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Pedagogia 2011
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INTRODUÇÃO
Na sociedade atual, as necessidades sociais, culturais e profissionais ganham
novos contornos, exigindo que tenhamos competência não só enquanto profissional
qualificado, mais acima de tudo, como aquele que se relaciona de forma harmoniosa
de modo a contornar desafios, isto porque, fazemos parte de uma sociedade que
contempla uma grande diversidade social e cultural, e paradoxalmente esta mesma
sociedade por muitas vezes mostra-se massificada, classificando categorias e
gêneros, como se tivéssemos uma medida de valor. Neste caso podemos ou não
ser excluídos desta sociedade como se nada de anormal esteja acontecendo neste
cenário.
Há de se admitir que normalmente esta visão não seja aceita por todos, e
realmente não se pode generalizar tais afirmações dentro desta realidade
presenciada hoje na sociedade, apenas podemos através de um estudo mais
sistemático, detectar pontos de um preconceito que permeou toda nossa história,
desde o seu início, atravessou épocas e, inquietamente mesmo que de formas
menos acentuadas, continua presente, numa era em que prima-se por uma ética
sublime, isto é, mais civilizada.
Nesta pesquisa, expomos aqui o preconceito racial, e pretendemos levantar
esta questão, pois sabemos que as discussões não se esgotam, pelo contrário, o
aprofundamento nos torna mais conscientes e sensíveis sobre as relações mais
amplas e os fatores sociais, políticos e econômicos que movem a dinâmica social,
até porque, segundo Fernandes (1972, p.9), “ainda persiste em nosso país um
imaginário ético racial que privilegia a brancura e valoriza principalmente as raízes
européias da sua cultura”, ignorando ou pouco valorizando as outras. Apesar de a
cultura brasileira ter sido fermentada em um caldeirão multiétnico, convive no Brasil,
de maneira tensa, a cultura e padrão estético negro e africano e um padrão estético
e cultural branco europeu. “Embora, a presença da cultura negra corresponda hoje a
45% da população brasileira, esse fato não tem sido suficiente para eliminar
ideologias, desigualdades e estereótipos racistas”. (FERNANDES, 1972, p.10)
O Brasil não seria o mesmo sem o legado da cultura africana e quando
falamos na influência cultural que os negros tiveram no Brasil é quase sempre é
10
ignorado, o que parece ter havido, pelo menos em certas áreas do país, é quase tão
somente uma adaptação dos padrões de comportamento dos escravos às novas
condições de vida a que foram submetidos. E, tão logo eles se estabeleceram, os
demais povos é que se viram na contingência de absorver e adotar inúmeras
tradições africanas. (FERNANDES, 1972, p.15).
Os cidadãos que fazem parte hoje do Movimento Negro no Brasil têm
experienciado o quanto foi difícil para os negros terem sido julgados negativamente
por sua cor, comportamento, modo de ser. E chegam a comprovar que ainda se tem
insistido no quanto é alienante a experiência de fingir ser o que não é para ser
reconhecido, de quão dolorosa pode ser a experiência de deixar-se assimilar por
uma visão de mundo que pretende impor-se como superior e, por isso, universal e
que os obriga a negarem a tradição do seu povo. (LOPES, 2005)
Para reeducar as relações étnico-raciais no Brasil, é necessário fazer emergir
as dores e os medos que tem sido gerado, entender que muitas vezes o sucesso de
uns tem o preço da marginalização e da desigualdade impostos a outros, e, decidir a
partir de então que tipo de sociedade queremos construir daqui pra frente, até
porque, nenhum descendente de mercadores de escravos na atualidade tem culpa
das atrocidades cometidas por seus antepassados, mas, todos nós temos sim
responsabilidade moral, e política de combater o racismo, as descriminações e
empenharmos em estabelecer relações raciais e sociais sadias, em que todos
crescem se realizam e se complementam enquanto seres humanos e cidadãos.
Tais reflexões é que nos levaram a tratar aqui neste trabalho deste assunto,
buscar entender como ainda nos dias atuais estão as relações dentro da
diversidade, em especial a racial. Aprofundar-nos especificamente nesta pesquisa
dentro do âmbito escolar, onde indivíduos negros convivem na sala de aula com
outros e analisar como se encontram hoje esta relação. Levando-nos a questionar:
qual o significado do ser negro hoje numa sociedade massificada e o papel que a
escola tem desempenhado enquanto instituição de formação humana.
Assim pretendemos abordar como tem sido encarado o preconceito hoje, que
experiências passam estes sujeitos no cotidiano da sala de aula e como a escola
tem tratado desse assunto no sentido de contribuir para uma significativa mudança
no comportamento, isto é, mais ético e humano.
11
Torna-se conveniente acreditar na necessidade de uma reconstrução de
sentidos dessa convivência, isto é, o negro e o branco, visando estabelecer relações
de dignidade, afeto e igualdade entre estes, a escola, e a sociedade. A escola deve
procurar priorizar valores de atitudes e aproveitar as experiências desses alunos,
seus saberes, suas limitações e desejos, a fim de obter um melhor aproveitamento
dessa aprendizagem.
Sendo assim esta pesquisa vem ressaltando a importância de uma mudança
nessas relações onde, embora prevaleçam as diversidades, o convívio pacífico e de
dignidade humana devem ser prioridade, principalmente dando ênfase aqui neste
trabalho, à relação aluno negro com seu semelhante, como ser aceito, como
indivíduo que merece respeito e dignidade como qualquer outro sem distinção ou
parcialidade e a escola como contribuição para transformação da realidade desses,
em especial a dignidade como pessoa humana.
O presente trabalho está estruturado em quatro capítulos:
No primeiro capítulo apresentamos os aspectos que motivaram à
investigação do tema, a problemática, as questões norteadoras, os objetivos e a
justificativa, isto é, sua relevância no campo sócio-educacional.
No segundo capítulo abordamos as concepções referentes à relação escola e
a criança negra, suas características, seu papel, suas reações e a interação entre
seus diferentes membros, descrevendo a convivência diária neste âmbito.
Apresentando uma breve revisão da leitura, do preconceito e discriminação no
cenário brasileiro que por consequência chega à escola de diversas formas. Para
fundamentar este estudo contou-se com a contribuição de grandes teóricos como
Bernd (1988), Ceert (2006), Da Matta (1983), Fernandes (1972), Guimarães (1999),
Inocêncio (2004), Martinez (1992), Munanga (1988), Rufino (2003), Silvério (2002),
Valente (1987), dentre outros que em suas pesquisas contribuíram para a
construção desse conhecimento.
No terceiro capítulo, desenvolvemos sobre a atividade prática de investigação
utilizada para coleta de dados, a metodologia qualitativa, onde focamos a
importância deste método, que permite uma maior troca de informações entre
pesquisadores e pesquisados.
12
O quarto capítulo esboça a análise de dados segundo a metodologia adotada
no capítulo anterior, confrontando com os aportes teóricos, para chegarmos à
conclusão.
E por último, nas considerações finais, é ressaltada a importância da
mudança na postura para possíveis soluções dos problemas encontrados nessa
modalidade de ensino.
Acreditamos que embora a caminhada ainda seja lenta, nunca é tarde para
buscar a igualdade e mais que isso: o respeito. Não existe pessoa melhor nem pior,
existem apenas pessoas diferentes, que e cada um deve ser respeitado dentro desta
diversidade e acreditar que todos podem e devem ser incluídos na sociedade como
cidadãos, com os mesmos direitos que o dignifica. Desta forma, reconhecemos que
deve haver uma preocupação por parte dos professores mediadores em provocar
situações que levem os alunos negros a se perceberem como participantes da
história dentro e fora da escola mobilizando-os a se posicionarem firmemente como
integrantes de uma etnia que pode fazer diferença no sentido de manifestar
segurança no falar, no agir, no pensar e sobretudo no proceder.
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CAPÍTULO I
1. PROBLEMATIZAÇÃO
1.1 – INFLUÊNCIA DA CULTURA AFRICANA NO BRASIL
No Brasil, desde o seu passado histórico até no mundo moderno, o negro,
permanece apontado como ser inferior, discriminado e marginalizado. As
mensagens de inferioridade que vivencia, muitas vezes no dia-a-dia, fazem com
que, sem perceber, os próprios negros as assuma como verdadeiras.
Lentamente o vasto território do Brasil foi povoado pela contribuição de três
grupos raciais, ou seja, foi composto de diferentes etnias: o indígena, o africano, e o
branco europeu. Os indígenas aqui se encontravam enquanto o europeu e o africano
foram trazidos ou vieram para desenvolveras atividades de colonização. Somos um
pais mestiço, de uma forma ou de outra, somos todos afro-descendentes ou afro-
brasileiros. Sabemos muito sobre a presença européia em nosso pais, sabemos um
pouco sobre a etnia negra que tanta contribuição trouxe para o Brasil.
A escravidão já era praticada entre os próprios africanos na sua terra natal,
quando alguns grupos negros eram subjugados a favor de outros. Neste sentido, a
Secretaria de Educação a distancia do MEC (2000), informa que os escravos
eram obtidos de diferentes maneiras, desde o seqüestro ate as guerras que eram
especificas para caçar e aprisionar gente, tornando-se a principio, o negro escravo
do próprio negro. Por mais irônico que venha ser, no século XX, a escravidão na
África veio a acabar.
As influências notórias da presença africana e afro-descente na formação da
cultura e da sociedade brasileira têm inicio desde os primórdios da nossa
colonização. Estima-se que durante todo o período do trafico de escravos, de acordo
com a Secretaria de Educação a distancia do MEC (2000), foram trazidos da África
para os nossos pais, cerca de 3,6 milhões de africanos escravizados. E não apenas
14
além-mar: “Os escravos pululam por toda parte”, escreveu o cronista Clenardo (1535
apud BUENO, 1972, p. 114). Se a esse número somarmos os seus descendentes de
varias gerações, não é preciso nenhum esforço intelectual, para confirmarmos que
essa presença tem algo de bastante significativo e que não deve ser negligenciado
se quisermos compreender com mais profundidade as características especificas da
sociedade brasileira e influirmos de forma mais eficaz nos seus processos de
aperfeiçoamento educacional, social, político e cultural.
Como nos faz ver Kikuchi (2003):
Os conceitos dos grupos étnicos vindo para o Brasil, mesmo sendo discutível, são considerados pelas literaturas histórica e antropológica com a seguinte composição: Bantu – 40% a 60% - Regiões mais meridionais da África. Benin – 40% - Regiões da baia de Benin, noroeste da África. Senegâmbia – Contingente muito restrito noroeste da África. Em São Paulo, a ascendência africana é originaria predominantemente de Angola e Moçambique ( grupo lingüístico Bantu). Os Benin, provenientes da baia de Benin, concentraram-se mais na Bahia. Quanto ao grupo étnico Senegal, é raro ou constitui contingente muito restrito (p. 130).
Hoje, quando falamos da população negra, estamos falando de 45,3% da
população brasileira, de acordo com o Censo do IBGE de 2002. A maior população
negra do mundo depois da Nigéria. Os africanos foram trazidos de varias nações,
regiões e culturas diferentes.
No século XV, a América foi “descoberta”, a África sem defesa apareceu
então como reservatório humano apropriado, com o mínimo de gastos e de riscos,
sendo o negro escravizado por diversas partes do planeta, merecendo destaque no
presente trabalho, o território brasileiro, no qual o elemento negro se encontra
presente desde o inicio de sua formação
Sobre isso Bueno (2003) afirma que:
Embora a escravidão seja quase tão velha quanto a própria humanidade, jamais o trafico de escravos fora um negocio tão organizado, permanente e vultuoso quanto se tornou depois que os portugueses estabeleceram, em meados do século XVI, uma vasta rota triangular que uniu a Europa, a África, e a América e transformou milhões de africanos em lucrativa moeda de troca. (p. 114).
. “Um dos maiores países mestiços do mundo, o Brasil foi gerado também em
ventre escravo”, escreveu Bueno (2003, p. 1119). Funcionando como um dos
maiores colaboradores, sobretudo do ponto de vista do trabalho árduo e ativo, para
o grau desenvolvimento no qual o nosso pais se encontra. Os negros não apenas
15
foram as “mãos e os pés” de seus senhores como também do Brasil, Europa,
Inglaterra e outras nações do globo.
Complementando, Bueno (2003) ainda acrescenta:
Mas, no Brasil, os escravos foram ainda mais do que isso: foram os olhos e os braços dos donos de minas; foram os pastores dos rebanhos e as bestas de carga; foram os ombros, as costas e as pernas que fizeram andar a Colônia e, mais tarde, o Império. (p. 118)
A maior utilização do negro como mão-de-obra escrava básica na economia
colonial, deve-se principalmente ao trafico negreiro, atividade altamente rentável,
tornando-se uma das principais fontes de acumulação de capitais para metrópole.
Exatamente o contrario ocorria com a escravidão indígena, já que os lucros com o
comercio dos nativos não chegavam ate a metrópole.
Para os portugueses, o trafico negreiro não era novidade, pois, desde meados
do século XV, o comercio de escravos era regular em Portugal, sendo que durante o
reinado de D. João II o trafico negreiro foi institucionalizado com a ação direta do
Estado Português, que cobrava taxas, e limitava a participação de particulares. Os
escravos que abasteciam o Brasil eram controlados de acordo com a necessidade e
com a demanda. Diante de enorme necessidade os navios eram abastecidos com o
dobro de sua capacidade real. O transporte de escravos para o Brasil a bordo dos
navios negreiros não oferecia boas condições higiênicas, pois devido a falta de água
e alimentos estragados, velhos, jovens, homens, mulheres e crianças, um monte de
gente, umas sobre as outras, presas num mesmo espaço durante dias e dias,
perecia miseravelmente na travessia.
Pois como nos afirma Bueno (2003):
Após a apreensão do “tumbeiro”, o capitão do Fawn anotou, no diário de bordo, a cena com a qual se deparou nos porões da embarcação: Os vivos, os moribundos e os mortos amontoados numa única massa. Alguns desafortunados no mais lamentável estado de varíola, doentes com oftalmia, alguns completamente cegos; outros esqueletos vivos (...). Seus membros tinham escoriações (...). No compartimento inferior o mau cheiro era insuportável. Parecia inacreditável que seres humanos sobrevivessem naquela atmosfera. (p. 112)
A vida dos africanos como escravos para o Brasil começou logo após o
estabelecimento das Capitanias, visando atender a lavoura de cana-de-açúcar.
Chegando ao Brasil, eles eram postos a venda nos mercados de carne humana,
parecendo objetos medonhos, esperando comprador. “Ate mulheres iam as
16
compras. Vão enfeitadas”, escreveu o Walsh ( 1828 apud BUENO, 1972, p. 114). “
(...) Sentam-se, manipulam e examinam suas compras, e levam-na embora com a
mais perfeita indiferença, como se estivessem comprando um cão ou uma mula”. Os
fatos acima referidos são reforçados por Valente ( 1987, p. 14): “ Na colônia, os
escravos eram postos a exposição dos compradores, como nas feiras de gado. Seus
dentes eram examinados, como se faz com os cavalos... Examinavam seus corpos,
como se fossem animais”.
Algum tempo depois, os negros já estavam trabalhando duro na lavoura, e em
outras atividades, para os seus “proprietários”, a bases do chicote do feitor. Como
nos faz ver Valente (1987):
Os açoites, os grilhões, a violência sexual e a atribuição de qualidades negativas aos negros faziam parte de um conjunto de instrumentos e “técnicas” de tortura e castigos para domar e subjugar os escravos. E mais do que a subjugação física, o castigo era importante de si mesmo e de sua raça. (p. 11).
A exploração e a violência sexual também marcaram as relações entre
senhores e mulheres escravas. Muitos senhores “usavam” suas “propriedades”, as
negras, para a satisfação de seus desejos sexuais, como se fossem, um objeto
qualquer. Desses estupros e abusos, nasceram os mulatos, iniciando assim a
miscigenação no Brasil.
A cor da pele, tornara-se importante para amenizar os sofrimentos,
despertando, principalmente nos escravos particulares, um desejo de
branqueamento.
A este respeito Valente (1987) esclarece:
Como existia uma serie de estigmas associados a cor negra, a diferença de pigmentação da pele tornou-se entre os escravos um elemento distintivo da posição social. Por isso, particularmente entre os escravos domésticos, desenvolveu-se um desejo de branqueamento. Os negros de pele mais clara e aqueles que se afastavam dos valores africanos viam no branqueamento o único meio de subir na escala social e chegar a postos que lhes conferiam maior segurança, prestigio e liberdade. (p. 17)
O negro teve a sua religião, valores, costumes e tradições sufocadas. A
religião católica era imposta aos negros no momento em que pisavam na nova terra,
ensinando-os a serem bonzinhos, dóceis e passivos. Os negros eram proibidos de
cultuarem seus ancestrais e orixás incentivando assim o surgimento do Sincretismo,
17
que por sua vez fingiam aceitar os santos católicos, mas mantinham resguardados
as crenças e os seus próprios valores de fé.
Apesar de tentarem “domar” o negro, ao contrario do que a historiografia
brasileira preferiu pregar até poucos anos atrás, os negros nunca demonstraram ser
passivos. Resistiu sim ao regime tirânico que lhes foi imposto no Brasil:
Sabe-se atualmente que a resistência dos escravos foi feroz e constante: milhares de negros lutaram de todas as formas contra os horrores que o destino lhes reservara. A fuga, solitária ou coletiva, não era a única forma de rebelião: houve incontáveis casos de escravos que quebraram ferramentas, incendiaram senzalas, dispersaram os rebanhos ou atacaram seus feitores. Muitos outros optaram pelo suicídio ( em geral pela ingestão de terra), ou então se deixaram acometer pelo “banzo”, o torpor mortal que levava a morte por inanição. O certo e que, onde houve escravidão, houve resistência. (BUENO, 2003, p. 121)
O tráfico negreiro negocio altamente lucrativo ate o século XVIII, quando
capitalistas ingleses passaram a ter um enorme prejuízo com a concorrência
francesa, que transformou o Haiti na maior fonte de riqueza advinda deste comercio.
