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http://www.redeambiente.org.br [email protected] Utilização de Plantas Medicinais em Educação Ambiental Celso Marcatto Apresentação Este texto foi elaborado com o objetivo de ser um elemento de apoio para professores, educadores e técnicos que planejam utilizar as plantas medicinais como um facilitador no processo de educação ambiental. Não é intenção deste texto discutir a importância das plantas medicinais para a saúde humana. Para isso já existem bons materiais, contendo as informações necessárias para aqueles que desejam conhecer mais ou iniciar um trabalho com plantas medicinais. O CD “Plantas Medicinais”, do qual este texto é um complemento, é repleto de informações a este respeito. Na seção “Bibliografia” (tanto do CD como do texto), estão listados vários outros materiais importantes de serem consultados. Muitos deles podem ser encontrados facilmente em bibliotecas públicas e livrarias. Com o texto, busca-se explorar as possibilidades de utilização das plantas medicinais para interrelacionar conceitos e discutir problemas ligados à redução da diversidade biológica mundial e da importância da preservação das espécies. O texto propõe que o trabalho com plantas medicinais seja uma forma de valorização e resgate do saber popular; uma forma de preservar / conservar as plantas medicinais e os conhecimentos relativos a elas.

MINUTA DE PROPOSTAS DE CAPACITAÇÃO DE …€¦  · Web viewMuitas das plantas utilizadas pela medicina tradicional são originárias, ... Ao coletar plantas em ambiente natural

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Utilização de Plantas Medicinais em Educação Ambiental

Celso Marcatto

Apresentação

Este texto foi elaborado com o objetivo de ser um elemento de apoio para professores, educadores e técnicos que planejam utilizar as plantas medicinais como um facilitador no processo de educação ambiental.

Não é intenção deste texto discutir a importância das plantas medicinais para a saúde humana. Para isso já existem bons materiais, contendo as informações necessárias para aqueles que desejam conhecer mais ou iniciar um trabalho com plantas medicinais. O CD “Plantas Medicinais”, do qual este texto é um complemento, é repleto de informações a este respeito. Na seção “Bibliografia” (tanto do CD como do texto), estão listados vários outros materiais importantes de serem consultados. Muitos deles podem ser encontrados facilmente em bibliotecas públicas e livrarias.

Com o texto, busca-se explorar as possibilidades de utilização das plantas medicinais para interrelacionar conceitos e discutir problemas ligados à redução da diversidade biológica mundial e da importância da preservação das espécies. O texto propõe que o trabalho com plantas medicinais seja uma forma de valorização e resgate do saber popular; uma forma de preservar / conservar as plantas medicinais e os conhecimentos relativos a elas.

O texto é dividido em três partes. Na primeira, analisa-se a questão da redução mundial da diversidade biológica e cultural.

Na segunda parte são discutidas as potencialidades do uso de plantas medicinais como um instrumento de conscientização sobre a importância da conservação / preservação da biodiversidade.

Por último, são apresentadas propostas de atividades que os educadores podem implementar para explorar as plantas medicinais em um trabalho de educação ambiental.

Parte I - A Diversidade Biológica Mundial

Introdução

A manipulação e uso de plantas medicinais é, provavelmente, uma das mais antigas atividades dos seres humanos. Por milênios estas plantas têm sido parte integrante dos nossos tratamentos de saúde, rituais, poções e magias.

Antigas civilizações já conheciam e utilizavam plantas medicinais Um papíro Egípcio, contendo uma lista de plantas medicinais e seus possíveis usos, datado de 1600 a.c., é uma das provas mais antigas da importância das plantas medicinais para estes povos. Documentos semelhantes foram encontrados em locais habitados pelos gregos (460 a.c.) e assírios (700 a.c.) (Juma, 1989).

Hoje em dia, apesar da presença dos “medicamentos convencionais1” em praticamente todas as partes do mundo, as plantas medicinais continuam ocupando um espaço importante na vida de milhares de pessoas. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 80 em cada 100 habitantes no Terceiro Mundo, se tratam com medicamentos tradicionais, 85% destes medicamentos contêm extratos de plantas medicinais2 (EMBRAPA, 1996).

Os próprios “medicamentos convencionais” dependem (direta ou indiretamente) das plantas medicinais. Pelo menos 7000 medicamentos comercializados no ocidente (envolvendo desde aspirina até pílulas anticoncepcionais), foram desenvolvidos a partir de extratos de plantas medicinais (The Crucible Group, 1994). A partir dos extratos foi possível identificar os princípios ativos dos medicamentos, para a posterior síntese em laboratório3.

Muitos destes medicamentos tiveram como ponto de partida as ervas e plantas medicinais existentes no Terceiro Mundo (também chamados de Países em Desenvolvimento ou Países do Sul). No futuro bem próximo, o número de plantas do Terceiro Mundo utilizadas como base para a extração de drogas tende a aumentar4 (Pistorius et al., 1993). Isso porque é nestes países, que se concentra a maior parte da diversidade biológica (biodiversidade) mundial5 (EMBRAPA, 1996).

1 O termo “medicamentos convencionais” é usado aqui como sinônimo de medicamentos alopáticos; aqueles utilizados pela medicina convencional. 2 Outros autores afirmam que 80% da população do mundo é pelo menos parcialmente dependente da medicina tradicional e das plantas medicinais para tratar seus problemas de saúde (Shelton, 1993). 3 Mesmo que estes medicamentos sejam atualmente produzidos em laboratório (sintéticos), os princípios ativos foram primeiro identificados em plantas.4 Essa afirmativa se baseia no grande interesse demonstrado pelas grupos farmacêuticos internacionais na exploração do potencial da biodiversidade do Terceiro Mundo.5 As Nações economicamente desenvolvidas do Norte, são relativamente pobres em recursos genéticos; enquanto que as do Sul, países em desenvolvimento, são ricas em recursos genéticos; ricas em biodiversidade.

