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Memórias do bullying

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Atualmente, o fenômeno bullying/violência escolar tem sido assunto de constante preocupação e discussão entre professores, pedagogos, psicólogos, pais e estudantes em todo o mundo. Isso acontece devido ao crescimento desse fenômeno, o que tem feito com que muitas crianças sofram violência física, psíquica e verbal no ambiente que deveria lhes transmitir segurança e socialização: a escola. Com isso, o bullying passou a ser considerado um problema de saúde pública internacional. O livro Memórias do bullying aborda o assunto a partir de duas perspectivas: a experiência profissional da autora do livro como estudiosa dos fenômenos psicológicos relacionados ao bullying, e as experiências de ter sofrido bullying na infância, corroborando as pesquisas citadas no livro.

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memóriasdo bullying

Tahiana Andrade S. Borges

São Paulo, 2015

TALENTOS DA LITERATURA BRASILEIRA

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Memórias do bullyingCopyright © 2015 by Tahiana Andrade S. BorgesCopyright © 2015 by Novo Século Editora Ltda.

gerente editorialLindsay Gois

editorialJoão Paulo PutiniNair FerrazRebeca LacerdaVitor Donofrio

gerente de aquisiçõesRenata de Mello do Valeassistente de aquisiçõesAcácio Alvesauxiliar de produçãoLuís Pereira

preparaçãoLótus Traduções

diagramaçãoVitor Donofrio

revisãoAlline Salles (AS Edições)

capaDimitry Uziel

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Borges, Tahiana Andrade S.Memórias do bullyingTahiana Andrade S. BorgesBarueri, SP: Novo Século Editora, 2015.

(Talentos da Literatura Brasileira)

1. Bullying 2. Bullying nas escolas 3. Psicologia aplicada 4. Relatos 5. Superação – Histórias de vida I. Título. II. Série.

15 ‑0682 cdd ‑158.2

Índice para catálogo sistemático:1. Bullying: Histórias de superação: Psicologia 158.2

novo século editora ltda.Alameda Araguaia, 2190 – Bloco A – 11o andar – Conjunto 1111 cep 06455 ‑000 – Alphaville Industrial, Barueri – sp – BrasilTel.: (11) 3699 ‑7107 | Fax: (11) 3699 ‑7323www.novoseculo.com.br | [email protected]

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1o de janeiro de 2009.

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Aos meus pais, Jorge e Cristina,

Foi graças ao amor e à dedicação de vocês que fui capaz de superar os meus medos e dificuldades. A nossa estrutura

familiar, os almoços em família e os ensinamentos de fé foram os principais responsáveis por fortalecer a minha

autoestima e o meu caráter.

A vocês devo os princípios e valores que levarei por toda a minha vida, bem como a força que encontrei para enfrentar os

obstáculos e transformá ‑los em objeto de altruísmo e amor.

Sem esse amor, sem os conselhos, sem essa família, eu jamais teria sido tão amada e tão feliz! Espero poder um dia

retribuir tudo o que vocês já me proporcionaram!

Amo vocês!

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela família na qual me colocou e pelos caminhos que me permitiu trilhar. Porque d’Ele, por Ele e para Ele são todas as coisas.

Ao meu esposo, Ricardo Borges, um presente de Deus em minha vida, que por meio de seu exemplo diário tem me ensina‑do o caminho da paciência e da tolerância. Agradeço por com‑preender a minha ausência nas inúmeras vezes em que precisei me debruçar sobre livros e computadores. O seu apoio, o seu incentivo e a sua confiança no meu trabalho me deram forças para não desistir. Sua presença em minha vida me faz sentir pro‑tegida, amada e respeitada. Amo você para sempre!

À minha irmã, Taiala Andrade, pelas vezes em que tentou me proteger ou me defender, mesmo sendo a irmã mais nova. Sua coragem e seu sorriso me ensinaram que é possível levar a vida com leveza e bom humor.

À minha vovozinha, Maria do Carmo, que me ensinou que o amor próprio é fundamental e que não importa o que as pes‑soas nos façam ou nos digam, devemos seguir em frente sempre.

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“Quando algumas crianças se divertem à custa do sofrimento de outras crianças, podemos chamar isso de bullying.”

