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EDITORIAL
Caros colegas,
Encontramos nesta edição o resumo do encontro promovido pela
Seção Pedagógica no Goetheanum em novembro de 2005, a fim de
criar uma imagem dos desafios da Pedagogia no século XXI. O profes-
sor Claus-Peter Röh conseguiu contextualizar, de forma nítida, os pro-
blemas da atualidade em sua palestra “Conseguimos visualizar a cri-
ança do século XXI?”. No encontro, diversos palestrantes represen-
taram todos os departamentos da Seção Pedagógica do Goetheanum,
direta ou indiretamente.
Transcrevemos os conteúdos da última revista Erziehungskunst
– Arte da Educação, que deu continuidade a um importante tema: o
desenvolvimento da criança pequena e sua formação neurológica, rela-
cionados ao brincar e à aprendizagem da criança pequena e da criança
maior. Estes temas apresentam estudos e pesquisas que nos fornecem
dois aspectos valiosos: resultados de pesquisas que, por um lado, com-
provam o que acontece no desenvolvimento neurológico do ser huma-
no, e, por outro, confirmam as orientações dadas por Rudolf Steiner aos
educadores a respeito do desenvolvimento neurológico da criança.
Segue também a continuação do artigo de Van James, do Havaí,
que desenvolve suas observações em relação ao ensino da Arte.
No dia 16 de setembro, o grupo coordenador do II Congresso
Brasil de Pedagogia Waldorf se reuniu para estudar, entre outros as-
suntos, o local, o programa etc. Oportunamente seguirão maiores deta-
lhes.N
o próximo Periódico transcreveremos os estudos do Círculo de
Haia e a conclusão do tema a ser trabalhado no Congresso Pedagógico
Mundial da Páscoa em 2008.
Cordialmente,
A Coordenação do Periódico
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Publicações da FEWB
Pedagogia Waldorf – Periódico: assuntos diversos e atuais
sobre a Pedagogia Waldorf no Brasil e no mundo. Números
atrasados: 1 a 28.
Apostilas e brochuras:
Álgebra para 7° e 8° ano, de Arnold Bernhard/ Química do 7° ano,
de Manfred von Mackensen/ Química do 8° ano, de Manfred von
Mackensen/ Física do 6° ano, de Manfred von Mackensen/ Física
do 7° ano, de Manfred von Mackensen/ Física do 8° ano, de Manfred
von Mackensen/ Geometria para 4° e 5° ano, de Ernst Schubert/
Ritmos do Aprender, de Kurl Vierl/ O Conhecimento, o Ensino e a
Morte dos Mistérios: Introdução ao Desenvolvimento Infantil, de
Dennis Klocek
Mais informações na FEWB: (11) 5524-0473
- O Ser Humano e os Reinos da Natureza, de
Reinhold Gabert
- O Ser Humano em Devir – Aprofundamento
Meditativo do Educador, de Jörgen Smit
Obras de Rudolf Steiner:
-A Metodologia do Ensino e as Condições
da Vida do Educar (GA 308)
-A Arte de Educar Baseada na
Compreensão do Ser Humano (GA 311)
-Curso de Pedagogia Curativa (GA 317)
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ENCONTRO DOS REPRESENTANTES MUNDIAIS
DAS ORGANIZAÇÕES DE PEDAGOGIA WALDORF
Organização: Seção Pedagógica do Goetheanum
Tema: Quais são os desafios futuros da Pedagogia Waldorf?
Data: 24 a 27 de novembro de 2005
CONSEGUIMOS VISUALIZAR
A CRIANÇA DO SÉCULO XXI?
Palestrante: Klaus Peter Röh
Lema: Os pais vêm para escola pela mão da criança.
A situação atual tem uma coloração diferente: os professores
são levados pelas mãos das crianças. São elas que nos apresentam
o que precisam, de quê elas necessitam.
O que torna a escola Waldorf atrativa para elas? Eis a grande
questão!Em
todos os lugares, do norte ao sul da Europa, existem boas
escolas livres concorrentes, preocupadas em melhorar seu método para
atrair os alunos. Há boas escolas de línguas com métodos aprovados na
Dinamarca. As escolas nunca tiveram tantos meios financeiros à sua
disposição, como hoje. O que faz de nós, escolas Waldorf, atraentes?
A escola Waldorf precisa definitivamente se tornar uma escola
Waldorf! Precisa ler e se orientar na pedagogia!
[Em seguida o palestrante apresentou observações do dia a dia
dos alunos que fogem do “normal”]
1 a observação:
Na primeira reunião de pais, o professor se deparou com a situa-
ção de uma aluna sendo representada por quatro adultos: a mãe com o
novo parceiro e o pai com a nova parceira. Nos meses anteriores esses
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artes de Christchurch, que serão
carregados e sustentados pela
coluna tonal. Deixem, e então, que
a vibração se expanda sobre toda
a ilha sul, e depois sobre toda a
Nova Zelândia.
Por hoje isto já é muito. Por
favor, não se sintam estranhos ao
fazê-lo; isto não é uma experiên-
cia científica. Também não é um
ritual religioso, nem uma medita-
ção grupal – mesmo que, segu-
ramente, elementos dos âmbitos
da ciência, da religião, dos conhe-
cimentos e da fé tenham um papel nesta vivência... Não, nós apenas
praticamos arte!
Nas cartas de Schiller sobre A Educação Estética do Ser Hu-
mano, ele diz que a educação estética da humanidade está na arte de
brincar. Entre a forma e a obrigação da ciência, de um lado, e, do outro,
a essência e a liberdade da religião, está a arte, cuja natureza se mani-
festa através da brincadeira e da criatividade.
Iremos agora nos dedicar a um brincar sério. Agora vou me juntar
ao círculo exterior, e cada um escolherá um tom, que vai produzir. Mu-
dem ou variem o tom de acordo com o que percebem à sua volta. Nós
só pararemos quando tivermos a impressão de ter chegado a um final.
(continua no próximo número)
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dois casais tinham passado por três audiências com juízes, em que bri-
gavam pela guarda da criança. Este é um exemplo de uma escolha de
parentesco não mais ligada apenas pelo sangue, mas por opção. Esta é
uma situação nova para um professor. Os senhores podem imaginar o
efeito disto sobre a criança?
Do companheirismo podem vir os novos pais. Aqui nos depara-
mos com um primeiro novo conceito: relação de companheirismo.
2a
observação:
Assisti à aula do professor de música na classe do primeiro ano,
no último horário do dia, e percebi que ele saiu da sala totalmente esgo-
tado e suado.
É característico das crianças entre os cinco e doze anos de idade
viver entregues à imitação, à fantasia, à alegria pelo movimento. As
crianças têm um Eu periférico que se entrega, que ainda não está en-
carnado. O segundo novo conceito: O Eu periférico não pode ser
abordado de maneira pontual nesta idade.
3 aobservação: aula de ética e filosofia no 12º ano
Nessa idade o jovem se retrai, cria distanciamento e antipatia:
carrega tensões dentro de si e gera tensões na classe. No final de uma
aula, um aluno pediu a palavra, dizendo: “A primeira parte de sua aula
foi bastante boa, mas o senhor poderia, por favor, ser mais preciso
nesta segunda parte?”. Terceiro novo conceito: distanciamento e
antipatias geram a objetividade na observação.
[O palestrante falou que todo o decurso do primeiro ano foi bas-
tante tumultuado, que quase não pôde dar uma aula totalmente tranqüi-
la e que sua esperança era a de ter, no segundo ano, a classe nas mãos.
Ao mesmo tempo, esperava que a “essência dourada” da primeira in-
fância ainda permearia o segundo ano. O que constatou foi que o Eu
periférico se apresentou bastante pontual, acordado – um Eu refletivo.]
42história e criam um drama colorido. Dança e escultura também estão
relacionados entre si, uma vez que a dança representa uma forma mó-
vel e modelada enquanto a escultura fixa e prende movimentos rítmi-
cos. As seis artes estão unidas por uma sétima forma artística, que
iremos observar amanhã.
Façamos agora algo com estas artes. Gostaria de pedir para que
formemos alguns círculos concêntricos segurando as mãos de nossos
vizinhos. Façamos círculos em torno de um centro, lá embaixo, no sa-
lão. Eu sugiro que o comitê de organização desta conferência forme o
círculo central. O próximo círculo pode ser formado pelas pessoas de
Christchurch. Formem esses círculos próximos uns dos outros e dêem
as mãos – mão esquerda com palma para cima e mão direita com a
palma da mão para baixo, na posição de receber / dar, como a vemos
na figura principal da ceia de Leonardo da Vinci.
Assim que formarmos os quatro círculos e darmos as mãos, fe-
charemos os nossos olhos e emitiremos um som através do telhado e do
chão, como uma corrente suave e luminosa, como uma coluna vibrante.
Será uma coluna invisível de som, uma coluna de sustentação. Inicial-
mente deixaremos que o som vibre para cima. Em seguida, faremos
com que vibre para baixo, numa estrutura tonal concêntrica. Iremos
chamá-la de “coluna tonal para auxiliar as artes” (Fig.2), aqui na escola
Rudolf Steiner em Christchurch. Imaginem o potencial, para todas as
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4 Exemplos:
1) Glenn, uma menina de seis anos, no primeiro ano, disse à sua
mãe, que estava desesperada por não poder ir à audiência pela guarda
da filha por causa de um forte resfriado:
– Ah, mãe, eu acabei de falar com o teu anjo. Amanhã você vai
estar bem. Você tem alergia a pensamentos ruins.
2) Um menino dessa mesma classe disse:
– Aquilo com a Glenn eu não entendo. Ela é contraditória. O que
ela diz não combina com que ela faz.
3) Na classe há duas crianças adotadas. Surgiu a pergunta:
– É verdade que fulano e beltrano são adotados, e que não são os
próprios filhos? Então são “Pflegekinder” (crianças a serem cuida-
das). O
s exemplos acima demonstraram que as forças de antipatia no
âmbito do pensamento acordaram muito cedo nestas crianças.
Querer
Pensar
Simpatia
Antipatia
Movimento
Memória
Pensamento imaginativo
Pensamento conceitual
Quando olhamos para estes conceitos da Antropologia Geral,
vemos que essas crianças da minha primeira classe despertaram cedo
demais para o pensar conceitual. Elas têm saudade, e anseiam por can-
to rítmico e pintura. Nunca faltam a essas aulas. Têm saudades de
serem libertadas desse pensar tão prematuro para o qual ainda não
estão maduras.
Precisamos, como professores, recriar o equi-
líbrio entre o ponto e a periferia. Essas crianças
passam rápido demais de um estado para o outro.
Por exemplo: atrás do palco, nos bastidores, as cri-
anças falam sem parar. Porém, no palco, apresen-
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palavras e frases. Isso acontece muitas vezes em uma fração de se-
gundo. De fato, somos artistas visuais.
