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MEIO AMBIENTE: SANEAMENTO BÁSICO
Autor:Rildo Barros Ferreira
RESUMO
A EXPRESSÃO "saneamento básico" aparece descrita por duas vezes no texto constitucional brasileiro de 1988. A primeira vez é no tratamento das competências da União, quando, no inciso XX, do Artigo 21, determina que é da União a competência para "Instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos"1. Na segunda oportunidade, a expressão está inserida na seção sobre a saúde: o Artigo 200, que, ao determinar as competências do SUS, no seu inciso IV, descreve: "participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico" e no inciso VIII: "colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho". Deste modo, o constituinte colocou o "saneamento básico" como política que deve ter participação do setor saúde, devendo ainda colaborar na proteção do meio ambiente2. Ratifica-se, assim, o reconhecimento da relação saúde e ambiente e da importância da atuação de prevenção primária à saúde com políticas e ações sobre esse meio, especialmente sobre o saneamento básico. Para nortear ainda mais as ações dos SUS, no Artigo 198, estabelecem-se as diretrizes (no inciso II): "atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais."
INTRODUÇÃO
Em se tratando de saneamento básico, é preciso que se tenha em
mente a definição de saúde e alguns princípios básicos de saúde. Então , de
acordo com definição da Organização Mundial de Saúde aceita pela maioria
dos países, saúde é o completo bem estar físico, mental e social e não apenas
a ausência de doença.
Muitas e variadas podem ser as causas das doenças. Algumas
próprias do organismo, ou seja, internas por defeito na constituição ou por
razões hereditárias. Mas a maioria e as mais freqüentes são as causas
externas, são as que procedem do meio físico ou biológico.
No Brasil, acompanha-se, desde o fim da década de 1980, com o
esgotamento Plano Nacional de Saneamento (Planasa) aliada à indefinição da
2
titularidade introduzida na Constituição de 1988, uma situação preocupante em
relação ao setor com o seu agravamento na década seguinte, principalmente
em função das reduções dos investimentos públicos e do quadro externo
desfavorável, haja vista as crises econômico-financeiras em mercados
emergentes.
Dessa forma, apesar de ter sido observada elevação das áreas
cobertas pelo setor, o quadro apresentado está ainda muito distante do ideal.
Por estar estritamente ligada à questão do bem-estar social, é imprescindível a
rápida retomada dos investimentos na área. Entretanto, em resposta ao baixo
nível de recursos públicos observado no setor nos últimos anos, é necessário
que sejam verificadas formas adequadas para inserir a iniciativa privada, desde
que esta consiga estimular melhoras na eficiência produtiva e seja
acompanhada de um sistema regulatório realista.
O setor é reconhecido por apresentar características de monopólio
natural, onde apresenta elevados custos fixos e economias de escala. Por
apresentar nítidas falhas de mercado, é necessária a presença de um sistema
monitorado por um órgão regulador, sendo que este apresenta algumas formas
particulares em países desenvolvidos e em desenvolvimento. O trabalho
aborda três configurações consideradas paradigmas para o saneamento, tais
como o modelo inglês, francês e o de gestão pública e local. Ainda são
analisadas as particularidades da indústria no Brasil e as suas perspectivas.
1. MEIO AMBIENTE
Para Freitas e Freitas1 a expressão meio ambiente é criticada por
ser redundante. É que a palavra ambiente significa o que cerca ou envolve os
seres vivos ou as coisas. Logo, ela seria suficiente para a compreensão da
matéria.
1 FREITAS, Vladimir Passos de e FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra a Natureza.
Editora Revista dos Tribunais, 6ª edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo, 2001.
3
O Brasil é um dos países que utiliza as duas palavras2, dando
conceito legal à expressão “meio ambiente”. A lei 6.938/81, que trata da
política nacional do meio ambiente, no art. 3º, inc. I, dispõe: “meio ambiente
compreende o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem
física, química e biológica que permitem abrigar e reger a vida em todas as
suas formas”. Todavia, ela restringe o tema aos recursos naturais quando,
atualmente, reconhece maior amplitude ao meio ambiente.
Como se pode observar esse conceito é bastante amplo, dando
condições ao direito de atuar em qualquer seguimento do meio ambiente,
principalmente no que diz respeito a reger a vida em todas as suas formas,
observa-se que a principal função do direito é assegurar a vida e após, o
patrimônio, os bens etc. A expressão meio ambiente, ao que se sabe foi
utilizada pela primeira vez por um naturalista francês de nome Geoffroy de
Saint-Hilaire em um estudo chamado Études progressives d’ un naturaliste, em
1835, e utilizada, também, por Augusto Comte no livro Curso de Filosofia
Positiva”3.
Existem duas concepções de meio ambiente, ou melhor duas visões:
uma visão em sentido estrito, ou visão estrita do meio ambiente, é a expressão
do patrimônio natural e sua relação com os seres vivos.
Visão ampla é aquela que abrange toda a “natureza” original,
artificial e os bens culturais, como o nome já diz temos uma visão ampla que
engloba fauna, flora, solo, águas mas também as edificações e mudanças que
o homem produz na natureza.
Para Freitas4 o meio ambiente, na visão moderna, vem sendo
entendido não apenas como a natureza mas também como as modificações
que o homem nela vem introduzindo. Assim, é possível classificar o meio
ambiente em natural, que compreende a água, a flora, o ar, a fauna, a cultural,
2 Outros países da América Latina também, adotam a expressão “meio ambiente”, como
Argentina e Paraguai.
3 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 52.
4 FREITAS, Vladimir Passos de Freitas. A Constituição Federal e a efetividade das Normas
Ambientais. Tese de Doutorado, UFPR, 1998.
