que atuam no segmento offshore e de águas profundas, instalassem, além
de escritórios, centros de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) na cidade (PIQUET, 2016). Em
uma entrevista realizada, uma empresa multinacional prestadora de serviços afirmou que todo
o segmento de águas profundas da empresa é administrado a partir da cidade do Rio de
Janeiro.
Outro ponto fundamental é o fato de o Brasil ter uma política de conteúdo local.
De acordo com avaliação publicada em 2016 pelo Grupo Faro, o Brasil era o único país da
região que incluía cláusulas de conteúdo local em seus contratos e que tinha uma lei clara
sobre a utilização de conteúdo local no setor, com metas e instrumentos de avaliação e
fiscalização bem estabelecidos. Os outros países da região também incentivam a preferência
por conteúdo local, mas as regras quanto ao emprego deste estão pulverizadas em várias leis
relacionadas ao setor, e não sistematizadas, como no caso do Brasil. Ademais, muitas das
regras dos outros países só definem metas para o emprego de mão de obra local.
De acordo com a lei brasileira, o conteúdo local é atendido por empresas
instaladas no Brasil, sejam estas de capital nacional ou internacional (OLIVEIRA, 2016). A
política de conteúdo local é uma tentativa de criar valor em estágios da cadeia de petróleo e
104
gás em que a Petrobras não atua, incluindo algumas com alto conteúdo tecnológico. Nessa
situação, o Estado tem um papel de regulador e de comprador, já que a Petrobras é uma das
maiores empresas do setor (HORNER, 2017). Contudo, como já mencionado no capítulo 1, a
política de conteúdo local vem sendo modificada.
Apesar dessas mudanças recentes, estar no Brasil ainda é estratégico para
empresas multinacionais poderem atuar aqui, principalmente para aquelas que atuam no ramo
offshore e de águas profundas, devido ao tamanho do mercado brasileiro, declaração obtida
em entrevista realizada com uma empresa multinacional atuante no ramo naval.
A densidade de empresas especializadas na prestação de serviços em petróleo e
gás possibilita a criação de valor nesse segmento. Adicionalmente, a concentração dessas
empresas, que atuam em um segmento caracterizado pelo alto conteúdo tecnológico, tem o
potencial de promover o desenvolvimento de atividades mais sofisticadas e de maior valor
adicionado, levando ao melhoramento da geração de valor. Nesse contexto, a inserção do Rio
de Janeiro na rede de produção de petróleo e gás pode ser entendida a partir das categorias
discriminadas por Schovin et al (2017a), anteriormente citadas. A cidade aparece como um
importante centro de serviços especializados, atividades corporativas e geração de
conhecimento13
.
Também é necessário levar em consideração a imobilidade dos recursos naturais.
Como o setor de petróleo e gás é fortemente influenciado pela localização das reservas, o fato
dessas empresas estarem localizadas no Rio de Janeiro, e não em outra cidade brasileira, tem a
ver com a proximidade desta cidade à bacia de Campos, o que influenciou a constituição
dessa indústria no Brasil desde o seu início, na localização da Petrobras e futura constituição
de uma estrutura industrial voltada ao setor de petróleo e gás na cidade.
4.5.Considerações finais
O presente capítulo buscou mapear a organização das atividades da etapa
upstream da rede produtiva de petróleo e gás na América do Sul e mostrar como aspectos
territorialmente específicos explicam a geografia assumida por essas redes e a forma como os
diferentes locais participam delas.
Através de medidas de centralidade e da metodologia empregada, foi possível
desenhar duas redes: uma a partir da localização das empresas operadoras e outra a partir da
13
As atividades de logística e manufatura não foram analisadas nesse capítulo.
105
localização das empresas prestadoras de serviços especializados. A partir dessas redes, foi
possível verificar que as duas atividades apresentam organizações espaciais diferentes.
Quanto à operação, foi constatado que a organização das atividades se dá
essencialmente em nível nacional. Grande parte dos operadores dos poços da região operam
as atividades a partir de dentro do mesmo país onde o poço explorado está localizado, não
havendo grande integração das atividades em nível regional. Isso se deve à forte participação
de empresas estatais e à legislação de alguns países que determina a obrigatoriedade de
participação de empresas estatais na exploração. Até mesmo países com a regulação menos
rígida quanto à participação das empresas estatais, como Colômbia e Brasil, determinam que
os campos de petróleo e gás sejam operados por empresas que possuam filiais localmente.
Quanto à prestação de serviços especializados, o quadro encontrado foi diferente,
com mais conexões entre cidades de um país e poços de outro país, e muitas cidades de fora
da região participando da rede, o que não aconteceu na mesma magnitude na rede de
empresas operadoras.
Nessa rede, o Rio de Janeiro apareceu como a cidade que se conecta com poços de
maior número de países e como a cidade que concentra o maior número de empresas
prestadoras de serviços especializados de petróleo e gás, o que é explicado pelo tamanho do
mercado brasileiro, pela posição de líder tecnológica nos segmentos offshore e de águas
profundas da Petrobras e pela lei de conteúdo local, que se apresenta como a mais bem
estruturada da região, o que faz com que empresas estrangeiras se estabeleçam no país.
Com esses resultados, este capítulo mostra que a organização espacial de redes
como a de petróleo e gás é fortemente influenciada pelo ambiente institucional dos locais
produtores e pela influência de atores locais, tanto na regulação como no desenvolvimento da
cadeia em si.
Esse ambiente institucional é fortemente determinado pelo papel desempenhado
pelo Estado (facilitador, regulados, produtor e comprador) nos países produtores, pois 1. Os
locais possuem os recursos a serem explorados; 2. Em alguns casos há requerimentos quanto
à participação da estatal local; 3. Em outros casos há requerimentos quanto à presença das
empresas privadas no território nacional, o que condiciona, por sua vez, a forma como os
diferentes locais vão criar, melhorar e capturar valor.
No próximo capítulo, será explorada em mais detalhes mais uma função
desempenhada pelo Rio de Janeiro, sendo uma das mais complexas e de maior valor agregado
da rede de produção, a geração de conhecimento.
106
CAPÍTULO 5 - A inserção de locais ricos em recursos naturais do Sul Global em redes
de conhecimento: o Rio de Janeiro na rede de conhecimento de petróleo offshore
5.1.Introdução14
Como já discutido nos capítulos anteriores, uma das atividades mais sofisticadas
nas redes de produção global é a geração de conhecimento, já caracterizada na literatura como
um processo espacialmente concentrado, cumulativo, dependente de trajetória e interativo, no
qual atores de apenas alguns locais específicos participam e a capacidade de aprender depende
do acesso ao conhecimento externo e capacidade de absorção local (BOSCHMA et al, 2014a;
DAVID, 2000; COHEN E LEVINTHAL, 1990; ACS et al, 2002).
O conhecimento tem sido visto como um ativo-chave no contexto de uma
economia do conhecimento globalizada, influenciando a configuração geográfica e a
organização das redes de produção em muitos setores, não apenas nos tradicionalmente
baseados em conhecimento (PAVITT, 1984; BRIDGE E WOOD, 2006). Mesmo na indústria
de petróleo e gás, que é considerada madura e com tecnologias bem estabelecidas, a
descoberta de novas reservas está colocando novos desafios com relação à viabilidade da
exploração, custos e segurança ambiental. Esses novos desafios envolvem atividades
intensivas em conhecimento, baseadas na adaptação de tecnologias já existentes e também na
geração de novos conhecimentos (CRESPI et al, 2018; SOLHEIM E TVETERAS, 2017).
