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Mídia, Tecnologias e Aprendizagem EaD e Novas Tecnologias 1 Lato Sensu Resumo Neste artigo, serão discutidos aspectos so- ciológicos da mídia e as implicações psicoló- gicas do processo de recepção dos seus con- teúdos. A mídia utiliza, predominantemente, a imagem como recurso para a construção de seus discursos, assim, aqui serão apresen- tadas algumas questões acerca da imagem e da aprendizagem no contexto midiático. No campo da educação, uma das abordagens educacionais para esse fenômeno social é a conhecida como mídia-educação. Serão abordados também, aspectos sobre as instân- cias do processo de comunicação, da forma de interação do sistema mídia com o sujeito receptor de seu conteúdo. Além disso, carac- terísticas das principais mídias utilizadas na educação, procurando ressaltar as possibili- dades para o uso educacional. Palavras-chave: mídia-educação, imagem e educação, sistema midiático, sociologia da comunicação, níveis de leitura da imagem, audiovisual e aprendizagem, virtualidade. 1 Mídia e vida humana Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de pro- dução se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fuma- ça da representação (DEBORD, 1994). O trecho citado é parte da obra de Guy Debord, sociólogo e filósofo francês. Escri- ta no auge dos movimentos contraculturais do final dos anos 60 do século XX, talvez seja uma das obras mais críticas à nossa so- ciedade. Ela apresenta uma análise do de- senvolvimento da sociedade, denunciando a espetacularização, entendida como estrutu- rante das relações sociais, que passou a defi- nir e organizar a sociedade contemporânea. Nesse universo, a mídia, enquanto instituição promotora das relações espetaculares, colo- ca-se no centro de nossa discussão. Sem pretender demonizar a mídia ou a tecnologia que a suporta, pretende-se trazer alguns elementos para pensar os usos e as im- plicações do ponto de vista social e psíquico da relação da mídia com a educação, em par- ticular com a aprendizagem. Quando pensamos sobre a relação da mí- dia em nossa vida, tendemos a sublinhar seus valores culturais e dar menos atenção a seus valores sociológicos e psicológicos. Talvez a palavra certa não seja nem valores, e sim im- plicações, intervenções na natureza humana a partir do aparato tecnológico, ou, como tam- bém é denominado, Sistema Social da Mídia. Em meio às questões discutidas em torno da mídia, a psicanálise oferece alguns ele- mentos para reflexão. Os psicanalistas afir- mam que o mal do século é a ansiedade e a depressão: ambos os distúrbios psíquicos tem o tédio como um de seus componentes, uma vez que ele se instaura como uma das manifestações subjetivas de um espírito coa- gido, afastado de sua verdadeira existência, ou seja, como uma manifestação das conse- quências do ponto de vista psíquico que esta sociedade midiatizada vem produzindo nas pessoas (ADORNO, 1995). Esse processo traz como uma das prin- cipais consequências a detração da fantasia – como utopia – e seu atrofiamento, pois o sujeito volta sua fantasia para o conteúdo que as mídias lhes oferecem e se identifica num processo psíquico de regressão do tipo narcí- sico, de fantasia ilusória. A perda dessa dimensão na subjetividade humana cria as condições para que, mesmo

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Mídia, Tecnologias e Aprendizagem

EaD e Novas Tecnologias

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Lato Sensu

ResumoNeste artigo, serão discutidos aspectos so-

ciológicos da mídia e as implicações psicoló-gicas do processo de recepção dos seus con-teúdos. A mídia utiliza, predominantemente, a imagem como recurso para a construção de seus discursos, assim, aqui serão apresen-tadas algumas questões acerca da imagem e da aprendizagem no contexto midiático. No campo da educação, uma das abordagens educacionais para esse fenômeno social é a conhecida como mídia-educação. Serão abordados também, aspectos sobre as instân-cias do processo de comunicação, da forma de interação do sistema mídia com o sujeito receptor de seu conteúdo. Além disso, carac-terísticas das principais mídias utilizadas na educação, procurando ressaltar as possibili-dades para o uso educacional.

Palavras-chave: mídia-educação, imagem e educação, sistema midiático, sociologia da comunicação, níveis de leitura da imagem, audiovisual e aprendizagem, virtualidade.

1 Mídia e vida humana

Toda a vida das sociedades nas quais reinam as condições modernas de pro-dução se anuncia como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se esvai na fuma-ça da representação (DEBORD, 1994).

O trecho citado é parte da obra de Guy Debord, sociólogo e filósofo francês. Escri-ta no auge dos movimentos contraculturais do final dos anos 60 do século XX, talvez seja uma das obras mais críticas à nossa so-ciedade. Ela apresenta uma análise do de-senvolvimento da sociedade, denunciando

a espetacularização, entendida como estrutu-rante das relações sociais, que passou a defi-nir e organizar a sociedade contemporânea. Nesse universo, a mídia, enquanto instituição promotora das relações espetaculares, colo-ca-se no centro de nossa discussão.

Sem pretender demonizar a mídia ou a tecnologia que a suporta, pretende-se trazer alguns elementos para pensar os usos e as im-plicações do ponto de vista social e psíquico da relação da mídia com a educação, em par-ticular com a aprendizagem.

Quando pensamos sobre a relação da mí-dia em nossa vida, tendemos a sublinhar seus valores culturais e dar menos atenção a seus valores sociológicos e psicológicos. Talvez a palavra certa não seja nem valores, e sim im-plicações, intervenções na natureza humana a partir do aparato tecnológico, ou, como tam-bém é denominado, Sistema Social da Mídia.

Em meio às questões discutidas em torno da mídia, a psicanálise oferece alguns ele-mentos para reflexão. Os psicanalistas afir-mam que o mal do século é a ansiedade e a depressão: ambos os distúrbios psíquicos tem o tédio como um de seus componentes, uma vez que ele se instaura como uma das manifestações subjetivas de um espírito coa-gido, afastado de sua verdadeira existência, ou seja, como uma manifestação das conse-quências do ponto de vista psíquico que esta sociedade midiatizada vem produzindo nas pessoas (ADORNO, 1995).

Esse processo traz como uma das prin-cipais consequências a detração da fantasia – como utopia – e seu atrofiamento, pois o sujeito volta sua fantasia para o conteúdo que as mídias lhes oferecem e se identifica num processo psíquico de regressão do tipo narcí-sico, de fantasia ilusória.

A perda dessa dimensão na subjetividade humana cria as condições para que, mesmo

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tendo tempo livre para desfrutá-lo à sua ma-neira, as pessoas não conseguem fazer deste um tempo efetivamente livre. Elas acabam por buscar uma nova oferta do mercado da diversão para consumi-la nesse tempo, satis-fazendo em alguma medida sua necessidade psíquica de desligamento (ainda que por pou-cas horas) do real: um filme no cinema, algu-mas horas na internet, outras tantas presas na frente da televisão.

As mídias, nesse sentido, atuam como elemento de coesão entre o tempo do traba-lho e do não-trabalho, mantendo o sujeito numa dinâmica de continuidade na sua vida estandardizada, relacionando-se a partir de uma dinâmica da espetacularização. Com isso, o tédio da vida cotidiana é ilusoriamen-te rompido pelo glamour proporcionado pelo conteúdo das mídias, pela vida do galã, pela ida aos cinemas, pelos encontros furtivos nas salas de bate-papo virtual.

Porém, além dessas dimensões de caráter psicossocial, alguns autores ainda apontam ou-tros elementos que atuam diretamente sobre os indivíduos. Uma dessas é a relação dos sujeitos com o tempo. Segundo Uhlmann (2002, p. 6), “A realidade fragmentada, retratada por imagens sem tempo, levam as pessoas a reações inade-quadas tais como a regressão a tempos passa-dos ou digressões em mundos de fantasias, en-fim a viverem em um mundo sem o agora, sem o real, somente o virtual e imagético”.

A distinção entre espaço e tempo fica des-focada. Essas questões explicam em alguma medida certos comportamentos de pessoas que vivem, no sentido lato do termo, a vida de personagens da mídia. Os personagens são criações, não existem e, portanto, não po-dem ser analisados e sequer tomados dentro do mesmo quadro de referência e de valores com os quais lidamos no nosso convívio. No entanto, a narrativa da mídia e a narrativa da vida cotidiana aparecem para parte da popu-lação, sem qualquer distinção.

Esse efeito certamente é devastador, pois mostra em que medida esses sujeitos estão suscetíveis ao discurso midiático, sem ou pouca capacidade de discernimento. Com isso, temos que concordar com Uhlmann (2002, p. 3) de que

O convívio social no mundo ociden-tal passa a ser, de maneira crescente, até mesmo exponencial com o adven-to das novas tecnologias geradoras de imagens, governado por imagens, de aparências, do político, do diretor, do homem e da mulher. Imagens que se sobrepõe à pessoa.

Nesse sentido, a discussão sobre as ima-gens coloca-se no núcleo deste artigo, pois independente da tecnologia utilizada, as rela-ções sociais na atualidade são mediadas pelas imagens. Segundo Costa (2005), as imagens, além de despertar um movimento intrapsíqui-co profundo, tem grande importância na cul-tura humana. Para o autor

[...] as imagens mentais que obtemos de nossa relação com o mundo podem ser armazenadas, constituindo nossa memória, podem ser analisadas pela nossa reflexão e podem se transformar numa bagagem de conhecimento, ex-periência e afetividade (2005, p. 27).

Várias técnicas foram desenvolvidas ao longo da história humana, permitindo que os indivíduos expressem sua subjetividade, utilizando-se de desenhos, pinturas e escul-turas. Por meio disso, compartilham com os outros suas emoções e sentimentos, desperta-dos pela relação de si próprio com o mundo e com os outros.

Com o desenvolvimento tecnológico, o processo de produção de imagens foi se am-pliando e diversificando. Costa (2005) orga-niza as imagens em duas categorias distintas: imagens tradicionais, que são as “imagens produzidas a partir do uso de técnicas ma-nuais ou gestuais e instrumentos que apenas facilitam ou potencializam a expressão do autor” (p. 28); e as imagens técnicas, que são realizadas com o “uso de equipamentos que interferem de forma significativa no seu pro-cesso de produção” (p. 29).

