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Miolo Pororoca

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POROROCA PEQUENA:Marolinhas sobre a(s) Amazônia (s) de cá

Rogério Almeida

Belém-PA2012

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Livre pensar

A vida é um pé de mangaUm dia tu manga (s) de mim

Noutro dia eu mango de tuE a vida

Manga de nósTodos os dias

Dito popular ouvido em PE

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In memoriam de Joacy Jamys (quadrinhista, programador visual egrande pessoa humana). Demasiadamente humano, falecido no anode 2007. Um ano antes de partir diagramou a minha primeirapublicação, Araguaia-Tocantins: Fios de uma História camponesa.

Dedico a presente obra aos anos de inquietude da educadora RosaElizabeth Acevedo Marin (NAEA/UFPA), à militância política deRaimundo Gomes da Cruz Neto (Raimundinho), EmanuelWamberg (Manu), Marluze Pastor e ao Padre Roberto de Valicourt.

Agradecimentos: serei eternamente grato à generosidade de AlbanoGomes e Maria de Nazaré Barreto Trindade pela revisão da obra,aos alunos de publicidade da Unama Cleverson Velasco e CarolinaOngaratto pela criação da capa e ao professor Marcus Dickson pelasupervisão e ao Dr. Jean Hébette, por prefacia-la.

A Rosa Rocha pelo afeto e companheirismo

Aos irmãos e irmãs da rede Fórum Carajás

Aos amigos/as do Núcleo Piratininga de Comunicação- NPC-RJ

Ao Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical ePopular (CEPASP), ONG de Marabá, Rosa Rocha, Irmão Antônio(Justiça nos Trilhos) e Thiago Cruz, pela cessão das fotos.

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:: E X P E D I E N T E::

POROROCA PEQUENA:Marolinhas sobre a (s) Amazônia (s) de cá

Capa – Agência Unama – profº Marcus Dickson, Cleverson Velascoe Carolina Ongaratto

Revisão – Albano Gomes e Maria de Nazaré Barreto Trindade

Fotos: arquivo do Cepasp, Rogério Almeida, Rosa Rocha, IrmãoAntônio (Justiça nos Trilhos) e Thiago Cruz

Contato do autor – [email protected]

Todos Direitos Reservados a Rogério Almeida

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Almeida, Rogério Henrique POROROCA PEQUENA: marolinhas sobre a (s) Amazônia(s) de cá / Rogério Henrique Almeida. – Belém, 2012. 212 f.: 15x21. cm ISBN: 978-85-913900-0-7

Inclui bibliografias

1. Grandes Projetos - Amazônia. 2. Conflitos agrários -Amazônia. 3. Mineração – Amazônia. 4. Agrobiodiversidade -Amazônia. 5. Projeto de desenvolvimento- Amazônia. I. Título.

CDD 21. ed. 336.09811

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| 7POROROCA PEQUENA: Marolinhas sobre a(s) Amazônia (s) de cá

SUMÁRIOSobre o autor .............................................................................. 09Prefácio........................................................................................ 11A Gênese do Pororoca .............................................................. 13

01ª Parte - ESTADO E OS GRANDES PROJETOS ......... 171 - Nova SUDAM? ..................................................................... 172 - BR-163- dias piores virão? ...................................................... 223 - Grandes Projetos na Amazônia: mineraçãoem Juruti e a produção de energia ............................................... 284 - Geração de energia na Amazônia: caso de Estreitoem questão .................................................................................... 355 - Siderurgia em crise: o vendaval da economiaespeculativa e a mineração na Amazônia ..................................... 50

02ª Parte - ARAGUAIA - TOCANTINSTERRITÓRIO EM DISPUTA................................................ 641 - Araguaia - Tocantins: fragmentos de 20 anosde luta pela terra ............................................................................ 642 - Bico do Papagaio: dias de sangue, dias deUDR, 24 anos atrás ....................................................................... 723 - A luta pela terra na Amazônia: camponeses/as,a família Mutran, Daniel Dantas e outros sujeitos ...................... 774 - Agrobiodiversidade na Amazônia: movimentos sociaisapontam agroecologia como forma de desenvolvimento.......... 1005 - O julgamento do caso João Canuto: tudo uma ilusão? ....... 1066 - Carajás, o novo cenário? ....................................................... 1137 - Amazônia, Pará e o mundo das águas do baixo tocantins .... 1228 - Carajás – interesses da Vale pressionam territóriosde camponeses e indígenas ......................................................... 132

03ª Parte - BELÉM - A CIDADE ......................................... 1141 - Coletivo Rádio Cipó: a inquietaçãocultural na quebrada da Amazônia ............................................. 1412 - Bosque Rodrigues Alves, o jardim botânicoda Amazônia: 120 anos de história ............................................. 148

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04ª Parte – ENTREVISTAS ................................................... 1611 - A Amazônia sob a análise de Lúcio Flávio Pinto ................. 1612 - Amazônia e as novas frentes de expansãomineral e do agronegócio no sul e sudeste do Paráentrevista com Batista Afonso- CPT/Marabá ............................ 1923 - Extrativismo mineral em Juruti:passivos sociais e ambientais e a peleja dosnativos contra o grande projeto - entrevista comGerdeonor Pereira camponês do oeste do Pará ......................... 1994 - Maranhão: as vísceras do sertão - entrevistacom Antonio Gomes (criolo)- ativistapastoral do oeste do MA ............................................................. 2055 - Baixo amazonas, grandes projetos eas comunidades tradicionais – entrevista comIrene Pinheiro - quilombola ...................................................... 210

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Sobre o autor

Rogério Almeida é graduado em Comunicação Social/UFMA,com especialização e mestrado em planejamento pelo Núcleo deAltos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA), com pesquisa laureadacom Prêmio NAEA/2008.

Tem produzido artigos, reportagens e entrevistas sobre asdinâmicas de grandes projetos na Amazônia, em particular no Pará.

Foi articulista do Instituto Brasileiro de Análises Sociais eEconômicas (IBASE), Ecodebate e colaborador da rede FórumCarajás.

Sempre que pode anima o bloghttp: //www.rogerioalmeidafuro.blogspot.com/

Gosta de samba, choro, maracatu, bumba meu boi e outrosbatuques.

Email para contato: [email protected]

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PREFÁCIO

Em “POROROCA PEQUENA: Marolinha sobre a(s)Amazônia(s) de cá”, o jornalista Rogério Almeida, bem conhecidoentre nós por sua militância junto aos movimentos sociais no campopinta uma paisagem das contradições sociais e políticas que nosafetam, a nós, moradores da imensa Amazônia irrigada por umaigualmente imensa bacia hidrográfica. Tão imensa e diversificadado ponto de vista físico, econômico, social, político e, principalmente,cultural, que autores – notadamente geógrafos, como Ariovaldo deOliveira – a desdobram, como Rogério Almeida prefere desdobrá-la - o que lhe permite não esconder sua particular simpatia pelaAmazônia dos rios Tocantins e Araguaia, como se estes dois afluentesdo Amazonas, já por só imensos, oferecessem uma espécie de síntesede todas elas.

Apesar da “modéstia” que o autor atribui – modestamente – aseu livro, vários de seus textos já foram apresentados em reuniões eencontros científicos, e mereceram publicações em revistasreconhecidas como Caros Amigos, Democracia Viva do IBASE edo Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual doRio de Janeiro.

A coletânea reúne 20 trabalhos distribuídos em quatro partes: aprimeira, referida aos chamados Grandes Projetos, cada vez maioresna dimensão dos seus impactos sociais; a segunda, mais substancial,traça a audaciosa saga dos pequenos produtores rurais por aíimigrados em confronto com o latifúndio especulativo e ilegal; naterceira parte, o autor dá um pulo rápido para a cidade de Belém,antes de concluir, na quarta parte, com cinco entrevistas comtestemunhas significativas de nossa história recente. Esta paisagemsugere uma arte de pirotecnia com um fogo de artifício de flashesbrilhantes e percutidores lançados em todos os horizontes da vidasofrida do campesinato amazônico. Destes flashes se destaca umaquantidade de números preciosos coletados em fontes confiáveis.

A narração flui, fugindo à linguagem acadêmica a qual o redator

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teve que se submeter na sua dissertação do mestrado apresentado aoNúcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), preferindo um estilojornalístico mais florido, recheado de metáforas, às vezes tangentesa certo preciosismo.

Na sua “modéstia”, o livro ora publicado pode ser muito útilpara leitores que, sem quererem se aprofundar no assunto, fazemquestão de se manter a par dos eventos mais significativos da regiãonos último cinco anos. Muito útil, sobretudo, para professores doensino fundamental das diversas disciplinas, assim como paraestudantes universitários. Neste sentido, referências mais explícitasà literatura citada en passant seriam bem-vindas. Espera-se do jornalistaRogério Almeida que, dando sequência a seu livro anterior “Araguaia-Tocantins. Fios de uma história camponesa” (2006) e deste novonos gratifique, também, com análises mais detidas nas quais setreinou nos tempos de seu mestrado.

Jean Hébette – Professor da UFPA

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A Gênese do Pororoca

A Amazônia é um vasto mundo. Mundo irrigado por rios egentes. Gentes de conhecimento milenar. Povos originários quedesde os primeiros colonizadores socializam as mazelas da“conquista” do novo mundo, mas que apesar da condiçãosubalternizada não deixam de se sublevar.

Gentes que nas narrativas inaugurais sempre foram tratadascomo inferiores, rudes, obtusas e selvagens. Gentes que foramescravizadas, assassinadas e catequizadas, e que apesar das condiçõescontrárias insistem em suas manifestações culturais, mobilizamesforços em várias formas de organizações sociais e políticas. Sejaem ilhas ou terra firme, ou em locais marcados pela realidade doestuário, paraná-mirins, furos, rios ou rodovias. E ainda em vilas,em quilombos, em aldeias, em projetos de assentamento rurais eocupações e reservas extrativistas. Em pequenas, médias e grandescidades. Gentes que alguns meios de comunicação insistem em tratarcomo exuberantes ou exóticos. Uma ressignificação das visõespreconceituosas do colonizador.

Uma fração das realidades que compõe o Pará, Maranhão eTocantins dá corpo a este livro, em particular as do AraguaiaTocantins. Trata-se de região considerada de colonização recente,onde corporações de mineração, de monoculturas de grãos, deconstrutores de hidrelétricas e de pecuária pressionam territóriosde populações consideradas tradicionais e camponesas.

A identificação com as dinâmicas da região ajudaram a cimentara presente iniciativa. O ânimo tem âncora ainda no reconhecimentoda produção através da publicação parcial ou na íntegra dos artigos,reportagens e entrevistas em espaços acadêmicos ou jornalísticos.

A revista paulista Caros Amigos, a rede Fórum Carajás, oLaboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Riode Janeiro (LPP/UERJ), o site Ecodebate, a Revista Democracia Vivado Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE/RJ), a Revista Estudos Avançados da USP foram alguns dos espaçosque ajudaram na publicização desse material.

Registre-se a criação do blogue FURO, iniciado em setembrode 2008, além da Revista Sem Terra (impressa). Tem-se ainda a

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publicação de material e participação no 3º Encontro da Rede deEstudos Rurais, ocorrido em Campina Grande, Paraíba, em setembrode 2008, o artigo Araguaia-Tocantins: fragmentos de 20 anos de lutapela terra.

O material ora publicado compreende produções realizadasentre os anos de 2003 a 2010. Em algumas passagens do presenteregistro é possível encontrar inflexões sobre o papel do Estado, astensões entre os diferentes agentes que disputam o território e asriquezas nele existentes e o modelo de projeto de desenvolvimento.Alguns trabalhos exigiram empreitada em campo, para se verificaras relações entre os grandes empreendimentos e as populações locais.

Foi assim no caso da ocupação da fazenda Maria Bonita emEldorado do Carajás, sudeste do Pará. A presente reportagem registraos protagonistas antigos e recentes na disputa pela terra no sudestedo Pará. Tem-se aqui o Estado, a família Mutran, o MST e obanqueiro Daniel Dantas, indicado como novo ator no cenário dadisputa pela terra no estado.

O mesmo é indiciado por uma série de ilícitos, como formaçãode quadrilha, evasão de divisas e crime contra o mercado financeiro.Através da empresa Agropecuária Santa Bárbara, passou a controlarinúmeras propriedades na região. As terras em questão um dia foramcastanhais livres, que passaram a ser apropriadas indevidamenteatravés do expediente jurídico de aforamento. Ferramenta jurídicaque concede o direito ao uso da terra apenas para fins de extrativismoda Castanha do Pará, e não o direito de posse, como os negociadoresMutran e Dantas querem fazer crer.

Outros casos foram o polo de gusa de Pequiá em Açailândia-oeste do Maranhão e a construção da hidrelétrica de Estreito, namesma região. O primeiro empreendimento nos remete a mais deduas décadas, surgido através do Poloamazônia, quando a políticanacional instalou na região a perspectiva de desenvolvimento a partirdos polos madeireiros, de mineração e pecuária.

Já o caso da hidrelétrica de Estreito atualiza a intervenção doEstado numa orientação de desenvolvimento a partir de eixos deintegração, onde a geração de energia desponta como sendo um deles.Enquanto, no primeiro caso, a Superintendência deDesenvolvimento da Amazônia (SUDAM) era o agente de induçãoda economia, no segundo, tem-se o Banco Nacional de

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Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como ponta delança, não só na região, mais em dimensões continentais.

Ainda em campo tem-se o registro da experiência emagroecologia desenvolvida na região do Baixo Tocantins, Pará,iniciativa empreendida pela ONG Associação Paraense de Apoio àsComunidades Carentes (APACC) com sindicatos de trabalhadoresrurais. A ambição de buscar a transição de práticas consideradastradicionais do uso dos recursos da floresta para práticasagroecológicas teve início nos primeiros anos da década de 2000.

O trabalho de campo foi uma necessidade de se presenciar ospassivos sociais e ambientais induzidos pelos grandes projetos easpectos aplicados pela APACC no Baixo Tocantins. E umaprendizado ao ouvir alguns invisíveis: trabalhadores rurais, donasde casa, desempregados, idosos, prostitutas, moto-taxistas, estudantesde graduação, donos de botequim, dirigentes sindicais e profissionaisliberais como educadores e jornalistas.

As dinâmicas dos mundos rurais dão corpo ao modesto projeto.A exceção é o capítulo dedicado à cidade de Belém. Duas reportagenspontuam nuances da metrópole. O primeiro trata de militânciacultural centrada na música, a partir do grupo Coletivo Rádio Cipó.A trupe é nascida no bairro da Pedreira, conhecida zona boemia.Jovens e outros nem tão jovens somam em poesia e sonoridade numaprodução original. Dona Onete e o mestre Laurentino, como reza oclichê, são as estrelas da companhia. O segundo texto recuperafragmentos dos 120 anos do Bosque Rodrigues Alves, um naco defloresta dentro da cidade. Um ponto de visita de turistas e das famíliasde Belém. Assim como o Bosque do Museu Emilio Goeldi.

O POROROCA PEQUENA: Marolinhas sobre a(s)Amazônia (s) de cá foi puxado a fórceps, numa peleja desprovida deapoios institucionais, exceto amparos pontuais da rede FórumCarajás. Vinte trabalhos integram a obra, entre artigos, reportagense entrevistas distribuídos em quatro seções: 1ª Parte. ESTADO EOS GRANDES PROJETOS; 2ª Parte. ARAGUAIA-TOCANTINS- TERRITÓRIO EM DISPUTA; 3ª Parte. BELÉM-A CIDADE e, finalmente, 4ª Parte. ENTREVISTAS com dirigentessindicais e populares e assessores e uma com o jornalista Lúcio FlávioPinto. Esta última, realizada com o auxílio luxuoso dos ex- colegasde mestrado do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/

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UFPA), Guilherme Carvalho e Nanani Albino, a quem sou gratopela colaboração.

As Amazônia (s) do Brasil são várias. Seria pretensão desejarum nome pomposo a este singelo trabalho, ante a complexidade deredes econômicas, políticas e sociais que se espraiam pela região nadisputa pelo território e pela definição de seus projetos dedesenvolvimento. Por isso a opção pelo nome adotado.

A publicação é apenas um sopro sobre a vastidão de delicadoscenários que conformam as dinâmicas econômicas, sócio-culturaise politicas da região. Espera-se que possa de alguma forma serprodutivo como fonte de pesquisa e debates. Ainda que modesto.

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01ª Parte

ESTADO E OS GRANDES PROJETOS

1 Nova SUDAM?

2 BR-163- dias piores virão?

3 Grandes Projetos na Amazônia: mineração emJuruti e a produção de energia

4 Geração de Energia na Amazônia: caso deEstreito em questão

5 Siderurgia em crise: o vendaval da economiaespeculativa e a mineração na Amazônia

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1 - Nova SUDAM¹?A corrupção é a primeira relação que se materializa ao pronunciar

a palavra SUDAM. Tal realidade nem tanto reservada a bastidores emuito menos nova foi o que mais lhe deu visibilidade. Ninho deoligarcas da elite amazônica e empresários do Centro-Sul, íntimoscom a prática do patrimonialismo, a SUDAM lhes serviu como umagalinha de ovos de ouro por mais de três décadas. As denúnciasfestejadas na imprensa em 2000/2001 nasceram do entrevero entreos “coronéis”, Antonio Carlos Magalhães da Bahia e Jader Barbalhodo Pará, quando governava o país, Fernando Henrique Cardoso.

Em sua certidão de nascimento SUDAM significaSuperintendência de Desenvolvimento da Amazônia. Juridicamenteuma autarquia, criada através da Lei 5.173 de 27.10.1966, emsubstituição a Superintendência do Plano de Valorização Econômicada Amazônia (SPVEA) (Lei n.º 1.806 de 06.01.1953). Posteriormente,a Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA) veio substituí-la em 02 de maio de 2001, por conta de inúmeras denúncias decorrupção. Prestes ao seu renascimento, após a aprovação noCongresso Nacional, ocorre interrogar que caminho a mesmaseguirá. A autarquia atua no raio de nove estados da Amazônia Legal(Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Tocantins, Mato Grosso, Roraima,Rondônia e Maranhão). Tem a sua sede em Belém, capital do Pará.

Não foi a pororoca de corrupção publicizada que levou à extinçãoda SUDAM. Na verdade a alteração de estratégia já existia há pelomenos quatro anos, com base técnica. Tudo resultado da novaconcepção do papel do Estado exigida pela recente conjuntura daeconomia mundial, onde se prega a redução ao máximo do mesmona economia. Bem como à crise fiscal e financeira que abala o paísdesde a década de 1980. Assim advoga parte da tese de doutoramentodefendida em 2005, no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos(NAEA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), pelo economista,

1 Texto publicado originalmente no boletim eletrônico Notícias da Amazônia, da Secretariado MST/Pará, n. 66, de 18 de janeiro de 2006 e posteriormente no site do Laboratório dePolíticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (LPP/UERJ).

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Sérgio Roberto Bacury de Lira, Morte e ressurreição da SUDAM:uma análise da decadência e extinção do padrão de planejamentoregional da Amazônia.

Na análise do pesquisador sobre a extinção da SUDAM em 2001representou um oportunismo do Estado, que não colocou em debatea questão que seria central, o modelo de desenvolvimento regionalcom base em incentivos fiscais. O economista defende que a extinçãoda SUDAM resulta da desestruturação e do término de um modelode planejamento regional brasileiro.

Os registros das academias sobre a SUDAM sinalizam tratar-sede uma agência criada no sentido de promover o desenvolvimentoregional e a integração da Amazônia ao restante do país com baseem pesados incentivos fiscais às grandes empresas do Centro-Sul emesmo internacionais. Acreditava-se na tese de que só assim seriapossível o desenvolvimento regional, tornando a região um poloexportador interno e externo de produtos primários.

A segunda etapa do processo de industrialização marcava ocontexto da época, onde se verificava a associação do capital industrialnacional com o internacional. Modelo gerido pela escola cepalina(Comissão Econômica para América Latina e Caribe), conhecidocomo de substituição de importação, onde o Estado exerceu papelcentral. Ao se investigar tal modelo de planejamento desenhado noregime militar, cuja característica principal residia na verticalidade,temos entre os resultados: concentração de terra e renda,internalização de passivos sociais e ambientais, além de transferênciade riquezas.

Na “conquista” da Amazônia, outros vetores somaram-se aosprojetos estabelecidos no Poloamazônia, pela SUDAM, uma dasmedidas elencadas no Plano Nacional de Desenvolvimento (PND),que visava a implantação de projetos nos setores da pecuária, madeira,minério e obras de infraestrutura para a região. Ressalte-se oPrograma Grande Carajás, que determinou a instalação da exploraçãode minério na Serra de Carajás, polos siderúrgicos, exploração debauxita (matéria prima para a produção de alumínio), na região doTrombetas, oeste do Pará, construção da hidrelétrica de Tucuruí,sudeste do Pará, e instalação de fábricas de lingotes de alumínio noPará e no Maranhão.

Sedimentava-se assim a conquista da fronteira, marcada por uma

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abissal indiferença ao cidadão amazônico, numa região estabelecidana cabeça dos planejadores como um vazio demográfico. Se dealguma forma a região se integrou ao resto do país, as medidas nãoreduziram as diferenças regionais.

Com a radicalização do que se convencionou chamar de políticasneoliberais, quando as grandes corporações hegemonizam o processode organização da economia mundial, em detrimento dos Estadosnacionais, que papel caberia a uma agência regional dedesenvolvimento num país de condição periférica e numa regiãoperiférica nacional?

Como será a definição de suas metas para a região, em face doque o Plano Plurianual (PPA), política que define os investimentosdo Governo Federal já estabelece como questões estratégicas? Nota-se, no conjunto, projetos com semblante similar aos de outrorabatizados de grandes, como os de infraestrutura. No portfólio tem-se a construção de transporte multimodal (estradas, ferrovias,hidrovias), com vistas a garantir o escoamento de grãos que têm nasoja seu carro-chefe. Além de uma série de hidrelétricas, quehistoricamente funcionaram como degradadoras ambientais, emotivadoras de expulsão da população nativa.

Como a corrupção emerge em nossa História como prática deenriquecimento, destaque-se que ainda em 1980, a ComissãoInterministerial de Avaliação de Incentivos Fiscais (COMIF) jádenunciava a questão na SUDAM. Mesmo em 1970 já se tinharegistro. Como é quase impossível desvencilhar o nome da agênciade práticas fraudulentas, ocorre aqui relembrar protagonistas de talação. No rol, nomes reconhecidos na política nacional, como o chefepolítico Jader Barbalho. Mesma dimensão ocupada por AntonioCarlos Magalhães com relação a Superintendência deDesenvolvimento do Nordeste (SUDENE).

Como tudo na Amazônia costuma ter uma dimensão gigantesca,as estatísticas de fraude na SUDAM não fogem à regra. Os númeroslevantados pelo economista Lira sobre o processo de fraudes indicamque até abril de 2001, o montante desviado estava na casa de R$1,7bilhão, dos quais R$600 milhões seriam frutos de 35 projetosconsiderados irregulares e R$1,1 bilhão seriam oriundos de 159empresas (de um total de 213 projetos considerados fraudulentos),que foram cancelados pelo Conselho da SUDAM.

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Ainda conforme pesquisa do professor Lira, consta que entre1996 e 2001, dos 274 projetos que receberam recursos da SUDAM,apenas cinco escritórios foram responsáveis pela metade dos projetos,com valor estipulado em R$616 milhões. No mesmo balaio 68projetos foram elaborados por um escritório de uma ex-diretora daSUDAM. O centro-oeste do Pará é um dos destinos de tais recursos.Um dos fazendeiros Délio Fernandes, teria desviado R$4,2 milhões.Foi da sede da fazenda de Fernandes que Bida, um dos mentores daexecução da missionária Dorothy Stang, ligou para pedir apoio parafuga.

Entre esses muitos projetos escandalosos cumpre lembrar oranário da esposa do Barbalho, a senhora Márcia, com valor de R$9,6milhões. Os relatórios do Ministério da Fazenda apontam que aolongo de mais de três décadas um dos maiores beneficiados foi ofazendeiro goiano José Osmar Guedes, que teria sangrado R$400milhões. Investigações divulgadas na época indicam que o fazendeirodepositou U$ 41 mil em contas pessoais de José Arthur GuedesTourinho, então-diretor da SUDAM, indicado por Barbalho.Tourinho foi presidente do clube de futebol Paysandu.

Na prestação de contas de campanha do ex-governador doAmazonas, Amazonino Mendes (PFL/DEM), constam váriasempresas suspeitas de desviarem recursos da SUDAM, como aDistribuidora Genal Ltda. e Chocam Chocolate da Amazônia. Atéonde chegaram os tentáculos da rede que ajudou a desviar recursosaos baldes da SUDAM? O elenco é de primeira linha: advogados,contadores, economistas, mediadores, com escritórios plantados emvárias cidades dentro e fora da região, sob a ingerência de políticosde todos os estados da Amazônia Legal.

A nova SUDAM volta à vida tendo no rastro de suas três décadasmarcas profundas de corrupção. A superintendência foi ressuscitadasegundo Projeto de Lei da Câmara Federal de nº. 60, integrada aoSistema de Planejamento e Orçamento Federal. A finalidade ficoudefinida como promover o desenvolvimento includente e sustentávelde sua área de atuação e a integração competitiva da base produtivaregional na economia nacional e internacional.

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Referências

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2 - BR-163: dias piores virão?2

A conquista do tri campeonato de futebol pelo escrete canarinhoé um dos emblemas da década de 1970, instante em que o Estado deexceção conforma a politica no Brasil. Na cena econômica tem-se o“milagre econômico”. Para a Amazônia é marcante o projeto deintegração da região ao resto do país, numa lógica de planejamentoperiférico e vertical desenhada nos gabinetes dos militares. A regraditava a ampliação da fronteira agrícola e exploração de matérias-primas para a conquista da região. No Araguaia pipocava a guerrilha.Com vistas à exploração das riquezas minerais e ampliação daagricultura e pecuária, obras de infraestrutura surgiram na florestacomo símbolos da modernidade. Entre elas a BR-163, que ligaCuiabá, no Mato Grosso a Santarém, no oeste do Pará.

Nos anos inaugurais da década de 2000, o assunto BR-163hegemonizou o debate nas universidades locais, nacionais e mesmointernacionais, quando o assunto era a Amazônia. Discussão queenvolve ainda associações de trabalhadores, ambientalistas, setoresda economia nacional, internacional, governos federal e estaduais.No centro constava a tentativa de construção de um referencial deorganização do território a partir do Zoneamento Econômico eEcológico (ZEE). No grupo de atores sociais que disputa o uso daterra e dos recursos naturais constam: sojeiros, madeireiros,garimpeiros, populações indígenas, extrativistas, pecuaristas,agricultores e mineradoras.

Grilagem de terras, exploração ilegal de madeira, elevado índicede trabalhadores em condições de escravidão, execuções detrabalhadores rurais e seus apoiadores ajudam a compor a aquarelada região. Entre os dias 19 e 20 de setembro de 2005, a UniversidadeFederal do Pará (UFPA), através do Núcleo de Altos Amazônicos(NAEA), em parceira com a Agência de Desenvolvimento daAmazônia (ADA – agora novamente SUDAM), Museu ParaenseEmílio Goeldi (MPEG), entre outros, ZEE, encaminhado pelogoverno federal em parceria com os estados do Amazonas, Pará eMato Grosso. Na ocasião, a obra dividida em quatro volumes de

2Texto publicado originalmente no boletim eletrônico Notícias da Amazônia, da Secretariado MST/Pará. Nº 59, de 20 de setembro de 2005 e posteriormente no site do Laboratóriode Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (LPP/UERJ).

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autoria do pesquisador Jean Hébette, “Cruzando a fronteira: 30 anosde estudo do campesinato na Amazônia”, que examina o processo desdea década de 1970, abriu o debate sobre a ocupação na Amazônia.

Inspirado na perspectiva desenvolvimentista e na buscaincessante do superávit primário, o Governo Federal visa semear ecolaborar para a melhoria de obras de infraestrutura. Na lógica detransporte multimodal (rodovias, hidrovias, ferrovias), em seu PlanoPlurianual (PPA), a BR-163 volta à pauta como prioridade paramelhorar a circulação da produção de grãos, que se avoluma noCentro-Oeste do país. No celeiro dos interessados verifica-se alémdas empresas multinacionais, o rei da soja e também do governadordo Mato Grosso, Blairo Maggi (PPS). O empreendimento inauguraa mistura do tempero entre o público e o privado, na burocraciaestatal batizado de Parceria Público Privado (PPP).

Se a oportunidade econômica faz brilhar cifrões nos olhos dosprodutores de grãos, o contrário ocorre entre as populações nativas(índios, extrativistas, trabalhadores rurais, ribeirinhos, entre outros).Na perspectiva dos planejadores e dos ditos investidores, são sempreelevados à categoria de empecilho ao desenvolvimento. Alvo dacoerção pública e privada. Como a registrada na reserva Raposa doSol, Roraima, no dia 17 de setembro de 2005, com o ataque de 150pistoleiros armados contra os indígenas. Se a possibilidade econômicarevela-se excelente, alarmante os impactos sociais e ambientais quese desnudam.

Experiências pretéritas contabilizam os passivos sociais eambientais aos montes. Quase que inquestionáveis. A defesa doprojeto é escudada no chamado desenvolvimento sustentável, aindaque não se discuta o paradoxo de tal tese, coadunar desenvolvimentobaseado em uso intensivo de recursos naturais; e sustentável ancoradoem algo que advoga o socialmente justo, economicamente viável eambientalmente zeloso. Como efetivar tal proposta numademocracia marcada pelo aleijão da concentração de terra e renda,em rincões onde a diferença não é reconhecida, onde o podereconômico e político imperam, em detrimento de qualquerparâmetro legal?

A produção de grãos pesa na balança comercial (estimada em50%), ainda que os números das dívidas dos produtores sejamomitidos pelos principais meios de comunicação, que no caminho

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oposto esmeram-se na demonização do movimento camponês. Alémda festejada produção de soja, que põe abaixo milhares de hectaresda floresta amazônica e do cerrado, biomas que marcam a região, apaisagem é hoje a principal área de exploração ilegal de madeira,grilagens de terras e violência contra camponeses e seus apoiadores,como a irmã Dorothy, executada em fevereiro de 2005.

Tal violência contra camponeses, seus apoiadores e assessoresdeu o primeiro sinal com a morte do sindicalista Ademir Federecci(Dema), 36 anos, executado na região de Altamira, no ano de 2001,quando denunciava o processo de exploração ilegal de madeira,corrupção nos processos de financiamento da extintaSuperintendência de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) egrilagens de terra. Em seguida ocorreu a execução do dirigentesindical Bartolomeu Morais da Silva (o Brasília), morto com 21 tirosapós sessão de tortura, ironicamente numa comunidade batizada deCastelo dos Sonhos. No ano de 2003, uma chacina envolvendo seistrabalhadores rurais e um médio produtor denuncia o deslocamentodo morticínio do sul e sudeste do Pará rumo ao sudoeste do estado.

A diversidade dos recursos naturais e sociais é maior que ospassivos sociais e ambientais e a possibilidade de faturamentofinanceiro. A região abriga três imensas bacias hidrográficas (TelesPires/Tapajós, Xingu e Amazonas) e dezenas de tributários. Dessariqueza natural dependem aproximadamente dois milhões dehabitantes, envolvendo diversos grupos sociais e econômicos. Assimexplica o documento base do Plano de Desenvolvimento Sustentável.

No desenho do plano visa-se a integração de políticas quepossibilitem o desenvolvimento integrado da região. Ao se espelharno passado, a fé entra em refluxo. Nesses instantes criam-se os taisespaços de participação pública, as audiências. Ainda que signifiqueum passo à frente, a assimetria marca o debate, que acaba por seassemelhar a espaços circenses como os já registrados nas audiênciasdo projeto Juruti, oeste do Pará (exploração de bauxita, matéria-prima para a produção de alumínio) e nas audiências do projeto dahidrelétrica de Estreito, oeste do Maranhão e norte do Tocantins.

Em tais espaços verificou-se a capacidade de empresas, muitasdelas multinacionais, em persuadir, do sapateiro ao prefeito, naformação do coral do “a favor” do projeto, sem explicar muitospontos delicados, como o deslocamento e reassentamentos de

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agricultores, índios, extrativistas etc. Aqui o tempo sempre nubla.Isso sem falar nas imperfeições de engenharia, como a imprecisãodo local da barragem de Estreito. Aos que desafinam no coro “dopró” olhares de esguelha, deboche e mesmo a ira dos contrários.Outro elemento recai sobre o hermetismo da linguagem técnica, oque provoca o monopólio da fala.

Na geografia o documento do Governo Federal explica que aárea do projeto reúne 71 municípios, sendo 28 no estado do Pará,37 no estado do Mato Grosso, e seis no estado do Amazonas,perfazendo uma área total de 1,23 milhão de km2 (123 milhões dehectares) que correspondem a 24,6% da Amazônia Legal e 14,47%do território nacional. Desse total, 828.619 mil km2 encontram-seno Pará (66,41% do território estadual), 280.550 km2 no Mato Grosso(31,06% do estado) e 122.624 km2 no Amazonas (7,81% do estado).Aqui inclusa a já celebridade nacional, Terra do Meio, oeste do Pará.

No município de Santarém alguns setores festejam a introduçãoda soja, e até um porto, construído pela empresa Cargil, no maiorflagrante de indiferença à legislação ambiental. O mesmo foi erguidoquando o processo encontrava-se na Justiça, sem uma definição. AComissão Pastoral da Terra (CPT) do Pará já engrossa os seusregistros com mortes de trabalhadores da região, como denunciadonuma audiência com a oficial da Organização das Nações Unidas(ONU), Asma Jahangir. Verifica-se, assim, a concentração do debatedo ordenamento do território em certa medida no Pará, posto MatoGrosso já possuir um zoneamento.

Qual a trilha a seguir para a manutenção ou uso equilibrado dosrecursos naturais e a inversão da gramática dessa modalidade deprojeto, que tem por regra a expropriação dos nativos? A criação deáreas de reservas? Parece ser essa a indicação do Governo Federalem alguma escala consensuado pelo Governo do Pará, que juntosdesejam a definição de nove áreas.

Teríamos assim a criação de um mosaico que, conforme os dadosoficiais garantiria a proteção de 60% do território em debate. Oobjetivo do projeto é criar em parceria com o Instituto Brasileirodos Recursos Naturais Renováveis e do Meio Ambiente (IBAMA)e o Governo do Estado, nove unidades de conservação, divididasnas Florestas Nacional ou Estadual de Trairão, do Amaná, do Crepori,do Iriri e do Jamanxim; os parques Nacional ou Estadual do

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Jamanxim e do Rio Novo; e a Área de Proteção Ambiental Tapajós.Estas reservas ocupariam áreas nos municípios de Jacareacanga, NovoProgresso, Trairão, Itaituba, Rurópolis e Altamira, todos localizadosno Pará.

Que cenários se desenham no horizonte da Amazônia com atentativa de disciplinamento do uso do território na BR-163? Emalguma medida os pesquisadores indicam que em certa escala jáocorre uma territorialização na região através de sojeiros, grandepecuária, mineradoras canadenses, empresas juniores de mineraçãoe agricultores. No entanto, indícios indicam que uma situação decaos é interessante para o processo de transferência de terras públicaspara a iniciativa privada, principalmente no bioma cerrado, como severifica em Santarém, onde 500 famílias foram expulsas numa únicatacada da comunidade de Santa Rosa, e engrossam hoje bolsões demiséria na periferia de Santarém.

A esfera jurídica e militar tem sido a regra no planejamento doestado para tratar da questão de disputa de terras ao longo dos 10anos de mando do Partido da Social Democracia no Pará (PSDB).Nesse sentido, criou varas agrárias que em tese seriam espaços parase diluir as disputas pela terra. E, ainda, no aparato armado criouuma divisão especial na Polícia Militar, Divisão Especial de ConflitosAgrários (DECA). Impossível tratar do assunto sem citar o Massacrede Eldorado, ocorrido em 1996, quando 19 trabalhadores sem terraforam executados e 69 feridos.

Já no ano de 2005 numa só caneta o juiz da Vara Agrária deMarabá, Líbio Moura, expediu 50 liminares de reintegração de posse.A maior da História. A ação das tropas da PM durou três meses e foimarcada pela denúncia de truculência, onde lavouras foramqueimadas e barracos destruídos. Mas, no estado onde mais se mata“sem terra”, o governo garante que tudo vai mudar com aimplantação do Projeto Pará Rural, calçado com financiamento doBando Mundial, que visa a integração subordinada do agricultor aomercado. Dias piores virão?

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3 - Grandes Projetos na Amazônia: mineração em Juruti e aprodução de energia3

1.500 pessoas ocuparam no dia 28 de janeiro de 2009 uma áreade operação da empresa estadunidense Alcoa, no município de Juruti,oeste do Pará. No local é explorada uma mina de bauxita, matéria-prima para a produção de alumina que é em seguida transformadaem alumínio.

O empreendimento fica na bacia do Amazonas. Um bilhão dereais deve ser aplicado para produzir quatro milhões de toneladasdo minério. Desse total de investimento a sociedade brasileira vaientrar com 500 milhões através do Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social (BNDES) a juros módicos.

A companhia é uma das maiores mineradoras do mundo e operaem 32 países nos quatro continentes. No Maranhão mantém umaempresa de produção de lingotes de alumínio, Alumar, desde adécada de 1980, em sociedade com a BHP Billiton e que deveráincrementar a produção de 368 mil para 420 mil toneladas. Por issoo interesse na mina de Juruti, que também vai emancipar a Alcoa dofornecimento da Mineração Rio do Norte, da Vale, que extrai abauxita no município de Oriximiná, na mesma região. Além dasfrentes de mineração, o baixo Amazonas tem em pauta a construçãode hidrelétricas no rio Tapajós e é impactado pela monocultura degrãos e pelo porto da Cargil.

Além de negócios no Maranhão e agora no Pará, a Alcoa tambémé acionista majoritária do consórcio Baesa, responsável pela usinahidrelétrica de Barra Grande, localizada na região Sul do país. Juntocom o grupo Votorantim, a Alcoa foi denunciada pela violação dasDiretrizes para Empresas Multinacionais da Organização paraCooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A Alcoa e o grupo Votorantim foram denunciados peloMovimento de Atingidos por Barragens (MAB) no ano de 2005. Asempresas aproveitaram a Avaliação de Impacto Ambientalapresentada, em 1999, pela empresa Engevix Engenharia S. A., queatestava de modo fraudulento a viabilidade ambiental da exploração

3 Trabalho publicado no site www.plataformabndes.org.br em fevereiro de 2009

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do potencial hidroelétrico no rio Pelotas, afluente do rio Uruguai,informa nota do MAB.

No caso do Pará, os militantes denunciam os danos aos recursoshídricos, redução do pescado, impedimento do direito de ir e virdos ribeirinhos, diminuição da coleta da castanha do Brasil, andirobae outras fontes de proteína e recursos da flora usados para finsmedicinais.

O projeto representa também um risco de morte aostrabalhadores, por conta da construção da ferrovia que escoará ominério. Eles explicam que não há túneis ou desvios nos trechosque cortam os projetos de assentamento impactados pela obra.

Durante a ocupação, a tropa de choque da Polícia Militar foiacionada. Os policiais usaram gás de pimenta e bombas de gáslacrimogêneo contra os manifestantes. Crianças e mulheres foramatingidas. Afinal, quem é o inimigo?

Documento sistematizado por Raimundo Gomes da Cruz Neto,sociólogo que visitou as comunidades atingidas, esclarece que a minaestá localizada numa área de floresta densa, nas cabeceiras do lagoJuruti Grande, caracterizada por três platôs. A ferrovia atravessa doisprojetos de assentamento de agricultores, criados pelo InstitutoNacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).

Um deles é o Socó, com 420 famílias, das quais 43 tiveram seuslotes atravessados pela ferrovia, e receberam por indenização R$ 0,24/metro quadrado, por força de um acordo entre o sindicato e aempresa, enquanto reivindicavam R$ 3,00. O porto está colado àcidade, sede do município de Juruti, de onde várias famílias do bairroTerra Preta, estruturadas social e economicamente, foram expulsas.

Gerdeonor Pereira, dirigente no Projeto de AssentamentoExtrativista (PAE) Juruti Velho, informa que 80% do minério estãono PAE. O militante informa que pelo menos 50 mil hectares defloresta devem ser derrubados.

“O projeto trouxe para a cidade umas 15 mil pessoas. Omunicípio não tem estrutura para cuidar desse povo com moradia,saúde e escola. Hoje a empresa já iniciou as demissões porque asconstruções estão em fase de conclusão. Para onde esse povo vai”?Interroga Pereira. Há informes de que por conta da migração omunicípio passou por dois surtos de hepatite. Considera-se que éna fase de construção que a prefeitura mais fatura com a arrecadação

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do Imposto Sobre Serviço (ISS). A estimativa é de um milhão pormês desde 2006.

A presença da empresa também incrementou o mercado deprostituição, drogas, especulação imobiliária e ocupações.

Os passivos socioambientais já experimentados nas 60comunidades onde vivem cerca de quatro mil famílias num totalaproximado de nove mil pessoas foram omitidos nos estudos deimpactos ambientais, realizados pela empresa CNEC Engenharia eapresentado pela Alcoa para obter a licença.

A CNEC é a mesma empresa que realizou os estudos para aconstrução da hidrelétrica de Estreito, onde a Alcoa é sócia da Vale,da Suez Energy, da BHP Billiton e da Camargo Correa.

A hidrelétrica de Estreito está sendo erguida no rio Tocantins,fronteira do Maranhão com o estado do Tocantins e é considerado omaior empreendimento do setor no Brasil. No caso de Estreito,entre as omissões consta que as áreas indígenas nos dois estados,Krahô, Apinajé, no estado do Tocantins, e Gavião e Krikati noMaranhão não serão afetadas pela obra. Informação contestada pelascomunidades indígenas e pelos defensores dos direitos humanos.

As omissões nos relatórios que indicam os impactos ambientaisda exploração da bauxita do Pará estão entre as motivações da açãomovida na justiça pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual (MP)desde 2005. Nestes termos, a Alcoa funciona na ilegalidade em terrasdo Pará, posto as contestações dos MP sobre o processo delicenciamento da exploração de bauxita.

O não cumprimento da recomendação dos MP também resvalano governo do estado do Pará. Gabriel Guerreiro, deputado estadual(PV) e Walmir Ortega, ambos ex-secretários do meio ambiente,respondem por improbidade administrativa. O primeiro pelaaprovação da licença de operação da Alcoa e o segundo pelamanutenção, contrariando a recomendação dos MP, que decidirampela suspensão.

Assim como a Cargil que produz grãos no município vizinhode Santarém, e ergueu um porto ao arrepio da lei, a Alcoa finaliza aconstrução de rodovia, ferrovia, porto e tanques de contenção derejeitos para a extração do minério.

O MPF e o MPE consideram que o Instituto Brasileiro dosRecursos Renováveis e do Meio Ambiente (IBAMA) deveria

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licenciar o projeto Juruti e não a Secretaria de Meio Ambiente, comoocorreu. Os elementos que demonstram a necessidade de que olicenciamento se dê no âmbito federal são:

1 - A área na qual estão localizadas as minas de bauxita pertenceà União, tendo sido objeto de arrecadação administrativa e, hoje,encontra-se em processo de regularização fundiária, tendente apermitir a fixação dos clientes da reforma agrária;

2 - Todas as atividades para a obtenção da bauxita (escavações edeposição de rejeitos nas cavas) ocorrerão sobre o aquífero Alter-do-Chão, importante reserva de água doce que atravessa dois estados(Pará e Amazonas);

3 - O porto está localizado às margens do rio Amazonas, riointernacional, sem que tal impacto tenha sido nem mesmocorretamente mensurado ou nem sequer estudado;

4 - Todo o Projeto Juruti está contido na bacia hidrográfica doAmazonas, sob jurisdição federal;

5 - Há o registro de 73 ocorrências de sítios arqueológicos naÁrea de Influência Direta (AID), até esta fase;

6 -Na AID existem espécies vegetais (castanheiras, pau-cravo,pau rosa) protegidas pela legislação ambiental;

7 - Na AID existem os ecossistemas de várzeas.Negociações - Após a mobilização da população atingida pelo

grande projeto de mineração que deve durar entre 80 a 100 anos,uma rodada de negociação foi realizada entre os dias 9 a 11 defevereiro de 2009, no município polo da região, Santarém.

Além dos atingidos pelo projeto, participaram dos debates orepresentante da Alcoa na América Latina, Franklin Feder, dosMinistérios Públicos, Prefeitura de Juruti e representantes doGoverno do Estado. A rodada teve várias divisões. Dia de debatecom todos os envolvidos na questão, dia dedicado ao debate entreos atingidos e a empresa e uma rodada de negociação encerrada coma participação de Walmir Ortega, o então Secretário de MeioAmbiente do Pará, informa Pereira.Reivindicações – A Associação das Comunidades de Juruti Velhoexige, entre outras coisas, a participação em 1,5 % dos lucros daempresa, investimentos em educação, saúde e moradia e a definiçãode uma agenda de compromisso. Gerdeonor Pereira esclarece que aprimeira reivindicação já foi atendida.

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Tal tipo de empreendimento na Amazônia coloca em ladosopostos grandes corporações com staff de capacidade internacionalde negociação e populações consideradas tradicionais. Tanto no casodo Pará como na fronteira do Maranhão com o Tocantins, a empresaapresenta um discurso de redenção da pobreza através do grandeempreendimento, que deve ser seguido como se fosse um mantrada prosperidade.

A cooptação de políticos e agentes que representem algum tipode liderança consta como agenda da ação da empresa, em particularpara fazerem coro pró-empreendimento nas audiências públicasonde são apresentados os estudos de impactos ambientais.

A empresa também não se descuida em “convencer” os meiosde comunicação locais da sua nobre causa. É raro algum veículo decomunicação dar visibilidade às mazelas dos grandes projetos. Nocaso da Alcoa nenhum veículo informou que a mesma opera deforma ilegal. O destaque conferido recaiu sobre a nota da empresasobre os possíveis prejuízos.

Tanto no caso da usina de Estreito, como no caso da exploraçãomineral em Juruti, o fato foi verificado. Qualquer questionamentoque soe a ambientalismo é logo satanizado. E os portadores deinquietações sobre os impactos socioambientais tratados comoagentes que defendem o “atraso” do lugar.

O processo de licenciamento das obras e as populaçõestradicionais locais são classificados como os grandes entraves pelosempreendedores. Os mesmos podem ter em breve as suas demandasaceitas no que tange ao processo de licenciamento de obras naAmazônia. Ao menos, se depender do esforço de Mangabeira Unger,que deseja azeitar o já delicado processo.

O desenvolvimento e o progresso formam a dorsal do discursode defesa dos grandes empreendimentos, que segundo as empresas,vai fazer germinar como se fosse leite e mel, o emprego e a fortunanos rincões. Numa clara linha de desinformação sobre a lógica queconforma tais empreendimentos nas periferias do planeta, o enclave.Ou seja, o saque dos recursos naturais.

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Mineração na Amazônia e os eixos de integração docontinente

O extrativismo tem regido a economia na Amazônia. O ciclomais recente é o mineral, iniciado na década de 1950, no estado doAmapá, quando o mesmo ainda tinha o status de território.

A exploração do manganês na Serra do Navio foi o pontapéinicial, e que em apenas cinco décadas se exauriu, restando apenas oburaco, literalmente. A exploração mineral no Amapá, consideradaa primeira na Amazônia, foi protagonizada pela empresaestadunidense de Daniel Ludwig, a Bethlehem Steel Company emsociedade com o empresário Augusto Trajano de Azevedo Antunes,dono da Indústria e Comércio de Mineração S. A. (ICOMI).

O ciclo da mineração ganhou maiores proporções na Amazôniaa partir da região de Carajás com a presença da Vale na extração dominério de ferro na década de 1980, no Pará.

É creditado a Eliezer Batista, ex-executivo da Vale, a construçãodo mapa das riquezas naturais na América do Sul. Batista é pai deEike, festejado como o novo bilionário nacional. Obra do acaso? Oslevantamentos de Batista foram encomendados pela CorporaçãoAndina de Fomento (CAF). A CAF é um dos agentes do projeto deIntegração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA).

Do conjunto de 10 eixos de integração, quatro se destacam, porsuas riquezas naturais e possibilidades de conexões: o Amazonas, oHidrovia Paraná-Paraguay, o Capricórnio e o Andino. O objetivocentral prima em facilitar a circulação de mercadorias.

O eixo do Amazonas compreende os seguintes países: Colômbia,Peru, Equador e Brasil e visa criar uma rede eficiente de transportesentre a bacia amazônica e o litoral do Pacífico, com vistas à exportação.