As cidades são o locus do processo de geração de conhecimento, pois reúnem uma
ampla variedade de atores e ativos necessários a essa atividade. Em vez de se concentrar em
uma única empresa, a geração de conhecimento tem crescentemente envolvido a interação
entre atores e ativos de diferentes cidades, constituindo uma rede (FLORIDA et al, 2016;
LEYDESDORFF et al, 2014 e BALLAND et al, 2018). No entanto, nem todas as cidades
conseguem fazer parte dessa rede, uma vez que esta é uma atividade com alta concentração
espacial, que segue sua própria lógica geográfica, já que as cidades globais tradicionais15
não
são necessariamente os principais nós dessas redes de conhecimento (GOERZEN et al, 2013).
Considerando essas questões, este capítulo tem como objetivo mapear e investigar
a rede de conhecimento no segmento de petróleo offshore, mostrando se (e como) as cidades
14
Versões preliminares deste capítulo foram apresentadas na SASE's (Society for the Advancement of Socio-
Economics) 31st Annual Conference e na 5th Global Conference on Economic Geography.
15 Como as estudadas por Friedman (1986), Sassen (1991) e Taylor (2001, 2004).
107
do Sul Global, de países ricos em petróleo, estão inseridas nela e como os diferentes atores
contribuem para esta inserção. Essa investigação é relevante, pois, embora a exploração de
petróleo seja condicionada por questões geológicas, o mesmo não ocorre com a produção de
conhecimento na área (PERRONS, 2014). Ademais, como a realização de atividades
relacionadas à produção de conhecimento são cruciais para aumentar o valor adicionado
internamente (LEE et al, 2018) e capturar valor nas redes de produção (COE E YEUNG,
2015), entender a estrutura das redes de conhecimento, como os diferentes locais estão
inseridos e quais atores estão envolvidos pode ter implicações para o desenho de políticas
públicas que favoreçam tal inserção.
Para atender aos objetivos propostos, foi criada uma base de dados de patentes no
segmento offshore da indústria de petróleo, desenvolvida a partir de patentes concedidas pelo
USPTO entre 2007 e 2017, e, a partir desses dados, foi desenhada uma rede com base na
localização dos inventores das patentes. Em seguida, foi selecionado um caso específico, o do
Rio de Janeiro, para análise e investigação dos fatores internos que contribuíram para a
inserção da cidade na rede.
Empregando ferramentas da metodologia de redes, foram identificadas as
principais cidades na geração de conhecimento em um setor que vem sendo negligenciado por
trabalhos que vão nessa direção, que tem continuamente focado em indústrias tradicionais de
alta tecnologia, como biotecnologia e eletrônica (LEYDESDORFF et al , 2014; CASSI E
PLUNKET, 2015; NEPELSKI E de PRATO, 2014; BOSCHMA et al, 2014a; ESLAMI et al,
2013; BALLAND 2012). Adicionalmente, a análise aqui desenvolvida é focada também em
cidades do Sul global, que não têm sido amplamente estudadas por essa literatura, que tem se
concentrado em cidades norte-americanas e europeias (BALLAND et al, 2018; BERGE et al,
2017; BOSCHMA et al, 2014b; HOEKMAN et al, 2008).
5.2. A produção de conhecimento em um contexto de redes globais de
produção
Iammarino e McCann (2018) argumentam que, embora em um contexto
crescentemente globalizado, a economia mundial pode ser descrita, em relação à
espacialidade, como uma “dispersão concentrada”, em que a produção é geograficamente e
funcionalmente fragmentada, mas apenas alguns locais concentram as atividades de alto valor
agregado, como mostrado nos capítulos anteriores. Essa concentração espacial é diretamente
108
proporcional à sofisticação e complexidade das atividades analisadas. Logo, a produção de
conhecimento é uma atividade extremamente concentrada, o que já foi mostrado
empiricamente em alguns trabalhos, como Balland et al (2018), Goerzen et al (2013),
Nepelski e Prato (2015), Acs et al (2002), Cassi e Plunket (2015), Li e Phelps (2018). De
acordo com Leydesdorf et al (2014) e Balland et al (2018), essa concentração está ocorrendo
crescentemente em algumas cidades, pois estas concentram diversas instituições de pesquisa e
mão de obra qualificada, desempenhando assim o papel de nós de conexão preferencial.
Apesar da intensa concentração espacial, as organizações não podem confiar
exclusivamente no conhecimento desenvolvido localmente. Em um contexto globalizado,
fazer parte de uma rede e ter a capacidade de interagir com outros locais e outros atores é
fundamental. Assim, o acesso ao conhecimento desenvolvido em outros locais é muito
importante para a geração de conhecimento, pois possibilita o contato com uma variedade de
conhecimentos mais ampla e aumenta a capacidade de adaptação às mudanças tecnológicas,
evitando o lock-in (BATHELT et al, 2004; GRAF, 2010; BERGE et al, 2017). O acesso a
conhecimentos externos ocorre através das organizações localizadas nas cidades, via canais de
conexão global (global pipelines), que funcionam como canais através dos quais o
conhecimento pode ser transmitido (BATHELT et al, 2004). Essa transmissão pode ocorrer
através de diversos mecanismos, como cooperações de universidades, laboratórios de P&D,
entre outros.
Para ter capacidade de acessar o conhecimento externo, a capacidade de absorção é de
extrema importância. De acordo com Cohen e Levinthal (1990), o papel dessa capacidade está
relacionado ao fato de que o desenvolvimento de conhecimentos internos depende, entre
outros, da habilidade de avaliar e utilizar os conhecimentos vindos de uma fonte externa. Essa
habilidade, por sua vez, é condicionada pelo conhecimento prévio já acumulado internamente.
Com a capacidade de absorver conhecimentos de fontes externas, é possível reconhecer o
valor de novas informações, assimilá-las e aplicá-las adequadamente.
Esse conhecimento acessado externamente pode transbordar e ser transmitido para
outros agentes geograficamente próximos, por meio do buzz local, que consiste tanto em
formas formais quanto informais de interação, como mobilidade de trabalho e redes sociais
entre pessoas e empresas, possíveis em um contexto de proximidade geográfica (BAHTELT
et al, 2004; BRESCHI E LISSONI, 2001; BOSCHMA, 2005; BOSCHMA et al 2014b). O
buzz local implica que as conexões que uma organização mantém com um agente
geograficamente externo também podem beneficiar outros atores que estão localizados
próximos à organização, impulsionando a geração local de conhecimento. Assim, é possível
109
inferir que o acesso ao conhecimento externo é um passo importante para a geração de
conhecimento local.
Embora levantado pela literatura como algo fundamental para o processo de
inovação e geração de conhecimento, o buzz local não é uma unanimidade. De acordo com
Asheim et al (2007), a importância dele depende da base de conhecimento de cada indústria.
Essa base de conhecimento se refere à dinâmica de conhecimento em cada área, ou seja, qual
a combinação de conhecimento tácito e conhecimento codificado, quais são as possibilidades
e limites para a codificação e os desafios tecnológicos envolvidos.