A Biodiversidade do Terceiro Mundo

A riqueza em número de espécies dos países do Terceiro Mundo (ou seja, riqueza em diversidade biológica) pode ser explicada pela Glaciação6. Enquanto todas as zonas temperadas do globo (Hemisfério Norte) foram congeladas; os climas tropicais (Hemisfério Sul) continuaram com sua florescente diversidade genética (Mooney, 1987). As diferenças em diversidade de espécies entre estas duas regiões do globo são facilmente percebidas. Ao redor de um pequeno vulcão nas Filipinas é possível encontrar um número maior de espécies de árvores que em todo o Canadá. Na Bacia Amazônica existem dez vezes mais espécies que as encontradas em toda a Europa (Mooney, 1987).

Foram as condições especiais existentes nos países em desenvolvimento, diversidade biológica aliada a diversidade cultural, que possibilitaram a identificação, o uso e o aprimoramento dos métodos de obtenção dos preparados infusões e “remédios” de centenas de diferentes plantas.

A geração destes conhecimentos7, envolveu séculos de testes, em um contínuo processo de experimentação coletiva e de transmissão dos conhecimentos, de geração para geração (Shiva, 1993). As comunidades, vilas e povoados do Terceiro Mundo, locais onde estes conhecimentos foram e continuam sendo gerados, são importantes pontos de acúmulo de conhecimentos sobre a biodiversidade local e sobre as diversas possibilidades de utilização desta diversidade.

Tanto a diversidade biológica, quanto os conhecimentos sobre possíveis usos e comportamentos das espécies, são vitais para a sobrevivência humana e para a sustentabilidade do planeta (Shiva, 1993; Goewie, 1998). A existência da biosfera está intimamente associada à vida das plantas, animais e microorganismos. A espécie humana depende de produção estável de alimentos, fibras, medicamentos e outros produtos, derivados das formas de vida domesticadas ou selvagem. O futuro da espécie humana está ligado à contínua habilidade de produzir novas variedades de plantas e animais adaptados as novas e dinâmicas condições ambientais e as, também mutantes, necessidades humanas. A capacidade de produzir novas plantas depende da existência de materiais genéticos (variedades e parentes silvestres das plantas) a partir dos quais é possível avançar (Oldfield et al., 1991). A preservação deste material

6 Glaciação: Eventos climáticos de baixa temperatura que afetam determinadas áreas da crosta terrestre periodicamente. As partes afetadas podem ficar cobertas por gelo e neve por milhares de anos. A última glaciação teve seu início a 11.000 anos atrás e teve a duração de 2500 anos.7 Conhecimentos relacionados não só com plantas medicinais como também plantas destinadas à alimentação humana e animal, construção, abrigo, lenha, etc

genético diversificado depende, porém, da preservação da diversidade cultural que criou e mantém estes materiais. Como apontado por Shiva:

“Ecossistemas diversos deram origem a diversas formas de vida e a diferentes culturas. A co-evolução das culturas, formas de vida e habitats, conservaram e conservam a diversidade genética deste planeta. Diversidade cultural e biológica caminham de braços dados” (Shiva, 1993).

Um dos grandes problemas atuais é o de que a diversidade biológica tem sido erodida (perdida) e a diversidade cultural destruída rapidamente. Isso põe em risco a sobrevivência de parte dos seres vivos que habitam o planeta e, muito importante, dos conhecimentos relativos a eles (Shiva, 1993; Hobbelink,1990; Fowler et al., 1990). As principais causas deste fenômeno são: a destruição das florestas e da vegetação nativa (destruição do habitat de plantas e animais); o deslocamento de populações de determinadas regiões (êxodo rural); o aniquilamento de nações indígenas inteiras; as mudanças radicais no modo de vida dos povos; a desintegração de comunidades de agricultores familiares; a destruição de hierarquias e o enfraquecimento dos laços comunitários em comunidades rurais.

Erosão Genética - Redução da Diversidade Biológica

Para que seja possível discutir o processo de redução da diversidade biológica, é necessário conhecer o conceito de ”erosão genética”:

Os seres de uma mesma espécie não são todos exatamente iguais. A espécie humana (Homo sapiens), por exemplo, é composta por uma série de raças com diferenças marcantes entre si (estatura, cor da pele, resistência a insolação, resistência à doenças, etc). No processo de adaptação dos seres vivos aos diferentes ambientes, estas diferenças são fundamentais. Elas podem significar a sobrevivência ou não daquela determinada espécie naquele ambiente.

Chama-se erosão genética o processo de redução da diversidade genética pelo desaparecimento de parte das diferenças dentro de uma mesma espécie, ou seja, pela perda de genes que compõe uma determinada espécie (desaparecimento de raças ou variedades de uma espécie).

A erosão genética é bastante severa nos ecossistemas agrícolas tradicionais. Muitas variedades de plantas cultivadas estão desaparecendo. A

Revolução Verde8 alterou drasticamente as práticas de cultivo. De centenas de diferentes plantas utilizadas pelos seres humanos, passa-se, pós Revolução Verde, a cultivar somente umas poucas variedades modernas (trigo, milho e arroz principalmente).

Os novos materiais (chamados de variedades de alto rendimento ou modernas) foram “produzidos9” tendo como base um número muito pequeno de variedades, ou seja, são materiais de estreita base genética. Para se ter uma idéia mais clara das conseqüências deste processo, basta verificar que todas as variedades de trigo de alto rendimento semeadas em praticamente “todos os cantos do mundo”, foram obtidas a partir de apenas três cultivares de trigo (Mooney, 1987). O que implica em dizer que apenas três materiais substituíram centenas de variedades tradicionais de trigo.

Essa situação é bastante grave também no que se refere ao arroz. As variedades modernas de arroz introduzidas na Índia, por exemplo, estão substituindo rapidamente as variedades tradicionais de arroz naquela região. Das mais de 30.000 variedades diferentes de arroz existentes na Índia nos anos 60, restarão não mais do que 50 em poucas décadas (Mooney, 1987).

