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DAIANA STURSA DE QUEIROZ
MORALIDADE E COGNIO: UM ESTUDO COM CRIANAS DE 7 E 10 ANOS EM SITUAO DE RISCO SOCIAL
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Psicologia da Universidade Federal do Esprito Santo, como requisito parcial para a obteno do grau de Doutor em Psicologia, sob a orientao do Prof. Dr. Antnio Carlos Ortega e coorientao do Prof. Dr. Svio Silveira de Queiroz.
UFES Vitria, 31 Outubro de 2014.
Ficha catalogrfica
Moralidade e Cognio: um estudo com crianas
DEDICATRIA
A todas as crianas que merecem um mundo melhor
(Chovendo na roseira Tom Jobim)
Olha, est chovendo na roseira Que s d rosa, mas no cheira
A frescura das gotas midas Que de Betinho, que de Paulinho, que de Joo
Que de ningum! Ptalas de rosa carregadas pelo vento
Um amor to puro carregou meu pensamento Olha, um tico-tico mora ao lado
E passeando no molhado adivinhou a primavera Olha, que chuva boa, prazenteira Que vem molhar minha roseira
Chuva boa, criadeira
Que molha a terra, que enche o rio, que lava o cu Que traz o azul!
Olha, o jasmineiro est florido E o riachinho de gua esperta
Se lana embaixo do rio de guas calmas
AGRADECIMENTOS
Agradeo a todas as pessoas que direta ou indiretamente colaboraram
para que este trabalho pudesse ser realizado. E, em destaque, manifesto minha
gratido:
Ao meu orientador Antnio Carlos Ortega a quem muito admiro e estimo,
pelo incentivo, carinho, ateno, dedicao e generosidade.
s professoras Claudia Broetto Rossetti e Helosa Moulin de Alencar, pelas
crticas construtivas e pelas sugestes feitas por ocasio do Exame de
Qualificao e em outros momentos da elaborao deste trabalho.
secretria do Programa de Ps-Graduao Maria Lcia Ribeiro Fajli
pelo acolhimento desde o primeiro ano de mestrado e por sempre ser to
prestativa ao me auxiliar nos assuntos acadmicos.
direo, coordenao, aos professores e ao corpo tcnico das
instituies onde a coleta foi realizada. Aos familiares das crianas que se
dispuseram e autorizaram seus filhos a participar de meu estudo. E, em especial,
s crianas que me permitiram aprender a respeito de suas aes e
pensamentos, o que originou a existncia desta pesquisa.
s alunas da graduao que me auxiliaram, parcialmente, na transcrio e
anlise dos dados: Adriana Canal de Vasconcellos e Luana Cantarela.
Ao professor Francisco Peixoto pela preciosa reviso do texto.
A Hannah Queiroz pela elaborao do Abstract e do Resum.
minha companheira de orientao Alice Melo Pessotti que permitiu o uso
de instrumental desenvolvido em seu mestrado e que descobriu, desbravou e
venceu conjuntamente os obstculos interpostos por uma pesquisa de cunho
qualitativo.
s minhas queridas amigas Letcia Pires Dias e Camila Carlos Maia por
compartilhar o universo psi desde a graduao.
Aos meus pais, Penha e Carlos, por todo amor, apoio e carinho. Tambm
pelo reconhecimento da importncia que devemos ter pela busca do
conhecimento.
A minha irm Carla Stursa e ao meu cunhado Alessandro Vargas pelo
incentivo ao estudo e por mostrar que devemos buscar nossos sonhos
profissionais.
Aos meus familiares e aos meus amigos em geral pela convivncia
prazerosa, fundamental para a vida.
CAPES e ao PPGP-UFES, pela bolsa de doutorado.
Por fim mas em primeiro lugar no corao ao meu querido marido Svio
Silveira de Queiroz! Homem que teve a sabedoria (de acreditar) e a coragem para
transformar uma relao docente em uma perfeita relao de amor e
cumplicidade. Deixou de ensinar contedos acadmicos para transmitir a alegria
de viver e de compartilhar.
Queiroz, Daiana Stursa de. (2014). Moralidade e Cognio: um estudo com
crianas de 7 e 10 anos em situao de risco social. Tese de doutorado,
Programa de Ps-Graduao em Psicologia, Universidade Federal do Esprito
Santo. 234 p.
RESUMO
Esta tese objetivou investigar e descrever, em uma perspectiva psicogentica, relaes entre aspectos morais e cognitivos de crianas em situao de risco social, com base na teoria de Piaget. Participaram da pesquisa 20 crianas de 7 e 10 anos, de ambos os sexos, frequentadores de um projeto, mantido pela prefeitura municipal, que funciona no contraturno escolar na cidade de Vitria-ES. Foram utilizados dois instrumentos, aplicados na seguinte ordem: (1) Instrumento de Avaliao do Nvel de Desenvolvimento Moral (IANDM) e (2) Instrumento de Avaliao do Nvel de Desenvolvimento Cognitivo (IANDC). Foram elaborados critrios de anlise de dados ajustando anlise quantitativa e qualitativa, por meio dos quais foram estabelecidos (1) os nveis de resposta ao item (NRI) para cada um dos oito itens dos instrumentos; (2) o Nvel Geral de Desenvolvimento Moral (NGDM), (3) o Nvel Geral de Desenvolvimento Cognitivo (NGDC). Os resultados obtidos em relao ao IANDM permitiram verificar que a maioria das crianas de 7 anos alcanou o Nvel IB e a maioria das de 10 anos o Nvel IIA. Os resultados obtidos em relao ao IANDC permitiram verificar que a maioria das crianas de 7 anos alcanou o Nvel IB e a maioria das de 10 anos o Nvel IIIA. Assim, os principais resultados obtidos permitiram verificar que as crianas de 10 anos apresentaram nveis superiores em relao s de 7 anos nos dois instrumentos. Conclumos que os resultados encontrados permitem a ampliao do conhecimento sobre temtica de risco social por meio de uma metodologia original e que os instrumentos IANDM e IANDC so importantes ferramentas para diagnstico em Psicologia do Desenvolvimento.
Palavras-chave: Desenvolvimento, Moralidade, Cognio, Piaget, Risco Social.
Queiroz, Daiana Stursa de. (2014). Morality and Cognition: a study of children between 7 and 10 years in social risk. PhD thesis, Graduate Program in Psychology, Federal University of Esprito Santo. 234 p.
ABSTRACT
This thesis aim was to investigate and describe, under a psychogenic perspective, the relationship between moral and cognitive aspects of children at social risk, based on the theory of Piaget. Participating were twenty children, of both genders, between 7 and 10 years, goers a project, maintained by the municipal government, which works after school in Vitria-ES, Brasil. Two tools were chosen, and applied in the following order: (1) Assessment Instrument of Moral Level Development (IANDM) and (2) Assessment Instrument of Cognitive Level Development (IANDC). Data analysis criteria were developed observing their quantity and quality, which established (1) the Response Levels to Item (NRI) for each of the eight items of the instruments; (2) the General Level of Moral Development (NGDM), (3) the General Level of Cognitive Development (NGDC). Results showed that with regard to IANDM it enables us to confirm that most of the 7 year old children reached the IB level and most of the 10 year old ones the level IIA. Results showed that with regard to IANDC it enables us to confirm that most of the children who are 7 years old reached the IB level and most of the 10 years the Level IIIA. Therefore, the principal results showed that 10 year olds had higher levels when compared to 7 year olds, in both instruments. We concluded a broadening knowledge on the scope of social risk, through a unique methodology, and that IANDM and IANDC are essential tools in the diagnosis of Developmental Psychology. Keywords: Development, Morality, Cognition, Piaget, Social Risk.
Queiroz, Daiana Stursa de. (2014). La morale et la cognition: une tude sur les enfants entre 7 et 10 ans en situation de risque social. Thse de doctorat, programme d'tudes suprieures en psychologie, Universit fdrale de Espirito Santo. 234 p.
RSUM
Cette recherche a lobjectif dtudier et dcrire, dans une perspective psychogne, la relations entre les aspects moraux et cognitifs des enfants sur risque social, base sur la thorie de Piaget. Les vingt participants, des deux genres, taient des enfants entre les ges 7 et 10, les clients d'un projet, maintenu par le gouvernement municipal, qui travaille aprs l'cole en Vitria-ES, Brsil. Deux instruments ont tait choisi et appliqus dans l'ordre suivante: (1) Instrument d'valuation du niveau de dveloppement moral (IANDM) et (2) Instrument d'valuation du niveau de dveloppement cognitif (IANDC). Des critres pour l'analyse des donnes instruments ont t tablis, par la mise en analyse quantitative et qualitative, au moyen desquels c'tait trouvait (1) ) les niveaux l'objet de rponse (NRI) pour chacun des huit lments des instruments; (2) le niveau gnral de dveloppement moral (NGDM), (3) le niveau gnral du dveloppement cognitif (NGDC). Les rsultats obtenus par rapport IANDM aid confirment que la plupart des enfants de 7 ans ont atteint le niveau IB et la plupart des 10 ans, le niveau IIA. Les rsultats obtenus par rapport IANDC aid confirment que la plupart des enfants de 7 ans ont atteint le niveau IB et la plupart des 10 ans, le niveau IIIA. Ainsi, les principaux rsultats obtenus ont montr que les enfants de 10 ans ont des niveaux plus levs par rapport que ils ont avec lge 7, avec les deux instruments. Nous avons conclu que les rsultats obtenus permirent le dveloppement de la science sur les thmes de risque social grce une mthodologie unique, et que IANDM et IANDC sont des instruments essentiels pour le diagnostique dans la Psychologie du Dveloppement. Mots-cls: Dveloppement, La morale, La cognition, Piaget, Risques sociaux.
