Memorial Andrew Simek - Os Caminhos Da Ressocialização No Brasil

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    CENTRO UNIVERSITRIO

    INSTITUTO DE EDUCAO SUPERIOR DE BRASLIA IESB

    COMUNICAO SOCIAL HABILITAO: JORNALISMO

    ANDREW SIMEK

    GRANDE REPORTAGEM MULTIMDIA: OS CAMINHOS DARESSOCIALIZAO NO BRASIL

    BRASLIA DF

    2016

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    ANDREW SIMEK

    GRANDE REPORTAGEM MULTIMDIA: OS CAMINHOS DARESSOCIALIZAO NO BRASIL

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao

    curso de Comunicao Social com Habilitao em

    Jornalismo do Centro Universitrio Instituto de

    Educao Superior de Braslia, como requisito parcial

    para a obteno de grau de Bacharel em Jornalismo.

    Orientadora: Prof. Ma. Lusa Guimares Lima.

    BRASLIA DF

    2016

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    ANDREW SIMEK

    GRANDE REPORTAGEM MULTIMDIA: OS CAMINHOS DARESSOCIALIZAO NO BRASIL

    Trabalho de Concluso de Curso apresentado ao

    curso de Comunicao Social com Habilitao emJornalismo do Centro Universitrio Instituto de

    Educao Superior de Braslia, como requisito parcial

    para a obteno de grau de Bacharel em Jornalismo.

    Braslia, 21 de junho de 2016

    Banca examinadora

    ____________________________________Prof.. Ma. Lusa Guimares LimaInstituto de Educao Superior de Braslia

    ____________________________________Prof. Me. Joo Carlos Saraiva PinheiroInstituto de Educao Superior de Braslia

    ____________________________________Prof. Jos Marcelo SantosInstituto de Educao Superior de Braslia

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    AGRADECIMENTOS

    Nenhuma batalha vencida sozinha, e certamente eu no estaria aqui hoje se Deus no quisesse.

    Logo, meu primeiro agradecimento a ele.

    Agradeo a minha bisav Guiomar, o ser humano mais bondoso que j conheci, e o que mais

    amo nesse mundo e em qualquer outro que existir. Ela sempre foi minha referncia e me ensinou

    como ser forte em todas as situaes da vida, alm de me apoiar em tudo o que foi necessrio;

    ao meu pai, que sempre batalhou para me dar uma educao de qualidade, minha me, que

    sempre me ouviu e aconselhou nos momentos difceis e a minha irm, que sempre esteve ao

    meu lado independentemente de qualquer coisa.

    Ao meu namorado, Pedro Vtor, por ter me aturado neste semestre, superado minhas crises de

    estresse e me ajudado com a reviso dos textos. Voc foi fundamental, tem um talento nico e

    muito especial para mim.

    Sou muito grato, tambm, ao apoio que a chefe de redao do SBT (empresa qual fao estgio),

    Rose Anglica, me ofereceu. Receber conselhos, sugestes de pauta, de uma pessoa experientecomo ela, no tem preo. Sem contar a liberdade que ela me deu para fazer meu TCC em horrio

    de trabalho. Rose, muito obrigado. Por mais chefes como voc no mundo. E tambm a minha

    colega de trabalho Renata Giraldi, que muito me apoiou no desenvolver desse projeto.

    Agradeo aos mestres que estiveram comigo desde o incio da faculdade, e contriburam tanto

    para a minha formao profissional quanto pessoal. Vocs sero, para sempre, referncia em

    minha vida: Jos Marcelo, Saraiva, Luciane Agnez, Daniella Goulart, Leila Herdia, HosanaSeiffert, Erica Andrade, Marina Simon, entre outros.

    Por ltimo, e no menos especial, meu agradecimento querida orientadora e professora Lusa

    Guimares. Se eu pudesse descrev-la em um adjetivo, usaria sensacional. Lusa, voc foi

    essencial no meu trabalho. Muito obrigado.

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    Jornalismo publicar aquilo que algum no quer que

    se publique. Todo o resto publicidade.

    George Orwell

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    RESUMO

    A grande reportagem multimdia Os Caminhos da Ressocializao no Brasil (disponvel no

    endereo www.oscaminhosdaressocializacao.weebly.com) tem como objetivo abordar oprocesso de reintegrao de presos e ex-detentos na sociedade, por meio do estudo, trabalho e

    convvio social e mostrar como funciona, atualmente, este mtodo no Distrito Federal. Por meio

    de pesquisa bibliogrfica e entrevistas com internos, familiares de presos, psiclogos,

    advogados e outros especialistas, fizemos um levantamento para apontar quais os problemas

    que ainda deixam o Brasil com uma taxa de reincidncia preocupante, e quais os pontos

    positivos dos programas atuais. O presente trabalho tambm faz um comparativo entre o sistema

    prisional do Brasil e o do restante do mundo, onde, em alguns continentes, os caminhos sooutros e a ressocializao tem melhores resultados.

    Palavras-chave: Jornalismo literrio, ressocializao, priso, sistema prisional.

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    ABSTRACT

    A great multimedia report " The Paths of resocialization in Brazil" ( available at

    www.oscaminhosdaressocializacao.weebly.com ) aims to address the prisoners' reintegration

    process and former detainees in society , through study , work and social life and show how it

    works, currently this method in the Federal District . Through literature review and interviews

    with inmates, prisoners of family members, psychologists , lawyers and other experts , we

    conducted a survey to point out what problems still leave Brazil with a worrying recurrence rate

    , and what the positives of the current programs . This paper also makes a comparison between

    the prison system in Brazil and the rest of the world , where in some continents , the paths are

    different and resocialization have better results.

    Keywords : literary journalism , rehabilitation , prison , prison system.

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    Sumrio

    1 INTRODUO .................................................................................................................9

    1.1 OBJETIVOS .................................................................................................................11

    1.1.1 Geral ............................................................................................................................11

    1.1.2 Especficos ...................................................................................................................11

    1.2 JUSTIFICATIVA ..........................................................................................................12

    2 SISTEMA PRISIONAL NO MUNDO ...........................................................................14

    2.1 Reincidncia e medidas de ressocializao ....................................................................16

    2.1.1 Trabalho ...................................................................................................................18

    2.1.2 Educao ..................................................................................................................19

    2.2 No Brasil .........................................................................................................................21

    2.2.1 Perfil da populao carcerria .................................................................................22

    2.2.1.2 Estrutura das prises .............................................................................................25

    2.2.1.3 Educao e trabalho nos presdios ........................................................................26

    3 O TEXTO JORNALSTICO ..........................................................................................30

    3.1 Reportagem .....................................................................................................................30

    3.1.1 Entrevista .................................................................................................................32

    3.1.2 Pauta ........................................................................................................................33

    3.1.3 Apurao ..................................................................................................................35

    3.1.3.1 Fontes....................................................................................................................35

    3.1.3.2 Personagens ..........................................................................................................36

    3.1.4 Redao ...................................................................................................................37

    3.1.5 Edio ......................................................................................................................38

    3.2 Jornalismo literrio .........................................................................................................39

    3.3 Jornalismo na internet .....................................................................................................42

    4 A REPRESENTAO DA RESSOCIALIZAO DE PRESOS EM VECULOSONLINE DO DF .................................................................................................................45

    4.1 Correio Braziliense .........................................................................................................45

    4.2 Jornal de Braslia ............................................................................................................48

    5 O PRODUTO: GRANDE REPORTAGEM OS CAMINHOS DARESSOCIALIZAO .......................................................................................................53

    5.1 Pautas das reportagens para o website ............................................................................53

    5.2 Custos da produo .........................................................................................................57

    5.3 Etapas de construo da grande reportagem ...................................................................58

    6 CONSIDERAES FINAIS ..........................................................................................60

    7 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS..........................................................................61

    7.1 Sites acessados ............................................................................................................62

    8 ANEXOS ...........................................................................................................................65

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    1 INTRODUO

    O presente Trabalho de Concluso de Curso trata-se de uma grande reportagem

    multimdia sobre a ressocializao de detentos no Brasil, e mostra quais so os caminhos que

    os presidirios e ex-internos percorrem para conseguir se reinserir na sociedade. Educao,emprego, convvio com familiares e amigos e outros temas so abordados por meio de textos,

    vdeos, fotografias e podcasts e outros recursos jornalsticos no site.

    O embasamento terico, por meio do memorial descritivo, tem como objetivo a

    problematizao do tema. Com apoio em pesquisas de grandes estudiosos, como Loic Wacquant

    (2001) e Tocqueville e Beaumont (2010), por exemplo, percebemos que as altas taxas de

    encarceramento em vrios pases do mundo se devem a diminuio do Estado Social e aofortalecimento do Estado Penal, que segrega cada vez mais a populao de baixa renda e os

    penaliza pelo simples fato de existir. Com isso, temos cadeias superlotas e apenados com o

    mesmo perfil: jovens, negros e com pouco estudo.

    Estes dados alarmantes nos levam a refletir sobre o sistema carcerrio que est no pas,

    e se de fato a ressocializao acontece. Os presos conseguem emprego aps deixar a priso?

    Quantos estudam e se profissionalizam enquanto cumprem pena? Qual a taxa de reincidnciano Brasil? Todas essas questes so respondidas tambm na segunda parte do projeto, na grande

    reportagem multimdia Os Caminhos da Ressocializao no Brasil (disponvel no endereo

    www.oscaminhosdaressocializacao.weebly.com), com entrevistas de presidirios, familiares de

    detentos, associaes, psiclogos, socilogos e outros especialistas.

    No primeiro captulo do memorial, apresentamos o estudo do professor na Universidade

    de California-Berkeley e pesquisador no Centro de Sociologia Europeia do Collge de France,

    que escreveu o livro As prises da misria, Loic Wacquant. O estudioso explica como o

    modelo penal dos Estados Unidos primeiro criado no mundo - foi adotado por outros

    continentes, e o impacto negativo desse feito. Tambm mostramos as consequncias desse

    modelo para o Brasil, que tem uma das maiores populaes carcerrias do mundo, e

    contextualizamos com dados das atuais estruturas prisionais, nmeros de detentos que

    trabalham e estudam, etc.

    J no segundo captulo, falamos sobre a construo do texto jornalstico e os mtodos

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    de apurao e entrevista, bem como abordagem de fontes e personagens. Nesse tpico,

    discutimos a escolha do jornalismo literrio para construo dos textos da grande reportagem.