Tal fato fez com que os capitalistas ingleses passassem a atacar o trafico de
escravos, passando também a pressionar o Brasil, que resistira ao fim de uma das
fontes de renda mais lucrativas do país.
O que demonstra que a ideia que se propalou, de que os ingleses foram
responsáveis diretos pelo fim do trafico e da própria escravidão no Brasil não passa
de uma fantasia.
Durante esse período surgiram varias leis, como: a lei do Ventre Livre, A Lei
Sexagenário, leis essas que só camuflaram uma falsa esperança de liberdade, pois
poucos negros sobreviviam até os 60 anos e quando isso acontecia não tinham
condição de se sustentar, pois até então trabalhara para seu “Senhor”. No caso da
Lei do Ventre Livre, como entender a liberdade dessas crianças se suas mães
continuavam escravas?
A Lei Áurea deu fim ao sistema escravista, tendo a mão-de-obra escrava
substituída pela chegada dos imigrantes. Os escravos foram expulsos das fazendas
sem terem para onde ir e sem condição de se sustentarem, resultando assim numa
massa de negros que perambulavam pelas fazendas e cidades a procura de
emprego. Foram libertados. Mas que liberdade foi essa?
18
Foi nesse contexto que os negros, a partir do 13 de maio de 1888, passaram de escravos a homens livres. Passaram a viver uma nova situação: o desemprego, o subemprego e a marginalidade. Das senzalas, grande parte dos negros foi morar em lugares onde as condições de vida eram subumanas. Problemas que caracterizam o trafico e a vida na lavoura do Brasil Colônia, como o alto índice de mortalidade (principalmente dos recém-nascidos) e a subnutrição, persistiram. Como ainda hoje persistem! (VALENTE, 1987, p.22-23)
A abolição da escravatura, embora tenha sido fato notável na historia da
formação brasileira, foi muito incompleta. Com a abolição, os problemas do negro
estariam apenas começando. Mas quem se interessou por isso? Ninguém se
interessou. O negro livre deixou as fazendas e os engenhos e foi inchar as periferias
das cidades. Abandonado, constituiu-se num sub-brasileiro.
A sociedade brasileira deixou o negro ao seu próprio destino, o qual através
dos seus próprios meios, teve a responsabilidade de reestruturar-se e transformar-
se para se adequar aos novos padrões criados pelo advento do trabalho livre, do
regime republicano e do processo capitalista. Um novo fator humano passou a ser o
agente por excelência, do trabalho livre, o imigrante. Em conseqüência desse fato,
havia um crescente aumento da população branca em detrimento de negros e
mulatos.
Milhares de mulheres e homens negros foram forçados a saírem de sua terra,
trazidos a força, ameaçados e torturados. Tornou-se sinônimo de ser primitivo,
selvagem, dotado de uma mentalidade pré-logica devido a ótica pela qual
enxergavam e viviam em sociedade na África. Todas as qualidades humanas foram
retiradas do negro, uma por uma, jamais se caracterizou um deles individualmente,
de maneira diferencial. Alem do afogamento no coletivo anônimo, a liberdade direito
vital reconhecido a maioria dos homens, lhes foi negada. Colocando a margem da
historia, da qual nunca e sujeito e sempre objeto, perdendo o habito de qualquer
participação ativa, ate o de reclamar. Não desfrutar de nacionalidade e cidadania,
pois a sua é contestada e sufocada.
Enfim, durante quatro séculos, os negros foram feitos escravos no Brasil. Sua
trajetória foi marcada por dor e violência. Não passaram pelo sofrimento e pela
humilhação de serem tratados como animais porque assim o preferiram. Não eram
torturados e apanhavam porque pediam, mas porque resistiam. Não deixaram de ser
19
livres porque era o melhor para eles. O negro foi reduzido, humilhado e
desumanizado, desde o inicio, em todos os cantos onde houve confronto de
culturas, numa relação de forças, no continente africano e nas Américas, nos
campos e nas cidades, nas plantações e nas metrópoles. Ao contrario do que
acontece aos povos brancos, o negro é ainda o diferente, a minoria e na melhor das
proposições o especial. Estes povos que sempre foram vistos como objetos da
discriminação mundial, não tem suas mazelas unicamente relacionadas ao período
escravocrata aos quais foram expostos e sim a fatores de sua constituição:
ideologias de superioridade sejam estas raciais ou culturais. Analisando-se o trajeto
histórico do negro na sociedade brasileira e as formas de sua integração nesse
processo, vê-se o negro ser submetido a um processo de dominação como
instrumento de produção e a mulher negra a disposição coercitiva do senhor branco.
Ajustado ao padrão econômico característico de uma sociedade como função
portuário, administrativa e comercial, vigente no período colonial e pós-colonial, os
negros adaptaram-se a economia de subsistência, artesanato urbano e pequeno
comercio, possibilitando a ascensão individual, em especial dos mulatos, não
constituindo, entretanto, um fluxo constante de ascensão social, mas uma
incorporação a ordem social dominante. Vale ressaltar que esses processos de
ajustamento não ocorreram de forma pacifica e acomodada, mas a custa de
constantes revoltas, como uma historia de mobilização e de lutas contra a opressão
do sistema escravista.
Com o capitalismo, o negro, por não possuir qualificação, fica a margem do
processo ou e utilizado em serviços pesados nas industrias. A necessidade de
colocação no mercado de trabalho do trabalhador livre inicia-se com o novo modo de
produção, que não condiz com o trabalho escravo e não especializado. Ao sistema
capitalista faz-se mister a conformação de sua produção a necessidade de lucro. A
reprodução da deterioração do nível de vida do negro da-se então a partir daí, sendo
ele impedido de exercer plenamente as atividades de trabalho livre, uma vez que
não tem fácil acesso ao mercado de trabalho e a participação política. A maioria dos
negros, ainda sofre as conseqüências do passado. Como salienta Valente (1994, p.
12), “Ser negro no Brasil hoje não e fácil”. Alias, nunca foi. Quando escravo, o negro
foi tratado como “coisa”. Depois passou a ser discriminado como se fosse “cidadão
de segunda categoria”. O negro, embora não mais escravo e “propriedade” de
20
ninguém, ele continua a ser diferença entre a condição de vida dos afro-
descendente e a do resto da população, para começar o desemprego e maior entre
os negros:
O Brasil e o pais da segregação racial não declarada. Todos os indicadores sociais ilustram números carregados com a cor do racismo. Segundo a pesquisa Mapa da população negra no mercado de trabalho no Brasil, realizada pelo Instituto Sindical Interamericano pela Igualdade Racial (INSPIR), em 1999, um homem negro na região metropolitana de São Paulo recebe 50,6% do rendimento médio mensal de um homem não-negro. A situação da mulher negra e mais dramática. Ela recebe 33,6% do rendimento médio mensal de um homem não negro. A taxa de desemprego na região metropolitana de são Paulo e de 16,1% para os não-negros e 22,7% para os negros. De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de 53 milhões de brasileiros que vivem na pobreza, 63% são. De negros 22 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, 70% são negros (idem). (DOMINGUES, 2006, P. 2)
Por conta dessa realidade, enfatizada na pesquisa acima, que grupos e
movimentos, se organizam atualmente, no sentido de colocar nas universidades, ate
então redutos de brancos e ricos, maior contingente de negros, como uma das
formas de lutar contra o imobilismo social e contribuir para a constituição de uma
nova identidade negra.
Como já foi evidenciado, as pesquisas tem revelado a verdadeira realidade
das relações raciais o Brasil, uma realidade na qual o negro e excluído em todos os
segmentos da sociedade. É necessário reconstruir o histórico cultural do povo
africano, e preciso reverter esse quadro de injustiça e desigualdades raciais e
sociais, eliminar com esse racismo perverso, dissimulado, mascarado, velado,
porem extremamente eficiente, reconhecê-los como atores sociais atuantes do ponto
de vista individual e coletivo no processo de recuperação e reconstrução de sua
identidade cultural. Para que isto realmente aconteça, torna-se preciso que não
apenas os negros incorporem este papel e esta missão através de movimentos
negros isolados, uma vez que estes movimentos já existem.
Fernandes (1972) nos esclarece:
A simples negligencia de problemas culturais, étnicos e raciais numa sociedade nacional tão heterogênea indica que o impulso para a preservação da desigualdade e mais poderoso que o impulso oposto, na direção da igualdade crescente. [...] Nenhuma democracia será possível se tivermos uma linguagem “aberta” e um comportamento “fechado” (p. 161-162).
21
Não cabe mais ignorarmos o fato de que as contribuições histórico-
civilizatorias das populações africanas e afro-descendentes na construção da nação
brasileira, em especial, no estado da Bahia, terem fornecido as bases que
sustentaram e sustentam a nossa especificidade como um povo que, apesar da
persistência deletéria do racismo, destaca-se pela sua multiculturalidade. A nação
brasileira e formada por uma sociedade multirracial; quando se fala no negro, se fala
no brasileiro, no cidadão, no ser humano.
A sociedade civil e o estado começam a despertar seus olhares para a
valorização da multiplicidade de etnias e culturas. A diversidade étnica no Brasil e,
ou pressupõe-se que seja, motivo de orgulho, para nos brasileiros, pois aumenta
nossa capacidade de produzirmos coisas mais criativas, em todo espaço nacional,
produtos fundamentais para o mundo contemporâneo. Os setores governamentais
discutem ações afirmativas para as comunidades quilombolas, com o objetivo de
minimizar as injustiças sociais ao longo de toda a história, essas ações vêem com o
objetivo de garantir a valorização da etnia e a participação da população negra em
vários setores da sociedade.
É dever do estado/nação auxiliar uma recuperação histórico-cultural da etnia
negra, valendo-se de um amplo programa de ações afirmativas. Uma vez que,
resultado da luta empreendida pelo movimento negro, há décadas assiste-se a uma
mudança de postura em vários segmentos da sociedade brasileira, em relação ao
tratamento conferido as questões da população negra no Brasil (SILVÉRIO, 2002).
São necessárias ações efetivas para enfrentar o problema da exclusão do negro no
Brasil, mais do que “boas intenções” retórica política e debates acadêmicos. As
políticas publicas afirmativas são um dos poucos veículos capaz de repara o debito
social que as nações do globo, em especial aquelas que fizeram parte do período
escravocrata, tem com os negros e seus descendentes, sobretudo no estado da
Bahia, onde sua capital ocupa o lugar de segunda maior cidade negra do mundo.
Uma vez que, o Estado brasileiro começa a implementar políticas publicas a favor da
população negra, sendo que em toda a historia do Brasil essa população sempre foi
alvo de políticas que a desfavoreciam. O que dizer de quase trezentos anos de
escravidão? É preciso dar outra dimensão a esta historia que começou de maneira
errônea e em pleno século XXI, permanece envergonhado os membros da
22
sociedade que dispõe de consciência critica e encontram-se cientes de seus
deveres morais.
Ainda que a perversa longevidade da escravidão brasileira tenha funcionado,
do ponto de vista ideológico, com base real a difusão e socialização da falsa idéia de
inferioridade e incapacidade civilizatória das populações negras, essas populações
vencendo as enormes dificuldades de uma vida de privações incalculáveis,
conseguiram manter conteúdos e significados culturais inteiros das suas heranças
civilizatórias africanas, recriando-os e resignificando-os em solo brasileiro através de
processos de lutas, resistências e astuciosas negociações.
A verdade e que, não for reconhecido o esforço de cada grupo étnico que compõe nossa população, o quanto cada um deles contribuiu e ainda contribui para a formação dessa vasta extensão de terra chamada Brasil, seremos sempre o pais do amanha. Enquanto não houver uma igualdade de oportunidades para todos os grupos étnicos, a concretização do Brasil como nação verdadeiramente democrática estará cada vez mais distante. (LOPES, 2005, p. 20-21)
O movimento negro brasileiro, de acordo com Lopes (2005), a partir da
década de 70, vem lutando pelo fim do racismo e de seus efeitos, insistindo junto ao
estado, a implementação de políticas de combate a discriminação racial. Em 1995
organizou-se um debate com intelectuais entre negros e brancos no pais. Mas só em
2001, com a participação do Brasil na terceira conferencia Mundial contra o racismo,
a discriminação racial, a xenofobia e formas correlatas de intolerância,promovida
pela Organização das Nações Unidas (ONU), na cidade de Durban, na África do sul,
o governo brasileiro passou a se comprometer publicamente com a luta contra a
discriminação racial.
A inclusão de políticas de ação afirmativa tanto no debate publico como na pauta do governo e uma conquista de segmentos do movimento negro, que há anos denunciam a desigualdade social e racial no Brasil em vários setores: saúde, educação, mercado de trabalho, moradia, entre outros. Tratar de maneira diferenciada um grupo que teve menos oportunidades – e, portanto, que esta em situação de desvantagem e uma tentativa de diminuir essas desigualdades, restituindo direitos a muito negados. (LOPES, 2005, p. 31-32
Ações afirmativas estão aflorando na sociedade, mas os resultados ainda são
pequenos, e a impunidade encontra-se em níveis alarmantes. A legislação brasileira
permite que se tenha o acesso à igualdade, contudo não se preocupa com a
chegada à igualdade de fato, a qual dificilmente será alcançada, pela característica
de seres humanos mutáveis e eternamente desiguais. Entretanto, essas leis
23
apregoam uma igualdade de direito para se chegar, ou se tentar chegar, a uma
equidade de fato. Por isso, a importância de uma concepção multicultural e uma
mediação crítica nos processos educativos.
Importante ressaltar aqui que temos bases legais que devem ser levadas em
consideração, e as leis estão estabelecidas não só em âmbito nacional, mais
também específicas no contexto escolar. Há de se concordar que as atuais leis
brasileiras são contrárias a qualquer ato de preconceito e discriminação contra os
afro-descendentes e protegem o cidadão.
Segundo Patto (1996), a existência da Lei em si não garante o cumprimento da
mesma por todos os cidadãos como normalmente deveria acontecer e expõe na sua
fala o seguinte:
A lei só se transformará em direito na medida em que os profissionais da educação, no interior de suas escolas, construam práticas concretas e inclusivas que não discriminem e nem excluam nenhum grupo étnico. Repensando os direitos, reformulando as leis, redimensionando a formação dos/as educadores/as, construindo argumentos éticos que superem os legais, far-se-á, talvez, com que os equívocos, estigmas e estereótipos sejam gradativamente uma lembrança infeliz da história. (p.36)
Percebemos a partir dessa fala, a necessidade de discussão da questão
étnica com a participação de todos os envolvidos com a educação escolar,
reconhecendo que a discriminação contra os afro-descendentes existe,
identificando-a no espaço escolar, e, posteriormente elaborando trabalho de
acolhimento, reconhecimento e troca com os diferentes, emergindo o problema,
dialogando sobre e com ele, combatendo os medos e receios que ocorrem no
cotidiano.
Os profissionais da educação necessitam buscar continuamente o desafio da
constatação das diferenças, incentivando em seus grupos formativos o
entendimento, a aprendizagem, a aceitação e troca entre as diversas etnias,
praticando cotidianamente a alteridade, favorecendo, dessa forma, o crescimento e
a compreensão das diferentes identidades. Citamos aqui novamente Patto (1996),
que contribuiu com seu pensamento nestes termos:
É fundamental entender que o processo de troca entre os/as diferentes torna a aprendizagem muito mais rica, criativa e integradora, favorecendo a criação de uma nova realidade. Intenciona-se, dessa forma, que a
24
discussão contribua para que os/as profissionais da educação no seu fazer pedagógico, tenham condições de refletir sobre essa temática, transformando a sua prática, bem como àqueles/as que sofrem discriminações e preconceitos, para que, por meio de um novo olhar, insistam na luta pelo reconhecimento e aceitação de sua identidade. (p.41)
Se a origem e a realidade brasileira se configuram a partir da diversidade
étnica, é fundamental para o acolhimento e exercício solidário, ético, crítico, enfim
cidadão, que as pessoas sejam provocadas às reflexões sobre os elementos
constituintes na criação e configuração das sociedades humanas, dialogando sobre
a discriminação étnica.
Diante do que foi exposto acima, acreditamos na necessidade de conhecer o
que se passa no cotidiano da sala de aula entre sujeitos negros e outros que não
são mais especificamente no Ensino Fundamental II da Escola Maria do Carmo de
Araújo Maia – Campo Formoso – BA e suas relações. Uma vez que objetivamos
nesta pesquisa averiguar até que ponto os professores a enquanto viés de
integração e formação humana tem contribuído para a disseminação de uma
convivência harmoniosa e de respeito ao ser negro enquanto parte deste contexto,
identificando a partir daí, as representações que os alunos negros fazem do seu
papel no convívio escolar e na sociedade e como os profissionais que atuam no
cotidiano com esta diversidade racial concebem o significado do ser negro como
parte dessa realidade de trabalho, nesta pesquisa temos como premissa fazer um
paralelo entre como os professores sendo agentes mediadores de conhecimento e
de mudança vem contribuindo para integração e formação dos alunos negros
enquanto parte deste contexto e como estes têm reagido na sociedade diante das
praticas pedagógicas dos educadores elucidando suas representações que os no
convívio escolar e no contexto social.
Esta investigação poderá acrescentar subsídios para estimular uma reflexão
sobre os que se apropriarem desta leitura e consequentemente contribuir para uma
sensibilização, aceitação e afirmação do ser negro, enquanto ser humano e cidadão
com direitos e deveres como qualquer outro.
A proposta aqui é ouvir o que os professores que ministram aulas neste
ambiente diversificado têm a dizer sobre este convívio e como se sentem os próprios
alunos negros que dele fazem parte.
25
Cientificamente, julgamos que é de suma importância abordar este tema, uma
vez que o momento hoje exige uma abertura dos conhecimentos em torno da
inclusão e das relações de respeito e ética ao outro, neste caso, o ser negro, que
por muito foram estigmatizados na sociedade. Assim temos a pretensão de explanar
sobre esta convivência com o diferente no processo de inclusão diária no âmbito
escolar, visando através dessa discussão cooperar para que haja novas
ponderações sobre as intervenções pedagógicas daqueles que estão diretamente
envolvidos no processo: o aluno, o profissional e a própria sociedade.