Muitos países em desenvolvimento são Centros de Diversidade de espécies cultivadas (também conhecidos como Centros de Vavilov). Os Centros de Diversidade Genética10 são regiões do globo que concentram a diversidade biológica de determinadas espécies. A introdução de variedades modernas nestes países e a uniformização do mercado mundial, como consequência do processo de globalização da economia, levam à substituição, e muito frequentemente, ao desaparecimento (extinção), das variedades tradicionais de plantas.

A introdução de variedades modernas também provoca, em conjunto com a ampliação das áreas cultivadas, a destruição de nichos ecológicos dos parentes silvestres das plantas utilizadas pelos seres humanos. A ocupação de novas áreas com monoculturas, pode provocar o enfraquecimento e a migração de comunidades que praticam a agricultura familiar tradicional. Estes agricultores e agricultoras são os principais responsáveis pela criação e preservação dos

8 O termo Revolução Verde é usado para identificar o modelo de modernização da agricultura mundial, baseado no princípio da intensificação através da especialização, iniciado na década de 60 (Crouch, 1995). O modelo tem como eixos: a monocultura e a produção alimentos, principalmente arroz, trigo e milho. O “pacote tecnológico” da Revolução Verde envolve tecnologias como: motomecanização, uso de variedades vegetais geneticamente melhoradas (para obtenção de alto rendimento), fertilizantes de alta solubilidade, pesticidas, herbicidas e irrigação.9 Estes materiais foram obtidos através de cruzamento entre diferentes plantas de uma mesma espécie. 10 O Brasil, por exemplo, é um Centro de Diversidade das culturas de amendoim, mandioca, castanha do pará, erva-mate, jaboticaba, seringueira, etc.

materiais genéticos tradicionais. A eliminação dos sistemas de produção destes agricultores vai fatalmente acelerar o processo de erosão genética (Shiva, 1993; Hobbelink,1990).

Transposição para as plantas medicinais

O que foi descrito sobre a presente situação das espécies utilizadas na agricultura pode ser diretamente transportado para as plantas medicinais. As plantas medicinais também vêm sofrendo os impactos da modernização. A forte pressão sobre os remanescentes da vegetação natural estão pondo em risco de extinção parte importante da biodiversidade mundial. Sabe-se que muitas plantas com propriedades medicinais estão sendo perdidas antes mesmo de serem conhecidos, ou seja, está-se condenando à extinção espécies que não foram sequer testadas (Shiva, 1991). Importantes drogas podem estar sendo perdidas.

Essa situação é infinitamente mais perigosa nos países em desenvolvimento. Muitas das plantas utilizadas pela medicina tradicional são originárias, e tem seus parentes silvestres, nos países do sul.

Nestes países, não só as plantas medicinais estão correndo riscos, como também os conhecimentos relativos a elas. A marginalização crescente de comunidades tradicionais (agricultura familiar, tribos indígenas, etc), o abandono de antigas práticas, ritos e costumes, provocam a redução da importância relativa das plantas medicinais para estas comunidades e interrompem o processo secular de experimentação e transferência de conhecimentos para as gerações seguintes.

Muitos conhecimentos acumulados durante séculos podem desaparecer. Informações importantes como: formas de extração, preparo e conservação dos preparados, como reproduzir e cultivar as plantas envolvidas, como e quando utilizar, que partes das plantas utilizar, eficácia e eficiência dos medicamento, etc. São informações vitais que, perdidas, inviabilizam a utilização dos medicamentos. Além disso, este conjunto de informações fazem parte do patrimônio cultural da humanidade.

A preservação destes conhecimentos não é importante apenas para as populações que os geraram. Empresas de medicamentos dependem tanto das plantas medicinais, como dos conhecimentos das populações locais sobre seus possíveis usos. A apropriação destes conhecimentos poupa tempo e recursos financeiros das grandes empresas de medicamentos (Hobbelink,1990). Isso porque, ao invés de coletarem e investigarem centenas de plantas, as empresas podem se concentrar exatamente naquelas plantas que, sabidamente, apresentem

algum efeito terapêutico, ou que tenham algumas características que as tornem possíveis de serem utilizadas em processos industriais.

Com o desenvolvimento das “novas biotecnologias” (ver anexo), a dependência dos laboratórios farmacêuticos pelas plantas ficou ainda mais evidente. Estes laboratórios internacionais enviam anualmente um grande número de técnicos e expedições de coleta de materiais aos países tropicais (Hobbelink,1990; Pistorius et al., 1993). São equipes de antropólogos, biólogos, bioquímicos, que buscam não só coletar plantas úteis, como também registrar o conhecimento que as populações locais tem sobre os possíveis usos destas plantas.

Muitas destas expedições e coletas acontecem sem nenhum tipo de autorização ou controle por parte do país que é “visitado” 11. As empresas que enviam seus técnicos e agentes agem como verdadeiros piratas, se apropriando, patenteando e utilizando para fins comerciais, plantas, microrganismos, animais e conhecimentos que são, em última análise, patrimônio de toda a humanidade. Esse tipo de roubo é tão conhecido e frequente que já ganhou até um nome: biopirataria.

Com raras exceções, os recursos obtidos pela exploração da diversidade biológica não estão sendo destinados às nações que os abrigam, nem são revertidos em benefício daquelas populações que, por centenas de anos, desenvolveram e conservaram estes recursos naturais. Da mesma forma, estes recursos financeiros não estão sendo utilizados para a preservação / conservação das espécies vegetais, e animais que estão sendo exploradas.