Imaginem-se vivendo em harmonia com a natureza, num estado
que Owen Barfield relaciona à era paleolítica e chama de “participação
original”. Vocês são conduzidos a uma caverna por um membro mais
velho da tribo e solicitados a pegar do chão uma substância mineral,
mastigá-la e misturá-la com a sua saliva. Depois deverão cuspir esse
pigmento sobre e em volta de sua mão apoiada na parede de pedra. Ao
fazê-lo, vocês se tornam conscientes de sua mão estendida, coberta de
cor, e de como terminam os seus dedos no fim da mão. Esta é a primei-
ra vez que percebem este fenômeno: que sua mão acaba na ponta dos
dedos. Vocês obterão a consciência das forças vitais vivas de sua mão
e verão a imagem separada da sua mão na parede de pedra. Essa
imagem os ajudará a fixar uma imagem interna. Mil anos mais tarde, a
humanidade finalmente desenvolve a capacidade de formar conceitos.
Até hoje a imagem das mãos faz parte dos ritos de iniciação dos povos
primitivos da Austrália.
Práticas artísticas eram o meio através do qual foram desenvolvi-
das capacidades e verdadeiros valores. Hoje não sabemos para que
serve a arte, mas ela ainda nos toca e nos forma. Precisamos desenvol-
ver uma compreensão pela arte e encontrar, ou melhor, estabelecer o
seu novo significado no mundo. No século XV teve início a arte tal
como nós conhecemos. Nos anos 60 do século XX, a arte, no sentido
mais tradicional, acabou. De lá para cá surgiram a pop art, a arte
conceitual e tudo mais. Atualmente, a arte depende da intenção (do
artista).O
que é arte hoje?
As sete artes
A música pode ser comparada à arquitetura, pois música é uma
estrutura invisível que flui. Ela é como uma arquitetura estética móvel.
Schiller, certa vez, disse: “A arquitetura é música congelada”. O drama
pinta uma imagem móvel, enquanto as imagens pintadas contam uma
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tam-se como uma obra de arte. Após a apresentação, voltam ao estado
de tagarelice ininterrupta.
Se o equilíbrio não for conseguido, permanece o estado de sauda-
de. A libertação é alcançada quando realmente conseguimos fazer com
que a criança se ligue totalmente à atividade, como, por exemplo, à
pintura, ao canto ou ouvir histórias. Quando narramos histórias, perce-
bemos como elas se libertam desse peso, que é seu pensamento.
Até pouco tempo atrás, os jovens do 12º ano escolar tinham con-
quistado um pensar bastante claro. Hoje, porém, a situação é diferente:
continuam mantendo uma grande abertura para a periferia, o que é
próprio da criança até os 12 anos de idade, e não querem ainda exerci-
tar o pensamento claro, isto é, se comprometer com decisões.
Os jovens dessa idade continuam tendo saudades da proximida-
de e do aconchego (longing to be sheltered), motivados pelo frio
pensamental do mundo.
Podemos observar que a situação sadia aparece, hoje, invertida:
1- Crianças pequenas precoces, acordadas prematuramente.
2- Jovens imaturos, carentes de aconchego.
Tudo isso me preocupa profundamente. O que podemos fazer?
Na escola Waldorf, hoje, precisamos de professores que se apro-
ximem fisicamente das crianças pequenas: que as toquem, as acarinhem,
peguem-nas no colo e as coloquem em seus ombros ao menos uma vez
por dia – como antídoto contra o comportamento imaturo dos jovens.
Segundo Rudolf Steiner, “(...) o professor deve ter em seu ponto
de consciência todo o âmbito periférico, e deve abarcar o mundo pleno
de entrega. Isto significa cultivar em si a capacidade imaginativa plena
e consciente”.
Mais um exemplo de capacidade pensamental precoce do 1 o ano:
depois da quarta semana de aula, nas quais o professor não pôde dar
aula como planejara, ele teve de chamar a atenção de um aluno:
– O que você faz leva a brigas. Já vimos isso ontem!
O menino respondeu:
– Sr. Röh, eu acho que o senhor precisa de meio ano de férias!
40usadas como forças de representação, e que tais forças, no final, se
transformarão em forças de inteligência consciente. Há uma relação
entre crescimento, representação ou força de fantasia (criatividade) e
inteligência.
Quando perguntamos: “Quem de vocês sabe desenhar?”, “Quem
de vocês sabe cantar?” ou “Quem de vocês sabe dançar?”, todas as
crianças do jardim-de-infância levantarão as mãos (segundo a obser-
vação de Pablo Picasso, toda criança é um artista). Surge, então, a
pergunta: como podemos continuar a ser artistas ao nos tornarmos adul-
tos? A arte é o sangue vital da alma da criança. Mas por que o adulto a
perde?
Arte visual
Permitam-me fazer uma experiência! Mencionarei três palavras
para expressar algo.
Reflitam, por favor, sobre cada palavra, e observem que senti-
mentos ou imagens cada uma dessas palavras suscita. Eu deixarei um
espaço de tempo entre cada uma das palavras, de modo que possam
observar as imagens interiores produzidas por cada uma delas:
liso verde pedra
[Os participantes foram questionados sobre suas impressões após
cada palavra]
Assim que uma palavra é expressa, surge em nós uma imagem. A
imagem de cada um é única, e se transforma com cada palavra. Essa
atividade transcorre em nós diariamente mil vezes quando constituímos
nossas próprias imagens interiores, muito individuais. Constantemente
“pintamos”, o dia todo, as nossas imagens interiores. Os sentimentos
cognitivos surgem de pronto como imagens, que são transformadas em
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No fim dessa aula, o aluno esperou que todos saíssem da classe e
foi perguntar, em particular, ao seu professor:
– Senhor Röh, é verdade que o senhor será o nosso professor nos
próximos oito anos, e é verdade que nós teremos de agüentá-lo pelos
próximos oito anos?
O professor ficou arrasado. Mas a noite trouxe a resposta. Na
manhã seguinte, o dito menino se aproximou do professor e disse:
– Eu estou satisfeito de o senhor ser o nosso professor!
Um outro aluno, Julian, preocupou o professor durante as férias
inteiras. Com um olhar vivo, ele vê tudo e repete prontamente o timbre
de voz e a maneira de falar do professor. Ele é altamente sensível e
capta o clima à sua volta, bem como o tom de voz do professor. Quan-
do abordado, responde:
– Você também fala forte.
Além dele, outros dez alunos na classe têm a mesma sensibilida-
de. Julian se tornou mestre do professor em controlar seu timbre de
voz. Ele é o professor do professor. Este precisa aprender a dominar a
sua fala em tudo o que diz. O aluno o interrompe constantemente com
suas interferências maciças. Provoca desassossego na classe. O que
causa esse comportamento?
O professor fez visitas à casa do aluno, que vive no campo. En-
controu um ser humano completamente feliz, ligado à terra. As mãos e
as unhas estavam sujas de terra, e, além disso, mostrou um grande
interesse pela mecânica. Passa no mínimo três horas por dia lidando
com máquinas agrícolas e compressores, entre outros. É o que justifica
vir à escola com unhas sujas. O seu olhar é voltado para o chão, encon-
trando e vendo tudo no chão da escola. O professor acha que só conse-
guiria trabalhar com ele, conquistá-lo, se mostrasse o seu interesse pela
mecânica e controlasse o timbre de sua própria voz. O aluno está bem
arraigado na terra, perdeu sua relação cósmica. Ele também fica agres-
sivo contra suas três irmãs mais velhas, que têm medo dele. O que
surpreende em Julian é esta contradição: de um lado, ter uma elevada
sensibilidade em relação ao timbre de voz e, do outro, ser tão terreno,
podendo até se tornar fortemente agressivo.
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que gostem, que respeitem e que lhes sejam importantes, com quem se
sintam emocionalmente ligadas. Tais pessoas podem realmente moti-
var o desenvolvimento espiritual, anímico e moral duradouro nas crian-
ças – ou, em linguagem técnica neurobiológica: a formação e a estabi-
lização de modelos altamente complexos na rede sináptica no lobo frontal
infantil.
Sobre os autores: Dr. Gerald Hünther (nascido em 1951) é pro-
fessor de neurobiologia na clínica psiquiátrica da Universidade
de Göttingen. Fez pesquisas de medicina experimental no insti-
tuto Max Planck, onde se dedicou a distúrbios do desenvolvi-
mento cerebral e modulações de sistemas monoaminóticos.
Dr. Karl Gebauer (nascido em 1939) estudou teologia evangéli-
ca e pedagogia. Durante 25 anos foi reitor da escola básica de
Leineberger - Göttingen. É colaborador do Ministério da Cultu-
ra da Baixa Saxônia, e está ativo na formação de aprofundamento
regional. Organiza anualmente, junto com o Dr. Hüther, o Con-
gresso de Göttingen para Educação e Questões de Formação. É
co-iniciador da rede www.win-future.de.
ARTE: DESPERTA A CONSCIÊNCIA,
HUMANIZA A SOCIEDADE
Segunda parte
Van James
Kia ora! Ontem falamos de como a arte precisa se tornar o san-
gue vital da nossa alma, de como a vivência da arte aviva o nosso ser e
de como, através dela, nos tornamos capazes de reagir diante do mun-
do.
Quando observamos as crianças pequenas, podemos ver que,
durante o seu desenvolvimento, as forças de crescimento libertas são
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Mas há crianças bem cósmicas na sala, com memória
inacreditável para as histórias – porém sem qualquer habilidade terrena.
Elas estão repletas de perguntas que vão além do nosso alcance. Lythian
é uma criança desse tipo, cósmica. Chora quando tem de ir ao dentista,
e conseqüentemente perderá a história ao fim da aula. À noite, conse-
gue fazer perguntas aos pais durante até uma hora sobre a evolução da
Terra e sobre o Big Bang, e, no ônibus escolar, discute com os alunos
do terceiro ano o Gênese. Leva a discussão sobre os dois fatos até
chegar a uma simbiose que a satisfaça.
As crianças trazem, a partir de si, essa forte corrente de confron-
to. Rudolf Steiner disse “Não cabe mais despejarmos os nosso conhe-
cimento para dentro das crianças, o que antigamente era necessário”.
As crianças de hoje já vêm instruídas, Só precisamos fazer aflorar o
que nelas já existe. Os deuses envolveram suas almas junto com os
seus corpos físicos. O professor percebe que Julian quer lhe dizer: “Se
você encontrar a chave para o meu Eu, eu te revelarei o porquê de eu
ser tão terreno”.
Crianças terrenas são dotadas de “super coragem”, e as outras
de “falta de coragem”. Os super corajosos, por exemplo, pulam de um
trampolim de três metros sem saber nadar. Além de sua supercoragem,
são verborrágicos – e isso já no primeiro ano. Os outros são discretos
ao se dirigir aos adultos e os corrigem (lhes dão instruções). São crian-
ças que têm o seu Eu já centrado no corpo, em vez de ainda ser perifé-
rico. Daí o perigo do descompasso entre o corpo e o Eu.