4
que abrange as obras de arte, imóveis históricos, museus, belas paisagens,
enfim tudo o que passa contribuir para o bem estar e a felicidade do ser
humano.
Assim, cabe ressaltar que o meio ambiente pertence a uma
categoria de bem jurídico cujo conteúdo é extremamente fluído, ou seja, cujos
membros não se ligam necessariamente por vínculo jurídico definido, e,
portanto, mais facilmente intuído do que definível, decorrência de sua riqueza e
complexidade. Desta forma, fica clara a relevância da questão ambiental e a
necessidade de ser encarada com seriedade5.
A defesa do meio ambiente, sob essa perspectiva, não é apenas
uma asséptica formalidade jurídica, mas uma proposição social de intenso
conteúdo desafiador. Assim, iniciamos nossa investigação apresentando
aspectos conceituais e históricos do Direito Ambiental.
Cabe à constituição6, como lei fundamental, traçar o conteúdo e os
limites da ordem jurídica. E por isso, direta ou indiretamente, vamos localizar
na norma constitucional os fundamentos da proteção ao meio ambiente7.
Em 1972 foi realizada na Suécia em Estocolmo a mais importante
das conferências sobre o tema meio ambiente, nesta conferência foram criados
os princípios basilares do Direito Ambiental que são seguidos por todas as
nações8, inclusive a brasileira9.
Os progressos surgidos depois desta Conferência para uma melhor
proteção do meio ambiente foram indubitáveis. Entretanto, ao terminar a
5 FREITAS, Vladimir Passos de Freitas. A Constituição Federal e a efetividade das Normas
Ambientais. Tese de Doutorado, UFPR, 1998.
6 Derivado do latim constitutio, de constituere (constituir, construir, formar, organizar), possui,
em sentido geral, a sinonímia de compleição ou de composição, o que dá a idéia de um todo formado ou construído, com os elementos fundamentais à sua finalidade. No sentido do Direito Público, tem significação mais elevada: designa o conjunto de regras e preceitos, que se dizem fundamentais, estabelecidos pela soberania de um povo, para servir de base à sua organização política e firmar os direitos e deveres de cada um de seus componentes.
7 MILARÉ, Edis. Direito do ambiente. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 207.
8 FREITAS, Gilberto Passos de. Das sanções penais na Lei n. 9.605 de 12.02.98. Enfoque
Jurídico, março/abril, 2000, p. 21.
5
década dos anos oitenta, a humanidade encontrou-se diante de uma situação
ambiental agravada, mais complexa e globalizada; as recomendações da
Declaração de Estocolmo se dispersavam e a crise ambiental do Planeta se
maximizava. Urgia a necessidade de construir uma nova ordem ecológica que
garantisse a preservação do patrimônio ambiental planetário a partir de um
objetivo difícil mas necessário: o desenvolvimento sustentável. O
desenvolvimento sustentável persegue o logro de três objetivos essenciais: um
objetivo puramente econômico, a utilização dos recursos e o crescimento
quantitativo; um objetivo social e cultural, a limitação da pobreza, a
manutenção dos diversos sistemas sociais e culturais e a equidade social e um
objetivo ecológico, a preservação dos sistemas físicos e biológicos (recursos
naturais latu sensu) que servem de suporte a vida dos seres humanos10 Neste
contexto, nasce em 1987, o Informe Brundtland (Nosso Futuro Comum),
inspirado na idéia de conciliar o desenvolvimento econômico dos povos com a
salvaguarda dos valores ambientais.
No Brasil, o Constituinte de 1988 inscreveu o ambiente como “bem
de uso comum do povo”, vale dizer, classificando-o como bem público,
conjuga-se essa norma constitucional com o artigo 99 do Código Civil (2002).
Mas o ambiente ecologicamente equilibrado é, pela nova regra constitucional,
“essencial à sadia qualidade de vida”.
Distribuídos pelo artigo 225 está toda a matéria ambiental específica,
e também estão presentes os princípios que regem o Direito Ambiental. Como
os princípios anteriormente citados; existem também neste artigo os deveres
do poder público, que são:
- Preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais
(art.225, §1º, 1, 1ª parte)
- Promoção do manejo ecológico das espécies e ecossistemas
(art.225,§1º, I, 2ª parte)
9 Na constituição de 1988 com uma maior proteção ao tema no seu artigo 225 e no artigo 5º,
LXXIII.
10 RUIZ, Juste J. Direito Internacional do Meio Ambiente. Madrid: MacGraw-Hill, 1999, p.33.
6
- Preservação da bio diversidade e controle das entidades de
pesquisa e manipulação de material genético (art.225,§1º, II)
- Definição de espaços territoriais protegidos (art.225,§1º, III)
- Realização de estudo prévio de impacto ambiental (art.225,§1º, IV)
- Controle da produção, comercialização e utilização de técnicas,
métodos e substâncias nocivas à vida, à qualidade de vida e ao meio ambiente
(art.225,§1º, V)
- Educação ambiental (art.225,§1º, VI)
- Proteção a fauna e a flora (art.225,§1º, VII).
1.1 CLASSIFICAÇÃO DO MEIO AMBIENTE
O conceito de meio ambiente é unitário, na medida que é regido por
inúmeros princípios, diretrizes e objetivos que compõem a Política Nacional do
Meio Ambiente. Entretanto, quando se fala em classificação do meio ambiente,
na verdade não se quer estabelecer divisões isolantes ou estanques do meio
ambiente. Fiorillo11 ensina que a divisão do meio ambiente em aspectos que o
compõem busca facilitar a identificação da atividade degradante e do bem
imediatamente agredido. Todavia, não se pode perder de vista que o Direito
Ambiental tem como objeto maior tutelar a vida saudável, de modo que a
classificação apenas identifica o aspecto do meio ambiente em que valores
maiores foram aviltados. Assim, encontramos pelo menos quatro significativos
aspectos: meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho, os quais, são
apresentados brevemente, para que não se fuja do tema principal.