Parte II Porque utilizar plantas medicinais em Educação Ambiental

A conservação da biodiversidade mundial é uma das mais sérias e urgentes tarefas colocada para as gerações presentes. É um problema complexo, que envolve um “novelo” de questões sociais, econômicas, sociais e ecológicas. Neste sentido, a preservação da diversidade biológica não é diferente de outros temas ligados à questão ambiental que desafiam a espécie humana. Como no caso da poluição do ar, do solo e de água (por exemplo), a perda de diversidade biológica extrapola as fronteiras nacionais, afeta indistintamente diversas populações, nos mais distantes lugares do mundo, colocando em cheque o presente modelo de desenvolvimento (as formas de acesso, uso e apropriação dos recursos naturais). São questões que não podem ser resolvidas somente a partir de leis, decretos, ou

11 O Congresso Brasileiro estuda, a mais de dois anos, um projeto de lei que regulamenta este tipo de atividades (coleta de seres vivos).

via atuação isolada dos órgãos públicos. São problemas coletivos, que envolvem a mudança de atitudes dos povos do mundo. Exigem, portanto, o envolvimento de toda a sociedade; necessita da ação coletiva na busca de soluções.

Dois exemplos: - não se resolve o problema do acúmulo de lixo em terrenos baldios

apenas proibindo os moradores de depositar lixo no local, ou colocando latas de lixo a disposição dos moradores. Se a população não estiver convencida da necessidade de mudanças na forma de dispor o lixo, dificilmente qualquer ação do poder público, por mais bem intencionada que ela seja, terá sucesso.

- da mesma forma, o acúmulo de lixo resultante do super-consumo dos países do Norte não pode ser resolvido simplesmente pelo aumentando o número de locais destinados a aterros sanitários ou elevando a proporção de lixo reciclado. É necessário que exista uma mudança de postura daquelas populações, no sentido de se consumir menos. As mudanças necessárias exigem a participação ativa daquelas populações. O mesmo acontece com os recursos genéticos. Durante muito tempo

acreditou-se que somente a ação governamental e das organizações internacionais seriam suficientes para preservar as espécies úteis aos seres humanos. Que seria possível recolher, em Bancos de Genes12, uma parte significativa destas “espécies úteis”. Organismos internacionais, como o IBPGR - Conselho Internacional para Recursos Genéticos Vegetais, organizaram centenas de expedições de coleta e a montagem de inúmeras coleções de plantas. Sabe-se hoje que, apesar de valiosas, as coleções de plantas dos bancos públicos de genes apresentam uma série de problemas que as desqualificam como estratégia única para armazenamento / preservação de espécies vegetais; isso porque (RAFI, 1986):

- Somente uma parte das espécies importantes podem ser coletadas. É fisicamente impossível colocar em câmaras frias as milhares de importantes espécies, raças, sub-raças e variedades de plantas. Não existem tantas câmaras frias disponíveis no mundo.

- Os bancos não são confiáveis. Parte das sementes armazenadas neles não são mais viáveis, ou seja, não são mais capazes de se reproduzirem (é como se tivessem “perdido a validade”).

- Os Bancos necessitam de muitos recursos materiais, financeiros e de pessoal.

12 Bancos de Genes nada mais são do que câmaras frias onde as sementes são colocadas, após seleção e classificação, visando sua preservação por períodos que podem chegar a mais de 10 anos (The Crucible Group, 1994).

- Parte dos materiais armazenados nos Bancos ou tem origem desconhecida, ou perderam toda e qualquer informação sobre suas características, procedência, formas de utilização, etc. Isso pode inviabilizar a utilização destes materiais no futuro.

- Normalmente são coletados apenas aqueles materiais de maior valor comercial, de interesse imediato dos pesquisadores ou das nações que financiaram as expedições.

Isolados, os Bancos de Germoplasma não podem garantir a preservação das espécies. Da mesma forma que a simples existência de áreas de reserva da biodiversidade, como parques florestais, reservas biológicas e áreas de preservação permanente, não tem sido suficientes para deter o presente processo de extinção de espécies (Prance, 1997).

A conservação somente será efetiva a partir do desenvolvimento de um conjunto coeso de estratégias; a partir da somatória de diversos esforços de conservação. Uma das estratégias que vem ocupando um papel central no processo de conservação das espécies e nas discussões internacionais sobre o tema é a conservação “in situ” (Cordeiro e Marcatto, 1994). Na conservação “in situ” as espécies são conservadas a partir de sua utilização nos próprios locais onde estas plantas foram desenvolvidas e melhoradas.

Ao contrário das estratégias anteriores, a conservação “in situ” exige não só o envolvimento direto dos órgãos e agências governamentais, como também, e principalmente, a participação ativa de toda sociedade em sua execução. Para que este tipo de preservação ocorra é necessário que as espécies, raças e variedades de plantas sejam utilizadas, ininterruptamente, pela população local. É necessário que a população (de produtores a consumidores) realmente participe do processo de identificação, resgate, seleção, produção e conservação das espécies.

A Conservação das Plantas Medicinais

As plantas medicinais são uma parte importante deste universo de espécies vegetais (em vias de desaparecer) que necessitam ser preservadas. Não se trata apenas de coletar plantas para serem catalogadas e armazenadas em bancos. É necessário e urgente que se realize um trabalho de conservação destas plantas e de preservação dos conhecimentos relativos às suas diferentes possibilidades de uso. Neste sentido, é preciso que se tome como referência dois elementos fundamentais que são: conhecer e utilizar.

Para preservar informações é preciso conhecê-las. Ao se conhecer, toma-se consciência não só da importância das plantas medicinais para os humanos, como também da relação de dependência existente entre todos os seres vivos do planeta. Sabendo da importância, fica mais fácil perceber que é vital preservar.

A forma mais efetiva de conservar as plantas e os conhecimentos ligados a elas é pelo uso. A preservação do conhecimento, daquele conhecimento dinâmico, adaptado às necessidades presentes, só acontece a partir do uso.

