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Ministério da Saúde Fundação Oswaldo Cruz Escola Nacional de Saúde Pública “A Supervisão no Programa de Saúde da Família: Limites e Possibilidades” Por Cláudia da Costa Leite Reis Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em Ciências na área de Saúde Pública Orientadora: Profª. Dra. Virginia Alonso Hortale Rio de Janeiro, setembro de 2001

Ministério da Saúde Fundação Oswaldo Cruz Escola ... · Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em ... submetida a treinamento, tornando-se a equipe

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Ministério da Saúde

Fundação Oswaldo Cruz

Escola Nacional de Saúde Pública

“A Supervisão no Programa de Saúde da Família:

Limites e Possibilidades”

Por

Cláudia da Costa Leite Reis

Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em

Ciências na área de Saúde Pública

Orientadora: Profª. Dra. Virginia Alonso Hortale

Rio de Janeiro, setembro de 2001

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DEDICATÓRIA

Às famílias brasileiras, Ainda tão marcadas pela injustiça social, excluídas do processo de trabalho e do acesso à saúde pública. À minha família: Aos meus filhos Ana Rosa e Pedro por terem me proporcionado o real sentimento de "ser" uma família, à Ana pelo exemplo de equilíbrio e cumplicidade ao Pedro pela rebeldia construtiva. Em especial, à minha mãe pela compreensão, exemplo de firmeza, por suas críticas nas horas certas, pela certeza de seu amor. Ao meu pai, pelo exemplo de acadêmico desportista, de um professor que vibra com sua docência. À minha irmã pela sua irreverência equilibrada e pela força que sabe dar nos momentos exatos. Aos meus dois irmãos pela persistência e determinação. Aos Meirelles da Costa Leite pela formação política e exemplos de firmeza e luta por um ideal. Aos Reis pelos ensinamentos de retidão, caráter e espírito científico.

ii

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AGRADECIMENTOS

À Virginia Alonso Hortale, pela maneira carinhosa e, ao mesmo tempo, pragmática

com que orientou este trabalho.

À Maria Stella Proença Barata, pela forma sensível e generosa com que tem orientado

“internamente” a minha dissertação. A dissertação da minha vida.

À Edneia Martuchelli Moço, Adriana Nunes Chaves e toda equipe do Programa de

Saúde da Família de Teresópolis pela seriedade com que conduzem o Programa, pela

compreensão e carinho nestes meus dois anos de estudo e pelo incentivo e confiança ao

permitirem a realização deste trabalho no “nosso” PSF que tanto nos empenhamos em levá-lo

à frente.

À Anna Simões e toda a equipe do CENTRA-RIO pelo acolhimento, força e apoio em

momentos difíceis.

Ao amigo José Galvão Alves, pelo incentivo de sempre.

Ao Carlos Roberto da Costa Cordeiro, pela assessoria de informática, me socorrendo

sempre em cima da hora.

À prima Ana Luisa Carneiro da Costa Leite, pela sua disponibilidade e presteza me

orientando no inglês.

Às amigas Margareth Favoreto Fernandes e Cláudia Vargas, pela demonstração de

carinho e preocupação.

Aos "primos" Fernanda Carneiro por sua contribuição ética e Paulo Starling pela força.

Ao pessoal da Secretaria Acadêmica da ENSP, pela presteza e simpatia.

Aos meus alunos que incentivam meu crescimento enquanto “professora-gente”.

iii

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“Naturalmente o domínio do inter-humano estende-se muito além do

domínio da simpatia... A única coisa importante é que, para cada um

dos dois homens, o outro aconteça como este outro determinado; que

cada um dos dois se torne consciente do outro de tal forma que

precisamente por isso assuma para com ele um comportamento, que

não o considere e não o trate como seu objeto mas como seu parceiro

num acontecimento da vida, mesmo que seja apenas uma luta de boxe.

É este o fator decisivo: o não-ser-objeto... A esfera do inter-humano é

aquela do face a face, do um-ao-outro; é o seu desdobramento que

chamamos de dialógico”.

Martin Buber

iv

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APRESENTAÇÃO

O olhar atento para o sofrimento humano foi meu ponto de partida para a tentativa de

compreensão do processo de adoecimento, sua complexidade suas contradições e implicações.

Os vários anos de trabalho como psicóloga em instituição hospitalar, passando por vários

serviços, me fizeram refletir sobre a imensa capacidade humana de reconstrução, reordenação,

reinvenção de suas situações de vida (algumas vezes das de morte), de saúde e de doença.

Contudo são imensas também a quantidade de oportunidades desperdiçadas - ou nem

percebidas - em função da falta de cuidado, da falta de uma equipe atenta mas que age

displicentemente devido às situações institucionais “adversas” por exemplo. A instituição vai

mal devido ao sistema de saúde ineficiente e perverso, “a bola de neve cresce”, perde-se de

vista um referencial de intervenção, de ajuda, de cuidado. A constatação da impotência

aumenta, e então? O que se faz ?...

A experiência com grupo de hipertensos em unidade básica de saúde fez-me

reacreditar na possibilidade de investimento na pessoa do paciente. Neste momento me

preocupava, além da investigação sobre o adoecer, as formas de manutenção da saúde, das

condições de vida do paciente, seu ambiente de moradia e trabalho, sua vida como cidadão.

Penso: “o paciente sai do hospital e vira gente”. É importante esclarecer que um dos

principais objetivos do psicólogo na instituição hospitalar é tentar preservar o paciente

enquanto pessoa. Mas meu objetivo aqui é ressaltar a mudança de paradigma quando optamos

por conceber o paciente – gente – podendo ser agente de sua vontade, de seu desejo, seu

corpo, sua vida , sua saúde, sua cidadania. Acredito neste referencial, o que vem ao encontro

das propostas do Programa de Saúde da Família (PSF).

A mudança na estratégia de atenção da unidade onde desenvolvia o programa de

hipertensão, para unidade do PSF, fez com que fosse contratada nova equipe de profissionais

para o programa, sendo a equipe anteriormente responsável pelos atendimentos no antigo

modelo, submetida a treinamento, tornando-se a equipe de supervisores.

Desafio? Sim, mas foi com bastante satisfação que passei a integrar uma equipe de

supervisão do PSF.

Vindo de uma família veementemente preocupada com a injustiça e com as

desigualdades sociais, com os direitos do povo à saúde, à educação e ao bem estar, trago, “de

família”, a preocupação com as famílias de meu país. Acrescentando às concepções e ideais

de vida, as possibilidades profissionais, acredito poder contribuir para estruturação e

desenvolvimento de um programa, que verdadeiramente satisfaça as necessidades da saúde

v

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pública, da “gente brasileira”, independente de interesses políticos individuais e momentâneos

(eleitorais e/ou eleitoreiros).

vi

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RESUMO

O presente estudo, com base numa abordagem qualitativa, utilizando como princípio

metodológico o estudo de caso, discute a supervisão no Programa de Saúde da Família (PSF)

do Município de Teresópolis, no Estado do Rio de Janeiro. Este programa, implantado no

Brasil em 1994, se constitui numa estratégia de reorientação da atenção básica do Sistema

Único de Saúde (SUS).

A supervisão é um importante instrumento no gerenciamento de programas de saúde,

motivo pelo qual objetivou-se analisá-la, descrevendo as suas características, o seu padrão de

funcionamento, identificando os fatores subjetivos que podem interferir na dinâmica deste

processo, delineando o perfil do supervisor do PSF, bem como refletindo sobre a supervisão

como fator essencial de implantação e implementação do programa.

Para tal realizou-se pesquisa bibliográfica e documental, além de entrevistas com os

supervisores do programa e com os membros das equipes que compõem o PSF de

Teresópolis, para identificar percepções, atitudes, valores e tendências destes em relação à

supervisão.

O estudo permitiu reinterpretar a supervisão em saúde, especificamente no PSF,

mostrando que ela é um processo em construção que incentiva a reflexão das práticas de

saúde; possibilita o crescimento profissional, favorecendo-lhes o desenvolvimento da

liberdade e da autonomia, contribuindo para o aprimoramento e sustentação de um programa

que atenda às necessidades de saúde da população e leve à mudança do modelo assistencial

brasileiro.

Palavras-Chave: Programa de Saúde da Família (PSF), Supervisão, Modelo de Atenção.

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ABSTRACT

This study discuss the supervision in the Family Health Program (FHP) in

Teresopolis City in Rio de Janeiro State. It was based on a qualitative approach - the case

study. This program, introduced in Brazil in 1994, has become an strategy for health care

reorientation in the Brazilian Health System.

As the supervision is an important tool in the management of health programs, it was

defined five main objectives: analyse the supervision, describe its characteristics and working

patterns, outline the profile of the FHP supervisor, identify subjective factors that could

interfere in the process and reflect on it as an essential way in the program set up and

implementation.

In order to accomplish this, a literature review and interviews were made. The

program supervisors and members of the supervised staff from the FHP in TERESÓPOLIS

were interviewed to identify perceptions, attitudes, values and tendencies concerning

supervision.

Thanks to this study, it was possible to reinterpret the supervision in Health,

specifically inside FHP, showing that it is a building process which stimulates rethinking

health practices; allowing the professional growth, favoring their freedom and autonomy,

contributing to the improvement and support of a program which caters people needs in terms

of health and leading to a change in the Brazilian health care model.

Key words: FHP~Family Health Program, supervision, health care model.

viii

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SUMÁRIO

Pag.

Cap.

DEDICATÓRIA -------------------------------------------------------------------------- ii

AGRADECIMENTOS ------------------------------------------------------------------ iii

EPÍGRAFE ------------------------------------------------------------------------------- iv

APRESENTAÇÃO --------------------------------------------------------------------- v

RESUMO --------------------------------------------------------------------------------- vii

ABSTRACT ------------------------------------------------------------------------------ viii

INTRODUÇÃO -------------------------------------------------------------------------- 1

FINALIDADE E OBJETIVOS -------------------------------------------------------- 7

I O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA ----------------------------------------- 8

1.1 – Um Pouco de Sua História 8

1.2 – O Programa de Saúde da Família Brasileiro: origens e estruturação 11

1.3 – Programa de Saúde da Família no Estado do Rio de Janeiro 15

1.4 – Programa de Saúde da Família de Teresópolis 16

• Organização do PSF Teresópolis 17

• FESO e PSF – caracterização institucional 19

• Processo de educação continuada e permanente 21

1.5 – O Fazer em Saúde – Dia-a-Dia nas Unidades 24

1.5.1 – Tudo em Família 24

1.5.2 – Equipe: Características, atribuições e competências 27

• A equipe de saúde da família - o dia-a-dia de uma unidade 27

• Atribuições da equipe de saúde da família 27

• Abordagem coletiva 30

• Abordagem individual 30

1.6 – Participação Comunitária – Controle Social 33

II A SUPERVISÃO: SUPER-VISÃO OU COM-VISÃO? --------------------------- 38

2.1 – O Conceito: Evolução e Contextualização Histórica 38

2.2 – Organização Sanitária Brasileira e Supervisão 46

2.3 – A Supervisão no PSF 50

2.4 – A Supervisão do PSF de Teresópolis 55

ix

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III METODOLOGIA ------------------------------------------------------------------------ 58

3.1 – Método e Estratégia da Pesquisa 58

3.2 – Grupo de Informantes 59

3.3 – Métodos de Coleta de Material 60

3.4 – Análise do Material 62

IV ANÁLISE E DISCUSSÃO DA PESQUISA ----------------------------------------- 63

4.1 – Padrão da Supervisão 63

• Supervisores 63

• Supervisionados 65

4.2 – Processo de Supervisão 67

• Supervisores 68

• Supervisionados 70

4.3 – Perfil do Supervisor 76

• Supervisor, por ele mesmo 76

• Supervisor, pelos supervisionados 78

4. 4 – Fatores Subjetivos 80

• Supervisores 80

• Supervisionados 82

V CONSIDERAÇÕES FINAIS ---------------------------------------------------------- 87

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ----------------------------------------------- 94

ANEXOS ----------------------------------------------------------------------------------- 103

x

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INTRODUÇÃO

O século XX é marcado por profundas e rápidas transformações nas esferas da vida

econômica, social, cultural e política. Em um lugar pós-moderno, encontramos algumas

características, que vêm marcando os espaços do cotidiano tanto na vida privada como na vida

pública. A internacionalização da produção, distribuição e consumo, juntamente com o

avanço das tecnologias da informação, têm como resultado a globalização da economia e suas

conseqüências macroeconômicas: transnacionalização empresarial, desterritorialização da

força de trabalho, desemprego. Por outro lado verifica-se um aumento das desigualdades entre

os povos e os grupos sociais, a eclosão de movimentos nacionalistas, a exacerbação dos

conflitos étnicos, a agressão ao meio ambiente, a deterioração do espaço urbano a

intensificação da violência e o desrespeito aos direitos humanos (Paim & Almeida Filho,

2000).

A área da saúde acompanha os acontecimentos mundiais, avançando bastante em

tecnologia, o que faz com que seu custo aumente violentamente e o acesso à mesma seja cada

vez mais restrito. Sua crise não é exclusiva do sistema brasileiro, sendo revelada nas

dimensões da ineficiência, da inefetividade, da ineqüidade e da insatisfação popular, o que

estimula e justifica a “saúde” ocupar permanentemente lugar de destaque nos debates sobre o

desenvolvimento econômico, político e social. É importante examinarmos a trajetória do

Sistema de Saúde Brasileiro. Mendes (1993) enfatiza que os sistemas de saúde são

decorrentes de uma determinação econômica e da concepção de saúde existente na sociedade

num determinado momento. Ele observa que as mudanças políticas e econômicas do início

dos anos 80 são responsáveis pelo esgotamento do modelo médico-assistencial privatista e sua

substituição pelo modelo neoliberal da saúde.

Durante o século referenciado, no Brasil, o sistema de saúde transita do sanitarismo

campanhista para o modelo médico-assistencial privatista1, chegando ao modelo

1 O modelo sanitarista - campanhista originou-se no início do século XX, período de produção cafeeira, que exigia do sistema de saúde uma política de saneamento e controle das endemias que propiciassem condições sanitárias suficientes para que fossem mantidas relações comerciais. Modelo de estrutura centralizada, com visão militarista de combate às doenças de massa, através de campanhas.

A industrialização promoveu o aumento dos centros urbanos, gerando uma massa operária que deveria manter seus corpos saudáveis para o trabalho e para a produção. Houve um esvaziamento do modelo campanhista e crescimento do modelo médico-assistencial privatista, (metade da década de 60), centrado no atendimento de doentes, com ênfase ambulatorial e hospitalar. Ambos os modelos são limitados no que diz respeito ao alcance da atenção à saúde comprometida com a efetividade, eqüidade e necessidade da população (Teixeira, 2000). Para uma discussão mais detalhada, consultar Barbosa, P.R. (2001) Modelos de Atenção à Saúde: conceitos básicos, aspectos históricos e desafios para práticas inovadoras.

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2

neoliberal.

Nas décadas de 70 e 80 as discussões se voltam para questões como: extensão de

cobertura dos serviços, reconhecimento do direito à saúde e a responsabilidade da

sociedade em garantir os cuidados básicos de saúde. Começam a surgir políticas

universalizadoras, que atingem seu ápice na Constituição Federal de 1988. Esta estabeleceu

as bases técnicas e jurídicas sobre as quais se implantaria o Sistema Único de Saúde (SUS),

tendo como princípio fundamental a atenção à saúde, enquanto direito de cidadania, com

universalidade de acesso a todos os níveis do sistema (Brasil, 1998).

Por outro lado, Mendes (1993) denuncia que "o modelo médico neoliberal constrói-se

na prática social, reinterpretando um discurso universalizador através de posturas

particularistas e estabelecendo uma oferta de serviços altamente discriminatória, seletiva para

diferentes cidadanias, segundo sua inserção social, conformando, no seu conjunto, um sistema

perverso porque altamente ineqüitativo".

Este mesmo autor, sugere que a implantação do SUS, para que se constitua em uma

reforma sanitária democrática, não deve ser realizada através da aplicação mecânica de seus

princípios e diretrizes - universalidade, integralidade, eqüidade, participação da comunidade,

utilização da epidemiologia no estabelecimento de prioridades, na alocação de recursos e na

orientação programática, descentralização, intersetorialidade e resolutividade. A construção

do SUS deve constituir-se num processo social de mudanças nas práticas sanitárias,

referenciado na concepção ampliada do processo saúde/enfermidade e no paradigma

assistencial da promoção da saúde.

Paim (1994, 1999), chama atenção de que há não só a manutenção, mas também a

expansão do modelo médico-assistencial privatista, no âmbito do SUS (herança do antigo

Inamps), na medida em que institucionalizam-se políticas e práticas sociais, que reproduzem

interesses econômicos e políticos de grupos profissionais, empresas, corporações e elites

políticas, distanciados dos interesses e necessidades da maioria da população.

Os anos 90, são marcados pelo agravamento da crise econômica e fiscal do país, e pela

busca de alternativas que possibilitem a superação dos limites dos modelos de saúde vigentes.

A implementação de programas, ações regulatórias e novas modalidades de alocação de

recursos, com objetivo de aumentar os níveis de eqüidade e eficácia do SUS são medidas

fundamentais.

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3

Mudanças no modelo assistencial ocorrem devido à implantação de programas:

Programa de Agente Comunitário de Saúde (PACS), em 1991 e Programa de Saúde da

Família (PSF), em 1994.

O "Saúde da Família", formulado pelo Ministério da Saúde, como proposta de

reorientação da atenção básica,2 conta com mecanismos para impulsionar a sua

implementação como a Norma Operacional Básica de 1996 (NOB/SUS-01/1996), que

valoriza o incremento de cobertura pelo PSF com maior incentivo financeiro aos municípios

para tal, e o “Projeto Reforço à Reorganização do SUS - Reforsus”, uma iniciativa do

Ministério da Saúde com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do

Banco Mundial MS( Ministério da Saúde,1996b).

A proposta "Saúde da Família”, estratégia político-governamental para a mudança do

modelo de assistência à saúde no contexto do SUS, aponta para modificações

importantes na forma de remuneração das ações de saúde (superação da exclusividade do

pagamento por procedimentos), nas formas de organização dos serviços, nas práticas

assistenciais no plano local e no processo de descentralização (Brasil,1998); suscita discussão

uma vez que é marcada por diferentes orientações políticas e ideológicas desencadeando

diferentes compreensões:

A primeira delas é defendida por Mendes (1996), na qual ele se refere à estratégia de

saúde da família como parte das propostas inovadoras com vistas à constituição de novas

práticas de saúde. Uma estratégia que vai além da adstrição da clientela (família) a uma

equipe médica, visto que este fato atenderia a mesma lógica medicalizadora do modelo

médico; mas que sem negar a importância da atenção médica de boa qualidade, a saúde da

família visa a instituição, na prática social, de um outro paradigma da produção social da

saúde. A saúde da família como estratégia de organização da atenção primária visa criar no

primeiro nível do sistema, centros de saúde, nos quais a equipe de saúde da família, em

território de abrangência definido, desenvolve ações focalizadas na saúde; dirigidas às

famílias e a comunidade; de forma contínua personalizada e ativa; enfatizando a promoção e

a prevenção, não se descuidando do aspecto curativo reabilitador; com alta resolutividade;

baixos custos diretos e indiretos, sejam econômicos, sejam sociais e privilegiando a

intersetorialidade. 2 Atenção básica constitui-se num conjunto de ações, de caráter individual ou coletivo, situadas no primeiro nível de atenção dos sistemas de saúde, voltadas para a promoção da saúde, a prevenção de agravos, o tratamento e a reabilitação. A ampliação desse conceito se torna necessária para avançar na direção de um sistema de saúde centrado na qualidade de vida das pessoas e de seu meio ambiente .A organização da atenção básica, com base na lei nº 8.080, tem como fundamento os princípios do SUS referidos anteriormente MS (Ministério da Saúde, 2000b).

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4

Segundo Cordeiro (1996), os pressupostos que devem nortear a organização das

práticas de saúde voltadas à família, tais como o reconhecimento da saúde como direito de

cidadania; eleição da família e seu espaço social como núcleo básico de abordagem; prestação

de atenção integral; humanização das práticas de saúde; participação comunitária, são parte de

uma estratégia primordial que induziria a mudanças tanto pela interferência sobre a dinâmica

do mercado de trabalho em saúde, quanto pela reestruturação do processo de trabalho,

buscando introduzir a lógica da efetividade com relação às formas de remuneração, bem como

o manejo racional de tecnologia.

Misoczky (1994) faz considerações críticas acerca do que chama de revival da

medicina comunitária/familiar no Brasil. A autora procura mostrar as limitações de tal

proposta, afirmando que se trata de um modelo de atenção voltado para os pobres, que não

atende às necessidades da população, não valoriza os trabalhadores de saúde e não viabiliza a

descentralização, portanto está muito aquém das formulações que marcaram o processo da

Reforma Sanitária Brasileira e configuraram o SUS. Critica ainda o Ministério da Saúde por

assumir a proposta como modelo de atenção a ser expandido para todo o país. Convida à

reflexão sobre o SUS uma vez que constata que as políticas de saúde adotadas por este, têm

características de continuismo do ideário neoliberal.

Na visão de Vasconcelos (1999a:175), o PSF representa a primeira tentativa

significativa de reformulação, em escala nacional, do modelo de atenção primária à saúde.

Mostra que não é apenas uma nova proposta de atenção seletiva à saúde, que se atém à

abordagem de problemas delimitados, mas uma proposta de grande impacto na diminuição da

mortalidade. E acrescenta: “o futuro de um programa, assim tão recente, será definido no jogo

político entre os atores envolvidos e na sua operacionalização”.

Sintetizamos acima as diferentes posições e percepções de alguns autores a respeito

das diversas dimensões da proposta do PSF. Uns argumentando favoravelmente quanto à

operacionalização da atenção primária em saúde, a partir do PSF, enquanto outros mostram o

risco de, mesmo com o PSF, ocorrer a permanência do modelo tradicional de atenção à saúde.

Na XI Conferência Nacional de Saúde realizada em dezembro de 2000, as discussões

evidenciaram a necessidade de articulação entre concepções, propostas e estratégias que

possibilitem a superação do modelo médico privatista e a construção de um novo modelo que

privilegie a promoção da saúde, a prevenção de riscos e agravos, que reduza as desigualdades

resgatando dimensões éticas e culturais essenciais ao cuidado à saúde das pessoas.

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O novo ciclo gerencial que começa a se emoldurar na administração pública brasileira,

com a municipalização e a descentralização da saúde, remete a necessidades de

monitoramento das ações e programas de saúde, apontando para indagações sobre um

desenho atualizado da supervisão, que contemple a realidade que ora se apresenta.

A preocupação com a supervisão em saúde presente nos países da América Latina

antes da década de 70, se fortalece a partir da Conferência Internacional sobre Cuidados

Primários de Saúde, realizada em Alma-Ata em 1978, (antiga URSS); momento em que se

discutiu a respeito da formação de recursos humanos para o trabalho em atenção primária,

enfatizando-se a importância da educação continuada e da supervisão.

Em 1980 acontece o Seminário Internacional Sobre Supervisão, no Peru, organizado

pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS), tendo como resultado uma proposta de

supervisão que deve ser discutida e operacionalizada a partir de Seminários Nacionais de

Capacitação em Supervisão em cada país participante. Em 1982, estes seminários são

realizados nos respectivos países, e no Brasil é criado o Grupo de Trabalho de Supervisão e

Educação Continuada, com o objetivo de estimular as discussões sobre o assunto e se

operacionalizar a realização destas atividades, à medida em que se ampliavam os serviços de

saúde (Peres, 1986).

Esta autora mostra que nos últimos 30 anos, a supervisão é foco de preocupação na

área da saúde. Inúmeros conceitos e definições tentam explicá-la; na maioria, a supervisão

aparece como entidade autônoma que se auto-define e que se constitui como instrumento

pedagógico.

Frente a essa realidade, tornou-se necessário investigar a supervisão, quanto às suas

origens, fundamentos teóricos, finalidades e dimensões, para melhor subsidiar a compreensão

da mesma, no Programa de Saúde da Família. Foi realizado um estudo no PSF do Município

de Teresópolis, na Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, com a intenção de contribuir

com uma reinterpretação da supervisão em saúde.

O trabalho se estruturou em cinco capítulos:

O primeiro capítulo trata da contextualização histórica do PSF, desde o aparecimento,

no nível internacional, de movimentos de priorização da atenção básica, até a implantação do

programa no Brasil, Rio de Janeiro e Teresópolis. Mostra a organização de uma unidade de

saúde do PSF: características e atribuições da equipe, foco de atendimento na família e

tecendo também considerações sobre a participação comunitária.

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O segundo capítulo versa sobre a evolução histórica do conceito de supervisão,

tomando como referencial a Teoria Geral da Administração; mostra a articulação entre o

desenvolvimento sanitário brasileiro e a supervisão em saúde; descreve a supervisão no PSF.

No terceiro capítulo é apresentada a pesquisa: metodologia utilizada, instrumento de

coleta de material, categorias de análise.

O quarto capítulo destina-se à análise das categorias segundo as informações

fornecidas pelos supervisores e membros das equipes (supervisionados) que compõe o PSF de

Teresópolis.

O quinto capítulo é reservado às considerações finais.

Acredita-se que o desenvolvimento deste estudo, clarificará aspectos da supervisão,

como suas formas, funções, alcance, limites e possibilidades.

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FINALIDADE E OBJETIVOS

O presente estudo tem a finalidade de fornecer subsídios para a compreensão da

supervisão em saúde e especificamente no Programa de Saúde da Família.

Para tal, sugere como objetivos:

• Geral:

Analisar as características da Supervisão do Programa de Saúde da Família (PSF) da

Secretaria de Saúde / Fundação Educacional Serra dos Órgãos, de Teresópolis, Rio de Janeiro,

nos seus primeiros dezoito meses de atividades.

• Específicos:

Descrever o padrão de Supervisão do PSF – Teresópolis.

Identificar fatores subjetivos que interferem na dinâmica deste processo: ações de

saúde / equipe / comunidade / supervisão / coordenação.

Refletir sobre o processo de supervisão, como fator essencial de implantação e

manutenção do PSF.

Identificar o perfil do supervisor do PSF.

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CAPÍTULO I

O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA

1.1 – Um Pouco de Sua História

O tema medicina de família vem ocupando importante lugar tanto no cenário das

discussões acerca da reforma sanitária como no campo da formação e da prática médica.

Segundo Paim (1986), a medicina de família é o movimento dos cuidados primários à saúde

visto sob a ótica dos países industrializados. Continua mostrando que esta se desenvolve num

momento em que se tenta substituir a formação especializada e tecnificada do médico, por

outra que privilegia a assistência médica integrada e completa aos doentes na coletividade.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) preocupa-se com a questão do atendimento à

família desde 1963, publicando documento sobre a formação do médico de família. Foi nos

Estados Unidos, onde a partir de 1966, a proposta da medicina familiar mais se desenvolveu e

que, em 1969, passou a ser reconhecida como especialidade médica.

Na década de 70, Canadá, México e alguns países europeus aderem ao movimento se

posicionando contra o modelo hospitalocêntrico mundialmente estabelecido, a complexidade

tecnológica, e a fragmentação do trabalho médico em especialidades e sub-especialidades.

Nos mesmos anos 70 são organizados na América Latina, com o apoio da Organização

Mundial de Saúde e empresas estrangeiras, como a Fundação Kellogg, seminários,

consultorias e publicações para que a proposta seja divulgada (Vasconcelos, 1999a).

O Brasil não fica à margem destes acontecimentos, havendo a primeira tentativa de

introdução desse movimento através da OMS e da Associação Brasileira de Escolas Médicas

(ABEM), patrocinando em parceria com a Faculdade de Medicina de Petrópolis, em 1973, o

seminário ”A Formação do Médico de Família”. Seu relatório destaca “a ausência de filosofia

educacional em relação ao tipo de médico que se pretende formar. Parece haver também uma

recusa da expressão “Médico de Família”.

Paim (1986), ao analisar os resultados deste seminário constata que estes

representariam uma aparente derrota, uma vez que, objetivava-se combater desajustes da

prática médica mediante a reorientação da formação profissional do médico, sem se avançar

na discussão da reorganização das instituições de saúde como um todo.

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Em 1977, a Assembléia Mundial de Saúde lança, como principal meta dos governos e

da OMS, a diretriz da Saúde para Todos no Ano 2000 (SPT 2000). A expressão “saúde para

todos” deveria ser entendida como a necessidade de colocar ao alcance de todo o indivíduo a

atenção primária integrada aos demais níveis de um sistema de saúde OMS (Organização

Mundial de Saúde, 1979).

A Conferência promovida pela Unicef e pela OMS, sobre Atenção Primária à Saúde,

realizada em Alma-Ata, antiga URSS, no ano de 1978, é considerada um marco

histórico/político dessa tendência, pois aponta a necessidade de mudanças radicais em relação

às práticas e ao desenho dos serviços de saúde. Recomenda-se que a atenção primária seja

parte integrante de um sistema de saúde completo e em coordenação com outros setores,

constituindo-se na função central e principal meio para prestação de assistência sanitária, além

de parte do desenvolvimento social e econômico global da comunidade.

