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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO FACULDADE DE DIREITO ADRIEL DE CARLOS RODRIGUES CAVALCANTI PODER DE POLÍCIA SOBRE AS PROPRIEDADES URBANAS PRIVADAS Origem, características, limitações e remédios do particular contra a Administração Pública SÃO PAULO

Monografia - Poder de polícia sobre as propriedades urbanas privadas - AdrielCavalcanti

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Page 1: Monografia - Poder de polícia sobre as propriedades urbanas privadas - AdrielCavalcanti

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE DIREITO

ADRIEL DE CARLOS RODRIGUES CAVALCANTI

PODER DE POLÍCIA SOBRE AS PROPRIEDADES URBANAS PRIVADAS

Origem, características, limitações e remédios do particular contra a Administração

Pública

SÃO PAULO

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ADRIEL DE CARLOS RODRIGUES CAVALCANTI

PODER DE POLÍCIA SOBRE AS PROPRIEDADES URBANAS PRIVADAS –

ORIGEM, CARACTERÍSTICAS, LIMITAÇÕES E REMÉDIOS DO PARTICULAR

CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Trabalho de Monografia Jurídica elaborado para

fins de avaliação ao Curso de Graduação, como

parte dos requisitos para obtenção do título de

bacharel em Direito, na área de Direito

Constitucional sob orientação do Mestre e Doutor

Professor-Orientador Pedro Estevam Alves Pinto

Serrano.

São Paulo – SP

Agosto 2011

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A Ele, por ser um só antes, hoje e eternamente,

independentemente do que eu faça ou

deixe de fazer.

Aos meus pais, por todo o amor, carinho,

confiança... e por acreditarem em mim.

A todos aqueles que me incentivaram e me

ajudaram de tantas e tantas formas.

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EPÍGRAFE

“Não me sinto obrigado a acreditar que o mesmo Deus que nos dotou

de sentidos, razão e intelecto, pretenda que não os utilizemos.”

Galileu Galilei

“As mais brilhantes aparências podem cobrir as mais vulgares

realidades.O mundo vive sempre enganado pelos ornamentos. Em

justiça, qual é a causa impura e corrupta a que uma voz persuasiva

não possa, apresentando-a com habilidade, dissimular o odioso

aspecto? Em religião, qual o erro detestável que não possa,

santificado por uma fronte austera e apoiado em textos adequados,

esconder a grosseria debaixo de belos ornamentos? O mais simples

dos vícios, sempre se apresenta sob os aspectos da virtude. Quantos

covardes há cujos corações são tão falsos quanto escadas de areia,

que usam nos rostos barbas de um Hércules e de um Marte bravio!

Sondai-os interiormente: têm fígado tão branco quanto o leite! Só se

adornam com essas excrescências do valor para se tornarem

temíveis... Contemplai a beleza e vereis que é adquirida a peso; uma

espécie de milagre se verifica que tornam ainda mais levianas

aquelas que têm maior quantidade. Assim, estas tranças de ouro

como os cachos enrolados em serpentina, que volteiam lascivos como

o vento sobre uma cabeça de pretensa beleza, examinados de perto

são quase sempre viúvos de outra cabeça, cujo crânio que os

sustentou jaz no sepulcro. O ornamento não passa, pois, da praia

enganadora do mais perigoso mar; o brilhante véu que cobre uma

beleza indiana; numa palavra, uma verdade superficial de que se

serve um século pérfido para enganar os mais sensatos. Por isso, eu

te repilo completamente, ouro, alimento de Midas e tu também,

pálido e vil agente entre o homem e o homem... Porém, tu, fraco

chumbo, que fazes uma ameaça em lugar de uma promessa, tua

palidez causa-me mais emoção do que a eloquência e eu te escolho!

Que seja feliz a consequência desta escolha!”

Shakespeare

“Ama-se mais o que se conquistou com mais trabalho.”

Aristóteles

“Não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma;

temei, antes, aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o

corpo."

Jesus Cristo

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus por tudo o que Ele me proporcionou até aqui e por

tudo o que ainda há de proporcionar! Sem Ele nada faz sentido: o universo seria uma bolinha

de meleca grudada embaixo de uma cadeira de um cinema vazio, escuro e abandonado, numa

pequena vila recém bombardeada por sete bombas nucleares.

Aos meus pais por terem me ensinado sempre do melhor. Por superarem tantos e

tantos desafios para poderem dar aos seus filhos pérolas de ensinamentos como que tiradas da

cabeceira da cama de um rei.

Aos meus familiares, amigos que estiveram ao meu lado acompanhando e participando

das coisas pelas quais passei e presenciei. O apoio de vocês foi fundamental para eu manter a

cabeça no lugar e saber o que fazer no tempo e na medida certa.

À minha namorada. Sem ela, este trabalho nunca teria sido concluído.

Aos meus amigos que passaram na minha vida e de alguma forma deixaram marcas

que moldaram meu caráter. Léo, lembro sempre de você, brother! Um tremendo exemplo que

eu ainda estou muito longe de alcançar!

Aos meus professores e colegas de faculdade que tanto me ensinaram a ver a vida sob

diferentes ângulos e perspectivas. A vida não é feita meramente de ideias, mas também não é

feita só de palavras. Nada como viver a vida para saber o que é viver.

Ao estimado professor Pedro Estevam Alves Pinto Serrano que, com irreverência e

dinamismo somados a uma imensa bagagem de conhecimento, me ensinou o Direito

Constitucional de uma forma interessante, motivadora e inspiradora!

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Aos músicos, letristas e poetas que, através das suas composições, tornaram o mundo

um lugar melhor de se viver.

A todos vocês, um forte abraço e um sincero olhar de gratidão e serenidade. Devo

muito a vocês! Deus, na sua infinita magnanimidade, amor e misericórdia, os abençoe muito!

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RESUMO

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXII, garante aos indivíduos

do corpo social o direito de propriedade. Não se trata, entretanto, de direito ilimitado,

absoluto; o direito de propriedade, comumente “direito à propriedade”, assim como todos os

direitos do homem, é restrito, deve atender uma função de interesse coletivo que beneficie,

mesmo que indiretamente, toda a sociedade. Esta limitação, prevista no inciso seguinte, é o

atendimento da função social da propriedade, que deve ser primordialmente definida para que

se vislumbre eventual legitimação do Poder Público de interferir na propriedade privada. Sem

ela, seria extremamente difícil, senão impossível, definir o alcance do poder que o Estado –

como ente soberano que é – tem sobre a propriedade.

Desde a promulgação da CF/88, como ensina o Professor Nelson Nery Jr., o Brasil

passou a ser caracterizado por Estado Democrático e Social de Direito. Isso significa dizer,

basicamente, que o povo é o detentor do poder que o Estado faz uso; que o direito garante a

qualquer indivíduo o enfrentamento contra o Estado; e que o sistema jurídico e os entes

estatais sempre irão buscar construir uma sociedade fundada nos direitos sociais, que atendam

tanto aos interesses dos mais ricos quanto aos dos mais pobres do corpo social.

A CF prevê a possibilidade de o Poder Público interferir diretamente, além dos casos

de interferência indireta, na propriedade particular, fazendo o uso que lhe aprouver, em caso

de iminente perigo publico, necessidade publica, utilidade publica ou interesse social. Para

isso, os entes públicos se utilizam do poder de policia que lhes é inerente. O poder de policia,

em síntese, nada mais é do que a atividade estatal capaz de interferir e condicionar a liberdade

e a propriedade individual, ajustando-as aos interesses coletivos. Essa atividade pode ser

expressa como uma ordem emanada da Administração Pública ao particular impondo um

dever de agir (facere) ou um dever de abster-se de agir (non facere).

