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MONOGRAFIA FLORA ÚLTIMA VERSÃO 03-094.4 Cronograma de atividades para o TFG – ARQ 349 ... Durante a minha graduação na Universidade Federal de Viçosa, dividi meu tempo entre

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Morro da Mangueira: 

O samba como (trans)formador da favela 

 

 

Por Flora d’El Rei Lopes Passos 

 

 

 

 

Trabalho  apresentado  à  disciplina  ARQ 348  –  Monografia  –  do  curso  de Arquitetura  e  Urbanismo  da Universidade  Federal  de  Viçosa,  com objetivo de reflexão sobre determinado tema  a  fim  de  elaborar  um  projeto arquitetônico  na  disciplina  ARQ  349  – Trabalho Final de Graduação. 

Orientadora: Regina Lustoza 

 

 

 

 

Viçosa‐MG Universidade Federal de Viçosa 

Novembro / 2008 

 

 

 

 

II

                    

   

Agradecimentos  

A benção a toda minha família coruja, pelo incentivo e grande ajuda! A benção a todos os meus amigos, principalmente, os que ajudaram na produção 

dessa Monografia e que me acompanharam na Mangueira, em feijoadas, ensaios de escolas de samba e outras tarefas “difíceis” como essas. Em especial, o Jojô e o Preza, 

meus dois queridos parceiros de samba! Uma benção mais que especial ao último!  A benção à Regina que desde o início se animou com o tema e me orientou à 

distância.  A benção ao Renato Pontello pela linda capa. 

A benção a todos que me visitaram.  A benção aos entrevistados, pela boa vontade e grande ajuda. 

A benção ao Samba! A benção à Cidade Maravilhosa! 

E saravá... 

 

 

 

 

III

 

Sumário  Lista de Figuras............................................................................................................................ V 

Lista de Músicas.......................................................................................................................... VI 

Apresentação........................................................................................................................ 2 

1.  Conceitos 

1.1  Favela: “mazela” da cidade ............................................................................................ 5 

1.2  Favela: o espaço em movimento na ginga do samba ...................................................... 7 

1.3  Direito à cidade inclui direito à cultura ......................................................................... 10 

2.  O Samba na história do Rio de Janeiro 

2.1  As origens do Rio de Janeiro ........................................................................................ 13 

2.2  A chegada da família real portuguesa .......................................................................... 14 

2.3  Crises e repressões na República .................................................................................. 16 

2.4  Uma capital da Belle Époque ........................................................................................ 17 

2.5  E surge o samba carioca! .............................................................................................. 22 

2.6  A reforma urbana em forma de lei ............................................................................... 24 

3.  A Mangueira dos bambas 

3.1  A ocupação do Morro da Mangueira ............................................................................ 27 

3.2  A afirmação da Mangueira na paisagem carioca ........................................................... 30 

3.3  Do samba religioso ao samba profano ......................................................................... 31 

3.4  Nasce a Estação Primeira de Mangueira ....................................................................... 33 

3.5  A favela: uma “questão social” .................................................................................... 35 

3.6  As costuras viárias no Rio de Janeiro ............................................................................ 37 

3.7  A voz do Morro ............................................................................................................ 38 

3.8  A grande crise política .................................................................................................. 43 

3.9  Novos tempos .............................................................................................................. 46 

 

 

 

 

IV

3.10 O carnaval do espetáculo ............................................................................................. 49 

3.11 A densidade, o tráfico e o funk ..................................................................................... 50 

3.12 O Favela‐Bairro ............................................................................................................ 53 

3.13 A dura realidade .......................................................................................................... 55 

3.14 O Morro da Mangueira hoje ......................................................................................... 57 

3.14.1  Localização e situação do Complexo da Mangueira ............................................... 57 

3.14.2  Acessos ao Complexo da Mangueira ..................................................................... 58 

3.14.3  Dados do Morro da Mangueira ............................................................................. 62 

3.14.4  Estrutura urbana do Morro da Mangueira ............................................................ 62 

3.14.5  Usos do solo e equipamentos comunitários .......................................................... 63 

3.14.6  Projetos sociais e eventos culturais: ..................................................................... 63 

4.  Considerações Finais .................................................................................................... 68 

4.1  Participação popular .................................................................................................... 68 

4.2  Morfologia urbana ....................................................................................................... 69 

4.3  Propostas projetuais .................................................................................................... 71 

4.4  Cronograma de atividades para o TFG – ARQ 349 ......................................................... 71 

5.  Referências Bibliográficas ............................................................................................ 72 

6.  Anexos ......................................................................................................................... 74 

 

 

 

 

 

V

Lista de Figuras 

Figura 1: O Morro do Castelo em 1920 ....................................................................................... 13 

Figuras 2: As danças africanas.................................................................................................... 13 

Figura 3: O lundu africano ........................................................................................................... 14 

Figura 4: Baile de máscaras no carnaval de 1840 ....................................................................... 15 

Figuras 5: Inauguração da Estrada de Ferro............................................................................... 15 

Figura 6: Morro da Providência, chamado de Morro da Favella ................................................ 17 

Figura 7: Avenida Central ............................................................................................................ 18 

Figura 8: Ecletismo no Tetro Municipal da Av. Central.............................................................. 18 

Figura 9: Morro do Pinto no início do séc. XX ............................................................................. 20 

Figura 10: Praia de Botafogo em 1863....................................................................................... 20 

Figura 11: o Corso – carnaval da alta sociedade carioca............................................................. 21 

Figura 12: A Praça Onze em 1910 ............................................................................................... 22 

Figuras 13: A casa da Tia Ciata na Praça Onze............................................................................ 22 

Figura 14: Demolição do Morro do Castelo ................................................................................ 24 

Figura 15: À direita, o Copacabana Palace................................................................................. 24 

Figura 16: Favelas no Rio de Janeiro até 1900 ............................................................................ 27 

Figura 17: Morro do Telégrafo .................................................................................................... 28 

Figura 18: Morro do Telégrafo com plantação........................................................................... 28 

Figura 19: Fábrica Fernando Braga ............................................................................................. 28 

Figura 20: A Estação ferroviária da Mangueira.......................................................................... 28 

Figura 21: Lavadeiras na região da Candelária ............................................................................ 29 

Figura 22: Vista da região do Chalé............................................................................................ 29 

Figura 23: Morro do Telégrafo .................................................................................................... 30 

Figura 24: Rua Visconde Niterói sem pavimentação .................................................................. 31 

Figura 25: Rua Visconde de Niterói e linha férrea...................................................................... 31 

 

 

 

 

VI

Figura 26: O jongo ....................................................................................................................... 32 

Figura 27: Tia Fé......................................................................................................................... 32 

Figura 28: O Buraco Quente em 1930 ......................................................................................... 34 

Figura 29: 1ª Ala da Mangueira – “Periquitos” ........................................................................... 35 

Figura 30: Ala dos compositores................................................................................................ 35 

Figura 31: Favelas no Rio de Janeiro até 1930 ............................................................................ 36 

Figura 32: Armazém do Zé de Castro .......................................................................................... 36 

Figura 33: Pavimentação da Rua Visconde de Niterói................................................................ 36 

Figura 34: Desfile na Presidente Vargas em 1952 ....................................................................... 38 

Figuras 35: Cartola em desfile na Presidente Vargas................................................................. 38 

Figura 36: Arquitetura de “sopapo” ............................................................................................ 39 

Figura 37: Barraco da Timbaca, na Mangueira........................................................................... 39 

Figura 38: O choro do cavaquinho .............................................................................................. 39 

Figura 39: Um menino e a uma cuíca......................................................................................... 39 

Figura 40: Ala das Caprichosas da Mangueira ............................................................................. 41 

Figura 41: Mangueira na Embaixada britânica........................................................................... 41 

Figura 42: O mestre‐sala da Mangueira no Buraco Quente ....................................................... 41 

Figura 43: Porta‐bandeira da Mangueira................................................................................... 41 

Figura 44: A Mangueira em 1951 ................................................................................................ 42 

Figura 45: Roda de samba familiar na Mangueira ...................................................................... 43 

Figura 46: Banho “curtido” na Mangueira.................................................................................. 43 

Figura 47: Favelas no Rio de Janeiro até 1964 ............................................................................ 45 

Figura 48: Unidos de Lucas em 1971 ........................................................................................... 47 

Figuras 49: Império Serrano em 1973........................................................................................ 47 

Figura 50: Beija Flor de Nilópolis em 1977 .................................................................................. 49 

Figuras 51: Estação Primeira de Mangueira em 1977................................................................ 49 

 

 

 

 

VII

Figura 52: Mangueira em 1985 ................................................................................................... 50 

Figura 53: Mangueira em 1987.................................................................................................. 50 

Figura 54: Manguira em 1988.................................................................................................... 50 

Figura 55: Inchaço nas favelas ..................................................................................................... 51 

Figura 56: Habitação nas favelas................................................................................................ 51 

Figura 57: Tráfico de drogas ........................................................................................................ 52 

Figura 58: Baile funk “Furacão 2000” na Mangueira.................................................................. 52 

Figura 59: Foto geral das habitações .......................................................................................... 54 

Figura 60: Lixão no topo do Morro............................................................................................. 54 

Figura 61: Vila da Miséria ............................................................................................................ 54 

Figura 62: Palácio do Samba com dois pavimentos.................................................................... 54 

Figura 63: Favelas no Rio de Janeiro até 1997 ............................................................................ 55 

Figura 64: Cidade do Samba ........................................................................................................ 56 

Figura 65: Áreas de Planejamento do Rio de Janeiro.................................................................. 57 

Figura 66: Mapa com entorno.................................................................................................... 57 

Figura 67: Foto aérea do entorno com delimitação do Complexo da Mangueira ...................... 58 

Figura 68: Quadra do Palácio do Samba ..................................................................................... 64 

Figura 69: Auditório do Palácio de Samba.................................................................................. 64 

Figura 70: Feijoada da família mangueirense ............................................................................. 64 

Figura 71: Nélson Sargento da Velha Guarda............................................................................. 64 

Figura 72: Fachada frontal do Palácio do Samba ........................................................................ 65 

Figura 73: Rua Visconde de Niterói antes do ensaio.................................................................. 65 

Figura 74: Interior da quadra no ensaio ...................................................................................... 65 

Figura 75: Mestre‐sala e Porta‐bandeira.................................................................................... 65 

Figura 76: Bateria da “Mangueira do Amanhã” .......................................................................... 65 

Figura 77: Mestre‐salas, Porta‐bandeiras e passistas................................................................. 65 

 

 

 

 

VIII

Figura 78: Ginásio de esportes .................................................................................................... 66 

Figura 79: Posto médico............................................................................................................. 66 

Figura 80: Área de enventos....................................................................................................... 66 

Figura 81: CIEP ............................................................................................................................. 66 

Figura 82: Escola Tia Neuma....................................................................................................... 66 

Figura 83: Sala de informática.................................................................................................... 66 

Figura 84: Centro Cultural Cartola .............................................................................................. 67 

Figura 85: Salão de eventos........................................................................................................ 67 

Figura 86: Área externa.............................................................................................................. 67 

Figura 87: Rua Visconde de Niterói vista do Palácio do Samba .................................................. 67 

  

 

 

 

 

 

IX

Lista de músicas 

Recordações do Rio Antigo (1961) / Hélio Turco, Pelado e Cícero  ........................................... 12 

Foram‐se os malandros (1928) / Donga e Casquinha ................................................................ 25 

Dos carroceiros do imperador ao Plácio do samba (sem data) / Jurandir e Rubem..................26 

Samba do operário (sem data) / Cartola .................................................................................... 31 

Escurinha (1950) / Geraldp Pereira e Arnaldo Passos ................................................................ 39 

Mundo de Zinco (1952) / Wilson Batista e Antônio Nássara...................................................... 40 

Palácio  encantado (sem data) / Jurandir e Irson Pinto ............................................................. 40 

Saudosa Mangueira (1954) / Herivelto Mratins ......................................................................... 42 

Exaltação à Mangueira (1956) / Enéas Brites e Aloísio Augusto da Costa ................................. 42 

Sala de recepção (sem data) / Cartola ........................................................................................ 43 

Opinião (1964) / Zé Kéti .............................................................................................................. 45 

Favela (1966) / Jorginho e Padeirinho da Mangueira ................................................................. 46 

Sei lá Mangueira (1968) / Paulinho da Viola e Hrmínio Bello de Carvalho ................................ 46 

Alvorada (1976) / Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho ................................. 46 

Estação Derradeira (sem data) / Chico Buarque de Hollanda .................................................... 49 

Encanto de paisagem (1986) / Nélson Sargento ........................................................................ 52 

Nomes de favela (2000) / Paulo César Pinheiro ........................................................................55 

 

 

 

 

 

1

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[...] Padecemos este pânico, mas o que se passa no morro é um passar diferente, 

dor própria, código fechado: Não se meta, paisano dos baixos da Zona Sul. 

Tua dignidade é teu isolamento por cima da gente. Não sei subir teus caminhos de rato, de cobra e baseado, 

tuas perambeiras, templos de Mamalapunam em suspensão carioca. 

 Tenho medo. Medo de ti, sem te conhecer, 

medo só de te sentir, encravada favela, erisipela, mal‐do‐monte na coxa flava do Rio de Janeiro. 

 Medo: não de tua lâmina nem de teu revólver 

Nem de tua manha nem de teu olhar. Medo de que sintas como sou culpado 

e culpados somos de pouca ou nenhuma irmandade.[...] 

 

Favelário Nacional, Carlos Drummond de Andrade 

 

 

 

 

2

 

Apresentação 

Durante  a minha  graduação  na  Universidade  Federal  de  Viçosa,  dividi meu tempo  entre  o  curso  de  Arquitetura  e  Urbanismo  e  a  Dança.  Tentei,  portanto, relacionar as duas fornas de manifestação humana nesta Monografia. Morar no Rio de Janeiro por um ano me proporcionou conviver intensamente com as favelas e também com o samba. O convívio  físico com as  favelas  iniciou‐se com o estágio na Fundação Bento Rubião/RJ, entretanto, ao  longe, as  janelas do ônibus enquadravam os morros cariocas nos meus percursos cotidianos. Já o samba traduz o ritmo da cidade, no seu gingado,  no  seu movimento,  que  faz  dançar  o  corpo  na  apropriação  desse  espaço urbano.  

Desta forma, o presente projeto é voltado para a área de urbanismo e consiste em um estudo da evolução morfológica de um assentamento  informal  localizado na Cidade do Rio de Janeiro. Acima de tudo, é uma reflexão sobre a gestão democrática das cidades, as desigualdades e segregações socioespaciais que se estampam nelas. É ainda,  sobre  o  resgate  do  papel  social  do  samba  como  identidade  e memória  da cultura popular. 

Buscar conhecer o Rio de Janeiro é tentar entender a gênese e a evolução dos seus espaços populares,  já que a  favela se  insere no contexto da cidade como sendo parte dela, de forma material, simbólica e cultural.  E é, além de tudo, viver o turbilhão de  cultura que esquenta  as  veias  cariocas. Usando  as palavras de Henri  Lefebvre, é escutar a cidade como se fosse uma música (LEFEBVRE, 1991). 

O projeto se pauta em alguns conceitos da Geografia Humanística, que entende o  homem  como  produto  e  produtor  do  espaço,  incluindo  na  pesquisa  sentimentos, valores,  enfim,  experiências  dos  homens  que  criam,  atuam  e  vivem  no  espaço, inclusive,  analisando  como  a  simbologia  e  o  significado  dos  lugares  pode  afetar  a organização espacial (MELLO, 1990). 

O objeto de estudo são as favelas e a relação da música com a construção deste espaço. Como área de estudo foi escolhida o Morro da Mangueira, localizado na Zona Norte da Cidade do Rio de Janeiro, na sub‐região de São Cristóvão. O gênero musical estudado é o Samba, de autoria de moradores do morro e/ou compositores da Escola de  Samba  Estação Primeira de Mangueira,  assim  como demais  compositores que  já cantaram a Mangueira em versos. 

 

 

 

 

3

O  objetivo  geral  deste  trabalho  é  analisar  a  evolução  de  um  assentamento informal da Cidade do Rio de  Janeiro, por meio da morfologia urbana e das criações musicais, relacionando‐as aos acontecimentos históricos.  

Assim, além dessa apresentação, a Monografia é constituída de três capítulos, assim distribuídos:  

No  primeiro  capítulo  serão  abordados  e  relacionados  alguns  conceitos  que norteiam a pesquisa e ajudam a compreender melhor a realidade da construção dos espaços informais nas cidades, são eles: cidade e favela; favela e samba e, por último, cultura e cidadania. 

O  segundo  capítulo  trata  da  evolução  urbana  da  Cidade  do  Rio  de  Janeiro, relacionando os  acontecimentos históricos, políticos  e  culturais da  cidade  como um todo,  enfatizando  a  formação  das  favelas  do  início  do  século  XX,  bem  como  o surgimento do samba e de manifestações relacionadas, como o carnaval. 

Por  fim,  o  quarto  capítulo  busca  descortinar  a  gênese,  a  evolução  e  a consolidação  do Morro  da Mangueira  no  espaço  urbano. As  suas  transformações  e manifestações  do  ponto  de  vista  físico,  político  e  cultural  serão  relacionadas  aos acontecimentos históricos da cidade, em escala maior, passando do início do século XX aos dias atuais.  

Para o apoio à análise  física, política e cultural da cidade e, pricipalmente, da Mangueira,  são  utilizadas  letras  compostas  em  diferentes  épocas  da  história.  A literatura,  especificamente  a música,  evoca  a  alma  dos  lugares,  capta  e  descreve  o desempenho dos seres humanos, a fixação aos lugares, o cotidiano, o transcendental, o exílio, as viagens festivas, a nostalgia, enfim, uma ampla gama de motivos, privações, humores e emoções (MELLO, 1990). 

A  metodologia  da  pesquisa  contou  com  uma  extensa  revisão  bibliográfica abordando  os  temas:  favelas  e  evolução  urbana  do  Rio  de  Janeiro, manifestações culturais do início do século XX, Samba, Morro da Mangueira, G.R.E.S. Estação Primeira de  Mangueira,  cultura,  cidadania,  entre  outros.  Foram  consultadas  obras  em bibliotecas  públicas  do  Rio  de  Janeiro,  além  de  bibliotecas  pessoais  e  dissertações disponíveis na internet. 

Em  pesquisa  iconográfica  foram  selecionadas  algumas  fotos  da  cidade  e, especificamente, da Mangueira no  início do  século XX, além de mapas cadastrais de diferentes anos, que permitissem compreender a evolução da conformação da favela. Foram  adquiridos materiais  no  Instituto  Pereira  Passos  (IPP)  e  no  Arquivo Geral  da Cidade do Rio de Janeiro (AGCRJ). 

 

 

 

 

4

Em  pesquisa  de  discografia,  em  acervos  pessoais  e  disponíveis  na  internet, foram selecionadas  letras de sambas que retratassem momentos políticos e culturais relevantes, além de características  físicas e sociais da Mangueira e  favelas, em geral. Tendo em vista a indisponibilidade dos anos de composição de todas as letras, por se tratarem de músicas antigas,  foi dado um enfoque mais  temático que  temporal, em alguns casos. 

Finalmente,  foram  feitas  visitas  à  campo  com  o  objetivo  de  entrevistar moradores do Morro da Mangueira e pessoas relacionadas à Estação Primeira ou aos projetos  sociais  realizados na  favela, além de observações  in  loco do  cotidiano e de momentos com manifestações culturais. 