A declaração de Alma-Ata determina que a atenção primária compreenda pelo menos

as atividades de educação sanitária, suplementação alimentar, nutrição adequada,

abastecimento adequado de água potável e saneamento básico, assistência materno-infantil

(inclusive planejamento familiar), imunização, prevenção e combate às doenças endêmicas,

tratamento apropriado de doenças e traumatismos comuns e fornecimento de medicamentos

essenciais. Para que se operacionalize a atenção primária é necessário que os governos

formulem estratégias que contemplem as atividades determinadas na Declaração. O próprio

documento da OMS diz que: “é muito importante conseguir que todo o sistema de saúde

conforme a direção e o conteúdo das políticas, estratégias e planos de ação não se convertam

em um sistema paralelo que seja um parente pobre (grifo do autor) do sistema vigente. Para

dar um apoio adequado à atenção primária em todos os níveis, os governos terão que

enfrentar-se com as realidades dos sistemas existentes, nos quais as funções e tendências

principais podem diferir muito das requeridas para aplicar as políticas, as estratégias e os

planos de ação novos” OMS (Organização Mundial de Saúde, 1979).

A OMS passa a ser difusora das determinações da Conferência, e o Banco Mundial o

principal financiador das ações de saúde.

Como decorrência deste movimento internacional, começam a surgir no Brasil uma

série de programas direcionados para a multiplicação da atenção básica à saúde. Os

programas, que no início aparecem de forma desarticulada vão, aos poucos, se integrando,

reformulando-se, possibilitando uma maior articulação entre as ações preventivas e curativas;

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o que levou à discussão sobre a territorialização e a hierarquização da atenção, fatos que

podem ser considerados como “os primórdios do SUS”.

Nesta época surgem debates políticos sobre que modelo de atenção básica deveria ser

expandido. Um deles é o médico de família, não sendo aceito de imediato. Vasconcelos

(1999a), supõe uma explicação para este fato. Considerando o contexto brasileiro, no

momento em que o país vivia sob ditadura militar, sendo grande a insatisfação política e

crescente a desigualdade social, a origem norte-americana da proposta e sua proximidade com

o modelo neoliberal de prática médica, causam oposição de setores progressistas dos

profissionais de saúde. Uma outra suposição para a inicial rejeição do modelo, é o fato de

parte de seu financiamento estar sob a responsabilidade do Banco Mundial, pois este

caracteriza-se paradoxalmente pela utilização de recursos, objetivos e alcance de suas ações

serem eminentemente públicas, de promoção de políticas de seguridade social, alívio da fome

e redução da pobreza, e no entanto é presidido sempre por um norte-americano e suas

políticas coincidem com os interesses dos governos e das elites do mundo industrializado.

Contudo, essa realidade não é suficiente para que se paralisem as discussões sobre a

reorganização do sistema de saúde brasileiro. No final da década de 80, a consolidação do

modelo “médico de família” em Cuba, trouxe para o setor saúde uma revalorização do tema

família, e ampla reformulação do modelo de atenção primária. No Brasil, isto foi importante

para quebrar a resistência dos profissionais de saúde em relação ao referido modelo.

O sistema de saúde implementado em Cuba após a revolução de 1959, se caracteriza

pela descentralização, sistema único, com financiamento exclusivamente público. Os

indicadores de saúde atingidos em Cuba são comparáveis aos do primeiro mundo.

Instaurado ao final dos anos 80, desenvolvido ao longo de três décadas, o “saúde da

família” cubano, atingiu maior integração das práticas preventivas, promocionais e curativas,

diminuiu a superespecialização médica e estimulou o desenvolvimento de ações dirigidas para

a mudança de estilos e hábitos de vida. Uma das características marcantes deste modelo é o

envolvimento precoce das instituições de formação médica e de outros profissionais de saúde,

no processo de definição e formação dos profissionais que irão integrar o programa. Efetivou-

se uma reforma curricular, e atualmente, todo médico formado nesse país sai preparado para

integrar o programa; sua atuação é reconhecida, oficialmente, como especializada em

medicina geral integral (D´Aguiar,2001). Neste sentido, o médico de família é definido como

um profissional de primeira linha, o que podemos averiguar a partir do que declara

CARCELLER (1995: 41), considerado “um trabalhador da saúde”, cubano:

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“Uno de los logros fundamentales para desarrollar las ideas de Fidel ha sido la caracterización del Médico de la Família como un clínico competente, como um investigador, como um intérprete de la condición humana, en el proceso salud-enfermedad; um médico sensible al temor de equivocarse y de sorprenderse com las infinitas expresiones de la salud y de la enfermidad; um médico com el enfoque clínico-epidemiológico y social en la solución de los problemas de salud del individuo, de la familia y de la comunidad.”

Documento do Ministério da Saúde Pública de Cuba 1991 (Aguiar, 1998) explicita

que o enfoque do sistema se orienta para o desenvolvimento da atenção primária,

estabelecendo-se a equipe de saúde como o elo fundamental das ações de promoção e

prevenção, sob os princípios da integralidade, setorização, regionalização, continuidade das

ações, com participação ativa das pessoas e das famílias situadas em seu entorno. O modelo

de atenção é baseado nos enfoques clínico, epidemiológico e social dos problemas de saúde

das famílias.

O modelo cubano talvez seja o que mais inspirou as discussões acerca da nova

proposta brasileira de “Saúde da Família”.

A seguir é apresentado como se construiu, no Brasil, durante os anos 90, a partir destes

vários referenciais, a proposta de “Saúde da Família”. E como mantendo aspectos comuns

àqueles aqui relatados, delineou-se enquanto uma política de Estado, para reorientar a atenção

básica no Sistema Único de Saúde: O Programa de Saúde da Família - PSF.

1.2 – O Programa de Saúde da Família Brasileiro: origens e estruturação

Em 1993, o Ministério da Saúde discute um projeto nacional de reorientação dos

serviços básicos de saúde (Chaves,2000). Havia naquele momento, uma grande discussão em

torno do Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS)3, implantado em 1991, o

que possibilitou o enfoque da família como unidade de ação programática de saúde, (não

mais o indivíduo), introduzindo também a noção de área de cobertura por família. Alguns

afirmam, como Viana & Dal Poz (1998), que o PACS é um antecessor do PSF. Contudo, o

3 O PACS, foi formulado tendo como objetivo principal a contribuição na redução da mortalidade infantil e mortalidade materna, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. A partir da experiência com o programa de agentes comunitários, implantado no Ceará, o Ministério da Saúde constatou que os agentes poderiam também ser peça importante para a organização do serviço básico de saúde no município (Viana & Dal Poz, 1998).

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PACS já vinha se desenvolvendo de forma isolada; na verdade, o que houve, neste momento,

foi a institucionalização pelo Ministério da Saúde das práticas em saúde com os agentes, uma

vez que havia a necessidade de ampliação da capacidade resolutiva destes.

De acordo com Souza (2001), o evento que marca a concepção oficial do PSF, em

reunião em Dezembro de 1993 em Brasília, aponta para uma dimensão mais ampla de

influências, onde além da participação de Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde,

consultores e especialistas em atenção primária, estão presentes implementadores de

programas de médico de família, através de experiências localizadas, algumas delas sem a

adoção do PACS, como a do Grupo Hospitalar Conceição, em Porto Alegre, a de Niterói e a

de São Paulo.

Além disso, o Relatório do Banco Mundial (1993) sugere que o PSF, no Brasil, deve

ser implantado como estratégia compensatória dos baixos índices dos indicadores de saúde

registrados no país, estabelecendo-se primeiramente atendimento às famílias excluídas.

A implementação do Programa de Saúde da Família acontece oficialmente em março

de 1994 (através da Portaria 692 de 25 de março de 1994) ficando, inicialmente, sob a

responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde, sendo criada dentro do Departamento de

Operações, a Coordenação de Saúde da Comunidade – COSAC, agregando ainda a gerência

do PACS e o de interiorização do SUS MS (Ministério da Saúde, 1994b).

Em 1995, o PSF é transferido da Fundação Nacional de Saúde para a Secretaria de

Assistência à Saúde – SAS , rompendo com a idéia de programa vertical, que operava sob a

modalidade de convênio, sinalizando para uma importância maior do programa dentro do

Ministério e por outro tipo de institucionalização do PSF (Viana & Dal Poz,1998).

Em documento do Ministério datado de 1994, consta que, o PSF é um instrumento de

reorganização do SUS e da municipalização, definindo que sua implantação ocorrerá,

prioritariamente, nas áreas de risco (utilizando o Mapa do IPEA, para seleção das áreas) MS

(Ministério da Saúde, 1994a), fato que vem confirmar informações contidas no Relatório do

Banco Mundial.

Neste contexto, Misoczky (1994) adverte que o PSF toma como foco a família de

excluídos, pois é um modelo de atenção direcionado para populações que não podem

contribuir financeiramente para obter ações de saúde.

Vasconcelos (1999a: 174-175) preocupa-se com veemência: “O PSF não deve ser

considerado uma proposta simplificada e barata para áreas rurais e pobres do país, ao

contrário da simplificação, é um alargamento da atenção primária à saúde em direção à

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incorporação de práticas preventivas, educativas e curativas mais próximas da vida cotidiana

da população e especialmente de seus grupos mais vulneráveis”. O mesmo autor mostra que

um desafio do programa é ter capacidade de integração com serviços locais de saúde bem

estruturados, para possibilitar a formação de uma rede de atendimento (referência e contra-

referência).

O programa é considerado como uma estratégia, privilegiando as ações de promoção,

proteção e recuperação da saúde dos indivíduos e da família, entendida a partir de seu

ambiente físico e social. Esse tipo de abordagem pretende fornecer à equipe do programa uma

compreensão mais abrangente do processo saúde/doença. O objetivo central do mesmo é a

reorganização da prática assistencial em novas bases e critérios, em substituição ao modelo

tradicional centrado na assistência curativa e hospitalar (Viana & Dal Poz, 1998). É uma

estratégia que possibilita a integração e promove a organização de atividades em um território

definido.

Nota-se uma dubiedade entre o caráter de “estratégia” e de “programa”, fato que

possivelmente tem implicações em relação à sua implementação e ao alcance da proposta.

Para Mendes (1998), a idéia de transformar uma proposta de organização da atenção básica

em mais um programa é uma distorção que permanece quando se mantém a coordenação do

PSF separada daquela do PACS. Vasconcelos (1999a), por sua vez, considera que não é

possível haver um único modelo de atenção4 para todo o Brasil, dada a diversidade do país, e,

embora com a definição clara de uma proposta, devem existir parâmetros adequados a esta

adversidade.

Documento do Ministério da Saúde, (1998c) procura esclarecer que, embora

denominado de Programa, o PSF, foge à concepção usual dos demais programas idealizados

por este Ministério, uma vez que não é uma intervenção vertical e paralela às atividades dos

serviços de saúde, operacionalizados a partir de ações programáticas que se constituem de

princípio, meio e fim. Ao contrário, caracteriza-se como uma estratégia que propõe um

modelo de atenção a ser seguido, possibilitando a integração e promovendo a organização das

atividades em um território definido.

O Programa de Saúde da Família vem sendo implantado em todas as regiões do país, a

partir de 1994, quando contavam-se 328 equipes. Em janeiro de 2000, havia 5.139 Equipes de

4 Os modelos de atenção à saúde são formas de organização das relações entre sujeitos (profissionais de saúde e usuários), mediadas por tecnologias (materiais e não materiais), utilizadas no processo de trabalho em saúde, cujo propósito é intervir sobre problemas (danos e riscos) e necessidades sociais de saúde historicamente definidas. Neste sentido um modelo de atenção não é simplesmente uma forma de organização dos serviços de saúde nem tampouco um modo de administrar (gerir ou gerenciar) um sistema de saúde Teixeira(2000).

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Saúde da Família (ESF) em 1.931 municípios e contavam-se com 113.345 Agentes

Comunitários de Saúde. O Ministério da Saúde pretende expandir as ESF-PSF/PACS, tendo

como objetivo para 2002, a implantação de 20.000 ESF, o que proporcionará uma cobertura

de 50% da população brasileira.

O Ministério da Saúde preconiza que o PSF reafirmando os princípios do SUS, deve

se estruturar através de uma unidade básica de saúde, que sedia a equipe multiprofissional

assumindo a responsabilidade por uma população delimitada, a ela vinculada, e desenvolve

ações de promoção da saúde, prevenção, tratamento e reabilitação, garantindo ainda

referência e contra-referência para os demais níveis do sistema de saúde. A Unidade de Saúde

da Família atua com base nos seguintes princípios:

• Caráter Substitutivo: Não significa a criação de novas estruturas de serviços, exceto em

áreas desprovidas, e sim a substituição das práticas convencionais de assistência por um

novo processo de trabalho centrado na vigilância à saúde.

• Integralidade e Hierarquização: A Unidade de Saúde de Família está inserida no

primeiro nível de ações e serviços do sistema local de saúde – atenção básica. Deve

garantir atenção integral aos indivíduos e famílias e assegurar a referência e contra-

referência para os diversos níveis do sistema.

• Territorialização e Hierarquização: Trabalha com um território de abrangência definido

e é responsável pelo cadastramento e acompanhamento da população adstrita a esta área.

É recomendado que uma equipe seja responsável pelo acompanhamento de, no máximo,

4500 pessoas.

• Equipe Multiprofissional: A Equipe de Saúde da Família é composta minimamente por

um médico generalista, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e de quatro a seis

agentes comunitários de saúde.

Outros profissionais podem ser incorporados às Unidades de Saúde da Família ou em

equipe de supervisão, de acordo com as necessidades e possibilidades locais. Uma Unidade de

Saúde da Família pode atuar com uma ou mais equipes dependendo da concentração de

famílias no território de sua abrangência MS (Ministério da Saúde, 1994b).

Dois elementos estruturantes do PSF merecem destaque: o financiamento e o sistema

de informação.

O PSF como estratégia prioritária do Ministério da Saúde para reestruturação da

atenção básica, tem seu financiamento garantido pelo PAB (Piso de Atenção Básica) criado

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pela Norma Operacional Básica (NOB) 01/96. Esta vem garantindo mecanismos de

financiamento direto do Ministério da Saúde para os municípios, modificando a lógica de

financiamento, baseada anteriormente na produção de serviços (pagamento por

procedimentos) e, atualmente, na cobertura populacional, o que se constitui em um importante

instrumento de consolidação do programa. Uma parte variável de PAB compõe-se de

incentivos adicionados aos recursos de fontes estaduais e municipais. O valor do incentivo

para o PACS é fixado em R$ 2.200,00 ACS/ano. Para o PSF, a portaria 1.329, de 12/11/99,

estabelece que de acordo com a faixa de cobertura, os municípios passam a receber incentivos

diferenciados proporcionais ao número de pessoas cobertas (impacto do programa). Existe

também um incentivo adicional para a implantação de novas equipes, num valor de R$

10.000/equipe, pagos em duas parcelas (Chaves, 2000).

O Sistema de Informação em Atenção Básica (SIAB) é desenvolvido pelo Ministério

da Saúde, através do DATASUS, para o gerenciamento das informações utilizadas pelo PSF

nos municípios. Trata-se de um sistema informatizado que agrega e processa os dados sobre a

população da área de abrangência do PSF. Tais dados são obtidos através das fichas de coletas

e são agregados em relatórios de consolidação dos mesmos. O SIAB é um dos principais

instrumentos de gerência do programa e de cada unidade que o compõem, contém todos os

dados e informações necessárias para avaliação das condições de saúde da população adstrita

a cada unidade e o desempenho das equipes do PSF. É um potente instrumento para

planejamento, acompanhamento e avaliação das ações desenvolvidas pelas Equipes de Saúde

da Família.

Os dados processados pelo SIAB se referem às realidades sócio-sanitárias das

comunidades, à composição das famílias e aos domicílios que habitam, ao resultado das

visitas domiciliares realizadas pelos agentes comunitários, pelo enfermeiro ou pelo médico,

assim como aos relativos à demanda espontânea, à oferta de serviços e aos procedimentos

realizados por cada unidade do PSF (Chaves, 2000).

1.3 – Programa de Saúde da Família no Estado do Rio de Janeiro

O Estado do Rio de Janeiro localiza-se geograficamente na Região Sudeste do Brasil.

Sua organização político-administrativa aponta para a regionalização, dadas as características

sócio-demográficas, próprias e semelhantes em áreas do seu território. Sua divisão político-

administrativa foi determinada segundo as regiões de governo e municípios componentes. A

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população residente estimada no Estado no ano 2000, foi da ordem de 13.284.447 habitantes,

distribuídos por 91 municípios. A capacidade ambulatorial do Estado apresenta a seguinte

distribuição: total de unidades credenciadas em torno de 4.582, com 20.261 consultórios,

4.433 equipamentos odontológicos instalados, 1.877 salas de pequenas cirurgias e 1.086 salas

de cirurgias ambulatoriais (Chaves, 2000).

Tomando como base a fonte da Secretaria Estadual de Saúde (SES), datada de

11/10/2000, temos a seguinte situação do Estado do Rio de Janeiro em relação ao PSF/PACS:

de um total de 91 municípios, 86 já assinaram convênio com a Secretaria e implantaram o

programa, dois estão em processo de assinatura, dois têm convênio assinado com a SES, mas

não recebem incentivo por não terem sido considerados qualificados para desenvolver o PSF e

01 município não tem convênio. Embora pese o grande número de convênios firmados, a

cobertura do Estado como um todo, é considerada baixa, dada a concentração demográfica

nas regiões metropolitanas.

A Região Serrana, onde o estudo se realizou, tem população total de 766.078

habitantes, com 212.802 famílias estimadas. O somatório de municípios da região é de 15,

representando 14% do total de municípios do Estado. Existem hoje, implantadas nos diversos

municípios da região, 53 ESF e de 471 ACS, que proporcionam cobertura de 23,87%. Para

cobertura de 100%, há a necessidade de implantação de 263 ESF e de 1.460 ACS (FESO,

2001).

O próximo item abordará o Programa de Saúde da Família no Município de

Teresópolis, da sua implantação até o momento da realização do estudo.

1.4 – Programa de Saúde da Família de Teresópolis

O município de Teresópolis está localizado na Região Serrana no Estado do Rio de

Janeiro, a uma distância de 74km da capital, com área de 849km2. A estimativa da população

do município é de 120.079 habitantes (Brasil, 1991), com 83% da população residente em

área urbana e 17% na área rural. Cerca de 15% dos habitantes de Teresópolis vivem em áreas

carentes, com grandes concentrações populacionais e precariedade de serviços públicos. O

processo de pauperização do município tem se intensificado nos últimos anos, podendo ser

caracterizado pelo elevado índice de favelização, já sendo considerado o primeiro do Estado

do Rio de Janeiro (FESO, 2001).

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O município de Teresópolis conta atualmente com uma rede assistencial à saúde

constituída por nove unidades de saúde da família, cinco unidades de atenção primária à saúde

da rede pública municipal, três unidades secundárias, além de quatro unidades hospitalares.

As unidades do PSF, contam com a presença dos internos da Faculdade de Medicina de

Teresópolis e alunos em estágio final do Curso de Enfermagem.

O PSF Teresópolis foi implantado no município em agosto de 1999, após ter sido

firmado convênio entre a Prefeitura Municipal através da Secretaria Municipal de Saúde e a

Fundação Educacional Serra dos Órgãos (FESO) – Instituição de Ensino Superior. A FESO é

uma instituição responsável pela formação de profissionais em diversas áreas e junto ao PSF,

se incumbe da capacitação de profissionais para atuação no mesmo, através do Pólo de

Capacitação, Formação e Educação Permanente em Saúde da Família do Estado do Rio de

Janeiro – Núcleo FESO, em contrapartida os alunos internos do Curso de Medicina e alunos

do final do Curso de Enfermagem cumprem carga horária de estágio supervisionado nas

unidades de saúde do município. A partir de outubro de 2000, um grupo de alunos do Curso

de Odontologia da FESO são incluídos nesta tarefa.

O programa conta com nove unidades e onze equipes, indicadas a seguir:

• Organização do PSF Teresópolis

Unidade Equipes Famílias Cadastradas População

Acompanhada

Araras 1 1.418 5.077

Beira Linha 2 1.167 4.011

Barra do Imbui 1 1.143 3.848

Fonte Santa 2 1.601 5.778

Granja Florestal 1 967 3.468

Granja Guarani 1 692 2.432

Meudon 1 2.222 5.335

Rosário 1 530 2.088

Vargem Grande 1 968 3.379

Total 11 12.758 35.417 Fonte: SIAB, Novembro de 2000

A população acompanhada representa 29,5% da população do município.

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Seguindo as recomendações do Ministério da Saúde (MS), as equipes de saúde da

família são compostas por um médico, um enfermeiro, um ou dois auxiliares de enfermagem

e quatro a seis agentes comunitários de saúde, de acordo com a população atendida,

devidamente selecionados e capacitados. Todos os profissionais cumprem jornada de trabalho

com oito horas diárias, de segunda a sexta-feira. O PSF Teresópolis, conta com uma

enfermeira em sua coordenação e também com uma Equipe de Supervisores Técnicos das

diversas áreas (gineco-obstetrícia, pediatria, clínica, nutrição, psicologia, enfermagem e

sociologia) que dão suporte e sustentabilidade ao processo de educação continuada e

permanente destas equipes.

Ações de educação continuada e permanente (serão melhor discutidas posteriormente)

são desenvolvidas com os componentes das equipes, pois nova prática, novos paradigmas se

apresentam, muda-se o eixo de assistência à saúde, tornando-se necessário profissionais que

se adeqüem a esta realidade, como recomenda Costa Neto:

“A necessidade de transformação das praticas de saúde tem demandado o redirecionamento da formação dos profissionais de saúde, de forma que se possa garantir os níveis de resolutividade desejados no exercício das atividades referentes a complexidade de sua atuação. Essa demanda inclui ainda o resgate do exercício da pratica profissional de forma ética vinculada ao exercício da cidadania, baseada na compreensão de que as condições de vida determinam as condições de saúde de uma dada população” MS (Ministério da Saúde, 2000c).

O processo de educação continuada visa a reciclar os profissionais envolvidos com a

equipe de saúde da família (ESF), proporcionando a estes, reflexão e discussão de conteúdos

necessários à sua pratica. A organização das unidades de saúde da família se dá através das

próprias equipes lotadas nas mesmas. Essas devem ser capazes de elaborar seu próprio

processo de trabalho e suas rotinas, com o apoio tanto da coordenação, como da supervisão do

programa. Todos os profissionais lotados no PSF/PACS passam por uma Capacitação

Introdutória para atuação no programa, antes do início de suas atividades.

Com o intuito de melhor esclarecer aspectos sobre o PSF de Teresópolis, é necessário

que se apresente a Fundação Educacional Serra dos Órgãos (FESO).

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• FESO e PSF – caracterização institucional

A Fundação Educacional Serra dos Órgãos (FESO), juridicamente é uma fundação

pública de direito privado e sem fins lucrativos. Foi fundada em janeiro de 1966 pelo Decreto

Municipal nº 02, por iniciativa comunitária.Tem por finalidade instalar e manter

estabelecimento de ensino de todos os graus; criar e manter serviços educativos e

assistenciais; promover, amparar e incentivar a difusão das iniciativas eventos e realizações de

caráter cultural e manter centros de pesquisas nos diversos campos de suas atividades (FESO,

1999b).

Desde 1983, a FESO iniciou suas atividades como parte do programa de assistência

comunitária a partir de uma ação conjunta entre o setor público – Prefeitura Municipal de

Teresópolis (PMT) – Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e a FESO. A Unidade Básica de

Saúde (UBS) Beira Linha constitui-se em campo de ação social e de estágio, com vistas à

integração ensino-pesquisa-serviço da Faculdade de Medicina de Teresópolis (FMT) e

Faculdade de Enfermagem de Teresópolis (FET) da FESO. O objetivo foi de servir de base

constitucional ao modelo de saúde que seria levado às outras unidades do município, naquela

época.

Em 1996, diante das reformulações propostas nesta época pelo sistema de saúde e

diante do fato de compreender-se que as ações acima referidas requerem grande dedicação,

foram estabelecidas novas metas para o ano seguinte. O ano de 1997 foi definitivo para que

fossem firmadas ações e metas para o trabalho desenvolvido na UBS Beira Linha. Do ponto

de vista técnico, além de serem incorporados novos profissionais à equipe, teve início uma

proposta de educação continuada.

As mudanças ocorridas no setor saúde no Brasil no ano de 1998, dentre elas o PSF, fez

com que as unidades básicas de saúde da FESO se antecipassem à implantação efetiva do

programa, já que, de certa forma desenvolviam um modelo proposto, seja atendendo dentro

dos princípios da APS, seja introduzindo os alunos do Curso de Medicina e Enfermagem,

proporcionando atendimento à comunidade onde estão inseridas, meta fundamental do

trabalho.

O primeiro semestre do ano de 1999 foi importante para a definição de ações e metas

dos trabalhos desenvolvidos na UBS Beira Linha. Do ponto de vista técnico ocorreram

mudanças essenciais, a partir delas, desenvolvidas ações técnicas e metodológicas da

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estratégia de saúde da família, acontecendo a implantação do programa – PSF – em agosto

deste mesmo ano.

Após seleção feita pelo Ministério da Saúde, a proposta para Pólo de Capacitação5 e

Formação Permanente em Saúde da Família da FESO foi aceita pelo Comitê de Seleção

daquele Ministério e a partir de maio de 2000, passando a fazer parte do Comitê Gestor do

Pólo de Capacitação do Programa de Saúde da Família do Estado do Rio de Janeiro. Processo

financiado pelo Ministério da Saúde em parceria com a FESO e com a Secretaria Municipal

de Saúde de Teresópolis.

A participação das universidades, com a criação dos Pólos de Capacitação, Formação

e Educação Permanente e Continuada em Saúde da Família, financiados pelo REFORSUS,

tem sido de importância fundamental na capacitação direcionada de centenas de profissionais

que vêm atuando nas Equipes de Saúde da Família.

É importante ressaltar que o Ministério da Saúde recomenda que o treinamento

introdutório deva ser o mais descentralizado possível e preferencialmente realizado no próprio

município ou região. As instâncias das Secretarias Estaduais de Saúde têm como atribuição

assessorar os municípios nessa atividade, quando o município apresenta condições técnicas e

operacionais para tal. O treinamento introdutório é oferecido a partir de demandas oriundas da

Secretaria Estadual de Saúde do Estado do Rio de Janeiro e das Secretarias Municipais de

Saúde da área Geo-Educacional do Pólo de Capacitação em Saúde da Família (PCSF-RJ-

FESO). A clientela é composta por médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, agentes

comunitários ou outros elementos que compõem ou venham a compor as Equipes de Saúde da

Família.

Cada treinamento introdutório, apesar de condução metodológica em princípios

pedagógicos básicos, é conduzido de acordo com o perfil municipal ou regional da clientela.

Há a necessidade de basear-se em diagnósticos locais e/ou regionais com base no perfil

epidemiológico. Este perfil é capaz de promover a formação de profissionais para as questões

de maior prevalência na sua área de atuação.

5 Os pólos são definidos como articulação de uma ou mais instituições voltadas para formação e educação permanente de recursos humanos em saúde, vinculados às universidades ou instituições isoladas de educação superior que se consorciam ou formam convênios com Secretarias de Estado e/ou Secretaria Municipal de Saúde para incrementarem programas destinados ao pessoal vinculado à prestação de serviços em Saúde da Família no âmbito de um ou mais municípios. Trata-se de uma rede de instituições comprometidas com integração ensino-serviço voltada para atender a demanda de pessoal preparado para o desenvolvimento da estratégia de Saúde da Família do SUS.

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O treinamento introdutório se propõe a capacitar os profissionais para analisar junto

com a comunidade a situação de sua área de abrangência referente a aspectos demográficos,

sócio-econômicos, ambientais e sanitários; identificar problemas e potencialidades existentes

na própria localidade; contribuir para que os profissionais compreendam e apreendam os

indicadores do SIAB e criar mecanismos de monitoramento para avaliação das atividades

desenvolvidas.

Espera-se que o profissional, após se submeter à capacitação introdutória, esteja

habilitado para compreender os princípios e diretrizes básicas do Programa de Saúde da

Família do âmbito do SUS; identificar os fundamentos e instrumentos do processo de

organização e prática dos serviços de Saúde da Família: trabalho em equipe, desenvolvimento

das ações programáticas, reorganização do processo de trabalho e intersetorialidade e

compreender as bases para o desenvolvimento do processo de planejamento das ações e

serviços das Unidades de Saúde da Família MS (Ministério da Saúde, 2001).

Alguns aspectos a respeito do processo de educação continuada e permanente devem

ser clarificados.

• Processo de educação continuada e permanente

A educação em saúde é um processo que transcende às práticas educativas restritas a

indivíduos. Esta deve refletir criticamente sobre as práticas de saúde e as relações entre os

sujeitos nelas envolvidos, pensar na reprodução/transformação dessas relações e práticas

sociais e na possibilidade de reestruturar a formas de organização do trabalho, repensando

sobre a relação educação/trabalho (Motta, 1998).

