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7/14/2019 MeC03-Costa-Lima-Hermeto_Pascoal.pdf http://slidepdf.com/reader/full/mec03-costa-lima-hermetopascoalpdf 1/34  Música e Cultura n°3 www.musicaecultura.ufsc.br Da casa de Tia Ciata à casa da Família Hermeto Pascoal no bairro do Jabour: tradição e pós-modernidade na vida e na msica de um compositor popular e!perimental no "rasil # Luiz Costa-Lima Neto $esumo Este artigo descreve o processo de criação ensaio e arran!o do multi-instrumentista arran!ador e compositor alagoano "ermeto #ascoal e do grupo $ue o acompan%ou no per&odo de '()' a '((3 $uando o compositor e o $uinteto de m*sicos constitu&ram uma comunidade unida por laços de vizin%ança e parentesco em torno da casa do m*sico alagoano situada no bairro do +abour sub*rbio da cidade do ,io de +aneiro. lm das m*sicas gravadas no per&odo mencionado composiç/es de outras fases da carreira do m*sico são analisadas no artigo para ilustrar de maneira mais completa aspectos relacionados 0 personalidade e ao sistema musical e1perimental de "ermeto. 2inalmente a tra!etria profissional do compositor alagoano relacionada a alguns movimentos art&sticos e g4neros musicais importantes do sculo 55 como por e1emplo a bossa nova o !azz o modernismo nacionalista a 6#7 o 7,oc8 a vanguarda tropicalista etc. demonstrando assim o papel inovador desempen%ado por "ermeto #ascoal na %istria contempor9nea da m*sica popular no 7rasil. %bstract :%is article describes t%e processes of composition interpretation and arrangement of lagoan multi-instrumentalist arranger and composer "ermeto #ascoal and t%e ;roup t%at accompanied %im between '()' to '((3 w%en t%e composer and t%e five musicians formed a communit< united b< ties of neig%bour%ood and 8ins%ip around "ermeto=s %ome in 7airro +abour on t%e outs8irts of ,io de +aneiro. >n addition to t%e music recorded in t%at period compositions of %is ot%er career p%ases are e1amined in t%is paper to illustrate more t%oroug%l< some aspects related to "ermeto=s personalit< and e1perimental music. 2inall< t%e professional tra!ector< of t%e composer is related to some important artistic movements and musical genres of t%e twentiet% centur< suc% as t%e bossa nova !azz nationalist modernism 6#7 ?modern 7razilian  popular music@ 7razilian pop-roc8 vanguardist tropicalism etc. in order to better frame t%e innovative role pla<ed b< "ermeto #ascoal in t%e %istor< of contemporar< popular music in 7razil. ' Este artigo baseado em min%a dissertação de mestrado intituladaA  A música experimental de Hermeto Pascoal e Grupo (1981-1993): concep!o e lin"ua"em defendida em abril de '((( no mestrado em 6usicologia 7rasileira da BN>,> sob a orientação da #rof. Dra. 6art%a :upinamb de Bl%Fa a $uem muito agradeço. presente artigo contudo amplia o recorte %istrico por mim estudado no mestrado ao contemplar e1emplos musicais de outras fases da carreira do compositor "ermeto #ascoal alm de considerar vrios aspectos não abordados em min%a dissertação como por e1emplo a maneira como a e1peri4ncia esttica e a e1peri4ncia religiosa estão interligadas no sistema musical do alagoano. Ger ainda CH:-L>6 NE: Luiz. I:%e e1perimental music of "ermeto #ascoal e ;rupo ?'()'- (3@A a musical s<stem in t%e ma8ingJ. >nA ,E>LK Huzel na ?org.@.  #ritis$ %ournal o&  't$nomusicolo" 9*i 7razilian 6usics 7razilian identitiesM. 7ritis% 2orum for Et%nomusicolog< OOO. '

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    Da casa de Tia Ciata casa da Famlia Hermeto Pascoal no

    bairro do Jabour: tradio e ps-modernidade na vida e na

    msica de um compositor popular e!perimental no "rasil#

    Luiz Costa-Lima Neto

    $esumo

    Este artigo descreve o processo de criao ensaio e arran!o do multi-instrumentista arran!ador ecompositor alagoano "ermeto #ascoal e do grupo $ue o acompan%ou no per&odo de '()' a'((3 $uando o compositor e o $uinteto de m*sicos constitu&ram uma comunidade unida porlaos de vizin%ana e parentesco em torno da casa do m*sico alagoano situada no bairro do+abour sub*rbio da cidade do ,io de +aneiro. lm das m*sicas gravadas no per&odomencionado composi/es de outras fases da carreira do m*sico so analisadas no artigo parailustrar de maneira mais completa aspectos relacionados 0 personalidade e ao sistema musicale1perimental de "ermeto. 2inalmente a tra!etria profissional do compositor alagoano relacionada a alguns movimentos art&sticos e g4neros musicais importantes do sculo 55como por e1emplo a bossa nova o !azz o modernismo nacionalista a 6#7 o 7,oc8 avanguarda tropicalista etc. demonstrando assim o papel inovador desempen%ado por "ermeto#ascoal na %istria contempor9nea da m*sica popular no 7rasil.

    %bstract

    :%is article describes t%e processes of composition interpretation and arrangement of lagoanmulti-instrumentalist arranger and composer "ermeto #ascoal and t%e ;roup t%at accompanied%im between '()' to '((3 w%en t%e composer and t%e five musicians formed a communit6 NE: Luiz. I:%e e1perimental music of "ermeto #ascoal e ;rupo ?'()'-

    (3@A a musical snA ,E>LK Huzel na ?org.@.#ritis$ %ournal o&'t$nomusicolo" 9*i 7razilian 6usics 7razilian identitiesM. 7ritis% 2orum forEt%nomusicolog

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    # & 'ntroduo

    Hen%ores desta Casalicena $ue eu vou c%egando eu vou.M

    ?Loa de abertura da 2olia de ,eisPDom&nio #*blico@

    No presente artigo sobre o multi-instrumentista arran!ador e compositor alagoano"ermeto #ascoal ?l%o DJQgua da Canoa de !un%o de '(3R@ pretendo dimensionarsua import9ncia singular no panorama da m*sica instrumental popular no 7rasil. sm*sicas referidas no artigo sero descritas de maneira acess&vel ao leitor noespecialista evitando $uando poss&vel a terminologia especificamente musical. #arafornecer uma amostra do sistema musical de "ermeto farei refer4ncia acerca decin$Senta e1emplos compostos ePou gravados a partir do L# Hermeto Pascoal:

    #ra+ilian Ad,enture ?'(T'U@.

    :omo emprestado do pes$uisador 6uniz Hodr o termo Ibiombo culturalJ utilizado

    originalmente pelo pes$uisador para demonstrar como a polarizao c%oro-ruaPsamba-fundo de $uintal na geografia da casa de :ia Ciata simbolizava as diferentes posi/es deresist4ncia da comunidade negra carioca frente 0s elites aps a bolio3.

    Btilizo a noo de Ibiombo culturalJ para percorrer simbolicamente os espaosprincipais da casa de "ermeto no bairro do +abour zona oeste do ,io de +aneiro. Nestacasa "ermeto e o ;rupo formado por >tiber4 Vwarg ?'(WO@ +ovino Hantos Neto ?'(WX@6rcio 7a%ia ?'(W)@ Carlos 6alta ?'(RO@ e ntonio Luis Hantana apelidado como#ernambuco ?'(XY'(XOZ[@X ensaiaram diariamente das 'XAOO%s. 0s ')AOO%s durantedoze anos consecutivos de '()' a '((3. tra!eto atravs dos espaos da casa como acozin%a a piscina a sala escondida onde "ermeto compun%a e a sala de ensaio do

    ;rupo no \ andar alm dos %bitos dos moradores - como a fei!oada aos sbados - e aparticipao dos animais de estimao nas m*sicas gravadas revelam como ocorria oprocesso de composio arran!o e ensaio de "ermeto e ;rupo no per&odo !mencionado alm de demonstrar aspectos inter-relacionados da personalidade

    biografia cosmologia pessoal e sistema musical de "ermeto #ascoal. ]uando ose1emplos musicais analisados no artigo tiverem sido gravados em outras fases dacarreira do m*sico alagoano as datas referentes a estes e1emplos sero seguidas de U.

    Na parte final deste artigo conte1tualizo a tra!etria profissional do m*sico alagoanorelacionando-a com a %istria da m*sica popular no 7rasil no sculo 55 e in&cio do ;ravadora 7udda% ,ecordsPCobblestone. bservo $ue algumas fontes indicam '(TO '(T'

    '(T ou ainda '(T3 como sendo o ano de lanamento deste '\ disco autoral de "ermeto. confuso pode ser observada tambm com relao 0 grafia correta do sobrenome de"ermetoA I#ascoalJ ou I#asc%oal^Z credito $ue o ano de lanamento se!a '(T' ?ou '(T@. grafia correta I#ascoalJ de acordo com o manuscrito autografado e fotocopiado noCalendrio do som no $ual o prprio "ermeto assina seu nome. Ger #HCL OOO. p.cit. p. 'T. bservo $ue os nomes de :ia Ciata e de #i1inguin%a tambm foram grafados devrias formasA Hiata ciata ssiata ou sseata e #izindim ou #izinguim. Ger bibliografia.

    3 Ger HD,_ 6uniz..am/a o dono do corpo. Editora 6auad OOT `. Edio Y'(T([ p.(-').

    X

    Hegundo +ovino Hantos Neto o ano de nascimento do percussionista #ernambuco seria '(Xou ainda '(XO no dia 'W de setembro. >nfelizmente no consegui encontrar opercussionista para confirmar sua data e1ata de nascimento.

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    55>. Demonstro como o sistema musical inovador de "ermeto #ascoal funde atradio a modernidade e a contemporaneidade e avalio finalmente o papel estratgicoda >nternet como forma de resist4ncia cultural ps-moderna.

    ( & Primeira parte - Duas casas na )istria da msica popular vocal e instrumentalno "rasil

    (*# - +ma casa popular moderna, Pa* n.e, #/#0

    Entrinc%eirada na #raa nze !unto a outras casas de fam&lias de origem baianac%efiadas por zeladoras de ori1s ?as famosas 0ias@ a casa da mulata "ilria 7atista delmeida a :ia CiataW considerada pelos pes$uisadores como a casa matricialM dam*sica popular urbana carioca onde foi gestado um dos primeiros sambas gravados#elo telefoneM ?Donga '('R@R. 6uniz Hodr identifica determinados Ibiombos

    culturaisJ na casa de :ia Ciata separando os cFmodos os espaos da casa e os g4nerosmusicais neles praticadosA na sala de visitas pr1ima 0 rua o c%oro e as danas de parentrelaados ?polcas valsas lundus etc.@ e no $uintal ou terreiro nos fundos da casa osamba de partido-alto ou samba-raiado e os batu$ues do Candombl. separao

    polarizada dos Ibiombos culturaisJ na casa da respeitada /a/ala-mirim :ia Ciatasimbolizava segundo HodrA estratgia de resist4ncia musical 0 cortina demarginalizao erguida contra o negro em seguida 0 bolioM ?Hodr OOTY'(T([ p.'W@. Desta maneira continua Hodr na frente da casa pr1ima portanto aos ol%os daelite branca - estavam a m*sica instrumental do c%oro e as danas mais respeitveisMen$uanto $ue nos fundos da casa escondidos das autoridades e da pol&cia estavam osamba com a elite negra da ginga e do sapateadoM e a batucada dos mais vel%os ondese fazia presente o elemento religiosoM. ?idem@.

    casa de :ia Ciata considerada pelo pes$uisador como um microcosmo da sociedadebrasileira da poca e1emplificando o preconceito racial e a marginalizao do negro ede sua cultura pela elite branca. 6*sicos como #i1inguin%a ?')(T-'(T3@ Donga ?'))(-'(TX@ Hin%F ?')))-'(3O@ +oo da 7a%iana ?'))T-'(TX@ e "eitor dos #razeres ?')()-'(RR@ atravessavam constantemente as fronteiras sutilmente devassveis entre oterritriodo c%oro e das danas de influ4ncia europia por um lado e o territrio dosamba de partido-alto e do Candombl africano por outro. o cruzarem estas fronteirasou JbiombosJ estes m*sicos reelaboravam elementos da tradio cultural africana

    possibilitando novas formas de afirmao da etnia negra na vida urbana brasileira

    W Nascida em Halvador em 3PXP')WX tendo c%egado ao ,io de +aneiro em ')TR. GerN#L>:N 6arcos A s2ncope das idias: a 4uest!o da tradi!o na msica popular/rasileira5Ho #auloA 2undao #erseu bramo OOT p. ').