De acordo com essa visão, a base de conhecimento da indústria do petróleo
poderia ser classificada como uma base sintética, o que implica que os avanços tecnológicos
na área resultam, embora não exclusivamente, da necessidade de resolver determinados
problemas que surgem ao longo do processo produtivo na interação entre os clientes
(empresas petrolíferas) e fornecedores ou prestadores de serviços especializados. Nessa base,
os conhecimentos obtidos em outras empresas e atuando em situações semelhantes é
relevante. Assim, para as indústrias que têm essa base de conhecimento, a proximidade
geográfica e a intensa interação entre clientes e fornecedores ou prestadores de serviços é
muito importante.
Vale ressaltar que, embora seja possível classificar a base de conhecimento da
indústria de petróleo como sintética, isso não significa que a produção de conhecimento no
setor siga exclusivamente os padrões definidos nessa categoria. Como Asheim et al (2007)
afirmam, os setores podem apresentar características das diferentes bases de conhecimento.
Contudo, é possível identificar uma categoria como predominante. Um exemplo da variedade
envolvida na base de conhecimento da indústria de petróleo é a exploração do pré-sal
brasileiro, pois, embora sejam necessárias adaptações de tecnologias já existentes e
consolidadas na exploração offshore, também são necessárias tecnologias novas.
A dinâmica das redes de conhecimento já foi amplamente investigada na literatura
sob diversas perspectivas. Alguns trabalhos destacaram a rede de conhecimento de um setor
específico e outros focaram em algumas regiões específicas. No entanto, mesmo sob
diferentes perspectivas, a maioria dos estudos sobre redes de conhecimento lida com setores
de alta tecnologia e/ou com a dinâmica no Norte Global.
Cassi e Plunket (2015) mostram os fatores que contribuem para as colaborações
científicas e tecnológicas na área de genômica, investigando o caso da França. Nepelski e de
Prato (2014) analisam a dinâmica de localização de unidades de P&D na indústria de
tecnologia da informação e comunicação. Balland et al (2013) investigam a geografia da
110
inovação e as redes de conhecimento nos sistemas de navegação por satélite, enfocando o
caso europeu. Eslami et al (2013) usam a ferramenta de rede small world para investigar as
redes de artigos e de patentes de biotecnologia no Canadá. Boschma et al (2014a; 2014b)
investigam a relação científica e tecnológica na área de biotecnologia e nas cidades dos
Estados Unidos.
Restringir a investigação de redes de conhecimento a setores de alta tecnologia
naturalmente exclui alguns locais do globo da análise, especialmente os do Sul global. Porém,
não são apenas os setores de alta tecnologia que são afetados pela produção de conhecimento.
Como mostra Malecki (2013), o setor de petróleo e gás, por exemplo, contradiz a visão
tradicional baseada na teoria do ciclo de vida da indústria (para mais detalhes, ver Utterback e
Abernathy, 1975), que afirma que indústrias maduras tendem ao esgotamento das atividades
inovadoras.
Outro ponto importante, que justifica o estudo das redes de conhecimento nos
mais diversos setores e locais, é o de que, como destacado por Lee et al (2018), em um
contexto de redes globais de produção, ser capaz de gerar conhecimento é fundamental para a
realização do upgrading, o que possibilita, no longo prazo, não apenas a produção e o
melhoramento da produção de valor, mas principalmente a sua captura. Embora muitos
autores envolvidos nos estudos de redes globais de produção e de cadeias globais de valor
tratem o desenvolvimento econômico resultante de tal participação como um processo
automático, é sabido que, principalmente no caso dos países em desenvolvimento, a simples
participação nessas redes pode não levar a tal desenvolvimento, devido ao aprisionamento de
determinados locais a atividades de baixo valor adicionado.
Algo semelhante foi destacado nos trabalhos de Marin et al (2015), que afirmam
ser crucial que locais ricos em recursos naturais participem das redes de conhecimento, pois
essa participação pode contribuir para o desenvolvimento local de atividades intensivas em
conhecimento, contribuindo para que esses locais superem a função de fornecedores de
recursos naturais e utilizem tais recursos como plataforma para a geração de conhecimento.
5.3. A dinâmica de produção de conhecimento no setor de petróleo
Além de entender o próprio processo de geração de conhecimento, é necessário
entender as características específicas envolvidas na geração de conhecimento do setor de
petróleo. Embora considerada uma indústria madura, com tecnologias bem estabelecidas
111
(GIELFI et al 2017), o setor de petróleo está enfrentando recentemente algumas mudanças
que estão impactando fortemente a dinâmica tecnológica nesse setor. Essas mudanças estão
relacionadas principalmente às dificuldades impostas pelas novas reservas, que estão em
águas profundas, e pelos padrões ambientais mais rigorosos (PERRONS, 2014).
Segundo Bridge e Wood (2006), a geração de novos conhecimentos e o uso de
novas tecnologias, produzidas principalmente por prestadores de serviços especializados,
estão expandindo a fronteira de exploração, possibilitando a perfuração de reservas em águas
cada vez mais profundas e moldando a geografia da produção. Nesse contexto, soluções novas
e personalizadas são continuamente requeridas. Como os poços de petróleo estão localizados
em áreas com requisitos específicos de temperatura, pressão, profundidade e outros aspectos
geológicos, a adaptação das tecnologias existentes e a geração de novas tecnologias é crucial
para permitir a exploração dos mais diversos poços (CRESPI et al, 2018; SOLHEIM E
TVETERAS, 2017).
As atividades offshore de E&P são as mais intensivas em conhecimento na
indústria de petróleo. Nesse segmento, os projetos de inovação demoram cerca de dezesseis
anos desde o conceito inicial até a aplicação comercial (PERRONS, 2014). IOCs, NOCs,
fornecedores e prestadores de serviços especializados estão envolvidos nesses projetos. IOCs
e NOCs são responsáveis pelos projetos de E&P e demandam soluções específicas de
prestadores de serviços especializados em diferentes etapas da produção (SOLHEIM E
TVETERAS, 2017), o que caracteriza uma forte relação usuário-produtor (GIELFI, 2017).
Uma pesquisa realizada por Perrons (2014), baseada na aplicação de questionários
em 199 empresas atuantes em diferentes etapas da cadeia produtiva e de diferentes países,
buscou mostrar algumas tendências na geração de conhecimento no setor de petróleo. Em
relação aos atores envolvidos, o autor verificou que os prestadores de serviços especializados
são as empresas que mais depositam patentes atualmente no setor. Isso se deve à adoção de
modelos de P&D mais colaborativos e redução da P&D in-house, por parte das petroleiras,
que passou a vigorar no setor a partir dos anos 1990. Além disso, também foi constatado que
as universidades e instituições públicas não têm se mostrado relevantes para a inovação no
setor, o que está de acordo com as características da base de conhecimento sintética.
Em relação à distribuição espacial, Perrons (2014) identificou os Estados Unidos
como o centro de geração de conhecimento nesse setor, especialmente a área da cidade de
Houston, o que já foi identificado por outros autores que estudaram esse setor, como Bridge
(2008). Embora espacialmente concentrada, a importância de acessar redes externas de
112
conhecimento no setor de petróleo é reconhecida por muitos autores, como McKinnon (2012)
e Gielfi et al (2017).