O termo educação continuada aparece na VI Conferência Nacional de Saúde (1997).

Ocasião na qual este movimento foi criticado pelo fato de satisfazer os interesses de grupos de

profissionais específicos, com preocupações acadêmicas, não contribuindo para melhora dos

serviços de saúde. A partir de então, começou-se a fomentar um debate entre educação

continuada e permanente vinculada às políticas de recursos humanos do setor saúde. Foi

durante a VII Conferência Nacional de Saúde em 1980, mediante a implantação do Programa

Nacional de Serviços Básicos de Saúde (Prev-Saúde) que a educação continuada passou a ser

associada a projetos de extensão de cobertura, a fazer parte da reorientação do ensino superior

através da implantação de programas de integração docente-assistencial (IDA) e a ser um

instrumento na supervisão de programas.

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Os termos continuada e permanente geram discussões. Segundo Ricas (1994) estes

conferem especificidade ao processo ensino/aprendizagem. O termo permanente, o qual foi

bastante difundido pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS) se refere a uma

estratégia de reestruturação e desenvolvimento de serviços a partir de uma análise dos

determinantes sociais e econômicos e de transformação de valores e conceitos dos

profissionais. Propõe transformar o profissional em sujeito, colocando-o no centro do

processo ensino/aprendizagem.

Ainda segundo Ricas (1994), o termo continuada abarca as atividades de ensino após o

curso de graduação com o objetivo de atualização, aquisição de informações, através de

metodologia tradicionais. Nunes (1993:46) complementa se referindo à educação continuada

como “alternativas educativas, mais centradas no desenvolvimento de grupos de profissionais

seja através de cursos de caráter complementar e mesmo seriado, seja através de publicação

específicas de um determinado campo”.

A educação permanente se caracteriza por fazer da educação dos trabalhadores de

saúde um processo permanente em que o trabalho é destacado como eixo do processo

educativo, fonte de conhecimento e objeto de transformação. Esta proposta torna o processo

de trabalho em saúde como gerador e configurador de processos educacionais em serviços

locais de saúde, concebendo a educação como sinônimo do reconhecimento de conflitos, e

como a interpretação de vazios não cobertos pelas ações realizadas através do processo de

trabalho (Motta, 1998).

Segundo Almeida (1997) os processos de educação continuada e de educação

permanente são distintos mas não antagônicos e atendem a propósitos e interesses diferentes.

Este autor faz uma síntese entre diferentes aspectos destes processos. A educação

continuada se dá como um processo uniprofissional, é uma prática autônoma, seu enfoque

está na especificidade e seu objetivo principal é a atualização técnico-científica; acontece

esporadicamente, se utiliza da metodologia tradicional (pedagogia da transmissão, através de

aulas, palestras, realizadas em locais diferentes dos ambientes de trabalho) e consegue como

resultado a apropriação passiva do saber científico por parte do aluno e o aperfeiçoamento das

práticas individuais. A educação permanente é um processo multiprofissional com uma

prática institucionalizada, seu enfoque está nos problemas de saúde e objetiva a transformação

das práticas técnicas e sociais; se dá continuamente; o processo de aprendizagem, de natureza

participativa, utiliza a metodologia centrada na resolução de problemas (geralmente através da

supervisão dialogada, oficinas, efetuadas nos mesmos ambientes de trabalho). Tem como

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resultados a mudança institucional, a apropriação ativa do saber científico por parte dos

autores e o fortalecimento das ações em equipe.

A partir destas indagações, pode-se pensar como os processos educacionais, que

tomam com eixo principal o processo de trabalho em saúde, podem ser um importante

elemento na redefinição de modelos assistenciais, na reorganização de serviços de saúde,

norteando a supervisão para que esta seja um veículo de realização das referidas mudanças.

Como foi visto, não se pode conceber a reorganização das práticas de atenção à saúde

sem que se pense e se invista em uma política de formação e num processo permanente de

capacitação dos recursos humanos. A educação permanente desempenha sua função quando

está envolvida numa prática de transformação, que traduz uma teoria do conhecimento, como

um processo de criação e recriação, desenvolvendo a reflexão crítica sobre sua

prática/trabalho. Podemos dizer então, que a produção de conhecimento em saúde da família

caracteriza-se como processo gerado no trabalho, fundamentalmente participativo, já que

resulta da confrontação de diferentes e complementares experiências entre a equipe e a

comunidade.

O objetivo central da educação permanente é a transformação do processo de trabalho,

orientado para uma constante melhoria da qualidade das ações e serviços de saúde, devendo

se adequar às necessidades loco-regionais dos profissionais e da população atendida.

O processo de educação permanente para o Programa de Saúde da Família objetiva

também, aumentar a resolutividade das ações frente aos problemas prevalentes, a partir do

fortalecimento do processo de trabalho das equipes de Saúde da Família, e do estabelecimento

do compromisso com a saúde da população por parte dos membros da equipe.

Frente aos desafios desse modelo, baseado na família, pretende-se preparar um

profissional para construir seu conhecimento e aprimorar-se com as novas teorias e práticas.

Um profissional que, ao longo de sua carreira, seja capaz de desenvolver um processo

permanente de auto-aprendizagem. Nesse processo, deve haver uma preocupação rotineira

desse profissional e das equipes em identificar problemas críticos de sua realidade de trabalho

e buscar soluções apropriadas. Como enfatiza Souza (Apud Chaves, 2000), educação

permanente das equipes de Saúde da Família constitui importante estratégia para desenvolver

a reflexão crítica sobre as práticas dessas equipes. No entanto, para que haja um processo de

troca entre os profissionais e os saberes da comunidade, é preciso que o projeto de educação

permanente seja orientado para a transformação do processo de trabalho, englobando as

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necessidades de aprendizagem das equipes com conhecimentos, habilidades, atitudes e

valores da comunidade.

Além dos métodos tradicionais de cursos presenciais, merecem destaque duas formas

de organização do processo educativo permanente, que são a auto-instrução e a educação a

distância, as quais estão atendendo grande contingente de equipes.

A metodologia básica do processo de auto-instrução segue a linha pedagógica baseada

no binômio estudo-trabalho. Podem ser de grande utilidade para os profissionais das equipes o

intercâmbio e as reuniões com outras equipes vizinhas, reuniões com os membros da própria

equipe (para planejamento de ações, avaliação do trabalho da unidade, discussão de caso

clínico-epidemiológico etc), procurando sempre tirar o máximo de aproveitamento do

potencial existente.

O Programa de Educação a Distância busca o processo educacional voltado para a

mudança da prática, não se limitando apenas a uma capilarização de informações ou à

distribuição de rotinas de procedimentos, mas, sim, à mudança da prática no nível básico da

atenção à saúde da população, dando-lhe mais competência e capacidade resolutiva.

Neste sentido, observamos, a importância da Supervisão como veículo redefinidor e

potencializador da operacionalização da educação continuada e permanente e como

importante instrumento gerenciador do programa.

1.5 – O Fazer em Saúde – Dia-a-Dia nas Unidades

1.5.1 – Tudo em Família6

O atual modelo da atenção à saúde -PSF- o qual é centrado na qualidade de vida das

pessoas, e do seu meio ambiente, bem como na relação da equipe de saúde com a

comunidade7, especialmente com seus núcleos sociais primórdios (as famílias); requer

conhecimentos, métodos e procedimentos próprios para atuação dos profissionais. Estes

6 Considerada como unidade de ação programática. Contabilizada a partir do número de pessoas residentes no domicílio. 7 Comunidade: “qualquer agrupamento de indivíduos conscientemente organizados, habitando uma área específica ou uma localidade, dotada de autonomia política limitada, mantendo instituições primárias como escolas e igrejas entre as quais certos graus de interdependência são reconhecidos. Qualquer processo de interação social que gera uma atitude e uma prática mais intensiva e extensiva de interdependência, cooperação e união”( Paim, 1986).

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devem procurar transformar a relação entre os usuários e os agentes do sistema de saúde

(restabelecimento do vínculo entre quem presta serviço e quem o recebe) e concretizar a

possibilidade da intervenção ambiental para que sejam modificados fatores determinantes

da situação de saúde.

A eleição da família e seu espaço social como núcleo básico de abordagem no

atendimento à saúde, aponta para a necessidade de reflexão e esclarecimento em relação ao

tema: família. Este tem sido objeto de discussão no setor saúde. Salum (1999), ressalta que é

imprescindível não simplificar um objeto tão complexo como a família no momento de definir

e avaliar práticas de saúde. É necessário perguntar de que família se fala, reconhecendo-a

como espaço privilegiado de constituição, desenvolvimento, crise e resolução dos problemas

de saúde individuais e coletivos.

No entanto, observa-se que nem sempre a família é vista como tal; há situações nas

quais “qualquer tipo de intervenção da equipe é considerada como familiar”

(Vasconcelos, 1999a:174). O termo família perde a sua especificidade uma vez que cada

indivíduo ou grupo, conceitua-a de diferentes formas em função da diversidade de

experiências de vida e de acordo com valores culturais adquiridos.

O conceito de família é dinâmico e complexo. A estrutura familiar muda de acordo

com a evolução histórica e cultural e desempenha papel decisivo na educação. É um espaço

onde são absorvidos valores éticos e humanitários e onde se aprofundam laços de cidadania,

solidariedade e direitos humanos. Podemos reforçar esta idéia, através das palavras de

Mendes, (1998:158) “A família de que se fala deve ser compreendida historicamente, na

especificidade de cada época e dependendo dos grupos sociais aos quais pertence. Sabemos

que existem famílias com laços afetivos e estabilidade econômica definidos; famílias sem

recursos assistenciais ou direitos sociais; famílias nucleares ou famílias por conveniência ou

sobrevivência. Em sociedades tão desiguais como a que vivemos, deve-se, primeiramente,

esforçar-se para incorporar, nas análises e propostas de trabalho, como essas relações se

vêm transformando e ganhando novas significações”.

Também podemos conceituar família como sendo um grupo formado por laços

consangüíneos ou não. Seus integrantes estão ligados por laços afetivos (vínculos) positivos e

negativos, que vão garantir o desenvolvimento e proteção desse arranjo familiar, propiciando

aportes de sobrevivência, proteção e bem-estar de seus componentes. E apesar de a família ser

o ponto de confluência das realidades vividas por seus integrantes, ela não deve ser vista

como o somatório de comportamentos individuais, devendo ser considerada como um

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processo integrado em permanente evolução de cada um de seus membros, sempre em relação

com o outro.

A visão integral e sistêmica da família, parte do princípio de que ela pode ser vista

como parte (sub-sistema) do sistema social , tendo em vista suas permanentes inter-relações

com os demais sub-sistemas sociais (lazer, escola, religião, cultura, política e outros). Além

disso, ao construir-se em um sistema, pode ser vista como um todo, trabalhando,

permanentemente, para manter a homeostase interna (auto-regulação) de seus sub-sistemas

(membros), constituída por regras, fronteiras, hierarquia, poder, papéis, comunicação,

segredos, mitos e uma estrutura inconsciente, que “compõem a dinâmica relacional entre seus

membros” Costa (apud MS, 2000a).

Nas práticas de saúde, observa-se duas formas de enfocar a atenção familiar: na

primeira, a família é vista como fonte de informação contextualizada de um paciente

específico, e na segunda, como o próprio foco da atenção, sendo a partir dela identificados

aspectos coletivos e individuais para serem abordados. A segunda deve ser privilegiada pelas

equipes do PSF, uma vez que a doença é um processo que envolve todo o grupo familiar. É

também dentro deste mesmo grupo que o indivíduo encontra as condições necessárias para a

busca e para a manutenção da saúde. Sendo assim, a visão sistêmica de tratamento dos

problemas de saúde, apontam para a necessidade dos profissionais conhecerem métodos e

técnicas de avaliação de famílias e as encare como “contexto-problema e recurso terapêutico”,

(Duncan & Guigliani, 1998:65).

É importante que o profissional de saúde não perca de vista que fatores externos ou

internos que venham a incidir sobre um dos membros da família atuarão em toda a família,

tanto individualmente, em cada um de seus elementos, como na dinâmica familiar.

Féres-Carneiro (1996) acrescenta dizendo que o conflito nas relações familiares pode

ser positivo ou negativo, na medida em que estimule ou predisponha ao desequilíbrio

emocional das relações familiares e à desadaptação individual. Pode haver na família forças

que predisponham à enfermidade, levando à ruptura da comunicação, à regressão e à

desintegração, como é possível haver no grupo familiar potenciais de promoção de saúde

quando as funções familiares básicas são cumpridas.

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1.5.2 – Equipe: Características, atribuições e competências

• A equipe de saúde da família - o dia-a-dia de uma unidade

As equipes de saúde da família desenvolvem várias atividades dentro e fora das

unidades, com o objetivo de promover, prevenir e dar assistência à saúde da população a ela

adstrita. A equipe trabalha cadastrando todas as famílias que vivem em sua área de

abrangência, identificando a população e vinculando-a à unidade de saúde. Realiza

diagnóstico dos problemas de saúde das famílias para que a equipe possa planejar suas ações,

dentro das necessidades da população. Acompanham os grupos mais vulneráveis ao

adoecimento e à morte (crianças, mulheres, adolescentes e idosos ), e os portadores de

doenças crônico-degenerativas, por meio das ações programadas, com o objetivo de

minimizar e reduzir possíveis riscos. Presta assistência integral na unidade de saúde ou a

domicílio, através de consulta médica e/ou de enfermagem, e de visitas domiciliares. Cada

equipe atende em média 3.450 pessoas.

As equipes são responsáveis também por registrar os dados e instrumentos próprios do

Sistema de Informação em Atenção Básica (SIAB). Temos como principais indicadores do

sistema: mortalidade infantil, agravos e notificações, vigilância alimentar e nutricional,

imunização e outros. São ainda desenvolvidas atividades de educação em saúde - palestras,

campanhas, reuniões de grupos (hipertensos, diabéticos, gestantes, planejamento familiar, pré-

natal, puericultura, adolescentes), visitas domiciliares, vacinação, busca ativa de casos

relacionados aos grupos de risco, reuniões com a comunidade, mobilização comunitária e

outras situações que interferem nas condições de saúde da população.

Na maioria das vezes as consultas são agendadas, mas atende-se também à demanda

espontânea. Quando um usuário da comunidade é referido para outro serviço, para realização

de algum exame, ou para tratamento especializado, é responsabilidade da equipe da unidade

dar seguimento ao caso mediante seu retorno.

• Atribuições da equipe de saúde da família

A implantação de um novo modelo de assistência à saúde, propõe novo modo de

operar o trabalho , evidenciando-se a necessidade de transformação dos recursos humanos,

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para que se obtenha profissionais comprometidos com um “Sistema Único de Saúde

qualificado, acessível, sensível e humanizado”. É preciso refletir não só sobre as

transformações no modelo de atenção à saúde, como em relação às transformações no mundo

do trabalho ( Nunes et al. 2000:313).

Em relação ao trabalho, identifica-se uma transformação caracterizada por uma

transição entre o modelo taylorista/fordista, que vigorou entre os anos 50 e 70, quando a

organização do trabalho se caracterizava pela dominância do trabalho prescrito com poucas

possibilidades de intervenção nos processos produtivos, e como decorrência disso havia pouca

autonomia por parte dos trabalhadores. O modelo taylorista (presente ainda na prática dos

serviços), faz com que o trabalhador (sem se dar conta) abra mão do lugar de sujeito do

processo de produção, não reconhecendo a necessidade de sua qualificação, portanto, não

reivindicando-a.

Nas décadas de 80 e 90, com a reestruturação produtiva, baseada na intelectualização

do trabalho, as principais referências passam a ser o conhecimento técnico e a qualificação

profissional. “O novo paradigma do trabalho nas sociedades pós-industriais, recoloca a

centralidade do trabalhador no processo produtivo e amplia a discussão sobre os processos de

qualificação” (Nunes et al.,2000:314)8.

Desta forma, novas competências são exigidas desse trabalhador, valorizando os

sistemas de produção integrados e indicando necessidades de manter os profissionais em suas

respectivas atividades. O trabalhador deve incorporar novas competências que lhe habilitem

como negociador de suas condições de trabalho e as instituições precisam estar preparadas

para realizar negociações que preservem a harmonização dos diferentes vínculos. O modelo

de competência, adquire importância nas discussões sobre a formação e desenvolvimento

de recursos humanos. Para Zarifian (apud Nunes et al., 2000:319) competência é a capacidade

de enfrentar situações e acontecimentos próprios de um campo profissional, “com iniciativa e

responsabilidade, guiadas por uma inteligência prática do que está ocorrendo e com

capacidade para coordenar-se com outros atores para mobilizar suas capacidades”.

Segundo Costa Neto (MS, 2000b), competência profissional é a “operacionalização,

em situação profissional, de capacidades que permitem exercer convenientemente uma função

ou uma atividade, a qual deve estar associada à idéia de adequação e apropriação da mesma

prática a diferentes contextos, mantendo a mesma qualidade esperada. Faz-se necessária,

8 Esta discussão será aprofundada no capítulo referente à supervisão.

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então, a construção de conhecimentos e o desenvolvimento de habilidades para o logro de tal

objetivo”.

Estas preocupações estão presentes quando se discute a formação dos profissionais

para o programa de saúde da família; neste sentido, os pólos de capacitação em saúde da

família são fundamentais para proporcionar a formação adequada aos profissionais em

questão. A supervisão se faz necessária como suporte para manutenção e aprimoramento

desta formação.

A atenção básica à saúde aponta para uma atenção integral e acessível, devendo contar

com profissionais capazes de trabalhar com a maioria das necessidades de saúde do indivíduo,

desenvolvendo com ele uma relação sustentada e participativa, sempre contextualizando-o na

família e na comunidade. Dessa forma, não é desejável uma atuação restrita aos problemas de

saúde biologicamente estabelecidos, pois, seu compromisso envolve também as ações a serem

realizadas enquanto os indivíduos ainda estiverem saudáveis MS (Ministério da Saúde,

2000b). Assim, a equipe de saúde da unidade básica sob a estratégia de saúde da família deve

conhecer detalhadamente a realidade das famílias que residem em sua área adstrita, incluindo

seus aspectos físicos e mentais, demográficos e sociais. Está sob sua responsabilidade,

também, identificar os problemas de saúde prevalentes na área de sua abrangência, bem

como construir, junto com as famílias, um diagnóstico psicossocial que detecte situações de

vulnerabilidade familiar, tradicionalmente chamadas de fatores de risco, sobre as quais a

população encontra-se exposta.

São ainda atribuições da equipe de saúde da família: prestar assistência integral,

resolutiva, contínua e de boa qualidade às necessidades de saúde da população adstrita, na

unidade de saúde e no domicílio; intervir sobre os fatores de risco aos quais a população está

exposta; eleger a família e seu espaço social como núcleo básico de abordagem no

atendimento à saúde; humanizar as práticas de saúde, estabelecendo o vínculo entre os

profissionais de saúde e a população; proporcionar o estabelecimento de parcerias, através do

desenvolvimento de ações intersetoriais; contribuir para a democratização do conhecimento

do processo saúde/doença, da organização dos serviços e da produção social da saúde;

provocar o reconhecimento da saúde como um direito de cidadania e estimular a organização

da comunidade para o efetivo exercício do controle social MS (Ministério da Saúde,1998a).

Para desenvolver tais atribuições, num contexto de trabalho da equipe de saúde da

família, é necessário que os profissionais desenvolvam competências, que os farão adquirir

um perfil específico para o melhor desempenho de suas funções, tanto numa abordagem

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coletiva, como numa individual. Estas são determinadas pelo Ministério da Saúde MS

(Ministério da Saúde, 2000a).

• Abordagem coletiva

Os profissionais de saúde devem ser capazes de perceber a multicausalidade dos

processos mórbidos, sejam físicos, mentais ou sociais, tanto individuais, como coletivos,

contextualizando, sempre, o indivíduo em seu meio ambiente. Faz-se necessário que ele esteja

voltado à criação de novos valores, trabalhando mais a saúde do que a doença, cujas ações

estejam permeadas de preocupações integrais, coletivas e sociais e , basicamente, por meio do

trabalho interdisciplinar. O profissional deve estar voltado para atuar nos fatores que alteram

o equilíbrio entre o indivíduo e o ambiente, a compreender a saúde em seu sentido mais

abrangente, realizando práticas integradoras na abordagem da família, e a compreender a

dinâmica setorial, participando, permanentemente, em conjunto com os demais membros da

equipe e com a população, do processo de construção do modelo assistencial.

• Abordagem individual

No que diz respeito à prática da assistência direta à saúde da família, o profissional de

saúde deve atender a todos os seus componentes, independente do sexo ou da idade. Deverá

comprometer-se com a pessoa de forma integral e inserida em seu contexto biológico,

psicológico, social e ambiental, não se limitando a um conjunto de conhecimentos

especializados ou com um grupo de doenças. Deve partir da premissa que as alterações

físicas ou mentais vivenciadas pelos pacientes geram uma desarticulação de sua existência,

abalando e desestruturando a dinâmica de sua família e dos demais sub-sistemas em que se

encontram inseridos.

É necessário valorizar as relações profissional-indivíduo e profissional-família como

parte de um processo dinâmico e terapêutico e de confiança. As unidades básicas de saúde

devem programar as atividades, de acordo com a fase do ciclo de vida em que se encontra a

pessoa, sem perder de vista o seu contexto familiar e social.

São descritas também três competências de caráter geral e organizacional que os

profissionais devem desenvolver :

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1 – Promoção da Saúde: capacidade de identificar os fatores determinantes da

qualidade de vida, bem como compreender o sentido da responsabilização compartilhada

como base para o desenvolvimento das ações que contribuem para o alcance de uma vida

saudável .

2 – Trabalho em Equipe: capacidade para reconhecer a relevância do trabalho em

equipe de forma interdisciplinar e de desenvolve-lo em uma unidade básica de saúde.

3 – Planejamento das Ações: capacidade para diagnosticar a realidade local,

elaborar e avaliar planos de trabalho capazes de produzir impacto sobre a realidade sanitária

na população, famílias e indivíduos de uma área de abrangência.

As atribuições específicas de cada categoria profissional preconizadas pelo Ministério

da Saúde são:

Médico: o médico da equipe do PSF deve ser, preferencialmente, um generalista

portanto, deve atender a todos os componentes das famílias, independente de sexo e idade.

Suas atribuições básicas são: prestar assistência integral aos indivíduos sob sua

responsabilidade; valorizar a relação médico-paciente e médico-família como parte de um

processo terapêutico e de confiança; oportunizar os contatos com indivíduos sadios ou

doentes, visando abordar os aspectos preventivos e de educação sanitária; executar ações

básicas de vigilância epidemiológica e sanitária; executar as ações de assistência nas áreas de

atenção à criança, ao adolescente, à mulher, ao trabalhador, ao adulto e ao idoso, realizando

também atendimentos de primeiros cuidados nas urgências e pequenas cirurgias

ambulatoriais; discutir de forma permanente junto à equipe de trabalho e comunidade, o

conceito de cidadania, enfatizando os direitos à saúde e as bases legais que os legitimam;

promover a qualidade de vida e contribuir para que o meio ambiente seja mais saudável;

participar do processo de programação e planejamento das ações e da organização do

processo de trabalho das unidades de saúde da família.

Enfermeiro: este profissional desenvolve seu processo de trabalho em dois campos

essenciais: na unidade de saúde, junto à equipe de profissionais, e na comunidade,

acompanhando e supervisionando o trabalho dos agentes comunitários de saúde, bem como

assistindo as pessoas que necessitam de atenção de enfermagem.

Suas atribuições básicas são: executar ações de assistência básica de vigilância

epidemiológica e sanitária nas áreas de atenção à criança, ao adolescente, à mulher, ao

trabalhador e ao idoso; desenvolver ações para capacitação dos ACS e auxiliares de

enfermagem ; oportunizar os contatos com indivíduos sadios ou doentes, visando promover a

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saúde e elaborar os aspectos de educação sanitária; promover a qualidade de vida e contribuir

para o meio ambiente tornar-se mais saudável; discutir de forma permanente, junto à equipe

de trabalho e a comunidade, o conceito de cidadania, enfatizando os direitos de saúde e as

bases legais que os legitimam e participar do processo de programação e planejamento das

ações e da organização do processo de trabalho das unidades de saúde da família..

Auxiliar de enfermagem: as ações do auxiliar de enfermagem são desenvolvidas nos

espaços da unidade de saúde e no domicílio/ comunidade.

Suas atribuições básicas são: desenvolver, com os agentes comunitários de saúde,

atividades de identificação das famílias de risco; contribuir com o trabalho dos ACS no que se

refere às visitas domiciliares; acompanhar as consultas de enfermagem dos indivíduos

expostos a situações de risco; executar, segundo sua qualificação profissional, os

procedimentos de vigilância sanitária e epidemiológica nas áreas de atenção à criança, à

mulher, ao adolescente, ao trabalhador e ao idoso, bem como no controle da tuberculose,

hanseníase, doenças crônico-degenerativas e infecto-contagiosas e participar da discussão e

organização do processo de trabalho da unidade de saúde.

Agente Comunitário de Saúde: o ACS desenvolverá suas ações nos domicílios de

sua área de responsabilidade e junto à unidade para a programação e supervisão de suas

atividades.

Suas atribuições básicas são: realizar o mapeamento de sua área de atuação; cadastrar

e atualizar as famílias de sua área; identificar indivíduos e famílias expostas a situações de

risco; realizar, através de visita domiciliar, acompanhamento mensal de todas as famílias sob

sua responsabilidade; coletar dados para a análise da situação das famílias acompanhadas;

desenvolver ações básicas de saúde nas áreas de atenção à criança, à mulher, ao adolescente,

ao trabalhador e ao idoso, com ênfase na promoção da saúde e prevenção de doenças;

promover educação em saúde e mobilização comunitária, visando uma melhor qualidade de

vida mediante ações de saneamento e melhorias do meio ambiente; incentivar a formação dos

conselhos locais de saúde; orientar as famílias para a utilização adequada dos serviços de

saúde; informar os demais membros da equipe de saúde acerca da dinâmica social da

comunidade, suas disponibilidades e necessidades e participar do processo de programação e

planejamento local das ações relativas ao território de abrangência da unidade de saúde da

família, com vistas à superação dos problemas identificados.

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1.6 – Participação Comunitária – Controle Social

Cortes (1995) relaciona cinco correntes de pensamento que analisam o papel do

Estado em sociedades modernas – pluralismo, teoria das elites, nova direita, marxismo,

neopluralismo – focalizando como estas tratam a descentralização e a participação popular,

como nova forma de representação de interesses nas democracias liberais.

O pluralismo considera o poder na sociedade, de forma dispersa entre distintos grupos

de interesses que competem entre si, em um sistema político aberto, descentralizado e

democrático. Defende a participação dos cidadãos e seu controle sobre os políticos. A teoria

das elites nega a democracia e defende a idéia de que as oligarquias sempre dominaram a

vida política. A descentralização não mudaria a estrutura de poder e não facilitaria a

participação dos cidadãos. A nova direita recomenda a democratização das organizações

sociais ao mesmo tempo que ataca a idéia de Estado intervencionista e promotor do bem-estar

social; este estimularia a dependência das pessoas em relação aos governos e atrapalharia o

desenvolvimento econômico. Acreditam na diminuição das dimensões do governo e no

fortalecimento do papel do indivíduo e dos consumidores. O marxismo considera o Estado

um instrumento para o gerenciamento de interesses burgueses, visando à manutenção do

capitalismo. O governo local é visto como uma extensão da rede de dominação para a

submissão política da classe trabalhadora. A participação é concebida sob três pontos de vista:

como estratégia de manipulação para legitimar o sistema capitalista e fortalecer a dominação

clientelista sobre a classe trabalhadora (marxismo convencional); outro grupo defende a idéia

de que a participação popular ao nível local é um meio de organização da classe trabalhadora

para a mudança revolucionária do sistema; e os neomarxistas aceitam a via liberal

democrática de trabalhadores em fóruns institucionalizados (noção de Estado ampliado). Para

o neopluralismo, a questão central não é aumentar o poder das pessoas comuns, mas oferecer

benefícios iguais, de modo a criar um governo popular. Defende a criação de mecanismos

participatórios e a descentralização do poder político.

As diferentes correntes concebem tipos diversos de participantes: comunidade,

cidadão, setores populares, consumidor e usuário. Estes são definidos a partir de como estão

articulados à análise do funcionamento social e do sistema político.

Os pluralistas utilizam o conceito de participação da comunidade em projetos de

desenvolvimento. Embora o conceito seja preciso no que diz respeito às fronteiras espaciais, é

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impreciso em relação às divisões sociais, tornando difícil a definição dos setores sociais que

estariam aptos a participar; o que faz com que o conceito seja criticado.

O conceito de participação do cidadão, também originado na teoria pluralista, inclui

não só a noção de direitos políticos e civis mas também a idéia de direitos sociais, que supõe a

participação dos cidadãos na riqueza produzida pela sociedade, e a participação destes no

processo político.