[O palestrante falou das “forças de futuro” (Zukunftskäfte), das
quais Rudolf Steiner fala em relação às crianças terrenas.]
Outro exemplo: nessa classe há uma criança diabética que, por
este motivo, já se encontrou entre a vida e a morte. Trata-se de uma
criança adotiva de mãe afro-alemã e o pai bósnio-italiano: pele morena
e cabelos crespos; corpo firme, endurecido (ou impermeável) – ou seja,
terrena. Seu sangue foi permeado por drogas antes do nascimento, pois
os pais biológicos são ambos dependentes químicos. Esta criança man-
tinha um comportamento tal que a mãe adotiva, não agüentando mais,
levou-a para conhecer sua mãe biológica, que estava numa clínica. Lá
a criança disse à mãe biológica:
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As capacidades de percepção, de avaliação e de decisão são im-
portantes estratégias de sobrevivência da atualidade. Quando tais pro-
cessos de filtragem não acontecem, as crianças ficam indefesas, ex-
postas à influência externa. A capacidade de estruturação não aconte-
ce, e com isso, no cérebro humano, não há estrutura interna para assi-
milar, da forma adequada, novas experiências.
Educar é uma tarefa de estruturação. As crianças aprendem a
conhecer através de múltiplas ofertas de estruturar principalmente suas
próprias capacidades e possibilidades, e percebem, assim, a sua auto-
atuação. Esta é a predisposição fundamental para a auto-motivação
em todo o processo da aprendizagem vindoura.
É tempo, em nossa sociedade, de salvar
o que funcionalmente não é justificável.
É tempo de defender as coisas
que não têm finalidade,
para o brincar, para a música, para as poesias,
para a oração, para o canto, para o silêncio,
para todas as qualidades poéticas do ser humano.
Elas não têm lobby e não trazem proveito,
Mas fortalecem a nossa alma.
Fulbert Steffensky
Quem quiser que as crianças, nesse espaço livre, façam exata-
mente as experiências que são especialmente importantes para a vida
em devir precisa tentar dirigir o interesse delas para a descoberta do
elemento lúdico, bem como provar dessas capacidades e dessa pronti-
dão. Para que os processos de desenvolvimento dêem certo, é preciso
que seres humanos entusiasmem as crianças com material variado, que
lhes ofereça variados estímulos. É preciso haver seres humanos que
disponham de mais experiência de vida do que as próprias crianças.
Crianças precisam, portanto, de exemplos de adultos cujos interesses,
capacidades, competências e postura possam orientá-las – mesmo (ou
justamente) no brincar. É preciso haver exemplos que considerem e de
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– Há algo estranho com você...
E, dirigindo-se para a mãe adotiva, disse:
– Agora eu sei porque estou com você!
Ela está na nossa escola desde o primeiro ano, e apresentava
muita impulsividade e mordia. Ela tem algo de enigmático. O professor
percebeu a sua personalidade. Ela ainda não se sente bem dentro de
sua corporalidade, entre o “estar fora” e o “estar dentro” dela. Ela fala
rapidamente, dá saltos ao desenvolver um assunto e faz pausas como
se repentinamente alguém estivesse falando com ela por detrás. A
mesma menina estava trepada numa árvore e um dos professores man-
dou-a descer, ao que ela respondeu:
– Quem é você para poder me dizer alguma coisa?
No bazar, o professor dela estava preparando a sala quando, de
repente, bateu à porta:
– Posso entrar?
Era ela, e o ajudou a preparar uma série de coisas. Ela então
recontou um conto árabe inteiro que ele havia contado anteriormente,
mantendo-se fiel ao clima do conto, ao vocabulário e ao ambiente em
que ele havia contado a história. Então eu soube que estava no caminho
certo em relação à forma de agir com ela.
O professor teve de se ausentar por três dias e um colega o subs-
tituiu. Ao voltar, o médico e o euritmista afirmaram que a classe estava
muito difícil, e que ela deveria ser recolocada. Podem imaginar o susto
que levei? Ou se luta dia após dia por esta criança ou, em quatro ou
cinco semanas, ela seria afastada!
Para podermos visualizar a criança do século 21 será necessário
desenvolvermos uma percepção, uma visão da relação do Eu da crian-
ça com o seu corpo. Teremos de estudar o ser humano e seu corpo. E
só o conseguiremos quando desenvolvermos um interesse do ser hu-
mano (EU) por outro ser humano (TU). Há uma discrepância entre a
força interior dos Eus mais fortalecidos em relação aos corpos físicos,
que se tornaram mais fracos, mais doentes ou mais endurecidos.
Sem arte não podemos exercer esta profissão.
37
ficientemente. Este é o problema de toda a motivação precoce: é como
um cortador de grama puxado sobre as peculiaridades individuais in-
fantis e o horizonte de suas experiências. “Cortar a grama
freqüentemente não a faz crescer mais”, diriam os indígenas se pudes-
sem nos observar cortando a grama ...
Se a própria criança e as pessoas à sua volta são os únicos que
realmente podem julgar acertadamente o grau de dificuldade de suas
tarefas e problemas, pode-se apenas promover o desenvolvimento da
criança criando-se um espaço com variadas ofertas interessantes e
dando-lhe uma grande margem de decisão sobre as ofertas a assumir.
A melhor forma de sucesso está no elemento lúdico e em todos os
processos criativos. Por este motivo, as crianças necessitam de espaço
e de tempo suficientes para brincar e estruturar. Crianças que têm aces-
so a tais espaços livres aprendem tudo o que lá se pode aprender.
O processo de educar, como tal, deve ser visto como um ato cri-
ativo. A arte de educar é um processo dialógico que, no mais tardar, se
inicia com o nascimento da criança. Já nos primeiros meses (desde que
o processo de comunicação seja alcançado) a criança evidencia que
ela própria desenrola um papel ativo. Uma criança se enxerga nos olhos
da mãe, e uma mãe enxerga o que provoca na sua criança. Educação
como arte significa também conter-se, espelhar-se no outro, ser um
espelho para outro; significa ver e permitir ser visto; significa falar e
ouvir, agir e reagir; significa movimentar de dentro para fora e vice-
versa.N
a arte, o ser humano se confronta de maneira impressionante
com o seu estado de vir a ser Homem e seu estado de ser humano. No
atuar criativo próprio e no atuar artístico dos outros vislumbramos o
mundo em que vivemos, e dessa forma alcançamos conhecimento so-
bre nós. A arte é a busca lúdica de soluções.
A atividade artística exige capacidade de percepção, e ajuda, ao
mesmo tempo, a diferenciá-la cada vez mais. No processo de assimila-
ção emocional do que percebemos permanentemente acontecem deci-
sões. O que não é importante é alijado, não tem lugar para ser armaze-
nado no cérebro infantil.
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[O professor palestrante sente profunda gratidão pelas forças que
nos amparam, que atuam por trás de nós na sala de aula quando ensina-
mos.]So
bre o autor: Klaus Peter Röh é professor do segundo ano e tem 22
alunos em uma escola nova, em Flennsburg, ao norte da Alemanha.
O SENSO ESTÉTICO E AS VIVÊNCIAS CORPORAIS
Dr.Peter Loebell
Moralidade, beleza e verdade
Sabemos que as crianças pequenas, e até mesmo as que estão
nos primeiros anos escolares, muitas vezes ainda imitam os adultos. As
palavras destes parecem ser a expressão da verdade inabalável, e, para
a criança pequena, a mentira inconsciente e a ironia estão fora de seu
alcance. No âmbito inconsciente de suas próprias almas pressupõem,
sem dúvida, moralidade nas ações dos adultos 1. Podemos afirmar que a
vontade própria da criança ressoa espontaneamente quando os adultos
são fisicamente ativos em sua presença. Mas a imitação se estende
também às reações anímicas, seja em relação à leveza e à alegria ou ao
esforço e ao medo do adulto. Nossos motivos internos e nossas atitudes
exteriores serão imitados como se não houvesse dúvida em relação à
moralidade dos mesmos. A bondade, assim formulou Rudolf Steiner, é
por nós percebida através do nosso ser anímico, o “corpo de percep-
ção” ou o “corpo astral”
2. E essa parte do ser humano ainda é comple-
tamente inconsciente na criança pequena, e está bem intimamente re-
lacionada com o corpo físico, bem como com as forças vitais, as do
crescimento e as da estruturação.
1. Steiner, Rudolf. Arte de Educar como Base para uma Pedagogia I. 14. conferência,
GA 293, Dornach.
2. Steiner, Rudolf. Conhecimento Vivo da Natureza, A Queda no Pecado Intelectual
e a Absolvição do Pecado Espiritual. Conferências em Dornach 1923, GA 220.
36nhos, desde que não os interrompamos constantemente (tomando-lhes
os espaços para brincar, necessários para a aprendizagem e para a
execução dessas capacidades), quando têm a oportunidade de obser-
var um outro gato que já domina a caça ao camundongo. O mesmo
acontece com os mamíferos que possuem um cérebro cuja estrutura
interior final, necessária para atender a cada atividade específica, é
formada, segundo a necessidade de uso, durante a primeira infância.
As crianças precisam aprender quase tudo de que necessitam
para a vida futura através da própria experiência. Tais vivências são
ancoradas firmemente em seus cérebros formando determinados mo-
delos de redes sinápticas. Uma criança faz uma nova experiência mais
facilmente quando tem um problema; é quando repentinamente perce-
be (ou copia de outros) como é possível solucioná-lo. Assim, a
autoconfiança (e a confiança, portanto o respeito e a ligação com ou-
tros) é firmada, e a coragem para dar conta de novas tarefas um pouco
mais complicadas é reforçada.
Tudo isso, porém, só acontece quando os problemas não são pe-
quenos demais (e, portanto, tediosos e desinteressantes), ou quando
são demasiadamente grandes (sobrecarregando de forma desmesura-
da). No primeiro caso a criança nada acrescenta ao seu aprendizado,
“nada provoca satisfação e alegria”. Tais crianças ou perdem a sua
curiosidade e o seu entusiasmo demasiadamente rápido ou, se não que-
rem abrir mão de ambos, se voltam para outras coisas (elas “incomo-
dam” e “fazem bobagens”). No segundo caso – quando problemas,
exigências e expectativas vão além das capacidades das crianças –,
ficam com medo. Esse medo leva ao cérebro uma corrente de reações
que impede a aprendizagem de coisas novas, desestabiliza o que já
aprendeu e joga a criança de volta para o que desenvolveu muito cedo:
estratégias comportamentais bem simples (regressão). O significado
de pouco desafio ou de sobrecarga tem de ser desenvolvido para cada
criança e a cada situação. Neste caso, o processo de comunicação
entre a criança e as pessoas de sua confiança tem papel relevante e
decisivo. Pessoas mais afastadas não têm noção do que se passa com
uma criança em relação a determinada situação. Muito freqüentemente,
a criança evidencia aquilo que é esperado dela com o excesso ou insu-
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Acompanhando uma outra indicação de Steiner, as crianças entre
os 7 e os 14 anos de vida têm como precondição a beleza, a estética do
mundo, da mesma forma como antes tinham a moralidade. Nos primei-
ros sete ou oito anos escolares, as crianças vêm apresentando uma
disposição elementar de se abrir, com todos os sentidos, para a
multiplicidade dos fenômenos do mundo. A alegria pelas imagens boni-
tas, melodias e movimentos harmoniosos podem levar a fortes impulsos
de autoconhecimento, e também de aprendizagem orientada.