    R Nelson 2ernandes citado por N#L>:N 6arcos i/idem afirma $ue antes de #elotelefoneM ao menos outros dois sambas ! %aviam sido gravados.

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    afirmao da $ual so e1emplos em ordem cronolgica de aparecimento o c%oroTe osamba.

    (*( - +ma casa popular ps-moderna, bairro do Jabour, #/1(1

    Estas paredes t4m somM...?Comentrio feito por +ovino Hantos Neto e

    por 6auro 7rando ermelingerem visita recente 0 casa da6am2lia

    "ermeto #ascoal no bairro do +abour@(

    riginalmente uma casa de apenas um andar a resid4ncia de "ermeto no +abour bairrosituado na Vona este nos sub*rbios da cidade do ,io de +aneiro foi ampliada $uando

    aps uma turn4 internacional com o ;rupo "ermeto iniciou a construo do \ andar.ssim diferentemente da casa da :ia Ciata onde os m*sicos e convidados percorriam omesmo piso %orizontal para cruzar os Ibiombos culturaisJ sucessivos $ue ligavamsimbolicamente a Europa ?o c%oro e as danas na sala de visitas pr1ima 0 rua@ ao7rasil e 0 Qfrica ?o samba e o Candombl no $uintal ou terreiro ao fundo@ a casa de"ermeto #ascoal no +abour apresentava por sua vez uma disposio espacial verticalcom dois andares.

    "ermeto compun%a no '\ andar da casa silenciosamente sem instrumentos escrevendona partitura e sentado no sof de uma sala escondida aos ol%os dos visitantes en$uanto$ue os m*sicos do ;rupoA >tiber4 Vwarg ?contrabai1o piano eltrico bombardino e

    tuba@ +ovino Hantos Neto ?piano eltrico teclados clavinete e flautas@ ntFnio LuisHantanaP#ernambuco ?percusso@ 6rcio 7a%ia ?bateria e percusso@ e Carlos 6alta?sopros@ ensaiavam no \ andar da casa. :odos os m*sicos passaram a morar pr1imo 0casa para no perderem tempo indo e vindo diariamente de suas moradias at odistante bairro do +abour.

    #ouco acostumado 0s ruas do bairro na zona oeste e aps perguntar vrias vezes aosvizin%os pela localizao da casa do ilustre morador do +abour o visitante somente

    T ;4nero surgido nas *ltimas dcadas do sculo 5>5 inicialmente como uma maneirasincopada dos m*sicos populares tocarem danas europias como a valsa polca mazurca

    sc$ottis$etc. c%oro foi consolidado por #i1inguin%a e outros m*sicos no in&cio do sculo

    55. Ger B,>H6> 6i8a#rasileirin$o: "randes encontros do c$oro contempor7neo5DGD ,ob digitalPHtudio Bno e ainda CVEH "enri$ue. C$oro do 4uintal ao Municipal.Ho #auloA Edit. 3X '(().

    ) "ermeto se fi1ou no bairro do +abour em '(TT segundo a informao postada no blogA%ttpAPPwww.miscelaneavanguardiosa.com

    ( gradeo ao professor e m*sico 6auro 7rando ermelinger pelas entrevistas a mimconcedidas em XPO'POO) e 'TPOPOO) e pelas ricas informa/es ?no s@ a respeito daar$uitetura da casa de "ermeto no +abour. 6auro . era um observador privilegiado poisfre$Sentou diariamente - durante nove anos consecutivos mais e1atamente de '()X a '((3 -

    a casa onde "ermeto e ;rupo ensaiavam todos os dias. pro1imadamente com a mesmaidade dos integrantes do ;rupo 6auro tambm foi adotado pela fam&lia #ascoal. C%egou aproduzir os s%ows do ;rupo e participou de vrias fei!oadas de Dona >lza aos sbados.

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    tin%a a certeza $ue %avia finalmente c%egado ao endereo certo $uando escutava dolado de fora da casa o som da m*sica tocada pelo ;rupo. ps se identificar pelointerfone atendido pela dona da casa o visitante entrava pelo porto de servio $ue davaacesso 0 cozin%a. ntes de c%egar a ela via 0 direita numa rea pr1ima ao porto os

    passarin%os nas gaiolas o papagaio 2loriano e eventualmente os cac%orros correndo de

    um lado para o outro alm de vislumbrar parte de uma piscina pe$uena. o seguir emfrente e entrando na casa propriamente dita sempre orientado pela m*sica cada vezmais forte o visitante atravessava a cozin%a da pernambucana Dona >lza da Hilva'O e

    passava por uma ante-sala pe$uena ?cu!a planta-bai1a em LM escondia do visitante asala secretaM onde "ermeto compun%a@ at subir uma escada $ue levava ao \ andar.

    C%egando ao segundo andar da casa o visitante identificava ento dois espaosA umasaletin%a de descanso com uma geladeira cadeiras e um ban%eiro pr1imo e a salagrande com os instrumentos do ;rupoA piano teclados percuss/es bateria soproscontrabai1o eltrico alm de vrios ob!etos sonoros percussivos e pil%as e mais pil%asde partituras manuscritas. Como isolamento ac*stico esteiras de pal%a compradas por

    um preo barato em lo!as de materiais de Bmbanda foram coladas nas paredes da salade ensaio conferindo ao ambiente uma apar4ncia r*stica de c%oupana. 2inalmenteatravs das !anelas eram vistas as casas da vizin%ana e acima delas o espao ilimitadodo cu azul ensolarado $ue impun%a sua presena atravs do calor $uase insuportvel$ue es$uentava a la!e em brasa nos dias $uentes.

    ar$uitetura da pe$uena casa era constitu&da assim de dois Ibiombos culturaisJprincipaisA o espao privado no '\ andar da casa no $ual "ermeto compun%asecretamenteM sem ser visto ou escutado por ningum e o \ andar mais acess&velocupado pelos m*sicos nos ensaios dirios. \ IbiomboJ dei1ava entrever o 3\ espaoe1terno 0 casa preenc%ido por sua vez pelas casas da vizin%ana encimadas pelo cu.

    s !anelas possibilitavam uma trocaA as m*sicas tocadas pelo ;rupo vazavam para avizin%ana en$uanto $ue a paisagem sonora dos pssaros cac%orros papagaio cigarrasetc. invadiam a casa e passaram a %abitar permanentemente algumas m*sicas gravadasno per&odo.

    s personagens da casa inclu&am os donos "ermeto #ascoal e Dona >lza os fil%os efil%as do casal os meninos do ;rupoM ?como "ermeto c%amava paternalmente osm*sicos $ue o acompan%avam@ alm do faz-tudo 6auro 7rando ermelinger efinalmente os pssaros engaiolados 2loriano o papagaio e os cac%orros .poc 7olo e#rincesa.

    s espaos da casa e as personagens acima mencionadas aparecem em determinadas

    m*sicas inclu&das nos seis L#s gravados por "ermeto e ;rupo no per&odo de '()' a'((3 se!a nos t&tulos nas refer4ncias sonoras ou ainda nas grava/es caseiras $ueacabavam sendo inclu&das nos discos. Como e1emplo as fai1asA >lza na fei!oadaM?'()X@ uma m*sica modal com r&tmica nordestina $ue diga-se de passagem era umverdadeiro $itnos s%ows da poca na $ual ouvimos a voz dos integrantes do ;rupo euma gargal%ada de Dona >lza e ula de nataoM ?'((@ a m*sica da auraM isto uma m*sica atonal $ue tin%a como melodia o dilogo entre a fil%a de "ermeto 2ab&ola- professora de natao com as crianas na piscina da casa. utros e1emplos so porordem cronolgicaA a m*sica CoresM ?'()'@ na $ual inclu&do o silvo agudo de umacigarra gravado na rvore em frente 0 casa de "ermeto e afinada com os instrumentos

    'O Com a $ual "ermeto se casou em #ernambuco em '(WX. Giveram !untos durante XR anos etiveram seis fil%os. >nfelizmente Dona >lza faleceu % alguns anos.

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    do ;rupo .pocna escadaM ?'()X@ um forr no $ual foram inclu&dos os latidossincopados do cac%orro de "ermeto e #apagaio alegreM ?'()X@ na $ual o papagaio2loriano solista''. utros e1emplos de utilizao musical de sons de animais ?nogravados na casa no +abour@ so para mencionar apenas duas composi/esA rapuM?'()R@ na $ual os timbres instrumentais te1turas e %armonias dissonantes simulam o

    som da abel%aArapu de zumbido grave e ]uando as aves se encontram nasce osomM ?'((@ fai1a onde diversos cantos de pssaros so utilizados como frases r&tmico-meldicas %armonizadas e arran!adas por "ermeto para os instrumentos do ;rupo'.

    2azendo uma comparao com os espaos p*blicos e privados da ar$uitetura da casa de:ia Ciata o '\ andar da casa de "ermeto - onde o m*sico compun%a longe dos ol%osdos demais %abitantes da casa e dos visitantes - corresponderia ao terreiro ou $uintal dacasa de :ia Ciata lugar no $ual o samba e os batu$ues do Candombl ocorriamsecretamente en$uanto $ue o \ andar da casa de "ermeto espao devassado pelas

    !anelas e pelo vazamento do som produzido pelo ;rupo estaria associado por sua veza sala de visitas pr1ima 0 rua onde #i1inguin%a e os demais c%or/es da casa de :ia

    Ciata tocavam suas polcas valsas lundussc$ottisc$ee c%oros. disposio bsica frente-fundos-e1terior dos Ibiombos culturaisJ da casa de :ia Ciataencontra ento uma correspond4ncia com a casa de "ermeto e ser utilizada parademonstrar como ocorria o processo de composio arran!o e ensaio de "ermeto e;rupo alm de abordar aspectos da personalidade da biografia da cosmoviso e dosistema musical de "ermeto.

    2 & +ma descrio densa#2

    2*# - Hermeto e 3rupo

    Da sala onde compun%a "ermeto podia ouvir os m*sicos facilmente. ssim $uandoacabava de escrever a partitura com o esboo meldico-%armFnico de uma novacomposio "ermeto subia a escada pun%a a partitura por debai1o da porta do \ andare descia de volta a seu posto. Como a grafia de "ermeto apresentava a dupla dificuldadedos acordes dissonantes dificilmente analisveis pela %armonia tradicional alm de umaescrita $ue 0s vezes dei1ava d*vidas $uanto 0 localizao e1ata das notas no

    pentagrama - devido 0 defici4ncia visual de "ermeto geralmente os m*sicos do ;ruporeescreviam as partes manuscritas pelo Campe!o5Este era o apelido dado ao alagoano

    '' Escutar ainda Camin%o do sol :ributo ao papagaio 2lorianoM ?'(((U@ m*sica cominstrumentao constitu&da de naipe de assobios zabumba e prato de c%o$ue simulando umabanda de p&fanos nordestina.

    ' Ger CH:-L>6 NE: Luiz op. cit. '((( para uma lista mais completa das m*sicas de"ermeto nas $uais sons de animais so inclu&dos alm de outras formas de utilizao desons de animais no sistema musical do alagoano.

    '3 Descrio densaM um tipo de descrio etnogrfica $ue busca no apenas narrar os fatostal $ual eles se apresentam superficialmente aos ol%os de um observador mas interpretaro

    $ue estes fatos significam num determinado conte1to de acordo com os cdigos socialmenteestabelecidos pelos nativos de um grupo cultural espec&fico. Ger ;EE,:V Clifford. Ainterpreta!o das Culturas '()( p. '3-X'.

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    pelos meninos do ;rupoM contudo observo $ue a %ierar$uia por vrias vezes erainvertida pois os meninos do ;rupoM tambm eram c%amados de Campees por"ermeto. ps os m*sicos terminarem de passar a limpo as partes manuscritas peloalagoano eles as tocavam em seus instrumentos e neste momento "ermeto sentado no'\ andar ouvia tudo com seu ouvido absoluto e l de bai1o corrigia a transcrioA

    +ovino no Hol com T` maior menorM'X

    . Logo aps o compositor subianovamente para resolver eventuais detal%es tcnicos de e1ecuo e fazer o arran!o. processo de criao funcionava seguindo estas etapas e 0s vezes uma m*sica eraacabadaM rapidamente em apenas tr4s %oras de trabal%o.