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O direito de propriedade é largamente estudado pelo Direito Civil. É visto por muitos

doutrinadores e juristas respeitados como espécie do gênero “Direitos Reais”. Trata-se como

uma relação entre uma pessoa e uma coisa, de caráter absoluto, natural e imprescritível.

Entretanto, esse posicionamento tem sido abandonado por muitos estudiosos atentos, que

compreendem o direito de propriedade como um modo de imputação jurídica de uma coisa a

um sujeito, argumentando-se pela incoerência da ideia de existir uma relação jurídica entre

uma pessoa e uma coisa, como é definido pelos civilistas.

O Estado, representado pela Administração Pública, é legitimado para interferir no

direito de propriedade do homem. Como Estado Democrático e Social de Direito, o “por que”,

“como” e “quando” o Estado brasileiro interfere nesse direito fundamental do homem é ao

que devemos nos ater. O estudo da propriedade sui generis é matéria de Direito Civil e

facilmente compreensível nas suas relações privadas, porém o alcance, metodologia, limitação

e discricionariedade do Estado de interferir nesse direito é o que merece nossa maior atenção,

haja vista a amplitude desse comportamento estatal e conseqüências que podem trazer ao

indivíduo comum.

Como toda atividade desenvolvida pelo Estado, o Poder de Polícia deve obedecer aos

ditames e limites legais, não podendo o administrador público agir em desconformidade com

a lei nem fazer uso delas de forma desproporcional ou abusiva. Quando houver tais tipos de

abusos de poder, o titular do direito lesado ou ameaçado de lesão, de forma individual ou

coletiva, tem medidas e instrumentos à sua disposição para obter a anulação do ato ilegal

praticado ou em vias de ser praticado contra a Administração Pública. Tais instrumentos são

chamados de remédios constitucionais. O uso de cada um os tipos desses remédios varia em

virtude do direito lesado ou da forma de lesão do direito ou ameaça de lesão, o que será

estudado mais profundamente no devido momento.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO – 10

Capítulo 1 – ORIGEM, EVOLUÇÃO HISTÓRICA E ELEMENTOS DO ESTADO BRASILEIRO.

1.1. Breve relato – 11

1.2. Estado Democrático e Social de Direito – 15

Capítulo 2 – DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS.

2.1. Princípios gerais dos Direitos Fundamentais – 17

2.2. Direito de propriedade como Direito Fundamental do homem – 19

Capítulo 3 – DO DIREITO DE PROPRIEDADE.

3.1. Fundamento, conceito e natureza – 21

3.2. Limitações – 23

3.3. Propriedade urbana privada como objeto do direito de propriedade – 27

3.4. Função social da propriedade – 28

Capítulo 4 – DO PODER DE POLÍCIA.

4.1. Conceito – 29

4.2. Legitimidade – 33

4.3. Fundamentos – 34

4.4. Caracterização do abuso de poder: excesso de poder e desvio de finalidade – 34

4.5. Remédios – 35

Capítulo 5 – DAS CONCLUSÕES – 38

REFERÊNCIAS – 40

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INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objetivo definir o trajeto evolucionário percorrido pelo

ordenamento jurídico brasileiro no que concerne ao poder estatal de interferir nos direitos

fundamentais do homem; mensurar o poder do Estado nas relações com seu corpo social; e

determinar as limitações deste poder, discriminando as ferramentas e instrumentos que os

indivíduos têm para evitar, conter ou serem ressarcidos por abusos cometidos pela

Administração Pública, no exercício do Poder de Polícia.

Serão analisadas, para tanto, as normas constitucionais que legitimam a atuação estatal

nesta seara, bem como as infraconstitucionais que regulam diretamente a forma, alcance e

competência dos entes públicos para interferirem no campo dos direitos fundamentais do

homem, especialmente o direito de propriedade, previsto no artigo 5º, inciso XXII, da

Constituição Federal de 1988.

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CAPÍTULO 1

ORIGEM, EVOLUÇÃO HISTÓRICA E ELEMENTOS DO ESTADO BRASILEIRO

1.1 Breve relato

Para conseguirmos elaborar um primeiro estudo sobre a origem e evolução do Estado

brasileiro, para delinearmos sua aproximada dimensão e principais características, precisamos

resolver duas indagações iniciais: em que época ele surgiu e quais os motivos determinantes

do seu surgimento.

A palavra Estado tem sua origem na palavra status, do latim, que significa situação,

condição, estar firme. Foi usada ligada à sociedade, indicando uma situação permanente de

convivência, pela primeira vez em “O Príncipe” de Maquiavel, escrito em 1513. A partir daí e

durante os séculos XVI e XVII a expressão foi sendo admitida pelos escritores franceses,

ingleses e alemães. E foi neste período que a palavra Estado tomou o significado primário de

uma sociedade política. Embora ainda existam, até hoje, discussões sobre a exata época do

surgimento do Estado, é certo que a doutrina predominante ensina que ela indica “as

sociedades políticas que, com autoridade superior, fixaram as regras de convivência de seus

membros”1.

Existe uma teoria exposta no livro Teoria Geral do Direito e do Estado, de Hans Kelsen,

que define o Estado como um relacionamento em que alguns comandam e governam, e outros

obedecem e são governados. Para o autor, essa teoria se pauta na relação constituída pelo fato

de um indivíduo expressar sua vontade de que o outro indivíduo se conduza de certo modo e

1 DALLARI, Dalmo. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo/SP: Editora Saraiva, 2003, 24ª edição, p. 52.

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essa expressão de sua vontade motivar o outro a se conduzir do modo correspondente. É um

reflexo da vida social mesmo imaginada sem Estado, pois sempre alguém iria impor certo

comportamento a outrem, seja consciente ou inconscientemente.

Existiram diversas formas de Estado até se chegar ao Estado Moderno, que hoje é o mais

difundido pelo mundo. A evolução histórica do Estado passou desde o Estado Antigo (afora

as discussões doutrinárias sobre seu início); Estado Grego, responsável pelo surgimento da

cidade-Estado (polis), como a sociedade política de maior expressão; Estado Romano, que

teve como uma das principais características a base familiar da organização; Estado Medieval,

com a difusão dos costumes cristãos, conflitos com os bárbaros, feudalismo; culminando no

Estado Moderno, que passamos a analisar mais de perto.

Fugindo dos conceitos histórico e sociológico do Estado, consideremos o conceito jurídico

e mais relevante para o aprofundamento deste estudo. O Estado é, para o jurista, um complexo

de normas, de regras; é um conjunto de ordens que emanam de alguém que tem poder para

impor sua vontade para os outros indivíduos do mesmo corpo social. Esse alguém pode ser

tanto um tirano como até mesmo o próprio povo (que é elemento essencial do Estado) atuando

como sujeitos e órgãos do Estado ao mesmo tempo.

Além do povo, a soberania, o território e a finalidade (ou funções) são elementos

essenciais do Estado Moderno, segundo o que a doutrina mais aceita ensina.

O povo é o “conjunto de indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para

constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente,

participando da formação da vontade do Estado e do exercício do seu poder soberano, que,

como veremos a seguir, também é elemento do próprio Estado.”2 O povo é sujeito do Estado,

pois é ele o tutelado pelo Estado e de quem este recebe seu poder. Possui direitos e deveres 2 Idem, op. cit., p. 99-100

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para com o Estado, de forma que a vontade da maioria prevaleça, observando-se os direitos

das minorias (numa perspectiva otimista e utópica).