Existem inúmeras ofertas refinadas que tentam constantemente
seduzir as crianças: imagens transmitidas pelos meios de comunicação
de massa – tais como revistas e filmes – ou jogos de computadores
perfeitamente elaborados, que continuamente ocupam as forças de re-
presentação das crianças – que, por sua vez, dificilmente se contra-
põem a essa inundação. Apesar de o senso estético surgir mais consci-
entemente do que a força de imitação do primeiro setênio, os jovens
seres humanos ainda não conseguem desenvolver um julgamento pró-
prio capaz de se contrapor a essa onda de imagens. Por esta razão, as
imagens grotescas e distorcidas de animais e seres humanos tornam-se
um cenário sempre presente, estampados nas roupas, malas escolares,
cadernos, copos etc.
Assim como percebemos a bondade interiormente, através do
nosso corpo anímico, percebemos a beleza através da atuação conjunta
das forças vitais e das forças formativas que, como “forças formativas”
ou “corpo etérico”, permeiam o nosso corpo físico 3. Essas forças
formativas e vivificantes se emancipam do corpo físico por volta do
sétimo ano de vida, de maneira que as crianças com maturidade esco-
lar desenvolvem um senso elementar de forma do mesmo modo como
desenvolvem a base para contar, calcular, escrever e ler. É tarefa da
escola auxiliar essas forças, que acabaram de ser libertas, a encontrar
uma atividade que as promova e as desenvolva através de conteúdos e
métodos adequados. Igualmente importante seria colocar as bases do
sentido estético do ser humano em desenvolvimento.
3. Steiner, Rudolf. Conhecimento Vivo da Natureza, A Queda no Pecado Intelectual e
a Absolvição do Pecado Espiritual. Conferências em Dornach 1923, GA 220.
35
ada e durante um espaço de tempo muito mais prolongado – no cérebro
humano. As regiões em que, na tenra infância, se desenvolvem, de
maneira especialmente intensa, os contatos sinápticos, que esperam
por ser usados e estabilizados o mais completamente possível, obvia-
mente não estão no “centro cantante”, mas na periferia cerebral – e,
em especial, a parte frontal, que amadurece por último, o chamado lobo
frontal. Precisamos dessa região, particularmente típica do cérebro
humano, quando queremos fazer uma imagem de nós mesmos e da
nossa posição no mundo (conceito de auto-atuação); quando dirigimos
a nossa atenção a determinadas percepções, planejamos ações e ava-
liamos as conseqüências dessas ações (controle do impulso, motiva-
ção); quando nos colocamos no lugar de outras pessoas e desenvolve-
mos compaixão (capacidade de empatia, competência social e emocio-
nal).
As crianças necessitarão exatamente dessas capacidades mais
do que tudo quando, mais tarde, estiverem na escola e na vida, estive-
rem prontas para aprender, tiverem sede de saber e quiserem perma-
necer curiosas, e, junto com os outros, precisarem buscar soluções prá-
ticas. A rede sináptica, extremamente complicada, responsável por es-
sas capacidades cerebrais (especialmente no lobo frontal) não se esta-
biliza por si só; precisa ser formada e fixada – como no centro cantante
do pequeno rouxinol – pela experiência própria com base em exemplos
apropriados. Não é possível acelerar este processo ensinando às crian-
ças o quanto antes a leitura, a escrita, o cálculo, o inglês e a computa-
ção; é apenas possível criar ambientes e oportunidades para que as
crianças possam vivenciar a si próprias e experimentar muitos e dife-
rentes cantos de outros pássaros – ou seja, conhecer e aprender a
avaliar outras pessoas com suas múltiplas capacidades e habilidades.
Crianças necessitam de ambientes para brincar
Ninguém teria a idéria de treinar gatinhos para pegar camundon-
gos com programas de exercícios em que primeiramente devessem
ficar sentados, quietos e observar; em seguida, agarrar e segurar – e,
por fim, devorar um camundongo. Os gatos aprendem tudo isso sozi-
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A juventude se anuncia mediante mudanças físicas, bem como
mediante comportamentos típicos da puberdade, que dificultam bastan-
te ao jovem ser humano seguir o adulto sem restrições. Sentem-se,
nessa idade, compelidos a formar o próprio julgamento, e isto se
exterioriza, enquanto essa capacidade não estiver amadurecida, numa
atitude de contradição, de críticas e de discussões. Quem põe em dúvi-
da o que o adulto diz pressupõe que exista uma verdade da qual o adulto
se desviou.
Assim relata, por exemplo, uma estudante, em seu estágio em um
oitavo ano: um aluno refutou a afirmação do professor de que o Ho-
mem não descende do macaco. Em sua contraposição à suposta
inverdade, o aluno se exaltou a ponto de não suportar mais a presença
do adulto, e precisou deixar a classe sob protesto. Quem, nessa idade,
pressupõe implicitamente que a verdade constitua o mundo perceptível
pode vivenciar o seu ferimento como insuportável, como uma dor físi-
ca. Uma criança menor pressupõe, sem questionamento, a moralidade,
e, mais tarde, a beleza do mundo; o jovem o fará em relação à existên-
cia de um conhecimento, de uma verdade perceptível, que é a base de
todo e qualquer confronto. Ele pode apresentar os seus argumentos
com uma lógica venal, quase irrefutável para reforçar sua profunda
convicção.
A verdade é vivenciada como concludente e inabalável porque é,
segundo Steiner, percebida mediante o corpo físico e as forças que o
constituem. No nascimento do corpo físico, essa parte do ser humano
se separa de seu invólucro materno e traz à criança a vivência elemen-
tar de seu próprio ser. “É assim que o ser humano, mediante o senti-
mento que tem do seu corpo físico, tem, no mundo, o sentimento espiri-
tual de si próprio” 4. Tal percepção é, segundo a concepção de Steiner,
a base do sentido da verdade. A criança foi, aos poucos, permeando
seu corpo físico com a sua individualidade, como ferramenta para a sua
vida terrena. Mesmo assim, seu próprio corpo físico se torna estranho
para ele mesmo na puberdade. As mudanças hormonais – que se tor-
4. Steiner, Rudolf. Conhecimento Vivo da Natureza, A Queda no Pecado Intelectual e
a Absolvição do Pecado Espiritual. Conferências em Dornach 1923, GA 220.
34áreas específicas do cérebro numa seqüência temporal de trás (tronco
cerebral) para frente (bloco frontal), parece que cada uma das células
nervosas quer se conectar com outra através de tantos contatos quantos
forem possíveis (sinapses). Nesses períodos (no tronco cerebral antes
do nascimento; no lobo frontal por volta dos 3 a 6 anos) o número de
sinapses das células nervosas é maior que qualquer outro período pos-
terior da vida. Quando tudo estiver contatado e interligado entre si,
todos os contatos que não foram “usados”, isto é, que não foram fixa-
dos e estabilizados através de estímulos e uso correspondente, serão
retransformados e dissolvidos.
O que vale é a experiência própria
Uma estabilização de modelo de rede sináptica bem-sucedida pode
ser observada nitidamente no exemplo do desafio da formação do “centro
cantante” no cérebro das aves canoras. Nessa região surge uma enor-
me superoferta da rede sináptica quando pequenos pássaros – como,
por exemplo, um rouxinol – ainda estão nos ninhos. Enquanto o pai nas
proximidades do ninho gorjeia o seu trinado maravilhoso, uma
multiplicidade de sons, modelos de ativação complexos, surge no centro
cantante geral dos jovens pássaros. Quanto mais complexo o canto,
mais complexos se tornam esses modelos e tanto mais sinapses e com-
binações poderão ser “usadas” e estabilizadas. Quando o pai rouxinol
não tem vontade de cantar, quando é enxotado ou até caçado, tal rede
sináptica de formações no centro cantante de seus filhotes não se esta-
biliza.Se
pudéssemos olhar o processo de desenvolvimento do cérebro
humano antes do nascimento e durante a primeira infância, ficaríamos
fascinados. Poderíamos enxergar milhões e milhões de células nervo-
sas formadas pela divisão das células e ordenadas em montículos, como
que guiadas por uma mão invisível.
A maioria das “ofertas sinápticas” então perece, e no ano seguin-
te, com o que sobra, uma disputa de canto por uma linda noiva dificil-
mente poderá ser vencida. Esta é a “rede sináptica com estabilização
dependente do uso”, que acontece não apenas num centro cantante de
aves canoras em geral, mas também – de maneira muito mais acentu-
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12nam perceptíveis exteriormente, por exemplo, no cheiro do corpo e nas
impurezas da pele; o crescimento vigoroso que começa nas extremida-
des; os marcos estruturais específicos da sexualidade; o início da capa-
cidade de reprodução; a mudança de voz; a estruturação de uma
fisionomia individual – em muitas particularidades, o corpo se transfor-
ma tão profundamente que o jovem precisa aprender a conhecê-lo de
uma forma completamente nova e permeá-lo individualmente. Isto sig-
nifica também que o sentimento de si mesmo e o senso de verdade não
mais acontecem por si só; precisam antes ser novamente conquistados
através do esforço individual.
Quando acompanhamos essas reflexões, percebemos que não por
acaso, justamente no início da juventude, o reconhecimento da verdade
é defendido, possivelmente até o desespero, com extrema veemência.
Ao mesmo tempo, o jovem pode encontrar a moralidade que ele, quan-
do criança, aceitou sem questionar de maneira totalmente nova: na for-
ma de ideais que surgem para ele como imagens-guias para a própria
busca. Podem ser inalcançáveis, mas mesmo assim possuem uma for-
ça orientadora de grande obrigatoriedade. Por esta razão são obvia-
mente declaradas como norma também para os adultos à sua volta.
Destarte reconhecemos, no desenvolvimento do jovem ser huma-
no, três grandes fases, no decurso das quais os valores moralidade
(bondade), beleza e liberdade são experimentados, cada um de uma
forma especial.
* Primeiro setênio: antecede-o o nascimento físico; a verdade surge
com a certeza da corporalidade física assim como o sentimento de si
próprio; a moralidade se torna a força constituinte no mundo, sem
questionamento.
* Segundo setênio: começando com o “nascimento” das forças
formativas, a beleza é vivenciada como harmonia do seu próprio pro-
cesso vital interior e, ao mesmo tempo, como base para os fenômenos
do mundo exterior.