BRINCADEIRA DE CRIANÇA

Bullying, o que é isso?1

A palavra “bullying” é originária do termo em inglês “bully”, que significa valentão, brigão, mandão, e não possui tradução para a língua portuguesa. É possível definir o bullying como uma sub‑categoria de agressão e/ou comportamento agressivo caracteri‑zado pela repetitividade e assimetria de forças (Olwes, 1993). A conceituação mais difundida sobre esse fenômeno esclarece que o bullying é um conjunto de atitudes de violência física e/ou psicológica, de caráter intencional e repetitivo, praticado por um agressor contra uma ou mais vítimas que se encontram impossi‑bilitadas de se defender.

As ações do bullying são provocações com caráter degradante e ofensivo, acontecendo sempre de maneira intencional, podendo envolver: apelidos, xingamentos, palavrões, ameaças, isolamento, exclusão, humilhação, chantagem, ridicularização, difamação, perseguição, agressão física, sempre com a intenção de amedrontar, oprimir, maltratar, tiranizar, demonstrar poder, dentre outras.

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É um comportamento cruel, intrínseco nas relações interpessoais, em que os mais fortes convertem os mais frágeis em objetos de diversão e prazer, por meio de brincadeiras que disfarçam o propósito de maltratar e intimidar (Fante, 2005).

Em muitos momentos serão aqui utilizados termos técnicos relacionados ao bullying a fim de que o leitor se familiarize com expressões específicas do assunto. A compreensão do significa‑do dessas palavras ajuda no melhor entendimento do tema e no aprimoramento da linguagem.

• Bullying: conjunto de atitudes violentas contra uma criança ou grupo de crianças.

• Bully: agressor, pessoa que provoca o bullying, o responsável pelas atitudes agressivas.

• Bullies: coletivo de agressor, agressores, grupos de pessoas que provocam o bullying.

• Bullycídio: suicídio induzido/provocado/estimulado pelo bullying, ato de tentar tirar a própria vida motivado pelo so‑frimento causado por atitudes violentas cometidas por outras pessoas contra si mesmo.

Os tipOs de bullying

O bullying pode acontecer de diversas formas: verbal, psico‑lógica, física e virtual, que é o chamado “cyberbullying”.

bullying verbal

O bullying verbal é o tipo mais comum do fenômeno e cos‑tuma ser cometido tanto por meninos quanto por meninas. Esse tipo de agressão costuma envolver difamações, fofocas, gozações,

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críticas e, claro, apelidos pejorativos. Por ser considerado pouco preocupante pelos pais e professores, os quais o veem como brin‑cadeiras de criança, o bullying verbal é a forma mais constante e persistente de bullying, pois pode ser feito escondido do pro‑fessor, por meio de sussurros, bilhetinhos e apelidos pejorativos considerados normais.

Nesses casos, devemos estar atentos ao fato de que o bullying verbal é muito difícil de ser diferenciado das brincadeiras inofen‑sivas entre as crianças. Isso porque ele não envolve sequelas físi‑cas e, muitas vezes, as crianças apelidadas ou vítimas das agres‑sões verbais não reagem.

bullying psicOlógicO

O isolamento e a exclusão escolar podem ser chamados de bullying psicológico ou social. Normalmente, ocorre quando uma criança é humilhada na frente de outras crianças. Há exclusão e rejeição sem que haja, necessariamente, agressões físicas ou ver‑bais. Ele acontece, geralmente, com meninas e é muito prejudi‑cial à autoestima e às habilidades sociais e interpessoais da vítima.

Esse tipo de bullying pode ser muito perigoso, visto que a humilhação e o constrangimento costumam ocorrer na frente de outros alunos, podendo ridicularizar uma pessoa sem ofendê‑‑la de forma direta, apenas excluindo, isolando, marginalizando, ignorando e virando as costas.

bullying físicO

O bullying físico envolve todas as agressões físicas possíveis entre crianças e adolescentes no ambiente escolar. São agressões que envolvem não apenas chutes, murros e empurrões, mas

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incluem brigas com objetos perfurantes, facas, estiletes e, por vezes, até armas de fogo.