Com  a  reunião  das  informações  acerca  do  tema,  foram  elaborados mapeamentos que tratam da formação das favelas no Rio de Janeiro e da evolução do Morro da Mangueira, assim como  sua consolidação através do diagnóstico  realizado até o momento. 

É de grande  importância estudar a  favela desde sua gênese aos dias de hoje, para somente assim, propor, com a participação popular, estratégias de melhoria nas condições de habitação e/ou nos espaços de  convivência  coletiva. Nossa hipótese é que  ao  resgatar  a memória  e  a  cultura  que marca  a  identidade  dos moradores  do Morro da Mangueira é possível revitalizar aquele espaço. Como por exemplo, o samba, que outrora contribuiu para sua formação, hoje, com seu resgate, pode ser capaz de transformá‐lo. 

 

 

 

 

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1. Conceitos 

1.1 Favela: “mazela” da cidade 

O  que  é  favela?  Para  muitas  pessoas,  o  uso  deste  termo  pode  causar estranhamento.  A  primeira  visão  que  temos  ao  se  falar  em  favela  é  a  miséria,  a carência, a ausência de infra‐estrutura, de saneamento, de moral, de leis e até de bem‐estar.  Esses  espaços  se  tornaram  invisíveis,  sendo  identificados  mais  pelos  “pré‐conceitos” do que pelas suas reais caracteísticas (SILVA; BARBOSA, 2005), sejam essas características  físicas,  culturais  ou  sociais.  As  favelas  são  enxergadas  de  forma homogênea e estigmatizadas ao longo da história de formação das cidades. 

É impossível compreender a cidade como um todo sem entender a gênese e a evolução  dos  seus  espaços  populares.  O  adensamento  populacional  dos  centros urbanos  e  a  fragmentação  destes  em  infinitos  territórios,  definidos  pela  lógica  do mercado,  criam um  cenário de  segregação  socioespacial em que  se distanciam  cada vez mais a pobreza e a riqueza na cidade. E é nesse viés que surgem os assentamentos ditos “informais” 1, as favelas. 

Considera‐se que as primeiras  favelas do Rio de  Janeiro  surgiram no  final do século XIX e  início do  século XX, com as demolições de cortiços do Centro. O  termo favela  foi  inaugurado  em  1897  para  nomear  o  “Morro  da  Favella”,  ocupação  onde seria o Morro da Providência, no Centro do Rio de Janeiro.  

Com o  fim da Guerra de Canudos,  cerca de 10.000  soldados ex‐combatentes desembarcaram no Rio de Janeiro e se instalaram no morro, onde já havia habitantes. O nome dado  fazia  referência ao  local em Canudos que  seviu de acampamento aos soldados e a um arbusto típico do sertão nordestino. 

Na virada do século XX, a  forma de ocupação em morros com alta densidade ocupacional e com barracões – especialmente de  zinco – construídos pelos próprios donos,  já havia  se espalhado pela cidade. Assim, o  termo  favela passou a  ser usado para  designar  outras  localidades,  se  tornando  um  substantivo  (ZALUAR,  1998).  Em 1950, o censo realizado pela Prefeitura do Distrito Federal reconhece as favelas, como: 

Proporções  mínimas:  agrupamentos  prediais  ou  residenciais formados com unidades de número geralmente  superior a 50. Tipo 

                                                            1 As favelas e loteamentos irregulares são identificados, em geral, pelos órgãos públicos como espaços informais, devido à ausência do cumprimento de determinadas normas urbanas. Do  lado considerado formal, estão os bairros. 

 

 

 

 

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de  habitação:  predominância,  no  agrupamento,  de  casebres  ou barracões  de  aspecto  rústico,  construídos  principalmente  de  folhas de  flandres,  chapas  zincadas,  tábuas  ou  materiais  semelhantes. Condição jurídica de ocupação: construções sem licenciamento e sem fiscalização,  em  terrenos  de  terceiros  ou  de  propriedade desconhecida.  Melhoramentos  públicos:  ausência  no  todo  ou  em partes, de rede sanitária,  luz, telefone, água encanada. Urbanização: área  não  urbanizada,  com  falta  de  arruamento,  numeração  ou emplacamento.  (Departamento  de  Geografia  e  Estatística  da Prefeitura do Distrito Federal – Censo – 1950) 

No Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de  Janeiro, promulgado em 26 de maio  de  1992,  o  fator  renda  é  colocado  como  um  determinante  na  definição  das favelas.  E  em  2000,  o  Censo  Demográfico  do  Instituto  Brasileiro  de  Geografia  e Estatística – IBGE – mantem a caracterização marcada pelas “ausências” (do censo de 1950), acrescentando, ainda, termos como desordem e carência. 

De substantivo, o  termo  favela se torna, pelo senso comum, um adjetivo que representa a negatividade. Hoje, as percepções anacrônicas dos espaços populares se ampliam cada vez mais e as dicotomias favela‐cidade, formal‐informal continuam a se enraizar na sociedade brasileira. A favela ainda é o oposto de um determinado ideal de urbano  vivenciado  por  uma  pequena  parcela  dos  habitantes  da  cidade  (SILVA; BARBOSA, 2005).  

As políticas públicas de remoções e relocações dos moradores para conjuntos habitacionais,  aplicadas  por muito  tempo,  além  de  intervenções  propostas  de  cima para baixo, são exemplos da tentativa de integração na malha urbana.  

Será mesmo  necessária  a  homogeneidade  formal  da malha  urbana? Por  que não  assumir  a  estética das  favelas que  já  existem  a mais de  um  século?  (JACQUES, 2001). 

Seguindo  esta  linha  de  raciocínio,  os  últimos  anos  têm  sido marcados  pelo esforço em reconhecer os aspectos morfológico‐espaciais da favela e compreender sua dinâmica de  tranformações, através, por exemplo, de propostas de melhoria  in  loco. Essa melhoria  se  trata  de  procedimentos  como  a  legalização  da  posse  da  terra,  a proteção  contra a especulação  imobiliária e projetos de  intervenção urbana. Apesar dessa forma de intervenção ser considerada, atualmente, a mais eficaz, existem muitos casos em que  se  impoem certos padrões estéticos da cidade dita  formal, ocorrendo uma  contradição  entre  planejamento  e  dinâmica  natural,  ao  contrário  do  seu propósito inicial de reconhecimento da “informalidade” (SOBREIRA, 2003). 

 

 

 

 

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1.2 Favela: o espaço em movimento na ginga do samba 

As expressões artísticas, os rituais e os modos de vida, constituintes da cultura da população, se concentram na cidade como a memória afetiva de pessoas em uma determinada faixa de tempo.  A favela, assim como os demais espaços da cidade, é um lugar de vida, criação e arte. 

[...] as favelas são espaços em movimento. O espaço em movimento é, ao mesmo tempo, o espaço da ginga e a ginga do espaço. A ginga do espaço está diretamente relacionada à ginga corporal.  [...] Ginga também  passou  a  estar  relacionada  ao  samba,  ao movimento  de mexer  os  quadris,  requebrar,  rebolar.  [...]  Antes  de  ser  forma,  o espaço em movimento é um estado sensorial. Antes de ser espaço, é um caminho a ser percorrido. Em  lugar de andar, é preciso também se aprender a dançar. (JACQUES, 2001). 

Ao  longo  da  história  de  formação  da  cidade,  as  favelas  acompanham  as transformações  do  espaço  físico,  os  conflitos,  as  lutas,  as  festas,  os  movimentos políticos,  os  anseios  dos moradores,  e mais  recentemente,  o  tráfico  de  drogas  e  a violência.Considerado o  ícone da música brasileira, o Samba surge entre as camadas populares do Rio de Janeiro. Surpreendentemente, este que se torna símbolo nacional é justamente uma estética que se pauta pela simplicidade (NAVES, 1998). 

Segundo  o  autor Hermando  Vianna  (2004),  nunca  existiu  um  samba  pronto, “autêntico”, depois transformado em música nacional. O samba, como estilo nacional, vai sendo criado concomitantemente à sua nacionalização (VIANNA, 2004).  

Em O Mistério do Samba, VIANNA (1995) coloca que a nacionalização do samba carioca  é  a  coroação  de  um  processo  secular  de  interação  recíproca  entre  cultura popular e a cultura erudita, considerando emblemático um encontro entre membros da  elite  intelectual  da  época  e músicos  populares  para  uma  noitada  de  violão,  que ocorria  no  Rio  de  Janeiro  de  1926  (VIANNA,  1995).  Essa  interação  entre  grupos  de diferentes  camadas  sociais  e  a  projeção  do  samba  se  deu  graças  à  ocupação  dos espaços abertos pela nascente cultura de massa. Além disso, sua legitimidade vincula‐se, ainda, ao processo de reconhecimento do negro no Brasil. 

Quando se  instaura a República, em 1889, o cenário do país é de repressão às manisfestações culturais e políticas da maioria da população, causando a sensação de confinamento  principalmente  para  as  camadas  populares  da  nação.  Devido  ao descontentamento, aparecem as repúblicas atomizadas, que são pequenos nichos de 

 

 

 

 

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movimentos  artísticos  (CARVALHO,  1987:  38‐41),  como  a  “Festa  da  Penha”  e  a “Pequena África do Rio de Janeiro”2. 

Já,  nos  fins  do  século  XIX  e  início  do  XX,  surgem  os  primeiros  cordões  de Carnaval e Chiquinha Gonzaga compõe a primeira marchinha carnavalesca Ô Abre Alas, em 1899. 

Assim,  nos  arredores  da  Praça  Onze  no  Centro  do  Rio  de  Janeiro,  mais precisamente nas casas das tias baianas3 – em ambientes festivos, devocionais ou não – nasce o samba carioca. 

Cria‐se então um duplo movimento  com  relação às manifestações de origem negra:  a  condenação  por  parte  de  alguns,  considerando‐as  práticas  bárbaras  e  o enaltecimento por outros, vendo‐o como símbolo na originalidade nacional. A vinda de estrangeiros que apreciavam as manifestações populares do Brasil também contribuiu para  que  o  samba  se  firmasse  no  cenário  musical  nacional  e  internacional.  Vale ressaltar que o samba ainda não era considerado um gênero musical na época. 

O  samba  se  instala então no Rio da Regeneração e no Rio das Malocas  (RIO, 1951), isto é, entre integrantes da classe dominante e artistas das camadas populares, e passa a se definir com diferentes estruturas.  

O Teatro de Revistas4, surgido no Rio de Janeiro ainda no final do século XIX, foi uma importante forma de dilvulgação de sambas, assim como gravação de discos, que tem  como marco  inicial a gravação de Pelo Telefone, de Ernesto  Joaquim Maria dos Santos  (o  Donga)  e  Maurício  de  Almeida  (1919).  A  partir  de  então,  o  samba  é considerado gênero musical.  

Na década de 60, o Teatro de Revistas, já chamado de “Teatro Rebolado” pela ousadia que ganhara com o tempo, declinou principalmente com o advento do rádio e do  cinema  falado.  Surge  um  novo  ritmo  de  samba  que  se  torna  hegemônico  (REIS,                                                             2 Abrangia os bairros Cidade Nova, Gamboa, Saúde e adjacências. Lá morava uma grande concentração de africanos, crioulos e mestiços. 

3 A casa da Tia Ciata, sacerdotisa do candomblé, era onde se reuniam o maior número de pessoas em festejo do samba. Em depoimento de um antigo morador, é dito que: baile na sala de visitas, samba de partido‐alto nos fundos da casa e batucada no terreiro. A festa era de preto, mas branco também ia lá se divertir (MOURA, 1983: 104). 

4 Gênero de  teatro musicado de uma época em que o principal mercado de  trabalho era o  teatro, os cabarés e os  cafés dançantes. Surgiu  como uma opção de  lazer para as  camadas da  crescente  classe média urbana do Rio de  Janeiro e narrava os principais acontecimentos do ano, de  forma humorada, usando  o  recurso  da  dança  e  da música. Após  1887,  passa  a  valorizar  a  canção  popular  e  a  usar  o carnaval  como  tema.  Figuras  como  a  da  baiana  eram  reincidentes  nos  palcos.  Dentre  os  grandes sucessos estão: Corta‐jaca, de Chiquinha Gonzaga e No tabuleiro da baiana, de Ary Barroso.

 

 

 

 

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1999) e em 1928, o bloco carnavalesco Deixa Falar pelos sambistas, do bairro Estácio de Sá, introduz o surdo e a cuíca como novos instrumentos. 

Este  momento  é  marcado  pelo  surgimento  das  Escolas  de  Samba  que determinam  a  nova  face  do  Carnaval.  Em No  Princípio  era  a  Roda,  Roberto Moura (2004) relata como a passagem do samba para as ruas causou desencanto entre alguns sambistas  tradicionais, que  reafirmam a volta às origens – à  roda e à casa  (MOURA, 2004).  A  fundação  das  Escolas  de  Samba  sugeriu  uma  interação  cultural  social  e política entre os moradores da favela e entre esta e os demais bairros da cidade. 

Mais  tarde,  o  samba  carioca  foi  subdividido  em  três  tipos,  de  acordo  com  a estrutura, melodia e letra: o “Partido‐alto”, “Samba de Terreiro” e “Samba Enredo”.  

O  “Partido‐alto” nasceu das  rodas de  samba, é marcado pela  improvisação e tem forte relação com a dança, podendo ser do tipo “miudinho”, “amoladinho” e “com as mãos nas  cadeiras”. O próprio nome da modalidade  indica que existe nela  certa superioridade entre  seus praticantes, que  tem  como desafio  improvisar as  frases do samba sem fugir da proposta temática. As longas estrofes se encaixam em um tempo musical geralmente acelerado.  

O “Samba de Terreiro” foi o primeiro samba das escolas e tinha um forte  laço com a comunidade, perceptível, não somente nas letras das músicas que enalteciam a escola, o espaço (o morro), os moradores e o próprio samba, mas também, pelo fato do compositor sempre submeter o samba ao público, para aprovação.  

Em 1933, a G.R.E.S. Unidos da Tijuca  faz o primeiro samba que narrava o seu enredo  de  desfile  de  Carnaval  e  assim  nasce  o  “Samba  Enredo”.  Semelhante  ao chamado samba de exaltação, com melodias pomposas e letras rebuscadas, narravam, geralmente, temas da história do Brasil e de homenagem à própria escola, ao Rio ou à Bahia. 

Além  dos  laços  de  pertencimento  ao  lugar,  frutos  das  relações  sociais  que expressavam  alegria, malandragem  e momentos  de  lazer,  o  Samba  reflete  em  suas letras,  uma  história  de  favela  e  favelados  marcada  por  preconceitos  e  estigmas, conflitos (políticos, sociais e ambientais), resistência e vitalidade. Os sambas cariocas – “Samba  de  Terreiro”,  “Partido‐alto”  e  “Samba  Enredo”  –  retratam  a  expressividade cultural do Rio de  Janeiro e  foram  tombados  como Patrimônio Cultural  Imaterial do Brasil em 2007. 

 

 

 

 

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1.3 Direito à cidade inclui direito à cultura 

Segundo o artigo 6º da Constituição Federal, todos têm o direito à cidade, uma vez que é nela que o cidadão usufrui de seus direitos sociais, tais como: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer além da segurança.  

Para  falar  em  direito  à  cidade,  o  primeiro  passo  é  a  não  fragmentação  em oposições como favela versus asfalto. Afinal, a cidade é uma só. É necessária também a  luta  por  uma  gestão  democrática  da  cidade. A  favela  não  pode  ser  representada como  lugar de pobreza, ausência, criminalidade e “não‐cidade”  (OLIVEIRA, 2005). Ela deve  ajudar  a  recuperar o  sentido da  cidade  como obra humana,  consequência das relações sociais e pressuposto para o bem estar.  

O  direito  à  cidade  inclui  o  direito  as  diversas  manisfestações  culturais  e  a democratização da cultura, isto é, o acesso aos bens culturais devem ser estendidos a todos de forma ampla e  irrestrita. Este, é hoje, o principal desafio para se alcançar a cidadania plena, uma vez que  todos,  indistintamente,  sofrem com a massificação da cultura, imposta pela mídia. O que vemos hoje é uma cidade regida pelo mercado, pelo poder conforme exemplificam as palavras de GHOÈZ: 

 (...) Eles nos querem onde estamos, nos querem brutos e tristes, nos darão  drogas  e  armas  e  escreverão  novos  roteiros  e  farão  novos filmes  sobre nossas  vidas em nosso hábitat, mal  sabem  eles que o sangue já transborda da periferia, que existe mão‐de‐obra excedente com armas na mão, mas eles nos querem assim  como melhor ator coadjuvante, não nos querem escrevendo, dirigindo, atuando... eles nos querem assim, sem voz, no escuro do anonimato (...) Mas alguns de nós já sabem: cultura é poder. (GHOÉZ apud CAMPELLO, 2005) 

A “responsabilidade social” é um termo usado a esmo já que “ajudar” os menos favorecidos virou terceiro setor (FERRÉZ apud CAMPELLO, 2005)5. O cerne da questão não é  levar a cultura clássica às  favelas. Além disso, não garantir um mundo  livre de confrontos e exclusões, não é viável e nem desejável do ponto de vista da preservação da pluralidade  cultural  sob a ótica do multiculturalismo. Nas  favelas  são  construídas relações de sociabilidade, formas de trabalho e de geração de renda, criações artísticas e práticas culturais produtoras de  identidade (SILVA; BARBOSA, 2005). É necessário o direito à arte. O direito de ser humano (LINS apud CAMPELLO, 2005).6 

                                                            5 Ferréz é romancista, criador da revista Literatura Marginal e colaborou na revista Caros Amigos. 

6 Paulo Lins, nascido e criado na periferia do Rio de Janeiro, é poeta, escritor e roteirista, autor do romance Cidade de Deus. 

 

 

 

 

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É assim que se derrubam os muros dos guetos e se abrem os canais de  troca, na cidade cindida.  [...] a  linguagem universal da arte é, na diversidade  das  culturas,  a  mediação  que  torna  possível  o  seu diálogo.  [...] Enquanto existir a possibilidade de propagar o milagre da criação, espaços de cultura e arte continuarão a ser cidadelas que permitem aos homens redescobrir em si mesmos o  idioma de nossa humanidade. (MONTES, apud CAPELLO, 2005.)7 

Quando  houver  o  respeito  e  a  afirmação  das  diferenças,  conjugados  à construção de pontes e pontos de encontro haverá a cidadania plena. Quando houver o direito à arte, haverá sintonia plena com toda a humanidade. E, usando as palavras do poeta Vinícius de Moraes “quando derem vez ao morro, toda a cidade vai cantar”. 

                                                            7 Maria Lúcia Montes tem formação em filosofia, ciência política e antropologia, lecionou na USP e trabalha com projetos culturais e exposições. 

 

 

 

 

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2. O Samba na história do Rio de Janeiro 

 

 

Recordações do Rio Antigo   

Rio cidade tradicional Teu panorama é deslumbrante 

É uma tela divinal Rio de janeiro 

Da igreja do castelo Das serestas ao luar 

Que cenário tão singelo Mucamas sinhás moças e liteiras 

Velhos lampiões de gás Relíquias do rio antigo  

Do rio antigo  Que não volta mais 

 Numa apoteose de fascinação 

As cortes deram ao rio Requintada sedução Com seus palácios 

Majestosos altaneiros Rio dos chafarizes 

E sonoros pregoeiros Que esplendor! Quantos matizes! 

 Glória a estácio de sá  

Fundador desta cidade tão formosa O meu rio de janeiro  Cidade maravilhosa. 