SUMRIO
Apresentao.......................................................................................................17
1. Referencial terico...........................................................................................19
1.1. Desenvolvimento moral segundo a teoria de Jean Piaget...................19
1.1.1. Estudos brasileiros contemporneos sobre moralidade
infantil................................................................................................30
1.2. Desenvolvimento cognitivo segundo a teoria de Jean Piaget..............45
1.2.1. Estdios de desenvolvimento cognitivo..................................50
1.3. Mtodo Clnico na investigao do desenvolvimento segundo a
perspectiva piagetiana.................................................................................56
1.4. Risco social e suas consequncias para o desenvolvimento...............60
2. Posio do problema e Objetivos..................................................................65
2.1. Objetivo geral.......................................................................................68
2.2. Objetivos especficos............................................................................68
3. Aspectos metodolgicos................................................................................69
3.1. Participantes.........................................................................................69
3.2. Instrumentos.........................................................................................70
3.2.1. Roteiro de Anamnese.............................................................70
3.2.2. Instrumento de Avaliao do Nvel de Desenvolvimento Moral
(IANDM)............................................................................................71
3.2.3. Instrumento de Avaliao do Nvel de Desenvolvimento
Cognitivo (IANDC)............................................................................75
3.3. Procedimento.......................................................................................84
3.4. Critrios de anlise de dados...............................................................86
3.5. Aspectos ticos..................................................................................130
4. Resultados e Discusso................................................................................132
4.1. Resultados obtidos no IANDM...........................................................132
4.2. Resultados obtidos no IANDC............................................................169
4.3. Comparao entre os resultados obtidos no IANDM e no IANDC.....195
5. Consideraes Finais....................................................................................200
6. Referncias Bibliogrficas............................................................................209
Apndices Impressos........................................................................................218
Apndice A. Roteiro de entrevista de Anamnese......................................219
Apndice B. Desenhos que ilustram as estrias-dilemas do IANDM........221
Apndice C1. Carta de solicitao para realizao da pesquisa junto
Secretaria de Ao Social do municpio de Vitria-ES.............................228
Apndice C2. Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para
participao em pesquisa.........................................................................230
Apndice C3. Termo de assentimento Livre e Esclarecido para participao
em pesquisa.............................................................................................232
Apndice D. Tipificao do Nvel Geral de Desenvolvimento segundo nveis
evolutivos dos itens do IANDC e IANDM..................................................234
Apndices Digitalizados em CD
Apndice E. Tabelas E1 a E8 com exemplos de classificao por NRI para
os itens do IANDC
Apndice F. Planilha com classificao dos dados do IANDM
Apndice G. Planilha com classificao dos dados do IANDC
Apndice H. Tabelas com anlise de contedo dos panoramas resumidos
das respostas dadas pelos participantes no IANDM
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Categorias de respostas de uma entrevista clnica pelo Mtodo Clnico...............................................................................................57
Figura 2 Instrumento de Avaliao do Nvel de Desenvolvimento Moral IANDM..............................................................................................71
Figura 3 Instrumento de Avaliao do Nvel de Desenvolvimento Cognitivo IANDC...............................................................................................76
Figura 4 Modelo explicativo do quadro de critrios de anlise...............................................................................................87
Figura 5 Proporo dos trs Nveis de Respostas ao Item nos Nveis Gerais de Desenvolvimento do IANDM e IANDC.......................................126
Figura 6 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 1 do IANDM............................................................................................132
Figura 7 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 2 do IANDM............................................................................................136
Figura 8 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 3 do IANDM............................................................................................140
Figura 9 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 4 do IANDM............................................................................................143
Figura 10 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 5 do IANDM............................................................................................148
Figura 11 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 6 do IANDM............................................................................................151
Figura 12 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 7 do IANDM............................................................................................157
Figura 13 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 8 do IANDM............................................................................................164
Figura 14 Frequncia dos Nveis Gerais de Desenvolvimento Moral (NGDM) ........................................................................................................167
Figura 15 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 1 do IANDC.............................................................................................169
Figura 16 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 2 do IANDC.............................................................................................173
Figura 17 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 3 do IANDC.............................................................................................177
Figura 18 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 4 do IANDC.............................................................................................180
Figura 19 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 5 do IANDC.............................................................................................183
Figura 20 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 6 do IANDC.............................................................................................185
Figura 21 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 7 do IANDC.............................................................................................188
Figura 22 Frequncia dos Nveis de Respostas ao Item 8 do IANDC.............................................................................................191
Figura 23 Frequncia dos Nveis Gerais de Desenvolvimento Cognitivo (NGDC) ..........................................................................................193
Figura 24 Frequncia dos Nveis Gerais de Desenvolvimento Moral e Cognitivo segundo as idades dos participantes..............................................195
Figura 25 Relao entre os Nveis Gerais de Desenvolvimento alcanados pelos participantes no IANDM e IANDC.........................................196
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 Caracterizao dos participantes da pesquisa de acordo com idade e sexo..................................................................................................69
Tabela 2 Critrios de anlise para o Item 1 do IANDM...................................90
Tabela 3 Nveis de resposta ao Item 1 do IANDM...........................................90
Tabela 4 Critrios de anlise para o Item 2 do IANDM...................................91
Tabela 5 Nveis de resposta ao Item 2 do IANDM...........................................91
Tabela 6 Critrios de anlise para o Item 3 do IANDM...................................92
Tabela 7 Nveis de resposta ao Item 3 do IANDM...........................................92
Tabela 8 Critrios de anlise para o Item 4 do IANDM...................................93
Tabela 9 Nveis de resposta ao Item 4 do IANDM...........................................93
Tabela 10 Critrios de anlise para o Item 5 do IANDM...................................94
Tabela 11 Nveis de resposta ao Item 5 do IANDM...........................................94
Tabela 12 Critrios de anlise para o Item 6 do IANDM...................................95
Tabela 13 Nveis de resposta ao Item 6 do IANDM...........................................96
Tabela 14 Critrios de anlise para o Item 7 do IANDM...................................97
Tabela 15 Nveis de resposta ao Item 7 do IANDM...........................................98
Tabela 16 Critrios de anlise para o Item 8 do IANDM...................................98
Tabela 17 Nveis de resposta ao Item 8 do IANDM...........................................99
Tabela 18 Critrios de anlise para o Item 1 do IANDC..................................100
Tabela 19 Nveis de resposta ao Item 1 do IANDC.........................................101
Tabela 20 Critrios de anlise para o Item 2 do IANDC..................................102
Tabela 21 Nveis de resposta ao Item 2 do IANDC.........................................103
Tabela 22 Critrios de anlise para o Item 3 do IANDC..................................104
Tabela 23 Nveis de resposta ao Item 3 do IANDC.........................................105
Tabela 24 Critrios de anlise para o Item 4 do IANDC..................................106
Tabela 25 Nveis de resposta ao Item 4 do IANDC.........................................107
Tabela 26 Critrios de anlise para o Item 5 do IANDC..................................108
Tabela 27 Nveis de resposta ao Item 5 do IANDC.........................................109
Tabela 28 Critrios de anlise para o Item 6 do IANDC..................................110
Tabela 29 Nveis de resposta ao Item 6 do IANDC.........................................111
Tabela 30 Critrios de anlise para o Item 7 do IANDC..................................112
Tabela 31 Nveis de resposta ao Item 7 do IANDC.........................................113
Tabela 32 Critrios de anlise para o Item 8 do IANDC..................................115
Tabela 33 Nveis de resposta ao Item 8 do IANDC.........................................114
LISTA DE ABREVIATURAS
ANPEPP Associao Nacional de Pesquisa e Ps-Graduao em Psicologia
CAJUNS Caminhando Juntos
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
C+ coerncia forte
C- coerncia fraca
DA domnio ausente
DP domnio presente
DVD disco digital verstil
GT Grupo de Trabalho
IANDM Instrumento de Avaliao do Nvel de Desenvolvimento Moral
IANDC Instrumento de Avaliao do Nvel de Desenvolvimento Cognitivo
LA legitimao argumentada
LNA legitimao no argumentada
NGD Nvel Geral de Desenvolvimento
NGDC Nveis Gerais do Desenvolvimento Cognitivo
NGDM Nveis Gerais do Desenvolvimento Moral
NRI Nvel de Resposta ao Item
PC perguntas de controle
PCT pergunta de contraposio
PE perguntas de explorao
PJ perguntas de justificao
PPGP Programa de Ps-Graduao em Psicologia
SUAS Sistema nico de Assistncia Social
T- contradio fraca
T+ contradio forte
UFES Universidade Federal do Esprito Santo
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
http://www.vitoria.es.gov.br/prefeitura/assistencia-social-e-gerenciada-por-sistema-unico-e-participativo
17
APRESENTAO
A situao de risco social aparece na literatura como condio para
agravamento, desencadeamento e fomento de prejuzo e transtornos do
desenvolvimento infato-juvenil ligados ao funcionamento interindividual e
intraindividual, bem como social (Cecconello, 2003; Hutz & Koller, 1997; Hutz &
Silva, 2002; Maia & Williams, 2005; Montoya, 1996; Oliveira, 1998; Paludo, 2008;
Poletto & Koller, 2008; Yunes e Szimansky, 2005). Tais efeitos podem tanto
estender-se vida adulta quanto ser nulos diante de indivduos ditos resilientes.
Nesse sentido, pesquisas sobre tal problemtica tm sido realizadas nas ltimas
dcadas, a fim de entender a interao dos multifatores que esto como
vulnerabilidade e caractersticas do desenvolvimento dos sujeitos. No entanto,
constata-se, em breve busca em bancos de dados de pesquisas cientficas, que
muitas questes ainda necessitam serem respondidas sobre o tema (Hutz &
Koller, 1997; Hutz & Silva, 2002). Alm disso, contata-se a escassez de
metodologia ajustada para a abordagem de avaliao e de interveno dos
processos de desenvolvimento de crianas e adolescentes (Montoya, 1996; Moro,
1986; Perosa e Gabara, 2004; Roazzi, 1986; Yunes e Szimansky, 2005).