11 FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 4 ed. São Paulo:
Saraiva, 2003, p.39.
7
1.1.1 Meio Ambiente Natural
Conforme Freitas e Freitas12 o meio ambiente natural é constituído
pelo solo, a água, o ar atmosférico, a flora, enfim, pela interação dos seres
vivos e seu meio, onde se dá a correção recíproca entre as espécies e as
relações destas com o meio ambiente físico que ocupam.
1.1.2 Meio Ambiente Artificial
Segundo Silva13, o meio ambiente artificial pode ser conceituado
como sendo aquele constituído do espaço urbano construído, consubstanciado
no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e dos equipamentos
públicos (ruas, praças, áreas livres em geral: espaço urbano aberto).
Assim, vê-se que tal "tipo" de meio ambiente está intimamente ligado
ao próprio conceito de cidade, vez que o vocábulo "urbano", do latim urbs, urbis
significa cidade e, por extensão, os habitantes da cidade.
1.1.3 Meio Ambiente Cultural
É aquele integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico,
paisagístico, turístico, que embora artificial, em regra, como obra do homem,
difere do anterior (que também é cultural) pelo sentido de valor especial que
adquiriu14 .
O conceito de meio ambiente cultural vem previsto no art. 216 da
Constituição Federal, que o delimita da seguinte forma.
12 FREITAS, Vladimir Passos de e FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra a Natureza.
Editora Revista dos Tribunais, 6ª edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo, 2001, p. 20.
13 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 128.
8
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artísticos-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagísticos, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e cientifico.
1.1.4 Meio Ambiente do Trabalho
É aquele que engloba o local onde as pessoas desempenham suas
atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na
salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a
incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independentemente da
condição que ostentem
Assim, o meio ambiente do trabalho é aquele onde se desenvolvem
as atividades do trabalho humano15. A expressão ambiente do trabalho se
refere ao local onde as pessoas exercem suas atividades laborais. O meio
ambiente do trabalho envolve as instalações físicas do local (ventilação,
iluminação natural ou artificial, ruídos, móveis, maquinário etc.) que devem
oferecer um ambiente saudável para a prestação do serviço, bem como deve
ser minimizada a possibilidade de contato com qualquer agente químico ou
biológico que traga riscos à saúde do trabalhador.
14 FREITAS, Vladimir Passos de e FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra a Natureza.
Editora Revista dos Tribunais, 6ª edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo, 2001, p. 29.
15 FREITAS, Vladimir Passos de e FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes Contra a Natureza.
Editora Revista dos Tribunais, 6ª edição revista, atualizada e ampliada, São Paulo, 2001, p. 39.
9
1.2 A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE - LEI N° 6.938 DE 31 DE AGOSTO DE 1981
A Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, é a mais importante
lei ambiental, disposta na Lei Federal n.º 6.038/81, recepcionada pelo atual
ordenamento federal, tem por principal objetivo conforme o Art. 4º - a
compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da
qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.
De acordo com Macedo16 os objetivos da política ambiental são: a
preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida,
visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento sócio-econômico,
aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade humana
(art.2º).
Nos termos da Lei n.º 6.938/81, o Sistema Nacional de Meio
Ambiente – SISNAMA constitui-se pelos órgãos e entidades da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como pelas Fundações
instituídas pelo Poder Público responsável pela proteção e melhoria da
qualidade ambiental. O Sistema Nacional de Meio Ambiente refere-se
especificamente aos órgãos do Poder Executivo na implantação da Política
Nacional do Meio Ambiente17.
1.3 SANEAMENTO BÁSICO
O primeiro momento, conforme Gazeta Mercantil18, se refere ao
início do século XIX, com a vinda da família real para o Brasil, o que favoreceu
o desenvolvimento de infraestrutura mínima. Até então, o abastecimento de
água era feito através de bicas e fontes. O destino dos resíduos era o mar,
desta forma, as praias não eram lugares apropriados para o lazer como se
conhece atualmente.
16 MACEDO, R. K. Gestão Ambiental: Os Instrumentos Básicos para a Gestão Ambiental de
Territórios e de Unidades Produtivas. Rio de Janeiro: ABES; AIDIS, 1994.
17 AMORIM. Anadil Abujara. Sanção Administrativa Ambiental. Dissertação, USP, 2002.
18 GAZETA MERCANTIL. Histórico do Saneamento Básico no Brasil. 2003.
10
Foi durante o final do século XIX, que o setor tornou-se ponto de
preocupação para as autoridades, dado que no referido período, os fluxos
migratórios do exterior aliado ao crescimento das cidades geravam maior
demanda por água. Somando-se ao exposto, a falta de esgotamento sanitário
acarretava piora na qualidade da água. As epidemias se reproduziam
anualmente e servia de pressão para que os governantes planejassem e
executassem obras de construção de reservatórios de águas para driblar as
secas19.
O avanço dos setores de infra-estrutura no país foi resultado direto
do processo de industrialização e conforme mencionado no item 3.1, o Estado
atuava concedendo os serviços à iniciativa privada, em grande parte,
estrangeira até o final da década de 1920, momento no qual o mundo
capitalista se deparou com uma grande depressão20.