Segundo a autora, ao falarmos em ima-gens, devemos identificar, ainda, o processo ou o estágio do processo cognitivo ao qual nos referimos, ou seja, podemos tratar de uma imagem advinda de uma percepção sensorial da realidade (imagem/visão), de imagens internas elaboradas do mundo (ima-gem/pensamento) ou de expressões de nossa

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subjetividade (imagem/texto). Nessa última estão as imagens produzidas por linguagens tradicionais e as imagens técnicas.

No campo da educação, a tradição que submeteu os conhecimentos ao registro escri-to obriga quem deseja ter acesso a ele utilizar a leitura, prática esta que levou à associação entre conhecimento e alfabetização. Já a lin-guagem visual, por ser considerada pouco precisa, ambígua ou excessivamente particu-lar, parecendo pouco ligada à racionalidade, fez com que a escola não utilizasse como base para a aprendizagem as imagens e sua leitura em atividades pedagógicas.

Na sociedade atual, as imagens nos cer-cam a todo o momento, seja a nossa própria imagem refletida no espelho, sejam as ima-gens que aparecem no cinema, na televisão ou nas telas do computador. Essas imagens, mesmo que involuntariamente, despertam a emoção, gerando diferentes reações. Diante dessa realidade, a retomada da leitura das imagens na escola torna-se urgente e, para Costa (2005, p. 35),

a opção por uma educação que valo-riza a educação pela e para a imagem não se faz em nome de uma ação pe-dagógica menos disciplinada ou mais espontaneísta, mas em busca de um entendimento mais afetivo do mundo e de uma comunicação mais abran-gente e inclusiva.

Porém, não podemos deixar de enfatizar que a utilização da linguagem visual na edu-cação exige planejamento e aprendizado e, principalmente, uma leitura crítica das mes-mas justamente pelo caráter emotivo, ambí-guo e afetivo.

Retomando as categorias comentadas an-teriormente (imagem/visão, imagem/pensa-mento, imagem/texto), Costa (2005) sugere aos educadores alguns trabalhos pedagógicos a partir das capacidades que ajudam a desen-volver. A primeira categoria, imagem/visão, relaciona-se ao uso do olhar e ao desenvolvi-mento da competência do ver com a prática da observação. Segundo a autora (2005, p. 38):

[...] o olhar não depende apenas da habilidade dos órgãos da percepção,

mas também dos processos mentais, e que ambos necessitam ajustes, trei-namento e experimentação para seu desenvolvimento. As atividades peda-gógicas voltadas para essa finalidade dizem respeito à conscientização do ato de ver, de sua complexidade e par-cialidade. Dizem respeito também ao aprendizado de uma metodologia de aprimoramento da observação.

A segunda categoria, imagem/pensamen-to, refere-se aos estímulos visuais que são or-ganizados para que o observador identifique ou reconheça aquilo que vê, ou seja, as ima-gens são organizadas e processadas. Nessa categoria também entram as emoções, a me-mória e os juízos de valor, que darão origem a visão de mundo.

A terceira categoria, imagem/texto, diz respeito às imagens processadas em nossa mente, que representam os elementos mais importantes que possuímos em nossa relação com os outros e com o mundo à nossa volta. Para que essa relação se efetive, foram criadas as linguagens que colocam os indivíduos em comunicação, permitindo que estes expres-sem a sua visão de mundo. De acordo com Costa (2005), é possível identificar dois sub-grupos pertencentes ao grupo imagem/texto: textos em linguagens visuais e textos em lin-guagens não-visuais.

O primeiro diz respeito “às imagens que resultam do uso predominante das lin-guagens que se destinam à percepção vi-sual do observador” (COSTA, 2005, p. 46) e que podem ser divididas em imagens de linguagens tradicionais (pintura, desenho, gravura, escultura) ou imagens técnicas (fotografia, cinema, vídeo, computadores); o segundo se constitui “em obras que se destina à percepção coletiva pela sensibi-lização de outros órgãos dos sentidos que não a visão, como audição, olfato ou tato” (COSTA, 2005, p. 46).

Também podem ser divididas em lingua-gens tradicionais (música, por meio de instru-mentos musicais) e técnicas (música, com o uso de tecnologias avançadas de produção e reprodução de sons).

Sinteticamente, essa categorização está na tabela a seguir:

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Tabela 1 Categorização das imagens

Característica Imagem/visão Imagem/pensamento Imagem/textoCognitivo Percepção

sensorial da realidade

Imagens internas ela-boradas do mundo

Expressões de nossa subjetividade

Produção Olhar Estímulos visuais para reconhecimento

Processadas em nossa mente com técnica

Tecnologia nenhuma nenhuma TecnologiaImagens tradicionais Imagens técnicas

Uso de técnicas ma-nuais ou gestuais

Uso de equipamentos

Linguagem visual

Pintura, desenho, gravura, escultura

Fotografia, cinema, vídeo, computadores

Linguagem não-visual

Música, por meio de instrumentos musicais

Música com o uso de tecnologias avança-das de produção e reprodução de sons

Nesse ponto, voltamos a olhar para as ins-tâncias de formação do sujeito. O que está acontecendo com nossa sociedade? Sem entrar em uma situação de plena nostalgia, mas, em décadas anteriores, a sociedade ti-nha confiança em algumas instituições so-ciais, essa crença permitia certa estabilidade emocional. A crença na escola garantia que ao final dos estudos básicos o sujeito teria um emprego, que o sistema financeiro iria manter sob guarda os bens e oferecer bons serviços, etc. Porém, depois da segunda me-tade do século XX, essas instituições sociais entraram num processo de descrédito perante a sociedade e, como consequência, é percep-tível o aumento da instabilidade social, tanto individual quanto coletiva de boa parcela da sociedade.

Do ponto de vista da mídia, a forma como esta vem lidando com as questões de interes-se público tem gerado uma série de pesquisas e corresultados, levando a críticas e a elo-gios, situando-a em alguns momentos como responsável e em outros como instigadora da crise social.

Conforme Fischer (2005, p. 46), atualmen-te, o conteúdo da mídia tem causado certo descaso com as questões públicas e isso

[...] diminui significativamente o atrati-vo por temas que sejam de interesse co-mum; parece que reduzimos em nós a

capacidade e a própria vontade de tra-zer os sofrimentos privados para o lugar da discussão de questões públicas: va-mos internalizando um modo peculiar de olhar e tratar “a dor dos outros” [...]

Esses aspectos são centrais para pensar-mos a questão da mídia em termos de sua influência na formação das novas gerações e do papel que ela ocupa diante das outras ins-tituições formadoras: a família e a escola.

Nessa discussão, é importante focar na te-levisão, não por uma razão específica, mas, fundamentalmente, porque ela está presente na maioria dos lares brasileiros – segundo IBGE (2009), em mais de 90% – e é uma das mídias que professores e alunos têm acesso dentro e fora da escola.

A forma e o conteúdo do que é veiculado pela televisão encontram-se intimamente liga-dos, o seu grande poder está na forma de re-cepção que, segundo Adorno (1971), impede o controle sobre o eu consciente. Em função dessa característica, é difícil dimensionar as implicações sobre a formação do sujeito, uma vez que, mesmo isolando esses fatores, sabe-se que ele só adquire força na totalidade do siste-ma, ou seja, ainda que os meios de comunica-ção tenham formas diversas de atuarem sobre o indivíduo, o seu poder se amplia em função do clima que acabam por criar no seu con-junto: a televisão, em parceria com as revis-tas, com o rádio, com o cinema etc., cria um

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“clima” em torno de um dado conteúdo. Em termos comunicacionais, é a conhecida teoria agenda setting ou agendamento temático.

A televisão não é a única instância forma-dora, mas reforça ainda mais o que os indiví-duos já são efetivamente e amplia as estruturas comunicacionais do sistema social e econô-mico. Com isso, como coloca Adorno (1971), a economia psíquica individual tornou-se so-cializada, ao criar um mundo de aparência e, dessa forma, atuar muito mais nos mecanismos psicológicos, contribuindo para que se veja o mundo como ideologia. O autor levanta dois aspectos característicos da televisão:

o fato de levar os produtos para dentro •das casas;a miniaturização das imagens, que de-•veria implicar uma percepção estética e não natural.

Em particular, o segundo aspecto de-monstra como nossa percepção foi condicio-nada pelas mídias. Tomar aquelas imagens miniaturizadas como reais é racionalmente impossível, pois não seria razoável a identifi-cação com os heróis, uma vez que se mostra claramente como algo não-real. No entanto, a degeneração de nossa percepção estética permite que esses objetos miniaturizados se-jam apreendidos como brinquedos, os quais podem ser tomados para si, como proprieda-de, dando a sensação ao telespectador de su-perioridade perante esses objetos.

Segundo Adorno (1995), isso pode levar a uma duplicidade do mundo criado pela te-levisão. Esse aspecto toma relevância porque uma parcela considerável de informações sobre nossa sociedade advém dessa mídia. Muitos de nós convivemos num espaço social bastante reduzido: espaço do trabalho, do lar, em geral da cidade onde residimos, porém, sabemos de situações que ocorrem nos qua-tro cantos do mundo.

O espaço é, assim, comprimido (HARVEY, 1994) cada vez mais, em função do uso cres-cente dos meios de comunicação que nos levam em espectro até os lugares mais inóspi-tos. Assim como a fotografia, a imagem proje-tada na tela de uma televisão esconde muitas outras imagens, é um recorte, um fragmento do mundo trazido até nós.

A relação entre público e privado coloca-se hoje no centro de muitas discussões sobre a televisão. Em muitos aspectos, o privado tem sido utilizado como elemento nuclear na estruturação de programas para a televisão, como os reality shows, os quais, muito mais do que trazer para dentro dos lares o que acontece no espaço público, fazem fantasia e espetáculo do que é privado do outro.

Num interessante estudo realizado entre 1997 a 2000 sobre o conteúdo dos progra-mas de televisão, Fischer (2001), tentando caracterizar o que denominou de dispositivo pedagógico da mídia, descreveu as variadas técnicas de exposição dos indivíduos.