Seguindo esse caminho, esta tese visa contribuir para a temtica com base
no (1) desenvolvimento de pesquisa exploratria sobre desenvolvimento moral e
cognitivo com sujeitos em situao de risco social e no (2) desenvolvimento de
instrumentao de diagnstico do desenvolvimento infantil. Para tanto,
18
esboamos como problema de pesquisa a questo geral: Quais so as relaes,
de acordo com a Psicologia e Epistemologia Gentica de Jean Piaget, que podem
existir entre aspectos do desenvolvimento moral e cognitivo de crianas em
situao de risco social?
Os captulos que compem este trabalho so apresentados pelos
respectivos contedos. Inicialmente, no primeiro captulo, realizamos um conciso
panorama do Referencial Terico em que este trabalho est fundamentado, ou
seja, retratamos aspectos da Epistemologia e da Psicologia Gentica Piagetiana,
ligadas ao desenvolvimento moral e cognitivo, alm de pesquisas com
aproximao temtica ao nosso trabalho e investigaes similares s nossas.
No segundo captulo, o Problema de Pesquisa situado e o Objetivo
Geral e os Especficos so apresentados. Em seguida, apresentamos e
discutimos no terceiro captulo, os Aspectos Metodolgicos com descrio dos
participantes, instrumentos e procedimentos utilizados para coleta de dados, bem
como os critrios de anlise de dados estabelecidos, entre outros pontos. J o
quarto captulo trata dos Resultados e Discusso dos dados, com itens dividindo
os resultados oriundos de trs dos quatro instrumentos utilizados, e as
comparaes entre eles. E, finalmente, no quinto captulo apresentamos as
Consideraes Finais em que procuramos discutir pontos deste trabalho que
no se configuram como resultados, retomamos os resultados mais relevantes
com a formulao de hipteses sobre os dados, e sugerimos direes para novas
pesquisas.
19
1. REFERENCIAL TERICO
1.1. DESENVOLVIMENTO MORAL SEGUNDO A TEORIA DE JEAN PIAGET
Atribui-se s investigaes de Jean Piaget (1932/1994) no livro O juzo
moral na criana o pioneirismo no estudo da temtica da moralidade no campo da
Psicologia. Ainda assim, possvel encontrar discusses das implicaes do
desenvolvimento afeto-moral infantil em outras produes do autor (Piaget,
1964/1978; Piaget & Inhelder, 1966/1998; Piaget, Menin, Arajo, La Taille &
Macedo, 1996). Entretanto, em vrios autores clssicos encontram-se reflexes
acerca desse tema. Destacamos dois filsofos como os principais expoentes que
influenciaram a psicologia da moralidade o grego Aristteles (384-322 a.C./1996),
o qual definiu moral como a busca do bem e da felicidade, e o alemo Emmanuel
Kant (1788/2008), que teorizou a verdadeira moral como aquela baseada no
dever de agir de acordo com princpios universais.
Mais recentemente, temos o norte-americano Lawrence Kohlberg
(1984/1992) que, para Alencar (2003), o autor que mais tem influenciado os
estudos em psicologia do desenvolvimento moral. Kohlberg (1984/1992) criou um
modelo psicogentico de desenvolvimento moral diferenciado da perspectiva
piagetiana. Descreveu uma sequncia hierrquica e universal de trs grandes
estgios que se subdividem em dois subestgios, totalizando, assim, seis nveis.
Resumidamente, no estgio pr-convencional a moral interpretada como
obedincia autoridade e orientada pela avaliao sobre as punies e
javascript:nova_pesquisa(%2217241804.%22,%2257644%22,100);
20
recompensas que a ao ter; no segundo estgio, denominado convencional, a
moral est relacionada pratica de aes ligadas ao que esperado pelo grupo,
independentemente da consequncia que a ao provocar. No ltimo estgio,
denominado de ps-convencional, a moral interpretada como exerccio
autnomo dos princpios universais (de justia e role-taking, por exemplo).
Em decorrncia do antagonismo entre as correntes universalista e
relativista, Biaggio (1999) aponta diversos autores que se destacam em estudos
sobre juzo moral. Para a autora, os norte-americanos Elliot Turiel e Larry Nucci
distinguem-se de Kohlberg. Turiel por considerar a manifestao da moral ps-
convencional em pr-escolares e por assinalar trs domnios em relao esfera
das regras (pessoal, convencional e moral); e Nucci por enfatizar pesquisas sobre
valores a partir do domnio pessoal. A autora ainda destaca pesquisas
desenvolvidas por James Rest, aproximando-as da teoria kohlbergiana, por
considerar uma sequncia natural do desenvolvimento moral (que no depende
de ensinamentos essencialmente culturais) atingida por meio da reflexo sobre a
experincia, e afastando-as das concepes de sequncia evolutiva defendidas
por Turiel. Quanto ao portugus Orlando Loureno e ao alemo Lutz
Eckensberger, a referida autora os posiciona, respectivamente, em uma
perspectiva universalista e transcultural defensora das propostas kohlbergiana e
piagetiana. Por fim, Biaggio (1999) discute a posio universalista da tica do
cuidado de Carol Gilligan, demonstrando que estudos transculturais no
evidenciam com preciso diferenas de gnero.
No Brasil notria a teoria moral desenvolvida por La Taille (2010). O autor
prope a personalidade tica para apreender os planos moral e tico envolvidos
21
na ao moral. Assim, considera o plano moral relacionado ao sentimento de
obrigatoriedade, pois sempre est ligado a valores, princpios e regras e expresso
pela mxima: que vida eu devo viver?. Por sua vez, o plano tico alinha-se
vida realizada ou vida boa, com a mxima: que vida vale a pena viver?.
Portanto, o entendimento da personalidade tica possibilita saber a motivao
para agir ou no dentro da moral vigente. Assim, para o autor a busca pela vida
realizada, ou seja, para que a vida faa sentido, liga-se possibilidade de
expanso de si1. Sobre isso, La Taille (2006) conclui que
a hiptese de que a vida somente pode fazer sentido para quem experimenta o sentimento de nela auto afirmar-se, expandir-se, em uma palavra, atribuir-se valor. Pela recproca, quem no consegue, seja l por que motivo for, atribuir a si prprio valor, no consegue dar sentido sua vida e, logo, no usufrui de uma vida boa. (p.112)
La Taille (2006) ainda discute que a personalidade tica composta de
representaes de si (o que o sujeito considera ser) que se estabelecem com
base em valores. Por conseguinte, o autor assinala que primordial para a vida
humana buscar representaes de si com valor positivo. Conclumos que o autor
desenvolve uma teoria sobre a moralidade que considera aspectos afetivos
(expanso de si condio necessria, mas no suficiente), sem desconsiderar
outras fontes de motivao, para o entendimento de uma perspectiva tica que
respalda os comportamentos ou condutas morais do sujeito.
Vale (2006) destaca que a produo nacional acerca do desenvolvimento
sociomoral procedeu, nas ltimas duas dcadas, em sua grande maioria da
1 La Taille (2006) apoia-se em Piaget (1954) para resgatar o conceito de expanso de si prprio
como tendncia superao de si mesmo, enquanto um vetor do desenvolvimento e da motivao principal dos comportamentos.
22
Universidade Federal da Paraba (Abreu, Moreira & Rique, 2011; Sampaio,
Camino & Roazzi, 2007) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(Biaggio, 1999; Freitas, 1999, 2002; Koller, 1994; Koller & Bernardes, 1997).
Como o estudo de aspectos do juzo moral atualmente tema de crescente
interesse dentro da psicologia do desenvolvimento, no podemos deixar de fazer
referncia s investigaes e publicaes relacionadas aos pesquisadores do
Grupo de Trabalho (GT) Psicologia e Moralidade da Associao Nacional de
Pesquisa e Ps-Graduao em Psicologia (ANPEPP), do qual outros ncleos
surgiram com importantes produes de cunho acadmico. Elencamos os
trabalhos da Universidade de So Paulo coordenados por La Taille (2001, 2006,
2010), da Universidade Federal do Esprito Santo (Alencar, 2003; Pessotti, Ortega
& Alencar, 2011; Vale, 2006; Vale & Alencar, 2008), da Universidade Estadual
Paulista (Menin, 2013; Menin, Bataglia & Moro, 2013) e da Universidade Estadual
de Campinas (Tognetta & Assis, 2006).
A respeito de Piaget (1932/1994), destacamos que o autor considerou os
jogos infantis excelentes instituies sociais, dispondo de um sistema real e
complexo de regras e contendo uma moral implcita. Para tanto, investigou os
jogos Bola de gude, Pique e Amarelinha (populares entre meninos e meninas na
poca do estudo) a fim de compreender como as crianas se relacionam com as
regras e qual a relao disso com a formao do juzo moral. Observou,
descreveu e analisou dois fenmenos ligados s regras: a prtica e a conscincia
das regras (Queiroz, Ronchi e Tokumaru, 2009). A prtica das regras consiste na
forma pela qual as regras so aplicadas no jogo pelas crianas de diferentes
idades e a conscincia das regras significa a maneira pela qual as crianas
23
apresentam o carter sagrado, indispensvel, ou acordado. Ressalta que as
relaes existentes entre a prtica e a conscincia da regra so, de fato, as que
melhor permitem definir a natureza psicolgica das realidades morais (Piaget,
1932/1994, p. 24).
Por meio de suas investigaes, caracterizou quatro estgios consecutivos
acerca da prtica das regras, a saber: motor e individual, egocntrico, de
cooperao nascente, e com codificao das regras. No primeiro estgio, a
criana pequena manuseia os objetos que envolvem a brincadeira de acordo com
as prprias aspiraes e hbitos motores, no configurando nenhum tipo de regra
compartilhada. As regras assimiladas do exterior no interferem na busca por
adversrios quando a criana, na prtica egocntrica, brinca sem uniformizar os
modos de jogar e sem procurar vencer. Na cooperao nascente, reconhece as
regras, unifica-as e as controla mutuamente com os demais adversrios,
procurando venc-los. Por fim, no estgio da codificao das regras, a criana as
compartilha com os demais, regulamentando-as at em suas mincias.