* Terceiro setênio: mediante a emancipação do ser anímico indivi-
dual (Steiner fala do “nascimento do corpo astral”) e o início da estra-
nheza de seu próprio corpo físico surge algo completamente novo: a
relação individualizada com os três valores básicos. Comparado com o
33
não correspondem às exigências. Existe o perigo de que, com isso, a
importância de uma relação emocional sustentável entre o professor e
seus alunos não seja considerada, ou o seja apenas perifericamente.
Seria importante considerar, em todos os métodos de ensino, que os
professores não somente dessem os estímulos para o conteúdo como
também oferecessem uma relação emocional como suporte.
Uma educação bem-sucedida tem como centro a segurança emo-
cional. Se esta não for dada, nenhuma atividade cheia de boas inten-
ções ajuda. Pode-se então preencher um país inteiro com grupos de
direção e enviar treinadores de métodos para, no final, se estar total-
mente sem saída.
Portanto, quando repetidamente recebemos alunos que já perde-
ram a curiosidade, sem espírito desbravador e sem alegria de aprender
(ou aqueles que, no decorrer dos primeiros anos, vão pouco a pouco
perdendo tudo isso), percebemos que já não se trata de desenvolver
algo, mas de corrigir algo. As crianças – e, como logo veremos, tam-
bém o cérebro delas – igualmente não são as causas desse fenômeno
que, infelizmente, é freqüente.
Cérebros infantis são abertos e passíveis de formação
Se pudéssemos olhar o processo de desenvolvimento do cérebro
humano antes do nascimento e durante a primeira infância, ficaríamos
fascinados. Poderíamos enxergar milhões e milhões de células nervo-
sas formadas pela divisão das células e ordenadas em montículos, como
que guiadas por uma mão invisível. Poderíamos reconhecer, a partir
dessa célula nervosa, o crescimento seqüencial de células que entram
em contato com outras células, e nós teríamos de enxergar que uma
parte considerável de tais células nervosas simplesmente morre e some
para sempre por não ter conseguido se integrar numa rede de nervos e
lá assumir uma determinada função. Em seguida, as células nervosas
remanescentes formam grêmios separados entre si, os núcleos de ori-
gem, e começam a se transformar cada vez mais em densas redes de
filamentos e prolongamentos, que se desenvolverão dentro desses dife-
rentes núcleos de origem. Durante esta fase, que se desenvolve nas
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primeiro setênio, surge uma inversão – pois agora a verdade se torna
exterior através do julgamento próprio, e é buscada nos fenômenos do
mundo enquanto despontam a bondade e a moralidade interior em for-
ma de ideais e imagens-guias, que dão direção.
O sentido corporal e o sentido de beleza
A percepção do corpo e a percepção do mundo
O julgamento estético se baseia primeiramente em uma percep-
ção sensorial. Já o reconhecimento visual de formas simples tem como
base uma atividade complexa, como mostra Christian Rittelmeyer em
seu livro sobre a percepção de construções escolares pelas crianças:
como o olhar é dirigido, por um lado, através das formas da construção,
e, por outro, também através do sentido de equilíbrio do observador. Ele
relata uma experiência em que foi mostrada a foto do átrio de uma
escola a diversas pessoas.
O teto do espaço é dominado por gigantescas vigas de concreto
que se dirigem, em diagonal, da esquerda, embaixo, para a direita, em
cima. Nesta direção é possível reconhecer diversas janelas e a porta de
entrada. Aparentemente sobre
esse átrio fica um salão com
fileiras de assentos que vão su-
bindo. Enquanto as pessoas
observam a foto, elas têm a
tarefa de segurar um bastão
exatamente na horizontal, sem
poder enxergá-lo ao executar
a tarefa. Evidenciou-se que as
inclinações em relação à ho-
rizontal exata estavam relacionadas com a percepção estética relatada
pelos observadores:
* “Se o átrio apresentado fosse julgado aconchegante, havia a
tendência de movimentar o bastão contra a inclinação do teto, portanto
(...) a esquerda mais alta do que a direita.”
32no nunca mais será tão curioso e aberto, tão capaz de aprender e tão
criativo, tão grande descobridor e imitador como durante a fase de sua
tenra infância. O que é, então, que ainda precisa ser estimulado? Não
se trata muito mais de evitar que esse tesouro, que todas as crianças
pequenas possuem, se perca rápido demais; que, na pequena e delicada
planta, se atrofie toda a sede de saber e toda a alegria de descobrir
antes de entrar na escola? “Puxar a grama não a faz crescer mais
rápido”, diz um antigo ditado indígena, e o conhecimento de que quanto
mais se puxa uma plantinha delicada mais ela atrofia provavelmente já
faz parte do conhecimento universal da maioria das crianças de sete
anos. Parece que os responsáveis pela educação não sabem que a
pressa exacerbada de ensinar pode suprimir a alegria do aprendizado e
a motivação das crianças tanto quanto o desinteresse e a negligência.
Quem exige e faz pressão destrói a confiança tanto quanto quem não
cuida dos problemas das crianças confiadas a ele.
Muitas crianças sofrem com o fato de, em sua vida, não terem
uma relação emocional suficiente que lhes dê um sentimento de prote-
ção 3. No entanto, relacionamentos emocionais estáveis, ligados, no mí-
nimo, a uma pessoa, são condições para um desenvolvimento sadio. Se
essa premissa não se realizar na família, tarefas especiais caberão às
educadoras, aos professores e às professoras.
Tais relações não só foram desenvolvidas no Estudo PISA (PISA-
studie) como também nos atuais estudos Shell - Estudo dos Jovens
(Shell-Jugendstudie)
4. Surgem sérias dúvidas acerca do reconhecimento
e respeito para com tais estudos por parte dos políticos educacionais,
responsáveis pela tão necessária reforma educacional. Na discussão
sobre uma reforma escolar, estão atualmente, em primeiro plano, os
seguintes tópicos: melhorar o diagnóstico, o método de ensino, a avalia-
ção interna e externa e a instalação de programas de treinamento.
Ao contrário do que se afirma, cresce a pressão sobre os alunos.
Essa pressão pelo rendimento aumenta a desqualificação daqueles que
3. Gebauer, K./ Hüther, G.: Crianças Necessitam Ter Raízes: novas perspectivas
para o desenvolvimento. Düsseldorf / Zurique, 2001
4. Shell alemã (compilação): Juventude 2002, Frankfurt 2002.
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* “Julgando o átrio como não aconchegante ou neutro, havia a
tendência de orientar o bastão na direção da inclinação do teto, portan-
to (...) a direita mais alta do que a esquerda”.
5
Rittelmeyer mostra que a percepção visual de construções esco-
lares provoca igualmente percepções nos sentidos do equilíbrio, do
movimento próprio, do tato e do sentido vital que, aparentemente, exer-
cem uma forte influência sobre o bem-estar do observador. A “beleza”
de uma construção, percebida subjetivamente, provavelmente está, por-
tanto, numa estreita relação com a percepção do próprio corpo, que é,
ao mesmo tempo, modificada pela impressão visual. Com isso, parece
que, para o julgamento estético, é de elevada importância a percepção
do próprio corpo.
O julgamento estético e o desenvolvimento do corpo
A metáfora de Rudolf Steiner do “nascimento do corpo etérico”
descreve um salto no desenvolvimento da criança de aproximadamente
sete anos, o que antigamente podia ser visto com relativa facilidade, por
exemplo, nos desenhos infantis típicos dessa idade. Quando uma crian-
ça na idade pré-escolar desenha determinados motivos, é possível re-
conhecer neles paralelos com o desenvolvimento da estrutura corporal:
* Enquanto na criança de dois anos e meio a três a fontanela
anterior se fecha e se transforma em sutura coronal (frontal),
5. Rittelmeyer, Christian. Construções de Escolas com Estruturações Positivas.
Wiesbaden, 1994.
31
Outras indicações bibliográficas:
Manfred Spitzer: Aprender: pesquisas do cérebro na escola da vida.
Spectrum, Editora Acadêmica, Heidelberg-Berlin, 2002.
Elisabeth Hennevin-Debois: Aprender no Sono, in “Memória”, Espectro
da Ciência (especial) Heidelberg, 2/2005.
Stefan Leber, entre outros: O Ritmo do Sono e da Vigília: seu significado
na idade infantil e na juventude. Editora Freies Geistesleben, Stuttgart, 1992.
O CÉREBRO INFANTIL DURANTE O BRINCAR
Dr.Gerald Hünther e Dr.Karl Gebauer
A baixa classificação (na Alemanha) dos alunos no exame do
Estudo-PISA
1 despertou os políticos da educação locais. Na busca pelas
causas da miséria na educação alemã, de repente despertou-se para
algo que há décadas era considerado terra de ninguém: a formação
pré-escolar nos lares, nos jardins-de-infância de dia inteiro (creches) e
outras instituições de atendimento a crianças pequenas. Segundo a ava-
liação geral, as crianças aqui são preparadas de maneira extremamen-
te ruim para aquilo que lhes sobrevém com a alfabetização: sentarem-
se quietos, concentração, falar e entender o alemão, solucionarem sozi-
nhas as pequenas tarefas e dominarem todas as demais obviedades
que Donata Elschenbroich 2 descreveu tão vivamente em seu livro O
Saber Universal da Criança de Sete Anos.
“Estímulo precoce” é uma das frases mágicas com as quais a
torre de Pisa será endireitada. Mas o que significa “estímulo precoce”,
e o quê, e como, deve ser estimulado nas crianças?
Os psicólogos do desenvolvimento descobriram, nos últimos anos,
o que muitos pais sempre souberam: numa idade posterior, o ser huma-
1. Baumert, J.et al.: PISA 2000. Competência Básica de Alunos na Comparação
Internacional. Opladen, 2001.
2. Elschenbroich, D.: O Conhecimento Universal da Criança de Sete Anos: como
crianças podem descobrir o mundo. Munique, 2001
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freqüentemente aparece nos seus desenhos, pela primeira vez, o círcu-
lo fechado. Ao mesmo tempo, muitas crianças passam a designar a si
próprias, a partir de então, pelo pronome pessoal “eu” em vez de usar o
seu próprio nome.
* Enquanto os corpos vertebrais e os arcos vertebrais se unem
para formar a estrutura óssea flexível da coluna, surgem freqüentemente
os assim chamados “homenzinhos de escada” como expressão pictóri-
ca obscura dos processos da própria estrutura corporal. 6
Na criança madura para a escolarização, tal atividade criativa se
distancia dos processos da própria estrutura corporal e se transforma
em atividade livre de representação. O desenho elementar de formas já
assume, no primeiro ano, essa força interna criadora de imagens trans-
formada. A atividade de estruturação a partir de então não estará mais
ligada aos processos do corpo físico. A fantasia infantil poderá, de ma-
neira múltipla e inesgotável, recriar desenhando as percepções exterio-
res e imagens interiores. Linha e superfície, forma e cor aparecerão
em suas possibilidades ilimitadas. Essa criatividade se baseia nas for-
ças formativas liberadas, cujas leis imanentes são ativamente desven-
dadas. Da mesma forma, a criança poderá vivenciar interiormente, na
fala e na música, as forças formativas do mundo exterior 7.