Nesse sentido o BNDES exerce protagonismo continental,financiando obras de integração além de nossas fronteiras. Outroator importante no longa metragem de extração das riquezas docontinente é o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

No mundo do Brasil, alguns se arriscam em pontuar que oPrograma de Aceleração do Crescimento (PAC) é uma miniaturado IIRSA.

Antes do fim no dia 16 de setembro de 2009 o Pará viveu umdia histórico. Em Belém, o aparato policial foi usado contra popularesnuma audiência pública sobre o projeto da hidrelétrica de Belo

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Monte. Enquanto isso, no município de Juruti a governadora AnaJúlia Carepa (PT) cortava a fita do projeto de mineração de bauxitada Alcoa. Além de cortar a fita, a governadora plantou uma árvore.Uma exacerbação do marketing.

Os dois projetos estão localizados na mesma região, sudoestedo estado. Numa foto de um diário local a governadora apareceamparada pelo representante da Alcoa na América Latina, FranklinFeder. Ainda na mesma foto, destaque para o ministro das Minas eEnergia, Edson Lobão, uma figura íntima do senador José Sarney.Desde o regime de exceção. Essa tal de governabilidade....

Mais irônico, o Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA), acabavade apresentar relatório onde indica que a produção de alumínio éum desastre para região amazônica.

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4 - Geração de energia na Amazônia: caso de Estreito emquestão4

O presidente Lula inaugurou no dia 04 de outubro de 2008 asegunda casa de força da hidrelétrica de Tucuruí, no sudeste do Pará.A UHE de Tucuruí é a maior hidrelétrica, genuinamente nacional,e foi erguida no rio Tocantins há 24 anos para alimentar com energiasubsidiada as empresas de produção de alumínio Albrás e Alunorte,do grupo Vale, no Pará, e a Alumar, da estadunidense Alcoa, noMaranhão. 75% da produção de energia de Tucuruí vai para aexportação e o estado possui uma das tarifas domésticas mais carasdo país. O derradeiro reajuste foi de 16% na tarifa doméstica.

A segunda casa tem potência instalada de 4,1 mil megawatts.Junto com a primeira casa de força, a potência instalada de Tucuruívai ser de 8,3 mil megawatts. O maior empreendimento do setor deenergia encontra-se em construção no mesmo rio, na fronteira doestado do Maranhão com o Tocantins, no município de Estreito.

A construção de hidrelétricas na Amazônia integra um portfóliode projetos baseados no uso intensivo dos recursos naturais da região.O modelo de desenvolvimento tem na concentração da terra, rendae do poder político e econômico seus pilares e ativa tensões entrepopulações consideradas tradicionais e grandes corporações do capitalmundial.

No caso de Estreito, tais projetos tensionam com as comunidadesindígenas Krahô, Apinajé, no estado do Tocantins, e Gavião e Krikatino Maranhão. Na fronteira há ainda pescadores, extrativistas ecamponeses, ladeados por reservas como a Chapada das Mesas dolado maranhense e um sítio de árvores fossilizadas no Tocantins. Ahidrelétrica de Estreito prestes a completar o terceiro ano emfevereiro de 2009 avança sobre o rio.

4 Reportagem publicada originalmente no blog Furo em novembro de 2008 e reproduzidano site do www.forumcarajas.org.br, que apoiou o trabalho.

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Estreito em questão- um mapa de enclaves

A BR-010 corta o município de Estreito, oeste do Maranhão. Acidade há três anos tinha uma população estimada em 10 milhabitantes localizados na sede do município de um total de 26.490,conforme os dados do ano de 2007 do Instituto Brasileiro deGeografia e Estatística (IBGE). Ainda conforme o IBGE, até 2001 apopulação total do município era calculada em torno de 22.930habitantes, bem antes do início da obra, em fevereiro de 2007.

BR-010- município de Estreito/MA- Foto: Rogério Almeida/2008

O município de Estreito encontra-se numa região repleta emimplantação de grandes projetos públicos e privados. A cidade dista

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100 km do polo de soja considerado um dos mais importantes dopaís, na cidade de Balsas, sul do Maranhão e tem como vizinhaAguiarnopólis, cidade do norte do Tocantins e dista mais de 500 kmda capital do estado, São Luís. Os economistas tratam esse modeloeconômico de enclave, traduzindo, não dinamiza a economia local.

Além do polo de soja, o município é impactado pela implantaçãoda ferrovia Norte-Sul, pela ampliação da BR-010 e construção domaior projeto hidrelétrico do país, a hidrelétrica de Estreito, no rioTocantins. Não muito distante dali, no município de Açailândia,um polo de gusa dinamiza uma cadeia de destruição ambiental e detrabalho escravo para a produção do carvão vegetal.

O Grotão e o PlanetaO empreendimento da UHE de Estreito pluga o grotão marcado

por inúmeras chacinas de camponeses ao resto do mundo através dageração de energia. O empreendimento pertence ao ConsórcioCeste, que aglutina as grandes corporações do quilate da CamargoCorrêa (4,44%), Alcoa (25,49%), Vale (30%) e da belga Suez-Tractebel(40,07%).

O custo da obra é estimado em R$ 2,5 bilhões para que Estreitogere 1.087 MW de energia. Os barramentos no rio devem ultrapassara casa das 50 unidades entre grandes e Pequenas CentraisHidrelétricas (PCH). As PC produzem no máximo 3 mil kw.Ambientalistas que tratam sobre barragens advertem que caso sesacramente o planejamento estatal, o rio Tocantins deve setransformar num grande lago, onde os impactos ambientais ecumulativos são imensuráveis.

A radical alteração do ciclo de reprodução dos peixes, a destruiçãoda mata ciliar e inundação de florestas nativas que abrigam animaissilvestres são alguns dos impactos pontuados. Empreendimentos degrande porte tendem a atrair grandes contingentes de migrantes.5.500 operários da construção civil estão no canteiro de obrasatualmente. Cabe interrogar: para onde essa população irá após aconclusão da obra, prevista para 2010?

Estreito e Carolina no estado do Maranhão, e Aguiarnópolis,Babaçulândia, Barra do Ouro, Darcinópolis, Filadélfia, Goiatins,Itapiratins, Palmeirante, Palmeiras do Tocantins e Tupiratins serãoos municípios afetados diretamente pela obra. As cidades abaladas

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pelo empreendimento tendem a ter os preços da terra, do aluguel eda venda de imóveis inflacionados. As periferias proliferam ladeadaspela marginalidade, aumento do consumo de álcool e dacriminalidade. Até três anos atrás, no município de Estreito não sevia mendigos nas ruas. Um passeio na rodoviária local indica aalteração dessa realidade.

Ao fundo a ponte que separa o município de Estreito/MA da cidade deAguiarnópolis/TO Foto Rogério Almeida/2008

Carros das empresas sinalizados com uma bandeira vermelhacom um xis, homens fardados de variadas indumentárias que indicama variedade de empresas que atuam no canteiro de obras da barrageme ônibus que carregam os trabalhadores fazem parte da nova paisagemna cidade. O trabalho é terceirizado.

BR - 010- a rodovia escoa a produção de soja do sul do Maranhão – FotoRogério Almeida/2008

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A hidrelétrica de Estreito encontra-se em croquis dosplanejadores de velha data. Localiza-se na bacia Araguaia-Tocantins,considerada a de maior potencial de geração de energia hidroelétricado Brasil. Tal modelo de empreendimento ratifica uma economiabaseada no uso intensivo dos recursos naturais, ou seja, extrativa.

O hoje ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, reconhecidopelos serviços prestados à ditadura, integrante do ninho da famíliaSarney, ainda quando senador foi um dos mais fervorosos defensoresda implantação da hidrelétrica de Estreito. Dono de meios decomunicação na região Tocantina, cedeu os veículos que controlapara que alardeassem as “benesses” da instalação doempreendimento.

A Tractebel em GóiasBento Rixen, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Goiás,

em artigo de 2003, numa publicação do Fórum Carajás, “Escritossobre a água” alerta sobre os passivos sociais e ambientais provocadospela empresa na construção da hidrelétrica de Cana Brava, nosmunicípios de Minaçu e Cavalcante.

Por conta da indiferença dos diretores da Tractebel em relaçãoàs populações atingidas, a CPT mobilizou a visita de um grupo derepresentantes de ONGs belgas. Os militantes internacionaispuderam conhecer o cotidiano das famílias que foram expulsas desuas terras e os desdobramentos do lago que surgiu depois daconstrução da barragem.

Rixen no artigo explicita que a indenização proposta aos atingidospela barragem ficou no patamar de R$ 5.300,00. O militante da CPTadverte que muitos não aceitaram esse valor considerado uma“mixaria”. No Ministério Público de Brasília e em Goiânia umdocumento enumera 804 famílias cadastradas como atingidas.O reassentamento é uma das questões mais delicadas no processode implantação de hidrelétricas. Em geral não se consegue criar asmesmas condições de reprodução de vida das origens dostrabalhadores rurais. O que tem sido um questionamento constante,e a construção de Lajeado e Serra da Mesa, no estado do Tocantinsratificam a tese sobre essa questão.

A equipe de belgas visitou uma área onde 26 famílias foramreassentadas pela empresa Tractebel. Apesar de boa casa e uma parcela

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de 20 ha, eles não estão bem. Entrevistados, reclamam que só épossível produzir em um hectare, posto ter de manter a reservaambiental e a impossibilidade de plantar sobre os morros. Segundoa família, a plantação tem de ser irrigada, mas eles não possuemdinheiro para pagar a energia da bomba de irrigação, revela Rixen.

Um grupo de 42 famílias à época vivia debaixo da lona preta naperiferia de Minaçu. Os belgas denunciaram que eles ficaram semcomida, sem água potável e sem emprego. A “moradia” ficava a 500metros de uma área de mineração de amianto, em um terreno que aprópria prefeitura cedeu.

Em outro local de visita da equipe, as terras férteis viraram brejospor conta da proximidade com o lago da barragem. Tornou-seimpossível produzir os alimentos para sustento da família. O cheirode fermentação e os mosquitos completavam o quadro crítico.

Desenvolvimento para quem?O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

(BNDES) é o principal agente financiador da obra, ou seja, a sociedadefinancia um modelo de desenvolvimento arcaico. Não seria maisprudente o Estado induzir um modelo de desenvolvimento contrário,em setores intensivos em tecnologia, por exemplo?

Artigo no jornal Le Monde Diplomatique Brasil, edição de outubrode 2008, do professor João Roberto Lopes Pinto, da PontifíciaUniversidade Católica (PUC/RJ), baseado em relatórios do próprioBNDES, indica que tal opção de desenvolvimento intensiva no usodos recursos naturais, induz a um crescimento menor de renda e deprodutividade, onde prevalece a ocupação informal, precária e debaixa qualificação. Gozam da gentileza do Estado os setores damineração, celulose e etanol.

Tal modelo de desenvolvimento induzido pelo Estado tende afortalecer ainda mais as desigualdades existentes no país. Nessesentido, um conjunto de organizações sociais e políticas compuserama frente “Plataforma BNDES,” explica o artigo do professor Pinto.A frente deseja pressionar o governo para que reoriente a política doBNDES em favor de um desenvolvimento que busque a superaçãodas desigualdades e promova os direitos sociais.

Pinto reflete que a Plataforma argumenta que se faz necessário,entre outros pontos:

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a) Fortalecer a economia de base camponesa e familiar, quegaranta produção para o mercado interno;

b) Descentralizar o crédito e fomentar a diversificação produtivae a inovação técnica;

c) Incentivar a participação pública em obras de infraestruturasocial, como uma política de saneamento básico.

Comissão mundial de barragens adverte

Canteiro de obra da hidrelétrica de Estreito/MA – Foto Rogério Almeida

Entre os anos de 1997 e 2000 uma comissão realizou estudossobre a construção de barragens em todo o mundo. Tucuruí foi ocaso selecionado na América Latina. A construção de barragens noBrasil é responsável por 40% do valor da dívida externa. Entre osimpactos da construção de barragens como a de Estreito  os estudosorganizados pela Comissão Mundial de Barragens (Banco Mundial,construtores, atingidos por barragens, pesquisadores) verificaram-se:

a) O alagamento e a salinização afetam um quinto das terrasirrigadas  no mundo, incluindo terras irrigadas por grandes barragense apresentam graves impactos de longo prazo, muitas vezespermanentes, sobre a terra, a agricultura e a subsistência da população;

b) As grandes barragens provocam impactos cumulativos sobrea água, inundações naturais e a composição de espécies quando várias

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barragens são implantadas em um só rio (caso da bacia Araguaia-Tocantins);

c) As grandes barragens provocam destruição da floresta e locaisselvagens, o desaparecimento de espécies e a destruição das áreas decaptação à montante devido à inundação da área do reservatório;

d) As grandes barragens provocam o deslocamento de 40 a 80milhões de pessoas em todo o mundo; muitas das pessoas deslocadasnão são reconhecidas (ou cadastradas) como tal e, portanto, não sãoreassentadas ou indenizadas.

Histórias de garimpeirosNa região as histórias de venturas e desventuras sobre a busca de

riqueza fácil em garimpos no Pará é generosa. Francisco foi o moto-taxistaque serviu como guia na ensolarada Estreito. Ele soma uns 40 anos e éfilho de migrantes do Ceará, estado para o qual nunca chegou a retornarapós ter ficado adulto. O nosso guia perambulou pelos garimpos do sudestedo Pará nos municípios de Xinguara, Rio Maria, Redenção e São Félixdo Xingu.

Mamão, Pedra Rica, Camuru são alguns dos garimpos em queFrancisco passou. Num deles ganhou um pouco de dinheiro com o ouroencontrado. Fala que não guardou muito da sorte que teve na década de1980. “Dinheiro de garimpo parece que é amaldiçoado. Nunca duroumuito”, reflete o moto-taxista. Francisco informa que passou no maiorgarimpo a céu aberto do mundo, o de Serra Pelada, mas não ficou por lá.

Ele lembra uma pessoa que “bamburrou” (achou muito ouro)até 300 quilos de ouro. Teve fortuna em fazendas de gado e casas,como o caso de um garimpeiro que mora em Estreito conhecidocomo Índio. O afortunado é do município de Codó. Quando elepegou o dinheiro comprou uma penca de carros e invadiu a cidadenatal exibindo o “sucesso” em terras paraenses, conta Francisco.

Nas idas e vindas de Francisco ao Pará em busca de riquezaperdeu dois irmãos. A perda mais trágica foi a do caçula. Franciscolembra que o irmão tinha apenas 16 anos, e que era muito generosocom as pessoas do seu entorno. Mas, a realidade do garimpo nãopermite tal atitude. Após achar uma pequena porção de ouro foitocaiado e morto por parceiros de farra em bebidas e cabarés. Outroirmão não tem notícia faz mais de 15 anos. Francisco acredita queele mora em Redenção, sudeste do Pará.

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A busca pelas fotos

Canteiro de obra da hidrelétrica de Estreito/MA – Foto Rogério Almeida/2008

Falo a Francisco do interesse em fazer fotos da obra da UHE deEstreito. Ele sugere que alugue uma canoa. Somente ela pode levarvocê até o local onde a construção começou. Numa viagem até umportinho tenho sorte, deparo-me com José Antônio por volta das11h da manhã de um dia escaldante. Antônio entre outras atividadesé pescador, feirante e dono de sítio.

Antônio, nosso timoneiro na arriscada viagem no caudaloso Tocantins.Estreito/MA/2008.

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Passou toda a manhã numa exaustiva viagem, onde foi buscar aesposa e uns porcos para criar no sítio que tem na periferia domunicípio de Estreito. Acusando cansaço resistiu em pegar aempreitada de uma viagem que durou mais de uma hora (ida e volta)no caudaloso Tocantins até o canteiro da obra. A viagem ganha ememoção posto o motor da canoa padecer de panes quando esquenta.O jeito é parar e apreciar a paisagem.

No portinho algumas embarcações. Uma barraca comercializabebidas. Moradores se divertem no rio e tomam umas pingas. Ascasas humildes destoam do gigantismo da obra vizinha. A arquiteturade compensado e cobertura de palha socorre os moradores nos diasde chuva. Antônio limpa a merda dos porcos da canoa e iniciamos aviagem. Ainda de onde saímos é possível avistar o local.

Portinho na cidade de Estreito/MA

Dragas, barcos de vigilância, numa paisagem aonde é possívelse avistar babaçuais e outros tipos de vegetação que antecipam a nossachegada. A passagem de uma embarcação veloz conhecida comovoadeira forma banzeiros e faz a nossa canoa sacudir no meio doTocantins. Antônio sugere cuidado. O pescador avisa que osvigilantes do barco ficam ali para impedir a passagem dos ribeirinhosquando usam dinamite na obra. Segundo ele, as explosões sãocomuns no raiar do dia e no apagar da tarde.

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Máquinas no rio Tocantins, município de Estreito/MA. Foto Rogério Almeida/2008

Há luz nos grotões?A instalação da hidrelétrica de Estreito coleciona diversos

capítulos. Os relatórios de impactos socioambientais amplamentecriticados, as ações nos Ministérios Públicos do Maranhão e Estreito,mobilizações do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB),apoiados pelo MST, atentado à bala de um gerente de operaçõescontra militantes contrários à instalação da barragem, greve deoperários do canteiro de obras por conta da péssima qualidade dacomida e assédio moral de um gerente, que acabou sendo espancadopelos operários.

O progresso, a geração de emprego e o desenvolvimento são os

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argumentos dos alinhados na defesa do projeto. Qualquer voz quedestoe de tal perspectiva é tratada como ressonância de forças externasque não desejam o progresso do país. É comum a ojeriza amovimentos sociais e manifestações de xenofobia a análises e ONGsinternacionais que fazem oposição ao modelo do empreendimento.

Isso foi verificado desde o processo de audiências públicas. Aforça da “grana” coopta de clérigos a políticos, passa pelo incentivo àcriação de associações de fachada, como no caso da Associação deAtingidos pela Barragem, entre outras. As audiências que seriamum espaço de debate possuem ares de congresso de “partido único”,isso na capital ou no interior.

A propaganda é a alma do negócio?Os boletins do Ceste celebram uma série de ações junto aos

mais diversos segmentos da sociedade. Um posto de atendimentoao migrante localizado na pequena rodoviária indica às pessoas quepreencham ficha no Sistema Nacional de Emprego (SINE), semprecom filas enormes. Escritórios do consórcio se espraiam em cidadesestratégicas nos dois estados.

Os jornais do consórcio celebram ainda cursos que passam pela“inclusão digital” com a Colônia de Pescadores Z-35, que semanifestou contra o acampamento do MAB, doação de ambulância,doação de computadores a unidades de saúde, o que traduz umaconfusão sobre o papel do Estado e o da empresa. São ofertadosainda, em parceria com o Serviço Nacional de AprendizagemIndustrial (SENAI), cursos de panificação e costura.

Não raro os boletins inundam suas páginas com depoimentosde famílias que já foram desapropriadas pelo Consórcio. Tudo é flornesse jardim? Uma série de reportagens de Beatriz Camargo,publicada no site Repórter Brasil, no mês de julho indicam que não.Sobre a especulação imobiliária, a série indica que houve pressãopor parte de pessoas de empresas terceirizadas na compra de imóveis,com vistas a serem desapropriados com um melhor preço peloconsórcio.

A não inclusão dos povos indígenas como setores que podemser afetados pela construção é outro ponto. O certo é que desde ocomeço do processo há uma série de temas nublados. Enquantoisso as obras avançam sobre o rio, sobre as histórias das populações

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locais, a reconfigurar uma região prenhe em conflitos na disputapela terra e recursos naturais nela existentes.

Aterramento do rio Tocantins, Estreito/MA. Foto: Rogério Almeida/2008

Sindicato dos trabalhadores rurais (STR)Raimundo Carvalho, conhecido como Cabeça Branca, dirigente

sindical rural de Estreito, explica que no começo todo mundo achavaque a barragem ia ser boa. Aos poucos o povo vai aprendendo quenão é bem assim. Carvalho foi operário na construção da barragemde Boa Esperança, no rio Parnaíba, no estado do Piauí na década de1960, e também um atingido pela própria obra que ajudou a erguer.

Carvalho lembra que com o dinheiro que ganhou não conseguiucomprar nem um metro de terra depois. “Com a terra a gente comiatodos os dias, ganhava um dinheirinho e podia trabalhar a famíliapor muito tempo. Dinheiro não é tudo na vida”, arremata o senhor.Ele alerta que a média de indenização tem sido de R$ 30 mil. Eleteme pelos idosos. “Tenho um colega que mora só. Vai serdesabrigado. Tem uns 80 anos. O que ele vai fazer aqui na cidade?”,interroga o sindicalista.

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Construção Civil - sindicato em construção

Delfino Araújo é o presidente do recém-criado Sindicato daConstrução Civil de Estreito, que tem 140 sócios como fundadores.Ele explica que o registro para a criação do sindicato foi publicadono Diário Oficial em fevereiro deste ano. O sindicato ainda está emfase de construção, é o que se conclui após a conversa com o dirigente.

Araújo ainda não sabe quantificar quantas empresas estão nocanteiro de obras da hidrelétrica e nem o número preciso deoperários. Ele informa que já solicitou os dados para o setorresponsável.

Sobre a paralisação de 11 dias dos operários no mês de julho,Araújo relata que as condições precárias de trabalho e a ração foramos motivadores. O dirigente alerta que o sindicato necessita tomarpé dos dados, para que possa garantir uma intervenção qualificada.

Carvalho- dirigente sindical rural, no município de Estreito/MA. FotoRogério Almeida/2008

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5 - Siderurgia em crise: o vendaval da economia especulativae a mineração na Amazônia5

Quando o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) anuncioua realização da Exposição Internacional da Mineração da Amazônia,no Centro de Convenções Hangar em Belém, ocorrida entre 10 e13 de novembro de 2008, a crise econômica mundial ainda não haviadado o ar de sua graça nestas plagas regionais. O anúncio foi realizadopelo menos um mês antes.

O vendaval da especulação na economia fez com que o polo desiderurgia de Carajás entrasse em refluxo. As empresas instaladasnas cidades de Marabá, sudeste do Pará e no município de Açailândia,oeste do Maranhão, promoveram vários expedientes para manter oquadro funcional, entre eles férias coletivas.

José Sampaio, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos deAçailândia, reflete que o clima é de incerteza. A imprensa do municípiosalienta que o comércio local já foi atingido pela crise e que houveuma redução de 25% em sua dinâmica. Sampaio informa que o setor

Paisagem na beiro do rio Tocantins, município de Estreito/MA. Foto: RogérioAlmeida/2008

5 Trabalho publicado no site da rede www.forumcarajas.org.br em novembro de 2008.

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deu férias coletivas a 20% dos funcionários no dia 31 de outubro. Osindicato tem orientado para que os operários não façam dívidas.

O ferro-gusa da região tem os EUA como o principal destino.O mercado americano consumiu no ano de 2007 cerca de 5,95milhões de toneladas, mais de 60% das exportações nacionais. Aqueda de preços tem sido vertiginosa, a tonelada que chegou aUS$900,00 no começo de 2008, em agosto ocupou a casa deUS$500,00 a US$600,00 e por último as empresas estrangeirasofereciam US$380,00 quando o patamar suportável é a casa dosUS$500,00, conforme matéria do Valor Econômico do mês deoutubro.

O site oficial do evento festeja a participação de 85 empresas devárias partes do país, como São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina,Ceará, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e Bahia, destetotal, 25 empresas são do Pará. O Estado é um gigante do setor, emuito se deve aos números estratosféricos da mina de Carajás.

Cogita-se que pelo menos cerca de 80% do superávit da balançacomercial do Pará deve-se ao extrativismo do minério de ferro. Aose considerar o delicado contexto, o evento que propagou ser umaoportunidade de lançamento de novas tecnologias e métier denegócios, ganhou outros ares. O clima do evento tornou-se mais

Sampaio, sindicalista em Açailândia/MA. Foto: Rogério Almeida/2008

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sombrio com a libertação de 51 pessoas em condições análogas aescravidão em carvoarias no sudeste do Pará no dia da abertura. Entreos libertados, mulheres e adolescentes de 15 anos.

As grandes corporações da mineração em nota à mídia celebramos louros do evento, onde, segundo eles, pode-se notar a preocupaçãocom a questão da sustentabilidade. Ao se visitar os grotões onde asempresas operam, outro mundo desponta. Parece que os especialistassão de outro planeta. Sobre a questão, o professor de semióticaEdílson Cazeloto em artigo intitulado “Entre ecorrevolucionários eecorreformistas o papel da mídia”, publicado na edição 36, setembrode 2007 da revista Democracia Viva/IBASE, esclarece com sobriedadea disputa sobre a categoria.

Em um trecho da análise o professor enfatiza:Enquanto a maior parte da humanidade vê no aquecimentoglobal a iminência de uma tragédia ímpar, os bensaventurados do capital, já sentem no ar o cheiro deoportunidades para o lucro. Para essa parcela, asustentabilidade tornou-se uma forma de agregar valor àsmarcas de seus produtos e ao capital de suas empresas. É ochamado capitalismo verde, que vem ganhando a adesãode empresas (na maioria, corporações globais) como umnovo Eldorado (GAZELOTO, 2007).

Carreta de carvão na região de Açailândia/MA. Foto: Rogério Almeida/2008

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O polo de Carajás – Em seu artigo, o sociólogo e agrônomoRaimundo Gomes da Cruz Neto dispara que já no século VII tem-se registro da atividade de siderurgia no mundo. No século XIX aindústria impulsionou a economia dos Estados Unidos. No Brasil aatividade ganha relevância no início dos anos de 1930, tempos deGetúlio Vargas. A atividade aporta no Pará na década de 1980, noapagar da ditadura militar, através do Programa Grande Carajás(PGC). O autor acompanha de velha data os abissais processos detransformações da região de Carajás.

O polo Carajás é constituído por 15 empresas, sendo oito noPará e sete no Maranhão. São responsáveis, atualmente, por mais de60% das exportações brasileiras de ferro-gusa, o principal insumona indústria do aço, informa site do Sindicato das Empresas de Ferro-Gusa do Estado do Pará. Um dos setores interessados é a indústriabélica.

A Vale é a responsável pelo fornecimento da matéria-prima paraa produção de gusa do polo de Carajás, que há mais de duas décadasativa uma série de cadeias de destruição ambiental e de formasanálogas de trabalho escravo através da produção de carvão vegetal.

Medidas mitigadoras?A pressão nacional e internacional fez com que o setor lançasse

em fevereiro de 2007, um fundo de reflorestamento, com a adesãode 11 empresas. A iniciativa é no mínimo estranha, posto que entreas exigências para a instalação das empresas na região, que se deu apartir de uma política de renúncia fiscal através da Superintendênciade Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM), um dos itens

Ponte ferroviária da Vale que escoa o minério de ferro no município de Açailândia/MAFoto: Rogério Almeida/2008

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impostos recai sobre uma política de reflorestamento. Outra medidano sentido de fazer oposição ao trabalho escravo foi a criação doInstituto Carvão Cidadão (ICC), ou seria uma mera questão demarketing, travestida em responsabilidade social?

Por essas e outras, as siderúrgicas foram multadas em R$ 550milhões no ano de 2005, que poderia ter chegado a R$ 770 milhões,se fosse aplicado o que rege o Código Florestal e a Lei de CrimeAmbiental. Hoje, só no Distrito Industrial de Marabá estão emfuncionamento oito siderúrgicas, perfazendo um total de 17 altofornos, para uma produção de quase três milhões de toneladas deferro-gusa, recupera Raimundo Gomes em artigo intitulado“Siderurgia em Carajás - 20 anos de destruição”. No Pará, a Secretariade Meio Ambiente realizou várias operações de fiscalização paraajustamento de condutas das empresas.

Neste contexto, a monocultura de eucalipto tem florescido emalguns municípios do nordeste do estado, na região de Paragominase em Marabá e São João do Araguaia, a sudeste. No Maranhão existedesde remotos tempos, com a destruição do cerrado. O propósitoera a implantação de fábrica de celulose, que não veio a deslanchar,devido ao recuo de um grupo oriental. O que ocorreu foi o nãocumprimento de um item do acordo por parte das empresas. Umdos muitos descumpridos.

Maurílio de Abreu Monteiro, professor da Universidade Federaldo Pará (UFPA), explica que para a produção de uma tonelada deferro-gusa é preciso queimar 2,6 toneladas de madeira. Como aprodução de gusa na região Norte em 2003 foi de 2,2 milhões detoneladas, isso representa a queima de 5,7 milhões de toneladas demadeira. David Carvalho, economista, também professor da UFPA,em vários artigos sobre a mineração atesta tratar-se de um projetode enclave, em resumo, não dinamiza a economia local.

Antes do turbilhão da crise o cenário da mineração no Pará viviaum momento de ampliação com a expansão de várias frentes deexploração, que ultrapassam a fronteira de Carajás, como no casodos municípios de Ourilândia do Norte, Tucumã, Xinguara, SãoFélix do Xingu, Paragominas e Juruti. Vale e Alcoa protagonizam omomento de transbordamento das frentes.

No caso das novas frentes de mineração, o momento é marcadopor tensão entre trabalhadores rurais assentados pela reforma agrária,

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indígenas e a Mineração Onça Puma, do grupo Vale. As organizaçõesde defesa dos direitos humanos da região, como a Comissão Pastoralda Terra (CPT), tornaram a situação pública. Em maio de 2012 oMinistério Público Federal (MPF) do Pará solicitou a suspensãodas atividades do projeto que explora níquel em Ourilândia doNorte.

O ponto de tensão são termos condicionantes em favor dospovos indígenas Xikrin e Kayapó. O MPF quer a condenação daVale a pagar todos os danos materiais e morais causados a esses povosnos últimos dois anos, em que o empreendimento não cumpriu asmedidas mitigadoras. As indenizações devem ultrapassar a casa demais de R$ 1 milhão por mês para cada comunidade afetada.

Conforme o MPF, a ação tramita na Vara Única Federal deRedenção. O procurador da República André Casagrande Raupp,responsável pelo caso, sustenta que a Secretaria Estadual de MeioAmbiente do Pará (Sema) impôs condicionantes ao empreendimentopara assegurar a sobrevivência física e cultural dos povos indígenasafetados, mas concedeu todas as licenças sem cobrar o cumprimentode condicionantes, permitindo uma situação em que os prejuízos seconcretizaram para os índios e a mineradora recolhe os lucros semcumprir obrigação nenhuma.

Placa indica o perigo na área de depósito dos resíduos do polo de gusa em Açailândia/MA. Foto: Rogério Almeida/2008

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Não bastassem as questões de ordem ambiental e social, soma-se ao setor a Lei Kandir, que isenta de imposto a exportação dosminérios e semielaborados. O descompasso rege a modalidade deextrativismo mineral, enquanto o faturamento da Vale cresce.Somente no Pará, tem sido maior que o crescimento nacional, aregião de Carajás coleciona passivos de toda ordem.

Distrito de Pequiá, onde se localiza o polo de gusa no município de Açailândia/MA.Foto Rogério Almeida/2008

21 municípios do Pará estão entre os 100 que mais desmatamna Amazônia. Dessas duas dezenas de cidades, 19 estão no sudestedo Pará, que além da mina abriga o polo siderúrgico. Boa parte dessesmunicípios ocupa linha de frente em desmatamento e também liderao ranking de violência. Os estudos foram realizados por meio doProjeto Prodes – Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileirapor Satélite/2007. Outra questão, esta de ordem trabalhista, resideem índices recordes de ações contra a Vale no município deParauapebas.

Gusa em Açailândia - A oeste do Maranhão, no município deAçailândia operam quatro empresas, Vale do Pindaré, VienaSiderúrgica, Gusa NE e Fergumar y Simasa. Relatórios da áreaambiental atestam que as empresas não nutrem demasiado zeloquando o assunto é meio ambiente. Todos os resíduos ganham avizinhança sem nenhum tratamento. Famílias afetadas pela poluiçãodas empresas, em particular da Gusa NE, com sede em Belo

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Horizonte e filiada ao ICC, têm denunciado a questão. No total são20 processos contra a empresa que reivindicam indenizações da gusae que duram mais de três anos.

Tempestade de escória em Pequiá-Açailândia/MA. by irmão Antonio/2008

Dois relatórios que abordam os impactos do polo de gusa sobrea vizinhança se complementam quanto aos danos provocados à saúdedas famílias do Distrito Industrial de Pequiá, onde as empresasencontram-se instaladas. Informações do relatório da períciaambiental realizada no fim de 2006 e apresentado em março de 2007pelo perito Ulisses Brigatto Albino, para a Vara Judicial da Comarcade Açailândia indicam desleixo em várias situações sobre a operaçãoda Gusa NE. A empresa opera amparada por Licença de Operaçãofornecida pela Secretaria de meio Ambiente do Maranhão, vencidano dia 19 de outubro de 2008.

Estudo realizado pela engenheira ambiental Mariana de la FuenteGómez, datado de 2007, ratifica os dados sobre os danos ao meioambiente e à saúde dos moradores da região. Edvar e Joaquim, doissenhores que mobilizam os moradores para a organização da lutapelos seus direitos, lembram que a comunidade existe desde a décadade 1970, e que o polo começou nos anos 1980. Eles recordam queainda havia muita mata na região e que a exploração da madeira foi aprimeira frente da economia do lugar.

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Distrito de PequiáAs casas ficam imprensadas entre a BR-222, num elevado, e as

empresas. A perícia indica que a presença das famílias antecede a dasindústrias. A idade das árvores dos quintais, muitas com mais de 20anos, ultrapassa o período de instalação das gusas e (confirma) atestaa tese.

A empresa Gusa Nordeste opera três altos-fornos, nenhumpossui filtro antipartículas nas chaminés, que emitem grandequantidade de fuligem de carvão e minério. Em todas as seis casasvisitadas pelo perito o pó da fuligem foi encontrado. Os pátios dasempresas ficam próximo aos quintais das casas. Os riachos padecemcom os resíduos das fábricas e com o esgoto sem tratamento dasmoradias.

Gases, fuligem, poeira, águas poluídas e escória são alguns dosagentes da poluição da comunidade de Pequiá, que soma cerca de1.500 famílias em moradias humildes, muitas de madeira e nãoatendidas com saneamento básico. Problemas de ordem respiratória,alergias, dores de cabeça são algumas das queixas dos moradores, oque já registrou até o óbito de uma criança.

Poluição no Distrito de Pequiá-Açailândia-MA. Foto irmão Antonio/2008

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Entre as poluições provocadas pela Gusa NE a perícia ambientalverificou os seguintes pontos: a) fuligem - provoca a poluição do ar;b) poeira - carvão vegetal, minério e o seixo compõem parte damatéria-prima para a produção do minério. Uma trituração antecedea queima nos altos-fornos, o que provoca a emissão de pó, posto ocomposto ser transportado através de esteiras; d) gases - a ausênciade filtros químicos ou aparelhos de incineração de gases faz comque vapores provenientes da combustão dos altos-fornos sejamlançados na atmosfera e espalhados pelo vento. A temperatura oscilade 1800 a 2000º C. A análise do perito sinaliza que ainda que nãoprejudiquem a saúde humana, os gases emitidos no processocontribuem para o aquecimento global; e) água de resfriamento - aágua é que faz o resfriamento dos altos-fornos, é retirada do riachoPequiá e armazenada em caixa d’água. Através da gravidade a águaresfria os fornos e volta ao riacho, carregando resíduos que atravessamvários quintais.

O laudo do perito Ulisses Brigatto revela uma enxurrada deproblemas. Soma-se aos indicados acima, a drenagem das águas daschuvas. O laudo da perícia ambiental atesta que as poças de água sãocomuns nos pátios da empresa. A água contém ferro e outroselementos provenientes da siderurgia e pode carreá-los para corposd’água localizados próximos à fábrica.

A Gusa NE não conta com rede de captação e tratamento deáguas pluviais. Os resíduos são lançados para fora da empresa para

Via pública de Pequiá, Açailândia/MA. Foto: Rogério Almeida/2008

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uma lagoa a 400 metros de distância. Há registro da poluição daságuas dos poços consumidas pelos animais domésticos, que fazemparte da dieta das famílias.

Um grave problema é a escória, que alguns tratam de “munha”ou “moinha”. Uma parte do resíduo pode ser usada na construçãocivil, calçamento de rodovias ou como suporte de construção deferrovias. Outra, se devidamente tratada, pode ser usada emfertilizantes.

Escória da produção de ferro gusa-Pequiá-Açailândia-MA. Foto: Rogério Almeida/2008

Escória da produção de ferro gusa-Pequiá-Açailândia-MA. Foto: Rogério Almeida/2008

O contato com o ambiente pode causar sérios danos à naturezae intoxicação de plantas, pessoas e animais. A escória é depositada acéu aberto próximo a um riacho conhecido como Quarenta, aindaque poluído, continua a ser lugar de diversão de alguns moradores.

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É comum a lavagem de carros e a visita de animais.O laudo de Brigatto propõe que a empresa se equipe com filtros

antipartículas nas chaminés, incineradores de gases e rede dedrenagem. E que a escória seja acondicionada em uma caixa deconcreto, ao contrário do que ocorre hoje, uma montanha a céuaberto, sujeita a ser espalhada sobre as moradias próximas por contadas pancadas dos ventos. O laudo sugere a remoção das famílias quemoram próximas à Gusa NE.

Vizinhos em conflitoFrancisca da Silva é uma senhora negra e energética. Fala com

profunda indignação sobre os impactos da fábrica, que praticamentefica no quintal de sua casa. Dona Francisca reclama do ruído, postoa indústria operar 24h ininterruptamente. “Tenho um maridoadoentado pelo derrame. Outro dia a fábrica soltou um gás namadrugada. Todo mundo da casa saiu correndo para a rua com medode explosão”, informa a senhora.

D. Francisca- queixa-se da poluição das fábricas-Açailândia-MA. Foto: Rogério Almeida/2008

O Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos(CDVDH), ONG com sede em Açailândia tem sido um mediadorda luta das comunidades afetadas ao lado dos padres e irmãoscambonianos. O CDVDH também é procurado em casos de trabalhoescravo. É esta ONG que denuncia dois graves acidentes na escóriadepositada a cerca de 450 metros da fábrica.

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Os relatórios do CDVDH indicam que o primeiro ocorreu emsetembro de 1992 com um garoto de oito anos. O segundo comoutro garoto de sete anos, Gilcivaldo Oliveira de Souza. A famílianarra que o menino se acidentou na montanha da escória e queprovocou queimaduras de terceiro grau. Gilcivaldo veio a óbito nomês de dezembro do mesmo ano do acidente. A empresa argumentaem sua defesa que o garoto se acidentou em uma caieira, práticacomum para a produção de carvão. O segundo acidente ocorreu emnovembro de 2001, com o jovem de 21 anos, Ivanilson Rodrigues.O jovem sofreu queimaduras de terceiro grau e carece de cuidadosespeciais. Após várias situações de conflito entre a empresa, ovitimado e o CDVDH, a empresa garantiu o tratamento em clínicaparticular para o rapaz. Todos os casos foram encaminhados para oMinistério Público Federal.

As demandas colocadas acima é que mobilizam um coletivo deorganizações populares no movimento “Justiça nos Trilhos”. Ogrupo realizou uma série de debates sobre as questões durante oFórum Social Mundial, que ocorreu entre janeiro e fevereiro de2009, em Belém.

O coletivo busca a partir de estudos realizados pelasuniversidades federais do Maranhão e Pará, a construção de medidasque diminuam os impactos do setor nas comunidades atingidas e agarantia de um fundo de desenvolvimento, extinto após a privatizaçãoda Vale, em 1997.

Seminário Justiça nos Trilhos- Pequiá-Açailândia-MA Foto: Irmão Antonio

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02ª - Parte

ARAGUAIATOCANTINS -TERRITÓRIO EM DISPUTA

1 - Araguaia - Tocantins: fragmentos de 20 anos de Luta pela Terra

2 - Bico do Papagaio: dias de sangue, dias de UDR, 24 anos atrás

3 - A luta pela terra na Amazônia: camponeses/as a famíliaMutran, Daniel Dantas e outros sujeitos

4 - Agrobiodiversidade na Amazônia: movimentos sociaisapontam agroecologia como forma de desenvolvimento

5 - O julgamento do caso João Canuto: tudo uma ilusão?

6 - Carajás, o novo cenário?

7 - Amazônia, Pará e o mundo das águas do Baixo Tocantins

8 - Carajás – interesses da Vale pressionam territórios decamponeses e indígenas

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1 - ARAGUAIA-TOCANTINS: fragmentos de 20 anos de lutapela terra6

É lugar comum dedicar aos anos redondos algumas linhas. Sejano sentido de exaltar ou de oposição. No ano de 2007 alguns fatosrelacionados com a luta pela terra no Pará somam duas décadas. Faz20 anos que o primeiro projeto de assentamento (PA) da reformaagrária no sudeste do Pará foi criado, o Castanhal Araras, nomunicípio de São João do Araguaia.

Mesmo tempo do assassinato do advogado ligado ao PCdoB,deputado Paulo Fonteles, reconhecido pela militância junto aos (às)camponeses(as). Ao longo das duas décadas ocorreu no sul e nosudeste do Pará uma reconfiguração que passa pela dimensão física,política, social e econômica, com a efetivação do campesinato nafronteira.

Período igual de vida tem a obra “A oligarquia do Tocantins e odomínio dos castanhais”, assinada pela professora Marília Emmi, daUniversidade Federal do Pará (UFPA). A dissertação de mestradodefendida no Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), sob aorientação do professor Jean Hébette, recupera elementos políticos,sociais, jurídicos e econômicos que concorreram para a construçãoda oligarquia no sudeste paraense.

Ainda hoje a obra é leitura indicada aos que buscamcompreender a aguda disputa pelos recursos naturais e território naregião celebrizada sob a lente triste onde mais se matou camponesesno Brasil. Na fronteira agromineral concorrem índios, empresasmineradoras, fazendeiros, madeireiros, camponeses de toda ordem,com terra ou ocupantes, além de garimpeiros.

Ao longo dos séculos é o extrativismo que tem regido o diapasãoda economia amazônica, ou saque, como preferem alguns. É dealmoxarifado a condição irreversível da região? Cá aflui a tecnologiade ponta de uma das principais mineradoras do mundo, a CompanhiaVale do Rio do Doce (CVRD), que atualmente renomeada para Vale,

6 Artigo apresentado no 3º Encontro da Rede de Estudos Rurais, realizado de 9 a 12 desetembro de 2008, Campina Grande - PB, Brasil. Além dos anais do encontro, o artigofoi publicado na Revista Democracia Viva, nº 41, janeiro de 2009, do Instituto Brasileirode Análises Sociais e Econômicas (IBASE/RJ) e em vários sites.

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com formas rudimentares de cultivo. Locus onde não rarotrabalhadores são libertados aos montes do cativeiro da terra,escravizados para amansar a floresta, que cede cada vez mais lugarao gado e a monoculturas e novas frentes mineradoras.

Na região a floresta arde em carvoarias para a produção de carvãovegetal que alimenta siderurgias no Maranhão e Pará. Pedaço dechão onde se agita um “movimento” separatista ancorado numdiscurso emocional que visa ao calor de cada eleição, a criação doestado de Carajás. O mesmo se dá a oeste e sul do Maranhão. Umaterra marcada por passivos de todos os vernizes. Consultada emplebiscito, em novembro de 2011, a população paraense rejeitou atese pela divisão do estado.

Numa viagem no quente rincão, em todos os sentidos, assalta-nos uma paisagem de terra arrasada. Nas serrarias, montanhas deresíduos de madeira ladeiam as oficinas. Nas rodovias estaduais efederais, cerca e pasto entediam qualquer viajante. Ao longe o gadobusca sombra sob a torre de alta tensão do linhão da hidrelétrica deTucuruí, que alimenta empresas de produção de alumínio nomunicípio de Barcarena, no Pará, controladas pela CVRD, e na capitaldo Maranhão, São Luís, de propriedade da estadunidense ALCOA.

Uma foto 3x4 do que foi a conquista da fronteira, baseada empolos de produção: madeira, gado, energia, mineração e siderurgia.Estado e o capital nacional e internacional dançavam de mãos dadasnuma trilha sonora econômica marcada pelo planejamentopragmático. O Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) destoaem algo?

Terra arrasada - dias de lutaPara que um território seja construído outro deve fenecer. Tem

sido assim ao longo das eras: a eterna construção e desconstruçãodos territórios e a alternância de poder. Assim, sob o decreto denúmero 3.938, em 15 de janeiro de 1987, numa área de 5.058.4728hectares foram assentadas 92 famílias do que veio a ser o primeiroPA da reforma agrária no sudeste do Pará, o Castanhal Araras,localizado no município de São João do Araguaia. Dava-se, assim,início a desconstrução do que ficou conhecido como polígono doscastanhais. Fruto de atos de ocupação, por posseiros, da terra indígenado povo Gavião e inúmeros acampamentos em órgãos públicos.

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Cupuaçu, castanha-do-Pará, pupunha, açaí constavam na florado lugar. Um experimento de modelo de organização social e políticaatravés de fomento de caixa agrícola, organização de movimento demulheres, realização de festival ecológico foram realizados no PAAraras, a 40 km de Marabá. A ONG Centro de Educação, Pesquisae Assessoria Sindical e Popular (CEPASP) foi um dos principaisanimadores no PA.

Pelo pioneirismo a comunidade acabou por servir de berço avários dirigentes que ocuparam e ainda ocupam cargos na Federaçãodos Trabalhadores na Agricultura do Pará (Fetagri) e na central decooperativas da região. Conseguiu eleger vereadores e até um vice-prefeito. A experiência de Araras se alastrou para os municípiosvizinhos de Nova Ipixuna e Eldorado do Carajás.

O prognóstico na fronteira não previa a permanência docampesinato. Sucedia afirmar que o mesmo seguiria em itinerânciacedendo lugar à “eficiência capitalista”. Mas, o que se desnudou nosudeste seguiu o sentido contrário. Até fevereiro de 2006, aSuperintendência Regional (SR) 27 do Instituto Nacional deColonização e Reforma Agrária (INCRA), contabilizava 450 PA nosudeste e sul do Pará, além de cem áreas em avaliação paradesapropriação.

O universo de 58.152 famílias se espraia por 14.753419.1623hectares, o que corresponde a 52% do território de 36 municípiosdo sul e sudeste do Pará, gerenciados pela SR-27, INCRA de Marabá.Os dados do INCRA indicam um déficit a menor de 26.909 famílias.À primeira vista tem terra sobrando. Então o que falta para ocorrer adistensão? Sabe-se que cortar a terra (demarcar) é apenas um passo.

Mas, há como inverter a agenda de pesquisa dos institutos,coadunar ações conjuntas das diferentes esferas do poder públicocom vistas a melhorar a qualidade de vida do (a) assentado(a), aindaprenhe de precariedade? Defende-se que a região deva ser ocupadapor cientistas, que o conhecimento preceda os sistemas de uso dosrecursos naturais, mas questiona-se: que ciência cara pálida, para quem?

Aos alinhados ao capitalismo agrário, não tem sentido a efetivaçãode PA, aos olhos deles, uma mera representação do atraso ou favelasrurais, como preferem.

A territorialização camponesa iniciada ao apagar das luzes dadécada de 1980, além da dimensão física, registra a construção de

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representações políticas e institucionais. Como a efetivação de umaregional da FETAGRI, o MST e a recentemente criada Federaçãodos Trabalhadores Rurais na Agricultura Familiar (FETRAF). Trata-se de uma cidadania conquistada e não concedida, que ultrapassa oslimites da mera análise física da reconfiguração da região. Considera-se prudente ponderar sobre o reconhecimento político, social eeconômico da categoria.

Tem-se registro da criação da Escola Família Agricultura (EFA),com sede em Marabá, dedicada aos (às) filhos (as) dos (as) assentados(as), da edificação de cooperativas e associações de produtores eprestadoras de assistência técnica, aos moldes da COOPSERVIÇOS,ligada à Fetagri, bem como da mobilização de uma organização decombate à impunidade no campo, como o Comitê Rio Maria.Instituição que conseguiu levar a julgamento os assassinos dosmilitantes Expedito Ribeiro e João Canuto, ainda que a luta tenhaultrapassado a casa de uma década. Mas, a naturalização das mortesde camponeses(as) e a impunidade tem sido a regra.

Ainda na esfera da educação, a primeira turma de Pedagogia foiformada no ano de 2006, e encontra-se em curso a primeira turmade Agronomia, e debate em torno da formação de uma turma deLetras. Ainda que insuficientes, têm-se políticas de crédito parafomento, produção e moradia. Como se nota, são direitos garantidospela Constituição e somente efetivados através de mobilizações. Oque há de demoníaco nisso? Qual o sentido da parcialidade nos meiosde comunicação de massa sobre a ação da categoria, o de criminalizara ação da mesma? Os ricos fazem lobby, os marginais mobilização.