Com relao conscincia das regras, estipulou trs fases ou estgios que
ocorrem intercalados aos estgios da prtica das regras. No primeiro deles, a
regra ou puramente motora, ou experimentada para fins de interesse, sem
vigorar como condio obrigatria para jogos e brincadeiras, apresentando-se no
incio do estgio egocntrico da prtica das regras. Em seguida, em meio aos
estgios de prtica egocntrica e de cooperao nascente, observa-se uma
preocupao para praticar a regra, j que esta entendida como consagrada,
imutvel (mudanas so consideradas transgresses) e eterna, pois
fundamentalmente advm da criao adulta. No ltimo estgio da conscincia das
24
regras (inicia-se em meados da cooperao nascente, fortalecendo-se no estgio
da prtica codificada das regras), o respeito mtuo s regras torna-se obrigatrio,
mas elas podem ser modificadas desde que todos concordem. Desse modo, nota-
se que a regra passa de algo exterior ao sujeito para, assim que interiorizada,
tornar-se expresso de uma conscincia livre e respaldada pelo consentimento
mtuo (Queiroz et al, 2009).
Depois de ter estudado a relao das crianas com o jogo, Piaget
(1932/1994) investigou, por meio de interrogatrio sobre diversas histrias,
aspectos do juzo moral infantojuvenil, tais como responsabilidade,
desajeitamento e intencionalidade, roubo, mentira, justia, problemas que
envolvem punio e respeito autoridade em oposio busca por relao de
igualdade, entre outros. Expe trs fases distintas de entendimento e de
vinculao com as regras denominadas anomia, heteronomia e autonomia
(Piaget, 1932/1994; Freitas, 2002; Queiroz et al, 2009). Contudo, enfocaremos os
aspectos sociais nelas envolvidas, mesmo que anlogos conscincia das regras
dos jogos conforme apresentada.
Piaget (1932/1994) afirma que no existem estgios globais capazes de
determinar a vida psicolgica de um sujeito num dado momento de sua vida.
Complementa declarando que ocorrem simultaneamente continuidades e rupturas
que tanto perpetuam certa continuidade funcional quanto refletem em diferenas
qualitativas e estruturais na relao com cada novo conjunto de cdigos e normas
e em cada novo plano de conscincia e reflexo do sujeito.
Sobre isso, Piaget e Inhelder (1966/1998) discutem que, assim como os
processos cognitivos, a moralidade humana se constitui pela interao social e
25
possui vnculos com a etapa em que se encontra o desenvolvimento do
pensamento. Os autores ressaltam, assim como Piaget (1932/1994), que, mesmo
no sendo adequado estabelecer idades fixas para as fases de desenvolvimento
moral, observam-se reaes afetivas e estruturas tpicas da heteronomia antes
dos 78 anos e de processos ligados autonomia aps os 10 anos de idade.
Contudo, Alencar (2003) adverte que h pessoas que nunca ultrapassam o
estgio do desenvolvimento ligado moral heternoma.
Em um primeiro momento, o beb ou a criana pequena no aderem s
normas institudas coletivamente, experimentando as regras a ttulo de
curiosidade e em nvel motor. Esse estgio denominado de fase de anomia,
pois o sujeito considerado pr-moral. Como a criana nasce imersa em um meio
regulado por normas e princpios de vrios contextos, torna-se difcil (para no
dizer que o egocentrismo torna essa tarefa impossvel) distinguir o que vem de si
prpria e o que vem das outras coisas e pessoas, das regularidades do ambiente
e da imposio do meio social. Na interao com outras crianas e adultos, a
criana conseguir perceber e interiorizar as primeiras regras que lhe so
impostas, adentrando o segundo estgio de conscincia das regras.
A fase da moralidade heternoma est baseada na coao realizada por
adultos e crianas mais velhas. Assim, as regras que comeam a ser conhecidas
(inicialmente a criana s utiliza para si prpria suas novas descobertas) so
aplicadas com flexibilidade pela criana pequena, pois esto resguardadas pela
autoridade adulta. No entanto, imitadas ou inventadas, repetem-se atingindo, em
algum momento, a concordncia tanto do sujeito quanto do meio. Desde ento, as
26
regras so acompanhadas de um sentimento de obrigao e praticadas com o
status de sagradas, intocveis e imutveis.
Tais regras externas, que paulatinamente esto sendo internalizadas pela
criana, alm de serem impostas pela coao, so-no pelo respeito unilateral de
autoridade e de prestgio (Piaget, 1932/1994; Freitas, 1999). Assim, o respeito
unilateral caracterizado pelo temor do castigo e pelo receio da perda de amor da
pessoa que personifica a autoridade. Quanto a isso, Alencar (2003) destaca que o
medo sobressai ao amor e, quando o sujeito sinaliza algo a respeito desse
sentimento, porque as regras so causadas pelo amor do outro.
Observa-se, concomitantemente fase de heteronomia, o apego ao
realismo moral. Este se refere a uma realidade (com deveres e os valores a ela
relacionados) que obrigatoriamente deve ser preservada independentemente da
conscincia e das circunstncias que envolvem o sujeito. Tal realismo moral
acarreta, por sua vez, uma concepo objetiva sobre os atos, ou seja, a atribuio
da chamada responsabilidade objetiva que se caracteriza por um juzo que no
considera a motivao e a relao que levou prtica de determinada ao
danosa. Alencar (2003) destaca que a responsabilidade objetiva ainda tem
relao direta com a qualidade ou quantidade do dano causado ou de qualquer
outra transgresso.
Assim, o reconhecimento e a prtica cotidiana das regras e convenes
sociais promovem a modificao do status de obrigatoriedade e eternidade delas
para tornarem-se essenciais a ttulo de regulamentar as relaes entre os sujeitos
(Freitas, 1999). A frequncia de repetio faz que a regra seja legitimada no
mais como uma lei exterior, mas como resultado de uma livre deciso e como
27
digna de respeito medida que mutuamente consentida (Piaget, 1932/1994, p.
60).
Por sua vez, essa mudana de posio e de relao com a regra (de
extrnseca para a interioridade do sujeito) fruto de uma construo progressiva e
autnoma, passvel de modificaes e adaptaes segundo as necessidades e
disposies do grupo no qual o sujeito se insere. Por conseguinte, inaugura-se a
possibilidade de acordos, de construo e elaborao conjunta, de trocas e
variaes, isto , articulaes prprias do exerccio cooperativo. Tal perspectiva
origina a entrada na fase da moral autnoma porque o sujeito legisla sobre sua
conduta, assim como sobre a dos demais, pois compartilha posio igualitria
com seus pares.
A igualdade de condio prpria de uma relao baseada na cooperao
(Freitas, 1999; Piaget, 1932/1994; Menin, 2013). Essa atuao em um novo
papel possui caractersticas apropriadas para possibilitar a construo do
respeito mtuo em substituio ao respeito unilateral que at ento regularizava a
interao do sujeito com as outras pessoas. No entanto, Alencar (2003, citando
Piaget, 1932/1994) adverte que o respeito mtuo e a cooperao plena nunca se
verificam completamente no sujeito, mantendo-se enquanto status utpico. Por
outro lado, essa perspectiva til para entendermos a disposio com que se
orienta o respeito quando no s fundamentado na coao e obedincia.
Sobre isso, Piaget e Inhelder (1966/1998) afirmam que o respeito mtuo e
a reciprocidade provocam uma espcie de produto, que o sentimento de justia,
Piaget (1932/1994) considerou a noo de justia como a mais racional sem
dvida de todas as noes morais, que parece resultar diretamente da
28
cooperao (p.156). Ainda sobre a noo de justia, Piaget (1932/1994) verificou
quatro diferentes concepes, a saber: justia imanente, justia retributiva, justia
distributiva e justia por equidade. Em um primeiro momento, as crianas
apresentam a crena de que as coisas promovem punies automticas, quase
como reflexos, e com forte carga de realismo moral e responsabilidade objetiva, o
que plausvel porque se atribuem caractersticas humanas aos objetos
(animismo, artificialismo). Em seguida, considerado (at aproximadamente os 8
anos de idade) justo o que est convencionado pela autoridade. Sucede-se uma
concepo em que o sentimento de igualdade comea a suplantar a autoridade e
vigora at os 1011 anos. A quarta concepo pode ter incio por volta dos 11
anos de idade e caracteriza-se pela manifestao da justia por meio do
sentimento de equidade, que exercita a igualdade levando em considerao as
diferenas entre as pessoas e a proporcionalidade das aes.
Similarmente a esse processo, o autor observou o desenvolvimento da
noo de mentira. Inicialmente, o erro involuntrio encontra-se associado ao ato
intencional, de modo que a criana at os 7 anos tende a considerar ambos como
mentira e a julgar o ato segundo as consequncias que provoca. Nessa fase, a
criana tambm associa a mentira aos palavres, por ver os adultos recriminarem
as grosserias, como eles fazem com as palavras falsas. Em um segundo
momento, a mentira torna-se to maior quanto maior a distncia da realidade.
Ento, a mentira somente superada pelo entendimento de que to mais grave
quanto mais se conseguiu enganar, quebrando a prtica do respeito mtuo e da
reciprocidade.
29
Conforme foi exposto acima, Piaget (1932/1994) investigou aspectos
relacionados ao juzo moral por meio de um mtodo baseado em interrogatrio,
proposto ao longo do referido livro. Discute tambm que o juzo moral do
indivduo, a que se tem acesso pelas histrias e perguntas, relaciona-se ao juzo
verbal sem se opor ao juzo efetivo. Assim, o autor no descarta que
ocasionalmente o juzo verbal esteja atrasado em relao ao juzo ou
pensamento ativo, este ltimo relacionado ao juzo atingido em razo de
vivncias cotidianas anteriores. Isso porque o autor considera que o
desenvolvimento do juzo moral se d pelo processo de tomada de conscincia
progressiva no qual converge para reconstrues de fatos concretos no plano do
pensamento.