A fim de contribuir com o entendimento da produção de conhecimento nesse
setor, mais especificamente no segmento offshore, e investigar mais profundamente as
características espaciais dessa atividade, será desenhada e analisada a rede formada pelos
inventores de patentes, seguindo os procedimentos metodológicos descritos na próxima seção.
5.4. Metodologia:
A metodologia aplicada neste capítulo é desenvolvida em três etapas:
1. Construção de uma base de dados de patentes;
2. Desenho da rede e particionamento k-core;
3. Medidas de centralidade e um estudo de caso específico.
O primeiro passo no desenvolvimento da análise proposta foi selecionar o
segmento da indústria a ser estudado. O segmento offshore foi o escolhido, porque nele a fase
de exploração é intensiva em conhecimento e vem enfrentando crescentes desafios
tecnológicos para redução de custos, acesso a poços ultra profundos e maior segurança
ambiental, exigindo soluções tecnológicas específicas para cada reservatório (BRIDGE, 2008;
PERRONS, 2014; SOLHEIM E TVETERAS, 2017).
A opção por um segmento específico impôs a necessidade de constituir uma base
de dados refinada especificamente para tal segmento. Para isso, foram coletados dados sobre
patentes e, em seguida, foi usada a colaboração entre inventores para construir uma rede de
conhecimento no nível da cidade. Colocando as cidades em uma perspectiva global, é possível
visualizar como diferentes locais estão inseridos na rede de conhecimento de petróleo offshore
e como essa rede específica é configurada.
Uma maneira de explorar tanto o sistema global quanto alguns fatores locais é por
meio dos dados de patentes. Embora consideradas um indicador imperfeito, pois não
abrangem os esforços de geração de conhecimento como um todo, já que nem tudo é
patenteável, as patentes são os resultados formais do sistema de geração de conhecimento de
um local (LEYDESFORF ET AL, 2014), fornecendo uma pista para rastrear a produção de
conhecimento (BERGE ET AL, 2017).
Por um lado, alguns autores afirmam que as patentes representam apenas uma
parte da P&D realizada e não representam o valor econômico das tecnologias (ACS et al,
113
2002). Por outro, estudos empíricos mostram que as patentes são indicadores eficientes para a
atividade inovativa e são indicadores adequados para explorar a localização da produção de
conhecimento (LEYDESDORF ET AL, 2014). Além disso, o setor de petróleo tem uma alta
propensão a patentear (PERRONS, 2014). Considerando esses aspectos, entende-se que as
patentes são um indicador adequado para a análise desenvolvida neste capítulo.
A primeira etapa para conduzir a análise proposta foi construir uma base de dados
específica. Para tanto, foram empregados procedimentos já utilizados por Eslami et al (2003),
Murakami (2015) e Bueno (2016). Primeiramente, foram identificados os IPCs (International
Patent Classifications) relacionados ao segmento offshore. Para isso, foi usado o banco de
dados WIPO (World International Property Organization), que fornece uma lista de IPCs que
se ajustam a um termo de procura específico. Para realizar essa busca inicial de IPCs, optou-
se por usar termos de consulta amplos, como “subsea+oil”, “platform+oil”, “underwater+oil”,
“offshore+oil” e “drilling+subsea”. Dessa forma, foi possível ter uma longa lista de IPCs,
abrangendo diferentes tecnologias de produção e, posteriormente, filtrar os resultados. Em
seguida, foi verificado a que tipos de tecnologias esses IPCs se referiam, de acordo com sua
definição oficial, o que resultou na seguinte lista final de IPCs, mostrada na tabela 12.
Tabela 12 - Lista de IPCs de tecnologias relacionadas à exploração de petróleo
offshore
E21B 17/01 E02B 17/02 E21B 15/02 E21B 43/013
E21B 43/01 B63B 21/50 E21B 41/48 E21B 41/04
E21B 21/08 B63B 35/44 E21B 7/104 E21B 41/06
E21B 33/035 B63B 35/58 E21B 19/09 E21B 49/00
E21B 43/12 B63B 21/26 E21B 34/04 E63B 22/02
E21B 33/10 B63B22/02 E21B 33/064 E21B 33/00
E02B 17/00 E21B 7/12 E21B 33/043 E21B 34/06
Fonte: Elaboração própria, a partir de dados da WIPO.
Após a identificação dos IPCs adequados, a próxima etapa foi pesquisar as
patentes que comporiam a base de dados, usando os IPCs pré-selecionados. Para tanto, foi
utilizado o banco de dados do USPTO e adotado o período de 2007 a 2017. Optou-se pelo
USPTO porque ele é um banco de dados amplamente utilizado em estudos baseados em
patentes, para evitar o viés que poderia ser gerado pela adoção de um escritório de um país
específico do Sul global, e porque as empresas depositam patentes nos locais em que
pretendem aplicar a tecnologia patenteada (MIRANDA, 2014) e, como o Golfo do México é
114
uma das principais áreas de petróleo offshore, empresas que pretendem usar uma determinada
tecnologia nessa área, provavelmente depositarão essa patente no USPTO, o que torna esse
escritório uma opção adequada. Além disso, esse banco de dados já foi usado por Maleki
(2013), em uma investigação de inovação na indústria de petróleo e gás, que empregava dados
de patentes.
Embora muitos estudos usem a citação de patentes em vez do número absoluto de
patentes como um indicador para a produção de conhecimento, entende-se aqui, como em
Leydesdorf et al (2014), que esse indicador não é o mais adequado para uma análise espacial,
pois o diferente número de citações de cada patente pode se dever a diferentes práticas e
regulações e não necessariamente à importância das patentes dentro da rede. Assim, a análise
baseada no número de citações pode ser viesada.
A coleta inicial de documentos de patentes no USPTO foi refinada através da
análise dos resumos dos documentos, buscando termos que permitissem identificar a patente
como específica ao segmento de petróleo offshore. Os termos que orientaram esse
refinamento foram mais específicos do que os aplicados na pesquisa por IPCs. Eles foram
selecionados com base em trabalhos já escritos sobre o setor e no banco de dados da SPE
International (Sociedade de Engenheiros de Petróleo)16
, o petrowiki. Após esse refinamento,
foram obtidas 1217 patentes. Vale ressaltar que esse número não constitui o universo de
patentes na exploração de petróleo offshore no período, mas apenas uma amostra, devido às
limitações da metodologia. No entanto, essa amostra abrange vários aspectos da exploração
offshore, tais como plataformas, fluídos de injeção, manifolds, sistemas de prevenção de
rompimento, embarcações, tubos e cabos.
Após a elaboração da base de dados, foi realizado o desenho da rede. Para projetar
a rede não direcionada, foi adotado o nível da cidade e, para estabelecer as ligações, foram
usados os dados de localização dos inventores e não a localização da organização solicitante.
Essa opção se baseia no fato de que, em muitos casos, as organizações que depositam as
patentes têm escritórios específicos com a função de gestão de propriedade intelectual. No
entanto, a localização desses escritórios não reflete necessariamente a localização dos
laboratórios de P&D e a própria produção de conhecimento. Dessa forma, optou-se por usar a
localização dos inventores como uma proxy para a localização da produção de conhecimento,
considerando que as pessoas geralmente vivem perto de onde trabalham (ESLAMI et al,
2013). Além disso, considerando que as pessoas geralmente moram perto de onde trabalham,
16
A SPE é uma organização internacional, com mais de 110.000 membros em 141 países, com foco no setor de
petróleo e gás upstream (PERRONS, 2014).