    Bm breve par4ntese. lista de visitantes e m*sicos $ue estiveram nos ensaios no+abour'W grande e inclui nomes comoA C%ester :%ompson lp%onso +o%nson #at6et%en

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    ocorrerM acaba geralmente por ser absorvida pela tradio e seus canais convencionais.>sto por$ue os inconformistas vieram de um mundo art&stico foram treinados nele enum grau considervel continuam voltados para eleM. ?7ECE, '(TT p. 'W@ '(Esteno o caso de "ermeto um m*sico autodidata vindo do meio rural e sempre emc%o$ue com $ual$uer tipo de instituio como por e1emplo as gravadoras

    transnacionais e os meios de comunicao convencionais. #or isso em outro trabal%o?Costa-Lima Neto '(((@ preferi afirmar $ue "ermeto seria um m*sico popularexperimental mesmo $ue o prprio compositor no se inclua em nen%uma correntemovimento art&stico ou rtulo ! e1istenteO.

    Na realidade alm do estilo inconfund&vel da m*sica criada pelo alagoano outrasparticularidades tornavam sua casa no +abour um lugar realmente *nico para todosa$ueles m*sicos famosos ou anFnimos $ue a fre$Sentavam. De fato em torno de"ermeto se constitu&ra uma certa m&sticaM comparvel a $ue cerca determinadoscompositores eruditos. No pretendo a$ui incentivar o culto 0s e1centricidadesM doalagoano $ue ! foram ob!eto de sensacionalismo na imprensa mas somente apontar

    determinadas %abilidades musicais $ue ele possui em alto grau. Em primeiro lugar oouvido absoluto infal&vel e a rapidez com $ue "ermeto compun%a sem instrumentosutilizando apenas o ouvido interno para imaginar os sons $ue ele anotava na partitura.lm disso "ermeto um multi-instrumentista e ao mesmo tempo um improvisadorvirtuose. No L# Hermeto Pascoal ao ,i,o em Montreux ?'(T(U@ por e1emplo eledemonstra $ue em um mesmo solo podia se alternar tocando instrumentos como o

    piano eltrico teclados eletrFnicos a escaleta instrumentos de sopro e percusso 0svezes utilizando dois instrumentos simultaneamente e ainda a voz. 6auroermelinger' relata $ue outra caracter&stica incomum do alagoano era escrever a

    partitura e ! sair tocando como se con%ecesse % muito tempo a m*sica recm-criadapor ele. lm disso "ermeto compun%a nas situa/es mais improvveis como por

    e1emplo durante a transmisso televisiva de uma partida de futebol esporte $ue eleadora ou mentalmente durante uma entrevista ou finalmente logo aps o almoo. #orisso ele andava pela casa sempre com um papel de partitura ?vazio@ dobrado no bolso.

    lm de "ermeto ter feito refer4ncia a formas musicais eruditas nos t&tulos de suascomposi/es como por e1emplo na Hinfonia em $uadrin%osM e na Hu&te #i1itotin%a3

    ?ambas no gravadas comercialmente@ nas Hu&te Norte Hul Leste esteM e HuitepaulistanaM ?'(T(U@ e tambm na Hu&te 6undo ;randeM ?'()T@ as associa/es entre

    '( >n GEL" ;ilberto [email protected] e sociedade > ensaios de sociolo"ia da arte. ,io de +aneiroA+orge Va%ar '(TT p. (-W.

    O Ger NK6N 6ic%ael.'xperimental music: Ca"e and /eond. LondonA Htudio Gista '(TX.

    ' Em entrevista ! citada.

    informao de 6auro confirmada pela nota de rodap escrita por "ermeto noCalendrio do som?para os aniversariantes do dia de agosto@A 6*sica feita vendo o !ogomolenga de nossa seleo.M Ger #HCL "ermeto OOOU. Calendrio do .om. EditoraHENC p. R3. bservo $ue "ermeto parece ter a mesma capacidade $ue "eitor Gilla-Lobos?'))T-'(W(@ tin%a segundo relatos de observadores $ue atestaram $ue o compositor eruditoescrevia e compun%a m*sica sem se importar com o barul%o das crianas brincando a seuredor de gente falando etc.

    3 Ger tambm a Hinfonia do lto da ,ibeiraM e%ttpAPPwww.%ermetopascoal.com.brPor$uestraPaudio.asp

    )

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    "ermeto e a m*sica erudita incluem ainda a grande import9ncia da escrita musical noprocesso de criao interpretao e arran!o durante o per&odo de '()' a '((3. Come1ceo do percussionista #ernambuco os demais integrantes do ;rupo tiveram

    passagens pela m*sica erudita e a abandonaram para se dedicar 0 m*sica popular. #orisso esta formao tin%a caracter&sticas $ue a tornavam semel%ante a um con!unto de

    m*sica de c9mara e ao mesmo tempo a uma banda popular. "ermeto l%es ensinavaA _necessrio compor e escrever como se fosse improviso e tocar como se fosse escritoM X.Na realidade apesar de indiscutivelmente influenciado pelo a++?especialmente no $uediz respeito ao aspecto %armFnico@a improvisao praticada por "ermeto ultrapassa omodelo de algumas escolas norte-americanas de a++ modelo este baseado nosdesdobramentos meldicos ?leia-se escalas de acordeM@ das estruturas %armFnicas. #ara"ermeto a improvisao e1istencial. 6ais do $ue a capacidade de criar frases a partirde es$uemas %armFnicosx ou +a improvisao a busca permanente do inusitado

    presente tanto na improvisao propriamente dita como na composio escritaW.

    s ensaios grupais dirios de ` a R` feira das 'XAOO%s. 0s ')AOO%s. antecedidos pela

    prtica diria matinal $uando os m*sicos ensaiavam os trec%os mais dif&ceis de suaspartes individuais - alm do processo rpido de criao de "ermeto e ;rupo -possibilitaram um fato indito na m*sica instrumental brasileiraA a manuteno de umrepertrio de centenas de m*sicas $ue constantemente era acrescido de maiscomposi/es. ssim independente das m*sicas novas compostas diariamente "ermetoe ;rupo tin%am um repertrio fi1o com cartas na mangaM para os s%ows isto cercade OO m*sicas $ue eles ensaiavam sempre. ]uando c%egavam ao s%ow propriamentedito eles tocavam apenas pe$uena parte deste montante pois as m*sicas ao vivocresciam de taman%o devido 0s improvisa/es ?bem@ maiores $ue nos ensaios. #or issocada s%ow tin%a durao m&nima de duas %oras mas dependendo do local podia seestender por tr4s $uatro ou mais %oras. recorde ocorreu em #endotiba ?em Niteri P

    ,+@ durante a inaugurao de uma casa noturna especializada ema++ $uando "ermetoe ;rupo tocaram por cinco %oras e meia. ntes do final da apresentao todo o p*blico

    pagante ! %avia se retirado do local restando apenas como platiaM os sonolentosgarons da casa. +ustamente por causa deste repertrio vasto e numeroso um s%ow eratotalmente diferente do outro. :al como +ovino Hantos Neto afirmou em entrevistaA gente ensaia muito por$ue o repertrio sempre muito grande e sempre novo. Em dozeanos tocando com ele nunca fiz dois s%ows iguaisM. ?,D,>;BEH '((O p. O3@.

    fonte realmente parecia inesgotvel assim como o esforo.

    6auro ermelinger relatou $ue o trabal%o dos m*sicos era realmente e1austivo e $ue"ermeto no os poupavaA 6auro eles %o!e vo morrer %o!e eu vou c%egar l e elesvo estar estirados no c%o... Eles no vo conseguir tocar isso por$ue ac%o $ue nem eu

    X Conforme relato de +ovino Hantos Neto em entrevista concedida a mim em '((T.

    W bservo $ue determinados modelos improvisacionais de origem folclrica tambm soutilizados por "ermeto como por e1emplo a embolada g4nero potico-musical no $ual asdificuldades de dico transformam o canto em um !ogo de destreza vocal $ue desvia aateno do ouvinte do conte*do sem9ntico para o Ivalor sonoroJ das palavrasM. Ger:,GHHH Elizabet%. J avio brasileiroJA anlise de uma emboladaM. ,io de +aneiroA TLetras OO' p. ('. este respeito escutar o improviso vocal emboladoM de "ermeto em

    ,emele1oM ?'(T(U@ e escutar ainda Giva +ac8son do #andeiroM ?OOU@. Ger CH:-L>6 NE: Luiz op. cit. '((( cap&tulo >>> para uma e1plicao mais detal%ada sobre oconceito de improvisao em "ermeto #ascoal.

    (

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    vou conseguir tocar o $ue escreviM dizia "ermeto. Concordando com o relato de6auro o baterista do ;rupo 6rcio 7a%ia me relatou em entrevista $ue algumasvezes durante os ensaios matinais individuais em casa ele c%egava a ser acometido deen1a$ueca e tin%a $ue se deitar para descansar aps $uebrar a cabeaM estudando asdific&limas partes escritas por "ermeto. De fato estas m*sicas observo $ue tambm o

    norte-americano 2ran8 Vappa ?'(XO-'((3@ tin%a um repertrio musical por eledenominado $umanl impossi/le?I%umanamente imposs&velJ@ esto identificadas 0svezes pelos prprios t&tulosA Correu tanto $ue sumiuM ?'()OU@ >ntocvelM ?'()T@Dif&cil mas no imposs&velM ?no gravada@ entre outrasR. Na realidade independentedo t&tulo vrias m*sicas do alagoano t4m carter de estudoA rapuM ?'()R@ pore1emplo um estudo para sa1 bar&tono no $ual nen%um dos demais integrantes do;rupo poupado tecnicamente Hrie de rcoM ?'()@ por sua vez foi feitainicialmente para piano e apresenta um alto grau de dificuldade tcnica finalmente afai1a >rmos LatinosM ?'((@ tem uma lin%a de contrabai1o eltrico dific&lima com a$ual "ermeto presenteou o amigo e m*sico >tiber4 num momento delicado da vida docontrabai1ista.

    2*( & Tr4s personas e uma mesma casa

    lm da din9mica de trocas entre "ermeto e ;rupo os Ibiombos culturaisJ da casa de"ermeto ilustram como a biografia do m*sico alagoano est relacionada a seu sistemamusical sistema este $ue acompan%ando as tr4s etapas da tra!etria profissional dom*sico e sua cosmologia pessoal funde elementos regionais nacionais internacionais euniversais.

    2*(*# - #5 andar 6#/20-#/789

    No primeiro andar da casa encontramos o indi,2duo"ermeto compositor ligado 0sra&zes rurais folclricas nordestinas de sua inf9ncia em Lagoa da Canoa 6unic&pio derapiraca lagoas ?onde nasceu e viveu entre '(3R e '(WO@. Lagoa da Canoa forneceu

    para "ermeto as bases de seu idioma musical e1perimental pois a partir das tradi/esrurais de sua inf9ncia $ue ele e1erce a e1perimentao. L impedido de brincar sob osol com as outras crianas e seguindo a tradio nordestina dos m*sicos portadores denecessidades especiais de viso ?Cego deraldo Cego liveira Hivuca Luiz ;onzagaentre outros@ "ermeto faz da m*sica seu brin$uedo sonoro predileto se!a compondo

    musi$uin%as percutindo pedaos de ferro roubados do monturo ?li1o@ do avF ferreirose!a fazendo duos de flauta de mamona com pssaros e sapos se!a tocando a sanfonap-de-/odede oito bai1os !unto com o irmo e o pai nos forrs e festas de casamentoT.

    Desde Lagoa da Canoa "ermeto e1ercita um paradigma isto um modelo musicalfundamental $ue ele ampliar ao longo de sua carreira. Hegundo este paradigma

    precocemente e1perimental o garoto "ermeto funde de maneira improvisada os ru&dosda natureza dos animais dos ob!etos sonoros no convencionais ?como os ferros

    R Escutar tambm os finais $umanl impossi/ledas m*sicas C%orin%o para eleM ?'(TTU@ eespecialmente lu1anM ?OOU@.

    T Escutar 2orr em Hanto ndrM e 2orr 7rasilM ?'(T(U@ rrasta p alagoanoM ?'()OU@ e tocador $uer beberM ?'()R@.