As plantas medicinais tem um forte componente cultural. Ao preservar o conhecimento sobre plantas (a partir do uso deste conhecimento), se está preservando um patrimônio cultural das populações que os utilizam durante séculos. A preservação deve partir do resgate e da valorização do conhecimento local. As pessoas que ajudaram a desenvolver e preservar estes conhecimentos têm muito a contribuir no processo de resgate e uso deles.

Outra razão central e óbvia para que a preservação, a conservação e o uso de plantas medicinais sejam incentivadas está relacionado à sua efetividade. As plantas medicinais são um meio bastante eficiente e efetivo de tratamento de um grande número de doenças. O seu uso pode contribuir para diminuir a dependência dos medicamentos e da medicina convencionais. Além disso, as plantas medicinais normalmente apresentam um custo bem menor do que os dos medicamentos alopáticos. A produção e o uso generalizado de plantas medicinais pode reduzir o volume de recursos que o país gastaria anualmente com medicamentos.

A utilização das plantas medicinais para tratamentos de saúde não será abordada neste texto. Informações a este respeito podem ser encontradas no CD “Plantas Medicinais”, do qual este texto é parte integrante. Para aqueles que tem acesso à internet, recomenda-se ainda a visita a alguns endereços eletrônicos relacionados com as plantas medicinais. Os mais conhecidos e completos são:

- Universidade de São Paulo - USP<http://www.ciagri.usp.br/planmedi/planger.htm

- Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP<http://www.cpqba.unicamp.br/Plantas/Sites/sites.htm

- Sociedade Brasileira de Química – Divisão de Produtos Naturais<http://www.sbq.org.br/PN-NET/

Em Inglês – plantas medicinais das florestas pluviais<http://rain-tree.com/index.html

Em Espanhol<http://www.fito.com/

Onde Buscar Plantas Medicinais

Os grandes “reservatórios” mundiais de plantas medicinais e dos conhecimentos ligados a elas são as comunidades agrícolas tradicionais, as tribos indígenas e as populações que sobrevivem a partir do extrativismo vegetal. Dois exemplos:

- Em vilas rurais na Indonésia é possível identificar perto de 45 espécies diferentes de plantas em um único “pomar de fundo de quintal”, mais de 25 destas espécies apresentam valor medicinal (Qualset et al., 1997).

- No México, algumas tribos indígenas manejam um complexo sistema agrícola envolvendo campos de produção, áreas em pousio, hortas e canteiros de ervas com mais de 300 espécies diferentes. As áreas em torno de seus campos são conhecidos por terem entre 80 a 125 plantas úteis, boa parte delas com propriedades medicinais (Hawkes, citado por Qualset et al., 1997).

O Brasil é um dos países com maior riqueza mundial tanto em plantas medicinais, como em conhecimentos sobre as possibilidades de uso destas plantas. Nas comunidades que praticam a agricultura familiar, boa parte das residências dispõe de canteiros, pomares e hortas repletos de plantas medicinais. Nestas áreas é muito comum encontrar pessoas que são a referência dos outros moradores sobre plantas medicinais, tratamento de doenças, etc (Anônimo, 1985). São curandeiros, rezadeiras, raizeiros, com profundo conhecimento da biodiversidade local; verdadeiras enciclopédias vivas sobre plantas medicinais e seus usos.

Da mesma forma, as tribos e nações indígenas brasileiras são muito ricas em rituais e preparados envolvendo plantas medicinais. Muitas das tribos da região Amazônica recebem “visitas” frequentes de grupos de antropólogos e biólogos, membros de expedições para coleta de plantas e resgate de conhecimentos locais (Hobbelink,1990; RAFI, 1994).

Em áreas urbanas, mesmo nas grandes cidades e centros industriais, não é difícil encontrar pessoas que cultivam, em canteiros ou mesmo vasos, plantas

medicinais. Muitas destas pessoas tem origem rural13 Elas são fonte importante de conhecimentos sobre uso e formas de preparo de medicamentos.

O conjunto destes pomares, hortas e canteiro de ervas, nas áreas urbanas e nas comunidades rurais, bem como as florestas e remanescentes de matas nativas, são locais privilegiados para a identificação, estudo e “coleta” de plantas medicinais.

Parques, reservas florestais e áreas de preservação permanente são excelentes locais para serem visitados. Nestas áreas, pode-se realizar um trabalho muito interessante de identificação, classificação e estudo dos habitats das espécies. É importante lembrar que não é permitido coletar materiais em reservas e parques, a não ser para estudos, com autorização especial.

Parte III Que Atividades Desenvolver

Nas escolas as plantas medicinais oferecem uma grande oportunidade para interligar conhecimentos de várias disciplinas. As plantas podem ser utilizadas para introduzir a discussão sobre as conseqüências da redução da diversidade biológica em sala de aula. Elas são uma das portas de entrada para se compreender a importância da preservação das espécies.

Outra possibilidade é a de desenvolver uma ação integrada entre professores das várias disciplinas. Isso pode permitir que as plantas medicinais sejam utilizadas para explorar conteúdos como: química (composição, produção de extratos, preparados e misturas), biologia (fisiologia e anatomia vegetal, corpo humano, saúde, origem das espécies, biomas terrestres, habitats das plantas, etc), artes (desenhar plantas), história (origem das espécies, origem da agricultura) e geografia (centros de origem e diversidade das plantas).

Além destas, existem várias outras opções para explorar o tema plantas medicinais em Educação Ambiental. Abaixo estão listados algumas das ações possíveis de serem desenvolvidas com estudantes, da pré escola até o ensino médio. Estas atividades não são excludentes, nem estão colocadas segundo uma ordem de complexidade, ou sequência lógica. O objetivo aqui é o de sugerir um

13 As cidades brasileiras receberam grande fluxo de migrantes nas décadas de 60 a 80. Pessoas provenientes de todas as partes do Brasil que, ao fixarem residência, trouxeram consigo parte das tradições, da cultura, das plantas medicinais e dos conhecimentos sobre seus possíveis usos. Além disso, o país como um todo recebeu, no século passado e início deste século, imigrantes italianos, alemães, poloneses, ucranianos, japoneses, etc. Estes povos também trouxeram para cá seus conhecimentos e suas plantas medicinais.

conjunto de práticas que possam ser adaptadas à realidade de cada escola e de cada grupo de estudantes com o qual se pretende trabalhar.