Os modos de transformar a vida em espe-táculo possibilitaram à autora identificar que a partir dos recursos do zoom, do enquadra-mento, etc., a televisão captura aquilo que é mais íntimo do sujeito e expõe ao público, como se pudesse e devesse penetrar na inti-midade daqueles que traz à cena, e também, por conseguinte, na intimidade de quem ob-serva: um exercício de voyerismo, um espe-lho de narciso.

A autora acrescenta ainda que

[...] é na exposição dos sujeitos, basica-mente na exposição de todos os medos e inseguranças, de todas as dúvidas, pecados e transgressões que, ao serem publicizados, são tratados no sentido de uma normalização [...] (FISCHER, 2001, p. 104).

Ou seja, ao agir publicizando o que é privado, expondo a intimidade das pessoas, a televisão busca uma conformação do com-portamento, uma adaptação à realidade.

Outro elemento para reflexões seria anali-sar essa questão do ponto de vista da relação entre indivíduo e coletividade. No texto “Psi-cologia das massas e análise do ego”, Freud (1976) explica que o processo de identifica-ção que ocorre numa coletividade possui tra-ços que indicam uma regressão do eu, pois, em um grupo, existe uma forte tendência da personalidade individual consciente desapa-recer, dando lugar a uma orientação de pen-samentos e sentimentos ditados pela coleti-vidade, bem como uma preponderância da afetividade e da vida psíquica inconsciente.

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Os indivíduos, num coletivo, tendem a executar irrefletidamente ações que surgem no grupo, ele renuncia ao seu ideal de ego tro-cando-o pelo do grupo, isto porque, segundo Freud (1976), o indivíduo sente necessidade de estar em harmonia com os demais membros do grupo ligando-se a eles por laços libidinais.

Mais recentemente, numa análise da so-ciedade da segunda metade do século XX, Marcuse (1998) defende que a repressão exercida pela autoridade, como a existen-te nos grupos sociais como a família, igreja, etc., vem sendo afrouxada exatamente pela perda da função paterna. Para ele, vivemos numa sociedade sem pai, na qual a atrofia do ego observada por Freud na análise das massas pode ser amplamente encontrada nos domínios da sociedade atual, e não somente na relação do indivíduo com o grupo social. As mídias vêm cumprindo essa função identi-ficada por Freud. Como dizia Marcuse

[...] a atrofia do ego, sua resistência reduzida aos outros se manifestam na maneira com que permanentemente fica disponível para soluções que lhe são impostas de fora. A antena em cada casa, o rádio em cada praia, a vitrola em cada bar e restaurante são todos gritos de desespero para não ficarmos sós, separados dos grandes, condena-dos ao vazio, ao ódio ou aos sonhos do próprio eu (1998, p. 97).

A formação do eu mediado por relações fragilizadas, carentes de situações de enfren-tamento para a formação de um ego bem es-truturado, acaba por colocar as pessoas, e as crianças em particular, diante de um processo de identificação com o coletivo no qual se sentem ainda mais favoráveis a uma adesão apressada aos ideais do grupo, sem parâme-tro valorativo para avaliar suas ações.

Numa sociedade como essa, liberada dos vínculos sentimentais com a autoridade pater-na como símbolo da consciência moral, a ten-dência é a liberação de uma enorme carga de energia destrutiva. A propagação da agressivi-dade tomaria dimensões gigantescas, podendo levar ao colapso do grupo (MARCUSE, 1998). Essas previsões parecem estar, em grande me-dida, se confirmando, não só pela realidade

das grandes cidades, como também pelos conteúdos dos programas de TV, dos filmes do cinema, e dos conteúdos e usos da inter-net (CARLSSON; FEILITZEN, 1999; FISCHER, 2001; ERAUSQUIM, 1983).

Com mais de 50 anos de existência, a te-levisão encontra-se no centro de muitos gru-pos de pesquisadores em todo o mundo. Esse fenômeno de ampliação e massificação, do ponto de vista comunicacional, só pode ser comparado com a internet que, em menos de 20 anos, avançou para todos os cantos do planeta alterando profundamente práticas e hábitos relacionais.

A nova geração vive sob a égide de uma nova ecologia comunicacional, sob novos formatos de aprendizagem. Isso porque, dife-rentemente das gerações anteriores, o acesso à informação é ilimitado e, portanto, pode e cabe a cada um estabelecer sua estratégia didática, respeitando e potencializando suas habilidades cognitivas.

No entanto, pelo seu curto tempo de vida, ainda carecemos de um volume de pesquisas que nos permitam estabelecer um quadro ex-plicativo para o fenômeno da comunicação por meio da rede digital.

Com a televisão é possível estabelecer esse quadro. A seguir, um mapeamento das pesquisas realizadas com a televisão, em que procurou-se identificá-las a partir das impli-cações do uso e do consumo da TV.

Segundo Rivoltela (2002) podemos classi-ficar esses estudos em dois grandes grupos:

Pesquisas sociológicas – efeitos de •curto prazo e efeitos de longo prazo;Pesquisas psicológicas – efeitos psico-•cognitivos e efeitos comportamentais.

Essa classificação indica que os estudos levaram a resultados distintos. O consumo de televisão em curto prazo pode trazer os seguintes efeitos do ponto de vista psíquico e cognitivo:

Acionar os mecanismos projetivos• – algumas pesquisas indicaram que o sujeito que consome a mídia pode se projetar neste ou naquele personagem de uma novela, filme etc. Ainda que seja um mecanismo natural do sujei-to, pode se complicar se a projeção

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acontecer de forma intensa em perso-nagens virtuais.Acionar os mecanismos de identifi-•cação – a identificação é conhecida como o ato através do qual o sujeito tende a identificar-se com algo que lhe é externo, sejam pessoas ou coisas. Nessa situação, a televisão, ao oferecer modelos de fácil identificação – em virtude de seus personagens serem, na maioria, estereotipados – amplifica a ação do mecanismo de identificação. Isso pode ocorrer com o herói, mas também com o vilão, pois não há ga-rantia que uma criança vá se identificar com o personagem que tem uma atitu-de correta.

Rivoltela (2002, p. 4) ainda acrescenta que,

Estes modelos, todavia, comportam uma lógica simplista, frequentemente não traduzem valores positivos, in-fluenciando negativamente o modo pelo qual a criança se comporta e valo-ra o bem e o mal. Outras vezes apenas se tornam o motivo para frustrações, em razão das diferenças entre o que acontece de excepcional nas aventu-ras dos heróis na TV e a normalidade da experiência cotidiana das crianças.

Existem efeitos de curto prazo, mas que trazem consequências do ponto de vista comportamental. As pesquisas identificaram um comportamento de “imitação” em rela-ção a personagens da mídia, segundo Rivol-tela (2002, p. 5) “Entre as razões que levam à imitação está a natureza da imagem tele-visiva, realidade e fantasia a um só tempo, a verossimilhança que pode sugerir ser possível o que é irrealizável”.

Esse comportamento tem sido reforçado com o fenômeno mais atual de integração das mídias. Um exemplo bem característico é o da revista Capricho, voltada para o pú-blico adolescente feminino, que possui além do meio impresso todo um suporte na inter-net. As capas sempre são estampadas com os rostos mais cobiçados ou admirados do mundo juvenil, seja porque é o astro/estrela da novela, um nome do mundo da moda, da música ou do cinema. Entre as reportagens,

algumas muito instrutivas e realmente edu-cativas, mas a maioria traz sempre as dicas de como parecer-se com o personagem em destaque na capa, reforçando um comporta-mento de imitação, como se, usando a roupa ou a maquiagem, fosse possível adquirir parte dos atributos daquele personagem.

Após o lançamento nas bancas, a revis-ta disponibiliza no seu site outras matérias, vídeos e fotos, além dos links para os blogs, twitter ou orkut das pessoas citadas na revista. Isso permite que, além daquele conteúdo do filme ou da TV, o contato com os personagens e seu universo glamoroso possa ser acessado e compartilhado de forma mais dinâmica e intensa.

Sobre os efeitos de longo prazo decorren-tes do consumo da mídia, Rivoltela (2002) diz que, um deles, é a inibição da criatividade e morte da imaginação. Segundo o autor, al-guns pesquisadores chegaram à conclusão de que uma exposição habitual e prolongada à televisão produziria uma redução da capaci-dade lúdica das crianças, podendo ser des-de uma tendência a repetir alguns esquemas estereotipados nos jogos e nas brincadeiras com seus colegas, até mesmo o efeito mais extremo que seria a perda da vontade e capa-cidade de brincar.

Conforme uma das explicações dadas pelos pesquisadores, a imagem televisiva, ao utilizar os primeiros planos – trazendo um de-talhamento maior – causaria uma saturação de informações, inibindo a ação criativa de complementar aquilo que é vislumbrado na tela. Essa falta de necessidade de imaginar o que estaria se passando, como ocorre com a leitura de um livro que exige a imaginação para criar as imagens da estória, seria o prin-cipal agente inibidor.

Em várias pesquisas, os resultados indica-ram que a reincidência do consumo da televi-são pode causar alterações cerebrais, pois no momento da assistência o cérebro se encontra em uma “fase alfa”, caracterizada pela passi-vidade e pelo bloqueio da atividade ocular. Esse processo ainda produz uma atrofia da atividade do hemisfério esquerdo do cérebro em relação ao direito. Ao estimular o lado di-reito do cérebro,

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[...] inibiria a conceituação em privilégio da associação analógica, permitindo en-contrar uma possível causa não somente para aquela crise da imaginação de que se falava anteriormente, mas também justificando as observações de muitos professores quando responsabilizam a exposição das crianças à televisão pelos sintomas que manifestam seus alunos: verbalização esparsa, incapacidade de concentração e falta de motivação para os estudos (RIVOLTELA, 2002, p. 10).

Segundo a conclusão de um outro grupo de pesquisas, o consumo continuado da tele-visão pode atuar na formação criando identi-dades frágeis e, por corolário, fazendo desa-parecer a infância.