    'O

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    percutidos por e1emplo@ e as melodias da fala ?por ele denominadas posteriormente dem*sica da auraM@ aos estilos musicais IconvencionaisJ e aos sons de altura definida deinstrumentos como a sanfona p-de-/ode e a flauta. presena dos pssaros do

    papagaio 2loriano e dos cac%orros pr1imos 0 piscina na casa no +abour demonstra$ue "ermeto mantin%a parte da paisagem sonora e da geografia de sua inf9ncia. #ois

    como o m*sico afirmou em entrevistaA t os $uatorze anos eu estive em Lagoa daCanoa min%a terra em contato com a natureza. :odo mundo pensa $ue a natureza apenas isso. No . Ela pode estar num carro na venida 7rasil na %ora do rus$ oudurante a tempestade. #ara mim a natureza tudo $ue voc4 v4 pela frente. _ ocotidianoM).

    #ercorrendo ainda o '\ andar da casa no +abour espao $ue corresponderia ao terreirode Candombl na casa de :ia Ciata - podemos observar uma outra caracter&sticaimportante de "ermetoA sua cosmologia ou cosmoviso pessoal relacionadas 0religiosidade e a espiritualidade do m*sico alagoano $ue certamente contribu&ram parasua imagem p*blica de /ruxo ou ma"o do som5

    s Ibiombos culturaisJ nos sero *teis mais uma vez. sala onde "ermeto compun%aera alcanada somente aps o visitante atravessar a cozin%a de Dona >lza e em seguidaum trec%o algo labir&ntico. Creio $ue esse percurso geogrfico tambm simblico.

    pernambucana Dona >lza da Hilva cu!as fei!oadas aos sbados uniam todos os%abitantes da casa - alm dos convidados e vizin%os - era a e1emplo de :ia Ciataadepta de religi/es afro-brasileiras e "uarda,a da cozin%a a entrada da casa e doscFmodos onde "ermeto compun%a e onde o ;rupo ensaiava. Como relateianteriormente era ela a primeira pessoa $ue o visitante contatava atravs do interfoneainda antes de entrar na casa.

    parentemente "ermeto e >lza partil%avam algumas crenas religiosas comuns e

    segundo informao levantada em entrevistas com os membros do ;rupo o t&tulo dam*sica 6agimani HageiM ?'()@ se refere ao nome de um?a@ Ca/oclo(a) isto umaentidade ind&gena a $uem os adeptos da Bmbanda atribuem um grau espiritual muitoelevado. Nesta m*sica o ritmo predomina. "ermeto utiliza a bateria como uminstrumento meldico construindo sete frases r&tmico-meldicas $ue dobradas pelocontrabai1o eltrico servem como base para o tema tocado pela flauta flautim ecava$uin%o e para o livre improviso das flautas de bambu flauta bai1o e ocarinas.Durante o processo de gravao o tcnico de est*dio V Luiz inventou a pedido de"ermeto palavras com sonoridade tupi ?oir4 ogorecotara tana!uraM@ en$uanto nos/re4ues instrumentais os m*sicos falavam palavras descone1as sopravam apitos egritavam. s latidos dos cac%orros .poc 7olo e #rincesa adensavam a te1tura geralen$uanto o andamento acelerava at o final &ree improvisado. 6agimani HageiMsugere uma dana tribal e tem ra&zes profundas no imaginrio de "ermeto e em suainf9ncia em Lagoa da Canoa pr1ima 0 cidade de #almeira dos ndios reduto dos&ndios 5ucuru-Cariri(.

    utras refer4ncias discogrficas musicais e bibliogrficas a!udaro a ampliar o $uadrocom mais aspectos relevantes da espiritualidade e religiosidade de "ermeto. No L#

    ) Ger ;NLGEH E EDB,D Givendo m*sicaM. ,io de +aneiroA ;e,ista #acsta"e. '(() 3(AXR-WT.

    (

    Escutar tambm Dana da selva na cidade grandeM ?'()OU@ m*sica com sonoridadebastante e1perimental e ind&genaM na $ual a voz falada combinada 0 percusso e aoimproviso de flauta de bambu.

    ''

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    #rasil ?ni,erso?'()W@ por e1emplo uma balada em compasso binrio com uma longaintroduo de piano solo intitulada 6entalizando a cruzM foi composta por "ermeto ededicada ao m*sico #aulo Cesar ilco1. "ermeto parecia convencido $ue o%omenageado recm-falecido teria sopradoM esta m*sica aos seus ouvidos comonuma psicografia3O. No L#@a/um/-/um- ?'(T(U@3' por sua vez as m*sicas Ho

    +orgeM3

    e Hanto ntFnioM33

    t4m em seus t&tulos os nomes de santos cristos e contamcom a participao dos pais de "ermetoA Gergelina Eullia de liveira e #ascoal +os daCosta. s duas fai1as remetem 0 m*sica nordestina folclrica e 0s festividades

    populares relacionadas ao calendrio catlico. Hanto ntFnioM por e1emplo inicia eacaba com a voz da me de "ermeto descrevendo o corte!o do dia deste santoacompan%ada de cantos modais religiosos nordestinos e por Vabel4 e #ernambucoimitando as vozes de crianas pedindo esmolas.

    utro e1emplo musical $ue alude ao universo religioso do sincretismo popular 6issados escravosM gravada no disco %omFnimo ?.la,es Mass'(TTU@3X. Esta m*sica possuiuma r&tmica muito variada com forte influ4ncia afro-brasileira. ps alternar

    compassos de sete e cinco pulsos 6issa dos escravosM c%ega ao cl&ma1 repetindo ummesmo ciclo de $uatorze pulsos assimetricamente divididos em grupos de 3 3 e pulsos. frase cantada C%ama Vabel4 pra poder te con%ecerM entoada%ipnoticamente num crescendo em uma mesma nota grave cont&nua como em umrecitativo ?recto tono@ de uma missa catlica medieval acompan%ada pelo naipedissonante de flautas e tendo como base os batu$ues danantes dos tambores da bateria.

    No final um duo de porcos grun%indo dialoga com o solo vocal de gargal%adas c%oro egritos de 2lora #urim superpostos a uma melodia lenta tocada na flauta transversa emun&ssono com a voz cantada aparentemente inspirada nos cantos de rezadeiras e nos

    benditos e incelenas do catolicismo popular nordestino.

    6arac-maracatu-marac!-6arM Na letra de 6estre 6arM ?'(T(U@ - m*sica ricaem recursos vocais no convencionais como sussurros c%iados glissandos ata$uesglotais tosse gritos etc. - "ermeto utiliza palavras de sonoridade afim ?alitera/es@tcnica muito comum na embolada nordestina para associar a denominao do ritmoafro-brasileiro ImaracatuJ com o instrumento ind&gena ImaracJ alm do gato-do-mato?na l&ngua ind&gena@ Imaraca!J e finalmente o nome do mestre I6arJ. Nesta m*sicaa melodia cantada por "ermeto est numa velocidade ?andamento@ lenta en$uanto ocoro e1plorando recursos vocais no convencionais est em outro andamento mais

    3O Conforme o relato de 6auro . em entrevista citada. Escutar tambm a m*sica CannonM?'(TTU@ dedicada IespiritualmenteJ ao sa1ofonista alto Cannonball dderle

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    rpido. superposio incomum dos dois andamentos em 6estre 6arM indica apresena de duas dimensessimult9neas. De fato alm da Bmbanda do espiritismo edas tradi/es musicais relacionadas ao catolicismo popular do nordeste nesta m*sica oalagoano revela outra faceta de sua espiritualidade ao cantarA h 6estre recebi suamensagem foi com muita alegria $ue musi$uei sua imagem.M ImestreJ em $uesto

    parece estar relacionado a outra figura $ue "ermeto denominou DomM3W

    e $ue em'((R o incumbiu da tarefa devocionalM de compor uma m*sica por dia durante umano inteiro %omenageando a todos os aniversariantes do planeta com um Calendrio do

    som3R. Este contm 3RR partituras incluindo os anos bisse1tos.

    Considerados em con!unto os aspectos referentes 0 religiosidade e 0 espiritualidade de"ermeto revelam sua viso cosmolgica particular cu!as ra&zes esto fincadasfortemente no sincretismo popular. m*sica um ve&culo transcendental $ue o une 0natureza e aos animais aos demais seres %umanos e aos seres das %ierar$uiasespirituais. Neste sentido para o/ruxo"ermeto a m*sica um ritual. travs do ritualmusical a e1peri4ncia espiritual e a e1peri4ncia esttica se interligam de maneira

    inseparvel. ssim subindo e descendo a escada $ue une os dois andares da casa"ermeto constri e simultaneamente participa da ordem %armoniosa do sagrado 3T $ueele oferece com devoo a todos os seres %umanos em forma de m*sica.

    Creio ainda $ue uma certa celebrao profana era parte importante do calendrio dacasa no +abourA a fei!oada de Dona >lza aos sbados $uando a fam&lia #ascoal e asfam&lias dos m*sicos alm dos agregados e convidados se reuniam para confraternizare repor as energias gastas na semana. s instrumentos ?piano &ender r$odes bateriasopros etc.@ eram transportados do \ para o '\ andar at a rea aberta onde ocorria afei!oada e ento "ermeto e os m*sicos do ;rupo se alternavam comendo bebendo etocando cercados pelos familiares e pelos convidados sempre numerosos. din%eiro

    $ue o "ermeto gan%ava com oss$oBsno 7rasil e com as turn4s internacionais era spara issoA comer bem pagar as contas e se vestir razoavelmente bem. Eles viviamapenas com o bsico. ne"cio deles era tocarM. ?E,6EL>N;E, OO)a@. fei!oada um dos s&mbolos da culinria nacional um prato ligado diretamente 0

    presena dos negros em terras brasileiras e resultado da mistura dos costumesalimentares europeus com a criatividade do escravo africano. fei!oada de Dona >lzaest relacionada simbolicamente ao duo de porcos solistas e 0 Iliturgia pagJ da m*sica6issa dos escravosM ?'(TTU@ ! mencionada3). De fato m*sica e culinria so duasreas interligadas no imaginrio e na m*sica de "ermeto #ascoal como a suadeclarao a seguir revelaA Eu fao uma panelada essa m*sica $ue eu c%amouniversal. ?...@. _ o mundo misturado mas o 7rasil $ue predomina. Ningum come no

    mundo como se come no 7rasil com as misturas $ue t4m no 7rasilM. ?2,N OOXp. '3@.

    3W Hegundo 6auro . em entrevista citada.

    3R Ger #HCL "ermeto OOO op. cit. p. 'R-(. Escutar I>tiber4 r$uestra 2am&liaJ OOW.CD duplo Calendrio do .om5;ravadora 6aritaca.

    3T Hobre a relao entre ritual e1peri4ncia e m*sica ver ,E>LK Huzel na.

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    2*(*( - (5 andar 6#/78 a #/89

    Continuando o percurso e adentrando ao segundo andar da casa no +abour temos"ermeto em sociedade o arran!ador e intrprete em contato com o ;rupo e com am*sica popular urbana e internacional de sua adolesc4ncia e !uventude nas ,dios e

    boates de ,ecife Caruaru ,io de +aneiro e Ho #aulo cidades onde viveu de '(WO a'(TO.

    ps Lagoa da Canoa em '(WO a fam&lia #ascoal se mudou para ,ecife ?#E@. Com seuirmo +os Neto "ermeto tocou em uma Estao de ,dio local a ,dio :amandar edepois na ,dio +ornal do Comrcio. Durante cerca de 'W anos "ermeto aprendeuautodidaticamente a ler e escrever m*sica a tocar a sanfona de 3 e )O bai1os alm do

    piano flauta sa1ofone bai1o violo percusso e outros instrumentos.

    Ele comeou sua carreira profissional como m*sico prtico tocando c%oro frevo baioe seresta nos grupos regionais das esta/es de ,dio. :ocou ainda em con!untos de baileou em ni"$t-clu/sde ,ecife ,io de +aneiro ?'(W)@ e Ho #aulo ?'(R'@ e em trios e$uartetos dea++ ?.am/rasa0rioe.omDuatro@.

    percepo ampliada a prtica instrumental intensa de um repertrio variado e aobservao do trabal%o das cantoras e cantores instrumentistas arran!adores e regentesdas ,dios como Clvis #ereira dos Hantos ?'(3@ Csar ;uerra #ei1e ?'('X-'((3@ e,adams ;natalli ?'(OR-'())@3( permitiram a "ermeto aprender gradativamente aarte da instrumentao e arran!o. s 2estivais da cano nos $uais ele participou comoinstrumentista e arran!ador entre '(RT e '(TO consolidaram sua leitura e escritamusical ao mesmo tempo em $ue o desenvolveram como arran!ador.