1- Montagem de um Herbário

Uma alternativa interessante para sistematizar os conhecimentos acumulados sobre plantas medicinais é a de montar um pequeno herbário, contendo informações sobre as plantas existentes na região. O herbário é um álbum contendo partes (principalmente folhas e flores) das plantas. É um bom instrumento para reconhecimento e consulta, além de ser uma atividade que prende a atenção e entusiasma alunos/alunas. E também muito simples de montar e os custos são mínimos.

A coleta das plantas pode ser feita durante uma visita da turma a uma mata, bosque, área rural ou a um canteiro de plantas em área urbana. De volta a sala, os alunos podem ser instigados a buscarem informações sobre as plantas coletadas. São informações importantes: nomes pelos quais a planta é conhecida, nome científico, forma de propagação, exigência em solos, água, exigência nutricional, características do local onde a planta foi encontrada, para que tipo de problemas de saúde a planta é eficiente, que partes da planta utilizar, como utilizar, contra indicações e perigos no uso da planta.

As fontes de consulta podem ser as mais diversas. Além do CD “Plantas Medicinais”, existem muitos livros, livretos e apostilas com informações sobre estas plantas. Realizar entrevistas com pessoas do bairro que conheçam e utilizem a planta coletada é sempre uma alternativa interessante. As entrevistas são mais estimulantes, mais vivas. Os conhecimentos obtidos desta forma são mais próximos, mais presentes para os alunos.

É interessante que o fichário seja montado aos poucos. Cada visita a um novo local, mesmo que o motivo da visita não esteja relacionado com plantas medicinais, pode gerar novos materiais para serem incluídos no herbário. Desta forma, o assunto poderá ser tratado várias vezes durante o semestre, tornando-o mais fácil de ser fixado.

Além da coleta, os alunos podem ser convidados a desenharem as plantas ou partes delas. É uma atividade que estimula a observação e a criatividade dos participantes. Da mesma forma que as plantas em um herbário, os desenhos servem como memória, como forma de relembrar a aparência da planta.

Como montar um herbário

- reconhecer14 as plantas medicinais. Pessoas da região com um bom conhecimento em plantas podem ajudar muito nesta etapa.

- coletar15 todas as partes da planta que forem possíveis. Para uma boa classificação, é essencial que se colete as folhas (em pequenos galhos), flores e, quando possível, os frutos.

- prensar as plantas em jornais velhos. Colocar as partes coletadas abertas dentro de jornais. Colocar peso sobre as folhas de jornal (dois ou três livros, por exemplo) para pressionar ligeiramente o material. Esta forma de secagem ajuda a evitar que a planta fique muito seca, quebradiça e com pontas dobradas, dificultando o reconhecimento e a conservação.

- após a secagem, colar as partes da planta em folhas de papel, contendo o nome da planta.

- em um pequeno fichário, anotar as informações disponíveis sobre a planta.

Estes procedimentos apesar de serem simples, são bastante eficientes. Permitem a montagem de um herbário de boa qualidade, com possibilidade de resistir, por alguns anos, ao ataque de insetos e microrganismos. O problema dos herbários esta relacionado com a durabilidade dos materiais armazenados. Os grandes herbários mundiais utilizam instrumentos sofisticados para controle de unidade e temperatura, além de esquemas para evitar ataque dos materiais por microrganismos e insetos. Isso permite a manutenção da qualidade dos materiais por muitas décadas. É evidente que a montagem de um herbário sofisticado foge completamente do espírito desta proposta aqui apresentada.

2- Horta Medicinal

O plantio de um pequeno canteiro de ervas é uma atividade prática que efetivamente interliga conhecimentos de várias disciplinas e atraí estudantes de qualquer idade. Existe uma infinidade de conceitos e conteúdos possíveis de serem explorados com os alunos em um canteiro de ervas. Alguns exemplos: ciclos do carbono, nitrogênio, da matéria orgânica e da água, relação solo-planta, organismos do solo, fotossíntese e respiração, etc.

14 Pode ser que, em alguns casos específicos, seja necessário o envio de plantas para serem identificadas por especialistas (botânicos e sistematas). Somente eles podem identificar, sem sombra de dúvidas, as diferenças entre espécies de um mesmo gênero de plantas. 15 Ao coletar plantas em ambiente natural (florestas, matas, beira de caminhos), nunca retirar todas os exemplares de uma mesma espécie existentes no local. Lembrar de sempre deixar plantas intactas, ou mesmo replantar algumas mudas, para que aquela espécie continue presente naquele local.

Escolha das Espécies

É recomendável que se inicie o canteiro pelas espécies que sejam mais comuns no local16. Até que os alunos e professores acumulem uma certa experiência, deve-se dar preferência para aquelas plantas comuns no local, as mais fáceis de cultivar, de crescimento rápido e de múltiplos usos. Espécies exóticas podem ser incorporadas ao canteiro posteriormente.

Uma das possibilidades é a de partir das ervas que os próprios alunos tenham em suas casas17. Pode-se iniciar o trabalho a partir de um levantamento dos conhecimentos que os alunos e seus familiares tenham das plantas medicinais. A partir dai, identifica-se quais as principais plantas a serem introduzidas no canteiro, e até mesmo a ordem de importância destas (por exemplo: introduzir as plantas mais conhecidas e mais utilizadas no bairro em primeiro lugar).

Outra idéia é a de realizar um levantamento das doenças mais comuns no local, na cidade ou região. A partir destas informações se seleciona aquelas plantas que podem ajudar no tratamento destas doenças.