  

Hélio Turco, Pelado e Cícero Samba‐Enredo da Estação Primeira de Mangueira (1961) 

 

 

 

 

 

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 2.1 As origens do Rio de Janeiro 

Iniciando  a  ocupação  no  continente  sul‐americano  pela  parte meridional,  os portugueses fundaram a Vila de São Vicente (SP) em 1532. Seguindo no sentido leste‐oeste, burlando a  linha  imaginária estabelecida em Tordesilhas, criaram São Paulo. O cenário era de natureza exuberante e os nativos de diferentes tribos que habitavam a região recém “descoberta”, já usavam a música e a dança como formas de expressão, sendo utilizados instrumentos como flautas, apitos, chocalhos, tambores e outros. 

Somente por volta de 1565, os portugueses se estabeleceram no Rio de Janeiro, onde  ocupantes  franceses  já  haviam  fundado  a  France Antarctique  em  uma  ilha  da Baía da Guanabara. A topografia carioca, que formava uma verdadeira muralha natural de proteção, somada a placidez das águas e à estreita barra oceânica, faziam da baía o local perfeito para a base naval portuguesa. Assentaram‐se, primeiramente, aos pés do Pão de Açúcar e mais tarde nos arredores do Morro do Castelo, onde estabeleceram as tradições urbanas medievais do Velho Mundo, no reduzido espaço plano (Figura 1). 

 

Em  1577,  o  Rio  de  Janeiro  exportava  cachaça  e  farinha  de mandioca  para mercados africanos, em troca de escravos. O comércio com o outro  lado do Atlântico foi  se  intensificando  com  o  aprimoramento  da  construção  naval  e,  assim,  o  tráfico negreiro (que só se findou em 1850), trouxe cada vez mais escravos africanos, e com eles, sua cultura, tradições, músicas, danças, religiões (Figura 2). 

                                            

Figura 1: O Morro do Castelo em 1920                                                                Figuras 2: As danças africanas Fonte: http://farm3.static.flickr.com                                                                               Fonte: http://www.colband.com.br 

 

Ao  longo do século XVIII, crescia a exploração de ouro e diamante nas Minas Gerais fazendo surgir um novo circuito comercial que se centrava no Rio de Janeiro. O Rio de Janeiro consolidou‐se como o maior mercado negreiro da Colônia (NICOLAEFF, 2008) e o sistema baseado no trabalho escravo se intensificou ainda mais na passagem do  ciclo  do  ouro  ao  ciclo  cafeeiro.  O  sucesso  da  monocultura  do  café  se  deu, 

 

 

 

 

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principalmente,  pela  abundância  e  fácil  acesso  de  três  recursos  da  região:  terras, alimentos e mão‐de‐obra (FLORENTINO 1993).  

Nesta época, surge o lundu – gênero musical trazido dos escravos bantos do Congo 

e Angola8 – entre os grupos de negros africanos, que seria amplamente popularizado. O estilo de música é descrito como uma dança lasciva com suas umbigadas. Ele pode ser considerado um dos elementos embrionários de formação do futuro samba (Figura 3). 

 

Figura 3: O lundu africano Fonte: http://blogimg.terra.com... 

 

2.2 A chegada da família real portuguesa 

O Rio de Janeiro foi então promovido à capital e sede do Vice‐Reino português. Com  a  transferência  da  corte  portuguesa  para  o  Brasil  em  1808,  e  a  chegada  de imigrantes, a cidade foi se expandindo para o subúrbio. As costas marítimas ainda não eram  espaços muito  ocupados  pelo  risco  de  ataques  inimigos.   Nesta  época  esteve presente o diálogo com a natureza, sendo notável a construção do Jardim Botânico, o reflorestamento da Floresta da Tijuca e a Quinta da Boa Vista. Durante o vice‐reinado são  realizadas  algumas  melhorias  nos  aspectos  urbanos,  como  a  construção  do Arqueduto da Carioca e de chafarizes para o abastecimento de água na cidade. 

Por volta de 1840, já havia registro de baile de carnaval9 (Figura 4). O primeiro importante  personagem  do  carnaval  carioca  foi  o  Zé  Pereira,  que  seguia  pelas  ruas 

                                                            8 A partir do século XIX, o lundu apresenta variantes como o miudinho, a tirana tipo espanholada, o fado batido e a chula. Seu apogeu  vai do começo de 1800 a 1920, sendo Xisto Bahia (1841‐1894) o compositor mais importante. 

9  O Carnaval tem sua origem ligada a cultos agrícolas, festas egípcias e rituais da Grécia Antiga (entre 605 e 527 a.C.). No Brasil, chegam em 1723, festejos e brincadeiras carnavalescas trazidas pelos portugueses, porém, era chamado de Entrudo. Os carros alegóricos chegam em 1786, por ocasião do casamento de Dom João com Carlota Joaquina. 

 

 

 

 

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animando as pessoas com seu bumbo, e deixou como sucessores a cuíca, o tamborim, o  reco‐reco, o pandeiro e a  frigideira,  instrumentos que acompanhavam a  festa. Em 1855, surgiram as Grandes Sociedades que desfilavam ao som de ópera com alegorias, fantasias luxuosas, cantando críticas e sátiras ao governo. 

Outro  acontecimento  foi  a  inauguração  da  Estrada  de  Ferro  Dom  Pedro  II (1858)  que  incluía  as  estações:  Central,  Engenho Novo,  Cascadura, Moxambomba  e Queimados (Figura 5). O trem como trasporte coletivo permitiu a maior expansão no sentido dos  subúrbios, que de  início  seguiu o eixo da  linha  férrea. Dez anos depois, com  o  aparecimento  dos  bondes  de  tração  animal,  a  expansão  da  cidade  se intensificou. O aumento da mobilidade propiciou a mistura de manisfestações culturais dos diversos bairros, que fez fervilhar um caldeirão de novos ritmos, principalmente no carnaval (FERNANDES, 2007). 

     

Figura 4: Baile de máscaras no carnaval de 1840                      Figuras 5: Inauguração da Estrada de Ferro Fonte: http://www.colegiosaofrancisco.com.br                                                                     Fonte: http://br.geocities.com  

Entre  esses  ritmos  está  o  maxixe,  que  surge  entre  os  grupos  populares, principalmente,  na  Cidade  Nova,  Gamboa,  Saúde  –  a  “Pequena  África  do  Rio  de Janeiro”  –  e  nos  cabarés  da  Lapa.  Resultado  da  mistura  do  lundu  com  o  tango argentino, maxixe é considerado o primeiro ritmo (e dança) genuinamente brasileiro. Sua  dança  era  marcada  pela  sensualidade  e  nas  letras  usava‐se  muita  gíria.  Seu surgimento causou polêmica e houve na época uma dupla percepção do maxixe. Era condenado  por  alguns,  que  o  considerava  bárbaro  e  inaceitável, mas  admirado  por outros, sendo  inclusive  levado a Paris no  início do século XX, como representante da legítima expressão nacional. 

Vale salientar enfim que, conforme o histórico aqui  traçado, o embricamento entre povo, ritmo e espaço urbano já se fazia presente nas primeiras configurações da Cidade do Rio de Janeiro. 

 

 

 

 

 

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2.3 Crises e repressões na República   

Proclamada  a  República,  em  1889,  o  Rio  de  Janeiro  se  encontrava  em  uma situação promissora, pelo acúmulo de recursos vindos do comércio, principalmente do ramo  cafeeiro,  e  já  de  aplicações  industriais.  Encontrava‐se  na  condição  de  centro político e comercial do país, além de núcleo da maior rede ferroviária nacional.  

A velha estrutura urbana do Rio de Janeiro não atendia às demandas dos novos tempos promissores. O antigo cais não permitia os grandes navios, as ruelas estreitas e em declive – tipicamente coloniais – dificultavam a circulação de pessoas e produtos na  cidade  e  as  áreas  pantanosas  eram  focos  de  doenças  como  a  varíola  e  a  febre amarela.  

Entre os europeus, havia não  só o medo das doenças, mas as  suspeitas para com a comunidade de mestiços em constante turbulência política (SEVCENKO, 1999), que  estavam  descontentes  com  a  situação  de  repressão  às manifestações  culturais populares.  Com  a  abolição  da  escravatura  e  a  ampliação  da  cidadania  para  os  ex‐escravos,  é  acirrada  a  tensão  racial  entre  negros  e  brancos,  que  vêm  a  refletir  nas rejeições  a manifestações  culturais  de  raízes  negras, marcadas  por  fortes  heranças africanas. A nova burguesia que se erguia passou a rejeitar também as brincadeiras de carnaval já que participavam, em grande parte, ex‐escravos. 

Contudo,  as manifestações  culturais  dos  grupos  oprimidos  –  na  sua maioria negros –  se  fortaleciam cada vez mais, e assim,  iam  surgindo novos  ritmos. Pode‐se perceber  isso, nos fins do século XIX, quando nasce o choro, tocado pelos moradores do subúrbio carioca que se reuniam com flauta, cavaquinho e violão. As músicas eram nostálgicas e marcadas por improvisações. 

Em 1890, o Brasil passa pela crise do Encilhamento que causa o aumento da inflação,  crise  na  economia  e  aumento  da  dívida  externa  (FERNANDES,  2007).  A situação crítica era satirizada com bastante  frequência nos teatros de revista e ainda em letras de marchinhas de carnaval. 

Relatos da época que já confirmavam a existência de barracões localizados em morros, mas que, não se destacavam na paisagem urbana e ainda não eram alvos de repúdio da classe dominante, mais preocupados com os cortiços e casas de cômodos, que  cresciam  principalmente  no  Centro  e  eram  considerados  insalubres  e  focos  de doenças (ABREU, 1987). Apesar da precariedade desse tipo de moradia, a vantagem de morar nos cortiços era a proximidade da oferta de trabalho (SILVA; BARBOSA, 2005), fator importante na análise do histórico das habitações populares. 

 

 

 

 

 

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2.4 Uma capital da Belle Époque 

Por  razões higienistas, os  cortiços que ocupavam  casarões  coloniais  foram os primeiros  alvos  de  demolições,  ainda  na  prefeitura  de  Barata  Ribeiro.  Eram aproximadamente  600  cortiços  só  no  Centro  da  cidade,  sendo  que  o maior  deles, chamado de “Cabeça‐de‐Porco”, abrigava cerca de 2.000 pessoas. 

Os  desabrigados,  usando  o  resto  de  madeira  da  demolição  dos  cortiços, subiram ao Morro da Providência e construíram suas próprias moradas (Figura 6). Foi assim que surgiu a primeira favela. Conforme  já mencionado, o termo favela, porém, só designou aquele espaço depois da chegada dos ex‐soldados de Canudos em 1897. A partir daí aquele local passou a ser chamado de Morro da Favella e com o surgimento de várias ocupações semelhantes, o termo se generaliza.   

 

Figura 6: Morro da Providência, chamado de Morro da Favella Fonte: http://www.vivafavela.com.br... 

Nesse período, a cidade passava por uma grave crise habitacional. Entre 1870 e 1890  a  população  aumentou  cerca  de  120%,  passando  de  235  mil  a, aproximadamente,  520  mil  habitantes.  E  o  crescimento  de  número  de  domicílios aumentou  74%  (SILVA;  BARBOSA,  2005).  Em  1900  a  população  beirava  691.565 habitantes. O  pouco  caso  do  poder  estatal  com  a  crise  habitacional  era  visível  nas propostas de  reforma urbana da época que mantinham a política de demolições de cortiços e “limpeza” da cidade. Esta  limpeza denotava não somente o aspecto  físico, mas já imprimia o fator da desigualdade social. 

  Na posição de capital, era preciso colocar fim à  imagem de cidade  insalubre e insegura.  Somente  com uma  imagem de  credibilidade  seria possível  trazer  ao Brasil uma  parcela  de  fartura,  conforto  e  prosperidade  do mundo  civilizado  (SEVCENKO, 1999). Para acompanhar o progresso – que se torna obsessão da nova burguesia – era necessário  seguir  os  moldes  europeus  e  “desinfectar”  as  áreas  de  moradia consideradas contaminadas. O  tom era de entusiasmo por parte de alguns, como no trecho da crônica abaixo: 

 

 

 

 

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O  Brasil  entrou  –  e  já  era  tempo  –  em  fase  de  restauração  do trabalho.  A  higiene,  a  beleza,  a  arte,  o  ‘conforto’  já  encontraram quem  lhes abrisse as portas desta  terra, de onde andavam banidos por  um  decreto  da  Indiferença  e  da  Ignomínia  coligadas. O  Rio  de Janeiro,  principalmente,  vai  passar  e  já  está  passando  por  uma transformação  radical. A velha cidade,  feia e  suja,  tem os  seus dias contados.10 (BILAC apud SEVCENKO, 1999) 

Nesta  mesma  linha,  em  1904,  houve  a  promulgação  da  Lei  da  Vacina obrigatória contra varíola, ordenada por Oswaldo Cruz. O procedimento  levou a uma série  de  tensões  entre  grupos  sociais  populares  e  autoridades,  que  culminou  na Revolta da Vacina. 

No intuito de higienizar a cidade, o prefeito Pereira Passos que governou entre 1902 e 1906, era conhecido como o prefeito “bota‐abaixo”. O primeiro grande marco da  época da  regeneração  foi  a  inauguração da Avenida Central  –  atual Avenida Rio Branco – que seguiu os preceitos haussmanianos11 para, em lugar das estreitas ruelas, abrir  grandes  avenidas,  com  uma  nova  arquitetura  inspirada  nas  principais  capitais européias (Figura 7). 

O  traçado da Avenida Central  se mostrou uma operação cenográfica. Através de  concursos,  foram  selecionados  os  desenhos  das  fachadas  que  seguiam  o  estilo inspirado  na  arquitetura  francesa,  o  estilo  eclético  (Figura  8).  O  novo  eixo  viário retilíneo,  que  arrasou  cerca  de  400  edifícios  coloniais,  tinha  como  justificativa  a melhoria na circulação de ar da cidade. 

                 

Figura 7: Avenida Central                                            Figura 8: Ecletismo no Tetro Municipal da Av. Central Fonte: http://www.ignezferraz.com.br...                                                                                  Fonte: Instituto Moreira Salles 

                                                            10 Trecho de crônica, datada em 1904, escrita por Olavo Bilac, jornalista e poeta carioca, membro fundador da Academia Brasileira de Letras. 

11 O barão de Haussmann foi o encarregado de modernizar a cidade de Paris na epóca do 2º Império de Napoleão III, a partir de 1851. A antiga cidade medieval deu lugar à geometria de largos bulevares e à novas edificações monumentais como a Ópera de Paris. 

 

 

 

 

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A cidade passou por uma transformação no seu espaço público e no modo de vida  e mentalidade  dos  seus  habitantes.  Segundo  Nicolau  Sevcenko,  foram  quatro princípios  que  regeram  essa  transformação:  a  condenação  dos  hábitos  e  costumes ligados pela memória à sociedade tradicional; a negação de todo e qualquer elemento de  cultura popular; uma política  rigorosa de expulsão dos grupos populares da área central da cidade; e um cosmopolitismo agressivo  identificado com a vida parisiense (SEVCENKO, 1999). 

As reformas ocorreram somente na parte nobre da cidade, principalmente no Centro, tendo suas ruas alargardas e retificadas, alguns rios canalizados e muitos dos seus  edifícios  renovados.  Para  a  população  de  baixa  renda,  removida  do  Centro, restavam os bairros do subúrbio servidos pelo  trem,  ficando cada vez mais distantes do local de trabalho.  

Assim,  cresciam  as  favelas.  Na  imprensa  o  termo  passou  a  ser  associado  à imagem de “perigo” e “desordem”, por abrigar malandros e marginais. Vale destacar ainda que  a palavra  “marginal” deixou de designar  apenas o  espaço  limítrofe  entre Centro  e  aquilo  que  o  margeava  e  ganhou  o  sentido  pejorativo  que  hoje  se  vê acentuado,  marcando  um  tipo  de  preconceito.  Constantemente,  eram  publicadas charges irônicas, descrevendo os maus tratos aos pobres.  

Apesar dos  ataques da  imprensa, nada  foi  feito pelo poder público,  além de investidas policias e sanitárias (SILVA; BARBOSA, 2005). As favelas foram “permitidas” por não estarem localizadas em áreas de interesse da elite dominante, entretanto, não foram garantidos os direitos aos equipamentos urbanos, aos seus moradores. (Figura 9) 

Na época, Lima Barreto12 – escritor e jornalista – descreveu sobre as favelas: 

Há casas, casinhas casebres, barracões, choças, por toda a parte onde se  possa  fincar  quatro  estacas  de  pau  e  uni‐las  por  paredes duvidosas. Todo o material para essas construções serve: são latas de fósforos  distendidas,  telhas  velhas,  folhas  de  zinco,  e,  para  as nervuras  das  paredes  de  taipa,  o  bambu,  que  não  é  barato.  Há verdadeiros aldeamentos dessas barracas, nas covas dos morros, que as  árvores  e  os  bambuzais  escondem  aos  olhos  dos  transeuntes. Nelas  há  quase  sempre  uma  bica  para  todos  os  habitantes  e nenhuma espécie de esgoto. Toda a população pobríssima vive sob a ameaça constante da varíola e, quando ela dá para aquelas bandas, é um verdadeiro flagelo. (BARRETO, apud SEVCENKO, 1999) 

                                                            12  Nascido em 1881 no Rio de Janeiro, mulato filho de escravo, teve boa instrução escolar e inicou seus escritos na imprensa ainda jovem, em 1902. Simpático do Anarquismo, passou a militar mais tarde na imprensa socialista.  

 

 

 

 

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Outro  vetor  de  crescimento  da  época  foi  no  sentido  Zona  Sul,  onde  bairros como  Flamengo  e  Botafogo  se  tornaram  espaços  da  aristocracia.  O  banho  de mar passou a  ser bastante cultuado e na década de 1920  seria a vez de Copacabana  ser ocupada por aqueles que se sentiam atraídos pelo mar (Figura 10) 

          

Figura 9: Morro do Pinto no início do séc. XX                                Figura 10: Praia de Botafogo em 1863 Fonte: http://odia.terra.com.br...                                                                                              Fonte: Instituto Moreira Salles 

O  carnaval  que  antes  acontecia  na  Rua  do  Ouvidor  passa  para  a  Avenida Central.  Os  cordões13,  dos  grupos  populares,  vinham  desfilando  do  subúrbio  até  o centro,  animados  por  instrumentos  de  percussão  com  forte  influência  dos  rituais festivos e religiosos africanos. No auge dos ranchos14,  já se apresentavam elementos como  Abre‐alas,  comissão  de  frente,  figurantes,  alegorias,  mestres  de  manobra  e mestre‐sala e porta‐estandarte. É desta época também o bloco dos “sujos” que tinham como diversão principal, jogar água nos outros. 

Visto com maus olhos por alguns, por ter forte participação popular, o carnaval ganhou outra roupagem para acompanhar o glamour da nova cidade.  O carnaval que se desejava pela elite era o da versão européia, com arlequins, pierrôs e colombinas de emoções comedidas, e não os cordões, batuques, pastorinhas e as fantasias populares de índio e cobra viva (SEVECNEKO, 1999). Foi então incorporada a Batalha das Flores15, trazido de Paris, que mais  tarde ganhou a versão carioca, o corso, aonde as pessoas nos  seus  automóveis,  iam  e  vinham  jogando  confetes,  serpentinas  e  esguichos  de lança‐perfume  (Figura  11).  Por  outro  lado,  os  blocos  carnavalescos  tomavam  força, 

                                                            13   Surge em 1870, mas  tem sua  fase áurea no  início do século XX, quando somam 200 agremiações. Eram formados por negros, mulatos e brancos de origem humilde. 