A memória é outra dimensão do processo de territorialização,como a nomeação de PA e ocupações com nomes que lembramchacinas e mortos na disputa pela terra. A exemplo do PA 17 deAbril, em memória dos mortos no Massacre de Eldorado, PauloFontelles, Gabriel Pimenta, ambos advogados, José Dutra da Costa(Dezinho), militante da FETAGRI assassinado em 2000, nomunicípio de Rondon do Pará, a ocupação 26 de Março, quehomenageia os militantes assassinados do MST “Fusquinha” e“Doutor”, PA Pe Josimo Tavares, PA Expedito Ribeiro, entre tantos.Registre-se ainda, que locais marcados por chacinas de posseiros nadécada de 1980, a mais sangrenta, são hoje PA, como o CastanhalCuxiú e Ubá e a fazenda Princesa.

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Na dimensão política tem-se a exoneração de doissuperintendentes do INCRA de Marabá, Petrus Emile Abi-Abib eVictor Hugo da Paixão. Bem como, a participação dos representantesdos assentados no processo de definição do Programa Operacional(PO) da SR-27 que até 1997 era definido a portas fechadas entreprefeitos e técnicos do INCRA. Verifica-se a participação dosdirigentes na disputa por cargos no legislativo e executivo municipais,que tensiona o status quo nos rincões.

Se antes não se decidia um pleito eleitoral sem a mediação dafamília Mutran, - o tronco familiar com maior robustez no tempodos castanhais - registra-se nos dias de hoje um refluxo. Atualmentenão tem nenhum representante na Câmara Municipal de Marabá, equase não goza de influência nos pleitos do Executivo. Na derradeiraeleição a representante da família, ex-deputada estadual CristinaMutran, saiu como vice numa chapa encabeçada por também ex-deputada estadual Elza Miranda, que conseguiu somente o terceirolugar.

Registra-se ainda a perda do único assento na AssembléiaLegislativa. A fazenda Peruano, localizada no município de Eldoradodo Carajás e a Cabaceiras, localizada no município de Marabá estãoocupadas pelo MST. A última foi desapropriada recentemente. Asmesmas constam no livro da “lista suja” do trabalho escravo doMinistério Público do Trabalho (MPT), assim como a Mutamba. Afazenda Cedro, também em Marabá, foi repassada ao banqueiroDaniel Dantas, que tem adquirido inúmeras fazendas na região como maior rebanho de gado do Pará.

Se nas décadas pretéritas o universo camponês do sudesteparaense era povoado por vários mediadores, como a Igreja Católicaatravés de suas Pastorais e das Comunidades Eclesiais de Base(CEBs), o Movimento de Educação de Base (MEB), partidospolíticos legítimos e clandestinos, ONG, Universidade Federal doPará via programa do Centro Agro-ambiental do Tocantins (CAT),tem-se hoje uma apropriação do discurso pelo próprio ator social, ocamponês, motivo de inquietação de um cipoal de pesquisas.

Sublinhe-se que no início da desapropriação dos castanhais erao ministro da reforma agrária nada mais, nada menos que o senhorJader Barbalho, no então governo do presidente José Sarney, instantesda redemocratização do país. A corda e a caçamba. A pasta da

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comunicação tinha como titular o finado ACM. Era ou não era umalinha de ataque capaz de causar terror a qualquer defesa? Cumprepontuar que o processo serviu mais para oxigenar a vida econômicados coronéis, enquanto a luta dos posseiros de São João do Araguaiafoi assim desvirtuada do seu sentido original.

Dias em que os latifundiários, mobilizados no que ficouconhecido como “Centrão”, fizeram radical oposição ao PlanoNacional de Reforma Agrária (PNRA). Radicalização que ganhouaspectos de esquadrão da morte através de sua entidade derepresentação, a União Democrática Ruralista (UDR), que tinha(tem) como timoneiro o goiano Ronaldo Caiado. O Bico doPapagaio, sudeste do Pará, oeste do Maranhão e o norte do atualestado do Tocantins, saíram do anonimato neste período. Regiãoimortalizada pelas inúmeras chacinas e execuções de camponeses(as)e seus pares.

Números da luta e institucionalidadesNos anos de 1987/1988 foram desapropriadas 24 áreas/castanhais

para fins de reforma agrária. Entre 1989 e 1991 experimenta-se umimobilismo com a efetivação somente de sete PA. Ao se investigar operíodo que compreende entre 1992 a 1995 são criados 33 PA. É aação reativa do Estado ante o Massacre de Eldorado de Carajás queativa a criação massiva de PA na região. No período entre 1996 e1999 são criados 202 PA, 44,8% do total de 450 PA. Dias do governode Fernando Henrique Cardoso, que reconheceu numerosas áreasocupadas na Amazônia como PA. Trata-se de reforma agrária ouregularização fundiária?

Entre os anos de 2000 e 2005 criam-se 184 PA, o que equivale a40,8%. O Massacre de Eldorado do Carajás é o estopim paraefetivação de inúmeras instituições. No momento, o posto avançadodo INCRA ganha o status de superintendência regional, PolíciaFederal e Ministério Público Federal são instalados na tensa fronteiraamazônica. Esse mesmo modelo foi efetivado no Xingu após oassassinato da missionária estadunidense Dorothy Stang, região paraonde se desloca a violência antes concentrada no sul e sudeste doestado.

Na década de 1990 o tema reforma agrária fez parte da agendapolítica do governo por vários fatores internos, entre eles: a luta

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pela terra e as chacinas de Corumbiara, Rondônia (1995) e o Massacrede Eldorado do Carajás, Pará (1996). E elementos externos, tais como:a política mitigadora de reforma agrária do Banco Mundial, comvistas a assanhar o mercado de terras, e a distensionar a luta pelaterra na América Latina, Ásia e África. No entanto, os eixos deintegração desenhados pela macropolítica econômica (energia,comunicação e transporte) operaram no sentido oposto da demandados movimentos sociais do campo.

Efetiva-se em sua contradição a territorialização camponesa,marcada por pelo menos dois pilares. O do semblante camponês, aluta pela terra; e o segundo pelo processo capitalista, com amercantilização da terra em detrimento de sua função social, comodesejavam os(as) camponeses(as) e pares.

Interroga-se: INCRA e as entidades de classe dos(as)trabalhadores(as) possuem pernas para administrar o vasto universode assentamentos? Sabe-se que o apogeu da ação comunitária daluta camponesa dá-se no processo de organização e ocupação deáreas consideradas improdutivas, e que ao “cortar a terra” verifica-se o retorno da cultura do individualismo. Realidade tanto ativadapelas políticas públicas, quanto pelas cada vez mais presentes igrejasneopentecostais em ocupações e assentamentos, que ancoram o seudiscurso numa perspectiva da prosperidade individual.

Como reflete o poeta Leminski, “problema tem família grande”.É certo que ocorre ainda a crise de legitimidade de dirigentes eentidades de representação de classe, disputas internas, processo dediferenciação no interior de ocupações e assentamentos. E ainda, apresença de pessoas consideradas “infiltradas” do Estado e do setorprivado que monitoram as ações nas áreas, como registrado no anode 2001, quando um serviço do Exército Brasileiro foi descortinadoem Marabá. O mesmo tinha a missão de monitorar a agenda dasentidades ligadas à defesa da reforma agrária, meio ambiente e direitoshumanos. Ainda que tenha havido uma audiência pública em Marabáatravés da Câmara Federal, nunca mais se ouviu falar no assunto enão se tem conhecimento de algum desfecho.

No mesmo ano ocorreu um recrudescimento da violênciapública e privada na região, com registro de inúmeras mortes, prisãode dirigentes e uma sistemática ação de reintegração de posse. Aprecariedade conforma o universo camponês, que muitas vezes não

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resiste e repassa seus lotes a comerciantes, médios e pequenosprodutores, que reconstroem os minifúndios. Sabe-se de casos defazendeiros oferecendo suas terras para desapropriação no INCRA.

Na imbricada engrenagem da delicada questão fundiáriaamazônica quem ganha com a efetivação de tantos PA? E a massa decamponeses(as) terá capacidade de construir um modelo dedesenvolvimento a partir dos PA? Será possível a definição depolíticas para a região sem uma regularização fundiária, sem umzoneamento econômico e ecológico? A sobreposição marca acartografia do lugar, com PA em áreas indígenas, por exemplo.

É certa a conquista política da categoria ante o Estado marcadopelo autoritarismo numa área de fronteira militarizada por longosanos. Migração espontânea e estimulada através de projetos decolonização oficiais e privados. Grandes projetos e garimpos sãofatores pontuados como estimuladores da migração na região.Impregnada de maranhenses, estado considerado o principalexportador de tensão social do país, como reflete o antropólogoAlfredo Wagner Berno de Almeida.

Dos 19 mortos no Massacre de Eldorado do Carajás, 11 eramdo Maranhão. Eles(as) estão nos PA´s, na coordenação de entidadesde classe. São alvos de preconceito na região através de piadas queos relacionam a questões pejorativas. Mesmo preconceito existenteentre manauaras e belenenses. Mesmo tratamento pejorativo queganha relevo nos meios de comunicação regionais quando tratamda luta pela terra, onde “sem terra” é relacionado a coisasdesagradáveis.

Ainda não se tem notícia da construção de um espaço devisibilidade para a produção camponesa, como o fez o latifundiário,que celebra seus bois há mais de duas décadas, na principal feiraagropecuária regional, a de Marabá.

Eis o posseiro alçado à condição de assentado da reforma agrária,reconhecido pelo Estado. Fato que inverteu o cotidiano das entidadesde representação dos camponeses, com agenda repleta de reuniõescom órgãos públicos, guinando-as a uma tarefa burocratizada emdetrimento de uma agenda política.

Em meio à criação do Distrito Florestal de Carajás, ainda umbicho anuviado no horizonte, que à primeira vista soa como ummero socorro aos produtores de gusa que ao longo de duas décadas

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corroboraram o desflorestamento da região e não cumpriram acordosno sentido oposto. Prestes a tornar o mundo degradado emmonocultura de eucalipto.

Uma vez mais o socorro vem do Estado. Desta feita via o BancoNacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Antesfoi a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia(SUDAM), a bengala do capital privado.

2 - Bico do Papagaio: dias de sangue, dias de UDR, 24 anosatrás7

A defesa intransigente na manutenção de grandes extensões deterras na região de fronteira integrou o DNA da formação da UniãoDemocrática Ruralista, UDR. A mesma nasceu no imortalizado Bicodo Papagaio, quando o norte do atual estado do Tocantins, pertenciaao estado de Goiás. O Bico se completa com o sul do Pará, e o oestedo Maranhão.

Região cantada em prosa, verso, pesquisas, reportagens, lugaronde mais se matou camponeses na disputa pela terra no Brasil. Noextenso obituário de camponeses uma parcela significativa é creditadaao escudo da UDR. Ainda hoje a região é palco de execuções detrabalhadores (as) rurais que defendem a reforma agrária. Passadasduas décadas, tal latitude do país continua a registrar índice alarmantede trabalhadores em condições análogas à escravidão.

A UDR surge no cerrado goiano em 1985 a partir da reunião dedirigentes da Federação da Agricultura de Goiás, da Associação dosCriadores de Gir, Nelore e Zebu de Goiás, da Associação dosFazendeiros de Araguaína e da Associação dos Fazendeiros do Xingu.No ninho de animadores destacam-se: Ronaldo Ramos Caiado, -estrela de primeira grandeza da sigla-, Jairo de Andrade, um dosorganizadores da “Marcha com Deus, pela Família, pela Liberdade”,idos de 1964, mineiro do município de Passos, Altair Veloso eSalvador Farina, donos de terras em Goiás. Plínio Junqueira Júnior,engenheiro agrônomo de tradicional família paulista foi o únicofazendeiro de fora da região a integrar a cúpula de fundação da UDR.

7 Trabalho publicado na página do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC/RJ)em junho de 2006.

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As informações aqui elencadas tomam como base a obra: Donosde Terras: trajetória da União Democrática Ruralista – UDR, dapesquisadora Marcionila Fernandes, publicada em 1999, em Belém,Pará. A obra resulta de pesquisa de dissertação defendida no Núcleode Altos Estudos Amazônicos (NAEA), da Universidade Federal doPará (UFPA), ano de 1992.

Inquieta a pesquisadora: conhecer qual a gênese da representaçãopatronal, sob que princípios atua, quem são os seus representantes,e que táticas usam. Fernandes adverte que um dos motivadores paraa fundação da UDR reside na ameaça de desapropriação de áreasconsideradas como de situação de conflito, conforme a agenda doPlano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), de 1985. O PNRAnasceu sob o contexto da Nova República, no governo de José Sarney,que repassou o Ministério da Reforma Agrária (MIRAD) para JaderBarbalho.

Nas investigações da pesquisadora sobre o perfil do quadro daentidade, destaca tratar-se de pessoas do centro sul do país, quedesenvolvem atividades nos setores de comércio, indústria, serviçose mesmo bancárias (Bamerindus), e que por via legal ou não,adquiriram grandes extensões de terras, caso da família Lunardelli,à época da pesquisa, dona de 11 empreendimentos na Amazônia.

Ou mesmo produtores de tradição rural paulista, que possuemorigem na oligarquia cafeeira, como a família Lanari. Sobre o GrupoQuagliato, dono da Empresa Agropecuária QUAMASA- Quagliatoda Amazônia Agropecuária S/A, detinha três fazendas na região, eera dona da Usina São Luiz S/A. Em Ourinhos, São Paulo, Quagliatoprocessava açúcar e álcool. Outra família citada é a Bannach, quehoje batiza um município na região. A família tem origem ligada àatividade madeireira, vindos do Paraná. Tão expressivo é o poder?

Formalmente a UDR do sul do Pará foi criada no dia 17 demaio de 1986, no Parque Agropecuário de Redenção. Compuserama mesa, Ronaldo Caiado, fundador da UDR em Goiás, RobertoParanhos Rio Branco, presidente da Associação dos Empresários daAmazônia, Alceline Veronese, prefeito de Redenção, PlínioJunqueira, de São Paulo e Udelson Franco, de Minas Gerais. Emsua análise, a pesquisadora pontua como uma das características damatriz da UDR no Pará, a articulação entre o norte-sul.

A entidade também teve as suas versões em Marabá e Altamira.

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No entanto, o estudo deixa claro o protagonismo do sul do estado edo município de Paragominas, nordeste do Pará. Fernandes esclareceque a versão de Paragominas dialogava com frequência com a capital,Belém, espécie de quartel general. A Associação Rural da Pecuáriado Pará - ARPP é matriz da versão da UDR de Paragominas, a partirde uma reunião com os dirigentes Plínio Junqueira e RonaldoCaiado.

Com a intervenção dos irmãos Lincoln e Luiz Bueno, paulistasdo celeiro dos cafeicultores, aportados na região desde a década de1970, a entidade ganha forma. “Um pioneiro”. Tem sido esse oamparo de gestos mais largos para a manutenção do poder de talsetor. A que tudo e todos devem se submeter. Onde não há espaçopara a diferença.

Entre outros artífices no processo de defesa da intocabilidadedas grandes porções de terras na fronteira, a pesquisa pontua apresença do então estudante de Direito da UFPA, Leonardo Lobato,integrante do que ficou conhecido como UDR Jovem. Há aindaGastão Carvalho Filho, mineiro, e Luiz Otávio Rodrigues da Cunha,paulista, descendente de famílias proprietárias de terras em váriosestados da União. Engrossam o escrete do processo de privatizaçãode terras, setores tradicionais de pressão. Entre eles: Grupo Belauto,Grupo Marcos Marcelino, Grupo EBD, Grupo Jonasa e aConstrutora Estacon.

Assim como a pesquisadora, outros estudiosos indicam aintervenção do Estado como fator importante para a oxigenação dasaúde financeira de tais atores da fronteira. Recursos em particular,advindos de fundos da Superintendência de Desenvolvimento daAmazônia (SUDAM), reeditaram a prática do patrimonialismo.

Diferente de seus pares tradicionais, como a ConfederaçãoNacional da Agricultura (CNA), Sociedade Rural Brasileira (SRB),Organização das Cooperativas do Brasil (OCB), cujo dirigente daépoca era nada mais, nada menos do que ex-ministro da Agricultura,Roberto Rodrigues, a UDR não tinha esmero em dialogar com oEstado.

A partir desse mosaico ruralista, floresce a Frente Ampla daAgropecuária Brasileira, em 1986, que vai desaguar no que ficouconhecido na Assembléia Nacional Constituinte, como “Centrão”,frente parlamentar que abortou a possibilidade de uma reforma

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agrária. Enfileirados na defesa do latifúndio, vestiam a camisa daUDR pelo Pará: Asdrubal Bentes, Jorge Arbage e Fausto Fernandes.Outras expressões residiam em Afif Domingues (PL/SP) e AlyssonPaulinelli (PFL/MG), Ubiratan Spinelli (MT), Cunha Bueno (SP),José Lourenço (BA). No derradeiro pleito eleitoral de Marabá em2004, o Partido dos Trabalhadores-PT emprestou a estrela comovice, na chapa de Asdrubal Bentes, que ficou em segundo lugar.(Tempos modernos?)

Dias de sangueFormalmente pode-se afirmar que a existência da UDR no Pará

foi curta, meia década. A entidade enrolou a bandeira em 1991 (será?),no mesmo local onde havia nascido cinco anos antes. O pouco tempode existência imortalizou a região como a mais violenta do país nadisputa pela terra. Entre os anos de 1985 a 1987 há ocorrências desete chacinas na região, com o saldo de 62 mortes.

As chacinas estão assim distribuídas: Chacina dos Irmãos-Xinguara, junho de 1985, 06 mortos; Chacina Ingá – Conceição doAraguaia, 13 mortos, maio de 1985; Chacina Surubim- Xinguara,17 mortos, junho de 1985; Chacina Fazenda Ubá – São João doAraguaia, 08 mortos, 13.06.1985/18.06.1985; Chacina FazendaPrincesa-Marabá, 05 mortos, setembro de 1985; Chacina Paraúnas-São Geraldo do Araguaia, 10 mortos, junho de 1986; ChacinaGoianésia – Goianésia do Pará, , 03 mortos, outubro de 1987(Relatório de violação dos direitos humanos na Amazônia – CPT-2005).

Os massacres que tiveram o processo de apuração iniciados são:a chacina da Ubá, e o caso da fazenda Princesa, com cincocamponeses executados, quando alguns tiveram as cabeças decepadase os corpos jogados no rio. Ambos os processos tramitam há 23 anos.No episódio ocorrido em Goianésia do Pará, o processo é dado comodesaparecido. No mesmo período o município de Rio Mariaregistrou a morte de membros da família Canuto, ligados ao PC doB, assim como do advogado Paulo Fontelles, Gabriel Pimenta, JoãoBatista e Pe. Josimo, este último caso em Imperatriz, Maranhão.

É possível sinalizar que a gana da UDR arrefeceu na região?Episódios ocorridos no primeiro semestre do ano de 2006 parecemindicar a direção contrária. Os ânimos dos ruralistas exaltaram-se

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com a prisão de pares e intermediários em execuções de camponesesocorridas na década de 1980, e mesmo em período mais recente.

São os casos das prisões de Marlon Lopes Pidde, fazendeiro,acusado de ter coordenado a chacina de cinco trabalhadores ruraisna fazenda Princesa, município de Marabá, em setembro de 1985;Manoel Cardoso Neto, o Nelito, fazendeiro acusado de ser omandante do assassinato do advogado Gabriel Sales Pimenta, crimeocorrido em Marabá, em 1982; Domicio de Sousa, o Raul, acusadode ser um dos intermediários do assassinato do Sindicalista JoséDutra da Costa, o Dezinho, crime ocorrido em Rondon do Pará,em 21 de novembro de 2000, e José Serafim Sales, o Barreirito,pistoleiro condenado a vinte e cinco anos de prisão por terassassinado, em 02 de fevereiro de 1991, o sindicalista ExpeditoRibeiro de Souza, no município de Rio Maria. Barreirito foi presoem Boston, EUA.

As prisões foram efetuadas pela Policia Federal, após constantepressão das instituições ligadas aos camponeses, como a ComissãoPastoral da Terra (CPT) de Xinguara, junto ao Ministério da Justiça.Outro elemento da cena recente tem sido as constantes denúncias elibertações de trabalhadores rurais em condições análogas à escravidãonas fazendas e carvoarias. O Pará responde sozinho a 50% dos casosbrasileiros. Ao menos onde a fiscalização consegue alcançar.

Completa o quadro, a ocupação pelo MST, da fazenda RioVermelho, do Grupo Quagliato; a ocupação da fazenda Maria Bonita,no município de Eldorado do Carajás, que envolve a família Mutrane o banqueiro Daniel Dantas. Ofendidos em seus brios, os ruralistaspediram a cabeça do frei Henri des Roziers, advogado da CPT deXinguara, ao bispo de Conceição do Araguaia. Pedido que foi negado.As reuniões com vistas à degola do frei foram mediadas pelo senhorRonaldo Caiado.

Há cinzas nesse rescaldo?

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3 - A luta pela terra na Amazônia: Camponeses(as), a famíliaMutran, Daniel Dantas e outros sujeitos8

Raimundo Nonato do Carmo, de 53 anos, ex-presidente doSindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) do município de Tucuruí,sudeste do Pará, foi executado com sete tiros na noite de 16 de abrilde 2009, véspera da passagem de 13 anos do Massacre de Eldoradodo Carajás. O nome de Nonato integrou uma lista de 260 pessoasameaçadas de morte no estado. Entre os ameaçados há dirigentessindicais, ambientalistas, advogados, indígenas e religiosos.

Ao centro o sindicalista de Tucuruí, Raimundinho, executado no dia 16 de abril de 2009.FOTO: arquivo do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular(CEPASP).

8 A reportagem resulta de vários trabalhos publicados anteriormente nos formatos deartigos e reportagens, e foi publicado na página da rede www.forumcarajas.org.br eparcialmente na Revista Sem Terra , em 2009.

No dia 18 do mesmo mês, nove trabalhadores sem terra forambaleados por “seguranças” da fazenda Espírito Santo, no municípiode Xinguara. Militantes do MST ocupam a fazenda desde fevereiro.Há registro de outros grupos de camponeses na mesma área.

Se na década de 1980, período considerado o mais sangrento dolugar, a União Democrática Ruralista (UDR) exerceu oprotagonismo da violência e a milícia fazia a defesa da propriedadeprivada, atualmente as “empresas” de segurança configuram o braçoarmado das grandes propriedades.

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Desde o início da década de 2000 as organizações camponesasdenunciam a questão aos órgãos públicos. Através de uma audiênciapública realizada em Marabá, a comissão de direitos humanos daCâmara Federal tomou conhecimento do assunto no ano de 2001.

A audiência foi motivada pelo recrudescimento da violência nocampo. Entre julho e agosto daquele ano 121 camponeses forampresos e sete executados. Sendo três da mesma família, caso dosindicalista de Marabá, José Pinheiro Lima (Dedezinho), a esposa eo filho de 15 anos. No mesmo período, documentos de espionagemdo Exército em Marabá, direcionados para monitorar as ações dosmovimentos sociais taxavam os mesmos de “forças adversas passíveisde eliminação”. Os documentos do quartel general do ExércitoBrasileiro (EB) direcionado para monitorar as ações dos movimentossociais foram divulgados através de várias reportagens do jornalistaJosias de Souza, da Folha de São Paulo, em agosto de 2001.

A fazenda Espírito Santo, onde os sem terra foram baleados,está em nome da Agropecuária Santa Bárbara Xinguara, do grupoOpportunity, do banqueiro Daniel Dantas. A propriedade já foiflagrada com uso de mão-de-obra escrava9 pela Delegacia Regionaldo Trabalho (DRT).

Dantas é o mais novo sujeito da cena econômica e política aexercer pressão sobre as terras e as riquezas locais. Uma presençaainda não digerida para as pessoas que se inquietam em entender asdinâmicas da região. Mas, relatórios da Polícia Federal assinados pelodelegado Ricardo Andrade Saadi revelam indícios de lavagem dedinheiro.

9 José Pereira Ferreira ganhou notoriedade, em novembro de 2008, quando foi aprovadapelo Congresso uma indenização no valor de R$ 52 mil. Zé Pereira tinha sido reduzidoà condição de escravo na fazenda Espírito Santo, cidade de Sapucaia, Sul do Pará. Emsetembro de 1989, com 17 anos, fugiu dos maus-tratos e foi emboscado por funcionáriosda propriedade, que atingiram seu rosto. O caso, esquecido pelas autoridades tupiniquins,foi levado à Organização dos Estados Americanos (OEA), que condenou o Brasil. Ferreira,goiano de São Miguel do Araguaia, veio com oito anos para o Pará acompanhar o pai,que também fazia serviços para fazendas. Hoje, com 31 anos e o dinheiro da indenização,pretende começar vida nova para compensar a vida roubada pelos anos de tratamentopara salvar a visão atingida pelos pistoleiros, pelas ameaças recebidas e a escravidão.“Eu estou comprando uma chácara. Bem longe daquele lugar (Leonardo Sakamoto,Repórter Brasil, 02.06.2004).

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Quanto à posse legal das terras, em 30 de janeiro de 2009 o juizLíbio Araújo de Moura, titular da vara agrária de Redenção, bloqueouos títulos das fazendas Castanhal, Espírito Santo e Castanhal Carajás.As duas fazendas somam 10 mil hectares e foram negociadas por R$85 milhões pelo pecuarista Benedito Mutran. As áreas estãoindisponíveis para qualquer tipo de negociação.

As fazendas vendidas pelo Mutran não poderiam ter sidonegociadas, posto serem terras cedidas pelo Estado através daferramenta jurídica do aforamento, que concede direito de uso parafins do extrativismo da castanha do Brasil e não de posse. Desde ostempos coloniais a terra e os recursos nela existentes mobilizam redeseconômicas, políticas e sociais. Nos dias atuais, por onde se lança aatenção nas Amazônias do Brasil ou fora dela há registros de tensãoentre grandes corporações e as populações locais.

O sul e o sudeste do Pará, banhados pela bacia do Araguaia-Tocantins, no curso de sua “conquista” se configuraram como umaespécie de emblema da expropriação e da violência pública e privadacontra as populações indígenas e camponesas na Amazônia. Trata-se deuma fronteira agromineral, onde tensionam pelo controle dos territórios,empresas do quilate da Vale, madeireiros, fazendeiros, pecuaristas,indígenas, garimpeiros, frigoríficos de grande porte, camponesesassentados, ocupantes filiados ou não a alguma representação política,sob uma situação fundiária de abissal incerteza. Para efeito didáticotrataremos apenas de sudeste as duas regiões em questão.

Registro do cartaz de uma mobilização realizada em Belém contra a violência no campona década de 1980. Foto: Miguel Chikaoka/Jornal Resistência.

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A grilagem de terras na Amazônia6.102 títulos de terra registrados nos cartórios estaduais possuem

irregularidades. Somados, os papéis representam mais de 110 milhõesde hectares, quase um Pará a mais, em áreas possivelmente griladas.Os dados resultam de três anos de pesquisa dos órgãos ligados àquestão fundiária no estado, através da Comissão Permanente deMonitoramento, Estudo e Assessoramento das Questões Ligadas àGrilagem (Tribunal de Justiça, do Instituto Nacional de Colonizaçãoe Reforma Agrária, Advocacia Geral da União, Ordem dosAdvogados do Brasil, Federação dos Trabalhadores na Agricultura,Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, ComissãoPastoral da Terra e a Federação dos Trabalhadores da Agricultura doEstado do Pará). O documento foi apresentado em 30 de abril de2009 no auditório do Ministério Público Federal (MPF)

Conforme o site do MPF, a magnitude dos problemas nosregistros – que abrangem de fraudes evidentes a erros de escriturários- levou a um pedido, dirigido à Corregedoria do Interior do Tribunalde Justiça, para que iniciasse imediatamente o cancelamentoadministrativo de todos os títulos irregulares, já bloqueados pormedida do próprio TJ. A desembargadora Maria Rita Lima Xavier,corregedora do interior, negou o pedido no último mês de março.

O cancelamento dos títulos vai evitar a criação de seis milprocessos para o cancelamento dos títulos que podem durar infinitosanos no tribunal já sobrecarregado. Com o indeferimento dadesembargadora Maria Rita Lima Xavier, a comissão recorreu aoConselho Nacional de Justiça (CNJ) para que o mesmo defira pelocancelamento dos títulos falsos.

Felício Pontes Jr, procurador da República e representante doMPF na comissão, argumenta que os indícios de fraude são evidentesdemais para ficarem esperando processo judicial. O pedido decancelamento dos títulos é subscrito pelo Ministério Público doEstado, Instituto de Terras do Pará (ITERPA) e Procuradoria Geraldo Estado (PGE) e foi enviado ao CNJ através dos Correios nomesmo dia de apresentação dos dados.

Entre os episódios de grilagem mais famosos do Pará está o do“fantasma” Carlos Medeiros, ente jurídica e fisicamente inexistenteque acumula 167 títulos de terra irregulares. Todos os títulos deMedeiros que somam 1,8 milhões de hectares estão bloqueados. As

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terras se espraiam em dez municípios paraenses. A mesma situaçãonubla os empreendimentos da Agropecuária Santa Bárbara XinguaraS/A. no sudeste do estado.

Sudeste do ParáA aguda disputa pela terra alçou a região à condição de mais

violenta na disputa pela terra no país. Os dados da Comissão Pastoralda Terra (CPT) estimam em cerca de 600 pessoas executadas nadisputa pela terra ao longo de três décadas. A impunidade beira acasa de cem por cento.

Por conta da abundância da riqueza mineral, no regime militara região ganhou o status de área de segurança nacional. A Guerrilhado Araguaia também colaborou para a militarização da fronteira. Nacena econômica o extrativismo da castanha do Brasil, com apogeuaté 1970 é considerado relevante na historiografia regional. Temposmarcados pelas oligarquias. Foi justo nesta delicada região,considerada uma das mais tensas na disputa pela terra no país, queDantas nos derradeiros três anos fez sem muito estardalhaço umpequeno feudo. Assim como os interesses, não é nítida a quantidadeexata de terras e gado sob o controle da pessoa jurídica do senhorDantas em terras do Pará, a Agropecuária Santa Bárbara Xinguara,dirigida pelo ex-cunhado Carlos Rodenburg.

Mobilização de camponeses em Marabá/PA na década de 2000. Foto: Arquivo do Centrode Educação,Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).

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Estima-se em cerca de 40 fazendas distribuídas em novemunicípios do sul e sudeste do estado. Mas, os gerentes da empresase defendem alegando que controlam somente 15 propriedades, quetotalizam 510 mil hectares com 450 mil cabeças de gado. Desde julhode 2008, o Governo do Pará através do ITERPA realiza umlevantamento sobre as fazendas controladas pela empresa. Algumasmatérias realizadas por jornais regionais indicam que os fazendeiroslocais festejam as ações da pecuária Santa Bárbara, inclusiveconcedendo-lhe honrarias de excelência da categoria no estadoatravés da Federação da Agricultura e Pecuária do Para (FAEPA).

Antecedentes regionaisHouve um tempo em que os castanhais das terras do Araguaia-

Tocantins10 eram livres. Os rios configuravam as principais vias detransporte. Os dias reinaram assim até o ano de 1920. Na época, aAmazônia respirava o ocaso do ciclo do extrativismo da borracha. Ocomércio dos irmãos Chamom fazia o aviamento11 nos municípiosde Marabá e Tucuruí (na época Alcobaça), sudeste do Pará. Destaforma, era ativado o extrativismo da castanha12. Enquanto cabia àsempresas Bittar Irmãos, Dias & Cia, Nicolau da Costa e A Borges &Cia, entre tantos, aviarem em Belém. Europa e Estados Unidos foramos destinos da produção, explica a pesquisadora Marília Emmi, naobra “A oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais”.

Até então os índios Gavião e seus sub grupos (Krikateje, Parketejee Akrikateje), bem como, Kaapor, Xicrin, Atikum, Guajajara, Suruí,

10 A bacia do Araguaia-Tocantins banha três regiões do território nacional: Norte, partedo Nordeste e Centro Oeste. Mede 813.674 km² e corta os Estados do Maranhão,Tocantins, Pará, Goiás, Mato Grosso e parte do Distrito Federal. Dois biomas integram abacia do Araguaia-Tocantins, Cerrado e Floresta Amazônica, com predomínio do primeiro.Para melhor compreender a disputa pela terra na região sugiro a leitura da obra “Aoligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais”, da pesquisadora e professora daUniversidade Federal do Pará (UFPA), Marília Emmi, 1999, 2ª edição.11 Aviamento consistia na forma de poder dos comerciantes sobre os coletadores decastanha. Os comerciantes adiantavam suprimentos necessários aos dias de trabalho nafloresta, cabendo ao coletador a venda obrigatória da castanha ao comerciante.12 Castanha do Pará (Bertholletia Excelsa) é uma frondosa árvore. Em remotos tempos,abundou em vários estados do Norte. É do ouriço, o fruto, que se extrai a castanha.

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entre outros povos, eram os senhores do lugar, ainda que o Estadoviesse a declarar durante o regime militar a porção de terras umvazio demográfico. Trabalho escravo, mandonismo e clientelismodavam contorno ao poder dos coronéis.

Conforme pesquisa de Emmi, o comerciante e político Deodorode Mendonça e sua parentela hegemonizam no domínio doscastanhais até 1940. No período, aportou na região descendente desírio-libaneses, a família Mutran, oriunda do município de Grajaú,Maranhão, num distante 1920. Já em 1930 arrenda e adquire váriasterras. Coube à empresa A Borges & Cia aviar a família.

Hoje a atividade da pecuária predomina na região. A iniciativaganhou proporção a partir de uma política indutora da economia doEstado na Amazônia, em particular no sudeste do Pará. O sudesteparaense detém o maior rebanho de gado do estado. Os anos eramde chumbo, e além da pecuária o estado incentivou a atividademadeireira e minerária. A ideia era fazer com que a região prosperassea partir desses três polos: madeira, gado e minério.

Operários “amansando” a floresta na região de Marabá/PA. Foto: arquivo doCentro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).

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Bateria de fornos para produção de carvão na região de Marabá/PA. Foto: arquivo doCentro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).

Assim, vastas extensões de terras foram transferidas ou apropriadaspor empresas nacionais do Centro-Sul e internacionais. Entre elaspodem ser encontrados bancos como Bradesco, Real e o extintoBamerindus, sem falar na Volkswagen. Por falar em banco, outro queantecipou Dantas foi Calmon de Sá, do falido Banco Econômico.

A renúncia fiscal foi a política adotada para a atração de empresas.A prática tinha nos agentes de planejamento e do financeiro estataisa ponta de lança, leia-se Superintendência de Desenvolvimento daAmazônia (SUDAM) e Banco da Amazônia (BASA).

Região explosivaÉ complexo o xadrez de agentes e suas respectivas redes que

atuam no sudeste do Pará. Cá aflora a grande mineradora Vale,privatizada desde 1997, numa operação considerada um crime delesa pátria. Por ser a detentora de tecnologia de ponta é ela quemestrutura e desestrutura o território do lugar, como ocorre em váriaspartes do Pará, a exemplo da tensão registrada no município deOurilândia do Norte e vizinhança, onde inúmeras famílias deprojetos de assentamento da reforma agrária têm sido expulsas porconta de sua Mineradora Onça Puma (MOP), que explora níquel,conforme denúncias de entidades locais.

Agem ainda pelo controle do território, grupos indígenas, em

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certa medida já aculturados pelos hábitos do mundo não índio. Nadécada de 1980, quando a disputa pela terra torna-se mais aguda, arefrega ganha ares de esquadrão da morte a partir da ação da UDR,ligada a fazendeiros do Bico do Papagaio, norte do Tocantins, sudestedo Pará e oeste do Maranhão. A instituição era animada por RonaldoCaiado, político radicado em Goiás.

Acampamento de camponeses/as em Ourilândia do Norte/PA, em 2008. Foto: RaimundoGomes da Cruz Neto

Com tal contexto, ninguém ousou indicar que o campesinatoda fronteira iria se territorializar. Hoje a categoria controla mais de50% do território no sudeste paraense através de projetos deassentamento em 36 municípios sob a responsabilidade do InstitutoNacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Oreconhecimento de áreas ocupadas, algumas delas há mais de duasdécadas, teve no trágico episódio do Massacre de Eldorado o estopim.

Não resta dúvida quanto ao peso dos fazendeiros na região, masa conversão de fazendas ocupadas em projetos de assentamentodemonstra o avanço do poder de mobilização dos movimentos sociaiscamponeses, expressos através da Federação dos Trabalhadores Ruraisna Agricultura do Pará e Amapá (FETAGRI), regional sudeste, comatuação que soma mais de uma década. Mesmo período contabilizao MST.

Além desses agentes registra-se a presença de garimpeiros. Foraos projetos de assentamento há outras expressões do poder do

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campesinato local, traduzidas na efetivação da Escola Família Agrícola(EFA), nos cursos de nível superior, como Agronomia, Pedagogia eLetras, no assento de representações da categoria nas câmaras eexecutivos municipais e iniciativas de rádios comunitárias e outrasferramentas de comunicação. Por conta dos projetos de assentamentogerminam na região empresas de prestação de assistência técnicarural.

O sudeste do Pará é uma região que merece atenção especialpor parte do Poder Público. Ela coleciona graves passivos oriundosda experiência dos grandes projetos. A região é recordista em trabalhoescravo, assassinatos contra dirigentes e militantes da reforma agrária,concentra boa parte dos municípios mais violentos do país, sem citara devastação florestal.

Mas, o cenário atual não soa animador. Um exame no Programade Aceleração do Crescimento (PAC) sinaliza para aumento dapressão sobre a terra e recursos naturais nela existentes. Há umasérie de obras de infraestrutura: rodovias, hidrovias, hidrelétricas nabacia do Araguaia-Tocantins que irão reorientar, como nos anos daditadura, e do Programa Grande Carajás (PGC), na dedada de 1980,o cenário econômico, social e político da região.

Uma perspectiva similar desponta a oeste do estado, com aexpansão da frente mineral no município de Juruti, a partir dabauxita. O minério explorado pela empresa estadunidense Alcoa ématéria para a produção de alumínio. A Alcoa é uma das maioresempresas do setor. Ainda a oeste tem-se a agenda da construção deinúmeras barragens no rio Tapajós e no Xingu e desde 1980 a bauxitaé extraída pela Vale no município de Oriximiná.

Família Mutran – A senhora dos CastanhaisNa paisagem das oligarquias dos castanhais, a dos Mutran se

tornou a de maior destaque. Notabilizou-se na história do sudesteparaense pelo abuso da violência. A condição de escravidão, ou modosimilar de submissão, continua a ocorrer nas terras do Araguaia-Tocantins. O modelo é apenas uma face das variadas modalidadesde violência que povoam a atmosfera local. Uma bela expressão damodernidade.

São muitas as acusações de crimes que pesam nas costas do clãdos Mutran. Assassinatos, corrupção na administração da prefeitura

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de Marabá, manutenção de cemitérios clandestinos em “suas”fazendas, submissão de trabalhadores rurais à condição de trabalhoescravo e devastação dos castanhais para a implantação da pecuária.

Em listas sujas divulgadas pelo Ministério Público do Trabalho(MPT), constam três propriedades da família. As “listas sujas” dotrabalho escravo foram divulgadas nos anos de 2003 e 2004. Aspropriedades são: Fazenda Cabaceiras, ocupada pelo MST desde 26de março de 1999, a Fazenda Peruano, também ocupada pelo MSTem abril de 2004, e a Mutamba, onde o MST ocupou, mas nãoconseguiu se manter. Sob força de liminar os nomes das fazendasforam retirados das listas. Desta forma o fazendeiro pode pleitearfinanciamento público.

Na página www.repoterbrasil.com.br a reportagem de LeonardoSakamoto, divulgada no dia 30 de julho de 2004, denuncia que aempresa Jorge Mutran Exportação e Importação Ltda. foi obrigada apagar a multa de R$ 1.350.440,00, por ter sido autuada mais de umavez por trabalho escravo em sua fazenda Cabaceiras, em Marabá,sudeste do Pará. Na época foi a maior indenização no Brasil por umcaso de redução de pessoas à condição análoga à de escravo.

Reintegração da fazenda Cabaceiras em 1999, Marabá/PA Fonte: J. Sobrinho (1999)

A reportagem de Sakamoto conta ainda que a sentença foiexpedida por Jorge Vieira, da 2ª Vara da Justiça do Trabalho deMarabá, e resulta de uma ação civil pública movida pelo Ministério

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Público do Trabalho. Os réus aceitaram as determinações do MPTe o juiz homologou a sentença. A ela não coube recurso. Osresponsáveis pela empresa citados no processo da Cabaceiras são osirmãos Evandro (dono também da fazenda Peruano), Délio e CelsoMutran e Helena Mutran.

A fazenda Cabaceiras mantinha cemitério clandestino. Adenúncia veio à tona em setembro de 1999, através de reportagemassinada por Ismael Machado, publicada na revista Caros Amigos,de São Paulo, na edição de número 30. A denúncia da presença decemitério clandestino na fazendeira Cabaceiras foi realizada por umatestemunha de 64 anos, que foi mantida no anonimato. Odepoimento ocorreu no dia 21 de julho na Procuradoria da Repúblicado Pará. A fazenda foi desapropriada pelo INCRA recentemente.

A Quincas Bonfim e Sebastião Pereira Dias (Sebastião daTeresona), lendários pistoleiros da região, cabia a contratação de peõespara a derrubada da mata nativa e implantação de pasto. Além dacontratação de peões constava na rotina dos pistoleiros a eliminaçãode desafetos e peões insubordinados. Conta a matéria de Machadoque pelo menos 40 homicídios ocorreram entre 1982 e 1989. Antesde pertencer ao clã Mutran, a fazenda Cabaceiras foi administradapela empresa Nelito Indústria e Comércio S. A.

Foi com Benedito Mutran Filho que o senhor Dantas negocioua compra de inúmeras fazendas, entre elas a Maria Bonita, ocupadapor cerca de 600 famílias ligadas ao MST no dia 25 de julho de2008, quando se celebra o Dia do Trabalhador Rural. A ação domovimento foi um ato contra a corrupção no país, no sentido de seobter mais agilidade na política de reforma agrária, assim explicanota divulgada pelo movimento.

Boa parte das terras sob o domínio da família é uma cessão deuso do Estado para fins do extrativismo da castanha, e não pode serrepassada para terceiros. As fazendas São Roque e Cedro tambémseguiram a mesma linha das citadas acima na negociação com Dantas.

Vavá - o chefe da famíliaOsvaldo dos Reis Mutran, tratado pelos pares como Vavá foi

julgado pelo Júri Popular e absolvido no dia 24 de agosto de 2005,em Marabá, pelo assassinato de uma criança de oito anos, DavidFerreira Abreu de Souza, crime ocorrido em 2002, no km 07, no

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Bairro Nova Marabá. O garoto foi morto com um tiro na cabeçaquando jogava futebol em frente a uma propriedade de Vavá. Naocasião, populares provocaram um quebra-quebra na casa do chefedo clã.

A Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH) atuano caso como Assistência da Acusação do Ministério Público. Nocorolário de impropérios cometidos pelo senhor de 73 anos de idadena época do julgamento, consta ainda a morte de um fiscal da Fazendado Estado, Daniel Lira Mourão, idos de 1990.

Entre a década de 1950 e meados de 1980, tal notícia da realizaçãode júri popular tendo como réu um Mutran soaria como galhofa nooco dos ouvidos dos chefes dos castanhais da região.

O filho de Nagib foi prefeito nomeado de Marabá e deputadoestadual. Vavá é pai de dois filhos: Nagib Neto, que foi prefeito deMarabá e Osvaldo Júnior, vereador - casado com Ezilda Pastana,juíza em Marabá. Vavá tem dois irmãos: Guido - com um filho ex-vereador (Guido Filho) - e Aziz. Vavá e Nagib Neto tiveram osmandatos cassados, conta Sakamoto em reportagem. Já o filho Júniorveio a morrer no fim de 2005, quando brincava de roleta russa.

Por conta da execução do fiscal da Receita, Osvaldo Mutran foialvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, e foi cassado do

O braço escravo das carvoarias ajuda a queimar a floresta na região de Marabá/PA. Foto:arquivo do Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP).

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cargo de deputado estadual e condenado a oito anos de prisão. Nãocumpriu a pena integralmente. Pelo crime cometido Vavá foipremiado com indulto (perdoado). Mourão foi morto por nãoconcordar em deixar o fazendeiro passar gado sem registro, o que olivraria de pagar impostos. Já Nagib, o filho, foi cassado por corrupçãona prefeitura e condenado a repor ao erário público cerca de R$ 1milhão. Atualmente é vereador em Marabá.

AforamentoTrata-se de um mecanismo de cessão de uso da terra concedido

pelo Estado a terceiros. No caso do sudeste do Pará os registroshistóricos indicam que a prática remonta aos anos de 1920. No Pará,o aforamento abrange um período de concessão de 1955 a 1966 (apartir daí eles só serão adquiridos por transferências de direitos dosforeiros originais). O Estado nesse período concedeu 252aforamentos, dos quais, 168, ou seja, 66,66% foram em Marabá,informa pesquisa da professora Marília Emmi.

A obra da professora da Universidade Federal do Pará (UFPA)esclarece que a Lei de nº 913 previa a concessão de um únicoaforamento com área de 3.600 hectares para cada requerente, o quese observou desde o início foi uma tendência à concentração dodomínio das áreas de castanhais por grupos familiares.

O bom negócio residia na coleta e no comércio da castanha.Através da força, arrendamento e aforamento, as terras públicas foramtransferidas para o poder privado. Desta forma a família Mutran, apartir de 1950, vai se configurar como a de maior robustez no Pará.Na pesquisa de Emmi há indicadores que em 1960 a família chegoua ser detentora de 80% dos castanhais.

A partir do presente cenário, em certa medida anuviado sobreos reais interesses do senhor Dantas no Pará, em parceria comfazendeiros da mais fina estampa, é que se dirige a ação de ocupaçãodas fazendas Maria Bonita, em Eldorado do Carajás, Espírito Santo,no município de Xinguara e da fazenda Cedro, em Marabá.

A ocupação, forma de pressão que visa democratizar a terra,emerge assim como uma ação que questiona uma estrutura de poderlocal e a homogeneização de projeto de desenvolvimento baseadona grande propriedade rural.

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Ocupações: a fazenda Maria BonitaNessa peleja pela terra em Carajás, o MST tem orientado suas

ações contra as representações do poder tradicional do lugar e modelode desenvolvimento local. O movimento ocupou ou incentivou aocupação de inúmeras fazendas da família Mutran.

Assim, o movimento afrontou as cercas das fazendas Peruano eBaguá, no município de Eldorado do Carajás e das fazendasCabaceiras e Mutamba, em Marabá. Em todas as fazendas foramregistradas ocorrências de trabalho escravo, crimes ambientais etítulos da terra sob suspeita.

Ocupação da fazenda Maria Bonita, Eldorado do Carajás/PA, no dia 25 de julho de2008. Foto: Thiago Cruz, estudante de sociologia, campi de Marabá/UFPA.

Em 2008 o MST ocupou a fazenda Maria Bonita, localizada àsmargens da PA-150. Cerca de 100 km separam Eldorado do Carajás,do município polo da região, Marabá. Onde antes se encontravauma frondosa floresta de castanha e mogno, vislumbra-se hoje, cerca,pasto e gado. Quem segue no sentido de Marabá rumo a Eldoradodo Carajás, antes de chegar à fazenda Maria Bonita, passa pela Curvado S, local do massacre de Eldorado em 1996.

Eidê Oliveira, uma das coordenadoras do acampamento dos semterra, ao lembrar da madrugada da ocupação da Maria Bonita recordaque a ação da empresa de segurança da fazenda e dos vizinhos foirápida. “Aqui na porteira encheu de carro da empresa Atalaia Serviços

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de Segurança com licença da Polícia Federal para operar no estadodo Tocantins. Os homens estavam encapuzados”, informa Oliveira,uma jovem de pouco mais de 40 anos, mãe de cinco filhos e avó dequatro netos, que há seis anos milita no MST. Oliveira lembra queo clima ficou tão tenso que o gerente da fazenda deixou a arma cair.

Entrar no acampamento foi fácil. O dia é ensolarado e o localparece bem calmo. Os homens estão caçando numa mata vizinha,onde também pescam no rio Vermelho. O local serve ainda para aretirada de palhas e madeira para a construção dos barracos. Eidêconta que no rio Vermelho é possível encontrar muitos peixes, entreeles o saboroso pintado.