Esse tipo de bullying é o mais visível e, por isso, o mais per‑cebido entre professores e pais de alunos, que se preocupam demasiadamente com as agressões e sequelas físicas, mas não percebem que isso é consequência de outros tipos de violência como as citadas anteriormente.

cyberbullying

O cyberbullying, também conhecido como bullying virtual, acontece quando um agressor se utiliza dos recursos tecnológicos para constranger, humilhar, maltratar e ofender suas vítimas. De acordo com a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva (2010), a gran‑de diferença entre o bullying e o cyberbullying são as formas e o meio de praticar a violência, pois, no primeiro caso, a vítima sabe quem é o seu agressor, e os constrangimentos tendem a resumir‑‑se ao ambiente escolar. Já no caso do cyberbullying, além da possibilidade de anonimato do agressor, as humilhações podem extrapolar o limite do imaginável e ir muito além da escola.

A crença de anonimato por trás desse bullying virtual é o que torna o fenômeno ainda mais sério, visto que a máscara dos no‑mes fictícios nas redes sociais tem levado muitos a acreditar que podem fazer o que quiser com outras pessoas e não serem desco‑bertos. Com isso, não há medo de ser identificado ou punido, e a intensidade das humilhações torna ‑se ainda pior.

É importante frisar que todos os tipos de bullying podem ocorrer em qualquer lugar: grupos de bairro, grupos religio‑sos, condomínios, espaços de atividades extracurriculares, tais como escolinhas de futebol, cursos de inglês, aulas de dança,

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dentre outros ambientes que reúnam crianças e adolescentes, e até mesmo dentro do grupo familiar. No entanto, o local em que o bullying pode ser visto com mais frequência e intensidade é o am‑biente escolar, onde a criança passa a maior parte do seu tempo. Independentemente do local em que o bullying ocorrer, sempre causará dor, angústia e sofrimento causados pela intimidação da vítima, que, coagida, submete ‑se ao agressor em um jogo de poder.

De acordo com a escritora e psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, “seja por uma questão circunstancial ou por uma desi‑gualdade subjetiva de poder, por trás dessas ações sempre há um agressor que domina a maioria dos alunos de uma turma e proíbe qualquer atitude solidária em relação ao agredido”.

Essa definição do bullying nos leva à percepção de que, ape‑sar de muitas vezes parecer impossível ou imprevisível, crianças são capazes de cometer maldades de forma proposital e constan‑te com o intuito de prejudicar outras crianças. E, por causa des‑sas crianças, há também aquelas que sofrem violência sem mo‑tivo algum, sem entender as razões de terem se tornado vítimas.

cOntextO históricO

Historicamente, apesar de existir há muito tempo – pois é possível que o bullying tenha surgido juntamente com as insti‑tuições escolares –, apenas nos anos 1970 ele se tornou objeto de estudo científico, porém sem grandes repercussões.

Em 1982, na Noruega, três crianças com idades entre 10 e 14 anos se suicidaram por motivos relacionados a maus ‑tratos de co‑legas no ambiente escolar. Foi então que Dan Olweus (1993) ini‑ciou o primeiro estudo aprofundado sobre o bullying, tornando‑‑se o primeiro estudioso do fenômeno.

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Nesse estudo, Olweus fez uma pesquisa com 84 mil estu‑dantes noruegueses, 1000 pais de alunos e 400 professores e con‑cluiu que 1 em cada 7 alunos estava envolvido com o bullying. Olweus identificou três características específicas que definem o bullying:

1) os comportamentos agressivos são repetidos com a mesma pessoa;2) há um desequilíbrio de poder entre os envolvidos; 3) ausência de motivos que provoquem a agressão.

Com os estudos de Olweus e o crescente surgimento de casos de violência escolar, o fenômeno bullying passou a ser mais estudado, bem como passou a atrair novos olhares e mais atenção. Foi em 2001 que a Abrapia iniciou os primeiros estudos sobre o tema no Brasil.