Muito se discutiu sobre o alcance do conceito de soberania. Diversos renomados

autores definiram soberania como a identificação do poder do Estado, porém este conceito, ao

longo dos anos, foi sendo rebatido e refutado, de forma que hoje a doutrina não entende a

soberania desta forma. Já na década de 1940, o professor, procurador-geral do Estado e jurista

Darcy Azambuja rebateu esta ideia fazendo uma brilhante análise evolucionista das formas de

Estado e Governo, conceituando a soberania como grau máximo do poder político e não o

poder em si. Para Kelsen, soberania é a expressão da unidade de uma ordem, com sua

tendenciosa perspectiva normativista. Para o professor Reale ela é uma qualidade essencial do

Estado. Anos se passaram e o conceito de soberania ainda não foi delineado de forma

plenamente satisfativa. O que se facilmente verifica é que este está intimamente ligado

aoconceito de poder do Estado e é visto como elemento do Estado (essencial ou não trata-se

de subjetivismo). Ciente de todas estas divergências, o professor Miguel Reale conceitua

soberania como o “poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu

território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência”3. Nos

ensinos do professor Dalmo de Abreu Dallari e a maioria dos estudiosos do assunto a

soberania estatal é “una, indivisível, inalienável e imprescritível”4.

Neste mesmo deserto, o conceito de território, como elemento essencial do Estado

Moderno, é imprescindível para alcançarmos a ideia aproximada de Estado. Território é,

portanto, o espaço físico dentro do qual o Estado exerce (ou pode exercer) seu poder de

império, absoluto, seja sobre coisas ou sobre pessoas. A discussão também é longa, mas nos

satisfazemos em apenas dizer que (i) não existe Estado sem território; (ii) o alcance territorial

3 REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado, p. 127. 4 Op. cit.., p. 81.

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delimita a ação soberana do Estado; e (iii) o território é objeto de direitos do Estado, no seu

conjunto.

Como último elemento essencial do Estado Moderno, a finalidade e as funções do

Estado são de suma importância, pois são estas características que determinarão a forma de

organização do Estado; são elas quem direcionarão a atuação estatal e, francamente falando,

darão a destinação dos recursos arrecadados pelos cofres públicos. Se um Estado socialista,

por exemplo, a maioria dos recursos serão revertidos para a própria população, buscando a

erradicação da pobreza e desigualdades sociais (pelo menos é o que se diz).

Há quem diga que a finalidade do Estado é o alcance do bem comum, de proveito

coletivo e ao alcance de todos; todos os recursos revertidos para a coletividade. Entretanto, há

também quem sustente que a finalidade do Estado é a realização dos inúmeros fins

individuais, ou seja, quando todos os indivíduos têm a perspectiva de alcance seus próprios

sonhos e desejos o Estado é congratulado por isso. A partir daí dá pra se imaginar as diversas

correntes e motivos de divergências, principalmente quando os objetivos individuais

conflitam com os de outros indivíduos etc.

Para nosso estudo, basta dizer que o Estado brasileiro, por suas características sociais e

democráticas, principalmente, privilegia o alcance do bem comum, ou seja, se necessário

decidir entre o interesse de um indivíduo e o interesse de determinado corpo social, decidirá

pela maioria beneficiária. Neste terreno estabeleceu suas fundações o princípio do ramo do

direito administrativo que prega a supremacia do interesse público sobre o particular.

Em suma, afora as divergências doutrinárias (importantes e abismais) e diante de tudo

quanto exposto até agora, conceituamos o Estado Moderno como a ordem jurídica soberana

que tem por fim o bem comum, de alcance coletivo e superior ao bem particular, de um povo

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concentrado em determinado território, com força de impor determinados comportamentos

com, inclusive, o uso legítimo da força, se necessária.

1.2 Estado Democrático e Social de Direito

Após o breve resumo sobre a origem e evolução do Estado, situando o brasileiro neste rico

e inesgotável contexto, passemos à análise do momento atual do Estado brasileiro, conhecido

como Estado Democrático e Social de Direito.

Para conceituar e trabalhar o conceito deste tipo de Estado, por assim dizer, primeiramente

precisamos deixar clara a ideia do que é propriamente um Estado de Direito. Contudo, com a

consciente adesão ao risco de deixar este estudo menos exato e até “pobre” quanto ao seu

conteúdo, não nos ateremos à ciência do Direito. Ou seja, não tentaremos trabalhar sobre o

que é o Direito, quais seus aspectos, origem e importância para a sociedade. Entendemos que

este trabalho é direcionado para aqueles que já têm uma primeira impressão e experiência

neste ramo de assunto. Basta apenas que se diga que, como tentou resumir o professor Olavo

de Carvalho, o Direito é “uma espécie de garantia – de garantia do exercício de um poder – e

nada mais5”. Obviamente que a citação transcrita não resume todo o pensamento do autor.

Aplicando-se o conceito de Direito exposto (e adicionando-se o que o leitor já conhece a

respeito do assunto) ao conceito de Estado, chegaremos à conclusão de que o Estado de

Direito é aquele que se subordina ao Direito, ou seja, que se sujeita às normas criadas para

garantir o exercício de um poder; ou, como aborda o professor Carlos Ari Sundfeld,

se sujeita a normas jurídicas reguladoras de sua ação [...], criado e regulado por uma Constituição (isto é, por uma norma jurídica superior às demais), onde o exercício do poder político seja dividido

5 CARVALHO, Olavo. Que é Direito? Disponível em < http://www.olavodecarvalho.org/apostilas/direito.htm> Acesso em:

20/07/2011.

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entre órgãos independentes e harmônicos, que controlem uns aos outros, de modo que a lei produzida por um deles tenha de ser necessariamente observada pelos demais e que os cidadãos, sendo titulares de direitos, possam opô-los ao próprio Estado. (SUNDFELD, 2006, p. 37-39)

O leitor mais desavisado poderia chegar, a partir do conceito acima exposto, à

conclusão de que o Estado de Direito é propriamente um Estado democrático, porém seria

uma conclusão falaciosa. Isso porque, para se existir um Estado democrático não basta que os

cidadãos sejam titulares de direitos oponíveis ao Estado, mas que também tenham

participação na administração e decisões do Estado.

A Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 1º, declarou que “Todo o poder emana

do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta

Constituição”. Com este enunciado, o constituinte originário deu ao povo o poder de

participar das decisões estatais, bem como restringiu o poder do Estado, consolidando-o como

Estado democrático, com participação popular.

Sendo assim, chegamos a alguns dos elementos do conceito de Estado Democrático de

Direito:

a) criado e regulado por uma Constituição;

b) os agentes públicos, representantes do povo, são eleitos por este para o

cumprimento de sua vontade coletiva;

c) o Estado responde pelos seus atos, pois o povo é detentor de direitos oponíveis ao

próprio Estado;

d) o poder político é exercido tanto diretamente pelo povo quanto pelos órgãos

estatais, criados para organização do Estado, independentes e harmônicos, que

controlam uns aos outros.

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Para se tornar, por fim, Estado Democrático e Social de Direito basta adicionarem-se

às finalidades deste Estado a busca pelo desenvolvimento, pela igualdade, pela erradicação da

pobreza. Ou seja, basta conceder a este Estado uma missão de caráter social. É aí que

aparecem os chamados direitos sociais.

Nas palavras do insuperável professor de Direito Constitucional José Afonso da Silva

“a tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades

sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social”6.

É neste emaranhado que o nosso estudo se desenvolverá mais enfaticamente.

CAPÍTULO 2

DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

2.1 Princípios e princípios gerais dos Direitos Fundamentais

Primeiramente, cumpre-nos elucidar o que é princípio para o Direito. O professor José

Afonso da Silva brilhantemente nos ensina sobre o assunto. Ele inicia seu Capítulo I do Título

II da sua obra Curso de Direito Constitucional Positivo (2009, p. 91-92) conceituando normas

e princípios para o Direito Constitucional.

As normas são preceitos que tutelam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, ou seja, reconhecem, por um lado, a pessoas ou a entidades a faculdade de realizar certos interesses por ato próprio ou exigindo ação ou abstenção de outrem, e, por outro lado, vinculam pessoas ou entidades à obrigação de submeter-se às exigências de realizar uma prestação, ação ou abstenção em favor de outrem.