O fato de imitar, de se identificar ou se projetar em personagens virtuais, poderia cau-sar na criança a formação de uma identidade fragilizada, pelo fato deste processo ter sido apoiado em situações não reais. Com relação à infância, é certamente uma das hipóteses mais difundidas entre os pesquisadores, pois “[...] a infância como realidade sociocultural, o universo infantil, seus traços psicológicos e comportamentais característicos, tendem a transformar-se a tal a ponto que correm o risco de desaparecer” (RIVOLTELA, 2002, p. 12).

Uma das questões levantadas pelos autores e sobre a qual é bastante interessante pensar, diz respeito aos espaços de circulação das crianças na família. Segundo Rivoltela (2002, p. 14),

As transformações no modelo nuclear de família, a crise de identidade dos papéis dos pais, sobretudo dos ho-mens [...] concorrem para transformar a infância. A criança é cada vez menos o objeto de atenção educativa e está cada vez mais submetida às confusas expectativas e projeções compensató-rias dos desejos dos pais; é cada vez menos o sujeito de um dialogismo comunicativo entre gerações, e cada vez mais está reduzida à satisfação das suas necessidades imediatas e das suas exigências materiais.

Os efeitos de longo prazo são aqueles ad-quiridos por um consumo prolongado da tele-visão e que figuram no plano comportamen-tal. Um deles diz respeito às mudanças nas relações sociais, pois a televisão, como um componente de consumo pelos integrantes do

núcleo familiar, exige uma nova maneira de negociar o seu uso.

Nesses casos os resultados têm mostra-do que esse objeto tanto pode favorecer um processo de negociação amigável ou não, ou seja, tanto pode reforçar como enfraquecer a coesão interna do grupo familiar.

Além dessa questão, surge também a pro-blemática envolvendo o conjunto de valores e a capacidade da televisão interferir na defi-nição desse quadro pelo poder de fascinação da imagem. Se as pesquisas trazem resultados significativos, há que se considerar que nesse aspecto, a cultura local, nacional traz conse-quências sobre os resultados. Pode-se, assim, considerar esse aspecto relativizando seus resultados, pois serve como alerta aos pais, professores e comunidades.

O fato é que essas pesquisas demonstram o potencial educacional da estrutura midiá-tica atual e, nesse sentido, é importante que os agentes de socialização privilegiados (fa-mília e escola) repensem sua ação, levando em consideração a ação dos meios de comu-nicação no processo formativo das novas ge-rações. Entretanto, vivemos um dilema real, pois os pais e professores ensinam valores que contribuem para uma formação que pri-vilegia uma convivência pacífica e coletiva, enquanto a mídia estimula comportamentos contrários a esses valores.

Para atuar nesse contexto, é importante sublinhar as questões inerentes à interface da escola com a mídia, duas instituições sociais que atuam fortemente na formação das no-vas gerações. É fundamental que tomemos a mídia como espaço de saber e, uma vez que as relações na sociedade atual estão baseadas nas relações imagéticas, é fundamental enten-dermos e nos apropriarmos da comunicação como uma prática social emancipadora.

Sendo assim, podemos afirmar categori-camente que viver em sociedade é, antes de tudo, estabelecer algum tipo de vinculação com os outros. A psicologia e a sociologia bus-cam, dentro de quadros explicativos distintos, alcançar uma maior compreensão dos fenô-menos individuais e coletivos na dinâmica es-paço-temporal do processo de comunicação, mas certamente não tem sido uma tarefa fácil.

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A complexidade do vínculo inerente ao processo comunicativo deve-se, entre outras coisas, à multiplicidade quanto aos tipos, meios, lugares etc. Como descreve Baitello Jr. (1999, p. 83),

[...] a distribuição de símbolos e ima-gens, seja ela feita pelos códigos da vi-sualidade, ou por outros códigos, cria grandes complexos de vínculos comu-nicativos – grupos, tribos, seitas, cren-ças, sociedades, culturas – e, com isso, cria realidades que não apenas podem interferir na vida das pessoas, como de fato determinam seus destinos, mol-dam sua percepção, impõem-lhes res-trições, definem recortes e janelas para o seu mundo.

O que se tem atualmente é uma hibrida-ção discursiva, técnica e midiática, grande-mente facilitada pela convergência em torno da tecnologia digital, um exemplo é o da revis-ta Capricho, citado anteriormente. Ou seja, é possível vislumbrarmos na atualidade uma pro-dução de conteúdos em que todos os recursos dos diversos meios estão sendo trabalhados de forma muito criativa, dinâmica e ilimitada.

O desenvolvimento dos meios em base digital extrapola, rompe com as barreiras em torno da divisão dos produtos em seus supor-tes clássicos: mídia impressa, mídia visual, mídia audiovisual etc., as quais, por sua vez, estabelecem uma relação uni, bi ou multidire-cional. Assim sendo, nos vemos atravessados por uma rede, enlaçados numa teia, mergu-lhados num espaço comunicativo espesso e complexo em que o real se constitui quase na sua totalidade em um espaço comunicativo.

No entanto, ainda que nos comunique-mos todo o tempo de nossa vida (salvo em situações extremamente particulares de im-pedimentos biológicos), quando tentamos analisar esse fenômeno dito comunicação é como se ele nos “escapasse por entre os de-dos”. A facilidade para colocar em ação a comunicação está diretamente oposta à de compreendê-la.

Essas questões, por conseguinte, envolvem o campo da retórica, das práticas de linguagem em torno dos discursos que circulam social-mente, bem como da hermenêutica, ou seja, da interpretação, da explicação dos sentidos dos

discursos. Se a retórica antiga era a técnica política por excelência de linguagem na polis grega, temos hoje a midiatização enquanto prática tecnológica do discurso, sob a égide do mercado (SODRÉ, 2007).

2 Mídia e tecnologia

[...] já não somos homens de pensa-mento, homens cuja vida interior se ali-menta nos textos. Os choques sensoriais conduzem-nos e dominam-nos; a vida moderna assalta-nos pelos sentidos, pelos olhos, pelos ouvidos. O automo-bilista vai demasiado depressa para ler os painéis, e apenas obedece aos sinais vermelhos e verdes. [...] O ocioso que, sentado num cadeirão, julga repousar, roda o botão e fará explodir no silên-cio de sua casa a veemência sonora do rádio ou, na penumbra, os trepidantes fantasmas da televisão, a menos que te-nha ido procurar numa sala obscura os espasmos visuais e sonoros do cinema [...] (HUYGHE, 1986, p. 9-10).

A questão colocada por Huyghe nos re-mete a todo o sistema mídia. Porém, o que conhecemos hoje é resultado do desenvol-vimento de um sistema de linguagem, desde os tempos mais remotos da vida humana. Na história da humanização, existiu um esforço em conquistar a natureza, dominar o desco-nhecido. Essa busca fez com que se desenvol-vesse um sistema de comunicação, de troca, de contato entre os sujeitos e, posteriormente, serviu para o próprio registro das descobertas, das ideias, das informações.

Diversas formas foram criadas pelas co-munidades ao longo da pré-história e da anti-guidade, essa variedade de sinais (de diversas naturezas) e códigos que chamamos de lin-guagem. A linguagem é tão importante para as sociedades humanas, que é considerada o di-ferenciador entre o homem e outros animais.

A primeira forma de linguagem, a oral, permitiu, em primeiro lugar, que os sujeitos se diferenciassem da natureza e apreendessem o mundo como algo exterior a eles. Permitiu, ainda, criar todos os outros meios de comuni-cação e formas de linguagem. Foi assim que

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os sujeitos começaram a se diferenciar dos animais e, séculos depois, a compreender-se enquanto indivíduos.

Além da oralidade, a arqueologia ajudou enormemente a desvendar os segredos dos tempos mais remotos da civilização. Na base do processo civilizatório está a criação de for-mas de comunicação não-orais, sendo que as mais antigas formas conhecidas são as inscri-ções rupestres, que são desenhos talhados nas pedras. Essas imagens foram utilizadas como formas de expressão e de comunicação, tanto que alguns códigos linguísticos até hoje pos-suem em sua estrutura a imagem, tal como os hieróglifos, outros códigos, como o nos-so, utilizam como complemento os símbolos, ícones e signos.

Para que a comunicação se efetive é ne-cessário, portanto, que existam dois sujeitos: um que elabora, que cria a mensagem (polo emissor) e o outro que a decodifica, que a in-terpreta (polo receptor). Para tanto, é necessá-rio que ambos os lados do processo comuni-cativo – emissor e receptor – tenham domínio do código linguístico utilizado. Quando essa comunicação acontece diretamente entre dois sujeitos, dizemos que a comunicação é direta, quando existe algum tipo de suporte material em que a mensagem é gravada, dize-mos que a comunicação é mediada.

Inerente a comunicação mediada tem-se, de um lado, o polo receptor e de outro, o polo emissor. Num sistema de comunicação direta, emissores e receptores encontram-se juntos no momento da comunicação, como numa conversa pessoal. Numa comunicação mediada, existe entre o emissor e o receptor algum meio (rádio, TV, jornal, web, etc.), as-sim, a emissão e a recepção da mensagem acontecem em tempos e lugares distintos. A comunicação mediada é o modelo de comu-nicação que impera nos tempos atuais, com o crescente avanço tecnológico que coloca à disposição do sujeito uma infinidade de op-ções, ampliando consideravelmente o poten-cial comunicativo.

No caso das inscrições rupestres, a comuni-cação ainda é possível pela nossa capacidade

de interpretar imagens, mas não conseguimos dimensionar o real significado delas, pois o contexto atual é muito diferente daquele vivi-do pelos homens das cavernas.

Diariamente, somos “bombardeados” por uma enorme quantidade de informações escri-tas, sonoras e visuais. Em função dessa diver-sidade, existe um esforço enorme para com-preender as implicações dos vários modelos,

formas e tipos de mídia, sobre nossa percepção do mundo e sobre o que aprendemos com elas.

Esse esforço fez com que a mídia e seus con-teúdos fossem classificados. Entre as tantas classificações, optamos por algumas concei-tuações, buscando em particular aquelas que colocam em relevo o aspecto interacional.