Entretanto, no descreveremos os processos ligados ao desenvolvimento
dos diferentes tipos de respeito, as concepes de roubo, os tipos de sano e
suas intensidades - por exemplo, entre os demais aspectos da moralidade
humana discutidos por Piaget (1932/1994, 1964/1978) e Menin (2013) para no
tornar o texto exaustivo. Por outro lado, trataremos de destacar trs pontos
fundamentais na perspectiva piagetiana sobre a moralidade: (1) o autor descreve
o decurso de mudanas observadas nas crianas de diferentes idades em direo
a autonomia, porm esclarece que comum observar adultos que se mantm
com juzo arraigado moral heternoma; (2) o comeo da formao da
moralidade se d pela fase de heteronomia e, ainda que ela seja imposta e
reforada pelas normas dos diferentes grupos sociais em que o sujeito tenha
pertencimento, considerada como produto da interao do indivduo com o
meio, semelhantemente como o referido terico prope o desenvolvimento da
30
cognio; (3) como a moralidade rene conjunto de valores e sentimentos morais,
o autor observou que o entendimento, ou seja, a concepo de um determinado
aspecto moral, no necessariamente est desenvolvido em harmonia e no mesmo
estgio de outro aspecto.
1.1.1. ESTUDOS BRASILEIROS CONTEMPORNEOS SOBRE MORALIDADE
INFANTIL
Dentre os vrios estudos sobre diferentes aspectos do juzo, valores ou
virtudes morais, podemos destacar os que seguem justia (Dell'Aglio & Hutz,
2001; Menin, Bataglia & Moro, 2013; Sales, 2000; Sampaio, Camino & Roazzi,
2007; Trevisol, Rhoden & Hoffelder, 2009); regras (Caiado, 2012; Dias e Harris,
1990; Ferraz, 1997); influncia do ambiente (Arajo, 1993; Kliemann, Damke,
Gonalves & Szymansky, 2008); trapaa (Pessotti, Ortega & Alencar, 2011);
roubo (Martins, 1997); roubo e mentira diante da fidelidade (Silva, 2004); culpa
(Loos, Ferreira & Vasconcelos, 1999); generosidade (La Taille, 2006; Vale e
Alencar, 2008); perdo (Abreu, Moreira & Rique, 2011); e solidariedade
(Tognetta & Assis, 2006).
Sales (2000) utilizou uma situao hipottica de distribuio de
recompensa (com duas histrias) para investigar o conceito de justia distributiva
e noes de certo e errado. Participaram do estudo 90 crianas e adolescentes,
com idade entre 9 e 14 anos, estudantes de terceira, quinta e stima sries do
ensino fundamental de escola pblica. Os resultados encontrados revelaram que
a maior parte dos participantes (e principalmente os mais novos) respondeu s
perguntas realizadas em conformidade com as regras sociais e julgou as aes
dos personagens das histrias baseando-se nas consequncias dos atos. Por
31
outro lado, um maior nmero de participantes, de maior escolarizao, considerou
as intenes dos personagens. A autora concluiu que foi possvel observar um
desenvolvimento progressivo da heteronomia para a autonomia,
concomitantemente com evoluo na utilizao dos princpios de justia
distributiva e dos conceitos de certo e errado referentes s normas escolares.
Com o intuito de pesquisarem o uso de princpios de justia distributiva,
Dell'Aglio e Hutz (2001) utilizaram como instrumento quatro mini-histrias que
eram acompanhadas de desenhos e que apresentavam diferentes condies de
desempenho entre dois personagens em situaes hipotticas de distribuio de
recompensa. Os autores entrevistaram individualmente 240 crianas na faixa
etria de 5 a 6 anos, 220 de 9 a 10 anos, e 220 adolescentes de 13 a 14 anos,
totalizando 680 participantes divididos igualmente quanto ao sexo. Os resultados
mostraram que o grupo das crianas mais novas utilizou predominantemente
regras de autoridade (95,3%) na utilizao dos princpios distributivos. Por outro
lado, a maior parte do grupo de participantes de 9 a 10 anos, utilizaram regras de
igualdade para operar a distribuio de recompensa aos personagens. Por fim, a
maior parte dos adolescentes fez uso de regras de equidade. Os autores
concluem que os resultados evidenciaram uma sequncia evolutiva de trs nveis
no desenvolvimento da justia distributiva e que eles esto em concordncia com
o modelo piagetiano de juzo moral.
A justia distributiva tambm foi investigada por Sampaio, Camino e Roazzi
(2007), mas com objetivo principal de pesquisar os tipos de justia utilizados por
crianas de diferentes faixas etrias. Os participantes do estudo foram 120
estudantes, de ambos os sexos, de duas escolas particulares e nas seguintes
32
faixas etrias: 5 a 6 anos, 7 a 8 anos e 9 a 10 anos de idade. O instrumento
utilizado foi um dilema que continha quatro histrias (com variaes de
caractersticas dos personagens), nas quais dois personagens tinham que decidir
dar ou no mais blocos de brinquedo a outro que chegava posteriormente ao local
reservado para brincadeiras. Os resultados revelaram que no houve diferena
estatisticamente significativa quanto ao sexo e idade dos participantes diante da
frequncia de respostas de conceder ou no o brinquedo ao terceiro personagem.
Os participantes utilizaram diferentes justificativas para compartilhar ou no o
brinquedo com o personagem atrasado, e as crianas mais novas foram capazes
de construir argumentos com base na importncia da cooperao e da
reciprocidade, o que seria esperado apenas para as crianas mais velhas. Os
autores concluem que no foi constatada a existncia de estgios de
desenvolvimento moral delimitados e as crianas foram capazes de incorporar
informaes contextuais aos seus julgamentos morais sobre justia distributiva.
Trevisol, Rhoden e Hoffelder (2009) investigaram a compreenso da
justia por meio de uma fbula (histria de uma galinha que solicita auxlio de
outros animais para o cultivo de trigo, no entanto os outros animais querem
desfrutar o po, mesmo no tendo ajudado a amiga galinha, que se recusa a
compartilhar o alimento) com 14 crianas na faixa etria entre 6 e 7 anos,
estudantes de uma escola pblica. A coleta de dados foi realizada em dois
momentos: primeiramente, a fbula era contada e, em seguida, uma entrevista
semiestruturada realizada. Os resultados foram estes: a maioria (dez) dos
participantes optou pela justia retributiva, pois, considerou justa a atitude final da
galinha (comer o po todo sozinha); os demais (quatro) optaram pela diviso do
33
alimento, considerando a possibilidade do perdo. Quando perguntados sobre
como se podem ser justo, os participantes demonstraram forte presena de
respeito unilateral e coao adulta porque se dividiram entre os seguintes
julgamentos: quatro declararam dividir as coisas, trs no brigar, dois obedecer,
dois no souberam responder, um respeitar as pessoas, outro brincar e um outro
fazer a tarefa escolar. Aos discutirem os resultados, os autores concluem que a
justia expiatria foi observada nos participantes que se encontravam sob forte
presena de uma moral heternoma.
Menin, Bataglia e Moro (2013) publicaram uma investigao sobre a
adeso ao valor da justia. Para tanto, aplicaram questionrio que continham
histrias na forma de situao-problema com cenas compatveis com o cotidiano
de crianas e jovens e questes que envolviam justia distributiva, retributiva e
comutativa (nove itens para o grupo de participantes mais novos e 18 para o de
mais velhos). As alternativas oferecidas no questionrio foram construdas em
nveis crescentes de descentrao de perspectiva social inspirados na teoria de
Kohlberg (abordagem construtivista em que os nveis demonstram o modo como
se adere a favor ou contra um valor) e contemplavam trs possibilidades
favorveis ao valor investigado e duas contrrias a ele. Participaram da pesquisa
111 crianas de 10 a 13 anos e 121 adolescentes de 14 a 17 anos, oriundos de
escolas pblicas e particulares da cidade de So Paulo.
Os resultados revelaram que os participantes mais velhos obtiveram 70%
ou mais de respostas consideradas corretas (alternativa P3 pr-valor de nvel 3)
em dez dos 18 itens e que os participantes mais novos obtiveram o mesmo
percentual em trs dos nove itens. Os autores concluem que esse fato evidenciou
34
uma progresso na escolha das respostas em relao aos nveis entre crianas e
adolescentes.
Dias e Harris (1990) realizaram uma pesquisa sobre domnio moral de
regras que envolviam nove problemas silogsticos com os seguintes contedos:
trs violavam regras morais, trs violavam regras convencionais e trs violavam
regularidades factuais. Para tanto, participaram 100 crianas de 5 anos de idade
divididas em trs diferentes grupos, a saber: 40 crianas eram de classe de
alfabetizao de uma escola de primeiro grau de Recife; 20 de classe de
alfabetizao de uma escola de primeiro grau da Inglaterra; e 40 de um orfanato
na cidade de Recife.
Alm disso, os participantes foram subdivididos em grupo verbal (GV) e
grupo de brincadeira (GB), uma vez que a apresentao de brincadeira de faz de
conta foi usada para induzir as crianas a criar um mundo independente, onde os
eventos sucedessem diferentemente daqueles do mundo emprico (para facilitar a
ocorrncia de raciocnio dedutivo com base em premissas contrrias aos fatos).
Os resultados mostraram que o contexto de brincadeira favoreceu o desempenho
dos estudantes da classe de alfabetizao das crianas inglesas e brasileiras; as
crianas de orfanatos raciocinaram similarmente em ambos os contextos; em
nenhuma dos trs grupos de participantes houve distino entre regras morais e
convencionais. Em face disso, os autores discutem que os resultados foram
semelhantes aos encontrados por uma investigao de Turiel (realizada em 1983)
e que o contedo dos problemas se relacionou com a experincia dos sujeitos.
J com o intuito de identificar os nveis de desenvolvimento da noo das
regras que compem o jogo de futebol, Ferraz (1997) observou a prtica do
35
futebol em 40 crianas e adolescentes (estudantes de diferentes escolas pblicas
e particulares), com idades entre 4 e 19 anos, divididos por faixa etria em cinco
diferentes grupos contendo oito participantes. Alm de observarem a prtica do
jogo, os participantes foram entrevistados aos pares, por meio do mtodo clnico
piagetiano, sobre a origem e uso das regras do jogo e sobre caractersticas
relacionadas ao bom jogador. Os resultados possibilitaram a identificao de uma
sequncia evolutiva de desenvolvimento das regras em paralelo aos diferentes
tipos de jogos (exerccio, egocntrico, codificao de regras).