    Ele, diferentemente dos outros tipos textuais, alm de informar, tem maior liberdade de

    vocabulrio, estrutura narrativa e permite que o reprter se aprofunde no contedo, com um

    toque maior de humanidade, sem a exigncia de se prender ao lead. E tambm abordamos a

    plataforma online como forma de aproximao com o leitor, pela interatividade e outrascaractersticas marcantes: instantaneidade, hipertextualidade, multimediao, perenidade e

    personalizao de contedo.

    No terceiro captulo fizemos uma anlise do que foi publicado sobre ressocializao de

    detentos pelos dois maiores portais de notcias do Distrito Federal nos ltimos anos. Falta de

    aprofundamento no assunto, desvio de tema, e o baixo nmero de entrevistas com os

    reeducandos favorecem a discriminao desse grupo, e dificulta o processo de reinsero nasociedade. O resultado mostrou lacunas que tentamos suprimir em nossa reportagem.

    No quarto e ltimo captulo, temos um resumo do produto, com todas as fontes,

    personagens, dados, imagens e udios que aparecem na entrevista. Alm disso, calculamos os

    custos da produo e realizamos um relatrio de etapas de construo da grande reportagem.

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    1.1 OBJETIVOS

    1.1.1 Geral

    Reportar os processos de ressocializao de presidirios existentes no Distrito

    Federal e no Brasil, e mostrar quem so esses detentos, como vivem e quais so as

    dificuldades que enfrentam para voltar sociedade, por meio de uma grande reportagem

    multimdia.

    1.1.2 Especficos

    - Traar os diferentes modelos de ressocializao no Brasil e no mundo, de forma a

    mostrar qual o mais eficaz;

    - Identificar os problemas nos processos de reintegrao de presos no pas e contar as

    histrias de vida dos reeducandos;

    - Abrir espao para outra abordagem do assunto, que tem muita relevncia e pouca

    divulgao no Distrito Federal;

    - Auxiliar no processo de desconstruo de preconceitos da sociedade.

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    1.2 JUSTIFICATIVA

    Os altos ndices de criminalidade no Distrito Federal, aliados s propostas de

    reduo da maioridade penal em trmite no Congresso Nacional e um sistema carcerrio

    superlotado suscitaram a reflexo acerca do tema. Por que a violncia apenas cresce? O

    que o Estado e a sociedade fazem para melhorar essa realidade? Essas e outras indagaes

    conduziram escolha desse tema para desenvolver um produto, que seria fruto de uma

    pesquisa acadmica, pois necessita de uma anlise histrica e social.

    Logo de incio, notamos, na verdade, que a priso no torna a sociedade mais

    segura. Temos uma poltica falha, na qual se acredita que prender custa menos e mais

    fcil do que educar, a pesquisa mostrou que a lgica inversa. Punir necessrio, mas oque se precisa ter em mente que o preso que est l em algum momento vai sair, e pode

    deixar a cadeia com um comportamento ainda pior, se no passar por um processo de

    ressocializao.

    Segundo o levantamento mais recente da Secretaria de Segurana Pblica do

    Distrito Federal (SSP/DF), nos dois primeiros meses de 2015 foram registrados 116

    homicdios, contra 122 no mesmo perodo de 2016. J o nmero de roubo a transeuntescresceu 12%, passando de 5355 para 6016, por exemplo. S no DF, a populao carcerria

    de 14.555 detentos. Os nmeros tambm representam um claro reflexo da crise

    econmica que assola o pas, j que em virtude dela, tem-se um maior nmero de

    desempregados, e trabalho um dos poucos meios de subsistncia da humanidade. Sem

    ele, para alguns, resta apenas roubar ou morrer.

    A grande reportagem multimdia Os Caminhos da Ressocializao No Brasilvai mostrar as histrias de quem est atrs das grades ou j passou pelo sistema, e

    apresentar quais so os caminhos disponveis hoje para a ressocializao de um infrator,

    e se estes realmente funcionam. O intuito , alm de conscientizar a populao sobre um

    tema que no tem profundidade na grande mdia, auxiliar na quebra de preconceito que

    prejudica, e muito, a ressocializao dessa populao.

    A escolha por uma plataforma online justificada porque a internet alm de ser

    um meio perene, de fcil acesso e com vasta capacidade de transmisso e armazenamento

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    de dados, possibilita transmisso de informao de vrias formas para o leitor, por meio

    de textos, fotos, udios e vdeos. Todos esses formatos so encontrados na grande

    reportagem.

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    2 SISTEMA PRISIONAL NO MUNDO

    Estados Unidos, China, Rssia e Brasil so, respectivamente, os quatro pases com

    maior nmero de pessoas encarceradas no mundo, segundo o Levantamento Nacional de

    Informaes Penitencirias (Infopen), do Ministrio da Justia, apresentado em 2014.

    Somente nos Estados Unidos, mais de dois milhes de indivduos esto na cadeia, o que

    corresponde a 698 detidos para cada 100 mil habitantes. Mas, por que um nmero to

    grande?

    Loic Wacquant (2001), professor na Universidade de California-Berkeley e

    pesquisador no Centro de Sociologia Europeia do Collge de France, autor do autor do

    livro As prises da misria. Ele explica que hoje temos um cenrio como esse porque

    a maior potncia mundial, os Estados Unidos, tem a cultura de fortalecimento do Estado

    Penal, como consequncia da diminuio o Estado Social, e serve de exemplo para outros

    pases, tanto da Europa como das Amricas.

    No basta, porm, medir os custos sociais e humanos diretos do sistema desegurana social que os Estados Unidos oferecem como modelo para o mundo. preciso tambm considerar seu complemento sciolgico: o

    superdesenvolvimento das instituies que atenuam as carncias da proteosocial (safety net) implantando nas regies inferiores do espao social uma rede

    policial e penal (dragnet) de malha cada vez mais cerrada e resistente. Pois atrofia deliberada do Estado social corresponde a hipertrofial distpica do

    Estado penal: a misria e a extino de um tm como contrapartida direta enecessria a grandeza e a prosperidade insolente do outro (WACQUANT, 2001,

    p. 80).

    Ou seja, tem-se uma espcie de ditadura contra os pobres, classe social que

    carece de sade pblica, educao, oportunidades de trabalho, entre outros direitosconstitucionais, mas que goza de super vigilncia por parte da polcia, e lota as

    penitencirias de todo o mundo. Logo, o perfil dos encarcerados, em grande maioria,

    sempre o mesmo, como cita o autor: Nas prises dos Condados, seis penitencirios em

    cada 10 so negros ou latinos; menos da metade tinha um emprego em tempo integral no

    momento de ser posta atrs das grades e dois teros provinham de famlias dispondo de

    uma renda inferior metade do 'limite de pobreza' (WACQUANT, 2001, p. 83).

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    E essa realidade no muito diferente na Europa.

    Metade das pessoas encarceradas na Frana ao longo do ano de 1998 tinha umnvel de educao primria (contra 3% que tinham feito estudos universitrios)e pode-se estimar que entre um tero e metade delas no tinham emprego navspera de sua priso; alm disso, um prisioneiro entre seis se encontra semdomiclio fixo. 39 Na Inglaterra, 83% dos prisioneiros so oriundos da classeoperria, 43% abandonaram a escola antes dos 16 anos (comparados aos 16% damdia nacional); mais de um tero estavam sem trabalho no momento de suadeteno e 13%, sem teto. Os "clientes naturais" das prises europeias so,atualmente mais do que em qualquer outro perodo do sculo, as parcelas

    precarizadas da classe operria e, muito especialmente, os jovens oriundos dasfamlias populares de ascendncia africana (WACQUANT, 2001, p. 107).

    Alexis de Tocqueville e Gustave de Beaumont (2010), na publicao Sobre o

    Sistema Penitencirio dos Estados Unidos e sua Aplicao na Frana, explicam que em

    ambos os pases a produo industrial do sculo XIX agravou a oposio de camadas

    sociais e, por isso, teve-se o aumento de criminalidade. Fato observado at hoje. Chocava

    a todos a existncia de uma classe operria, onde trabalhadores muito pobres viviam na

    mais completa misria, em oposio outra, de ricos, bem-nascidos, poderosos e

    intelectualmente privilegiados (TOCQUEVILLE; BEAUMONT, 2010, p. 18). E foi

    nessa disparidade que os autores viram a causa do aumento da criminalidade.

    Durante anos, Tocqueville e Beaumont (2010) criaram relatrios sobre cadeias de

    estados norte-americanos e de pases europeus, e traaram o perfil dos detentos que nelas

    estavam. Eles chegaram concluso de a oposio entre capital e trabalho era muito

    grande, alm de que:

    Essa situao era acentuada pelas piores condies daqueles que nada possuam,nem trabalho, nem comida, o que acabava por conduzi-los priso por roubo,mau comportamento, ignorncia e vagabundagem. A origem de todos esses

    males, explicam, est entranhada na prpria sociedade, pela falta de educao,pelo abandono das crianas, dos jovens e desempregados entregues prpriasorte, tanto na cidade como no campo. Homens, mulheres e crianas queandavam pelos campos e pelas cidades mendigando, por vezes sendo ajudados

    pelas comunidades locais e religiosas e que, por muitas outras, transformavam-se em bandidos que exploravam a infncia e subjugavam os ainda maismiserveis. (TOCQUEVILLE; BEAUMONT, 2010, p. 45).

    Ento notvel que a ditadura contra os pobres, citada por Wacquant (2001),

    tomou conta de outros continentes. J em questo de penalizao, Tocqueville e

    Beaumont (2010) citam que, no modelo norte-americano, a condenao no variadacomo em outros pases:

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    No nosso caso, distinguem-se o encarceramento simples, a recluso, a detenoe os trabalhos forados; cada uma dessas penas tem traos que lhe so prprios;o encarceramento, nos Estados Unidos, tem um carter uniforme; ele difereapenas na sua durao. Ele se divide em duas classes principais; 1 o

    encarceramento de um ms a um ou dois anos, aplicado a infraes de polcia eaos delitos; 2 o encarceramento de dois a vinte anos, ou perpetuidade, o qualserve para reprimir os crimes mais graves. para os condenados includos nosegundo caso que existe nos Estados Unidos um sistema penitencirio(TOCQUEVILLE; BEAUMONT, 2010, p. 43).