Essa análise histórica nos leva à compreensão do motivo que leva o bullying a ainda receber pouco destaque em meio às inú‑meras preocupações escolares e sociais. Quando fui vítima de bullying pela primeira vez, estávamos no ano de 1998, cerca de quatro anos antes de os estudos tomarem maiores proporções em nosso país. Ainda hoje, devido aos poucos estudos nacionais so‑bre o assunto, temos visto crianças e adolescentes sofrerem com esse tipo de violência na escola sem que seus pais e/ou professo‑res os percebam.

Apesar disso, a preocupação com o bullying tem crescido gradativamente e tem nos levado a inúmeras conquistas no âm‑bito da educação e da saúde coletiva nacional. Em 2009, por exemplo, foi aprovada a Lei Municipal 14.957 em São Paulo, que dispõe sobre a inclusão de medidas de conscientização,

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prevenção e combate ao bullying escolar. Em 2012, no Distrito Federal, foi criada uma lei semelhante. O objetivo de ambos os projetos é que as escolas públicas incluam medidas de conscien‑tização e prevenção ao bullying em seu projeto pedagógico.

Outros avanços em relação ao tema incluem o site da Abrapia, que divulga uma cartilha sobre o bullying; a criação do Dia Nacional de Combate ao Bullying, que acontece no dia 7 de abril, fazendo referência ao massacre de Realengo, no qual um jovem retornou à escola em que estudou e atirou em muitas crianças, alegando vingança pelo bullying que sofreu na infân‑cia; e uma petição pública que corre na internet cujo objetivo é solicitar a aprovação da Lei Nacional Antibullying (Projeto de Lei 6504/2013).

Além disso, o fenômeno bullying tem tomado tantas pro‑porções que casos como o ocorrido na Noruega adquiriram o nome de “bullycídio”. O termo relaciona as palavras bullying e suicídio justamente por designar a prática de suicídio motivado pelo bullying.

Entretanto, como todo assunto polêmico, há quem diga que o bullying, na realidade, não existe e defenda: o que existe nas escolas são apenas brincadeiras de criança, e essas brincadeiras as ajudam a amadurecer e crescer sozinhas. Para os que seguem essa linha de pensamento, o bullying não deve ser considerado um problema grande, visto que, segundo eles, esses rituais de disputas e “pequenas brigas” servem para que as crianças e os adolescentes aprendam a se defender sozinhos, evitando apuros ainda maiores quando adultos.

Certa feita, uma ex ‑colega de faculdade, também psicóloga, me chamou para conversar a respeito de uma postagem que fiz

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em uma rede social sobre o bullying, fruto dos meus muitos estu‑dos para escrever este livro. Em nossa conversa, ela disse estar pen‑sando a respeito das minhas reflexões sobre o bullying, pois, apesar de compreender o sofrimento envolvido no fenômeno, acreditava que as crianças, atualmente, estavam sendo muito frágeis e super‑protegidas, não sabendo se defender ou enfrentar as adversidades, e, com isso, estavam se vitimizando. Eu queria falar para ela que estava dizendo aquilo à pessoa errada. Mas, ao contrário, contei‑‑lhe a minha experiência pessoal, discuti alguns casos clínicos que estava acompanhando no momento e sugeri alguns livros e filmes para que ela pesquisasse e compreendesse mais profundamente sobre o assunto, sem que eu precisasse direcionar sua opinião com a minha parcialidade diante da violência escolar.

Antes de finalizar a conversa, no entanto, lancei a ela a se‑guinte reflexão: as vítimas de bullying, normalmente, são crian‑ças que não sabem se defender, tímidas e sem assertividade. Contudo, isso não quer dizer que a culpa seja da vítima… que por não saber se defender mereça sofrer violência psíquica, social e física na escola. A educação dos pais, a superproteção, o consu‑mismo e outras atitudes equivocadas da modernidade precisam ser questionados, mas elas não anulam a existência da violência. Precisamos, sim, treinar nossas crianças para que aprendam a se defender e, com isso, minimizem sofrimentos, mas o que faremos com a violência escolar que já existe? O que faremos com as me‑ninas excluídas que passam todo o horário das aulas sozinhas, que são roubadas, chutadas, apelidadas, xingadas, isoladas, rejeitadas? O que faremos com as crianças que são proibidas de entrar no banheiro? De beber água? De lanchar? O que faremos com as crianças que “não sabem se defender” e, por isso, são ameaçadas

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e excluídas das atividades esportivas? O que faremos com aquelas que têm seus pertences estragados e suas atividades escolares des‑truídas? Suas roupas cortadas? Sua autoestima dilacerada?