Caiado (2012) investigou diferentes formas de interao com a regra em
distintos contextos de jogos. Para tanto, participaram dessa pesquisa 64 crianas
com idades entre 7 e 8 anos, divididas em 14 grupos. O procedimento da
pesquisa foi o seguinte: (1) cada participante passou por trs diferentes contextos
de jogos de regras (jogo Ludo, jogo Uno e jogo acordado entre participantes) e (2)
em seguida, uma entrevista clnica serviu para serem contados quatro dilemas
hipotticos em formato de estrias-dilema (relacionadas responsabilidade
objetiva/subjetiva; justia retributiva/distributiva; sano; mentira) como contexto
hipottico sobre regras. Os dados foram apresentados e discutidos por meio de
categorizao de aes realizadas pelos participantes para que, em seguida, se
realizassem trs anlises: relaes entre indicadores, relaes entre contextos e
estudo de caso.
Vamos retratar os resultados mais gerais, aqueles referentes ao contexto,
os quais demonstraram diferentes manifestaes de uso e compreenso da regra
de acordo com cada contexto proposto. Na situao fechada (jogo Ludo), os
participantes procuraram entender e cumprir a regra colocada, alm de elaborar
36
estratgias para ganhar o jogo sem burl-las. Na situao intermediria (jogo Uno
com adio de regras distintas das comumente usadas) os participantes
demonstraram jogar bem e assumir e defender posio diante das regras e dos
adversrios (evidncias de princpios de reciprocidade nas relaes). Na situao
aberta (jogo acordado entre participantes), as crianas demonstraram interpretar
as regras estipuladas e se dividiram entre compreend-las e reter ateno para
praticar o jogo e legislar as regras. Alm disso, houve maior correspondncia da
situao hipottica com a aberta do que com a situao fechada. A autora conclui
que isso se deve aos aspectos interacionais e de reflexo que somente a situao
de jogo aberto proporciona em oposio ao contexto fechado de jogo.
Arajo (1993) investigou a influncia do ambiente escolar em 56 crianas
pr-escolares de 6 a 7 anos de idade. Para tanto, aplicou, com o uso do Mtodo
Clnico Crtico piagetiano, oito estrias-dilema adaptadas do livro Juzo Moral de
Piaget (1994/1932) e investigou, por meio de observaes semanais, aspectos
morais do cotidiano escolar de alunos de trs escolas diferentes, a saber: (1)
Escola A: pr-escola pblica, com crianas de classe socioeconmica baixa,em
que se priorizavam relaes cooperativas; (2) Escola B: escola particular com
crianas de classe mdia e alta, em que vigoravam relaes autoritrias; (3)
Escola C: escola pblica com crianas de mesmo nvel socioeconmico da escola
A, mas com relaes estabelecidas pela coao e autoridade. Os resultados
mostraram que as 23 crianas da escola A, comparativamente s 12 crianas da
escola B e s 21 da escola C, apresentaram progresso gradativo das trocas
sociais, com comportamentos que se relacionam com cooperao e respeito ao
outro, comparativamente as 12 crianas da escola B e as 21 da escola C. Da
37
mesma forma, as crianas da escola A apresentaram mais comportamentos
relacionados autonomia durante as respostas s estrias-dilemas do que os
participantes das outras duas escolas. O autor discute que o ambiente
cooperativo encontrado na escola A favorece o desenvolvimento do julgamento
moral em crianas, confirmando um pressuposto piagetiano no qual o referido
trabalho foi pautado.
Kliemann, Damke, Gonalves e Szymansky (2008) realizaram um estudo
exploratrio para observar se possvel a criana ter autonomia sem romper
limites no ambiente escolar. Participaram da pesquisa 30 crianas divididas
igualmente entre as faixas etrias de 3 anos, de 5 e 6 anos, e de 9 e 10 anos. Os
resultados revelaram que as crianas de 3 anos se encontravam em fase de
anomia, mostrando-se dependentes dos adultos para estabelecimento de
disciplina, atividades diversas (inclusive brincadeiras) e cuidados pessoais; j as
crianas de 5 e 6 anos tambm dependiam dos adultos, mas, quando se
organizavam sozinhas, demonstravam necessidade de incluso de regras nas
atividades; e os participantes mais velhos mostravam caractersticas autnomas
nas atividades escolares. Os autores concluem que os resultados confirmaram a
perspectiva terica piagetiana do processo de desenvolvimento moral em fases
de cumprimento de normas e realizao de jogos que envolvem variadas regras.
Pessotti, Ortega e Alencar (2011) investigaram o juzo moral sobre a
trapaa em uma situao de jogos de regras com base em uma perspectiva
psicogentica. Para isso, entrevistaram 40 crianas estudantes de escolas
particulares, divididas igualmente quanto idade e ao sexo, em dois grupos com
idades de 5 e 10 anos, distribudas igualmente de acordo com a idade e o sexo.
38
Os instrumentos utilizados foram uma histria e um roteiro de entrevista que
envolvia uma situao de trapaa no jogo da Velha. Os resultados mostraram que
a totalidade dos participantes declarou que a atitude de trapacear estava errada.
As justificativas dadas pela maior parte dos participantes menores foram
baseadas em argumentos circulares (categoria de repostas tais como: no sei,
porque sim, porque no pode, entre outras), enquanto os participantes de 10
anos, em maior quantidade, declararam que a ao do personagem desobedecia
s regras do jogo. Os autores concluem que crianas j demonstram o julgamento
da trapaa como algo errado e que associam suas concepes a outros aspectos
morais tambm conhecidos, tais como o roubo e a mentira.
Pesquisando sobre o julgamento moral sobre o roubo, Martins (1997)
utilizou uma histria de um pequeno roubo (adaptada de Piaget, 1932/1994) e
perguntas sobre ela mesma com 80 crianas na faixa etria de 5 a 6 anos,
estudantes de duas pr-escolas (uma pblica em bairro de classe mdia baixa e
outra particular sendo de cooperativa entre pais). Os resultados mostraram que
todos os participantes tm noo da norma de que o roubo est associado a algo
errado. Desse modo, justificaram suas respostas por meio de cinco tipos de
argumentos: 1 regra simples (ligada ao costume social); 2 respostas
estereotpicas ( feio); 3 para evitar punio (seno vai para a cadeia); 4
apelo religio ( pecado); 5 indiferenciadas (no pode). O autor observou
que os participantes da escola cooperativa tiveram maior percentual (23 crianas
em comparao a 12 do outro grupo) de respostas vinculadas regra social
(argumento tipo 1). Os participantes da escola cooperativa tambm atriburam, em
maior porcentagem, a proibio como algo inerente ao ato de roubar, uma vez
39
que 33 crianas declararam que, se a regra deixasse de existir, o ato continuaria
errado, em comparao a 26 crianas de escola pblica. O autor concluiu que um
contexto com indicadores de maior grau de escolaridade dos pais e de interaes
pautadas em uma postura de respeito mtuo, como pode ser constatado na
escola cooperativa, contribuiu para as diferenas observadas entre os dois grupos
de participantes.
Com o propsito de observar o juzo hipottico sobre a manuteno da
fidelidade (de compromisso verbal) confrontada aos contextos morais de roubo e
mentira, Silva (2004) realizou uma pesquisa com 186 estudantes de escola
pblica, de ambos os sexos. Os participantes tinham 6, 9 e 12 anos de idade e
possuam nvel socioeconmico desfavorecido. Foi realizada entrevista individual
baseada no mtodo clnico piagetiano para aplicao de instrumento com seis
pequenas histrias sobre dilemas morais. Tais histrias confrontaram a fidelidade
palavra declarada (cumprimento de promessa de sigilo declarado verbalmente)
aos dois contextos morais propostos. Aproximadamente 25% dos participantes
apresentaram juzo com adeso promessa da palavra dada. Alm disso, no se
verificou influncia da idade no julgamento desta fidelidade. Da mesma forma,
no houve diferena nos julgamentos segundo o tipo de envolvimento entre os
personagens (irmos em detrimento da relao entre amigos ou colegas) nos dois
contextos analisados. Silva (2004) chegou as seguintes concluses: no foi
possvel observar uma psicognese da fidelidade palavra empenhada; os
participantes apresentaram aspectos de uma tica mais intimamente associada
justia do que a fidelidade; as meninas foram proporcionalmente mais fiis do que
40
os meninos em relao denncia do autor de uma mentira, enquanto os
meninos foram mais favorveis honestidade e veracidade.
Loos, Ferreira e Vasconcelos (1999) verificaram diferenas na emergncia
do sentimento de culpa de 32 meninos, na faixa etria de 6 a 12 anos, oriundos
de famlias de baixa renda da cidade do Recife. Os participantes eram originrios
de dois grupos distintos, metade de comunidade carente e outra metade de
instituio que atende crianas sob o risco e abandono, tambm divididos em
duas faixas etrias: de 6 a 8 anos e de 9 a 12 anos. Utilizou-se roteiro de
entrevista para aplicao de duas histrias ilustradas sobre julgamento de
personagem em situao de dano acidental e intencional, bem como uma escala
com cinco nveis de culpa para o julgamento da culpa do personagem. Os
resultados mostraram diferena significativa do sentir culpa entre as duas faixas
etrias (c=6,111; df=1; p=0,01), com predominncia desse sentimento nas
crianas mais novas. Tambm constataram uma tendncia considerao da
inteno nos participantes mais velhos (c= 0,500; df=1; p=0,47). As autoras
concluem que o estudo revelou concepes distintas de culpa relacionada idade
(perspectiva evolutiva), mas sem estar relacionada ao grupo de origem.