26
CAPÍTULO II
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste capítulo que trata da elaboração do quadro conceitual onde se embasa
a pesquisa, serão apresentados os seguintes conceitos-chaves: O ser negro,
Preconceito, Caráter democrático da escola e a construção humana: Bernd (1988),
Ceert (2006), Da Matta (1983), Fernandes (1972), Guimarães (1999), Inocêncio
(2004), Martinez (1992), Munanga (1988), Rufino (2003), Silvério (2002), Valente
(1987), dentre outros que em suas pesquisas contribuíram para a construção desse
conhecimento.
2.1 – O SIGNIFICADO DO SER NEGRO (Breve histórico)
Salientamos a princípio o entendimento do termo significado como ponto de
partida para estendermos nosso foco temático, pois acreditamos que o significado
aqui vai além do simples conceito etimológico, mas, visto como essência do sentido
da palavra, isto é, uma representação psíquica, acepção ou tradução de uma análise
do significado do ser negro como objeto de estudo. No dicionário de Bueno (1985)
encontramos uma explanação para o termo que traduz: “Significação, equivalente de
uma palavra, sinônimo, ter o sentido de, exprimir, querer dizer, ser sinal de, denotar,
dar a entender, mostrar, ser, constituir, traduzir-se, notificar, expressar, participar”
(p.1052).
Observamos daí que a teoria do significado examina os vários aspectos de
nossa compreensão das palavras e expressões lingüísticas e dos signos em geral. A
relação de referência, que segundo Japiassú e Marcondes (1990) é um dos
elementos constitutivos do significado, é um desses aspectos centrais. Japiassú e
Marcondes (1990) salientam “a referência é precisamente a relação entre o signo
lingüístico e o real, o objeto designado pelo signo”. (p.224)
Diante do acima citado, o significado do “ser negro” depende também do
contexto no qual ele acontece. Neste caso, para o negro esse termo pode significar
auto-afirmação, encontro e aceitação de sua origem, ético-cultural, ao passo que
27
para uma minoria branca, o termo pode estar associado a preconceito, descaso, fato
incompreensivo.
Etimologicamente falando o termo “negro ou negroide” geralmente se referem
a um grupo racial de seres humanos com cores de pele que vão desde o marrom
claro até o quase preto. Eles também são usados para classificar diversas
populações, juntamente baseadas em relações ancestrais históricas e pré-históricas.
Algumas definições do termo, relativamente recentes, incluem apenas as pessoas
que “descendem de povos da África subsariana (ver Diáspora africana)”. Outras
definições do termo "negro" estendem-se a qualquer população caracterizada por
pele escura, uma definição que inclui também algumas populações da Oceania e do
Sudeste Asiático. (BERND, 1988)
Bernd (1998) acrescenta que a palavra "preto" aparece no século X e designa
uma pessoa de pele escura, mais particularmente originária da África subsariana. A
palavra "negro" passa a ser adotada no século XV com a escravização de africanos
por portugueses. Os espanhóis, porém, foram os primeiros europeus a usar "negros"
como escravos na América. Por conseguinte, um dos primitivos sentidos da palavra
negro era "escravo". Por este motivo, a palavra é considerada ofensiva em diversos
países africanos e da Diáspora, como no Senegal e nos Estados Unidos, onde é
empregada a palavra black que literalmente corresponde à palavra preto, ao invés
de niger (negro). (p.34)
Segundo Fernandes (1972) os portugueses são o “segundo povo europeu a
traficar escravos negros para as Américas”. Estes adotam a palavra negro
designando primeiro, na sua língua, todos os escravos (por conseguinte também os
escravos índios, chamados de "negros da terra"). Pouco a pouco, os portugueses
passam a designar os africanos cada vez mais apenas com a palavra "pretos",
enquanto os índios foram tratados de "selvagens" até 1970 na imprensa brasileira.
(p.72). O autor também chama atenção para o uso do termo aqui no Brasil e
descreve que:
Certos sociólogos brasileiros, como Clóvis Moura, consideram o termo "negro" o mais adequado para classificar o grupo racial ao qual a pessoa pertence. Argumentam ainda que existe uma grande resistência da sociedade brasileira na utilização do termo citado, em razão deste ser considerado, erroneamente, uma palavra preconceituosa. Para estes
28
sociólogos, a palavra "negro" não possui conotação pejorativa, e que o receio em utilizar o termo dito correto se deve ao fato da sociedade brasileira, ao contrário do que pensa o senso comum, possuir uma forte carga racista em relação ao negro, oculta pelo mito da democracia racial.
Para tratar de uma temática cujo recorte se faz a partir da diversidade étnico-
racial do Brasil, o primeiro passo é ressaltar o processo histórico que mostra, nessa
discussão, as especificidades do que é ser negro nesse país e como aqui se
processaram as formas de racismo. É necessário explicar como os termos raça,
relações étnico-raciais e diversidade cultural são utilizados no discurso que propõe
as políticas de ação afirmativa, e como estas se configuram em políticas de
formação de professor, propostas desde a perspectiva da diversidade. Para
complementar essa discussão, buscamos os exemplos da nossa prática do
professor citando algumas situações em que surgem preconceitos entre alunos e
seus colegas bem como alunos e professores das redes públicas de ensino quando
se deparam com essa temática numa experiência de qualificação continuada.
As elites políticas e intelectuais criaram uma noção de que no Brasil existe
uma natural harmonia e tolerância entre os grupos raciais, ou seja, que o
preconceito e a discriminação não existem. Essa elaboração, “decorrente dos anos
1930, foi posteriormente criticada por estudiosos, a exemplo de Roberto Da Matta
(1983)” que, a essa particularidade do Brasil, consagrou o termo “democracia racial”.
Ele define que esta tese é presente no senso comum através da imagem e do
discurso sobre a origem do povo brasileiro como oriundo da união pacífica e
congratulada das três raças: branca, negra e indígena; tese esta fortemente
trabalhada pelos livros didáticos, mídia, literatura clássica e popular e demais formas
de expressão (p.19).
A conseqüência disto no imaginário brasileiro é que as pessoas passaram a
ter vergonha de ter preconceito, por isso ninguém se aceita como racista e pode,
inclusive, se ofender se for chamado como tal. Ainda que ache engraçado ouvir
piadas racistas ou não se importe que seus filhos assistam a programas de televisão
que ridicularizam, através de imagens, músicas e outras formas simbólicas, tudo o
que representa a identidade negra. Porém, essa enorme arma criada pela ideologia
dominante a “Democracia Racial” teve como principal efeito limitar as demandas dos
negros pelos direitos sociais, além de tornar ainda mais invisíveis as diferenças
inter-raciais, quanto à elaboração das políticas públicas direcionadas a esse grupo.
29
Segundo Carlos Hasenbalg (1979, apud Da Matta 1983, p.25), o discurso
posterior ao processo de abolição da escravidão no Brasil – em 1888 –
responsabilizou as desigualdades raciais ali existentes tão somente à situação de
classe, querendo fazer acreditar que há desigualdades raciais porque existem
pobres e ricos. Isso, de certa forma, aliviou a consciência da elite branca, ao
transferir para o campo das desigualdades sociais responsabilidades com as
desigualdades entre negros e brancos, afinal, na visão liberal, as diferenças de
classe, a existência de pobres e ricos se explicam pelo aspecto do individualismo, ou
seja, está ao alcance do indivíduo a possibilidade da escolha de sua condição de ser
pobre. Da Matta (1983) melhor explica nas seguintes palavras:
Por conseguinte, essa explicação conclui que o “negro é pobre, sofre violência e é analfabeto por sua própria escolha”. O segundo aspecto racista que compõe o olhar brasileiro, também pensado e sustentado pelas elites políticas e intelectuais, foi o da tese do branqueamento, a qual teve subsídios, portanto transformou-se numa política pública por 50 anos, de 1890 a 1940. (p.29)
Hasenbalg (1979) acrescentou em seus argumentos que a “política do
branqueamento trouxe para o Brasil, entre os anos 1889 e 1930, um contingente de
3.762.000 estrangeiros”. Era denominada de política de povoamento das regiões
centrais do Brasil e também funcionava como suporte para a integração de
trabalhadores minimamente qualificados no mercado, o qual se expandia com a
mudança dos processos de produção ocorridos aqui. Além disso, as elites políticas
introduziram, também nos seus discursos, uma referência de que o atraso do
modelo econômico era causado pela “indolência e apatia dos negros” quando
inseridos no mercado de trabalho. (HASENBALG 1979, apud DA MATTA 1983,
p.31),
Sob outra ótica ressaltamos Inocêncio (2004), que aborda uma outra
conseqüência da tese do branqueamento inserida no senso comum é a que cria no
imaginário da população brasileira, em especial entre os negros, uma prática de se
representar como branca ou mesmo de se negar como negra, criando assim uma
infinidade de cores, tanto para se auto conceituar, como para conceituar os outros,
este autor faz esta observação no entorno do trabalho realizado do censo que ocorre
periodicamente em nosso país citando:
30
Um exemplo disto está na visão do senso comum, também assumida pelo Estado, presente na ação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, quando promove o censo demográfico. Ao entrevistar, o recenseador do instituto pergunta qual é a “raça” de seu entrevistado, isto porque o IBGE não assume a critica sobre a discussão polêmica que define o conceito de raça. São oferecidas simultaneamente, segundo o questionário do censo, cores e etnias, como alternativas de respostas para uma mesma pergunta. (p.42)
Os dois aspectos acima tratados que revelam as formas de ser racista e de
construir ao longo da história uma postura ingênua e/ou ideológica de se
autodiscriminar estão, na verdade, alicerçados por uma noção naturalizante do
conceito de raça. Na verdade, este é um conceito de caráter biológico criado para
distinguir os povos dominantes e descobridores (brancos e europeus) daqueles que
foram descobertos e colonizados (negros, índios, africanos, asiáticos, americanos,
latinos e caribenhos). (INOCÊNCIO, 2004)
Assim, compreendemos que o conceito de “raça”, tal como foi construído,
referindo-se aos caracteres típicos de cada pessoa, reforçam a discriminação, pois
este conceito mais do que reconhecer que as pessoas eram diferentes pela cor,
textura do cabelo e desenhos da face, justificava que tais diferenças evocavam
graus de hierarquia entre esses grupos raciais. Ou seja, as pessoas do tipo ariano
eram do grupo reconhecidamente inteligente, capaz e do tipo ideal, por conseguinte
superior. Entretanto, as pesquisas científicas, em especial as que se encontram na
área das Ciências Humanas, rejeitam a noção de “raça” tal como foi construído pelo
discurso dominante do século XVI, e demonstram que os seres humanos compõem
uma só raça – a raça humana – a qual é formada por várias etnias que se
caracterizam principalmente por uma língua comum e aspectos da vida cultural,
reconhecidos e cultivados ao longo de gerações. (INOCÊNCIO, 2004)
Uma vez esclarecida essa matriz discursiva, o passo seguinte é discutir em
que medida esse conceito passa novamente a ser usado, por quem e para quê, qual
a relação do significado de raça para as políticas de formação de professores e qual
o sentido de política de ação afirmativa que daí se destaca. Citamos aqui Ceert
(2006) que define este significado do seguinte modo:
Chegamos ao século XX com um conceito de raça ressignificado pelo movimento social negro, desde o pan-africanismo de Marcus Garvey até os movimentos sociais negros de hoje, existentes em várias partes do mundo. No Brasil, os integrantes desse movimento explicam que o uso do termo ocorre porque, ao se estabelecer relações racializadas, os negros devem manter uma construção identitária apoiado nos valores culturais da
31
identidade negra, ressaltando-os, enaltecendo-os e demonstrando a auto-estima de fazer parte desse grupo racial. Essa é a forma de politização do termo “raça”. Ele é então ressignificado para exigir poder político, respeito à dignidade humana e, principalmente no combate a discriminação racial, em todos os espaços e situações em que se intercruzam os diferentes grupos racializados no interior da sociedade brasileira.
Há também uma retomada do termo “etnia” na produção acadêmica da
Antropologia Social, a partir das etnografias e da etnologia da segunda metade
daquele século. No entanto, há criticas quanto à utilização de “etnia”, porque, a um
só tempo, o termo reúne uma perspectiva naturalizante (uma mesma descendência)
com uma perspectiva culturalista (uma mesma língua, costumes, nome) e uma
perspectiva subjetiva (consciência de pertencer a um mesmo grupo) (POUTGNART,
2000).
De qualquer modo, é assim que o termo “etnia” vem sendo trabalhado para
dar conta dos estudos de etnologia, em especial daqueles que, ao reconhecerem
critica ao conceito biológico de raça, e por não concordarem com a ressignificação
do conceito na perspectiva política, identifica no conceito de etnia e de grupo étnico
a categoria de análise que dá conta de explicar a existência dos diferentes grupos
sociais racializados. Porém, toda essa polêmica serve a um objetivo: fundamentar as
políticas públicas da dimensão multiculturalista que, neste texto, trabalhamos
apenas a partir da implementação da Lei 10.639/03, para discutir a partir daí a
formação de professores com o viés da diversidade cultural, citadas nas palavras de
Inocêncio (2004):
Vale dizer que, durante muitos anos no Brasil, conceitos como reparações ou mesmo ações afirmativas eram compreendidos e articulados, quase que exclusivamente, na esfera do movimento negro local em função de sua necessidade iminente de observar experiências bem sucedidas de inclusão racial fora de nossa realidade. Por essa razão os grupos organizados acompanharam os desdobramentos da luta da comunidade negra nos Estados Unidos e a implementação de políticas públicas voltadas para esse segmento, sobretudo a partir dos anos 1970.
De fato, a luta racial neste país acabou de alguma maneira contribuindo para
que outros países procurassem alternativas de superação da exclusão marcada por
raça, etnia, orientação religiosa, entre outras. Este mesmo autor faz referência a um
acontecimento que contribuiu para esta mudança:
32
A Terceira Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Discriminação, ocorrida em 2001 na África do Sul, é o exemplo mais verdadeiro desse fenômeno mundial que se constitui a partir da luta pelo respeito à diferença racial e cultural. (INOCÊNCIO, 2004, p.2)
Seguramente, este foi o evento que tornou visível a discriminação racial no
Brasil, contra a discriminação racial, patrocinada pela ONU em 2001. Não que o
assunto fosse novo: desde 1931, com a Frente Negra Brasileira, a discriminação
racial contra o negro é denunciada de forma organizada. Os movimentos negros
tiveram novo alento a partir do fim da ditadura militar (final da década de 70), a
mesma ditadura que retirou o quesito cor-raça do Censo, para esconder a
superexploração a que o negro é submetido na nossa pátria mãe gentil. No entanto,
foi na Conferência de Durban que a delegação brasileira levou a proposta de cotas
para negros nos processos de seleção ao Ensino Superior. Uma aliança entre
ONGs, Movimentos Negros e segmentos no interior do governo do Presidente
Fernando Henrique Cardoso, particularmente no Ministério da Justiça, permitiu que
esse tipo de proposta fosse majoritário na delegação brasileira. (INOCÊNCIO, 2004)
Curiosamente, encontram-se posições ardentemente favoráveis e contrárias a
esta linha de ação reparatória aos negros brasileiros tanto na direita quanto na
esquerda. No entanto, nos movimentos negros ela é maioria. O que causa espécie é
como surge uma oposição emocionalmente viva e pouco fundamentada sobre este
tipo de proposta de inclusão social do negro.
Para Lima (2005), do ponto de vista teórico, é possível entender que o
sistema capitalista “tende a gerar desigualdade, ao transferir riquezas de uma classe
explorada a uma classe exploradora, em termos gerais”. Neste sentido, é necessário
haver uma pressão política organizada de toda a classe explorada seja para
reformar o ensino, saúde, habitação, como parece a atual etapa brasileira (para que
haja expansão e melhoria do ensino público e gratuito, uma política habitacional
distributiva, a universalização e gratuidade da saúde e uma política de emprego
inclusiva e igualitária, entre outras medidas), seja para “revolucionar as prioridades,
numa perspectiva socialista”, como no caso cubano e chinês. (p.49)
As desigualdades raciais aqui têm relativa autonomia em relação à
exploração de classe. Elas se iniciaram antes do capitalismo industrial se estruturar,
33
através de relações escravistas em que os senhores de escravos e capatazes
(brancos) se apropriavam da riqueza e os escravos (negros) eram brutalmente
espoliados. O curioso é que o advento do capitalismo industrial, essa relação
assimétrica, que envolvia riqueza e cor/raça, se espalhou para todas as classes
sociais. Em outras palavras, não é somente o negro pobre quem sofre perseguição
policial, maus-tratos em lojas, discriminação no trabalho e na escola e xingamentos
gratuitos. (LIMA, 2005)
Segundo Guimarães (1999), o racismo começou contra os negros pobres e,
com o tempo, se espalhou para negros em todas as classes sociais. Desde a
humilhação aguçada pela polícia, que fez o ex-presidente do Suriname ter que se
deitar no solo para ser revistado até o estranhamento que professores universitários
negros, colegas nossos, experimentam com seus alunos, todos sentem o efeito da
discriminação. Como o racismo é uma ideologia insidiosa, ele perpassa todas as
instituições da sociedade e impregna todas as pessoas. A tarefa do combate a ele
deve, portanto, envolver a todos. Não se deve esperar, como no caso do machismo
em relação às mulheres (que também gera desigualdades sexuais), que o mero
advento de uma sociedade sem classes, num passe de mágica elimine essa
ideologia que funciona como agente gerador de desigualdades.
O Brasil, como país capitalista, gera necessariamente concentração de renda.
No entanto, por que o Brasil, uma das quinze economias mais ricas do mundo, tem
uma das piores concentrações de renda desse mesmo mundo? Esta pergunta foi
levantada por Guimarães (1999, p.68), a qual ele mesmo argumenta como resposta:
Uma hipótese a ser investigada é a existência de um profundo racismo, conjugado ao fato de metade da população ser negra. O capitalismo já gera um nível de desigualdade, mas o racismo, incidindo sobre a metade negra da população brasileira, aprofunda o fosso abissal entre os mais ricos (predominantemente brancos) e os muito pobres (majoritariamente negros). Obviamente, esta é somente uma hipótese, que requer comprovação empírica para sua verificação. A comparação com outros países, e a adoção de políticas públicas tanto universalistas (insensíveis à cor) quanto de ações afirmativas (de discriminação positiva dos negros) podem dar algumas pistas sobre essa questão.