No aspecto da estrutura tecnológica en-contramos em Harry Pross (apud BAITELLO JUNIOR, 2000) os conceitos de mídias primá-rias, secundárias e terciárias. Mídia primária é o próprio corpo, engloba todos os recursos que dispomos para produzir mensagens, para estabelecermos uma relação com o outro. Como diz Baitello Jr. (2000), são todos os sons, movimentos e odores que criam códi-gos e regras, que possuem significados. Na mídia primária, o emissor deve dominar a gestualidade e a mímica, enquanto o mensa-geiro (transmissor) deve saber correr, cavalgar e dirigir, para garantir a transmissão da men-sagem. Nesse campo de estudos, a teoria das mídias incorpora as contribuições dos estu-dos dos códigos hipolinguais (biológicos), linguais (sociais) e hiperlinguais (universo dos símbolos). Nessa dimensão, os aspectos cul-turais são os elementos centrais no processo comunicativo, pois o que está em relevo são os hábitos culturais. Na mídia primária, o cor-po é visto também como possuidor de uma memória cultural (MENEZES, 2008).

Com o aparecimento da escrita e com a revolução cultural, social e cognitiva, surgiu o que Pross (apud BAITELLO JR, 2000) deno-minou de mídia secundária. A grande dife-rença das mídias primária e secundária é que esta necessita de um suporte externo ao sujei-to para transportar e manter a mensagem. O papel, por exemplo, possibilita que a imagem

somos “bombardeados” por uma enorme quantidade de informa-ções escritas, sonoras e visuais.

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e/ou o texto permaneça registrado e possa ser acessado em qualquer tempo e em qualquer lugar. Na mídia secundária, é necessário um suporte extracorpóreo somente para produ-zir a mensagem, mas não para recebê-la, ou seja, a produção e a emissão necessitam de suporte. Nessa classificação estão os meios impressos (jornais, revistas, cartazes, etc.) e os auditivos (rádios, aparelhos de som, etc.).

Na mídia terciária, os dois lados do pro-cesso comunicativo necessitam de um apa-rato técnico codificador e decodificador da mensagem. Ou seja, “[...] nela todos os cor-pos envolvidos no processo comunicativo precisam de ferramentas” (MENEZES, 2008). Para acessar a mensagem é necessário equi-pamento específico e isso só foi possível com o domínio da eletricidade, da transmissão de mensagens por meio de ondas, em que o conteúdo pode ser codificado para ser trans-mitido e/ou gravado e decodificado para ser recebido. Atualmente, contamos com uma infinidade de mídias terciárias em nosso co-tidiano, as quais alteraram significativamente nossa relação com o espaço e com o tempo. A consequência mais imediata com o surgi-mento da mídia terciária – a aceleração do tempo e das sincronizações sociais (BAI-TELLO JR., 2000) – é o surgimento de uma cultura de massa com todos os seus aspectos positivos e negativos.

Realizando uma análise da mídia terciária em termos relacionais, ou seja, uma análise sobre os conteúdos e o impacto destes sobre o receptor, é possível obter, pelo menos, qua-tro categorias de conteúdo e da problemática em torno dele: da dimensão mercadoria, da dimensão sociabilidade, da dimensão comu-nicação e da dimensão cultura.

Na dimensão mercadoria, o que se analisa é o que é consumido pelo sujeito (rádio, progra-mas de TV, tipos de filme etc.). Cada conteúdo carrega um conjunto de elementos qualifica-dores: popular, clássico, moderno, informativo, entretenimento. O sistema midiático “vende” seus produtos e nós “compramos” alguns e re-jeitamos outros. Na dimensão da sociabilidade, o local e a forma de consumo do conteúdo es-tão colocados (como, onde e com quem), pois estes interferem no processo de socialização

das pessoas, agrupando-as, distanciando-as e criando formas distintas de socialização.

A dimensão da comunicação analisa o que é requerido das habilidades sensoriais do sujeito (audição, visão etc.) e o que ele precisa dominar em termos de códigos para interpre-tar suas mensagens. Finalmente, na dimensão cultura, é analisado o potencial mobilizador de aspectos de nossa cultura, aos valores cul-turais privilegiados, comportamentos etc.

Porém, para que seja possível compreen-der melhor essas questões e, até mesmo, di-mensionar as possibilidades em termos edu-cacionais, é importante saber que a apreensão dos conteúdos da mídia se dá de forma gra-duada, ou seja, existem níveis de leitura que levam a um aprofundamento cada vez maior do conteúdo. Alguns conteúdos são mais pro-pícios a essa leitura aprofundada, outros nem tanto. Por exemplo, é mais fácil, do ponto de vista operacional, “ler” uma fotografia com mais profundidade do que um filme, em fun-ção da fotografia ser uma imagem estática e o filme não.

No caso das imagens, para que a leitura seja feita, passa-se por três níveis de atenção: instintivo, descritivo e simbólico. No nível ins-tintivo, a leitura se dá de imediato, pois os ele-mentos que intervêm neste nível são aqueles li-gados ao mecanismo da percepção, elementos emotivos tais como as cores (quentes e frias), as formas (altitude, latitude, altivez etc.), as ex-pressões e as evocações imediatas. Os olhos correm pela imagem e se prendem aos pontos focais, percebendo os mais expressivos.

O nível descritivo, que acontece num mo-mento posterior à leitura descritiva, é aquele em que nosso olhar começa a se prender nos elementos que compõem a imagem. Nesse nível, começa-se a observar as linhas que dão a noção de perspectiva, os planos que surgem (geral, médio, close) pelos campos, pelo volu-me dos objetos, luzes e sombras que compõe o todo. No nível descritivo, nosso cérebro re-cebe um conjunto maior de informações: a descrição dos objetos, do ambiente e a iden-tificação do “sujeito” da imagem.

No nível simbólico, nossa percepção so-bre a imagem assume uma dimensão simbóli-ca, ou seja, nesta fase a leitura se pauta pelos

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conhecimentos que temos sobre o assunto, sobre os objetos, o ambiente etc. Nessa fase, trabalha-se com os aspectos polissêmicos das imagens. Sua interpretação e leitura depende-rão do arsenal de conhecimentos e da sensi-bilidade do observador.

Essas características assumidas pela ima-gem e o modo de apreender o conteúdo, permitiram o entendimento de que lidamos sempre com dois níveis fundamentais em tor-no do conteúdo de uma imagem/mensagem: a denotação e a conotação. O nível denota-tivo refere-se à enumeração e descrição dos objetos num determinado contexto e espaço. O nível conotativo refere-se à análise das mensagens ocultas numa imagem e na forma como a informação aparece escondida ou re-forçada. Para Umberto Eco (1993), a conota-ção é a soma de todas as unidades culturais que o significante pode evocar institucional-mente na mente do destinatário. Nessa dis-cussão é necessário compreender o conceito de signo.

[...] signo é a relação entre o concei-to (que denominaremos, mais adiante, significado) e a imagem acústica (signi-ficante). Em outros termos, quando uti-lizamos a palavra mesa, estamos com-binando um conceito de mesa com os fonemas me-sa (ECO, 1993, p. 58).

Assim, é possível entender o aspecto lin-guístico que organiza nossa capacidade de comunicação e da comunicação por meio de conceitos. Toda língua, como um siste-ma organizado de conceitos e de signos, tem um aspecto que é o significante – o objeto e sua forma – e um som associado a ele. Por exemplo, enquanto conceito, o objeto casa possui características que nos permitem visualizar sua imagem ao lermos ou escutarmos o nome casa. No entanto, asso-ciada a essa imagem criada em nossa men-te, também evocamos o que ela representa e significa para nós culturalmente. Com isso, a expressão: casa (significante = objeto) + casa (significado = cultura) = casa (significação = lugar de abrigo).

A partir dessa definição, o termo deno-tação é compreendido como o sinal, como

a indicação objetiva. Já a conotação é com-preendida como sendo o sentido translato, subjetivo, propriedade que tem um termo de designar um ou mais seres. No exemplo an-terior, casa pode ser entendida no seu sentido denotativo como local de abrigo, e no sentido conotativo como aconchego, segurança.

Isso nos leva a uma questão fundamental na discussão em torno da mídia e seu poten-cial educativo. Os signos foram construídos socialmente e os significados são criados na relação que o sujeito estabelece com o objeto. O sentido conotativo de casa, por exemplo, foi construído a partir da relação do sujeito com o objeto. Nos tempos atuais, em que o sistema mídia atua no processo de socializa-ção e, portanto, de formação e de aprendiza-gem, a (re) significação dos objetos igualmen-te passa a sofrer interferências do meio. Ou seja, a mídia também tem o potencial de (re) significar os objetos, de construir ou descons-truir os seus significados.

Todo conteúdo de mídia possui um con-junto de elementos que o constitui: um texto, uma imagem, um som etc., os quais são pro-duzidos com técnica num suporte tecnológi-co. É importante analisar esses conteúdos e o processo subjetivo em torno da aprendiza-gem possível.

No caso da imagem, em particular a fo-tográfica, o ato de produzir e/ou apreciar uma fotografia é um processo que envolve o observar, o selecionar, o escolher uma visão e um ponto de vista. Do ponto de vista da psicologia, a fotografia tem sido associada aos processos que ocorrem no nosso apare-lho psíquico. Dubois (1993) encontra na fo-tografia, apoiado em Freud, elementos para

relacionar processos psí-quicos aos processos de produção da fotografia.

Parte da noção de aura para defender que no ato de tomada de um instante do real (tirar a foto), ocorre uma cisão daquela imagem do seu mundo, como diz Dubois, procede-se um corte definitivo do cordão umbilical que vinculava aquela imagem ao mundo. O tem-po de espera entre a abertura do diafragma e a visualização da imagem – seu consumo –, situa-se entre um real que já não existe mais,

a mídia tem o potencial de (re) significar os objetos

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levado pelo tempo, e uma imagem concre-tizada no suporte, imagem latente, que nos proporciona a revelação de um tempo e lu-gar longínquos, “por mais próximos que es-tejam” (DUBOIS, 1993).