115
mas não necessariamente na mesma cidade, foi adotada uma faixa de 50 km para definir uma
cidade. Isso significa que inventores que moram em Katy (EUA) e Duque de Caxias (BR), por
exemplo, foram designados para Houston (EUA) e Rio de Janeiro (BR), respectivamente.
Depois de desenhar a rede, foram realizadas algumas análises. Primeiro, para
analisar o sistema global e suas características estruturais e espaciais, foi utilizado o método
k-core. Formalmente, a definição de k-core é “a subrede máxima H de [uma rede] G com a
propriedade de que o número mínimo de arestas de qualquer vértice em H em relação a outros
vértices de H é pelo menos k” (ALVAREZ-HAMELIN et al, 2006). Em linhas gerais, a
premissa básica desse método é que as redes podem ser particionadas em camadas, que
reproduzem uma estrutura centro-periferia, de acordo com as características da rede. Portanto,
aplicando esse método, é possível identificar os nós que estão no centro e os que estão na
periferia de uma rede específica (CRESCENZI et al, 2016; ALVAREZ-HAMELIN et al,
2005).
Com a análise inicial do particionamento k-core, foi possível identificar as cidades
dos países produtores de petróleo que estão no mais alto nível hierárquico da geração de
conhecimento. Posteriormente, duas medidas foram calculadas: o grau de centralidade, que
mede o número absoluto de conexões que um nó estabelece com outros; e o eigenvector, que
é uma medida chave em uma rede de conhecimento porque, como afirmado por Nooy et al
(2011: 153), “você é mais central se tiver mais contatos - como no grau de centralidade - e
especialmente se seus contatos são mais centrais, isto é, se tiverem muitos contatos centrais ”.
Assim, o eigenvector mostra a "qualidade" dos lugares conectados: eles são lugares centrais
com uma posição forte na rede ou são lugares marginais? Eles são um hub na rede,
produzindo e conectando-se a muitos outros nós?
Na sequência, foi realizada a última etapa da análise proposta que é o estudo do
caso específico da inserção do Rio de Janeiro na rede, abordando algumas características de
tal inserção e alguns fatores que contribuíram para o destaque da cidade.
5.5. Resultados e discussões
Aplicando a metodologia descrita na seção anterior, foi obtida uma amostra de
1217 patentes. Os inventores dessas patentes estão localizados em 377 cidades. Analisando a
base de dados, verificou-se que muitas das características encontradas nela estão de acordo
com a pesquisa de Perrons (2014) sobre a inovação no setor de petróleo. Essa correspondência
116
indica que a amostra é capaz de mostrar uma imagem aproximada da dinâmica de produção
de conhecimento no segmento offshore.
Conforme descrito na pesquisa de Perrons, as universidades tiveram um pequeno
papel nessa rede, respondendo por apenas 11 patentes. Dessas 11 patentes, 7 foram aplicadas
por universidades chinesas. Também foi possível verificar, em consonância com a pesquisa de
Perrons (2014), a predominância de empresas prestadoras de serviços especializados: dos 10
principais aplicantes, 7 são prestadores de serviços especializados e 3 são IOCs.
Outra característica é o pequeno número de aplicações conjuntas entre
organizações. Apenas 29 patentes foram concedidas para colaborações entre duas empresas
diferentes. Entretanto, 770 patentes envolveram cooperação entre inventores, sob a mesma
organização solicitante.
Em relação aos lugares que concentram a criação de conhecimento no segmento
de petróleo offshore, Perrons (2014) indica que os Estados Unidos são um lugar-chave. Na
base de dados construída para essa análise, a área de Houston se apresenta como a principal
área. Na Europa, há menor concentração, em comparação com a América do Norte. Lá,
aparecem muitos nós relevantes, como Oslo, Aberdeen, Delft e Paris. No Sul Global, os
destaques são principalmente o Rio de Janeiro e Cingapura17
. No entanto, Cingapura não
possui campos petrolíferos sob sua jurisdição, e os padrões de renda locais são
significativamente superiores aos de localidades do sul global.
Essa configuração espacial da rede de produção de conhecimento de petróleo
offshore, com as principais cidades destacadas, é exibida na figura 7 e o tamanho dos nós é
ponderado pelo respectivo grau de centralidade de cada nó, ou seja, reflete o número de
conexões que as cidades estabelecem com outras cidades, por meio da cooperação entre
inventores18
.
17
Embora Kuala Lumpur também apareça nas 4 primeiras camadas do particionamento k-core, o número de
patentes originadas lá é menor que a metade do número de patentes originadas no Rio de Janeiro e em
Cingapura.
18
Devido às limitações do software, a ponderação de tamanho dos nós não considera loops, mas apenas arcos.
No entanto, o particionamento k-core considera tanto arcos como loops.
117
Figura 7 - Rede de conhecimento de petróleo offshore, a partir da localização de inventores em patentes concedidas pelo
USPTO, no período de 2007 - 2017
Fonte: Elaboração própria a partir de dados coletados no USPTO.
118
Uma primeira análise da rede global de conhecimento do segmento de petróleo
offshore permite compreender as características estruturais dessa rede. Ela tem uma densidade
de 0,014, mostrando que apenas 1,4% das conexões possíveis foram feitas. Isso evidencia
que, embora muitos nós estejam participando da rede, muitos deles não estão fortemente
conectados aos outros. O grau médio é de 9,92, evidenciando que cada cidade está, em média,
conectada a outras 9 cidades.
A rede é composta por 2178 arcos e 1377 loops. Loops são conexões estabelecidas
entre um nó com ele mesmo. Portanto, o número de conexões entre diferentes cidades é 1,5
vezes superior ao número de conexões entre uma cidade consigo mesma, evidenciando a
importância das conexões entre inventores localizados em cidades diferentes.
Aplicando o algoritmo k-core, a rede foi particionada em 8 camadas, da mais
periférica para a mais central. Embora a rede seja composta por 377 cidades, apenas 15 fazem
parte das duas camadas mais centrais. Isso indica uma alta concentração, mostrando que
muitas cidades participam dos fluxos de conhecimento, mas há uma hierarquia clara nesses
fluxos, e apenas algumas cidades estão no centro dessa hierarquia, conforme exibido na tabela
13.
Tabela 13 - Camadas mais internas do particionamento k-core da rede de conhecimento
de petróleo offshore, a partir da localização de inventores em patentes concedidas pelo
USPTO, no período de 2007 - 2017
Cidade Camada Cidade Camada
ABERDEEN(UK)
8
MAGNOLIA(US)
7
PARIS(FR)
CAMBRIDGE(UK)
MONTGOMERY(US) OSLO (NO)
EDMONTON(CA)
HOUSTON(US)
RICHMOND(US) YOKOHAMA (JP)
MISSOURI CITY(US)
BERGEN(NO) RIO DE
JANEIRO(BR) SINGAPORE(SG)
PERTH (AU)
Fonte: elaboração própria.
119
De acordo com o particionamento k-core, é possível ver que o Rio de Janeiro é a
única cidade do sul global, que aparece nas camadas mais centrais da rede. Assim, a análise
subsequente será concentrada no Rio de Janeiro, que aparece como a única cidade de um país
rico em petróleo do sul global que conseguiu se inserir na rede de conhecimento de petróleo
offshore em nível global, e nas posições mais hierárquicas.