O conceito de participação popular designa o envolvimento em processo

participatórios, daqueles que não pertencem à classe dominante, ou seja, daqueles que não

recebem, ou recebem muito pouco, da riqueza gerada pela sociedade. Este conceito tem sido

empregado por representantes do neopluralismo e do marxismo, que incentivam a

participação através de fóruns institucionalizados nos quais os participantes podem expressar

sua voz e tomar parte no processo político.

À nova direita têm-se articulado o conceito de participação do consumidor, vindo do

campo da economia, e que designa aqueles indivíduos que compram bens e serviços,

oferecidos competitivamente por diferentes vencedores e prestadores. É claro que nos países

do terceiro mundo seria irreal sugerir esta forma de participação à totalidade dos

consumidores.

O conceito de usuário combina noções de cidadania e direitos do cidadão e refere-se

aos indivíduos que utilizam serviços prestados em determinada área territorial.

A autora, referenciada anteriormente, sistematizou os tipos de envolvimento de

participantes no processo de decisão política; o trabalho de Paul (apud Cortes, 1995), merece

destaque. Ele considera que um processo participativo pode visar fortalecer para o poder

(empowerment). Ou seja, esses processos objetivam “conduzir a uma partilha eqüitativa de

poder e a um grau elevado de consciência e força política dos setores populares; promover a

capacitação dos beneficiários, para que estes possam compartilhar a administração de tarefas;

aumentar a efetividade, promovendo o envolvimento dos beneficiários para a melhoria de um

programa, ou projeto; repartir os custos do projeto, com as pessoas as quais ele visa

beneficiar; melhorar a eficiência de um projeto ou política para promover a aceitação,

cooperação e interação entre os beneficiários e entre estes e a agência implementadora”,

(Cortes 1995: 77-78).

Cortes (1996) analisa a criação de novas formas de participação popular no processo

político que tiveram sua origem nos anos sessenta, quando aumentavam as desilusões com as

instituições políticas nas democracias liberais ocidentais. E reafirmaram-se durante estes

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mesmos anos com o crescimento de movimentos sociais como as organizações de moradores,

organizações ecológicas e de consumidores, nos Estados Unidos, Europa e América-Latina.

Governos, orientados por diferentes concepções políticas incentivaram a criação de

distintas propostas de participação. As políticas conservadoras viam os participantes como

consumidores, tinham o objetivo de promover a privatização, portanto, promoviam a

participação do consumidor individual, desconsiderando a importância das lideranças das

entidades que representam os interesses de diversos setores sociais. Os governos social-

democratas enfatizam a necessidade de reforma das organizações públicas a partir de

estratégias não centradas no mercado; propõem aumentar as oportunidades para que cidadãos

ou usuários expressem suas opiniões, ampliando os direitos dos participantes em manifestar

oposição e propor alternativas.

No setor saúde os mecanismos participatórios associam-se à remodelação das

instituições públicas, como a participação da comunidade no processo de desenvolvimento,

estimulado por agências internacionais a exemplo do Banco Mundial, durante a década de 70.

A consolidação de políticas que promovem a participação popular aconteceu a partir

da Declaração dos Cuidados Primários de Saúde da UNICEF/OMS, resultante da Conferência

de Alma-Ata. Esta recomendava que mediante a implementação de políticas de cuidados

primários de saúde, deveriam ser estimulados o autocuidado e a autonomia das comunidades,

no sentido de responsabilizarem-se pela sua própria saúde.

Ao final dos anos 70 e meados dos anos 80, o agravamento da crise econômica e a

ascensão ao poder de políticas conservadoras em países centrais como Estados Unidos,

Alemanha e Grã-Bretanha, determinam mudanças políticas estruturais, que consideram

secundária a questão da participação. Esta torna-se apenas um instrumento para a redução de

custos e para o crescimento das ações autônomas autofinanciadas pelas populações locais. O

interesse das agências internacionais constituía-se no ajustamento estrutural das economias

dos países em desenvolvimento através de políticas que visavam reduzir o tamanho do

aparelho estatal.

A atenção primária à saúde não contradiz a orientação das agências internacionais,

uma vez que valoriza a participação, utilizando-a para priorizar o uso racional de recursos

escassos. A ênfase seria dada à aplicação de tecnologias simplificadas através de um sistema

de saúde hierarquizado que cobriria toda a população. Contrariando de certa forma a proposta

da Conferência, a atenção primária pode tornar-se apenas numa via para racionalizar a

utilização de recursos financeiros, atingindo seletivamente os pobres, denuncia Cortes (1996).

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Contudo, a autora concorda que a estratégia da atenção básica tenha contribuído para que a

idéia da participação popular fosse inserida na agenda do setor saúde.

Sabendo-se que o que determina a criação de mecanismos participatórios

institucionalizados – como conselhos do SUS – é a própria dinâmica das instituições

políticas e sociais, influenciadas pelas crises institucionais das democracias liberais, podemos

avaliar esses mecanismos no setor saúde brasileiro, na década de 80, como decorrentes da

reforma deste setor, acrescidas pelo processo de reformas do sistema político brasileiro, após

longos anos de ditadura militar. Observa-se então que a participação popular configurou-se

em dever constitucional, a partir da Constituição de 1988, que instituiu o Sistema Único de

Saúde com novas iniciativas institucionais, legais e comunitárias. A lei 8.142 definiu alguns

fóruns para o exercício do controle social, as conferências e os conselhos de saúde, a serem

efetivados nas três esferas do governo. O controle social do sistema de saúde é um princípio e

uma garantia constitucional, regulamentada na Lei Orgânica de Saúde (Dominguez, 1998). É

conveniente ressaltar que a participação comunitária na gestão e controle do sistema de saúde

está prevista na NOB/96.

Cortes (1996) continua salientando que os conselhos de saúde do SUS têm maior

semelhança com os mecanismos participatórios criados pelas democracias liberais durante a

década de 70 (nos Estados Unidos e Grã-Bretanha), do que com experiências participatórias

inspiradas na estratégia de cuidados primários de saúde, propostos pelas Conferência de

Alma-Ata.

Mesmo com a implementação do processo de municipalização, durante os anos

noventa, constata-se que a consolidação formal do controle dos usuários sobre a gestão de

serviços de saúde em nosso país, ainda não se transformou em realidade.

Acreditamos que com a reorganização do setor saúde, através do PSF, a participação

popular venha a se constituir num processo organizador da política de saúde brasileira, uma

vez que características intrínsecas à proposta do PSF facilitam o surgimento de um novo tipo

de aliança na política de saúde. Profissionais de saúde, comunidade e gestores locais devem

criar maneiras de construir juntos, melhorias das condições de saúde do município. Neste

sentido torna-se importante evidenciar a participação comunitária através do controle social.

Este é essencial na construção do SUS, exigindo a participação dos diferentes segmentos

sociais, a partir de representações legítimas e organizadas. As ações desenvolvidas pelo PSF

devem seguir as diretrizes estabelecidas pela legislação, no que se refere à participação

popular.

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Hoje, os profissionais de saúde têm o dever de facilitar e estimular a população a

exercer o seu direito de participar da definição, execução, acompanhamento e fiscalização das

políticas públicas.

A gestão participativa deve ser estendida às unidades de saúde da família, no sentido

de valorizar o trabalhador de saúde e de garantir o acesso da população a um serviço de

qualidade. Esses elementos são fundamentais ao resgate da cidadania e só através de um

efetivo controle social atingirão seus objetivos.

Daí a importância das equipes de saúde da família incentivarem e apoiarem a criação

dos conselhos gestores de unidades de saúde da família que terão o papel de consolidar e

permitir que as premissas da gestão participativa sejam efetivamente cumpridas.

A supervisão deve assumir um papel catalisador entre as equipes e a comunidade no

sentido de incentivar a gestão participativa e assim permitir o desenvolvimento do controle

social e a construção da cidadania.

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CAPÍTULO II

A SUPERVISÃO: SUPER-VISÃO OU COM-VISÃO?

2.1 – O Conceito: Evolução e Contextualização Histórica

Num momento de reorientação do SUS, em que a diretriz de descentralização é

privilegiada e a participação comunitária associada ao controle social são estratégias

fundamentais de mudança, impõe-se adequar os procedimentos de supervisão dos serviços de

saúde a essa mudança.

Nunes & Barreto (1999b:6) sugerem que “para operar qualquer modelo de supervisão

em instituição de saúde, deve-se resgatar elementos do contexto, políticas de gestão de

governo para o setor e elementos teóricos que reflitam a proposta gerencial à qual estará

submetida”.

Com o propósito de melhor entender as organizações de saúde e as conseqüentes

características que a supervisão foi assumindo nessas organizações, acreditamos ser

necessário examinar as diferentes escolas da teoria geral da administração, uma vez que as

questões referentes à administração em saúde tendem a ser tratadas com base em princípios de

administração, ainda que adaptadas a situações específicas.

Partindo-se do princípio de que a administração é condicionada por interesses e forças

sociais presentes numa determinada situação histórica, e que a administração em saúde segue

esta mesma lógica, para que a supervisão seja compreendida em seu real significado, a análise

dos elementos relacionados à administração e ao serviço de saúde, deve ser feita em íntima

relação com o exame da maneira como a sociedade está organizada, levando-se em

consideração as forças econômicas, políticas e sociais aí presentes (Peres, 1986).

A teoria clássica da administração teve sua sistematização no início do século XX com

a investigação dos aspectos formais de organização. Suas contribuições podem ser

desdobradas em duas orientações diferentes. A corrente dos atomistas e fisiologistas da

organização, desenvolvida na França (início do século XX até 1930), cujo principal

representante foi Henri Fayol e a Escola de “Administração Científica”, nos Estados Unidos

sendo seu principal expoente Frederick Taylor.

A preocupação básica da corrente dos atomistas e fisiologistas era aumentar a

eficiência da empresa através da forma e disposição dos órgãos componentes da organização e

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das suas inter-relações estruturais. Tinha como objeto, a organização como um todo,

compreendendo sua estrutura e funcionamento. Para Fayol, citado por Peres (1986),

administrar é: prever (programas de ação), organizar, comandar, coordenar e controlar

(“vigiar para que tudo ocorra conforme as normas estabelecidas e as ordens dadas). E os

princípios gerais da administração: divisão do trabalho (especialização das funções e

separação dos poderes) autoridade (direito de mandar e no poder de fazer-se obedecer),

responsabilidade (sanção – recompensa ou penalidade que acompanha o exercício do poder),

disciplina, unidade de mando (chefe) – para garantir autoridade, disciplina e ordem) unidade

de direção (um só chefe), subordinação do interesse individual ao interesse geral,

remuneração do pessoal, centralização, hierarquia, ordem, eqüidade, estabilidade do pessoal,

iniciativa, união (idéia: a união faz a força). As organizações apresentam-se divididas em

departamentos, seguem a lógica da organização linear (exércitos e igrejas), obedecendo à

unidade única do superior sobre os subordinados (chefe capaz de fazer tudo, de saber tudo e

decidir tudo).

A tarefa da supervisão é inerente aos chefes de todos os níveis de hierarquia. A

supervisão ocorre de forma linear, envolve relação vertical entre supervisor e supervisionados

e consiste em fazer cumprir as ordens recebidas da instância superior, em fazer a “máquina”

funcionar conforme o previsto. Segundo Machado (1978), o controle é o componente

principal da supervisão enquanto os princípios desenvolvidos por Taylor orientarem a divisão

do trabalho nas unidades de produção.

A organização Taylorista reproduz-se com freqüência nas equipes de saúde, onde

existe clara divisão do trabalho, distribuídas pelas diversas categorias profissionais. Na

maioria das vezes o médico assume a função de chefe, sendo hierarquicamente superior aos

demais membros da equipe, exercendo a função de supervisor do serviço.

A tarefa de administrar pessoas, sob esta perspectiva, realiza-se de forma como se elas

fossem instrumento, coisas, ou recursos destituídos de vontade, de projeto próprio, autonomia

e capacidade crítica.

A corrente denominada “Administração Científica” tem como preocupação central

aumentar a produtividade da empresa através do aumento de eficiência no nível operacional;

para isto realizou análise do trabalho operário, propondo a organização funcional, baseada na

especialização das funções para cada tarefa. Taylor fez uma análise completa de cargos e

funções estabelecendo a divisão do trabalho e a especialização do trabalhador.

A supervisão é caracterizada como funcional, descentralizada e de modo a permitir a

máxima especialização dos operários e dos supervisores. Para Chiavenato (1976), “a

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supervisão funcional nada mais é do que a existência de diversos supervisores, cada qual

especializado em determinada área, e com autoridade funcional (relativa somente à sua

especialidade) sobre os mesmos subordinados, sendo esta autoridade relativa, dividida e

zoneada”. Os supervisores constituem a instância intermediária entre a direção e a execução.

As equipes de saúde , organizadas por especialidades, cumprem a supervisão

funcional. Cada especialista é responsável por supervisionar aqueles profissionais que

exercem sua especialidade (a mesma do especialista). Nestas organizações ocorrem com

freqüência a formação de “mini-equipes”, isoladas umas das outras, realizando trabalho de

forma fragmentada.

Com o crescimento das indústrias e a complexidade do trabalho, a especialização é

cada vez maior, surgindo uma terceira estrutura de organização: estrutura linha-staff, que é o

resultado da fusão dos tipos de organização linear e funcional e se baseia no fato de que entre

a linha – órgãos de execução, e assessoria – e staff - órgãos de apoio e de consultoria -

existem relações de autoridade. Existe autoridade linear de um órgão ou cargo, seja de linha

ou de “staff” sobre os seus subordinados, e existe também, autoridade funcional de um órgão

ou cargo de “staff” em relação a todos os demais órgãos ou cargos da organização, que se

referem à sua especialidade.

Supervisão na organização “linha-staff” integra o órgão ou cargo de “staff”, é

considerada ajuda especializada ao nível da execução, portanto, fora da linha de mando, com

autoridade baseada no conhecimento funcional. Surge a figura do supervisor, o agente que

realiza a supervisão e outra pessoa, que não o chefe, com autoridade técnica por ele delegada.

Atua como extensão de chefia, supervisionando a execução, no que diz respeito à sua área de

especialização. O supervisor é aquele que acompanha a execução de trabalhos previamente

estabelecidos pela direção, através do planejamento – é a assistência especializada e

orientação aos níveis operacionais, no sentido de garantir a execução, respeitados os padrões

definidos. Atua como intermediário entre a direção e a execução.

As equipes de saúde, sobretudo aquelas que exercem suas funções na organização

hospitalar, seguem este modelo e utilizam o termo staff para se nomear. Nos serviços, as

equipes se organizam em torno do chefe e seu staff e como subordinados estão os residentes,

acadêmicos de medicina e outros profissionais.

O exercício de autoridade se dá, como descrito anteriormente, baseado no

conhecimento funcional. As sessões clínicas, coordenadas pelo chefe de serviço (maior

autoridade funcional), são exemplos de supervisão. Entretanto, não é o chefe que acompanha

diariamente todas as atividades das enfermarias, ele delega essa função a um assistente, que

exerce a tarefa de supervisionar os outros membros da equipe; é um intermediário entre o

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chefe de serviço (direção) e os demais profissionais (execução). Observa-se neste caso a

supervisão nos moldes da organização linha-staff.

A Teoria das Relações Humanas, também conhecida como Escola Humanística da

Administração, desenvolveu-se nos Estados Unidos na década de 20 (século XX), tendo como

percursores Ordway Tead, Mary Follett e Chester Barnard. Seu marco inicial foram os

trabalhos de Elton Mayo, como oposição à Teoria Clássica da Administração. Estabeleceu-se

a partir do desenvolvimento da psicologia do trabalho e da aplicação da sociologia à análise

dos problemas industriais.

Os elementos emocionais passam a ser valorizados e compreendidos como fazendo

parte do processo de administração. Motivação, liderança, dinâmica de grupo, dominam o

repertório administrativo, passa-se a reconhecer não só as necessidades fisiológicas, mas

também as psicológicas e as de auto-realização dos trabalhadores Chiavenato (1976).

A partir da valorização do trabalhador preconizada por esta escola, a supervisão toma

novo contorno, deixando de ser centrada no trabalho para centrar-se no trabalhador, o controle

substituído por resultados. A supervisão passa a ser concebida como sendo um mecanismo de

comunicação, encorajamento, influenciação e persuasão, com objetivo de obter a cooperação

dos trabalhadores para se atingir a eficiência da empresa de forma harmoniosa e humana. O

supervisor é um líder formal que atua com o objetivo de garantir as condições necessárias

para o desenvolvimento do trabalho.

Muitas equipes de saúde se organizam em torno do propósito da humanização, através

do reconhecimento profissional de seus membros, da motivação para ao trabalho, da busca de

resultados satisfatórios para o paciente. Contudo é difícil afirmar que a humanização, seja

característica fundamental das equipes; ela é algo que se almeja no intuito de se realizar os

propósitos acima descritos.

A Teoria das Relações Humanas trouxe valiosas contribuições para o entendimento

das equipes de saúde, uma vez que procurou explicar processos psicológicos existentes nas

relações de trabalho.

A supervisão em saúde se ancora em alguns pressupostos advindos da referida teoria,

como a comunicação, o encorajamento e o objetivo de atingir a eficiência do serviço de forma

humanizada.

Nos anos 50, a Teoria das Relações Humanas passou a ser criticada, entrou em

declínio e deu lugar à discussões que originaram a Teoria Comportamental da Administração.

A motivação foi um dos temas centrais abordados por esta teoria, originando, novas

proposições e novos padrões de administração. Seu maior representante foi Herbert Likert,

autor Behaviorista, que estudou estilos de administração, propondo dois tipos de supervisão:

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uma orientada para o trabalho, outra para o trabalhador. Tende a subdividir e fragmentar o

trabalho em partes, solucionar, treinar os trabalhadores e pressioná-los para a obtenção dos

níveis de produção estipulados (características da “administração científica” de Taylor); e a

segunda orientada para o empregado, dá mais ênfase aos seres humanos do que ao trabalho,

preocupando-se em manter uma equipe de trabalho atuante e participativa nas decisões. A

supervisão visa mais às metas do que aos métodos (Peres, 1986).

O autor mostra ainda, que os serviços chefiados por supervisores orientados para o

trabalho, em geral são de baixa eficiência e provocam atitudes desfavoráveis tanto com o

trabalho quanto com os supervisores.

Percebe-se a semelhança deste tipo de organização com os sistemas de saúde

verticalizados orientados para o trabalho, que têm como parâmetro de bom funcionamento a

produtividade, onde a atenção à saúde é deixada em plano secundário. Já a outra vertente,

orientada para o trabalhador valorizando sua motivação para o exercício da tarefa, está mais

próxima dos sistemas descentralizados que procuram proporcionar autonomia e criatividade

aos profissionais, possibilitando a auto realização e desenvolvimento prazeroso do trabalho.

A teoria das Relações Humanas e a Comportamentalista foram posteriormente

criticadas porque ao permitirem maior compreensão do trabalhador, aumentaram a

possibilidade de controle sobre ele.

Abordagem Estruturalista da Administração, também conhecida como estruturalismo,

marca o início da concepção de uma sociedade de organizações. Seu principal inspirador foi o

economista e sociólogo já falecido à época, Max Weber. Este se preocupou com as

organizações e sua racionalidade, isto é, com a relação dinâmica entre os meios, os recursos

utilizados e os objetivos alcançados pelas organizações. Essas idéias dão origem à teoria da

Burocracia na Administração, que propõe um modelo de organização, a burocracia. Para

Weber burocracia é um tipo de poder. Burocracia é igual a organização. É um sistema

racional no qual a divisão do trabalho se dá racionalmente com vista a fins. A ação racional

burocrática é a coerência da relação de meios e fins Tragtenberg ( apud Peres, 1986).

Segundo Weber, a Estrutura Burocrática tem características bem definidas: é uma

organização ligada por normas racionais, legais, regras, que definem as relações de mando e

subordinação; se baseia em uma sistemática divisão do trabalho onde os papéis

administrativos são especializados e diferenciados e as atividades distribuídas de acordo com

os objetivos a serem alcançados, de forma impessoal (a obediência prestada pelo subordinado

é também, impessoal); estabelece os cargos segundo princípio hierárquico, cada cargo inferior

está sob o controle e supervisão de um posto superior; fixa regras e normas técnicas para o

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desempenho de cada cargo; se caracteriza pela profissionalização dos seus participantes Peres

(1986).

A tarefa da supervisão – verificar o cumprimento de normas técnicas e regras

estabelecidas pela organização – é inerente à hierarquia da autoridade. Quem tem “posição

superior” tem obrigação de verificar a realização de quem exerce “posição inferior”. Nas

organizações começa-se a observar tendências à criação de serviços especializados de

controle, que se constituirão, ao longo do tempo, na própria supervisão. Cria-se o cargo de

supervisor, que não é o chefe, mas profissional qualificado, especialista e encarregado de

suprir a tarefa da autoridade hierárquica, é o elemento de ligação entre a autoridade superior e

o nível de execução. Sua função é fazer cumprir as regras e normas técnicas definidas pela

organização.

A teoria estruturalista da administração é um desdobramento da teoria da burocracia e

uma aproximação da teoria das relações humanas. Os autores desta escola, Victor Thompson,

Jean Viet e outros, discutiram o dilema da organização, ou seja, as tensões inevitáveis, que

podem ser reduzidas, mas não eliminadas, entre as necessidades da organização e as

necessidades de seu pessoal, entre a racionalidade e a irracionalidade; entre a disciplina e a

autonomia. Viet (apud Peres, 1986) conceitua estruturalismo como “um método analítico e

comparativo que estuda os elementos ou fenômenos com relação a uma totalidade,

salientando o seu valor de posição”.

O estruturalismo possibilitou a integração de conceitos clássicos e humanísticos, à

visão crítica do modelo burocrático e seu desenvolvimento teórico, avançando em direção à

abordagem de sistemas. Contribuiu também, a partir do exame crítico das teorias descritas

anteriormente, para a elucidação de aspectos da supervisão.

Os princípios nos quais o estruturalismo se baseia – sistemática divisão do trabalho,

sua racionalidade burocrática e hierarquização das tarefas – permeiam as organizações de

saúde e possivelmente tiveram peso no aparecimento das especialidades e subespecialidades

médicas e da supervisão clínica especializada.

A abordagem sistêmica da organização discute a noção de sistema aplicada às

organizações. Sistema “é um conjunto de unidades ou objetos, entre os quais existem

relações” (Bertalanffy, 1977). Os sistemas são classificados em físicos, biológicos e sociais;

podem ser fechados ou abertos; naturais ou artificiais; compõem-se de partes (imput, output,

through-put, feedback), são organizados segundo uma lógica hierárquica (ecossistema,

metassistema, sistema, sub-sistema) e têm mecanismos de controle internos que explicam seu

funcionamento (homeostase, entropia, entropia negativa, comunicação, meio-ambiente). Não

é objetivo do presente trabalho, aprofundar o estudo dos sistemas, desenvolvendo os conceitos

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acima descritos, mas contar com a contribuição desta teoria para enriquecer a discussão a

respeito da supervisão, buscando a compreensão da mesma.

A organização, na perspectiva sistêmica, é concebida como um todo integrado, onde

cada sistema e subsistema estão associados com a operação total. O sistema se organiza para

cumprir uma determinada tarefa.

A aplicação do conceito de sistema à organização apresenta vantagens, a saber:

descentralização na tomada de decisões, utilização mais eficiente dos recursos alocados a cada

projeto individual e facilidade na contabilização que permite medir a eficiência de cada

sistema operativo individual (Peres, 1986).

Um aspecto evidenciado na administração de sistemas refere-se às relações indivíduo-

organização. A organização é considerada como uma estrutura de papéis, ou ainda como um

conjunto de papéis ou de grupos que se superpõem, cada um formado por pessoas que têm

determinadas expectativas quanto a um determinado indivíduo. Entendendo papel como o

“conjunto de atividades solicitadas de um indivíduo que ocupa uma determinada posição em

uma organização”, Katz (apud Peres, 1986), considera que o conceito de conjunto de papéis é

mais importante do que o de grupo, pois não são consideradas as pessoas no sentido absoluto,

que estão interligadas, mas sim pessoas desempenhando determinados papéis dentro da

organização. Nesta perspectiva o conjunto é encarado como conflitos de papéis e não conflito

de pessoas, e a organização é vista como um conjunto de comportamentos inter-relacionados,

onde os papéis que os indivíduos desempenham têm mais ênfase do que as próprias pessoas.

A organização enquanto sistema aberto traz nova concepção de funcionamento do

sistema que é a ênfase em programas (projetos) que trazem estruturas inovadoras como baixo

nível de formalização, multiplicidade de comando, comunicação horizontal.

Nesta estrutura a supervisão se dá no nível de cada projeto. O controle exercido pela

supervisão, como nos modelos tradicionais, passa a ser substituído pela supervisão por

resultados, mantendo-se entretanto com características de controle, mas agora, direcionado

para o resultado do projeto como um todo.

É importante ressaltar que os participantes, em função de terem visão global do

processo de trabalho e estarem implicados no mesmo, acabam por controlá-lo de tal forma

que o processo passa a ser caracterizado por um auto-controle progressivo, dispensando-se a

necessidade de supervisão próxima, mas demandando esforços interdisciplinares para o

cumprimento dos objetivos do projeto. Nesta perspectiva a supervisão atua como mecanismo

de envio de informações que assegurem aos participantes do projeto, adquirirem

conhecimentos necessários ao funcionamento deste. Impõem-se pontuar a importância que

toma a informática atualmente, como mediadora destas relações e como veículo

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potencializador das comunicações, propiciando maior eficiência e velocidade na transmissão

de informações.

A atual organização sanitária brasileira assemelha-se à teoria sistêmica. O Sistema

Único de Saúde segue princípios preconizados por esta teoria tais como descentralização na

tomada de decisões, ênfase em projetos, multiplicidade de comandos, comunicação

horizontal, entre outros.

O PSF, constituindo-se num programa implementado pelo SUS, encaixa-se nesta

lógica. As equipes que o compõe se organizam em torno dos papéis9 exercidos por cada

profissional. Na teoria sistêmica, constata-se que a supervisão guarda ainda características de

controle, mas com a diferença que este é direcionado para o projeto como um todo. A

supervisão no PSF, objeto deste estudo, será melhor compreendida no caminhar da presente

investigação.

Após contribuições da teoria sistêmica à administração, os teóricos modernos vêm

formulando estruturas organizacionais mais flexíveis, adaptáveis e ajustáveis a mutações

rápidas. Preocupam-se em obter maior eficiência no alcance dos resultados e têm como meta

a relevância social de seus objetivos.

Peres (1986) mostra que o comportamento organizacional deve ser o reflexo de uma

conjugação de esforços para que os objetivos individuais possam ser continuamente

reconciliados com os objetivos organizacionais através da criação de um ciclo motivacional.

A supervisão necessita se adequar a esta organização no intuito de contribuir para a efetivação

dos resultados que as organizações se propõem a alcançar.

Ao se examinar as estruturas organizacionais, e seus possíveis desdobramentos para a

área da saúde, constata-se que os estilos administrativos variam desde o controle total do

trabalhador através da supervisão permanente e direta, até a estilos participativos que se

assemelham à co-gestão10. Fica claro que o processo de trabalho é determinante do tipo de

supervisão realizada, entretanto, seja nas estruturas mais rígidas ou nas mais flexíveis, insere-

se sempre no âmbito do controle da produção.

Peres (1986) ressalta, ainda, a presença do componente pedagógico educativo da

supervisão nas estruturas organizacionais, uma vez que é tarefa da mesma “ensinar” ao

trabalhador a execução do trabalho conforme regras e normas teóricas definidas pela alta

administração.

9 No sentido proposto por Katz (apud Peres, 1986), descrito na página 44. 10 Quando a formulação, seleção e direção de atividades e tarefas de uma organização, com o fim de execução dos seus planos operatórios, têm a participação efetiva de mais de um de seus membros Cunha (1997).

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Ao mesmo tempo que a supervisão adquire particularidades de cada tipo de estrutura

organizacional, apresenta-se como uma constante, tanto no seu correspondente de

controle (aspecto gerencial), como no seu aspecto educativo através da educação em serviço

ou educação permanente destacando-se seu componente pedagógico.

Silva (1981) conclui de forma concisa: a função supervisora resolve-se a partir das

relações entre o homem e o trabalho. Originada da dicotomia entre as etapas de concepção e

de execução do trabalho para realizar o controle sobre o processo, a supervisão delineia-se

como uma função técnica que se realiza coerente aos interesses capitalistas. Ainda segundo

Silva, essa seria a própria natureza da gerência, o antagonismo entre os que executam o

processo e os que se beneficiam dele.

Consultar quadro I (anexos).

2.2 – Organização Sanitária Brasileira e Supervisão

Como vimos anteriormente, a supervisão assumiu variadas características ao longo do

tempo, de acordo com o contexto social e político-institucional no qual estivesse inserida.

Nunes & Barreto (1999b) apresentam sinteticamente a evolução da supervisão na organização

sanitária brasileira.