O sentido de beleza da criança escolar parece se basear na expe-
riência das forças formadoras e estruturantes do corpo. Apesar disso, o
julgamento estético do adulto ainda vale como parâmetro: o que o pro-
fessor denomina “belo” é reconhecido também como tal pela criança.
Às vezes as crianças do primeiro ano perguntam expressamente se os
seus desenhos são “bonitos”, e cobram energicamente a avaliação do
adulto. A emancipação das forças formativas aparentemente cria, nes-
sa primeira fase, novas possibilidades de ativação – mas a orientação
própria, interna, independente, ainda falta. Esse processo pode ser re-
conhecido nitidamente no sentido do ritmo, recém-desperto. As crian-
ças, pouco antes e depois da entrada na escola, amam as repetições
6. Rittelmeyer, Christian. Antropologia Pedagógica do Corpo: as predisposições
biológicas para a educação e o ensino. Weinheim, 2002.
7. Steiner, Rudolf. Antropologia Meditativa. Stuttgart 1920, GA 302 a.
30se pelas relações básicas existentes num confronto individual. O aluno
pode dar livre curso à sua fantasia e se confrontar com os conteúdos
pesquisando-os, e assim os interiorizando. Esta forma de aprendizagem
possibilita uma relação emocional com o tema, e a alma pode vibrar
junto. No sono, os conteúdos são vivenciados mais uma vez. Através
disso a formação da memória é reforçada.
Em uma palestra de 1921, Rudolf Steiner disse o seguinte:
“Quando as crianças vêm para a aula no dia seguinte, elas
têm as imagens na cabeça, sem saber, do que apresentei nas
experiências do dia anterior, do que [...] então repeti bem picto-
ricamente, de forma que tudo está na cabeça como imagem [...].
No dia seguinte, em forma de reflexão e de observação, posso
me estender mais sobre a experiência que apresentei e pura-
mente contei, [...] repetindo-a mais fantasiosamente. Detenho-
me, então, mais na observação do assunto. Desta forma vou ao
encontro da consciência das imagens que busco tornar consci-
entes”. 4
Depois da elaboração das leis segue-se a parte dos exercícios,
onde os alunos – por exemplo, em física – elaboram as fórmulas e as
leis a partir do exercício das tarefas, ou completando os trabalhos das
descrições das experiências e ilustrações no caderno de época. Essa
parte de exercício pode ser completada em casa, como tarefa.
Tal ajuda didática, que é praticada desde a fundação das escolas
Waldorf e que resulta da pesquisa da ciência espiritual de Rudolf Steiner,
hoje se encontra em concordância com os resultados dos conhecimen-
tos da neurociência.
Sobre o autor: Helmut Seul Nasceu no ano 1936. É professor do
Ensino Médio, engenheiro diplomado, MS, e desenvolve e pesquisa na
BBC, GE (USA) e na IBM. Desde 1973 é pedagogo Waldorf de matemá-
tica, física e tecnologia na Escola Livre de Kräherwald, Stuttgart.
4.Rudolf Steiner: O Conhecimento do Homem e a Estruturação do Ensin. Rudolf
Steiner Verlag, Dornach, 1971.
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16rítmicas em canções, versos e pequenos poemas. Estes criam um bem-
estar de confiança que serão degustados com a maior alegria. Nesta
idade, a memória rítmica supera em muito a capacidade de lembrar do
adulto. Poemas ritmicamente estruturados são decorados pelas crian-
ças com facilidade, brincando. Mesmo uma atividade aparentemente
tediosa como o contar é, muitas vezes, executada com grande dedica-
ção e perseverança. Mas apesar do prazer na atividade rítmica, ainda
falta às crianças, de pronto, a possibilidade de independentemente con-
trolarem e modularem o ritmo. Elas entram com facilidade no tempo da
fala e da música, mas a estruturação por conta própria ainda não é
possível. Se, por exemplo, o ritmo de uma canção conhecida é marcado
com palmas, muitas crianças associam o texto à melodia sem dificulda-
de. A improvisação de palavras e tons adequados exige-lhes, ao contrá-
rio, uma atividade própria de que ainda não são capazes.
A relação com o ritmo muda profundamente por volta dos 10 anos
de vida, quando respiração e pulso, pela primeira vez, alcançam a rela-
ção de 1:4 também à noite. A estrutura das forças formadoras é deno-
minada por Steiner “corpo temporal”, pois produz uma ordenação dinâ-
mica dos múltiplos processos rítmicos no corpo humano. Tal formação
de ritmos, que se movimentam se entrelaçando, ainda depende, no iní-
cio do período escolar, de claros hábitos externos. As atividades repeti-
das no decurso dos dias, das semanas, dos meses e dos anos são, para
o aluno do ensino fundamental, uma benfazeja ordenação. Mudanças
oportunas e surpresas avivam tais processos desde que as regularida-
des básicas permaneçam perceptíveis.
Quando uma criança com menos de 10 anos está agitada, as ba-
tidas cardíacas e a respiração podem se acelerar fortemente – fala-se
de “modulação da freqüência” dos ritmos. Isso se modifica fundamen-
talmente a partir do décimo ano. Unida a um crescimento exacerbado
do volume do pulmão, a respiração se torna mais profunda e, em vez de
ocorrer uma aceleração, a quantidade de ar em cada respiração au-
menta (“modulação da amplitude”). Ao mesmo tempo, a vida anímica
dos jovens também se modifica: os sentimentos os atingem interior-
mente de maneira mais forte, e isso se espelha nitidamente na percep-
ção estética deles. O julgamento do adulto perde a sua obrigatoriedade,
29
O ser humano, durante o sono, entra em contato com o seu gênio”. A
partir daí ele desenvolve impulsos para o próximo dia e para o futuro
A pedagogia de Steiner respeita a atuação do sono, entre outros,
na estruturação do ensino em épocas. Ela se distingue das outras peda-
gogias pelo ensino de uma mesma matéria durante três ou quatro se-
manas. Isso é normalmente realizado com as matérias cognitivas. Em
contrapartida está o ensino em aulas semanais que se estendem por
todo o ano escolar. O ensino em épocas não deve ser compreendido
como conteúdo fechado, mas como um conteúdo a ser desenvolvido
dia após dia. O fluxo do pensamento do dia anterior é a base do ensino
do dia seguinte. O ensino em épocas, portanto, permite que o aluno
permaneça no fluxo do ensino, que adentre mais profundamente na
matéria ensinada, que se una e que se envolva mais fortemente com a
mesma. Destarte podem ser despertados, de forma ampliada, o inte-
resse e a motivação. Isto, por sua vez, novamente contribui para o
fortalecimento da memória. Acrescenta-se ainda a possibilidade de
permanecer no mesmo fluxo de pensamento por um tempo mais pro-
longado, o que pode significar uma grande ajuda para alunos mais len-
tos.
Num espaço de tempo de 90 a 120 minutos da aula principal, é
inevitável uma estruturação bem clara. As atuações positivas da noite
são apoiadas pelo fato de que, ao final da aula, o tema do dia seguinte é
anunciado. Por exemplo: nas aulas de física ou de química as experiên-
cias acontecem no período acima descrito. De início serão apresenta-
dos os utensílios, e as experiências serão montadas e descritas
detalhadamente. Segue-se a isso a realização das experiências. Final-
mente, os resultados são fixados. Os alunos podem se concentrar total-
mente nas experiências. Elas são repassadas verbalmente sem o apoio
visual das experiências, e eventualmente um esquema ainda pode ser
desenhado na lousa. Os alunos descrevem as experiências vivenciadas
como tarefa de casa, como resumo em rascunho ou diretamente no
caderno de época. Segue, portanto, à tarde, um novo confronto com a
matéria vista.
As leis e as conclusões que resultam das experiências são inicial-
mente abertas, possibilitando assim despertar a curiosidade e o interes-
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e o gosto próprio é desenvolvido e anunciado para fora. Quando a sua
própria obra lhe parece imperfeita, a avaliação positiva do professor de
nada vale.
Na vivência consciente da estrutura temporal rítmica revela-se a
crescente emancipação do corpo das forças formativas (ou corpo
etérico). Com isso surge a base corporal para o desenvolvimento do
senso estético. Do outro lado anuncia-se, na vivência da respiração
interiorizada, o “nascimento” anímico, isto é, do corpo astral. A percep-
ção consciente de estruturas belas clama, por esta razão, pela necessi-
dade do julgamento estético próprio. O jovem não gostaria mais de ver
o seu gosto dependente da avaliação do professor. E, em especial, quando
se trata da avaliação da imensidão disponível em ofertas da mídia, as
opiniões dos colegas da mesma idade agora são consideravelmente mais
importantes.
A maior abertura possível para exemplos estéticos culturais do
presente está relacionada agora à busca do julgamento individual e a
uma orientação pelo gosto dos colegas da mesma idade. Surge, nesta
situação, uma nova e importante tarefa para a pedagogia. Discutir com
os nossos jovens sobre suas intenções de estruturação geralmente pou-
co ajuda. E isto é totalmente justificado quando eles se encontram dian-
te da tarefa de desenvolver uma capacidade de julgamento estético
própria. Oferece-se um caminho frutífero quando, nessa idade, se reto-
ma, no ensino, o múltiplo interesse dos jovens pelo mundo. Para isso se
presta especialmente muito bem, ao
lado de muitos outros conteúdos do
ensino da aula principal, a época de
botânica. Alguns elementos desta ma-
téria são abordados, tendo-se em vista
da formação do senso estético.
Um desenho de lousa poderia servir como introdução para o início
dessa época se nele for possível reconhecer a estruturação da planta e
ao mesmo tempo a relação com o meio-ambiente.
28transmissão desse entusiasmo para o aluno. Este, então, se ocupará e
se envolverá mais fortemente com os conteúdos, e assim efetivamente
aprenderá.
Para a pedagogia, disso resultam diversas conseqüências:
* A premissa de uma aprendizagem de sucesso é a produção da
atenção ao que deve ser aprendido. Quando a isso ainda se acrescen-
tarem emoções positivas, tanto melhor será.
* Os conteúdos da aprendizagem deveriam ser repetidos mais
vezes a fim de serem ancorados na memória por mais tempo. Isto pode
acontecer mediante repetições de diversas formas, tais como exemplos
interessantes e exercícios, ou através da apresentação de um mesmo
tema de diversas maneiras. Assim podem ser desenvolvidas capacida-
des e constituída uma visão de conjunto, o que possibilita lidar criativa-
mente com os conteúdos do saber.
* A aprendizagem precisa acontecer numa atmosfera sem medo
e cheia de amor.
* As experiências fortemente emocionais – por exemplo, com os
meios de comunicação de massa – prejudicam a aprendizagem.