Até a década de 1950, era muito difundida a idéia que o Brasil apresentava
uma convivência harmônica de raças, que a miscigenação não era vista de forma
negativa. Foi até enviada uma missão da ONU ao Brasil para conhecer a
34
experiência brasileira de mistura de raças, já que os EUA, a África do Sul e outros
países tinham experiências de intolerância e segregacionismo. Qual não foi a
surpresa dos enviados da ONU ao perceber uma forma particular de racismo,
caracterizada pelo racismo cordial (Turra e Venturi, 1998). Estudos de Roger Bastide
(1959), Florestan Fernandes (1959), Thales de Azevedo (1951), entre outros,
contribuíram decisivamente para desmascarar o mito da democracia racial.
Fica evidente que durante séculos os negros foram feitos escravos no Brasil.
Sua trajetória foi marcada por dor e violência. Não passaram pelo sofrimento e pela
humilhação de serem tratados como animais porque assim o preferiram. Não eram
torturados e apanhavam porque pediam, mas porque resistiam. Não deixaram de ser
livres porque era o melhor para eles. O negro foi reduzido, humilhado e
desumanizado, desde o início em todos os cantos onde houve confronto de culturas,
numa relação de forças, no continente africano e nas Américas, nos campos e nas
cidades, nas plantações e nas metrópoles. Estes povos que sempre foram vistos
como objetos da discriminação mundial, não têm suas mazelas unicamente
relacionadas ao período escravocrata os quais foram expostos e sim a fatores muito
mais remotos, dos quais a sociedade encontra-se eivada desde os primórdios de
sua constituição: ideologias de superioridade sejam estas raciais ou culturais.
Analisando o trajeto do negro na sociedade brasileira e as formas de sua
integração nesse processo, vê-se o negro ser submetido a um processo de
dominação como instrumento de produção. Ao sistema capitalista faz-se mister a
conformação de sua produção à necessidade de lucro. A reprodução da
deterioração do nível de vida do negro dá-se então a partir daí, sendo ele impedido
de exercer plenamente as atividades de trabalho livre, uma vez que não tem fácil
acesso ao mercado de trabalho e à participação política. Como salienta Valente
(1994, p. 12), a maioria dos negros ainda sofre as consequências do passado e
afirma: “Ser negro no Brasil hoje não é fácil”. Aliás, nunca foi. Embora não mais
escravo e “propriedade” de ninguém, ele continua a ser considerado inferior, e
“cidadão de segunda categoria”. (VALENTE, 1994)
Ainda que a perversa longevidade da escravidão brasileira tenha funcionado
do ponto de vista ideológico, com base real à difusão e socialização da falsa idéia de
inferioridade e incapacidade civilizatória das populações negras, essas populações
35
vencendo as enormes dificuldades de uma vida de privações incalculáveis,
conseguem manter conteúdos e significados culturais inteiros das suas heranças
civilizatórias africanas, recriando-os e resignificando-os em solo brasileiro através de
processos de lutas, resistências e astuciosas negociações.
Diante disso, entendendo que não podemos progredir sem reflexão, ou seja,
sem pensar sobre as coisas que fazem parte do nosso cotidiano e ainda por
observarmos pequenos passos de mudança, mas significantes, nas reflexões a
respeito do negro hoje, è que nos debruçamos sobre este tema, e acreditamos que
qualquer ação desenvolvida em prol do negro, apenas se mostrará com sentido e
importância, se valorizar seu contexto e seus ideais de luta e militância frente à
opressão a qual se encontra exposto ou ao menos contribuir para estimular sua
conscientização, enquanto ator social, agente de transformação de sua realidade
atual. Defendemos, portanto uma ação que se apresente e se processe com caráter
social, ético e de respeito mútuo.
2.2 – PRECONCEITO E DISCRIMINAÇÃO – UM PASSADO PRESENTE
No Brasil muito se fala sobre a discriminação racial, o desafio está em saber o
que está implícito neste conceito e até onde podemos considerar sua existência. A
verdade é que esse é um assunto muito sério em que é possível ver racismo ou
preconceito em ambas as partes: do discriminado e do discriminador.
Reportamos-nos neste momento a Munanga (2010, p. 37) que nos traz uma
explanação pertinente e recente a respeito deste foco:
Chegamos a uma época em que a pseudo-democratização vem perdendo
forças para um início de ditadura legislativa, ou seja, uma ditadura em que
se começa com a própria lei. O nosso ilustríssimo presidente Lula aprova
uma lei que garante o encarceramento de uma pessoa que ofende ou
discrimina a condição racial de outra pessoa, se esta o sentir discriminada.
Não se pode mais chamar mais algum negro de "negro", e muito menos de
"preto". Agora, por lei, pessoas morenas recebem uma denominação de
afro-descendentes ou afro-brasileiros. Esse é o primeiro passo para a
censura política da não-liberdade de expressão de nossos pensamentos.
36
Essa mesma lei, considerada por alguns como íntegra e auxiliadora dos
menos favorecidos ou dos reprimidos, ainda apresenta muitas falhas na concepção.
Por exemplo, se uma pessoa numa discussão xingar outro de "preto" e este o
processar por preconceito, aquele primeiro terá uma prisão inafiançável; por outro
lado, se essa pessoa ao invés de xingar preferir matá-lo é mais jogo: como réu
primário ele apenas deverá pagar algumas cestas básicas e prestar serviços
comunitários, enquanto responde ao processo em liberdade.
É muito comum se estabelecer confusão entre racismo e discriminação ou
preconceito racial. Para tanto ressaltamos que primariamente devemos buscar o
significado da palavra para depois fazermos um paralelo com a prática. Segundo o
dicionário Aurélio, preconceito significa: “idéia preconcebida, suspeita, intolerância,
aversão a outras raças”, (p.648) isto é, conceito ou opinião formada
antecipadamente, sem maior ponderação ou conhecimento dos fatos, e
discriminação significa: “Ato ou efeito de discriminar” (p.321), ou seja, a capacidade
que você tem de discernimento sobre determinado assunto. (FERREIRA, 2008)
Munanga (2010) ainda explica que o termo racismo “geralmente expressa o
conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças”, entre
as etnias, ou ainda uma atitude de hostilidade em relação a determinadas categorias
de pessoas. Pode ser classificado como um fenômeno cultural, praticamente
inseparável da história humana. A discriminação racial, por seu turno, expressa “a
quebra do princípio da igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou
preferências”, motivada por raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou
convicções políticas. Já o preconceito racial indica “opinião ou sentimento, quer
favorável quer desfavorável”, concebido sem exame crítico, ou ainda a “atitude,
sentimento ou parecer insensato, assumido em conseqüência da generalização”
apressada de uma experiência pessoal ou imposta pelo meio, conduzindo
geralmente à intolerância. (p.39)
Portanto, em regra, o racismo ou o preconceito racial é que levam à
discriminação e à intolerância racial. E nesse aspecto, existe uma preocupação
mundial no combate ao racismo e à intolerância racial, que se manifesta através da
realização de múltiplos eventos, nacionais e internacionais, com a participação de
entidades governamentais e não governamentais, buscando a união dos povos
37
contra toda forma de racismo, intolerância e discriminação, não apenas como
caminho de preservação e respeito aos direitos humanos mais básicos, mas
também como medida de minimização e erradicação de revoltas, guerras e conflitos
sociais.
Retomando ao evento supra citado no sub-tópico anterior (2.1), pela
Organização das Nações Unidas, a Conferência Mundial contra o racismo, na África
do Sul, nos meses de julho e agosto de 2001, com a presença de líderes
governamentais, organizações internacionais e intergovernamentais, organizações
não-governamentais (ONGs), entre outras, cita que nesta oportunidade, Mary
Robinson, ex-presidente da Irlanda e Alta-comissária da ONU para Direitos
Humanos, no dia primeiro de maio, ao conversar com membros da Comissão
Preparatória, em Genebra, a respeito de suas metas e perspectivas para a
Conferência Mundial, observou:
Esta Conferência Mundial tem potencial para estar entre os mais significativos encontros do início deste século. Pode ser mais: A conferência pode dar forma e simbolizar o espírito do novo século, baseada na mútua convicção de que nós todos somos membros de uma família humana. O desafio está em fazer desta Conferência um marco na guerra para erradicar todas as formas de racismo. As persistentes desigualdades, no que diz respeito aos direitos humanos mais básicos, não são apenas erradas em si, são também a principal causa de revoltas e conflitos sociais. Pesquisas de opinião em vários países mostram que temas ligados à discriminação racial, xenofobia e outras formas de intolerância predominam entre as preocupações públicas hoje. Há uma grande responsabilidade moral de todos os participantes em fazer com que esta Conferência tenha êxito. Depende apenas de todos nós assegurar que tiraremos proveito desta oportunidade e que produziremos um resultado prático, com uma ação orientada, que responda a estas preocupações. Nós devemos isto especialmente às gerações mais jovens, que correm o risco de crescer num mundo cuja população aumenta num ritmo sem precedentes. (INOCÊNCIO, 2004, p. 26)
Martinez (1992, p.56) constata, igualmente, que a questão da intolerância
racial não é moderna, já existindo desde os tempos mais remotos, não encontrando
fronteiras temporais ou territoriais, merecendo ser destacado exceto de ensaio
intitulado “Nuestra América”. O autor argumenta enfatizando que possuímos tantas
informações e ainda somos alienados e aculturados. Inclusive amparados pela
Constituição brasileira de 1988, no art. 5º, que diz: Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança, à propriedade”. Referindo-se à legislação brasileira ainda descreve:
38
No Brasil, o primeiro diploma a cuidar especificamente do preconceito e da discriminação racial foi a Lei nº. 1.390, de 3 de julho de 1951, denominada Lei Afonso Arinos, de autoria do então deputado federal pelo estado de Minas Gerais, Afonso Arinos de Melo Franco. A ela se seguiu a Lei nº. 7.716, de 15 de janeiro de 1989, até hoje em vigor, que foi modificada pela Lei nº. 9.459, de 13 de maio de 1997, que alargou significativamente seu alcance, apontando expressamente a discriminação e acrescendo os crimes resultantes de preconceito discriminação de etnia, religião ou procedência nacional. A referida Lei nº. 7.716/89, no art. 1º, estabelece punição aos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, sem, entretanto, esclarecer os precisos contornos de cada uma dessas expressões. (MARTINEZ, 1992, p.57)
Um outro aspecto da Lei é sobre a injúria por preconceito, também chamada de
injúria racial, foi acrescentada ao Código Penal pela Lei nº. 9.459, de 13 de maio de
1997, consistindo na utilização de elementos referentes à raça, cor etnia, religião ou
origem, para ofender a honra subjetiva (auto-estima) da vítima. Vem prevista no art.
140, § 3º, do Código Penal, cominando pena de 1 a 3 anos de reclusão, e multa.
Portanto, não há que se confundir como freqüentemente ocorre, o crime de racismo
(previsto pela Lei nº. 7.716/89), com o crime de injúria por preconceito. O primeiro
resulta de discriminação, de preconceito racial, implicando em segregação,
impedimento de acesso, recusa de atendimento etc., a alguém. O segundo é crime
contra a honra, agindo o sujeito ativo com “animus injuriandi vel diffamandi”,
elegendo como forma de execução do crime justamente a utilização de elementos
referentes à raça, cor, etnia, religião ou origem da vítima. Nesse sentido, a utilização
de palavras depreciativas referentes à raça, cor, religião ou origem, com o intuito de
ofender a honra subjetiva da pessoa, caracteriza o crime previsto no § 3º do art. 140
do CP, ou seja, injúria qualificada, e não o crime previsto no art. 20 da Lei nº.
7.716/89, que trata dos crimes de preconceito de raça ou de cor.” (MARTINEZ,
1992)
Devemos ter a consciência que pelo menos no Brasil, há muita mistura de
povos e raças que fazem um país com uma pluralidade étnica impressionante. Por
isso, qualquer indivíduo que se considera "branco" ao falar dos "negros" deve
lembre-se que o mesmo também tem uma parte dessa raiz afro-descendente na sua
família, direta ou indiretamente. Se tiver algum preconceito racial, então também tem
um preconceito por si próprio, porque também faz parte dessa raça negra, pois no
Brasil, ninguém é genuinamente "branco".
39
Uma sociedade em que todos respeitam a diferença do próximo é utópica, mas
pelo menos podemos fazer muito para conscientizar a todos sobre nossa
homogeneidade. O primeiro passo é mudar a nós mesmos e tentar acabar com
nossos preconceitos - seja ele racial, religioso ou social. O próximo passo se segue
e podemos então construir um mundo um pouco melhor para se viver.
2.3 – DIVERSIDADE CULTURAL E SUAS IMPLICAÇÕES NO CONTEXTO
ESCOLAR
Para analisar a questão da diversidade, ou seja, se é possível admitir que
cada indivíduo é portador de inúmeras características que o diferenciam dos demais,
entende-se também que a multiplicidade de expressões se coloca em um mundo
padronizado. Por mais que haja uma dinâmica intensa na forma como as pessoas
vivam a história, não é possível negar a tendência unificante que existe no social.
Considerar o mundo social como um ponto significativo para o desenvolvimento da
potencialidade dos sujeitos remete à possibilidade de entender que entre os
diferentes sujeitos há uma alteridade importante a ser reconhecida. Considerar a
alteridade do outro é o reconhecimento que em cada ser há algo que está fora dele
mesmo, que o outro é um ser diferente não igualável a ele próprio. A diversidade se
caracteriza pelo conjunto de distinções que se fazem entre todos os seres.
Nossa história é marcada pela eliminação simbólica e/ou física do “outro”. Os
processos de negação desses “outros”, na maioria das vezes, ocorreram no plano
das representações e do imaginário social quando estabelecemos os conceitos do
que é ser belo, ser mulher, ou até mesmo do que é ser brasileiro.
Ao tratar a questão da diversidade cultural, Abramowicz (2006) diz que todo o
brasileiro vive uma situação no mínimo, inusitada. De um lado, há o discurso de que
nós somos um povo único, fruto de um intenso processo de miscigenação e
mestiçagem, que gerou uma nação singular com indivíduos culturalmente
diversificados. De outro, vivenciamos em nossas relações cotidianas inúmeras
práticas preconceituosas, discriminatórias e racistas em relação a alguns segmentos
da população, como, as mulheres, os indígenas e os afro-descendentes.
40
Na atualidade mesmo com manutenção de vários padrões de comportamento,
de beleza, os documentos relacionados à educação brasileira outorgam que somos
um país construído tendo por base a diversidade cultural. Mas o que significa
diversidade cultural em país onde os diversos grupos sociais são marginalizados em
suas representações? Os estudos de Silva (2005) mostram que apesar da
diversidade cultural registrados nos documentos oficiais, porque os bancos
escolares são freqüentados por alunos de diferente origem étnico-raciais e gênero,
os conteúdos programáticos dos livros didáticos e dos currículos escolares
apresentam ainda como padrão o homem, branco e heterossexual, e reflete nas
seguintes palavras:
No intuito de refletirmos sobre as possibilidades de ação pedagógica para tratar da diversidade cultural na educação escolar, questionamos: como trabalhar os conceitos de gênero, raça, e etnia na sala de aula, com o propósito de valorizar as múltiplas identidades constituintes no ambiente escolar? Ana Célia Silva (2005) afirma que nos livros didáticos, nos currículos escolares e nas falas dos professores, ainda há uma invisibilidade ou a visibilidade subalterna de diversos grupos sociais, como os negros, os indígenas e as mulheres. O preconceito instituído e manifestado na prática pedagógica pode levar tais grupos a uma auto-rejeição e rejeição ao seu grupo social, comprometendo os processos constitutivos de sua identidade(s). (p.77)
Em vista da seriedade do tema no contexto escolar, analisamos o que estes
autores definem o termo diversidade cultural. Para Abramowicz (2006, p12),
diversidade pode significar variedade, diferença e multiplicidade. “A diferença é
qualidade do que é diferente; o que distingue uma coisa de outra, a falta de
igualdade ou de semelhança”. Nesse sentido, podemos afirmar que onde há
diversidade existe diferença.
Costa (2008) afirma que a diferença não é uma marca do sujeito, mas sim
uma marca que o constituem socialmente, e se estabeleceu como uma forma de
exclusão, “ser diferente na educação ainda significa ser excluído e/ou ser
subrepresentado nas instâncias sociais”. Reconhecer que somos diferentes para
estabelecer a existência de uma diversidade cultural no Brasil, não é suficiente para
combater os estereótipos e os estigmas que ainda marginalizam milhares de
crianças em nossas escolas e milhares de adultos em nossa sociedade.
A autora Candau (2005) afirma que:
41
Não se deve contrapor igualdade a diferença. De fato, a igualdade não está oposta à diferença, e sim à desigualdade, e diferença não se opõem à igualdade, e sim à padronização, à produção em série, à uniformidade, a sempre o “mesmo”, à mesmice”. (CANDAU, 2OO5, p. 19).
Reconhecer a diferença é questionar os conceitos homogêneos, estáveis e
permanentes que excluem o diferente. As certezas que foram socialmente
construídas devem se fragilizar e desvanecer. Para tanto, é preciso desconstruir,
pluralizar, ressignificar, reinventar identidades e subjetividades, saberes, valores,
convicções, horizonte de sentidos. Somos obrigados a assumir o múltiplo, o plural, o
diferente, o híbrido, na sociedade como um todo (CANDAU, 2005).