    Em '(RR "ermeto entra no 0rio Eo,o o $ual com a entrada do m*sico alagoano

    passa a se c%amar Duarteto Eo,oXO

    . Este grupo representou o meio do camin%o nacarreira de "ermeto marcando a transio entre o instrumentista contratado pelas,dios e boates noturnas para o arran!ador e compositor con%ecido internacionalmente.lm de "ermeto #ascoal ?flauta piano e violo@ o Duarteto Eo,oinclu&a os m*sicos"eraldo do 6onte ?Y'(3W[ viola caipira e guitarra eltrica@ :%eo de 7arros ?violo e

    bai1o@ e irto 6oreira ?Y'(X'[ bateria e percusso@.

    ps ter gravado um disco antolgico em '(RT pela gravadora deon o grupo sedissolveu em '(R(. "ermeto contou-me em entrevista $ue um dos motivos $ue apressoua curta carreira do Duarteto Eo,o fora a proposta nacionalista de ;eraldo GandrA]uando eu dava um acorde bem moderno as pessoas falavam criticandoA acorde de

    a++ no pode. 6as no era acorde dea++ era min%a cabea $ue estava $uerendo. m*sica do mundo. ]uerer $ue a m*sica do 7rasil se!a s do 7rasil como ensacar ovento e ningum consegue ensacar o somMX'.

    3( "ermeto dedicou a ele a m*sica 6estre ,adamsM ?'()X@. lm do arran!o variado e ricodesta m*sica escutar especialmente a diviso r&tmica dific&lima da bateria tocada por6rcio 7a%ia.

    XO gradeo ao "entlemanpes$uisador da m*sica brasileira #rof. Dr. Hean Htroud por ter mepresenteado com cpias de discos raros de "ermeto anteriores ao Duarteto Eo,o5 bservo$ue estes discos foram encontrados em lo!as de Londres >nglaterra ?@. No de %o!e $ue

    alguns estrangeiros parecem valorizar a m*sica brasileira mais do $ue muitos brasileiros...X' Em entrevista concedida a mim em maro de '(((.

    'X

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    >nspirado no modernismo nacionalista de 6rio de ndrade ?')(3-'(XW@ ;eraldoGandr ?'(3W@ propun%a a criao de uma m*sica brasileira aut4nticaM puraM

    baseada no folclore rural e evitando $ual$uer forma de influ4ncia e1terna. Na$uelesanos de ditadura militar tudo $ue servisse como &cone da cultura do colonizador comooa++ as guitarras eltricas o rocFn roll o i-i-ida +ovem ;uarda e o tropicalismo

    podia ser furiosamente bombardeado pelos intelectuais estudantes e artistas da es$uerdaurbana da $ual Gandr era um militante ardorosoXcomo suas can/es de barricadaMdemonstravam ?N#L>:N OOT p. 'W@. Contudo para "ermeto $ue cresceu nomeio rural a cultura folclrica no carregava as mesmas associa/es autenticamentenacionalistasM $ue tin%a para Gandr. He para os artistas da classe mdia urbana a

    procura pelo nacionalM significava a descoberta e preservao da cultura ruraldistanteM para "ermeto no entanto tal pro!eto significava confinamento e repetioA am*sica folclrica no era algo $ue necessitava ser descoberto reinventado ou produzidoartificialmente.

    6as "ermeto no re!eitou apenas o purismoM nacionalista de Gandr. Ele recusou

    ainda o outro camin%o alternativo $ue ocorria na poca dos 2estivais da cano a0ropiclia liderada por Caetano Geloso ?'(X@ e ;ilberto ;il ?'(X@. s tropicalistasinvocavam o canibalismo antropofgico de swald de ndrade ?')(O-'(WX@ fundindom*sicas disseminadas pelo rdio televiso e cinema com samba rumba baio pontosde macumba bolero e rocX3 e acrescentavam ainda informa/es musicais davanguarda musical erudita e dos poetas concretos paulistas. Em '(RT o Duarteto Eo,ofoi convidado por ;ilberto ;il para acompan%ar o cantor na cano Domingo no

    par$ueM $ue concorria no 2estival da cano da :G ,ecordXX. >nspirado no modelorecente do lbum dos 7eatles ."t PepperFs onel Hearts Clu/ #and ?E6> '(RT@ ;il

    pretendia combinar o ritmo bsico da cano um afo1 de capoeira com o somnordestino do Duarteto alm de uma or$uestra e uma guitarra eltrica. pro!eto foi

    veementemente re!eitado pelo Duarteto demonstrando o desdm do grupo pelo i-i-ie pelo roc. s ob!e/es de "ermeto 0 0ropiclia contudo se deviam mais a algumascaracter&sticas do movimento tais como a celebrao carnavalizada da modernidade eda m*sica popular comercial do $ue o uso de elementos musicais estrangeiros.

    Nem modernismo nacionalista nem cosmopolitismo antropofgico. conflito de"ermeto com a intelli"entsiaurbana representada por ;eraldo Gandr de um lado ecom a vanguarda da m*sica popular representada por ;ilberto ;il de outro marcaramo camin%o pessoal $ue "ermeto escol%eria em seguida.

    2*(*2 - espao e!terno casa 6#/8-#//9

    Em '(TO "ermeto via!a aos EB levado pelo casal irto e 2lora #urim ?'(X@ paraarran!ar as m*sicas dos discosA Eatural 6eelin"s e .eeds on t$e "round ?7udda%,ecords '(TOU e '(T'U@. Neste *ltimo disco "ermeto grava e arran!a uma m*sica

    X Ger CLD Carlos. 0ropiclia: a $istria de uma re,olu!o musical. Ho #auloA Edit.3X '((T p. 'OR-'3 e ainda N#L>:N 6arcos op. cit OOT p.''X-(.

    X3 Ger 2G,E:: Celso. 0ropiclia ale"oria ale"ria. Ho #auloA teli4 Editorial '((Rp. 'OR.

    XX Ger CLD Carlos. a++ como espetculo. Ho #auloA Editora #erspectiva '((O p.''-.

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    criada por seus pais apro1imadamente em '(X' em lagoas en$uanto trabal%avam nalavoura. e1perimental ;al%o da roseiraM ?parte > e >>@ foi considerada uma dasmel%ores m*sicas do ano pela cr&tica inglesaXW.

    Na verdade a viagem fez com $ue "ermeto literalmente sa&sse de casa ao ultrapassaras fronteiras intercontinentais atravessando os limites musicais do folclore nordestino?'\ andar@ e da m*sica popular urbana ?\ andar@. De fato a viagem representou umimportante turnin" point para "ermeto pois nos EB o alagoano alcanourecon%ecimento internacional como arran!ador ao escrever para or$uestras e /i" /andsem seu primeiro disco autoral em '(T'U ?Hermeto Pasc$oal: #ra+ilian ad,enture@ econ%eceu importantes !azzistas ?,on Carter 6iles Davis C%ic8 Corea "erbie"ancoc8 atiber4 Vwarg +ovino Hantos #ernambuco Vabel4 e Nivaldo rnellas.

    X) No disco "ermeto fala para a platia ao vivo $ue fez a m*sica 6ontreu1M da sua maneira

    %abitualM isto utilizando somente o ouvido interno sem a a!uda de nen%um instrumento.lgum na platia deve ter duvidado ao $ue o alagoano retrucouA No cascata no srioM. Conferir escutando o disco.

    'R

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    da Ir$uestra >tiber4 2am&liaJ con!unto e1celente liderado pelo contrabai1istaarran!ador ecompositor >tiber4 VwargX(.

    "ermeto continuou desenvolvendo e ampliando o mesmo paradigma sonoro-musical desua inf9ncia em Lagoa da Canoa ao combinar os instrumentos $ue aprendeu a tocar e afundir os estilos musicais $ue con%eceu ao longo da carreira. ssim em seu sistemamusical um coco um frevo um maracatu um baio podem ser vertiginosamentemisturados com o c%oro o samba oa++ o&ree a++ou com a m*sica erudita da mesmamaneira $ue um ru&do pode ser utilizado como uma nota de altura definida ou vice-versa.

    travessando simbolicamente os Ibiombos culturaisJ de sua casa o m*sico alagoanoultrapassou as barreiras entre o modalismo nordestino o tonalismo da m*sica popular e

    por fim o atonalismo o ruidismo e o e1perimentalismo contempor9neos. Destamaneira criou um sistema musical original *nico no mundo $ue problematiza assepara/es entre o popular e o erudito e tambm entre o plo nacional-cosmopolita

    pois "ermeto funde elementos musicais regionais nacionais internacionais euniversais para criar uma m*sica desterritorializada $ue se recusa a negar suas ra&zesM.?,E>LK OOO p. O)@.

    ; & NN "ermano mistrio do sam/a '((W. HND,N> Carlos 6eitio decente OO'. NBNEH HantuzaCambraia. ,iol!o a+ul '((). Ger bibliografia.

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    s m*sicos Yinstrumentais[ $ue no t4m personalidade $ue infelizmente so amaioria fazem tudo $ue os cantores $uerem. ]uem tem personalidade tem $uec%egar e dizerA Gou te acompan%ar mas eu $uero solar ?...@.:emos piano bai1o ebateria e a gente s acompan%a voc4 se tiver dois solos no m&nimo em cadas%ow. ?2,N OOX p. '@.

    Neste sentido a casa de "ermeto a e1emplo da de :ia Ciata foi um reduto de m*sicose um s&mbolo de resist4ncia da m*sica instrumental popular na dcada de '()O e in&ciode '((O na $ual prevaleciam a 6#7 o#;oc o sertane!o e a disco musicestrangeiraentre outros g4neros. sua maneira "ermeto se filia 0 tradio do c%oro e da m*sicainstrumental popular em geral ?incluindo o frevo e as bandas de coreto militaressinfFnicas de p&fanos etc.@W' tradio esta $ue tem em #i1inguin%a uma refer4nciaindiscut&vel e a casa de :ia Ciata um locus simblico vital. lm de partil%ar com#i1inguin%a o gosto peloa++e pelas /i"-/andsW?vide s ito 7atutas@ "ermeto temvrios c%oros em seu repertrioW3 dedicou composi/es a c%or/es importantesWXe no '\L# autoral de "ermeto no 7rasil intituladoA A msica li,re de Hermeto Pascoal

    ?'(T3U@ o alagoano fez um arran!o para or$uestra a partir da cano Carin%osoM?#i1inguin%aP+oo de 7arro@ considerada por alguns m*sicos como o verdadeiro "inoNacional 7rasileiro. E1ageros 0 parte "ermeto e ;rupo assim como os sambistas ec%or/es ?e a++istas norte-americanos de EeB rleans@ do in&cio do sculo passadoforam pioneiros na maneira como reelaboraram elementos musicais rurais urbanos einternacionais para inventar novos g4neros musicais. Estes m*sicos resistiram eutilizaram a m*sica cada $ual a sua maneira para se afirmar no mosaico cultural

    brasileiro e internacional.

    Contudo se % semel%anas entre "ermeto e os c%or/es do in&cio do sculo 55tambm e1istem diferenas $ue devem ser apontadas. Em entrevista recente "ermeto

    afirmouA:em muita gente de ') anos tocando coisas vel%as e $uadradas. Esse pessoal $uetoca c%orin%o m*sicas regionais 6#7 comea a tocar $ue nem vel%o com carade vel%o. ]uem nasce %o!e precisa ser bem informado. cara nasce e escuta#i1inguin%a. m*sica bonita e tem a$uela vestimenta $uadrada de acordes. He ocara nasce %o!e e no falarem para ele $ue isso m*sica antiga a mesma coisa$ue ele ver um prdio antigo sem saber $ue antigo. No $ue o vel%o se!a ruim.6as o novo tem nascido to vel%o. ?KD OOR@WW.

    W' Escutar por e1emplo 2revoM ?'(T'U@ 2revo em 6aceiM ?'()X@ 7riguin%a de m*sicosmalucos no coretoM ?'()@ e #ar$uin%o do #assado #resente e 2uturo dedicado 0scrianas e aos par$uesM ?OOU@.