A segunda fase inicia-se nos anos 1930 com a alteração do papel do
Estado brasileiro, uma vez que há o abandono da oligarquia rural e a
intensificação, a partir de 1937, da centralização do governo. Durante esse
momento, os investimentos em obras públicas foram realizados na maioria das
vezes a fundo perdido. Acompanhando o movimento de centralização política e
econômica, as empresas concessionárias foram nacionalizadas e estatizadas,
e os serviços ficaram sob controle dos municípios21.
As primeiras ações da esfera federal no saneamento se deram a
partir da edição do Código das Águas, em 1934. Conforme Sousa Júnior22,
dentre os principais objetivos do Código estavam: o uso direto para as
necessidades essenciais à vida; a necessidade de concessão e ou autorização
para a derivação das águas públicas e o conceito do poluidorpagador, isto é, a
19 GAZETA MERCANTIL. Histórico do Saneamento Básico no Brasil. 2003.
20 OGERA, Rita de Cássia. Análise de gestão local e estadual dos serviços de água e esgoto
no Estado de São Paulo. Tese (Doutorado) Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002. 200p.
21 OGERA, Rita de Cássia. Análise de gestão local e estadual dos serviços de água e esgoto
no Estado de São Paulo. Tese (Doutorado) Departamento de Saúde Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2002. 200p.
22 SOUSA JÚNIOR, W. C. Gestão das Águas no Brasil: reflexões, diagnósticos e desafios. 1ª
ed. São Paulo: Editora Petrópolis, 2004.164 p.
11
responsabilização financeira e penal para as atividades contaminadoras dos
mananciais. Na realidade o que se verificou foi a utilização do Código da Águas
para as questões relativas ao setor hidroelétrico.
Segundo Gazeta Mercantil23, a partir de um acordo entre os
governos brasileiros e norte-americanos é criado, em 1942, o Serviço Especial
de Saúde Pública (SESP). O objetivo principal do SESP era o de proteger a
população, principalmente das regiões dos rios Amazonas e Doce, que
trabalhavam em atividades relacionadas à indústria bélica. Através da troca de
conhecimentos com os norte-americanos, foram introduzidas técnicas
modernas de tratamento da água. Houve também maior conscientização
quanto aos impactos do saneamento sobre a saúde pública. Apesar de ter sido
programado para ser extinto ao fim da guerra, o programa se expandiu para
demais regiões do país, o que representou o fortalecimento do poder municipal.
Ainda conforme a mesma fonte, durante os anos 1950 e 1960, o
SESP adquire maior importância e passar a atuar como Fundação com
responsabilidades técnicas maiores, quer no que se refere construção,
financiamento e operação de sistemas de saneamento. Os recursos eram
provenientes do setor público nacional e também de organismos internacionais
tais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a organização
norte-americana de ajuda Usaid. Apesar da sua maior atuação, o poder
decisório ainda era dos municípios. Nesse mesmo período não havia uma
política nacional, regional acerca de provimento financeiro ou de políticas
tarifárias, ficando estas exclusivamente à cargo dos municípios, o que acabou
por alijar localidades de baixa renda das soluções financeiras e técnicas. Após
a implantação do regime militar, o SESP se enfraquece como resultado das
dificuldades de captação de recursos.
A terceira fase pode ser compreendida a partir da criação, em 1964,
do Banco Nacional de Habitação (BNH), e a prioridade do governo militar em
ampliar a cobertura dos serviços de saneamento básico. Em um primeiro
momento o Banco encarrega-se pela implantação de uma política de
desenvolvimento urbano, ao final da mesma década, 1967, realiza um
12
diagnóstico do setor de saneamento. Desses estudos surge o Sistema
Financeiro de Saneamento (SFS), que centralizou recursos e a coordenação
das ações do setor24.
De acordo com Gazeta Mercantil25, o SFS contava com alguns
importantes instrumentos mobilizadores de recursos, entre eles o Programa de
Financiamento para o Saneamento (Finansa), o Fundo de Financiamento para
Saneamento (Fisane) e os Fundos de Financiamento para Águas e Esgotos
(FAE). Desta forma, o SFS passou a dispor de recursos oriundos do Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), da caderneta de poupança, de
empréstimos externos e de governos estaduais.
O SFS representou o instrumento financeiro que se configuraria
mais tarde no Plano Nacional de Saneamento (Planasa). O objetivo principal do
SFS era o fortalecimento dos sistemas estaduais de saneamento. Entretanto
uma das maiores limitações ao SFS esbarrava nas na viabilidade econômico-
financeira dos sistemas, pois, somente atendia os sistemas que fossem
capazes de ressarcir os financiamentos26.
Nos anos 1970, segundo Turolla27, a dinâmica do setor passa a se
caracterizar pela forma que é conhecida atualmente. O Planasa é criado
visando o atendimento de 80% da população urbana com serviços de água e
50% com serviços de esgoto até 1980.
Motta e Moreira28 mencionam que o Planasa tinha por finalidade
incentivar a criação de empresas estaduais para o fornecimento dos serviços
de abastecimento de água e esgoto, a partir da concessão de longo prazo, 20 a
23 GAZETA MERCANTIL. Histórico do Saneamento Básico no Brasil. 2003.
24
25 GAZETA MERCANTIL. Histórico do Saneamento Básico no Brasil. 2003.
26 GAZETA MERCANTIL. Histórico do Saneamento Básico no Brasil. 2003.
27 TUROLLA, Frederico A. Política de saneamento básico: avanços recentes e opções
futuras de políticas públicas. Texto para Discussão do IPEA, n. 922, 29 p. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/>. Acesso em: 24 out. 2007. Brasília, dezembro de 2002.
28 MOTTA, Ronaldo Seroa da e MOREIRA, Ajax R.B. Eficiência e regulação no setor de
saneamento no Brasil. Texto para discussão, n. 1059, 19 p. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/>. Acesso em: 24 out. 2007. 2004.