La Taille (2006), buscando analisar o papel da generosidade no universo
moral infantil, realizou duas pesquisas: a primeira sobre atribuio de sentimentos
a personagens no generosos de uma estria-dilema por 30 crianas de 6 anos e
32 crianas de 9 anos, estudantes de escola particular; a segunda com 32
sujeitos de 6 anos e 36 crianas de 9 anos, estudantes de outra escola particular,
mas expostas histria relacionada conduta no generosa (idntica ao primeiro
estudo) e a uma outra referente situao de injustia. Os resultados mostraram
41
que a maioria (16 e 27 participantes, respectivamente, nos estudos 1 e 2) das
crianas de 6 anos atribui sentimentos negativos ao personagem no generoso e
sentimentos positivos personagem no justa (23 participantes no estudo 2).
Semelhantemente, a maioria dos participantes de 9 anos tambm atribuiu
sentimentos negativos ao personagem no generoso (respectivamente, 17 e 31
participantes nos estudos 1 e 2). No entanto, a maior parte deles (20 participantes
no estudo 2) imputou sentimentos negativos personagem injusta. Assim, os
dados mostraram que a grande maioria dos participantes, de ambas as idades,
atriburam sentimentos negativos a quem falta com generosidade. Por outro lado,
as crianas de 6 anos atriburam sentimentos positivos a personagem que age
injustamente. O autor discute que a generosidade uma virtude que se comprova
presente na gnese da moral infantil e que, por ser menos subordinada s regras
adultas, pode se integrar-se conscincia moral infantil antes da justia.
Ao investigarem tambm a generosidade, Vale e Alencar (2008) estudaram
se a ausncia dessa virtude merecedora de punio em 30 estudantes de
escola pblica, divididos igualmente quanto ao sexo, com idades de 7, 10 e 13
anos. Foram utilizados como instrumentos uma estria-dilema sobre a ausncia
de generosidade e perguntas que foram feitas em entrevista individual. Os
resultados mostraram que a maioria dos participantes (22) preferiu o dilogo
(repreenso) ao invs de algum tipo de punio, a fim de se lidar com a falta de
generosidade. Constatou-se tambm o aumento da porcentagem dessa escolha
em razo da idade (4, 8 e 10 ocorrncias, respectivamente, nos participantes de
7, 10 e 13 anos). Alm disso, o participante mais novo, que no optou por
nenhum tipo de punio, diferenciou a ausncia de generosidade de outras
42
transgresses nas quais se aplica algum tipo de castigo, mas apenas quatro
participantes de 10 anos e oito de 13 anos declararam caractersticas de
especificidade dessa virtude. As autoras concluem que a generosidade faz parte
do universo moral dos participantes e que ela esperada e admirada, ao passo
que sua falta merece reprovao em vez de punio.
Abreu, Moreira e Rique (2011) verificaram o pensamento do perdo
interpessoal e as condies para que o perdo ocorra por meio do Dilema de
Joo, que uma adaptao do Dilema de Heinz, que contm um livro de gravuras
e uma entrevista semiestruturada com 12 questes. Alm disso, avaliaram a
capacidade de role-taking (capacidade de se colocar no lugar do outro e entender
que o outro tem pensamentos, desejos e comportamentos diferentes do seu).
Para isso entrevistaram 20 crianas com idades entre 6 a 8 anos, de ambos os
sexos, estudantes de escola pblica e de uma instituio de educao
complementar com orientao religiosa ecumnica. Os resultados evidenciaram
integralidade da capacidade de role-taking nos participantes, porm somente oito
crianas souberam definir o sentimento de perdo e decidir se o personagem
central (Joo) deveria perdoar ou no o personagem que o magoou (sete deles
decidiram perdoar em diferentes graus). Alm disso, a passagem do tempo e o
perdo foram vistos como estratgia para diminuir a raiva ou como uma
consequncia natural da diminuio da raiva. J a concesso de perdo foi
associada a pedir desculpas, voltar a brincar, reparar o erro cometido, e sentir
presso social de amigos e da religio. Os autores concluem que a capacidade de
role-taking no envolve o conhecimento de formas de soluo para dilemas
relacionados justia e ao perdo.
43
Tognetta e Assis (2006) desenvolveram um estudo a fim de investigar o
julgamento infantil acerca da solidariedade em ambiente escolar. Participaram da
pesquisa 46 estudantes de ensino pblico e com nvel socioeconmico baixo. Os
participantes situavam-se na faixa etria de 6 a 7 anos de idade e foram
igualmente divididos quanto ao sexo. Alm disso, metade da amostra estudava
em uma escola baseada em relaes autoritrias (escola A), e a outra metade
oriunda de uma instituio em que seus professores aplicam um programa de
educao infantil, baseado em pressupostos piagetianos (escola B). Os
instrumentos utilizados foram provas de diagnstico do comportamento operatrio
sobre as noes de conservao de quantidades discretas, de lquido e da
massa, e de classificao e seriao; ficha de observao das relaes
interpessoais entre professores e alunos; e quatro dilemas morais criados e
adaptados, divididos em dois blocos, a fim de constatar o julgamento da
solidariedade entre pares e na presena da autoridade.
Os resultados dos participantes da escola A revelaram que, (1) quanto s
provas de diagnstico de comportamento operatrio se constatou, 30,43% se
encontravam no estgio pr-operatrio e 69,57% em transio entre os estgios
pr-operatrio e operatrio; (2) quanto s fichas de caracterizao de ambiente, a
escola A recebeu 76 pontos, caracterizando-se como ambiente coercitivo,
pautado em relaes unilaterais; (3) quanto s estrias-dilema, 76,19% dos
participantes no souberam responder ao primeiro dilema, enquanto 92,86%
dessas crianas no apresentaram solidariedade no terceiro dilema que, assim
como o primeiro envolvia uma situao de solidariedade entre pares. Os dados
tambm mostraram que 71,43% das respostas dos participantes optaram pela
44
ausncia de solidariedade para no se opor autoridade, porm 28,54% das
crianas apresentaram solues que no desobedeciam ordem paterna, mas
capazes de executar a ao solidria diante da segunda estria-dilema. Por outro
lado, 75,86% dos participantes no optaram pela prtica da ao solidria pela
obedincia ordem adulta.
J os resultados dos participantes da escola B foram os seguintes: (1)
56,52% dos participantes apresentavam diferentes nveis de transio entre os
estgios pr-operatrio e operatrio e 43,48% j demonstravam pensamento
reversvel quanto s provas de diagnstico de comportamento operatrio; (2)
quanto s fichas de caracterizao de ambiente a escola B recebeu 162 pontos,
caracterizando-se como ambiente cooperativo, regulado por relaes de
cooperao e respeito mtuo; (3) 23,81% dos participantes no souberam
responder ao primeiro dilema que envolvia solidariedade entre pares, enquanto
7,14% deles no apresentaram solidariedade no julgamento sobre o terceiro
dilema.
Quanto ao segundo dilema, que investigava a solidariedade diante do
enfrentamento autoridade, Tognetta e Assis (2006) constataram que 28,57%
dos sujeitos no enfrentaram a autoridade, 34,04% tentariam ser solidrios sem
desobedecer autoridade paterna e 12 respostas indicaram crena de confiana
na relao com a autoridade, independentemente da quebra do contrato. J no
quarto dilema, 24,41% dos participantes no optaram pela prtica da ao
solidria pela sujeio ordem. Portanto, as autoras concluem que h uma
perspectiva evolutiva na disposio dos sujeitos para serem solidrios e que essa
condio est ligada a experincias significativas de reciprocidade e respeito
45
mtuo (escola B). Da mesma forma, apontam que o desenvolvimento de
estruturas cognitivas e de aspectos afetivos no ambiente escolar fomenta a
construo de aspectos morais, tais como a solidariedade na infncia.
Dando sequncia ao embasamento terico de nosso trabalho trataremos, a
seguir, de aspectos do desenvolvimento cognitivo.
1.2. DESENVOLVIMENTO COGNITIVO SEGUNDO A TEORIA DE JEAN
PIAGET
O legado terico de Jean Piaget em sua Psicologia e Epistemologia
Genticas foi incansavelmente buscar e descrever como o sujeito processa seu
conhecimento e desenvolve estruturas logicamente mais organizadas nos
aspectos motor-intelectual e afetivo nas dimenses intraindividual e interindividual
(1964/1978, 1970/2002). Para tanto, investigou como o sujeito interage com as
diversas coisas (outras pessoas, ideias, objetos materiais de todas as ordens) que
esto no mundo que o cerca, ou seja, com os variados objetos a fim de construir
seu conhecimento e procurar equilbrios sucessivos de suas estruturas lgicas de
pensamento. A pesquisa desse processo originou o conceito de equilibrao que,
por sua vez, abarca outros dois conceitos piagetianos fundamentais, j que
complementares, irredutveis e indissociveis (Macedo em Piaget, 1980/1996, p.
8), a saber: assimilao e acomodao.
A assimilao entendida como incorporao do objeto aos esquemas e
estrutura mental; a acomodao aparece na teoria como uma atividade capaz de
diferenciar um esquema a fim de vencer as resistncias que se interpem entre o
sujeito e o objeto para, assim, ascender assimilao. O autor afirma que a
46
equilibrao uma das fontes do progresso no desenvolvimento dos
conhecimentos (e) deve ser procurada nos desequilbrios como tais, que por si s
obrigam um sujeito a ultrapassar seu estado atual e a procurar o que quer que
seja em direes novas (Piaget, 1976, p.18).
nesse sentido que o terico anunciou que o conhecimento no est nem
no sujeito, nem no objeto, mas como possibilidade de construo para esse
sujeito que age em busca do conhecimento (Macedo, 1980), tal como enfatiza na
introduo de um de seus livros sobre epistemologia gentica:
o conhecimento no pode ser concebido como algo predeterminado nem nas estruturas internas do sujeito, porquanto estas resultam de uma construo efetivas e contnua, nem nas caractersticas preexistentes do objeto, uma vez que elas s so conhecidas graas mediao necessria dessas estruturas, e que estas, ao enquadr-las, enriquecem-nas (Piaget, 1970/2002, p. 1).