A fotografia é a memória que se concreti-za num suporte material. Essa relação indefi-nível, entre essas temporalidades – o presen-te e o passado – nas imagens registradas no passado que são trazidas ao presente, ilustra de maneira complementar o funcionamento do aparelho psíquico (DUBOIS, 1993). Se-gundo ele,

Os traços mnésicos escondidos em nos-so inconsciente estão ao mesmo tem-po sempre todos ali, e sempre inteiros. Só sua ascensão à superfície é seletiva. Todas as virtualidades são registradas, mas as atualizações na consciência, as revelações são feitas pontualmente, de acordo com mil procedimentos, que são como tantos filtros [...] (DUBOIS, 1993, p. 321).

Segundo o autor, uma fotografia sempre es-conde mil imagens atrás dela, sob ela ou à sua volta. É um recorte idealizado e realizado pelo enquadramento dado, que imprime e esconde imagens do real. No entanto, a relação amorosa que temos com a fotografia emerge em grande medida desde sua origem, devido à vontade, ao desejo humano de conservar traços de uma presença que irá desaparecer com o tempo, é o “[...] trabalho sobre a temporalidade e o jogo complexo entre a duração e o instante, a pre-sença marcada, numa das versões, do autorre-trato, com suas impossibilidades e seus parado-xos enunciativos [...]” (DUBOIS, 1993, p. 139), que vai estar presente no ato de olhar para uma foto e que marca profundamente nossa relação com a imagem fotográfica.

Roland Barthes, ao analisar a fotografia, afirma que as imagens possuem estatuto pró-prio na ação sobre nosso imaginário. Barthes justifica que a imagem fotográfica não pode ser aprofundada “[...] por causa de sua força de evidência”. Isso em função de que

[...] na imagem, o objeto se entrega em bloco e a vista está certa disso – ao contrário do texto ou de outras per-cepções que me dão o objeto de uma maneira vaga, discutível, e assim me

incitam a desconfiar do que julgo ver (BARTHES, 1984, p. 157).

Com isso, podemos pensar que a ima-gem nos apresenta como uma totalidade em si. Ela não abarca a totalidade do real, mas no processo de sua leitura a apreende-mos na sua totalidade, ao contrário da men-sagem escrita que difere da fotografia pela sequencialidade com que apreendemos seu conteúdo. Sendo assim, a fotografia age uni-vocamente, invocando-nos a participar da mensagem-imagem com apelos que trans-cendem o consciente lido e racionalizado, pois traz à tona elementos registrados no nosso inconsciente que emergem como frag-mentos, como ruínas de um tempo perdido. Ela superdimensiona a dimensão conotativa do objeto, de sua representação no contexto cultural e afetivo do sujeito.

Esse aspecto é interessante se analisarmos no interior da própria história da fotografia. Segundo Dubois (1993), o primeiro estágio do discurso fotográfico esteve ligado à ideia da mimese, a imagem fotográfica como mi-mese do real, fortemente atribuída em função da semelhança existente entre a foto e o seu referente.

Recoberta pelas noções de similaridade e realidade, a fotografia ligava-se à verda-de, documento que garantia autenticidade ao objeto. Concebida como espelho do mundo, a imagem construída por meio de processos mecânicos e físico-químicos ga-nhava estatuto da imitação mais perfeita da realidade. Ainda hoje, a ação de uma imagem fotográfica sobre a subjetividade humana permanece carregada do indício de veracidade, pois, como coloca Dubois (1993, p. 26), ao nos depararmos com uma foto, subsiste, apesar de tudo, “[...] um sentimento de realidade incontornável do qual não conseguimos nos livrar apesar da consciência de todos os códigos que estão em jogo nela e que se combinaram para a sua elaboração”. Ou, como dizia Barthes (1984, p. 132), “[...] na fotografia, de um ponto de vista fenomenológico, o poder de autenticação sobrepõe-se ao poder de re-presentação”.

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Por conta dessas características, uma fo-tografia assume funções distintas, alcançan-do, atualmente, uma categorização que tem como base a intenção com que foi produzida, e também, a partir de quais elementos.

Uma foto pode assumir ou ser feita com uma função histórica ou documental. Por exemplo, as fotos antigas de cidades, casas e pessoas, atualmente podem ser utilizadas para analisar o contexto arquitetônico de um determinado período e região. Muitas pes-quisas antropológicas utilizam-se de imagens para discutir determinadas temáticas.

Conforme nos coloca Alegre (1998, p. 76),

[...] o estudo da imagem é fundamen-tal para o entendimento dos múltiplos pontos de vista que os homens cons-troem a respeito de si mesmos e dos outros, de seus comportamentos, seus pensamentos, seus sentimentos e suas emoções em diferentes experiências de tempo e espaço.

Entretanto, a autora adverte que a ima-gem, pelo seu caráter polissêmico, exige uma análise não só na sua dimensão histórica e so-ciológica, mas também semiológica, ou seja, na dimensão cognitiva da imagem.

Uma foto também pode assumir uma função de registro do cotidiano – aquelas produzidas sobre fatos sociais, ambientais –, para servir como suporte às matérias jor-nalísticas. Essas imagens são chamadas de fotojornalísticas e, normalmente, são pro-duzidas por fotógrafos especializados, que adquirem um olhar sobre a realidade que lhes permite registrar os fatos no instante em que ocorrem. São pessoas que trabalham para os jornais, revistas e que são contra-tados para fazerem coberturas fotográficas dos fatos e eventos sociais, políticos, artísti-cos e esportivos. Depois, as fotos farão parte das matérias publicadas por esses veículos de comunicação.

As fotografias podem ser também do tipo artísticas, cuja função é a de apreciação artís-tica. A fotografia artística se consolidou, atu-almente, como um ramo da fotografia, com alguns fotógrafos que são artistas da imagem. Uma foto-arte possui o mesmo status que uma pintura ou escultura, existem exposições

de fotografias em galerias de arte produzidas por fotógrafos que se especializaram nessa modalidade.

Um exemplo de fotógrafo que possui sua obra divulgada em vários países é Sebastião Salgado. Seu estilo fotográfico é reconhe-cidamente forte, em função do apelo emo-cional e crítico que possuem suas imagens – são fortes.

Outro tipo é a foto cuja função é a publi-cidade, aquela produzida em estúdios foto-gráficos, ou mesmo externamente, mas com todo cuidado técnico para dar publicidade a algum produto. As fotos de moda também se encontram nessa categoria.

Independente da função e do tipo da foto-grafia, existem cuidados para que se obtenha uma boa foto. A técnica para produção de uma imagem prende-se, basicamente, em três itens: enquadramento, plano e ângulo. Claro que ou-tros elementos também são considerados, por exemplo, uma imagem com a fusão de fundo é desagradável e pode roubar a atenção do cen-tro de interesse. Fusões de fundo são objetos ou linhas que estão excessivamente juntas ao assunto principal. O ideal é simplificar as fotos e reforçar o centro de interesse selecionando fundos simples, evitando assuntos não-relacio-nados com o assunto principal.

Toda fotografia é um recorte da realidade definido pelo enquadramento, que é o recor-te que será dado ao real, uma escolha entre o que ficará dentro do quadro da imagem e o que ficará fora. Um exemplo de falta de en-quadramento é quando tiramos uma foto em que a cabeça ou os pés são cortados. É impor-tante analisar os objetos que serão fotografa-dos pelo visor ou lente da máquina para que se consiga um bom enquadramento.

Além do enquadramento, a composição também define o recorte a ser dado. Nos exemplos a seguir, é possível analisar melhor.

2.1 Composição diagonal

Na composição diagonal, propositalmen-te cria-se no leitor uma sensação de desequi-líbrio, pois a impressão é de que o objeto vai cair. Esse tipo de enquadramento deve ser

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bem dosado, para não dar a impressão de que a foto foi mal tirada.

Acervo da autora.

2.2 Composição central

Na composição central, o objeto ocupa todo o centro da foto. Nessa foto, pode-se ver que o objeto ocupa toda a imagem, portanto o enqua-dramento centralizado é o mais indicado.

Acervo da autora.

2.3 Composição horizontal

Nessa foto, todos os objetos possuem uma direção mais horizontalizada: as pedras, o bar-co e a própria linha do horizonte que é mar-cada na imagem. Portanto, para essa imagem, a composição mais indicada é a horizontal, com a máquina deitada nessa posição.

Acervo da autora.

2.4 Composição vertical

Um exemplo de composição vertical é o de fotos de pessoas. O sentido de um corpo humano é vertical, ao tirar uma foto no sentido horizontal, a pessoa fica “achatada” e aparen-ta ser mais baixa do que realmente é. Por isso o segredo é tirar a foto no sentido vertical.

Na foto a seguir, o objeto possui linhas que “puxam” a imagem para cima, fazendo com que predomine uma imagem mais verti-calizada. Nesse caso, a única possibilidade é enquadrar, para que a foto fique numa posi-ção vertical.

Acervo da autora.

O plano também compõe a técnica foto-gráfica. O plano é definido como a distância entre o observador e o objeto fotografado. Po-de-se utilizar o plano de duas formas: a) apro-ximando-se ou distanciando-se fisicamente do objeto para o registro ou b) utilizando os recursos de zoom da máquina, que permite que os objetos sejam fotografados com pla-nos distintos.

Plano aproximado

Acervo da autora.

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Mídia, Tecnologias e Aprendizagem

Plano médio

Acervo da autora.

O plano de conjunto, plano geral ou pa-norâmica permite registrar o máximo de es-paço possível que o equipamento ou que a posição do fotógrafo permite. Na fotografia a seguir, foi possível mostrar desde objetos bem próximos ao observador, até os que estão bem distantes.

Acervo da autora.

Porém, para que uma imagem possua um forte apelo emotivo e visual, é importante res-peitar a “regra dos terços”. Essa regra diz que quando se quer dar relevância a certos ob-jetos numa imagem, deve-se colocá-lo ocu-pando a região compreendida entre os dois terços inferiores direito ou esquerdo da ima-gem, nunca na parte superior e menos ainda na parte central. Assim, a leitura respeitará as zonas de atenção que ficam entre os dois ter-ços abaixo e à direita da imagem.