* O sono deveria ser respeitado como auxílio à aprendizagem.
O sono como auxílio à aprendizagem
Em seus escritos e palestras, Rudolf Steiner sempre se debruçou
sobre o tema sono, apresentando o seu lado espiritual. Stefan Leber
apresentou nitidamente esta dimensão do sono em seu livro O Sono e
seu Significado
3. O que foi vivenciado durante o dia é, durante a noite,
novamente vivenciado. Através disso acontece o aprofundamento e a
interiorização do que se vivenciou durante o dia. “O plano de vida sur-
gido antes da encarnação [...]será, durante o sono, comparado o que se
sucedeu. O ser humano se mede. A instância de julgamento é um ser
superior ao ser humano, seu Eu superior (segundo Plutarco, o gênio que
paira sobre o ser humano; na cristandade, o anjo da guarda ou anjo do
Homem), com quem o ser humano, durante a noite, entra em contato.
3.Stefan Leber: O Sono e Seu Significado: dimensão científico-espiritual do inconsciente
e do superconsciente. Editora Freies Geistesleben, Stuttgart, 1996.
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18O senso estético através do ensino da botânica
O ponto de partida das épocas de ciências naturais é aquele que
realiza em si todos os elementos possíveis de cada reino da natureza,
conforme sua constituição. Assim, a zoologia no quarto ano começa
com uma consideração do ser humano, a fim de conquistar, a partir de
sua estruturação, as categorias para a compreensão do mundo animal.
No ano seguinte, a observação deveria partir de uma flor conhecida,
em que todas as partes essenciais – raiz, caule, folha, flor e frutos –
fossem nitidamente visíveis, mas em que nenhuma especialização se
sobressaísse fortemente. Para isso serve bem, por exemplo, o picante
ranúnculo. Um desenho na lousa poderia servir como introdução à épo-
ca se nele fosse reconhecível a estruturação da planta e, ao mesmo
tempo, a relação com o ambiente natural.
Na observação conjunta pode ser desenvolvida a característica
individual das partes:
* A raiz resistente, relativamente dura e ramificada, de coloração
marrom, que proporciona, debaixo da terra, uma sustentação segura e,
ao mesmo tempo, é capaz de assimilar a água e os minerais dissolvidos
dentro dela. Desta forma, a raiz constitui, no escuro subsolo, a ligação
entre a terra dura e água fluida.
* Na passagem para o âmbito acima da terra, o ser da planta se
expõe ao ar e, com isso, à luz. Evidentemente, sob essa influência surge
a coloração verde. Ao mesmo tempo surgem as formações opostas: o
caule, fortemente contraído, na direção vertical, em direção à luz, e a
expansão horizontal das folhas espalmadas. É possível reconhecer fa-
cilmente que as duas partes, portanto, estão relacionadas com o ar re-
pleto de luz, bem como, através do fluxo da seiva, com a água. Além
disso, torna-se visível o ritmo de contração (no caule) e de expansão
(na folha); assim surge um aspecto visual para a troca vivenciada inter-
namente na respiração, que justamente se inicia no 11º ano de vida
como suporte da vida anímica individual. Finalmente, as folhas do ra-
núnculo se prestam de forma especial mediante suas formas diferenci-
adas: próximas à terra, as folhas são principalmente arredondadas e
pouco cinzeladas; mais para cima, se tornam maiores e seus recortes
mais profundos; subindo ainda mais surge a impressão de que a força
27
determinadas áreas cerebrais foram ativadas mesmo antes de se reco-
nhecer o perigo conscientemente
2. Reage-se rapidamente ao ativar
aquilo que foi aprendido, mas em postura de defesa, preparando-se
para um perigo. Mesmo com medo de uma prova, as rotinas aprendidas
podem ser ativadas – mas quem faz a prova quase não está em condi-
ções de pensar livremente, e assim soluções que exigem criatividade
normalmente não são encontradas. Medo causa aprendizagem rápida;
é possível “enfiar” muito no aluno. Este aprendizado, porém, limita-se
essencialmente a dados e à formação de determinadas rotinas que pos-
sam ser ativadas rapidamente. A aprendizagem, porém, são interligações
de novos conteúdos com aquilo que já foi aprendido, a fim de fixá-lo na
memória. Só assim é possível aplicar livre e criativamente, em diversas
situações, o que foi aprendido.
As condições de uma aprendizagem criativa
O ser humano aprende em qualquer situação de sua vida. Ele não
pode se subtrair da aprendizagem – e este, especificamente, é o caso
das crianças e dos jovens. Eles querem vivenciar algo novo, descobrir o
mundo e resolver problemas. Isso faz parte do ser humano. O entrete-
nimento com jogos violentos no computador também leva a processos
de aprendizagem, apesar de serem inúteis ao dia a dia e destrutivos. O
professor não pode aliviar os seus alunos de terem de aprender; eles
têm de fazê-lo sozinhos. É tarefa do professor, porém, dar apoio ao
aluno. O “enfiar” através de medo, premiação, castigo e assim por
diante são meios exteriores que parcialmente conduzem à meta, limi-
tando o jovem ser humano. O professor, no entanto, deveria despertar
interesse, e isso só se consegue com entusiasmo pela matéria e com a
2.É possível mostrar que o cérebro, através da ativação da região correspondente, já
tinha se preparado mesmo antes da pessoa testada fazer a decisão conscientemente –
por exemplo, o movimento da mão em direção a um objeto. Aqui surge a questão da
liberdade da vontade do ser humano, que atualmente é questionada, com crítica, por
alguns especialistas da neurociência. Vide também Michael Kalisch: O Dragão
Retorcido em Nossas Cabeças e Ernst Michael Kranich: O Que Acontece em Nosso
Cérebro, in Goetheanum no.40 de 30/9/2005.
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vindo de fora prevalece, e assim as folhas perdem cada vez mais sua
substância até que finalmente apenas se vêem pequeninas tiras estrei-
tas.
* Quando observamos a planta, podemos acompanhar interna-
mente o seu crescimento. Percebemos que na ponta do broto surge
uma condensação e um engrossamento quando, mediante a influência
do calor solar, surge o botão da flor. Ao se abrir, finalmente tornam-se
visíveis as pétalas de um amarelo luminoso da corola como o segundo
invólucro interno da flor. Sabemos que muitas outras flores coloridas
podem exalar um perfume suave ou bem penetrante. As anteras, visí-
veis no interior, evidenciam o próximo passo na escala da transforma-
ção, “condensação e refinamento máximo” (Goethe). O pólen liberado
dá continuidade a mais um passo na escala da transformação, pois os
seus componentes estão condensados até o limite da visibilidade para,
por outro lado, se expandirem infinitamente no espaço aquecido e cheio
de ar que envolve a Terra. O estame – que, finalmente, bem no centro
da flor prepara o fruto com a sua disposição para a semente – já anun-
cia o surgimento do novo ser da planta individual.
Neste pequeno esquema torna-se claro o quê o desenvolvimento
da planta – em relação ao que, segundo uma concepção antiga, eram
os “quatro elementos” (terra, água, ar/luz e fogo) – deveria recriar
internamente. Sua beleza torna-se vivenciável não através de exaltação
sentimental, mas do olhar guiado pelo interesse. Assim as crianças trei-
nam o seu pensamento de forma intensa e, ao mesmo tempo, adequada
à sua faixa etária. A pergunta interna que desperta (“Por que tudo isso
acontece da forma observada?”) é respondida por si só, pelos proces-
sos, sem que se considere, de forma alguma, a finalidade: a planta é
considerada como expressão visível da atuação elementar entre a Ter-
ra e o Sol. Através disso aparece na entidade individual o jogo da per-
muta diferenciada dos opostos: cada planta é uma manifestação da
polaridade que tudo abrange, estruturada através dos sinais da própria
espécie e das condições especiais do lugar onde vive. Esta abordagem
não segue o paradigma oficial das ciências naturais, e ainda assim não
o contradiz de forma alguma. A vantagem deste método consiste em
não oferecer nenhuma “explicação” determinada, porém em embasar
26te. Muitas vezes nos lembramos de tais acontecimentos, às vezes
detalhadamente, durante a vida inteira.
Com a atenção aumentada, as respectivas estruturas cerebrais
são ativadas de forma especial, e assim surgem traços de memória
aprofundados que novamente resultam em uma melhor capacidade de
memória. Uma emoção demasiadamente forte pode, no entanto, se ex-
pressar de forma negativa na formação da memória. O rendimento da
memória aumenta primeiramente com o aumento das emoções, atinge
um ponto máximo aumentado pelo processo de emoção e cai nova-
mente (curva de Yerkes-Dodson).
Aprender sob influência negativa
O que acontece a um aluno que chega em casa após a aula, faz
seus deveres de casa e depois se entretém com temas que enaltecem
a violência? Emocionalmente excitado, ele dificilmente estará na condi-
ção de levar corretamente para o sono aquilo que assimilou na escola e
aquilo que exercitou em casa, pois as fortes emoções dominarão, du-
rante o sono, os conteúdos da aprendizagem – se não os apagarem
completamente. Se isso acontecer regularmente, o aluno assimilará
pouco dos conteúdos escolares.
A aprendizagem sob influências negativas pode ser pesquisada
quando, antes ou durante o aprendizado, expõem-se, por exemplo, figu-
ras amedrontadoras ou músicas correspondentes. Durante esse pro-
cesso uma determinada área no cérebro é ativada, o “centro do medo”
na adenóide (Mandelkern). Ao aprender sob o sentimento de medo, o
medo também é aprendido. Surgem fortes emoções negativas; o pulso,
a pressão arterial e a tensão muscular aumentam. As adenóides contri-
buem para que aprendamos muito rapidamente vivências desagradá-
veis, que, sob tais circunstâncias, podem ser registradas mais intensa-
mente. Esses conteúdos podem ser ativados rapidamente; ao recordar,
simultaneamente o centro do medo na adenóide será abordado. A pes-
soa reage de forma semelhante numa situação de perigo; as “estratégi-
as de sobrevivência” são executadas de pronto e, em parte,
subconscientemente. Foi possível mostrar que, em situações de perigo,
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20conceitos vivos, capazes de serem ampliados. Através disso, o pensar
da criança deve ser estimulado e preparado para a busca cada vez
mais intensa da verdade.
Através da observação do ser membrado da planta, as crianças
formam, sem articular conscientemente, uma contra-imagem natural
correspondente à estrutura física humana. Elas podem vivenciar que o
enraizamento na terra permeada de líquido corresponde à primeira fase
da biografia humana. A expansão da entidade da planta para a periferia
aparece como símbolo do período de desenvolvimento da criança esco-
lar; a individualização e a separação do jovem ser humano encontra sua
correspondência nos processos da floração e da frutificação. Sem que
isso seja falado, as crianças vivenciam, nessa forma de abordagem das
plantas, uma aproximação das formações da natureza que pode atuar
estimulando muito além do tempo escolar.