“Acampamento é uma escola sobre a luta pela terra. Mas, nemtodos resistem. O processo até se alcançar a desapropriação demora.A gente vive muitas privações”, reflete a avó militante. Eidê explicaque desde o dia 12 de agosto de 2008 as carretas com o gado dafazenda não param de sair. Ela estima em pelo menos cem. Para amilitante isso é um bom sinal.

O acampamento está organizado em 23 núcleos de base, cadanúcleo com em média dez famílias. Durante a prosa com a militantefomos interrompidos em vários momentos com a chegada derepresentantes de família para a inscrição no cadastro. Pergunto comofazem para identificar possíveis infiltrados, ela informa que algunsjá são conhecidos. E sempre que chegam não são bem-vindos.

Desde o dia 01 de agosto de 2008 uma liminar de reintegraçãode posse foi expedida pela justiça de Marabá. Já a audiência no dia 7de agosto no INCRA de Marabá terminou em impasse. A reuniãofoi entre a assessoria jurídica do Grupo Santa Bárbara e arepresentação dos movimentos sociais locais, mediada pelo ouvidornacional Gercindo Filho.

Enquanto a equipe jurídica da Santa Bárbara exige a saídaimediata dos ocupantes, a representação do MST enfatizou apermanência na área até a conclusão do levantamento sobre a cadeiadominial da fazenda.

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Ocupação da fazenda Maria Bonita, Eldorado do Carajás/PA, no dia 25 de julho de2008. Foto: Thiago Cruz, estudante de sociologia, campi de Marabá/UFPA

A fazenda Castanhal Espírito Santo280 camponeses ligados ao MST ocuparam a fazenda Espírito

Santo, localizada no município de Xinguara, no dia 28 de fevereirode 2009. Os trabalhadores rurais ligados ao movimento foramantecedidos por outros grupos que também atuam na região, entreeles, a Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar(FETRAF).

Xinguara na década de 1980 foi locus de chacinas como Surubim(17 mortos) e Dos Irmãos (6 mortos). Ambas as chacinas nãopossuem processo para apurar os responsáveis.

Nos dias atuais, o município foi palco de ação de uma “empresade segurança” da fazenda Espírito Santo, que feriu a bala de várioscalibres oito militantes do MST no dia 18 de abril de 2009. A açãodos seguranças disparando escopetas e revólveres foi transmitida emcadeia nacional.

O staff jurídico e de imprensa da Agropecuária Santa Bárbara,com reconhecida competência, hegemoniza os seus argumentos namídia no sentido de criminalizar as ações do movimento.Argumentos replicados nos mais diferentes meios de comunicação.

Os dirigentes do MST informam que os jornalistas têm viajadoàs áreas ocupadas do grupo em aviões fretados pela empresa.Questiona-se então: com que isenção os jornalistas podem avaliar

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os fatos? No caso da Espírito Santo noticiou-se que os mesmos forammantidos em cárcere privado pelos militantes, notícia desmentidapelo depoimento na delegacia do repórter Vitor Haôr, da TV Liberalde Marabá, segundo notícia do site do MST publicada em 27 deabril de 2009, em matéria assinada pelo jornalista Max Costa.

Edinaldo de Souza, repórter do jornal Opinião de Marabátambém desmente a notícia de cárcere privado e que os mesmosteriam sido usados como escudo humano. Ele conta que nãoretornou no mesmo dia do conflito a Marabá de avião em razão dea aeronave ter partido lotada, transportando o cinegrafista FelipeAlmeida, um segurança ferido e um sem-terra baleado. Ele retornariaa Marabá dia seguinte (19.04), por volta de 14h 30min, juntamentecom o restante dos repórteres e a advogada Brenda Santis. A notíciafoi veiculada no dia de 27 de abril de 2009 no blog do jornalista epublicitário Hiroshi Bógea, radicado em Marabá.

No caso da fazenda Espírito Santo, os jornalistas não informamque o registro da propriedade foi suspenso em janeiro de 2009 pelaVara Agrária de Redenção. Ou mesmo da prática de trabalho escravona área, e que a propriedade pública foi comercializada pelo pecuaristaBenedito Mutran ao grupo Santa Bárbara de forma ilegal.

Um linchamento político e ideológico, deste modo pode seranalisada a cobertura da maioria da imprensa local e nacional sobrea presença do MST em áreas controladas pelo grupo Santa BárbaraXinguara do banqueiro Daniel Dantas.

A disputa recente pela terra no Pará já registrou pedidos deintervenção federal pela senadora Kátia Abreu (DEM/TO), arepresentante mor da Confederação Nacional da Agricultura (CNA)no mês de março de 2009. No dia 22 de abril do mesmo ano, opedido foi reendossado na Procuradoria Geral da República.

A representação regional da entidade, a Federação de Agriculturae Pecuária do Pará (FAEPA) foi flagrada no mesmo período por máaplicação de verbas públicas na campanha de combate da febre aftosano estado pelo presidente da entidade, Carlos Xavier. Um jantarorçado em quatro mil reais é um dos questionamentos. Mas, a agendanegativa dos pecuaristas não teve amplificação da mídia. A reportagemfoi veiculada no jornal da TV Globo, Bom Dia Brasil, de 25 de marçode 2009.

A reportagem realizada por Roberto Paiva explica que 40% da

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carne consumida no estado não passa por fiscalização sanitária. Osrecursos, oriundos da Agência de Defesa Agropecuária do EstadoPará (ADEPARÁ) para o combate da febre aftosa, R$1.441 milhãoforam repassados desde 2007 através de três convênios para opresidente do Fundo, o senhor Carlos Xavier, que nunca prestoucontas.

Entre as notas flagradas pela auditoria consta uma compra de150 projéteis para armas de calibre 38. Cura-se aftosa na bala ouseriam para os “seguranças” das fazendas? Tem-se ainda uma notafiscal no valor de R$ 21 mil para aluguel de carros. Se as ocupaçõesocupam generoso espaço dos meios de comunicação local, não ocorrea mesma atenção sobre os “deslizes” dos empreendedores dapecuária.

Enquanto as ações de ocupação dos sem terra ganham ares desatanização da maioria da cobertura da mídia, as execuções dedirigentes sindicais, as chacinas de camponeses(as) e as libertaçõesde trabalhadores(as) das fazendas e carvoarias de condições análogasà escravidão são naturalizadas.

Ocupação da fazenda Maria Bonita, Eldorado do Carajás/PA, no dia 25 de julho de2008. Foto: Thiago Cruz, estudante de sociologia, campi de Marabá/UFPA.

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Também não gozou da devida atenção nas coberturas jornalísticaslocais, o fato histórico da condenação, numa única tacada, de 27fazendeiros por manterem pessoas escravizadas, numa sentençaexpedida pelo juiz federal de Marabá, Carlos Henrique BorlidoHaddad e divulgada em 4 de março de 2009.

Lista dos fazendeiros condenados e as respectivas penas

Fonte: Justiça Federal do Pará, Marabá (2009)

A parcialidade é a principal estampa da cobertura sobre os fatosque envolvem a disputa pela terra no Pará. A complexa realidadefundiária sempre é secundada, em detrimento do horizontepositivista em defesa da propriedade privada. Ainda que os meiospara a construção da mesma sejam em sua maioria questionáveis.

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A fazenda Cedro240 famílias ligadas ao MST ocuparam a fazenda Cedro no dia

primeiro de março de 2009. A propriedade é festejada no mundo doagronegócio por seu caráter de excelência na produção de gado zebu,no município de Marabá.

A área é objeto de imbróglio jurídico que envolve o estado, afamília Mutran e o grupo Santa Bárbara. Ao longo dos anos ocastanhal deixou de existir e em seu lugar surgiu o pasto. Com afazenda Cedro, atualmente são três as fazendas ocupadas pelo MSTque envolvem o nome da Pecuária Santa Bárbara.

A “faca” na jugular da governadora Ana JúliaNo começo de 2008, Ana Júlia Carepa, governadora do Pará

(PT), foi surpreendida pela visita do advogado Luiz EduardoGreenhalgh, um reconhecido militante do PT paulista. Um sujeitoalinhado na defesa dos direitos humanos de camponeses e de presospolíticos, em tempos idos. Em 1986 o advogado esteve em Belémem ato simbólico que denunciava a violência contra camponeses, oTribunal da Terra.

O ato simbólico teve entre os organizadores sindicatos detrabalhadores rurais, CPT, OAB e ocorreu entre os dias 18 e 19 deabril de 1986, no Palácio da Justiça, com o objetivo de levantardenúncias contra multinacionais, Estado e o latifúndio.

As chacinas Surubim e Ubá constavam no rol de casos, quesomaram 83 mortes no ano de 1985 na região. Registraram-se ainda,o assassinado do sindicalista Benedito Bandeira, no município de ToméAçu, onde a comunidade revoltada com a execução destruiu a delegaciae matou os três pistoleiros, que receberam CR$ 5.000,00 do fazendeiroAcrino Breda, que nunca chegou a ser preso pelo caso.

O Pe. Josimo que coordenou a CPT de Imperatriz, Maranhão,morto em 10 de maio de 1986, participou do Tribunal para denunciaro atentado que sofrera. Um mês depois foi executado com tirosdados pelas costas.

23 anos depois da realização do ato simbólico, Luiz EduardoGreenhalgh aporta no Pará do outro lado da cerca, na condição delobista do banqueiro Daniel Dantas. Em entrevista ao repórterLeandro Fortes, da revista Carta Capital, edição de nº 544, em maiode 2009, Ana Júlia denuncia que o antigo defensor levou a tiracolo o

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gerente máximo da Agropecuária Santa Bárbara, Carlos Rondenburg,indiciado pela Polícia Federal junto com Daniel Dantas, ex-cunhado,por gestão fraudulenta, formação de quadrilha, evasão de divisas,lavagem de dinheiro e empréstimo vedado.

O objetivo da visita era o pedido de revisão de uma notificaçãode crime ambiental expedida pela Secretaria de Meio Ambientecontra a fazenda Espírito Santo. Conforme a entrevista, Ana Júliaavalia hoje que desde 2008 há uma agenda de pressão pró-Dantasem diferentes flancos e no sentido de desqualificar o governo estadualna mídia e no Congresso.

Em seguida a governadora recebeu o telefonema do presidentedo Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, pedindoinformações sobre as reintegrações de posse no estado. Outro passoé a presença da senadora Kátia Abreu (DEM/TO) e chefe da CNAcom pedido de intervenção federal no estado, seguido de discurso/anúncio na Câmara Federal do correligionário Abelardo Lupion(DEM/PR), integrante da “bancada ruralista”, de chacina decamponeses sem terras paraenses.

Na análise da governadora, além da desqualificação do governona tensa disputa pela terra em solo paraense, a frente ruralista desejaa qualquer custo a reedição de episódios como o protagonizado naadministração do PSDB, quando o médico Almir Gabriel governouo estado e Fernando Henrique o país, o trágico Massacre de Eldoradodos Carajás, ainda hoje impune, como muitos outros.

Gilmar Mendes baixa em Marabá - No dia 04 de dezembro de2009, o presidente do STF esteve em Marabá para ativar o primeiromutirão fundiário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que visareduzir em 10% as tensões no campo. O principio é a conciliaçãodos ânimos. Interroga-se: e os títulos grilados de terras, os crimesimpunes, a morosidade da justiça?

Antes do fim – O enredo ganhou mais um capítulo no dia 21 dejunho de 2012. Era uma quinta feira de sol quando 12 pessoas foramferidas à bala por jagunços da fazenda Cedro, localizada no municípiode Marabá, sudeste do Pará. Uma criança e uma mulher estão entreos feridos. A criança de dois anos de idade foi atingida por um tirona cabeça. Conforme a coordenação do MST no Pará há feridoscom gravidade. Nenhuma morte foi anunciada.

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A violência ocorreu pela manhã quando trabalhadores ruraissem terra ligados ao MST no sudeste do Pará realizavam um atopolítico que denunciava a grilagem de terra pública, de desmatamentoilegal, uso intensivo de venenos na área e violência cotidiana contratrabalhadores.

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Marabá e o MST doPará argumentam ao todo são em número de seis as fazendas doGrupo de Dantas ocupadas pelos movimentos sociais no período. Ajuíza da Vara Agrária de Marabá negou o pedido de liminar de despejofeito pelo grupo em 2010, mesmo assim o Tribunal de Justiça doEstado cassou a decisão da juíza e autorizou o despejo de todas asfamílias.

As mesmas organizações que defendem a reforma agrária naregião informam que através de mediação da Ouvidoria AgráriaNacional, foi proposto um acordo judicial perante a Vara Agrária deMarabá, através do qual, os Movimentos Sociais, com apoio doINCRA, desocupariam três fazendas (Espírito Santo, Castanhais,Porto Rico) e outras três (Cedro, Itacaiunas e Fortaleza) seriamdesapropriadas para o assentamento das famílias.

O Grupo Santa Bárbara, que administra as fazendas dobanqueiro, concordou com a proposta. Em ato contínuo, ostrabalhadores sem terra desocuparam as três fazendas, mas, o GrupoSanta Bárbara tem se negado a assinar o acordo.

4 - Agrobiodiversidade na Amazônia: movimentos sociaisapontam práticas agroecológicas como forma dedesenvolvimento13

A disputa pela terra e recursos nela existentes coloca no centroa disputa pelo projeto de desenvolvimento em que estão em oposiçãograndes corporações do setor do agronegócio, mineradoras,construtoras de barragens, base de lançamento de foguetes deAlcântara, empresas de cosméticos e farmácia; e no outro extremo,camponeses, indígenas e quilombolas e demais modos de vidaconsiderados tradicionais na Amazônia. No setor de sementes os

13 Trabalho publicado na página da rede www.forumcarajas.org.br em novembro de 2009

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mastodontes são a Monsanto, Dupont e Syngenta, que controlampróximo de 40% do mercado mundial.

A diferença de força e do poder político e econômico entre aspartes envolvidas foi um dos pontos de reflexão do SeminárioAgrobiodiversidade da Amazônia, ocorrido nos dias 17 e 18 denovembro de 2008, na ilha de São Luís, Maranhão. Rede deAgroecologia do Maranhão (RAMA), Articulação Nacional deAgroecologia (ANA) foram os organizadores do evento.

A ensolarada cidade recebeu cerca de 130 pessoas de todo o cantoda Amazônia e de outras regiões do país para refletir sobre a questãoe expor produtos numa feira dedicada à riqueza de variedades danatureza e do artesanato. Cachaças, licores, mel, comidas típicas,geléias e compotas foram expostos, entre outros itens. Na semanaque reflete sobre a Consciência Negra, num estado de grandecontingência afro, o Tambor de Crioula do Mestre Felipe fez ashonras da casa.

A consolidação de ações em rede a partir de frentes que alternemmobilização política de pressão nos níveis locais e nacionais e apotencialização das iniciativas locais de agroecologia e fortalecimentoda troca de experiências foram algumas sugestões de enfrentamentocom a conjuntura que favorece as grandes corporações.

Quilombolas, camponeses, indígenas e assessores partilharampráticas baseadas nos princípios da agroecologia e que ainda carecemde maior visibilidade como possibilidades concretas dedesenvolvimento que contemple o saber e os modos de produçãodas populações da terra firme, várzea, ilha, estuário, cerrado, áreasde colonização consideradas antigas e as áreas de colonização maisrecentes na Amazônia.

Grandes projetos em questãoNice Tavares, uma negra quebradeira de coco babaçu do

Maranhão e integrante do Movimento Interestadual dasQuebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), reflete que a manutençãoda agrobiodiversidade representa a garantia da vida. A militantearremata que o desenvolvimento baseado nas grandes empresas sótraz destruição ao povo que vive no campo.

A interpretação da Tavares comunga da fala dos depoimentosde militantes de outras regiões, como no caso do José Maria, do

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Baixo Parnaíba, mesorregião leste maranhense (Chapadinha, CoelhoNeto, Caxias, Codó e Chapada do Alto Itapecuru), onde proliferammonoculturas de soja e cana.

No contexto de expansão de grandes grupos sobre áreas depopulações consideradas tradicionais é comum a lógica da violênciaem diferentes níveis: expulsão da família camponesa, grilagens deterra, corrupção do poder público, destruição ambiental, condiçõesanálogas a trabalho escravo, prostituição e violência urbana. Omilitante indica que o Grupo João Santos é um dos protagonistas.José Maria informa ainda o elevado índice de poluição dos recursoshídricos por conta do uso intensivo da monocultura da soja.

Marly e Santinha são índias Makuxi da área da Raposa Serra doSol, em Roraima. Além do povo Makuxi a reserva registra os povosIngarikó, Patamona, Taurepang e Wapixana. As simpáticas índiasinformam que o processo da presença dos sulistas na região teveinício lá na década 1960 e foi se aprofundando com o passar dosanos. Elas festejam o fracasso eleitoral do prefeito de Pacaraima, PauloCésar Quartiero, o mais voraz opositor da demarcação continua dareserva.

A ação contra a União que visa o esquartejamento da reservaRaposa Serra do Sol foi movida pelos senadores Augusto AfonsoBotelho Neto (PT/RR) e Francisco Mazarildo de Melo Cavalcanti(PTB/RR), com o endosso do governador do estado, Ottomar Pinto(PSDB).

As indígenas relatam que os grandes produtores de arrozexpulsam os homens da região e cometem todos os tipos de violênciacontra crianças e mulheres. As mulheres são estupradas, ressalvamcom revolta as índias. As Makuxi pontuam que a monocultura doarroz destrói os mananciais e os buritizais, palmeira comum na região.Uma artimanha corrente para a composição de latifúndios tem sidoa compra de lotes em projetos de assentamento da reforma agrária.Além do arroz registra-se a introdução da leguminosa Acácia Manja,uma planta exótica.

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Dinâmicas agroecológicasO seminário alternou dois momentos distintos. O primeiro

dedicado à reflexão e o segundo à apresentação de experiências locais.Silenciosamente homens e mulheres do campo fazem uma pequenarevolução. A oeste do Maranhão a ONG, que tem como caráter serdirigida por trabalhadores/as rurais tem consolidado uma prática emagroecologia que contempla inúmeras dimensões, como gênero,geração, educação e tecnologias baratas. Trata-se do Centro deEducação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU), que tementre seus integrantes o histórico militante da luta camponesa ManoelConceição Santos.

Ainda no Maranhão, na região do Mearim, região marcada pelaproeminência de palmeiras de babaçu, a Associação deAssentamentos no Estado do Maranhão (ASSEMA), incentiva umaprática em agroecologia que já alcançou o mercado internacional etem na linha de frente mulheres camponesas.

Já na região do Baixo Tocantins, onde predomina uma dinâmicade estuário, onde a vida se condiciona às oscilações das marés, aAssociação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (APACC)anima uma rede de agricultores/as em agroecologia em trêsmunicípios locais.

Experiências em agroecologiaASSEMA é uma organização dirigida por trabalhadores rurais e

quebradeiras de coco babaçu que tem atuação no Médio Mearim,região central do Estado do Maranhão, situado no Meio Norte doBrasil.

Seu trabalho envolve famílias de 17 áreas de assentamento dosmunicípios de São Luiz Gonzaga do Maranhão, Lima Campos, Lagodo Junco, Lago dos Rodrigues, Esperantinópolis e Peritoró, todossituados na referida região, com uma população entre 10 e 20 milhabitantes.

Comércio solidário e produção agroecológica norteiam a atuaçãoda organização. No município de Lima Campos, 11 famílias daAssociação dos Agricultores da Gleba Riachuelo participam daexperiência consorciando o plantio de banana, abacaxi, caju, jaca emamão com leguminosas, árvores madeireiras da região e a palmeirado babaçu.

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Em Lago do Junco, a ASSEMA assessora uma escola familiaragrícola que atende atualmente 42 jovens entre 12 e 18 anos de oitocomunidades. Lá, os jovens aprendem técnicas de produçãodiversificada, no sistema integrado que inclui o plantio de roças,criação de pequenos animais, hortas medicinais e alimentícias.

O CENTRU tem na década de 1970 a sua semente e seestruturou em 1980 no Maranhão e Pernambuco. No Maranhãotem uma ação diversificada em agroecologia em múltiplas linhasque passa pela formação de núcleos de base familiar, fomento aorganização de cooperativas, fábricas de beneficiamento de castanhade caju, centro de difusão de tecnologias e escola técnica deagroecologia voltada para filhos/as de agricultores/as.

O Centro de Estudos do Trabalhador Rural (Cetral) recebevisitas de trabalhadores rurais de outros estados do país e do exterior,além de professores e pesquisadores. É nele que funciona a EscolaTécnica de Agroecologia e onde há mais de uma década se desenvolveum sistema agroflorestal em dez hectares.

Nos 10 hectares são cultivados horta, trinta e nove espécies defrutíferas, entre elas, acerola, caju, banana, abacaxi, coco, jaca, goiaba,cupuaçu, murici. Entre as madeiras podem ser encontradas, cedro,ipê, inharé, copaíba, mogno, paricá e nim. No caso das leguminosasusadas para adubação verde, existe farta produção de feijão guandu,mucuna preta e sabiá. A estrutura do Cetral conta com alojamento eauditório.

A modelagem da experiência CENTRU encontra-se no Projetode Desenvolvimento Sustentável e Solidário (PDSS) – O Cerradoé vida! Uma espécie de orientador das ações da organização.

Uma das pernas fundamentais é a CCAMA (Central deCooperativas Agroextrativistas do Maranhão), que reúne setecooperativas nos municípios de Amarante (Cooprama), João Lisboa(Coopajol), Imperatriz (Coopai), Montes Altos (Coopemi), SãoRaimundo das Mangabeiras (Coopevida), Loreto (Coopral), Balsas(COOPAEB).

A CCAMA é o resultado de mais de dez anos de atuação doCentru junto aos trabalhadores/as rurais no oeste e sul do Maranhão.São 1.935 famílias, conforme os dados do projeto. Se multiplicarmospor cinco, a média de pessoas por família, teremos 9.675 pessoasenvolvidas.

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Associação APACCFaz oito anos que a APACC atua na região do Baixo Tocantins

desenvolvendo atividades voltadas para a transição do modelo deagricultura tradicional para o modelo baseado na agroecologia. Aolongo desse tempo a APACC fomentou um pouco mais de 1.000experimentos baseados na agroecologia, em aproximadamente 130comunidades, que envolveu cerca de 2.500 pessoas nos municípiode Cametá, Oeiras do Pará e Limoeiro do Ajuru.

A caminhada incentivou canais de diálogo com uma diversidadede sujeitos sociais regionais, nacionais e internacionais, entre eles,universidades, associações e cooperativas de produtores rurais, CasaFamiliar Rural, sindicatos de trabalhadores rurais, colônias depescadores e inúmeras instituições dos governos municipais, estaduale federal.

Um pouco da vasta experiência encontra-se registrada em artigosna Revista Agriculturas - experiências em agroecologia, emcitações de trabalhos científicos de pesquisas universitárias, nosrelatos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais em participação devários encontros dentro e fora do Pará.

Em novembro a APACC lança o livro que recupera um poucoda História da experiência. A produção contextualiza os elementoseconômicos, políticos e sociais do Baixo Tocantins e sinaliza para ametodologia de trabalho que alterna o diálogo e produção deexperimentos na área de produção e saúde preventiva de formaintegrada. O livro registra ainda os desdobramentos positivos elimites da experiência.

A avaliação sobre a intervenção da APACC nos mais diversosníveis do diálogo da instituição é, em regra geral, positiva eentusiasmada. Essa avaliação positiva pode ser encontrada nosrelatórios de observadores externos, na esfera nos financiadores eprincipalmente em depoimentos do sujeito social que é o principalparceiro da APACC, o trabalhador/a rural, que efetivou uma Redede Multiplicadores em Agroecologia.

O reconhecido e inovador trabalho da APACC tem como pontospositivos a diversificação da produção camponesa do Baixo Tocantins.Sobre isso se reflete que antes da intervenção da APACC o produtormantinha uma ou duas linhas de produção, e após a troca deconhecimento com a equipe multidisciplinar da ONG a unidade

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produtiva mantém entre quatro a seis linhas de produção. Issopossibilita segurança alimentar e renda durante todo o ano. O manejodo açaí é uma das práticas com maior repercussão no aumento daprodução.

5 - O Julgamento do caso João Canuto- tudo uma ilusão?14

A história da luta pela terra no sudeste paraense é impregnadade sangue camponês, em que a década de 1980 do século XX éconsiderada a mais pujante. Na distensão da ditadura, enquanto asrepresentações políticas camponesas se reorganizavam, os pecuaristasem oposição à possibilidade da efetivação de um plano nacional dereforma agrária, ao mesmo tempo em que se fortificaram noCongresso Nacional, impulsionaram a radicalização na defesa dapropriedade privada através da União Democrática Ruralista (UDR),tendo o município de Redenção, no sudeste paraense, como berçoprincipal.

É a UDR que se credita a mobilização de fazendeiros na regiãodo Bico do Papagaio, norte do Tocantins, oeste do Maranhão esudeste do Pará no enfrentamento contra as ações de ocupações deterras pelos camponeses. As inúmeras chacinas e execuções dedirigentes sindicais rurais e seus apoiadores despontam neste instante.Os assassinatos de membros da família Canuto e do sindicalistaExpedito Ribeiro, militantes do PC do B e dirigentes do Sindicatode Trabalhadores Rurais (STR) no município de Rio Maria ocorremnesse período.

Por conta da morosidade da justiça local em apurar os inúmeroscasos de assassinatos no campo paraense o estado brasileiro tem sidodenunciado em cortes internacionais, a exemplo da Organizaçãodos Estados Americanos (OEA). A morosidade se constitui comouma nódoa na ação da justiça local quando se trata de processossobre as execuções de dirigentes sindicais pró reforma agrária. E seconstitui como uma seiva que irriga a manutenção da violência. Hácasos que ultrapassam a casa de uma década e outros que somammais de vinte anos.

14 Trabalho publicado parcialmente na Revista Cadernos do Terceiro Mundo, edição denº246, no ano de 2003.

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A demora na justiça tem impulsionado várias frentes demobilização dentro e fora do país com vistas a levar a julgamento osmandantes dos crimes contra dirigentes camponeses/as. O caso deJoão Canuto de Oliveira levou 17 anos e cinco meses até ir ajulgamento, numa mobilização do Comitê Rio Maria. 18 tirosdisparados por dois pistoleiros não identificados mataram Canutono dia 18 de dezembro de 1985, às 15.30h, em frente ao cemitérioda cidade.

Ao cair da tarde, às 18.35h da tarde do dia 23 de maio de 2003,após dois dias de julgamento, Adilson Carvalho Laranjeira e VantuirGonçalves de Paula foram condenados a 19 anos e 10 meses de prisãono Tribunal do Júri de Belém, Pará. Roberto Moura, juiz da 1ª VaraPenal (o mesmo do caso Eldorado do Carajás), fez o pronunciamentoda pena de dois, dos cinco fazendeiros acusados de mandantes doassassinato do presidente do STR de Rio Maria, João Canuto deOliveira. Os outros três fazendeiros acusados de mando da mortedo sindicalista e que estão foragidos são: Ovídio Gomes Oliveira,Jurandir Pereira da Silva e Gaspar Roberto Fernandes.

Luzia Canuto, filha de João, é historiadora e coordena o ComitêRio Maria. A organização anima a luta por justiça a favor dosmilitantes da reforma agrária assassinados no Pará. Luzia comemoroua sentença dos fazendeiros ao lado da mãe, dona Geraldina, 65 anosna época, e o irmão Orlando. O irmão de Luzia é sobrevivente deum sequestro cinco anos após a execução do pai, onde dois irmãosJosé e Paulo foram mortos. Quando do julgamento, Orlando presidiaa Câmara Municipal de Rio Maria.

O julgamento dos acusados da morte de João Canuto entra paraa história por dois motivos: primeiro pelo fato de ser a sétima vezem que acusados de envolvimento de morte de animadores dareforma agrária sentam no banco dos réus; e o segundo, por contadas brechas da Lei, que possibilitou aos dois fazendeiros condenadosgozarem do direito de recorrem em liberdade, por serem primáriose “gozarem de bons antecedentes”.

O desejo de dona Geraldina era vê-los saírem algemados diretopara a cadeia. Ainda assim, perto de 600 trabalhadores ruraisacampados desde o primeiro dia do julgamento festejaram a sentença.

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As TestemunhasDois meses antes de ser morto, João Canuto de Oliveira ficou

escondido dos pistoleiros na casa do defensor público José Roberto daCosta Martins, que atuou a partir de 1983 em Conceição do Araguaia,200 quilômetros de Rio Maria. Martins declarou em seu depoimentoque Canuto lhe havia confessado que Vantuir tinha interesse na mortedele. No tribunal, Martins denuncia que vários depoimentos relativosao caso do sindicalista sumiram da delegacia de Rio Maria, que porconta do fato, tiveram de ser retomados em Conceição do Araguaia.

Aqui vale uma ressalva no que diz respeito ao chefe de delegacia nointerior do Pará naqueles dias distantes. Os mesmos não eram obrigadosa terem graduação em Direito. Os chefes de delegacia eram alcunhadosde “bate pau”, não raro, pistoleiro, homem de confiança do prefeito. Naépoca da morte de Canuto, Adilson Laranjeira era prefeito de Rio Maria.

Padre Ricardo Rezende Figueira atuou na região entre 1977 a 1989como membro da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Rezende assinadois livros essenciais para quem se interessa por essa latitude da AmazôniaA Justiça do Lobo, posseiros e padres do Araguaia (Vozes, 1986) e Rio Maria, oCanto da Terra (Vozes,1993). Por conta de seu vínculo de amizade comJoão Canuto o depoimento ganhou outra conotação, a de informante.

No livro Rio Maria, o canto da terra (página 177), Rezende registrauma conversa com o lavrador João Martins, onde narra uma fala domesmo: “Se falava que houve reunião para matar João Canuto. Umacom vinte e cinco pessoas, na casa do Valter Valente. O cabeça eraLaranjeira. Quando os dois pistoleiros chegaram para acertar Canuto,vinham da fazenda Canaã, do Ovídio.”

Rezende recorda em seu depoimento que se comentava na cidadeque os fazendeiros e políticos se reuniram algumas vezes para planejara morte de Canuto e dos deputados estaduais Paulo Fonteles e JoãoBatista (assassinados em 1987 e 1988) e do ex-deputado federal AdemirAndrade, hoje vereador em Belém pelo PSB.

Entre os participantes da reunião estavam Laranjeira, o prefeito deConceição do Araguaia, Orlando Mendonça e seus irmãos Marcondese Jordão Mendonça; Dirceu, Danilo e Juscelino, o médico Eurico,Jurandir e o fazendeiro Elviro Arantes, encarregado da contratação dospistoleiros ao lado do fazendeiro Zanela.

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A Testemunha chaveOlinto Domingos Vieira, comerciante de sementes em Rio

Maria foi o depoimento decisivo para condenar os fazendeirosAdilson Laranjeira e Vantuir de Paula. O comerciante confessou emjúri que esteve em uma reunião de fazendeiros que decidiu pelaexecução de Canuto. A reunião foi três dias antes da morte dosindicalista e serviu para se fazer a coleta do dinheiro que iria pagaros pistoleiros.

Vieira sentenciou que além de Vantuir de Paula, estavampresentes os fazendeiros Renê Simões, o dono da casa de prenomeDanilo, o irmão de um dos réus, conhecido como Valtinho. Vieirainforma que chegou a ver o fazendeiro Adilson Laranjeira deixandoa casa onde ocorreu a reunião. “Ouvi quando todos eles falaram quetinham que eliminar o João Canuto senão as invasões iam continuar”.Todos foram unânimes, finalizou Vieira. Para o promotor EdsonCardoso o depoimento do comerciante fornecia evidências de sobrapara o tribunal do júri condenar os fazendeiros a 30 anos de reclusãoem regime fechado, pena máxima por homicídio culposo qualificado.Só que não foi bem assim o desfecho.

Impressões do JulgamentoO ministro Nilmário Miranda, secretário nacional dos Direitos

Humanos, e o presidente da Câmara dos Deputados, João PauloCunha presenciaram o final do julgamento. Para João Paulo, acondenação é emblemática, passo fundamental para o fim daimpunidade no país. Apesar de verem com bons olhos a condenaçãodos fazendeiros, representantes da Anistia Internacional e daFederação Internacional de Direitos Humanos prometem vigilânciacom relação ao caso e com outras ocorrências de assassinatos demilitantes da luta pela reforma agrária no Brasil.

Apesar da demora no andamento do processo, 17 anos e cincomeses, o observador da Anistia Internacional, o uruguaio EdgarCarvalho, avaliou como positivo o desfecho da luta do movimentopopular brasileiro. Annie Marie Delmares, advogada do Tribunal deHauts de Siene, França e integrante da Federação Internacional deDireitos Humanos discordou do bom senso dos colegas estrangeiros,para Delmares, para que o julgamento seja perfeito é necessário quea sentença seja cumprida.

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“Uma ilusão” disparou frei Henri des Roziers, advogado francêsassistente da acusação, e da Comissão Pastoral da Terra (CPT) deXinguara, cidade vizinha a Rio Maria. Frei Henri comparou odesfecho do Caso Canuto com o julgamento do Eldorado de Carajás,onde o major José Maria Oliveira e o coronel Mário Pantoja, quetambém foram condenados em junho em 2002 respondem emliberdade até hoje.

O estado do Pará ostenta o recorde de crimes contra liderançaspopulares executadas na luta pela reforma agrária, 541 casos só nosul e sudeste do Estado desde 1980. Isso motivou a presença dopresidente nacional da CPT no julgamento do caso Canuto, D.Tomás Balduíno, que considera: “A violência no sul e sudeste doPará é emblemática. É o Estado mais conflitivo na disputa pela terrapor causa do governo e da justiça, que emperra a reforma agrária egera a impunidade”.

Justiça“A omissão do Poder Judiciário é, de maneira geral,

extremamente óbvia e grave. Tem muita omissão, mais que omissão.Eu, pessoalmente, sou testemunha da existência de poucos juízesabsolutamente autênticos, de promotores de justiça honestos,competentes e corajosos. O Judiciário do Brasil, principalmente odo Pará, apresenta muitos problemas. Uma das razões para isso é afalta de um sistema de fiscalização legítimo. É fundamental que existauma fiscalização do Judiciário, a partir da sociedade organizada. Ofuncionamento do Judiciário quase sempre foi a favor dosfazendeiros, dos ricos e das pessoas que têm poder econômico, sociale político,” a observação é do Frei Henri des Roziers, coordenadorda CPT de Xinguara, a revista Em Questão (Belém, nº07, 2ªquinzena de 2003).

Quando se examina o diagnóstico organizado pela CPT do Paráde 541 mortes ocorridas no sul e sudeste do Estado desde 1980, esomente sete casos entre mandantes (03), intermediário (01), epistoleiros (03), foram a júri e nenhuma pessoa se encontra presa,fica evidente que há algo de grave na província do Pará. É a partir detal quadro que o movimento popular cimenta o discurso que é acerteza de impunidade que motiva a pistolagem contra liderançassindicais e do MST.

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Caso do fazendeiro Jerônimo Alves de Amorim, que foi julgadoe condenado no dia seis de junho de 2000 a 19 anos e meio de prisãocomo mandante da morte do também sindicalista Expedito Ribeirode Souza. O fazendeiro cumpre pena domiciliar em sua mansão emGoiânia, Goiás, alegando motivo de saúde.

Ainda conforme documento da CPT, sete júris foram realizadosenvolvendo sindicalistas de Rio Maria, incluindo o caso dofazendeiro Jerônimo Alves. Ubiratan Ubirajara, assassino dos filhosde João Canuto, José e Paulo, foi condenado a 50 anos de prisão,foragido da penitenciária de Belém dois anos após ser condenado;José Serafim Sales, conhecido como “Barreirito”, assassino deExpedito Ribeiro, condenado a 25 anos de prisão, foragido desde1999 da penitenciária de Marabá; Francisco de Assis atende pelaalcunha de “Grilo”, intermediário da morte de Expedito Ribeiro, 21anos de prisão; Paulo César, tentativa de assassinato contra CarlosCabral, condenado a dois anos de reclusão. Há ainda o caso do ex-sargento da PM Edson Matos, foragido do quartel da PM mesmoantes de ir ao tribunal do júri.

Outro exemplo que não pode deixar de ser lembrado é o casodo Massacre de Eldorado do Carajás, onde 19 trabalhadores ruraissem terra foram mortos pela PM do Pará, em 17 de abril de 1996.Na questão de Eldorado somente dois oficiais dos 154 policiaisenvolvidos foram condenados pelo último júri de 2001, e esperamem liberdade julgamento de recurso. Por essas e outras demandasrelacionadas com a luta pela terra que em 1999 a ComissãoInteramericana de Direitos Humanos da Organização dos EstadosAmericanos (OEA), condenou o estado brasileiro pela lentidão emapurar o caso de João Canuto.

As cartas recentes de Rio MariaA vitória do Caso Canuto foi parcial, avaliou Jax Pinto, ex-

coordenador da CPT do Pará. “Acreditamos que há um avanço noque diz respeito aos casos de levar a julgamento os envolvidos namorte de lideranças empenhadas na luta pela reforma agrária noBrasil. É resultado da pressão do movimento no Brasil einternacional. Hoje a reforma agrária é pauta nacional. Isso resultada luta, da ação em rede do movimento”, arremata Pinto.

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AlertaDurante a conversa Pinto foi enfático em salientar a sua

preocupação em relação ao que considera a última fronteira daAmazônia. Trata-se da Terra do Meio, a derradeira reserva de Mogno,madeira de grande valor comercial no mercado mundial. A regiãofica na Amazônia Oriental, entre os rios Xingu e Iriri, bandas dosmunicípios de Altamira, São Félix do Xingu, Itaituba e NovoProgresso.

“Lá tudo é grande, até o pequeno proprietário de terra. Lá adinâmica pela disputa da terra é entre o grande e o pequeno, e entreos grandes proprietários e índios. Há um casamento cruel entre adestruição ambiental e a violência. A situação da região nos preocupabastante, e pode ficar mais grave. Sem falar na construção da polêmicahidrelétrica de Belo Monte”, finaliza Pinto.Apreensão é a palavra chave que traduz o sentimento dos envolvidosna condenação dos fazendeiros que encomendaram a morte de JoãoCanuto. O processo de recurso pode durar até cinco anos entre asinstâncias estaduais e nacionais. Nos recentes documentos doComitê Rio Maria distribuídos pela internet, reside a avaliação queo juiz Moura poderia ter decretado a prisão imediata por ser umcrime considerado hediondo.

Além da convocação para a manutenção da pressão das entidadesnacionais e internacionais para a prisão dos condenados, odocumento do Comitê Rio Maria salienta que: “... é óbvio que oscondenados e seus parceiros poderosos e violentos não ficarãopassivos. Eles vão tentar calar de uma maneira ou de outra a vozdaqueles que lutaram e lutam pela Justiça na região e para que estejulgamento e condenação se realizassem”. Assina a nota, a famíliaCanuto, Comitê Rio Maria, CPT e o STR.

Tribunal Simbólico“O Tribunal Internacional de Crimes de Latifúndio no Pará”

foi realizado de 27 a 30 de outubro de 2003, como forma depressionar as autoridades sobre a omissão de mortes na luta pelaterra. Foi lançado no último dia do julgamento dos fazendeiros queencomendaram a morte de Canuto.

Foi um tribunal popular que julgou alguns processos devisibilidade nacional, como o dos acusados pelo Massacre de

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Eldorado do Carajás e pelas mortes de “Fusquinha” e “Doutor”(integrantes do MST mortos em Parauapebas), e “Dezinho”(integrante da Federação dos Trabalhadores na Agricultura – Fetagri,morto em Rondon do Pará, 2000). Edmilson Rodrigues, prefeitode Belém à época e D. Tomás Balduíno, coordenador da CPTnacional estiveram no lançamento do Tribunal. Dira Paes, MarcosWinter, Letícia Sabatela, Carla Marins e Leonardo Vieira foram algunsdos artistas que estiveram presentes no julgamento. Eles integramum comitê que apóia a luta pela reforma agrária no Brasil. Naquelemesmo momento outra chacina no Xingu era noticiada.

Dona Geraldina Canuto, viúva de João, veio a óbito no dia 15de outubro de 2009. O derradeiro depoimento de dona Geraldinafoi dado a jovens realizadores, que produzem um documentáriosobre as viúvas e mães de trabalhadores rurais da região.

6 - Carajás, o novo cenário?15

A passagem do ano de 2003 para 2004 na região do Bico doPapagaio, norte do Tocantins, sul do Pará e oeste do Maranhão, foimarcada pelo alarde apaixonante de defesa do meio ambiente porconta dos possíveis impactos ambientais e inundações que ahidrelétrica de Marabá venha a causar caso saia dos croquis dosengenheiros. 25 municípios dão vida ao Bico do Papagaio, com umapopulação estimada em 150 mil pessoas. Uma região imortalizadana história, pela Guerrilha do Araguaia, e a violência e morte dedirigentes sindicais rurais.

O inusitado é que o primeiro apito tenha soado da boca deSiqueira Campos (PSDB), ex-governador do Estado do Tocantins,denunciado por uma revista de circulação nacional como o dono detodas as iniciativas financeiras exitosas no estado. Um animador dodesenvolvimentismo, cujo slogan de sua administração ganhavacaráter na frase: Tocantins, o Estado da livre iniciativa. Mais estranhoainda é que oito hidrelétricas estão planejadas para o Tocantins, sendoque a hidrelétrica de Lajeado já está produzindo. É energia para

15 Trabalho publicado no site www.riosvivos.org.br me janeiro de 2004

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exportação. A propaganda nos sertões do Brasil é que tais projetosvão promover o desenvolvimento, geração de emprego, vão trazer oprogresso aos rincões do Brasil.

A hidrelétrica de Marabá está desenhada, como outras 15 dabacia do Araguaia Tocantins, desde a década de 80 (na década de 80eram previstas 27, segundo planejamento do Programa GrandeCarajás). A cidade de Marabá tem cerca de 200 mil habitantes, é aprincipal do sudeste do Pará. Tem no comércio sua base econômica.E goza da boa fama de se resolver tudo na ponta da peixeira ou dabala.

A cidade tem alma violenta e violentada. Um resíduo do processode colonização marcado por grandes projetos, ausência de debate,violação de leis e direitos. Algo similar com o que vem sendoreeditado em toda a região do Bico do Papagaio.

Com um custo estimado de U$2 bilhões de dólares, e um prazode construção médio de oito anos, a hidrelétrica deverá ser uma dasmaiores do país, com capacidade de produção de 2.160 megawatts.Segundo dados da “Cartilha Águas sem barragens”, editada em 2003,pelo Fórum Carajás (2003-, rede de organizações populares da áreade abrangência da Ferrovia de Carajás), 11 municípios serãoatingidos.

A hidrelétrica afetará ainda as comunidades indígenas Gavião,aldeia Mãe Maria e Suruí Aiwekar no Pará. Total de 16.465 pessoasdos estados do Pará, Tocantins e Maranhão serão deslocadas de seuslocais de origem. Deste, 4.364 pessoas da área urbana e 12.100 dazona rural, entre camponeses, indígenas, extrativistas e pescadores.O Parque Estadual do Encontro das Águas, onde os rios Tocantins eAraguaia se encontram poderá sumir. Pedra de Amolar, o marcogeográfico da divisa entre os três estados deverá ter a mesma sina.

O que soa mais grave é que segundo estudos da AgênciaNacional de Energia Elétrica (Aneel) a hidrelétrica de Marabá estáinserida na zona de transição do rio Araguaia, onde se verifica entreabril e setembro a migração de espécies de peixes que deixam oreservatório de Tucuruí, sul do Pará, e os lagos e igarapés nasproximidades de Itupiranga e Marabá, Pará. Ao mesmo tempo, hácardumes descendo o Araguaia em direção ao Tocantins. O que acaracteriza como uma área com restrição à implantação dehidrelétrica.

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A Cnec Engenharia S/A, empresa paulista é a responsável pelarealização dos estudos de viabilidade técnica e dos impactosambientais e sociais. A empresa é a mesma que vem fazendo estudosnas hidrelétricas do Vale do Araguaia Tocantins, - o maior empotencial hidrelétrico do país, como a de Estreito, oeste do Maranhão.

Segundo matérias publicadas nos jornais do Tocantins, osmunicípios do Estado serão os mais atingidos com a formação dolago de 10 bilhões de metros cúbicos de água, numa área de 1.300quilômetros quadrados. Os impactos sociais e ambientais imediatossão de difícil mensuração, sem falar nos cumulativos. A região ébela. Marcada pela presença de vários sítios arqueológicos, um pôrde sol extraordinário e nativos sem pressa. Esperantina e Araguatins,cidades do Estado do Tocantins, correm o risco de submergiremcom a formação do lago.

É válida a mobilização que ocorre no Tocantins, mas, uma vezmais se palmilha o mesmo erro de outrora, não se discutir o modelode desenvolvimento estabelecido para a região. No mapa dos grandesprojetos as hidrelétricas são apenas um dos pontos. Consta ainda aabertura de estradas, portos, construção da Ferrovia Norte-sul,monocultura da soja via Projeto Sampaio no próprio Tocantins, novosprojetos de exploração da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD),com o cobre em Canaã do Carajás, bauxita em Paragominas, novasiderúrgica em Marabá, implantação de empresa de produção de placasde aço em São Luís, Maranhão, construção de linhas de energia paraas empresas de Alumina e Alumina em Barcarena no Pará (Alunorte/Albrás), e a Alumar, São Luís; concomitantemente a hidrelétrica deTucuruí passou por uma duplicação de sua capacidade produtiva coma implantação de 10 novas turbinas.

O que se nota é uma nova reconfiguração espacial a partir dessesnovos grandes projetos. Pelo montante dos empreendimentos queemergem, é como se surgisse um novo Projeto Carajás. Agora nocontexto de uma economia globalizada, não mais sob a égide dadoutrina de segurança nacional. Pelo que podemos notar ao longo daexperiência dos anos do projeto Carajás, não há nada de novo napaisagem. A lógica permanece a mesma desde o descobrimento dopaís: o saque das riquezas, e a socialização das catástrofes sociais eambientais. Para efeito de comprovação basta uma visita aos Índicesde Desenvolvimento Humano (IDH), e outros.

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O que se registra de novo no front é uma mobilização dos setorespopulares da região do Bico do Papagaio, que ocorre há uns quatroanos, através da realização de vários seminários, campanhas contra aconstrução de barragens que têm como interessadas as empresas dealumínio (Alcoa, Billliton, Votorantim, CVRD) que objetivam aautonomia de energia, o maior insumo na produção do minério.Produção de livros, cartilhas e artigos também fazem parte do rosáriodas ações dos populares. O que desponta na janela é a reedição de umahistória tantas vezes lida.

Alguns dados sobre as hidrelétricas do ValeAraguaia Tocantins

1 - Cana Brava (GO)350 famílias não foram indenizadas, outras tantas receberam

compensações pífias. 35 mil hectares de terra submergiram nosmunicípios de Minaçu, Cavalcante e Colinas do Sul, todos em Goiás,além de atingir áreas dos índios Awa-canoeiros. Depois de longosdebates com o Ministério Público Federal, a empresa responsávelpelo empreendimento, a Tractebel, concordou em “discutir açõescompensatórias”, mas a instituição encarregada de defender osdireitos dos índios ainda não deu prosseguimento ao acordo. Umdos reflexos da usina de Cana Brava  na área dos Awa-canoeiros foia transformação de um rio de corredeiras, impossível de navegar,em um lago que possibilita a entrada de estranhos por via fluvial. Ahidrelétrica gera 471 MW. O empreendimento custou US$ 420milhões, parte dos quais financiados por bancos de fomento comoBNDES e BID .

• Empresa interessada: Tractebel.

2 - Serra da Mesa (GO)Encheram o reservatório Serra da Mesa em 1997, criando o

maior lago, em termos de volume de água (54,4 milhões de métroscúbicos) da América Latina (área 1.784 km2). O lago banha novemunicípios, entre eles: Uruaçu, Campinorte, Colinaçu, Cavalcante,Minacú e Campinaçú. Segundo o MAB são mais de 1.800 famíliasatingidas e nem uma foi indenizada, apenas alguns grandesproprietários, mais localizados na região do canteiro. Segundo a

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FURNAS e pelo IEA, na época eram 1.390 famílias, sendo 1.295atendidas. Faltam 95, destas 75 estão com o dinheiro depositado emjuízo, e as outras 20 estão nas áreas de remanso. Hoje existem maisde 100 casos na justiça reivindicando revisão das indenizações. Houveuma  litigação litígio com enfoque na existência de um  grupo de6 Índios Avá-Canoeiro em terras que foram inundadas (8% dareserva). Isso provocou uma série de ações da Funai e um“programa” da Furnas em favor dos indígenas, inclusive umaporcentagem dos “royalties”. Segundo a CPT-Goiás, o caso de Serrada Mesa é bem dramático, pois não se fez nenhuma tentativa denegociação coletiva, tudo que aconteceu e o que não aconteceu foiindividualmente, o que dificultou e muito a luta tardia daquele povo.A potência de Serra da Mesa é 1275MW.