Assim, falar sobre diversidade não pode ser só um exercício de perceber os
diferentes, de tolerar o “outro”. Antes de tolerar, respeitar e admitir a diferença é
preciso explicar como essa diferença é produzida e quais são jogos de poder
estabelecido por ela. Como nos alerta Silva (2000), a diversidade biológica pode ser
um produto da natureza, mas o mesmo não se pode dizer sobre a diversidade
cultural, pois, de acordo com autor, a diversidade cultural não é um ponto de origem,
ela é em vez disso um processo conduzido pelas relações de poderes constitutivos
da sociedade que estabelece “outro” diferente do “eu” e “eu” diferente do “outro”
como uma forma de exclusão e marginalização.
Uma ação pedagógica realmente pautada na diversidade cultural deve ter
como principio uma política curricular da identidade e da diferença. Tem obrigação
de ir além das benevolentes declarações de boa vontade para com a diferença, ela
coloca em seu centro uma teoria que permita não só reconhecer e celebrar a
diferença, mas também questioná-la, a fim de perceber como ela discursivamente
está constituída. Como alerta-nos Costa (2008), dizendo:
identidade e diferença são inseparáveis, dependendo uma da outra. Elas são produzidas na trama da linguagem, a identidade e a diferença são construídas dentro de um discurso, por isso precisamos compreendê-las como são produzidas em locais históricos e institucionais por meio do discurso. (p.56)
Foucault argumenta que:
[...] são os discursos eles mesmos que exercem seu próprio controle;
procedimentos que funcionam, sobretudo, a título de princípios de
classificação, de ordenação, de distribuição, como se tratasse desta vez,
42
de submeter outra dimensão do discurso: a do acontecimento e do acaso.”
(FOUCAULT, 2002 p.21)
Compreendemos que o discurso por meio da afirmação de conceitos
essencialistas não originários, são incapazes de perceber os processos de
mudanças e de transformações sociais que padronizam e marginalizam os diversos
grupos sociais. Para Foucault (2001), os conceitos “devem ser historicizados para
perceber como eles são construídos dentro de uma prática discursiva que se
envolve nas relações assimétricas de poder”, especialmente no âmbito escolar.
(p.23)
Neste contexto, os professores e as professoras que percebem em sua ação
pedagógica como os conceitos de gênero, raça e etnia são socialmente construídos
e discursivamente usados para marginalizar o “outro” estarão, de fato, contribuindo
para a constituição de uma diversidade cultural que não seja apenas tolerante, mas
que perceba que “eu” e o “outro” temos os mesmos direitos e devemos ter a mesma
representatividade, tanto nos conteúdos escolares quanto nas instituições sociais.
Reflexões sobre os conceitos de gênero, raça e etnia na formação de
professores ao serem trabalhados na sala de aula em uma perspectiva da
valorização da(s) identidade(s) dos múltiplos sujeitos que convivem no mesmo
espaço da escola devem ter um posicionamento político, a fim de desconstruir os
esteriótipos e os estigmas que foram atribuídos historicamente à alguns grupos
sociais.
A questão de gênero a ser trabalhado na sala de aula, deve começar pelo
entendimento de como esse conceito gênero ganhou contornos políticos. O conceito
de gênero surgiu entre as estudiosas feministas para se contrapor à idéia da
essência, recusando qualquer explicação pautada no determinismo biológico, que
pudessem explicitar comportamento de homens e mulheres, empreendendo, dessa
forma, uma visão naturalista, universal e imutável do comportamento. Tal
determinismo serviu para justificar as desigualdades entre ambos, a partir de suas
diferenças físicas. (BRAGA, 2007)
De acordo com Braga (2007), a expressão gênero começou a ser utilizado
justamente para marcar as diferenças entre homens e mulheres não são apenas de
43
ordem física e biológica. Como não existe natureza humana da cultura, para as
autoras, a diferença sexual anatômica não pode mais ser pensada isolada das
construções sócio- culturais em que estão imersas. A diferença biológica é apenas o
ponto de partida para a construção social do que é ser homem ou ser mulher. O
sexo é atribuído ao biológico enquanto gênero e é uma construção social e histórica.
A noção de gênero aponta para a dimensão das relações sociais do feminino e do
masculino.
Atualmente, o conceito de raça quando aplicado a humanidade causa
inúmeras polêmicas, porque a área biológica comprovou que as diferenças
genéticas entre os seres humanos são mínimas, por isso não se admite mais que a
humanidade é constituída por raças. No entanto na década de 1970, o Movimento
Negro Unificado e os teóricos que defendiam a causa, ressignificaram o conceito de
raça como uma construção social forjada nas tensas relações entre brancos, negros
e indígenas. Muitas vezes simulados como harmoniosos, não tinha relação com o
conceito biológico de raça cunhado no século XIX, e que hoje está superado.
(BRAGA, 2007)
O termo raça usado nesse contexto, segundo Silva (2004), tem uma
conotação política e é utilizado com freqüência nas relações sociais brasileiras, para
informar como determinadas características físicas, como cor da pele, tipo de
cabelo, entre outras, influenciam, interferem e até mesmo determina o destino e o
lugar social dos sujeitos no interior da sociedade brasileira. O conceito de raça ao
ser usado com conotação política permite, por exemplo, aos negros valorizar a
característica que difere das outras populações e romper com as teorias raciais que
foram formuladas no século XIX e até hoje permeia o imaginário popular. Foucault
(2002) acrescenta:
O termo raça marca as relações tensas por causa das diferenças na cor da pele e nos traços fisionômicos que caracterizam a raiz cultural plantada ancestralidade dos mais diversos grupos, que difere em visão de mundo, valores e princípios de origem indígena, européia ou asiática. O termo étnico é fundamental para demarcar que individuo pode ter a mesma cor da pele que o outro, a mesmo tipo de cabelo e traços culturais e sociais que os distingue, caracterizando assim etnias diferentes.
Os professores e as professoras que se posicionam criticamente em relação
ao conceito de gênero, raça e etnia podem instituir discursivamente uma “vontade de
44
verdade” de um grupo social, para utilizar a expressão de Foucault (2002). Mobilizar
uma ação contra os padrões e os processos de exclusões instituídos é um grande
passo para implantação de uma diversidade cultural, pois as diferenças são
socialmente construídas e estão envolvidas com as relações de poder.
As novas dimensões dos conceitos gênero, raça e etnia. De um modo geral,
mulheres, negros e indígenas são sub-representados no espaço escolar, seja no
currículo escolar, nos livros didáticos e também no posicionamento do professor na
sala de aula. O professor ou a professora pode começar a questionar com seus
alunos, por exemplo, se gostar de estudar é inerente a um determinado gênero.
Questionar frases tão comuns em nosso cotidiano como: Isso “não é coisa de
menino ou de menina”, “só pode ser filho de...”, generalizando e principalmente
rotulando sujeitos e comportamentos. Ensinar que a diferença pode ser bela, que a
diversidade é enriquecedora e não pode ser sinônimo de desigualdade, pode evitar
ações de preconceitos e discriminação. Com isso, rompermos com as verdades
socialmente construídas de que para ser belo, tenho que ser branco e ser magro.
Diante da realidade dos fatos, acreditamos e afirmamos aqui que, na
educação escolar, trabalhar na perspectiva da diversidade cultural significa uma
ação pedagógica que vai além do reconhecimento de que os alunos sentados nas
cadeiras de uma sala de aula são diferentes, por terem suas características
individuais e pertencentes a um grupo social, mas é preciso efetivar uma pedagogia
da valorização das diferenças. Entendemos que o primeiro passo para isso é
defender uma educação questionadora dos conceitos essencialistas e tratá-los como
categorias socialmente constituídas no decorrer dos discursos históricos.
2.4 – O CARÁTER DEMOCRÁTICO DA ESCOLA COMO VIES DA CONSTRUÇÃO
HUMANA
A globalização atual é um processo que ocorre em ondas, com avanços e
retrocessos separados por intervalos que podem durar séculos. Esse atual processo
tornou-se muito mais rápido, mais intensamente acelerado, com a revolução nas
comunicações e mesmo com o maior avanço em vários setores de modo geral.
Também se tornou mais abrangente, envolvendo não só comércio, produção e
45
capitais, mas também serviços, arte, educação etc. Não sem razão, esse processo
tem causado muito mais apreensão do que entusiasmo.
Neste emaranhado de avanços visualizamos o campo da educação e
percebemos que a questão fundamental da educação é a construção do
conhecimento e a formação de cidadãos. Tanto a aquisição do conhecimento quanto
a Educação são práticas sociais e nos últimos anos elas têm entrelaçado seus
caminhos de tal forma que se faz necessária uma atenção especial sobre a questão.
Levando-se em consideração que a escola é o espaço social especializado para
realizar a educação básica, isto implica que ela precisa construir as condições
subjetivas para cada cidadão, para que o mesmo possa se inscrever como sujeito na
construção de sua história e da história de seu entorno e da humanidade.
Infelizmente constatamos hoje através de pesquisas de autores da área uma
deplorável estatística sobre o olhar e o comportamento daqueles que estão inseridos
no contexto escolar, como exemplo citamos Vieira (2008) que relata:
Pesquisa realizada em escolas públicas de todo o país, baseada em entrevistas com mais de 18,5 mil alunos, pais e mães, diretores, professores e funcionários, revelou que 99,3% dessas pessoas demonstram algum tipo de preconceito étnico-racial, socioeconômico, com relação a portadores de necessidades especiais, gênero, geração, orientação sexual ou territorial. O estudo, divulgado nesta quarta-feira (em São Paulo, e pioneiro no Brasil, foi realizado com o objetivo de dar subsídios para a criação de ações que transformem a escola em um ambiente de promoção da diversidade e do respeito às diferenças). (p.54)
De acordo com a pesquisa Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar,
realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) a pedido do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep),
96,5% dos entrevistados têm algum tipo de preconceito. Com relação ao preconceito
étnico-racial, 93,5% de gênero, 91% de geração, 87,5% socioeconômico, 87,3%
com relação à orientação sexual e 75,95% têm preconceito territorial. (VIEIRA, 2008)
Este mesmo autor registra que segundo o coordenador do trabalho, José
Afonso Mazzon, professor da Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), a pesquisa conclui que as
escolas são ambientes onde o preconceito é bastante disseminado entre todos os
atores. "Não existe alguém que tenha preconceito em relação a uma área e não
tenha em relação a outra. A maior parte das pessoas tem de três a cinco áreas de
46
preconceito”. O fato de todo indivíduo ser preconceituoso é generalizada e
preocupante disse Vieira (2008) e acrescenta:
Com relação à intensidade do preconceito, o estudo avaliou que 38,2% têm mais preconceito com relação ao gênero e que isso parte do homem com relação à mulher. Com relação à idade, 37,9% têm preconceito principalmente com relação aos idosos. A intensidade da atitude preconceituosa chega a 32,4% quando se trata de portadores de necessidades especiais e fica em 26,1% com relação à orientação sexual, 25,1% quando se trata de diferença socioeconômica, 22,9% étnico-racial e 20,65% territorial. , (p.58)
Este estudo indica ainda que 99,9% dos entrevistados desejam manter
distância de algum grupo social. Os deficientes mentais são os que sofrem maior
preconceito com 98,9% das pessoas com algum nível de distância social, mas o
preconceito racial “ainda chega a 90,9%”. (VIEIRA, p.61)
Paiva (2006) aborda sobre o tema e relata que de acordo com o diretor de
Estudos e Acompanhamentos da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização
e Diversidade do Ministério da Educação, Daniel Chimenez, o resultado desse
estudo será analisado detalhadamente uma vez que o MEC já demonstrou
preocupação com o tema e com a necessidade de melhorar o ambiente escolar e de
ampliar ações de respeito à diversidade quando mencionou:
No MEC já existem iniciativas nesse sentido de respeito à diversidade, o que precisa é melhorar, aprofundar, alargar esse tipo de abordagem, talvez até para a criação de um possível curso de ambiente escolar que reflita todas essas temáticas em uma abordagem integrada. (p.71)
Observamos assim que lidar com a diversidade, seja ela racial, social,
econômica ou religiosa, não é fácil. Mas é tarefa de quem educa, pai ou professor.
Porque aprender a viver em comunidade é saber lidar com as diferenças de
qualquer natureza. Não foi por acaso que uma das áreas inseridas nas recentes
orientações do MEC para escolas denomina-se Pluralidade Cultural.
Segundo Soares (2007), ampliar os horizontes de crianças e jovens tirá-los de
sua "redoma" e educá-los para o respeito às mais diversas crenças é essencial nos
tempos modernos. Fundamental para quem deseja a paz e a harmonia. Na era da
globalização o grande desafio reside na valorização de diferentes culturas para que
elas se completem e se ajudem, chamando atenção para o dever social do indivíduo
quando argumenta:
47
O preconceito nasce do medo e da ignorância. O exercício da tolerância só é possível por meio do conhecimento e passa pela consciência de que não somos donos da verdade. Difícil? Sem dúvida alguma. Principalmente diante dos fatos que abalaram a sociedade americana e o mundo. Mas uma pergunta é necessária: qual é nosso papel? Reproduzir a violência ou ajudar os filhos numa análise crítica diante dos fatos? (p. 24)
Esta pauta traz consigo um grande desafio: reencontrar o caminho para o
interesse na educação. A escola por sua vez, fundamental na formação do cidadão,
deve evoluir com o mesmo dinamismo das mudanças. Neste contexto, entra o papel
do professor, fundamental para o fortalecimento dessa escola democrática, levando
todos que estão sob sua liderança a ter um olhar crítico sob o seu cotidiano através
de propostas que proporcionem reflexões da prática pedagógica para a formação
humana.
O contexto social hoje, com suas profundas mudanças no mundo do trabalho
e na sociedade que se institui como sociedade do conhecimento, exige a ampliação
e aprofundamento do caráter democrático da gestão escolar. A prática social da
educação é determinada pelo contexto sócio-histórico da qual emerge e sobre a qual
incide. A educação, no sentido amplo, é o próprio processo de produção histórica da
existência humana. A educação, como prática social, é uma intervenção neste
processo. (WITTMANN, 2007)
O caráter democrático da educação é cada vez mais exigido para que a
escola cumpra sua função educativa. O crescimento desta exigência decorre da
própria essencialidade do trabalho pedagógico e do contexto histórico no qual a
educação se realiza. Segundo Wittmann (2007, p.11), a exigência do caráter
democrático da escola decorre de três fatores conforme se expressa:
da especificidade da educação escolar; do atual estágio do contexto histórico, especialmente: da nova configuração do mundo do trabalho; da nova base das relações na sociedade do conhecimento; do próprio trabalho pedagógico.
Em outras palavras, o autor coloca o caráter democrático como imperativo e o
mesmo decorre do próprio sentido e razão de ser da escola, sua função não se
realiza sem que haja um trabalho compartilhado e, portanto, uma postura ética, livre
do preconceito ou discriminação, uma vez que seu espaço social é especializado
para a formação humana, para o respeito à diferença, autonomia e partilha na
construção humana. Quando se fala em contexto sócio-histórico, e aqui nos
48
reportamos a Vygotsky, que de acordo com Bonin (1996), empenhou-se em criar
uma nova teoria que abarcasse uma concepção de desenvolvimento cultural do ser
humano por meio do uso de instrumentos, em especial a linguagem, tida como
instrumento do pensamento, esclarece que neste contexto está envolvendo a
inserção humana na produção, que afeta inclusive a forma da relação entre as
pessoas nela envolvidas, tendo o conhecimento como base material das relações,
amplia tanto a exigência como as possibilidades e condições da postura ética da
escola. A própria evolução teórico-prática do trabalho pedagógico torna o caráter
democrático inalienável de qualquer instância de gestão educativa.
Fagundes (1993, p.31) esclarece que neste contexto, a escola ‘precisa
planejar a construção de ambientes de aprendizagem coerentes com as
necessidades atuais’, é preciso levar em consideração os “novos cenários mundiais
que sinalizam inúmeras e significativas mudanças, bem como o paradigma científico
decorrente da nova cosmologia, cujos princípios influenciam também as questões
epistemológicas e, consequentemente, a própria Educação”.
Todos esses aspectos provocam alterações nos processos de construção do
saber, no modo como conduzimos a escola, na maneira como pensamos,
conhecemos e apreendemos o mundo para formar cidadãos. Esses princípios
também nos alertam para o surgimento de um novo tipo de papel social do
conhecimento, apoiado num modelo que já não é mais lido e interpretado como um
texto clássico, mas corrigido e interpretado de forma interativa. Todos esses
aspectos requerem uma nova agenda educacional, mais atualizada e coerente com
as novas demandas da sociedade, neste aspecto citamos Baggio (2000, p.32), que
diz:
não podemos mais continuar produzindo uma educação dissociada do mundo e da vida, uma escola morta, fora de sua realidade, que produz seres incompetentes, incapazes de pensar, de construir e reconstruir conhecimento, de realizar descobertas científicas, e que, na verdade, estão impossibilitados de serem contemporâneos deles mesmos.
O grande desafio da escola é garantir o movimento, isto é, uma pedagogia
voltada para projetos sistemáticos que garantam uma aprendizagem significativa,
nas palavras do autor acima um “trabalho que proporcione o fluxo de energia, a
riqueza do processo”. (BAGGIO, 2000, p.33)
49
Uma temática que vem sendo muito discutida no cenário educacional é o
trabalho com projetos. Segundo Valente (2000), na Pedagogia de Projetos, a
aprendizagem perpassa pelo processo de produzir, levantar dúvidas, de pesquisar e
de criar relações que incentivem novas buscas, descobertas, compreensões e
reconstruções de conhecimentos, isto significa a manutenção do diálogo
permanente, de acordo com o que acontece em cada momento, propondo
situações-problema, desafios, reflexões, estabelecendo conexões entre o
conhecimento adquirido e o pretendido, de tal modo que as intervenções sejam
adequadas ao estilo do aluno, às suas condições intelectuais e emocionais, sua
formação de caráter e à situação contextual. É ele o responsável pela abertura e
garantia do processo educacional, ao dirigir as transformações para que a interação
professor-aluno não provoque o seu fechamento, através de uma mecanização da
forma de pensar, da apresentação de verdades absolutas ou de caminhos únicos
para o desenvolvimento da aprendizagem. (VALENTE, 2000)
No exposto, observamos que se torna necessário repensar ou refletir nossa
atuação, colocando-nos numa postura de professor inovador, criando situações
significativas e diferenciadas, cabendo propiciar diferentes situações dentro da
escola, visando as novas demandas, a realidade que os cerca.