    E, como reitera uma reportagem do Portal Envolverde Jornalismo e

    Sustentabilidade (2014), um informe da Unio Norte-Americana de Liberdades Civis

    (Aclu) intitulado Custa dos Estados Unidos, calcula em US$ 69 mil o custo anual de

    manter um detento em idade madura, contra US$ 34,135 mil de um com idade mdia(PORTAL ENVOLVERDE, 2014, p. 1). E o nmero de presidirios na maioridade alto.

    H cerca de 246.600 ancios em centros penitencirios estaduais e federais, eespera-se que o nmero suba para 400 mil at 2030, segundo a Unio Norte-Americana de Liberdades Civis (Aclu). Um informe da organizao HumanRights Watch, intitulado Velhos Atrs das Grades, diz que o nmero de detentosde 55 anos ou mais quase duplicou entre 1995 e 2010, o que representa aumentode 218% em apenas 15 anos (PORTAL ENVOLVERDE; 2014, p. 1).

    Ou seja, os que cometem crimes mais graves superlotam as penitencirias e

    dificultam a ressocializao dos demais detentos.

    2.1 Reincidncia e medidas de ressocializao

    Durante cinco anos, o Bir de Estatstica Judiciria do Departamento de Justiados EUA (2015) acompanhou a vida de 404.638 detentos soltos em 2005, para medir o

    nvel de reincidncia na vida criminal. O estudo foi realizado em 30 dos 50 estados

    americanos, e revelou um nmero alarmante: 77% dos ex-condenados voltaram a cometer

    atos ilegais, como crimes contra a propriedade (82,1%), crimes relacionados a drogas

    (76,9%), crimes contra a ordem pblica (73,6%), entre outros.

    Isso porque a falta de programas de reinsero na sociedade, por meio de trabalhoe estudo, a luta contra o preconceito que ex-detentos sofrem na sociedade e, antes de mais

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    nada, o fortalecimento do Estado Social so polticas pblicas pouco lembradas pelos

    gestores.

    No artigo Noruega consegue reabilitar 80% de seus criminosos, publicado por

    Joo Ozorio de Melo (2012), correspondente da revista Consultor Jurdico nos Estados

    Unidos, o autor cita a qualidade das prises da Noruega e como a infraestrutura das

    penitencirias influencia na ressocializao dos detentos. Alm disso, o jornalista ressalta

    a diferena entre os pases, j que nos Estados Unidos,

    Existem esforos para implantar e manter programas de reabilitao, mas elesconstituem exceo regra. Na Noruega, a terceira teoria a regra. Isto , areabilitao obrigatria, no uma opo. Assim, o "monstro da Noruega", como

    qualquer outro criminoso violento, poder pegar a pena mxima de 21 anos,prevista pela legislao penal norueguesa. Se nesse prazo, no se reabilitarinteiramente para o convvio social, sero aplicadas prorrogaes sucessivas da

    pena, de cinco anos, at que sua reintegrao sociedade seja inteiramentecomprovada (CONSULTOR JURDICO; 2012, p. 1).

    Para se ter uma ideia, o reprter narra que a priso de Halden, estado da Noruega,

    j ganhou prmios de 'melhor designinterior', com uma decorao que tem mesas de

    laminado branco, sofs de couro tangerina e cadeiras elegantes espalhadas pelo prdio.

    A estrutura tambm conta com chals para os detentos receberem visitas da famlia,

    parede para escalar, oficinas de trabalho para os presos, cursos de formao profissional

    e educacionais, estdio de gravao de msicas e ampla biblioteca. Na Noruega, a taxa

    de reincidncia chega a 20%, enquanto em toda a Europa a mdia de 50%

    (CONSULTOR JURDICO, 2012, p. 1).

    J na maioria dos estados norte-americanos, a prpria diviso interna das celas

    no favorece a ressocializao dos detentos. Quando um criminoso de longa data, que j

    carrega na ficha crimes como homicdios, latrocnios, entre outros, fica no mesmo espao

    que outro que cometeu um furto simples, por exemplo, ele pode passar uma ideia perfeita

    e utpica do mundo do crime.

    Tocqueville e Beaumont (2010) dizem que Quem quer que tenha estudado o

    interior das prises e os costumes dos detentos adquiriu a convico de que a

    comunicao desses homens entre eles torna impossvel sua reforma moral, e mesmo

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    torna-se para eles a causa inevitvel de uma terrvel corrupo (TOCQUEVILLE;

    BEAUMONT, 2010, p. 44).

    Ainda segundo os pensadores, a melhor opo no seria o agrupamento por crime,

    mas sim o isolamento dos condenados.

    H penas parecidas e crimes chamados pelo mesmo nome, mas no h duasmoralidades que sejam semelhantes; e todas as vezes que os condenados so

    postos juntos, existe necessariamente uma influncia funesta de uns sobre osoutros, porque, na associao de pessoas ms, no o menos culpado que agesobre o criminoso, mas o mais depravado que age sobre aquele que o menos. preciso, portanto, na impossibilidade de classificar os detentos, instaurar aseparao de todos. Essa separao, que impede o prisioneiro mau de prejudicaros outros, a ele prprio favorvel. Lanado na solido, ele reflete. Em presena

    apenas de seu crime, ele aprende a odi-lo: e se sua alma no ainda insensvelao mal, no isolamento que o remorso vir acomet-lo (TOCQUEVILLE;BEAUMONT, 2010, p. 45).

    No entanto, os pensadores defendem que essa estratgia esteja atrelada a outros

    mecanismos, que veremos nos captulos seguintes.

    2.1.1 Trabalho

    A teoria da separao dos presidirios defendida Tocqueville e Beaumont (2010)

    deve, necessariamente, estar atrelada ao trabalho dos internos. Eles relataram que, na

    antiga priso de Auburn, tentou-se o isolamento sem trabalho, e os detentos que no se

    tornaram loucos, ou que no morreram de desespero, reentraram na sociedade apenas para

    cometer novos crimes (TOCQUEVILLE; BEAUMONT, 2010, p. 45).

    Por isso, dentro das penitencirias, eles aprendem ofcios que podero ser teis

    quando eles sarem da priso. Alm disso, o Estado beneficiado, quando faz parcerias

    inteligentes com grandes empresas. Em geral, o trabalho dos detentos adjudicado a um

    empresrio, que paga certo valor por cada jornada e recebe, em troca, tudo o que

    manufaturado pelo detento (TOCQUEVILLE; BEAUMONT, 2010, p. 54).

    Mas, as condies de trabalho nos sistemas carcerrios norte-americano ainda so

    precrias. Em outro artigo publicado por Joo Ozorio de Melo (2014), no portal Consultor

    Jurdico, ele fala que a Global Research e a Ella Baker Center for Human Rights, que

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    expressam a opinio das organizaes de direitos humanos e outras entidades pblicas,

    dizem que o sistema da indstria prisional a continuao da escravatura

    (CONSULTOR JURDICO; 2014, p. 1).

    As condies de trabalho so atrozes e eles no tm qualquer direito ouproteo. Muitos prisioneiros trabalham com materiais txicos, sem roupas eequipamentos apropriados. Trabalham por oito horas e por horas extras, por umaninharia, sendo que muitas prises retm 80% de seus ganhos, como pagamentode hospedagem e alimentao. (). No se recusam a trabalhar, porque, se ofazem, perdem alguns dos poucos privilgios concedidos aos presos, podem sertrancados em celas de isolamento e sofrer coao fsica e mental. E o salrio de apenas US$ 0,25 por hora, em mdia ou seja, US$ 2 por dia (CONSULTORJURDICO; 2014, p. 1).

    Fora isso, um dos maiores desafios que um detento enfrenta, ao deixar a priso, o preconceito no mercado de trabalho. Isso porque, assim como no Brasil, nos Estados

    Unidos existe um tipo de ficha criminal, que marca para sempre a vida dos internos ou

    de qualquer pessoa que tenha passagem por uma delegacia. Ao todo, so mais de 55

    milhes de registros no pas. Mas, existem alguns agravantes:

    Tm acesso a esses bancos de dados no apenas as administraes pblicas,como o FBI ou o INS (encarregado da fiscalizao dos estrangeiros) e os servios

    sociais, mas tambm, em certos casos, as pessoas e os organismos privados.Esses rap sheets so corriqueiramente utilizados, por exemplo, pelosempregadores para descartar aspirantes a emprego com antecedentes. E noimporta que os dados que a figuram sejam frequentemente incorretos, prescritosou andinos, at mesmo ilegais (WACQUANT, 2001, p. 84, 85).

    E esse documento no segrega somente o presidirio, como tambm a famlia,

    amigos e at mesmo vizinhos do indivduo, que ficam sob a mira do aparelho policial e

    penal. Uma dzia de estados, entre eles Illinois, Flrida e Texas, j viabilizaram a

    exposio desses arquivos em pginas da internet, fato que permite a qualquer um ter

    acesso, sem o menor controle (WACQUANT, 2001, p. 85).

    2.1.2 Educao

    Um estudo daRAND Corporation, uma organizao de pesquisa americana sem

    fins lucrativos e apartidria, que desenvolve solues para desafios de poltica pblica,

    fez um levantamento em 2013 sobre o ensino no sistema carcerrio norte-americano. Eles

    revelaram que detentos envolvidos em programas de educao nas prises so 43%

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    menos propensos a regressarem ao sistema (RAND, 2014, p.1, nossa traduo).

    Todavia, o nmero de presos dentro de salas de aula e sempre foi pequeno.

    Segundo reportagem publicada pelo portal Engage, com dados do pesquisador

    Coylerwirght, em 2004 apenas 33% dos infratores receberam formao educacional antes

    da liberao (ENGAGE, 2008, p.1). E, apesar de o tema ter ganhado visibilidade e

    investimentos pblicos e privados com o tempo, em 2008, com a crise econmica que

    assolou o mundo, os investimentos nesse setor foram seriamente afetados, como mostram

    os nmeros divulgados pela RAND.

    A capacidade dos programas de educao acadmicos contratados diminuiu: 20estados reduziram o nmero de ofertas de cursos e o nmero de professores queeram empregados caiu em 24%, em mdia. Alm disso, o nmero total deestudantes adultos em programas acadmicos refreou, em mdia, 4%; Noentanto, os estados mdios e grandes relataram maiores redues 10% e 8%,respectivamente. (RAND, 2014, p.1, nossa traduo).