• Empresas interessadas: Furnas, Votorantim, Banco Bradescoe Camargo Côrrea.

3 - Serra Quebrada (MA/TO)Deve inundar os municípios de Itaguatins/TO e Governador

Edson Lobão/MA e desalojará 14 mil pessoas, além de alterar o modode vida dos oleiros e pescadores da região. Também deve afetar áreasdos povos indígenas Krikati e Apinajé. Com relação aos povosApinagés isso vai se dar em suas áreas mais férteis. A previsão é deque a hidrelétrica produza 1.328MW. A licitação está prevista para o1º semestre de 2002.

• Empresas interessadas: Alcoa, Billiton, Eletrobrás, Eletronorte,Votorantim e Vale do Rio Doce.

• Últimas informações: nas audiências sobre a hidrelétrica deEstreito foi relatado que existe mais de vinte ações na justiça contraSerra Quebrada.

4 - Estreito (MA/TO)Situa-se entre os municípios de Aguiarnópolis/TO e Estreito/

MA, com impactos mais profundos nas cidades de Carolina/MA,Babaçulândia/TO, que deve ser inundada, e Filadélfia/TO atingindodiretamente 1.150 pessoas e indiretamente a reserva indígena krahô,além do Monumento Natural das Árvores Fossilizadas. A avaliaçãoé de que a água que abastece várias cidades ao longo do rio Tocantinssofrerá danos com a hidrelétrica. A licitação está prevista para o 1º

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semestre de 2002. A hidrelétrica de Estreito deve produzir 1.087MW.O empreendimento tem o financiamento do BNDES.

• Empresas interessadas: Alcoa, Billiton, Camargo Correa,Tractabel e Vale do Rio Doce.

• Últimas informações: o Ministério Público Federal deImperatriz entrou com uma ação questionando os processos delicitação e licenciamento do empreendimento. 60% da construçãojá foi realizada na metade de 2009.

5 - Tupirantins (TO)Deve atingir os municípios de Tupirantins e Itapirantins, além

de áreas indígenas. A licitação está prevista para o 1º semestre de2002. Esta hidrelétrica deve produzir 820 megawatts de energia.

• Empresa interessada: EDP.

6 - Lajeado (TO)Inundou os municípios de Miracema, Lajeado, Palmas, Porto

Nacional, Brejinho de Nazaré e Ipueiras, desalojando três milfamílias. A hidrelétrica entrou em funcionamento no 2º semestrede 2001, com a perspectiva de produzir 850 megawatts de energia.

• Empresas que adquiriram a concessão: EDP, Grupo Rede,CEB e CMS Energy.

7 - Peixe Angical (TO)Começou a operar em 2006 com capacidade de produzir 452

megawatts. A hidrelétrica fica entre os municípios de Peixe e SãoSalvador. A licitação aconteceu no 1º semestre de 2001. O consórcioEnerpeixe. O processo de licenciamento foi questionado peloIBAMA, que apresentou 37  recomendações. Essas recomendaçõesdiziam respeito às compensações que serão oferecidas para os donosde mineração, a atualização da listagem de flora, fauna e ictiofauna,a reformulação do programa de reassentamento para as famíliasatingidas e a apresentação de estudos complementares sobre a vilade Espírito Santo, próxima à cidade de Paranã.

• Empresas interessadas: EDP e Grupo Rede.

8 - São Salvador (TO)Foi inaugurada em 2009 pelo presidente Luiz Inácio Lula da

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Silva (PT). Situada entre os municípios de São Salvador do Tocantinse Paranã. O licenciamento ambiental foi contestado pelo InstitutoBrasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis(IBAMA), que considerou insatisfatórias as informações apresentadasno processo e que aspectos relevantes à análise do processo  nãoforam contemplados ou sequer abordados. A situação desseempreendimento é que a empresa foi notificada acatou a notificação.A hidrelétrica gera 243 megawatts.

• Empresa interessada: Tractebel.

9 - Marabá (PA)Localizar-se-á no Rio Tocantins, próximo a confluência com o

rio Araguaia. Inundará terras de onze municípios, afetando cerca de12.100 pessoas da área rural e 4.364 pessoas da área urbana. O impactodeste aproveitamento sobre a terra indígena Mãe Maria (GrupoGavião) foi considerado crítico. A interferência se dará sobre 10%da terra indígena e também afetará a área indígena Sororó, do povoSuruí Aiwekar. Os impactos também se darão em áreas de extraçãode castanha-do-pará e babaçu e do parque estadual do Encontro dasÁguas. A capacidade instalada deve ser de 2.160 MW numinvestimento de quase US$2bi.

• Últimas informações: caso Marabá seja aprovada, toda a justificativapara a negação da licença ambiental para Santa Isabel cai por terra.

10 - Couto Magalhães (GO/MT)Deve inundar áreas do Parque das Emas, em Goiás, assim como

o projeto da hidrelétrica de Itumirim(GO), que foi embargadarecentemente pelo Ibama, e atingir os municípios de Santa Rita doAraguaia e Alto do Araguaia, numa das últimas áreas em bom estadode conservação do cerrado As empresas que se mostraraminteressadas são a EDP e o grupo rede. A hidrelétrica de CoutoMagalhães obteve o maior ágio no leilão de novembro de 2001, masaté hoje não recebeu o licenciamento prévio por parte do Ibama.Seu EIA-Rima (Estudo de Impacto Ambiental) apresentou cincoespécies de mamíferos ameaçados, mas os técnicos do Ibamaverificaram cerca de dez espécies de mamíferos e uma de arara azulprotegidas por lei federal. A situação de Couto Magalhães é que aempresa foi notificada. Está previsto que sejam gerados 150

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megawatts de energia.• Empresa interessada: Consórcio Enercouto (EDP e Grupo

Rede).

11 - Santa Isabel (TO/PA)Situada no baixo curso do Rio Araguaia, próximo à Santa Isabel

do Araguaia, deve inundar áreas pertencentes aos municípios dePalestina do Pará, Piçarra e São Geraldo do Araguaia, 7,4% da reservaecológica da serra das Andorinhas e parte da APA de São Geraldo doAraguaia, no estado do Pará, e dos municípios de Ananás, Araguanã,Riachinho e Xambioá do estado do Tocantins, desabrigando 974pessoas na área rural e 1404 pessoas de área urbana. Também afetarááreas dos povos indígenas Surui e Karajá. Essa é uma área de transiçãoentre formações florestais e vegetação de cerrado. O projeto prevê ageração de 1200MW.

• Empresas interessadas: Alcoa, Billiton, Votorantim, CamargoCorrea e Vale do Rio Doce.

• Últimas notícias: as empresas desistiram da construção deSanta Isabel. O seu licenciamento ambiental foi negado pelo Ibama,dentro da perspectiva de deixar o rio Araguaia ileso, tanto em relaçãoà construção de hidrelétricas como da construção da hidroviaAraguaia-Tocantins.

12 - Araguanã (TO/PA)É um desdobramento da hidrelétrica de Santa Isabel, sendo que

tem seu eixo localizado logo após a montante de Santa Isabel, numaárea de transição entre a área integrada, ao norte, e a área de integraçãoincipiente, ao sul. Inundará o território de 18 municípios, atingindo10.000 pessoas na área Rural e 18% das terras da ComunidadeIndígena Karajá de Xambioá, numa área equivalente a 2.297 km2.Segundo Glenn Switkes, da Rede Internacional de Rios, haveriaefeitos difíceis de prever sobre os pantanais da ilha do Bananal. Asua capacidade instalada deve ser de 960MW.

A CVRDA Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) é sem dúvida o

principal ator econômico da região sudeste do Pará, e a principalempresa mineradora do país. Privatizada desde 1997, e colecionando

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sucessivos recordes de faturamento, a sétima mineradora do mundopossui em seu planejamento, uma série de recentes investimentos,que combinados com várias obras de infraestrutura agendadas noPlano Plurianual (PPA) do governo anterior, e sem uma definiçãodiferente no atual governo configuram o que chamo de novaexpansão do capital na região do Vale do Araguaia - Tocantins.

Nas contas do jornalista Lúcio Flávio Pinto, a CVRD é a empresaque mais exporta no Brasil, responsável por 20% do comércioexterior da balança comercial, 70% dos produtos da Vale são extraídosdo solo do Pará. Com 22 mil funcionários, a empresa faturou U$5,2 bilhões de dólares em 2002. Com um valor estimado hoje emU$ 13 bilhões de dólares, a empresa navega sob o comando daBradespar (do Bradesco) e do grupo de fundos de pensão lideradospela Previ (do Banco do Brasil).

Avançar num debate sobre a CVRD não é a proposta destetrabalho, no entanto julgo a necessidade de aclarar alguns elementosrecentes da história da empresa, posto a relevância da CVRD para acompreensão da região. A fonte de informação é a recente publicaçãoda editora Cejup, CVRD: a sigla do enclave na Amazônia,assinado pelo sociólogo e jornalista Lúcio Flávio Pinto. A ideia étentar nominar alguns projetos. O atual estágio de desenvolvimentoeconômico evidencia na região mais que nunca, o que seconvencionou chamar de nova ordem mundial. E avalio que a CVRDé a encarnação dessa lógica do capital em escala internacional.

O desenho de vários eixos de integração para o continente latino-americano parece não soar algo aleatório. Faz parte das políticas deintegração encaminhadas a partir da Casa Branca, que como rios,devem desaguar na Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).Algo similar se reflete na América Central com o Plano PanamáPuebla (PPP).

Segundo Pinto, a CVRD investiu 5,3 bilhões de dólares naincorporação de 13 companhias. Em abril concluiu investimento demais de um bilhão de dólares em quatro grandes negócios: a comprade metade do capital que sua sócia japonesa Mitsui possuía namineradora Caemi; a inauguração da duplicação da usina de aluminada Alunorte, Barcarena, Pará, de 2,4 milhões para 4,2 milhões detoneladas; a conclusão da maior pelotizadora de ferro do país, emSão Luís, no Maranhão, de 6 milhões de toneladas, e a aquisição da

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Mineração Vera Cruz (antes TRZ), para começar a lavrar a bauxitaem Paragominas, assegurando o abastecimento da Alunorte como amaior produtora do continente e das maiores de alumina do mundo.

Outro projeto com semblante de grande porte é a siderurgia deplacas de aço. A empresa deseja implantar a fábrica no Porto da Pontada Madeira, em São Luís Maranhão, em parceria com a siderúrgicachinesa- Baosteel. Por se tratar de uma ilha, os impactos ambientaispodem ser graves.

Uma associação de várias organizações sociais da cidadeorganizou um movimento contrário à instalação da fábrica. Nomovimento há várias representantes da zona rural da cidade. Sãopescadores, extrativistas, trabalhadores rurais que correm o risco deperder terras que são usadas há mais de cem anos. A instalação ameaçaainda o abastecimento, já precário, de água potável na ilha.

7 - Amazônia, Pará e o Mundo das águas do Baixo Tocantins16

O Brasil é o país que concentra a maior parcela da principalfloresta tropical do mundo, a Amazônia. Bolívia, Colômbia, Equador,Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela são os demaispaíses onde incide a floresta. Do território nacional cerca de 60% éconstituído pela Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, oestedo Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins),com uma população estimada em 20 milhões de pessoas.

A floresta é um mundo de gentes, olhares, saberes, cores, cheirose histórias. A abundância de recursos florestais, minerais e hídricosa torna alvo dos mais diferentes interesses em variadas dimensões:econômicas, sociais, políticas e ambientais. O direito à propriedadeprivada da terra tem se sobreposto à posse ancestral.

As Amazônias do Brasil são várias. Nesse vasto mundo, o Pará éo segundo estado em extensão territorial. Há áreas de colonização

16 O presente artigo integra a publicação Na Trilha do Anilzinho: Resistência eMultiplicação de Conhecimentos Agroecológicos na Região do Baixo Tocantins-PA,recuperação sobre a experiência em agroecologia da ONG Associação Paraense de Apoioàs Comunidades Carentes (APACC) na região do Baixo Tocantins. O artigo foi publicadona Revista Estudos Avançados, da Universidade de São Paulo/USP, Nº69\2010.

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mais recentes, como o sudeste; e as de colonização mais antiga, comoa Bragantina e o Baixo Tocantins, inseridas na mesorregião Nordeste,além da fronteira em disputa, caso do sudoeste do estado. No sudestedo Pará a disputa pela terra ainda é aguda. Já na Bragantina e noBaixo Tocantins o quadro é considerado bem definido. O contrárioocorre a sudoeste que tem se constituído em cenário dedeslocamento da violência contra camponeses e seus pares, antesconcentrada a sudeste do estado.

O rio inunda a vida dessas gentes de realidades ímpares. O rioas distancia e aproxima, alimenta e é espaço de lazer, contemplaçãopoética e quintal de lendas: Iara, Boto, Boiúna e sabe-se lá quantasoutras. O rio é a vida e às vezes a morte dessa população. Numaparte do ano ele invade ruas, casas, roças e pastos, chegando, emalgumas regiões, a causar danos materiais. Noutra época do ano recuae forma praias. Nas regiões marcadas pela realidade do estuário, casodo Baixo Tocantins, a oscilação de seis em seis horas dos rioscondiciona a vida da população. O pôr do sol é uma pintura.

No mundo de rios da Amazônia do Brasil pretende-se ergueroutro mundo, o do concreto, para geração de energia. Os planos doGoverno Federal já realizaram isso no caudaloso rio Tocantins, econtinuam a fazê-lo. Assim, também agendam o mesmo rumo parao rio Xingu, o rio Tapajós, o rio Araguaia e o rio Madeira. Energiapara quem? Eis a pergunta que se encontra no ar.

No caldeirão dos povos da Amazônia há índios, negros emestiços. Nativos e os que para cá vieram em busca de dias melhores:migrantes internos, com ênfase nordestina e gente de terras maisdistantes, caso de europeus e asiáticos. Eles podem ser encontradosem terra firme, várzea ou ilhas. A Amazônia é uma aventura? Umtanto dessa gente veio em busca de riqueza “mágica” nos garimpos,outro tanto atraída pelo sonho de emprego nos grandes projetos demineração, ferrovia, siderurgia e barragens. Hoje engrossam aconstelação das faces dessa terra.

Quando se investiga a colonização recente marcada pelaimplantação de grandes projetos, o quadro social destoa da belezado pôr do sol. Subempregados, alguns empregados em ocupaçõessecundárias, muitos escravizados em fazendas e carvoarias, ao ladoda destruição da floresta, poluição dos rios e redução do pescado,constituem o quadro da realidade social e ambiental.

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Uma parte dessa gente da Amazônia do Pará encontrou umrumo na vida na agricultura familiar. Uma espécie de retorno àsorigens. Alguns estão na direção das organizações de representaçãocamponesas e outra parcela sentou o passo em projetos deassentamentos rurais ou ainda disputa um pedaço de terra. Muitos(as) foram mortos (as) na disputa pela terra. E existe uma boa parcelano trecho (estrada) com as borocas (mochilas) nas costas em busca deum canto para viver.

A terra e os recursos nela existentes na Amazônia animam umconjunto de interesses e disputas de infinitas redes econômicas,sociais e políticas, em escalas regionais, nacionais e internacionaisque conectam a Região Amazônica ao resto do planeta, o que põeem cena a disputa pelo modelo de desenvolvimento. Dias melhoresvirão?

Baixo Tocantins: economia, política e campesinatoO cotidiano no mundo das águas da micro região de Cametá,

mais conhecida como Baixo Tocantins é organizado pelos rios Moju,Pará e o caudaloso Tocantins. Sete municípios compõem a região:Abaetetuba, Igarapé Miri, Limoeiro do Ajuru, Cametá, Mocajuba,Baião e Oeiras do Pará. Em maior ou menor profundidade a regiãosofre os impactos da barragem de Tucuruí, com ênfase para a reduçãodo pescado.

Desse conjunto, apenas o município de Oeiras do Pará não ébanhado pelo Tocantins e sim pelo rio Pará. No estuário é a oscilaçãodas marés que condiciona a vida da população local. Cascos (canoas),voadeiras e popopôs, - nome de embarcação adquirido por conta doruído do motor - constituem a principal forma de transporte e canaldas relações comerciais entre os agricultores, pescadores e extrativistascom o meio urbano. As viagens, que às vezes ultrapassam 10h, sãomomentos de contemplação, solidariedade, troca de informação,conto de causos, fofoca, galhofas diversas entre os (as) conhecidos(as).

O Baixo Tocantins encontra-se numa zona de fronteira. Amicrorregião localiza-se entre a Amazônia Central e AmazôniaOriental, no nordeste do Pará, por onde passa a linha dividindocoincidentemente a microrregião do Baixo Tocantins e a de Tucuruí(COSTA, 2006, p. 21). A microrregião integra a bacia do Tocantins,

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considerada a segunda mais importante do país, superada apenaspela bacia do rio Amazonas. É ainda indicada como a de maiorpotencial para a geração de energia hidroelétrica. A bacia doTocantins-Araguaia constitui um dos eixos de planejamento doGoverno Federal, com enfoque em transporte e geração de energia,o que prenuncia outros impactos sociais e ambientais para aspopulações locais.

O rio Tocantins, como parte desse complexo estuário amazônico,se comunica com o rio Pará, se junta ao rio Guamá para formar abaía do Guajará e o conjunto fluvial da foz do gigante rio Amazonas,o qual despeja diariamente milhões de metros cúbicos de água doceno oceano Atlântico (COSTA, 2006, p. 23).

A Eletronorte, empresa responsável pela UH de Tucuruí, nosderradeiros anos tem se empenhado em implantar alguns projetosque reduzam os impactos resultantes da obra. Recentemente a usinateve a sua capacidade duplicada para acompanhar o ritmo de aumentoda produção nas indústrias de alumínio do Pará e Maranhão, ligadasa grandes corporações, a Vale e a Alcoa.

A obra de engenharia foi erguida durante o regime militar paraalimentar as grandes corporações do setor de alumínio no Pará e noMaranhão com energia barata. Entre os impactos provocados pelabarragem há registros de: inundação de vasta extensão de floresta,deslocamento de populações indígenas, não indenização de famíliasdeslocadas pela obra, redução do pescado e poluição, erosão do leitoe das margens do rio e elevado índice de malária. Sem falar do nãoatendimento das populações nativas com a energia gerada pelahidrelétrica.

Sobre a população da região do Baixo Tocantins os dados doInstituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2000) apontam quecorresponde a 353.860 habitantes. A população rural ocupa duasdinâmicas distintas: terra firme e a região das ilhas. Na primeirapredomina o cultivo da mandioca para a produção de farinha;enquanto nas ilhas o açaí desponta como a principal produção. Alémda palmeira do açaí, nas ilhas há grande incidência de buritizais, entreoutras espécies.

Por conta do açaí, ora coqueluche nacional e internacional,chegam à região uma série de empresas de comercialização do Pará,e de regiões economicamente mais desenvolvidas, como o sudeste

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do país e mesmo empresas européias e americanas. A presente corridasobre o açaí tem motivado junto aos trabalhadores rurais anecessidade de fortalecer a organização dos produtores para que seconsiga uma melhor capacidade de negociação. No momento asempresas tendem a estipular o preço do produto.

A cobertura vegetal do Baixo Tocantins é classificada porespecialistas como floresta equatorial densa. As pesquisas sobre aAmazônia indicam que a atividade madeireira tem sido o primeiropasso para o início do desflorestamento. As investigações realizadaspor Gilson Costa sobre o Baixo Tocantins apontam que o processona região teve início na década de 1960, com prolongamento até adécada de 1990, quando se registra a redução do estoque de madeira,tendo como consequência a migração das madeireiras para outrasregiões.

As áreas de terra firme desflorestadas são ocupadas poragricultura tradicional de corte e queima, onde basicamente cultiva-se mandioca, o principal produto dessa zona. Quanto à região dasilhas, que também sofreu desflorestamento no mesmo período, estefoi bem menos intenso, com menor impacto, até porque não haviagrandes concentrações de espécies madeiráveis como na região deterra firme, o que, dentre outros fatores, permitiu a essas áreas relativaconservação (COSTA, 2006, p. 25).

A exploração do cacau e da seringa configurou a cena econômicapor longos anos na região de Cametá, até meados da década de 1970.Seguida da exploração madeireira, que antecipou a monocultura dapimenta-do-reino, duas matrizes em demasia caras ao equilíbrioambiental.

Nos dias atuais as atividades de agricultura e do extrativismoregem a economia local. As análises de Gilson Costa sobre a regiãoatestam que a renda agrícola advinda da agricultura e do extrativismo,responde por mais de 60% da economia dos municípios da regiãodo Baixo Tocantins.

Um pouco da história do campesinato do Baixo TocantinsEm termos gerais, os estudos considerados clássicos sobre a

categoria campesinato indicam que é a condição subordinada que oconforma nas diferentes sociedades escravocratas, feudais, socialistase capitalistas, a partir da transferência do excedente de sua produção

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para outras classes sociais. A base de produção familiar e o controlerelativo sobre os meios de produção são outras características emcomum nas observações de diferentes pesquisadores. Embora acondição subalterna o conforme, tal condição não anula a sua revoltaante os agentes de sua condição.

Já as pesquisas sobre o campesinato na Amazônia indicam que aprecariedade é uma característica que integra a vida do (a) camponês(a) na região. Precariedade que passa pela baixa escolaridade, baixouso de insumos, pouca capacidade na produção e comercializaçãode produtos, grandes distâncias dos centros de comercialização, oque facilita a ação de atravessadores, além de ausência/insuficiênciade assistência técnica. As famílias numerosas emergem como umfator de pressão sobre os recursos naturais e a terra. No BaixoTocantins, por exemplo, há casos de famílias com mais de dez filhos.

No que diz respeito à organização, o campesinato do BaixoTocantins é considerado um dos mais antigos e importantes daAmazônia. O caráter combativo é uma marca da sua trajetória. Hádois momentos históricos marcantes na luta em busca daemancipação: o da Cabanagem, revolução ocorrida no século XIX eo Movimento de resistência conhecido como Anilzinho, anos 1970,quando o país ainda vivia num processo de ditadura militar.

A Cabanagem (1835-1840) é um dos momentos maissignificativos nessa trajetória de insurgência no período regencialdo Brasil. Avalia-se que pela primeira vez os oprimidos conseguiramchegar ao poder. Entretanto, o movimento agrupava representantesdas elites locais e o povo pobre da região. O nome do movimento éuma referência às moradias humildes das comunidades ribeirinhas.A repressão contra a revolta cabana chegou a assassinar cerca de 30%da população do Pará na época, estimada em cem mil habitantes.

Já o movimento do Anilzinho se constitui como um marcorecente do campesinato do Baixo Tocantins. O movimento queaconteceu no município de Baião foi o primeiro no contexto da lutapela tomada do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR) pelostrabalhadores alinhados politicamente com o “novo sindicalismo”.Esse conflito ocorreu em 1979, numa região denominada Anilzinho,situada às margens de um rio de mesmo nome. Constituiu um fatoimportante no processo de adesão da Igreja Católica local à luta pelaterra que já iniciara em diversas regiões do Brasil e sobre a qual a

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Igreja Católica manifestou-se publicamente, através do documento“Igreja e problemas da terra” (CONFERÊNCIA NACIONAL DOSBISPOS DO BRASIL, 1980).

A trajetória do campesinato amazônico na busca pelaemancipação registra várias mediações, que transitam por partidospolíticos, segmentos da Igreja Católica, ONGs, entre outros. A IgrejaCatólica é um dos mediadores mais presentes a partir da década de1960, e avança até a década de 1990. Na caminhada camponesaamazônica foi relevante a presença da Igreja Católica a partir dasComunidades Eclesiais de Base (CEBs) na formação de STR,associações e cooperativas. Na experiência de Cametá são conhecidasas comunidades cristãs que fomentaram experiências com o cultivoda pimenta-do-reino, a criação de cantinas comunitárias e aassistência técnica.

O campesinato do Baixo Tocantins realizou em momentos maisrecentes inúmeras frentes de atuação. Nos registros de pesquisa deValdomiro de Sousa encontram-se o Movimento em Defesa daRegião Tocantina (Modert) e o Movimento Nacional dos Atingidospor Barragens (Monab) e ainda o Movimento Nacional dosTrabalhadores da Pesca (Monape). Nota-se na História do BaixoTocantins um conjunto de inúmeras formas de mobilização quepassa pelos gritos da terra, acampamentos de camponeses nomunicípio de Cametá, - cidade pólo da região-, ocupações em órgãospúblicos no município e em Belém, marcam os anos 1990.

Na década de 1990 registrou-se uma vasta mobilizaçãocamponesa em todo o país em busca do reconhecimento econômico,social e político. Nesse contexto de lutas realizam-se mobilizaçõesno município de Cametá e no vizinho município de Tucuruí naluta pela energia elétrica. Os acampamentos que tiveram aparticipação do bispo D. José Elias só foram desfeitos após acordo erecebimento de fax do Ministro das Minas e Energia da épocaatendendo a reivindicação dos acampados no fim da década de 1990.

A conquista do Fundo Constitucional do Norte (FNO) especialé considerada um marco do momento recente da luta sindical dos(as) trabalhadores (as) rurais do Baixo Tocantins. Assim também épercebida a eleição de representantes da categoria em diferentes níveisde poder: executivo e legislativo em escalas municipal e estadual.Em certa medida um passo significativo na relação de poder contra

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as forças tradicionais. Além do FNO a luta sindical alcançou outraspolíticas públicas para a região como o Programa Nacional deFortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).

Se o momento inaugural foi marcado pelo foguetório, o seguintenão teve tanta celebração. Sucedeu um profundo endividamento.Entre os fatores indicados encontram-se a ausência de habilidadedo trabalhador/a rural com as entrelinhas da dinâmica bancária.Gilson Costa sublinha que os camponeses foram duramenteatingidos, enquanto os setores do agronegócio ligados à produçãodos insumos agropecuários conseguiram lucrar bastante com a vendade maquinário e adubo químico.

Técnicos que atuam na assistência rural regional revelam que omodelo dos projetos foi equivocado, marcado pelo incentivo demonoculturas da pimenta-do-reino, e de espécies frutíferas estranhasà região, como o murici. Uma ação na contramão do que preconizamos estudos sobre a Amazônia, que sugerem a dinâmica dadiversificação de culturas e Sistemas Agroflorestais (SAF). No campoda assistência técnica a região registra a presença da Empresa deAssistência Técnica e Extensão Rural (Emater) e a ComissãoExecutiva da Lavoura Cacaueira (Ceplac) e de forma consideradanão sistemática existem ações de algumas prefeituras.

Os registros históricos sobre as ações da Prelazia de Cametácom o incentivo da pimenta-do-reino sinalizam como limites alémda dinâmica de monocultura, o uso intensivo de adubos químicos.O golpe de misericórdia na monocultura de pimenta-do-reino foi aredução do preço no mercado externo. A outra fase diz respeito àslinhas de financiamento do governo que tiveram como resultado oendividamento das famílias camponesas, o que resultou num climade insegurança e desconfiança entre os/as trabalhadores/as ruraissobre qualquer intervenção externa.

Eis uma modesta reconstrução sobre a vasta história da regiãoem que vai se desenvolvendo a experiência no contexto recente, daAssociação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (APACC)na construção de um processo de transição do modo de produçãocamponesa, tendo como centro a agroecologia.

Entre os desdobramentos da jornada, que somaaproximadamente oito anos, tem-se, a construção da rede decamponeses (as) multiplicadores (as) no horizonte da agroecologia

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e saúde preventiva, seguindo uma orientação cuja base reside nodiálogo e na troca das diferentes formas de conhecimento, para ocultivo de práticas inovadoras de produção camponesa.

Ao longo desse tempo a APACC fomentou um pouco mais de1.000 experimentos baseados na agroecologia, em aproximadamente130 comunidades, que envolveu cerca de 2.500 pessoas nosmunicípios de Cametá, Oeiras do Pará e Limoeiro do Ajuru.

A caminhada incentivou canais de diálogo com uma diversidadede sujeitos sociais regionais, nacionais e internacionais, entre eles,universidades, associações e cooperativas de produtores rurais, CasaFamiliar Rural, sindicatos de trabalhadores rurais, colônias depescadores e inúmeras instituições dos governos municipais, estaduale federal.

Um pouco da vasta experiência encontra-se registrada em artigosna Revista Agriculturas - experiências em agroecologia, emcitações de trabalhos científicos de pesquisas universitárias, nosrelatos dos trabalhadores e trabalhadoras rurais em participação devários encontros dentro e fora do Pará.

Em janeiro deste ano, quando da realização do Fórum SocialMundial em Belém, Pará a APACC lançou o livro Na Trilha doAnilzinho: Resistência e multiplicação de Conhecimentos Agroecológicos naRegião do Baixo Tocantins-PA. A publicação recupera um pouco daHistória da experiência.

A produção contextualiza os elementos econômicos, políticos esociais do Baixo Tocantins e sinaliza para a metodologia de trabalhoque alterna o diálogo e produção de experimentos na área deprodução e saúde preventiva de forma integrada. O livro registraainda os desdobramentos positivos e limites da experiência.

Avaliação em regra geral é positiva e entusiasmada sobre aintervenção da APACC nos mais diversos níveis do diálogo dainstituição. A avaliação positiva pode ser encontrada nos relatóriosde observadores externos, na esfera nos financiadores eprincipalmente nos depoimentos do sujeito social que é o principalparceiro da APACC, o trabalhador/a rural, que efetivou uma Redede Multiplicadores em Agroecologia.

O reconhecido e inovador trabalho da APACC tem como pontospositivos a diversificação da produção camponesa do Baixo Tocantins.A inovação se reflete que antes da intervenção da APACC o produtor

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mantinha uma ou duas linhas de produção, com após a troca deconhecimento com a equipe multidisciplinar da ONG a unidadeprodutiva mantém entre quanto a seis linhas de produção. Issopossibilita segurança alimentar e renda durante todo o ano. O manejodo açaí é uma das praticas com maior repercussão no aumento daprodução.

ReferênciasAssociação Paraense de Apoio às Comunidades Carentes (APACC).Tecendo saberes: agricultura familiar com princípios agroecológicosna Amazônia paraense, APACC, 2007.BORDENAVE, J. O que é comunicação rural. 2ª. ed. São Paulo:Brasiliense, 1985.CAPORAL. F.R; COSTABEBER,J. Agroecologia e Extensão Rural:Por uma nova Extensão Rural: fugindo da obsolescência, PortoAlegre/RS, 1994. Disponível em <http://www.agroeco.org/brasil/material/costabeber.htm#_Toc13019702>. Acesso em 25/07/2008.CAPORAL, F.R.; RAMOS L. F. Da extensão rural convencional àextensão rural para o desenvolvimento sustentável: enfrentar desafiospara romper a inércia. In MONTEIRO D. & M. MONTEIRO.Desafios na Amazônia: uma nova Assistência Técnica eExtensão Rural. UFPA, Belém, 2006.CARMO. E. S. Replicação dos conhecimentos da pedagogia daalternância para o desenvolvimento das comunidades no municípiode Cametá/Pa. FIPAM/NAEA/UFPA. Belém, 2007COSTA. G. S. Desenvolvimento rural sustentável com no paradigmada agroecologia. NAEA/UFPA. Belém, 2006D´INCAO. M. C. & TOPALL, O. Relatório de Avaliação Externa,2003.FREIRE, P. Extensão ou comunicação. 10ª ed. Rio de Janeiro, Paz eTerra, 1992MACIEL, F. & outros. Aprimorando o manejo tradicional de açaizaisnativos. In Revista Agriculturas- experiências em agroecologia,v3,nº3Rio de Janeiro/ RJ, outubro de 2006. p. 20 a 23POMPEU, C. Resgate e valorização da sabedoria popular sobre ouso de ervas medicinais no Baixo Tocantins (PA). In RevistaAgriculturas- experiências em agroecologia, v4, nº4, Rio de Janeiro/RJ, dezembro de 2007. p. 15 a 17

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SOUSA. R. V. Campesinato na Amazônia: da subordinação à lutapelo poder. NAEA/UFPA, Belém, 2002.SOUSA, R. SILVA, R. & MACIEL, F. Multiplicadores dosconhecimentos agrecológicos: a experiência de extensão rural naregião Tocantina (Pará). In PETERSEN, P. DIAS, A. Construçãodo conhecimento agroecológico. Articulação Nacional deAgroecologia, 2007. p.88 a 102

8 - Carajás – interesses da Vale pressionam territórios decamponeses e indígenas17

Elevada taxa de violência contra camponeses, desmatamento,trabalho escravo e infantil, prostituição, concentração de terra e rendaestão entre os elementos que resultaram do processo deinternalização do capital no sul e sudeste do Pará. Tais passivos quasesempre são ocultos da pauta dos grandes meios de comunicação enos discursos políticos. No entanto, as populações que lá habitamos conhecem bem.

No século passado, o regime de exceção (1964-1985) éconsiderado um marco histórico da integração da Amazônia ao restodo país. O estado foi consagrado como o principal indutor daeconomia que tem ainda hoje como matriz o extrativismo. E temsido o extrativismo mineral que inseriu o Pará entre os estados quemais contribui para a formação do superávit primário do país.

O ciclo da mineração na Amazônia iniciado na década de 1950na Serra do Navio, no Amapá, e que se aprofundou com a descobertado ferro e outros minérios na região de Carajás, agora ganha outrasnuances com a exploração em outros municípios do Pará. Canaãdos Carajás, Paragominas, São Félix do Xingu, Ourilândia do Norte,Xinguara e Juruti são alguns deles.

O aprofundamento do extrativismo mineral dialoga com outrosprojetos, como a produção de energia e transporte. Eles configurameixos de desenvolvimento que norteiam a ação do planejamento dogoverno federal. O modelo coloca no primeiro plano a disputa peloterritório e as riquezas naturais existentes.

17 Publicado originalmente no site da Rede Fórum Carajás e no blog Furo em julho de2010.

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Estão em oposição grandes corporações do capital nacional einternacional que gozam do financiamento do Banco Nacional deDesenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e as populaçõeslocais consideradas tradicionais, como camponeses, extrativistas,pescadores, quilombolas e indígenas. Vale, Alcoa, MMX estão entreas empresas mineradoras. Entre as construtoras de hidrelétricas tem-se, entre outras: Camargo Correa, Alcoa e Tractebel Suez. Sem falarda própria Vale e Alcoa.Carajás - tensões na disputa pelo território - 21 municípios doPará estão entre os cem que mais desmatam na Amazônia. Dessasduas dezenas de cidades, 19 estão no sudeste do Pará, que além damina de Carajás abriga o pólo siderúrgico. Boa parte dessesmunicípios que ocupa linha de frente em desmatamento tambémlidera o ranking de violência. Somente no primeiro semestre de 2010cerca de 300 pessoas foram assassinadas de forma violenta no sul esudeste do Pará.

Os estudos foram realizados através do Projeto Prodes –Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite/2007.Uma outra questão, esta de ordem trabalhista, reside em índicesrecordes de ações contra a Vale no município de Parauapebas. A regiãotambém lidera o ranking de trabalho escravo em fazendas e carvoarias.

É a mineradora, por conta do poder econômico, controle detecnologia de ponta, além das relações políticas em diferentes níveisde poder, que tem estruturado e reestruturado o território na regiãode Carajás. É ela que pressiona áreas de projetos de assentamento dareforma agrária e áreas indígenas, e tem induzido a remodelação dascidades, a exemplo do que ocorre em Marabá.

O município considerado polo da região passa por alteraçõesem sua geografia física, social e econômica. Registram-se inúmerasocupações, loteamentos, ampliação de vias consideradas estratégicas,como a duplicação da ponte sobre o rio Tocantins, duplicação departe da Transamazônica que corta a cidade, ampliação do poloindustrial com a construção da indústria Aços Laminados do Pará(ALPA). A empresa que será movida a carvão mineral deverá produzir2,5Mt/ano de aço plano, na forma de placas e bobinas. O municípioregistra ainda o fenômeno da proliferação da construção de inúmerasvilas de kitnet para atender a demanda de operários e migrantes, e osurgimento de outros atores políticos e econômicos.

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A mineração da Vale encontra-se em expansão, tal ampliaçãotem implicado incremento da infraestrutura de transportemultimodal para escoar a produção. A ferrovia de Carajás terá aduplicação de 600 km do total de 800. Tem-se ainda a efetivação dahidrovia do Araguaia-Tocantins, a construção de um porto emMarabá e a ampliação do Porto do Itaqui em São Luís, Maranhão. Ea construção de inúmeras Hidrelétricas na bacia do Araguaia-Tocantins, a exemplo da hidrelétrica de Estreito, na fronteira doMaranhão com o Tocantins, onde as mineradoras Vale e Alcoa sãoassociadas da Camargo Corrêa e da Tractebel Suez.

Vale de mineração na região de Canaã dos Carajás/PA\Foto: Rogério Almeida

Os territórios já efetivados são pressionados a cada novo projetode mineração e construção de obras de infraestrutura. O que implicaem novas tensões. Na ferrovia de Carajás circula o maior trem domundo, com 330 vagões e uma extensão de 3.500 metros comcapacidade para carregar 40 mil toneladas de minério. Os númerossempre são estratosféricos, assim como os problemas.Ourilândia do Norte - O conflito norteia a realidade da região deCarajás, que às vésperas de cada eleição, coloca a emancipação empauta. No fim de 2011, a população decidiu pela manutenção doterritório. Frações de poder do Baixo Amazonas e Carajás pleiteavam

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a criação dos estados do Tapajós e Carajás. Situações de conflitomarcam as realidades locais. Documentos sistematizados pelo Centrode Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP) ea Comissão Pastoral da Terra (CPT), com sede em Marabá,descrevem situações de tensão entre as empresas mineradoras e aspopulações camponesas nas cidades de Canaã dos Carajás, Ourilândiado Norte, Curionópolis e Marabá. Os dados atestam que nomunicípio de Ourilândia do Norte, onde se explora níquel, lotes defamílias assentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e ReformaAgrária (INCRA) são adquiridos de forma ilegal desde 2003.

A Canico do Brasil Mineração Ltda, uma subsidiária dacanadense INCO foi a primeira empresa que controlou as minas.Em seguida foi a Mineradora Onça Puma. A Vale adquiriu o direitoda exploração de níquel no município em 2005. Somente nummódulo de exploração, a estimativa é de 57 mil toneladas do minériopor ano e investimento de 1,1 bilhão de dólares. Em 2006 a Valeadquiriu a INCO. Um ano antes de somar a primeira década deprivatização.

Ao menos para a empresa, o empreendimento é considerado deexcelente viabilidade econômica, ponderam especialistas emcadernos de economia dos principais jornais do país. O destino daprodução é a Ásia. Além do município de Ourilândia do Norte oníquel incide em São Félix do Xingu e Parauapebas.

No caso de Ourilândia, os lotes envolvidos na compra ilegalpela Vale são provenientes dos projetos de assentamento Tucumã,Campos Altos e Santa Rita. Os dados indicam que pelo menos 80lotes foram negociados. Em seguida, a empresa derruba as casas,plantações e outras benfeitorias. O documento denuncia que 20 milpés de cacau financiados pelo Banco da Amazônia (BASA) para finsde reflorestamento foram destruídos.

A situação de conflito entre a empresa mineradora e os assentadosda reforma agrária resultou na fragilização da cadeia de produção deleite. A extração do minério tem poluído o rio Cateté, que corta areserva indígena do povo Xikrin. No mesmo documento há ainformação que pelo menos duas nascentes de água foram soterradaspara a implantação do projeto.

Por conta dessa situação, na passagem de 2007 para 2008, oINCRA nacional criou uma comissão para avaliar a situação. O

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Ministério Público Federal indicou que o INCRA não temcompetência para deferir ou indeferir a desafetação de áreas deinteresse da Vale.

Conforme a assessoria da CPT, as tensões sobre os territóriosde interesse da mineração ou para as obras de infraestrutura estãoconfigurando as principais demandas da instituição. Desde 2007 aCPT tem acompanhado a questão. No caso de Ourilândia do Norte,um acordo entre as partes envolvidas vai garantir o reassentamentode 20 famílias afetadas. Conforme o acerto, a Vale fica obrigada aconstruir casas, estradas vicinais, escolas, cemitérios e outrasinfraestruturas.

A mineradora deve investir pelo menos 16 milhões. A metadedo recurso será administrada por um fundo coletivo. E a outra metadedistribuída entre as famílias. Para a assessoria jurídica trata-se de umagrande vitória, posto a resistência da Vale para sentar à mesa quandodo início da mobilização dos trabalhadores rurais.Canaã dos Carajás - o município integra a área de atuação da Vale.Se na bíblia a terra, onde correria leite e mel em abundância, seria aprometida para o povo de Deus, tal profecia soa mais coerente paraos interesses da megacorporação, no caso do Pará.

Canaã dos Carajás, Foto: Rogério Almeida

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A cidade nasceu como projeto de assentamento agrícola nadécada de 1980, quando da implantação do projeto Grande Carajás.No ano da privatização da Vale, 1997, o distrito foi emancipado dacidade de Parauapebas, que abriga a mina de ferro de Carajás.

A inquietação de militantes populares recai sobre o dia seguinteapós o encerramento da extração mineral. A lógica do saque dasriquezas naturais continua a mesma desde os tempos coloniais, avaliam.

O cobre é extraído da mina do Sossego. A estimativa deexploração do projeto é de duas décadas. Ele já soma seis anos. Porano, a Vale extrai dois milhões de toneladas. Calcula-se que a minatenha 244,7 milhões de toneladas de minério de cobre. A Vale investiu1,2 bilhão de reais.

Devastação do meio ambiente por conta de transbordamentode tanques de rejeitos do processo de extração do minério, assédioda Vale e da empresa terceirizada. Diagonal sobre camponesesassentados para a aquisição de lotes, problema de abastecimento deágua, violência, não democratização da informação são algumas dasquestões levantadas por algumas das associações ligadas ao Sindicatodos Trabalhadores Rurais (STR) no município de Canaã dos Carajás,no sudeste do Pará.

O CEPASP e a CPT assessoram as representações camponesasno processo de organização de dados e debates sobre a mineração naregião. Além das situações citadas acima, uma questão consideradagrave é a do abastecimento de água. Em suas propagandas e artigossobre responsabilidade social, a Vale informa que efetivou osaneamento e o abastecimento de água da cidade. No entanto, osdepoimentos de pessoas indicam o contrário.

Dirigentes de associações informam que além da má qualidade daágua, há problemas de abastecimento. E tem ainda a tarifa do serviçocobrado pela prefeitura, que chega às vezes a taxas de R$ 400,00. Comrelação à compra de lotes de pessoas assentadas, há uma estimativa quea Vale tenha adquirido pelo menos 124 lotes em áreas de interesse paraa exploração de minério ou para a construção de infraestrutura. OMinistério Público Federal (MPF) já foi acionado.

Faz cinco anos que a empresa explora cobre no município. É depraxe quando da efetivação desse tipo de projeto a especulação domercado de terras no campo e na cidade, aumento do preço da terra eda locação e venda de imóvel e elevação dos preços de diárias em hotéis.

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Elevação da taxa de migração, alcoolismo, prostituição e uso dedrogas são passivos sociais que resultam da implantação de grandesprojetos na região. Tais empreendimentos são considerados comoenclaves, transferem riquezas para outros locais.

As relações de solidariedade e companheirismo entre as pessoasque moram no local também são afetadas. A “terra prometida” ficacravada no vale com vários platôs a serem explorados pela empresa.

A estrada para se alcançar Canaã é sinuosa. Mas, bempavimentada. No percurso atravessamos algumas fazendas eocupações. A extração do minério e a pecuária conformam aeconomia local. Nos municípios onde tais projetos são instalados écomum a elevação do Produto Interno Bruto (PIB) e da renda percapita, em contrapartida, o Índice de Desenvolvimento Humano(IDH) e demais, costumam ser os piores.

O nome da mina de cobre soa como uma ironia, Sossego. Elapassa a batizar empreendimentos na cidade. Apesar de inúmerosalertas nos mais diferentes níveis, as queimadas ainda fazem parteda realidade local.

Uma delicada situação fundiária, disputa pelo controle doterritório, posse e uso das riquezas locais, modelo de projeto dedesenvolvimento e papel do Estado constam como elementos de

José de Ribamar, presidente do STR de Canaã (boné claro – ao fundo) e RaimundoGomes, sociólogo do Cepasp (boné escuro – 1º plano) discutem sobre as áreas de tensãona mineração da Vale - STR de Canaã, Foto: Rogério Almeida

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pano de fundo sobre a região, que conecta o local ao global porconta do extrativismo mineral.

No caso de Canaã a tensão recai sobre a Vila de Mozartinópolis,localmente tratada de Rachaplaca. 80 famílias de médias e pequenaspropriedades estão envolvidas na disputa pelo território de interesseda Vale. Desse total, a maioria é de baixa renda. A vila não tem umarepresentação política que aglutine os interesses das famílias afetadas.O STR em associação com a CPT e o Cepasp realizam a mediaçãoentre os interesses das famílias e a mineradora. Mas há o elementoreligioso bem significativo. Há casos que em projetos deassentamento chegam a ter mais de três templos evangélicos.

Já ocorreu uma primeira no dia 09 de julho. Agora asorganizações deverão apresentar uma proposta de reassentamentodas famílias. Batista Afonso, advogado da CPT, reflete que a terrafoi conquistada com muita luta. Peleja que durou mais de duasdécadas, e que é marcada por grandes enfrentamentos compistoleiros, Estado e fazendeiros. E que não é justo a renúncia nemmesmo de um palmo de chão.

A garantia de reassentamento das famílias com as mesmascondições e infraestrutura tem orientado a reivindicação dasorganizações populares. Afonso sublinha que a maioria é pobre. Eque a pauta principal reside na efetivação das mesmas condições dereprodução econômica, política e social encontrada pela mineradora.

O advogado explica ainda, que outro ponto de tensão entre aVale e os camponeses recai no município de Marabá por conta daALPA. Conforme informações do agente pastoral, a CPT conseguiureverter a desapropriação de 41 famílias do projeto de assentamentoBelo Vale. A localização do projeto de assentamento é consideradaótima para o escoamento da produção, próximo à Transamazônica.

Conforme dados sistematizados pela prestadora de assistênciatécnica rural, Coopserviços, o assentamento chega a faturar por ano,um milhão e duzentos mil reais numa produção volumosa ediversificada. A produção envolve frutas, hortaliças, pequenosanimais, mel, gado, leite e artesanato. Os projetos de assentamentosrurais representam hoje, cerca de 52% do território do sul e sudestedo Pará e aglutinam perto de 80 mil famílias em um número deprojetos de assentamento que beira a casa dos 500.

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03ª Parte

Belém - a cidade

1 - Coletivo Rádio cipó: a inquietação culturalna quebrada da Amazônia

2 - Bosque Rodrigues Alves,o Jardim Botânico da Amazônia: 120 anos e História

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1 - Coletivo Rádio Cipó- A inquietação cultural nas quebradasda Amazônia18

Há cidades na Amazônia. Ao contrário da perspectiva exuberantedos que percebem a região. Uma delas, Belém, soma mais de ummilhão e meio de habitantes, cresce de costas para o rio. A cidadeque é quase uma ilha coleciona favelas. Os espigões proliferam portoda parte, como o mercado informal. O cimento sufoca furos,igarapés e rios em Santa Maria do Grão do Pará, nome de batismoda capital paraense.

Não há emprego para todos. A cidade é para todos?Os condomínios, verticais ou não, despontam como signos da

tragédia social que conforma o país. A cidade se avoluma descobertade saneamento básico, desprovida de transporte coletivo digno, sobum calor escaldante, sufocada em engarrafamentos.

Ela é negra, índia, branca e mestiça. Inóspita para a maioria dosfilhos seus. Nela os canais proliferam, assim como as gangues e avenda de balas e picolés e a mendicância nos coletivos. É a maisbarulhenta da nação.

A informalidade integra a paisagem. Há vendedores de inúmerosprodutos: picolé, água, água de côco e o que for possívelcomercializar. À noite a fumaça dos churrasquinhos nubla algunspontos da cidade. Em várias vicinais o corpo é comercializado. Tudoparece banal.

A polícia é a presença mais constante do Estado nas baixadas,numa dessas, à Rua Álvaro Adolfo, no bairro da Pedreira, renomadopela sua boemia, abrigo de inúmeras manifestações popularesgerminou o Coletivo Rádio Cipó. O balaio de animação cultural agrupagente jovem e outros não tão jovens assim. A rua que é consideradaceleiro de artistas, abriga uma série de grupos de carimbó.