5.6. O Rio de Janeiro na rede de conhecimento de petróleo offshore
Nesta seção é destacada a participação do Rio de Janeiro na rede, mostrando
características, implicações e os principais atores que contribuem para essa inserção única.
Vale ressaltar que todos os tópicos discutidos nesta seção refletem as características da base
de dados que foi construída.
A principal aplicante de patentes com inventores no Rio de Janeiro é a Petrobras,
que responde por aproximadamente 50% das patentes nas quais o Rio de Janeiro esteve
envolvido. Os outros 50% foram divididos em 10 empresas internacionais, principalmente
prestadoras de serviços especializados. As patentes da Petrobras são originárias de inventores
localizados no Rio de Janeiro, representando muitos dos loops que acontecem dentro da
cidade. Já os fluxos entre o Rio de Janeiro e outras cidades são estabelecidos através da
cooperação em patentes depositadas por empresas estrangeiras, especialmente as prestadoras
de serviços especializados.
Essa característica mostra que o conhecimento interno da cidade está fortemente
relacionado à Petrobras, mas o acesso ao conhecimento externo ocorre via prestadores
estrangeiros de serviços especializados. Outra característica é que, além da NOC local, não há
outra organização nacional gerando conhecimento em escala internacional. Pensando no novo
formato delineado pela indústria de petróleo, no qual as empresas prestadoras de serviços
especializados são crescentemente a principal fonte de inovação, a cidade do Rio de Janeiro
não tem um representante nacional de peso nesse segmento, dependendo de empresas
estrangeiras para a geração de conhecimento na prestação de serviços especializados.
Analisando os dados é possível verificar que existem dois grupos de atores com
funções bem definidas em relação à inserção do Rio de Janeiro na rede de conhecimento de
petróleo offshore. Primeiramente, há a Petrobras, que é a principal responsável pelos loops,
contribuindo para a geração interna de conhecimento. Em segundo lugar, há empresas
estrangeiras, principalmente prestadoras de serviços especializados, responsáveis pelos arcos,
e contribuindo para o acesso ao conhecimento externo.
120
O Rio de Janeiro é a localização dos inventores de 26 patentes da base de dados.
Outras cidades brasileiras foram a localização dos inventores de apenas 4 patentes, o que
mostra a forte concentração no Brasil de geração de conhecimento relacionado ao petróleo
offshore no Rio de Janeiro. Dessas 26 patentes, 12 envolviam a cooperação com inventores
localizados em outras cidades. Essa cooperação é mostrada através do grau de centralidade do
Rio de Janeiro. O grau de 42 leva em conta o número de interações estabelecidas com outros
lugares, ou seja, o Rio de Janeiro se conectou 42 vezes com outras cidades da rede.
O principal local de cooperação do Rio de Janeiro é Houston. Isso significa que a
cidade está fortemente conectada ao maior hub da rede, tendo acesso ao local que é o
principal centro da geração de conhecimento em petróleo offshore. Isso se deve à forte
participação de empresas estrangeiras nos fluxos de conhecimento do Rio de Janeiro, já que
muitas dessas empresas que desenvolvem pesquisas no Rio de Janeiro, também têm
instalações de P&D em Houston. No entanto, o Rio de Janeiro também está conectado a
muitas cidades menos centrais, o que gera um eigenvector de 0,0178, um número
relativamente pequeno19
. De acordo com os IPCs, foi possível identificar que as patentes
concedidas aos inventores do Rio de Janeiro estavam focadas em cabos e instalações
subaquáticas.
Considerando o particionamento k-core, o Rio de Janeiro está em uma posição
estratégica, pois faz parte da segunda camada mais central. Essa posição tem implicações para
a manutenção da sua participação na rede, pois os nós esparsamente conectados, como os das
camadas periféricas, têm mais chance de serem excluídos da rede, pois estão fracamente
incluídos nela (KHAOUID et al, 2015). Além disso, os nós das camadas mais periféricas têm
menos acesso a conhecimentos externos, pois não são tão intensivamente conectados a outros
nós e, consequentemente, estão mais propícios a uma situação de lock-in, e têm mais
dificuldades de realizar um upgrading na rede de produção global (CRESCENZI et al, 2016).
As cidades dentro das camadas mais centrais, como o Rio de Janeiro, estão mais
conectadas à rede, envolvidas em mais cooperações e conectadas a mais cidades (ALVAREZ-
HAMELIN et al, 2005). Essa posição central implica em mais acesso a conhecimento externo.
Assim, a posição do Rio de Janeiro na rede é mais estável, em comparação com as cidades
que estão nas camadas mais periféricas. Ademais, estando nas camadas principais, o Rio de
Janeiro está mais exposto ao conhecimento externo, o que, por sua vez, contribui para reforçar
19
Na rede, o eigenvector variou entre 0 e 0,6.
121
sua posição central na rede e para sustentar uma trajetória de upgrading na rede de produção
global.
De acordo com a base de dados, os fluxos externos do Rio de Janeiro dependem
muito de empresas estrangeiras especializadas. A instalação das unidades de P&D dessas
empresas no Rio de Janeiro está fortemente relacionada à natureza da base de conhecimento
desse setor, como discutido em seções anteriores, e pode ser explicado por dois principais
fatores: os requisitos tecnológicos da camada pré-sal e a expertise da Petrobras na exploração
em águas profundas.
Como já mencionado anteriormente, os requisitos tecnológicos específicos ao pré-
sal e a base de conhecimento sintética do setor, baseada fortemente na interação entre usuário
e produtor, contribuem para que diversos fornecedores e prestadores de serviços
especializados se instalem no Rio de Janeiro, para facilitar a interação com as empresas
petroleiras, que chefiam os projetos de E&P, e fornecer soluções que atendam aos desafios
tecnológicos específicos colocados pelo pré-sal.
Dados apresentados em Piquet et al (2016) mostram que, desde 2006, quando da
descoberta do pré-sal, 15 novos centro de P&D se instalaram no Rio de Janeiro. Entre as
empresas que instalaram centros de P&D na cidade estão grandes prestadoras de serviços
especializados e grandes patenteadoras no segmento offshore, como a Baker Hughes e a FMC
Corporation. A instalação de unidades estrangeiras de P&D impulsionou significativamente a
geração local de conhecimento, pois as empresas estrangeiras não só contribuíam com suas
práticas, rotinas e tecnologias, como também desenvolveram novos conhecimentos. O acesso
ao conhecimento externo também foi impulsionado, já que muitas novas tecnologias e
adaptações passaram a envolver a cooperação entre pesquisadores nas instalações cariocas e
estrangeiras.
Em estudo realizado por Rocha e Urraca-Ruiz (2011), que entrevistaram algumas
das empresas prestadoras de serviços especializados que instalaram unidades de P&D no Rio
de Janeiro, quando questionadas sobre a sua motivação para a instalação de unidades de P&D
na cidade, as empresas afirmaram que queriam atender às demandas tecnológicas da camada
pré-sal, e que as soluções desenvolvidas para ela poderiam servir de base para outros campos
de petróleo em águas profundas. Algumas das empresas também afirmaram querer aprender
com a Petrobras, que desenvolveu a expertise na exploração de campos petrolíferos em águas
profundas.