    J em maro de 2013, por exemplo, o Departamento de Educao e o

    Departamento de Justia dos EUA concederam trs doaes, totalizando U$ 924,036

    milhes para os provedores de educao de adultos na Pensilvnia, Wisconsin e Kansas.Os valores foram investidos em programas de educao correcionais que visam ajudar

    populao carcerria da Amrica a fazer uma re-entrada suave para a sociedade, atravs

    da educao e a formao da fora de trabalho, conforme publicado no portal de

    departamento de Educao Americano (U.S. DEPARTAMENT OF EDUCATION;

    2016;p.1).

    Em uma publicao do Jornal Estado de S.Paulo, por meio de uma agncia

    internacional, o reprter narra uma situao pouco comum nos EUA, mas que serviria de

    exemplo perfeito para outros estados. Ele relata ainda como os detentos querem apenas

    uma oportunidade de recomear, e tm garra e fora de vontade para isso.

    Cerca de 300 presos do Estado de Nova York esto recebendo educaouniversitria de primeiro nvel que nunca tiveram atravs de uma iniciativa definanciamento pblico e privado que lhes permite encontrar a liberdade noslivros e pensar em seu futuro. A dedicao dos presos tamanha que, em umconcurso de debate em outubro, trs detentos de um centro de segurana mxima

    com antecedentes por crimes violentos derrotaram um grupo de estudantes deHarvard, uma vitria moral repleta de esperana para os jovens e seuscompanheiros atrs das grades (JORNAL ESTADO DE S. PAULO, 2015, p. 1).

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    Como cita a GHK Consulting, em um estudo sobre educao prisional

    encomendado pela Comisso Europeia, em 2013, Os direitos dos prisioneiros de acesso

    educao e formao so reconhecidos tanto nacional e internacionalmente (GHKSTUDY; 2013; p.53, nossa traduo). No entanto, a participao de prisioneiros adultos

    em atividades educacionais figura abaixo de 25% na maioria dos pases da Europa. Isso

    porque:

    Existem constrangimentos na medida em que pode ser oferecida educao eformao. Porque no contexto das populaes prisionais, que esto em alta emmuitos pases da Europa, esto equipes e recursos finitos, bem como as restriesimpostas pela segurana, por conta de exigncias do regime prisional e de outras

    prioridades polticas. Juntos, estes vrios fatores limitam a extenso em que ospresos podem acessar a aprendizagem para atender suas necessidades e assumir

    seu direito de participar na educao (GHK STUDY; 2013; p.53).

    E esses nmeros no so muito diferentes no Brasil, como veremos nos captulos

    a seguir.

    2.2 No Brasil

    A realidade do Sistema Prisional Brasileiro no muito diferente. No pas, temos

    prises superlotadas, completamente desestruturadas (sem dormitrios, profissionais etc.)

    e com polticas pblicas ineficientes, que em vez de ressocializar, mais segregam os

    condenados. Nosso trabalho ir mostrar, de perto, a realidade desses presos, que sofrem

    com a inrcia dos governantes e o preconceito da populao.

    Segundo dados do relatrio mais recente do Levantamento Nacional de

    Informaes Penitencirias (Infopen) feito pelo Ministrio da Justia, em junho de 2014,

    o pas tinha 607.731 detentos. Ainda de acordo com o documento, eram cerca de 300

    presos para cada cem mil habitantes no pas. O nmero de encarcerados era

    consideravelmente superior s quase 377 mil vagas do sistema penitencirio, totalizando

    um dficit de 231.062 vagas (INFOPEN, 2014, p. 11).

    No Brasil, em um espao que deveria abrigar 10 pessoas, por exemplo, existem

    cerca 16 presos. Essa conta a soma de vrios fatores que, como cita Loic Wacquant em

    As Prises da Misria, so causadas pela desigualdade social. Em um pas como o

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    Brasil, tambm se aplica uma espcie de penalidade neoliberal.

    A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar comum mais Estado policial e penitencirio o menos Estado econmico e social

    que aprpria causa daescala generalizada da insegurana objetiva e subjetivaem todos os pases, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo. Ela reafirma aonipotncia do Leviat no domnio restrito da manuteno da ordem pblica simbolizada pela luta contra a delinquncia de rua no momento em que esteafirma-se e verifica-se incapaz de conter a decomposio do trabalho assalariadoe de refrear a hipermobilidade do capital, as quais, capturando-a como tenazes,desestabilizam a sociedade inteira (WACQUANT, 1999, p. 7).

    No cenrio mundial, o Brasil est na quarta posio de pases com maior

    populao carcerria, e perde apenas para os Estados Unidos, China e Rssia. Se formos

    desmembrar esses nmeros, iremos nos deparar com uma realidade ainda maisassustadora: segundo o Infopen (2014), de toda a populao presa, quatro entre dez esto

    detidos sem ainda terem sido julgados.

    2.2.1 Perfil da populao carcerria

    A ditadura contra os pobres, teoria defendida por Wacquant, tambm ntida no

    Brasil. Aqui, temos um perfil tpico de presidirio: jovem, negro e pobre. De acordo como Infopen (2014), 56% da populao prisional era formada por jovens, sendo 31% de 18

    a 24 anos e 25% de 25 a 29 anos.

    Em relao raa, cor ou etnia, dois em cada trs presos so negros, em ambos os

    sistemas prisionais, masculino e feminino. Os estados com maior porcentagem de pessoas

    negras so Acre e Amap. Nesses estados, nove em cada dez pessoas presas so negras,

    enquanto em todo o pas, 67% da populao prisional negra (INFOPEN, 2014, p. 52).

    Isso porque, segundo Wacquant (1999), a discriminao baseada na cor muito

    forte no Brasil.

    Sabe-se, por exemplo, que em So Paulo, como nas outras grandes cidades, osindiciados de cor se beneficiam de uma vigilncia particular por parte da

    polcia, tm mais dificuldade de acesso rea jurdica e, por um crime igual, sopunidos com penas mais pesadas que seus comparsas brancos. E, uma vez atrsdas grandes, so ainda submetidos s condies de deteno mais duras e sofrem

    as violncias mais graves. Penalizar a misria significa aqui tornar invisvel oproblema negro e assentar a dominao racial dando-lhe aval de Estado

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    (WACQUANT, 1999, p. 10).

    Dados do Infopen (2014) mostram que as mulheres so minoria na priso. Elas

    correspondem a um quarto de todo o sistema. Em questo de escolaridade, o Infopen

    levantou que oito em cada dez presos s estudaram at o ensino fundamental. Em um

    artigo publicado no site Jusbrasil, o jurista e professor Luiz Flvio Gomes (2012) comenta

    a relao da educao com as altas taxas de encarceramento.

    O perfil do preso brasileiro se mantm h anos entre os jovens, pardos e de baixaescolaridade. Essa situao permanece, pois no so apresentadas polticas

    pblicas realmente eficazes de insero do jovem na atual sociedade, aocontrrio, economiza-se em escola para construir presdios. preciso trabalhar a

    base da sociedade ampliando as possibilidades de participao social e nomercado de trabalho, a fim de se evitar que nossas crianas e jovens vejam comonica sada, j que quase sempre ela sempre se apresenta como fcil a entrada

    para criminalidade (GOMES, 2012, p. 1).

    Nitidamente um ciclo vicioso. A diminuio do Estado Social para

    fortalecimento do Estado Penal sempre ter esse tipo de consequncia, e os gastos que o

    Governo tem com um preso so infinitamente superiores aos que se teria com um

    estudante.

    Um presidirio custa ao governo de Minas Gerais 11 vezes mais do que um alunoda rede estadual de ensino. Em mdia, o gasto mensal com cada detento deR$ 1,7 mil. J a quantia para manter um estudante na rede bsica infantil,fundamental ou mdio de R$ 149,05 por ms. Os valores foram informados

    pelas secretarias de Estado de Educao e de Defesa Social (Seds), mas essaltima alertou que a cifra inclui apenas os 18 mil homens e mulheres que estoatrs das grades, em presdios e penitencirias, excluindo da conta os 16 milinfratores que se encontram em delegacias e outros estabelecimentos desegurana, como hospitais psiquitricos e albergues (LOBATO, 2007, p. 1).

    A bacharel em economia pela USP (Universidade de So Paulo), Kalinca Lia

    Becker (2012), em sua tese de doutorado, chegou concluso de que a cada 1% de

    investimento em educao, 0,1% do ndice de criminalidade reduzido no perodo

    seguinte. O estudo, feito no departamento da economia da Esalq (Escola Superior de

    Agricultura Luiz de Queiroz), aposta na educao escolar como influenciadora no

    comportamento dos alunos.

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    Na pesquisa, Becker cita que o resultado desse investimento se d, basicamente,

    em dois caminhos: o primeiro no mercado de trabalho, j que um indivduo com melhor

    formao tem mais chances de ingressar em uma empresa, e o segundo na interferncia

    do gosto para o crime, no qual os efeitos psquicos da educao so valorizados, j que

    uma pessoa mais instruda, em tese, torna-se mais ponderada, paciente e mais propensa a

    obedecer s leis (BECKER, 2012, p. 39).

    O investimento exacerbado em ferramentas de punio e o esquecimento em reas

    de Educao, por exemplo, se d em todo o mundo. No caso, a camada mais prejudicada

    a da populao mais pobre, que carece de ensino e sofre para competir no mercado de

    trabalho. Nesse tipo de situao, aliada situao econmica de um pas, muitos recorrem

    ao crime como forma de subsistncia. o que comenta o jornalista Bernardo Nazareth

    (2013), em um artigo publicado no jornal Vozes da Comunidade.

    A priso s para pobre! Desde que os governos, em todo o mundo, pararam deinvestir em programas sociais, em escola pblica e hospital pblico de qualidade,aumentaram os gastos com armamentos e concursos para a polcia e osinvestimentos em prises. O rico explora o trabalhador e rouba dos cofres

    pblicos porque quer ter mais do que precisa. O pobre, quando rouba comida, porque tem fome. Ele tem fome porque o governo piorou as condies de vidadele. No se trata de defender os criminosos, mas defender que ningum precise

    chegar nessa situao para poder se alimentar, para poder sobreviver(NAZARETH, 2013, p. 1).

    Logo na apresentao do Infopen, os autores do estudo afirmam que os

    problemas no sistema penitencirio que se concretizam em nosso pas, devem nos

    conduzir a profundas reflexes, sobretudo em uma conjuntura em que o perfil das pessoas

    presas majoritariamente de jovens negros, de baixa escolaridade e de baixa renda

    (INFOPEN, 2014, p. 6).