A década de 20 marcou a reorganização dos serviços de saúde pública no país, através

da reforma Carlos Chagas, que criou o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP).

Baseou-se na centralização normativa e na descentralização executiva, com a introdução de

uma disciplina e um padrão de qualidade, que inseriam o treinamento e a supervisão de

pessoal como uma preocupação permanente, no sentido da racionalização assistencial.

Apesar da descentralização executiva, o estabelecimento das unidades especializadas

torna a supervisão próxima do modelo funcional Taylorista, sendo o especialista, dominante

do ato supervisor.

Ao final deste período e início dos anos 30, o Brasil atravessou um novo passo

descentralizador. Mantendo os princípios básicos do momento anterior, a estrutura

organizacional dos serviços se complexifica, com a criação da rede de centros de saúde (órgão

coordenador dos serviços de higiene) na cidade do Rio de Janeiro.

O controle da execução obriga a prática da supervisão (do serviço) como uma extensão

da capacidade gerencial, acompanhando a atividade finalística em relação ao planejamento e

corrigindo eventuais desvios. Há convivência com a supervisão especializada, que possuía a

“autoridade de linha”. A estrutura organizacional se torna mais complexa,

departamentalizando-se, tanto vertical como horizontalmente.

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47

A burocratização avança e pela necessidade de racionalização, obriga o processo

supervisor a realizar-se de maneira funcional, enfatizando métodos, técnicas e processos,

diminuindo a eficácia dos serviços.

A partir da década de 40 o DNSP passa por nova reforma, conduzida por Barros

Barreto, com a introdução da “linha staff” (especialista do Estado Maior) em vários órgãos

periféricos, além do nível central. Destaca-se a questão da coordenação das atividades para

que as unidades descentralizadas se ordenem, visando à unidade de ação que permite atingir a

meta comum.

O supervisor, por delegação da administração, passa a precisar conhecer em detalhes a

estrutura organizacional, utilizando, para a missão de controle, as normas e instruções de

serviços.

Aos poucos a atividade vai incorporando profissionais não médicos e auxiliares de

baixa qualificação, que passam a exigir treinamento e supervisão contínuos. Assim esta vai

ganhando espaço na organização de saúde.

A criação dos Serviços Especializados de Saúde Pública (SESP), dentro do esforço de

guerra (II Guerra Mundial), amplia a burocratização, e a criação do Ministério da Saúde na

década de 50, concorre para reprodução ao nível de estados e de municípios da mesma

estrutura.

A partir dos anos 60, a Reunião de Punta del Este, em 1961, e a adoção do Método

Cendes/Ops, a programação com a eleição de prioridades baseadas na relação custo -

benefício, desdobram-se na III Conferência Nacional de Saúde em fortalecimento da relação

superior - subordinado na supervisão, exercida por pessoal específico, responsável pelo

controle da execução dos aspectos definidos previamente pela linha de mando e pelo preparo

técnico dos recursos humanos.

O aperfeiçoamento burocrático introduz o planejamento em saúde e, a partir do

Decreto Lei 200/67, a década de 70 traz um novo processo descentralizador, em que os

objetivos passam a condicionar as regras, métodos e normas de administração.

A criação do Sistema Nacional de Saúde em 1975 propiciou a formulação de

programas de saúde verticalizados, definidos centralmente e voltados à população assistida.

Introduz, assim, todo o aparato planejador e o conjunto atualizado da racionalidade

administrativa, enfatizando a centralização do poder.

Aos poucos, num contexto de expansão e modernização do Sistema, modelos

alternativos são implementados, como o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e

Saneamento (PIASS) e o II Programa Nacional de Alimentação e Nutrição, destacando a

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participação comunitária. Ao mesmo tempo, a exigência de preparo de recursos humanos

propicia a implantação do Programa de Preparação Estratégica do Pessoal de Saúde

(PPREPS).

A supervisão passa a ser orientada pelos Programas com a definição prévia de

objetivos, em que a visão do conjunto deve servir à identificação da parte desarmônica,

buscando o seu ajustamento. A concepção do processo supervisor passa a ser o de um

subsistema, em interação com a Direção, com os órgãos administrativos e técnico -

normativos, com conhecimento dos Programas e normas, e próximo do nível operacional.

Deve, igualmente, adaptar-se à segmentação do trabalho entre o nível mais qualificado e o

auxiliar, na perspectiva de representar um instrumento de gerência responsável pela educação

do trabalhador e pelo controle do conjunto do trabalho.

O aspecto educativo é ressaltado, atenuando o caráter fiscalizador, de modo a que o

controle como eixo do processo tenha como instrumentos a educação e o apoio, muitas vezes

confundidos com a persuasão e a adesão.

A supervisão passa de especializada à programática; a eficiência da técnica voltada à

eficácia do programa. A multidisciplinaridade é discutida, de modo a assegurar a articulação

das práticas no interior do processo de trabalho.

O fato dos supervisores não integrarem a linha de comando favorece o

desenvolvimento de uma prática mais próxima entre o supervisor e o supervisionado, ficando

o primeiro entre duas expectativas contraditórias, o controle do processo de trabalho pela

gerência e a maior participação no processo de decisão pelo nível de execução.

A expressão desse conflito é a realização de discussões sobre o perfil do supervisor,

focalizada em aspectos comportamentais e a eles atribuindo a responsabilidade pelos

problemas enfrentados no desenvolvimento da atividade.

Os serviços básicos vão ganhando espaço, em julho de 1978, o Ministério da Saúde

cria uma portaria, que estabelece diretrizes para execução desses serviços, definindo normais

operacionais que incluem as atribuições devidas aos níveis elementar e primário. Ainda neste

mesmo ano, a Conferência de Alma-Ata, sobre Cuidados Primários de Saúde, determina que

os representantes dos governos países-membros da OMS assumam o compromisso de adotar

estratégias nacionais que proporcionem “saúde para todos no ano 2000”, mediante

incorporação dos cuidados primários de saúde aos seus planos nacionais, com participação

comunitária. Na Conferência discute-se também que “a supervisão deveria ser dotada de

dupla conotação: controle administrativo e orientação e apoio técnico”. Esse documento

também advertiu que a descentralização do sistema de saúde deveria ser acompanhada de

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responsabilidade, elegendo o controle como “instrumento de ajuste entre o funcionamento dos

serviços, a política e a estratégia nacional” OMS-UNICEF (Nunes & Barreto, 1999b).

Num contexto de reforma do setor saúde, nos anos 80, a teoria e a prática da

supervisão foram bastante discutidas. Renovou-se o debate em torno da questão da

“supervisão especializada11 ou polivalente”12, enfatizando a dualidade: controle (em suas

várias expressões) e processo pedagógico (com suas múltiplas concepções).

Depois de inúmeras experiências modernizadoras como o PREV-SAÚDE e o

CONASP, nesta mesma década, verifica-se que a prática institucional da supervisão está

vinculada à organização em que opera, incorporando pressupostos e linguagem

administrativa. Nunes & Barreto (1999b:17), acrescentam que “a prática da supervisão tem

em si o caráter contraditório da cobrança, do controle e da colaboração, aliado à dimensão

pedagógica que pode contribuir para o crescimento das equipes supervisionadas”.

Com a implantação do SUS em 1988, acelera-se o processo de descentralização e

novas mudanças percorrem a década de 90. Mudanças no processo condutor do Ministério da

Saúde, reorientação das Secretarias de Saúde e processo de municipalização.

Com a promulgação em 1990, da Lei Orgânica da Saúde, a municipalização torna-se a

nova forma de gerenciamento público. O município transforma-se em espaço privilegiado,

assumindo o papel de prestador de serviços e gestor do sistema local de saúde. É o espaço em

que as pessoas vivem e exercem seus direitos; segundo Mendes (1993:116) é o “microespaço

social do exercício cotidiano de construção da democracia e, portanto, de criação de

cidadania”. Neste cenário se dá a implantação do PSF.

A descentralização visa criar as bases para uma maior autonomia local no uso de

recursos e na implementação de políticas (Hortale,1997). É um processo de transformação

que envolve redistribuição de poder e de recursos, redefinição de papéis das três esferas de

governo, reorganização institucional, reformulação de práticas, estabelecimento de novas

relações entre os níveis de governo e controle social (Brasil, 1993:11).

Discussões realizadas durante o Seminário Internacional de Supervisão no Peru em

1980, mostraram que a descentralização é um processo no qual a distância entre as funções

de mando e as de execução pode ser diminuída, o que contribui para que a supervisão tenha

seus conteúdos e procedimentos estabelecidos e modificados, numa interação constante com o

nível operativo e a partir de anseios expressos pela própria comunidade OPS (1980).

11 Supervisão de natureza restrita, limitada às atividades específicas de um serviço. Ministério da Saúde (1983). 12 Supervisão de natureza ampla, realizada por um supervisor ou uma equipe, na qual são enfocados aspectos gerais da programação, não se atendo a uma área específica. Ministério da Saúde (1983).

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Assim entende-se que a supervisão precisa ser redefinida de maneira a contemplar a

reorganização do setor saúde, devendo acompanhar as perspectivas atuais de gestão

descentralizada. Estas apontam para a reformulação das relações de trabalho, devido à

valorização das equipes de saúde, sua relação com os usuários dos serviços e a maior

participação destes no sentido de explicitarem suas necessidades não satisfeitas e aprenderem

a se colocar como cidadãos. A descentralização oportuniza a sensibilização da população a

respeito de seus direitos de saúde, cria espaços de autonomia e participação, mudando o papel

do Estado perante a sociedade.

O setor educação pode contribuir para que sejam pensadas as práticas da supervisão

numa perspectiva das características contemporâneas das organizações de saúde.

Abdalla (1999:190) discutindo a supervisão na educação, aponta para a supervisão

como um “poder-fazer” transparente, em direção a uma prática social transformadora. Fala da

dimensão educativa da supervisão reafirmando seu sentido participativo e dinamizador de

momentos emancipatórios. Introduz a questão do perfil do supervisor, afirmando que este é

um agente de produção do conhecimento e “é a partir da realidade concreta que se pode

definir o agente/sujeito/supervisor e seu modo-de-ser, que se constrói no conjunto das práticas

sociais, e não a partir de modelos e idéias de um discurso”, e continua: “é preciso que o

supervisor tome consciência de seu papel de sujeito nesse processo de supervisão”.

A consultoria, “processo baseado na interrelação pessoal criativa, na comunicação

aberta, na relação de confiança e respeito mútuos e na perspectiva de resolução de problemas”

como mostra Luck (2000:47), merece atenção neste estudo, uma vez que constitui-se numa

estratégia de acompanhamento de serviços educacionais e de saúde. Podendo ser considerada

uma forma não diretiva de supervisão, que estimula a reflexão e o desenvolvimento da crítica,

contribuirá para esta análise.

A complexidade da organização do trabalho em saúde, especialmente no PSF,

associadas à multiplicidade de olhares e concepções sobre a supervisão, levam à necessidade

de questionamento e reflexão no sentido de se definir um modelo (de supervisão) que

articule estes aspectos, contextualizando-os aos processos gestores do momento atual.

2.3 – A Supervisão no PSF

Saúde da família é uma concepção de atenção focalizada na promoção da qualidade

de vida, prioriza o enfoque de promoção da saúde em substituição ao enfoque do atendimento

curativo e tem como objetivo trabalhar práticas de saúde que gerem integração entre as ações

individuais e coletivas. O desenvolvimento destas práticas obrigam que os profissionais

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envolvidos nas mesmas, tenham visão integral do sujeito, da família e da comunidade,

estabelecendo assim novas relações entre estes atores.

As equipes de saúde da família devem estar habilitadas a desenvolverem suas práticas

de maneira eficaz e resolutiva. Para tal, a estratégia da educação permanente, constituí-se num

processo importante de formação e atualização dos profissionais, incentivando a reflexão

crítica sobre as práticas das equipes.

Como explicitado acima, a reorganização de prática de saúde requer capacitação de

recursos humanos. O profissional da equipe de saúde da família, segundo normas do

Ministério da Saúde, precisa ser capaz de atuar com criatividade e senso crítico, mediante

uma prática humanizada, competente que envolve ações de promoção, prevenção,

recuperação e reabilitação. Um profissional capacitado para planejar, organizar, desenvolver e

avaliar ações que respondam às necessidades da comunidade, articulando os diversos setores

envolvidos na Promoção da Saúde.

No entanto têm sido constatadas algumas dificuldades inerentes ao processo de

trabalho das equipes de Saúde da Família, principalmente as ligadas às relações interpessoais

e aquelas relacionadas ao enfrentamento dos problemas vivenciados no cotidiano das

comunidades.

Muito se discute sobre a formação do profissional de Saúde da Família, em algumas

equipes evidencia-se a presença de profissionais que não se adequam às exigências do PSF. A

educação permanente é estratégia evidente de formação destes profissionais porque aponta

para o processo de trabalho como eixo do processo educativo, como fonte de conhecimento e

objeto de transformação; mudança de consciência de uma visão restrita à cura, biologicista e

individual para uma visão integral do processo de trabalho em serviços, ligados à promoção

da saúde; e enfatiza participação coletiva (Motta, 1998).

E a supervisão? Qual seria o papel da supervisão no PSF? Como esta se articularia à

educação permanente? Como se imbricam os aspectos pedagógicos na supervisão?

Quando analisada dentro de um contexto amplo, como parte integrante do sistema de

saúde, a supervisão apresenta-se como elemento viabilizador da política de saúde, na medida

em que repassa conceitos, redefine procedimentos, dá mobilidade entre os vários níveis do

sistema e orienta a execução dos serviços. Embora instrumentalize-se a partir de conteúdos

técnico-administrativos , definidos em consonância com os objetivos da política de saúde, a

supervisão deve rever tais conteúdos a partir das necessidades reais, face ao caráter dinâmico

da realidade de saúde enquanto parte da estrutura social e política. A supervisão assume uma

dimensão política na medida em que interpreta os interesses dos níveis periféricos,

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procurando reforçar o processo de descentralização. Nesta concepção, a principal função do

supervisor é a de servir à periferia do sistema, através dos instrumentos de educação OPS

(Organização Panamericana de Saúde,1980).

Assim devem estar presentes na supervisão os seguintes elementos: atuação política

em benefício da concretização do processo de descentralização; conhecimento da realidade de

saúde, a partir de seus determinantes sócio-político-econômicos; e da interação contínua com

o pessoal de execução (equipes básicas de saúde, no caso do PSF) e com a comunidade.

Documento do Ministério da Saúde (1980:5) ressalta que o propósito da supervisão é

elevar o padrão de qualidade dos serviços prestados, para proporcionar melhores níveis de

saúde ao indivíduo, à família e à comunidade, visando a eficiência e eficácia dos programas.

Frente a estas posições, é o momento de pensar na supervisão e suas singularidades no

Programa de Saúde da Família. Encontra-se nas idéias que se seguem, um caminho possível

para tal.

Quando denomino este capítulo Supervisão: Super-Visão ou Com-Visão, é com

objetivo de discutir o processo de supervisão de maneira abrangente, global e consistente

explorando o caminho da participação, como alternativa à supervisão enquanto processo

unilateral, superior e onipotente, de uma super-visão,13 visão acima, verdade única. Como

apontam Nunes & Barreto (1999b) supervisionar significa “visão sobre” o objeto do trabalho

realizado por outro. Convisionar (termo cunhado Roberto Nogueira e utilizado por Nunes),

estabelece uma relação entre parceiros, identificando práticas e instrumentos de atuação

conjunta sobre o objeto de trabalho.

Esse debate conta mais de duas décadas, quando já se discutia este tema no nível do

Ministério da Saúde, distinguindo-se a supervisão tradicional da supervisão moderna. A

tradicional tem características de fiscalização, inspeção e controle policial; limita-se a apontar

erros, aplicar sanções ou fazer críticas destrutivas; é eventual e sem planejamento, imposta e

autoritária; a função de supervisor é um posto de prestígio e está a cargo de uma só pessoa;

atua de modo igual para todos, não oportunizando o desenvolvimento individual e nem

profissional dos supervisionados; atua com visitas e entrevistas. Já a supervisão moderna,

associa controle e educação; age com o objetivo de diagnosticar e buscar, junto com o

supervisionado, a solução de problemas; é sistemática, planejada e aceita como necessária

pelos supervisionados; é exercida por uma equipe, tem características de cooperação e é

essencialmente realizada com o trabalho coletivo; adapta-se às diferenças individuais,

13 O termo “supervisão” se origina das palavras latinas super que significa sobre e vídeo que eqüivale a eu vejo. O emprego literal destes termos levou a que sejam interpretados como inspeção, porém de sua evolução resultou uma nova concepção, Ministério da Saúde (1980), a qual será discutida neste capítulo.

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promovendo o desenvolvimento individual e profissional dos supervisionados; atua a partir de

várias atividades MS (Ministério da Saúde, 1980:4).

Um paralelo pode ser feito entre a supervisão tradicional que se caracteriza como

Super-Visão, que define, comanda, impõem e estabelece uma relação assimétrica entre o

supervisor e o supervisionado; e a supervisão moderna que expressa características da Com-

Visão, se utilizando das contribuições que a dimensão pedagógica pode lhe conferir; reflexão,

análise de “situações-problemas”, troca de experiências, numa perspectiva de cooperação,

parceria e participação. Estabelece-se uma relação simétrica onde supervisor e supervisionado

“co-laboram” para que juntos possam enfrentar as solicitações do serviço, os problemas

existentes, os entraves no trabalho causados pelas dificuldades interpessoais bem como as

limitações individuais de cada membro que participa do processo supervisor. A primeira faz

parte de um modelo de gestão vertical (cobrança/auditoria), enquanto a segunda de gestão

colaborativa (construção conjunta). As ordens e determinações dão lugar a uma solução

compartilhada.

Qual o modelo que se adequa mais ao PSF? A supervisão deve ser técnica ou

administrativa? Controladora ou compartilhada? No lugar de supervisão ter-se-ia uma prática

convisionada na qual se compartilhariam dúvidas, estratégias e soluções para problemas que

envolvem equipes parceirizadas , como sugerem Nunes & Barreto (1999b)?

Referindo-me a estes mesmos autores, que chamam atenção para o conceito de

alienação, “abro um parênteses” para refletir sobre esta e sua contribuição para o

entendimento do processo de supervisão.

Para Dantas (1988) a divisão extrema do trabalho, implantado pelo modo de produção

capitalista, impede que o trabalhador esteja em contato com o produto concreto de sua

atividade. Este processo de quantificação e abstração não se restringindo apenas às fábricas,

tomou a esfera social fazendo com que as pessoas não mantenham “relações concretas com

coisa alguma”.

O trabalho alienado, apresenta uma forma ativa, traduzindo-se no imperativo de

trabalhar e uma vertente passiva, que se caracteriza na educação como convencimento para

aceitação desta necessidade. O trabalho aliena quando produz valor de troca, e na medida que

se complexifica, transforma o próprio homem em uma mercadoria que passa a possuir valor

para o outro, através de mecanismos da sociedade moderna, como salário. O avanço

tecnológico responsável pelo aumento acelerado da mecanização, da rotinização e da

padronização, contribui para a coisificação do homem. A sociedade de consumo cria novas

necessidades impondo a este homem possuir ( mesmo aquilo que não deseja usar). É o que se

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chama de alienação pelo consumo, que culmina na alienação das forças sociais se

expressando nas ações dos governos exercidos por leis não controladas pelo indivíduo.

Por outro lado, como bem mostram Nunes & Barreto (1999b), existem expressões não

alienantes na sociedade, que acontecem quando o homem busca sua totalidade – relação entre

ele e seu mundo. Os mesmos autores mostram que este processo é possível a partir de uma

reeducação coletiva que se contraponha à massificação capitalista. A prática da participação é

um exemplo do processo de reeducação e aponta para noção de que todos podem exercer

alguma influência política. É nesta perspectiva que se constitui a prática do planejamento

participativo. Este é considerado a partir de três momentos: “a tomada de consciência crítica

sobre a origem da desigualdade social, o auto-enfrentamento dos conflitos e a competente

organização política” (Nunes & Barreto, 1999b:13). O planejamento participativo representa

uma metodologia coletiva e co-responsável de decisões, processo de gestão fundamental

priorizado pelo PSF.

Assim como deve se estruturar a supervisão para que seja coerente com o PSF, com a

nova maneira de planejar e agir em saúde?

Tentando refletir sobre esta questão e outras referenciadas anteriormente, empenhamo-

nos em desenvolver a idéia de supervisão que permita aos atores envolvidos, suplantar a

alienação e atingindo a conscientização, possam se envolver no processo de trabalho, no

processo de supervisão compartilhada, ou melhor, no processo de convisão. Modelo

alternativo de supervisão que privilegia a criatividade, a integração e, “o diálogo, para o

crescimento mútuo, onde a assimetria de conhecimento entre as partes (supervisores e

supervisionados), não deveria inibir a relação de ensino-aprendizagem que se estabelece entre

ambas” (Nunes & Barreto, 1999b:27).

Para tal fomos buscar em Paulo Freire a fundamentação pedagógica necessária para o

entendimento da convisão. Este denuncia o que chamou de “educação bancária, ato de

depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos ao educando. A educação se

torna um ato de depositar, em que os educandos são os depositários e o educador é o

depositante” (Freire, 1978:67).

O autor, faz a distinção entre concepção bancária da educação, cuja ênfase está na

permanência do conhecimento e a concepção problematizadora que reforça a mudança, na

qual “educadores e educandos se fazem sujeitos do seu processo, superando o intelectualismo

alienante, superando o autoritarismo do educador ‘bancário’ e superando também a falsa

consciência do mundo” (Freire,1978:86).

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A prática problematizadora se dá através do diálogo, da comunicação, “a educação

autêntica não se faz de A para B ou de A sobre B, mas de A com B, mediatizadas pelo

mundo” Freire (1978:98), resultando na humanização.

Podemos pensar na convisão a partir do pensamento deste autor, como estratégia de

gerenciamento do PSF, visando à sustentabilidade e ao desenvolvimento do programa.

Numa avaliação entre os planos gerencial e pedagógico, Campos (1998) sugere a

integração de produtividade e compromisso e, ao mesmo tempo, a construção de uma

“máquina organizacional” que seja terapêutica e pedagógica para os atores envolvidos,

permitindo um crescimento pessoal e coletivo de forma contínua e progressiva, produtora de

saúde, o que vem ao encontro da proposta de supervisão, sob o ponto de vista da convisão.

2.4 – A Supervisão do PSF de Teresópolis

Vemos que a complexidade do programa exige a compreensão, por parte do

supervisor, de diversos aspectos: interesses e visões sobre modelos de saúde, especialmente

do PSF; visões da equipe a respeito do processo do adoecer; compreensão da dinâmica:

equipe, comunidade e suas relações interpessoais; inserção do interno de medicina e dos

estagiários de enfermagem, ainda não formados segundo uma perspectiva integral de saúde;

inserção do agente comunitário na equipe; relação entre coordenação do programa /

supervisão / equipe; supervisões técnicas específicas e a relação entre os supervisores.

Tarefa nada fácil a do supervisor no PSF. É necessário que investiguemos esta rede de

ações, reações, conflitos, dificuldades, para ampliar a efetividade da supervisão das ações de

saúde e do programa como um todo.

De acordo com documento oficial do Programa de Saúde da Família de Teresópolis a

supervisão deste tem como objetivo geral, dar suporte técnico às equipes do PSF/PACS com a

finalidade de garantir que a implantação e manutenção do programa se faça integralmente,

através de educação continuada e permanente. Como objetivos específicos, os que se seguem:

possibilitar o aperfeiçoamento profissional e a educação continuada e permanente das

equipes; participar no processo de criação de vínculos de responsabilidade com a população

assistida; possibilitar às equipes garantias de desenvolvimento de um trabalho consistente e

pautado nos princípios, seja da ética profissional, seja da ética pessoal; proporcionar às

equipes meios para utilização dos recursos técnicos disponíveis, de modo a racionalizar essa

utilização; contribuir para a capacitação de recursos humanos, através da integração com as

instituições de ensino; co-responsabilizar-se pela equipe de saúde, estando nela incluídos

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todos os elementos, inclusive os acadêmicos das instituições de ensino superior; contribuir

para as necessidades mais imediatas, bem como garantir a formação profissional para o

aprimoramento e melhoria da capacidade resolutiva das equipes de saúde; sistematizar as

necessidades de informação e capacitação permanente das equipes; dar apoio à coordenação

do programa a fim de garantir as mudanças propostas do modelo de atenção à saúde.

Para que a supervisão seja operacionalizada, o supervisor deve: proceder a visitas

semanais às unidades do PSF/PACS conforme programação mensal; avaliar assiduidade,

pontualidade, compromisso e co-responsabilidade das equipes em relação ao trabalho

desenvolvido; participar das reuniões de supervisores e das reuniões de equipe quando

solicitado ou houver interesse do supervisor; propor temas de interesse às equipes para

comporem o processo de educação continuada e permanente; propor ações capazes de dar

suporte e apoio às equipes; indicar novos modelos de avaliação às equipes e ao trabalho

proposto; preencher com clareza o documento de supervisão, remetendo-os à coordenação;

criticar e avaliar as ações propostas pela coordenação.

A supervisão do PSF de Teresópolis conta com nove supervisores, e se organizou da

seguinte forma nos primeiros dezoito meses de funcionamento: visitas regulares às 9 unidades

de saúde da família, através de rodízio entre os supervisores, com o objetivo de observar as

atividades e fazer contato com as equipes. As visitas são realizadas também em resposta à

demanda destas unidades, quando a equipe requisita a supervisão dos “supervisores

especialistas”14 – clínica médica, pediatria, gineco-obstetrícia, psicologia, nutrição e

enfermagem. Durante a fase de implantação contou-se com a permanência de um supervisor

durante dois meses em uma só unidade, acompanhando todas as ações de saúde da mesma.

Acontecem supervisões às unidades fora do município de Teresópolis, com o objetivo tanto

de acompanhamento do programa e avaliação das tarefas propostas (rotina da unidade, ações

comunitárias), quanto em resposta à necessidades específicas. São realizadas reuniões

semanais da equipe de supervisão com a coordenação, momento no qual são expostos

problemas, dificuldades, necessidades, resoluções, propostas. Essas situações vividas durante

a semana, pelos supervisores, são levadas ao conhecimento da coordenação do PSF, com o

intuito de refletir sobre, ou buscar possíveis soluções e/ou encaminhamentos.

As principais dificuldades detectadas pelos supervisores a partir dos relatórios que os

mesmos realizam da supervisão, se caracterizam de duas maneiras: administrativas

(organização da unidade – arquivo, horário e atividades que operacionalizam o programa –

grupos, visitas domiciliares, organização dos agentes de saúde) e interpessoais (relação

14 Estes supervisores também realizam supervisões polivalentes.

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equipe-paciente-família, equipe entre si, equipe-supervisão, agentes de saúde-comunidade-

equipe).

Após 8 meses de implantação do programa constatou-se a necessidade de uma

presença mais constante do supervisor nas unidades para acompanhamento das atividades:

rotina diária, realização de grupos, visitas domiciliares, ações comunitárias. Uma demanda

considerável se deu em relação às interações pessoais entre os membros das equipes

(considerando período de implantação), o que constitui num dos principais entraves à

realização de um trabalho efetivo. Uma equipe que não consegue ultrapassar seus conflitos

enquanto equipe, não atinge seus objetivos, no nosso caso, o atendimento em atenção básica.

Considerando a supervisão um processo amplo, complexo, educativo e contínuo; que

inclui, exame, avaliação, assessoria, informação e intercâmbio dinâmico de conhecimentos e

experiências; tarefa que envolve a intersubjetividade e portanto, diferentes formas de

perceber, sentir, reagir e interpretar situações; acreditamos que a investigação da mesma possa

contribuir para o entendimento dos processos de gestão, levando a um melhor

equacionamento do programa, possibilitando a mudança do modelo de atenção à saúde,

proposto pelo SUS.

A supervisão é uma via de mão dupla, na qual transitam idéias, concepções,

dificuldades, tanto dos supervisores quanto dos supervisionados. “Desbravar” esses caminhos

é poder trilhar com mais segurança e firmeza na estrada da implantação e implementação do

PSF.

Conhecer a prática da supervisão do PSF de Teresópolis, nos seus primeiros dezoito

meses de atividades, é poder refletir, perceber pontos positivos e negativos, fazer mudanças.

É, principalmente para nós, equipe de supervisores, poder nos auto questionar, questionar

nosso fazer e pensar que haverá sempre o que aprimorar, pessoal e profissionalmente.

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CAPÍTULO III

METODOLOGIA

3.1– Método e Estratégia da Pesquisa

A pesquisa de natureza qualitativa, tomou como princípio metodológico o estudo de

caso, uma vez que analisou uma unidade específica – o PSF de Teresópolis, focalizando a

supervisão.

O estudo de caso analisa detalhadamente o passado e/ou o presente, e as intenções

sociais de uma unidade social: um indivíduo, grupo, instituição ou comunidade.

O estudo de caso foi escolhido como estratégia para esta pesquisa, porque examina um

conjunto de relações nas quais intervêm diversas variáveis. É uma estratégia em que o

pesquisador trabalha uma unidade de análise.