18 Trabalho publicado originalmente na edição comemorativa de 30 anos do JornalResistência, da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH), emoutubro de 2008 e posteriormente no site Overmundo.

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Lá Ruy Montalvão e Carlinhos Vas encontraram D. Onete. Aprofessora aposentada é compositora e cantora, venceu vários festivaisde carimbó no estado. Mestre Bereco é outro carimbozeiro do grupo,que ainda tem o mais veterano roqueiro do Brasil, mestre Laurentino,82 anos de praia.

O Coletivo se autodefine como um núcleo de produção de mídiasonora aliado à tecnologia de áudio digital caseira na produção depesquisas sonoras experimentais com o objetivo de divulgar essaprodução para o Brasil e no exterior. Dão seiva ao grupo MC RatoBoy(vocal), MC Jamant (vocal), Renato Chalu (guitarra), Jarede das Arabias(baixo e guitarra) e Luís Bolla (percussões), Carlinhos Vas, Mestre Laurentinoe Dona Onete.

Primeiros passosO vocalista Ruy Montalvão, “RatoBoy”, explica que a gênese

de tudo se encontra no fim da década de 1990, quando o mesmomilitava na banda autoral Manga Beso, ao lado de outros músicoscomo Carlinhos Vas, Vlad Cunha, Bernardo e Márcio Maués.

“Fervilhava o festival “Rock das 6h” na cidade e a banda iria seapresentar pela primeira vez num palco com estrutura. Ná Figueredo,conhecido animador cultural em Belém, nos chamou e pediu paraque um senhor, mestre Laurentino, abrisse o show da banda. Apelouque o coroa fazia um som bacana na gaita harmônica. O grupo topoue seu Laurentino caiu na graça de todos”, recorda Montalvão.

Se é necessário sorte na vida e estar num lugar certo e na horacerta, seu Laurentino foi laureado por ela. Hermano Vianna, doutorem antropologia, pesquisador na área de música e coordenador dosite Overmundo, se encontrava no espetáculo. O irmão do HerbertVianna, vocalista da banda Paralamas do Sucesso, observava o show.O intento do pesquisador era garimpar artistas locais para integrar ainiciativa Música do Brasil, e convidou Laurentino para o projeto.Foi a janela para o mestre ser conhecido em território nacional.

Após a experiência, cada membro da banda tomou um rumo,voltando a se encontrar tempos depois motivados pela aprovação deum projeto com incentivo de lei municipal, Tó Teixeira. “Foi aí quefui morar com o Vas na Álvaro Adolfo, após uma temporada em SãoPaulo. Fizemos a experiência de uma rádio popular de poste. A gentetocava além da música do grupo a do pessoal local. A experiência

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durou até o chefe de uma gangue solicitar o fim da rádio, pois estavaprejudicando os interesses da emissora dele”, lembra Montalvão.

Coletivo Rádio Cipó\Divulgação

O som do Coletivo mescla a musicalidade regional com batidaseletrônicas. Soa hip hop desprovido de chatice e repetição. Asonoridade que nasceu na quebrada amazônica com ensaiosrealizados nas ruas do próprio bairro já ganhou o país. A via foi adivulgação através da rede mundial de computadores tanto das faixasdo primeiro CD, Formigando na calçada do Brasil, lançado este anopelo selo Ná Records, como através de videoclipes.

Outra possibilidade de visibilidade do trabalho do grupo é aparticipação em festivais considerados alternativos que pipocam emtodo o país. Tais festivais soam como uma afirmação que se podeproduzir sem a mediação de grandes corporações do mercadofonográfico. A cada dia mais esquálido. Assim o grupo já foi aclamadoem São Paulo, Rio de Janeiro Goiás, Pernambuco e Brasília.

As músicas da Rádio Cipó impregnadas da influência do rock,dubby e ragga muffy estão postadas no site da gravadora Trama emantém o próprio site, www.coletivoradiocipo.org. O projeto maisambicioso do Coletivo é a produção do registro da obra do mestreLaurentino em várias mídias: DVD, CD e livro.

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Mestre Laurentino – o neto de escravos que virou pop depoisdos 70 anos

Encontramos João Laurentino da Silva, mais conhecido nomundo pop como mestre Laurentino, numa manhã ensolarada desetembro na Praça da República. O neto de escravos veio ao mundono dia primeiro de janeiro de 1926, no município de Ponta de Pedras,arquipélago do Marajó, terra de nascimento do escritor DalcídioJurandir. Aos quatro anos foi adotado pelo juiz de direito Franciscodas Costa Palmeira. Não tem mais irmãos vivos e depois de adotadonão manteve mais contato com os pais biológicos.

Estudou até a quintasérie. Trabalhou comotécnico de manutenção deaviões na extinta empresaReal Aerovias, que existiuentre 1946 a 1961. O autordo hit Lourinha Americana,que tira um sarro dopedantismo estadunidense,também passou pela roça epela exploração da madeira.“A música é sucessointernacional. Já recebicomentários da Itália,Portugal, França, Alemanha

e até do próprio Estados Unidos”, fala com orgulho o serelepe senhorde 82 anos.

A música foi gravada pela banda pernambucana Mundo LivreS/A, no CD Por pouco. Num trecho a canção dispara: Essa lourinhaamericana (lourinha americana)/Está querendo me escolachar/Foi dizendoque eu sou neguinho (bem neguinho)/E que na América eu não posso entrar.

O aposentado que recebe um salário mínimo por mês refleteque o mundo se encontra cheio de bandalheira e que não gosta delari-lari. Humilde, apesar da popularidade, considera-se pequeno,menor que um grão de mostarda. Laurentino tem memóriaprodigiosa. Lembra de fatos históricos e políticos antigos. Comouma eleição do tempo do interventor Magalhães Barata, quando eracomum se emprenhar urnas.

Capa do primeiro CD

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O mestre em detalhesO mestre mora na ilha do Outeiro, região metropolitana de

Belém, com Elza Freire da Silva, com quem teve 10 filhos. Mas,somando com outros relacionamentos Laurentino contabiliza o totalde 16 rebentos. Além da companheira Elza o compositor que guardaas canções que faz na cachola, tem como xodós dona Maria Josefina,acreana descendente de europeus e a dona Leonice dos Santos.Segundo o mestre, ele ainda confere o placar em noites chuvosas.

Mestre Laurentino, Foto: Rosa Rocha

Por cinco mil réis comprou aprimeira gaita aos 18 anos. Desdemenino manifestou interesse pormúsica. Passou por incontáveisprogramas de auditórios nas emissorasde rádio e TV´s locais. Narraaventuras do tempo da PRC-5, atualRádio Clube. O hoje celebrizadomestre já foi homenageado pelacâmara municipal de Ponta de Pedrase em Belém.

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Recentemente recebeu um incentivo da governadora Ana Júliapara a construção de uma escolinha e aquisição de instrumentospara a sua banda de rock. “Não esquece de colocar isso” exige oartista que no CD, que deve ser lançado ainda este ano, versa sobrea disputa eleitoral estadunidense.

Mestre Laurentino só toma vinho e há oito anos abandonou ocigarro. Adora andar e contar causos. Diz ele que chega a percorreraté 14 km quando visita o município de São Caetano de Odivelas,onde tem uma terrinha. Sem modéstia afirma que aonde chegaesbandalha tudo.

“Tomo conta”, afirma o roqueiro mais antigo do Brasil. Entreas aventuras das múltiplas viagens ele conta que no festival de Goiâniaos “malucos” o apanharam do palco e o jogaram para o alto. Caiuem cima da caixa de som e quebrou os óculos.

Na manhã que comungamos nota-se a preocupação e amor domestre pela natureza. Em certo momento da conversa ele interrompee aponta a brincadeira de um par de passarinhos. “Coisa linda,”exclama. Além da coleção de chapéus, relógios e anéis, - as mãossempre estão repletas deles-, o mestre coleciona cães, são mais de14, afirma. Tirando o som com a batida das mãos ele cantarola váriascanções do primeiro CD solo, em fase de produção. Numa delasfilosofa: “No galho de nossas fantasias cada um tem a sua aranha”.

Mestre Laurentino, Foto: Rosa Rocha

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2 - Bosque Rodrigues Alves, O Jardim Botânico Da Amazônia.120 Anos De História19

A fé e o rio conduzem Santa Maria de Belém do Grão-Pará, onome oficial da capital do Pará, Belém. A cidade foi erguida porportugueses na foz do rio Amazonas em 12 de janeiro de 1616, naterra dos índios Tupinambás. Francisco Caldeira Castelo Brancocomandava a expedição dos colonizadores, conta a história oficial.Aqui todo mês de outubro uma população estimada em 1,5 milhãode pessoas se reúnem para celebrar a Virgem no Círio de Nazaré, aprincipal manifestação religiosa do estado.

19 Trabalho publicado originalmente na Revista Ecologia e Desenvolvimento, Rio deJaneiro, n. 108, 2003.

Fachada do Bosque, Foto: Rogério Almeida

Belém é quase uma ilha. Dos 505.823 km2, 332.037 km2 é regiãoinsular (65,64%), formada por 43 ilhas. Sob um clima quente úmido,numa temperatura média de 30º C, é o comércio que faz cidade semover economicamente. A hidrografia é rica, baías, rios igarapés,furos. Tanto em sua parte continental quanta na insular. Baía doGuajará, baía do Marajó, baía de Santo Antônio, baía do Sol, rioGuamá, rio Murubira, rio Mari-Mari, igarapé do Tucunduba sãoalguns dos recursos que compõem a península.

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Aqui, lendas e histórias pulsam na mesma intensidade: Curupira,Boiúna, Boto, Matinta Pereira, Vitória Régia, Mapinguari figuramcomo alguns dos mitos amazônicos. A Revolução Cabanagemerguida e coordenada por populares entre 1835/1840, onde 30 milpessoas morreram soa como orgulho. Em Belém o ciclo da borracha,o que ficou conhecido como Belle-Époque, segunda metade do séculoXIX, ergue na Amazônia teatros, parques e palácios de fina estampa.A Europa era o espelho do modelo de urbanismo.

A memória histórica do BosqueÉ no ápice do extrativismo da borracha que surge o Bosque

Rodrigues Alves, o Jardim Botânico da Amazônia. Nasce no bojodo processo de modernização da urbanização da cidade. A Europarespirava a Revolução Industrial. No Brasil vivia-se o ocaso daMonarquia e o surgimento da República. O capital gerado pelaexploração da borracha colaborava para tornar Belém a “Paris dosTrópicos”. Teatro da Paz, Palacete Bolonha, Praça da República, PraçaBatista Campos, Mercado de Ferro do Ver-o-Peso, hoje monumentoshistóricos despontavam na floresta como signos da elite local.

Duas datas se confundem para definir a criação do BosqueRodrigues Alves. A primeira defende que o logradouro nasceoficialmente, segundo documento do Departamento de ExtensãoCultural do Bosque, em 1870, através de decreto do 4º vice-presidente da província do Grão-Pará, Abel Graça, uma espécie device-governador.

Foto: Rogério Almeida

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A segunda data, a mais aceita, confere ao senhor João DiogoClemente Malcher, então presidente da Câmara Municipal, numasessão de 25 de agosto de 1883, a criação do espaço de lazer dos ricosque surgiam com o lucro da exportação do látex. A iniciativa teriapartido do senhor José Coelho Gama Abreu, o Barão de Marajó,um geógrafo da Amazônia, intendente de Belém, espécie de prefeitoda cidade (1879/1881).

A memória do Bosque narra que a inspiração teria sido o “Boisde Boulogne”, de Paris. Bosque Municipal do Marco da Légua, umareferência ao limite da cidade, é o primeiro nome do Bosque. Avalorização dos elementos da natureza como o ar, a luz e a águaserviam como ideário de qualidade de vida, progresso e higiene.

A história do Bosque Rodrigues Alves é marcada por váriasreformas. A mais importante é creditada ao senhor Antônio Lemos,intendente da província entre 1897/1912. O intendente teve papeldefinitivo para definição da urbanística de Belém. Em 1900 Lemosdecide pela realização de uma grande reforma do Bosque.

A mesma dura três anos. Monumentos como grutas, riachos,cascatas, viveiros, definição espacial de hoje foram realizadas porLemos. Eduardo Hass, diretor do Bosque e o arquiteto José CastroFigueiredo foram os responsáveis pela empreitada.

Erguido em frente à ferrovia Belém-Bragança, que ligava a capitalao interior, o Bosque Rodrigues Alves ganha seu nome definitivoem 17 de dezembro de 1906, através de uma resolução do ConselhoMunicipal. O nome é uma homenagem ao correligionário de Lemos,o então Presidente da República do Brasil, Francisco de PaulaRodrigues Alves.

O Bosque por dentroUm pedaço da Amazônia nativa de terra firme no centro nervoso

da cidade de Belém. O portão principal do Bosque fica em frente àAvenida Almirante Barroso, uma das principais da cidade, que ligaalguns bairros da periferia ao centro. O tráfego de carros é intenso.

Os 15 hectares do Rodrigues Alves, 150 mil metros quadrados,tomam um quarteirão inteiro do bairro do Marco. O Bosque é comoum pulmão no meio da urbe. Passear pelo Bosque é fazer umaviagem pela história de Belém. Além do fragmento da floresta nativa,pode-se verificar a presença de vários monumentos históricos do

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áureo período da borracha.Na flora encontramos 4.987 árvores de 50 famílias, 194 gêneros

e 309 espécies que foram catalogadas pela equipe técnica de flora doBosque em parceria com a Empresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa), através do Laboratório de SementesFlorestais, com coordenação da doutora Noemir Viana, e oLaboratório de Botânica, através da doutora Regina Célia, e aUniversidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), num censorealizado entre setembro 1998 e junho de 1999. Para efeito decatalogação foram consideradas as árvores a partir de 10 cm dediâmetro. Do conjunto levantado cerca de 2.000 são consideradascomo jovens.

O tombamento de árvores no logradouro era um problema aser superado. Para tanto se fazia necessário conhecer a diversidadeda floresta e classificá-la. O Censo concluiu que existem 333 árvorespor hectare. Flávio Contente, engenheiro florestal, coordenador deflora do Bosque, explica que tais dados são de grande importância,considerando que estamos falando da principal metrópole daAmazônia. O trabalho contribuiu ainda para se conhecer a saúde daflora e se planejar uma intervenção visando administrar otombamento das árvores, que despontava como uma ameaça aosvisitantes do Jardim Botânico.

O censo verificou que 94% da flora do Bosque é composta de

Interior do Bosque, Foto: Rogério Almeida

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árvores nativas da Amazônia. Outro aspecto que o censo levantou éque a floresta está num estágio de regeneração, o que significa dizerque há várias árvores consideradas novas. Entre os 6% da floraconsiderada exótica são encontrados bambus, palmeira imperial,mangueira, palmeira rabo de peixe e tamarindo.

O fragmento de floresta está dividido em quatro quadrantes eem 112 canteiros. Após o censo da flora, depois da medição da alturae diâmetro, cada árvore ganhou uma placa de identidade. Todos os

Interior do Bosque, Foto: Rogério Almeida

dados levantados estão informatizados no programa Autocad, o quepermite a localização de cada árvore.

Entre as árvores do Bosque Rodrigues Alves existe a cumaru,típica da Amazônia. A cumaru produz, em sua semente, a substânciacumarina, usada pelas indústrias de cosméticos como fixador deperfumes. Atualmente a patente pertence a multinacional decosméticos Chanel. A cumarina também é usada na medicina parao controle da arritmia cardíaca.

Outra informação destacada no censo é a presença de 16 árvoresde maçaranduba. Além de muito resistente só começa a produzirpor volta de 300 anos de vida, quando alcança a idade adulta. Tamatáé a árvore mais importante do Bosque em índices de fitosociologia(classificação por família, gênero, espécie). Acapu americana, espécieem vias de extinção, que exige condições especiais para a suareprodução consta na flora no Bosque.

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Outra árvore relevante no acervo é a andiroba, usada em váriasáreas da medicina alternativa. A árvore que possibilitou a geração deriqueza do Pará, a seringueira, está catalogada na flora do RodriguesAlves. Paricá, marupá e açaí são outras espécies verificadas.

Os bichos do Bosque

O censo para identificar os bichos do bosque ainda está emandamento. É o que explica Jairo Moura, veterinário do Bosque.Do que já foi realizado da fauna livre chegou-se ao diagnóstico que65% é composta de mamíferos, 21% de aves, 12% de répteis e 02%de anfíbios. Além de Moura, uma bióloga, três estagiários e doistratadores de animais completam a equipe que cuida da fauna.

Entre os mamíferos são encontradas cutias, vistas facilmentequando se faz a trilha ecológica para os visitantes. Pacas, preguiçareal, macaco de cheiro, morcegos, tatu, são outros animaisencontrados. Entre esses animais, o morcego tem papel fundamentalpara a manutenção da floresta, destaca Moura. O veterinário explicaque pelo menos 500 espécies de árvores dependem da ação domorcego para a sua reprodução. Das 150 espécies de morcegosexistentes do Brasil, 11 foram catalogadas no Rodrigues Alves. Otrabalho foi realizado em parceria com a Universidade Estadual deSão Paulo (UNESP), campus de Botucatu, através do Departamentode Zoologia.

Foto: Rogério Almeida

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O morcego é considerado o formador de florestas, fala comentusiasmo Moura. “Quando fazemos as trilhas com os estudantes,trabalhamos a desmistificação que é dada comumente a esse animal.O morcego defeca de 12 em 12 minutos, onde expele pelo menosseis mil sementes por noite”, explica o veterinário. Sabiá, periquito,papagaio são algumas aves que fazem uso da floresta. Entre os répteispodemos encontrar a jibóia e o camaleão. Além de uma infinidade deinsetos.

Apesar de o carro chefe ser a floresta, o Rodrigues Alves mantémum acervo de animais da Amazônia em cativeiro. Entre eles umaquantidade de quelônios (tracajá, muçuã, tartaruga, perenas, jabuti),araras, papagaios, e a ararajuba, espécie ameaçada de extinção, são asaves mantidas pelo Bosque. Que mantém ainda macaco prego, e ospeixes tambaqui, pirarucu e o poraquê, conhecido como peixe elétrico.Jacarés e o mamífero peixe boi podem ser vistos no lago do Bosque.

Monumentos do BosqueChalé de ferro - é uma estrutura pré-fabricada de ferro com 378m2 , de origem belga, construído entre os anos de 1892/1900 paraservir de residência para os ricos empresários do látex. É um dostrês existentes em Belém. O segundo encontra-se no campus doGuamá da Universidade Federal do Pará (UFPA), o terceirodesmontado e com paradeiro ignorado. A sua origem é a SocieteAnonyme des Foges d´Aiseau, da cidade de Aiseau, Bélgica. O sistemade construção foi patenteado em 1885 por Josef Danly. O chalé étombado pelos patrimônios histórico municipal, estadual e nacional.O prédio integra o acervo da arquitetura do ferro, significativo nahistória de Belém, conhecida como a cidade das mangueiras.

O chalé pertencia à Sociedade Beneficente Portuguesa, foiremontado no Bosque em 1985, trabalho que tomou de seis a setemeses. A construção do prédio foi idealizada para o clima da região.Algo que facilitasse a circulação do vento e fosse resistente àsintempéries do clima amazônico. Atualmente o prédio abriga o Setorde Extensão Cultural do Bosque, a Coordenação de ArticulaçãoEducacional e Comunicação Social, uma exposição permanente dacoleção didático-científico de fauna e flora.

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A última reforma do chalé custou R$ 50 mil, teve apoio daPetrobrás, durou três meses. É um dos seis projetos apoiados pelaempresa. A reforma foi pensada para melhor atender os visitantes.O prédio recebeu nova pintura, reparos na cobertura e na estruturade madeira, além de tratamento anticorrosivo na estrutura de ferro.Ainda como parte integrante da arquitetura de ferro no RodriguesAlves existe coretos e viveiros para aves.

Chalé de Ferro, Foto: Rogério Almeida

Chalé de Ferro, Foto: Rogério Almeida

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O Monumento aos Intendentes – revela a não nova preocupaçãodos políticos com o culto à própria imagem. O monumento ficabem no meio do Bosque. Inaugurado em 1906 numa homenagemao congresso de intendentes de todo Pará e caciques do PartidoRepublicano realizado em 1903. O grande objetivo residia emgarantir na reforma constitucional do Estado a reeleição dogovernador Augusto Montenegro.

O projeto do monumento é de autoria do senhor Maurice Blaise,um professor da Escola Normal do Pará, fruto de concursointernacional onde competiram artistas sul-americanos e europeus.A matriz inspiradora seria a Fonte de Médicis do parque do Paláciode Luxemburgo de Paris. No monumento constam os bustos deAugusto Montenegro e Antônio Lemos.

Monumento aos Intendentes, Foto: Rogério Almeida

Homenagem aos naturalistas - dois medalhões de bronze foraminaugurados em 1939 no Bosque Rodrigues Alves. Um dedicado aonaturalista João Barbosa Rodrigues, um dos mais importantesnaturalistas do Brasil. Tem trabalhos nos ramos de botânica,etnografia e arqueologia. Como estudioso da Amazônia, percorreuem 1874 os rios Tapajós, Urubu, Jatapu, Ualumã, Jamundá,Trombetas e Capim. Em 85 volumes registrou informações sobreindígenas, materiais sobre a pedra polida, geografia, trabalho sobre apororoca no rio Capim. O outro naturalista e botânico homenageadoé Gerg Hubner.

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Os mitos amazônicos -estátuas do Curupira e doMapinguari, protetores dafloresta, estão localizadas naprimeira clareira do Bosque. Asentidades mitológicas fazemparte do imaginário daAmazônia. O Curupira é a Mãedo Mato, apesar do uso doartigo masculino. É descritocomo um ser de estaturapequena, traços de índio, e quepossui os pés virados para trás.À entidade é conferido o domda invisibilidade. Conta a lendaque o Curupira protege afloresta dos seus inimigosdeixando-os sem rumo. Haja Curupira para tanta devastação.

Um ser de grande porte, feições de macaco, só que com umúnico olho cravado no meio da testa e dono de uma grande boca,que se estende até a barriga na direção do umbigo. Assim é a descriçãodo Mapinguari. Alguns nativos narram que o Mapinguari tem ospés no formato de uma mão de pilão. A lenda narra que a entidadesó anda pela mata durante o dia. E que só apareceria em dias santose feriados. Ainda como parte da lenda, há pessoas que acham que oMapinguari é um índio que alcançou uma idade avançada e virouum monstro.

O Jardim Botânico da AmazôniaO Bosque Rodrigues Alves ganhou o status de Jardim Botânico

da Amazônia em 2002, em Recife, Pernambuco, durante a 11ªreunião da Comissão Nacional de Jardins Botânicos, com base naresolução 266 do Conselho Nacional de Meio Ambiente(CONAMA). Agora o logradouro passa a integrar a Botanic GardensConservation Internacional (BGCI), rede mundial com 1.846 jardinsem 148 países. O certificado foi entregue em cerimônia pelapassagem dos 119 anos do Rodrigues Alves pelo presidente da RedeBrasileira de Jardins Botânicos, Sérgio Bruni.

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A elevação do Bosque Rodrigues Alves à categoria de JardimBotânico é o fato mais importante da memória recente dologradouro. Tal fato descortina uma terceira fase na história doBosque, depois de sua inauguração e a reforma realizada pelointendente Antônio Lemos, explica Flávio Contente.

Com o novo status, o Bosque espera facilidade para a captaçãode recursos em nível nacional e internacional para desenvolvimentode projetos. A construção de uma biblioteca no Chalé de Ferro, umacoleção especial de plantas e o apoio dos parques ecológicos de Beléme Mosqueiro, distrito de Belém, são projetos agendados pelacoordenação do Rodrigues Alves Bosque.

Com a elevação do Bosque à categoria de Jardim Botânico,passamos a integrar uma rede nacional de jardins botânicos e outrainternacional. Devemos entender que o horizonte do Bosque agorasegue uma diretriz estabelecida pela Rede Brasileira de JardinsBotânicos, ressalta Contente. Conservação da biodiversidade,capacitação de pessoal, trabalho em educação ambiental e pesquisasestão em desenvolvimento.

Agora o Rodrigues Alves passa a ser uma área protegida, onde oacervo da flora cientificamente já reconhecido e identificado atravésdo censo terá como finalidade o estudo, a pesquisa e a documentaçãoda flora do país. Entre as atividades a serem desenvolvidas comodiretrizes dos jardins botânicos constam o desenvolvimento depesquisa, o intercâmbio científico, a manutenção da biodiversidade,a organização de biblioteca e o desenvolvimento de programa deeducação ambiental.

Alguns projetos desenvolvidos pelo BosqueSOS Ararajuba - um casal de ararajubas no mercado negro podecustar até US$20 mil. Na Amazônia estima-se que existam cerca de2.500. Na lista dos animais em vias de extinção, a ararajuba pertenceà família dos Psitacídeos, atinge um tamanho de 34 centímetros. Areprodução da ave é anual, uma média de dois a oito ovos, onde80% dos filhotes conseguem sobreviver. A ararajuba é muitoconhecida no exterior, chegou a valer até dois escravos no séculoXVI. Tem a coloração amarela e as pontas das asas verdes. A SociedadeBrasileira de Ornitologia defende no Congresso Nacional, atravésde projeto-lei, que a ave se torne símbolo do Brasil.

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No projeto de assentamento (PA) José Pinheiro, localizadopróximo de Marabá, sudeste do Pará, na Transamazônica, criado hádois anos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária(INCRA), verifica-se uma boa incidência da ararajuba. É lá que aequipe de fauna do Rodrigues Alves deu o pontapé inicial do ProjetoSOS Ararajuba. O projeto reúne como parceiros as 40 famílias doPA, Petrobrás, Ibama, Batalhão de Policiamento Ambiental e oMuseu Emílio Goeldi, que também possui o status de JardimBotânico.

Por conta das limitações de sobrevivência no PA, 30% da proteínaanimal consumida pelas famílias é proveniente da caça. Após umcurso sobre educação ambiental, as famílias estão recebendo animaisde pequeno porte para a manutenção da taxa de proteína animal, eevitar a caça. O projeto iniciado em julho do ano passado está orçadoem 70 mil reais.

O próximo passo do projeto é um trabalho nas feiras livres deBelém em parceria com a Secretaria Municipal de Economia(SECON), pra evitar o tráfico de animais silvestres nas feiras da 25de Setembro, Terra Firme e Ver-o-Peso. O trabalho terá como motea educação ambiental.Na trilha da Amazônia - 200 mil pessoas passam pelo RodriguesAlves por ano. A maioria desse público é oriunda de escolas. 12escolas por semana visitam a área. A trilha ecológica é umsubprograma inserido na pauta do Projeto de Educação Ambientaldo Bosque, desempenhando a função de canal de disseminação dasinformações levantadas pelo censo.

O programa possibilita que os visitantes conheçam a história doBosque e os recursos de flora e fauna que ele abriga. Assim se superao horizonte do Bosque ser percebido apenas como espaço de lazer.A ciência e a história são passadas de forma lúdica. Os visitantescom a ajuda de um técnico do Bosque passam a conhecer as árvores,os animais, a importância histórica do Rodrigues Alves, osmonumentos.

Quem desejar passar o dia inteiro na área não terá problemascom a alimentação. Um restaurante com comidas típicas do Paráfunciona todos os dias. Para socorrer a sede tem ainda quiosquesque comercializam sorvetes de frutas da região e água. Para as criançasexiste um pequeno parque. E o visitante que desejar descansar, pode

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sossegar as nádegas num dos bancos de estilo neoclássico com agravação de uma esfinge em cada lado, assentado no início do séculopassado.

Dos 15 hectares de área, seis constam como área reservada. É láa maior densidade de plantas. É nesse canto que a fauna livre podeviver e se reproduzir distante da presença humana. É nesse cantoque as jibóias vivem.Terapias na selva - A Fundação Mokiti Okada é quem anima oprojeto de ginástica para a terceira idade em conjunto com a FundaçãoPapa João XXIII (FUNPAPA), que integra a administração indiretada Prefeitura de Belém. O projeto visa a utilização do RodriguesAlves com ambição de melhorar a qualidade de vida física epsicológica da comunidade.

A Fundação Okada desenvolve as atividades com base na terapiaJohrei incentivada desde 1931 por Mokiti Okada, que consiste nouso das mãos para a canalização da energia vital do universo.Exercícios leves de ginástica e reeducação dos movimentosdenominada Lian Gong são aplicados a um público estimado em100 pessoas desde 2001.A administração – 70 pessoas, lotadas no Departamento de Gestãode Áreas Especiais da Secretaria Municipal do Meio Ambiente deBelém (SEMMA), trabalham para que o Bosque Rodrigues Alves, oJardim Botânico da Amazônia se mantenha sempre limpo e osprojetos saiam do papel. A Guarda Municipal de Belém (GBEL)garante a segurança.120 anos, a festa – Além de uma campanha publicitária para apublicização do aniversário, consta na agenda, a realização de reformaem alguns espaços do Bosque. Na semana dos 120 anos do RodriguesAlves ocorrerá sessão solene na Câmara Municipal de Belém,apresentação dos projetos, apresentações artísticas, distribuição demudas de árvores nativas da Amazônia e sessões de vídeo.

Em 2012 o Ministério Público Federal (MPF) exigiu que oprefeito de Belém, Duciomar Costa (PTB) garantisse quadro técnicopara o zelo da fauna e flora do Bosque. “Dudu”, como é tratado pelospares mais próximos, governa a cidade pela segunda vez. Aadministração é considerada um desastre, nos mais diferentes campos.

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04ª Parte - Entrevistas

1 - A Amazônia sob a análise de Lúcio Flávio Pinto

2 - Amazônia e as novas frentes de expansão mineral e doagronegócio no sul e sudeste do Pará - Entrevista com Batista

Afonso- CPT/Marabá

3 - Extrativismo mineral em Juruti: passivos sociais e ambientais ea peleja dos nativos contra o grande projeto- Entrevista com

Gerdeonor Pereira camponês do oeste do PA

4 - Maranhão: as vísceras do sertão- Entrevista com AntonioGomes (Criolo)- ativista pastoral do oeste do MA

5 - Baixo Amazonas, grandes projetos e as comunidadestradicionais – Entrevista com Irene Pinheiro

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1 - A Amazônia sob a análise de Lúcio Flávio Pinto20

Nosso entrevistado é um homem gentil e de aspecto grave,daquele tipo de repórter investigativo que não se faz mais. Durantetrês horas de conversa, ficou claro porque o jornalista e sociólogoLucio Flavio Pinto, 54 anos, vive há quase duas décadas sob a pressãode vários processos judiciais. O motivo? Escrever em seu JornalPessoal, formato tablóide, com tiragem de 2 mil exemplares, o queninguém mais tem coragem de publicar sobre os principais conflitosda região amazônica, como a grilagem de terra, a exploração ilegal de madeirae a conivência do Judiciário com esses delitos. “Antes o grileiro tinha o seuparceiro no 38. Hoje os grileiros descobriram que o Judiciário, pordesconhecimento, insensibilidade, omissão ou conivência, é oprincipal parceiro do grileiro na Amazônia”.

Ganhador de quatro prêmios Esso, dois da Fenaj (FederaçãoNacional dos Jornalistas Profissionais), e o maior prêmio jornalísticoda Itália (o prêmio Colombe d’Oro per la Pace), percorreu, ao longode 38 anos de profissão, diversas redações como do Estadão, Veja eIsto É, e publicações alternativas, como dos extintos jornais Opiniãoe Movimento. Têm 10 livros publicados, todos sobre a Amazônia.Nesse momento, corre o risco de ser condenado e ir para a cadeia.“Acho interessante que durante o regime militar, fui jornalista por19 anos e só fui processado uma vez. Desde 1992, já foram 15processos, além de mais um na justiça eleitoral. Em pleno regimedemocrático, sinto-me mais perseguido do que na ditadura.”

*Entrevistadores: Rogério Almeida, Guilherme Carvalho eNanani Albino.

Rogério Almeida - Como foi o início de sua carreira?Comecei no jornalismo em 1966, com 16 anos, em A Província

do Pará. Aí fui pro Rio de Janeiro, onde trabalhei no Correio da Manhã.Voltei então para Belém, onde fiquei até janeiro de 1969. Quandofoi baixado o AI-5, eu era editor de A Província do Pará, depois de tersido seu secretário de redação por um período. Resolvi ir para SãoPaulo porque não havia mais condição de trabalho em Belém.

20 Trabalho publicado nas páginas da revista paulistana Caros Amigos em julho de 2004e posteriormente no livro o Jornalismo na linha de tiro autoria do entrevistado no ano de2006.

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Trabalhei no Diário de S. Paulo e no Diário da Noite, que fazia partedos Diários Associados, e participei da edição especial da revista Realidadesobre a Amazônia, que ganhou o Prêmio Esso de Reportagem de1971. Naquela época a edição foi de 450 mil exemplares. Uma ediçãode 400 páginas, toda ela sobre a Amazônia. Uma edição antológica.Trabalhei também na Rádio Eldorado do grupo Mesquita, do Estadão.Depois voltei para Belém, onde fui correspondente do Estadão e daVeja.

Guilherme Carvalho – Quando foi esse regresso?Eu ia e voltava sempre. Nesse período era muito inconstante.

Voltei mesmo em fim de 1971. Fiquei aqui até o fim de 1972, daívoltei para São Paulo, para o jornal O Estado de S. Paulo, onde fiquei17 anos, de 1971 a 1988. Voltei para cá no fim 1974,quando fiqueicomo correspondente. Trabalhei no Opinião, para mim, o maiorjornal alternativo daquela época. Trabalhei ainda no Movimento e noEX. Todas eram publicações alternativas. Em seguida, trabalhei noO Liberal (jornal de maior circulação do Norte do país) e na TVLiberal. Trabalhei na Isto É e no Jornal da República. Aí, em 1987,comecei a fazer o Jornal Pessoal. Antes havia feito o Informe Amazônico,que foi o embrião do Jornal Pessoal. Foram 12 números do InformeAmazônico. Antes, em 1975, havia feito o Bandeira 3, um tablóidesemanal de 18 páginas.

Nanani Albino – Antes de entrar no Jornal Pessoal, gostariade voltar um pouco na sua trajetória. A Amazônia é rica emhistória de intensa migração. Gostaria de saber a história desua família. Qual é o seu movimento familiar?

Minha família é totalmente migratória. Meu avô por parte demãe é português. Meu avô por parte de pai veio da seca do Nordestepara o Acre, depois para o Pará. Por parte de mãe português e acreanoe cearense e acreano por parte de pai.

Nanani Albino – Sempre em Belém ou interior?Santarém. Eu nasci em Santarém e minha mãe também. Eles se

juntaram lá. Depois viemos para cá.Nanani Albino – O que fazia o seu pai?Meu pai era precoce. Começou a trabalhar no Nordeste com

meu avô que era comerciante com oito anos, carregava semente dealgodão. Meu avô voltou para a Amazônia e meu pai dava aula deinglês e era fotógrafo. Foi o primeiro locutor esportivo em Santarém,

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com 14 anos. Fundou o jornal Baixo Amazonas. Depois foi presidenteda Congregação Mariana e secretário do prefeito da cidade. Como oprefeito era muito inibido, era ele quem fazia os discursos, o quelhe rendeu o apelido de “papagaio do prefeito”. Iniciou a primeiracampanha para a industrialização da juta, fibra que havia sido trazidapelos japoneses para o Baixo Amazonas com sementes da Ásia. Comoera muito audacioso, escreveu para Getúlio Vargas e conseguiu umaaudiência com o presidente, no Palácio do Catete, Rio no Janeiro,na época sede do governo.

O presidente liberou a importação das máquinas para aindustrialização da juta. As máquinas vieram da Inglaterra e meu paicomeçou a montar a fábrica. Em 1954, ele foi deputado estadual peloPTB, com a quinta maior votação do Estado. A família o acompanhoupara Belém quando assumiu o cargo. Ele fez carreira como deputadopelo PTB, daí integrou a comissão de planejamento da SPVEA(Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia).

Rogério Almeida - O embrião da SUDAM?Não era o embrião da SUDAM. A SPVEA foi criada em 1953,

por Vargas, substituída pela SUDAM. Ela deveria continuar, masdesapareceu em 1966, no regime militar. Bem, meu pai trabalhouna SPVEA, depois foi prefeito de Santarém, pelo MDB (atualPMDB).

Rogério Almeida - Então o senhor não teve problemaspara estudar, já que era de classe média?

A nossa vida foi um pouco incerta. Depois que meu avô perdeutudo com a seca meu pai ficou pobre e eu estudava em escola pública.Num dado momento, meu pai começou a enriquecer comoempresário e comerciante. Chegou a ter três fábricas, duas delas defibras, a Tecejuta, em Santarém, e a Tecefátima, no município deCapanema, e a de cerâmica Marajó. Nessa época éramos de classemédia alta. Pude ter um bom estudo. Meu maior patrimônio erauma conta corrente em aberto na Livraria Martins. Podia tirar o quequisesse.

Guilherme Carvalho - Quantos irmãos?Somos sete. Seis homens e uma mulher.Guilherme Carvalho – Como foi o episódio que ocorreu

com teu pai durante a ditadura?Naquele tempo, o Pará só tinha 83 municípios. Dos 83, o MDB,

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de oposição, só elegeu dois em Santa Isabel, um pequeno municípioe Santarém, o segundo mais importante município do Estado. Meupai tinha conseguido uma vitória grande sobre a Arena, com umamargem de 65% dos votos. Ele já havia sido “garfado” duas vezes no“mapismo” (a fraude que era praticada quando se fechava a apuraçãodos votos). Então, desde o início ele ficou atravessado. A arena tinhao controle político e ele tentou uma composição com o governadorAlacid Nunes com o pretexto de irregularidades nas contas dele,meu pai foi afastado pela Câmara Municipal, onde era minoria. Tinhaapenas três representantes do total de nove. Afastado, a Câmararesolveu pela sua cassação. Ele entrou na Justiça no município deÓbidos, o juiz era Christo Alves, que veio a ser desembargadordepois. Ele concedeu mandado de segurança para a reintegração domeu pai no cargo. No dia da execução do mandado de segurança,Alacid enviou uma tropa com 150 homens da PM com ordem denão permitir a posse. Papai teve apoio do deputado mais votado daregião, o brigadeiro Haroldo Veloso, que tinha sido líder da revoltasde Jacareacanga e Aragarças contra Juscelino kubistchek e era da alaradical da Aeronáutica embora fosse da Arena. Ele disse que ia liderara passeata para papai reassumir a prefeitura. Quando a passeata saiu,às cinco horas da tarde para a prefeitura, a PM começou a atirar.Morreram três pessoas. Papai teve que fugir e recebeu a coberturado brigadeiro Paulo Vítor, que se deslocou para lá com tropas, aviãoda Aeronáutica. Isso aconteceu em 1968. Ele conseguiu fugir e depoisteve o mandato cassado. Talvez seja o único político cassado duasvezes. Primeiro o mandato e depois os direitos políticos. E Santarémfoi declarada área de Segurança Nacional, não pôde mais eleger seuprefeito.

Rogério Almeida – Como foi a sua saída para o Sudeste.Foi convite de algum meio de comunicação de lá ou umainiciativa sua?

Vi que aqui não dava mais. A imprensa estava acomodada. Fuiprimeiro para o Rio de Janeiro. Parte de minha família morava lá emesmo sem contato nenhum consegui trabalhar no Correio da Manhã.Na última fase de D. Niomar. A gente já começava a ver o início dadecadência do jornal que havia sido o mais importante da República.Por problema de família, voltei para Belém. Fiquei indo e vindo umcerto período. Até que fiquei em Belém por mais tempo e participei

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de uma série de transformações em A Província do Pará. A primeirapágina dessa época era só de telegramas nacionais e internacionais.Fizemos chamadas de primeira página, introduzimos suplementos.Aí veio o AI- 5. Li a íntegra na redação, fim de noite. Vi que nãotinha como ficar mais em Belém.

Rogério Almeida - Do Pará, quem assinou foi o JarbasPassarinho?

Passarinho era o ministro do Pará, autor da célebre frase sobre“jogar fora os escrúpulos da consciência” para poder assinar o AI-5.É a frase mais infeliz de Passarinho. Vi que não tinha chance, que osdonos de jornais iriam aceitar a censura, determinada por viatelefônica, como aceitaram mais tarde. No dia 2 de janeiro de 1969,fui para São Paulo e ainda peguei a decadência dos Diários Associados,que durante um certo período foi um dos mais importantes de SãoPaulo. Chegamos a criar ainda um suplemento de vanguarda aosdomingos. Nesse período o que me interessava era ocosmopolitismo, sociologia cultural e sociologia política. Meu sonhoera passar um tempo fora, sair do Brasil. Estava fazendo mestradode política na USP, com Oliveiros Ferreira. Minha tese era mostrarque às vezes o pensamento conservador pode ser mais modernizadordo que o pensamento de esquerda e analisava os intelectuais dasdécadas de 20 e 30 no Brasil. Fui entrevistar o presidente daAssociação dos Empresários da Amazônia, na antiga sede daFederação das Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, que era noViaduto Maria Paula, o Eduardo Celestino Ribeiro, bandeirantetípico, dono da Cetenco Engenharia. No meio da entrevista, elecomeçou a falar da Amazônia que bandeirantes como ele estavamcriando. Na medida em que ele falava (já havia escrito dois livrossobre isso), entrava em pânico. Dizia para mim mesmo: se eleconseguir fazer isso, a minha Amazônia, na qual nasci e havia vividoa maior parte da minha vida, desaparece. Era o auge da pecuária decorte. Decidi voltar para a Amazônia.

Nanani Albino - Era a contradição de sua tese?Não é contradição. É aplicação histórica. Aquelas tendências

modernizadoras dos anos 20 e 30 se tornaram conservadoras. Avalioque há uma diferença entre conservadorismo e reacionarismo. Meumarco teórico na época era Karl Manheimm. Eu dizia que às vezes areação contra a mudança exerce um papel muito importante de

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oxigenação das idéias. Isso ocorreu com o fim do feudalismo naEuropa. O pensamento dos nobres da oligarquia era mágico. Issofez surgir uma literatura fantástica, muito rica. Eles escapavam darealidade para o mundo da imaginação. Isso é bom para gerarcontrovérsia. Um ambiente mais democrático. Foi isso que ocorreucom os intelectuais de 20 e 30 chamados de direita: Oliveira Vianna,Azevedo Amaral, Lourival Fontes. Todos estão atentos a NelsonWerneck Sodré, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda. Eesquecendo essa vertente, incluindo Gilberto Freyre, que conheciamo Brasil melhor dos que os de esquerda. Os pensadoresconservadores, como Paulo Prado, conheciam muito o Brasil.

Rogério Almeida – E os conservadores de hoje, conhecem?Acho que não conhecem mais.Nanani Albino – O que desconhecem?O brasileiro continua a viver como caranguejo, arranhando o

litoral, para usar a imagem quinhentista. Do ponto de vista dopensamento, a imagem vale até hoje. É sempre o pensamento dolitoral voltado para fora do Brasil. O Brasil não conhece o Brasil. Apenetração para o sertão, a corrida para o Oeste, mais destrói do queconscientiza. A descoberta do Brasil não passa de movimentosespasmódicos e cheios de exotismo. É o descobridor querendo quea paisagem original seja de acordo com a visão do colonizador. Issome levou a desistir da grande imprensa. Houve um momentoimportantíssimo para mim, principalmente entre 1971 e 1979. Quemquiser escrever a história da Amazônia tem que obrigatoriamenteconsultar o jornal O Estado de S. Paulo nesse período. A história daAmazônia desse período está no Estadão. Em nenhum outro lugar ahistória da Amazônia é mais visível. Isso foi um trabalho paulatinode convencimento da direção

Nanani Albino – Isso se deve a quê? Por que você estava lá?Quando fui para o Estadão, não havia um só paraense na redação,

nem de qualquer outra parte da Amazônia. Várias coincidênciasfizeram aproximar-me do dono do jornal, Júlio Mesquita Neto. Emalguns momentos ele precisou de determinadas coisas que forneci,inclusive escrever editorial. Naquela época fiz a “heresia” de entrarna sala do doutor Júlio que ninguém entrava. Não tinha muitorespeito pela sacralidade do “aquário” (ambiente da direção do jornal)do chefe. O Estadão tinha a mácula do Estado Novo, quando o

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governo entrou no Estadão e o administrou. A propósito, o Estadãomelhorou tecnicamente nesse período. A marca do liberalismo doEstadão dessa época era não aceitar censura. A rede de informaçãodo Estadão era bem fraca. Sob a liderança do Raul Martins Bastos,do Departamento de Sucursais e Correspondentes, que naquelaépoca não tinha muita importância, ajudei a fazer a mudança detoda a rede de correspondentes do jornal no país. Havia pessoas quetrabalhavam no jornal fazia muito tempo, e entraram numa rotinaque era pobre para o jornalismo.

Rogério Almeida – Quem veio cobrir a Guerrilha?Nós tínhamos feito o levantamento e faltava apenas a senha,

que viria a ser a ACISO - Ação Cívico Social do Exército, quearrancava dentes da população carente e outras coisas, além de orepórter enviado era tido como de confiança do governo. Os oitoparágrafos iniciais eram dedicados a essa história da ACISO, o restoera só a história da guerrilha, a única que furou a muralha da censurano período. Depois disso, se decidiu que o Estadão ia ser o grandejornal da Amazônia. O plano, aprovado pessoalmente pelo doutorJúlio, era para eu vir para cá e montar a sucursal, a primeira sucursalverdadeiramente regional do jornal. Fizemos uma grande reuniãocom todos os correspondentes da região, e logo acordamos que SãoPaulo não mexeria em nosso texto. A nossa idéia era depurar a visãoexótica da Amazônia. Permitir que a Amazônia verdadeira emergissena grande imprensa.

Rogério Almeida – Como foi a decisão da direção?A gente apresentou o projeto e foi aprovado.Rogério Almeida – Ainda é exótico o olhar da grande

imprensa sobre a Amazônia?Hoje a cobertura da grande imprensa é muito pior do que na

época do regime militar, eles aceitam a Amazônia como o lugar ondeocorrem os fatos insólitos, originais e inéditos. Eles não conseguemfazer uma cobertura sistemática.

Nanani Albino – Quem são “eles”?Toda a grande imprensa. Na época nós tínhamos a sucursal do

Estadão, da Veja, Manchete. Todos os grandes jornais tinhamcorrespondentes.

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Rogério Almeida – Não é contraditório quando aAmazônia é pauta em todo canto do mundo?

É um interesse estandartizado. É o que se quer que seja aAmazônia. Essa é a regra para a Amazônia. Para acompanhar aAmazônia bem, é preciso uma boa estrutura, gente bem paga equalificada. Eles não querem isso. Exemplo disso é KlesterCavalcanti, repórter da Veja. Ele apareceu um dia dizendo que foiseqüestrado, embora o caso nunca tenha sido bem elucidado,provavelmente pelos grileiros de terras. Ele foi retirado de Belémlogo em seguida como se fosse uma operação de guerra. Uma históriacheia de contradição. Dois terços da matéria que saiu em Veja erasobre o seqüestro dele. O que ele escreveu sobre grilagem de terrasnão justificava de jeito nenhum qualquer ato hostil. Era muito menosdo que qualquer um aqui da terra já havia escrito várias vezes. Elesaiu como o Indiana Jones, de volta à metrópole cosmopolita depoisde aventuras na jungle feroz e primitiva.

Guilherme Carvalho – Nesse caso o seu Jornal Pessoalsurge para se contrapor a isso?

Como disse, fiquei 17 anos no Estadão. Existe uma regra que sevocê sobrevive há 15 anos na empresa, você é indemitível, para usar umneologismo. Quando pedi demissão, o doutor Júlio me ligou. Ele sesentia desconfortável, eu vim com um compromisso dele. Pedidemissão porque não acreditava mais que o Estadão pudesse fazer umacobertura decente da Amazônia, como havia feito no passado.

Nanani Albino – O que havia mudado?Tinha mudado o seguinte, vou citar um exemplo: eu estava

fazendo uma cobertura sobre um assunto. No melhor dia a matérianão saiu. Liguei para o editor de São Paulo e perguntei o que estavaacontecendo. Ele falou que havia dado dois dias seguidos deAmazônia e que precisava dar uma matéria de Fortaleza. Vi que oEstadão não voltaria mais a ser o que era. Quando saí, depois de 22anos na grande imprensa, sabia que não tinha volta. Meucompromisso era com a Amazônia. Escrever o que a grande imprensanão escrevia. Eu já tinha iniciado o Jornal Pessoal, em setembro de1987.