Além disso, é preciso estar atento ao fato de que, ao afirmar que a criança vítima de bullying precisa aprender a se defender e a se posicionar, estamos tirando a culpa dos ombros do agressor e colocando ‑a sobre os ombros da vítima. Ao dizer que é a vítima quem precisa se comportar de maneira diferente, estamos, de certa forma, concordando com a atitude da criança violenta, justificando‑‑a a partir do comportamento da vítima. Indiretamente, estamos dizendo que, se a vítima se comportasse de maneira diferente, não existiriam agressores. Tal afirmação, no entanto, é demasiadamen‑te perigosa, visto que a culpa da violência, seja qual for o tipo de violência, deve ser sempre do agressor e do modelo de gestão pú‑blica e social no qual estamos inseridos. Se nossas crianças estão cheias de “mimimi”, como dizem por aí, isso é um problema com o qual devemos nos preocupar, mas nunca, em hipótese alguma, poderíamos tirar a culpa do agressor e depositá ‑la sobre a vítima.

Infelizmente, não voltei a conversar sobre o assunto com a minha colega, contudo, tenho certeza de que os aspectos que en‑contrei sobre o bullying em inúmeras pesquisas, muitos pacien‑tes e alguns anos da minha experiência pessoal quando criança podem ser capazes de transformar o pensamento de pessoas que acreditam que o bullying é um processo “normal” e aceitável para o desenvolvimento de nossas crianças.

Digo isso porque, apesar de não podermos negar que é preciso deixar que as crianças cresçam e aprendam a se defender sem que os adultos, pais e professores se intrometam constantemente em seus problemas, como juízes dispostos a julgar as causas infantis,

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é preciso estar atento à diferença entre brincadeiras inocentes e brincadeiras que prejudicam outras crianças. Pois, se não fizermos isso, estaremos negligenciando não apenas a criança que sofre, mas também a que faz sofrer e, então, poderemos estar criando verdadeiros tiranos, ávidos por poder, insensíveis ao sofrimento alheio, crianças más que poderão se tornar adultos cruéis!

No que se refere ao bullying, não podemos esquecer que brincadeiras saudáveis e normais são aquelas em que todos os participantes se divertem. Quando apenas uma parte das crian‑ças se diverte à custa do sofrimento de outras, podemos chamar isso de bullying e ficar seriamente preocupados.

casOs de bullying na mídia

Antes de continuar a narração da minha história como víti‑ma da violência escolar, decidi trazer outros casos de bullying es‑palhados pelo mundo que provocaram grande comoção nas suas comunidades. Por meio dessas histórias, o leitor poderá perceber as diferentes reações das crianças e dos adolescentes frente ao bullying, mas, principalmente, a intensidade e os perigos emi‑nentes nessas situações.

Cada história receberá o mesmo título das reportagens que as divulgaram, a fim de enfatizar sua veracidade. Essas e outras histórias de bullying poderão ser encontradas na íntegra em mi‑nha página no Facebook.1

1 www.facebook.com/psicologianoseudiaadia

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Caso1|Adolescentessãofilmadostorturandoerindodecolegaemsaladeaulaenquantoavítimadesmaiavaemorriaporsufocamento.

Um jovem de 17 anos foi amarrado e impedido de mover bra‑ços e pernas no banheiro de sua escola, na Rússia. Os “colegas” o levaram do banheiro para o fundo da classe, com o professor em sala de aula. Enquanto os alunos filmavam e riam da tentativa do jovem de se locomover, ele tropeçou e caiu, atingindo uma mesa com o pescoço. Tendo ficado com dificuldade de respirar, morreu por sufocamento.

Caso2|Adolescentesemataapóspassaranossendozoadapelacordocabelo.