Contandriopoulos et al. (1999) mostram que a observação do caso se faz pelo seu

interior e que o potencial explicativo desta estratégia é resultado da profundidade da análise

do caso, que pretende descrever e explicar de maneira global, a dinâmica de uma organização

ou o funcionamento de um programa.

Triviños (1987) chama atenção para o fato de que nesta estratégia se observa uma

unidade em sua evolução e suas relações estruturais fundamentais sem serem estabelecidas, a

priori, hipóteses ou esquemas de inquisição.

A escolha do PSF-Teresópolis, como estudo de caso, deveu-se não apenas ao fato da

pesquisadora integrar a equipe de supervisão do mesmo, mas também para cumprir o objetivo

de, conhecendo de maneira pormenorizada este processo, contribuir para o seu

aprimoramento.

O estudo pretendeu levantar idéias, reflexões e soluções, no sentido de sugerir

possíveis ações transformadoras de situações vigentes, a partir de um melhor desempenho da

supervisão.

Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas, sob uma orientação etnográfica, com

base em Ludke(1986), centrada na linguagem dos profissionais que atuam no PSF,

supervisores e supervisionados (roteiro em anexo). A orientação etnográfica tenta entender

não só como os indivíduos vêem, descrevem, definem e dão sentido às diferentes situações,

como também que métodos utilizam na realização de ações cotidianas como, comunicar-se,

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tomar decisões e raciocinar. A etnografia leva-nos a procurar compreender o “vivido” tal

como ele se apresenta na sua “vivência”, permitindo assim, a participação da pesquisadora no

trabalho de campo com a utilização das próprias experiências no estudo.

A investigação sobre a supervisão foi realizada, mediante a análise do discurso dos

informantes. Definiram-se quatro variáveis de estudo, a saber:

1) Padrão da Supervisão. Esta variável foi analisada através das características das

supervisões realizadas, das situações nas quais foram solicitadas, da identificação dos

componentes que os entrevistados consideram prioritários na supervisão, e da descrição das

atividades da mesma, necessárias para alcançar os objetivos do PSF;

2) Processo de Supervisão. Estudado a partir da ótica dos entrevistados, desde a

implantação do programa em agosto de 1999, até o momento da realização das entrevistas em

outubro e novembro de 2000, foram discutidas as questões da evolução do processo neste

período e sua avaliação; o que é uma supervisão de qualidade, aspectos positivos e negativos

desta, o que poderia ser modificado na mesma e ainda se responde à mudança no modelo de

atenção à saúde proposto pelo PSF;

3) Fatores Subjetivos Envolvidos na Supervisão. Para esta análise foram utilizadas

as entrevistas em todo o seu conteúdo, e dados como a disponibilidade dos entrevistados para

concederem-na, seus comportamentos durante a realização das mesmas, observações de

situações surgidas no momento da pesquisa e no dia-a-dia do trabalho nas Unidades;

4) Perfil do Supervisor. Na tentativa de se “traçar” um perfil do supervisor e

especificamente de um supervisor do PSF, foram abordadas questões a respeito da postura

desejável desse, que habilidades e atributos ele deve possuir e que estratégias podem ser

utilizadas para promover estas habilidades e atributos, e ainda como se percebem exercendo

esta função.

3.2 – Grupo de Informantes

A supervisão no PSF não é uma determinação do Ministério da Saúde. Por isso, na

maioria dos municípios brasileiros que aderiram ao mesmo, esta não se constitui como

instrumento de gerência do programa. No Estado do Rio de Janeiro, os municípios do Rio de

Janeiro, Niterói e Teresópolis têm uma equipe de supervisão para acompanhar as atividades

do PSF.

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A proposta da pesquisa - objetivos, procedimentos e resultados esperados - foi exposta

pela pesquisadora numa reunião, onde estavam presentes a equipe de supervisores, a

coordenação do programa e a maioria dos componentes das equipes, que constituem o quadro

das 9 Unidades do PSF de Teresópolis. Uma delas, com implantação recente, não fez parte do

estudo.

Foram realizadas entrevistas com 5 supervisores técnicos do PSF de Teresópolis: 2

enfermeiras, uma delas acumulando a função de supervisão com a de coordenação do

programa, uma nutricionista, uma pediatra e uma psicóloga. E também com os membros das

equipes de saúde – supervisionados: 6 médicos, 4 enfermeiras, 1 auxiliar de enfermagem e 3

agentes comunitários de saúde, totalizando-se 19 entrevistas.

3.3 – Métodos de Coleta de Material

Os métodos utilizados neste estudo foram de 3 tipos: documental, observação (livre e

participante) e informações fornecidas pelos atores (supervisores e supervisionados) através

de entrevistas dirigidas, semi-estruturadas.

Para o primeiro foram pesquisados documentos escritos que se constituem nos

relatórios oficiais de supervisão e atas das reuniões de supervisores. Além disso, foram

pesquisados registros de arquivo, regulamentos, pareceres, decretos, diretrizes, propostas e

resoluções.

A observação participante, método de coleta de informações considerado essencial

para a operacionalização desta estratégia metodológica - estudo de caso - utiliza como

instrumento registros do diário de campo, permite recorrer aos conhecimentos e experiências

pessoais do pesquisador como auxiliares no processo de compreensão, descrição e análise do

estudo. Este método possibilitou a identificação dos fatores objetivos e subjetivos do processo

da supervisão.

Foram também realizadas observações livres das ações desenvolvidas, afim de se

conhecer com mais detalhes as circunstâncias nas quais estas acontecem, propiciando

identificar componentes objetivos e subjetivos intrínsecos à dinâmica das ações, enriquecendo

a análise do processo de supervisão.

As entrevistas semi-estruturadas (roteiros em anexo) com os supervisores tiveram o

objetivo de compreender como estes se vêem como supervisores, como concebem o processo

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de supervisão. As entrevistas com os membros das equipes tiveram o intuito de compreender

como vivenciam o papel de supervisionados e como percebem a supervisão. Estas entrevistas

oferecem amplo campo de interrogativas e propiciam novos questionamentos à medida que se

recebe a resposta dos informantes. Permite a interação do entrevistador com o entrevistado,

sendo possível captar atitudes e reações destes.

Segundo Zimmerman (apud Coulon, 1995:90), “para se situar na posição de um

indivíduo da coletividade, o pesquisador necessita levar em conta suas próprias implicações

na estratégia de pesquisa (...), adquirir ‘uma visão íntima de um mundo social particular’(...),

com o intuito de compartilhar com os membros da pesquisa uma linguagem comum, para

evitar os erros na interpretação”. Além disso, ele apresenta o termo “tracking”, que Coulon

(1995:91) propõe que se traduza como “espreita”, um dos traços da observação participante,

utilizado no estudo, em função da familiarização com o grupo de informantes: o que “consiste

em observar o maior número de situações possíveis no decorrer da pesquisa de campo. Pela

“espreita”, o pesquisador tenta ver aquilo que o sujeito vê (...) “espreita” etnográfica é uma

solução para o problema da posição do observador face à diversidade dos comportamentos

sociais(...).”

Foram observados, também, os sinais não-verbais (gestos e expressões) – “atenção

flutuante” (Thiollent, 1988), na tentativa de captar sinalizações de insegurança, de hesitações

ou de quaisquer outras manifestações.

As entrevistas semi-estruturadas, cujo roteiro foi elaborado a partir das contribuições

teóricas referenciadas (bibliografia) e de situações percebidas pela pesquisadora como

merecedoras de maior entendimento, facilitou a interação desta com os entrevistados, fato

relevante, já que o objeto da pesquisa está sendo colocado em discussão com os sujeitos

envolvidos.

Foi utilizada a técnica de triangulação, que permitiu grande amplitude na descrição,

explicação e compreensão do objeto de estudo, e possibilitou o cruzamento de múltiplos

pontos de vista. Essa técnica aborda os processos centrados no sujeito (informantes, suas

percepções, comportamentos e ações), os elementos produzidos pelo meio (resultados da

supervisão observados através dos documentos, e atas de reuniões), e o contexto sócio-

econômico e cultural no qual acontecem estas interações (relações estabelecidas a partir do

modo capitalista de produção).

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3.4 – Análise do Material

A análise estruturou-se a partir da triangulação das informações: análise dos

documentos, estabelecimento de uma correlação com as falas dos entrevistados, e

contextualização sócio-econômica e cultural.

As entrevistas foram analisadas a partir de várias escutas (fitas) e das leituras das

transcrições destas, com os seguintes objetivos: voltar a atenção ao entrevistado, para

perceber suas reações em relação ao entrevistador e ao tema proposto, para encontrar uma

ordenação entre o discurso dos entrevistados e o tema da pesquisa; e para poder comparar-se

esses discursos buscando-se pontos convergentes e divergentes e uma forma de articulá-los ao

objeto.

A análise das entrevistas permitiu observar as atitudes, valores, crenças e tendências

em relação ao objeto, podendo assim, categorizar os aspectos convergentes e divergentes do

estudo.

A análise do discurso das respostas às perguntas e solicitações da entrevista seguiu um

modelo de interpretação do discurso inspirado na etnometodologia de Coulon (1995), que se

caracteriza por refinar as categorias analíticas na interação com os dados, na impregnação

progressiva do pesquisador pela forma e pelos conteúdos do discurso, retardando de propósito

a interpretação, deixando para um segundo momento o papel da inferência, que muitas vezes

é precipitado.

Buscou-se captar as diversas camadas de sentido, sem deixar de interpretar como os

informantes, compreendem, vêem, descrevem e propõem em conjunto uma determinada

situação. Essas camadas foram captadas e organizadas a partir do levantamento dos diversos

sentidos explicitados, para posterior hierarquização e normalização dos mesmos, ou seja,

buscar a convergência entre eles.

Portanto, em um primeiro momento, a hierarquização e a categorização, foram feitas

de forma horizontal, isto é, para cada pergunta existente na entrevista, foram hierarquizadas as

respostas de todos os informantes. Em um segundo momento, analisou-se separadamente, de

forma vertical, o discurso de cada informante, em relação ao grupo de perguntas

correspondentes à variável a ser analisada, para a partir daí, identificar as divergências e as

convergências existentes, com o objetivo de proporcionar a completude do presente estudo.

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CAPÍTULO IV

ANÁLISE E DISCUSSÃO DA PESQUISA

A análise foi realizada a partir das quatro variáveis já definidas na metodologia:

padrão da supervisão, processo de supervisão, fatores subjetivos envolvidos na supervisão e

no perfil do supervisor. Essa análise foi feita sob o ponto de vista dos supervisionados e dos

supervisores.

4.1 – Padrão da Supervisão

• Supervisores

Para os supervisores entrevistados, a supervisão técnica-operacional e o trabalho de

integração das equipes são considerados como padrão de supervisão.

“Eu acho importante a gente ter primeiramente a garantia de um técnico-operacional funcionando adequadamente, mas não se limita a isso, devemos também estar observando o funcionamento da Unidade (...) Eu acho que isso tudo são componentes que a gente acaba priorizando e querendo acompanhar (...)” “(...) uma das coisas que eu acho que é fundamental é que o supervisor possa estar dentro do seu trabalho orientando as equipes e também dentro dessas equipes, um cuidado de integrar. Um suporte técnico, um suporte afetivo (...) no sentido que ele possa integrar (...)”

As supervisões técnico-operacionais são entendidas como um conjunto no qual estão

incluídas a supervisão geral (polivalente) e a supervisão específica. Na visão dos informantes,

a supervisão geral deve estar sempre presente, acompanhando as ações de saúde; participando

do planejamento das atividades da Unidade e da avaliação dos resultados das mesmas. Assim,

o supervisor deve orientar todo o funcionamento do Programa de Saúde da Família, como

pode-se constatar nas seguintes falas:

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“(...) é um trabalho que a gente trabalha com a organização do serviço, com o planejamento das ações e com a avaliação dos resultados. O supervisor é aquele que trabalha em várias questões, que podem ser técnico-operacionais, administrativas, na verdade questões gerais da Unidade.” “Eu acho que a supervisão é essencial em todos os trabalhos. (...) eu acho que ela tem que estar presente em tudo.”

“Quando entro na Unidade do PSF, eu procuro ver todos os problemas existentes ali e tentar solucionar o que puder ser solucionado”.

A supervisão específica (especializada) é vista como aquela que está diretamente

relacionada a uma demanda clínica circunscrita, pontual, ou seja, de pediatria, clínica médica,

nutrição, psicologia, ginecologia, enfermagem. A fala dos informantes abaixo expressa esta

idéia:

“A supervisão da área de enfermagem se volta especificamente para a enfermagem, uma questão técnica-operacional.” “A supervisão na parte de psicologia tem uma característica específica, eu acho que o que sustenta a supervisão em psicologia é você ter o conhecimento técnico-operacional específico da sua área, da proposta do modelo do PSF que é a humanização, o vínculo e as relações interpessoais.”

A integração das equipes é considerada, por todos os supervisores, uma meta

importante da supervisão, uma vez que divergências, competições, conflitos, confusão de

papéis, não coesão. São freqüentemente observados por eles durante o funcionamento do

trabalho das equipes. O que se pode constatar na fala de um dos informantes:

“A grande dificuldade hoje das equipes é conseguir trabalhar de uma forma coesa, integrada, e até pelos diferentes tipos de personalidade (...).”

Percebendo a necessidade de se trabalhar essas dificuldades e tentando promover a

integração das equipes, os supervisores entendem que a supervisão deve ter a função de:

“Trabalhar buscando uma proposta de humanização. O grande entrave do PSF são as relações interpessoais. Temos que trabalhar a questão dos vínculos o tempo todo”.

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“Integrar, gerando espaço para discutir e solucionar possíveis conflitos internos da equipe”.

A supervisão técnico-pedagógica, observada como uma outra característica da variável

padrão, também foi relatada pela maioria dos entrevistados. Ela foi observada em decorrência

da inserção dos internos de medicina nas Unidades do PSF, ou seja, é a supervisão

direcionada a estes internos.

Outra característica ainda inserida na variável padrão da supervisão, citada pelos

entrevistados, é a que cumpre funções relacionadas ao setor administrativo burocrático, no

qual são orientados aspectos da organização de arquivos (pastas das famílias), estatísticas com

notificações dos indicadores de saúde (SIAB).

Para que se alcance os objetivos do PSF, os supervisores apontam como tarefas da

supervisão: o acompanhamento das atividades técnicas e burocráticas, orientação técnico-

pedagógica aos internos, apoio às atividades de grupos, ações de saúde na comunidade,

atividades integradas com o conselho gestor, acompanhamento aos agentes de saúde, atenção

às equipes.

Analisando de forma geral as entrevistas, verifica-se que todos os informantes

consideram que é papel do supervisor, estimular o planejamento das ações nas Unidades, bem

como a avaliação das atividades supracitadas, no sentido de orientação e suporte, nunca com

caráter punitivo e de fiscalização.

Os entrevistados apontam ainda como responsabilidade do supervisor, trabalhar no

sentido de garantir a melhoria da qualidade dos serviços, mediante um processo educativo

continuado e permanente, comprometido com a saúde da população.

• Supervisionados

Os médicos tanto requisitam as supervisões técnicas, como avaliam esta atividade

(supervisão) como decorrente da necessidade técnica.

Supõe-se que o médico que escolheu exercer uma função no PSF, esteja atento à

questões intrínsecas a este modelo, e incluem nos seus pedidos de supervisão: “supervisões

pedagógicas” (palestras), orientações na organização institucional em função à ideologia do

PSF (consultas e atendimentos em grupo), relação do médico com a comunidade, orientações

em situações familiares específicas (gravidez na adolescência, alcoolismo e drogas,

violência), trabalhos de educação e saúde, questões de referência/contra-referência na rede do

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SUS. E como os supervisores relataram, os supervisionados médicos também apontam para

necessidade de uma intervenção da supervisão diretamente nas equipes, no sentido de

trabalhar questões ligadas a condutas profissionais, questões de diferenças interpessoais, “para

harmonizar a equipe”.

“A supervisão deve ter o poder de mudar a forma de funcionamento da equipe. Eu acho que quem está de fora tem uma visão muito privilegiada das coisas, quem está dentro, às vezes está errando ou sendo insuficiente, sem se perceber disso”.

As supervisões são requisitadas também para o acompanhamento dos internos, já que

estes desempenham suas atividades nas Unidades sob a orientação dos médicos.

Sugerem que a supervisão proporcione um monitoramento dos casos através da

discussão de casos clínicos, e que esta possa acompanhar todas as atividades da Unidade.

A equipe de supervisão deve funcionar como elo de ligação entre as equipes de Saúde

da Família, entre estas e a Coordenação do Programa e também com a Secretaria de Saúde.

A questão do controle também está presente:

“Vejo a supervisão como aliada. Eu acho que não deve haver supervisão do tipo controle, eu acho que isso prejudica”.

A enfermagem sentiu maior necessidade das supervisões nas questões administrativas

na fase de implantação do programa. Hoje, esta necessidade se direciona para a relação da

equipe com a comunidade, pois há que ter um tempo para que esta (comunidade) seja

sensibilizada para a proposta do PSF. As supervisões técnicas são mais requisitadas para as

áreas de ginecologia e pediatria. A supervisão é solicitada com freqüência para atender à

demanda de “apoio emocional aos membros das equipes”.

“A gente fica ansiosa para resolver as coisas... a supervisão tira um pouquinho nossa ansiedade”.

Para esse profissional, a atividade de supervisão não deve ser realizada, sob a forma de

controle, mas sim, de acompanhamento, de orientação, de ajuda e de apoio.

“Acredito que praticamente ninguém queira ser vigiado, controlado,... a gente teve que ter um acompanhamento, até para não cometer erros. E para a supervisão que está fora e está vendo toda a

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problemática, e às vezes sabe até mais coisas do que a gente, em relação à reclamação de alguém, tem que orientar mesmo”.

Na ocasião em que foram realizadas as entrevistas, a supervisão atuava pouco

direcionada aos auxiliares de enfermagem. A categoria solicita, no momento da entrevista,

maior atuação da supervisão.

“A supervisão tem que se dar mais aos profissionais de saúde... eles ficam isolados parecem que têm outro status, estão lá em cima, estão longe do alcance, não chegam junto. Eu acho que eles tinham que estar ligados, unidos para isso funcionar”.

A supervisão das atividades diárias dos agentes comunitários de saúde é função da

equipe de enfermagem, contudo a equipe de supervisão é consultada em situações familiares

delicadas (homossexualismo, violência), para acompanhamento de casos junto com a equipe e

dificuldades de relacionamento entre os próprios agentes.

Os agentes requisitam maior participação no dia-a-dia de seu trabalho, nas visitas

domiciliares, para orientação, esclarecimento e apoio.

“A supervisão clareia nossa limitação”.

“Mais do que fiscalização, participação, aliança e união. A supervisão não vem só para ver se nós estamos assinando o ponto, mas para participar. Mas acho também que se não tiver supervisão, nada funciona. A gente tem que ter uma pressãozinha para as coisas funcionarem”.

Nesta última fala percebe-se claramente o caráter contraditório entre a cobrança e o

controle e a colaboração e o suporte que se inserem na supervisão.

4.2 – Processo de Supervisão

O processo de supervisão foi analisado desde a implantação do programa (agosto

1999) até o momento da realização das entrevistas, em outubro e novembro de 2000. Foram

vistas as questões da evolução do processo neste período e sua avaliação; o que é uma

supervisão de qualidade, aspectos positivos e negativos desta, o que poderia ser modificado e

ainda se esta responde à mudança no modelo de atenção à saúde proposto pelo PSF.

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• Supervisores

Na fala dos supervisores, a realização da supervisão, durante a fase de implantação do

programa, foi tarefa pouco clara tanto para a própria equipe de supervisão, quanto para os

supervisionados. A principal confusão se deu entre as supervisões técnicas, gerais e

específicas. Após esse período, as supervisões, embora requisitadas em função de uma

demanda específica, tinham caráter geral, ou seja, uma vez satisfeita a demanda técnica

específica, outras situações da Unidade, poderiam ser trabalhadas com aquele mesmo

supervisor.

As visitas da supervisão às Unidades, podem acontecer com ou sem solicitação das

equipes. A realização de visitas sem solicitação, são freqüentemente sentidas pelos seus

componentes, como de fiscalização. Atualmente, elas ainda ocorrem, com o sentido de

acompanhamento e pelo que parece não têm sido interpretadas assim, provavelmente devido

à maior segurança na realização de sua tarefa, do ponto de vista das equipes, e ainda, pelo

amadurecimento das relações entre as equipes de supervisão e as de supervisionados.

“Muitas equipes vêem o supervisor como um fiscal. No início isso foi motivo de muita controvérsia, as equipes ficam muito com “o pé atrás”, as equipes se sentiam acuadas cada vez que o supervisor vinha(...). Um ponto positivo que teve no período de um ano e pouco do PSF, é que as equipes passaram a ver o supervisor como uma ajuda, como um apoio para elas e não como um fiscal.”

Provavelmente no início, os supervisores podem ter-se sentido inseguros, com

dúvidas, pois, tanto quanto para os membros das equipes, este trabalho era novo para eles.

Quem sabe, sem se darem conta mantiveram uma postura de fiscais como uma forma de

defesa?

Em um período subseqüente, mas ainda de implantação do programa, as supervisões

sofreram modificações. Cada Unidade contava com a presença de um supervisor durante um

mês, pelo menos 3 vezes por semana. Esta experiência foi válida tanto para os supervisores

como para os supervisionados, porque propiciou um acompanhamento mais pormenorizado

das ações de saúde. Contudo, não foi necessário que esta forma de supervisão se alongasse

por muito tempo. As equipes ficaram mais independentes e surgiu a necessidade de se fazer

um rodízio entre os diferentes supervisores pelas Unidades. Foi decidido pela equipe de

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supervisores juntamente com a coordenação do programa, que o supervisor visitasse o número

de Unidades tantas vezes quanto possível, durante a semana.

Percebe-se pelos relatos dos supervisores que o processo de supervisão está em

construção. Eles têm procurado se aprimorar, buscando formas eficazes de gerenciamento do

programa.

“O próprio supervisor está buscando uma maneira de trabalhar a supervisão(...) eu acho que as discussões devem ser sempre assim: eu preciso melhorar o meu processo de trabalho.”

“O processo de supervisão, como é um trabalho novo, teria uma forma ideal e uma forma possível. O ideal é que a supervisão fosse contínua (...) não há tempo, a gente tenta na medida do possível, visar uma qualidade de tempo na qual vamos buscar uma resolução dentro de questões inerentes a cada equipe”.

Os pontos positivos e negativos da supervisão foram referidos da seguinte forma:

Positivos: as equipes ficam mais amparadas e seguras e há um crescimento científico e

pessoal da equipe. A própria existência da supervisão, pois na maioria dos municípios não há

esta modalidade de gerenciamento. O processo de supervisão proporciona a identificação de

problemas, o crescimento da equipe e maior resolutividade do programa.

Negativos: o fato do supervisor ser visto como fiscal e não como um elemento de

ajuda (fase inicial, implantação do programa), permanência em muitos membros das equipes,

da concepção antiga de saúde, ocorrendo um distanciamento entre equipes e paciente, pouco

investimento na qualificação do supervisor e como outro ponto negativo, seria a ausência

deste processo (supervisão) em grande parte dos municípios.

O que poderia ser modificado neste processo ? Os supervisores foram unânimes em

dizer que o processo é dinâmico e está em constante avaliação.

“É um processo muito novo, está em construção, fazemos reavaliações a todo momento”.

Os supervisores consideram a avaliação, um dos componentes da supervisão, uma vez

que, supervisão e avaliação são processos imbricados e interdependentes. Talvez por isso

contenham um aspecto persecutório, não é tarefa fácil avaliar e ser avaliado. Nesse sentido, a

questão da avaliação foi explicitada:

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“A cada visita há uma avaliação da Unidade, da equipe toda, e nós estamos sendo avaliados também, na maneira de nos comportar e na forma de solucionar os problemas, existe uma mútua avaliação”.

A avaliação é vista como processo intrínseco à supervisão, mostram os supervisores. É

necessário auto-avaliação, avaliação da equipe, avaliação do próprio processo de supervisão

quanto à sua eficácia em relação à equipe. A supervisão de qualidade é aquela na qual se

atinge resultados como transformação, mudança, boa resolução e onde há trocas de

experiência entre equipe e supervisores.

Para que a supervisão responda à mudança de modelo de atenção à saúde proposto

pelo PSF é necessário se trabalhar com planejamento, organização, avaliação e resolutividade,

e isto está sendo construído. Esta é a fala dos supervisores entrevistados.

“Acho que a supervisão tem respondido à mudança no modelo sim, pelo menos, incentiva a mudança. Contudo acredito que a supervisão hoje ainda tenha dificuldade de se fazer compreender ou de colocar em prática essa proposta. Ela ainda está buscando o caminho, e este caminho passa pela capacitação, tanto das equipes, quanto do supervisor”.

“A supervisão é um trabalho inovador, tem a proposta de ajudar a mudar o modelo assistencial. Para isso precisa ser uniformizada, ter uma compreensão ampla, abrangente e sistematizada do modelo. Isso de certa forma a gente já tem, mas tem que colocar em prática... tenho um sentimento que a supervisão tem uma teoria e uma outra prática”.

Esta fala é importante porque leva ao questionamento e à reflexão sobre este processo

que na verdade é novo, no PSF, embora tão antigo como estratégia de gestão em saúde. Traz

consigo as seguintes características que podem ser evidenciadas nas falas dos informantes: ser

dinâmico, aberto e inacabado.

• Supervisionados

A divisão da supervisão por fases foi algo que ficou bem marcado para os médicos,

também explicitado na fala dos supervisores. A seguir são descritas falas representando as

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formas como os médicos vivenciaram as fases pelas quais a supervisão passou, na tentativa de

se organizar.

“Primeiro a supervisão vinha para ver se o trabalho estava feito ou não. Chegava de supetão. Me sentia vigiada. Se já fomos selecionados para o PSF, temos o perfil do PSF, não cabe essa vigilância. Acho que a supervisão ficou muito tempo desorganizada, só ficou organizada de um tempo para cá, quando vem com dia e hora marcados”.

“No início não estava muito claro o papel do supervisor, nem para eles nem pra gente. Havia uma confusão entre ajuda e vigilância, sentia-me acuada e automaticamente havia um afastamento. Na fase de supervisão contínua, foi bom, mas acho que não foi a solução ideal porque deveria haver uma escala entre os supervisores e cada um ficar um dia em cada Unidade”.

“Vejo as decisões vindas de fora, as coisas são feitas meio à revelia, temos pouca autonomia em relação ao próprio gerenciamento da Unidade”.

Como no início a supervisão foi entendida como tendo um caráter de fiscalização,

percebe-se uma convergência entre as percepções dos supervisores (embora estes não se

considerem fiscais) e dos supervisionados, neste sentido. Mas nota-se também que quando a

supervisão assume um papel de menos fiscalização, ou pelo menos, de menos freqüência ou

posição mais flexível, surge uma reação dos supervisionados.

“A supervisão não pode ser esporádica, senão o supervisor fica com dificuldade de julgar e avaliar”.

O supervisor é concebido aqui como tendo o poder de julgamento pelo próprio

supervisionado. E ainda vai mais longe...

“a equipe deve ser avaliada de maneira periódica, tem que ser policiada. A supervisão, apesar do termo ser um pouco pesado, é uma questão de policiamento”.

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E continua.

“O supervisor, analogamente falando, tem a mesma função do técnico de futebol, tem que fazer essa orientação. Você tem que jogar mais na frente, você está retendo a bola, você tem que distribuir melhor”.

Esta fala expressa a idéia de que a supervisão deve ter um posicionamento estratégico

devendo estar sempre atenta aos movimentos da equipe.

Os registros das observações participantes das supervisões e as entrevistas

realizadas possibilitaram a constatação de que cada equipe tem uma dinâmica e

consequentemente uma demanda em relação à supervisão. Podemos começar a pensar na

supervisão como um processo geral por um lado, mas bastante individualizado e pessoal por

outro, no qual estão imbricadas características e necessidades específicas do supervisor e do

supervisionado. Essas questões serão melhor desenvolvidas na discussão sobre os fatores

subjetivos envolvidos no processo. Entretanto aspectos contraditórios que denotam as

diferentes concepções e necessidades em relação à supervisão, aparecem quando os médicos

explicitam suas visões a respeito dos pontos positivos e negativos da supervisão.

Os médicos viram como pontos positivos do processo de supervisão: a eficiência

técnica dos supervisores; a troca determinada pela coordenação, de supervisores que faltavam,

marcavam e não compareciam; o supervisor que soluciona, ensina e que ampara; a supervisão

como oportunidade de melhora na execução do trabalho; orientação em relação aos grupos

(hipertensão e puericultura) e em relação à realização de atividades na Comunidade. Os

pontos negativos vêm a seguir: a falta de presença contínua da supervisão; inicialmente, o

distanciamento entre supervisores e equipe, surgindo confronto e enfrentamento entre as

partes; existência do controle, posição de autoridade e não de ajuda, assumida pelo supervisor;

preocupação com questões objetivas (arrumação da Unidade, arquivos, macas); falta de

parceria; distanciamento da supervisão em relação às equipes; este ponto é perceptível pela

fala que se segue:

“Hoje não se policiam, não se gosta de intervir em algumas coisas para não assumir uma conduta antipática, mas em contrapartida, a postura de distanciamento já é antipática em si, quer dizer, a gente não consegue aparar as arestas”.