14    Surgem  no  fim  do  século  XIX  e  eram mais  organizados  que  os  cordões.  Tinham  instrumental  de banda, fantasias criativas, além de pórticos e painéis artísticos. 

15  Desfile sofisticado em que os foliões, fantasiados e em carruagens ou automóveis enfeitados, jogavam buquês de flores uns nos outros. 

 

 

 

 

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formando  conjuntos  mais  simples,  sem  fantasias  elaboradas  e  alegorias,  e  seus adeptos se tornam cada vez mais numerosos16. 

 

Figura 11: o Corso – carnaval da alta sociedade carioca Fonte: http://bp1.blogger.com... 

Entre  1914  e  1918  há  um  maior  crescimento  industrial  no  Rio  de  Janeiro, principalmente,  indústrias de bens de consumo. A maior parte das fábricas de médio porte foi para o bairro de São Cristóvão, que já tinha uma infra‐estrutura consolidada. Algumas fábricas de grande porte instaladas no Centro da cidade passaram para áreas maiores, próximo à linha férrea. Com isso, os operários foram atraídos para a região da fábrica, se instalando nos bairros vizinhos, criando bairros operários.  

É  importante  ressaltar  que  os  dois  vetores  de  crescimento  da  cidade,  no sentido da  zona  sul e  zona norte,  tinham características distintas. Eram  implantados somente no vetor zona sul serviços de  iluminação pública e  infra‐estrutura urbana. O compromisso com a estética e salubridade só existiam nos bairros nobres enquanto os subúrbios  não  tinham  planejamento  nem  auxílio  do  Estado,  e  cresciam  de  forma desordenada. 

A crise habitacional elevou brutalmente os aluguéis e expulsou ainda mais as classes  populares  para  o  subúrbio  e  para  os morros.  Simultaneamente,  a  imprensa inicia  uma  campanha  de  “caça  aos mendigos”,  eliminando  os  grupos marginais  do Centro  e  colocando  o  coração  da  cidade  como  espaço  onde  a  segurança  era imprescindível (SEVECNEKO, 1999). 

A  década  de  1920 marca  a  afirmação  das  favelas  no  Rio  de  Janeiro  que  se expandem  principalmente  no  sentido  da  Zona  Norte,  acompanhando  o  vetor  de 

                                                            16  Em 1933 o carnaval é oficilaizado no Rio de Janeiro, mesmo ano que surge a figura do Rei Momo na folia carioca. Momo era o deus da galhofa e do delírio na Mitologia Grega. 

 

 

 

 

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crescimento da cidade. E é neste contexto, do deslocamento de fábricas e formação de favelas na Zona Norte, próximo a  linha  férrea, que  surge a ocupação na Mangueira, que terá sua história contada mais adiante. 

 

2.5 E surge o samba carioca! 

Enquanto isso, nos arredores da Praça Onze, músicos populares se reuniam na casa da Tia Ciata e compunham músicas de tom irônico, satirizando os acontecimentos políticos  da  época  (Figura  12).  Surgia  o  samba,  ritmo  que  animava  as  festas  dos bambas,  termo que designava os próprios  sambistas. Em depoimento de um  antigo frequentador  da  casa  da  Tia  Ciata,  é  dito  que:  baile  na  sala  de  visitas,  samba  de partido‐alto  nos  fundos  da  casa  e  batucada  no  terreiro  A  festa  era  de  pretos, mas brancos também iam lá se divertir. (REIS, 1999) – Figura 13. 

                                     

Figura 12: A Praça Onze em 1910                                              Figuras 13: A casa da Tia Ciata na Praça Onze Fonte: http://www.flaviorio.globolog.com.br...                                         Fonte: http://www.flaviorio.globolog.com.br... 

Com a introdução do rádio, da gravação de discos, do gramofone e do telefone, a  capital  se moderniza  e  os  benefícios  eram  vislumbrados  por  todos.  Por meio  da música  que  nesse  momento  podia  ser  facilmente  divulgada,  as  classes  populares buscavam uma  ascensão  social. Porém, para  isso  era preciso  seguir quem ditava  as regras. 

O grupo “8 Batutas”, que imortalizou grandes nomes do samba como Donga e Pixinguinha, despontaram no início do século XX, inclusive, entre a elite da sociedade. Em  contrapartida,  ainda  eram  enxergados  por  muitos,  como  a  representação  do atraso, da desmoralização brasileira, principalmente, pelo fato dos  integrantes serem todos negros. Esses fatos mostram como havia uma dualidade na aceitação do samba, bem  como  a  de  outras  expressões  que  vinham  das  camadas  populares  que  eram representantes da identidade nacional. 

 

 

 

 

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A partir do primeiro  samba gravado,  “Pelo Telefone”, de autoria de Donga e Mauro de Almeida17 (1916), o samba passou a ser considerado um gênero musical e o termo ficou inscrito nos rótulos dos discos. 

Diferentemente  da  versão  gravada  em  disco,  “Pelo  Telefone”  teve  uma primeira versão em  tom de  ironia, uma  sátira à cumplicidade entre um delegado da polícia e o  jogo  ilícito. É  significante observar o cunho político do  samba, dando um enfoque  polêmico  a  um  retrato  do  cotidiano.  A  modificação  da  versão  original demonstra a repressão da época, podendo ser observada nos primeiros versos: 

O chefe da polícia pelo telefone mandou avisar/ Que na Carioca tem uma roleta para se jogar  

Que foi substituído por:  

O chefe da folia pelo telefone manda avisar/ Que com alegria não se questione para se brincar  

A  repressão se dava  também na  forma de  invasões policiais às casas onde se festejava  o  samba,  principalmnete  nas  rodas  de  samba  ao  ar  livre.  Por  outro  lado, entre a elite e os governantes  locais, vai se delineando uma aceitação do samba em espaços privados.  

Antônio  Candido  chama  de  “dialética  da malandragem”  essa  imprecisão  das fronteiras entre o público e o privado no país, uma interação entre o mundo da ordem e da desordem (CANDIDO, apud REIS, 1999). O autor estabelece através da figura do malandro,  que  oscila  entre  o  lícito  e  o  ilícito,  uma  simbologia  do  nacional.  A malandragem virou uma cultura marginal à medida que mais pessoas viviam desse tipo de representação, tendo em vista a sobrevivência. 

Além  da  figura  do malandro,  a  figura  da mulata  se  difundiu  tanto  nacional como  internacionalmente,  sendo  definida  como  a  “frutinha  nacional”.  A mulata  se torna símbolo popular do país e traz à tona mais um tema do cotidiano das cidades: as relações afetivo‐sexuais  interétnicas (REIS, 1999). O termo mulata era também usado em algumas letras para designar a favela, colocando‐a como sedutora e fascinante. 

                                                            17 Existe uma controvérsia com relação à autoria de Pelo Telefone na sua primeira versão, sendo considerado um samba de João da Mata, mestre Germano, Tia Ciata e Hilário.  

 

 

 

 

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2.6 A reforma urbana em forma de lei  

De 1920 a 1922, Carlos Sampaio assumiu a prefeitura e as  reformas urbanas continuavam tendo um enfoque estético. O principal acontecimento do período foi a Exposição Internacional de 1922 em comemoração ao 1º Centenário da Independência do Brasil. Para sediar a exposição, foi arrasado o Morro do Castelo, o berço da história do  Rio  de  Janeiro,  com  a  justificativa  de  que  o morro  prejudicava  a  ventilação  na cidade.  Foi  destruído  o  bairro  da  Misericórdia  e  desalojadas  outras  milhares  de pessoas. 

É importante destacar o movimento nacionalista de 1922, tendo como marco a Semana  de  Arte Moderna  em  São  Paulo,  que  passa  a  valorizar  a  cultura  popular, buscando  compreender  o  país  pelo  que  ele  tinha  e  não  pelo  que  lhe  faltava  (REIS, 1999).  O  samba  era  visto  como  uma  expressão  original  e  autêntica  de  identidade nacional.  

Surgem nessa  época  alguns hotéis balneários,  como o Copacabana Palace. A Cinelândia vira palco dos teatros, cinemas, hotéis e famosos bares, como o Café Nice (Figura 15). Crescia a vida cultural no Rio de Janeiro, diferenciada entre as áreas nobres e os morros. Existia o malandro dos morros e o “alinhado” dos cafés e bares do Centro. 

                          

Figura 14: Demolição do Morro do Castelo                                   Figura 15: À direita, o Copacabana Palace Fonte: Instituto Moreira Salles                                                                      Fonte: http://www.flaviorio.globolog.com.br... 

Depois de reformas de ação direta com caráter higienista, o segundo passo do Estado foi promulgar uma legislação de controle e repressão das moradias em cortiços e  de  uso  do  solo  em  geral  (SILVA,  2005).  Em  1926  foi  criado,  pelo  urbanista Alfred Donat  Agache,  o  Plano  Agache  –  primeiro  plano  de  remodelação  da  cidade  –  que tratava  de  temas  como:  legislação,  traçado  viário,  transporte,  zoneamento  e saneamento. O Plano  já  identificava os  caminhos da  industrialização e das moradias dos operários, em especial, o bairro de São Cristóvão que era definido pela primeira vez  como  um  bairro  industrial.  A  tônica  do  plano  seria  a  de  espacializar  de  forma 

 

 

 

 

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racional as classes  sociais  seguindo a  tendência  segregacionista  (SILVA, 2005).  Isso é percebido em trecho de marchinha de Ary Kerner, composto para o carnaval de 1927, no qual satiriza o momento e reflete a situação desfavorecida dos grupos populares:  

Seu Agache anda solto e preparado/ Quem for feio fuja dele/ Pra não ser remodelado. 

Crescia  a  insegurança  das  populações  das  favelas  do  Centro,  com  relação  à demolição  dos morros.  Sentimento  este,  que  se  espalhava  ao  restante  das  favelas. Como  pode  ser  observado  na  composição  “Foram‐se  os  malandros”,  de  Donga  e Casquinha (1928), o risco de perder o barracão chegaria, inclusive, à Mangueira: 

Minha casa foi abaixo/ Meu cachorro se perdeu/ A mulher que eu mais amava/ De desgosto já morreu Os malandros da favela/ Não têm mais onde morar/ Foram uns para Cascadura/ Outros para Circular Coitadinhos dos malandros/ Em que aperto vão ficar/ Com saudades da favela/ Todos eles vão chorar. Os malandros de Mangueira/ Que vivem da jogatina/ São metidos a valentões/ Mas vão ter a mesma sina/ Mas eu hei de me rir muito/ Quando a Justiça for lá/ Hei de ver muitos malandros/ As carreiras, se mudar. 

Com  a Revolução de 30 e o  fim da República Velha pouco  se usou do Plano Agache. Mas a industrialização continuava se fortalecendo, o que levou à promulgação do Decreto 6000, de 1º de  julho de 1937, que definia as zonas  industriais da cidade, influindo nas formas futuras de apropriação do espaço (SILVA, 2005). 

 

 

 

 

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3. A Mangueira dos bambas 

Dos carroceiros do imperador ao palácio do samba   

Trago para este carnaval Um passado de grande valor 

Quem descreve este tema É o carroceiro do imperador 

Quantas saudades Do famoso marcelino 

Foi um grande mestre sala Desde os tempos de menino  

Brigão e arruaceiro  Era o grande destaque 

Do bloco dos arengueiros   

Não posso esquecer Buraco quente santo antonio e chalé 

E o ponto alto da escola Mestre candinho tia tomazia e cartola 

Chorava a viola Em noite enluarada Samba duro no faria Ia até de madrugada 

 Canto a minha história  

De um celeiro de bamba Cinquenta anos de glória  

Estão no palácio do samba Tudo para o coração 

De um brasileiro Lá no morro eu te ponho no samba 

Te ensino a ser bamba.  

  Jurandir e Rubem da Mangueira 

 Samba‐enredo da Estação Primeira de Mangueira (1978) 

 

 

 

 

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3.1 A ocupação do Morro da Mangueira 

A favela da Mangueira é a terceira mais antiga do Rio de Janeiro – ficando atrás da Providência e do  Santo Antônio – e  a primeira  fora da  região  central da  cidade. Como já apontado, sua ocupação está ligada à expansão no vetor da Zona Norte e ao longo da linha férrea, na passagem do século XIX para o século XX. Na vertente Norte do Morro da Mangueira, que compreende a atual Rua São Luiz Gonzaga, foi criado o caminho para Minas Gerais e São Paulo.  

No mapa a seguir (Figura 16) observa‐se as primeiras favelas da Cidade do Rio de Janeiro. 

 

Figura 16: Favelas no Rio de Janeiro até 1900 Fonte: produção do autor com referência em SILVA; BARBOSA, 2005. 

Quando Dom João VI passou a morar no Rio de Janeiro, ele primeiro se instalou na Praça XV, Centro da cidade, e depois em uma chácara na Quinta da Boa Vista, ao lado do Morro da Mangueira, em São Cristóvão. O bairro passou então a se tornar um espaço da aristocracia.  

Em  1852  foram  inauguradas  as  linhas  telegráficas  no  alto  do morro,  o  que justifica o nome dado antigamente,  “Morro do Telégrafo”,  conhecido anteriormente 

 

 

 

 

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como  “Morro  do  Pedregulho”  (Figura  17  e  18). Outra  inauguração  importante,  em 1861, foi o transporte coletivo pela linha férrea. 

       

Figura 17: Morro do Telégrafo                                                  Figura 18: Morro do Telégrafo com plantação Fonte: AGCRJ                                                                                                                                                               Fonte: AGCRJ 

O processo de industrialização está fortemente ligado à formação de favelas no Rio de Janeiro. A Mangueira foi um exemplo claro, já que sua ocupação se expandiu na medida em que se  instalaram fábricas na Rua Visconde de Niterói e no bairro de São Cristóvão. As Vilas Operárias também surgiram neste sentido,  já que cabia ao patrão fornecer condições – como a habitação – para a reprodução da força de trabalho.  

Na vertente sul do morro, em um  terreno cheio de mangueiras, se  instalou a Fábrica Fernando Braga, de chapéus (Figura 19). A mercadoria passou a ser chamada “chapéu  das  mangueiras”,  e  assim,  toda  região  rapidamente  foi  ligada  ao  termo “mangueira”.  E,  finalmente,  em  1889  foi  inaugurada  a  Estação  Ferroviária  da Mangueira, firmando definitivamente a relação do termo com o espaço (Figura 20). 

    

Figura 19: Fábrica Fernando Braga                                                                                       Figura 20: A Estação ferroviária da Mangueira Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980                                                                                      Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 

Com  a  Proclamação  da  República,  a Quinta  da  Boa  Vista  foi  de  certa  forma abandonada e por  isso, em 1908, o prefeito Serzedelo Correia decidiu  resgatar este espaço. As  casas  que  lá  se  instalavam,  dos  soldados  do  9º Regimento  de Cavalaria, comandado por Joaquim  Inácio, teriam que ser demolidas. Um dos cabos, conhecido 

 

 

 

 

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como “Cardosinho”, procurou o comandante e este  lhe ofereceu todo o material das demolições  para  que  os  soldados  e  suas  famílias  pudessem  se  abrigar  em  outra localidade. O cabo escolheu o Morro da Mangueira, e assim, foi iniciada a ocupação do morro (Figuras 21 e 22). 

Na  primeira  década  do  século  XX,  a  Mangueira  foi  se  formando,  e  era caracterizada pela “Revista da Semana”, em 1909, como sendo: 

[...]  uma  localidade  em  princípio, mas  que  promete  e  terá  razões cabíveis  para  prosperar  [...]  como  ponto  salubre,  dizem  os entendidos que não há  em  toda  a  zona dos  subúrbios  lugar  algum que  se  lhe  compare. E vem dessa  fama, naturalmente, o  título que lhe dão de Petrópolis dos Pobres. (apud SILVA; OLIVEIRA et al, 1980) 

                               

Figura 21: Lavadeiras na região da Candelária                                         Figura 22: Vista da região do Chalé 

Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980                                                                                      Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 

Em  1916,  devido  a  um  incêndio  no Morro  do  Santo  Antônio,  localizado  no Centro,  moradores  se  transferiram  para  a  Mangueira.  O  número  de  moradores aumentou  ainda,  após  a  derrubada  de  casebres  do Morro  da  Favella.  Em  1920,  o Morro da Mangueira já havia, portanto, se consolidado (Figura 23). 

 

 

 

 

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Figura 23: Morro do Telégrafo Fonte: AGCRJ 

 

3.2 A afirmação da Mangueira na paisagem carioca 

Com o agravamento da crise habitacional e a instalação de indústrias próximas ao morro da Mangueira, o aluguel de barracos tornou‐se cada vez mais  interessante. Um dos primeiros locatários foi Tomás Martins, padrinho de Carlos Moreira de Castro – famoso sambista conhecido como Carlos Cachaça18. Ainda criança, ele mesmo era o encarregado na cobrança dos aluguéis para o padrinho. 

  O  pequeno  comércio  supria  as  necessidades  básicas  dos  moradores  que estavam longe do Centro da cidade (Figura 24 e 25). A industrialização se tornou cada vez mais crescente na região e passou a absorver a mão‐de‐obra barata e abundante da favela. Algumas das fábricas da época foram: a Olaria do Gama (1900), Diamantino e  Lage  (1905),  Cerâmica  Brasileira  (1907),  Aviário  Ivo  Martins  (1907),  Fábrica  de Calçados  Tupã  (1908),  além  da  Fábrica  Fernando  Braga,  já  citada,  que  passa  a  se chamar Fábrica Chapéus Mangueira.  

                                                            18 Nascido nos arredores do Morro da Mangueira, foi um dos sambistas que mais viveu no local, vindo a falecer em 1999, com 97 anos. Muitas de suas composições foram em parceria com Cartola, mas entre a infinidade de sambas, poucas foram gravadas na Era do Rádio. 

 

 

 

 

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Figura 24: Rua Visconde Niterói sem pavimentação      Figura 25: Rua Visconde de Niterói e linha férrea Fonte: AGCRJ                                                                                                                                                                Fonte: AGCRJ  

Anos  mais  tarde,  Angenor  de  Oliveira19  –  o  mestre  Cartola  –  cantava  em “Samba do operário”, versos que nos remetem a essa época de exploração da força de trabalho encontrada nos morros: 

Se o operário  soubesse/ Reconhecer o  valor que  tem  seu dia/ Por  certo que  valeria/ Duas vezes mais o seu salário Mas como não quer reconhecer/ É ele escravo sem ser/ De qualquer usurário Abafa‐se a voz do oprimido/ Com a dor e o gemido/ Não se pode desabafar Trabalho feito por minha mão/ Só encontrei exploração/ Em todo lugar. 

Não  é  por  acaso  que  Cartola  escreveu  esses  versos.  Ele  próprio  já  exerceu diversas  atividades,  como:  combono de  rua20,  ajudante de  cavalariça,  vendedeor de peixe, queijo, verduras, e pedreiro. A última profissão  lhe rendeu o apelido “Cartola” devido ao chapéu de côco que usava para proteção. 

 

3.3 Do samba religioso ao samba profano 

  No aspecto religioso, a maioria da população era adepta ao candomblé, e esta, como  outras  religiões  afro‐brasileiras,  sempre  foi  muito  ligada  ao  samba21.  Nos                                                             19 Negro, nascido em 1908 no bairro do Catete, no Rio de  Janeiro, aos 11 anos  foi morar no Buraco Quente,  bairro  do  Morro  da  Mangueira.  Considerado  um  dos  maiores  nomes  da  Música  Popular Brasileira, o "mestre e divino do morro", de talento  intuitivo e refinado, aprendeu a tocar cavaquinho muito cedo com seu pai. 