13
25 anos, dos municípios para as referidas empresas em contrapartida essas
regiões receberiam investimentos autorizados pelo BNH. Cerca de 3200 dos
4100 municípios aderiram ao Planasa.
Conforme Turolla29, as empresas estaduais ficaram conhecidas
como Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESBs), regidas sob a
forma de Sociedade Anônima. A centralização em âmbito estadual foi
justificada pela necessidade de diminuir os custos de transação relativos ao
planejamento e também pela possibilidade de se atingir economias de escala,
particularmente nas áreas metropolitanas de acelerado crescimento.
O tratamento da água ocorre em uma estação de tratamento de
água e é caracterizado pelas seguintes fases: Aeração, onde há a remoção de
gases dissolvidos em excesso ou de substâncias voláteis, ainda nessa fase
pode ser introduzido o oxigênio (tratamento químico para controlar e adequar o
PH); Decantação, objetivando a separação de partículas sólidas suspensas na
água; Flutuação Primária e Secundária, utilizando-se para tanto de areia fina,
membranas e carbono ativado; Desinfecção, processo em que se eliminam os
agentes patogênicos e a minimização do carbonato de cálcio, quando se trata
de água marinha, utiliza-se a dessalinização.
O saneamento básico desempenha papel fundamental na redução
de doenças originadas por veiculação hídrica. As principais doenças
relacionadas à má qualidade da água, segundo o Instituto Ambiental do Paraná
(2005), são: Cólera, Febre Tifóide, Leptospirose, Giárdias, Amebíase,
Ascaridíase, Disenteria, Salmonelose e Esquistossomose.
IBGE30 menciona que nos domicílios que apresentam condições
sanitárias eficientes para o descarte de dejetos, o impacto do abastecimento de
água potável diminui consideravelmente por possibilitar a transmissão de
doenças infecciosas e parasitárias.
29 TUROLLA, Frederico A. Política de saneamento básico: avanços recentes e opções
futuras de políticas públicas. Texto para Discussão do IPEA, n. 922, 29 p. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/>. Acesso em: 24 out. 2007. Brasília, dezembro de 2002.
30 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Perfil dos
municípios brasileiros – meio ambiente 2002. Rio de Janeiro - 2005
14
A partir dos dados do Censo do ano 2000, observa-se o elevado
índice de mortalidade infantil na Região Nordeste, ficando ainda mais evidente
a relação entre este indicador e as condições inadequadas do sistema de
saneamento.
Com a introdução de novos conceitos e preocupações em relação à
degradação ambiental principalmente a partir da década de 80 no Brasil houve
um deslocamento do setor da saúde pública para o campo ambiental. Neste
sentido as áreas urbano-industriais e sua sáreas degradadas tem ocupado
alguns estudos sobre qualidade de vida, incluindo aí as condições de saúde.
Na área da saúde, a incorporação da qualidade ambiental vem
sendo tratada como parte da Promoção da Saúde e inserida no contexto das
Cidades Saudáveis31 e no sistema de Vigilância em Saúde que incorpora a
Vigilância Ambiental32.
Na área ambiental, as ações específicas no ambiente urbano para a
interrupção de transmissão de epidemias não são realizadas conjuntamente
com o setor saúde e são secundárias em relação as propostas de conservação
e preservação dos ambientes naturais33.
Os avanços do gerenciamento das cidades e dos diversos
problemas ambientais urbanos tem sido efetuados pelos governos municipais34
e com raras exceções incorporam elementos ligados às doenças humanas. As
práticas específicas para o controle da dengue e o combate ao vetor, embora
tenham sido objeto de diversas estratégias para o seu enfrentamento, não tem
conseguido êxito na atualidade haja vista a epidemias de dengue e dengue
hemorrágica em diversos municípios brasileiros.
31 FERRAZ, S. T. Cidades saudáveis. Uma urbanidade para 2000. Brasília: Paralelo 15, 1999.
32 OMS – Organização Mundial da Saúde – Joint Monitoring Programme for watter supply and
sanitation – Disponível em < http://www.wssinfo.org/en/welcome.html>. Acesso em: 24 out. 2007.
33 PIGNATTI, M. G. Saúde e Ambiente. São Paulo: Atlas, 2003.
34 FERREIRA, L C. A questão ambiental. Sustentabilidade e políticas públicas no Brasil. São
Paulo: Boitempo, 1998.
15
O setor saúde se prepara para o atendimento de casos graves da
doença estampando-se a incapacidade de conter a transmissão indo, em
época de epidemia, da culpabilização das vítimas tratando os cuidados com a
eliminação do vetor como responsabilização individual (uma vez que a maioria
dos criadouros dos vetores estão no intra e peri domicílio) à formação de
"brigadas mata mosquito" onde há mobilização tanto da sociedade civil como
do exército, além dos agentes de saúde contratados à pressa pelos governos
municipais estaduais e ou federais.
Embora haja uma comoção social em época de epidemias, nos
outros períodos do ano, o silêncio em relação ao problema se faz presente. O
objetivo deste trabalho, partindo da premissa que o controle da dengue deve
estar incluído na política de gerenciamento das questões ambientais urbanas, é
verificar os pontos de convergência entre as propostas ambientais e de saúde
no caso do controle da dengue.
Trata-se de um estudo comparativo entre as práticas sanitárias para
o controle da dengue contidas no Programa Nacional de Controle da Dengue e
as propostas de gerenciamento das questões ambientais urbanas
(principalmente saneamento) contidas na Agenda 21.