Mas também através de outros elementos da didática da botânica
pode-se sempre estabelecer a relação com o Homem, de forma que
essa matéria pode ajudar a criança a conhecer melhor o seu próprio ser
– até onde a imagem da planta o permite:
* No decurso do ano apresenta-se a imagem primordial, em uma
forma temporal rítmica, entre contração e expansão;
* Na seqüência das plantas, da mais baixa até a mais elevada,
pode-se espelhar o desenvolvimento do ser humano em seu curso de
vida;*
A estrutura das plantas pode ser considerada a expressão dos
gestos da alma a que correspondem os sentimentos humanos;
* Na época de nutricionismo, no sétimo ano escolar, é desenvol-
vida sistematicamente a importância das plantas na alimentação huma-
na;
* Através da assimilação do carbono, que é abordado no sétimo
ou oitavo ano escolar, aparece o ser da planta como complementação
da forma de vida do animal e do Homem.
Este procedimento didático se apóia no senso estético da criança
para embasar um sentimento de profunda ligação com a natureza, sem
qualquer apelo moral ou julgamento dos adultos, que limitariam o pen-
25
mória declarativa 1. Existe uma série de documentações indiretas para
isso, mas sua incontestabilidade por ora não é possível comprovar cien-
tificamente.
Mas é possível comprovar que, durante o descanso noturno, aquelas
áreas que durante a aprendizagem diurna estão ativas são novamente
ativadas. Seguramente, portanto, as experiências diurnas são novamente
trabalhadas durante a noite. Os conteúdos da memória diurna serão
periodicamente armazenados no hipocampo (do grego hippókampos,
‘cavalo marinho’), na margem inferior da periferia craniana, que pode
ser visto como a região para novos conteúdos (memória de curto pra-
zo). De lá serão transmitidos para memória de longo prazo na grande
periferia craniana (córtex cerebral). Aparentemente isso acontece duran-
te o sono, no mínimo parcialmente. Apenas algumas das nossas inúme-
ras impressões sensoriais, experiências e vivências ficam retidas. Elas
são como que filtradas por meio da memória de curto prazo e, especial-
mente durante a noite, através da memória de longo prazo. A maioria
será esquecida em pouco tempo. Apenas o “importante” será assimila-
do dentro da memória de longo prazo, e será acessível apenas quando
for renovado, seja através de vivências semelhantes ou de lembranças.
O esquecimento é indispensável para a memória, pois possibilita a assi-
milação de coisas novas.
As emoções e a memória
Pelo fato de dedicarmos a nossa atenção a uma coisa específica
temos dela uma consciência, e dessa coisa podemos nos recordar pos-
teriormente. A experiência mostra que acontecimentos e pensamentos
que estão relacionados com vivências especiais e com emoções são
aqueles guardados em primeiro lugar e da melhor forma, sejam o en-
contro com uma pessoa especial, sucessos importantes ou um aciden-
1.Jan Born/Ulrich Kraft: Aprendendo no Sono - Não é Sonho, é Espectro da Ciência,
Heidelberg, 11/2004
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samento do jovem ser humano em desenvolvimento. Desta forma, abre-
se um caminho concreto onde a beleza pode se tornar uma “tradutora
da verdade” 8. A reconquista do sentimento elementar de si próprio e a
busca da verdade tornam-se para o jovem ser humano, através do
estranhamento do corpo físico, um desafio importante. O caminho, atra-
vés da beleza, para a capacidade do próprio julgamento pode apoiar o
ensino na conquista dessa tarefa de desenvolvimento.
Sobre o autor: Dr. Peter Loebell, nascido em 1955, é sociólogo
diplomado e doutor em ciências educacionais. Foi professor de classe de
1985 até 1996. Desde então é docente da Escola Superior Livre de Stuttgart.
É casado e tem quatro filhos.
A APRENDIZAGEM E O SONO
Helmut Seul
Passamos um terço da nossa vida dormindo. A ação do sono na
aprendizagem há muito é considerada nas escolas livres de Pedagogia
Waldorf. Nos tempos mais recentes, a neurociência também reconhe-
ce a importância deste tema e alcançou conhecimentos fundamentais.
Mesmo sem este conhecimento, quase todos podemos falar de nossas
experiências. Quem já não vivenciou que, depois de acordar pela ma-
nhã, a solução de um problema estava, de repente, claramente diante
de seus olhos – algo que, talvez durante dias, fora tema de preocupa-
ção? A precondição é apenas que se tenha lutado pela solução do pro-
blema.A
ssim, o químico russo Dmitri Mendeleyev procurou, durante muito
tempo, por um princípio de ordenação dos elementos químicos. Uma
noite, exausto com a procura, adormeceu. Na manhã seguinte, a solu-
8. Steiner, Rudolf. As Forças de Atração e Forças Espirituais da Convivência de
Gerações de Velhos e de Jovens. 13 Conferências em Stuttgart, 1922 (GA 217).
24vés da memória processual. É reconhecido que capacidades físicas e
espirituais são armazenadas, tais como ler, escrever, tocar música, an-
dar de bicicleta e assim por diante – que, normalmente, nos são incons-
cientes. Todas as capacidades do ser humano devem ser conquistadas
através de treino intensivo. Iniciam-se na criança pequena, quando co-
meça a se erguer, a aprender a andar, a aprender a língua materna ou,
mais tarde, ao andar de bicicleta, de esqui, jogar bola ou tocar piano.
Isto se dá geralmente aos poucos, e é preciso repetir sempre. Tais
capacidades se desenvolvem no decorrer do tempo, ou seja, aprender
demanda tempo. Assim os traços de memória são fixados e
aprofundados. É por esta razão que algo novo sempre precisa estar
ligado a conteúdos já ancorados, que devem ser completados. Quanto
mais freqüentemente um conteúdo é trabalhado, tanto melhor ele per-
manece na memória. Exercitar e repetir, portanto, é uma conseqüência
necessária para a aprendizagem bem-sucedida. Uma vez aprendida, a
matéria pode ser ativada a qualquer momento – e, às vezes, um conteú-
do permanece durante a vida inteira. Nas atividades processuais não
fazemos uso da memória consciente. Imaginem se, ao andar, tivésse-
mos de pensar o que fazer a cada passo: como colocar o pé ou como
equilibrar o corpo!
A relação entre o sono e a memória processual está bem funda-
mentada. Capacidades que as pessoas que se dispuseram para fazer as
experiências adquiriam na parte da manhã, à tarde, depois de 8 a 12
horas, estavam quase totalmente desaparecidas. Depois do sono da
noite estavam novamente disponíveis – e até melhoradas. Mantendo as
pessoas acordadas durante a noite, as capacidades assimiladas esta-
vam praticamente perdidas na manhã seguinte, e também não puderam
ser melhoradas nas noites subseqüentes.
Não tão inequívocas são as relações na chamada memória decla-
rativa, acumulada pelo registro de fatos: vocábulos e datas, conceitos e
observações – portanto, lembranças que nos são conscientes. Também
aqui vale dizer que quanto mais freqüente e mais profundo, tanto me-
lhor. Segundo Jan Born e Ulrich Kraft, o sono também promove a me-
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22ção estava, como uma imagem, diante dele. Assim nasceu em 1869, a
tabela periódica.
Algo semelhantemente aconteceu com o químico Friedrich August
Kekulé von Stradonitz. Ele teria sonhado com uma serpente que mor-
dia sua própria cauda. Ele acordou e, como que atingido por um raio,
reconheceu uma estrutura anelar na molécula do benzol. Com isso criou
a base da química orgânica.
Nós sempre experimentamos a atuação saudável do sono sobre o
corpo e a alma. Acordamos de manhã e nos sentimos relaxados e chei-
os de energia – ao menos geralmente! Uma doença parece evaporar-
se. Incômodos ou problemas não resolvidos do dia anterior, com os
quais fomos dormir, recebem uma dimensão totalmente diferente: são
atenuados. Podemos encontrar uma visão mais objetiva das coisas, e
emoções são reavivadas. Desta forma, por exemplo, no serviço militar
e outros exércitos queixas só podem ser instauradas 24 horas depois de
cada processo. Assim, muitos problemas se resolvem por si.
Pesquisa de memória
Nathaniel Kleitman e seu aluno Eugene Aserinky da Universida-
de de Chicago corrigiram, em 1953, a visão de então de que o cérebro
pára a sua atividade durante o sono, e mostraram que o sono transcorre
em ciclos regulares. Assim alternam-se fases de movimentos rápidos
dos olhos sob as pálpebras fechadas, o chamado sono REM (Rapid
Eye Movement), e fases de sono profundo. Tais fases se repetem de 5
a 6 vezes por noite. O cérebro, nestas fases, especialmente na fase
REM, é altamente ativo. Seu consumo de energia, que durante o dia
totaliza por volta de 20% do gasto da energia do ser humano, é, à noite,
muito pouco reduzido, especi-
almente na fase REM.
Muitas experiências de
psicólogos e neurocientistas
comprovam que o sono de-
sempenha um papel importan-
te também na formação da
23
memória. A memória ainda hoje não pôde ser diretamente comprova-
da. Entretanto, através dos testes de memória em pessoas que dispuse-
ram a se submeter a medições indiretas com processos de imagens,
tais como a tomografia de emissora de positrons (TEP) e a tomografia
por ressonância magnética funcional (TRMf), puderam ser conquista-
dos conhecimentos importantes. As imagens computadorizadas dão in-
formações sobre as partes do cérebro em que acontecem atividades
reforçadas. Outras informações importan-
tes foram obtidas através de pacientes que
sofreram danos parciais no cérebro, bem
como daqueles cujo cérebro teve uma parte
retirada. Evidenciou-se que para determi-
nadas capacidades – por exemplo, enxer-
gar cores ou reconhecer figuras existentes
– há determinadas áreas no cérebro correspondentes, nas quais os
neurônios ficam especialmente ativos durante a execução de determi-
nadas tarefas. Sem elas, o ser humano perde a capacidade de distinguir
tais coisas. Sem, por exemplo, a região relacionada às cores, reconhe-
cem-se os objetos, porém sem cores. Tudo aparece em preto-e-bran-
co.
Todas as pesquisas mostram que as atividades espirituais são
acompanhadas de determinados processos que transcorrem no cére-
bro. A formação da memória e a aprendizagem são processos altamen-
te ativos, em cujo transcurso ocorrem diferenciações cérebrais que se
manifestam como traços de memória. Estes são formações vivas que
estão sujeitas a contínuas modificações. Os traços podem ser abranda-
dos, reforçados ou mudados. Novos traços de memória podem surgir.
Ao recordar, as mesmas áreas cerebrais ativadas na formação da me-
mória são reativadas.
Sono e formação de memória
Quase não há dúvida de que determinados processos de memória
não são possíveis sem o sono – por exemplo, aqueles que contribuem
para a memória de longo prazo. Isto é especialmente comprovado atra-
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