20 Combono  é o  ajudante do pai ou mãe‐de‐santo. O  combono de  terreiro  ajuda na preparação das cerimônias,  enquanto  o  combono  de  rua  leva  o  despacho  de  acordo  com  as  determinações  das entidades. 

21 A palavra “samba” em quimbundo e em congolês (dialetos africanos) significa reza, invocação, queixa. Na época, o samba e o candomblé eram praticados nos mesmos terreiros, simultaneamente. 

 

 

 

 

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terreiros de candomblé nasce a música da Mangueira. O jongo – dança semi‐religiosa – foi a transição do samba religioso (“africano”) para o samba profano brasileiro (Figura 26). Na Mangueira, o grande centro de  jongo era a casa da Maria Coador (SILVA, M.; OLIVEIRA, A. et al). Outro  famoso  terreiro era na casa da Tia Fé, no Buraco Quente, bairro da Mangueira (Figura 27). 

                                            

Figura 26: O jongo                                                                                                                            Figura 27: Tia Fé Fonte: http://cienciahoje.uol.com.br/117594                                                                  Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 

O primeiro grupo musical do  local foi o Bloco da Velha Guarda da Mangueira, contudo, os Cordões que eram outros agrupamentos carnavalescos, apresentavam‐se mais animados e com mais participantes, como descrito pelo sambista Carlos Cachaça: 

Entre os anos de 1910 e 1913, quando o  samba não  tinha nenhum valor  e  nem  se  pensava  em  Escolas  de  Samba,  a  Mangueira  já despontava como pioneira dos carnavais cariocas. Naquela época  já existiam  aqui  dois  fortes  aguerridos  cordões:  Guerreiros  da Montanha  e  Trunfos  da Mangueira.  O  primeiro  tinha  sua  sede  na casa da Tia Chiquinha Portuguesa e o segundo na casa do Leopoldo da Santinha, ambas no Buraco Quente (apud SILVA, M.; OLIVEIRA, A. et al). 

  Depois dos Cordões, vieram os Ranchos: Pingo do Amor, Príncipe das Matas e Pérolas  do  Egito.  Este  último  foi  fundado  na  casa  da  Tia  Fé. Mais  tarde,  nasceram vários  blocos  da Mangueira.  Só  no  Buraco Quente  tinha  o  Bloco  da  Tia  Fé,  que  se transformou  em  Bloco  do  Seu  Júlio,  havia  ainda,  o  Bloco  da  Tia  Tomásia,  Bloco  do Mestre Candinho e outros  (SILVA, M.; OLIVEIRA, A.  et al). O  samba entrava  sempre depois das festas de santo dos terreiros e eram marcados pelo improviso, refletindo a forma comunitária em que os músicos se divertiam 

  O  Buraco  Quente,  como  já  diz  o  nome,  esquentava  os  moradores  da Mangueira. Lá o pessoal era barra pesada, gostava de batucada, com rasteira, queda de corpo (SILVA, M.; OLIVEIRA, A. et al). Do grupo, que gostava de briga e de samba, surge o  “Bloco dos Arengueiros”,  idealizado por Zé Espinguela e  liderado por Carlos Cachaça e Cartola.  

 

 

 

 

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Enquanto  isso,  no  Bairro  do  Estácio,  nasceu  a  primeira  Escola  de  Samba  do Brasil  –  “Deixa  Falar”  –  fundada  em  1927.    Seus  sambistas  eram  considerados  os verdadeiros professores do novo tipo de samba e os criadores do  instrumento surdo de marcação. 

 

3.4 Nasce a Estação Primeira de Mangueira 

Em  28  de  abril  de  1928,  foi  fundada  a  segunda  escola  de  samba:  a  Estação Primeira de Mangueira. Acabou‐se a imagem de briguentos dos Arengueiros e afirmou‐se o talento para o samba, aclamado nos versos de Cartola: 

Chega  de  demanda,  chega!/  Com  este  time  temos  que  ganhar./  Somos  da  Estação Primeira/ Salve o Morro de Mangueira! 

Os fundadores, que se reuniam na casa do Seu Euclides – número 21 do Buraco Quente  –  foram:  Seu  Euclides  (Euclides  Roberto  dos  Santos),  Satur  (Saturnino Gonçalves),  Massu  (Marcelino  José  Claudino),  Cartola  (Angenor  de  Oliveira),  Zé Espinguela  (José Gomes da Costa), Pedro Caim e Abelardo da Bolinha. O nome e as cores da escola foram definidos pelo mestre Cartola: 

Eu resolvi chamar de Estação Primeira, porque era a primeira estação de  trem,  a partir da Central do Brasil, onde havia  samba. As  cores verde  e  rosa  foram  homenagem  ao  rancho  em  que  meu  pai, Sebastião  de  Oliveira,  saía,  lá  em  Laranjeiras,  o  Arrepiados.  (apud SILVA, M.; OLIVEIRA, A. et al) 

O  tempo  passava  e  a  Mangueira,  apesar  de  toda  dividida  em  sub‐regiões, convergia  sempre  para  o  Buraco  Quente  no  Carnaval,  criando‐se  uma  unidade geográfica para a defesa da verde‐e‐rosa (Figura 28).  

 

 

 

 

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Figura 28: O Buraco Quente em 1930 Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 

A Escola de Samba Unidos da Mangueira, que surgiu no Santo Antônio – outra localidade da Mangueira – se torna rival da Estação Primeira. Enquanto que a Estação Primeira reunia nomes como Cartola, Carlos Cachaça e Massu, a Unidos da Mangueira também  produziu  compositores  notáveis  como  Geraldo  Pereira,  Nélson  Sargento  e Zagaia.  Entretanto,  a  existência  da  segunda  Escola  durou  pouco  e muitos  de  seus compositores se uniram à verde‐e‐rosa (SILVA; OLIVEIRA et al, 1980). 

Os  Blocos  dos  terreiros,  ao  tornarem‐se  Escolas  de  samba,  não  só  se apresentaram  ao  público  sem  máscaras,  como  abriram  espaço  à  participação  de diversos setores da sociedade, que  imediatamente passaram a disputar sua  liderança (SANTOS apud ZALUAR, 1998).  

Percebe‐se com isso, a tentativa de um convívio entre diferentes grupos sociais, privilegiando  o  contato  mais  aberto  e  sem  preconceito,  tendo  como  ponto  de convergência a manisfesta cultural.  

Com  o  Estado  Novo  de  Getúlio  Vargas,  a  cultura  popular  deixa  de  ser descriminada e passa a ser amplamente valorizada, como forma de estratégia política populista,  que  passa  a  enxergar  os  grupos  populares  como  um  grande  eleitorado. Grandes nomes, como o maestro Heitor Villa‐Lobos, acolhe  ritmos como o samba, o choro,  o  maxixe,  o  jongo,  e  outros,  valorizando  a  originalidade  dos  compositores populares.  

 

 

 

 

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Em 1932, o governo oficializa o desfile de carnaval das Escolas de Samba, que ocorria na Praça Onze, e tem como 1ª campeã a Estação Primeira de Mangueira, título que  se  repete no ano  seguinte  (Figuras 29 e 30). É  fundada mais  tarde a União das Escolas  de  Samba,  que  transforma  as  escolas  em  Grêmios  Recreativos  Escolas  de Samba  (G.R.E.S.), e passam a receber subvenção da Prefeitura. Esse período, que vai de 1930 até 1934, é considerado a fase heróica das escolas samba (SILVA; OLIVEIRA et al,  1980), momento  em  que  as  disputas  e  rivalidades  na  Praça Onze  esquentam  os primeiros desfiles. 

         

Figura 29: 1ª Ala da Mangueira – “Periquitos”                                              Figura 30: Ala dos compositores Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980                                                                                      Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 

 

3.5 A favela: uma “questão social” 

  Da década de 1930 até meados de 1940 as favelas ganham importância como representação nacional do “problema habitacional”, e a essa altura  já se espalhavam pela cidade (Figura 31).  

 

 

 

 

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Figura 31: Favelas no Rio de Janeiro até 1930 Fonte: produção do autor com referência em SILVA; BARBOSA, 2005. 

  Na gestão do prefeito Pedro Ernesto Baptista foi priorizado a “questão social” na  cidade  (SILVA, 2005),  como estratégia populista. O  governo preocupou‐se  com  a regulamentação de códigos trabalhistas, com melhorias na área de educação, saúde e infra‐estrutura,  com  o  controle  social,  e  inclusive,  com  o  samba,  criando  um  forte vínculo entre as escolas de samba e o Estado (SANTOS apud ZALUAR, 1998). Nos Anos 30 o  comércio na Mangueira  se  resumia a armazéns, e  lojas de  suprimentos  (Figura 32). Em 1935, se pavimenta a Rua Visconde de Niterói (Figura 33). 

       

Figura 32: Armazém do Zé de Castro                          Figura 33: Pavimentação da Rua Visconde de Niterói Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980                                                                                                                           Fonte: AGCRJ 

  Em visita à Mangueira, em 1936, pelo prefeito Pedro Baptista, os moradores pediram a construção de uma escola primária, que foi prontamente atendido. O nome 

 

 

 

 

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sugerido por Carlos Cachaça em homenagem ao grande sambista e um dos fundadores da  Estação  Primeira,  Saturino  Gonçalves,  acabou  não  sendo  usado  para  nomear  a escola, que recebe o nome de Escola Humberto de Campos.  

  Enquanto a primeira escola pública em uma favela é inaugurada, também no Buraco Quente, moradores da Mangueira se organizam em mutirão para a construção da  segunda  sede  da  Escola  de  Samba  Estação  Primeira  de Mangueira.  Inica‐se  em meados da década de 1930 – se estendendo até 1953 – a fase autêntica das escolas de samba. Nesse período os  compositores populares passavem pelo  seu período áureo (SILVA; OLIVEIRA et al, 1980).  

 

3.6 As costuras viárias no Rio de Janeiro 

  A partir dos anos 1940 medidas urbanísticas autoritárias voltam a ser a tônica do governo do Rio de Janeiro, sendo retomada a Comissão do Plano da Cidade e como parte dela, o Serviço Técnico. Foi dada ênfase ao melhoramento do sistema viário, e ainda,  a medidas  de  erradicação  de  favelas,  como  o  programa  de  construção  dos parques  proletários22.  Nesse  período  destaca‐se  a  abertura  da  Avenida  Presidente Vargas,  no  Centro  do  Rio  de  Janeiro,  que  causou  a  destruição  de  um  importante espaço de identidade da cidade: a Praça Onze. 

  As obras, tanto viárias como as ligadas ao problema habitacional, pretendiam dar  conta  de  uma  cidade  que  sofria  pelo  estrangulamento  de  uma  infra‐estrutura ainda  pouco  afeita,  à  intensificação  da  industrialização,  à  pressão  crescente  da migração e à expansão do mercado imobiliário (SILVA, 2005). 

  Os desfiles de carnaval, agora realizados na Avenida Presidente Vargas e não mais  na  destruída  Praça  Onze,  passam  a  ser  organizados,  por  iniciativa  do manguerense  Zé Espinguela  (Figuras 34 e 35). Com horários,  intinerários, disputa, e premiações dadas por julgadores de “fora” do samba, as escolas crescem em número de  integrantes,  formando  alas,  criando  estatutos  e  elegendo  presidentes.  Uma  das exigências da época era a História do Brasil como tema do samba‐enredo.  

                                                            22 Através de um rigoroso esquema de controle social do Estado, os moradores dos parques proletários eram obrigados a assinar termos de responsabilidade por suas condutas e zelo pelas casas, que na maior parte das vezes tinha instalações precárias. 

 

 

 

 

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Figura 34: Desfile na Presidente Vargas em 1952      Figuras 35: Cartola em desfile na Presidente Vargas Fonte: http://www.portelaweb.com.br                                                                             Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 

  Em meados da década de 1940, surgem outras tentativas de  intervenção na crise habitacional, como a Lei do Inquilinato23. Na década de 1950, ocorre uma efetiva expansão e metropolização da  cidade,  aumentando‐se o número de  indústrias e de construção  de  rodovias. As  indústrias  passam  a  ser  implantadas  próximo  à Avenida Brasil  e  à  rodovia  Rio‐São  Paulo  (Presidente  Dutra),  enquanto  que  nas  áreas tradicionais, como é o caso do bairro São Cristóvão, ocorre um esvaziamento do uso industrial. 

 

3.7 A voz do Morro 

  Os  parques  proletários  são  extintos  e  deixam  como  legado  uma  forte organização social dos moradores das  favelas. Na Mangueira, essa mobilização entre os moradores  já era  vista desde meados da década de 1930, quando é publicado o primeiro  jornal comunitário: A Voz do Morro. Um  trecho do editorial mostra a visão provacativa: 

[...]  Há  de  lhe  causar  dúvida  que  estas  páginas  hajam  descido  os caminhos íngremes do morro da Mangueira ao lado dos sambas que ela canta entusiasmada [...] Mas a sua identidade se estabelecerá de pronto,  pois  que  elas  não  lhe  falarão  dos  sambas  dedilhados  em pianos caros, mas só, só e unicamente do samba pobre e espontâneo que  ecoa  no  barracão  como  hino  fácil.  (apud  SILVA  ;  BARBOSA, 2005). 

  Mais  forte  que  o  jornal  na  Mangueira,  era  a  própria  música,  e  mais especificamente, o samba. No samba, a favela se afirma a partir de suas características 

                                                            23 Lei de 1942 que decretou o congelamento dos aluguéis com a justificativa emergencial do período de guerra. Tentou redirecionar os investimentos na habitação de aluguél para as indústrias, e manteve baixos os salários para reduzir os custos da força de trabalho. (SILVA, 2005). Contribuiu ainda mais para a crise habitacional, sendo extinta em 1964. 

 

 

 

 

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físicas,  de  seus  aspectos  visuais,  emergindo  como  espaço  de  habitação  precária  e improvisada,  do  predomínio  do  rústico  sobre  o  durável  (Figura  36).  (OLIVEIRA; MARCIER  apud  ZALUAR,  1998).  E  ainda,  a  partir  dos  laços  de  vizinhaça  e  relações sociais que se entremeiam no espaço (Figuras 37). 

    

Figura 36: Arquitetura de “sopapo”                                        Figura 37: Barraco da Timbaca, na Mangueira Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980                                                                                      Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 

  O samba Escurinha (1950), de Geraldo Pereira e Arnaldo Passos, nos permite refletir tanto sobre aspectos construtivos do barracão como sobre as relações homem e mulher no universo do samba e da favela: 

Escurinha/ Tu  tem de  ser minha de qualquer maneira/ Eu  te dou meu barraco/ Te dou meu boteco/ Que  tenho no morro de Mangueira/ Comigo não há embaraços/ Vem  que  eu  te  faço, meu  amor/  A  rainha  da  escola  de  samba/ Que  teu  preto  é diretor/  Quatro/  paredes  de  barro/  Telhado  de  zinco/  Assoalho  no  chão/  Só  tu escurinha/  É  quem  está  faltando  no  meu  barracão/  Sai  disso,  tolinha/  Aí  nessa cozinha levando a pior/ Lá no morro eu te ponho no samba/ Te ensino a ser bamba/ Te faço a maior. 

  O samba estava nos  terreiros, nos botecos, em qualquer esquina. Era a voz dos idosos, jovens e crianças do Morro da Mangueira (Figura 38 e 39). 

          

Figura 38: O choro do cavaquinho                                                           Figura 39: Um menino e a uma cuíca Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980                                                                                     Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980               

 

 

 

 

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  O  samba  Mundo  de  Zinco  (1952),  de  Wilson  Batista  e  Antônio  Nássara, permite visualizar o cenário da Mangueira no íncio da década de 1950, trazendo além de aspectos físicos, o sentimento de pertencimento ao lugar e a elevação do Samba: 

Aquele mundo  de  zinco  que  é mangueira/  Desperta  com  o  apito  do  trem/  Uma cabrocha, uma esteira/ Um barracão de madeira/ Qualquer malandro em mangueira tem 

  Aquele mundo de zinco é mangueira... Mangueira  fica  pertinho  do  céu/ Mangueira  vai  assistir  o meu  fim/ Mas  deixo  o nome na história/ O samba foi minha glória/ E sei que muita cabrocha vai chorar por mim 

  O  enaltecimento  do  morro  nas  letras  era  uma  forma  de  demonstrar  o enorme  amor  que  se  sentia  pelo  seu  espaço  de moradia,  contrariando  os  impulsos vigentes  de  se  extinguirem  as  favelas.  O  “barracão”  coberto  de  “zinco”  também aparece em Palácio Encantado, de Jurandir da Mangueira e Irson Pinto, assumindo um tom poético e até  luxuoso com a associação de termos como palácio, estrelas, céu e jardim: 

De palácio encantado é que chamo/ Meu barracão em Mangueira/ E essa vida que eu tanto amo/ Dedico à minha companheira/ Sempre em seus olhos tristonhos/ A me esperar  em  sonhos/  Eu  me  encontro  em Mangueira/  O  meu  palácio  é  de  zinco coberto/ Quando não chove estrelas sem fim/ Vejo nos buracos no teto aberto/ Faz parecer que o céu é um  jardim/ E pelos olhos da minha querida/ Creio que a vida talhou‐a  pra mim/  Eu  sou  feliz  por  viver  onde  vivo/  Pois  em Mangueira  a  vida  é assim. 

  A década de 1950 é a fase de  interação das escolas de samba, marcada por uma maior relação entre os moradores das favelas, o “mundo do samba”, e o campo político  ou  o  “mundo  social”  (SILVA;  OLIVEIRA  et  al,  1980).  É  o  momento  de apoximação dos intelectuais, músicos e artistas do “asfalto”, que passam a frequentar aquele espaço, refletir sobre ele e muitas vezes  influenciar as composições musicais. Momento  em  que  a  construção  de  arquibancada  nos  desfile  permite  maior participação do público e intervenção crítica da imprensa (Figuras 40 e 41) 

 

 

 

 

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Figura 40: Ala das Caprichosas da Mangueira                       Figura 41: Mangueira na Embaixada britânica Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980                                                                                      Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 

  Um  dos  marcos  dos  desfiles  de  carnaval  dessa  fase  é  quando  a  G.R.E.S. Acadêmicos  do  Salgueiro  destaca  a  figura  do  negro  no  samba  enredo.  Outras inovações  do  período  são:  o  carnavalesco,  o  mestre‐sala  e  a  porta‐bandeira  e  as passistas  que  sambam  no  pé  com  coregografias  ensaiadas  (Figuras  42  e  43).  O Salgueiro  também  foi  responsável  por  trazer  a  participação  de  artistas  pláticos  na preparação dos desfiles, redefinindo a estética do carnaval. 

                                   

Figura 42: O mestre‐sala da Mangueira no Buraco Quente         Figura 43: Porta‐bandeira da Mangueira  Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980                                                                                    Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 

  As  intervenções  viárias na  cidade  continuavam em  alta e  a  visibilidade das favelas  se  tornou  maior,  sendo  definidas  informações  mais  específicas  sobre  suas localizações e dimensões numéricas, através do primeiro censo de favelas do Distrito Federal e de um  levantamento mais detalhado pelo  IBGE. É criada a Fundação Leão XIII24 que buscava o controle social através de práticas autoritárias e preconceituosas. 

                                                            24 Instiuição criada pela iniciativa conjunta da prefeitura com a Arquidiocese, com o lema de que era necessário subir o morro antes que descessem os comunistas. 