Rogério Almeida – Você ainda estava no Liberal?Eu ainda estava em O Liberal. Começou exatamente por causa

da morte de Paulo Fontelles, que foi deputado estadual pelo PMDB

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e advogado que defendia os posseiros no sul do Pará. Ele nãoconseguiu se eleger deputado federal. Seria reeleito fácil se saíssedeputado estadual. Aí ele assumiu o vínculo com o PC do B. Trêsdias antes a gente havia participado de um debate no Instituto LauroSodré, do qual fez parte Luiz Pinguelli, que ficou pouco tempo naEletrobrás, porque ele não tem voto, Lula o demitiu para colocar oSilas Randeau.

Rogério Almeida - Por pressão do PMDB?Da ala conservadora do PMDB e porque o Pinguelli queria

executar o programa do PT para energia. Mas o PT já tinha mudadoe não queria mais o programa de energia.

Rogério Almeida – Pinguelli é a maior autoridade deenergia no Brasil?

Não é a maior, mas digo que é uma grande autoridade érespeitado por todas as pessoas. O que o PT fez com ele foi umacoisa indecente. Decidiu demiti-lo sem que ele nem fosseconsultado. Como fez com o Christovam Buarque. Bem, voltandoao episódio Paulo Fontelles, nós estávamos no debate, Paulo e eu,depois conversamos longamente. Parecia um desabafo dele. Trêsdias depois, quando estava fazendo uma cobertura na Sudam, umcolega que cobria polícia informou que ele havia sido morto. Vi ocorpo dele quando ainda estava no carro. Ele estava no banco docarona. Ainda com o cigarro na mão. Foram três tiros de mestredados na cabeça dele. Morreu na hora, sem a menor possibilidadede reação. Foi no dia 10 de junho de 1987. Uma regra não escrita docrime de encomenda dizia que quem estava em Belém estava a salvo.Era a sede dos poderes institucionais. Agora, no sertão, não; era a leida selva. Em Belém, os pistoleiros respeitavam. O caso do Paulo foio primeiro crime político na região metropolitana de Belém. Eudisse que a gente tinha que impedir que o crime ficasse impune. Sóassim seria possível frear uma escalada, como viria a ocorrer. Noano seguinte, foi morto o advogado João Batista, em pleno exercíciode seu mandato de deputado estadual. Passei três meses investigando.Escrevi uma grande matéria, que veio a ganhar o prêmio da FENAJ,no ano de seu lançamento. Escrevia nessa época a coluna Repórter70, a mais influente do jornal O Liberal, apresentava um programade entrevistas na TV Liberal e tinha minha própria coluna assinadano jornal. Na época do assassinato do Paulo, o dono da empresa

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tinha acabado de morrer, o Romulo Maiorana. Entreguei a matériapara a Rosângela Maiorana Kzan, que depois viria a entrar com cincoações ns Justiça contra mim. Ela falou que a matéria eraimpressionante, só que tinha um problema: denunciava as pessoasmais ricas do Pará. Com o Joaquim Fonseca, que se dizia o maiorarmador fluvial do mundo e o Jair Bernadino de Souza, da Belauto,a maior revendedora de automóveis. Ela disse que não podia publicara matéria porque citava dois dos maiores anunciantes do jornal.Sugeri que ia fazer um jornal, ela falou que imprimiria o meu jornalde graça, contanto que não citasse isso. Depois, entraram com umaação na justiça para que citasse onde era a impressão do Jornal Pessoal,para intimidar as gráficas, que realmente se amedrontavam. Nosegundo número, foi uma denúncia de um rombo de 30 milhõesde dólares no Banco da Amazônia (BASA), que nenhum jornalpublicava, pelo presidente interino do banco, que era o advogado deO Liberal, Augusto Barreira Pereira. O Liberal não publicava porqueum dos envolvidos era o procurador dele, e A Província do Pará nãopublicava porque outro dos envolvidos era o famoso Billy Blanco,irmão do Milton Trindade, superintendente da empresa.

Rogério Almeida - O compositor?O compositor se beneficiou, são as fraquezas da alma. Aí O

Liberal disse que não imprimiria o jornal. Passei para a segundagráfica, das 11 pelas quais o Jornal Pessoal já passou. Em seguida,publiquei uma denúncia de uso de cocaína bem antes da escalada dadroga, sobre a penetração da cocaína na alta sociedade. Envolvia umapessoa que era amiga do dono dessa segunda gráfica, que não podiaimprimir por causa disso. O que avaliei é que se o Jornal Pessoal nãosaísse, mesmo saindo pouco, com pouca circulação, determinadasmatérias nunca seriam publicadas na imprensa local e nacional. Localpor causa dos compromissos, nacional pelo desinteresse. O JornalPessoal se mantém nessa trincheira. Se não sair no Pessoal,provavelmente não sai em nenhum lugar.

Nanani Albino – Você sofre ameaças?Além de situações constrangedoras de perda de amizades, há

ameaças anônimas. A primeira você fica em desespero. Depoisaprende a filtrar as ameaças dos trotes, que são sérias. É preciso tratarcom seriedade o assunto. Tem gente que é vítima de brincadeiras dehumor negro e se diz perseguida. Houve um momento em que os

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telefonemas anônimos não vinham para mim. Foi feito um para odiretor de redação de O Liberal, que era o Cláudio Augusto de SáLeal, que já morreu. Dizia a voz: “Doutor, prepare a manchete deamanhã: Assassinado Lúcio Flávio Pinto”. Descobri de onde vinhamas ameaças. Isso foi em 1985, o Jader Barbalho era o governador doEstado. liguei para ele, informei-o e lhe disse que se fosse investigarsaberia de onde estava vindo. Comuniquei-lhe que estava com umacarta para ser enviada para o dono do Estado de S. Paulo, contandoque as ameaças de morte estavam vindo dele. Depois do impacto, oJader reagiu, disse que a carta seria usada pelos seus inimigos paratentar prejudicá-lo. Retruquei que lia eu que estava sendo ameaçadode ser destruído. Ele pediu 24 horas para desmontar o esquema. Nodia seguinte, ligou dizendo que era verdade e que ele haviadesmontado o esquema.

Guilherme Carvalho – Os caras estavam mesmointeressados em assassinar você?

O Jader apurou minha denúncia e desfez qualquer esquemaque pudesse ser montado contra mim afirmando, numa reuniãocom seu esquema de segurança, literalmente, que “cortaria o saco”de quem pretendesse me fazer mal. Na época, eu estava fazendo aprimeira denúncia de corrupção do Jader. Foi por isso a reação. Adenúncia estava muito bem documentada. Eles não tinham comorebater. Foi o momento mais crítico. Por ironia, dizem que protejoo Jader.

Nanani Albino- Por que dizem isso?Eu e o Jader estudamos na mesma época no Colégio Paes de

Carvalho. Da turma, fui o único que não subiu com o Jader. Oresto todo subiu. Quando o Jader estava formando o primeirosecretariado dele, me chamou na sede do IDESP (Instituto deDesenvolvimento Econômico e Social do Pará, órgão extinto nogoverno Almir Gabriel, do PSDB). Estavam ele e o Roberto Ferreira,que seria o secretário da Fazenda. Ele perguntou o que eu queria serno governo dele. Nessa época eu escrevia muito sobre terras, elesugeriu a presidência do Iterpa (Instituto de Terras do Pará). Faleique não, ele sugeriu que eu fosse o coordenador do ConselhoSuperior de Desenvolvimento, que seria o órgão-chave daadministração dele, mas se reuniu uma vez. Falei que não querianada, que seguiria jornalista e crítico dele.

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Guilherme Carvalho -Você responde a quantos processose qual a natureza deles?

Acho interessante que durante o regime militar (1964-1985),fui jornalista por 19 anos e só fui processado uma vez. O caso foipor causa do suplemento Encarte, que editava em O Liberal.Denunciei o processo de tortura que uns presos sofreram após umafuga. Eles eram levados para o “interrogatório” de barco para a ilhade Cotijuba. Na lancha Marta da Conceição houve a fuga e jogaramna baía o tenente responsável pela tortura, Teodorico Rodrigues.Fizemos as fotos da tortura, publicamos. O governador da época erao Aloysio Chaves, que mandou investigar as denúncias. O chefe doinquérito era o então major Antonio Carlos (depois coronel da PMe secretário de Segurança Pública). Ele me chama de lado e informaque todos os jornalistas que foram lá haviam admitido que as fotostinham sido montadas. Desmentiram tudo o que haviam feito. Eque o interesse da polícia era pegar o repórter policial Paulo Ronaldo.O Paulo foi um célebre repórter, tinha sido eleito deputado estadualpela oposição. Ele era muito popular e tinha tido uma votaçãoestrondosa. A polícia era louca para pegá-lo. Eu e o Paulo fomosindiciados na Lei de Segurança Nacional por incitarmos a sociedadecontra as autoridades. Depois o crime foi desqualificado na justiçamilitar e o processo arquivado na justiça comum. Desde 1992,quando a Rosângela Maiorana Kzan entrou com a primeira ação,das cinco que moveu contra mim, já foram 15 processos, além demais um na justiça eleitoral. Em pleno regime democrático, sinto-me mais perseguido do que na ditadura.

Rogério Almeida - O que se passa?A Justiça está sendo usada como instrumento de quadrilhas.

Vejamos uma coisa absurda. A história da maior grilagem dahumanidade usa como autor um certo Carlos Medeiros. Todomundo sabe que o Carlos Medeiros não existe. Foi forjado por umaquadrilha de advogados e corretores de terras. Foi inventado inclusivepor um advogado que morreu recentemente. Eles vão aos cartórioscom os juízes e desembargadores em nome de uma pessoa que nãoexiste. Já escrevi várias vezes no Jornal Pessoal que a OAB – Ordemdos Advogados do Brasil exigisse do advogado a apresentação emcarne e osso do cliente, o Carlos Medeiros. E caso o advogado nãose apresentasse no prazo de uma semana, cassasse a licença do

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advogado. A Justiça hoje, por ser o poder menos fiscalizado, se tornouum poder terrível.

Rogério Almeida- Desse rosário de processos, nove sãosobre grilagem de terras?

Nove são de grilagem de terras e extração de madeira na Terrado Meio, lá no Xingu. Cinco são da dona do Liberal, a RosângelaMaiorana Kzan. Chegou ao cúmulo dela entrar com ação cível parame proibir de falar o nome dela para sempre. Fiz a seguinte perguntano Tribunal: caso ela ganhe, como vai ser a execução da sentença?Vão mandar um censor do Tribunal? Vou ter que submeter o JornalPessoal a um censor do Tribunal? É um absurdo. A ação prospera atéhoje.

Guilherme Carvalho - A Justiça paraense nesse caso, ouo Judiciário de um modo geral, está servindo comoinstrumento para que a ação dessas quadrilhas de grilagensde terras proliferem?

Veja o caso da desembargadora Maria do Céu Duarte. Ela sesentiu ofendida por um artigo meu no qual reproduzia trecho deuma decisão dela. Disse que a ofensa era agravada pelo fato de eu tercolocado aspas na declaração dela, denotando intenção de ofenda.

Rogério Almeida – Para tentar ser didático. São três os atoresque o processam. Os dois desembargadores, a Maiorana e o pessoalda grilagem de terras.

E tem a figura intolerante do prefeito de Belém, que também édono de uma ação, Edmilson Rodrigues (PT/PA). A ação é porqueele dava dinheiro para um escroque, um crápula do jornalismo paradefender a prefeitura e garantir uma coluna com pseudônimo, queera o “Décio Malho”. Usando essa gazua, ele ofendia todas as pessoasinimputavelmente. Mostrei que o PT que vinha para estabelecer amoralidade, estava usando o dinheiro público para chantagem.

Rogério Almeida- Qual era o jornal?Jornal PopularRogério Almeida – Ainda existe?Quando o prefeito deixou de pagar o jornal, deixaram de falar

bem dele. No processo, uso a figura jurídica da exceção da verdade.Ou seja, a possibilidade de provar que tudo que estou dizendo éverdade. E as pessoas não deixam. A primeira sentença que mecondenou foi manuscrita. Tinha 54 páginas. Foi dada por uma juíza

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que jamais havia dado uma sentença parecida. Você visualizandonotava que não era a mesma letra. Há uma regra da lavratura desentença que diz que se o juiz começar a manuscrever a sentença,tem que fazer do principio ao fim, rubricar cada página e assinar nofinal. A juíza não fez isso. Pedi perícia. Afirmava que não havia sidoa juíza quem havia escrito aquela sentença. Pedi perícia grafotécnicae grafológica. Era mais de um modelo de letra.

Rogério Almeida – Qual foi a acusação?Foi na ação da Rosângela Maiorana, por crime de imprensa.Rogério Almeida – O que a motivou a processar você?Mostrei a briga entre os irmãos Maiorana. Mostrei que havia

uma dissensão entre os irmãos. Que eles estavam usando o mesmofuncionário para criar duas empresas para fazer no Amapá a mesmacoisa para um e outro, sem que um soubesse da iniciativa do outro,em negócios pessoais paralelos ao da empresa. Estavam criandoempresa satélite para um e para outro. Depois o funcionário foidemitido por justa causa. Acho importante dizer que em nenhumadas 15 ações qualquer dos autores usou o direito de resposta.Ninguém quis exercer o direito de reposta no meu jornal ou emoutro espaço, inclusive um servidor público, como é odesembargador. Por que eles não prestam contas? Publico qualquertipo de carta.

Nanani Albino –Você tem alguma condenação?O primeiro caso foi esse da Rosângela Maiorana. O segundo

foi o do desembargador João Alberto Paiva. No primeiro pedi aperícia. Acabou não sendo feita a perícia. A desembargadora queautorizou a perícia foi alvo de uma campanha contra ela no jornal OLiberal. Tentei esclarecer o caso. Não tive espaço nem no jornaloponente, o Diário do Pará (propriedade do deputado federal JaderBarbalho). O próprio Jader interferiu para a não publicação daexplicação, quando o pai dele já havia autorizado.

Rogério Almeida- Tem um problema também com osórgãos de imprensa aqui no Pará?

Tem. No O Liberal sou proibido de sair. A coisa é tão séria, quefui fazer uma palestra num cursinho. O dono resolveu anunciar nojornal O Liberal, pagando nos classificados. Nem anúncio pago como meu nome sai no Liberal. A pedido meu, numa das audiências, ajuíza interrogou Rosângela Maiorana se era verdade que o meu nome

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era proibido de sair no jornal. Ela respondeu que não. Que no diaem que eu morrer, sai. Quanto ódio, meu Deus!

Rogério Almeida – Como é a história mais recente desua batalha processual, a da condenação do processo movidopelo desembargador Paiva?

Em 1996, o Instituto de Terras do Pará (Iterpa) propôs, nacomarca de Altamira, uma ação de anulação e cancelamento dosregistros imobiliários que havia ali em nome da Incenxil (Indústria,Comércio, Exportação e Navegação do Xingu). A Incenxil era umaempresa de Altamira, que foi comprada pela Rondon Agropecuária,do grupo C. R. Almeida. O que havia de ativo na Incenxil? Registrosde posse, com uma cadeia dominial longa, mas que não mostrava aorigem da titulação. Cadeia dominial são os registros sucessivos queo imóvel tem no cartório. A propriedade privada só se caracterizaquando o domínio da terra sai do patrimônio público para oparticular. O primeiro registro, de 1923, tinha a seguinte informação:“título hábil”, mas sem informar qual era o título. Evidentementeque era uma cadeia dominial incompleta.

Rogério Almeida – Altamira ainda é o maior municípioem extensão territorial do mundo?

Ainda é o maior município. No “chute”, uns 150 milquilômetros quadrados. O Iterpa pediu para o juiz Torquato Alencaruma tutela antecipada. O que é isso? Autorizar que na margem doregistro constasse, com autorização do juiz: “Esta terra está sub-judicecom ação de cancelamento proposta pelo ITERPA”. Para que isso?Para alertar terceiros de boa fé. Qualquer pessoa que quisessecomprar essas terras iria saber que a terra estava sob litígio. Assim,qualquer comprador seria de má fé. Sem direito a indenização. Ojuiz deu a tutela antecipada. A empresa recorreu em Belém. O agravofoi para o desembargador João Alberto Paiva. Ele decidiu, em liminar,sem examinar o mérito da questão, que as terras são“inquestionavelmente de propriedade particular”. A liminar é dadaquando o direito é evidente (sem maior indagação) e há iminênciade dano irreparável. Como, se o Iterpa entrou com o pedido deanulação e cancelamento dos registros imobiliários que havia nocartório de Altamira da Incenxil? O desembargador deixou de ouviro Ministério Público. São 5 milhões de hectares. São duas vezes emeia a área da Bélgica. Todos os órgãos públicos, federais e estaduais,

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dizem que a terra é pública. Avalio que o juiz deveria ter tido cautelana questão. Quatro meses depois da decisão, o Ministério Públicose manifestou contrariamente.

Nanani Albino – Você fez alguma crítica sobre odesembargador ou somente sobre a decisão dele?

A minha crítica é sobre o ato. Ao longo desses 40 anos, nuncaentrei num assunto se não tenho prova. Nunca fui processado porfalta de provas. A questão é sintomática. A C. R. Almeida, antesentrar com as ações, tinha o jornalista Oliveira Bastos como seuassessor especial. Mandou-me duas cartas violentíssimas. A tentativaera me desmoralizar. Não conseguiu. Depois ele saiu da empresa.No terreno do debate, não fui vencido. Só escrevo depois de ler,verificar, me convencer da questão. Não produzo com base emdossiê. Só escrevo quando domino o assunto.

Guilherme Carvalho - Lúcio, você tem tido dificuldadede conseguir advogado aqui?

Quando a Rosângela Maiorana Kzan, em setembro de 1992,entrou com a primeira das cinco sucessivas ações, procurei oitoadvogados. Em geral, de esquerda. Todos, sob diferentes pretextos,não aceitaram a minha causa. Uns alegando dor de cabeça, amizade...Um amigo, que não era advogado militante, sem escritório, topoufazer a defesa. O acordo era que eu freqüentasse o Fórum e ajudassena elaboração das peças. Aí comecei a estudar Direito e freqüentar oFórum. São doze anos. Usei de todos os institutos do Direito Penal.Sempre é a Lei de Imprensa. Avalio que não haja alguém que conheçaa Lei de Imprensa melhor do que eu.

Nanani Albino - Por que a Lei de Imprensa, criada empleno regime militar, ainda não foi derrubada?

A lei é inconstitucional. Só que alguém tem que entrar comAção de Declaração de Inconstitucionalidade (ADIN). Aí fica osindicato, a Federação, ficam os grandes líderes dos direitos humanosdizendo que a lei é entulho do regime autoritário. E ninguém tomauma atitude positiva. A Constituição revogou tacitamente a lei. Comoa Lei de Imprensa é especial, ela deve ser inconstitucional e tem queter uma outra lei para revogá-la. Por quê? Porque os democratas deontem são os autoritários de hoje. Edmilson Rodrigues, prefeito doPT, usou a Lei de Imprensa contra mim. Lula não vive dizendo quea imprensa é denuncista? Não interessa ao poder, de direita ou de

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esquerda, abolir a Lei de Imprensa.Guilherme Carvalho - Qual avaliação que você faz da

relação entre os meios de comunicação, governo e essesgrupos econômicos que estão controlando mais terras,grilando?

Acho que a imprensa deva ser democrática. Se você manda umacarta e o jornal não a publica, já deveria ser considerado crime, arecusa da publicação da carta. Se você mandou e em 48 horas, ojornal não publicou, já seria crime. Bastaria entrar na Justiça provandoo recebimento da carta e que não foi publicada. A partir desse dia,multa violenta na empresa, em dinheiro. Com isso se resguardariao direito do cidadão de se defender daquilo que foi escrito contraele na imprensa. Por esse lado, se defenderia o cidadão. Outro pontoseria que ninguém poderia entrar na Justiça sem antes esgotar a viaadministrativa. Nesses moldes, nenhum dos desembargadorespoderia me processar, já que não exerceram o direito de resposta.Acho também que com a criação de alguns mecanismos seria possívelestabelecer uma relação democrática dos meios de comunicação.Por exemplo: cada empresa que alcançasse determinada tiragem, oudeterminado capital, deveria ficar obrigada a abrir o seu capital. E aempresa não poderia absorver as ações totais, deveria permitir que10% fossem comprados pelo cidadão. Não acredito no modelo deconselho, como feito no Peru. O Estado, quando entra no campocultural, é totalitário por atavismo. É o cidadão que deve ter ocontrole. Não o Estado. Quando optei pelo Jornal Pessoal, nuncaaceitei publicidade.

Nanani Albino – Como ele sobrevive?Há horas em que ele se paga. Há horas em que não se paga. Isso

hoje é o que menos importa. Numa época ele só era vendido atravésde assinaturas. Cheguei a ter 1.200 assinantes. Mais que o JornalLiberal, que tinha 800. Mas para manter as assinaturas, teria que virarempresa.

Nanani Albino – Qual é a tiragem?2 mil exemplares.Nanani Albino - E a distribuição?Só em banca.Guilherme Carvalho- Voltando naquela relação dos meios de

comunicação. Poder Judiciário e os grupos econômicos...

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A C. R. Almeida criou uma pendência judicial. Enquanto tivera pendência judicial, ela domina a terra. É uma forma mais sofisticadade grilagem do que as formas anteriores. A forma antiga erafalsificação de título, corromper o cartório. Agora eles fazem questãode manter a questão sub-judice. A justiça pode tomar uma decisão.No próximo número do Jornal Pessoal farei um comentário sobreuma resolução baixada pela corregedora geral de Justiça do interior,Carmencin Cavalcante. Ela usou seu poder de arbítrio numa questão.O poder arbitrário do Estado deve ser em defesa do interesse público.Se há dúvida de registro de uma terra imensa, cancela-se e o particularque vá para a justiça.

Guilherme Carvalho – A Justiça no Pará não decide porquê?

Porque não quer. Há esse exemplo da doutora CarmencinCavalcante. Ela baixou uma resolução em que ela cancela. No casoda Jarí, ela cancelou a unificação de terras em 940 mil hectares.Exerceu o poder de arbítrio. Tem de usar. Falta vontade ao judiciário.Agora mesmo estão com recurso de plotagem, GPS. Sim, de queadianta ter tudo isso sem vontade política?

Nanani Albino - Você ainda é réu primário?Sou. Porque a questão está suspensa. Tentaram armar uma trama

quando fui condenado pela primeira vez. Eles queriam me colocarna cadeia e fotografar, para pôr a minha foto no jornal. Mesmo queeu saísse no primeiro minuto. A justiça é terrível. É um podertriturador –lento, mas inelutável. Por isso há o ditado: quem temjuízo, não vai a juízo. Quando li a decisão do Tribunal, passei o fimde semana questionando onde havia errado. Não posso errar. Nãoposso deixar o inimigo se alimentar de falhas. Sobretudo daspequenas, que desviam da apreciação do mérito e se restringem auma preliminar formal.

Nanani Albino– Como você consegue com tanta pressãoser um repórter investigativo? O que significa ser um repórterinvestigativo?

As pessoas pensam que repórter investigativo é aquelepresenteado por dossiê. Investigar significa ir atrás do fio da meadae questionar sempre. Se você não tem dossiê, vai atrás dos fatos. Aescola de repórter de polícia continua sendo a grande escola. Mortonão manda release. Não tem assessor de imprensa. O problema é

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que consigo desagradar todo mundo. O PT não me considera umaliado. O PSDB não me considera aliado. O PFL, idem. Azar deles.E azar o meu.

Guilherme Carvalho – Você falou do governo Edmilsone falou do Jader. E quanto ao governo do Estado, os governosde Almir Gabriel e Simão Jatene (atual governador do Pará/PSDB). O Ministério Público faz o que o Executivo quer?

Infelizmente. Quando ele passou a se tornar muito forte, osprocuradores passaram a ter carreira política. Marília Crespo, ManoelSantino saíram do MP diretamente para a política. Acho isso umapromiscuidade. Acho que não se deveria mandar lista tríplice para ogovernador. O colegiado do Ministério Público deveria escolher seusnovos integrantes. Não tem porque representante do MinistérioPúblico ser desembargador. Nem gente da OAB. A promoção deveriase restringir aos integrantes da carreira. O governador não deverianomear ninguém. Todos acabam dependendo do poder executivo.

Nanani Albino – Você falou que a melhor escola parainvestigar os fatos é estar diante dos fatos e perguntar. Noque tange à Amazônia, o que te inquieta? Quais os fatos quedeveriam estar na pauta e não estão?

Sempre lembro, como metáfora, o exemplo de Isaac Newton.Estavam os dois irmãos debaixo da macieira. Felizmente a maçã caiuna cabeça de Newton. Fosse na cabeça do irmão, teria gerado nomáximo um palavrão. O jornalista é aquele que faz a pergunta certa,na hora certa. O jornalista é aquele que incomoda o poder. Seja qualfor. Ideológico, econômico, institucional. Uma vez, em Tucuruí, opresidente da Eletronorte afirmava que a água do lago era boa. A TVfilmando. Então pedi: “beba essa água”. Ele não tomou. Ninguémestava esperando. Liquidou-se. Um outro episódio foi com opistoleiro que executou o deputado João Batista, de nome Péricles.Numa pequena sala da Assembléia Legislativa, ele dava entrevista.Só entrava uma equipe de TV de cada vez. O arquivo está na Cultura.Ele afirmava que nunca tinha pegado numa arma. Pedi para o soldadotirar as balas do revólver e passá-lo para mim. O capitão, que estavaao lado, autorizou. Peguei o revólver e disse para o Péricles: “pega”.Ele tomou a arma de minha mão na hora. Era um profissional. Aequipe da TV Cultura, que filmou tudo, saiu correndo para exibir ofilme. Jornalismo é isso. Em cima do lance. E às vezes não. Até porque

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as sociedades que mais se desenvolvem são aquelas que dão tempopara as pessoas ficarem no ócio, refletindo. Não existe verdade semócio. Outra coisa foi Sossego. Dezenas de matérias.

Rogério Almeida - Você poderia explicar o que é Sossego?É a primeira mina de cobre a entrar em produção, que vai tornar

o Brasil autossuficiente. É a primeira das cinco minas da região deCarajás, no Sudeste do Pará. Em 1977, estava lá quando começou apesquisa no Salobo 3 Alfa, em Carajás e comecei a estudar cobre. Oprincipal são as boas fontes. Acompanhei a história da Caraíba, doGeisel, dos estudos do Estado-Maior das Forças Armadas paraabastecer de cobre o Brasil. O cobre é o segundo item na balança deimportações minerais. Concluí que ocorreria um paradoxo. Vamosser auto-suficientes e vamos continuar importando cobre. Vamosexportar concentrado e importar cobre metálico. Porque há umaincompatibilidade entre a Caraíba Metais e a Companhia Vale doRio Doce (CVRD). Com os calos de 20 anos tentando estudar aquestão, você faz a pergunta certa. Escreve uma matéria que, talvez,ninguém vá escrever, ao menos naquele momento, em cima do fato.

Em Marabá, em 1995, na Escola Mendonça Virgolino, houveum debate sobre o projeto de cobre do Salobo. Valor do projeto: 1,6bilhão de dólares. Não se sabia onde ia ficar. Se em Marabá ouParauapebas, ambas no Pará, ou Rosário do Oeste, no Maranhão. Aío Haroldo Bezerra, então prefeito de Marabá, informa no meio dodebate que o pessoal da Salobo Metais tinha visitado a cidade no diaanterior. Interroguei se ele havia perguntado se a quantidade deminério daria para produzir, durante 20 anos, 140 mil toneladas deconcentrado ao ano. Bezerra retruca o por que da pergunta. Expliqueique se não fosse assim a mina não sairia. Não teria viabilidadeeconômica, fosse lá onde ficasse instalada.

Nanani Albino – Você avalia que as pessoas que estão noplanejamento das políticas públicas para a Amazônia estãofazendo as perguntas certas?

Alguns são honestos e competentes possuem a resposta. Outros,não. As pessoas que fizeram os contratos de minério de ferro, bauxita(matéria prima para a produção do alumínio), os contratos da Albrás(maior empresa de alumínio do Brasil, instalada no município deBarcarena, a 40 Km de Belém), sabiam que estavam cometendo umcrime contra o Brasil.

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Rogério Almeida – Todos esses projetos se deram no regimemilitar?

Todos. Todas as pessoas que assinaram contratos dos grandesprojetos na Amazônia deveriam estar respondendo a processos. Abase do meu diálogo são os fatos. Eliezer Batista (ex-executivo daCVRD - Companhia Vale do Rio Doce), um dos homens maisimportantes da história contemporânea, que concebeu todo o GrandeCarajás, disse que, caso não tivesse havido corrupção na construçãode Tucuruí, nós não teríamos precisado subsidiar o alumínio. E aCVRD é uma empresa do alumínio. O subsídio custou dois bilhõesde dólares. Fui apurar e escrevi matérias sobre o assunto no JornalPessoal. Em contato com o ex-deputado federal do PT, GeraldoPastana, sugeri que ele convocasse o Eliezer. Não foi aprovado opedido. Então, pedimos informações no TCU - Tribunal de Contasda União, depois de dois anos tivemos a reposta deles, de que setratava de águas passadas.

Rogério Almeida- Dois bilhões em subsídio?De subsídio no alumínio e de corrupção na construção de

Tucuruí.Rogério Almeida – A empresa no caso era a Camargo Corrêa?A Camargo Corrêa teve um lucro líquido de 500 milhões de

dólares na construção da hidrelétrica de Tucuruí. Sempre que posso,toco no assunto. As pessoas não se indignam. Fico estupefato com aquestão. No regime militar, descobri que balanço de empresa é umafonte preciosa de informação. Principalmente pelo que não está dito.O Banco do Estado Pará (Banpará) foi eleito o banco do ano em1983, quando eu havia escrito que o banco era uma porcaria e quetodas as suas operações estavam erradas. E a revista Exame, umapublicação aparentemente de conceito, afirmava se tratar do bancocom o melhor desempenho no Brasil. Passei a estudar balanço,consultar gente que sabia. Fui estudar o balanço da Albrás de 1987 econclui que só a variação cambial entre a moeda japonesa e o dólarrelativos à moeda nacional, que proporcionou a maior aplicação decapital de risco estrangeiro na história do Brasil representava trêsvezes o orçamento do Estado do Pará. Perdemos três vezes oorçamento do Estado. Consultei o cidadão que fazia o orçamentono Rio de Janeiro e ele confirmou a conta. Escrevi matéria em OLiberal. Imaginava um escândalo nacional e nada houve.

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Nanani Albino- Por que a opinião pública parece não sealiar a você?

Há um descompasso entre a agenda da opinião pública e a agendada história. Estamos numa situação colonial. Caso a gente soubesseo que está acontecendo de verdade, não seríamos coloniais.

Rogério Almeida – Existe saída para essa condiçãocolonial?

Tem. Ciência e tecnologia, o modelo de colonização que defendoé a ocupação através da ciência e tecnologia. Deveríamos ter aquinão colono de soja e não colono de arroz.

Nanani Albino – O que é isso?Em vez de colonos, cientistas. Ele não vai só produzir ciência,

se ele estuda arroz, vai plantar arroz. Vai ensinar como é que faz,fazendo. Vamos pegar o cara e colocar no campo, e não no campus,com bolsa de pesquisa, uma estrutura mínima. Se a gente não colocara formação antes da transformação está liquidada a Amazônia. Seique serão necessários muitos milhões no começo. Quando comeceia visitar o Araguaia, a densidade de mogno era o dobro do que existeno Xingu, eram 10 árvores por hectare. Não tem mais nada lá. Diziamque a gente ia aprender com a experiência do Araguaia. Estamosfazendo pior no Xingu. Aí só vai restar o Acre. Uma árvore porhectare. Araguaia era a maior reserva de mogno do mundo.

Nanani Albino – Você fala em mudança substancial eminvestimento em pesquisa ?

Devemos conceber investimento em pesquisa não comoretaguarda, mas como vanguarda. Vamos pegar a meninada da USP,UFRJ e outras com uma boa bolsa e vamos para o campo aprender.Os orientadores também devem ir ao campo, com condições detrabalho bons salários.

Nanani Albino – E as universidades federais locais?Todo mundo iria para o campo. É como se estivesse em Israel.

A nossa guerra é a guerra da ciência. Guerra da ciência não é ficarfazendo o seu trabalhozinho acadêmico. É fazer a difusão da ciênciano campo.

Nanani Albino - Agora é a hora?Tem que começar já senão nunca vai começar.Nanani Albino – E os colonos não científicos?Ele vai aprender e ensinar. Você coloca o doutor em genética na

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Transamazônica para fazer melhoramento no campo com uso doconhecimento tradicional e empírico. Considero que o pessoal temque ir a campo. O doutor tem que deixar de canto essa posturaarrogante.

Nanani Albino – Como você avalia a ciência produzidana Amazônia?

Quando comecei a fazer palestras, começavam a fazer perguntassobre a minha formação e eu dizia malandramente que era jornalista.Era um constrangimento. Jornalista não tem valor científico. Aí eudizia: sou sociólogo e tinha o carimbo da academia. Depois dizia:“vamos para o debate!” O critério da verdade é o debate. Se vocêssão os cientistas, os doutores, vocês vão me vencer no debate. Casoeu vença, não adianta ser doutor.

Nanani Albino – No Brasil, existe a tradição do debate?Aqui o debate costuma ser improdutivo, assistemático e

acientífico. O que grita mais alto, as pessoas aplaudem, vence odebate. Todos sabem do rigor que tenho com os dados. Caso estejaerrado, corrijo. Num determinado debate, soube da proibição pordecreto pelo presidente José Sarney do uso do alumínio nosgarimpos. Disse que seria pior. Que os garimpos iriam usar cianeto.A pessoa que conversava iria palestrar pela tarde. Cheguei na horaem que ela falava de uma importante denúncia que a Amazônia iriaser inundada por “cianureto”. Mandei um bilhete informando quenão era cianureto e sim cianeto.

Guilherme Carvalho – Qual a perspectiva da Amazôniadiante de mais um Plano Plurianual aprovado?

Quando Lula foi eleito, elogiou a tecnocracia do regime militar.Escrevi um artigo dizendo que ele tinha certa razão. Acho que nuncase fez tanto plano. Alguns tão bem feitos que não poderiam nem serexecutados. Uma vez, em Brasília, fui ao Instituto de Pesquisa deEconômica Aplicada (IPEA), cujo chefe era o ministro João Paulodos Reis Veloso, do Planejamento, que sempre se preocupava com ahistória, por isso apadrinhou intelectuais marxistas. Não queria passarcomo o tecnocrata dos ditadores. Em 1972, andando pelo IPEA,entrei inadvertidamente numa sala onde estava sendo dada uma aulasobre Marx. Aquilo era uma heresia privatizada. Nessa época, o IPEApublicou um livro crítico sobre a colonização dirigida na Amazônia.Critica o INCRA, os incentivos fiscais que motivaram a formação

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dos latifúndios com metodologia marxista. Caso for analisar a históriapela fonte secundária, você vai dizer que esse era um déspotaesclarecido. Agora a bíblia sobre a Amazônia é um livro sobre o IIPlano de Desenvolvimento da Amazônia – PDA (1975/1979). Essedocumento diz o que da Amazônia? Diz que o papel da Amazônia éfornecer insumos para o Brasil moderno e matérias-primas para omundo. Com isso, ela vai aumentar o ritmo do desenvolvimentobrasileiro, pois o Brasil não tem poupança suficiente para isso, etambém manter a roda do processo produtivo do mundo. É issoque interessa. Tudo dito claramente sem filigranas ou cosméticos. Éum futuro colonial. Como mudar isso? Tornar o povo participante.

Rogério Almeida – Qual é orçamento para a ciência naAmazônia?

Zero, dois ou meio por cento do orçamento em ciência etecnologia.

Rogério Almeida – Estamos condenados ao colonialismo?Se tirassem as verbas estrangeiras seriam o,ooo qualquer coisa.Nanani Albino – Qual é o investimento em pesquisa vindo

do exterior?Dois terços dos investimentos da pesquisa são em moeda

estrangeira. A Amazônia não é prioridade nem para o Brasil.Nanani Albino – E o resultado?É o modelo colonial. O projeto MADAM (Programa Manejo e

Dinâmica nas Áreas de Manguezais), por exemplo, é interesse alemão.Há documentos que são produzidos em alemão, e que nunca foramtraduzidos. O que o mundo desenvolvido quer da Amazônia?Preservar uma parte da Amazônia e estudá-la antes que acabe.Ninguém no mundo sério tem dúvida de que a gente vai acabarcom a Amazônia. Somos destruidores como eles também foram esão. A história da humanidade é a história da destruição da floresta.Na Amazônia, é a primeira vez que a gente tem a possibilidade deuma civilização florestal. É o único lugar que tem floresta expressivahoje. Temos a consciência e os meios, se a gente não usar aconsciência e os meios, vamos seguir a tradição do homo agrícola.Vamos destruir a floresta. A Amazônia só tem futuro no mundo.Onde Marx escreveu O Capital? No Museu Britânico. O Marx nunca

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entrou numa fábrica. Em quais dados primários se baseia O Capital?Nos relatórios dos fiscais de fábrica da Inglaterra.

Rogério Almeida- Então não era um bom jornalistaEra ótimo jornalista.Rogério Almeida – Mesmo distante do campo?Mesmo não indo para o campo. Quando ele ia para o campo,

ele era o editor da Nova Gazeta Renana. Ele escreveu sobre omonopólio da lenha e a liberdade de imprensa. A luta dele contra ocensor. O censor esperando ele na redação e ele dormindo. Até omomento que ele se tornou profeta tinha muito bom humor.

Rogério Almeida – A gente estava falando em ciência, eo SIVAM – Serviço de Vigilância da Amazônia?

São 20 anos de verba de ciência e tecnologia na Amazônia queestão sendo distorcido pela visão geopolítica. Hoje nós temos oSIVAM pronto. Isso significa maior segurança para a Amazônia? Oprisma da geopolítica é o que mais distorce a visão da Amazônia.Desde Arthur Cezar Ferreira Reis, que é a matriz desse pensamento.A nossa relação com o mundo tem que ser diferente. Quanto mais agente se desenvolve, mais a gente fica subdesenvolvido. Continuaaquela visão de Euclides da Cunha do seringueiro. Aquele quequanto mais trabalha, mais se escraviza. Aquele que compra produtoscaros no barracão, e vende produtos baratos. Uma relação de trocadesfavorável.

Rogério Almeida - Essa questão da regulação fundiária, gostariaque a gente retomasse. É uma questão séria na Amazônia.

Está em vigor o Estatuto da Terra. Foi baixado pelos militaresem novembro de 1964, o Estatuto é melhor que a Constituição. OEstatuto diz o seguinte: ninguém pode ser dono de mais de 600vezes o modulo rural.

Rogério Almeida – O módulo rural hoje é de 25 hectares?Há vários tipos de módulos. Há de um hectare, para a

horticultura, ao maior, que é o silvicultural, que é de 120 hectares.Pela letra da lei, ninguém pode ser dono de mais de 72 mil hectares.Vamos pegar os Estados Unidos, onde há cadastros fundiários desdeo século XVIII. São amarrações por posições astronômicas. Como agente não tinha isso, a nossa amarração foi através de acidentesnaturais. Só que a gente não conhecia o interior. No início daRepública expedimos 40 mil títulos de posse. Isso só existe no Pará

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e na Bahia. Era uma carta do poder público autorizando a ocupaçãodo interior por quem estivesse disposto a ocupar. O limite máximoera uma légua quadrada, que corresponde a 4.356 hectares. Combase nisso, ninguém poderia aparecer com título de posse com 5milhões de hectares. Desses 40 mil títulos, apenas 3 mil buscaram aregularização depois. O resto deu origem a essas grilagens. É fraude.Caso o senhor Cecílio Rego Almeida aparecesse com um título dessesnos Estados Unidos, poderia ser preso.

Rogério Almeida – Vamos falar um pouco sobre a CVRD-Companhia Vale do Rio do Doce. A Vale é maior que o Pará?

É maior. A CVRD tem uma verba de investimento maior que ado Estado. O faturamento da CVRD é maior que a receita do Estado.Caso o modelo de enclave prospere, a CVRD vai ser três vezes maiorque o Pará. É um modelo baseado em matéria-prima, quantidadecrescente de minério de ferro. Vinte milhões de toneladas era o pontode viabilidade da mina de Carajás. Hoje está em 55 milhões detoneladas. Por quê? O primeiro trem saiu de Carajás com a toneladade minério a 26 dólares, hoje são 15 dólares. Ocorre que tem deproduzir cada vez mais. O Pará é o 2º Estado em território, 9º empopulação, 16º em Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),19º em Índice de Desenvolvimento Juvenil (IDJ). É o modelo daÁfrica do Sul. Nós somos a África do Sul da Amazônia.

Rogério Almeida - A privatização foi um crime de lesapátria?

A melhor análise que saiu foi da Euromoney, uma revista denegócios da Europa, foram 16 páginas. Eles mostraram o absurdoque foi o preço de avaliação de arremate da CVRD. O absurdo étanto que hoje os japoneses estão na CVRD. Uma das regras daprivatização era que comprador não poderia ser acionista da CVRD.O modelador da privatização, que é o Bradesco, é o principalcontrolador fora dos fundos federais. Que privatização é essa? Foium dos maiores escândalos do Brasil. As ações propostas na Justiçanão foram decididas até hoje.

Nanani Albino – Há 12 anos você vem sendo processado.Qual a postura das entidades de classe, federação, sindicatode jornalistas em relação a isso?

Bem, fui do sindicato do tempo em que o Lula tentava implantar

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as delegacias sindicais no ABC, no fim da década de 70. A gente foio primeiro sindicato a ter salário profissional e delegacia sindical.Depois perdemos no Superior Tribunal do Trabalho. A gente fezisso primeiro. No primeiro processo, o presidente do sindicatoescreveu uma nota de solidariedade tão sórdida, que pedi o meudesligamento do sindicato. A solidariedade era pior do que se tivessefeito um ataque a mim. Ele dizia que a Rosangela Maiorana tinharazão, mas que tinha de ser solidário pelo espírito de corpo. Nesserecente episódio (do desembargador João Paiva) a nota desolidariedade foi comandada pelas ONG´s: Instituto SócioAmbiental (ISA), Amigos da Terra, Greenpeace. FENAJ e sindicatoaderiram. A iniciativa não foi deles. O episódio mais triste queocorreu nesses quase 40 anos de profissão foi quando denunciei ainfiltração do narcotráfico na Amazônia, em 1991, ano em queocorreu o assassinato de uma figura da sociedade, que era lavadordo dinheiro do narcotráfico internacional. Durante meses, o JornalPessoal foi o único que publicou os fatos. Era a história de BrunoMatos. Quatro meses depois, saiu uma única matéria nos três jornaisda cidade, dizendo que ele tinha se suicidado. Ele morreu na BR316, a 90Km/h, recebeu um tiro na distância mínima de três metros,de cima para baixo, da esquerda e ele era destro. Foi um único tiro,preciso. Esse é o suicídio mais inverossímil da história dahumanidade. Um tiro a três metros de distância, dirigindo o carro a90Km/h. Após o Jornal Pessoal encadear os fatos, a PF apreendeuuma tonelada de cocaína no Marajó e no rio??? Amazonas. Toda aimprensa foi para a sede da PF para a coletiva. Fui e não fiz qualquerpergunta. Os colegas interrogaram sobre o meu silêncio. Falei quetinha ido para conversar em off com o delegado José Salles, hojesuperintendente aqui no Pará. O colega declarou, então, que iriaficar. Que agora é que ia começar o bom. Retruquei que não existeoff coletivo. Que se tratava de uma conversa particular, estabelecidaatravés da confiança mútua. Concordei em que todos participassem,com o compromisso de que todos publicassem o que ia ser dito ali.Todos foram embora. O Salles, delegado, interrogou: são esses seuscolegas?

Nanani Albino – Você tem 38 anos de jornalismo. O JornalPessoal muitas vezes não cobre nem sequer os custos. Vocêhoje consegue viver da profissão?

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Dou palestras, escrevo artigos para fora, escrevo livros. DoJornal Pessoal, não. O Jornal Pessoal é a pedra no sapato.

Guilherme Carvalho – A mosca na sopa?O Roger Aguinelli, presidente da CVRD, um dos homens mais

poderosos do Brasil, num vôo leu um clipping do Jornal Pessoal. ACVRD mantém o Jornal Pessoal no seu clipping. Ele ficou furioso.Contatou o chefe de comunicação, que estava indo para o Maranhão,para antes parar no Pará. Queria que me dissesse que ele não erabanqueiro, que faz filantropia e que destina todo o dinheiro dassuas participações em conselhos a obras de caridade. Estava furiosocom o Jornal Pessoal. Agora, nesse episódio (da condenação), recebiuma carta do Jarbas Passarinho em solidariedade. Ele fez o quenenhum colega meu fez. “Use essa carta, se quiser”, disse ele. Fomosadversários. Nunca me processou. Mesmo quando ele era o homemmais poderoso do Pará.

Nanani Albino– Que preço você paga?No Jornal Pessoal, quem quiser entrar, tem que me convencer.

Não interessa se é poderoso. O Hélio Gueiros (ex-governador doPará e ex-prefeito de Belém, candidato nesse pleito de 2004 àprefeitura de Belém), mandou uma carta para mim que começavaassim: “Lúcio Flávio, porque tu não vais chupar o cu da puta que tepariu?” Publiquei a carta. Ele não imaginava que publicaria e nuncamais quis falar sobre isso.

Rogério Almeida – São quantos livros?Dez livros e participação em muitas obras coletivas.Rogério Almeida – A produção dos livros obedece à

mesma lógica do Jornal Pessoal, bancados por ti mesmo?Agora, sim. Antes, não. O melhor que fiz foi bancado por uma

bolsa de pesquisa americana, da Universidade da Flórida, que mepermitiu falar mal de um do símbolos americanos, o Daniel Ludwig,do projeto Jari. Recebi uma boa bolsa de seis meses. Passei seis mesespesquisando e estudando nos Estados Unidos, escrevendo um livrocontra um símbolo do capitalismo americano. Esse foi o livro quemais me gratificou. Quanto aos outros, não tive essa retaguarda. Foium dos melhores períodos da minha vida.

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Guilherme Carvalho – Você é um homem cético ouesperançoso?

Se fosse cético, já teria entregado as armas. Tenho esperança.Agora, a minha consciência diz que estou numa luta perdida. Voucontinuar a luta até o último dia.

Nanani Albino –Você acha que vai pagar atrás das gradespor expor fatos que mais ninguém publica?

Cipriano Barata foi muito mais jornalista do que eu. Toda vezque ia para as grades, escrevia um jornal. Escrevia na guarita dafortaleza maranhense. É um exemplo. O meu algoz, a RosângelaMaiorana, que já foi minha amiga, disse que iria me mandar para aprisão. Retruquei que o risco era que eu iria ter tempo para escreverum Jornal Pessoal por dia. Iria imitar o Cipriano Barata. Como diz oGramsci, pessimismo na inteligência, otimismo na vontade. Tenhoclareza que a máquina está me triturando. Vou capitular? Não sei?

Nanani Albino - Você falou que a salvação da Amazôniaestá no mundo. Você acha que a salvação para Lúcio FlávioPinto está fora da Amazônia?

Na Itália, tem um grande jornalista chama Maurizio Chierice.É um dos principais enviados especiais da imprensa italiana. Cobretodos os conflitos internacionais. Ele escreveu um artigo no L’Unità,na primeira página, sobre o meu caso, edição do dia 19 de julho. Elepediu para não calar a voz da Amazônia. Além do artigo, mandouuma carta para o embaixador brasileiro, o Itamar Franco. Nãointeressa o que vai acontecer. Interessa que eu não pedi. Foi ele quemme indicou para o maior prêmio de jornalismo da Itália, em 1997.Fui o primeiro não europeu que recebeu esse prêmio. No ano querecebi, o deputado federal da Irlanda do Norte, John Hummetambém ganhou, que, no ano seguinte, foi Prêmio Nobel da Paz.Recebeu também um jornalista, poeta e escritor albanês, FatosLubonja, que passou 19 anos preso. O governo brasileiro mandouum funcionário da embaixada numa ocasião em que estavam lado alado, pela primeira vez na Europa, os embaixadores da Inglaterra eda Irlanda. Ao registrarem o fato, o auditório os aplaudiu. Depoisvim a saber que o Itamaraty, consultado pelo embaixador, havia ditoque eu não era “confiável”. Por isso o embaixador não foi. Fiqueicontente em saber que eu não era confiável para o poder.

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Rogério Almeida – Como você avalia a presença dosEstados Unidos na Amazônia?