Através dessas informações, é possível inferir que a Petrobras desempenha um
papel duplo na inserção do Rio de Janeiro na rede, pois ela, ao mesmo tempo, contribui
122
diretamente para a geração de conhecimento interno e é um fator de atração para empresas
estrangeiras, que decidem instalar unidades de P&D na cidade. Isso evidencia que a Petrobras
é um ator fundamental para explicar a inserção do Rio de Janeiro na rede de conhecimento de
petróleo offshore.
5.7. Considerações finais
O objetivo deste capítulo foi mapear e analisar a rede de conhecimento no
segmento de petróleo offshore, mostrando quais cidades do sul global e de países ricos em
petróleo estão inseridas na rede e como se dá tal inserção. Para tanto, foram usados dados de
patentes como proxy da produção de conhecimento e ferramentas da metodologia de redes.
Essa análise foi motivada, além das lacunas da literatura, pelo fato de que, especialmente nas
redes produtivas de recursos naturais, a produção de conhecimento é crucial para a realização
do upgrading na rede e possibilidade de maior captura de valor. O resultado obtido foi que a
única cidade que atendia aos requisitos de ser do sul global e de um país rico em petróleo, e
que estava inserida nas camadas hierarquicamente mais altas da rede, era o Rio de Janeiro.
Ao analisar mais profundamente as características da inserção da cidade,
verificou-se que a Petrobras é um ator-chave na produção de conhecimento interno do Rio de
Janeiro, sendo responsável pela maioria dos loops dentro da cidade. No entanto, no que diz
respeito ao acesso ao conhecimento externo do Rio de Janeiro, a Petrobras contribui apenas
indiretamente, por ser um importante fator de atração das unidades de P&D das empresas
estrangeiras de serviços especializados, como já abordaram Rocha e Urraca-Ruiz (2011). No
entanto, a NOC não está contribuindo diretamente para o acesso do Rio de Janeiro ao
conhecimento externo, já que as conexões entre o Rio de Janeiro e outras cidades foram
traçadas através de patentes concedidas a empresas estrangeiras de serviços especializados, o
que mostra que a cidade depende fortemente de capital estrangeiro para acessar conhecimento
externo.
A conclusão da análise desenvolvida neste capítulo coloca o Rio de Janeiro em
uma posição de destaque em nível global, quando comparada a outras cidades do Sul global.
Essa posição não pode ser entendida sem que seja feita uma relação ao histórico de esforços
por parte da Petrobras para constituir capacitações e conhecimentos locais desde a década de
1970, como discutido no capítulo 1. Esses esforços vão de encontro com alguns estudos
recentes que relacionam a capacidade de upgrading dentro das redes de produção com a
estruturação de um sistema nacional de inovação que dê suporte a esse processo, como Lee et
123
al (2018). Assim, o entendimento da posição do Rio de Janeiro na rede passa,
necessariamente, pelo entendimento da natureza da base de conhecimento da indústria de
petróleo, e pelo papel desempenhado tanto pelas organizações nacionais como pelas
organizações internacionais, que iniciaram cooperações em pesquisas na área com os
PROCAPs.
124
CONCLUSÃO
Em um contexto de globalização e produção funcional e geograficamente
fragmentada, a presente tese buscou explorar o papel das cidades na atual configuração
econômica, destacando o papel da cidade do Rio de Janeiro na rede de petróleo e gás, no
contexto da América do Sul. Para isso, foram utilizadas as abordagens analíticas de redes
globais de produção e de cidade gateway, e foi empregada a metodologia de redes em dados
sobre investimentos, localização de empresas e patentes.
Após um capítulo teórico discutindo os conceitos que nortearam a análise, esta foi
desenvolvida em quatro capítulos empíricos em formato de artigo. Esses capítulos foram
desenvolvidos de forma a abordar o tema inicialmente de forma mais agregada, no nível da
cadeia, partindo para uma forma mais focada em funções específicas dentro da cadeia. Nos
capítulos empíricos buscou-se não apenas discutir o papel das cidades nas redes de produção,
mas fazê-lo através de abordagens metodológicas que também oferecessem contribuições para
a literatura, como o cálculo de papel de gateway proposto e o uso de comunidades Louvain na
análise.
No capítulo 2 a análise empírica foi iniciada com a proposição de uma
categorização das cidades da América do Sul na rede de petróleo e gás, a partir de variáveis
relacionadas à centralidade, papel de gateway e funcionalidade e de dados de IDE e F&A.
Com essa categorização foi possível constatar empiricamente a concentração das atividades
mais complexas e de maior valor agregado em apenas algumas cidades, como já havia sido
discutido no capítulo teórico. No caso da América do Sul, foi possível verificar que, na
categorização proposta, o Rio de Janeiro se encontrava em uma posição diferente das outras
cidades da América do Sul, apresentando alta centralidade, alto índice de gateway e
desempenhando todas as funções investigadas, inclusive as de maior valor agregado.
No capítulo 3, os dados de IDE e F&A foram empregados em uma nova análise,
baseada na relação entre as cidades de origem dos investimentos em petróleo e gás, no
contexto da América do Sul, e os países recebedores, a fim de investigar o poder que
determinadas cidades tinham na rede de investimento em petróleo e gás na região e qual a
amplitude espacial desse poder. Com essa investigação foi, novamente, constatado o papel de
destaque da cidade do Rio de Janeiro no contexto da América do Sul, sendo ela a cidade de
origem do maior número de projetos. Essa centralidade foi atribuída a alguns atributos da
cidade, como ser a cidade sede da Petrobras. Embora a posição do Rio de Janeiro seja notável,
em relação à rede de investimentos da América do Sul, verificou-se que o escopo dessa
125
posição é mais nacional do que regional, o que está de acordo com outros trabalhos que
analisaram o setor.
Nos capítulos 4 e 5 foram desenvolvidas análises mais focadas em determinados
estágios da rede, principalmente atividades de maior valor agregado. No capítulo 4 foi
investigada a configuração espacial das atividades de organização e prestação de serviços da
etapa upstream, destacando como a regulação e o papel do Estado, de acordo com a
taxonomia proposta por Horner (2017), influenciam a configuração espacial das atividades de
organização da rede produtiva de petróleo. Como discutido, as características da rede de
petróleo e gás fazem com que, embora organizada em nível global, essa rede seja fortemente
influenciada pelas condições locais, como a regulação. No capítulo 4 também foi possível
verificar o escopo nacional da organização da rede de petróleo e gás e como o Rio de Janeiro
se destaca, em relação às outras cidades da América do Sul, sendo um pólo de concentração
de empresas envolvidas nos segmentos de maior valor agregado da etapa upstream, as
prestadoras de serviços especializados.
No capítulo 5 foi investigada em mais detalhes a função de local de geração de
conhecimentos da cidade do Rio de Janeiro. Nesse capítulo a análise foi desenvolvida não
apenas no contexto da América do Sul, mas foi adotada uma perspectiva global. Isso foi
necessário, pois a cidade do Rio de Janeiro foi a única que se destacou na rede de inventores
de patentes offshore, não tendo nenhuma companheira sul-americana relevante para que a
análise pudesse ser desenvolvida nesse contexto.