Portanto, a escola está diante de um grande desafio: quebrar paradigmas,
desvendar novos modelos de ensino, que não depende só do educador que está em
sala de aula, é fundamental também que sejam revistas e ampliadas políticas
públicas para a formação inicial e continuada desses professores e também dos
formadores de professores. Requerem das escolas uma nova postura que abrange
princípios de convivência e respeito às diferenças ali encontradas, revendo seus
projetos pedagógicos, suas prioridades e suas propostas inovadoras, preparando o
educando para sobreviver e respeitar seu ambiente, na sua realidade, e que a
‘sistemática de concepção de projetos e políticas relacionadas com as aplicações
pedagógicas e de conhecimento seja ética, democratizada, para formação humana’.
(ALMEIDA, 1996)
Não é de admirar que discutir sobre o negro na sociedade atual sempre
desperte atenção e grandes questionamentos, embora seja este um tema bastante
50
debatido ultimamente, o que é justificável também, por ser uma discussão complexa,
fundamental no contexto mundial e também no ambiente escolar.
A proposta desta pesquisa é analisar como acontece o processo de
convivência e ensino em relação às diferenças raciais no contexto escolar, buscar
entender melhor como já citado na introdução desse trabalho, como uma sociedade
que impõe uma ética de qualidade pode ao mesmo tempo tolerar a desigualdade
racial. Aprofundar-nos especificamente nesta pesquisa dentro do contexto escolar,
onde indivíduos negros convivem na sala de aula com outros, isto é, como se
encontra hoje esta relação. Levando-nos a questionar: qual o significado do ser
negro hoje numa sociedade massificada e o papel da escola na disseminação dessa
realidade.
Mais do que nunca hoje é necessário que as pessoas estejam preparadas
para entender e refletir a respeito das imagens que lhes são mostradas com a
finalidade de que esta seja capaz de manter relações na diversidade, no poder da
interação, bem como a inclusão. No nosso entender, essa necessidade se faz
essencialmente presente no contexto escolar, onde a aprendizagem precisa fazer
sentido para o educando.
A escola que não pode negar-se a propor, não pode também recusar-se à
discussão em torno do que propõe, por parte da sua equipe; convencer que,
enquanto tarefa pedagógica, não é impor, mas é desafiar. O professor enquanto
orientador passa pela apropriação da capacidade de mediar não só a parte
pedagógica mais também de formação humana, portanto capaz de resgatar a
condição dos envolvidos como sujeito do conhecimento, supondo que estes
interiorizaram o que lhes foi transmitido, assim acontece a democratização no
âmbito escolar.
Nesta perspectiva, no contexto escolar, cabe ao professor, facilitar o
processo de interação e, naturalmente, incentivar seus alunos para a produção
crítica desses conhecimentos, e isso é na essência o que justifica a pesquisa.
(ALMEIDA, 1996)
Constantemente esquecemos que da nossa postura diária diante dos fatos
os educandos tiram lições mais proveitosas do que de longos discursos. E isso
51
acontece desde muito cedo. Observam nossa relação com a empregada, com o
porteiro, com os funcionários da escola. Nessa observação levam em conta não
somente a forma como nos dirigimos a eles nos fatos mais corriqueiros, mas a
maneira como lidamos com suas idéias a respeito do mundo. Tudo é registrado,
ainda que inconscientemente: nossas inquietações, contradições, posturas enfim.
Hall (2000) explica que mais importante do que evitar as contradições, é
conseguir conversar sempre com os filhos sobre o polêmico e sobre o já
estabelecido, mencionando os caminhos:
Para isso não é necessário preparar aulas nem discursos. Mas ter olhos e
ouvidos atentos para capturar situações do dia-a-dia que possibilitem
perguntas e que façam as crianças falarem. Vale sempre repetir: somente
quando os filhos se expõem, conseguimos perceber suas dificuldades para
lidar com as diferenças e com os conflitos. (p.53)
Nenhum material é tão rico para propiciar perguntas e momentos de troca na
família como os jornais, revistas e a já tão discutida TV. São meios de comunicação
que trazem à tona a diversidade, seja ela cultural, social, sexual ou religiosa.
Importante, também, perceber como a mídia, em especial a telinha, lida com essas
diferenças, aproveitando as abordagens para levantar questões de reflexão e troca
de conceitos em sala de aula, conforme Hall (2000) expõe:
Inúmeras vezes o faz de forma preconceituosa, com abordagens, hoje, inaceitáveis, mas que crianças e jovens reproduzem inconscientemente. Recebem um bombardeio de informações, muitas vezes sem reflexão. Pinçar alguns assuntos e episódios para ouvir o que têm a dizer e fazê-los refletir de maneira um pouco mais crítica é essencial. Proporcionar, também, diferentes fontes de informação sobre determinados assuntos que geram polêmica também parece ser um caminho. Após os atentados nos EUA, numa escola do Rio de Janeiro a aula começou com as seguintes reflexões entre duas crianças: "O simbolismo do ataque foi legal, pois matou o símbolo do capitalismo. A idéia era atacar o capitalismo." "Foi legal porque não atingiu você. Foi um ataque à pátria americana e, para eles, isso representa um ataque direto à vida das pessoas. (p.11)
Concordando plenamente com este autor é acreditamos que o breve diálogo
exposto traz à tona conceitos que, se desdobrados de forma significativa, produzem
mais conhecimento do que qualquer aula expositiva, meramente teórica. Abrir
espaço para esse tipo de expressão suscita perguntas a serem respondidas e,
conseqüentemente, um trabalho intenso de reflexão e pesquisa por parte dos
alunos. É obrigação da escola trazer à tona o conflito, a discussão diante de fatos
52
que lidem com diferentes aspectos: sociais, políticos, econômicos, religiosos. Assim
como é dela, também, o papel de observar e ajudar seus alunos a lidar com
diferenças tão comuns dentro da própria sala de aula: o neguinho, o gordinho, o que
usa óculos, a deficiência física e mental, entre outras. Também cabe à família,
nesses momentos, acompanhar o trabalho desenvolvido pela escola; verificar em
que medida seu ensino aproxima crianças e jovens da realidade, como aproveita
situações reais e as transforma em aprendizagem.
Freqüentemente os educadores falam em aprendizagem significativa, espírito
crítico, formação integral. Teoricamente tudo parece muito bonito. A grande questão
é transformar a teoria em prática permanente. Para a escola isso significa rever o
conteúdo e a forma de abordagem. Para as famílias, é repensar seus próprios
valores e a qualidade de tempo dispensada na formação dos filhos.
Nossa agenda é sempre tão preenchida, e o tempo passa numa velocidade
sem igual, ainda assim, existem questões que não podem ser mais adiadas. Sob
pena de não cumprirmos o papel que nos é destinado: o de preparar o terreno para
que os jovens, no futuro, possam transformar a realidade que se apresenta.
Para que isso aconteça, os valores básicos de respeito às diferenças
individuais e coletivas são fundamentais. Não há como discursar sobre uma
sociedade mais justa e igualitária se essa tarefa não se iniciar nos aspectos
cotidianos de nossa casa e comunidade e não se estender a uma reflexão sobre os
acontecimentos veiculados pela mídia especialmente na escola.
53
CAPÍTULO III
3. METODOLOGIA
3.1 – PESQUISA QUALITATIVA COMO ABORDAGEM ETODOLÓGICA.
Nas últimas décadas, a pesquisa qualitativa é a mais utilizada nas pesquisas
educacionais, isto porque ela é caracterizada por buscar entender a partir do contato
direto com os sujeitos em estudo. Esclarece dúvidas e inquietações, analisa o
contexto para melhor concluirmos.
Segundo Bodgan e Birlen (1998, apud BARBOSA, 2002), a pesquisa qualitativa
pretende:
melhor compreender o comportamento e a experiência humana. Usam observações empíricas porque é com os eventos concretos do comportamento humano que os investigadores podem pensar mais clara e profundamente sobre a condição humana (p. 18).
Assim, a opção por essa metodologia possibilitou um prolongamento das
experiências, permitindo que os sujeitos (professores e alunos) possam delinear seu
contexto, seus valores, dentro da sua realidade específica. Nesse sentido nos
reportamos a Ludke e André (1982), que destacam como características
fundamentais dessa pesquisa o seguinte:
A pesquisa qualitativa tem o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. É descritiva... e supõe o contato direto e prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo investigada, via de regra através do trabalho intensivo de campo. (p. 11)
Portanto, os pesquisadores neste caso estão preocupados com o processo e
não simplesmente com o resultado e o produto. O mais importante é explicar como
as pessoas compreendem e dirigem suas ações em determinados contextos. A
preocupação não é comprovar hipóteses, mas formar abstrações que se consolidam
a partir da observação e analises dos dados. (LUDKE E ANDRÉ, 1982, p. 15)
Na pesquisa qualitativa, o social é visto como um mundo de significados
possíveis de investigação e a linguagem dos autores sociais e sua práticas as
54
matérias-primas dessa abordagem. É o nível dos significados, motivos, aspirações,
atitudes, crenças e valores que se expressa pela linguagem comum na vida
cotidiana, o objetivo da abordagem qualitativa.
3.2 – INSTRUMENTOS UTILIZADOS
Para atingir os objetivos propostos, que é identificar as representações que os
alunos negros fazem do seu papel no convívio escolar, também o significado do ser
negro para os profissionais que atuam no cotidiano e até que ponto a escola
enquanto viés de integração e formação humana tem contribuído para a
disseminação de uma convivência harmoniosa e de respeito ao ser negro, primeiro
escolhemos os instrumentos e a seguir elaboramos questões condizentes com o
tema a ser pesquisado.
Foram utilizados os seguintes instrumentos:
3.2.1. QUESTIONÁRIO FECHADO
Contando com parte de questões fechadas, buscamos através dele, identificar
o perfil de cada um dentro desta relação da diversidade racial que serviu como
balizador na construção de parte da nossa análise de dados.
3.2.2. QUESTIONÁRIO ABERTO
Estruturamos questões abertas, onde os sujeitos da pesquisa colocaram seu
ponto de vista e a sua realidade, o mesmo foi respondido na ausência do
pesquisador.
Este instrumento foi aplicado como uma forma de nos fornecer respostas com
maior objetividade e rapidez e serviram de parâmetros para analisarmos os dados
obtidos, confirmando ou discordando das argumentações utilizadas na sua fundação
teórica.
No questionário os professores foram solicitados a manifestar o seu grau de
conhecimento e convivência com um conjunto de proposições referentes a relação
entre professores, colegas brancos e negros e como a referida escola trabalha tais
questões no seu ambiente. Associando explicitamente se há existência de
preconceito e discriminação no cotidiano ali. Sobre este recurso podemos citar que:
55
O questionário mostra-se eficiente, como sendo uma técnica útil para a
obtenção de informações à cerca do que a pessoa sabe, crê ou espera,
sente ou deseja pretende fazer faz ou fez, bem como a respeito de suas
explicações ou razões para qualquer das coisas precedentes (SALTEZ,
1967).
O questionário é uma das técnicas empregadas para a obtenção de dados na
pesquisa qualidade, considerada uma das técnicas nas pesquisas sociais. Ele
permite saber as idéias, sentimentos, opiniões, conduta, comportamento sobre o que
aconteceu, acontece e poderá acontecer no futuro.
Diz- nos Gressler (1989) que:
Provavelmente a maior vantagem do questionário é a sua versatilidade. A
maior parte dos problemas que exigem anonimato pode ser pesquisado por
meio de questionário, uma vez que o mesmo assegura maior liberdade em
expressar opiniões. (p. 72).
Assim, este instrumento valioso, permite saber as idéias, sentimentos,
opiniões, conduta, comportamento sobre o que aconteceu, acontece e poderá
acontecer no futuro.
Fazer uso desse instrumento foi de fundamental ajuda para concluirmos
nossa análise de pesquisa e assim chegarmos aos dados finais.
3.3 – SUGEITOS DA PESQUISA
Os sujeitos envolvidos na pesquisa são componentes envolvidos na área de
educação sendo: dez (10) professores de diferentes áreas do conhecimento que
lecionam os três turnos alternados e distribuídos dentro de quarenta (40) horas
semanais no Ensino Fundamental II. Também participaram cerca de cinco (05)
alunos negros, do nono (9º) ano do Ensino Fundamental II de turmas e turnos
diferentes.
Ressaltamos que todos estavam dispostos e contribuíram em responder as
questões, onde buscaremos a partir de então analisarmos e em seguida
apresentamos os resultados obtidos.
3.4 – LÓCUS DA PESQUISA
56
Esta pesquisa foi desenvolvida no município de Campo Formoso, tendo como
espaço de pesquisa a Escola Municipal Mª do Carmo de Araújo Maia localizada na
sede do referido município. Esta escola está situada na periferia desta cidade e
embora a mesma goze de uma boa estrutura, tenha um amplo espaço físico, seja
bem arejada, está carecendo de reformas, uma vez que vem sofrendo deteriorização
provocada pelos próprios alunos.
3.5. DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA
Para atingirmos os nossos objetivos organizamos o roteiro da entrevista com
os alunos com perguntas relacionadas ao problema exposto. A aplicação dos
instrumentos de coleta foi estruturada por etapas que definimos assim.
Levantamento para localizar os investigados; elaboração de questionários,
trabalhos de campo com aplicação de questionário e por fim análise e reflexão do
que foi coletado.
Ao iniciarmos a análise dos dados, constatamos o perfil dos sujeitos
pesquisados a prática exercida e qual a sua experiência neste contexto, os quais
serão apresentados na nossa interpretação dos dados.
57
CAPÍTULO IV
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DE DADOS
4.1 – PROCEDIMENTOS DA PESQUISA
A análise dos dados coletados e a interpretação dos resultados foram
executados a partir do questionamento sobre as concepções que os alunos fazem
deste conteúdo e o significado para os professores, também como os professores
tem trabalhado ou inserido em seu planejamento tornando-o significativo. Os dados
coletados servem como suporte para dar maior credibilidade a esta pesquisa.
O esclarecimento prévio sobre nossa pesquisa aos docentes neste ambiente
tornou-se viável, por fazer parte do seu contexto de trabalho. Foi explanada a
natureza da pesquisa aos professores numa conversa informal e prazerosa, em
seguida responderam ao questionário que continha questões abertas e fechadas,
facilitando assim na coleta de dados. Em seguida fizemos visita aos demais sujeitos
que também responderiam a um questionário para esclarecer sobre nosso objetivo e
a partir daí agendarmos o momento que iríamos retornar para aplicação dos
questionários preparados para os discentes.
Diante da dimensão e importância do nosso tema concluímos que era
interessante envolver o próprio aluno negro e seu sentimento no convívio diário com
colegas de outra cor, na perspectiva de uma sondagem mais abrangente. Segundo
Prestes, esse tipo de pesquisa é voltado para a intervenção na realidade social e é
mais ampla:
Caracteriza-se por uma interação efetiva e ampla entre pesquisadores e pesquisados. Seu objetivo de estudo se constitui pela situação social e pelos problemas de naturezas diversas encontradas em tal situação. Ela busca resolver e/ou esclarecer a problemática observada, não ficando em nível de simples ativismo, mas objetivando aumentar o conhecimento dos pesquisadores e o nível de consciência dos pesquisados. (PRESTES, 2005, p. 25)
Os dados a seguir indicam os resultados. Vale ressaltar que dos dez
professores que participaram três (03) são negros.
58
4.1 - IDENTIFICANDO O GENERO:
Na amostra, 80% dos entrevistados são do sexo feminino, e apenas 20%
compõem o oposto. O gráfico ficou assim demonstrado:
Gráfico nº. 01
Fonte : Questionário fechado respondido pelos docentes da pesquisa
Não nos surpreende esta estatística, uma vez que já é histórica a
predominância da presença feminina na área de educação.
4.2 - QUANTO AO TEMPO DE ATUAÇÃO EM SALA DE AULA:
Em relação ao tempo de exercício como professores do município, temos
(10%) entre 02 e 04 anos, (25%) entre 06 e 07 anos, (45%) entre 08 e10 anos e
(20%) acima de 10 anos de serviço.
Gráfico nº. 02
Fonte: Questionário fechado respondido pelos docentes da pesquisa
59
Notamos que a maioria é professor que já tem uma larga experiência
decorrente do tempo de atuação nesta profissão. O que nos remete o pensamento
de que pelo passar dos anos muito já se realizou e prol dos alunos no sentido de
desmistificar situações vivenciadas ao longo desse período.
4.3 - REFERENTE AO NÍVEL DE ESCOLARIDADE:
No que se refere ao nível de escolaridade, (50%) possuem especialização (pós-graduação) (35%) têm curso superior completo e (15%) estão cursando nível superior em alguma instituição.
Gráfico nº. 03
Fonte: Questionário fechado respondido pelos docentes da pesquisa
Estes dados mostram que apesar dos impasses inerentes à profissão o que
vemos nas universidades é o crescente número do professores em busca de novos
conhecimentos, para seu crescimento pessoal, e também querem adaptar-se às
exigências educacionais dos novos tempos e demandas inerentes à sua prática
enquanto educador, uma vez que os mesmos reconhecem o valor da formação
continuada. Neste sentido, acreditamos que por se tratar de professores que já
possuem nível superior ou está neste processo, o pensamento crítico foi ou está
sendo fomentado na mente desses educadores, sendo assim, a educação dos
alunos está respaldada nas mãos que quem se apropria de uma educação
libertadora, ou pelo menos deveria ser assim.
4.4 - REFERENTE À MORADIA:
Detalhando a análise dos dados acima comprovamos que todos os entrevistados
(100%) moram na sede, área urbana não periférica.
60
Gráfico nº. 04
Fonte: Questionário fechado respondido pelos docentes da pesquisa
4.5 - PARA VOCÊ O QUE É SER NEGRO NO CONTEXTO ATUAL?