Os Estados Unidos não conseguem entender a América do Sul.São incapazes. Clinton esteve para lançar o Plano Colômbia em NovaGranada. Ele não conseguia perceber que estava diante da sede deum poder imperial que foi maior do que os Estados Unidos, que foio da Espanha. No século XVI, metade das universidades da Europaestava na península ibérica. Nós levamos quatro séculos para fazer anossa universidade. A rigor, a nossa universidade foi criada em 1950,a Universidade do Brasil. Ele esqueceu que existe uma históriahispânica anterior aos Estados Unidos. Fomos maiores que osEstados Unidos até D. Pedro II. Ele era uma pessoa brilhante, masinfelizmente travou a nossa história por 50 anos. Quando a bibliotecade Washington sofreu um incêndio, a Biblioteca Nacional do Riode Janeiro era muito mais rica e importante. Perdemos o rumo dahistória nesse período. Entre 1822 e 1850, não tinha Lei de Terrasno Brasil, a lei, não escrita, era a da ocupação, o princípio da posse,que fez a grandeza dos Estados Unidos. Quando criaram a Lei 601,de 1850, a ocupação física foi substituída pelo papel. E só pode terpapel, quem tem dinheiro. Liquidaram com um projeto do Brasil,que estava na cabeça do patriarca José Bonifácio. Ninguém fala desseperíodo. A diplomacia americana se baseia na falta de conhecimento.Qualquer que seja o conteúdo do Plano Colômbia, ele é trágico.Um equívoco para o continente e para os Estados Unidos. Hoje ocidadão médio americano bem informado não tem dúvida de queBush deve ser colocado para fora. Podem vir a fazer um novo Vietnãna América do Sul se insistirem em mais presença física americana.Temos que contrapor a ela uma integração econômica continental.Tem que acabar com esse negócio de ALCA, Mercosul, por algomais amplo na América do Sul. Onde a gente possa se unir para nostornarmos mais fortes? Se você inverter o rio?? Cassiquiare, vai abriro caminho pelo centro da América do Sul, vai entrar pelo Caribe evai sair na Bacia do Prata. Você vai acabar com o esquema de comérciono mundo inteiro. Com uma inversão de águas, você já começa arevolução. Aí tem lógica fazer hidrelétrica no Madeira. Enquantoisso não vem, não tem lógica. Nós estamos trazendo 200 megawattspor dia do sistema Guri da Venezuela para Boa Vista usar 72megawatts. Estamos jogando fora 128 megawatts. Guri é atualmente

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a maior hidrelétrica do mundo. A estrutura do domínio do Estado époderosa no sistema de gestão do desenvolvimento venezuelano. AVenezuela pode quebrar essa estrutura burocrática, que gera, de umlado, americanofilismo, e de outro lado esse fidelismo do Chávez.Temos que resolver as coisas passo a passo. Temos que mudar amatriz de energia e o modal de transporte do continente. Não éfazendo retórica contra plano Colômbia, fazendo SIVAM. Isso éperfumaria.

Rogério Almeida— Esse modelo de integraçãoeconômica para o continente que você fala é via ALCA?

Não. Acaba com isso de ALCA, Mercosul, ALADE. Vamostrabalhar as nossas potencialidades.

Rogério Almeida – Quando você fala a gente, falaAmérica Latina?

América Latina. Só vamos pensar lá fora depois que a gente fizeruma hidrovia do Caribe à Bacia do Prata. Não podemos integrarpara sermos esmagados. Carajás não tem carvão, vamos trazer ocarvão da Colômbia.

Guilherme Carvalho – Lúcio, construir uma hidroviadesse jeito não significa destruir boa parte do pantanal?

Não vai passar no Pantanal. Passa ao largo. Sempre defendemosque o caminho natural é o rio. Sempre brigamos contra as rodovias.Por que agora achamos que todas as hidrovias vão destruir? Podemosfazer hidrovias perfeitamente válidas. Não podemos é fazer comoforam feitas as rodovias e as ferrovias. A hidrovia é para desenvolvero interior, o núcleo das regiões conforme as suas aptidões. Devemosoptar por ciência e projetos que agregam valor.

Guilherme Carvalho – Isso é um problema. As hidroviasnão são pensadas nesse modelo. São pensadas para soja.

A própria lei dá os antídotos para esse problema. Só vamosaprovar hidrovias se tiver comitê de bacia. Dos 103 comitês de bacia,nenhum é da Amazônia. Não podemos aprovar um projeto dehidrovia sem um plano de desenvolvimento, transformado em lei eaprovado pela Assembléia Legislativa e referendado pelo CongressoNacional. Terminou a fase da esquerda dizer, sou contra, diagnosticocerto, mas não sei fazer. Tem que saber fazer.

Rogério Almeida – Você ainda está dando aula?Faz sete anos que não dou aula. Estou aprendendo de novo.

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Sobre os entrevistadores: Todos cursaram o mestrado emplanejamento no Núcleo de Altos Amazônicos (NAEA), naUniversidade Federal do Pará (UFPA). Rogério é jornalista. Nananié jornalista. Guilherme é historiador e técnico da FASE Pará.

2 - Amazônia a as novas frentes de Expansão Mineral e doAgronegócio no Sul e Sudeste do Pará21

Batista Afonso é um militante dos direitos humanos numaexplosiva região da Amazônia, o sudeste do Pará, onde é ocoordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no municípiode Marabá, cidade polo da região. Afonso é advogado e integra ocolegiado nacional da CPT, instituição ligada à Igreja Católicaalinhada na defesa da reforma agrária. A disputa pela terra na regiãosudeste do Pará imortalizou a mesma como a mais sangrenta dopaís. Capítulo escrito com grande violência na década de 1980, como registro estimado em quase 600 casos de mortes contra camponeses,com quase cem por cento de impunidade.

A última década, contada a partir do Massacre de Eldorado doCarajás, fez com que a região experimentasse profundastransformações. Modificações indicadas a partir do reconhecimentode inúmeras áreas ocupadas como projetos de assentamento, avançoda exploração mineral tendo como sujeito a Vale, implantação degrandes frigoríficos, como o do grupo Bertin, a “compra” massivade várias fazendas pela Agropecuária Santa Bárbara,“empreendimento” rural do banqueiro Daniel Dantas, suspeito deum mundo de crimes no sistema financeiro. No entanto, a efetivaçãode projetos de assentamento não fez com que a atividade pecuáriasofresse algum refluxo.

Ao mesmo tempo o polo de gusa se amplia em Marabá, imensasobras de infraestrutura do Governo Federal ativam a migração einchaço das cidades polo e pequenas cidades onde os projetos demineração iniciam, como no caso de Ourilândia do Norte, Tucumã,Canaã de Carajás, Floresta do Araguaia e São Félix do Xingu. Se na

21 Trabalho publicado no site da rede www.forumcarajas.org.br em agosto de 2008.

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década de 1980 o fazendeiro aplacava a diferença sobre o domínioda terra contra o camponês com um 38, vivencia-se, hoje, umprocesso de criminalização a partir de condenações de dirigentes eadvogados por conta das ações de ocupações. A exemplo do queocorreu no caso do Batista Afonso e em seguida com mais trêsdirigentes do MST e dos garimpeiros.

O capital se alastra sobre as terras amazônicas, advoga suaperspectiva de desenvolvimento da região em editoriais de grandesjornais, notas de primeira página em edições dominicais, emreportagens que indicam que fora de tal diapasão não há saída, comomatéria publicada na revista Exame sobre os louros do projeto damultinacional do setor de alumínio, Alcoa, que explora bauxita nopequeno município de Juruti. Os dias de hoje registram outromomento de tensão no sul e sudeste do Pará e em outras áreas daAmazônia, com um radical avanço do interesse do capital sobre aterra e os recursos nela existentes. A cortina de tal teatro de destruiçãojá foi erguida em anos distantes. A história de mortes, destruição danatureza, apropriação irregular de terra, corrupção pública,hegemonia do poder da grana deixam isso evidente. É sobre ocomplexo contexto vivenciado hoje no sudeste do Pará que BatistaAfonso reflete nesta entrevista concedida a Rogério Almeida,colaborador da rede Fórum Carajás.

Fórum Carajás (FC) – Qual o contexto atual no sul e nosudeste do Pará?

Batista Afonso (BA) – A reflexão que os movimentos da regiãofazem hoje é que a região está vivendo uma nova investida do capital,que na verdade não é nova, existe desde 1960, quando se descobriua reserva de minério de Carajás. Mas, a tensão antes residia na açãodo latifúndio contra os camponeses e assessores. Foi isso que tornoua região conhecida mundialmente. A questão do minério estavaconcentrada no município de Parauapebas. Recentemente o capitalda atividade minerária avançou sobre outros municípios, triplicandoou quadruplicando os investimentos. Isso impulsiona outrasatividades, como a produção de gusa. A produção de gusa alavanca aexploração irregular de madeira, a produção de carvão baseada namão-de-obra escrava e a monocultura de eucalipto. A mineraçãoimpacta hoje não apenas Parauapebas, mas também Canaã dosCarajás, com a exploração de níquel através do projeto Sossego e o

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Salobo. Há ainda a ampliação do polo de gusa de Marabá e o anúncioda aciaria da Vale para a produção de liga de ferro. Os municípiospróximos a Marabá sofrerão grandes impactos com essa nova frente.Tem os casos ainda de Ourilândia do Norte, Tucumã, Água Azul doNorte, São Feliz do Xingu através da mineração da Onça Puma dogrupo Vale e vários outros projetos, como em Floresta do Araguaia.Há outras mineradoras internacionais em Xinguara e Rio Maria. Ainvestida do capital a partir da mineração acarreta uma série desituações de conflitos contra os posseiros, os assentados, contra ostrabalhadores que residem nessa área de interesse das mineradoras.Há inúmeros projetos de assentamento em áreas de interesse dosetor da mineração. Tais projetos de mineração tendem a atrair umaforte migração para a região. Em municípios como Marabá,Parauapebas, Ourilândia e vários outros há uma projeção decrescimento populacional, salve em engano, calculada numa margemacima de 8% ao ano. Não há emprego para toda essa população quemigra, que acaba por engrossar as populações marginais nas periferias.Marabá registra hoje inúmeras ocupações urbanas. A situação émarcada pela precariedade, sem apoio das prefeituras locais. Asituação é de pobreza. As questões ambientais dos grandes projetosde minerais são graves e não são fiscalizadas, como a poluição dosrios e do ar. A atividade da mineração anima a tensão tanto no campocomo na cidade.

FC – Como é o caso da Mineração Onça Puma (MOP)no município de Ourilândia do Norte?

BA – O caso é uma expressão do poder que possui a Vale eoutras empresas de mineração que se implantam aqui na região. Asempresas são indiferentes às comunidades que residem aqui. O podereconômico se impõe sobre qualquer outro direito da população local.A MOP decide implantar um gigantesco projeto de mineração ondevivem oitocentas famílias assentadas somente no raio de abrangênciado projeto. A lei é clara, a empresa tem a licença de pesquisa e oalvará de exploração do minério. Mas, para a mina funcionar necessitaresolver o problema das pessoas que vivem na área, posseiros,proprietários etc. A empresa não pode passar por cima das pessoas,abrir o buraco que quiser e expulsar as pessoas. Pelo código demineração o projeto só pode ser implantado depois a resolução doproblema dos que moram na área. A MOP saiu comprando lotes da

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reforma agrária ignorando que não podia fazer negócio com osassentados e destruir o patrimônio público ali encontrado.

FC – Em que pé se encontra a questão hoje?BA – Sobre os abusos da empresa a gente ingressou no

Ministério Público Federal (MPF). O MPF decidiu protocolar açãocivil pública na justiça federal de Marabá para requerer que a MOPcessasse os abusos e pagasse aquilo que fosse de direito dostrabalhadores que tiveram de sair da área. Só que, antes do MPF aProcuradoria do INCRA de Brasília interpôs a ação. Não avaliamosde forma positiva a ação da Procuradoria. O correto seria aProcuradoria do INCRA ter procurado o MPF para combinar umaação única. Assim teremos uma ação com mais peso. O MPF temdois caminhos, ingressar na ação com novas denúncias e documentosou não ingressar e ficar como fiscal da lei. A nossa expectativa é queo MPF ingresse como membro da ação. Isso trará mais legitimidadee melhores condições na defesa dos interesses dos trabalhadores. Agente necessita entrar com outras ações.

FC – O movimento já possui uma avaliação sobre os reaisinteresses do grupo do senhor Daniel Dantas na região?

BA – A gente ainda não tem uma clareza. Mas, há indícios fortesde lavagem de dinheiro, como já noticiou a imprensa. Mas, issonecessita ser investigado pela justiça. Outra questão são os interessesdo agronegócio a partir das monoculturas, como a soja e a cana, odito agronegócio mais moderno. A gente acredita que esse setordeseje controlar áreas já devastadas pela pecuária. A soja e a canahoje gozam de bastante incentivo do governo por conta dos bio-combustíves. Há ainda a valorização das commodities no mercadointernacional. O sul e o sudeste possuem grande interesse dessafrente. Aqui não há mais floresta. Tudo foi transformado em capim.Os nossos vizinhos Maranhão e Tocantins estão repletos de soja eeucalipto. A monocultura de eucalipto já ocupa boa parte das terrasdo oeste do Maranhão, nos municípios de São Pedro da Água Branca,Açailândia e Imperatriz. O cultivo já ultrapassou a fronteira. Hoje asregiões sul e sudeste do Pará já possuem uma imensa área plantada.Assim como o gado cruzou a fronteira tempos atrás, as monoculturasestão fazendo isso hoje.

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FC – O movimento já conhece a quantidade de áreascontroladas pelo grupo Santa Bárbara?

BA – O que a gente conhece é o que a imprensa divulgou, emtorno de 500 mil hectares de terras. Considerando o curto espaçode tempo para a aquisição das áreas, a gente sugere que há algo deerrado. Há muito dinheiro envolvido. Fazendo um paralelo com ocaso da fazenda Cabaceiras, a família Mutran pediu de 30 a 40 milhõespara a desapropriação. As áreas comercializadas pelos Mutran nãosão inferiores a esses valores. Tem ainda o gado. Devem ter compradoporteira fechada. Isso tudo consolida a suspeita de lavagem dedinheiro.

FC – E sobre a questão da legalidade da comercializaçãoda terra, não era apenas uma concessão do Estado para oextrativismo da castanha?

BA – Isso o Governo Federal e o estado do Pará devem investigarmelhor. Não somente as áreas do grupo Santa Bárbara, mas tambémde outros casos, como do Grupo Rio Vermelho e Mutran. A nossaquestão fundiária é bem delicada. As terras eram do Estado e depoisforam aforadas e de uma hora outra para outra se tornaram títulodefinitivos. Isso precisa ser investigado. Há uma margem de terraspúblicas incorporadas por esses grupos junto à faixa considerada legal.Uma triagem do Governo Federal e do estado vai encontrar váriasirregularidades.

FC – Isso é o caso da fazenda Peruano dos Mutranocupada pelo MST?

BA – Quando a Peruano foi ocupada a imprensa alardeou que afazenda era exemplo de produtividade. Isso foi um estardalhaço geral.A imprensa defendia a propriedade como modelo, a mais produtivado sudeste do Pará. Ao final da investigação realizada, conclui-seque mais da metade era irregular e foi devastada completamentepara a implantação da pecuária e a reserva florestal acabada. A parteque é considerada legal não há reserva de floresta legal. A fazendatinha anda registro de trabalho escravo em 2003. O conceito dapropriedade produtiva é meramente ideológico. É uma forma deencobrir um festival de irregularidades. As áreas submetidas aoscritérios previstos na Constituição Federal não resistem à primeirainvestigação para se concluir que de produtivo não tem nada.

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FC – Qual a avaliação do movimento com relação àfazenda Maria Bonita? Será desapropriada?

BA – A expectativa é que o Instituto de Terras do Pará (ITERPA)e o INCRA realizem a triagem sobre a área. Não resta dúvida que atriagem vai encontrar ali terra pública incorporada ilegalmente.Aquela área ali está numa localização estratégica, situada na beira daPA-150. É uma área propícia para a reforma agrária.

FC – E quanto aos atos da Justiça com relação às açõesdos movimentos que defendem a reforma agrária na região?

BA – No caso da justiça estadual ela sempre manteve (juízes epromotores), relação estreita com o latifúndio local. Sem falar naspolicias militar e civil. Aqui sempre foi comum a expedição deliminares de reintegração de posse, como se diz aqui na região, nascoxas. Não havia cuidado de averiguar se há posse de boa fé ou nãoou crimes de grilagens. A partir da pressão dos movimentos sociaisas varas agrárias foram efetivadas e o Tribunal de Justiça criou umacomissão de combate à grilagem de terras. A maioria das varas agráriastêm o cuidado de averiguar a legitimidade dos títulos de terras. Mas,infelizmente não temos juízes atuando sempre na vara agrária, poishá casos de licenças e férias. Aí ocorre o caso dos cargos seremocupados por juízes comuns, que não conhecem a questão. Quandoisso ocorre muitos juízes repetem a mesma linha de atuação queexistia antes das varas agrárias.

FC – Foi o que ocorreu no caso da fazenda Maria Bonita?BA – Isso. A orientação aqui na região é que antes da decisão da

reintegração de posse deve haver uma audiência prévia e o debateentre o INCRA e o ITERPA. Só que a juíza expediu a liminar semcumprir essa etapa, ferindo diretrizes da vara agrária e acordos doTribunal de Justiça e a Ouvidoria Agrária audiência a um mês atrás.Outro aspecto é a atuação da Justiça Federal. Aí entram os interessesdos grandes grupos de mineração, em particular a Vale. Quando seintensifica a luta dos movimentos sociais por conta da expansão damineração, isso tem se transformado em processo e a decisão temsido dura contra os movimentos sociais.

FC – E quanto à sua condenação de dois anos e meio dedetenção?

BA – A minha condenação é um caso claro. A pena estabelecidade um a três anos o código diz que só pode se aproximar do máximo

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quando o acusado possuir péssimos antecedentes, responder a outrosprocessos, possuir antecedentes que o desabonem na sociedade. Nãoé o meu caso. Não respondo a outro processo, tenho ocupaçãodefinida, residência fixa etc. Mesmo assim o juiz Carlos Haddadarbitrou ao máximo a pena. Além disso, em condenações estipuladasaté quatro anos, cabe a pena alternativa, benefício que foi negado.Em tese a avaliação é que a intenção da justiça é impor um retrocessoao movimento social da região.

FC – E a condenação dos militantes do MST e dosgarimpos, segue a mesma linha?

BA – Ocorreu a condenação de três militantes do MST e dosgarimpeiros pela obstrução da ferrovia de Carajás. Cada um foicondenado a pagar multa de cinco milhões de reais. No nosso pontode vista é uma questão absurda ética e moralmente, sem falar noaspecto jurídico. As multas estabelecidas eram multas individuaispara todos os ocupantes que desobedeceram à ordem da justiça. Osadvogados da Vale calcularam que cerca de 700 pessoas ocuparam aferrovia. Baseado nos valores calculados pelos advogados da Vale ojuiz decidiu imputar a multa somente aos três dirigentes. A avaliaçãoque a gente faz é que o sentido desse tipo de ato é criminalizar osmovimentos sociais.

FC – Quantas são as ocupações que aguardam adesapropriação de terras para reforma agrária na região?

BA – Hoje no sul e no sudeste a gente estima em cem ocupaçõescom uma população aproximada de 12 mil famílias.

FC – Para finalizar, qual a perspectiva para região ante ocenário de expansão da produção mineral e do agronegócio?

BA – A avaliação é que as tensões irão continuar. Mas, com umaligeira mudança. A expansão dessas frentes muda a relação com ocamponês. O latifúndio antes resolvia os seus interesses com o 38.As frentes de mineração e do agronegócio não agem assim. Eles nãosujam a mão desse jeito. Eles agem no sentido de criminalizar edifamar as ações do movimento social. Além da impunidade. Oprocesso ocorre através da mobilização de vários advogados dasgrandes corporações que movem várias ações contra os dirigentes.A justiça que nós temos ainda mantém uma visão preconceituosacontra os movimentos sociais e considera que o poder econômicodeve prevalecer. Hoje temos uma dezena de dirigentes sendo

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processados. Precisamos acompanhar isso com muito cuidado sob apena desses dirigentes serem condenados e terem suas vidasinviabilizadas. Outro lado é a campanha realizada pelas grandescorporações nas empresas de comunicação através de reportagensparciais, enquanto os crimes por eles cometidos são omitidos.

FC – Qual a saída?BA – Somar forças. A união entre indígenas, lavradores,

quilombolas e trabalhadores em geral.

3 - Extrativismo Mineral em Juruti: passivos sociais eambientais e a peleja dos nativos contra o Grande Projeto22

Juruti, município cravado a oeste do Pará, com mais de cemanos de existência, dono de densa floresta repleta de castanheiras,escapou do anonimato por conta de situação de conflito que envolvea mineradora estadunidense Alcoa, uma das maiores do mundo nosetor de alumínio, num extremo; e populações consideradastradicionais no outro.

Desde a década de 1980 a região experimenta o ciclo doextrativismo mineral. A Mineração Rio do Norte (MRN), empresado grupo Vale, explora bauxita no município de Oriximiná. Elaprotagonizou um dos maiores acidentes ambientais da Amazônia,ao depositar por mais de 10 anos, rejeitos do processo de mineraçãono lago do Batata.

A situação de disputa pelo território e os recursos nele existentesimpregnam a aquarela de tensão na Amazônia. Nuances quedialogam com processos gerados em grandes centros dedesenvolvimento que demandam matérias primas, como no casoda China, bem como os processos de integração regional como aIniciativa de Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana(IIRSA) e o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), da alçadado Governo Federal.

22 Trabalho publicado originalmente do blog Furo e na página da redewww.forumcarajas.org.br em fevereiro de 2009.

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No horizonte, o Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES) emerge como ponta de lança. Nocaso do projeto de extração da bauxita, uma mina de cerca de 700milhões de toneladas de minério de excelente qualidade, o bancoentra com 500 milhões de reais do total de um bilhão a ser aplicado.

Em fevereiro de 2009 o Instituto de Terras do Pará (ITERPA)mediou um debate sobre mais de um milhão de hectares de terraspúblicas na região. Um dos sujeitos econômicos e sociais que agitama disputa pela terra e as riquezas lá existentes é a Vale, que protocoloujunto ao Departamento Nacional de Produção e Mineração(DNPM), 21 pedidos de direito de prospecção e lavra. A pelejaenvolve ainda comunidades indígenas e tradicionais, grileiros deterras e madeireiros.

Ajudam a agitar a pororoca de tensões uma agenda de construçãode cerca de 10 hidrelétricas e hidrovias. Isso sem falar na monoculturada soja e um porto de escoamento do grão da também estadunidenseCargil.

No caso da Alcoa em Juruti, as 60 comunidades, cerca de novemil pessoas, decidiram pela ocupação de pontos estratégicos no dia28 de janeiro de 2009, quando ocorria em Belém, o Fórum SocialMundial. A medida, explica um dos coordenadores do movimento,foi uma forma de chamar a atenção do mundo e da sociedade sobreas irregularidades cometidas pela Alcoa no território dos camponeses.

É domingo, 15 de fevereiro de 2009. Chove em Belém. Nobairro do Jurunas, celeiro de manifestações carnavalescas, avizinhança se agita. Estamos na parte do bairro próxima à CidadeVelha, onde as trupes de momo costumam se concentrar. Na casade religiosas encontramos o dirigente Gerdeonor Pereira, pai dequatro filhos, camponês do Projeto de Assentamento ExtrativistaJuruti Velho, que vai contar um pouco do que ocorre no coração daAmazônia desde 2000.

Furo – O que motivou a manifestação de ribeirinhosafetados pelas obras da mineradora Alcoa?

Gerdeonor Pereira (GP) – A primeira motivação foi aproveitara oportunidade de chamar a atenção do mundo para os problemassociais e ambientais que estamos sofrendo por conta da mineraçãoda Alcoa. Era a época do Fórum Social Mundial (FSM). O mundoestava de olho em nós. A gente queria aproveitar isso e chamar a

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atenção da sociedade brasileira. O segundo momento foi pressionara empresa a assinar um termo de compromisso que tentamosnegociar desde 2005. A empresa não levou a sério. Ela saiu da mesade negociação após conseguir a licença prévia (LP).

Furo – Nesse intervalo de tempo, o que os camponesesfizeram?

GP – Nesse meio tempo continuamos a nossa jornada de luta emSantarém, em Belém e em Brasília com a empresa, Instituto Nacional deColonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Ministério Público (MP).

Furo – Qual era a inquietação?GP – O reconhecimento da comunidade como população

tradicional. Temos mais de século de história. A empresa nãoreconhece a gente como população tradicional e nem a nossaAssociação de Comunidades Ribeirinhas do Distrito de Juruti Velho(ACORJUV). A empresa queria que a titulação do INCRA fosseindividual. Assim fica mais fácil de manipular. O nosso pleito é atitulação coletiva.

Furo – Vocês moram no Projeto de AssentamentoExtrativista (PAE) de Juruti Velho?

GP – Isso. O nosso PAE foi criado em 2005. Somos mais denove mil pessoas.

Furo – Quais os principais danos que a Alcoa provoca naregião?

GP – No caso dos ambientais temos o desmatamento de 800hectares de floresta. Em nosso PAE são 40 hectares. Centenas decastanheiras foram derrubadas e enterradas. Perdemos a conta dosigarapés que foram soterrados e as cabeceiras de rios contaminadas.A Secretaria de Meio Ambiente (SEMA) que deveria fiscalizardemora para ir até Juruti. A Alcoa no Estudo de Impacto Ambiental(EIA-RIMA) desconsidera que a gente existe. A gente não se encontrano EIA. São 3.500 famílias de 60 comunidades.

Furo – Como foi a ação de mobilização?GP – Colocamos 1.500 pessoas no dia 28 de janeiro. Bloqueamos

a área da ferrovia, porto e a rodovia e ficamos na porta da base daempresa. A polícia chegou e jogou gás de pimenta e bombas de gáslacrimogêneo na gente. Ficamos nove dias acampados.

Furo – Quantas são as reivindicações e quais as principais?GP – Temos 15 pontos em nossa pauta. Consideramos os

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principais a indenização pelos danos e prejuízos já sofridos.Pagamento pela ocupação do terreno. A Alcoa vai ficar em nossaterra uns 70 anos. Ela vai ocupar 50 mil hectares. A floresta queexiste vai ser derrubada. Queremos ainda 1,5 % de participação dalavra da bauxita e pagamento da retirada da água de nosso lago. AAlcoa vai usar cinco mil litros de água por hora do lago Juruti Velho.Desejamos ainda uma agenda de compromisso que contemple as60 comunidades que moram no distrito de Juruti Velho.

Furo – Qual o tamanho do PAE Juruti Velho?GP – 109 mil hectares. Estamos numa frente de atuação chamada

Juruti em Ação. Tem pessoas e organizações do município e gentede fora da região. Movimentos sociais, como a Via Campesina.

Furo – E quanto às empresas que estão dentro do PAE?GP – Queremos que elas se retirem do assentamento. Hoje

temos duas. A CNEC Engenharia, responsável pelos Planos deControle Ambiental (PCA). São 35 PCA. Enquanto a gente trabalhapara unir as prestadoras de serviço da Alcoa fazem o caminho oposto.No dia 02 de março o Walmir Ortega, que é o secretário de meioambiente, vai debater com a gente os 35 PCA. Até agora a gente nãoconhece nenhum. Esperamos que o Ortega compareça. Na semanaque foi de negociação (09 a 13 de fevereiro), o secretário mandouapenas técnicos.

Furo – O que há de compromisso firmado?GP – Os danos e prejuízos a Alcoa se comprometeu em pagar.

Temos um documento assinado pelo representante da empresa naAmérica Latina, Franklin Feder e os outros diretores. A Alcoatambém assinou o documento sobre a participação no lucro da lavra.Isso depende da titulação da terra, que deve sair até o dia 15 de abril,conforme negociação com o INCRA. Pelejamos peloreconhecimento de nossas terras há 28 anos.

Furo – Nessa semana de negociação quem estava à mesacom vocês?

GP – A empresa, o INCRA, o Instituto de Terras do Pará(ITERPA), os Ministérios Públicos Federal e Estadual e o AndréFarias, secretário de estado.

Furo – Qual era a pauta com os MP?GP – Queríamos saber das audiências realizadas nas

comunidades e informação sobre a ação movida contra a Alcoa.

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Furo – E com o órgão fundiário do Estado?GP – Com o ITERPA a nossa agenda tem questões com duas

glebas Curumucuri e Mumuru.Furo – Quais são as reinvidicações para o Governo do

Estado?GP – Questões com o meio ambiente e investimentos na saúde,

educação, moradia e eletricidade. Onde moramos não há energiaelétrica. Temos energia somente de 18 da tarde às 23 horas. É nabase do gerador que funciona com diesel. A prefeitura é que abastece.O secretário de estado André Farias assinou documento garantidoque antes do ano acabar a gente tem energia elétrica.

Furo – Já existe algum projeto de energia?GP – Temos um projeto firmado no valor de seis milhões entre

INCRA, prefeitura e a nossa associação para a construção de umamicro-central de energia. Isso foi documentado e filmado. Aimprensa aqui não tava falando nada. Começou somente depois quefuramos o bloqueio da região.

Furo – Qual é a agenda com a Secretaria de MeioAmbiente?

GP – Primeiro que o secretário não foi falar com a gente. Elemandou uma equipe técnica. Nós não aceitamos. Há coisas em nossaagenda que o técnico não pode decidir. Somente o secretário.Precisamos rever os PCA. Necessitamos de um marco legal sobre aretirada da água do nosso lago.

Furo – Como vocês avaliam o processo de luta?GP – Avançamos com algumas coisas. Como a titulação da terra.

O INCRA tem até o dia 15 de abril para resolver o assunto. Com aAlcoa avançamos com relação ao pagamento dos danos e prejuízoscausados. Mas, com a empresa a gente fica com o pé atrás. Naempresa é delicado confiar.

Furo – A empresa não costuma cumprir o que assina?GP – Nos Projetos de Assentamento (PA) Socó I e Socó II a

Alcoa assinou acordos e não cumpriu. É nesses PA que passa aferrovia. A empresa prometeu a construção de desvios e passarelas enão fez nada. Não fez escola e nem as estradas. A Alcoa fez umaagenda de compromisso com a comunidade dos PA e não cumpriu.

Furo – Como você avalia a empresa nesse processo?GP – Na verdade ela não queria pagar nada. A alegação dos

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advogados da empresa é que a mineração é um processo devastadore que não tem que indenizar os moradores. Estamos exigindo o queo código de mineração nos garante. Mesmo que ela pague os nossosprejuízos, esse dinheiro não vai cobrir a destruição de 50 mil hectaresde floresta nativa.

Furo – O que falta para a empresa iniciar a lavra?GP – A licença de operação. O processo para a lavra exige três

etapas. A licença prévia, licença de instalação e a de operação. A licençade operação está condicionada ao pagamento das indenizações.

Furo – Como é a fiscalização?GP – Temos um problema sério. Os técnicos da SEMA quando

vão para o campo ficam nas estruturas da Alcoa. Como vou fiscalizarum projeto e fico dentro da estrutura da empresa? Não conhecemosos PCA. Eles ficaram de entregar os documentos até o dia 22 defevereiro. E ficamos de discutir tudo no dia 02 de março com osecretário Ortega.

Furo – Como é ler o EIA-RIMA?GP – É complicado. É muito grande e tem muita informação

técnica. Mas, a gente entendeu quando eles disseram que a gentenão existe e nem a floresta. E que não vai haver alteração em nossosrios e igarapés. As águas dos igarapés Fifi, Maranhão e Juruti já estãosendo afetadas. Essas informações eles omitem. A empresa pisou nalei brasileira. A gente compreende que seria necessário o EIA-RIMApara o porto, outro para a rodovia e outro para a ferrovia.

Furo – Quem vai avaliar os danos e prejuízos da Alcoa?GP – Uma empresa que o INCRA vai indicar.Furo – Além da Alcoa, tem mais gente pressionando sobre

os recursos naturais?GP – Os madeireiros. Ano passado denunciamos a retirada ilegal

de seis balsas de madeira.Furo – E no boletim de ocorrência feito pela Alcoa contra

a ação de vocês, quais foram as acusações?GP – A empresa denunciou que a gente tava fazendo formação

de quadrilha e invasão da propriedade privada. Os advogados da Alcoaindicaram o meu nome, o nome da irmã Brunildes e da nossaadvogada Regiane e do companheiro Antonio Marcos. A genteentende que quem invadiu foi a Alcoa. Isso deixa a gente mais

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indignado. Sou agricultor familiar, pai de quatro filhos e nunca tiveuma passagem na polícia. Depois eles retiraram a queixa. Fez parteda negociação.

Furo – E a imprensa local, como funciona?GP – E difícil de falar dos danos provocados pela empresa.

4 - Maranhão - as vísceras do Sertão23

O Maranhão é o principal estado exportador de mão-de-obraescrava. No sul do estado, grandes corporações como Bunge e Cargilhegemonizam o cultivo da monocultura da soja. A mesma regiãoregistra vários casos de trabalho escravo e imensas fazendascontroladas por produtores oriundos do Sul do país em parceriacom a família Sarney. Açailândia e Balsas estão entre os municípiosque mais desmatam no estado, informam os dados do InstitutoBrasileiro dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).Respectivamente os municípios estão no oeste e sul do estado, regiãode pré-Amazônia, onde incide o bioma cerrado.

O primeiro município abriga um polo de produção de ferro-gusa; já o segundo um polo de produção de soja. Ambos osempreendimentos gozaram de generosos incentivos fiscais dogoverno para a instalação.

No mundo erguido pelos projetos, intensivos no uso dosrecursos naturais, o rastro de passivos serpenteia na paisagem marcadapelo bioma cerrado, onde se localizam várias nascentes de rios,germinam um universo marcado pela degradação ambiental, trabalhoescravo e prostituição de crianças.

Antonio Gomes de Moraes, conhecido como “Criolo”, émilitante da Comissão Pastoral da Terra (CPT) de Balsas, sul doMaranhão e integra a frente de defesa do bioma cerrado na região.Ele pinça um pouco do vasto mundo do sertão do Maranhão, oestado que exporta mais de 40% de toda mão-de-obra escrava libertaem todo o país.

23 Trabalho publicado originalmente em dezembro de 2008 no site da redewww.forumcarajas.org.br

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Furo – Qual a área de atuação da diocese?Antonio Gomes (AG) – Temos aqui na diocese de Balsas 18

municípios (Balsas, Mirador, Alto Parnaíba, Riachão, Feira Nova,Fortaleza dos Nogueiras, São Raimundo das Mangabeiras, Loreto,Benedito Leite, São Domingos do Azeitão, Nova Iorque, Sucupirado Norte, Fortaleza dos Nogueiras, São Félix de Balsas, Nova Colina,Tasso Fragoso, Sambaíba e Pastos Bons). Mas, o total abrange cercade 28 cidades, limitando com os estados do Tocantins e Piauí, paraonde se alastra a fronteira agrícola da soja.

Furo – Como se configura o cenário aqui na região sul doMaranhão?

AG – Os grandes projetos aqui na região, baseados namonocultura da soja, cana, e as carvoarias configuram como osgrandes desestabilizadores do mundo rural da região. A históriacomeçou aqui no fim de 1970, com a presença dos sulistas para ocultivo da soja. Depois vieram os paulistas e por último a turma doMato Grosso. Isso se deu graças aos incentivos do governo.

Furo – Quais as empresas que estão aqui na região deBalsas?

AG – As maiores aqui são a Bunge e a Cargil.Furo – Onde se concentra a monocultura de soja?AG – Balsas, Tasso Fragoso e Alto Parnaíba são os municípios

com maior incidência. Para se ter uma ideia somente a fazendaAgroserra, na fronteira dos municípios de São Raimundo dasMangabeiras outra parte em Fortaleza dos Nogueiras, controla 230mil hectares. A propriedade é da família Ticianeli, de origemparanaense. São três irmãos. Soubemos que a família Sarney possuiações no grupo. Creio em que em 2005 cerca de 1.700 trabalhadoresforam flagrados em condições degradantes de trabalho na produçãoda cana.

Furo – Além da Agroserra, que outras fazendas possuemesse gigantismo?

AG – Carolina do Norte, Parnaíba, Nova Holanda, depropriedade da família Sarney. No momento são as que lembro,mas tem mais.

Furo – Como fica o rio Balsas e a vegetação local?AG – Outro dia fizemos umas imagens áreas. O rio Balsas se

encontra totalmente degradado e a sua mata ciliar em destroços. O

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desmatamento aqui é o mais perverso possível. A prática é docorrentão, que consiste em amarrar uma grande corrente em doistratores para a derrubada da mata nativa, no caso aqui, o cerrado.

Furo – E como fica a madeira?AG – A madeira é utilizada para a produção de carvão vegetal

que alimenta as empresas de gusa.Furo – A produção de carvão é indicada como fonte de

trabalho escravo, aqui também é assim?AG – Aqui temos trabalho escravo nas fazendas de grão e cana e

nas carvoarias. Em 2004 foram libertados 28 trabalhadores em SãoRaimundo das Mangabeiras na produção de carvão vegetal, em 2005foram libertados mais 20 em Tasso Fragoso, em fazenda de soja. Emoutubro foram soltos no município de Balsas em fazenda de sojamulheres e crianças.

Furo – Na questão além da destruição da mata ciliar e docerrado, que outro passivo a monocultura da soja provoca?

AG – Temos a poluição. A monocultura de soja é tratada atravésde aviões. E na questão social registram-se a expropriação camponesa.O Maranhão é hoje o principal exportador de mão-de-obra escrava.Muito se deve às monoculturas que expulsam as famíliascamponesas. Para se ter uma ideia da tragédia do trabalho no estado,o Maranhão responde com 40% de toda mão de obra escrava libertadaem todo o país. Isso se configura como um desastre social.

Furo – Qual o balanço que o senhor faz da soja na região?AG – Venderam que Balsas ia ser o melhor lugar do mundo.

Balsas é um bom lugar para poucas pessoas, somente para os quepossuem dinheiro. Para a gente fica o deserto, a terra e a água poluídapelo veneno lançado pelos aviões.

Furo - Já ocorreu algum caso de óbito de animais oupessoas por contaminação?

AG – Tivemos o caso do lugar do Vão da Salina, aqui em Balsas, oregistro de óbito de animais. Em Loreto também tivemos registros dedois óbitos de crianças. O caso ocorreu na comunidade conhecida comoBrejão, um projeto chamado Serra Vermelha, do ex-ministro daagricultura, Roberto Rodrigues. Em uma semana todas as famílias dacomunidade tiveram o mesmo problema de saúde: vômito e diarreia.No fim da semana as duas crianças vieram a óbito no mesmo dia.

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Furo – O que dizia o laudo médico?AG – Os médicos se recusaram a informar a causa mortis. Sabe-

se ainda da morte de animais no mesmo perímetro.Furo – O senhor faz ideia da quantidade de veneno usado?AG – Em um hectare de soja são colocados 509 quilos de

produtos químicos durante todo o cultivo.Furo – Como tem sido a ação dos movimentos sociais da

região com relação a esses passivos sociais e ambientais?AG – Nos anos de 1980 era mais atuante. Já nos anos de 1990,

quando Fernando Henrique assume o governo, a gente avalia queengessou o movimento. Hoje os sindicatos estão bitolados emencaminhar aposentadorias rurais. É a burocratização do movimentoe a perda do espírito de luta.

Furo – Como é a ação da CPT na região?AG – A nossa equipe é muito pequena para a dimensão física e dos

problemas da região. A gente se empenha em tentar formar a militância.Furo – Tem havido ocupações na região?AG – Nos anos de 2000 tem-se registro de algumas ocupações

que esperam pela efetivação de projetos de assentamentos rurais.Isso de 2002 para cá. São os casos da fazenda Taboão, no municípiode São Raimundo das Mangabeiras, fazenda Sucupira e na fazendaPonteira, ambas no município de Riachão. São mais de 200 famíliasque estão na terra. Ainda pressionamos o INCRA para a efetivaçãodos projetos de assentamento.

Furo – Falando em INCRA, como funciona aqui naregião?

AG – Em assembleia dos movimentos sociais aqui foi pedido oafastamento de quatro funcionários que estavam em conluio comfazendeiros. Aqui a instituição é muito lenta.

Furo – Queria voltar ao assunto sobre trabalho escravo.E quanto aos acordos coletivos em que os sindicatos detrabalhadores rurais (STR) integram o grupo que trata doassunto, como se desenvolve?

AG – Primeiro que esses acordos coletivos de trabalho em suamaioria tem sido mero faz-de-conta para mascarar o trabalho escravo.Às vezes os STR funcionam mais como um desagregador dos

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trabalhadores. Voltemos ao caso da Agroserra. Em dois casos houvemanifestações dos trabalhadores contra a empresa. A fazenda produzsoja e cana.

Furo – Quando a monocultura da cana chegou?AG – A Agroserra que trouxe, têm 21 mil hectares cultivados,

onde 16 mil são irrigados. É a morte do rio Neri. A empresa dooutro lado detona as cabeceiras do rio Itapecuru. O lugar fica ali naReserva Estadual do Mirador, uma ilha cercada de soja e agora canapor todos os lados. Mais de 500 famílias estão sendo retiradas dareserva. Quando da criação do parque na década de 1980, o governose manifestou pela garantia do reassentamento das famílias, quenunca ocorreu.

5 - Baixo Amazonas, grandes projetos e as comunidades

tradicionais24

Publicado originalmente no site da Rede Fórum Carajás em maio de 2009

Irene Pinheiro, dirigente popular do Baixo Amazonas, Foto: Rogério Almeida

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Há algum rincão na Amazônia em que não haja situação detensão pelo controle do território e dos recursos lá existentes? Aoeste do Pará, região banhada pelo principal rio da Amazônia, oAmazonas, incidem situações entre comunidades tradicionais e asgrandes corporações de mineração, de monocultivos e projetos degeração de energia.

Lá a empresa Mineração Rio do Norte (MRN), com controleacionário do grupo Vale em associação com a BHP Billiton, Alcan,CBA, Alcoa Alumínio, Alcoa Word Alumínio, Nork Hidro do Brasile a Abalco extrai a matéria prima para a produção de alumínio, abauxita, faz mais de três décadas.

A atividade protagonizou o desastre ambiental do Lago do Batata,com o depósito dos rejeitos do processo da extração mineral poruma década (1979 a 1989). O desastre do Lago do Batata éconsiderado um dos mais graves acidentes ambientais da Amazônia.

Na mesma região a Cargil é responsável pelo monocultivo dasoja e a Alcoa ergue uma planta industrial para a extração de bauxitano município de Juruti. A extração é responsável pela derrubada decerca de 300 hectares de floresta por ano. O empreendimento contacom o financiamento do Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES).

Em oposição a processos de implantação de grandes projetos naregião os segmentos contrários realizam seminários, fóruns edistribuem, por meio da internet manifestos, relatórios e denúnciassobre as expropriações que sofrem as comunidades consideradastradicionais.

Irene Pinheiro integra o movimento quilombola de Oriximiná.Soma 48 anos. É mãe de três filhos a caçula com 15 anos, a segundacom 21 e o terceiro com 23, separada, graduada em ciências sociais,fala ao Fórum Carajás sobre as dinâmicas econômicas, sociais e políticasda região. Irene anima o movimento de mulheres da região do BaixoAmazonas. É uma quilombola da comunidade Irepecuru Cuminá. Amilitante esteve em Belém, entre os dias 13 a 15 de maio para participardo encontro da coordenação do Fórum da Amazônia Oriental(FAOR), que reuniu organizações sociais do Maranhão, Pará,Tocantins e Amapá, na sede da Conferência Nacional dos Bispos doBrasil (CNBB). Foi lá que conversamos sobre a comunidade de Irene,as folias, as pelejas e as lutas sociais travadas na região.

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Fórum Carajás (FC) – A qual comunidade você pertence?Irene Pinheiro (IP)- Erepecuru Cuminá. São mais de 300

famílias. Em nossa cena cultural mantemos a folia chamada de aiué.Foi a família do meu pai que ajudou a multiplicar. Lembra a festa deSão Benedito. Realizamos sempre em janeiro. É uma dança.

FC- Há outras manifestações?IP- Temos ainda o lundu, a mazurca e a desfeiteira…FC -O que é a desfeiteira?IP- Funciona como se fosse um desafio. Tem os casais. Um diz

um verso para o outro e o rival tem de responder. Isso com músicae dança rolando.

FC- Como é a produção nas comunidades?IP- Tem ainda muita castanha do Brasil. É a base. Temos a

cooperativa que ajuda na organização. Mas, não conseguimos inserira mesma e seus derivados na merenda escolar. A agricultura familiarcom a produção de macaxeira e lavoura branca serve como formade subsistência. Algumas famílias produzem peixes e quelônios.

FC- Como anda a agenda da luta da mulher na região?IP– Temos em nossa agenda a criação de conselhos da condição

feminina e das delegacias das mulheres. Há problemas culturais como machismo. Isso se reflete nas estruturas de poder nos diferentesníveis da administração pública e na justiça.

FC- Já existem delegacias especiais na região?IP-Existe em Oriximiná, resultado de um seminário sobre

políticas públicas. Há uma delegada, mas ela não tem atuado comodelegada da mulher. Isso limita a nossa ação. A rotina acabaempurrando a ação da delegada para outros rumos.

FC- E com relação às questões ambientais, quais asprincipais demandas?

IP – Temos demandas com a empresa chamada Rio Tinto (anglo-australiana) no município de Monte Alegre, Óbidos e Alenquer. Vaiexplorar bauxita do lado direito do rio Amazonas, no rio Curuá. AAlcoa (estadunidense) encontra-se no município de Juriti naexploração de bauxita e a Mineração Rio do Norte (MRN), explorao mesmo minério em Oriximiná tem mais de trinta anos. Estes sãoalguns dos grandes projetos na região, sem falar na soja da empresaCargil em Santarém, cidade pólo. Tem-se ainda vários projetos dehidrelétricas para o rio Tapajós.

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FC- Quais os impactos sociais e ambientais que você notapor conta desses grandes projetos?

IP- Temos o assoreamento dos rios, a redução do pescado e aderrubada de floresta. Isso ocorre conforme as empresas avançam sobreos platôs, em particular na derrubada das castanheiras. Tem o históricoacidente do Lago do Batata, onde os rejeitos da extração foram depositadospor 10 anos.

FC- Como anda o lago hoje?IP- Recuperou um pouco. Mais não é como era antes. Nunca mais

vai ser.FC- A Vale faz associação com as comunidades?IP- Faz umas coisas pontuais na cidade. A empresa tem uma tal de

agenda 21 lá. O que a empresa faz muito na cidade é doar um computadoraqui outro ali, um carro para a secretaria da prefeitura. Há casos na zonarural da empresa implanta uma criação de alevinos…é isso…É tudo pouco.Muito pouco.

FC- Há uma agenda hoje do movimento quilombola daregião do Baixo Amazonas?

IP- Hoje não temos uma agenda bem definida como era antes, comoa briga pela titulação das nossas terras ancestrais. Ainda temos essa agendapela titulação, legalização das associações quilombolas e por política degeração de renda.

FC- E a agenda quilombola com o governo do Pará?IP- As comunidades quilombolas através da EMATER buscam uma

política de assistência técnica especifica. Estamos construindo isso. Temosações pontuais. As mulheres possuem mais ações. As mulheresquilombolas predominam na cena do movimento de mulheres.

FC- Você pode explicar melhor?IP- Os grupos parecem mais organizados. Temos ações em todos os

municípios da região. Hoje estão desenvolvendo no setor de produçãoatividades com defumados (galinha, porco e peixe) e com derivados dacastanha. É uma forma de conservar alimentos e agregar valor. Não temosenergia. Tem um experimento de defumados na comunidade de SantaRita. O trabalhão é feito através da Associação das Associações dasComunidades Quilombolas, paróquias, sindicatos, pastorais sociais, etc.

FC- Existe uma representação que congregue esse povo todo?IP- É a Associação das Organizações das Mulheres Trabalhadoras do

Baixo Amazonas, ela atua em 13 municípios da região, através de 32

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organizações associadas. Temos uma assembléia anual e é nesse espaçoque avaliamos as nossas ações e realizamos o nosso planejamento. Aassociação integra o colegiado do Território da Cidadania. Através dapolítica estamos buscando ações afirmativas na geração de renda. Em nossaagenda há a realização da primeira feira da produção feminina do oestedo Pará. O indicativo é que ela se realize em setembro no município deSantarém. Já realizamos três reuniões e estamos consolidando as parcerias.

FC- Quais as linhas de atuação do movimento de mulheres?IP- Temos a preocupação de emprego e renda, questão de gênero,

violência contra a mulher e o empoderamento da mulher em todo oBaixo Amazonas. O nosso movimento do município de Oriximiná aênfase é a família quilombola.

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