    W Escutar as grava/es de composi/es de "ermeto para /i"-/and emA%ttpAPPwww.%ermetopascoal.com.brPbigbandPaudio.asp

    W3 Escutar por e1emplo C%orin%o para eleM ?'(TTU@ C%orin%o 6ECM ?'(((U@ e C%ororabeM ?Z@ ?dispon&vel emA %ttpAPPwww.%ermetopascoal.com.brPbigbandPaudio.asp@.

    WX Escutar por e1emplo Halve Copin%aM ?'()W@ alm de 6estre ,adamsM ?'()X@.

    WW Ger %ttpAPPwww.or8ut.comPComm6sgs.asp1Zcmmj'O()OktidjX)(W'OO)3)'WX3X(k8wjentrevista

    ')

    http://www.ork/http://www.ork/
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    s diferenas a $ue me refiro demonstram determinados contrastes entre dois conte1tos%istricos diferentesA o moderno no caso da %abitao de :ia Ciata e o contempor9neoem se tratando da casa de "ermeto no +abour. ssim diferentemente da casa de :iaCiata onde os m*sicos $ue atravessavam os Ibiombos culturaisJ eram membros damesma classe social da mesma etnia negra e participavam de g4neros musicais $ue

    apesar de suas particularidades tin%am nos ritmos sincopados do Candombl umdenominador comum na casa de "ermeto contudo ele e os m*sicos do ;rupo tin%amorigens geogrficas e sociais bem distintas e a movimentao pelos Ibiombos culturaisJverticais da casa no +abour atravessava fronteiras entre g4neros musicais bem mais%eterog4neos. De fato as prticas musicais utilizadas por "ermeto esto relacionadas aum conte1to contempor9neo $ue apresenta vrias rupturas meldicas %armFnicasr&tmicas timbr&sticas e formais em relao ao c%oro tradicional. >sso no impediucontudo $ue "ermeto compusesse c%oros inovando por e1emplo a parte %armFnicado g4nero ao introduzir acordes dissonantes e progress/es inesperadas como indica aentrevista recente citada. ssim empregando uma metfora culinria to ao gosto dom*sico alagoanoA as duas casas separadas uma da outra por um intervalo de cerca de TO

    anos tin%am na fei!oada umpratocomum contudo a receita se ?ps-@ modernizou nacasa de "ermeto no +abour e en$uanto alguns ingredientes foram retirados uns semantiveram e outros ainda foram modificados ou acrescentados.

    Como observei em artigo anterior ?Costa-Lima Neto OOO p. ''(-X@ a singularidadedo sistema musical de "ermeto reside na capacidade incomum do m*sico alagoano emcombinar o IconvencionalJ com o InaturalJ isto estabelecer um dilogo entre de umlado o vocabulrio dos instrumentos e estilos musicais IconvencionaisJ tnicos ?m*sicaind&gena e afro-brasileira@ regionais ?m*sica folclrica nordestina@ nacionais ?m*sica

    popular urbanaA c%oro frevo bandas etc.@ e internacionais ?a++ m*sica erudita@ e deoutro lado as sonoridades atonais e inarmFnicas universaisM encontradas na InaturezaJ

    ?sons de animais da fala %umana@ e nos ob!etos sonoros no convencionais cotidianos?pedaos de ferro panelas tamancos frascos de %igiene bucal etc.@. natureza ocotidianoM afirma "ermetoWR. Esta a meu ver a c%ave para compreender o sistemamusical singular do alagoano. o combinar o IconvencionalJ com o InaturalJ ocompositor cria uma terceirasu/st7ncia $ue ! no mais nem natureza nem cotidianomas a fuso musical dos dois.

    Do c%oro aoa++ da m*sica erudita ao coco nordestino. receita singular da fei!oadamusicalM contempor9nea de "ermeto no parece ter combinado bem com as propostasmodernistas de 6rio de ndrade ?')(3-'(XW@ e swald de ndrade ?')(O-'(WX@ talcomo estas propostas foram reinterpretadas por determinados m*sicos populares

    durante a segunda metade do sculo 55. Como ! mencionei as idias modernistas de6rio e swald influenciaram respectivamente o pro!eto nacionalista de ;eraldoGandr 0 poca do Duarteto Eo,o -durante os 2estivais da Cano das dcadas de'(ROPTO e a esttica tropicalista antropo&"ica de ;ilberto ;il e Caetano Geloso $ueserviu como inspirao por sua vez aos artistas da :N 6arcos op. cit. relativiza a influ4ncia de swald de ndrade nostropicalistas e observa $ue apesar das diferenas % pontos em comum entre osnacionalistase os ,an"uardistas.

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    inovao na m*sica popular no 7rasilW). De fato "ermeto moderno sem sermodernista nacional sem ser nacionalistae pratica a sua maneira a antropofagiaMsem nunca ter sido tropicalista e nem mesmo ter lido oMani&esto Antropo&"ico?'()@de swald de ndrade.

    _ necessrio $ue a especificidade de "ermeto #ascoal se!a corretamente compreendidapara $ue as associa/es no ofus$uem as caracter&sticas intr&nsecas ao prprio "ermetomas revelem atravs da comparao o $ue estas caracter&sticas possuem de particular.s diferenas entre "ermeto e os artistas e movimentos acima citados no foramsomente musicais. #ois en$uanto no 6odernismo os artistas oriundos das elites e da

    burguesia procuravam estabelecer um novo modo de relacionamento com as culturas dopovoM ?:,GHHH OOO p. O)@ "ermeto por sua vez fez o percurso inverso isto partiu do '\ andar de bai1oM das classes economicamente menos favorecidas daregio nordestina para ento ultrapassar algumas barreiras geogrficas e de classe aomigrar para as grandes cidades. ssim ao invs da cosmoviso racionalmenteorientada civilizada cient&fica terica e letrada dos intelectuais e artistas urbanos em

    "ermeto a 4nfase parece recair sobre o plo oposto isto sobre o sens&vel a naturezaa intuio a religiosidade ou espiritualidade a prtica e a improvisao.Hemel%antemente a #i1inguin%a $ue aprendeu os cdigos da m*sica culta tambm oautodidata "ermeto utiliza e domina a notao musical mesmo $ue esta nunca se!a o

    ponto de partida em seu processo de criao. lm disso a busca do alagoano peloinusitado alegre e no racionaliza muito o e1perimento tal como ocorre em algumascorrentes musicais de vanguarda.

    Na citao a seguir o prprio compositor esclareceA

    m*sica pelo m*sico sem e1peri4ncias nem vanguardas apenas m*sica sentidanota por nota formando arran!os nos $uais os instrumentos num s tempoconvivem e so individualmente e1plorados. Escute. ?"E,6E: '(T(@.

    Dessa maneira fundindo a tradio a modernidade e a contemporaneidade sem aderir anen%uma escola ou movimento o territrio esttico traado por "ermeto #ascoalad$uire propositadamente limites movedios. o evitar $ual$uer identificao comrtulos comerciais e movimentos art&sticos ele se emancipa profissional e esteticamente.Considerando entretanto $ue o m*sico instrumental alagoano est inserido no conte1toda ind*stria cultural contempor9nea necessrio verificar ento $uais estratgias deresist4ncia e de sobreviv4ncia ele adotou ao longo de sua carreira en$uanto tentavamanter a autenticidadede seu sistema musical singular na arena comercial.

    Este camin%o algo utpico no foi percorrido facilmente.

    6igrando de Lagoa da Canoa para as grandes cidades do 7rasil e do mundo "ermetoatravessou a era do rdio nas dcadas de '(XO-'(WO a e1panso da :G na dcada de'(RO e o seu /oom na dcada de '(TO o monoplio das grandes gravadorasmultinacionaisW( acentuado pelas maors o surgimento do CD o movimento das

    W) Conforme a observao importante do #rof. Dr. :,EECE David. %ournal o& atin Amrica.tudies no5 3I (re,ieBs). LondresA ingJs College OO3 p. OT-'3.

    W( "ermeto gravou com as seguintes gravadoras multinacionaisA E6> ?'(RTU@ #ol

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    gravadoras indiee m*sicos independentes na dcada de '((ORO at c%egar 0 era da>nternet.

    Nos anos '(XO e '(WO o rdio era o meio de comunicao de massa mais importante do7rasil e a maior parte da m*sica veiculada era tocada ao vivo pelos con!untos regionais

    bandas cantoras?es@ e or$uestras. consolidao do samba como s&mbolo musical daidentidade nacional foi poss&vel graas a din9micas e trocas culturais amplas entreagentes e formadores de opinio de setores diversos da sociedade. nacionalizao dog4nero musical est vinculada fortemente 0 %istria do rdio e 0 maneira como o Estado

    Novo ?'(3T-'(XW@ de ;et*lio Gargas utilizou este meio de comunicao para cooptaros sambistas e promover a integrao nacionalM e a democracia racialM atravs dossambas-e1altao c&vicos. Nos anos '(WO lembrados na %istria como os anosdouradosM do governo +uscelino ubitsc%e8 ?'(O-'(TR@ surge a bossa nova g4nero$ue mantm a tradicional 4nfase meldica da m*sica brasileira ao mesmo tempo em$ue influenciada pelo a++ utiliza %armonias mais dissonantes $ue as do sambatradicional. violo torna-se mais percussivo dialogando com arran!os or$uestrais

    sofisticados e um tipo de emisso vocal sussurrada e cool bem diferente dosmaneirismos oper&sticos dos cantores populares da gerao anterior. bossa nova foifruto do dese!o dos artistas de classe mdia em modernizarM artisticamente etecnologicamente a m*sica popular no 7rasil passando da fase da agricultura para afase da ind*striaMR'. Na dcada de '(WO as rdios se tornaram uma e1celente escola

    prtica para "ermeto e ao mesmo tempo uma fonte importante de sustento para om*sico adolescente recm-c%egado do campo. #assados mais de WO anos ainda %o!e"ermeto encontra nas rdios oportunidades profissionais importantes como pore1emplo ao gravar pelo selo da rdio estatal 6EC em '(((U e em OOU.

    Na dcada de '(RO $uando instaurada a ditadura militar ?'(RX-'()W@ e en$uanto o

    alagoano se desdobrava trabal%ando em boates rdios e nos con!untos instrumentais !mencionados - os programas musicais televisivos o teatro os 2estivais da Cano e aind*stria fonogrfica de ol%o nas novas demandas do mercado foram ao encontro do

    p*blico do circuito universitrio. Hurgiria assim a 6#7 $ue possibilitou aos artistas declasse mdia alta uma articulao ainda $ue provisria entre esttica ideologia emercado. Contudo a e1ploso comercial da !ovem guarda ?i-i-i@ $ue fez sucessoentre a !uventude de classe mdia bai1a e ultrapassou a vendagem da 6#7 em '(RW?com o disco %omFnimo de ,oberto Carlos@Rdese$uilibrou a balana prenunciando o

    brega a m*sica sertane!a e a m*sica rom9ntica das duas dcadas seguintes. Nestesentido a !ovem guarda foi a vanguarda da m*sica de massa no 7rasilR3. #or no aderir0 vel%a guarda do samba 0 bossa nova 0 6#7 politizada 0 vanguarda tropicalista e

    nem muito menos ao i-i-i "ermeto teve $ue buscar outros espaos comerciais para

    RO Como por e1emplo a gravadora paulista .om da Gente ! mencionada com a $ual "ermetoe ;rupo gravaram seis dos sete discos feitos no per&odo '()'-'((3 ?um dos discos no foilanado@.

    R' :om +obim citado por N#L>:N op. cit. p. R(.

    R Ger N#L>:N 6arcos op. cit. p. )T-().

    R3

    Ger BL"h 6art%a :upinamb. INova %istria vel%os sonsA Notas para ouvir e pensar am*sica brasileira popularJ. >nA Je/ates: Cadernos do pro"rama de ps-"radua!o emmsica. ,io de +aneiroA BN>,> '((T p. )T.

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    sua m*sica instrumental via!ando ao e1terior em '(TO com o casal de amigos m*sicosirto e 2lora #urim como a entrevista abai1o citada e1emplificaA

    2ui aos EB com o meu !eito de trabal%ar e a vontade de mudar o %bito $ueobrigava os brasileiros a irem l para aprender com os m*sicos norte-americanos.

    ?...@ Eu $uis mostrar outra coisa $ue no a++ nem samba nem bossa nova poistudo isso me cansa ?...@ Him eu fao m*sica e sou brasileiro. ]ue entendam como$uiserem. ?"E,6E:%a++ Ma"a+ine '()X@.