Para a maioria (80%) afirmam que deveria ser motivo de orgulho, não se envergonham da sua cor, evidente nas falas a seguir:
Gráfico nº. 05
Fonte: Questionário fechado respondido pelos docentes da pesquisa
Citando suas próprias palavras observamos:
“Pra mim ser negro é um orgulho que eu tenho, que nós devemos ter, no
passado ser negro era símbolo de inferioridade, como se fosse um nada, mas
hoje em dia não cabe mais esse tipo de pensamento ” (Professor 1)
“Eu me sinto bem, me orgulho, pela minha cor, acho maravilhosa ser negra,
não tenho inveja de quem é de outra” (professor 2)
“Eu me sinto muito orgulhosa” (Professor 3.)
61
Nestas colocações percebemos que a afirmação de ter orgulho de ser negro
surge como brado de afirmação e aceitação. Procuram conhecer e afirmar sua
condição étnico-racial, orgulhando-se de sua cor e de sua etnia. Observamos que
este sentimento decorre do reconhecimento e valorização da cultura negra nos
discursos atuais. Podemos dizer que essa afirmação pode ser resultado do nível de
escolarização dos professores o que lhes garante propriedade pelo menos na
oratória
Apenas vinte (20%) cita que como qualquer outra raça, igual a qualquer outro,
não se estendendo no comentário. Quando refletimos a cerca desse percentual
observamos que esses professores põem em pé de igualdade um sentimento que é
inerente dos afro descendentes.
4.6 - QUAIS AS CARACTERÍSTICAS QUE IDENTIFICAM UM AFRO-
DESCENDENTE?
Novamente constatamos oitenta (80%) desses profissionais que declararam
ser a cor a marca registrada como característica, quinze (15%) destes objetam
dizendo que esta pergunta denota inferioridade, pois, na realidade todos somos
iguais, e apenas cinco (5%) denotam que tem ligação ao biológico ou biótipo da
pessoa.
Gráfico nº. 06
Fonte: Questionário fechado respondido pelos docentes da pesquisa
Destacamos as principais falas:
“... a cor acredito ser o que me se identifica como negro” (Professor 3)
62
“... não consigo desvincular, todos somos iguais, identificar alguém é uma
questão de atitude, o negro tem que ter atitude, assumir que é negro e pronto,
não se deixar levar por coisas banais, inclusive acho que tipo de pergunta
assim denota certa inferioridade em relação ao negro” (Professor 5)
“Esta é uma questão biológica, antes alguns diziam que sua cor era moreno,
mulato, essas coisas. Essa concepção mudou, acho que por causa de nossos
antepassados, nos sentíamos excluídos e desconfortáveis, mas o próprio
biótipo o identifica” (Professor 8)
Durante séculos, as ideologias que deram sustentação ao instituto
escravocrata insistiram na inferioridade biológica e intelectual dos descendentes
africanos, que mesmo depois de um século de abolição da escravatura não
conseguiram apagar. É importante essa discussão para que possa gerar uma
melhor conscientização contra a discriminação racial. Segundo Valente (1994, p.52),
“esse é um dos passos para a solução do problema racial: as pessoas passam a
discutir o racismo, assumí-lo e pensarem sobre a questão “.
4.7 - COMO VOCÊ SE SENTE PERANTE A SOCIEDADE ENQUANTO AFRO-
DESCENDENTE?
De forma significativa todos foram enfáticos respondendo que o mais
importante é a aceitação, não negar sua origem, só assim a sociedade aprende a
respeitar.
Gráfico nº. 07
Fonte: Questionário fechado respondido pelos docentes da pesquisa
Destacamos apenas uma fala que resume as demais:
63
“Eu vejo o seguinte, eu costumo até dizer que, a história do negro pode ser
dividida em duas, antes e depois da aceitação, porque antes era uma comunidade
cabisbaixa, o povo não tinha sua própria identidade, tinha até vergonha de dizer que
era negro por conta de tantas coisas ruins atribuídas aos negros faltava auto estima,
não tinha como lutar, em vista da vergonha. E hoje em dia não. Acredito que com
um bom trabalho de sensibilização dentro não só da escola mais principalmente
partindo da própria família, buscando valorizar sua identidade, resgatando a cultura,
então podemos presenciar uma mudança. Hoje somos mais aceitos na sociedade”
(Professor 7)
As ideias negativas que foram atribuídas aos negros, ao longo de nossa
história, foram incorporadas por muitos deles. Muitos “mulatos”, “pardo-claros”,
“moreninhos”, tentam dissimular a cor de sua pele na tentativa de fugir do gueto em
que foram colocados pela eliete pensante.
Concordamos com Valente (1994 e 1987), Rufino (2003, p.31) defende que a
“população brasileira não sabe qual a sua cor. A pressão sofrida pela população
negra, devido ao processo de desvalorização da sua raça, levou muitos afro-
descendentes à alienação e negação da sua identidade racial”. Através das falas
desses professores percebemos que a categoria está combatendo ferozmente essa
ideia, dando os passos necessários para vencer a luta, tendo como ponto de partida
a ‘não negação’ de sua identidade, assumindo-se como negro. Valente (1987) fez
observações a este respeito quando menciona:
Os açoites, os grilhões, a violência sexual e a atribuição de qualidades negativas aos negros faziam parte de um conjunto de instrumentos e “técnicas” de tortura e castigos para domar e subjugar os escravos. E mais do que a subjugação física, o castigo era importante para fazer com que o escravo introjetasse uma ideia negativa de si mesmo e de sua raça. (p.11)
Os passos lentos, mas bem significativos da luta dos movimentos negros,
vem conquistando seus objetivos inclusive o de ser negro, ou seja, a revalorização,
redefinição e afirmação do mesmo na sociedade atual.
4.8 - QUAIS OS PRINCIPAIS PROBLEMAS ENFRENTADOS POR UM AFRO-
DESCENDENTE NA ATUALIDADE, ISTO É, VER NA SOCIEDADE IGUALDADE DE
OPORTUNIDADES?
64
Gráfico nº. 08
Fonte: Questionário fechado respondido pelos docentes da pesquisa
Baseando-se pelos dados anteriores, nestas respostas aqui, parece haver
uma contradição. Quando anteriormente os mesmos afirmam ‘não haver diferença
hoje’ e que são ‘bem aceitos na sociedade atual’, conforme gráfico acima:
Observamos que a maioria (40%) afirma que ainda há muito preconceito da
sociedade em relação ao ser negro, especialmente na abertura de oportunidades,
quando se precisa se criar cotas para a participação destes, o que não acontece
com os brancos. Ainda (20%) acrescentam que questionam até mesmo a
capacidade intelectual, como se fossem deficientes para realização de algum
empreendimento, (30%) acrescenta que em algum setor da sociedade onde o
preconceito existe de forma camuflada como campus universitário, grandes
empresas e órgãos governamentais. Apenas (5%) acham que não existem barreiras
e os (5%) restantes deixou em branco. Expressaram assim:
“Não existe igualdade de oportunidades, na sociedade, quando você ver que
na maioria das vezes, em lojas, em hospitais, grandes empresas,são poucas
pessoas negras que conseguem, é como se o negro não tivesse capacidade de
estar ali. (Professor 6)
“Numa visão mais crítica, embora não seja negra, vejo a questão de cotas
para os negros entrarem numa universidade, como um tremendo preconceito, se
fosse negra não aceitaria, estaria no mesmo patamar de um deficiente, quando não
tenho nenhuma aparente (será minha cor a deficiência?) Porque não existe cotas
para branco? Precisamos amadurecer e muito nossos reais sentimentos” (Professor
5)
65
“A falta de oportunidade, a discriminação, por parte dos brancos e por parte
inclusive de alguns negros é muito grande. O preconceito está camuflado em alguns
setores da sociedade como universidades, empresas, infelizmente. Não vejo
oportunidade só desigualdade, a realidade nossa ainda é dura” (Professor 9)
“Normal, não vejo preconceito propriamente dito, as desigualdades acontece
para brancos e negros, o que define é o poder aquisitivo, quem tem mais leva
vantagem, seja ele branco ou preto” (Professor 10)
Embora alguns não percebam ou admitam, para muitos ser negro ainda
significa ser inferior aos demais membros da nossa sociedade, por ignorância ou até
mesmo infringindo leis alguns se julgam superiores em nome de seu próprio olhar
enviesado. Nos reportamos a Bernd (1994, p.11) que explica:
[...] não há nenhum fundamento científico que nos autorize a falar de superioridade ou inferioridade racial. O que existe é uma grande diversidade adaptativa devido a vivências culturais diferenciadas.
Neste contexto a discriminação existe sim. Domingues (2006, p.2) revela que
“o Brasil é país da segregação racial declarada”. Todos os indicadores sociais
ilustram números carregados com a cor do racismo. Como já foi evidenciado, as
pesquisas tem revelado a verdadeira realidade das relações no Brasil, uma
realidade na qual o negro é excluído em todos os segmentos da sociedade, existe
um “racismo perverso”, dissimulado, mascarado e velado, porém extremamente
eficiente.
4.9 - COMO VOCÊ AVALIA NO CONTEXTO ESCOLAR A QUESTÃO DO
PRECONCEITO OU DISCRIMINAÇÃO RACIAL?
Gráfico nº. 09
Fonte: Questionário fechado respondido pelos docentes da pesquisa
66
Nesta resposta (70%) dos professores admitem que exista sim alguma forma
de preconceito, ainda que camuflado e (30%) se tem não é tão perceptível conforme
o gráfico.
As falas justificam o gráfico quando explanam:
“É interessante como de vez em quando para surpresa me deparo com
alguns comentários preconceituosos, e isso não apenas por parte de alunos, mas de
colegas de profissão” (Professor 1)
“Ainda que se diga que todos temos os mesmos direitos, é uma minoria que
aplica na prática esse princípio” (Professor 5)
Domingues (2006, p.2) revela que “o Brasil é o país da segregação racial não
declarada”. Todos os indicadores sociais ilustram números carregados com a cor do
racismo. Como evidenciado, as pesquisas têm revelado a verdadeira realidade das
relações raciais no Brasil, uma realidade na qual o negro é excluído em todos os
segmentos da sociedade.
O que podemos comprovar com a análise realizada do gráfico acima é
indicação que no espaço educativo existe racismo e este se manifesta entre
professores e alunos revelando uma idéia ambígua dos próprios professores e por
conseqüência dos alunos que não tem firmeza nas idéias que exprimem quando
falamos a respeito do racismo e outros assuntos que se referem ás questões
similares.
4.10 - O QUE PERCEBE NA RELAÇÃO ENTRE SEUS ALUNOS NEGROS E
BRANCOS NO COTIDIANO?
Gráfico nº. 10
Fonte: Questionário fechado respondido pelos docentes da pesquisa
67
Este dado é curioso, pois, os professores (90%) não atribuem maldade entre
os alunos e afirmam que no dia a dia são cordiais entre si, alguma forma de
expressão preconceituosa vem muitas vezes em forma de brincadeira e piadas que
se divertem e até demonstram um grau de intimidade com o outro. Mencionamos
uma delas que melhor esclarece esta relação:
“Muitos alunos de cor clara se dirigem em tom de humor com o amigo negro
chamando-o de “negão lindo”, “diamante negro”, “urubu rei”, e outros termos
pejorativos que acabam provocando risos de modo geral, e que aparentemente o
colega negro não se ofende”. (Professor 2)
A expressão “aparentemente” descreve que não se sabe verdadeiramente até
que ponto o aluno que é alvo de tais piadas aceitou intimamente a brincadeira, se
apenas rir para ser aceito no grupo. A descrição de termos ligados à aparência o
caracteriza como se este estivesse fora do padrão de beleza. Isso acontece porque
a nossa sociedade é marcada pelo modelo de beleza dado e imposto de raiz
européia, onde só é considerado bonito o branco, o loiro de olhos claro. E quem
possui traços africanos é excluído, ou seja, considerado “feio”.
Na mídia, a figura do negro na maioria das vezes, aparece como empregados
domésticos ou escravos, também pobres, apresentando assim uma única imagem. É
importante que a escola produza uma consciência crítica, ajudando a acabar com o
modo falso e reduzido de tratar o conceito de boa aparência. Como salienta
Munanga (1988) “... Ele assumirá a cor negada e verá nela traços de beleza e feiúra
como qualquer ser humano normal”. (p.33)
4.11- COMO A ESCOLA COSTUMA TRABALHAR OS TÓPICOS RELACIONADOS
ÀS QUESTÕES RACIAIS E EM QUE DIMENSÕES?
Ainda hoje, é comum ver a maioria das instituições de educação utilizando-
se somente da linguagem oral como recurso diário. Não obstante, inúmeras
pesquisas comprovam que esta linguagem, associada a outros recursos que
estimulam os demais sentidos, pode auxiliar o processo educacional, transformando
a relação ensino-aprendizagem.
68
Trabalhar com o concreto, baseando-se no contexto do aluno é uma forma
de aproximá-lo do conhecimento, especialmente se este, buscar respeitar a
realidade e a bagagem que acompanham este aluno ao chegar à escola.
Gráfico nº. 11
Fonte: Questionário fechado respondido pelos docentes da pesquisa.
Chamamos atenção dessa necessidade em vista das respostas para esta
questão, pois, (60%) afirma que não tem projeto específico para este tema, mas que
no decorrer do ano alguma data ou evento vai destacar a questão racial. Os demais
pontuam o livro didático (15%), no dia da Consciência Negra (15%), pesquisas extra-
classe (5%), promovendo palestras (5%), não responderam (5%).
Neste contexto a aprendizagem não inclui o tão condicionado ensino
tradicional, mas, uma dinâmica na metodologia reformulada, que possibilite ao aluno
a construção do seu aprendizado pleno e capaz.
4.12 - HÁ PARTICIPAÇÃO COLETIVA DE TODO O CORPO DOCENTE E
GESTORES NESTA DINÂMICA? Outro resultado que nos chamou à atenção, è que
muitos professores (60%) sinalizaram aqui, que nem sempre todos participam,
apenas nas manifestações maiores (20%), os planos são mais individuais (10%),
nos eventos produzidos pela coordenação (10%).
Podemos fazer uma reflexão em torno desta realidade e averiguar até que
ponto a escola tem cumprido seu papel visando a formação humana.
69
Gráfico nº. 12
Fonte: Questionário aberto respondido pelos docentes da pesquisa
Diante das novas realidades econômicas e sociais provocadas pela
globalização, a escola precisa reafirmar a necessidade de mudanças no sistema
educacional, criando novas realidades, novas estratégias de ensino, a fim de melhor
capacitar seus alunos para formação do caráter, aceitação e respeito em suas
relações dentro da diversidade.
4.13 - TEM CUMPRIDO SEU PAPEL ENQUANTO PROFISSIONAL COMO
MEDIADOR PARA DISSEMINAR QUESTÕES DE ÉTICA E RESPEITO ÀS
DIVERSIDADES NA SALA DE AULA?
Novamente estamos aqui diante de um impasse, cerca de (80%) dos
professores responderam que sim, quando na questão anterior não apresentaram
um projeto de peso que contemplasse as questões raciais, apenas (20%)
responderam que realmente precisa ser mais explorado pela escola essa temática,
conforme é bastante nítido neste dado abaixo:
Gráfico nº. 13
Fonte: Questionário aberto respondido pelos docentes da pesquisa
70
Interessante é que estes docentes percebem a necessidade de explorar mais
está temática, no entanto na prática ainda não acontece, o que pode contribuir para
a superficialidade com que esta questão é tratada. Este reconhecimento se expressa
no seguinte:
“Precisamos de projetos mais condensados, uma vez que este é um assunto
de grande importância” (Professor 5)
“Ainda deixamos a desejar, precisamos rever nossos valores” (Professor 7)
O profissional da área de educação tem sobre si a exigência da construção e
socialização de conhecimentos, habilidades e competências que permitam sua
inserção no cenário complexo do mundo contemporâneo com a tarefa de participar,
como docente, pesquisador e gestor do processo, guardião e transmissor de
conhecimentos, aliando sua prática a negociações permanentes das diferenças.
É fundamental repensar nossa ação diária enquanto educadores uma vez
que, o processo de desenvolvimento cognitivo dos indivíduos passa por diferentes
etapas, fazendo com que estas adquiram, ao seu término, possibilidade de
aprendizagem, abstração, generalização e transparência para um aprendizado
significativo, para provocar mudanças no conceito e na postura.
4.14 - IDENTIFICANDO OS DISCENTES:
Gráfico nº. 14
FONTE: Questionário fechado respondido pelos discentes da pesquisa
A ênfase que foi dada aqui é saber as concepções que os alunos negros têm
da sua representatividade na sociedade, quais seus reais sentimentos em relação a
sua etnia e como se encontra essas diferenças no seu cotidiano. Para atingir nossos
71
objetivos selecionamos cinco alunos afro-descendentes do nono (9º) ano para
compor e enriquecer esta pesquisa. Ficou assim definida: 100% dos entrevistados
são matriculados regularmente no 9º ano.
4.15 - O QUE SIGNIFICA PARA VOCÊ O TERMO AFRO-DESCENDENTE
A pertinência dessa pergunta está no fato de que muitos alunos desconhecem
a origem do termo, bem como seu significado, o que é preocupante e comprova de
acordo com nossos objetivos nesta pesquisa que as representações que os alunos
fazem do seu papel social enquanto negro é insuficiente para causar mudanças
quando os mesmos não se interaram dessa temática, conforme este gráfico:
Gráfico nº. 15
FONTE: Questionário fechado respondido pelos discentes da pesquisa
Observamos nos dados acima que as concepções que os alunos fazem em
relação ao termo no sentido propriamente dito é de desconhecimento de causa, pois
a maioria (70%) associou o termo a povos da África, não fazendo uma ligação direta
com sua própria identidade. Apenas (30%) demonstra algum grau de conhecimento:
“São africanos que vivem na África e seus descendentes” (Aluno A)
“Nós somos afro-descendentes, herdamos dos nossos antepassados” (aluno
B)
Ressaltamos aqui a importância do conhecimento do papel individual que
cada ator social deve fazer enquanto parte de uma sociedade. Até porque não se
vence uma batalha quando não há uma integração do grupo. Muitos afro-
descendentes talvez não se aceitem como tais, negando sua raça, ainda que o faça
inconscientemente, outros ainda carregam consigo o equívoco de que existe uma
72
identidade humana universal. Sobre a importância desse conhecimento
referenciamos Munanga (1999) que explica-nos:
[...] confundir o fato biológico da mestiçagem brasileira (a miscigenação) e o fato transcultural dos povos envolvidos nessa miscigenação com o processo de identificação e de identidade cuja essência é fundamentalmente... , é cometer um erro epistemológico notável. (p.108)
Observamos assim que não compreendem que a sociedade é formada por
pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem culturas e
histórias próprias, igualmente valiosas, e que, em conjunto constroem, na nação
brasileira a sua história.