 

 

 

 

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Figura 44: A Mangueira em 1951 Fonte: http://oglobo.globo.com 

  O  samba  Saudosa  Mangueira  (1954),  de  Herivelto  Martins,  canta  este momento de mudanças no cenário político, assim como no cenário cultural: 

Tenho saudades da Mangueira/ Daquele tempo em que eu batucava por  lá/ Tenho saudade do  terreiro da escola/ Eu sou do tempo do Cartola/ Velha guarda o que é que há?/ Eu  sou do  tempo em que malandro não descia/ Mas a polícia no morro também  não  subia/  Aí  Mangueira,  minha  saudosa  Mangueira/  Depois  que  o progresso  chegou/  Tudo  se  transformou  e a Mangueira mudou/  Já não  se  samba mais a luz do lampião/ E a cabrocha não vai pro terreiro de pé no chão. 

  Por  um  lado,  essas  transformações  serviram  para  aumentar  o  grau  de organização  dos  grupos  populares  envolvidos  e  de  luta  pela  defesa  do  espaço  da favela. Surgem sambas que buscam, primordialmente, enaltecer o morro. Um exemplo é Exaltação à Mangueira (1956), composta por Enéas Brites da Silva e Aloísio Augusto da  Costa,  foi  o  samba  do  carnaval  de  1956  e  virou  o  verdadeiro  hino  da  Estação Primeira de Mangueira,  

A Mangueira  não morreu  nem morrerá/  Isso  não  acontecerá/  Tem  seu  nome  na história/ Mangueira tu és um cenário coberto de glória Mangueira  teu  cenário  é  uma  beleza/  Que  a  natureza  criou/  O morro  com  seus barracões de zinco/ Quando amanhece que explendor Todo mundo  te conhece ao  longe/ Pelo  som dos  seus  tamborins/ E o  rufar do  seu tambor Chegou ô, ô, ô, ô/ A Mangueira chegou, ô, ô Mangueira teu passado de glória/ Está gravado na história/ É verde e rosa a cor da tua bandeira/ Prá mostrar a essa gente/ Que o samba é lá em Mangueira. 

 

  Ao mesmo tempo em que os sambas enaltecem o morro, enaltecem também as  relações  de  solidariedade  e  amizade  na  comunidade,  em  oposição  à  “cidade formal”, onde prevalecem relações impessoais e frias (Figuras 45 e 46). 

 

 

 

 

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Figura 45: Roda de samba familiar na Mangueira                       Figura 46: Banho “curtido” na Mangueira Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980                                                                                      Fonte: SILVA; OLIVEIRA et al, 1980 

  Esse  retrato da  realidade no Morro da Mangueira, por um  lado pobre, mas por outro, solidário e motivo de orgulho dos moradores, é cantado no samba Sala de Recepção do compositor Cartola: 

Habitada por gente simples e tão pobre/ Que só tem o sol que a todos cobre/ Como podes, mangueira, cantar? Pois então saiba que não desejamos mais nada/ A noite, a lua prateada/ Silenciosa, ouve as nossas canções Tem lá no alto um cruzeiro/ Onde fazemos nossas orações/ E temos orgulho de ser os primeiros campeões Eu digo e afirmo que a felicidade aqui mora/ E as outras escolas até choram/ Invejando a tua posição Minha mangueira essa sala de recepção/ Aqui se abraça inimigo/ Como se fosse irmão 

  O Morro ora se confunde com a Escola de Samba, como pode ser visto nas duas  composições  acima  citadas,  criando  uma  diferenciação  interfavelas  que  é, simultaneamente, uma diferenciação interescolas de samba (OLIVEIRA; MARCIER apud ZALUAR, 1998), dada pela competição criada nos desfiles de carnaval. 

 

3.8 A grande crise política  

  Na década de 1960 o Rio de  Janeiro perde a  função de capital  federal para Brasília, enquanto que no campo cultural, a Era do Rádio perde para a televisão que chega com força total. Os desfiles do carnaval passam a cobrar ingresso do público que formavam grandes torcidas, inclusive, com integrantes da alta sociedade, que só então passa  a  prestigiar  o  evento.  As  escolas  abrem  os  desfiles  para  pessoas  de  fora  da comunidade, marcando uma maior integração entre diferentes camadas sociais. 

  Em 1963 é criado o Plano Doxiadis, um plano urbanístico que visava não mais o belo, e sim o eficiente, tendo como foco principal as intervenções viárias através das 

 

 

 

 

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vias  expressas  e  construções  de  túneis.  Um  novo  censo  contabiliza  147  favelas  na Cidade do Rio de  Janeiro, espalhadas por quase  todos os bairros da  cidade. Ocorria uma explosão demográfica na cidade e a Zona Sul sofria uma intensa verticalização. 

  O golpe militar de 1964 instaura um período de autoritarismo, controle sobre as  camadas  populares  e  interesses  nos  setores  econômicos.  É  o momento  em  que surge  o  crime  organizado,  resultado  do  convívio  entre  presos  comuns  e  presos políticos. Era necessária a organização e um  refúgio, um  território, que  foi escolhido como  sendo  a  favela25.  O  “bandido‐benfeitor”  passa  a  suprir  a  ausência  do  poder púlico no que diz respeito à segurança na favela. 

  O  grande  número  de  favelas,  que  já  se  afirmava  na  paisagem  urbana preocupava  os  governantes  (Figura  47).  Inicia‐se  um  novo  período  marcado  pela política de remoção de  favelas e de  transferência de seus moradores para conjuntos habitacionais (Cohab) construídos pelo Estado (SILVA ; BARBOSA, 2005). É desta época também a  criação do Banco Nacional de Habitação  (BNH),  com o objetivo  inicial de financiar  a  construção  de  habitações  populares.  As  remoções,  principalmente  de favelas da Zona Sul, tinham justificativas de cunho moral e higiênico, surgindo também critérios estéticos. 

                                                            25 A conformação da favela, que se assemelha a um labirinto, com seus becos e ruelas, facilita a fuga e o esconderijo. O fato de estar em posição elevada também propicia um maior controle do que está abaixo, e consequentemente, maior proteção. Essa conformação de um território de defesa pode ser comparada às cidades medievais, que se conformam a partir de pontos estratégicos. 

 

 

 

 

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Figura 47: Favelas no Rio de Janeiro até 1964 Fonte: produção do autor com referência em SILVA; BARBOSA, 2005. 

  Além dos conjuntos habitacionais serem distantes do Centro – a exemplo da Cidade de Deus – não atendiam às demandas das famílias. Os pequenos apartamentos, monótonos  e  todos  iguais,  se  distanciavam  da  criatividade  e  espontaneidade  das conformações  das  favelas,  e  ainda,  os  preços  dos  aluguéis  pesavam  muito  no orçamento familiar.  

  A questão do aluguel, e os outros problemas advindos das remoções, fizeram Zé Keti compor o samba Opinião (1964), que transmite a revolta com relação a essas medidas e o  forte  laço de pertencimento e  identidade dos moradores com relação à favela:  

Podem me prender/ Podem me bater/ Podem, até deixar‐me  sem  comer/ Que  eu não/ mudo de opinião/ Daqui do morro/ Eu não saio, não Se não tem água/ Eu furo um poço/ Se não tem carne/ Eu compro um osso/ E ponho na sopa/ E deixa andar/ Fale de mim quem quiser falar/ Aqui eu não pago aluguel/ Se eu morrer amanhã, seu doutor/ Estou pertinho do céu. 

  E  enquanto  o  Poder  Público  definia  as  favelas  como  espaços  com  graves problemas, e alvos de uma erradicação necessária, os compositores do morro também mostravam a cara das favelas, mas por outro ângulo.  

  O  tema  da  propriedade  da  terra  é  colocado  em  questão  no  samba  Favela (1966) de Jorginho e Padeirinho da Mangueira: 

 

 

 

 

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Numa vasta extensão/ Onde não há plantação/ Nem ninguém morando lá/ Cada um     pobre que passa por ali/ Só pensa em construir seu lar E quando o primeiro começa/ Os outros depressa procuram marcar/ Seu pedacinho de terra pra morar É  assim  que  a  região/  Sofre  modificação/  Fica  sendo  chamada  de  “A  Nova Aquarela”/ É aí que o lugar/ Então, passa a se chamar/ Favela. 

  Os  moradores  mostravam  a  favela  da  poesia,  da  alegria,  da  beleza,  do ensinamento de vida por trás da  imagem precária. O samba Sei  lá Mangueira (1968), de Paulinho Da Viola e Hermínio Bello de Carvalho, retrata este sentimento: 

Vista assim do alto/ Mais parece um céu no chão/ Sei lá, em Mangueira a poesia feito o mar, se alastrou/ E a beleza do lugar/ Pra se entender/ Tem que se achar/ Que a vida não é só isso que se vê/ É um pouco mais, que os olhos não conseguem perceber/ E as mãos não ousam tocar/ E os pés recusam pisar/ Sei lá, não sei/ Sei lá, não sei/ Não sei, se toda beleza de que lhes falam/ Sai tão somente do meu coração/ Em Mangueira a poesia/ Num sobe e desce constante/ Anda descalço ensinando/ Um modo novo da gente viver/ De sonhar, de pensar e sofrer/ Sei lá, não sei/ Sei lá, não sei não/ A Mangueira é tão grande, que nem cabe explicação... 

 

3.9 Novos tempos 

  A  partir  do  final  da  década  de  70,  com  o  fim  do  milagre  econômico,  o enfraquecimento  do  regime  militar  e  uma  série  de  outros  fatores,  acabam‐se  as remoções de favelas e surgem organizações entre as camadas populares.  

  A fusão dos Estados da Guanabara e do Rio de Janeiro, em 1975, determinou a  elaboração  do  Plano  Urbanístico  Básico  (PUB‐RIO).  O  plano  de  diretrizes, desenvolvido por  técnicos do Município, divide o  território em seis grandes áreas de planejamento,  em  função  de  critérios  geográficos  e  de  compartimentação  e similaridades morfológicas e socioeconômicas. 

  Consolidada  a  equivalência  entre  samba  e morro,  é  importante  ressaltar  a situação geográfica privilegiada e particular das  favelas na Cidade do Rio de  Janeiro, como  é  o  caso  da  Mangueira.  A  localização  das  favelas  em  morros  descortina exuberantes  vistas  da  paisagem,  que  inspirou  compositores,  como  Cartola,  em Alvorada (1976), uma parceria com Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho: 

Alvorada lá no morro, que beleza/ Ninguém chora, não há tristeza/ Ninguém sente dissabor/ O sol colorindo é tão lindo, é tão lindo/ E a natureza sorrindo, tingindo, tingindo A alvorada... 

 

 

 

 

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Você também me lembra a alvorada/ Quando chega iluminando/ Meus caminhos tão sem vida/ E o que me resta é bem pouco/ Ou quase nada, do que ir assim, vagando/ Nesta estrada perdida. 

  Inicia‐se em meados da década de 1970 a fase da Escola de Samba S.A. – que se estende até os dias atuais – marcada pela comercialização do  samba‐enredo, das construções das grandes quadras para receber pessoas nos ensaios, e a transformação da Escola de Samba em empresa. (SILVA; OLIVEIRA et al, 1980).  O número de escolas de  samba  cresce  vertiginosamente,  causando  problemas  nos  desfiles,  também relacionados  aos  precários  equipamentos  de  som.  A  rádio  e  a  televisão  passam  a transmitir os desfiles e as agências de turismo a fazer pacotes para turistas. As escolas até então não eram beneficiadas (Figuras 48 e 49). 

 

Figura 48: Unidos de Lucas em 1971                                                       Figuras 49: Império Serrano em 1973 Fonte: http://escolassamba.multiply.com                                                            Fonte: http://escolassamba.multiply.com 

  A  G.R.E.S.  Estação  Primeira  de  Mangueira,  devido  à  sua  rica  história  e tradição, se afirma como referência no cenário cultural carioca, entre compositores do “asfalto”. As cores, verde e rosa, estavam em todo lugar (CABRAL apud CONSTANT). É o caso do compositor Chico Buarque de Holanda, que adota a escola como uma grande paixão  e  compõe  diversas  músicas  enaltecendo  a  Mangueira,  como  Estação Derradeira: 

Rio de ladeiras/ Civilização encruzilhada/ Cada ribanceira é uma nação À sua maneira/ Com ladrão/ Lavadeiras, honra, tradição/ Fronteiras, munição pesada São Sebastião crivado/ Nublai minha visão/ Na noite da grande / Fogueira desvairada Quero ver a Mangueira/ Derradeira estação/ Quero ouvir sua batucada, ai, ai Rio do lado sem beira/ Cidadãos / Inteiramente loucos/ Com carradas de razão À sua maneira/ De calção/ Com bandeiras sem explicação/ Carreiras de paixão danada São Sebastião crivado/ Nublai minha visão/ Na noite da grande / Fogueira desvairada Quero ver a Mangueira/ Derradeira estação/ Quero ouvir sua batucada, ai, ai  

 

 

 

 

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   É em 1970 que se  inaugura o Palácio do Samba, a nova quadra para ensaios da Estação Primeira de Mangueira,  localizada no Buraco Quente, na Rua Visconde de Niterói. A construção foi feita aos poucos, como conta em entrevista, o diretor atual da Estação Primeira de Mangueira, Guerra Peixe26. Na antiga quadra,  localizada também no Buraco Quente  (travessa  Saião  Lobato  como hoje é  cadastrada), a  frequencia de visitantes nas escolas era alta e a estrutura era precária. A construção de um espaço novo,  com  dois  pavimentos,  se  deu  graças  a  articulações  políticas.  Os  arquitetos responsáveis foram Sabino Barroso e José Leal. Somente no final da década de 1990, foi construído um terceiro pavimento, presenteado pela Fundação Roberto Marinho. 

  Em  1977,  o  carnavalesco  Joaozinho  Trinta  transforma  a  face  do  carnaval carioca,  investindo em um desfile grandioso na G.R.E.S. Beija‐Flor de Nilópolis, escola até então desconhecida. O desfile causou muitas críticas contra o  luxo excessivo nas fantasias e alegorias, que quebrava as  tradições. O diretor  social do Centro Cultural Cartola, Jorge Luiz27, em entrevista, conta que no mesmo carnaval a Mangueira  levou ao desfile fantasias simples, muitas de pano de chitão, e ficou somente um ponto atrás da  grande  vencedora,  a  Beija‐Flor  (Figuras  50  e  51). Na  sua  visão,  se  a Mangueira tivesse  consagrado  campeã  naquele  ano,  o  carnaval  teria  tomado  outros  rumos  e talvez não tivesse os excessos atuais,  já que a partir daquele desfile todas as escolas seguiram os passos da Beija‐Flor. Usando as palavras do grande  sambista Candeia28, “escola  de  samba  é  povo  na  sua manifestação mais  autêntica! Quando  o  samba  se submete a  influências externas, a escola de samba deixa de representar a cultura do nosso povo.” (CANDEIA; LIMA; MONTE et al, 1975)  

                                                            26 Guerra Peixe nasceu em Petrópolis e mora no Rio de Janeiro. Nunca morou no morro da Mangueira, mas há muitos anos trabalha em prol da Estação Primeira de Mangueira “sem ganhar um tostão”, como ele conta.  

27 Além de diretor social do Centro Cultural Cartola, Jorge Luiz é também um dos encarregados pela organização do projeto Mangueira do Amanhã, escola mirim da G.R.E.S. Estação Primeira da Mangueira. Foi um dos entrevistados para a monografia. 

28 Antônio Candeia Filho, nascido e criado em Oswaldo Cruz, foi um dos sambistas mais versáteis e mais engajados nos movimentos de resistencia cultural afro‐brasileiras. Autor de “O mar serenou” e “Testamento de partideiro”. 

 

 

 

 

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Figura 50: Beija Flor de Nilópolis em 1977                 Figuras 51: Estação Primeira de Mangueira em 1977 Fonte: http://escolassamba.multiply.com                                                            Fonte: http://escolassamba.multiply.com 

  Em  um  período  de  49  anos  (1932  a  1981),  a  Escola  de  Samba  Estação Primeira de Mangueira participou de 45 desfiles. Foi campeã 12 vezes, vice‐campeã 18 vezes, em 3º  lugar 7 vezes e em 4º  lugar  também. Somente em 1977 a Escola  ficou abaixo  do  4º  lugar. Em 1989 e 1991, contudo, ficou em 11º e 12º lugares,

respectivamente, um vexame para a tradicional escola.

3.10 O carnaval do espetáculo 

  As mudanças que  foram ocorrendo nas Escolas após  se  transformarem em Grêmios Recreativos, a necessidade de se encaixar nos moldes da sociedade, da elite dominante,  abalaram  profundamente  alguns  costumes  do  passado,  inclusive  na Estação Primeira de Mangueira, famosa por manter as tradições. 

  No início da década de 1980, o desfile das escolas samba era a maior fonte de captação  de  dólares  do  setor  do  turismo.  O  evento,  que  ia  tomando  proporções gigantescas,  necessitava  de  um  espaço  fixo.  O  arquiteto  Oscar  Niemeyer  foi  o responsável  pelo  projeto  do  Sambódromo  (1984),  localizado  na  Rua  Marquês  de Sapucaí,  com  estrutura  definitiva  para  receber milhares  de  pessoas.  Neste  período cria‐se a Liga Independente das Escolas de Samba, responsável por dividir o desfile em dois  dias,  fazer  contrato  com  as  emissoras  de  televisão  para  receber  pelas transmissões,  e  receber  porcentagem  da  venda  de  ingressos  do  público.  O Sambódramo  pode  ser  considerado  um marco  para  drásticas  transformações  com relação ao formato do carnaval carioca (Figuras 52, 53 e 54). 

 

 

 

 

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Figura 52: Mangueira em 1985        Figura 53: Mangueira em 1987             Figura 54: Manguira em 1988 Fonte: http://escolassamba.multiply.com 

  A  paisagem  nas  favelas  –  berços  das  escolas  de  samba  –  não  condizia,  e contrastava, com o luxo dos desfiles. As próprias escolas tentam mudar essa situação, com investimento em projetos sociais, como é o caso da Vila Olimpica, na Mangueira, que será tratado adiante. 

3.11 A densidade, o tráfico e o funk  

  O  processo  de  democratização  da  década  de  1980  fortaleceu  as reinvindicações populares, contribuindo para o acesso a serviços públicos como redes de distribuição de  água, esgoto,  coleta de  lixo,  asfaltamento e  iluminação. Além de equipamentos urbanos como creches, escolas, postos de saúde, e outros.  Porém, não se avançou muito na questão da regularização das propriedades, fator essencial e que tem  forte  relação  com  o modo  que  se  dá  a  apropriação  e  o  uso  do  espaço  pelos moradores. 

  Foram elaborados os Projetos de Estruturação Urbana (PEU), com o objetivo de orientar o crescimento dos bairros, respeitando as características da área, além de criadas  Áreas  de  Proteção  Ambiental  (FERNANDES,  2007).  Em  1983  é  aprovado  o Projeto do Corredor Cultural, para preservação patrimonial da área central do Rio de Janeiro.  

  As  favelas  passavam  por  um momento  de  inchaço,  sendo  calculada  uma população de 5.616 habitantes em favelas no Rio de Janeiro, no ano de 1980 (Figuras 55 e 56). É importante ressaltar ainda o alto índice de desemprego e o crescimento do tráfico de drogas, que passa a tomar conta dos morros cariocas, divididos em facções inimigas (CAMPOS, 2005). 