    Como ! mencionei anteriormente nos EB em '(T' "ermeto grava seu primeirodisco solo. Contudo a e1emplo do $ue ocorrera na poca dos 2estivais da Cano om*sico alagoano mais uma vez estava na contramo da ind*stria fonogrfica. De fato atra!etria de "ermeto oposta ao processo de formao e e1panso das maors isto os conglomerados de grandes gravadoras multinacionais consolidados durante asdcadas de '(TO e '((ORX. _ prova disso a recusa de "ermeto em integrar comotecladista a banda &usion de 6iles Davis na gigantesca gravadora multinacional .on

    preferindo ao invs do estrelato subalterno comear sua carreira solo comocompositor arran!ador e instrumentista numa gravadora relativamente descon%ecida?7udda% ,ecords@.

    Em contraponto 0 tra!etria profissional do m*sico instrumental alagoano o poder dasmaors influenciou toda a ind*stria cultural desde meados da dcada de '(TO c%egandoao cl&ma1 na dcada de '((O. Criou modas como a disco music e a lam/ada lanou

    produtos voltados ao mercado infantil como a apresentadora de :G modelo e cantora?Z@ 5u1a alm de estilos voltados ao p*blico !ovem de classe mdia - como o #;oceopopnos anos '()O - e finalmente g4neros de grande consumo dirigidos ao povoMcomo o a1 o pagode a m*sica sertane!a e a m*sica rom9nticaRW. s produtos

    trabal%ados em con!unto pelas maors!ornais rdios filmes de cinema ?.aturda Ei"$t6e,er am/ada@ videoclipes da 6:G ?:%rillerM de 6ic%ael +ac8son@ programas de:G ?Kou da Kuxa@ e novelas televisivas ?JancinF Jas Pantanal ;ei do "ado etc5@tin%am em comum o fato de serem dirigidos a grandes fatias do mercado. mudana deformato de L# para CD e a diversidade destes produtos no escondiam contudo suaredund9ncia musical. De fato em busca do maior p*blico consumidor poss&vel na tril%asonora do final do sculo 55 os m*ltiplos sons estilos g4neros agentes lugares eautores Ypareciam[ entoar na realidade uma *nica canoM ?D>H OOO p. 'TO@.

    Contudo o movimento das gravadoras e m*sicos independentes nos anos '()O-'((O per&odo no $ual "ermeto e ;rupo gravaram seis discos pela gravadora paulistanaindependente .om da Gente- iniciou uma mudana gradativa no cenrio dominado peloapetite insacivel da ind*stria cultural transnacional. 6uito criticadas devido ao preocaro do CD - cu!a venda rende ao artista apenas apro1imadamente '3 do valor

    RX s maors$ue detm mais de dois teros do mercado mundial de discos soA E6> deon jE6> ?'(R(@ #%onogram #olnA ,E>LK Huzel na.#ritis$ %ournal o& 't$nomusicolo"(Pi OOO. p. ''-XO.

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    unitrio do produto ?Dias OOO@ - as grandes gravadoras foram obrigadas a abai1ar seuspreos devido ao movimento das gravadoras indie mas isto no impediu $ue aps avirada do mil4nio as primeiras entrassem em vertiginosa decad4ncia en$uanto $ue a>nternet no pra de crescer interligando mais de trinta mil%/es de brasileiros e cerca deum bil%o de pessoas no mundo. Considerando os recentes sitesRR /lo"sRT e

    comunidades virtuais de aficionados por "ermeto no r8ut ?com mais de 'R.OOOparticipantes@R)o alagoano parece estar mais 0 vontade do $ue nunca. o facilitar oacesso de brasileiros e estrangeiros a diversos materiais audiovisuais e bibliogrficos a>nternet vem sendo utilizada pelos usurios como uma estratgia de resist4nciacontempor9nea possibilitando parcialmente furar o isolamento $ue as maors e am&dia em geralR(impuseram aos g4neros musicais $ue pertencem ao campo de produorestrita de menor vendagem e consumo dentre os $uais a m*sica erudita o c%oro e am*sica instrumental em geral e a m*sicade "ermeto #ascoal mais especificamente.

    compositor alagoano afirmou em entrevista recente $ue as gravadoras nuncainterferiram na escol%a do repertrio $ue seria gravado nos seus discos e $ue o

    problema na realidade estava na distribuio inade$uada e na falta de pagamento dosdireitos autoraisA

    Ys gravadoras[ ficam usando voc4 como catlogo s. & tem um 2estival de a++e eles p/em l o disco do "ermeto #ascoal. E vende vende mais do $ue todomundo. cabou a$uele 2estival eles recol%em tudo. ?...@ E no e1iste isso delespagarem o $ue deviam pagar. ?...@ De vez em $uando eles mandam ,'OOOO epronto. Gou falar uma coisa leveA isso $ue as gravadoras fazem no nada maisnada menos $ue roubo. _ roubo.. ?...@ s min%as m*sicas todo mundo podepiratear. Eu no vou nunca ser contra por$ue muito mais fcil para elas estaremno ouvido das pessoas. 6*sica independente essa $ue a gente faz. ?2,NOOX p. 'X@.

    ,ealmente por vrias vezes "ermeto recomendou aos fs $ue gravassem seus s%owsutilizando gravadores caseiros. falta de distribuio das gravadoras facilmentecomprovada por todos a$ueles $ue buscam em vo pelos discos de "ermeto #ascoalnas prateleiras das lo!as e nos sites das me"astoresbrasileiras. guisa de pes$uisadurante a redao deste artigo procurei dezesseis discos gravados por "ermeto a partirde '(T'UTO. Com e1ceo dos dois CDs lanados pelo selo da ,dio 6EC ?'(((U e

    RR GerA %ttpAPPwww.%ermetopascoal.com.br

    RT GerA%ttpAPPwww.miscelaneavanguardiosa.blogspot.com

    R) GerA %ttpAPPwww.or8ut.comPCommunit

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    OOU@ e do CD independente de OORU os demais discos de "ermeto ?onze itens@ estofora de catlogo no 7rasil e no e1terior e os dois t&tulos restantes ?'(TTU e '()T@ estodispon&veis apenas se forem importados. mercado crescente de L#s e vinis raros lucracom isso mas no espao virtual da >nternet $ue a obra do alagoano veme1perimentando um aut4ntico renascimento. lm dos onze discos de carreira dei1ados

    fora de catlogo pelas gravadoras os usurios da rede v4m disponibilizando vriasoutras grava/es e registros audiovisuais inditosT'do alagoano e dos grupos $ue oacompan%aram. Considerando o barateamento dos custos das tecnologias de gravaoreproduo e do preo dos computadores caseiros bem como o alcance mundial da>nternet e o fato de #ascoal ser um compositor possuidor de uma obra vasta - da $ualapenas uma pe$uena parte foi gravada comercialmente - acredito $ue o potencial dedivulgao de sua m*sica na >nternet se!a promissor.

    7 - Concluso - lu=ar-comum e o >no-lu=ar?

    "o!e em dia entendo $ue a m&dia no alcana o trabal%o srio. E isso no mundotodo. #or isso grandes m*sicos se desesperam. ?...@ Como se o povo no estivessegostando do $ue eles faziam. Eu penso !ustamente o contrrio. ?...@ Estou com opovo $ue me $uer. povo $ue me $uer a$uele $ue no est procurando saber o$ue vai $uerer. _ o povo $ue est $uerendo $uerer. ?"E,6E: '(()@.

    Desde as grava/es dos primeiros fonogramas no 7rasil dentre os $uais o samba #elotelefoneM ?'('R@ gestado nas rodas dos bambas da casa de :ia Ciata at os ar$uivos deudio dos bambas "ermeto #ascoal e ;rupo compartil%ados pelos usurios da >nternetos m*sicos populares v4m negociando o seu lugar na sociedade brasileira dos sculos55 e 55>. travessando os Ibiombos culturaisJ $ue ligam os cFmodos de uma casa da

    mesma maneira $ue ligam a casa 0 rua a cidade ao campo a colFnia 0 metrpole e olocal ao internacional os artistas populares efetuaram trocas entre g4neros musicais%eterog4neos criando assim novos g4neros %&bridos.

    Nesta casa urbana de !anelas abertas as m*sicas das mricas se fundiram com asm*sicas da Qfrica e da Europa garantindo misturas variadas. m*sica folclrica oc%oro o samba a m*sica sertane!a a bossa nova a !ovem guarda a 6#7 a tropicliao brega o #;oc a m*sica e1perimental popular de "ermeto #ascoal etc. constituemdiferentes e1press/es musicais de su!eitos com identidades regionais de classe e etniasdistintas. s diferenas no impedem contudo $ue os diversos moradores da casareivindi$uem sua parcela comum de /rasilidademusical.

    pesar da diversidade musical do 7rasil apenas tr4s g4nerosA samba bossa nova e6#7 so inclu&dos numa mesma lin%a formativa aceita canonicamente pelos artistas

    produtores audi4ncia e cr&tica como sendo atradio principal da m*sica popular no7rasil. tropiclia atribu&do o papel de $uebra desta tradio ao introduzir elementosmusicais do pop do roc da !ovem guarda e da m*sica erudita de vanguarda tecendouma pardia cr&tica da m*sica brasileira ItradicionalJ. Contudo 0 margem da%istoriografia oficial constru&da em torno de apenas tr4s ou $uatro g4neros musicais daregio sudeste do 7rasil e1istem vrias outras tradi/es musicais populares no pa&s ealm destas os m*sicos brasileiros $ue tocam g4neros musicais n!o-/rasileiros como

    por e1emplo o roc o metal opun o &une o $ip-$op. Na realidade a era industrial

    T' Ger a lista de endereos eletrFnicos no ane1o depois da bibliografia.

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    problematiza as categorias IpovoJ e InaoJ na medida em $ue a ind*stria promoveuma espcie de desterritorializao musical generalizada atravs da $ual as tradi/esmusicais populares nacionais so midiaizadasM isto so transplantadas e libertasdas fronteiras de tempo e espaoM pela interao com o sistema de comunicao demassaM ?disco rdio :G >nternet@. transnacionalizao moderna da poca do rdio e

    do disco tende 0 mundializao contempor9nea com a :G e a >nternet. #or isso emteoria independente das tradi/es musicais nacionais $ual$uer estilo ou g4nero podeser massificado pelos meios de comunicao atuais e se tornar m*sica popularMT.

    ssim como sua m*sica a personalidade de "ermeto #ascoal comple1a. No m*sicoalagoano o arcaico e as ra&zes da tradio rural nordestina se fundem com as linguagense costumes da modernidade e da contemporaneidadeT3. citao do in&cio destaconcluso $uando "ermeto afirma $ue no busca com sua m*sica agradar ao povodemonstra a personalidade aguerrida do compositor nordestino. Heu discurso decontestao frente 0 sociedade de consumo deve ser entendido como um gesto amplo derebeldia e insubordinao $ue ultrapassa o registro oral e abrange aspectos diversos de

    sua personalidade interligados ine1trincavelmente ao sistema musical do alagoano.ssim a personalidade a m*sica de "ermeto e o conte1to na $ual ela est inserida sotr4s espaos complementares $ue se interpenetram como IbiombosJ conceituaisentremostrando ao observador detal%es insuspeitos apenas vislumbrados ou mesmoinvis&veis at ento. Desta maneira a ar$uitetura simblica da moradia de "ermeto#ascoal sua localizao geogrfica as origens sociais dos seus moradoresfre$Sentadores e visitantes seus %bitos alimentares suas prticas religiosas ovesturio $ue utilizam bem como a m*sica $ue produzem so aspectos vitais da anliseetnomusicolgica neste artigo.

    localizao da casa no bairro %umilde do +abour no sub*rbio da cidade do ,io de

    +aneiro bem longe da Vona sul das praias e dos cart/es postais tur&sticos revelava aosvisitantes nacionais e estrangeiros da casa um outro lado do 7rasil bem diferente dooficial. >r ao +abour para assistir aos ensaios de "ermeto e ;rupo significava reentrar no7rasil pela porta dos fundos e desta maneira ter acesso a tudo 0$uilo $ue parecia estarrecalcado pelo comple1o de inferioridade tnica e cultural da sociedade brasileiraA aculinria popular os ca/oclosind&genas os escravos negros a Bmbanda o catolicismo

    popular nordestino e o espiritismo isto as coordenadas mais importantes do sistemacosmolgico sincrtico do alagoano $ue coabitam e se fundem em seu sistema musicalsingular.