As taxas elevadas e crescentes de urbanização no Brasil nas duas
últimas décadas,com cerca de 80% dos habitantes morando nas cidades, tem
agravado os problemas urbanos ocasionando um crescimento desordenado;
ausência e carência de planejamento; demandas não atendidas por recursos e
serviços de toda ordem; obsolescência de estrutura física existente; padrões
atrasados de gestão e agressões ao meio ambiente35.
No diagnóstico das questões intra-urbanas realizado pelo Ministério
do Meio Ambiente e Consórcio Parceria 21 em relação as questões que afetam
a sustentabilidade do desenvolvimento das cidades brasileiras são apontadas:
o acesso à terra e déficit habitacional; o saneamento ambiental; transporte e
trânsito e emprego.
35 FIBGE. Indicadores de desenvolvin1ento sustentável. Estudos e Pesquisas em Geociências,
n.2. Rio de Janeiro: IBGE, 2002.
16
A saúde humana permeia quase todas as questões, destacando-se
as ligadas à falta de saneamento tais como a associação entre abastecimento
de água e mortalidade infantil; enchentes e leptospirose; resíduos sólidos e
dengue, falta de tratamento de esgoto e esquistossomose. As propostas para o
enfrentamento destas em relação aos pressupostos contidos na Agenda 21
baseiam-se no Projeto Cidades Sustentáveis, onde são definidas quatro
estratégias: aperfeiçoar a regulamentação do uso e da ocupação do solo
urbano e promover o ordenamento do território, contribuindo para a melhoria
das condições de vida da população, considerando a promoção da equidade, a
eficiência e qualidade ambiental; promover o desenvolvimento institucional e o
fortalecimento da capacidade de planejamento da cidade, incorporando no
processo a dimensão ambiental e assegurando a efetiva participação
dasociedade; promover mudanças nos padrões de produção e de consumo da
cidade, reduzindo custos e desperdícios e fomentando o desenvolvimento de
tecnologias urbanas sustentáveis; desenvolver e estimular a aplicação de
instrumentos econômicos no gerenciamento dosrecursos naturais visando a
sustentabilidade urbana36.
A formulação de uma política nacional de saúde, no Brasil, teve
início somente a partir de 1930, com alteração do próprio caráter do Estado e a
necessária ampliação de suas bases sociais.
A saúde pública no Brasil, desde 1930, apresentou um progressivo
avanço na agenda governamental, pela criação e atuação de vários órgãos,
como o Ministério da Saúde, o Serviço Especial de Saúde Pública, o
Departamento Nacional de Endemias Rurais, etc., embora o modelo sanitarista
adotado padecesse de graves problemas de diagnóstico das causas do
precário estado sanitário da população brasileira.
Por fim, a carência de recursos, decorrentes de uma estrutura
tributária insatisfatória, associada à ausência de pressões políticas para que o
Governo expandisse seus serviços explicam por que a saúde pública começou
progressivamente a se tornar insatisfatória.
36 FERRAZ, S. T. Cidades saudáveis. Uma urbanidade para 2000. Brasília: Paralelo 15, 1999.
17
A criação de uma Caixa de Fundos para os serviços de assistência e
saúde pública nos municípios foi a forma encontrada para o financiamento
dessa expansão. Cada município tinha que contribuir com 5% de toda receita
arrecadada, a partir do momento em que fossem instalados os serviços de
higiene pelo Departamento de Saúde Pública Estadual37.
Em 1953, foi criado o Ministério da Saúde. Na década de 60 a
criação do Instituto Nacional da Previdência Social (INPS), foi a forma pela qual
se deu a concentração das políticas de assistência médica previdenciária e de
previdência e assistência social.
Esta centralização, a nível federal das políticas sociais, estava de
acordo com o movimento mais geral de reestruturação administrativa por conta
das reformas institucionais decorrentes do PAEG – Plano de Ação Econômica
do Governo.
A política de saúde, a partir da criação do INPS e durante toda a
década de 70, esteve fundamentalmente baseada em programas
governamentais no campo da assistência médica previdenciária, cuja expansão
pode ser entendida como uma “ênfase médico-assistêncial privatista com
gerência estatal”. Isso significa que, no plano da prestação de serviços, optou-
se por uma política de compra de serviços ao setor privado (filantrópico e
lucrativo), que passou a experimentar um forte crescimento e desenvolvimento.
O processo decisório, por sua vez, passou a estar cada vez mais
centralizado a nível federal, particularmente na agência responsável pela
assistência médica previdenciária – INAMPS. Isso significou, na prática, o
controle financeiro por parte do Estado, mas não o controle da oferta de
serviços, que passou a estar cada vez mais associado ao setor privado. Além
disso, podem ser identificados dois grandes momentos distintos, segundo38:
37 BIO- REVISTA BRASILEIRA DE SANEAMENTO E MEIO AMBIENTE. O saneamento no
Brasil do ano 2000. Caderno especial. Ano XI n.22, abril/junho 2002.
38 MENDONÇA, Mário Jorge Cardoso de. et al. Demanda Por Saneamento no Brasil: uma
Aplicação do Modelo Logit Multinomial. in Encontro Nacional de Economia, 31, 2003.
18
- 1968 – 1973: período caracterizado pelo apogeu do perfil médico-
assistencial privatista, num contexto marcado pela estabilidade do
recrudescimento autoritário e pelo crescimento econômico a taxas elevadas.