6 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 2009, 32ª edição, p. 122.

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Os princípios são ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas, são [como observam Gomes Canotilho e Vital Moreira] “‘núcleos de condensações’ nos quais confluem valores e bens constitucionais”. Mas, como disseram os mesmos autores, “os princípios, que começam por ser a base de normas jurídicas, podem estar positivamente incorporados, transformando-se em normas-princípio e constituindo preceitos básicos da organização constitucional.

O professor diverge, portanto, do conceito dado pelo jurista André Franco Montoro,

que ensina que norma é gênero do qual fazem parte as regras e princípios. Contudo, salienta

que esta distinção é possível desde que exista uma conceituação precisa de normas e regras, o

que não se tinha feito até a publicação do seu livro.

Atualmente, esta posição do venerável professor foi revista, de forma que tem

predominado, nas faculdades, tribunais e doutrinas jurídicas, o entendimento espalhado por

Robert Alexy, do qual norma é gênero do qual princípios e regras são espécies.

Para nosso estudo, basta registrar que os princípios são “mandamentos de

otimização”, que admitem o cumprimento gradual, podendo ser aplicáveis juntamente com

outros princípios aparentemente divergentes através da ponderação. São normas que ordenam

que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas

existentes

Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra

é válida, então tudo aquilo que ela exige deve ser feito.

Os Direitos Fundamentais são um complexo de normas jurídicas voltado para a

satisfação dos direitos básicos do homem. Nelson Nery Jr., na obra Constituição Federal

comentada (2009, p. 172-173), conceitua os Direitos Fundamentais como aqueles que

“englobam os direitos humanos universais e os direitos nacionais dos cidadãos garantidos pela

Constituição, contra os abusos que possam ser cometidos pelo Estado ou pelos particulares”.

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Ele continua: “... têm natureza constitucional e prevalecem sobre os interesses públicos e

particulares e os interesses do Estado”. A maioria destes direitos se encontra no artigo 5º da

Constituição Federal, onde são assegurados tanto para brasileiros quanto para estrangeiros

residentes no País. No mesmo liame, Robert Alexy complementa, conforme citação

encontrada na mesma obra (2009, p. 173), verbis:

Os direitos fundamentais e humanos são institutos indispensáveis para a democracia, ou seja, são normas fundantes do Estado Democrático e sua violação descaracteriza o próprio regime democrático.

[...] O verdadeiro significado e importância desse argumento está em que se dirige, precipuamente, aos direitos fundamentais e humanos como realizadores dos procedimentos e instituições da democracia e faz com que reste patente a ideia de que esse discurso só pode realizar-se num Estado Constitucional Democrático, no qual os direitos fundamentais e democracia, apesar de todas as tensões, entram em uma inseparável associação. (ALEXY. Discurso, p. 130-131)

Conclui-se, portanto, que os chamados Princípios Fundamentais são aqueles atrelados

à proteção e defesa dos direitos fundamentais do homem, de forma a garantir as condições

mínimas de sobrevivência e continuidade da vida, não importando se de brasileiros ou se de

estrangeiros residentes no País, em virtude do caráter absoluto e universal do bem jurídico

tutelado, como a vida, liberdade, privacidade, propriedade.

É neste universo que se encontra, como dito, o direito à propriedade, que estudaremos

a seguir.

2.2 Direito de propriedade como Direito Fundamental do homem

Os Direitos Fundamentais, conforme ensina atualmente a melhor doutrina,

subdividem-se em três gerações. Há, ainda, o surgimento de uma quarta geração e quem

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defende o surgimento de uma quinta, contudo não partilhamos deste entendimento, pois

acreditamos que ambas estão contidas na terceira geração, como subdivisões dela.

Os direitos da primeira geração são aqueles voltados à defesa das liberdades clássicas,

negativas ou formais, dos quais se destaca o princípio da liberdade. Compreendem as

liberdades civis, políticas, religiosas etc. De acordo com Paulo Bonavides

os direitos de primeira geração ou direitos de liberdade têm como titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim são direitos de resistência e oposição perante o Estado. (BONAVIDES, 1997, p.563-564)

Eles englobam os direitos à vida, à segurança, à liberdade formal, à propriedade.

Os direitos de segunda geração se identificam com as liberdades positivas, reais ou

concretas, enxergadas nos direitos econômicos, sociais e culturais, dos quais se destaca o

princípio da igualdade. Surgiram a partir do século XIX, com a Revolução Industrial

europeia.

Já os direitos de terceira geração, nos dizeres do Ministro Celso de Mello,

[...] materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade. (STF, Pleno, MS 22164-SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 30.10.1995, v.u., DJU 17.11.1995).

Pelo exposto, concluímos que o direito à propriedade está previsto no artigo 5º, inciso

XXII, da Constituição Federal de 1988, e é integrante dos chamados ‘direitos fundamentais de

primeira geração’.

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Como bem esclarece o professor Newton Freitas,

a propriedade é direito fundamental, regulado pelo legislador ordinário para dar a sua concretização ou a sua conformação. O legislador promulga complexo normativo para assegurar a existência, a funcionalidade e a utilidade privada desse direito. A ordem jurídica converte o simples ter em propriedade (de coisa móvel, ou imóvel ou de marca). Inexiste conceito constitucional fixo de propriedade.

O conceito de propriedade há de ser necessariamente dinâmico. São legítimas não só as novas definições de conteúdo como a fixação de limites destinados a garantir a sua função social.

A faculdade confiada ao legislador de regular o direito de propriedade obriga-o a compatibilizar o espaço de liberdade do indivíduo no âmbito da ordem de propriedade com o interesse da comunidade. Essa necessidade de ponderação entre o interesse individual e o interesse da comunidade é comum a todos os direitos fundamentais. Não se trata de especificidade do direito de propriedade.

Não obstante a relativa liberdade na definição do conteúdo da propriedade e na imposição de restrições, o legislador deve preservar o núcleo essencial do direito, constituído pela utilidade privada e, fundamentalmente, pelo poder de disposição. A função social da propriedade, vínculo legitimador de imposição de restrições, não pode ir ao ponto de colocá-la, única e exclusivamente, a serviço do Estado ou da comunidade, conclui o ministro Gilmar Mendes, do STF, em seu voto-vogal de 22 nov. 2006 no RE 466.343-1.7

CAPÍTULO 3

DO DIREITO DE PROPRIEDADE

3.1 Fundamento, conceito e natureza

O fundamento constitucional do direito de propriedade se encontra no artigo 5º,

incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal. Ainda, de forma indireta e tratando de suas

7 FREITAS, Newton. Direitos Fundamentais e o Princípio Da Proporcionalidade. Disponível em:

<http://www.newton.freitas.nom.br/artigos.asp?cod=372>, Acesso em: 04/08/2011.

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características, nos artigos 182, § 4º, e 184, da CF/88, além dos artigos 170 ao 178, 182 ao

186, 191 e 222 do mesmo diploma legal. A Constituição garante o direito de propriedade,

desde que esta atenda sua função social. Veremos a seguir o que isto significa, contudo, é

inevitável tocarmos em alguns pontos ainda não elucidados para dimensionarmos melhor o

assunto. Decorre de um silogismo perfeito quando a Constituição autoriza a desapropriação de

determinada propriedade por não atender sua função social a conclusão que este preceito é

fundamental para consolidação do direito de propriedade, tendo em vista seu caráter coletivo.

Destarte, fica transparente que não se trata de direito ilimitado, absoluto; o direito de

propriedade, comumente “direito à propriedade”, assim como todos os direitos do homem, é

restrito, deve atender uma função de interesse coletivo, que beneficie, mesmo que

indiretamente, toda a sociedade. Esta, portanto, é a limitação: o atendimento da função social

da propriedade. E deve ser primordialmente definida para que se vislumbre eventual

legitimação do Poder Público de interferir na propriedade individual, particular.