    No vou fazer propaganda da fbrica desamplerM bradava "ermeto durante ums$oBno Circo Goador cariocaTXna dcada de '()O en$uanto surrava o teclado'nsoniccomseu sapato irritado pela demora do teclado em carregar os cartuc%os de timbres e de

    T Ger 6L6 rister5 LMusic on t$e Mo,e: 0raditions and Mass M2dia't$nomusicolo"v.3T no. O3 ?'((3@ citado por Bl%Fa op. cit. '((T p. )W e ainda D>H op. cit.

    T3 Escutar a m*sica Linguagens e costumesM ?'(((U@ na $ual "ermeto utiliza instrumentostradicionais como a zabumba a flauta de bambu os apitos e a voz alm de ob!etos sonorosno convencionais como os bonecos de brin$uedo para criar uma m*sica bastantee1perimental e improvisada. Escutar tambm a m*sica 6ercosomM ?'(((U@ um trocadil%ocom a palavra I6ercosulJ.

    TX

    bservo $ue o Circo Goador foi um espao importante para os artistas alternativos eindependentes apresentarem seus trabal%os durante os anos '()O no ,io de +aneiro. "ermetoe ;rupo se apresentaram in*meras vezes neste espao.

    W

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    sons de animais. De nada adiantou o produtor e faz-tudo 6auro ermelinger ficarembai1o do teclado de tr4s mil dlares apoiando-o para $ue este no ca&sse com osgolpes desferidos por "ermeto por$ue logo em seguida o alagoano deu o golpe demisericrdia entornando um copo de cerve!a no teclado $ue no agSentou a surra e o

    ban%o de c%opp e acabou fritandoM... tradio popular nordestina como uma

    atividade artesanal e autFnoma com base nas unidades familiares parece e1plicarparcialmente a desconfiana de "ermeto com a tecnologia dossamplers sintetizadorese similares bem como a rebeldia constante frente aos donos de rdio casas noturnas egravadoras. E1ercendo a e1perimentao a partir das tradi/es populares rurais donordeste e como res$u&cio da autonomia do sanfoneiro agricultor $ue no se en$uadracomo m*sico empregado "ermeto recusa ser mo-de-obra fcil para a ind*striacultural. #or isso ele no se tornou tecladista de 6iles Davis na gravadora transnacional.onTW. Da mesma forma ele retoma a tradio de fazer m*sica em fam&lia opondo aoanonimato da mo-de-obra empregada pela ind*stria a formao de uma comunidadeconstitu&da atravs dos laos de vizin%ana e parentesco com os m*sicos do ;rupo nacasa no +abour de '()' a '((3TR. ssim nasceu a 6am2lia "ermeto #ascoal

    comunidade $ue depois seria ampliada simbolicamente pelo m*sico alagoano passandoa incluir todos os seres %umanos do planeta atravs do Calendrio do som5

    visualpop outra caracter&stica da personalidade rebelde e dissonante de "ermeto$ue no deve ser menosprezada. s camisas multicoloridas os c%apus e os longoscabelos brancos do m*sico albino parecem remeter 0 contracultura e aos $ippies dosanos '(TO $uando "ermeto esteve nos EB no auge do psicodelismo do&ree a++e dam*sica e1perimental erudita. bservo $ue pouco antes de sua viagem aos EB napoca do Duarteto Eo,oe sob a patrul%a ideolgica do nacionalista ;eraldo Gandr"ermeto tra!ava terno e gravata e mantin%a o cabelo bem curto. Heu novoM visual Ianos'(TOJ somado a outros fatores incomuns - como por e1emplo a utilizao musical de

    sons de animais e de ob!etos sonoros no convencionais - contribu&ram para a formaode uma imagem p*blica e1ticaM $ue se de um lado l%e conferiu fama de outro otornou alvo permanente de cr&ticas de m*sicos ortodo1os. Entretanto para confundir ascategorias ainda mais e c%ocar os puristas eruditos e populares o mesmo m*sicoirreverente $ue fez duetos improvisados com porcos cac%orros galin%as pssaros ecigarras transita livremente entre o $uintal e a sala de concertos fundindo a emboladacom a m*sica erudita nas composi/es para or$uestras sinfFnicas /i" /ands gruposinstrumentais e con!untos de c9mara do 7rasil e do e1teriorTT.

    _ interessante observar tambm $ue a denominao Msica uni,ersal com a $ual"ermeto define seu sistema musical ironicamente o nome da maior gravadora do

    planeta a maor ?ni,ersal Music Corporation. credito $ue !amais o conceito deuniversalidadeM possuiu significados to opostos. posio de "ermeto #ascoal no

    TW Escutar a m*sica Capelin%a k Lembranas dedicada ao irmo de som 6iles DavisM?'(((U@ na $ual "ermeto se alterna tocando o naipe de&lu"$el $orne o piano ac*stico almde usar a voz cantando na panela dJgua.

    TR gradeo 0 #rof. Dra. Elizabet% :ravassos pela comunicao pessoal importanterelacionando as tradi/es rurais e o e1perimentalismo em "ermeto #ascoal.

    TT

    Ger o site oficial de "ermeto com trec%os de m*sicas compostas pelo alagoano para forma/esinstrumentais variadas alm dos v&deos postados no Nou0u/ee os ar$uivos disponibilizados no blog%ttpAPPwww.miscelaneavanguardiosa.blogspot.com. Ger a listagem de endereos eletrFnicos em ane1o.

    R

    http://www.miscelaneavanguardiosa.blogspot.com/http://www.miscelaneavanguardiosa.blogspot.com/
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    cenrio da ind*stria cultural contempor9nea ilustra de maneira dramtica a oposiodeflagrada entre de um lado arteM e $ualidadeM - categorias relacionadas ao campomusical de produo restrita onde dentre outros g4neros a Msica uni,ersal de"ermeto est inclu&da - e de outro lado din%eiroM e $uantidadeM - categoriasrelacionadas por sua vez ao campo musical da grande produo onde a maor

    ?ni,ersal Musicocupa a liderana. *ltimo disco de "ermeto com o ;rupo $ue o acompan%ou de '()' a '((3 formado

    por >tiber4 Vwarg +ovino Hantos Neto ntFnio Hantana 6rcio 7a%ia e Carlos 6alta -o CD 6esta dos deuses ?'((@ gravado naPolGram ?atualmente?ni,ersal Music@e1emplifica bem o embate entre "ermeto e as maors. Ginte anos aps ter recusado oconvite para se tornar tecladista da banda de 6iles Davis na gravadora .on doze anosaps ter encerrado seu contrato na Oarner #ros5gravando o L# Cre/ro Ma"ntico?'()O@ e depois dos seis discos gravados na independente .om da Gente"ermeto viana oportunidade de gravar pelaPolGramuma c%ance dele e dos meninos do ;rupoMobterem algum retorno depois de um longo !e!um financeiro. Em seu son%o o m*sico

    alimentava o dese!o de comprar com a receita da venda do novo CD um Fnibus-palco$ue o pudesse levar pelo 7rasil afora apresentando s$oBscom o ;rupo. Contudo oson%o mambembe de "ermeto no se concretizou nem tampouco a e1pectativa do;rupo. gravadora atrasou a entrega do CD e como conse$S4ncia a turn4 europia delanamento do disco - realizada entre setembro e novembro de '(( - ocorreu sem o

    produto estar 0 venda. Como mais uma prova de desinteresse pelo novo contratado aPolGramtambm no divulgou o s%ow oficial de lanamento do CD na Hala Cec&lia6eirelesP,+T) nem disponibilizou os CDs para serem vendidos na Hala durante oeventoT(. Esta foi a gota dJgua. Hentindo-se boicotado "ermeto no conteve a irritaodurante os$oBe logo aps rompeu o contrato com a poderosa gravadora transnacional

    PolGram. Dessa maneira alguns meses depois destes incidentes e sem perspectivas de

    sobreviv4ncia financeira esta formao do ;rupo se desfez. ps doze anos deconviv4ncia e muita m*sica a6esta dos deusesda6am2lia "ermeto #ascoal c%egara aofim.

    firmei antes $ue a tra!etria profissional do compositor alagoano na segunda metadedo sculo 55 era algo IutpicaJ. palavra IutopiaJ pode ser definida como no-lugarMou lugar $ue no e1isteM e empregada normalmente no sentido de uma busca por ummundo IidealizadoJ e IfantasiosoJ diferente do Imundo realJ. Em sua utopia "ermetorecusa o Imundo realJ profanoM e luta para manter intacta a autenticidade singular desua Msica uni,ersal sagradaM mesmo na arena comercial da ind*stria culturalcontempor9nea onde a m*sica perde sua auraM art&stica para tornar-se mercadoria.

    Disputando um espao no cenrio da m*sica instrumental popular $ue inclui ainda oc%oro o frevo e oa++ e afastado da tradio nacional-popular constru&da ao redor dosamba da bossa nova e da 6#7 bem como da vanguarda tropicalista o compositorarran!ador e multi-instrumentista e1perimental "ermeto #ascoal no ocupa um lugar-comum na m*sica popular no 7rasil. Entretanto driblando as gravadoras transnacionaise as maorsatravs de uma surpreendente estratgia de resist4ncia cultural o /ruxofoiincorporado pela ps-modernidade atravessou o ritual de renovao e reencontrou seu

    T) bservo $ue a Hala Cec&lia 6eireles um espao tradicional da m*sica erudita no ,io de+aneiro $ue eventualmente recebe artistas populares do c%oro e da m*sica instrumental."ermeto e ;rupo no se apresentavam fre$Sentemente neste espao.

    T( Hegundo o relato de "ermeto #ascoal em OXP'OP'(() e de 6auro 7rando ermelinger e+ovino Hantos Neto em fevereiro de OO). Ger bibliografiaPentrevistas.

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    p*blico num Ioutro mundoJ no espao virtual da >nternet. ]uem sabe dessa maneiraa$uele $ue considerado por muitos como o maior m*sico instrumental brasileiro vivo

    possa sentir-se finalmente em casa.

    % %r@uitetura nstrumentos convencionais

    tocados de forma noconvencional ob!etos

    r$uestra de garrafas

    afinadas no primeiro discoautoral sons de animais

    )

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    m*sica da fala ?m*sica daauraM@ ob!etos sonoros noconvencionais

    sonoros no convencionais?panelas tamancos etc@ e

    percussivos

    ob!etos sonoros m*sica daauraM

    cozin%a "uardada por

    Dona >lza e a fam&liaformada pelo casal e os seisfil%os

    6am2lia "ermeto

    #ascoal. s meninosM do;rupo e o produtor e faz-tudo 6auro 7randoermelinger

    s m*sicos estrangeiros

    com os $uais "ermetotocou ?6iles Davis@ e osvisitantes nacionais einternacionais

    DevooM ?auraM@ rena comercial mbioM ?mercadoria@

    oculto - espaosagrado catolicismo

    popular religi/es afro-brasileiras e espiritismo. ssantos cristos e os

    esp&ritos de m*sicosfalecidos as entidades daBmbanda as mensagens doDomM aMsica uni,ersal

    vis&vel o catolicismooficial a sociedade

    brasileira o sistemacapitalista as gravadorasmultinacionais

    espao profano aind*stria culturaltransnacional a ?ni,ersal

    Music Corporation

    6issa dos EscravosMU2orr alagoanoMU#apagaio alegreM >lza nafei!oadaM ula denataoM Calendrio do

    somU

    C%orin%o para eleMU7riguin%a de m*sicosmalucosM 2revo em6aceiM Carin%osoMU6estre ,adamsM

    Vuric%M 6ontreu1MUrapuM Huite 6undo;randeM Hinfonia em$uadrin%osM Hinfonia dolto da ,ibeiraM

    fei!oada de Dona >lza aos sbados reunia toda a6am2lia.

    $eAer4ncias "iblio=rBAicas

    ND,DE 6rio de.'nsaio so/re a msica /rasileira. 7elo "orizonteA Editora>tatiaia '() YOOR[ W` edio.

    ND,DE swald de. manifesto antropfago. >nA :ELEH ;ilberto 6endona.

    NL '(TR.

    ,+ #aulo Csar de.'u n!o sou cac$orro n!o. ,io de +aneiroA ,ecord OOW.

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    (

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    3'

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