    Esse fato se d, principalmente, em decorrncia do tipo de crime que o preso

    cometeu. No perodo de 2008 a 2012, os crimes contra o patrimnio correspondiam a

    cerca de metade das prises, seguido pelos crimes de entorpecentes, que giravam em torno

    de 20%, e crimes contra a pessoa, que eram menor que 12% (MAPA DO

    ENCARCERAMENTO, 2015, p. 6).

    So crimes que poderiam ser punidos de outra forma, inclusive, com algum tipo

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    de incentivo ao estudo e trabalho. Mas, em vez disso, esses jovens so deixados em

    sistemas prisionais ineficientes, com pessoas que cometeram crimes brbaros e, pela falta

    de estrutura dentro da prpria priso, acabam no se ressocializando.

    2.2.1.2 Estrutura das prises

    Como ressocializar um preso em um sistema deficitrio, com poucos profissionais

    de sade, educao, entre outros, sem espao para todos e que carece de polticas pblicas

    eficientes? Hoje, no Brasil, so em mdia oito pessoas presas para cada agente de

    custdia. Proporo essa que no alcana o mnimo exigido pelo Conselho Nacional de

    Poltica Criminal e Penitenciria (CNPCP), que de cinco presos por agente.

    So, ao todo, 67 mil profissionais trabalhando no sistema penitencirio. No

    levantamento do Ministrio da Justia, estados como Pernambuco, Mato Grosso do Sul e

    Sergipe esto com uma mdia de 8 a 13 presos por trabalhador. Nesse universo,

    encontramos 659 enfermeiros, 825 psiclogos, 428 dentistas, 546 advogados, 449 clnicos

    gerais e 3.051 professores. Esses nmeros atendem todos os presos do pas (INFOPEN,

    2014, p.75).

    A situao ainda mais complicada para presos com deficincia, que necessitam

    de ateno redobrada. So 1.575 presos com deficincia, destes 625 homens e mulheres

    com deficincia fsica, que necessitam de ateno muito maior e, nitidamente, o Estado

    no fornece. Apenas um tero das unidades prisionais no Brasil tem mdulo de sade, o

    que corresponde a 37% do total, e 6% tm estrutura com acessibilidade para esses

    detentos, segundo dados do Depen.

    Existem 1.424 unidades prisionais no pas, o que totaliza um nmero de 375.892

    vagas em todo o sistema, com uma capacidade mdia de 265 vagas por unidade. A taxa

    de ocupao prisional do Brasil de 161%, e em todas as Unidades da Federao constam

    taxas de ocupao superior a 100%. Alm disso, vale ressaltar a idade das estruturas das

    cadeias: seis em cada dez unidades tm mais de uma dcada de existncia. Enquanto isso,

    os nmeros s crescem: entre dezembro de 2013 e junho de 2014, o Distrito Federal

    registrou um aumento de 14% no nmero de detentos (INFOPEN, 2014, p.23, 29, 37).

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    Na prtica, alm de esta ser uma rea que pouco recebe ateno dos governantes,

    o processo de licitao para reforma das unidades demorado e complexo, e tende a ser

    com um recuo de tempo muito grande ou esquecido.

    A superlotao das celas, sua precariedade e sua insalubridade tornam as prisesnum ambiente propcio proliferao de epidemias e ao contgio de doenas.Todos esses fatores estruturais aliados ainda a m alimentao dos presos, seusedentarismo, o uso de drogas, a falta de higiene e toda a lugubridade da priso,fazem com que um preso que adentrou l numa condio sadia, de l saia semser acometido de uma doena ou com sua resistncia fsica e sade fragilizadas(ASSIS, 2007, p. 1).

    A acadmica de direito Virginia Camargo desenvolveu um trabalho sobre o

    sistema penitencirio brasileiro h 10 anos. Sobre a alimentao dos presos, ela afirma

    que em diversos estados, todos os alimentos so preparados por empresas terceirizadas,fora das prises. Hoje, a realidade continua a mesma. A pesquisadora diz ainda que nos

    presdios que ainda abrigam cozinhas, elas esto velhas e sem manuteno, sem as

    mnimas condies de higiene, onde at as reas destinadas ao estoque de mantimentos

    so geralmente sujas, servindo como lugar de moradia de ratos e insetos (CAMARGO,

    2006, p. 1).

    A superlotao no s prejudica a sade dos detentos, como tambm dificulta oprocesso de ressocializao intramuros, j que no acontece a separao dos detentos por

    gravidade do crime. Ou seja, um preso que cometeu um crime considerado leve se

    mistura com homicidas, grandes traficantes, e pode acabar se envolvendo em alguma

    faco e levar isso para fora do presdio.

    Do total de crimes cometidos em 2014, o maior nmero, com pouco mais de 97

    mil, pertence ao grupo de crimes contra o patrimnio: 16 mil roubos simples, 14 mil furtos

    simples e 13 mil furtos qualificados. Em seguida aparecem os crimes contra a pessoa, que

    somam um total de 39.605 casos. Os dados so do Ministrio da Justia (2014).

    2.2.1.3 Educao e trabalho nos presdios

    Paran, Cear e Pernambuco figuram como os Estados com maior nmero de

    presos em atividade educacional. So 22%, 20% e 20%, da populao carcerria dos

    estados, respectivamente. Porm, existem nmeros ainda menores: no Rio de Janeiro,

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    apenas 1% dos detentos estudam dentro da cadeia, por exemplo. De todo o sistema

    prisional, apenas 50% contam com sala de aula. Os dados so do Infopen (2014).

    J o Distrito Federal, por exemplo, conta com salas de aula em todas as unidades.

    Na grande reportagem iremos abordar como funciona a dinmica do processo e se elas

    realmente so usadas para tal fim, j que existem casos em que elas so utilizadas para

    cobrir a falta de outros setores.

    Em quatorze estados, h mais unidades com sala de aula do que com pessoasestudando, o que indica um subaproveitamento dessa infraestrutura. O caso maisdiscrepante o do Acre, no qual, entre as dez unidades que afirmam ter sala deaula, apenas seis afirmaram ter pessoas estudando. Por outro lado, em dez

    estados, h mais unidades em que ocorrem atividades educacionais do queestabelecimentos com sala de aula (INFOPEN, 2014, p. 119).

    As pesquisadoras Juliana Novelli e Shnia Soraya Soares Louzada (2012), em

    monografia apresentada Faculdade Facos, entrevistaram diversos professores, que

    alegaram usar mtodos convencionais no ensino dos presos, porque consideram muito

    difcil usar o construtivismo nos presdios. Elas defendem que, neste caso, eles deveriam

    adaptar o currculo para a realidade em que vivem (NOVELLI; LOUZADA, 2012, p. 7).

    Falta, por exemplo, um projeto poltico pedaggico, onde o currculo sejaadequado realidade prisional, observando as reais necessidades dos alunos.Falta tambm melhor aplicao de recursos financeiros, bem como preparo einformao para os estudantes de Pedagogia, os que j se formaram e paraaqueles que j trabalham em presdios a fim de que saibam o que fazer, tenhamrecursos disponveis, alm da boa vontade (NOVELLI; LOUZADA, 2012, p. 7).

    Sem formao educacional, os presos no iro conseguir encontrar um lugar no

    mercado de trabalho quando deixarem a cadeia. Com um ensino carente de profissionais

    e estrutura insalubre, a ressocializao acaba se tornando uma ideia praticamente

    impossvel. E, como afirma a bacharel em Direito Sintia Menezes Santos (2005), a

    reincidncia criminal cresce a cada dia, e na maioria das vezes constata-se que o indivduo

    que deixa o crcere aps o cumprimento de sua pena, volta a cometer crimes piores do

    que anterior, como se a priso o tivesse tornado ainda mais nocivo ao convvio social.

    (SANTOS, 2005, p. 1).

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    Hoje, o Distrito Federal tem 1.824 presos em atividades educacionais, o que

    corresponde a 13,7% da populao carcerria, que de 14.555 detentos, de acordo com a

    Secretaria de Justia e Cidadania (Sejus), por meio da Subsecretaria do Sistema

    Penitencirio (Sesipe).

    O trabalho um dos principais meios de reinsero de um preso ou ex-detento na

    sociedade. Alm disso, oferece outros benefcios para o indivduo enquanto ele est

    encarcerado.

    O trabalho, alm de ser um direito e dever do preso, tratado como uma terapia,pois faz com que a pessoa se sinta til e produtiva, o que aumenta sua autoestima,e promove sua incluso e integrao com a sociedade, deixando claro queexistem caminhos diferentes quando se abandona a prtica de crimes. Alm detudo, o trabalho traduz-se em fonte de renda para o reeducando e tambm para

    sua famlia, alm da compensao de pena (ALMEIDA, 2014, p. 1)

    Em todo o pas, cerca de 106.306 pessoas privadas de liberdade trabalham, de

    acordo com o Infopen (2014). O Distrito Federal, por meio da Fundao de Amparo ao

    do Trabalhador Preso do Distrito Federal (Funap/DF), informou ter cerca de 1500

    detentos no mercado de trabalho. Eles podem trabalhar em qualquer rgo ou empresa

    que possua convnio com a instituio, como administraes regionais, rgos federais,

    ou mesmo na prpria sede da Fundao.A remunerao varia de acordo com os contratos,e no pode ser inferior a 3/4 do salrio mnimo.

    O preconceito da sociedade impede a conquista de novas vagas de trabalho para

    os detentos, e o Governo no incentiva empresas privadas, com polticas de desconto, por

    exemplo, para receber programas de incluso de detentos no quadro de funcionrios.

    Alm disso, no traa um planejamento para quem sai da populao, e tero de lidar com

    um duplo preconceito da sociedade, como reitera a sociloga Fernanda Bestetti de

    Vasconcellos (2007):

    A populao egressa, que normalmente j vivia uma situao de excluso socialantes mesmo de ingressar em uma instituio penal, apresenta muitasdificuldades para ser socialmente reinserida. O fato de no existirem polticas

    pblicas que auxiliem os egressos no seu processo de reinsero torna a atuaoda sociedade civil indispensvel: somente haver a concluso do processo se asociedade aceit-los novamente como parte integrante de sua formao(VASCONCELLOS, 2007, p. 1)

    Uma pesquisa feita pelo Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (Ipea), em

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    conjunto com o Conselho Nacional de Justia (CNJ), revelou que um em quatro ex-

    condenados volta ao mundo do crime no prazo de cinco anos, o que corresponde a uma

    taxa de 24,4% do total. Foram analisados 817 processos de cinco unidades da federao:

    Alagoas, Minas Gerais, Pernambuco, Paran e Rio de Janeiro. A taxa poderia ser ainda

    menor, caso autoridades dessem mais ateno a esta parte considervel da populao.