A partir daí percebemos que esse conjunto de normas, reguladores e conceituadoras do

desse direito, denota que a propriedade não pode ser considerada como um direito meramente

individual nem como instituição do Direito Privado, que regula as relações particulares. Isso

se dá, pois a propriedade é instrumento de regulação e grande influência na ordem econômica

do País.

A já ultrapassada corrente civilista, que insistiu em considerar a propriedade tão

somente como parte do Direito Privado, nas palavras do magnânimo professor José Afonso da

Silva, era tida como um direito real fundamental e o princípio da função social era confundido

com as limitações de polícia, mero conjunto de condições limitativas.

Difícil destacar a natureza jurídica da propriedade, pois seu conceito varia muito no

decorrer do tempo. É notório que não se trata apenas de um direito, mas sim do mais amplo

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direito (note-se: amplo, não absoluto) do homem, do indivíduo, em relação à coisa, podendo

dela fazer usar, gozar, bem como dispor e reaver, caso esteja em poder de alguém que

injustamente a possua. É assegurado, inclusive, o direito do proprietário proteger seu bem,

caso alguém tente turbar sua posse etc.

3.2 Limitações

Em razão da clareza, objetividade e exatidão dos ensinos do Juiz de Direito e

Professor de Direito Administrativo Paulo Afonso Cavichioli Carmona, em sua ilustre e

reconhecida obra Intervenção do Estado na propriedade, transcrevemos a introdução do

capítulo 2 de sua obra, que trata sobre os instrumentos tradicionais de intervenção do Estado

na propriedade privada, verbis:

as variadas modalidades tradicionais de intervenção estatal na propriedade podem afetar aspectos privatísticos diversos do direito de propriedade, que são, basicamente, três:

a) caráter absoluto do direito de propriedade – atributo que o titular tem de usar, gozar, dispor da coisa (jus utendi, fruendi e disponendi) e de reavê-la de quem quer que injustamente a possua ou detenha (rei vindicatio) – art. 524, CC/16 ou 1.228, caput, NCC; (note-se que o caráter absoluto não se confunde com o direito absoluto)

b) exclusividade do direito de propriedade – atributo segundo o qual a mesma coisa não pode pertencer simultaneamente a duas ou mais pessoas, salvo a situação de condomínio – art. 527, CC/16 ou 1.231, NCC – o domínio presume-se exclusivo até prova em contrário;

c) caráter perpétuo e irrevogável do direito de propriedade – o domínio permanece na pessoa de seu titular ou de seus sucessores causa mortis indefinidamente até que ocorra um fato descrito na lei capaz de retirá-lo – artigos 1.228, §3º e 1.275, do NCC.

Assim, temos:

Direito de propriedade Instrumentos de intervenção

Caráter absoluto (usar, dispor e gozar)

Limitações administrativas, tombamento e utilização ou edificação compulsória

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Exclusividade Servidão administrativa, ocupação temporária e requisição administrativa

Perpetuidade e irrevogabilidade

Desapropriação, parcelamento compulsório e requisição de bens móveis e fungíveis

Adotando o critério da generalidade ou especificidade do instrumento de intervenção do Estado na propriedade, diferenciam-se as limitações (constrições gerais, abstratas, impessoais, que decorrem da lei e por isso não geram direito à indenização) dos sacrifícios de direito (gravames particularizados, individualizados e que decorrem de providência administrativa e por isso geram, em regra, direito à indenização do particular, desde que provado o dano). São exemplos destes: desapropriação, requisição administrativa, servidão administrativa e ocupação temporária; enquanto é exemplo daquelas a limitação administrativa.

Por fim, convém advertir que a atividade interventiva encontra limites no princípio da proporcionalidade, pois as providências adotadas devem ser estritamente necessárias e adequadas a atingir a finalidade da intervenção, de modo que deve ser utilizado sempre o meio menos gravoso para titular do direito sacrificado (art. 2º, § único, inciso VI, Lei nº 9.784/99). (CARMONA. Intervenção do Estado na

propriedade – instrumentos tradicionais e novos, 2010, p. 27-28)

Após esta breve, porém precisa aula sobre o assunto, façamos alguns ligeiros comentários

sobre alguns dos principais instrumentos de intervenção do Estado.

• Limitações administrativas: são medidas de caráter geral que afetam o caráter absoluto

do direito de propriedade, ou seja, o atributo que o titular tem de usar, gozar e dispor

da coisa. As limitações condicionam o exercício do direito de propriedade ao bem

estar social, atingindo proprietários indeterminados. Exemplo: obrigação de adotar

medidas técnicas para construção de um imóvel.

• Desapropriação: talvez a mais importante das formas de intervenção do Estado, da

qual nos ateremos um pouco mais adiante sobre suas principais características. Ela

atinge todo o direito que o particular tem sobre a coisa, que se vê obrigado a transferir

a coisa para o Estado (normalmente), mediante pagamento de indenização, em virtude

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de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social. É forma originária de

aquisição da propriedade. Existem duas formas de desapropriação: a primeira delas é

quando o Estado necessita do bem para determinado fim; a segunda, é aquela que o

Estado utiliza como forma de punição do particular quando este não busca o

atingimento da função social da propriedade ou em outras hipóteses delineadas em lei.

A principal diferença entre estas duas formas é que em uma a indenização é prévia e

na outra não. O tema é extenso, ficando seu aprofundamento em estudo posterior.

Contudo, ainda trataremos um pouco mais sobre o estudo da famigerada função social

da propriedade.

• Requisição: é o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello quem, ao nosso ver,

melhor define requisição administrativa, tornado desnecessário qualquer outro

esclarecimento:

[...] é o ato pelo qual o Estado, em proveito de um interesse público, constitui alguém, de modo unilateral e auto-executório, na obrigação de prestar-lhe um serviço ou ceder-lhe transitoriamente o uso de uma coisa in natura, obrigando-se a indenizar os prejuízos que tal medida efetivamente acarretar ao obrigado.

A requisição funda-se no art. 5º, XXV, do Texto Constitucional brasileiro e a competência para legislar sobre ela assiste apenas à União, conforme o art. 22, III, da Constituição. (MELLO. Curso de

Direito Administrativo, 2011, p. 912)

• Tombamento: é um procedimento administrativo realizado pelo Poder Público que

impõe restrições parciais ao direito de propriedade dos particulares, objetivando a

proteção e preservação do patrimônio histórico e artístico nacional, podendo atingir

bens tanto móveis quanto imóveis. Através da aplicação da lei, bens de valor histórico,

cultural, arquitetônico e ambiental para a população, são impedidos de serem

destruídos ou descaracterizados.

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Para Hely Lopes Meirelles,

As limitações urbanísticas são preceitos de ordem pública. Derivam do poder de polícia, que é inerente e indissociável da Administração. Exteriorizam-se em limitações de uso da propriedade ou de outros direitos individuais, sob a tríplice modalidade 'positiva' (fazer), 'negativa' (não fazer) ou 'permissiva' (deixar fazer). [...]