Ao analisar a atividade mais sofisticada e de maior valor agregado na rede de
produção, sendo importante não apenas para a geração, melhoramento e captura de valor, mas
também para o upgrading na rede, o papel da cidade do Rio de Janeiro, em comparação com o
das outras cidades da América do Sul, ficou ainda mais evidente, mostrando que essa cidade
não apenas participa da rede de inventores de patentes, mas o faz nos níveis hierárquicos mais
altos.
Em resumo, a análise desenvolvida ao longo desta tese permitiu a compreensão de
que o Rio de Janeiro é a principal cidade sul-americana no que diz respeito à rede de petróleo
e gás, exercendo todas as funções desempenhadas pelas cidades nas redes de produção,
discriminadas na literatura. Como evidenciado na introdução e ao longo da tese, esse papel
não pode ser desvinculado do fato de que a cidade é a sede da Petrobras, principal empresa
petroleira da região. A trajetória da empresa se diferencia de outras importantes empresas da
região, como a PDVSA, por exemplo, pelo forte investimento em P&D e na geração de
conhecimento realizado desde a década de 1970. Associando-se a parceiros estrangeiros, a
126
empresa desenvolveu projetos de pesquisa que culminaram na quebra de recordes de
profundidade de perfuração e reconhecimento internacional.
Embora muitas cidades da América do Sul participem na rede de petróleo e gás, a
maioria o faz através de atividades de baixo valor agregado. Verificar o papel do Rio de
Janeiro nesse contexto e a diferenciação dessa cidade em relação às outras cidades da região
levanta discussões sobre os benefícios e desenvolvimento econômico que a participação nas
redes de produção gera e, consequentemente, levanta importantes implicações para a
elaboração de políticas públicas inseridas no contexto de redes globais de produção.
Na literatura que trata de cadeias de valor e redes de produção, os benefícios da
participação nessas redes são tratados como algo quase automático, porém, como mostrado
nos capítulos desta tese, verificou-se que eles não necessariamente ocorrem, estando
circunscritos a apenas alguns locais. Afinal, é possível afirmar que cidades que participam de
redes de produção através de atividades de logística e cidades que participam como locais de
geração de conhecimento estão obtendo benefícios semelhantes? Logo, é necessário ir além
da participação em redes em si e qualificar tal participação. Quando se observa que as cidades
do tipo da primeira são significativamente mais numerosas, é levantada a hipótese de Lee et al
(2018), que afirmam que o aproveitamento dos benefícios está ligado à constituição de um
sistema nacional de inovação, que possibilite o upgrading na rede.
A cidade do Rio de Janeiro ilustra essa hipótese, devido à estrutura de inovação
em petróleo e gás formada em torno da Petrobras, que permitiu que a cidade fizesse o
upgrading. Essa posição da cidade está fortemente ligada ao papel desempenhado pelo
Estado, que agiu como um empreendedor (MAZZUCATO, 2014), incentivando a constituição
de uma estrutura científica e tecnológica que possibilitou a superação da dependência em
relação às tecnologias estrangeiras, implicando em maior autonomia e maior capacidade de
captura de valor dentro das redes. Essas ações foram cruciais para que o Rio de Janeiro e o
Brasil realmente obtivessem os benefícios econômicos gerados pelo acoplamento às redes, o
que ocorreu em menor medida em outros locais da América do Sul.
Contudo, o papel do Estado deve ser visto muito criticamente. Embora o Rio de
Janeiro se destaque na região como local de coordenação e geração de conhecimento, a
Petrobras aparece como única empresa doméstica que desempenha esse papel e a política de
conteúdo local implantada no Brasil foi duramente criticada em entrevistas realizadas no
âmbito dessa pesquisa, que indicaram a necessidade de reajuste da política. Aqui, cabe uma
reflexão sobre a atuação do Estado brasileiro no setor, pois, mais recentemente, vem sendo
adotada uma postura de desmonte da política de conteúdo local nacional. Como já
127
mencionado, ela foi duramente criticada nas entrevistas realizadas, entretanto, indagamos se o
afrouxamento da política de conteúdo local, em vez de uma reformulação, é a iniciativa mais
adequada, já que ela pode implicar em desaparecimento de elos da cadeia.
Outro ponto a ser destacado é a atual conjuntura da indústria de petróleo e gás no
Brasil, que coloca em cheque a manutenção da posição do Rio de Janeiro. Após ter vivido o
seu auge no início dos anos 2000, com o boom de commodities e a descoberta do pré-sal, o
setor vem passando por graves problemas desde 2014, com a queda do preço de petróleo, o
controle de preços dos combustíveis, a insustentabilidade financeira e os escândalos de
corrupção envolvendo a Petrobras. Tudo isso gerou forte incerteza em relação ao futuro da
trajetória virtuosa desenvolvida pela cidade do Rio de Janeiro na rede de petróleo e gás.
Associado às incertezas causadas pela crise no setor, para a qual contribuíram
fatores externos, locais e internos à Petrobras, outro vetor de incertezas reside nos governos
recentemente eleitos, tanto na esfera federal como na esfera estadual. Como visto ao longo
deste trabalho, o desenvolvimento de estratégias voltadas à constituição de uma estrutura local
de inovação e de geração de conhecimentos foi crucial para o posicionamento do Rio de
Janeiro na rede de produção de petróleo e gás. Entretanto, com a ascensão de governos que
tratam universidades, institutos de pesquisa, cientistas e o conhecimento formal em geral com
tamanho descrédito, é difícil imaginar que a manutenção dessa estrutura será uma prioridade.
Essas incertezas quanto ao futuro da principal atividade econômica da cidade e do
estado do Rio de Janeiro se materializam na atual situação do estado, que enfrenta altos
índices de criminalidade, problemas na saúde, educação e nos serviços públicos como um
todo. Isso mostra que as cidades devem ser vistas muito além de seus papeis nas redes globais
de produção, sendo necessário investigar como o papel desempenhado por elas nessas redes
pode ser traduzido não apenas em desenvolvimento econômico, mas também em
desenvolvimento social e urbano.
Outra questão crítica que pode ser levantada sobre o papel do Estado e as
implicações para a política pública, a partir da análise aqui desenvolvida, é a articulação entre
as esferas municipal, estadual e federal. Embora a análise desenvolvida nesta tese esteja
focada nas cidades, fica claro que estas devem ser vistas como inseridas em um contexto
político-institucional mais amplo. Assim, faz-se necessária a articulação entre as diferentes
esferas na busca pela inserção dos diferentes locais nas redes produtivas, considerando os
ativos locais e o contexto sócio-espacial desses locais.
A presente tese levanta duas questões principais, que podem ser exploradas mais
profundamente em trabalhos futuros. Primeiramente, em linha com o já mencionado trabalho
128
de Lee et al (2018), a relação entre o tipo de participação das diferentes cidades nas redes de
produção e a constituição de um sistema local de inovação pode ser explorada, abordando
como funciona essa dinâmica e em que setores essa relação pode ser vista. Em um segundo
momento, pensando nas questões levantadas por Kratke (2014) e Martinus e Tonts (2015),
que afirmam que as cidades exercem diferentes funções em diferentes redes de produção,
pesquisas semelhantes à realizada nesta tese, mas referentes à participação de cidades nas
redes de diferentes setores, seriam pertinentes e, aliadas a primeira linha de pesquisa
mencionada neste parágrafo, poderiam contribuir para o direcionamento e elaboração de
políticas públicas.
129
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