Uma jovem de 15 anos, na cidade de Kendal, Inglaterra, preferiu se matar a enfrentar zoações e julgamentos dos cole‑gas devido à cor de seu cabelo. Ela se enforcou algumas horas depois de sair de casa para passear. Segundo o pai da vítima, o assédio moral que ela enfrentou durante toda a vida com certeza contribuiu para a sua decisão pela morte, pois as provocações já estavam ofuscando sua personalidade. Após o ocorrido, a família pediu às autoridades que a discriminação que a filha sofreu e as piadas sobre ruivos fossem reconhecidas como crime de ódio.

Caso3|Chamadade“bestahumana”naescola,jovemsevingadezanosdepois.

Após três anos sofrendo bullying na escola em que estudava, na Inglaterra, e sendo apelidada de “besta humana” devido ao fato de estar acima do peso, uma jovem reencontrou o seu principal agressor dez anos depois, na faculdade. Ele não a reconheceu e

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a convidou para sair. Com o intuito de se vingar, a jovem aceitou o convite, chegou algumas horas antes ao restaurante e deixou uma foto sua de infância com uma garçonete e um recado no verso. Leia um trecho do recado: “Lembra quando eu era gorda e você zombava do meu peso? Eu passei os três anos seguintes comendo menos que uma maçã por dia. Então, decidi deixar de jantar! (…) Envio esta foto como lembrete: na próxima vez em que você pensar em mim, observe a menina desta foto e lembre que foi por ela que você se interessou”.

Caso4|Adolescentepuladoprédioapósserzoadaeatormentadapor“amigos”naescola.

Uma jovem de 17 anos, de Oswaldtwistle, na Inglaterra, se matou após enfrentar, calada, três anos de bullying na escola. Ela ia para uma entrevista de emprego, mas mudou o trajeto e se jogou de um prédio. Sofreu ferimentos graves na cabeça e não resistiu. A mãe disse que a filha era intimidada na escola desde os 14 anos, e a zombaria provocou nela diversos distúrbios mentais, dentre eles o transtorno de ansiedade. A médica que a acompanhava afirmou que a jovem mascarava muito bem seus medos e sintomas.

Caso5|MeninasofrebullyingeapanhanasaídadaescolaemPiracicaba,SP.

Uma menina de 12 anos era chamada de gorda na escola e criticada por possuir estrias. Ela sofria bullying há um mês quando cinco meninas a cercaram na saída da aula e começaram a agredi ‑la fisicamente. Enquanto era agredida, outras meninas filmavam a ação. Segundo o pai, a escola já havia sido alertada

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pela situação do bullying, mas não adiantou. Somado ao trauma de não querer mais ir à escola, a menina também não quer mais fazer as refeições por medo de ganhar peso.

Caso6|Garotarespondebullyingemescolacommensagensdecarinho.

Em Calgary, Canadá, uma estudante teve o armário vanda‑lizado, o iPad roubado e utilizado para postar mensagens cruéis no Facebook. Em vez de se vingar, ela decidiu enviar mensagens positivas às pessoas e foi à escola com 850 post ‑its com mensa‑gens do tipo: “Você é incrível” e “Seja você mesmo”. Ela colou essas mensagens nos armários com o objetivo de fazer as pessoas sorrirem. A atitude virou moda na cidade e muitas pessoas passa‑ram a espalhar post ‑its com mensagens positivas.

Caso7|Alegandobullying,alunaesfaqueiacolegadentrodaescolaemSãoPaulo.

Uma jovem de 17 anos desferiu um golpe de faca na barriga de um colega de escola. Ela alegou que era agredida verbalmen‑te por ele, que a chamava de recalcada negra e caçoava de seu sotaque nordestino. A discussão começou no intervalo. A jovem tinha levado uma faca escondida na meia. O menino foi parar no hospital. Só após o ocorrido a escola decidiu tomar providências em relação a algumas ocorrências de bullying.

minha história

Apesar do meu sofrimento com o bullying ter ocorrido mui‑tos anos atrás, eu me lembro perfeitamente de como me sen‑tia com as brincadeiras desconcertantes feitas pelos meninos e

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meninas da sala. O pior é que é difícil dizer como elas começa‑ram porque simplesmente não há um motivo, uma razão, uma justificativa que explique as agressões e rejeições. Tudo começa de forma tão repentina que, por pior que pareça, a criança ou adolescente vai se acostumando a ser alvo das chacotas diárias.