Como as demais imposições do Poder Público, as urbanísticas nascem revestidas de 'imperium', inerente a toda ordem estatal, tornando-se obrigatórias não só para os particulares como para a própria Administração, visto que a submissão dos indivíduos e das autoridades às normas legais constitui peculiaridade dos Estados de Direito, como o nosso. [...] Além disso, e para que sejam admissíveis as limitações urbanísticas sem indenização, como é de sua índole, devem ser genéricas, isto é, dirigidas a propriedades ou atividades indeterminadas, mas determináveis no momento de sua incidência. [...] As limitações urbanísticas, como as administrativas, embasam-se no art. 170, III, da CF, que condiciona a utilização da propriedade à sua 'função social'. São, portanto, limitações de 'uso' da propriedade, e não da propriedade em sua substância; são limitações ao 'exercício' de direitos individuais, e não aos direitos em si mesmos. E exatamente por não atingirem a substância da propriedade, nem afetarem o direito individual em sua essência constitucional, é que as limitações urbanísticas podem ser expressas por lei ou regulamento de qualquer das entidades estatais, desde que observem e respeitem as competências institucionais de cada uma delas.” “a limitação administrativa distingue-se da desapropriação; nesta há transferência da propriedade individual para o domínio do expropriante, com integral indenização; naquela há, apenas, restrição ao uso da propriedade imposta genericamente a todos os proprietários, sem qualquer indenização. Limitações administrativas são, p. ex., a proibição de desmatamento de parte da área florestada em cada propriedade rural. Mas, se o impedimento de desmatamento de área florestada atingir a maior parte da propriedade ou sua totalidade, deixará de ser limitação para ser interdição de uso da propriedade, e, neste caso, o Poder Público ficará obrigado a indenizar a restrição que aniquilou o direito dominial e suprimiu o valor econômico do bem.8

Complementando, Yussef Said Cahali ensina:

[...] quanto à indenizabilidade do prejuízo resultante do ato legislativo que impõe medidas restritivas ao exercício de uma indústria ou de uma atividade econômica, ou a faculdades inerentes à propriedade, com a modificação de direito anterior e suprimindo ou diminuindo certas vantagens ou proveitos que antes eram desfrutados pelo particular, a doutrina é unânime em proclamar-lhe a excepcionalidade; prevalece, assim, em princípio, a regra da irresponsabilidade civil reparatória. [...] A questão, porém, é

8 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro.São Paulo: Malheiros Editores, 2009, 35ª edição, p. 515-517,

645-646.

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superiormente examinada por Octávio de Barros: no caso de limitação de uma atividade e sua regulamentação, a fim de atender-se ao interesse coletivo, 'nenhum ressarcimento será devido, desde que a limitação se exerça dentro do conceito de poder de polícia, que, aliás, a pressupõe’. (CAHALI. Responsabilidade Civil do Estado. p. 545)

3.3 Propriedade urbana privada como objeto do direito de propriedade

Em razão das visíveis desigualdades sociais e do crescente índice de pobreza e miséria

no País, tem-se buscado, através da implantação de políticas urbanas diferenciadas, fomentar

o desenvolvimento das pequenas cidades e das regiões mais afastadas das grandes metrópoles,

fazendo assim um redirecionamento do crescimento urbana, a fim de se aliviar as tensões e

grandes concentrações populacionais nas capitais e metrópoles urbanas. Para este fim, as

diversas áreas do Direito, como o Direito Administrativo, Constitucional, Civil e o recém

denominado Direito urbanístico, têm trabalhado conjuntamente para atingir o fim almejado

pelo Estado, como reflexo da vontade popular.

Nesta seara, as propriedades urbanas privadas têm sido alvos de constantes

intervenções estatais, seja para realocação urbana, seja para organizar o perímetro urbana, seja

para implementar obras de melhoria da qualidade de vida dos cidadãos beneficiando o

transporte, ampliando as redes de abastecimento elétrico, saneamento básico etc. Por conta

disso, temos visto cada vez mais os instrumentos de intervenção estatal, como a

desapropriação, servidões, serem usados no nosso meio social. Com isso, o choque entre

Estado e particular é corrente e inevitável.

O direito de propriedade dos particulares, principalmente na zona urbana, tem sido

atingido sem engodos ou máscaras. A reforma agrária ainda não é realidade latente no nosso

País justamente porque o Estado está preocupado com as zonas urbanas e trabalhando para

melhorar a qualidade de vida dos seus habitantes. A propriedade urbana, assim, é a mais

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atingida nessa batalha. É possível entendermos um pouco a lógica usada pelo Governo (note-

se que Governo não é o mesmo que Estado): as grandes cidades concentram o maior número

de cidadãos (aqui no sentido literal, ou seja, indivíduos que possuem o poder de votar) e tudo

o que acontece nelas é mais visível aos olhos da população. Assim, nada mais lógico e

coerente para aqueles que pensam na sua imagem política (candidatos e cargos públicos em

sua maioria) investirem nas grandes cidades, deixando de lado as reformas agrárias –

necessárias – que não chamam a atenção dos eleitores e comprometem, muitas vezes, a

imagem dos políticos.

Além disso, é mais simples e fácil averiguar se uma propriedade urbana está

cumprindo ou não sua função social do que averiguar uma grande propriedade rural, por

exemplo.

Após essas considerações, adentremos ao tema da função social da propriedade.

3.4 Função social da propriedade

Como bem exposto pelo magistrado Octaviano Santos Lobo, em acórdão proferido nos

autos da Apelação nº 478.695/0 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a

[...] política do desenvolvimento urbano tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes. A propriedade urbana, continua o legislador constituinte, cumpre sua função social, quando atende às exigências -fundamentais de ordenação da cidade expressas em seu plano diretor. É facultado ao Poder Público Municipal, mediante lei específica para a área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, sub-uti1izado, ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento.

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O cumprimento da função social9 de uma propriedade significa dizer que ninguém

pode usar sua propriedade apenas para seu próprio proveito, individualizadamente; o uso da

propriedade é solidário a todos os indivíduos do corpo social, no sentido de comum,

aproveitável por todos.

Sobre o assunto, José Afonso da Silva diz que a “função social não se confunde com os

sistemas de limitação da propriedade. Estes dizem respeito ao exercício do direito ao

proprietário; aquela, à estrutura do direito mesmo, à propriedade”. (2009 – p.281-282)

Em suma, o direito de propriedade não pode ser considerado um direito individual. A

inserção do princípio da função social modifica a natureza desse direito. O não cumprimento

desse requisito do direito de propriedade pode acarretar em uma atuação positiva do Estado

para dar a destinação correta para a respectiva propriedade.

CAPÍTULO 4

DO PODER DE POLÍCIA

4.1 Conceito

É o artigo 78 do Código Tributário Nacional quem dá o conceito de poder de polícia:

Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos

9 CF, art. 5º, inciso XXIII: “a propriedade atenderá a sua função social;”.

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direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966)

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

A partir desse conceito, a doutrina jurídica tem se empenhado em definir a natureza

jurídica e alcance que a Constituição Federal e legislação brasileira do poder de polícia, bem

como suas limitações e restrições em favor do particular.

Ao nosso ver, o poder de polícia possui uma natureza instrumental, apresentando-se

como uma medida estatal limitadora de direitos. Sua função principal é manter a ordem social

minimamente assegurada através de ações positivas do Estado, revelada nos atos

administrativos discricionários, buscando o atingimento de determinada conduta. Este poder é

dotado de auto-executoriedade, ou seja, possuem poder de aplicação imediata, imperatividade,

podendo o Estado agir coercitivamente, e, como já dito, discricionariedade, sendo, todavia,

vinculada a atividade quando a lei estabelecer seu modo e forma de atuação.

Posto isso, consagra-se o conceito dado pelo professor Hely Lopes Meirelles, que

apresenta o poder de polícia como um “mecanismo de frenagem de que a Administração

Pública dispõe para conter os abusos do direito individual”. Esse poder atua ferozmente sobre

os direitos de liberdade e propriedade, dentre outros, em prol do interesse coletivo10.

Imperioso observar, portanto, como bem o fez o professor Celso Antônio Bandeira de

Mello, que pode ser distinguido o poder de polícia da polícia administrativa. O professor

ensina que enquanto esta se refere a comportamentos administrativos que visam, através do

Poder Executivo, intervir de formas geral e abstrata nos direitos individuais, prevenindo o

desenvolver de atividades individuais contrastantes com as de interesse coletivo; aquele 10 Fazendo cumprir o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse particular.