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    3 O TEXTO JORNALSTICO

    Se o acesso informao um direito de todos, a funo de um reprter nada mais

    que traduzir os discursos mais complexos e passar esse contedo para a populao.

    Contar histrias o trabalho desse profissional, e como ferramenta ele tem notcias,

    reportagens, artigos, colunas de opinio etc, que so veiculadas em meios de

    comunicao.

    A formao de um texto jornalstico pode ser estruturada nas seguintes etapas:

    pauta, quando se escolhe o tema ou assunto da matria, apurao, na qual se verifica a

    veracidade dos fatos, procuram-se dados; redao, momento em que as informaes se

    transformam em texto e edio, quando um profissional corrige e revisa os textos.

    Definir essas etapas foi fundamental para a construo da grande reportagem

    sobre a reinsero dos detentos e ex-presidirios na sociedade por meio do trabalho e

    estudo. A matria, como de costume, passa por todos os caminhos citados. Rever esses

    conceitos de forma macro e micro nos possibilitou uma viso mais especfica do que ser

    produzido, com melhores tcnicas de produo.

    3.1 Reportagem

    A reportagem um gnero jornalstico que aborda as informaes de forma mais

    ampla e detalhada, com um toque de humanizao do autor. Assim como o gnero notcia,

    ela pode ser exibida em todos os meios de comunicao e em diversos formatos, como

    jornal impresso, revista, televiso, rdio e internet, meio escolhido por ns para abordar

    a questo dos detentos. No Manual de Redao da Folha de S. Paulo (2011), a definio

    de reportagem bem sucinta:

    Reportagens tm por objetivo transmitir ao leitor, de maneira gil, informaesnovas, objetivas (que possam ser constatadas por terceiros) e precisas sobrefatos, personagens, ideias e produtos relevantes. Para tanto, elas se valem deganchos oriundos da realidade, acrescidos de uma hiptese de trabalho detrabalho e de investigao jornalstica (FOLHA DE S. PAULO, 2011, p. 24).

    importante esclarecer as diferenas bsicas entre os gneros notcia e

    reportagem. Enquanto a reportagem abrangente e detalhista, a notcia mais objetiva e

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    informativa, que tem por instinto apenas a misso de anunciar determinado fato. Mas,

    para esses dois tipos de texto, todo jornalista deve ter em mente oito perguntas bsicas

    antes de comear qualquer apurao: quem, o que, onde, quando, como, por

    que, para qu? , e da? . Com essas dvidas, ele consegue montar a apurao e contar

    uma histria, por mais complexa que seja.

    Muniz Sodr e Maria Helena Ferrari (1986) ressaltam a importncia da

    humanizao do relato, no qual o reprter detalha o momento da ao, a emotividade

    envolvida no fato e as caractersticas de um indivduo, por exemplo. Esses fatores so

    fundamentais para se ter uma boa reportagem. A humanizao, em casos como o nosso -

    no qual o principal objeto do trabalho so pessoas margem da sociedade - essencial

    para representar a dificuldade que essas pessoas encontram para voltarem a serconsideradas cidads e ocuparem postos de trabalho como qualquer indivduo. O objetivo

    do trabalho no apenas apresentar os fatos, mas sim provocar alguma mudana neste

    cenrio.

    O reprter aquele que est presente, servindo de ponte (e, portanto,diminuindo a distncia) entre o leitor e o acontecimento. Mesmo no sendo feitaem 1 pessoa, a narrativa dever carregar em seu discurso um tom impressionistaque favorea essa aproximao. Ao lado disso, os fatose as referncias a queesto ligados sero relatados com preciso, garantindo, mais ainda, a

    verossimilhana (SODR; FERRARI, 1986, p. 15).

    O gnero reportagem, apesar de ser bastante peculiar, tambm se mistura com

    outros tipos textuais.1Sodr e Ferrari (1986) falam sobre os namoros da reportagem com

    a literatura e citam como exemplo a relao do conto, que costuma ser o tipo textual com

    menos caracteres, com a reportagem, que tem mais. Eles dizem que a reportagem pode

    ser considerada o conto jornalstico, pela fora, clareza, condensao e novidade

    (SODR; FERRARI, 1986, p. 75)

    E, tambm, o conto funciona como guia para a construo textual de uma

    reportagem. Surge ento um novo gnero, a reportagem conto que, como afirma Sodr

    e Ferrari (1986 p. 77), escolhe um personagem para ilustrar o tema que pretende

    desenvolver.

    1Ver no anexo 1 quadro com resumo dos tipos de textos jornalsticos

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    3.1.1 Entrevista

    A entrevista uma das principais formas de obteno de informaes de um

    jornalista. Com ela, encontram-se fatos e novas perspectivas. Ela pode ser apenas uma

    forma de extrao de dados ou um texto autnomo, de carter noticioso. Dentre as

    circunstncias de realizao as entrevistas podem ser, segundo Lage (2001, p. 77):

    Ocasionais quando no so programadas e acontecem espontaneamente, em

    encontros inesperados;

    Em forma de confronto - quando o entrevistado est sendo denunciado, porexemplo, e o reprter assume o papel de inquisidor;

    Em coletiva - onde o entrevistado responde a perguntas de vrios jornalistas, em

    local e horrio previamente programados;

    Dialogal - na qual o entrevistador e o entrevistado se renem tambm em horrio

    e local combinado e constroem o tom de sua conversa com mais espao e

    aprofundamento.

    No caso, a entrevista dialogal, que pode ser chamada de individual, segundo Lage

    (2001),

    chamada propriamente de exclusiva quando o entrevistado concede ao veculo,e no a qualquer outro; impropriamente, quando a iniciativa parte do veculo, nohavendo outro interessado ou que tenha tido a mesma ideia. A expressoentrevista exclusiva tem valor de marketing, embora toda entrevista individualseja exclusiva (dificilmente algum repete exatamente as mesmas formulaesem duas conversas diferentes), valoriza o eventual esforo de reportagem e ocontedo indito das declaraes obtidas (PINTO, 2009, p. 200).

    Na publicao, ela pode ser veiculada em estilo indireto ou pingue-pongue, que

    tambm tem como apoio um breve perfil do entrevistado. Em alguns jornais, existem

    cadernos exclusivos para publicaes de pingue-pongues, enquanto algumas emissoras

    deixam na grade espaos exclusivos para programas de entrevistas.

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    H, tambm, uma diferena grande entre pautas quentes, sutes (continuao deuma reportagem) e pautas mais frias (especiais, que no precisam sair no diaseguinte, em geral exclusivas). Nas primeiras, supe-se que todo mundo estejalendo o jornal e, portanto, no preciso explicar muito. J nas especiais, oreprter pode contar um pouco mais, para que o editor fique por dentro doassunto (PINTO, 2009, p. 68).

    No livro Jornalismo Dirio, Ana Estela de Sousa Pinto (2009) explica as melhores

    formas de propor uma pauta para o editor. A maneira em que o reprter apresenta a

    sugesto, inclusive, decisiva para que ela no seja reprovada caia - jargo utilizado

    para dizer quando uma pauta vai deixar de ser feita - no meio do processo. Um rascunho

    que contenha a editoria para qual a reportagem ser feita, o pblico que ela ir atingir,

    quais personagens e fontes podero ser entrevistados, pode ajudar na hora de mostrar a

    sugesto. Alm de foco, ter um ttulo tambm j representa muito, e significa que vocj saiu do estgio de pr-pauta. No momento decisivo, em que acontece a reunio de

    pauta, essencial, tambm, ir direto ao ponto e pular as introdues. Essas dicas so

    fundamentais para emplacar uma boa reportagem (PINTO, 2009, p. 67).

    O principal objetivo de uma pauta planejar a edio. O princpio que, mesmoque no acontea nada no previsto em determinado dia por exemplo, nodomingo de uma editoria poltica ou na segunda-feira de uma editoria de esportes

    o jornal sair no dia seguinte, os boletins de rdio sero produzidos, as

    gravaes de televiso sero editadas e as equipes das revistas estaro nas ruas(LAGE, 2001, p. 35, 36).

    Com a organizao das pautas, tem-se um melhor resultado do produto. O

    planejamento mais adequado dos horrios da equipe, custo do deslocamento etc, facilita

    o trabalho de todos, mas principalmente de editores de rdio e televiso, que lidam com

    imediatismo. Mas, a vantagem no deixa de lado os profissionais dos impressos, como

    conta Nilson Lage (2001). No caso dos jornais, viabiliza a realizao de pesquisa prvia

    para ampliar uma cobertura, a produo de ilustraes e a concentrao de recursos em

    matrias consideradas de interesse maior.

    Pesquisa esta que foi fundamental para a obteno de dados sobre a realidade dos

    detentos e ex-presidirios no Brasil, e que resultou na ideia da grande reportagem. Alm

    disso, o tempo de planejamento resultou em uma pauta j com possveis fontes,

    personagens primrios e secundrios estabelecidos no terceiro encontro de orientao. A

    arte de encontrar pautas se desenvolve com a prtica. Ana Estela de Sousa Pinto (2009)cita alguns exemplos, como: ler jornais, cartas do leitor, crticas dirias, pescar bons

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    personagens, ter ateno nos classificados, ir atrs dos ganchos de matrias j publicadas,

    visitar sempre sites do Governo e universitrios, fontes alternativas - como redes sociais,

    blogs, ONGs e mdias independentes - alm, claro, de ter olhos e ouvidos atentos.

    3.1.3 Apurao

    Retratar a realidade uma das principais funes do jornalismo, seno a mais

    importante. Logo, o desafio do jornalista, como ressalta Luiz Costa Pereira Jnior (2006,

    p. 71), encontrar evidncias soterradas em camadas de verses, procurar certezas em

    situaes de incerteza. Para tanto, preciso ter em mente uma definio correta de

    apurao, como por exemplo: no que se baseia uma pesquisa e onde ela pode ser feita,

    quem pode ser fonte, personagem, etc alm de estar sempre atento a cada detalhe durante

    uma entrevista ou investigao, e checar todas as informaes antes de enviar o material

    para o editor.

    Os anos se passaram, e com a evoluo tecnolgica, a maioria das pesquisas

    passaram a ser feitas pela internet. Contudo, recursos como o arquivo do jornal, livros de

    referncia, banco de dadosque o prprio jornalista com o tempo ir criar - tambm no

    ficam de lado. A internet foi a principal fonte de informao da pesquisa para o produto,

    alm dos bancos de dados do Governo Federal e Distrital. J para este memorial, livros e

    jornais foram extremamente teis.