Embora tenha havido uma razoável expansão da cobertura, a política de saúde
esteve claramente subordinada aos objetivos da política econômica e aos
interesses privatistas e burocráticos, com total exclusão das camadas
subalternas. Mendonça39 apresentam quatro características definidoras do
período:
a) Extensão da cobertura previdenciária, de forma a abranger a
quase totalidade da população urbana e boa parte da população
rural;
b) Ênfase na prática médica curativa, individual, assistencialista e
especializada, em detrimento de medidas de saúde pública de
caráter preventivo e de interesse coletivo;
c) Criação de um complexo médico industrial, impulsionado pela
intervenção estatal na área da saúde e responsável por elevadas
taxas de acumulação do capital das grandes empresas
monopolistas internacionais na área de produção de
equipamentos médicos e medicamentos;
d) Desenvolvimento de um padrão de organização da prática
médica orientado em termos de lucratividade do setor,
propiciando a capitalização da medicina e o privilegiamento do
setor privado de produção desses serviços.
- 1974 - 1978: questionamento do perfil médico-assistencial
privatista e formulação de alternativas. No entendimento, o modelo
continuou centralizado em torno do eixo previdenciário e o INAMPS
se manteve como principal órgão executor da política de saúde.
39 MENDONÇA, Mário Jorge Cardoso de. et al. Demanda Por Saneamento no Brasil: uma
Aplicação do Modelo Logit Multinomial. in Encontro Nacional de Economia, 31, 2003.
19
A seguir, discutir-se-á a reforma do sistema de saúde nos anos 80, a
qual produziu a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), garantindo, como
princípios básicos, a universalização dos serviços e a descentralização do
sistema.
Somente a partir da Constituição de 1988, a saúde passou,
oficialmente, a ser vista como direito de todos e dever do Estado, garantindo,
mediante políticas sociais e econômicas, a redução do risco de doenças e de
outros agravos, assim como o acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Com a criação do
Sistema Único de Saúde (SUS), que passou a integrar as ações e serviços
públicos de saúde de forma regionalizada e hierarquizada, a organização da
saúde passou a obedecer às seguintes diretrizes40:
- descentralização administrativa, com direção única em cada
esfera de Governo;
- atendimento integral, com prioridade para as atividades
preventivas, sem prejuízo em relação aos serviços assistenciais;
- participação da comunidade.
A Constituição estabeleceu, como pilares principais da reforma do
setor saúde, a cobertura universal e eqüidade no acesso a cuidados de
saúde e definiu o papel do Estado no artigo 196:
"Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco da doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação"
Parágrafo único - o sistema único de saúde será financiado , com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes”.
A implementação do Sistema Único de Saúde - SUS, de acordo
com essas diretrizes, deveria constituir uma rede de serviços de saúde públicos
e privados, descentralizada, regionalizada e hierarquizada. O setor privado
20
participaria do sistema de forma complementar, por intermédio de contratos ou
convênios com o setor público, com prioridade para as instituições filantrópicas
e sem fins lucrativos41.
O texto constitucional demonstra claramente que a concepção do
SUS estava baseado na formulação de um modelo de saúde voltado para as
necessidades da população, procurando resgatar o compromisso do estado
para com o bem-estar social, especialmente no que refere a saúde coletiva,
consolidando-o como um dos direitos da cidadania.
Contudo, estas medidas não foram suficientes para organizar e
manter organizado o sistema de saúde em nosso país. Atualmente, a falácia
da saúde pública no Brasil é uma realidade. A crise do sistema de saúde no
Brasil está presente no nosso dia a dia podendo ser constatada através de
fatos amplamente conhecidos e divulgados pela mídia, como :
- filas freqüentes de pacientes nos serviços de saúde;
- falta de leitos hospitalares para atender a demanda da
população;
- escassez de recursos financeiros, materiais e humanos para
manter os serviços de saúde operando com eficácia e
eficiência;
- atraso no repasse dos pagamentos do Ministério da Saúde
para os serviços conveniados;
- baixos valores pagos pelo SUS aos diversos procedimentos
médicos-hospitalares ;
- denúncias de abusos cometidos pelos planos privados e
pelos seguros de saúde .
40 SERRA, J. O futuro da saúde no Brasil. Folha de São Paulo, 23 de março de 2001.
41 SERRA, J. O futuro da saúde no Brasil. Folha de São Paulo, 23 de março de 2001.
21
A maioria dos serviços, e os de saúde em particular, têm como
peculiaridade o fato de que sua produção não pode ser dissociada do seu
consumo: o serviço de saúde só se concretiza, só existe, no momento em que
é entregue ao usuário ou cliente.
Os insumos utilizados incluem recursos humanos, materiais médicos
ou hospitalares, equipamentos e instalações e a tecnologia para operá-los; eles
têm, necessariamente, um custo, mesmo que a unidade ou instituição que os
utilize não realize nenhum desembolso direto por eles. Esse custo pode ser
ressarcido quando da entrega do serviço ao usuário (quando este paga ao
prestador pelo serviço), coberto mediante algum sistema de pré-pagamento ou
seguro (como é comum nos serviços privados puros, ou seja, aqueles não
contratados pelo SUS), ou financiado por impostos ou contribuições
arrecadados pelo poder público, como é o caso, no Brasil, da assistência à
saúde, no âmbito do SUS.
Qualquer que seja a forma de financiamento dos serviços, porém,
esse custo existe e é arcado, em última instância, pela população, seja via
pagamento direto ao prestador, prêmio de seguro ou mensalidade, ou via
impostos e contribuições. A responsabilidade do prestador de utilizar esses
recursos da melhor maneira possível e de oferecer o melhor produto pelo preço
que custa é, portanto, a mesma no setor público e no setor privado. Nos dois
casos, os recursos são escassos e deve-se fazer o melhor uso possível
deles42.
Contudo, pode-se dizer que o grande mal da saúde (pública) no
Brasil, hoje, está mais ligado a questões que passam pela política do que por
outros problemas. O desvio de verbas destinadas a saúde, a má gerência, falta
de investimentos em melhorias físicas e humanas, tem feito com que o sistema
de saúde no Brasil esteja entrando em colapso.