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Acervo da autora.

Acervo da autora.

A imagem fixa é uma das formas de pro-dução de conteúdo utilizadas por algumas mídias. O audiovisual, que surgiu com o cinema no século XIX, foi resultado de uma série de pequenos avanços técnicos. Pri-meiramente surgiu a fotografia, depois com fotos numa sequência mostrada em uma su-cessão rápida produziu a sensação de movi-mento. Historicamente, essa atividade já era realizada desde a antiguidade. Os chineses desenvolveram a arte das sombras chinesas, projetando a silhueta de pequenas figuras de madeira ou couro e representando pequenas histórias. No século XVII foram desenvolvi-dos os primeiros projetores dotados de lentes, as lanternas mágicas. Imagens eram pintadas sobre vidro e projetadas em paredes ou em tecidos. Esses sistemas foram os precursores dos atuais projetores de slides.

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O invento dos irmãos Auguste e Louis Lu-mière, o “cinematógrafo”, foi o que impul-sionou o cinema. Ele logo se desenvolveu e se popularizou, tornando-se diversão e sendo utilizado para muitos fins: documentários, es-tudos científicos etc. O produto do cinema, o filme, tem uma história curta, mas recheada de conteúdo que permite uma classificação, chamada de gênero. O gênero nada mais é do que um conjunto de elementos que per-mite a identificação de um filme logo nas primeiras cenas: o cenário, os personagens, a iluminação, tudo isso já vai dizendo qual o gênero do filme. Alguns tipos mais conhe-cidos são: documentário, ficção, comédia, western, terror, policial, entre tantos outros tipos que vem se consolidando no mercado cinematográfico.

Do ponto de vista social e econômico, o mercado cinematográfico representa um setor industrial e econômico importante – de gran-de faturamento – em alguns países gerado-res de emprego. Mas o que possibilitou esse desenvolvimento econômico foi um sistema criado nos EUA conhecido como star system. Esse sistema surgiu com a criação dos gran-des estúdios e consistia em fabricar estrelas para encantar as plateias. O star system é o responsável pela produção das grandes estre-las de cinema. Atrizes famosas como Sophia Loren, Elizabeth Taylor, Gary Cooper, James Dean e mais recentemente: Roger Moore, Leo-nardo Di Caprio, Julia Roberts etc., são alguns que a indústria cinematográfica colocou no mercado para serem consumidos.

Além dessa estratégia mercadológica, a indústria cinematográfica ocidental produz filmes que se encaixam literalmente em uma fórmula de sucesso, chamada de “cinema clássico narrativo”. A maioria absoluta dos fil-mes hollywoodianos são clássicos narrativos – que é a forma de estrutura narrativa que o público de cinema, em geral, está acostuma-do a ver. O público foi educado, nos últimos 100 anos da história do cinema, a assimilar facilmente esse tipo de filme. O espectador médio possui total compreensão desses fil-mes estruturados sob a narrativa clássica por-que seu cérebro está programado para assistir a eles.

Existem regras e fórmulas para se fazer um filme clássico narrativo e o que acontece é que, em geral, se essas regras e fórmulas são obedecidas, o filme é um sucesso. O público geralmente rejeita os filmes que fogem a esse tipo de estruturação narrativa, porque filmes não-clássicos narrativos não se encaixam no padrão ao qual os nossos cérebros estão acos-tumados.

Essas regras são, basicamente:é absolutamente necessário que o fil-•me tenha início, meio e fim bem de-finidos;todo filme clássico narrativo parte •da premissa de uma situação estável sendo abalada por um acontecimento chave (que desestabiliza o normal) e a posterior busca pela volta à estabi-lidade;o espectador deve, obrigatoriamen-•te, se identificar com os personagens, que devem ser escritos e interpretados a fim de causar essa identificação. Além disso, o espectador busca no filme uma espécie de catarse para os seus próprios problemas e sentimen-tos, portanto, o final feliz é quase uma obrigação;todo filme clássico narrativo possui •pelo menos dois plot points muito bem definidos: o primeiro é o aconte-cimento chave que desestabiliza a si-tuação normal e o segundo é um outro acontecimento chave que é o clímax do filme – e que aponta para o final dele.

Quanto aos elementos técnicos do au-diovisual, além dos fotográficos, ainda podem ser utilizados os recursos de ilumi-nação, os cenários e a trilha sonora. Esses recursos são específicos e ajudam a compor uma verdadeira gramática para a linguagem audiovisual.

No entanto, socialmente falando, as três mídias que possuem atualmente maior im-pacto e penetração na sociedade são o rá-dio, a televisão (pelo número de aparelhos presentes nos espaços brasileiros) e a mídia digital, particularmente a internet, pela sua densidade e flexibilidade.

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No Brasil, a figura de maior destaque no desenvolvimento da tecnologia do rádio é o padre-cientista Landell de Moura, que obteve do Governo brasileiro, em 1900, a carta patente sobre seu invento. No Brasil, a primeira transmissão oficial foi no dia 7 de setembro de 1922, em comemoração ao centenário da independência do Brasil, com o discurso do então presidente da República Epitácio Pessoa.

O rádio comercial, nas primeiras décadas do século XX, foi resultante do crescente pro-cesso de consumo dessa mídia, em particular após a aprovação do Decreto n. 21.111 de 01/03/1932, que autorizou que 10% da pro-gramação de uma emissora pudesse ser com-posta por comerciais pagos. Nessa mesma época, começou a contratação de artistas e de produtores para manter um padrão de qua-lidade na programação veiculada. Nos anos 40 do século XX, época de ouro do rádio, a programação tornou-se ainda mais popular e aumentou significativamente os índices de audiência. Em 1942, foi transmitida a primei-ra radionovela (Em busca da felicidade). Co-meçaram também os programas de esporte, o radiojornalismo e os noticiários, em particular o famoso programa O repórter Esso, que pos-teriormente foi levado para a televisão.

A vinculação do rádio com a política veio nessa época. Esse processo esteve ligado di-retamente ao contexto anterior à Segunda Guerra Mundial e se intensificou durante o conflito. Segundo Chaia (2001, p. 210),

embora existissem algumas especula-ções em torno das potencialidades do meio, os nazistas foram os primeiros a perceber e posteriormente a desenvol-ver o uso do rádio como meio de pro-paganda nacional e internacional.

No Brasil, o rádio também foi utilizado com propósitos políticos, com mais inten-sidade durante o governo de Getúlio Vargas (1930-45 e 1950-54) que, consciente de seu potencial comunicacional, utilizou essa mídia para promover a integração nacional em tor-no do seu projeto político. Getúlio foi quem criou, em 1935, o programa Hora do Brasil “[...] que tinha como objetivo promover a in-

tegração nacional, criar uma identidade polí-tica e divulgar suas ideias políticas” (CHAIA, 2001, p. 218). Posteriormente, Eurico Gaspar Dutra alterou o nome do programa para Voz do Brasil, o qual permanece até os dias atuais. O rádio é uma mídia que sempre esteve muito atrelada às questões políticas (CHAIA, 2001).

Outro ponto interessante do rádio é a sua forma de consumo. Como diz Chaia, uma das

[...] características que diferencia o rá-dio dos outros meios de comunicação é o aspecto de que as mensagens são transmitidas apenas oralmente, através do som, e o receptor pode executar outras atividades, concomitantemente à sua escuta. O rádio pode, portanto, estar presente em muitos lugares, pos-sibilitando várias ações simultâneas e conquistando espaços que a televisão e o jornal impresso não podem preen-cher (2001, p. 202).

Essa característica inaugurou, certamen-te, um fenômeno social em que um conteú-do poderia ser consumido em praticamente qualquer lugar, por qualquer pessoa, pois o rádio não requer que para seu consumo se-jam adquiridas habilidades específicas, além da capacidade de ouvir. Outro aspecto que também tornou o rádio uma mídia atrativa, do ponto de vista do produtor, é a sua estrutura tecnológica e o processo de produção. O seu dinamismo e flexibilidade permitem que os conteúdos possam ser alterados, atualizados e produzidos com grande facilidade e com baixo custo, em comparação, por exemplo, com os custos de produção para a televisão, cinema ou jornal. O custo de transmissão da voz é bem menor do que o custo de transmis-são da imagem.

Muitos acreditavam que, com o surgimen-to da televisão, o rádio iria desaparecer. Po-rém, o efeito foi contrário. O rádio encontrou sua própria linguagem e conquistou seu pú-blico, funcionando em complementaridade em relação às demais mídias.

Devido às suas características, o rádio ex-plora certos potenciais humanos (a voz e a audição), se caracterizando como a mídia da oralidade. Como tal, um texto narrado deve ser interpretado como um texto de teatro. A mensagem deve ser elaborada e interpretada

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segundo padrões técnicos, mas também esté-ticos. Essa questão torna-se um fator central nas produções para o rádio, pois na oralidade lidamos com a problemática da interpretação da mensagem.

No caso da televisão, dentro da progra-mação da TV brasileira, a telenovela desponta como fenômeno nacional. Esse gênero cres-ceu a passos largos e rapidamente ganhou o coração do grande público. Detentor de altos índices de audiência, o gênero tornou-se alvo de inúmeras pesquisas tanto no Brasil como na América Latina.

Segundo Elias (1998, p. 38),

O sucesso da telenovela, tal qual a conhecemos hoje, pode ser atribuído ao fato de ela possibilitar ao telespec-tador uma identificação com o seu co-tidiano, funciona como um espelho da realidade. A telenovela parece colocar um pouco de fantasia na vida real e um pouco de realidade na fantasia.

A questão envolvendo o avanço das mídias de massa há muito vem revestida de posições, indicando, segundo Umberto Eco (1993), a classificação das pessoas entre os apocalípti-cos e os integrados. Os apocalípticos seriam aquelas pessoas que veriam no fenômeno do crescimento dos meios de comunicação de massa, ou das mídias de massa, como a te-levisão, o rádio, o cinema, uma ameaça de crise para a cultura e para a democracia. Os integrados são aqueles que se rejubilam com a democratização do acesso de milhões de pessoas a essa cultura do lazer.