    3.1.3.1 Fontes

    Especialistas, tcnicos, informantes, personagens, analistas, enciclopdias,

    documentos etc. que so chamados de fontes, so parte essencial desta etapa de produo

    da notcia. A hierarquizao de fontes parte de uma anlise pessoal, com base em bom

    senso, na qual so colocados em comparao o nvel de instruo, grau de confiabilidade

    e credibilidade, etc.

    H reprteres que baseiam sua apurao apenas em entrevistas, ou

    principalmente nelas, o que deixa a histria excessivamente dependente dedeclaraes. Fontes, por melhores que sejam, tm seus interesses. Uma

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    reportagem baseada em declaraes aumenta o risco de o jornalista ser usado aservio do interesse de outros (PINTO, 2009, p. 89).

    Apesar de as fontes serem essenciais para a construo de um bom material, nem

    todas acrescentam de forma significativa na reportagem, pois os interesses prpriosgeralmente so colocados em primeiro lugar. Mas, Aldo Antnio Schmitz (2011, p. 13)

    resume a seleo na maioria das redaes, em que o editor d prioridade quelas fontes

    que mantm uma relao regular e proximidade geogrfica; antecipam e agilizam o

    acesso informao (produtividade); transmitem credibilidade e confiana; tm

    autonomia, autoridade e garantem o que declaram, bem como aquelas que so respeitadas

    e articuladas.

    As fontes selecionadas para serem entrevistadas, no nosso caso, so do Governo

    para falar sobre a atual realidade dos presdios no pasespecialistas, como advogados,

    que podero comentar os direitos e deveres dos detentos e ex-presidirios e especialistas

    como antroplogos, socilogos, que discutiro a relao dos detentos com a sociedade.

    No menos importantes, h tambm a fonte primria, que tem um alto grau de

    credibilidade e que, segundo o Manual da Redao da Folha de S.Paulo classificada

    como Fonte tipo zero. Ela escrita e com tradio de exatido, ou gravada sem deixar

    a margem de dvida: enciclopdias renomadas, documentos emitidos por instituio com

    credibilidade, videoteipes (FOLHA DE S. PAULO, 2011, p. 38).

    3.1.3.2 Personagens

    No h histria sem personagem. Exemplificando nosso produto, eles so mais

    importantes que os dados. Mostram a realidade na pele, na fala, na expresso facial. Os

    personagens so fundamentais para a humanizao da matria, construo de um cenrio,

    relato dos fatos, etc. Os personagens podem aparecer em qualquer parte de um texto

    noticioso, ou acabar se tornando o foco principal da reportagem - a depender da relevncia

    - com a construo de um perfil.

    Sodr e Ferrari (1986) explicam que, no jornalismo, perfil significa enfoque na

    pessoa seja uma celebridade, seja um tipo popular, mas sempre o focalizado o

    protagonista de uma histria: sua prpria vida (SODR; FERRARI, 1986, p. 126).

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    Nesse tipo textual, voc amplia o personagem. Ou seja: interessa como ele pensa, mas

    tambm como ele .

    A seleo de personagens varia de acordo com o veculo e editoria para o qual o

    reprter trabalha. O nvel de relevncia da pessoa, caractersticas peculiares como ummorador de rua que passou em um concurso pblico, por exemplocelebridades, talento,

    etc.

    Os personagens podem entrar em diversos pontos do texto. mais comum, em

    reportagens, os pequenos perfis, com apenas uma introduo sobre a vida de uma

    pessoa, que segue de uma aspa sobre determinado assunto. No caso, o enfoque continua

    sendo o fato e o personagem assume um papel secundrio, mas no menos importante.

    3.1.4 Redao

    Passar as informaes de forma que qualquer pessoa entenda no uma tarefa

    fcil. Mas, para isso, necessrio ter narrativa que, como define Patrcia Ceolin do

    Nascimento, a forma redacional predominante na prtica jornalstica, uma vez que o

    discurso jornalstico se move em torno dos fatos da atualidade, e a abordagem factual da

    narrao lhe confere identificao e valor informativo (NASCIMENTO, 2009, p. 54).

    H tambm o texto descritivo, que apesar de ser menos explorado no jornalismo

    que o narrativo, muito utilizado para expor detalhes e acentuar a imaginao do leitor

    por meio de palavras.

    Descrio a apresentao verbal de um objeto, ser, coisa, paisagem (e at de

    um sentimento: posso descrever o que eu sinto) atravs da indicao de seusaspectos mais caractersticos, dos seus traos predominantes, dispostos de talforma e em tal ordem, que do conjunto deles resulte uma impressosingularizante da coisa descrita, isto , do quadro que a matria dadescrio (GARCIA, 1997, p. 231).

    Os pargrafos de um texto jornalstico devem ser divididos em perodos curtos, e

    deve ser utilizada a ordem direta da frase. Ele tem de ser claro, expressivo e correto, e o

    uso de palavras coloquiais e testemunhos tambm so essenciais, pois enriquecem o texto

    informativo.

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    Planejamento fundamental para evitar tumulto no ltimo momento e facilitar o

    trabalho do editor, que tem o grande desafio de enxergar, em diversas linhas de texto ou

    em vrios minutos de gravao o que vai ser publicado. So vrias etapas antes de chegar

    edio final, justamente para evitar erros e declaraes que comprometam a prpria

    pessoa ou terceiros. Logo, o editor que tem a ltima palavra. Por isso, no podem restar

    dvidas e eles costumam ter uma vasta agenda de contatos para sanar os questionamentos

    de ltima hora.

    No por acaso que todo eficiente editor tem agenda de telefones teis na gavetada mesa de trabalho (se no for no bolso). Ali esto catalogados, para qualquercircunstncia, os entrevistados prt--porter, ou melhor, pronto-a-editar. So,quase sempre, figuras proeminentes de cada setor, cuja palavra se mede pelo

    poder que representam (MEDINA, 2000, p. 26).

    O Manual da Redao da Folha tambm cita outras funes importantes da edio.

    A disposio planejada, organizada e criativa dos assuntos, feita com cuidado e

    acabamento visual, para conquistar a ateno do leitor e faz-lo interessar-se pelo assunto

    tratado (FOLHA DE S.PAULO, 2011, p. 33).

    A edio tambm est diretamente ligada aos padres do veculo. Por exemplo: o

    Correio Braziliense tem duas pginas para uma reportagem de Cidades. Ento, o editortem esse espao para colocar o que a chefia solicitar, como infogrficos, foto de

    personagens, olhos e outros recursos. O mesmo acontece para televiso, com o tempo de

    um programa ou VT.

    O contato entre o editor e o reprter fundamental. O ideal que os jornalistas

    conversem durante a realizao da pauta, para que o editor possa, na redao, separar

    documentos, arquivos, e passar recomendaes para o reprter que est na rua. Assim, a

    dinmica do processo facilitada e o acabamento da edio ser mais fcil, gil e

    produtivo.

    3.2 Jornalismo literrio

    A escolha do gnero literrio para abordar o tema do nosso produto no foi a toa.

    Ele d espao e tcnicas para o reprter entrar de cabea no assunto, vivenciar a rotina

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    do personagem, observar e descrever o cenrio e levar tudo isso at o leitor de forma

    descontrada. Para Felipe Pena (2006), fazer jornalismo literrio :

    Potencializar os recursos do Jornalismo, ultrapassar os limites dosacontecimentos cotidianos, proporcionar vises amplas da realidade, exercer

    plenamente a cidadania, romper as correntes burocrticas do lead, evitar osdefinidores primrios e, principalmente, garantir perenidade e profundidade aosrelatos (PENA, 2006, p. 13).

    Este gnero tambm pode ter uma pitada de fico que, como cita Anglica

    Fabiane Weise (2013) em publicao no portal do Observatrio da Imprensa, cumpre a

    misso de informar, preservando a essncia jornalstica, porm com gancho em

    vocabulrio, estrutura narrativa e aprofundamento de contedo (WEISE, 2013, p. 1).

    Ou seja, este gnero traz alm de uma notcia, uma histria, j que nesta narrativa

    so permitidos adjetivos, um maior nmero de personagens e uma abrangncia muito

    superior no quesito de pesquisa e contextualizao do tema. Isso porque o espao de

    publicao e o tempo disponibilizado pelo reprter so incomparavelmente maiores ao de

    um jornal dirio, por exemplo.

    Como diz Pena (2006), a fico jornalstica no tem compromisso com a

    realidade, apenas explora como suporte para sua narrativa. Pena (2006) ainda completa

    afirmando que o autor fico jornalstica inventa deliberadamente, enquanto o autor de

    romances reportagens est atrelado a construo de textos que contm apenas com a

    verdade factual, ainda que isso no seja ontologicamente possvel (PENA, 2006,

    p.114).

    Nascimento (2009) explica o motivo de, mesmo com as evolues tecnolgicas,

    o jornalismo literrio continua crescente em vrios jornais impressos.

    Nas produes impressas, mesmo os maiores jornais do pas tm investido cadavez mais nos contedos opinativos interpretativos, com a publicao de artigos,crnicas, contratao de novos colunistas, sendo muitos deles escritores. Issoacontece porque o leitor tem procurado mais que o factual nos jornais, uma vezque existem outros meios (internet, televiso, rdio) pelos quais se recebe deforma mais rpida a informao (NASCIMENTO, 2009, p. 109).

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    Este gnero tambm ressalta traos do autor e sua criatividade e sensibilidade.

    Como ele observa o mundo, as situaes que enfrentou no momento em que estava no

    local: tudo pode ser percebido no texto, e o reprter acaba se tornando um narrador

    personagem. Se o jornalista tem esse toque de emoo, ele observa padres de

    comportamento de um matador em srie, por exemplo, investiga seus valores, origens etc

    e constri toda a narrativa dos fatos.

    Ora, literatura e jornalismo esto to prximos, to ligados. O jornalismoapropria-se das tcnicas da literatura e vice-versa. O jornalismo tem dado maiorvivacidade literatura moderna. Qualquer reportagem bem feita tem elementosliterrios (SCHNAIDERMAN apud LIMA, 2004, p. 179).

    o tipo de jornalismo em profundidade e, por isso, o livro reportagem a melhor

    forma de fazer este tipo de textomas isso no impede uma boa matria em um jornal

    dirio, por exemplo por ter mais espao para contar histrias, humanizar os

    personagens, as situaes, etc; e o meio em que o jornalista tem liberdade de fontes,

    temporal e de propsito.