4.16 - EXISTE PRECONCEITO NA ATUALIDADE E EM QUE SETORES SÃO MAIS
EVIDENCIADOS:
Gráfico nº. 16
Fonte: Questionário fechado respondido pelos discentes da pesquisa
As representações que os alunos fazem sobre este tema mais uma vez é
evidenciado aqui que se confundem entre significado e significante. Admitem que
existe o preconceito, mas não se apropriaram da dimensão do que realmente está
envolvido neste comportamento, tão pouco se incluem como participantes dessa
temática, assim demonstrado:
Este resultado de (60%), apontam como de fato é aparente o preconceito na
sociedade. Alguns (20%) citam que no campo de empregos é muito evidente. Outros
(10%) na escola existe preconceito. Os (10%) restantes divididos igualmente citam
em festas e repartições públicas:
73
“O preconceito é um problema que até hoje enfrentamos aí diariamente”
(Aluno C)
“Aqui na escola existe preconceito, eu mesmo já passei por isso, não digo de
todos os colegas, mais de alguns, têm professor também que olha a gente
atravessado” (Aluno D)
“Preconceito eu acho que existe, ainda muito. Por mais que as pessoa digam
que não, na hora de dar um emprego mesmo se tiver um branco e um negro quem
ganha é o branco. Eu sei que o racismo ainda existe” (Aluno A)
Nas significações desses alunos o problema da discriminação racial ainda é
muito presente e a participação nos diversos setores da sociedade é vista como
quisito importante e essencial para sua ascensão e oportunidade de igualdade na
sociedade. Percebemos que há um reconhecimento por parte desses alunos das
dificuldades que o negro enfrente na inclusão de políticas públicas para inserção no
mercado de trabalho principalmente, o problema consiste em como é pouco
explorado como forma de conhecimento e divulgação no contexto escolar.
Lopes (2005, p.31-32) confirma:
A inclusão de políticas de ação afirmativa tanto no debate público como na pauta do governo é uma conquista de segmentos do movimento negro, que há anos denunciam a desigualdade social e racial no Brasil em vários setores: saúde, educação, mercado de trabalho, moradia, entre outros. Tratar de maneira diferenciada um grupo que teve menos oportunidades – e, portanto, que está em situação de desvantagem é uma tentativa de diminuir essas desigualdades, restituindo direitos a muitos negados.
A escola, portanto deve está atenta por despertar consciência dessa
realidade, trabalhando em seu contexto como estes mesmos alunos enquanto
cidadãos podem defender a busca de políticas de ações afirmativas em favor do
negro, na tentativa de restituir a oportunidade não só de trabalho, mas de educação,
moradia, saúde e outros. Como defende Veiga (2000), “... incluindo em seu ideário
reivindicações que visem romper com o abandono”, exigindo direitos sociais e iguais
oportunidades de educação e trabalho. (p.335)
4.17 - JÁ PRESENCIOU ALGUM TIPO DE DISCRIMINAÇÃO OU ALGUMA FORMA
DE PRECONCEITO RACIAL DENTRO DA ESCOLA
74
Na questão anterior apenas (10%) dos sujeitos apontaram a escola como
ambiente de enfrentamento preconceituoso, mas, questionados mais diretamente
sobre esse contexto, essa percentagem foi acentuada (40%) que afirmam presenciar
formas de preconceito na escola. Outros (40%) declaram que existe de forma
disfarçada, e apenas (20%) diz não sentir diferença.
Gráfico nº. 17
Fonte: Questionário fechado respondido pelos discentes da pesquisa
A realidade vivenciada pelos alunos negros na escola ainda é carregada de
ranços passados, mesmo que de forma menos acentuada. Nos perguntamos aqui
como parte dos nossos objetivos até que ponto a escola enquanto viés de
integração e formação humana tem contribuído para a disseminação de uma
convivência harmoniosa e de respeito ao ser negro enquanto parte deste contexto.
Há uma necessidade de se rever este papel, principalmente quando detectamos
através das falas estas diferenças:
“Sempre um colega ou outro está fazendo alguma piada em relação a minha
cor. Mesmo dizendo que é só de brincadeira, não gosto muito e acho que é
preconceito” (Aluno C)
“Qualquer vacilo da minha parte, alguns colegas costumam dizer – “só podia
ser nego”, levo na brincadeira mais é chato ouvir isso. Quando um branco erra não
costumo fazer piada” (Aluno D)
“ Eu sou negra e, me acho linda, nada me atinge” (Aluno E)
Valente (1994) aponta em seus estudos, sobre o negro no Brasil hoje, que em
nosso país existe uma forma peculiar de preconceito racial que é o de marca, onde
as pessoas são efetivamente discriminadas por sua aparência, pela sua cor.
75
4.18 - PARA VOCÊ O QUE É SER NEGRO NA ATUAL SOCIEDADE
Nestes dados, ficam confirmadas as observações anteriores quanto à forma
camuflada que a sociedade exibe o preconceito ou discriminação e em querer deixar
transparecer uma harmonia inexistente, conforme segue:
Gráfico nº. 18
Fonte: Questionário fechado respondido pelos discentes da pesquisa
Observamos que metade (50%) afirma que a sociedade é preconceituosa e
não se aceita como tal, pois, seu discurso não combina com sua prática. Alguns
(40%) arriscam que depende do contexto onde estão e os demais não sabem ou
não querem responder, na mesma proporção. Destacamos aqui apenas uma fala de
maior peso nesta perspectiva:
“Preconceito existe sim. A gente por mais que venha lutando, mais a gente
ver o racismo, as pessoas se achando superior por que é mais claro. Ainda falta
muito pra acabar com o preconceito, e eu nem sei se vai acabar” (Aluno A)
Fernandes (1972) nos esclarece essa batalha e as contradições tão evidentes
no comportamento enviesado de muitos na sociedade atual:
A simples negligência de problemas culturais, étnicos e raciais numa sociedade nacional tão heterogenia indica que o impulso para a preservação da desigualdade é mais poderoso que o impulso oposto, na direção da igualdade crescente. [...] Nenhuma democracia será possível se tivermos uma linguagem aberta e um comportamento fechado. (p.161-162)
Ficar alheio à situação ou indiferente é tão comprometedor quanto a
responsabilidade de ter contribuído para esta dívida com nossos semelhantes
76
negros, vítimas de racismo, preconceito e desigualdades insanas dos nossos
antepassados.
4.19 - VOCÊ SE CONSIDERA NEGRO OU AFRO-DESCENDENTE:
Interessante, (90%) dos alunos pesquisados responderam unanimemente que
sim e quanto à aceitação de sua etnia de sua identidade, ficou mais claro a partir
dessa questão que afro-descendente é a nomenclatura que o identifica. Apenas
(10%) deixou em branco.
Gráfico nº. 19
Fonte: Questionário fechado/aberto respondido pelos discentes da pesquisa
O resultado acima está em consonância com Munanga (1988, p.33) que
salienta: “aceitando-se, o negro afirma-se cultural, moral, física e psiquicamente. Ele
se reivindica com paixão, a mesma que a fazia admirar o branco”. Essa é uma
atitude de reversão de conceitos, onde, os traços do feio vira belo, e ser o que de
fato é, como qualquer ser humano.
4.20 - COMO AVALIA SUA RELAÇÃO DIÁRIA COM OUTROS COLEGAS QUE
NÃO SÃO NEGROS.
A maioria (70%), responderam que é normal, mesmo com algumas manifestações
de preconceito, não se deixam intimidar ou diminuir seu valor. Os (30%) restantes
revelam que se enquadram muitas vezes para serem aceitos, mas gostariam que
tivessem outra postura por parte dos colegas. Revelando que mesmo enfrentando
preconceito a grande maioria dos alunos se afirma enquanto negros e de alguma
forma não se deixam intimidar pelas dificuldades de relacionamento encontradas no
dia a dia.
77
Gráfico nº. 20
Fonte:Questionário fechado/aberto respondido pelos discentes da pesquisa
Percebemos a aceitação da maioria como afro-descendente, não se deixando
levar por comentários ou atitudes preconceituosas, no que afirmam:
“Normal, eu me aceito e não espero que todos possam me aceitar” (Aluno B)
“Ser negro é ser humano, muitos não quer aceitar, mas é” (Aluno E)
Ressaltamos aqui sobre este aspecto que é muito importante que possamos
traçar medidas internas de mudança, precisamos renovar nosso espírito, despir das
roupas sujas e manchadas pelo tempo, inculcar em nossos corações e mentes
pensamentos sadios e de respeito a nós mesmos, porque só assim podemos
considerar o outro, a outra raça, que é humana, que é igual em direitos e dignidade.
Após analisarmos os questionários, fica evidente que ainda sentimos na
sociedade atual as marcas do preconceito racial. Percebemos claramente que há
um grande desafio a ser enfrentado. Desafio esse de ambas as partes –
discriminado e discriminador, no sentido de fazer mudanças e entender o verdadeiro
sentido do que é ser “ser humano”.
A escola enquanto instituição de formação humana deve a partir de então
lutar por uma renovação nos métodos de ensino e a formação continuada de seus
docentes e a democratização dos processos educativos, o que devemos começar
pela conscientização para aderir a estas mudanças, dando oportunidade também
aos alunos para enxergarem o valor de uma aprendizagem significativa para suas
vidas, enquanto cidadãos críticos. A esse respeito citamos Romanelli (1995), onde
diz:
... A renovação do ensino não consiste apenas em mudanças de atitude do professor diante do saber científico, mas ainda é especialmente, diante do
78
conhecimento do aluno: É preciso compreender como ele compreende, constrói e organiza o conhecimento. (p.164).
Ainda Barbosa (1975, p.90 e 113), cita que: (...) antes de ser preparado para
explicar a importância do saber cientifico, o professor deverá estar preparado para
entender e explicar a função da escola em formar o caráter do indivíduo e a prepará-
lo para conviver em sociedade.
Afinal qual a importância do negro para a sociedade? Podemos afirmar que
sua importância está na função indispensável de igual equidade de qualquer outro
ser que vive na sociedade desde os primórdios da civilização, o que a ornou um dos
fatores essenciais de humanização. Como pessoas civilizadas e éticas, precisamos
ser maduros para encarar com tranqüilidade e equilíbrio as mudanças na nossa
trajetória e perceber que não cabe mais no mundo atual, um corpo com mente e
comportamento arcaicos e preconceituosos.
79
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mais do que uma retomada de todas as questões analisadas nesta pesquisa,
neste momento, vemos também neste espaço, uma oportunidade para “despertar” e
até mesmo “provocar” aos que tomarem conhecimento deste trabalho, lançando um
desafio, para se colocarem não apenas como expectadores desse processo mais
principalmente como participantes ativos capaz de modificar em favor daquilo que
sabemos ser o melhor como representação do bem coletivo ou comum na
sociedade.
A sociedade sempre foi e é palco de grandes manifestações sociais e
transformadoras, mesmo que passe despercebido por alguns alheios às suas lutas,
derrotas e conquistas. A particularidade é como um sistema democrático subestima
algumas vezes a força emitida pelo posicionamento de seus cidadãos, como os
poderes instituídos por estes mesmos cidadãos podem excluí-los das suas decisões,
manifestos e principalmente da parte que lhes cabe usufruir. Ainda somos
conduzidos pelas decisões de poucos e muito falta para vivermos num sistema que
de fato privilegie a dignidade do outro no verdadeiro sentido da palavra.
No término desta pesquisa, tivemos a percepção e certeza de que falta muita
coisa para se pensar em concluí-lo. Percebemos também o quanto temos a
aprender diante do assunto estudado neste pequeno período de tempo da feitura do
trabalho, mas admitimos o quão foi enriquecedor o conhecimento obtido através
desta pesquisa.
Os dados obtidos aqui nos possibilitou refletirmos a prática educativa e o
resultado dela nas falas obtidas pelos educadores e alunos que vivem uma rotina
pensamentos conturbados e ações que nunca se concretizam na prática. Serviram
sobretudo, para nos inquietar e nos estimular a viver na essência aquilo que
fazemos muito bem nas nossas falas, é preciso mudar não só a rotina dos
profissionais da educação que precisam dinamizar sua prática, saindo dos princípios
tradicionais que tornam seu ensino monótono e cansativo, contribuindo para a
passividade e submissão do aluno, transformando-o num memorizador de
fórmulas,e textos sem contexto e aplicabilidade além de contribuir para o
comodismo e alienação.
80
A pesquisa também favoreceu nosso desenvolvimento pessoal, profissional e
também científico, pois aprendemos a realizar uma pesquisa e durante o processo,
nos proporcionou novos conhecimentos sobre a nossa história, nossa cultura e
saberes. Acreditamos que nossos objetivos foram atingidos na medida em que os
sujeitos expressaram seus sentimentos e o significado de como é ser negro dentro
da sociedade massificada. Suas declarações foram preciosas para percebermos que
a questão de pertencimento e aceitação dos afros descendentes perpassa por uma
postura puramente política e não numérica. Entendemos que os professores,
apesar, de terem uma educação superior, estão longe de motivarem a mobilização
dos seus alunos e da sociedade pois acreditamos que o ser politizado precisa
nascer primeiro no pensamento dos educadores para alcançar o interesse dos
educandos.
Ao adentrar no universo do que é ser negro para saber como eles enfrentam
o preconceito e a discriminação, constatamos que seus membros utilizam vários
instrumentos de ações no combate, pois, na realidade, os negros não são uma
minoria numérica e sim uma minoria política, percebe-se a falta de unidade de grupo
realmente definido e unido junto à sociedade. Deste modo, as formas assumidas
pela luta político-ideológica estão ligadas aos rumos teóricos pelos quais a relação
raça/classe se desenvolveu.
Ao desenvolver a pesquisa, pudemos perceber também como a sociedade
brasileira, desde a sua formação social através da opressão e discriminação, vem
tratando de forma diferenciada em decorrência da condição sócio-econômica, de
exclusão social, a população negra. Alguns pontos importantes foram sinalizados
condizentes à origem do preconceito e da discriminação racial no Brasil, um fato
histórico que, se, por um lado, se torna mais evidente, por outro, não se mensura,
pois poucas pessoas admitem o fato de serem preconceituosas em relação à cor e a
raça, e etnia.
O mito da democracia racial está enraizado na sociedade brasileira, e mesmo
não acreditando nela, a grande maioria dos brasileiros procuram praticá-la, ou
mesmo dar a impressão do que o faz. Este fato, de acordo com Sansone (1996),
tem suas origens no final do século XIX e início do século XX, com o ideal de
branqueamento. A importância das ações afirmativas, como as políticas públicas em
81
especial as cotas raciais para a população negra, vem ao encontro de uma
reparação aos danos causados a esta população ao longo da história do Brasil.
A promoção da igualdade, de oportunidades, e o acesso às instituições do
ensino superior para todos os que se encontra em determinados grupos
discriminados através dos mecanismos, contribuem positivamente para a afirmação
da identidade negra, tão rejeitada diante dos preconceitos e das discriminações
impostos desde a escravização dos negros no período colonial.
Sabemos que a forma de combate ao preconceito e a discriminação, bem
como seus efeitos são através da legislação penal, e das ações profundas, e que
este, é um tema contraditório na sociedade brasileira, tais discussões podem ser
vistas como falta de conhecimento, incompreensão e principalmente falta de um
trabalho melhor elaborado pelas instâncias de poder. Neste caso, citamos também a
escola que tem um dever social de construção humana e ainda caminha a passos
lentos na concretização de projetos que priorizem esta temática.
Para entender a origem de tais desigualdades no Brasil é necessário
introduzir uma perspectiva mais ampla, abrangendo o passado histórico, sem
desconsiderar as dimensões continentais do país. A família, as solidariedades
internacionais e as políticas sociais debatem-se com este desafio, procurando
encontrar as melhores soluções e as respostas mais adequadas à diversidade dos
problemas inerentes.
O Brasil, desde seu descobrimento, traz consigo esta deplorável marca da
desigualdade social. A herança das diferenças sociais, da escravidão, do
preconceito, do racismo, data do descobrimento e foi deixada pelos então
proprietários de terras e governantes que trouxeram para a nova terra os
marginalizados portugueses, os africanos que escravizaram e humilharam os
italianos e outros imigrantes que não eram vistos com bons olhos pelos senhores
feudais. Daí a origem da desigualdade social brasileira que permanece e se
expandiu de tal forma que chega a ser quase irremediável nos dias atuais.
Visando o objetivo fundamental desse estudo, notificar como acontece a
representação do “ser negro”, concluímos que a sociedade carece como um todo
82
hoje de um plano que respeite a vida e incorpore os desafios, a realidade e a
necessidade de promover mudanças, pois não se pode continuar refém de toda
situação desumana. Também conseguimos outras finalidades focadas como avaliar
como ocorre a interação desse aluno negro no ambiente escolar, e se há ainda
descriminações das escolas. Sobre este último aspecto podemos afirmar que serve
de base para outros trabalhos, para que explore melhor esta temática.
Assim, almejamos uma participação mais relevante da sociedade de modo
geral, para que se concretizem princípios de representatividade, democraticidade e o
direito à cidadania. Verifica-se, portanto que se de algum modo esta relação denota
tendências positivas ela não é ainda totalmente efetiva. A sociedade precisa
modificar suas estratégias de incluir, e se tornar mediadora primeiramente dessa
relação para depois poder ser mediadora de discursos infundados.
83
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