No entanto, como adverte Umberto Eco (1993), as atitudes extremistas acabam levan-do a resultados semelhantes. A atitude mais adequada é ter uma posição crítica, o equi-líbrio entre o otimismo ingênuo e o catastro-fismo estéril, um equilíbrio que assume a am-bivalência do meio, as suas possibilidades e limitações, as suas contradições internas.

No Brasil, é possível afirmar que é forte a penetração da televisão nos espaços urba-nos, confirmando que se trata de uma prática relacionada ao universo cultural da moderni-dade. Entre as classes sociais – sabendo que a pirâmide socioeconômica brasileira é bas-tante distorcida, com concentração de renda

numa parcela pequena da população – existe um número significativo de famílias com bai-xo poder aquisitivo, mas que possui televisão de canal aberto, na sua grande maioria, e que tem, neste meio, uma das poucas formas de acesso aos produtos culturais: filmes, nove-las, shows, notícias, documentários etc.

Em termos numéricos, a televisão atinge mais de 90% dos lares brasileiros (PNAD/IBGE, 2009). Com isso, do ponto de vista cul-tural, a população brasileira tem, hoje, um veículo que atinge praticamente a totalidade da população, ou seja, o que está em jogo é a estruturação de nossa relação com o mundo.

As mídias digitais representam um avan-ço, tornando-se uma ferramenta de demo-cratização do acesso à informação. Mas são interessantes algumas informações sobre a gênese dessa tecnologia. A criação da internet coincide com as mudanças na economia e na política no final dos anos 50 do século XX, em plena Guerra Fria, na disputa pela lide-rança tecnológica. O EUA criou uma Agência de Desenvolvimento de Projetos Avançados, a Arpa, subordinada ao Ministério de Defesa e, em 1962, com a junção de outro invento da AT&T, o modem, se tornou viável a co-municação de dados entre dois computado-res com a transmissão de pacotes de dados. Essa tecnologia começou a receber a atenção do governo americano porque apresentava a possibilidade de distribuir as informações es-tratégicas em vários pontos, impedindo que informações valiosas fossem destruídas, em caso de ataque, fragilizando a defesa do país, disso surgiu a Arpanet.

Desse uso estratégico-militar, a rede de computadores sofreu um novo impulso quan-do, ainda nos anos 70 do século XX, os eco-nomistas estadunidenses pressentiram que para os próximos períodos a informação teria um peso significativo na economia. Em 1977, encomendaram um relatório para avaliar esse aspecto e identificaram que, desde 1966, a informação representava 47% da força de trabalho e do produto interno bruto daquele país. O desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação faz parte de uma estratégia dos países mais ricos para se manterem na liderança econômica.

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Esse fenômeno fez surgir uma questão so-cial: a alfabetização digital. Atualmente, do-minar os códigos da rede eletrônica é tão im-portante como tem sido até agora saber ler e escrever. A proliferação das novas tecnologias e a enorme quantidade de informações que a internet oferece às pessoas coloca em xeque a necessidade de repensar alguns papéis na educação. Como diz o pedagogo Seymour Papert, do Massachutts Institute of Technology (MIT), “se a escola não fizer uma revolução, as crianças vão fazê-la”.

Essa mídia trouxe, ainda, a incorporação de uma infinidade de termos e conceitos: cyberspace, web site, homepage, e-mail, link, hacker, browser, interface etc. No entanto, o conceito mais difundido e importante é o de hiper-texto. Lucia Leão, no seu livro O labirinto da hiper-mídia (1999), explica de maneira simples o que é um hipertexto: “um documento digital com-posto por diferentes blocos de informações interconectadas” (p. 15), através de vínculos eletrônicos ou links, que permitem ao usuário avançar na leitura na ordem desejada.

Segundo Pierre Lévy, os chamados blocos de textos são como nós e os links são as cone-xões. Para ele, o chamado hipertexto

[...] é um conjunto de nós ligados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, sequências sonoras, do-cumentos complexos que podem eles mesmos ser hipertextos. Os itens de in-formação não são ligados linearmente, como em uma corda com nós, mas cada um deles, ou a maioria, estende suas conexões em estrela, de modo re-ticular. Navegar em um hipertexto sig-nifica, portanto, desenhar um percurso em uma rede que pode ser tão compli-cada quanto possível (1993, p. 33).

Essa capacidade aliada à de incorporar conteúdos de vários formatos, de ser multimí-dia, torna a internet a mais poderosa mídia de comunicação já desenvolvida pela humani-dade. Multimídia é um termo que pode definir a conjugação de textos, sons, imagens e mo-vimentos. E, mais recentemente, baseando-se

nesses avanços, tem-se os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), considerada a tec-nologia mais avançada para a educação.

Alguns elementos em torno da problemá-tica sobre a penetração da mídia na socieda-de a tornam uma instância formativa de gran-de importância e relevância educacional. Além disso, o sistema mídia interfere também no processo social como um todo, pois atua intensamente nas relações sociais, ou seja, a construção da cidadania passa pelo inter-câmbio com a mídia, em geral. Os meios de comunicação são espaços do saber e a popu-lação tem confiança nos seus relatos (conteú-dos). Com isso, a sociedade ocidental moder-na acabou por construir um mundo com base

nas relações imagéticas com a mídia, criando uma realidade editada. Por isso, é fundamental entender a comunicação como prática social e,

como tal, deve-se ter uma atuação crítica fren-te ao sistema mídia, pensar criticamente seus conteúdos, saber selecionar informações.

Segundo alguns pesquisadores do tema, o sistema mídia estrutura os atos comunicati-vos, criando uma rede comunicativa espessa e ampla. Isso pode levar a uma hipotrofia dos nossos sentidos (sensorium humano), a uma hipertrofia dos sentidos de proximidade (tato, olfato, paladar) e a uma hipotrofia dos senti-dos de distância (audição e visão). Essas mu-danças podem, ainda, contribuir para desen-volver algumas patologias da comunicação, as quais são geradoras da violência, que seria a perda da propriorecepção (sentido do pró-prio corpo).

O que está em jogo nesse processo é o grau de adesão que o sujeito estabelece com o discurso da mídia, quanto mais aderente for o discurso em relação às expectativas do sujeito, maior será a interferência da mensa-gem na vida da pessoa. Com o crescimento e diversificação das mídias na sociedade, esse processo tende a acirrar-se, levando ao conceito de midiatização. Nesse conceito, a questão não está no processo de veiculação de acontecimentos por intermédio dos meios, mas no “[...] funcionamento articulado das

Atualmente, dominar os códigos da rede eletrônica é tão importante como tem sido até

agora saber ler e escrever.

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tradicionais instituições sociais com a mídia”, o que nos permite “[...] sustentar a hipótese de uma mutação sociocultural centrada no funcionamento atual das tecnologias da co-municação” (SODRÉ, 2007, p. 19).

Com isso, temos que concordar com Bai-tello Jr.:

[...] a distribuição de símbolos e ima-gens, seja ela feita pelos códigos da vi-sualidade, ou por outros códigos, cria grandes complexos de vínculos comu-nicativos – grupos, tribos, seitas, cren-ças, sociedades, culturas – e, com isso, cria realidades que não apenas podem interferir na vida das pessoas, como de fato determinam seus destinos, mol-dam sua percepção, impõem-lhes res-trições, definem recortes e janelas para o seu mundo (1999, p. 82).

Por isso, pensamos que o desafio é para a sociedade e para a educação porque

[...] comunicar é a ação de sempre, infinitamente, instaurar o comum da comunidade, não como um ente [...], mas como uma vinculação, portanto, como um nada constitutivo, pois o vín-culo é sem substância física ou institu-cional, é pura abertura na linguagem (SODRÉ, 2007, p. 20).

Temos que considerar que lidamos com linguagem, com a construção do discurso que permite a formação de sujeitos (subjetivi-dade) e a produção do real (concreticidade). Portanto, a relação da mídia com a educação vai muito além de um uso como recurso didá-tico, de apoio, mas estabelece contextos com-plexos para a relação ensino-aprendizagem, pois o que acontece são entrecruzamentos de discursos: professor(a) e mídia, uma intertex-tualidade que inaugura um contexto comple-xo e preocupante.

Para lidar com essas questões, há algumas décadas surgiu a área da mídia-educação, cujo objetivo é lidar com a mídia numa pers-pectiva social, entender o lugar que a mídia ocupa na sociedade atual e analisar o impac-to social historicamente, as implicações para as relações sociais e para a organização da sociedade. Numa perspectiva educacional, o que a área defende é que o profissional da educação deve dominar as linguagens das

mídias, pois isso significa dominar novos códigos de acesso ao conhecimento, visando proporcionar uma formação crítica do aluno, em que ele aprenda a selecionar, criticar a fonte das informações. Numa perspectiva in-dividual, a mídia-educação se propõe a atuar na produção de arte com a criação/autoria, o que atua diretamente sobre a autoestima dos alunos, mas também cria um novo modo de percepção estética do real.

A noção de educação para as mídias abran-ge todas as maneiras de estudar, de aprender e de ensinar em todos os níveis

[...] e em todas as circunstâncias, a história, a criação, a utilização e a ava-liação das mídias enquanto artes plás-ticas e técnicas, bem como o lugar que elas ocupam na sociedade, seu impac-to social, suas implicações da comu-nicação mediatizada, a participação e a modificação do modo de percep-ção que elas engendram, o papel do trabalho criador e o acesso às mídias (UNESCO, 1984).

Isso porque, numa análise social, vive-mos um processo de desordenamento cultural (MARTÍN-BARBERO; REY, 2001), numa convi-vência com uma opulência em termos comu-nicacionais, com uma debilidade de público, com uma maior disponibilidade de informa-ção, com um empobrecimento/deterioração da educação formal, num contexto em que existe uma multiplicação de signos, numa sociedade que padece de maior deficit simbólico.

O que se coloca nesse contexto é que a mídia-educação ou educação para as mí-dias é condição sine qua non para a edu-cação e para a cidadania, portanto, para a construção de uma sociedade democrática e humanista.

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