A assimilao inicia-se nos atos reflexos do beb, mas logo se aprimora
pelas assimilaes reprodutivas (reaes circulares primrias, secundrias e
tercirias) e pela constituio de novos esquemas motores, os quais, por sua vez,
integram estruturas que podem organizar-se cada vez mais e apresentar
equilbrios que no se fecham em si mesmos, porque podem servir de base para
o estabelecimento de novas estruturas com coordenao e funcionalidade mais
organizadas, pois, no h nem comeo absoluto nem uma estrutura terminal
(Piaget, 1964/1978, 1970/2002, 1976; Piaget, Beth & Mays, 1957/1974).
Ramozzi-Chiarottino (1988) adverte que, para superar uma possvel
dicotomia entre sujeito e objeto, Piaget defendeu que as estruturas mentais so
orgnicas porque esto a priori no sujeito, mas seu aperfeioamento e construo
47
ocorrem pelas diferenciaes progressivas que a interao do sujeito com o meio
incita.
Nesse sentido, considera-se que uma estrutura mental pode ser inferida,
visto que caracteriza o domnio de certo comportamento (capacidade de
apresentar certa conduta). Quanto a isso, Piaget (1972) afirmou que as estruturas
do conhecimento esto relacionadas como o desenvolvimento e que so
observadas por perodos especficos e distintos, denominados de estdios sobre
os quais o entendimento constri e coordena modos peculiares de se relacionar
(entender e agir) com o mundo. Fica claro, portanto, que as estruturas mentais
sofrem variaes e so construdas com base em desequilbrios que se
interpem. O equilbrio e o desequilbrio, tambm pares dialticos do conceito de
equilibrao na teoria piagetiana, fazem parte de um processo funcional que
engloba a(s) estrutura(s), visando organizao e coordenao da experincia.
Piaget (1972) aponta quatro fatores envolvidos na promoo do
desenvolvimento (construo de uma estrutura mais desenvolvida) e dos estdios
de desenvolvimento cognitivo por ele descritos, so eles: maturao, experincia,
transmisso social e equilibrao. Sobre a maturao o autor evidencia que se
trata de pr-condio biolgica vinculada s possibilidades e condies de
amadurecimento do sistema nervoso que possibilitam ao sujeito interagir com o
meio. Quanto experincia, o autor observa que por meio dela que se pode
construir o conhecimento em suas vertentes fsica, social e lgico-matemtica.
Apesar disso, a coordenao das aes do sujeito desempenha papel
fundamental para vencer obstculos que a prpria experincia lhe apresenta. Esta
deixa de ser necessria e d lugar operao e construo de estruturas
48
abstratas. O fator de transmisso social valioso em virtude de sua condio de
prover a difuso do conhecimento, facilitado pelas trocas verbais, mas por si s
no capaz de promover a construo de estruturas lgicas que a prpria
linguagem possui e necessita para cumprir sua funo aceleradora da aquisio
do conhecimento.
Por fim, os trs fatores citados necessitam da autorregulao, a qual
realizada pelo quarto e ltimo fator. A autorregulao ou equilibrao ocupa papel
central na teoria de Piaget, pois integra o que externo ao sujeito (experincia e
transmisso social) ao que lhe interno (fator maturao, enquanto esquemas
hereditrios e funcionamento peculiar), evidenciando esquemas e estruturas
anteriores que se modificam medida que assimilao e acomodao engendram
processos de antecipao e retroaes que levam a progressos do
desenvolvimento.
H um fator no mencionado por Piaget na obra de 1972, mas est
presente em trabalhos anteriores fazendo parte do conceito de equilibrao, que
a afetividade (sentimentos, emoes, tendncias e vontade). Encontramo-lo em
Piaget (1954/2005) e em Piaget e Inhelder (1966/1998) quando interpem a
afetividade como elemento energtico que intervm na regulao da conduta,
influenciando a busca constante pelo conhecimento, seja por provoc-la, seja por
impedi-la (Macedo, 1980). Os autores analisam que os aspectos afetivos e
cognitivos da conduta so inseparveis e irredutveis, mesmo quando no esto
sendo levados em considerao reciprocamente.
Ainda sobre a equilibrao, Piaget (1972) ressalta que utiliza esse termo
49
no sentido em que ele usado na ciberntica, isto , no sentido de processos com retroalimentao (feedback e feedforward), de processos que se regulam a si prprios mediante uma compensao progressiva dos sistemas. Este processo de equilibrao toma a forma de uma sucesso de nveis de equilbrio, de nveis que tem uma certa probabilidade que chamarei de probabilidade sequencial, isto , as probabilidades no so estabelecidas a priori. H uma sequncia de nveis. No possvel alcanar o segundo nvel a no ser que o equilbrio tenha sido alcanado no primeiro nvel, e o equilbrio do terceiro nvel s se torna possvel quando o equilbrio do segundo nvel tenha sido alcanado, e assim por diante. Isto , cada nvel determinado como o mais provvel, dado que o nvel precedente tenha sido alcanado. No o mais provvel no incio, mas o mais provvel uma vez que o nvel precedente tenha sido atingido (Piaget, 19722).
Portanto, devido ao recproca desses quatro (ou cinco) fatores, os
estdios de desenvolvimento cognitivo ocorrem de forma mais lenta ou acelerada;
mais coesa ou com defasagens; apresentando mudanas quantitativas
(crescimento) ou atingindo as qualitativas (desenvolvimento). No entanto, a
Epistemologia Gentica piagetiana (Piaget, 1970/2002; Piaget, Beth & Mays,
1957/1974) ao descrever o sujeito epistmico mostrou que a ocorrncia dessa
evoluo invariante, pois se d mediante quatro grandes perodos ordenados,
com aspectos comuns e acumulativos, mas com apario de estruturas originais
que permitem a distino entre eles. Esses perodos foram estabelecidos com
base nas investigaes realizadas pelo autor e sua equipe de colaboradores
(1926/1993, 1947/1983), sendo denominados sensrio-motor, pr-operacional,
operacional concreto e das operaes formais. Alm disso, Piaget considerou os
seguintes parmetros para estabelecer os estdios: (1) as aquisies devem
seguir uma ordem constante, pois uma caracterstica, capacidade ou estrutura
2 Informamos que no temos paginao precisa deste texto, pois obtivemos o trabalho (captulo
escrito por Piaget em livro organizado por outros autores) por meio de traduo fornecida na internet, conforme consta no captulo de referncias bibliogrficas.
50
no aparecero antes de outra que fora observada em vrias crianas; (2) os
perodos possuem o carter de integrar estruturas construdas anteriormente s
estruturas do novo estdio; (3) os perodos so caracterizados por estruturas em
conjunto prprias de cada estdio; (4) cada perodo contm um nvel inicial,
denominado de nvel de preparao e um final denominado de terminao; (5) os
processos de gnese e equilbrio (parcial) necessitam de distino entre os
perodos, pois aquisies posteriores podem influenciar simultaneamente mais de
um estdio (sobreposies diversas e com alcances distintos) e produzir formas
divergentes de estabilidade (Dolle, 1974/1995).
1.2.1. ESTDIOS DE DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
O perodo sensrio-motor fora assim denominado por Piaget por ser
predominantemente provido de uma inteligncia prtica que faz uso de aparatos
sensoriais e motores para construir esquemas e estruturas desde os reflexos
iniciais (1947/1983, 1964/1978, 1970/2002). Constitui, portanto, uma etapa pr-
verbal que ocorre, em mdia, do nascimento aos dois primeiros anos de vida.
Essa inteligncia prtica considerada como o cerne do progresso da inteligncia
que se desenrolar ao longo da vida do sujeito (Piaget, 1926/1993, 1947/1983,
1949/1976).
Piaget (1970/2002) adverte que, neste momento, existe uma
indiferenciao entre o sujeito e os objetos com que se relaciona,
a ponto de o primeiro no se conhecer como origem de suas aes, por que centram-se estas no prprio corpo, quando a ateno est fixada no exterior. (...) Segue-se ento uma falta de diferenciao, pois o sujeito s se afirmar quando, posteriormente, coordenar livremente suas aes e o
51
objeto s se constituir ao submeter-se ou ao resistir s coordenaes de movimentos ou de posies num sistema coerente. Por outro lado, como cada ao ainda forma um todo isolvel, sua nica referncia comum e constante s pode ser o prprio corpo, da uma centrao automtica sobre ele, embora nem deliberada nem consciente. (p. 10)
Por conseguinte, neste perodo so as coordenaes graduais que formam
ligaes por meio de assimilaes recprocas, capazes de unir aes at ento
separadas, para estabelecer o sujeito como fonte das aes com condutas
inteligentes. Da mesma forma, a coordenao das aes possibilita coordenar os
deslocamentos a que so submetidos os objetos. Estes, por sua vez, possibilitam
conferir posies e relaes espao-temporais que apresentam constncia, mas
tambm espacializao e objetivao das relaes causais entre sujeito e objeto.
Tanto que essa diferenciao promove a constituio de uma perspectiva do
sujeito enquanto objeto entre os demais com que troca relaes. O autor conclui
que ao se chegar ao mximo da descentrao de si e das coordenaes de
ordem espao-temporal e causal torna-se possvel ao sujeito chegar capacidade
representativa e, portanto, ao pensamento (Piaget, 1970/2002) sem, contudo criar
conceitos. Sendo assim, esperado o desenvolvimento das seguintes noes
nesse perodo: objeto permanente; de espao, tempo e causalidade.
O conhecimento prtico ainda utilizado para originar estruturas e
esquemas que usam a funo simblica (representao e linguagem) no perodo
pr-operatrio. Isso porque a capacidade de simbolizar objetos fornece uma
representao interiorizada, apta para reconstituir aes pregressas, bem como
antecipar aes futuras em forma de narrativas e imagens mentais (Piaget,
1964/1978). No entanto, Piaget (1970/2002) afirma que uma conceituao leva a
construes parciais e atrasadas pelo processo de tomada de conscincia. Por
52
outro lado, considera que medida que a capacidade de representao coordena
as aes sucessivas envolvendo