 

 

 

 

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  Em 1988 a Constituição Federal foi revista e definiu‐se que toda cidade com mais de 20.000 habitantes teria plano‐diretor, aprovado sob  forma de  lei, através da Câmara Municipal. O Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro foi aprovado em  1992  através  da  Lei  16/92.  O  Plano  analisa  o  município  de  forma  setorial determinando  políticas  e  programas  referentes  a:  Meio‐ambiente  e  Patrimônio Cultural, Habitação,  Sistema  viário  e  Transportes,  Serviços  Públicos  e  Equipamentos Urbanos, Atividades Econômicas e Patrimônio Imobiliário Municipal. 

      

Figura 55: Inchaço nas favelas                                                                          Figura 56: Habitação nas favelas Fonte: http://acordabrasil.wordpress.com                                                         Fonte: http://acordabrasil.wordpress.com 

  A  discussão  entre  “tradição”  e  “modernidade”  no  carnaval  tem  grande enfoque  na  década  de  1990.  A  tradição  associa‐se  à  manutenção  de  padrões  do passado, ao samba de  raíz, à  fidelidade à escola e aos membros da Velha Guarda. A “modernidade” aceita a atualização de  ritmos  (como a  insersão do  funk na bateria), temas  e  rituais,  a  contratação  de  profissionais  especializados  de  “fora”,  enfim,  a abertura às novas tendências e novos mercados. (SANTOS apud ZALUAR, 1998).  

  O crescimento do baile  funk e a  influência do  tráfico de drogas nas escolas são os principais alvos de crítica de  integrantes da Velha Guarda, que relembram um carnaval do passado não ditado pelo poder (Figuras 57 e 58). A rejeição às mudanças pode  ser  vista  em  depoimento  de  Dona  Neuma29,  uma  das  lideranças  mais significativas da história da Mangueira: 

Ah que diferença... Na época da Praça Onze era carnaval. A gente às vezes  vinha  a pé da Praça Onze  até  em  casa. Não  tinha  condução, mas era mais gostoso. Você vinha brincando no bonde, quando tinha bondes.  Agora,  nos  ônibus  não  da  pra  gente  cantar,  brincar.  Eu adorava. (apud ZALUAR, 1998) 

                                                            29 Dona Neuma é considerada a primeira‐dama da Mangueira. Filha de Saturnino, um dos fundadores da Estação Primeira, e fundadora de Departamento Femino da escola, foi a maior liderança da comunidade. 

 

 

 

 

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Figura 57: Tráfico de drogas                                            Figura 58: Baile funk “Furacão 2000” na Mangueira Fonte: http://www.janchipchase.com                                                                      Fonte: http://carosamigos.terra.com.br 

O jogo de poder, na realidade, sempre esteve ligado às escolas de samba, ora pelo Estado, através de práticas clientelistas de alguns políticos, ora pelos banqueiros de jogos de bicho30. A entrada dos bicheiros como novos “donos” em algumas escolas nem 

sempre foi bem recebida pelas  lideranças  locais. Por outro  lado, eles estabeleceram relações de  fidelidade  e  compromisso  para  com  as  populações  adotadas,  através  de  investimento, 

organização  e  modernização.  Ao  longo  dos  anos,  os  desfiles  foram  se  adaptando  às necessidades do grande espetáculo.  

  O controle do tráfico de drogas foi se estabelecendo não só sobre as favelas, mas sobre as escolas de samba (SANTOS apud ZALUAR, 1998). Diferentemente do jogo do bicho, o  tráfico de drogas é uma atividade mercantil, que cresce com o mercado consumidor, e que tem uma considerável rotativa na sua  liderança. Por  isso, o poder se dá de forma diferenciada.   

  O desfile das escolas de samba tornou‐se uma grande indústria cultural cujo produto  é  mercantilizado,  cujas  estruturas  hierárquicas  perduram  e  cujos componentes continuam sendo espoliados. (SANTOS apud ZALUAR, 1998). 

A  década  de  1990  é marcada  por  um  aumento  notório  das  populações  em favelas, que se tornam cada vez mais densas. Enquanto que em 1993, calcula‐se cerca de  6.458  habitantes morando  em  favelas  no  Rio  de  Janeiro,  em  1996  esse  número passa  para  952.429.  O  crescimento  do  número  de  favelas  também  aumenta consideravelmente. De 1994 para 1997 o número passa de 573 para 608  favelas na cidade. (CAMPOS, 2005).  

Com o passar dos anos, as desigualdades sociais no Rio de Janeiro ficam mais estampadas na paisagem. O  tráfico de drogas  faz das  favelas um  verdadeiro  campo                                                             30 O Jogo do Bicho é um tipo de sorteio não controlado por órgãos públicos em nível territorial onde são escolhidos ou sorteados diariamente cinco prêmios, cujas possibilidades estão afixadas entre os números 0000 a 9999 

 

 

 

 

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minado,  onde  territórios  se  delimitam  e  relações  cotidianas,  assim  como manisfestações culturais,  ficam ameaçadas. Quem nasce na  favela é obrigado a viver em meio à violência, sofre preconceitos, e tem dificuldades em conseguir emprego. O samba Encanto de paisagem (1986) do compositor manguerense Nélson Sargento31: 

Morro,  és  o  encanto  da  paisagem/  Suntuoso  personagem  de  rudimentar  beleza/ Morro,  progresso  lento  e  primário/  És  imponente  no  cenário/  Inspiração  na natureza/ A  topografia da cidade com  toda simplicidade és chamado de elevação/ Vielas,  becos  e  buracos/  Choupanas,  tendinhas,  barracos/  Sem  discriminação/ Morro,  pés  descalços  na  ladeira/  Lata  d`água  na  cabeça/  Vida  rude  alviçareira/ Criança sem futuro e sem escola/ Se não der sorte na bola vai sofrer a vida  inteira/ Morro, o teu samba foi minado, ficou tão sofisticado, já não é tradicional/ Morro, és lindo quando o sol desponta/ E as mazelas vão por conta do desajuste social. 

 

3.12 O Favela‐Bairro 

Nessa  década  surgem  políticas  de  urbanização  em  favelas,  que  é  o  caso  do Programa Favela‐Bairro32, implantado pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. 

  O complexo da Mangueira – incluindo o Morro da Mangueira (Chalé e Buraco Quente),  Morro  dos  Telégrafos  e  Parque  Candelária  –  foi  uma  das  favelas  que receberam o Programa Favela‐Bairro,  sendo cadastrado em 23 de março de 1996. A iniciativa de se urbanizar as favelas foi importante, principalmente, tendo em vista os melhoramentos  dos  sistemas  de  drenagem,  da  rede  de  esgoto,  além  de  questões abordadas  como a  coleta de  lixo. As  fotos abaixo  foram  retiradas do diagnóstico do Programa Favela‐Bairro no Complexo da Mangueira (Figuras 59, 60, 61 e 62). 

                                                            31 Nascido em 1924, foi morar na Mangueira ainda com 12 anos, onde se tornou um dos maiores compositores da história da Estação Primeira. Hoje, aos 84 anos, é integrante da Velha Guarda, músico, pesquisador, artista plático, e mora em Copacabana. 

32 O Programa Favela‐Bairrro na Mangueira foi feito por Paulo Casé e Luiz Acioli Arquitetos associados Ltda. 

 

 

 

 

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Figura 59: Foto geral das habitações                                                           Figura 60: Lixão no topo do Morro Fonte: Biblioteca do IPP                                                                                                                           Fonte: Biblioteca do IPP 

                      

Figura 61: Vila da Miséria                                             Figura 62: Palácio do Samba com dois pavimentos Fonte: Biblioteca do IPP                                                                                                                           Fonte: Biblioteca do IPP 

  No que  tange às  intervenções urbanísticas em pontos específicos podemos apontar uma dupla percepção. Por um lado, alguns objetivos – como reduzir a injustiça da cota e promover locais de encontro – são valorozas, porém, outras podem não ter sido  bem  aceitas  por  todos  os moradores,  já  que  estes, muito  provavelmente,  não participaram das decisões. Pode ser o caso de propostas como a aplicação de sinais e placas  nos  bairros  da  Mangueira  e  de  aumentar  a  permeabilidade  e intercomunicabilidade  das  circulações.  Frases  utilizadas  no  programa  como “integração  da  favela  à  cidade  formal”  e  “objetivo  de  absorver  características  do ‘urbano’” mostram uma posição de rejeição à estrutura urbana da favela e de impulso por  aplicar  nela  parâmetros  de  outras  camadas  sociais.  O  sambista  e morador  do Morro, Tantinho da Mangueira, afirma: “hoje nem reconheço estes lugares onde eram os bairros. O Favela‐Bairro mudou  tudo, acabou com as referências.”  (apud VIANNA, 2005). 

  Essas  mudanças  na  relação  do  samba  com  comunidade  vão  além  da destruição de alguns pontos de encontro  referenciais, onde  se  tocava o  samba e  se reuniam os bambas. 

 

 

 

 

 

 

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3.13 A dura realidade 

  Nos fins do século XX as favelas  já ocupam uma grande extensão da cidade, como pode ser visto no mapa abaixo (Figura 63).   

 

Figura 63: Favelas no Rio de Janeiro até 1997 Fonte: produção do autor com referência em SILVA; BARBOSA, 2005. 

  Em  2006  é  criada  a  Cidade  de  Samba33,  edificação  próxima  à Marquês  de Sapucaí,  para  abrigar  os  barracões  das  escolas  do  grupo  especial  (Figura  63).  A construção  deste  espaço  pode  ser  visto,  por  um  lado,  como  a  descentralização  das escolas e seu desligamento da própria comunidade que o gerou – o corte do cordão umbilical. Para o entrevistado, Jorge Luiz, o carnaval passou “do fundo de quintal para a era  industrial”. Ele conta que a maioria dos empregados da Cidade do Samba não é das comunidades que geraram aquelas escolas.  

                                                            33 A Cidade do Samba ocupa uma área de 114.000m2 na região portuária do Rio de Janeiro.  Além dos 12 barracões para construção do carnaval das escolas do grupo especial, o local recebe visitação de turista diariamente e promove shows semanalmente, como prévia dos desfiles de carnaval.  

 

 

 

 

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Figura 64: Cidade do Samba Fonte: http://www.rio.rj.gov.br 

A  Mangueira,  famosa  pela  defesa  da  tradição,  é  uma  das  escolas  mais modernas,  contando  com  investimentos  de  diversos  setores  da  sociedade  (SANTOS apud ZALUAR, 1998). Sua quadra, o Palácio do Samba, nos meses de preparação do carnaval, recebe milhares de visitantes nos ensaios dos sábados, sendo a maior parte deles estrangeiros e jovens da classe média alta do Rio de Janeiro34.  

  Hoje, os moradores das  favelas  encontram‐se  cada  vez mais  fragmentados culturalmente  e  afastados  do  samba  o  que  não  lhes  permite  reunir  forças  para disputar suas marcas  junto ao público maior (SANTOS apud ZALUAR, 1998). A ala das comunidades correponde a cerca de 30% dos componentes das escolas, enquanto que se  aumentam  cada  vez mais  os  foliões  da  classe média  alta  de  outros  estados  e estrangeiros. 

  Essa  fragmentação  cultural  é  resultante  de  uma  série  de  fatores  aqui colocados, como a alta densidade habitacional nas favelas atualmente, a destruição de referências  que  guardam  a  memória  do  lugar,  o  tráfico  de  drogas  e  a  violência decorrente, o descaso do Poder Público, dentre outros. 

  O samba Nomes de Favela, de Paulo César Pinheiro relata a situação atual das favelas do Rio de Janeiro e faz o chamado por mudanças urgentes: 

O galo já não canta mais no Cantagalo/ A água já não corre mais na Cachoeirinha/ Menino  não  pega  mais  manga  na  Mangueira/  E  agora  que  cidade  grande  é  a Rocinha! Ninguém faz mais jura de amor no Juramento/ Ninguém vai‐se embora do Morro do Adeus/ Prazer se acabou lá no Morro dos Prazeres/ E a vida é um inferno na Cidade de Deus Não sou do tempo das armas/ Por isso ainda prefiro/ Ouvir um verso de samba/ Do que escutar som de tiro 

                                                            34 O preço de entrada para os ensaios de carnaval, que se iniciam por volta do mês de outubro, é de 20 reais, valor justificado pelos diretores como sendo a forma de arredação de dinheiro para o desfile, além da forma de selecionar o número de visitantes. (Dados obtidos por entrevista na quadra da escola) 

 

 

 

 

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Pela poesia dos nomes de favela/ A vida por lá já foi mais bela/ Já foi bem melhor de se morar/ Mas hoje essa mesma poesia pede ajuda/ Ou lá na favela a vida muda/ Ou todos os nomes vão mudar 

 

3.14 O Morro da Mangueira hoje  

A  partir  de  dados  de  órgãos  envolvidos,  de  entrevistas  com moradores,  das visitas ao Morro da Mangueira, e da análise comparativa entre as observações in loco e o diagnóstico do Programa Favela‐Bairro,  foi possível verificar alguns aspectos  físico‐estruturantes da  favela, assim  como manifestações  culturais entre moradores e não moradores no local. 

 

3.14.1 Localização e situação do Complexo da Mangueira 

  A Mangueira, mais  conhecida  por  Complexo  da Mangueira,  foi  cadastrada pela Prefeitura em 14/08/1981 e faz parte da Área de Planejamento 1 (AP1), em verde no  mapa  abaixo  (Figura  65).  Sua  ocupação  obedece  a  Lei  no  2811,  publicado  em 15/06/1999  –  Lei  de  Área  de  Interesse  Social  (Anexo  1).  A Mangueira  é  um  bairro dentro do bairro de São Cristóvão, Região Administrativa VII, na Zona Norte do Rio de Janeiro (Figura 66).  

      

Figura 65: Áreas de Planejamento do Rio de Janeiro                                       Figura 66: Mapa com entorno Fonte: http://www.rio.rj.gov.br                                                                                                Fonte: http://www.rio.rj.gov.br 

Os  limites  do  Complexo  da Mangueira  são  ao  norte  o  bairro  de  Benfica,  a nordeste e leste o bairro de São Cristóvão, ao sul o bairro do Maracanã e a sudoeste e oeste o bairro de São Francisco Xavier. 

O  seu entorno pode  ser  visto na  foto aérea  (Figura 67). Em  vermelho está a delimitação do Complexo da Mangueira. 

 

 

 

 

 

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Figura 67: Foto aérea do entorno com delimitação do Complexo da Mangueira Fonte: http://www.rio.rj.gov.br 

  Compreendem  o  Complexo  da  Mangueira  as  localidades:  Morro  dos Telégrafos, Morro da Mangueira, Chalé e Parque Candelária, sendo  identificadas sub‐regiões  conhecidas  como:  Santo  Antônio,  Faria,  Olaria,  Joaquina,  Grotão  e  Buraco Quente (Mapa 1: Complexo da Mangueira).  

 

3.14.2 Acessos ao Complexo da Mangueira 

O  acesso  principal  ao  local  é  feito  pela  Rua  Visconde  Niterói. Mas  existem outras  vias  de  acesso  como  a  Rua  Ana  Neri,  a  Rua  Abdon  Milanez,  a  Avenida Bartolomeu  Gusmão  (no  Parque  Candelária)  e  a  Rua  Dias  da  Silva  (no Morro  dos Telégrafos).  A  circulação  na  favela  se  dá  por  ruelas  estreitas,  becos  e  escadas, conformando uma espécie de labirinto. (Mapa 2: Figura‐Fundo Circulação). 

  A partir da Rua Visconde de Niterói (via coletora principal), a entrada no morro se dá por ruas estruturantes locais, como: a Rua Poteri, no Chalé; a Alameda Francisco Ribeiro,  no  Buraco  Quente  e  a  Travessa  Saião  Lobato,  também  no  Buraco  Quente (Mapa 3: Hierarquia Viária). Todas estas são pavimentadas. A Travessa Saião Lobato é a mais longa e corta a parte central do Morro da Mangueira com uma variação de 18m de  curva  de  nível.    Ela  se  inicia  na  Visconde  de  Niterói  e  termina  em  um  largo.

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3.14.3 Dados do Morro da Mangueira 

O presente trabalho busca analisar especificamente o Morro da Mangueira e, principalmente, a sub‐região Buraco Quente.  

A área do Morro da Mangueira é de 116.045, 78 m2 (2004). Segundo dados da Prefeitura, este número era o mesmo em 1999. A estagnação da esua exapansão se deve a limites de cristalização como: a linha férrea à sudoeste e bairros já consolidados ao norte.  

De acordo com o censo demográfico do  IBGE de 2000, a população do Morro da Mangueira é 3.529 habitantes, e existem 976 unidades habitacionais.  

 

3.14.4 Estrutura urbana do Morro da Mangueira 

O  sistema  de  abastacimento  de  água  foi  apontado  como  boa  por  alguns moradores entrevistados. Enquanto que o sistema de esgoto é regular, já que pode ser visto alguns pontos na Rua Visconde Niterói – parte baixa do Complexo – com depósito de esgoto a céu aberto. 

O problema de acúmulo de  lixo  também ocorre na parte baixa do Complexo, que além de atrair bichos que  causam doenças,  impedem a entrada da água pluvial nos bueiros. O sistema de drenagem nas ruas é deficiente, existindo uma parte oficial e outra  natural.  Um  dos  agravantes  é  devido  a  própria  condição  das  ruas,  que apresentam buracos e desníveis acentuados. 

O sistema de coleta de lixo se dá pela Companhia Municipal de Limpeza Urbana (COMLURB), porém, o acesso é restrito à Visconde de Niterói e proximidades. A coleta de lixo domiciliar é, portanto, deficiente. 

A  iluminação pública não abrange o Complexo na sua totalidade, concentrada mais na parte baixa, próximo a Visconde Niterói, onde existe bastante movimento de carros e pedestres durante todo o dia. É nesta área também que se encontra a quadra da escola de samba que promove muitos eventos noturnos. 

Os mobiliários urbanos são deficientes, se concentrando mais na parte baixa do morro,  como  por  exemplo,  os  telefones  públicos  próximos  ao  Palácio  do  Samba. Existem poucas áreas de convívio coletivo que permitem as relações sociais entre os 

 

 

 

 

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moradores  e  suas  manisfestações  culturais  cotidianas.  Se  restringem  à  algumas pequenas praças no  interior do Morro, o Palácio do  Samba e bares espalhados por toda a área. 

 

3.14.5 Usos do solo e equipamentos comunitários 

Ao longo da Rua Visconde de Niterói, mais próximo ao Palácio do Samba, existe uma concentração de comércio, incluindo bares, biroscas e trailers, que funcionam na maior parte do tempo no período noturno, quando há eventos no Palácio do Samba e arredores. 

De um modo geral, os principais equipamentos comunitários são: o Palácio do Samba, o Centro Cultural Cartola, e a Escola Municipal Humberto de Campos. Existem ainda, as creches: Creche MunicipalHomero José dos Santos, Creche Municipal Nação mangueirense e Creche Municipal Vovó Lucíola. 

 No seu entorno existem 5 centro de assistência social, 8 unidades de saúde e 4 praças. Os maiores hospitais do entorno  são o Hospital Municipal  Jesus e o Hospital Municipal Barata Ribeiro. O posto de saúde mais utilizado se  localiza na Vila Olimpica da Mangueira, no lado oposto à linha férrea. 

 

3.14.6 Projetos sociais e eventos culturais: 

O Palácio do Samba é considerado o ponto referencial no Morro relacionado à cultura.  No  edifício  de  três  pavimentos,  ao  redor  da  grande  quadra  destinada  aos ensaios (que possui cobertura retrátil), existem salões de reunião e pequenos ensaios, áreas administrativas, loja, posto médico, sala de exposições, camorotes, salas de aula, e auditório (Figuras 64 e 65). 