Ao usar o termo “acostumar”, não quero dizer que a vítima aceita as brincadeiras, concorda com elas ou gosta delas. No en‑tanto, por sentir ‑se mais fraca e impotente diante de um jogo psicológico e subjetivo de poder, a criança não reage e, mui‑tas vezes, sente ‑se responsável pelos apelidos e “brincadeiras” às quais é submetida. Por causa disso, sentimentos de baixa autoes‑tima vão se tornando cada vez mais constantes, e a vítima passa a sentir tanta vergonha de si mesma e de seus comportamentos que começa a rejeitar ‑se. Dessa forma, gradativamente, a vítima deixa de enxergar ‑se como vítima e sente ‑se culpada pelos atos agressivos aos quais é constantemente exposta.

Os sentimentos de insegurança e inferioridade causados pelo bullying, muitas vezes, fazem com que a vítima se sinta merecedora das críticas e agressões e, por isso, acabe se acostu‑mando com elas. Apesar disso, mesmo acreditando ser merece‑dora e culpada pelas agressões às quais é submetida, a criança ou o adolescente não deixa de sofrer ou sentir angústia com as maldades escolares, o que acaba gerando um círculo vicioso de baixa autoestima, insegurança e autoflagelação.

Quando fui vítima de bullying pela primeira vez, eu tinha apenas 11 anos. O histórico de agressões psicológicas e sociais, no entanto, durou até que eu completasse 15 anos. Eu me lembro de incontáveis vezes em que saí da escola

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me sentindo sozinha e rejeitada. A dor que eu sentia era indescritível. Não dá para dizer, jamais, que aquelas coisas que vivi eram apenas brincadeiras de crianças. Eu tinha apenas 11 anos quando passei a odiar a minha pele, o meu cabelo, as minhas pernas e todas as minhas roupas. Eu dizia a mim mesma que não sabia me comportar de maneira adequada diante das outras crianças na escola e que, por causa disso, eu era rejeitada. Por vezes, inúmeras vezes, fiquei os intervalos entre as aulas sozinha, esperando o tempo passar enquan‑to dizia a mim mesma que eu era uma idiota antissocial.

Quando se tem 11 anos, a gente não consegue diferenciar muito bem o que os outros pensam sobre nós daquilo que nós somos e pensamos sobre nós mes‑mos. Na verdade, acho que em nenhum momento da vida – nem mesmo na fase adulta – conseguimos fazer essa separação de forma tão perfeita a ponto de não permitir que o que os outros dizem ou pensam nos atinja de alguma forma. De fato, passamos a vida inteira tentando ignorar o que falam a nosso respeito, mas fofocas e intrigas sempre incomodam, em qualquer idade da vida. Porém, quando se tem 11 anos, as coisas parecem tomar uma proporção muito maior.

Nessa época, meu mundo era resumido à escola. Se as coisas estavam bem na escola, estariam bem na minha vida. Se as coisas iam mal na escola, eu ia mal na vida. É assim com toda criança e adolescente. E, então, o bullying parece ter roubado grande parte da minha infância. Não significa que eu não fui uma criança feliz. Claro que fui! Tinha uma família maravilhosa e divertida, era saudável e gostava da vida que tinha. Havia pouco para reclamar. As coisas só eram ruins quando eu estava na escola, e era lá que eu passava 70% do meu tempo diário.

Uma das memórias mais fortes que tenho sobre o bullying na infância ocorreu cerca de quatro anos depois da história que relatei na introdução deste livro e será contada mais adiante. Posso dizer que me lembro com detalhes de mui‑tas situações de bullying em que fui vítima, e todas elas permanecem intactas

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TAHIANA ANDRADE S. BORGES

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em minha mente e jamais se apagarão. Provavelmente – com certeza quase que absoluta –, o meu interesse pelo bullying tenha surgido do meu passado doloroso na escola, marcado por apelidos, brincadeiras maldosas e exclusões sociais constantes.

Como psicóloga, posso escrever sobre consequências comportamentais e psi‑cológicas do bullying, posso descrever estudos, teorias e teses que envolvem o fenômeno. Como vítima de bullying que fui, posso escrever o que senti e o que sei, muito além das teorias.

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