É muito importante que se introduza nos canteiros algumas plantas que, independente de estarem ou não associadas a problemas de saúde específicos, possam ser utilizadas como chá por todos os alunos. Por exemplo: camomila (Matricaria c hamomilla L.); funcho (Foeniculun vulgare Mill.); capim-santo (Cymbopogon citratus). O ato de colher uma planta, lavá-la, preparar o chá e o beber em conjunto com os colegas de sala, é normalmente uma atividade muito estimulante para os alunos (principalmente para as crianças da pré-escola ao básico). Esta é uma das possibilidades de utilização prática de uma planta que foi plantada, cuidada e colhida pelas próprias crianças. Com isso, fica mais fácil visualizar a importância das plantas na vida das pessoas, dando aos alunos a percepção de que estão desenvolvendo uma atividade prática que tem começo, meio e fim; uma atividade que produz algo paupável.

3- Visita a um Canteiro de Plantas Medicinais

16 Esse é um indicador de que aquela planta tem grandes chances de crescer e se adaptar naquele local. Além disso, como a planta está sendo utilizada no local, será mais fácil identificar pessoas que conheçam as diferentes possibilidades de uso destas plantas.17 A primeira vista, pode parecer difícil que alunos que residam em grandes cidades tenham ervas e plantas medicinais em suas casas. É sempre possível, porem, encontrar alunos cujos pais ou parentes próximos cultivem e/ou tenham profundos conhecimentos sobre plantas medicinais. Basta pesquisar.

Outra possibilidade é a de localizar canteiros de ervas medicinais no bairro (nas proximidades) e fazer uma visita com as crianças. A própria pessoa que cuida do canteiro pode ser estimulada a apresentar para as crianças as plantas e seus possíveis usos.

Os alunos podem ser convidados a reconhecerem as espécies, recolher materiais para a montagem de um herbário, ou mesmo preparar chás, tinturas e infusões com as plantas estudadas.

4- Identificação das Plantas Medicinais (adaptado de AKAP, 1980)

A identificação correta das plantas é fundamental para que se possa utiliza-las. Para a identificação das plantas, pode-se organizar visitas a locais onde as plantas estejam em seu estado natural. Pessoas do local com conhecimento sobre as plantas podem servir de guia.

Uma boa identificação envolve o uso de sentidos como:- visão: tente lembrar a forma das folhas, cor das flores e frutos,

aspecto geral da planta.- olfato: as plantas medicinais normalmente contem óleos que dão

um cheiro forte e característico à planta. Cada planta tem seu próprio cheiro, nas folhas, flores, frutos, raiz, casca, etc.

- tato: tente lembrar se as folhas são ásperas, suaves, se tem penugem, se são pegajosas, etc.

Sabor: da mesma forma que no caso do cheiro, as plantas medicinais tem gosto típico, facilmente identificados (em muitos casos). É bom lembrar porém que nunca se deve colocar na boca plantas ou partes de plantas que não se conheça muito bem.

5- Resgate do Conhecimento Local

Com alunos do ensino fundamental ao médio, pode-se desenvolver um trabalho de mais fôlego. Algo que envolva tanto a identificação e resgate de plantas medicinais quanto o registro de conhecimentos ligados às possibilidades de utilização destas plantas.

Os alunos podem ser estimulados a utilizar metodologias participativas para resgatar tanto as plantas como os conhecimento sobre plantas medicinais acumulado pelas populações locais (população do em torno da escola). São metodologias que permitem a construção coletiva dos conhecimentos, viabilizando

a participação direta e efetiva dos alunos em todas as fases do processo de pesquisa. Este exercício, capacitará alunos e professores no uso de metodologias participativas, ao mesmo tempo que transforma a atividade prática em uma aula de cidadania e participação social. Algumas das metodologias possíveis de serem utilizadas nesta atividade estão descritas no CD “Metodologia em Educação Ambiental”.

Esta mesma atividade pode ser realizada com crianças do ensino básico. Neste caso, os professores devem simplificar o processo de pesquisa, reduzindo a área geográfica a ser pesquisada, preparando um questionário simplificado (com perguntas bem objetivas), montando grupos de trabalho maiores, acompanhando os alunos em todas as visitas e entrevistas, apoiando os alunos na fase de sistematização das informações levantadas.

Como parte do processo de levantamento de informações, pode-se programar a visita de moradores do bairro que conheçam plantas medicinais a escola, para discutir com os alunos, repassarem suas experiências, etc. Outra possibilidade é a de organizar visitas a centros de estudos em plantas medicinais, a faculdades e universidades que tenham grupos trabalhando com plantas medicinais.

É muito importante que os funcionários da escola também sejam envolvidos na discussão sobre plantas medicinais. Eles próprios são valiosas fontes sobre as plantas e seus possíveis usos. Cantineiras, serventes, zeladores podem ter muitas informações para serem exploradas pelos alunos.

6 – Placas Informativas

As escolas que disponham de uma área verde, uma praça, um campo ou uma área com vegetação natural, podem realizar a catalogação das plantas medicinais silvestres que estas áreas abrigam. Uma das possibilidades é a de colocar plaquetas nas plantas, com informações como: nome da planta, para que problema de saúde aquela planta serve e como ela pode ser utilizada.

Os próprios alunos(as) podem identificar as plantas, recolher informações sobre elas e montar as placas. Para tanto, vão necessitar de assessoria de pessoas com conhecimento em plantas medicinais (moradores do local ou técnicos) e de um bom material de pesquisa.

7 – Visitas a Feiras e Mercados

As feiras e mercados são bons locais para coletar informações sobre plantas medicinais. Os raizeiros e vendedores de plantas, chás e ervas tem muitos conhecimentos sobre uso destas plantas em tratamento de saúde. Para não correr o risco de dispersão, é interessante que os alunos visitem as feiras com objetivos bastante definidos. Vale a pena preparar algumas questões para serem respondidas pelos alunos, como forma de orientar a visita. Questões como:

-Quais são as plantas mais procuradas? Que problemas de saúde estão relacionados à estas plantas?