Em contrapartida, temos o setor privado, que não se compara ao de
primeiro mundo mas está, pelo menos, a grande distância do público, contanto
42 SILVA, P.L.B. Atenção a saúde com política governamental. Campinas: UNICAMP, IFCH,
1984. (Dissertação de Mestrado).
22
com corpo profissional especializado, motivado e equipamento de última
geração.
CONCLUSÃO
Saneamento básico é fator de proteção à qualidade de vida, sua
inexistência compromete a saúde pública, o bem estar social e degrada o meio
ambiente. Qualidade de vida e meio ambiente estão intrinsecamente
relacionados. É preciso preservar o meio ambiente fazendo-o permanecer
salutar.
A Constituição da Organização Mundial da Saúde estabelece que o
gozo do melhor estado de saúde é um direito fundamental de todos os seres
humanos, sejam quais forem suas raças, religiões, opiniões políticas,
condições econômicas e sociais, e que saúde é o estado de completo bem
estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doenças.
Vários são os fatores diretos ou indiretos, que influenciam na saúde
das pessoas, tais como iluminação e ventilação adequadas, habitação, fadiga,
alimentação, ignorância, Educação, analfabetismo, promiscuidade,
alcoolismo, drogas, etc.
Saúde Pública é a arte de promover e recuperar a saúde,
orientando não apenas a pessoa doente mais também o homem são, além de
investigar as causas que existem no meio que o rodeiam. Saúde pública é
acima de tudo uma medicina preventiva e tem como aliado principal o
saneamento básico, o qual envolve a educação sanitária.
As doenças oriundas da falta de saneamento básico são decorrentes
tanto da quantidade como da qualidade das águas de abastecimento, do
afastamento e destinação adequada dos esgotos sanitários, do afastamento e
destinação adequada dos resíduos sólidos, da ausência de uma drenagem
adequada para as água pluviais e principalmente pela falta de uma educação
sanitária.
23
A qualidade do meio ambiente se transforma num bem e num valor,
cuja preservação, proteção e defesa se torna um imperativo do Poder Público,
para assegurar a saúde e o bem-estar da pessoa humana, isto é, para
assegurar o direito fundamental à vida.
Notamos que, a preocupação ambiental no Brasil surgiu somente
nos últimos vinte anos, e por força de organismos internacionais, e que apesar
de a Constituição de 1988 ter aberto o precedente de inclusão da proteção
ambiental, foi somente a partir da Conferência Rio 92 que buscou-se uma
tutela jurisdicional mais atuante, culminando com a promulgação da Lei dos
Crimes Ambientais, a Lei 9.605/98.
A Lei dos crimes ambientais consolidou a legislação anterior que,
além de esparsa, não era sistematizada e contava com inúmeros defeitos de
técnica legislativa, o que dificultava sobremaneira a efetiva aplicação. A
imprecisão dos dispositivos, tanto do Código de Caça, quando do Código
Florestal, do Código de Pesca e da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente,
ensejavam o próprio desconhecimento da legislação pela sociedade e, não
raro, a anulação pelo Judiciário de ações desenvolvidas pela fiscalização ou
mesmo a absolvição dos acusados.
O grande mérito desta nova lei ambiental é sobretudo adequar as
sanções, tanto administrativas quanto civis e penais à nova realidade social. As
penas passaram a ter um maior equilíbrio, evitando-se os exageros e as
minimizações, que levavam à impunidade. A retribuição penal deve ser
proporcional ao dano social ocasionado pelo crime. Esse norte orientou a nova
lei, que deu, ainda, preferência às penas chamadas “alternativas”, no que
segue a atual tendência mundial.
A importância do saneamento básico e sua associação à saúde
humana remontam as mais antigas culturas. O saneamento básico
desenvolveu-se de acordo com a evolução das diversas civilizações, ora
retrocedendo com a queda das mesmas, ou renascendo com o aparecimento
de outras.
24
Para a Organização Mundial da Saúde, Saneamento é o controle de
todos os fatores do meio físico do homem que exercem ou podem exercer
efeito deletério sobre seu bem-estar físico, mental ou social.
Mais de 1,7 bilhões de habitantes da Terra não têm acesso a água
potável e 3,3 bilhões não têm serviços adequados de esgotos, embora todo ser
humano tenha direito a uma vida saudável e produtiva.
No Brasil as doenças resultantes da falta ou inadequação do
saneamento, especialmente em áreas pobres, têm agravado o quadro
epidemiológico.
Atualmente, cerca de 30 % da população brasileira não é atendida
com água potável, e 45 % não tem coleta de esgotos e 85 % não possui
tratamento de esgotos.
Investir em saneamento básico é a única forma de se reverter o
quadro existente. Dados divulgados pelo Ministério da Saúde afirmam que para
cada R$ 1,00 (um Real) investido em saneamento, economiza-se R$ 5,00
(cinco Reais) na medicina curativa.
Cabe lembrar a observação do Ministério da Saúde que 70 % dos
leitos hospitalares são ocupados por pessoas que contraíram moléstias
transmitidas pela água.
O Brasil, no estágio atual, considera o Saneamento Básico, como
parte do Saneamento do Meio que trata dos problemas que dizem respeito ao
abastecimento de água , esgotos sanitários e industriais e limpeza urbana
(lixo). Incluindo-se em alguns casos principalmente em grandes centros
urbanos a galeria de águas pluviais.
Saneamento básico é a condição mínima e essencial para o bem
estar humano, proporcionando ao indivíduo conforto mínimo e situações de
melhor produtividade.
25
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