    Alm disso, o reprter no precisa ficar preso ao tradicional leadpara comear

    uma reportagem. Essa, inclusive, era um dos princpios norteadores do Novo Jornalismo,

    que tinha por objetivo reconstruir o momento de um acontecimento parte a parte, registrar

    dilogos completos, apresentar opinies de diferentes personagens e detalhar os gestos,

    hbitos, roupas, e demais caractersticas de um personagem, por exemplo

    Os reprteres devem seguir o caminho inverso e serem mais subjetivos. Noprecisam ter a personalidade apagada e assumir a encarnao de um chatopensamento prosaico e escravo do manual de redao. O texto deve ter valoresttico, valendo-se sempre de tcnicas literrias. possvel abusar dasinterjeies, dos itlicos e da sucesso de pontuaes. Uma exclamao, por

    exemplo, pode vir aps uma interrogao para expressar uma pergunta incisiva.Por que no?! (PENA, 2006, p. 13).

    O jornalismo literrio tambm um jornalismo de investigao que, como declara

    Luiz Costa Pereira Jnior (2006), passou por diversas transformaes nas ltimas

    dcadas.

    Investigar caro, demanda tempo e esforo. Amarga os ventos sazonais dareduo de postos de trabalho, das Redaes enxutas e da carga horria exaustiva,resultados de uma lgica de investimentos sistematicamente voltada para amodernizao tecnolgica e a infraestrutura (equipamentos, prdios, rotativas) enem sempre para a produo de contedo qualificado. vtima de manuais e

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    compndios de jornalismo, cuja nfase recai na pedagogia do estilo, no daapurao. Sofre as tentaes da era da internet, com o fcil acesso a dados semque se faa investigao, e das assessorias de imprensa, que mastigaminformaes para Redaes despovoadas e sobrecarregadas, em ofertasfast-food(JUNIOR, 2006, p. 75).

    Lage (2001, p. 138) fala que o jornalismo investigativo geralmente definido

    como forma extremada de reportagem. Trata-se de dedicar tempo e esforo para

    levantamento de um tema pela qual o reprter, em geral, se apaixona.

    E um bom jornalismo investigativo acaba se transformando em uma grande

    reportagem, que pode tambm pertencer ao gnero literrio. E, como declara Patrcia

    Ceolin do Nascimento:

    D-se esse nome s reportagens mais densas e mais extensas, que costumamocupar vrias pginas de jornais ou revistas e exigem do reprter grandecapacidade de planejamento e pesquisa, assim como um tempo maior de

    produo e redao (NASCIMENTO, 2009, p. 88).

    Outro ponto interessante a forte presena da abordagem cidad nas reportagens

    do gnero literrio. Pena (2006) diz que quando um reprter escolhe um tema, ele deve

    levar em considerao como a abordagem do assunto pode contribuir para a formao de

    um cidado, melhorar qualidade de vida de todos (PENA, 2006, p. 14).

    3.3 Jornalismo na internet

    No decorrer dos anos o jornalismo passou por diversas transformaes. Com a

    chegada da era digital e com a comunicao instantnea, a demanda por produo de

    notcias e informaes rpidas tornou-se cada vez mais crescente. Hoje, alm de portais

    de notcias, redes sociais como Facebook, Twitter, Instagram, Snapchat, Tumblr e

    Periscope, por exemplo, tambm fazem parte desse universo, e conectam pessoas em

    todas as partes do mundo.

    Esta revoluo tecnolgica chegou ao Brasil na dcada de 1990 e, como explica

    Alzira Alves de Abreu (2002) o jornalismo na internet:

    Rene elementos de todas as mdias existentestexto escrito, som, imagem emmovimentoda forma mais gil que as mdias originais. Alm disso, o custo

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    dessa mdia online muito mais baixo que o do rdio, da televiso ou dos jornaise revistas. No h necessidade de grande espao fsico para a instalao deequipamento, que constitudo basicamente de um provedor e computadores(ABREU, 2002, p. 56).

    Justamente por ser multimdia, a internet permite o aprofundamento em um

    assunto, que no visto na televiso, por exemplo. Documentos, fotos,podcasts, vdeos,

    entram para complementar a informao e dar vida s palavras. Sem falar no alcance, em

    todos os quatro cantos do mundo. Por este e outros motivos, escolhemos este formato

    para abrigar a grande reportagem.

    A perenidade tambm um fator determinante na escolha do formato. Como diz

    Bruno Rodrigues (2014), a notcia da TV, do rdio ou do impresso voltil, se esvaemno ar. Voc viu e ouviu mas passou, ou ento virou embrulho de po, sendo que na

    internet ela permanece (RODRIGUES, 2014, p. 46). Por isso importante checar bem as

    informaes antes de publicar.

    Mike Ward (2006) fala sobre a importncia de manter o equilbrio no tamanho

    do texto. No porque o espao ilimitado, diferentemente da mdia impressa, o reprter

    tem que esgotar esse recurso.

    Jakob Nielsen (2000) cita a pesquisa que indica que a leitura nas telas decomputador cerca de 25% mais lenta que na leitura do papel. Ele recomendaque se escreva 50% para compensar essa desvantagem e o desconforto causado

    pela leitura na tela (embora a resoluo de tela melhore com o passar dos anos)(WARD, 2006, p. 106).

    Escrever frases na ordem direta, no usar mais palavras do que o necessrio, ser

    especfico, abusar do coloquialismo: as normas textuais so as mesmas de uma notcia.

    Contudo, hoje em dia a internet tem ganhado sua prpria linguagem. Os textos se

    apropriam de jarges, memes, e criam a identidade deste veculo de comunicao.

    E a publicao da notcia feita em um tempo infinitamente inferior ao de

    formatos como o impresso. Reprteres em coletiva, por exemplo, j levam os

    computadores para a entrevista e no local escrevem a matria para logo encaminhar ao

    editor, que rapidamente publica no site. Eles furamjargo utilizado quando um veculo

    publica uma informao antes de outrotodos os demais veculos de comunicao.

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    Outro aspecto marcante do jornalismo online a interatividade com o leitor. Seja

    por meio de e-mails ou caixas de comentrios: as opinies se tornaram parte da notcia, e

    que acabam ganhando certa credibilidade. Este recurso importante tambm para medir

    o alcance da reportagem, saber como anda a resposta do pblico certo tipo de contedo,

    etc.

    O design do site fundamental para a comunicao da mensagem. A forma em

    que o texto est organizado, com sees interativas, menus, barras de informaes, so

    essenciais para cativao do leitor. A pluralidade de mdias tambm um fator importante

    nesse processo, j que o formato da pgina favorece a publicao de vdeos, links, udios,

    entre outros formatos.

    Essa personalizao, de acordo com o tema proposto, favorece a navegabilidade,

    e amplia o nmero de visitantes na pgina, pela facilidade em transmitir as informaes.

    A nossa pgina ter um texto corrido, dividido em interttulos, links, vdeos e fotos. No

    topo, sero disponibilizadas retrancas com temas e subtemas, para facilitar o acesso do

    leitor, de acordo com o assunto de interesse.

    Em resumo, o jornalismo online tem seis caractersticas marcantes. So elas:

    instantaneidade, interatividade, hipertextualidade, multimediao, perenidade e

    personalizao de contedo. Ou seja: ele rene todos os veculos de comunicao em um

    s, e assim se solidifica como o meio mais democrtico e eficaz de se propagar

    informaes.

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    4 A REPRESENTAO DA RESSOCIALIZAO DE PRESOS EM VECULOSONLINE DO DF

    Com o objetivo mapear e mostrar a cobertura noticiosa sobre o encarceramento

    no Brasil e no Distrito Federal, analisamos matrias publicadas pelos dois maiores portais

    de notcias do DF: Correio Braziliense e Jornal de Braslia. Conclumos que esses

    veculos de comunicao abordam de forma superficial o sucateamento, a superlotao e

    a falta de incentivos ao estudo e trabalho dentro das penitencirias, e tambm evitam

    pautas secundrias, como a realidade vivida por familiares de presos, por exemplo, que

    so expostos a situaes vexatrias semanalmente durante as visitas.

    So vrios ngulos a serem explorados, histrias de superao que poderiam ser

    contadas e ajudariam a quebrar o preconceito que essa parcela da sociedade sofre, masacabam caindo no esquecimento. A maioria das reportagens falam de temas como prises

    e apreenses que aconteceram durante o dia, mas no indagam a situao e a dificuldade

    que os detentos tm para se reinserir na sociedade. Por isso optamos por abordar esse

    tema com maior profundidade em nossa grande reportagem, para ver as outras vertentes,

    mostrar os obstculos que essas pessoas encontram para ter a vida restaurada.

    4.1 Correio Braziliense

    Com a ferramenta do sistema de buscas do site, encontramos mais de 1.210

    resultadospara as palavras chave: presos, detentos, presidirios, cadeia, presos

    trabalho e encarceramento. Contudo, o portal se limita a mostrar apenas 100

    reportagens por tag. Foram selecionadas oito matrias, que compreendem o perodo de

    2014 a 2016 e abordam temas relevantes para a construo da nossa grande reportagem,

    como: benefcios aos presidirios, humanizao dos detentos, falta de estrutura das

    penitencirias, entre outros. So assuntos que interferem diretamente na ressocializao

    dos internos. A maior delas, em questo textual, apresenta 7.604 caracteres e cinco fontes.

    J a menor tem apenas 956 caracteres e no tem nenhum entrevistado. No final desse

    captulo, disponibilizamos um quadro de anlise2com todas essas informaes.

    A reportagem Superlotao grave no sistema prisional do Distrito Federal,

    2Ver no anexo quadro de anlise de publicaes do portal Correio Braziliense

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    publicada em 27 de maio de 2015 j narrava um pouco da situao das penitencirias do

    DF, que s se agrava com o passar do tempo.

    Com seis unidades prisionais, o Distrito Federal tem hoje uma populaocarcerria de 14.291 presos. Quase o dobro da capacidade do sistema, que de

    7.383. So oito detentos para cada agente penitencirio. Isso sem levar emconsiderao que os 1.691 servidores trabalham em escala de planto. A situao pior do que o panorama nacional. Segundo os dados mais recentes doMinistrio da Justia, em junho de 2013, havia 556.835 enc