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refere-se ao complexo de medidas do Estado que delineia a esfera juridicamente tutelada da

liberdade e propriedade dos cidadãos. Ele abrange tanto atos do Poder Legislativo quanto do

Poder Executivo, condicionando a liberdade e a propriedade aos interesses coletivos.

Ainda, Caio Tácito expõe que "o poder de polícia é, em suma, o conjunto de

atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse

público adequado, direitos e liberdades individuais."11

Hely Lopes Merelles conceitua: “é a faculdade de que dispõe a Administração Pública

para condicionar e restringir o uso e o gozo de bens, atividades e direitos individuais, em

benefício da coletividade ou do próprio Estado.”

Sobre o tema, Emerson Wendt brilhantemente e por completo elaborou um ensaio do

que a doutrina mais atual tem dito a respeito, verbis:

Hely Lopes Meirelles entende que a expressão intervenção na

propriedade privada refere-se ao todo "ato do Poder Público que compulsoriamente retira ou restringe direitos dominiais privados ou sujeita o uso de bens particulares a uma destinação de interesse público.

Expõe, como meios específicos de intervenção na propriedade a desapropriação, a servidão administrativa, a requisição, a ocupação temporária e a limitação administrativa.

Sem intenção de tecer comentários a respeito de cada uma das formas de intervenção na propriedade, salienta-se que apenas na limitação

administrativa podemos encontrar características do poder de polícia, quando se condiciona o exercício de direitos ou atividades de particulares em prol de um interesse maior: o social.

Não há, na desapropriação, singela restrição ou condicionamento através do poder de polícia, sim verdadeira "intromissão" no direito do administrado, resultante do poder de supremacia do interesse público sobre o do particular.

11 TÁCITO, Caio. Revista de Direito Administrativo - Poder de Polícia e seus limites. Exemplar nº 27/1.

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Assim, as limitações à liberdade e à propriedade em que atua, por exemplo, o poder de polícia, não se expressam em sacrifícios de direitos, há, no entanto, a decadência de um direito individual, sempre do administrado, em razão de um interesse social.

Em defesa dos interesses públicos, obriga-se a Administração Pública a intervir na propriedade privada, através da restrição, limitação, condicionamento ou retirada de direitos dominiais privados ou a sujeição do uso de bens particulares a um interesse público. Essa intervenção exige ser precedida de lei federal que expresse o fundamento na necessidade ou utilidade pública, ou interesse social e a autorize. A norma autorizativa é de competência da União, já a prática da intervenção pode ser dos Estados-Membros ou do Município, nos limites de sua competência.

A multiplicidade de exigências sociais e a variedade das necessidades coletivas impõem ao Poder Público a diversificação dos meios de intervenção na propriedade e de atuação no domínio econômico, atuando através das mencionadas formas.

Ao estabelecer limites e limitações, a legislação, pode impor ao titular do direito um "fazer", um "não-fazer" ou um "suportar". Os limites expressos no próprio conteúdo de direito e as limitações ao seu exercício, estabelecidas pelas regras jurídicas, formam um estatuto de direito mínimo e atendem ao princípio de sua relatividade, não podendo ser absoluto um direito como o de propriedade, eis que seu conteúdo e exercício têm que possibilitar sua coexistência com outros direitos e o respeito recíproco dos mesmos. Aqui, também, jaz a questão da função social da propriedade antes abordada.

Não existe, portanto, imutabilidade de poderes e faculdades em termos de conteúdo e exercício de direitos. Por outro lado, a limitação, as alterações, imposições, restrições do direito de propriedade acarretam um ônus indenizatório por parte do Poder Público - exceto nos casos de limitações administrativas - que de tal forma protege um interesse coletivo e não agride de todo um direito particular.

Cabe acrescentar, que a intervenção estatal na propriedade particular, neste caso urbana, apresenta uma imagem de Estado inquisidor e altamente omissivo, porém, ressalvado o interesse, a utilidade ou necessidade pública, esta intervenção assume a face de mediador entre as relações sócio-individuais, organizando por si, a sistemática estrutura organizacional e governamental que visa atingir os objetivos fundamentais em respeito a todos os cidadãos. Porém, restringir, condicionar, limitar ou retirar direitos particulares em prol do bem geral, pode figurar apenas um ato no contigente necessário para

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alcançar o bem-estar social pleno, bastante distante da realidade social vigente. Nesse sentido nossa conclusão, que segue.12

Dessa forma, fica límpido o conceito de poder de polícia, podendo a Administração

fazer uso dele quando lhe for conveniente e oportuno, desde que atendidas as exigências

legais.

4.2 Legitimidade

O poder de polícia, como ato administrativo que é, possui os mesmos atributos destes:

presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade.

A presunção de legitimidade significa que, em princípio (iuris tantum), todo ato

administrativo deve ser considerado válido. A Administração Pública não precisa comprovar

sua validade e legalidade, pois se presume praticado em decorrência de lei que o autorizava.

Contudo, este caráter presumível admite-se prova em contrário pelo particular que se sentir

prejudicado por ele, como medida de controle dos atos públicos.

É nesta seara que os remédios constitucionais de defesa dos direitos dos particulares se

encontram, pois é quando a Administração não atua de forma legítima que cabe ao particular

exigir a atuação do Poder Judiciária para lhe prover o que do Direito se espera.

Os demais atributos do ato administrativo não trataremos aqui, pois são quase que

irrelevantes para nosso trabalho.

12 WENDT, Emerson. Ensaio sobre o poder de polícia da Administração Pública frente à intervenção na propriedade urbana.

Disponível em: http://jus.uol.com.br/revista/texto/2368/ensaio-sobre-o-poder-de-policia-da-administracao-publica-frente-a-

intervencao-na-propriedade-urbana Acesso em: 03/08/2011.

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4.3 Fundamentos

Os principais fundamentos para a Administração Pública atuar com o poder de polícia

sobre a propriedade privada é o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse

privado13, já tratado neste estudo, e o interesse social, através de políticas públicas sociais.

4.4 Caracterização do abuso de poder: excesso de poder e desvio de finalidade

Entre os princípios reguladores da atividade do Estado, destaca-se o intitulado pelo

professor Carlos Ari Sundfeld “princípio da submissão do Estado à norma jurídica”. Para o

autor, segundo este princípio, todo ato ou comportamento do Poder Público, para ser válida e

obrigar os indivíduos, deve ter fundamento em norma jurídica superior. Determina que não só

o Estado está proibido de agir contra a ordem jurídica como, principalmente, que todo poder

por ele exercido tem sua fonte e fundamento em uma norma jurídica.

Hely Lopes Meirelles (2009 – p. 102) ensina que o “poder é confiado ao administrador

público para ser usado em benefício da coletividade administrada, mas usado nos justos

limites que o bem-estar social exigir. A utilização desproporcional do poder, o emprego

arbitrário da força, a violência contra o administrado constituem formas abusivas do uso do

poder estatal, não toleradas pelo Direito e nulificadoras dos atos que as encerram”.

Desta forma, infere-se que o Estado deve agir nos limites da lei e autorizado por ela,

segundo impõem os princípios gerais do Direito Administrativo da legalidade e da submissão

13 FRANKLIN, Eduardo. Apostila de Direito Administrativo – Preparatórios Jurídicos, 2011, p. 9: “É também chamado de princípio da finalidade pública e proclama a superioridade do interesse coletivo em detrimento do particular. Com isto tem-se que a relação entre os particulares é sempre horizontal, e entre a Administração Pública e os particulares é de verticalidade. O Poder Público se encontra sempre em posição de comando e autoridade em relação aos particulares. Esta é uma condição inarredável para que se possa gerir os interesses em confronto. O direito deixou de ser apenas um instrumento de garantia dos direitos do indivíduo e passou a ser visto como meio para consecução da justiça social, do bem comum, do bem estar coletivo. Para tal princípio valer-se na prática de sua incumbência, a lei dá à Administração Pública o poder-dever de desapropriar, de policiar, de punir, para que assim se atenda ao interesse geral. Claro está que, se ao usar de tais poderes, a autoridade exasperar em sua finalidade e visar, por exemplo, prejudicar um inimigo, obter vantagens pessoais ou mesmo beneficiar um amigo, estará se desviando da finalidade pública prevista na lei e cometendo o vício do desvio de poder ou desvio de finalidade, o que torna o ato ilegal”.