Complementa: “Não adianta você acionar uma psicóloga duas ou três vezes no mês para tentar discutir questões interpessoais. Eu acho

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que essa discussão tem que ser feita semanalmente com a supervisão”.

Já está se falando do que poderia ser modificado no processo de supervisão, segundo

os médicos entrevistados: a supervisão ficar mais próxima e freqüente, construindo uma

relação estreita com o supervisionado; ampliação da supervisão, mais ligação entre os

supervisores.

“Há muita coisa a ser mudada, incentivo à troca de experiência para sermos uma grande equipe do PSF de Teresópolis”.

Na fala dos médicos, delineia-se como é uma boa supervisão: aquela que fornece

suporte técnico e psicológico para as equipes; que mantém proximidade com as mesmas; que

está na posição de chefia mas se coloca como aliada; que cumpre o compromisso (dia e hora)

dando um retorno para as equipes; e que se auto-avalia constantemente tendo disponibilidade

para receber críticas.

Em relação à questão da supervisão estar respondendo à mudança no modelo de

atenção à saúde proposto pelo PSF, os médicos tiveram posições diferentes. É importante

acompanhar as falas destes profissionais.

“A supervisão não está respondendo à mudança no modelo. Eu acho que a supervisão não é compatível ideologicamente com o PSF. A visão técnica é excelente, as pessoas que compõem a supervisão são de altíssimo gabarito, mas devido ao distanciamento, acabam não se tornando compatíveis com o PSF”.

“Acho que não responde, me dá a sensação que a supervisão é mais chefia do que parceria”.

“A supervisão responde sim, ela é um fator importante nesse processo de mudança, que é um processo de mudança na consciência da população, aos poucos estamos resgatando o que se perdeu ao longo dos anos (médico de família). A supervisão é importante na implantação do PSF, porque este muitas vezes não é entendido pela população e isto causa dificuldades e frustração na equipe. Acho que é um tempo para as equipes de saúde e para a supervisão se adaptarem também ao novo modelo. Estamos engatinhando”.

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As falas apontam, mais uma vez, para o cuidado com que deve ser analisado o

processo de supervisão, uma vez que este é composto de um conjunto complexo de

necessidades, valores, ideologias, personalidades (supervisor e supervisionado) e acontece a

partir de diferentes situações e demandas.

O processo de supervisão é visto pelos enfermeiros como suporte, ou seja, deve ser

solicitada em situações novas, em situações de mudança e em impasses com a comunidade.

São divididas as opiniões no sentido da periodicidade da supervisão, supervisão regular, em

alguns dias específicos da semana, e a supervisão só mediante solicitação. A supervisão tem

como objetivo tirar dúvidas, e muitas delas são resolvidas nas reuniões de equipe, momento

de troca de experiências entre seus membros. Esses profissionais ressaltaram a importância da

avaliação periódica que a supervisão deve fazer em relação ao seu próprio funcionamento e

sistematização.

Sobre os pontos positivos foi dito que a supervisão técnica funciona bem, a equipe de

supervisão promove integração entre as equipes do PSF; valoriza o trabalho das mesmas,

motivando e estimulando a criatividade; investe no treinamento profissional, proporcionando

cursos. Os pontos negativos foram os seguintes: competição entre as equipes, de certa forma

“estimulada” pela supervisão; falta de supervisão mais contínua; em função da dificuldade de

referência / contra referência na rede e nas situações de problemas sanitários (ex.: esgoto a

céu aberto), a supervisão poderia funcionar como elo entre as Unidades e as autoridades

responsáveis, ou seja, ter papel mais ativo nas questões de intersetorialidade.

As opiniões em relação às modificações que poderiam ser feitas no processo de

supervisão, foram: realização de reuniões de equipe nas Unidades com a presença do

supervisor, uma vez que este tem a “tarefa da neutralidade”; mudança de postura profissional

dos supervisores em relação às equipes, estes devem estimular a troca de idéias e

informações, ao invés de reforçarem a competição, e devem saber respeitar a limitação do

profissional.

“A supervisão está em processo de construção, junto com o PSF, então o supervisor tem que cativar o profissional para que ele se sinta parte de uma equipe maior do PSF e não de uma equipe isolada em cada Unidade”.

Uma boa supervisão, para os enfermeiros é aquela que acompanha as atividades da

Unidade, cujo supervisor se coloca no lugar do profissional que está atuando, que promove

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integração pessoal e ajuda as equipes a crescerem. Foi evidenciado um ponto interessante, a

necessidade de “capacidade emocional do supervisor” para que a supervisão se desenvolva

com qualidade.

“Poderia haver a supervisão da supervisão. Uma supervisão mais de cunho psicológico, para conduzir essa parte de relacionamento interpessoal, porque eu acho que é a parte que mais pega”.

Também consideram que a supervisão auxilia na mudança do modelo de atenção à

saúde.

“A supervisão tem que participar deste processo de mudança da atenção básica. Não consigo enxergar o PSF sem a presença da supervisão. É um suporte imprescindível”.

A auxiliar de enfermagem entrevistada, considera que uma boa supervisão tenha que

ser:

“Um trabalho junto, supervisão com todo mundo junto, todos os profissionais do PSF, não só com médicos e enfermeiros”.

Embora ela não tenha respondido a pergunta que lhe foi feita em relação à mudança no

modelo de atenção à saúde, pode-se pensar na seguinte possibilidade: pelo fato desta

profissional não participar da supervisão não distingue situações nas quais há ou não há

interferências da mesma no processo de trabalho. Contudo é significativa sua consideração:

“A supervisão já vem junto com a mudança total, mas a supervisão é no papel e na reunião, ali no batente não está não. Até agora a supervisão não ajudou muito!”.

Os Agentes Comunitários de Saúde consideram que a equipe de supervisão deveria

estar mais próxima deles, dando esclarecimentos e trabalhando as dificuldades encontradas

junto à Comunidade. Este foi apresentado como ponto a ser modificado no processo de

supervisão. Pode-se dizer que em outro momento, contraditoriamente ,que este mesmo

aspecto foi considerado pelos próprios agentes como ponto positivo, portanto sem

necessidade de mudança.

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Consideram que a supervisão e a avaliação estão juntas e que uma boa supervisão

“vê o que está certo e o que está errado, não é aquela coisa maçante de toda hora está em cima cobrando”.

Apenas um ponto ressaltado como positivo, é a integração entre equipe, supervisores

e agentes. Segundo eles, a supervisão tem respondido à mudança no modelo, principalmente

nas relações difíceis vividas em função das reações das Comunidades, ao PSF.

“Primeiro a Comunidade estranhou o modelo, mas a parceria equipe/supervisão fez com que isso mudasse”.

4.3 – Perfil do Supervisor

Na tentativa de se “traçar” um perfil do supervisor e especificamente de um supervisor

do PSF, foram abordadas questões a respeito da postura desejável de um supervisor, que

habilidades15 e atributos16 este deve possuir e que estratégias podem ser utilizadas para

promover estas habilidades e atributos, e ainda como os supervisores se percebem exercendo

essa função.

• Supervisor, por ele mesmo

Segundo os supervisores eles têm a função de ajudar a equipe. É um profissional de

saúde que deve estar inserido ideologicamente no processo do PSF, ser responsável,

ponderado, ter conhecimento geral de questões de saúde e do modelo do PSF e específico de

sua área de atuação.

“É preciso que o supervisor tenha um perfil, que ele tenha uma ideologia, que ele acredite na mudança de paradigma da saúde, que tenha conhecimento em políticas públicas de saúde, tenha uma inserção na saúde coletiva”.

15 Segundo o Dicionário Aurélio,” que tem qualidade ou caráter de hábil, tem aptidão para algo”. 16 Segundo o Dicionário Aurélio, 'aquilo que é próprio de um ser.

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“O supervisor tem que ser responsável, tentar cumprir o horário dele (...) eu acho importantíssimo a responsabilidade e a capacidade da gente poder ajudar as equipes”.

“Eu acho que a primeira habilidade que o supervisor deve ter é o conhecimento, um conhecimento técnico-científico atualizado para que possa contribuir mesmo para essas equipes”.

Para exercer esta função, o supervisor não pode ter uma postura recriminatória e que

penaliza, jamais se colocar acima dos outros, como um Deus, tem que buscar estratégias de

“mostrar sem ofender, de corrigir suavemente as situações”; deve saber dialogar e ter bom

senso. Deve ter um olhar integrador e não fiscalizador. Estas idéias são representadas a partir

destas falas:

“Quanto à postura eu acho que o supervisor não tem que se colocar como um Deus...chegou na Unidade ele é o todo poderoso. Tem que ter uma conduta diferente(...)ele não pode chegar com intuito de punição(...)tem que ver uma estratégia de mostrar para a pessoa sem “ofender”. Essa postura é importante: de não recriminar, não penalizar e não expor o supervisionado”.

“Ele tem que ser integrador e não fiscalizador, tem que ter bom senso, conhecimento técnico da sua área e do modelo do PSF”. “A gente é visto pelo supervisionado, como uma pessoa superior e que está fiscalizando. Eu acho isso errado”.

Profissional responsável, humanizado, aberto às mudanças, sensível, cooperador,

dinâmico, criativo, com poder de improvisação, e que deve acreditar naquilo que faz. São

também características que os supervisores consideram necessárias à sua função

“Acreditar no que fazemos é um passo fundamental. A supervisão é uma tarefa muito nova e não existe uma fórmula, não existe um perfil pronto desse profissional. A gente está tentando construir um profissional com essas características. É importante estarmos abertos para a questão do aprender a aprender, estamos aprendendo a cada dia”.

As estratégias entendidas, por estes informantes, para o desenvolvimento das

características e atributos, necessários ao supervisor são: cursos de capacitação profissional,

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seminários, oficinas, trocas com outras instituições, aprendizagem em serviço e

aprimoramento da pessoa do supervisor.

Os supervisores se vêem como aprendendo a cada dia, tirando prazer de sua função,

contribuindo com as equipes e com a coordenação no sentido de promover a resolutividade

das ações e a continuidade do programa.

• Supervisor, pelos supervisionados

As capacidades esperadas pelos supervisionados - médicos do supervisor são:

capacidade técnica, capacidade de trabalhar em equipe interdisciplinar, deve ter “aptidão”

emocional para relações interpessoais, ser acessível para receber críticas e saber criticar sem

causar ressentimentos aos membros das equipes, estar aberto a receber sugestões dos

supervisionados, poder contribuir sem que haja um entrechoque entre as duas visões:

supervisor e supervisionado. O supervisor deve ser simpático, acreditar no PSF, se posicionar

de maneira “neutra” mas atuante, conhecer todo o funcionamento das Unidades, ser maleável

e dinâmico na resolução de problemas.

O supervisor deve manter uma postura de ajuda, de compreensão e também de

policiamento.

“Eu acho que o supervisor é importante na questão do policiamento, na questão do estar distante, mas ao mesmo tempo estar ciente de tudo aquilo que acontece na Unidade. Falo de policiamento dentro de um contexto positivo, não é cobrar, é policiar, no sentido de certificar de que está indo tudo bem”.

Ainda com relação à postura do supervisor foram explicitadas as opiniões de que este

não deve assumir um papel de chefe, deve colocar-se como um colega e ser transparente ao

mostrar suas posições,

“Muitas vezes o supervisor se coloca como chefe e isso não é legal. Tem que haver coleguismo, uma maneira informal de lidar uns com os outros, deve colocar as cartas na mesa, dar idéias e resolver problemas”.

Percebe-se bem a partir destas falas as imagens polares de policiamento e colaboração,

controle e apoio que a supervisão apresenta. Esta dualidade, inerente do processo de

supervisão, parece que são vistas como complementares pelos entrevistados.

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Na visão das enfermeiras, é conveniente que o supervisor seja uma pessoa flexível, e

aberta a receber opiniões, humana, democrática, sensível à realidade de cada Unidade, deve

ter habilidade técnica e de relacionamento interpessoal, deve ter respeito profissional pelos

membros das equipes, enxergando as limitações de cada profissional. O supervisor deve andar

lado a lado acompanhando o trabalho das equipes, crescendo junto e não só apontando erros.

O supervisor deve também estar sempre disponível para se reunir com a Comunidade.

Consideram que a supervisão funciona como avaliação e orientação. A enfermagem explicita

suas concepções através das falas:

“O supervisor tem que ter jogo de cintura, aliar a experiência de vida à especialidade acadêmica. Tem que ter jogo de cintura para lidar com as equipes, com pessoas de personalidades diferentes. Uns não aceitam a supervisão, outros dizem que aceitam mas não fazem o recomendado, tem os que realmente trabalham e não precisam que a supervisão fique em cima”.

“O supervisor deve ajudar as pessoas a crescerem, ele deve perceber a individualidade de cada um: daqueles que crescem sobre pressão, daqueles que crescem amparados, daqueles que crescem através de estímulos e elogios”.

A auxiliar de enfermagem explicita sua opinião, reivindicando: a supervisão deveria

ter presença mais marcante e o supervisor ser pessoa humana e mais ligada à população.

Exterioriza este pensamento:

“A supervisão (os supervisores) alterou um pouco seu comportamento. A mudança de modelo de atenção, o PSF, mudou a personalidade dos supervisores. Eles eram mais atenciosos antes da mudança. Agora há uma segregação, eles ficam mais lá em cima e a ralé lá embaixo”.

Os Agentes Comunitários de Saúde consideram que os supervisores deveriam ter o

seguinte perfil: saber dirigir, ouvir a equipe para chegarem a um consenso, trabalharem a

união e o vínculo, conhecerem melhor a Comunidade, e ter uma certa firmeza no sentido de

pressionar “um pouquinho” a equipe. Denunciam que falta um ajuste entre supervisão e

agentes.

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“O supervisor não é aquele que simplesmente puxa a orelha, e sim que puxa a orelha sabendo puxar, saber levar a conversa, para não rolar aquilo: Ih, a supervisão vem aí! Lá vem briga! Na verdade não tem que ser assim, tem que ser uma conversa. Tem que ser pressão light”.

4. 4 – Fatores Subjetivos

Este item propõe-se a identificar os fatores subjetivos que interferem não só na

supervisão, mas em todo o processo do PSF: ações de saúde, equipe, comunidade, supervisão

e coordenação. Por se acreditar que a supervisão não existe por si só, não se constitui senão

como uma conseqüência da própria existência do PSF (considera-se aqui o recorte da

supervisão no PSF e não a supervisão em saúde no seu sentido mais abrangente), julga-se

necessário examinar os aspectos subjetivos deste processo. A partir da vivência como

supervisora e da observação e intervenção em Unidades de saúde, percebe-se claramente que

o processo de supervisão, longe de ser um processo puramente objetivo que envolve apenas

questões de cumprimento de regras e normas, direcionamentos e determinações, é um

processo no qual estão incluídos aspectos subjetivos. Formas diferentes de solicitar

supervisões, de avaliar suas necessidades, de enxergar a função e a importância desta, de

conceber o papel dos supervisores e as maneiras como os supervisionados se percebem como

tal. Inúmeras percepções, sentimentos, interpretações, crenças e desejos dos supervisores e

supervisionados, reunidos e articulados fazem parte deste processo.

Não seria possível pensar-se no processo de supervisão no PSF, sem serem incluídos

tais aspectos em sua análise, para isso utilizam-se as entrevistas em todo seu conteúdo, e

dados como a disponibilidade dos entrevistados para concederem-na, seus comportamentos

durante a realização das mesmas, observações tanto de situações surgidas no momento da

pesquisa como no do dia-a-dia do trabalho nas Unidades.

• Supervisores

Na fase da implantação do programa houve uma certa indefinição do papel da

supervisão (percebida mais pelos supervisionados do que pelos supervisores). Ambos

pareciam duvidosos em relação às diferentes situações que demandavam supervisão, à

permanência do supervisor na Unidade, ao material e conteúdo da supervisão, fato explicável

se for considerada a fase de adaptação, e ajustes do programa, em processo de implantação.

Provavelmente, tais situações propiciaram o surgimento de entraves na relação

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supervisores/supervisionados. Estes vêem aqueles como fiscais, não se sentem à vontade em

pedir supervisão e acumulam problemas. Por outro lado, é também provável que os

supervisores, imbuídos desta recente tarefa, tenham se colocado, sem se darem conta, nesta

posição de fiscalização. Inicia-se o primeiro embate, um confronto entre a percepção que os

supervisionados têm dos supervisores e da função da supervisão, e a percepção dos

supervisores em relação à sua tarefa, sua posição e o que esperam dos supervisionados.

“O supervisionado vê o supervisor como um fiscal, ele tem que ver o supervisor enquanto um profissional que está ali para somar, ajudar, para interagir; como alguém que está ali para facilitar o seu trabalho”.

Os supervisores consideram como o maior entrave ao processo de supervisão, as

relações interpessoais, situações de conflito entre as categorias profissionais, a relação das

equipes com os supervisores, a própria concepção do supervisor como fiscal, são situações

provocadoras de conflitos que necessitam ser entendidas e trabalhadas, para que a supervisão

possa se desenvolver. A construção de vínculos e a conseqüente humanização do serviço, são

as principais estratégias apontadas pelos supervisores, para a estimulação deste

desenvolvimento, e se constituem num trabalho desafiador para a supervisão, confirmando

que esta vai muito além de uma atividade eminentemente técnica.

Outro aspecto retirado das falas foi a construção de uma possível relação de

dependência entre a supervisão e as equipes (percebido no período inicial, quando os

supervisores permaneciam durante um mês na mesma Unidade). Contudo, no momento em

que os supervisionados tornaram-se mais confiantes na supervisão e em seu trabalho,

tornaram-se, também, mais independentes.

“Eles esperavam da gente, que ficássemos todo o tempo ali, dando apoio. Seríamos uma bengala mesmo. Com o tempo estão vendo que podem caminhar sozinhos”.

Esta é uma contribuição importante da supervisão, criar condições junto às equipes,

para que estas ganhem autonomia, confiança, e que possam juntos, supervisor/supervisionado,

manter uma relação de troca , de construção conjunta, onde possa existir a “com-visão”,

enquanto processo participativo , interativo e democrático, não unicamente a “super-visão”,

processo fragmentado, unilateral e autoritário. Percebe-se que na supervisão convivem o super

e o com-visionar que reúnem controle e educação numa mesma ação.

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• Supervisionados

Os médicos trazem a idéia da supervisão tanto como atividade de controle e

fiscalização como de função acolhedora e “cuidadora”. Mostram neste sentido, posições

semelhantes à dos supervisores.

“Uma vez baixou um carro cheio de supervisores, de surpresa, me senti vigiada e não ajudada. Ficamos muito tempo sem uma supervisão organizada”.

“Em outra situação, mudança de um membro da equipe, me senti cuidada pela supervisão e acho que a gente precisa de vez em quando se sentir cuidada, porque a gente está numa linha de fogo meio braba. Neste trabalho, é tudo muito novo e eu acho que é novo para todo mundo, não é só pra gente, para eles também como supervisores”.

Tanto as situações específicas da supervisão como as diferenças individuais dos

supervisores e dos supervisionados, contribuem para que os supervisionados interpretem de

maneiras diferentes a supervisão. O fato dos supervisores “aparecerem de surpresa”, pode ser

persecutório para uns e acolhedor para outros, daí a importância de serem conhecidos estes

aspectos que compõem a dimensão subjetiva do processo.

A auto avaliação está presente na fala dos médicos, que fazem um paralelo entre

onipotência e impotência, reflexão primordial para esta categoria profissional.

“O médico está mais onipotente do que nunca, é a questão da relação humana indo por água abaixo. Hoje em dia se inventa a psiquiatria biológica como se isso por si só, o nome psiquiatria biológica, já não fosse um absurdo. Psiquiatria é a área médica onde se abordam as doenças do psiquismo. O psiquismo que se estabelece a partir da relação com o outro. Então eu acho que o PSF, valoriza a questão do relacionamento humano, é onde você tem um meio propício para investir na relação, investir na relação para o indivíduo poder ter saúde. Eu acho que para um médico, estar dentro do contexto do PSF, não existe coisa melhor, temos que deixar de lado muitas vaidades”.

“A sensação de impotência vem em decorrência da dificuldade de trabalharmos as relações pessoais, de problemas sociais, de questões ligadas a saneamento. Até onde nossa responsabilidade pode ir? Até onde podemos contribuir para uma mudança social”?

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O PSF com sua proposta de mudança do modelo de assistência à saúde, possibilita a

reflexão das pessoas envolvidas no programa, supervisores e supervisionados, fato que

possivelmente não seria observado se trabalhassem num sistema tradicional de atendimento à

saúde. É interessante a fala de um dos médicos em relação à dinâmica equipe - paciente -

supervisão.

“A equipe passa para o doente a forma de ser e de agir que a supervisão passa para a equipe. Quando a gente trata de prevenção com o doente, a gente repassa também formas de prevenção que a supervisão passará para gente. Por exemplo, a supervisão sinaliza determinados problemas para que estes não se tornem crônicos, porque a gente se depara com problemas interpessoais, a gente reprime isso, deixa para lá... Mas na verdade nunca existe deixa para lá, as coisas vão se acumulando... Este que eu acho que é o lado preventivo da supervisão, trabalhar as questões pessoais. Se a equipe estiver bem vamos passar isso para os pacientes”.

As visões vão se complementando e evidenciam quão importante é a compreensão dos

aspectos subjetivos da supervisão.

Um outro ponto ressaltado foi o de confusão entre a função pedagógica da supervisão

e o supervisor ocupando um lugar de professor.

“A supervisão reproduz a relação professor aluno. Muitas vezes me sinto aluno da supervisão e eu acho que a postura do supervisor não é essa, mas sim de orientação, estreita e próxima”.

Essa confusão de papéis, pode ser compreendida, mas não justificada, pelo fato de

alguns supervisores da equipe exercerem também a função de professores na instituição de

ensino (FESO), na qual o PSF é desenvolvido em parceria com a Prefeitura. Podemos pensar

também na possibilidade do supervisor se considerar um professor, ou ainda, considerar a

supervisão uma atividade de ensino, no sentido tradicional de reprodução social e depósito de

conteúdos no aluno, pelo professor. É visto que tanto a relação professor/aluno como a

supervisor/supervisionado pode ser unilateral ou de troca. As concepções de Paulo Freire nos

ajudam a compreender essas questões. Ele evidencia a importância da relação de troca.

Ele mostra que a aprendizagem é uma troca: quem ensina aprende, quem aprende

ensina. Ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria

produção ou a sua construção. Ensinar não é simplesmente informar, treinar, é formar.

O educador precisa respeitar o saber do educando e ajudá-lo a transformar sua

curiosidade ingênua em curiosidade crítica.

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Ensinar é proporcionar ao educando o senso crítico indispensável para ele tornar-se

agente da sua aprendizagem e não objeto. Educar não para a sua simples adaptação à vida,

mas para sua inserção na vida, no mundo. Proporcionar ao educando uma visão de mundo em

que a História aparece como possibilidade e não como determinismo; em que o futuro não é

inexorável, mas passível de transformação, podendo ele próprio vir a ser agente desta

transformação (Freire, 1996). “O educando deve perceber-se como construtor da cultura

através de sua ação transformadora” (Faria 1987:38). Fazendo uma analogia, o

supervisionando deve perceber-se como construtor dos processos de trabalho em saúde,

através de sua ação transformadora.

A supervisão deve ser solicitada pela equipe ou oferecida pelo supervisor? Esta é uma

questão que perpassa a fala das duas equipes supervisores e supervisionados e que reflete

características muito particulares, mais uma vez, dos supervisionados e dos supervisores. Uma

equipe mais dependente considera sempre que se a supervisão “não aparece”, está

abandonando-a. Ao contrário, uma equipe mais autônoma, se a supervisão “aparece sem

aviso” vive esta situação como um controle. Há também as equipes auto-suficientes que

consideram que está sempre tudo bem, sem problemas e criam a partir desse comportamento,

uma barreira entre ela e a supervisão, muitas vezes difícil de ser transposta. Os membros da

equipe criam uma aliança tal, que um elemento externo (supervisão, no caso), é excluído. Em

contrapartida estão também os supervisores com características pessoais de flexibilidade e

rigidez, fazendo “parcerias” com as equipes. Pensa-se poder contribuir a partir do

esclarecimento destes aspectos, contudo é importante ressaltar que não se desconsideram as

questões objetivas, como responsabilidade e compromisso envolvidos do processo de

supervisão que interferem neste, de forma contínua.

Os médicos finalizam mostrando a supervisão como uma retaguarda necessária:

“A gente é soldado raso, estamos lá na batalha, diretamente com o paciente, então acho que as nossas dificuldades, as nossas angústias, nossos pedidos de socorro, são pouco ouvidos. Eu me sinto assim ainda. Vocês poderiam fazer dinâmica de grupo com as equipes, assim a gente estaria cuidando da nossa saúde mental”.

A enfermagem ressalta a necessidade da supervisão estar acompanhando as equipes,

fazendo avaliação constante, mostram a importância da troca de experiências e da coesão da

equipe. Enquanto supervisionados, consideram que estes devem estar sempre abertos às

mudanças, serem humildes, receptivos e cooperativos, enfatizam a importância da

comunicação.

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“Se não houver comunicação parece fiscalização. Nós temos que procurar ouvir o que está sendo sugerido pela supervisão”.

É importante que a supervisão tenha como objetivo, propiciar o crescimento das

equipes. A supervisão deve contribuir para que as equipes possam vencer barreiras, o

supervisor é visto como um mediador de crises e este deve reconhecer o limites das pessoas,

não fazendo comparações. O supervisor é um elemento facilitador da coesão das equipes.

A questão da coesão entre os membros das equipes deve ser vista com cautela, pois

freqüentemente aparece de forma distorcida. Coesão não é sinônimo de união, solidariedade, e

de equipe madura com possibilidades de realização das tarefas propostas, obtenção de

resultados satisfatórios e alcance de realização e prazer pessoal/profissional para seus

membros. Coesão, muitas vezes, funciona para “uso externo”. Os membros das equipes

demonstram nas suas falas coesão perante a supervisão, mas na realidade o que existem são

alianças perversas formadas entre estes, e que acabam por implodir o grupo, o que acontece

freqüentemente e percebe-se nas entrelinhas das falas dos entrevistados, através das

observações participantes e das situações vivenciadas no momento das supervisões. Os

movimentos, dinâmica, arranjos grupais, devem constituir-se em preocupação constante para

a equipe de supervisão.

Outro ponto evidenciado foi a necessidade do supervisor “cativar” o profissional que

constitui a equipe do PSF pois,

“O profissional tem medo de ser supervisionado, pensa que vai ser vigiado. Se tem supervisão é porque tem algo errado. Mas é porque pensamos na supervisão só com sentido de correção. O supervisor tem que ser o mais objetivo possível e o supervisionado deve estar aberto a todo tipo de crítica, de sugestão, porque isto faz crescer. Supervisão é troca, ninguém quer ser vigiado, quer ser amparado”.

O processo de supervisão é idealizado e investido de poder, sabedoria e possibilidade

de resolução de problemas que não correspondem à realidade. A supervisão é vista como algo

de fora, neutra, com uma visão superior, uma super visão onipotente e onipresente capaz de

solucionar desde questões técnicas, de relacionamento interpessoal até questões sociais e

comunitárias.

“A supervisão tem que estar disposta a resolver todos os problemas”.

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Talvez possa-se compreender a idealização da supervisão pelos supervisionados, a

partir da necessidade destes, de resolver todos os problemas que lhes são apresentados. Diante

desta impossibilidade, projetam na supervisão a possibilidade de resolvê-los como se esta

tivesse este poder. Como se pode observar:

“A supervisão tira um pouquinho de nossa ansiedade, a gente fica ansiosa para resolver as coisas e nem sempre a gente consegue resolver da melhor maneira possível”.

Uma visão menos rígida e idealizada da supervisão aparece também, o que vem

mostrar as diferentes formas de sentir, avaliar, viver o processo:

“Acho que a supervisão não é obrigada a saber e resolver tudo. Da mesma maneira que a gente tem dúvidas, acredito que os supervisores tenham também”.

O auxiliar de enfermagem entrevistado não se encaixa como supervisionado portanto

se sente excluído do processo. É necessário que a equipe de supervisão reflita sobre este dado.

Os agentes comunitários de saúde mostram na sua fala, satisfação em fazer parte da equipe do

PSF, sugerem supervisão mais próxima deles e maior participação nas questões da Unidade.

Estes profissionais se sentem excluídos da supervisão fato que pode ser considerado como um

“vazio”, um “buraco” no processo e que demanda avaliação cuidadosa por parte da equipe de

supervisores.