-Qual é a origem das plantas(de onde vem as plantas, quem cultiva) vendidas na feira?

-Que tipo de consumidor costuma procurar plantas medicinais? (Idade, sexo, classe social, etc.)

Sugestão de temas para reflexão após a visita: - Todas as fontes de informações sobre plantas medicinais são confiáveis? - O que devemos pensar dos medicamentos e preparados a base de ervas

medicinais (comumente vendidos por ambulantes popularmente conhecidos como o “homem da cobra”) que, de acordo com o vendedor, servem para curar problemas de saúde dos mais diversos?

- Como saber se as informações sobre uma planta medicinal são confiáveis18?

8 – Acampamentos, Trilhas e Viagens de Estudos

As caminhadas em matas, parques, reserva ecológica e outros ambientes naturais são bons momentos para se trabalhar com plantas medicinais. Estas viagens de estudos podem ser utilizadas para catalogar e coletar materiais para o herbário ou mesmo coletar mudas e sementes das espécies de uso medicinal para serem introduzidas na horta medicinal da escola.

O estudo das plantas medicinais pode ser uma das inúmeras atividades propostas para os alunos durante as viagens. Para que a atividade possa realmente ser utilizada como um elemento de cunho educativo é importante que os participantes tenham acesso a manuais, fotos desenhos ou outros tipos de materiais com desenhos de plantas. Também é importante que os instrutores, ou qualquer outra pessoa que acompanhem os alunos, tenha um bom conhecimento sobre a vegetação do local a ser visitado.

18 É sempre aconselhável checar uma informação sobre plantas medicinais em mais de uma fonte, como forma de verificar a veracidade da mesma.

Maiores informações sobre como organizar uma viagem deste tipo pode ser encontrado na metodologia número 2 do CD “Metodologia em Educação Ambiental”.

9- Publicação de Materiais sobre Plantas Medicinais

Após algum tempo de trabalho, o suficiente para que a escola domine as metodologias e acumule informações sobre as plantas medicinais, pode-se pensar na produção de um pequeno livro, apostila, jornal, vídeo ou mesmo um programa de rádio. A experiência e as informações acumuladas pela escola, em qualquer das atividades com plantas medicinais, será mais facilmente difundida se for organizada e publicada. Além de dar mais visibilidade para as ações que a escola desenvolve, uma publicação deste tipo facilitará o trabalho de outras escolas que desejem seguir o mesmo caminho, ou seja, utilizar plantas medicinais como uma ferramenta no processo de educação ambiental.

BIBLIOGRAFIA

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Breve Comentário sobre Biotecnologia

Chamamos biotecnologia a um conjunto de tecnologias que permitem a utilização de organismos e processos biológicos para criar produtos. O termo pode ser visto como um “guarde-chuva” que engloba tanto tecnologias muito conhecidas e utilizadas pelos seres humanos a séculos (como fermentação para a produção de vinho e cerveja, ou na produção de pães e queijos), quanto tecnologias recém desenvolvidas como DNA recombinante (rDNA) e fusão de protoplasma.

O desenvolvimento desta tecnologia, conjuntamente com os recentes avanços em outras Biotecnologias como fermentação, utilização de enzimas em processos industriais, cultura de tecidos e cultura de células, abriram possibilidades de manipulação dos seres vivos nunca vistas anteriormente. Com elas, é possível produzir novos animais e plantas pela transferencia de materiais genéticos entre seres vivos bastante diferentes, um cavalo e uma planta por exemplo.

Universidades, centros de pesquisa e empresas, principalmente de países desenvolvidos, estão utilizando estas tecnologias com o objetivo de produzir produtos que possam ser vendidos (Lewontin,1990). Existem muitos exemplos destes produtos, os mais conhecidos são: animais que produzem medicamentos para humanos em seu leite, plantas resistentes a insetos, um tomate com um geme invertido para que o processo de maturação ocorra de forma lenta, plantas resistentes a herbicidas, animais transgênicos que desenvolvem câncer facilmente, sementes cuja segunda geração perde o poder de germinação, etc. Alguns destes produtos são recém chegados no mercado.

Atualmente, a Biotecnologia é um campo em disputa. Os proponentes das biotecnologias tem sempre apresentado estas tecnologias como uma possível contribuição para a redução da pobreza, para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável, e para o desenvolvimento econômico tanto dos países desenvolvidos como dos em vias de desenvolvimento. Acentuam o potencial da biotecnologia para aliviar a fome no terceiro mundo. Além disso, enfatizam que são tecnologias seguras, ou pelo menos, não mais perigosas que outras tecnologias existentes (Persley, 1990).

Algumas análises, porem, apontam que o desenvolvimento destas novas tecnologias são controladas por corporações transnacionais e pelos países do primeiro mundo. Por causa disto, a biotecnologia está completamente orientada para as necessidades das indústrias do primeiro mundo e para produção em grande escala e para áreas ricas em recursos naturais. Sendo assim, a biotecnologia parece estar destinada a contribuir para o aumento da diferença entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento e entre a população pobres e ricas dos paises em desenvolvimento. Estas análises acentuam ainda que existem uma série de possíveis impactos ambientais negativos relacionados ao uso destas tecnologias. Impactos estes ainda muito pouco estudados. Citam, por exemplo, a possibilidade de insetos e plantas invasoras adquirirem resistência aos herbicidas, inseticidas e antibióticos utilizados na agricultura, a de invasão de habitats naturais por “super plantas transgênicas”, efeitos negativos na população de organismos do solo, morte indiscriminada de animais não alvo (como a borboleta-monarca, joaninha e outros insetos importantes para o controle de pragas), impactos negativos na saúde dos consumidores (alergias, problemas gástricos), etc (Hobbelink, 1991, Kloppenburg, 1993).