 

 

 

 

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Figura 68: Quadra do Palácio do Samba                                        Figura 69: Auditório do Palácio de Samba Fonte: arquivo pessoal                                                                                                                               Fonte: arquivo pessoal 

Acontecem  diversos  eventos  culturais  na  quadra  nos  fins‐de‐semana.  Todo segundo  sábado do mês,  à  tarde,  tem  a  feijoada da  família mangueirense, onde os visitantes  além  de  saborear  uma  feijoada,  assistem  a  show  da  Velha  Guarda  e convidados.  

                                             

Figura 70: Feijoada da família mangueirense                          Figura 71: Nélson Sargento da Velha Guarda Fonte: arquivo pessoal                                                                                                                               Fonte: arquivo pessoal  

Os ensaios preparativos para o desfile, que se iniciam no mês de outubro e vão até as vésperas do carnaval, acontecem todos os sábado à noite, recebendo milhares de visitantes, principalmente,  turistas estrangeiros e  jovens cariocas de classe média alta. Em dia de ensaio, os moradores da Mangueira se divertem do  lado de fora, nos trailers de comida e bebida ao som de música mecânica (samba e funk). 

 

 

 

 

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                   Figura 72: Fachada frontal do Palácio do Samba            Figura 73: Rua Visconde de Niterói antes do ensaio Fonte: arquivo pessoal                                                                                                                               Fonte: arquivo pessoal 

              Figura 74: Interior da quadra no ensaio                                           Figura 75: Mestre‐sala e Porta‐bandeira Fonte: arquivo pessoal                                                                                                                               Fonte: arquivo pessoal 

No seu funcionamento durante a semana, de 9h às 18h, são oferecidos diversos cursos  por  meio  de  projetos  sociais  destinados  aos  moradores  da  Mangueira  e arredores.  Existem  cursos  de  costura, manicure,  cabelereiro,  e  outros.  O  principal projeto social, e o primeiro a ser criado pela G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, é o Mangueira do Amanhã, uma escola de samba mirim que atende crianças e jovens da comunidade. 

                Figura 76: Bateria da “Mangueira do Amanhã”      Figura 77: Mestre‐salas, Porta‐bandeiras e passistas Fonte: arquivo pessoal                                                                                                                               Fonte: arquivo pessoal 

 

 

 

 

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Outro  projeto  social  vinculado  ao  Palácio  do  Samba  é  a  Vila Olímpica.  Com 37.000 m2, a Vila promove assistência média, odontológica e social, esportes das mais variadas  modalidades,  cursos  profissionalizantes  como  de  mercenaria  elétrica  e carpintaria  (“Faz  Tudo”), um CIEP, um Colégio primário  (“Colégio  Tia Neuma”), uma biblioteca, lanchonete, área para eventos comunitários como churrascos, e ainda, uma casa de apoio à portadores de necessidades especiais. Em visita ao local, com o diretor cultural  da  Estação  Primeira,  Guerra  Peixe,  foi  possível  notar  o  grande  número  de crianças e jovens da Mangueira que usufruem do local. 

       

Figura 78: Ginásio de esportes                    Figura 79: Posto médico                Figura 80: Área de enventos Fonte: arquivo pessoal                            Fonte: arquivo pessoal                      Fonte: arquivo pessoal 

  

 

     

           Figura 81: CIEP                           Figura 82: Escola Tia Neuma                 Figura 83: Sala de informática Fonte: arquivo pessoal                           Fonte: arquivo pessoal                                  Fonte: arquivo pessoal 

Um ponto de grande importância para a promoção de cultura na Mangueira é o Centro  Cultural  Cartola.  Fundado  pelos  familiares  do  Cartola,  a  estrutura  ocupa  a antiga Fábrica de Chapéus Mangueira. Seu projeto, ainda não concluído, já conta com salas  de  aula  de  dança,  música,  judô  e  outros  esportes,  salão  de  eventos,  áreas administrativas,  salas  de  exposição  e  lanchonete.  Os  cursos  são  oferecidos principalmente às crianças e jovens, sendo o grupo juvenil de violinos, um dos grandes destaques. À noite, são organizados bailes uma vez por mês. 

 

 

 

 

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     Figura 84: Centro Cultural Cartola        Figura 85: Salão de eventos                     Figura 86: Área externa 

Fonte: arquivo pessoal                                 Fonte: arquivo pessoal                               Fonte: arquivo pessoal 

Em  entrevista  com Marion35,  a  cozinheira  do  Centro  Cultural  Carioca,  foram descobertas  iniciativas  individuais de eventos beneficentes. Ela própria organiza duas festas abertas aos moradores da Mangueira, um no dia de São Jorge e outro no dia de São Cosme e Damião (dia das crianças). No segundo evento, ela distribui camisetas no seu  trailer para cerca de 500 crianças, que aproveitam a  festa com cachorro quente por ela preparado e brinquedos sorteados, adquiridos por doações. 

Outro evento cultural é a Rua de Lazer que acontece todos os domingos na Rua Visconde  de  Niterói.  Contudo,  como  conta  Marion,  o  objetivo  da  brincadeira,  da descontração e da relação entre moradores está tomando outros rumos que acabam por afastar muitas pessoas. Como é o caso das caixas de som com funk, o “proibidão”, como é chamado por ela, que são  ligadas no volume máximo. Além do volume ela se queixa dos palavrões das letras dos funks, que prejudicam a educação das crianças.  

 

Figura 87: Rua Visconde de Niterói vista do Palácio do Samba Fonte: arquivo pessoal 

                                                            35 Além de coznheira do Centro Cultural, Marion tem um trailer em frente ao Palácio do Samba. Nasceu em Campos e mora atualmente em Vila Isabel, porém, morou 6 anos na Mangueira nas sub‐regiões Buraco Quente, Joquina, e Ana Neri. 

 

 

 

 

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4. Considerações Finais 

Dentre várias reflexões, o presente trabalhou proporcionou um estudo sobre a formação das favelas na Cidade do Rio de  janeiro, a evolução da ocupação do Morro da Mangueira, e ainda, sobre o Samba como identidade de um povo, de uma cidade e de  uma  nação.  Permitiu  perceber  como  o  samba,  a  voz  do morro,  transita  entre  o concebido  e  o  mítico,  o  que  auxilia  na  compreensão  da  consolidação  dos assentamentos populares, e das relações sociais que constroem este espaço. 

No Trabalho Final de Graduação, a  ser produzido no  semestre em  sequência, serão delineadas propostas para o resgate de certos aspectos construídos em cima de determinadas histórias, memórias ou lugares da memória e que contribuam para o r 

O  primeiro  contato  com  a  realidade  local  e  o  estudo  histórico,  foram fundamentais para  reconhecer  alguns dos  aspectos  relevantes da Mangueira e para embasar  a  primeira  proposta  de  delimitação  da  área  de  intervenção,  assim  como pontos referencias consolidados e possíveis espaços para intervenção. Foi escolhido o Buraco Quente, por se tratar da sub‐região mais representativa do Samba no Morro da Mangueira (Mapa 4: Buraco Quente). 

 

4.1 Participação popular 

Em um segundo contato, em de visitas de campo, serão feitas mais entrevistas e questionários com moradores, além de um contato com a Associação de Moradores, situada  na  Travessa  Saião  Lobato  (Buraco  Quente),  a  Cooperativa  Habitacional  da Mangueira  (COPEMANGA)  e  outros  contatos  envolvidos  em  projetos  no  local.  A participação popular na elaboração de projetos em assentamentos de  tal natureza é vista como de extrema importância.   

 

4.2 Diagnóstico 

Uma  melhor  identificação  socioespacial  da  área  permitirá  os  seguintes levantamentos e mapeamentos: 

• Uso e ocupação do solo da área de intervenção; 

 

 

 

 

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• Gabaritos das edificações; 

• Pontos  críticos  no  sistema  de  drenagem,  rede  de  esgotamento  sanitário, acúmulo de lixo, rede de iluminação pública, pavimentação de vias, e outros; 

• Áreas  permeáveis,  de  lazer  e  terrenos  vazios  ou  subutilizados.

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4.3 Propostas projetuais 

A partir da  análise da morfolologia urbana e dos  resultados dos questionários e entrevistas,  será  construído  um  mapa  de  intenções  projetuais  em  função  das características locais, que poderão abranger temas como, por exemplo:  

• Projetos de estruturação urbana; 

• Ambiência paisagística; 

• Projetos de reabilitação não habitacional; 

• Projetos de revitalização e/ou requalificação de espaços de uso coletivo. 

Será  dada  ênfase  a  projetos  de  valorização  e  recuperação  de  espaços  públicos, mantendo as características atuais dos lugares e os usos dos espaços, agregando maior conforto e qualidade ao cotidiano dos moradores. 

Vale  ressaltar  a  importância em  resgatar  através desses projetos  a memória e a cultura  que  marca  a  identidade  dos  moradores  do  morro  na  Mangueira  e  que contribuiu para a formação daquele espaço: o Samba. 

 

4.4 Cronograma de atividades para o TFG – ARQ 349 

  Março Abril Maio  Junho

Visitas à campo       

Esntrevistas e questionários       

Análise das entrevistas e questionários      

Mapeamentos do diagnóstico       

Mapa de intenções      

Desenvolvimento do projeto       

Montagem das pranchas       

 

 

 

 

 

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5. Referências Bibliográficas 

ABREU, Maurício de Almeida. Evolução urbana no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1987. 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acessado em setembro de 2008. 

CARLA, Denise. Origem do carnaval. In Revista da Beija‐Flor. Rio de Janeiro, 2002. Disponível em: http://www.papodesamba.com.br/site/index.php?a=lc&c=carnaval. Acessado em setembro de 2008. 

CAMPOS, Adrelino. Do Quilombo à Favela: a produção do “espaço criminalizado” no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand, 2005. 

CONSTANT, Flávia. Tantinho, Memória em Verde Rosa. Estudo do processo de construção de uma memória da favela da Mangueira. Dissertação de mestrado do Centro de Pesquisa e Documentação Histórica da FGV. Rio de Janeiro, 2005. 

FERNANDES, Michelle. Composições Cariocas. Trabalho Final de Graduação/EAU/UFF. Rio de Janeiro, 2007. 

FERNANDES, Nelson da Nóbrega. Escolas de samba: sujeitos celebrantes e objetos celebrados. Rio de Janeiro: Arquivo Geral da Cidade, 2001. 

FLORENTINO, Manolo; FRAGOSO, João. Arcaísmo como Projeto: mercado atlântico, sociedade agrária e elite mercantil no Rio de Janeiro, c. 1790‐c. 1840. Rio de Janeiro: Ed. Diadorim,1993. 

GHOÉZ, Preto. Cultura é Poder. In: Literatura Marginal. Rio de Janeiro: Ed. Agir, 2005. 

HARVEY, David. Las ciudads fragmentadas. Buenos Aires, 1997. 

LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Ed. Moraes, 1991. 

MELLO, J.B.F. de. Geografia humanística: a perspectiva de experiência vivida e uma crítica radical ao positivismo. Revista Brasileira de Geografia. Rio de Janeiro: IBGE, 52, n. 4, p. 91‐115. 1990. 

NAVES, Santuza Cambraia. O violão azul: modernismo e música popular. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 1998. 

 

 

 

 

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OLIVEIRA, Márcio. A Utopia do Direito à cidade: possibilidadesde superação da dicotomia favela‐bairro no Rio de Janeiro. IX Simpósio Nacional de Geografia Urbana, 2005. Disponível em: www.clacso.org.ar/.../Descargables/desarrollo‐urbano/a‐utopia‐do‐direito‐a‐cidade‐marcio‐pinon.pdf. Acessado em setembro de 2008. 

REIS, Letícia Vidor de Souza. “O que o rei não viu”: música popular e nacionalidade no Rio de Janeiro da Primeira República. In: Estudos afro‐asiáticos, vol 25, n 2, Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: www.scielo.br/pdf/eaa/v25n2/a03v25n2.pdf. Acessado em setembro de 2008. 

______. Modernidade com mandinga: samba e política no Rio de Janeiro da Primeira República. Versão modificada do cap. 4 da tese de Antropologia Social intitulada: Na batucada da Vida, USP, SP, 1999. Disponível em: www.academiadosamba.com.br/monografias/leticiavidor.pdf. Acessado em setembro de 2008. 

RIBEIRO, Luiz; BARCA, Lacy. Mangueira: sambas enredo 1969‐2000. Rio de Janeiro, 2000. 

SEVCENKO, Nicolau. Literuatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1999. 

SILVA, Jaison de Souza; BARBOSA, Jorge Luiz. Favela alegria e dor na cidade. Rio de Janeiro: Ed. SENAC Rio, 2005. 

SILVA, Maria Lais Pereira da Silva. Favelas cariocas: 1930‐1964. Rio de Janeiro: Ed. Contraponto, 2005 

ZALUAR, A. (org). Um século de Favela. Rio de Janeiro: Ed. Fundação Getúlio Vargas, 1998. 

CANDEIA; LIMA; MONTE et al. Carta à Portela. Rio de Janeiro, 1975. Disponível em: http://www.portelaweb.com.br/samba%20e%20cultura/carta.htm. Acesso em: outubro 2008. 

VEJA. A nação verde e rosa. São Paulo: Ed. Abril, fev., 1994. Disponível em: http://veja.abril.com.br/arquivo_veja/capa_16021994.shtml. Ascesso em: outubro 2008. 

 

 

 

 

 

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6. Anexos 

 

Lei nº 2811 de 15 de junho de 1999 

Declara como de Especial Interesse Social, para fins de urbanização e regularização, as áreas faveladas delimitadas no anexo, e estabelece os respectivos padrões especiais de urbanização. 

Autor: Poder Executivo 

O PREFEITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO 

Faço saber que a Câmara Municipal decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 

Art. 1° ‐ Ficam declaradas como Áreas de Especial Interesse Social para fins de inclusão em programa de urbanização e regularização nos termos do parágrafo 1° do art 141 da Lei Complementar n° 16 de 4 de  junho de 1992 as áreas cujos  limites estão descritos no Anexo. 

Art. 2°  ‐ As áreas de que  trata o art 1° serão urbanizadas e regularizadas pelo Poder Executivo, observados os arts 147 a 155 da Lei Complementar n° 16, de 4 de junho de 1992, respeitando os seguintes padrões de urbanização, parcelamento da terra, uso e ocupação do solo: 

I ‐ sistema viário e de circulação, com acesso satisfatório às moradias, compreendendo ruas, vielas, escadarias e servidões de passagens; 

II  ‐  condições  satisfatórias  de  abastecimento  de  água,  esgotamento  sanitário, drenagem e iluminação pública; 

III ‐ uso predominante residencial. 

Parágrafo  Único  ‐  O  Poder  Executivo  adotará  os  procedimentos  necessários  a regularização urbanística e fundiária, aprovando projetos de parcelamento da terra e estabelecendo  normas  que  respeitem  a  tipicidade  da  ocupação  e  as  condições  de urbanização. 

Art. 3°‐ Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário. 

 

 

 

 

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LUIZ PAULO FERNANDEZ CONDE 

DO RIO de 16/06/99 

ANEXO 

MANGUEIRA ‐ MORRO DOS TELÉGRAFOS ‐ PARQUE DA CANDELÁRIA (VII R.A. ‐ SÃO 

CRISTÓVÃO) 

Partindo do prolongamento da divisa lateral esquerda do lote 2 da Rua Vigário Morato, seguindo  por  esta  até  os  fundos  dos  lotes  desta  rua;  seguindo  por  estes  até  o prolongamento dos fundos dos lotes do lado par da Rua Henrique de Mesquita; deste ponto  segue  até  o  prolongamento  e  pelos  fundos  dos  lotes  da  Rua  Henrique  de Mesquita até a Rua Ferreira da Prata; seguindo por esta,  lado par  incluído até a cota +55m;  seguindo  por  esta  até  o  talvegue  existente;  deste  ponto,  seguindo perpendicular ao eixo da Rua Jupará, até esta; seguindo por esta, em direção noroeste, lado  ímpar  incluído, até o prolongamento da divisa  lateral esquerda do prédio n° 113 desta  rua; deste ponto,  seguindo  sobre esta divisa e  seu prolongamento  até  a  cota +50m;  seguindo por esta até o  topo da pedreira da Rua Chantecler;  seguindo  sobre este até a cota +65m; deste ponto, seguindo em direção sul, até a cota +75m; seguindo por esta até encontrar o Marco Limítrofe/Trecho 1; seguindo por este até a divisa dos fundos da Escola Municipal José Moreira; seguindo por esta e por seu prolongamento até  encontrar  a  Rua  Cruzeiro,  incluída,  seguindo  por  esta  até  encontrar  a  Avenida Cartola, incluída; seguindo por esta até encontrar o topo da Pedreira da Rua Projetada A,  seguindo  por  este  até  encontrar  a  cota  +36;  seguindo  por  esta  por  130m;  deste ponto, seguindo pelas divisas  laterais dos  lotes da Rua da Pedreira até os fundos dos lotes desta  rua; seguindo sobre os  fundos dos  lotes até a Rua Projetada B; seguindo por  esta  por  15m;  deste  ponto,  seguindo  perpendicular,  a  sudeste,  por  40m;  deste ponto, seguindo perpendicular, a sudoeste, até o prolongamento da divisa dos fundos dos lotes da Rua da Pedreira; seguindo pelo prolongamento e pelas divisas dos fundos dos  lotes da Rua da Pedreira até a Av. Visc. de Niterói;  seguindo por esta,  lado par incluído, por 80m; deste ponto seguindo pela Av. Neves,  incluída, por 90m; seguindo em direção  leste por 14m; deste ponto, seguindo em direção sul até encontrar a Rua Visc. de Niterói;  seguindo por esta,  lado par  incluído, até encontrar a Rua Graciette Matarazzo; seguindo por esta incluída, até os fundos dos lotes da Av. Visc. de Niterói; seguindo por estes e por seu prolongamento até encontrar o Marco Limítrofe/Trecho 2, seguindo por este até seu término. Deste ponto, seguindo em direção sudoeste por 220m, quando encontra a  cota +46; deste ponto,  seguindo até o entroncamento da Rua  dos  Baianos  com  a  Tv.  Do  Farias;  seguindo  por  esta  lado  ímpar  incluído,  até encontrar  a  curva +45m; deste ponto  em direção  sudeste  até  encontrar  a  curva de 

 

 

 

 

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nível  +28m; deste ponto,  em direção  sudoeste  até encontrar  a Av. Visc. de Niterói; seguindo por esta, lado par incluído até a Rua Poteri; seguindo por esta, incluída, até o entroncamento  com  a  Rua  Projetada  C;  deste  ponto  até  encontrar  a  Praça  04; seguindo por esta,  lado  ímpar  incluído, até a Rua  Icarai;  seguindo por esta,  lado par incluído,  até  a  Rua  Visc.  de  Niterói;  seguindo  por  esta,  lado  par  incluído,  até  o prolongamento da  linha dos  fundos dos  lotes do  final da Rua Rui; seguindo por esta linha até a cota +30m; seguindo por esta até os fundos dos  lotes da Rua 31 de Maio; seguindo por estes até encontrar o alinhamento da Rua 31 de Maio, seguindo por este até a Rua Vigário Morato, segue por esta,  lado par  incluído, até o prolongamento da  divisa lateral esquerda do lote 2 desta rua, no ponto inicial desta poligonal. 

 

 

 

 

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