Os agentes comunitários de saúde merecem atenção especial da supervisão, pois

algumas questões os envolvem. Há uma indefinição em relação à sua identidade profissional:

são e não são profissionais de saúde. Mantêm duplo vínculo com a Comunidade, profissional

e pessoal (moram na Comunidade onde atuam, esta é a proposta). São situações que, se não

forem bem compreendidas, podem trazer complicações tanto para o desempenho no trabalho

como para os próprios agentes, pessoalmente.

“Eu tenho que braçalmente, fisicamente, mentalmente, lançar mão de todos os meus conhecimentos, das minhas forças, ir à luta e dar conta disso tudo”.

Consultar quadros II e III (anexos).

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CAPÍTULO V

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O modelo sanitário brasileiro incorporou princípios, métodos e técnicas do modelo

administrativo, assumindo a supervisão características das diversas formas de organização. O

modelo taylorista, com a divisão do trabalho, reforçou a divisão social introduzida pelo

capitalismo. Esta situação fez com que o trabalhador sofresse um processo de alienação,

perdendo seu lugar de sujeito. Neste momento a supervisão se caracteriza como instrumento

de controle a serviço da lógica do capital. Acrescenta-se ao taylorismo, a teoria das Relações

Humanas e Comportamentalista que priorizando o entendimento das motivações

psicossociais, acabam por contribuir para que surjam novas formas de controle, mesmo que

em nome da “preocupação com o trabalhador”. A supervisão, com o objetivo de humanização

assume características de controle. A proposta de humanização acabou por fornecer

instrumentos para que o controle e o aumento da produção fossem alcançados. Com a teoria

Estruturalista, a burocracia reforçou a divisão do trabalho e do poder fazendo com que as

relações de mando e subordinação se tornassem mais marcantes; a supervisão tem a função de

fiscalizar o cumprimento de normas. Na teoria Sistêmica, há a descentralização da tomada de

decisões e a ênfase em programas, estimula o aparecimento de estruturas inovadoras que

favorecem a comunicação horizontal. A supervisão tem como alvo o projeto como um todo,

mesmo mantendo características de controle, este é direcionado para o resultado do projeto.

Os participantes, por terem visão global do projeto e estarem implicados no mesmo,

adquirem, progressivamente, a possibilidade do auto-controle, demandando menos da

supervisão. Começa a se delinear o gerenciamento de auto-gestão.

Diante desta análise, percebe-se que a supervisão, em sua essência, permanece a

mesma. Excetuando-se o formato que assume na visão sistêmica, a supervisão desempenha

função de disciplinar o trabalhador. Sua função pedagógica resume-se na reprodução de

padrões de comportamento, e de valores econômicos e sociais. Neste sentido controle e

educação caminham juntos.

Na sociedade pós-industrial dos anos 80 e 90, a reestruturação produtiva, a

intelectualização do trabalho, juntamente com reformulações do sistema de saúde, apontam

para a necessidade de uma re-visão da supervisão. Devem ser considerados os aspectos

ideológicos do sistema de saúde a ser supervisionado e a estrutura da equipe que realiza o

trabalho, tendo que haver participação conjunta supervisor/supervisionado, onde a ação

pedagógica possa ser possibilitadora de crescimento e reflexão.

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O presente estudo levou-nos a constatar que a supervisão realizada no PSF de

Teresópolis apresenta-se sob diferentes modalidades. Ela não cumpre um padrão previamente

definido, assumindo características diversas, delineando-se, de acordo com a demanda das

equipes. As supervisões técnico-operacionais assumem dois aspectos, o geral, que tem a

característica de acompanhamento de todas as questões das unidades e de monitoramento das

ações de saúde na perspectiva do modelo do PSF; e o específico, que são as supervisões

realizadas em função das especialidades, supervisões de caráter funcional.

O aspecto administrativo é contemplado pelas supervisões administrativas

burocráticas, nos quais os supervisores averiguam desde o cumprimento de horários e

assiduidade dos profissionais, até o preenchimento de fichas de informações sobre os

atendimentos e os indicadores de saúde que compõem o SIAB.

Em relação à supervisão técnico-pedagógica, como foi nomeada pelos

supervisionados, percebe-se uma distorção dos internos de medicina e dos alunos de

enfermagem que realizam suas atividades pedagógicas nas unidades de saúde. A supervisão

técnico-pedagógica é bem mais abrangente e se constitui num instrumento privilegiado da

supervisão, portanto voltaremos a este ponto mais adiante.

Os fatores subjetivos envolvidos tanto no trabalho das equipes como no processo de

supervisão foi uma tônica na fala não só dos supervisores, como dos supervisionados. As

relações interpessoais e a decorrente integração das equipes é um aspecto pregnante e, por

isso mesmo foco prioritário da supervisão. Os conflitos e a não coesão das equipes são fatores

impeditivos da realização humanizada do trabalho. Daí a importância da supervisão como

suporte técnico, afetivo e emocional das equipes supervisionadas, na tentativa de prevenir,

evitar, solucionar ou, pelo menos, minorar-lhes os conflitos e a falta de coesão. O suporte

realmente eficaz dá às equipes a condição delas próprias resolverem esses problemas.

A questão do suporte foi largamente trazida, o que merece discussão mais

aprofundada.

A natureza humana se caracteriza pelo estabelecimento de vínculos com seus

semelhantes, o bebê frágil e imaturo precisa de alguém que lhe dispense cuidados. A família é

formada a partir desta necessidade primeira de cuidar e ser cuidado. Campos (2000), mostra

que não só os bebês prescindem deste cuidado. O adulto precisa do outro para sentir-se

amado, estimado, valorizado, compreendido, cuidado e informado; necessita de um suporte.

Este conceito foi desenvolvido por Caplan e Killelea em 1976, quando analisaram os

vários tipos de suporte que fazem parte da coletividade humana, demonstrando que os

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sistemas de suporte permitem a construção de vínculos duradouros que são fundamentais para

a manutenção da integridade física e psicológica do indivíduo.

O conceito de suporte social como moderador do estresse, foi discutido por Sidney

Coob também em 1976 e sintetizado por Campos (2000:117), trata-se de uma “forma de

relacionamento grupal na qual prevalecem as trocas afetivas, os cuidados mútuos e a

comunicação franca e precisa entre as pessoas. A rede grupal constituída é solidária, tem

papéis definidos e ocorre de maneira constante, continuada. A resultante é um sentimento de

coesão e de apoio que empresta ao grupo subsídios para o enfrentamento da realidade, agindo

como fator moderador do estresse”.

A supervisão exercida como suporte faz com que as equipes sentindo-se cuidadas e

compreendidas apresentem maior possibilidade de compartilhar afetividade, cuidados mútuos

(entre seus componentes), adquiram meios saudáveis de resolução de conflitos internos e,

uma vez mais estruturadas, possam atender de modo mais adequado seus pacientes. Suporte

gera suporte; quem é bem cuidado, constrói a capacidade de ser um bom cuidador. Uma

equipe que recebe suporte, naturalmente transmite sua capacidade de suporte aos que

necessitam de seus cuidados. Esta idéia fica evidenciada quando vários dos entrevistados

concebem a supervisão como apoio, acompanhamento das atividades, reivindicando uma

relação mais próxima com os supervisores.

Por outro lado, percebe-se que a equipe de supervisores, exercendo função - para eles,

nova - e investida de responsabilidade e poder, prescinde de maiores cuidados. Neste ponto,

as reuniões semanais da equipe de supervisores com a coordenação, funcionam como

oportunidade de troca, apoio, suporte; há uma espécie de troca de suportes entre a supervisão

e a coordenação do programa (PSF). Insistimos na importância do suporte e seu fator

protetor, pois o aspecto de controle e fiscalização da supervisão é uma constante nos relatos

de supervisores e supervisionados. São unânimes as opiniões de que a supervisão não deve ter

este caráter, contudo os supervisionados se sentem fiscalizados em algumas situações e, os

supervisores, mesmo considerando que não devem fiscalizar, assumem esta posição que,

muitas vezes, a própria função lhes impõe. Essas situações, se forem vivenciadas sem a

oportunidade de reflexão e de trocas entre supervisores e supervisionados, possivelmente se

constituirão em fatores geradores de ansiedade, desintegração da equipe e menor eficiência do

trabalho de ambos os lados.

Se as equipes, a partir do entendimento de dificuldades e limitações, tiverem a

possibilidade de elaborar estas questões, este quadro poderá se reverter; mas para que isto

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aconteça é necessário que a supervisão seja capaz de dar suporte às equipes e que estas sejam

capazes de recebê-lo.

Neste ponto, nos interrogamos sobre que possibilidades tem a equipe de supervisão de

ser “suportiva”. Como construir uma relação supervisor/supervisionado que satisfaça esta

necessidade? Pelos dados analisados foi visto que este objetivo pode ser atingido pela via

pedagógica. Não através da supervisão pedagógica tradicional, reprodutora de conteúdos e

conceitos prontos, de verdades incontestáveis. Mas uma supervisão abrangente que atue como

instrumento de reflexão, mudanças e transformações, e na qual a via pedagógica se constitua

no instrumento mobilizador destas transformações.

Para tal retornamos ao conceito de supervisão encontrado nas referências

bibliográficas consultadas, que tem suas raízes históricas ancoradas numa relação vertical de

poder e autoridade, mas que não é mais suficiente para subsidiar as necessidades que

emergem. A super-visão, poderosa e onipotente, deverá dar lugar à com-visão, processo

conjunto, compartilhado, consciente e convivido. A convisão é o veículo da participação.

Nesta perspectiva, “convisores” e “convisionados” juntos, constróem o conhecimento,

partilham dúvidas e buscam a resolução dos problemas; atingem a conscientização, que na

concepção de Paulo Freire (1978), é diferente da tomada de consciência. Esta tem caráter

limitado, não crítico e se aproxima da idéia de supervisão (conhecimento vindo de fora, que

toma a consciência). Já a conscientização, supõe um desenvolvimento crítico da tomada de

consciência, e permite não só desvelar a realidade, incidindo no nível do conhecimento, como

também criar uma postura de curiosidade epistemológica.

A educação problematizadora que envolve um processo ativo de resolução de

problemas, permite a conscientização e a transformação de situações. Nestes moldes a

convisão pode se desenvolver atingindo objetivos amplos: supervisão técnica, construção de

suporte social, mudanças nas relações de trabalho que permitam suplantar a alienação,

mudanças no modelo assistencial, práticas de participação comunitária, sendo possível o

exercício do controle social.

Dentro desta concepção, o perfil do supervisor (convisor) deve ser o de agente da

produção de conhecimento, um “causador de problemas”, aquele que induz a dúvidas, mas

que junto trilha um caminho para o encontro das soluções. Não é aquele controlador

representante das normas que, com seu “olhar fiscalizador”, regula o cumprimento destas,

sem permitir questionamentos. Estes aspectos contraditórios, representados analogamente

pelo convisor e pelo supervisor, são registrados nos relatos dos entrevistados que vêem o

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supervisor como integrador e como aquele que compreende, mas também o vê como

fiscalizador e controlador, tendo um dos entrevistados sugerido até, que o supervisor tivesse a

função de policiamento.

Um aspecto que merece ser pontuado é o da neutralidade do supervisor, evidenciado

pelos entrevistados. A concepção sugere um afastamento do supervisor do processo de

supervisão, ou seja, um distanciamento suficiente para que possa perceber, sem envolvimento,

a situação a ser supervisionada. A convisão marca justamente o oposto, a implicação no

processo, por parte do convisor é fundamental para que este se realize.

Uma constatação surpreendente foi o não aparecimento do tema família nos relatos

dos entrevistados. Se o pressuposto básico do PSF é a mudança no foco de atenção para a

família e para a comunidade, esperava-se que este assunto fosse tratado com alguma ênfase.

Isso pode nos fazer pensar se realmente o PSF está respondendo às mudanças propostas pelo

SUS, ou com “nova roupagem” mantém o modelo tradicional? Por outro lado pode-se pensar

que neste aspecto a supervisão esteja deficitária no sentido de estimular o atendimento à

família e a discussão sobre as mudanças de paradigma no atendimento à saúde, pouco

enfatizadas durante a formação dos profissionais que compõem as equipes.

Pelo fato da proposta do PSF ser recente, os profissionais que nele atuam, se

graduaram segundo um paradigma curativo e fragmentado da saúde, onde são valorizadas as

especialidades e não a compreensão global do ser humano e do processo do adoecer. É

exigido do profissional do Programa de Saúde da Família, um conhecimento técnico

abrangente que ele não adquiriu em sua formação, mas que pode desenvolver a partir do

treinamento introdutório, de sua atuação no PSF (treinamento em serviço) e da contribuição

das supervisões. Acredita-se que com a sedimentação do PSF como política de saúde

prioritária do Ministério da Saúde, mudanças significativas nos currículos dos cursos que

abrangem a área de saúde, sejam realizadas, enfatizando a formação do generalista.

É evidente a necessidade de uma concomitância entre a reorganização dos sistemas de

saúde, a reorientação da formação profissional, e o processo de supervisão como um

instrumento destas reorganizações.

O PSF pressupõe que a equipe composta por médico, enfermeiro, auxiliar de

enfermagem e agentes comunitários de saúde, trabalhe integrada para que sejam alcançados

os objetivos deste modelo assistencial. No entanto, a supervisão, segundo o relato dos

informantes, tanto o auxiliar de enfermagem como os agentes não fazem parte das

supervisões. Parece que isto foge à proposta. Esses profissionais são fundamentais para o

trabalho em atenção básica, portanto deveriam participar das supervisões. Uma das funções

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do agente de saúde, é a realização das visitas domiciliares (VDs), atividade primordial deste

modelo de atenção, na qual se estabelece o vínculo do profissional de saúde com a

comunidade. Situações vivenciadas nas VDs, seriam ricos materiais de discussão das

supervisões. Sugere-se que este aspecto seja revisto.

Pode-se concluir que com as reformulações do sistema de saúde, o novo ciclo

descentralizado, impõe mudanças no processo de gestão, uma vez que o comprometimento

com a coletividade é cada vez mais exigido. Mudam as relações interpessoais, o processo de

trabalho, as estratégias de gestão.

O fortalecimento do poder popular através do controle social, conquista fundamental

incentivada pela reforma sanitária do SUS, vem estabelecer novas relações entre gestores,

profissionais e usuários dos serviços de saúde, estimulando o planejamento participativo.

São apresentadas situações desafiadoras onde a responsabilidade com a saúde está (ou

deveria estar) em primeiro lugar. Há que se superar desde angústias, conflitos, vaidades,

corporativismo de categorias profissionais, interesses políticos e até diferentes concepções em

relação ao próprio modelo do PSF enquanto estratégia de atenção à saúde.

Frente a este cenário, a supervisão apenas enquanto instrumento gerencial e técnico-

pedagógico é insuficiente para contemplar a complexidade que a reestruturação sanitária ora

necessita. O aspecto "suportivo" da supervisão/convisão fornece grande contribuição para que

entraves de diversas naturezas sejam trabalhados, entendidos e elaborados.

A reestruturação do modelo assistencial modifica não só os paradigmas e as

concepções a respeito do ter saúde e do adoecer, os objetivos e os focos das ações, como

também o "fazer" em saúde, transformando atitudes, posturas e comportamentos. Surgem

dificuldades técnicas, administrativo-gerenciais, associadas às dificuldades emocionais. A

angústia gerada pelas transformações e pela necessidade de enfrentamento da nova realidade

deve ser compreendida e "suportada". Os sentimentos de impotência decorrentes do confronto

com situações de extrema pobreza e miséria humanas, com as quais muitos dos profissionais

atuantes no PSF, antes protegido pelas paredes dos hospitais ou mesmo de seus luxuosos

consultórios, não entravam em contato, agora fazem parte de seu cotidiano. Tais vivências,

têm que ser compartilhadas e "suportadas".

Entrave de natureza subjetiva muitas vezes se manifesta pela via dos conflitos

interpessoais prejudicando a realização do trabalho em equipe, ponto primordial do PSF.

Como os relatos dos entrevistados confirmam, é fundamental que a supervisão trabalhe as

relações de equipe, fortaleça os vínculos entre seus membros, para que a tarefa do PSF se

concretize. A supervisão como suporte contempla este propósito.

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Este estudo vem mostrar a importância de ser considerada e operacionalizada a função

de suporte da supervisão. Assim sugere-se que esta realize-se a partir do tripé –

gerencial/administrativo – técnico/pedagógico – suportivo, utilizando-se da estratégia da

problematização como impulsionadora da reflexão, da criatividade, da possibilidade de

resolução de problemas e do desenvolvimento da pratica da co-laboração.

A supervisão, na perspectiva da convisão, se firmando no tripé sugerido, é um

processo a ser construído. Traz inúmeras possibilidades: de crescimento profissional através

do estabelecimento de vínculos afetivos (e efetivos) entre estes; de reflexão sobre as práticas

estimulando o modelo da ação-reflexão-ação; a compreensão dos aspectos intersubjetivos

envolvidos em todo processo de trabalho; de questionamento dos modelos de atenção à saúde.

Contudo também carrega seus limites, ou seja, a inevitável e permanente ação fiscalizadora, e

a possibilidade de criar dependência dos supervisionados pela supervisão. Neste sentido é

bom ressaltar a importância da supervisão como instrumento de construção de liberdade e

autonomia. É importante enxergar que o limite, não é um impedimento definitivo, mas uma

possibilidade de transformação futura; e a possibilidade não é algo seguro e concluído, mas

que também tem limites e pode ser reinventada.

Este trabalho pretendeu apenas esboçar um caminho em direção a uma reinterpretação

da supervisão em saúde para que esta possa contribuir para o aprimoramento e sustentação de

um programa que atenda às necessidades de saúde da população brasileira; ainda tão marcada

pelas desigualdades sociais.

Espera-se que o PSF possa se firmar para que haja uma real mudança no Sistema de

Saúde Brasileiro, que este consiga fazer valer seus princípios e prioridades. Que a supervisão

possa ser norteadora das mudanças no processo de trabalho, ser “vigilante” contra as práticas

de desumanização, e que a lógica do mercado, que estimula o individualismo e a

competitividade possa abrir, pelo menos, um pequeno espaço para que a lógica da

solidariedade, enquanto compromisso histórico possa se instalar.

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ANEXOS

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ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA OS SUPERVISORES

1) Descreva a supervisão realizada por você. Ou, qual a característica da supervisão que você

realiza?

2) Identifique situações nas quais as equipes requisitam supervisão.

3) Identifique os componentes que você considera prioritários na supervisão.

cooperação técnica

controle

avaliação

acompanhamento

desenvolvimento técnico-pedagógico

cooperação financeira

Obs: estes são parâmetros para nortearem a análise, não serão explicitados no momento da

entrevista.

4) Descreva as atividades nas quais a supervisão é importante para que sejam alcançados os

objetivos do PSF.

5)Como você acha que deve se conduzir o profissional responsável pela supervisão? Que

postura é necessária para a realização desta tarefa?

6) E o supervisionado? Qual deve ser o seu comportamento diante da atividade, tendo em

perspectiva a sua realização da melhor forma possível?

7) Que relação você estabelece entre supervisão e avaliação, no processo de gestão do seu

trabalho?

8) Que considerações você faria aos procedimentos adotados pela supervisão?

9) Que pontos positivos e negativos você resgataria do desenvolvimento do PSF, no que se

refere à supervisão?

10) Pensando no desenvolvimento do PSF, haveria algo a ser modificado no processo de

supervisão?

11) Vocês já receberam críticas dos supervisionados quanto à forma e à abordagem da

supervisão realizada? E sugestões?

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12) Que habilidades e atributos você destacaria como importantes a serem desenvolvidos

pelos técnicos que realizam a supervisão? Quais as estratégias que você destacaria para

promover essas habilidades e atributos?

13) O que é uma boa supervisão para você, e como você pensaria em utilizá-la para

potencializar os resultados na sua área de atividade no PSF?

14) Como você se vê enquanto supervisor?

15)Na sua opinião, a supervisão responde à mudança no modelo de atenção à saúde proposto

pelo PSF?

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ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA OS MEMBROS

DAS EQUIPES (SUPERVISIONADOS)

1) Identificação do profissional.

2) Identifique situações nas quais as supervisões são necessárias?

3) Identifique os componentes que você considera prioritários na supervisão.

4) Descreva as atividades nas quais a supervisão é importante para que sejam alcançados os

objetivos do PSF.

5) Como você acha que deve se conduzir o profissional responsável pela supervisão? Que

postura é importante para o bom desenvolvimento da atividade?

6) E o supervisionado? Como você acha que deve ser o seu comportamento diante da

atividade, tendo como perspectiva a sua realização da melhor forma possível?

7) Que relação você estabelece entre supervisão e avaliação, no processo de gestão do seu

trabalho?

8) Que considerações você faria aos procedimentos adotados pela equipe de supervisão?

9) Que pontos positivos e negativos você resgataria do desenvolvimento do PSF, no que se

refere à supervisão?

10) Pensando no desenvolvimento do PSF, haveria algo a ser modificado no processo de

supervisão?

11)Vocês já receberam críticas dos supervisores? E sugestões?

12) Que habilidades e atributos você destacaria como importantes a serem desenvolvidos

pelos técnicos que realizam a supervisão ?Quais as estratégias que você destacaria para

promover essas habilidades e atributos?

13) O que é uma boa supervisão para você, e como você pensaria em utilizá-la para

potencializar os resultados na sua área de atividade no PSF?

14) Como você se vê enquanto membro da equipe do PSF e portanto supervisionado?

15) Na sua opinião, a supervisão responde à mudança no modelo de atenção à saúde proposto

pelo PFS?

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QUADRO I EVOLUÇÃO E CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA SUPERVISÃO

Escolas de Administração Características / Princípios Supervisão Fisiologista da Organização Fayol (França Início Séc. XX)

Aumentar eficiência da organização (prever, organizar, comandar, controlar).

Instrumento de gerência. Relação vertical, sup. (chefe) / supervisionado. Fazer a máquina funcionar

Administração Científica Taylor (USA)

Aumentar a produtividade. Divisão do trabalho. Supervisão funcional. Controle sobre o trabalho.

Industrialização / Complexidade do Trabalho / Especialização Linha – Staff

Linha-staff (organização linear + funcional). Linha (órgão de execução e assessoria) ⇒ staff (órgãos de apoio e consultoria).

Ajuda especializada ao nível de execução (fora da linha de mando). Autoridade baseada no conhecimento funcional. Supervisor diferente de chefe. Acompanha execução do trabalho.

Relações Humanas Tead, Barnard e Mayo Psicologia e Sociologia do Trabalho

Elementos emocionais. Motivação, liderança. Valorização do trabalhador (humanização).

Mecanismo de comunicação e encorajamento. Cooperação do trabalhador. Supervisor é líder formal para garantir o desenvolvimento do trabalho.

Comportamental Likert Estilos de Administração

a) Treinar os trabalhadores e pressioná-los para obter níveis de produções estipulados.

b) Ênfase no trabalhador. Equipe atuante e participativa. Crítica: aumento do conhecimento do trabalhador, aumento do controle sobre ele.

a) Orientada para o trabalho. b) Orientada para o trabalhador.

Estruturalismo Max Weber Sociedade de Organizações Burocracia – Modelo de Organização

Organizações e suas racionalidade (meios, recursos, e objetivos). Normas racionais que definem relações de mando e subordinação. Divisão do trabalho. Cargos hierárquicos. Regras e normas técnicas para desempenho de cada cargo.

Segundo hierarquia. Cumprimento de normas técnicas e regras. Serviços especializados de controle – supervisão. Supervisor – profissional qualificado e especialista, elemento de ligação entre a autoridade superior e o nível de execução.

Sistêmica Sistema Aplicada as Organizações Bertalanffy Mecanismos Internos de Controle

Organização – todo integrado. Sistema – “conjunto de unidades entre as quais existem relações”. Sistema se organiza para cumprir tarefas. Estrutura e conflito de papeis. Ênfase em programas (multiplicidade de comandos), comunicação horizontal.

Supervisão por projetos, visando resultados. Auto-controle progressivo, esforço interdisciplinar, mecanismo de envio de informações.

Atual Estruturas Organizacionais mais Flexíveis, Adaptáveis e Ajustáveis à Mutações Rápidas

Maior eficiência no alcance de resultados, tem como meta a relevância social de seus objetivos. Objetivos organizacionais conciliados aos individuais.

Supervisão descentralizada, participativa. Co-gestão.

Peres, 1986

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QUADRO II DISCUSSÃO DAS ENTREVISTAS – SUPERVISORES

Equipe

Supervisores

Elementos de Estudo

Nutrição

Pediatria

Enfermagem (2)

Psicologia

Padrão

Aspectos técnicos Estimulação ação educativa das ações de saúde Aspecto administrativo Apoio às equipes (conflito)

Meta principal – integração e apoio às equipes Educação continuada e permanente Supervisão técnica (geral e específica) Supervisão internato Comunidade – conselho gestor

Técnico operacional Administrativa Relação equipe Planejamento e acompanhamento das ações Avaliação dos resultados Elo equipe / coordenação

Conhecimento técnico Seguir modelo PSF – humanização, vínculos Supervisão como elo de interdisciplinaridade

Processo

Supervisão, processo novo Trabalho integrador Crescimento dos profissionais das equipes Avaliação – relatórios das ações

Orientações da pediatria (internos e família) Consulta conjunta Supervisão – toda a unidade Freqüência dos supervisores Boa supervisão – cumprimento da tarefa / crescimento equipe

Busca da maneira de trabalhar Orientações para grupos Avaliação: própria supervisão e avaliação da equipe Supervisão por demanda Incentivos em campanhas Processo de construção da supervisão Avaliação / resolutividade Reavaliação permanente da supervisão

Necessidade: capacitação para supervisão Supervisão deve: transformar, dar resolução dos problemas Processo inovador – mudança do modelo de atenção à saúde

Fatores Subjetivos

Função integradora Contribuir para o processo de crescimento, aprendizagem Solução de conflitos Dependência

Relação equipe-família Supervisor enquanto fiscal Suscetibilidade à críticas Avaliação mútua entre supervisões e equipe

Relação equipe – supervisão (pouca disponibilidade) Supervisor enquanto fiscal Supervisão dá segurança às equipes

Humanização e criação de vínculo Supervisão ainda tem dificuldade de se fazer compreender Grande entrave: relações interpessoais

Perfil do Supervisor

Dinâmico Conhecimento técnico específico Conhecimento geral em saúde Disponibilidade Reconhecer dificuldades Gostar do que faz Saber dialogar

Capacidade técnica Capacidade de trabalhar em equipe Responsabilidade

Ter conhecimento técnico-científico / comprometido com proposta do PSF Não é fiscal Tem que se sentir membro da equipeEstimulador / facilitador / dinâmico criativo Humanizado, aberto a mudanças / Responsável

Capacitar mais o supervisor Acreditar no trabalho (proposta PSF) Tenha ideologia e conhecimento em políticas públicas de saúde

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QUADRO III DISCUSSÃO DAS ENTREVISTAS – SUPERVISIONADOS

EquipeSupervisionado

Elementos de Estudo

Médicos (6)

Enfermeiros (4)

Auxiliar Enfermagem (1)

Agentes Comunitários de

Saúde (3)

Padrão

Questões técnicas (clínicas) Conduta dos profissionais (perfil do PSF) Organização institucional Relação interpessoal (elo entre diversas equipes) Relação equipe / comunidade Questões pedagógicas (discussão casos clínicos)

Prioridade: apoiar o crescimento da equipe (científico e pessoal) Questões técnicas específicas Orientação e planejamento Orientação dos trabalhos de grupo Sensibilização da comunidade

Orientações recebidas da equipe não da supervisão Supervisão como proteção para o PSF Esclarecimento de situações Resolução de problemas

Relação com agentes Divisão das áreas Orientação na relação com pacientes

Processo

Integrado à ideologia do PSF (consultas / grupos). Identidade profissional Avaliação periódica da equipe Supervisão – policiamento (técnico de futebol) Questões técnicas Questões sociais / comunidade Supervisão mais compatível com PSF

Construção do modelo do PSF Orientações administrativas (estatísticas) Organização de toda unidade Manter relação com coordenação Relação supervisão / equipe Orientação de situações com pacientes

Visão pequena do processo de supervisão Avaliação e supervisão caminham juntos

Avaliação constante do trabalho Planos de ação Supervisão + freqüente com agentes

Fatores Subjetivos

Relação supervisão equipe Críticas Distanciamento da supervisão Relação supervisão/segurança Relação humana – vínculos

Reconhecer limites das pessoas Não fazer comparações Mediar crises Não pedir supervisão para não “incomodar” “Invasão” no trabalho das equipes

Proteção, segurança Reconhecer hierarquia Reconhecer seus limites

Relação agente / comunidade Disponibilidade Supervisão / segurança Integração equipe / supervisão / agentes

Perfil do

Supervisor

Competência técnica Boa “aptidão emocional” Capacidade de trabalhar em equipe (técnico de futebol)

Respeito profissional aos membros das equipes Capacidade de relacionamento interpessoal (integrador) Equilíbrio emocional pessoal Capacidade de enfrentamento de adversidades

Alguém que inspeciona a escuta

Saber ouvir a equipe Conhecimento da comunidade