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do Estado à norma jurídica. Quando o Estado age fora desses limites, seja através dos seus

agentes, seja através dos seus representantes, ele age com abuso de poder, que, ao nosso ver,

integra duas formas, quais sejam, o excesso de poder e o desvio de poder (ou desvio de

finalidade).

Caracteriza-se excesso de poder quando o agente estatal atua fora dos limites da sua

competência administrativa; o conteúdo do ato vai além dos limites legais fixados, o disposto

no ato excede o conteúdo (vício de competência); enquanto que se caracteriza desvio de poder

quando, competente, o agente afasta-se do interesse público norteador de todo o desempenho

da Administração, buscando alcançar um fim diverso daquele que a lei permitiu; o agente

busca um fim estranho ao que deveria buscar, atuando com interesse pessoal e não geral

(vício de finalidade).

4.5 O Mandado de Segurança contra a intervenção indevida do Estado na

propriedade privada

Contra os atos administrativos viciados, ou seja, aplicados com excesso de poder ou

desvio de finalidade, os administrados, os indivíduos, podem recorrer ao Poder Judiciário para

terem seus direitos garantidos. Para isso, a legislação, doutrina e jurisprudência, reconhece

cinco remédios constitucionais: habeas corpus, habeas data, mandado de injunção, ação

popular e o mandado de segurança, tema do nosso último tópico. Além desses, parte da

doutrina ainda destaca o direito de petição e a ação civil pública como remédios

constitucionais,

Não obstante a grande importância de cada um desses remédios constitucionais,

entendemos dispensável tratar de todos eles para a adequação ao presente trabalho, de sorte

que estudaremos tão só o mandado de segurança por ser o mais ligado ao nosso estudo.

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Entretanto, para melhor compreensão, cabe aqui um brevíssimo esboço do que são cada um

dos remédios.

• Habeas corpus: ação penal constitucional, cuja finalidade é a evitar ou corrigir a

ocorrência de violência ou coação na liberdade de locomoção dos indivíduos,

praticada pelo Estado, por ilegalidade ou abuso de poder.

• Habeas data: remédio constitucional, cuja finalidade é proteger a esfera íntima dos

indivíduos, possibilitando-lhes a obtenção e retificação de dados e informações

constantes de entidades governamentais ou de caráter público.

• Mandado de injunção: ação constitucional, cuja finalidade é prover o indivíduo de

uma ação do Estado, ou seja, o Estado possui um dever de fazer, imposto pela

Constituição, porém carente de regulamentação, e ainda não o fez. Assim, com o

mandado de injunção, o indivíduo compele o Estado a viabilizar o exercício de um

direito constitucionalmente previsto e que depende de regulamentação por estar

previsto em uma norma constitucional de eficácia jurídica limitada.

• Ação popular: é o meio constitucional que qualquer cidadão pode dispor para obter a

invalidação de atos ou contratos administrativos ilegais e lesivos ao patrimônio

federal, estadual ou municipal.

• Mandado de segurança: o conceito clássico do MS é dado pelo professor Hely Lopes

Meirelles, para o qual mandado de segurança “é o meio constitucional posto à

disposição de toda pessoa física ou jurídica, órgão com capacidade processual, ou

universalidade reconhecida por lei, para a proteção de direito individual ou coletivo,

líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, lesado ou ameaçado

de lesão, por ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as

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funções que exerçam”. É um meio de controle da obrigação do Estado NÃO fazer ou

DEIXAR de fazer alguma coisa. Subdivide-se em individual e coletivo.

Tendo o exposto em mente, fica, portanto, evidente que o particular tem ferramentas e

instrumentos para se defender da ação ilegal praticada pelo Estado através de seus

representantes. Se vendo o indivíduo lesado ou ameaçado de lesão ao seu direito de

propriedade, deve impetrar o mandado de segurança para garantir que o Estado não faça ou

deixe de fazer/praticar determinada conduta. Para isso, o impetrante deverá comprovar seu

direito líquido e certo e o ato estatal carreado daquelas características.

Sobre o tema, como exemplo, o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) progressivo

foi objeto de muitos mandados de segurança, justamente por, frente a um não cumprimento da

função social da propriedade, intervir na propriedade privada, aumento os valores das

alíquotas cobradas. Sobre isso, tratou a Súmula nº 668 do Supremo Tribunal Federal:

É inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da Emenda Constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.

Face ao teor dúbio da súmula, ainda se discute muito sobre o assunto, porém não é

objeto do nosso estudo e nem mesmo entraremos no mérito da questão por ser matéria

tendenciosa à ciência do Direito Tributário.

O nosso objeto foi tão somente, e modestamente, demonstrar que o particular tem

meios, devido ao nosso Estado Social e Democrático de Direito, de enfrentar o Estado quando

se sentir lesado ou ameaçado, principalmente no que se refere aos seus direito e garantias

fundamentais.

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Apenas a título informativo, o habeas data, o mandado de injunção e o mandado de

segurança coletivo foram novidades introduzidas pela Constituição Federal de 1988,

justamente no período em que o Estado Social e Democrático de Direito se fundava no Brasil.

CAPÍTULO 5

DAS CONCLUSÕES

Com o presente trabalho, concluímos, portanto, que com a evolução de Estado

primitivo para o Estado Social e Democrático de Direito passamos a ter uma visão mais

altruísta. Invocamos direitos, brigamos por ações, lutamos mais por um País mais justo e

solidário, firmado em princípios e regras mais solidárias e realísticas. Esquecemos um pouco

de brigar pelos ideais individuais e combatemos mais por ideais de justiça, igualdade e

desenvolvimento. Este é o Estado que um dia nossos antepassados sonharam: um Estado que

se preocupa com seu povo e não apenas em fazer a vontade do rei.

Desse Estado surgiram novos desafios e novos instrumentos dos quais o Governo e o

povo fazem uso. São instrumentos criados em prol da população e para melhor atender os

interesses sociais e coletivos.

Surgiram os direitos fundamentais do homem. Diversos movimentos internos e

externos se alastraram pelo mundo. Esses movimentos, a voz do povo, foram ouvidos e foram

se criando, ao longo do tempo, garantias individuais e coletivas irrevogáveis e inalienáveis.

Os direitos fundamentais buscaram então garantir as condições mínimas de subsistência do

homem: direito à vida, direito à liberdade, direito à propriedade.

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O fundamento constitucional do direito de propriedade se encontra no artigo 5º,

incisos XXII e XXIII, da Constituição Federal. Ainda, de forma indireta e tratando de suas

características, nos artigos 182, § 4º, e 184, da CF/88, além dos artigos 170 ao 178, 182 ao

186, 191 e 222 do mesmo diploma legal. A Constituição garante o direito de propriedade,

desde que esta atenda sua função social.

Foram criadas as limitações ao exercício dos direitos, tendo em vista que o direito de

um individuo interfere diretamente nos de outros. O Estado passa a intervir nesses direitos

almejando a primazia do interesse coletivo sobre o particular, quando em conflito.

Não livre de falhas no sistema e atitudes erradas ou ilegais dos administradores,

precisou-se de formas de defesa do cidadão contra o Estado, a fim de garantir a ordem social e

o caráter democrático do Estado de Direito.

Desses instrumentos de defesa, verdadeiros remédios garantidos pela Constituição da

República, destacamos o mandado de segurança como melhor forma de defesa da propriedade

do indivíduo.

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